178 Produção de matéria seca e absorção de nutrientes

Transcrição

178 Produção de matéria seca e absorção de nutrientes
Produção de matéria seca e absorção de nutrientes
por cultivares de arroz de terras altas em resposta à
calagem
Munir Mauad *, Carlos Alexandre Costa Crusciol **, Rita de Cássia Alvarez *,
Rosemeire Helena da Silva *
* Departamento de Produção Vegetal, Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), Unesp. E-mail:
[email protected]
** Autor para correspondência. Bolsista do CNPp. Departamento de Produção Vegetal, FCA-Unesp.
Caixa Postal 237, CEP 18603-970, Botucatu (SP), Brasil. E-mail: [email protected]
Resumo
Os solos brasileiros, na sua maioria ácidos, apresentam propriedades limitantes ao desenvolvimento da
maioria das culturas de interesse agrícola, sendo a calagem a prática mais utilizada para corrigir a acidez.
Objetivou-se avaliar a resposta de cultivares de arroz a diferentes níveis de calagem. O experimento foi
conduzido em casa de vegetação, e os tratamentos foram constituídos por quatro cultivares de terras
altas (Carajás, IAC 201, IAC 202 e Primavera) e quatro níveis de calagem (8,55; 17,10; 25,65 e 34,20 g
por vaso, calculados para elevar a saturação por bases, V, a 25, 50, 75 e 100%), seguindo um esquema
fatorial 4x4, em delineamento inteiramente casualizado, com quatro repetições. O aumento dos níveis
de calagem melhorou os atributos químicos do solo. A eficiência de utilização de Ca e Mg foi reduzida
com o aumento dos níveis de calcário, enquanto a de Zn foi incrementada. Os cultivares de arroz
apresentaram respostas diferentes à elevação dos níveis de calagem quanto à absorção e à eficiência de
utilização dos nutrientes.
Palavras-chave adicionais: Oryza sativa; pH do solo; eficiência de utilização de nutrientes.
Abstract
MAUAD, M.; CRUSCIOL, C. A. C.; ALVAREZ. R. C.; SILVA, R. H. Yield of dry matter and nutrient absorption
by upland rice cultivars as a consequence of liming. Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184,
2004.
The majority of the Brazilian soils are acidic and, as such, they can seriously limit growth and development
of most of the agricultural crops. Soil liming is the technique most frequently employed to correct soil
acidity. The objective of this work was to verify the response of rice upland cultivars to different liming
levels. The experiment was carried out under greenhouse conditions. Four rice upland cultivars (Carajás,
IAC – 201, IAC – 202, and Primavera) and four liming levels (8.55, 17.10, 26.65, and 34.20 grams of
limestone per vase, calculated to obtain, respectively, bases saturation values (V) of 25, 50, 75, and
100%) were combined in a 4 X 4 factorial arrangement in a completely random design, each treatment
combination replicated four times. The chemical attributes of the soil were improved by increasing
doses of limestone. The efficiency of use of Ca and Mg decreased as the doses of limestone increased
whereas that of Zn was increased. A varietal effect was observed as to the absorption and efficiency of
nutrients utilization as the doses of limestone increased.
Additional keywords: Oryza sativa; soil pH; efficiency in use of nutrients.
Introdução
Os solos brasileiros, na sua maioria ácidos,
apresentam propriedades limitantes ao desenvolvimento
da maioria das culturas de interesse agrícola, em especial
na região central do Brasil, que representa importante
área para produção de alimento (BARBOSA FILHO et al.,
1994).
A calagem é a prática mais utilizada para corrigir a
acidez, em decorrência de sua rápida reação e
conseqüentes alterações químicas, físicas e biológicas
no solo (PAVAN & OLIVEIRA, 1997), porém, se não
realizada obedecendo a recomendações técnicas, pode
178
limitar a produção pela indisponibilidade de nutrientes.
Na prática, acidez do solo não significa somente
alto teor de H+, podendo refletir-se em baixos teores de
fósforo, cálcio, magnésio e molibdênio, como também
em altos teores de alumínio e manganês.
O arroz de sequeiro, Oryza sativa L., tem sido
cultivado nessas condições principalmente em áreas de
renovação de pastagem (DUARTE et al., 1999) e em
abertura de novas áreas, por causa de sua fácil
implantação e desenvolvimento em solos pobres em
nutrientes, em relação a outras culturas, como milho e
soja (CRUSCIOL et al., 1999), o que demonstra ser a
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
cultura bastante tolerante à acidez do solo (FAGERIA,
2000).
Em sistemas de rotação de culturas, o arroz tem
sido utilizado com soja, milho e trigo. Entretanto, o pH
ideal para essas culturas está em torno de 6,0, acima do
recomendado para o arroz, indicando a necessidade de
conhecer o comportamento do arroz em sistemas de
rotação que exigem níveis de calagem mais elevados
(FAGERIA, 2000).
Diversos autores demonstraram que existem grandes
diferenças entre os cultivares quanto à capacidade de
absorção e utilização de nutrientes (FURLANI et al., 1986;
FAGERIA et al., 1995 a,b). Essas diferenças podem ser
relacionadas tanto a processo fisiológico da planta como
a sua forma, permitindo melhor aproveitamento da
radiação luminosa ou mudanças favoráveis para a cultura
na rizosfera (FAGERIA et al., 1995).
O emprego de cultivares eficientes na absorção e
utilização de nutrientes é uma importante estratégia para
redução de custo da produção agrícola, por permitir
menor uso de fertilizantes e corretivos na agricultura
moderna (HUGGINS & PAN, 1993); entretanto, não existe
o cultivar ideal, e sim, cultivares com qualidades que
devem ser exploradas corretamente para a obtenção de
melhores resultados (BRESEGHELLO et al., 1998).
O objetivo deste estudo foi avaliar a produção de
matéria seca e a absorção de nutrientes de cultivares de
arroz de terras altas em resposta a diferentes níveis de
calagem.
Material e métodos
O experimento foi conduzido em casa de vegetação,
no Departamento de Produção Vegetal da Faculdade de
Ciências Agronômicas da Unesp, Câmpus de Botucatu,
Estado de São Paulo, apresentando como coordenadas
geográficas 22°51' de latitude S e 48°26' de longitude
W, e altitude de 815 m.
O solo utilizado, Latossolo Vermelho distroférrico,
amostrado na camada de 0-20 cm, apresentou os
seguintes atributos granulométricos e químicos: 690 g
kg-1 de areia, 160 g kg-1 de argila e 150 g kg-1 de silte;
pH 4,1; P resina 1,0 mg dm-3; K 0,1 mmolc dm-3; Ca 4,0
mmolc dm-3; Mg 1,0 mmolc dm-3; H+Al 75 mmolc dm-3;
V% 6,4. Os tratamentos foram constituídos por quatro
cultivares de arroz de terras altas (Carajás, IAC 201, IAC
202 e Primavera) e quatro níveis de calagem (8,55; 17,10;
25,65 e 34,20 g por vaso, calculados para atingir os
respectivos valores de V de 25, 50, 75 e 100%), seguindo
um esquema fatorial 4x4, em delineamento inteiramente
casualizado, com quatro repetições. O calcário utilizado
apresentava 21% CaO, 18% MgO e PRNT de 93%. As
unidades experimentais foram constituídas por vasos de
polietileno com capacidade para 10 L. As doses de
calcário foram misturadas em 8 kg de terra, sendo
incubadas durante 30 dias, mantendo-se a umidade com
aproximadamente 80% da capacidade de retenção de
água do solo. Foi realizada adubação com 100 mg dm-3
de N (50 mg dm-3 na semeadura e 50 mg dm-3 em
cobertura, no início do estádio de perfilhamento), 150
mg dm-3 de P, 150 mg dm-3 de K, 3 mg dm-3 de B e 5 mg
dm-3 de Zn.
Foram semeadas cinco sementes por vaso e, após
uma semana, foi realizado o desbaste, deixando-se duas
plantas por vaso. Aos 79 dias após a emergência, quando
as plantas se encontravam no estádio de diferenciação
floral, foi realizada a colheita do experimento. As plantas
foram seccionadas no colo, separando-se a parte aérea
do sistema radicular.
Foram determinadas as seguintes variáveis: pH,
H +Al, saturação por bases, soma de bases, teores de P,
K, Ca e Mg no solo, segundo métodos propostos por
RAIJ et al. (2001), produção de matéria seca total, teor
de macronutrientes e zinco (MALAVOLTA, 1980), e a
eficiência de utilização, por meio da relação miligrama
de matéria seca de parte aérea /miligrama de nutriente
Tabela 1 – Análise de variância para pH, H+Al, P, K, Ca, Mg, V e SB em solo cultivado com arroz de terras altas,
em função de níveis de calagem. Table 1 – Analysis of variance of pH, H+Al, P, K, Ca, Mg, V, and SB data from a
soil cultivated with four rice upland cultivars as a function of liming level.
pH
H+Al
P
K
Ca
Mg
V
SB
—————----------————————— Valor de F/ F values ———————————————Cultivares (C)/ Cultivars (C)
0,40 ns
4,14 ns
1,06 ns
0,49 ns
0,76 ns
1,03 ns
0,33 ns
0,63 ns
Calagem (Ca)/Liming (Ca)
161,14**
274,40**
0,62 ns
5,01*
61,18**
82,25**
212,34**
77,32 ns
0,78 ns
1,87 ns
0,77 ns
0,53 ns
1,02 ns
1,39 ns
0,82 ns
1,19 ns
C x Ca
————————————— CV (%)/ Coefficient of Variation (%) —————————————3,23
10,61
30,34
24,23
16,15
15,87
7,75
14,37
**, * : significativo a 1 e 5 %, respectivamente; ns: não-significativo.
**, *: significant at 1 and 5% respectively; ns: non significant.
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
179
para os macronutrientes e micrograma para zinco. Os
dados foram submetidos à análise de variância, e o efeito
da saturação por bases foi determinado pela análise de
regressão.
Figura 1 – Valores de pH, H+Al, P, K , Ca, Mg, V(%) e SB em solo
cultivado com arroz de terras altas, em função de níveis de calcário.
Figure 1 – Values of pH, H+Al, P, K , Ca, Mg, V(%), and SB in a soil
cultivated with four rice upland cultivars as a in function of liming level.
Resultados e discussão
Na Tabela 1, estão os dados da análise de variância
para os atributos químicos do solo em função dos níveis
de calagem. Constata-se efeito apenas do fator calagem.
A Figura 1 mostra a variação dos atributos químicos
do solo em função dos níveis de calagem. Houve resposta
linear e quadrática para a maioria das variáveis analisadas,
exceto para o teor de P no solo, que não apresentou
resposta significativa ao aumento do nível de calagem.
A utilização de calcário elevou o pH e reduziu a
concentração de H + Al no solo (Figura 1). A reação de
solubilidade do calcário com o solo resulta na formação
dos ânions OH- e HCO-3. Como o ácido é uma substância
doadora de prótons e a base é receptora, ocorre a reação
de transferência de prótons. A contínua reação do íon
H+ da solução do solo resulta na precipitação do Al+3,
elevando o pH e diminuindo a concentração H + Al+3,
estando os resultados de acordo com FAGERIA (2000,
2001).
180
O teor de K trocável no solo (Figura 1) aumentou
de forma linear com o incremento do nível de calagem.
À medida que o calcário reage no solo, ocorre a geração
de sítios de ligação no complexo de troca (minerais de
argila), decorrente da saída do H+, e que podem ser
ocupados por cátions, como o potássio. Esses resultados
corroboram os encontrados por BARBOSA FILHO & SILVA
(1994), que obtiveram aumento dos teores de K trocável
no solo com a prática da calagem.
Tanto o teor de Ca como de Mg aumentaram de
forma significativa, com resposta linear e quadrática,
respectivamente (Figura 1). A calagem, além de corrigir
os atributos químicos do solo, é a fonte mais econômica
de cálcio e magnésio ao solo. Portanto, aumentos dos
teores de Ca e Mg no solo estão relacionados à elevação
dos níveis de calagem, que acaba exigindo maiores
quantidades de calcário e, assim, elevando os teores
destes cátions (DUARTE et al., 1999; FAGERIA et al.,
1990; FAGERIA, 2000).
O incremento no nível de calcário aumentou os
valores de saturação por bases (V%) e a soma de bases,
estando esses resultados de acordo com os obtidos por
BARBOSA FILHO & SILVA (1994) e DUARTE et al. (1999).
Nota-se que os valores de saturação por bases estimados
não foram atingidos nos níveis mais elevados (Figura 1).
Provavelmente, esse fato esteja relacionado às cargas
dependentes do pH, que geram um poder tampão do
solo maior do que o estimado, causando alterações na
dinâmica do solo quando a saturação por bases estimada
é alta, exigindo doses de corretivos cada vez maiores
para se obter o mesmo grau de correção (CAIRES &
ROSOLEM, 1993).
Na Tabela 2, estão os dados da análise de variância
para matéria seca de parte aérea (MSPA) e teores de N,
P, K, Ca, Mg, S e Zn. Constata-se efeito da interação
dos fatores para todas as variáveis.
A produção de matéria seca de parte aérea
apresentou resposta linear para todos os cultivares (Figura
2). Esses resultados contrariam os obtidos por FAGERIA
(2000), que obteve redução desta variável à medida que
o nível de calagem foi incrementado. Isso é devido ao
fato de o pH do solo, no trabalho desse autor, ter sofrido
grande variação, chegando a 6,8, limitando a
disponibilidade de alguns nutrientes, enquanto, nas
condições experimentais deste trabalho, a variação foi
pequena (Figura 1).
Nota-se que, para o teor de nitrogênio (Figura 2),
apenas o cultivar Primavera apresentou resposta
decrescente e significativa em função do aumento do
nível de calagem, enquanto os outros cultivares não
foram influenciados.
A redução da matéria seca em função dos aumentos
dos níveis de calagem está relacionada à deficiência de
fósforo (FAGERIA, 2000), porém, neste estudo, observase que o teor de fósforo no solo (Figura 1) e na parte
aérea, exceto no cultivar IAC-202 (Figura 2), não variou
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
Tabela 2 – Análise de variância para matéria seca de parte aérea (MSPA) e teores de N, P, K, Ca, Mg, S e Zn em
plantas de arroz de terras altas, em função de níveis de calagem. Table 2 – Analysis of variance of the dry matter
of the aerial part (MSPA) and contents of N, P, K, Ca, Mg, S, and Zn data in plants of four rice upland cultivars as
a function of liming level.
MSPA
N
P
K
Ca
Mg
S
Zn
———————————————————— Valor de F/ F values ————————————————Cultivares (C)/ Cultivars (C)
1,06 ns
8,55**
5,39*
2,48 ns
2,81*
7,51**
5,72**
9,06**
Calagem (Ca)/Liming (Ca)
113,72**
1,36 ns
5,31*
8,69**
36,80**
38,75**
3,81*
7,06**
5,41 *
4,50 *
5,08 *
6,17 *
5,90 *
6,04 *
6,62 *
1,08 ns
C x Ca
—————————————— CV (%)/ Coefficient of Variation (%) —————————————22,0
5,02
17,18
9,78
10,20
15,18
8,00
32,24
———————————— Valor de F para regressão – Caiapó/ F values (Caiapó) ————————
Linear/Linear regression
Quadrática/ Quadratic
regression
72,60**
0,04 ns
0,50 ns
5,46*
17,41**
30,61**
15,82**
7,22*
5,33*
0,02 ns
0,10 ns
0,29 ns
0,72 ns
2,20 ns
1,80 ns
1,44 ns
————————— Valor de F para regressão – IAC 201/ F values (IAC-201) —————————
Linear/ Linear regression
70,42**
1,18 ns
2,55 ns
6,04*
27,40**
21,60**
1,32 ns
0,04 ns
Quadrática/Quadratic
regression
2,08 ns
0,51 ns
0,59 ns
0,66 ns
0,03 ns
0,25 ns
5,80*
6,09*
——————————— Valor de F para regressão – IAC 202/ F values (IAC-202) ———————
Linear/ Linear regression
Quadrática/Quadratic
regression
Linear/Linear regression
QuadráticaQuadratic
regression
91,26**
1,63 ns
20,44**
6,24*
28,20**
41,19**
0,35 ns
6,34*
3,00ns
2,04 ns
1,75
0,13 ns
0,46 ns
6,12*
1,40 ns
0,01 ns
————————— Valor de F para regressão – Primavera/ F values (Primavera) ————————
—93,75**
7,53**
0,08 ns
2,73 ns
39,64**
19,52**
1,12 ns
9,42**
2,08ns
0,02 ns
0,01 ns
8,84**
3,48 ns
0,00 ns
1,93 ns
0,62 ns
**, * : significativo a 1 e 5 %, respectivamente; ns: não-significativo.
**, *: significant at 1 and 5% respectively; ns: non-significant.
em função do aumento do nível de calagem. Isso pode
ser explicado pelo fato de o pH ter sofrido pouca variação
com o aumento do nível de calagem. Segundo FAGERIA
(1989), aumento do pH para níveis acima de 6,0 leva à
fixação do P, principalmente pela formação de fosfato
de cálcio. Nota-se que o pH do presente estudo, nos
níveis mais elevados de calagem (Figura 1), esteve
sempre abaixo dessa faixa, estando o elemento disponível
para as plantas.
O cultivar IAC-202 apresentou o maior teor de P
nos dois níveis maiores de calagem (Figura 2), o que
pode estar relacionado à capacidade do sistema radicular
em absorver mais fósforo do que os outros cultivares
(FAGERIA & BARBOSA FILHO, 1981).
Houve respostas negativas lineares para os
cultivares Carajás, IAC-201 e IAC-202, e quadrática para
o cultivar Primavera para o teor de K, à medida que o
nível de calagem foi incrementado (Figura 2). Potássio,
cálcio e magnésio competem pelos mesmos sítios de
ligação no solo, tendo o potássio, entre os três cátions,
a menor capacidade de adsorção à fase sólida (LUCHESE
et al., 2001), por causa da menor força de atração
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
potássio-argila que cálcio-argila (RUIZ et al., 1999), o
que levaria a maior liberação do potássio para a solução
do solo, se a concentração de ambos fosse igual.
Entretanto, essa hipótese não é válida, considerando as
variações nos níveis de calagem.
Plantas produtoras de amido, como o arroz, têm
maior afinidade por cátions monovalentes (MALAVOLTA,
1980), porém o aumento dos teores de Ca e Mg no solo
(Figura 1), principalmente do Ca, pode ter gerado inibição
competitiva (MALAVOLTA et al., 1997), diminuindo a
absorção e, conseqüentemente, o teor de potássio (Figura
2).
Os teores de cálcio e magnésio apresentaram
resposta linear positiva em função do aumento do nível
de calagem, com maior teor de Ca no cultivar Primavera,
e menor em Carajás (Figura 2). Para o teor de Mg, IAC202 e IAC-201 apresentaram os maiores valores,
enquanto Primavera e Carajás apresentaram os menores.
Aumentos dos níveis de cálcio e magnésio na matéria
seca em função do aumento dos níveis de calagem foram
relatados por DUARTE et al. (1999) e FAGERIA (2000).
Os cultivares apresentaram resposta variável para
181
o teor de S (Figura 2). À medida que o nível de calagem
foi elevado, houve resposta linear para Carajás e
quadrática para IAC-201, enquanto IAC-202 e Primavera
não apresentaram respostas significativas.
Com exceção do cultivar IAC-202, os demais
apresentaram resposta linear negativa para o teor de
zinco (Figura 2). O aumento do pH diminui a
disponibilidade de zinco (MALAVOLTA et al., 1997);
Figura 3 – Eficiência de utilização de N,P,K, Ca, Mg, S e Zn em plantas de
arroz de terras altas em função dos níveis de calcário. Figure 3 – Utilization
efficiency of N, P, K , Ca, Mg, S, and Zn by plants of four rice upland
cultivars as a function of liming level.
Figura 2 – Matéria seca de parte aérea (MSPA) e teores de N, P, K, Ca,
Mg, S e Zn em plantas de arroz de terras altas, em função de níveis de
calcário. Figure 2 – Values of dry matter of the aerial part (MSPA), and
levels of N, P, K, Ca, Mg, Ca, Mg, S, and Zn in plants of four rice upland
cultivars as a function of liming level.
entretanto, neste estudo, esse aumento foi pequeno para
justificar essa hipótese. Sabe-se que o zinco se adsorve
à superfície dos carbonatos de Ca e Mg, com maior força
de adsorção aos carbonatos de Mg, uma vez que os
raios iônicos desses elementos (Zn e Mg) são
semelhantes, permitindo tal substituição (BARBOSA FILHO
et al., 1994). Vale ressaltar que, neste estudo, utilizouse calcário dolomítico, que é rico em magnésio, como
pode ser observado pelo aumento do teor deste elemento
no solo (Figura 1). Outro fator que pode ter contribuído
para o menor teor de zinco é o efeito de diluição, ou
seja, o incremento de matéria seca devido à elevação
dos níveis de calagem não foi acompanhado na mesma
proporção por um aumento do teor de zinco na planta.
Algumas espécies de plantas e cultivares podem
alterar o pH da rizosfera, acidificando-a e disponibilizando
182
alguns nutrientes (FAGERIA & BALIGAR, 1993), o que
pode explicar o maior teor de zinco no cultivar IAC-201
(Figura 2).
Na Tabela 3, estão os dados da análise de variância
para eficiência de utilização de N, P, K, Ca, Mg, S e Zn.
Constata-se efeito da interação dos fatores para todas
as variáveis.
Os dados da eficiência de utilização de nutrientes
em função dos níveis de calagem estão apresentados na
Figura 3. Esses valores foram obtidos pela relação da
quantidade de matéria seca produzida por unidade de
nutriente absorvido.
Apenas no cultivar Primavera, a calagem alterou a
eficiência de utilização de N, ocorrendo aumento linear
com incremento das doses de calcário (Figura 3). Carajás
mostrou-se o mais eficiente, seguido por Primavera, IAC201 e IAC-202.
Com relação à eficiência para utilização de P (Figura
3), IAC-202 apresentou redução à medida que o nível
de calagem foi elevado, o que é explicado pela maior
disponibilidade do elemento no tecido vegetal da planta
(Figura 2), fazendo com que este cultivar reduzisse a
eficiência de utilização do nutriente. A eficiência dos
demais cultivares não foi alterada pela calagem.
Diferenças na absorção e utilização de P em plantas de
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
Tabela 3 – Análise de variância para eficiência de utilização de N, P, K, Ca, Mg, S e Zn em plantas de arroz de
terras altas, em função dos níveis de calcário. Table 3 – Analysis of variance of efficiency of N, P, K, Ca, Mg, S, and
Zn utilization by plants of four rice upland cultivars as a function of liming level.
N
P
K
Ca
Mg
S
Zn
———————————————————— Valor de F/ F values ————————————Cultivares (C)/ Cultivars (C)
6,71**
0,77 ns
1,46 ns
3,56 ns
15,61**
4,77 ns
11,63**
Calagem (Ca)/Liming (Ca)
1,34 ns
2,58 ns
5,12 *
43,31**
58,94**
3,73 ns
9,02**
1,33 ns
4,18 *
5,92 *
5,62 *
4,38 *
5,48 *
6,65 *
C x Ca
————————————— CV (%)/ Coefficient of Variation (%) ———————————5,31
38,30
12,78
9,08
12,97
8,46
29,11
———————— Valor de F para regressão – Caiapó/ F values (Caiapó) ———————
Linear/Linear regression
0,02 ns
0,27 ns
3,60 ns
27,00**
54,82**
17,09**
18,45**
Quadrática/ Quadratic
regression
0,06 ns
0,07 ns
0,19 ns
0,91 ns
6,85
1,93 ns
1,92 ns
——————— Valor de F para regressão – IAC 201/ F values (IAC-201) ———————
Linear/ Linear regression
1,13 ns
0,64 ns
3,73 ns
29,62**
16,12**
0,71 ns
0,01 ns
Quadrática/Quadratic
regression
0,34 ns
0,23 ns
0,19 ns
0,67 ns
0,84 ns
4,31
1,74 ns
——————— Valor de F para regressão – IAC 202/ F values (IAC-202) ———————
Linear/ Linear regression
1,58 ns
12,12**
3,30 ns
26,41**
49,56**
0,43 ns
5,88*
Quadrática/Quadratic
regression
1,24 ns
4,41*
0,04 ns
1,38 ns
9,19**
1,33 ns
0,16 ns
————————— Valor de F para regressão – Primavera/ F values (Primavera) ————
Linear/Linear regression
Quadrática/Quadratic
regression
7,24 ns
0,02 ns
0,09 ns
0,03 ns
1,10 ns
8,88**
47,90**
45,37**
1,88 ns
11,32**
0,75 ns
1,25 ns
1,45 ns
0,06 ns
**, * : significativo a 1 e 5 %, respectivamente; ns: não-significativo.
**, *: significant at 1 and 5% respectively; ns: non-significant.
arroz estão relacionadas à cinética de absorção (FURLANI
et al., 1983).
Para o potássio, a eficiência de utilização foi maior
no cultivar Primavera (Figura 3). Nitrogênio e potássio
apresentam efeito sinergístico, a partir de certa dose, o
que pode explicar a maior eficiência deste cultivar para
o K, uma vez que apresentou boa eficiência para N. A
calagem não alterou a eficiência de utilização dos
demais cultivares. O efeito no cultivar Primavera,
provavelmente, está relacionado às características
intrínsecas do genótipo. No entanto, por ser um material
relativamente novo, os estudos de eficiência de absorção
são escassos com este cultivar.
Tanto para Ca como para Mg (Figura 3), as maiores
eficiências de utilização foram obtidas nos menores níveis
de calagem. O aumento dos níveis de calagem diminuiu
a eficiência de utilização com respostas lineares e
quadráticas. Isso é devido à maior disponibilidade destes
elementos para as plantas, fazendo com que elas
diminuíssem sua eficiência de utilização
À medida que o nível de calagem aumentou,
houve redução na eficiência de utilização de S nos
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004
cultivares Carajás e IAC-201 (Figura 3). IAC-202 e
Primavera não apresentaram resposta significativa.
Apenas o cultivar IAC-202 não apresentou resposta
significativa para eficiência de utilização de zinco (Figura
3), apesar do maior teor (Figura 2), enquanto os demais
cultivares apresentaram menor teor e maior eficiência,
o que pode ser entendido pelo fato de que, sob baixa
disponibilidade de um determinado nutriente essencial,
a planta aumenta sua eficiência de utilização como forma
de completar o ciclo. O cultivar Carajás foi o mais
eficiente, seguido por Primavera e IAC-202. Diferenças
quanto à eficiência de absorção e utilização de nutrientes
em cultivares de arroz foram encontradas por diversos
autores (FAGERIA & BARBOSA FILHO, 1981; FURLANI et
al., 1986; FAGERIA et al., 1995 a,b).
Conclusões
O aumento dos níveis de calcário melhorou os
atributos químicos do solo.
183
A eficiência de utilização de Ca e Mg é reduzida
com o aumento dos níveis de calcário, enquanto a de Zn
é incrementada.
Os cultivares de arroz apresentam respostas
diferentes à elevação dos níveis de calagem quanto à
absorção e à eficiência de utilização dos nutrientes.
FAGERIA, N. K.; BARBOSA FILHO, M. P. Avaliação de cultivares
de arroz para maior eficiência na absorção de fósforo.
Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.16, p.777782, 1981.
FAGERIA, N. K.; SANT’ANA, E. P.; CASTRO, E. M. de; MORAES,
O. P. Resposta diferencial de genótipos de arroz de sequeiro
à fertilidade do solo. Revista Brasileira de Ciência do
Solo, Campinas, v.19, p.261-267, 1995a.
Referências
BARBOSA FILHO, M. P.; DYNIA, J. F.; FAGERIA, N. K. Zinco e
ferro na cultura do arroz. Brasília: Embrapa-SPI, 1994.
71p. (Documento, 49).
BARBOSA FILHO, M. P.; SILVA, O. F.da. Aspectos agroeconômicos da calagem e da adubação nas culturas de arroz
e feijão irrigados por aspersão. Pesquisa Agropecuária
Brasileira, Brasília, v.29, p.1657-1667, 1994.
BRESEGHELLO, F., CASTRO, E. M., MORAIS, O. P. Cultivares
de arroz. In: BRESEGHELLO, F.; STONE, L. F. Tecnologia para
o arroz de terras altas. Santo Antonio de Goiás: Embrapa
Arroz e Feijão, 1998. p.41-53.
CAIRES, E. F.; ROSOLEM, C. A. Calagem em genótipos de
amendoim. Revista Brasileira de Ciência do Solo,
Campinas, v.13, p.193-202, 1993.
CRUSCIOL, C. A. C.; MACHADO, J. R.; ARF, O.; RODRIGUES,
A. F. Matéria seca e absorção de nutrientes em função do
espaçamento e da densidade de semeadura em arroz de terras
altas. Scientia Agricola, Piracicaba, v.56, p.63-70, 1999.
DUARTE, A. P.; QUEIROZ-VOLTAN, R. B.; FURLANI, P. R.;
KANTHACK, R. A. D. Resposta de cultivares de arroz-desequeiro à calagem. Bragantia, Campinas, v.58, p.353-361,
1999.
FAGERIA, N. K. Solos tropicais e aspectos fisiológicos
das culturas. Brasília: Embrapa-DPU, 1989. 425p.
(Documento, 18).
FAGERIA, N. K. Resposta de arroz de terras altas à correção de
acidez em solo do cerrado. Pesquisa Agropecuária
Brasileira, Brasília, v.35, p.2303-2307, 2000.
FAGERIA, N. K. Efeito da calagem na produção de arroz,
feijão,milho e soja em solo de cerrado. Pesquisa
Agropecuária Brasileira, Brasília, v.36, p.1419-1424,
2001.
FAGERIA, N. K.; BALIGAR, V. C. Screening crop genotypes for
mineral stress. In: WORKSHOP ON ADAPTATION OF PLANTS
TO SOIL STRESS, 1993, Lincoln. Proceedings… Lincoln:
University of Nebraska, 1993. p.142-159.
FAGERIA, N. K.; SANT’ANA, E. P.; MORAES, O. P. Resposta de
genótipos de arroz de sequeiro favorecido à fertilidade do
solo. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.30,
p.1155-1161, 1995b.
FURLANI, A. M. C.; BATAGLIA, O. C.; AZZINI, L. E.
Comportamento diferencial de linhagens de arroz na
absorção e utilização de nitrogênio em solução nutritiva.
Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v.10,
p.51-59, 1986.
FURLANI, A. M. C.; BATAGLIA, O. C.; FURLANI, P. R.; AZZINI, L.
E.; CAMARGO, O. B. A. Avaliação de genótipos de arroz de
sequeiro quanto à eficiência na utilização de fósforo em
solução nutritiva. Revista Brasileira de Ciência do Solo,
Campinas, v.7, p.291-303, 1983.
HUGGINS, D. R.; PAN, W. L. Nitrogen efficiency component
analysis: an evaluation of cropping system differences in
productivity. Agronomy Journal, Madison, v.85, p.898905, 1993.
LUCHESE, E. B.; FAVERO, L. O. B.; LENZI, E. Fundamentos da
química do solo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. 159p.
MALAVOLTA, E. Elementos de nutrição de plantas.
Piracicaba: Agronômica Ceres, 1980. 251p.
MALAVOLTA, E.; VITTI. G. C.; OLIVEIRA, S. A. Avaliação do
estado nutricional das plantas: princípios e aplicações.
2.ed. Piracicaba: Potafós, 1997. 319p.
PAVAN, M. A.; OLIVEIRA, E. L. de. Manejo da acidez do
solo. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná, 1997. 87p.
(Circular, 95).
RAIJ, B. van; ANDRADE, J. C.; CANTARELLA, H.; QUAGGIO, J.
A. Análise química para avaliação da fertilidade de
solos tropicais. Campinas: Instituto Agronômico, 2001.
285p.
RUIZ, H. A.; MIRANDA, J.; CONCEIÇÃO, J. C. S. Contribuição
dos mecanismos de fluxo de massa e de difusão para o
suprimento de K, Ca e Mg a plantas de arroz. Revista
Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v.23, p.10151018, 1999.
FAGERIA, N. K.; BALIGAR, V. C.; EDWARDS, D. G. Soil-plant
nutrient relationships at low pH stress. In: BALIGAR, V. C.;
DUNCAN, R. R. (Ed.). Crops as enhancers of nutrient
use. San Diego: Academic Press, 1990. p.475-507.
184
Científica, Jaboticabal, v.32, n.2, p.178-184, 2004

Documentos relacionados

ÿþM icrosoft W ord - CBC - TRAB _ 4 9 - 1 . doc

ÿþM icrosoft W ord - CBC - TRAB _ 4 9 - 1 . doc maximizar o uso do elemento pelas plantas. O trabalho teve como objetivo avaliar o efeito de fertilizantes nitrogenados (Entec – liberação controlada de N, sulfato de amônio e uréia), em 2 épocas d...

Leia mais