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VOLUME I Organizador: Filipe Lage de Sousa 1ª edição RIO DE JANE IRO – OUT UBRO DE 2 0 1 2 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES P R E SIDE NT E Luciano Coutinho VIC E - P R E SIDE N T E João Carlos Ferraz Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte. Esta publicação não pode ser comercializada. As publicações editadas pelo BNDES estão disponíveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais informações em www.bndes.gov.br/faleconosco. B661 BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012. v. 1: il. 384 p. Vários autores. ISBN: 978-85-87545-44-2 1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2. Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I. Sousa, Filipe Lage de (org.). CDD – 332.28 Av. República do Chile, 100 Rio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917 Central de Atendimento 0800 702 6337 Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873 S UM ÁR IO VOLUME 1 PREFÁCIO ................................................................................................................ 5 APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9 A ECONOMIA BRASILEIRA: CONQUISTAS DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO ........................................................................... 12 Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga, Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento COMPLEXO ELETRÔNICO: A EVOLUÇÃO RECENTE E OS DESAFIOS PARA O SETOR E PARA A ATUAÇÃO DO BNDES ................................ 42 Ricardo Rivera de Sousa Lima O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ... 98 Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro A INDÚSTRIA AERONÁUTICA NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPECTIVAS .... 138 Sérgio Bittencourt Varella Gomes O SETOR DE BENS DE CAPITAL NO BRASIL E O PAPEL DO BNDES COMO INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO, NO PERÍODO 2003-2011 ........................ 186 Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos, Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO NA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS RELACIONADOS AO SETOR DE P&G ...................................................................... 224 Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa A RETOMADA DA INDÚSTRIA NAVAL BRASILEIRA ................................................. 274 Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi SAÚDE COMO DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS PARA A ATUAÇÃO DO BNDES NO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE ............................................... 300 Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho A INDÚSTRIA DE PAPEL E CELULOSE .................................................................... André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora 334 4 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS VOLUME 2 PREFÁCIO ................................................................................................................ 5 APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9 A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES .............................................. 12 Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva O FUTURO DO SETOR SUCROENERGÉTICO E O PAPEL DO BNDES .............................. 62 Artur Yabe Milanez e Diego Nyko APOIO DO BNDES À AGROINDÚSTRIA: RETROSPECTIVA E VISÃO DE FUTURO ............ 88 Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NO BRASIL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES .............................................................................. 122 Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO ................................................................... 160 Marina Moreira da Gama O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO E O BNDES: REFLEXÕES SOBRE O FINANCIAMENTO AOS INVESTIMENTOS E PERSPECTIVAS ....... 190 Alexandre Siciliano Esposito SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS DA INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA NO BRASIL ...................................................... 232 Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira O SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS .......... 272 Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira TRANSPORTE URBANO: O PAPEL DO BNDES NO APOIO À SOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS GARGALOS DE MOBILIDADE ....................................................... Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos 310 P RE F ÁC IO A construção do futuro Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas. O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido processo de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no que toca ao seu sistema industrial e de serviços. A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desafios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diagnosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal desta publicação. Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capacidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los. Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Simultaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo setor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquímica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraestrutura, inclusive de telecomunicações. 6 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desenvolvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas. No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de 1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/ PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias adversas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o processo de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa nacional de desestatização. Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firmemente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, colaborando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento (FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascendente foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência do Lehman Brothers em setembro de 2008. O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fundamentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os investimentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida superação do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal. Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira. A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis. Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cenário internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvolvidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado PREFÁCIO 7 em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simultaneamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade na elaboração de políticas de fomento. Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de crescimento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos comprovadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem oportunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira. Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar oportunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnológica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de baixo carbono, eficiência energética e inclusão social. Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestruturas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano. Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitividade sistêmica da economia. Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e setores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomentar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci- 8 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportunidades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossintéticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira geração, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimento de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais de desenvolvimento do país. Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da instituição, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potencialidades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspectivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras, este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável em todos os sentidos. Luciano Coutinho Presidente do BNDES AP R ESEN TA Ç Ã O Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial; ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistentemente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transformações em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora. Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publicação com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencialidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar. Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um introdutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais prováveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investimento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira no período recente, bem como suas perspectivas. Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particularmente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays), 10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube aproveitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente competitivas e examina os principais desafios para mantê-las. A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume. Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da especificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assunto é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas descobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saúde, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação constitui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde. Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I. Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em fertilizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustíveis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo seguinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado, contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem. APRESENTAÇÃO 11 O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de consumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução da economia criativa assim como as perspectivas futuras. Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutural do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo. O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próximos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aquaviário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capacidade de mobilidade urbana. A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua representatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevância para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira. Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS), Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE). O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a qualidade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do BNDES envolvidos na edição do livro. Filipe Lage de Sousa Organizador Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz Antonio Marcos Hoelz Ambrozio Fernando Pimentel Puga Filipe Lage de Sousa Marcelo Machado Nascimento* * Respectivamente, coordenadora de serviços do Departamento de Acompanhamento Econômico e Operações da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico (APE/DAE); gerente do Departamento de Pesquisas e Operações (APE/DEPEQ); superintendente da APE; economista do BNDES e editor do periódico BNDES Setorial; e chefe de departamento da APE/DAE do BNDES. ECONOMIA BRASILEIRA 13 RE S UMO Neste estudo, analisamos as transformações recentes e os desafios da economia brasileira. A emergência da China como potência econômica mundial implicou um choque de preços relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos preços de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impactou de forma favorável as contas externas. No front interno, o aumento do crédito e a geração de empregos, aliados a políticas de inclusão social, possibilitaram uma melhoria no padrão de consumo de milhões de brasileiros, o que, em conjunto com uma expansão dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado doméstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticíclicas fiscais e creditícias, foi determinante para a resiliência da economia brasileira ante a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuará a ter papel importante para impulsionar o crescimento do país. Apesar de todos os avanços recentes, será preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumentamos ainda que o futuro apresenta obstáculos, mas oferece também oportunidades, que permitirão um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da economia brasileira. AB S T RA C T In this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage. This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance. In the domestic market, the expansion of credit and employment together with social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical 14 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost investments in and the productivity of the Brazilian economy. 15 ECONOMIA BRASILEIRA Um dos grandes desafios econômicos para qualquer nação é a conciliação de crescimento econômico, estabilidade e redução das desigualdades. Quanto a esse aspecto, os últimos anos representaram um período de grande sucesso para a economia brasileira. Por diversos motivos, que envolvem fatores externos, internos e o desenho de políticas públicas, a economia brasileira alcançou crescimento médio anual próximo a 4% a.a. entre 2000 e 2011 (Gráfico 1), valor superior ao observado nas duas décadas anteriores, que foi cerca de 2% anuais. Entre 2004 e 2011, quando a economia apresentou melhor performance, a inflação também se manteve sob controle, com taxa anual média de 5,4%. Durante esse período, também foi possível perceber uma substancial melhoria na renda e na qualidade de vida das famílias mais pobres, uma queda quase contínua da taxa de desemprego e forte expansão do crédito. Como resultado, houve o fortalecimento do mercado doméstico, que desempenhou um papel crucial na resiliência da economia perante a crise internacional de 2007-2008. 7,53 GRÁFICO 1 VARIAÇÃO DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) A PREÇOS CONSTANTES (EM %) 8 2,15 0,25 0,04 1 1,15 1,31 2 2,73 2,66 3,16 3,38 4 3,96 4,31 5 5,17 5,71 6 3 6,09 7 -0,33 0 -1 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 16 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS No front externo, a China se consolidou como potência econômica. O desempenho chinês proporcionou uma crescente demanda por commodities e aumentou o comércio de recursos minerais e energéticos. Avanços na renda e padrão de vida nos mercados emergentes elevaram o consumo de alimentos com elevado índice proteico, produtos dos quais o Brasil é produtor eficiente. Apesar da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia brasileira continuou obtendo desempenho acima da média. Os efeitos da crise sobre o Produto Interno Bruto (PIB) foram relativamente tênues, com queda de apenas 0,3% em 2009. Em virtude da força do mercado doméstico e de políticas anticíclicas, nas quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teve importante participação, a recuperação ocorreu de forma rápida e vigorosa, com crescimento de 7,5% em 2010. Apesar dos resultados positivos do período e do alívio de problemas sociais que historicamente afligiram o país, existem desafios a serem enfrentados no futuro próximo. O aumento da competitividade da economia e a continuidade dos avanços sociais dependem de avanços na infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimento e da aceleração na qualificação da mão de obra. Tendo como pano de fundo as conquistas dos últimos dez anos, decêndio entre as comemorações de cinquenta e sessenta anos do BNDES, bem como os desafios que se erguem para o futuro próximo, este texto examina o comportamento das principais variáveis econômicas que ilustram o período e analisa as transformações pelas quais os principais setores da economia passaram. Para cumprir esse objetivo, este artigo está dividido em outras cinco seções. A primeira seção trata do cenário internacional e analisa como este afetou a balança comercial brasileira. O desempenho do mercado doméstico nos últimos anos é analisado na seção seguinte. A terceira seção analisa os investimentos no Brasil nos últimos anos e prevê os próximos a serem realizados. Em seguida, expõe-se o desafio da produtividade brasileira, com base em seu desempenho recente e em suas perspectivas. Na última seção, são delimitadas as considerações finais. ECONOMIA BRASILEIRA 17 1 . CEN Á RIO IN TER N A C I O N A L E B ALA N Ç A COME R C I A L B R A S I L EI R A A última década ficou marcada por dois fenômenos internacionais que afetaram o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanças importantes para a economia brasileira: (a) a consolidação da China como potência econômica e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise financeira internacional e seu impacto sobre a distribuição de forças econômicas e políticas entre economias avançadas e emergentes. Depois de três décadas de crescimento próximo a 10% a.a., a China ganhou dimensão importante como potência econômica, superando, em volume de produção, países como Alemanha e Japão. Há até mesmo a perspectiva de se tornar a maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se iniciado na década de 1970 e se mantido nas décadas posteriores, foi nos anos 2000 e, sobretudo, a partir da adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como importante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Gráfico 2 ilustra o aumento da participação da China nas exportações mundiais de bens manufaturados. Em dez anos, essa participação praticamente triplicou, passando de 4,7% em 2000 para 14,8% em 2010. A emergência da China como parque industrial do planeta trouxe importantes repercussões sobre o dinamismo de países emergentes e desenvolvidos e influenciou, até mesmo, a orientação da política econômica em escala mundial. A queda dos preços de produtos manufaturados, tornada possível graças ao avanço da indústria chinesa, contribuiu para a manutenção de inflação e juros em patamares historicamente baixos. Essa condição de preços e política monetária, que ficou conhecida como período da grande moderação (great moderation), pro- 1 Não obstante, a supremacia econômica chinesa não é um fato novo na história mundial. Dahlman (2011) mostra que a economia chinesa era uma das maiores antes da Revolução Industrial. 18 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS longou a fase de crescimento econômico com estabilidade de preços nos países avançados, iniciada no fim da década de 1980. GRÁFICO 2 PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES CHINESAS (%) NO TOTAL DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS 14,8 DE MANUFATURADOS 16 14 12 (%) 10 8 3,3 4,7 6 1,9 4 2 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 0 Fonte: Organização Mundial do Comércio. O desempenho chinês guarda relação direta com o aumento dos desequilíbrios globais (global imbalances). A combinação de preços baixos com a elevada competitividade dos produtos chineses proporcionou o aumento dos déficits comerciais de países desenvolvidos concomitante com o acúmulo excessivo de poupança na China [Bernanke (2005)]. Os juros baixos, combinados a regras excessivamente permeáveis para os mercados financeiros, contribuíram para inflar os preços de ativos, fomentando bolhas que se traduziram em maior fragilidade nos mercados. Entre 2007 e 2008, a instabilidade latente dos mercados converteu-se em fenômeno concreto: a pior crise financeira do pós-guerra e, provavelmente, a segunda mais grave pós-revolução industrial. A crise começou a se configurar com a percepção dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preços de ativos, sobretudo no segmento de imóveis, quanto às condições de alavancagem de bancos e famílias. A associação entre os desequilíbrios globais e a crise financei- 19 ECONOMIA BRASILEIRA ra foi amplamente explorada pela literatura econômica. Exemplos importantes de estudos que abordaram essa interação são Obstfeld e Rogoff (2010) e Caballero, Farhi e Gourinchas (2008). Durante a crise, e mesmo no período de recuperação, ficou clara uma diferença entre o potencial de resistência de economias emergentes e a vulnerabilidade das economias desenvolvidas. O desempenho das economias emergentes antes e depois da crise financeira continuou elevando a demanda por commodities. Em razão das condições bastante restritas de resposta pelo lado da oferta, os preços desses produtos se mantiveram elevados (Gráfico 3). GRÁFICO 3 PREÇO DE COMMODITIES (ÍNDICE 2005 = 100) 500 455,9 450 400 350 346,7 300 250 200 150 126,6 100 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 0 1970 50 Fonte: Banco Mundial. Essa evolução do cenário internacional teve relevante implicação sobre o comércio exterior do Brasil. O crescimento da participação chinesa no comércio mundial, por exemplo, se refletiu no aumento da importância do país como parceiro comercial e afetou de forma positiva, pelo menos quantitativamente, o saldo da balança comercial brasileira nos últimos anos. As exportações brasileiras saltaram de um patamar de US$ 55 bilhões em 2000 para US$ 256 bilhões em 2011, enquanto as importações de US$ 56 bilhões para US$ 226 bilhões. Como 20 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS consequência, o saldo deficitário de US$ 700 milhões em 2000 alcançou um superávit de US$ 30 bilhões em 2011.2 Embora essa nova ordem do comércio internacional tenha favorecido a economia brasileira de maneira geral, houve um comportamento bastante heterogêneo do resultado comercial entre diversos segmentos. O Gráfico 4 mostra a evolução do saldo comercial acumulado em 12 meses desde 2000 para cinco grupos de setores: agropecuário; setores intensivos em recursos naturais; setores intensivos em trabalho; setores intensivos em escala; e setores intensivos em engenharia e tecnologia.3 GRÁFICO 4 SALDO COMERCIAL POR GRUPOS DE SETORES (ACUMULADO EM 12 MESES) 100 80 Saldo comercial em US$ bilhões 60 40 20 0 jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012 -20 -40 -60 Agropecuário Intensiva em recursos naturais Intensiva em trabalho Intensiva em escala Intensiva em engenharia e tecnologia Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Secex/MDIC. 2 O ápice do superávit da balança comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu US$ 48 bilhões no acumulado de 12 meses. 3 Os setores intensivos em recursos naturais são: indústria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de petróleo e produtos minerais não metálicos. Os intensivos em trabalho compreendem: têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados, produtos de metal e móveis e indústrias diversas. Os setores produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica e veículos automotores são os intensivos em escala. Por último, os intensivos em engenharia e tecnologia são máquinas e equipamentos, máquinas para escritório e informática, máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de comunicações, equipamentos médico-hospitalares e outros equipamentos de transporte. ECONOMIA BRASILEIRA 21 A partir de uma situação inicial, em janeiro de 2000, em que os diversos grupos eram caracterizados por déficits ou superávits de pequena magnitude, evoluiu-se para uma situação na qual alguns grupos – já superavitários em 2000 – passaram a exibir grandes superávits comerciais (agropecuário e intensivo em recursos naturais) enquanto outros – já deficitários em 2000 – passaram a exibir grandes déficits (intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceção foi o grupo intensivo em trabalho, cujo saldo ficou quase estagnado no período, passando de um pequeno superávit a um pequeno déficit comercial. Cabe destacar que o aumento dessas diferenças ocorreu justamente a partir de 2007, quando o saldo da balança comercial brasileira tinha atingido seu ápice. Ademais, o ritmo de crescimento, tanto dos superávits quanto dos déficits, se intensificou a partir de 2010. O crescimento do saldo comercial nos grupos agropecuário e intensivos em recursos naturais foi influenciado pela explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais. O boom exportador desses grupos, no entanto, não pode ser explicado apenas pelo aumento dos preços internacionais, uma vez que também houve expressivo aumento do quantum exportado.4 Já o grande aumento do déficit comercial dos grupos intensivos em escala e engenharia e tecnologia, a despeito do crescimento de suas exportações, pode ser explicado pela intensificação das importações, principalmente de produtos chineses. Esse alargamento das importações, embora em alguns segmentos represente elevação da competição no mercado doméstico, reflete em geral a forte expansão da demanda – sustentada por significativo aumento do crédito e um mercado de trabalho aquecido – que vem ocorrendo a um ritmo superior ao do crescimento da oferta nos últimos anos. Assim, o alargamento das importações vem sendo o instrumento usado para viabilizar o crescimento econômico sem gerar maiores pressões inflacionárias. Iglesias e Rios apud Bacha e Bolle (2011) chamam a atenção para o fato de que a menor participação no mercado internacional dos produtos brasileiros deve estar relacionada com melhores oportunidades no mercado 4 Na seção 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade em alguns setores via crescimento da produtividade. 22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS doméstico. A próxima seção mostrará como a elevação da renda e do emprego foram fundamentais para o desempenho favorável do mercado doméstico. 2 . E CON OMIA D OM ÉS TI C A : O DESENVOLVIMENTO COM INCLUSÃO SOCIAL No front interno, o destaque foi a ascensão de milhares de brasileiros a um novo padrão de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famílias do décimo percentil inferior de renda alcançou crescimento anual médio de 6,8% (Gráfico 5A). Considerando o crescimento demográfico em torno de 2% a.a. para essas famílias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migração de milhões de famílias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe média brasileira, conforme definida por Néri (2008). Esse fenômeno está ilustrado no Gráfico 5B. GRÁFICO 5 INDICADORES DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA GRÁFICO 5A CRESCIMENTO DA RENDA REAL PER CAPITA POR PERCENTIL NA DISTRIBUIÇÃO DOS RENDIMENTOS (% A.A.) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 1,5 2,4 3,2 3,9 4,5 4,8 5,3 5,8 6,1 6,8 ECONOMIA BRASILEIRA 23 GRÁFICO 5B DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR CLASSES DE RENDA (EM MILHÕES DE HABITANTES) 250 MILHÕES DE HABITANTES 200 13,3 150 22,5 12,9 8,8 65,9 45,6 105,5 55,4 55% DA POPULAÇÃO 100 50 92,9 83,3 96,2 63,6 0 1993 Classes A e B 1995 Classe C 2003 2011 Classes D e E Fontes: FGV e Ministério da Fazenda. Entre os fatores que contribuíram para a mudança na pirâmide social brasileira estão as políticas governamentais de valorização real do salário mínimo e de transferência de renda. A política de valorização do salário mínimo levou a sucessivos aumentos reais de renda entre 2002 e 2011. Os ganhos reais cresceram em média 5% a.a., acumulando variação de 63,3% no período, como mostra o Gráfico 6. Adicionalmente, as políticas públicas de transferência de renda, capitaneadas pelo Bolsa Família, cuja cobertura chega a mais de 13 milhões de famílias em todo o território nacional,5 possibilitaram maior capacidade de consumo a indivíduos até então sem acesso completo a bens essenciais. Ainda entre as iniciativas do governo, é possível citar o estímulo ao microcrédito, não apenas produtivo, mas também para consumo. A partir de 2003, foi iniciado um processo de bancarização, com foco nas camadas mais baixas da população, que trouxe avanços significativos no acesso ao crédito [Barone e Sader (2008)]. Esse processo abrangeu a ampliação da rede bancária, até mesmo via cor- 5 Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em <http://www.mds.gov.br>. Acesso em 28 set. 2012. 24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS respondentes bancários em todo o Brasil, além de mudanças jurídicas e institucionais, como a criação da modalidade de crédito consignado, que diminuiu o risco de inadimplementos nos empréstimos a trabalhadores e aposentados de menor renda. Somando-se o aumento da renda e do emprego e a redução gradativa da taxa de juros, tais transformações permitiram que o volume de crédito total da economia em relação ao PIB praticamente dobrasse entre 2002 e 2011, saltando de um percentual de 26% para 49% (Gráfico 7). O crédito às pessoas físicas subiu de 6% para 15,3% do PIB, como pode ser visto no Gráfico 7. Dentre as modalidades de crédito voltadas à pessoa física, destacam-se as operações consignadas, com desconto em folha de pagamento, que, desde que foram autorizadas, em 2004, até 2011, cresceram a uma taxa média anual de 39%. Esse incremento só não foi maior do que o avanço dos financiamentos imobiliários, de 48,4% na média anual. Turbinado pelo grande déficit habitacional existente no Brasil, o crédito imobiliário, que em 2002 representava 1,7% do PIB, alcançou 4,8% em 2011 e segue crescendo a taxas elevadas. 13,1 GRÁFICO 6 SALÁRIO MÍNIMO – DEFLACIONADO PELO IPCA (ÍNDICE 2002 = 100) E VARIAÇÃO (%) ANUAL 14 170 163,3 12 150 7,4 10 9,2 9,8 160 8 140 3,1 4 130 3,6 3,9 6 120 0,3 110 -1,3 0 0,7 2 100 -2 2002 2003 Variação (%) anual 2004 2005 2006 2007 Índice 2002 = 100 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil. 2008 2009 2010 2011 25 ECONOMIA BRASILEIRA 40,5 45 26 24,6 25 28,3 30 25,7 35 30,9 35,2 40 43,7 50 45,2 49 GRÁFICO 7 RELAÇÃO CRÉDITO/PIB (%) – PESSOA FÍSICA (PF) E PESSOA JURÍDICA (PJ) 33,7 29,4 30,6 27,7 23,4 20,9 20 19,5 15 20 18,8 18,7 10 5 6 5,8 7 2002 2003 2004 8,8 11,8 12,8 14,3 14,6 15,3 10 2006 2007 2008 2009 2010 2011 0 PJ 2005 PF Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil. Nesse cenário de rápido alargamento dos recursos para operações de crédito, o endividamento das famílias, isto é, a relação entre o saldo de suas dívidas e suas rendas, elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011, como mostra o Gráfico 8. No entanto, a melhoria nas condições de crédito, tanto em relação a juros quanto a prazo, freou o aumento no nível de comprometimento da renda das famílias com dívidas. Em 2005, cerca de 18% da renda das famílias estava comprometida com o serviço de suas dívidas, indo para 22%, em 2011. Como resultado, chegou-se a um percentual similar aos padrões internacionais, o que deve levar a uma acomodação no crescimento do crédito às famílias. No tocante ao mercado de trabalho, depois de um longo período de convivência com taxas de desemprego de dois dígitos, o Brasil assistiu a uma intensa mudança estrutural nos últimos dez anos, que levou a taxa de desocupação de patamares próximos a 12% em 2002 para algo em torno de 6% no fim da década, como mostra o Gráfico 9. O dinamismo do mercado doméstico desempenhou um papel crucial para o crescimento do emprego ao longo desse período, particularmente depois de 2004.6 6 Para a importância da demanda interna na geração de emprego vis-à-vis fatores como mudança tecnológica e penetração de importações, ver Ambrozio e Sant´Anna (2012). 26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 8 ENDIVIDAMENTO E COMPROMETIMENTO DA RENDA DAS FAMÍLIAS (EM % DA RENDA PESSOAL DISPONÍVEL) 45 42,4 39,2 40 35,4 35 32,2 29,1 30 24,5 25 22,2 21,5 20 17,6 15 5,7 18,6 18,5 17,6 19,6 19,4 7,4 7,2 8,0 6,2 6,1 7,1 11,5 11,4 12,2 12,3 2007 2008 2009 2010 10 12,4 11,9 5 14,2 0 2005 2006 Amortização Juros Comprometimento total 2011 Endividamento Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil. GRÁFICO 9 TAXA DE DESEMPREGO – DESSAZONALIZADA (EM %) 14 13 13 12 11 11,7 11 11 10 9 9,5 9 9 8,0 8 7 7 7 5,8 6 5 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. mar. 2012 set. 2011 mar. 2011 set. 2010 mar. 2010 set. 2009 mar. 2009 set. 2008 mar. 2008 set. 2007 mar. 2007 set. 2006 mar. 2006 set. 2005 mar. 2005 set. 2004 mar. 2004 set. 2003 mar. 2003 set. 2002 5 mar. 2002 4 27 ECONOMIA BRASILEIRA Todas essas transformações observadas ao longo da década criaram uma conjuntura favorável ao aumento da renda da população, em especial de indivíduos até então localizados na base da pirâmide social. E, principalmente, ampliaram a capacidade de demanda desses milhares de brasileiros, promovendo acesso mais igualitário a bens e melhor qualidade de vida. A melhoria na distribuição de renda foi acompanhada por redução das disparidades entre as regiões do país. O Gráfico 10 mostra que Norte e Nordeste se destacaram no crescimento do consumo do varejo, que inclui desde bens essenciais e artigos de vestuário até bens de consumo durável, como eletrônicos. O incremento acumulado das vendas no comércio varejista da Região Norte atingiu 102,2% entre 2002 e 2011, seguido pelo comércio nordestino, com aumento de 99,1%. Tais variações superam em muito a média do país, de 75,5%. GRÁFICO 10 VOLUME DE VENDAS NO VAREJO POR REGIÕES – ÍNDICE 2002 = 100 E VARIAÇÃO (%) ACUMULADA NO PERÍODO 210 102,2% 99,1% 190 81,2% 76,6% 75,5% 170 56,8% 150 130 110 90 2002 2003 Brasil Norte 2004 Nordeste 2005 2006 Sudeste 2007 Sul 2008 2009 2010 2011 Centro-Oeste Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. Em suma, o Brasil da última década cresceu com distribuição de renda e incremento na qualidade de vida dos cidadãos e criou um mercado doméstico de 28 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS consumo que foi fundamental no enfrentamento da crise financeira internacional em 2007-2008. Além do consumo, o investimento foi outro fator importante para o crescimento do PIB nos últimos anos. A próxima seção mostra as transformações ocorridas no investimento. 3 . OS IN VESTIMENTO S A criação de um importante mercado de consumo, analisada na seção anterior, foi um dos principais determinantes do crescimento econômico brasileiro, nos últimos anos. Entretanto, o investimento também foi fator relevante. O Gráfico 11 mostra o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importância da demanda doméstica, tanto pelo consumo das famílias quanto por investimento, para o crescimento do PIB. GRÁFICO 11 DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO PIB – COMPOSIÇÃO DO CRESCIMENTO DO PIB PELA ÓTICA DA DEMANDA (VARIAÇÃO ANUAL E CONTRIBUIÇÃO EM PONTOS PERCENTUAIS) 7,5 1,3 0,9 6,1 5,7 2,7 1,5 1,1 1,1 -0,8 -0,2 1,1 0,8 1,2 0,3 -0,7 -0,4 0,9 3,2 0,9 0,6 0,5 2,1 1,3 0,3 0,7 3,5 3,2 4,0 0,5 5,2 0,3 1,1 4,1 0,5 2,7 0,4 0,7 3,0 4,0 2,5 0,5 -1,0 1,5 -0,8 -0,2 2,3 2,4 2,6 -1,0 -1,5 -1,1 -0,3 2,5 0,9 -0,7 -0,4 -2,7 -2,2 -0,3 2002 FBCF 2003 2004 Consumo das famílias 2005 2006 Consumo do governo 2007 Exp. liq. 2008 2009 2010 2011 Var. est. Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. O período de maior expansão do investimento foi entre 2005 e 2008. Entre 2006 e setembro de 2008, o Brasil viveu um importante ciclo de investimentos. ECONOMIA BRASILEIRA 29 Depois de mais de vinte anos de inversões preponderantemente voltadas à atualização do parque industrial existente (bronwfield), apareceram grandes projetos em ampliação da capacidade produtiva (greenfield), com a construção de novas unidades fabris e plantas industriais. Como resultado, houve forte elevação da taxa de investimento, de 15,9% do PIB em 2005 para 19,1% do PIB em 2008, como ilustrado no Gráfico 12. 19,3 19,1 20 19,5 GRÁFICO 12 TAXA DE INVESTIMENTO (INVESTIMENTO/PIB) EM % 2010 2011 17,4 18,1 19 16,4 15,9 16,1 16,4 15,3 16 15,7 17 17,0 16,8 18 15 14 13 12 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. A expansão dos investimentos nos diferentes setores da economia se deve tanto ao desempenho dos mercados doméstico e internacional quanto a políticas públicas e reformas estruturais. Resumindo alguns dos principais determinantes da aceleração dos investimentos, tem-se: 1. Agropecuária: a competitividade obtida pelo Brasil nesse setor e a disponibilidade de recursos puseram o país em destaque no mercado internacional. Adicionalmente, houve um crescimento da demanda mundial para esses produtos em virtude da emergência dos países em desenvolvimento. Como consequência, houve um aumento do preço desses produtos bem acima da média histórica. Em virtude das condições domésticas e do ambiente internacional 30 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mais favorável, houve um grande aumento do investimento nesse setor. 2. Indústria: a expansão do mercado doméstico proporcionou um deslocamento de empresas para o Brasil, o que acabou elevando os investimentos, principalmente nos setores produtores de bens de consumo duráveis. 3. Infraestrutura: o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. Esse programa oferecia um volume expressivo de investimentos em infraestrutura, incluindo energia elétrica. 4. Construção residencial: reformas ocorridas no passado, como a alteração no instrumento de garantia em financiamento habitacional e segurança para os adquirentes de imóveis na planta, e uma situação macroeconômica mais estável viabilizaram uma intensa expansão do crédito habitacional e da construção. Mais recentemente, houve a contribuição do programa Minha Casa Minha Vida, o qual visa à produção de imóveis residenciais para famílias de baixa renda. A crise financeira, em 2009, comprometeu a continuidade do crescimento dos in- vestimentos, derrubando a taxa de investimento para 18,1%. Entretanto, em 2010, amparada pela atuação anticíclica do BNDES e por programas de governo de investimento em infraestrutura e construção residencial, o investimento retornou com força, alcançando o patamar de 19,5% nesse ano. A existência de um expressivo ciclo de inversões em energia e infraestrutura contribuiu também para sustentar parcela expressiva dos investimentos planejados da economia. A robustez desse ciclo pode ser explicada pela existência de grandes projetos com retornos de longo prazo, que dependem de decisões menos afetadas pela crise. Em 2011, a taxa de investimento ficou em 19,3%. Apesar da significativa deterioração no cenário internacional, esse percentual é significativamente maior do que os 15,9% de taxa de investimento de 2005. Ao avaliar os investimentos futuros, nota-se que o cenário será promissor. Segundo o levantamento, realizado no início de 2012 pelo BNDES, publicado no Perspectivas do Investimento, haverá inversões de R$ 1,86 trilhão em importantes setores da indústria e infraestrutura e na construção residencial. Para esses setores, foram reunidas informações sobre os planos estratégicos das empresas. Como resultado, é possível comparar as perspectivas com os investimentos ocorridos em anos recentes (Tabela 1). ECONOMIA BRASILEIRA 31 TABELA 1 PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTO Características Setores Investimentos ocorridos em 2007-2010 (R$ bilhões) Investimentos previstos para 2012-2015 (R$ bilhões) Crescimento (%) MAIS VOLTADOS AO MERCADO EXTERNO EXTRATIVA MINERAL, SIDERURGIA, PAPEL E CELULOSE, AERONÁUTICA 122 113 (7,4) MAIS VOLTADO AO MERCADO DOMÉSTICO AUTOMOTIVO, QUÍMICA, TÊXTIL E CONFECÇÕES, ELETROELETRÔNICA, COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 100 130 30,0 COM MAIOR INDUÇÃO VIA POLÍTICAS PÚBLICAS – INFRAESTRUTURA ENERGIA ELÉTRICA, TELECOMUNICAÇÕES, SANEAMENTO, LOGÍSTICA 336 401 19,3 COM MAIOR INDUÇÃO VIA POLÍTICAS PÚBLICAS – CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL 596 860 44,3 AUTÔNOMOS PETRÓLEO E GÁS 238 354 48,7 1.392 1.858 33,5 TOTAL Fonte: BNDES. As perspectivas são de expansão nos setores mais voltados ao mercado doméstico, cuja dinâmica se mostra capaz de contrabalançar o cenário de retração dos investimentos de setores mais voltados ao mercado internacional. A consolidação do mercado de consumo de massas, criado pela combinação de aumento da renda e redução de desigualdades sociais, vem atraindo investimentos diretos para o Brasil, que revela perspectivas de crescimento acima da média mundial nos próximos anos. Os grupos seguintes compreendem setores em que o cenário de crescimento guarda pouca relação tanto com a conjuntura internacional quanto com a doméstica. Os projetos mapeados mostram expressiva capacidade das políticas públicas de indução de maiores investimentos na economia. Cabe destacar a presença de grandes projetos com horizonte de longo prazo nessa lista de investimentos. Entre estes, há as inversões no setor de petróleo e gás por conta da exploração do pré-sal, hidrelétricas na Região Norte e ferrovias. Um efeito direto desses investimentos, tanto passados quanto futuros, é o crescimento da produtividade, o qual será abordado na próxima seção. 4 . O D ESA FIO D A PR O D U TI VI D A D E Os desafios para a próxima década são distintos daquele do início da década passada. Em um ambiente de taxas de desocupação próximas à natural em muitos seto- 32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS res, os aumentos reais de salários se tornaram maiores. Nesse sentido, o desafio de elevar a competitividade da economia nacional ficou maior, tornando ainda mais premente a necessidade de elevar a produtividade brasileira. Um fato estilizado quando se observa o desempenho econômico de diferentes países é a relevância do crescimento de produtividade como um fator fundamental para o desenvolvimento. Na atual conjuntura internacional, o menor dinamismo da economia mundial impõe maior pressão competitiva, elevando ainda mais o papel da produtividade. Com base nas informações de valor adicionado (VA) e de número de empregados é possível obter a produtividade do trabalho, definida como o quociente entre essas duas variáveis. Na primeira década do século XXI, a produtividade cresceu a uma taxa média de 0,88% a.a., conforme verificado na Tabela 2. Os grandes setores revelaram desempenho bastante distinto. Somente a agropecuária conseguiu obter crescimento significativo da produtividade. Esse resultado foi explicado por um aumento da eficiência nesse setor, uma vez que houve um crescimento do VA agropecuário concomitante com uma manutenção dos postos de trabalho no setor. Já a indústria e serviços passaram por uma estagnação da produtividade no período analisado, no qual o primeiro apresenta uma ligeira queda e o segundo um aumento modesto. TABELA 2 NÍVEL E CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE ENTRE 2000 E 2009 (EM R$ MIL A VALORES CONSTANTES DE 2000) Setor Valor em 2000 Valor em 2009 3.250 4.731 INDÚSTRIA 18.395 17.377 (0,63) SERVIÇOS 14.819 15.461 0,47 TOTAL 12.937 13.992 0,88 AGROPECUÁRIA Variação (% a.a.) 4,26 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE). No entanto, há uma dispersão considerável ao analisar a produtividade dos 56 segmentos, ainda mais quando se compara com o crescimento da mão de obra empregada. O Gráfico 13 mostra, no eixo vertical, o crescimento médio anual da produtividade e, no eixo horizontal, o crescimento médio anual do ECONOMIA BRASILEIRA 33 emprego. Um ponto positivo é a inexistência de qualquer setor com queda no emprego, ou seja, na pior das hipóteses, o emprego ficou estagnado nesse período.7 Diante desse cenário de crescimento de emprego na maioria dos setores, a queda de produtividade está relacionada ao desempenho do VA aquém do trabalho. GRÁFICO 13 PRODUTIVIDADE VERSUS EMPREGO ENTRE 2000 E 2009 – VARIAÇÃO (% A.A.) 8% CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO Agropecuária Total 6% 4% Serviços 2% -2,0% 0% 0% 2% -2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% Indústria -4% -6% -8% CRESCIMENTO DO EMPREGO Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE). Os segmentos da agropecuária são os únicos que alcançaram ganhos de produtividade com certa estagnação no número de empregados. O setor com maior crescimento de produtividade nesse período é o de automóveis (6,6% a.a.), com razoável aumento de mão de obra (2,4% a.a.). Na outra ponta, os setores de petróleo e gás e máquinas para escritório e informática elevaram tanto o emprego (acima de 10% a.a.) que o VA não o conseguiu acompanhar, culminando em uma queda de produtividade. A produtividade média da economia pode aumentar de duas formas: ou aumento de produtividade dos setores em si, via maior eficiência técnica, o que será chamado 7 Considerou-se queda uma variação acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variação entre 0% e 1% caracterizou estagnação. 34 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de efeito tecnológico; ou deslocamento de trabalhadores para setores mais produtivos, o efeito composição. Utilizando a metodologia presente em Ambrozio e Sousa (2012), foram calculados esses efeitos para a primeira década do século XXI com uma desagregação maior da atividade econômica (56 setores). Como já mencionado, a produtividade do trabalho da economia brasileira cresceu a uma taxa de 0,88% a.a., o que significou um aumento de 8,2% no período. Ao avaliar qual foi a contribuição de cada forma de crescimento, a Tabela 3 mostra que ambos os efeitos foram igualmente importantes para explicar o crescimento da produtividade na economia brasileira entre 2000 e 2009. TABELA 3 DECOMPOSIÇÃO DOS GANHOS DE PRODUTIVIDADE – VARIAÇÃO (% A.A.) Anual 2000-2009 EFEITO TECNOLÓGICO 0,44 EFEITO COMPOSIÇÃO 0,44 TOTAL 0,88 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE). Nessa decomposição, a agropecuária desempenhou um papel de destaque no que diz respeito a ambos os efeitos. No quesito efeito tecnológico, esse setor foi, como visto, o que obteve o crescimento da produtividade mais significativo, com ganho de 4,3% anuais. O seu expressivo ganho de produtividade pode ser explicado tanto por maior intensidade no uso dos insumos, entre os quais, o aumento na qualificação da mão de obra empregada e uma mecanização crescente, bem como por aumento de eficiência, com destaque para os ganhos proporcionados pelos investimentos em pesquisa da Embrapa, conforme evidenciado em Bacchi, Bastos e Gasques apud Negri e Kubota (2008). Por outro lado, grande parte do efeito composição pode ser explicada pelo fato de o emprego na agropecuária ter ficado quase estagnado (variação de -0,5% a.a.), enquanto nos outros dois grandes setores o emprego se expandiu de modo significativo (cerca de 3% a.a. em ambos). Como pode ser visto na Tabela 2, o nível da produtividade na agropecuária é significativamente menor que na indústria e serviços, e o maior peso relativo desses dois setores tende a aumentar a produtividade média da economia. A redução do desemprego é outro fator que explica o aumento da produtividade nesse período, como observado em Ambrozio e Sousa (2012). ECONOMIA BRASILEIRA O SALDO COMERCIAL A PARTIR DA PRODUTIVIDADE Como mostrado anteriormente, a balança comercial de alguns setores apresentou desempenhos desfavoráveis, e há uma ligação importante desse assunto com a questão da produtividade. A teoria sugere que ganhos de produtividade tornam nossas exportações mais competitivas ao permitir a geração de maior valor agregado para uma dada quantidade de insumos, impactando positivamente a balança comercial. As evidências empíricas suportam essa associação direta entre aumento de produtividade e melhor desempenho exportador, como evidenciado em Arnold e Hussinger (2005) e Wagner (2007). Embora o desempenho exportador brasileiro nos últimos anos tenha sido beneficiado pelas condições favoráveis do comércio internacional, tais como melhoria nos termos de troca e crescimento da economia mundial, os dados são consistentes com um cenário onde o crescimento da produtividade afeta de forma favorável o desempenho exportador, e consequentemente o saldo comercial. O Gráfico 14 mostra, no eixo horizontal, o ganho médio anual de produtividade obtido por diversos setores brasileiros de 2000 a 2009 e, no eixo vertical, a variação do saldo da balança comercial anual entre 2000 e 2011.8 Como pode ser observado, há uma relação positiva entre ganhos de produtividade e performance no saldo. Os resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que uma correlação positiva entre duas variáveis não necessariamente implica relação de causalidade. Tomando por exemplo o caso dos setores deficitários, o acirramento da competição global pode ajudar a explicar tanto um aumento no déficit – maior dificuldade em acessar mercados externos e concorrência com importados no mercado doméstico – como a queda na produtividade – retração das margens em virtude da maior competição internacional, com a desaceleração da geração de emprego nesses setores em um ritmo mais lento que a 8 No Gráfico 14, são excluídos os segmentos do setor de serviços, que são non-tradables. A necessidade de compatibilizar a classificação da base de dados das Contas Nacionais com a base de dados da Funcex implica aglutinação de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira. 35 36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS desaceleração da produção, por causa dos custos de ajustar a mão de obra. De toda forma, os dados são consistentes com a história que relaciona aumento de produtividade e melhor performance exportadora. GRÁFICO 14 GANHOS DE PRODUTIVIDADE VERSUS VARIAÇÃO DO SALDO COMERCIAL (% A.A.) 15% SALDO (2000-2011) 10% 5% PRODUTIVIDADE (2000-2009) 0% -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 -5% -10% -15% -20% -25% Agropecuária Intensivo em recursos naturais Intensivo em trabalho Intensivo em escala Intensivo em engenharia e tecnologia Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC. Quanto a perspectivas, a produtividade da economia brasileira tem espaço para conseguir um desempenho superior ao encontrado até 2009. Para avaliar a produtividade futura, consideram-se como previsão para os próximos dez anos as melhores performances dos grandes setores entre 2000 e 2009 sem a presença de outliers.9 Além disso, mantém-se a tendência de queda da participação da mão de obra da agropecuária para indústria e serviços na mesma proporção da última década. Baseada nessas hipóteses, a Tabela 4 mostra a previsão do aumento da produtividade, um crescimento médio de 1,78% a.a. Esse resultado é quase o dobro 9 Agropecuária crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indústria 0,6% a.a. (2005-2008); e serviços, 1,5% a.a. (2005-2009). ECONOMIA BRASILEIRA 37 daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante para sustentar uma trajetória de crescimento econômico nos próximos anos. TABELA 4 PREVISÃO DE PRODUTIVIDADE – VARIAÇÃO (% A.A.) Anual 2010-2019 EFEITO TECNOLÓGICO 1,45 EFEITO COMPOSIÇÃO 0,32 TOTAL 1,78 Fonte: Elaboração BNDES. Os dois efeitos, tecnológico e composição, serão relevantes para estimular a produtividade da economia brasileira. Do ponto de vista do efeito composição, há espaço para elevação da produtividade com o deslocamento de mão de obra para setores mais produtivos. No entanto, ao contrário da performance passada, a contribuição do efeito composição será menor não só em termos absolutos, como também relativos. Portanto, os ganhos mais significativos devem advir do efeito tecnológico. Cabe salientar que o crescimento da produtividade no longo prazo requer um aumento da eficiência nos diversos setores da economia. É preciso reduzir a distância do nível de produtividade da economia brasileira em comparação ao das economias mais avançadas. Se consideradas as previsões de investimento na economia brasileira expostas na seção anterior, há boas perspectivas para que essa performance se concretize. Combinadas com os resultados anteriores, obtém-se uma perspectiva de elevação robusta na acumulação de capital físico, aliada a um crescimento significativo na produtividade do trabalho. A perspectiva de maiores ganhos de produtividade nos próximos anos permitirá uma aceleração do crescimento com menor pressão sobre a balança comercial. Dessa forma, estabelecem-se as bases de uma trajetória de crescimento sustentado para a economia brasileira ao longo desta década. 5 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S A nova fase da crise financeira internacional, com seus desdobramentos sobre os países europeus, anuncia um período de baixo crescimento para as economias desenvolvidas. Os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti- 38 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS rão os efeitos de um desempenho menos exuberante da economia mundial, mas ainda manterão ritmo de crescimento relativamente mais elevado. De acordo com as projeções divulgadas por FMI (2012) em seu último World Economic Outlook,10 a economia mundial crescerá 3,5% em 2012 e 4,1% em 2013. A taxa de incremento entre os países avançados será de 1,4% e 2% em 2012 e 2013, enquanto os emergentes crescerão 5,7% e 6%, respectivamente. Em um contexto de baixo crescimento da economia mundial, o Brasil deverá lidar com um menor dinamismo do comércio internacional e com termos de troca menos vantajosos, por conta da diminuição da cotação das commodities. A alternativa de direcionar os esforços para avançar via demanda doméstica pode continuar sendo uma boa opção nos próximos anos desta década. Muitas famílias ascenderam à classe média no Brasil entre os anos 2002 e 2012, sendo incorporadas ao mercado de consumo. A força dessa massa de demanda foi fundamental para o enfrentamento da crise financeira de 2007-2008 e certamente permanecerá como vetor importante de crescimento. No entanto, aumentar os investimentos, sobretudo em infraestrutura, é uma necessidade premente para corrigir gargalos estruturais que afetam seriamente a competitividade e produtividade da economia nacional. Muitos outros desafios são impostos à economia brasileira nessa nova década. De fato, houve uma mudança fundamental na pirâmide social, com diminuição significativa dos níveis de miséria e pobreza. Entretanto, ainda há muito a ser feito para tornar a economia do país mais equânime e competitiva. Incrementar os níveis de educação e qualificação da mão de obra é um exemplo, visto que o mercado de trabalho se tornou um gargalo relevante para a produção de alguns setores da economia. É crucial, ainda, ampliar incentivos e investimentos em pesquisa e inovação. Os investimentos previstos em alguns setores relevantes mostram que há boas perspectivas de crescimento da competitividade da economia brasileira. O aumento de produtividade da economia nacional se torna imperiosa, porém factível diante 10 Até o fechamento desta edição, o último World Economic Outlook divulgado pelo FMI era o de abril de 2012. ECONOMIA BRASILEIRA 39 das previsões apontadas neste estudo. O futuro é promissor, visto que ultrapassar o paradigma de país de renda média para um de renda elevada passou a ser possível diante das oportunidades de que o Brasil dispõe. RE F E RÊN CIA S AMBROZIO, A. M. H.; SANT´ANNA, A. Decompondo o crescimento do emprego entre 2000 e 2008. Visão do Desenvolvimento, n. 102. Rio de Janeiro: BNDES, 2012. AMBROZIO, A. M. H.; SOUSA, F. L. Decompondo a produtividade brasileira entre 1995 e 2008. Visão do Desenvolvimento, n. 101. Rio de Janeiro: BNDES, 2011. APE – ÁREA DE PESQUISAS ECONÔMICAS. Perspectivas do Investimento na Indústria: 2012-2015. Visão do Desenvolvimento, n. 100. Rio de Janeiro: BNDES, 2011. ARNOLD, J. M.; HUSSINGER, K. Export Behavior and Firm Productivity in German Manufacturing: A Firm-Level Analysis. Review of World Economics, 2005, v. 141, n. 2. BACCHI, M.; BASTOS, E.; GASQUES, J. Produtividade e fontes de crescimento da agricultura brasileira. In: NEGRI, J. A.; KUBOTA, L. C. Políticas de incentivo à inovação tecnológica no Brasil. Brasília: Ipea, 2008. BARONE, F. M.; SADER, E. Acesso ao crédito no Brasil: evolução e perspectivas. Revista de Administração Pública, 2008, v. 42, n. 6, p. 1.249-1.267. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122008000600012>. Acesso em: 28 set. 2012. BERNANKE, B. S. The Global Saving Glut and the U.S. Current Account Deficit, speech delivered for the Sandridge Lecture at the Virginia Association of Economists. Richmond, 2005 mar. 10. CABALLERO, R. J., FARHI, E.; GOURINCHAS, P. Financial Crash, Commodity Prices and Global Imbalances. NBER Working Paper, 2008, n. 14.521. DAHLMAN, C. J. The World Under Preassure: How China and India Are Influencing the Global Economy and Environment. Stanford University Press, 2011. 40 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS FMI – FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. World Economic Outlook: Growth Resuming, Dangers Remain. Washington D.C.: International Monetary Fund, 2012. World Economic and Financial Surveys. IGLESIAS, R.; RIOS, S. P. Evidências de “Doença Holandesa”? Uma Análise da Experiência Recente no Brasil. In: Bacha, E.; Bolle, M. (Orgs.). Novos dilemas da política econômica: ensaios em homenagem à Dionísio Carneiro. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional, 2011. OBSTFELD, M.; ROGOFF, K. Global Imbalances and the Financial Crisis: Products of Common Causes. CEPR Discussion Papers n. DP7606. 2009. NÉRI, M. C. (Coord.). A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV, 2008. WAGNER, J. Exports and Productivity: A Survey of the Evidence from Firm-level Data. The World Economy, 2007, v. 30, n. 1, p. 60-82. Ricardo Rivera de Sousa Lima* * Engenheiro e gerente setorial do Departamento das Indústrias de Tecnologias de Informação e Comunicação da Área Industrial do BNDES. O autor agradece a preciosa ajuda de Alessandra Sleman, Luis Otávio Reiff, Felipe Lobo, Marcos Fernandes, Marcos dos Santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e Leandro Lotero na geração de dados da dispersa Indústria de TICs; e especialmente a Francisco Silveira e Henrique Miguel da Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI/Sepin) o fornecimento de dados sobre a Lei de Informática. COMPLEXO ELETRÔNICO 43 RE S UMO A relevância das indústrias baseadas na eletrônica – ou, genericamente, das tecnologias da informação e comunicação (TICs) – avança com a consolidação da revolução digital, tal como a preocupação dos governos com o domínio tecnológico e difusão dessas tecnologias em suas nações. Em compasso com esse quadro e com um déficit comercial crescente nesse setor, na década de 2000, o país aperfeiçoou significativamente seu arcabouço legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio à difusão da eletrônica. Apesar dos efeitos dessas ações ainda estarem aquém do desejado – mais do ponto de vista tecnológico do que produtivo –, os avanços são relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das TICs no Brasil. No contexto da celebração dos sessenta anos do BNDES, este artigo se propõe a expor o histórico do desenvolvimento e do apoio do Banco às TICs, com ênfase no período 2001 a 2011, as principais tendências e os desafios para que o Brasil se posicione como um país protagonista na área. AB S T RA C T The relevance of industries based on electronics – or, generically, part of information and communications technologies (ICTs) – has advanced due to the consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments in dominating technology and disseminating such technology throughout their nations. In keeping with this, and with the growing trade deficit in this sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such efforts still fall well short of the desired outcome – more from a technological point of view rather than a production standpoint –, the advances have been relevant and several opportunities have been revealed towards developing ICTs in Brazil. Within the context of the BNDES’ 60th anniversary celebrations, this article 44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered ICTs, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in the area. COMPLEXO ELETRÔNICO 45 1 . INTR OD U Çà O A primeira década deste milênio reforçou o que diversos estudos já diagnosticavam desde meados do século passado: o caráter estratégico das TICs nas sociedades modernas.1 A relevância dessa indústria se dá tanto pelo prisma do acesso a estas pela sociedade, quanto por seu domínio para aplicação em setores produtivos, permitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar serviços, aprimorar produtos, modificar indústrias e processos e permitir avanços sociais e ambientais. O aumento da importância do Complexo Eletrônico (CE) pela ótica da demanda reflete-se, por exemplo, na preocupação de diversas instituições governamentais com a inclusão digital e no aumento de gastos com TICs, a taxas superiores ao crescimento da economia mundial.2 Grande parte das soluções adotadas pelos governos para a crise econômica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de TIC que promovam a inovação, a difusão e a disseminação de seu uso [OCDE (2010)]. Por vezes menos explícitas ou estruturadas, as políticas de apoio ao desenvolvimento produtivo do CE são largamente implantadas por diferentes países. Essa atuação ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras públicas – como no caso emblemático das encomendas tecnológicas realizadas pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA) –; instrumentos regulatórios em mercados regulados; maciços investimentos em inovação, formação de mão de obra e educação em ciências exatas; ou até mesmo controle dos investimentos diretos estrangeiros na aquisição de empresas nacionais estratégicas, baseados em fundamentos tão amplos quanto “segurança nacional” ou “segurança econômica”.3 Não por menos. Segundo a Oliver Wyman, consultoria especializada no setor Automotivo, os dispêndios em eletrônica representarão 60% do total investido em P,D&I pela indústria automobilística até 2015 [Oliver Wyman (2007)]. As TICs já são 1 Para citar como exemplo, já nas décadas de 1980 e 1990, as TICs contribuíram entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento econômico, dependendo do país analisado. Na segunda metade da década de 1990, essa contribuição esteve entre 0,3 e 0,9 ponto percentual por ano [Collechia e Schreyer (2001)]. 2 Segundo estudo Global Innovation 1000 da consultoria Bozz & Company (2008), apud Bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29% dos investimentos em P&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computação e bens eletrônicos. 3 Segundo Silva (2010), as TICs estão entre os setores sensíveis e protegidos por extensa rede de agências e considerados “infraestrutura crítica”. 46 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS responsáveis por cerca de 5,5% dos empregos nos países da OCDE [OCDE (2010)] se espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia. Em que pese o fato de a indústria brasileira de TICs estar entre as dez maiores do mundo [OCDE (2008, Figura 2.14)], o país segue experimentando déficits comerciais aceleradamente crescentes no CE, com participação de apenas 1% das exportações mundiais, ocupando o 27º lugar nas exportações mundiais de TICs em 2008 [Salles (2011)]. Os motivos que travam o desenvolvimento do CE serão discutidos ao longo do artigo, cujo objetivo é expor a evolução histórica recente do CE no Brasil e o respectivo apoio do BNDES, com especial ênfase na última década,4 tendo como perspectiva o quadro atual do setor e os desafios para seu desenvolvimento no país. A seção a seguir descreve os principais vetores de mudança provocada pela evolução tecnológica e de modelos de negócios das TICs e, em sequência, o panorama mundial no setor. Na seção “Panorama brasileiro”, são mostrados os instrumentos de política para o setor no país. Na seção seguinte, é avaliada a evolução do panorama setorial brasileiro. As duas últimas seções apresentam as perspectivas do setor e as propostas para atuação do Banco. 2 . PAN OR A MA IN TER N A C I O N A L Antes de iniciar a apresentação do panorama internacional, cumpre expor a classificação do universo TICs adotada por este artigo. Isso se justifica por nem sempre a definição dos alcances do CE ser convergente, em consequência da crescente difusão da eletrônica na economia. A Figura 1 exibe a definição proposta por este artigo, com uma tipologia orientada para a convergência tecnológica – os segmentos eletrônica de consumo, equipamentos de telecomunicações e informática, que no decorrer do tempo foram classificados pelo BNDES como segmentos distintos, estão inseridos em Sistemas e Equipamentos Eletrônicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos segmentos de eletrônica embarcada e automação industrial. Ressalta-se que, apesar 4 Para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histórico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do artigo comemorativo de cinquenta anos do BNDES sobre o complexo eletrônico, elaborado por Nassif (2002). COMPLEXO ELETRÔNICO 47 de serem intensivamente baseados em TICs, não são considerados no CE os serviços de telecomunicações, radiodifusão e comercialização das TICs. Por outro lado, em razão da dificuldade de dissociar os números de software dos de Serviços de Tecnologia da Informação (TI), estes últimos foram inseridos no CE para efeitos deste trabalho. FIGURA 1 DEFINIÇÃO DO COMPLEXO ELETRÔNICO Complexo eletrônico/TICs Microeletrônica Outros Eletrônica embarcada Dispositivos de rede Dispositivos de acesso Produto SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS Automação industrial SOFTWARE Displays Embarcado COMPONENTES ELETRÔNICOS Serviços TICs Comercialização Telecomunicações Radiodifusão Serviços de TI Demanda TICs Manufatura (Bens de capital, Automotiva, Defesa etc.) Consumidor final Empresas Governo Fonte: BNDES. MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E PRODUTIVAS RECENTES Ao mesmo tempo em que o CE viabiliza profundas mudanças na organização produtiva mundial – proporcionando informação em tempo real, automatizando cadeias, aumentando a produtividade do trabalho etc. –, diversas tendências tecnológicas e de processos afetam seu próprio dinamismo, trazendo desafios para as empresas nele inseridas e para formuladores de políticas públicas preocupados com seu enraizamento local. A seguir, são comentadas algumas das principais tendências que nasceram ou se reforçaram na década de 2000. Terceirização produtiva Nos anos 1990, a globalização se aprofundou, e a absorção dos conceitos de reengenharia de processos com focalização nos negócios centrais das organizações 48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS provocou a reorganização das cadeias de fornecimento de diversos setores produtivos, originando à desverticalização em larga escala da produção mundial. Assim, o modelo de terceirização de produção ganhou força, tanto em hardware quanto em software e serviços de TI. Desde então, a produção de equipamentos, partes, peças e componentes foi progressivamente desviada para as montadoras terceirizadas, as Contract Equipment Manufacturer (CEM). Direcionado pela dimensão custos, esse segmento se consolidou, alcançando faturamento muitas vezes superior ao dos próprios clientes. Estes, por sua vez, passaram a focar na manufatura de produtos mais sofisticados, com maior flexibilidade nas linhas de produção – o que passou a ser conhecido como modelo Original Equipment Manufacturing (OEM). Alguns fabricantes terceirizados, buscando agregar valor à produção de commodities eletrônicas, passaram a oferecer o projeto de equipamentos eletrônicos, tornando-se Original Design Manufacturing (ODMs). Este último modelo atende massivamente aos fabricantes brasileiros detentores de marcas de renome, e conta com a Foxconn (Grupo Hon Hai) como seu maior expoente, com mais de 50% da produção mundial terceirizada de empresas como Apple, Sony, Dell, Nokia etc. GRÁFICO 1 COMPOSIÇÃO DO PREÇO DO IPAD 16 GB Margem Apple Outros custos de insumos 25% 25% 2% Mão de obra direta Margens não Apple nos EUA 10% 4% Fontes desconhecidas 23% 2% 2% Margem Japão Margem Taiwan 7% Margem Coreia Fonte: Linden, Kraemer e Dedrick (2011). Distribuição e comercialização COMPLEXO ELETRÔNICO 49 Em 2009, o faturamento dos segmentos de Electronic Manufacturing Services (EMS), que abrangem CEMs e ODMs, atingiu cerca de US$ 270 bilhões, aproximadamente 25% de todo o faturamento global do CE, com escalas elevadíssimas de produção e margens reduzidas. O Gráfico 1 ilustra o aprofundamento da terceirização, em busca de localidades com eficiência logística e baixo custo de produção. Percebe-se, no exemplo do iPad, a concentração das margens dos bens eletrônicos na marca (Apple) e dos componentes estratégicos (basicamente a soma de Coreia e Japão), em detrimento da fabricação (Taiwan). Igual fenômeno ocorreu com software e serviços de TI, com maciça transferência de operações para países com menor custo de mão de obra (com destaque para a Índia). Inicialmente em serviços mais simples, como atividades de contact center, o modelo evoluiu, chegando a envolver a terceirização de processos com maior valor agregado – como contabilidade e folha de pagamentos –, no que hoje é conhecido como IT Enable Services – Business Process Outsourcing (ITES-BPO). Convergência Nos anos 2000, ganhou força o fenômeno da convergência em diversas dimensões. Por meio da convergência digital – que permitiu a unificação de voz, dados e imagens em infraestrutura, protocolos e padrões comuns –, desencadeou-se um processo de convergência de redes (por exemplo, telefonia fixa e móvel), de serviços (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes redes) e de terminais. A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fenômeno: vídeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma aguda as fronteiras mercadológicas, com transbordamentos em quase todos os setores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados – tomando como exemplos não exaustivos os setores fonografia, radiodifusão, editorial e publicidade. Trata-se da convergência de mercados, com novas e dinâmicas bases de competitividade se formando a partir da participação das empresas em áreas de negócio distintas de suas origens. 50 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Computação em nuvem A reboque da convergência e do avanço tecnológico da microeletrônica – que expandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em servidores e dispositivos de acesso –, cresceu no fim dos anos 2000 o conceito de computação em nuvem. Pessoas, empresas e governo passam a poder compartilhar capacidade de armazenagem, processamento, aplicativos e ferramentas por meio da internet e de data centers espalhados no mundo. Os serviços passam a ser facilmente escaláveis e a compra de aplicativos pode ser configurada de novas formas, como uma taxa por uso e não mais por licença ou espaço alocado nos servidores. Apesar da desconfiança por parte dos clientes potenciais quanto a questões de sigilo e segurança e confiabilidade dos fornecedores, cerca de US$ 90 bilhões foram gastos na nuvem em 2010, e 50% do processamento de dados em 2014 será realizado no ambiente da nuvem.5 A infraestrutura de banda larga é uma questão fundamental para a aceleração desse modelo, conferindo papel-chave, no contexto brasileiro, ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e às demais ações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para melhoria da qualidade e cobertura da internet em alta – e confiável – velocidade. Peso crescente da microeletrônica e software embarcado No campo do hardware, destaca-se a tendência à compactação de funcionalidades em um número cada vez mais restrito de componentes, enxugando o número de fornecedores na cadeia, reduzindo a agregação de valor na manufatura final e, sobretudo, reforçando a necessidade de domínio da microeletrônica para os países interessados no desenvolvimento do CE. Mais recentemente, o conceito de System on a Chip (SoC) materializou esse fenômeno. O recém-lançado chip para telefones celulares Snapdragon da Qualcomm é um exemplo que integra as funções de modem, processador, placa de vídeo, GPS, gestão de energia, memória, multimídia, entre outras, em um único dispositivo. 5 Estudo da Consultoria Gartner, citado por reportagem no jornal Valor Econômico, Especial Segurança Digital, de 28.2.2012. COMPLEXO ELETRÔNICO 51 Por conseguinte, o peso da microeletrônica no produto final cresce progressivamente. Segundo estudo contratado pelo BNDES, o valor embarcado de microeletrônica nos sistemas eletrônicos foi de 6% em 1974 ante cerca de 25% em 2010. Em paralelo, a importância do software embarcado cresce em todos os componentes (até na própria microeletrônica), partes, peças, etapas da produção e produtos finais, assumindo papéis antes conferidos a hardwares específicos. Contribuem de modo decisivo para esse fenômeno os ganhos com a possibilidade de reconfiguração das funcionalidades para cada cliente específico, sem a necessidade de troca ou alteração do equipamento. Simbiose hardware, software e microeletrônica A conclusão direta que poderia ser tirada com base nos itens anteriores é de que a microeletrônica, em conjunto com o software embarcado e a terceirização da fabricação e desenvolvimento de produtos, retira progressivamente o valor ora gerado pelo domínio hardware. Contudo, fatores como o aumento da complexidade da integração desses diferentes elementos – software, microeletrônica e hardware – e a importância crescente do design tornam essa análise incompleta e por vezes enganosa. Exemplos como a aquisição da Motorola pela Google sinalizam que a integração do dispositivo final (smartphone, tablets) com o sistema operacional Android não é ainda satisfatória. Por outro lado, Apple e Google recentemente adquiriram empresas de projeto de chips6 por entenderem ser necessário diferenciar seus produtos dos demais nesse componente e, também, por avaliarem que não havia disponível no mercado empresa capaz de projetar um circuito integrado de acordo com a performance desejada para seus produtos. Serviços Em decorrência da especialização produtiva em todos os setores da economia, é crescente a demanda de clientes por ofertas de soluções completas – até mesmo operadas – e não apenas equipamentos/sistemas eletrônicos isolados. Seja para o segmento em- 6 A Apple adquiriu a P.A. Semi em 2008 por cerca de US$ 280 milhões, a Intrisity em 2010 por US$ 120 milhões e a Anobit em 2010 por cerca de US$ 400 milhões; em 2010, a Google adquiriu a Agnilux. Disponível em: <http://www.eetindia.co.in/ ART_8800604928_1800000_NT_347c98fe.HTM> e <http://www.nytimes.com/2010/04/28/technology/28apple.html?_r=1>. 52 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS presarial (por exemplo, operadoras de telecomunicações terceirizando toda a operação de rede em pacotes turn key, até mesmo aquisição de equipamentos necessários), para o consumidor final (por exemplo, fabricantes de computadores oferecendo espaço de armazenagem na internet ou conteúdo exclusivo), ou para o governo (por exemplo, terceirização do processamento de folha de pagamento), aumenta a participação dos serviços no faturamento e lucratividade das empresas de TICs desde a última década. PANORAMA MUNDIAL EM SISTEMAS, EQUIPAMENTOS E COMPONENTES ELETRÔNICOS Dados de consultoria Decision Etudes Conseil (2011) indicam que a produção mundial de sistemas eletrônicos em 2010 alcançou € 1,2 trilhão (cerca de US$ 1,6 trilhão). Com elevada elasticidade-renda, depois de duas décadas de crescimento contínuo (de 1980 a 2000), a produção de eletrônicos experimentou duas crises importantes: a crise da internet (2001-2002) e a crise econômica global em 2009. Mesmo nesse contexto, o crescimento médio da produção mundial de eletrônicos atingiu cerca de 4,9% ao ano entre 2004 e 2009, conforme mostrado no Gráfico 2. GRÁFICO 2 CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE ELETRÔNICOS GRÁFICO 2A PRODUÇÃO ELETRÔNICA MUNDIAL POR REGIÃO 4,9% 1.237 62 3% 8,5% 162 15% 178 15% 259 17% 272 20% 301 30% 975 4,8% 41 128 BILHÕES (EURO) 3,0% 153 3,1% 223 3,4% 230 8,8% 197 2004 Resto do mundo Outros Ásia 2009 Japão América do Norte Europa China 53 COMPLEXO ELETRÔNICO 8% 9% 10% 11% 14% 6% 7% -14% -10% -4% 1% 3% 4% 6% 8% 9% 10% 12% 13% GRÁFICO 2B TAXA DE CRESCIMENTO DE PRODUÇÃO DE SISTEMAS ELETRÔNICOS – MUNDIAL 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 Fontes: Decision Etudes Conseil e BNDES (estudo contratado). Decision Etudes Conseil (2011) e estudo contratado pelo BNDES preveem crescimentos entre 5% e 8% ao ano até 2015. No longo prazo, a previsão de expansão está em torno de 6% ao ano. Os dados do Gráfico 2 mostram a rápida consolidação da China como maior produtora mundial, com 30% do fornecimento global em 2009 – em 2001, sua produção respondia por cerca de 10% do total. Essa manufatura é, em sua maioria, de produtos de consumo, como televisores, computadores e terminais celulares, em que o fator escala e controle de custos é fundamental. Todavia, os investimentos em P,D&I são notórios e algumas empresas de elevado conteúdo tecnológico já são mundialmente reconhecidas – como a Huawei e ZTE, ambas fabricantes de equipamentos de telecomunicações, e a Lenovo, segunda maior fabricante de laptops. Os gigantes conglomerados da Coreia do Sul (chaebols) que atuam na eletrônica – Samsung, LG e Hyundai – obtiveram crescimento expressivo na última década, assumindo liderança ou posição de destaque em dispositivos de acesso (televisores, celulares, computadores etc.), componentes estratégicos (chips para memória e 54 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS displays) e bens de capital de eletrônica. Cresceu também a importância de países como Taiwan,7 Cingapura, Hong Kong, Malásia. Os EUA ainda mantêm posição de destaque no desenvolvimento de produtos, equipamentos e insumos em diversos segmentos, contando com empresas como Apple, IBM, Google, Intel e Qualcomm. A Europa mantém presença relevante em produtos com escalas menores, mas de aplicações mais sofisticadas e de maior valor agregado, como a eletrônica embarcada em veículos, equipamentos de defesa, médico-hospitalares e automação industrial. Apesar da perda do espaço de diversas empresas no segmento de Bens de consumo, o Japão continua desempenhando importante papel na fronteira do desenvolvimento, especialmente em segmentos de elevada complexidade tecnológica, como em componentes estratégicos8 e em bens de capital para a fabricação de eletrônicos. TABELA 1 RANKING DAS MAIORES EMPRESAS DE TICS Ranking 2005 Geral Eletro. Empresa US$ bilhões Vendas Lucro Ranking 2011 Geral Eletro. Empresa US$ bilhões Vendas Lucro 20 1 IBM 96,3 8,4 22 1 SAMSUNG ELECTRONICS 133,8 13,7 21 2 SIEMENS 91,5 4,1 28 2 HP 126,0 8,8 23 3 HITACHI 84,0 0,5 40 3 HITACHI 108,8 2,8 28 4 HP 79,9 3,5 47 4 SIEMENS 102,7 5,3 39 5 SAMSUNG ELECTRONICS 71,6 9,4 50 5 PANASONIC 101,5 0,9 47 6 SONY 66,6 1,5 52 6 IBM 99,9 14,8 72 7 TOSHIBA 54,3 0,4 60 7 HON HAI GROUP 95,2 2,5 96 8 NEC 45,2 0,6 73 8 SONY 83,8 (3,0) 99 9 FUJITSU 44,3 0,3 89 9 TOSHIBA 74,7 1,6 115 10 LG ELECTRONICS 37,8 1,4 111 10 APPLE 65,2 14,0 116 11 PHILIPS 37,7 3,5 120 11 MICROSOFT 62,5 18,8 127 12 MICROSOFT 36,8 8,2 124 12 DELL 61,5 2,6 130 13 NOKIA 36,4 4,0 143 13 NOKIA 56,2 2,5 138 14 MOTOROLA 35,3 1,5 171 14 LG ELECTRONICS 48,2 1,1 141 15 INTEL 34,2 7,5 195 15 INTEL 43,6 11,5 Fonte: Ranking Global 500 – Fortune/CNN. 7 Os maiores CEMs, ODMs e Foundries de semicondutores do mundo são taiwaneses (por exemplo, Foxconn e TSMC e UMC), assim como empresas entre as líderes em displays (AUO, Innolux/CMO) e equipamentos (ACER, HTC e BenQ). 8 A Sharp tem a fábrica mais sofisticada de displays de LCD do mundo; a Toshiba segue como uma das maiores do mundo em chips de diferentes segmentos; a Sanyo segue entre as líderes em baterias etc. COMPLEXO ELETRÔNICO 55 Na Tabela 1, são listadas as maiores empresas de eletrônicos do mundo quanto a faturamento. É interessante notar: a entrada da Foxconn (Hon Hai Group) no ranking de 2011 e a liderança da Samsung; a lucratividade das empresas de software e soluções (Microsoft e IBM) e de componentes (Intel) e da Apple; a queda de faturamento ou lucro das empresas japonesas – Sony, Toshiba, NEC, entre outras – que enfrentam crescente concorrência e os efeitos do tsunami; e que o lucro das maiores empresas chega a ser mais de dez vezes superior ao faturamento das maiores empresas brasileiras.9 Segundo estudo contratado pelo BNDES (vide Tabela 2), os segmentos de mercado majoritariamente de massa do CE – Informática, Telecomunicações e Eletrônica de Consumo – devem representar mais de 70% da produção mundial em 2015. Dentre os mercados com maior customização, destaca-se o segmento Automotivo, com expectativas de crescimento médio superior a 10% ao ano. A Eletrônica deverá responder por 60% das inovações das montadoras nos próximos cinco anos [Wyman (2007)], na busca por veículos mais seguros, econômicos, movidos a combustíveis alternativos (em especial, os veículos elétricos) e com mais funcionalidades. TABELA 2 PROJEÇÃO DE MERCADO PARA SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS US$ bilhões Tipo de sistema 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* INFORMÁTICA 349 387 420 450 455 485 526 51 TELECOMUNICAÇÕES 302 335 370 405 415 448 492 63 IND./MED./OUTROS 160 174 184 195 199 210 224 40 ELETRÔNICA DE CONSUMO 140 157 175 191 193 208 226 61 AUTOMOTIVO 85 100 111 121 125 135 150 76 GOV./MILITAR 80 84 88 93 97 102 107 34 1.116 1.237 1.348 1.455 1.484 1.588 1.725 55 TOTAL 2015*/2009 (%) Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de relatório de consultoria. * Projeção. Tal como em outros segmentos industriais, EUA, Europa e Japão seguem sendo os maiores mercados – correspondendo a 66% da demanda mundial por eletrônicos. 9 O faturamento, por exemplo, da Positivo Informática em 2011 foi de R$ 2,3 bilhões, de acordo com Valor 1000 (2011). 56 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Todavia, o crescimento da demanda do resto do mundo – em especial dos BRICs e demais países emergentes – superou largamente o ritmo de expansão de mercado dos países de economia madura, como ilustrado no Gráfico 3. GRÁFICO 3 CONSUMO MUNDIAL TICS 4,9% 7,8% 975 7,4% 83 95 BILHÕES (EURO) 1.237 121 10% 135 11% 130 11% 370 30% 2,8% 113 2,9% 320 3,7% 319 10,6% 162 26% 266 98 2004 Resto do mundo Outros Ásia 13% 2009 Japão América do Norte Europa China Fonte: Decision Etudes Conseil. PANORAMA MUNDIAL EM SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI Com uma estrutura de oferta e demanda relativamente diferente do universo de hardware, o mercado mundial de software e serviços de TI cresceu cerca de 33% entre 2005 e 2010, alcançando, segundo dados de Associação Brasileira das Empresas de Software em parceria com International Data Corporation (Abes/IDC) (2011), US$ 884 bilhões em 2010 – dos quais US$ 307 bilhões em software e US$ 577 bilhões em serviços de TI. Esse mercado nasceu e ainda está fortemente concentrado nos EUA (cerca de 40% da demanda global), país que mais profundamente adotou os conceitos de terceirização off-shore de software e serviços. Como pode ser observado na Tabela 3, em 2010, o Brasil se encontrava na 11a posição, com um mercado de cerca de US$ 17,3 bilhões – em 2004, o país tinha o 15º maior mercado, estimado em cerca de US$ 6,0 bilhões –, com crescimento inferior apenas ao da China, considerando os dez maiores mercados. 57 COMPLEXO ELETRÔNICO TABELA 3 MAIORES MERCADOS DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI (EM US$ BILHÕES) Países 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2010 (%) 2010/2005 (%) 287,5 303,0 315,0 339,6 349,7 359,2 40,7 25 JAPÃO 63,2 64,4 63,8 71,7 71,7 76,9 8,7 22 REINO UNIDO 59,5 56,0 60,3 67,1 69,4 65,4 7,4 10 ALEMANHA 41,3 48,2 51,8 62,6 59,8 58,0 6,6 40 FRANÇA 36,8 39,3 41,6 49,8 47,4 45,6 5,2 24 CANADÁ 17,9 21,1 22,0 24,8 24,5 23,8 2,7 33 ITÁLIA EUA 16,9 18,1 19,3 24,1 22,9 21,0 2,4 24 HOLANDA 9,5 12,5 13,6 18,2 19,9 18,4 2,1 94 CHINA 6,9 9,6 11,5 15,2 15,5 17,7 2,0 157 11,6 10,3 11,5 19,8 18,7 17,5 2,0 51 7,2 9,1 10,8 14,7 15,0 17,3 2,0 139 RESTO DO MUNDO 104 122 135 165 166 163 18,4 57 TOTAL 662 714 756 873 881 884 100 33 ESPANHA BRASIL Fonte: Abes/IDC. 3 . PAN OR A MA BR A S I L EI R O Com maior ou menor ênfase, as TICs vem sendo reconhecidas como estratégicas ao longo dos últimos sessenta anos pelos governos brasileiros, com legislação específica para produção e inovação local. De forma complementar ao artigo comemorativo de cinquenta anos do BNDES [Nassif (2002)], a análise histórica foi dividida em duas partes: (i) o período entre 1950 e 2001 e (ii) a década passada (2001-2011), para a qual foi realizada uma avaliação mais detalhada. PERÍODO 1950-2001 As origens do setor de CE no Brasil remontam à década de 1950, quando foram produzidos os primeiros bens de eletrônica de consumo (sobretudo áudio e vídeo) a partir de insumos importados por multinacionais que entravam no país. Na década seguinte, foram instalados nas universidades os primeiros computadores (informática), ainda pouco difundidos na atividade industrial brasileira. Em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus, com o objetivo de promover a integração e o desenvolvimento da Amazônia, por meio da desoneração do Im- 58 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS posto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para insumos de bens orientados à exportação. O objetivo de criar um polo exportador na região nunca foi efetivamente alcançado – o percentual de exportações sobre o faturamento do polo em eletroeletrônicos em 2010 foi de 1,4% [Suframa (2012)] –, tal como a desoneração de insumos dificultou historicamente as políticas de adensamento da cadeia produtiva em eletrônicos. De toda forma, em 2011 o polo manteve por volta de 110 mil empregos em TICs na Região Amazônica e gerou um faturamento de cerca de US$ 18 bilhões, com base na utilização de US$ 9,6 bilhões de insumos – 74% dos quais importados. Com a expansão econômica da década de 1970, a elevada demanda pública e privada levou o governo a criar a Comissão de Atividades de Processamento Eletrônico (Capre), subordinada ao Ministério do Planejamento, para disciplinar e organizar as compras governamentais focadas em Informática. No mesmo ano se criou a holding Telebrás – fator-chave para o desenvolvimento da cadeia produtiva de telecomunicações por meio do exercício do poder de compra de suas operadoras e dos equipamentos e sistemas desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD), criado em 1976. Em meados da mesma década, a crise do petróleo determinou o lançamento do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com fortes estímulos à substituição de importações. Em 1979 é criada a Secretaria Especial de Informática (SEI), substituindo a Capre e ampliando o escopo de atuação para, além da informática, incorporar a microeletrônica, a automação industrial, os equipamentos de telecomunicações e a instrumentação digital. Essa é a base do atual escopo da Lei de Informática. A despeito das críticas dirigidas ao período 1970-1980, parte relevante das empresas que desenvolvem tecnologia eletrônica no país são originárias dessa época. Também é nesse período que surge uma indústria de componentes eletrônicos no país, com a instalação de fábricas de displays (cinescópios ou displays de tubo) e microeletrônica.10 10 A SID Microeletrônica operou a única fábrica com ciclo completo de produção de semicondutores no país. COMPLEXO ELETRÔNICO 59 Ainda nesse período se observa o nascimento da indústria de software brasileira. Além da necessidade de embarcar o software nas indústrias de equipamentos eletrônicos, as características específicas do país – hiperinflação, complexidade tributária, criatividade etc. – propiciam a formação da competência em verticais setoriais (por exemplo, bancário, varejo e telecomunicações) em que o Brasil conta atualmente com reconhecimento internacional. A abertura de mercado na década de 1990 e o fim da reserva de mercado estimularam a modernização do parque produtivo, a entrada maciça de multinacionais e o início do processo de terceirização manufatureira. Por outro lado, esse momento imprimiu um esforço de adaptação concentrado no tempo das empresas locais de base tecnológica, que hoje se concentram em nichos de mercado. A indústria local de componentes também foi atingida com especial intensidade, tendo ocorrido grandes desinvestimentos na área, com fechamento de quase todas as empresas estrangeiras [Melo et al. (1997)]. Nesse cenário foi implementada a Lei de Informática (LI)11 com o mérito de buscar alinhar incentivos com a também renovada Lei da Zona Franca de Manaus.12 Em 1993 foi implantado o Processo Produtivo Básico (PPB), que passou a conceder incentivos fiscais no âmbito da LI (desoneração de IPI na venda de produtos), definidos a cada tipo de produto, a empresas que cumprissem determinadas etapas de produção local, adquirissem localmente determinados componentes e investissem um percentual da receita em P&D. EVOLUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL E POLÍTICAS INDUSTRIAIS RECENTES (2001-2011) O esforço recente do governo em aperfeiçoar o arcabouço legal para TICs, até mesmo por meio de políticas industriais setoriais, é notório, como ressalta a Figura 2. 11 Lei 8.248/91. Estão no escopo dessa lei: componentes semicondutores, optoeletrônicos, máquinas, equipamentos e dispositivos baseados em eletrônica digital, seus insumos, partes, peças, software e serviços técnicos associados. 12 Lei 8.387/91, que prevê, além da redução de até 88% do II sobre insumos, isenção de IPI. 60 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS FIGURA 2 EVOLUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL E POLÍTICAS DE GOVERNO Arcabouço legal LEI DO SOFTWARE LEI DE INFORMÁTICA Leis 8.248/91, 10.176/01, 11.077/04 LEI DE INOVAÇÃO Lei 10.973/04 ZFM (8.387/91) 1967 TECNOLOGIA NACIONAL Portaria MCT 950/06 Lei 9.609/98 1991 SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES LEI DO BEM Lei 11.196/05 DESONERAÇÃO DE FOLHA Lei 12.546/11 PADIS Lei 11.484/07 PDP Lei 11.774/08 COMPRAS GOV. Lei 12.349/10 e Decreto 7.174/10 2007 2003 PBM TICS MPV 563/12 2011 PITCE PDP PBM (Política Industrial, Tecnológica e de Com. Exterior) (Política de Desenvolvimento Produtivo) (Plano Brasil Maior) Políticas industriais Fonte: BNDES. Políticas industriais A última década foi marcada pela retomada das políticas industriais e tecnológicas setoriais. Em 2003, em um contexto de estabilidade monetária, foi lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), com vigência até 2007, com ênfase na inovação tecnológica, tendo os setores de software e microeletrônica ao lado de fármacos e bens de capital como estratégicos. Duas agências foram criadas no governo para auxiliar as ações dessa política: a Agência Brasileira de Promoção à Exportação (Apex), criada em 2003, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), criada em 2006. Entre 2008 e 2010, entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em que o setor TICs foi novamente posicionado como estratégico13 em cinco temas – software e serviços de TI, microeletrônica, displays, infraestrutura para inclusão digital e adensamento da cadeia. Em 2011, e ainda em estágio de elaboração, o Plano Brasil Maior (PBM) foi lançado com o desafio de implementar medidas com base em um cenário de restrição fiscal, crise e sobreoferta de capacidade produtiva mundial e necessidade de suportar os investimentos na indústria, incluindo mais uma vez o setor de TIC como estratégico. 13 Além das TICs, o complexo de saúde, energia nuclear, complexo de defesa, nanotecnologia e biotecnologia foram definidos como programas mobilizadores em áreas estratégicas na PDP. COMPLEXO ELETRÔNICO 61 Essas políticas desempenharam, sobretudo, um papel decisivo para a articulação dos agentes do poder público e do setor privado na proposição e implantação das medidas e aperfeiçoamento do arcabouço legal apresentados nos próximos tópicos. Poder de compra do Estado A renovação da Lei de Informática (Lei 10.176/01) introduziu em seu Artigo 3º a preferência nas compras públicas por bens TICs com tecnologia nacional e/ou PPB, que seria materializada por meio da modalidade “técnica e preço”. Contudo, a privatização das empresas estatais e a introdução e fortalecimento da “Lei do Pregão” (Lei 10.520/02) em 2002 reduziram sobremaneira o poder do dispositivo. Em 2010 esse artigo foi regulamentado (Decreto 71.174/10), conferindo a possibilidade de repique (inclusive em pregões) para que fornecedores com PPB e/ou tecnologia nacional classificados em até dez pontos percentuais abaixo da proposta vencedora possam igualá-la, com preferência para os que têm simultaneamente o PPB e tecnologia nacional. No mesmo ano, foi promulgada a iniciativa mais afirmativa para exercício do poder de compra do Estado por meio da Lei 12.349/10 – ainda não regulamentada – que permite sobrepreço de até 25% para bens e serviços nacionais que geraram mais empregos, desenvolvimento e inovação tecnológica e arrecadação tributária no país. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) A Pitce exerceu papel central em conferir destaque à discussão sobre os investimentos em inovação e robustecer o arcabouço legal para P,D&I. A Lei de Inovação (Lei 10.973/04), entre outros dispositivos, além de disciplinar a atividade de P,D&I, autorizou as ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) a prestar serviços, compartilhar sua infraestrutura de pesquisa e desenvolver projetos em conjunto com o setor privado, além de abrir caminho para a subvenção direta a empresas e entidades privadas sem fins lucrativos e para a realização de encomendas tecnológicas pelo poder público. No ano seguinte a “Lei do Bem” (Lei 11.196/05) – e seus aperfeiçoamentos posteriores – avançou nos incentivos à inovação com desonerações tributárias para 62 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS os dispêndios em atividade de inovação, depreciação acelerada e redução do IPI para aquisição de equipamentos voltados à inovação, bem como permitiu a remuneração parcial14 de mestres e doutores empregados em atividades inovadoras de empresas locais. Em 2006 o então Ministério de Ciência e Tecnologia elaborou a Portaria MCT 950/06, que passou a conferir um certificado para bens com tecnologia nacional. Esse instrumento está sendo utilizado de maneira crescente em diversos dispositivos que concedem incentivos a produtos desenvolvidos no país.15 Inclusão digital Em um cenário de elevado contrabando de computadores – o chamado “mercado cinza” – e latente necessidade de incentivar a inclusão digital no país, o governo decidiu desonerar as vendas de varejo de computadores desktops e laptops16 das contribuições de PIS/Cofins por meio do Programa de Inclusão Digital. Essa medida gerou impacto significativo na expansão da produção local de bens de informática – de 3,2 milhões de computadores em 2003 para cerca de 14 milhões em 2010 –, na formalização do mercado,17 no crescimento de empresas nacionais e na atração de firmas estrangeiras. Ainda com o objetivo de congregar inclusão digital e agregação local de valor, em 2010 foi lançado o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) e o Regime Especial para Aquisição de Computadores para uso Educacional (Recompe) (Lei 12.249/10), que desonerou a aquisição de insumos e fabricação e vendas de computadores educacionais com PPB a serem adquiridos por estados, municípios e governo federal por meio de pregões de referência realizados pelo Ministério da Educação. 14 Até 60% para empresas na região Sudam/Sudene e 40% nas demais regiões do país (Decreto 5.798/06). Entre estes, a Lei de Informática permitiu direito preferencial por repique em compras públicas (Decreto 7.174/10), dedução integral do IPI para bens com tecnologia nacional (Lei 12.431, de 2011), e o BNDES lançou em 2011 a linha Programa de Sustentação do Investimento – Bens de Capital (PSI Bens de Capital) Tecnologia Nacional para financiar a aquisição de bens com essa certificação. 16 O Programa de Inclusão Digital está inserido na Lei do Bem (11.196/05). Posteriormente, na Lei 12.431/11 foram incluídos os tablets e modems. 17 Segundo Abinee/IT Data, o “mercado cinza” passou a corresponder a 24% do mercado total em 2010, ante 70% dos computadores vendidos no país em 2003. 15 COMPLEXO ELETRÔNICO 63 Na Medida Provisória 563/12 foi lançado o Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações (REPNBL-Redes), isentando de PIS/Confins e IPI os investimentos em expansão de rede de banda larga que incluam equipamentos com PPB e Tecnologia Nacional (Portaria MCT 950/06) em percentuais a serem definidos. Desoneração de folha salarial Tendo em vista a janela de oportunidade que se abria no cenário internacional para posicionar o país como grande exportador de software e serviços de TI,18 na já citada Lei do Bem (11.196/05) foi instituído o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes). Este objetivou a redução de impostos de diversos gastos – como capacitação, aquisição de software, ferramentas etc. – de empresas do setor que destinassem pelo menos 60% do faturamento para exportação.19 Ainda com o alcance relativamente restrito, foi lançado no âmbito do PBM nova medida para desoneração de folha, dessa vez mais abrangente: a Lei 12.546/11 substitui a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) por 2,5% incidentes sobre a receita bruta de empresas que desenvolvem software ou prestam serviços de TI. Essa medida foi complementada com a Medida Provisória 563/12, que também substituiu a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) para 1% no caso de empresas de hardware de TICs e 2% para as de software e serviços de TI, call centers e empresas de projetos de circuitos integrados. Padis (microeletrônica e displays) Recomendado pelo Fórum de Competitividade promovido pelo MDIC no fim da década de 1990, o BNDES contratou estudo de uma consultoria internacional para identificar meios de implantar uma indústria de componentes eletrônicos no 18 Em 1998 é promulgada a primeira lei exclusivamente voltada para o setor de software (Lei 9.609/98), definindo o que é considerado um programa de computador, seus direitos de propriedade e exploração do uso, entre outros dispositivos. 19 O percentual foi posteriormente reduzido para 50% pela Lei 11.774/08, já no âmbito da PDP. 64 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Brasil. Com base nos resultados dessa ação, iniciou-se uma discussão no governo federal que culminaria na elaboração, em 2007, pela Lei 11.484/07, do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), que passou a conferir às empresas de projeto, fabricação e montagem de microeletrônica e displays possivelmente o melhor pacote de incentivos fiscais federais do país, provendo, entre outros incentivos, a isenção total do IR, IPI e PIS/Cofins na comercialização de bens finais e do IPI e II na aquisição de insumos e equipamentos. Como contrapartida a beneficiária deve investir 5% do faturamento em atividades de P,D&I. EVOLUÇÃO DO PANORAMA PRODUTIVO ENTRE 2001 E 2011 Todo esse aperfeiçoamento do arcabouço legal ocorreu em um cenário de crescimento da demanda por bens, software e serviços TICs em ritmo mais acelerado do que no resto do mundo. O país está entre os cinco maiores mercados do mundo em computadores, celulares, televisão, automóveis, máquinas ATMs (Automatic Teller Machine) e equipamentos médicos. É o 11o mercado de software e serviços de TI [Abes (2011)], o 4o lugar em número de servidores conectados à internet e passou de 1,1% dos pontos de acesso à rede mundial em 2001 para 2,6% em 2010 [Duarte (2012)]. Esses números revelam o grande mercado interno brasileiro, que é em grande parte abastecido por bens TICs montados localmente, mas com bastante conteúdo importado de componentes, partes e peças. Para tentar sintetizar esse panorama produtivo da última década, o Gráfico 4 exibe uma compilação de dados da balança comercial – com dados da Secretaria do Comércio Exterior (Secex) – e da produção local – com dados da PIA/IBGE.20 20 Na PIA/IBGE foram consideradas apenas as empresas com mais de trinta funcionários das CNAEs 1.0 (24.96, 30.12, 30.2, 32.2, 33.4, 32.1, 32.3, 33.2, 33.3 e 33.5) e CNAEs 2.0 [C 26, exceto 26.6 (equipamentos médicos)]. A exclusão dos equipamentos médicos se deve à dificuldade de compatibilizar as diferentes classificações da CNAE 1.0 e 2.0. 65 COMPLEXO ELETRÔNICO GRÁFICO 4 QUADRO MANUFATUREIRO DO COMPLEXO ELETRÔNICO GRÁFICO 4A BALANÇA COMERCIAL TICS (EM US$ BILHÕES) 26,5 30 25 (23,5) 20 15 10 5 3,0 2,5 4,9 6,3 (10,5) 0 02 03 04 05 Importações 06 07 Déficit total Exportações 08 09 10 11 Déficit componentes GRÁFICO 4B RECEITA BRUTA E AGREGAÇÃO DE VALOR TICS (EM R$ MILHÕES) 43,7 56,6 31% 34,7 23% 01 Receita TICs 02 03 VTI/receita TICs 04 05 06 07 08 09 66 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 4C PARTICIPAÇÃO DA AGREGAÇÃO DA INDÚSTRIA TICS NO BRASIL 5,5% 2,5% 01 02 03 2,5% 04 05 06 07 08 09 VTI (% TICs sobre a indústria de transformação) Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE e Secex. Percebe-se, analisando a balança comercial, um profundo agravamento do déficit do setor, como já abordado. O problema não consiste tanto no lado da importação, que é inerente à cadeia global do setor – a título de comparação, países superavitários em TICs, como Alemanha, China e Japão, importam mais de US$ 50 bilhões –, mas na quase inexistência da fabricação local de componentes, na baixa agregação local de valor e no fraco e declinante desempenho exportador. Segundo dados da PIA/IBGE compilados pelo BNDES e reproduzidos na Figura 3, entre 2001 e 2009 esse grupo de empresas de componentes eletrônicos, equipamentos de telecomunicações, informática, eletrônica de consumo e automação industrial obteve crescimento de receita de cerca de 14% acima do PIB, atingindo cerca de US$ 57 bilhões de faturamento e cerca de 140 mil empregados – ante 11 mil em 2001. Contudo, houve perda de participação da agregação de valor da manufatura eletrônica tanto quando comparada à realizada pela indústria de transformação brasileira – o percentual do Valor da Transformação Industrial (VTI) de TICs caiu de 5,5% em 2001 para 2,5% em 2009 –, como quando comparada ao crescimento de suas receitas. COMPLEXO ELETRÔNICO 67 FIGURA 3 QUADRO PRODUTIVO DO COMPLEXO ELETRÔNICO (2009) 64 EMPRESAS COM TECNOLOGIA NACIONAL R$ 3 BILHÕES* 446 EMPRESAS COM PPB R$ 24 BILHÕES* 667 EMPRESAS TICS HARDWARE** R$ 57 BILHÕES 35 MIL EMPRESAS INDÚSTRIA BRASILEIRA DE TRANSFORMAÇÃO R$ 1.910 BILHÕES Fontes: PIA/IBGE (2009) e Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/Sepin). * Faturamento de produtos com Certificado de Tecnologia Nacional (Portaria MCT 950/06) e PPB, respectivamente. ** PIA/IBGE no CNAE 26 (exceto 26.6); empresas com trinta ou mais funcionários. Dos R$ 57 bilhões faturados por empresas de hardware de TICs no país em 2009, cerca de 40% (R$ 24 bilhões) foram referentes a produtos que atendem ao PPB e 5% (R$ 3 bilhões) a produtos com certificado de tecnologia nacional (Portaria MCT 950/06), evidenciando a baixa participação de produtos desenvolvidos no Brasil na oferta local de bens eletrônicos. Cumpre ressaltar que o faturamento total das 446 empresas beneficiárias da Lei de Informática (LI) foi de cerca de R$ 48 bilhões em 2009, valor em torno de 84% do faturamento de todo o CE. Cerca de 48% dessas vendas advém de produtos com PPB (R$ 24 bilhões). Pode-se afirmar que a LI foi determinante para sustentar um relevante parque fabril de TICs, gerando empregos, tributos21 e ajudando a construir marcas nacionais.22 No entanto, o crescimento do déficit comercial comparado ao avanço da produção local expõe a porosidade da cadeia produtiva do país. As principais razões para tanto serão apresentadas e discutidas nos próximos tópicos. 21 A título de exemplo, cerca de R$ 5 bilhões de impostos federais foram recolhidos de beneficiárias da Lei de Informática, em 2010, ante uma renúncia fiscal calculada em R$ 3,6 bilhões pela MCTI/Sepin. 22 Por exemplo, Positivo, Semp Toshiba, Itautec etc. 68 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) Além da competitividade e do valor agregado aos produtos e processos, o investimento em P,D&I é fundamental para o CE por auxiliar na fixação da produção local e induzir o desenvolvimento de equipamentos fabris e elos anteriores da cadeia, como a microeletrônica [Gutierrez (2010)]. Segundo dados da MCTI/Sepin, entre 2002 e 2010 as empresas da LI investiram cerca de R$ 5,1 bilhões em P&D, dos quais 55% foram investimentos próprios das empresas beneficiárias e o restante realizado por meio de convênios com Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) ou destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e programas prioritários. GRÁFICO 5 EMPRESAS NA LEI DE INFORMÁTICA 160 126 4,0% 140 120 58 80 R$ MILHÕES 100 60 1,3% 40 20 98 99 Faturamento médio 00 02 03 04 05 06 07 08 09 10 P&D total/faturamento das empresas Fonte: MCTI/Sepin. Apesar do expressivo volume de recursos para atividades inovativas – em 2010 foram cerca de R$ 700 milhões –, o percentual desses investimentos sobre o faturamento vem decaindo com os anos, como mostra a Gráfico 5. Com o crescimento das empresas especializadas em manufatura (CEMs), o porte médio das beneficiárias se elevou, mas as revisões realizadas na LI ao longo da década, flexibilizando o COMPLEXO ELETRÔNICO 69 percentual de investimentos em P,D&I, tornaram o ritmo de crescimento dessas inversões inferior às elevações das receitas. Como se trata de um Complexo em que o percentual de investimentos em P&D sobre a receita líquida nos EUA, por exemplo, varia entre 4% (para equipamentos de TI) e 15% (para componentes estratégicos) do faturamento [Nepelski (2011)], percebe-se que o patamar de 1,3% de investimentos em inovação precisa ser mais elevado no país. Cumpre ressaltar que, nesse cenário de baixos investimentos em P&D, destacam-se positivamente as empresas de equipamentos de telecomunicações (excluindo celulares) e automação industrial (Tabela 4), tendo as primeiras investido em média até duas vezes além do obrigatório pela LI, e as segundas 1,6 vez. Outro aspecto importante a ser observado é que, em geral, a vinculação entre obrigações de P,D&I e desenvolvimento, produção e exportação de bens não é direta. Em 2008, os gastos com desenvolvimento de hardware e processo produtivo foram, respectivamente, de apenas 29% e 1% do total de obrigações nos investimentos próprios e 3% e 1% nos investimentos conveniados [Gutierrez (2010)]. Há uma predominância de desenvolvimento de software e outras finalidades – como treinamento, testes laboratoriais etc. – orientadas para o mercado interno, em especial para as multinacionais. Soma-se a isso, o fato de que parte significativa do total das obrigações de P,D&I recai sobre as empresas de manufatura (CEMs) que não desenvolvem produtos localmente. TABELA 4 EMPRESAS E PRODUTOS COM PORTARIA MCT 950/06 Segmentos de mercado Produtos Part. % Empresas Part. % TELECOMUNICAÇÕES 143 46,7 24 37,5 AUTOMAÇÃO 118 38,6 24 37,5 INDUSTRIAL 78 25,5 15 23,4 BANCÁRIA 12 3,9 3 4,7 COMERCIAL 11 3,6 2 3,1 SMARTGRID 17 5,6 4 6,3 INFORMÁTICA 35 11,4 13 20,3 EQUIP. MÉDICO-ODONTOLÓGICO TOTAL 10 3,3 3 4,7 306 100,0 64 100,0 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Diário Oficial da União apud MCTI. 70 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Parcela significativa dos recursos de P,D&I da LI são direcionados para ICTs. Em recente estudo setorial do BNDES [Gutierrez (2010) são expostos números relativos às ICTs e seu relacionamento com a indústria. Em 2008 havia cerca de trezentas ICTs cadastradas em 21 estados.23 Apesar de existirem ICTs com orçamentos anuais superiores a R$ 10 milhões que desenvolvem pesquisa de complexidade superior às realizadas pelas empresas, mais da metade do total de projetos conduzidos por ICTs obteve valores inferiores a R$ 40 mil e apenas 8% dos convênios (55% do valor total) eram superiores a R$ 1 milhão. Esses números revelam um elevado grau de dispersão de investimentos em um momento da indústria em que os investimentos em P,D&I demandam progressivamente mais recursos, tornando fundamental a construção de uma agenda estratégica de inovação, com participação dos segmentos empresariais, ICTs e órgãos do governo. Recentes anúncios de investimentos de multinacionais em centros locais de P&D – entre outras, GE, IBM, Cisco, Huawei, ZTE – devem ser considerados nessa agenda e podem ser um sinal de início de alteração no quadro. Caso esses centros participem da estratégia global dessas empresas, trata-se de um importante fenômeno para, também, estimular a fixação de pesquisadores e cientistas no país. Formação de recursos humanos As empresas beneficiárias da LI vêm mantendo um percentual de pós-graduados em torno de 8% – número equivalente ao restante da indústria de manufatura [Salles (2011)]. A despeito do número de doutores trabalhando em TICs ter evoluído de cerca de 1,1 mil em 2002 para 2,6 mil em 2010 [Duarte (2012)] – número significativo se comparado ao crescimento de 40% entre 1998 e 2006 dos países da OCDE – e apesar de o país estar crescendo a taxas superiores às dos EUA nesse quesito, ainda se forma um doutor para cada cinco nos EUA. Também preocupa o fato de que o 23 Concentrados no eixo Sul-Sudeste. 71 COMPLEXO ELETRÔNICO crescimento de doutores formados em engenharia foi inferior à média para todas as outras disciplinas no Brasil entre 1998 e 2008 [CGEE (2010)]. O déficit de mão de obra (MO) para o setor de software e serviços de TI talvez seja o mais evidente nesse cenário de escassez de MO. Segundo Brasscom apud Exame (2012), em 2011 faltariam cerca de 92 mil profissionais na área. Para um setor no qual a qualidade e oferta da MO é chave, apesar dos avanços recentes, fica evidente que o Brasil necessita reforçar investimentos na área, podendo afetar a competitividade do país tanto pela falta quanto pelo encarecimento da MO existente. Sistemas e equipamentos eletrônicos Nos últimos anos, algumas das oportunidades que surgiram para o desenvolvimento da indústria de equipamentos e sistemas eletrônicos local foram aproveitadas; em outras, as ameaças prevaleceram em forma de desnacionalização ou desindustrialização. GRÁFICO 6 BALANÇA COMERCIAL DE SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS (US$ MILHÕES) GRÁFICO 6A INFORMÁTICA 7 6 4,18 5 4 (3,8) 2 1,33 3 0,17 0,36 1 02 Importações 03 04 Exportações 05 06 07 Saldo/déficit Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex. 08 09 10 11 72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 6,65 GRÁFICO 6B TELECOMUNICAÇÕES 6,09 7 6 5 3,57 (5,0) 4 1,32 2 1,55 3 1 02 03 Importações 04 Exportações 05 06 07 08 09 10 11 Saldo/déficit GRÁFICO 6C AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL 7 6 5 2,98 4 3 (2,6) 0,36 0,07 1 0,78 2 02 Importações 03 04 Exportações 05 Saldo/déficit 06 07 08 09 10 11 COMPLEXO ELETRÔNICO 73 GRÁFICO 6D ELETRÔNICA DE CONSUMO 7 6 5 4 1,83 3 2 (1,6) 0,28 1 02 03 Importações 04 Exportações 05 06 07 08 09 10 11 Saldo/déficit Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex. Os desempenhos progressivamente negativos da balança comercial dos sistemas e equipamentos eletrônicos (vide Gráfico 6) indicam um quadro adverso que não contempla a parte mais grave do problema: os componentes – em especial, microeletrônica e displays. Em equipamentos para telecomunicações, o crescimento do déficit se associa a duas frentes. Em uma, os seguintes fatores enfraqueceram de maneira sistemática as empresas com base tecnológica no país: (i) a perda do principal comprador (Telebrás), a concentração dos clientes (operadoras) que praticam compras globais, e (ii) o porte relativamente pequeno das empresas nacionais com consequente incapacidade de realizar investimentos em inovação em compasso com os concorrentes mundiais. Na outra frente, a consolidação dos fornecedores mundiais associada às condições macroeconômicas brasileiras e à competição agressiva de empresas chinesas desencadeou uma onda de desinvestimentos fabris de multinacionais,24 que passaram a focar mais em serviços em suas operações brasileiras. 24 Para citar, Alcatel Lucent, Nokia, Siemens e Nortel, entre outras, deixaram de investir na manufatura de equipamentos de telecomunicações no país. 74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Fenômeno semelhante ocorreu no único segmento cujo desempenho exportador é significativo, o de dispositivos celulares. No início da década de 2000, o país chegou a obter saldos positivos na balança comercial nesse segmento, mas perdeu posição de destaque com a entrada da tecnologia 3G e, de forma mais aguda, com a proliferação dos smartphones e o enfraquecimento de grandes exportadores – como a Nokia, Motorola e Siemens. O início da fabricação de iPhones no país, em 2011, pode servir de alento para esse quadro. Ainda no segmento de telecomunicações, uma grande oportunidade de formar uma indústria de equipamentos de radiodifusão baseada no padrão nipo-brasileiro de TV digital não foi aproveitada como esperado. Apesar da bem-sucedida difusão do padrão Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) por quase todos os países da América do Sul, alguns da América Central, do Japão e das Filipinas, os poucos fabricantes com tecnologia nacional que se formaram não conseguiram acessar as grandes radiodifusoras e, ou foram adquiridos por empresas estrangeiras, ou não foram empresarialmente bem-sucedidos. No segmento de informática, a popularização de computadores, notebooks, netbooks e tablets, combinada com a desoneração do PIS/Cofins da Lei do Bem, tanto beneficiou empresas nacionais – como Positivo (líder em desktops) –, quanto atraiu ou fortaleceu a fabricação local de diversas multinacionais – como HP, Acer, Samsung, Asus e, mais recentemente, Apple. Do ponto de vista da cadeia de suprimentos local, destaca-se a manufatura de discos rígidos pela Samsung em Manaus. Ainda no segmento de Informática, o segmento de automação bancária e comercial apresenta as mesmas dificuldades competitivas do CE, mas segue com empresas como a Bematech, Itautec, Digitel desenvolvendo e exportando produtos do Brasil. Semelhante cenário percorreram, nos últimos anos, as empresas de automação industrial, segmento de maior agregação relativa de valor na cadeia de TICs – conforme mostrado no Gráfico 7. Empresas da época da reserva de mercado (como Altus, Elo e Nansen) coabitam o mercado brasileiro com empresas nacionais nascentes, alvos de aquisições de multinacionais, progressivamente mais interessadas no mercado local. 75 COMPLEXO ELETRÔNICO GRÁFICO 7 SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS GRÁFICO 7A RECEITA BRUTA (R$ BILHÕES) 80 70 60 50 40 30 20 10 01 02 Automação industrial 03 04 Eletrônica de consumo 05 Informática 06 07 08 09 Telecomunicações GRÁFICO 7B PARTICIPAÇÃO NO VTI DE TICs 100 80 (%) 60 40 20 0 01 02 Automação industrial 03 04 Eletrônica de consumo 05 Informática 06 Telecomunicações 07 08 09 76 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 7C AGREGAÇÃO DE VALOR (VTI/RECEITA BRUTA) 45 40 (%) 35 30 25 20 15 01 02 Automação industrial 03 04 Eletrônica de consumo 05 Informática 06 07 08 09 Equipamentos de telecomunicações Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE. Concentrado em Manaus, o segmento de eletrônica de consumo cresceu em compasso com a demanda interna, mas com significativa fragilização da cadeia local de suprimentos. A concentração de funções na microeletrônica e a mudança tecnológica de cinescópios para LCDs provocou especial desindustrialização nesse segmento. No plano competitivo, destaca-se ainda a entrada de empresas coreanas (LG e Samsung), que rapidamente se tornaram líderes em diversos mercados. Fornecedoras de cerca de 50% da produção mundial de displays – principal insumo dos televisores –, e com uma estratégia agressiva de entrada no mercado, estas empresas reduziram as margens e deslocaram fabricantes nacionais e multinacionais então líderes, como a Semp Toshiba, Philips, entre outras. Componentes estratégicos Posicionado como prioridade nas políticas tecnológicas e industriais citadas anteriormente (assim como a promulgação de legislação específica do Padis), o quadro produtivo tanto de microeletrônica quanto dos displays revelou uma evolução importante, conforme exposto na Figura 4. COMPLEXO ELETRÔNICO 77 FIGURA 4 EVOLUÇÃO DO SETOR DE COMPONENTES ELETRÔNICOS ESTRATÉGICOS Esforços do governo POLÍTICA INDUSTRIAL (PITCE ‘03-’07): CI TORNA-SE UMA PRIORIDADE 1999 LANÇAMENTO DO PROGRAMA CI BRASIL 2003 FREESCALE INICIA OPERAÇÃO DE DH NO BRASIL 2005 PADIS: LEI ESPECÍFICA, PARA CI E DISPLAY POLÍTICA INDUSTRIAL (PDP ‘08-’10): CI E DISPLAYS PRIORITÁRIOS 2007 FUNDAÇÃO DO CEITEC SMART INICIA OPERAÇÃO DE DRAM BACK-END Setor produtivo HANNA MICRON ANUNCIA JV COM TEIKON POLÍTICA INDUSTRIAL - PLANO BRASIL MAIOR (‘11-’14): CI E DISPLAYS C/ PRIORIDADE 2009 2011 PHILIPS INICIA OPERAÇÃO DE BACK-END DE DISPLAYS GEMALTO INICIA BACK-END DE CHIPS DE MEMÓRIA CONTRATAÇÃO DA OPERAÇÃO SIX FOXCONN ANUNCIA INVESTIMENTOS EM DISPLAYS Fonte: Elaboração própria. A americana Smart iniciou uma operação de encapsulamento e testes de memórias em 2005 e passará a ter a companhia nesse mercado da HT Micron – joint venture entre a coreana Hanna Micron e a gaúcha Teikon com operação futura em São Leopoldo (RS). Em 2007, com o objetivo de formar mão de obra e dominar o ciclo tecnológico completo da fabricação de chips, o governo fundou o Ceitec, empresa estatal que dispõe de uma equipe de design de circuitos integrados (CIs) e de uma planta de manufatura com entrada em operação prevista ainda para 2012. Com capacidade de manufatura algumas vezes superior, foi recém-contratado no BNDES, em 2012, o projeto SIX, uma joint venture entre o grupo EBX, BNDES, IBM, BDMG, Matec e WS-Intecs. Trata-se do projeto mais relevante no país em componentes estratégicos, com investimentos previstos em torno de US$ 580 milhões. Complementam o quadro produtivo brasileiro pequenos e médios fabricantes de dispositivos de potência, como a alemã Semikron, que exporta cerca de US$ 50 milhões, e a Gemalto, que realiza a etapa final de montagem de smart cards no Paraná. A área de design de CIs ganhou impulso depois do lançamento do programa CI Brasil, responsável por conceder bolsas, infraestrutura de pesquisa e licenças 78 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de software para o projetos de chips no país. Hoje existem cerca de vinte design houses no país (das quais duas de empresas estrangeiras,25 cinco privadas nacionais e 13 públicas), com cerca de quinhentos projetistas. Alguns bons resultados foram atingidos, até mesmo de alcance internacional – como a exportação de IP blocks pela catarinense Chipus, a parceria entre a paulista Idea com uma das maiores SIPs do mundo, a CEVA, e o desenvolvimento de premiados chips automotivos da filial brasileira da Freescale.26 Baseados em uma forte demanda interna, os displays também vêm atraindo investimentos de algumas dezenas de milhões de dólares em back-ends (etapa final de montagem) por empresas estimuladas principalmente por exigência de PPB específico para TVs e informática e incentivos regionais. Em 2011, o anúncio de investimentos da Foxconn na área, que ainda se encontram em estudos, trouxe grandes expectativas para que o país desenvolva o ciclo completo de produção desse componente. Software e serviços de TI entre 2001 e 2011 A evolução do mercado de software e serviços de TI é exibida no Gráfico 8. Entre 2005 e 2010, o crescimento observado no mercado brasileiro foi de 139%, bem maior que a média mundial no período considerado, 33%. Note que esses números não consideram os gastos internos de TI das empresas (TI in-house), que somaram o valor de R$ 40 bilhões em 2010, cerca de duas vezes o valor total do mercado (R$ 17,3 bilhões), ou três vezes o valor do mercado de serviços de TI. Esses números demonstram que ainda há espaço para mais terceirização de funções para empresas especializadas. 25 A americana Freescale e STI Semiconductor Design (joint venture entre Toshiba, Semp e Instituto Von Braun). Entre esses, o primeiro chip multicore automotivo para controle de injeção lançado no mercado mundial integralmente desenvolvido no Brasil (incluindo módulos fundamentais e memórias) para atender a demandas de carros híbridos e injeção direta e o microcontrolador para controle de tração Qorivva, que obteve desempenho três vezes superior aos resultados do então benchmark de mercado. 26 COMPLEXO ELETRÔNICO GRÁFICO 8 SOFTWARE E SERVIÇOS NO BRASIL* GRÁFICO 8A MERCADO DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI NO BRASIL (US$ BILHÕES) 20 17,3 18 +139% 16 14 12 10 8 7,2 6 4 2 2005 SW importado 2006 2007 SW para mercado interno 2008 Serviços de TI 2009 SW sob encomenda GRÁFICO 8B SEGMENTOS DE SOFTWARE NO BRASIL (2010) Exportação 2% Segurança e armazenamento 18% Aplicativos 30% Infraestrutura 20% 30% Ambiente de desenvolvimento 2010 79 80 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 8C SEGMENTOS DE SERVIÇOS DE TI NO BRASIL (2010) SW sob encomenda Exportação 12% Treinamento 9% Consultoria 3% 13% Suporte 23% 24% Integração de sistema 16% Outsourcing Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Relatório Abes. * Não estão incluídos os números de ITES-BPO. O mercado interno crescente foi um dos elementos que dificultaram um desempenho exportador mais agressivo, que responderam por 2% da produção local de software e 12% de serviços de TI em 2010. Juntam-se a esse fator as condições macroeconômicas desfavoráveis para exportação, a escassez de mão de obra para atender inclusive ao mercado local, além da importância da internacionalização prévia para gerar oportunidades de exportação. O estabelecimento de operações no exterior de empresas nacionais abre janela para exportação de serviços de TI de fornecedores que atendem às matrizes de multinacionais brasileiras. Por outro lado, para exportação de software produto é fator-chave estar próximo do cliente para concretizar vendas de produtos desenvolvidos no país. Nesse aspecto, a atratividade do mercado brasileiro em um contexto de crise mundial e de poucas empresas do setor com porte para atuar no mercado internacional e nacional simultaneamente resultou em um crescimento de exportações aquém do esperado. Apesar de ainda haver poucos players nacionais de grande porte, os movimentos de consolidação foram muito intensos nos últimos anos. Dentre as consolidadoras, destacaram-se Totvs e Linx (em software produto) e Stefanini, Tivit e CPM Braxis (em serviços de TI). COMPLEXO ELETRÔNICO 81 Esses processos de consolidação em um mercado em expansão acelerada atraíram a atenção de investidores internacionais. Fundos de private equity e multinacionais adquiriram empresas como Tivit, Politec, CPM Braxis, Atos e Sonda. Movimento semelhante ocorre com o crescente interesse de venture capital tanto de multinacionais do setor de TICs quanto de fundos independentes, que aportam no Brasil em busca de empresas criativas e promissoras. Vale ainda destacar o estabelecimento de centros de P&D para desenvolvimento de sistemas e softwares voltados para aproveitar oportunidades em setores em expansão, como o de Petróleo e gás, Mineração, Grandes eventos esportivos, Cidades inteligentes, entre outros, bem como o fortalecimento de captive centers de operações brasileiras – por exemplo, IBM. O mercado de software produto, observando por segmentos, pode ser dividido em aplicativos, infraestrutura e ferramentas. O Brasil segue com diminuto desenvolvimento nas duas últimas modalidades, uma vez que não são necessárias adaptações para venda de software estrangeiro no mercado local. Por outro lado, as especificidades locais auxiliaram o país a desenvolver uma competitividade no segmento de aplicativos, como softwares de gestão empresarial (ERP, BI e CRM). Essa especialização ocorreu com mais intensidade em algumas verticais setoriais, como o setor bancário e o varejo. Empresas como as já citadas Totvs e Linx, além das que embarcam software, como a Bematech, conseguiram uma posição de destaque e já iniciaram um processo de internacionalização. Como se pode perceber ainda no Gráfico 8 a maior parte do mercado local de serviços de TI é referente a serviços profissionais. Descontando a parcela exportada, consultoria, integração de sistemas e desenvolvimento de software respondem por cerca 50% do total dos serviços prestados no país. Suporte, terceirização e treinamento respondem pela outra metade. Com o avanço da terceirização na última década houve um crescimento rápido de empresas brasileiras e filiais de multinacionais no país. Com IBM, Accenture e EDS, se fortaleceram empresas como Stefanini, Tivit, CPM Braxis, Politec, com faturamentos próximos ou superiores a R$ 1 bilhão. 82 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 4 . O A POIO D O B N D ES Desde o lançamento do Fundo de Desenvolvimento Tecnológico (Funtec), em 1964, quando financiou de forma não reembolsável a formação de recursos humanos em ciências básicas e aplicadas e investimentos em P&D de empresas, o apoio do BNDES para o desenvolvimento do CE vem ocorrendo não só do ponto de vista financeiro, mas também – e talvez de maneira tão importante quanto – do ponto de vista institucional. Além de participar ativamente da formulação e execução da PITCE, PDP e PBM, na última década o Banco auxiliou na articulação com o setor privado para formulação de políticas e investimentos em setores estratégicos, fomentou importantes consolidações e fortaleceu empresas do setor. GRÁFICO 9 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O COMPLEXO ELETRÔNICO GRÁFICO 9A COMPLEXO ELETRÔNICO (CE) – DESEMBOLSO BNDES (R$ MILHÕES) 2.750 2.500 2.250 2.000 1.750 1.500 1.250 1.000 750 500 250 01 Investimentos 02 03 Capitalização 04 05 Inovação 06 Exportação 07 08 Capital de giro 09 10 Comercialização 11 COMPLEXO ELETRÔNICO 83 GRÁFICO 9B COMPLEXO ELETRÔNICO (CE) – PARTICIPAÇÃO POR SEGMENTO (DESEMBOLSO) 100 90 80 70 (%) 60 50 40 30 20 10 0 01 02 03 Componentes 04 05 06 07 08 09 10 11 Software e serviços de TI Equipamentos eletrônicos GRÁFICO 9C DESEMBOLSOS BNDES PARA O CE 10,0 3,0 2,5 8,0 2,0 1,5 (%) (%) 6,0 4,0 1,0 2,0 0,5 0,0 0,0 01 02 03 04 % investimentos das empresas de HW 05 06 07 08 09 10 11 % desembolso TICs/total BNDES Fonte: BNDES. No tocante aos recursos financeiros, no Gráfico 9 se mede a evolução dos desembolsos do Banco para o CE ao longo dos últimos anos. Depois de um ano de crise, em 2010 os desembolsos superaram R$ 2 bilhões, representando menos de 1% 84 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS do total liberado pelo BNDES. De fato, o peso histórico do setor no Banco poucas vezes foi superior a 2% desde a década de 1980. A participação do Banco nos investimentos da indústria de hardware oscilou entre 1 e 9% na última década. Como os bens de capital para a indústria de TICs são em sua quase totalidade importados, o alcance da atuação do Banco nos investimentos do setor se torna limitado. Por outro lado, o apoio para a comercialização e a exportação de bens TICs produzidos no país responde por cerca da metade dos desembolsos do Banco para o setor. Cumpre ressaltar o aumento dos desembolsos para inovação e a crescente participação do segmento de software e serviços nas operações do Banco. SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS Em face do crescimento e consolidação mundial do setor de equipamentos/sistemas eletrônicos, a ação na década de 2000 foi estrategicamente voltada para fomentar o desenvolvimento local de tecnologia, o apoio a grupos empresariais nacionais e a exportação de bens fabricados no país. Para tanto, o Banco lançou mão das diferentes linhas de exportação, participação acionária, investimentos e inovação. Para impulsionar a inovação em eletrônica no país, o Banco estabeleceu condições diferenciadas para financiar a aquisição de bens com tecnologia nacional em parceria com o MCTI, que emite o certificado de tecnologia nacional por meio da Portaria MCT 950/06. Inicialmente circunscrita à aquisição de equipamentos de telecomunicações de operadoras financiadas pelo Banco, as condições diferenciadas de financiamento atingem hoje a todas as empresas inseridas na Lei de Informática por meio do Programa de Sustentação de Investimentos para Bens de Capital (PSI Bens de Capital), que dispõe de uma das melhores taxas entre as linhas do BNDES. Os investimentos locais foram apoiados pelas linhas tradicionais do Banco – como o Finem, BNDES Automático e Finame – e programas específicos, como o PROTVD – destinado a incentivar a implantação do padrão brasileiro de TV digital – e o PSI Bens de Capital, que apoiou a aquisição de bens de capital, incluindo aqueles com PPB. COMPLEXO ELETRÔNICO 85 O apoio à exportação foi e ainda está vinculado principalmente à produção de aparelhos celulares no país, mas também é acessado por empresas que desenvolvem tecnologia nacional, como os fabricantes de equipamentos de telecomunicações e automação – entre outros, Padtec, AsGa, Altus. COMPONENTES ESTRATÉGICOS Para apoio ao desenvolvimento do segmento de componentes estratégicos o Banco promoveu estudos setoriais e participou ativamente das ações de atração de investimentos do exterior e da estruturação de projetos nessa área. Para incentivar os projetos de desenvolvimento tecnológico de microeletrônica e displays, o BNDES utilizou a sua linha mais nobre e não reembolsável, o Funtec, com cerca de R$ 80 milhões contratados entre 2007 e 2011. De maneira mais decisiva, o Banco foi ator-chave nos dois projetos que envolvem o ciclo completo de manufatura de circuitos integrados – a estatal Ceitec e a SIX. O apoio ao Ceitec ocorreu tanto no desenvolvimento de projetos de CIs quanto em investimentos fabris. Na SIX, que conta com tecnologia e parceria estratégica da IBM e capacidade fabril algumas vezes superior ao Ceitec, a participação do Banco foi ainda mais afirmativa. Além de financiar os investimentos fabris, o BNDES compõe o bloco de controle da empresa, que terá foco no desenvolvimento e fabricação de CIs próprios e de terceiros. Trata-se da fábrica de microeletrônica mais avançada do hemisfério sul,27 configurando-se em um investimento âncora para as pretensões do país em Microeletrônica. SOFTWARE E SERVIÇOS No setor de software, o Banco aperfeiçoou o Prosoft em 2004 e 2007, com mudanças (entre outras) que expandiram a atuação do Programa para apoiar a indústria de serviços de TI, importante segmento quanto à geração de empregos e agrega- 27 Com tecnologia de 130 e 90 nanômetros e processo fabril Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS). 86 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ção de valor local. Os desembolsos entre 2001 e 2011 do BNDES para esse setor alcançou R$ 3,3 bilhões. O Prosoft Empresa, principal modalidade de apoio a esse segmento, totalizou um desembolso de cerca de R$ 1,6 bilhão na última década. Cerca de somente 16% das operações realizadas foram destinadas para empresas grandes, comprovando, por um lado, que a vocação de atuação da linha é para MPMEs, uma vez que o setor é estruturalmente pulverizado, mas, por outro, a necessidade de persistir na formação empresas de maior porte. O Cartão BNDES complementou a atuação do Prosoft Comercialização ao promover a difusão dos softwares desenvolvidos no país para MPMEs. Entre 2001 e 2011 o Banco financiou a comercialização de cerca de R$ 302 milhões em softwares nacionais. A atuação direta da BNDESPAR foi importante para o fortalecimento empresarial – com cerca de R$ 425 milhões de aportes – e decisiva para formar a Totvs, oitava maior empresa de software ERP do mundo. Ademais, cerca de R$ 38 milhões foram desembolsados para empresas desse segmento por meio de fundos dos quais o Banco é cotista. 5. QUADRO ATUAL E PERSPECTIVAS DO SETOR As questões levantadas, nas seções anteriores, que condicionam a competitividade brasileira em TICs, bem como sua capacidade de aproveitar as oportunidades e de se defender das ameaças atuais e que se descortinam no futuro próximo, estão expostas sinteticamente na matriz SWOT28 do Quadro 1. A despeito de existirem diferenças do quadro competitivo brasileiro nos diversos segmentos do CE, alguns elementos comuns são observados no quadro a seguir. Do lado das forças, é possível destacar o mercado local forte e promissor, a capacidade produtiva local, a existência de mecanismos de estímulo diferenciados para TICs e restritos nichos de mercado em que o país tem competitividade mundial. 28 Strenghts (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças). COMPLEXO ELETRÔNICO 87 Por outro lado, as deficiências comuns também não são poucas. A dependência de importações é elevada – em relação a tecnologia, insumos, componentes, partes e peças –, a agregação de valor é, no geral, baixa e as exportações são tímidas. O quadro produtivo é composto por empresas de porte significativamente menor que seus pares no exterior, bem como é baixa a competitividade dos fatores de produção do país – entre outros, o custo e oferta de mão de obra qualificada e de infraestrutura. Há falta de agilidade em procedimentos alfandegários para o comércio exterior e a cultura de investimentos em inovação e de apetite por riscos ainda está aquém do desejado no quadro geral. QUADRO 1 ANÁLISE SWOT DO COMPLEXO ELETRÔNICO BRASILEIRO Forças Forte atratividade do mercado interno brasileiro em todos os segmentos TICs Base instalada de empresas montadoras e desenvolvedoras de software e serviços de TI Existência de algumas marcas nacionais de referência no mercado interno Fraquezas Elevada e crescente dependência de importações (partes, componentes e tecnologia), exportações declinantes, baixa densidade industrial e agregação de valor local Baixa/virtual ausência de capacidade instalada de componentes estratégicos (semicondutores e displays) Segmentos com desenvolvimento de tecnologia nacional Empresas nacionais de pequeno e médio portes com capacidade limitada de investimento e acesso a clientes de grande porte Capacitação em software embarcado e em segmentos de mercado para software e serviços de TI (ex: setor financeiro, conteúdo, celular, games, TV Digital etc.) Fragilidade da “marca Brasil” no âmbito nacional e ausência de reconhecimento internacional Vantagens comparativas para software e serviços de TI: Fusohorário favorável, afinidade cultural com mercados compradores, M.O. qualificada e versátil Déficit na oferta e elevado custo da M.O. especializada quando comparada a competidores internacionais Mecanismos de estímulo existentes: Lei de Informática, Lei da Inovação e Lei do Bem e arcabouço legal para exercício de poder de compra (Decreto 7174/10 e Lei 12349/10) e encomendas tecnológicas Oportunidades Ampliação do peso relativo das TICs na economia: saúde, educação, defesa, aeroespacial, bens de capital, automobilística etc. Articulação afirmativa dos diversos instrumentos de política existentes em torno de projetos estratégicos de governo – PNBL, Cadeia e Petróleo e Gás, Inclusão Digital nas escolas, TV Digital, Programas de e-gov etc. Regulamentação/exercício efetivo do poder de compra do Governo (inclusive encomendas tecnológicas) e poder regulatório (contratos de concessão e leilões de frequência) para alavancar indústria e tecnologias nacionais Computação em nuvem, redes inteligentes e grandes eventos esportivos: elevada demanda por TICs; Crescente interesse da indústria de capital de risco mundial no país Aversão ao risco por parte de empresas brasileiras Investimentos em P&D: desarticulados, insuficientes, restritos a nichos de mercado e com baixa interação academia-empresa Deficiências de infraestrutura e agilidade alfandegária Ameaças Práticas comerciais agressivas por parte empresas de países asiáticos, fortemente apoiadas por políticas governamentais de fomento às TICs (incluindo China e Coreia) Deterioração irreversível da base instalada – com impactos profundos na geração de emprego, renda e nível de importações – e das capacitações tecnológicas e empresariais acumuladas pelas empresas brasileiras com marca própria Risco de novas aquisições: estimulado pelo tamanho relativamente pequeno das empresas nacionais associado à alta atratividade do mercado brasileiro e políticas de incentivo ao conteúdo local Tendências tecnológicas e novos modelos de negócio podem mudar o mercado e a dinâmica da concorrência Fonte: Elaboração própria. Contudo, a próxima década guarda relevantes oportunidades para a indústria se alavancar no país. Em adição ao crescimento natural de uma indústria ainda jo- 88 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS vem que aprofunda sua penetração em diversos setores da economia, os diversos investimentos que serão realizados no país pelo Governo – educação, saúde, melhoria de gestão etc. – e pela iniciativa privada – petróleo e gás, redes inteligentes, computação em nuvem, entre outros – são promissores e vêm atraindo o interesse de diversos fundos de risco voltados para o setor. O uso do poder de compra governamental e instrumentos regulatórios poderão desempenhar papel-chave no desenvolvimento tecnológico e produtivo local. O não aproveitamento dessas oportunidades vai se tornar uma grande ameaça, na medida em que países asiáticos e desenvolvidos continuam e, até aprofundam em decorrência da crise, suas políticas de apoio ao setor. Não diferentemente, surgem polos alternativos à Índia de países em desenvolvimento para ocupar espaço relevante na exportação de software e serviços de TI. 6 . P ROPOSTA S PA R A O R I EN TA Ç Ã O DE POLÍTICA S E A Ç Ã O D O B N D ES PROPOSTAS PARA ARTICULAÇÃO DE ESFORÇOS PÚBLICOS Disseminação e exercício do poder de compra público e privado Tal como em qualquer país que desenvolveu seu CE no mundo, faz-se mister utilizar o poder de compra do governo e das agências reguladoras para conferir preferência de compra para bens TICs produzidos/encomendados no país e, também na medida do possível, com tecnologia nacional. Esse instrumento deve ser utilizado com inteligência, de forma a encontrar um equilíbrio ótimo entre incentivo ao conteúdo local e acesso a bens TICs com preços e qualidades adequadas por parte de governos e concessionárias de serviços públicos. Apesar de existir instrumento legal em TICs para tal (Decreto 7.171/10) que confere preferência para bens brasileiros, a aplicação do poder de compra vem sendo tímida por parte do governo. Por outro lado, o instrumento mais afirmativo, a Lei 12.349/10 ainda será regulamentada, tornando importante fazê-lo com margem de preço adequada para estimular a produção e desenvolvimento das TICs no país. COMPLEXO ELETRÔNICO 89 Por fim, para que esses dispositivos obtenham efeito prático para preferência de software e serviços desenvolvidos no país, é fundamental concluir o certificado de tecnologia nacional para esse segmento. Agenda estratégica para investimentos de P,D&I Com quase R$ 1 bilhão de investimentos anuais direcionados pela Lei de Informática para TICs, parece que a questão principal da inovação no setor está mais para a forma como os recursos são usados do que o volume de recursos disponibilizados. Esforços de articulação público-privados e um aperfeiçoamento na Lei de Informática a fim de canalizar recursos de P&D para as atividades-fim das empresas e/ou para componentes estratégicos – com o objetivo de adensar a cadeia produtiva – são algumas das ações que podem potencializar os esforços de P&D no setor em uma agenda estratégica de inovação na área. Formação de RH O baixo desempenho/interesse de estudantes do ensino médio em ciências exatas e o déficit de formação de pós-graduados, engenheiros e técnicos para as diferentes áreas de TICs é preocupante. Ações articuladas entre governo e iniciativa privada – MCTI, MEC, agências de fomento, associações de classe, entidades empresariais etc. – devem ser perseguidas para se quebrar o círculo vicioso de baixa disponibilidade de mão de obra versus baixa inovação e competitividade versus poucas oportunidades de emprego qualificado. Foco em nichos de escala média e alto valor agregado A opção por competir no plano mundial em produtos de elevada escala ou baixos custos de operação parece pouco promissora para o país, considerando a perspectiva das condições desfavoráveis do câmbio, o distanciamento da cadeia de fornecimento cada vez mais deslocada para a Ásia, entre outras vulnerabilidades já citadas. Essa avaliação se estende a todos os segmentos do CE, tanto a Sistemas e equipamentos eletrônicos – em que a competição com a China é voraz –, quanto aos Componentes estratégicos – com barreiras de entrada significativas nos seg- 90 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mentos intensivos em escala (por exemplo, processadores, memórias e displays) – e a serviços de TI – em que o custo da mão de obra é fator-chave em serviços cuja competição é baseada em preço. Apesar de atraírem a produção para o país, os mercados de elevados volumes revelam progressiva dificuldade em se voltarem estrategicamente para o mercado global. A existência de empresas com tecnologia nacional em nichos de médio volume – em especial, automação industrial, equipamentos de rede de telecomunicações e médicos – e os investimentos na SIX, voltados para mercados intermediários em volume e sofisticação tecnológica, parecem corroborar esse diagnóstico. Soma-se a esses argumentos o fato de que, do ponto de vista da manufatura, a eletrônica de mercados de massa (notadamente os dispositivos de acesso de informática/telecomunicações/bens de consumo) é de fácil deslocamento produtivo e, considerada a tendência de compactação dos componentes, tende a gerar pouco valor agregado local. Diferenciação do apoio para bens com tecnologia nacional Em razão da redução estrutural da agregação de valor da manufatura das TICs, torna-se imperativo o apoio diferenciado para bens eletrônicos e softwares desenvolvidos no país. Atualmente a diferenciação de incentivos – fiscais, financiamento, poder de compra etc. – entre bens com PPB e importados é superior à diferenciação para bens com tecnologia nacional e bens somente com PPB. Um ajuste nesse quadro, a fim de privilegiar a tecnologia desenvolvida no país, serviria como estímulo não apenas para empresas nacionais investirem mais em inovação, mas para atrair centros de P&D de multinacionais. Articulação de esforços para adensar a cadeia de componentes estratégicos A manufatura de componentes eletrônicos tem um enorme desafio de superar a competitividade de uma cadeia de suprimentos já instalada, azeitada e cada vez mais concentrada na Ásia. Tendo em vista os investimentos a serem realizados nos elos comandantes da cadeia de SIX, Ceitec e, possivelmente, a Foxconn, é funda- COMPLEXO ELETRÔNICO 91 mental que o poder público seja ágil para corrigir as deficiências logísticas, aduaneiras e tributárias, para que seja possível tornar esses empreendimentos competitivos em escala mundial e fomentar a atração dos elos a montante da cadeia de semicondutores e displays. Consolidação das DHs e fortalecimento de modelo privado em projeto de CIs Atualmente, existem mais de vinte design houses (DHs) no país. Não parece sustentável no longo prazo que se estimule a proliferação de DHs quando há uma demanda restrita por projetos de CIs, fruto do fato de que poucas empresas de equipamentos eletrônicos desenvolvem seus produtos no nível do CI no país. Mais do que isso, há escassez de recursos para apoiar a infraestrutura destas pelo Programa CI Brasil. Nesse cenário de restrições, dispor de um modelo com a maioria de suas DHs públicas – e, por conseguinte, potencialmente menos orientadas ao mercado – não parece adequado para formar a massa crítica em conhecimento, volume de projetos e carteira de clientes mínima para se lançar ao mercado mundial. Dessa forma, propõe-se que seja incentivada a consolidação das DHs e o modelo privado, para que talentos treinados nas DHs públicas e multinacionais obtenham incentivos para formar seu próprio negócio. Estímulo ao desenvolvimento do padrão brasileiro de TV digital A recente alteração de PPBs para TVs, obrigando que em 2013 pelo menos 30% das TVs tenham o middleware do padrão ISDB-T Ginga embarcado, deverá criar um amplo mercado para desenvolvedores de aplicativos para TV digital no Brasil. Com uma base de televisores relevante, torna-se possível atrair as radiodifusoras para desenvolver conteúdo interativo para seus telespectadores. Propõe-se que o governo siga incentivando a adoção do Ginga no país, em virtude das oportunidades até mesmo de exportação que o padrão ISDB-T proporciona. 92 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS DESAFIOS PARA ATUAÇÃO DO BNDES Lista-se a seguir um conjunto de desafios específicos para a atuação do Banco para os próximos anos, tendo em vista as ações gerais já apresentadas às quais o BNDES pode prestar especial apoio para formulação e implementação de ações concretas. Complexo eletrônico Agilizar a análise operacional: para apoiar um dos setores mais dinâmicos da economia mundial, é fundamental o Banco buscar persistentemente reduzir o prazo de análise de seus projetos. Manter o fomento, a consolidação e o fortalecimento empresarial: também de maneira permanente o Banco deve estimular a consolidação e o fortalecimento de empresas nacionais capazes de gerar escala suficiente para se internacionalizarem, arcarem com os gastos crescentes de P,D&I, fortalecerem a percepção da longevidade de suas atividades perante a grandes clientes, entre outros benefícios. Buscar alternativas para diferenciar de maneira afirmativa as condições para aquisição de bens com tecnologia nacional (TN), em linha com a prática atual conferida pelo BNDES PSI Tecnologia Nacional. Reforçar o apoio à indústria de capital de risco voltada para TICs no país, até mesmo, alternativamente, em parceria com o setor privado de fundos e o poder público. Sistemas e equipamentos eletrônicos De maneira ainda mais incisiva, o Banco deve considerar a possibilidade de apoiar grandes investimentos em TICs (por exemplo, operadoras de telecomunicações) somente se determinada parcela significativa de bens com PPB e tecnologia nacional forem atingidas. Componentes estratégicos Flexibilizar condições para apoiar projetos em microeletrônica e displays, por exemplo: (i) investimento de risco em start-ups e participação no bloco de contro- COMPLEXO ELETRÔNICO 93 le das empresas; (ii) participação em operações internacionais, de forma a garantir a participação do Brasil no roadmap de produtos das multinacionais; (iii) linha de financiamento diferenciada para aquisição de componentes estratégicos. Estimular empresas nacionais a desenvolver projetos de CIs localmente. Software e serviços de TI Apoiar a atração de centros cativos (captive centers) para exportação. Desenvolver alternativas de atuação indireta para ampliar o alcance do Prosoft. 7 . CON CLU SÕES A última década ratificou que cada vez mais as TICs desempenham papel de grande importância no desenvolvimento das nações. Essa relevância se configura tanto sob a ótica do acesso a bens TICs para uso, quanto para o domínio tecnológico por indústrias progressivamente mais permeadas pela eletrônica. Ao longo desses sessenta anos o BNDES exerceu um papel bastante relevante do ponto de vista institucional e financeiro, cabendo citar, em caráter não exaustivo para os anos mais recentes, o apoio decisivo para investimentos produtivos em circuitos integrados e fortalecimento de empresas de software. Por se tratar de um setor extremamente dinâmico – que se presta como caso clássico para a “destruição criativa” de Schumpeter –, com margens declinantes para produção, faz-se mister que o Brasil persiga de maneira afirmativa e persistente a inovação. O mesmo afinco deve continuar a ser direcionado para a criação do ecossistema de componentes eletrônicos – em especial, o de microeletrônica – e para o setor de software, alicerces da economia baseada em silício. O país vive um momento especial, em que diversas oportunidades de desenvolvimento no setor se abrem no futuro próximo. É fundamental que se aja com inteligência, para que seja possível se apropriar do crescimento esperado da demanda, desenvolvendo-se tecnologicamente para, de forma concomitante, alcançar um papel relevante no mercado mundial. Do contrário, com a já citada difusão 94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS da eletrônica, o ônus de não se fortalecer a competência em TICs no país recairá de maneira cada vez mais intensa em diversos setores da economia. Esse desenvolvimento tecnológico deverá ser orientado para onde o país tiver maiores chances de penetração. Uma vez que os segmentos de consumo de massa – dispositivos móveis, eletrônica de consumo, microprocessadores etc. – são de difícil catching up e considerando o encarecimento relativo do país – mão de obra, energia, câmbio, entre outros –, direcionar esforços para competir em produtos de escalas médias e maior valor agregado, por exemplo, equipamentos de telecomunicações, automação, software e serviços de maior valor agregado, semicondutores de aplicação específica (ASICs) etc., parece se configurar como a melhor opção. RE F E RÊN C IA S ABES – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE SOFTWARE. Mercado Brasileiro de Software Panorama e Tendências (2003 a 2011). Disponível em: <http://www.abes.org.br/ templ3.aspx?id=306&sub=213>. Acesso em 2 abr. 2012. BOZZ & COMPANY. Global Innovation 1000, 2008. IN: BAMPI, S. (COORD.). Projeto PIB: Perspectivas do Investimento em Eletrônica. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008-2009. 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Os autores agradecem os comentários de Bernardo Hauch Ribeiro de Castro, Haroldo Fialho Prates, Rafael Alves da Costa e Tiago Toledo Ferreira, eximindo-os de eventuais imperfeições remanescentes. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 99 RE S UMO O presente artigo objetiva analisar, historicamente, a atuação do BNDES nas políticas de apoio ao setor automotivo brasileiro, destacando o papel dinâmico do Banco nas ações de indução ao desenvolvimento. São descritas as principais políticas adotadas pelo BNDES em seus primeiros cinquenta anos de existência, analisando-as em um contexto mais amplo de política industrial do governo. Posteriormente, é feita uma análise mais detalhada do papel do Banco nos últimos dez anos – 2002 a 2011. Adicionalmente, os autores mostram uma mudança observada na atuação do BNDES nos últimos anos, com priorização das políticas voltadas à inovação tecnológica. Essa mudança acompanha as tendências do setor automotivo e abre espaço para a indução de rotas tecnológicas, o que traz novas possibilidades de apoio ao setor pelo BNDES inseridas na lógica da política industrial do governo. AB S T RA C T This article aims to analyze, historically, the BNDES’ efforts in policies that support the Brazilian automotive industry, highlighting the Bank’s dynamic role in inducing development in the sector. It describes the main policies adopted by the BNDES in its first fifty years, analyzing them in the broader context of governmental industrial policy. Subsequently, the authors present an observed shift in the BNDES’ performance in recent years, prioritizing policies related to technical innovation. This shift follows the trends in the automotive sector and allows for the induction of new technological routes, which open up new possibilities of BNDES support for the sector within the logic of governmental industrial policy. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 101 1 . INTR OD U Çà O A criação do BNDES, em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas, esteve intrinsecamente relacionada à situação político-econômica do período, em que a infraestrutura e a industrialização, ainda incipientes e desorganizadas, precisavam se expandir e se consolidar. À época, o setor automotivo brasileiro era formado, essencialmente, por unidades de montagem associadas às matrizes internacionais, como Ford, Fiat e General Motors (GM),1 e por um frágil segmento de autopeças. Não se realizava a fabricação de veículos2 propriamente dita, a não ser CKD,3 em decorrência da deficiência de investimentos significativos no setor, principalmente de longo prazo. A criação de um banco de desenvolvimento foi, nesse contexto, fundamental para a estruturação e a implementação de políticas estratégicas de desenvolvimento industrial para o setor. O financiamento de projetos incentivou a formação e a consolidação da indústria automotiva nacional, suprindo uma carência do mercado de capitais no período. A partir de então, o papel do BNDES modificou-se e ainda mantém seu caráter dinâmico, para se adequar às necessidades da indústria em contextos e conjunturas distintas. O presente artigo objetiva retratar e analisar a relevância do BNDES para o setor automotivo brasileiro ao longo dos seus sessenta anos. Além disso, é enfatizado o caráter dinâmico do Banco, com a análise de possibilidades futuras de atuação, identificação de tendências e prováveis rotas tecnológicas da indústria. O texto está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira descreve a atuação do BNDES nos seus primeiros cinquenta anos, de 1952 a 2001. Os autores optaram por descrever esta primeira parte de forma sucinta e agregada, em virtude da existência de publicações anteriores que analisam o mesmo período, como BNDES 50 anos: histórias setoriais [São Paulo e Kalache 1 Também estavam presentes a International Harvester, que atuava na montagem de caminhões, e a Studebaker, que se transformaria em Vemag [Anfavea (2006)]. Em 1953, foi fundada a Volkswagen do Brasil. 2 Veículos compreendem automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões. 3 CKD (completely knock-down ou complete knock-down, em inglês) são conjuntos de partes de automóveis para exportação e posterior montagem dos kits. 102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Filho (2002)] e Indústria automobilística brasileira 50 anos [Anfavea (2006)]. Essas duas publicações foram utilizadas como os principais referenciais teóricos para a primeira seção. A segunda seção analisa o papel do BNDES no setor automotivo na década de 2002 a 2011, incorporando os seus aspectos dinâmicos. É realizada, também, uma avaliação da série histórica de desembolsos do Banco para o setor. A terceira e última seção analisa as principais tendências do setor automotivo, incluindo as possíveis rotas tecnológicas a serem adotadas nos próximos anos, e propõe medidas de atuação do BNDES, inseridas na política industrial do governo, para catalisar o desenvolvimento do complexo automotivo brasileiro. 2 . A CR IA Çà O D A I N D Ú S TR I A A U TO M O TI VA B RA SILEIR A E O PA PEL I N D U TO R DO B N D ES N OS S EU S PR I M EI R O S C I N QU EN TA A N O S : 1952 A 2001 Em 1900, começaram a chegar os primeiros veículos importados ao Brasil. A primeira linha de montagem começou a funcionar em 1919, com a Ford e o seu modelo T, ou Ford Bigode. Em 1925, a GM entrou no mercado, seguida da Fiat, em 1928. Em 1952, ano de criação do BNDE, as principais unidades automotivas instaladas no país montavam veículos a partir de kits importados, e a incipiente indústria de autopeças era voltada ao mercado de reposição. No início da década de 1950, os veículos respondiam por grande parte das importações brasileiras, chegando a pouco mais de 15% delas. Eram importados mais de cem mil veículos por ano – 60% desses eram caminhões –, enquanto as projeções apontavam para um crescimento de dois dígitos do setor. O balanço de pagamentos, nesse contexto, era uma preocupação recorrente para o governo. Ainda em 1952, foi criada a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, ligada à Comissão de Desenvolvimento Industrial4 (CDI) do governo de 4 A CDI tinha a função de estudar e propor medidas econômicas ligadas à política industrial. Foi formulado um Plano Geral de Industrialização para o país, com a classificação das atividades industriais e a definição dos setores prioritários de atuação do governo. A CDI foi extinta em 1954, com o fim do governo de Vargas, e ressurgiu em 1956, como Conselho do Desenvolvimento. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 103 Getúlio Vargas. De fato, essa ação pode ser considerada uma das primeiras para o surgimento de uma política industrial efetiva direcionada ao setor automotivo no Brasil. Juntamente com a criação da subcomissão, o governo proibiu de forma progressiva a importação de autopeças com similar nacional e, em 1953, vetou a entrada de veículos completos. Posteriormente, foi criada a Comissão Executiva de Material Automobilístico, ligada à CDI. A restrição a importações fez com que a Volkswagen, a Willys-Overland e a Mercedes-Benz instalassem unidades de montagem no país sem, contudo, objetivar grandes escalas [Santos e Burity (2002)]. A explicação para isso era, provavelmente, a falta de investimentos destinados ao setor automotivo e também de uma política estruturada de incentivos governamentais, que começou a mostrar contornos mais definidos a partir da década de 1950. Entretanto, a demanda por veículos era crescente e estimulada pela predominância da malha rodoviária no país, em detrimento da ferroviária e da aquaviária. Em 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e lançou o Plano de Metas, que seria determinante para o desenvolvimento da indústria automotiva no Brasil. O plano foi elaborado com base em estudos e diagnósticos de instituições, como o então BNDE, e apontava diversos gargalos ou pontos de estrangulamento estruturais da economia que deveriam ser superados. A substituição de importações desordenada seria a origem de algumas distorções observadas na indústria. Uma das metas do plano era a consolidação da indústria automotiva brasileira, com a redução paulatina e planejada da importação de veículos. O Conselho do Desenvolvimento (CD), que coordenou o Plano de Metas, tinha, inicialmente, como secretário-executivo o então presidente do BNDE, Lucas Lopes, posteriormente substituído por Roberto Campos e Lúcio Meira. A coordenação dos investimentos do setor público era responsabilidade do BNDE. Para facilitar a execução das metas no setor automotivo, foi criado em 1956 o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), que também contava com o apoio técnico do BNDE para a formulação e a execução da política industrial. Os projetos automotivos da época (11 foram aprovados) passavam pela supervisão e pela aprovação do GEIA. O segmento de caminhões foi priorizado pelo GEIA, em virtude da importância para o sistema de transporte de cargas. 104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Concomitantemente, o governo criou mais mecanismos para conter importações, como cotas para componentes, incentivos cambiais e fiscais para a produção local, além de um programa de nacionalização de peças. Em setembro de 1956, foi lançado o Romi-Isetta, com 70% de conteúdo nacional, que pode ser considerado o primeiro carro de passeio brasileiro. Em 1956, os profissionais do setor automotivo formaram a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A importância dada ao setor automotivo no Plano de Metas é evidente, uma vez que foi o único setor industrial definido como prioritário. Os demais setores estavam ligados à infraestrutura. A atuação do BNDE foi extremamente relevante para a consolidação da indústria automotiva brasileira. Diversos projetos que mudaram a história do setor foram aprovados pelo Banco, como a Kombi, o primeiro veículo da Volkswagen fabricado no país, que obteve financiamento no valor de 20% do valor do investimento. À época, o BNDE financiava o projeto de forma proporcional ao valor de participação do capital nacional. O BNDE também financiou projeto da Fábrica Nacional de Motores (FNM), em 1954, da Vemag, em 1958, e da Willys-Overland, em 1959. Entretanto, os valores desembolsados para o complexo automotivo, que inclui autopeças, ainda eram de 3,7% dos desembolsos totais entre 1956 e 1960. Em 1957, registrou-se um volume de vendas de 30,9 mil veículos, que aumentou para 96,7 mil em 1959 e para 190 mil em 1962. Entre 1960 e 1966, porém, as vendas do setor automotivo se retraíram, acompanhando a política de restrição monetária e redução do crédito. Os caminhões foram mais afetados, uma vez que são mais sensíveis a flutuações econômicas do que os carros de passeio. Em 1967, durante o governo de Costa e Silva, teve início o período que a literatura denomina de milagre econômico, em decorrência das elevadas taxas de crescimento observadas, obtidas em grande parte por meio de financiamento externo. O setor automotivo cresceu a uma taxa anual média de 20% no período. Em meio a uma expansão acelerada de demanda, propiciada em parte pelas facilidades de crédito oferecidas, a Ford lançou o Galaxy 500 e adquiriu a Willys-Overland. A Volkswagen, por sua vez, incorporou a Vemag. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 105 Juntamente com o movimento de consolidação observado, a frota de veículos de passeio elevou-se bastante entre 1967 e 1973, em comparação com a de caminhões e ônibus, crescendo 13% ao ano contra 5%. Além disso, o setor automotivo deixou de ser prioridade da política industrial, o que pôde ser observado no primeiro e no segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O setor foi beneficiado pelas políticas gerais da indústria, que contemplaram diversos incentivos fiscais e de exportação, mas não foi objeto de política específica. Entre 1972 e 1974, a produção automobilística aumentou em quase 50%, ultrapassando a barreira dos 500 mil veículos produzidos – vendidos quase em sua totalidade no mercado interno. A partir de então, com a crise mundial originada pela súbita elevação dos preços do petróleo e a restrição de crédito, o setor passou a apresentar redução das vendas e aumento da capacidade ociosa. Sem necessidade de investimentos em expansão, o BNDE buscou, então, melhorar as condições de comercialização das autopeças no exterior, elevar a qualidade e a produtividade das empresas, incentivar a pesquisa, bem como fortalecer suas estruturas de capital, inclusive capital de giro [Santos e Burity (2002)]. Em 1975, a Fiat inaugurou uma fábrica de veículos em Betim (MG) e lançou o seu primeiro modelo no Brasil, o Fiat 147. À época, as empresas multinacionais já dominavam o mercado brasileiro. A crise mundial do petróleo, um fato marcante da década, propiciou a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, trazendo para o país a visão de incentivar combustíveis alternativos, apoiada pelo BNDE, que financiou ativamente a produção de etanol. A atuação do BNDE durante o período foi significativa, com destaque para o segmento de autopeças, veículos leves e pesados. Entre 1973 e 1976, mais de 25 projetos foram aprovados, financiando, entre outras, Arteb, Braseixos, Cofap, Máquinas Varga, Nakata e Tupy. A política de apoio contemplava o incentivo à comercialização de autopeças externamente, o fortalecimento das empresas de capital nacional e o incentivo a pesquisas. No que se refere a veículos pesados, o BNDE financiava fabricantes de implementos e de carrocerias de ônibus, predominantemente empresas de capital nacional. O Banco via como necessária a desverticalização e a formação de empresas 106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de grande porte, uma vez que a produção de chassis estava concentrada em uma empresa estrangeira, a Mercedes. Foram apoiadas empresas como Ciferal, Iderol, Marcofrigo, Randon e Recrusul. O BNDE também incentivou a produção de ônibus, estimulando, principalmente, a capacitação tecnológica das empresas. Os principais instrumentos do BNDE que beneficiavam o setor automotivo eram a FINAME,5 criada em 1966, que já era um importante canal de apoio à comercialização de caminhões e ônibus pesados, e o Funtec, voltado ao desenvolvimento tecnológico. O Banco também atuava fortemente na formulação de políticas de apoio ao transporte coletivo e de carga. Uma medida importante nesse aspecto foi a ampliação, em 1976, do financiamento à comercialização de chassis de ônibus urbanos, adicionalmente ao apoio já concedido a chassis mais pesados. Muitos avanços foram realizados no setor automotivo entre o ano de criação do BNDE e o fim da década de 1970. Todavia, pode-se observar um lag na política industrial específica voltada ao setor. As medidas não estavam inseridas em um planejamento estratégico de longo prazo e, apesar de relevantes, não tiveram continuidade e eram sensíveis às alterações de governo. Talvez por isso não se tenham desenvolvido grandes fabricantes de veículos de capital nacional. A despeito disso, o papel do BNDE foi fundamental em um contexto de escassez de financiamentos de longo prazo por parte do setor privado. Em 1978, a indústria automobilística superou, pela primeira vez, a marca de um milhão de veículos produzidos e, em 1979, a de um milhão de veículos vendidos. No segmento de autopeças, observava-se que, das vinte maiores empresas do setor, somente seis estavam sob o controle do capital nacional e menos de 10% das empresas filiadas ao Sindipeças6 respondiam por 75% do faturamento. A década de 1980 foi marcada por estagnação econômica, crise da dívida externa e inflação alta e crescente. Em 1981, o país sofreu a primeira queda no PIB desde 1942, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Agravadas por restrições de crédito e alto desemprego, as vendas de veículos sofreram queda 5 6 Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária integral do BNDES. Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 107 abrupta. Foram comercializados apenas 580,7 mil veículos, o que corresponde a 57,2% do recorde de vendas estabelecido em 1979. Nos anos seguintes, o mercado absorveu entre 600 mil e 700 mil unidades, à exceção de 1986, ano de lançamento do Plano Cruzado, em que as vendas ultrapassaram 866,7 mil unidades, segundo a Anfavea. Somente em 1993, o mercado brasileiro alcançaria novamente a marca de um milhão de veículos comercializados. A criação da Autolatina, em julho de 1987, foi um acontecimento marcante da década de 1980 e consistiu em uma joint venture entre a Volkswagen, que detinha 51% das ações da nova empresa, e a Ford, que possuía o restante das ações. Em um cenário de mercado local e externo deprimidos, as empresas decidiram unir projetos, sistemas, compras, motores, peças etc., a fim de reduzir os custos de produção, compartilhar tecnologias e ampliar escalas. Mantendo as marcas e as concessionárias próprias, foram desenvolvidos diversos produtos “gêmeos”, como o Volkswagen Apollo e o Ford Verona e o Volkswagen Santana e o Ford Versailles. A Autolatina enfrentou problemas por causa da concorrência das empresas em nível mundial, que dificultava o intercâmbio de conhecimento, da falta de desenvolvimento da rede de concessionárias e de uma marca única, além da instabilidade econômica decorrente dos sucessivos planos para controlar a inflação. A Autolatina encerrou suas atividades em 1994. De acordo com a Anfavea, os investimentos no segmento de veículos no período de 1980 a 1989 somaram apenas US$ 5,1 bilhões e, segundo o Sindipeças, os investimentos em autopeças totalizaram US$ 4 bilhões. O baixo investimento realizado no período contribuiu decisivamente para a defasagem tecnológica que a indústria automotiva mostrava no início da década de 1990. O diagnóstico do setor apontava uma série de problemas, com destaque para a reduzida automação e eficiência, a falta de competitividade internacional pela fabricação de modelos defasados tecnologicamente e os altos custos de produção. Com a progressiva abertura comercial ocorrida a partir de 1990, gerou-se grande pressão por eficiência e redução dos custos. Diversas medidas governamentais foram editadas na década de 1990. O complexo automotivo voltou a ser alvo de medidas específicas de política industrial, cruciais para as mudanças que 108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS seriam observadas. Foram firmados acordos automotivos em 1992 e 1993, com a participação de membros de entidades representativas dos trabalhadores, do setor de autopeças, revendedores de veículos, montadoras e governo. Entre os pontos acordados, destacam-se: 1. redução nos preços dos veículos em 22% por intermédio da redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e das margens das montadoras, fornecedores de autopeças e concessionários; 2. compromisso com a manutenção do nível de emprego até junho de 1992 (posteriormente prorrogado até julho de 1993); 3. implementação de um programa de financiamento para aquisição de automóveis, caminhões, ônibus e tratores; 4. estabelecimento de metas de produção de 1,2 milhão de veículos em 2003, 1,35 milhão em 1994, 1,5 milhão em 1995 e dois milhões em 2000; 5. realização de investimentos para ampliação da capacidade produtiva e modernização do setor na ordem de US$ 20 bilhões até o ano 2000; e 6. ampliação das parcelas financiadas pela FINAME para caminhões, tratores e ônibus de 40% para até 60% [Anderson (1999)]. Cabe destacar, ainda, a busca pela modernização de gestão, organização e lo- gística, que se estendeu inclusive aos fornecedores das montadoras. Observou-se também um esforço de desverticalização das montadoras. Em 1993, a indústria automobilística ultrapassou o recorde de vendas de 1979, com 1,13 milhão de unidades vendidas. As vendas cresceram ano após ano até 1997, quando mais de 1,9 milhão de unidades foram comercializadas. Em junho de 1995, foi instituído o Regime Automotivo Brasileiro,7 por meio da Medida Provisória 1.024/95. Com o propósito de modernizar o parque industrial, acelerar o investimento e ampliar a competitividade externa do setor, consolidando-o no Mercosul, abrangeu incentivos fiscais para as empresas que decidissem se instalar no Brasil e incentivos diferenciados para aquelas que optassem por implan- 7 O Regime Automotivo Brasileiro foi reeditado várias vezes e convertido em lei em março de 1997 (Lei 9.449/97). COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 109 tar fábricas nas regiões menos desenvolvidas. O imposto de importação sobre veículos foi reduzido em até 50% para montadoras instaladas ou que tinham planos de produção firmados no país. No caso de máquinas, equipamentos e ferramental, entre outros itens, a redução foi de 90%. Também houve redução de IPI incidente na aquisição de matéria-prima, partes, peças, componentes, conjuntos, subconjuntos e pneumáticos. O Regime Automotivo ajudou a mitigar as incertezas existentes quanto ao futuro do setor e estimulou o anúncio de uma série de investimentos em novas fábricas no Brasil. Segundo Santos e Burity (2002), no período de 1996 a 19998 foram apoiados projetos de cerca de US$ 18 bilhões no âmbito do regime. Entre 1995 e 2002, os principais investimentos foram as novas fábricas de veículos da Honda em Sumaré (SP), da General Motors em Gravataí (RS) e da Renault em São José dos Pinhais (PR). Contando com a participação do BNDES,9 destacam-se as novas plantas da Volkswagen Caminhões e Ônibus (atualmente MAN Latin América) em Resende (RJ), da Toyota em Indaiatuba (SP), da DaimlerChrysler, atual Mercedes, em Juiz de Fora (MG), da Volkswagen-Audi em São José dos Pinhais (PR), da Ford em Camaçari (BA), da Peugeot Citroën em Porto Real (RJ) e da Iveco em Sete Lagoas (MG). Além das unidades produtoras de veículos, destaca-se o surgimento de vários novos fornecedores, muitos inseridos em condomínios ou consórcios industriais. Vale destacar que os investimentos do período levaram à significativa desconcentração industrial. No início da década de 1990, os estados de São Paulo e Minas Gerais eram responsáveis por quase toda a produção de veículos. A partir de 1995, o BNDES passou a conceder apoio financeiro a empresas multinacionais, eliminando a distinção entre empresas de capital nacional e de controle de capital estrangeiro. Desde então, um dos setores que mais aumentaram sua participação nos financiamentos do Banco foi o automobilístico, dominado por montadoras multinacionais [Prates, Cintra e Freitas (2000)]. 8 9 O Regime Automotivo vigorou até 31 de dezembro de 1999. Com a integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento, o BNDE passou, em 1982, a se chamar BNDES. 110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Os investimentos realizados entre 1991 e 2001 foram de US$ 17,5 bilhões por parte das montadoras e de US$ 11,9 bilhões por parte das autopeças, segundo a Anfavea e o Sindipeças, respectivamente. No mesmo período, segundo Santos e Burity (2002), os desembolsos do BNDES foram de US$ 2,1 bilhões para as montadoras e de US$ 1,5 bilhão para as autopeças. Entre os anos de 1997 e 2001, nos quais os investimentos se concentraram, o Banco aprovou 11 projetos de montadoras de veículos e cinco de fabricantes de motores (item importante por causa do considerável efeito sobre o restante da cadeia produtiva). Além disso, cerca de trinta empresas foram apoiadas, das quais oito eram novas no país e vinte estavam operando com o BNDES pela primeira vez. No tocante à FINAME, destaca-se a inclusão de caminhões e ônibus médios e leves nos itens financiáveis. No caso dos ônibus, o apoio também foi estendido aos micros. A fim de melhorar o transporte público, a FINAME conferiu condições mais favoráveis para ônibus [Santos e Burity (2002)]. O Brasil vivenciou, portanto, uma mudança quantitativa e qualitativa muito relevante no complexo automotivo desde a criação do BNDES. Observaram-se nítida evolução tecnológica, aumento na concorrência com a chegada de novos players, significativo salto na produtividade e expressivo crescimento da capacidade produtiva e do mercado interno. O parque industrial modernizou-se e diversificou-se, com considerável fortalecimento das empresas conhecidas como sistemistas.10 Contudo, a análise do período evidencia a deficiência na coordenação e na continuidade das políticas industriais adotadas para o setor automotivo desde a década de 1950, com um lag marcante principalmente nas décadas de 1960, 1970 e 1980. O timing na formulação de políticas públicas pode ser crucial para o desenvolvimento de um setor, uma vez que existem janelas de oportunidades que se fecham com o tempo. 10 Empresas que fornecem sistemas ou conjuntos diretamente para as montadoras. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 111 3 . A N OVA FA SE D A I N D Ú S TR I A AUTOMOTIVA B R A S I L EI R A : 2002 A 2011 CONTEXTO: 2002 A 2011 O setor automotivo nacional apresentou retração na produção e nas vendas no fim da década de 1990, em um contexto de crises internacionais e de elevação das taxas de juros e inflação no Brasil. As vendas de veículos ficaram estagnadas e, a partir de então, os principais investimentos observados no setor foram direcionados, primordialmente, à modernização das fábricas ou a lançamentos de novos veículos, uma vez que o nível de capacidade ociosa permanecia elevado. Nesse contexto, no início dos anos 2000, era um desafio para a indústria manter sua capacidade ocupada para reduzir os custos fixos e os prejuízos. O conceito e a produção efetiva de veículos populares foram importantes para mitigar os efeitos negativos que o setor automobilístico enfrentava. Também foi observado o aumento das exportações, que impulsionou a recuperação da indústria até 2003 [Goldenstein e Casotti (2008)]. A partir de 2003, a demanda voltou a se aquecer, impulsionada pela relativa estabilização da economia e pela redução progressiva das taxas de juros. Entre 2004 e 2007, as vendas do setor automotivo cresceram a taxas próximas a 15% ao ano, o que evidencia um período de boom no setor. Esses resultados sustentam a visão de que o Brasil se consolidou como um dos principais mercados do mundo na indústria automobilística, tanto do lado da demanda quando da oferta, na primeira metade da última década. De fato, o mercado interno foi o principal fator de crescimento da indústria automotiva do país na última década, o que faz o Brasil ser comparado a outros mercados com alto potencial de crescimento, como China, Índia e Rússia. Em 2003, as exportações brasileiras de veículos elevaram-se em quase 48%, o que reflete o efeito do real desvalorizado em relação ao dólar. A partir de 2005, houve reversão na tendência. A apreciação cambial e o dinamismo do mercado interno podem explicar, em parte, a queda observada nas exportações de veículos, conforme analisado adiante. 112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS A crise financeira mundial deflagrada no último trimestre de 2008 impactou significativamente o setor automotivo. As vendas declinaram 23,7% em relação ao terceiro trimestre. Todavia, os bons resultados dos trimestres anteriores possibilitaram novo recorde de produção e vendas no país em 2008. A atuação anticíclica do governo brasileiro, reduzindo o IPI incidente sobre os veículos e ampliando o crédito aos bancos das montadoras, surtiu efeito rapidamente. A partir de março de 2009, a produção e as vendas retomaram os níveis do período pré-crise. A atuação do BNDES, por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), também foi importante. Ao reduzir o custo de máquinas e equipamentos, o PSI ajudou montadoras e empresas de autopeças a realizar diversos investimentos planejados, além de contribuir com o dinamismo do mercado de veículos pesados ao financiá-los a taxas menores. Apesar da atuação do BNDES, os investimentos do setor automotivo sofreram queda em 2009, principalmente no segmento de autopeças. Segundo o Sindipeças, os investimentos reduziram-se 70% em relação a 2008, de US$ 2,1 bilhões para apenas US$ 631 milhões. Analisando o período, observa-se que o segmento de veículos ampliou o volume de inversões continuamente (exceto 2003 e 2009) e que o segmento de autopeças, embora tenha ampliado os valores absolutos investidos nos últimos anos, não conseguiu acompanhar os investimentos das montadoras no período de 2007 a 2011 (ver Gráfico 1). No período de 2002 a 2011, foram investidos US$ 33,7 bilhões, dos quais US$ 20,7 bilhões pelo segmento de veículos e US$ 13 bilhões pelas autopeças. Nos anos de 2010 e 2011, a despeito da conjuntura internacional adversa marcada pela crise europeia, a economia brasileira cresceu 7,5% e 2,7%, respectivamente. O setor automotivo acompanhou o bom momento da economia e, em 2010, os licenciamentos superaram pela primeira vez a marca de 3,5 milhões de unidades. Em 2011, a produção cresceu 0,7% e as vendas, 3,4%, em relação a 2010. O padrão de crescimento da produção e das vendas observado na primeira metade da década analisada é coerente com a mudança de estratégia das principais montadoras mundiais, que passaram a priorizar os mercados emergentes em detrimento dos mercados do hemisfério norte, considerados maduros pela indústria. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 113 GRÁFICO 1 VEÍCULOS E AUTOPEÇAS – INVESTIMENTOS 5.000 4.500 4.000 US$ MILHÕES 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 2002 2003 2004 Veículos 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* Autopeças Fontes: Anfavea e Sindipeças. * Investimentos em veículos – estimativa. No tocante ao setor externo, observa-se crescimento acentuado das importações de veículos a partir de 2004. As vendas de importados aumentaram 1.290% entre 2004 e 2011. Em 2004, foram importados 61.722 veículos e, em 2011, 858.027 veículos, o que representou 23,6% das vendas totais. A maior parte das importações originou-se da Argentina, da Coreia do Sul e do México. Nos últimos anos, todavia, a participação chinesa cresceu consideravelmente, suscitando preocupação do governo e das montadoras instaladas no Brasil. Concomitantemente, as exportações de veículos descreveram trajetória descendente a partir de 2005, conforme já mencionado, recuperando-se parcialmente apenas em 2010 e 2011 (ver Gráfico 2). Nesse contexto, verifica-se a expressiva deterioração do saldo comercial no setor de veículos, com surgimento de déficits a partir de 2008. Para tal cenário, contribuíram a infraestrutura deficiente, que aumenta os custos logísticos da exportação, o dinamismo do mercado doméstico e o câmbio apreciado. Pelo lado das importações, cabe ressaltar que a estagnação dos mercados dos países desenvolvidos propiciou a vinda de parte do excedente de veículos não comercializados para o Brasil. Pelo 114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS lado das exportações, acrescenta-se o fato de que os mercados dos países emergentes, principal destino das exportações brasileiras de veículos, estão bem mais disputados, tanto pelo mencionado excedente de veículos advindos dos mercados maduros quanto pelo ingresso de modelos orientais a preços competitivos. GRÁFICO 2 VEÍCULOS – EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS INDICADORES 4.000.000 3.500.000 UNIDADES 3.000.000 2.500.000 2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 0 2002 2003 Produção 2004 2005 Licenciamentos 2006 2007 Exportação 2008 2009 2010 2011 Importação Fonte: Anfavea (2011). A NOVA AGENDA DO SETOR AUTOMOTIVO E A ADEQUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS A abertura comercial observada no país na década de 1990 alterou significativamente a situação da indústria automotiva. A intensificação do comércio internacional proporcionou maior contato com a tecnologia externa, o que pôde ser mais bem percebido no início da década de 2000. Os veículos fabricados no Brasil reduziram consideravelmente sua defasagem tecnológica em relação aos carros produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Ademais, a entrada de novos concorrentes estimulou o aumento da eficiência produtiva e a atualização dos modelos. Na década analisada nesta seção, que vai de 2002 a 2011, observam-se novos contornos na conjuntura do setor automotivo. Novos conceitos passaram a ser consi- COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 115 derados estratégicos e essenciais para a indústria, como o desenvolvimento tecnológico contínuo, investimentos em engenharia automotiva e a adequação dos veículos a requisitos ambientais e de segurança. O desenvolvimento dos veículos passou a ser global, envolvendo engenharia compartilhada entre filiais de diversos países e a matriz. A busca por novas tecnologias passou a ser muito relevante, e a inovação tornou-se prioridade para o desenvolvimento das empresas. A fabricação de veículos híbridos e elétricos, ainda que incipiente, já é realidade em diversos mercados, o que iniciou uma corrida tecnológica entre os principais players do setor. Para que o setor automotivo do país se adeque à nova agenda da indústria, as políticas públicas devem ser redirecionadas. A política industrial automotiva está sendo reformulada atualmente, com o Novo Regime Automotivo, que começou a ser delineado pelo governo em 2011. De fato, é necessário que exista uma política industrial específica e continuada para o setor, que esteja inserida em um planejamento industrial estratégico de longo prazo. Possíveis falhas na antecipação dos movimentos de mercado por parte dos formuladores de políticas públicas podem ter levado à sua inadequação, o que explicaria, em parte, os lags de políticas específicas destinadas ao setor. A ação do BNDES é determinante para o desenvolvimento do setor automotivo no país, associada à reformulação das políticas do governo voltadas ao segmento. A definição da inovação, incluindo investimentos em engenharia, como tema prioritário na agenda do BNDES ocorreu na última década e marca uma nova era nas políticas do Banco. A próxima subseção detalha a atuação do BNDES entre 2002 e 2011, com foco na atuação dinâmica das políticas adotadas, e analisa sua relevância. A ATUAÇÃO DO BNDES Análise dos desembolsos Na última década, foram desenvolvidos novos canais de financiamento que estimularam a indústria automotiva, de forma direta e/ou indireta. A participação do BNDES no setor elevou-se consideravelmente nos últimos dez anos em termos absolutos, como evidencia a Tabela 1, que mostra os desembolsos do BNDES para financiar as montadoras e empresas de autopeças. 116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O SETOR AUTOMOTIVO* Ano Desembolsos a preços de 2011** (R$ milhões) % do desembolso do BNDES 2002 2.880 3,90 2003 4.267 7,92 2004 3.784 6,47 2005 6.543 10,04 2006 7.070 10,11 2007 3.976 4,72 2008 5.368 5,07 2009 6.786 4,34 2010 6.284 3,44 2011 4.659 3,35 Fonte: BNDES. * Os desembolsos referem-se à Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Seção C, Divisão 29, Grupos 29.1, 29.2, 29.3, 29.4 e 29.5. Essa divisão compreende a fabricação de veículos automotores para transporte de pessoas e mercadorias e a fabricação de cabines, carrocerias, reboques e semirreboques para veículos automotores. Essa divisão compreende também a fabricação de peças e acessórios, de material elétrico e eletrônico, de bancos e estofados para os veículos automotores produzidos. Não compreende a manutenção e a reparação de veículos automotores (reproduzido do site do IBGE e modificado pelos autores). ** Todos os valores desta subseção estão a preços de 2011 e foram corrigidos pelo IGP-DI. Os desembolsos do BNDES para financiar o setor automotivo – montadoras e autopeças – somaram R$ 51,6 bilhões no período de 2002 a 2011, representando, em média, quase 6% do total. Observa-se que a partir de 2005 houve significativa elevação dos desembolsos para o setor, o que coincidiu com o período de relativa estabilização da economia e aquecimento da demanda interna. De fato, os financiamentos às montadoras na primeira metade da década analisada contemplaram basicamente a modernização e o lançamento de novos veículos, uma vez que ainda existia capacidade ociosa na indústria. Embora os desembolsos ao setor automotivo tenham crescido em termos absolutos na segunda metade da década analisada, observa-se uma queda paulatina em relação ao total de desembolsos do BNDES. O que pode explicar, parcialmente, essa redução é o novo ciclo de investimentos observado no setor a partir de 2008, quando a capacidade instalada mostrava os primeiros indícios de esgotamento. Investimentos em ampliação da capacidade tardam um pouco a serem maturados e, dessa forma, existe uma demora a se refletirem nos desembolsos do BNDES. Ademais, a crise COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 117 financeira mundial iniciada nos Estados Unidos no fim de 2007 – e sentida no Brasil em meados de 2008 – teve impactos nas expectativas dos investidores, o que adiou planos de investimentos já fechados das montadoras e empresas de autopeças. Outro fator que influenciou na redução da proporção dos desembolsos ao setor automotivo foi o aumento dos desembolsos totais do BNDES, sensivelmente ampliados na última década. Entre 2002 e 2010, os desembolsos mais do que quadruplicaram. Se o ano de 2011 for considerado, porém, o aumento observado foi de 3,6 vezes. O apoio do BNDES ao complexo automotivo também contempla diversos canais que não estão incluídos nos dados de desembolso da Tabela 1, como a comercialização de caminhões para empresas de outros setores por intermédio do produto BNDES Finame. Quando uma empresa do setor de bebidas adquire um caminhão, por exemplo, essa ação é contabilizada como desembolso ao segmento de bebidas, e não ao setor automotivo. Tal apoio à comercialização é, todavia, fundamental para o setor automotivo, já que as vendas de veículos pesados no Brasil dependem, em sua maioria, de operações de crédito. Para o setor de caminhões e ônibus, o credenciamento dos produtos na Finame é decisivo para a competitividade dos produtos. A possibilidade de financiamento à compra de produtos de alto valor agregado com taxas de juros competitivas e longo prazo de amortização é de fundamental importância para o setor. As receitas originadas de vendas via Finame são as mais relevantes para os veículos pesados. Com isso, é induzido o desenvolvimento de fornecedores nacionais para o codesign e a fabricação de componentes, gerando um efeito em toda a cadeia produtiva. Esse fenômeno ocorre em diversos outros setores. Pode-se afirmar que o produto BNDES Finame é um dos mais eficazes e duradouros instrumentos de política industrial do país. Principais canais de financiamento do BNDES ao setor automotivo Inovação A década de 2002 a 2011 foi de mudanças para o BNDES, que incorporou às suas Políticas Operacionais o incentivo à inovação como prioridade. Entende-se como inovação, no presente artigo, não só mudanças significativas ou disruptivas, que incluem 118 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS risco tecnológico, mas também as alterações incrementais nos produtos ou nos processos, como aprimoramentos na mecânica, no design e na performance do veículo. Essa visão se justifica pelo fato de que, dependendo do segmento e do estágio de desenvolvimento considerado, as mudanças incrementais nos produtos e nos processos são mais relevantes do que o desenvolvimento de um novo produto, por exemplo. No caso do setor automobilístico, a tecnologia utilizada na produção dos veículos não será alterada de forma significativa em curto prazo, a não ser que haja uma mudança súbita na rota tecnológica. Um exemplo seria o desenvolvimento de baterias eficientes capazes de tornar realidade a produção e a comercialização em grande escala de veículos elétricos. Contudo, em curto prazo, o que faz as montadoras se tornarem competitivas é o desenvolvimento na engenharia incremental de produtos e processos. A seguir, são detalhados os principais canais de financiamento à inovação do BNDES. Em 2006, o BNDES criou duas linhas: Inovação PD&I e Inovação Produção. Logo depois, em 2007, o texto das Políticas Operacionais foi modificado, apresentando a redação a seguir: Alguns avanços em direção à inovação já vem inegavelmente sendo feitos no âmbito do BNDES (como, por exemplo, mediante o Profarma). Daqui por diante, contudo, o apoio à Inovação, além de não ficar restrito a segmentos tecnologicamente sofisticados da indústria, passa a constar entre as prioridades máximas do BNDES. Em consonância com a nova definição estratégica do Banco, foi criado o Programa de Apoio à Engenharia Automotiva, em 2007. O programa objetivava, inicialmente, o fortalecimento das áreas de engenharia das empresas ligadas ao complexo automotivo, ao estimular o aprimoramento das competências e do conhecimento técnico no país. De fato, o programa foi bem-sucedido, com desembolsos de R$ 374,5 milhões durante sua vigência, até 2009. Em 2008, as linhas originais de inovação foram substituídas pelas linhas Inovação Tecnológica e Capital Inovador. A primeira objetivava, sinteticamente, apoiar projetos COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 119 de pesquisa e desenvolvimento ou inovação de produtos e processos novos ou significativamente aprimorados que envolvessem risco tecnológico. A Linha Capital Inovador, por sua vez, tinha o objetivo de apoiar esforços inovativos – infraestrutura física e ativos tangíveis e intangíveis –, inclusive apoio a incubadoras e a parques tecnológicos. Em 2009, o Programa de Apoio à Engenharia Automotiva foi ampliado para outros setores e passou, então, a se chamar BNDES Proengenharia. Além do automotivo, passaram a ser financiados os setores de bens de capital, defesa, aeronáutico, aeroespacial, nuclear e a cadeia de fornecedores das indústrias de petróleo e gás e naval. Considerando apenas o BNDES Proengenharia, os desembolsos realizados para o setor automotivo até abril de 2012 somavam, aproximadamente, R$ 933,3 milhões. A soma dos desembolsos do Programa de Apoio à Engenharia Automotiva e do BNDES Proengenharia, considerando só o setor automotivo no caso do segundo, foi de R$ 1,3 bilhão entre 2007 e 2012. De fato, a criação do BNDES Proengenharia foi muito relevante, por se tratar de uma medida direcionada e específica de incentivo ao setor automotivo e por financiar o capital intangível das empresas. O programa, portanto, pode ser considerado um marco na atuação do Banco no incentivo ao setor. A partir da segunda metade da década analisada, o BNDES Proengenharia financiou diversas atividades relacionadas à concepção e à reestilização de veículos, o desenvolvimento de novos motores para veículos pesados adequados às exigências da legislação ambiental, bem como a implantação, a ampliação e a modernização de centros de engenharia nas empresas produtoras de veículos e autopeças. O programa oferece relevante vantagem competitiva para os fabricantes instalados no país, pois fortalece as subsidiárias nacionais das montadoras e dos sistemistas nas disputas intercompany para a concepção e a realização física de projetos. A localização de projetos no país é fundamental para o desenvolvimento do setor, por permitir atualização tecnológica dos produtos, geração de receitas de royalties e exportação, desenvolvimento de fornecedores, aumento de compra de componentes nacionais etc. Também em 2009, foi recriada a Linha Inovação Produção, com o objetivo de financiar investimentos de implantação, expansão e modernização da capacidade 120 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS necessárias à absorção dos resultados do processo de pesquisa e desenvolvimento ou inovação. A linha também podia financiar pesquisa e desenvolvimento ou inovação que apresentassem oportunidade comprovada de mercado, incluindo o desenvolvimento de inovações incrementais de produtos ou processos. Desde então, as linhas de inovação foram alteradas diversas vezes, com várias mudanças de taxas e, em menor parte, no conteúdo. O setor automotivo auferiu consideráveis benefícios com a criação dos canais de financiamento mencionados. Todavia, em decorrência do estágio atual de desenvolvimento do setor automotivo, o financiamento a projetos por meio de canais que contemplam inovações incrementais nos produtos e processos é mais usual do que por meio das linhas de inovação destinadas a alterações significativas com elevado risco tecnológico. Isso ocorre, justamente, pelo contexto atual da indústria automotiva, em que inovações incrementais na engenharia dos produtos e processos são mais frequentes do que inovações disruptivas. Em médio e longo prazos, o apoio a novos modelos de tração híbrida e elétrica, ao desenvolvimento de baterias, a sistemas de automatização integrados e ao uso de combustíveis alternativos deve se tornar imprescindível à indústria. Dessa forma, deve-se observar um movimento em que as inovações que envolvem risco tecnológico e alterações significativas em produtos e processos se tornem mais usuais nos financiamentos do BNDES,11 o que pode ser considerado positivo. Na verdade, é positivo não porque a inovação com risco tecnológico e disruptiva seja necessariamente mais nobre, na opinião dos autores, mas porque esse movimento será requerido pelas novas rotas tecnológicas a serem desenvolvidas no setor nos próximos anos. Uma discussão mais profunda sobre as possíveis rotas tecnológicas será realizada na próxima seção. Recentemente, em 2012, foi aprovada a unificação das linhas de inovação do BNDES, o que vai ao encontro da ideia de que as inovações incrementais podem ser tão ou mais relevantes, dependendo do segmento de atuação e do seu estágio de desenvolvimento. 11 Entre os projetos apoiados pelo BNDES que não incluem apenas inovações incrementais está o desenvolvimento de sistemas de tração elétrica para veículos híbridos e elétricos e de um sistema de propulsão híbrido flex. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 121 Programa de Sustentação do Investimento (PSI) O PSI foi criado em 2009, em um contexto de crise financeira internacional e retração do crédito. O programa foi extremamente importante para a manutenção do crescimento da indústria automotiva, pois permitiu a realização de investimentos planejados pelas montadoras e fabricantes de autopeças, ao baratear os custos de financiamento de bens de capital. Além disso, o PSI ajudou a manter o dinamismo do segmento de veículos pesados, que obtiveram condições financeiras melhoradas para a venda de seus produtos. Posteriormente, o PSI incorporou incentivos para a aquisição de ônibus com tração híbrida e elétrica, financiando-os a uma taxa de 5% ao ano, prazos de amortização alongados e taxas de participação elevadas do BNDES no investimento. BNDES Finem – capacidade produtiva O produto BNDES Finem – Capacidade Produtiva foi um dos principais canais de financiamento do Banco historicamente, financiando a implantação, a ampliação, a recuperação e a modernização de ativos fixos em diversos setores da economia. O Finem será um dos principais instrumentos de apoio do BNDES ao amplo pacote de investimentos planejado pelas montadoras e autopeças para os próximos anos. No período de 2002 a 2011, os desembolsos do BNDES no âmbito do BNDES Finem para as montadoras e autopeças foram de cerca de R$ 9,6 bilhões, o que mostra a sua relevância para o setor. BNDES Exim O crescimento das importações de veículos na última década tem sido um potencial problema para a competitividade das montadoras instaladas no país e, consequentemente, tem sido objeto de preocupação do governo. Desde 2008, o setor apresenta déficits na balança comercial. Para uma análise mais detalhada da conjuntura de comércio exterior do setor automotivo brasileiro, vide Barros e Pedro (2011). Em 1995, foi criado o produto BNDES Exim, que estimula as exportações do setor automotivo e de outros setores. Até hoje, por meio da Linha Exim Pré-Embarque, o produto tem relevância para estimular a indústria automotiva, uma vez 122 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS que a fabricação de produtos destinados à exportação com alto valor agregado não dispõe de muitas linhas de financiamento no mercado, especialmente com custo e prazos favoráveis. A Linha Pós- Embarque, por sua vez, apoia a comercialização no exterior de diversos bens definidos nas Políticas Operacionais, inclusive automóveis, e serviços. De 2002 a 2011, os desembolsos relativos ao BNDES Exim que beneficiaram a indústria automotiva somaram cerca de US$ 16,2 bilhões. BNDES Procaminhoneiro A atuação do BNDES no setor automotivo observada até a década de 1990 esteve apoiada consideravelmente no estímulo à comercialização de veículos pesados e implementos rodoviários, pois o Banco só passou a financiar as montadoras de veículos leves de forma significativa a partir de então. Apesar do aumento ao financiamento às montadoras nas décadas de 1990 e 2000, o apoio do BNDES à compra de veículos pesados continua marcante e evoluiu bastante nos últimos anos. Em 2006, foi criado o Programa BNDES de Financiamento a Caminhoneiros – BNDES Procaminhoneiro. Além do caminhoneiro autônomo, o programa financia empresários individuais e microempresas na aquisição de caminhões e afins12 de origem nacional, novos e usados com até 15 anos de fabricação. As condições mais favoráveis do programa contribuem para acelerar a renovação da frota brasileira de caminhões, considerada bastante antiga e poluente. Os desembolsos direcionados ao programa foram de cerca de R$ 9,8 bilhões desde a sua criação. Cabe destacar que o programa é um dos poucos instrumentos do Banco direcionados à pessoa física. Produto BNDES Finame Na última década, o apoio à comercialização de ônibus e caminhões por meio do produto BNDES Finame foi fundamental para o dinamismo do segmento no Brasil, tendo em vista que o sistema bancário nacional concentra sua atuação em operações de curto prazo e que a maioria das vendas é realizada a prazo. A Finame é o princi- 12 Chassis, caminhões-trator, carretas, cavalos-mecânicos, reboques, semirreboques, incluídos os tipo dolly, tanques e afins, devidamente registrados no órgão de trânsito competente, e carrocerias para caminhões. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 123 pal funding utilizado para aquisição de ônibus e caminhões no Brasil. No período de 2003 a 2011, os desembolsos do BNDES para a comercialização de ônibus, caminhões, implementos rodoviários e carrocerias foram de aproximadamente R$ 137,8 bilhões. Cartão BNDES O produto Cartão BNDES, criado em 2003, é um canal de financiamento de até R$ 1 milhão por cartão, por banco emissor,13 e é voltado exclusivamente para micro, pequenas e médias empresas. Pelo fato de o crédito ser aprovado previamente, o Cartão BNDES confere bastante agilidade às empresas de menor porte para aquisição dos produtos credenciados necessários ao negócio, além de oferecer condições facilitadas, como prestações mensais fixas, o que amplia a previsibilidade do fluxo de caixa das empresas. Especificamente em relação ao setor automotivo, o leque de produtos cadastrados é bastante amplo e contempla diversos tipos de autopeças, pneus e veículos, inclusive ônibus e caminhões. Os desembolsos do Cartão BNDES para aquisição de produtos do setor automotivo totalizaram cerca de R$ 4,1 bilhões entre 2003 e 2011. BNDES Revitaliza O apoio às autopeças foi reforçado com a inclusão, em 2011, dos fabricantes do segmento no programa BNDES Revitaliza, criado originalmente em 2007. Concebido para apoiar empresas que atuam em setores adversamente afetados pela conjuntura econômica internacional, o programa poderá ser útil tanto para financiamento aos investimentos em modernização e ampliação de capacidade quanto para financiamento à produção destinada à exportação por empresas do segmento, considerado um elo frágil da cadeia automotiva. Programa Fundo Clima Criado pela Lei 12.114, de 9 de dezembro de 2009, e regulamentado pelo Decreto 7.343, de 26 de outubro de 2010, o Fundo Clima é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O BNDES é 13 Cada empresa pode ter até cinco Cartões. 124 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS agente financeiro do Fundo Clima e, por meio do programa, vai aplicar a parcela de recursos reembolsáveis do fundo visando mitigar as mudanças climáticas. Com a aprovação do programa pelo BNDES, em 2011, o apoio a tecnologias mais sustentáveis do ponto de vista ambiental foi reforçado. Por meio do subprograma Modais de Transporte Eficientes, o Programa Fundo Clima apoia não apenas a aquisição de ônibus híbridos e elétricos, mas também aqueles movidos a biocombustíveis cadastrados no BNDES, com destaque para o etanol. Além de financiar a aquisição, o programa financia também a instalação de capacidade produtiva para a fabricação de ônibus híbridos e elétricos. 4 . O FU TU RO D O S ETO R A U TO M O TI V O B RA SILEIR O PERSPECTIVAS As perspectivas para o setor automotivo no Brasil são bastante positivas. O crescimento da economia observado nos últimos anos, o mercado doméstico em expansão, a ampliação da classe média e o aumento real do salário mínimo, associados à estagnação dos mercados maduros, tornam o Brasil um dos países centrais na estratégia das principais montadoras mundiais.14 Com as oportunidades reduzidas na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, outros países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia e o México, deverão experimentar anos de prosperidade no setor. Dessa maneira, vislumbra-se que a participação dos países em desenvolvimento na produção mundial de veículos deve seguir em ascensão. Tal tendência é observada desde a década de 1980, mas foi acentuada nas duas últimas décadas. Conforme pode ser observado na Tabela 2, a participação de Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Reino Unido, países tradicionais na indústria automobilística, na produção global caiu de 68%, em 1991, para 33,9%, em 2011. No mesmo período, a participação do Brasil mais do que dobrou, passando de 2% para 4,3%. A Chi- 14 Os autores estimam uma razão habitante por veículo de 6 para o Brasil, bem acima da razão observada nos países desenvolvidos (em torno de 1,5) e, também, maior do que a observada em países como México (3,6) e Argentina (4,5). Essa estatística evidencia o potencial do mercado automobilístico brasileiro para os próximos anos. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 125 na foi o grande destaque individual, com a participação saltando de apenas 1,5% para 23% no período. Vale destacar que, no ano de 2009, a China passou a ocupar o posto de maior fabricante de veículos do mundo. TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES NA PRODUÇÃO MUNDIAL (%) 1981 1991 2001 2011 JAPÃO 30,1 28,0 17,4 10,5 ALEMANHA, FRANÇA E REINO UNIDO 22,4 21,4 19,5 12,6 ESTADOS UNIDOS 10,8 21,4 18,6 20,3 BRASIL 2,1 2,0 3,2 4,3 CHINA n.d. 1,5 4,1 23,0 OUTROS 24,0 28,5 35,5 38,8 Fontes: Wards apud Ferreira (2010) e OICA. A partir do cenário descrito, vultosos volumes de investimento estão previstos para o setor no Brasil nos próximos anos. Para o quadriênio compreendido entre 2012 e 2015, os investimentos planejados de montadoras associadas à Anfavea são de US$ 22 bilhões, ou cerca de R$ 41,8 bilhões.15 Além disso, as newcomers devem investir US$ 3,5 bilhões,16 cerca de R$ 6,6 bilhões. Essas inversões consolidam a posição do Brasil como um dos maiores produtores de veículos do mundo (sétimo maior produtor mundial em 2011, segundo dados da Organisation Internationale des Constructeurs d’Automobiles (OICA), e quinto maior mercado) e o maior produtor da América Latina. Para o segmento de autopeças, o investimento previsto é de US$ 10 bilhões (Sindipeças), aproximadamente R$ 19,0 bilhões. A atual capacidade instalada da indústria automobilística é de 4,3 milhões de veículos por ano.17 Caso os investimentos anunciados sejam, de fato, concretizados, podem acrescentar uma capacidade de cerca de 2,3 milhões de veículos anuais até 2015. Além de aumento de capacidade, as inversões compreenderão, ainda, o desenvolvimento de novos produtos, a reestilização de modelos, a modernização de plantas etc. Os principais investimentos previstos são descritos no box. 15 Supondo câmbio médio de R$/US$ 1,90 no período. Fonte: Automotive Business (2012). 17 Fonte: Anfavea. 16 126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS INVESTIMENTOS DO SETOR AUTOMOTIVO NO BRASIL: PERSPECTIVAS A Fiat deve se instalar em Goiana (PE). Serão investidos cerca de R$ 4 bilhões até 2014 na construção de fábrica com capacidade para até 250 mil veículos por ano, destinados, a princípio, ao mercado doméstico. Além disso, a Fiat ampliará a fabrica de Betim (MG) para elevar a capacidade dos atuais 800 mil veículos anuais para 950 mil. O lançamento de novos modelos também está previsto. A Volkswagen anunciou planos de investir R$ 8,7 bilhões até 2016 no país. A unidade de Taubaté (SP) poderá ser ampliada, caso a demanda permaneça em ascensão. Para a planta de São Bernardo do Campo (SP), a expectativa é de lançamento de novos produtos. A General Motors está focada na renovação de sua linha de produtos. Em fevereiro de 2012, a empresa anunciou investimento de R$ 710 milhões na construção de nova fábrica de caixas de câmbio em Joinville (SC), que deve começar a operar em 2014. Investimentos em modernização da produção e novas tecnologias também estão previstos. A Ford investirá R$ 4,5 bilhões no Brasil até 2015. Parte desse aporte (R$ 800 milhões) irá para a fábrica de São Bernardo do Campo (SP) e será destinada à produção de um carro de plataforma global. Além disso, a montadora anunciou investimentos de R$ 500 milhões na fábrica de motores e transmissões de Taubaté (SP). Nos planos, estão previstos ainda novos modelos globais. A Renault planeja investir cerca de R$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2015. Os investimentos planejados contemplam ampliação de 100 mil unidades por ano de capacidade na fábrica de São José dos Pinhais (PR), além de criação de novo centro de engenharia e área para logística. Em abril, o BNDES aprovou financiamento de R$ 373,5 milhões para a empresa, com vistas ao desenvolvimento de novos produtos, investimentos em design, adequação da fábrica de utilitários, entre outros objetivos. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO A Nissan vai construir uma nova planta em Resende (RJ). A capacidade instalada será de 200 mil carros por ano e o investimento será de R$ 2,6 bilhões. Parte da produção da Nissan permanecerá no Paraná junto à fábrica da Renault. A Nissan almeja o lançamento de dez novos produtos no país até 2016. A Peugeot Citroën pretende investir no Brasil a um ritmo de R$ 575 milhões por ano no período de 2012 até 2015. Os recursos serão alocados em diversas frentes. As principais serão a ampliação da capacidade da fábrica de Porto Real (RJ) para 300 mil veículos anuais (atualmente, é de 150 mil), a elevação da capacidade de produção de motores, além do desenvolvimento de novos modelos e da ampliação da rede de concessionárias. Com financiamento de R$ 307,4 milhões do BNDES, a sul-coreana Hyundai está finalizando sua primeira unidade fabril no Brasil, em Piracicaba (SP). O investimento previsto foi de US$ 600 milhões. Com capacidade para 150 mil veículos por ano, a Hyundai vai produzir veículos especialmente projetados para o mercado brasileiro com foco no segmento de maior volume, entre eles, o de compactos. A japonesa Toyota, que já conta com a fábrica de automóveis em Indaiatuba (SP) e de autopeças em São Bernardo do Campo (SP), prevê finalizar sua segunda fábrica de automóveis em Sorocaba (SP) no segundo semestre de 2012. Os investimentos serão de US$ 600 milhões e a expectativa inicial é produzir 70 mil veículos por ano. A Honda planeja investir mais de R$ 1 bilhão no país até 2014. Os investimentos devem aumentar o índice de nacionalização de componentes e servirão também à renovação da gama de produtos. Afetada pelo tsunami ocorrido no Japão em março de 2011, o que resultou em significativa perda de market share, a Honda pretende comercializar 140 mil unidades no país em 2012. A Mitsubishi do Brasil18 anunciou, em abril de 2011, investimentos de R$ 1 bilhão destinados à ampliação da fábrica de Catalão (que alcançará capacidade de produção de 100 mil veículos por ano), à nacionalização de com- 18 A Mitsubishi do Brasil é a única empresa do grupo japonês que opera de forma independente, sem a participação da matriz, que fornece componentes para a montagem e recebe royalties pela transferência de tecnologia. 127 128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ponentes e ao lançamento de novos produtos. A montadora pretende ainda construir uma fábrica de motores até 2014 e ingressar no segmento de sedãs. As newcomers chinesas JAC e Chery têm planos ambiciosos para o Brasil. A JAC Motors investirá cerca de R$ 900 milhões na construção de uma fábrica em Camaçari (BA). A conclusão da obra está prevista para 2014. A capacidade projetada é de até 100 mil veículos por ano. A intenção é produzir modelos de valor abaixo de R$ 40 mil. A Chery investirá US$ 400 milhões na construção de sua fábrica em Jacareí (SP) para produção de até 150 mil veículos por ano na etapa final do projeto. Já em andamento, as obras deverão ser concluídas em 2013. A Chery pretende alcançar 3% de mercado em 2015 e utilizar a unidade brasileira para exportar para o Mercosul e o México. Outras empresas chinesas deverão fazer aportes no país nos próximos anos. A BMW e a Jaguar-Land Rover também poderão anunciar investimentos no Brasil nos próximos meses. No segmento de veículos pesados, a Mercedes-Benz iniciou a produção de caminhões em Juiz de Fora (MG) no início de 2012, investindo R$ 450 milhões nas adaptações fabris necessárias, tendo em vista que a fábrica foi inicialmente concebida para a produção de automóveis de luxo. De 2010 a 2013, a Mercedes espera investir R$ 1,5 bilhão no Brasil. A empresa estuda retomar a produção de automóveis no país. A MAN, fabricante de caminhões e ônibus das marcas MAN e Volkswagen, investirá R$ 1 bilhão com vistas a duplicar a capacidade produtiva da fábrica de Resende (RJ) de setenta mil unidades por ano para cento e quarenta mil até 2014. A MAN buscará ainda desenvolver novas tecnologias, com destaque para modelos híbridos. A sueca Scania construirá um centro de distribuição de peças em Vinhedo (SP). O espaço do atual centro, situado dentro do parque fabril da Scania em São Bernardo do Campo (SP), será utilizado para atualização e modernização da fábrica. A também sueca Volvo está investindo R$ 210 milhões na ampliação da fábrica de Curitiba (PR) para a produção de ônibus híbridos com tração elétrica COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 129 e de cabines de caminhão. Em novembro, a Volvo inaugurou sua nova fábrica de caixas de câmbio no mesmo complexo industrial. Em virtude da prevalência do modal rodoviário no Brasil e ao bom momento vivido pela economia doméstica, o segmento de pesados tem quebrado recordes de produção e vendas no período recente e, desse modo, vem atraindo interesse de novos players. A montadora norte-americana Paccar construirá uma fábrica em Ponta Grossa (PR) para montagem de caminhões da marca holandesa DAF (pertencente ao Grupo Paccar). O investimento está orçado em US$ 200 milhões e a unidade deverá entrar em operação em abril de 2013. As chinesas Sinotruk e Shacman também planejam se instalar no Brasil. A Shacman pode escolher o estado de Pernambuco para, inicialmente, montar caminhões em sistema CKD. TENDÊNCIAS, POSSÍVEIS ROTAS TECNOLÓGICAS E ATUAÇÃO DO BNDES O surgimento de uma nova agenda da indústria automotiva mundial, que prioriza o desenvolvimento ou a inovação de produtos e processos, torna relevante a discussão de novas tendências e aspectos relacionados à tecnologia automotiva. A observação das tendências do setor é crucial, pois possibilita a análise de possíveis rotas tecnológicas a serem seguidas e, consequentemente, de possibilidades relacionadas a políticas públicas. A análise de macrotendências relacionadas à estrutura do setor, como a estagnação do mercado automotivo nos países desenvolvidos e o dinamismo dos emergentes, a produção por meio de plataformas globais, entre outros, já foi realizada em diversos artigos sobre o tema, incluindo Barros e Pedro (2011) e Casotti e Goldenstein (2008). O foco desta seção, todavia, é discutir as principais tendências relativas à inovação de produtos e processos no setor automotivo brasileiro. Isso não significa que os canais de apoio tradicionais do BNDES, detalhados na seção anterior, perderão importância nos próximos anos. Ao contrário, os canais tradicionais devem ser aprimorados e outros mecanismos devem ser desenvolvidos. 130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Eletromobilidade e combustíveis alternativos A percepção de que o veículo a combustão utilizado na sociedade moderna não atende a critérios ambientais básicos é marcante. Com base nessa constatação e na regulamentação sobre o tema, surge a necessidade de desenvolvimento de alternativas para o funcionamento básico dos veículos. Uma forte tendência é a chamada eletromobilidade ou a migração para a tecnologia dos veículos elétricos. Os veículos puramente elétricos não têm motor a combustão, mas são movidos integralmente a energia elétrica. Essa energia pode ser proveniente de baterias, células de combustível, energia solar ou diretamente da rede elétrica. Embora existam vários tipos de baterias compatíveis com os veículos,19 não há um padrão definitivo. As baterias mais promissoras até agora são as de íon-lítio, embora ainda existam desafios para seu uso em larga escala, como a segurança associada a seu uso, a performance em condições extremas de temperatura, a durabilidade e o custo da bateria [Castro e Ferreira (2010)]. Dessa forma, não existe ainda uma definição de qual tecnologia será predominante, o que traz a possibilidade efetiva de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no segmento, estimulados por políticas públicas. Os autores entendem que, anteriormente à disseminação da tecnologia relativa a veículos elétricos, deve haver uma passagem pela hibridização ou a produção de veículos híbridos, que combinam as tecnologias a combustão e elétrica. Isso deve ocorrer por causa do custo da bateria e do motor elétrico, que são inferiores no veículo híbrido, uma vez que tais componentes são menores. Além disso, há questões como a baixa autonomia da bateria e a infraestrutura de recarga, que dificultam o desenvolvimento de veículos puramente elétricos. O desenvolvimento de uma tecnologia eficiente compatível com o conceito de eletromobilidade é extremamente meritório do ponto de vista ambiental e inovativo, possibilitando um salto tecnológico que modificaria toda a indústria automotiva. De fato, existem outras tecnologias possíveis para a redução de emissões de poluentes, além da eletrificação ou hibridização, como o uso do hidrogênio como 19 As principais baterias existentes são as de chumbo ácido, as de níquel hidreto metálico, as de sódio e as de íon-lítio. Para informações técnicas referentes a cada uma, ver Castro e Ferreira (2010). COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 131 combustível. Outra alternativa é o investimento em biocombustíveis. Recentemente, no Brasil, tornou-se comum a produção de carros flex fuel, que oferecem a opção de abastecer com gasolina, etanol ou qualquer combinação dos dois combustíveis. Os carros flex proporcionam maior flexibilidade ao motorista e são mais sustentáveis ambientalmente em relação a veículos movidos por combustíveis fósseis. Apesar da maior sustentabilidade ambiental proporcionada pelos veículos flex, eles são menos eficientes que um veículo que só tem motor a gasolina. A explicação disso está, principalmente, na taxa de compressão do motor.20 Ainda existe espaço significativo para aprimoramentos tecnológicos nos motores flex fuel, com aumento de sua eficiência energética. A tentativa de reduzir as emissões de poluentes por meio de biocombustíveis é muito importante e, talvez, factível em curto prazo. No entanto, outras alternativas tecnológicas, como a eletrificação veicular e o desenvolvimento de células a combustível, deveriam ser mais exploradas e apoiadas, inclusive por meio de incentivos fiscais e tributários. Para tornar possível o aprimoramento dos motores flex, a produção de veículos elétricos em escala comercial e a produção de veículos movidos a hidrogênio, o papel do governo e do BNDES pode ser indutor, ao incentivar a rota tecnológica que pode oferecer maior retorno de eficiência e de qualidade de vida à população. O papel do BNDES pode ser muito relevante para a geração de inovações significativas para as tecnologias de propulsão. A criação e o aprimoramento de grupos de trabalho com o governo para a discussão sobre o tema devem ser considerados, para que todos os aspectos relacionados à possível nova rota tecnológica sejam analisados antes da implantação de políticas públicas. A possibilidade de implantação de um programa direcionado exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento ligados à eletrificação pode ser considerada futuramente, o que seria um estímulo notável para todo o complexo automotivo, inclusive ônibus, caminhões e cadeia de autopeças. 20 A taxa de compressão representa o quanto a mistura de ar e combustível é comprimida antes da explosão do motor. Ela é diretamente proporcional à eficiência do motor e é diferente no etanol e na gasolina. Com etanol, é mais longo o tempo necessário para a autodetonação da explosão no motor, considerando a mesma quantidade de ar. No motor flex, essa taxa de compressão é manipulada para ser intermediária entre os dois combustíveis, o que torna o motor menos eficiente. 132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Inovações relacionadas ao novo conceito de veículo urbano e a critérios ambientais Os veículos que estarão presentes nas cidades daqui a alguns anos devem incorporar novas tendências, como redução de peso e tamanho, maior eletrônica embarcada e conceitos mais abrangentes de sustentabilidade. A redução de peso e tamanho do automóvel é possibilitada, basicamente, por meio de downsizing (redução do motor do veículo). De fato, essa tendência é acentuada pelo aumento da renda dos países emergentes, que já enfrentam problemas de engarrafamentos constantes decorrentes das falhas de planejamento do trânsito e de deficiências no transporte público. Ademais, veículos mais leves são mais econômicos. Há, portanto, uma tendência de maior disseminação de veículos menores e mais eficientes no gasto de combustível. Paralelamente à tendência de produção de veículos menores, não menos relevante é a fabricação de ônibus inteligentes ou trólebus e motocicletas elétricas. Algumas empresas brasileiras já atuam nesse segmento. A Eletra tem cerca de trezentos trólebus e 45 ônibus híbridos em operação em São Paulo. Já no segmento de motocicletas elétricas ou scooters, atuam empresas como Motor Z, de São Bernardo do Campo (SP), Bramont (AM) e GPS Electric Movement (RN) [Castro e Ferreira (2010)]. De fato, todas essas modificações no conceito de transporte urbano devem alterar a própria estrutura da indústria, com a possibilidade de fortalecimento de empresas de capital nacional. Aqui, o papel do BNDES é fundamental, na identificação e fomento a empresas com esse perfil ou com potencial de desenvolvimento de novas tecnologias ligadas à eletrificação ou a novos conceitos de veículos urbanos. Outra oportunidade tecnológica é o desenvolvimento de materiais alternativos para a indústria automotiva, como os recicláveis de baixo impacto ambiental. O uso da nanotecnologia pode melhorar a funcionalidade e o design das peças utilizadas, além da melhoria de processos. A utilização de novos materiais pode fazer com que as empresas de autopeças aumentem o grau de parcerias para desenvolvimento do lado de fora da cadeia automotiva, com universidades, institutos de pesquisa e fornecedores, como a indústria de aço, alumínio e petroquímicas [ABDI (2009)]. COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 133 A evolução dos projetos de engenharia, assim como novas exigências de regulamentação ambiental e de segurança, deve acelerar o uso de novos materiais. Exemplos de uso da indústria automotiva são plásticos de alta performance e insumos de alumínio para diversas peças. As inovações observadas compreendem componentes de motor e revestimento dos automóveis. O BNDES pode atuar de forma proativa para acelerar a incorporação de tecnologias limpas com incentivos a pesquisa e desenvolvimento relacionados ao uso de novos materiais. Posteriormente, pode-se incentivar o apoio financeiro a empresas que demonstrarem capacidade técnica de desenvolver novos materiais e utilizá-los. 5 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S A indústria automotiva tem alta relevância para a economia brasileira. Em 2010, respondeu por 19,5% do PIB industrial e por mais de 5% do PIB. O faturamento líquido no segmento de veículos ultrapassou US$ 83,6 bilhões de dólares em 2010. No mesmo ano, a produção de veículos empregou diretamente mais de cem mil pessoas e estima-se que os empregos diretos e indiretos em toda a cadeia do setor automotivo sejam de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas. A indústria automotiva foi, historicamente, muito representativa no Brasil, respondendo por inovações, por melhorias da qualificação da mão de obra e por uma parcela relevante do PIB. Atualmente, estudos sobre a viabilidade do desenvolvimento de novas tecnologias no setor automotivo e a identificação de rotas tecnológicas promissoras têm espaço considerável no meio acadêmico e nas instituições de fomento, como o BNDES. Não basta só a constatação de que novas tecnologias estão surgindo e de que é relevante incentivá-las, inclusive por meio de apoio financeiro. É importante que as diferentes rotas tecnológicas sejam estudadas, analisadas e discutidas, principalmente no que se refere à eletrificação veicular, para que sejam realizadas ações proativas de incentivo. O desenho de possíveis políticas públicas associadas às mudanças de paradigma no setor automotivo deve ser embasado por estudos aprofundados e pela discussão efetiva com empresas e acadêmicos. 134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS As medidas governamentais adotadas recentemente para o setor automotivo incluem instrumentos como o aumento de impostos, principalmente para a redução da presença dos veículos importados. Os autores entendem que as ações governamentais deveriam buscar maior alinhamento com as tendências do setor, como o aumento da eficiência energética e a redução de poluentes. RE F E RÊN CIA S ABDI – AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Estudo prospectivo setorial – automotivo. Relatório de perspectivas. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, jul. 2009. ANDERSON, P. Câmaras setoriais: histórico e acordos firmados – 1991/95. Texto para Discussão, n. 667. Rio de Janeiro: Ipea, 1999. 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Sérgio Bittencourt Varella Gomes* Ύ ŶŐĞŶŚĞŝƌŽ ĂĞƌŽŶĄƵƟĐŽ ;/dͿ͕ WŚ Ğŵ ĚŝŶąŵŝĐĂ ĚĞ ǀŽŽ ;ƌĂŶĮĞůĚ͕ /ŶŐůĂƚĞƌƌĂͿ Ğ ŐĞƌĞŶƚĞ ŶŽ ĞƉĂƌƚĂŵĞŶƚŽ ĚĞ ŽŵĠƌĐŝŽ džƚĞƌŝŽƌϭĚĂƌĞĂĚĞŽŵĠƌĐŝŽdžƚĞƌŝŽƌĚŽE^͘KĂƵƚŽƌĂŐƌĂĚĞĐĞĂĐŽůĂďŽƌĂĕĆŽĚĞsĂŶĞƐƐĂĚĞ^ĄYƵĞŝƌŽnjĞĚĞWĂƵůƵƐ sŝŶŝĐŝƵƐĚĂZŽĐŚĂ&ŽŶƐĞĐĂĚŽĞƉĂƌƚĂŵĞŶƚŽĚĞŽŵĠƌĐŝŽdžƚĞƌŝŽƌϭĚĂƌĞĂĚĞŽŵĠƌĐŝŽdžƚĞƌŝŽƌĚŽE^͘ INDÚSTRIA AERONÁUTICA 139 RE S UMO O Brasil, que se orgulha do pioneiro Santos-Dumont viu sucessivas tentativas de se criar uma indústria aeronáutica, de porte e sustentável, no país não lograrem êxito. Isso ocorreu até as décadas de 1960 e 1970, quando a industrialização passou a ser política de Estado. Hoje, a Embraer, criada em 1969 como empresa estatal e privatizada em 1994, é uma das quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo – juntamente com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier –, contribuindo diretamente para o saldo positivo na balança comercial brasileira. O artigo faz uma análise da trajetória recente da empresa, que concentra a maioria dos empregos e das receitas do setor, bem como da Helibras, fabricante de helicópteros, e da ainda tímida cadeia produtiva do setor. Em seguida, analisa as perspectivas para o setor e para a atuação do BNDES, delineando diversas possibilidades de ampliação dessa atuação em função dos vários desdobramentos em curso do Plano Brasil Maior, que incluem também as áreas de espaço e complexo da defesa. Mostra também que o setor aeronáutico em todo o mundo tem forte dependência dos respectivos governos nacionais, seja pelas compras governamentais, pelo financiamento ou bolsas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e financiamentos às exportações. Por fim, o artigo conclui que o Brasil está evoluindo positivamente nessa direção. AB S T RA C T There was a time when Brazil, which is a country proud of the pioneer Santos Dumont, saw successive, yet unsuccessful attempts at creating a large-scale and sustainable aircraft industry. This was the pattern until the 1960-70s, when having an aircraft industry became government policy. Today Embraer, created in 1969 as a State-owned enterprise and privatized in 1994, is one of the four largest aircraft manufacturers in the world – along with the US’ Boeing, Europe’s Airbus and Canada’s Bombardier – contributing directly and positively to Brazil’s trade balance. This article analyzes the recent evolution of the company, which concentrates most of the jobs and revenue in this sector, as well as that of Helibras – a helicopter 140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS manufacturer – and the still small-scale Brazilian aircraft industry supply chain. The following section then analyzes the outlook for the Sector, the BNDES’ operations and possible further contributions. The aim is to outline several possibilities to expand these efforts in light of various developments that have resulted from the Brasil Maior Plan, which also includes space and defense. Finally, we show that the aviation sector across the world is heavily dependent on their respective national governments, either through government direct purchases of products, or research funding or grants and technological development and export financing. Thus, we conclude that Brazil has shown positive evolution in this direction. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 141 1 . INTR OD U Çà O A indústria aeronáutica no Brasil apresenta um paradoxo curioso: se, de um lado, o povo brasileiro se orgulha de Alberto Santos-Dumont, pioneiro da navegação pelo ar – com seu Dirigível nº 6 (em Paris, 1901) – e do voo com o avião – o 14-bis (em Paris, 1906) –, de outro lado, foi um país em que a fabricação aeronáutica em grande escala plantou raízes só tardiamente. Ao longo das primeiras décadas do século XX, sucessivas tentativas de se criar uma indústria aeronáutica no país, sustentável no longo prazo, não lograram êxito [Andrade (1976)]. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, diversas novas lições de geopolítica passaram a compor de maneira definitiva o conhecimento e a experiência humana, principalmente nas questões afeitas à defesa da soberania das nações. Entre as mudanças de paradigma ocorridas, figurou a constatação de que somente com o domínio do seu espaço aéreo é que um país exerce, de forma definitiva, a sua soberania. No limite, equivale a dizer que uma nação deve dispor de indústria aeronáutica própria com produtos destinados tanto ao mercado civil quanto ao militar. Isso fez com que as tecnologias associadas ao projeto, à construção, aos ensaios, à certificação, à operação e à manutenção de aeronaves passassem à posição de elevada prioridade nacional, mesmo nos países que, antes da Segunda Guerra, não estavam na proeminência do setor, como a Rússia, a China, a Índia, o Canadá e até mesmo a Argentina. A despeito da enorme desmobilização de pessoal, aeronaves e material bélico ocorrida de modo generalizado com o fim do conflito, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento em tecnologia aeronáutica deram um salto espetacular [Crouch (2004)]. Nesse contexto, também o governo brasileiro passou a considerar de importância estratégica para o país o domínio da tecnologia aeronáutica. Vem daí a decisão de, nos anos seguintes a 1945, constituir uma escola de engenharia aeronáutica – o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – e um centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então Centro Técnico da Aeronáutica (CTA). Com isso, graças à feliz combinação, em um mesmo locus, de escola de engenharia aeronáutica, institutos de pesquisa e desenvolvimento e 142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS até mesmo de um instituto encarregado da certificação de material aeronáutico,1 o país pôde dar um salto tecnológico nesse setor em período relativamente curto, estando hoje entre os quatro principais fabricantes de aeronaves do mundo. No entanto, em termos de agregação de valor, tão ou mais importantes do que as etapas de construção e montagem de aeronaves são as etapas que lhes precedem. A primeira delas envolve profunda pesquisa de mercado, usualmente entre clientes e operadores de aeronaves já existentes, para determinar o espaço de mercado a ser perseguido pela nova aeronave, assim como os principais requisitos técnicos, operacionais e econômicos desse veículo ainda a ser projetado. Seguem-se as etapas normais de anteprojeto, projeto preliminar, congelamento do projeto2 e projeto executivo, a partir do qual se entra na fase de construção do protótipo, seguida dos ensaios em solo e em voo e a certificação aeronáutica. A partir daí é que se passa à construção e à montagem industrial, que são características da produção em série de aeronaves civis ou militares. O BNDES passou a atuar de forma mais proeminente no setor a partir da privatização da Embraer em 1994, ou seja, como uma contrapartida parcial à retirada do Estado brasileiro da produção aeronáutica. Essa atuação do Banco tem sido realizada ao longo de linhas semelhantes às utilizadas para outros setores industriais, sendo especialmente notável o apoio no financiamento às exportações de aeronaves brasileiras. No entanto, uma série de desafios já se apresenta no futuro próximo, vislumbrando-se um papel ainda mais significativo para o BNDES. O artigo está dividido em seis seções, além desta introdução. Na primeira, mostra-se um panorama do setor aeronáutico no Brasil a partir das décadas de 1960 e 1970, quando o domínio da tecnologia e a industrialização passaram a pautar políticas de Estado, com destaque para a incorporação da Embraer em 1969. A seção seguinte concentra-se na evolução recente da indústria, após a privatização da Embraer em 1994, além de apresentar o outro fabricante brasileiro de aeronaves 1 Referência ao Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) do CTA, que até o surgimento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em 2006, era encarregado da certificação de aeronaves tanto militares quanto civis fabricadas no Brasil. 2 “Congelamento” do projeto refere-se à fase em que este não pode mais sofrer grandes modificações, devendo-se mantê-lo essencialmente inalterado até e durante a construção do protótipo. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 143 (helicópteros), ou seja, a Helibras. A terceira seção analisa a cadeia produtiva do setor, que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto. Considerando que o setor é competitivo e estratégico para o país, a quarta seção analisa as perspectivas e os desafios do setor e a quinta seção propõe como poderá se dar o apoio do BNDES nos próximos anos. À guisa de conclusão, salienta-se a importância da atuação do BNDES como agente estatal de viabilização de políticas públicas, em especial aquelas propostas no Plano Brasil Maior (PBM). 2 . O D OMÍN IO D A TEC N O L O G I A E A IN D U STR IA LI ZA Ç Ã O C O M O P OLÍTIC A S D E ES TA D O 3 De fato, foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que a indústria aeronáutica consolidou-se no Brasil. Com a clara percepção de que se desejava chegar à etapa de industrialização em larga escala [Andrade (1976, p. 270)], os esforços foram afinal direcionados para a viabilização de aeronaves com utilização imediata nos mercados civil e militar do país. Assim foi que a incorporação, em 1969, da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), empresa estatal, foi realizada para dar curso à fabricação de três tipos de aeronaves gestadas previamente no CTA4 [Andrade (1976, p. 271-274)]: 1. o EMB-110 Bandeirante (Figura 1), bimotor turboélice com 12 assentos para o transporte de pessoal, por encomenda da Força Aérea Brasileira (FAB) – as versões civis posteriores chegariam a 19 assentos – no montante inicial de oitenta unidades (em 18 anos de fabricação, mais de 550 aeronaves do tipo – civis e militares – seriam entregues em 36 países) [Poder Aéreo (2011)]; 2. o Ipanema, monomotor para pulverização de defensivos agrícolas (em produção até hoje, extensamente modificado); e 3. 3 4 o Urupema, planador de alto desempenho. Vide Coutinho (2000, p. 21). Centro Técnico de Aeronáutica, antiga denominação do atual DCTA, órgão do Comando da Aeronáutica. 144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Logo em seguida, a partir de 1970, a Embraer receberia a encomenda para a produção de 112 exemplares da aeronave militar a jato de treinamento e ataque Aermacchi MB-326, de origem italiana, batizada como Xavante na FAB. Isso tinha por objetivo propiciar à empresa a aquisição de técnicas atualizadas de produção aeronáutica em larga escala. Um pouco mais à frente, em 1974, a Embraer firmaria um amplo acordo de cooperação com a Piper Aircraft Corporation dos Estados Unidos, para a produção sob licença no Brasil de dois tipos de aviões bimotores e três tipos de monomotores leves, todos eles já com razoável histórico de produção e operação nos Estados Unidos e alhures, com cláusulas de progressiva nacionalização de partes e peças. A importação de modelos concorrentes de outros fabricantes estrangeiros passou então a ser proibida no Brasil, em nome da economia de divisas e da proteção à indústria nacional. Os novos aviões foram consagrados na época com os nomes de Sêneca, Minuano, Carioca e Navajo, entre outros, e a maioria deles também contou com relevantes encomendas da FAB. Com isso, a Embraer passou a mobilizar recursos de projeto e fabricação aeronáutica inéditos no país, com uma gama diversificada de tipos de aeronaves em produção. Assim, nos seus primórdios, a Embraer contava com uma combinação de clientes que vigora até hoje nos demais países que possuem indústria aeronáutica: parte substancial da produção destinada às compras governamentais – aeronaves militares – e o restante da produção voltada ao mercado civil. O passo que faltava foi dado em 1975 e 1976 com as exportações de aeronaves Bandeirante para o Uruguai e o Chile. A seguir, a prova de fogo do Bandeirante no mercado internacional foi a sua certificação na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que permitiu a exportação para aqueles grandes mercados, já como aeronave civil. O estágio assim atingido, ao fim da década de 1970, permitiu que na década seguinte a Embraer, sempre com forte apoio governamental, desse um salto de patamar, perseguindo sua estratégia básica: a produção de aeronaves para nichos de mercado. Para o mercado civil, concebeu e fabricou nos anos 1980 o EMB-120 Brasília, que também foi adquirido pela FAB (Figura 2). Mais de 350 unidades foram entregues, nos cinco continentes, de 1983 a 2001. Em 1981, no mercado militar, os governos do Brasil e da Itália firmaram acordo de cooperação interna- INDÚSTRIA AERONÁUTICA 145 cional por meio do qual seus fabricantes aeronáuticos (a saber, Embraer, Aeritalia e Aermacchi) desenvolveriam e fabricariam conjuntamente o AMX. Cerca de duzentas unidades do AMX foram fabricadas, mais de um quarto delas para integrar a FAB como aeronave de ataque ar-solo. FIGURA 1 O EMB-110 BANDEIRANTE Foto cedida pela Embraer FIGURA 2 O EMB-120 BRASÍLIA Foto cedida pela Embraer 146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Assim, a década de 1980 significou para a Embraer a consolidação do seu modelo institucional: recebendo pesados investimentos governamentais em função do Programa AMX, firmou-se no mercado civil internacional ao obter grande sucesso com o Brasília. Do ponto de vista do empreendimento, isso significou vultosos investimentos em máquinas e equipamentos de última geração, investimentos em treinamento e capacitação de seu pessoal – inclusive no exterior – e o domínio de novas tecnologias aeronáuticas. Entre essas novas tecnologias, podem ser citadas a de materiais compostos, via acordos com fabricantes americanos como Sikorsky e McDonnell Douglas [Bernardes (2000, p. 31 e 308), a de software embarcado (para o AMX) e a da primeira geração de projetos digitalizados em computador (tecnologia CAD/CAM). No entanto, segundo importante estudo concluído em 2008 [Gargiulo (2008)], no período estatal da Embraer, de 1969 a 1994, o fluxo de caixa para o principal acionista – a União Federal, com 95% do capital votante e 86,8% do capital total – foi negativo, incluindo-se as receitas da privatização. Considerando-se os diversos aportes de capital feitos ao longo desse período estatal, o estudo conclui que: Deve ser destacado a este respeito que o objetivo do controlador (União), neste período, estava relacionado às externalidades geradas pela Embraer. Seu retorno se materializou, entre outros, na absorção/ desenvolvimento de tecnologia, na criação de capacitação gerencial (organização da fabricação e estrutura comercial), no desenvolvimento da rede de fornecedores e subcontratados, bem como na qualificação de mão de obra, decorrentes do esforço para a criação da empresa. Esses fatores permitiram a inserção do país num mercado em que a entrada é significativamente limitada por (além dos elevados dispêndios de capital necessários) exigir atendimento a elevados níveis de requisitos em termos de segurança, qualidade e confiabilidade. Além desses aspectos, devem ser destacados os resultados em termos de geração de empregos qualificados (diretos e indiretos), renda, e de arrecadação de impostos. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 147 Como no início da década de 1990, o contexto político e econômico do país já indicava o fim do apoio financeiro governamental às empresas estatais, a Embraer foi então incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND), vindo a ser privatizada em dezembro de 1994. Os novos controladores fizeram aportes de capital vultosos no início, da ordem de US$ 500 milhões [Gargiulo (2008)], para terminar o desenvolvimento do jato regional de cinquenta assentos ERJ-1455 e restabelecer a capacidade tecnológica e fabril da empresa. O BNDES também deu a sua contribuição, tanto com seus instrumentos de renda fixa como de renda variável. Mais adiante, a partir de 1997, o braço de comércio exterior do BNDES também procedeu ao financiamento às exportações de aeronaves da Embraer, em linha com o que ocorre nos demais países fabricantes de aeronaves, no que diz respeito a agências de crédito oficial às exportações. Assim, o Estado brasileiro retirou-se formalmente do projeto e da fabricação de aeronaves, mas manteve integralmente a capacidade de certificação de produtos e serviços da indústria aeronáutica brasileira (então competência do CTA),6 de importância basilar para o setor. Já o apoio financeiro governamental passou à esfera do banco estatal de desenvolvimento, dando-lhe a natureza de operação bancária, conjugada com investimento a risco (por meio da BNDESPAR), às quais veio a se somar o crédito à exportação (por meio do BNDES Exim). Mais recentemente, nos últimos dez anos, juntaram-se ao BNDES as agências governamentais Finep7 e Fapesp8 no financiamento a pesquisa e desenvolvimento. Isso deslocou a importância relativa das rubricas de reaparelhamento da FAB contidas no Orçamento Geral da União. Houve, pois, um deslocamento no arranjo de poder, no que se refere às instituições brasileiras que participam de forma mais ampla dessa indústria. 5 Dos quais aproximadamente 1.100 unidades – nas diversas versões – viriam a ser construídas e entregues de 1997 a 2010, configurando, portanto, um grande sucesso comercial internacional. 6 Desde 2006 essa competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). 7 Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. 8 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, agência estadual paulista. 148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 3 . A EVOLU Çà O R EC EN TE D O S ETO R Os anos subsequentes à privatização da Embraer a alçaram ao status de empresa global, com operações fabris, de pesquisa e desenvolvimento, apoio técnico ou de inteligência de mercado espalhadas por todo o planeta (Figura 3). FIGURA 3 A EMBRAER NO MUNDO FRANÇA Villepinte Le Bourget EUA Nashville Fort Lauderdale CHINA Pequim Harbin PORTUGAL Alverca BRASIL Gavião Peixoto Botucatu São José dos Campos CINGAPURA Cingapura Fonte: Embraer (2011a). Obs.: A Embraer tem unidades fabris no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos e na China, além de unidades de assistência técnica espalhadas pelo mundo, empresa de leasing de aeronaves na Irlanda e escritórios de vendas e inteligência de mercado na França, nos Estados Unidos e em Cingapura. A empresa brasileira integra, assim, o clube que congrega os quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo, junto com a Boeing (Estados Unidos), a Airbus (Alemanha, França, Inglaterra e Espanha) e a Bombardier (Canadá) (vide Apêndice). Ao longo das duas últimas décadas, em virtude do processo de consolidação industrial resultante do fim da Guerra Fria, esses quatro fabricantes sobreviventes (e consolidadores) organizaram-se na forma de dois duopólios para o mercado civil: Airbus e Boeing, para aeronaves a jato essencialmente de 130 a 500+ assentos, e Bombardier e Embraer, para jatos de 37 a 120+ assentos, originalmente chamados de regionais, mas que hoje operam em todos os tipos de rotas e empresas. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 149 Dessa forma, o setor de indústria aeronáutica de jatos comerciais no Brasil caracteriza-se por um fabricante – a Embraer – que concentra a maioria dos empregos e das receitas do setor. Portanto, o exame do desempenho recente da Embraer é de fundamental importância para embasar a análise do setor. Para avaliar adequadamente o desempenho de um fabricante de aeronaves, é preciso entender o seu “ciclo de produto”: os tipos de aeronaves que a empresa concebe, projeta, constrói e comercializa – no estado da arte9 então existente – e que terão uma fase de crescimento nas vendas, seguida de estabilização e, por fim, de declínio. A sustentabilidade da empresa no longo prazo só se verifica se, antes mesmo que determinado tipo de aeronave tenha atingido seu ápice de vendas, as áreas de inteligência de mercado e engenharia da empresa já estiverem envolvidas na concepção do novo tipo de aeronave no estado da arte. Um novo tipo de aeronave demanda, normalmente, entre dois e quatro anos para ser projetado, construído, certificado e começar a ser entregue ao mercado. Versões de aeronaves já existentes, mas que tenham sido aprimoradas, alongadas (com mais assentos), encurtadas (com menos assentos) ou que ofereçam mais alcance demandam um time-to-market que raramente excede dois anos. Assim, para o mercado de aeronaves civis, o sucesso ao longo do tempo e dos ciclos econômicos de um fabricante aeronáutico depende, em larga medida, do manejo dos ciclos de seus produtos e do gerenciamento dos investimentos a eles associados. Já para o mercado militar, tem-se um quadro com mais estabilidade e previsibilidade, na medida em que o fabricante responde às solicitações de projeto, construção, certificação e fabricação em série de novas aeronaves com o respaldo orçamentário e financeiro do governo demandante. Vai daí que boa parte dos fabricantes de aeronaves hoje existentes dedica-se exclusivamente ao mercado militar, casos da Lockheed-Martin, BAE Systems e Northrop-Grumman, ou procura ter uma atuação adequadamente balanceada nos dois mercados, como a Boeing e a Airbus, esta última em conjunto com sua holding EADS. 9 É importante que estado da arte seja aqui entendido no seu sentido mais amplo possível, isto é, a tecnologia incorporada à aeronave, o custo de aquisição por assento, o consumo de combustível, o desempenho de decolagem, pouso e em rota e até mesmo os pesos vazios e máximos de decolagem certificados. 150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Os fatores acima delineados ajudam a explicar o desempenho da Embraer no período pós-privatização, ou seja, após dezembro de 1994, conforme se pode inferir do Gráfico 1. GRÁFICO 1 EMBRAER – ATIVO TOTAL E RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA (ROL) (EM MILHÕES DE US$) 10.000 9.000 8.000 US$ MILHÕES 7.000 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 0 1994 1995 1996 Ativo total (AT) 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 ROL Fonte: Embraer (2011b). Nos anos seguintes à privatização da Embraer (1994), os esforços dos novos controladores concentraram-se na conclusão do projeto e na certificação do novo tipo de aeronave, o jato regional de cinquenta assentos ERJ-145. Isso porque o turboélice EMB-120 Brasília, de trinta assentos, já era um produto em declínio no seu ciclo de produto, com vendas e entregas decrescentes. Assim, somente com a comercialização do ERJ-145 – iniciada em dezembro de 1996, mas que só adquiriu massa crítica a partir do fim de 1997 com os maciços financiamentos à exportação proporcionados pelo BNDES – é que a receita da empresa pôde mudar de patamar. Naturalmente, isso ocorreu em paralelo aos novos investimentos em ativos requeridos para o (re)deslanche industrial da empresa, que contou também com a participação do BNDES em complemento aos aportes feitos pelos novos controladores, como visto na seção anterior. Tal quadro gerou reflexos positivos nos resultados da empresa, conforme o Gráfico 2. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 151 GRÁFICO 2 EMBRAER: LUCRO LÍQUIDO E DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS 150 600 132% 125 100 300 US$ MILHÕES 75 61% 62% 50 150 34% 16% 0 1994 1995 1996 1997 1998 42% 39% 39% 38% 34% 26% 17% 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 25% 2009 14% 2010 2011 25 DIVIDENDOS/LUCRO LÍQUIDO (%) 450 0 -150 -25 -50 -300 Lucro líquido (LL) Dividendos (DIV) % do LL Fonte: Embraer (2011b). Assim, a grande aceitação do ERJ-145 – em suas diversas versões – pelo mercado internacional proporcionou à Embraer um crescimento de receita e um resultado líquido muito bom até 2001. Nesse ano, a margem líquida superou os 15%, tornando a Embraer um dos fabricantes aeronáuticos mais lucrativos do mundo, sete anos após a sua privatização e cinco após o início do apoio do BNDES à empresa. Nos dois anos seguintes – 2002 e 2003 –, houve uma queda significativa nos indicadores de ROL, lucro, margem etc., por uma conjugação de fatores concomitantes: (i) o arrefecimento da atividade econômica que já vinha ocorrendo desde o ano 2000, principalmente nos Estados Unidos (na época, rotulado de “a bolha da internet”), a qual diminuiu os pedidos por novas aeronaves a serem entregues no período em análise; (ii) o impacto no transporte aéreo dos Estados Unidos e da Europa pelos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, gerando cancelamentos e postergações de entregas de aeronaves em todos os fabricantes de aeronaves civis. No caso da Embraer, ainda seria lícito acrescentar, à lista de fatores, o fato de que o ciclo do produto do ERJ-145 já havia passado o seu ápice, enquanto o novo tipo 152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de aeronave – a família dos E-Jets, lançada oficialmente em 1999 – ainda estava em desenvolvimento (as primeiras entregas só viriam a ocorrer em 2004). Assim, nos três anos seguintes – 2004-2006 –, ao mesmo tempo em que as vendas e entregas do ERJ-145 assumiam caráter mais residual, a família dos E-Jets se consolidava com as certificações e o início das entregas, sucessivamente, do E-170, E-175, E-190 e E-195, com capacidade para setenta a 120 assentos (Figura 4). FIGURA 4 A FAMÍLIA DOS E-JETS COMPREENDE QUATRO TIPOS DE AERONAVES, COM CAPACIDADE PARA SETENTA A 120 ASSENTOS Foto cedida pela Embraer Portanto, se a consolidação dos E-Jets alçou o faturamento da Embraer ao novo patamar de US$ 4 bilhões em 2004-2006 (com uma recuperação correspondente no resultado líquido, conforme gráficos 1 e 2), as condições favoráveis da economia mundial em geral, e a recuperação no tráfego e nos resultados das empresas aéreas em particular, levaram a Embraer a galgar o novo patamar de US$ 6 bilhões em 2008. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 153 Evidentemente, tal trajetória de sucesso teria de ser interrompida nos dois anos seguintes (2009-2010), em função da crise financeira e econômica que se abateu sobre boa parte do planeta, afetando todos os fabricantes de aeronaves. No caso da Embraer, a crise trouxe um impacto adicional. Desde o ano 2000, a empresa vinha, paulatinamente, desenvolvendo o seu braço de aviação executiva, para reduzir a dependência do mercado dos jatos comerciais, que são adquiridos naturalmente por empresas aéreas. Tal iniciativa estratégica teve início com a produção de aeronaves executivas derivadas dos jatos comerciais, como o Legacy 600 (derivado do jato regional ERJ-135), para até 16 ocupantes, e o Lineage 1000 (derivado do E-190), para, tipicamente, 19 ocupantes com elevado nível de conforto em viagens intercontinentais. Assim, já no fim de 2008 a Embraer começou a entregar o Phenom 100, um tipo de aeronave inteiramente novo e no estado da arte, para quatro a sete ocupantes. Juntamente com o seu irmão maior, o Phenom 300, para oito a nove ocupantes e cujas entregas se iniciaram em dezembro de 2009, ele compõe os nichos de mercado denominados de very light jets e light jets, respectivamente (figuras 5 e 6). FIGURAS 5 E 6 OS DOIS NOVOS TIPOS DE AERONAVES EXECUTIVAS DA EMBRAER, O PHENOM 100 E O PHENOM 300 154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Fotos cedidas pela Embraer Os efeitos da crise seriam sentidos, de forma mais acentuada no segmento de aeronaves executivas do que no de jatos comerciais, quanto às entregas previstas no ano versus entregas efetivamente realizadas. Com os efeitos combinados dessas reduções de entregas, tanto de E-Jets quanto de Phenoms, o faturamento da Embraer caiu cerca de 10%, o lucro líquido continuou oscilando em torno de US$ 400 milhões, mas os dividendos pagos aos acionistas despencaram de 61% para 14% (gráficos 1, 2 e 3). GRÁFICO 3 EMBRAER: EVOLUÇÃO DAS ENTREGAS DE JATOS 62% 250 Nº DE JATOS ENTREGUES NO ANO 200 39 150 3 119 145 8 10 99 36 14 21 100 32 14 157 165 153 134 121 50 96 133 120 125 98 87 101 105 2010 2011 60 4 32 1996 1997 Linha comercial Fonte: Embraer (2011b) 1998 1999 2000 Linha executiva 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 INDÚSTRIA AERONÁUTICA 155 Nesse ambiente de incertezas, o fato concreto é que a Embraer manteve a liderança mundial conquistada no segmento dos jatos comerciais de até 122 assentos (Gráfico 4). GRÁFICO 4 FATIAS DO MERCADO GLOBAL DE JATOS PARA 61 A 120 PASSAGEIROS RELATIVAS A PEDIDOS ACUMULADOS ATÉ DEZEMBRO 2011 50 40 30 20 10 0 2000 2001 Embraer 2002 2003 Bombardier 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Outros Fonte: Embraer (2011b). O corolário da constatação de que a Embraer detém uma fatia de mercado superior a 40% no mercado dos jatos comerciais de 61 a 120 assentos é o fato de que seu mercado de atuação é, virtualmente, o mundo inteiro, da mesma forma como ocorre com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier, esta última a concorrente direta, por excelência, da Embraer. Isso significa que um percentual elevado das vendas realizadas pela Embraer – raramente inferior a 90% – tem como destino o exterior. Isso, evidentemente, traz contribuição positiva para a balança comercial brasileira: a empresa tem sido responsável por 3% a 5% do total das exportações brasileiras nos últimos dez anos. É importante notar, porém, que a Embraer é também grande importadora de componentes – partes e peças – fabricadas no exterior (Gráfico 5). 156 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 5 SALDO COMERCIAL DA EMPRESA EMBRAER 6.000 5.000 EM US$ MILHÕES 4.000 3.000 2.000 1.000 1999 2000 Exportações 2001 Importações 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 1S/2010 Saldo comercial Fonte: Embraer (2011b). Nesse processo, a empresa é a principal responsável pela geração de emprego e renda nesse setor de alta tecnologia, que gera produtos de altíssimo valor agregado (Gráfico 6). E é importante notar que tal agregação de valor tem rebatimentos para além do que é exclusiva responsabilidade da própria Embraer, na medida em que sua rede de fornecedores e parceiros industriais tem de acompanhá-la pari passu na vanguarda da tecnologia aeronáutica. Como se pode notar, foi significativo o impacto da crise iniciada em 2007-2008 nos empregos gerados pela Embraer. Porém, é importante observar que um fabricante aeronáutico não tem produtos para pronta entrega: a aeronave contratada hoje, dependendo do backlog (carteira das aeronaves contratadas como pedidos firmes, com prazo de entrega estipulado) acumulado, só será efetivamente entregue, dependendo do modelo e da demanda, daqui a 12, 18, ou 24 meses, não sendo raros os casos de até 36 meses (estes principalmente nos casos de Boeing e Airbus). Ora, a crise fez despencar o tráfego de passageiros e carga em boa parte do mundo. Consequentemente, as empresas aéreas cancelaram ou adiaram o recebimento de novas aeronaves. Para um fabricante como a Embraer, isso significou NÚMERO DE JATOS COMERCIAIS 245 258 273 245 250 250 0 0 0 0 abr. 2003 jan. 2004 8 Entregas Fonte: Embraer (2011b). Backlog 455 292 137 163 184 209 229 jan. 2006 fev. 2006 mar. 2006 abr. 2006 jan. 2007 671 699 719 742 770 jan. 2008 fev. 2008 mar. 2008 abr. 2008 jan. 2009 fev. 2009 mar. 2009 abr. 2009 jan. 2010 fev. 2010 mar. 2010 abr. 2010 jan. 2011 fev. 2011 mar. 2011 234 248 261 268 1.000 1.036 1.018 1.003 987 947 916 882 861 17.149 17.265 23.509 16.853 23.734 19.265 16.953 14.658 12.941 2008 248 877 862 2007 245 230 236 257 882 875 2006 295 328 876 865 2005 354 386 419 847 835 2004 437 466 764 718 2003 430 20.000 802 652 abr. 2007 655 800 426 12.227 25.000 abr. 2011 605 625 446 582 410 554 369 521 334 490 292 399 256 fev. 2007 2002 mar. 2007 630 619 11.048 10.334 8.302 6.737 15.000 401 2001 410 600 543 2000 359 452 315 118 abr. 2005 440 427 335 1999 322 412 346 1998 92 1997 fev. 2005 66 357 301 jan. 2005 56 4.494 3.849 10.000 mar. 2005 343 297 abr. 2004 46 400 325 1996 289 1995 mar. 2004 36 6.087 4.319 5.000 fev. 2004 23 244 245 245 jan. 2003 244 0 fev. 2003 118 118 0 mar. 2003 112 112 0 abr. 2002 1994 88 88 112 112 0 fev. 2002 200 mar. 2002 NÚMERO DE EMPREGADOS DA EMBRAER INDÚSTRIA AERONÁUTICA 157 “consumir o backlog”, ou seja, o número das entregas no ano foi superior ao de novos pedidos firmes registrados (Gráfico 7). GRÁFICO 6 EMBRAER: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE EMPREGADOS 2009 2010 2011 Fonte: Embraer (2011b). GRÁFICO 7 EVOLUÇÃO DAS ENTREGAS E PEDIDOS FIRMES EM CARTEIRA (“BACKLOG”) DE E-JETS 1.200 158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Assim, o chamado “consumo do backlog” gera uma natural preocupação, entre outras, com a manutenção dos empregos de alto nível gerados pela indústria aeronáutica. Afinal de contas, para uma empresa que fatura em torno de US$ 6 bilhões por ano e chegou a ter quase 24 mil empregados, isso significa, de cada um deles, uma contribuição anual de US$ 250 mil, um valor bem acima do da maioria dos setores industriais. Dessa forma, a manutenção – ou mesmo a expansão – no número de empregados está intimamente atrelada a um backlog estável ou crescente (Gráfico 8). GRÁFICO 8 EVOLUÇÃO DE BACKLOG E NÚMERO DE EMPREGADOS 500 466 28 426 410 437 430 386 26 24 289 22 244 245 245 250 297 359 335 301 23,9 23,7 23,8 23,9 23,7 23,5 23,4 292 268 257 236 230 19,3 18,3 17,5 16,9 17,0 17,017,1 16,4 112 112 118 88 245 248 300 261 248 234 150 100 12,9 12,6 12,2 12,4 12,2 12,4 50 11,3 Empregados abr. 2011 fev. 2011 mar. 2011 jan. 2011 abr. 2010 fev. 2010 mar. 2010 jan. 2010 abr. 2009 fev. 2009 mar. 2009 jan. 2009 abr. 2008 fev. 2008 mar. 2008 jan. 2008 abr. 2007 fev. 2007 mar. 2007 jan. 2007 abr. 2006 fev. 2006 mar. 2006 jan. 2006 abr. 2005 fev. 2005 mar. 2005 jan. 2005 abr. 2004 fev. 2004 mar. 2004 jan. 2004 abr. 2003 fev. 2003 mar. 2003 0 jan. 2003 fev. 2002 250 200 17,4 17,2 17,0 17,117,3 17,217,2 16,9 17,0 16,8 16,8 14,6 14,214,5 14,1 12 10 295 21,0 abr. 2002 14 350 328 322 315 250 18 16 400 354 20 mar. 2002 Nº DE EMPREGADOS X 1.000 346 450 419 401 399 Nº DE JATOS COMERCIAIS NO BACKLOG 30 Backlog Fonte: Embraer (2011b). Portanto, o significado da crise no Brasil, como se conclui pelos gráficos mostrados, foi que a Embraer teve uma redução de faturamento da ordem de 10%, manteve a lucratividade na faixa dos anos anteriores, desempregou mais de cinco mil pessoas e reduziu a distribuição de resultados (aos seus acionistas) aos percentuais mínimos legais. Apesar disso, a redução dos investimentos em pesquisa & desenvolvimento (P&D) e em ativos fixos não foi dramática (Gráfico 9). Caso o fosse, isso poderia comprometer o futuro da empresa, mas o ocorrido também sinaliza a necessidade de retomada no curto prazo. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 159 GRÁFICO 9 EMBRAER: INVESTIMENTOS EM P&D & ATIVOS FIXOS 217 234 151 144 51 70 74 73 45 68 73 88 103 113 162 173 158 142 155 114 122 140 70 EM US$ MILHÕES 210 197 213 239 280 2000 2001 P&D 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Ativos fixos Fonte: Embraer (2011b). Além da Embraer, o outro fabricante brasileiro/nacional de aeronaves – helicópteros –, que tem se mantido ativo no mercado pelas últimas três décadas, é a Helibras, localizada em Itajubá (MG). Como empresa de capital fechado, seus dados operacionais e econômico-financeiros não são divulgados publicamente. Porém, a empresa divulga alguns resultados básicos: desde 1979 entregou cerca de 500 helicópteros no mercado brasileiro, 70% dos quais do modelo Esquilo, helicóptero monoturbina leve para cinco a seis passageiros (Figura 7), faturou R$ 357 milhões em 2009 e emprega mais de 300 profissionais, estando capacitada a produzir até trinta helicópteros por ano [Helibras (2011a)]. No Brasil, os usos civis principais para esse tipo de aeronave são o transporte executivo em geral, o transporte de pessoal entre o continente e as plataformas de exploração de petróleo em alto mar – o chamado transporte offshore – e o emprego em apoio a atividades de defesa civil e forças de segurança pública. Nesse contexto, a Helibras detém uma fatia de cerca de 50% do mercado brasileiro de helicópteros mono ou biturbina, distribuídos da seguinte forma: 46% do mercado executivo, 30% do offshore, 81% dos helicópteros para uso em defesa civil e segu- 160 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS rança pública e 66% dos de uso militar [Helibras (2011a)]. Os helicópteros produzidos por outros fabricantes no exterior – entre os quais, Sikorsky, Bell e Robinson – e que operam no Brasil são importados como aparelhos prontos e acabados. FIGURA 7 O HELICÓPTERO AS 350B2 ESQUILO, PRODUZIDO PELA HELIBRAS Foto cedida pela Helibras A Helibras é uma subsidiária da empresa de origem franco-alemã Eurocopter, parte do conglomerado europeu European Aeronautic Defence and Space Company (EADS NV), maior grupo aeroespacial e de defesa europeu. Essa condição, aliada ao fato de que o estado de Minas Gerais foi, desde o início, um sócio minoritário (o grupo Bueinvest é atualmente o outro sócio minoritário), fez com que a Helibras tivesse sustentabilidade no mercado brasileiro, por mais de três décadas, independentemente dos ciclos econômicos e das oscilações de demanda. Por outro lado, com a alegação de que o mercado brasileiro ainda não justificaria investimentos mais pesados, não se logrou implementar um programa que levasse à progressiva nacionalização de partes, peças e componentes, ou mesmo dotasse a empresa da capacidade em engenharia necessária para a concepção, o projeto e a produção de helicópteros no país. Dessa forma, restou à Helibras o pa- INDÚSTRIA AERONÁUTICA 161 pel de montadora desse tipo de aeronave, a partir de componentes importados da matriz e de seus fornecedores, com um percentual mínimo de itens efetivamente nacionalizados. Tal quadro deve, no entanto, ter uma evolução mais positiva nos próximos anos em função do contrato de fornecimento firmado entre o governo federal e a Helibras/Eurocopter para o fornecimento de cinquenta helicópteros de grande porte EC-725 às três Forças Armadas brasileiras. Um plano de nacionalização progressiva dessas aeronaves faz parte do contrato. Também como decorrência de tal contrato, estão previstos investimentos de aproximadamente US$ 450 milhões para a expansão da planta industrial atual, transferência de tecnologia, duplicação da capacidade instalada e geração de mais 300 empregos diretos [Meio Aéreo (2011)]. O plano acertado é que tais iniciativas – que contam com a participação da Prefeitura de Itajubá – resultem no chamado Polo Aeronáutico de Itajubá, com a instalação de empresas associadas à cadeia produtiva de helicópteros. A dissonância assim constatada entre as trajetórias da Embraer e da Helibras reforça ainda mais a importância do respaldo governamental continuado a esse setor, de forma geral, e à Embraer, em particular. Sem esse apoio, guardadas as devidas proporções, é lícito concluir que nem a primeira ocuparia o espaço na arena global que hoje ocupa, nem a segunda teria mesmo sobrevivido. Muito menos qualquer das duas teria alcançado o estágio tecnológico de que hoje dispõem e que qualifica ambas para os desafios que o século XXI apresenta. 4 . A CA D EIA PR ODU TI VA Para além da Embraer e da Helibras, a cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira é um segmento que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto, seguindo-se os caminhos já trilhados em outros países [Migon e Pinto (2006)]. Atendo-se, por exemplo, apenas à distribuição do número de empregos gerados, a Tabela 1 mostra a desproporção entre a Embraer e o restante da cadeia produtiva aeronáutica brasileira. Tal desproporção fica ainda mais evidente quando comparada com as cadeias produtivas dos outros principais países fabricantes de aeronaves. 162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 1 NÚMERO DE EMPREGOS NO SETOR E NO PRINCIPAL FABRICANTE (“INTEGRADOR”), COMPILADO PELA ASSOCIAÇÃO DAS INDÚSTRIAS AERONÁUTICAS DE CADA PAÍS ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA NÚMERO DE EMPREGOS AIAB AIA AIAC ASD 27.000 657.100 80.000 640.900 21.400 160.000 32.000 2008 2008 2009 INTEGRADOR NÚMERO DE EMPREGOS ANO-REFERÊNCIA 52.000 2006 Fonte: AIAB. Nota: AIAB – Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil; AIA – Aerospace Industries Association; AIAC – Aerospace Industry Association of Canada; ASD – Aerospace and Defense Industries Association of Europe. Segundo levantamento feito em estudo da Unicamp [Migon e Montoro (2009)], sob encomenda do BNDES, trata-se de um universo de pouco mais de cinquenta empresas com algum envolvimento em produção ou processos aeronáuticos. Destas, pouco mais de vinte têm, de fato, envolvimento contínuo e focado no setor, fornecendo itens ou prestando serviços para a Embraer (eventualmente também para a Helibras), outros fabricantes de aeronaves ou de aeropeças no Brasil e no exterior. As de capital nacional são, essencialmente, micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Quanto às empresas de capital estrangeiro, a Embraer deslanchou, a partir de 1999, o Programa de Expansão da Indústria Aeronáutica Brasileira (PEIAB). O objetivo era atrair para o país tradicionais parceiros e fornecedores para ter de fato um setor industrial aeronáutico, para além da fabricante de aeronaves. Infelizmente, tal iniciativa teve resultados limitados, abaixo das expectativas. As unidades fabris das duas principais envolvidas – a alemã Liebherr (trem de pouso, sistemas mecânicos etc.) e a japonesa Kawasaki (fabricação de asas) – acabaram sendo adquiridas pela própria Embraer, pois ambas as empresas decidiram sair do setor aeronáutico no país. Já a Sobraer – fabricante de componentes estruturais de aeronaves, subsidiária do grupo belga Sonaca – veio para o Brasil como parte do offset10 gerado pela compra da aeronave presidencial Airbus em 2004 e tem sido relativamente bem-sucedida. 10 Offset significa a contrapartida em investimentos e compras realizadas no país comprador da aeronave – no caso, o Brasil – por parte dos países exportadores – no caso, os países envolvidos com a Airbus. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 163 Assim, um exame do desempenho consolidado da indústria aeronáutica e que inclui ainda o setor espacial – notadamente sua balança comercial setorial (Gráfico 10) – revela variações marginais nos indicadores já apresentados para a Embraer (Gráfico 5). Ou seja, se as exportações aumentam por pequena margem, as importações aumentam de forma mais significativa, o que aponta o potencial existente para o adensamento da cadeia produtiva. GRÁFICO 10 INDÚSTRIA AEROESPACIAL BRASILEIRA – BALANÇA COMERCIAL 7.000 6.000 EM US$ MILHÕES 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 - -1.000 1996 1997 Exportações 1998 1999 Importações 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Balança comercial Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC). Nos países concorrentes do Brasil, é usual acrescentar ainda – aos setores aeronáutico e espacial (Gráfico 10) – a contribuição do segmento fabricante de material de defesa, em função das sinergias existentes e do simples fato de que boa parte dos fabricantes aeronáuticos produz material de defesa como parte substancial de seu faturamento. Tal consolidação de setores industriais é conhecida pela sigla universal de A & D (aerospace & defense). A Tabela 2 mostra os dados de desempenho de A & D no país, de acordo com levantamento realizado pela AIAB, assim como as contribuições de cada um dos segmentos assim reunidos. Apesar de o segmento aeronáutico ser ainda preponderante, a evolução recente aponta para um crescimento importante do segmento de defesa, 164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS enquanto o setor espacial – fortemente dependente de encomendas governamentais – mantém-se estagnado. Já o declínio relativo do percentual exportado reflete as vendas de aeronaves da Embraer no mercado doméstico, que cresceram tanto no segmento de jatos comerciais como no de jatos executivos, estas últimas fomentadas pelo financiamento disponibilizado pelo Programa de Suporte ao Investimento (PSI) do BNDES. TABELA 2 DESEMPENHO RECENTE DO SETOR DE A&D NO BRASIL 2006 2007 2008 2009 2010 RECEITAS (US$ BILHÕES) 4,3 6,2 7,55 6,76 6,7 FATIA DO PIB INDUSTRIAL (%) 1,5 1,9 2,02 2,00 n.d. 3,9 5,6 6,74 5,14 4,99 22.000 25.200 27.100 24.000 22.600 AERONÁUTICA 90,8 91,3 89,13 87,55 82 DEFESA 5,78 6,6 8,79 8,8 12,83 ESPACIAL 0,41 0,4 0,57 0,44 0,5 EXPORTAÇÕES (US$ BILHÕES) EMPREGOS SEGMENTAÇÃO RECEITAS (%) OUTROS EXPORTAÇÕES/RECEITAS (%) ----- 1,7 1,51 3,21 4,67 90,5 90,8 89,2 74 73,8 Fonte: AIAB. Por outro lado, se o desempenho recente do setor aeroespacial for comparado com o de outros, também intensivos em tecnologia, então seu histórico exportador consistente o coloca como o único a apresentar resultado positivo no que tange à geração líquida de divisas (GLD), conforme o Gráfico 11. No caso do Brasil, isso não é, evidentemente, um feito desprezível. O quadro apresentado nas seções anteriores fundamenta os esforços realizados pelo BNDES, desde 2004, e por diversos ministérios do governo federal, desde 2008, e no âmbito do atual Plano Brasil Maior (PBM), para o chamado adensamento da cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira. Isso se tem dado essencialmente por mecanismos de facilitação de acesso ao crédito, tais como o Programa BNDES Pro-Aeronáutica. O objetivo é fomentar o desenvolvimento, no país, de uma cadeia de fornecedores e parceiros da Embraer, que poderiam se tornar fornecedores de outros fabricantes no Brasil ou no exterior, sejam eles empreendimentos pequenos ou médios, filiais de fornecedores estrangeiros ou mesmo joint ventures entre ambos os tipos. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 165 US$ MILHÕES FOB GRÁFICO 11 GERAÇÃO LÍQUIDA DE DIVISAS (GLD) DE SETORES INDUSTRIAIS DE ALTA TECNOLOGIA NO BRASIL 2.000 0 -2.000 -4.000 -6.000 -8.000 -10.000 -12.000 -14.000 -16.000 -18.000 -20.000 -22.000 -24.000 -26.000 -28.000 -30.000 2001 2002 Aeronáutica e aeroespacial 1.943 1.608 Farmacêutica (2.132) (1.888) Material de escritório e informática (1.433) Equipamentos de rádio, TV e comunicação 2003 2004 2005 1.755 1.745 1.326 1.784 1.114 (1.781) (2.093) (2.281) (2.718) (3.764) (4.642) (4.566) (6.378) (1.169) (1.050) (1.232) (1.550) (2.222) (2.383) (3.104) (2.735) (3.761) (3.292) (1.454) (1.910) (3.968) (3.884) (5.295) (6.629) (9.786) (7.056) (11.394) Instrumentos médicos de ótica e precisão (1.928) (1.621) (1.545) (2.009) (2.408) (2.930) (4.052) (5.513) (4.475) (5.646) Saldo comercial: saldo da indústria de alta tecnologia (6.842) (4.525) (5.296) (7.548) (8.377) (11.839) (15.044) (21.932) (18.431) (26.498) 990 2006 2007 2008 2009 401 2010 681 Fonte: Secex/MDIC. Diversas outras entidades têm se mobilizado, notadamente na região do Vale do Paraíba, no entorno de São José dos Campos (SP), para que fique ali caracterizado, e implantado, o arranjo produtivo local (APL) do setor aeroespacial brasileiro. O BNDES tem colaborado com as iniciativas em curso, que contam ainda com a participação da Prefeitura de São José dos Campos, do Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), da Embraer e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), entre outros. O Parque Tecnológico de São José dos Campos [Prefeitura de São José dos Campos (2011)] é um dos resultados concretos dessa parceria voltada essencialmente para a capacitação tecnológica tão necessária ao setor. Iniciativas semelhantes estão em curso em São Carlos (SP), em função do papel nucleador desempenhado pela universidade federal e pela universidade estadual lá presentes (esta última conta com graduação e pós-graduação em engenharia aeronáutica), e em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também dispõe do curso de engenharia aeronáutica. 166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Claramente, muito ainda resta a ser feito e investido, para que o país venha a dispor de uma cadeia produtiva densa o suficiente para se equiparar ao nível já alcançado pelas aeronaves que são entregues prontas a seus clientes, por parte de seus dois fabricantes principais, Embraer e Helibras. 5 . P ER SPECTIVA S PA R A O S ETO R Quando se analisa o conjunto da indústria aeronáutica mundial, a tendência contemporânea mais evidente é de que países – e não corporações ou investidores privados – tracem políticas públicas com vistas a dominar o ciclo completo da indústria e da tecnologia aeronáuticas. E isso na sua vertente mais desafiadora na atualidade: a de concepção, projeto, certificação, produção e apoio pós-venda de aeronaves civis para o (competitivo) mercado global. China, Rússia e Japão corporificam essa tendência (vide Tabela 3), com o ímpeto de, aparentemente, levá-la até as suas últimas consequências, na medida em que massivos apoios governamentais propulsionam as respectivas iniciativas nacionais, independentemente de que a tarefa esteja a cargo de empresas exclusivamente estatais, privadas e estatais (Rússia) ou exclusivamente privadas (Japão). A partir de meados da década passada, os governos desses países teriam concluído que faltava incluir o setor aeronáutico civil em seus projetos nacionais e trataram de deflagrar os processos financeiros, industriais e tecnológicos para suprir essa falha. O resultado são os desenvolvimentos ora em curso, em variados estágios de germinação, para a produção de novas aeronaves comerciais (vide Tabela 3). TABELA 3 NOVAS AERONAVES SENDO DESENVOLVIDAS COMO PARTE DE PROJETOS NACIONAIS País CHINA RÚSSIA JAPÃO Aeronave Características Observações ARJ-21 Jato regional, 90 lugares Construído protótipo; sem prazo para entrar no mercado (2015?) C919 Jato para 150 a 180 lugares Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2016?), já tem 165 pedidos na China SSJ100 Jato regional, 75 e 100 lugares Primeiras entregas realizadas (2011); consórcio ítalo-russo (50%) MS-21 Jato para 150 a 210 lugares Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2017?), já tem 200 pedidos na Rússia MRJ-70 E 90 Jato regional, 70 e 90 lugares Primeiro voo em 2012; entregas 2013; 120+ pedidos de compra (Japão e EUA) HONDAJET Jato executivo; 5 passageiros Em testes; primeiras entregas em 2012 Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos websites dos fabricantes. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 167 É de se notar, na Tabela 3, que os projetos chineses ARJ-21 e Comac C-919 são bancados em 100% pelo Estado chinês. Eles integram o Plano Quinquenal (2011-2015) com outros seis setores prioritários dessa nação. Além disso, à lista de países acima, poder-se-ia acrescentar o México, se não fosse por uma diferença fundamental: a política nacional mexicana não inclui, por enquanto, a construção de um novo modelo de aeronave. Nos últimos oito anos, foram atraídos os mais diversos fabricantes estrangeiros para o país, de forma que o México é hoje um dos mais importantes fornecedores de partes, peças e subconjuntos completos de aeronaves para as principais cadeias produtivas aeronáuticas do mundo. Tal atração se deu na forma de incentivos fiscais, creditícios, de infraestrutura e de formação de recursos humanos especializados bancados pelo governo. Com isso, o México logrou trazer para seu território um setor de alta tecnologia, que gera empregos de alto valor agregado, é essencialmente exportador e que já teria atingido a marca de US$ 4 bilhões (2009) a favor da balança comercial do país [Sobie (2011)]. São mais de 200 empresas, com mais de 27 mil empregados, que incluem grandes nomes do setor, como Bombardier, Cessna, Goodrich e Safran. A comparação com o caso brasileiro realça contrastes e nuanças: o México teria um setor industrial aeronáutico de peso integrado às cadeias produtivas globais, enquanto o Brasil possui um dos quatro maiores fabricantes sem ter uma cadeia produtiva expressiva. Os dois países têm quase o mesmo número de pessoas empregadas no setor, com valores exportados semelhantes a partir de 2009. Portanto, o quadro de tendências que se delineia para os próximos anos da década atual aponta para o gradual aumento da concorrência a partir de 2015, desafiando os duopólios atuais de Bombardier e Embraer (aeronaves de até 120-130 assentos) e de Airbus e Boeing (aeronaves de 130-550 assentos). Naturalmente, os novos entrantes não contam com a reputação de excelência técnica e consagrado apoio pós-venda (item de caráter vital para as empresas aéreas) dos fabricantes estabelecidos. Além disso, suas respectivas autoridades aeronáuticas nacionais ainda estão em processo de aprendizado das complexas tarefas e funções requeridas pela certificação aeronáutica, a qual precisa atingir nível de proficiência adequado para desfrutar de reputação mundial. Mas nada disso parece deter China, Rússia e Japão, pois são, declaradamente, projetos nacionais de longo prazo. 168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS A consequência desses desenvolvimentos é o crescimento da segmentação dos produtos já oferecidos, ou que venham a ser oferecidos em breve, no mercado. Considerando-se assim para o caso da aviação comercial, no mercado globalizado, aquelas aeronaves já em produção, ou com previsão para entrada em produção, tem-se o quadro apresentado na Tabela 4. TABELA 4 AS AERONAVES DA EMBRAER E SEUS CONCORRENTES REAIS OU POTENCIAIS Faixa de assentos Embraer Bombardier Sukhoi Mitsubishi 1 Linhas 70 a 80 E-170 CRJ700(1) *SSJ100/75(11) *MRJ70 Airbus Boeing 2 78 a 88 E-175 CRJ900 3 86 a 103 SSJ100/95 *MRJ90(12) 4 98 a 114 E-190 5 108 a 122 E-195 6 120 a 145 *CS100(3) A318(4) B737-600(6) *CS300 A319(5) 7 B737-700(7) 150 a 180 A320 B737-800(8) 8 185 a 220 A321 B737-900 9 253 a 380 A330-200 B787-8/9(9) 10 295 a 440 A330-300 B777-200/300 11 525 a 853 A380 B747(10) CRJ1000(2) Fonte: Websites dos fabricantes. (1) 66 a 70 assentos; (2) 93 a 100 assentos; (3) 100 a 125 assentos; (4) 107 a 132 assentos; (5) 124 a 156 assentos; (6) 110 a 132 assentos; (7) 126 a 149 assentos; (8) 162 a 189 assentos; (9) 210 a 290 assentos; (10) 416 a 524 assentos; (11) 68 a 83 assentos; (12) 86 a 96 assentos. * Aeronaves ainda em fase final de desenvolvimento, primeiras entregas a partir de 2013-2015 Nota: O jato regional chinês atualmente em desenvolvimento, o ARJ-21 (para 70 a 95 assentos), não foi incluído na relação acima por causa das incertezas existentes quanto à sua certificação e à carteira de clientes [Francis e Perret (2011)]. O mesmo vale para o jato também chinês C-919 (150 a 180 assentos) e o russo jato MS-21 (150+ assentos). As aeronaves constantes das linhas 1 a 5 da Tabela 4 recebiam, até uns oito ou dez anos atrás, a classificação genérica de regionais, uma vez que seus operadores naturais eram as empresas aéreas regionais. Com a evolução do mercado, tais aeronaves acabaram sendo adquiridas por todo tipo de empresa aérea – mainlines, baixos custos (low-cost carriers), regionais etc. – e, portanto, perderam essa denominação. Assim, as aeronaves constantes das linhas 1 a 8 da Tabela 4 são classificadas mais amplamente como narrow-bodies, ou seja, de fuselagem estreita, que comportam apenas um corredor (single-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente no transporte aéreo doméstico ou internacional transfronteiriço/regional. Já as aeronaves constantes das linhas 9 a 11 da Tabela 4 são as aeronaves classificadas como widebodies, ou seja, de fuselagem larga, que comportam dois INDÚSTRIA AERONÁUTICA 169 corredores (twin-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente no transporte aéreo internacional de longo curso. O mercado da Embraer é, portanto, aquele constituído de aeronaves com capacidade inferior a 122 assentos e de onde provém mais de 60% do seu faturamento anual total. Cotejando-se a Tabela 4 com o Gráfico 4, conclui-se que, na faixa de mercado em que a Embraer atua, há apenas um concorrente significativo: a Bombardier, com suas aeronaves CRJ. Os E-Jets da Embraer atingem 43% de fatia de mercado, contra 30% dos CRJs. As aeronaves da Airbus e da Boeing para essa faixa de assentos jamais atingiram número de vendas significativo, por serem versões encolhidas de seus modelos maiores da Tabela 4. Isso significa que não foram otimizadas para esse tamanho menor, sendo geralmente mais pesadas e caras – tanto para comprar como para operar – do que suas correspondentes, a brasileira e a canadense. Para os E-Jets da Embraer, porém, os CRJs da Bombardier e os novos concorrentes que já despontam no horizonte (Tabela 4), há atualmente dois fatores condicionantes do futuro do mercado de aeronaves narrow-bodies: 1. o desejo manifesto das empresas aéreas por aeronaves substancialmente mais econômicas e ecológicas. Isso significa aeronaves com consumo de combustível substancialmente inferior aos níveis atuais e mais econômicas em outras rubricas (manutenção, operação etc.). Além disso, espera-se que tragam impacto ambiental drasticamente reduzido em termos de ruído e de emissão de gases de efeito estufa, dados os regulamentos ambientais sendo propostos pela União Europeia e pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI); e 2. a entrada no mercado de uma nova geração de motores a jato para narrowbodies, incorporando a tecnologia Geared TurboFan (GTF), ou solução equivalente. Isso está ocorrendo em função de desenvolvimentos levados a cabo pelos fabricantes de motores Pratt & Whitney (P&W) e General Electric (GE), que concorrem diretamente nessa disputa. Economias de combustível da ordem de 12% a 16% têm sido anunciadas. A resposta dos fabricantes de aeronaves a esses condicionantes de projetos fu- turos foi escaloná-los no tempo: a nova geração de aeronaves (item 1 antes citado) 170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS foi deixada para a próxima década, com o argumento de que ainda não se avançou o suficiente no campo de novas tecnologias para propiciar os saltos econômicos e ecológicos requeridos. Já a nova geração de motores (item 2 antes citado) produziu um dos seguintes efeitos: Tais motores fossem incorporados diretamente nas novas aeronaves ainda em desenvolvimento, casos de Bombardier com as CS100 e CS300 e da Mitsubishi com o MRJ e até das futuras aeronaves de 150 assentos ainda em projeto conceitual, a chinesa C-919 e a russa MS-21; ou Lançamento de novas versões remotorizadas de aeronaves já existentes, o que ocorreu com a Airbus (nova versão anunciada em dezembro de 2010) e a Boeing (com anúncio em setembro de 2011). No primeiro caso, as aeronaves da família A320 se tornam A320neo (new engine option) e poderão ser equipadas tanto com a tecnologia do novo motor da P&W – GTF – quanto com a da GE – LeapX. Já no caso da Boeing, a família dos B737 se torna B737MAX e apenas a nova tecnologia do LeapX da GE é oferecida. No mercado de aeronaves comerciais, como visto anteriormente, a Embraer é, de fato, a líder na faixa em que atua, com produtos no estado da arte da tecnologia aeronáutica. Os E-Jets da Embraer são, claramente, mais avançados do que seus correspondentes canadenses (os CRJs), até por terem tido sua concepção e desenvolvimento tecnológico básico em período posterior ao dos canadenses. Tal oportunidade de mercado para a Embraer deve se estender, ao menos, pelos próximos cinco anos ou se, e quando, os novos CS100 e CS300 vierem a ser bem-sucedidos. Como o desenvolvimento de uma nova aeronave do porte em questão, ou mesmo um pouco maior, demoraria entre três e cinco anos até a sua entrada no mercado, surge a pergunta: não deveria a Embraer estar justamente agora concebendo ou até anunciando o lançamento de seus próximos projetos? Essa é, na verdade, uma questão recorrente e complexa [Francis e Perret (2011)]. Nesse quadro geral, a Embraer é a única empresa, entre as quatro principais do mercado internacional, que ainda não lançou oficialmente projetos novos – ou possibilidades de remotorização das aeronaves em fabricação – com a nova tecnologia de motores a jato. Nos comunicados à imprensa e a investidores, a empresa apenas adianta que: INDÚSTRIA AERONÁUTICA 1. 171 decidiu não partir para o projeto e a fabricação de aeronaves com capacidade superior aos 122 assentos do atual E-195, o que significa que não entrará na seara de Boeing e Airbus, além do CS300 da Bombardier (130 a 149 assentos); e 2. está considerando, com forte empenho, a remotorização da família E-170/190, além de outras melhorias estruturais e de aerodinâmica, que poderiam resultar em primeiras entregas por volta de 2017-2018. Já no caso da aviação executiva, a situação da Embraer é realmente de apro- veitamento a contento das oportunidades. Suas aeronaves da linha Phenom têm se destacado com um rápido crescimento de vendas, apesar do pouco tempo no mercado (menos de dois anos), ficando atrás apenas da Cessna, líder do setor em fatia de mercado. Os desenvolvimentos ora em curso, as aeronaves Embraer Legacy 450 e Legacy 500, que ocupam as faixas de mercado imediatamente superiores às da linha Phenom, também apresentam boas perspectivas de vendas, dado o estado da arte, que incorporam um diferencial considerável em relação à concorrência. Uma das lições que a crise atual trouxe para a aviação executiva foi que a disponibilidade de financiamento pode ser um fator crucial na comercialização desse tipo de aeronave. Tal aspecto não era prioritário antes de 2008, até porque muitos jatos executivos eram até então adquiridos mediante pagamento à vista. Assim, a entrada do BNDES em apoio à comercialização da linha Phenom, tanto na seara das exportações quanto no mercado doméstico brasileiro (via FINAME/PSI), fez bastante diferença nas vendas da Embraer. Tal sucesso chegou mesmo a fazer com que o Congresso dos Estados Unidos iniciasse, em julho de 2011, uma investigação, por meio da International Trade Commission (ITC), para averiguar se a Embraer estaria recebendo subsídios governamentais ilegítimos pelas regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). Por fim, no caso do outro fabricante brasileiro de aeronaves, a Helibras, o quadro sobre o aproveitamento de oportunidades é um pouco menos claro. É certo que o contrato em vigor para o fornecimento de cinquenta helicópteros Cougar EC-725, para as três Forças Armadas, trará várias oportunidades de crescimento e expansão. Isso se dará tanto para a própria empresa como para a cadeia produtiva brasileira, por força das cláusulas de offset (contrapartida industrial) e de progressiva nacionalização da produção, fazendo com que o índice de nacionalização (metodologia 172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS FINAME) tenha de chegar a 50% ao fim de sete anos, para o último lote de aeronaves. Além disso, faz parte do planejamento estratégico da Helibras o desenvolvimento de um novo helicóptero feito inteiramente no Brasil, para integrar o portfólio global de sua controladora, a Eurocopter. A empresa estipula o prazo de dez anos para materializar esse projeto, que, na verdade, remete o assunto à origem dos incentivos dados pelo governo brasileiro para trazer a empresa ao país no fim da década de 1970, ou seja, projetar e construir um helicóptero genuinamente brasileiro. Por outro lado, não parece haver qualquer tipo de ameaça à Helibras: não há notícia de que algum outro fabricante de helicópteros pretenda se instalar no Brasil. Na indústria aeronáutica em geral, os pesados investimentos realizados durante a fase de projeto de uma nova aeronave, ou seja, nos três a cinco anos do início da sua fabricação em série, só serão recuperados a partir de determinado número de unidades comercializadas, algo que geralmente se situa entre 250 e 500 aeronaves. Assim, e conforme já mencionado, o ciclo do produto aeronáutico, ou seja, o período de tempo que vai da concepção inicial de uma nova aeronave comercial até o encerramento de sua fabricação (seguida de um apoio pós-venda que tem de ser continuado ainda por bom tempo) demanda geralmente duas ou mais décadas. São, portanto, prazos bastante extensos tanto no que diz respeito a recursos materiais, de engenharia e de produção quanto aos indispensáveis insumos e fluxos financeiros. Essa situação gera a necessidade de prognósticos de mercado para o setor muito mais longos do que os habitualmente elaborados para outros setores econômicos. Assim, o padrão consolidado na indústria é dado pelos documentos conhecidos por Market Outlook, elaborados e publicados a cada ano pelos principais fabricantes, com projeções de número de aeronaves a serem comercializadas pelos vinte anos à frente.11 Tais aeronaves são classificadas apenas por faixas de número de assentos, como na Tabela 4, sem discriminação de marcas de fabrican- 11 Os Market Outlook publicados por Airbus, Boeing, Bombardier e Embraer têm credibilidade no mercado de transporte aéreo mundial por dois motivos principais: (a) são fundamentados em décadas de experiência acumulada pelos fabricantes de aeronaves, que os utilizam em suas políticas de marketing, planejamento e controle da produção; são renovados anualmente; e (b) refletem o comportamento observado em longas séries temporais de indicadores fundamentais para o setor, tais como o RPK. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 173 tes ou outras características [Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011) e Boeing (2011)]. GRÁFICO 12 EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO AÉREO MUNDIAL, EM TRILHÕES DE RPKS Crise do petróleo Crise do petróleo Guerra do Golfo Crise asiática 11 set. 5,0 Gripe aviária Crise financeira 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Fonte: Airbus (2011). RPK: sigla em inglês para revenue passenger-kilometers, ou seja, passageiros-quilômetros transportados, que é a medida por excelência da demanda do transporte aéreo a cada ano, por empresa, país, região ou mundial. O consenso existente no setor, com base no comportamento observado nos últimos quarenta anos, é de que “eventos perturbadores” (crises de petróleo, crises financeiras, guerras, epidemias etc.) têm impacto negativo na demanda do transporte aéreo por apenas três meses em média, mas podem se estender por até 24-36 meses, como no caso dos eventos de 11 de setembro de 2001, que na verdade se somaram ao fim da “bolha da internet”. A tendência de crescimento subjacente, porém, é retomada logo em seguida e se mantém nos anos subsequentes, conforme o Gráfico 12. Assim, com esses fundamentos históricos, os cenários econométricos traçados para o período dos próximos vinte anos, utilizados para gerar as estimativas mercadológicas para os quatro principais fabricantes de aeronaves, contemplam algumas premissas, conforme a Tabela 5. 174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 5 PREMISSAS UTILIZADAS PARA AS PROJEÇÕES MERCADOLÓGICAS DOS PRINCIPAIS FABRICANTES DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO Cenário econométrico 2011-2030 Crescimento médio do PIB mundial Crescimento médio do RPK (demanda de passageiros) mundial Airbus 3,6% a.a. 4,8% a.a. Boeing 3,3% a.a. 5,1% a.a. Bombardier 3,4% a.a. N.I. Embraer 3,2% a.a. 5,2% a.a. Fonte: Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011) e Boeing (2011). As empresas, como é praxe no setor, adotaram o cenário conservador ao estimar que o crescimento do tráfego de passageiros se dará em aproximadamente 1,5 vez o crescimento do PIB. Historicamente, esse valor tem oscilado entre 1,5 e 2,0 vezes para o agregado do tráfego mundial, entretanto, sendo que para países emergentes como o Brasil, ele já atingiu até quatro a seis vezes em certos períodos. Além disso, os fabricantes adotam premissas qualitativas para modelar o crescimento projetado, baseando-se em fatores que podem ser sintetizados da seguinte forma: nos mercados maduros (Estados Unidos e Europa), as vendas são motivadas pelo crescimento continuado e pela reposição, com modelos mais econômicos e ecológicos, do estoque de aeronaves atualmente em operação; crescimento dinâmico nos mercados emergentes, tanto pelos fatores populacionais como econômicos; aumento das populações urbanas, gerando riqueza e crescimento do tráfego; aumento da classe média global, especialmente na Ásia; crescimento contínuo das empresas aéreas de baixo custo (LCCs – low-cost carriers); e aumento da liberalização da regulamentação econômica dos mercados, tanto domésticos como internacionais. As projeções de vendas resultantes das premissas e modelagens descritas são, geralmente, apresentadas para aeronaves nas faixas de número de assentos que interessam diretamente a cada fabricante, nos segmentos de mercado em que atua (Tabela 4). Assim, por exemplo, a Airbus só apresenta projeções de vendas para aeronaves com mais de cem assentos. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 175 Focando-se assim no segmento de mercado de aeronaves comerciais em que a Embraer atua, suas projeções são apresentadas nas tabelas 6 e 7. TABELA 6 PROJEÇÕES DE VENDAS DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO NA FAIXA DE 61 A 90 ASSENTOS, POR REGIÃO DO MUNDO PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS REGIÃO 2011-2020 2021-2030 2011-2030 % 25 30 55 2 ÁSIA-PACÍFICO 110 200 310 12 CHINA 225 215 440 16 EUROPA 220 240 460 17 AMÉRICA LATINA 55 70 125 5 ORIENTE MÉDIO 65 80 145 5 500 510 1.010 38 ÁFRICA AMÉRICA DO NORTE RÚSSIA/CEI MUNDO 65 60 125 5 1.265 1.405 2.670 100 Fonte: Embraer (2011b). TABELA 7 PROJEÇÕES DE VENDAS DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO NA FAIXA DE 91 A 120 ASSENTOS, POR REGIÃO DO MUNDO PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS REGIÃO 2011-2020 2021-2030 2011-2030 % 60 75 135 ÁSIA-PACÍFICO 145 150 295 7 CHINA 200 320 520 13 ÁFRICA 3 EUROPA 500 695 1.195 29 AMÉRICA LATINA 285 250 535 13 80 85 165 4 420 570 990 24 ORIENTE MÉDIO AMÉRICA DO NORTE RÚSSIA/CEI MUNDO 155 135 290 7 1.845 2.280 4.125 100 Fonte: Embraer (2011b). O mercado potencial chegaria, portanto, a um total de 6.795 novas aeronaves do portfólio atual da Embraer, a serem entregues até 2030. Considerando-se que a capacidade de produção da Embraer está na faixa de até 140 a 160 aeronaves comerciais E-Jets por ano, fica claro que ela está preparada para esse futuro, exceto pelos desenvolvimentos tecnológicos e/ou de novos produtos que sejam requeridos. No caso da Bombardier, as projeções são feitas para faixas de assentos ligeiramente diferentes da Embraer, mas, grosso modo, pode-se dizer que há razoável grau de alinhamento entre ambas. Já a Airbus, como visto, não aborda diretamente esse mercado e a Boeing projeta um encolhimento do mercado para o jato regional. 176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Como a Boeing não atua nesse mercado, sua aposta é de aumento do chamado tamanho médio de aeronave, ou seja, que o mercado demandará mais aeronaves de 180 assentos do que de 150 assentos, movimento já detectado na atualidade. O encolhimento do mercado do jato regional não parece muito plausível em função justamente dos mercados ainda emergentes, que demandam esse porte de aeronave (70 a 130 assentos). Para além dos parâmetros usuais que determinam a competitividade das aeronaves comerciais – menores custos de aquisição e operação, performance, estado da arte tecnológico etc. –, uma nova dimensão está adquirindo grande importância nesta e na próxima década: o desempenho ambiental. Isso se dá no contexto crescente das limitações e regulações internacionais quanto a emissões dos gases que seriam responsáveis pelo efeito estufa, notadamente CO2 e NOx. No caso da indústria do transporte aéreo, a contribuição é estimada em apenas 2% do total de emissões anuais de CO2 que ocorrem no planeta em função da atividade humana. Porém, dada sua grande visibilidade internacional, sua associação com pessoas de elevado poder aquisitivo e/ou poder político, o setor tem sido alvo de sucessivas tentativas de tributação e regulação por parte de entidades como a União Europeia (UE), a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) e a International Air Transport Association (Iata). A UE, por exemplo, pretende instituir um sistema de cap & trade12 já a partir de 2012, embora sabendo que será objeto de forte contestação judicial. Nesse quadro, as empresas aéreas têm pressionado os fabricantes de aeronaves a aumentar o desempenho ambiental das novas aeronaves a serem entregues, o que significa, concretamente, duas iniciativas: 1. diminuir, por todos os meios possíveis, o consumo de combustível, o que automaticamente reduz as emissões de CO2 e NOx; e 2. estabelecer a cadeia produtiva e consolidar a certificação aeronáutica para os novos tipos de querosene de aviação (QAV), obtidos com base no processamento de biomassa (algas, óleo de soja, de milho etc.). Tais tipos de combustível são 12 Por esse sistema, cada empresa aérea só terá direito a emitir 80% dos gases produzidos em 2011, em virtude de operações de transporte dentro, de ou para a UE. Os 20% restantes têm de ser extintos ou comprados no mercado livre de créditos de carbono (conhecido como ETS – Emissions Trade Scheme). INDÚSTRIA AERONÁUTICA 177 essencialmente neutros no seu impacto ambiental porque o processo de geração/germinação de biomassa geralmente consome quantidades equivalentes dos mesmos gases (CO2 e NOx) que depois sairão como resultantes da combustão do QAV produzido a partir dela. No item 1, obtém-se a redução desejada por meio de motores aeronáuticos mais avançados, como os já mencionados GTF e Leap-X, redução do peso vazio das aeronaves com o emprego de materiais mais leves, redução do arrasto aerodinâmico (resistência ao ar) das aeronaves etc. Vêm daí a importância já mencionada do lançamento das aeronaves Airbus A320neo, Boeing 737MAX e os CSeries da Bombardier, e a expectativa suscitada pela aparente falta de definição da Embraer a esse respeito. Já o item 2 demanda o estabelecimento de toda uma nova cadeia produtiva para processar a biomassa, estocá-la, vendê-la e distribuí-la para as empresas aéreas, fornecendo um combustível a preços compatíveis com o atual querosene de aviação (QAV). Além disso, é preciso que, nesse processo, os diversos tipos de novos QAVs sejam devidamente testados e certificados pelas autoridades aeronáuticas, sem o que não será possível seu emprego. Esse desenvolvimento ainda se encontra nos seus primeiros estágios, pois apenas alguns tipos de biomassa tiveram seu processamento validado (embora ainda não certificado) e alguns milhares de horas de voo dos novos QAVs foram acumulados em voos de ensaio realizados pelos fabricantes de aeronaves e empresas aéreas (em que os novos QAVs são misturados com o tradicional). Fica claro, assim, que esses desafios terão importância cada vez maior para a indústria aeronáutica brasileira ao longo da década ora em curso e, possivelmente, para bem além dela. 6 . O A POIO D O B N D ES O apoio do BNDES ao setor aeronáutico no país adquiriu um porte mais significativo após a privatização da Embraer em 1994. Naquela ocasião, como visto, os novos controladores aportaram cerca de US$ 500 milhões. O BNDES contribuiu com US$ 300 milhões adicionais por meio de diversos instrumentos de renda fixa e renda 178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS variável, recursos esses que já retornaram ao Banco, exceto pelo pequeno resíduo de participação acionária (com rendimentos excepcionais no caso da renda variável). Desde então, a maior parte do apoio tem sido prestado, seja para a Embraer ou para a Helibras, na forma de financiamento a seus clientes, tanto no caso de exportações como em vendas no mercado doméstico. A carteira de financiamentos do BNDES atinge hoje a cifra aproximada de US$ 8 bilhões, representando mais de setecentas aeronaves espalhadas pelo mundo.13 Em vista do que foi apresentado nas seções anteriores, é natural que se possa conceber um rol de ações, medidas ou políticas operacionais do BNDES que venham a fomentar ainda mais o setor. Antes de aprofundar o tema, porém, é preciso atentar para o quadro já existente, que pode ser sintetizado da seguinte forma: Os países que contam com o setor de indústria aeronáutica em suas economias apoiam-no fortemente por meio de um leque de instituições, medidas e políticas públicas, emanadas essencialmente das mais altas esferas do Poder Executivo, referendadas ou modificadas pelo Poder Legislativo.14 Parece pouco provável que o Brasil possa trilhar caminho alternativo a esse, como deixar que as forças do livre mercado prevaleçam indiscriminadamente. De fato, apesar de o Banco ter lançado o BNDES Pro-Aeronáutica em 2007, foi em 2008, com o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que o setor de indústria aeronáutica foi formalmente contemplado no nível ministerial do Poder Executivo brasileiro. Do grupo de trabalho daí resultante, coordenado por representante do BNDES, emanou uma série de medidas de fomento ao setor. Na parte concernente ao BNDES, claramente o BNDES Pro-Aeronáutica já atendia essencialmente ao que lhe era demandado. No entanto, pequenos ajustes no programa foram feitos, a partir de 2009-2010, para contemplar a totalidade da demanda esperada do Banco. Assim, o Pro-Aeronáutica continua em vigor até pelo menos 2013, inclusive com a alocação 13 Em comparação, a carteira do correspondente americano, o US Ex-Im Bank, ultrapassa US$ 50 bilhões (aeronaves Boeing), o mesmo valendo para os correspondentes da União Europeia (aeronaves Airbus). 14 Nos Estados Unidos, por exemplo, há um órgão para o fomento da parte civil, com verbas de P & D, que é a NASA, e outro para o setor militar, a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA). No Japão, tal tarefa está a cargo do Ministério de Indústria e Comércio (MITI), na União Europeia, isso fica a cargo dos chamados Programas Quadro (Framework Programs) e assim por diante. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 179 de seu orçamento de R$ 100 milhões voltado para as micro, pequenas e médias empresas da cadeia produtiva aeronáutica brasileira. Percebe-se, atualmente, que há a necessidade de um leque mais amplo de medidas. Naturalmente, antes de tudo, é preciso estratificar as medidas e determinar o que compete, por exemplo, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao BNDES, à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), à Finep e ao Ministério da Fazenda, entre outros. Para a atuação do BNDES, sugere-se, em função do até aqui exposto, que o setor de indústria aeronáutica possa: 1. receber tratamento especial para contar, sempre que necessário e cabível, com financiamentos das linhas de inovação do Banco, que têm condições mais favoráveis. Isso se justifica pela natureza do setor, como visto, e também pelo fato de que seus concorrentes em outros países recebem recursos em condições geralmente ainda mais favoráveis, em alguns casos até recursos não reembolsáveis (por meio de desenvolvimentos tecnológicos nominalmente destinados ao setor de defesa). 2. dispor, especialmente sua cadeia produtiva, de financiamentos para fusões e aquisições em geral, de forma a promover um grau maior de consolidação das empresas existentes; e 3. acessar, especialmente sua cadeia produtiva, de forma mais ágil e direta, as linhas de renda variável do Banco, de forma que desenvolvimentos tecnológicos de maior vulto, que não seriam comportados pelas linhas da Finep, Fapesp etc. possam ser levados a cabo sem comprometer a saúde financeira das empresas no curto prazo. Operações de renda variável focadas em desenvolvimentos tecnológicos poderiam ser de grande valia para que as MPMEs estabelecidas no país pudessem dar os saltos tecnológicos requeridos para atingir padrões globais, equiparando-as a suas congêneres de outros países que são objeto de políticas públicas bastante generosas – para uma comparação com o caso canadense, vide Hadekel (2004). 180 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 7 . CON CLU SÕES Olhando-se em retrospecto a evolução recente da indústria aeronáutica no país, parece não haver dúvidas quanto ao papel histórico desempenhado pelo BNDES no apoio ao setor. Se é verdade que tal apoio se realizou de forma mais marcante logo no período pós-privatização da Embraer (ocorrida em dezembro de 1994) e, desde então, no financiamento às exportações de suas aeronaves, também é verdade que seus fornecedores têm recebido atenção na formulação de políticas específicas. Nesse particular, o Programa BNDES Pro-Aeronáutica é voltado essencialmente ao financiamento de pequenas e médias empresas da cadeia produtiva aeronáutica instalada no país, por meio de instrumentos financeiros de renda fixa e renda variável. Por outro lado, se há uma conclusão que parece permear todos os estudos aprofundados do setor de indústria aeronáutica mundial, é a de que esse setor tem forte dependência dos respectivos governos nacionais. Seja pelo canal das compras governamentais – essencialmente de material de defesa e de segurança pública –, seja de financiamento ou bolsas para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, seja em financiamentos às exportações, não há registro de fabricante aeronáutico bem-sucedido que dependa apenas das forças – e dos recursos – do livre mercado. No Brasil, esse tipo de percepção começou a se solidificar na esfera governamental a partir do retorno das chamadas políticas públicas para a indústria, materializadas sucessivamente pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e pelo atual Plano Brasil Maior (PBM). Com isso, é esperado que as ações do governo brasileiro comecem a adquirir as feições daquelas empreendidas pelos governos das nações concorrentes do país no setor de indústria aeronáutica. Como parte indissociável desse esforço, a atuação do BNDES poderá se dar para bem além daquelas áreas já tradicionais para o setor aeronáutico, ou seja, o apoio à indústria e ao comércio exterior, que lhe são familiares e onde construiu histórico considerável. Os desafios que se apresentam, como o do apoio à inovação, que inclui também, entre seus muitos matizes, o da sustentabilidade, só poderá se dar de forma efetiva se o papel do Banco estiver coordenado às demais vertentes do apoio INDÚSTRIA AERONÁUTICA 181 que o Estado brasileiro precisará empreender para ampliar a indústria aeronáutica como setor importante da economia e da nação brasileiras. Nesse sentido, os desdobramentos do PBM, que tratam em conjunto as áreas de espaço e complexo da defesa, vão na direção desejável, pois, como já visto, trata-se, em última análise, no Brasil e no mundo, de A & D – aeroespaço e defesa. Portanto, imperativos e diretrizes de Estado, afeitos agora a A & D como ocorre nos Estados Unidos, no Canadá, na China, na Rússia e na União Europeia entre outros, se adequadamente elaborados e rebatidos para a atuação do BNDES, contribuirão para permitir que o país galgue esferas superiores de desenvolvimento econômico e social. AP Ê N D IC E SÍNTESE DAS HISTÓRIAS DOS DEMAIS PRINCIPAIS FABRICANTES DE JATOS COMERCIAIS Boeing A Boeing foi fundada em 1916 em Seattle, Washington, Estados Unidos. Em sua longa história, comprou ou absorveu mais de vinte empresas dos setores aeronáutico, espacial e de defesa. Só tem fábricas nos Estados Unidos (nos estados de Washington e Carolina do Sul), embora partes estruturais substanciais de suas aeronaves (mais de um terço em massa) sejam produzidas no Japão, graças aos pesados investimentos feitos em parcerias de risco pelas empresas aeronáuticas do país asiático. Sua cadeia produtiva tem empresas fornecedoras em praticamente todos os estados americanos, de forma a gerar apoio político e orçamentário a seus programas civis e militares. Ao contrário da Airbus, tem longa experiência com programas de defesa, e seu faturamento é dividido meio a meio entre os mercados civil e militar há várias décadas. Airbus A Airbus foi fundada como entidade estatal em 1969 pelos governos da França, da Inglaterra e da Alemanha (pouco depois a Espanha se juntaria ao grupo). Essa entidade era integrada pelos fabricantes aeronáuticos desses países, a saber: Aerospatiale, British Aerospace e Deutsche Airbus (pouco depois a CASA espanhola seria 182 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS adicionada). Hoje é empresa privada, pertencente ao grupo franco-alemão EADS, com fábricas nos quatro países originais e na China e cadeia produtiva localizada essencialmente na Europa e nos Estados Unidos. Entrou recentemente no mercado militar, com o cargueiro quadrimotor turboélice A400M. Bombardier A Bombardier foi fundada em 1934 como fabricante de snowmobiles (tendo se mantido desde então como uma das principais empresas desse setor, que inclui jetskis). Por conta de uma crise nesse mercado na década seguinte, estabeleceu a diretriz estratégica de ser uma empresa diversificada: é hoje um dos maiores fabricantes de material ferroviário do mundo, além de estar entre os quatro maiores produtores de aeronaves civis – comerciais e executivas. Essa parte aeronáutica do seu portfólio corporativo foi sendo adquirida e incorporada ao longo de várias décadas, sendo as mais significativas as da Canadair (1986), Short Brothers (1989), da Irlanda, Learjet Corp. (1990), dos Estados Unidos, De Havilland (1992), do próprio Canadá, e Skyjet (2000), dos Estados Unidos [Bombardier (2011a)]. Por causa dessa miscelânea de empresas incorporadas, sua cadeia produtiva estende-se por vários países, principalmente Canadá, Estados Unidos e Irlanda. Mais recentemente, uma política corporativa de redução de custos levou-a a estabelecer importante unidade fabril no México. Também estabeleceu, em 2011, ampla parceria com o complexo de fabricantes aeronáuticos estatais da China, que envolve desde encomendas de conjuntos estruturais para as suas futuras aeronaves CSeries até desenvolvimento e marketing conjunto das suas aeronaves e das futuras aeronaves civis chinesas sendo atualmente projetadas. INDÚSTRIA AERONÁUTICA 183 RE F E RÊN CIA S AIRBUS. Global Market Forecast 2011-2030. Airbus S.A.S., set. 2011. Disponível em: <http://www.airbus.com>. Acesso em: 10 out. 2011. ANDRADE, R. P. A construção aeronáutica no Brasil 1910/1976. São Paulo: Brasiliense, 1976. BERNARDES, R. Embraer, elos entre Estado e mercado. São Paulo: Hucitec, 2000. BOEING. Current Market Outlook 2011-2030. Boeing Commercial Airplanes, set. 2011. Disponível em: <http://www.boeing.com/cmo>. Acesso em: 10 out. 2011. BOMBARDIER. Disponível em: <http://www.bombardier.com/en/corporate/about-us/his tory?docID=0901260d8001dffa>. Acesso em: 17 ago. 2011. ______. Market Forecast 2011-2030. 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BENS DE CAPITAL 187 RE S UMO Este artigo trata da indústria de bens de capital no Brasil no período 2003-2011, considerando aspectos de produção e produtividade, seu desempenho no comércio exterior, as várias formas de apoio do BNDES e os desafios e perspectivas para o setor. Na segunda seção, vê-se que a produtividade média do setor no período de 2003 a 2009 foi superior à observada para a economia. Na terceira seção, foi considerado o desempenho comercial, com destaque para a crescente importância do Mercosul nas exportações brasileiras, a grande penetração dos produtos chineses na pauta de importações do Brasil e o crescimento das importações por conta de preços mais reduzidos. A quarta seção mostra que os equipamentos de transporte foram os itens que receberam maior volume de financiamentos, seguidos de equipamentos industriais, agrícolas e de infraestrutura. Na quinta seção, argumenta-se que os estímulos voltados para a modernização e o desenvolvimento tecnológico de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência do setor. Nesse sentido, discute-se que o BNDES deve assumir nas próximas décadas o desafio de construir os instrumentos apropriados indutores dessa transformação. AB S T RA C T This article addresses the capital goods industry in Brazil from 2003 to 2011, considering aspects of production and productivity (Section 2), its performance in foreign trade (Section 3), the various forms of BNDES support (Section 4) as well as future challenges and prospects for the sector (Section 5). In Section 2, we noted that average productivity in the sector from 2003 to 2009 was higher than that for the economy as a whole. In Section 3, we considered the commercial performance, highlighting the growing importance of Mercosur in Brazilian exports, the extensive penetration of Chinese products in Brazilian imports, as well as the import growth due to lower prices. In Section 4, we show that transport equipment have received a higher volume of financing, followed by industrial, agricultural and infrastructure 188 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS equipment. In Section 5, we argue that the incentives for modernization and technological development of machine-tools are essential to ensure the survival of the sector. In this sense, we argue that, in the coming decades, the BNDES must take on the challenge of building the appropriate tools to induce this transformation. BENS DE CAPITAL 189 1 . INTR OD U Çà O O papel da indústria de bens de capital como um dos propulsores do desenvolvimento econômico de um país é da maior relevância. Por manter vínculos com praticamente todas as etapas da atividade produtiva e por ser capaz de ampliar a capacidade produtiva da economia, o setor de bens de capital incorpora parcela significativa do desenvolvimento das cadeias produtivas e surge como um importante difusor de progresso técnico entre os setores. Essa disseminação de progresso contribui para a expansão do mercado interno, sustenta a evolução da produtividade e serve de estímulo ao aumento da competitividade da economia no médio e longo prazos. Em consonância com esse entendimento, em seus sessenta anos de história o BNDES esteve especialmente ligado ao desenvolvimento da indústria brasileira e, em particular, do setor de bens de capital. Os instrumentos de apoio são diversificados e abarcam ampla variedade de produtos e programas, o que permite o desenho de políticas industriais cada vez mais sólidas e adaptadas para o setor. Este trabalho tem como objetivo principal dimensionar e avaliar o desempenho da indústria de bens de capital – máquinas e equipamentos – no Brasil na última década (2003-2011) e a inserção do BNDES nesse contexto. O trabalho contém seis seções, incluindo esta introdução. A segunda seção realiza uma fotografia das principais características do setor de bens de capital, considerando a evolução dos principais indicadores do setor e de seus subsetores durante o período. A terceira seção trata do setor externo, buscando dimensionar o desempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital no período, assim como sua relação com a competitividade do setor. A quarta seção descreve o apoio do BNDES nesse quadro evolutivo. A quinta seção aborda os principais desafios e perspectivas para o setor. A sexta seção apresenta as conclusões do trabalho. 190 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 2 . DESEMPEN H O DO S ETO R D E B EN S DE CA PITA L N A C I O N A L N O PER Í O D O 2 003-2011: PRO D U Ç Ã O E PR O D U TI V I D A D E TAXA DE INVESTIMENTO De 2003 a 2008, a taxa de investimento brasileira registrou crescimento ininterrupto. Em 2009, essa taxa recuou em decorrência da crise financeira internacional, mas, por conta das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal, a taxa de investimento voltou a crescer nos anos seguintes, como se pode ver no Gráfico 1. GRÁFICO 1 BRASIL – FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO/PRODUTO INTERNO BRUTO 2004 19,3 18,4 18,8 17,9 16,8 15,8 2003 16,2 15,5 20 17,6 25 PART. % 15 10 5 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. VALOR ADICIONADO BRUTO POR ATIVIDADE – MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS Com base em dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram elaboradas as tabelas 1 e 2, que mostram a evolução do valor adicionado bruto (VAB) e do pessoal ocupado, tanto em nível nacional quanto para o grupo de máquinas e equipamentos. Esses dados têm por objetivo dimensionar o BENS DE CAPITAL 191 setor e montar seus indicadores de produtividade. O período analisado vai de 2003 a 2009, o último ano com dados disponíveis. Nesse período, o crescimento do VAB, em nível nacional, foi quase o dobro do VAB de máquinas e equipamentos, com a consequente perda de importância relativa desse grupo. Por outro lado, aumentou o número de pessoal ocupado no grupo de máquinas e equipamentos entre 2003 e 2009, uma indicação de que houve ingresso de pessoal mais qualificado na força de trabalho desse setor. TABELA 1 GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO* E PESSOAL OCUPADO SEGUNDO CLASSES E ATIVIDADES TABELA 1A GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO SEGUNDO CLASSES E ATIVIDADES* (R$ 1.000,00) Classes e atividades 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. % 2003-2009 1.288.867 1.553.062 1.715.619 1.909.976 2.152.798 2.396.957 2.571.598 99,5 MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA 1.635 1.303 1.718 2.562 2.790 2.479 2.919 78,5 MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS ELÉTRICOS 6.430 7.966 8.844 10.530 12.131 12.351 10.956 70,4 MATERIAL ELETRÔNICO E EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES 2.979 3.661 4.900 4.792 4.488 3.972 3.462 16,2 APARELHOS/INSTRUMENTOS MÉDICO-HOSPITALAR, MEDIDA E ÓPTICO 3.906 4.676 4.742 5.661 6.553 7.905 7.187 84,0 CAMINHÕES E ÔNIBUS 1.642 2.266 2.628 2.084 2.407 2.959 2.719 65,6 TOTAL BRASIL OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE TOTAL MÁQUINAS E EQUIP. PARTICIPAÇÃO % 5.956 5.797 4.875 5.484 7.528 9.459 7.405 24,3 22.548 25.669 27.707 31.113 35.897 39.125 34.648 53,7 1,75 1,65 1,61 1,63 1,67 1,63 1,35 TABELA 1B GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – PESSOAL OCUPADO Classes e atividades TOTAL BRASIL MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS ELÉTRICOS MATERIAL ELETRÔNICO E EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES APARELHOS/INSTRUMENTOS MÉDICO-HOSPITALAR, MEDIDA E ÓPTICO CAMINHÕES E ÔNIBUS OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE TOTAL MÁQUINAS E EQUIP. 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. % 2003-2009 84.034.981 88.252.473 90.905.673 93.246.963 94.713.909 96.232.609 96.647.139 15,0 18.996 23.644 28.943 40.919 47.261 55.091 54.134 185,0 159.503 179.076 190.165 207.396 212.465 257.158 248.588 55,9 79.335 99.132 100.709 93.781 97.646 88.681 88.531 11,6 101.958 103.677 115.169 117.004 127.005 137.014 133.540 31,0 19.307 25.395 25.237 21.191 22.687 24.764 23.956 24,1 80.372 95.711 101.854 116.585 121.985 126.568 114.838 42,9 459.471 526.635 562.077 596.876 629.049 689.276 663.587 44,4 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE. * Valores a preços constantes, ano de referência 2000. Ver Diretoria de Pesquisa (DPE), Coordenação de Contas Nacionais (Conac), Sistemas de Contas Nacionais – Brasil, referência 2000, nota metodológica n. 1. 192 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS VALOR ADICIONADO BRUTO POR TRABALHADOR A Tabela 2 demonstra que o VAB por trabalhador, em esfera nacional, é inferior ao apurado para máquinas e equipamentos. Isso indica que é mais elevada a produtividade desse setor, que incorpora mais tecnologia. TABELA 2 BRASIL – GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO POR TRABALHADOR (R$ MIL) Item 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. % 2003-2009 BRASIL 15,3 17,6 18,9 20,5 22,7 24,9 26,6 GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS 49,1 48,7 49,3 52,1 57,1 56,8 52,2 6,4 MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA 86,1 55,1 59,4 62,6 59,0 45,0 53,9 185,0 MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS ELÉTRICOS 40,3 44,5 46,5 50,8 57,1 48,0 44,1 55,9 MATERIAL ELETRÔNICO E EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES 37,5 36,9 48,7 51,1 46,0 44,8 39,1 11,6 APARELHOS/INSTRUMENTOS MÉDICOHOSPITALAR, MEDIDA E ÓPTICO 38,3 45,1 41,2 48,4 51,6 57,7 53,8 31,0 CAMINHÕES E ÔNIBUS 85,0 89,2 104,1 98,3 106,1 119,5 113,5 24,1 OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE 74,1 60,6 47,9 47,0 61,7 74,7 64,5 42,9 73,5 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE. Os dados mostram, também, que as empresas do grupo de máquinas e equipamentos não vêm acompanhando o aumento de produtividade de outros segmentos da economia. Entre 2005 e 2007, a variável esboçou um movimento de recuperação, mas, em seguida, voltou a apresentar tendência de queda. Em 2009, as empresas do grupo de caminhões e ônibus foram as que tiveram a menor quantidade de pessoal ocupado, mas seu VAB por trabalhador mostrava maior produtividade dos trabalhadores. A partir de 2007, a atividade de outros equipamentos de transporte passou à segunda colocação no ranking da relação VAB por trabalhador. PRODUÇÃO INDUSTRIAL POR CATEGORIA DE USO Uma análise da evolução da produção industrial por categoria de uso, com base nos dados da Tabela 3, permite verificar que a categoria de bens de capital foi a que registrou as maiores taxas de crescimento da produção vis-à-vis as categorias de bens intermediários e de bens de consumo. BENS DE CAPITAL 193 TABELA 3 BRASIL – PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL (VAR. % EM 12 MESES EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR) Categorias de uso 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 BENS DE CAPITAL 2,2 19,7 3,6 5,7 19,5 14,3 (17,4) 20,9 3,3 57 BENS INTERMEDIÁRIOS 2,0 7,4 0,9 2,1 4,9 1,5 (8,8) 11,4 0,3 27 7,3 6,0 3,3 4,7 1,9 (2,7) 6,4 (0,5) 19 21,8 11,4 5,8 9,1 3,8 (6,4) 10,3 (2,0) 58 (10,2) 6,4 (9,0) (25) BENS DE CONSUMO (2,7) BENS DE CONSUMO DURÁVEIS 3,0 Var. % 2003-2011/ 1994-2002 SEMIDURÁVEIS (11,2) 3,1 (1,6) (3,2) 3,1 (2,0) NÃO DURÁVEIS (0,3) 3,3 8,6 3,3 2,0 2,5 0,2 4,2 0,9 42 0,1 8,3 3,1 2,8 6,0 3,1 (7,4) 10,5 0,3 28 INDÚSTRIA GERAL Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. Em 2009, verificou-se forte queda da produção industrial, com maior impacto na categoria de bens de capital. Em 2010, houve expressiva reversão na produção industrial e recuperação em bens de capital. Em 2011, a atividade industrial permaneceu praticamente estável, em função, basicamente, da performance observada na produção de bens de capital. PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL A Tabela 4 mostra que, entre os bens de capital produzidos no período 2003-2011, o crescimento mais acentuado foi na categoria de equipamentos de transporte industrial, cuja performance afetou bastante as taxas de desempenho do setor. TABELA 4 BRASIL – PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL (VAR. % EM 12 MESES EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR) Categorias de uso 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 BENS DE CAPITAL 2,2 19,7 3,6 5,7 19,5 14,3 (17,4) 20,9 3,3 57 1. BENS DE CAPITAL – EXCLUSIVE (2) 0,3 16,2 2,7 9,9 19,9 6,2 (23,4) 18,6 (2,2) 33 2. EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE INDUSTRIAL 7,0 28,3 5,4 (3,3) 18,5 34,2 (5,7) 24,5 11,6 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. 2011 Var. % 2003-2011/ 1994-2002 148 194 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS À exceção dos equipamentos de transporte industrial, em 2009 houve forte redução na produção de bens de capital. Da mesma forma, em 2011, não fosse o crescimento observado na mesma categoria, o desempenho do setor teria sido negativo, pois os outros bens de capital registraram queda na produção. PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL POR FINALIDADE Em relação à finalidade do bem, é possível destacar três aspectos. Primeiro, em relação à produção de bens de capital para o setor de energia elétrica, houve forte crescimento no período 2003-2008 e redução contínua a partir de 2009 (Tabela 5). TABELA 5 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL POR FINALIDADE (VAR. % EM 12 MESES EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR) BENS DE CAPITAL PARA FINS INDUSTRIAIS 2003 2004 2005 6,7 20,2 (2,2) 6,4 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. % 2003-2011/ 1994-2002 5,2 18,5 2,7 (31,6) 27,3 2,8 54 BENS DE CAPITAL AGRÍCOLAS 21,9 (37,7) (16,5) 48,4 35,1 (28,5) 31,7 (4,4) 37 BENS DE CAPITAL PARA CONSTRUÇÃO (7,6) 38,0 32,0 8,2 18,7 4,8 (48,5) 95,8 5,6 94 BENS DE CAPITAL PARA O SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA 10,0 12,5 28,5 22,2 26,0 12,0 (32,5) (3,8) (11,1) ND 7,4 25,6 6,6 (1,6) 18,0 31,3 (8,8) 26,0 12,4 140 (3,5) 14,8 3,4 11,6 15,4 2,5 (14,7) 13,4 (4,4) 13 BENS DE CAPITAL EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE BENS DE CAPITAL DE USO MISTO Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. Segundo, com relação aos bens de capital para construção, sua produção apresentou queda somente em 2003 e em 2009, movimento neutralizado pelo crescimento ocorrido em anos anteriores. E, terceiro, o forte crescimento da produção de bens de capital para equipamentos de transporte no período 2003-2011, em comparação com igual período anterior. PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL POR ATIVIDADE Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior desempenho observado foi em um segmento de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações, o que indica um esvaziamento expressivo BENS DE CAPITAL 195 da atividade no período considerado (Tabela 6). Também a trajetória da produção de máquinas, aparelhos e materiais elétricos mostra queda na atividade desde 2009. E a produção de máquinas e equipamentos mostra sinais de desaceleração. As categorias de veículos automotores e outros equipamentos de transporte tiveram o melhor desempenho. TABELA 6 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL POR ATIVIDADE (VAR. % EM 12 MESES EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR) 2003 2004 MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS 4,7 21,1 1,4 MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA 7,1 33,4 10,7 MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS ELÉTRICOS 1,8 11,9 17,5 (6,8) MATERIAL ELETRÔNICO, APARELHOS E EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES (11,6) 2,5 3,7 40,0 OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE 12,0 12,5 DEMAIS ATIVIDADES (2,4) VEÍCULOS AUTOMOTORES 8,3 2005 6,0 4,4 (7,7) 2006 2007 2008 2009 2010 2011 (1,3) 25,3 15,5 (29,4) 38,6 (0,2) 51,8 13,9 (5,7) (5,0) 12,8 (4,5) 23,4 26,0 10,6 (26,9) (0,1) (9,3) (13,6) 15,2 (14,3) (27,7) (17,4) (4,2) 22,8 22,0 (21,0) 53,9 (1,7) 11,3 56,6 2,4 2,3 14,0 16,2 (12,5) (4,2) 13,7 6,9 15,4 5,6 (1,3) Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE. 3 . A B A LA N ÇA CO M ER C I A L D O S B EN S DE C A PITA L N O B R A S I L : PA R C EI R O S COMER C IA IS E A PA U TA D E EXPO RTA Ç Ã O E IMPORTA Çà O ( 2003- 2011) Um dos indicadores mais importantes para avaliar a viabilidade e a capacidade de crescimento de um setor no longo prazo é seu desempenho na frente externa. A situação da balança comercial, a evolução do saldo comercial ao longo do tempo, as exportações e importações desagregadas por tipos de bens e países de origem e destino são aspectos fundamentais nesse sentido. Assim, para avaliar o setor de bens de capital brasileiro em relação a seu desempenho no período 2003-2011 e às suas possibilidades de crescimento futuro, esta seção analisa a balança comercial do setor, acompanhando sua evolução e os principais aspectos de sua performance. 196 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Como as transações externas de um setor dependem do resto do mundo, essa análise deve ser conduzida tendo como pano de fundo o desempenho da economia mundial no período. Nesse caso, o fato mais significativo é a crise financeira mundial do fim de 2008, que representou um divisor de águas entre subperíodos distintos. No primeiro, de 2003 a 2007, as principais economias do mundo cresceram, o comércio internacional floresceu e os preços das commodities explodiram. Nesse período, as exportações mundiais de máquinas e equipamentos cresceram cerca de 85%. Na segunda, veio o declínio, a recessão e forte contração do comércio mundial de máquinas e equipamentos. Em 2009, as exportações mundiais de máquinas e equipamentos, incluindo equipamentos de transporte, registraram queda de 16%, caindo para US$ 4,2 trilhões, contra US$ 5,0 trilhões em 2007, ano imediatamente anterior. A BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA DE BENS DE CAPITAL As exportações brasileiras de bens de capital alcançaram US$ 10,7 bilhões em 2003 e subiram para US$ 29,9 bilhões em 2007, quase triplicando em apenas três anos. Com esse desempenho, a participação do Brasil nas exportações mundiais de bens de capital aumentou de 0,58%, em 2003, para 0,73%, em 2007. Em 2009, caíram para US$ 21,1 bilhões e em 2011 voltaram ao patamar anterior à crise, com US$ 30,9 bilhões de exportações. Entre 2003 e 2011, o crescimento foi de 189%, mas, como se viu, concentrou-se no período pré-crise, entre 2003 e 2007. As importações de máquinas e equipamentos não sofreram o mesmo revés das exportações. De US$ 14,4 bilhões, em 2003, subiram para US$ 42,2 bilhões, em 2007, US$ 46,4 bilhões, em 2009, e US$ 73,5 bilhões, em 2011. Ao todo, o crescimento foi de 410%, dos quais 193% no período anterior à crise e 58% no período posterior. Com esse desempenho, a balança comercial brasileira de máquinas e equipamentos tornou-se mais deficitária, acumulando déficits crescentes de US$ 3,6 bilhões, em 2003, US$ 12,2 bilhões, em 2007, US$ 25,3 bilhões, em 2009, e US$ 42,6 bilhões, em 2011 (Gráfico 2). BENS DE CAPITAL 197 GRÁFICO 2 BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA DE BENS DE CAPITAL 80.000 60.000 US$ MILHÕES; FOB 40.000 20.000 0 -20.000 -40.000 -60.000 2002 2003 Exportações 2004 Importações 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Saldo comercial Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse resultado pode ser desagregado para observar o desempenho comercial de cada um dos grupos de máquinas e equipamentos, conforme a Tabela 7. TABELA 7 SALDO COMERCIAL DA BALANÇA DE BENS DE CAPITAL* – POR GRUPO DE EQUIPAMENTOS (EM US$ MILHÕES) Subgrupo TRANSPORTE 2003 2007 2009 2011 US$ milhões US$ milhões US$ milhões US$ milhões 2.598 5.940 (444) (1.632) CAMINHÕES 615 2.201 AERONAVES 1.894 4.140 OUTROS EQUIP. TRANSPORTE VEÍCULOS FERROVIÁRIOS ÔNIBUS (5) 538 (15) 1.246 195 (3.299) (16) 2.880 (180) 810 1.160 (3.162) 792 2.808 (324) 1.046 (1.316) (4.320) (5.468) (9.051) MÁQUINAS E FERRAMENTAS (239) (835) (1.303) (2.506) AUTOMAÇÃO, CONTROLE E MEDIÇÃO (489) (1.232) (1.373) (2.120) OUTRAS MÁQUINAS E EQUIP. INDUSTRIAIS (250) (810) (819) (1.502) (71) (668) (762) (796) (127) (417) (505) (853) INDUSTRIAL PAPEL, CELULOSE E GRÁFICA MÁQUINAS E EQUIP. PARA INDÚSTRIA TÊXTIL Continua 198 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Continuação Subgrupo 2003 2007 2009 2011 US$ milhões US$ milhões US$ milhões US$ milhões (233) (524) (515) (65) (495) TANQUES, FORNALHAS E CALDEIRARIA (79) MÁQUINAS PARA SIDERURGIA E METALURGIA (30) MÁQ. EQUIP., IND. ALIMENTOS, BEBIDAS E FUMO (21) (119) (116) (248) MÁQ. EQUIP., IND. COURO E CALÇADOS (10) (10) (1) (16) 310 888 313 OUTROS EQUIP. E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS 187 200 (155) COLHEITADEIRA 104 83 46 43 579 387 469 42 44 AGRÍCOLA TRATORES AGRÍCOLAS (1) MÁQ. EQUIP BENEFICIAMENTO/ARMAZENAGEM 19 1 EQUIP. PARA IRRIGAÇÃO 4 (16) (4) (571) 79 (9) (24) 143 1.295 (1.498) (1.077) MÁQ. RODOVIÁRIAS, CONSTR. CIVIL E MINERAÇÃO 238 1.240 (664) (291) EQUIP. INFRAESTRUTURA DIVERSOS (95) 55 (834) (786) (1.082) 279 (294) (1.834) (638) 563 INFRAESTRUTURA ENERGIA GERADORES, TRANSFORMAD. E MOTORES ELÉTRIC. 187 (940) (2) (41) (204) (455) TURBINAS (310) (90) (111) (197) EQUIP. DISTRIB. E CONTROLE DE ENERGIA ELÉTRICA (115) (117) (125) (197) (17) (36) (41) (45) (966) (4.191) (4.668) (8.745) EQUIP. ENERGIA EÓLICA EQUIP. ENERGIA SOLAR INFORMÁTICA/TELECOM. (309) (881) (1.174) (1.756) (3.028) (11.214) (12.658) (21.314) MÉDICO-HOSPITALAR OUTROS EQUIPAMENTOS (1.937) (5.776) (6.851) (11.980) OUTROS EQUIP. E APARELHOS ELÉTRICOS (900) (4.928) (4.962) (7.573) MOTORES, BOMBAS, COMPRESSORES E VÁLVULAS (191) (510) (845) (1.761) (3.652) (12.204) (25.256) (42.621) EQUIPAMENTOS E COMP. DIVERSOS TOTAL GERAL Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC. * Segundo classificação própria. Como se pode observar, o grupo de outros equipamentos – incluindo equipamentos diversos, aparelhos elétricos e motores, bombas e compressores – deu a maior contribuição para os déficits da balança comercial brasileira de bens de capital. Os equipamentos industriais, compostos de uma diversidade de equipamentos, incluindo máquinas-ferramenta, também contribuíram negativamente e de forma expressiva. Equipamentos de informática e telecomunicações, equipamentos médico-hospitalares, de energia e de infraestrutura também contribuíram de forma importante. Os equipamentos agrícolas, se considerado o período, e os BENS DE CAPITAL 199 de transportes, incluindo aeronaves e caminhões e ônibus, foram os grupos que contribuíram para a geração de superávits comerciais. O resultado fortemente negativo da balança comercial do setor foi reflexo da evolução dos preços e do quantum das exportações e importações desses bens. Do lado dos preços, a contribuição foi positiva. Em termos agregados, os preços das exportações subiram 36,7%, assim distribuídos: 9,8%, de 2003 a 2007, 12,8%, de 2007 a 2009, e 10,4%, de 2009 a 2011. Ao mesmo tempo, os preços das importações subiram menos, 21%, com uma alta de 8,6% entre 2003 e 2007, de 9% entre 2007 e 2009 e de apenas 2,3% entre 2009 e 2011 (Tabela 8). TABELA 8 TAXAS DE CRESCIMENTO DE PREÇOS, QUANTUM E VALOR DO COMÉRCIO BRASILEIRO DE BENS DE CAPITAL (VAR. %) Conta Preços (%) Quantum (%) Valor (%) 2003-2007 IMPORTAÇÕES 8,60 EXPORTAÇÕES 9,80 120 135 129 154 2007-2009 IMPORTAÇÕES 9,10 EXPORTAÇÕES 12,80 19 (40) 30 (31) 2009-2011 IMPORTAÇÕES 2,30 58 62 EXPORTAÇÕES 10,40 30 44 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Um dos fatores que permitiram ao setor exportador de bens de capital nacional sustentar os seus preços foi a diversificação da pauta de exportações para os países de destino, como se verá a seguir. EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL POR PAÍSES DE DESTINO Em 2003, os Estados Unidos eram o principal destino das exportações de produtos brasileiros, com uma participação de 38,9% na pauta de exportações do país, seguidos da Argentina e do México. Em conjunto, esses três países responderam por cerca de 53% das exportações brasileiras de bens de capital naquele ano (Tabela 9). 200 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Em 2007, embora os Estados Unidos ainda ocupassem a primeira posição na lista, sua participação caiu para 20,9%. Estados Unidos, Argentina e Venezuela, os três primeiros colocados, responderam por 42% do total das exportações de bens de capital do Brasil. Além da queda da participação dos Estados Unidos, começou a aumentar a importância do Mercosul entre os principais destinos dos bens de capital brasileiros. Sua participação passou de 20,4%, em 2003, para 34,8%, em 2007. Em 2009, a Argentina ascendeu à primeira posição na lista, seguida dos Estados Unidos e da Alemanha (Tabela 10). Juntos, esses países responderam por 38% da demanda de exportações brasileiras, o que confirma a redução na concentração do destino das exportações. Além disso, os países do Mercosul, que respondiam em 2003 por 20,4% da pauta de exportações, subiram para 35% em 2007 e 2009 e em 2011 para 40%, contribuiu para essa diversificação. Em 2011, essa mudança se consolidou, pois os três primeiros países da pauta – Argentina, Estados Unidos e México – responderam por 40% do total das exportações brasileiras. TABELA 9 EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE DESTINO 2003 País de destino Posição 2007 US$ milhões Part. % ESTADOS UNIDOS 1º 4.178 38,9 ARGENTINA 2º 959 MÉXICO 3º ALEMANHA País de destino Posição US$ milhões Part. % ESTADOS UNIDOS 1º 6.277 20,9 8,9 ARGENTINA 2º 4.661 15,6 587 5,5 VENEZUELA 3º 1.739 5,8 4º 552 5,1 MÉXICO 4º 1.540 5,1 CHILE 5º 451 4,2 ALEMANHA 5º 1.296 4,3 CHINA 6º 325 3,0 CHILE 6º 1.226 4,1 ITÁLIA 7º 318 3,0 COLÔMBIA 7º 984 3,3 ÁFRICA DO SUL 8º 235 2,2 CANADÁ 8º 891 3,0 COLÔMBIA 9º 182 1,7 HOLANDA 9º 775 2,6 VENEZUELA 10º 151 1,4 PERU 10º 695 2,3 PARAGUAI 11º 148 1,4 ÁFRICA DO SUL 11º 685 2,3 REINO UNIDO 12º 145 1,4 REINO UNIDO 12º 564 1,9 FRANÇA 13º 140 1,3 FRANÇA 13º 532 1,8 COREIA DO SUL 14º 128 1,2 CINGAPURA 14º 486 1,6 VENEZUELA 15º 127 1,2 ANGOLA 15º 460 1,5 SUBTOTAL - 8.627 80,3 SUBTOTAL - 22.812 76,1 MERCOSUL** - 2.190 20,4 MERCOSUL** - 10.422 34,8 TOTAL - 10.747 100,0 TOTAL - 29.963 100,0 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC. * Segundo classificação própria. ** Todos os estados-partes e associados. Obs.: Em 2007, a China ocupava a 17ª posição, com US$ 429 milhões, como destino das exportações de bens de capital. BENS DE CAPITAL 201 De uma perspectiva qualitativa, pode-se afirmar que a pauta de exportações de bens de capital brasileira apresenta um viés para produtos de alta intensidade tecnológica, apesar da redução de participação nos últimos anos. A garantia da continuidade dessas exportações consolidadas e orientadas para produtos de alta tecnologia, bem como a constante melhoria desse quadro e a consequente redução da dependência das importações de bens nessa categoria, depende de uma série de iniciativas, entre as quais a participação do governo em políticas de promoção da melhoria de produtividade e competitividade. TABELA 10 EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR DESTINO 2009 País de destino Posição 2011 US$ milhões Part. % País de destino Posição US$ milhões Part. % ARGENTINA 1º 3.512 16,6 ARGENTINA 1º 6.606 21,4 ESTADOS UNIDOS 2º 3.458 16,4 ESTADOS UNIDOS 2º 4.236 13,7 ALEMANHA 3º 1.034 4,9 MÉXICO 3º 1.512 4,9 MÉXICO 4º 1.031 4,9 ALEMANHA 4º 1.394 4,5 VENEZUELA 5º 938 4,4 CHILE 5º 1.321 4,3 CHILE 6º 904 4,3 CINGAPURA 6º 1.150 3,7 HOLANDA 7º 716 3,4 VENEZUELA 7º 1.003 3,2 CHINA 8º 627 3,0 CHINA 8º 910 2,9 FRANÇA 9º 587 2,8 PARAGUAI 9º 901 2,9 ÁFRICA DO SUL 10º 489 2,3 PERU 10º 849 2,7 PERU 11º 476 2,3 HOLANDA 11º 830 2,7 COLÔMBIA 12º 455 2,2 COLÔMBIA 12º 602 1,9 ANGOLA 13º 440 2,1 ÁFRICA DO SUL 13º 594 1,9 ITÁLIA 14º 412 1,9 URUGUAI 14º 573 1,9 URUGUAI 15º 330 1,6 ITÁLIA 15º 507 1,6 SUBTOTAL - 15.408 72,9 SUBTOTAL - 22.988 74,4 MERCOSUL** - 7.372 34,9 MERCOSUL** - 12.460 40,3 TOTAL - 21.131 100,0 TOTAL - 30.902 100,0 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC. * Segundo classificação própria. ** Todos os estados-partes e associados. IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL POR PAÍSES DE ORIGEM Como se viu, os preços das importações subiram apenas 21% em todo o período, bem abaixo dos preços das exportações. Essa redução no preço relativo das importações deslocou a demanda das empresas para os bens de capital importados, o que aumentou o quantum de importações e agravou o déficit comercial do setor. De fato, 202 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS o quantum importado de bens de capital no período 2003-2011 cresceu 300%, bem acima do crescimento de 78% do quantum exportado, uma evidência de que o déficit comercial do setor foi causado inteiramente pelo aumento do quantum importado. O país mais beneficiado por esse movimento foi a China, que subiu da quinta posição no ranking de 2003, com US$ 810,0 milhões de importações, para o segundo lugar em 2007 e 2009, com US$ 7,1 bilhões e US$ 8,9 bilhões, respectivamente, e passou a ocupar o primeiro lugar em 2011, desbancando os Estados Unidos, com vendas ao Brasil de US$ 16,8 bilhões. As tabelas 11 e 12 consolidam os dados das importações brasileiras de bens de capital por país de origem. Em 2003, Estados Unidos, Alemanha e Japão ocuparam as primeiras posições do ranking, com participações de 28,0%, 12,6% e 9,6%, respectivamente. Somadas, as participações desses países ultrapassavam a metade do total importado pelo Brasil no ano, indicando grande concentração na origem das compras brasileiras de bens de capital no exterior. Em 2007, China e Alemanha despontavam na segunda e na terceira posições, com participações de 16,9% e 10,6%, respectivamente. Os Estados Unidos continuaram em primeiro lugar. Os três primeiros colocados passaram, então, a representar, conjuntamente, 47% das importações brasileiras de bens de capital. A participação do Mercosul na pauta de importações nos anos de 2003 e 2007 foi de 4,7% e 4,4%, respectivamente, ainda bastante tímida, se comparada à participação das exportações brasileiras para os países do bloco. A participação do Mercosul no total das importações brasileiras estabilizou-se em torno de 5% nos anos de 2009 e 2011, conforme indicado pela Tabela 11. TABELA 11 IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE ORIGEM 2003 País de origem Posição 2007 US$ milhões Part. % País de origem Posição US$ milhões Part. % ESTADOS UNIDOS 1º 4.025 28,0 ESTADOS UNIDOS 1º 8.319 19,7 ALEMANHA 2º 1.815 12,6 CHINA 2º 7.110 16,9 JAPÃO 3º 1.383 9,6 ALEMANHA 3º 4.468 10,6 ITÁLIA 4º 831 5,8 JAPÃO 4º 2.922 6,9 CHINA 5º 810 5,6 COREIA DO SUL 5º 2.434 5,8 ARGENTINA 6º 629 4,4 ITÁLIA 6º 1.779 4,2 COREIA DO SUL 7º 552 3,8 ARGENTINA 7º 1.758 4,2 Continua BENS DE CAPITAL 203 Continuação 2003 País de origem Posição 2007 US$ milhões Part. % País de origem Posição US$ milhões Part. % FRANÇA 8º 541 3,8 FRANÇA 8º 1.611 3,8 SUÉCIA 9º 395 2,7 TAIWAN 9º 1.548 3,7 ESPANHA 10º 394 2,7 CINGAPURA 10º 994 2,4 SUÍÇA 11º 373 2,6 MALÁSIA 11º 886 2,1 REINO UNIDO 12º 348 2,4 SUÉCIA 12º 858 2,0 TAIWAN 13º 273 1,9 ESPANHA 13º 799 1,9 CINGAPURA 14º 227 1,6 SUÍÇA 14º 601 1,4 MÉXICO 15º 165 1,1 REINO UNIDO 15º 553 1,3 SUBTOTAL - 12.760 88,6 SUBTOTAL - 36.641 86,9 MERCOSUL** - 682 4,7 MERCOSUL** - 1.843 4,4 TOTAL - 14.399 100,0 TOTAL - 42.167 100,0 US$ milhões Partic. % Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC. * Segundo classificação própria. ** Todos os estados-partes e associados. TABELA 12 IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE ORIGEM 2009 País de origem Posição 2011 US$ milhões Partic. % País de origem Posição ESTADOS UNIDOS 1º 9.086 19,6 CHINA 1º 16.794 22,8 CHINA 2º 8.913 19,2 ESTADOS UNIDOS 2º 12.760 17,4 ALEMANHA 3º 4.633 10,0 ALEMANHA 3º 7.411 10,1 JAPÃO 4º 3.243 7,0 JAPÃO 4º 4.541 6,2 CORÉIA DO SUL 5º 2.463 5,3 CORÉIA DO SUL 5º 4.378 6,0 ARGENTINA 6º 2.218 4,8 ITÁLIA 6º 3.528 4,8 ITÁLIA 7º 2.051 4,4 ARGENTINA 7º 3.266 4,4 FRANÇA 8º 1.525 3,3 FRANÇA 8º 2.158 2,9 TAIWAN 9º 1.405 3,0 TAIWAN 9º 1.887 2,6 MALÁSIA 10º 800 1,7 MALÁSIA 10º 1.372 1,9 FINLÂNDIA 11º 786 1,7 SUÉCIA 11º 1.351 1,8 MÉXICO 12º 714 1,5 SUÍÇA 12º 1.121 1,5 ESPANHA 13º 699 1,5 ESPANHA 13º 1.110 1,5 SUÉCIA 14º 687 1,5 MÉXICO 14º 1.031 1,4 TAILÂNDIA 15º 649 1,4 REINO UNIDO 15º 1.015 1,4 SUBTOTAL - 39.872 86,0 SUBTOTAL - 63.724 86,7 MERCOSUL** - 2.341 5,0 MERCOSUL** - 3.525 4,8 TOTAL - 46.387 100,0 TOTAL - 73.523 100,0 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC. * Segundo classificação própria. ** Todos os estados-partes e associados. As tarifas médias praticadas pelos países-membros do Mercosul sobre as importações de máquinas e equipamentos (Tabela 13) são bem superiores àquelas praticadas pelos demais parceiros comerciais. Esse contexto favorece notavelmente as exportações do Brasil aos países pertencentes ao bloco, uma vez que as alíquo- 204 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS tas cobradas entre eles são inferiores às aplicadas ao resto do mundo, tornando os produtos brasileiros relativamente mais baratos. Por outro lado, seria de esperar que as tarifas protecionistas impostas pelo bloco ao resto do mundo desestimulassem a penetração de produtos estrangeiros nos países-membros. Entretanto, isso não ocorreu, e tais tarifas não se mostraram suficientes para evitar a elevação do coeficiente de penetração1 de máquinas e equipamentos no Brasil – que registrou um aumento de 22,3%, em 2003, para 36,6%, em 2010 – nem tampouco para conter a entrada de produtos chineses, que, conforme visto, é crescente. Assim, as medidas de defesa comercial adotadas acabam por expor a fragilidade nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital, que tem a ver com os níveis de produtividade dessa indústria. Políticas de reserva de mercado, sem estímulos mais agressivos ao aumento da produtividade, tendem, no longo prazo, a reduzir ainda mais a capacidade competitiva da economia. Desse modo, os dados expostos trazem à tona a necessidade, por parte do BNDES, de adoção de medidas que caminhem em direção ao aumento da produtividade e, em especial, ao desenvolvimento de novas tecnologias nas empresas pertencentes ao setor de bens de capital. TABELA 13 TARIFAS E OBRIGAÇÕES ALFANDEGÁRIAS MÉDIAS COBRADAS SOBRE IMPORTAÇÃO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – POR TIPO, EM 2010 (EM %) País Equip. elétricos Equip. não elétricos Transporte Média simples COLÔMBIA 35,0 35,0 35,4 35,1 ARGENTINA 34,9 34,9 34,5 34,8 VENEZUELA 32,8 33,3 33,3 33,1 BRASIL 32,4 31,9 33,1 32,5 PARAGUAI 32,5 32,9 31,4 32,3 PERU 27,9 23,1 30,0 27,0 CHILE 25,0 25,0 24,9 25,0 CHINA 8,5 9,0 11,4 9,6 COREIA DO SUL 9,5 8,9 8,1 8,8 NORUEGA 2,7 2,3 3,3 2,8 UNIÃO EUROPEIA 1,7 2,4 4,1 2,7 EUA 1,2 1,7 3,1 2,0 SUÍÇA 0,5 0,7 1,6 0,9 JAPÃO 0,0 0,2 0,0 0,1 Fonte: OMC. 1 O coeficiente de penetração das importações refere-se à parcela do consumo aparente – isto é, da produção interna subtraída das exportações e acrescida das importações – que é atendida pelas importações. BENS DE CAPITAL 205 4 . O FIN A N CIA MEN TO D O B N D ES AO SETOR D E BEN S D E C A PI TA L NO PER ÍOD O 20 03- 2011 FONTES DE FINANCIAMENTO: PRODUTOS E PROGRAMAS Os financiamentos do BNDES a equipamentos adquiridos pelas empresas são efetuados sob a égide de três produtos análogos: o BNDES Finame, que financia as empresas em geral; o BNDES Finame Leasing, que financia a aquisição de equipamentos pelas empresas de leasing; e o Finame Agrícola, que financia a aquisição de equipamentos agrícolas pelos produtores rurais, empresas ou pessoas físicas. O primeiro aspecto a ser destacado na política do BNDES voltada ao apoio à indústria de bens de capital diz respeito ao montante de recursos alocados ao financiamento das empresas. Por meio dos três produtos mencionados, o Banco direcionou ao setor de bens de capital, no período 2003-2011, o montante de R$ 275 bilhões, avaliados a preços de 2011.2 Esse funding mudou de escala a partir de junho de 2009, com a criação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O PSI promoveu mudança nos juros do Finame, que passaram a ser definidas por taxas fixas e não mais pela TJLP, ao mesmo tempo em que foram reduzidas de um patamar médio de 10% a.a. para 4,5% a.a. (no caso dos bens de capital mecânicos) ou 5,5% a.a. (no caso de caminhões e ônibus). Essas medidas foram tomadas no intuito de neutralizar os efeitos da crise financeira internacional de 2008 sobre os investimentos no Brasil e tiveram resultados imediatos. A partir do último trimestre de 2009, o volume de operações realizadas por meio dos produtos BNDES Finame mudou de escala, mais que duplicando nos meses subsequentes, e sua evolução passou a seguir uma trajetória de forte crescimento, como se vê na Tabela 14 e nos gráficos relacionados a esses resultados. Diversas alterações nas condições operacionais do PSI foram promovidas depois, tendo em vista as limitações orçamentárias do programa. Em julho de 2010, os juros 2 Valores correntes atualizados para 2011 com base no índice de preços de bens de capital, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Todos os valores referidos nesta seção foram atualizados para 2011. 206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS foram aumentados de 4,5% para 5,5% a.a., no caso de bens de capital mecânicos, e de 5,5% para 8% a.a. para caminhões e ônibus. Em abril de 2011, outra alteração se seguiu: as taxas de juros foram elevadas para 10% a.a. nos financiamentos a caminhões e ônibus e para 6,5% a.a. para os demais bens de capital adquiridos por micro, pequenas e médias empresas, ou 8,7% a.a. para as grandes empresas. Ao mesmo tempo, foram criadas taxas menores para a inovação tecnológica (4% a.a.) e a aquisição de componentes de bens de capital (5% a.a.). O Procaminhoneiro – programa específico para aquisição de caminhões por parte das pessoas físicas ou empreendedores individuais – teve sua taxa alterada para 7% a.a. A participação nos financiamentos também sofreu alterações. Para as micro, pequenas e médias empresas, passou de 100% para 90%, na aquisição de outros bens de capital, e para 80%, na aquisição de ônibus e caminhões. Para as grandes empresas, a participação caiu de 80% para 70%. Essas alterações não foram capazes de mudar a trajetória de crescimento das operações aprovadas, que continuaram em ascensão, saltando de R$ 34,6 bilhões, em 2009, para R$ 69,7 bilhões, em 2010. Somente em 2011, por conta de outros fatores, houve um declínio para R$ 55,5 bilhões3 nas operações, que ainda assim se mantiveram em um patamar muito superior aos observados antes de 2009. TABELA 14 APROVAÇÕES E DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS – PREÇOS CONSTANTES DE 2011 (EM R$ MILHÕES) Aprovações % 2003 15.562 - 12.609 - 2004 15.664 1 14.499 15 2005 14.403 (8) 13.682 (6) 2006 15.224 6 14.609 7 2007 24.316 60 22.808 56 2008 30.023 23 28.482 25 2009 34.650 15 25.366 (11) 2010 69.669 101 54.211 114 2011 55.532 (20) 52.400 2003-2011 275.042 Fonte: BNDES. 3 Desembolsos R$ milhões Todos os valores considerados a preços constantes de 2011. - R$ milhões 238.666 % (3) - BENS DE CAPITAL 207 55.532 GRÁFICO 3 VALOR FINANCIADO DOS EQUIPAMENTOS PELO BNDES (2003-2011) 34.650 50.000 24.316 40.000 30.000 15.562 R$ MILHÕES, A PREÇOS CONSTANTES DE 2011 60.000 20.000 10.000 0 2003 2007 2009 2011 Fonte: BNDES. GRÁFICO 4 APROVAÇÕES E DESEMBOLSOS DO FINAME PARA A AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS, ACUMULADO EM 12 MESES, A PREÇOS CONSTANTES DE DEZEMBRO DE 2011 (2003-2011) 80.000 73.252; nov. 2010 70.000 55.925; dez. 2011 R$ MILHÕES 60.000 52.763; dez. 2011 50.000 40.000 30.000 24.366,4; out. 2009 20.000 10.000 Aprovações Fonte: BNDES. Desembolsos ago. 2007 abr. 2007 dez. 2006 abr. 2006 ago. 2006 dez. 2005 abr. 2005 ago. 2005 dez. 2004 abr. 2004 ago. 2004 dez. 2003 abr. 2003 ago. 2003 dez. 2002 ago. 2002 abr. 2002 dez. 2001 ago. 2001 abr. 2001 dez. 2000 ago. 2000 abr. 2000 dez. 1999 ago. 1999 abr. 1999 dez. 1998 0 208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Um segundo ponto a destacar são os aspectos qualitativos da política do BNDES para o setor de bens de capital no período, que podem ser detectados a partir da criação de programas do BNDES ou administrados pelo Banco em nome do governo federal e que têm como objetivo explícito a modernização de setores. Programas são instrumentos de política com características próprias, criados com fins específicos, com uma dotação orçamentária preestabelecida e, em geral, com condições de juros, prazos e participações diferenciadas. Os principais programas criados no período considerado são os seguintes: Modermaq – Programa de Modernização da Indústria Nacional e dos Serviços de Saúde, criado com o objetivo de financiar a aquisição de máquinas e equipamentos voltados à modernização do parque industrial nacional e à dinamização do setor de bens de capital. Procaminhoneiro – Programa de Financiamento a Caminhoneiros, que financia a aquisição de caminhões, chassis, caminhões-tratores, carretas, cavalos mecânicos, reboques, semirreboques e carrocerias para caminhões novos ou usados até 15 anos. Provias – Programa de Intervenções Viárias, criado com o objetivo de financiar a aquisição de máquinas e equipamentos nacionais rodoviários por parte de pessoas jurídicas de direito público municipal. O programa financia a aquisição de itens específicos, como máquinas rodoviárias e equipamentos, caminhões, carrocerias graneleiras, betoneiras, tanques e contêineres. Finame Componentes – Criado com o objetivo de financiar a aquisição de peças, partes e componentes nacionais para serem incorporados em máquinas e equipamentos em fase de produção. As beneficiárias são as fabricantes de máquinas e equipamentos de qualquer porte, desde que cadastradas no Credenciamento de Fabricantes Informatizado do BNDES (CFI). Revitaliza – Programa de Apoio à Revitalização dos Setores Calçadista, de Artefatos de Couro, Moveleiro, Têxtil e de Confecções, financia ações voltadas para a revitalização das empresas dos setores referidos, além de apoiar suas exportações. O programa prioriza a adoção de métodos de produção mais eficientes, apoiando empreendimentos de modernização de produtos e de processos, e a aquisição de itens que vão desde softwares desenvolvidos no país a capacita- BENS DE CAPITAL 209 ção, treinamento e aperfeiçoamento gerencial, além de capital de giro associado aos demais itens financiáveis. Moderinfra – Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem, que objetiva apoiar o desenvolvimento da agricultura irrigada sustentável econômica e ambientalmente e ampliar a capacidade de armazenamento nas propriedades rurais. O programa tem como beneficiários produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas e cooperativas de produtores rurais. Moderfrota – Embora anterior a 2003, o programa do governo federal também deve ser lembrado pelo papel relevante que desempenhou para a modernização do setor agropecuário no período. Criado no início de 2000, o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras objetivava financiar a aquisição de tratores e colheitadeiras agrícolas, inclusive usados, além de itens como plataformas de corte e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Os beneficiários são produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas e suas cooperativas. A dimensão dos financiamentos realizados por meio desses e de outros progra- mas mais recentes, como o PSI, no período 2003-2011, dão uma ideia de sua magnitude e importância. Esses dados são reunidos na Tabela 15. TABELA 15 VALOR FINANCIADO DOS EQUIPAMENTOS – POR PROGRAMAS* (PREÇOS CONSTANTES DE 2011 EM R$ MILHÕES) Programa Anos selecionados 2003 2007 2003-2011 2009 2011 R$ milhões % PSI - - 19.020 32.748 111.447 41,0 BK AQUISIÇÃO - - 11.880 21.393 63.810 23,0 PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO - - 6.957 10.728 46.145 17,0 OUTROS PROGRAMAS - - 182 628 1.493 1,0 PROCAMINHONEIRO - - 1.100 1.268 9.110 3,0 FINAME COMPONENTES - - 0 150 150 0,0 NÃO PSI BK AQUISIÇÃO 15.511 24.299 14.451 21.176 153.713 93,0 0 17.560 11.031 20.129 75.796 28,0 10,0 MÁQ. E EQUIP. COMERCIALIZAÇÃO 7.976 0 0 0 26.074 MODERFROTA 3.131 2.069 1.456 21 16.783 6,0 0 3.335 960 0 12.750 5,0 2.934 16 0 0 5.170 2,0 0 0 237 616 1.834 0,7 120 116 101 44 1.175 0,4 MODERMAQ LINHA ESPECIAL AGRÍCOLA PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO MODERINFRA Continua 210 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Continuação Programa Anos selecionados 2003 2007 2003-2011 2009 2011 PROVIAS 0 344 187 PROCAMINHONEIRO 0 372 FINAME COMPONENTES 0 78 COMPUTADOR PARA TODOS 0 PRODECOOP R$ milhões % 139 1.022 0,4 115 0 889 0,3 104 56 489 0,2 107 40 0 399 0,1 0 20 37 61 212 0,1 MODERNIZA BK 0 0 3 41 164 0,1 REVITALIZA 0 54 44 0 143 0,1 1.350 228 135 69 10.813 3,9 15.511 24.299 34.571 55.341 274.420 100,0 OUTROS PROGRAMAS TOTAL Fonte: BNDES. * Programa do Finame, Finame Leasing e Finame Agrícola. A partir de 2009, o PSI foi o grande destaque em relação a volume de operações, pois o seu valor alcançou 41% do total de financiamentos no período 2003-2011. O Procaminhoneiro também teve um volume de financiamentos expressivo, com R$ 9,1 bilhões aprovados nesse período, respondendo por 3% do total dos financiamentos. Anteriores ao advento do PSI, programas como Moderfrota, Modermaq, Moderinfra e Provias também foram importantes para financiar a aquisição de equipamentos. Os programas fora do PSI, como BK Aquisição e Máquinas e Equipamentos Comercialização, que aparecem em destaque na Tabela 15, reúnem as operações tradicionais dos produtos Finame e, em geral, são realizados com taxas de juros variáveis. PROGRAMAS E EQUIPAMENTOS NO PERÍODO 2003-2011 Grande diversidade de equipamentos foi financiada por meio desses programas, como caminhões e ônibus, tratores e colheitadeiras, máquinas-ferramenta e equipamentos para geração de energia. Com os equipamentos classificados em grupos, conforme sua natureza, a lista de programas por meio dos quais foram financiados e seus respectivos valores são mostrados na Tabela 16. Todos esses programas enquadram-se nos produtos Finame e têm como característica comum o financiamento da aquisição de máquinas e equipamentos.4 4 A relação dos equipamentos que compõem cada um desses grupos é apresentada no Apêndice deste estudo. 15.750 MAQ.E EQUIP. COMERCIALIZAÇÃO 1 0 0 PRODECOOP MODERNIZA BK REVITALIZA Fonte: BNDES. TOTAL 143.538 3.989 0 COMPUTADOR PARA TODOS OUTROS PROGRAMAS 0 773 PROCAMINHONEIRO FINAME COMPONENTES 363 PROVIAS 0 1.785 PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO MODERINFRA 3.691 7 469 CAMINHÕES LINHA ESPECIAL AGRÍCOLA MODERMAQ 2 57.922 BK AQUISIÇÃO MODERFROTA 84.753 NÃO PSI 0 8.785 PROCAMINHONEIRO FINAME COMPONENTES 744 45.079 100 3 0 0 0 0 0 1 0 0 1 3 0 0 0 11 40 59 0 6 1 31 3 35 50.000 4.177 % R$ milhões Transporte OUTROS PROGRAMAS PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO BK AQUISIÇÃO PSI Programas 46.768 329 4 0 83 0 0 0 1 1.134 11 3 5.111 1.088 16.541 586 2.394 27.286 0 5 0 163 19.314 19.477 R$ milhões 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 11 2 35 1 5 58 0 0 0 0 41 42 % 100 Agrícola 37.166 1.620 80 0 79 0 0 0 2 17 3 8 37 5.749 16 4.957 6.482 19.048 0 2 493 41 17.582 18.116 R$ milhões 100 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 15 0 13 17 51 0 0 1 0 47 49 % Industrial 27.412 495 14 0 30 0 0 0 652 19 28 64 12 3.745 46 2.896 5.560 13.561 1 25 83 666 13.076 13.825 R$ milhões 100 2 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 14 0 11 20 49 0 0 0 2 48 50 % Infraestrutura 4.625 207 29 0 4 0 93 0 0 0 0 0 0 429 0 414 664 1.841 47 0 89 0 2.647 2.736 R$ milhões R$ milhões 0 0 38 14 109 0 0 0 399 0 0 0 0 3 0 0 9 0 177 792 100 4.715 4 1 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 9 0 9 14 40 1.489 1 0 2 0 57 3.173 100 2 0 0 0 8 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 17 32 0 0 1 0 67 68 % Para informática/ telecom. 59 3.225 % Para geração e distrib. de energia Grupos de equipamentos TABELA 16 GRUPOS DE EQUIPAMENTOS FINANCIADOS POR PROGRAMAS DO FINAME (2003-2011) 471 17 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 13 0 74 94 198 0 0 0 0 274 274 R$ milhões R$ milhões 102 294 45 182 178 276 15 164 15 0 396 116 3 5 5 5 4 100 9.726 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 1.248 0 16 1.220 20 1.887 42 5.537 0 0 0 0 58 3.567 R$ milhões R$ milhões 150 9.111 1.493 46.145 63.810 7.042 142 164 211 399 489 889 1.022 1.175 1.834 3.771 5.170 12.749 16.783 26.074 75.796 100 274.420 3 0 2 0 0 4 1 0 0 0 0 0 13 2 13 19 57 153.712 1 3 0 2 37 39 111.448 % Outros equipamentos 58 3.794 % Equip. médicohospitalares e laboratórios 100,0 3,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,3 0,4 0,4 1,0 1,0 2,0 5,0 6,0 10,0 28,0 56,0 0,0 3,0 1,0 17,0 23,0 41,0 % % BENS DE CAPITAL 211 212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Por meio do PSI, foram destinados R$ 111,4 bilhões para aquisição de equipamentos nesse período. Desse total, 46% foram para transportes, 18% para equipamentos agrícolas, 16% para equipamentos industriais e 12% para equipamentos de infraestrutura. O conjunto de programas não classificados no PSI financiou o montante de R$ 153,7 bilhões. Desse total, 55% foram para equipamentos de transportes, 18% para equipamentos agrícolas, 12% para equipamentos industriais e 9% para equipamentos de infraestrutura. O Modermaq financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 12,7 bilhões. Os principais foram equipamentos industriais, com 45% do total, e equipamentos de infraestrutura, com 29%. O Provias financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 1,0 bilhão. Desse total, 64% foram aplicados em equipamentos de infraestrutura e 36% foram para equipamentos de transporte. O Finame Componentes financiou R$ 489 milhões. Desse total, 19% foram para equipamentos de geração e distribuição de energia e 81% para outros equipamentos. Por meio do Revitaliza, foram direcionados R$ 142 milhões para aquisição de equipamentos. Desse total, 56% foram para equipamentos industriais, 20% para equipamentos de geração e distribuição de energia, 10% para equipamentos de infraestrutura e os demais 4% para outros equipamentos. O Programa Moderniza BK, com operações aprovadas no valor de R$ 164 milhões, financia uma grande diversidade de máquinas e equipamentos, em geral pertencentes ao grupo de outras máquinas e equipamentos. O programa Moderfrota, com R$ 16,7 bilhões de financiamentos, concentra os recursos especificamente em máquinas e equipamentos agrícolas, assim como o Moderinfra, com R$ 1,17 bilhão em operações aprovadas. EQUIPAMENTOS FINANCIADOS E DESEMPENHO COMERCIAL A relação dos equipamentos, com os valores financiados e os seus saldos comerciais em 2003, 2007, 2009 e 2001, é mostrada na Tabela 17. Os financiamentos contri- BENS DE CAPITAL 213 buem para gerar saldos comerciais positivos se estimularem a eficiência produtiva das empresas, melhorando sua capacidade exportadora, e se induzirem os seus compradores a adquirir o produto doméstico em lugar dos importados, por conta das facilidades de financiamento. Entretanto, como se viu anteriormente, apesar de bastante favoráveis, as condições de financiamento não foram suficientes para suplantar as vantagens oferecidas pelo declínio dos preços das importações. Por outro lado, setores que vêm recebendo elevados volumes de financiamento, como o de máquinas e equipamentos industriais, não foram capazes de gerar superávits comerciais positivos em nenhum grupo de equipamento e em nenhum momento a partir de 2003. Uma resposta conclusiva para esse fato requer, entretanto, um exame mais aprofundado sobre competitividade do setor. TABELA 17 FINANCIAMENTOS DO BNDES E SALDOS COMERCIAIS DA BALANÇA DE BENS DE CAPITAL POR GRUPOS DE EQUIPAMENTO Subgrupo Financiamentos 2003-2011 Saldos comerciais 2003-2011 (US$ milhões) R$ milhões % 143.538 52 32.233 108.750 40 11.057 28.431 10 VEÍCULOS FERROVIÁRIOS 3.491 1 AERONAVES 1.918 1 27.632 948 0 (14.369) TRANSPORTE CAMINHÕES ÔNIBUS OUTROS EQUIP. TRANSPORTE 9.161 (1.249) 37.166 14 (38.976) MÁQUINAS-FERRAMENTAS 7.199 3 (9.293) TANQUES, FORNALHAS E CALDEIRARIA 5.946 2 (2.436) MÁQ. EQUIP. IND. ALIMENTOS, BEBIDAS E FUMO 5.501 2 (974) MÁQUINAS PARA SIDERURGIA E METALURGIA 1.415 1 (1.015) MÁQUINAS E EQUIP. PARA INDÚSTRIA TÊXTIL 1.123 0 (4.047) 172 0 (83) 15.809 6 (21.127) INDUSTRIAL MÁQ. EQUIP. IND. COURO E CALÇADOS OUTRAS MÁQUINAS E EQUIP. INDUSTRIAIS 46.768 17 5.588 TRATORES AGRÍCOLAS 16.446 6 3.761 OUTROS EQUIP. E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS 13.061 5 552 COLHEITADEIRA 12.543 5 915 MÁQ. EQUIP BENEFICIAMENTO/ARMAZENAGEM 2.998 1 434 EQUIP. PARA IRRIGAÇÃO 1.720 1 27.412 10 19.212 7 4.715 8.200 3 (2.016) AGRÍCOLA INFRAESTRUTURA MÁQ. RODOVIÁRIAS, CONSTR. CIVIL E MINERAÇÃO EQUIP. DE INFRAESTRUTURA DIVERSOS (74) 2.699 Continua 214 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Continuação Subgrupo Financiamentos 2003-2011 R$ milhões % Saldos comerciais 2003-2011 (US$ milhões) 4.624 2 (3.729) EQUIP. DISTRIB. E CONTROLE DE ENERGIA ELÉTRICA 2.118 1 (1.194) GERADORES, TRANSFORMAD. E MOTORES ELÉTRICOS 1.836 1 (194) TURBINAS 516 0 (913) EQUIPAMENTOS ENERGIA EÓLICA 155 0 (1.127) 1 0 (301) 4.715 2 (35.112) ENERGIA EQUIPAMENTOS ENERGIA SOLAR INFORMÁTICA/TELECOM. 471 0 (8.418) 9.726 4 (99.106) EQUIPAMENTOS E COMP. DIVERSOS 7.068 3 (55.834) MOTORES, BOMBAS, COMPRESSORES E VÁLVULAS 2.408 1 (7.062) OUTROS EQUIPAMENTOS E APARELHOS ELÉTRICOS 250 0 (36.211) 274.420 100 (144.822) MÉDICO-HOSPITALAR OUTROS EQUIPAMENTOS TOTAL GERAL Fontes: BNDES e MDIC. 5 . DESA FIOS E PERS PEC TI VA S Na última década, uma série de fatores contribuiu para alterar bastante o ambiente econômico e tecnológico de empresas e nações. Entre os mais significativos estão as mudanças nas relações geopolíticas entre Oriente e Ocidente, o crescimento mundialmente disseminado da informação digital, o avanço da infraestrutura física e financeira, as tecnologias computadorizadas de produção, bem como a proliferação de acordos bilaterais e multilaterais de comércio. Esse fenômeno, intitulado genericamente de globalização, tem gerado profundo impacto sobre as possibilidades de crescimento mundial. Para os países em desenvolvimento, representa um fator de transformação de suas economias, incluindo mudanças drásticas na natureza da competição com os países desenvolvidos. Analogamente, para as indústrias – em particular, a brasileira –, significa exposição a forças competitivas que, embora não sejam necessariamente novas, estão se tornando cada vez mais complexas e difíceis de mitigar. Nesse contexto, o aumento da competitividade figura como o principal desafio imposto às empresas implantadas no país, que serão obrigadas a enfrentar questões envolvendo custos de produção, qualidade dos produtos, gargalos estruturais, qualificação da mão de obra e atraso tecnológico. BENS DE CAPITAL 215 Essa nova perspectiva, que vem modificando profundamente a cadeia de oferta manufatureira, é influenciada por desafios políticos e econômicos complexos, devendo culminar na intensificação do uso de políticas públicas e na necessidade de adaptação das estratégias de políticas industriais. Empresas e governos que estiverem cientes das forças fundamentais que estão remodelando a economia global serão os mais aptos a obter benefícios com as mudanças. Ciente disto, nos últimos anos, o BNDES vem conferindo em seu planejamento estratégico maior prioridade a iniciativas que promovam o alinhamento com essa nova visão de política econômica e industrial. O BNDES contribuiu de maneira imprescindível para a implantação de uma forte indústria de bens de capital no país, em consonância com uma política de substituição de importações. Suas principais políticas de apoio ao setor de bens de capital foram – e vêm sendo até hoje – pautadas por mecanismos de incentivo à demanda, por meio de financiamentos à compra de máquinas e equipamentos. Tal estratégia foi eficaz em estimular, concomitantemente, a produção nacional e o adensamento da cadeia produtiva no país. Contudo, para que a indústria de máquinas e equipamentos esteja apta a enfrentar os desafios impostos pelo novo paradigma de competitividade global, é preciso ativar outros mecanismos de apoio, que possam se adequar às circunstâncias do momento. Para tanto, é imperativo ao BNDES desenvolver ações que busquem construir ou aperfeiçoar instrumentos de apoio à atualização da estrutura produtiva dos fabricantes nacionais de bens de capital, ou seja, à modernização da oferta. Enquanto os incentivos à demanda se concentram no estímulo ao aumento da procura pelos bens produzidos, por meio da disponibilidade de financiamento com condições financeiras vantajosas, as políticas de incentivo à oferta podem ser caracterizadas por financiamentos à aquisição de novas tecnologias, à capacitação da mão de obra, ao aperfeiçoamento dos processos de gestão, bem como quaisquer outras iniciativas voltadas para o aumento da produtividade do fabricante de máquinas e equipamentos no Brasil. Nesse sentido, é importante que a atuação do BNDES seja norteada para alguns desafios basilares enfrentados pelo Brasil. Figura fortemente entre eles a necessida- 216 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de de estímulo ao investimento em ativos intangíveis, com destaque para a inovação e a qualificação da mão de obra. INOVAÇÃO Dados extraídos da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec)5 possibilitam ilustrar parte do problema. No período de 2006 a 2008, apenas cerca de 50% das empresas do setor de bens de capital entrevistadas implementaram algum tipo de produto ou processo novo ou substancialmente aprimorado. Mesmo assim, entre as empresas inovadoras, uma média de 55% observou baixo impacto – ou até mesmo ausência de impacto – das inovações adotadas sobre a redução dos custos de produção e dos custos do trabalho. Além disso, de acordo com dados do Conference Board, a produtividade média do trabalhador brasileiro equivale a 18,7% da do americano e está entre as mais baixas dos 17 países da América Latina analisados, à frente apenas de Bolívia e Equador. Por contribuírem para o incremento da produtividade e a redução de custo, os investimentos em inovação estão entre os mais importantes indutores do crescimento econômico e da competitividade de um país, gerando, assim, um impacto positivo na competitividade das empresas. Como o conhecimento envolvido nas tecnologias se renova a uma velocidade cada vez mais intensa, pode-se inferir que não apenas a inovação em si, mas também a capacidade de inovar a um ritmo acelerado, representará um grande diferencial para o sucesso de países e empresas no futuro. Dessa forma, induzir uma aceleração no ritmo dos investimentos em inovação por meio de políticas públicas pode trazer retornos expressivos para o crescimento do país. O BNDES surge, nesse contexto, como um agente capaz de criar essas possibilidades e dotar o país de uma política industrial e tecnológica contemporânea e, concomitantemente, orientada para o longo prazo. Além do importante apoio à 5 A Pintec é realizada pelo IBGE, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. BENS DE CAPITAL 217 realização de pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Banco pode atuar em outras frentes que contribuam para a inovação no setor de bens de capital. Por exemplo, podem ser adotadas iniciativas que já são amplamente reconhecidas como esforços de inovação bem-sucedidos, como atrair e reter pesquisadores e talentos da ciência e da engenharia altamente qualificados; estimular o desenvolvimento de soluções tecnológicas aplicadas às necessidades da indústria; apoiar os laboratórios nacionais de pesquisa; financiar iniciativas de P&D que se alinhem às prioridades estratégicas do país; e estreitar a distância entre o setor de P&D e o mercado.6 Além disso, políticas podem ser desenhadas para estimular o desenvolvimento de soluções tecnológicas dentro das próprias empresas e também para promover a formação e o desenvolvimento de um mercado de aquisição de tecnologias de terceiros. Essa última é uma forma de política pouco explorada, que contém um imenso potencial para contribuir permanentemente para a cultura da inovação nas empresas. Investimentos na criação e na sustentação de um mercado desse tipo subsidiariam principalmente as empresas que não contam com equipes próprias de desenvolvimento tecnológico, ou seja, grande parcela dos fabricantes. Além disso, permitiriam a manutenção de um volume perene e expressivo de demanda por soluções tecnológicas a institutos e empresas de base tecnológica, estimulando ainda mais sua profissionalização e formalização. Conforme explorado na seção anterior, muito dos efeitos observados sobre o desempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital podem ser explicados pela evolução dos seus níveis de produtividade e competitividade. O estímulo ao desenvolvimento tecnológico contribuiria também para a redução da dependência a reservas de mercados, para a ampliação da inserção externa do Brasil e para a diversificação de sua pauta de exportações, passos fundamentais na busca pela sustentabilidade na evolução da balança comercial. Por 6 De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial (2012), nem o gasto absoluto em P&D, nem o P&D como percentagem do PIB são indicadores eficazes da efetividade da inovação. Apesar do gasto absoluto relativamente baixo em P&D, Suíça e Suécia estão entre os países mais inovadores do mundo. Enquanto isso, a China tem o segundo maior gasto absoluto em P&D, mas figura na 29ª posição do Índice de Inovação Global. Não obstante, tal paisagem irá se modificar de alguma forma, dado o crescente foco das nações emergentes em inovação. 218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS fim, tais benefícios atenuariam consideravelmente o efeito adverso da taxa de câmbio, cuja contínua valorização – verificada na maior parte da década em análise – interferiu negativamente para o desempenho comercial das máquinas e equipamentos nacionais. Vale notar que as medidas de atuação propostas estariam em consonância com uma série de planos e programas prioritários do governo federal, tais como o Plano Brasil Maior – cujo objetivo, “Inovar para competir, competir para crescer”, deverá resultar em mudança estrutural da visão de inovação no país – e o Programa Ciência sem Fronteira, que busca promover a consolidação, a expansão e a internacionalização da ciência e da tecnologia. QUALIFICAÇÃO DA MÃO DE OBRA Investimentos em inovação não representam o único motor da produtividade e dos avanços competitivos para o Brasil. Como ilustrado anteriormente, a necessidade de qualificação da mão de obra surge como uma segunda condicionante para a promoção da competitividade do país. Com base, novamente, nas empresas do setor de bens de capital entrevistadas pela Pintec e que alocaram funcionários nas atividades de P&D, nota-se que apenas 7% das pessoas dedicadas a essa atividade em 2008 tinham algum tipo de pós-graduação. Ainda, 34% delas não tinham sequer nível superior, evidenciando claras debilidades, se considerarmos o grau de conhecimento requerido por essas atividades. Como a qualificação do capital humano é um dos recursos mais críticos para promover a modernização e a produtividade das empresas, é primordial que a indústria de bens de capital brasileira atraia, desenvolva e retenha os mais talentosos e qualificados cientistas, pesquisadores, engenheiros e técnicos de produção e, finalmente, que tenha pessoas capazes de gerar patentes. É possível vislumbrar medidas práticas de atuação do BNDES e que contribuam para a melhoria desse quadro, como programas de financiamento à qualificação da mão de obra empregada no setor de bens de capital. Tal qualificação pode ser obtida por meio de treinamentos externos, tais como cursos BENS DE CAPITAL 219 técnicos (Senai e congêneres) e especializações, ou por meio de treinamento na própria empresa, a exemplo de oficinas de especialização técnica ou escolas de formação profissional. Considerando-se, portanto, todos os desafios abordados nesta seção e que devem ser enfrentados na busca pela melhoria da competitividade da indústria brasileira de bens de capital, nota-se que o apoio do BNDES, no que tange ao uso estratégico de políticas industriais para induzir o desenvolvimento econômico, será necessário e deve ser intensificado ao longo dos próximos anos. Com a crescente competição por recursos e competências técnicas e com a prosperidade do país em jogo, os formuladores de políticas necessitarão ativamente da combinação correta de comércio, impostos, trabalho, energia, educação, ciência, tecnologia e política industrial. No aniversário de sessenta anos do BNDES, o discurso norteador do Banco enfatizou a importância histórica do seu papel, nas últimas décadas, em prol do crescimento do país – com destaque para a incorporação da questão social entre suas prioridades. A grande ênfase, no entanto, foi dedicada aos novos desafios a serem enfrentados. O compromisso firmado para a nova agenda do BNDES é de ser o grande agente de apoio ao aumento da competitividade, com o incremento da produtividade, da inovação e do desenvolvimento sustentável brasileiro [Rumos (2012)]. 6 . CON CLU SÕES Em relação aos propósitos e resultados apresentados ao longo deste trabalho sobre a indústria de bens de capital nacional, algumas conclusões surgem naturalmente. Conforme se mostrou na segunda seção, no período 2003-2009 a produtividade média do segmento produtor de máquinas e equipamentos no Brasil foi superior à observada para a economia, com destaque para a categoria de caminhões e ônibus. No entanto, o crescimento do segmento ocorreu abaixo da produtividade de alguns outros isoladamente, dando mostras de certa estagnação. 220 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Considerando-se a produção industrial por categoria de uso, no período 2003-2011, a de bens de capital foi a que apresentou as maiores taxas de crescimento vis-à-vis as categorias de bens intermediários e de bens de consumo. Entre os bens de capital produzidos, o crescimento foi mais acentuado na categoria de equipamentos de transporte industrial. Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior resultado ocorreu em um dos segmentos de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações. Também a produção de máquinas e equipamentos mostra sinais de desaceleração. Já a produção de veículos automotores e outros equipamentos de transporte teve o melhor desempenho. No que se refere à balança comercial, três aspectos essenciais puderam ser observados na terceira seção: o primeiro é a crescente importância do Mercosul nas exportações brasileiras; o segundo, a grande penetração dos produtos chineses na pauta de importações do Brasil; e o terceiro, o grande crescimento das importações por conta de preços mais reduzidos. Nota-se, ainda, que as tarifas médias sobre importações de máquinas e equipamentos que os países membros do Mercosul praticam entre si são consideravelmente inferiores àquelas cobradas dos demais parceiros comerciais, o que favorece as exportações do Brasil ao bloco. Por outro lado, e ao contrário do que se poderia esperar, o mesmo não se verifica em relação à participação do Mercosul nas importações brasileiras, que, além de bastante tímida, não deu sinais de elevação na última década. Essas medidas de defesa comercial acabam por expor a fragilidade nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital. Ressalte-se que tal fragilidade pode ser remediada pela adoção de medidas, por parte do BNDES, que aumentem a competitividade das empresas fabricantes e, consequentemente, revertam em crescimento das exportações, diversificação da penetração brasileira no exterior, maior participação no mercado nacional e aumento da demanda por mão de obra e componentes nacionais. Em relação à participação do BNDES no apoio ao setor de bens de capital, a quarta seção mostra que equipamentos de transporte, caminhões e ônibus foram BENS DE CAPITAL 221 os itens que receberam maior volume de financiamentos, não apenas dentro do grupo de infraestrutura, mas no contexto dos financiamentos. Em seguida, vem o grupo de equipamentos industriais, que recebeu o segundo maior volume de recursos financiados no período, com destaque para as máquinas-ferramenta. Outros equipamentos importantes foram os agrícolas, que incluem tratores, colheitadeiras e implementos, e os de infraestrutura, que incluem as máquinas e equipamentos de terraplanagem, pavimentação e construção. Para o futuro, diante do cenário negativo observado em relação ao comércio exterior, pode-se imaginar que mudanças importantes no direcionamento dos recursos do BNDES venham a ser requeridas. Pode-se supor, por exemplo, que os financiamentos venham gradualmente a ser direcionados mais para a tecnologia dos equipamentos, incorporando cada vez mais a dimensão qualitativa da modernização. No setor industrial, os estímulos à modernização e ao desenvolvimento tecnológico de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência do setor. E, ainda, a indução ao desenvolvimento de novos segmentos, como equipamentos de informática e telecomunicação e equipamentos médico-hospitalares e laboratórios, são exemplos de novas fronteiras a serem exploradas e que vão se tornar cada vez mais importantes no futuro. Finalmente, a quinta seção destaca que o BNDES, após ter representado papel-chave no apoio ao desenvolvimento do setor de bens de capital, garantindo o aquecimento da atividade industrial e a consolidação de um mercado de demandantes de máquinas e equipamentos produzidos nacionalmente, deve assumir durante as próximas décadas o desafio de construir e adotar instrumentos que induzam o setor a transformar seu modelo de oferta. Iniciativas de apoio ao desenvolvimento tecnológico e à qualificação da mão de obra, realizadas conjuntamente com a promoção de melhorias na infraestrutura do país, constituem uma trajetória segura e decisiva para o aumento sustentável da competitividade da indústria de bens de capital e, consequentemente, de toda a indústria nacional. 222 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS AP Ê N D IC E Classificação dos equipamentos CNAE2.0 e CNAE 2.0 Resumido Equip. destino Grupo CNAE 2.0-Resumido (IBGE) Caminhões Veículos ferroviários Aeronaves 1. TRANSPORTE Outros equip. transporte Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras Outras máquinas e equipamentos industriais Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica Máquinas-ferramenta Maq. equip. extração mineral e construção Máquinas para siderurgia e metalurgia Máq. equip. ind. alimentos, bebidas e fumo Máq. e equip. para ind.têxtil Máq. e equip. p/ ind. couros e calçados Máq. e equip. para ind. celulose, papel e papelão Máq. e equip. para ind. do plástico Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras Equipamentos p/ ind. de cerâmica 2. INDUSTRIAL Outras máquinas e equipamentos industriais Tratores agrícolas Colheitadeiras Equip. para Irrigação Outros equipamentos e implementos agrícolas 3. AGRÍCOLA Máq. e equip. para beneficiamento e armazenagem Máq. e equip. p/ terraplanagem, pav. e construção (exceto tratores) Máq. e equip. de uso na extração mineral e na construção 4. INFRAESTRUTURA Equipamentos de infraestrutura diversos Equip. de energia eólica Equip. de energia solar Geradores, transformadores e motores elétricos Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica 5. EQUIP. P/ GERAÇÃO E DISTRIB. ENERGIA Fabricação de motores e turbinas 6. EQUIPAMENTOS PARA INFORMÁTICA E TELECOMUNICAÇÕES Equip. de informática e telecomunicações 7. EQUIP. MÉDICO-HOSPITALARES E LABORATÓRIOS Instr. e mat. p/ uso médico, odontológico e art. óticos Outros equip. e aparelhos elétricos Motores, bombas, compressores e válvulas 8. OUTROS EQUIPAMENTOS Equipamentos diversos BENS DE CAPITAL 223 RE F E RÊN CIA S ALÉM, A. C.; PESSOA, R. M. O setor de bens de capital e o desenvolvimento econômico: quais são os desafios? BNDES Setorial, n. 22. Rio de Janeiro: BNDES, 2005. AMBROZIO, A. M. H. P.; SOUZA, F. L. Decompondo a produtividade brasileira entre 1995 e 2008. Visão do Desenvolvimento n.101. Rio de Janeiro: BNDES, mai. 2012. FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. 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CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 225 RE S UMO As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada de pré-sal e a perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos próximos anos transformaram significativamente o cenário do setor de petróleo e gás (P&G) no Brasil. A localização dessa nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das reservas e as características do óleo encontrado, criam um novo paradigma para o segmento de Exploração e Produção offshore no país, sobretudo do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico. Os elevados investimentos que serão realizados, aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de destaque, senão de liderança no uso de novas tecnologias no setor que inevitavelmente deverão ser desenvolvidas. O desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços, pelo seu perfil caracteristicamente multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades positivas para os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de estratégias para a promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico ganha significativa relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas públicas do setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo cenário, suas oportunidades e riscos associados. A discussão que se coloca neste artigo considera esses aspectos, focando na dinâmica do segmento de E&P offshore, apontando algumas das diversas inovações que deverão ser desenvolvidas nos próximos anos e apresentando, a partir da discussão dos papéis que os diversos atores públicos e privados poderão assumir na dinâmica de desenvolvimento futura, algumas das possíveis estratégias a serem adotadas no âmbito das políticas públicas para a promoção do desenvolvimento competitivo e sustentável de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G. 226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS AB S T RA C T Discoveries of giant oil and gas reserves in the pre-salt layer and the perspective of increased growth in national production of these inputs over the coming years have significantly transformed the scenario of Brazil’s Oil & Gas (O&G) sector. The location of this new exploration front, far from the shores and at great depths, coupled with the magnitude of the reserves themselves and the characteristics of the oil found, have created a new paradigm for the offshore Exploration and Production (E&P) of O&G in the country, above all from the perspective of technological development. The high investments to be made, together with the long-term characteristics of the project, offer indispensable continuity to disruptive innovation, and not just routine and incremental innovation, which may contribute to setting up a new national oil industry. From every angle, it is patently clear that the Brazilian oil industry has been offered a rare opportunity which may put it in the spotlight, and maybe even in the leadership in terms of use of new technology within the sector, which will inevitably be developed. Development of a national supply chain of goods and services, due to its multi-sectorial profile, has the potential to generate important positive externalities for other sectors in the economy. In this context, formulating strategies to foster industrial and technological development has gained significant importance. Discussing alternatives and paths to be taken in public policy in the sector should obligatorily take into account the understanding of this new scenario, its opportunities and the risks associated. The discussion in this article takes these aspects into consideration, focusing on the dynamics of the offshore E&P sector, highlighting some of the diverse innovation that is expected to be developed in the coming years. Furthermore, based on the discussion concerning the role that diverse public and private players may take on in the future dynamics of development, it presents some of the possible strategies to be adopted within the scope of public policy to foster competitive and sustainable development of a national O&G supply chain. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 227 1 . INTR OD U Çà O O setor de petróleo e gás (P&G) no Brasil vive um momento positivo e está inserido em um cenário completamente distinto ao observado nas últimas décadas. O peso relativo que esse setor vem ganhando na economia nacional demonstra sua importância no que tange ao impacto macroeconômico que decorrerá das atividades relacionadas a ele. A descoberta de novas reservas e o expressivo aumento da produção de óleo e gás que se esperam nos próximos anos implicam uma mudança de paradigma, com o país adquirindo o potencial de ser importante exportador1 de óleo e gás e entrando para um seleto grupo entre os maiores países produtores desses insumos. Os elevados investimentos previstos revelam o tamanho das oportunidades para o desenvolvimento da indústria brasileira. Trata-se do setor da economia nacional que mais investirá, o qual conta com a empresa que tem hoje o maior plano de investimentos do mundo, a Petrobras. Além disso, os investimentos das demais operadoras vêm crescendo no período recente.2 Em conjunto com a demanda interna expressiva, a Política de Conteúdo Local assume papel central no estímulo à indústria brasileira, em um cenário que possibilita a realização de um planejamento sólido e de longo prazo. A economia, forte e estável, e um parque industrial diversificado criam as condições necessárias para um importante salto de qualidade da indústria. Ao mesmo tempo em que as oportunidades são muitas e o momento é único, os desafios são também significativos. Políticas públicas deverão ser construídas para estimular, de forma eficiente e sustentável, a competitividade da indústria nacional, por meio do aumento de sua capacidade produtiva para o fornecimento de bens e para prestação de serviços, da elevação da qualificação técnica e profissional e, sobretudo, do desenvolvimento tecnológico e da inovação. A capacidade 1 Apesar de o Brasil exportar certo volume de petróleo e já ter atingido a autossuficiência, o cenário que se vislumbra abre grandes oportunidades para o crescimento significativo da exportação desse insumo no país. Outro aspecto relevante é que o petróleo tipicamente exportado no presente é um óleo pesado, enquanto o petróleo encontrado no pré-sal é um óleo leve de excelente qualidade e, portanto, de maior valor no mercado. 2 Cabe ressaltar que grande parte dos investimentos das demais operadoras vem sendo realizado em parceria com a Petrobras. 228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS das empresas em inovar deve estar no centro da discussão e será, como pode se ver mais adiante, parte vital e condição necessária para o processo de desenvolvimento do setor. Diante desse cenário, cabe ressaltar que no segmento de exploração e produção (E&P) offshore de óleo e gás se localizam as maiores oportunidades para o desenvolvimento da indústria nacional, seja em relação à escala dos investimentos, seja na agregação de valor de suas atividades, ou ainda, pela inter-relação que este mantém com os demais setores da economia. Este último aspecto abre interessantes alternativas para o adensamento de diversas cadeias de fornecimento existentes. Assim, discutir a dinâmica desse segmento é de suma importância para a formulação das estratégias voltadas para o desenvolvimento industrial e tecnológico do país nos próximos anos. Por esses motivos, uma abordagem construída não apenas na oferta dos diversos setores da economia como entidades estanques e sem relação entre si, mas, sobretudo, no estabelecimento de ações estruturadas que combinem as necessidades em diversos dos segmentos da indústria e no entendimento do papel de cada um destes para o atendimento às demandas relacionadas às atividades de exploração e produção offshore de óleo e gás, representa uma mudança de visão significativa. Essa abordagem pode ser entendida pela cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de petróleo e gás natural, a qual envolve diversos atores e um perfil caracteristicamente multissetorial. A discussão que se estabelece neste artigo considera esses aspectos focando na dinâmica do segmento de E&P offshore e nas estratégias para o desenvolvimento de sua cadeia de fornecedores de bens e serviços. Para isso, será exposto um histórico resumido da trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore nacional, seguido de uma contextualização das principais ações institucionais ocorridas no setor no período de 1997 a 2012. Posteriormente, será realizada uma caracterização da cadeia de fornecedores de bens e serviços, apontando o perfil das empresas que a compõem. Na sequência, discutem-se algumas das inovações e possíveis rotas tecnológicas associadas ao cenário que se vislumbra, dadas as características da exploração e produção nos reservatórios da camada de pré-sal e o porte dos investi- CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 229 mentos previstos. Abordam-se, ainda, diversas considerações relacionadas à formulação das estratégias para a promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico no âmbito das políticas públicas voltadas para o setor. Por fim, será apresentada uma breve discussão sobre a disponibilidade de recursos e a financiabilidade das atividades de pesquisa e desenvolvimento e dos projetos de inovação do setor. 2 . HISTÓR ICO D O D ES EN V O LV I M EN TO D O S EG MEN TO D E E& P O F F S H O R E N A C I O N A L A trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore no país está intimamente ligada à evolução das atividades de perfuração em lâminas d’água de maior profundidade. Compreender essa trajetória passa pelo conhecimento do histórico das principais descobertas e marcos da exploração e produção de óleo e gás na costa brasileira, assim como de sua relação com a dinâmica do setor nas últimas décadas. O início da atividade de exploração e produção marítima de petróleo e gás remonta ao ano de 1961, quando a Petrobras inicia a busca por campos de óleo e gás na plataforma continental3 em uma faixa marítima que vai do Espírito Santo ao Maranhão. A criação pela Petrobras de seu centro de pesquisa, o Cenpes, em 1968, o qual, apesar de ter seu foco de atuação voltado, inicialmente, para o segmento de downstream,4 demonstra a percepção, por parte da empresa, da necessidade de geração de conhecimento voltada para as demandas tecnológicas do setor. O primeiro grande resultado da busca por acumulações de óleo e gás na plataforma continental data do início da década de 1970, quando foi descoberta pela Petrobras a província petrolífera da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Nessa mesma década, os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, com a consequente elevação do preço do óleo no mercado mundial, tornaram a produção offshore viável economicamente. 3 4 A plataforma continental se situa na orla dos continentes e tem profundidade máxima de 200 m. Envolve as atividades de refino, transporte e comercialização ligadas ao setor de P&G. 230 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS A década seguinte foi marcada por descobertas de grandes acumulações de óleo e gás, com destaque para a descoberta dos campos gigantes de Marlim e Albacora na Bacia de Campos no Rio de Janeiro, os quais, por se localizarem em águas profundas,5 tiveram especial relevância para o desenvolvimento de soluções mais avançadas para a exploração e produção de óleo e gás marítima. Por outro lado, nesse período, a indústria naval, que na década de 1970 chegou a contar com o segundo maior parque naval do mundo, enfrentou forte crise, intensificada na década posterior, limitando a capacidade das empresas de engenharia naval de realizar o projeto básico e conceitual de embarcações. Desarticulou-se, assim, o segmento de engenharia consultiva nacional, segmento estratégico para qualquer política industrial voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico e da capacidade de absorção de conhecimento pelas empresas. A busca por novos campos em regiões cada vez mais profundas continuou na década de 1990, o que levou a outras grandes descobertas, entre as quais é possível citar os campos gigantes de Roncador e Barracuda, também localizados na Bacia de Campos. Em 1994, a barreira dos 1.000 m de lâmina d’água foi ultrapassada no Campo de Marlim, dando início às atividades de exploração e produção em águas ultraprofundas. Cabe ressaltar que, nesse período, uma tendência global do setor, acompanhada pela Petrobras, foi o crescimento da contratação de projetos turn-key6 com os EPCistas,7 sendo responsável, mesmo que parcialmente, pelo recuo do conteúdo nacional nos investimentos [ANP (1999)]. Assim, grande parte do fornecimento de bens e, em especial, dos serviços, muitos em segmentos estratégicos da cadeia de fornecedores, foi realizada por empresas estrangeiras localizadas ou não no país. A abertura do mercado, com a Lei do Petróleo (Lei 9.478/97), permitiu que outras empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil atuassem em 5 Águas rasas vão até uma profundidade de 400 m; águas profundas até 1.000 m; e, a partir daí, são denominadas ultraprofundas. Projetos turn-key são caracterizados pela contratação a preços e prazos definidos de pacotes fechados, nos quais o contratado entrega ao contratante, no caso a operadora de P&G, o projeto pronto para entrada em operação. Em alguns casos, a contratação em pacotes fechados prejudica o fornecimento local, mesmo quando este tem competitividade em relação a seus concorrentes estrangeiros. 7 EPCistas são empresas tipicamente contratadas para a realização e gestão de projetos complexos envolvendo a construção de grandes sistemas. Atuam nas atividades de engenharia, contratação do fornecimento e construção do empreendimento (EPC é a sigla de Engineering, Procurement and Construction). 6 CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 231 todos os elos da cadeia de valor de P&G, até mesmo no segmento de upstream,8 abrindo espaço para outras operadoras realizarem suas atividades de exploração e produção no país. Desde então, os investimentos realizados por estas vêm crescendo e, apesar de inferiores aos investimentos realizados pela Petrobras, contribuem para tornar o mercado nacional ainda mais atrativo aos fornecedores de bens e serviços de E&P.9 Ademais, o advento da Política de Conteúdo Local auxiliou na constituição de um arcabouço regulatório, de forma a privilegiar o investimento produtivo realizado no país, e poderá ser importante pilar para as estratégias de promoção do desenvolvimento tecnológico nacional como será visto mais adiante. Depois da virada do século, a evolução para novas fronteiras exploratórias continuou para regiões ainda mais profundas, quando, em 2006, a Petrobras anunciou a descoberta de indícios de Petróleo na camada de pré-sal10 na costa brasileira, confirmada no ano seguinte. Adicionais descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás abaixo dessa camada de sal, em uma extensão que vai do estado de Espírito Santo a Santa Catarina, mudaram completamente o cenário do setor no Brasil e estabelecem um novo paradigma para as atividades de exploração e produção de óleo e gás em lâminas d’água ultraprofundas. É possível dizer que, por meio dessas descobertas, o Brasil vai se tornar o principal mercado no mundo para as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao segmento de exploração e produção offshore de óleo e gás [Sant’anna (2010)]. O volume expressivo e as características particulares dessas reservas, que demandarão elevados investimentos, sobretudo no desenvolvimento de novas soluções para as atividades de exploração e produção offshore, podem vir a ser importantes alavancas para o desenvolvimento da indústria nacional e, sobretudo, indutores do desenvolvimento e da difusão de novas tecnologias que, certamente, serão apropriadas por outros setores da economia. 8 Upstream é um termo usado na indústria para se referir ao segmento de exploração e produção (E&P). Estimativas realizadas pela Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip/Booz) indicam uma demanda por bens e serviços ligados ao segmento de E&P de aproximadamente US$ 400 bilhões entre 2010 e 2020. 10 A camada de pré-sal tem espessura irregular variando entre 1.000 e 2.000 m e é constituída por um tipo de rocha formada exclusivamente de sal petrificado no fundo dos oceanos, comprimido sob outras lâminas menos densas e que formam a crosta oceânica. Essa formação é típica no litoral brasileiro e inédita no setor de P&G, criando condições propícias para a acumulação e aprisionamento de óleo e gás abaixo dela. 9 232 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 3 . E VOLU Ç Ã O D O A R C A B O U Ç O IN STITU CION A L Na presente seção será traçado um breve panorama dos principais marcos da evolução do arcabouço institucional do setor de P&G nacional nas décadas de 1990 e 2000. A QUEBRA DO MONOPÓLIO DO PETRÓLEO – LEI 9.478/97 A Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, também conhecida como Lei do Petróleo, extinguiu o monopólio exercido pela Petrobras nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. Por meio dessa lei, foram criados o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A partir de então, as atividades de exploração e produção no país passaram a ser exercidas por contratos de concessão, outorgados por meio de processo de licitação organizado pela ANP. Com isso, foi permitida a celebração de contratos de concessão para as atividades de exploração e produção de petróleo no país com empresas privadas de capital nacional ou estrangeiro. Desde a promulgação da Lei do Petróleo, foram realizadas dez rodadas de licitações pela ANP.11 Com o passar dos anos, alguns requisitos em relação às regras de licitações e aos contratos de concessão foram alterados em favor da cadeia produtiva de P&G nacional. Essas alterações, em especial no que se referem ao conteúdo local, serão discutidas mais à frente neste artigo. A abertura do mercado permitiu que novas empresas viessem se instalar no país. Hoje, existem 62 empresas com algum tipo de participação nos blocos de exploração, ainda que de forma minoritária, e 28 operadores. No entanto, a Petrobras continua a ser responsável, no presente, por grande parte da produção de petróleo e gás no país, perspectiva que deve ser mantida ao menos nessa década. Atualmente existem 327 campos em produção, 266 deles operados pela Petrobras. Espera-se que, com os investimentos das demais operadoras, esse cenário se altere de forma 11 A primeira rodada de licitação foi realizada em 1999 e a última no fim de 2008. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 233 gradual. No entanto, pelo longo tempo de maturação dos investimentos realizados nas atividades de E&P e pela preferência de diversas dessas empresas em atuar, em um primeiro momento, por meio da formação de consórcios e parcerias com a Petrobras, essa mudança de cenário, em que as demais operadoras obtenham maior participação na produção nacional de óleo e gás, ainda deve levar algum tempo. O REPETRO E SEUS EFEITOS DIVERSOS NA CADEIA FORNECEDORA DE BENS E SERVIÇOS Em um contexto de abertura do setor de P&G nacional e com o objetivo de atrair empresas estrangeiras para o país, foi criado em 1999, ano da primeira rodada de licitação de campos exploratórios pela ANP, um regime aduaneiro especial para as atividades de exploração e produção no país, suspendendo impostos de importação e demais impostos federais na admissão temporária de qualquer bem para aquelas atividades.12 O Regime Aduaneiro Especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro) foi instituído em 2.9.1999 pelo Decreto 3.161, o qual estabelecia sua vigência até 31.12.2005. No ano de 2001, sua vigência foi alterada para 31.12.2007, e, por fim, em 2004, o regime especial teve sua vigência mais uma vez prorrogada até 31.12.2020. O Repetro consiste em uma combinação de três tratamentos tributários distintos: drawback, exportação ficta e admissão temporária. O drawback permite a importação de insumos sem o recolhimento de determinados impostos para a produção de bens a serem exportados. A exportação ficta considera, para fins tributários, que um determinado bem fabricado no país e que não seja exportado de fato, isto é, permanecendo fisicamente no país, tem o mesmo tratamento tributário que se houvesse a exportação desse bem. Por sua vez, a admissão temporária13 permite 12 Nesse período, o contexto macroeconômico e institucional do país era distinto do momento atual. O preço do petróleo oscilava em torno de US$ 18/bbl e as reservas consistiam em campos de petróleo pesado e de baixa qualidade. Com o passar dos anos, ocorreram diversas mudanças positivas em relação à situação econômica e institucional do país, e o preço do petróleo passou para um patamar bastante diferente, em torno de US$ 100/bbl. 13 Em alguns casos, na admissão temporária fora do Repetro, o recolhimento dos tributos é proporcional ao tempo de permanência do bem no país. O intuito da admissão temporária é permitir a entrada de um determinado bem no país por um breve período de tempo, sabendo-se que este bem posteriormente voltará para o exterior. 234 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS a suspensão de tributos na importação de um bem que permanecerá “temporariamente” no país pelo prazo de duração do contrato de concessão.14 Hoje, percebe-se que o Repetro ficou limitado a alguns elos da cadeia, beneficiando de forma direta as operadoras, uma vez que elas deixam de recolher uma série de impostos por meio da figura da admissão temporária. Também algumas empresas do primeiro elo da cadeia são beneficiárias do regime especial, pois podem utilizar a figura da exportação ficta associada ao drawback. Essas empresas exportam fictamente seus produtos para uma empresa no exterior, subsidiária da operadora que se encontra no país, e esta, por sua vez, retorna também fictamente esse bem por meio da admissão temporária.15 As demais empresas em elos mais distantes da cadeia, por não contarem com acesso aos instrumentos do Repetro, acabam enfrentando maiores custos, uma vez que precisam recolher os tributos internos federais e estaduais, e, como consequência, elevando os preços finais de seus produtos. Como visto, o Repetro tem causado efeitos diversos ao longo da cadeia de petróleo e gás. Em um primeiro momento, a assimetria16 tributária, que desfavoreceu alguns segmentos da cadeia produtiva de P&G nacional, foi contrabalanceada com uma taxa de câmbio desvalorizada no passado. Contudo, no presente momento, com a recente valorização da taxa de câmbio, a assimetria tributária passou a desempenhar papel mais crítico para a competitividade das empresas no país. Parte destas continua tendo sua competitividade afetada, uma vez que o Repetro desonera quase a totalidade dos tributos na importação de bens e serviços e não desonera todos os tributos para a produção dos mesmos bens e serviços em toda a cadeia no país. Ademais, quando as operadoras afretam, por exemplo, uma plataforma de uma subsidiária estrangeira pelo mecanismo de admissão temporária, além da suspensão dos impostos de importação, o valor 14 Apesar do emprego do termo admissão temporária, em situações práticas, por exemplo, quando ocorre a importação de uma plataforma, a qual permanecerá no país por um longo período, cerca de 25 anos, suspende-se os tributos de importação, segundo a justificativa de que esta voltará para o exterior depois desse período. 15 Por exemplo, no caso da Petrobras, as plataformas que são construídas no país são exportadas fictamente para Petrobras Netherlands B.V. (PNBV), que por sua vez afretam as plataformas para Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) aqui no Brasil. Assim, o regime favorece o aumento de ativos da empresa no exterior. 16 A principal assimetria tributária em decorrência do Repetro é ocasionada pelo ICMS. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 235 pago pelo afretamento é abatido do imposto de renda aqui no país como despesa operacional.17 Não há dúvida, todavia, que o Repetro contribui para desonerar investimentos no setor de P&G no Brasil, país que à época de sua criação apresentava perspectiva não tão promissora de exploração e produção de óleo e gás.18 Também não se discute a importância que este representa para reduzir custos e elevar a competitividade das operadoras de P&G, papel importante que vem sendo desempenhado desde seu início. No entanto, uma discussão que assume grande importância no âmbito da Política Industrial e nas demais ações voltadas para o desenvolvimento das empresas fornecedoras refere-se à amplitude restrita desse regime, a qual tem o potencial de criar, como abordado, uma desvantagem competitiva para as empresas instaladas no país. Discutir tais questões de forma mais detida é vital para a construção de um cenário favorável ao desenvolvimento industrial do setor. AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DE P&G – O PROMINP O Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) foi instituído no ano de 2003 com o objetivo de aumentar a participação das empresas nacionais, em bases competitivas e sustentáveis, no fornecimento de bens e serviços para o setor de petróleo e gás natural no Brasil.19 O Prominp dispõe de uma série de iniciativas com foco na geração de emprego e no fortalecimento da cadeia produtiva de petróleo e gás nacional. Além disso, foram elaborados diagnósticos em relação à capacidade produtiva, à competitividade da indústria local e aos gargalos identificados na maioria dos segmentos da cadeia. Entre suas diversas realizações para a cadeia produtiva de petróleo e gás ao longo dos anos, pode-se citar a estimativa realizada sobre a necessidade de qualifi17 A operadora proprietária da plataforma prefere pôr sua propriedade em uma subsidiária no exterior e afretá-la para sua empresa no Brasil a contabilizar o ativo no Brasil. Esse mecanismo permite à operadora pagar menos impostos, uma vez que a alíquota do imposto de renda de onde se localiza a subsidiária é menor do que a daqui. 18 Na época da criação do Repetro, o preço do barril de petróleo oscilava na faixa de US$ 18/bbl (preços correntes do óleo tipo WTI) – segundo dados consultados pelos autores no U.S. Energy Information Administration (EIA) em 2011 –, e as reservas consistiam em campos de petróleo pesado. Atualmente o preço do petróleo está em um patamar bastante superior, de cerca de US$ 100/bbl, e as reservas do pré-sal revelam um óleo leve de melhor qualidade. 19 O Prominp conta com a participação de diversas instituições públicas e privadas. A coordenação geral do Prominp é de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia. 236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS cação de mão de obra. Esse levantamento indicou a necessidade de qualificação de centenas de profissionais para o setor e, com base nesta, foram criados programas de qualificação que até o presente momento formaram 79.170 profissionais em diversas especialidades [Prominp (2011)].20 Nesse programa de qualificação, já foram investidos cerca de R$ 228 milhões de reais. Além disso, espera-se que, até o ano de 2020, sejam investidos mais R$ 604 milhões para a capacitação de outros 265.266 profissionais para toda cadeia produtiva de P&G. A POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL Um dos grandes pilares para o fortalecimento de uma cadeia produtiva de petróleo e gás nacional competitiva é a Política de Conteúdo Local. A partir de 2005, por meio da sétima rodada de licitação de blocos da ANP, introduziu-se a exigência de certificação de conteúdo local mínimo e máximo para as fases de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Brasil.21 Assim, as operadoras vencedoras dos leilões estariam se comprometendo, em contrato, ao cumprimento da obrigação de atingir um conteúdo local mínimo global e individual dos diversos subsistemas. O não cumprimento dessas cláusulas contratuais implicam multas a serem estabelecidas pela ANP. Por meio dessa política, espera-se que haja o direcionamento para o Brasil de boa parte dos investimentos relativos à aquisição de bens e serviços, incentivando investimentos para o aumento da capacidade produtiva em diversos segmentos, ou ainda, a atração de atividades até o momento não realizadas no país.22 Políticas públicas semelhantes já foram adotadas por diversos países, como Noruega, Inglaterra, Coreia do Sul. Um exemplo de sucesso, a Noruega, hoje é conhe- 20 A qualificação de mão de obra engloba profissionais de diversos níveis: básico, médio, técnico, inspetores, e superior. Antes da sétima rodada, realizada em 2005, já havia compromisso de conteúdo local. No entanto, a mesma era realizada de forma declaratória pelas próprias operadoras. Além disso, havia muito questionamento em relação ao método de apuração do conteúdo local. Somente a partir da sétima rodada, a metodologia de apuração foi padronizada, exigindo a certificação por empresas independentes. A metodologia adotada pela ANP foi desenvolvida no âmbito do Prominp e baseada em metodologia do BNDES. 22 Podem ser citados como exemplos de consequência da Política de Conteúdo Local a instalação de uma fábrica de montagem da Rolls Royce para turbogeradores a gás com conteúdo local de 50% e a construção de vários centros de pesquisa e desenvolvimento no país por parte de diversas multinacionais. Além disso, ao atrair uma empresa estrangeira de porte da Rolls Royce para fabricar algo que o país não produz, será necessário desenvolver fornecedores localmente, e/ou atrair alguns de seus fornecedores internacionais para o país. 21 CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 237 cida por ser um país competitivo e com alta tecnologia em bens e serviços para a exploração e produção de petróleo no mundo, bem como é um dos países de maior renda per capita e qualidade de vida do planeta. Grande parte desse panorama foi possível pelo sucesso obtido na implantação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do setor de P&G local, motivadas pelas descobertas de petróleo no Mar do Norte a partir do fim da década 1960, dentre as quais se destaca a elaboração de uma Política de Conteúdo Local, a criação da Statoil (empresa controlada pelo estado), a criação de um fundo soberano, disponibilidade de financiamento público, incentivos para investimentos em P&D, políticas de transferência de tecnologia, investimentos públicos em áreas como infraestrutura, entre outras ações para o desenvolvimento do setor e da cadeia produtiva de petróleo e gás norueguesa.23 Depreende-se dos exemplos anteriores, que a adoção de uma política de conteúdo local tem o potencial de ser parte importante da dinâmica de desenvolvimento das empresas fornecedoras de bens e serviços da cadeia produtiva de P&G. Cabe destacar que esta, apesar do potencial de ser um poderoso instrumento para o desenvolvimento da indústria local, deve estar sempre muito bem calibrada, a fim de que se desenvolva uma cadeia produtiva sustentável economicamente e competitiva internacionalmente. REDIRECIONAMENTO DA POLÍTICA DE CONTRATAÇÃO DA PETROBRAS PARA O MERCADO INTERNO No início da década de 2000, a Petrobras introduziu uma mudança em sua estratégia de contratação e compra de bens e serviços para suas atividades.24 De forma gradual, a empresa começou a demandar navios de apoio a plataformas, módulos de plataformas e petroleiros construídos no Brasil. Por fim, a Petrobras passou a lici- 23 Outro exemplo seria o caso da Coreia do Sul. Na década 1960, a Coreia do Sul era um país muito pobre, com nível de desenvolvimento similar a alguns países africanos. A partir das décadas de 1960 e 1970, a Coreia do Sul implantou políticas econômicas espelhadas naquelas que promoveram o desenvolvimento do Japão no passado. Muitas dessas políticas se assemelham às políticas econômicas norueguesas. A Coreia do Sul conseguiu desenvolver sua indústria naval, de eletrônicos de alta tecnologia, automobilística etc. Algumas décadas depois de adotar essas políticas econômicas, a Coreia do Sul ultrapassava o Brasil em nível de desenvolvimento e de renda per capita. Hoje, a Coreia do Sul é reconhecida como um país de alta tecnologia, produzindo e desenvolvendo navios, plataformas e sondas para o setor de petróleo e gás, automóveis, celulares e tablets de última geração. 24 Estão sendo levadas em consideração apenas algumas ações da Petrobras para o fortalecimento da cadeia produtiva de petróleo e gás brasileira, e não seus custos de oportunidades. 238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS tar a construção completa de suas plataformas e sondas no país. Além disso, decidiu construir novas refinarias no Nordeste brasileiro.25 Foi possível, priorizando o direcionamento de parte de sua demanda de bens e serviços para o Brasil, reativar e construir novos estaleiros para navios de apoio e estaleiros de grande porte para a construção de navios petroleiros, plataformas e sondas. Ademais, a Petrobras intensificou acordos de cooperação com diversas empresas e universidades no Brasil para desenvolver soluções para suas necessidades. Antes mesmo das obrigações de conteúdo local, suas ações se voltaram para o desenvolvimento de fornecedores locais brasileiros, caso estes atendessem aos requisitos técnicos a custos compatíveis, ou ainda, para a atração de fornecedores estrangeiros para se instalarem no país. Com a instituição da Política de Conteúdo Local, essas ações proativas para desenvolver a cadeia de petróleo e gás brasileira se tornaram compromissos, metas e necessidades formais. Cabe destacar que a Petrobras sempre procurou desenvolver uma cadeia de petróleo e gás nacional competitiva, a fim de reforçar sua posição no mercado e permanecer como um grande ator no setor de petróleo e gás mundial. Por fim, depois da descoberta de petróleo na camada de pré-sal, a Petrobras reviu seu plano estratégico26 e intensificou seus investimentos no Brasil, em especial no segmento de exploração e produção offshore de P&G, gerando uma demanda de centenas de bilhões de dólares de bens e serviços de sua cadeia de fornecedores. O PRÉ-SAL E O NOVO MARCO REGULATÓRIO Com as descobertas de petróleo de boa qualidade na camada de pré-sal, estima-se que as reservas brasileiras atinjam patamares entre cinquenta e cem bilhões de barris de óleo equivalente. Em decorrência dessas novas descobertas, a cadeia de fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G será demandada em uma es- 25 No Plano de Negócios da Petrobras, estão previstos, além do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), investimentos para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco e para as refinarias Premium I (Maranhão) e Premium II (Ceará). 26 A Petrobras reduz sua preocupação com a inserção de petróleo pesado no mercado internacional e com a busca de descobertas no exterior. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 239 cala significativamente superior, condição que pode levar a importantes ganhos de eficiência e competitividade.27 Com base nesse novo cenário, o governo brasileiro instituiu, no segundo semestre de 2010, um novo regime regulatório para a exploração e produção dos campos do pré-sal baseado no modelo de partilha da produção.28 Neste, a Petrobras será a única operadora e sua participação mínima será de 30% desses campos. Desde então, existem no Brasil dois modelos regulatórios concomitantes. O modelo de concessão permanece em vigor para os campos de petróleo do pós-sal, mantendo, assim, a validade dos contratos29 já realizados. 4 . CA R A C TER IZA Ç Ã O D A C A D EI A D E F O RN ECED OR ES D E B EN S E S ERVI Ç O S R ELA CION A D OS A O S ETO R D E P& G A cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G envolve diversos segmentos da indústria e uma complexa rede de inter-relações com os demais setores da economia. Entende-se aqui como cadeia de fornecedores o conjunto de empresas que produzem bens e/ou prestam serviços, direta ou indiretamente, para as atividades de exploração, desenvolvimento, produção de petróleo e gás, refino, petroquímica, transporte, estocagem e distribuição de derivados. A cadeia de fornecedores de bens e serviços pode ser estratificada em elos, nos quais estão presentes empresas de diferentes ramos e atividades. Em regra geral, no primeiro elo de fornecimento encontram-se as empresas que fornecem bens e prestam serviços de forma direta às operadoras do setor de petróleo, como os EPCistas, construtores, fabricantes de equipamentos submarinos, integradores, prestadores de serviços de engenharia e de outros serviços, entre outros. No segundo elo, estão os 27 Condição necessária, mas não suficiente. Para aumentar a competitividade da cadeia ou da indústria, há necessidade de se adotar outras medidas relacionadas à macroeconomia, microeconomia, tributárias, infraestrutura etc. Tais medidas vão além do escopo deste artigo. 28 O modelo de partilha se aplica aos campos de petróleo na camada de pré-sal não licitados até aquela data. 29 O modelo de concessão é válido para todos os contratos já licitados, até mesmo para aqueles onde houver petróleo na camada de pré-sal. 240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS fornecedores de bens e serviços para as empresas do primeiro elo, por exemplo, fabricantes de turbinas, guinchos e guindastes, geradores, prestadores de serviços de engenharia etc. O terceiro elo é composto por fabricantes de insumos ou ferramentas e equipamentos especiais ou específicos para a construção de bens de capital e prestação de serviços necessários para o setor de P&G, como fabricantes de aços especiais, forjados, fundidos, flanges, conexões etc. Esse desdobramento pode atingir, para algumas das subcadeias de fornecimento, níveis inferiores a esses. Cabe destacar que um fornecedor, dependendo da atividade a ser desenvolvida e de seu cliente, pode estar, ao mesmo tempo, em diferentes elos da cadeia. É bastante comum haver, por exemplo, fabricantes de equipamentos que forneçam diretamente às operadoras de P&G e, ao mesmo tempo, para intermediários, como os EPCistas ou fornecedores de equipamentos de grande porte. Isso pode ocorrer também com o segmento de prestação de serviços, a exemplo dos serviços de engenharia. No caso do segmento de E&P offshore, as demandas técnicas, tecnológicas e de segurança existentes exigem o desenvolvimento de bens e serviços de elevada complexidade. Portanto, suas atividades revelam, em geral, maior potencial de agregação de valor e densidade tecnológica que nos demais segmentos da cadeia de valor do setor. Por esses motivos a análise exposta no artigo ficará concentrada nesse segmento. Uma forma de representar o segmento de E&P é sugerida no Quadro 1, na qual pode ser observada uma visão seguindo a ótica da operadora de P&G, combinada a uma visão da estrutura industrial. A visão da operadora representa os segmentos primários do mercado de equipamentos e serviços relacionados às atividades de E&P. Cada um desses segmentos se relaciona de uma forma particular com suas diversas cadeias de fornecimento e, portanto, constitui uma potencial demanda para cada um dos setores representados na visão da estrutura industrial. A título de ilustração será tomado o segmento de E&P como modelo. Nesse segmento há significativa demanda por serviços específicos de engenharia para o desenho das estruturas e, em especial, para os projetos básicos de engenharia dos sistemas existentes nas plataformas, sondas e embarcações. Além disso, para CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 241 a construção, montagem e instalação da infraestrutura offshore, atividades típicas desse segmento, há estreito relacionamento, por exemplo, com os fornecedores de tecnologia metalúrgica (tubos, flanges e conexões, caldeiraria e siderurgia), bem como com as empresas de serviços de construção e montagem. Tecnologia mecânica, por exemplo, da fabricação de bombas, turbinas a vapor, compressores e motores a combustão e de grande porte, também é demandada por esse segmento. Ademais, quando se destaca o item “equipamentos de processamento em campo” fica evidente a necessidade de fornecimento por parte dos fabricantes de equipamentos de produção offshore. A tecnologia elétrica não pode ser esquecida. O fornecimento dos sistemas de geração de energia (geradores e motores elétricos) representa parte significativa dos investimentos. Discussão similar poderia ser realizada com cada um dos demais segmentos presentes na visão da operadora de P&G. Depreende-se, com esse exemplo, que há uma teia complexa de relações entre ambas as visões representadas no Quadro 1, por meio da qual é possível perceber o enorme potencial de arraste desse importante segmento da indústria de P&G. Sem dúvida, a amplitude de atividades relacionadas a esse segmento poderia ser utilizada para potencializar a geração de valor, riqueza e empregos no país, desde que existam as condições adequadas e políticas públicas eficazes que possibilitem seu desenvolvimento. Vale lembrar que a cadeia de fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G vai além do segmento de exploração e produção. Existem ramificações da cadeia de fornecimento para o segmento de transporte marítimo e terrestre, estocagem, gasodutos, oleodutos, refino, petroquímica e distribuição. Assim, eventuais sinergias do segmento de E&P com essas ramificações poderão ser identificadas e aproveitadas.30 30 Apesar de grande parte dos investimentos previstos para os próximos anos se concentrar no segmento de E&P, não se pode desprezar os elevados investimentos nos demais segmentos, a exemplo dos expressivos investimentos destinados à ampliação e modernização do Parque de Refino do país. Umbilicais e linhas flexíveis Equipamentos submarinos Equipamentos de produção offshore Sondas de workover Sondas de perfuração offshore Sondas de perfuração onshore Contratos de perfuração Unidades de tratamento e estocagem Oleodutos e gasodutos Construção de plataformas, sondas, navios de apoio, navios aliviadores Equipamentos de processamento em campo Tecnologia mecânica Navipeças Terrestre Aéreo Marítimo Apoio logístico Tecnologia elétrica Telecomunicação Instrumentação e medição Automação Painéis de distribuição elétrica Subestação e transformadores Geradores e motores elétricos Serviços de compressão Produtos químicos especiais Manutenção de poços Equipamentos submarinos e de superfície Extração artificial Produção e manutenção VISÃO DA INDÚSTRIA DE BENS E SERVIÇOS PARA O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS Indústria de transformação para o setor de petróleo e gás Válvulas Guindastes (offshore) Motores a combustão Guinchos Compressores (centrífugos) Turbinas a gás Motores de grande porte Teste de produção Equipamentos de completação Equipamentos de revestimento e cimentação Bombeamento de pressão Inspeção e revestimento de tubulação Instalação de infraestrutura offshore Construção e montagem de infraestrutura offshore Engenharia e desenho Infraestrutura Compressores (alternativos) Turbinas a vapor Bombas Registro de lamas Perfilagem durante a perfuração (LWD) Perfilagem convencional Perfuração direcional Serviços de pesca Aluguel de ferramentas Ferramentas de poços Tubulação flexível contínua Serviços de revestimento e tubulação Controle de sólidos Tubos de aço Lamas de perfuração Revestimento e completação de poços Brocas de perfuração Serviços de perfuração e equipamentos Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Prominp (2011) e Bain & Company e Tozzini Freire Advogados (2009). Tecnologia metalúrgica Caldeiraria Flanges e conexões Tubos Siderurgia Equipamentos geofísicos Gerenciamento e integração de dados Imaging de reservatórios Aquisição e processamento de dados sísmicos Informação de reservatório VISÃO DA OPERADORA QUADRO 1 CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS PARA A EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS Serviços para o setor de petróleo e gás Serviços de produção onshore e offshore Construção e montagem Serviços de engenharia Monitoramento de passivos Remoção e deposição de instalações offshore e onshore Tratamento e deposição de efluentes Serviços de limpeza Tamponamento e abandono Desativação 242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 243 O PERFIL DAS EMPRESAS DE BENS DE CAPITAL DA CADEIA DE FORNECEDORES DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS Uma característica da indústria do petróleo são os elevados níveis de certificação e qualidade requeridos normalmente em suas atividades. As empresas fornecedoras pertencentes à cadeia produtiva de P&G, precisando atender a esses requisitos técnicos, concentram grande parte do foco na qualidade e segurança das soluções. Além disso, a produção de petróleo e gás em águas profundas e ultraprofundas demanda das empresas da cadeia de fornecedores contínuos investimentos em inovação, a fim de aperfeiçoar ou introduzir no mercado novos equipamentos para exploração e produção de óleo e gás em ambientes com alto grau de complexidade e desafios. Em consequência dessas exigências e da dinâmica do setor, essas empresas agregam algumas características bem distintas das demais empresas fornecedoras dos demais setores da economia. Tal aspecto pôde ser constatado em importantes levantamentos sobre o perfil das empresas fornecedoras de bens e serviços para o setor de P&G. No Brasil, apenas cerca de 8% das empresas produtoras de bens de capital pertencem à cadeia produtiva de P&G. Ademais, a maioria das empresas fornecedoras do setor de P&G apresenta porte maior do que as empresas não fornecedoras de P&G. Essas mesmas empresas obtêm, em média, um faturamento superior em 260% em relação às demais empresas produtoras de bens de capital para os outros setores, como pode ser observado na Tabela 1. Com base nesse levantamento, percebe-se que, enquanto 75% das empresas não fornecedoras faturam até R$ 2,5 milhões, somente 26% das empresas fornecedoras de P&G encontram-se nessa faixa. As empresas do setor, além de conseguirem, em média, maior faturamento, também empregam cerca de 213% a mais e, em geral, seus funcionários têm maior qualificação profissional e melhor remuneração do que em empresas ligadas a outros setores da economia [Ipea (2010) e Onip (2010)]. Por outro lado, mesmo no setor de P&G, há presença majoritária das MPMEs entre as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços. Do total de empresas fornecedoras 85% obtêm faturamento inferior a R$ 100 milhões. 244 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 1 PERCENTUAL DO NÚMERO DE EMPRESAS POR FAIXA DE FATURAMENTO Fornecedores de P&G (%) Não fornecedores de P&G ATÉ R$ 1,0 MILHÃO 11 52 ENTRE R$ 1,0 MILHÃO E R$ 2,5 MILHÕES 15 25 ENTRE R$ 2,5 E R$ 25 MILHÕES 39 18 ENTRE R$ 25 E R$ 100 MILHÕES 20 2 ENTRE R$ 100 E R$ 250 MILHÕES 8 1 ACIMA DE R$ 250 MILHÕES 7 2 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Onip (2010). A maioria das empresas do setor concentra suas atividades no mercado interno, e apenas 24% dessas empresas exportam parte de sua produção. Além disso, 80% delas têm apenas até 10% de seu faturamento originado por exportações. As principais regiões de destino de seus produtos são: América do Sul, América do Norte e Central e Europa. Por outro lado, no mercado interno, as empresas competem com a importação de equipamentos dos Estados Unidos, China, Inglaterra, Alemanha, Noruega, Índia, entre outros. Adicionalmente, muitas dessas empresas fornecem também para os demais setores da economia. Por fim, uma característica importante do setor é a alta concentração de mercado em diversos segmentos da cadeia por parte de algumas poucas empresas, como é o caso dos segmentos de equipamentos submarinos e turbogeradores. O mesmo ocorre no segmento de serviços offshore. Por outro lado, a concentração de mercado é baixa em alguns poucos segmentos, como no caso do segmento de válvulas. Em regra geral, quanto mais complexa a tecnologia do equipamento, maior será sua concentração de mercado. Outra característica existente é que os equipamentos de alta tecnologia e de maior valor agregado são produzidos, em geral, por multinacionais estrangeiras. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 245 5 . IN OVA Çà O N A CA D EI A D E F O R N EC ED O R ES DE BEN S E SERV I Ç O S PA R A A E XPLORA Ç Ã O E PR O D U Ç Ã O O F F S H O R E DE PETR ÓLEO E G Á S N ATU R A L Com base no que já foi exposto nos tópicos anteriores, serão abordadas as questões relativas à inovação à luz de um cenário em que: (i) a Petrobras se mantém com papel de destaque na definição da demanda, porém acompanhada pela presença cada vez mais significativa dos investimentos realizados por outras operadoras, formando um mercado no segmento de E&P extremamente atrativo e que demandará intensivo investimento no desenvolvimento de novas soluções, com destaque para as atividades a serem realizadas no pré-sal; (ii) a cadeia de fornecedores de bens e serviços é dominada em diversos de seus segmentos por empresas multinacionais de grande porte, algumas das quais estão investindo em capacidade produtiva de forma a cumprir as exigências da Política de Conteúdo Local e, até mesmo, instalando centros de P&D no país; e (iii) as empresas nacionais,31 como já abordado, são em sua maioria MPMEs, as quais, salvo exceções em alguns segmentos como se verifica mais adiante, praticam uma cultura de baixo investimento em P&D. Discutir as estratégias e alternativas para a promoção do desenvolvimento tecnológico deve, obrigatoriamente, passar pelo entendimento desse novo cenário, de suas oportunidades e riscos associados, os quais aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo oferecem a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão constituir uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de destaque, se não de liderança, no uso de novas tecnologias no setor que precisarão ser desenvolvidas. É com essa orientação que se desenvolve a discussão dos tópicos seguintes. 31 A Constituição considera nacional as empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil. Neste artigo, porém, faz-se uma distinção entre empresas de controle nacional e de controle estrangeiro. Essa distinção é importante para o delineamento de certas estratégias para promoção do desenvolvimento tecnológico e a capacidade de geração local de conhecimento. 246 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O PRÉ-SAL E O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS SOLUÇÕES NO SEGMENTO DE E&P OFFSHORE Neste tópico serão mostradas algumas das tendências tecnológicas a serem desenvolvidas nos próximos anos, necessárias para a viabilização da exploração e produção das reservas do pré-sal, seja pelas demandas técnicas e de logística, seja pela escala de produção que se pretende atingir. Sobre essas tendências, a abordagem aqui adotada é baseada em uma visão integrada de negócios e desenvolvimento tecnológico fornecida pela Petrobras em sua visão de futuro, a qual demonstra alguns dos projetos inovadores que serão realizados pela empresa em parceria com seus fornecedores e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs). O objetivo aqui não é exaurir o tema, mas apenas apontar algumas das tendências tecnológicas do setor para os próximos anos. Como já abordado, o segmento de E&P é o que representa o maior volume dos investimentos e que conta com o maior potencial de agregação de valor e desenvolvimento tecnológico quando comparado aos demais elos da cadeia de valor de P&G. Será usada uma estratificação desse segmento em três subsegmentos com funções e características distintas: (i) processamento de superfície, no qual estão envolvidos os processos, sistemas e equipamentos de processamento localizados nas unidades de produção de superfícies, a exemplo das plataformas e FPSOs;32 (ii) instalações submarinas, no qual estão envolvidos os equipamentos e sistemas que interconectam o poço à superfície; e (iii) tecnologia de poços, que envolve a perfilagem, perfuração, cimentação e completação dos poços. Ao fim, serão abordadas em uma subseção à parte as inovações esperadas no campo da nanotecnologia. Essa estratificação ajudará na identificação de algumas das rotas tecnológicas, demonstrando a relação existente entre esses subsegmentos e suas características e funcionalidades, as quais, por vezes, serão modificadas pelas inovações previstas. 32 Floating, Production, Storage and Offloading (unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência) é um tipo de navioplataforma utilizado pela indústria petrolífera para a produção, armazenamento e escoamento da produção por navios aliviadores. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 247 INOVAÇÕES EM PROCESSAMENTO DE SUPERFÍCIE No subsegmento de processamento de superfície, os principais focos serão a otimização das plantas de processo e a compactação e posterior marinização33 dos equipamentos de processamento primário de óleo e gás, de forma a reduzir os elevados custos operacionais, com o aumento da capacidade desses sistemas e da maior agilidade logística no processo de produção e escoamento de óleo e gás para o continente. Nesse contexto se insere o projeto da “plataforma do futuro”, cuja primeira fase está baseada na compactação dos equipamentos de processo e em um novo desenho para o topside34 dos FPSOs, de forma a permitir um incremento na capacidade de processamento das plantas atuais sem aumento do tamanho das embarcações. Para isso, novas soluções, por exemplo, para a separação de fluidos e filtração serão necessárias. A atual expectativa é de que a primeira unidade dessas novas plataformas entre em atividade no pré-sal em 2017. Na segunda geração dessas unidades de superfície, o foco se volta para a marinização da planta de processo. Para isso, é necessário dominar a tecnologia dos equipamentos submarinos. A marinização dos equipamentos de processo de superfície aliada à compactação destes possibilitarão ampliação significativa da capacidade das plataformas, elevando ganhos de escala na produção, aspecto crucial para a redução dos custos operacionais envolvidos. A elevada presença de contaminantes no óleo dos reservatórios do pré-sal, sobretudo a alta concentração de dióxido de carbono (CO2) e ácido sulfídrico (H2S), também motivarão novas soluções. O objetivo nesse caso é, depois da captura do contaminante em lâmina d’água profunda, separá-lo na superfície e retê-lo (H2S) ou reinjetá-lo (CO2) com alta pressão nos reservatórios. Esse processo demanda o desenvolvimento, por exemplo, de um sistema de membranas para a remoção dos contaminantes e de materiais resistentes à corrosão. 33 34 A marinização consiste no desenvolvimento e adequação dos equipamentos e sistemas para o ambiente submarino. Jargão do setor para os equipamentos de processo presentes na superfície de uma plataforma. 248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Por fim, uma das alternativas estudadas para a otimização da logística de produção, uma vez que a distância da costa dos campos do pré-sal é bastante superior à encontrada nos campos do pós-sal,35 prevê a construção de FPSOs plug and play,36 o que permitirá maior agilidade na conexão destes com os sistemas submarinos. Esse projeto demandaria o desenvolvimento de soluções totalmente novas para o acoplamento entre os sistemas de superfície e as instalações submarinas. Reduzir a carga aplicada nessa interface é crucial. Uma alternativa já testada e que deve ser alvo de aprimoramentos é a utilização de um sistema de risers37 flexíveis flutuantes. Outras opções também são consideradas, como a utilização de boias de sustentação que permitirão, em conjunto com conexões flexíveis, a sustentação de risers rígidos. INOVAÇÕES EM INSTALAÇÕES SUBMARINAS Um dos principais aspectos a serem equacionados na visão de futuro dos sistemas submarinos se refere à transferência do processamento primário da superfície para a planta submarina. Para isso, sistemas complexos de processamento deverão ser desenvolvidos, o que envolve tecnologias para a compressão de fluidos, bombeamento de óleo e injeção de água, engenharia de válvulas, entre outros. Um exemplo de solução já em desenvolvimento é o separador submarino água-óleo (SSAO). Mesmo neste, inovações incrementais serão realizadas. O método em desenvolvimento baseia-se na separação gravitacional e está sendo desenhado para lâminas d’água de até 1.000 m, devendo evoluir para um método mais eficiente aplicável em maiores profundidades por meio, por exemplo, de mudanças da geometria interna do vaso separador e do uso de centrifugação. O desenvolvimento desses sistemas de separação submarina não se restringe à separação água-óleo. O grande volume de gás associado ao óleo no pré-sal, muito 35 No pré-sal é comum encontrar distâncias de 300 km da costa, enquanto no pós-sal a distância típica é de 150 km. Projetos desse tipo foram também motivados pelas condições encontradas em outras regiões do planeta, como as presentes no Golfo do México, que, pela grande incidência de tempestades climáticas e furacões, geram grande risco para as unidades de superfície em operação nesses locais. Nesses casos, a agilidade na conexão e desconexão dessas unidades é necessária para que o deslocamento das unidades de superfície para regiões seguras possa ocorrer de forma mais eficiente. 37 Para entendimento em detalhes das funcionalidades de cada um dos componentes do segmento de E&P, ver Mendes, Romeiro e Costa (2011). 36 CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 249 superior ao presente nos campos do pós-sal, motivou frentes de pesquisa para o desenvolvimento de sistemas submarinos de separação gás-óleo. O sucesso nesse desenvolvimento viabilizaria a reinjeção do gás no reservatório sem precisar elevá-lo até a superfície, melhorando o fator de recuperação dos campos e otimizando os processos de superfície. Novas configurações dos sistemas submarinos demandarão o desenvolvimento de novas estruturas e equipamentos. Linhas flexíveis com maior vazão para transporte e elevação de maiores volumes de óleo, resistentes às altas pressões e com maiores flexões, assim como, risers e dutos rígidos mais sofisticados, demandarão intenso desenvolvimento ligado à engenharia de materiais. Um importante desafio se refere à eficiência do uso da energia, tema importante em virtude da maior complexidade dos sistemas submarinos e de extrema relevância também para as instalações de superfície.38 Dessa forma, uma rede elétrica submarina inteligente (subsea smart grid) deverá ser desenvolvida em conjunto com novas soluções de controle e automação. Com o intuito de diminuir a necessidade de geradores presentes atualmente nas unidades de superfície, estuda-se interligá-los com os sistemas submarinos e demais plataformas, reduzindo, por exemplo, a necessidade de geradores reserva em cada um dos sistemas de superfície. Outra vertente importante é a que envolve as soluções de monitoramento, inspeção e intervenção submarina. Serão necessários robôs de navegação autônoma ou assistida com capacidade para diagnosticar e monitorar o funcionamento do sistema submarino em grandes profundidades. As soluções atuais estão restritas a lâminas d’água de menores profundidades. Uma das alternativas viáveis para o aumento significativo da capacidade de produção no pré-sal, reduzindo custos e simplificando sistemas, é a transferência submarina da produção para águas rasas, uma vez que, nesses ambientes com menor lâmina d’água, a tecnologia já é dominada pela indústria. Dessa forma, poder-se-ia 38 O segmento de turbomáquinas, responsável pelos sistemas de fornecimento de energia nas unidades estacionárias de produção, representa aproximadamente 25% dos custos das instalações de superfície. Por esse motivo e aliado às grandes dimensões dos atuais turbogeradores, esse segmento vem sendo constante foco para a atuação das operadoras de P&G a fim de desenvolver novas soluções de menores dimensões e custos. 250 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS aproveitar a tecnologia de ancoragem existente, assim como utilizar os sistemas de produção e conexões submarinas da infraestrutura já instalada no leito marinho. Para isso algumas barreiras tecnológicas devem ser ultrapassadas. O gradiente de pressão e temperatura39 dificulta o escoamento do óleo para as áreas menos profundas, aspecto ainda mais crítico pelo teor parafínico do óleo do pré-sal, o qual aumenta a chance de deposição e congelamento do óleo nos dutos. Em campos com grandes volumes de gás natural, a formação de hidratos de gás40 também pode bloquear o escoamento do fluxo de óleo e gás, o que é um aspecto crítico pelas baixas temperaturas e altas pressões encontradas nas atividades realizadas em águas profundas e ultraprofundas. Nesses casos, sistemas de prevenção e limpeza com produtos químicos ou mesmo alternativas como a eletrificação para o aquecimento dos dutos deverão ser desenvolvidas. Em relação ao escoamento do óleo e gás por longas distâncias, outra necessidade do pré-sal associada à localização dos campos e reservatórios é uma nova geração de bombas submarinas de alta capacidade, as chamadas bombas multifásicas. Estas deverão atuar com elevados gradientes de pressão, de forma a permitir o bombeamento de óleo associado a grandes volumes de gás e/ou água por distâncias de até 30 km, algo que as bombas disponíveis atualmente não são capazes. Para ter um parâmetro, em razão das distâncias típicas do pré-sal e da disposição geográfica dos campos, prevê-se a necessidade de escoamento por até 50 km em 2020, de modo a viabilizar a atuação das plataformas em campos mais distantes, reduzindo a necessidade de um maior número destas. INOVAÇÕES EM POÇOS A última área do segmento de E&P com grande potencial de gerar inovações é a de tecnologia em poços. Cabe ressaltar que a área de perfuração pode responder por 39 Pela maior profundidade dos reservatórios do pré-sal as temperaturas do óleo e gás que se encontram nestes são mais elevadas que nos reservatórios do pós-sal, o que é bastante crítico, pois aumenta o diferencial entre a temperatura do óleo (até 100oC) e da água próxima ao leito marinho (aproximadamente 4oC). 40 Estrutura cristalina composta por ligações entre moléculas de água e gás natural que ocorre em uma faixa de temperatura e pressão. Em certas circunstâncias, podem bloquear a elevação e escoamento do óleo e gás para a superfície. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 251 até metade dos investimentos realizados nas atividades de exploração e produção do pré-sal. Algumas rotas tecnológicas despontam como frentes primárias para a pesquisa e desenvolvimento de novas soluções. A primeira delas se refere ao estudo da geometria das rochas-reservatório41 e à melhor forma de perfurar os poços para diminuir o tempo e reduzir os elevados custos dessa atividade, especialmente críticos, pela profundidade nas quais esses reservatórios se encontram na crosta terrestre.42 A atividade de perfuração da camada de sal43 já obteve ganhos relevantes de desempenho. Essa melhoria deve-se muito ao desenvolvimento de brocas especiais, mais duráveis e de maior resistência, abrindo promissoras frentes de pesquisa em novos materiais. A utilização de brocas a laser está sendo estudada, algo inédito em escala global. Uma característica peculiar e que eleva os riscos envolvidos na perfuração de poços do pré-sal é que, ao ser perfurada, a camada de sal pode exercer tensões, estando passível de fraturas e consequente fechamento dos poços. Dessa forma, foi necessário criar um revestimento de aço a ser preenchido com cimento especial, capaz de garantir a integridade dos poços durante todo o processo de perfuração. A utilização de ligas menos nobres e resistentes à corrosão pelos contaminantes típicos do óleo do pré-sal é alvo importante de pesquisa. Nesse caso, o objetivo não é apenas o ganho de performance, mas, principalmente, diminuir custos e tempo de fornecimento, uma vez que os fornecedores de ligas especiais para os diâmetros requeridos nos projetos do pré-sal estão localizados no exterior e o tempo até o fornecimento é bastante longo. Em paralelo com as dificuldades relacionadas às altas temperaturas típicas, desafio já abordado na seção sobre as instalações submarinas, estão as altas pressões 41 Os reservatórios de oléo e gás do pré-sal são basicamente constituídos por rochas carbonáticas (carbonato de cálcio). O conhecimento sobre questões como permeabilidade e porosidade, relativas à capacidade de absorção do óleo por essas rochas, ainda é bastante inicial e abre extenso campo de pesquisas geológicas ligadas ao setor. 42 Os reservatórios do pré-sal encontram-se em profundidades a partir de 5.500 m contados desde o nível do mar, podendo atingir profundidades bastante superiores a isso. Para que se tenha uma ideia, a perfuração no campo de Lula, em 2007, atingiu cerca de 7.000 m de profundidade a partir do nível do mar. 43 Já houve um ganho significativo de performance na taxa de perfuração dos poços do pré-sal, com um salto de 5 m para 20 m por hora, em razão, em grande parte, da utilização de brocas mais resistentes e das novas técnicas de perfuração. 252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS encontradas nesses reservatórios. Soluções voltadas para o controle do fluxo nos reservatórios são necessárias e poderão ser integradas com as tecnologias utilizadas nas instalações submarinas e no processamento de superfície, otimizando todo o sistema de E&P e melhorando o fator de recuperação dos reservatórios. Outra importante frente de atuação é o desenvolvimento de sondas com capacidade e precisão para operação em lâminas d’água de até 3.000 m. No momento, estão disponíveis sondas que operam em lâminas d’água de até 2.000 m. Parte do desenvolvimento não está associado às características técnicas dessas sondas, mas ao uso de sistemas de controle avançados capazes de facilitar a operacionalização, tornando-a mais eficiente e menos passível de erros. Essas novas técnicas demandarão maior especialização dos técnicos de operação e dos engenheiros envolvidos nessas atividades. NANOTECNOLOGIA Em um futuro um pouco mais distante estão as soluções no campo da nanotecnologia. Apesar de um tempo de maturação mais longo, necessário para tornar essas tecnologias disponíveis ao mercado, algumas das empresas que estão se instalando no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão já preveem linhas de pesquisa nesse campo. A aplicabilidade da nanotecnologia envolve todo o segmento de E&P e, no desenvolvimento de nanotubos de carbono, está sua mais promissora vertente. Os nanotubos de carbono, por suas características de maior leveza e dureza, podem ser utilizados para melhorar a resistência mecânica por meio de sua combinação com outros materiais comumente utilizados na indústria de P&G. Assim, uma possível aplicação é tornar a perfuração mais resistente, com a associação desses a polímeros ao cimento de perfuração. Há também a possibilidade de aplicação em materiais plásticos, por exemplo, para a formação de linhas flexíveis com maior capacidade de flexão. Outra frente possível é o desenvolvimento de revestimentos à base de nanotubos de carbono capazes de se combinar para reparar automaticamente uma área danificada ou arranhada, uma espécie de revestimento autorreparável. Essa aplicação seria muito útil, por exemplo, para o revestimento interno de colunas de produção, evitando o uso de materiais nobres nos poços do pré-sal, os quais, como já abordado, demandam grandes gastos relativos à proteção corrosiva necessária pela CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 253 elevada presença de contaminantes do óleo dos campos do pré-sal. Revestimentos protetores poderiam ser aplicados na pintura dos cascos de navios e embarcações, diminuindo a necessidade de reparos e retoques manuais. Tais produtos poderiam ainda ser aplicados em outros setores, como na indústria automobilística. Com grande sinergia com a indústria química, o desenvolvimento de nanobolhas aplicadas na marcação do fluxo de óleo e gás possibilitaria maior eficiência no monitoramento do escoamento dos reservatórios e no controle do fluxo depois da saída do óleo do poço. Além disso, estuda-se o desenvolvimento de nanopartículas para equilibrar a viscosidade dos fluxos de forma seletiva, que poderiam ser usadas para estimar, com maior precisão, o fator de recuperação dos reservatórios. Essas são algumas das aplicações previstas para a nanotecnologia, mas por sua transversalidade com outras tecnologias e campos de pesquisa, espera-se que novas aplicações surjam. De qualquer forma, esse é um dos campos mais promissores para a pesquisa e desenvolvimento de novas soluções. Apesar da abordagem segmentada aqui apresentada, um dos grandes desafios a serem equacionados trata da integração das diversas soluções inovadoras que serão desenvolvidas nos próximos anos no segmento de E&P offshore. Nesse sentido, ferramentas modernas de gestão, logística e apoio à decisão deverão ser aprimoradas. Centros modernos de monitoramento e controle de todo o sistema deverão ser construídos para esse fim. Vale ainda ressaltar que todo esse desenvolvimento deve, obrigatoriamente, atingir os altos graus de confiabilidade requeridos no setor, os quais serão ainda mais restritivos nas novas fronteiras de exploração e produção do pré-sal. Por fim, pela diversidade das aplicações e desenvolvimentos, envolvendo diversos ramos de conhecimento, como geofísica, química, materiais, computação e robótica, nanotecnologia, energia, eletrônica, controle e automação, entre tantos outros, existe real oportunidade para o “transbordamento” das tecnologias para outros setores da indústria. O setor de P&G pode ser, assim, importante âncora da promoção da inovação no país, desde que se consiga promover um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, à absorção de conhecimento pelas empresas e ICTs nos próximos anos. Considerações acerca desses aspectos serão traçadas na sequência. 254 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 6 . CON SID ER A Ç ÕE S S O B R E A S ES TR ATÉG I A S PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO T EC N OLÓG IC O N A C A D EI A D E F O RN ECED OR ES D E B EN S E S ERVI Ç O S NO SEG MEN TO D E E& P O F F S H O R E Neste tópico, será realizada uma breve discussão sobre o potencial de arraste que as operadoras podem assumir no desenvolvimento de novas tecnologias e uma análise sobre o perfil de investimento em P&D das empresas da cadeia de fornecedores de P&G, indicando uma visão não exaustiva sobre alguns dos segmentos estratégicos que deveriam ser focos iniciais de atuação da política industrial do setor. Ao fim, vão se abordar alguns aspectos relevantes para que se criem as condições necessárias à formação de um ambiente favorável à promoção da inovação, em especial, para as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços. O PAPEL DAS OPERADORAS DE P&G NA PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO Distintamente do que ocorre em alguns setores da economia, nos quais os operadores dispõem de baixa capacidade de indução da atividade inovativa nas cadeias produtivas, as operadoras de P&G e, em especial, a Petrobras, por sua reconhecida posição de liderança, até tecnológica, nas atividades de exploração e produção offshore em águas profundas e ultraprofundas, constituem um elo dinâmico e decisivo no que tange ao desenvolvimento de novas tecnologias e à indução de investimentos em pesquisa e desenvolvimento na cadeia de fornecedores de P&G. De fato, são as operadoras que definem os requisitos técnicos e as condições de contorno que devem ser cumpridas pelos projetos básicos de engenharia44 e os posteriores projetos de detalhamento. Nesse sentido, a customização dos projetos, de acordo com as características do campo e do ambiente no qual este se insere, 44 Existem diversas definições para o que se convém chamar de Projeto Básico de Engenharia. Aqui assume-se que o mesmo deve ter nível de detalhe suficiente para que: (i) os fornecedores e EPCistas consigam estimar os custos envolvidos na execução desses projetos com precisão suficiente para participarem do processo de concorrência e (ii) possam estar garantidos os requisitos de qualidade e confiabilidade no que tange a aspectos como o design, materiais e nível de qualificação da mão de obra envolvida [Baron (2011)]. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 255 exige que novas soluções sejam elaboradas. Existe, como se pode prever, certo nível de padronização dos equipamentos e serviços prestados, porém o espaço existente para o desenvolvimento de soluções inovadoras a serem desenvolvidas em conjunto com a cadeia de fornecedores de bens e serviços é especialmente superior ao encontrado em outros setores da economia,45 sobretudo em relação às atividades que serão realizadas nas novas fronteiras exploratórias em águas ultraprofundas e na exploração e produção das reservas do pré-sal. Todos esses motivos, em paralelo com a experiência e o conhecimento acumulados nas atividades de exploração e produção offshore de óleo e gás, com sua condição de liderança nos investimentos nesse segmento, a qual será inevitavelmente mantida nos próximos anos e, não menos importante, com a rede de inovação constituída pelo Cenpes em conjunto com a cadeia de fornecedores e os diversos centros de pesquisa no país, posicionam a Petrobras como um potencial direcionador das rotas tecnológicas. Papel semelhante, porém com menor potencial de arraste da cadeia de fornecedores, pode ser assumido pelas demais operadoras do setor, desde que estas consigam, no médio prazo, estruturar em suas cadeias produtivas um ambiente de inovação voltado para o desenvolvimento de soluções adequadas a suas necessidades. Sinergias poderão ser aproveitadas pelas distintas operadoras, uma vez que seus fornecedores são, em diversos segmentos, as mesmas empresas. Apesar de poderem desempenhar papel decisivo, a atuação das operadoras não é irrestrita. O que se demonstra aqui é apenas o potencial existente para que estas assumam papel relevante na promoção do desenvolvimento tecnológico futuro. Nesse aspecto, é justamente na contratação de bens e serviços que se encontram grandes oportunidades e, para isso, é crucial que questões como a forma da contratação em “pacotes fechados” seja revista, ao menos nos segmentos de maior valor agregado e conteúdo tecnológico. 45 O setor de telecomunicações pode ser citado como exemplo de setor no qual as operadoras encontram um espaço limitado para a indução de novas tecnologias a serem desenvolvidas por suas cadeias de fornecedores. Em geral, as operadoras de telecomunicações assumem um papel passivo no processo de desenvolvimento tecnológico e são puramente compradoras das rotas tecnológicas definidas pelos principais fornecedores dos sistemas e redes de telecomunicações. 256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Com um olhar mais detalhado sobre esses “pacotes” abre-se a possibilidade de articular o fornecimento, definindo prazos mais longos, contratos de maior valor e, sobretudo, induzindo a contratação de empresas nacionais pelos grandes fornecedores do setor, surgindo importante espaço para que se incentive a cooperação das empresas nacionais com as empresas que estão vindo se instalar no país. Essa alternativa deve ser considerada também nos projetos de inovação, nos quais as operadoras podem, na definição dos termos de cooperação comumente firmados com seus fornecedores, identificar as oportunidades para que ao menos parte desse desenvolvimento seja realizado em cooperação com ICTs locais e empresas nacionais competitivas, induzindo estas, ao entrar na dinâmica desses projetos, a agregar valor a seus bens e serviços e a subir nas cadeias de valor de seus segmentos de atuação.46 Por fim, é importante destacar algumas barreiras encontradas para a contratação por parte das operadoras de projetos inovadores, como a escala, por vezes, mais reduzida da demanda por essas inovações e certa inércia para a adequação dos processos internos das operadoras para que estes considerem essas novas alternativas. O primeiro aspecto dificulta a definição de contratos de maior valor, impedindo maior alavancagem, por parte das operadoras, de empresas com tecnologias disruptivas surgentes e, por outro lado, impactando diretamente o poder de negociação das operadoras quanto à atração de investimentos locais das grandes empresas multinacionais detentoras de tecnologias-chave, as quais muitas vezes são fornecedoras únicas de certa solução. O segundo aspecto relaciona-se com os altos requisitos técnicos e de confiabilidade presentes nesse setor, o que, por vezes, leva a longos períodos para a realização de testes de conformidade das novas tecnologias. Outro fator limitante é a simples necessidade de treinamento dos engenheiros e projetistas das operadoras, aspecto vital para a disseminação do conheci- 46 Na verdade, os projetos de inovação são caracteristicamente projetos cooperativos. Mesmo grandes empresas desenvolvedoras de tecnologia e detentoras de grandes equipes dedicadas exclusivamente à realização de P&D estabelecem, em geral, algum nível de cooperação com outras empresas e ICTs, estruturando suas redes de inovação. O que se discute é a capacidade que as operadoras de P&G têm em induzir a cooperação entre empresas e entre empresas e ICTs, auxiliando na identificação das competências necessárias para os projetos e na promoção de oportunidades para as empresas nacionais. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 257 mento sobre essas novas soluções, o que também leva a um tempo mais extenso para a adoção e contratação destas. Há de se considerar, ainda, o elevado risco tecnológico e o longo tempo para o desenvolvimento de algumas dessas soluções inovadoras. SEGMENTOS ESTRATÉGICOS NA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS Independentemente do papel que as operadoras venham a assumir na dinâmica inovativa do setor, grande parte do desenvolvimento tecnológico deverá ser realizada pelas empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços, as quais, muitas vezes, desempenham papel decisivo ao influenciar as operadoras na adoção das rotas tecnológicas do setor. Para isso, as empresas líderes de alguns dos segmentos da cadeia produtiva, em quase sua totalidade empresas multinacionais de grande porte localizadas ou não no país, têm um histórico de planejamento voltado para o domínio das tecnologias-chave dos segmentos em que atuam, por meio de investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento e da absorção das competências necessárias para a consecução de projetos inovadores, seja por meio de fusões e aquisições, seja com o desenvolvimento orgânico. Por outro lado, as empresas estabelecidas no país realizam baixos investimentos em P&D na maioria dos segmentos da cadeia de fornecedores, como pode ser observado nos dados levantados pelo Prominp na Tabela 2. Algumas considerações podem ser traçadas com base no cruzamento desses dados com a capacidade produtiva estabelecida no país para o atendimento à demanda do setor de P&G e a competitividade desses segmentos, também presentes em levantamentos do Prominp. A primeira delas é que dos seis segmentos que realizam maiores níveis de investimentos em P&D,47 quatro se encontram classificados como sem restrição para atendimento da demanda do setor de P&G e com alta competitividade (subestação e 47 A referência, nesse caso, foi níveis de investimento em P&D superiores a 2,0% das receitas. A escolha arbitrária desse valor limita a análise por diversos motivos, um deles, que vale ser citado, é que a necessidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento dos segmentos varia de acordo com suas características e dinâmicas particulares. 258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS transformadores, geradores e motores elétricos, painéis de distribuição elétrica e automação), um apresenta competitividade média e necessitaria alterar seu regime de produção (guinchos) e um precisaria ampliar sua capacidade e tem competitividade média (guindastes offshore). Esses aspectos sugerem que os segmentos que mais investem em P&D no país segundo a classificação do Prominp também são aqueles que estão, em certo grau, mais preparados para atender às demandas expressivas que se anunciam e poderão, de alguma forma, aproveitar as oportunidades que surgirão. TABELA 2 INVESTIMENTO EM P&D NOS SEGMENTOS DA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS* (EM %) Segmentos da cadeia de fornecedores de bens e serviços** Investimentos em P&D no Brasil (%)*** SIDERURGIA 0,40 TUBOS 0,80 FLANGES E CONEXÕES 1,50 CALDEIRARIA 0,60 SUBSEA – EQUIPAMENTOS 1,10 SUBSEA – UMBILICAIS E LINHAS FLEXÍVEIS - BOMBAS 0,90 COMPRESSORES 0,20 MOTORES A COMBUSTÃO 1,00 TURBINAS 0,20 GUINCHOS 2,80 GUINDASTES 2,80 VÁLVULAS 1,80 GERADORES E MOTORES ELÉTRICOS 2,20 SUBESTAÇÃO E TRANSFORMADORES 2,00 PAINÉIS E DISTRIBUIÇÃO ELÉTRICA 4,60 INSTRUMENTAÇÃO E MEDIÇÃO 0,60 AUTOMAÇÃO 3,10 TELECOMUNICAÇÃO 1,60 CONSTRUÇÃO E MONTAGEM 0,20 SERVIÇOS DE ENGENHARIA - Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Sétimo Encontro Nacional do Prominp (2010). * Oliveira (2010). ** Estratificação dos segmentos da cadeia produtiva baseada na visão da estrutura industrial adotada pelo Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp). *** Média ponderada da participação do investimento em P&D perante o faturamento das empresas por sua representatividade no faturamento do setor – Fonte: Prominp. Os demais segmentos com menores níveis de investimento em P&D se distribuem pelos diversos níveis de classificação quanto à competitividade e necessidade de investimentos e/ou adequações de suas capacidades produtivas. Dentre estes, CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 259 destacam-se segmentos intensivos em conhecimento e com elevado potencial de agregação de valor que apresentam situação crítica quando se observa tanto os investimentos em P&D realizados no país, quanto seu nível de competitividade e a capacidade produtiva instalada. É o caso dos segmentos de turbinas a gás, compressores centrífugos e motores de grande porte,48 que sequer contam com fornecimento local. Outros, como o segmento de equipamentos submarinos, o qual é notoriamente intensivo em conhecimento, apresentam condições de fornecimento razoáveis, alta competitividade e baixos investimentos em P&D no país. Esses casos são bons candidatos a serem priorizados nas ações de promoção dos investimentos voltados para a inovação. De qualquer maneira, essa análise, além de limitada, apresenta algumas restrições e deve ser compreendida sob alguns aspectos. O primeiro é que o levantamento foi realizado com base nos dados fornecidos pelas empresas estabelecidas no país. Ocorre que, como já abordado, muitas dessas empresas são controladas por empresas multinacionais, líderes de seus segmentos, que, apesar de realizarem gastos elevados nas atividades de P&D, o fazem em quase sua totalidade em seus centros de pesquisa e desenvolvimento localizados no exterior. Dessa forma, os números levantados relativos aos investimentos em P&D acabam sendo subdimensionados em relação ao investimento real desses segmentos. Outra consideração importante é que o levantamento da capacidade produtiva e da competitividade desses segmentos, conforme levantado pelo Prominp, está sob a ótica dos meios e métodos de produção utilizados hoje em dia. Assim, é discutível realizar uma análise da dinâmica da inovação com base nesses dados, já que novas tecnologias, muitas vezes desconhecidas no presente, deverão ser desenvolvidas, incentivando novas metodologias e abordagens de classificação em levantamentos futuros. O que se obtém com base nesses levantamentos é um retrato da situação no presente e não uma visão clara de onde se pretende chegar. 48 Esses subsegmentos foram desmembrados para fornecer maior detalhamento na análise da capacidade produtiva e competitividade dos segmentos de turbinas, compressores e motores, respectivamente, e não dispõem de dados desmembrados quanto aos investimentos em P&D. 260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Uma abordagem alternativa, contemplando uma visão estratégica de futuro voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico, foi proposta em estudo contratado pelo BNDES sobre a cadeia de fornecedores de P&G [Bain & Company e Tozzini Freire Advogados (2009)]. Esse estudo, o qual estratificou a cadeia produtiva primária em sete segmentos, como já abordado em seções anteriores, classificou cada um destes segundo seus níveis de conteúdo tecnológico/conhecimento acumulado e o grau de desenvolvimento no Brasil. A Figura 1 mostra a disposição dos diversos segmentos em uma matriz que relaciona esses dois aspectos em conjunto com estimativas sobre o tamanho do mercado mundial, sugerindo alguns focos iniciais de atuação. FIGURA 1 CONTEÚDO TECNOLÓGICO VS. GRAU DE DESENVOLVIMENTO NO PAÍS DOS SEGMENTOS DA CONTEÚDO TECNOLÓGICO/ CONHECIMENTO ACUMULADO CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS Informação de reservatórios Alto Moderado Baixo, mas demanda alto nível tecnológico de fornecedores Serviços de perfuração e equipamentos associados Revestimento e completação Contratos de perfuração FOCO INICIAL Produção e manutenção Infraestrutura Mercado mundial em 2007 (US$ 8 Bilhões) AMBIÇÃO Apoio logístico Baixo Equipamentos importados/ prestadores de serviço internacionais Planos de inst. de capacidade Brasil/prestadores de serviço internacionais com alguma mão de obra local Manufatura local por empresas estrangeiras/ prestadores de serviço com equipamentos fabricados no país Manufatura local por empresas estrangeiras/ prestadores de serviço com equipamentos fabricados no país em ambos os casos P&D no Brasil Empresas brasileiras, servindo, fabricando e desenvolvendo no país GRAU DE DESENVOLVIMENTO DO SEGMENTO NO BRASIL Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Bain & Company Tozzini e Freire (2009). Pode-se observar da Figura 1 que os segmentos mais intensivos em conhecimento revelam baixo grau de desenvolvimento no país. É o caso dos seguintes segmentos: informação de reservatórios; serviços de perfuração e equipamentos CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 261 associados; e revestimento e completação de poços. Por seus baixos graus de desenvolvimento no país e pela dificuldade em ultrapassar, no curto prazo, certas barreiras tecnológicas, estes foram classificados como uma região de aspiração futura. Em relação à presença no país, uma exceção são as atividades relacionadas à produção e manutenção, as quais envolvem os equipamentos submarinos e de superfície, as atividades de manutenção de poços e de produção de produtos químicos especiais e os serviços de compressão. Observa-se que a manufatura local é dominada por empresas estrangeiras com prestadores de serviços fabricando equipamentos no território nacional. Pelo relativo grau de desenvolvimento no país e por ser intensivo em conhecimento, esse segmento deveria ser um dos focos iniciais a serem contemplados nas estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico no país. Outros segmentos, como os de perfuração de poços49 e o de infraestrutura,50 apesar de classificados como segmentos pouco intensivos em conhecimento, demandam elevado nível tecnológico de seus fornecedores. No primeiro, há planos de instalação de capacidade no Brasil, e o segundo já conta com manufatura local por parte de empresas estrangeiras. Ambos também poderiam ser focos iniciais da política industrial do setor no que tange às ações de promoção da inovação. Como visto, em todos os segmentos apontados como prioritários para uma atuação inicial, há presença majoritária, sobretudo de liderança, dos fornecedores estrangeiros. Uma iniciativa já realizada com relativo sucesso foi a atração de alguns fornecedores para a instalação de centros de P&D no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão. Iniciativas semelhantes estão em andamento em outros estados. Nesse contexto, é de vital importância que se consiga criar um ambiente capaz de induzir a cooperação tecnológica entre empresas nacionais e os ICTs locais com as empresas multinacionais líderes de tecnologia, de forma a capacitá-las nos segmentos mais relevantes do setor, promovendo a melhoria contínua de suas atividades produtivas e de prestação de serviços, permitindo que estas subam na cadeia de valor do setor. 49 Sondas de perfuração onshore, plataformas de perfuração offshore e sondas de workover. Engenharia e desenho, construção e montagem de infraestrutura offshore, instalação de infraestrutura offshore e equipamentos de processamento em campo. 50 262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Esse modelo deveria considerar o incentivo à formação de clusters tecnológicos, em que a cooperação e o maior fluxo de informações geram importantes externalidades positivas. O objetivo deve ser, em última instância, criar empresas competitivas e sustentáveis capazes de atuar globalmente em posições de liderança no uso de tecnologias-chave. Mecanismos para isso já foram abordados, por exemplo, a importância que as operadoras têm nesse processo. Iniciativas voltadas para a transferência tecnológica ganham elevada relevância. A Política de Conteúdo Local deve também ser considerada e estar inserida nessa estratégia voltada para o desenvolvimento tecnológico, de forma a priorizar os segmentos mais intensivos em conhecimento, seja por meio de mais altos índices de nacionalização, seja pela definição da evolução gradual destes, ou ainda, atribuindo maior peso para as atividades com maior potencial de agregação de valor na contabilização do conteúdo nacional dos projetos, a exemplo do segmento de engenharia consultiva e outros elos dinâmicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços como discutido anteriormente. Outra vertente considera o padrão de concorrência agressivo, característico das empresas líderes, e a elevada intensidade de capital requerida pelo setor. Ambos os aspectos, adicionados às enormes oportunidades para o setor, sugerem a entrada de grandes grupos nacionais de outros setores da economia no setor de P&G e, em particular, nos segmentos estratégicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços. Pela posição de liderança consolidada de algumas das principais empresas fornecedoras de bens e serviços, em especial, nos segmentos de mais alto conteúdo tecnológico, uma opção para esses novos entrantes seria apostar em rotas tecnológicas alternativas, evitando assumir uma posição de seguidor e construindo um planejamento focado na busca de novas rotas tecnológicas, baseadas em inovações de ruptura, como parte da estratégia para se atingirem posições de liderança no médio prazo. Nesse contexto, é importante ressaltar que uma relevante vantagem competitiva para os fornecedores de bens e serviços pode advir da estruturação e coordenação de suas próprias cadeias de fornecimento. Em um ambiente com algumas res- CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 263 trições de fornecimento, um modelo de negócios vencedor consistiria em organizar suas cadeias fornecedoras por meio da cooperação e do relacionamento de longo prazo, promovendo o ganho de competências e a absorção do conhecimento, de forma a fidelizar seus principais fornecedores. O insucesso em engendrar essas diversas alternativas e mecanismos de forma articulada contribuirá para que as externalidades geradas pela dinâmica de inovação realizada no setor sejam expressivamente inferiores a seu real potencial. Pode-se, no extremo, instalar no país centros de P&D voltados para o desenvolvimento de tecnologias marginais ou mesmo para a “tropicalização”51 de novas tecnologias desenvolvidas no exterior sem a inclusão das empresas nacionais nessa dinâmica, mantendo-as à margem desse universo onde se concentram as maiores oportunidades. Esse cenário levaria a um baixo aproveitamento pelo país dos benefícios do desenvolvimento tecnológico que ocorrerá no setor nos próximos anos. Por outro lado, obtendo-se sucesso em algumas dessas estratégias e, com base na observação contínua da dinâmica de desenvolvimento que se construirá, algumas escolhas e apostas deverão ser realizadas e, sobretudo, apoiadas pelas políticas públicas voltadas para o setor. DISPONIBILIDADE DE RECURSOS E FINANCIABILIDADE DOS PROJETOS DE P&D Nesta seção serão indicados alguns gargalos e entraves que dificultam o financiamento de projetos inovadores, em relação ao cenário que se antevê para o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Ademais, vai se abordar a disponibilidade de recursos com especial destaque para a evolução dos recursos disponíveis pela cláusula de P&D dos campos que pagam participação especial.52 51 O termo “tropicalização” refere-se a tecnologias desenvolvidas para cenários distintos ao que se desenha e que necessitam de adaptações para uso nas atividades de exploração e produção do pré-sal. Nesses casos, em que o desenvolvimento mais importante da tecnologia é realizado no exterior, apenas ajustes ou inovações incrementais de menor complexidade são necessárias. 52 No âmbito dos contratos de concessão em conjunto com o Regulamento da ANP 5/2005, fica estabelecido que, quando devida a participação especial para um determinado campo, o valor correspondente a 1% da receita bruta da produção deve ser destinado ao investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento, do qual, pelo menos, 50% devem ser aplicados na contratação de projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados. Na cessão onerosa, o montante correspondente a 0,5% da receita bruta de produção deve ser destinado às despesas realizadas em atividades de pesquisa e desenvolvimento. 264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Em paralelo com a elevação dos investimentos em P&D pelas operadoras e seus fornecedores, crescem as oportunidades de financiamento para o setor. Tanto o BNDES como a Finep vêm envidando maiores esforços para alavancar os investimentos em P&D na cadeia de fornecedores de P&G, seja por meio do lançamento de editais para projetos do setor por parte da Finep,53 ou de operações de financiamento tanto na Finep como no âmbito do programa de apoio ao desenvolvimento de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G do BNDES, o Programa BNDES P&G,54 ou mesmo, por meio dos demais instrumentos de apoio, como o BNDES Funtec, voltado para o apoio a projetos cooperativos ICTs-empresas, e a participação acionária direta, por meio da BNDESPAR, ou indireta, com fundos de investimento focados em inovação, como é o caso do Fundo Criatec. Apesar da diversidade de instrumentos, uma lacuna já identificada se refere às empresas que estejam em uma fase mais avançada no desenvolvimento de seus projetos de inovação, porém que ainda não disponham de uma estrutura de capital capaz de garantir o acesso às operações de crédito segundo as regras vigentes. Essa fase, depois da inovação inicial e anterior ao lançamento da inovação no mercado, também conhecida como scale-up, ainda carece de mecanismos adequados. Para superar essa carência, iniciativas estão em andamento e novos mecanismos de apoio deverão ser formulados. Outro aspecto importante tem ligação com os novos entrantes no setor se estes realmente adotarem um planejamento focado no desenvolvimento de tecnologias disruptivas por meio de rotas tecnológicas alternativas, como abordado na seção anterior. Nesses projetos, os altos retornos e riscos potenciais demandam a estruturação de uma engenharia financeira complexa e podem necessitar de novos instrumentos de financiamento ainda não existentes. Em geral, pode-se antever 53 A Finep lançou, em 2010, uma chamada pública que previa R$ 115,7 milhões para o financiamento de cerca de sessenta projetos cooperativos empresa-ICTs com foco no desenvolvimento de soluções para o pré-sal. Outros dois editais destinados a projetos em óleo e gás foram lançados em 2011, um para o apoio a projetos laboratoriais (cerca de R$ 30 milhões) e um segundo utilizando o instrumento de subvenção econômica (cerca de R$ 8 milhões). 54 O Programa BNDES P&G oferece para os projetos de inovação, além das condições previstas nas linhas de inovação do BNDES, novidades como a possibilidade de financiamento a operações de internacionalização, fusões e aquisições, desde que associadas à busca por novas tecnologias, ou ainda, operações com empresas-âncora, cujo sentido é incentivar a cooperação na cadeia de fornecedores dando maior capilaridade e acesso a crédito às empresas de menor porte. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 265 um cenário no qual maiores riscos estarão presentes. Assim, o sistema de inovação deveria estar estruturado de forma a suportar esses projetos e a aceitar operações de financiamento com riscos mais elevados. Pelo lado da disponibilidade de recursos, uma análise mais extensa poderia ser realizada abordando as mudanças regulatórias que impactarão o Fundo Setorial de P&G (CT-Petro), detalhando as características de captação e distribuição dos recursos no âmbito do Novo Marco Regulatório e do Fundo Social.55 No entanto, este artigo limita-se a expor uma projeção da disponibilidade de recursos para o apoio a projetos inovadores com base na cláusula de P&D, como mostrado no Gráfico 1. GRÁFICO 1 EVOLUÇÃO DO VOLUME DE RECURSOS DISPONÍVEIS DA CLÁUSULA DE P&D DA PARTICIPAÇÃO ESPECIAL 2,5 2 R$ BILHÕES 1,5 1 Petrobras 2022 2021 2020 2019 2018 2017 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 0 1998 0,5 Outras operadoras Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Revista Brasil Energia (2012). 55 A Lei 12.351/2010, que institui o Regime de Partilha da Produção, também cria o Fundo Social (FS), para o qual foram transferidas todas as receitas de royalties provenientes dos poços de P&G do “polígono do pré-sal” destinadas à União. Com essa medida o CT-Petro poderá perder 90% das atuais receitas. No entanto, o FS contempla a aplicação de recursos na área de ciência e tecnologia. Por conseguinte, trata-se de uma questão administrativa do poder executivo, que afeta a governança sobre a aplicação dessas receitas e que ainda não está em prática, pois o FS ainda não foi regulamentado. Excepcionalmente, o governo federal publicou o Decreto 7.657, de 23.12.2011, que prorroga, até 31.12.2015, a destinação para o CT-Petro dos royalties dos campos que iniciaram sua produção até 31.12.2009. 266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Com base nessas estimativas, pode-se perceber a significativa evolução do volume de recursos oriundos da Petrobras e das demais operadoras. Já no corrente ano, os recursos previstos ultrapassarão, pela primeira vez, o patamar de R$ 1 bilhão e indicam também o aumento da participação das demais operadoras. A expectativa é de se atingir até 2021 o patamar de R$ 2,1 bilhões. Contabilizando os recursos até o ano de 2022, projeta-se um total de aproximadamente R$ 26 bilhões a serem aplicados em atividades de P&D e inovação. O aumento desses recursos considera tanto a expansão da produção em contratos ativos quanto o início da produção em contratos já concedidos no pré-sal na Bacia de Santos.56 Segundo essas estimativas, em 2022, os aportes, via cláusula de P&D, vão cair em relação ao ano anterior, voltando para um patamar abaixo dos R$ 2 bilhões. Essa tendência deve ser revertida com a licitação de novos blocos exploratórios, uma vez que há a expectativa de que os contratos de partilha do pré-sal também tenham cláusula similar com a obrigatoriedade da destinação de recursos às atividades de P&D. Em um primeiro momento, a alocação desses recursos foi destinada à constituição de infraestrutura física e à qualificação de recursos humanos nos centros de pesquisa e universidades. Cabe ressaltar que, segundo vem se observando, já há hoje um parque laboratorial significativo, não havendo necessidade de grandes inversões com esse fim de forma continuada nos próximos anos. Um desafio importante é o de estimular que toda essa infraestrutura laboratorial gere resultados e seja aproveitada pelas empresas do setor. Por outro lado, o crescimento da disponibilidade de recursos sugere que novas alternativas para alocação destes sejam discutidas e revela a necessidade de maior aproximação entre as empresas privadas e os ICTs existentes. Assim, a alocação dos recursos na contratação dos ICTs por parte dos fornecedores da cadeia produtiva de bens e serviços de P&G, ou mesmo, a alocação direta desses recursos nas atividades de P&D das empresas fornecedoras de bens e serviços, surgem como opções e necessitam de maior debate.57 56 Entre os campos concedidos na Bacia de Santos encontram-se os sete blocos da cessão onerosa. Nestes, a obrigação contratual prevê que 0,5% da receita bruta seja destinado a atividades de P&D; nos demais, esse percentual é 1%. Incluindo a cessão onerosa, espera-se que pelo menos 15 contratos já assinados iniciem a produção entre 2012 e 2021. 57 Ambas as alternativas estão sendo discutidas no âmbito da política industrial do setor e necessitariam de mudanças regulatórias, uma vez que, como já abordado, a aplicação desses recursos, no presente, está restrita à contratação, por parte das operadoras, de projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 267 De toda forma, essas considerações apontam para um cenário positivo quanto à disponibilidade de recursos para o investimento em projetos inovadores e nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, formando importante pilar para a construção das estratégias de desenvolvimento tecnológico no âmbito da política industrial. 7 . A ATU A Ç Ã O D O B N D ES PA R A A PR OMOÇ Ã O D O D ES EN VO LV I M EN TO IN D U STRIA L E T EC N O L Ó G I C O DAS EMPRESA S D A C A D EI A DE FORN ECED O R ES D E P& G O BNDES vem envidando relevantes esforços para colaborar com a política de desenvolvimento industrial e tecnológico para a cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G. A própria estratégia de atuação do BNDES para o setor vem sendo aperfeiçoada continuamente, buscando corresponder às demandas da sociedade e visando ao desenvolvimento econômico e social sustentável e de longo prazo do país. O momento que o setor de P&G vive motivou uma nova abordagem por parte do Banco, com maior enfoque na cadeia de fornecedores de bens e serviços de P&G. Como reflexo dessa nova dinâmica, o BNDES alterou sua estrutura organizacional, criando, em 2010, o Departamento da Cadeia Produtiva de Petróleo e Gás, cujas atribuições compreendem tanto a participação no trabalho de articulação institucional quanto as atividades relacionadas ao fomento e financiamento das empresas fornecedoras de bens e serviços de P&G. Mais recentemente, no segundo semestre de 2011, aprovou-se a criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e Serviços relacionados ao setor de Petróleo e Gás Natural (BNDES P&G), para o qual uma carteira de operações de financiamento já foi constituída. Com o programa, o BNDES abriu novos caminhos para o apoio à cadeia de empresas fornecedoras de bens e serviços de petróleo e gás, estreitando o relacionamento já existente entre o Banco e o setor, facilitando o acesso ao crédito às MPMEs e oferecendo condições de financiamento mais favoráveis, de forma a atender às necessidades existentes 268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS da indústria, como o apoio à aquisição de tecnologia, à qualificação e capacitação de mão de obra e à prestação de serviços, em especial os serviços de engenharia e de certificação. A participação no Plano Brasil Maior de P&G e Naval também vem recebendo especial atenção, e a composição de uma agenda setorial foi realizada em conjunto com as diversas entidades de governo e da iniciativa privada. Nesse contexto, frentes importantes de trabalho vêm sendo conduzidas para solucionar os gargalos já identificados, como é o caso do já citado Regime Aduaneiro Especial (Repetro), para o qual foi contratado estudo no âmbito do Fundo de Estruturação de Projetos do BNDES. Ademais, o Departamento da Cadeia Produtiva de P&G participa de diversos fóruns e iniciativas do setor, com destaque para sua atuação no Prominp. No que tange aos aspectos relacionados à promoção da inovação, diversas ações vêm sendo realizadas com as operadoras de P&G e com as empresas da cadeia de fornecedores. Uma iniciativa que merece especial destaque é o plano de ação conjunta BNDES-Finep-Petrobras para o fomento a projetos de inovação na cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G, o Programa Inova Petro, programa de fomento à inovação no qual se fez um importante levantamento das principais rotas tecnológicas para as atividades de E&P offshore nos próximos anos e que conta com a coordenação de esforços e intensa cooperação entre essas instituições. Percebe-se, pelo exposto, que o BNDES vem participando ativamente no processo de construção das estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico da cadeia de fornecedores de P&G e espera, portanto, desempenhar papel efetivo para que as oportunidades existentes gerem reais benefícios para o desenvolvimento do país. Atua na melhoria dos processos de fomento e concessão de financiamento, mas, como foi mostrado, não se restringe a esses aspectos. O aprendizado contínuo e a interlocução com os diversos partícipes envolvidos no desenvolvimento do setor de P&G são focos centrais do dia a dia da instituição, no qual as ações de promoção à inovação na cadeia de fornecedores de P&G são tratadas com grande prioridade. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 269 8 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada pré-sal e a perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos próximos anos transformaram o cenário do setor de P&G no Brasil. A localização dessa nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das reservas e as características do óleo encontrado, criam um novo paradigma para o segmento de exploração e produção offshore no país, posicionando-o como o principal mercado no mundo para as empresas fornecedoras de bens e serviços desse segmento. O desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços, por seu perfil multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades positivas para os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico ganha significativa relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas públicas do setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo cenário, suas oportunidades e riscos associados. Os elevados investimentos que serão realizados, aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa, é patente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de destaque, se não de liderança, no uso de novas tecnologias no setor, que vão precisar ser desenvolvidas. O objetivo deve ser, em última instância, estimular o desenvolvimento de empresas competitivas e sustentáveis capazes de atuar globalmente em posições de liderança no uso de tecnologias-chave. A construção de uma agenda efetiva com esse objetivo deveria se concentrar na identificação de focos prioritários de atuação e, com base na trajetória recente do arcabouço institucional, no qual a Política de Conteúdo Local ocupa papel de destaque, definir estratégias integradas de promoção do investimento em inovação. 270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Para isso, uma série de considerações foram apresentadas no decorrer deste artigo. A primeira delas buscou apontar algumas das principais rotas tecnológicas a serem desenvolvidas nos próximos anos. Compreender essas tendências é vital para uma atuação focada nos segmentos considerados estratégicos e, portanto, os mais relevantes para o desenvolvimento industrial e tecnológico das empresas. Outro aspecto abordado e de extrema importância é o delineamento de estratégias indutoras de maior cooperação entre as empresas fornecedoras de bens e serviços, as operadoras de P&G e os institutos de ciência e tecnologia locais. Discutiu-se o posicionamento que operadoras podem assumir nessa dinâmica, apontando as rotas tecnológicas prioritárias e identificando oportunidades para a cooperação em projetos inovadores, de forma a inserir as empresas nacionais de base tecnológica no desenvolvimento dessas novas soluções e incentivando o “transbordamento” tecnológico para outros segmentos. Ainda nesse âmbito, a forma de contratação em projetos turn-key por meio de EPCistas deveria ser revista, de forma a incentivar, ou ao menos tornar mais factível, a entrada de fornecedores competitivos nos segmentos de maior valor agregado e conteúdo tecnológico. Elos dinâmicos com maior potencial em gerar externalidades positivas nos demais segmentos da cadeia de fornecedores, a exemplo dos serviços de engenharia consultiva, devem ser ponto central das iniciativas da política industrial do setor. A presença maciça de empresas multinacionais ocupando, em quase a totalidade dos casos, posições de liderança no que tange ao domínio tecnológico de seus segmentos de atuação, em conjunto com o perfil de baixo investimento em P&D das empresas nacionais, em sua maioria MPMEs, corrobora a necessidade de uma atuação focada nos segmentos em que a indústria nacional mostre um posicionamento competitivo de maior destaque. Viu-se que, em alguns dos segmentos da cadeia de valor do segmento de E&P offshore, essa abordagem seria viável. A própria Política de Conteúdo Local deveria estar inserida nessa estratégia, priorizando o conteúdo local das atividades com maior potencial de agregação de valor e que, ao mesmo tempo, já disponham de uma dinâmica favorável no parque industrial brasileiro. Alternativas para essa priorização também foram discutidas. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 271 Ter a clareza sobre os objetivos a serem perseguidos e, portanto, sobre os respectivos segmentos estratégicos prioritários, auxiliaria na construção de estratégias para a atração dos investimentos estrangeiros no país e mesmo na definição das condicionantes sob as quais essa atração de investimento deveria ocorrer. Políticas para a promoção de joint ventures e a transferência de tecnologia devem ser pensadas com base nisso. Nesse contexto, a entrada de grandes grupos nacionais de outros setores da economia deveria privilegiar modelos de negócios baseados no investimento em P&D e na cooperação e estruturação de suas cadeias de fornecimento, com o objetivo de desenvolver rotas tecnológicas alternativas e inovações de ruptura, o que, certamente os posicionaria de forma a se beneficiarem desse universo onde se concentram as maiores oportunidades. Toda essa discussão não deve desconsiderar importantes gargalos e entraves já identificados, como a necessidade de investimento contínuo na formação de mão de obra qualificada e a revisão e aprimoramento do arcabouço tributário associado ao setor, para os quais importantes iniciativas estão em andamento. Outros gargalos se referem aos mecanismos de financiamento a projetos inovadores, por exemplo a carência de instrumentos adequados para o apoio a projetos de scale-up de novas tecnologias e a inexistência de instrumentos de apoio aos planos de negócios baseados em investimentos em P&D, cujo perfil de risco elevado e maiores retornos são característicos. Percebe-se que o sistema de inovação deveria ser capaz de suportar operações de maior risco tecnológico em alguns dos segmentos existentes. Por outro lado, no que se refere à disponibilidade de recursos para o apoio a projetos de P&D, não há gargalo significativo quando se observa a legislação vigente. A discussão deveria se concentrar na melhor alocação desses recursos, em projetos inovadores de maior qualidade e alinhados com a estratégia que se defina para o desenvolvimento do setor, de forma a alavancar o investimento privado em P&D. Alternativas para isso também foram discutidas e necessitam de maior debate. Diante da complexidade do assunto e das diversas alternativas existentes depreende-se que a capacidade de articulação institucional é vital para o sucesso das estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico e não deve ser considerada algo de menor importância. Há também que se compreender que 272 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS os reais benefícios das reservas de petróleo da camada pré-sal vão muito além da mera produção e refino do petróleo e encontram no desenvolvimento da cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G uma grande oportunidade. Somente a clareza nos objetivos e uma elevada capacidade de coordenação das diversas ações e frentes de atuação permitirão que o país se beneficie de grande parte da dinâmica de inovação que, inevitavelmente, ocorrerá no setor de P&G nos próximos anos, gerando riqueza e retorno para a sociedade de forma sustentável no longo prazo. RE F E RÊN CIA S ANP/PUC. Avaliação da competitividade do fornecedor nacional com relação aos principais bens e serviços. Rio de Janeiro, 1999 (mimeo). BAIN & COMPANY E TOZZINIFREIRE ADVOGADOS. Estudos das alternativas regulatórias, institucionais e financeiras para a exploração e produção de petróleo e gás natural e para o desenvolvimento industrial da cadeia produtiva de petróleo e gás natural no Brasil. Rio de Janeiro: BNDES, 26 jun. 2009. Disponível em: <http:// www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/ empresa/pesquisa/chamada1/RelConsol.pdf>. Acesso em: abr. 2012. BARON, H. Where does basic engineering stops? Technip Editions, 2011. Disponível em: <http://www.toblog.fr/en/baron/article/additions-for-the-next-edition/wheredoes-basic-engineering-stops/blog.html>. Acesso em: abr. 2012. EVOLUÇÃO do volume de recursos oriundos da Petrobras e das demais empresas. Brasil Energia, Editora Brasil Energia, fev. 2012. EIA – U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. Spot Price – WTI, Washington. Disponível em: <http://www.eia.gov/dnav/pet/pet_pri_spt_s1_d.htm>. Acesso em: abr. 2012. CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS 273 IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Poder de compra da Petrobras: impactos econômicos em seus fornecedores. Brasília: Ipea; Petrobras, dez. 2010. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/book_ poder_de_compra_petrobras.pdf>. Acesso em: abr. 2012. MENDES, A. P. A.; ROMEIRO, R. A. P.; COSTA, R. C. Mercado e aspectos técnicos dos sistemas submarinos de produção de petróleo e gás natural. BNDES Setorial, n. 35. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2012. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/ SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/ set3505.pdf. >. Acesso em: abr. 2012. OLIVEIRA, A. Diagnóstico das necessidades de adequação do parque supridor nacional. In: 7º ENCONTRO NACIONAL DO PROMINP. Prominp/IE-UFRJ, nov. 2010. 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CONSTRUÇÃO NAVAL 275 RE S UMO Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos, que se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva quanto no aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao desenvolvimento da indústria nacional. As empresas de petróleo e gás efetuaram grandes encomendas aos estaleiros nacionais, enquanto a União atuou, entre outros, com exigências de percentual mínimo de conteúdo local nas atividades de exploração e produção e com a criação de um fundo garantidor à indústria. Neste artigo será apresentado o histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apontando os principais programas demandantes do período, bem como seus impactos na nova configuração do setor. Serão discutidos o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de competitividade associados à indústria naval. A questão da inovação, fundamental para o desenvolvimento do setor, também será abordada. Por fim, serão expostas as perspectivas da indústria naval nacional, destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor. AB S T RA C T After long-term stagnation, the Brazilian shipbuilding industry’s investments have increased in the past decade, resulting in higher productive capacity and modernization as well as higher ship outputs. This was mainly caused by the Oil & Gas offshore boom and by local industry development policy. Oil & Gas companies placed large orders with national shipbuilders. At the same time the Brazilian federal government established local content requirements for Exploration & Production activities and a new credit guarantee fund, among others. In this article, we detail the historical trajectory of the Brazilian shipbuilding industry for the last 30 years with a focus on the most relevant governmental incentives granted. Brazil’s relevance in world markets is discussed as 276 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS well as the naval industry’s strategic competitive factors. Innovation issues, which are considered fundamental for the sector’s development will also be discussed. Finally, the national shipbuilding industry’s outlook is presented, highlighting BNDES’s role in bolstering the naval sector. CONSTRUÇÃO NAVAL 277 1 . INTR OD U Çà O Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos, que se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva quanto no aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao desenvolvimento da indústria nacional. A elevação nos preços internacionais do petróleo ao longo do decênio incentivou a exploração e a produção em águas profundas e ultraprofundas, mais distantes da costa, e criou uma demanda por navios-sonda, plataformas de produção e embarcações de apoio marítimo com características e exigências técnicas diferenciadas. A descoberta de grandes volumes de óleo na camada pré-sal ratificou a robustez e a perenidade da demanda por embarcações offshore. Verificou-se, ainda, a necessidade de ampliar e renovar a frota de navios petroleiros e gaseiros do país para escoar a produção de óleo, gás e derivados. Cumpre ressaltar que a Petrobras é a maior operadora de petróleo do país e, portanto, responde pela maior parte da demanda por embarcações offshore. Da mesma forma, a Transpetro, sua subsidiária de logística e transporte de combustíveis, é a maior demandante de navios petroleiros e gaseiros. Diante do novo cenário, o governo brasileiro, visando estimular o setor naval do país, atuou, em conjunto com a Petrobras e a Transpetro, lançando algumas medidas de política industrial. As empresas efetuaram grandes encomendas aos estaleiros nacionais, enquanto a União atuou com exigências de percentual mínimo de conteúdo local nas atividades de exploração e produção; com incentivos fiscais; com a criação de um fundo garantidor à indústria; e com a concessão de crédito aos agentes financeiros do Fundo de Marinha Mercante (FMM).1 Destaque-se, com 1 O FMM é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras. Sua fonte básica de recursos é o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), incidente sobre o frete cobrado pelo transporte aquaviário de carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro, ou seja, sobre as atividades de cabotagem e importação de mercadorias. 278 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS relação a esse último ponto, o papel do BNDES, que, como repassador de recursos2 do FMM, apoiou fortemente o setor, tendo contratado cerca de R$ 30 bilhões e liberado aproximadamente R$ 10 bilhões no período de 2000 a abril de 2012. As ações realizadas lograram êxito em retomar os investimentos no setor. No período de 2000 a 2011, relevantes inversões foram realizadas em estaleiros, houve ampliação e modernização da capacidade produtiva, novos investidores passaram a atuar no setor e verificou-se um significativo crescimento da produção de embarcações. O presente artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução. Na primeira, é apresentado o histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apontando os principais incentivos concedidos ao setor. Em seguida, discutem-se o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de competitividade associados à indústria naval. Na terceira seção, é abordada a questão da inovação, também fundamental para o desenvolvimento do setor. Finalmente, na quarta seção, são expostas as perspectivas da indústria naval nacional, bem como as considerações finais deste artigo, destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor. 2 . HISTÓR ICO A NOVA DEMANDA À INDÚSTRIA NAVAL A crise econômica mundial dos anos 19803 e a abertura da economia à concorrência estrangeira na década de 1990 levaram a indústria naval a uma situação financeira delicada, restringindo sua capacidade de investimento. Tal fato resultou em um parque fabril com relevante defasagem tecnológica4 perante os produtores mun- 2 Até 2004, o BNDES era o único agente financeiro repassador de recursos do FMM. Porém, com a publicação do Decreto 5.269/2004, a condição de agente foi estendida aos bancos oficiais federais habilitados (BB, CEF, Basa e BNB). A despeito dessa mudança, o BNDES continua sendo o principal agente financeiro do fundo. 3 A crise econômica mundial experimentada na década de 1980 trouxe consigo a retração do comércio internacional marítimo e a consequente queda nos valores dos fretes. Tal situação impactou a arrecadação do FMM, fragilizou a situação financeira dos armadores nacionais e reduziu drasticamente o nível de atividade dos estaleiros aqui instalados, levando alguns participantes do mercado à falência. 4 O momento de declínio da produção nacional coincidiu com a chamada “terceira revolução industrial e tecnológica”, quando a base microeletrônica passou a ser empregada nos mais diversos ramos da indústria, atingindo a automação integrada flexível, o que tornou os processos da indústria nacional ainda mais obsoletos. Além disso, durante o período de estagnação produtiva brasileira, as embarcações construídas no resto do mundo passaram a ter porte e complexidade cada vez maiores, o que exige dos estaleiros elevada capacidade produtiva, organizacional e tecnológica [Lima (2009, p. 137)]. CONSTRUÇÃO NAVAL 279 diais de embarcações, o que provocou a estagnação da produção naval brasileira por cerca de vinte anos. Com a quebra do monopólio das atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural em 1997, essas passaram a ser realizadas mediante contratos de concessão precedidos de licitação realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em 1999, na primeira rodada de licitação de blocos, o processo considerava os índices de conteúdo local ofertados pelos concorrentes como um dos critérios de escolha do vencedor, de modo a estimular a aquisição de bens e serviços nacionais. A partir da sétima rodada, realizada em 2005, os índices de conteúdo local passaram a ser obrigatórios, sendo estipulados índices mínimos nas etapas de exploração, desenvolvimento e produção. É importante ressaltar que as embarcações utilizadas nas atividades petrolíferas são consideradas no cálculo do conteúdo local dos blocos. Desde 2002, cerca de 85% da produção nacional de petróleo e gás é realizada no mar [ANP(2012)], por isso são necessárias diversas embarcações especializadas para as atividades de exploração e produção, como navios-sonda, plataformas de produção e embarcações de apoio marítimo. As embarcações utilizadas atualmente para o desenvolvimento dessas atividades ainda são majoritariamente estrangeiras e entram no país não como importações, mas por meio de contratos de afretamento renovados continuamente. Dada a desmobilização do setor, o movimento de retomada de investimentos foi iniciado a partir da necessidade de renovação e ampliação da frota de apoio marítimo, que, além de representar maior número de encomendas, gerando escala, era composta por embarcações mais simples e mais baratas do que os navios-sonda e as plataformas de produção. Em 1999, a Petrobras lançou o Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo I (Prorefam I), oferecendo contratos de afretamento de oito anos para 22 embarcações a serem construídas no país. Considerando a receita estável e de longo prazo oferecida pelos contratos aos armadores – diferente daquela do tradicional mercado de apoio, de mais curto prazo – e, ainda, a reduzida capacidade operacional dos estaleiros aqui instalados, os armadores adotaram a estratégia de investir 280 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS em estaleiros de médio porte, especializados na construção de embarcações de apoio, configurando uma estrutura verticalizada para esse segmento. No Prorefam I, foram licitadas 22 embarcações, mas três contratos foram cancelados. A segunda etapa do programa, iniciada em 2003, contratou mais trinta novas embarcações e 21 modernizações, contemplando, entre estas últimas, algumas jumborizações.5 Já em 2008, no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a Petrobras lançou a terceira etapa do Prorefam, que previa a contratação de 146 novas embarcações de apoio no período de 2008 a 2016 para atuar, inclusive, em campos do pré-sal, como Tupi e Júpiter. Ressalte-se que nessa etapa o programa contou com requerimentos de conteúdo local mínimo para as embarcações. O Prorefam aumentou significativamente a demanda do setor e teve êxito em reativar a indústria naval brasileira. O elevado volume de embarcações demandado e a prioridade dada por lei6 à bandeira brasileira nos serviços de apoio marítimo movimentaram o mercado nacional e estimularam a indústria de construção naval e as indústrias a montante a retomar seus investimentos. Destaquem-se os investimentos realizados na instalação e na ampliação de capacidade de estaleiros de médio porte. Desde o lançamento do programa até março de 2012, foram contratadas 105 embarcações de apoio marítimo dos seguintes tipos: AHTS (Anchor, Handling, Tug and Supply); PSV (Plataform Supply Vessel); PLSV (Pipe Laying Support Vessel); RSV-ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel); OSRV (Oil Spill Response Vessel); e MPSV (Multipurpose Support Vessel).7 Algumas dessas encomendas não foram contratadas no âmbito do Prorefam, especialmente as mais complexas, como os RSV-ROV e os PLSV. De qualquer forma, 5 Jumborização – modernização e aumento da capacidade de carregamento de uma embarcação, por meio de um corte transversal vertical do navio, para inserção de um trecho de casco. 6 Pela Lei 9.432/97, as embarcações estrangeiras somente poderão participar da navegação de cabotagem e da navegação interior de percurso nacional, bem como da navegação de apoio portuário e da navegação de apoio marítimo, quando afretadas por empresas brasileiras de navegação. 7 AHTS (Anchor, Handling, Tug and Supply): navio de suprimento, reboque e manejo de âncoras, dotados de guindastes com importante capacidade de tração. PSV (Plataform Supply Vessel): navio de suprimento com capacidade de carga tanto em seu convés principal e nas cabines quanto em tanques para transporte de produtos químicos, água, combustível e lama. PLSV (Pipe Laying Support Vessel): navio voltado à construção submarina que realiza o lançamento de dutos a serem instalados no fundo do mar. RSV–ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel): navio que realiza trabalhos de manutenção submarina, mapeamento do leito oceânico para a passagem de dutos, entre outros serviços de natureza submarina, por meio de robô controlado remotamente pela embarcação. OSRV (Oil Spill Response Vessel): navio de combate ao derramamento de óleo. MPSV (Multipurpose Support Vessel): navio que combina capacitações de diversos tipos de embarcações de apoio. CONSTRUÇÃO NAVAL 281 essas embarcações podem ser incorporadas pelo programa, já que o Prorefam III ainda tem diversas embarcações a serem contratadas. Adicionalmente, a Petrobras contratou embarcações do tipo LH (line handling), UT (utility boat) e P (passenger),8 que são embarcações de pequeno porte, também não contempladas no Prorefam. O Gráfico 1 mostra a produção nacional de embarcações de apoio marítimo, por tipo de embarcação. Note-se a concentração de embarcações do tipo PSV no total das entregas da década. Ressalte-se que as embarcações mais complexas já contratadas devem ser entregues nos próximos anos. GRÁFICO 1 EMBARCAÇÕES CONSTRUÍDAS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS – POR TIPO PSV 54% 3% UT 3% PLSV 3% ROV 3% P 17% 17% LH AHTS Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras. As encomendas de embarcações de apoio da Petrobras foram realizadas por diversos armadores e distribuídas, principalmente, entre os estaleiros Navship, STX-Niterói e Wilson Sons. A maior parte das embarcações contratadas no âmbito do Prorefam foi ou está sendo construída com o apoio do BNDES, que atua como repassador de recursos do 8 LH (line handling): navio para manuseio de espias. UT (utility boat): navio supridor de carga rápida. P – (passenger): barco de alumínio para transporte de passageiros. 282 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS FMM ao armador e/ou ao estaleiro contratado. Entre 2000, e abril de 2012, o Banco desembolsou cerca de R$ 5,5 bilhões às embarcações do programa. Com relação à frota para movimentação de carga, os incentivos se deram, principalmente, por intermédio da Transpetro, que lançou, nos anos de 2005 e 2008, os Programas de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro I e II (Promef I e II), contratando a construção de 49 navios-tanque em estaleiros nacionais. A Transpetro já contratou a totalidade dos 23 navios previstos no Promef I e dos 26 navios do Promef II. Essas embarcações correspondem a navios petroleiros, comumente qualificados por sua capacidade de carga como Panamax, Aframax e Suezmax,9 a navios de produtos e a navios gaseiros. As encomendas da Transpetro foram contratadas de cinco estaleiros, quais sejam: Atlântico Sul, Mauá, Eisa, Superpesa e STX-Suape, este último ainda em implantação. Ainda no segmento de transporte de cargas, visando fomentar o surgimento de armadores privados nacionais e reduzir a dependência do mercado externo de fretes para a atividade de cabotagem, a Petrobras lançou em 2010, em duas etapas, o Programa Empresa Brasileira de Navegação (EBN 1 e EBN 2), no qual oferecia contratos de afretamento de 15 anos de vigência a 39 embarcações a serem construídas no país. As embarcações encomendadas no âmbito do EBN são, em grande parte, similares às do Promef e foram contratadas por nove armadores a cinco estaleiros, havendo ainda três embarcações sem estaleiro definido. No Gráfico 2, relacionam-se os contratos já celebrados no âmbito do Promef e do EBN por tipos de embarcação. Esses navios representam, em boa medida, a natureza da produção naval de cabotagem dos próximos anos. A retomada do setor, resultante dos programas antes citados, estimulou as encomendas aos estaleiros nacionais de empresas privadas de transporte marítimo de outros setores. Destaquem-se os investimentos da Log-In Logística, empresa subsidiária da Vale, que recentemente encomendou cinco navios porta-contêineres e dois navios graneleiros internamente. 9 Panamax (cerca de quinhentos mil barris); Aframax (cerca de oitocentos mil barris); Suezmax (cerca de 1,1 milhão de barris). Os tipos Panamax e Suezmax são assim denominados porque suas dimensões permitem a passagem pelos canais do Panamá e de Suez, enquanto o Aframax é considerado um navio de médio porte (Average Freighter). CONSTRUÇÃO NAVAL 283 GRÁFICO 2 PROMEF E EBN – EMBARCAÇÕES CONTRATADAS POR TIPO 60 50 5 7 40 12 8 30 3 49 20 14 14 10 7 8 6 4 0 Promef I e II Panamax Aframax 39 Suezmax EBN I e II Bunker Gaseiros Produtos claros Produtos escuros Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras. Finalmente, o incentivo ao setor naval voltou-se também aos segmentos de plataformas de produção e navios-sonda. A Petrobras realizou, nos últimos anos, licitações para a construção parcial ou total de quarenta plataformas, sendo 14 já entregues, e de 33 sondas de perfuração no Brasil. As plataformas foram licitadas de forma dispersa e com características distintas de acordo com cada campo,10 as sondas, por outro lado, foram licitadas de forma concentrada, caracterizando uma demanda em escala capaz de viabilizar investimentos em novos estaleiros.11 As encomendas das sondas estão distribuídas entre os estaleiros Atlântico Sul, Rio Grande, Brasfels, Jurong, Enseada do Paraguaçu e Mauá. A Tabela 1 consolida o número de embarcações a serem construídas no país, no âmbito dos programas abordados anteriormente. 10 A despeito da maior necessidade de adequação às características dos campos, deve-se destacar o recente esforço da Petrobras em padronizar, tanto quanto possível, as encomendas de plataformas de produção, tal como ocorreu nas contratações das oito FPSOs (Floating, Production, Storage and Offloading) que vão operar nos blocos BM-S-9 e BM-S-11 e das quatro FPSOs que vão operar na cessão onerosa. A padronização possibilita ganhos de escala e aceleração da curva de aprendizado dos estaleiros envolvidos na construção dos diferentes módulos das FPSOs. 11 Além das ampliações dos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, os estaleiros Jurong, no Espírito Santo, e Enseada do Paraguaçu, na Bahia, encontram-se em implantação para atender à demanda das sondas. 284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 1 EMBARCAÇÕES CONTRATADAS E A CONTRATAR NO BRASIL A PARTIR DE 1999 Programa Total Embarcações Contratadas A contratar PROREFAM I 19 0 PROREFAM II 30 0 30 PROREFAM III 56 90 146 PROMEF I 23 0 23 PROMEF II 26 0 26 EBN 1 19 0 19 EBN 2 20 0 20 7 26 33 SONDAS 19 316 TOTAL Fonte: Elaboração BNDES. OS INCENTIVOS DA UNIÃO Além de uma demanda assegurada pelas encomendas da Petrobras e de sua subsidiária Transpetro, a indústria naval brasileira contou com diversos incentivos da União para que pudesse se reerguer. Entre as medidas de estímulo ao setor, encontram-se: Regulamentação do transporte aquaviário, garantindo preferência às empresas de bandeira brasileira nas contratações de fretes e serviços de apoio em operações portuárias e marítimas, bem como na navegação de cabotagem e na navegação interior de percurso nacional (Lei 9.432/1997 e Resolução Antaq 495/2005). Concessão de benefícios às embarcações registradas no Registro Especial Brasileiro (REB),12 possibilitando tratamento fiscal e legal equiparado aos bens de exportação durante a construção, modernização e reparo; acesso a combustível a preço equiparado ao cobrado para a navegação de longo curso e isenção do recolhimento de taxa para manutenção do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo. 12 Podem ser registradas no REB embarcações brasileiras ou embarcações estrangeiras afretadas a casco nu com suspensão da bandeira e desde que no limite de tonelada de porte bruto permitido de acordo com a frota de bandeira nacional da empresa. CONSTRUÇÃO NAVAL 285 Requerimentos de conteúdo local nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás, que se refletem na demanda por embarcações utilizadas nessas atividades (Resoluções ANP 36 a 39/2007).13 Facilitação das condições de financiamento ao setor com o lançamento, em 2000, do Programa Navega Brasil, que introduziu modificações no acesso a linhas de crédito para armadores e estaleiros, aumentando a participação do FMM de 85% para 90% nas operações da indústria naval e o prazo máximo do empréstimo de 15 para vinte anos (Reedição da Medida Provisória 1.969/67). Estabelecimento de taxas de juros e participações diferenciadas nos financiamentos com recursos do FMM cujos contratos garantam índices de conteúdo nacional superiores a 60% ou 65% (Resolução CMN 3.828/2009). Criação do Fundo de Garantia à Construção Naval (FGCN), cuja finalidade é garantir o risco de crédito das operações de financiamento para construção ou produção de embarcações e o risco de performance dos estaleiros brasileiros (Lei 11.786/2008). Desoneração da cobrança de IPI incidente sobre peças e materiais destinados à construção de navios por estaleiros nacionais e redução a zero das alíquotas de PIS/Pasep e Cofins sobre equipamentos destinados à indústria naval, estimulando o setor de navipeças (Decreto 6.704/2008 e Lei 11.774/2008). Criação, em 2003, do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com a participação de diversos segmentos produtivos do país, com ênfase na qualificação profissional e no desenvolvimento tecnológico voltado, especialmente, para a área de petróleo e gás natural. Destaque-se a participação do BNDES como membro do comitê diretivo do programa. 13 A partir da sétima rodada de licitações (2005), o conteúdo local empregado nas fases de exploração e desenvolvimento deixou de ser declaratório, e foi introduzida exigência de Certificação de Conteúdo Local, regulamentada pelas Resoluções ANP 36 a 39/2007. 286 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O PARQUE DE ESTALEIROS ATUAL A retomada dos investimentos do setor naval na última década refletiu-se em aumento da capacidade instalada dos estaleiros, tanto por investimentos em novas unidades quanto por expansões e modernizações de instalações existentes. O FMM concedeu, nos últimos anos, prioridade para 38 projetos de construção, ampliação e modernização de estaleiros, conforme Tabela 2. Note-se o aumento nos valores especialmente nos anos de 2009 e 2011,14 acompanhando o aquecimento do mercado. TABELA 2 ESTALEIROS NO BRASIL – INVESTIMENTOS PRIORIZADOS PELO FMM Ano Nova planta Projetos Ampliação Valor (US$) Projetos Modernização Valor (US$) Projetos 2005 4 432.154.126,68 0 - 1 2006 3 241.670.548,75 0 - 2007 0 - 0 - 2008 0 - 0 - 2009 11 1.950.272.484,28 1 68.860.573,62 2010 0 - 0 - 2011 8 2.722.600.426,48 3 500.445.841,53 1 4 569.306.415,15 2012* 2 25.596.437,85 TOTAL 28 5.372.294.024,04 Total Valor (US$) Projetos Valor (US$) 1.173.036,64 5 433.327.163,32 0 - 3 241.670.548,75 1 64.355.397,09 1 64.355.397,09 2 145.492.000,84 2 145.492.000,84 0 - 12 2.019.133.057,90 0 - 0 - 27.264.629,54 12 3.250.310.897,55 1 42.970.361,67 3 68.566.799,52 6 281.255.425,78 38 6.222.855.864,97 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do CDFMM/MT. * Dados até abr. 2012. Cumpre ressaltar que parte relevante dos investimentos nos projetos priorizados ainda se encontra em andamento ou a iniciar. A capacidade instalada de processamento de aço no país, referente a estaleiros de médio e grande portes, totaliza atualmente 529 mil toneladas/ano, ocupando uma área de 3,97 milhões de m². Os estaleiros de médio porte são aqueles com capacidade de produção de pequenas e médias embarcações, atualmente especializados na construção de embarcações de apoio marítimo. Na Tabela 3, destacam-se os estaleiros STX-Niterói e o Aliança, no estado do Rio de Janeiro, o Navship, em Santa Catarina, e o Wilson Sons, em São Paulo. 14 Em 2010, não houve reunião do Conselho Diretor do FMM e, portanto, não houve concessão de prioridades. CONSTRUÇÃO NAVAL 287 TABELA 3 ESTALEIROS NACIONAIS DE MÉDIO E GRANDE PORTES – CAPACIDADE INSTALADA NO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2010 Estaleiros Processamento de aço (mil t/ano) Estado EISA 52 Rio de Janeiro 150 BRASFELS 50 Rio de Janeiro 410 RIO NAVE 48 Rio de Janeiro 150 ENAVI-RENAVE 40 Rio de Janeiro 200 MAUÁ 36 Rio de Janeiro 334 STX 15 Rio de Janeiro 120 ALIANÇA 10 Rio de Janeiro 61 SUPERPESA 10 Rio de Janeiro 96 SRD 10 Rio de Janeiro 85 UTC n.d. Rio de Janeiro 112 10 Santa Catarina 90 6 Rio de Janeiro 30 22 DETROIT MACLAREN OIL Área (mil m²) WILSON SONS 10 São Paulo NAVSHIP 15 Santa Catarina ITAJAÍ 12 Santa Catarina 177 RIO GRANDE 30 Rio Grande do Sul 100 0 Rio Grande do Sul QUIP ATLÂNTICO SUL 160 15 INACE Pernambuco 175 70 1.500 Ceará 180 Fontes: Sinaval e BNDES. Com relação aos estaleiros de grande porte, voltados à construção de grandes embarcações, destacam-se o Eisa, o Brasfels e o Mauá, no estado do Rio de Janeiro, o Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e o Atlântico Sul, em Pernambuco. Esses estaleiros respondem por parte relevante das encomendas nacionais, como pode ser verificado no Gráfico 3, que indica o market share dos estaleiros do país por tipo de embarcação. Note-se a atuação do BNDES nos investimentos já realizados nos estaleiros, tanto na construção de novas plantas – Estaleiro Atlântico Sul, Estaleiro OSX, Estaleiro Wilson Sons (duas plantas), Estaleiro Aliança (São Gonçalo), e Estaleiro Navship – quanto na ampliação e na modernização dos estaleiros já existentes – Estaleiro Aliança (Niterói) e Estaleiro STX. No período de 2000 a 2012, foram desembolsados R$ 2,2 bilhões a esses projetos. 288 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 3 MARKET SHARE DOS ESTALEIROS BRASILEIROS – POR TIPO DE EMBARCAÇÃO STX-SUAPE* BRASFELS RIO NAVE ITAJAÍ 8 (9%) 6 (18%) 10 (11%) PARAGUAÇU* 7 (8%) RENAVE MAUÁ 6 (18%) 5 (6%) OSX* 5 (15%) 11 (13%) EISA 4 (5%) GRÁFICO 3A: MARKET SHARE – NAVIOS-TANQUE 3 (3%) GRÁFICO 3B: MARKET SHARE – SONDAS SUPERPESA 3 (9%) 3 (3%) SÃO MIGUEL 12 (14%) 6 (18%) 3 (3%) MAUÁ RIO GRANDE JURONG* A DEFINIR 7 (22%) 22 (25%) EAS SÃO MIGUEL EAS INACE MACLAREN NAVSHIP 14 (7%) 10 (5%) 10 (5%) ETP 9 (4%) 16 (8%) OUTROS ALIANÇA 16 (8%) 53 (24%) GRÁFICO 3C: MARKET SHARE – EMBARCAÇÕES DE APOIO 18 (9%) STX 19 (9%) WILSON SONS 22 (11%) 21 (10%) EISA DETROIT Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras. * Em implantação. 3 . P O SICION A MENTO D A I N D Ú S TR I A NAVA L B R A SILE I R A N O M ER C A D O MU N D IA L E FATO R ES ES TR ATÉG I C O S DE COMPETITIV I D A D E O crescimento da indústria de construção naval brasileira ao longo da década foi acompanhado de crescimento desse setor no mundo. Diferentemente da indús- CONSTRUÇÃO NAVAL 289 tria brasileira, cujo crescimento esteve atrelado ao desenvolvimento das atividades petrolíferas offshore, o desempenho da indústria naval internacional esteve mais correlacionado ao aquecimento do comércio marítimo global, ocorrido nos anos anteriores à crise financeira de 2008, que estimulou a renovação da frota mercante internacional. TABELA 4 NÚMERO DE EMBARCAÇÕES ENCOMENDADAS NO INÍCIO DO ANO Ano Mundo Brasil (D) (A+B+C)/mundo (%) (D)/mundo (%) 2002 2.437 China (A) 348 Coreia do Sul (B) 480 Japão (C) 551 14 57 0,6 2003 2.497 357 488 645 21 60 0,8 2004 3.484 563 790 970 34 67 1,0 2005 4.483 862 1.017 1.123 27 67 0,6 2006 5.773 1.290 1.128 1.303 27 64 0,5 2007 7.788 2.243 1.457 1.553 40 67 0,5 2008 10.721 3.709 2.206 1.828 63 72 0,6 2009 11.071 4.102 2.308 1.910 78 75 0,7 2010 9.164 3.641 1.847 1.539 84 77 0,9 2011 8.198 3.511 1.556 1.326 108 78 1,3 2012 6.308 2.647 1.161 983 124 76 2,0 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados Clarkson Research. A Tabela 4 mostra o número de embarcações encomendadas no período de 2002 a 2012. Note-se o aumento na carteira de pedidos até o início do ano de 2009, quando a demanda por transporte marítimo encontrava-se bastante aquecida, com a posterior queda nas encomendas, a partir de 2010, que refletiu a tendência de retração do comércio internacional em consequência da crise global. A tabela indica, ainda, a importante participação dos países asiáticos na oferta mundial da indústria naval, com destaque para China, Coreia do Sul e Japão, que atendem a cerca de 80% das encomendas. Tal situação decorre não apenas do amplo amparo governamental desses países ao setor, mas também da mão de obra abundante e barata da região e da atuação em conglomerados para adequar a produção de navipeças e de tecnologia aos estaleiros. Os países asiáticos, em geral, especializaram seus estaleiros em alguns segmentos específicos para serem competitivos por meio de ganho de escala ou de conhecimento tecnológico. Os navios de carga, mais demandados internacionalmente, têm 290 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS sido produzidos principalmente pelos países antes apontados – China, Coreia do Sul e Japão –, enquanto as plataformas e os navios voltados à indústria de petróleo offshore são entregues, em sua maioria, por Cingapura. A produção de embarcações no Brasil ainda é muito pequena quando comparada à produção mundial. A carteira de encomendas aos estaleiros nacionais representou menos de 1% dos pedidos globais ao longo da década, embora, nos últimos anos, o número de pedidos tenha aumentado significativamente. Ressalte-se a ocorrência de recentes licitações para a contratação de 26 sondas de perfuração e de 14 plataformas de produção pela Petrobras, cujas contratações aos estaleiros ainda não estão definidas em sua totalidade. É importante destacar também a característica dessas novas encomendas, que dispõem de maior conteúdo tecnológico quando comparadas a navios-tanque e, consequentemente, contam com maior valor agregado. Como a retomada da indústria naval brasileira está fundamentada na garantia de uma demanda doméstica, os estaleiros nacionais têm sua produção voltada exclusivamente ao mercado interno. Ainda que nesse momento a indústria naval não esteja competindo internacionalmente, é importante destacar alguns fatores estratégicos para a competitividade global nesse setor: preço do aço, custo da mão de obra, competência em gestão e montagem e disponibilidade de navipeças [Favarin et al. (2010)]. PREÇO DO AÇO O aço é um dos elementos de maior custo na construção naval, representando cerca de 20% a 30% dos custos totais de construção de navios.15 A indústria siderúrgica brasileira é uma das mais competitivas do mundo, mas a crise econômica de 2008 reduziu a demanda internacional de aço, fazendo com que países exportadores buscassem o Brasil como mercado, oferecendo preços bastante inferiores aos nossos. O poder de negociação dos estaleiros brasileiros para o fornecimento do aço nacional foi, durante anos, limitado, já que a demanda por chapas e bobinas gros- 15 O percentual indicado refere-se à construção de navios de carga, como petroleiros e gaseiros. Para sondas, plataformas e embarcações de apoio mais complexas, o custo do aço não é tão relevante, já que essas embarcações dispõem de maior conteúdo tecnológico. CONSTRUÇÃO NAVAL 291 sas, principais produtos siderúrgicos utilizados pelo setor naval, era irregular e pulverizada, enquanto a oferta era realizada apenas pela Usiminas, caracterizando uma estrutura de monopólio. A produção nacional de chapas e bobinas grossas destinadas ao setor naval no período de 2007 a 2011 passou de 1,6% para cerca de 2,2% das vendas internas desses produtos. Atualmente, a demanda da indústria naval encontra-se mais robusta e relevante para a indústria siderúrgica nacional. Além disso, o Brasil conta hoje com três fornecedores de chapas grossas – a Usiminas, a CSN e a Arcelor Mittal –, e foram anunciados alguns investimentos para expansão da produção, como o da empresa Gerdau. CUSTO E DISPONIBILIDADE DE MÃO DE OBRA – IMPACTOS NO NÍVEL TECNOLÓGICO O custo da mão de obra representa de 15% a 20% dos custos totais de construção de navios e varia em função de dois fatores: posição dos estaleiros na curva de aprendizado, que define a velocidade dos ganhos de produtividade, e nível tecnológico dos estaleiros, que define o grau de mecanização dos processos. Estudos realizados por consultorias à época da formulação do Promef indicam que a curva de aprendizado da indústria naval brasileira apresenta declividade de 85%. Isso significa que, toda vez que a produção acumulada dobra, ocorre uma redução de 15% no consumo de mão de obra, medido pelo indicador HH/CGT.16 A declividade da curva dos países asiáticos é de cerca de 70%. Note-se, ainda, a agravante carência de mão de obra qualificada no Brasil, decorrente do desinteresse pela formação de pessoas nessa área nos últimos anos, já que o nível de investimentos no setor era praticamente nulo. Essa situação deverá mudar no médio prazo, já que diversos programas de treinamento têm sido realizados pela indústria e pelo governo, e alguns cursos universitários voltados à indústria naval foram retomados. 16 Indicador-padrão de produtividade de mão de obra na indústria naval. HH (homem-hora)/CGT (compensated gross tonnage – tonelagem bruta compensada): medida que equilibra as variações no nível de complexidade entre os tipos de embarcações existentes. Para o segmento offshore, especialmente sondas e plataformas, utiliza-se o indicador HH/t. 292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Quanto ao nível tecnológico, os estaleiros que dispõem de ativos e sistemas de informação avançados têm maior grau de automação e, portanto, fazem sentido em países com alto custo de mão de obra. Considerando que o custo da mão de obra no Brasil varia entre US$ 11 e US$ 19/HH, inferior ao de alguns países asiáticos e europeus, porém superior ao chinês, o país pode ser orientado a um nível tecnológico intermediário, isto é, nível 3 da Figura 1, que caracteriza os níveis de tecnologia da indústria naval. FIGURA 1 NÍVEIS DE TECNOLOGIA NA INDÚSTRIA NAVAL NÍVEL TECNOLÓGICO 2 1 ELEMENTO ESTRUTURA PRINCIPAL Carreira longitudinal ou lateral MOVIMENTAÇÃO DE CARGA Guindastes 10 ton a 50 ton PROCESSAMENTO DE AÇO 4 5 Dique escavado Guindastes/pórticos 50 ton a 200 ton Equipamentos* 200 ton a 500 ton Equipamentos 500 ton a 1.500 ton Equipamentos superior a 1.500 ton Corte manual/ótico; Corte a plasma; Corte a laser;** Solda manual Solda semiautomática Solda robotizada CAD/CAM; CAD/CAM/CIM;*** MRP ERP CAD INFORMATIZAÇÃO Data dos primeiros estaleiros 3 1960 1970 1980 1990 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da National Shipbuilding Research Program (NSRP). * São incluídos guindastes, pórticos, cábreas e sistema conjunto de trilhos + guindastes. ** Apesar de não aplicável a chapasde amior espessura, considerada o estado das artes da tecnologia de corte. *** CAD – Computer aided design; CAM – Computer aided manufacturing; CIM – Computer integrated manufacturing. Com relação aos ativos que definem a capacidade de movimentação, os níveis tecnológicos 1 e 2 dispõem de equipamentos de baixa capacidade de içamento, enquanto a partir do nível 3 começam a ser movimentados e unidos grandes blocos. Assim, nos níveis 1 e 2 são edificados de 250 a trezentos blocos para a construção de um navio, enquanto no nível 5 a construção se dá a partir da edificação de 12 a vinte blocos. A redução no número de blocos proporciona a redução dos prazos de construção. CONSTRUÇÃO NAVAL 293 Quanto à informatização, os níveis 1 e 2 têm muito baixa informatização, ao passo que a partir do nível 3 surgem sistemas de informação que permitem gerenciar recursos, processos, projetos e finanças. A aproximação do nível 5 indica maior integração desses sistemas. Apesar da possível orientação a um nível tecnológico intermediário, nível 3, os novos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, optaram por uma estratégia tecnológica equivalente ao nível 4 por disporem de dique, alta capacidade de içamento, etapas de processamento automatizadas e presença de sistemas de informação modernos. COMPETÊNCIA EM GESTÃO E MONTAGEM A competência em gestão e montagem é outro importante fator para obter ganhos de produtividade e redução de custos gerais, uma vez que impacta no planejamento, em programação e controle da produção, na engenharia de processos e na utilização de sistemas de informação e de coleta de dados. Nesse ponto, deve-se destacar a inovação de processos como importante fonte de competitividade do setor. A identificação de similaridades entre produtos intermediários, por exemplo, pode aumentar a eficiência do processo por meio do aumento da escala de produção, mesmo quando os produtos finais não são padronizados. O aprendizado na produção orientada a produto, isto é, com elevado grau de padronização, é significativamente mais rápido do que em estaleiros orientados a processos, com produção não seriada. Para obter a competência em gestão e montagem, os estaleiros nacionais têm utilizado duas estratégias: contratação de profissionais de outras empresas brasileiras com experiência na atividade de construção naval e associação com parceiros tecnológicos internacionais. DISPONIBILIDADE DE NAVIPEÇAS Finalmente, a disponibilidade de navipeças representa de 30% a 50% dos custos totais de construção de navios. A cadeia fornecedora de navipeças no Brasil ainda é 294 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS incipiente, e a produção de alguns equipamentos no país não é viável por falta de demanda que represente escala para a produção a custos competitivos. Os requerimentos de conteúdo local exigidos nas últimas encomendas de embarcações, no âmbito dos programas Prorefam e Promef e também na contratação das sondas e plataformas de produção, tendem a aumentar a demanda por equipamentos, possibilitando o desenvolvimento da indústria de navipeças. De outro lado, a prática continuada de fornecimento estrangeiro dos principais equipamentos em pacotes fechados, como sistemas, se coloca como importante barreira ao crescimento dessa demanda. Destaque-se o esforço do BNDES em fomentar a indústria de navipeças. O Banco lançou, em 2011, o Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e Serviços Relacionados ao Setor de Petróleo e Gás (BNDES P&G), o qual tem como principais objetivos criar e ampliar a capacidade produtiva das empresas fornecedoras de bens e serviços de petróleo e gás, nos quais se inserem os fornecedores de navipeças; aumentar sua competitividade doméstica e internacional; e desenvolver sua capacidade inovativa. 4 . INOVA Çà O N O S ETO R N AVA L B R A S I L EI R O Ainda que não tenha sido elencada como um dos fatores estratégicos de competitividade da indústria naval, a inovação é determinante da eficiência e da capacidade produtiva dos estaleiros de um país. A indústria naval é caracterizada por um lento processo de inovação tecnológica de produtos17 e está mais propensa às inovações de processos, tanto as tecnológicas quanto as gerenciais. No Brasil, a crise do setor naval na década de 1980 interrompeu os tímidos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) feitos até então pelos estaleiros e por algumas empresas de projetos. Quando da retomada da indústria 17 Exceção se faz à indústria de navipeças, que oferece extensa possibilidade de inovação de produtos. CONSTRUÇÃO NAVAL 295 nos anos 2000, calcada em nova demanda por embarcações voltadas às atividades petrolíferas, os estaleiros então instalados não dispunham de estrutura financeira robusta que lhes permitisse investir em atividades de P&D para atender às necessidades de seus clientes. Assim, passaram a adquirir os projetos e os equipamentos de alto conteúdo tecnológico de fornecedores internacionais. A busca de inovações pelos estaleiros brasileiros foi determinada pela necessidade de atender aos requerimentos dos armadores (demand pull). Nesse sentido, a participação de parceiros internacionais – acionistas, fornecedores e consultores – foi relevante para que os estaleiros nacionais tivessem acesso às tecnologias já utilizadas por outros países. Os projetos básicos têm sido importados das matrizes dos acionistas estrangeiros dos estaleiros ou de empresas projetistas reconhecidas internacionalmente. As inovações em navipeças de alto conteúdo tecnológico e em bens de capital específicos para a indústria naval têm sido introduzidas no mercado brasileiro por meio de importações. Não há, ainda, grande participação de empresas nacionais no desenvolvimento desses produtos. O cenário de novas encomendas nacionais configura uma oportunidade para que a indústria de navipeças se junte aos estaleiros para desenvolver a engenharia básica de novos produtos internamente, reduzindo a dependência dos fornecedores internacionais. Com relação às inovações em processos, a indústria naval brasileira proporciona grandes possibilidades, já que existe uma defasagem da engenharia de processos nacional vis-à-vis a estrangeira, tanto em processos de fabricação quanto em tecnologias gerenciais. 5 . P ER SPECTIVA S E C O N S I D ER A Ç Õ ES F I N A I S A demanda do setor de petróleo e gás por embarcações encontra-se bastante aquecida e tal situação deve se manter no longo prazo, já que a produção offshore tende a se intensificar com a exploração e a produção do pré-sal. O Plano de Negócios 296 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 2012-2016 da Petrobras estimou uma produção de 4.200 mbpd/dia18 para o ano de 2020, dos quais mais de 90% resultantes de produção no mar. Essa produção demandará a contratação de diversas sondas de perfuração, plataformas de produção e embarcações de apoio marítimo. Esse aquecimento do mercado tem ensejado investimentos na implantação e na ampliação de estaleiros de médio e grande portes, aumentando, de forma relevante, a capacidade instalada projetada para os próximos anos. Entre os projetos de novas plantas de grande porte, destacam-se o Estaleiro OSX, no Rio de Janeiro, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Bahia, e o Estaleiro Jurong, no Espírito Santo. Com relação aos projetos de expansão, destacam-se o do Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, e o do Estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Com relação aos estaleiros de médio porte, destacam-se os investimentos em novas plantas pelo STX-Quissamã, no Rio de Janeiro, e P2, em Santa Catarina. Quanto às expansões, o Estaleiro Wilson Sons, em São Paulo, já está com os investimentos em andamento. Além do aumento de capacidade, esses novos estaleiros vão elevar o nível tecnológico do parque nacional, já que os equipamentos adquiridos devem contar com maior capacidade de içamento e movimentação, e os níveis de informatização devem ser superiores aos previamente utilizados. Ainda do ponto de vista tecnológico, é importante ressaltar a crescente atração de grupos estrangeiros à indústria naval brasileira, atuando, na maioria das vezes, como parceiros tecnológicos nos novos estaleiros. O grupo sul-coreano Hyundai Heavy Industries é acionista do Estaleiro OSX, o grupo Jurong Shipyard, de Cingapura, atuará no Brasil por intermédio do estaleiro Jurong Aracruz, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu firmou, recentemente, parceria com o grupo japonês Kawasaki Heavy Industries Ltd. e o Estaleiro Atlântico Sul encontra-se em negociação com novo parceiro tecnológico japonês, o Ishikawajima-Harima Heavy Industries. 18 Mbpd/dia: mil barris de petróleo/dia. CONSTRUÇÃO NAVAL 297 Além de atrair diversos grupos internacionais, a demanda aquecida do setor de óleo e gás por embarcações e a política de incentivos adotada pelo governo federal também trouxeram investidores nacionais de outros segmentos para a construção de embarcações, como as construtoras Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e Odebrecht e as empresas de engenharia UTC e Engevix. Com relação ao setor de navipeças, cumpre ressaltar os investimentos que já estão sendo realizados por algumas empresas do setor, como a WEG e a Jaraguá, e a atração de empresas estrangeiras que também estão realizando investimentos no país, como a Caterpillar e a Rolls Royce. Note-se, ainda, o movimento que tem feito a indústria metal-mecânica nacional, já consolidada em alguns setores de bens de capital, voltando sua produção ao setor de navipeças, como a Usimec. As perspectivas de demanda e de aumento de capacidade da indústria naval nacional nos próximos anos são bastante positivas. A demanda criada pelas atividades de exploração e produção de petróleo e gás offshore tem se mostrado robusta e perene, requerendo investimentos relevantes em aumento de capacidade produtiva. As encomendas de sondas de perfuração, de plataformas de produção e de embarcações de apoio marítimo deverão sustentar, no longo prazo, a carteira dos estaleiros. Com os investimentos anteriormente apontados, o parque naval nacional deverá atingir uma capacidade de processamento de aço superior a 850 mil toneladas/ ano. Tal como ocorre atualmente, a configuração do novo parque se manterá concentrada em estaleiros de médio porte, para atender, assim, à grande demanda por esse tipo de embarcação. Finalmente, deve-se ressaltar a relevante participação do BNDES na reestruturação da indústria naval ao longo da década. O Banco foi o principal repassador de recursos do FMM nas operações de investimentos em aumento de capacidade dos estaleiros e de construção de embarcações de apoio e de navios-tanque. Destaque-se, ainda, o importante papel que o BNDES desempenhará no apoio à construção de sondas de perfuração e plataformas de produção em estaleiros nacionais, operações dependentes de grandes volumes de capital e que não contarão com recursos do FMM. 298 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O apoio à indústria naval, além da forte geração de empregos nos estaleiros, traz externalidades a toda a cadeia fornecedora do setor, inclusive à indústria de navipeças, que está se reestruturando e se fortalecendo, também com o apoio do Banco, de modo a atender à nova demanda dos estaleiros. RE F E RÊN CIA S ANP – AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e biocombustíveis – 2011. Rio de Janeiro, 2011. FAVARIN, J. V. et al. Competitividade da indústria naval brasileira. Rio de Janeiro, 2010. LIMA, G. O soerguimento da construção naval brasileira nos anos 2000 – Uma análise neo-schumpeteriana. Dissertação (Mestrado em Teoria Econômica) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. SINAVAL – SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO E REPARAÇÃO NAVAL E OFFSHORE. Capacidade produtiva dos estaleiros brasileiros. Disponível em: http://www.sinaval. org.br/docs/SINAVAL-Cenario2010-Capacidade.pdf>. Acesso em: ago. 2012. BIB L IOG RA FIA ALMEIDA, L. M. Estudo de caso sobre a indústria naval sul-coreana. Rio de Janeiro, 2009. COUTINHO, L.; SABBATINI, R.; RUAS, J. A. Projeto: Implantação e consolidação de laboratório de gestão de operações e da cadeia de suprimentos da indústria de construção naval – Documento: Forças atuantes na indústria. São Paulo, 2006. COUTINHO, L. et al. Projeto: Implantação e consolidação de laboratório de gestão de operações e da cadeia de suprimentos da indústria de construção naval – Documento: Avaliação de nichos de mercado potencialmente atraentes ao Brasil. São Paulo, 2006. CONSTRUÇÃO NAVAL 299 CUNHA, M. A. Indústria de construção naval: uma abordagem estratégica. São Paulo, 2006. DE NEGRI, J. A.; KUBOTA, L. C.; TURCHI, L. Inovação e a indústria naval no Brasil. Belo Horizonte, 2009. FAVARIN, J. V. Metodologia de formulação de estratégia de produção para estaleiros brasileiros. São Paulo, 2011. FAVARIN, J. V. et al. Balanço entre oferta e demanda na construção naval brasileira. Rio de Janeiro, 2010a. RODRIGUES, F. H.; RUAS, J. A. Perspectivas do investimento em Mecânica – Naval. Perspectivas do Investimento no Brasil, Sistema produtivo 07. Instituto de Economia da UFRJ e Instituto de Economia da Unicamp (Coord.). Campinas, jan. 2009. SABBATINI, R. et al. Construção naval. Relatório de acompanhamento setorial, v. II. Campinas: Unicamp e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), jun. 2008. Disponível em: <http://www.abdi.com.br/Estudo/Naval%20junho%20 2008.pdf>. Acesso em: ago. 2012. SITES CONSULTADOS MT – MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES – <http://www.transportes.gov.br/>. Vitor Pimentel Renata Gomes André Landim João Pieroni Pedro Palmeira Filho* * Respectivamente, economista, engenheira, engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Maurício Neves, Tânia Tinoco, Filipe Lage de Sousa, André Sant’anna e Mário Fernandes. Eventuais erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 301 RE S UMO A saúde é uma das áreas de maior convergência entre aspectos sociais e econômicos do desenvolvimento, pois condiciona o pleno exercício dos direitos humanos e demanda uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. Nos países em desenvolvimento, as transições epidemiológica e demográfica apontam para um crescimento acelerado do mercado e a aproximação de suas necessidades de saúde às dos países desenvolvidos. Dessa forma, a construção de uma base industrial em saúde passou ao centro das agendas nacionais de desenvolvimento. No Brasil, o maior desafio do Complexo Industrial da Saúde é ampliar os investimentos em inovação, como forma de expandir sua competitividade. O objetivo deste trabalho é discutir o papel do BNDES em um contexto em que promover a inovação constitui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde. AB S T RA C T Health promotion is a basic condition for human rights fullfilment and requires a complex chain of high technology goods and services, being a key area of both social and economic development. In developing countries, the demographic and epidemiological transitions points out to an intense growth of the market and to a convergence of their health needs to those of developed countries. Thus, building a health care industrial base became a central issue in national development political agendas. In Brazil, the greatest challenge for the Health Industry is increasing innovation investments, in order to compete in the global market. In this context, we discuss the role of BNDES in fostering innovation as means to expand Brazilian people’s access to new health products. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 303 1 . INTR OD U Çà O A saúde é uma das áreas mais importantes do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social, tanto como condição para o pleno exercício dos direitos humanos quanto como demandante de uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. O direito à saúde, como parte do papel do Estado, adiciona um papel fundamental às políticas públicas, buscando ampliar o acesso da população a esses produtos. Ao longo de seus sessenta anos de história, o BNDES vem atuando no fortalecimento das indústrias de saúde no Brasil por meio de suas diferentes linhas de financiamento. A partir de 2003, a instituição passou a atuar de forma prioritária na cadeia farmacêutica e, mais recentemente, em todo o Complexo Industrial da Saúde, como parte dos focos das recentes políticas industriais. Por meio de um programa específico, o BNDES Profarma, o Banco vem contribuindo para a ampliação da competitividade e dos esforços de inovação na indústria de saúde brasileira. No entanto, diversos são os desafios previstos para o futuro. Desde a segunda metade do século XX, o Brasil está em processo de transição do perfil de demanda por saúde, aproximando-se do de países desenvolvidos, com alta prevalência de doenças crônico-degenerativas. Esse movimento, associado à contínua melhoria de indicadores sociais e de renda, gera uma perspectiva de elevado crescimento da demanda por saúde, impondo um grande desafio para a sustentabilidade do sistema público de saúde brasileiro, que se propõe universal, conforme consagra a Constituição de 1988. Pelo lado da oferta, embora tenham ocorrido avanços nos esforços de inovação das empresas brasileiras, as bases produtiva e tecnológica instaladas no país não acompanharam as mudanças no perfil da demanda. Como reflexo da fragilidade competitiva, o déficit comercial do Complexo Industrial da Saúde alcançou US$ 10 bilhões em 2011. Contudo, novas trajetórias tecnológicas e tendências de mercado, como a ascensão da biotecnologia na indústria farmacêutica e a busca por soluções integradas na indústria de equipamentos médicos, se apresentam como grandes oportunidades para incorporação de competências produtivas e tecnológicas na indústria brasileira de saúde. 304 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Considerando o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde como um dos elementos-chave da sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), do adensamento tecnológico da indústria brasileira e, em última instância, do desenvolvimento do país, busca-se apontar neste trabalho o papel do BNDES na construção de uma base industrial e tecnológica de saúde competitiva no Brasil. Para isso, o artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na primeira, resgatam-se alguns conceitos da relação entre saúde e desenvolvimento que fundamentam a análise integrada do Complexo da Saúde. Em seguida, traça-se um breve panorama dos principais condicionantes para a evolução futura das indústrias de saúde, destacando a mudança de perfil epidemiológico, o crescimento dos países em desenvolvimento e as principais tendências tecnológicas e de mercado. Direcionando o olhar para o Brasil, a terceira seção mostra sua posição nas tendências internacionais e identifica os principais desafios para as indústrias de saúde do país. A quarta seção expõe a história recente da atuação do BNDES, com ênfase na progressiva adoção do conceito de Complexo Industrial da Saúde. À guisa de conclusão, discute-se o papel do BNDES, nesse novo cenário, como um dos atores da integração entre a política industrial e o atendimento às necessidades de saúde do país. 2 . S AÚ D E C OMO DES EN V O LV I M EN TO A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças” [OMS (1946)]. Por envolver aspectos objetivos e subjetivos, a saúde é um dos temas mais complexos para as teorias tradicionais do desenvolvimento, que geralmente se restringem à análise do crescimento econômico, do aumento da renda e do avanço tecnológico. Se considerada uma perspectiva mais ampla, como a proposta por Sen (2000), a saúde passa a ter um papel central no desenvolvimento econômico e social. Para o autor, o desenvolvimento consiste na remoção das várias restrições que limitam a escolha individual e reduzem as oportunidades de ação das pessoas. A expansão da liberdade é, simultaneamente, o fim precípuo e o principal meio para a promoção COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 305 do desenvolvimento. Mais do que apenas influenciar a liberdade, a saúde é considerada condição básica, sendo sua promoção um fim em si mesmo. Concretamente, a ampliação do acesso à saúde está associada a várias trajetórias de redução da pobreza e do aumento de renda, pois viabiliza o desenvolvimento físico e intelectual das pessoas, favorecendo a produtividade do trabalho e a capacidade de aprendizado. Grandes saltos de desenvolvimento da história econômica foram sustentados por importantes transformações no sistema de saúde e no controle de doenças, como nos casos do milagre japonês e da reconstrução da Europa Ocidental, na segunda metade do século XX [Sachs (2001)]. A associação entre ausência de saúde e persistência da pobreza é mais direta. As populações pobres são mais vulneráveis a contrair doenças por terem menos acesso a água potável, saneamento básico, informação sobre comportamentos preventivos e alimentação adequada. Por sua vez, as enfermidades tendem a aprofundar a pobreza, tanto pelo custo financeiro de tratar a doença, quanto por reduzir a capacidade de trabalho. Por esse motivo, ao longo do processo de desenvolvimento de alguns países, as demandas sociais levaram à formação dos modernos sistemas de proteção da saúde, tornando coletivo o risco de um indivíduo adoecer [Sachs (2001); Viana, Silva e Elias (2007)]. A construção desses sistemas de proteção social ao longo do processo de desenvolvimento representou uma fonte de demanda relativamente estável e independente do ciclo econômico para os bens e serviços de saúde, induzindo a consolidação de uma expressiva base industrial de saúde [McKelvey e Orsenigo (2001)]. Dessa forma, por envolver a produção de um amplo conjunto de bens e serviços de elevado conteúdo tecnológico e demandar mão de obra qualificada, a saúde pode ser diretamente relacionada, também, ao desenvolvimento industrial e tecnológico de um país. Em particular, a inovação é o fator de competitividade preponderante nas indústrias de saúde [Gadelha et al. (2009)]. A inovação em saúde é essencialmente tecnológica, tendo recebido o segundo maior investimento privado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do mundo, da ordem de US$ 150 bilhões em 2010, atrás apenas das indústrias de tecnologia de informação [Batelle (2011)]. Se considerados também os investimentos públicos, 306 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS estima-se que a saúde receba cerca de 20% (US$ 270 bilhões) do total de recursos de P&D1 [Burke e Matlin (2008); Batelle (2011)]. Assim, dado o constante deslocamento da fronteira tecnológica em saúde, o desenvolvimento industrial significa não apenas construir uma base produtiva, mas também internalizar competências de inovação, de modo a ser capaz de participar do deslocamento da fronteira do conhecimento e compreender mais rapidamente as novas tecnologias. A inovação tecnológica (ou o progresso técnico) é considerada a chave para o desenvolvimento por um variado espectro de correntes da teoria econômica, desde as diversas abordagens de inspiração schumpeteriana (destruição criadora) até os modelos neoclássicos de crescimento (progresso técnico), passando pelos estruturalistas (mudanças estruturais) e marxistas (desenvolvimento das forças produtivas), em um raro consenso entre tradições tão díspares. A interação entre a base industrial e a prestação de serviços (hospitais, clínicas, centros de diagnóstico) no atendimento à saúde impõe a necessidade de uma análise integrada e sistêmica, entendida no conceito de Complexo (Econômico-Industrial) da Saúde [Gadelha (2003)]. Essa abordagem se propõe a analisar a saúde de uma perspectiva mais ampla, que leva em conta a articulação entre a geração e difusão tecnológica e a dinâmica social. As políticas de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico passam, assim, a considerar sua articulação com as demandas sociais. Em síntese, busca-se discutir o apoio do BNDES ao Complexo Industrial da Saúde com base em uma visão particular de desenvolvimento econômico, definida por Celso Furtado como: Processo de mudança social pelo qual o crescente número de necessidades humanas, pré-existentes ou criadas pela própria mudança, são satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo, gerado pela introdução de inovações tecnológicas [Furtado (1964, p. 29)]. 1 O valor percentual refere-se ao levantamento de Burke e Matlin (2008) e teve o ano de 2005 como referência; Batelle (2011) apresenta os dados de investimento em P&D total no mundo por países, com referência a 2010. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 307 3 . T RA N SIÇÕES IN T ER N A C I O N A I S D A S A Ú D E TENDÊNCIAS DA DEMANDA POR SAÚDE NO MUNDO A natureza da demanda por saúde depende do grau de desenvolvimento da sociedade. As populações pobres geralmente apresentam problemas de saúde relacionados às condições de vida coletiva, resultando em elevada incidência de doenças infectocontagiosas na população. Além de tratamento por medicamentos, o efetivo enfrentamento dessas doenças ocorre com a ampliação de serviços de saneamento, infraestrutura e educação [Hsiao e Heller (2007)]. Com a evolução dos indicadores sociais e econômicos, os fatores individuais – como estilo de vida, genética e idade – se tornam preponderantes, resultando em aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas na população, como câncer, diabetes e hipertensão [Hsiao e Heller (2007)]. Tal configuração se reflete na distribuição da carga de doença2 no mundo: nos países pobres,3 as causas transmissíveis são mais frequentes, enquanto nos países ricos prevalecem as causas não transmissíveis; a participação das causas externas é relativamente estável.4 Já os países de renda média convivem com ambas as causas de perda de anos de vida, conforme se observa no Gráfico 1. Assim, o processo de desenvolvimento e crescimento da renda tende a alterar os padrões de demanda por saúde da população em direção às doenças crônico-degenerativas, processo conhecido como transição epidemiológica. Em um movimento conjunto e correlacionado à transição epidemiológica, o mundo passa também por uma intensa transição demográfica, que se reflete na melhora dos indicadores populacionais básicos. Em particular, observa-se uma queda nos indicadores de natalidade e mortalidade infantil, enquanto a expectativa de vida ao 2 Metodologia adotada pela Organização Mundial da Saúde [OMS (2012)]. Consiste no cálculo de um índice sintético, o DisabilityAdjusted Life Years (DALY), ou anos de vida ajustados por incapacidades, definido como a soma dos anos de vida perdidos em razão da mortalidade prematura e dos anos vividos com a incapacidade (por causa da doença ou das sequelas). 3 Conforme classifica o Banco Mundial, países de renda baixa, média e alta são, respectivamente, aqueles cuja Renda Nacional Bruta per capita em 2009 foi: inferior a US$ 995; entre US$ 996 e US$ 12.195; e superior a US$ 12.196. 4 Causas transmissíveis: doenças infectocontagiosas, problemas nutricionais e perinatais; causas não transmissíveis: basicamente doenças crônico-degenerativas, como câncer, diabetes e hipertensão; causas externas: violência, guerra, acidentes e autoflagelo. 308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS nascer aumenta. Na comparação entre 1970 e 2009, nota-se melhora em todos esses indicadores na média mundial e em todas as classes de países. Nesse contexto, o Brasil sobressai, ao passar de uma situação de alinhamento com os países de renda média para aproximar-se dos indicadores dos países de renda elevada (Tabela 1). GRÁFICO 1 DISTRIBUIÇÃO DA CARGA DE DOENÇAS NO MUNDO, 2004 100 80 (%) 60 40 20 0 Países de renda baixa Transmissíveis Países de renda média Não transmissíveis Países de renda alta Externas Fonte: Elaboração própria, com base em dados de OMS (2008) e do Banco Mundial, Databank. TABELA 1 INDICADORES SOCIODEMOGRÁFICOS SELECIONADOS, 1970-2009 Número de filhos por mulher Mortalidade infantil Expectativa de vida 1970 2009 1970 2009 1970 2009 PAÍSES DE RENDA BAIXA 6,6 4,1 146 70 45 58 PAÍSES DE RENDA MÉDIA 5,3 2,4 99 38 57 69 PAÍSES DE RENDA ALTA 2,5 1,7 24 5 71 80 MUNDO 4,7 2,5 95 41 59 69 BRASIL 5,0 1,9 99 17 59 73 Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank. Como consequência, a população de crianças e adolescentes (zero a 14 anos) vem caindo em termos relativos desde a década de 1970 e, em termos absolutos, desde o ano 2000. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas [ONU COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 309 (2012)], em cenário neutro (médio), a participação dos idosos (maiores de sessenta anos) no total da população mundial deverá ultrapassar a de crianças e adolescentes por volta de 2045, conforme mostra o Gráfico 2. GRÁFICO 2 POPULAÇÃO MUNDIAL POR FAIXAS ETÁRIAS, 1970-2045 10.000 9.000 21% 8.000 MILHÕES DE HABITANTES 16% 7.000 12% 6.000 10% 5.000 4.000 60% 58% 24% 21% 62% 8% 58% 3.000 54% 2.000 1.000 27% 33% 37% 0 1970 0-14 1975 1980 15-59 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015* 2020* 2025* 2030* 2035* 2045* 60+ Fonte: Elaboração própria, com base em dados e estimativas da United Nations Population Division. * Estimativa. O relatório da ONU relata que as doenças crônico-degenerativas já respondem por mais de 60% dos óbitos no mundo e, em locais onde a população de idosos supera 20%, ultrapassam 80% das causas de óbito [ONU (2012)]. Assim, em um contexto de envelhecimento da população, espera-se que, no mundo, essas doenças tenham crescente participação nas necessidades de saúde. Há correlação positiva entre as transições epidemiológica e demográfica e a natureza da demanda por produtos e serviços de saúde: uma população mais velha tende a ter maior incidência de doenças crônico-degenerativas, que, na maior parte, ainda não têm cura, fazendo o tratamento acompanhar o paciente por longos períodos e impondo a necessidade de incorporação de tecnologias mais avançadas e, geralmente, mais caras [ONU (2012); Nunes (2004); Schramm et al. (2004)]. 310 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Dentre essas tecnologias, destacam-se medicamentos de origem biotecnológica, com a aplicação de técnicas de DNA recombinante, e equipamentos de diagnóstico mais precisos, que permitem maior personalização do tratamento conforme as necessidades do paciente [PWC (2007); Golisano (2012)]. Dessa forma, uma parcela crescente da renda é destinada à saúde. Conforme a Tabela 2, a participação dos gastos em saúde na renda per capita é maior quanto maior a renda per capita do país, além de crescer ao longo do tempo. Nesse contexto, a participação dos gastos com saúde na renda per capita brasileira é bem superior à da classe dos países de renda média, da qual faz parte, indicando um estágio avançado dos processos de transição. TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DO GASTO COM SAÚDE NA RENDA PER CAPITA, POR CLASSES DE PAÍSES,1995 E 2009 (EM %) 1995 2009 PAÍSES DE RENDA BAIXA 3,6 5,2 PAÍSES DE RENDA MÉDIA 3,7 6,1 PAÍSES DE RENDA ALTA 8,0 13,6 MUNDO 6,5 10,0 BRASIL 5,3 10,0 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Banco Mundial, Databank. ESTRUTURA E TENDÊNCIAS DAS INDÚSTRIAS DE SAÚDE O Complexo Industrial da Saúde (CIS) é composto pelas cadeias de P&D e de produção das indústrias de Equipamentos e Materiais Médicos, Hospitalares e Odontológicos (EMHO) e das indústrias farmacêutica, de vacinas e hemoderivados. Embora de diferentes bases tecnológicas, como a metal-mecânica, eletrônica, química e biotecnologia, esses segmentos interagem entre si e com os serviços de saúde, formando o Complexo da Saúde. O mercado global do CIS alcançou US$ 1,2 trilhão em 2011.5 Apresenta estrutura de mercado em oligopólio, no qual as grandes empresas atuam globalmente e 5 Neste trabalho, buscou-se abordar as diferentes indústrias de saúde de forma integrada, enfatizando as diferenças quando necessário. Os dados do CIS se referem à soma das indústrias farmacêutica e de EMHO, as mais representativas entre os setores industriais. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 311 respondem por cerca da metade do mercado mundial. Tal estrutura é resultado dos enormes investimentos em P&D para o lançamento de novos produtos, que consomem entre 10% e 20% da receita das empresas mais representativas [IMS Health (2012); PhRMA (2011); Kalorama (2012)]. As demais empresas buscam vantagens competitivas por estratégias de enfoque, especializando-se em nichos de mercado ou plataformas tecnológicas. Não obstante a estratégia competitiva, a inovação tecnológica é o principal fator de competitividade das indústrias de saúde. Estima-se que o mercado do CIS cresça entre 4% e 6% a.a. nos próximos quatro anos. Entretanto, a média camufla uma grande diferença no crescimento entre os países: tendo em vista as transições epidemiológica e demográfica mais intensas nos países em desenvolvimento, essas nações devem se tornar o “motor do crescimento” do CIS, com taxas estimadas acima de 10% a.a. [IMS Health (2011); Kalorama (2012)]. O maior dinamismo dos mercados emergentes vem intensificando os movimentos de consolidação no CIS, liderados pelas grandes multinacionais do setor, por meio de investimentos externos diretos e aquisições de empresas nos mercados-alvo. Além das razões tradicionais relacionadas a custos, o deslocamento da produção em direção aos países em desenvolvimento busca maior proximidade e adaptação dos produtos a esses mercados. No caso farmacêutico, com o fraco desempenho dos mercados maduros, em especial Estados Unidos, Europa e Japão, a tendência é que a participação dos países emergentes no mercado mundial praticamente dobre em um período de dez anos, alcançando 37% até 2015, como indica o Gráfico 3 [IMS Health (2011)]. O maior interesse das grandes multinacionais em relação aos países em desenvolvimento reflete não só o crescimento acelerado desses mercados como também o crescente hiato entre a ampliação dos investimentos em P&D das grandes empresas (dobraram na década de 2000) e o número de novos produtos lançados no mercado, que foi reduzido à metade.6 6 Dados se referem ao mercado norte-americano, conforme analisam Reis, Landim e Pieroni (2011). 312 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 3 MERCADO FARMACÊUTICO, DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA POR MERCADO 100 19% 26% 37% 80 % 60 40 81% 74% 63% 20 0 2005 Maduro 2010 2015 Emergente Fonte: IMS Health (2011). A incapacidade de repor o portfólio de produtos de elevado volume de vendas vem levando ao aumento da participação de produtos de empresas concorrentes seguidoras, como os medicamentos genéricos, cuja participação no mercado farmacêutico deve passar de 20% para 40% entre 2005 e 2015 [Burrill & Company (2011); IMS Health (2011)]. Do ponto de vista tecnológico, uma das alternativas mais promissoras para a perda de receitas observada advém da aplicação de técnicas de biotecnologia moderna à saúde, pois a maior parte dos produtos tem indicações para tratamento de doenças crônico-degenerativas, com prevalência crescente no perfil epidemiológico mundial. Por exemplo, o crescimento médio acumulado das vendas de medicamentos biotecnológicos foi de 17% a.a. entre 2002 e 2010, ante 7% a.a. dos demais produtos farmacêuticos (Gráfico 4). Para 2016, espera-se que os produtos biotecnológicos representem mais de 20% das vendas do mercado farmacêutico mundial [Evaluate Pharma (2010)]. A biotecnologia contribui, ainda, com a tendência de ampliação da medicina personalizada, com destaque, por exemplo, para o desenvolvimento de COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 313 biomarcadores para diagnóstico e tratamento de doenças. Os marcadores biológicos são utilizados na distinção entre processos biológicos normais e aqueles associados à doença e na avaliação da resposta a um determinado tratamento, com base na identificação genética do paciente, subsidiando a escolha terapêutica pelo médico. Já existem medicamentos desenvolvidos para tratar os pacientes com câncer cujo tumor seja positivo para traços genéticos específicos, identificados por biomarcadores. GRÁFICO 4 MERCADO FARMACÊUTICO MUNDIAL, POR TECNOLOGIA DE PRODUÇÃO 1.000 900 21% 800 700 18% US$ BILHÕES 600 500 400 10% 300 200 100 0 2002 2003 Outros 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* 2016* Biotecnologia Fonte: Evaluate Pharma (2010). * Estimativa. A tendência de medicina personalizada conduz à necessidade de elaborar um quadro clínico mais abrangente e distinguir características específicas de grupos de pacientes. Assim, os investimentos da indústria de EMHO vêm procurando focar em novas técnicas de diagnóstico e monitoramento na forma de soluções integradas, que buscam, por meio das tecnologias de informação e comunicação, a integração com os demais aparelhos e com o sistema de gerenciamento de hospitais. 314 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 4 . DESA FIOS E OPO RTU N I D A D ES D O B R A S I L DEMANDA POR SAÚDE Como um país em desenvolvimento, o Brasil se insere na tendência global de transição em direção a padrões de demanda de saúde mais próximos aos de países desenvolvidos. Os processos de transição epidemiológica e demográfica estão bastante avançados no país: as causas de doenças não transmissíveis já respondem por 64% da carga de doença, padrão mais próximo de países desenvolvidos (77%) do que dos países de renda média (47%). Do ponto de vista demográfico, ONU (2012) estima que a população brasileira de idosos deve ultrapassar a de crianças e adolescentes em 2030, antes do previsto em âmbito mundial, por volta de 2045. Uma terceira transição, mais recente e específica do Brasil, é a melhoria da distribuição de renda da população, depois de um longo período de deterioração. Ainda extremamente elevado, o índice de Gini7 apresentou redução de 10% na década de 2000, resultado do crescimento econômico e das políticas sociais compensatórias. Assim, observa-se, no Gráfico 5, a ascensão da população para as classes mais altas de renda: em 2003, 45% da população brasileira pertencia às classes A, B e C,8 enquanto em 2009 a proporção se inverteu, com mais de 60% pertencendo ao grupo de renda superior [Neri (2011)]. A melhoria da distribuição de renda gera impactos diretos na demanda por bens e serviços de saúde. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, a participação dos gastos com assistência à saúde no total de despesas do brasileiro aumenta com a ampliação da renda, chegando a representar mais de 8% das despesas de consumo nas famílias mais ricas e menos de 5% nas famílias pobres [IBGE (2010)]. O ritmo acelerado das transições epidemiológica e demográfica e da melhora da distribuição de renda no Brasil aponta para uma explosão da demanda por produtos e serviços de saúde nos próximos anos, implicando desafios significativos para o sistema público de saúde brasileiro. 7 Indicador que varia entre 0 e 1, em que 0 significa perfeita igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à absoluta desigualdade (uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). 8 Renda familiar per capita superior a R$ 1.126 (de 2009). COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 315 GRÁFICO 5 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR CLASSES DE RENDA 65 60 55 % 50 45 40 35 30 1992 1993 1995 Classes A, B e C 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Classes D e E Fonte: Centro de Políticas Sociais, Fundação Getulio Vargas (FGV). OS DESAFIOS DO SUS O Brasil é um dos poucos países do mundo que assumiram a ousada proposta de construir um sistema público e universal de atenção à saúde da população, conforme consagra a Constituição de 1988. Por essa razão, do ponto de vista da demanda, o Sistema Único de Saúde (SUS) representa uma parcela expressiva do mercado de produtos de saúde (cerca de 30% do mercado total) e alcançou R$ 18 bilhões em 2011, dos quais R$ 11 bilhões em medicamentos e R$ 7 bilhões em EMHO [Brasil (2011) e Aguiar (2012)]. Referência em diversas áreas de saúde, como imunização, transplantes, tratamento da AIDS e distribuição gratuita de medicamentos, o SUS é o único sistema público de saúde no mundo que assiste, de forma integral, mais de cem milhões de pessoas. O gasto total com saúde representa cerca de 9% do PIB brasileiro, uma média próxima aos padrões internacionais (Gráfico 6). No entanto, ao se analisar a parcela pública dos gastos em saúde, o país ainda apresenta uma estrutura de desembolso próxima à de países de renda baixa (apenas 46% dos gastos são oriundos do Estado), inferior a países da Améria Latina e incompatível com um modelo que se pretende universal. 316 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 6 GASTO COM SAÚDE PÚBLICO E PRIVADO COMO PERCENTUAL DO PIB, 2009 18 16 14 12 % PIB 10 8 6 4 66% 2 41% 52% 43% Renda média Paraguai 63% 84% 49% 46% 0 Renda baixa Gasto público com saúde Brasil Argentina Renda alta Reino Unido Estados Unidos Gasto privado com saúde Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank. Assim, a perspectiva de aumento expressivo da demanda por saúde no Brasil e a demanda social pelo acesso a tratamentos mais avançados9 torna ainda mais premente a reversão do atual estado de subfinanciamento público da saúde no país. Por outro lado, o desafio de gestão de um sistema desse porte é enorme, envolvendo uma longa discussão sobre os possíveis modelos. Estes parecem ser os principais desafios das políticas públicas de saúde no Brasil: a ampliação do acesso e a racionalização dos gastos do sistema [Ipea (2008); OMS (2011)]. Para fazer frente aos desafios, observa-se o deslocamento do foco dos sistemas de saúde no mundo em direção à atenção básica e à promoção de hábitos de vida mais saudáveis, buscando prevenir doenças e reduzir o número de intervenções mais profundas. Os tratamentos, quando necessários, devem ser adaptados aos casos específicos, por meio principalmente de mapeamento genético, em linha com a medicina personalizada [PWC (2007)]. 9 Até mesmo pela via judicial, em que pacientes que necessitam de produtos ou serviços ainda não incorporados pelo SUS entram com ação contra o Estado para receber o tratamento, com impactos significativos e imprevisíveis sobre o orçamento público. A questão é controversa, envolvendo elementos que escapam ao escopo deste trabalho. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 317 Ao mesmo tempo, os procedimentos para incorporação tecnológica de novos produtos e tratamentos nos sistemas de saúde vêm ganhando cada vez mais importância, com a realização de estudos de custo-efetividade, que avaliam seus benefícios ante sua viabilidade econômica para o Estado.10 Já do ponto de vista da segurança do sistema, é desejável a produção doméstica dos itens considerados estratégicos.11 Compreendida a saúde em uma lógica de desenvolvimento social e econômico, a existência de uma expressiva base industrial e de inovação tecnológica no país apresenta-se como um dos elementos-chave para a redução da vulnerabilidade da política de saúde, contribuindo para viabilizar o maior acesso da população a novos produtos e serviços. EVOLUÇÃO DO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE As primeiras empresas da indústria brasileira de saúde surgiram nas décadas de 1950 e 1960, em consonância com o início efetivo da industrialização no país, no bojo das políticas de substituição de importações. As empresas brasileiras de EMHO conseguiram crescer e ganhar mercado principalmente em função de medidas protecionistas, como a Lei do Similar Nacional.12 Entretanto, tendo em vista as limitações tecnológicas e de mercado do país à época, a maior parte dos investimentos destinaram-se aos itens mais simples, como materiais de consumo (luvas, seringas, agulhas, cateteres), que até hoje representam 41% da produção local [Abimo (2007; 2011)]. No caso da indústria farmacêutica, as primeiras empresas instaladas no país foram grandes multinacionais, que restringiam sua produção a etapas finais do processo de produção dos medicamentos, mantendo os princípios ativos importados. Com o passar dos anos, empresas nacionais, de atuação basicamente comercial na cadeia farmacêutica, passaram a produzir medicamentos. 10 Para isso, foi instituída no Brasil a Comissão para Incorporação de Tecnologias (Citec) pela Portaria 3.322/2006 do Ministério da Saúde. Em 2008, o Ministério da Saúde definiu, pela primeira vez, uma lista de produtos estratégicos, atualizada pela Portaria MS 1.284, de maio de 2010. 12 Os produtos fabricados no Brasil eram registrados no Conselho de Política Aduaneira e passavam a receber proteção tarifária contra importações. 11 318 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Buscando promover a internalização de competências tecnológicas por meio da estratégia de imitação, o Brasil, a exemplo de China, Índia e Israel, excluiu o setor farmacêutico da possibilidade de registro e reconhecimento de patentes,13 com base em uma flexibilidade prevista na Convenção de Paris sobre Propriedade Industrial (1883). Essa regra foi extinta em 1996, com a adesão do Brasil ao acordo Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS). Entretanto, mesmo depois de um período extenso sem patentes, o esperado movimento de capacitação não ocorreu: as empresas brasileiras restringiram suas atividades às etapas de comercialização e àquelas menos densas da cadeia de produção de medicamentos similares aos de referência internacional [Barbosa (2003); Palmeira Filho e Capanema (2010); Palmeira Filho e Koo Pan (2003)]. Foi apenas a partir da introdução da Lei dos Genéricos, em 1999, que a indústria farmacêutica brasileira ganhou novo fôlego. As empresas nacionais souberam aproveitar a oportunidade de mercado e, ao longo da década de 2000, se fortaleceram e ampliaram sua competitividade, ganhando parcela expressiva de mercado. Tal período pode ser considerado a “década de ouro” da indústria farmacêutica nacional, que ampliou de 32% para aproximadamente 50% sua participação no mercado interno [Reis, Landim e Pieroni (2011)]. O mercado total do CIS cresceu a uma taxa média anual de 14% a.a. entre 2003 e 2011, crescimento esse puxado principalmente pelos medicamentos genéricos (32% a.a.) e pelas compras de medicamentos do Ministério da Saúde (19% a.a.), atingindo quase R$ 70 bilhões, como expõe o Gráfico 7. No entanto, mesmo com o elevado crescimento do mercado ocorreram poucos efeitos no adensamento das cadeias farmacêutica e de equipamentos médicos. Atualmente, pode-se afirmar que a produção nacional em saúde dedica-se em grande parte a etapas de menor valor agregado, como a formulação de medicamentos genéricos de síntese química e a produção de materiais de consumo de uso médico, hospitalar e odontológico. Com a demanda por soluções avançadas, essa situação se reflete em um déficit comercial crescente, superior a US$ 10 bilhões em 2011. Mais que um resultado negativo na 13 Lei 5.772, de 1971. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 319 balança comercial, essa situação configura uma dependência externa de conhecimento e tecnologia, expressa nos altos percentuais de importação de medicamentos biotecnológicos, princípios ativos e equipamentos médicos de alta tecnologia (Gráfico 8). GRÁFICO 7 MERCADO CIS BRASILEIRO, 2003-2011, EM R$ CORRENTES 80.000 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 2003 2004 Farmacêutico 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 EMHO Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma, IMS Health, Abimo e Ministério da Saúde. GRÁFICO 8 DÉFICIT COMERCIAL DO CIS, POR SEGMENTOS, 2007-2010, EM US$ 12.000 10.000 8.000 6.000 30% 31% 16% 17% 31% 33% 24% 21% 2010 2011 28% 4.000 2.000 - 13% 2007 Biológicos 2008 Outros produtos farmacêuticos 2009 Insumos farmacêuticos Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquifi, Abimo e MDIC. EMHO 320 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS OS DESAFIOS E AS OPORTUNIDADES DO CIS Apesar desse cenário, há uma relevante base industrial instalada no país, cuja produção responde por aproximadamente metade do mercado interno, tanto de medicamentos quanto de equipamentos e materiais médicos e hospitalares [Sindusfarma (2012); Abimo (2011)]. A indústria brasileira de EMHO tem atuação relevante em nichos de média intensidade tecnológica, especialmente nas áreas de odontologia e de equipamentos médicos, como incubadoras neonatais, monitores e aparelhos de ultrassonografia, que respondem por 30% da produção local. Entretanto, o setor é muito pulverizado: há mais de quatrocentas empresas atuando no país, a maioria com receita anual inferior a R$ 50 milhões [Abimo (2011)]. As empresas farmacêuticas brasileiras, por sua vez, tem maior porte, com quatro companhias figurando na lista das dez maiores do setor do país. Apesar de já serem importantes no mercado interno, ainda estão distantes das grandes multinacionais que atuam no setor. Com empresas nacionais de maior porte, o atual estágio da indústria farmacêutica brasileira é de consolidação da estratégia baseada na formulação e comercialização de medicamentos genéricos e de ampliação gradativa dos investimentos em atividades de maior risco. Dessa forma, o maior desafio para o CIS é a ampliação sistemática dos investimentos em inovação. Na última década, houve um esforço expressivo das empresas para isso, refletido no aumento dos investimentos em P&D captados pela Pintec (Gráfico 9). Embora superiores à média da indústria de transformação brasileira, ainda são baixos em relação ao padrão de competição internacional da indústria de saúde, baseado em vultosos investimentos em P&D. Ao mesmo tempo, observa-se uma crescente pressão no mercado interno em função do movimento global em direção aos mercados emergentes. No caso das indústrias de EMHO, vem ocorrendo uma inédita entrada de companhias multinacionais – como Phillips e GE –, realizando movimentos de aquisição de empresas locais e implantação de unidades produtivas no Brasil.14 14 Destaque para a aquisição das empresas Dixtal, VMI, Tecso Informática e Wheb Sistemas pela Phillips e da XPRO pela GE. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 321 GRÁFICO 9 PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM P&D NA RECEITA LÍQUIDA DE VENDAS* 1,8 1,6 1,4 1,2 % 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 2003 Complexo Industrial da Saúde 2005 2008 Média das indústrias de transformação Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Pintec/IBGE. * Considerou-se o faturamento da indústria de EMHO conforme Abimo (2011). Assim, além do aumento sustentado da capacidade de inovação, o desafio da indústria de EMHO passa também pelo fortalecimento das empresas nacionais, ainda de pequeno porte, por meio de processos de fusões e aquisições, visando capacitá-las para a crescente competição nos mercados nacional e internacional. No caso dos segmentos dominados por multinacionais, é desejável o maior adensamento da cadeia de fornecedores no Brasil, com capacitação e produção local de insumos e componentes. No caso farmacêutico, por sua vez, o Brasil vem ganhando papel cada vez mais representativo nas estratégias das empresas globais, que vêm ampliando sua atuação no país por meio de aquisições de empresas de genéricos,15 segmento que propiciou o crescimento das empresas de capital nacional. A maior pressão competitiva no mercado brasileiro de medicamentos genéricos nos próximos anos deve comprimir a rentabilidade e aproximá-lo do padrão de mercados maduros: a diferença entre a participação de mercado dos genéricos em quantidade e em va- 15 Por exemplo, em 2010, o grupo francês Sanofi-Aventis adquiriu a brasileira Medley e, em 2011, a Pfizer adquiriu 40% do laboratório nacional Teuto. 322 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS lor no total do mercado no Brasil é pequena se posta diante da experiência internacional, indicando haver ainda muito espaço para maior concorrência via preços (Gráfico 10). GRÁFICO 10 PARTICIPAÇÃO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS EM PAÍSES SELECIONADOS, % EM VALOR E EM QUANTIDADE, 2011 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Alemanha % em US$ Brasil Canadá E.U.A Inglaterra* % em unidades Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma (2012) e IMS Health (2012). * Referente a 2010. Diante desse cenário, uma guinada em direção a estratégias mais ousadas de inovação por parte das empresas nacionais é condição fundamental para sua competitividade de longo prazo. Nos próximos anos, patentes de importantes medicamentos biotecnológicos terão seu prazo expirado e passarão a domínio público, representando uma oportunidade de inserção, para países seguidores, em uma nova trajetória tecnológica. Nações como China, Índia, Coreia do Sul e Israel vêm utilizando incentivos regulatórios, de financiamento e, mais amplamente, de política industrial, na busca por capacitação na produção de medicamentos biológicos, em especial em biológicos não novos, os chamados biossimilares16 [Reis, Landim e Pieroni (2011)]. 16 O termo biossimilar é utilizado para medicamentos biológicos com estrutura similar e ação semelhante ao medicamento biológico de referência. O termo biogenérico não é adequado nesse caso, uma vez que ainda não é possível a cópia exata de medicamentos biológicos. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 323 No entanto, por suas complexas características técnicas, há elevadas barreiras tecnológicas, mesmo para produtos não novos. A necessidade de um longo e caro período de desenvolvimento sugere que um número reduzido de empresas terá condições de se inserir nesse mercado. No Brasil, o desenvolvimento e a produção interna desses produtos gerariam ganhos sociais, econômicos e tecnológicos. Os medicamentos biotecnológicos representam parcela expressiva das compras do Ministério da Saúde (mais R$ 3 bilhões em 2011), sendo a totalidade dos produtos importada. A produção interna de biossimilares garantiria a oferta e permitiria a redução de preços, ampliando o acesso da população, ao mesmo tempo em que capacitaria a indústria brasileira em uma tecnologia de fronteira e portadora de futuro. Se bem-sucedida, a estratégia de aprendizado na área de biotecnologia pode ainda significar uma oportunidade para prestadores de serviços tecnológicos no país, criando demanda para as empresas da cadeia de P&D da saúde, como em testes pré-clínicos, clínicos e escalonamento de processos. O incentivo à execução desses serviços no país é fundamental para tornar endógena a inovação em saúde, pois promovem o adensamento da cadeia de desenvolvimento e contribuem para fixar competências tecnológicas. 5 . A ATU A Ç Ã O D O B N D ES N O PER Í O D O R EC EN TE Ao longo de seus sessenta anos de história, o BNDES vem apoiando as empresas do CIS por meio de seus diferentes instrumentos. Até o início dos anos 2000, a instituição inseria as diferentes indústrias do complexo em uma classificação de base técnica, isto é, a indústria farmacêutica como um subconjunto das indústrias de base química e da indústria de EMHO apoiada no âmbito do complexo eletrônico. Como reflexo dessa visão, a ação do BNDES, à época, apresentava um caráter menos sistêmico. Em 2003, o BNDES participou ativamente das discussões do Fórum de Competitividade da Indústria Farmacêutica, embrião das recentes políticas industriais. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi lançada em 2004 324 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS e definiu a cadeia farmacêutica como um dos quatro setores prioritários. No mesmo ano, o BNDES criou seu primeiro programa de apoio à indústria de saúde, o Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica – BNDES Profarma. Nesse período, a indústria farmacêutica passava por um momento de consolidação da política de medicamentos genéricos no país, que impulsionava o crescimento do mercado farmacêutico brasileiro. Também data dessa época novas exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos fabricados no país, por meio das regras de Boas Práticas de Fabricação (BPF). Por fim, já se via a necessidade de ampliar o baixo esforço de inovação no país, visando garantir a futura competitividade da indústria. Para responder a essas necessidades, o BNDES Profarma foi dividido em três subprogramas que apoiavam projetos de natureza distinta – Produção; Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I); e Fortalecimento das Empresas Nacionais (Reestruturação). O aumento da capacidade produtiva da indústria brasileira, a adequação das plantas produtivas aos padrões nacionais e internacionais de produção (Boas Práticas de Fabricação), a ampliação dos esforços de inovação e a necessidade de fortalecer as empresas nacionais eram os principais objetivos definidos em sua criação. Quanto às condições, o BNDES Profarma dispunha de diversas medidas que o diferenciavam das linhas tradicionais da Instituição. Buscando ampliar a adesão das empresas de capital nacional, geralmente de menor porte, o programa estabelecia menor piso para apoio direto do BNDES (R$ 1 milhão) e previa a possibilidade de flexibilização das políticas de risco de crédito e de garantias em casos específicos. Além disso, o Profarma P,D&I foi um dos primeiros programas do Banco com a proposta de taxa de juros fixa para projetos de inovação, com apoio a itens tangíveis e intangíveis, visando reduzir, ao menos pelo lado do financiamento, os riscos inerentes ao processo inovativo [Palmeira Filho e Capanema (2010)]. No início de 2007, houve uma aproximação do BNDES com o Ministério da Saúde (MS), buscando convergir os objetivos de suas ações com as diretrizes da política nacional de saúde. Depois de um processo de revisão, em setembro de 2007, foi lançada a segunda fase do BNDES Profarma. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 325 A primeira alteração ocorreu em seu escopo, passando a incorporar o conceito de Complexo Industrial da Saúde, incluindo o apoio a outras indústrias de saúde, como a de EMHO. Foram criados dois novos subprogramas: Profarma – Exportação e Profarma – Produtores Públicos, visando ao estímulo às exportações no CIS (principalmente de farmoquímicos) e ao apoio aos laboratórios oficiais. Por fim, as prioridades do BNDES Profarma passaram a ser a indução e o apoio a projetos de inovação tecnológica e, a partir da aproximação do BNDES com o MS, a busca pela convergência entre medidas de política industrial e as necessidades de saúde do país. Assim, a partir de 2007, o BNDES Profarma incorporou a visão sistêmica de desenvolvimento do Complexo da Saúde, buscando interseções positivas entre o apoio do Banco e as prioridades de saúde do país. Essa articulação foi explicitada nos objetivos do novo programa, que incluíam a redução da vulnerabilidade da Política Nacional de Saúde e a indução de P,D&I com foco em produtos de interesse estratégico do SUS. A mudança de enfoque, espelhada na revisão de escopo do BNDES Profarma, levou a uma variação expressiva na adesão de cada um dos diferentes subprogramas, conforme pode ser observado no Gráfico 11. Na primeira fase, na qual a principal questão vigente era a necessidade de expansão e modernização das plantas produtivas, observa-se maior participação do subprograma Produção no valor total dos financiamentos contratados. Por sua vez, durante a segunda fase, os projetos de inovação passaram a responder por 50% (R$ 444 milhões) dos financiamentos, refletindo a prioridade dada ao tema pelo BNDES e o crescente interesse das empresas. No total, o estoque da carteira do BNDES Profarma em todo o período de atuação (isto é, operações aprovadas e contratadas entre 2004 e 2011) foi de cerca de R$ 1,8 bilhão em 79 operações, superando R$ 3,3 bilhões em investimentos quando consideradas as contrapartidas das empresas. Para efeitos de comparação, os financiamentos do programa representaram aproximadamente 20% do total de investimentos em ativos imobilizados no setor farmacêutico no período 2004-2009, para o qual há dados da PIA/IBGE. Alguns trabalhos buscaram avaliar a efetividade do BNDES Profarma no cumprimento de seus objetivos, como Capanema, Palmeira Filho e Pieroni (2008) e 326 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Pieroni, Machado e Pereira (2011). Em resumo, as conclusões apontam que o BNDES Profarma foi bem-sucedido no apoio à modernização, expansão e adequação das plantas produtivas, em consonância com a nova regulação sanitária, em especial nas empresas farmacêuticas de capital nacional. As taxas de expansão produtiva e de plantas adequadas das empresas apoiadas pelo programa foram bem superiores à média da indústria. GRÁFICO 11 BNDES PROFARMA, OPERAÇÕES CONTRATADAS OU APROVADAS, PERÍODOS SELECIONADOS (EM R$) Exportação 100.186.223 Reestruturação 347.160.253 Produção 444.218.092 39% GRÁFICO 11A PROFARMA PRIMEIRA FASE (ATÉ SET. 2007) OPERAÇÕES APROVADAS OU CONTRATADAS 11% GRÁFICO 11B PROFARMA SEGUNDA FASE (OUT. 2007 A MAR. 2012) OPERAÇÕES APROVADAS OU CONTRATADAS 50% Produção 351.736.448 39% 50% 11% Inovação 443.724.169 Inovação 102.868.931 Fonte: Elaboração própria. No que se refere à ampliação da capacidade de inovação das empresas nacionais, o BNDES Profarma atingiu parcialmente seus objetivos: foram induzidos projetos de inovação, embora ainda em número pequeno para os padrões da indústria internacional. Por fim, com relação à consolidação de empresas nacionais, o programa foi pouco efetivo, apesar de seu caráter estratégico. A baixa adesão ocorreu, em grande parte, em função da origem familiar das principais empresas, em geral controladas por seus sócios-fundadores. Essa avaliação está sendo utilizada como insumo para definição da terceira fase do BNDES Profarma, discutida na próxima seção. Além de um programa específico de financiamento, ao longo da década, o BNDES vem buscando diversificar os instrumentos de apoio à indústria de saúde, COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 327 com destaque para o Fundo Tecnológico (BNDES Funtec) e participação acionária, diretamente em empresas ou em fundos geridos externamente. O BNDES Funtec destina recursos não reembolsáveis a Instituições Científicas e Tecnológicas, em projetos de parceria com empresas, tendo como objetivo apoiar projetos que estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação de interesse estratégico para o país. O estoque até março de 2012 da carteira do BNDES Funtec com foco em saúde conta com 16 projetos e mais de R$ 175 milhões em recursos aprovados ou contratados, a maior parte em projetos voltados para a biotecnologia. O foco em saúde representa aproximadamente metade dos recursos contratados no âmbito do BNDES Funtec, desde sua criação, em 2006. Para incentivar o aumento dos recursos de capital de risco destinados à área de saúde, o BNDES estruturou a criação de um fundo de venture capital, cuja gestão, após processo de concorrência, foi concedida à Burrill Brasil. O objetivo do fundo é investir em empresas de base biotecnológica com aplicações em saúde, energia e alimentos. Sua fase de captação teve início em 2010, superando R$ 100 milhões em recursos comprometidos, com participação de 25% do BNDES. Por fim, com 80% de participação do BNDES, o Criatec foi estruturado como um fundo de capital semente, de cunho transversal, dedicado a empresas emergentes inovadoras com faturamento inferior a R$ 6 milhões. Com apoio à gestão e profissionalização das empresas, o fundo vem sendo um importante investidor para as empresas de saúde. Das 36 operações aprovadas até 2012, dez foram direcionadas a empresas de saúde humana, totalizando R$ 16 milhões em investimentos. 6 . O N OVO PA PEL D O B N D ES O entendimento sistêmico da saúde, em suas vertentes social e econômica, exige o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde como um dos instrumentos para ampliar o acesso à saúde no país. Assim, o direcionamento dos investimentos para a inovação, principal fonte de competitividade da indústria, implica um papel ainda mais ousado das políticas públicas e, em particular, do BNDES, nos próximos anos. 328 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Em um cenário de concorrência com demais países em desenvolvimento, a Instituição deve participar de forma ativa na busca pelo catch-up tecnológico, por meio de uma ação articulada entre os diversos atores das políticas públicas. Para isso, ao longo de 2012, está em curso o processo de revisão do BNDES Profarma, visando adequar suas condições e estabelecer novos focos em um horizonte de quatro anos. Diante dos maiores desafios e oportunidades para as indústrias de saúde, o BNDES deve ter como prioridade o suporte adequado aos investimentos em inovação e à capacitação da indústria de saúde brasileira em segmentos portadores de futuro, como a biotecnologia. Em relação ao primeiro objetivo, a lógica de apoio a projetos específicos de inovação pode ser alterada para o financiamento a planos estruturados de P&D das empresas, visando tornar sistemática a atividade de desenvolvimento de novos produtos nas empresas do CIS. A inovação deve ser vista como um processo de contínuo aprendizado em seu principal locus, a empresa inovadora. Diante das oportunidades críveis e de prazo limitado apresentadas pela biotecnologia, é importante que o BNDES priorize a internalização de competências de desenvolvimento e a produção de medicamentos biotecnológicos, aproveitando o período de expiração de patentes no país. Esse movimento pode, ainda, ampliar a demanda por serviços tecnológicos, viabilizando o crescimento das empresas de base tecnológica inseridas na cadeia de P&D. Nesse contexto, na medida em que a indústria caminha para atividades de inovação com maior risco tecnológico, os instrumentos de renda fixa parecem menos indicados. O desenvolvimento de outros instrumentos capazes de mitigar os riscos dos projetos, como a ampliação do uso da renda variável e o fortalecimento de fundos de venture capital, pode tornar a ação do BNDES mais efetiva no apoio à inovação. Por fim, em função do padrão de concorrência das indústrias de saúde, ainda será relevante o processo de fortalecimento das empresas nacionais, em especial da indústria de EMHO, por meio de processos de parcerias, joint-ventures e aquisições. A tendência por oferta de soluções integradas de equipamentos exige modelos abertos de inovação que possam garantir papel de destaque para as empresas brasileiras. COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE 329 A visão de futuro do BNDES deve ser calcada na indução de uma indústria de saúde cada vez mais inovadora, capaz de atender às transições sociais que vêm ocorrendo no país, reflexo dos avanços da sociedade brasileira. A ação do BNDES no fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde, portanto, deve ser capaz de unir a promoção do desenvolvimento econômico e tecnológico do país como meio para a ampliação do acesso da população a novos bens e serviços de saúde. RE F E RÊN CIA S ABIMO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ARTIGOS E EQUIPAMENTOS MÉDICOS, ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE LABORATÓRIOS. História da Abimo e do Sinaemo: construindo a saúde de um país. São Paulo, 2007. . Estudo Setorial da Indústria de Equipamentos Odonto-Médico Hospitalar e Laboratorial no Brasil. São Paulo, 2011. AGUIAR, I. D. Produção local atrai gigantes globais. Valor Econômico, São Paulo, 29 de março de 2012. BARBOSA, D. B. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2003. BATELLE. 2012 Global R&D Funding Forecast. EUA: R&D Magazine, 2011. Disponível em: <http://battelle.org/docs/default-document-library/2012_global_forecast. pdf?sfvrsn=2>. Acesso em: 16 jul. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Complexo Industrial da Saúde: foco no acesso. Brasília: III fórum nacional de medicamentos, 2011. BURKE, M. A.; MATLIN S. A. (Eds.). Monitoring Financial Flows for Health Research 2008: Prioritizing research for health equity. 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Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial de papéis, enquanto outros países emergentes apresentaram aumento na produção, ainda que em ritmo um pouco inferior ao observado no consumo. O Brasil apresentou um razoável crescimento na demanda, com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores, sendo que o baixo consumo per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em relação à celulose, resultou em poucos projetos de expansão de capacidade no país. A mudança da China à condição de grande produtor global de papéis resultou no expressivo aumento do volume importado de celulose. Em contraste, o Brasil passou a ser o grande fornecedor global desse insumo. Para o futuro da indústria brasileira de papéis, questões como o baixo consumo per capita, as dificuldades e entraves logísticos e tributários, bem como o reduzido porte das empresas, precisam ser equacionadas para que a competitividade nacional aumente e os investimentos, enfim, ganhem expressividade. Na celulose, a indústria deve buscar mecanismos de fortalecer a posição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produtores. Ao mesmo tempo, a indústria deve mirar em inovações ligadas ao conceito de biorrefinaria, para garantir a sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo. AB S T RA C T This study aims to provide an overview of the pulp and paper industries, in Brazil and worldwide, based on the sector’s recent history, besides aiming to present perspectives for the future. Over the past decade, China has become the major producer and consumer of paper, while other emerging countries showed an increase in production, although at a smaller rate than that recorded in consumption. Brazil presented reasonable growth in demand, with supply growing 336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS at slightly lower rates. The low per-capita consumption and low competitiveness in paper production, in relation to pulp, resulted in very few projects aimed at expanding the country’s capacity. The change in China’s status to the major global producer of paper resulted in an expressive increase in the volume of imported pulp. In contrast, Brazil has become the major global supplier of this input. For the future of the Brazilian paper industry, issues such as low per-capita consumption, the logistics and tax difficulties and barriers, as well as the small size of companies must be weighed up so that national competitiveness increases, and investment, ultimately, becomes expressive. In pulp, the industry should encounter mechanisms to strengthen the competitive position achieved by ensuring that large-scale projects announced for the coming years are actually executed, despite the decline in producer profitability. At the same time, the industry should aim at innovations linked to the concept of biorefinery to ensure its profitability and positioning in the long term. PAPEL E CELULOSE 337 1 . INTR OD U Çà O MOTIVAÇÃO E ESTRUTURA DO ARTIGO O presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como expor as perspectivas para os próximos anos. Em 2002, em comemoração aos cinquenta anos do BNDES, Juvenal e Mattos (2002) desenvolveram um estudo em que abordavam o histórico do setor de papel e celulose no Brasil, desde o início das atividades do BNDES, em 1952, até o ano de 2001. Assim, este trabalho busca mostrar o que ocorreu depois desse período, com foco não somente no mercado nacional, mas também em âmbito mundial, para entender como o Brasil evoluiu em relação aos demais países. Uma vez que os dados oficiais de 2011, em sua maioria, ainda não estavam disponíveis, optou-se por realizar um histórico de 2000 a 2010, de modo que se pudesse calcular a taxa média de dez anos de crescimento (2001-2010). Os dados disponíveis para 2011 são comentados na seção de perspectivas. Optou-se também por tratar o desempenho dos mercados de papéis e de celulose de forma separada, já que a posição competitiva no mercado internacional e o desempenho do Brasil no período analisado foram bem diferentes entre cada um desses dois setores. Conforme mostrado na Figura 1, enquanto no setor de papéis o Brasil respondeu por apenas 2,5% da produção mundial em 2010, no da celulose essa participação foi de 7,6%, ou de 38% se for considerada apenas a celulose de mercado branqueada kraft de fibra curta (BHKP). Nesta introdução, além da explicação sobre a estrutura do artigo, faz-se uma rápida caracterização técnica dos papéis e da celulose destinada a sua fabricação, além de um panorama geral sobre o mercado, explicando as razões da alta competitividade brasileira em celulose e da baixa competitividade em papéis. Na segunda seção, consta um pequeno resumo da história da indústria de papel e celulose em cinquenta anos, com base em Juvenal e Mattos (2002). Na terceira, trata-se especificamente do setor de papéis, abordando o histórico de 338 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS demanda, oferta e comércio internacional para o perídodo de 2000 a 2010. Na quarta seção, utiliza-se a mesma estrutura, porém abordando o setor de celulose. A quinta traz um pequeno resumo da atuação do BNDES no setor nos últimos anos. A seção seguinte expõe as perspectivas para os próximos anos, tanto em papéis quanto em celulose. Por fim, na última seção, são mostradas as principais conclusões do estudo. FIGURA 1 PRODUÇÃO GLOBAL DE PAPEL E CELULOSE E PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA, EM 2010 (EM MILHÕES DE TONELADAS) 55% 223 APARAS DE PAPEL 409 4% CONSUMO TOTAL DE FIBRA 17 CELULOSE NÃO MADEIRA 68% 41% 394 169 CELULOSE DE MADEIRA VIRGEM PRODUÇÃO GLOBAL DE PAPÉIS 32% Demais papéis Sanitários 51 Papel-cartão 143 I&E e Imprensa 139 Papelão ondulado 54 CELULOSE DE MERCADO 10 2,5% 32 29 115 CELULOSE INTEGRADA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE PAPÉIS Demais pastas 7 BSKP 22 BHKP 25 38% 9 PRODUÇÃO BRASILEIRA DE BHKP MERCADO Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI. CARACTERIZAÇÃO TÉCNICA Os papéis têm um amplo espectro de utilização e são geralmente agrupados nas seguintes categorias: Papel imprensa: destinado majoritariamente à impressão de jornais, mas também inclui periódicos, revistas, listas telefônicas, suplementos e encartes promocionais. Imprimir e escrever (I&E): costumam ser divididos em quatro subgrupos, dependendo de duas características: revestimento – revestidos (coated) ou não reves- PAPEL E CELULOSE 339 tidos (uncoated); e fabricação – se a partir da celulose química (woodfree) ou de pasta mecânica (woodcontaining). O revestimento e a não utilização de pasta mecânica conferem maior qualidade e valor ao papel. A categoria de I&E é muitas vezes agrupada com o papel imprensa, na denominação de papéis gráficos. Papelão ondulado (P.O.): os papéis destinados à fabricação do P.O. são o miolo e a capa. Este último, quando fabricado com fibras virgens, denomina-se kraftliner (maior qualidade e resistência) e, quando fabricado a partir de fibras recicladas, denomina-se testliner. O P.O. é majoritariamente dirigido para a produção de embalagens para transporte das mais variadas mercadorias. Papel-cartão: papel fabricado em múltiplas camadas, especialmente utilizado na produção de embalagens de bens de consumo imediato, como remédios, alimentos industrializados, cosméticos e brinquedos, entre outros. Alguns dos demais usos do papel-cartão incluem capas de livros ou cadernos, cartelas e displays. Sanitários: também chamados de tissue, cujo principal produto é o papel higiênico, mas também engloba a produção de toalhas, guardanapos e lenços, entre outros produtos. Demais: inclui outros papéis para embalagens e os papéis especiais. Já a celulose de madeira1 destinada à fabricação de papéis2 costuma ser clas- sificada de acordo com três critérios: tipo de fibra (curta ou longa), processo de fabricação (entre químico, semiquímico e alto rendimento) e destinação (mercado ou integrada). A fibra curta é originada de folhosas (como o eucalipto) e a longa de coníferas (como o pínus), e cada fibra tem propriedades que as tornam mais adequadas à fabricação de determinados tipos de papéis. O processo de fabricação determina o rendimento da madeira e a qualidade da celulose. Por fim, a celulose é denominada integrada quando se destina à produção de papel em uma planta anexa à produção do insumo, ao passo que é denominada de mercado quando é vendida para outras plantas de papel. Assim, a celulose, tanto de mercado quanto integrada, costuma ser agrupada nas seguintes categorias: 1 A celulose pode ser fabricada com outros vegetais (também chamada nonwood pulp). Especialmente na China, ainda existe muita produção de celulose oriunda do bambu, porém a qualidade da celulose é baixa e o processo produtivo é altamente poluente. 2 Existe ainda a celulose solúvel (destinada à fabricação de uma ampla gama de produtos, com destaque para o segmento têxtil). 340 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Celulose kraft branqueada de fibra curta (bleached hardwood kraft pulp – BHKP): de fibra curta, produzida por meio de processo químico. Suas principais aplicações são os papéis de I&E, sanitários, especiais, além de alguma aplicação em papel-cartão. É o tipo de celulose mais produzida no Brasil e na qual o país tem maior competitividade global. No Brasil é proveniente do eucalipto, denominada no mercado BEKP, com diferencial de qualidade em relação às demais fibras curtas, em especial para aplicação em papéis sanitários. Celulose kraft branqueada de fibra longa (bleached softwood kraft pulp – BSKP): de fibra longa, produzida por meio de processo químico. É mais cara que a BHKP (em razão do ciclo mais longo para o corte das coníferas), mas torna o papel mais resistente, evitando até rasgos neste ao rodar em máquinas de papel muito rápidas. É bastante utilizada em papéis sanitários e de embalagem. Celulose kraft não branqueada: geralmente produzida a partir de fibra longa e destinada para a produção de papéis de embalagem. Pasta mecânica: de alto rendimento, o que reduz seu custo, porém também a qualidade. Muito utilizada em papéis de I&E e de imprensa, além de ter alguma aplicação em papel-cartão. Demais: inclui principalmente pastas químicas de processo sulfito e pastas semimecânicas. A celulose para produção de papéis compete diretamente com a fibra re- ciclada, feita com aparas de papel. Entretanto, as aparas não podem substituir por completo as fibras virgens, pois as fibras se degradam depois da reciclagem contínua (estudos sugerem que, em tese, a celulose pode ser reciclada em torno de seis vezes). O uso de aparas de papel, além de resultar em maiores perdas no processo produtivo3 em relação às fibras virgens, costuma requerer maior gasto com energia e químicos. 3 Na Figura 1, é possível notar que o consumo de fibras é superior à produção de papéis, e um dos motivos são as altas perdas derivadas do uso de aparas de papel. Outros motivos incluem o uso de cargas minerais no papel, além dos diferentes teores de umidade nas fibras e nos papéis. PAPEL E CELULOSE 341 ESTRUTURA DO MERCADO E COMPETITIVIDADE BRASILEIRA Conforme visto na Figura 1, o Brasil está em uma posição de destaque na produção mundial de celulose, em especial considerando-se a produção de BHKP de mercado, com participação de 38% em 2010. Essa alta participação advém da alta competitividade da produção brasileira, que por sua vez é oriunda da floresta: condições edafoclimáticas favoráveis e um longo histórico de investimento em pesquisa e desenvolvimento elevaram a produtividade do pínus e, sobretudo, do eucalipto brasileiro ao maior patamar mundial. Como o frete da madeira é muito mais elevado que o frete da celulose, globalmente a produção dessa commodity tende a se concentrar próxima a florestas de alta produtividade, com boa parcela de sua produção direcionada à exportação para longas distâncias. No papel, porém, a lógica é distinta. As particularidades de cada subsegmento não permitem definir razões universais. Entretanto, em grande parte, a produção tende a se concentrar próxima aos mercados consumidores, em razão da: (i) complexidade da cadeia de distribuição com alto número de SKUs;4 (ii) necessidade (em muitos tipos de papéis) de prestar assistência técnica aos consumidores (por exemplo, gráficas); (iii) venda direta ao consumidor final em alguns tipos de papéis (como I&E do tipo A4 ou papéis sanitários vendidos em supermercados), elevando a necessidade e a importância do branding; e (iv) baixa densidade ou valor agregado, encarecendo o frete para longas distâncias (em especial no caso dos papéis sanitários e do P.O. à base de papel reciclado). Por fim, a concentração da produção perto dos mercados consumidores elevou a escala destes produtores em relação aos localizados em mercados com baixo consumo (notadamente os emergentes). Como a escala é um importante fator competitivo em muitos tipos de papéis, os produtores localizados próximos a grandes mercados consumidores aumentaram ainda mais sua competitividade perante os localizados em mercados pequenos, em especial nos papéis gráficos, que são os que apresentam maior volume no comércio internacional. Assim, a produção de papéis concentrou-se nos países desenvolvidos, ainda que a ascensão econômica 4 Stock Keeping Unit, ou unidades de manutenção de estoque. 342 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS da China nos últimos anos tenha levado esse país a figurar como o grande consumidor e produtor mundial de papéis, conforme será visto em detalhes mais adiante. Essas razões ajudam a explicar o motivo da baixa participação brasileira na produção mundial de papéis (ver Figura 1), de apenas 2,5% em 2010, não sendo, porém, as únicas. Deficiências lógisticas, alta e complexa carga tributária, desvio de finalidade de papel imune (explicado em detalhes mais à frente), pequeno porte das empresas de papéis, além da competição por recursos com a celulose (que oferece maior rentabilidade econômica e potencial de crescer em outros mercados via exportação), ajudam a complementar o quadro. Ao longo do texto, especialmente na sexta seção, a baixa competitividade brasileira em papéis será explorada em maior detalhamento. 2 . UMA VISà O D E C I N Q U EN TA A N O S DA IN D Ú STRIA N A C I O N A L Segundo a Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), em 1952 produziam-se no Brasil cerca de 262 mil toneladas de todos os tipos de papel, com destaque para os de embalagem, que correspondiam a 48% do total. Já a produção de fibras totalizava 121 mil toneladas, das quais 45% de celulose, a maioria fibra longa, e 54% de pastas de alto rendimento. Em 1956, o Plano de Metas, esforço do Estado brasileiro em promover o desenvolvimento econômico, proporcionou ao setor de papel e celulose o apoio mais constante do BNDES. Um dos projetos importantes dessa época, que também contou com o apoio do Banco, foi o de fabricação de papel com celulose proveniente do eucalipto, cujo advento constituiu um marco para a indústria e permitiu ampliar a produção de celulose brasileira. No período compreendido entre 1957 e 1973, a produção de papel aumentou cerca de quatro vezes, e o consumo três. Por outro lado, a produção de celulose e pastas de alto rendimento aumentou substancialmente mais que o consumo, possibilitando o início das exportações, em especial da celulose derivada do eucalipto. Entre 1974 e 1980, a produção brasileira de celulose cresceu 201%, atingindo 2,9 milhões de toneladas. No mesmo período, a fabricação de papéis aumentou PAPEL E CELULOSE 343 81%, com destaque para os papéis para embalagem e os de imprimir e escrever, os quais cresceram 98% e 84%, respectivamente. O vultoso crescimento da produção de celulose ocorreu em razão da entrada em operação de dois importantes projetos financiados pelo BNDES: a Aracruz Celulose e a Cenibra, que produziam celulose branqueada de fibra curta (eucalipto) para exportação. Com o start-up dos projetos implantados entre 1974 e 1980, a produção de celulose no ano de 1985 atingiu 3,4 milhões de toneladas, e a de papel, 4,0 milhões. Cabe ressaltar, nessa etapa, o apoio do BNDES à implantação da Papel de Imprensa S.A. (Pisa), que permitiu dobrar a produção de papel imprensa nacional, superando o patamar de 200 mil t/ano. Nos anos 1980, a desaceleração da economia brasileira e mundial, aliada ao aumento do custo do capital e ao colapso do sistema internacional de crédito, fez a indústria reforçar seus esforços para exportar mais e reduzir custos. Sendo assim, o período 1986-1992 representou a consolidação da indústria de celulose e papel. Foi nessa fase que se realizaram investimentos em modernização e em ganho de produtividade, quando a profissionalização da gestão das empresas se tornou a maior preocupação. Já nos anos 1990, a indústria de celulose e papel atingiu a maturidade e passou a ter seu avanço ditado pelo mercado e pelas necessidades de expansão das empresas, e não mais pelas exigências do desenvolvimento planejado do país. Para os grandes do setor, o BNDES deixou de ser o alicerce principal e passou a constituir uma alternativa de financiamento, com os demais instrumentos disponíveis no mercado. 3 . PAN OR A MA D O M ER C A D O D E PA PÉI S DEMANDA Entre 2000 e 2010, o CAGR5 global do consumo aparente de papéis foi de 1,8%, como se pode verificar na Tabela 1. Em 2010, a demanda global foi de 394 milhões de toneladas, um incremento de 65,8 milhões de toneladas em relação ao patamar 5 Compound Annual Growth Rate, ou taxa média de crescimento. 344 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS registrado em 2000. No mesmo período, o CAGR do PIB global foi de 3,4%. A principal razão para tal divergência reside na redução do consumo per capita de papéis em mercados maduros, em especial nos papéis gráficos (I&E e imprensa). TABELA 1 CONSUMO APARENTE DE PAPÉIS, POR TIPO E REGIÃO Tipo de papel/mercado 2000 % do total 2010 Mil t % do total Variação no período Mil t CAGR Mil t 12,0 39.579 8,3 32.817 (1,9) (6.762) MERCADOS MADUROS 8,7 28.606 4,6 18.138 (4,5) (10.468) CHINA 0,5 1.663 1,1 4.224 9,8 2.561 BRASIL 0,2 650 0,1 586 (1,0) (64) 1.209 IMPRENSA 2,6 8.660 2,5 9.869 1,3 31,4 103.287 27,8 109.789 0,6 6.502 22,5 73.901 15,1 59.523 (2,1) (14.378) CHINA 3,3 10.939 5,3 21.086 6,8 10.147 BRASIL 0,5 1.658 0,6 2.348 3,5 690 10.043 DEMAIS EMERGENTES I&E MERCADOS MADUROS 5,1 16.789 6,8 26.832 4,8 29,2 95.965 35,1 138.512 3,7 42.547 18,8 61.821 15,1 59.453 (0,4) (2.369) CHINA 3,1 10.223 9,6 37.757 14,0 27.534 BRASIL 0,8 2.499 1,0 3.775 4,2 1.276 16.104 DEMAIS EMERGENTES PAPELÃO ONDULADO MERCADOS MADUROS 6,5 21.422 9,5 37.526 5,8 11,8 38.933 12,6 49.838 2,5 10.904 MERCADOS MADUROS 7,7 25.402 5,8 22.909 (1,0) (2.493) CHINA 1,4 4.716 3,1 12.321 10,1 7.605 BRASIL 0,2 726 0,2 960 2,8 234 DEMAIS EMERGENTES 2,5 8.090 3,5 13.648 5,4 5.558 6,4 20.982 7,4 29.276 3,4 8.294 MERCADOS MADUROS 4,4 14.307 4,2 16.728 1,6 2.421 CHINA 0,7 2.256 1,2 4.775 7,8 2.519 BRASIL 0,2 580 0,2 922 4,7 342 DEMAIS EMERGENTES 1,2 3.839 1,7 6.851 6,0 3.012 DEMAIS EMERGENTES PAPEL-CARTÃO SANITÁRIOS 9,2 30.146 8,7 34.497 1,4 4.351 MERCADOS MADUROS 4,4 14.621 3,3 13.102 (1,1) (1.518) CHINA 2,4 7.843 2,9 11.492 3,9 3.649 BRASIL 0,2 705 0,2 916 2,6 210 DEMAIS EMERGENTES 2,1 6.977 2,3 8.987 2,6 2.010 DEMAIS PAPÉIS 100,0 328.892 100,0 394.728 1,8 65.836 MERCADOS MADUROS 66,5 218.658 48,1 189.852 (1,4) (28.805) CHINA 11,4 37.640 23,2 91.655 9,3 54.015 TOTAL PAPÉIS BRASIL DEMAIS EMERGENTES Fonte: RISI. 2,1 6.818 2,5 9.507 3,4 2.688 20,0 65.776 26,3 103.714 4,7 37.938 PAPEL E CELULOSE 345 Os papéis gráficos foram muito afetados no período pela concorrência com os meios digitais, como tablets, smartphones e leitores digitais (por exemplo, kindle). Tal concorrência foi mais forte em mercados maduros, onde a penetração dos meios digitais é mais intensa na população. O CAGR, no período, nesses mercados, foi de -4,5% para imprensa e -2,1% para I&E. O consumo da China expandiu mais em papel imprensa (9,8%) do que em I&E (6,8%), ao passo que nos demais emergentes o movimento foi oposto (1,2% e 4,7%, respectivamente). Tanto em imprensa quanto em I&E, o desempenho do Brasil ficou situado entre o patamar recessivo dos mercados maduros e o crescimento moderado dos demais emergentes, com CAGR de -1% e de 3,5%, respectivamente. Já o P.O. foi responsável pelo mais alto crescimento global (CAGR de 3,7%) e chinês (14%), tornando-se o papel mais consumido no mundo, à frente do de I&E. Esse tipo de papel foi muito beneficiado pelo aumento da renda, da produção industrial e do comércio internacional. A China, que se tornou o grande produtor global de produtos industrializados, passou a demandar cada vez mais esse tipo de papel para exportar sua produção.6 Outro papel de embalagem, o papel-cartão, também revelou crescimento (global de 2,5% e chinês de 10,1%), porém inferior ao P.O., em função da maior concorrência com outros materiais para embalagens, com destaque para o plástico. No Brasil, o movimento foi semelhante, com CAGR de 4,2% para o P.O. e de 2,8% para o papel-cartão. Os papéis sanitários, por sua vez, apresentaram o segundo maior crescimento global (3,4%), puxado não somente pela China (cujo crescimento, de 7,8%, foi inferior ao de outros tipos de papéis), mas também pelos mercados maduros, pelo Brasil e pelos demais emergentes, regiões onde a taxa de crescimento de papéis sanitários foi a mais alta entre todos os segmentos de papéis. O CAGR de mercados maduros foi de 1,6% (único segmento em que essa taxa não foi negativa), o do Brasil de 4,7%, e o dos demais emergentes de 6%. Ao considerar todos os tipos de papéis, o desempenho do Brasil esteve não somente atrás do chinês, mas também dos demais emergentes. O CAGR do consumo de papéis 6 A embalagem dos produtos exportados entra nas estatísticas do país exportador como consumo interno. 346 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS no Brasil foi de 3,4%, ao passo que o da China foi de 9,3% e dos demais emergentes de 4,7%. Entretanto, o Brasil ainda experienciou um ligeiro aumento na participação da demanda mundial, saindo de 2,1% em 2000 para 2,5% em 2010. A explicação para tal fato reside na contração ocorrida em mercados maduros (-1,4%), que detinham uma alta participação na demanda global (66,5% em 2000 e 48,1% em 2010). Tais taxas de crescimento são semelhantes, porém um pouco superiores, às do consumo per capita de papéis (à exceção dos mercados maduros): a China apresentou um CAGR de 8,7% no período, seguido dos demais emergentes (3,1%), Brasil (2,2%) e mercados maduros (-2%). Em 2000, o consumo per capita chinês era 76% do brasileiro, e essa razão subiu a 140% em 2010. Apesar da queda no consumo per capita em mercados maduros, em 2010 este ainda foi o triplo do consumo chinês. Conforme ilustra o Gráfico 1, o consumo per capita (medido em kg/habitante/ ano) de papéis no Brasil em 2010 (48) foi inferior ao de outros emergentes, como Coreia do Sul (201), Chile (78), Turquia (69), México (64) e Argentina (63), quase igual ao da África do Sul (48), mas superior a de outros emergentes, como Rússia (46), Indonésia (25) e Índia (9). GRÁFICO 1 CONSUMO PER CAPITA ANUAL DE PAPÉIS, EM KG/HABITANTE 300 250 200 150 100 50 Mercados maduros 2000 China 2010 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de RISI e World Bank. Brasil Demais emergentes PAPEL E CELULOSE 347 Dessa maneira, apesar do crescimento dos países emergentes no ranking dos dez maiores consumidores (Tabela 2), este ainda é dominado pelos países desenvolvidos. China, Índia, Brasil e Coreia do Sul foram países emergentes que avançaram no ranking. O consumo da China equivalia a cerca de um terço do consumo americano em 2000, passando, em 2010, a ser 22% superior a ele. O Brasil, que em 2000 era o 11º maior consumidor, passou a nono em 2010. TABELA 2 DEZ MAIORES CONSUMIDORES MUNDIAIS DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS) 2000 País 2010 Mil t % País ESTADOS UNIDOS 92.859 28,2 CHINA 91.655 Mil t 23,2 % CHINA 37.640 11,4 ESTADOS UNIDOS 75.246 19,1 JAPÃO 32.099 9,8 JAPÃO 27.872 7,1 ALEMANHA 18.757 5,7 ALEMANHA 19.763 5,0 REINO UNIDO 12.826 3,9 ITÁLIA 10.829 2,7 FRANÇA 11.475 3,5 ÍNDIA 10.776 2,7 ITÁLIA 10.983 3,3 REINO UNIDO 10.515 2,7 CANADÁ 7.839 2,4 FRANÇA 9.924 2,5 COREIA DO SUL 7.396 2,2 BRASIL 9.507 2,4 ESPANHA 6.842 2,1 COREIA DO SUL 9.426 2,4 DEMAIS PAÍSES 90.175 27,4 DEMAIS PAÍSES 119.215 30,2 TOTAL MUNDO 328.892 100,0 TOTAL MUNDO 394.728 100,0 Fonte: RISI. OFERTA Como a produção de papéis tende a se situar próxima à demanda, seu crescimento foi muito semelhante ao do consumo. O crescimento da produção versus o crescimento do consumo foi de -0,9% x -1,4% nos mercados maduros; 10,9% x 9,3% na China; 3,1% x 3,4% no Brasil; e 3,7% x 4,7% nos demais emergentes. Ou seja, apesar da semelhança nas taxas, o crescimento da oferta foi superior ao da demanda nos mercados maduros e na China, ao passo que o contrário ocorreu no Brasil e nos demais emergentes. A China foi a grande responsável pelo aumento da oferta de papéis no mundo: a variação na produção de 2010 em relação a 2000 foi de 59,7 milhões. Nos demais emergentes, houve adição na produção de 24,7 milhões de toneladas; no Brasil, de apenas 2,6 milhões de toneladas; e nos mercados maduros houve retração de 20,3 milhões de toneladas. Os mercados maduros, que representavam 71% da produção mundial em 2000, passaram a representar 53% em 2010 (Gráfico 2). 348 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 2 PRODUÇÃO MUNDIAL DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS) 450.000 400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 2000 2001 Brasil 2002 Demais emergentes 2003 2004 China 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Mercados maduros Fonte: RISI. O ranking dos dez maiores produtores mundiais (Tabela 3) guarda muita semelhança com o dos maiores consumidores. Quatro emergentes ganharam posições: China, Coreia do Sul, Indonésia e Brasil. Entretanto, como apontam as diferenças nas taxas de produção e crescimento, os países desenvolvidos perderam menos espaço, proporcionalmente, no ranking dos maiores consumidores do que no de maiores produtores. TABELA 3 DEZ MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS) 2000 País 2010 Mil t % ESTADOS UNIDOS 86.011 26,3 CHINA 92.599 23,5 CHINA 32.864 10,0 ESTADOS UNIDOS 75.849 19,3 JAPÃO 31.828 9,7 JAPÃO 27.288 6,9 CANADÁ 20.813 6,4 ALEMANHA 23.122 5,9 ALEMANHA 18.182 5,6 CANADÁ 12.787 3,2 FINLÂNDIA 13.509 4,1 FINLÂNDIA 11.789 3,0 SUÉCIA 10.786 3,3 SUÉCIA 11.410 2,9 FRANÇA 10.006 3,1 COREIA DO SUL 11.120 2,8 9.308 2,8 INDONÉSIA 9.951 2,5 BRASIL COREIA DO SUL País Mil t % 9.087 2,8 9.796 2,5 DEMAIS PAÍSES 84.772 25,9 DEMAIS PAÍSES 108.188 27,5 TOTAL MUNDO 327.166 100,0 TOTAL MUNDO 393.899 100,0 ITÁLIA Fonte: RISI. PAPEL E CELULOSE 349 Em consonância ao pequeno aumento, de apenas 2,6 milhões de toneladas, da produção e consumo de papéis no Brasil, houve apenas dois grandes projetos de expansão de capacidade no período analisado. O primeiro foi o MA-1100, da Klabin. Com start-up em 2008, esse projeto aumentou a capacidade de produção de papel-cartão da companhia em 420 mil t/ano, equivalente a 59% de todo o aumento de capacidade de produção de papel-cartão nacional no período, e em 15% se forem contemplados todos os tipos de papéis (segundo dados da Bracelpa, considerando o período de 2000 a 2009).7 O segundo grande projeto foi a linha de I&E da International Paper, em Três Lagoas (MS), integrada à fábrica de celulose da Fibria. Inaugurada em 2009, a planta tem capacidade instalada de 200 mil t/ano. A baixa competitividade mundial brasileira na produção de papéis, além de um mercado interno pequeno (em função do baixo consumo per capita), direcionou os aumentos de capacidade de produção para a celulose, que destina sua produção para exportação e obtém maior rentabilidade. COMÉRCIO INTERNACIONAL Como uma proporção da produção global, as exportações se mantiveram ao redor de 30% durante o período analisado. Oscilando cerca de 42% nos papéis gráficos, 21% nos sanitários e de 17% no P.O., conforme aponta o Gráfico 3. Estes dois últimos tipos são os papéis menos negociados internacionalmente. O primeiro em função de sua baixa densidade, e o segundo em função do baixo valor agregado (no caso dos papéis reciclados). Ao longo do período analisado, a América do Norte e a Europa Ocidental foram as únicas regiões que sempre obtiveram superávit comercial, com a última apresentando um crescimento acelerado no período, aumentando, em 2010, seu saldo em 7,3 milhões de toneladas, em relação a 2000. A China passou de relevante importador líquido (terceiro maior déficit em 2000) para exportador líquido. A Europa Oriental registrou a maior deterioração da balança comercial, o que pode explicar 7 A Bracelpa não divulgou a capacidade instalada de 2010. 350 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS uma parte do grande aumento nas exportações por parte da região. A América Latina também sofreu déficits na balança, que se deteriorou no decorrer do período. O Brasil foi o único país da região que registrou saldo positivo entre 2000 e 2010, enquanto o Chile experienciou saldo positivo em alguns anos do mesmo período. GRÁFICO 3 EXPORTAÇÕES SOBRE PRODUÇÃO EM ÂMBITO GLOBAL, ABERTO POR TIPO DE PAPEL 50 45 40 35 % 30 25 20 15 10 5 0 2000 2001 Imprensa 2002 2003 I&E 2004 Papel-cartão 2005 2006 Demais papéis 2007 2008 Sanitários 2009 2010 Papelão ondulado Fonte: RISI. Os déficits comerciais em papéis na maioria dos mercados emergentes ilustram a estrutura dessa indústria, conforme exposto na primeira seção deste artigo: regiões desenvolvidas criaram empresas mais competitivas internacionalmente do que países em desenvolvimento, pois o alto consumo doméstico permitiu a essas empresas que investissem em plantas maiores e mais modernas. Isso se tornou relevante, em especial, no segmento de papéis gráficos, no qual a escala é um importante diferencial competitivo e que, de 2001 a 2010, respondeu por 56% do volume de papéis comercializados internacionalmente. Além disso, é importante destacar que boa parte do comércio internacional de papéis é realizado regionalmente – segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, a América do Sul respondeu por 42% das exportações de papéis brasileiras, entre 2001 e 2010. Em contrapartida, na celulose, esse percentual foi de apenas 1%. PAPEL E CELULOSE 351 TABELA 4 SALDO COMERCIAL DE PAPÉIS, POR REGIÃO E PAÍSES SELECIONADOS (EM MIL TONELADAS) Região/país 2000 2010 6.125 7.099 974 CANADÁ 12.974 6.496 (6.477) ESTADOS UNIDOS (6.849) 603 7.451 6.906 9.589 2.684 7.201 14.591 7.390 11.668 10.313 (1.355) 8.263 9.399 1.136 (6.222) (6.215) 7 (575) 3.359 3.934 ITÁLIA (1.896) (1.683) 213 DEMAIS PAÍSES (5.933) (2.266) 3.668 AMÉRICA DO NORTE EUROPA OCIDENTAL FINLÂNDIA SUÉCIA REINO UNIDO ALEMANHA Variação (295) (5.001) (4.706) 1.949 1.039 (910) (2.244) (6.040) (3.796) (4.780) (1.775) 3.006 CHINA (4.776) 943 5.720 JAPÃO (272) (584) (313) ÍNDIA (493) (1.552) (1.059) ORIENTAL RÚSSIA DEMAIS PAÍSES ÁSIA INDONÉSIA DEMAIS PAÍSES AMÉRICA LATINA BRASIL 3.367 3.854 487 (2.607) (4.436) (1.829) (4.540) (6.844) (2.305) 370 289 (81) (59) (31) 28 MÉXICO (1.563) (2.513) (950) DEMAIS PAÍSES CHILE (3.288) (4.590) (1.302) OCEANIA (1.028) (667) 362 ÁFRICA (1.579) (3.654) (2.075) ORIENTE MÉDIO (2.830) (4.578) (1.747) Fonte: RISI. A balança comercial brasileira de papéis realizou dois movimentos antagônicos, correlacionando-se com o movimento do câmbio. De 2000 a 2005 a balança registrou superávits cada vez maiores (à exceção do ano de 2004), tendo registrado saldo de 1,1 milhão de toneladas em 2005. De 2005 a 2010, porém, a balança se deteriorou (à exceção de 2009), tendo registrado em 2010 o menor valor desde 2000, de 289 mil toneladas, como expõe a Tabela 4. 352 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 4 SALDO COMERCIAL BRASILEIRO DE PAPÉIS, POR SEGMENTO 3,5 2.000 3,0 1.500 2,5 2,0 500 R$/US$ MIL TONELADAS 1.000 1,5 1,0 -500 0,5 -1.000 - 2000 R$/US$ 2001 2002 Demais papéis 2003 2004 Sanitários 2005 2006 Papel-cartão 2007 2008 Papelão ondulado 2009 I&E 2010 Imprensa Fontes: RISI e Bacen. O papel imprensa é o único segmento8 que registrou déficits expressivos, conforme registrado no Gráfico 4, em função da importação anual de cerca de 400 mil t/ano, segmento no qual o Brasil tem apenas uma planta, com capacidade de produção de 180 mil t/ano, insuficiente para atender ao mercado interno, que têm de recorrer às importações. Conforme será visto na seção de perspectivas, a pouca competitividade do Brasil nesse segmento, aliado a um declínio na demanda mundial, bem como aos problemas de desvio de finalidade do papel imune, acabam por reduzir a possibilidade de investimento em uma nova planta de papel jornal no país. Em relação às exportações brasileiras, a maior parte se concentrou no kraftliner (papel destinado à fabricação de P.O. à base de fibra virgem) e nos papéis de I&E woodfree não revestidos, o que permitiu que o país fosse o único da região que registrasse superávits comerciais durante o período analisado (ver Tabela 4). 8 É importante lembrar que, em cada segmento, existem outros diversos subsegmentos que apresentaram déficits individualmente. Um exemplo notável são os papéis de I&E revestidos. PAPEL E CELULOSE 353 Nesses papéis, o peso da fibra virgem nos custos é mais relevante, e o Brasil, além de dispor de uma celulose altamente competitiva, tem grandes produtores (como Klabin, Suzano e IP), com algumas plantas modernas e de grande porte, o que permitiu ao Brasil exportar de forma competitiva (em especial para o restante da América Latina, bastante dependente de papéis importados). 4 . PAN OR A MA D O M ER C A D O D E C EL U L O S E DEMANDA O consumo aparente global de celulose,9 incluindo as fabricadas a partir de outros insumos que não a madeira, oscilou nos últimos dez anos, mas encerrou 2010 com valores similares aos registrados em 2000, ao contrário do crescimento registrado no papel (CAGR de 1,8%). O que explica tal divergência é a maior utilização de aparas (utilizadas por meio da reciclagem) no mix de fibra utilizado na produção de papel. Desde 2003, a utilização da fibra reciclada é superior à da fibra virgem,10 diferença que permanece aumentando desde então, tendo chegado a participação da fibra reciclada, no mix de produção mundial, a 56% em 2010 (Gráfico 5). Apesar da quase estagnação no consumo global de celulose, houve uma clara diferenciação entre o desempenho de cada tipo do produto. Enquanto o CAGR da BHKP, no período, foi de 2,1%, a taxa de crescimento do consumo de BSKP foi de -0,4%, a de celulose kraft não branqueada foi de zero, a de pasta mecânica de -1,4% e as demais de -3% (ver Gráfico 6). 9 Todas as referências à celulose no texto referem-se à polpa oriunda de madeira destinada à produção de papéis, exceto quando explicitamente mencionado. 10 A razão calculada foi feita com base em consumo de fibra/produção de papéis, sem ajuste por perdas, umidade ou uso de outros aditivos no papel, como cargas minerais. 354 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 5 MIX DE FIBRAS NA PRODUÇÃO DE PAPÉIS NO MUNDO 58 56 54 52 % 50 48 46 44 42 40 2000 2001 2002 Celulose de madeira 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fibra reciclada Fonte: RISI. GRÁFICO 6 CONSUMO APARENTE GLOBAL DE CELULOSE, POR TIPO (EM MIL TONELADAS) 200.000 180.000 160.000 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 2000 2001 Demais 2002 Pasta mecânica 2003 2004 Kraft não branqueado 2005 2006 BSKP 2007 2008 2009 2010 BHKP Fonte: RISI. A pasta mecânica é muito utilizada na produção de papel imprensa, o que explica a queda em sua demanda. Já a celulose kraft não branqueada é muito utiliza- PAPEL E CELULOSE 355 da em papéis de embalagens, que, apesar de responsáveis por um dos maiores crescimentos entre os papéis no período, utilizaram cada vez mais fibra reciclada em sua produção. Já o bom desempenho de BHKP é explicado tanto pelo crescimento na demanda de papéis sanitários, papel-cartão e especiais, quanto pela substituição de BSKP, em função do baixo custo e de melhorias nas propriedades das fibras. Ao analisar o ranking dos dez maiores consumidores globais de celulose (inclusive de outras fontes que não a madeira), reproduzido na Tabela 5, podem-se observar algumas diferenças em relação aos maiores produtores de papéis. Um deles é o consumo maior de celulose, em 2010, dos Estados Unidos em relação à China, ao contrário do ocorrido na produção de papéis, o que é explicado pelo maior uso de fibra reciclada neste último país (entre outros motivos, pela alta produção de P.O., com a maior taxa de utilização11 entre todos os tipos de papéis). Outra diferença é que o Brasil aparece em posição mais relevante no consumo de celulose do que na produção de papéis, o que pode ser explicado pela alta oferta de fibra virgem a um custo baixo, em relação à oferta de fibra reciclada. TABELA 5 DEZ MAIORES CONSUMIDORES MUNDIAIS DE CELULOSE, DE MADEIRA E OUTRAS FONTES (EM MIL TONELADAS) 2000 País 2010 Mil t % País ESTADOS UNIDOS 57.360 31,2 ESTADOS UNIDOS 48.306 26,1 CHINA 19.380 10,5 CHINA 32.396 17,5 CANADÁ 15.962 8,7 JAPÃO 10.679 5,8 JAPÃO 14.148 7,7 CANADÁ 9.335 5,1 FINLÂNDIA 10.361 5,6 SUÉCIA 9.186 5,0 SUÉCIA 8.755 4,8 FINLÂNDIA 8.810 4,8 ALEMANHA 5.968 3,2 ALEMANHA 6.994 3,8 BRASIL 4.795 2,6 BRASIL 6.079 3,3 RÚSSIA 4.307 2,3 RÚSSIA 5.756 3,1 FRANÇA 4.289 2,3 INDONÉSIA 4.601 2,5 DEMAIS PAÍSES 38.796 21,1 DEMAIS PAÍSES 42.640 23,1 TOTAL MUNDO 184.121 100,0 TOTAL MUNDO 184.783 100,0 Fonte: RISI. 11 Definido pela razão do consumo de aparas de papel sobre a produção de papel. Mil t % 356 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS OFERTA Na celulose, ao contrário do setor de papéis, o Brasil foi o grande destaque global. A produção do país em 2010 foi 6,6 milhões de toneladas superior à de 2000, o que representou um CAGR de 6,5%. Foi o maior crescimento registrado entre todos os países, incluindo a China, que expandiu sua produção em 5,6 milhões (considerando também a produção de celulose não oriunda de madeira). Em 2000, o Brasil era o sétimo maior produtor, com 4% de participação de mercado, passando, em 2010, para a quarta posição, com 7,6% do mercado (Tabela 6). Rússia, Indonésia e Chile foram outros emergentes que subiram no ranking dos maiores produtores mundiais, enquanto grandes países produtores localizados no hemisfério norte, como Estados Unidos, Canadá, Finlândia e Suécia, reduziram sua produção no período, em função da menor competitividade diante dos países do hemisfério sul. TABELA 6 DEZ MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE CELULOSE, DE MADEIRA E OUTRAS FONTES (EM MIL TONELADAS) 2000 País 2010 Mil t % País ESTADOS UNIDOS 56.933 30,8 ESTADOS UNIDOS 49.243 Mil t 26,5 % CANADÁ 26.871 14,5 CHINA 22.042 11,9 CHINA 16.438 8,9 CANADÁ 18.536 10,0 FINLÂNDIA 11.910 6,4 BRASIL 14.062 7,6 SUÉCIA 11.517 6,2 SUÉCIA 11.877 6,4 JAPÃO 11.319 6,1 FINLÂNDIA 10.508 5,7 BRASIL 7.463 4,0 JAPÃO 9.393 5,1 RÚSSIA 5.885 3,2 RÚSSIA 7.421 4,0 INDONÉSIA 4.308 2,3 INDONÉSIA 6.278 3,4 ÍNDIA 2.770 1,5 CHILE 4.114 2,2 DEMAIS PAÍSES 29.564 16,0 DEMAIS PAÍSES 32.109 17,3 TOTAL MUNDO 184.978 100,0 TOTAL MUNDO 185.582 100,0 Fonte: RISI. Apesar da estagnação do volume produzido entre 2000 e 2010, observaram-se comportamentos distintos na produção de celulose integrada e na de mercado. Enquanto a celulose integrada apresentou CAGR de -0,8%, a de mercado cresceu 2,2%, o que permitiu que a produção de celulose de mercado, que representava 26% do total de celulose em 2000, passasse a 32% em 2010. A razão para essa divergência é PAPEL E CELULOSE 357 que muitas das novas capacidades localizadas no hemisfério sul destinam-se a ofertar celulose aos grandes produtores de papel, localizados principalmente em países desenvolvidos e na China. Se for considerada somente a celulose de mercado, a participação do Brasil no mercado global, que era de 8,5% em 2000, foi a 18% em 2010. Se fizermos um corte ainda maior e considerarmos apenas a produção de BHKP de mercado, o Brasil saiu de uma participação de 22% em 2000 para 38% em 2010. Esse grande salto na produção veio principalmente por meio de quatro grandes projetos de celulose de mercado, de classe mundial, que iniciaram suas atividades entre 2000 e 2010. O primeiro foi a terceira linha da unidade de Aracruz (ES) da então Aracruz (atual Fibria), com capacidade de produção de 700 mil t/ano de celulose. Com start-up em 2002, o projeto garantiu à empresa, que na época era a segunda maior produtora mundial de fibra curta de eucalipto, a liderança mundial nesse segmento. Posteriormente, em 2005, na região sul da Bahia, houve o início das operações da primeira planta de celulose da Veracel (joint-venture da Stora Enso e da Aracruz), nos limites dos municípios de Eunápolis e Belmonte, com capacidade de 900 mil t/ano e que é, ainda hoje, uma das plantas mais eficientes do mundo, em função da alta produtividade das florestas da região. Ainda na Bahia, o projeto de uma nova linha na planta da Suzano em Mucuri, com capacidade de produção de 1 milhão de t/ano de celulose de mercado, começou em 2007. Na época, foi a maior escala de uma planta de celulose em todo o mundo e foi responsável por levar a Suzano (que era denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose) a ser segunda maior produtora nacional de celulose. Por fim, o quarto grande projeto iniciou-se em 2009, no que foi a primeira planta de celulose no estado de Mato Grosso do Sul: uma nova unidade da então VCP (Votorantim Celulose e Papel, atual Fibria) com capacidade instalada de 1,3 milhão de t/ano. Apenas nesses quatro projetos, foram adicionados quase quatro milhões de toneladas de capacidade instalada de BHKP no mercado. É interessante notar o contínuo aumento de escala nos projetos de celulose: saindo de 700 mil t/ano em 2002, para 900 mil t/ano em 2005, 1 milhão t/ano em 2007 e 1,3 milhão de t/ano em 2009. Essa grande escala contrasta com os investimentos 358 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS em papel: o maior projeto do período, o MA-1100 da Klabin, adicionou 420 mil t/ano de capacidade produtiva no mercado. Outro destaque na oferta brasileira no período foi a formação da Fibria, a maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo, oriunda da fusão entre a VCP e a Aracruz, em 2009. Segundo estimativas da consultoria RISI, a Fibria detém 10% da capacidade instalada global de celulose de mercado, sendo 21% se considerada apenas BHKP. COMÉRCIO INTERNACIONAL As exportações globais, como um percentual da produção, vêm aumentando, passando de 21% em 2000 para 26% em 2010, como indica o Gráfico 7. Apesar da tendência positiva, a fração da produção exportada de celulose ainda é inferior à de papéis – que pouco oscilou, ficando ao redor de 30% durante o período analisado –, visto que a maior parte da celulose produzida no mundo é integrada. Quando se considera a celulose de mercado, o percentual é muito superior, tendo saído de 79% em 2000 para 81% em 2010. GRÁFICO 7 EXPORTAÇÕES SOBRE PRODUÇÃO DE CELULOSE, TOTAL E DE MERCADO 90 80 70 60 % 50 40 30 20 10 0 2000 2001 Total Fonte: RISI. 2002 Mercado 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 PAPEL E CELULOSE 359 Em relação ao saldo comercial de celulose, exibido na Tabela 7, a América do Norte e a América Latina aparecem como regiões exportadoras líquidas, enquanto a Europa e a Ásia como importadoras líquidas. O Brasil alcançou o maior acréscimo na balança comercial, com o saldo em 2010 de 5,3 milhões de toneladas acima do registrado em 2000, o que levou o país a se tornar o segundo maior exportador de celulose, atrás apenas do Canadá (o Brasil era o quarto maior exportador em 2000). A China aparece como destaque negativo: seu saldo deteriorou-se em 7,4 milhões de toneladas, tornando-se o maior importador do mundo em 2010, responsável por 24% das importações mundiais de celulose. TABELA 7 SALDO COMERCIAL DE CELULOSE, POR REGIÃO E PAÍSES SELECIONADOS (EM MIL TONELADAS) Região/país 2000 2010 AMÉRICA DO NORTE 9.943 9.934 (9) 10.641 8.995 (1.646) CANADÁ ESTADOS UNIDOS EUROPA Variação (698) 939 1.637 (5.547) (5.924) (377) 139 (6.536) (6.397) FINLÂNDIA 1.549 1.715 166 SUÉCIA 2.762 2.660 (102) REINO UNIDO (1.621) (1.049) 572 ALEMANHA (3.753) (4.205) (452) ITÁLIA (3.106) (3.226) (120) DEMAIS PAÍSES (2.367) (2.292) 75 (516) OCIDENTAL 989 473 RÚSSIA 1.578 1.665 87 DEMAIS PAÍSES (589) (1.192) (603) ORIENTAL (8.213) (14.517) (6.304) CHINA (2.942) (10.355) (7.413) JAPÃO (2.829) (1.286) 1.543 (186) (576) (390) ÁSIA ÍNDIA INDONÉSIA DEMAIS PAÍSES 1.015 1.677 662 (3.271) (3.978) (707) 3.809 11.198 7.390 BRASIL 2.668 7.969 5.301 CHILE 1.831 3.363 1.532 MÉXICO (440) (853) (413) DEMAIS PAÍSES (250) 719 969 AMÉRICA LATINA OCEANIA 476 576 100 ÁFRICA 174 (194) (368) (366) (703) (337) ORIENTE MÉDIO Fonte: RISI. 360 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS A abertura da destinação das exportações brasileiras mostra que a Europa é a principal região importadora da celulose brasileira, respondendo por 47% do volume total, tanto em 2000 quanto em 2010. Os Estados Unidos, que respondiam por 28% das exportações brasileiras em 2010, passaram a responder por 19% em 2010. Já a China, que importava apenas 3% das exportações brasileiras de celulose em 2000, passou a 22% em 2010, tornando-se o principal destino individual da celulose brasileira (Gráfico 8). GRÁFICO 8 DESTINAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CELULOSE Demais China 12% Demais Estados Unidos 22% Estados Unidos 28% 22% China 3% 2010 2000 47% 47% Europa 19% Europa Fonte: AliceWeb. 5 . O A POIO D O B N D ES A maioria dos grandes projetos ocorridos nos últimos dez anos no Brasil teve apoio do BNDES. De 2001 a 2010, os desembolsos diretos para projetos industriais em celulose (não incluindo a formação da base florestal, investimentos em renda variável ou capital de giro) foi de R$ 5,4 bilhões, ao passo que para papéis, o montante foi inferior, de R$ 2,5 bilhões (Gráfico 9). Tal situação ilustra o menor nível de investimentos em papéis do que em celulose, conforme destacado anteriormente. Dos quatro grandes projetos de celulose ocorridos no país no período, o único que não foi apoiado pelo Banco foi o projeto da Cenibra. Em papéis, o Banco financiou o projeto MA-1100 da Klabin, porém não participou da linha de I&E da IP em Três Lagoas (MS). PAPEL E CELULOSE 361 Já indiretamente, o Banco desembolsou R$ 0,3 bilhão para a celulose e R$ 1,1 bilhão para o setor de papéis. Os desembolsos indiretos apresentam uma concentração muito maior no setor de papéis do que no de celulose, ao contrário dos desembolsos diretos. A maioria das empresas do setor de papéis no Brasil é de pequeno ou médio porte, com projetos de menor escala, o que muitas vezes inviabiliza a possibilidade de operar diretamente com o BNDES.12 GRÁFICO 9 DESEMBOLSOS INDUSTRIAIS DO BNDES DE 2001 A 2010 PARA O SETOR DE PAPEL E CELULOSE, EXCLUINDO INVESTIMENTOS FLORESTAIS, RENDA VARIÁVEL E CAPITAL DE GIRO 9 8 7 R$ BILHÕES 6 5 4 3 2 Indireto Celulose Direto Papel Fonte: Elaboração do BNDES. No total, o apoio direto e indireto do BNDES foi de R$ 9,4 bilhões, o que resulta em uma média anual de quase R$ 1 bilhão. Para maiores informações sobre o apoio do BNDES, nos últimos dez anos, ao setor de produtos florestais, sugere-se consultar Vidal e Da Hora (2011). 12 O BNDES pode atuar tanto diretamente, quanto indiretamente, por meio de agentes financeiros. De acordo com as políticas operacionais vigentes à época da elaboração deste artigo, apenas operações acima de R$ 10 milhões podem ser realizadas de forma direta. 362 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 6 . P ER SPECTIVA S PAPÉIS Segundo estimativas da RISI, o consumo aparente de papéis em 2011 foi de 401 milhões de toneladas, um acréscimo de 1,7% sobre o registrado em 2010. No Brasil, segundo informado pela Bracelpa, o consumo aparente de papéis subiu 0,1% em 2011 em relação a 2010, ao passo que a produção cresceu 0,4%, como é possível verificar na Tabela 8. Portanto, a participação do Brasil na demanda global, em 2011, deve ter recuado para 2,3%. TABELA 8 RESULTADO DE 2011 EM PAPÉIS NO BRASIL, EM RELAÇÃO A 2010 (EM MIL TONELADAS) Segmento Produção Mil t 2011 Consumo aparente vs 2010 (%) Mil t 2011 EMBALAGEM 4.926 1,3 4.384 I&E vs 2010 (%) Exportações Importações Mil t 2011 vs 2010 (%) Mil t 2011 0,8 606 3,9 64 Saldo comercial vs 2010 (%) Mil t 2011 vs 2010 (%) (8,6) 542 5,7 2.682 (0,8) 2.347 0,0 1.034 (5,2) 699 (4,9) 335 (5,9) IMPRENSA 129 4,0 533 (9,0) 2 100,0 406 (12,3) (404) (12,6) SANITÁRIOS 972 7,4 973 7,8 8 (33,3) 9 (10,0) (1) (150,0) PAPEL-CARTÃO 732 (6,9) 550 (9,2) 221 3,8 39 18,2 182 1,1 DEMAIS 438 (5,4) 495 3,1 181 4,0 238 24,6 (57) 235,3 9.879 0,4 9.282 0,1 2.052 (1,1) 1.455 (3,1) 597 4,4 TOTAL PAPÉIS Fonte: Bracelpa. Para os próximos anos, é provável que a demanda por papéis continue sendo influenciada pelo crescimento do PIB e, uma vez que as perspectivas econômicas são favoráveis aos países emergentes, estes devem continuar praticando melhor desempenho do que os mercados maduros, à semelhança dos últimos anos. Vale notar ainda que o consumo per capita de papéis nos mercados maduros guarda significativa distância do observado nos mercados emergentes (ver Gráfico 1), o que é outro indício do potencial de ganho destes últimos. Papéis gráficos Tanto nos mercados maduros quanto nos emergentes, mas em especial nos primeiros, o consumo de papéis gráficos (I&E e imprensa) deve continuar pressionado PAPEL E CELULOSE 363 pela competição com os meios digitais. Em relação aos emergentes, a competição entre papéis gráficos e leitores digitais vem se intensificando, sobretudo entre as classes mais altas da população, de modo que nessas regiões provavelmente não vai ocorrer o movimento ascendente seguido de declínio no consumo per capita desse tipo de papel, a exemplo do ocorrido nos mercados maduros. O consumo desses países aumentará, porém tendendo a se situar nos patamares encontrados no mundo desenvolvido. Produtores de papéis gráficos localizados em mercados maduros têm visto sua demanda local encolher e estão sendo forçados, cada vez mais, a exportar. Para os menos competitivos, cujo custo marginal de produção é inferior ao preço de mercado subtraído dos custos de frete, a redução na demanda vem levando ao fechamento de capacidades. Entre 2000 e 2010 houve fechamento líquido de 9,5 milhões de t/ano de capacidade de I&E em mercados maduros e de 8,6 milhões de t/ano em papel imprensa, enquanto observou-se na China um aumento líquido de capacidade de 11,9 milhões de t/ano de I&E e de 3,3 milhões de t/ano de papel imprensa. O enorme aumento na demanda permitiu à China não somente investir em novas e modernas máquinas, mas também em máquinas de grande porte. Considerando que a escala e a idade tecnológica são dois fatores determinantes para a competitividade nos papéis gráficos, a dificuldade dos produtores de mercados maduros em competir com os chineses torna-se cada vez maior. De acordo com a base de dados sobre as plantas de papéis de I&E da RISI,13 a China hoje possui o parque fabril mais atualizado, com idade tecnológica média14 de apenas seis anos e capacidade instalada média de 43 mil t/ano (vale notar, entretanto, que as cinco maiores máquinas de I&E do mundo estão na China, todas com capacidade instalada acima de 500 mil t/ano). A Europa Ocidental, apesar de ter plantas, na média, maiores (100 mil t/ano), possui um parque fabril bem mais desatualizado (18 anos de idade tecnológica). E a tendência é a posição competitiva da China se elevar, uma vez que, em seu último plano quinquenal, o país estabeleceu 13 A base da RISI considera cerca de 87% da capacidade instalada de I&E do mundo. Todas as referências a dados médios de plantas de papel e celulose no texto referem-se a uma média ponderada por capacidade instalada. 14 364 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS que máquinas de I&E com menos de 1,76 metro de diâmetro e velocidade inferior a 120 m/min deverão ser fechadas, dando lugar a novas e modernas máquinas. O Brasil tem plantas com idade tecnológica semelhante às da Europa Ocidental e do Japão, porém com escala muito menor (média de 64 mil t/ano, sendo a maior planta, da IP em Três Lagoas, de 200 mil t/ano). Entretanto, a situação ainda é melhor do que a do restante da América Latina, com a menor escala (média de 32 mil t/ano) e um dos mais antigos parques industriais do mundo (idade tecnológica média de 24 anos). Esses dados estão representados no Gráfico 10. GRÁFICO 10 CAPACIDADE INSTALADA E IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA DE PAPÉIS I&E CAPACIDADE MÉDIA (MIL T/ANO) 20 40 60 80 100 120 0 CHINA IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA (ANOS) 5 BRASIL 10 Demais asiáticos Europa Ocidental 15 Japão África, Europa Oriental e Oceania 20 25 Demais América América do Norte 30 Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI. Obs.: O tamanho das bolas indica a capacidade instalada total. A situação competitiva internacional tende a se acirrar ainda mais nos próximos anos, considerando o crescimento da oferta chinesa maior do que o de sua demanda. Desde 2006, a China passou de importador líquido para exportador líquido de papéis gráficos, registrando superávits na balança, tal como a Coreia do Sul e a Indonésia (Gráfico 11). É possível que essa situação continue nos próximos anos, visto que, de acordo com os anúncios de expansões e fechamentos das empresas do PAPEL E CELULOSE 365 setor, a Ásia deve aumentar sua capacidade instalada de I&E em quase 8 milhões de t/ano até 2016, enquanto a Europa e a América do Norte devem fechar cerca de 3 milhões de t/ano no mesmo período. Já no papel imprensa, o aumento de capacidade da Ásia provavelmente será próximo de 800 mil t/ano, ao passo que América do Norte e Europa devem fechar quase 500 mil t/ano de capacidade. GRÁFICO 11 SALDO COMERCIAL DE PAPÉIS GRÁFICOS NA CHINA, INDONÉSIA E COREIA DO SUL (EM MIL TONELADAS) 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 (500) (1.000) (1.500) 2000 China 2001 Indonésia 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Coreia do Sul Fonte: RISI. No Brasil, o mercado ainda revela perspectivas de crescimento na demanda por papéis de I&E, em função do aumento e da melhor distribuição de renda. Entretanto, o crescimento na demanda ocorre em patamar bem inferior ao observado na China e em outros emergentes. O crescimento moderado também inibe futuras expansões, porque novas capacidades entram no mercado em saltos enquanto a demanda cresce de forma contínua e mais suave. Assim, uma nova planta de grande capacidade precisaria, em um primeiro momento, exportar uma parcela de sua produção para tornar-se economicamente viável. Vale dizer ainda que o Brasil é pouco competitivo internacionalmente na produção de papéis gráficos, em função do alto custo da energia, de uma logística 366 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS interna deficiente, da distância para os principais mercados consumidores, da alta e complexa carga tributária, do elevado custo de químicos e de canais de distribuição no exterior pouco desenvolvidos, inclusive pela ausência de marcas fortes. No caso da questão tributária, ela não somente dificulta as exportações, como facilita as importações. No Brasil, os papéis destinados à elaboração de livros, revistas e periódicos contam com imunidade tributária garantida pela Constituição, mas boa parte do papel declarado como imune no Brasil é desviado para outros fins, gerando evasão fiscal e uma concorrência desleal entre produtores (e importadores) que operam legalmente e os que não operam. Segundo estimativas da Bracelpa, em 2010, cerca de 685 mil toneladas de papel imune foram desviados para outros fins, um aumento de 29% diante do volume observado em 2009, conforme mostrado no Gráfico 12. Por fim, o patamar atual do câmbio brasileiro é outro fator que dificulta a expansão da produção e exportação brasileira de papéis gráficos. Como o Gráfico 4 demonstra, o saldo comercial brasileiro de papéis guarda alta correlação com o câmbio. GRÁFICO 12 ESTIMATIVA DE DESVIO DE FINALIDADE DO PAPEL IMUNE NO BRASIL (EM MIL TONELADAS E EM % DO TOTAL) 800 70 700 60 50 500 40 % MIL TONELADAS 600 400 30 300 20 200 10 100 0 0 2005 Toneladas Fonte: Bracelpa. 2006 % do total 2007 2008 2009 2010 PAPEL E CELULOSE 367 Ademais, como já analisado, a competição internacional por mercados nos papéis gráficos vem se acirrando em função da tendência de declínio deste mercado. Dessa forma, não é esperado nenhum grande projeto para papéis gráficos no Brasil nos próximos anos, à exceção do anúncio da segunda linha da International Paper na planta de Três Lagoas (MS), de 200 mil t/ano de I&E. A decisão de seguir em frente com o projeto ainda não foi oficializada pela empresa. No entanto, o fato de a linha anunciada ser de papéis woodfree não revestidos aumenta a probabilidade de o projeto ser implantado, já que esse tipo de papel tem perspectivas positivas em relação à demanda interna e é o tipo de papel de I&E no qual o Brasil aparece em melhor posição competitiva, uma vez que o peso da celulose química, entre os insumos utilizados, é maior. Papelão ondulado, papel-cartão e outros papéis para embalagens O P.O. deve continuar respondendo pela maior taxa de crescimento global entre todos os tipos de papéis, impulsionado pelo crescimento do PIB, da produção industrial e do comércio internacional. Outros papéis para embalagens, incluindo o papel-cartão, também devem crescer, ainda que com taxas menores do que o P.O., em razão da maior concorrência com outros materiais para embalagem, em especial do plástico, a exemplo do ocorrido nos últimos anos. Já a questão ambiental aparece tanto como um vetor positivo (a maior conscientização ambiental tende a aumentar o consumo de papéis de embalagem, em detrimento do plástico) quanto negativo (pelas constantes pressões por redução do peso das embalagens). O P.O. é o tipo de papel com a menor razão exportação/produção entre todos os tipos de papéis (ver Gráfico 3), ao redor de 16%, sendo boa parte do comércio internacional concentrada no kraftliner, a capa do P.O., formada com predominância de fibras virgens. No papel-cartão, o comércio internacional é maior, ainda que não atinja o patamar dos papéis gráficos. Os papéis para embalagens concentram boa parte da inovação de produto no setor, tendência que deve continuar nos próximos anos, uma vez que esse segmento está sempre competindo com outros materiais pela preferência do consu- 368 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS midor. Algumas inovações tendem a unir o papel com outros materiais, como no caso das caixas de embalagem “longa vida” (embalagens cartonadas assépticas), em que a união de papel-cartão com polietileno de baixa densidade e alumínio permitiu criar uma embalagem que melhor preserva e conserva as bebidas. Outras inovações são relacionadas ao design, buscando conferir mais sofisticação à embalagem do produto e, assim, aumentar a percepção de valor pelo cliente, ou mesmo de permitir novas funcionalidades à embalagem. Esta última função também deve ser buscada por meio de avanços tecnológicos, inclusive pelo uso de nanotecnologia [Santi (2011)], criando embalagens inteligentes. Algumas das possíveis vertentes que vão ditar o rumo das inovações no setor de papéis para embalagem nos próximos anos são: a redução no uso de matérias-primas, a segurança alimentar, o potencial de reciclagem, a inteligência das embalagens, a sofisticação do design e a conveniência do cliente. No Brasil, segundo a Bracelpa, a produção de papéis para embalagem (exclusive papel-cartão) cresceu 1,3% em 2011, ao passo que o consumo aparente cresceu 0,8%. Já o papel-cartão sofreu retração de -6,9% na produção e de -9,2% no consumo. O que explica a divergência entre as taxas de crescimento desses tipos de papéis é a maior base de comparação em papel-cartão (houve acréscimo na produção de 5,2% em 2010 em relação a 2009, ao passo que nos papéis para embalagens esse valor foi de 3,2%) e o aumento da importação de produtos industrializados no Brasil (que já vêm embalados, o que reduz a produção local de embalagem). Nesse caso, o P.O. foi menos pressionado por ser muito utilizado na embalagem de produtos alimentícios. Em 2010, 46% das vendas de produtos acabados de P.O. tiveram essa destinação, segundo a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). O país deve continuar apresentando demanda crescente por papéis para embalagens, em especial pelas perspectivas positivas para o crescimento do PIB nos próximos anos. Do lado negativo, a principal ameaça à demanda possivelmente virá pelo aumento da importação de produtos que já vêm embalados. Já a oferta brasileira deve continuar crescendo, acompanhando as perspectivas positivas para a demanda. O país deve continuar recebendo pequenos investimentos em plantas de fabricação de P.O. à base de aparas de papel, bem PAPEL E CELULOSE 369 como desgargalamentos em plantas de grandes produtores, a exemplo dos últimos anos. No entanto, pela primeira vez desde o start-up do projeto MA-1100 da Klabin, em 2008, são esperados grandes investimentos em plantas de papéis para embalagens no Brasil. A Rigesa (subsidiária da americana MeadWestVaco) está ampliando sua capacidade de produção em 300 mil t/ano de papel kraftliner e em 135 mil t/ano de papel-miolo, em sua unidade de Três Barras (SC), com previsão de start-up até o fim de 2012. Outra grande multinacional do setor, a International Paper, já anunciou planos de entrar no mercado brasileiro de papéis para embalagens, via aquisição ou construção de unidades produtivas no país. A Klabin, empresa nacional líder no setor de papéis para embalagens, anunciou recentemente planos de instalar duas novas máquinas de papéis em 2012: uma em sua unidade de Correia Pinto (SC), com capacidade produtiva de 100 mil t/ano de sacos kraft, e a outra em sua unidade em Angatuba (SP), com capacidade de produção de papéis reciclados entre 250 e 300 mil t/ano. A empresa também tem planos antigos de instalar uma segunda linha de papel-cartão, à semelhança do projeto MA-1100, que ainda não foram confirmados, mas que podem vir a materializar-se em função das perspectivas positivas para o mercado. Grosso modo, o país é mais competitivo nos papéis para embalagens que se utilizam de fibra virgem do que os que empregam fibra reciclada, o que permite ao Brasil exportar de maneira competitiva os papéis do primeiro tipo. No entanto, nos últimos anos, o mercado interno aquecido e o real valorizado levaram os produtores a direcionar mais de sua produção ao mercado interno, em busca de melhores margens. Caso todos esses projetos em perspectiva ocorram, é possível que o país volte a registrar aumentos no saldo da balança comercial para esse tipo de papel. Papéis sanitários Os papéis sanitários também revelam tendências de crescimento muito positivas no mundo, uma vez que praticamente inexistem produtos substitutos (à exceção de algumas aplicações, em especial no mercado corporativo, como secadores de mão à base de ar quente). Os papéis sanitários foram os únicos que não sofreram retra- 370 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ção no consumo global no recessivo ano de 2009, quando a demanda global por papéis recuou 5,6%, mas a demanda por papéis sanitários cresceu 0,9%. O fato de sua demanda ser estável mesmo em momentos de crise demonstra a consistência do crescimento esperado para o segmento. Esse crescimento nos próximos anos deverá vir, sobretudo, dos mercados emergentes, uma vez que a melhoria de renda e o aumento da população urbana trazem ao mercado milhares de novos consumidores, especialmente na China. Mas, mesmo em mercados maduros, as perspectivas para o setor são positivas. Os papéis sanitários foram o único segmento em que os mercados maduros experienciaram crescimento no período 2000-2010 (ver Tabela 1). Os papéis sanitários estão entre os tipos de papel menos negociados internacionalmente, em razão de sua baixa densidade, o que encarece muito o frete. Mesmo dentro dos países, as unidades produtoras de papéis sanitários costumam ter escala reduzida e presença dispersa pelo território, já que precisam estar bastante próximas dos mercados consumidores para serem competitivas. Assim, mais do que em qualquer outro tipo de papel, nos sanitários o crescimento da demanda nos países será seguido muito de perto pela oferta. No Brasil, a maior parcela de papéis sanitários consumida refere-se a papéis higiênicos de folha simples. Entretanto, conforme Tabela 9, nos últimos anos, vem ocorrendo um crescente aumento da composição de papéis higiênicos de folha dupla, como ocorrido em mercados maduros, um sinal da melhoria de distribuição de renda da população [Vital (2008)]. TABELA 9 PRODUÇÃO DE PAPÉIS SANITÁRIOS NO BRASIL Tipo de papel sanitário 2000 Mil t 2010 % total Mil t % total CAGR 2000-2010 31.959 5 44.388 5 3,3 FOLHA SIMPLES DE BOA QUALIDADE 186.937 31 132.975 15 (3,3) FOLHA SIMPLES DE ALTA QUALIDADE 192.700 32 329.622 36 5,5 63.378 11 168.890 19 10,3 HIGIÊNICO POPULAR HIGIÊNICO FOLHA DUPLA TOALHA, GUARDANAPO E LENÇOS 121.758 20 229.066 25 6,5 TOTAL SANITÁRIOS 596.732 100 904.941 100 4,3 Fonte: Bracelpa. PAPEL E CELULOSE 371 Segundo a RISI, com base nos projetos anunciados por empresas do setor, o Brasil deve receber cerca de 260 mil t/ano de novas capacidades de papéis sanitários até o fim de 2016. Considerando as estimativas da RISI de que a capacidade instalada brasileira encerrou o ano de 2011 em 1,2 milhão de t/ano, e com base nos anúncios realizados, o crescimento da oferta brasileira seria da ordem de 4% a.a. CELULOSE De acordo com estimativas da RISI, o consumo aparente global de celulose em 2011 foi de 172 milhões de toneladas, um acréscimo de 3% sobre o registrado em 2010, com a BHKP de mercado crescendo 3,6%. No Brasil, segundo informado pela Bracelpa, o consumo aparente de celulose caiu 4,6% em 2011 em relação a 2010, ao passo que a produção recuou 1,2% e as exportações cresceram 1,2%. Dessa forma, o Brasil deve ter perdido participação de mercado nesse ano, entre outros fatores, pela ausência de novos grandes projetos no país. Não houve a partida de um grande projeto de celulose no Brasil desde 2008, ano em que foi inaugurada a planta da VCP em Três Lagoas. A crise internacional que eclodiu em 2008 afetou a capacidade das empresas brasileiras de se expandir, fato que foi agravado pelas perdas com derivativos cambiais por algumas companhias. Entretanto, essa situação deverá passar por drástica alteração nos próximos anos, já que a maioria dos novos projetos de celulose anunciados globalmente está localizada no Brasil. Demanda por celulose É possível que a demanda por celulose nos próximos anos continue apresentando comportamento distinto a depender de seu tipo. A celulose BHKP deve manter seu padrão de crescimento mais elevado, puxado pelo aumento da demanda por papéis de I&E na Ásia, da expansão dos papéis sanitários e, em menor grau, da expansão do segmento de papel-cartão e papéis especiais. O menor custo da celulose BHKP em relação à BSKP deve continuar favorecendo a primeira, em especial à medida que novas máquinas de papéis entrem em operação na Ásia, com tecnologias 372 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mais modernas, que permitam maior flexibilidade no mix de fibras utilizado na produção. Entretanto, a BSKP também vai experienciar crescimento, puxado principalmente pelo aumento da demanda por papéis para embalagens. Outro possível fator a impulsionar o consumo de celulose de madeira é o contínuo fechamento de fábricas de celulose oriunda de outros vegetais (em especial o bambu) na China, em função de pressões ambientais. O principal concorrente ao uso da fibra virgem de celulose, com impacto direto sobre a demanda desse insumo nos próximos anos, é o uso de aparas de papel. Novas tecnologias que permitem produzir papéis reciclados de melhor qualidade, demanda por práticas mais sustentáveis por parte da sociedade, aumento da taxa de recuperação15 em países em desenvolvimento e maior participação do P.O. no consumo global de papéis (o P.O. é o tipo de papel que mais se utiliza de fibra reciclada em seu mix de produção) devem continuar elevando (Gráfico 5) o percentual de fibras recicladas utilizado no mix global de produção de papéis. A celulose BHKP é especialmente utilizada nos papéis de I&E sem pasta mecânica (woodfree), nos papéis sanitários, e nos papéis especiais, além de alguma utilização na produção de papel-cartão. No caso específico da demanda por celulose de eucalipto (BEKP) de mercado, segmento em que o Brasil é mais competitivo, a demanda é bastante concentrada nos papéis sanitários, em função da qualidade dessa fibra para esse tipo de papel, e, em virtude da pequena escala das plantas produtoras, poucas são integradas à produção de celulose, tendo de comprar no mercado seu principal insumo de produção. Segundo a Fibria (maior produtora mundial de BEKP de mercado, com 32% de market-share), cerca de 54% de suas vendas são destinadas aos produtores de papéis sanitários, 24% aos produtores de papéis especiais e 22% aos produtores de papéis de I&E, como expõe o Gráfico 13. 15 A taxa de recuperação é definida como o consumo de aparas sobre o consumo de papel, ou seja, quanto do papel consumido foi direcionado para a reciclagem. PAPEL E CELULOSE 373 GRÁFICO 13 DESTINAÇÃO DAS VENDAS DE CELULOSE DE EUCALIPTO DA FIBRIA, EM 2010 Papéis especiais I&E 22% 24% 54% Papéis sanitários Fonte: Fibria. Oferta de celulose e a grande onda de expansões de BHKP A oferta de celulose continuará, cada vez mais, proveniente de países localizados no hemisfério sul, em função da maior produtividade das florestas dessa região, o que lhe confere diferencial competitivo perante os países produtores localizados no hemisfério norte. Segundo estimativas da RISI, com base nas expansões anunciados por empresas do setor com início de produção até 2016, haveria adição líquida de cerca de 13 milhões de t/ano de capacidade de celulose de mercado. Considerando somente BHKP, a adição de capacidade instalada seria em torno de 12 milhões de t/ano, com o Brasil respondendo por aproximadamente 10 milhões de t/ano, em um total de sete novos projetos (Tabela 10). É válido notar que esses números se referem a projetos anunciados. Nem todos serão executados conforme anunciados, podendo sofrer atrasos ou até mesmo cancelamentos. Existem também potenciais grandes projetos que não são anunciados pelas empresas, mas que podem vir a surpreender o mercado. Segundo a RISI, a chinesa Asian Pulp and Paper (APP) estaria planejando a maior linha individual de BHKP do mundo, na Indonésia, com capacidade entre 1,5 e 2 milhões de t/ano de capacidade e previsão de start-up entre 2015 e 2016. 374 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 10 NOVOS PROJETOS DE BHKP ANUNCIADOS NA AMÉRICA LATINA Empresa ELDORADO MONTES DEL PLATA (STORA ENSO/ARAUCO) SUZANO FIBRIA VERACEL Local País Capacidade (mil t/ano) Ano de start-up Três Lagoas Brasil 1.500 2012 Punta Pereyra Uruguai 1.300 2013 Maranhão Brasil 1.300 2013 Três Lagoas Brasil 1.500 2014 Eunápolis Brasil 1.500 2015 2015 Guaíba Brasil 1.350 KLABIN* A definir Brasil 1.500 2015 SUZANO Piauí Brasil 1.500 2015 CMPC Fonte: RISI. * A planta da Klabin será flex, produzindo fibras curta e longa. Além disso, conforme já demonstrado e ilustrado a seguir no Gráfico 14, a maior parte da demanda global por celulose nos próximos anos vai emergir da China. Existe uma questão política, além de econômica, se a China quiser manter sua dependência por celulose brasileira no futuro no mesmo nível observado atualmente. Em seu último plano quinquenal, a China sinalizou que buscará estimular a produção interna de fibra de modo a reduzir a dependência das importações. Outra saída estratégica para os chineses pode residir na produção direta de celulose em terras estrangeiras. Mas o recente parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que limita a compra de terras por estrangeiros no Brasil,16 se não inviabiliza, ao menos dificulta a entrada de empresas chinesas na produção de celulose no país. A suposta nova linha da APP na Indonésia pode ser um indício de que os chineses estão buscando fontes alternativas de celulose, e África, Sudeste Asiático e Oceania aparecem como potenciais regiões para empresas chinesas se instalarem. 16 Para mais informações, ver Parecer CGU/AGU 01/2008, publicado em 19 de agosto de 2010. PAPEL E CELULOSE 375 GRÁFICO 14 IMPORTAÇÕES CHINESAS DE BHKP, ACUMULADO 12 MESES 45 7.000 40 6.000 35 5.000 4.000 25 % MIL TONELADAS 30 20 3.000 15 2.000 10 1.000 5 0 0 jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 Importações China BHKP jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012 % Oriundo do Brasil Fonte: RISI. Competitividade Globalmente, os custos de produção da celulose vêm se elevando nos últimos anos, reflexo direto do aumento no custo de seu principal insumo, a madeira. Houve aumentos no custo desta em decorrência da valorização da terra. A inflação global nos preços das terras vem ocorrendo na esteira do crescimento da população mundial e da renda em países emergentes, que eleva a demanda por alimentos, madeira e biocombustíveis. Uma vez que a população mundial deve continuar crescendo, assim como a renda em países emergentes, e que pressões ambientais por fontes de energias limpas continuarão impulsionando a demanda por biocombustíveis, a pressão nos custos de terras, e, por consequência, da madeira, deverá permanecer. Em BHKP, o CAGR do custo-caixa médio dos maiores produtores globais17 (medido em US$/t), incluindo frete até a Europa, entre 2000 e 2011, foi de 4,1%. Em parte, o aumento da média global foi puxado pelo Brasil, cujo CAGR foi de 5,8% e que se tornou o maior produtor mundial de celulose de mercado BHKP no mundo. Nas regiões de alto custo, o CAGR foi de 3,5% (ver Gráfico 15). 17 Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia. 376 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS No Brasil, além da inflação do preço da terra, vem pesando nos últimos anos a elevação do custo de mão de obra, bem como a apreciação do real em relação ao dólar. Desde 2002, o diferencial de custos de produção do Brasil em comparação às regiões de alto custo vem se reduzindo. Naquele ano, o custo-caixa médio dos produtores brasileiros (considerando frete para Europa) esteve 41% abaixo da região de alto custo, enquanto, em 2011, esse diferencial foi de apenas 15%. A menos que a atual tendência de uma moeda forte e de aumentos reais na renda dos trabalhadores se altere, o Brasil continuará com menor destaque na posição competitiva global de BHKP, ainda que continue figurando entre os produtores de menor custo. GRÁFICO 15 CUSTOS DE PRODUÇÃO DE BHKP (EM US$/T) 700 600 500 400 300 200 100 0 2000 2001 2002 Produtores de alto custo 2003 2004 2005 Maiores produtores* 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Brasil Fonte: RISI. * Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia. Em BSKP, os custos também seguem pressionados, porém em menor magnitude do que em BHKP. O CAGR dos maiores produtores foi de 3,4%, do Chile (produtor de menor custo nesta fibra) de 3,5% e dos produtores de alto custo de 4,8%. O custo-caixa dos chilenos se manteve cerca de 47% abaixo do custo dos produtores de alto custo (Gráfico 16). PAPEL E CELULOSE 377 GRÁFICO 16 CUSTOS DE PRODUÇÃO DE BSKP (EM US$/T) 700 600 500 400 300 200 100 0 2000 2001 2002 Produtores de alto custo 2003 2004 2005 Maiores produtores* 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Chile Fonte: RISI. * Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia. O grande aumento de capacidade de BHKP no Brasil até 2008 levou a muitos fechamentos de capacidade de produtores de alto custo no hemisfério norte. Tal fenômeno não ocorreu em tamanha magnitude em BSKP, em parte pela limitação de terras disponíveis no Chile, em parte pelo grande foco dos produtores mundiais em aumentar capacidade em BHKP. Como a quase totalidade dos novos projetos anunciados para os próximos anos está focada em BHKP no Brasil, a diferença entre o custo-caixa dos produtores de alto e de baixo custo deve continuar se estreitando em BHKP, ao contrário de BSKP. Portanto, a margem dos produtores brasileiros de celulose deve seguir pressionada nos próximos anos. Tendências tecnológicas e biorrefinarias Os avanços tecnológicos florestais estão focados no aumento da produtividade das florestas e das propriedades da fibra. O Brasil conseguiu, ao longo das últimas décadas, avançar muito nessa questão, o que, somado às condições naturais favoráveis, levou o país a apresentar os melhores indicadores de desempenho florestal do mundo, sendo a alta produtividade das florestas brasileiras o principal responsável 378 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS pela grande competitividade do Brasil na produção de celulose. O incremento médio anual (IMA, uma medida de produtividade florestal dada por m3/ha/ano) das plantações de folhosas (como o eucalipto) atuais da Indonésia é próximo ao do Brasil em 1990. Em 2010, o IMA das plantações de eucalipto brasileiras esteve em patamar 58% superior ao observado vinte anos atrás (Gráfico 17). GRÁFICO 17 COMPARAÇÃO DO IMA (M3/HA/ANO) DE CONÍFERAS E FOLHOSAS, NO BRASIL E EM PAÍSES SELECIONADOS EM 2010 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Finlândia Suécia Folhosas EUA Portugal África do Sul Chile Austrália Indonésia Brasil 1990 Brasil 2000 Brasil 2010 Coníferas Fonte: Abraf. De modo a continuar buscando ganhos de produtividade, os produtores florestais permanecem investindo na pesquisa e no desenvolvimento genético de mudas. Uma das promessas para os próximos anos reside na biotecnologia florestal. Muitos produtores brasileiros já discutem esse assunto e se planejam para aplicar tal tecnologia em suas florestas. Entretanto, restrições impostas por certificadores, como o Forest Stewardship Council (FSC), ao uso de plantações com organismos geneticamente modificados limitam sua aplicação em plantios experimentais. A grande demanda por madeira e a escassez de terras no mundo devem levar a uma revisão desse debate. Em relação ao desenvolvimento tecnológico na parte industrial, a principal promessa para os próximos anos reside na biorrefinaria, que, de maneira simplificada, pode ser definida como uma unidade industrial que se utiliza de biomassa para pro- PAPEL E CELULOSE 379 dução simultânea de distintos produtos, como químicos, biocombustíveis, energia elétrica e térmica, celulose etc. Apesar de não ser exclusivo do setor de celulose, o conceito de biorrefinaria é uma das principais promessas para o setor, em razão da abundância na oferta de matéria-prima. Ainda residem diversas incertezas em relação às rotas tecnológicas vencedoras para aplicação em uma fábrica de celulose e a quais produtos serão desenvolvidos para posterior comercialização. Entretanto, há um grande potencial no conceito, por causa da possibilidade de agregação de valor à biomassa disponível nas fábricas. Ademais, como visto anteriormente, a previsão de alta para a demanda de celulose é moderada (crescendo abaixo do PIB) e a pressão nos custos vem sendo constante, o que enfraquece as margens das empresas do setor. A possibilidade de entrar em novos mercados pode restaurar a atratividade do negócio. 7 . CON CLU SÕES Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial de papéis, enquanto outros países emergentes obtiveram aumento na produção, ainda que em ritmo um pouco inferior ao observado no consumo. Já nos mercados maduros, houve retração na demanda, em especial pelo declínio no consumo de papéis gráficos, muito afetados pela concorrência com os meios digitais. O Brasil contou com um razoável crescimento na demanda, com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores. Porém, o baixo consumo per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em relação à celulose, resultaram em poucos projetos de expansão de capacidade no país. A promoção da China à condição de grande produtor global de papéis resultou no expressivo aumento do volume importado de celulose pelo país. Em contraste, o Brasil passou a ser o grande fornecedor global de BEKP de mercado, tornando-se o segundo maior exportador global de celulose. Nos países do hemisfério norte, a pouca competitividade, em relação aos do hemisfério sul, levou a diversos fechamentos de capacidade instalada no período. Nos próximos anos, a tendência para o consumo global de papéis será de crescimento, ainda que a taxas inferiores ao crescimento do PIB, e, como os papéis gráficos 380 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS devem continuar pressionados pela concorrência digital, a maior parcela do crescimento global deverá vir dos papéis para embalagem e sanitários. Os países emergentes continuarão a aumentar sua participação no mercado global, considerando que as perspectivas econômicas para os países desenvolvidos não são animadoras. O destaque permanecerá sendo a China, que deve se consolidar como o maior produtor global de papéis. Já o Brasil, apesar das perspectivas de crescimento na demanda e na oferta, não deverá, no curto ou médio prazos, ocupar posição de destaque no setor de papéis como a que tem na celulose. Questões como o baixo consumo per capita de papel, as dificuldades e entraves logísticos e tributários, bem como o reduzido porte das empresas, precisam ser equacionadas para que a competitividade nacional aumente e os investimentos, enfim, ganhem expressividade. Em relação ao consumo de fibra, o mundo deverá continuar utilizando mais aparas de papel em seu mix de produção, mas ainda haverá espaço para a demanda por celulose crescer, em especial em BHKP de mercado. A maioria dos novos projetos anunciados em celulose é de fibra curta e localizada no Brasil, que permanecerá como principal fornecedor global de celulose de eucalipto de mercado. Ainda que pressões nos custos e no câmbio tenham reduzido a competitividade do país, o Brasil ainda é o produtor de menor custo-caixa na produção de BHKP. Para o futuro, é possível que a biotecnologia aumente ainda mais a produtividade florestal, ao passo que as biorrefinarias em fábricas de celulose devem alavancar a utilização da biomassa, permitindo ampliar o escopo e o valor dos produtos fabricados com madeira. Portanto, o desafio para os próximos anos para a indústria brasileira de celulose é bastante diferenciado do de setor de papéis. A indústria deve buscar mecanismos para fortalecer a posição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produtores em função do aumento nos custos. Ao mesmo tempo, a indústria deve mirar o futuro, pois além dessas pressões nos custos, residem muitas incertezas sobre a demanda futura, em especial em função do declínio no consumo de papéis gráficos. É importante que o setor esteja atento às oportunidades que possam surgir em novas tecnologias ligadas à biorrefinaria, buscando inovações que possam garantir sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo. PAPEL E CELULOSE 381 RE F E RÊN CIA S ABRAF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRODUTORES DE FLORESTAS PLANTADAS. Anuário estatístico da ABRAF 2006: ano base 2005. Brasília, 2006. ______. Anuário estatístico da ABRAF 2011: ano base 2010. Brasília, 2011. ABPO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PAPELÃO ONDULADO. Anuário Estatístico. São Paulo, 2010. JUVENAL, T.; MATTOS, R. O setor de celulose e papel. BNDES 50 Anos – Histórias Setoriais. Rio de Janeiro, 2002. SANTI, T. Reportagem especial Simpósio Latino-Americano de Papel para Embalagem. Revista O Papel, out. 2011. VIDAL, A.; DA HORA; A. A atuação do BNDES nos setores de florestas plantadas, painéis de madeira, celulose e papéis: o período 2001-2010. BNDES Setorial 34, p. 133-172. Rio de Janeiro: BNDES, 2011. VITAL, M. A indústria de papéis sanitários – panorama mundial e brasileiro. BNDES Setorial 28, p. 233-278. Rio de Janeiro: BNDES, 2008. SITES CONSULTADOS ALICEWEB – ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DE COMÉRCIO EXTERIOR – <www.aliceweb2.mdic.gov.br>. BACEN – BANCO CENTRAL DO BRASIL – <www.bcb.gov.br>. BRACELPA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CELULOSE E PAPEL – <www.bracelpa.org.br>. FIBRIA – <www.fibria.infovest.com.br>. RISI – <www.risi.com>. WORLD BANK – <www.worldbank.org>. COORDENAÇÃO EDITORIAL Gerência de Editoração do BNDES PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Refinaria Design PRODUÇÃO EDITORIAL Expressão Editorial IMPRESSÃO Gráfica Stamppa VOLUME II Organizador: Filipe Lage de Sousa 1ª edição RIO D E J A N E IRO – OU T U BRO D E 2 0 1 2 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES PRES I D EN TE Luciano Coutinho V I CE- PRES I D E NT E João Carlos Ferraz Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte. Esta publicação não pode ser comercializada. As publicações editadas pelo BNDES estão disponíveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais informações em www.bndes.gov.br/faleconosco. B661 BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012. v. 2: il. 352 p. Vários autores. ISBN: 978-85-87545-45-9 1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2. Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I. Sousa, Filipe Lage de (org.). CDD – 332.28 Av. República do Chile, 100 Rio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917 Central de Atendimento 0800 702 6337 Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873 SUMÁRIO VOLUME 1 PREFÁCIO ................................................................................................................ 5 APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9 A ECONOMIA BRASILEIRA: CONQUISTAS DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO ........................................................................... 12 Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga, Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento COMPLEXO ELETRÔNICO: A EVOLUÇÃO RECENTE E OS DESAFIOS PARA O SETOR E PARA A ATUAÇÃO DO BNDES ................................ 42 Ricardo Rivera de Sousa Lima O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ... 98 Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro A INDÚSTRIA AERONÁUTICA NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPECTIVAS .... 138 Sérgio Bittencourt Varella Gomes O SETOR DE BENS DE CAPITAL NO BRASIL E O PAPEL DO BNDES COMO INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO, NO PERÍODO 2003-2011 ........................ 186 Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos, Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO NA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS RELACIONADOS AO SETOR DE P&G ...................................................................... 224 Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa A RETOMADA DA INDÚSTRIA NAVAL BRASILEIRA ................................................. 274 Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi SAÚDE COMO DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS PARA A ATUAÇÃO DO BNDES NO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE ............................................... 300 Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho A INDÚSTRIA DE PAPEL E CELULOSE .................................................................... André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora 334 VOLUME 2 PREFÁCIO ................................................................................................................ 5 APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9 A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES .............................................. 12 Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva O FUTURO DO SETOR SUCROENERGÉTICO E O PAPEL DO BNDES .............................. 62 Artur Yabe Milanez e Diego Nyko APOIO DO BNDES À AGROINDÚSTRIA: RETROSPECTIVA E VISÃO DE FUTURO ............ 88 Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NO BRASIL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES .............................................................................. 122 Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO ................................................................... 160 Marina Moreira da Gama O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO E O BNDES: REFLEXÕES SOBRE O FINANCIAMENTO AOS INVESTIMENTOS E PERSPECTIVAS ....... 190 Alexandre Siciliano Esposito SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS DA INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA NO BRASIL ...................................................... 232 Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira O SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS .......... 272 Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira TRANSPORTE URBANO: O PAPEL DO BNDES NO APOIO À SOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS GARGALOS DE MOBILIDADE ....................................................... Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos 310 PREFÁCIO A construção do futuro Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas. O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido processo de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no que toca ao seu sistema industrial e de serviços. A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desafios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diagnosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal desta publicação. Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capacidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los. Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Simultaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo setor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquímica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraestrutura, inclusive de telecomunicações. 6 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desenvolvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas. No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de 1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/ PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias adversas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o processo de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa nacional de desestatização. Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firmemente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, colaborando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento (FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascendente foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência do Lehman Brothers em setembro de 2008. O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fundamentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os investimentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida superação do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal. Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira. A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis. Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cenário internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvolvidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado PREFÁCIO 7 em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simultaneamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade na elaboração de políticas de fomento. Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de crescimento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos comprovadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem oportunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira. Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar oportunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnológica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de baixo carbono, eficiência energética e inclusão social. Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestruturas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano. Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitividade sistêmica da economia. Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e setores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomentar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci- 8 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportunidades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossintéticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira geração, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimento de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais de desenvolvimento do país. Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da instituição, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potencialidades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspectivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras, este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável em todos os sentidos. Luciano Coutinho Presidente do BNDES APRESENTAÇÃO Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial; ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistentemente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transformações em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora. Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publicação com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencialidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar. Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um introdutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais prováveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investimento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira no período recente, bem como suas perspectivas. Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particularmente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays), 10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube aproveitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente competitivas e examina os principais desafios para mantê-las. A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume. Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da especificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assunto é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas descobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saúde, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação constitui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde. Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I. Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em fertilizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustíveis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo seguinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado, contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem. APRESENTAÇÃO 11 O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de consumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução da economia criativa assim como as perspectivas futuras. Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutural do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo. O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próximos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aquaviário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capacidade de mobilidade urbana. A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua representatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevância para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira. Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS), Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE). O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a qualidade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do BNDES envolvidos na edição do livro. Filipe Lage de Sousa Organizador Leticia Magalhães da Costa Martim Francisco de Oliveira e Silva* *Respectivamente economista e engenheiro do Departamento de Indústria Química da Área de Insumos Básicos do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Gabriel Lourenço Gomes, Felipe dos Santos Pereira, Marcelo Gonçalves Tavares e Rodrigo Matos Huet de Bacellar, respectivamente: chefe de departamento e gerente do Departamento de Indústria Química e assessor e superintendente da Área de Insumos Básicos, e os comentários da Área de Pesquisa Econômica do BNDES (APE). Os autores são gratos também a David Roquetti Filho, diretor-executivo da Associação Nacional de Difusão de Adubos (ANDA), e Carlos Eduardo Florence, diretor-executivo da Associação dos Misturadores de Adubos do Brasil (AMA) por recebê-los para conversas sobre o setor. Erros e omissões eventualmente remanescentes são, entretanto, de responsabilidade dos autores. QUÍMICA 13 RESUMO O setor de fertilizantes é um segmento estratégico para o país, estando a elevação da produtividade da agricultura fortemente relacionada a sua utilização. No entanto, a produção interna tem sido insuficiente para atender à demanda, o que tem ocasionado uma forte elevação das importações de fertilizantes ano após ano e tornado o segmento responsável por cerca de um terço do déficit da indústria química. Os diversos investimentos planejados para os próximos anos serão capazes de reduzir a dependência externa, porém ainda serão insuficientes para suprir o mercado nacional. O setor sofre com problemas de infraestrutura portuária e de armazenamento, e também relacionados a questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais, que merecem destaque e serão objeto de estudo neste artigo. ABSTRACT The fertilizer industry is a strategic segment for the country, and the increase in agricultural productivity is strongly related to the use of fertilizer. However, domestic production has been unable to meet demand, which has caused a sharp rise in imports of fertilizers year after year. This has resulted in the segment accounting for approximately one third of the deficit in the chemical industry. Several investments planned for the coming years will be able to reduce dependence on imports, but it will still be unable to supply the national market. The sector suffers from problems with port infrastructure and storage, and also with technological, regulatory, tax and environmental issues that warrant attention and will be the focus of this paper. QUÍMICA 15 1. INTRODUÇÃO Na década de 2000, a produção da indústria química brasileira não acompanhou a evolução do consumo interno, ocasionando um déficit crescente e persistente no setor. Os intermediários para fertilizantes, segmento importante da indústria química, são responsáveis por cerca de um terço do déficit, e as perspectivas são de que a demanda por adubos eleve-se ainda mais nos próximos anos. O Brasil dispõe de um enorme potencial agrícola. O agronegócio é responsável por parcela importante do Produto Interno Bruto (PIB), e o país é um dos maiores produtores e fornecedores globais de grãos, cana-de-açúcar, carne e produtos florestais, tendo uma das estruturas de custos mais competitivas do mundo. As projeções de crescimento da população e sua urbanização, a alta procura por alimentos realizada por China e Índia e o apelo para utilização de biocombustíveis exigirão que a produção agrícola se eleve para acompanhar a demanda. No entanto, a quantidade de terras disponíveis para a agricultura é limitada, criando a necessidade de que as terras cultiváveis aumentem sua produtividade. Esse aumento de produtividade vem ocorrendo por meio do uso de fertilizantes, aliado a outras tecnologias. Como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Apesar de ser um grande demandante, porém, a produção interna de insumos para fertilizantes é insuficiente para atender ao consumo, e cerca de 60% dos fertilizantes utilizados provêm de importações. A alta dependência externa deixa o país vulnerável a flutuações de câmbio e preços e traz o risco de escassez de insumos básicos. Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país, é necessário reduzir a participação das importações no consumo nacional, elevando a produção interna. O país tem reservas de fósforo e potássio, matérias-primas para a produção de fertilizantes fosfatados e potássicos, com potencial para serem exploradas. Além disso, com a descoberta do pré-sal, a oferta de gás natural, que é insumo básico para a produção de nitrogenados, deve ser ampliada. Contudo, para destravar os investimentos no setor, são necessários investimentos em logística e formulação de políticas que solucionem impasses regulatórios, tecnológicos, tributários e ambientais. 16 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Assim, o objetivo deste artigo é destacar a importância do setor de fertilizantes como um segmento estratégico para o país e alertar para a necessidade de existência de uma política industrial focada, a fim de incentivar os investimentos e reduzir a exposição externa. O estudo está composto de cinco seções. Além desta introdução, na próxima seção será avaliada a evolução da indústria química de 2000 a 2011, caracterizando e dimensionando o setor no país e no mundo, destacando a importância do segmento de fertilizantes para o aumento do déficit comercial nos últimos anos. Em seguida, será detalhado o segmento de fertilizantes, explorando sua contribuição para o aumento da produtividade do agronegócio brasileiro. A seção posterior visa avaliar as grandes tendências do setor no mundo e no país, em relação ao crescimento do mercado e a fatores que poderão afetar de forma significativa a competitividade do setor. Serão apresentados os principais desafios, oportunidades e perspectivas de investimento. Por fim, expõem-se as conclusões do estudo. 2. A INDÚSTRIA QUÍMICA CARACTERIZAÇÃO DO SETOR A indústria química está presente em quase todas as cadeias produtivas dos mais diversos setores, fornecendo insumos e produtos para a indústria, agricultura e serviços. Em razão de sua importância, ocupava em 2009 a quarta posição no PIB industrial, que corresponde a 10,11% do PIB gerado pela indústria de transformação, ficando atrás apenas da indústria de alimentos e bebidas; coque, produtos derivados de petróleo e biocombustíveis; e veículos automotores, reboques e carrocerias. A indústria química envolve a fabricação de produtos com base em reações químicas que convertem matérias-primas (petróleo, gás natural e outras fontes, até mesmo da biomassa) em mais de setenta mil produtos químicos existentes. Embora todos tenham em comum o fato de empregarem processos químicos (ou biotecnológicos) para síntese dos produtos, há grandes diferenças nas características dos produtos e processos de produção, nos respectivos mercados e padrões de competição nos diferentes segmentos da indústria química. QUÍMICA 17 Segundo a Classificação Nacional de Atividade Econômica do IBGE (CNAE-2.0), pode-se dividir a indústria química em nove segmentos: fabricação de produtos químicos inorgânicos; fabricação de produtos químicos orgânicos; fabricação de resinas e elastômeros; fabricação de fibras artificiais e sintéticas; fabricação de defensivos agrícolas e desinfestantes domissanitários; fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal; fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produto afins; e fabricação de produtos e preparados químicos diversos. Os produtos químicos, de acordo com o segmento em que estão inseridos e a aplicação final, podem ser classificados em commodities ou especialidades. As commodities são produtos fabricados em grandes quantidades, comercializados em nível mundial, utilizando principalmente processos contínuos, e que têm certa padronização. Já que os consumidores finais não fazem distinções entre os produtos, a competição ocorre predominantemente via preços, que são definidos no mercado mundial. Exemplos de commodities na indústria química são os segmentos de resinas termoplásticas e intermediários para fertilizantes. As especialidades têm características particulares, como um determinado grau de pureza ou propriedade física, havendo diferenciação por parte do cliente final do produto a ser adquirido. Normalmente são produzidas em plantas menores, que requerem menor intensidade de capital. Nesse caso, como há diferenciação de produtos, os preços praticados geralmente são mais altos e as margens, mais elevadas. Defensivos agrícolas, catalisadores e aditivos e intermediários de síntese são alguns exemplos de especialidades na indústria química. FATURAMENTO A indústria química brasileira tem uma importante posição internacional, ocupando em 2010 o sétimo lugar no ranking mundial em faturamento, com US$ 130 bilhões. A primeira posição é ocupada pela China, com faturamento de US$ 903 bilhões, seguida pelos EUA (US$ 720 bilhões) e Japão (US$ 338 bilhões), como pode ser visto no Gráfico 1. Nos últimos dez anos o mundo apresentou uma taxa composta de crescimento anual de 9%, liderada principalmente pelos países em desenvolvimento. A China cresceu a uma taxa de 24% a.a., ultrapassando Estados Unidos, 18 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Japão e Alemanha. Índia, Rússia, Brasil e Coreia cresceram, respectivamente, 14% a.a., 13% a.a., 11% a.a. e 10% a.a. A indústria química brasileira ganhou a posição de países como Itália e Reino Unido. GRÁFICO 1 RANKING DE FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA MUNDIAL, 2010 (EM US$ BILHÕES) 903 China 720 EUA Japão 338 229 Alemanha Coreia 139 França 137 129 Brasil 125 Índia 105 Itália 94 Reino Unido 83 Rússia 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1.000 Fonte: Abiquim (2011). No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Indústria Química (Abiquim), a indústria química, considerando todos os seus segmentos (produtos químicos industriais + produtos farmacêuticos + produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos + defensivos agrícolas + adubos e fertilizantes + tintas e vernizes + produtos de limpeza + fertilizantes + fibras artificiais e sintéticas) alcançou, em 2011, um faturamento líquido estimado de R$ 261,9 bilhões, o equivalente a US$ 158,5 bilhões. Com esse faturamento espera-se que o Brasil eleve em pelo menos uma posição sua colocação no ranking mundial, assumindo o sexto lugar, ocupado pela França em 2010. Os produtos químicos de uso industrial, categoria acompanhada de modo mais detalhado pela Abiquim, correspondem aos produtos químicos empregados como matéria-prima da própria indústria química e são seu principal segmento, respondendo por quase metade do faturamento total da indústria, atingindo o valor de QUÍMICA 19 R$ 125,4 bilhões, cerca de US$ 76,2 bilhões, em 2011. Compreendem, assim, produtos petroquímicos (básicos, ou de segunda geração, como as resinas termoplásticas, termofixas e elastômeros), outros produtos orgânicos, além de produtos inorgânicos, como cloro e álcalis, gases industriais e intermediários para fertilizantes. Dentre os produtos químicos de uso industrial, destacam-se os petroquímicos básicos e resinas termoplásticas (responsáveis por 33% do faturamento total do segmento em 2011), produtos e preparados químicos diversos (17%), outros produtos químicos orgânicos (15%), intermediários para fertilizantes (9%), intermediários para resinas e fibras (7%), e outros inorgânicos (6%). A petroquímica corresponde ao principal segmento da indústria química brasileira, com cerca de 60% do faturamento total dos produtos químicos de uso industrial, o equivalente a US$ 45,9 bilhões. Assim, a petroquímica, com quase um terço do faturamento global da indústria, é o principal segmento da indústria química no país. TABELA 1 FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA POR SEGMENTO, 2011 (EM US$ BILHÕES) Segmento US$ bilhões PETROQUÍMICOS 45,9 INORGÂNICOS 17,4 QUÍMICOS DIVERSOS 12,9 PRODUTOS FARMACÊUTICOS 25,3 HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS 15,4 ADUBOS E FERTILIZANTES 16,9 DEFENSIVOS AGRÍCOLAS 8,0 PRODUTOS DE LIMPEZA 8,7 TINTAS, ESMALTES E VERNIZES 4,5 FIBRAS ARTIFICIAIS E SINTÉTICAS 1,3 OUTROS 2,2 Fonte: Abiquim (2011). Na década de 2000, o faturamento da indústria química, de acordo com dados da Abiquim, passou de US$ 43,6 bilhões em 2000 para US$ 158,5 em 2011, o que corresponde a um aumento de cerca de 264%, ou a uma taxa composta de crescimento anual por volta de 12%. No Gráfico 2, se observa uma queda do faturamento no ano de 2009, reflexo da crise econômica do fim de 2008, porém com recuperação nos anos seguintes. 20 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 2 FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA BRASILEIRA, 2000-2011 (EM R$ E US$ BILHÕES) 226,1 201,2 200,9 179,6 140 200 176,1 176,4 250 225,2 261,9 300 91,3 79,8 100 158,5 108,9 150 123,8 72,3 128,5 101,3 103,5 82,6 60,3 50 43,6 38,8 37,3 2000 2001 2002 45,5 0 R$ BILHÕES 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 US$ BILHÕES Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquim (2011). PRODUÇÃO A indústria química brasileira tem importante participação no PIB, da ordem de 2,5% em 2010. Esse número já foi de 3,6% em 2004, porém desde então a indústria química vem perdendo participação na economia. Segundo dados do IBGE, da Pesquisa da Indústria Anual1 (PIA), o valor bruto da produção industrial de químicos no Brasil chegou a R$ 133 bilhões (excluindo os farmacêuticos) no ano de 2009 [IBGE (2009)]. Dentre os segmentos da indústria química, destacam-se a produção em valor dos produtos químicos orgânicos, resinas e elastômeros e produtos químicos inorgânicos. Observa-se uma concentração da produção voltada para a indústria petroquímica. No caso de fertilizantes, existe elevada produção nacional de pro1 Os dados de produção industrial foram retirados da PIA-Empresa e correspondem ao valor bruto da produção industrial, da Tabela 1.4 (Estrutura do valor da transformação das empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas). O valor bruto da transformação industrial é dado pela soma de vendas de produtos e serviços industriais (receita líquida industrial), variação dos estoques dos produtos acabados e em elaboração e produção própria realizada para o ativo imobilizado. Para os anos 2000-2006 foi utilizada a divisão 24 do CNAE 1.0 e para os anos 2007-2009 a divisão 20 do CNAE 2.0. A fim de compatibilizar as duas séries, foi separado o grupo de fabricação de produtos farmacêuticos, 24.5 do CNAE 1.0. Vale ressaltar que, como os dados utilizados captam as informações apenas para o universo de empresas de portes médio e grande (acima de trinta empregados), o valor da produção pode estar subestimado. QUÍMICA 21 dutos finais misturados, contudo o país é extremamente carente na produção de matérias-primas e fertilizantes básicos e intermediários. Apesar da importância da indústria química para os outros setores da economia, o que se constata quando analisamos o índice físico de produção é que este se manteve constante na década analisada para os segmentos de maior representatividade quanto ao valor. Com base em dados da Pesquisa de Indústria Mensal (PIM), foi feito o Gráfico 3, que mostra a evolução da produção física de produtos químicos inorgânicos; adubos e fertilizantes; petroquímicos básicos e intermediários para resinas e fibras; e resinas e elastômeros. Todas revelam uma tendência horizontal de crescimento, com uma queda observada no fim do ano de 2008 e início de 2009 por causa da crise financeira internacional. O segmento de adubos e fertilizantes tem um ciclo associado ao plantio da agricultura, que pode ser facilmente identificado. Houve recuperação na produção em 2010 e 2011, porém os níveis encontram-se iguais ou inferiores aos identificados em 2007 e início de 2008, com tendência de estagnação da produção. GRÁFICO 3 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL POR SUBSETORES SEM AJUSTE SAZONAL, 2000-2011 (2002=BASE 100) 175 150 125 100 Produtos químicos inorgânicos Adubos, fertilizantes e corretivos para o solo Petroquímicos básicos e intermediários para resinas e fibras Resinas, elastômeros, fibras, fios, cabos e filamentos artificiais e sintéticos Fonte: PIM/IBGE. jul. 2011 jan. 2011 jul. 2010 jan. 2010 jul. 2009 jan. 2009 jul. 2008 jan. 2008 jul. 2007 jan. 2007 jul. 2006 jan. 2006 jul. 2005 jan. 2005 jul. 2004 jan. 2004 jul. 2003 jan. 2003 jul. 2002 jan. 2002 jul. 2001 jan. 2001 jul. 2000 50 jan. 2000 75 22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS BALANÇA COMERCIAL O crescimento do consumo do setor químico não vem sendo acompanhado pela elevação da produção doméstica, o que resulta em importações cada vez maiores para atender à demanda interna. Assim, a indústria química vem contribuindo negativamente para o resultado da balança comercial brasileira. Nos últimos anos, o setor vem sofrendo déficits crescentes e persistentes, que passaram de US$ 6,7 bilhões no ano 2000 para US$ 26,5 bilhões em 2011, uma taxa composta de crescimento anual por volta de 13,3% (Gráfico 4). Para se ter uma ideia da gravidade do problema, o valor do déficit do setor verificado no último ano é quase equivalente ao superávit comercial obtido para toda a economia, que foi de US$ 29,8 bilhões. A razão para constantes resultados negativos deve-se principalmente às importações ascendentes que apresentam alta elasticidade com o PIB industrial e agrícola, além de fatores como preços, câmbio e custos de matérias-primas. GRÁFICO 4 BALANÇA COMERCIAL DA INDÚSTRIA QUÍMICA, 2000-2011 (EM US$ BILHÕES) 45 40 35 EM US$ BILHÕES 30 25 20 15 10 5 0 2000 2001 Exportação 2002 Importação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Déficit Fonte: Abiquim (2011). As preocupações com o desenvolvimento da indústria química aumentaram depois de serem divulgados os resultados para a balança comercial do setor em QUÍMICA 23 2011. Depois de uma breve melhora dos números em 2009, com redução do déficit em razão da crise econômica que ocasionou uma queda na demanda e nos preços no mercado internacional, o déficit do setor vem crescendo significativamente nos últimos dois anos. Em 2011, a balança comercial da indústria química foi negativa em US$ 26,5 bilhões, um aumento de 28,3% em relação a 2010 e de 14,2% em relação ao déficit obtido em 2008, que era o maior da série histórica. As importações atingiram US$ 42,3 bilhões (19% das importações totais do país), ultrapassando a cifra recorde de US$ 34,7 bilhões, em 2008. Já as exportações vêm apresentando um crescimento mais moderado, somando quase US$ 15,8 bilhões no último ano (cerca de 6% das exportações totais do país). O déficit comercial de produtos químicos do país concentra-se nos segmentos de produtos químicos orgânicos, farmacêuticos e inorgânicos, que responderam por mais de 70% em 2011. O segmento de intermediários de fertilizantes, que está inserido no grupo de inorgânicos, é o principal item da pauta de importação dos produtos químicos, sendo um dos maiores responsáveis pela elevação no déficit do setor nos últimos anos. Conforme é mostrado no Gráfico 5, no ano de 2011, o segmento representou cerca de um terço do déficit da indústria química. As importações alcançaram cerca de US$ 8,7 bilhões, valor 78,5% superior ao verificado no ano de 2010. O produto cloreto de potássio foi o item de maior importação, com US$ 3,5 bilhões. A América do Norte e a União Europeia são os principais fornecedores para a indústria química brasileira, totalizando 55% do total das importações em 2011. A Ásia ocupa a terceira posição, com 17%. Já no que diz respeito ao destino das exportações da indústria química brasileira, há um maior equilíbrio dos atores. Os países do Mercosul são os principais clientes, sendo responsáveis por 22% do total exportado; seguidos por União Europeia e América do Norte, cada uma com parcelas referentes a 21%. Tal configuração se reflete na estrutura do déficit, que se concentra na América do Norte e União Europeia. Com os países do Mercosul verifica-se pequeno superávit, mas não capaz de reverter o déficit com as outras regiões. 24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 5 DÉFICIT COMERCIAL DA INDÚSTRIA QUÍMICA POR SEGMENTO, 2011 (EM %) Intermed. fertilizantes 33% Farmacêuticos 26% Orgânicos 16% Resinas e elastômeros 10% Defensivos agrícolas 8% Químicos diversos 4% Fibras e fios 3% Tintas 1% Produtos de limpeza 0% 0 4 8 12 US$ BILHÕES Fonte: Abiquim. ATUAÇÃO DO BNDES O BNDES desempenha um importante papel para toda a indústria nacional e por isso vem acompanhando e apoiando financeiramente a indústria química brasileira, a fim de que esta seja capaz de enfrentar os mais diversos desafios. O Banco tem também um papel ativo na formulação de políticas industriais, fazendo propostas e articulações entre o setor público e privado que incentivem os investimentos produtivos e em inovação. Na última década, o Banco participou dos maiores investimentos realizados pelo setor, como a construção do polo gás-químico do Rio de Janeiro, das novas unidades e expansões de polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além da unidade de fibras sintéticas em implantação em Suape. Acompanhou e esteve presente no processo de reestruturação e consolidação empresarial na indústria petroquímica, que resultou na emergência da Braskem, parceria da Odebrecht e da Petrobras, uma empresa de porte comparável ao padrão internacional. O BNDES elaborou também um programa destinado ao fortalecimento do setor de transformados plásticos, que é formado principalmente por micro, pequenas e médias 25 QUÍMICA empresas. Além disso, vem trabalhando para a promoção de projetos de inovação e realizou trabalho em conjunto com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para o fomento de projetos que utilizem biomassa proveniente da cana-de-açúcar como matéria-prima. O financiamento proporcionado pelo BNDES para a indústria química2 em geral ao longo do período de 2000 a 2011, em valores reais de 2011, apresentou uma trajetória constante até 2006, sendo desembolsado cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano. A partir de 2007, esse valor elevou-se para R$ 2,5 bilhões ao ano, como pode ser observado no Gráfico 6. Cabe lembrar que no ano de 2009, como reflexo da crise internacional que atingiu o país em 2008, houve uma estagnação dos desembolsos à indústria. Já em 2010, com a recuperação da economia e o importante papel desempenhado pelo BNDES, houve um grande avanço nas liberações, que atingiram o valor máximo de R$ 3,8 bilhões em valores nominais ou R$ 4,1 bilhões em reais de 2011. No ano de 2011 os desembolsos recuaram para o valor de R$ 2,5 bilhões. GRÁFICO 6 DESEMBOLSO DO BNDES À INDÚSTRIA QUÍMICA, 2000-2011 (EM R$ BILHÕES DE 2011) 4,5 4,0 3,5 R$ BILHÕES 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Fonte: Elaboração própria. 2 A indústria química é representada pelo código 20 do CNAE 2.0. 2006 2007 2008 2009 2010 2011 26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Quando desagregamos os desembolsos da indústria química por segmento, observa-se que estes estão concentrados principalmente em petroquímica e vêm aumentando sua participação ao longo do tempo. No ano de 2000, cerca de 18% dos financiamentos eram destinados a petroquímicos básicos. A partir de 2006, esse percentual chegou a 43% e, no ano de 2011, alcançou 71% dos desembolsos totais (Tabela 2). No sentido inverso, outros segmentos como defensivos e fertilizantes, cuja participação já foi mais elevada no passado, tiveram os desembolsos a seus segmentos diminuídos. Especificamente no caso de fertilizantes, ainda há certo apoio ao setor de adubos e fertilizantes finais, que são formados pelos misturadores responsáveis por fornecer a mistura NPK (Nitrogênio-Fósforo-Potássio) aos agricultores. No entanto, para os intermediários de fertilizantes, que são responsáveis pela formulação de matérias-primas, o desembolso vem sendo praticamente nulo nos últimos anos, refletindo o baixo investimento no setor. TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR SEGMENTO 3 DA INDÚSTRIA QUÍMICA (EM %) Setor de atividade 2000 2001 2002 20.1 - QUÍMICOS INORGÂNICOS 11 20 20 0 2 3 20.126 - INTERMEDIÁRIOS PARA FERTILIZANTES 20.134 - ADUBOS E FERTILIZANTES 2003 2004 2005 2006 2007 2008 6 15 1 0 2009 2010 12 9 7 0 0 0 Total 5 10 10 7 10 0 0 0 0 0 3 15 13 3 9 9 2 2 1 3 8 6 6 20.2 - QUÍMICOS ORGÂNICOS 22 21 19 11 19 33 51 26 61 54 62 72 44 20.215 - PETROQUÍMICOS BÁSICOS 18 13 9 10 14 22 43 22 53 52 55 71 38 29 13 28 48 33 23 20 51 21 12 8 4 22 20.3 - RESINAS E ELASTÔMEROS 20.4 - FIBRAS ARTIFICIAIS E SINTÉTICAS 5 1 3 0 0 0 0 0 0 0 4 0 1 20.5 - DEFENSIVOS AGRÍCOLAS 0 24 12 22 6 15 1 1 0 6 3 1 6 11 5 2 6 5 10 8 9 8 9 7 10 8 4 5 1 1 1 1 1 2 1 2 1 2 2 20.6 - PRODUTOS DE LIMPEZA E PERFUMARIA 20.7 - TINTAS, VERNIZES, ESMALTES E LACAS 20.9 - QUÍMICOS DIVERSOS SEM CLASSIFICAÇÃO 9 9 9 6 12 6 6 3 4 8 4 4 6 10 2 6 1 10 0 4 1 0 0 0 0 2 Fonte: Elaboração própria. 3 2011 Para classificação do segmento, foi utilizada a CNAE principal da empresa que obteve financiamento. QUÍMICA 27 A grande participação da indústria petroquímica nos desembolsos realizados pelo BNDES reflete a concentração da produção química brasileira no setor. Segmentos como o de fertilizantes, que na última década tiveram um crescimento acentuado em seu consumo, não revelaram um desempenho semelhante em investimento, resultando em um baixo apoio do Banco. Tal fato é preocupante, já que, ao acompanhar o crescimento da agroindústria no Brasil, percebe-se que a necessidade de utilização de fertilizantes a fim de elevar a produtividade se fará cada vez mais necessária e crescente, como será visto com mais detalhes na próxima seção. A dependência externa já é uma realidade e foi descrita com os resultados da balança comercial para a indústria química. As importações de intermediários para fertilizantes são os principais responsáveis pelo déficit no setor. Diante da crescente demanda global por alimentos e sendo o Brasil um dos maiores fornecedores mundiais de produtos agrícolas, caso não ocorram investimentos no setor, a dependência externa vai se elevar ainda mais. Além de receber e apoiar projetos de investimentos, é também dever do BNDES agir de maneira proativa, fomentando e apoiando o crescimento de uma estrutura produtiva diversificada, integrada, dinâmica, inclusiva, sustentável e competitiva. Dessa forma, o Banco busca de alguma maneira aprofundar seu conhecimento no setor de fertilizantes e aumentar sua atuação no segmento nos próximos anos, acreditando ser este um setor estratégico para o país. 3. O SEGMENTO DE FERTILIZANTES CARACTERIZAÇÃO DO SETOR Pode ser definida como fertilizante toda substância mineral ou orgânica, obtida de forma natural ou industrial, que forneça às plantas os nutrientes básicos necessários a seu desenvolvimento. O objetivo principal é devolver ao solo os elementos retirados em cada colheita, mantendo ou elevando a produtividade. Os primeiros produtos usados como fertilizantes eram adubos orgânicos, como excrementos animais, cinza vegetal oriunda da queima de plantas e lodo de rios, 28 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS lagos e pântanos. Estes ainda necessitam ser desmontados em compostos inorgânicos antes de utilizados pelas plantas e, portanto, têm ação mais lenta. A era dos fertilizantes químicos iniciou com o cientista alemão Justus Von Liebig (1803-1873), que foi o primeiro a afirmar que o crescimento das plantas é determinado pelos elementos presentes no solo em quantidades adequadas. Em um solo carente de nutrientes, bastaria adicionar a famosa fórmula NPK para que as plantas crescessem mais. Ao todo são dezesseis os nutrientes essenciais ao desenvolvimento das plantas, que podem ser encontrados no ar, na água e no solo. Cada um tem um papel específico, não podendo ser substituído. São eles: carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, zinco, cobre, boro, cloro e molibdênio. Os nutrientes podem ainda ser divididos em duas categorias: macronutrientes e micronutrientes. Os macronutrientes são aqueles utilizados em larga quantidade, sendo os principais: nitrogênio, fósforo e potássio. O papel do nitrogênio é a manutenção do crescimento da planta, a formação de aminoácidos e proteínas. O fósforo é responsável por auxiliar as reações químicas que ocorrem nas plantas, interferindo nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência de energia, divisão celular e crescimento das células. Já o potássio é importante para a manutenção de água nas plantas, formação de frutos, resistência ao frio e às doenças. O enxofre também é considerado hoje um elemento-chave para o desenvolvimento das plantas, intervindo na formação de compostos orgânicos. Já os micronutrientes são adicionados em quantidades muito pequenas, quando não forem oferecidos pelo solo. A aplicação de fertilizantes aumenta o rendimento das plantas quando se usa o adubo correto e a quantidade adequada. No entanto, outras medidas devem acompanhar a aplicação de fertilizantes para que esta seja eficaz. A natureza dos solos no Brasil é acentuadamente ácida, o que dificulta a absorção dos nutrientes e eleva os custos de fertilização. Portanto, antes da aplicação de adubos, recomenda-se a neutralização do solo, que pode ser feita por simples aplicação de calcário moído [Dias e Fernandes (2006)]. QUÍMICA 29 CADEIA PRODUTIVA A cadeia produtiva de fertilizantes vai desde a extração da matéria-prima até o agricultor, podendo ser dividida em cinco elos. Na Figura 1, é exibido um fluxograma da cadeia de produção. FIGURA 1 CADEIA DE PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES GÁS NATURAL PETRÓLEO RESÍDUOS PESADOS NAFTA ENXOFRE NATURAL PIRITAS ROCHA FOSFÁTICA “IN SITU” ROCHA POTÁSSICA MATÉRIAS-PRIMAS ENXOFRE AMÔNIA ROCHA FOSFÁTICA PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS ÁCIDO NÍTRICO ÁCIDO SULFÚRICO ÁCIDO FOSFÓRICO FERTILIZANTES BÁSICOS UREIA NITRATO DE AMÔNIO SULFATO DE AMÔNIO TERMOFOSFATO SUPERFOSFATO TRIPLO NITROCÁLCIO ROCHA PARCIALMENTE ACIDULADA MAP SUPERFOSFATO SIMPLES DAP GRANULAÇÃO E MISTURA DE FORMULAÇÃO NPK DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Fonte: Dias e Fernandes (2006). CLORETO DE POTÁSSIO 30 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que fornece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre e gás natural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entramos na indústria de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos insumos obtidos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas e intermediárias, como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida. A indústria de fabricação de fertilizantes simples e intermediários compõe o terceiro elo da cadeia, do qual resultam: superfosfato simples (SSP); superfosfato triplo (TSP); fosfato de amônio (MAP e DAP); nitrato de amônio; sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; termofosfatos; e rocha fosfática parcialmente articulada. O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos fertilizantes, que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK. Por fim, estes são distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo utilizados pelo produtor rural na agricultura. O AGRONEGÓCIO A indústria de fertilizantes está fortemente relacionada ao agronegócio. O crescimento da população mundial, que veio acompanhado pela elevação da renda em mercados emergentes e mudança na dieta das pessoas, criou uma demanda crescente na produção de alimentos. Além desses fatores, a tendência de substituição de combustíveis derivados do petróleo por biocombustíveis também vem pressionando a elevação da produção agrícola. Como os recursos agrícolas são limitados e as áreas disponíveis para o plantio cada vez mais escassas, o aumento da produção via expansão da fronteira agrícola já não é a melhor opção, tornando-se necessária a elevação do rendimento por hectare plantado (produtividade). O aumento de produtividade pode ocorrer por meio da adoção de técnicas apropriadas de cultivo e manejo, como a utilização de agricultura de precisão, correta aplicação de fertilizantes, rotação de culturas, correção de acidez do solo, manejo integrado de pragas e uso de defensivos agrícolas. Nos últimos anos, as pesquisas com sementes geneticamente modificadas também vêm contribuindo para elevação da produtividade na agricultura. QUÍMICA 31 Segundo estimação feita pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em 2011, o PIB do agronegócio brasileiro totalizou R$ 917 bilhões (em reais de 2011, descontando a inflação), tendo crescido 4,38% (a preços reais). O PIB da economia brasileira, segundo o IBGE, apresentou uma taxa de crescimento de 2,7%, atingindo R$ 4,1 trilhões. Dessa forma, a participação do agronegócio no PIB nacional passou de 21,8% em 2010 para 22,2% em 2011. O Brasil ocupa importante posição na produção agrícola mundial, a primeira nas exportações de café, cana-de-açúcar e suco de laranja, e o segundo lugar no complexo de soja. A utilização de fertilizantes químicos é um dos maiores contribuintes para a elevação da produtividade agrícola no Brasil e no mundo. No Gráfico 7 são indicados: a evolução da produção brasileira de grãos,4 a área plantada de grãos5 e o consumo de fertilizantes6 para o período de 1977 a 2011, trabalhando com o primeiro ano da série como base. Pode-se verificar que até a década de 1990 as séries mostram uma tendência horizontal, com baixo crescimento das três variáveis. Contudo, a partir daí, com o desenvolvimento da indústria de fertilizantes e a difusão de seu uso, constata-se elevação na produção de grãos, que foi acompanhada de maior consumo de fertilizantes, tendo a área plantada alcançado pequena elevação. De fato, no período 1977-1990, a produção de grãos apresentou uma taxa composta de crescimento anual de 1,68%, enquanto a área plantada cresceu 0,33% a.a. e o consumo de fertilizantes apenas 0,11% a.a. Já no período 1990-2011, a produção de grãos saltou para 5,02% a.a., sendo acompanhada pelo crescimento na taxa de consumo de fertilizantes que passou para 5,92% a.a., enquanto a área cultivada elevou-se somente 1,19% a.a. Logo, conclui-se que a indústria de fertilizantes foi elemento fundamental para o aumento da produtividade agrícola. 4 Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – produção em toneladas mil. O valor apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Inclui algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola, centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras), soja, sorgo, trigo e triticale. 5 Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – Área Plantada em hectares mil. O valor apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Os dados mais recentes são estimativas sujeitas a revisões. Inclui algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola, centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras), soja, sorgo, trigo e triticale. 6 Fonte: Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA). Refere-se a fertilizantes entregues ao consumidor final avaliados em nutrientes medidos em toneladas. No momento da elaboração não estava disponível a quantidade entregue em 2011. 32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 7 PRODUÇÃO DE GRÃOS, ÁREA PLANTADA E CONSUMO DE NPK NO BRASIL (1977 = BASE 100) 400 350 300 250 200 150 100 50 Produção grãos Área plantada 2011 2009 2007 2005 2003 2001 1999 1997 1995 1993 1991 1989 1987 1985 1983 1981 1979 1977 0 Consumo NPK Fonte: Elaboração própria, com base em Conab/ANDA. MERCADO MUNDIAL O mercado mundial de fertilizantes vem revelando taxas crescentes na última década. Segundo dados da International Fertilizer Industry Association (IFA), o consumo mundial de fertilizantes no ano de 2010 foi de 171 milhões de toneladas de nutrientes. No período 2000-2010 o consumo cresceu 27%, o que equivale a uma taxa composta de crescimento anual de 2%. Já na década anterior, o consumo de fertilizantes manteve-se praticamente constante, como pode ser visto no Gráfico 8. No mundo, o consumo de fertilizantes está concentrando principalmente nos fertilizantes nitrogenados, que representaram cerca de 61% da demanda total por nutrientes, dos quais os fosfatados foram responsáveis por cerca de 23% e os potássicos, 16%. A demanda por fertilizantes é altamente concentrada, sendo quatro países responsáveis por 64% do total consumido em 2010. A China é o maior consumidor mundial e vem aumentando sua participação ano após ano. Em 1990, o percentual consumido pelo país era de 20%, tendo saltado para 26% em 2000 e alcançado 30% em 2010. A Índia ocupa a segunda posição, com 16%, tendo ultrapassado os EUA na última década, que passaram para o terceiro lugar, consumindo 12% do total QUÍMICA 33 mundial. O Brasil foi o quarto maior consumidor, respondendo por 6% do total global. Cabe lembrar que China, Índia e Brasil vêm apresentado taxas de crescimento para o consumo de fertilizantes de 4% a.a., superior à taxa mundial e à dos EUA. GRÁFICO 8 CONSUMO MUNDIAL DE NPK POR NUTRIENTE, 1990, 2000 E 2010 (EM MILHÕES TON) 180 160 27 140 24 22 120 100 40 33 36 80 60 104 79 82 1990 2000 40 20 - Nitrogênio Fósforo 2010 Potássio Fonte: IFA. A indústria de matérias-primas para o setor de fertilizantes, assim como a indústria petroquímica, é intensiva em capital. As plantas precisam ter escala que lhes permita a diluição dos custos fixos e viabilize os investimentos. Além desse fato, o acesso aos recursos naturais é restrito, o que faz o segmento ser concentrado em todo o mundo, tanto em relação a países, como a firmas. No mais, em função da dotação de fatores naturais ser de certa forma escassa, a produção é relativamente estável. A estrutura econômica ainda pode variar de acordo com o tipo de nutriente que é analisado. De acordo com dados da IFA, em 2009, a produção total de fertilizantes foi de 164 milhões de toneladas de nutrientes. China, Índia, EUA e Rússia são os maiores produtores, representando 63% da produção. O Brasil, apesar de ser o quarto consumidor, ocupava a décima posição em relação à produção, sendo responsável por apenas 2% da produção mundial de nutrientes. 34 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O Nitrogênio (N) é a matéria-prima básica para a produção de fertilizantes nitrogenados, como amônia e ureia. Para a fabricação da amônia necessita-se da reação do nitrogênio, prontamente disponível no ar, com o hidrogênio, que pode ser obtido de fontes diversas – gás natural, nafta, carvão, resíduos asfálticos. No Brasil, assim como na maioria dos países, a principal fonte de hidrogênio é o gás natural, cujo preço no país é elevado em comparação ao restante do mundo. No total, de acordo com dados da IFA, existiam em 2009 cerca de 77 países produtores mundiais de nitrogenados, estando a China em primeiro lugar, seguida de Índia, EUA e Rússia. Os quatro países foram responsáveis por 60% da produção mundial de nitrogenados em 2009, que foi de 105 milhões de toneladas de nutrientes, tendo crescido 18% em relação a 2000. Somente a China aumentou sua capacidade de produção em 62%. No entanto, cabe lembrar que o país tem uma base de produção “suja”, já que utiliza como principal fonte de hidrogênio o carvão. Em 2009, China, Índia e EUA eram também os maiores consumidores de nitrogenados. O Brasil, apesar da baixa produção, ocupava a sexta posição mundial em consumo. O Fósforo (P) é obtido por uma atividade extrativa mineral que tem como fonte a exploração da rocha fosfática. Existem dois tipos de rocha fosfática, as de origem ígnea ou as sedimentares, onde a concentração de fósforo é maior. No Brasil, ao contrário da maioria dos países produtores, a origem da rocha fosfática é ígnea em função da estrutura geológica. Em 2009, existiam cerca de sessenta países produtores, liderados por China, EUA, Índia e Rússia, respectivamente. O Brasil ocupava a quinta posição, sendo responsável por cerca de 5% da produção mundial de fosfatados, que foi de 37 milhões de toneladas de nutrientes, 14% superior ao que foi produzido no ano 2000. As principais reservas encontram-se nos continentes africano e asiático. É um mercado global formando por grandes players mundiais. Novamente China, Índia, EUA e Brasil são os maiores consumidores, representando 68% do consumo total. O Potássio (K), obtido principalmente a partir do cloreto de potássio, é encontrado na maioria das vezes em camadas sedimentares. As reservas mundiais são de grande limitação e a produção concentra-se basicamente em 12 países. Canadá, Rússia, Bielo-Rússia e Alemanha são os maiores produtores, responsáveis por cerca 35 QUÍMICA de 65% da produção mundial. A produção em 2009 foi de 20,6 milhões de toneladas. Os maiores demandantes são mais uma vez China, EUA, Índia e Brasil, com 64% da demanda global. MERCADO BRASILEIRO O mercado brasileiro de fertilizantes é o quarto maior consumidor do mundo, representando cerca de 6% do mercado global em 2009 de acordo com dados da IFA. Segundo a ANDA (2010), foram entregues 24,5 milhões de toneladas em 2010, contendo 10,1 milhões de nutrientes. Apesar do elevado consumo, a utilização de fertilizantes por hectare ainda é baixa em relação a outros países da Europa e à China. Contudo, o país vem apresentando uma taxa de crescimento da demanda superior à taxa de crescimento mundial e de países desenvolvidos. O consumo nacional depende, principalmente, da renda dos agricultores, mas também é influenciado pelo preço relativo dos fertilizantes, pela política agrícola e expectativas de preços futuros e da produção agrícola. No Gráfico 9, é exposta a evolução do consumo de fertilizantes por tipo de nutriente no período 2000-2010. GRÁFICO 9 CONSUMO BRASILEIRO DE NPK POR NUTRIENTE, 2000-2010, (EM MILHÕES TON) 12 10 4,3 4,2 3,5 6 3,9 4,3 8 2,8 3,1 3,2 3,3 2,8 2,5 2,6 2,9 2007 2008 2009 2010 3,0 2,9 3,4 4 2,5 3,7 3,5 2,5 3,7 3,9 2,9 3,1 3,4 2,7 2 2,0 1,7 1,9 2000 2001 2002 2,4 2,5 2,3 2,3 2003 2004 2005 2006 0 Nitrogênio Fonte: ANDA. Fósforo Potássio 36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS No Brasil, diferentemente do restante do mundo, os fertilizantes mais consumidos não são os nitrogenados, mas sim os potássicos, que no ano de 2010 responderam por 38% do total de nutrientes demandados, enquanto fosfatados e nitrogenados foram responsáveis por 28% e 33%, respectivamente. A explicação para essa inversão ocorre por causa da estrutura da agricultura brasileira. Cinco principais culturas concentram o consumo no país: soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão. Em 2010, elas representaram mais de 75% do total de fertilizantes consumidos. A soja, que é a principal cultura consumidora, com 36%, utiliza pouco nitrogênio e muito potássio para sua produção, explicando a concentração no consumo desse tipo de nutriente. O consumo de fertilizantes por cultura no Brasil em 2010 é mostrado no Gráfico 10. GRÁFICO 10 ENTREGA DE FERTILIZANTES POR CULTURA, 2010 (EM %) Outras Soja 23% Algodão 36% 5% 6% Café 15% Cana-de-açúcar 15% Milho Fonte: ANDA. A Região Centro-Sul, formada pelos estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, é onde está concentrado o maior consumo de fertilizantes no Brasil. No ano de 2010, 86% dos fertilizantes entregues foram direcionados à região, onde estão localizadas as principais culturas agrícolas do país. As regiões Norte e Nordeste consumiram apenas 14% do total. O estado de Mato Grosso, principal produtor brasileiro de soja, foi o maior consumidor de fertilizantes, com participação de 16% sobre a demanda total. Em seguida temos São Paulo, com 14%, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com 13%, e QUÍMICA 37 Paraná, com 12%. O Gráfico 11 detalha o consumo de fertilizantes por unidade de federação no ano de 2010. GRÁFICO 11 ENTREGA DE FERTILIZANTES POR UNIDADE DE FEDERAÇÃO, 2010 (EM MIL TON) 4.500 4.000 MILHARES DE TONELADAS 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 MT SP MG RS PR GO BA MS SC MA ES AL PE PI TO PA SE RO PB RJ RN DF CE RR AP AM AC Fonte: ANDA. Apesar de o Brasil ter experienciado altas taxas de crescimento na demanda por fertilizantes, a produção interna para a fabricação de suas matérias-primas não vem crescendo no mesmo ritmo, resultando em um grande desbalanceamento entre oferta e demanda. A indisponibilidade de matérias-primas básicas, além de questões logísticas, tributárias e ambientais, vem sendo gargalos para novos investimentos. Dessa forma, o atendimento ao consumo interno vem ocorrendo principalmente via aumento das importações. No ano de 2010, a entrega total de fertilizantes formulados no Brasil alcançou 24 milhões de toneladas de produtos, dos quais 15 milhões de toneladas foram importadas e 9 milhões produzidas internamente. Em relação ao ano 2000 houve um crescimento acumulado de 50% do consumo, 17% da produção e 48% das importações. A participação das importações sobre o consumo total manteve-se, de certa forma, constante no período analisado, por volta de 60%. No ano de 2007, ano de alta no consumo de fertilizantes, o percentual ocupado pelas importações chegou 38 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS a superar 70%. Já em 2009, em razão da grande queda na demanda por conta da crise econômica de 2008, o volume importado teve sua participação reduzida para 49%, pois muitos produtores utilizaram os estoques acumulados nos anos anteriores. No ano de 2010, com a retomada do mercado de fertilizantes, as importações cresceram novamente e representaram 62% do total consumido (Gráfico 12). GRÁFICO 12 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES (PRODUTO), 2000-2010 (EM MILHÕES TON) 30 25 MILHÕES TON 20 15 10 5 2000 2001 Importação 2002 Produção 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Consumo Fonte: ANDA. A dependência externa não é função apenas da elevada demanda do setor agrícola nacional, mas também da disponibilidade de matérias-primas (nitrogênio, fósforo e potássio) e da estrutura de produção. A produção interna de fertilizantes nitrogenados no ano de 2010 atendeu aproximadamente a 24% da demanda. No início da década, no ano 2000, esse número já foi próximo a 40%. No entanto, como pode ser observado no Gráfico 13, enquanto o consumo de nitrogenados cresceu, a produção permaneceu estagnada. Gás natural, gás de refinaria e resíduo asfáltico são as matérias-primas utilizadas para a fabricação de amônia, cujas unidades produtivas são localizadas próximas a refinarias petroquímicas ou de fontes de hidrogênio. No Brasil, o preço do gás natural, utilizado como matéria-prima, é superior a outras regiões do mundo, tornando o país menos competitivo. QUÍMICA 39 GRÁFICO 13 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES DE NITROGENADOS, 2000-2010 (EM MIL TON) 3.000 NITROGÊNIO 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 2000 2001 Produção 2002 Importação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Consumo Fonte: ANDA. Os fertilizantes fosfatados são os que exibem a situação mais favorável, porém ainda insuficiente. A produção nacional consegue atender a cerca de 59% das necessidades do país. Essa situação vem se mantendo estável, com elevação da produção ao longo da década, como se pode verificar no Gráfico 14. Contudo, um agravante é o fato de o Brasil não ter produção destinada à indústria de fertilizantes de enxofre, matéria-prima básica para a produção de ácido sulfúrico, que é utilizado para obtenção de ácido fosfórico. Este é utilizado como matéria-prima intermediária para a produção de fertilizantes fosfatados. Por fim, em relação ao potássio, a situação é mais preocupante. Apesar de ser o nutriente com maior demanda pelo setor agrícola brasileiro, a produção nacional é muito inferior à demanda e tem atendido somente a 10% do consumo interno (Gráfico 15). O Brasil conta com apenas uma mina de potássio explorável hoje. Apesar de existirem grandes reservas, estas não são economicamente viáveis ou oferecem grandes riscos ambientais. 40 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 14 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES DE FOSFATADOS, 2000-2010 (EM MIL TON) 4.500 FÓSFORO 4.000 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 2000 2001 Produção 2002 Importação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Consumo Fonte: ANDA. GRÁFICO 15 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES POTÁSSICOS, 2000-2010 (EM MIL TON) 5.000 POTÁSSIO 4.500 4.000 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 2000 Produção Fonte: ANDA. 2001 2002 Importação 2003 Consumo 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 QUÍMICA 41 Na Tabela 3 são mostrados os volumes de importação, produção e exportação, para os principais fertilizantes básicos e intermediários, realizados no ano de 2010. Com base nos números, foi calculado o consumo aparente7 dos produtos e a participação das importações no total consumido. Verifica-se que, com exceção do SSP, do qual há quase autossuficiência na produção, sendo apenas 6% importado, todos os outros fertilizantes apresentaram uma participação das importações superior a 50%. Em alguns casos, como o DAP e cloreto de potássio, a dependência externa chega a ultrapassar 90%. TABELA 3 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO E CONSUMO APARENTE DE FERTILIZANTES BÁSICOS E INTERMEDIÁRIOS, 2010 (EM TON) Importação (a) Produção (b) Exportação (c) Consumo aparente (d)=(a)+(b)-(c) % Importação no consumo (a)/(d) SULFATO DE AMÔNIO 1.538.301 264.300 5.282 1.797.319 86 UREIA 2.510.214 814.762 10.202 3.314.774 76 1.213.625 79 8.581 5.337.837 6 NITRATO DE AMÔNIO 962.872 250.753 SSP 312.533 5.033.885 971.916 886.208 9.914 1.848.210 53 MAP 1.142.536 1.047.536 1.866 2.188.206 52 DAP 367.990 2.486 365.504 101 21.082 6.777.117 91 TSP CLORETO DE POTÁSSIO 6.133.985 664.214 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANDA. A situação atual no mercado de fertilizantes brasileiros, que vem experimentando elevações no consumo e baixa capacidade de produção interna, aumenta a vulnerabilidade do país, deixando-o exposto às variações na taxa de câmbio e preços no mercado internacional, além de outras conjunturas econômicas. Para que esse quadro seja revertido, são necessários investimentos na produção e na infraestrutura logística, que serão discutidos mais à frente. ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E COMPETITIVIDADE No Brasil, as primeiras fábricas de fertilizantes surgiram em 1940. Até o início da década de 1960, as importações atendiam à demanda interna de matérias-primas. 7 Consumo aparente = produção + importação - exportação 42 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS A partir de 1970, foi implementado o I Plano Nacional de Fertilizantes, quando se iniciou uma nova fase com incentivos do governo. Nos anos 1990 ocorreu a primeira privatização do setor. No segmento de fertilizantes, assim como na indústria petroquímica, vêm ocorrendo movimentos de fusões e aquisições. Depois da abertura do mercado na década de 1990, observou-se a entrada de diversos grupos multinacionais para atuar no segmento por meio da aquisição de pequenas empresas nacionais, iniciando um movimento de concentração. Em 2010, ocorreu o último e maior caso de aquisição na indústria nacional de fertilizantes com a ampliação de atuação da Vale no setor. A empresa adquiriu a Fosfértil e outros ativos da Bunge na área de matérias-primas para fertilizantes, criando a Vale Fertilizantes, uma gigante do setor. A Vale também mantém projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru, Moçambique e Canadá. A reestruturação observada é uma resposta ao maior dinamismo da indústria, em que o controle de fontes de matérias-primas (disponibilidade e custo) e o acesso a mercados exigem maiores escalas de planta e porte das empresas, bem como integração vertical. No Brasil, apenas quatro empresas têm acesso às matérias-primas básicas para a produção dos fertilizantes básicos e intermediários. A Petrobras é a única fornecedora de gás natural como matéria-prima para a indústria e a principal produtora de amônia destinada à produção de fertilizantes, dividindo o mercado com a Vale Fertilizantes. A Vale Fertilizantes é a grande produtora de rocha fosfática no Brasil, com participação menor de Galvani e Copebrás. No que diz respeito ao potássio, a Vale explora reservas localizadas em Sergipe. No Amazonas, a Petrobras detém direito de exploração de lavras de grandes reservas, porém em razão principalmente de questionamentos ambientais, não há definição para iniciar as explorações. Não há no Brasil produção de enxofre para uso como fertilizante, 100% do enxofre utilizado é importado. O Quadro 1 mostra as principais empresas do setor nas fases de produção de matérias-primas e das Fórmulas NPK. QUÍMICA 43 QUADRO 1 PRINCIPAIS EMPRESAS PRODUTORAS, DE ACORDO COM O PRODUTO N Matérias-primas básicas PETROBRAS VALE Ureia/Nitrato de amônio P MAP/DAP K TSP SSP Cloreto de potássio NPK misturadoras Vale Heringer Petrobras Vale Vale Heringer Vale Copebrás Copebrás Galvani Bunge Timac Agro Copebrás Mosaic Yara Yara Brasil Yara Timac Agro Fertipar Fospar Outros COPEBRÁS GALVANI Cibrafértil Bunge Profertil Vale Fonte: Elaboração própria, com base em dados do 1º Congresso Brasileiro de Fertilizantes. No caso de fabricação de fertilizantes básicos e intermediários, o número de empresas produtoras varia de acordo com o tipo de fertilizante. Para os nitrogenados, existem somente três empresas responsáveis pela produção. São elas Petrobras, Vale e Proquigel, que produz sulfato de amônio. Na cadeia de fertilizantes fosfatados, o número de empresas produtoras já é maior, chegando a dez para o SSP. Quanto ao cloreto de potássio, o mercado é altamente concentrado, havendo somente a Vale como produtora. No setor de mistura, responsável pelas formulações finais de NPK, estima-se que existam cerca de cem misturadores8 no Brasil. Por ser um processo mais simples e por causa da facilidade de importação de matérias-primas e fertilizantes intermediários, a concorrência no setor é maior. Contudo, deve-se ressaltar que grandes grupos, como Bunge, Mosaic, Heringer e Yara, têm grandes participações nas vendas, que chegam a 70%. Além disso, como lembrado por Saab e Paula, há grupos das indústrias de fertilizantes que também controlam ou são sócios das Trandings Companies que comercializam os grãos. Dessa forma, os produtores rurais ficam com pouca margem de manobra, já que são clientes nas duas pontas. 8 Número obtido em entrevistas na ANDA com especialistas no setor. 44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS As maiores margens de lucro encontram-se no começo da cadeia, durante a etapa de produção de fertilizantes básicos e intermediários. Os misturadores de fertilizantes trabalham com uma margem muito pequena, por volta de 5%, já que a concorrência é grande e o produto não apresenta diferenciação, competindo em preço. PREÇOS Os fertilizantes são commodities, sendo seu preço determinado pelo mercado internacional. São variáveis relevantes na formação de preço nacional dos fertilizantes o custo da matéria-prima, o custo do transporte marítimo, custos portuários, tributos externos e internos, e custo de transporte até os centros produtores [Saab e Paula (2008)]. Os preços internacionais dos fertilizantes revelaram uma trajetória ascendente até o ano de 2007, ocorrendo uma intensa alta no ano de 2008. Os elevados preços foram resultado da grande expansão no mercado agrícola, que exerceu pressão sobre o mercado de fertilizantes e consequentemente sobre os preços. O acelerado crescimento das economias da China e da Índia aumentou o consumo de fertilizantes e, como a oferta mundial é concentrada em poucos países produtores e limitada por conta do alto custo do investimento e dotação de recursos naturais, houve reflexo no aumento de preços. Além disso, o petróleo e derivados que servem como insumos para o setor também experienciaram elevação de seus preços. No ano de 2009, a crise financeira mundial causou impacto sobre diversas commodities minerais, incluindo os fertilizantes. Além disso, no mercado mundial, também houve uma queda na demanda por commodities agrícolas, reduzindo a procura por fertilizantes. Tal fato levou os produtores a utilizarem os estoques de fertilizantes formados no período de alta, reduzindo ainda mais o preço. Recentemente, com a recuperação da demanda no mercado agrícola global, observa-se novamente uma alta na demanda por fertilizantes, causando um movimento ascendente nos preços. No Gráfico 16, são exibidos os preços internacionais de alguns fertilizantes básicos e suas matérias-primas. 45 QUÍMICA GRÁFICO 16 PREÇOS INTERNACIONAIS DE FERTILIZANTES (DAP, ROCHA FOSFÁTICA, CLORETO DE POTÁSSIO, TSP E UREIA), 2000 A 2011 (PREÇOS EM US$/TON) 1.200 1.000 US$/TON 800 600 400 200 0 2000 2001 DAP 2002 2003 Rocha fosfática 2004 2005 Cloreto de potássio 2006 2007 TSP 2008 2009 2010 2011 Ureia, E. Europe, bulk Fonte: World Databank. Os preços nacionais dos fertilizantes acompanharam o comportamento observado no mercado mundial, conforme mostrado no Gráfico 17, com base no Índice de Preços ao Produtor – Fertilizantes, em que os preços foram calculados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os custos com fertilizantes representam cerca de 20% dos gastos totais do produtor rural na lavoura, porém esse número pode variar com a cultura e estado. A relação de troca entre fertilizantes e produtos agrícolas, que reflete a quantidade de produto agrícola necessária para adquirir uma tonelada de fertilizante, é também uma forma de precificação. Segundo dados da ANDA, na última década, o ano de 2008 foi aquele em que as relações de troca estiveram menos favoráveis aos agricultores, indo ao encontro da alta observada nos preços de fertilizantes a partir de 2007. Em alguns casos, como o da cana-de-açúcar, essa relação mais que dobrou. Os produtores rurais, em 2008, mesmo recebendo preços relativamente bons por seus grãos, precisaram vender maior quantidade de sua produção para adquirir uma tonelada de fertilizante. Como pode ser observado na Tabela 4, a partir de 2009, a situação tende a se normalizar e os produtores passam a ter uma situação mais favorável. 46 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 17 ÍNDICE DE PREÇO AO PRODUTOR IPP – FERTILIZANTES, 2000-2011 (JAN. 2000 = 100) 300 250 200 150 100 50 0 jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 Fonte: FGVDados. TABELA 4 RELAÇÕES DE TROCAS DE FERTILIZANTES E PRODUTOS AGRÍCOLAS, 2000-2010 Produto Unidade ALGODÃO COM CAROÇO 15 KG ARROZ EM CASCA SACA DE 60 KG BATATA-INGLESA SACA DE 60 KG CAFÉ ARÁBICA SACA DE 60 KG CANA-DE-AÇÚCAR TONELADAS 2000 23,3 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 42,0 42,3 33,4 37,1 42,1 39,7 47,2 71,5 58,5 48,2 42,4 24,2 21,3 18,4 20,4 22,8 22,3 24,9 32,9 20,6 23,8 38,9 28,8 9,2 11,6 12,7 16,9 11,4 11,4 13,8 19,5 9,8 12,5 2,2 3,7 4,0 3,7 3,6 2,7 2,6 3,0 4,4 3,8 3,0 2,3 18,9 17,2 18,4 20,4 26,7 21,9 15,9 19,8 36,3 27,3 21,9 19,2 6,9 FEIJÃO SACA DE 60 KG LARANJA CAIXA DE 40,8 KG MILHO SACA DE 60 KG 27,7 SOJA SACA DE 60 KG 18,9 TRIGO SACA DE 60 KG 5,6 5,2 5,7 8,1 7,1 7,0 7,7 6,2 6,2 6,5 10,8 45,5 39,3 45,5 63,8 65,2 48,0 59,7 79,3 94,8 48,9 75,6 42,1 30,8 32,7 41,7 40,1 39,3 37,9 51,0 47,4 48,9 43,3 18,8 15,6 15,5 17,3 19,6 20,4 20,6 26,3 19,4 25,3 24,2 27,1 21,5 21,7 29,3 30,7 28,0 26,5 37,8 33,4 34,5 41,4 Fonte: ANDA. Como o Brasil é um grande importador de fertilizantes, a formação do preço interno também sofre influência do frete marítimo. O frete custa em média US$ 40, cerca de 10% a 15% do preço do fertilizante. Além do frete marítimo, há incidência de custos portuários sobre o preço final de fertilizantes, como Adicional ao Frete QUÍMICA 47 para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que representa tarifa de 25% cobrada sobre o valor do frete, demurrage e outras despesas portuárias. Adicionalmente, o setor paga alíquota de 2% de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que incide sobre o valor final da receita total depois da venda do produto, cobrado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pela lavra de recursos minerais nos municípios brasileiros, do qual parcela de arrecadação destina-se às prefeituras [Brasil (2011)]. Todas as alíquotas de importação para fertilizantes estão zeradas, constando na Lista de Exceção da TEC (Tarifa Externa Comum). Tal fato facilita ainda mais a importação de fertilizantes e intermediários e é visto como uma barreira ao investimento nacional pelos representantes do segmento. No que se refere a tributos internos, o setor é isento de IPI, e as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e a Confins incidentes sobre a importação e receita bruta de vendas no mercado interno de fertilizantes foram reduzidas a zero. Com relação ao ICMS, vigoram a base de cálculo reduzida de 30% nas operações interestaduais, o diferimento nas operações internas nos principais estados consumidores (MG, GO, MT, MS e PR) e a isenção nas operações no estado de São Paulo a partir de 1995 [Lafis (2011)]. 4. TENDÊNCIAS DO SETOR DE FERTILIZANTES CRESCIMENTO DO MERCADO E BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050 a projeção é de que a população mundial seja de 9,3 bilhões de pessoas, podendo alcançar 10,6 bilhões caso não ocorra a redução prevista da taxa de natalidade dos países mais populosos (UNFPA).9 Além de crescer, a população estará em um mundo mais rico, alimentando-se de uma dieta mais farta. Esses fatores alertam para a necessidade de produção de alimentos capaz de atender à demanda crescente. Segundo matéria publicada no Valor Online, em 9 de fevereiro de 2012, a Food and Agriculture 9 State of World Population (2011). 48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Organization (FAO) aponta a necessidade de um aumento de 60% na produção global de alimentos até 2050, tanto para uso alimentar como para a produção de biocombustíveis. As terras disponíveis para agricultura no mundo são poucas e situadas basicamente na América do Sul e nas savanas africanas. Dessa forma, o aumento na oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício e elevação da produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental nesse ponto. De acordo com dados da IFA/ANDA expostos no 1° Congresso Brasileiro de Fertilizantes, em 2011, o consumo mundial de fertilizantes deverá ultrapassar 200 Mt em 2015 e crescer, em média, 3% a.a. até 2018, como pode ser visto no Gráfico 18. O crescimento será fomentado principalmente por países em desenvolvimento, como o Brasil, que deve elevar seu consumo em 5% a.a. GRÁFICO 18 PROJEÇÃO DO CONSUMO DE FERTILIZANTES ATÉ 2019 (EM NUTRIENTES) CONSUMO DE FERTILIZANTES EM MILHÕES DE TONELADAS 240 3% A.A . 200 160 120 80 40 0 61 73 K2O 83 P205 89 92 95 98 ‘01 ‘04 ‘07 10 13 16 19 N Fonte: IFA/ANDA. Segundo projeções do Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa),10 a produção de grãos no Brasil (soja, milho, trigo, arroz e feijão) deverá passar de 142,9 milhões de toneladas em 2010-2011 para 175,8 milhões em 2020-2021, 10 Projeções do agronegócio para 2010-2011-2020-2021. 49 QUÍMICA o que representa um aumento de 23%. De acordo com o trabalho, o crescimento da produção agrícola no Brasil deve continuar acontecendo com base na produtividade. Os resultados revelam maior acréscimo da produção agropecuária que os acréscimos de área. As projeções indicam que, entre 2011 e 2021, enquanto a produção de grãos (arroz, feijão, soja, milho e trigo) deve aumentar 23%, a área plantada deverá expandir-se somente 9,5%. Novamente, tais projeções corroboram o entendimento de que o aumento na oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício e elevação da produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental. Na próxima figura é apresentado o Balanço de Oferta e Demanda de Nitrogênio até 2016 [ANDA (2011)]. Estima-se um aumento acumulado da demanda de 21% em relação a 2010, ou 3% a.a. A produção deve se elevar em virtude do aumento previsto de capacidade de produção de nutrientes, principalmente em razão de projetos da Petrobras que serão detalhados mais à frente. Dessa forma, a participação das importações, que era de mais de 70%, deve cair para cerca de 32%. GRÁFICO 19 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE NITROGÊNIO, 1990-2016 (EM MILHÕES DE TONELADAS DE NUTRIENTE – N) PREVISÃO 4,0 DEMANDA 3,0 2,0 IMPORTAÇÃO 1,0 PRODUÇÃO 0,0 90 92 94 Fontea: ANDA e Agroconsult. Nota: Estimativa de 2011 a 2016. 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16 50 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 20 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE FÓSFORO, 1990-2016, (EM MILHÕES DE TONELADAS DE NUTRIENTE – P 2O 5) PREVISÃO 5,0 DEMANDA 4,0 3,0 IMPORTAÇÃO 2,0 1,0 PRODUÇÃO 0,0 90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16 Fonte: ANDA e Agroconsult. Nota: Estimativa de 2011 a 2016. GRÁFICO 21 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE POTÁSSIO, 1990-2016 (EM MILHÕES DE TONELADAS DE NUTRIENTE – K 2O) PREVISÃO 6,0 5,0 DEMANDA 4,0 3,0 IMPORTAÇÃO 2,0 1,0 PRODUÇÃO 0,0 90 92 94 Fontes: ANDA e Agroconsult. Nota: Estimativa de 2011 a 2016. 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16 QUÍMICA 51 No que se refere ao fósforo, calcula-se uma elevação de 4% a.a. no consumo até 2016. A produção de P2O5 também deverá ter um incremento em sua capacidade produtiva, o que deve reduzir a participação das importações na oferta para apenas 12%. Os projetos previstos para fosfatados são liderados principalmente pela Vale Fertilizantes e serão discutidos em seção específica. Em relação ao potássio, espera-se para 2016 um crescimento na demanda de 27% em relação ao observado em 2010, o equivalente a 4% a.a. Estima-se a concretização de novo projeto de investimento da Vale Fertilizantes, aliviando a dependência externa, que hoje é superior a 90% e deve passar a 77%. GARGALOS E DESAFIOS DO SETOR Para que a indústria brasileira de fertilizantes seja competitiva e capaz de atender às demandas que surgirão do agronegócio, será necessário vencer alguns desafios e destravar alguns gargalos do setor. Estes passam por: melhora da balança comercial, por meio do aumento da produção; investimentos em infraestrutura portuária e logística para reduzir perdas e custos; solução das questões tributárias que hoje favorecem o fertilizante importado; discussão de um novo marco regulatório para o setor; e incentivo a maiores investimentos em inovação. Como já discutido na seção anterior, a indústria de fertilizantes brasileira é altamente dependente das importações, deixando o país vulnerável às variações de câmbio, preços e outros eventos externos que possam vir a afetar o fornecimento no país. A maneira mais direta de reduzir a dependência é por meio da elevação da produção nacional de fertilizantes. No entanto, essa questão passa pela disponibilidade de matérias-primas, que é restringida pela dotação de recursos minerais. A matéria-prima para os fertilizantes nitrogenados é o gás natural, que no Brasil é fornecido pela Petrobras. O preço do gás natural, que varia de acordo com o preço do petróleo, é elevado no país em relação a outras regiões do mundo, tornando o país menos competitivo. Com a recente descoberta do pré-sal, há grandes perspectivas de elevação na produção de gás natural que poderá ser direcionado à indústria de fertilizantes, tornando a situação brasileira mais confortável. 52 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Contudo, é necessária a formulação de uma política de utilização do gás natural como matéria-prima. Já há investimentos em andamentos, que serão detalhados adiante, sendo realizados nessa área. A dependência externa no caso do fósforo não é difícil de reverter. De acordo com o DNPM,11 as reservas no Brasil são de 273 milhões de toneladas de rocha fosfática e estão concentradas principalmente no estado de Minas Gerais. Diversos projetos estão surgindo na região. Há ainda outras áreas potenciais para abertura de minas, porém questões ambientais inviabilizam a exploração. A situação do potássio é a mais delicada. Há as reservas hoje exploradas em Taquari-Vassouras (SE) pela Vale, porém estas só são capazes de atender a cerca de 10% do consumo interno. Existem enormes reservas na região de Nova Olinda do Norte, no Amazonas, que podem chegar a novecentos milhões de toneladas, contudo não se sabe se estas são economicamente viáveis, em virtude das questões logísticas, ambientais e de custo de extração, e, portanto, não há previsão de início de exploração. Os projetos de exploração de potássio e fósforo muitas vezes são retardados por conta da exigência de especificações técnicas para a exploração das jazidas e o processo de obtenção da Licença Ambiental. Apesar da necessidade de elevação da produção nacional, o país continuará dependendo do fornecimento externo para atender à demanda da agricultura. Portanto, para reduzir o preço final dos fertilizantes é preciso ainda realizar investimentos em infraestrutura, principalmente portos, rodovias e sistemas de armazenagem e distribuição. Uma grande queixa do setor diz respeito aos elevados custos portuários e à demora na descarga de fertilizantes, elevando os pagamentos de demurrage. De acordo com entrevista de David Roquetti, diretor executivo da ANDA, ao jornal Valor Econômico, em 26 de setembro de 2011, um navio que fica parado no porto tem um custo diário de R$ 60 mil. Além disso, nos meses em que se concentram as importações, período que vai de agosto a novembro, o preço do frete interno também apresenta grande elevação, prejudicando os produtores. 11 Sumário Mineral 2011 – Fosfato. QUÍMICA 53 A questão tributária também merece atenção. Hoje o setor alega que a alíquota de ICMS sobre a produção local, que varia de 4,9% a 8,4%, torna os produtos nacionais menos competitivos que os importados. As vendas interestaduais das indústrias locais são tributadas, enquanto as importações são isentas. Logo, resolver essa questão poderia destravar investimentos, incentivando a produção interna e aumentando a competitividade do setor. Estão sendo elaborados pelo governo três projetos de lei para reformular o marco regulatório do setor de mineração, que engloba o setor de fertilizantes. Um dos objetivos é redesenhar o sistema de arrecadação dos royalties da mineração, que ocorre por meio do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A ideia é taxar menos os minerais usados na construção civil e mais aqueles que, hoje, são exportados com pouca agregação de valor. Para o grupo de fertilizantes, o governo planeja uma redução da alíquota, que hoje é de 2%. Os outros dois pontos abordados na política de governo referem-se à instituição de um novo Código de Mineração, com as novas regras de concessão e lavra, e a criação de uma Agência Nacional de Mineração (ANM), que fará a fiscalização e o recolhimento da CFEM, de acordo com Valor Econômico, em 29 de agosto de 2011. Por fim, um grande desafio é aumentar a inovação nessa indústria. O setor não tem uma tradição inovadora, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral e para a utilização de polímeros. De acordo com Ali Aldersi Saab, pesquisador de fertilizantes da Embrapa e coordenador do Plano Nacional de Fertilizantes em 2009, esses dois tipos de fertilizantes trazem mais qualidade e menos perdas. O polímero encapsula o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação. Segundo ele, polímeros como o de nitrogênio diminuem em até 50% a perda do mineral. No entanto, são necessárias mais iniciativas de pesquisa para entender o comportamento e eficácia desses novos tipos de fertilizantes [Revista Plantar (2012)]. OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTOS Por ser a indústria de fertilizantes um segmento estratégico para o país e em função das preocupações dos últimos anos com a inflação de alimentos, segurança 54 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS alimentar e questões ambientais, vêm ocorrendo estímulos do governo para que novos investimentos sejam iniciados. Tal atitude está surtindo efeito, já que diversos projetos novos ou ampliação de outros já existentes vêm sendo anunciados e, caso sejam concretizados, aumentarão a produção nacional, diminuindo a dependência externa brasileira. De acordo com o jornal Valor Econômico, em 19 de março de 2012, os investimentos em andamento, liderados por Vale e Petrobras, deverão somar US$ 13 bilhões até 2016, segundo informações da ANDA. São previstos pela IFA US$ 88 bilhões de investimentos globais para o período, representando os investimentos brasileiros 15% do total. A Vale está com um plano de investimentos bem contundente. A meta da companhia é passar da 14ª para a quinta posição no mercado mundial de potássio e rocha de fosfato, investindo cerca de US$ 15 bilhões até 2020 [Estadão (2011)]. Para os nitrogenados, a Petrobras deu início aos investimentos em sua terceira planta, que produzirá amônia e ureia em Três Lagoas. A Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN III) terá capacidade para produzir 1,2 milhão de toneladas de ureia e cerca de setecentas mil toneladas de amônia por ano. Além da UFN III, a Petrobras tem ainda outros dois projetos na área: UFN IV, em Linhares (ES) e UFN V, em Uberaba (MG). Ambos os projetos estão ainda em fase de estudo e não têm previsão de data para entrar em operação. Estima-se para as duas plantas uma elevação na capacidade de produção de novecentas mil toneladas de amônia e setecentas mil toneladas de ureia. A Vale também tem projetos na área e pretende instalar até 2016 uma nova unidade de produção de ácido nítrico para suportar o crescimento do segmento de nitrogenados químicos. Quanto aos fertilizantes fosfatados, diversos projetos estão anunciados, e, caso sejam realizados, tornarão o país praticamente autossuficiente nesse tipo de nutriente. Há projetos na Serra do Salitre da Galvani (MG) e em Arraias (TO), da MBAC, com previsão de produção de quatrocentas mil toneladas de concentrado fosfático e quinhentas mil toneladas de SSP, respectivamente. A Vale Fertilizantes tem um dos maiores projetos na área, chamado Projeto Salitre, localizado em Patrocínio, Minas Gerais. Estima-se a produção de 2,2 milhões de toneladas métricas por ano de rocha fosfática e a construção de um complexo QUÍMICA 55 industrial com capacidade estimada em 1,2 milhão de toneladas métricas por ano de fertilizantes fosfatados [Vale (2011)]. No caso do potássio, foi formalizado o arrendamento à Vale, por mais trinta anos, de uma jazida que a Petrobras tem em Maruim (SE), o que vai permitir a extração de carnalita e a produção do cloreto de potássio. O investimento no empreendimento é estimado em R$ 4 bilhões, com início da operação em 2016. A Vale já produz entre seiscentas mil e setecentas mil toneladas de cloreto de potássio ao ano em Sergipe, também em uma mina arrendada da Petrobras, garantindo cerca de 10% do consumo nacional. Segundo o jornal Valor Econômico, em 23 de abril de 2012, a previsão é de que o Projeto Carnalita traga um adicional de 1,2 milhão de toneladas por ano na produção de potássio do Sergipe, o que deve permitir uma economia de US$ 17 bilhões em importações do insumo ao longo de 29 anos. Como mencionado anteriormente, na Amazônia existem enormes reservas de potássio, porém de difícil extração. Contudo, algumas empresas como a Potássio do Brasil estão estudando essas possibilidades e, se confirmadas as novas reservas, a companhia estima trabalhar com o desenvolvimento de uma mina capaz de produzir anualmente 2 milhões de toneladas de potássio, com investimentos que podem alcançar 4,5 bilhões de dólares. De acordo com Valor Econômico, em 31 de janeiro de 2012, outros projetos de investimentos utilizando fontes alternativas de potássio têm sido estudados, como o da empresa Verde Fertilizantes, que pretende investir US$ 654 milhões em sua mina de potássio em Minas Gerais, com capacidade de produção inicial de seiscentas mil toneladas, segundo um estudo preliminar. A empresa vai beneficiar a rocha verdete para a produção de cloreto de potássio. Além da previsão de investimentos no Brasil, a Vale Fertilizantes tem também projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru, Moçambique e Canadá. O projeto da Argentina, denominado Rio Colorado, é para obtenção de potássio. Orçado em US$ 5,9 bilhões é um dos maiores investimentos da companhia, que estima a capacidade inicial de 2,1 milhões de toneladas de potássio por ano, com previsão de expansão para 4,3 milhões de toneladas [O Estado de São Paulo (2012)]. 56 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 5. CONCLUSÃO No Brasil, a indústria química vem tendo importante participação no PIB e na produção da indústria de transformação, servindo como fornecedora de insumos para uma série de outras indústrias. No entanto, sua produção, que é concentrada principalmente em commodities, vem experimentando uma trajetória constante nos últimos anos, não acompanhando o crescimento do mercado interno. Sendo assim, as importações de produtos químicos têm aumentado ano a ano e respondido por uma parcela cada vez maior do consumo nacional. O déficit comercial no setor atingiu elevados valores, aumentando a vulnerabilidade externa do país. Um dos principais segmentos responsáveis pelo déficit comercial da indústria química é o setor de fertilizantes. O segmento representa cerca de um terço do déficit, e o fertilizante cloreto de potássio é o item que vem apresentado maior importação na pauta. A dependência externa desse produto chega a 90%. O agronegócio brasileiro, que corresponde à cerca de 23% do PIB, tem uma correlação forte com o setor, já que o aumento da produção de grãos para atender à população e à demanda por biocombustíveis passa principalmente por uma elevação de produtividade da terra, que pode ser obtida com a utilização correta dos fertilizantes. Dessa forma, este é um segmento estratégico para o país e merece maior atenção. Para impedir a eclosão de déficits comerciais cada vez maiores na indústria química, investimentos expressivos no setor de fertilizantes serão exigidos nos próximos anos, em função do crescimento projetado para a produção de grãos (soja, milho, trigo, arroz e café) brasileira, da ordem de 23% até 2020. Esse crescimento deverá ser baseado na produtividade, já que a área plantada deverá expandir-se somente em 9,5%. Os investimentos deverão englobar a adição de capacidade em fertilizantes, para reversão da tendência ascendente das importações, ainda que para sua viabilização sejam exigidas medidas de política industrial. Existem no momento diversos projetos anunciados para fertilizantes fosfatados e nitrogenados, que, caso executados, serão capazes de reduzir a dependência externa brasileira. As amplas perspectivas abertas pelo pré-sal poderão elevar a disponibilidade de gás natural, utilizado como matéria-prima para fabricação de nitrogenados, QUÍMICA 57 embora ainda seja necessária uma política de utilização para uso do gás natural como matéria-prima, de modo a elevar a competitividade da indústria brasileira no plano mundial. No caso de fertilizantes à base de potássio a situação é mais delicada, pois apesar de grandes reservas confirmadas no Amazonas, a dúvida quanto a viabilidade econômica e questões ambientais vem adiando o início da exploração. Além disso, o aproveitamento de fontes alternativas de potássio também vem sendo avaliado por algumas empresas. O setor não tem um caráter muito inovador, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral e o uso de polímeros, que poderão reduzir as perdas com lixivação, melhorando o aproveitamento dos fertilizantes. Para incentivar ainda mais investimentos no setor é necessário resolver alguns gargalos. Problemas com infraestrutura portuária e de armazenamento, assim como questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais merecem destaque e necessitam da formulação de uma política específica. O governo lançou recentemente o Plano Brasil Maior, que avaliará medidas importantes de desoneração dos investimentos e das exportações para iniciar o enfrentamento da apreciação cambial, de avanço do crédito e aperfeiçoamento do marco regulatório da inovação, de fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incentivos fiscais e facilitação de financiamentos para agregação de valor nacional e competitividade das cadeias produtivas. O Plano contempla diversos setores, e um deles é a indústria química, devendo o segmento de fertilizantes fazer parte dessa agenda de discussão. O BNDES, além de apoiar projetos de investimentos, também participa de forma ativa na formulação de políticas econômicas, fomentando e apoiando o crescimento de uma estrutura produtiva diversificada, sustentável e competitiva. Desta forma, o banco pode desempenhar um importante papel ajudando na construção de uma política para o setor de fertilizantes. REFERÊNCIAS ANDA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL PARA DIFUSÃO DE ADUBOS. Anuário Estatístico do Setor de Fertilizantes. São Paulo, 2010. 58 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ______. 1° Congresso Brasileiro de Fertilizantes. 2011. Disponível em: <http://www. anda.org.br/index.php?mpg=06.10.00&ver=por>. Acesso em: 10 abr. 2012. ANÁLISE Setorial – Fertilizantes. Lafis Informação de Valor. São Paulo, ago. 2011. BRASIL. MINISTÉRIO DA FAZENDA. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Panorama do mercado de fertilizantes. Mai. 2011, p. 8-33. CENÁRIO de fertilizantes no Brasil. Revista Plantar. 16 abr. 2012. Disponível em: <http:// www.revistaplantar.com.br/cenario-de-fertilizantes-no-brasil/>. Acesso em: 24 abr. 2012. CONSUMO de adubos cresce duas vezes a média mundial. Valor Econômico. 26 set. 2011. Disponível em: <http://www.valor.com.br/impresso/fertilizantes/consumo-deadubos-cresce-duas-vezes-media-mundial>. Acesso em: 24 abr. 2012. DEMANDA global por fertilizantes segue firme. 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Essas transformações tiveram como contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura se adequar à realidade econômica setorial e nacional. O objetivo deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro e, sobretudo, apresentar as diretrizes que vêm orientando a atuação do Banco e as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes moldam a visão de futuro do BNDES e, consequentemente, formam a base dos principais objetivos que o Banco vem perseguindo nesse setor. Dentre eles, destacam-se o apoio à inovação e à criação de um mercado internacional do etanol. ABSTRACT The Brazilian sugarcane industry has experienced significant changes in the recent decades. Companies have consolidated, besides sugar, ethanol and bioelectricity in their product portfolios. In turn, BNDES aims to continuously adjusting its operations to changing economic scenarios. In order to present BNDES’ role in the Brazilian sugarcane industry, this paper focuses on the BNDES’ main guidelines for the future of this industry. These guidelines shape the objectives to be pursued in next years. Among these objectives, it is important to mention the support for innovation and for construction of an international market for ethanol. BIOCOMBUSTÍVEIS 65 1. INTRODUÇÃO O início da história da cana-de-açúcar no Brasil remonta aos primeiros anos de nossa colonização, quando os canaviais destinavam-se à fabricação de açúcar para atender às demandas do continente europeu. Apesar de secular, a cultura da cana no Brasil vem enfrentando suas mudanças mais significativas nos últimos quarenta anos de sua história. Nesse período, as empresas processadoras de cana deixaram de produzir apenas açúcar e consolidaram o etanol carburante em seu portfólio de produtos e, ainda mais recentemente, também a energia elétrica. Entre as transformações mais importantes para o setor, foi emblemática a introdução dos veículos de motores bicombustíveis (também conhecidos como veículos flex) no mercado nacional. Estes podem usar como combustíveis gasolina ou etanol, ou uma mistura dos dois em qualquer proporção. Disponível desde 2003, essa nova tecnologia representou uma renovada fonte de demanda pelo etanol combustível, cuja produção mais do que dobrou em apenas seis anos. Ao longo desses anos, as mudanças do setor sucroenergético vêm tendo como contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura se adequar à realidade econômica setorial e nacional. Com a atenção voltada a isso, o objetivo deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro. O trabalho está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na seção seguinte, faz-se uma breve descrição do passado recente do setor, com destaque para as mudanças regulatórias que afetaram o contexto econômico desde seu surgimento. Na terceira seção, são ressaltados os principais aspectos de sustentabilidade do setor, com destaque para o etanol de cana-de-açúcar e a eletricidade gerada por meio dos resíduos da cana. São exploradas as principais características que fazem tais produtos serem considerados soluções relevantes, ainda que não exaustivas, para a mitigação do avanço do aquecimento global. A quarta descreve o apoio que o BNDES vem dando ao setor sucroenergético nos últimos anos, especialmente na forma de desembolsos para projetos de ampliação de capacidade produtiva. 66 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Já a quinta e a sexta seções apresentam respectivamente as principais diretrizes que vêm orientando a atuação do Banco e as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes moldam a visão de futuro do BNDES para o setor e, consequentemente, formam a base dos principais objetivos que o Banco vem perseguindo. Dentre eles, destacam-se o apoio à inovação e à criação de um mercado internacional do etanol e outras iniciativas que procuram aumentar a competitividade setorial, como a criação de um programa de estocagem e o apoio financeiro à construção de um sistema logístico de transporte de etanol. Na sétima seção encontram-se as considerações finais. 2. A HISTÓRIA RECENTE DO SETOR SUCROENERGÉTICO A produção de cana-de-açúcar é uma das atividades econômicas organizadas mais antigas do Brasil. A despeito das vicissitudes ocorridas no decorrer da história econômica brasileira, a atividade açucareira perdurou durante os séculos e foi a grande e, na maior parte dos casos, única fonte de renda de seus produtores até o último quarto do século XX. Todavia, parte significativa da produção nacional de cana encontrou, nos anos 1970, finalidade distinta: a produção de etanol carburante. Na verdade e ao contrário do que por vezes se imagina, o etanol de cana-de-açúcar faz parte da matriz energética brasileira há quase oito décadas. O uso do etanol como aditivo à gasolina foi introduzido no Brasil em 1931. Seu nível de mistura situou-se em uma média de 7,5% até 1975, quando o primeiro choque do petróleo exigiu uma ampliação de seu uso como meio de reduzir as importações de petróleo, o que culminou com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Entre outras medidas, o Proálcool fixou metas de produção e paridades de preço entre o etanol e o açúcar, de forma que fosse incentivada a oferta do produto. Em 1979, em razão de novo aumento de preços do petróleo, o Proálcool foi ampliado, com o estabelecimento de estímulos para o uso de etanol hidratado1 em 1 O etanol hidratado, usado como combustível substituto da gasolina, apresenta concentração de 96%. O etanol anidro, usado como aditivo na gasolina, cerca de 99,5% de concentração, necessitando de etapas suplementares de destilação [Milanez, Faveret Filho e Rosa (2008)]. BIOCOMBUSTÍVEIS 67 motores adaptados ou especialmente fabricados para tal. Como consequência, a produção de etanol cresceu de 0,6 bilhão de litros em 1975 para quase 12 bilhões de litros em 1985 [CGEE (2007)]. A partir de 1986, com a redução continuada dos preços do petróleo, os incentivos estatais à produção e ao consumo de etanol foram sendo pouco a pouco retirados, até extinguirem-se por completo em 1999. Nesse novo contexto, os preços do etanol passaram a ser negociados livremente entre distribuidores e produtores. Continuou em vigor, porém, o mandato oficial de mistura do etanol anidro à gasolina, que hoje se situa em 20%, mas já chegou a ser 25%. Assim, a produção brasileira de etanol manteve-se estagnada até 2004, seguindo marginalmente o crescimento da frota nacional de veículos. Contudo, em 2003, com o advento da tecnologia de motores bicombustíveis, criou-se um importante estímulo para o setor. Esses novos automóveis apresentaram vendas anuais cada vez maiores. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a participação destes nas vendas totais de veículos leves esteve, em média, entre 85% e 90% nos últimos três anos. Quando considerada a participação estimada na frota circulante de veículos leves, os veículos flex já alcançam 48%. Isso representa 15,8 milhões de licenciamentos desde 2003 [Brasil (2012)]. A consequência do aumento da frota de veículos flex foi o expressivo incremento da demanda por etanol que, em 2008, equiparou-se à demanda pela gasolina. A demanda por etanol trouxe consigo aumentos constantes de produção desse biocombustível. Enquanto, em 2002, a produção de etanol alcançou 12,6 bilhões de litros, em 2010 esse volume foi de 28,2 bilhões de litros [ANP (2011)]. Os significativos volumes de etanol combustível consumidos pela frota flex brasileira possibilitaram a utilização em larga escala da cana como insumo energético. Os crescentes volumes de bagaço passaram a ser utilizados como insumo para a geração e venda de energia elétrica (bioeletricidade) pelas usinas. Esse crescimento da bioeletricidade da cana, contudo, também foi determinado por mudanças regulatórias importantes. Do ponto de vista histórico e com base na organização industrial do setor elétrico brasileiro, a estrutura de monopólio integrado verticalmente, que vigorou em boa parte do século XX, era incompatível 68 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS com a inserção da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira, já que a competição no segmento de geração era limitada, sem acesso aos segmentos de rede. A partir do fim dos anos 1980, iniciou-se um processo de liberalização do setor elétrico, com o objetivo de incitar a eficiência do setor e atrair capital para sua expansão. O fundamento dessas reformas era a desverticalização da indústria elétrica de forma que fosse estimulada, por meio da garantia do acesso aos segmentos de transmissão e distribuição, a concorrência nos segmentos de geração e comercialização. É importante mencionar que as reformas foram, em grande medida, viabilizadas por inovações tecnológicas, responsáveis por reduzir as escalas mínimas de eficiência no segmento de geração, especialmente para as termoelétricas. Essa redução da escala permitiu maior competição naquele segmento e maior descentralização da produção da energia elétrica, ficando mais próxima dos centros de consumo. Assim, as reformas e ajustes do setor elétrico brasileiro ao longo das últimas décadas, ao permitirem a competição no segmento de geração de energia elétrica e ao regulamentarem o acesso à rede, proporcionaram as condições necessárias para a comercialização de bioeletricidade. Como resultado, a bioeletricidade canavieira vem ganhando cada vez mais espaço na matriz elétrica do Brasil. Todavia, apesar desses resultados positivos, a participação da cana na matriz energética brasileira ainda revela um nível muito aquém de seu potencial.2 Desse contexto, pode-se depreender que o setor sucroenergético cresceu de modo expressivo durante a década passada. Em um esforço de mapeamento e quantificação do setor, Neves, Trombin e Consoli (2009) mostram resultados bastante interessantes. Segundo estimativa dos autores, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor sucroenergético3 em 2008 foi de cerca de US$ 24,3 bilhões (sem impostos), o que correspondeu a 1,5% do PIB nacional. Especificamente na fabricação de etanol, o PIB gerado foi de US$ 16,8 bilhões. Ainda segundo o mesmo estudo, o setor contabilizou, em 2008, 1.283.258 empregos formais diretos, dos quais 481.662 referiam-se ao cultivo da cana-de-açúcar, 2 3 Este estudo não foi atualizado até o momento e não há informações similares para anos mais recentes. Estimativa calculada com base nos produtos finais: etanol, açúcar, eletricidade, levedura e aditivo e crédito de carbono. BIOCOMBUSTÍVEIS 69 561.292 às fábricas de açúcar bruto, 13.791 ao refino e à moagem de açúcar, e 226.513 à produção de etanol. Daquele total, 54% dos funcionários tiveram seu vínculo empregatício encerrado no fim do ano, em virtude da sazonalidade da safra. Além disso, os autores estimam que os empregos informais no setor sejam aproximadamente 150 mil. 3. ASPECTOS POSI TIVOS DO SETOR SUCROENERGÉTICO O ETANOL DE CANA-DE-AÇÚCAR Como se pode depreender da seção anterior, os principais determinantes da produção brasileira de etanol foram inicialmente os choques do petróleo dos anos 1970 e, mais recentemente, a introdução dos motores bicombustíveis no mercado nacional de automóveis. Com relação ao petróleo, cabe salientar que diversos analistas preveem que, por ser um recurso natural finito e por seu consumo aumentar rapidamente no decorrer das últimas décadas, o nível de produção estaria em vias de se estabilizar ou até mesmo decair, o que contribuiria para a manutenção de seu preço em patamares elevados [Rosa (2007)]. Já no que se refere à frota de veículos flex, a consolidação dessa categoria no mercado automotivo faz apenas os automóveis importados e os de topo de linha serem dedicados à gasolina. Além disso, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) desenvolve o seguinte exercício teórico: se 93,5% das vendas de veículos leves forem de bicombustíveis, é possível projetar que, em 2017, cerca de 28 milhões de veículos, ou 75% da frota brasileira, serão capazes de utilizar etanol [EPE (2008)]. Entretanto, apesar da importância de ambos os fatores, há que se considerar, ainda, o papel relevante que o etanol poderá desempenhar na transformação da economia mundial em um sistema produtivo mais sustentável do ponto de vista econômico e, sobretudo, ambiental. No que se refere ao pilar econômico, um aspecto relevante da sustentabilidade do etanol de cana-de-açúcar é sua capacidade de induzir efeitos positivos a jusante 70 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS e a montante da cadeia de produção. Por seu elevado grau de adensamento produtivo, o investimento na ampliação de novas usinas gera aumento correspondente da oferta de equipamentos e máquinas, serviços de montagens e instalações, plantio, colheita e transporte da cana-de-açúcar, entre outros efeitos. Segundo Scaramucci e Cunha apud Cortez e Lora (2008), o processamento de um milhão de toneladas de cana em etanol gera um aumento de R$ 171 milhões na produção econômica e de cerca de 5,6 mil novos empregos, desde que considerados os efeitos diretos, indiretos e induzidos. Ainda com relação ao pilar econômico, muito embora alguns argumentem que o uso de determinadas matérias-primas para a produção de biocombustíveis, como milho, beterraba e trigo, encareça os alimentos que delas são produzidos, tal argumento perde força quando se analisam os dados de produtividade da cana-de-açúcar, conforme evidencia o Gráfico 1. Como consequência de sua maior produtividade, a cana-de-açúcar exige menor área de plantio, o que permite que a expansão de seu cultivo não implique redução significativa de outras culturas agropecuárias. E saliente-se que, assim que estiverem disponíveis as tecnologias de conversão de resíduos celulósicos em etanol, a utilização do bagaço e da palha proporcionará aumento ainda maior da produtividade da cana-de-açúcar. Cabe ainda salientar que, no caso específico do Brasil, existem cerca de duzentos milhões de hectares dedicados a pastagens, nos quais, em boa parcela, é praticada pecuária extensiva. Considerando-se que a área atualmente ocupada por cana-de-açúcar destinada à produção de etanol é de cerca de cinco milhões de hectares, pode-se inferir que é muito grande a probabilidade de que a expansão dessa cultura se dê por meio de aumento da produtividade da pecuária.4 Além da maior sustentabilidade econômica, o etanol de cana também oferece melhores ganhos ambientais quando comparado às demais opções de biocombus- 4 Conforme comentado, boa parte da pecuária brasileira é praticada de forma extensiva. Assim, a expansão da cana e a consequente valorização da terra exigirão maior rentabilidade das áreas com pastagens e, com isso, a necessidade de incorporação de melhores técnicas e o correspondente aumento da produtividade por hectare da pecuária. Tal movimento já é percebido no estado de São Paulo, onde a lavoura de cana se expandiu, majoritariamente, em áreas de pastagens, sem que houvesse redução significativa do rebanho paulista. De acordo com estimativa da Universidade de São Paulo (USP), se a média nacional de concentração do rebanho fosse igual à praticada na pecuária paulista (1,5 cabeça/hectare), seriam disponibilizados mais de quarenta milhões de hectares para outras culturas. Ver FEA-USP (2009). BIOCOMBUSTÍVEIS 71 tíveis, sobretudo por sua significativa capacidade de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, em especial o CO2. GRÁFICO 1 PRODUTIVIDADE MÉDIA DE ETANOL POR ÁREA PARA DIFERENTES CULTURAS CELULÓSICAS Trigo Sorgo sacarino Mandioca Milho Beterraba Etanol de resíduo celulósico Cana 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 LITRO/HA Fonte: Nogueira (2008). Em função das características de sua produção, o bioetanol de cana é capaz de reduzir até 90% do volume de carbono emitido pela gasolina que seria alternativamente consumida em seu lugar. Como evidencia a Tabela 1, as atividades necessárias à produção e ao consumo de mil litros de etanol de cana-de-açúcar liberam 7.773 kg de carbono na atmosfera. Desse montante, 7.464 kg são novamente absorvidos pelo processo de fotossíntese realizado durante o período de crescimento vegetativo da cana, na safra seguinte. Como consequência, o saldo líquido de emissões é de 309 kg, nível que representa cerca de 10% do volume emitido de CO2 estimado para a gasolina [Nogueira (2008)].5 Uma crítica feita a esse tipo de cálculo é ele não considerar o uso anterior da terra em que foi feito o plantio da cana-de-açúcar, o que subestimaria o nível de 5 Cabe lembrar ainda que esse desempenho não é verificado em outras matérias-primas. Parte da explicação reside no fato de que a energia necessária para fabricação do bioetanol da cana provém do próprio processamento industrial, na medida em que o bagaço gera a energia primária requerida pela usina. Nos demais casos, por não disporem de tal alternativa, as usinas precisam recorrer a outras fontes primárias de energia, muitas das quais de origem fóssil. 72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS emissões oriundas da produção de etanol de cana. Em geral, tal crítica apoia-se no fato de que, caso a lavoura de cana tenha sido plantada em área na qual havia cobertura vegetal nativa, então haveria de se considerar o carbono liberado pelo desmatamento. TABELA 1 COMPARAÇÃO DAS DIFERENTES MATÉRIAS-PRIMAS PARA A PRODUÇÃO DE ETANOL Matéria-prima Relação de energia* Emissões evitadas em relação à gasolina (%) CANA 9,3 89 MILHO 0,6-2,0 (30) a 38 TRIGO 0,97-1,11 19 a 47 BETERRABA 1,2-1,8 35 a 56 MANDIOCA 1,6-1,7 63 RESÍDUOS LIGNOCELULÓSICOS** 8,3-8,4 66 a 73 Fonte: Nogueira (2008). * A relação de energia representa a energia renovável produzida na cadeia produtiva do biocombustível, dividida pela quantidade de energia não renovável requerida para sua produção. ** Estimativa teórica, processo em desenvolvimento. Com relação a esse aspecto, destaca-se que foi lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 17 de setembro de 2009, o Zoneamento Agroecológico da Cana, cujo objetivo é delimitar as áreas em que será estimulado e, principalmente, em que será desestimulado o plantio da cana-de-açúcar. Além de critérios de aptidão de clima e de solo, foram excluídos do zoneamento os biomas da Amazônia e do Pantanal, além da Bacia do Alto Paraguai. Com essa organização do espaço, não é mais possível obter licenças ambientais para instalação ou ampliação de usinas, tampouco financiamento de fontes oficiais de crédito, nas áreas consideradas inaptas. A principal evidência de que as vantagens ambientais do etanol de cana-de-açúcar começam a ser reconhecidas internacionalmente foi a decisão da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) de qualificar o etanol brasileiro como biocombustível “avançado”.6 6 Segundo definição da Seção 201b do Capítulo II da Energy Independence and Security Act de 2007: “The term ‘advanced biofuel’ means renewable fuel, other than ethanol derived from corn starch, that has lifecycle greenhouse gas emissions, as determined by the Administrator, after notice and opportunity for comment, that are at least 50 percent less than baseline lifecycle greenhouse gas emissions.” BIOCOMBUSTÍVEIS 73 Com essa decisão, a EPA reconhece o etanol de cana como o único biocombustível capaz de reduzir, no mínimo, 50% das emissões de gases de efeito estufa, o que implicará um potencial de importação, pelos Estados Unidos, de pelo menos 15 bilhões de litros até 2022. Além de seu relevante e comprovado impacto na mitigação das emissões de CO2, o etanol de cana-de-açúcar apresenta ainda outra vantagem importante na luta contra o aquecimento global, qual seja, sua rápida capacidade de implementação. Entre as opções energéticas renováveis de que atualmente se dispõe ou que estão em vias de se tornar economicamente viáveis, apenas uma parcela é capaz de ser utilizada nos veículos automotores. O bioetanol de cana é um exemplo disso, podendo utilizar todo o sistema atual de transporte e distribuição de combustíveis veiculares e, sobretudo, não exigindo qualquer alteração nos motores do ciclo Otto para mistura de até de 10% na gasolina [Labrador (2009)]. A BIOELETRICIDADE DA CANA-DE-AÇÚCAR7 A bioeletricidade gerada pelo setor sucroenergético destaca-se como fonte adequada para complementar o parque hidrelétrico brasileiro. A primeira, e talvez mais importante, característica dessa fonte é seu caráter renovável. Diferentemente das térmicas movidas a óleo diesel ou gás natural, a geração de eletricidade por meio da biomassa da cana produz, em função da baixa utilização de insumos de origem fóssil em seu processo produtivo, uma emissão de gases de efeito estufa relativamente pequena. Ademais, a safra de cana-de-açúcar na região centro-sul ocorre entre os meses de abril e novembro, coincidindo com o período seco naquela região, onde estão localizados 70% da capacidade dos reservatórios brasileiros. O Gráfico 2 mostra a grande complementaridade entre o parque hidrelétrico brasileiro e a safra canavieira. 7 Esta seção é baseada em Nyko, D. et al. (2011). 74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS GRÁFICO 2 COMPLEMENTARIDADE ENTRE O PARQUE HIDRELÉTRICO E A SAFRA CANAVIEIRA 100 90 % DO MÊS COM MAIOR OFERTA 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Jan. ENA Brasil Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Moagem de cana no centro-sul Fontes: Site de ONS (www.ong.org.br) e Unica. Dados elaborados com base no histórico da operação em 2008 (ENA) e na moagem de cana da safra 2007-2008 no centro-sul. Nota: ENA = Energia Natural Afluente. Outra característica vantajosa da bioeletricidade para o setor elétrico brasileiro é ser uma fonte de geração distribuída, condição decorrente de dois fatores, a saber: o porte relativamente pequeno e o significativo número das unidades sucroenergéticas existentes. Além de distribuída, a bioeletricidade canavieira é gerada próxima aos principais centros de consumo, em razão da concentração da produção de cana no Sudeste e da expansão dessa cultura em áreas de fronteira agrícola no Centro-Oeste. De fato, conforme mostra a Tabela 2, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste responde por cerca de 60% da carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), e as projeções indicam que esse percentual será mantido. Portanto, a inserção da bioeletricidade em uma escala condizente com seu potencial, por se tratar de uma fonte de geração distribuída e próxima ao consumo final, deverá reduzir a necessidade de investimentos em reforço e expansão do sistema de transmissão. A proximidade do centro de consumo também reduz as perdas, o que reforça a eficiência da bioeletricidade canavieira. Logo, trata-se de uma fonte de energia condizente com a promoção do desenvolvimento sustentável. 75 BIOCOMBUSTÍVEIS TABELA 2 PROJEÇÃO DA CARGA DO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL (MWMED) Subsistema 2010 % 2011 % 2012 % 2013 % 2014 % NORTE 3.950 7,1 4.411 7,5 5.529 8,9 5.856 8,9 6.188 9,0 NORDESTE 8.242 14,9 8.683 14,8 9.110 14,6 9.566 14,6 10.043 14,7 SUDESTE/ CENTRO-OESTE 34.064 61,4 35.914 61,3 37.763 60,5 39.741 60,6 41.483 60,5 SUL 9.189 16,6 9.583 16,4 9.982 16,0 10.397 15,9 10.828 15,8 SIN 55.445 100,0 58.591 100,0 62.384 100,0 65.560 100,0 68.542 100,0 Fonte: EPE (2010). Além das vantagens para a oferta de energia elétrica, a maior inserção da bioeletricidade gera também um importante efeito microeconômico, que é o de aumentar a resiliência do setor sucroenergético. Em razão da alta volatilidade dos preços do etanol e do açúcar, a presença de uma receita estável e de longo prazo viabilizada pela venda de eletricidade melhora o perfil econômico-financeiro do setor e, com isso, aumenta sua capacidade de resistir a flutuações de preço de seus principais produtos. De acordo com a Unica,8 a eletricidade gerada a partir de biomassa foi de 10,9 mil GWh em 2011, o que equivale a 12% da energia total ofertada pela Usina de Itaipu. Apenas durante a safra (maio a setembro) de 2011, a bioeletricidade gerada foi de 7,1 mil GWh, o que representou 31% de toda a geração termelétrica do Brasil no mesmo período. 4. O APOIO RECENTE DO BNDES AO SETOR SUCROENERGÉTICO Nesta seção, é apresentado de forma ampla o apoio do BNDES ao desenvolvimento da indústria sucroenergética nacional nos últimos anos. Os desembolsos do Banco são relacionados e segmentados por produto apoiado e por destino geográfico dos financiamentos. Tais desembolsos também se traduzem em produção adicionada pelos projetos financiados pelo Banco. 8 Ver: <http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=E9CE1848-BEEF-488A-84DB-68C618246070>. 76 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS DESEMBOLSOS O Gráfico 3 mostra os desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético desde 2000. Pode-se depreender que o apoio do Banco para o setor se manteve relativamente estável entre 2000 e 2004. Com a introdução dos veículos flex no mercado automotivo brasileiro, o setor passou a investir pesadamente em ampliação de capacidade produtiva. Como consequência, os desembolsos do BNDES cresceram significativamente no período. Entre 2003 e 2010, quando atingiu seu ponto máximo, o volume desembolsado pelo Banco para o setor aumentou aproximadamente dez vezes. O volume recorde desembolsado em 2010 refletiu a criação de medidas emergenciais, como a do Programa de Sustentação do Investimento (BNDES PSI). Tais medidas objetivaram mitigar os efeitos negativos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira. GRÁFICO 3 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O SETOR SUCROENERGÉTICO (EM R$ BILHÕES)* 8 7,4 7,5 8,3 9 5,9 7 4,7 5 4 2,7 R$ BILHÕES 6 1,5 0,4 1 0,9 0,9 1,4 2 1,2 3 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Fonte: BNDES. * O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011. Por modalidade de financiamento A Tabela 3 detalha os desembolsos, divididos por operações diretas com o BNDES e por operações indiretas, nas quais há repasse por meio de instituições BIOCOMBUSTÍVEIS 77 financeiras credenciadas. Esse enfoque permite destacar o importante papel anticíclico do Banco em momentos de crise. Como exemplo, a queda nas operações indiretas em 2011 reflete, em parte, os impactos da crise financeira internacional sobre o setor produtivo e sobre o setor financeiro privado. O cenário atual é uma fotografia do passado recente, quando o BNDES agiu provendo crédito contracíclico em um momento de retração da oferta de crédito privado. O resultado positivo das operações indiretas de 2010 deveu-se basicamente à criação do BNDES PSI. Em 2011, os desembolsos indiretos caíram 40%, enquanto os diretos subiram 15%. TABELA 3 DISTRIBUIÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR NATUREZA DA OPERAÇÃO (EM R$ MILHÕES)* 2008 2009 2010 2011 OPERAÇÃO DIRETA 3.096 3.438 2.776 2.914 OPERAÇÃO INDIRETA 4.408 3.962 5.513 2.984 TOTAL 7.504 7.399 8.289 5.898 Fonte: BNDES. * O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011. Por região Conforme mostra a Tabela 4, a Região Sudeste concentra a maior parte dos desembolsos dos últimos anos, resultado que está em linha com a distribuição geográfica do setor. O estado de São Paulo recebeu, sozinho, em 2011, 45% dos desembolsos destinados ao setor, o que reflete sua liderança como produtor de açúcar e etanol no país, com cerca de 60% da moagem nacional. Por sua vez, a Região Centro-Oeste recebeu outra grande parte dos desembolsos, o que corrobora sua tendência de sediar o maior número dos novos investimentos. No último ano, sua participação no total de investimentos do setor no país atingiu 14%. Juntas, as regiões Centro-Oeste e Sudeste concentraram quase 70% dos desembolsos em 2011. Em uma análise mais ampla, é provável que esse valor se revele significativamente maior, visto que boa parte dos projetos localizados em mais de um estado (interestaduais) também se localiza nessas regiões. 78 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR REGIÃO (EM R$ MILHÕES)* 2008 % 2009 % 2010 2011 % SUDESTE 4.695 62,6 3.359 45,4 4.983 60 3.248 55,1 CENTRO-OESTE 1.720 22,9 3.357 45,4 1.406 17 846 14,3 502 6,7 139 1,9 231 3 124 2,1 51 0,7 25 0,3 149 2 203 3,4 SUL NORDESTE 3 0,0 1 0,0 17 0 17 0,3 532 7,1 519 7,0 1.504 18 1.459 24,7 7.503 100,0 7.400 100,0 8.289 100,0 5.898 100,0 NORTE INTERESTADUAL TOTAL % Fonte: BNDES. * O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011. INCREMENTO NA CAPACIDADE PRODUTIVA A Tabela 5 ilustra a importância do aumento da capacidade produtiva do setor, possibilitado pelos projetos apoiados pelo BNDES. Se considerarmos que os projetos sucroenergéticos levam em média três safras para atingir a maturidade produtiva, o conjunto de projetos em carteira do BNDES terá viabilizado, na safra 2012-2013, capacidade industrial de cerca de 110,7 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, mais de cinco bilhões de litros de etanol e 2.183 MW de potência elétrica. TABELA 5 CAPACIDADE PRODUTIVA VIABILIZADA PELO APOIO DO BNDES AO SETOR SUCROENERGÉTICO Ano de início da moagem 2008 AGRÍCOLA (MILHÕES DE TONELADAS) 2010 2011 Total 27,2 39,0 25,9 18,6 110,7 1,7 2,1 1,5 0,4 5,7 642,0 576,0 493,0 472,0 2.183,0 ETANOL (BILHÕES DE LITROS) COGERAÇÃO (MW) 2009 Fonte: BNDES. 5. AS DIRETRIZES DA ATUAÇÃO DO BNDES O BNDES vem pautando sua atuação no setor sucroenergético por cinco diretrizes principais, quais sejam: 1. ampliação da capacidade de produção; BIOCOMBUSTÍVEIS 2. incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico; 3. potencialização de externalidades positivas; 4. estímulo à sustentabilidade socioambiental; e 5. contribuição para formação de um mercado internacional de bioetanol. 79 A primeira diretriz diz respeito à atividade precípua do BNDES, que é a de prover recursos de longo prazo para ampliação do nível de produção da indústria brasileira. Conforme já mencionado, o investimento no setor sucroenergético provoca relevantes impactos econômicos a jusante e a montante da cadeia de produção, o que justifica a prioridade que o Banco vem dando ao tema. Nesse aspecto, a história recente do setor sucroenergético se reflete na história do apoio do Banco ao setor. Com o significativo crescimento dos investimentos ao longo da última década, o BNDES criou uma unidade específica, o Departamento de Biocombustíveis (DEBIO), para lidar com os projetos do setor, em meados de 2007. No que se refere ao segundo ponto, o apoio a investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico do etanol vem recebendo atenção crescente. Exemplo disso foi a criação do Programa Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS). Atualmente em sua fase final, o programa pode ser considerado uma iniciativa pioneira de fomento à inovação, conduzida conjuntamente por BNDES e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Elaborado com base em um detalhado diagnóstico realizado em Nyko et al. (2010), o PAISS teve como objetivo fomentar projetos de desenvolvimento, produção e comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao processamento da biomassa de cana-de-açúcar. Em outras palavras, o escopo desse plano abrange tecnologias que não se resumem unicamente aos biocombustíveis. Assim, o PAISS fomentou tanto projetos capazes de agregar valor às atividades tradicionais do setor por meio de novos produtos quanto projetos de pesquisa e desenvolvimento referentes ao etanol celulósico, também conhecido como etanol de segunda geração. Se viabilizado economicamente, o etanol celulósico poderá aumentar a produtividade do setor em mais de 40%. O resultado final do programa foi a seleção de 25 empresas, que submeteram 35 planos de negócios, os quais poderão gerar investimentos em inovação de cerca 80 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de R$ 3,1 bilhões. Entre as escolhidas estão empresas start-ups de base biotecnológica e grandes empresas do setor sucroenergético. O terceiro aspecto refere-se à orientação estratégica do BNDES de tentar, na medida do possível, intensificar a geração de externalidades positivas. Além do PAISS, que pode gerar desdobramentos de elevada importância para o Brasil no longo prazo, outro exemplo importante dessa diretriz foi a manutenção, por determinado período, de condições mais favoráveis para o financiamento a caldeiras de alta pressão. Também cabe destaque para os investimentos sociais, uma vez que, em boa parte dos projetos financiados, vem sendo requerida a inclusão de subprojetos que tenham como objetivo a construção de equipamentos sociais de uso público, como creches, escolas e alas de hospitais. Além desses exemplos, e ante o mérito estratégico do setor para o país, foram estruturados programas específicos e operações que visam ao aumento da competitividade setorial. Em primeiro lugar, sobressai o Programa de Apoio do Setor Sucroalcooleiro (BNDES PASS), cuja finalidade é financiar a estocagem de etanol para garantir o abastecimento do país na entressafra. Em segundo lugar, destaca-se a criação do BNDES Prorenova, programa que tenta reverter o quadro de elevada ociosidade industrial vivenciada atualmente pelas usinas do setor, conforme diagnosticado em Milanez et al. (2012). Para tanto, o programa pretende financiar a renovação e a expansão dos canaviais brasileiros, condição fundamental para aumentar a produtividade da lavoura de cana-de-açúcar e, assim, reduzir a ociosidade industrial da produção de açúcar e etanol. Espera-se que os R$ 4 bilhões do BNDES Prorenova possam financiar a renovação e/ou ampliação de mais de um milhão de hectares de cana-de-açúcar. Com o aumento da disponibilidade de matéria-prima, a expectativa é de que a produção de etanol receba um incremento de dois a quatro bilhões de litros entre 2013 e 2014, o que representaria um crescimento de mais de 10% em relação à última safra. Igualmente é digno de nota o apoio do BNDES para a implantação de um sistema logístico de transporte de etanol, atualmente em sua primeira fase de construção. Essa iniciativa está em linha com as conclusões expostas em Milanez et al. BIOCOMBUSTÍVEIS 81 (2010), em que se analisaram os desafios concernentes à logística de distribuição do etanol e se estimou a estrutura logística necessária à distribuição geográfica da oferta e da demanda, tanto no mercado interno como para as futuras exportações desse biocombustível. Esse sistema compreenderá uma estrutura logística multimodal (incluindo a construção do alcoolduto) dedicada ao etanol, com capacidade de transporte de 20,8 milhões de metros cúbicos por ano. O projeto contará com aproximadamente 1.330 quilômetros de extensão de dutos e dez terminais de armazenamento. Quatro desses terminais serão destinados à operação na Hidrovia Tietê-Paraná, no trecho entre Presidente Epitácio (SP) a Anhembi (SP). Iniciada a operação em agosto de 2011, o prazo total da implantação do sistema logístico é estimado em 54 meses, com término previsto para fevereiro de 2016. O orçamento total para a implantação está estimado em R$ 9,1 bilhões. A primeira fase tem extensão aproximada de 460 km e instalações de armazenamento e conta com o apoio financeiro do BNDES, que soma R$ 1,8 bilhão. Esse valor corresponde a 76% dos gastos financiáveis do projeto no período. Esse sistema logístico também contribuirá para aumentar o padrão de sustentabilidade do setor sucroenergético, o que se enquadra no quarto princípio defendido e executado pelo BNDES no decorrer de sua história. Contudo, os desafios socioambientais ganharam novos contornos com o passar do tempo, mais diversificados e complexos, o que exigiu que o Banco se adequasse ao novo contexto. Tal processo culminou com a introdução de diversas linhas de financiamento e fundos específicos para apoiar projetos ambientais e sociais e, principalmente, com a criação, em meados de 2009, da Área de Meio Ambiente. Finalmente, cabe mencionar ainda que o futuro crescimento da produção de etanol não estará focado somente no aumento do consumo interno do produto. É premente a necessidade de construir um mercado global e, por isso, os desafios para que o etanol se transforme em commodity internacional precisam ser enfrentados. Voltado para isso, o BNDES coordenou a produção e participou da extensa agenda de divulgação do chamado “Livro Verde” do bioetanol, que, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), 82 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS foi distribuído em inúmeros países. Publicação de caráter técnico-científico, o livro tem como objetivo central oferecer uma base para a discussão internacional sobre a construção de um mercado mundial de etanol. Além disso, também cabe destacar que, para alguns, o fato de a capacidade exportadora de etanol estar concentrada no Brasil vem inibindo a criação de um mercado internacional, haja vista que os potenciais países consumidores teriam receio de eventuais interrupções de fornecimento do produto. Diante disso, o BNDES aprovou recentemente o apoio financeiro para a realização de estudo técnico que avaliará a viabilidade da produção de biocombustíveis nos países-membros da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA). Esse estudo compreenderá levantamento completo, em todo o território de Benim, Burkina Faso, Cote d’Ivoire (Costa do Marfim), Mali, Níger e Togo, das condições edafoclimáticas, sociais, ambientais, de mercado, de infraestrutura, de marco legal, entre outras que possam impactar a sustentabilidade e viabilidade da produção de bioenergia pela região. Ao mesmo tempo, o BNDES procura oferecer financiamento para a instalação de usinas no exterior, em especial na América Latina e na África. Consequentemente, o conjunto dessas iniciativas possibilitará que mais países se tornem exportadores de etanol. 6. PERSPECTIVAS Conforme previamente discutido, o BNDES considera o etanol e a bioeletricidade da cana-de-açúcar soluções viáveis para contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Assim, a agenda futura do Banco está calcada na necessidade de continuar o estímulo ao aumento da competitividade da indústria sucroenergética, de forma a prepará-la para gerar atores capazes de se sobressair em um mercado internacional que, diante da crescente preocupação com o aquecimento global, se formará cedo ou tarde. No que tange à manutenção da competitividade da indústria brasileira, cabe mencionar que o BNDES continuará priorizando o apoio a projetos de inovação para o setor, comprometimento já consubstanciado pelo PAISS. Conforme discu- BIOCOMBUSTÍVEIS 83 tido anteriormente, a produção de etanol celulósico, uma vez posta em escala comercial, conseguirá aumentar o atual nível de produtividade do etanol brasileiro em mais de 40%. A diversificação da produção do setor para outros produtos, além dos já tradicionais, também vem sendo foco do apoio do BNDES. Com isso, espera-se que o conceito de biorrefinaria se consolide e se torne realidade nos próximos anos no Brasil. Ressalta-se, no entanto, que as pesquisas tradicionais, como o melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar, continuarão a receber apoio. Além da eficiência agroindustrial e da diversificação da carteira de produtos do setor, a criação de um mercado internacional de bioetanol também exigirá, para aqueles que pretendem ser bem-sucedidos em nível global, competências adicionais, como a capacidade de logística em transporte, armazenagem e distribuição, a sustentabilidade de processos produtivos – à medida que sejam demandadas pelo mercado certificações socioambientais – e a capacidade de oferecer garantia de fornecimento do produto, que é fator crítico para o sucesso em qualquer mercado de commodities energéticas. Tais características, por exigirem elevados investimentos e a correspondente necessidade de economias de escala, demandam uma nova forma de organização industrial do setor, que, ao menos no que se refere à parcela capaz de atuar internacionalmente, deixará de ser tão fragmentada. Por meio de suas iniciativas estruturantes, o BNDES deve procurar contribuir para aumentar a competitividade de empresas brasileiras que desejam competir globalmente. Exemplo disso é o apoio do Banco ao projeto do sistema logístico de transporte de etanol, que, quando concluído, aumentará a eficiência setorial, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental. Finalmente, todo esse esforço para fortalecer as vantagens competitivas do setor sucroenergético não terá sido bem-sucedido caso não se logre criar um mercado internacional para o etanol. Para tanto, o BNDES continuará empreendendo esforços de diversas naturezas para reduzir os entraves ao maior fluxo de comércio internacional. Além da manutenção da agenda de divulgação internacional das vantagens econômicas e ambientais do etanol de cana-de-açúcar, o BNDES também 84 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS intensificará o apoio à instalação de usinas sucroenergéticas no exterior, que, ao permitir a diversificação da matriz de países fornecedores de etanol, contribuirá decisivamente para que o produto se torne, mais rapidamente, uma commodity internacional. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas décadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essa diversificação aumentou a competitividade dessas empresas, mas o potencial da cana-de-açúcar está muito além desses três produtos. No futuro, as usinas processadoras de cana também produzirão novos itens, como os biocombustíveis de maior densidade energética (querosene de aviação, diesel e butanol, por exemplo) e produtos químicos de maior valor agregado. Essa diversificação produtiva possibilitará às empresas tornarem-se grandes biorrefinarias. Nesse contexto, o BNDES vem moldando sua atuação no setor, especialmente no que se refere ao apoio à inovação tecnológica. Vislumbra-se ainda a criação de um mercado internacional de etanol, para o qual será importante aumentar a competitividade do setor. Para isso, o BNDES vem apoiando diversas iniciativas, como aquelas que procuram ampliar o número de países produtores do etanol de cana-de-açúcar e aquelas referentes à constituição de infraestrutura nacional de apoio à atividade produtiva. Em síntese e sem perder de vista a sustentabilidade socioambiental, as recentes iniciativas do BNDES procuram manter o setor sucroenergético brasileiro na vanguarda mundial da inovação e da produção de biocombustíveis, bem como procuram divulgar as vantagens do etanol de cana-de-açúcar para o restante do mundo. BIOCOMBUSTÍVEIS 85 REFERÊNCIAS ANP – AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2011. Disponível em: <www.anp.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2011. BRASIL. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis. Departamento de Combustíveis Renováveis. Boletim Mensal dos Combustíveis Renováveis, n. 50, mar. 2012. CGEE – CENTRO DE GESTÃO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Estudo sobre as possibilidades e impactos da produção de grandes quantidades de etanol visando à substituição parcial de gasolina no mundo – Fase 2. Campinas: Nipe/Unicamp, 2007. 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US DOE/EERE – Energy Efficiency & Renewable Energy (US DEPARTMENT OF ENERGY) – <www.eere.energy.gov>. 87 Egmar Del Bel Filho Jaldir Freire Lima Luciana Xavier de Lemos Capanema Victor Emanoel Gomes de Moraes* * Respectivamente, economista, chefe de departamento, gerente e contador do Departamento de Agroindústria da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários da economista Luiza Rodrigues. AGROINDÚSTRIA 89 RESUMO Este artigo apresenta o histórico do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial e mostra sua visão sobre os temas que deverão estar em sua agenda futura. Por quase trinta anos após sua criação, em 1952, a atuação do BNDES no apoio ao agronegócio mostrou-se bastante tímida. A partir da década de 1980, com a responsabilidade de executar o Proálcool, seu papel começa a ser relevante no setor. A década de 1990 consolida essa tendência, destacando-se o apoio à indústria de proteína animal. Ao longo dos anos 2000, houve o fortalecimento do apoio às cooperativas agroindustriais e a internacionalização de grandes empresas brasileiras. Novos desafios se apresentam no horizonte e farão parte da agenda do Banco, destacando-se a busca pela produção ambientalmente sustentável, concomitantemente a um expressivo incremento de demanda em função do aumento populacional no mundo. ABSTRACT This paper presents the history of the BNDES’ support for the agroindustrial sector and shows its vision on issues that are expected to be on agenda in the future. For the first thirty years after its creation, in 1952, the BNDES’ efforts to provide support for agribusiness were rather timid. As of the 1980s, with the responsibility of running the Proálcool program, the BNDES’ became relevant. The 1990s consolidated this trend, with support for the animal protein industry taking a leading role. Throughout the 2000s, support for agroindustrial cooperatives was strengthened and large-scale Brazilian companies were internationalized. New challenges have surfaced on the horizon and will become part of the Bank’s agenda, especially the pursuit for environmentally sustainable production, along with a significant increase in demand due to worldwide population growth. AGROINDÚSTRIA 91 1. INTRODUÇÃO Na segunda metade do século XX, a propriedade agrícola mudou sua atividade de subsistência para uma operação comercial, em que os agricultores consomem, cada vez menos, o que produzem [Araújo, Wedekin e Pinazza (1990)]. O moderno agricultor passou a ser um especialista, confinado às atividades de cultivo e criação. Por outro lado, as funções de armazenar, processar e distribuir alimento foram se transferindo, em larga escala, para organizações além da fazenda. Essas organizações, tipicamente empresas ou cooperativas, transformaram-se em operações altamente especializadas. A jusante da fazenda, formaram-se complexas estruturas de armazenamento, transporte, processamento, industrialização e distribuição. Criou-se um novo arranjo de funções fora, e a montante, da fazenda: a produção de insumos agrícolas e fatores de produção, incluindo máquinas e implementos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e medicamentos, sementes melhoradas, matrizes, agroquímicos, entre outros, além de serviços bancários, técnicos de pesquisa e informação [Gonçalves (2005)]. A expressão Complexo Agroindustrial (CAI) foi então criada para caracterizar uma tipologia marcada pelas relações intersetoriais indústria-agricultura-comércio-serviços em um padrão agrário moderno, no qual o setor agropecuário passa a ser visto de maneira integrada à indústria [Fajardo (2008)]. Atualmente, o complexo agroindustrial brasileiro desempenha um significativo papel na economia do país, abrangendo todas as instituições que desenvolvem atividades, no processo de produção, elaboração e distribuição dos produtos da agricultura e pecuária, envolvendo desde a produção e fornecimento de recursos até a entrega do produto ao consumidor final. Segundo o mais recente censo agropecuário [IBGE (2009)], em 2006, o Brasil contava com 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca de 36,7% de seu território total. Esse número vinha mantendo-se praticamente constante nos vinte anos anteriores. Em relação ao número de unidades registradas, os estabelecimentos de menos de 10 hectares representavam pouco mais que 47%, enquanto os de mais de 1.000 hectares respondiam por, aproximadamente, 92 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS 0,9% do número total de estabelecimentos agropecuários no Brasil. Já em relação à área ocupada, as propriedades com menos de 10 hectares ocupavam menos de 2,7% da área total, enquanto as maiores que 1.000 hectares ocupavam mais que 43%. Considerando-se que a tendência se manteve até 2011, ainda que em relação à distribuição de área o quadro seja bem diferente, o Brasil continua apresentando grande número de pequenos produtores agropecuários. Com isso, ainda que tenha havido uma profissionalização e especialização dos produtores agrícolas, as políticas de apoio à agricultura familiar e às cooperativas continuam sendo fundamentais para a manutenção e fixação dessas famílias no campo. Neste artigo, os conceitos de complexo agroindustrial e agronegócio são considerados sinônimos e compreendem produção de insumos, produção primária, processamento e distribuição, enquanto o de agroindústria é definido como o resultado da soma do setor agropecuário e das indústrias de alimentos, bebidas e fumo. Assim, o objetivo deste artigo é expor o histórico da atuação do BNDES, em seus sessenta anos de existência, no apoio ao complexo agroindustrial, buscando relacioná-lo à evolução do próprio complexo e mostrar sua visão sobre temas que impactam essas atividades econômicas e que deverão estar em sua agenda futura. O artigo está organizado em duas grandes seções. Na primeira, é exibido o histórico de atuação do BNDES no apoio ao CAI dividido por períodos: 1952 a 1980; 1980 a 1990; 1990 a 2000; e 2000 a 2011. A segunda seção trata de tendências e da visão dessa instituição sobre a agenda futura do agronegócio brasileiro, abordando temas como: demanda, biocombustíveis, sustentabilidade, inovação e exportações. 2. HISTÓRICO 1952-1980: SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES O BNDES foi criado em um momento em que era predominante a ideia do desenvolvimento econômico com a substituição de importações. Esta, por sua vez, ocorreria somente por via da industrialização e respectiva mudança do centro dinâmico da economia: o mercado interno seria o driver da atividade econômica, em vez de AGROINDÚSTRIA 93 ser o setor primário-exportador. Tratava-se de uma visão em que a agropecuária era considerada sinônimo de atraso, e, portanto, era necessário reduzir sua participação na formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, cedendo lugar à indústria. Para isso, seriam necessários investimentos na modernização do parque industrial nacional e em obras de infraestrutura, principalmente em transporte e energia. O BNDES, nesse contexto, nascera com papel definido: ser o provedor desses financiamentos de longo prazo de maturação. Como consequência, esse período foi caracterizado pela tímida atuação do BNDES no financiamento à agroindústria, que teve seu apoio direcionado apenas à etapa industrial do processo. A etapa agropecuária era então financiada por outras fontes, predominantemente o Banco do Brasil, o qual tinha acesso a recursos “ilimitados” por meio da conta-movimento.1 De acordo com Faveret Filho e Paula (2002), no período de 1952 a 1959, a agroindústria respondeu por apenas 3% do total desembolsado pelo BNDES. Destaca-se ainda que os principais empreendimentos apoiados foram frigoríficos, matadouros, armazéns e silos. Segundo os mesmos autores, houve uma mudança na atuação do Banco nas duas décadas seguintes: “Durante as décadas de 60 e 70, o Banco financiou diversas indústrias complementares às atividades agropecuárias, concentrando sua atuação na indústria de alimentos”. Ao fim do período, quando o modelo de substituição de importações se esgotou, o Banco havia cumprido o seu papel. A participação da indústria na renda interna havia se elevado de 26% para 33%, em detrimento da agropecuária, que viu sua participação ser reduzida de 25% para 19%. 1980-1990: EXPORTAÇÃO O fim da década de 1970 foi marcado pela crise internacional decorrente do segundo choque do petróleo. Nesta época, além do elevado preço da commodity, as fontes 1 A conta-movimento, criada em 1965 e extinta em 1986, dava ao Banco do Brasil acesso direto aos recursos do Tesouro sem aprovisionamento prévio. 94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS internacionais de financiamento escassearam, com consequente escalada de juros. O Brasil, importador líquido de petróleo e devedor internacional, foi afetado severamente, sofrendo déficits crescentes no balanço de pagamentos. O governo, visando estancar esse movimento, instituiu o III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND), cujos esforços se concentraram nas atividades exportadoras e/ou poupadoras de divisas. Em 1979, foi lançado o Proálcool, com o objetivo de reduzir as importações de petróleo e, com isso, diminuir a pressão sobre a balança comercial. Coube ao BNDES ser o agente do respectivo programa. A partir de então, o BNDES passou a financiar a atividade agropecuária, pois atuou tanto nas operações industriais, com o financiamento à implantação de destilarias, como nas operações rurais, financiando as lavouras de cana-de-açúcar. Cabe ressaltar, entretanto, que as operações rurais eram realizadas apenas de forma indireta.2 Um dos motivos para essa estrutura foi a tentativa de não sobrepor a atuação do BNDES à do Banco do Brasil, considerado principal agente financeiro do setor agropecuário até então. Grigorovski (2000) destaca ainda duas formas de atuação do BNDES no setor agropecuário na primeira metade da década de 1980. A primeira, por meio da gestão do Finsocial, que lhe fora concedida pelo governo federal em 1982,3 pois entre suas finalidades estava o apoio ao pequeno agricultor. A segunda foi o apoio com a realização de obras de infraestrutura, como eletrificação rural, estradas vicinais e irrigação, as quais faziam parte das prioridades do III PND. A partir da segunda metade da década de 1980, o BNDES passou a agir de forma diferente em relação ao setor agropecuário, conferindo-lhe maior importância. De acordo com Grigorovski (2000), os fatores responsáveis por essa mudança foram, entre outros: 1. Mudança da visão da agropecuária, não mais como símbolo de subdesenvolvimento, mas como parte integrante do complexo agroindustrial (CAI), conceito 2 O BNDES, por apresentar uma estrutura operacional enxuta, em geral realiza diretamente operações de grande porte, hoje superiores a R$ 10 milhões. Assim, para possibilitar mais capilaridade de sua atuação, adota a forma indireta, em parceria com agentes financeiros, que repassam as linhas e programas do BNDES para operações de menor porte. 3 Decreto-lei 1.940, de 25 de maio de 1982. AGROINDÚSTRIA 95 que agrega valor à produção agrícola e define uma visão empresarial/profissional do agronegócio. 2. Fim da conta-movimento e consequente redução de recursos disponíveis para o Banco do Brasil no financiamento à agropecuária, abrindo espaço para maior atuação do BNDES. 3. Vedação legal às agências federais de crédito de financiar entes públicos com alto índice de endividamento, o que levou o BNDES a direcionar seus recursos ao setor privado em detrimento do setor público. Apesar de ainda ser pouco representativa no BNDES, a agroindústria via au- mentar sua participação nos desembolsos do Banco no decorrer da década de 1980. Mais importante ainda foi o fato de a agropecuária ter sido alvo de apoio crescente, conforme mostra o Gráfico 1. Entre os anos de 1985 e 1989, o desembolso anual médio para esse setor foi superior em 222% ao observado entre 1980 e 1984, o que lhe conferiu uma participação de 2,7% nos desembolsos contra 0,8% no primeiro período. GRÁFICO 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AGROPECUÁRIA NO PERÍODO 1980-1989 (EM R$ MILHÕES, MARÇO DE 2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI) 1.200 1.000 R$ MILHÕES 800 600 400 200 0 1980 1981 1982 1983 1984 Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Grigorovski (2000). 1985 1986 1987 1988 1989 96 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Com a elevação considerável do apoio à agropecuária, a agroindústria teve sua participação nos desembolsos do BNDES ampliada de cerca de 5% em 1984 para mais de 10% em 1989. 1990-2000: EXPANSÃO Na década de 1990, o BNDES consolidou seu apoio ao complexo agroindustrial. Considerando todo o período, os desembolsos para a agroindústria apresentaram trajetória crescente. Foi desembolsado nesse período o maior valor registrado até então, tanto absoluto – cerca de R$ 56 bilhões – como relativo ao total da instituição – pico de 29% em 1994. Nota-se o aprofundamento do comportamento iniciado na década anterior, com maior ênfase no apoio ao setor, principalmente no que tange às operações agropecuárias, responsáveis por 52% dos desembolsos à agroindústria no período. Prova disso foram os diversos programas criados especificamente para as diversas cadeias agroindustriais.4 Já no início da década, em 1990, o BNDES criou o programa Finame Agrícola, que concedeu as mesmas condições dos financiamentos que eram adotados às máquinas industriais – prazos, taxas e rede de agentes financeiros – às máquinas agrícolas. De acordo com Grigorovski et al. (2001), 78% dos desembolsos do BNDES ao setor, no período 1990-1994, foram oriundos desse programa, o que o tornou o maior responsável pelo crescimento de 67% a.a. nos desembolsos ao setor no mesmo período. Essa elevação expressiva do financiamento às operações agropecuárias inverteu o peso dos segmentos no complexo agroindustrial. Naquele momento, as operações voltadas para a agropecuária passaram a ser mais relevantes que as destinadas ao segmento industrial da cadeia. O Gráfico 2 mostra essa relação ao longo da década. 4 Dentre os programas criados no período, destacam-se: Finame Agrícola, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa Nordeste Competitivo, Programa Finame Especial, Programa de Incentivo ao Uso de Corretivos de Solos (Prosolo), Programa de Apoio à Comercialização do Algodão Brasileiro (Pró-Algodão) e Programa de Incentivo à Mecanização, ao Resfriamento e ao Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite). AGROINDÚSTRIA 97 GRÁFICO 2 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AGROINDÚSTRIA POR SEGMENTO, NO PERÍODO 1990-1999 (EM R$ MILHÕES, MARÇO DE 2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI) 10.000 9.000 8.000 R$ MILHÕES 7.000 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 0 1990 1991 Industrial 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Agropecuário Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Faveret Filho, Lima e Paula (2000). Nota: Modificado e atualizado. Uma característica importante apontada por Faveret Filho, Lima e Paula (2000) é que as operações agropecuárias foram, em sua maioria, indiretas, ou seja, realizadas por meio de agentes financeiros, e corresponderam, em 1999, a 93% do valor desembolsado ao setor. Já em relação ao comportamento da participação da agroindústria no total desembolsado pelo BNDES, há dois momentos distintos no decorrer dos anos 1990. Até 1994, houve crescimento expressivo, alcançando o pico de 29% nesse mesmo ano. A partir de então, ocorreu sua redução, atingindo 15% em 1999. Essa queda é atribuída, entre outros fatores, ao aumento dos desembolsos para o setor de infraestrutura, principalmente em energia elétrica, gás, telecomunicações e transportes. Além disso, houve uma situação extremamente desfavorável para o setor agropecuário a partir do fim de 1994, caracterizada pela elevação brusca da taxa de juros concomitante à queda nos preços dos principais produtos agrícolas. Como os financiamentos eram feitos com taxas pós-fixadas, o endividamento dos produtores aumentou ao mesmo tempo em que suas receitas diminuíam. Com isso, o nível 98 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de inadimplência se elevou de forma significativa, o que, somado às condições desfavoráveis do mercado, resultou na contração dos financiamentos. O BNDES, visando reverter essa tendência de retração no apoio ao setor, criou em 1997 um novo programa, o Finame Especial. Por meio desse programa, era possível ao produtor adquirir financiamentos com taxa de juros pré-fixada, o que reduzia sua fragilidade diante de inesperadas alterações das condições de mercado. Verificou-se, depois de sua criação, um incremento nas operações do Finame Agrícola, atingindo em 1999 o mesmo valor que atingira em 1993. Outro programa criado na década de 1990 que merece destaque é o Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Por meio desse programa, criado em 1995, as famílias de micro e pequenos produtores rurais que desenvolviam suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho e de sua família passaram a ter acesso a crédito com as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais. Seu desempenho foi espetacular logo no ano seguinte ao de sua criação, com desembolsos da ordem de R$ 1.778 milhões, o que representou cerca de 38% do valor total desembolsado para o setor agropecuário em 1997, de R$ 4.701 milhões. No entanto, em virtude da redução do aporte de recursos do Tesouro Nacional, o programa perdeu força logo em seguida, desembolsando em 1999 um valor inferior a 20% do observado dois anos antes. Dentre as diversas cadeias do complexo agroindustrial, algumas se destacaram no que diz respeito ao apoio do BNDES durante a década de 1990. Carnes, grãos e cana-de-açúcar foram responsáveis, em conjunto, por 30% do valor desembolsado para a agroindústria entre 1990-1999, totalizando R$ 17 bilhões. A Tabela 1 resume os desembolsos para as cadeias do complexo agroindustrial. TABELA 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA AS PRINCIPAIS CADEIAS DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL (EM R$ BILHÕES) Discriminação Etapa industrial Etapa agrícola Valor total CARNES 6,0 2,8 8,8 GRÃOS 3,8 0,7 4,5 CANA-DE-AÇÚCAR 2,1 1,6 3,7 Fonte: BNDES. AGROINDÚSTRIA 99 A cadeia de carnes, maior beneficiária, foi o destino de 16% do total desembolsado à agroindústria. Destes, 68% foram para a etapa industrial – processamento de carnes – e 32% à etapa agropecuária. Bovinos, aves e suínos foram, nessa ordem, as carnes que receberam as maiores parcelas dos desembolsos. O complexo grãos foi o segundo maior destino dos recursos, representando 8% do total. Desse montante, 84% foram destinados ao processamento industrial e 16% à produção primária. As principais culturas apoiadas foram soja, arroz e milho, com 54%, 21% e 19% dos recursos destinados ao cultivo. A cadeia da cana-de-açúcar, que neste caso não compreende a produção de etanol, foi a terceira maior beneficiária no período, representando quase 7% do total. A etapa industrial do processo correspondente à fabricação de açúcar e derivados foi destino de 57% dos recursos, enquanto o cultivo de cana-de-açúcar foi de 35%. O restante foi aplicado à fabricação de aguardente e refino e moagem de açúcar. Diversas outras cadeias foram apoiadas pelo BNDES no período, tendo recebido em conjunto 70% dos desembolsos. Não serão abordadas em função de sua pulverização e pouca importância em relação ao total quando individualizadas. Por fim, vale destacar o papel assumido pelo BNDES na década de 1990 como a principal fonte de recursos aos investimentos do setor agropecuário, passando de 10% no início do período para 63% em 1998. Nota-se, portanto, uma brusca alteração não só da participação da instituição no apoio à agroindústria, mas também das diretrizes traçadas pelo governo federal no decorrer do período [Faveret Filho, Lima e Paula (2000)]. 2000 A 2011: FORTALECIMENTO DAS COOPERATIVAS E INTERNACIONALIZAÇÃO Na década de 2000, a economia brasileira vivenciou grande desenvolvimento. A taxa anual de crescimento do PIB, que era de 1,3% em 2001, atingiu 2,7% em 2011. É verdade que houve variações no período, como o crescimento negativo de 0,2% em 2009 (reflexo da crise de 2008) e pico de 7,5%, em 2010 (resultado das políticas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro). O PIB do agronegócio (complexo agroindustrial) no mesmo período não apresentou um crescimento proporcional ao do Brasil. Sofreu redução percentual consi- 100 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS derável em relação ao PIB nacional, passando de 28,8%, em 2003, para 22,3%, em 2010, segundo a Associação Brasileira do Agronegócio [Informativo Abag (2011)]. Entretanto, monetariamente, o comportamento foi mais constante, conforme se pode notar no Gráfico 3. GRÁFICO 3 EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB BRASILEIRO DE 2002 A 2010 (EM R$ BILHÕES) 4.000 3.500 3.000 2.500 2.000 821 2006 780 2005 822 2004 768 712 2003 709 2002 743 725 1.000 680 1.500 2007 2008 2009 2010 500 0 Agronegócio Brasil Fonte: Ipea apud Informativo Abag (2011). Se o agronegócio não apresentou participação expressiva no crescimento da economia brasileira, teve outros importantes méritos. Foi o grande gerador de divisas da economia brasileira, tendo sido responsável pelo bom desempenho das contas externas do país a partir de 2001, quando houve a reversão da sequência de déficits ocorrida na segunda metade da década de 1990. Em 2011, a balança comercial do agronegócio foi superavitária em US$ 77,51 bilhões, representando a principal contribuição pelo resultado positivo da balança comercial brasileira, de US$ 29,8 bilhões no mesmo ano [Neves (2012)]. Gerou e manteve empregos no campo, prestando dessa forma relevante contribuição para a sociedade brasileira. Em 2001, o desembolso total do BNDES foi de R$ 25,5 bilhões, um recorde à época. Dez anos depois, ao atingir R$ 140 bilhões, mostrou novamente sua capacidade de superar desafios e atingir novo e mais relevante patamar de desembolso. AGROINDÚSTRIA 101 Em 2001, o complexo agroindustrial (CAI) recebeu recursos do BNDES no montante de R$ 7,4 bilhões. Desse total, R$ 4,8 bilhões foram destinados à agroindústria em seu conceito restrito, ou seja, considerando apenas a agropecuária e as indústrias de alimentos, bebidas e fumo. Em 2011, os valores foram, respectivamente, R$ 25,2 bilhões e R$ 16,6 bilhões. Fica patente a importância do BNDES para a economia nacional e, especialmente, para o agronegócio. A Tabela 2 sintetiza essas informações. TABELA 2 DESEMBOLSOS DO BNDES – 2001 E 2011 (EM R$ BILHÕES) Discriminação 2001 2011 TOTAL 25,5 139,9 Var. 2011-2001 (%) 449 CAI 7,4 25,2 240 AGROINDÚSTRIA 4,8 16,6 246 Fonte: BNDES. A partir deste trecho, os dados informados referem-se exclusivamente à agroindústria tomada em sentido restrito. Os programas do governo federal5 administrados pelo BNDES foram os grandes responsáveis pela evolução do agronegócio no período, uma vez que incentivaram a produção primária. Os mais relevantes são mostrados a seguir. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) sempre se destacou, tanto em relação aos desembolsos quanto ao número de operações. Em 2001, concedeu financiamentos que somaram R$ 265 milhões e, em 2011, tal montante atingiu R$ 1,3 bilhão, beneficiando mais de trinta mil famílias. O Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota) foi criado em 1999, para impulsionar o setor de máquinas e equipamentos que passava por um período de dificuldades. Com a edição desse programa, o BNDES e o governo federal visavam incentivar a aquisição pelos produtores de tratores e implementos, colheitadeiras e suas plataformas de 5 Os programas do governo federal administrados pelo BNDES, como Pronaf, Prodecoop e Moderfrota, apresentavam taxas de juros fixas em 2011, variando entre 6,5% a.a. e 9,75% a.a. 102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS corte e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Em 1999, o Moderfrota contabilizou liberações da ordem de R$ 1 bilhão; em 2001, R$ 1,7 bilhão. Já em 2008 atingiu a marca recorde de R$ 2,3 bilhões, representando variação de 35% sobre 2001. A partir de 2009, as operações foram direcionadas para o Programa de Sustentação do Investimento PSI, que apresentava melhores taxas de juros. Em 2002, para a safra 2002-2003 foi criado o Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), cuja finalidade é incrementar a competitividade do complexo agroindustrial das cooperativas brasileiras, por meio da modernização de seus sistemas produtivos e de comercialização. Esse programa possibilitou o crescimento e fortalecimento da maioria das cooperativas, em especial as situadas no oeste paranaense. Em seu primeiro ano de vigência, o programa desembolsou R$ 899 milhões. As liberações chegaram a atingir R$ 1,5 bilhão em 2009, ano de sua maior efetividade. Em 2011, os desembolsos foram de aproximadamente R$ 460 milhões. Também visando promover a recuperação e/ou reestruturação patrimonial das cooperativas e a concessão de recursos para o financiamento de capital de giro para o atendimento de suas necessidades imediatas operacionais, foi criado, em 2009, o Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), o qual liberou, no período 2009-2011, o montante de R$ 5,3 bilhões. O efeito desses financiamentos pode ser percebido pelo crescimento no faturamento líquido de cooperativas paranaenses, como, Copacol, Coamo e C.Vale,6 da ordem de 309% no período 2001-2011. Os produtos listados a seguir foram importantes fontes de financiamento para o agronegócio no período: BNDES Finame e Finame Agrícola, além do BNDES Automático. Entre 2001 e 2011, ocorreu variação positiva no desembolso acumulado desses produtos da ordem de 264%. Quanto a valor, no início do período o desembolso foi de R$ 2,5 bilhões e, em 2011, de R$ 9,3 bilhões. O Cartão BNDES é outra forma de levar financiamento a pequenos produtores. Com excelente aceitação, é hoje ferramenta essencial para dinamização do 6 Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo) e C.Vale – Cooperativa Agroindustrial, situadas, respectivamente, nos seguintes municípios: Cafelândia, Campo Mourão e Palotina. AGROINDÚSTRIA 103 crédito para pequenos empreendedores e micro, pequenas e médias empresas do agronegócio. No início das atividades, em 2003, as operações com o cartão para o setor foram praticamente inexistentes. No ano seguinte, totalizaram R$ 498 mil; em 2005, R$ 3,3 milhões. O ano de 2011 terminou com R$ 243 milhões em operações, o que corresponde a cerca de 3% do total de recursos disponibilizados por meio desse produto. As grandes empresas focadas no agronegócio também receberam apoio do BNDES, na forma de operações diretas (em geral, com financiamento superior a R$ 10 milhões, sendo também consideradas as operações de renda variável), ou via intermediação de agentes financeiros. Entre 2001 e 2011 o apoio do BNDES para a agroindústria, seja na modalidade de financiamento ou no aporte de capital, foi carreado para o desenvolvimento/expansão do parque fabril. Nesses anos, destacaram-se financiamentos para empresas de bebidas, preparação de couro e industrialização de aves e suínos. Os desembolsos anuais estão indicados no Gráfico 4. GRÁFICO 4 DESEMBOLSOS PARA A AGROINDÚSTRIA NO PERÍODO 2001-2011 (EM R$ MIL, MARÇO DE 2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI) 10.000.000 R$ MIL 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 2001 Fonte: BNDES. 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS No início desse período, destacaram-se ainda as operações-programa com fumageiros.7 Essa iniciativa, que visava facilitar o crédito aos pequenos produtores, tinha a seguinte estrutura: uma empresa fumageira funcionava como âncora, coordenando e organizando os produtores que queriam investir com a mesma finalidade (reforma de galpões, por exemplo). A empresa procurava o agente financeiro e apresentava o projeto que congregava os investimentos dos produtores. As garantias eram oferecidas pelas pessoas físicas (produtores), responsabilizadas em caso de inadimplência. As taxas de juros, prazos e obrigações de cada contrato eram pactuados entre produtor, empresa e agente financeiro, em cada caso. O fluxo de caixa do produtor poderia passar pela empresa, que, nesse caso, reteria um percentual dos pagamentos durante o ciclo produtivo para a liquidação do empréstimo, descontando um valor pré-acordado, o que reduziria o risco do agente financeiro. A empresa também poderia usar seu poder de negociação para conseguir melhores condições financeiras com as construtoras e fornecedores de materiais, reduzindo os custos dos investimentos. As operações-programa começaram em 1991 e foram relevantes até 2004, tendo alcançado liberações acumuladas no período de aproximadamente R$ 175 milhões, repassados por agentes financeiros, que possibilitaram que milhares de pequenas famílias da Região Sul – notadamente do Rio Grande do Sul – aperfeiçoassem a cultura do fumo. A produtividade registrou grande incremento, ao mesmo tempo em que as perdas foram bastante reduzidas. O resultado mais visível foi aumento da renda dos produtores assistidos pelo programa. Esse modelo, em razão de seu sucesso, foi depois estendido aos produtores de leite e de cana-de-açúcar e permanece como alternativa para outros segmentos da agroindústria. Na segunda metade da década de 2000 foi observada uma mudança no perfil de finalidade do apoio do BNDES. As operações de maior relevância foram as de participação no capital das empresas, o que possibilitou a algumas delas alcançar, com sucesso, o mercado mundial. Em cinco anos, o BNDES injetou no capital das empresas cerca de R$ 14 bilhões. Esse apoio financeiro possibilitou a internacio- 7 Pessoa ou empresa que desenvolve atividades de cultivo e produção de tabaco. AGROINDÚSTRIA 105 nalização das principais empresas brasileiras de proteína animal, que se tornaram líderes mundiais no segmento. O fim do período analisado foi marcado por uma crise econômica que se espalhou por todo o mundo. O Brasil reagiu e adotou uma política anticíclica, promovendo o consumo e o investimento. Assim, em 2008, o BNDES criou o Programa Especial de Crédito (PEC), voltado para capital de giro, suprindo a lacuna temporária deixada pelos bancos comerciais. Essa fonte de recursos tinha como clientes pequenas e médias empresas, que normalmente passam por maior dificuldade no acesso ao crédito em momentos de crise. Os desembolsos associados a esse programa somaram R$ 519 milhões entre 2009 e 2011, sendo integralmente destinados à agroindústria. O Banco lançou também o Programa BNDES de Crédito Especial Rural (Procer), em abril de 2009, e o Programa BNDES de Sustentação do Investimento (PSI), em junho do mesmo ano. Com esses programas, conseguiu impedir a redução do nível dos investimentos produtivos que também poderia ocorrer como reflexo da crise econômica mundial. Os recursos desses programas possibilitaram o reforço de capital de giro, além de viabilizarem os investimentos do setor e a aquisição isolada de máquinas e equipamentos novos de fabricação nacional. No âmbito dos dois programas, no período 2009-2011, o BNDES liberou para as empresas da agroindústria o montante aproximado de R$ 16,3 bilhões. Exposto o histórico e a relevância do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial em seus sessenta anos de atuação, seguem as questões que deverão constituir a agenda futura do setor na visão do BNDES. 3. VISÃO DE FUTURO DEMANDA A população mundial atual está em torno de sete bilhões de pessoas. Existem diversas projeções para seu crescimento até o ano de 2050, oscilando de oito a dez bilhões de habitantes. O número mais provável e aceito, contudo, é de nove bilhões de pessoas [Wolfgang e Samir (2010)]. 106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Esse crescimento populacional se dará especialmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, com maior concentração na Ásia (destaque para Índia) e África (destaque para os países subsaarianos). Nos países desenvolvidos, a tendência é que a população estabilize ou mesmo diminua, salvo efeito imigração. Mantidos os níveis atuais de consumo, a demanda por alimentos deveria crescer na mesma proporção. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), contudo, esse crescimento de 30% na população deve gerar um crescimento de 70% na demanda por alimentos, com o consumo de cereais crescendo 43% e o de carnes 74% [Barros (2012)]. Essa expectativa de crescimento desproporcional na demanda por alimentos é função do local onde ocorrerá o crescimento populacional. Podem-se elencar quatro fatores básicos que se verificam nos países responsáveis por esse fenômeno: 1. desenvolvimento econômico; 2. crescimento da renda e melhoria de sua distribuição; 3. ingresso de um enorme contingente populacional que vive abaixo da linha da pobreza no mercado consumidor; e 4. processo acelerado de urbanização. Nos países onde ocorrerá esse crescimento populacional observa-se, ainda que em graus diferenciados, um rápido desenvolvimento econômico. Com isso, além de o nível de consumo individual dessas pessoas aumentar, um novo contingente será incorporado ao mercado consumidor. São pessoas que viviam em modelos econômicos de subsistência com nível de consumo mínimo. Cabe esclarecer que quanto menor a renda de um indivíduo, maior o peso dos alimentos em seus gastos. Sempre que ocorre um aumento de sua renda, o primeiro destino desse incremento é a melhoria do padrão alimentar, em quantidade, em um primeiro momento, e em qualidade, com a continuidade do processo. O que se observará no mundo é um aumento do consumo per capita de alimentos. Nos países desenvolvidos, onde as necessidades básicas da população já estão atendidas (em muitos casos sobreatendidas, com problemas de obesidade), não se espera crescimento do consumo de alimentos, apenas uma mudança qualitativa, com foco nos produtos mais elaborados e de maior conveniência. AGROINDÚSTRIA 107 Nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, se observará o duplo efeito do crescimento populacional e do consumo per capita. A China constitui importante exceção, pois lá deverá ser observado apenas o aumento do consumo per capita, já que a população deve se estabilizar nos níveis atuais ou mesmo sofrer pequena redução. Associado a isso, observa-se um processo rápido de urbanização nesses países, o que também contribui para a mudança dos padrões de consumo, com a substituição dos cereais pelas proteínas mais estruturadas, como as carnes. Em 1900, pouco mais de 10% da população habitava as cidades. Atualmente, a população urbana representa 50% do total e, em 2050, deverá representar cerca de 70% da população mundial [Kearney (2010)]. Esse processo deverá continuar a ocorrer em ritmo muito lento nos países desenvolvidos, mas em ritmo acelerado nos demais. Urbanização implica uma mudança para uma dieta mais rica em energia (mais gorduras, óleos e proteína animal) com menor consumo de fibras e vegetais. As principais fontes de alimento são cereais (trigo e milho), proteínas animais (carnes e laticínios), oleaginosas (soja) e óleos vegetais (soja e óleo de palma), açúcar, vegetais, raízes, tubérculos, nozes e frutas. Os cereais são e continuarão a ser a principal fonte, mas perderão importância relativa, principalmente para as carnes. O peso dos cereais como fonte de kcal da população é estimado em 54% e deverá declinar para 46% em 2050 [Kearney (2010)]. Nos países desenvolvidos, o peso dos cereais é menor que nos países subdesenvolvidos e em desenvolvidos (na Ásia e África, o peso dos cereais chega a 70%). Por isso, o impacto do crescimento populacional e de renda nesses países provocará um crescimento maior na demanda por carnes que por cereais, já que, com o incremento da renda e a urbanização, o consumo tende a migrar de cereais para proteína animal, em um processo de “ocidentalização” de suas dietas. Logo, o Brasil, como um dos mais importantes players mundiais do setor de carnes, deverá ser bastante beneficiado. Cabe ainda um registro em relação ao processo de globalização, que teve importante impacto no desenvolvimento econômico e na redução da pobreza, com consequente incremento da demanda por alimentos, notadamente em países sub- 108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS desenvolvidos e em desenvolvimento. A continuidade desse processo deve reforçar os efeitos dos quatro fatores8 anteriormente descritos. Biocombustíveis x alimentos A partir da década de 1960, os insumos utilizados na produção agrícola passaram a apresentar uma taxa de crescimento de seus preços sistematicamente superior a dos preços das commodities agrícolas [Fuglie, MacDonald e Ball (2007)]. As margens da produção estão cada vez mais apertadas. Isso leva os produtores a redirecionarem seus investimentos para o cultivo das espécies mais valorizadas no mercado e a direcionarem seus produtos aos mercados que são melhores pagadores, como é o caso da indústria de biocombustíveis. Com isso, há alguns anos, uma discussão se tornou bastante comum nos principais órgãos internacionais: a produção de biocombustíveis como substituto aos combustíveis fósseis – principalmente o petróleo – e sua ameaça à produção de alimentos. A escalada dos preços dos alimentos verificada entre os anos 2003 e 2009 pôs esse tema ainda mais em evidência. De acordo com Neves et al. (2011), dados da FAO mostram que os preços dos alimentos subiram, em média, 14,7% entre 2003 e 2005, 34,2% entre 2005 e 2007 e impressionantes 57,1% entre 2007 e 2008. Em alguns países, os preços em 2009 eram cerca de 80% superiores a 2007. Diversos estudos e entidades atribuíram à produção de biocombustível a maior parcela da causa dessa brusca elevação de preços. O argumento parte do princípio de que a produção de biocombustível afeta direta e indiretamente a produção de alimentos, o que levaria a sua maior escassez e consequente valorização. Diretamente, quando a produção de soja, milho e cana-de-açúcar, em vez de se destinar à alimentação humana ou ração animal para posterior produção de alimentos, se volta à produção de etanol – a exemplo do milho e da cana-de-açúcar – e de biodiesel – caso da soja; indiretamente, quando os insumos que seriam utilizados para a produção de diversos alimentos são usados para a produção de culturas destinadas 8 (1) Desenvolvimento econômico; (2) crescimento da renda e melhoria de sua distribuição; (3) ingresso de um enorme contingente populacional que vive abaixo da linha da pobreza no mercado consumidor; e (4) processo acelerado de urbanização. AGROINDÚSTRIA 109 ao biocombustível. Entre os insumos, podemos citar fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas, mão de obra e, principalmente, terra – área agricultável. Essa questão se torna mais relevante quando se reconhece que as populações de baixa renda são as mais afetadas com a alta nos preços dos alimentos, já que esse componente possui maior peso em seu orçamento. Milhões de pessoas simplesmente deixariam de ter acesso a uma necessidade básica: alimentação. No entanto, apesar do apelo social que envolve esse tema, há a necessidade de buscar as verdadeiras causas envolvidas. Neves et al. (2011) elencaram alguns fatores, além da competição do biocombustível, geralmente citados em estudos como os responsáveis pelo avanço recente nos preços dos alimentos. Dentre eles, destacam-se: 1. crescimento da população mundial; 2. desenvolvimento econômico e melhoria na distribuição de renda de países populosos, tais como Brasil, China, Índia etc; 3. programas governamentais de acesso ao consumo de alimentos; 4. processo de urbanização; 5. elevação nos preços do petróleo; 6. escassez de produção. Pode-se observar que os quatro primeiros fatores afetam diretamente a de- manda por alimentos, gerando uma pressão sobre os preços, e não têm relação alguma com a produção de biocombustíveis. Os dois últimos estão ligados ao lado da oferta; o primeiro deles é justamente uma das razões para incentivar a produção de biocombustíveis: reduzir a dependência de uma única fonte de energia, cuja produção se concentra em poucos países e com um histórico memorável de manipulação de preços. O último fator é característica intrínseca da produção agrícola e se refere às intempéries edafoclimáticas a que está sujeita. Cabe, ainda, destacar dois aspectos que reforçam a teoria de que o biocombustível não prejudica a produção de alimentos no Brasil, são eles: 1. Baixa participação no uso do solo: o programa brasileiro de etanol, não obstante seja responsável por quase a metade da oferta de combustíveis no país, 110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ocupa cerca de cinco milhões de hectares da lavoura de cana. Considerando-se que, pelo Censo Agropecuário de 2006, a área ocupada por estabelecimentos agropecuários era de cerca de 330 milhões de hectares, há oportunidades para a expansão do cultivo de cana-de-açúcar por meio do aumento de produtividade de outras atividades (especialmente, da pecuária). 2. Aumento de produtividade da cultura de cana-de-açúcar: o desenvolvimento do etanol celulósico, que conta com significativo apoio do BNDES, também contribuirá para minimizar esse “dilema”, pois poderá aumentar em até 50% a produtividade do etanol de cana – de sete mil a dez mil litros por hectare –, poupando terra e outros insumos agropecuários. Assim, a condenação sumária da produção de biocombustíveis, com base em al- gumas pesquisas com metodologias duvidosas e generalizações incoerentes, deve ser evitada. É necessário ficar atento às fontes financiadoras desses estudos e suas verdadeiras intenções. Há, claramente, uma disputa de interesses comerciais em jogo. O Brasil, atualmente, é um dos mais promissores produtores de alimentos e biocombustíveis. Essas duas atividades deverão andar em sintonia, utilizando a sinergia existente entre elas e as vantagens competitivas que nosso extenso histórico nos confere. O BNDES, no decorrer de sua história, vem apoiando esses dois setores da agroindústria, tendo sido, portanto, coerente com seu papel de indutor de desenvolvimento e promotor dos interesses nacionais. 4. SUSTENTABILIDADE O complexo agroindustrial (CAI) produz e emite gases do efeito estufa em todos os seus elos, desde a produção no campo e seus insumos, passando pelo processamento, distribuição, refrigeração, preparação para consumo (residências e restaurantes) e descarte final. Embora não haja estudos que quantifiquem as emissões desses gases por todo o complexo, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) estima que os impactos diretos da agricultura respondam por 10%-12% das emissões globais, excluindo aquelas resultantes do uso de combustível, produção de fertilizantes e da correção do solo para agricultura [Garnett (2010)]. AGROINDÚSTRIA 111 Ainda segundo Garnett (2010), o IPCC aponta cinco alternativas para redução dessas emissões ao longo do CAI. São elas: 1. Promoção de ações que sequestrem carbono no solo. Devem ser avaliadas com cautela, uma vez que o balanço líquido de seus efeitos pode ser pouco significativo, ou até mesmo, negativo. Isso porque o reflorestamento ou a cobertura vegetal de uma área agricultável podem levar ao uso de outra terra menos adequada ao cultivo, demandando correção do solo, atividade que gera emissão de gases do efeito estufa. 2. Otimização do uso de nutrientes. Para isso é necessária melhor precisão na dosagem e na frequência de aplicação de fertilizantes, combinada com a incorporação de culturas fixadoras de nitrogênio nos processos de rotação. 3. Promoção do aumento da produtividade. No aspecto da redução das emissões, significa maior rendimento por unidade de gases gerados na cadeia, ou seja, maior produtividade no cultivo (agricultura) e na criação de animais e otimização do uso de insumos. Nesse contexto, o termo “intensificação sustentável” é utilizado para designar aumentos de rendimento que não aumentam os danos ao ecossistema. 4. Gerenciamento e beneficiamento dos efluentes e resíduos. Inclui os processos de tratamento de biomassa, compostagem, digestão anaeróbica e sistemas fechados com recirculação de efluentes e aproveitamento de resíduos no próprio processo produtivo. 5. Redução da intensidade de carbono nos combustíveis consumidos. Trata do uso eficiente de energia e do uso de combustíveis alternativos de fontes renováveis, tais como biomassa, biogás, energia eólica e solar. Além do aquecimento global, a expectativa de escassez de água representa uma relevante preocupação ambiental. Segundo a FAO (2007), o uso global da água cresceu a uma taxa maior que o dobro da taxa de crescimento da população mundial no último século. A tendência de escassez da água vem sendo agravada pelas mudanças climáticas, principalmente nas regiões mais secas. Para minimizar tal ameaça, são necessárias várias medidas além da redução do impacto da ação humana sobre o meio 112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ambiente e o clima. A agropecuária é a principal demandante de água em nível global. Com a perspectiva do crescimento da população mundial e, consequentemente, do consumo de alimentos, é cada vez mais urgente a necessidade de redução do consumo de água nas cadeias produtivas agropecuárias. A maioria dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tradicionalmente, vem protegendo seus produtores agropecuários com políticas de apoio à produção doméstica, por meio de tarifas, cotas e subsídios a exportações. A partir do fim da década de 1980, intensificaram-se os esforços para disciplinar essas políticas que levam a distorções no comércio internacional, como é o caso das rodadas do Uruguai e de Doha. Enquanto a importância das barreiras clássicas diminui gradualmente, aumentam os padrões de qualidade e de segurança, amparados nos acordos: de Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio (OMC); de Barreiras Técnicas ao Comércio; e de Direitos de Propriedade Intelectual. A tendência é que as barreiras tarifárias sejam substituídas por essas crescentes barreiras não tarifárias. Nesse cenário, torna-se cada vez mais relevante a comprovação da qualidade e segurança dos produtos agropecuários. O Brasil deverá investir ainda mais na qualidade e segurança e no monitoramento e fiscalização de toda sua produção agropecuária e de alimentos. A pesquisa e desenvolvimento (P&D) focada no aumento da produtividade no campo e no desenvolvimento de tecnologias poupadoras de água, seja no campo ou na indústria, deve ser priorizada pelas políticas públicas, bem como por todos os agentes dessa cadeia produtiva. Além da motivação ambiental, a própria sustentabilidade econômico-financeira da produção de alimentos deverá ser o principal motivador do desenvolvimento tecnológico em todo o complexo agroindustrial. Várias ações já vêm sendo conduzidas a fim de garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. Dentre elas, vale destacar o Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), criado em 2010 pelo governo federal para incentivar processos tecnológicos que neutralizem ou minimizem os efeitos dos gases de efeito estufa no campo. AGROINDÚSTRIA 113 5. INOVAÇÃO NO CAMPO Em um cenário de demanda crescente e de restrições nos fatores de produção (principalmente, terra e mão de obra), o conhecimento e a tecnologia são fatores fundamentais para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. A produtividade precisa ser perseguida, considerando ainda um cenário de escassez de água e de aquecimento global. No esforço de atender à crescente demanda por alimentos, as lavouras, em escala mundial, vão contar apenas com mais 5% de terras aráveis (setenta milhões de hectares, concentrados na América Latina e África) [Barros (2012)]. Com isso, o crescimento deverá vir da geração e da difusão de inovações tecnológicas. O complexo agroindustrial, assim como outros setores da economia, não poderá crescer e se consolidar sem investir em inovação; e, nele, genética é sinônimo de inovação. A suinocultura depara-se com o seguinte desafio: ao mesmo tempo em que a seleção genética resulta em mais leitões por matriz, provoca também aumento na mortalidade em razão do baixo peso dos animais recém-natos. Esse desafio motiva pesquisadores a identificar características genéticas que combinem a prolificidade com a sobrevivência dos leitões. A pecuária bovina nacional ainda está em busca de melhores índices em relação à produtividade e à precocidade do rebanho. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa o gado de corte está pronto para o abate com menos de dois anos de idade, no Brasil a média ainda é de três anos.9 Isso porque 80% do rebanho brasileiro é composto por animais zebuínos, notavelmente menos precoces que os de origem europeia. A grande esperança para o melhoramento mais eficaz e mais rápido das raças zebuínas, em especial a Nelore, está aliada aos resultados obtidos com a genética molecular, a qual vem se estabelecendo cada vez mais nos centros de pesquisa. 9 Período necessário para que os animais atinjam o peso vivo ideal para abate. 114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS O setor avícola brasileiro é um dos mais avançados tecnicamente do mundo. Essa posição foi conquistada por conta de seus custos altamente competitivos, proporcionados, entre outros fatores, por seus excelentes índices zootécnicos e sanitários, que começam na definição das linhagens e vão até o integrado – produtor responsável pela engorda dos pintos de um dia. Toda a tecnificação das estruturas e os avanços em pesquisa sobre manejo e insumos reverteriam em resultados bem menos significativos aos que existem hoje, se não estivessem no Brasil as melhores linhagens do mundo. No caso das commodities, como a liderança dos mercados depende da redução dos custos produtivos, a competitividade está atrelada fundamentalmente à busca de economias de escala, baixa capacidade ociosa, logística eficiente e inovação de processos. Com esse arcabouço, as estratégias ligadas ao domínio da (bio)tecnologia vêm sendo de fundamental importância para se manter de forma competitiva no mercado. A concentração agroindustrial oferece um ambiente bastante favorável para que esse processo se intensifique, já que aumenta o poder de negociação, reduz os gastos com a comercialização e amplia o porte financeiro das empresas [Wesz Junior (2011)]. A agricultura deverá manter sua tendência de incorporação de organismos geneticamente modificados (OGM). No mundo, já são cerca de 160 milhões de hectares cultivados com sementes transgênicas, conforme dados do International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA).10 Ainda de acordo com esse órgão, o Brasil é o segundo maior produtor em cultivo com sementes geneticamente modificadas, ficando atrás somente dos EUA. Soja, milho, canola11 e algodão continuarão a liderar as áreas cultivadas com sementes transgênicas que conferem tolerância a herbicidas ou resistência a insetos. A competitividade de commodities agrícolas hoje depende da aplicação da fronteira dos conhecimentos de ciência, tecnologia e inovação. O sistema nacional de pesqui- 10 ISAAA é o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas, na sigla em inglês. A canola (ou colza) (Brassica napus L. var. oleífera) é uma espécie oleaginosa, da família das crucíferas, produzida de forma semelhante a outros grãos do Sul do Brasil. Destaca-se como uma excelente alternativa econômica (não exige ativos específicos, valendo-se da mesma estrutura de máquinas e equipamentos disponíveis nas propriedades) para uso em esquemas de rotação de culturas, particularmente com trigo, diminuindo os problemas de doenças que afetam esse cereal. Além de produção de óleo para consumo humano (indicado como alimento funcional por médicos e nutricionistas), a canola também se presta para a produção de biodiesel (adaptado de Embrapa Trigo). 11 AGROINDÚSTRIA 115 sa agrícola coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi imprescindível como fonte de inovação genética para o avanço do agronegócio brasileiro [Wilkinson et al. (2008-2009)]. Exemplo do impacto dos resultados de sua ação foi o conjunto de tecnologias para incorporação dos cerrados ao sistema produtivo, que tornou a região responsável por cerca de 40% da produção brasileira de grãos, uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo [Dimande e Andrade (2006)]. No entanto, o avanço das empresas globais de genética, exemplificado mais recentemente pela aquisição das empresas brasileiras de biotecnologia de cana-de-açúcar, impõe um desafio à manutenção da relevância do sistema brasileiro de pesquisa e desenvolvimento do agronegócio. As sinergias, cada vez mais estreitas, entre as inovações em genética e as em insumos químicos para agricultura, proporcionadas pelas novas técnicas biotecnológicas, levaram a um processo de fusão ou absorção das empresas de sementes pelas grandes empresas agroquímicas. Nesse processo, a participação nacional no mercado brasileiro de sementes praticamente desapareceu, bem como a liderança da Embrapa no lançamento e difusão de novas variedades dos principais cultivos [Wilkinson et al. (2008-2009)]. Segundo Silva e Costa (2012), observadores indicam que as empresas líderes na indústria de agroquímicos despendem entre 25% e 90% de seus orçamentos de P&D com o desenvolvimento de sementes. O retorno já alcançado justifica tais investimentos. Segundo a consultoria Céleres [Freitas Júnior (2012)], em 2007, as sementes representavam apenas 6% dos custos diretos de produção nas plantações de soja e entre 8% e 10% nas lavouras de milho; em 2012, esses percentuais são praticamente o dobro. A tendência é de que continuem crescendo à medida que seja incorporado às sementes maior conteúdo tecnológico, aumentando a produtividade, reduzindo o consumo de agroquímicos e melhorando a resistência das culturas a pragas. Com o domínio das empresas de agroquímicos sobre o mercado de sementes geneticamente modificadas, parece ter sido estabelecido um novo paradigma tecnológico que associa o desenvolvimento de novas sementes ao uso de agroquímicos específicos. No entanto, não basta o desenvolvimento de novas tecnologias. A difusão da tecnologia por todo o sistema produtivo brasileiro é um fator determinante para 116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS que se complete o processo de inovação. O Brasil conta com grande número de instituições dedicadas à extensão rural e assistência técnica. Essa atividade precisa ser reforçada tanto em seu alcance, ampliando o número de propriedades rurais atendidas, quanto em seu conteúdo, por meio de constante treinamento e atualização tecnológica das equipes técnicas. NA INDÚSTRIA O comportamento do consumidor pode ser influenciado por aspectos socioeconômicos, políticos e culturais, tais como: aumento da renda, redução do tamanho das famílias, processo de urbanização, entrada da mulher no mercado de trabalho, redução do tempo disponível para preparação e consumo dos alimentos, preocupação ecológica, aumento do acesso à informação e globalização. Somam-se a eles os aspectos tecnológicos, tais como: o desenvolvimento de processos da indústria de alimentos e de novas embalagens, novas matérias-primas, novos usos das matérias-primas tradicionais, desenvolvimento do sistema logístico, novos equipamentos para uso doméstico (freezers, fornos, micro-ondas etc.) [Pereira, Abreu e Bolzan (2002)]. Com isso, a indústria de alimentos deve estar atenta às tendências nos hábitos de consumo e preparar-se para atender a elas em tempo hábil. Uma das formas de agregar valor aos produtos da indústria de alimentos é segmentá-los de acordo com seu público-alvo. Assim, há produtos voltados para crianças, idosos, grupos com restrições alimentares, famílias grandes e pequenas, entre outros. Com a intensificação dos processos socioeconômicos já relatados, há mercado crescente para produtos semiprontos, porções adequadas às necessidades do consumidor (individual ou família), produtos saudáveis, com baixo teor de gordura, entre outros. Para que o alimento preserve suas características organolépticas e atenda aos anseios do consumidor são necessários investimentos constantes em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em aspectos gerais, a inovação na indústria alimentícia é incremental e seu processo de desenvolvimento é caracterizado por ampla interface com outros setores. A indústria de alimentos estimula inovações em todo o complexo agroindustrial: nos AGROINDÚSTRIA 117 produtores de matéria-prima (agropecuária); em fornecedores de aditivos; no setor de embalagens; na distribuição atacadista e varejista; e, em indústrias de bens de capital. Como uma indústria intermediária, ela não apenas identifica as mudanças nos perfis de consumo e a elas se adapta, mas também transmite tais mudanças para seus fornecedores [Cabral (2004)]. Com isso, há uma grande oportunidade a ser explorada de promover a inovação nos fornecedores por meio de apoio à indústria alimentícia. Outra forma de agregação de valor que vem se consolidando no mercado de alimentos são os certificados de qualidade e selos de denominação de origem. Segundo Coutinho (2003), o processo de diferenciação por meio da denominação de origem implica a estruturação de redes locais de produção, promovendo o desenvolvimento local sustentado. Para que uma denominação de origem seja reconhecida, deve ser registrada na Organização Mundial de Propriedade Intelectual. No caso de vinhos e aguardentes, deve ser registrada na Oficina Internacional da Uva e do Vinho (OIV). O primeiro produto a receber uma denominação de origem foi o vinho do Porto, em 1756. No Brasil, desde 1996, o café do Cerrado é comercializado utilizando certificado de denominação de origem com o selo CERTICAFÉ. Em 1990, a Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq) mobilizou os produtores para o desenvolvimento de um programa de qualidade para cachaça artesanal, o que resultou em um certificado de conformidade e selo de qualidade para suas associadas. O Brasil conta ainda com diversos outros produtos alimentícios regionais com potencial para serem promovidos no mercado, inclusive internacional, por essa estratégia de diferenciação. 6. EXPORTAÇÕES No agronegócio, a porcentagem de valor agregado captada em torno da matéria-prima é baixa e geralmente declinante. As estratégias que decorrem dessa ótica enfatizam a necessidade de explorar as opções de avançar ao longo da cadeia [Wilkinson et al. (2008-2009)]. Além do aspecto financeiro, a entrada das empresas em novos mercados traz outros importantes benefícios. Empresas exportadoras, em geral, são levadas a ampliar suas capacitações internas para atingir mercados mais exigentes, tanto em relação aos custos, quanto à qualidade. 118 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS No Brasil, a Lei Kandir, vigente desde 1996, desonerou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas exportações de matérias-primas. Isso permitiu, por um lado, maior competitividade nas exportações das commodities agrícolas brasileiras e, por outro, reduziu sensivelmente a viabilidade da produção agroindustrializada destinada ao mercado externo [Wesz Júnior (2011)]. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), o Brasil é o sétimo exportador mundial de alimentos processados e, no geral do agronegócio, incluindo exportação de café em grão, soja em grão e matéria-prima, o Brasil é o quinto exportador mundial em valor e o segundo em volume (excluindo pescados). Por outro lado, entre os maiores exportadores de alimentos em valor, estão Alemanha e Holanda, grandes importadores de matéria-prima, processadores e reexportadores de alimentos de maior valor agregado. O Brasil pode evoluir significativamente na agregação de valor dos produtos agropecuários exportados. Para isso, são necessárias melhorias no sistema brasileiro de transporte e logística, revisão da política tributária, constante negociação dos alimentos processados na pauta dos acordos bilaterais e intensificação da prática da inovação nas empresas brasileiras. 7. CONCLUSÃO No decorrer de seus sessenta anos de existência o BNDES esteve ao lado do agronegócio brasileiro, apoiando-o de acordo com as políticas de governo vigentes, em diferentes intensidades e com diversos objetivos. Essa história está longe de seu fim. Com o Plano Brasil Maior, política industrial atualmente vigente, a inovação é a grande aposta para o desenvolvimento da diversificada economia brasileira. Nesse contexto, o BNDES volta seus esforços para viabilizar os investimentos de todo o complexo agroindustrial, apoiando seus diversos elos e, indiretamente, apoiando a infraestrutura, fator determinante para manutenção e aumento da competitividade do agronegócio brasileiro. A sustentabilidade, considerada em suas dimensões econômica, social e ambiental também, torna-se cada vez mais importante e presente na agenda de AGROINDÚSTRIA 119 todo o complexo agroindustrial. Afinal, não há como promover desenvolvimento sem considerá-la. Com as expectativas de demanda crescente por alimentos e biocombustíveis, mudança climática, escassez de água e crescentes barreiras não tarifárias, os desafios para o complexo agroindustrial estão delineados. Entretanto, dadas as condições naturais do Brasil, como água e disponibilidade de terra associadas à tecnologia nacional já desenvolvida, o agronegócio nacional tem plenas condições de responder aos desafios apresentados, produzindo e exportando produtos saudáveis e ambientalmente sustentáveis para grande parte do mundo. O BNDES está atento e disposto a continuar como uma das bases de sustentação do sucesso do agronegócio brasileiro. REFERÊNCIAS ABIA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DA ALIMENTAÇÃO. Sugestões da Indústria da Alimentação para Alavancagem da Exportação de Alimentos Processados com Valor Agregado. 2012. Disponível em: <http://abia.org.br/vst/ SugestoesINDALparaAlavancagemExportacaoAlimsProcessados.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2012. INFORMATIVO ABAG. 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ABSTRACT This paper presents a brief history of the traditional branches of industry, including furniture, footwear, textiles and clothing, beverages and personal care products, perfumes and cosmetics, with emphasis on the performance of Brazilian industry, in analyzing the performance of BNDES and in the period 2001-2011. The text offers a reflection on the challenges, opportunities and strategies that will define the trajectory of the sectors studied in the near future. BENS DE CONSUMO 125 1. INTRODUÇÃO Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES dedica o ano de 2012 à reflexão, organizando em perspectiva histórica os principais desafios perante os quais a indústria brasileira se encontra, bem como as oportunidades existentes. Entre 1930 e 1980, o Brasil passou por grandes transformações sociais, apresentou dinamismo econômico e experimentou severas oscilações institucionais. Trata-se do período central da história republicana brasileira. Nos anos que se seguiram a 1930, consolidou-se no Brasil o desenvolvimentismo como ideologia, tendo a industrialização como meta e a substituição de importações como método. Como resposta às necessidades reveladas por essa estratégia, em 1952 foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),1 que desde então vem atuando de modo decisivo no apoio ao desenvolvimento do país. O complexo industrial brasileiro se completa e amadurece ao longo da segunda metade do século XX, passando a contar com setores tradicionais, como o moveleiro; emblemáticos, como o automobilístico; básicos, como o químico; estratégicos, como o de bens de capital; e avançados, como o aeronáutico. É nesse período que se incluem as três fases clássicas da história econômica recente do Brasil: o Plano de Metas, o Milagre Econômico e o II PND, assim como algumas das principais crises enfrentadas pelo país, como o colapso institucional de 1961-1964, a crise da dívida do início da década de 1980, o regime de alta inflação (19801994) e a crise energética de 2001. Outros fenômenos sociais ocorreram ou se aceleraram depois de 1952 no país, como a urbanização, o ganho de importância do setor de serviços, a consolidação democrática, a modernização da agricultura e o surgimento de uma economia do conhecimento engendrada pela revolução da microeletrônica, da informática e das comunicações em geral. Não obstante a evidente importância do setor terciário, o valor estratégico de certos ramos e a existência de ilhas de excelência, as indústrias tradicionais brasileiras chegam à segunda década do século XXI ainda responden- 1 Em 1982, o Banco passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS do por uma expressiva parcela do emprego, da geração de valor e da corrente de comércio do país. Neste artigo, uma proxy do amplo segmento das indústrias tradicionais será definida pelos setores de móveis, de calçados, de têxteis, de confecções, de bebidas e de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC). Não há nessa escolha a ambição de propor uma definição para a noção de “indústria tradicional”, que aqui surge ligada aos bens-salário, aos típicos setores da primeira Revolução Industrial ou aos bens de consumo final. As atividades consideradas compartilham o uso de tecnologias tradicionais, tipicamente ligadas a inovações tecnológicas incrementais (em geral oriundas dos fornecedores), havendo grande importância das inovações de marketing, organizacionais e de processo [Costa, Monteiro Filho e Guidolin (2011)]. Além disso, economias de escala e custo do trabalho são variáveis importantes para a maior parte desses setores, o que os expõe à concorrência asiática, em especial. Dois grandes fenômenos mundiais se destacaram nos anos 2000, e a análise dos setores selecionados permite que eles sejam aqui abordados: Competição asiática: a ascensão da China como grande player do comércio internacional e de outros países asiáticos, como Índia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã, como grandes produtores de manufaturados básicos. Sociedade pós-industrial: aceleração do declínio da importância das competências meramente produtivas e manufatureiras, que passam a portar características típicas do universo das commodities, vis-à-vis competências intangíveis ligadas à economia do conhecimento, com a geração de valor se concentrando em inovação, marketing, design e controle dos canais de distribuição e comercialização. No quadro nacional, um terceiro fenômeno se junta aos anteriores, abrindo boas perspectivas para a indústria brasileira: Mercado consumidor doméstico: queda dos índices de desigualdade, crescimento da renda per capita e ampliação do acesso ao crédito, criando uma nova classe média e constituindo um mercado de consumo de massa. Além disso, estima-se para os próximos anos melhora nas condições macroeco- nômicas, que nas três décadas que se seguiram ao segundo choque do petróleo fo- BENS DE CONSUMO 127 ram quase sempre hostis ao investimento e à economia real, seja pelos momentos depressivos vividos em 1981-1983, 1990-1992, 1998-1999, 2001, 2003 e 2009, seja por adversidades cambiais como a de 1994-1998 ou a de 2010-2011, seja pelo nível da taxa básica de juros, com diversos momentos de aperto monetário entre 1988 e 1992 e situada sempre acima de 15% a.a. entre 1995 e 2005 (sendo ainda hoje uma das mais altas do mundo), seja, por fim, pela instabilidade gerada pelo regime de alta inflação que caracteriza todo o período 1980-1994. A possibilidade de haver, na segunda metade da década de 2010, uma combinação de inflação sob controle (até 5% a.a.), juros reais básicos baixos (inferiores a 2% a.a., o que reduziria bastante uma das principais pressões sobre a taxa de câmbio) e crescimento econômico sustentável (da ordem de ao menos 3% a.a.), em um quadro de estabilidade institucional, além de redução da concentração de renda, diminuição da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e equilíbrio nas contas externas, representaria um contexto macroeconômico inédito para o país, tomados não somente os sessenta anos de existência do BNDES, mas também todo o período republicano. Para examinar os setores selecionados, este artigo se estrutura em dois blocos. No primeiro, são mostrados indicadores que ilustram a evolução das indústrias tradicionais no mundo e no Brasil, bem como a atuação do BNDES. O segundo bloco resume desafios, perspectivas e possíveis estratégias compatíveis com o cenário básico esperado para a década de 2010. O texto mostra as grandes transformações observadas no comércio internacional, sobretudo a importância assumida pela produção chinesa. Com presença mundial discreta e com o mercado doméstico absorvendo grande parte da produção nacional, será visto que o fenômeno asiático vem se mostrando menos perigoso pelos pequenos prejuízos observados no market share das exportações brasileiras no comércio mundial do que pelo acirramento da concorrência no próprio solo brasileiro. Ainda assim, os índices aqui apresentados mostram grande controle do mercado doméstico pelos produtores locais, embora o quadro venha se deteriorando. As estatísticas mostram também a destacada relevância das indústrias tradicionais para o emprego e o PIB. 128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Em relação às perspectivas de médio e longo prazos, o texto propõe uma divisão entre dois grandes grupos, o das empresas que procuram manter vantagens competitivas de custos e o das que buscam uma competição por diferenciação, agregação de valor e inovação. O primeiro grupo se mostra mais exposto à concorrência asiática e mais dependente da concretização das boas perspectivas macroeconômicas, em meio a um complexo conjunto de fatores que inclui regulação do comércio exterior e deslocamentos regionais da produção para fronteiras de menor custo do trabalho. O segundo grupo, embora também possa se beneficiar de um contexto macroeconômico menos severo, mantém no interior das empresas a maior parte dos fatores críticos, dependendo de iniciativas gerenciais, dentre as quais se destacam a maior disposição a assumir riscos calculados e os investimentos em excelência, inovação, design, moda e marketing. Nos dois grupos, há certo equilíbrio entre ameaças e oportunidades, o que significa que os próximos anos serão marcados por grande incerteza. Trata-se de um desafio para as indústrias tradicionais de bens de consumo do Brasil, que provavelmente passarão por um ciclo de muitas transformações. 2. PANORAMA DAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NOS ANOS 2000 E O PAPEL DO BNDES A cadeia produtiva dos ramos tradicionais da indústria de bens de consumo, sobretudo a dos setores têxtil, confecções e calçados, é mundialmente fragmentada no aspecto territorial, integrando-se sob o comando de grandes players internacionais, sobretudo administradores de marcas e varejistas. Enquanto as atividades de maior valor agregado e intensivas em conhecimento, como moda, design e desenvolvimento de produtos e marcas, tendem a se localizar em países centrais, as intensivas em trabalho e matérias-primas buscam constantemente vantagens competitivas de custos em países periféricos, onde há oferta de mão de obra e insumos baratos. BENS DE CONSUMO 129 Essas características moldam tanto a localização da produção no globo como o padrão de comércio internacional de bens tradicionais, como será visto nas próximas subseções, reservadas a um breve panorama internacional dos setores selecionados em anos recentes. Têxteis e confecções Segundo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) (2011), os principais países produtores de têxteis e confecções no ano de 2009 foram, em ordem decrescente de volume produzido, China, Hong Kong, Estados Unidos (EUA), Índia, Paquistão e Brasil. Juntos, esses países respondem por aproximadamente 70% da oferta mundial. Já os maiores produtores de artigos de vestuário são China, Hong Kong, Índia, Paquistão, Brasil e Turquia, responsáveis por 65% da produção mundial. Ao contrário dos países asiáticos, que se encontram plenamente inseridos na cadeia produtiva global, a produção brasileira é, em sua maior parte, voltada ao mercado interno. Desse modo, apesar de figurar entre os maiores produtores mundiais, o país não se encontra entre os maiores exportadores – em 2009, o Brasil foi o 24º maior exportador de têxteis do mundo e o 41º de vestuário. Calçados A produção de calçados também se concentra na Ásia. Conforme Associação Portuguesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) (2011), a China foi responsável por 62,4% da quantidade produzida de calçados no mundo em 2010, seguida da Índia (10,2%), Brasil (4,4%), Vietnã (3,8%) e Indonésia (3,3%). Por outro lado, o consumo de calçados é geograficamente disperso, acompanhando a distribuição da população e da renda. A Ásia é o principal mercado consumidor de calçados do globo (49%), seguida de Europa (20%) e América do Norte (17%). O Brasil é o quarto maior país consumidor, detendo 4,5% do volume mundial, logo atrás de China (15,2%), EUA (13,4%) e Índia (11,7%). A origem das exportações mundiais se concentra na Ásia (85%), que atua em segmentos de menor preço e produção em grande escala. Já a Europa se destaca por atuar em segmentos superiores, em virtude de sua capacitação em desenvolvi- 130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS mento de produtos, design e marcas. A Itália, por exemplo, apesar de ser o nono maior produtor de pares de calçados do mundo, figura como o quarto maior exportador em volume e o segundo em valor. Em razão da melhor qualidade de seus produtos e do segmento em que atuam, os países europeus ocupam nove entre as 15 primeiras posições do ranking de valor exportado. O Brasil, apesar de ter perdido participação no mercado internacional nos anos 2000, ainda é um dos grandes fornecedores de calçados, ocupando a nona posição entre os maiores exportadores em volume e a 12ª posição em valor. Móveis De acordo com Projeto PIB (2009), até meados da década de 1990, os países desenvolvidos eram os principais produtores e consumidores de móveis. Em busca de vantagens competitivas de custo, acesso a matérias-primas e mercados consumidores, as grandes empresas do setor instalaram fábricas e desenvolveram fornecedores em países em desenvolvimento, aumentando a participação destes no cenário internacional. Apesar dessa relocalização da produção, os países de alta renda ainda contam com ligeira vantagem quanto ao valor produzido. Dados do Centre for Industrial Studies (CSIL-Milano) evidenciam que, em 2010, cerca de 52% do valor de produção mundial de móveis estava concentrado em países desenvolvidos – apesar de a China ser o maior produtor mundial. Destes, merece destaque a produção de EUA (14%), Itália (7%), Alemanha (6%), Japão (3%) e França (3%). Entre os países de média e baixa renda despontam China (31%), Vietnã (2%), Polônia (2%) – países cuja produção cresce rapidamente em função de investimentos em plantas desenhadas para exportação – e Brasil (2%). Os maiores exportadores de móveis são China, Itália, Alemanha e Polônia, nessa ordem, e os importadores, EUA, Alemanha, França e Reino Unido. Higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) No setor de HPPC coexistem um grande número de pequenas e médias empresas voltadas a mercados locais e um grupo reduzido de grandes empresas transnacionais que responde por parte significativa das vendas mundiais. A existência de um BENS DE CONSUMO 131 contingente significativo de pequenas e médias empresas é explicada pelas baixas barreiras à entrada que caracterizam o setor, em particular as tecnológicas, no que tange aos produtos de menor valor agregado. Nesse ramo, as pequenas e médias empresas, em geral, elegem algum segmento e nele se especializam, principalmente no caso de cosméticos, enquanto as grandes empresas tendem a ser mais diversificadas, havendo, no entanto, exemplos de empresas especializadas. Além de influenciado por padrões culturais, o consumo de produtos dessa indústria é altamente correlacionado com a renda per capita, em especial nos segmentos mais sofisticados. Por conseguinte, os países desenvolvidos são os maiores mercados consumidores. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), em 2010 o mercado mundial de HPPC totalizou US$ 374 bilhões em vendas. Os EUA, onde as vendas alcançaram quase US$ 60 bilhões, ocupam a primeira posição no ranking de mercados consumidores, seguidos pelo Japão (US$ 44 bilhões). O Brasil ocupa posição de destaque, constituindo-se o terceiro maior mercado consumidor de HPPC do mundo (US$ 37 bilhões), à frente de China (US$ 24 bilhões), Alemanha (US$ 18 bilhões) e França (US$ 16 bilhões). Os países desenvolvidos são os mais importantes em relação ao comércio internacional, tanto como exportadores quanto como importadores de produtos de HPPC. Informações do Comtrade mostram que em 2010 os principais exportadores foram França (US$ 124,0 bilhões), Alemanha (US$ 7,6 bilhões), EUA (US$ 7,2 bilhões), Reino Unido (US$ 3,9 bilhões) e China (US$ 2,1 bilhões), e os maiores importadores foram EUA (US$ 5,6 bilhões), Alemanha (US$ 4,4 bilhões), Reino Unido (US$ 4,1 bilhões), França (US$ 2,4 bilhões) e Japão (US$ 2,3 bilhões). Apesar de grande produtor, o Brasil não ocupa posição de destaque no comércio internacional de HPPC, ocupando a 22ª posição entre os maiores exportadores, atrás de países em desenvolvimento, como México, Tailândia e Índia, e a 32ª entre os importadores. Bebidas O setor de bebidas inclui a fabricação de bebidas alcoólicas – destilados, vinhos e cervejas – e não alcoólicas – águas envasadas, refrigerantes, chás e refrescos. O consumo 132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS desses produtos também é altamente correlacionado com a renda per capita e, no caso das bebidas alcoólicas, influenciado por aspectos culturais e legais. A exemplo dos demais produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo, as fracas barreiras à entrada permitem que coexistam no mercado pequenas e grandes empresas. No entanto, o setor tem especificidades que o distinguem de outros setores tradicionais, como as denominações de origem, que diferenciam produtos segundo regiões geográficas. Esse fato, ao limitar a oferta a determinada região, gera algum grau de monopólio sobre o produto, viabilizando sua produção em países onde a mão de obra é relativamente cara. Além disso, em razão da oferta de insumos e de fatores históricos e climáticos, alguns países de alta renda são mais competitivos em determinados produtos, como vinho, cerveja e uísque. Os principais mercados de bebidas são também os mais relevantes em relação ao comércio internacional. Segundo a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), os maiores exportadores em 2010 foram os países europeus, notadamente França, Reino Unido, Itália, Alemanha e Holanda, que juntos responderam por 50% do comércio internacional. Nesse ano, os principais países importadores foram Reino Unido, Alemanha, Canadá, França, Holanda, Bélgica e Japão. Apesar de ser um grande produtor e consumidor, a participação do Brasil no comércio internacional de bebidas ainda é modesto. Por outro lado, o país se insere no mercado internacional por meio de participação de capital em empresas sediadas no exterior.2 Depois de duas décadas de baixo crescimento, a economia brasileira reuniu, nos anos 2000, condições de crescer de maneira sustentada. O processo de estabilização econômica iniciado com o Plano Real em 1994 restaurou paulatinamente a confiança e a previsibilidade dos agentes econômicos, permitindo a estes planejar melhor suas decisões de investimento e consumo. 2 A brasileira Ambev, quarta maior cervejaria do mundo, está presente em 14 países das Américas e, por meio da Anheuser-Busch InBev (AB InBev), integra a maior plataforma de produção e comercialização de cervejas do mundo. BENS DE CONSUMO 133 Embora a retomada do crescimento do PIB nos anos 2000 tenha sido influenciada, no início, pelas exportações, o ciclo de crescimento observado a partir de 2004 se consolidou por meio da demanda interna, isto é, pela ampliação do consumo das famílias e do investimento. Como visto no artigo introdutório do Volume I “A economia brasileira: conquistas dos últimos dez anos e perspectivas para o futuro” , a combinação de fatores como o aumento da renda média do trabalho, a significativa ampliação das políticas de transferência de renda, a estabilidade do nível de preços e a expansão do acesso ao crédito recuperou o poder de compra do brasileiro e contribuiu para a emergência da chamada “nova classe média”. Com esse novo contingente de consumidores, dotado de poder de compra ampliado e demandas reprimidas, o país assistiu a uma explosão de consumo, que impactou positivamente a demanda por bens da indústria em geral, incluindo a dos segmentos tradicionais de bens de consumo, como evidenciam as informações do Gráfico 1. CONSUMO FINAL DAS FAMÍLIAS DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE MERCADO DE 2009 – BRASIL, 2001-2009 (R$ MILHÕES)* 230.000 220.000 210.000 200.000 190.000 180.000 170.000 160.000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais. Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços do consumo final por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos e Usos das Contas Nacionais. *Em função das agregações das fontes de dados disponíveis, algumas estatísticas do presente trabalho contam com representações mais amplas dos setores. Os segmentos de HPPC e de móveis , por exemplo, incluem, respectivamente, a fabricação de produtos de limpeza e de produtos das indústrias diversas nas estatísticas das Contas Nacionais. 134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Como será visto nas próximas seções, o bom desempenho das vendas no mercado interno de produtos das atividades aqui analisadas não foi plenamente aproveitado pela indústria brasileira, em particular depois da crise financeira internacional, o que suscitou ações por parte do BNDES como resposta à perda de competitividade dos produtos nacionais ante os importados. Antes de detalhar questões relativas ao desempenho econômico propriamente dito dos setores em questão no Brasil, assim como as ações do BNDES, é necessário expor características dessa indústria que reportam sua importância para a economia do país. Relevância Segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA Empresa) do IBGE, o setor de bens de consumo tradicionais foi responsável por cerca de 12% do valor da transformação industrial e 11% do valor bruto de produção da indústria de transformação brasileira em 2010. Se essa participação já é relevante, o setor evidencia ainda mais sua importância na absorção de mão de obra. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que em 2010 o setor ocupou mais de 1,84 milhão de pessoas, o que representou 24% do emprego formal da indústria de transformação e 4% do total do emprego formal no Brasil. É importante salientar que a maior parte da mão de obra ocupada no setor encontra-se em MPMEs (Gráfico 2), em particular nos segmentos de produção de vestuário e móveis. Se por um lado esse atributo indica que o setor não se beneficia de economias de escala, por outro explica a elevada empregabilidade que é capaz de sustentar. As características desse setor também são importantes do ponto de vista do desenvolvimento regional. As indústrias tradicionais de bens de consumo dispõem de certa facilidade de se realocarem no espaço geográfico em resposta a mudanças nas condições econômicas. O baixo requerimento de capital e de obras civis, o dispêndio relativamente pequeno com treinamento da mão de obra e o baixo custo de transporte de insumos e produtos favorecem a disseminação e movimentação dessas atividades no espaço.3 Além disso, há nesses setores um grande número de peque- 3 Na década de 1990, por exemplo, uma das estratégias adotadas pela indústria de calçados brasileira para enfrentar a concorrência advinda da abertura comercial foi se realocar na Região Nordeste em busca de menores custos de mão de obra, entre outros incentivos. BENS DE CONSUMO 135 nas e médias empresas dispersas no território voltadas ao atendimento de mercados locais. Tais atributos permitem que os segmentos aqui analisados ofertem postos de trabalho tanto em áreas desenvolvidas como naquelas em que a renda é relativamente baixa e a infraestrutura apresenta deficiências, contribuindo para a redução das desigualdades regionais. O Gráfico 3 corrobora esse argumento ao demonstrar que a maior parte dos empregos formais dos setores tradicionais de bens de consumo encontra-se em cidades do interior (65% do total). Os segmentos de HPPC e bebidas são os mais concentrados nas capitais e regiões metropolitanas de capitais, enquanto ramos intensivos em trabalho, como vestuário, calçados e móveis, são interiorizados.4 Além disso, o Gráfico 4 evidencia que no intervalo de 15 anos, entre 1995 e 2010, o processo de desconcentração espacial dos setores tradicionais não cessou. O emprego formal dessas indústrias cresceu em todas as regiões brasileiras nesse período, com aumento da participação relativa das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR TAMANHO DAS FIRMAS – BRASIL, 2010 (%) 100 10 11 90 23 31 80 18 44 33 40 29 70 25 60 33 50 40 28 39 25 32 34 30 30 23 23 24 20 32 16 29 10 13 6 11 22 16 0 Bebidas Grande Têxteis Média Vestuário Pequena Calçados HPPC Móveis Total Micro Fonte: MTE/Rais. Nota: Classificação das empresas por número de empregados: micro – 1 a 19; pequena – 20 a 99; média – 100 a 499; grande – 500 ou mais. 4 Deve-se destacar que as empresas dos setores mais interiorizados, em particular as MPMEs, com frequência se concentram em sistemas produtivos locais de forma a se beneficiar de economias externas às firmas, mas internas ao sistema local a que pertencem. 136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO ENTRE AS CAPITAIS DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA, SUAS REGIÕES METROPOLITANAS (RMS) E CIDADES DO INTERIOR – BRASIL, 2010 500.000 450.000 400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 Bebidas Têxtil Capitais e suas RMs Vestuário Calçados HPPC Móveis Interior Fonte: MTE/Rais. DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR REGIÃO NATURAL – BRASIL, 1995, 2000, 2005 E 2010 (%) 100 1 2 90 12 1 3 1 3 16 18 1 4 20 80 29 70 32 32 60 31 50 40 30 56 48 20 46 44 2005 2010 10 1995 Norte Fonte: MTE/Rais. 2000 Centro-Oeste Nordeste Sul Sudeste BENS DE CONSUMO 137 Desempenho Em que pese a patente melhoria dos fundamentos da economia brasileira e o ciclo de crescimento verificado entre 2004 e a crise financeira internacional de 2008, os setores tradicionais de bens de consumo não acompanharam de maneira uniforme a performance da economia brasileira, motivando por parte do BNDES uma ação já em 2007, com o lançamento do Programa de Revitalização de Empresas (Revitaliza), cujos desembolsos ultrapassaram os R$ 3,2 bilhões até 2011. Por meio de informações contidas no Gráfico 5 e na Tabela 1, é possível distinguir dois grupos de produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo segundo seu desempenho econômico nos anos 2000. O primeiro deles, formado por produção de bebidas, HPPC e móveis, caracteriza-se por taxas médias de crescimento anual positivas entre 2001 e 2011, enquanto o segundo grupo, composto por têxteis, vestuário e calçados, por taxas negativas no período. No primeiro grupo, merece destaque o setor de bebidas, cuja produção de R$ 34 bilhões em 2001 passa a R$ 47,9 bilhões em 2011 – elevação média de 3,5% ao ano em termos reais. Depois de apresentar taxa média de crescimento anual negativa entre 2001 e 2003, o setor registra os melhores resultados entre as atividades analisadas. Tal fato o conduziu em 2009 à posição de setor mais relevante em relação ao valor de produção na classe dos bens tradicionais de consumo. Merece destaque também o setor de HPPC, tanto por ser o único que cresce a taxas médias anuais positivas em todos os recortes de tempo analisados, como pela variação real de 2,7% ao ano de sua produção entre 2001 e 2011. Já a produção de móveis apresentou taxa média anual de crescimento de 2,0%, obtendo em 2011 o maior valor de produção entre os setores analisados. Por sua vez, no segundo grupo, destaca-se negativamente o desempenho do setor de calçados, cujo valor de produção cai de R$ 23 bilhões em 2001 para R$ 16 bilhões em 2011 – variação de cerca de 30% em termos reais. Apesar de os setores de têxteis e vestuário terem alcançado resultados positivos durante o ciclo de crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008, o desempenho negativo nos períodos imediatamente anterior (2001 a 2003) e posterior (2009 a 2011) comprometeu o resultado global do período analisado. Em termos reais, a produção 138 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de têxteis decresceu, em média, 1,3% ao ano, enquanto a de vestuário caiu 1,7% ao ano. Por conseguinte, o valor da produção desses setores em 2011 tornou-se, respectivamente, 6,5% e 9,0% inferior ao observado em 2001. VALOR DA PRODUÇÃO A PREÇOS BÁSICOS DE BENS TRADICIONAIS (R$ MILHÕES DE 2009) 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 2001 2002 Bebidas 2003 Têxteis 2004 Vestuário 2005 2006 Calçados 2007 2008 HPPC 2009 2010* 2011* Móveis Fonte: IBGE/ Coordenação de Contas Nacionais. *Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF). Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos e Usos das Contas Nacionais. Como consequência do baixo desempenho econômico das indústrias em questão, cujo valor de produção conjunto a preços de 2009 mostrou certa estagnação (crescimento médio de apenas 0,36% ao ano entre 2001 e 2011), sua participação no total do valor de produção da indústria de transformação (que cresceu 2,17% ao ano no mesmo período) passou de 14% em 2001 para 11,6% em 2011. Haja vista o crescimento da renda e do consumo verificado no Brasil nos anos 2000, o baixo dinamismo da produção interna de bens tradicionais de consumo parece um contrassenso. Uma das maneiras de explicar esse fenômeno consiste em observar a penetração das importações no mercado nacional, isto é, analisar a dinâmica do market share da indústria nacional na demanda doméstica. Para tanto, o Gráfico 6, exibe o coeficiente de penetração de importações de bens tradicionais no mercado brasileiro. BENS DE CONSUMO 139 VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR DA PRODUÇÃO DE BENS TRADICIONAIS POR PERÍODO A PREÇOS DE 2009 (%) Produto (0,42) 4,49 5,38 3,37 !" (5,40) 4,24 (5,91) (1,28) # (5,11) 0,39 (1,83) (1,74) ' (2,43) (3,02) (3,90) (3,10) 0,23 3,80 1,72 2,25 ># (0,60) 3,78 1,66 1,99 (2,70) 2,57 (0,16) 0,36 0,24 4,16 0,85 2,17 ;<< '? Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais. *Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF). Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos e Usos das Contas Nacionais. @COEFICIENTE DE PENETRAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE 2007 – BRASIL, 2001-2011 (%) 25 20 15 10 5 0 2001 2002 2003 Indústria de transformação Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata. *Estimado. **Até set. 2011. 2004 Bebidas 2005 Têxteis 2006 2007 Vestuário 2008 Calçados 2009 2010* HPPC 2011** Móveis 140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Em todos os setores analisados, o coeficiente de importação cresceu ao longo dos anos 2000, mantendo-se, no entanto, abaixo do verificado para a indústria de transformação – com exceção do setor de têxteis que o ultrapassa em 2010. Para a maioria dos setores, nota-se uma clara aceleração da participação de importados na demanda doméstica a partir de 2009, fato que resulta da estratégia de acesso dos grandes exportadores globais aos mercados emergentes em face da desaceleração da demanda nas economias centrais depois da crise financeira internacional, da intensificação da presença chinesa no mercado internacional (uma vez que parte significativa desse processo ocorreu na década de 2000), da apreciação do Real e do nível das taxas de juros no Brasil, refletido no baixo dinamismo dos investimentos da indústria brasileira de bens tradicionais em capacidade produtiva. Dos setores em questão, o de produção de têxteis foi o que sofreu a maior perda de participação no mercado doméstico. Seu coeficiente de importação cresceu 16,6 pontos percentuais, passando de 6,0% em 2001 para 22,6% em 2011. Em seguida, o setor de vestuário, com uma das menores participações de importados (1,5% em 2001), obteve crescimento de 8,6 pontos percentuais, chegando a 10,1% em 2011. A situação descrita anteriormente sugere que parte dos benefícios gerados pelo aumento da renda e pela melhoria de sua distribuição – obtidos há pouco tempo no Brasil e consubstanciados como aumento de demanda de bens industrializados – está vazando de forma crescente para o exterior e que a indústria brasileira vem perdendo competitividade em relação à concorrência estrangeira no próprio mercado doméstico. Outro indicador, o coeficiente de exportações, que mede o percentual do valor de produção destinado à exportação, também evidencia a perda de competitividade dos produtos brasileiros, haja vista sua crescente dificuldade de inserção no exterior. O Gráfico 7 revela que o coeficiente de exportação da indústria de transformação brasileira cresceu apenas 2,7 pontos percentuais entre 2001 e 2011, passando de 12,3% para 15,0%. No caso dos bens de consumo tradicionais, a maioria de seus coeficientes de exportação se manteve abaixo do já diminuto coeficiente da indústria de transformação durante todo o período analisado. De fato, a maioria dos setores que compõem esse grupo já se caracterizava por apresentar baixa BENS DE CONSUMO 141 inserção externa em princípios dos anos 2000. No entanto, dos seis setores analisados, quatro desempenharam trajetórias declinantes no decorrer da última década, com destaque para o setor calçadista, cujo coeficiente de exportação caiu de 30,4% em 2001 para 14,3% em 2011. [COEFICIENTE DE EXPORTAÇÃO DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE 2007 – BRASIL, 2001-2011 35 30 25 20 15 10 5 0 2001 2002 2003 Indústria de transformação 2004 Bebidas 2005 Têxteis 2006 2007 Vestuário 2008 Calçados 2009 2010* HPPC 2011** Móveis Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata. * Estimado. ** Até set. 2011. O desempenho do comércio exterior brasileiro reflete de forma direta os resultados vistos anteriormente. O saldo da balança comercial dos bens tradicionais alcançou resultado positivo na primeira metade dos anos 2000. No entanto, a partir de 2006 os saldos comerciais começam a se deteriorar, convertendo-se em déficits em 2009. Os gráficos 8A, 8B, 8C, 8D, 8E e 8F deixam claro uma mudança no padrão do comércio exterior dos bens tradicionais analisados neste trabalho ao longo dos anos 2000. A despeito do crescimento contínuo do valor das importações em todo o período em questão, a maioria dos setores aumentou seu saldo comercial na primeira metade da década. Nos anos subsequentes, por outro lado, o valor das exportações tendeu a declinar, gerando déficits em quase todas as atividades ao fim do período. 142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS BALANÇA COMERCIAL DE BENS TRADICIONAIS – BRASIL, 2001-2011 (US$ BILHÕES) BEBIDAS - 1,20 -0,10 1,00 -0,20 -0,30 -0,40 0,60 -0,50 SALDO EXP., IMP. 0,80 -0,60 0,40 -0,70 0,20 -0,80 -0,90 - 2001 2002 Exportação 2003 2004 Importação 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Saldo TÊXTEIS 6,00 1,00 0,50 5,00 - -0,50 3,00 -1,00 2,00 -1,50 1,00 -2,00 - -2,50 2001 Exportação 2002 2003 Importação 2004 2005 Saldo 2006 2007 2008 2009 2010 2011 SALDO EXP., IMP. 4,00 BENS DE CONSUMO 143 VESTUÁRIO 2,00 0,4 1,80 0,2 - 1,60 -0,20 1,40 -0,40 -0,60 1,00 -0,80 SALDO EXP., IMP. 1,20 0,80 -1,00 0,60 -1,20 0,40 -1,40 0,20 -1,60 - -1,80 2001 2002 Exportação 2003 2004 Importação 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Saldo CALÇADOS 2,00 2,50 1,80 1,60 2,00 1,20 1,50 1,00 0,80 1,00 0,60 0,40 0,50 0,20 - 2001 Exportação 2002 2003 Importação 2004 2005 Saldo 2006 2007 2008 2009 2010 2011 SALDO EXP., IMP. 1,40 144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS HPPC 0,25 1,20 0,20 1,00 0,15 0,10 0,80 -0,10 0,60 -0,15 0,40 SALDO EXP., IMP. - -0,20 -0,25 0,20 -0,30 -0,35 2001 2002 Exportação 2003 2004 Importação 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Saldo 1,00 1,00 0,90 0,90 0,80 0,80 0,70 0,70 0,60 0,60 0,50 0,50 0,40 0,40 0,30 0,30 0,20 0,20 0,10 0,10 - 2001 2002 Exportação Fonte: MDIC/AliceWeb. 2003 Importação 2004 2005 Saldo 2006 2007 2008 2009 2010 2011 SALDO EXP., IMP. MÓVEIS BENS DE CONSUMO 145 As atividades de produção de calçados e móveis foram as únicas superavitárias durante os anos 2000. No entanto, o setor de calçados, o mais importante quanto à geração de superávit da pauta de exportações de bens tradicionais, experimenta saldos comerciais decrescentes desde 2005. Embora as vendas brasileiras do setor tenham se elevado na União Europeia e América do Sul, elas vêm decrescendo sistematicamente em seu principal destino: o mercado norte-americano. A situação desse setor ilustra bem os desafios impostos às indústrias tradicionais. Dados da UNCTAD mostram que em 2001 o Brasil exportou US$ 1,1 bilhão em calçados para os EUA, valor que decresceu até chegar a apenas US$ 238 milhões em 2011. No entanto, as importações americanas de calçados passaram de US$ 16 bilhões para US$ 22 bilhões no período. A análise das principais origens das importações americanas deixa claro que os produtos brasileiros perderam competitividade em relação aos asiáticos, em particular chineses, vietnamitas e indonésios. Chama a atenção o valor das exportações de calçados do Vietnã aos EUA, que em 2001 foi de apenas US$ 140 milhões (11% do valor então vendido pelo Brasil aos EUA) e chegou a US$ 1,72 bilhão em 2011 (quatro vezes superior ao valor das vendas brasileiras aos EUA). Em que pese o crescimento das exportações brasileiras para outros parceiros importantes, atributos como as vantagens competitivas de custos (mão de obra, insumos, economias de escala), câmbio artificialmente desvalorizado e estratégias comerciais agressivas de países como China, Vietnã, Indonésia, Malásia e Índia vêm impondo uma perda sistemática de participação do Brasil nesses mercados. No que tange aos setores de têxteis e vestuário, principais responsáveis pelo resultado negativo da balança comercial brasileira do setor de bens tradicionais, a situação é ainda mais severa, uma vez que a competição com os asiáticos, em particular no mercado interno, está produzindo crescentes déficits. Deve-se destacar que os produtos com maior participação na pauta brasileira de importações de têxteis são fibras e fios sintéticos e artificiais, enquanto os mais importantes da pauta exportadora são os fios e fibras de algodão. Segundo Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) (2009), o elo da indústria química é frequentemente apontado como responsável pela baixa competitividade brasileira de produtos derivados de fibras sintéticas. De fato, a 146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS indústria nacional de fibras e filamentos químicos não dispõe de oferta adequada à cadeia têxtil-vestuário. Dados da Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas (ABRAFAS) demonstram que as importações respondem por cerca de 50% do consumo aparente de fibras químicas no Brasil. Uma vez que o uso de produtos têxteis e confeccionados derivados de fibras químicas revela tendência de crescimento, o bom desempenho das exportações brasileiras de têxteis derivados do algodão – segmento em que o país é competitivo – não vem sendo capaz de compensar a importação de fios e fibras artificiais e sintéticas. No entanto, a entrada em operação dos investimentos previstos para o complexo industrial Petroquímica Suape, integrado pela Companhia Petroquímica de Pernambuco e Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco, deverá mitigar esses resultados, na medida em que sua produção poderá suprir grande parte da demanda de poliéster do Brasil. Somam-se a isso outros investimentos anunciados, como os da empresa Invista, que contribuirão para a melhoria da balança comercial do setor. Por outro lado, os crescentes déficits do setor de vestuário, advindos de queda das exportações e aumento das importações, não são explicados por deficiências da oferta interna de insumos. O país está paulatinamente perdendo competitividade em custos relativamente aos produtos asiáticos. A aceleração de importações verificada a partir de 2005 é explicada, sobretudo, pela compra de commodities confeccionadas a partir de fibras de algodão, como camisas, camisetas e jeans básicos. Por fim, vale frisar que os saldos negativos do setor de bebidas têm, em parte, natureza estrutural. A importação de um dos principais insumos para a produção de cerveja, o malte de cevada, representa aproximadamente 50% do valor importado pelo setor. Segundo a Embrapa Trigo, há somente três maltarias instaladas no país, cuja produção satisfaz apenas 30% da demanda da indústria cervejeira nacional.5 Apesar de o Brasil dominar a tecnologia de produção da cevada, áreas disponíveis e demanda crescente, de acordo com Minella (1999) a oferta nacional não se expande por diversas razões: preferência da indústria cervejeira por importação em função da instabilidade das safras brasileiras quanto a rendimento e qualidade, 5 <http://www.cnpt.embrapa.br/culturas/cevada/index.htm>. BENS DE CONSUMO 147 ausência de mercado alternativo para cevada fora do padrão malte, alto custo de produção, mão de obra pouco qualificada, infraestrutura de recebimento, secagem e armazenamento deficientes e baixa competitividade em preço ou qualidade perante o mercado internacional. O apoio do BNDES O BNDES manteve nos últimos dez anos uma política de permanente apoio às indústrias tradicionais. Conforme será visto a seguir, os números do Banco refletem de modo amortecido a dinâmica macroeconômica do país, bem como as características da estrutura produtiva nacional, com grande aumento dos desembolsos aos setores tradicionais aqui estudados a partir de 2007. O Gráfico 9 mostra que entre 2001 e 2007 os investimentos da indústria tradicional oscilaram pouco, sem revelar nenhuma tendência, em torno de um patamar relativamente baixo, o que se explica pelo comportamento cauteloso da indústria, uma vez que a sustentabilidade da retomada do crescimento econômico permaneceu incerta nesse período: o crescimento econômico de 2004 e de 2005 não foi suficiente para elevar de forma significativa o grau de confiança dos investidores brasileiros, tradicionalmente avessos ao risco, depois de três anos consecutivos de conjuntura econômica ruim, com a crise energética de 2001, o forte repique inflacionário de 2002 – ano em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 12,53% de variação anual) – e o ajuste recessivo que orientou a política econômica de 2003.6 Apesar da crise internacional, o período entre 2008 e 2011 mostra certa tendência de expansão dos desembolsos, sempre situados em um nível mais alto do que a média da primeira metade da década. Os desembolsos de cada ano refletem projetos concebidos e negociados no biênio anterior, de modo que o salto observado em 2008 já espelha a persistente melhoria das condições macroeconômicas ocorrida entre 2004 e 2007, bem como iniciativas como o lançamento do Programa Revitaliza (2007). 6 Além disso, ainda em dezembro de 2005 o Banco Central do Brasil apresentava como meta para a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) 18% a.a. (valor que foi de 17,75% em dezembro de 2004, de 16,5% em 2003 e de 22% em dezembro de 2002). Somente em 2006 a taxa desempenharia uma trajetória de forte declínio (caindo para 13,25% em dezembro de 2006 e para 11,25% em dezembro de 2007). 148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS DESEMBOLSOS DO BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO, BRASIL, 2001-2011 (R$ MILHÕES DE 2011)* 6.000 5.000 R$ MILHÕES 4.000 3.000 2.000 1.000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Fonte: BNDES. * Valores deflacionados pelo IGP-M. O apoio do BNDES mostra grande capilaridade, beneficiando empresas de todos os portes. Conforme ilustra o Gráfico 10, a participação de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) das indústrias tradicionais de bens de consumo no número de operações e valor desembolsado pelo BNDES cresceu substancialmente no decorrer dos anos 2000. Vale frisar que entre 2001 e 2011 o valor desembolsado às MPMEs desses ramos quase dobrou em virtude de melhorias de condições e do desenvolvimento de produtos como o Cartão BNDES, concebidos para facilitar o acesso das empresas de diversos portes aos recursos da instituição. O Gráfico 11 mostra a grande diversidade de produtos financeiros que o Banco oferece à indústria, buscando atender às distintas necessidades de funding com soluções apropriadas. 149 BENS DE CONSUMO PARTICIPAÇÃO DE MPMES NO NÚMERO DE OPERAÇÕES E NO VALOR DESEMBOLSADO PELO BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO – BRASIL, 2001-2011 (%) 100 97 90 80 70 65 60 50 40 36 30 20 19 10 0 2001 2002 2003 Número de operações 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Valor dos desembolsos Fonte: BNDES. Nota: O BNDES define como MPMEs as empresas cuja Receita Operacional Bruta anual é inferior ou igual a R$ 90 milhões. DESEMBOLSOS DO BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR GRUPO DE PRODUTOS, BRASIL – 2001-2011 (%) 100 1 6 90 17 27 24 80 3 11 39 18 4 2 11 14 3 36 8 7 24 22 57 70 19 43 34 50 11 18 19 18 60 11 29 23 25 28 29 42 40 18 30 13 14 16 52 41 20 13 36 26 24 23 10 16 21 15 12 35 23 19 2001 2002 Outros Cartão BNDES Fonte: BNDES. 2003 2004 BNDES Exim 2005 BNDES Finame 2006 2007 BNDES Automático 2008 2009 BNDES Finem 2010 2011 150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Os dados do Gráfico 12 mostram que a atuação do BNDES também reflete a relevância das indústrias tradicionais na economia brasileira. Além de responder por uma fatia relevante dos desembolsos à indústria de transformação, o peso desses setores apresenta duas fases recentes de crescimento: a primeira, entre 2006 e 2008, foi interrompida pela crise internacional, sendo imediatamente seguida por novo triênio de crescimento, ainda mais expressivo, entre 2009 e 2011. PARTICIPAÇÃO DAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NOS DESEMBOLSOS DO BNDES À INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO E NOS DESEMBOLSOS TOTAIS, BRASIL – 2001-2011 (%) 16 14 12 10 8 6 4 2 0 2001 2002 2003 Em relação à indústria de transformação 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Em relação ao total Fonte: BNDES. 3. A DÉCADA DE 2010: DESAFIOS E PERSPECTIVAS << #< O decênio iniciado em 2011 caracteriza-se por certo antagonismo entre o cenário internacional, com grande incerteza (ainda relativa à crise iniciada no já longínquo BENS DE CONSUMO 151 ano de 2008), e o quadro doméstico, no qual a manutenção de taxas de crescimento de cerca de 4% ao ano é esperada pela maior parte dos analistas.7 As linhas gerais do atual modelo econômico brasileiro demonstram certa robustez. Aqui, o cenário considerado mais provável é o de poucas alterações nas políticas relativas à recuperação do poder de compra do salário mínimo, à paulatina expansão dos programas de garantia de renda mínima, como o Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria, e à construção de moradias populares, como o Programa Minha Casa, Minha Vida. Em um contexto de estabilidade das taxas de inflação, equilíbrio das contas externas e melhoria dos indicadores da dívida pública, tal modelo econômico pode tornar os anos 2010 a segunda década consecutiva de crescimento econômico com distribuição de renda no Brasil, o que aprofundaria o processo de constituição de um amplo mercado consumidor doméstico. Mesmo para atender apenas a uma parte da expansão da demanda interna brasileira, as empresas nacionais precisarão cumprir uma intensa agenda de investimentos. Nesse aspecto, uma política monetária que conduza a taxa de juros básica da economia a uma queda sustentável (ou seja, sem gerar aceleração inflacionária)8 poderá criar condições financeiras favoráveis aos negócios, permitindo que os investimentos necessários sejam realizados. De fato, boas condições macroeconômicas podem permitir investimentos voltados para o mercado interno. É preciso, contudo, citar ao menos dois aspectos importantes que ultrapassam essa visão excessivamente simplificada: mudanças no padrão de qualidade da produção nacional e prospecção de oportunidades também no front externo, apesar do quadro de incerteza da economia internacional. A evolução recente da renda no Brasil caracteriza-se por crescimento e distribuição, como visto na seção “A economia brasileira: conquistas dos últimos dez anos e perspectivas para o futuro”. Tal quadro vem gerando mais do que um 7 No caso do Relatório de Mercado Focus, organizado pelo Banco Central do Brasil (de 29.6.2012), por exemplo, as expectativas dos agentes consultados mostram mediana de 2,05% e 4,2% de crescimento do PIB em 2012 e em 2013, respectivamente, com variação do IPCA de 4,9% e 5,5%. 8 Durante a década de 2000, foi constatada a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros sem causar descontrole inflacionário no longo prazo: embora a taxa Selic tenha caído de 19,00% a.a. para 10,75% a.a. entre 1999 e 2010, a inflação medida pelo IPCA também caiu no período, passando de 8,94% para 5,91% (fonte: Ipeadata). 152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS simples aumento da demanda doméstica: o perfil do consumo vem se sofisticando, reposicionando o consumidor brasileiro em faixas crescentes de qualidade, preço e segmentação, o que abre espaço para empresas dispostas a explorar as novas exigências do mercado doméstico. Em um cenário em que a renda brasileira continue aumentando e sendo mais bem distribuída ao longo de toda a década de 2010, o espaço para produtos baratos, padronizados e de baixa qualidade, ao fim do período, terá se reduzido significativamente no país. No que se refere ao mercado internacional, o cenário de crise e incerteza não impede que oportunidades pontuais sejam perseguidas e aproveitadas. Embora a política econômica de alguns dos principais parceiros da América Latina inclua diversas práticas de cunho protecionista, também nelas se observam, em maior ou menor grau, recuperação econômica e distribuição de renda. Além disso, enquanto a possibilidade de comércio se restringe, as estratégias de internacionalização continuam recebendo boa acolhida nesses países. Ainda em relação aos parceiros históricos da indústria brasileira de bens tradicionais de consumo, há que se destacar que a crise internacional se deslocou de seu epicentro original, sendo hoje menos aguda nos EUA do que na Europa. No que se refere a novas fronteiras para o comércio exterior brasileiro, destinos como o Oriente Médio e a África não podem ser ignorados. \ A complexidade que marca a conjuntura atual abre espaço para inúmeras estratégias, cabendo às empresas, guiadas por aspectos microeconômicos e por distintos níveis de excelência gerencial, o papel de tomar decisões, realizar escolhas, implementar projetos e correr riscos. Como forma de organizar a análise prospectiva aqui proposta, dois modelos estilizados serão comentados, embora se enfatize o reconhecimento de que há outras possibilidades, até mesmo de formas híbridas. A primeira estratégia a ser exposta, destacada como mais promissora e merecedora de atenções crescentes por parte do BNDES, é baseada em competição por diferenciação, com investimentos associados sobretudo a marketing, design, BENS DE CONSUMO 153 qualidade e inovação [Teixeira Junior et al. (2012)], enquanto a segunda é focada em redução de custos, tendo por base investimentos em inovação, minimização do custo do trabalho, otimização de processos, excelência em logística, ganhos de escala, planejamento tributário, modernização de instalações e eficiência gerencial. Ao buscar graus crescentes de diferenciação, consolidando marcas, aprimorando a qualidade e projetando minuciosamente seus produtos, as empresas que adotarem o primeiro tipo de estratégia estarão mais ligadas às tendências que vêm sendo observadas na sociedade brasileira. Trata-se de um caminho em que a maior parte do esforço é interna à empresa, havendo, portanto, menor dependência em relação às iniciativas governamentais, concentradas em itens como o aprimoramento dos instrumentos de proteção à propriedade industrial e a própria manutenção da conjuntura macroeconômica favorável. Ainda em relação ao papel do setor público, destaque-se o apoio aos investimentos em inovação, aqui entendida em seu significado mais amplo. Nesse aspecto, ressalte-se a agressiva agenda de aprimoramento de instrumentos de apoio financeiro a investimentos em inovação e design que o BNDES vem cumprindo desde 2011. Produzir segundo altos padrões de qualidade, pesquisar tendo em vista a correta segmentação de mercado e gerenciar marcas são tarefas que envolvem complexos desafios gerenciais, como: seleção, treinamento e gestão de mão de obra especializada, para a qual restrições salariais são prejudiciais e devem dar lugar a sofisticados mecanismos de incentivo; profissionalização do design, com investimentos em pesquisa e prototipagem; domínio das ferramentas da economia do conhecimento, do gerenciamento de ativos intangíveis e dos esforços ligados a marketing; e controle dos canais de distribuição e de comercialização [Costa e Rocha (2009); Guidolin, Costa e Rocha (2010)]. Às competências peculiares às atividades de maior valor agregado juntam-se todos os condicionantes convencionais típicos das empresas que competem via custos. Trata-se, portanto, de uma estratégia que requer fôlego, envolve riscos e exige planos de investimento complexos e multifacetados. Como prêmio, tal estratégia tem a oferecer as vantagens seguintes: ] posicionamento alinhado às tendências da demanda brasileira; 154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS ] possibilidade de conquistar nichos do mercado internacional; ] menor exposição às ameaças asiáticas, mais ligadas a custos. A segunda estratégia, por sua vez, mostra maior equilíbrio entre a importância das ações internas às empresas e a das iniciativas governamentais. Em relação às empresas, esforços ligados à otimização de processos, ganhos de eficiência e profissionalização gerencial, que via de regra a indústria brasileira vem perseguindo infatigavelmente desde a abertura comercial de 1990, juntam-se a tarefas mais desafiadoras, como a conquista de mercados que viabilizem escalas competitivas, a inserção em cadeias produtivas globais, o deslocamento da produção para regiões de menor custo do trabalho e a negociação com fornecedores em bases vantajosas. Uma queda significativa de custos passa ainda por temas complexos, como a agenda tributária, os gargalos que constituem o chamado “custo Brasil” e a equiparação das taxas de juros reais praticadas no mercado financeiro nacional às observadas na esfera internacional (que, em vários países, atualmente é negativa). As empresas que optarem por enfatizar esforços ligados a reduções de custos, mantendo-se no segmento de produtos de menor valor agregado e de baixo ou médio grau de qualidade, terão pela frente a competição direta com produtores asiáticos, como China, Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã. Embora tais países venham revelando grande dinamismo social, conforme ilustra a evolução da renda per capita chinesa (que decuplicou nos últimos vinte anos), parte de sua competitividade ainda se mostra ligada a condições trabalhistas e ambientais cuja replicação no país representaria um retrocesso que não seria tolerado pela sociedade brasileira. Além disso, a competitividade de tais países beneficia-se de práticas comerciais e de políticas cambiais, monetárias e fiscais que não encontram eco no Brasil. De fato, a renda per capita dos países asiáticos acima citados raramente alcança a metade da cifra brasileira, o que indica os distintos estágios em que as nações em questão se encontram. Há, entretanto, vantagens locais que dão fôlego ao produtor brasileiro. O melhor conhecimento da complexa malha cartorial, jurídica e tributária do país, a proximidade com varejistas e fornecedores [Guidolin, Costa e Nunes (2009)], a perda de agilidade dos competidores asiáticos causada pela distância intercontinental que separa o Brasil da Ásia e a necessidade de pagar impostos alfandegários são exemplos BENS DE CONSUMO 155 de fatores que oferecem ao produtor nacional certa margem de vantagem. Além disso, é possível que em 2020, depois de dez anos de avanços sociais, encontre-se reduzido também nos países asiáticos o espaço para certas práticas. Ademais, se o ativismo macroeconômico se mostrar de fato insustentável por grandes períodos, a partir de 2020 os diferenciais asiáticos de competitividade talvez se restrinjam a elementos estruturais, como as economias de escala proporcionadas pela atuação em nível mundial e a ampla diversidade de sua rede local de fornecedores. ' A apresentação de diversas ameaças à indústria nacional de bens tradicionais de consumo permeia este texto. Além das incertezas econômicas próprias ao capitalismo, da firme ascensão dos competidores asiáticos, da adoção de práticas protecionistas por parte de parceiros comerciais importantes e da crise internacional, há os desafios de natureza operacional e gerencial, que estão presentes em qualquer implementação de projeto. Há, ainda, outros desafios a serem considerados. Submetida a uma série de transformações simultâneas, a economia brasileira passará por um duro teste. Caso parte da produção industrial se torne menos intensiva em trabalho e demandante de mão de obra especializada, tal mutação afetará setores que respondem pelas maiores parcelas do emprego industrial no Brasil, exigindo das empresas a introdução de novos métodos de gerenciamento de recursos humanos, dos trabalhadores, pesado esforço em treinamento e capacitação e do governo, políticas públicas que mitiguem os custos sociais de tais mudanças. Mais amplamente, se a transição de uma economia agrário-exportadora para uma sociedade urbana e industrial deixou profundas marcas na história do país entre 1930 e 1980, fazendo das quatro últimas décadas do século XX, em um primeiro momento, décadas de crise política e institucional (1960-1980) e, a seguir, de crise econômica e social (1980-2000), cabe indagar sobre os custos envolvidos na transição para uma economia do conhecimento ora em curso, baseada em serviços, ativos intangíveis e inovação. 156 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS << Em meio às várias oportunidades que se abrem, aos grandes desafios que surgem e à multiplicidade de possíveis estratégias, o BNDES vê sua atuação como decisiva. O período 2000-2020 poderá marcar dois grandes ajustes na trajetória do Banco: relativo à primeira década do século, um dos ajustes levou a um redimensionamento que o tornou novamente compatível com as necessidades da economia brasileira; para a segunda década, o outro ajuste passará menos pelo tamanho do que pela forma de atuação, cada vez mais associada a inovação, design e investimentos em intangíveis. Em razão da complexidade da conjuntura que se apresenta, o BNDES vem se preparando para ser tanto um banco quanto um think tanker, analisando projetos e formulando políticas de apoio ao desenvolvimento econômico brasileiro. A sua reconhecida expertise em análise de projetos deverá ser acrescentado um grande esforço de divulgação e interlocução com empresas e associações. Os produtos, as linhas e os programas do Banco precisarão refletir a complexidade do desafio. Por ser necessário oferecer soluções de crédito a empresas de diversos portes, será crescente a importância do Cartão BNDES e das operações do Finame e do BNDES Automático; pela necessidade de contemplar as distintas realidades setoriais e temáticas, também serão de especial valor os programas especiais do BNDES, como o Revitaliza ou novos programas voltados especificamente aos investimentos em design e moda; por várias estratégias serem válidas, as linhas de crédito tradicionais terão uma função horizontal a cumprir; e pelas dificuldades que cercam os investimentos em inovação, design, moda e marketing, os ativos intangíveis tenderão a ocupar uma natural posição de destaque no âmbito do BNDES. 4. CONCLUSÃO Este artigo procurou evidenciar a natureza dual e complexa que caracteriza tanto o histórico da última década quanto as perspectivas da próxima, ao menos no que se refere à indústria brasileira de bens tradicionais de consumo. BENS DE CONSUMO 157 Os setores aqui estudados respondem por parcelas muito significativas do emprego industrial e do PIB, sendo, portanto, de grande importância para o bom funcionamento da economia brasileira. No entanto, seu crescimento recente vem sendo inferior à expansão da demanda interna, abrindo espaço para importados e perdendo market share no mercado doméstico. Embora ainda ostente grande domínio do mercado brasileiro, tais indústrias vêm perdendo competitividade no âmbito interno (sem apresentar ganhos significativos em parâmetros internacionais). O bom momento da economia brasileira, com crescimento econômico, distribuição de renda e equilíbrio macroeconômico, abre excelentes perspectivas para os produtores nacionais. Contudo, o recrudescimento da concorrência estrangeira (sobretudo asiática) é uma ameaça, até mesmo no próprio mercado doméstico. Parte da indústria tende a aprofundar suas apostas em produtos diferenciados, de melhor qualidade e maior valor agregado, o que implicará a criação de vagas de trabalho de maior remuneração e investimentos em inovação, traços inegavelmente positivos. No entanto, a rapidez com que grandes contingentes de trabalhadores de menor qualificação serão treinados para as novas tarefas ou empregados em outros setores determinará o nível de estresse social causado por esse tipo de mudança. Além disso, investimentos em inovação envolvem dificuldades que parte do meio empresarial ainda não se mostra apta a enfrentar. Quanto às empresas que optarem por estratégias baseadas em otimização de processos e liderança em custos, mantendo-se na produção de bens de baixo valor, há um leque de iniciativas empresariais, políticas públicas e vantagens locais que lhes dão certo fôlego na luta direta que travam contra os concorrentes estrangeiros. No entanto, há limites que as impedem de lançar mão de elementos trabalhistas, ambientais ou concernentes à política econômica que beneficiam seus competidores largamente. A América Latina é um campo propício para que as grandes empresas brasileiras se internacionalizem, ganhando escala, aumentando sua capacidade financeira e adensando suas redes de parceiros. Por outro lado, as exportações brasileiras esbarram em um protecionismo crescente, tarifário ou não tarifário. Tal dualidade confere ao futuro próximo da indústria brasileira de bens tradicionais de consumo a marca da incerteza. Se a última década foi de avanços modes- 158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS tos, estagnação ou retrocessos, a próxima será de grande movimentação, apostas empresariais e busca por inovações e mudanças. Trata-se de uma época que combina, em doses semelhantes, ameaças e oportunidades. REFERÊNCIAS ABDI – AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Estudos Setoriais de Inovação: Indústria Têxtil e de Vestuário. Belo Horizonte, 2009. APICCAPS – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS INDUSTRIAIS DE CALÇADOS, COMPONENTES, ARTIGOS DE PELE E SEUS SUCEDÂNEOS. World Footwear Yearbook, Porto, 2011. COSTA, A. C. R.; ROCHA, E. R. P. Panorama da cadeia produtiva têxtil e de confecções e a questão da inovação. BNDES Setorial, 29. Rio de Janeiro: BNDES, 2009, p. 159-202. COSTA, A. C. R.; MONTEIRO FILHA, D. C.; GUIDOLIN, S. M. Inovação nos setores de baixa e média tecnologia. BNDES Setorial, 33. Rio de Janeiro: BNDES, 2011, p. 379-420. CSIL-Milano – CENTRE FOR INDUSTRIAL STUDIES. World furniture outlook 2011/2012. Milano, 2011. GUIDOLIN, S. M.; COSTA, A. C. R.; NUNES, B. F. Conectando indústria e consumidor: desafios do varejo brasileiro no mercado global. BNDES Setorial, 30. Rio de Janeiro: BNDES, 2009, p. 3-61. GUIDOLIN, S. M.; COSTA, A. C. R.; ROCHA, E. R. P. Indústria calçadista e estratégias de fortalecimento da competitividade. BNDES Setorial, 31. Rio de Janeiro: BNDES, 2010, p. 147-184. IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial. Brasil Têxtil – Relatório setorial da indústria têxtil brasileira. São Paulo, 2011. MINELLA, E. Cevada brasileira: situação & perspectivas. Embrapa Trigo: Comunicado Técnico online, n. 23, 1999. Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_ co23.htm>. BENS DE CONSUMO 159 PROJETO PIB. Sistema Produtivo Bens Salários. Móveis e artefatos plásticos. Coord. Renato Garcia. Relatório de Pesquisa. Convênio IE-UFRJ/IE-Unicamp/BNDES, 2009. TEIXEIRA JUNIOR, J. R. et al. Design estratégico: inovação, diferenciação, agregação de valor e competitividade. BNDES Setorial, 35. Rio de Janeiro, BNDES, 2012, p. 333-368. Marina Moreira da Gama* * Economista do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial do BNDES. A autora agradece as importantes contribuições de Gustavo Mello, Marcelo Goldenstein e Luciane Gorgulho, do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial, e de Patrícia Zendron, da Superintendência da Área Industrial BNDES. ECONOMIA CRIATIVA 161 RESUMO O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se por perda relativa da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufatura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a inovação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para que ele cresça equilibradamente. O importante a se notar é a pouca ou nenhuma atenção dada ao conteúdo criativo comparativamente à inovação. É preciso entender que a produção de conteúdo criativo gera emprego, renda e, além de criar propriedade intelectual própria, cria também propriedade industrial derivada da inovação nele embarcada. O objetivo do artigo é, então, evidenciar a importância das atividades criativas para o desenvolvimento, destacando tanto sua capacidade de geração de riqueza quanto a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento que desejam aumento de competitividade. ABSTRACT The post-industrialization process that began in the 1980s in developed countries and in the 1990s in the developing countries was characterized by a relative drop in industrial participation in national product and an increase in the services sector. As the services sector is less dynamic than the manufacturing sector, what can be done to ensure sustained growth? The alternative, adopted by many developed countries, has been to invest in innovative activities and industrial service sectors of high added value. Among these, we can highlight the knowledge and creativity industry. In the post-industrial world, innovation and creativity give companies a competitive edge to help the country grow in a balanced fashion. The important 162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS thing to note is that little or no attention is given to creative content when compared to innovation. It must be understood that the production of creative content generates employment, income, and, besides creating intellectual property, it also creates industrial property deriving from inherent innovation. The aim of this paper is to highlight the importance of creative activities for development, highlighting both its ability to generate wealth and the opportunity open to developing countries wishing to increase their competitiveness. ECONOMIA CRIATIVA 163 1. INTRODUÇÃO O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se pela perda relativa da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufatura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a inovação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para que ele cresça equilibradamente. O objetivo deste artigo é evidenciar a importância das atividades criativas para o desenvolvimento, destacando-se por um lado sua capacidade de geração de riqueza e por outro a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento que desejam aumento de competitividade. No caso brasileiro, essa oportunidade é latente, mas só recentemente o país vem construindo políticas públicas para incentivar tais atividades. Em seus sessenta anos de existência, o BNDES sempre se preocupou em ser vanguardista em sua política industrial. Foi assim com os primeiros investimentos na indústria de bens manufaturados, de insumos básicos, de capital e de infraestrutura. A aposta agora é o mundo intangível da inovação e do conteúdo criativo. Dessa forma, o trabalho se divide em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte, é realizada uma revisão teórica sobre o processo de desindustrialização que vem ocorrendo em alguns países e seus impactos sobre o crescimento daqueles que ainda não atingiram um nível de renda adequado. Evidencia-se a importância da inovação e da produção de conteúdo criativo para o desenvolvimento em tempos modernos. Na segunda parte, são levantados os números relativos à geração de renda e emprego para as atividades criativas em alguns países selecionados, como o Reino Unido e o Brasil. No caso brasileiro, este trabalho levantou os dados de emprego formal para o núcleo da 164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS atividade criativa, segundo a Rais, chegando a uma proxy de sua contribuição para o PIB do país. Por fim, na terceira e última parte, são descritas as ações do Banco em relação à indústria criativa. 2. AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO Atualmente, existe um debate sobre quais atividades econômicas são as mais aptas para impulsionar o crescimento dos países, uma vez que o mundo entrou na era de pós-industrialização e algumas das atividades de produção manufatureira em massa foram substituídas por outras ou passaram a ser produzidas em outras regiões [Bell (1999)]. Até os anos 1980, esse debate não existia, já que o crescimento dos países era impulsionado pela manufatura tradicional. A industrialização é um fator indutor do crescimento econômico [Kaldor (1960)], já que é o setor mais dinâmico e difusor de inovações, no qual as inter-relações da indústria manufatureira com os outros setores induzem a um aumento de produtividade dentro e fora dela em virtude de seus rendimentos crescentes. Assim, a indústria tende a gerar crescimento pois: (i) seus efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva são mais fortes; (ii) tem rendimentos crescentes: a produtividade na indústria é uma função crescente da produção industrial – “lei de Kaldor-Verdoorn”; (iii) produz mudança: o progresso tecnológico é difundido por meio do setor manufatureiro; (iv) a elasticidade-renda dos bens manufaturados é maior do que a elasticidade-renda de commodities e produtos primários, tornando a industrialização necessária até mesmo, e sobretudo, para aliviar o balanço de pagamentos [McCombie e Thirlwall (1994); Thirlwall (2005)].1 O problema que gerou o atual debate derivou do fato de essa industrialização, considerada indutora do crescimento econômico, ter caminhado para um estágio de estagnação ou até mesmo de redução de participação no Produto Interno Bruto 1 Em resumo, é a indústria que serve como propulsora do desenvolvimento econômico não apenas porque é ela quem oferece os maiores ganhos de produtividade para si mesma, mas também porque cria os meios para que as demais atividades, em graus variados, se mecanizem. ECONOMIA CRIATIVA 165 (PIB). A evolução do PIB, considerando-se os setores, tende, nos países que passam por processos de crescimento econômico, a atravessar uma sequência típica de três fases [Rowthorn e Ramaswany (1999); Tregenna (2009)]. Na primeira fase, há uma queda na participação do setor primário (agropecuária) no produto total, resultante do aumento da produtividade no campo (derivado da mecanização e da fertilização), gerando alocação da mão de obra para as cidades (setores secundário e terciário). A segunda fase é caracterizada pela industrialização propriamente dita: a redução da participação do setor primário é compensada inicialmente por grande expansão da indústria e, em menor medida, pelo aumento dos serviços. Conforme a produtividade industrial cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse setor começa a liberar a mão de obra para o setor de serviços. Posteriormente, na terceira fase, o setor de serviços apresenta crescimento lento, mas contínuo, no produto agregado. Essa fase mais tardia é comumente chamada de fase de “pós-industrialização”, ou até mesmo de “desindustrialização” no caso de haver queda relativa da produção da indústria em relação à produção total [Palma (2005)]. Assim, conforme a produtividade industrial cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse setor libera mão de obra para o setor de serviços e, em alguns casos, também aloca mão de obra para atividades produtivas “novas” [Tregenna (2009); Oureiro e Feijó (2010)]. É muito mais do que uma transição de manufatura para serviços: é o aumento relativo do investimento em serviços e intangível em relação ao investimento industrial [Work Foundation (2009)]. Essa última fase da sequência, de queda no emprego industrial, mesmo que relativa, vem gerando temor em diversos países, como aqueles da OCDE, onde o emprego na indústria respondia, até recentemente, por elevadas parcelas do emprego total.2 Por exemplo, a percentagem do emprego industrial no emprego total na Grã-Bretanha caiu de 35% em 1970 para 14% nos anos 1990; nos EUA, de cerca 2 Estudos indicam que esse processo de desindustrialização ocorreu em alguns países desenvolvidos quando o PIB per capita nacional passou a atingir a faixa de US$ 10 mil a US$ 12 mil nos anos 1980 [Palma (2005)]; Rowthorn e Ramaswamy (1999)]. 166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS de 25% para 10%; na Alemanha, de 40% para 23% [Bonelli (2008)]. Apesar da perda relativa da participação da indústria no PIB, a produção manufatureira cresceu, especialmente nos EUA – pelo menos até recentemente (2007). A “desindustrialização” acabaria ocorrendo por alguns motivos, mais ou menos influentes, dependendo de cada país, de sua estrutura produtiva e da inserção no comércio internacional. O primeiro motivo é uma significativa redução na elasticidade-renda da demanda por produtos industriais, que ocorre quando o país alcança certo patamar de renda e sua população já realizou o consumo de massa “básico”. O segundo é o rápido aumento de produtividade na indústria manufatureira (pelo menos em alguns setores), especialmente relacionado à introdução de novas tecnologias, economias de escala e especialização. Outro motivo é a terceirização de atividades antes executadas no interior das fábricas, que resulta na diminuição do uso de mão de obra direta por unidade de produção industrial. Por fim, o último é a nova divisão internacional do trabalho, que aloca as atividades que empregam mão de obra industrial menos qualificada para os países em desenvolvimento [Tregenna (2009)]. De qualquer forma, na pós-industrialização, haveria uma migração de mão de obra para atividades tanto relacionadas ao setor de serviços quanto ao setor industrial mais “novo”, inovador. O problema, então, derivaria do fato de essas atividades, especialmente as relacionadas a serviços, não disporem do dinamismo esperado para impulsionarem o crescimento econômico tal qual a manufatura tradicional, sobretudo em países de renda média que ainda não convergiram para os níveis de renda dos países altamente industrializados, de alta renda [Palma (2005)].3 Os fatores-chaves para que essas atividades tenham dinamismo são a produção relacionada a bens com alta elasticidade-renda da demanda e a habilidade para a criação de novos produtos, processos e mercados. Assim, na “nova economia”, seria necessário induzir a participação das atividades inovadoras e de alto 3 A Fiesp (2008) estimou, com dados do Banco Mundial para 26 países de 1975 a 2005, a contribuição do crescimento médio do setor de serviços e da indústria para o crescimento médio do PIB: é necessário um crescimento de serviços de 1,14% para se obter um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem do setor de serviços para o PIB é de 0,87; e basta um crescimento industrial de 0,89% para se obter um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem é de 1,12. ECONOMIA CRIATIVA 167 conteúdo de informação, conhecimento e criatividade [Bell (1999)]. Dessa forma, para sustentar o dinamismo da economia, seria necessário manter os investimentos nas atividades mais dinâmicas (como as de alta tecnologia, com capacidade de produzir e difundir inovações e externalidades intrassetoriais) [Thirlwall (2005)] e nos setores que geram alto valor adicionado, como os serviços complexos e as atividades do conhecimento e da criatividade [Bell (1999); Kon (2004); Kon apud Ferraz, Crocco e Elias (2003); Florida (2002)]. Como ressalta Evans: “As the economy churns (thanks to that global marketplace), it puts a higher premium on creativity and innovation” [Evans (2008)]. No caso específico dos países de renda média ou média-alta, como o Brasil, em que a transição para o estágio de pós-industrialização é muito sensível, visto que ainda não se atingiu o patamar de renda adequado, retornando à questão do desenvolvimento, a manufatura ainda desempenharia um papel fundamental para o dinamismo do PIB [Palma (2005)]. Assim, o ideal seria a combinação de atividades manufatureiras tradicionais com atividades inovadoras e serviços dinâmicos. Obviamente, a manufatura tradicional precisa ser competitiva. Nesse caso, as atividades inovadoras e as que produzem conteúdo criativo são ainda mais relevantes, pois passam a ser fundamentais para a criação de vantagens comparativas: o sucesso econômico de cada país, região ou localidade depende da capacidade de se especializar naquilo que consiga estabelecer vantagens comparativas estáticas e dinâmicas, decorrentes de seu estoque de atributos e da capacidade local de promoção continuada de sua inovação. A luta competitiva e o processo de inovação decorrente abrem “janelas de oportunidade” para os países [Perez e Soete apud Dosi (1988)].4 Inovação e atividade criativa, por assim dizer, passam a ser fundamentais na construção de vantagens comparativas dos países em desenvolvimento.5 O catching up só ocorrerá quando a especialização da indústria se voltar para uma produção com maior valor adicionado, mais dinâmico em relação ao transbordamento – 4 Entre as janelas de oportunidade mais expressivas encontra-se a possibilidade de aumento da exportação. Esse aumento mitiga o chamado limite do balanço de pagamentos ao crescimento impulsionado pela demanda [Thirlwall (2005)]. 5 As vantagens comparativas deixam de ser “dadas” pela dotação de fatores e passavam a ser “construídas”. 168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS spillover – de seus efeitos para outros setores da economia, e com maior conteúdo tecnológico e criativo. O dinamismo econômico trazido pelas inovações é conhecido desde Schumpeter [Schumpeter (1984)], que chama de inovação tanto a transformação dos processos produtivos quanto a introdução de bens e serviços finais novos. O dinamismo induzido pelas atividades criativas, porém, é menos discutido, mas igualmente relevante [Cunningham (2002)]. Este artigo equipara inovação ao conteúdo criativo, produto das atividades criativas, já que ambos dispõem da capacidade de gerar dinamismo em uma economia do século XXI. De certa forma, para a geração de riqueza, a propriedade típica industrial – como a patente – tem a mesma relevância da propriedade típica criativa – o copyright.6 O interessante é que “inovação” vem sendo objeto de pesquisa acadêmica e de políticas públicas, sobretudo as industriais, há muitas décadas, ao contrário do conteúdo criativo, que começou a ser estudado há pouco e ainda padece, de certa forma, de uma metodologia consistente para sua identificação e valoração para além do copyright. Muitas das atividades criativas estão relacionadas ao segmento de serviços, de mensuração própria e desde os anos 1980 também muito estudado, até mesmo sobre seu potencial inovativo [Metcalfe e Miles (2000); Andreassi e Bernardes (2007)]. Entretanto, a mensuração monetária dos bens criativos ainda é pouco estudada. Uma das exceções é o estudo sobre a inovação “embarcada” [Hippel (2005)] nos segmentos criativos de games, design e produção audiovisual independente, da Fundação para Inovação do Reino Unido (NESTA), que concluiu que essas atividades contêm grande quantidade de inovação [NESTA (2007; 2008)]. A conclusão é que, como a inovação está “escondida” na atividade criativa, isso leva a sua subestimação nas estatísticas e a prejuízo na tomada de decisão pelos policy makers. Literalmente, segundo os autores do estudo: 6 Embora o direito autoral recaia sobre conteúdo criativo, se restringe às obras literárias e artísticas e aos programas de computador e games; diferentemente da propriedade industrial, que tem um caráter visivelmente mais utilitário, abarcando as patentes, as marcas, as indicações geográficas e os nomes de domínio, para citar os principais. ECONOMIA CRIATIVA 169 (1) there is a great deal of hidden innovation, and this takes numerous forms; (2) many of these forms of hidden innovation are quite pervasive across the economy; (3) some of these forms of hidden innovation are more characteristic of creative sectors, and some are especially characteristic of particular creative sectors and of firms at specific points in creative value chains; (4) in these firms and sectors there is also liable to be a substantial level of more conventional innovation that is hidden by virtue of current measurement practices. These conclusions are likely to have implications for measurement and for innovation policy more generally [NESTA, p. 19 (2007)]. Na verdade, as fronteiras convencionais entre inovação e conteúdo criativo estão “esfumaçando”, na medida em que tanto as manufaturas estão incorporando conteúdos de alto valor agregado nos processos produtivos, quanto os conteúdos, a tecnologia em sua produção [Goldenstein (2010)]. O importante a se notar é a pouca ou nenhuma atenção dispensada ao conteúdo criativo comparativamente à inovação. É preciso entender que a produção de conteúdo criativo gera emprego, renda e, além de criar propriedade intelectual, cria também propriedade industrial derivada da inovação nele embarcada. CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO As mudanças econômicas e sociais dos anos 1990 impulsionaram o deslocamento do foco das atividades industriais tradicionais para as atividades intensivas em conhecimento, localizadas no setor de serviços dinâmicos e, por isso, com maior capacidade de geração de trabalho e, muitas vezes, maior capacidade de geração de valor agregado e apropriação (direito de propriedade) [Florida (2002)]. O investimento deliberado na indústria criativa estaria, então, relacionado com o fenômeno da pós-industrialização que vinha ocorrendo nos países desenvolvidos de alta renda per capita. O conteúdo criativo, produto da atividade criativa, envolve três características econômicas essenciais: (i) variedade infinita: não há limite para a produção de conteúdo, na medida em que utiliza recursos não escassos – insumos criativos e 170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS recursos técnicos; (ii) diferenciação vertical: o aumento de um atributo do produto aumenta a utilidade de todos os consumidores; (iii) perenidade: não exaure em seu consumo (os benefícios criados por um conteúdo criativo podem ser usufruídos durante um longo período de tempo, podendo ser gerenciados por regras específicas de direitos de propriedade) [Caves (2000)]. O interessante das atividades criativas, então, é a possibilidade de geração de valor e riqueza com o uso de menor quantidade de insumos (recursos) por causa da intangibilidade de seus produtos em um mundo pós-industrialização. Para John Howkins, pesquisador pioneiro nessa área, o termo “economia criativa” é extenso e cobre atividades que perpassam o campo das artes até ciência básica e alta tecnologia [Howkins (2001)]. Para esse autor, existem dois tipos de criatividade: a que satisfaz o ser humano como indivíduo e aquela que gera um produto. A primeira é uma característica universal dos homens e é encontrada em toda sociedade. A segunda é mais forte em sociedades industriais, que valoram mais a novidade, a ciência e a tecnologia e, consequentemente, os direitos de propriedade intelectual [Howkins (2001)]. O que esse pesquisador argumenta é que as indústrias criativas geram produtos com maior valor agregado porque, por um lado, são constituídos de recursos intangíveis baseados na qualidade e não no custo e, por outro, são passíveis de propriedade intelectual (de perpetuação do ganho) [Hartley (2005)]. Dessa forma, as atividades criativas são responsáveis por parte significativa da geração de renda e emprego de um país que caminha para a pós-industrialização. No mundo contemporâneo, o desenvolvimento econômico baseia-se, fundamentalmente, na capacidade de os países gerarem, apropriarem-se e aplicarem o conhecimento formal e tácito na geração e distribuição de riquezas principalmente por meio da produção dos bens intangíveis. A própria riqueza vem assumindo, cada vez mais, formas intangíveis. O sucesso no processo de desenvolvimento (para a sociedade) e no processo competitivo (para as empresas) está relacionado à capacidade de identificar, cultivar e explorar esses ativos intangíveis, que conformam a competência essencial das corporações e das sociedades para enfrentar e resolver problemas específicos e aproveitar as oportunidades de negócios e desenvolvimento [Rath Fingerl e Garcez (2002)]. ECONOMIA CRIATIVA 171 No processo de concorrência, as inovações se traduzem na invenção de novos bens e serviços e na contínua reinvenção das coisas. Intangíveis são fatores não físicos utilizados na produção de bens ou serviços que vão gerar benefícios futuros para seus proprietários ou controladores, o que inclui direito de propriedade específico: marcas (derivada do marketing e da comercialização); patentes (das tecnologias); e copyright (das artes e da cultura). 3. SETORES CRIATIVOS E A GERAÇÃO DE RENDA A ideia de focar o processo de pós-industrialização no incentivo à atividade criativa foi utilizada pela primeira vez na Austrália, em 1994, com o lançamento do relatório “Nação Criativa”. Foi, porém, no Reino Unido, em 1997, que ela ganhou maior notoriedade [Blythe (2000)], com a criação de uma força-tarefa, do Ministério de Cultura, Mídia e Esporte, para incentivar o setor. Desde então, o escopo da indústria cultural aumentou para além das artes e criou-se um mercado para as atividades comerciais criativas, que até então eram consideradas não econômicas [Cunningham (2002)]. A indústria criativa foi definida formalmente pela primeira vez em um mapeamento do segmento feito pelo Ministério de Cultura, Mídia e Esportes do Reino Unido, em 1998 e 2005, como aquela que compreende os setores que têm sua origem na criatividade, na perícia e no talento individuais e que possuam um potencial para criação de riqueza e empregos através da geração e da exploração dos direitos de propriedade [DCMS (1998; 2005)]. Hoje essa definição abrange 13 setores: publicidade, arquitetura, mercado de artes e antiguidades, artesanato, design, moda, filmagem, softwares interativos de lazer, música, artes performáticas, editoração, serviços de computação e rádio e televisão. Essencialmente, estão englobadas atividades de serviços e comércio, incluindo ainda áreas correlatas no setor industrial, por seu impacto sobre toda a estrutura produtiva da economia [DCMS (1998; 2005)]. São bens 172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS intangíveis, com maior ou menor grau de produtividade, dinâmica e capacidade de apropriação.7 Já a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em seu relatório sobre economia criativa, sugeriu uma definição de indústria criativa adotando uma visão de cadeia, já que ela envolveria “os ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários” [UNCTAD (2010)]. Assim, é proposta uma definição para a cadeia da indústria criativa, composta de três grandes áreas. Primeiramente, verifica-se o que se denominou núcleo da indústria criativa, que é basicamente uma adaptação dos 13 segmentos do estudo britânico, referendados pelo documento da UNCTAD. A definição do núcleo da indústria criativa adotada neste estudo inclui os segmentos: expressões culturais, artes cênicas, artes visuais, música, filme & vídeo, TV & rádio, mercado editorial, software & computação, games, arquitetura, design, moda e publicidade. Depreende-se, assim, que o núcleo é composto essencialmente de serviços, cuja parte principal do processo produtivo é a atividade criativa. Em seguida, encontram-se as áreas relacionadas, envolvendo segmentos de provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo, como as indústrias produtoras de câmeras de filmagem, no caso da produção audiovisual. Ainda observou-se que a cadeia é composta de um terceiro grupo de atividades, de provisão de bens e serviços de forma mais indireta, como as indústrias de eletroeletrônicos, que produzem televisões que transmitem o conteúdo audiovisual [UNCTAD (2010)]. No Brasil, o Ministério da Cultura (MinC) divide as atividades criativas em cinco grupos: (i) Patrimônio, que inclui patrimônio material, imaterial, arquivos e museus; (ii) Expressões Culturais, entre as quais, artesanato, culturas populares, culturas indígenas, culturas afro-brasileiras e artes visuais; (iii) Artes de Espetáculo, isto é, dança, música, circo e teatro; (iv) Audiovisual, Livro e Leitura, incorporando 7 O intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência [Reis (2006)]. ECONOMIA CRIATIVA 173 cinema e vídeo, publicações e mídias impressas; e (v) Criações Funcionais, que são moda, design, arquitetura e arte digital [MinC (2011)]. No presente artigo, utilizamos a definição de economia criativa com base em seu núcleo8 segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do IBGE (CNAE 2.0): audiovisual (produção e comercialização de cinema e TV), inclusive fotografia; música (instrumentos musicais, produção musical, música ao vivo e distribuição da música, inclusive rádio); impressão, edição e publicação (livros, jornais e revistas); arquitetura (e paisagismo); propaganda e marketing; design; softwares em geral, inclusive games (produção e serviços associados); artes em geral, inclusive performáticas (cênicas, espetáculos); patrimônio cultural; e parques temáticos. CRIATIVIDADE E GERAÇÃO DE RIQUEZA NO MUNDO Em termos contábeis, a indústria criativa é um dos setores de maior crescimento na economia mundial e com boa contribuição para o PIB nacional. As estimativas, que variam de acordo com a metodologia utilizada em cada país (escolha das atividades produtivas englobadas como criativas), avaliam o setor respondendo por 2% a 4% do PIB, com crescimento anual entre 5% e 10% [UNCTAD (2010)]. A Tabela 1 mostra o desempenho da economia criativa, ou a proporção da produção criativa no PIB nacional em confronto a outras atividades industriais tradicionais, como a indústria de alimentos e bebidas. O Relatório de Economia Criativa [UNCTAD (2010)]9 fornece a evidência empírica de que as indústrias criativas estão entre os mais dinâmicos setores emergentes do comércio mundial. No período 2002-2008, o comércio de bens e serviços criativos aumentou a uma taxa média anual sem precedentes, de 14%. Exportações mundiais de produtos criativos foram avaliadas em US$ 592,1 bilhões em 2008, ante US$ 267,2 bilhões em 2002. Essa tendência positiva ocorreu em todas as regiões e 8 Este trabalho delimitou como escopo o núcleo da economia criativa, composto essencialmente de serviços que têm a cultura como parte principal do processo produtivo, tal qual definição da UNCTAD. O uso dessa delimitação recai na necessidade de mapear o core da economia criativa, pois é ele que impulsiona as demais atividades relacionadas e de apoio, sendo sua mensuração menos suscetível a erros, se comparada à mensuração de toda a cadeia produtiva. 9 Relatório bi-anual. O de 2012, com dados mais recentes, referentes a 2010, será publicado apenas em 2013. Os dados para a economia criativa são mais escassos do que o convencional. 174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS grupos de países e espera-se que continue na próxima década, assumindo que a procura global de bens e serviços criativos continue a crescer. TABELA 1 PROPORÇÃO DA PRODUÇÃO EM DIVERSOS SETORES NO PIB PARA OITO ECONOMIAS EUROPEIAS (EM %) País Indústria criativa Indústria alimentos, bebidas e fumo Atividade estatal Computador e atividades relacionadas DINAMARCA 2,6 2,1 1,0 1,2 FINLÂNDIA 3,1 2,6 5,1 1,5 LETÔNIA 3,1 1,5 1,8 1,5 LITUÂNIA 3,4 1,9 1,8 1,3 HOLANDA 2,5 1,6 2,6 1,4 POLÔNIA 2,7 2,2 2,3 1,4 SUÉCIA 3,2 1,7 2,7 1,3 REINO UNIDO 3,0 1,9 2,1 2,7 Fonte: UNCTAD (2010). A consultoria estadunidense Price Waterhouse Coopers publica bianualmente o relatório “Global Entertainment and Media Outlook”, no qual analisa o comportamento e realiza previsões de crescimento dos principais setores da economia criativa.10 De acordo com o relatório publicado em 2011, os setores pesquisados geram receitas da ordem de US$ 1,5 trilhão por ano. O que mais se destaca é a expectativa de crescimento apontada para os próximos anos, de 5,7% ao ano, bem superior à da economia mundial. O estudo aponta ainda que o Brasil é o décimo maior mercado do mundo, da ordem de R$ 33 bilhões, e tem, com China, a maior perspectiva de crescimento, de cerca de 11,5% ao ano até 2015, quando deverá se tornar o sétimo maior mercado do mundo. A receita associada a direitos de propriedade intelectual da economia criativa mais que dobrou entre 2002 e 2008. Por exemplo, as receitas de seus royalties aumentaram de US$ 83 bilhões para US$ 182 bilhões [Wipo (2011)]. Mas o destaque é para a propriedade intelectual da indústria criativa – o copyright –, que, para alguns países, como EUA, Austrália e Reino Unido, passa dos 10% do PIB [Wipo (2011)]. Segundo Ana Carla Reis, entre 2000 e 2005 os produtos e serviços 10 O referido relatório considera os seguintes setores: audiovisual, música, rádio, internet, jogos eletrônicos, informações gerencias, publicações de livros, jornais e revistas, parques de diversão, cassinos e esportes. ECONOMIA CRIATIVA 175 criativos cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, e a maior parte dos rendimentos criativos originou-se de direitos autorais, licenças e marketing e distribuição [Reis (2006)]. Assim, para a economia criativa, a geração de riqueza depende da capacidade do país de também criar conteúdo criativo, transformá-lo em bens ou serviços comercializáveis e encontrar formas de distribuí-los, no mercado local e no exterior, ganhando escala e divulgando seu conhecimento [Kuhn (1993)]. O caso do Reino Unido é comumente usado como referência para o uso da política industrial com base no incentivo de indústrias criativas, em virtude de seu pioneirismo com a criação de uma agenda política e econômica para o tema. O governo inglês apostou na economia criativa como fonte de recuperação econômica e, no mapeamento das atividades criativas no país realizado em 1997, que contabilizou a geração total de emprego nas empresas criativas e de atividades criativas nas empresas não criativas, chegou ao resultado de 5% da população economicamente ativa empregada em atividades criativas. Nesse contexto, o então ministro da cultura inglês, Chris Smith, observou que: The role of creative enterprise and cultural contribution ... is a key economic issue … The value stemming from the creation of intellectual capital is becoming increasingly important as an economic component of national wealth ... Industries, many of them new, that rely on creativity and imaginative intellectual property, are becoming the most rapidly growing and important part of our national economy. They are where the jobs and the wealth of the future are going to be generated [DCMS (1998)]. A estratégia inglesa de incentivo à indústria criativa como parte do processo de pós-industrialização foi bem-sucedida e, depois de dez anos de fomento, em 2007, a indústria criativa já contribuía para a economia com 6,2% do produto, medida em valor adicionado, e as exportações do setor, com 4,5% de todos os bens e serviços exportados no país. Mesmo com a crise financeira, ocorrida no fim de 2008, os números da indústria criativa para o Reino Unido continuaram significativos: 5,6% do produto medido em valor adicionado e 4,1% das exportações [DCMS (2009)]. 176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Durante os anos de 1997 a 2007, o produto criativo do Reino Unido cresceu 5% anualmente, valor elevado se comparado com os 3% de crescimento anual do resto da economia. O emprego também se elevou significativamente: os empregados no setor passaram de 1,6 milhão em 1997 para 2 milhões em 2008, com incremento anual de 2%, também considerado alto, se comparado com o de 1% da economia. Só em Londres, a economia criativa passou a ser responsável por 25% dos empregos no período citado [UNCTAD (2010)]. Em 2008, existiam 157.400 empresas no setor criativo no Reino Unido, com estimativa de aumentar para 182.100 em 2010, o que representaria 8,7% de todas as organizações produtivas registradas no Inter-Departmental Business Register [DCMS (2009)]. A INDÚSTRIA CRIATIVA NO BRASIL No Brasil, a economia criativa vem ganhando relevância política apenas nos últimos anos. Em 2004, depois da assinatura pelo Ministério da Cultura da Convenção da Diversidade Cultural, o termo “economia da cultura” começou a ganhar espaço na política governamental, inspirando até a inserção do BNDES no tema. A partir de 2011, a criação da Secretaria de Economia Criativa no “novo” Ministério da Cultura pretende inserir o tema na agenda de desenvolvimento do Brasil. Essa secretaria liderou a elaboração do Plano Brasil Criativo, que propõe uma política transversal de desenvolvimento para o país, baseada na economia criativa. A despeito de a oferta de estatísticas ser ainda incipiente, percebe-se que a representatividade da economia criativa é significativa. Utilizando os números da Rais11 para 2010 [Rais (2011)] referentes às atividades aqui consideradas núcleo da economia criativa,12 este trabalho apurou que 1,96% dos empregados formais estavam alocados em atividades criativas no Brasil. Isto é, dos 44.068.355 empregados formais, 865.881 eram de atividades criativas. Nos últimos cinco anos, o número de 11 A Rais 2011 – Relação Anual de Informações Sociais dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego – utiliza dados coletados em 2010 e, apesar de ser confiável, apresenta o problema de tratar apenas dos empregos formais. A economia criativa é uma área com possivelmente grande percentagem de emprego informal. Isso leva à conclusão de que os resultados aqui gerados são apenas uma proxy da realidade, já que o setor estará sendo subdimensionado. Em junho de 2012, a Rais 2012, com dados de 2011, ainda não estava disponível para análise. 12 Como visto anteriormente: audiovisual; música; impressão, edição e publicação; arquitetura; propaganda e marketing; design; softwares em geral e games; artes em geral e performáticas; patrimônio cultural; e parques temáticos. ECONOMIA CRIATIVA 177 empregados nas atividades criativas brasileiras cresceu 35%, número superior ao crescimento médio da economia, que foi de 25% [Rais (2011)]. Os trabalhadores das atividades criativas em 2010 concentram-se no Sul e no Sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro e para São Paulo, mas também Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As atividades criativas estão concentradas em micro e pequenas empresas, ambas cumulativamente com 98% dos empregados criativos. A porcentagem segundo o número de empregados das empresas das atividades criativas são diferentes daquela para as empresas de todas as atividades produtivas nacionais, como mostra a Tabela 2. TABELA 2 NÚMERO DE EMPREGADOS POR TAMANHO DE EMPRESA – TODAS AS ATIVIDADES E ATIVIDADES CRIATIVAS Tamanho da empresa Todas as atividades % Atividades criativas MENOS DE 20 EMPREGADOS 11.238.941 25,5 57.127 90,1 ENTRE 20 E 99 EMPREGADOS 8.827.661 20,0 5.110 8,1 ENTRE 100 E 499 EMPREGADOS 8.492.190 19,0 940 1,5 15.509.563 35,5 196 0,3 MAIS DE 499 EMPREGADOS % Fonte: Rais (2011). A grande concentração em microempresas sugere dois pontos de análise: que as atividades criativas são, por natureza, de baixa escala; e que existe grande probabilidade de o emprego informal, não captado na Rais, ser mais do que a média das atividades produtivas brasileiras. Em 2010, a remuneração média mensal do trabalhador criativo era de R$ 2.294 ou 30% maior do que a média nacional, que é de R$ 1.742. Em termos comparativos, as atividades criativas pagam tão bem quanto a indústria mecânica, que inclui a automobilística (R$ 2.344), foco de políticas industriais anticíclicas por grande empregabilidade, salários altos e geração de externalidades. Quanto à escolaridade, 30% dos empregados em atividades criativas têm nível superior, número muito maior do que os 16,5% da média das atividades produtivas nacionais [Rais (2011)]. Em resumo, a análise de dados primários indica que a indústria criativa brasileira emprega em micro e pequenas empresas um número significativo de trabalhadores, em grande parte qualificados, e paga salários mais altos do que a média dos outros setores. 178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS Nos últimos anos, foram realizados alguns levantamentos visando dimensionar a indústria criativa no Brasil. Em 2004, o Ministério da Cultura assinou um acordo de cooperação com o IBGE para compilação de dados sobre a indústria criativa em todo o país, intitulado Sistema de Informações e Indicadores Culturais. Segundo esse sistema, em 2005, as 320 mil empresas mapeadas do setor geraram 1,6 milhão de empregos formais e representaram 5,7% das empresas do país, com média salarial 47% superior à nacional. Sua participação no valor adicionado (tamanho da economia “formal”, exclusive agricultura) atingiu 11,1%. Considerando os dados da PNAD, pesquisa amostral do IBGE, em 2006 havia 4,2 milhões de trabalhadores (formais e informais) na área cultural (4,7% do total), grupo cujo crescimento foi superior à média da economia – 5,4% contra 2,4% em relação a 2005. Além disso, a área cultural apresentaria maior proporção de trabalhadores por conta própria: um terço do total contra apenas 20% para a economia [IBGE (2007)]. O outro trabalho brasileiro que analisa a indústria criativa é o da Firjan, que, também com base nos dados da Rais de 2006 e 2010, mapeou a cadeia produtiva da economia criativa, tal qual a definição de atividades elaborada pela UNCTAD.13 Os resultados reforçam a relevância da economia criativa: considerando toda a cadeia da indústria criativa (núcleo, atividades relacionadas e de apoio),14 sua participação no PIB em 2010 chegou a 18,2%, equivalente a R$ 667 bilhões, o que a título de comparação é uma participação maior do que toda a economia da Região Sul, correspondente a 16,6% do PIB [Firjan (2011)]. 4. O BNDES E AS ATIVIDADES CRIATIVAS Desde seu início como financiador do mundo concreto e tangível das indústrias tradicional, pesada, de insumos básicos, de bens de consumo e de infraestrutura, necessárias para promoção do desenvolvimento, o BNDES vem buscando abranger 13 “Ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários” [UNCTAD (2010)]. 14 Metodologia parecida com a utilizada neste trabalho. O núcleo se refere a atividades criativas; as atividades relacionadas envolvem segmentos de provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo; e as atividades de apoio englobam provisão de bens e serviços de forma indireta. ECONOMIA CRIATIVA 179 o universo intangível da inovação. Nesse aspecto, a inovação é considerada prioridade na atuação do Banco, seja de forma direta ou transversal. A criatividade ou criação, tal qual a inovação, como também é um fator decisivo para dar competitividade às empresas brasileiras e fundamental para o desenvolvimento do país, vem ganhando paulatinamente mais espaço no BNDES. O design, a arte, os elementos simbólicos e culturais intangíveis “embarcados” nos bens e serviços tradicionais aumentam o valor agregado da produção e a competitividade dos produtos, sobretudo os destinados à exportação. Em uma economia baseada no conhecimento, o papel da inovação não tecnológica é também importante, especialmente nas indústrias que não são tipicamente investidoras em P&D, mas que investem em outros intangíveis. Gastos em ativos de conhecimentos não científicos passaram a ser tão críticos quanto gastos em P&D [Goldenstein (2010)]. A equiparação entre criação e inovação é evidente. Além de o desenvolvimento de conteúdo das indústrias criativas se identificar, em diversos aspectos, com o desenvolvimento de P&D das indústrias intensivas em tecnologia, ele, seja no setor audiovisual, editorial ou musical: (i) envolve alto grau de conhecimento técnico específico (linguagem artística); (ii) se organiza na forma de equipes estáveis de desenvolvimento (núcleos criativos de estúdios etc.); (iii) demanda investimentos com alto grau de risco de performance comercial (lançamento de filmes, livros, novos personagens); (iv) gera direitos de propriedade intelectual (direito autoral, direitos conexos, registro de marcas e patentes referentes a novos personagens, formatos etc.); e, por fim, (v) constrói um ativo de longo prazo para as empresas criativas com grande potencial de geração de receitas futuras (catálogos de filmes, séries, fonogramas e títulos editoriais; licenciamento da imagem de personagens, marcas das empresas e seus produtos etc.). O BNDES iniciou seu apoio às atividades culturais e criativas15 em 1995, por meio de investimentos em restauro do patrimônio cultural e na produção cinematográfi- 15 É possível separar as atividades culturais das criativas: enquanto as atividades culturais são entendidas como aquelas que geram bens e serviços em cujo cerne se encontra a produção artística, como as artes visuais e performáticas, o