LITERATURA E MEMÓRIA EM MARGUERITE DURAS, Andrea

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LITERATURA E MEMÓRIA EM MARGUERITE DURAS, Andrea
LITERATURA E MEMÓRIA EM MARGUERITE DURAS
Andrea Bahiense*
RESUMO: A obra da escritora Marguerite Duras teve como grande fonte de matéria
prima histórias da sua própria vida. Estas histórias foram escritas e reescritas, num
processo de construção, desconstrução e reconstrução, que nos levam a crer que a eterna
busca de Duras foi, não uma verdade única e coerente, mas o aperfeiçoamento da
escrita.
Seus textos Un barrage contre le Pacifique e L’amant, de 1950 e de 1984
respectivamente, são uma pequena amostra de como Duras ficcionalizou seu passado,
suas memórias. Evocando o mesmo período da sua adolescência, a escritora usa numa
obra e outra técnicas romanescas e efeitos de escrita bastante diferentes, mostrando o
importante amadurecimento literário e pessoal de suas experiências como romancista,
jornalista, dramaturga, roteirista, diretora de teatro e cinema. Ao mesmo tempo, porém,
em Barrage já encontramos indícios do que será o texto literário durassiano trinta anos
depois, como a fragmentação do sujeito narrador, a escrita fílmica e alguns dos temas
centrais que retornarão como uma obsessão em toda sua obra.
PALAVRAS-CHAVE: autobiografia, autoficção, memória, Marguerite Duras
ABSTRACT: The basis of Marguerite Duras’s literature production was her own life
stories. These stories were written and rewritten, in fact, constructed, deconstructed and
reconstructed from a work to another. All this process seems to show that Duras was
looking forward, not to a unique and coherent truth, but the improvement of her literary
writing.
The books Un barrage contre le Pacifique and L’amant, from 1950 and 1984
respectivily, are a small sample of how Marguerite Duras fictionalized her past, her
memories. Evoking the same period of her adolescence, the writer employ fiction
*
Mestranda pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
techniques and writing effects very different from a book to another, showing the
important personal and literary maturity achieved after a long period of experiences as
novelist, journalist, scriptwriter, theatre and cinema director. At the same time, in
Barrage we can find already signs of Duras’s literary text of thirty years later, as the
fragmentation, the filmic writing and some of the central subjects that became an
obsession in her whole work.
KEYWORDS: autobiography, autofiction, memory, Marguerite Duras
Autobiografia, memórias, romance autobiográfico, autoficção, literatura de
testemunho. Várias são as formas e as denominações da escrita de si, onde realidade e
ficção inevitavelmente se misturam, levando o leitor a transitar entre os limites de um e
de outro conforme os desejos do autor. A questão que nos colocamos ao ler este tipo de
literatura deve se relacionar, porém, não à veracidade dos acontecimentos narrados, mas
à sua forma de representação.
O escritor e crítico literário Serge Doubrovsky, inventor do termo/conceito
autoficção, acredita que do meio do século XX ao início do século XXI está em cena
uma “autobiografia pós-moderna”, em que a forma de contar a história de uma vida
tornou-se mais importante, com suas técnicas romanescas e efeitos de escrita, do que a
narrativa histórica em si. São narrativas cuja sintaxe, pontuação e continuidade
discursiva são abaladas para se adaptar ao ritmo do pensamento ou da memória. Tratase, então, de uma maneira nova de apreender os fatos e as experiências vividas, na
medida em que não se acredita mais em uma verdade única e um discurso coerente, mas
em “uma reconstrução arbitrária e literária dos fragmentos esparsos de memória”
(VILAIN, 2005: 212). A autoficção está, pois, entre a autobiografia e o romance, entre a
realidade e a ficção.
Apesar de insistir na obrigatoriedade da coincidência onomástica entre autor,
narrador e personagem principal, aproximando-a da autobiografia tradicional,
Doubrovsky entende que a autoficção seria narrada no tempo presente, o que tornaria o
texto muito mais envolvente, enquanto que a autobiografia seria narrada no passado por
alguém que já no fim da vida pretende compreendê-la, retomá-la como um todo. O
presente, segundo Philippe Vilain, é também o tempo das obsessões e dos traumas, isto
é, aquele que se manifesta pelo retorno obsessivo de alguns pontos do passado que
foram importantes para uma identidade (VILAIN, 2005).
A obra da autora francesa, nascida na Indochina, Marguerite Duras, teve como
importante fonte de matéria-prima a trajetória de sua família e seu passado no país
natal1. Com efeito, temas de sua infância repetem-se de forma obsessiva em seus textos:
a mãe, os irmãos, a paisagem do país natal, o caso amoroso com um chinês mais velho,
a mendiga e seu filho. Segundo Andrea Correa Paraiso (2001: 27), seus textos estão
inter-relacionados e parecem fazer parte de uma só busca, o aperfeiçoamento da escrita.
Nesse “imenso caminho de reescritura, de construção e reconstrução” (PARAISO,
2001: 18), Duras apresenta uma história de vida carregada de ambigüidade e
contradições. Na verdade, são representações de si e do seu universo, pois, mesmo
escrevendo sobre o passado, sua escrita mostra-se impregnada de elementos do
presente. Paraíso comenta que “Ler Marguerite Duras é penetrar em um mundo de
experiências narrativas, de múltiplas possibilidades de palavras, de motivos
insistentemente repetidos, de histórias recomeçadas e recriadas. Seus escritos são voltas
de uma trajetória em espiral” (PARAÍSO, 2001: 11).
Seus livros Un Barrage contre le Pacifique e L’amant podem dar uma pequena
amostra de como Duras ficcionalizou suas lembranças (seus traumas, suas obsessões),
da repetição de temas que foram centrais em sua obra, de como evoluiu sua escrita
passados mais de trinta anos de experimentações literárias, dramatúrgicas e
cinematográficas.
Em L’amant, escrito em 1984, Duras revisita o mesmo período da sua
adolescência evocado em Un Barrage contre le Pacifique, de 1950. Barrage é o terceiro
livro de Marguerite Duras, depois de Les impudents et La vie tranquille. As três
narrativas acontecem praticamente fechadas no núcleo familiar, que vai-se encolhendo
de uma obra para outra: mãe-pai-irmã-dois irmãos (Les impudents), mãe-pai-irmã-irmão
(La vie tranquille), mãe-irmã-irmão (Barrage). Segundo Madeleine Alleins: “Para fazer
sentir o geral sob o particular, a família foi reduzida a um trio em Barrage – a mãe, o
irmão, a irmã – onde são representadas as relações essenciais” (ALLEINS, 1984: 34).
Duras mantém, na verdade, figuras que foram marcantes na sua vida, ou nas suas
histórias de vida acessíveis ao grande público: como a filha preterida, nem feia nem
bela, dividida entre seus desejos e as amarras familiares; o irmão violento, vadio e belo,
amado demais pela mãe, mas desejado também pela irmã; e a mãe, ao mesmo tempo
generosa e mesquinha, pronta a perder tudo por um filho e a casar a outra por dinheiro.
O pai, quando aparece, tem seu papel ofuscado pela mãe e pelo irmão mais velho. Em
L’amant e Barrage este pai não existe, assim como não existiu na vida de Marguerite
Duras, por ter morrido quando ela ainda era criança.
A mãe é um personagem central em Un barrage contre le Pacifique, e sua
imagem é retomada insistentemente na obra da Duras. A sua história sobre a compra de
uma concessão invadida constantemente pelo Pacífico, seguida pela sua idéia fracassada
da construção de barragens para conter as águas do oceano, dá título ao livro. É o ponto
de vista de sua filha Suzanne, porém, que é privilegiado pelo narrador. Ao longo de
grande parte da narrativa, a voz do narrador (narradora?) e de Suzanne se confundem,
dando ao leitor a impressão de estar diante de um texto autobiográfico. Ainda mais
quando identificamos na narrativa da menina Suzanne elementos da história de vida da
própria Marguerite Duras.
É na família, mostrada como um bloco único, que se desenrolam as questões
essenciais de Barrage. Suzanne é sempre apontada pelo narrador como parte dessa
massa familiar, de uma “composição orgânica” a ser conservada apesar de todos os
problemas. M. Jo, rico desconhecido que se apaixona por Suzanne, é a imagem do
Outro que causa repulsa ao Nós, ela e sua família. Pessoa franzina, de personalidade
fraca, não tem a nacionalidade revelada e sua relação limita-se a conversas na casa dela,
sob a vigilância da mãe, saídas para dançar e olhadelas pela porta do banheiro durante o
banho da menina.
Para Eric Landowski, essa exclusão do outro é conseqüência da necessidade de se
manter um “equilíbrio interno” para aqueles que ainda acham que existe a idéia de
pureza original.
todo este dispositivo é a necessidade, considerada vital, de controlar o conjunto dos fluxos
provindos do exterior que poderiam vir a perturbar um equilíbrio interno, uma ordem, uma
composição orgânica que se trata, precisamente, de manter, por todos os meios disponíveis,
num estado tão estável quanto possível (LANDOWSKI, 2002: 10).
Esta hierarquia, em que M. Jo é visto como uma alteridade (no sentido que
Landowsky dá ao termo) em relação ao grupo de referência formado pela família, influi
de modo determinante na narrativa de Barrage, visto que é dado o privilégio da voz a
todos os membros da família enquanto M. Jo é submerso no completo silêncio.
A narrativa de Barrage é feita, no tempo passado, na terceira pessoa, por um
narrador extradiegético, inicialmente distanciado. Logo no primeiro parágrafo, porém,
observa-se uma diminuição contínua da distância do sujeito que narra daquele que é
narrado. Assim começa Barrage:
Parecia-lhes aos três que era uma boa idéia comprar aquele cavalo. Mesmo se só servisse
para pagar os cigarros de Joseph. Primeiro, era uma idéia, isso provava que eles podiam
ainda ter idéias. Depois, eles se sentiam menos sozinhos, ligados por aquele cavalo ao
mundo exterior, capazes, de qualquer forma, de extrair dele alguma coisa que não tinha sido
deles até então, e levá-la até aquele canto de planície saturada de sal, até eles três, saturados
de tédio e de amargura2 (DURAS, 1950: 13).
Os “três” (les trois), mencionados na primeira frase desta passagem, são ainda três
sujeitos distantes do narrador e, conseqüentemente, do leitor. No restante do trecho há,
entretanto, uma aproximação tão grande que, os mesmos “três” (eux trois), “saturados
de tédio e amargura” no fim do parágrafo, já nos parecem muito mais familiares. O
narrador, neste momento, dá a impressão de experimentar ele mesmo os sentimentos
que descreve.
Ao longo do texto, o narrador se confundirá com os personagens, dando voz
principalmente a Suzanne. Na passagem abaixo, Suzanne expõe suas esperanças e
dúvidas de menina que espera o príncipe encantado. O uso do futuro do pretérito
acentua o tom de incerteza e de sonho.
Viria o dia em que um automóvel pararia enfim diante do bangalô. Um homem ou uma
mulher desceria para pedir uma informação ou uma ajuda qualquer, a Joseph ou a ela. Ela
não via muito bem que tipo de informação poderiam lhe pedir: só havia na planície uma
única pista que ia de Ram à cidade passando por Kam. Não podiam então se enganar de
caminho. Não era possível prever tudo e Suzanne esperava. Um dia um homem pararia, por
que não? porque ela lhe agradaria, para lhe propor de levá-la à cidade.3 (DURAS, 1950:
21).
A voz de Suzanne - que também divide a palavra com Joseph e a mãe, embora em
proporções menores - nem sempre está tão evidente. Muitas vezes a ambigüidade existe,
confundindo inclusive a voz do narrador ou de Suzanne com a da própria Marguerite
Duras, autora. A presença de Duras é sentida nas experiências de Suzanne com o
cinema, na indignação do narrador contra as injustiças cometidas pela metrópole na
colônia, na transformação e tentativa de libertação de Suzanne em relação à família, na
sensualidade que permeia todo o texto.
Desde seus primeiros livros, a autora experimentou diferentes técnicas e efeitos de
escrita, afastando-se cada vez mais da escrita realista e da narrativa histórica, mesmo
que de inspiração autobiográfica. Além da fragmentação do sujeito narrador, Duras
multiplica os modos de representação de suas histórias de vida ao misturar diferentes
gêneros: sua escrita dialoga intensamente com outras mídias, como o teatro e o cinema.
Nesse sentido, Andrea Paraiso (2001: 28) faz o seguinte comentário sobre a obra
de Marguerite Duras:
Elementos do teatro, do romance e do cinema surgem num mesmo texto, trabalhados de
maneira a compor uma linguagem ao mesmo tempo única e mista, multiforme e uniforme.
Multiforme porque reúne diversos meios de expressão. Uniforme porque esses meios
diversos encontram-se de tal forma entrelaçados que se torna impossível vislumbrar as
fronteiras entre eles; o sentido só se constrói pela diluição de tais fronteiras.
Com efeito, o teatro está presente nos inúmeros e longos diálogos de Barrage, nas
cenas passadas principalmente em lugares fechados, ou limitados, como o bangalô da
família — ambiente-chave da trama, que será cena da peça teatral, L’Éden-Cinéma,
desenvolvida por Duras a partir da história de Barrage. O livro L’Éden-Cinéma é
lançado em 1977. Nesta peça, Suzanne e Joseph, muito mais do que atores, são
narradores que contam a história de uma mãe silenciosa. Duras mistura os gêneros
dramático e narrativo, transgredindo mais uma vez o fazer artístico tradicional e
frustrando a expectativa do público.
Além do teatro, o cinema também aparece ao longo de todo o texto de Barrage. É
trabalhando num cinema4, que a mãe consegue juntar durante dez anos o dinheiro
necessário para comprar as terras nas quais vai construir a famosa barragem,
tragicamente destruída pelo Pacífico. Também é o cinema o único lugar em que a
menina Suzanne se sente bem quando vai passear no bairro dos brancos ricos, na
segunda parte do livro. Só, no escuro do cinema, ela pode se esconder dos olhares
esnobes, críticos, escandalizados da alta burguesia branca. É no cinema que ela se
tornava invisível. Ali todos são iguais. Por fim, é no cinema que a vontade de liberdade
aumenta: “O grande mérito do cinema era o de dar vontade às meninas e aos meninos e
de deixá-los impacientes para fugir de suas famílias”5 (DURAS, 1950: 199).
Já a escrita fílmica está presente em Barrage na forma de contar e descrever do
narrador, que faz muitas vezes com que o leitor tenha a sensação de estar visualizando a
cena de um filme. A passagem abaixo, que se aproxima de um roteiro cinematográfico,
é um bom exemplo:
Logo ouvimos estalos de chicote e os gritos de Joseph, e a charrete apareceu na pista.
Joseph estava na frente. Sobre o assento traseiro havia duas malai. O cavalo ia muito
lentamente, ele arranhava a pista com suas patas mais do que andava. Joseph o chicoteava
mas ele poderia ter chicoteado a pista, ela não teria sido mais insensível. Joseph parou na
altura do bangalô. As mulheres desceram e continuaram o caminho a pé em direção a Kam.
Joseph saltou da charrete, pegou a rédea, deixou a pista e entrou no pequeno caminho que
levava ao bangalô. A mãe esperava-o no terrapleno, em frente à varanda.
– Ele não avança mais de jeito nenhum, diz Joseph.
Suzanne estava sentada sob o bangalô, as costas contra um piloti. Ela se levantou e se
aproximou do terrapleno, sem entretanto sair da sombra. Joseph começou a desatrelar o
cavalo. Ele estava com muito calor e gotas de suor desciam de baixo do seu boné, pelas
suas faces.6 (DURAS, 1950: 14-15).
Desde a primeira frase, os verbos ouvir (entendre) e aparecer (apparaître) nos
remetem a uma cena, nos fazendo sentir, como Suzanne e a mãe, a chegada de Joseph.
Os próximos verbos são quase todos de ações (ir, arrastar, chicotear, parar, descer,
continuar, saltar, pegar, etc.) executadas pelos personagens que quase não falam, mas
estão sempre se movimentando.
Podemos perceber também a aproximação da câmara que começa num plano
geral, mostrando a chegada de Joseph com a carroça e o cavalo ao bangalô, de onde a
mãe e Suzanne o aguardavam, e acaba num close junto ao rosto de Joseph, para
evidenciar as gotas de suor que escorrem no seu rosto sob seu boné.
Logo após este episódio, há um corte abrupto no tempo (“Foi na semana
passada”7), como se fosse uma simples mudança de quadros, transportando o leitor para
o momento em que Joseph teve a idéia de comprar o cavalo.
O narrador aproveita para dar voz a Joseph, sem precisar usar o discurso direto:
“Foi na semana anterior que ele tivera a idéia desse serviço de transporte para tentar
ganhar um pouco de dinheiro. Ele comprara o todo, cavalo, charrete e determinação, por
duzentos francos. Mas o cavalo estava muito mais velho do que se imaginava.”8
(DURAS, 1950: 15) Exatamente como ocorre nos filmes: o movimento de aproximação
da câmara até o close no rosto pensativo do ator, antes do corte abrupto da mudança de
cena, significa que entramos no pensamento deste personagem.
Andrea Paraiso (2001: 31) atenta para a ambigüidade do pronome on usado em
toda a narrativa de Barrage. No trecho acima, por exemplo, por este pronome ter dois
sentidos (“nós” ou o sujeito indeterminado) podemos entender a frase final da passagem
acima de duas maneiras: “Mas o cavalo era muito mais velho do que se imaginava” ou
“Mas o cavalo era muito mais velho do que nós imaginávamos”. Multiplicam-se,
portanto, as possibilidades do sujeito: você(s) + eu, você(s) + nós, eles + eu, eles + nós.
A ambigüidade também estará presente em L’amant, porém, de maneira muito diversa.
A primeira diferença entre L’amant e Barrage é a independência da personagem
principal em relação a seus familiares. Para começar, em L’amant (o personagem, que
agora dá título à obra, tem sua nacionalidade chinesa revelada), é ela que está contando
a própria história. E a sua história não está mais confundida com a da sua família, que
assume aqui um papel secundário.
A narradora-personagem explica que foi principalmente depois do encontro com o
chinês rico que se deu a separação entre ela e sua família:
Assim que ela penetrou no automóvel negro, ela soube, ela está à distância desta família
pela primeira vez e para sempre. A partir de então eles não devem saber o que acontecerá a
ela. Que a peguem, que a levem embora, que a machuquem, que a gastem, eles não devem
mais saber. Nem a mãe, nem os irmãos9 (DURAS, 1984: 46).
É o fim da cumplicidade entre eles. Desta vez, a filha consegue, de certo modo,
livrar-se do fascínio incondicional pela mãe e ser mais firme diante da figura
dominadora do irmão mais velho. A menina parece ter agora idéias e vontades
próprias: “Eu lhe respondi que o que queria antes de qualquer outra coisa era escrever”10
(DURAS, 1984: 31).
Além disso, ela não se contenta em usar as roupas herdadas da mãe e as deforma à
sua maneira. Os vestidos desfigurados por grossos cintos de couro, combinados com o
chapéu de homem e os sapatos de salto com strass tornam o seu corpo exageradamente
magro uma figura única, destoante não só na família, mas em todo lugar por onde passa.
Eles a individualizam, a tornam diferente e atraente: “De repente, eu me vejo como uma
outra, como uma outra seria vista, do lado de fora, posta à disposição de todos, na
circulação das cidades, das estradas, do desejo”11 (DURAS, 1984: 20).
Ao reconhecer o estranho em si mesma, ela demonstra uma abertura, uma
curiosidade, que facilita a aceitação do outro. A estranheza do chinês não a amedronta,
mas a seduz e eles tornam-se amantes: “Nós somos amantes. Nós não podemos parar de
nos amar”12 (DURAS, 1986: 78). Fica claro que há uma forte atração entre os dois. A
atitude de repulsa da menina em Barrage não acontece aqui e a estranheza física se
transforma em elegância: “O homem elegante desceu da limusine, ele fuma um cigarro
inglês”13 (DURAS, 1986: 42).
Como diz Julia Kristeva, ao admitir que o estrangeiro está em nós, não poderemos
mais detestá-lo: “Estranhamente, o estrangeiro nos habita: ele é a face escondida de
nossa identidade, o espaço que arruína nossa moradia, o tempo em que se deteriora a
harmonia e a simpatia. De reconhecê-lo em nós, poupamo-nos de detestá-lo em si
mesmo”14 (KRISTEVA, 1988: 9).
Durante os jantares que o amante paga para a família, porém, a menina ignora-o,
como se ela fosse obrigada a isso diante deles: “Eu também diante deles não falo com
ele. Em presença da minha família eu não devo nunca lhe dirigir a palavra”15 (DURAS,
1984: 65).
Ela tem medo. Medo do irmão, da loucura da mãe, das suas obsessões, da morte:
“Devia acontecer de madrugada. Eu tinha medo de mim, tinha medo de Deus. Quando
era dia, eu tinha menos medo e menos grave parecia a morte. Mas ela não me deixava
nunca”16 (DURAS, 1984: 13). A menina de L’amant revela uma instabilidade natural de
quem está em uma autêntica busca de identidade. Contraditória, dividida entre a família,
o amante e os seus desejos, ela busca este “algo mais”, ajudada principalmente pela sua
relação com o outro. É depois de passar pelo que ela chama de o “experimento”, que ela
consegue fazer o que mais quer, escrever. Esta fragilização do ser é intensificada ao ser
apresentada por um texto também fragmentado e ambíguo como L’amant, em que a
narradora não só se desdobra ao longo do texto em “ela”, “a pequena”, “a criança”, mas
também conta suas memórias sem ordem cronológica nem linearidade narrativa, de uma
forma que o leitor tenha a impressão de estar lendo lembranças projetadas
aleatoriamente sobre o papel. O texto, escrito em grande parte no presente, evoca o
“tempo das obsessões e dos traumas” analisado por Philippe Vilain e Serge
Doubrovsky. Neste livro, vários temas que aparecem dispersos em sua obra ressurgem
reunidos em um único livro, como se a autora tivesse decidido fazer um acerto de contas
com seu passado, com a história (as histórias) de sua vida.
O que faço aqui é diferente e parecido. Antes, eu falei dos períodos claros, dos que estavam
esclarecidos. Aqui eu falo dos períodos escondidos desta mesma juventude, de certas coisas
que ocultei sobre certos fatos, sobre certos sentimentos, sobre certos acontecimentos.17
(DURAS, 1984: 14)
L’amant começa como uma autobiografia clássica, segundo a definição de
Lejeune: o narrador, também personagem principal, se manifesta em primeira pessoa
(LEJEUNE, 1975: 18). Além disso, uma narradora, já idosa, parece nos contar como se
passou o momento desencadeador do processo autobiográfico: quando um homem a
encontrou no saguão de um lugar público e comparou o seu rosto do presente com o da
sua juventude:
Eu te conheço desde sempre. Todo mundo diz que você era mais bonita quando você era
jovem, eu vim para te dizer que para mim eu te acho mais bonita agora do que quando você
era jovem, eu gostava menos do seu rosto de moça do que esse que você tem agora,
devastado18 (DURAS, 1950: 9).
Mas a curta cena do encontro logo a remete a uma imagem. Uma imagem que só a
narradora vê, e dentre todas, aquela na qual ela se reconhece, se gosta. É a fotografia
absoluta. Uma fotografia que nunca existiu, mas que poderia ter existido.
É a partir desta imagem que a narrativa vai ser construída, essa imagem ausente
(omise, oubliée), mas reveladora ao mesmo tempo: “É a essa falta de ter sido feita que
deve a sua virtude, a de representar um absoluto, de ser justamente o seu autor”19
(DURAS, 1984: 17). Uma imagem-cena, que tem movimento, cenário, som e
personagens. Durante todo o texto volta-se a esta cena, que é descrita aos poucos, de
forma fragmentada, entrecortada por reflexões da narradora sobre o processo de criação
e de escrita, sobre as batalhas entre memória e imaginário, entre ficção e realidade, entre
“o que foi”, “o que pode ter sido” e “o que ela quer que tenha sido” a sua vida. Imagem
entrecortada também por outras imagens – fotografias que a narradora parece estar
remexendo (“Eu encontrei uma fotografia do meu filho aos vinte anos”20 (DURAS,
1984: 20), imagens novas que se formam ao longo da narrativa (“A imagem da mulher
de meias atravessou o quarto”21 (DURAS, 1984: 50)).
Como num filme, o texto é constituído do início ao fim por cortes abruptos no
tempo e na história. Em um parágrafo ela tem dezoito anos: “Aos 18 anos eu
envelheci”22 (DURAS, 1984: 10). No seguinte, ela insiste que tem quinze: “Que eu diga
de novo, tenho quinze anos e meio”23 (DURAS, 1984: 11).
Com frases curtas, estruturas simples, discurso cortante, Duras pratica em
L’amant o que chama de écriture courante (escrita fluente), que seria a prática da
escrita como um fluxo de palavras leves, prestes a evaporar caso não se apresse para
fixá-las (ADLER, 1998: 514).
A escrita fílmica, quebrada em cenas, de Barrage, ganha ainda mais força em
L’amant, que também dialoga com o universo da fotografia, num texto repleto de
vocabulário do universo pictural como imagem, cena, fotografia, rosto, além de verbos
como ver e olhar. Assim, Duras mostra aos seus leitores que a arte, mesmo que espelhe
a
realidade em alguns momentos, será sempre uma imagem, será sempre arte.
Introduzindo o discurso metaliterário e auto-reflexivo ao longo do texto, a autora nos
lembra o tempo todo que se trata exclusivamente de literatura: “Nas histórias de meus
livros que se referem à minha infância, de repente não sei mais o que evitei dizer, o que
disse, creio ter falado do amor que tínhamos pela minha mãe mas não sei se falei do
ódio que tínhamos também”24 (DURAS, 1984: 34).
Para Robbe-Grillet, Marguerite Duras importa para o domínio da autobiografia a
poética romanesca exigente, moderna, coerente e elaborada do Nouveau Roman. Longe
de se inscrever na tradição das Memórias, ela inventa um novo tipo da escrita de si
(GASPARINI, 2008: 135). Este escritor acredita existir uma Nouvelle autobiographie,
variante do Nouveau Roman, um tipo de autobiografia, que coloca sua atenção sobre o
trabalho operado a partir de fragmentos e de faltas, em vez de se fixar na descrição
exaustiva de tal ou tal elemento do passado. É o caso do L’amant de Marguerite Duras.
Nesta passagem, por exemplo, a narradora afasta-se da finalidade documentária e
testemunhal, ao introduzir voluntariamente a incerteza sobre os fatos narrados: “A partir
de então é claro que sempre coloquei sapatos. Neste dia eu devo estar usando este
famoso par de sapatos dourados de salto alto. Eu não vejo outro que eu poderia estar
usando neste dia, então são estes que eu uso”25 (DURAS, 1950: 19). A narradora
transmite para o leitor a dúvida sobre os sapatos que está usando e depois a decisão
deliberada de optar pelos sapatos dourados de salto alto. A certeza que parece mostrar a
expressão “é claro” (bien sûr) é logo desconstruída com uma frase modalizada pelo
verbo “dever” (je dois). Esta idéia é ainda reforçada quando, em seguida, ela reconhece
que escolheu esses sapatos, simplesmente porque não imagina nenhum outro para a
ocasião.
Este é somente um dos vários momentos em que a narradora evidencia para o
leitor o afastamento entre a escrita e o fato vivido, entre o real e o imaginário. Pois
ninguém se lembra de tudo. O esquecimento faz parte da memória, assim como a morte
faz parte da vida. (AUGÉ, 1998). Para Philippe Vilain, ao falhar a lembrança, o escritor
recorre à imaginação, inventa e forja uma nova memória totalmente artificial, utilizando
para isso as estratégias da ficção, mesmo quando sua intenção é escrever uma
autobiografia no sentido estrito. “Fonte de recriação, a lembrança é então um meio de
“refazer” sua história pessoal. É escrevendo que nos lembramos e que inventamos,
estetizamos a memória, desviamo-nos ao mesmo tempo do que foi vivido e da
autobiografia estrita”26 (VILAIN, 2005: 122).
Fragmentação do sujeito e da narrativa, texto imagético, fílmico e fluente,
discurso metaliterário e auto-reflexivo, são algumas das técnicas romanescas usadas por
Marguerite Duras para ficcionalizar seu passado, tornar suas memórias uma obra
literária. Comparando as narrativas destes dois romances, percebemos que Duras
buscava muito mais o aperfeiçoamento da sua escrita literária do que a coerência de
uma história de vida.
A narradora afirma em O Amante: “A história da minha vida não existe. Isso não
existe. Isso não existe. Não há nunca centro. Não há caminho, não há linha. Há vastos
lugares em que se faz acreditar que existe alguém, não é verdade não existe ninguém”27
(DURAS, 1984: 14). A história da sua vida não existe, porque ela é impossível de ser
contada em uma narrativa única, linear, sem falhas, sem incoerências, sem invenções.
Como lembra Doubrovsky, o discurso histórico coerente, a verdade literal e indubitável
não existem mais na variante pós-moderna da autobiografia, a autoficção.
L’amant, separado por mais de trinta anos de Un barrage contre le Pacifique,
representa, na verdade, um importante amadurecimento literário e pessoal da escritora
Marguerite Duras que, sem medo de experimentar, inovar, se reinventar, nos deixou
uma obra extensa e rica, em que literatura e memória misturam-se inextricavelmente.
Recebido em setembro de 2009
Aprovado em novembro de 2009
REFERÊNCIAS
ADLER, Laure. Marguerite Duras. Paris : Gallimard, 1998.
ALLEINS, Madeleine, Maguerite Duras Médium du réel. Paris: L’Age d’Homme,
1984.
AUGÉ, Marc. Les formes de l’oubli. Paris : Rivages Poche, 1998.
BARTHES, Roland. La chambre claire : Note sur la photographie. Paris : Gallimard,
1980.
BENJAMIN, Walter. Pequena História da fotografia. In: Obras escolhidas. Magia e
Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.91-107.
DURAS, Marguerite. Un barrage contre le Pacifique. Paris: Gallimard, 1950.
______. L’Amant. Paris: Éditions de Minuit, 1984.
______. Mothers. Duras by Duras, San Francisco: City Lights, 1987.
______. Écrire. Paris: Gallimard, 1993.
GASPARINI, Philippe. Autofiction. Une aventure du langage. Paris : Seuil, 2008.
KRISTEVA, Julia. Étrangers à nous-même. Paris: Gallimard, 1988.
LANDOWSKI, Éric. Presenças do Outro. Ensaios de sociossemiótica. Tradução: Mary
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LEJEUNE, Philippe. Le pacte autobiographique. Paris : Seuil, 1975 ; réd. 1996.
PARAISO, Andrea Correa. Marguerite Duras e os possíveis da escritura: a incansável
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RIVERA, Tânia. Cinema, Imagem e Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2008 (Coleção
PASSO-A-PASSO).
VILAIN, Philippe. L’autofiction selon Doubrovsky In : Défense de Narcisse. Paris :
Bernard Grasset, 2005. p.169 – 235.
1
A Indochina francesa corresponde hoje aos países Vietnã, Laos e Camboja.
Todas as citações são tradução minha. Coloco o original em nota para os interessados: Il leur avait
semblé à tous les trois que c’était une bonne idée d’acheter ce cheval. Même si ça ne devait servir qu’à
payer les cigarettes de Joseph. D’abord, c’était une idée, ça prouvait qu’ils pouvaient encore avoir des
idées. Puis ils se sentaient moins seuls, reliés par ce cheval au monde extérieur, tout de même capables
d’en extraire quelque chose qui n’avait pas été à eux jusque là, et de l’amener jusqu’à leur coin de plaine
saturé de sel, jusqu’à eux trois saturés d’ennui et d’amertume.
3
Le jour viendrait où une automobile s’arrêterait enfin devant le bungalow. Un homme ou une femme en
descendrait pour demander un renseignement ou une aide quelconque, à Joseph ou à elle. Elle ne voyait
pas très bien quel genre de renseignements on pourrait leur demander : il n’y avait dans la plaine qu’une
seule piste qui allait de Ram à la ville en passant par Kam. On ne pouvait donc pas se tromper de chemin.
Quand même, on ne pouvait pas tout prévoir et Suzanne espérait. Un jour un homme s’arrêterait, peutêtre, pourquoi pas ? parce qu’elle lui plaise et qu’il lui propose de l’emmener à la ville
4
Embora Laure Adler (1998: 58) afirme que Marie Donnadieu nunca tenha interrompido sua vida de
funcionária pública para trabalhar como pianista, nem ao menos tocasse bem, ao contrário de Marguerite
Duras.
5
Le grand mérite du cinéma c’était d’en donner envie aux filles et aux garçons et de les rendre impatients
de fuir leur famille.
6
Bientôt on entendit des claquements de fouet et les cris de Joseph, et la carriole apparut sur la piste.
Joseph était à l’avant. Sur le siège arrière il y avait deux Malaises. Le cheval allait très lentement, il
raclait la piste de ses pattes plutôt qu’il ne marchait. Joseph le fouettait mais il aurait pu aussi bien
fouetter la piste, elle n’aurait pas été plus insensible. Joseph s’arrêta à la hauteur du bungalow. Les
femmes descendirent et continuèrent leur chemin à pied vers Kam. Joseph sauta de la carriole, prit le
cheval par la bride, quitta la piste et tourna dans le petit chemin qui menait au bungalow. La mère
l’attendait sur le terre-plein, devant la véranda.
– Il n’avance plus du tout, dit Joseph.
Suzanne était assise sous le bungalow, le dos contre un pilotis. Elle se leva et s’approcha du terre-plein,
sans toutefois sortir de l’ombre. Joseph commença à dételer le cheval. Il avait très chaud et des gouttes de
sueur descendaient de dessous son casque sur ses joues
7
C’était la semaine dernière
8
C’était la semaine précédente qu’il avait eu l’idée de ce service de transport pour essayer de gagner un
peu d’argent. Il avait acheté le tout, cheval, carriole et hacharnement, pour deux cents francs. Mais le
cheval était bien plus vieux qu’on n’aurait cru.
9
Dès qu’elle a pénétré dans l’auto noire, elle l’a su, elle est à l’écart de cette famille pour la première fois
et pour toujours. Désormais ils ne doivent plus savoir ce qu’il adviendra d’elle. Qu’on la leur prenne,
qu’on la leur emporte, qu’on la leur blesse, qu’on la leur gâche, ils ne doivent plus le savoir. Ni la mère,
ni les frères.
10
Je lui ai répondu que ce que je voulais avant toute autre chose c’était écrire.
11
Soudain, je me vois comme une autre, comme une autre serait vue, au-dehors, mise à la disposition de
tous, mise dans la circulation des villes, des routes, du désir.
12
Nous sommes des amants. Nous ne pouvons pas nous arrêter d’aimer.
13
L’homme élégant est descendu de la limousine, il fume une cigarette anglaise
2
14
Étrangement, l’étranger nous habite : il est la face cachée de notre identité, l’espace qui ruine notre
demeure, le temps où s’abîme l’entente et la sympathie. De le reconnaître en nous, nous nous épargnons
de le détester en lui-même.
15
Moi non plus devant eux je ne lui parle pas. En présence de ma famille je ne dois jamais lui adresser la
parole.
16
Ça devait se passer la nuit. J’avais peur de moi, j’avais peur de Dieu. Quand c’était le jour, j’avais
moins peur et moins grave apparaissait la mort. Mais elle ne me quittait pas.
17
Ce que je fais ici est différent et pareil. Avant, j’ai parlé des périodes claires, de celles qui étaient
éclairées. Ici je parle des périodes cachées de cette même jeunesse, de certains enfouissements que
j’aurais opérés sur certains faits, sur certains sentiments, sur certains événements.
18
Je vous connais depuis toujours. Tout le monde dit que vous étiez belle lorsque vous étiez jeune, je suis
venu pour vous dire que pour moi je vous trouve plus belle maintenant que lorsque vous étiez jeune,
j’aimais moins votre visage de jeune femme que celui que vous avez maintenant, dévasté.
19
C’est à ce manque d’avoir été faite qu’elle doit sa vertu, celle de représenter un absolu, d’en être
justement l’auteur.
20
J’ai retrouvé une photographie de mon fils à vingt ans.
21
L’image de la femme aux bas reprisés a traversé la chambre.
22
À 18 ans j’ai vieilli.
23
Que je vous dise encore, j’ai quinze ans et demi.
24
Dans les histoires de mes livres qui se rapportent à mon enfance, je ne sais plus tout à coup ce que j’ai
évité de dire, ce que j’ai dit, je crois avoir dit l’amour que l’on portait à notre mère mais je ne sais pas si
j’ai dit la haine qu’on lui portait aussi (...)
25
A partir de là bien sûr j’ai toujours mis des chaussures. Ce jour-là je dois porter cette fameuse paire de
talons hauts en lamé or. Je ne vois rien d’autre que je pourrais porter ce jour-là, alors je les porte.
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Source de recréation, le souvenir est alors un moyen de « refaire » son histoire personnelle. C’est en
écrivant que l’on se souvient et que l’on se met à inventer, à esthétiser sa mémoire, à se détourner à la fois
de ce que l’on a vécu et de la stricte autobiographie.
27
L’histoire de ma vie n’existe pas. Ça n’existe pas. Il n’y a jamais de centre. Pas de chemin, pas de
ligne. Il y a de vastes endroits où l’on fait croire qu’il y avait quelqu’un, ce n’est pas vrai il n’y avait
personne.

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