seminario totum 2011
Transcrição
seminario totum 2011
Durante os dias 4 e 5 de agosto de 2011, herdeiros, sucessores e empresários de diversas regiões do Rio Grande do Sul se reuniram na cidade de Pelotas (RS) para debater e realizar trocas de experiências acerca da sucessão em empresas familiares. O primeiro Seminário TOTUM contou com a participação de profissionais do meio acadêmico e empresarial, consultores, advogados, especialistas em comunicação e teve como temática e eixo central das atividades o “Desafio da Próxima Geração nas Empresas Familiares”. Foram seis painéis realizados, cada um deles dedicado à apresentação de abordagens complementares ao tema. “O objetivo do encontro foi proporcionar integração e geração de conhecimento”, explicou o economista e mestre em Estratégia Empresarial Fernando Villarinho, sócio da Totum Empresarial. Foi dele a responsabilidade de abrir o evento, na noite do dia 4, na pousada Charqueada Santa Rita, e para isso escolheu fazer uma ambientalização dos tempos atuais que serviu como provocação para os participantes. De acordo com Villarinho, o mundo vem sofrendo uma transformação acelerada, e é preciso estar atento para a mudança de parâmetros que se apresenta. O principal deles é a transição de uma economia industrial para uma economia baseada no conhecimento. Neste cenário, é significativa a transformação na própria forma de pensar, de gerar este conhecimento: o pensamento linear, que já não é mais capaz de lidar com a realidade e preparar o futuro, está rapidamente dando lugar a um pensamento complexo. Isto significa cada vez mais fazer pontes entre coisas que, até bem pouco tempo, eram tratadas de maneira separada, como o mundo acadêmico e o empresarial ou a alta tecnologia e o talento criativo. Neste novo cenário, o que emerge são paradoxos: qualidade tendo que coexistir com velocidade, necessidade de mudança em tempos de escassez de recursos, encontrar o foco quando se exige um pensamento sempre complexo. “E o maior desses paradoxos é a eterna busca do equilíbrio, seja entre o pessoal e o profissional em nossas vidas, seja entre o valor social e o econômico em nossas empresas”, destacou Villarinho. A FAMÍLIA NO PODER Na mesma noite do dia 4 de agosto, dando continuidade ao programa de abertura do evento, foi exibido um filme selecionado e apresentado pelo jornalista e mestre em Comunicação – Linguagem e Culturas da Imagem Gustavo Faraon. A peça escolhida foi o documentário Rico de Nascença (Born Rich, 2003), produzida e dirigida por Jamie Johnson, jovem herdeiro de um dos maiores impérios empresariais do mundo, Johnson & Johnson. O filme, que não passou no circuito comercial de cinemas brasileiros, ganhou destaque no Sundance Film Festival, o mais importante dos Estados Unidos dedicado à produção independente, mas ainda permanece desconhecido no Brasil. A premissa é mostrar de perto a nova geração de herdeiros das grandes fortunas. O que acontece, na prática, é muito mais do que isso. “Acredito que cada um dos depoimentos destes jovens faz transparecer as políticas sucessórias das empresas que levam seus sobrenomes”, diz Faraon. E não são quaisquer sobrenomes. Entre os entrevistados estão Josiah Hornblower, herdeiro dos Vanderbilt e Whitney, gigantes da indústria ferroviária e navegação, patronos dos museus Whitney e donos de prédios importantes como a Grand Central Station de Nova York; Samuel Irving Newhouse IV, do grupo Condé Nast, responsáveis por publicações como Vogue, Vanity Fair e The New Yorker; Ivanka Trump, filha do magnata da construção civil Donald Trump; e Georgina Bloomberg, filha de Michael Bloomberg, fundador um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo, focado em informações financeiras, e prefeito de Nova York. Ao mostrar o que fazem, o que pensam e como se relacionam estes herdeiros, o documentário revela, também, as diversas práticas sucessórias das empresas e como isto afeta a vida das famílias controladoras. Há exemplos os mais diversos, de companhias que não permitem que os familiares se envolvam diretamente nos negócios até companhias mais centradas na figura do líder e que estimulam o surgimento de um sucessor de dentro do clã. No fim, fica a certeza de que a gestão da empresa não está dissociada da gestão da própria família. A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO: ETAPAS, AMEAÇAS E OPORTUNIDADES O Seminário TOTUM 2011 teve continuação na manhã do dia 5 de agosto, no espaço para eventos e convenções do Tourist Hotel, em Pelotas, com o painel “A importância do planejamento sucessório: etapas, ameaças e oportunidades”. Nelmar Vaccari, diretor executivo da holding Pure Bros e professor da ESPM, foi o primeiro a tomar a palavra, e deu início ao painel falando sobre planejamento estratégico. De acordo com ele, trata-se de uma metodologia gerencial que permite estabelecer um caminho a ser seguido pela empresa, vira uma espécie de bússola, de guia para a ação organizacional. O planejamento procura questionar por que a organização existe, o que ela faz, como ela faz e onde ela quer chegar. O ponto de partida é a elaboração do plano estratégico. “Costumo usar a metáfora de que este plano deve ser escrito à lápis, pois é fundamental que ele seja flexível para mudanças, dinâmico, aplicável e mensurável”, explica Vaccari. Seis pontos principais foram levantados para a elaboração de um plano estratégico: 1) a definição dos norteadores estratégicos, tais como missão, visão e valores da organização; 2) a formulação dos objetivos organizacionais; 3) a análise interna das forças e limitações da empresa, levando em conta recursos, estrutura organizacional e desempenho; 4) a análise externa, que envolve os mercados abrangidos pela empresa, sua concorrência e a conjuntura econômica; 5) a formulação das alternativas estratégicas, que são as ações através das quais a empresa pretende alcanças seus objetivos; e 6) a definição de indicadores que possibilitem avaliar as ações e eventualmente corrigi-las. Em seguida, o economista Fernando Villarinho abordou a questão sucessória dentro do planejamento. De acordo com ele, estima-se que apenas uma em cada 30 empresas familiares chegue saudável à terceira geração. E o principal motivo que leva ao declínio são problemas de gestão e sucessão, causa de 32% dos insucessos, volume superior às quebras relacionadas a questões cambiais, mercadológicas e de tributação. “O fim comum da empresa tem que estar muito bem definido”, afirma Villarinho. “Se assim não estiver, não há planejamento sucessório e estratégico que resolva.” De acordo com o sócio da TOTUM, os laços afetivos e familiares mais próximos tornam a empresa mais unida no seu objetivo. Entretanto, quando estes laços não existem mais da mesma maneira, é preciso mudar o objetivo estratégico para ficar de acordo com a nova situação. Essa evolução da empresa leva a uma necessidade natural de separar família, propriedade e gestão, pois é nesta intersecção que surgem os mais graves conflitos familiares e societários. Para o regramento das relações entre a família, a empresa e a propriedade financeira existe a governança. Através dela, é possível que, com a evolução da família e da empresa, ambas possam sair ilesas de dois dilemas fundamentais. O primeiro diz respeito à manutenção do controle da empresa e a gestão continuarem na família. “A sucessão precisa de um regente”, explica Villarinho. “Normalmente, o patriarca precisa conduzir, e deve fazer isso em condições.” O segundo ponto é decidir até que ponto o patrimônio já conquistado deve ser colocado em risco para financiar as atividades empresariais futuras. Para o economista, neste momento é preciso que a família tenha bem claro o que é seu e o que é da empresa. “A empresa não está a serviço das pessoas. O resultado da empresa é que está, através do lucro.” A seguir, foi a vez de Rodrigo Lubisco, advogado especialista em direito tributário empresarial, falar sobre acordo de sócios e resolução de conflitos. Segundo ele, o passo fundamental é a criação de um fórum decisório colegiado – conselho – para garantir a legitimidade das decisões e a preparação dos sucessores. “Na falta do patriarca, se ainda não existir uma decisão tomada quanto à sucessão, o ideal é que este conselho já exista”, explica Lubisco. Outro ponto abordado pelo advogado foi a respeito do trabalho de familiares dentro da empresa. De acordo com ele, a regra é que a família cresça mais rápido que a empresa, tornando inviável que todos os seus membros tirem seu sustendo do trabalho dentro da companhia. Assim, o mais indicado é que sejam criadas regras para a participação de familiares na empresa, podendo haver até mesmo o veto total da participação deles, se assim for desejado. “O mais importante é compreender que, se não há uma regra estabelecida, o patriarca precisa decidir sozinho, o que se torna um peso demasiado”, completa. O painel foi encerrado com a apresentação de Nelmar Vaccari sobre o Balanced Scorecard (BSC), conjunto de indicadores criado para medir desempenho de uma maneira integrada à estratégia da empresa. “A ideia central deste modelo é permitir aos gestores observar os fatores mais importantes e pensar objetivamente sobre eles”, esclarece Vaccari. Fundamentado em quatro perspectivas – financeira, dos clientes, processos internos e visão da organização –, cada uma delas com objetivos, indicadores e metas estipuladas, o BSC ajuda a fazer com que as iniciativas executadas pela empresa estejam sempre ligadas ao planejamento estratégico. Uma maneira de manter o foco central no negócio e não deixar que tarefas urgentes tomem lugar das atividades realmente importantes. BRANDING: CONSTRUINDO UMA MARCA DE SUCESSO O segundo painel do sábado foi dedicado à criação e manutenção de marca. “Branding: construindo uma marca de sucesso” teve início com a apresentação de Patrícia Carneiro, comunicadora com pós-graduação em Marketing e mestrado em Educação, que atua como diretora do núcleo de clientes institucionais da Competence/Sunbr. Patrícia iniciou fazendo uma conceituação de marca. Segundo ela, marca é a responsável pela diferenciação daquilo que é igual, a maneira através da qual o consumidor faz as suas escolhas, é o que permite vender mais com lucro. De acordo com Patrícia, marca também é o ativo essencial para a longevidade da empresa. “Algumas pessoas tendem a achar que se trata apenas do desenho que representa o negócio, mas é muito mais, marca é o próprio negócio”, afirma. Nesse cenário, tudo o que toca as pessoas ajuda a construir uma marca, sejam aspectos positivos ou negativos. Gil Kurtz, publicitário especialista em gestão de imagem e conflitos, diretor de comunicação da Vossa Estratégia e Comunicação, deu continuidade ao painel com enfoque na gestão de marcas e gerenciamento de conflitos e crises. Gil Kurtz , Ricardo Sá e Patrícia Carneiro Segundo ele, é nos momentos mais delicados que grandes marcas podem emergir ou ser totalmente destruídas. De acordo com Kurtz, os atores de uma crise podem ser os mais variados, a começar pela mídia, passando pelo poder público até outras organizações ou empresas. O mais importante é que se abandone velhas condutas em nome da honestidade e da transparência. Em um evento de crise, o primeiro fundamento deve ser o cuidado com as pessoas e depois o cuidado com o planeta. Em último lugar estaria a preocupação com o lucro da empresa. Os erros mais comuns neste tipo de acontecimento são subestimar, esconder, falar demais e entrar em contradição. “Empresas vendem confiança, e quando elas perdem a confiança do consumidor, muito dificilmente há como voltar atrás”, afirma o publicitário. ÉTICA NA EMPRESA FAMILIAR Se nas primeiras palestras do dia foi ressaltada a importância de separar o que é da família daquilo que é da empresa, no painel “Ética na empresa familiar” o recado foi exatamente o oposto. Apresentado por Rosangela Gomes Schmachtenberg, especialista em Gestão Empresarial e Gestão e Planejamento de Recursos Humanos, que atua como gerente executiva de Recursos Humanos da Fibria Celulosa S.A., o tema gerou muitas perguntas dos participantes e deixou um recado claro: quando se trata de ética, não é possível proceder de uma maneira na esfera profissional e de outra na familiar. “Ética é o conjunto de valor e princípios que usamos para lidar com três questões: o que eu quero, devo e posso”, afirma Rosangela. De acordo com ela, a base que identifica o que é aceitável encontra-se no senso comum da sociedade. Rosangela Schmachtenberg . Estes princípios, que até algum tempo atrás valiam apenas para os indivíduos, hoje estendem-se também para as corporações. Atualmente, a prática da ética nas organizações é a responsável por sua legitimação social. “Somente se conquistar esta ‘licença social de operação’ é que um negócio pode vir a se perpetuar de fato”, afirma Rosangela. Neste campo, não há discurso institucional capaz de suplantar as práticas corporativas. É preciso que a ética esteja verdadeiramente inserida na missão, visão e valores da empresa. “Como diz o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson, as atitudes falam tão alto que não é possível ouvir o que se diz”, completa. O painel contou ainda com a participação de Carolina Aydos Villarinho, advogada pós-graduada em Processo Civil e Constituição. Em sua fala, destacou o papel da ética no crescimento das empresas e até mesmo na transformação de um diferencial competitvo. “Hoje é exigido de uma empresa muito mais do que apenas o respeito pleno das regras estabelecidas”, afirmou. DEU TUDO ERRADO: REFLEXOS NA FAMÍLIA E NA EMPRESA O que fazer quando as coisas não saem como gostaríamos? Esta foi a proposta do painel “Deu tudo errado: reflexos na família e na empresa”: debater, sob o ponto de vista legal, as implicações dos principais problemas sucessórios. O tema foi o que mais gerou discussões junto ao público presente, que participou de maneira ativa, fazendo muitos questionamentos para as painelistas. Roberta Borsatto, advogada pós-graduada em Direito de Família e Sucessões, explicou como a concepção de família foi sendo modificada através do tempo, e usou o exemplo do documentário Rico de Nascença, apresentado na noite anterior, para mostrar como grande parte das relações atuais já começam sendo pensadas para prevenir o fim, resguardando família e empresa. “Dentro do acordo familiar, há muitos pontos importantes, mas nenhum como a proteção do patrimônio”, afirma. De acordo com a advogada, há três formas principais de fazê-lo: o regime de bens, mais notadamente a separação total; o pacto antenupcial, que pode prever tudo que se relaciona ao matrimônio, com exceção da pensão alimentícia dos filhos do casal; e a holding familiar, mais eficiente maneira de proteção do patrimônio da família. Se a família mudou, mudam também as necessidades das sociedades empresarias. Este é o ponto de vista de Gláucia Dipp Dreher, juíza titular da Vara de Família e Sucessões do Foro Regional Alto Petrópolis, em Porto Alegre. Ela deu um panorama sobre a realidade dos casos que chegam até o judiciário atualmente, e destacou a grande confusão que ainda paira entre o patrimônio societário e pessoal. “Um ponto a se chamar a atenção é que as uniões estáveis estão sendo mais planejadas que os casamentos”, afirmou a juíza. “Neste último caso, muitos consideram que o regime de bens resolve tudo, mas não é o que acontece.” Gláucia ressaltou ainda a importância de o contrato social prever a continuidade da empresa em caso de óbito do sócio, bem como explicitar as condições em que isso irá acontecer, como quem irá geri-la, entre outras questões. Ana Cláudia Redecker, advogada mestre em Direito com ênfase em Processo Civil, concentrou sua fala nas maneiras de evitar que as quotas sociais acabem inventariadas, o que em muitas situações pode resultar em grande ameaça para a saúde da empresa. Ana Cláudia e Glaucia Dreher. “Por isso que o ideal é sempre fazer a sucessão em vida”, explica Ana Cláudia. Outro recurso é estabelecer o usufruto de quotas sociais, diferenciando seu proprietário daquele que irá fazer o uso do bem. A advogada falou ainda sobre o exercício do direito de retirada, nos casos de resolução em relação a um sócio, cisão parcial da empresa e sua dissolução total. Por fim, ela sugeriu a adição de previsões contratuais e testamentáveis como forma de prevenir que as quotas sejam parte de inventário. A FAMÍLIA NA COMUNIDADE, SEU PAPEL E SUA RELEVÂNCIA Para fazer o encerramento do primeiro Seminário TOTUM, foi convidado o empresário Moacir Volpato. Em uma apresentação descontraída e bastante pessoal, ele contou sua trajetória de vendedor de porta em porta até a fundação das Lojas Volpato, atualmente uma rede varejista de destaque no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com mais de uma centena de filiais, e também sua atuação junto à comunidade de Lagoa Vermelha, que lhe rendeu dois mandatos à frente da Prefeitura Municipal. Volpato narrou suas experiências como vendedor em diversas cidades – desde grandes centros como São Paulo até a pequena Herval d’Oeste, em Santa Catarina –, onde atuou em ramos tão diversos como o comércio de livros e o de maquinário agrícola. André Leite,Moacir Volpato e Fernando Villarinho Villarinhoillarinho. E foi na venda e demonstração de equipamentos de casa em casa que ele iniciou uma relação mais próxima com as pessoas de sua comunidade e observou uma grande chance de crescimento profissional. “Eu ia na casa das pessoas vender meus equipamentos e via que elas não tinham geladeira, não tinham televisão, e percebi que ali havia uma oportunidade”, conta. O empresário destacou ainda o grande envolvimento da empresa com as pessoas, que não raro começavam em postos de nível básico e depois de décadas continuavam na casa, porém em funções de maior responsabilidade. “Hoje, infelizmente, não é mais assim”, lamenta Volpato. “Antes a gente treinava os funcionários e sabia que eles ficariam na empresa por muito tempo, enquanto que agora vejo pessoas mais impacientes pelo crescimento e sempre pulando de um lugar para outro no mercado.” Moacir Volpato também contou como se deu a transição de poder dentro de sua empresa, que teve de ser um tanto precoce por conta de sua eleição como prefeito. Cristiano, um de seus filhos, foi o escolhido para tomar as rédeas da companhia, mas nos primeiros tempos todas as decisões mais importantes eram tomadas de forma colegiada. “Além dele, havia mais duas pessoas da minha confiança”, conta o empresário. “A regra que montamos na época era que, quando os três estivessem de acordo, não precisavam me consultar para nada.” Segundo Volpato, abrir mão do controle da própria empresa e se desapegar do posto foi um grande desafio como patriarca, sobretudo porque as consultas a ele praticamente nunca ocorriam. “Foi difícil no começo, mas quando saí da prefeitura o número de lojas havia praticamente duplicado no período, e nessa hora eu vi que a condução do processo havia dado certo.” Ao final do seminário, depois de painéis dedicados a temáticas variadas e complementares, a certeza que ficou é de não empurrar o problema para depois. Em se tratando do processo sucessório da empresa, a palavra de ordem é planejamento, e o melhor é começar o mais cedo possível.