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Nº
12
Outubro
2014
TH IS IS TH E PO R TU GU ESE L AN GUAGE VERSI ON OF THE
EN GL I SH PU BL I CATI ON R ESONANCE
I
Orientação dos Fundadores
Por ocasião da transferência de
Méritos de Setembro
Por Tomoji Ito
Co-fundadora da Shinnyo-en
O ensinamento desta edição aborda a cerimônia
especial da Shinnyo-en, e em comunidades budistas
japonesas espalhadas pelo Japão e pelo mundo,
conhecida como Cerimônia Higan. O Higan (Jap.;
lit. “a outra margem”) acontece, na verdade, por um
período de uma semana, duas vezes por ano, nos
equinócios da primavera e do outono. No Japão,
higan é a época em que muitos visitam os túmulos
de familiares e prestam homenagens aos mortos.
Os templos realizam cerimônias de transferência
de méritos com o desejo de que todos no passado,
presente e futuro passem da margem do sofrimento
e desilusão deste mundo para a outra margem, de
paz e despertar espiritual. A oração do Budismo
Shinnyo oferece o mérito do Sutra Nirvana de
modo igual a todos os seres em sua jornada rumo
à iluminação. A ideia de alcançar "a outra margem"
também apresenta relação com práticas paramita
como a generosidade e a meditação, que ajudam
as pessoas a crescer espiritualmente. O Higan é o
momento ideal para oferecer orações estendendo
o mérito que acumulamos para todos que nos
antecederam, com a prática de atos Mahayana
para promover o bem-estar de todos com quem
compartilhamos o mundo.
Apresentamos a seguir orientação da Mestre Tomoji oferecida após a cerimônia de transferência de méritos no dia 4 de setembro de 1953, posteriormente
publicada no volume 24 do boletim Naigai Jiho, escrito em japonês.
Mestra Tomoji Ito (1955)
Setembro chegou, e durante a cerimônia de hoje, oferecemos mérito aos nossos
ancestrais e a todos que aqui estiveram antes de nós. Apesar do encerramento da
cerimônia, peço que lembrem-se de que este mês também realizaremos a Cerimônia
Higan de Outono, que nos dará uma nova oportunidade para refletir sobre aqueles
que se foram, e para oferecer méritos a eles.
Acredito que todos têm uma ideia geral do que "higan" significa1 e também
conhecem o cântico especial oferecido nesta época. A palavra "sutra" literalmente
significa “fio”, porém também pode ser interpretada como "estrada". Os ensinamentos
dos budas foram transmitidos por milênios até chegar aos dias atuais. Da mesma
forma que a eletricidade é gerada pela usina hidrelétrica e transmitida aos nossos
lares, os sutras podem ser considerados como redes elétricas e transformadores, que
transmitem os ensinamentos budistas para nossas mentes e corações.
Apesar de nos referirmos aos sutras como caminhos que transmitem os
ensinamentos budistas, também os enxergamos como meios de nos transportar da
tristeza, solidão e ansiedade para a felicidade. Para dar um exemplo, o sustento dos
fazendeiros vem dos frutos gerados em seus campos. Uma boa colheita traz alegria
1 Como o local deste ensinamento foi o Japão, as pessoas já estavam cientes de que o Higan era um período
especial para prestar respeito aos ancestrais.
2
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I
Orientação dos Fundadores
para os fazendeiros, mas para que eles possam sentir essa alegria, devem cultivar seus
campos com diligência, energia e devoção. Somente após trabalhar desse modo, eles
poderão colher os frutos de uma colheita abundante, quase espontaneamente, como
uma consequência natural.2
Se o fazendeiro não trabalhar realmente duro e ainda assim esperar uma
colheita abundante, as expectativas serão atendidas? Sem um esforço diligente, as
colheitas terão qualidade inferior e estarão sujeitas a males causados por pragas ou
insetos. Quem permite que isso aconteça não é um verdadeiro fazendeiro. Se ele for
negligente em seu trabalho e ainda esperar uma boa colheita, irá no máximo trazer
frustração e insatisfação para sua vida. É claro que esta lição não serve apenas para
fazendeiros, mas para todos nós: se não trabalharmos para cultivar nossas próprias
possibilidades ou exercer nossos papéis em nossas vidas, e ainda esperar alcançar a
felicidade, colheremos apenas o desapontamento e a aflição.
O mesmo vale para a prática de um caminho espiritual. Você pode iniciar em
busca de paz ou felicidade, porém se esquecer das motivações por trás da prática
(isto é, dar expressão à budeidade em sua vida, em benefício alheio) e se empenhar
apenas para sua própria benfeitoria, não encontrará o caminho da felicidade. Tenho
certeza de que todos nós queremos ser felizes, seguindo ou não um caminho de
prática espiritual. Todos sem dúvida vêm na esperança de encontrar um caminho
para a felicidade. Porém, muitos, ao desejarem encontrar a felicidade, possivelmente
passaram por situações de infortúnio e tristeza. Nesses momentos, é importante
fazer uma boa autoanálise. Talvez precise reavaliar seu foco e mudar seu modo de
pensar e comportamento para poder criar um caminho que lhe dê condições de
encontrar a verdadeira felicidade.
Como no exemplo do fazendeiro, se não se doar e pensar apenas em seus próprios
desejos, estará tentando obter frutos sem fazer algo para que isso aconteça. É preciso
perceber que, mesmo desejando alcançar a felicidade, se não criar condições para
isso, criará as condições para a infelicidade.
Na Shinnyo-en, não realizamos nossa prática espiritual esperando receber algo
em troca e muito menos pensando em nós mesmos ou sobre o que gostaríamos
de ganhar com isso. Nossa prática representa um esforço para dar expressão à
budeidade em nossas ações, para que possamos trazer alegria ao próximo. É assim
que espero que criemos nosso caminho espiritual. Caso sua abordagem à prática
espiritual inclua o desejo de que as pessoas façam algo por você, que receba algo em
troca ou algum tipo de reconhecimento, está sendo um mendigo. Por outro lado,
quando age adotando uma prática e atitude de acordo com o amor benevolente e a
compaixão dos budas, com a intenção de ajudar o próximo, seus atos dão força para
os oferecimentos de transferência de méritos. Esse é o caminho que naturalmente
convida a verdadeira felicidade, o contentamento e o bem-estar para nossa vida.
2 Em outras palavras, criam as condições que tornam sua felicidade possível.
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Ensinamentos selecionados de Sua Santidade Shinso Ito
Esperanças para o futuro Mensagem de Sua Santidade
para os jovens da Shinnyo-en
II
Trecho de entrevista cedida após a cerimônia
saisho em Taiwan em
Abril 2014
Meus pais, fundadores do Budismo Shinnyo, perderam dois de seus filhos muito
cedo. Eles eram meus dois irmãos mais velhos. O mais velho deles morreu antes de seu
segundo aniversário (antes mesmo de eu ter nascido), por isso jamais tive a chance de
conhecê-lo durante sua breve vida, mas passei um bom tempo na companhia do meu
irmão mais velho, criados na mesma casa.
4
|
II Ensinamentos selecionados de Sua Santidade Shinso Ito
Os Pais do Ensinamento Shinnyo viram
algo de seus dois filhos nos jovens membros
da Shinnyo-en. Eles tinham grandes esperanças
para esses jovens, e eu sinto exatamente o mesmo
com relação aos jovens praticantes de hoje. Onde quer que
estejam no mundo, acredito que os jovens podem ter energia e esperança para um
futuro brilhante em seus países de origem.
Os jovens da nossa Sanga me dão muita esperança. Estou certa de que
contribuirão muito para os seus países nos próximos anos, seja profissionalmente,
em sua carreira, ou outras motivações. Quando os jovens da Shinnyo-en exercem
um papel ativo em seus respectivos países, convenço-me de que estamos um passo
adiante para se chegar à paz no mundo.
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História do Caminho Shinnyo
III
O Treinamento na Cachoeira Jataki
Treinamento Jataki do Mestre Shinjo, Monte Takao (1950)
Neste segmento da série sobre a história da Shinnyo-en, relembramos
acontecimentos nas vidas dos mestres Shinjo e Tomoji (Shojushin-in) após
a súbita morte de Kyodoin, seu filho mais velho, no dia 9 de junho de 1936.
Em 14 de junho de 1936, apenas cinco dias após a morte de Kyodoin, os mestres
Shinjo e Tomoji começaram o treinamento na cachoeira Jataki, localizada no Monte
Takao, a sudoeste de Tachikawa e oeste da cidade de Hachioji. Perto do topo da
montanha está o complexo do templo formalmente conhecido como Yakuoin Yukiji
(normalmente abreviado para Yakuoin), supostamente construído pelo Bodhisattva
Gyoki1 monge que viveu entre os séculos VII e VIII d.C. No período Muromachi da
1 O monge budista Gyoki é conhecido no Japão por suas atividades religiosas beneficentes. De acordo com sua
biografia, pouco tempo após a introdução oficial do budismo no Japão, Gyoki percorreu todo o interior com
a missão de propagar o Darma juntamente com técnicas de agricultura e irrigação para os necessitados. Suas
atividades confrontavam os códigos monásticos e as leis seculares numa época em que o governo lutava para
estabelecer e manter um estrito controle sobre os budistas, confinando-os ao território dos templos para estudos
acadêmicos. Com a quantidade de apoiadores de fora da capital chegando a milhares, um decreto imperial foi
emitido para combater as ações dele. Essa tática não funcionou, pois Gyoki continuou sendo um herói para a
população. Talvez como resultado, o governo enfim revogou sua posição e Gyoki foi reconhecido com a mais alta
posição monástica, de daisojo. Enquanto isso, entre o povo, ele se tornou conhecido como o Bodhisattva Gyoki.
Subsequentemente, ele se tonou a primeira pessoa no Japão a ser reconhecida com o título de Bodhisattva pelo
governo, como uma posição oficial.
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| III História do Caminho Shinnyo
história do Japão (1336–1573 d.C.), o Monte Takao era o epicentro do treinamento
ascético shugendo2 nas montanhas. Mestre Shinjo escreveu:
Realizamos treinamentos na cachoeira por um motivo bastante diferente dos
ascetas do shugendo. Quando Chibun3 faleceu, nós fechamos as portas do santuário
que guardava a imagem do Achala. Tomoji viu uma cachoeira em uma visão e a
interpretou, dizendo: “Devemos nos dedicar ao treinamento da cachoeira antes de
reabrir as portas do santuário. Este será um novo começo.”
Um novo começo: esta sentença carrega um significado profundo. Está fortemente
implícito que a morte de Chibun representou um novo começo para a nossa sanga.
O treinamento de meditação em cachoeiras era uma prática que exigia
muito. Após o encerramento da última cerimônia, às 22:00, nós saíamos de casa
e pegávamos o último trem para Takao. Ao chegar lá, caminhávamos por uma
hora até chegar à cachoeira, e entrávamos nela por volta das duas ou três da
manhã. Voltávamos para casa no primeiro trem para uma cerimônia homa e então,
praticamente sem descansar, realizávamos a cerimônia da tarde por volta das
13:00. Este era, sem dúvida, um novo começo bastante corajoso.
Os diários do Mestre Shinjo, hoje mantidos como documentos históricos da
Shinnyo-en, contêm o seguinte registro com relação ao seu primeiro treinamento
na cachoeira:
14 de Junho, 1936
À tarde, minha esposa Tomoji e eu, que levávamos nossa filha conosco, nos
preparávamos para treinar na cachoeira, quando o Sr. Koji Tanaka, um açougueiro
de Honcho (Tachikawa), veio nos visitar. Ele perguntou: "Para onde estão indo?"
Respondi: "Para a cachoeira no Monte Takao". Ele insistiu em vir conosco.
Devido à chuva incessante, a cachoeira estava torrencial. A caseira do Seiryodo, santuário de Seiryo Gongen,4 divindade guardiã da cachoeira, não estava
presente, e nós hesitamos em iniciar o treinamento sem permissão.
Porém, quando olhamos para cima, avistei a caseira, uma senhora de idade
avançada, começando a escalar a montanha. Subi também até alcançá-la e pedi
sua permissão. Ela me disse que a cachoeira estava muito forte naquele dia,
e ela estava preocupada porque era a nossa primeira vez. Mas enfim ela nos
guiou até a cachoeira.
Minha esposa e eu realizamos o treinamento na cachoeira e, depois visitamos
a senhora. Ela disse a Tomoji: “Você é tão jovem, e ainda assim resistiu à força da
água com facilidade. Era quase como se estivesse em comunhão com um Achala
formidável, debaixo da cachoeira.”
2 Shugendo é uma tradição leiga ancestral de unidade com a natureza e reverência a ela. Os praticantes se referem
como manifestação da budeidade. Essa tradição envolve práticas espirituais nas montanhas e acredita-se que foi
fundada por En, o Ascético, também conhecido como o Grande Bodhisattva Jinben.
3 Chibun é uma grafia alternativa para os caracteres chineses que formam o nome de Tomofumi. Kyodoin é o nome
budista póstumo, conferido a ele após sua morte.
4 Seiryo Dai Gongen (às vezes abreviado como Seiryo Gongen) é um dos guardiões do Budismo Esotérico. Agregada ao
panteão da Shinnyo-en pelo Monastério de Daigoji, esta guardiã age harmonizando naturezas contrastantes, como
as das linhagens celeste e terrestre, ativas no Budismo Shinnyo. Ela é abrigada dentro do santuário de Bezaiten.
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O Sr. Tanaka, que observava juntamente com nossa filha, também disse: “A
força daquela cachoeira era realmente incrível.”
A caseira disse: “Em dias assim, quando a correnteza é tão forte, nem ascetas
experientes conseguem suportar. Fiquei preocupada ao ouvir que era sua primeira
vez, mas é óbvio que vocês são pessoas extraordinárias”. O Sr. Tanaka ficou ainda
mais impressionado ouvindo isso.
Os mestres Shinjo e Tomoji sempre pegavam o último trem para Takao saindo
de Tachikawa, que partia às 12:28 e chegava em Asakawa (hoje conhecida como
Estação de Takao) às 12:49 da noite. Eles caminhavam na escuridão por mais de dois
quilômetros, até chegarem à entrada do Monte Takao. De lá, seguiam até Jataki, e a
estrada se estreitava até chegar a uma antiga trilha que dava acesso a Yakuoin. Após
o pôr do sol essa trilha próxima do topo se transformava em uma estrada deserta,
envolta por árvores e breu. Shinjo e Tomoji subiam o caminho íngreme e acidentado
durante uma hora, com pouco além de uma lanterna e a luz da lua.
Ao chegar lá, vestiam seus trajes para o treinamento e entravam na cachoeira. A água
caía em volume muito maior do que hoje e seu impacto era tão grande que qualquer
um que se aventurasse a ficar debaixo seria empurrado quase que instantaneamente.
Além disso, mesmo no verão a água era tão fria que os dentes dos aprendizes batiam
tanto que mal conseguiam falar. No entanto, Mestra Tomoji entoava o Goreiju com
uma voz clara e penetrante, que parecia agitar as pedras ao redor. Ela levantava os
braços repelindo a água ao mesmo tempo em que formava o mudra de lótus.
Os Pais do Ensinamento Shinnyo treinavam debaixo da cachoeira por volta das
duas até as três da manhã e, em seguida, sem nem descansar ou parar e aquecer seus
corpos, caminhavam de volta à Estação de Asakawa e pegavam o primeiro trem
de volta, às 5:20, para chegar em Tachikawa às 5:42. Quando voltavam para casa,
começavam a preparação para um homa da manhã e o treinamento do dia.
Mais tarde, eles encontraram um atalho da Estação de Asakawa ao longo da velha
estrada de Koshu, paralela à ferrovia de Chuo, porém a distância da estação até a cachoeira
ainda era de quase quatro quilômetros. Os mestres Shinjo e Tomoji continuaram esse
treinamento por muitos anos. O falecido Kyuroku Shindo, praticante de longa data
que teve a oportunidade de acompanhá-los, uma vez relembrou:
A água era muito gelada mesmo no verão, e no inverno era insuportável.
Mesmo no inverno, os Pais do Ensinamento Shinnyo continuaram a realizar
o treinamento às duas da madrugada. Eu participei do treinamento de inverno
na cachoeira com eles duas ou três vezes, e sentia mais do que frio, era pura
dor. As solas das nossas sandálias de palha congelavam nas pedras, e nossas
toalhas enroladas logo se transformavam em bastões de gelo. Colocávamos os
trajes finos e prestávamos respeito a cada um dos monumentos de pedra ao
longo do caminho, construídos em homenagem a ascéticos do passado. Por fim,
entrávamos na piscina natural. A água esguichando da encosta da montanha
formava uma superfície de gelo escorregadia abaixo de nossos pés, o que me
fazia pensar que morreria congelado antes mesmo de chegar até a cachoeira.
Era comparativamente fácil para nós que participávamos do treinamento
junto com os Pais do Ensinamento, porque podíamos sair da água logo que
terminava nossa vez, mas eles ficavam debaixo da cachoeira o tempo todo, até
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| III História do Caminho Shinnyo
que a última pessoa terminasse, segurando cada um de nós pelas mãos para evitar
que escorregássemos e nos machucássemos. Nem consigo imaginar quão difícil
foi para eles. Às vezes, gotas d'água caíam das estalactites e, quando tocavam nossa
pele, o frio era tão intenso que doía.
Mesmo sendo jovem e acompanhando-os apenas de vez em quando, sentia que o
treinamento era pesado demais para alguém continuar até o fim. Ainda lembro bem
da imagem da Mestra Tomoji carregando uma criança nas costas enquanto subia por
mais de uma hora através daquele caminho escuro e estreito da montanha. Ela podia
ter baixa estatura, mas era indomável. Após todos esses anos, finalmente consigo
apreciar sua imensa determinação destemida em realizar essa prática.
Mestres Shinjo e Tomoji foram criticados por serem incapazes de ajudar seus próprios
filhos enquanto ofereciam auxílio espiritual e cuidados a outras pessoas. Apesar de terem
que lidar com comentários tão insensíveis, resolveram continuar com as austeridades de
treinamento, com foco no voto de bodhisattva, de encontrar e acompanhar outros em
um caminho que os ajudasse a alcançar a iluminação e o despertar.5
Criando o Caminho Espiritual Shinnyo
“A morte de Kyodoin representou um novo começo para a nossa sanga”, relembrou
o Mestre Shinjo posteriormente. Como se profetizado por essas palavras, membros
da comunidade espiritual passaram a vivenciar uma ajuda notável após a morte de
Kyodoin. Consideraram essas situações, como a cura de doenças para as quais não havia
tratamento, milagrosas. E passaram a dizer que era Kyodoin aliviando o sofrimento
deles. Essas foram as primeiras manifestações de bakku-daiju6 no Budismo Shinnyo.
Mestre Shinjo escreveu sobre o significado da morte de Kyodoin na
seguinte passagem:
Antes de Kyodoin partir, tivemos que tatear para achar uma saída, mas depois de
sua morte, as coisas começaram a se encaixar, uma a uma. A dor permitiu que Tomoji
e eu, como religiosos, superássemos as motivações egocêntricas que colocam a
felicidade daqueles que mais amamos acima dos sentimentos por outros. Além disso,
a maior parte dos nossos praticantes na época buscava um caminho de prática que
lhes desse uma recompensa pessoal, como a prosperidade nos negócios ou cura de
doenças. É por isso que, inicialmente, eu realizava ritos de cura e rezava para atender
seus pedidos pessoais antes de tentar orientá-los a motivos altruístas. E mesmo
assim, não ouviam as orientações. Só queriam que seus desejos fossem atendidos.
5 Em sua perseverança resoluta de continuar agindo em prol do próximo diante de circunstâncias desfavoráveis,
mestres Shinjo e Tomoji representam exemplos poderosos e reais daqueles que alcançaram um estado de liberdade
e salvação espiritual. A história de suas provações e, mais importante ainda, de como reagiram às provações, mostra
que é possível reafirmar o objetivo de vida mesmo em meio à dor. Ao readquirir e reorientar suas energias para esse
objetivo, em vez de se concentrar em emoções ou atitudes negativas, seus exemplos nos dão inspiração para que
nós também superemos experiências traumáticas em nossas vidas.
6 O que a Shinnyo-en chama de bakku-daiju hoje se tornou manifesto com as mortes de Kyodoin e Shindoin, e é
considerado pelos praticantes o poder transcendental (amor benevolente e compaixão dos bodhisattvas), enfatizado
pelo Sutra do Nirvana. Bakku-daiju ajuda os praticantes a buscar o caminho para a budeidade e a fazer o bem ao
próximo. Esse “alívio” dos sofrimentos ocorre de diversas formas e nos dá apoio à medida em que praticamos no
Caminho Shinnyo.
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O título budista póstumo "Kyodoin" significa "aquele que orienta ao
ensinamento", e como o nome sugere, as pessoas começaram a mudar após a morte
de Kyodoin. Começaram a refletir sobre suas motivações de cunho egocêntrico
ao buscarem a prática espiritual e adotaram uma mentalidade mais focada nos
princípios de Buda. Ao mesmo tempo, Tomoji obteve a capacidade de entrar
imediatamente em profundo estado de meditação e transmitir verbalmente
a orientação espiritual, que forma a base do treinamento Sesshin que hoje
conhecemos. Acredito que as ações de Kyodoin no mundo espiritual, unidas às
nossas práticas ascéticas do treinamento em cachoeira foram fundamentais para
firmar o caminho.
Em outras palavras, os esforços colaborativos de Kyodoin no mundo espiritual
unidos aos nossos neste mundo levaram a resultados maravilhosos em nossa
missão de levar o despertar a todos. Os praticantes se tornaram mais atentos à
verdade das coisas como elas são, e o Caminho Shinnyo começou a firmar raízes
em Tachikawa.
O Sr. Kyuroku Shindo relembra:
Quando penso na época da morte de Kyodoin, preciso confessar algo: naquele
tempo, eu não conseguia evitar questionar por que o filho do Mestre Shinjo tinha
que morrer, já que seu pai se dedicava tanto ao bem-estar dos outros. Porém,
após a missa realizada para o centésimo dia de falecimento, Tomoji, com os olhos
vermelhos de tanto chorar, disse: “Tive uma visão de Chibun durante a oração de
hoje”. Ela disse que tinha visto um lugar que parecia a cratera de um vulcão ativo
e avistou Kyodoin emergindo da poça fumegante, agarrando-se às pedras quentes
A construção do nosso templo fundação em Shinchoji, local que hoje conhecemos
como Oyasono, foi concluída em 3 de outubro de 1938.
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| III História do Caminho Shinnyo
com suas mãos e pés, e puxando os ancestrais dos praticantes com ele. As pedras
se soltavam e ele escorregava muitas vezes, mas ele continuava determinado. Suas
mãos e pés estavam arranhados, e o quimono que Tomoji usou para vesti-lo no
funeral estava em farrapos.
Kyodoin trouxe os espíritos até Mestre Shinjo e Tomoji os viu se libertarem
do sofrimento através do poder dos ritos. Quando ouvi isso, finalmente entendi
que Kyodoin havia nos deixado para ir ao mundo espiritual e ajudar nossos
ancestrais, e não me restava nenhuma dúvida sobre sua morte.
Por volta de 1937, apenas um ano após nos dedicarmos ao cuidado espiritual e bemestar de outros, a residência de Shinjo e Tomoji, onde eles haviam temporariamente
abrigado o Achala, estava repleta de praticantes. Consequentemente, o desejo de
construir um local de treinamento novo e maior fez com que Shinchoji fosse fundado,
no ano seguinte. Kyodoin, e o espírito altruísta incorporado por ele, se tornou a base
fundamental para nosso templo de fundação. Graças a ele, Mestre Shinjo pôde treinar
no Monastério de Daigoji, onde sucederia as linhagens Darma por completo.
— Continua…
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Lembranças de outono
Em uma edição especial da publicação japonesa Quatro Estações (Jpn.
Shun Ka Shu To), lançada em setembro de 2013, Sua Santidade relembrou
com carinho os mestres Shinjo e Tomoji, e os ensinamentos que eles
transmitiram em diferentes épocas do ano. Suas lembranças dão uma
ideia terna sobre o dia-a-dia dos fundadores da Shinnyo-en, além de pintar
retratos mais vívidos sobre daqueles que vemos como mestres. Em seguida,
apresentamos lembranças de outono.
Dias de Atividades Esportivas
Durante o ano todo temos eventos
escolares - primeiro dia de aula, festivais
de arte, viagens de campo, dias de
atividades esportivas. As crianças
esperam ansiosas e adoram participar.
Mas, para a jovem Tomoji (Shojushin-in),
cada um desses eventos trazia lembranças
tristes e dolorosas. Tomoji perdeu o pai
quando era muito pequena e foi deixada pela mãe,
por isso não tinha nenhum dos pais para acompanhá-la nos
dias de esportes. Ela também tinha que se preparar sozinha para o primeiro dia de
aula e as excursões.
Um dia, quando tinha 8 anos, sua irmã Masaji, dois anos mais jovem, perguntou
preocupada: "Mana, quem vai trazer o lanche para o dia de atividades esportivas
amanhã?" Tomoji, que deve ter desejado ter pais para isso, assim como a irmã,
respondeu com convicção: "Não se preocupe. Alguém vai trazer pra gente: a vó
ou o Toyoo.1 Naquela noite, enquanto a irmã dormia, Tomoji fez os lanches para
ambas e no dia seguinte tranquilizou a irmã mais uma vez, no trajeto para a escola.
No inverno após o aniversário de nove anos de Tomoji, Masaji, a quem Tomoji
amava incondicionalmente, também veio a falecer.
Tomoji ressaltou uma vez, aos pais e responsáveis que participaram de um encontro
de basquete da Associação dos Jovens: "Em dias de encontros com atletas ou outros
eventos, tenho certeza de que a maioria não pensaria duas vezes em mandar os
filhos com seus lanches e a promessa de vê-los logo de volta. Porém, gostaria que
lembrassem que há crianças em outras circunstâncias. Essas crianças podem até
ter pose firme, mas quando o assunto é lanches, podem ficar bastante chateadas,
porque não tem ninguém para lhes ajudar. Por isso, gostaria de pedir aos tutores
da nossa comunidade para que façam o seguinte: em um dia como hoje, quando
os jovens estiverem fora jogando beisebol, procure os que estão em necessidade
e ofereça gentileza, pode ser algo como: 'Trouxe um pouco de água' ou 'Que tal
algo para comer? Deve estar com fome.' Palavras de compaixão como essas trarão
1 Seu irmão mais velho
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| III História do Caminho Shinnyo
alegria para os corações de quem as recebe, não importa a idade.”
Saibam que não é à toa que todos nós temos amigos, familiares ou outras pessoas
para nos dar apoio. Caso se deparem com uma pessoa triste ou solitária, ofereçalhes calor humano, e se você for a pessoa a receber bondade, não deixe de
expressar gratidão. Isso é muito importante. Espero que todos possamos dedicar
um momento para pensar como podemos ajudar aqueles que comparecem aos
eventos para que cada jovem tenha a melhor experiência possível.
Festival para crianças de três, cinco e sete anos2
Esta é uma ocasião celebrada em todo o Japão, quando os pais e os familiares
se reúnem para rezar pela longevidade das crianças, e o evento é comemorado
compartilhando doce vermelho e branco, chitose-ame (lit. ‘bala dos mil anos’).
Tradicionalmente, os aniversários de três, cinco e sete anos são marcos nas vidas das
crianças. Houve época em que as crianças de três anos, até então tendo a cabeça
raspada, poderiam deixar o cabelo crescer. Já os meninos de cinco anos poderiam
usar calças hakama pela primeira vez e as meninas de sete anos trocariam as simples
cordas de seus quimonos pelo tradicional cinto obi. Apesar de nos dias de hoje ser
diferente, ainda ocorre essa comemoração tradicional. Pelo xintoísmo, em todo o
país, as crianças nessas idades comparecem na companhia de suas famílias, usando
suas melhores roupas, normalmente trajes tradicionais em belas cores.
No caso das meninas, o festival marca a primeira vez em que usam maquiagem.
Tenho sobrancelhas muito curtas, e Shojushin-in uma vez comentou o quanto eram
iguais às dela enquanto ela desenhava sobrancelhas curvas e longas para combinar
com o rico quimono que eu usei. Naquela época, não tínhamos lápis, então ela
acendeu um fósforo, apagou a chama e usou as cinzas.
Há uma foto minha em frente de Shinchoji nesse
dia, quando eu tinha sete anos, e sempre
que a vejo me lembro da ocasião em
detalhes. A memória permanece comigo
como um vívido exemplo de cuidado e
amor que os mestres Shinjo e Tomoji
dedicaram a nós.
2 Shichi-Go-San (七五三, lit. “Sete-Cinco-Três”), realizado anualmente em novembro para celebrar o desenvolvimento
e o bem-estar das crianças, é um rito de passagem tradicional e de festa no Japão para meninas de três e sete anos,
e meninos de três e cinco anos. Na Shinnyo-en, o evento é realizado junto com o Festival de Felicidade Eterna, no
qual as crianças recebem uma benção para desabrochar a natureza búdica.
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Testemunho
Unidos em Shinnyo
IV
A seguir, apresentamos a história da
praticante holandesa Hilde Eising, que nos
conta como sua prática no Caminho Shinnyo
lhe proporcionou a cura, após a morte de
sua mãe seguida de uma longa doença, e
como ela sentiu os efeitos concretos de uma
prática baseada em esforços altruístas. O
texto a seguir foi retirado de um depoimento
oferecido durante o retiro de verão de 2014
no Chateau, anexo do templo Shinchoji
na França. Há mais de 20 anos esse evento
anual é organizado pelos membros jovens da
Shinnyo-en espalhados por toda a Europa, com
o objetivo de aprofundar a fé e a prática no
Caminho Shinnyo com diálogos e atividades.
Cresci em uma família que passou por muitos momentos difíceis. Meu irmão e eu
não nos dávamos bem e minha mãe sofria de algumas doenças desde o tempo em que
éramos crianças. Há alguns anos, minha mãe faleceu, após mais de 13 anos de doença,
e o meu mundo desabou. Me senti perdida e sozinha, e não tinha a menor ideia de
como seguir adiante. Não conseguia imaginar a vida sem minha mãe. Meu pai e eu
cuidamos dela por tantos anos e sua ausência foi devastadora. Entretanto, o tempo
cura tudo e, de algum modo, em meio às minhas dificuldades, consegui encontrar
forças para retomar meus estudos e continuar a vida adiante. Sinto que nasci de novo,
e a minha fé nos anos por vir retornou.
Confiança
Quando retomei meus estudos na universidade, também redescobri meu gosto
pela vida. Durante esse período, fiz uma nova amizade, e essa pessoa hoje é minha
madrinha. Além de compartilhar a mesma paixão pelo estudo das artes, também
tínhamos o interesse comum pelo budismo. Alguns anos depois de nos conhecermos,
ela me convidou para participar de reuniões domiciliares da Shinnyo-en e as histórias
e experiências compartilhadas me emocionaram. Me senti motivada e inspirada a me
tornar um membro, além de também sentir vontade de ajudar a minha mãe no mundo
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| IV Testemunho
espiritual, mesmo sem saber se isso seria possível. Meu coração havia se fechado após
passar por um período tão difícil, mas naquele momento algo fez com que ele voltasse
a se abrir. O tom aconchegante das reuniões fez com que eu me sentisse em casa, e
comecei a desenvolver um senso de confiança que os ensinamentos Shinnyo tinham
um potencial maravilhoso para mim.
Ao participar do Sesshin, minha confiança no Caminho Shinnyo começou a
aumentar. Apesar de não entender tudo racionalmente, intuitivamente sentia que o
caminho poderia ajudar a mim e aos outros a sermos mais felizes. Com a Shinnyo-en,
senti que poderia superar as dificuldades do dia-a-dia.
Prática
Um aspecto importante dos Ensinamentos Shinnyo é a "prática em benefício alheio".
Por causa da doença da minha mãe e da minha função de cuidar dela desde criança, a
ideia de ajudar os outros representava mais do que um conceito abstrato para mim.
Ajudar ela e a família me trouxe muita alegria, mesmo quando a situação estava
longe de ser animadora. Durante anos vivemos em condições precárias, encarando
situações difíceis diariamente.
Desde que me tornei membro da sanga Shinnyo, a ideia de praticar em prol do
próximo ganhou significado ainda mais profundo. Também aprendi que, para ajudar
o próximo, é preciso começar com nossa família e as pessoas mais próximas.
Por conta da doença e do falecimento da minha mãe, por anos tive dificuldades
em expressar meus sentimentos e lidar com a tristeza e a solidão. Também tive
meus problemas de saúde, e às vezes ainda é difícil seguir em frente. Mas encontrar
ensinamentos tão profundos como os da Shinnyo-en faz com que eu sinta que todos
nós podemos fazer a diferença. Pude comprovar como fazer o treinamento Sesshin,
refletir sobre as orientações recebidas e transformar essa orientação em ação permitiu
superar as dificuldades na minha vida passo a passo.
Sinto que a prática me ajudou a entender melhor o meu irmão e o meu pai, e
como consequência, nos tornamos uma família mais harmoniosa. Tudo isso graças a
ajuda de saisho, shoju, and bakku-daiju.1 O Sesshin também me ajuda a entender que
podemos ajudar nós mesmos e as pessoas ao nosso redor, mas através do maravilhoso
poder ativo dentro da Shinnyo-en também podemos ajudar aqueles que estão no
mundo espiritual.
Compreensão
Através de uma prática contínua e sincera, de auxílio ao próximo, refletindo através
da meditação e do Sesshin, compreendi que podemos realmente eliminar as causas
do nosso próprio sofrimento e dos outros, no mundo à nossa volta. Podemos mudar
1 Saisho uma força abrangente de iluminação que transcende as barreiras materiais e imateriais para dar apoio
espiritual, do mesmo modo que um bodhisattva incentiva cada ser da maneira mais apropriada a trilhar o caminho
da iluminação. Shoju é um termo budista para “aceitar e receber.” Às vezes é traduzido como “abraçar” ou “poder de
ajudar a criar harmonia espiritual.” Bakku-daiju (lit. “aliviar e tomar para si o sofrimento alheio”), juntamente com
shoju, é considerada uma manifestação do poder transcendental (amor benevolente e a compaixão dos bodhisattvas)
enfatizado no Sutra Nirvana.
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15
nossos destinos e ajudar os outros a mudar os deles.
Participar do treinamento de cachoeira Jataki, organizado pela Associação
de Jovens da Shinnyo-en2 me deu um discernimento ainda maior sobre todas as
dificuldades que os Pais do Ensinamento superaram em suas vidas, incluindo a morte
de seu filho Kyodoin, o falecimento subsequente de Shindoin e a Crise do Darma.
Eles sempre perseveraram para seguir adiante no caminho de compartilhar a luz do
Darma com outros, mesmo sem saber os resultados, com determinação forte de guiar
todos à verdadeira libertação.
Compartilhar a luz
Isso me inspira a continuar me dedicando a compartilhar a luz do Caminho Shinnyo,
ajudar os outros a encontrar essa luz e seguir adiante, não importa o que aconteça.
Estou aprendendo e crescendo apesar dos erros, como insistir na ideia de que devo
fazer tudo sozinha.
Meu testemunho não é só sobre dificuldades. O que eu realmente quero dizer é
que, com a ajuda dos ensinamentos Shinnyo, aprendi que é sempre possível seguir
adiante, não importa o obstáculo que surja. Nós não estamos sozinhos. As forças
do despertar da budeidade representadas pelos Pais do Ensinamento Shinnyo estão
sempre conosco para nos guiar com a luz do Darma sempre presente.
Sinto-me muito grata por ter encontrado a Shinnyo-en. O que mais desejo é que
todas as pessoas sintam a compaixão amorosa da budeidade que assimilamos ao
conhecer os exemplos e as vidas dos Pais do Ensinamento e Ryodoji, além do sorriso
acolhedor de Sua Santidade Shinso Ito. O mundo de harmonia e amizade de que ela
fala não é um simples conceito, realmente é possível vivê-lo. Espero que cada um de
nós faça um esforço para alcançar o próximo e compartilhar esta luz e compaixão
juntos a um propósito, com a sabedoria shinnyo.3
2 Ver o ensinamento de Sua Santidade no volume 8, págs. 6 a 9, para mais informações sobre este treinamento e os
conselhos dados aos jovens que participaram em fevereiro de 1999. A História do Caminho Shinnyo, págs. 6 a 11,
nesta edição, também apresenta em primeira mão relatos dos primeiros dias desse rigoroso treinamento.
3 (Jap.; Sânsc.: tathata) A natureza fundamental da realidade, frequentemente traduzido como “talidade”, “tal qual
é”, pode ser sentida diretamente, mas não analisada logicamente.
16
| IV Testemunho
Básico da doutrina
1
A importância da Sanga
V
Estátuas em Sarnath, Índia, comemoram a primeira sanga, grupo
formado por cinco discípulos com quem Shakyamuni compartilhou seus
primeiros ensinamentos.
O texto a seguir é adaptado do programa de Treinamento Anual
preparado para o terceiro dia do Período de Abertura em Janeiro de 2013.
Comentarista: Talvez se perguntem: "Como o budismo foi transmitido até os dias
atuais?". Rastrear as origens pode ser fascinante. Gostaria de começar com uma explicação
do Professor Masahiro Shimoda da Universidade de Tóquio, especialista conhecido pelos
seus estudos do Sutra Mahaparinirvana. Ele deu uma palestra aqui na Shinnyo-en em 2005
para aprimorar nosso conhecimento do sutra. O trecho a seguir foi retirado dessa palestra:
Professor Shimoda: Hoje em dia, o budismo é praticado em todo o mundo,
porém quando observamos como ele se manifesta em diferentes regiões e
como reagiu e se harmonizou com cada situação local, podemos dizer que não
se enquadra na categoria de uma única prática [coerente]. É muito mais amplo
do que isso. Grosso modo, podemos dizer que a história do budismo começou
com a experiência da iluminação de Shakyamuni, surgiu da experiência de uma
pessoa. Após despertar, Shakyamuni encontrou uma pessoa, e outra, e em pouco
tempo reuniu um grupo de discípulos. Portanto, o desdobrar do budismo começa
com um encontro, uma pessoa encontrando outra. As pessoas que encontravam
Shakyamuni ficavam impressionadas pelas suas experiências e pelas suas próprias
interações com ele. Ao final, aceitavam a prática como autêntica.
Desse modo, o budismo surgiu da experiência de uma pessoa. Uma a uma, as
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pessoas aceitaram essa experiência como genuína e também se tornaram capazes
de alcançar o despertar. A quantidade de pessoas que compartilharam dessa
experiência, em um grau ou outro, expandiu até se tornar uma grande comunidade
reunida em torno do Buda Shakyamuni. Assim, uma comunidade de pessoas em
busca do mesmo estado de despertar foi se formando gradualmente. Quando
isso aconteceu, precisaram encontrar um lugar para suas reuniões, construir
prédios, se comprometerem a adotar determinados estilos de vida e normas. Um
observador objetivo pode questionar a necessidade da construção de prédios e
criação de regras, mas os praticantes da época provavelmente responderiam que
conviver com Shakyamuni lhes possibilitava alcançar o mesmo tipo de despertar.
Se desconsideramos o esforço para alcançar o despertar que Shakyamuni
obteve, o budismo se tornaria uma concha vazia de um ensinamento, algo
como um exercício acadêmico. Shakyamuni não tentou apenas descrever uma
experiência, ele permitiu que outras pessoas tivessem a mesma experiência.
Como resultado, a forma de seus ensinamentos (o caminho) se tornou adaptável
para diferentes tempos, circunstâncias, idiomas, regiões e culturas. É por isso
que povos diversos foram capazes de compartilhar suas experiências budistas
iniciadas por Shakyamuni.
Ensinamento por Sua Santidade Shinso Ito
• Trecho de uma palestra especial em Oyasono, em 20 de fevereiro de 2012 •
Shakyamuni desenvolveu o budismo como o caminho que possibilita a todos
alcançar a iluminação. Logo após seu despertar, ele compartilhou com os outros
em vez de guardar para si; para que eles também pudessem chegar ao mesmo estado
de iluminação. Ele começou com as cinco pessoas que certa vez o acompanharam
em sua prática asceta e desistiram antes do fim. Exatamente por Shakyamuni
compartilhar o Darma, cuja essência é a sabedoria e a compaixão, essas cinco
pessoas também alcançaram o despertar e passaram a ensinar outros. Dessa
maneira, o Darma foi revelado ao mundo. Aqueles que receberam os ensinamentos
do Buda criaram a Sanga com Buda e começaram a trilhar o caminho juntos.
Comentarista: A origem do budismo remonta o tempo em que Buda Shakyamuni
compartilhou o que aprendeu com cinco colegas praticantes. Daquele momento em
diante, ele se dedicou a ensinar pelo resto da vida. Aqueles que receberam os ensinamentos
se comoveram e começaram a compartilhar com os outros, e o "Darma" foi passado de
uma pessoa a outra no curso da história. As pessoas que trilhavam o caminho budista
juntas começaram a formar uma comunidade chamada Sanga e fizeram grandes esforços
para exercitar a sabedoria e a compaixão transmitidas pelo Buda para ajudar outros
da mesma maneira.
Um trecho intitulado "Todos os seres são filhos dos tathagatas", na parte sobre "Atos
Puros” do Sutra Mahaparinirvana alega que os tathagatas são pais benevolentes de
todos os seres, e que devemos perceber que todos os seres são vistos como filhos dos
tathagatas. Além disso, a parte “Rugido do Leão” ensina que uma grande benignidade e
compaixão é a natureza dos budas, a natureza da budeidade é a natureza dos tathagatas. A
sabedoria e a compaixão levam a grande bondade amorosa. Sobre esse ponto, o Venerável
18
|
V Básico da Doutrina 1
Torikai explica o seguinte, citando a história do desenvolvimento do budismo - incluindo
a iluminação do Buda, seu ministério e a formação da Sanga, na qual seus ensinamentos
têm sido transmitidos até os dias de hoje.
Venerável Takashi Torikai: O que mais importa não é apenas alcançar a
iluminação para si próprio, mas dar essa mesma oportunidade aos outros,
ajudando-os a encontrar e praticar os ensinamentos budistas. Por Tathagatas
(Corpo Darma), subentende-se essa essência de budeidade para a qual todos
podem despertar. A contínua possibilidade de alcançar a iluminação é o que
move o budismo.
Além disso, aqueles que alcançaram o estado dos tathagatas se tornam pessoas
repletas de sabedoria, benignidade e compaixão. Nos sutras, são comparados
a um bom pai que quer ajudar no desenvolvimento de todos. Como a bondade
amorosa é parte vital do tathagata (corpo Darma), o exemplo dos budas mostra
como podemos transformar ou intensificar a benignidade dentro de nós, pela
prática, de maneira que nossa natureza búdica seja externalizada. O tathagata
e o corpo darma também simbolizam como o mundo dos budas, de iluminação,
nunca está longe.
Mestre Shinjo passou por treinamentos árduos e foi capaz de despertar
para as maiores verdades, mas nunca disse com orgulho às pessoas que ele era
iluminado, muito menos quis chamar a atenção para a sua prática. Em vez disso,
ele incorporou os elementos do budismo esotérico e tentou de todas as maneiras
possíveis tornar as informações da iluminação acessíveis para que outros também
tivessem uma chance de despertar.
Quando vemos os exemplos de Shinjo Ito, Tomoji Ito e Shinso Ito,
compreendemos a importância do esforço em ajudar outras pessoas a descobrirem
sua natureza búdica como forma de trazer para fora a sabedoria, a bondade amorosa
e a compaixão que estão dentro de cada um. Nas vidas dos Pais do Ensinamento
Shinnyo e da Sua Santidade Shinso podemos ver a verdade da budeidade.
Podemos sentir eles próximos de nós e a budeidade em nossas vidas porque isso
foi mostrado pelas vidas deles. Portanto, quando nos dedicamos a aprender deles
como nossos mestres budistas, podemos começar a externalizar a natureza búdica
que está dentro de nós.
Comentarista: Os Pais do Ensinamento se dedicaram a buscar o caminho budista
determinados a ajudar as pessoas a encontrarem libertação espiritual. Sua jornada
de vida enfrentou turbulências, tiveram que navegar por tentativa e erro. A Sanga da
Shinnyo-en oferece aos seus praticantes uma expressão da natureza dos tathagatas
através dos Pais do Ensinamento Shinnyo e de Sua Santidade Shinso. Seu entusiasmo
em compartilhar os ensinamentos e cultivar a natureza búdica das pessoas nos mostra
a natureza dos tathagatas de maneira tangível, além de nos ajudar a descobrir nossa
própria natureza búdica.
Professor Shimoda: Vocês podem ter uma ideia de quem foi Shakyamuni
intelectualmente, porém pode significar pouco pessoalmente, ou pode ser difícil
sentir que ele é importante em suas vidas. Quando se começa a estudar, é possível
Nº 12 • Outubro 2014 | ECOS |
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descobrir várias formas de budismo no mundo. O budismo é como uma força viva
que muda e se adapta.
De maneira simplificada, podemos falar nos termos das Três Joias: o Buda,
o Darma (que pode se referir ao corpo dos ensinamentos budistas e às verdades
fundamentais da realidade para as quais Shakyamuni despertou) e a Sanga
(comunidade de praticantes). Acadêmicos que pesquisam o Darma e a Sanga
apontarão suas mudanças durante o curso da história. Como a autoreflexão
budista sobre esses assuntos se desenvolveu, as maneiras através das quais são
apresentados também mudou. Por isso é importante reconhecer que essas
mudanças de fato ocorreram e são partes integrantes do budismo, o que o mantém
vivo. Porém, muitos acham que o Buda é outro assunto. Acreditam que, com a
morte de Shakyamuni há 2500 anos, não há mais nada a ser dito sobre o Buda ou
que a ideia de Buda não pode ou não deve mudar.
Entretanto, a ideia do significado e da natureza de Buda, e budeidade, mudou
durante o curso da história, assim como mudou para Darma e Sanga. A experiência
do despertar, passando por vários mestres, caracterizou o modo como entendemos
Buda e como o budismo foi transmitido com autenticidade durante sua história
de 2500 anos. Do meu ponto de vista, é um desenvolvimento natural que permite
que as pessoas pratiquem o budismo conforme seu contexto histórico, sua cultura
e tipos de sofrimento pelos quais passa.
Comentarista: A chance de conhecer e aprender com um mestre que incorpore a
budeidade é realmente significativa, pois ainda se pode viver essa experiência mesmo após
2500 anos. Isso significa que a experiência e emoção profunda sentida através da sabedoria
e compaixão foi transmitida com a mesma força. Se praticantes budistas do passado não
tivessem conseguido ver a budeidade em seus mestres, não teriam transmitido a verdadeira
essência do budismo até os dias de hoje. Eles teriam transmitido formas superficiais,
como imagens, sutras e trajes sacerdotais, mas não um budismo vivo que representa a
sabedoria e compaixão do Buda. Também precisamos compreender, juntamente com o
Buda e o Darma, a importância da terceira joia do budismo, a Sanga. A Sanga transmite a
emocionante experiência de alcançar a budeidade e passá-la adiante, para a posteridade.
Esse processo cristaliza a ideia de budeidade e ilustra a indivisibilidade das Três Joias.
Ensinamento do fundador
• Cerimônia para Kasanori, 20 de junho de 1971 •
O que queremos dizer por "Buda" ou "budeidade" é revelado no Darma
(ensinamentos), que são praticados pela Sanga. O Buda, o Darma e a Sanga são as
Três Joias do Budismo, e são inseparáveis. A verdadeira Sanga é uma comunidade
harmoniosa de praticantes. Em harmonia, os mestres e discípulos se empenham a
buscar o caminho de Buda rumo à libertação espiritual. Isso significa que eu e você
tentamos ser um. O Buda, o Darma e a Sanga são os despertos, os ensinamentos e
aqueles que nos apoiam e praticam. Não funcionam separadamente.
20
|
V Básico da Doutrina 1
Comentarista: Sua Santidade Shinso explica sobre a sanga da Shinnyo-en
da seguinte forma:
Ensinamento de Sua Santidade Shinso Ito
• Trecho de palavras oferecidas na Cerimônia Homa de 28 de fevereiro de 2004 •
Os Três Refúgios inclusos em nossa oração são: “Buddham saranam gacchami,
Dhammam saranam gacchami, Sangham saranam gacchami”. Em português,
“Buscamos refúgio no Buda, no Darma e na Sanga”. Ao recitar isso, estamos
dizendo que buscamos refúgio nas Três Joias do budismo. Chamamos de Sanga
uma comunidade harmoniosa de praticantes. Ao dizermos “sanga”, lembremse de que todos nós estamos inclusos, pois esta comunidade espiritual que
chamamos de Shinnyo-en, da qual você também é membro, é a nossa sanga. É
importante ter em mente que cada um de nós faz parte de uma comunidade
espiritual. Esta é a nossa sanga. Portanto, quando dizemos que buscamos refúgio
na sanga, estamos dizendo que buscamos refúgio em todos que fazem parte da
Shinnyo-en, em todos que formam uma comunidade espiritual em harmonia e
que praticam juntos em direção da budeidade. O que de fato estamos dizendo é
“Busco refúgio em você, você e você”, para as pessoas diante de você, ao seu lado
e atrás. Não sei quantas pessoas estão aqui agora, talvez centenas, mas buscamos
refúgio um no outro, com espírito de gassho, respeito sincero e gratidão.
Assim como vocês, eu recito: “Sangham saranam gacchami”, também encontro
refúgio em vocês. Ofereço o coração e a mente de gassho, e rezo para que todos
possam sentir a bondade amorosa e compaixão dos Pais e Ryodoji. Vamos
estender o espírito de gassho ao próximo. Que tal compartilhar com quem está
sentado ao lado? Você conhece
essa pessoa? E a pessoa atrás?
Talvez nunca tenha os visto antes,
mas não tem problema. Todos são
seus amigos. Todos nós somos
amigos trilhando o Caminho de
Shinnyo juntos em uma sanga.
As pessoas ao seu redor podem
parecer estranhas, mas na verdade
somos amigos unidos pelo Darma
e buscamos refúgio juntos. É isso
o que expressamos por “Sangham
saranam gacchami.”
Comentarista: Isso pode ter soado
novo para aqueles que pensaram que
a Sanga consistia apenas dos monges.
Sua Santidade acabou de explicar
que a Shinnyo-en é uma sanga,
com a comunidade como base de
treinamento, onde pessoas de qualquer
Nº 12 • Outubro 2014 | ECOS |
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origem, leigas ou monásticas, se reúnem para praticar lado a lado. Membros individuais
trilham o caminho como amigos, junto com os Pais do Ensinamento Shinnyo, Ryodoji e
Shinso, funcionários do templo, cada um orientando e apoiando o outro. Em seguida, um
ensinamento do Mestre Shinjo:
Ensinamento do fundador
• Festival de outono, 4 de novembro de 1961 •
O Buda ensinou que, para encontrar o caminho da libertação espiritual,
devemos buscar orientação daqueles mais experientes e, em troca, transmitir
o que aprendemos para outros que também buscam um caminho. Buscar um
caminho espiritual envolve essas duas coisas. Nós compartilhamos a sabedoria
que adquirimos com aqueles que a procuram. É um par. Por meio desse processo,
pessoas comuns como nós são capazes de caminhar ao lado de Buda, passo a passo.
Esse é o caminho em direção à iluminação.
Comentarista: Sem a sanga, as pessoas teriam que treinar sozinhas, como Shakyamuni
fez em sua busca pela iluminação. Não haveria um mestre para guiá-los. É difícil, se
não impossível, para a maioria das pessoas cultivar a natureza búdica sozinhas, não
importa o quanto a pessoa medite sobre os budas ou estude os sutras. Também não
é alcançada simplesmente estando junto com os outros. É através da participação nas
atividades da sanga, o que em nosso caso envolve o treinamento Sesshin, as cerimônias
e reuniões, que aprendemos com nossos mestres espirituais, conhecemos outras
pessoas e compartilhamos experiências, buscamos orientação dos mais experientes.
Nós encorajamos um ao outro à prática, compartilhando sabedoria e compaixão com
base no espírito e nas orientações dos Pais do Ensinamento, Ryodoji e Sua Santidade
Shinso; aplicando o que aprendemos em benefício alheio na vida diária. Com esse
processo, reconhecemos o apoio constante dos budas e nossa própria natureza búdica
inata. Nossa sanga é como uma família unida em busca de Shinnyo; que nos aceita
como somos, nos dá coragem e nutre, com calor humano ou rigor. Na Shinnyo-en, que
baseia sua prática no Sutra Nirvana, nossa posição dentro da comunidade nos permite
espalhar a sabedoria e a compaixão de Buda adquiridas para além da sanga. Shinso
explica a importância de compartilhar sabedoria e compaixão na comunidade:
Ensinamento por Sua Santidade Shinso Ito
• Trecho de uma entrevista de 22 de setembro de 2012 •
As pessoas encontram profissões em uma série de áreas: ciência, medicina,
educação, arte. Cada um tem interesses e papeis diferentes na sociedade. Apenas
uma pequena fração da população mundial se compromete somente a uma busca
religiosa como atividade integral, mas as pessoas trabalham juntas e oferecem apoio
umas às outras, independente de quem sejam ou onde estejam, para transformar o
mundo num lugar melhor, em uma busca universal pela paz e harmonia. Podemos
nos conectar uns aos outros através da sabedoria e da compaixão porque cada um
tem uma natureza búdica. Cultivar essa natureza ajuda a descobrir como podemos
viver verdadeiramente felizes e construir um futuro de esperança. O papel da
22
|
V Básico da Doutrina 1
religião está em ajudar as pessoas a despertar para o que podem fazer para ajudar
e apoiar o outro. Na minha opinião, esse é o objetivo da Shinnyo-en: ajudar a
cultivar a natureza búdica de cada um e inspirar a revelar seu potencial, para que
possam contribuir com a sociedade.
Se as pessoas, em seus respectivos papeis, encontrarem o Budismo Shinnyo e
uma inspiração como nunca tinha acontecido antes, este será um encontro crucial
que abre novas possibilidades para seu futuro e do mundo. Elas podem redescobrir
o valor de sua profissão e ficarem mais felizes, vendo com mais clareza o que a vida
tem a oferecer. Dessa forma, o Caminho Shinnyo permite que as pessoas mudem o
curso de suas vidas e aponta para uma direção mais positiva.
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23
Básico da doutrina
2
V
Transmissão do Budismo:
Monumentos Monolíticos,
Muitas Tradições
Esta série de artigos mostra como os ensinamentos budistas foram
transmitidos com o passar do tempo para que possamos compreender
melhor a Shinnyo-en na história. Aqui, nossa jornada começa em Mumbai,
explorando os monumentos monolíticos de pedra e complexos de templos
em cavernas, criados dentro das tradições do Budismo, do Hinduísmo e do
Jainismo, no oeste e sul da Índia.
Imagens da caverna
3, parte do sistema
principal de cavernas
de Kanheri: a imagem
acima forma o
“Dharmachakra” ou
mudra do “Giro da
Roda do Darma”.
A grande imagem
do Buda de pé à
esquerda é uma do
par da entrada.
24
24
|
V Básico
Bás
ási
á
sico
si
co da
da dou
do
d
doutrina
ou
o tri
tr
t
riina
r
na 2
As cavernas de Kanheri no Parque Nacional Sanjay Gandhi
No Artigo do volume 9 da Ecos, falamos sobre cavernas encontradas no oeste da
Índia, e agora continuaremos o tema apresentando mais templos nas cavernas, no
extremo sul da Índia. Os templos budistas em cavernas são geralmente adjacentes
aos templos dedicados a outras tradições religiosas, e seus detalhes revelam como o
desenvolvimento do Budismo as influenciou e como também foi influenciado por
outras crenças. Um sistema dessas cavernas é o das Cavernas de Kanheri, no Parque
Nacional Sanjay Gandhi. Essas cavernas, conhecidas
por suas imensas imagens de Buda, dão uma ideia
das condições de vida espartanas que os monges
Budistas tinham em tempos ancestrais.
Apesar de budistas possivelmente terem sido
os primeiros a usar cavernas rochosas para fins
religiosos, outras tradições espirituais seguiram seus
passos. As Cavernas de Ajanta, que apresentamos
em uma edição anterior, contêm apenas estátuas
esculpidas em pedra e relevos, já as Cavernas de Ellora
revelam templos hinduístas, jainistas e budistas
próximos uns dos outros. Entre as sete cavernas de
pedra situadas na Ilha de Elefanta, no porto próximo
a Mumbai, as gravações hinduístas encontradas nas
cinco cavernas dedicadas à tradição Shaiva e à deusa
Shiva são maiores do que as esculturas budistas
Imagem de um Bodhisattva
encontradas nas duas outras cavernas.
Kannon de 11 faces
A Caverna 2 oferece proteção do sol escaldante.
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Diversas entradas se
alinham no terreno
irregular.
Estupa interna e auditório
da caverna 3.
Uma série de
esculturas decoram as
paredes da entrada.
As pinturas do Buda estão levemente
desbotadas, mas ainda visíveis na
caverna 34.
26
|
V Básico da doutrina 2
Uma série de salas do lado de fora das cavernas, que
abrigam os aposentos dos monges, garante espaço
para grandes reuniões.
Primeiramente, vamos conhecer as Cavernas de Kanheri, um sistema de 109
cavernas escavadas em uma cadeia de pedra basáltica ao noroeste de Mumbai,
Índia. Mais precisamente, estão localizadas nas florestas, 6 a 7 km de distância do
portão principal do Parque Nacional Sanjay Gandhi. Elas parecem ter sido usadas
no período entre os séculos I a.C e XI d.C. A maior parte das cavernas havia sido
ocupada por monges budistas que as usavam para morar, estudar e meditar, portanto
eram equipadas com salões de meditação e oração, além de conter diversas imagens
de Buda esculpidas em pedra, estupas e relevos. Muitas das áreas de convivência
são pequenas, mas alguns espaços maiores foram construídos para reuniões gerais.
A terceira caverna parece ter sido uma das mais importantes. Dentro dela há um
salão em forma de "U" revelando uma estupa com grandes pilares octogonais como
ponto central. Como as cavernas foram escavadas no início desta era, todo o trabalho
deve ter sido realizado com ferramentas manuais.
À frente da entrada do sistema de cavernas há um grande relevo, acredita-se que foi
esculpido para representar a realeza. Duas imagens de Buda, cada uma com 7 metros
de altura, de cada lado do relevo, deixam uma impressão duradoura nos visitantes.
Ao passo que os adereços reais indicam a autoridade de uma determinada dinastia, as
imagens de Buda simbolizam a natureza eterna da budeidade.
A segunda caverna, relativamente menor, abriga estupas Theravada e Mahayana,
próximas uma da outra. Do lado de fora, é possível subir alto o suficiente para obter
uma vista ampla das cavernas e dos reservatórios projetados para coletar água da
chuva e das colinas nos arredores, além de poços escavados. Se aventurando um
pouco mais pelo alto, é possível ver uma série de imagens de Buda esculpidas do
lado de fora das paredes da caverna.
A décima primeira caverna contém um arranjo de três imagens de Buda. À direita do
Buda Shakyamuni está uma imagem do Kannon de Onze Faces, que é evocativa da maneira
com a qual as imagens do Buda estão organizadas nos templos de Budismo Esotérico.
As Cavernas de Kanheri atraíram incontáveis peregrinos budistas e turistas com
o passar dos anos, porém em um determinado momento, abrigaram centenas de
praticantes monásticos.
As Cavernas de Ellora em Maharashtra
As Cavernas de Ellora estão
localizadas a aproximadamente
300 km ao nordeste de Mumbai
e 29 km a oeste da cidade de
Aurangabad no estado indiano
de Maharashtra. Juntamente
com as Cavernas de Ajanta,
estão entre as mais famosas
cavernas escavadas em pedra
do mundo, e para muitos,
representam
um
incrível
exemplo de arquitetura indiana
em pedra. Este complexo único,
listado como Patrimônio da
Shiva, a destruidora
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É preciso ver para crer na existência de algo tão grandioso, como o templo Kailasa.
O Shiva-linga,
localizado nas
profundezas do
complexo do templo,
é o principal objeto de
veneração e atrai um
grande e constante
número de visitantes.
Esculturas em relevo
cobrem as paredes
contando histórias da
mitologia Hindu.
Humanidade, apresenta templos budistas, hinduístas e jainistas construídos nas
rochas e aposentos localizados próximos uns aos outros.
Os templos da Caverna de Ellora foram construídos em um período relativamente
curto entre os séculos VII e XIX, tempo em que o budismo indiano parou de crescer e
começou a entrar em declínio ao passo que várias tradições que vieram a representar
o que hoje conhecemos como Hinduísmo atraíam mais e mais seguidores. Por fim, o
hinduísmo passou a ser a religião dominante na Índia central.
Analisando as 34 cavernas de Ellora, numeradas do Sul para o Norte, as cavernas de
1 a 12 são budistas; as de 13 a 29 são hinduístas, e as de 30 a 34 (que estão posicionadas
a uma distância um pouco maior) são jainistas. O mais magnífico dos templos
construídos em pedra é o de Kailasa (também conhecido como Kailash ou Kailasanatha),
dedicado a Shiva, na 16ª caverna. Ele cobre uma área de aproximadamente 3.600 m²,
chegando a uma altura de aproximadamente 33 metros. Incrivelmente, esse templo
gigantesco foi esculpido em uma rocha sólida, assim como os outros. Os cômodos
28
|
V Básico da doutrina 2
O templo de Kailasa é conhecido
pela sua construção vertical única.
Escultores especialistas criaram
esta estrutura monolítica com
cinzéis, trabalhando na rocha
sólida de cima para baixo.
Um sereno templo
jainista em Ellora exala
paz e tranquilidade.
internos do templo são ornados com lendas religiosas hinduístas que testemunham
a fé pura da comunidade Shivaísta que o criou. A Shaiva é uma das maiores tradições
do hinduísmo e é conhecida por sua forte orientação tântrica e esotérica. Nesse caso,
os relevos levaram mais de um século de trabalho minucioso para serem concluídos.
As estatísticas sugerem que aproximadamente 80% da população indiana pratica
uma tradição hindu. Originalmente, três divindades hindu (Brahma, Vishnu e
Shiva) eram adoradas, porém hoje em dia as tradições relacionadas a Vishnu e Shiva
apresentam mais adeptos que as relacionadas a Brahma.
É interessante observar que o Vishnuísmo abarca o conceito do avatar, no
qual acredita-se que o Vishnu se manifesta no mundo sob diferentes modos. Os
seguidores da tradição Vishnu comumente acreditam que o Buda era o nono avatar
ou manifestação de Vishnu, indicando que sua tradição incorporou Buda como
divindade em sua própria crença. Consequentemente, muitos indianos reverenciam
imagens de Buda, mesmo não sendo budistas.
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A imagem do Trimurti de três faces, com 6 metros de altura, nas cavernas da
Ilha de Elefanta representa a trindade de Shiva, Vishnu e Brahma
Altar interno que
abriga o Shiva-linga
Cavernas da Ilha de Elefanta
A Ilha de Elefanta se localiza no Porto de Mumbai, a aproximadamente 10 km ao
leste da cidade de Mumbai, no estado indiano de Maharashtra. A ilha consiste de um
grupo de cinco cavernas que abrigam templos dedicados à deusa hindu Shiva e um
segundo "grupo" de duas cavernas escavadas em rocha seguindo a tradição budista.
A ilha era originalmente chamada Gharapuri, mas os portugueses a chamaram de
Elefanta quando viram uma grande estátua desse animal logo na entrada da ilha, e o
nome ficou. Em 1987, recebeu o título de Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.
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V Básico da doutrina 2
Imponentes colunas
ornamentam o interior
do complexo de
cavernas.
O Portal da Índia (à direita)
e o Hotel do Palácio de Taj
Mahal (à esquerda) vistos do
Porto de Mumbai.
As cavernas parecem ter sido escavadas nas rochas basálticas entre os séculos VI e
VIII. A imagem mais famosa nas primeiras cinco cavernas é a de um relevo gigantesco
de mais de 6 metros de altura, de uma Shiva de três faces conhecida como Trimurti1,
cada uma de suas faces representa um dos três aspectos essenciais de Shiva: criação,
proteção e destruição. À medida que se avança na visita às esculturas dedicadas a
Shiva, uma escultura incomum, em geral considerada um linga, pode ser visto sobre
a cabeça do relevo de Shiva. Um linga é uma representação simbólica de Shiva e
representa sua energia criativa. Não é surpresa alguma encontrar anúncios e convites
de casamento no local, pois é uma forma de pedir que os noivos sejam abençoados.
Locais sagrados no extremo Sul da Índia
Kanyakumari é uma cidade no estado de Tamil Nadu, localizada no extremo Sul do
subcontinente indiano. As raízes ancestrais da área garantem que ela seja rica em
contos mitológicos e religiosos. As pessoas costumam visitar o local quando desejam
se dedicar a um estilo de vida espiritual ou religioso. Por exemplo, o famoso Swami
Vivekananda,2 orientado por seu guru a fazer uma peregrinação até o local.
1 Trimurti (que significa “três formas” de Deus), também conhecida como a Trindade Hindu, é uma representação
iconográfica de Deus no Hinduísmo, retratando a figura do divino como uma figura de três rostos. As três faces
são normalmente associadas a Brahma (a origem ou criador), Vishnu (a preservadora) e Shiva (a destruidora e
transformadora), porém também acredita-se que representem diferentes aspectos de uma divindade suprema.
2 Uma figura essencial na introdução da filosofia indiana ao mundo ocidental, creditada com grande conscientização
entre diferentes fés e que dá ao Hinduísmo o status de grande religião no âmbito mundial, no fim do século XIX.
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Multidões se reúnem para saudar o nascer do sol no Memorial de
Vivekananda; à direita, uma imagem de Swami Vivekananda orna o
interior do complexo do memorial.
É comum ver banhistas nas
águas sagradas do oceano.
O pôr-do-sol atrai ainda mais
multidões para a costa.
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V Básico da doutrina 2
A localização de Kanyakumari na confluência entre o Oceano Índico, o Mar Arábico
e o Oceano Pacífico permite ao turista ver o sol nascer do mar ao amanhecer e se pôr
à noite. Entre os pontos turísticos mais famosos estão o Memorial de Vivekananda,
onde acredita-se que Swami Vivekananda meditou durante três dias; e a estátua de 41
metros do celebrado poeta e filósofo Thiruvalluvar, que possivelmente foi um asceta
Jainista, mas a ordem cronológica de sua vida não é muito clara. Estudiosos supõem
que ele viveu em um período entre os séculos I a.C e o século VIII d.C.
Em resumo, a área de Kanyakumari tem sido considerada há muito tempo um
centro de atividades sagradas e fonte de inspiração religiosa. Os Vedas e as tradições
religiosas que derivam dela são influentes no sul da Índia desde tempos ancestrais,
e o hinduísmo tântrico também têm exercido bastante influência. Ainda é comum
nos dias de hoje ver pessoas em peregrinação, orando ao nascer ou pôr do sol, ou
realizando abluções no oceano.
A imensa escultura em rocha do asceta jainista Bahubali
Um local sagrado jainista importante está localizado na cidade de Shravanabelagola,
no estado indiano de Karnataka, aproximadamente a 120 km de Bangalore. O nome
da cidade significa algo como "Lago Branco de Shravana" e pode se referir a um lago
localizado no meio da cidade. Foi um grande centro espiritual entre 350 e 1000 d.C.,
e segundo a tradição, Chandragupta (avô do Rei Ashoka) morreu no local. A cidade
também abriga a estátua de Gommateshvara Bahubali, esculpida no século X, e que
é um dos destinos mais importantes para peregrinos jainistas. Segundo as escrituras
O lago abaixo foi a fonte de inspiração para o nome
Shravanabelagola, o “Lago Branco de Shravana.”
O calor intenso e o grande
número de degraus são
uma prova de resistência
para os mais corajosos que
optam por subir para ver
o monólito de pedra do
asceta jainista Bahubali.
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Monte Vindhyagiri, lar do
monumento de pedra de
Bahubali, vista da montanha
adjacente de Chandragiri; nela
está uma estátua de pedra não
finalizada de Bharat, irmão mais
velho de Bahubali.
A imagem em monólito de Bahubali é
o centro das atenções.
jainistas, Bahubali foi a primeira pessoa neste ciclo de existência a alcançar a libertação
do ciclo de morte e renascimento. A estátua de 18 metros de Bahubali está localizada
na Montanha de Vindhyagiri. Aqueles que desejam prestar suas homenagens devem
tirar os calçados e subir descalços os degraus que levam à estátua.
O Jainismo se tornou conhecido na mesma época que o Budismo. Um dos Jainistas
mais famosos era contemporâneo do Buda Shakyamuni, seu nome era Mahavira.
Ele praticava austeridades extremas enquanto passava por florestas e locais ermos.
Acredita-se que ele alcançou a iluminação e a libertação espiritual, é classificado como
o 24º tirthankara, ou ser iluminado, logo após Bahubali. Apesar de os ensinamentos
budistas serem semelhantes em muitos pontos, os jainistas são mais conhecidos por
seu extremo ascetismo do que pela busca do caminho do meio. Mais do que isso,
enquanto imagens sagradas retratam Buda com trajes, as imagens sagradas jainistas o
representam sem roupas, pois ascetas jainistas normalmente não se vestem.
A comunidade jainista pode ser dividida em dois grupos: os Digambara e os Svetambara,
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V Básico da doutrina 2
ou "aqueles que ficam nus" e "aqueles que vestem branco". Acreditava-se que qualquer
tipo de bem material, incluindo roupas, aumentava o apego por objetos mundanos, o que
consequentemente reduzia a possibilidade de alcançar a libertação espiritual. Todos os
ascetas desse grupo são homens. O segundo grupo acredita que as roupas não impedem
a busca pela liberação e tendem a usar mantos brancos sem costura. Nesse grupo, tanto
homens quanto mulheres podem adotar um estilo de vida asceta.
Com o desaparecimento do budismo na Índia, os praticantes jainistas ali
permaneceram. Apesar do número geral de praticantes ser pequeno, muitos
são afluentes, e isso permitiu que eles construíssem e preservassem grandes
templos e estatuários.
Nas próximas edições da Ecos abordaremos o declínio do Budismo na
Índia e analisaremos se a religião pode voltar a ter uma presença significativa
no país novamente.
Asceta jainista
Digambara, que abdica
de bens materiais e não
usa roupas, carregando
consigo apenas uma
vassoura de penas de
pavão (para livrar seu
caminho de insetos sem
ter que esmagá-los) e
uma cabaça de água.
A cada 12 anos, milhares
de devotos congregam
aqui para realizar a
Mahamastakabhisheka,
uma cerimônia
espetacular na qual a
estátua é coberta por
leite, cúrcuma, açafrão,
moedas de ouro e outras
oferendas. A cerimônia
foi realizada pela última
vez em 2006, e a próxima
será realizada em 2018.
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Básico da doutrina
3
V
Girando a Roda:
Histórias de Buda
O Cesto de
Cobras Venenosas
Essa é uma história contada há muito tempo, na qual o Buda Shakyamuni oferecia
o último dos seus ensinamentos no bosque de salas. O Nobre respondia a uma
pergunta do Bodhisattva Rei Altamente Virtuoso e usou a seguinte parábola.
Certa vez, um rei exigiu que quatro cobras venenosas fossem colocadas em
uma cesta. Em seguida, ele a entregou a um de seus servos e ordenou que tomasse
conta delas. O rei disse: “Às vezes as cobras ficarão ativas e às vezes descansarão,
porém você precisa observá-las o tempo todo. Limpe-as uma a uma usando um
tecido macio. Se por acaso maltratar as cobras e despertar sua ira, será executado
publicamente de acordo com a lei. Lembre-se bem disso.”
O servo sentiu-se incapaz de atender a ordens tão impossíveis, mesmo se
tivesse muitas vidas para tal. Quanto mais ele pensava sobre a situação, mais
assustado ele ficava, até que finalmente jogou a cesta fora e saiu correndo para se
salvar. Imediatamente, o rei convocou cinco homens selvagens. Eles sacaram suas
espadas e seguiram o servo, que escapou, correndo sem parar até chegar a um local
muito distante.
Quando ele achou que finalmente havia se livrado daqueles que o perseguiam,
ele parou para descansar. Nesse exato momento, um estranho com uma espada
escondida sob seu manto se aproximou e falou amigavelmente: “Você parece
estar passando por dificuldades, meu amigo, mas este não é um bom esconderijo.
Por que não me acompanha até a cidade? Lá é muito mais seguro. Você poderá
encontrar um bom trabalho e ter a vida que quiser.”
Para o servo do rei, havia algo de suspeito naquele estranho, por isso rejeitou
seu convite. Mais uma vez, correu o mais rápido que pôde até enfim chegar a um
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V Básico da Doutrina 3
Antigo norte da Índia
e as viagens de Buda
Cordilheira do Himalaya
CLÃ DOS SHAKYA
Monastério de Jetavana
Parque dos Cervos
Monastério de Venuvana
AFEGANISTÃO
PAQUISTÃO
Monte
Gayasisa
TIBETE
NEPAL
BUTÃO
ÍNDIA
BANGLADESH
OCEANO
ÍNDICO
Montanha
SRI LANKA
Reino
Rio
Nomes dos locais
Capital
Design by Brechtje Zoet-Viasus [BZdesign]
pequeno vilarejo onde achou que ninguém fosse capaz de encontrá-lo.
Seu plano era encontrar um morador solidário que o hospedasse por aquela
noite, mas todas as casas estavam vazias, e por mais que procurasse, não encontrou
sinal de vida. Os pratos e panelas das casas estavam todos vazios, sem uso.
Completamente perdido, ele se sentou e tentou bolar um plano. De repente, ouviu
uma voz: “Ei, você aí! Este vilarejo está abandonado. Ninguém mora aqui.
Quando a noite chegar, uma gangue de seis ladrões implacáveis
virá, e se o encontrarem aqui, o exterminarão.”
Ao ouvir aquela voz, o medo voltou intensamente e o
servo fugiu do vilarejo o mais rápido que suas pernas
cansadas o permitiram. Em sua fuga, chegou a um
grande rio que não podia atravessar. Ele permaneceu
na margem e observou o horizonte. O rio era muito
largo e profundo, com uma correnteza fortíssima.
Ele se alongava por quilômetros em ambas as
direções, era impossível contorná-lo.
O homem se desesperou. Se ele continuasse
onde estava, a gangue de seis ladrões cruéis ou
os cinco homens enviados pelo rei seguiriam seu
rastro e o matariam. Se ele voltasse, poderia ser
executado a mando do rei ou seria envenenado
pelas cobras ao tentar cuidar delas. Sua única
opção era cruzar o rio, portanto começou
a procurar galhos, varas e gravetos em suas
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margens, além de pedaços de cipó para juntar tudo. Ele procurou por tudo que
pudesse ser usado na construção de uma balsa.
Uma vez pronta, a balsa parecia totalmente inadequada para um rio tão largo,
profundo e com uma correnteza tão forte, mas ele se convenceu de que deveria
tentar, dizendo a si mesmo: “Prefiro me arriscar no rio do que cair nas mãos
dos ladrões, dos homens enviados pelo rei ou ser atacado por cobras venenosas.
Lá vamos nós!”
Ele colocou a jangada no rio, subiu nela e começou a remar desesperadamente.
Para sua surpresa, começou a travessia. Ao passo que avançava, conduzido pela
implacável correnteza, pensou muitas vezes que estava perdido, mas apesar do
cansaço, não desistiu. Continuou, remando com toda a força, até que finalmente
chegou à outra margem, quase que por milagre. Ele finalmente estava em um lugar
calmo onde não sentia mais medo de ser perseguido. Pela primeira vez, sentiu uma
grande tranquilidade, na mente e no coração.
Quando os discípulos de Buda souberam que esse homem encontrou um porto
seguro, respiraram aliviados. O Nobre então concluiu: "Todos vocês são como esse
homem da história. Sabem por quê?”
“Talvez, mestre, mas será que poderia nos explicar com mais detalhes? O que devemos
aprender? Como podemos superar nossas dificuldades, ansiedades e sofrimentos?”
O Nobre começou a explicar:
Ouçam com atenção: a cesta representa nossos corpos. As quatro cobras
representam os quatro elementos da natureza: terra, água, vento e fogo. Nossos
corpos são formados por esses quatro elementos, porém quando não somos capazes
de manter o equilíbrio deles, podemos adoecer e morrer. Mesmo se cuidarmos
bem deles, nossos corpos podem ter uma falsa percepção, desenvolvendo apegos
que nos distanciam do caminho do Darma. É a mesma sensação de não saber se as
cobras irão morder, apesar de cuidar delas o tempo todo.
Os cinco homens contratados pelo rei representam as cinco funções ou
os aspectos que constituem o ser consciente, chamados também de "cinco
agregados" (Sânsc.: skandha). São eles: a forma, a sensação, a percepção, a vontade
e a consciência. Se nos entregarmos a eles completamente, odiaremos fazer o
bem e teremos prazer em fazer o que é errado. Se apenas seguirmos o que ditam
essas funções limitadas, não saberemos o que é compaixão e amor benevolente.
Deixaremos espaço para falsas paixões que nos farão agir errado, causando dor e
sofrimento aos outros.
O estranho amigável que o convidou para acompanhá-lo até a cidade representa
as tentações que podem desviar da nossa busca pelo verdadeiro caminho. O vilarejo
deserto representa os seis órgãos sensoriais: os olhos, os ouvidos, o nariz, a língua,
o corpo e o intelecto ou mente pensante (Sânsc.: manas). Lembrem-se de que estes
são meros órgãos, sem substância. Os seis ladrões representam as funções desses
seis sentidos: a visão, a audição, o olfato, o paladar, o toque e o pensamento.
Se ladrões entram em um vilarejo abandonado, podem fazer o que bem
entenderem. Assim funcionam nossos sentidos, que são simplesmente produtos
de órgãos físicos, reagindo como bem entendem diante de todas as atrações,
visões, sons, cores e estímulos presentes em nosso mundo. Eles nos fazem ter
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V Básico da Doutrina 3
falsas paixões e se deixar levar pelo prazer, sem pensar no bem-estar dos outros.
Isso pode causar um grande dano se for deixado de lado.
O grande rio se refere às desilusões e desejos mundanos. Da mesma forma que
uma forte correnteza leva tudo em seu caminho, as pessoas também podem ser
arrastadas por paixões mundanas e falsas, perdendo todo e qualquer mérito que já
conquistou na vida.
Para concluir, a balsa é o Buda/Darma. É impossível atravessar uma correnteza
rápida, mas é possível usando uma balsa. Da mesma forma, se confiar no Buda/
Darma, poderá atravessar o imenso e assustador rio da desilusão.
O esforço de remar para levar a balsa adiante é como um praticante em
treinamento seguindo com determinação em sua prática do Caminho Óctuplo1
e das Seis Paramitas.2 Confie em sua natureza búdica, busque refúgio no Buda/
Darma e pratique com determinação. Sem falta, chegará à outra margem, a
terra do nirvana. Ao chegar nesse estado, as pessoas enfim serão libertas dos
apegos, da dor, da ansiedade e do sofrimento. Encontrarão a paz de espírito e
a felicidade absolutas.
Portanto, aqueles que estiverem em busca do caminho precisam aprender a
reconhecer os obstáculos escondidos nos nossos sentidos e percepções. Evitar o
apego e a ganância. Lembrem-se de que a fuga nesse caso não significa negligência,
mas uma prática tenaz do Caminho Óctuplo e das Seis Paramitas. Em sua busca,
não deixem que obstáculos ou desejos egoístas desviem vocês de seus caminhos.
Nunca voltem atrás. Acreditem no caminho para a budeidade e em sua natureza
búdica, continuem seguindo em frente. Desse modo, alcançarão o estado de
permanência, felicidade, eu verdadeiro e pureza.
1 O caminho budista de libertação do sofrimento. Trata-se de um caminho para dominar a visão correta, a intenção
correta, as palavras corretas, a ação correta, o modo de vida correto, o esforço correto, a atenção correta e a
concentração correta. Praticar esse caminho é trilhar o caminho do meio.
2 As seis “perfeições” ou ações que um bodhisattva deve dominar para realizar a “travessia” para o despertar espiritual
e a iluminação. São: doação, disciplina moral, perseverança, esforços diligentes, meditação e sabedoria.
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Na próxima edição da Ecos:
As origens do Budismo Esotérico
Acredita-se que os elementos místicos do Budismo Esotérico derivam das tradições
espirituais indianas. No próximo volume da Ecos, seção sobre a Transmissão do Budismo,
analisaremos o nascimento e o desenvolvimento do Budismo Esotérico, viajando para
o estado indiano de Odisha em busca das origens de dois elementos fundamentais da
tradição budista esotérica do Shingon: o Sutra Mahavairochana e sua representação visual,
a Mandala do Reino do Útero.
Em caso de dúvidas ou comentários sobre o conteúdo da Ecos, por favor, acesse o site:
oyasono.org (em inglês), onde você pode encontrar informações para contato. O nome de
usuário é “gassho” e não é necessário senha.
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