REVISTA 119 REFERENCIA

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REVISTA 119 REFERENCIA
ARTIGOS
DESCRIÇÃO DE TEMPERATURAS
DE PRODUTOS CÁRNEOS, EM
AÇOUGUES DO MUNICÍPIO DE
RIBEIRÃO PRETO, SP.
Flavia Fulukava do Prado médica veterinária.
Dario Valente
Carlos Alberto d’Avilla de Oliveira
Divisão de Vigilância Sanitária, Secretaria Municipal de Saúde
de Ribeirão Preto.
[email protected]
R ESUMO
A cadeia de produção da carne tem
como importante ponto crítico o controle da temperatura de armazenamento. Em açougues, esse controle é de fundamental importância para se manter o
padrão higiênico sanitário e o valor
nutritivo dos produtos. Neste trabalho
foram medidas e descritas as temperaturas dos produtos cárneos dos açougues no município de Ribeirão Preto
(SP). Dos 336 açougues cadastrados na
prefeitura do município foram sorteados 95 estabelecimentos. As temperaturas medidas estavam, na maioria dos
casos, superiores ao limite preconizado pelos estudos técnico-científicos e
legislação vigente.
Higiene Alimentar — Vol. 23 — nº 174/175
Palavra chave: Carne de açougue.
Temperatura de armazenamento. Segurança alimentar.
S UMMARY
The meat production chain has in
temperature and storage control an important critic point. At butcher shops,
this control is fundamentally important
to keep the hygienic regulation and the
nutritive value from the products. In this
survey the temperatures of meat storaged in butcher shops of Ribeirão Preto
city (SP) were measured and described.
From 336 regulated butcher shops, 95
were randomically chosen. Measured
temperatures were often higher than the
announced limits detemined by technic-
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scientific estudies and present legislation.
Keywords: Meat of bucther shops. Storage temperatures. Food safety.
I NTRODUÇÃO
setor varejista da cadeia de
distribuição de alimentos é
diversificado e podem-se
observar várias lojas retalhistas especializadas como os açougues. Este, o último elo na cadeia comercial entre o produtor e o consumidor final da carne representa o ponto extremo em que o
controle sanitário deve ser aplicado ao
manuseio e armazenamento dos produtos para garantir a segurança higiênico–sanitária dos alimentos (APPCC
1997). As características intrínsecas dos
produtos cárneos como o pH, a umidade e alto valor protéico favorecem a
multiplicação bacteriana, além de outras contaminações, tornando-a um importante veículo na transmissão de doenças – Doenças Veiculadas por Alimentos (DVA). Em seu processamento, várias são as etapas que representam alta possibilidade de contaminação
principalmente microbiana. O desenvolvimento e a vida microbiana sofre
forte influência de vários fatores, sendo um deles, a temperatura (FRANCO,
et al. 1996) que deve ser monitorada
constantemente (AKIMOTO, 1996)
pois a conservação inadequada favorece o crescimento e a multiplicação de
microorganismos, além do desencadeamento de outras reações que tornam o
produto impróprio para o consumo
(GONÇALVES, 1998).
A refrigeração é um processo que
tem como objetivo manter a qualidade da carne do abate até seu consumo (EVANGELISTA, 1994), trazendo poucos efeitos adversos sobre o
sabor, textura, propriedades nutritivas
e provoca poucas alterações nos alimentos (FONSECA, 1984). Os pro-
O
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dutos cárneos in natura devem ser
mantidos sob refrigeração até a temperatura de 4ºC por um período máximo de 72 horas (SÃO PAULO,
1999). Segundo Codex Alimentarius
as carnes refrigeradas devem ficar
entre 0ºC e 2ºC, as congeladas entre
–25ºC e –18ºC e os embutidos entre
0ºC e 3ºC (AMARAL, 2001). A temperatura de refrigeração não é suficiente para a conservação por períodos
que ultrapasse algumas semanas
(Evangelista,1994), utilizando-se então o congelamento para tal fim. De
acordo com Hazelwood (1994) e
ALIMENTOS... (1990), a temperatura ideal de armazenamento para a
carne congelada é de –18ºC havendo
tolerância até -12ºC durante um curto lapso de tempo, por exemplo, des-
carregamento após transporte de carne para um estabelecimento.
Este trabalho teve por objetivo descrever as temperaturas medidas dos produtos cárneos acondicionados em equipamentos de conservação pelo frio –
balcão frigorífico, geladeira frigorífica,
freezers, câmara de refrigeração e de
congelamento - dos açougues, no município de Ribeirão Preto (SP).
peraturas foram medidas de dois ou três
produtos cárneos armazenados em um
mesmo equipamento frigorífico e resultou num valor médio. Para a descrição
das temperaturas encontradas utilizouse o Intervalo de Confiança do erro,
com fator de correção, e intervalo de
classes.
MATERIAL E M ÉTODOS
Todos os açougues tinham balcão
frigorífico para exposição e freezers
(Tabela 1). Nesta época, o governo
federal implantou um movimento de
economia de energia, multando os
consumidores que ultrapassassem certa carga energética (JORNAL DO
BRASIL 2001). Isso fez com que
muitos estabelecimentos mantivessem alguns equipamentos desligados,
não os utilizando ou então desligando-os durante um período de tempo
e, assim, o manejo dos produtos pode
ter sido prejudicado.
As temperaturas médias das carnes
estavam muito acima do indicado para
sua conservação (Figura1 e Tabela 2)
Todos os desvios padrão estão amplos, demonstrando grandes variações
nas temperaturas amostradas (Figura 1).
Segundo Mendes (2001), em estudo sobre as condições de comercialização da carne em supermercados da cidade de Salvador, foi possível constatar o mau funcionamento dos equipamentos refrigerados assim como a falta de controle adequado das tempera-
Foram sorteados 95 açougues e/ou
supermercados, representando 28% dos
336 estabelecimentos cadastrados pela
prefeitura de Ribeirão Preto naquele
ano. O termômetro utilizado foi de superfície (digital portátil - Raytec), emprestado da própria prefeitura. As tem-
Figura 1 – Média e desvio padrão das temperaturas medidas nas carnes, separadas
por equipamentos dos açougues em Ribeirão Preto (SP) no ano de 2001
R ESULTADOS E D ISCUSSÃO
Tabela 1 – Quantidade de equipamentos para a conservação da carne, dos açougues visitados em Ribeirão Preto, 2001.
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turas de conservação, o que coloca em
risco a qualidade dos produtos e a sua
utilização.
Nos balcões frigoríficos, locais de
exposição das carnes, 35% das temperaturas medidas estavam entre 6,7 e
9,7ºC. De acordo com Fonseca (1984),
a conservação pelo frio retarda ou paralisa o crescimento microbiano, devendo ser mantida em torno de 0ºC e no
máximo 4ºC. Doze por cento (10), no
intervalo de classes, mostraram temperaturas em torno de 9,8ºC a 12,8ºC, que
são temperaturas muito altas, comprometendo seriamente a qualidade da carne aumentando o risco provável da
ocorrência de um crescimento bacteriano indesejável como Yersínia enterocolítica, Clostridium, Salmonellas, Stapphylococus , de acordo com Franco
(1996).
Nas geladeiras frigoríficas, mais da
metade (55%) dos produtos cárneos
estavam com temperaturas entre 9ºC e
15ºC, sendo muito alta para a função
de conservação para consumo rápido.
A refrigeração não impede o crescimento de bactérias (GRANER, 1984), sendo que as temperaturas demonstradas
apontam para um provável crescimento microbiano. Setenta e dois por cento
das temperaturas medidas nas câmaras de congelamento apresentaram
temperaturas entre –12ºC e –2,8ºC, indicando que a maioria das carnes amostradas estão congeladas, pois o ponto
de congelamento fica em torno de -2º
C, mas estão fora das especificações
sendo que a carne bovina e de frango
podem ser armazenadas por até 12 meses à temperatura de -18ºC (GRANER,
1984) e nenhum produto apresentou a
Tabela 2 – Médias das temperaturas medidas dos produtos cárneos separadas por
equipamentos dos açougues de Ribeirão Preto -SP 2001.
Figura 2 – Freqüência de produtos adequados e na adequados relacionados aos
padrões de temperatura durante a armazenagem, em equipamentos de açougues,
Ribeirão Preto - 2001
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temperatura indicada. Uma alta porcentagem (28%) estava entre –2,7ºC e 0ºC,
diminuindo assim significativamente o
seu tempo de estoque, além de poder
ocorrer o crescimento de microorganismos psicrófilos (ALIMENTOS... 1990).
No intervalo de Confiança, as temperaturas estão mais altas do que o indicado para carnes congeladas, sendo
que em alguns casos, apresentaram temperaturas positivas. O Instituto Internacional del frio (ALIMENTOS...
1990), indica que as dificuldades em
manter a temperatura do produto a 18ºC estão relacionadas a variáveis
como: nível de carga – utilização dos
equipamentos acima da capacidade (volume), abertura dos equipamentos devido à manipulação excessiva dos produtos por funcionários e consumidores.
Estes problemas foram observados durante as visitas aos estabelecimentos.
Os freezers são utilizados para o
ultra congelamento - máximo de -18º
C -, e as temperaturas encontradas estão bem acima deste valor. Foi constatada a presença de carne não congelada, e 9% estavam entre 0,9ºC e 11ºC.
Foi visto uma má utilização destes equipamentos frigoríficos, que estavam na
maioria das situações, superlotados,
sujos e por vezes com borrachas de vedação quebradas e termômetros defeituosos, situações que dificultam a manutenção da temperatura ideal, concordando com ALIMENTOS (1990). Foi
observada uma prática comum adotada por muitos açougues: as carnes que
deveriam estar congeladas eram resfriadas e as com indicação para resfriamento estavam congeladas. Isso foi visto
com os frangos, que estavam na grande maioria, fora da especificação feita
pelo fabricante. Apenas 12% dos freezers estavam limpos, concordando com
o a pesquisa realizada em Uberaba, em
que foi constatada a péssima higienização dos açougues e supermercados
além da observação de que o freezer
mantinha a temperatura de 3ºC, muito
acima do determinado pela legislação
(CHESCA, 2001).
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A maioria das temperaturas encontradas (50%), nas câmaras frigoríficas de refrigeração estavam entre
4,2ºC a 13,4ºC, ou seja, acima do recomendado. Grande parte destes equipamentos, 41%(18), continham produtos
que estavam na faixa de 1,1ºC a 4,1ºC,
sendo esta a temperatura aceitável para
a conservação dos produtos cárneos
refrigerados. Segundo Oliveira, (2005),
12,5% dos açougues do município de
Ouro Preto, estavam com as temperaturas fora dos padrões para garantir a
segurança alimentar. Em um levantamento realizado em Uberaba (CHESCA, 2001), todos os açougues visitados estavam com a temperatura da câmara fria acima do indicado para a segurança do produto. Num estudo em
Salvador (GOES, 2004), 28,8% dos
produtos cárneos estavam fora da temperatura especificada pelo fabricante.
Bryan (1978), apresentou as condições
mais freqüentemente incriminadas
como foco da contaminação dos produto causadores de toxiinfecção alimentar e 46% dos surtos se deu devido às refrigerações inadequadas. De
acordo com Moreno (1991), um dos
defeitos e práticas mais habituais, encontrados nos estabelecimentos, é o
armazenamento em condições inadequadas de temperatura e umidade.
As temperaturas estavam acima do
previsto para o bom acondicionamento das carnes na grande maioria dos
equipamentos, talvez devido ao mau
manuseio destes já que foram constatadas nos locais uma ruim organização
e higienização dos equipamentos. A
forma como trabalham o armazenamento dos produtos-congelamento/descongelamento/carne resfriada -, demonstra um despreparo dos comerciantes/manipuladores, sobre os riscos
que tais práticas podem trazer ao consumidor e isso reforça a necessidade de
maiores instruções sobre manipulação
segura dos alimentos cárneos. Neste
ano de 2001, houve o “apagão”, em que
ficou previsto uma multa as pessoas que
utilizassem a energia – quando passaHigiene Alimentar — Vol. 23 — nº 174/175
va certos patamares, o que pode ter alterado os padrões normais que poderiam ser encontrados se o trabalho fosse feito em outra época. Preconiza-se a
atenção à questão educacional, assim
como já dito noutros artigos, mas vale repensar valores culturais e hábitos, para que
mudanças sejam realmente efetivadas
garantindo a segurança alimentar.
R EFERÊNCIAS
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