i jornadas de segurança interna

Transcrição

i jornadas de segurança interna
I JORNADAS
DE SEGURANÇA INTERNA
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
FICHA TÉCNICA
Edição
Ministério da Administração Interna
Coordenação Técnica
Direcção Geral de Administração Interna
Design
silva!designers
Revisão de textos
Rita Brito
Helena Soares
Impressão
Europress
Tiragem 1.000 exemplares
ISBN 978-989-95928-4-1
Depósito Legal 318407/10
NOTA DO EDITOR
Os textos da presente colectânea resultam, na sua maioria, das versões finais entregues
pelos autores.
Contudo, nalguns casos, houve necessidade de recorrer ao registo áudio das Jornadas,
com a consequente adaptação à forma escrita.
PROGRAMA
DIA 26 DE MARÇO – 6ª FEIRA
09H00
RECEPÇÃO COM CREDENCIAÇÃO
E ACOLHIMENTO NA SALA DAS SESSÕES
10H00
SESSÃO DE ABERTURA
Intervenção de Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
15
PAINEL I: A VITIMIZAÇÃO,
ANÁLISE DE UM ESTUDO NACIONAL
19
Coordenação
Vasco Franco, Secretário de Estado da Protecção Civil
21
10H30
Oradores
Paulo Pereira de Almeida, ISCTE-IUL / Vice-presidente do OSCOT
A VITIMAÇÃO EM PORTUGAL – APRESENTAÇÃO
DE DADOS DE UM ESTUDO NACIONAL
Victor Garcia, INE
INQUÉRITOS DE VITIMAÇÃO NA EUROPA. A EXPERIÊNCIA
PORTUGUESA NO ÂMBITO DA INICIATIVA DO EUROSTAT
23
49
Debate livre
Intervalo (11h30 – 12h00)
12H00
PAINEL II: DELINQUÊNCIA JUVENIL
59
Coordenação
Mário Mendes, Secretário-geral
do Sistema de Segurança Interna
61
Oradores
Pedro Barreto, doutorando em Sociologia
APRESENTAÇÃO DO ESTUDO SOBRE DELINQUÊNCIA
JUVENIL, REALIZADO PELO INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA
DA UNIVERSIDADE DO PORTO
63
Maria João Leote de Carvalho, CESNOVA – Centro de Estudos de
Sociologia da Universidade Nova de Lisboa
A DELINQUÊNCIA JUVENIL PORTUGUESA EM PERSPECTIVA
71
Debate livre
13h00
Encerramento dos trabalhos da manhã
15H00
PAINEL III: PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE
E DO TERRORISMO
89
Coordenação
Júlio Pereira, Secretário-geral do Sistema
de Informações da República Portuguesa
91
Oradores
Nelson Lourenço, Reitor da Universidade Atlântica /
Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade
NOTAS SOBRE UMA ESTRATÉGIA EUROPEIA
DE PREVENÇÃO DO CRIME
José Manuel Anes, Presidente do OSCOT
O TERRORISMO COMO AMEAÇA GLOBAL
93
99
Debate livre
Intervalo (16h30 – 17h00)
17H00
PAINEL IV: SEGURANÇA COMUNITÁRIA,
MODELOS E PRÁTICAS
Coordenação
Dalila Araújo, Secretária de Estado da Administração Interna
Oradores
Susana Durão, Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa
PATRULHAMENTO E PROXIMIDADE
Maria João Freitas, Vogal do Conselho
de Administração do IHRU
INICIATIVA BAIRROS CRÍTICOS: UM MODELO DE
INTERVENÇÃO INTEGRADA EM ÁREAS PROBLEMÁTICAS
Debate livre
18H00
Encerramento dos trabalhos do 1º dia
109
111
113
135
DIA 27 DE MARÇO – SÁBADO
09H00
RECEPÇÃO COM CREDENCIAÇÃO
E ACOLHIMENTO NA SALA DAS SESSÕES
9H30
PAINEL V: SEGURANÇA DOS CIDADÃOS, A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA
141
Coordenação
José Conde Rodrigues, Secretário de Estado
Adjunto e da Administração Interna
143
Oradores
Tenente-General Nelson dos Santos,
Comandante-geral da Guarda Nacional Republicana
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS: A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
Superintendente-Chefe Francisco Oliveira Pereira,
Director Nacional da Polícia de Segurança Pública
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS: A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Procurador Pedro do Carmo, Director Nacional
Adjunto da Polícia Judiciária
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS: A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
POLÍCIA JUDICIÁRIA
Manuel Jarmela Palos, Director Nacional
do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS: A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Vice-Almirante Silva Carreira, Director-geral
da Autoridade Marítima Nacional
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS: A CONTRIBUIÇÃO
DAS FORÇAS E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
AUTORIDADE MARÍTIMA NACIONAL
Amadeu Recasens i Brunet, Professor universitário
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA.
SIGNIFICADOS E ALCANCE
Intervalo (11h30 – 11h45)
145
149
151
153
157
163
11H45
PAINEL VI: ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA INTERNA
167
Coordenação
Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
169
Oradores
Mário Mendes, Secretário-geral
do Sistema de Segurança Interna
O RELATÓRIO ANUAL DE SEGURANÇA INTERNA EM 2009
Paulo Machado, Director-geral
da Administração Interna
PORTUGAL SEGURO: A ESTRATÉGIA
DE SEGURANÇA PARA PORTUGAL EM 2010
175
Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
EM JEITO DE ENCERRAMENTO
181
Encerramento das Jornadas
173
12
13
SESSÃO DE ABERTURA
Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
Uma primeira palavra acerca do significado destas primeiras Jornadas sobre Segurança Interna, do
Ministério da Administração Interna. Em 2008 decidimos apresentar, pela primeira vez, uma estratégia anual de segurança interna. Fizemo-lo porque não nos cabe apenas estudar e descrever a realidade.
O nosso estudo é interessado: pretendemos dar conta do estado do país em matéria de segurança, mas
temos também a pretensão de modificar a realidade, aumentar o nível de segurança, prevenir e reprimir
a criminalidade.
No ano de 2009, para além de apresentarmos, de novo, uma estratégia anual de segurança interna,
fizemos um balanço da estratégia do ano anterior. Quisemos prestar contas públicas das nossas políticas
de segurança. Este ano pretendemos alargar o debate de forma transparente, discutir com toda a sociedade civil a nossa política de segurança, e por isso aqui estamos para dar nota do estado de segurança
do país durante o ano de 2009, para fazer um balanço da estratégia de segurança que aplicámos neste
mesmo ano e para projectarmos a estratégia que elegemos para o ano de 2010.
Os temas sobre os quais nos vamos debruçar são da maior importância. Para além do debate geral
sobre segurança, policiamento, prevenção e repressão da criminalidade, vamos fazer a apresentação pública de um estudo de vitimização, estudo que correspondeu a um compromisso de uma estratégia anterior e que desenvolvemos numa parceria frutuosa com o ISCTE. Além disso, vamos ainda apresentar os
relatórios de um estudo sobre delinquência juvenil, este resultante de uma parceria com a Universidade
do Porto, e mais concretamente com a Faculdade de Direito dessa universidade.
Os participantes nesta conferência também nos oferecem todas as garantias. Quisemos fazer uma
mescla entre participantes institucionais, titulares do governo e dirigentes máximos dos serviços e forças de segurança – que dão a cara pelas suas políticas e pela actividade dos seus organismos – e professores universitários e membros de organizações não governamentais, que nos vão ajudar a percorrer
este caminho, um caminho de aprofundamento de um direito fundamental, previsto na constituição:
o direito à segurança. É um direito que corresponde simultaneamente a uma obrigação primordial do
Estado, directamente resultante do contrato social.
Neste estudo, que repito não é desinteressado, que tem como objectivo aprofundar a segurança e
melhor nos preparar para prevenir e reprimir a criminalidade, nós temos sempre presentes três grandes
objectivos estratégicos. Diria que são praticamente objectivos permanentes do Ministério da Administração Interna.
O primeiro é prevenir e reprimir a criminalidade, incluindo naturalmente a criminalidade geral, mas
dando especial destaque à criminalidade violenta, que de forma mais agressiva põe em causa pessoas e
bens. Também é nossa preocupação acrescida a prevenção da criminalidade organizada e do terrorismo.
O segundo é conseguir o aumento dos níveis de segurança, incluindo a segurança subjectiva, que
também é um bem para os cidadãos e que lhes permite um desenvolvimento mais livre.
E o terceiro é a promoção de uma segurança global integrada, porque, hoje em dia, a segurança, para
além de ordem pública e da prevenção e repressão do crime, é também, e cada vez mais, diria, protecção
civil perante os acidentes, os desastres e as grandes catástrofes naturais e ambientais que têm assolado
várias partes do mundo.
Para prosseguir estes objectivos, naturalmente, o Ministério da Administração Interna tem desenvolvido ao longo dos últimos anos uma estratégia coerente e continuada. Em matéria de prevenção e repressão da criminalidade, pretendemos reforçar a coordenação das forças e dos serviços de segurança.
Foi, nesse sentido, feita uma reforma da segurança interna, reforma esta que, por um lado, aumentou os
níveis de cooperação entre todos os serviços e forças de segurança e, por outro lado, reforçou a figura do
secretário-geral da Segurança Interna. Procurou-se, ainda, elevar os níveis de troca de informação útil
para a investigação criminal.
15
Pretendemos continuar a apostar nas equipas mistas. Como sabem, temos já em funcionamento várias equipas mistas de prevenção da criminalidade: duas na Área Metropolitana de Lisboa, uma que
foi recentemente criada no Algarve e outra que também está já a funcionar em Setúbal. Essas equipas
mistas de prevenção da criminalidade são da maior importância para associar o esforço de todas as forças e serviços de segurança, e para associar o esforço de ordem pública à própria investigação criminal.
Também é importante frisar que, neste âmbito, e tendo em conta a prevenção do terrorismo, já está a
funcionar a primeira equipa conjunta policial luso-espanhola, que vai ser subdividida, como foi anunciado pelo Conselheiro Mário Mendes, em dois subgrupos: um destinado à prevenção da criminalidade
organizada, e outro destinado à prevenção do terrorismo.
Ao nível da troca de informação, estamos a desenvolver um sistema integrado de informação criminal, num projecto apoiado pela UE, por fundos comunitários. Esse projecto é reconhecidamente da
maior importância. Todos os presentes sabem, e sabem de ciência certa, que hoje a troca de informação
relevante para a investigação criminal é condição do nosso êxito, porque, de forma assumida, desde o
ano 2000, figura em Portugal uma Lei da Organização da Investigação Criminal que reconhece competências diferenciadas às várias polícias: competências reservadas para investigação dos crimes mais graves e complexos à Policia Judiciária, competências genéricas à PSP e à GNR, competências específicas
ao SEF e a vários outros órgãos de polícia criminal.
Por isso, repito, é necessário que cada vez haja uma mais eficiente troca de informação. Por isso e por
uma outra razão: hoje em dia, é por vezes a investigação de crimes aparentemente menos graves que dá
a chave para a investigação dos crimes mais complexos. Assim se passa, por exemplo, com o fenómeno
do terrorismo, e a lei reconheceu-o ao incluir no conceito de terrorismo, por exemplo, crimes de falsificação que sejam instrumentais da actividade terrorista.
Também é necessário neste mundo global – e nesta Europa que criou um espaço de liberdade, segurança e justiça, que está a aprofundar – que a cooperação internacional seja cada vez mais efectiva,
mais estreita. E nós estamos efectivamente empenhados nessa cooperação. Estamos empenhados numa
cooperação ao nível da UE, com os nossos serviços e forças de segurança: participamos de corpo inteiro
na Frontex, a agência europeia de fronteiras, na Eurogendfor, na Germanderie Europeia e em todos os
organismos destinados a promover a cooperação policial. É preciso cooperar de forma cada vez mais
estreita, também, ao nível da CPLP, onde criámos um Fórum de Ministros e um Conselho dos Chefes de
Polícia, entre outros organismos de cooperação.
Também queremos reforçar o dispositivo. Temos apostado no recrutamento sucessivo para as forças de segurança, que é uma condição de revitalização dessas forças. No dia 24 deste mês assinei um
despacho conjunto com o senhor ministro de Estado e das Finanças1, que permitirá desenvolver um
procedimento em cada uma das forças de segurança, GNR e PSP, para o recrutamento global, em ambas,
de 2000 elementos ao todo.
Continuaremos a executar a Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança2, essa lei que nos tem permitido, nos anos mais recentes, um esforço bem sucedido de melhoramento das instalações das forças de segurança, de rearmamento das forças de segurança, com novas
pistolas de 9 mm e com coldres e coletes, e de modernização, com mais meios tecnológicos e mais meios
de comunicação.
Iremos sem dúvida continuar esse esforço de investimento nas forças e serviços de segurança, e no
âmbito ainda deste objectivo de prevenção e repressão da criminalidade, cabe referir a importância da
gestão e do controlo de fronteiras.
Não se pense que a pertença de Portugal a um esforço comum de liberdade, de segurança e de justiça
nos permite desvalorizar o esforço orientado para a gestão e o controle de fronteiras. O combate à criminalidade transnacional continua a constituir o objectivo primordial para nós. Em particular os tráficos:
tráfico de pessoas, de drogas e de armas estão na primeira linha das nossas preocupações, e a esse nível
contamos com uma cooperação internacional, em primeiro lugar com Espanha.
1 Ver Despacho n.º 6082/2010, de 7 de Abril.
2 Lei n.º 61/2007, de 10 de Setembro.
16
Recordo que nos tempos mais recentes criámos os centros de cooperação policial e aduaneira (CCPA)3
onde estão representados todos os serviços e forças de segurança dos dois lados da fronteira; contámos
com a cooperação europeia, sobretudo ao nível do Frontex, e com os desenvolvimentos tecnológicos
que têm sido feitos, através do nosso SEF, em parceria com a tecnologia e com a indústria nacional, e
que nos últimos tempos nos deu frutos como o passaporte electrónico português, o controle automático
de fronteiras rápido, o cartão de cidadão estrangeiro ou, mais recentemente, o sistema móvel de leitura
de identificação.
No plano do aumento da segurança, incluindo o aumento da segurança subjectiva, pretendemos continuar a desenvolver os programas de policiamento de proximidade. Devemos ter em conta que o conceito de policiamento de proximidade é hoje e cada vez mais um conceito polissémico, em sociedades
complexas desenvolvidas, como é hoje a sociedade portuguesa. Policiamento de proximidade não significa exactamente a mesma coisa nas grandes cidades e no interior, não significa exactamente a mesma
coisa nos bairros tradicionais e nos novos bairros, por isso precisamos de aprofundar este conceito,
precisamos de permitir que ele dê novas respostas, mas sempre com um objectivo presente muito claro
que é tornar a polícia mais próxima, mais presente, mais visível e sempre com a autoridade de Estado
necessária. Pretendemos envolver neste esforço, do policiamento de proximidade, as autarquias. Contamos muito com as câmaras, com as freguesias, para desenvolver este esforço; com as empresas, com
as universidades que têm saído da sua torre de marfim para fazer um estudo empenhado e orientado
para a defesa de direitos fundamentais; com as organizações não governamentais; e enfim, com todos
os cidadãos, porque o direito à segurança é um direito de todos e para todos e deve corresponder a um
esforço de toda a comunidade nacional.
Pretendemos igualmente, neste esforço de aumentar a segurança, incluindo os níveis subjectivos
de segurança, modernizar o sistema, recorrendo às novas tecnologias: à videovigilância, programa que
tem sido desenvolvido, sempre, em parceria com as autarquias; a grandes sistemas, como o CIDESP e
o CIVIC; a projectos inovadores, como o polícia automático, que permite o reconhecimento automático de matrículas; e também ao plano de geo-referenciação, que permite uma resposta mais rápida aos
fenómenos criminais. Continuaremos a desenvolver os contratos e os diagnósticos locais de segurança,
essa experiência pioneira que começámos a implantar no ano de 2008 e que se tem revelado um instrumento muito útil para promover uma maior segurança das comunidades. Pretendemos, enfim, celebrar novas parcerias, parcerias que nos permitam desenvolver projectos pioneiros no plano tecnológico,
como aquela que está prevista para um contrato de desenvolvimento de tecnologias inovadoras com
o Instituto Superior Técnico e com a Associação Industrial Portuguesa.
Em terceiro lugar, e quanto à promoção dessa segurança global que tem em conta a importância da
protecção civil e também da prevenção rodoviária, nós apostamos fortemente na prevenção e na planificação. Elaborar planos, como por exemplo o do risco sísmico, de resposta a grandes catástrofes, é
o primeiro passo para minorar os seus efeitos. Esperamos sempre que esses planos não tenham de ser
usados, mas é necessário possuí-los porque, nesta matéria, a prevenção é uma arma decisiva. Elaborámos nesta matéria, quero recordá-lo, uma directiva de multirriscos que tem em conta as várias dimensões da protecção civil e contamos nos próximos anos com o CRED, um esforço conjunto de verbas
comunitárias e nacionais, para modernizar decisivamente o sector da protecção civil.
Minhas senhoras e meus senhores, quis apenas descrever alguns projectos e ilustrar algumas ideias
que nos animam, mas afinal estamos apenas no princípio das jornadas de segurança interna. Jornadas em que vão participar, repito, elementos do governo, dirigentes de serviços e forças de segurança,
professores universitários e ilustres convidados de organizações não governamentais. Quero desejar a
todos os participantes, desejar a todos os nossos convidados, as maiores felicidades e muito êxito nestas
conferências.
3 Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, sobre Cooperação Transfronteiriça em matéria Policial e Aduaneira, assinado
em Évora, a 19 de Novembro de 2005. A regulamentação do funcionamento dos CCPA encontra-se fixada na Portaria n.º 1354/2008, D.R.
231, Série I, de 2008/11/27.
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PAINEL I:
A VITIMIZAÇÃO, ANÁLISE
DE UM ESTUDO NACIONAL
PAINEL I:
A VITIMIZAÇÃO, ANÁLISE
DE UM ESTUDO NACIONAL
Vasco Franco, Secretário de Estado da Protecção Civil
Neste primeiro painel iremos debruçarmo-nos sobre os inquéritos de vitimação e, em particular, sobre um
inquérito de vitimação realizado no nosso país. Há muito tempo que sou defensor da utilização deste tipo
de instrumento para melhor conhecer a realidade que temos de enfrentar em matéria de criminalidade.
Durante a década de 1990, fui dirigente e vice-presidente do Fórum Europeu para a Segurança Urbana, funções que me permitiram contactar com este instrumento, conhecer várias experiências da sua
utilização e perceber a importância que ele poderia ter.
Durante os anos 1990 e até 2001, sob a minha responsabilidade política, foram realizados três inquéritos na cidade de Lisboa, o último dos quais, em 2001. Este foi, certamente, o maior inquérito que se
realizou em Portugal, tendo sido efectuadas 24.000 entrevistas. O objectivo era podermos compreender
melhor como poderíamos utilizar todos os meios possíveis, incluindo a gestão urbana, para enfrentar as
questões da segurança.
Os inquéritos de vitimação são um instrumento que nos permite conhecer duas realidades que não
são visíveis através das estatísticas criminais. Por um lado, as chamadas “cifras negras”, aquelas ocorrências que não são participadas às forças policiais; por outro lado, o sentimento de insegurança, que
traduz como as pessoas sentem esta realidade.
Tenho reflectido sobre esta matéria, e escrito alguns textos, nomeadamente num dos primeiros números da revista Segurança e Defesa e também numa obra editada pela Almedina, em 2007, coordenada
pelo professor Bacelar Gouveia e pelo mestre Rui Pereira, presentemente ministro da Administração
Interna. Nessa ocasião, apresentei duas ou três observações sobre este instrumento, que sendo muito
útil, tem de ser visto, também, com alguma precaução. Os seus resultados não podem ter uma leitura
demasiado expedita e simplista.
Uma primeira indicação que me parece importante. Quando foi anunciado pelo senhor ministro da
Administração Interna, na Assembleia da República, que este estudo iria ser realizado, fiz uma intervenção no Plenário em que alertei para o facto de que em todos os países onde se realizam estudos desta
natureza – há várias décadas, nos Estados Unidos da América; há mais de vinte anos, em Inglaterra; em
França, mais ao nível das cidades; na Catalunha, com uma grande experiência que se estendeu à área
metropolitana também, há vários anos – os resultados são, invariavelmente, no mesmo sentido (e aquele, com 24.000 entrevistas que se realizou em Lisboa, também apontou nesse sentido). Vamos perceber
que cerca de dois terços das ocorrências identificadas pelas pessoas não foram participadas. Portanto,
isto não é uma realidade que surja apenas no nosso país ou que ocorra neste momento. No caso de Lisboa, eram exactamente 32,1% as ocorrências que tinham sido participadas.
Este primeiro dado é muito importante, mas, aprofundando a análise sobre esta realidade, também temos
que compreender que todas as ocorrências “mais graves” tendem a ter um elevado índice de participação.
Por outro lado, verifica-se um outro fenómeno, que tem a ver com a participação de algumas ocorrências “menos graves”, mas relacionadas com um contrato de seguro, que, portanto, levam à obrigatoriedade da sua participação.
É curioso verificar que, por exemplo, onde há uma maior taxa de não participação é num tipo de crime muito relacionado com os sentimentos. É o caso do “insulto na forma tentada” onde se encontra um
número esmagador de não participações.
Por outro lado, e numa segunda advertência, é importante que se compreenda que estamos a referir-nos a um instrumento que não pode ser confundido com as estatísticas. No fundo, estamos a tratar de
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sondagens, e as sondagens são úteis para complementar a informação estatística. De resto, o que é comparável são estatísticas com estatísticas e inquéritos com inquéritos.
Finalmente, uma terceira nota, que tem a ver com a questão dos sentimentos de insegurança. Aqui
estamos a abordar uma dimensão subjectiva do fenómeno da criminalidade e, naturalmente, ela tem de
ser vista desse prisma.
É muito útil percebermos como é que os cidadãos encaram a sua situação em relação ao ambiente em
que vivem e se se sentem seguros (ou não) nesse ambiente. No entanto, também é importante, como se
fez neste inquérito, cruzar as respostas que nos permitem perceber, de facto, a dimensão subjectiva da
própria resposta. Assim, temos respostas de pessoas que dizem sentir-se muito inseguras no país, mas
que se sentem bastante seguras no local onde vivem.
A primeira intervenção neste painel será a do professor Paulo Pereira de Almeida, professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, vice-presidente do Observatório de Segurança,
Criminalidade Organizada e Terrorismo, professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, professor convidado da Universidade Lusíada, coordenador nacional do primeiro
inquérito à vitimação e autor de várias obras sobre o tema de segurança interna, informação e organização. O professor Paulo Pereira de Almeida é colunista no Diário de Notícias, onde tem uma coluna
intitulada “Pensar na segurança”.
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A VITIMAÇÃO EM PORTUGAL:
APRESENTAÇÃO DE DADOS
DE UM ESTUDO NACIONAL
Paulo Pereira de Almeida, ISCTE-IUL; Vice-Presidente do OSCOT
1. Enquadramento internacional
A produção de estatísticas de crime e de justiça criminal, por Estado-membro da União Europeia, é relativamente recente. Aliás, as comparações entre países eram feitas apenas com base nas tendências do
crime e não por níveis de crime, pelo que os inquéritos à vitimação constituem um importante suporte
a este nível para orientação das políticas públicas de segurança.
Neste enquadramento realizou-se, em Julho de 2007, em Estocolmo, o Simpósio de Criminologia,
organizado pelo European Institute for Crime Prevention and Control, um organismo afiliado das Nações Unidas1. Reunindo a informação e os dados disponíveis no UNECE (United Nations Economic
Commission for Europe) e UNODC (United Nations Office for Drugs and Crime) sobre os inquéritos à
vitimação nacionais, de 2005, procurou chegar-se a um entendimento sobre as experiências dos diferentes Estados membros sobre a metodologia usada, instituições envolvidas e temas tratados no estudo
da vitimação na União Europeia. A conclusão inicial desta comparação internacional é a de que os inquéritos à vitimação variam consideravelmente de país para país.
O ICVS (International Crime Victimisation Survey) é tido como o mais consensual, uma vez que, entre 1989 e 2005, foi aplicado pelo menos uma vez em todos os Estados-membros da UE2. Em Inglaterra
e no País de Gales usa-se o BCS (British Crime Survey) de forma continuada. Na generalidade dos países
são realizados inquéritos “multi-purpose”, ou seja, com propósitos múltiplos, que acabam por conjugar
questões de várias áreas, assim como também questões relacionadas com o crime e o medo do crime
mas que, geralmente, não permitem uma análise aprofundada acerca da vitimação3. Conclusão: ficam
excluídas questões importantes, mas um inquérito não consegue satisfazer todas as áreas pertinentes.
No Relatório Final deste Encontro Internacional em Estocolmo é também abordado o estado da arte
e a metodologia empregue em estudos desenvolvidos em diversos países. A diversidade de inquéritos
à vitimação, crime e violência contra mulheres é explorada através de diversos artigos que mostram as
características de cada um deles. Os diferentes países apresentam inquéritos à vitimação distintos, embora ao nível metodológico se assemelhem, uma vez que já se procura alguma uniformização no sentido
de tornar os resultados comparáveis entre si.
Ao nível europeu, o EUROSTAT produz estatísticas sobre crime e justiça criminal desde 20044. Após
solicitação da UE, houve um momento de consulta aos Estados-membros, a fim de serem construídos
instrumentos europeus de recolha de informação a este nível. Daqui resultou uma decisão europeia,
“Developing a comprehensive and coherent EU strategy to measure crime and criminal justice” (de
2006), com um plano de acção incorporado para 2006-2010. Um dos pontos deste plano consistia na
elaboração de um módulo sobre vitimação, com a recolha de dados uniformizada, contribuindo para a
identificação de necessidades políticas e para a comparabilidade dos dados entre países.
1 Aromaa, Kauko e Markku Heiskanen (eds.) (2008), “Victimisation Surveys in Comparative Perspective”, papers from the Stockholm
Criminology Symposium – 2007, Helsinki.
2 E em todas as cinco vagas no Reino Unido, Holanda e Finlândia.
3 Refira-se que a metodologia usual de amostragem é “multistage probability sampling” (onde as variáveis de estratificação são usualmente
a área geográfica, grau de urbanização, sexo e idade), sendo a técnica de “simple probability sample” utilizada nos países nórdicos,
Alemanha, Hungria e Lituânia.
4 Geoffrey Thomas, Development of a EU Victimisation Module.
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A task force criada pela UNODC e UNECE elaborou uma base de dados com toda a informação sobre
inquéritos à vitimação já realizados, no sentido de vir a apoiar a concepção de uma metodologia adequada e flexível para os diferentes Estados-membros. Da decisão da Comissão, elaborada por um conjunto
de peritos, saíram algumas conclusões acerca da definição essencial dos indicadores e prioridades políticas a ser consideradas: tipo de crimes mais usual; novos tipos de crimes (não tradicionais); questões
genéricas sobre segurança; e medição da violência doméstica. Após este processo, constituiu-se um grupo de peritos em estatística para validar a implementação do módulo à vitimação, o qual foi criado, em
versão draft, pelo HEUNI e ainda sujeito a aprovação pela referida task force.
No caso dos Estados Unidos da América, o NCVS (National Crime Victimization Survey) constitui
a fonte primária de dados acerca da frequência, características e consequências da vitimação nos EUA.
O NCVS começou a ser aplicado em 1972, correspondendo a uma necessidade sentida pelas agências e
departamentos ligados à segurança, os quais consideravam as fontes das estatísticas dos crimes desadequadas para medir a extensão do fenómeno. Desde a sua primeira aplicação que o NCVS tem sofrido
inúmeras alterações, incluindo um profundo redesign em 1992, vinte anos após o seu início.
O NCVS é conduzido pelo U.S. Bureau of the Census, em colaboração com o Bureau of Justice
Statistics e o U.S. Department of Justice. O inquérito cobre mais de 50.000 agregados familiares, para
uma amostra de mais de 100.000 pessoas. Nesta metodologia, são entrevistados indivíduos com mais
de 12 anos, de seis em seis meses, e durante três anos; a primeira entrevista é feita presencialmente,
mas as seguintes já são feitas pelo telefone. De referir que um dado relevante dos inquéritos realizados é a sua progressiva adaptação às necessidades dos diferentes agentes envolvidos nas matérias
securitárias: o Bureau of Justice Statistics já conduziu – em conjunto com o COPS (Office of Community Oriented Policing Services) – Inquéritos à Vitimação específicos em 12 cidades seleccionadas;
além disso, já são também recolhidos pelo Emergency Room Statistics on Intentional Violence dados
sobre violência em salas de urgência de hospitais seleccionados; e também já é elaborado um National
Computer Security Survey, em colaboração com a National Cyber Security Division do Department of
Homeland Security e a RAND Corporation.
Como pode verificar-se a partir das diferentes experiências internacionais, as metodologias seguidas assemelham-se.
Importa, contudo, salientar a discrepância ao nível do desenvolvimento de pesquisas deste nível e do
seu reconhecimento enquanto ferramentas políticas essenciais em matéria de segurança e de prevenção
do crime. Independentemente de uma maior ou menor, melhor ou pior produção estatística, por parte
da polícia ou qualquer outra entidade, os resultados deste tipo de inquéritos permitem um conhecimento bastante mais aprofundado e profícuo para a decisão e desenvolvimento de políticas adequadas
que respondam às necessidades em matéria de crime e vitimação. Importa por isso, talvez, apostar em
estratégias de sensibilização a nível europeu até que consigamos chegar ao referido patamar de entendimento e uniformização possível, para que seja desenhado, eficaz e transversalmente, o mapa do crime,
da vitimação e da segurança a nível europeu.
Como indicadores-chave5 para uma análise de resultados sólida salientam-se, então, a extensão
do problema, a prevalência e a incidência do crime, bem como a severidade, baseada na frequência,
natureza e prejuízo/seriedade do crime. Ainda a ter em linha de conta o período de referência como
elemento essencial para comparações futuras e entre países, tal como a população-alvo do estudo,
que é peça basilar, e suas características: idade, situação conjugal, etc. A definição das categorias de
crime utilizadas é um ponto central para o conhecimento do fenómeno, senão mesmo o seu indicador
primário, a sua matéria-prima.
No caso de Portugal, o Programa do XVII Governo Constitucional colocou na agenda política a revitalização dos valores e princípios do Estado de Direito, considerando explicitamente a necessidade de
aprofundamento do regime dos direitos fundamentais, pedra de toque e garante dos valores essenciais
da democracia, e, ainda, a criação de condições de segurança das pessoas e comunidades, através de um
sério esforço de prevenção e combate à acção delituosa.
5 Sylvia Walby, From statistics to indicators: how to convert information from surveys into practical indicators.
24
O Governo considera, neste enquadramento, que a segurança – direito fundamental dos cidadãos e,
em simultâneo, obrigação essencial do Estado – ocupa um lugar central no quotidiano e nas vidas das
pessoas, sendo um parâmetro obrigatório da avaliação da qualidade de vida democrática.
Em Março de 2008, o Governo apresentou o documento Portugal Seguro – Estratégia de Segurança
para 2008, em que estão contempladas 15 importantes medidas para garantir a segurança e melhorar as
condições de vida dos portugueses, nas quais se inclui a realização de um Inquérito ao Sentimento de Segurança e à Vitimação, cujos resultados de aplicação se encontram consubstanciados no presente texto.
2. Objectivos do INV em Portugal
Tal como explicitado no documento de Março de 2008, Portugal Seguro – Estratégia de Segurança para
2008, o resultado do Inquérito ao Sentimento de Segurança e à Vitimação possibilitou a identificação de
problemas e o delinear de políticas públicas de segurança que respondam às preocupações das nossas
comunidades. Este trabalho permitiu conhecer, de forma sistemática e científica, as principais questões
que preocupam os cidadãos portugueses em matéria de segurança.
Neste enquadramento, o INV_2008-2009 engloba a criação e aplicação de um instrumento de medida objectivo para avaliar cientificamente o sentimento de (in)segurança da população portuguesa. A realização deste inquérito apresenta evidentes vantagens práticas e terá também um importante impacto
político, pois permitirá obter dados científicos relevantes ao nível do detalhe concelhio e, simultaneamente, alimentar em tempo útil as políticas em curso no actual teatro de operações securitárias.
Como objectivos da aplicação do INV_2008-2009 temos, em síntese:
_ a formulação de inputs para a reforma da segurança inscrita como prioridade no programa do XVII
Governo Constitucional;
_ a melhoria da informação, sistematizada e cientificamente fundamentada, acerca das principais
questões que preocupam os cidadãos em matéria de segurança;
_ a clarificação da relação entre a criminalidade participada às forças de segurança e a “criminalidade
real”, tida como ferramenta imprescindível para a tomada de decisões mais eficazes no domínio da
segurança;
_ o contributo para a caracterização e diagnóstico de potenciais concelhos que possam vir a assinar
ou já tenham assinado Contratos Locais de Segurança (CLS);
_ o estreitamento da colaboração entre as instituições universitárias e o Governo, permitindo obter
uma visão mais próxima e integrada da realidade social, minimizando assim os riscos de seguimento de perspectivas apriorísticas ou condicionadas por lugares comuns.
Na sequência de uma primeira reunião preparatória do estudo com o senhor ministro da Administração Interna, Dr. Rui Carlos Pereira, em 12 de Dezembro de 2007, foi preparado um primeiro memorando
de síntese do projecto. Durante o primeiro semestre de 2008 foi preparada a primeira versão do questionário, objectivos do estudo e texto do protocolo, assinado em 12 de Agosto de 2008.
25
Após a assinatura do protocolo (em 12.08.2008) definiram-se as entidades a consultar, tendo sido
desenvolvidas 12 versões do inquérito e recolhidos os contributos de 7 entidades6:
_ PSP – Polícia de Segurança Pública (em 29.09.2008);
_ GNR – Guarda Nacional Republicana (em 30.09.2008);
_ DGAI – Direcção-Geral da Administração Interna (em 1.10.2008);
_ SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (em 2.10.2008);
_ GCS – Gabinete Coordenador de Segurança (em 3.10.2008);
_ IGAI – Inspecção-Geral da Administração Interna (em 7.10.2008); e
_ PJ – Polícia Judiciária (em 27.10.2008).
Estabilizado o conteúdo final e a respectiva amostra, foram então realizadas duas acções de formação à equipa de inquiridores nacionais, uma no Porto (em 3.12.2008) e a outra em Lisboa (em 5.12.2008).
O INV_2008-2009 encontra-se agora a ser aplicado em todo o território nacional.
O INV_2008-2009 inclui 46 perguntas, divididas por 3 grandes grupos:
_ Grupo I, que inclui a caracterização do inquirido(a), com 14 questões;
_ Grupo II, que inclui os dados sobre vitimação, com 20 questões;
_ Grupo III, que inclui dados sobre a segurança e o policiamento, com 12 questões.
O INV_2008-2009 inclui, nas suas 46 perguntas, os seguintes temas:
_ Elementos caracterizadores do inquirido e do seu contexto familiar;
_ Historial da vítima (com caracterização dos casos ocorridos, quando tal se justifique);
_ Questões dirigidas à ocorrência de crimes de que o próprio inquirido foi vítima nos últimos 6/12
meses (crimes violentos; crimes pessoais; crimes contra o património);
_ Questões sobre a participação das ocorrências às forças de segurança nos últimos 6/12 meses.
_ Questões dirigidas: roubo de identidade; vandalismo; crimes de ódio; violência conjugal, violência
interpessoal em contexto doméstico e a violência no exterior, incluindo a violência sexual.
_ Sentimento de (in)segurança em função da mobilidade dos inquiridos e tempo de permanência na
zona; locais de residência recentes.
_ Objectivação do sentimento de insegurança (situações específicas e Escalas de Likert, sem ponto
intermédio; validação por concelho).
3. Metodologia do INV em Portugal
Em termos metodológicos, os dados resultantes da aplicação do INV_2008-2009 são representativos de
toda a população residente em Portugal Continental, Açores e Madeira, com 15 ou mais anos. Por isso
mesmo, é de salientar a relevância estatística dos resultados ao nível dos municípios (Portugal Continental e Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores), uma característica que torna as análises mais
objectivas, científicas e de malha fina.
Para a constituição da amostra a utilizar no INV_2008-2009 foi escolhido o método de amostragem
por quotas, de utilização generalizada em sondagens e estudos de opinião. De notar que na execução
de um estudo onde a constituição da população, com a listagem de todos os seus elementos, é difícil ou
impossível de conseguir, a utilização de um método de amostragem probabilístico não é viável, recaindo
necessariamente a escolha num método não probabilístico.
6 Ao questionário inicialmente previsto para aplicação, com cerca de 32 perguntas – e após consulta científica e técnica a estas 7 entidades –,
foram acrescentadas 14 perguntas, chegando-se à versão consolidada com 46 questões.
26
A amostragem por quotas segue um conjunto de procedimentos semelhantes ao seu “equivalente”
probabilístico, o método de amostragem estratificado, com a diferença no preenchimento dos estratos.
Para constituir uma amostra por quotas é necessário seguir os seguintes passos:
_ definir as variáveis que estabelecem os estratos;
_ conhecer as proporções populacionais das categorias das variáveis de estratificação;
_ estabelecer as quotas em cada estrato.
Para a definição das variáveis que delinearam os estratos existem as mesmas preocupações, quer se
utilize um método probabilístico ou não probabilístico. Normalmente, tenta-se estabelecer como variáveis de controlo características que se considerem determinantes de resposta, e que se pretendem representadas na amostra com determinada estrutura, proporcional à população (mais frequente) ou não.
Características como a idade e o género têm sido vulgarmente utilizadas, uma vez que têm mostrado apetência para justificar muitos comportamentos e atitudes dos indivíduos, sendo esta propriedade muito
importante nas sondagens e estudos de opinião7. A lógica subjacente é considerar que se a amostra representa a população nestas características também é possível que a represente nos indicadores a medir8.
O conhecimento das categorias das variáveis na população é fundamental para definir o número
de elementos a inquirir. Por vezes, a definição das variáveis de estrato também está condicionada pela
disponibilidade de informação populacional9. O estabelecimento das quotas é vulgarmente efectuado
de forma proporcional e podem ser independentes ou inter-relacionadas, quando existe mais do que
uma variável de estratificação. Quando são inter-relacionadas, os elementos que farão parte da amostra
obedecem a mais do que uma condição, o que por vezes pode dificultar a tarefa do entrevistador (ou
investigador)10. A inclusão dos elementos na amostra irá depender, em maior ou menor grau, do entrevistador (ou investigador), ou seja, do peso da subjectividade da escolha dos elementos a abordar, das
recusas, ou ainda da disponibilidade dos indivíduos abordados.
Diversos autores são concordantes em afirmar que, apesar do referido, as amostras por quotas, em
geral, produzem bons resultados11, referindo mesmo que o método por quotas pode gerar amostras enviesadas em determinadas características, como sejam o rendimento, educação ou ocupação profissional, mas em geral é concordante com os resultados produzidos por amostras probabilísticas em questões de opinião e atitude.
A utilização do método por quotas está normalmente associada a estudos cujo objectivo, em termos de recolha de informação, é obter a melhor precisão com um custo não muito elevado12. As instituições que aplicam ou usam os resultados têm a opinião generalizada de que, na grande maioria dos
casos, as amostras por quotas cumprem estes objectivos13. O cuidado com a aplicação do processo, ao
nível de procedimentos, de modo a minimizar o efeito dos factores susceptíveis de causar enviesamento, é fundamental para o sucesso deste método. O problema principal é a não existência de bases
teóricas aplicáveis para a medição das propriedades do esquema de amostragem, uma vez que não
têm um suporte probabilístico14.
Para o caso concreto do INV_2008-2009, não foi possível dispor de uma lista de todos os elementos
da população portuguesa residentes em Portugal, Madeira e Açores, com 15 ou mais anos, por isso foi
utilizado um método de amostragem não probabilístico, por quotas.
7 Gomes, P. (1998), “Tópicos de Sondagens”, VI Congresso Anual da Sociedade Portuguesa de Estatística, SPE, (Tomar).
8 Doherty, M. (1994), “Probability versus non-probability sampling in sample surveys”, The New Zeland Statistics Review, pp. 21-28, em Reis,
E. e Moreira, R. (1993), Pesquisa de Mercados, Ed. Sílabo, Lisboa.
9 Utilizam-se com frequência as informações dos Censos realizados.
10 Reis, E. e Moreira, R. (1993), Pesquisa de Mercados, Ed. Sílabo, Lisboa.
11 Barnett, V. (1991), Sample Survey: Principles and Methods, 2 ed., (Arnold, Londres); Cochran, W. G. (1977), Sampling Techniques, 3 ed.,
Wiley, Nova Iorque.
12 Esta também é, recorde-se, uma preocupação presente na elaboração e na aplicação do presente inquérito.
13 Moser, C. A. e Stuart, A. (1953) “An experimental study of quota sampling”, Journal of the Royal Statistical Society A 116, 349 - 405.
14 Barnett, V. (1991), Sample Survey: Principles and Methods, 2 ed., Arnold, Londres.
27
A escolha das variáveis de controlo para definir os estratos recaiu nas características da população
ao nível de idade (escalão etário), sexo do indivíduo e concelho de residência. Pretendeu-se fundamentalmente uma amostra com residentes na totalidade de área geográfica do país, desagregada ao
nível do município.
A idade e o sexo são características que poderão estar associadas à natureza das respostas, sendo
assim necessário que a sua estrutura na amostra represente a estrutura de distribuição populacional.
Os indicadores utilizados foram obtidos através das estimativas da população residente, por sexo e
grandes grupos etários e índices, municípios, a 31.12.2006, disponibilizadas pelo Instituto Nacional
de Estatística (INE)15.
A partir da informação indicada, apresenta-se, na página seguinte, o quadro com o resumo das estimativas populacionais totais de Portugal e com divisão por NUTS II, com segmentação por escalões
etários (15 ou mais anos) e por sexo do indivíduo (quadro seguinte).
ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE POR SEXO E GRANDES ESCALÕES ETÁRIOS (N)
Grupos etários
Portugal
Norte
Total
15-24
25-64
65 +
HM
8.961.458
1.265.531
5.867.310
1.828.617
H
4.289.938
645.506
2.880.680
763.752
M
4.671.520
620.025
2.986.630
1.064.865
HM
3.140.637
482.896
2.094.235
563.506
1.502.177
246.140
1.022.810
233.227
H
Centro
Lisboa
Alentejo
Algarve
Região Autónoma dos Açores
Região Autónoma da Madeira
M
1.638.460
236.756
1.071.425
330.279
HM
2.047.039
280.046
1.284.670
482.323
H
980.006
143.082
633.324
203.600
M
1.067.033
136.964
651.346
278.723
HM
2.355.725
297.759
1.592.020
465.946
H
1.117.862
150.977
774.545
192.340
M
1.237.863
146.782
817.475
273.606
662.243
84.564
402.618
175.061
HM
H
322.263
43.621
203.268
75.374
M
339.980
40.943
199.350
99.687
HM
358.177
46.610
232.258
79.309
H
178.089
23.913
118.534
35.642
M
180.088
22.697
113.724
43.667
196.114
38.007
127.909
30.198
H
96.266
19.497
64.569
12.200
M
99.848
18.510
63.340
17.998
HM
HM
20.1523
35.649
133.600
32.274
H
93.275
18.276
63.630
11.369
M
108.248
17.373
69.970
20.905
Nota: Estimativas aferidas para os resultados definitivos dos Censos 2001, ajustados das taxas de cobertura.
15 Disponíveis no endereço: www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_
boui=5582248&DESTAQUESmodo=2.
28
Utilizando as estimativas da população residente por grandes escalões etários e sexo, desagregadas
ao nível dos municípios, foi proposta uma amostra com dimensão total de 8729 indivíduos. A definição
do número de elementos a incluir em cada estrato, de acordo com as três variáveis de controlo utilizadas, teve em atenção que não deve haver estratos de dimensão zero. O número mínimo de indivíduos
a inquirir por concelho é de 6. Foram elaboradas matrizes com a dimensão de amostra a recolher em
cada estrato, as quotas. Estas matrizes são apresentadas para cada distrito de Portugal. A agregação dos
municípios em distritos foi efectuada de acordo com o código de classificação administrativa, disponibilizada pelo INE16. Os quadros seguintes apresentam a dimensão total de amostra a inquirir e efectivamente inquirida e a sua distribuição por distrito e por estratos.
DIMENSÃO DE AMOSTRA POR DISTRITO
Distrito
Viana do Castelo
Número de pessoas a inquirir
210
Braga
676
Porto
1.438
Vila Real
195
Bragança
133
Aveiro
584
Viseu
340
Guarda
160
Coimbra
364
Castelo Branco
180
Leiria
396
Lisboa
1.781
Santarém
393
Portalegre
128
Évora
157
Setúbal
676
Beja
147
Faro
347
Região Autónoma da Madeira
201
Região Autónoma dos Açores
TOTAL
223
8.729
16 Disponíveis no endereço: http://metaweb.ine.pt/sine/UInterfaces/SineVers_Cat.aspx.
29
AMOSTRA FINAL OBTIDA POR SEXO E GRANDES ESCALÕES ETÁRIOS (N)
NUTS II
Portugal
Norte
Grupos etários
15-24
25-64
HM
8.719
1.360
5.559
H
4.183
687
2.728
768
M
4.511
673
2.831
1.006
3.040
493
1.999
538
1.449
243
977
229
M
1.581
250
1.022
309
HM
1.979
317
1.198
458
H
956
160
595
201
M
1.017
157
603
257
HM
2.236
276
1.512
442
H
1.060
144
731
185
M
1.170
132
781
257
HM
702
132
381
187
H
343
67
190
86
M
357
65
191
101
HM
344
50
218
75
172
26
113
33
HM
H
Centro
Lisboa
Alentejo
Algarve
H
M
Região Autónoma dos Açores
Região Autónoma da Madeira
Não
65 + identificado
Total
1.774
171
24
105
42
223
55
125
42
H
111
28
62
21
M
112
27
63
21
HM
HM
195
37
126
32
H
92
19
60
13
M
103
18
66
19
25
10
6
6
2
1
0
0
A classificação do método de quotas utilizado neste estudo, tal como indicado em Vicente17, pode
ser traduzida por entrevistas de rua com quotas. Para a recolha da informação, os entrevistadores são
colocados em locais determinantes, a partir dos quais se efectua a abordagem aos indivíduos, de forma a
obedecer a determinadas condições (estabelecidas pelas variáveis de controlo). Farão parte da amostra
os indivíduos que mostrarem disponibilidade para integrar o estudo, preenchendo-se assim as quotas
propostas.
O instrumento de recolha de informação utilizado foi um questionário construído para o efeito – que
detalharemos no ponto seguinte deste relatório – aplicado pela equipa de inquiridores. O trabalho de
campo do INV_2008-2009 – desenvolvido entre Dezembro de 2008 e Junho de 2009 – envolveu uma
equipa de 32 inquiridores, tendo contado com a colaboração dos Governos Civis, em particular na fase
de formação dos inquiridores e da recolha dos questionários após a sua concretização no terreno18.
Cada um dos 32 membros da equipa de inquiridores do INV_2008-2009 aplicou – de forma heteroadministrada, ou seja, sendo os inquiridores a escrever as respostas – os inquéritos a uma amostra representativa da população portuguesa com mais de 15 anos, residente nos concelhos do Continente e
das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
17 Vicente, P. (2004), Processo de Amostragem por Quotas: Avaliação do seu efeito nos resultados dos estudos de mercado, Tese de
Doutoramento, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.
18 Todo o processo de aplicação foi feito com recursos internos do ISCTE-IUL, garantindo-se a total confidencialidade dos resultados.
30
4. Resultados do INV em Portugal: vitimação
Damos agora início à apresentação dos resultados totais para Portugal Continental e Regiões Autónomas do INV_2008-2009. Neste ponto são apresentados os resultados nacionais referentes à vitimação e
ao perfil das vítimas de crimes.
O gráfico seguinte apresenta – agora no detalhe – as situações de vitimação consumada, de acordo com
os dados da amostra representativa de Portugal Continental e Regiões Autónomas. Nestas destacam-se:
_ os insultos/injúrias;
_ o roubo de telemóvel;
_ o furto em viatura;
_ o furto no seu estabelecimento comercial; e
_ o roubo de algo que trazia consigo.
VITIMAÇÃO CONSUMADA (%)
Abuso sexual
Ameaças e coação
Assédio sexual
Dano na sua residência
Dano no seu estabelecimento comercial
Extorsão
Furto por carteirista
Furto do seu estabelecimento comercial
Furto em residência
Furto em viatura
Furto em veículo
Insultos/injúrias à sua pessoa
Ofensas corporais
Rapto
Roubo de algo que trazia consigo
Roubo de bicicleta ou mota
Roubo de identidade
Roubo de jóias
Roubo de leitor de música portátil
Roubo de objectos de valor na sua residência
Roubo de roupa
Roubo de telemóvel
Roubo de veículo (carjacking)
Utilização indevida de c. crédito/multibanco
Violação
Violência doméstica
Outro
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
31
O quadro seguinte apresenta a situação de vitimação consumada de acordo com os dados para Portugal Continental e Regiões Autónomas:
VITIMAÇÃO CONSUMADA
Válidas
Abuso sexual
% acumulada
2
0,0
0,2
95,1
0,3
3,0
78,8
Assédio sexual
35
0,4
4,4
94,9
Dano na sua residência
17
0,2
2,1
72,9
Dano no seu estabelecimento comercial
23
0,3
2,9
75,8
9
0,1
1,1
70,8
Furto por carteirista
91
1,0
11,3
41,3
Furto no seu estabelecimento comercial
77
0,9
9,6
29,9
51
0,6
6,4
12,8
60
0,7
7,5
20,3
Furto em residência
Furto de veículo
52
0,6
6,5
6,5
Insultos/injúrias à sua pessoa
55
0,6
6,9
85,7
Ofensas corporais
31
0,4
3,9
89,5
Roubo de algo que trazia consigo
56
0,6
7,0
49,1
Roubo de bicicleta ou mota
24
0,3
3,0
52,1
7
0,1
0,9
42,1
Roubo da identidade (ex. via internet)
Roubo de jóias
10
0,1
1,2
53,4
Roubo de leitor de música portátil
22
0,3
2,7
56,1
Roubo de objectos de valor na sua residência
6
0,1
0,7
56,9
Roubo de roupa
16
0,2
2,0
58,9
Roubo de telemóvel
69
0,8
8,6
67,5
7
0,1
0,9
68,3
Tentativa de homicídio
3
0,0
0,4
89,9
Utilização indevida de cartão de crédito/multibanco
11
0,1
1,4
69,7
Violação
1
0,0
0,1
95,3
Violência doméstica
5
0,1
0,6
90,5
38
0,4
4,7
100,0
802
9,2
100,0
Roubo de veículo (carjacking)
Outro
Total
32
% válida
24
Furto em viatura
Missing
%
Ameaças e coacção
Extorsão
Total
N
System
7917
90,8
8719
100,0
O gráfico seguinte apresenta – também no detalhe – as situações de vitimação tentada, de acordo com
os dados da amostra representativa de Portugal Continental e Regiões Autónomas. Nestas destacam-se:
_ os insultos/injúrias;
_ o roubo de algo que trazia consigo;
_ o furto em viatura;
_ o furto no seu estabelecimento comercial; e
_ o roubo de telemóvel.
VITIMAÇÃO TENTADA (%)
Abuso sexual
Ameaças e coação
Assédio sexual
Dano na sua residência
Dano no seu estabelecimento comercial
Extorsão
Furto por carteirista
Furto do seu estabelecimento comercial
Furto em residência
Furto em viatura
Furto em veículo
Homicídio
Insultos/injúrias à sua pessoa
Ofensas corporais
Rapto
Roubo de algo que trazia consigo
Roubo de bicicleta ou mota
Roubo de identidade
Roubo de jóias
Roubo de leitor de música portátil
Roubo de objectos de valor na sua residência
Roubo de roupa
Roubo de telemóvel
Roubo de veículo (carjacking)
Utilização indevida de c. crédito/multibanco
Violação
Violência doméstica
Outro
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
33
Por sua vez, o quadro seguinte apresenta a situação de vitimação tentada, também de acordo com os
dados para Portugal Continental e Regiões Autónomas:
VITIMAÇÃO – TENTADA (N)
Total
Abuso sexual
Ameaças e coacção
Assédio sexual
8
54
51
Dano na sua residência
49
Dano no seu estabelecimento comercial
73
Extorsão
19
Furto por carteirista
Furto no seu estabelecimento comercial
84
130
Furto em residência
110
Furto em viatura
136
Furto de veículo
80
Homicídio
Insultos/injúrias à sua pessoa
Ofensas corporais
Rapto
Roubo de algo que trazia consigo
16
162
78
7
151
Roubo de bicicleta ou mota
52
Roubo da identidade
20
Roubo de jóias
38
Roubo de leitor de música portátil
44
Roubo de objectos de valor na sua residência
28
Roubo de roupa
33
Roubo de telemóvel
113
Roubo de veículo (carjacking)
8
Utilização indevida de cartão de crédito/multibanco
23
Violação
64
Violência doméstica
48
Outro
64
34
O quadro seguinte apresenta – agora no detalhe – a situação de vitimação mais recente por escalões
etários da amostra representativa:
Escalões etários
15-24 anos
Situação
recente
25-64 anos
65 anos ou mais
N
%
N
%
N
%
0
0,0
2
100,0
0
0,0
Ameaças e coacção
6
25,0
16
66,7
2
8,3
Assédio sexual
12
34,3
20
57,1
3
8,6
Dano na sua residência
1
5,9
10
58,8
6
35,3
Dano no seu
estabelecimento comercial
1
4,3
17
73,9
5
21,7
Extorsão
2
22,2
4
44,4
3
33,3
Furto por carteirista
17
18,7
53
58,2
21
23,1
Furto no seu
estabelecimento comercial
4
5,2
64
83,1
9
11,7
Furto em residência
6
11,8
34
66,7
11
21,6
Furto em viatura
4
6,7
51
85,0
5
8,3
Furto de veículo
6
11,5
42
80,8
4
7,7
Abuso sexual
Insultos/injúrias à sua pessoa
8
14,5
40
72,7
7
12,7
Ofensas corporais
14
45,2
16
51,6
1
3,2
Rapto
0
0,0
0
0,0
0
0,0
Roubo de algo
que trazia consigo
8
14,3
28
50,0
20
35,7
Roubo de bicicleta ou mota
5
20,8
19
79,2
0
0,0
Roubo da identidade
(ex. via internet)
2
28,6
4
57,1
1
14,3
Roubo de jóias
0
0,0
4
40,0
6
60,0
Roubo de leitor
de música portátil
13
59,1
9
40,9
0
0,0
Roubo de objectos de
valor na sua residência
2
33,3
2
33,3
2
33,3
Roubo de roupa
3
18,8
9
56,3
4
25,0
Roubo de telemóvel
23
33,8
36
52,9
9
13,2
Roubo de veículo (carjacking)
2
28,6
5
71,4
0
0,0
Tentativa de homicídio
0
0,0
3
100,0
0
0,0
Utilização indevida de cartão
de crédito/multibanco
0
0,0
7
63,6
4
36,4
Violação
0
0,0
1
100,0
0
0,00
Violência doméstica
0
0,0
2
40,0
3
60,0
Outro
7
18,4
24
63,2
7
18,4
35
O quadro seguinte apresenta – também no detalhe – a situação de vitimação mais recente por género
da amostra representativa:
Género
Masculino
Situação
recente
N
%
N
%
Abuso sexual
0
0,0
1
100,0
Ameaças e coacção
15
62,5
9
37,5
Assédio sexual
6
17,1
29
82,9
Dano na sua residência
Dano no seu estabelecimento comercial
Extorsão
Furto por carteirista
5
31,3
11
68,8
13
56,5
10
43,5
4
44,4
5
55,6
41
45,1
50
54,9
Furto no seu estabelecimento comercial
40
51,9
37
48,1
Furto em residência
25
49,0
26
51,0
Furto em viatura
34
56,7
26
43,3
Furto de veículo
31
59,6
21
40,4
Insultos/injúrias à sua pessoa
34
61,8
21
38,2
Ofensas corporais
22
71,0
9
29,0
Rapto
0
0,0
0
0,0
Roubo de algo que trazia consigo
23
41,1
33
58,9
Roubo de bicicleta ou mota
18
75,0
6
25,0
4
57,1
3
42,9
Roubo da identidade (ex. via internet)
Roubo de jóias
1
10,0
9
90,0
Roubo de leitor de música portátil
11
50,0
11
50,0
Roubo de objectos de valor na sua residência
3
50,0
3
50,0
Roubo de roupa
5
31,3
11
68,8
35
50,7
34
49,3
4
57,1
3
42,9
Tentativa de homicídio
3
100,0
0
0,0
Utilização indevida de cartão de crédito/multibanco
4
36,4
7
63,6
Violação
1
100,0
0
0,0
Violência doméstica
1
20,0
4
80,0
17
44,7
21
55,3
Roubo de telemóvel
Roubo de veículo (carjacking)
Outro
36
Feminino
O quadro seguinte apresenta – também no detalhe – as situações mais recentes de vitimação que foram
e as que não foram reportadas às forças de segurança, de acordo com os dados da amostra representativa:
Reportou a ocorrência à Polícia
Sim
Situação
recente
Abuso sexual
Ameaças e coacção
Assédio sexual
Não
N
%
N
%
1
50,0
1
50,0
12
52,2
11
47,8
3
9,1
30
90,9
Dano na sua residência
10
58,8
7
41,2
Dano no seu estabelecimento comercial
20
90,9
2
9,1
Extorsão
3
33,3
6
66,7
Furto por carteirista
29
31,9
62
68,1
Furto no seu estabelecimento comercial
65
84,4
12
15,6
Furto em residência
35
71,4
14
28,6
Furto em viatura
39
65,0
21
35,0
Furto de veículo
39
78,0
11
22,0
Insultos/injúrias à sua pessoa
7
13,0
47
87,0
Ofensas corporais
5
16,7
25
83,3
Rapto
0
0,0
0
0,0
Roubo de algo que trazia consigo
16
29,1
39
70,9
Roubo de bicicleta ou mota
17
70,8
7
29,2
Roubo da identidade (ex. via internet)
2
28,6
5
71,4
Roubo de jóias
5
50,0
5
50,0
Roubo de leitor de música portátil
1
4,5
21
95,5
Roubo de objectos de valor na sua residência
3
50,0
3
50,0
Roubo de roupa
0
0,0
14
100,0
Roubo de telemóvel
9
13,2
59
86,8
Roubo de veículo (carjacking)
4
57,1
3
42,9
Tentativa de homicídio
2
100,0
0
0,0
Utilização indevida cartão crédito/multibanco
4
36,4
7
63,6
Violação
1
100,0
0
0,0
Violência doméstica
2
40,0
3
60,0
Outro
5
13,2
33
86,8
Desses crimes mais recentes, e tal como se depreende da leitura do quadro anterior, os que na sua
maioria não foram reportados às forças de segurança são: o roubo por carteirista; o roubo da identidade
(ex. via internet); o roubo de algo que trazia consigo; o roubo de leitor de música portátil; o roubo de
roupa; o roubo de telemóvel; a utilização indevida de cartão de crédito/multibanco; a extorsão; os insultos/injúrias à sua pessoa; as ofensas corporais; a violência doméstica; e o assédio sexual.
37
O quadro seguinte apresenta agora o local onde ocorreram as situações mais recentes de vitimação
de acordo com os dados da amostra representativa. Verifica-se que:
_ 15% ocorreram no local de trabalho;
_ 14,4% na rua;
_ 13,7% no interior de casa; e
_ 12% no exterior mas próximo de casa.
LOCAL DA ÚLTIMA OCORRÊNCIA
Válidas
N
%
% válida
% acumulada
No exterior mas próximo da sua casa
166
1,9
11,8
11,8
No interior da sua casa
203
2,3
14,4
26,2
5
0,1
0,4
26,5
Num banco
Num centro comercial
42
0,5
3,0
29,5
Num restaurante
18
0,2
1,3
30,8
Numa bomba de gasolina/est. serviço
15
0,2
1,1
31,8
7
0,1
0,5
32,3
Numa estação correios (CTT)
Numa farmácia
2
0,0
0,1
32,5
51
0,6
3,6
36,1
Numa loja
50
0,6
3,5
39,6
Na escola
45
0,5
3,2
42,8
214
2,5
15,2
58,0
83
1,0
5,9
63,9
Numa garagem/parque estacionamento
No local de trabalho
Numa rua próxima do local onde trabalha
Numa rua próxima do local onde vive
164
1,9
11,6
75,5
Numa outra rua
194
2,2
13,8
89,3
100,0
Outro
Total
Missing
151
1,7
10,7
1.410
16,2
100,0
NS/NR
33
0,4
System
7.276
83,4
Total
7.309
83,8
8.719
100,0
Total
5. Resultados do INV em Portugal: (in)segurança subjectiva
Neste ponto são apresentados os resultados nacionais referentes ao sentimento de (in)segurança subjectivo em Portugal Continental e Regiões Autónomas. Trata-se de um aspecto muito importante deste
estudo, uma vez que, como é sabido, o sentimento de (in)segurança subjectivo pode – em si mesmo – ser
considerado uma forma de vitimação.
Em termos globais, analisado o sentimento de (in)segurança subjectivo em Portugal, de acordo com
os dados do INV_2008-2009, verifica-se que 41,6% dos inquiridos se sentem inseguros/as em Portugal:
COMO SE SENTE EM PORTUGAL
2,3%
Muito inseguro/a
15,1%
Inseguro/a
41,6%
Seguro/a
38,0%
Muito seguro/a
3,1%
NS/NR
0
10
20
30
Percentagem
38
40
50
Todavia, estes dados contrastam significativamente com o sentimento de (in)segurança subjectivo
na zona onde os portugueses residem. De registar que, e de acordo com os dados do INV_2008-2009,
70,5% dos inquiridos sentem-se seguros/as na zona onde residem:
COMO SE SENTE NA ZONA ONDE RESIDE?
5,5%
Muito inseguro/a
1,9%
Inseguro/a
21,7%
Seguro/a
21,7%
Muito seguro/a
NS/NR
70,5%
0,5%
0
20
40
60
80
Percentagem
Muito seguro/a
Seguro/a
Inseguro/a
Muito inseguro/a
NS/NR
100%
50%
0%
Como se sente na zona onde reside?
50%
100%
Como se sente em Portugal?
O mapa seguinte, detalhado ao nível do distrito, apresenta o sentimento de (in)segurança subjectivo
para Portugal Continental.
MUITO SEGURO / SEGURO EM PORTUGAL (%)
Viana
do Castelo
45,5%
Braga
41,2%
Vila Real
28,0%
Bragança
31,1%
Porto
41,5%
Aveiro
62,1%
Viseu
37,9%
Coimbra
51,9%
Castelo
Branco
18,4%
Leiria
49,1%
Lisboa
54,5%
Guarda
13,0%
Santarém
Portalegre
34,9%
64,1%
Évora
38,0%
Setúbal
4,4%
Beja
21,8%
Faro
36,0%
39
Por sua vez, o mapa seguinte, detalhado ao nível do distrito, apresenta o sentimento de (in)segurança
subjectivo para a zona onde os inquiridos vivem.
MUITO SEGURO / SEGURO NA ZONA ONDE VIVE (%)
Viana
do Castelo
45,5%
Braga
41,2%
Vila Real
28,0%
Bragança
31,1%
Porto
41,5%
Aveiro
62,1%
Viseu
37,9%
Coimbra
51,9%
Castelo
Branco
18,4%
Leiria
49,1%
Lisboa
54,5%
Santarém
Portalegre
34,9%
64,1%
Évora
38,0%
Setúbal
4,4%
Beja
21,8%
Faro
36,0%
40
Guarda
13,0%
Os gráficos seguintes e mais detalhados apresentam o sentimento de (in)segurança subjectivo de
acordo com o tipo de crimes de que as pessoas foram vítimas.
SITUAÇÃO RECENTE. COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: MUITO SEGURO/A
8,7%
Assédio sexual
17,4%
Insultos/injúrias à sua pessoa
13,0%
Furto por carteirista
4,3%
Furto no seu estabelecimento comercial
Furto em residência
8,7%
Furto em viatura
8,7%
13,0%
Roubo de algo que trazia consigo
8,7%
Roubo de leitor de música portátil
Roubo de roupa
4,3%
Roubo de telemóvel
4,3%
Tentativa de homicídio
4,3%
Outro
4,3%
0%
5%
10%
15%
20%
SITUAÇÃO RECENTE. COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: INSEGURO/A
...
Abuso sexual
4,1%
Ameaçãs de coação
2,2%
Assédio sexual
3,0%
Dano na sua residência
3,3%
Dano no seu estabelecimento comercial
10,4%
Furto por carteirista
10,8%
Furto no seu estabelecimento comercial
7,4%
Furto em residência
8,2%
Furto em viatura
7,8%
Furto de veículo
8,2%
Insultos/injúrias à sua pessoa
4,1%
Ofensas corporais
5,9%
Roubo de algo que trazia consigo
Roubo de bicicleta ou mota
...
Roubo de jóias
...
3,7%
Roubo de leitor de música portátil
...
Roubo de objectos de valor na residência
1,1%
Roubo de roupa
10,8%
Roubo de telemóvel
1,5%
Roubo de veículo (carjacking)
...
Tentativa de homicídio
1,1%
Utilização indevida c. crédito/multibanco
3,3%
Outro
0%
5%
10%
15%
41
SITUAÇÃO RECENTE. COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: SEGURO/A
Abuso sexual
...
4,7%
Assédio sexual
1,9%
Ameaças e coação
1,7%
Dano na sua residência
...
Dano no seu estabelecimento comercial
1,7%
Extorsão
13,3%
Furto por carteirista
9,1%
Furto ao seu estabelecimento comercial
6,1%
Furto em residência
7,2%
Furto em viatura
6,6%
Furto de veículo
6,1%
Insultos/injúrias à sua pessoa
4,4%
Ofensas corporais
6,6%
Roubo de algo que trazia consigo
5,8%
Roubo de bicicleta ou mota
1,9%
Roubo de identidade (ex. via internet)
1,1%
Roubo de jóias
2,5%
Roubo de leitor de música portátil
1,1%
Roubo de objectos de valor na residência
3,0%
Roubo de roupa
8,3%
Roubo de telemóvel
...
Roubo de veículo (carjacking)
1,1%
Utilização indevida c. crédito/multibanco
...
Violência doméstica
3,6%
Outro
0%
42
5%
10%
15%
SITUAÇÃO RECENTE. COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: MUITO INSEGURO/A
2,7%
Ameaças e coação
5,4%
Assédio sexual
2,7%
Dano na sua residência
5,4%
Dano no seu estabelecimento comercial
2,7%
Extorsão
6,8%
Furto por carteirista
9,5%
Furto no seu estabelecimento comercial
6,8%
Furto em residência
5,4%
Furto em viatura
Furto de veículo
8,1%
Insultos/injúrias à sua pessoa
8,1%
Ofensas corporais
2,7%
Violência doméstica
2,7%
4,1%
Utilização indevida c. crédito/multibanco
8,1%
Roubo de algo que trazia consigo
1,4%
Roubo de bicicleta ou mota
4,1%
Roubo de jóias
1,4%
Roubo de leitor de música portátil
10,8%
Roubo de telemóvel
1,4%
Outro
0%
5%
10%
15%
O gráfico seguinte apresenta agora o sentimento de (in)segurança subjectivo em Portugal de acordo com os grupos
etários.
COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: ESCALÕES ETÁRIOS
39,9%
26,7%
22,6%
65 anos ou mais
14,8%
9,0%
56,4%
61,9%
64,0%
25 -64 anos
66,1%
70,0%
9,7%
11,4 %
13,5%
15 - 24 anos
19,2%
21,0%
0,0%
Muito seguro/a
20,0%
Seguro/a
40,0%
Inseguro/a
60,0%
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
43
Por sua vez, os gráficos seguintes apresentam agora o sentimento de (in)segurança subjectivo em Portugal de acordo com o género e com a situação conjugal.
COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: GÉNERO
57,68%
58,67%
55,22%
Feminino
45,91%
42,0%
42,32%
41,33%
44,78%
Masculino
54,09%
58,0%
0,0%
20,0%
Muito seguro/a
40,0%
Seguro/a
Inseguro/a
60,0%
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
COMO SE SENTE EM PORTUGAL?: SITUAÇÃO CONJUGAL
24,7%
12,9%
8,2%
Viúvo/a
5,0%
...
4,9%
5,9%
Divorciado(a)/
4,8%
Separado(a)
4,...
8,0%
48,3%
61,4%
60,3%
Casado(a)
54,4%
36,2%
22,4%
20,2%
26,7%
Solteiro(a)
35,8%
52,3%
0,0%
Muito seguro/a
44
20,0%
Seguro/a
40,0%
Inseguro/a
60,0%
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
O gráfico seguinte apresenta agora o sentimento de (in)segurança subjectivo na zona onde residem os
inquiridos de acordo com os grupos etários.
COMO SE SENTE NA ZONA ONDE RESIDE?: ESCALÕES ETÁRIOS
26,2%
30,4%
26,1%
65 anos ou mais
19,1%
12,1%
66,7%
61,5%
63,9%
25 - 64 anos
64,3%
63,2%
7,1%
8,1%
10,0%
15 -24 anos
16,6%
24,6%
0,0%
Muito seguro/a
20,0%
Seguro/a
40,0%
60,0%
Inseguro/a
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
Por sua vez, os gráficos seguintes apresentam agora o sentimento de (in)segurança subjectivo na zona
onde residem os inquiridos de acordo com o género e com a situação conjugal.
COMO SE SENTE NA ZONA ONDE RESIDE?: GÉNERO
45,2%
57,1%
59,3%
Feminino
50,2%
39,0%
54,8%
42,9%
40,7%
Masculino
49,3%
61,0%
0,0%
Muito seguro/a
20,0%
Seguro/a
40,0%
Inseguro/a
60,0%
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
45
COMO SE SENTE NA ZONA ONDE RESIDE?: SITUAÇÃO CONJUGAL
11,9%
19,0%
11,7%
Viúvo/a
6,9%
4,...
9,5%
8,6%
Divorciado(a)/
5,2%
Separado(a)
4,...
5,9%
42,9%
57,1%
62,4%
Casado(a)
57,0%
42,2%
35,7%
15,3%
20,8%
Solteiro(a)
31,4%
47,3%
0,0%
Muito seguro/a
20,0%
Seguro/a
40,0%
Inseguro/a
60,0%
Muito inseguro/a
80,0%
NS/NR
6. Síntese de resultados
O Inquérito Nacional à Vitimação 2008-2009 (INV_2008-2009) constitui o primeiro inquérito aplicado
à escala do território português (Continente e Regiões Autónomas) com uma amostra representativa ao
nível dos 308 municípios de Portugal Continental e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
O INV_2008-2009 permitiu conhecer os resultados nacionais referentes à vitimação e ao perfil
das vítimas de crimes em Portugal; os resultados nacionais referentes ao sentimento de (in)segurança
subjectivo em Portugal; as expectativas e opinião acerca das orientações em matéria de políticas públicas de segurança dos portugueses; e a avaliação da actuação da Polícia e do contacto com o sistema judicial em Portugal. Todos estes dados estão desagregados ao nível nacional, distrital e concelhio.
No INV_2008-2009 foram inquiridas 8.729 pessoas, das quais 4.550 são mulheres e 4.179 são homens.
Destas, 1.233 têm entre 15 e 24 anos; 5.715 têm entre 25 e 64 anos; e 1.781 têm mais de 65 anos.
Em termos globais, a avaliação do sentimento de (in)segurança subjectivo em Portugal revela que
41,6% dos inquiridos se sentem inseguros/as em Portugal. Todavia, estes dados contrastam significativamente com o sentimento de (in)segurança subjectivo na zona onde os portugueses residem. De registar que, e de acordo com os dados do INV_2008-2009, 70,5% dos inquiridos sentem-se seguros/as na
zona onde residem.
46
Quanto à importância que os inquiridos atribuem a um conjunto de medidas de políticas públicas
de segurança, verifica-se que consideram muito importantes quatro aspectos específicos: aumentar o
controlo e fiscalizar a utilização de armas; aumentar o número de acções policiais; recuperar os espaços
degradados; e aumentar o patrulhamento automóvel.
De notar que nos últimos seis meses em relação à data de aplicação do INV_2008-2009, os inquiridos
foram vítimas de 802 crimes, nos quais se destacam o furto por carteirista, o furto no seu estabelecimento
comercial e o roubo de telemóvel. Desses crimes mais recentes, os que na sua maioria não foram
reportados às forças de segurança são: o roubo por carteirista; o roubo da identidade (ex. via internet);
o roubo de algo que trazia consigo; o roubo de leitor de música portátil; o roubo de roupa; o roubo de
telemóvel; a utilização indevida de cartão de crédito/multibanco; a extorsão; os insultos/injúrias à sua
pessoa; as ofensas corporais; a violência doméstica; e o assédio sexual.
Numa comparação entre os dados divulgados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de
2008 e os dados apurados no INV_2008-2009, verificamos que, nos crimes contra o património, o tipo
de crimes em que se verifica uma diferença significativa entre os reportados no RASI e os reportados
no INV_2008-2009 são o furto em estabelecimento comercial e o furto por carteirista. Considerando
a criminalidade violenta e grave, verificamos que é a extorsão o único tipo de crime em que se apura
uma diferença significativa entre os valores que foram reportados no RASI e os que foram reportados
no INV.
Quanto ao policiamento, patrulhamento e à frequência de passagem da polícia nas zonas de residência
dos inquiridos, verifica-se que 65,24% dos portugueses costuma ver a Polícia na zona onde reside.
Destes, é de registar que 32,9% vêem a Polícia na zona onde residem quase todos os dias, 28,5% pelo
menos uma vez por semana, e 18,3% mais de uma vez por semana. Quanto ao contacto com o sistema
judicial português verifica-se que 28,63% dos inquiridos já teve contacto com o sistema judicial, sendo
que 55,1% o fizeram na qualidade de testemunha e 25,5% na qualidade de vítima.
47
INQUÉRITOS DE VITIMAÇÃO
NA EUROPA. A EXPERIÊNCIA
PORTUGUESA NO ÂMBITO
DA INICIATIVA DO EUROSTAT
Victor Garcia, Instituto Nacional de Estatística
Gostaria em primeiro lugar de saudar estas Primeiras Jornadas de Segurança e agradecer o convite que foi
feito ao INE para falar um pouco daquilo que está em desenvolvimento na área dos inquéritos à vitimação.
A primeira coisa que gostaria de dizer é que estão em curso trabalhos de implementação regular de um
Inquérito à Segurança, que estimamos pôr no terreno a partir do ano de 2013. Esta denominação surgiu
depois de um primeiro nome, que era “Inquérito à Vitimação”. Foi sobre este que fizemos o nosso teste.
Gostaria de começar por fazer um enquadramento deste novo fôlego, desta nova abordagem, referindo que o Programa de Haia foi a resposta da União Europeia aos cidadãos no que diz respeito a problemas relacionados com o crime e com a segurança. Este programa, adoptado pela UE em Novembro
de 2004, estabelece os objectivos a prosseguir em matéria de segurança para o período de 2005 a 2010.
Naturalmente, quando vêm a discussão estas matérias, é sempre percebida a necessidade de obter informação estatística, de obter indicadores que permitam monitorizar os níveis, os desenvolvimentos e as
tendências que estas realidades vão tendo. Assim, consta do Programa de Haia um desafio à Comissão
para que estabeleça um conjunto de procedimentos de recolha, análise e comparação da informação no
espaço da União, de modo a obter indicadores comparáveis neste espaço. A Comissão, através da DGJLS
[Directorate-General for Justice, Freedom and Security], criou durante o ano de 2005 um instrumento
designado “Desenvolvimento de uma estratégia compreensiva e coerente para a diminuição do crime
e para a justiça criminal”, que foi aprovado em 2006. É no âmbito deste plano de acção 2006-2010 que
surge uma referência muito específica à implementação de metodologia para a realização de um inquérito à vitimação, com a realização de um teste que permitisse aferir a reacção dos respondentes ao questionário proposto, para depois, a partir desta primeira vaga, implementar um inquérito mais regular. A
DGJLS criou um grupo de peritos que se desdobra em diferentes task forces temáticas para cada tipo
de áreas específicas de crime e um grupo de peritos que analisa e recomenda quais são as necessidades
reais dos utilizadores nesta matéria.
O Eurostat, braço estatístico da Comissão, foi chamado a intervir e criou em 2007 um grupo de trabalho
dedicado ao crime e à justiça criminal que se desdobra em duas task forces: uma sobre as estatísticas do
crime, aproveitando as fontes administrativas, e uma outra que se ocupa, especificamente, dos inquéritos
à vitimação. Esta última tem um mandato muito claro, de acordo com o programa de Haia: estabelecer
uma metodologia para o inquérito à vitimação, tendo em consideração as experiências nacionais e internacionais e, em particular, o trabalho já desenvolvido na área pela UNECE (United Nations Economic Comission for Europe), a UNODC (United Nations Organisation for Drugs and Crime) e a HEUNI (Instituto
Europeu para a Prevenção e Controlo do Crime). Numa segunda fase, deverá analisar os resultados dos
testes do inquérito à vitimação e apresentar um relatório ao grupo de trabalho, que, com base neste relatório, deverá propor os elementos adequados à implementação do inquérito à vitimação.
A UNEce e a UNODC, em 2005, tinham já feito um levantamento da situação nos vários países e
constituíram uma base de dados com os elementos recolhidos. Além disso, tinham em desenvolvimento
um manual de procedimentos para os inquéritos à vitimação, que entretanto foi aprovado no final do
ano passado, e, por isso, já foi usado por nós quando realizámos este texto.
O Instituto Europeu para a Prevenção e Controle do Crime foi contratado pelo Eurostat para, com o
input que já se encontrava disponível e com a colaboração dos Estados-membros, propor um questioná49
rio para este inquérito. A resposta portuguesa foi naturalmente positiva e, tendo presente que o último
inquérito realizado no quadro dos Censos datava de 1994, o INE começou por uma participação activa,
quer no grupo de trabalho, quer nesta task force de inquéritos à vitimação e participou, com mais 16
países, na fase de teste desta operação.
O INE é especialista em estatística e tem no país parceiros privilegiados para o ajudar. Assim, foi
estabelecida uma parceria entre o INE, a DGAI (Direcção-Geral da Administração Interna), a DGPJ
(Direcção-Geral da Política de Justiça) e a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), que formaram um grupo de trabalho para as tarefas neste contexto.
Este grupo de trabalho foi, em traços gerais, responsável pela tradução, adaptação e teste de tradução
da versão original da proposta do Eurostat de acordo com as seguintes fases: foi feita uma primeira tradução do inglês para português por um perito em tradução, com conhecimento das áreas do crime e da
justiça criminal; posteriormente foi feita uma tradução e adaptação das metodologias à realidade portuguesa, no interior do grupo de trabalho, com colaboração dos vários parceiros; de seguida, fez-se uma
retroversão para garantir que a tradução da primeira tradução estava bem feita e fez-se a comparação
com outras traduções internacionais; seguidamente foi efectuado um teste cognitivo laboratorial dentro
do grupo de trabalho; foram, por fim, efectuadas entrevistas e observadas as reacções dos respondentes
a esse tipo de questionário, o tempo que demoravam e o seu grau de compreensão. Nesta fase teve-se já
a preocupação de os respondentes serem de sexo e idades diferentes.
Foi depois feito um programa informático de suporte à construção da entrevista direccionada,
ainda sem a preocupação da realidade nacional, embora com alguns cuidados adicionais na selecção
desta amostra.
Seguidamente foi estabelecido um perfil do entrevistador, que também é importante, dado serem estas matérias muito sensíveis. Recebemos uma bolsa com um leque bastante lato de potenciais entrevistadores dos nossos parceiros da APS (Associação Portuguesa de Seguradores) e da APAV e procedemos
à sua escolha. A formação da equipa de entrevistadores esteve a cargo de técnicos da DGAI e da APAV.
Elaborámos então um documento metodológico que define todos estes procedimentos e criámos o
manual de entrevista, que é o utensílio de trabalho e um complemento para os entrevistadores. Foi feito
material de entrevista, como cartões, para mostrar aos respondentes, de modo a facilitar a abordagem.
Foi feito um levantamento de todos os conceitos existentes, foram estabelecidos os conceitos e feito
um trabalho de recolha de informação. Elaborámos um relatório intercalar que enviámos ao Eurostat
e depois um relatório final com as conclusões e a nossa opinião sobre os trabalhos que fizemos. Estas
acções decorreram entre Janeiro e Abril de 2009.
SLIDE 1 (2)
Os cidadãos da Europa esperam da União Europeia, enquanto garante do respeito pelas liberdades e direitos
fundamentais, uma abordagem mais efectiva dos problemas relacionados com o crime e com a segurança.
SLIDE 2 (3)
“Programa de Haia”
Adoptado em 4 de Novembro de 2004, pelo Conselho Europeu, estabelece os objectivos a perseguir nas áreas da
liberdade, segurança e justiça para o período 2005-2010.
Para monitorização dos desenvolvimentos verificados é, naturalmente, sentida a necessidade de informação estatística de
qualidade, comparável internacionalmente
SLIDE 3 (4)
“Programa de Haia”
“…European Council welcomes the initiative of the Commission to establish European instruments for collecting, analysing
and comparing information on crime and victimisation and their respective trends in Member States, using national
statistics and other sources of information as agreed indicators. Eurostat should be tasked with the definition of such data
and its collection from the Member States”.
50
SLIDE 4 (5)
“Plano de Acção Europeu 2006-2010”
Desenvolvido durante 2005, é apresentado através de Comunicação da Comissão, em 2006, sob a designação
“Desenvolvimento de uma estratégia compreensiva e coerente para medição do crime e da justiça criminal”.
SLIDE 5 (6)
“Plano de Acção Europeu 2006-2010”
4.3 - Definição e implementação de uma recolha regular de informação para o estabelecimento de indicadores comuns
_ metodologia para um inquérito à vitimação comum
_ tradução e teste de um questionário comum
_ implementação de um inquérito comum
SLIDE 6 (7)
Direcção-Geral de Justiça, Liberdade e Segurança
_ Grupo de Peritos – que analisa e recomenda sobre as necessidades dos utilizadores
_ Task Forces dedicadas a áreas específicas do crime
Eurostat
_ GT Estatísticas do Crime e Justiça criminal
_ Task Force Estatísticas do crime (fontes administrativas)
_ Task Force Inquéritos à Vitimação
SLIDE 7 (8)
Task Force Inquéritos à Vitimação
Mandato
1. Estabelecer uma metodologia para um inquérito à vitimação, tendo em consideração as experiências nacionais e
internacionais, e, em particular, o trabalho sobre a área já desenvolvido pela UNECE e UNODC, bem como o resultante
do contrato com a HEUNI
2. Analisar os resultados do teste ao inquérito à vitimação e apresentar um relatório sobre o assunto ao GT
3. Com base neste relatório propor os desenvolvimentos adequados à implementação do Inquérito à Vitimação
SLIDE 8 (9)
UNECE – U. N. Economic Comission for Europe
UNODC – U.N. Organisation for Drugs and Crime
(em conjunto com alguns países)
Task Force
_ levantamento dos detalhes dos Inquéritos à Vitimação
_ constituição de uma base de dados
_ Manual sobre os Inquéritos à Vitimação (aprovado pela Conferência de Estaticistas Europeus, em 2009)
SLIDE 9 (10)
HEUNI – Instituto Europeu para a Prevenção e Controlo do Crime
Responsáveis, sob contrato com o Eurostat, pelo questionário testado.
Este questionário foi desenhado com base em elementos obtidos a partir da BD UNECE/UNODC, pareceres com origem
no Grupo de peritos da DG JLS e informação adicional fornecida pelos Estados-membros
51
SLIDE 10 (11)
A resposta portuguesa ao desafio europeu
O último Inquérito à Vitimação foi realizado em 1994
_ Participação activa na TF Inq. Vitim.
_ Participação na fase de teste
Constituição de uma parceria aglutinadora dos saberes e experiências existentes a nível nacional, constituída pelas
seguintes entidades:
_ Instituto Nacional de Estatística (coordenador)
_ Direcção-Geral da Administração Interna
_ Direcção-Geral da Política de Justiça
_ Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
SLIDE 11 (12)
GT Inquérito à Vitimação (nacional)
Responsável pela tradução, adaptação e teste da versão internacional proposta pelo Eurostat,
de acordo com as seguintes fases:
1. Primeira tradução de inglês para português, por peritos em tradução com experiência nesta área
2. Revisão e adaptação de terminologias à realidade portuguesa
3. Back translation por perito em tradução, independente
4. Teste cognitivo laboratorial (simulação de entrevistas)
5. Construção do programa de suporte à captura da informação
6. Definição da amostra
7. Definição do perfil de entrevistador
8. Selecção de entrevistadores
SLIDE 12 (13)
GT Inquérito à Vitimação (nacional)
9. Formação da equipa de entrevistadores e supervisores
10. Elaboração do documento metodológico, manuais de entrevista e material de apoio à entrevista
11. Recolha e estabelecimento de conceitos associados
12. Recolha da informação (trabalho de campo)
13. Relatórios intercalar e final (o qual contém, para além da descrição das incidências do trabalho de campo,
receptividade dos respondentes, etc., conclusões e recomendações para as acções futuras)
Estas acções decorreram entre os meses de Janeiro e Dezembro de 2009
O questionário tinha as seguintes secções: começava por alguns elementos do agregado doméstico,
informação sobre os sentimentos de segurança e preocupações com a criminalidade; depois fazia o rastreio de situações de vitimação, seguido do historial dessas mesmas situações e outros aspectos relacionados com a segurança; e, finalmente, alguma observação muito sensível sobre a violência.
SLIDE 13 (14)
Questionário
A. Elementos caracterizadores do respondente e do Agregado Doméstico
B. Sentimento de segurança e preocupações com a criminalidade
C. Rastreio das situações de vitimação
D. Historial da Vítima
E. Outras situações de vitimação
F. Outros aspectos relacionados com a segurança
G. Violência
52
SLIDE 14 (15)
Questionário – Tabela de crimes
1. Roubo ou furto de veículos automóveis
2. Roubo ou furto do interior de veículos automóveis
3. Vandalismo ou outros danos em viaturas
4. Roubo ou furto de motociclos ou ciclomotores
5. Roubo ou furto de bicicletas
6. Assalto a residências principais
7. Outros assaltos a residências (secundárias)
8. Vandalismo ou outros danos da propriedade
9. Roubo
10. Furto
SLIDE 15 (16)
Questionário
E. Outras situações de vitimação
1. Fraude ao consumidor: bens e serviços
2. Suborno
3. Apoderamento ilícito de dados pessoais
4. Usurpação de identidade
SLIDE 16 (17)
Questionário
G. Violência
1. por pessoas desconhecidas
2. assédio sexual
3. por pessoas conhecidas
4. pelo(a) ex-companheiro(a)
5. pelo(a) companheiro(a)
A tabela de crimes estava associada à tabela de vitimação, onde constava o roubo dentro dos veículos
automóveis, vandalismo e danos nas viaturas, assaltos a residências, vandalismo ou outros danos feitos à
propriedade e roubo ou furto. A secção designada por “outras situações de vitimação” incluía fraude ao
consumidor, bens e serviços, suborno, uso ilícito de dados pessoais e usurpação de identidade. No que
diz respeito à violência, perguntávamos sobre a violência praticada por: pessoas desconhecidas, assédio
sexual por pessoas conhecidas; pelo(a) ex-companheiro(a) ou pelo companheiro(a).
A amostra foi, sobretudo, localizada nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e na região do Algarve. Foi dividida em áreas predominantemente urbanas, mediamente urbanas e áreas rurais, para ter
vários ambientes em que se inseriam vários respondentes.
QUADRO 1: AMOSTRA
Face aos objectivos muito específicos do teste, a amostra foi distribuída da seguinte forma:
Área geográfica
Total
Dimensão da amostra
Inicial
A atingir
1024
750
Área Metropolitana de Lisboa
509
375
Área Metropolitana do Porto
406
300
109
75
Algarve
53
QUADRO 2: TIPO DE ÁREA
E ainda, considerando o tipo de aglomerado populacional:
Predominantemente
urbana
Mediamente
urbana
Predominantemente
rural
Total
Total
844
125
55
1024
%
82,4
12,2
5,4
100
Foram testados vários métodos de captação da entrevista: entrevista por telefone, entrevista presencial com a secção sobre a violência por telefone, e a entrevista presencial na secção sobre a violência,
onde se propunha ao respondente que a auto-preenchesse, para, assim, facilitar. Aqui não foi testado o
CAUI, através da Web, porque a ferramenta ainda não estava disponível na altura. Apesar de todas estas
formas de propostas aos entrevistados, nós deixávamos, se fosse preferência deles, que as entrevistas
fossem feitas presencialmente, ou seja, que o entrevistador conduzisse a entrevista do princípio ao fim.
Em Portugal, contrariamente a outros países, continua a preferir-se a entrevista presencial. Mas raramente é feita em casa, as pessoas escolhem o café, um jardim ou a porta de casa. As pessoas que sofrem
mais episódios também os sofrem por mais tempo, e por isso considerámos que o questionário, que tinha 85 páginas na sua forma física, em papel, e cerca de 250 questões, era um questionário muito longo,
e fomos críticos em relação a isto, pelo que o tempo foi uma das coisas que pretendemos aferir.
QUADRO 3: MÉTODO DE ENTREVISTA
Total
Inicial
A atingir
1024
750
CATI (secções A a G)
366
250
CAPI/CATI (secções A a F / secção G)
329
250
CAPI/CASI (secções A a F / secção G)
329
250
QUADRO 4
Obtidas
Proposta de método
Completa
Recusa da secção G
Transfer from CATI
Completa
Sem a secção G
Transfer from CAPI/CATI
Completa
Sem a secção G
Transfer from CAPI/CASI
Completa
Sem a secção G
54
Total
CATI
CAPI /
CATI
CAPI /
CASI
CAPI
CATI /
CAPI
515
109
16
24
359
7
78
60
7
11
75
59
6
10
3
1
1
1
123
3
2
114
4
123
3
2
114
4
–
–
–
–
–
169
30
11
127
1
169
30
11
127
1
–
–
–
–
145
19
6
–
118
2
144
18
6
118
2
1
1
–
–
–
QUADRO 5: DURAÇÃO MÉDIA DA ENTREVISTA
Minutos
Frequência
< 11
%
25
4,9
11 - 20
133
25,8
21 - 30
135
26,2
31 - 40
93
18,1
41 - 50
42
8,2
51 - 60
27
5,2
61 - 70
18
3,5
71 - 80
14
2,7
81 - 90
12
2,3
91 - 100
7
1,4
> 100
9
1,8
515
100
Total
56,9
56,9
88,4
31,5
96,9..
8,5
3,2
Sinteticamente, as conclusões deste trabalho foram que a reacção das pessoas foi bastante positiva,
que a entrevista presencial continua a ser a preferida, que o questionário requer uma revisão de modo
a ser encurtado e que há algumas sobreposições e reposições, embora em algumas secções se devesse
completar a informação.
SLIDE 17 (23)
Conclusões sintéticas:
1. Afigura-se exequível a implementação deste tipo de inquérito
2. O CAPI parece ser, ainda, a forma de contacto preferida pelos respondentes
3. O questionário carece de uma revisão, de forma a encurtá-lo, e de simplificação, quer nos ciclos quer nas modalidades
de resposta ou texto das questões
4. Algumas repetições e sobreposições
5. Não obstante a recomendação no sentido do encurtamento, algumas secções ganhariam com pequenos complementos
de informação
6. A secção G (Violência) deverá ser objecto de análise muito cuidadosa face ao seu carácter sensível, no entanto, deveria
observar a violência psicológica de forma sustentada
O trabalho futuro tem início no próximo mês: esta task force especializada que trabalhou nos inquéritos à vitimação irá discutir os resultados ocorridos nos 16 países que participaram no teste, os
desenvolvimentos e o plano de amostragem, que é uma zona muito sensível que irá decidir a amostra e
os parâmetros de qualidade. Irá definir, também, qual a população-alvo a ser observada e a partir de que
idade, e ainda alguns aspectos práticos que têm a ver com os métodos de recolha. Irá também discutir o
regulamento-quadro do Parlamento e do Conselho, que regulará todo este projecto. A manterem-se os
prazos, em 2013 vamos ter a primeira vaga de um ciclo – que ainda não está estabelecido se será trienal
ou quinquenal – de inquéritos, mas agora já não de inquéritos à vitimação, mas sim à segurança.
SLIDE 18 (24)
Trabalho futuro:
No próximo mês reunirá a TF Inquéritos à Vitimação (Eurostat) para analisar e discutir:
_ os resultados dos testes ocorridos em 16 países da U.E.
_ o desenvolvimento do novo modelo de questionário
_ o plano de amostragem
_ população alvo
_ aspectos práticos do trabalho de campo
_ o projecto de Regulamento do Conselho e do Parlamento Europeu
_ etapas seguintes do Inquérito à Segurança
55
SLIDE 19 (25)
A renomeação do projecto, ainda em discussão, parece, no entanto, acolher uma concordância geral.
Perspectiva-se, assim, a manterem-se os calendários internacionais conhecidos nesta data, a concretização em 2013 da
primeira vaga de um Inquérito à Segurança.
56
PAINEL II:
DELINQUÊNCIA JUVENIL
PAINEL II:
DELINQUÊNCIA JUVENIL
Mário Mendes, Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna
Tenho o privilégio e a honra de moderar o II Painel destas Jornadas de Segurança, dedicado ao tema da
delinquência juvenil.
A questão da delinquência juvenil é, cada vez mais, uma preocupação multissectorial, que desagua
em questões de segurança, mas que tem a montante problemas muito mais vastos e complexos. Traduz,
na sua génese, o falhanço de instituições tradicionais, como a família e a escola.
Esta falha, resultante do modo de funcionamento das sociedades contemporâneas, não é um problema exclusivamente português, e levanta uma questão que é particularmente sensível e com que é difícil
lidar, a do falhanço das instituições a montante e o nascimento crescente de soluções securitárias para
resolução deste tipo de problema.
Este painel conta com a intervenção inicial do Dr. Pedro Barreto, que é sociólogo, mestre em Ciência Política e Social e doutorando do Instituto Universitário Europeu de Florença, em Ciências
Políticas e Sociais.
Na segunda parte deste painel haverá uma intervenção da Dra. Maria João Leote de Carvalho, que
é investigadora do Centro de Estudos de Sociologia da universidade Nova de Lisboa, doutoranda da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da mesma Universidade e que é detentora de uma experiência profissional diversa, quer como docente, quer ao nível da intervenção em algumas instituições que
asseguram a prestação de cuidados a menores.
61
APRESENTAÇÃO DO ESTUDO
SOBRE DELINQUÊNCIA JUVENIL,
REALIZADO PELO INSTITUTO
DE CRIMINOLOGIA
DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Pedro Barreto, Doutorando em Sociologia
Irei, de forma muito breve, apresentar os primeiros resultados do trabalho desenvolvido pelo Observatório de Delinquência Juvenil, cuja coordenação é da responsabilidade do professor Cândido de Agra.
Antes de o fazer gostaria, porém, de referir que o professor Cândido de Agra não pôde estar presente,
por compromissos previamente assumidos.
O Observatório de Delinquência Juvenil resulta de um protocolo celebrado entre a Faculdade de Direito da Universidade do Porto e os Governos Civis de Lisboa, Porto e Setúbal, homologado por S. Exa.
o ministro da Administração Interna. O observatório foi incumbido de realizar dois estudos.
2 ESTUDOS
Comportamentos
Visa caracterizar a delinquência juvenil nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Pretende caracterizar a dimensão,
estrutura e distribuição espacial do fenómeno.
Intervenção Social
Visa inventariar e caracterizar as respostas direccionadas para a prevenção de comportamentos delinquentes e anti-sociais
de jovens. Pretende, ainda, cartografar estas iniciativas em função das populações abrangidas.
Um primeiro estudo, denominado “Comportamentos”, tem por objectivo a caracterização da delinquência juvenil nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e visa a compreensão da dimensão do
fenómeno, a sua prevalência, frequência e as circunstâncias em que ocorre. Visa, também, conhecer a
estrutura dos comportamentos delinquentes, analisando algumas variáveis sociodemográficas, como
o género e a idade, e compreender a distribuição espacial do fenómeno. O segundo estudo, designado
“Intervenção Social”, tem por objectivo a identificação e a caracterização das respostas dirigidas à prevenção de comportamentos delinquentes e anti-sociais nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e o
mapeamento dessas iniciativas.
Em termos metodológicos, no estudo “Comportamentos” são contemplados dois inquéritos de
delinquência auto-revelada a jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 24 anos, das duas
áreas metropolitanas.
63
METODOLOGIA
Aplicação de um Inquérito de Delinquência Auto-Revelada (Questionário sobre Comportamentos Juvenis):
_ Em contexto escolar (3.ºCiclo do Ensino Básico e Ensino Secundário – cerca de 3.000 inquéritos);
_ Em contexto não escolar (jovens com idade igual ou superior a 18 anos).
_ Análise da delinquência juvenil registada pelas Forças e Serviços de Segurança nas duas Áreas Metropolitanas.
O primeiro inquérito desenvolveu-se em contexto escolar, abrangeu o 3.º Ciclo do Ensino Básico e
do Ensino Secundário, tendo sido aplicado a, aproximadamente, 3.000 alunos. Será sobre este inquérito,
em particular, que centrarei o resto da intervenção.
O segundo inquérito, em contexto não escolar, foi aplicado a mais de 1.300 jovens, com idade igual ou
superior a 18 anos. Os seus resultados estarão disponíveis em breve. A inclusão deste segundo grupo foi
considerada fundamental por abranger um conjunto de jovens que abandonaram o sistema de ensino
antes de concluírem a escolaridade obrigatória.
Estes dois inquéritos correspondem a versões traduzidas do International Self-Report Delinquency
Survey, permitindo, posteriormente, a comparação dos resultados de Portugal com os de outros países.
O Observatório de Delinquência Juvenil está, ainda, a analisar a evolução dos crimes praticados por
jovens que tenham sido participados e registados pelas forças de segurança.
Assim, neste estudo, pretende fazer-se uma articulação entre estes dois tipos de fontes: os resultados
do inquérito e os dados estatísticos da criminalidade registada.
Para a aplicação do inquérito escolar, foram seleccionadas 46 escolas, 21 no Distrito do Porto e 25 nos
Distritos de Lisboa e de Setúbal. A representação dos concelhos, por área metropolitana, foi obtida através de uma amostra aleatória de escolas, garantindo a amostragem de 20% de escolas por concelho.
AMOSTRAGEM E PROCEDIMENTOS (CONTEXTO ESCOLAR)
Distribuição de Escolas por Área Metropolitana e Nível de Ensino
Área
Metropolitana
Lisboa
EB 2/3
Ensino
Secundário
EB 2/3+
Secundário
Total
Porto
13
4
4
21
Lisboa
9
2
1
12
Setúbal
Total
9
3
1
13
31
9
6
46
A opção de constituir amostras representativas por nível de ensino, nos dois níveis, o 3º do Ensino
Básico e doEnsino Secundário, justifica-se pela estreita ligação entre nível de ensino e idade, sendo esta
uma das variáveis fundamentais na análise de comportamentos desviantes e delinquentes.
Após a identificação das escolas, foram seleccionadas aleatoriamente as turmas onde seria aplicado o
questionário, tendo sido obtido, previamente, o consentimento expresso dos encarregados de educação.
AMOSTRAGEM E PROCEDIMENTOS (CONTEXTO ESCOLAR)
Género e Idade dos Inquiridos, por Área Metropolitana
Área Metropolitana
do Porto
Género
Idade
64
Área Metropolitana
de Lisboa
Lisboa
Setúbal
Masculino
578
279
314
Feminino
722
361
397
Média
14,71
14,64
14,71
Mínimo/máximo
11/21
11/20
12/21
A amostra evidencia uma composição equilibrada no que concerne à idade e ao género, por área
metropolitana. No que respeita ao género, foram inquiridos 44,1% de jovens do sexo masculino e 55,9%
do sexo feminino. Em termos de idade, os resultados repartem-se da seguinte forma: 30,6% com idade
igual ou inferior a 13 anos; 36,4% com idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos; 26,2% com idades
entre os 16 e os 17 e, por último, 16,5% com mais de 18 anos. Esta última percentagem é necessariamente
inferior às outras, mas depois será compensada com o inquérito aplicado em contexto não escolar.
Os comportamentos delinquentes observados no estudo distribuem-se por três grandes categorias:
“crimes contra o património”, “crimes contra a integridade física” e “outra delinquência”.
COMPORTAMENTOS DELINQUENTES ANALISADOS
Contra o Património
Contra a Integridade Física
Outra Delinquência
Dano
Luta de grupo
Tráfico de droga
Furto em estabelecimento comercial
Agressão sem arma
Condução sem carta
Furto simples
Agressão com arma
Furto em viatura
Porte de arma
Furto de mota/motorizada
Agressão a animais
Furto de carro
Assalto a edifício
Ameaça/roubo
Receptação
Relativamente à prática destes comportamentos, foram colocadas questões quanto à sua prevalência
(praticados “alguma vez” ou “nos últimos doze meses”) e quanto à incidência (“quantas vezes”). A análise dos primeiros dados permite-nos verificar que 47,7% dos jovens reportam ter “alguma vez” praticado
um dos actos delinquentes considerados, enquanto 33,6% reportam ter cometido “pelo menos um”
destes actos “nos últimos doze meses”, uma incidência inferior à registada para uma só vez.
Observa-se algum equilíbrio entre os registos dos comportamentos delinquentes contra o património e contra a integridade física, sendo a prevalência ligeiramente mais elevada nestes últimos.
Analisando cada um dos comportamentos isoladamente, verifica-se que a condução sem habilitação legal constitui a conduta mais reportada, seguindo-se as agressões sem arma, o furto em estabelecimento comercial, os envolvimentos em luta e os danos. Esta análise leva-nos a relativizar um pouco
os resultados do presente relatório. Por outro lado, estes resultados não exprimem uma avaliação
jurídica externa das condutas, revelam sim a percepção dos jovens e adolescentes em relação aos seus
próprios actos. Revelam, também, níveis auto-críticos que são, por natureza, mais elevados nestas
faixas etárias. Apontam, ainda, uma tendência para confundir, em alguns casos, actos delinquentes
com comportamentos desviantes.
RESULTADOS (COMPORTAMENTOS DELINQUENTES)
_ 47,7% dos jovens reporta ter alguma vez praticado um dos actos delinquentes considerados;
_ 33,6% dos jovens reporta ter cometido pelo menos um desses actos nos últimos 12 meses;
_ Observa-se algum equilíbrio entre os comportamentos delinquentes contra o património e contra a integridade física;
_ Analisando cada um dos comportamentos isoladamente, verifica-se que a condução sem habilitação legal
constitui a conduta mais reportada. Seguem-se as agressões, os furtos em estabelecimentos comerciais,
os envolvimentos em lutas e os danos.
Continuando a análise dos dados, não existem diferenças significativas nas taxas de prevalência entre as duas áreas metropolitanas.
65
Considerando cada um dos comportamentos analisados de forma isolada, apenas se verificam diferenças significativas para a condução sem habilitação legal, que é bastante menor na área metropolitana
do Porto do que na de Lisboa.
Em geral, as raparigas apresentam taxas de prevalência bastante inferiores às dos rapazes: uma diferença superior a 20% e, em grande parte das condutas, muito superior.
A percentagem de jovens que reportam ter praticado actos delinquentes aumenta com a idade: o
aumento mais significativo regista-se na passagem dos 13 para os 14-15 anos, sendo a partir dos 16 anos
que se regista a maior percentagem de comportamentos delinquentes. A partir dos 16-17 anos, e todos os
estudos internacionais assim o apontam, há um declínio natural dos actos delinquentes.
RESULTADOS (COMPORTAMENTOS DELINQUENTES)
_ Não existem diferenças significativas nas taxas de prevalência entre as duas áreas metropolitanas;
_ Em geral, as raparigas apresentam taxas de prevalência bastante inferiores à dos rapazes – uma diferença
superior a 20%;
_ A percentagem de jovens que reporta ter praticado actos delinquentes aumenta com a idade – o aumento
mais significativo regista-se na passagem dos 13 anos para o grupo dos 14-15 anos. É a partir dos 16 anos
que se regista a maior percentagem de comportamentos delinquentes.
Para além dos comportamentos delinquentes, o estudo analisa também um conjunto de comportamentos desviantes, que estão especialmente associados aos estilos de vida juvenis, sem, no entanto,
deixarem também de constituir objecto de problematização social.
COMPORTAMENTOS DESVIANTES ANALISADOS
Ausência de casa durante a noite
Absentismo escolar
Desvio grupo
Distúrbios
Incomodar/assustar
Na variável “ausência de casa durante a noite”, considera-se a ausência sem o consentimento ou
conhecimento dos pais. O “absentismo escolar” é medido através de um conjunto de comportamentos
como o faltar às aulas sem razão aparente. A variável “desvio grupo” refere-se à provocação de distúrbios ou ao incomodar de outras pessoas, aquando das saídas com os amigos.
Quanto aos resultados dos comportamentos desviantes, verifica-se que mais de 18% dos jovens reportam ter passado pelo menos uma noite fora de casa sem conhecimento dos pais, sendo a prevalência
maior no sexo masculino (21,8%), do que no sexo feminino (15,3%), e, como seria expectável, aumenta
em função dos grupos etários. A percentagem dos jovens com idades de 14-15 anos com estes comportamentos desviantes é aproximadamente o dobro da dos jovens com idade igual ou inferior a 13 anos.
No que concerne ao absentismo escolar, não existem diferenças significativas entre as raparigas
(16, 4%) e os rapazes (15, 5%), embora as primeiras acusem uma percentagem ligeiramente superior.
Também o absentismo escolar aumenta à medida que se avança na idade.
66
RESULTADOS (COMPORTAMENTOS DESVIANTES)
_ 18,3% dos jovens reporta ter passado pelo menos uma noite fora de casa sem o conhecimento dos pais.
A prevalência é maior no sexo masculino (21,8%) do que no sexo feminino (15,3%) e, como seria expectável,
aumenta em função dos grupos etários (a percentagem de jovens com idades compreendidas entre os 14-15 anos
é aproximadamente o dobro dos jovens com idade igual ou inferior a 13 anos);
_ No que concerne ao absentismo escolar, não existem diferenças significativas entre as raparigas (16,4%)
e os rapazes (15,5%). Também o absentismo escolar aumenta à medida que se avança na idade.
Ainda nos resultados dos comportamentos desviantes, verifica-se que cerca de ¼ dos jovens reporta
já alguma vez ter “provocado distúrbios” ou ter “incomodado ou assustado outras pessoas”. As diferenças são significativas em função do género, com os rapazes a reportarem cerca do dobro deste tipo de
acções. No que respeita à variável idade, os dados apontam para uma prevalência destas condutas nos
jovens com idade igual ou inferior a 15 anos, diminuindo à medida que se avança nos grupos etários,
confirmando o declínio deste tipo de condutas na fase final da adolescência.
RESULTADOS (COMPORTAMENTOS DESVIANTES)
_ Cerca de 1/4 dos jovens reporta já alguma vez ter “provocado distúrbios” ou ter “incomodado ou assustado
outras pessoas”;
_ As diferenças são significativas em função do género, com os rapazes a reportar em cerca do dobro deste tipo
de acções;
_ Quanto à idade, os dados apontam para uma prevalência destas condutas nos jovens com idade igual ou inferior
a 15 anos, diminuindo à medida que se avança nos grupos etários – confirmando o declínio deste tipo de condutas
na fase final da adolescência.
Foi também identificada uma relação entre os comportamentos desviantes e os comportamentos
delinquentes, verificando-se uma associação clara entre os jovens que afirmam ter tido condutas delinquentes e os que tiveram condutas desviantes.
O questionário analisa, ainda, o consumo de álcool e de drogas. Quanto ao consumo de álcool, cerca
de 60% dos jovens inquiridos referem ter consumido álcool “alguma vez”. Esta percentagem regista um
decréscimo significativo quando se tem em conta a frequência e intensidade com que o fazem, sendo a
intensidade medida através do estado de embriaguez considerado pelos próprios.
Analisando a relação entre o consumo de álcool e a delinquência, verificam-se diferenças significativas entre os jovens que apresentam comportamentos problemáticos de consumo de álcool (77,3% afirmam ter praticado actos delinquentes) e os que não apresentam este tipo de comportamentos (39,4%).
CONSUMO DE ÁLCOOL
_ Aproximadamente 60% dos jovens inquiridos refere ter consumido álcool (cerveja/vinho ou bebidas fortes alguma vez.
Esta percentagem reduz-se significativamente quando se tem em conta a frequência e a intensidade com que o fazem;
_ Analisando a relação entre o consumo de álcool e delinquência, constatam-se diferenças significativas entre
os jovens que apresentam comportamentos problemáticos de consumo de álcool (77,3% afirmam ter praticado
actos delinquentes) e os que não apresentam este tipo de comportamentos (39,4%).
67
Quanto ao consumo de drogas, cerca de 10% dos inquiridos refere ter consumido drogas “alguma
vez” e 4,3% afirma tê-lo feito “nas últimas quatro semanas”. O consumo de cannabis é claramente o
mais reportado (9,7%), ficando o consumo de outras substâncias, como ecstasy, LSD, heroína e cocaína aquém de 1,5%. O ecstasy tem uma taxa de 1,4% e as outras três categorias, agrupadas, apresentam
uma taxa de 1,3%.
Constata-se uma associação forte entre o consumo de drogas e os comportamentos de delinquência,
com 91,4% dos jovens que consomem drogas a reportarem terem cometido, pelo menos “alguma vez”,
um acto delinquente.
CONSUMO DE DROGAS
_ Cerca de 10% dos jovens refere ter consumido drogas alguma vez e 4,3% afirma tê-lo feito nas últimas 4 semanas;
_ O consumo de cannabis é claramente o mais reportado (9,7%), ficando o consumo de outras substâncias
– ecstasy, LSD, heroína e cocaína – aquém de 1,5%;
_ Constata-se uma associação forte entre o consumo de drogas e a delinquência: 91,4% dos jovens que consome
drogas reporta ter cometido pelo menos alguma vez um acto delinquente.
Uma outra parte do questionário aborda a vitimação e a delinquência. A vitimação é analisada através de um conjunto de questões que incidem sobre oito experiências (ver figura abaixo), e quanto à sua
verificação ou não em contexto escolar, ou seja, em relação à sua ocorrência, fora e dentro das escolas.
VITIMAÇÃO E DELINQUÊNCIA
HUMILHAÇÃO
OU DIFAMAÇÃO
CIRCULAÇÃO DE IMAGENS
OU DE FOTOGRAFIAS
SEM CONSENTIMENTO
RACISMO
AGRESSÃO
SEM ARMA
EXPERIÊNCIAS
DE VITIMAÇÃO
AGRESSÃO
COM ARMA
AMEAÇA DE
AGRESSÃO
AMEAÇA-ROUBO
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FURTO
Quanto aos resultados de vitimação, verifica-se que, aproximadamente, metade dos jovens reporta
ter experienciado, pelo menos uma vez, uma situação nos últimos 12 meses. A prevalência destas situações é superior em contexto escolar (47,1%) à registada em contexto não escolar (27,2%).
A situação de vitimação mais expressiva em termos numéricos é a que se refere a actos de “humilhação, injúria ou difamação”, (29,8%) seguida da “ameaça de agressão” (20,7%) e do “furto” (20,1%).
Verifica-se, também, que a prevalência da vitimação violenta (ameaça-agressão, ameaça-roubo, agressão sem arma e agressão com arma) é bastante inferior à vitimação total.
RESULTADOS (VITIMAÇÃO)
_ Aproximadamente metade dos jovens reporta ter experienciado pelo menos uma situação de vitimação nos
últimos 12 meses;
_ A prevalência destas situações é superior em contexto escolar (47,1%) à registada em contexto não escolar (27,2%);
_ A situação de vitimação mais expressiva em termos numéricos é a que se refere a actos de humilhação,
injúria ou difamação (29,8%), seguida da ameaça de agressão (20,7%) e de furto (20,1%).
As situações de vitimação são significativamente superiores nos indivíduos do sexo masculino, com
56,1% dos rapazes a considerarem terem sido alvo de vitimação.
Os grupos mais jovens apresentam taxas de vitimação mais elevadas, cerca de 30% até aos 15 anos e
24% a partir dos 16 anos.
Um outro resultado interessante é o facto de que os jovens que reportaram terem cometido actos violentos registam duas vezes mais vitimação do que os jovens que não reportam este tipo de comportamentos.
RESULTADOS (VITIMAÇÃO)
_ A prevalência da vitimação violenta (ameaça-agressão, ameaça-roubo, agressão sem arma e agressão com arma)
é bastante inferior à vitimação total;
_ As situações de vitimação são significativamente superiores nos jovens do sexo masculino: 56,1% dos rapazes considera
ter sido alvo de vitimação;
_ Os grupos mais jovens apresentam taxas de vitimação mais elevadas: cerca de 30% até aos 15 anos e 24% a partir
dos 16 anos;
_ Os jovens que reportam terem cometido actos violentos registam duas vezes mais vitimação do que os jovens que
não reportam este tipo de comportamentos.
Terminaria com três considerações finais.
Uma primeira, para destacar a importância da criação do Observatório de Delinquência Juvenil enquanto instrumento científico essencial para a formulação de políticas informadas e sustentadas de
prevenção e repressão deste fenómeno.
Em segundo lugar, para sublinhar que a delinquência juvenil, como aliás já foi referido pelo senhor
conselheiro Mário Mendes, não é uma questão meramente policial: está associada a um conjunto de
transformações importantes que atravessam a sociedade portuguesa, desde relevantes alterações demográficas, à diminuição dos mecanismos informais de controlo, a alterações ocorridas na estrutura
familiar e também questões relacionadas com a imigração e com alguns problemas de inclusão. Todos
estes factores têm de ser analisados em conjunto para termos uma perspectiva integrada do fenómeno
da delinquência juvenil.
69
Por último, os resultados aqui apresentados necessitam de ser relativizados, pois traduzem apenas a
percepção que os jovens têm dos seus próprios comportamentos. É, contudo, muito importante perceber este fenómeno porque, embora seja diminuta a percentagem de jovens que depois, em idade adulta,
continuam a cometer crimes, uma parte significativa da criminalidade é cometida por adultos que, em
jovens, tiveram comportamentos delinquentes. E, terminando, sublinho ser muito importante que os dados destes inquéritos sejam analisados, também, em função das ocorrências participadas às forças e serviços de segurança, pois só assim haverá uma visão mais ampla do fenómeno da delinquência juvenil.
70
A DELINQUÊNCIA JUVENIL
PORTUGUESA EM PERSPECTIVA
Maria João Leote de Carvalho,
CESNOVA – Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa
Introdução 1
A delinquência juvenil é um problema social que remete para a prática de factos que, à luz da lei penal,
seriam qualificados como crime, por indivíduos criminalmente inimputáveis em função da sua idade,
no caso português e nos termos do modelo vigente, os menores de 16 anos de idade. Nesta linha, os seus
autores estão abrangidos por legislação específica no âmbito da protecção e intervenção judiciária relativamente à infância e juventude2. O modo como se define este conceito depende do entendimento que,
numa dada época e sociedade, se faz sobre estas duas categorias sociais, pelo que a reacção a este tipo
de actos não pode ser dissociada das mesmas.
Para se analisar esta problemática há que considerar outras linhas de orientação para além da estritamente jurídica. São situações que remetem para as interacções e as relações estabelecidas entre os indivíduos nos contextos onde a delinquência juvenil se manifesta, pelo que o enfoque que se procura valorizar
nesta comunicação é o sociológico, o que se refere às dinâmicas e aos actores sociais nela envolvidos, assim
como às formas de reacção dos mecanismos de controlo social quando colocados perante casos desta natureza. Para este efeito, a apresentação estrutura-se em torno de cinco pontos. Um primeiro é dedicado
ao processo de construção social deste problema, ao que se segue a identificação de alguns dos traços das
mudanças sociais em Portugal que se defende devem estar presentes na sua abordagem. Passa-se depois a
uma breve enunciação das diferentes fontes de informação a que se pode recorrer tendo em vista a caracterização da sua evolução, concluindo-se com uma discussão em torno de dinâmicas, desafios e riscos que,
em torno desta problemática, têm vindo a ser suscitados na sociedade portuguesa nos últimos anos.
Delinquência: o problema social
A preocupação social sobre a delinquência juvenil não é um dado novo. Se já Durkheim (1998) defendera a ideia de que a existência do desvio é um facto universal que terá de ser abordado em função das condições fundamentais da vida em sociedade, a crescente visibilidade e reconhecimento “da incapacidade
ou desadequação dos controlos informais da família, da escola e da comunidade para assegurarem a
conformidade (das crianças e jovens) em relação às regras que se supunham desejáveis para as crianças”
(Moura Ferreira, 1997: 915) impõe um aprofundamento da reflexão neste campo. A prática de actos
1 Este texto tem a sua origem num projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/43563/2008)
que se encontra em curso no âmbito de dissertação de Doutoramento em Sociologia, sob a orientação do Prof. Doutor Nelson Lourenço,
na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Para efeitos desta comunicação, cruza-se este trabalho com
outros estudos anteriormente realizados sobre delinquência juvenil e violência urbana em Portugal.
2 No âmbito da reforma do Direito de Crianças e Jovens, duas leis entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2001: a Lei de Protecção de
Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º149/99, de 1 de Setembro) e a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro). Enquanto
que a intervenção de promoção e protecção expressa na primeira se desenvolve relativamente a casos em que se verifica a ameaça dos
direitos essenciais (cívicos, sociais, económicos e culturais) da criança ou jovem até aos 18 anos de idade, a segunda fundamenta a razão da
intervenção não só na prática, e consequente prova, de um ilícito cometido entre os 12 e os 16 anos de idade, mas também na necessidade
de educação para o Direito, isto é, para os valores e normas essenciais à vida em comunidade no sentido da sua responsabilização perante
os comportamentos delinquentes manifestados. Nos termos do modelo vigente, um ilícito praticado por crianças até aos 12 anos de idade é,
em si mesmo, encarado como expressão do perigo em que o seu desenvolvimento se encontra, daí decorrendo a intervenção do sistema de
promoção e protecção.
71
delinquentes coloca em causa a segurança das sociedades, dos cidadãos, no fundo, do próprio Estado
de Direito constituindo, por isso mesmo, objecto de especial atenção nas sociedades contemporâneas.
Em Portugal, perante casos de delinquência juvenil que adquirem uma maior visibilidade mediática,
costuma levantar-se a interrogação de saber se existirá um aumento generalizado destas práticas comparativamente ao passado. Esta é uma pergunta que, de tempos a tempos, assola a opinião pública nacional, constituindo o centro dos debates, como se a avaliação dessa variação pudesse esgotar a abordagem
desta temática. Mas também a constatação desta linha de orientação não é recente, como se pode ver na
leitura de textos portugueses sobre a matéria que datam do início do século XX.
“Em quasi todos os paizes da Europa se tem notado um aumento consideravel da criminalidade precoce
d’ano para ano. Na Bélgica e na Holanda a delinquencia de menores duplicou em vinte anos. Na Espanha
triplicou no mesmo lapso de tempo. Na Russia, Austria, Hungria, França, Alemanha e Italia o aumento também foi enorme. Apenas em Inglaterra e talvez na Suissa, se tem constatado uma diminuição no numero de
menores condenados.” (Côrrea, 1915: 75)
Na maioria dos casos, a discussão tende a ficar restrita à tentativa de conhecimento sobre o seu aumento ou diminuição, ignorando-se que, mais importante do que a identificação de possíveis variações
estatísticas, é identificar, analisar e compreender os seus contornos actuais, única forma de potenciar
o desenvolvimento de políticas de prevenção mais eficazes. Acresce ainda o facto de não se dispor de
dados suficientes que possibilitem a concretização de uma análise diacrónica, fiável e rigorosa, que permita comprovar ou não esse possível aumento. Há que ter presentes as transformações sofridas tanto
nos modelos de intervenção, nomeadamente pela Reforma do Direito das Crianças e Jovens realizada
no início deste século, como nos instrumentos de recolha de informação, factores que obstam a comparações directas entre dados reportados a diferentes décadas. Para se poder ter uma resposta credível
a essa interrogação, impõe-se a leitura e análise de séries temporais longas, sustentadas num mesmo
quadro metodológico, situação que actualmente pode ser observada desde a entrada em vigor da Lei
Tutelar Educativa, em 1 de Janeiro de 2001. No mesmo plano, a discussão sobre a estatística oficial tem
de ter em linha de consideração as variações nos indicadores demográficos relativos aos escalões etários
visados, algo que poucas vezes se vê acontecer.
A actual dramatização e politização das violências e do crime tende a fazer crer que se está perante
um cenário social único, desvalorizando-se que não se trata de fenómenos novos; novos poderão ser alguns dos seus traços e das suas actuais dinâmicas, assim como dos contextos onde se produzem. Como
evidenciam Lourenço e Lisboa (1998) na abordagem sobre estas problemáticas, a preocupação sobre
estas questões e a ideia de se estar perante um seu agravamento numa linha sem precedentes não são,
historicamente, situações exclusivamente contemporâneas; inscrevem-se, pelo contrário, nos discursos
sobre a crise ou crises sociais que atravessam as sociedades em diferentes épocas, particularmente em
períodos de intensas e profundas mudanças.
“Não sei se percebem… as notícias que vejo na televisão e jornais é que é só jovens delinquentes, que os
jovens são todos falsos…” Alexandre, 17 anos, Medida Tutelar Educativa de Internamento em Centro Educativo (regime aberto)
Como se verifica pelas palavras do Alexandre3, vivemos em sociedades onde a percepção da existência de delinquência juvenil pode ser intensa, num funcionamento que oscila por ciclos, pois tal como
aparece com uma forte cobertura mediática em determinados momentos, logo a seguir se desvanece
e sai do debate público, potenciando-se a ideia de que não existindo no campo mediático também não
existirá no campo social.
3 Os excertos de textos, falas ou entrevistas com crianças e jovens apresentados nestas páginas resultam de diferentes pesquisas. De forma
a preservar a sua identidade, os nomes de pessoas ou locais foram substituídos por outros, fictícios. A maioria das situações apresentadas
de jovens em cumprimento de Medida Tutelar Educativa de Internamento em Centro Educativo foi obtida em 2006/2007 no âmbito do
Projecto Crianças e Jovens nas Notícias (FCT/POCTI/COM/60020/2004).
72
Emerge um discurso mediático que varia entre a negação do problema pela escassa visibilidade dos
casos e a sua intensa dramatização, com todos os efeitos negativos que advêm de tomadas de posição
que passam de um ao outro extremo (Carvalho et al., 2009a). E a verdade é que a percepção de um alargamento da delinquência a um maior número de jovens não se vê confirmada pelos dados existentes
relativos aos diversos patamares de intervenção oficial.
Indo um pouco mais longe, constata-se como as intervenções efectuadas pelos media sobre jovens em geral ajudam a difundir a ideia da juventude como “um mito ou quase um mito” (Machado
Pais, 1996: 34) destacando “um universo de juventude”, restrito e fechado, na linha do identificado
por Bourdieu (1980:145), um universo “de irresponsabilidade provisória: esses ‘jovens’ situam-se
numa espécie de terra de ninguém, onde são adultos para umas coisas e crianças para outras”. Este
posicionamento adquire uma especial importância no estudo da delinquência juvenil. A ambiguidade estrutural das sociedades em olhar os autores de actos delinquentes, ora colocando-os apenas
como vítimas dos sistemas sociais, ora do lado oposto, o da extrema perigosidade, acarreta eventuais ameaças em termos da manutenção da ordem social pelo eventual reforço de sentimentos de
insegurança assentes na simplificação e reducionismo da explicação destes fenómenos (Carvalho
et al., 2009a). Simultaneamente, pode promover o funcionamento destes jovens num duplo registo
– vítima vs, autor, agressor, na consciência dos efeitos das suas acções transgressoras –, variando os
mesmos esse registo conforme as circunstâncias em que se encontram e melhor se adequam aos seus
interesses (Carvalho et al., 2009b).
E esta dualidade, esta ambivalência na forma como as sociedades se posicionam perante os jovens,
encontra-se também traduzida nos modelos de intervenção social que visam a prevenção da delinquência. Assim sendo, passado quase um século sobre a situação enunciada por Côrrea, que interrogações
podem actualmente ser identificadas como prioritárias nesta área? Tomando como pano de fundo o
quadro traçado por Roché (2001) reportado à realidade social francesa, verifica-se que a controvérsia é
grande e a procura de resoluções para estes problemas não é consensual.
“Nos enfants sont-ils retournés à l’état sauvage? Rajeunissement des délinquants et aggravation des violences,
délits liés à l’origine ethnique ou brutalité des filles seraient à l’ordre du jour. Au point que certains élus
locaux se sont lancés dans la promotion de «couvre-feux», et qu’on se demande comment faire pression sur
les parents, et notamment s’il faut supprimer ou réduire leurs allocation familiales. Mais les avis divergent.
Certains avancent que cette façon de focaliser sur les délits des jeunes traduit un retour à l’ordre moral ou
à une idéologie répressive, d’autres prétendent au contraire qu’une proportion croissante de jeunes prend
effectivement part aux délits. Peut-on trancher ce débat?” (Roché, 2001: 13)
Revêem-se enunciados neste parágrafo quatro das principais preocupações identificadas nas conclusões do Seminário sobre Justiça de Menores na Europa, realizado sob a Presidência Francesa da
União Europeia, em Paris, em 2000: a diminuição do nível etário dos autores de delinquência; o agravamento do grau de violência nos actos cometidos, em especial contra pessoas; a crescente gravidade
de acções de violência racial e xenófoba e a violência exercida pelas raparigas na prática de delitos.
Estes eram alguns do pontos que, na transição para o século XXI, vinham a ser apontados como principais tendências a seguir com alguma atenção na evolução da delinquência juvenil no seio da União
Europeia (UE, 2000a).
Nessa altura, o Estado Português identificou com especial interesse outras três vertentes: o aumento
de uma pequena criminalidade, fundamentalmente de natureza patrimonial, que pela sua frequência e
visibilidade contribuía para o reforço de um sentimento de insegurança dos cidadãos e para a diminuição dos limiares de confiança nas instituições; o aumento dos actos cometidos em grupo, assim como a
variação desta natureza grupal (dimensão, constituição, papéis assumidos); e, finalmente, o tratamento
da temática pelos órgãos de comunicação social (UE, 2000b).
Para se avançar neste debate, como sugere Roché, requer-se a identificação das formas de produção
de delinquência a partir dos contextos onde se manifesta, dos protagonistas que envolve e dos instrumentos de reacção social de que se dispõe num quadro alargado de profundas transformações sociais
que atravessam a condição da infância e da juventude e que contribuem para a (re)construção social
destas duas categorias. Reflectir sobre esta problemática, atendendo às suas configurações na realidade
73
social portuguesa, implica necessariamente ter presente a diversidade e complexidade de modelos e
dinâmicas sociais que decorrem das profundas alterações demográficas, culturais, políticas, económicas e sociais registadas no país nas últimas três décadas e meia e em relação às quais se passa a centrar
o interesse desta comunicação.
Transformações sociais e delinquência na sociedade portuguesa
O conhecimento sobre a multiplicidade de formas e meios de se viver a infância e juventude é fundamental para a compreensão da delinquência juvenil. Vivemos em sociedades marcadas pelos “paradoxos da infância” (Qvortrup, 1999) que se caracterizam pela emergência de uma ambivalência entre
a retórica de discursos públicos que fazem a apologia do ideal romântico da criança e do seu lugar na
família e as práticas individuais e colectivas (políticas, económicas e sociais) em seu torno. A representação social da infância na contemporaneidade está enquadrada por um conjunto de princípios relativos
ao exercício de uma cidadania plena que a todos sugere uma definição de “bem-estar infantil” (Almeida,
2000:20). Contudo, as dificuldades começam quando, partindo do próprio ponto de vista das crianças,
se percebe como esse bem-estar é um dado longe de estar adquirido por muitas (Carvalho, 2004).
Deste modo, o entendimento sobre a delinquência não pode ser dissociado do conhecimento sobre as
(novas) matrizes de socialização de crianças e jovens. Os mais recentes estudos no campo da Sociologia
da Infância abrem novas perspectivas neste campo que são determinantes para compreender “o que a
criança faz daquilo que lhe fazemos” (Sirota, 2006:21).
Se é verdade que a segregação e exclusão marcam determinados contextos (Wacquant, 2007), as
transformações e abrangências dos processos de socialização obrigam a questionar a ideia de uma única forma de socialização, conhecida como interiorização de normas sociais, passando antes a ter de se
centrar o interesse em torno de diferentes formas de aprendizagem social e de competências da criança
como actor social, com margem de evolução e actuação para poder optar por diversos caminhos (Cusson, 2006). Tal é o que se vê reflectido no discurso de certos jovens colocados nos últimos anos em Centro Educativo, numa perspectiva que não era tão observável na década de 1990.
“Porque o meu caso, por acaso, é um daqueles em que eu ‘tou aqui mesmo, não é por falta de dinheiro, de
família, nem apoio mas porque prontos… foi esse o caminho que eu levei e escolhi quando era mais jovem.
Mas muitas pessoas que eu conheço, caem aqui dentro do Centro e nem sabem ler, nem escrever, porque a
mãe morreu cedo ou o pai, depois não têm ajuda (…) Eu moro num buraco, num bairro que é dos mais falados em todo o sítio, aparece na televisão e tudo, que tem lá muitos casos e é… são diferentes.” Rafael, 17 anos,
Medida Tutelar Educativa de Internamento em Centro Educativo (regime fechado)
Resta saber até que ponto esta auto-responsabilização resulta da intervenção institucional posta em
prática ou se, em fase anterior ao internamento, já o Rafael a manifestaria. A evolução do estatuto e da
organização da família, da escola e dos media mostram como de uma socialização vertical assumida
pelas instâncias tradicionais se tem de abrir o olhar para além desses campos, trazendo à superfície
formas de socialização horizontal, das relações entre pares, em torno de um puzzle fragmentado de
referências, de laços sociais e de quadros educativos que relativizam a importância de cada um dos
campos anteriores (Almeida, 2006). O grupo de pares assume, assim, uma importância tantas vezes
negligenciada: a sua actual valorização revela-se em termos de competências políticas ou de experiência social que as crianças desenvolvem no seu seio (Rayou, 2005), constituindo elemento fundamental
na análise sociológica. Assim sendo, as crianças não estarão totalmente sujeitas às lógicas sociais, pois
verifica-se que, cada vez mais, têm a palavra em múltiplos tipos de relações e que podem resistir às
desigualdades de origem e à acção de instituições, desenvolvendo trajectórias consideradas atípicas
(Gavarini, 2006). Tal obriga a ter em linha de conta as novas formas de experiências sociais (Dubet,
2003) no entendimento da pluralidade de campos de acção onde cada indivíduo se pode situar (Lahire,
2001). Daí que a transversalidade surja como uma necessidade imperiosa para perceber como estes
espaços e patamares interagem uns com os outros.
74
Tendo como pano de fundo um quadro de globalização, são vários os traços das mudanças sociais em
Portugal que devem ser considerados no estudo da delinquência.
O primeiro prende-se com as alterações demográficas e a construção de uma sociedade multicultural. Os olhares sociológicos desenvolvidos acerca da infância no Ocidente têm vindo a destacar um certo
paradoxo: quanto menor é o seu peso demográfico no total da população, maior parece ser o interesse
sobre a sua situação. Pode afirmar-se que quanto mais os adultos dizem desejar e gostar de crianças,
menor é o seu número, assim como vêem mais reduzido o tempo de que dispõem para estar com elas
(Qvortrup, 1999). A sociedade portuguesa não escapa a esta linha de orientação, e ao longo das últimas
três décadas que se vem a registar um acentuado decréscimo da população infanto-juvenil residente
(0-18 anos). Esta tendência decorre de um duplo envelhecimento da estrutura etária, que atinge tanto
a sua base como o seu topo: à continuada descida da taxa de natalidade tem vindo a contrapor-se o aumento da longevidade, com consequente crescimento da representatividade dos grupos etários mais
velhos. No início do século XXI residiam no território nacional pouco mais de um milhão e seiscentas
mil crianças, número drasticamente inferior ao registado em 1981, cerca de dois milhões e quinhentas
mil (Almeida e André, 2004). Esta diminuição tem vindo a atingir todos os escalões etários e todas as
regiões, ainda que em função de ritmos regionais diversos.
Outro aspecto a reter prende-se com os contornos da evolução registada em 2001: sem imigração,
todo o país apresentaria uma sobre-representação das crianças mais velhas e isso só não aconteceu porque as mulheres imigrantes transportam consigo modelos de fecundidade dos seus países ou culturas
de origem (Almeida e André, 2004). Constata-se, pois, como as migrações têm tido um papel primordial
nas dinâmicas sócio-demográficas em Portugal.
Um segundo traço das mudanças sociais tem a ver com as transformações da família, com a diversidade e complexificação de modelos e formas familiares, a par da diluição dos mecanismos informais de
controlo social. Exemplos destes processos, sobretudo ao nível dessa diluição, estão patentes na familiaridade com que a palavra ‘roubo’ se revela na pergunta que a Maria coloca à sua educadora:
“– Onde é que roubaste esse colar tão lindo? Onde é que roubas os teus colares?...”– perguntou a Maria, de
4 anos e meio, à sua educadora na sala do jardim-de-infância.
Se aos quatro anos e meio se acredita que a educadora rouba os seus colares, encarando-se esse facto com uma aparente normalidade que leva a questioná-la abertamente, dificilmente compreendendo
outras possíveis explicações que posteriormente lhe foram fornecidas na sequência desta interrogação,
tal decorrerá, em larga medida, dos modelos de referência familiar e social onde se cresce e onde a tolerância e aceitação do desvio é uma realidade.
Cada família evidencia-se como um dos lugares privilegiados de construção social da realidade nas
suas dimensões de espaço físico, relacional e simbólico, com a sua própria trajectória, envolvendo diferentes estratégias de ruptura e continuidade. Estes percursos têm de ser observados enquanto produto
de combinações particulares das estruturas englobantes com as oportunidades estratégicas, legítimas
ou não, que decorrem de processos de interacção e troca onde cada indivíduo se encontra localmente
inserido. É aí que se opera e resolve, a um nível mais restrito, a regulação dos conflitos, assegurando-se
a articulação entre interesses e objectivos de natureza individual e colectiva.
Embora a multiplicidade de situações familiares não seja um facto novo, algumas das configurações
actuais tornam a definição do conceito de família objecto de especial cuidado. Diversamente da sua
variação quantitativa, é ao nível da sua estrutura, da natureza das dinâmicas e dos papéis familiares que
se vêem reflectidas as mais importantes transformações, como se depreende do excerto de ocorrência
policial a seguir apresentado.
“Foi contactada a mãe do menor [14 anos] que informou que devido ao trabalho que exerce não lhe é possível acompanhar devidamente o seu filho, sabendo que nos últimos meses ele tem faltado com frequência à
escola sendo visto no bairro onde reside com outros indivíduos na mesma situação, adiantando que durante
o fim de semana é habitual ausentar-se da sua residência desconhecendo onde permanece durante a noite.”
Excerto de ocorrência policial de esquadra da AML [furtos, ameaças, danos]
75
Outras variáveis relativas à família apontam para uma realidade plena de transformações no país:
conjugalidade tardia, aumento das taxas de divórcio, novos modelos de relacionamento (coabitação,
famílias monoparentais), maior percentagem de crianças nascidas fora do casamento (Wall e Amâncio,
2007). Apesar da aparente e muito discutível perda de autoridade, os pais devem continuar a ser os
protagonistas da educação dos filhos, sendo certo que os modelos de relacionamento no seio da família
estão a mudar. A emergência de determinadas formas de (re)composição familiar tem vindo a tornar
visíveis outros actores sociais que, para além do pai e mãe, ocupam um lugar de destaque em muitos
grupos domésticos, como os avós, os tios e os padrastos ou madrastas. Em alguns casos surgem de forma
abrupta, sem que haja espaço para a integração de novas relações de autoridade ou a reconstituição dos
afectos rompidos; noutros dá-se precisamente o inverso.
Fortemente associado às transformações na família, encontra-se o terceiro traço que se prende com
a evolução do direito à educação nas últimas décadas. Vive-se actualmente um momento de ruptura
do pacto histórico que permitiu a consolidação e a expansão do sistema educativo português, fundado
numa lógica de instrução pública que visou a integração de todas as crianças na escola, em função de um
ideal de manutenção e construção da cidadania nacional. A crescente institucionalização dos quotidianos e tempos de vida das crianças e dos jovens torna evidente o papel da escola como principal espaço
de disputa social nestas idades, daí emergindo choques culturais, sociais, étnicos, religiosos e de género.
Associados aos reflexos da massificação do ensino, esses choques podem revelar-se de forma brutal em
torno da necessidade de afirmação pessoal e social que pode basear-se em linguagens e acções fortemente segregadoras, mas que nada mais são do que o espelho de como, desde muito cedo, as experiências de não inclusão escolar e social vêm a marcar a vida de muitas crianças.
A garantia de sucesso escolar para todos os alunos constitui uma exigência que a instituição escolar
passou a ter de assegurar visando a efectivação de princípios de igualdade de oportunidades que não
pode ficar restrita à mera possibilidade de acesso e entrada no sistema educativo. A ideia de uma responsabilização das comunidades, e em particular dos estabelecimentos de ensino, pelo desenvolvimento dos percursos educativos das crianças e jovens difundiu-se a vários níveis e os debates em seu torno
vêm acontecendo um pouco por toda a parte. As actividades escolares são o novo trabalho das crianças
– “o ofício de aluno” (Sarmento, 2000), delas requerendo uma larga ocupação do seu tempo diário.
Simultaneamente ao desenvolvimento desta visão de criança-aluna está intimamente associada uma
outra imagem, a da criança-consumidora, que mantém activos certos nichos de mercado constituindo
um público particular e preferencial de determinadas acções que sustentam sectores económicos específicos (Sarmento, 2000).
O progressivo alargamento da escolaridade obrigatória para os 18 anos de idade/12.º ano constitui
um enorme desafio e, perante este quadro, interessa saber se às aceleradas mudanças sociais ocorridas
no país tem vindo a corresponder o desenvolvimento de uma instituição escolar flexível e suficientemente permeável a reajustamentos que levem necessariamente a outras direcções que não as tradicionais, porque os actuais contornos da realidade social a isso obrigam. É notória a importância do papel
das escolas, seja de que grau forem, na detecção das situações de risco e na promoção de uma acção
verdadeiramente educativa que venha a abranger todas as crianças e jovens.
Paralelamente a este processo, evidencia-se um quarto traço das mudanças sociais que se reporta
à difusão das novas tecnologias de informação e comunicação nos mais diversos patamares da acção
humana pela edificação de uma sociedade de informação que vem a expandir-se vertiginosamente nos
últimos anos. Neste âmbito, há que salientar o importante papel dos media enquanto instância de socialização na infância e na juventude: novas redes sociais e os mais variados equipamentos e tecnologias marcam o quotidiano infanto-juvenil. Estilos de vida difundem-se rapidamente pelo mundo inteiro
assumindo um carácter de universalidade, e as referências identitárias para a maioria das crianças e
jovens constroem-se mediante padrões e lógicas de acção comuns, independentemente do ponto do
planeta onde se encontram. Mas não são apenas os mais novos que sofrem directamente esta influência,
também os mais velhos a vêem repercutida nas interacções que desenvolvem. Em contextos marcados
pela globalização, os modos de vida actuais estruturam-se em torno de um ideal de ordem social que
se afasta de todos os tradicionais e onde a transnacionalização dos problemas sociais e a percepção de
risco, individual ou colectiva, são determinantes.
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Por último, evidencia-se um quinto traço que se prende com as profundas alterações do mercado de
trabalho e da economia, às quais se associa um conjunto de indicadores específicos relativos a diversas
formas de exclusão social e de pobreza. Falar da sociedade portuguesa contemporânea implica ter presente as desigualdades sociais que ainda se mantêm para muitas crianças, jovens e respectivas famílias
e que traduzem as dificuldades de um país que, apesar da evolução e níveis de progresso alcançados ao
longo das últimas décadas, continua a debater-se com certos problemas na satisfação de necessidades
básicas de segmentos da sua população. Em estudo realizado recentemente sobre estas matérias (Costa
et al., 2008), os menores de 17 anos são um dos grupos mais representativos entre os pobres no país, com
um valor que ronda os 20%, logo a seguir aos que se situam no escalão dos 35-54 anos (24,8%). Relativamente à incidência da pobreza, apresentam um valor na ordem dos 24%, colocando-se entre os três
grupos mais vulneráveis na sociedade portuguesa a par da população idosa, 65-74 anos (24%), ou muito
idosa, mais de 75 anos (36%).
Subjacente a este quadro de mudanças sociais, que se teve a oportunidade de ir elencando sem uma
preocupação de exaustividade, há que atender a dois vectores-chave fundamentais na análise da delinquência juvenil: o espaço e o tempo.
O conhecimento das novas formas de gestão e ocupação do território nacional, designadamente das
transformações do tecido físico (sub)urbano à luz das opções consubstanciadas em processos de urbanização, é incontornável na reflexão actual sobre esta e outras temáticas. À modificação do uso do
espaço está associada uma elevada mobilidade geográfica decorrente da expansão das vias de comunicação e da existência de novos territórios, de grandes áreas metropolitanas, diversas, plurais, onde se
concentram recursos mas também desigualdades sociais. Em diferentes concelhos do país, às zonas de
construção ilegal veio a suceder-se a construção de bairros sociais de realojamento para onde foram
deslocadas populações com o fim de atribuição de novas e melhores condições habitacionais. A questão
principal reside em saber se os problemas sociais anteriormente identificados se mantêm nestes novos
contextos numa linha de reprodução social ou se, de facto, através desta mobilidade as populações têm
conseguido capacitar-se socialmente.
Um dos mais importantes pontos nesta análise tem a ver com as formas de apropriação do espaço
pelos jovens. A estes contextos sobrepõem-se relações de força e de poder entre os diferentes grupos
sociais, a partir das quais se tende a colocar a delinquência estritamente de um dos lados, como se não
fosse um fenómeno transversal a toda a sociedade. As ditas “incivilidades” dos jovens, legais ou ilegais,
marcam o quotidiano das grandes cidades, desenvolvendo-se em relação às mesmas uma forte ressonância social pela sua visibilidade e frequência no espaço público. Enquanto violação às regras elementares da vida social, mesmo que dentro da legalidade, são sentidas como fricções que abrem brechas na
estrutura social estabelecida, atingindo o cerne das relações individuais, e acabam por minar a confiança dos cidadãos na eficácia das instituições (Roché, 1993).
O tempo é outra variável fundamental para este tipo de abordagem. O jovem vive, essencialmente,
em função do tempo presente, do que é imediato e visivelmente atingível, situação que se reflecte
tanto na passagem ao acto delinquente, como obriga também a pensar a oportunidade da reacção
social em relação ao mesmo. Sabendo-se como a eficácia das decisões tomadas diminui com o tempo
de demora na intervenção, potenciando o fenómeno de reincidência, a enunciação destas situações
evidencia a difícil conciliação entre o respeito por direitos e garantias processuais e o sentido da passagem do tempo pelo jovem, que não é o mesmo que o percebido por um adulto (Trépanier, 2008).
Acresce, em muitas situações, a dificuldade de encontrar respostas sociais e educativas para a aplicação de diversas medidas, nomeadamente quando se trata de procurar alternativas na comunidade
envolvendo a sociedade civil; uma sociedade que tenderá muitas vezes a não se ver como parte da
solução do problema da delinquência juvenil, evitando o compromisso com o desenvolvimento de
qualquer intervenção.
Simultaneamente, assiste-se à modificação dos processos de transição para a vida adulta, traduzida
no alongamento da condição de jovem, o que obriga a repensar a extensão deste conceito. Não se trata
apenas de ver como o prolongamento da condição de jovem aqui se reflecte e vem a caracterizar parte
de uma criminalidade jovem-adulta que mantém traços característicos dos mais novos (maior imprevisibilidade nas acções e crescentes riscos), mas igualmente como a entrada precoce de muitas crianças
77
na designada juventude, pelo antecipar de comportamentos que são mais próprios de jovens do que da
infância, se pode manifestar numa eventual precocidade neste tipo de práticas.
Delinquência juvenil: fontes de informação
Quando se fala sobre delinquência juvenil importa não esquecer que existem diferentes delinquências, consoante as fontes de informação a que se atender. A delinquência é um fenómeno plural, diverso, que encerra muitas expressões em si mesmo (Carra, 2001). Conhecê-la a partir dos contextos
sociais onde se produz é uma coisa; conhecer os processos que levam ao seu recenseamento nos sistemas oficiais é outra.
Diversos estudos a nível internacional centrados na aplicação de inquéritos de delinquência auto-revelada apontam para que entre 65% a 90% dos jovens assuma que alguma vez participou em delitos.
No entanto, somente cerca de 10% dessa delinquência virá a ser participada à Polícia e entre 4 a 5% é
que tenderá a ver-se sancionada pela acção dos tribunais (LeBlanc, 1977; Queloz, 1994; Roché, 2001;
Thornberry e Krohn, 2003). No âmbito de estudos realizados em França, é digno de registo que se tenha
constatado que somente entre 1% a 5 % dos delitos menos graves e 5% a 10% dos delitos mais graves
sejam participados à Polícia (Roché, 2003). Perante este quadro, na análise de dados e resultados de
estudos é necessário ter em atenção os condicionamentos que a leitura de uns e outros dados, de natureza diferenciada, implicam em si mesmos, dificilmente se podendo ficar por comparações directas
que ignorem estas limitações. Importa reter que cada fonte de informação apenas permite o acesso a
fragmentos de uma realidade complexa e multidimensional.
“Há aqueles que roubam e ficam com a mania da perseguição da Polícia. Eu não! Se vierem, vieram. (...) A
sorte deles é que não estava ninguém do meu bairro porque aí eles apanham-me sempre sozinho…” Manuel,
14 anos, Medida Tutelar Educativa de Internamento em Centro Educativo (6 meses em regime fechado + 1
ano em regime semiaberto)
Tendo como quadro de fundo a evolução do número de ocorrências envolvendo menores de 16 anos
de idade registadas a nível nacional pelas autoridades policiais num período de 15 anos (1993-2008)4,
observa-se a existência de quatro pontos de caracterização que interessa identificar.
O primeiro reporta-se ao peso relativo destas ocorrências no total da criminalidade registada, sempre com valores muito reduzidos (variando entre 1% e 2%) ao longo dos anos em análise. Paralelamente,
num segundo ponto revela-se que existe um padrão de evolução diferenciado do seguido pelo total da
criminalidade registada, ou seja, as variações que se observam neste campo não seguem de modo idêntico, ou até mesmo próximo, as observadas no global da criminalidade registada. Tal pressupõe determinadas especificidades em relação às quais não se pode dissociar a análise das tendências dos indicadores
demográficos relativos a estes escalões etários. O terceiro ponto evidencia um aumento do número de
ocorrências na segunda metade da década de 1990, que veio a culminar com um pico no ano de 2000, a
partir do qual se vem observando uma tendência para o decréscimo (mais acentuado entre 2000 e 2002)
ao que se seguem variações pouco significativas em torno de uma certa estabilização e nova tendência
para um certo decréscimo desde 2003, mais forte entre 2007 e 2008.
Foi na segunda metade da década de 1990 que se registou um aumento dos níveis de violência que,
desde essa altura, vêm a tomar diferentes formas. Neste âmbito, não é de descurar o papel que alguns
dos então jovens nessa época, agora na casa dos 24-29 anos, principais protagonistas de parte dessa
delinquência mais violenta, que crescia à luz de um modelo de intervenção que se revelava inadequado
(Organização Tutelar de Menores), continuam a assumir no âmbito de uma criminalidade jovem-adulta,
especialmente na esfera das áreas metropolitanas. Mais do que isso, mesmo quando em cumprimento
4 Para esta análise teve-se como fontes de informação os Relatórios de Segurança Interna, do Ministério da Administração Interna e Análise
Sistemática da Criminalidade Participada à PSP e GNR (1993-1999)-Relatório Final, da autoria de Nelson Lourenço, Manuel Lisboa, Graça
Frias e Edite Rosário, SociNova, 2000, FSCH, Universidade Nova de Lisboa (documento não publicado).
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de pena de prisão ou até mesmo na sequência de morte acidental ou noutras circunstâncias (como pela
prática de delitos), os seus nomes mantêm-se em circulação, constituindo-se como ídolos para os mais
novos. Este é um aspecto que importaria aprofundar e que é visível quando se analisam as redes sociais
e os grupos de convivialidade daqueles que agora são objecto de intervenção pelas autoridades policiais
ou judiciárias nos escalões mais novos.
Finalmente, num quarto ponto, realce para alguns dos seus traços distintivos ao longo destes 15 anos:
trata-se de uma delinquência essencialmente urbana/surbana; esmagadoramente associada ao sexo
masculino e fundamentalmente de natureza patrimonial.
Passando a um outro patamar de intervenção, relativamente às principais linhas de orientação
emergentes, na análise sobre os inquéritos tutelares educativos ressalta que, entre 2001 e 2005, em
média, 15% dos processos tutelares educativos passou da fase de inquérito à fase jurisdicional (Fonseca, 2008). Entre 2002 e 2006, os arquivamentos promovidos pelo Ministério Público resultaram
de se ter concluído pela inexistência de facto ou pela insuficiência de indícios (53,6%) e pela desnecessidade de educação para o Direito (16,2%) nos casos em que o facto era qualificável como crime
punível com pena de prisão de máximo não superior a três anos (Castro, 2009). De referir ainda um
número indeterminado de arquivamentos por desistência de queixa por parte da vítima, assim como a
suspensão provisória do processo, esta última sempre com um valor inferior a 1% em cada ano. No que
diz respeito à aplicação de medidas tutelares educativas, realce para as variações pouco significativas
registadas entre 2001 e 2009, detectando-se neste campo a tendência para uma maior representatividade de rapazes e do escalão 16-17 anos.
Delinquência(s): dinâmicas, desafios e riscos
Passando a centrar o interesse em alguns dos mais importantes traços de caracterização que se podem identificar nas delinquências de jovens recenseadas oficialmente em Portugal, o primeiro que
se revela aponta para que não exista uma distribuição de forma igualitária entre os jovens, ou seja,
uma minoria tende a ser responsável por um elevado número de delitos. Estar-se-á perante percursos
de vida marcados por reincidência, maioritariamente decorrentes de trajectórias de início precoce.
Quando se analisa a sua evolução e se identificam os processos de mudança nesse percurso (manutenção, desistência, reincidência, agravamento), constata-se que um início precoce na prática de ilícitos
tende a estar mais associado às formas de delinquência mais graves e persistentes ao longo de uma
vida. Seria pois desejável uma intervenção atempada que não desvalorizasse os sinais consecutivos de
alerta, que o ser identificado em registos oficiais das autoridades policiais ou judiciárias por si mesmo
pode traduzir5.
Colocam-se aqui em causa as formas de reacção social de que uma sociedade dispõe ou que põe em
execução perante situações desta natureza e se, ao desvalorizar a importância desses actos, não estará
também a contribuir para o reforço destes percursos desviantes pelo sentimento de impunidade que
traduz a ausência de qualquer acção, logo num nível informal. Da análise de ocorrências policiais e pela
identificação de casos de reincidência, alguns persistentemente ao longo de anos, releva-se a necessidade de uma reacção que averigúe da natureza, dimensão e significado dos factos e da oportunidade (ou
não) de outro tipo de intervenção.
5 Nem todas as crianças que praticam actos delinquentes vêm mais tarde a manter-se neste mundo ou no do crime. Não existe um
determinismo social, e o que aqui é relevado remete para um amplo campo de probabilidades onde se conjugam vários factores a partir do
que foi identificado na análise dos percursos de vida de jovens e adultos que vieram a tomar contacto com o sistema de Justiça nos mais
diferentes pontos do mundo (OJJDP, 2003).
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A problematização das consequências da exigência da queixa inicial nos crimes particulares e de não
desistência de queixa no decorrer do inquérito tutelar educativo6, mais do que se limitarem a uma visão
estritamente jurídica no âmbito da Lei Tutelar Educativa, obrigam a levantar outras interrogações de
carácter sociológico que se afiguram preocupantes e que incidem sobre as dinâmicas sociais na população portuguesa. Como entender a ausência de capacidade, de iniciativa, por parte de quem foi vítima,
quando se dispõe de meios para o fazer mas, por razões de ordem diversa, não se quer accioná-los?
O problema que se levanta é o de saber se não estaremos perante uma sociedade que se alheia
e demite do exercício de cidadania activa perante as gerações mais novas, transmitindo-lhes um
sentimento de impotência, de impunidade ou de medo que poderá favorecer o reforço da não conformidade às normas sociais e jurídicas. No âmbito da Lei Tutelar Educativa, o legislador terá
pretendido relevar o papel activo da vítima neste processo em detrimento de uma visão que a remetesse para uma subalternidade que poderia ser entendida como uma restrição aos seus direitos, liberdades e garantias numa sociedade que se deseja democrática e com a participação efectiva e plena de todos os seus membros. No entanto, basta olhar para os números da desistência de
queixas nos processos tutelares educativos (PGDL, 2009) para se perceber que este será um problema que, mais tarde ou mais cedo, acabará por colocar em causa os alicerces da vida social.
Outro importante aspecto a destacar prende-se com os resultados de estudos realizados com jovens
(delinquência auto-revelada) que não confirmam a significativa sobre-representação de indivíduos de
estratos sociais mais desfavorecidos, a esmagadora presença de rapazes, bem como os elevados níveis de
estrangeiros nas estatísticas oficiais da Justiça (Gersão e Lisboa, 1994; Simões, 2007). Ainda que não seja
uma situação exclusivamente nacional, uma leitura restrita das estatísticas oficiais e dos estudos existentes pode levar a situar o fenómeno da delinquência juvenil essencialmente, ou quase exclusivamente,
junto daqueles que provêm de estratos sociais socioeconómicos mais desfavorecidos num acentuar de
problemáticas negativas. No entanto, sabe-se que tal não corresponde à realidade social, devendo ter-se em linha de conta os procedimentos de recolha de informação e a natureza dos dados recolhidos,
a maioria junto dos sistemas oficiais de justiça que se constituem como o último patamar de acção dos
mecanismos formais de controlo social. Como outras problemáticas, a delinquência atravessa todas as
classes sociais variando apenas a intensidade e o grau de visibilidade que a mesma adquire em função
da eficácia dos mecanismos informais de controlo social que os actores de uns e outros estratos sociais
dispõem para os suster (Gersão, 1998).
Da análise da informação existente, evidencia-se também um conjunto de especificidades na actuação delinquente em função do género que poderá ajudar a explicar, até um certo ponto, a questão da
(in)visibilidade das raparigas nos dados oficiais. Por um lado, estas poderão estar mais associadas a uma
pequena delinquência patrimonial, muito em torno de determinados produtos e objectos, que tende a
escapar à acção dos mecanismos formais de controlo social; por outro, parte das suas acções mais graves
poderão estar enquadradas por redes e grupos organizados, eventualmente relacionados com outras
problemáticas que favorecem a sua permanência num lado mais oculto da vida social (tráfico de pessoas, prostituição, tráfico de droga).
No presente, o recurso crescente a tecnologias de informação/comunicação assume contornos importantes na forma de execução, disseminação e organização das práticas delinquentes. Disso é exemplo o recurso a telemóveis para circulação de mensagens e a redes sociais para divulgação de situações.
Facilmente um grupo de 5-6 elementos toma a proporção de um ajuntamento de 30, 40 ou mais. Nesta
linha, é significativa a variação da percepção dos actos pelos próprios jovens (e por determinados grupos sociais) que tendem a usar uma linguagem reveladora destas novas realidades.
6 Decorrente da consagração do princípio da legalidade no processo tutelar educativo previsto na lei, é considerada a faculdade de denúncia
por qualquer pessoa junto dos serviços do Ministério Público ou de órgão de polícia criminal de facto qualificado pela lei como crime
praticado por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos. Conforme previsto no Art.º 72.º, ponto 2, da Lei Tutelar Educativa,
tal só é aplicável desde que para esse procedimento não se esteja dependente de queixa ou de acusação particular em função da natureza
do crime. Pretendeu o legislador relevar a iniciativa do ofendido seguindo as regras comuns ao processo penal, por se considerar que as
razões que se aplicam aos adultos permanecem válidas para os menores de 16 anos. De entre estas, é apontada a natureza bagatelar da
criminalidade em causa e a inconveniência ou até mesmo o prejuízo que podem advir para os interesses do ofendido, eventualmente em
situações associadas à sua esfera pessoal e familiar (Rodrigues e Fonseca, 2000).
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“Eu roubar?! ... Roubar não, nunca furtei um carro, isso é fatela, nunca andei a conduzir! (...) Não, não furtei
nada, não furto, já ‘apanhei’, já ‘apanhei’ mas eu não ando para aí a furtar, só ‘apanhei’ lá no [hipermercardo].
Vamos lá da escola, tem lá uma nova Play Station que dá para jogar e vamos lá, vamos lá ver dos chocolates e
depois metemos nas caixas e tiramos. Vem o segurança e não vê nada que está lá a caixa e já comemos tudo.“
Vasco, 11 anos, 4º ano de escolaridade
A utilização de termos como ‘apanhar’, ‘tomar’ no lugar de furtar ou roubar associa-se a códigos de
conduta onde a condenação moral dos actos delinquentes se tende a efectuar apenas a partir de um certo patamar, como é patente na fala do Vasco, para quem somente os ilícitos associados à delinquência
rodoviária eram vistos numa perspectiva de violação das normas. Torna-se importante verificar até que
ponto é que a variação e tolerância se estendem a outros sectores da sociedade portuguesa e quais os
seus efeitos na socialização dos mais novos.
Numa sociedade que faz da segregação um modo de gestão social, os laços de sociabilidades e as relações de poder em determinados territórios são construídos em torno de limites bem conhecidos, o que
possibilita ter uma ideia aproximada sobre as possíveis repercussões da violação desses códigos sociais.
Mas se por um lado se observam e mantêm rituais, por outro a desregulação constante pode afectar a
sua ordem. De uma maneira geral, as crianças e jovens são eloquentes sobre as suas relações sociais, sobre a importância de determinados valores e também sobre a violência nas suas vidas. Em muitos casos
esta acaba por servir para a construção das suas competências, não apenas em termos de preparação
para o seu futuro funcionamento em sociedade, mas estrutura, já no presente, as suas relações actuais
entre pares contribuindo para a organização social e posicionamento no universo da sua classe (Rayou,
2005). Neste âmbito, uma das expressões mais difundidas pela prevalência de subculturas do desvio e
violência passa por uma valorização exacerbada do ‘banditismo’ desde idades muito novas, assentes
num certo culto da virilidade que não é exclusivo do sexo masculino.
“Ah! Eu quero ser ladrão, quero ser ladrão! Conheço mais ou menos muitos ladrões. (...) É bom ser ladrão
(...) Queria ser um ladrão... um ladrão de roubar carros, roubar um carro só, depois vem a polícia atrás, eu
corria e depois fujo e a polícia não encontra. (...) Fujo para casa, é divertido deixar a polícia no poste, eu fujo,
a polícia vai e bate no poste e eu fujo para casa, a polícia não vai lá.” Paulo, 6 anos, 1º ano de escolaridade
Se o Paulo se fica por querer ser “ladrão”, já outros dos seus colegas desejam mais ser “bandido”
ou até mesmo “chefe dos bandidos”. O fascínio que certas crianças, mesmo em idades muito precoces,
manifestam pelo universo simbólico da violência decorre a par de referências identitárias na família e
comunidade e da facilidade de experiência destes modos de vida nos seus contextos de residência. Não
se trata da mera concretização de brincadeiras de ‘polícias e ladrões’ que atravessa o imaginário das
mais variadas formas de viver a infância a nível mundial; pelo contrário, em certos casos, a perspectiva
do desenvolvimento futuro numa trajectória no mundo do crime é aceite, interiorizada e potenciada
pelo leque de experiências a que se tem acesso, como bem demonstram as palavras do Paulo. Para isso
também contribui a valorização dos jovens que morrem na prática de delitos, uma realidade em certos
espaços, perpetuando-se o reconhecimento de trajectórias desviantes através da criação de mitos e pela
difusão de objectos de culto com os quais as crianças e jovens se vão identificando.
Em qualquer ponto do mundo, grande parte da infância e da juventude está na rua, constituindo esta
um lugar fundamental de socialização, muitas vezes desde muito cedo (1-2 anos). Naturalmente, os laços
e as ligações à rua são diversos para cada indivíduo, mas a verdade é que a rua é um espaço de socialização primordial nas suas vidas, um espaço inteiro onde se está em função de determinados códigos,
de rituais e de linguagens que se conjugam de modo específico e particular com as características de
urbanidade do território habitado (Lepoutre, 2001). Desta forma, já não se pode continuar a ignorar o
valor da socialização na “escola da rua” (Jamoulle, 2005) que, em certas vertentes, remete para práticas
sociais informais, eventualmente algumas de carácter ilegal, como no tráfico de droga ou no furto e uso
de veículos, só para citar duas das mais recorrentes em Portugal. Dificilmente se pode ignorar que estas
acções permitem alcançar um estatuto que confere prestígio, sobretudo em contextos sociais fundamentalmente marcados pela precariedade.
81
O exercício da delinquência, sob as mais diversas formas, que podem oscilar do lúdico ao mais ofensivo, são na maioria das vezes parte integrante desta cultura de rua onde crianças e jovens vêm a crescer
(Carra, 2001; Jamoulle, 2005; Moignard, 2008). Esta não tem nada de natural, sendo construída socialmente, e o uso da violência aparece, assim, ‘normalizado’ aos olhos daqueles que dela participam e não
hesitam em recorrer a ela desde bem novos. A prática de delitos surge, essencialmente, associada a uma
incapacidade de reconhecer o ‘outro’ com um estatuto de sujeito, como igual, e os delitos têm, sobretudo, uma finalidade: a afirmação de um poder e estatuto social. Nesta linha, Philippe Robert evidencia
como esta delinquência se inscreve numa lógica de acção predatória que atinge o núcleo central de segurança das comunidades. Parte dos actos delinquentes acabam por ser um mero exercício de poder sobre ‘outros’, alguns dos quais também destituídos de poder, numa vertigem de violência aparentemente
gratuita mas que serve o fim de construção e afirmação de uma identidade social. Tantas vezes aquilo
que é visto como disfuncional para a sociedade em geral adquire um valor funcional para um determinado grupo de indivíduos, em especial entre jovens. A visão do mundo vai-se construindo em torno de
uma dualidade identitária que oscila entre os “fortes” e os “fracos”, e a “lei do mais forte”, enquanto forma de organização familiar e social legitimada individual e colectivamente em determinados contextos,
é uma regra presente no desenvolvimento de muitos indivíduos (Débardieux, 2006).
Paralelamente, a questão de honra, valor fortemente assumido num quadro social desta natureza,
constitui frequentemente um elemento catalisador da passagem ao acto violento. Trata-se de uma noção central pela qual crianças, jovens, famílias e grupos se envolvem numa linha de disciplina moral a
partir da qual avaliam as suas interacções e quais os efeitos perniciosos no caso de assumirem que a sua
honra foi beliscada por outrem. A percepção de um acto como violento e intencional é, tendencialmente, objecto de uma acção reparadora que pode mesmo envolver outra violação de normas, e a procura
deste tipo de acções é inevitável nas suas vidas neste tipo de contextos.
A escola, assim como todos os serviços oficiais ou associados a uma ideia de autoridade ou Estado
(forças de segurança, autoridades judiciais, serviços de acção social), podem constituir um alvo privilegiado porque as ofensas e ameaças facilmente evoluem para solidariedades de grupo(s), às vezes até
anteriormente opostos. Passado o desafio à intervenção do Estado, as rivalidades entre uns e outros
voltam a emergir. Importa não descurar o papel da oralidade, parte fundamental nestes processos de
socialização. Muitas vezes a vítima exterior é encarada como responsável na agressão que sofreu (Moignard, 2008).
Outro importante aspecto a reter prende-se com a família. Esta cultura de violência surge em vários
casos numa linha de continuidade familiar que tende a ser transmitida de geração em geração, relevando a oposição entre “nós” e os “outros” que potencia a resistência à autoridade e reforça as marcas da
estigmatização. O acto violento enquanto meio de recurso legítimo, ‘normalizado’ pela sua frequência,
que é constantemente reafirmado não apenas pela acção em grupo de pares, mas tantas vezes no seio da
própria família, quer seja no exercício de violência doméstica, quer seja pelo que se vê exercido sobre
os outros de fora, aponta para uma valorização do uso da força física, não se reduzindo esta situação ao
universo masculino.
Os factores associados à esfera familiar e ao exercício da supervisão educativa por parte dos pais estão claramente associados à delinquência juvenil e amplamente retratados na literatura científica sobre
esta área, confirmando-se também a sua influência nos casos recenseados no sistema de justiça tutelar
(Carvalho, 2003, 2010; Gomes et al., 2004). Sabe-se também como um pequeno número de famílias tende a consumir, em simultâneo, uma grande parte dos recursos sociais e judiciários e em várias famílias
a transgeracionalidade da criminalidade (Thorneberry e Krohn, 2003) poderá estar a acontecer numa
linha similar à de outros problemas sociais, devendo este ponto merecer uma especial atenção em termos da definição de políticas sociais.
De igual modo, a frequência escolar surge como um dos factores mais associados à delinquência
juvenil portuguesa. A democratização do acesso à escola nas últimas décadas trouxe novos contornos e
um aumento do número de estudantes na delinquência, mas a designada delinquência escolar e a delinquência dos estudantes apenas se encontram parcialmente sobrepostas (Roché, 2001, 2003). Trajectórias de vida marcadas por absentismo, insucesso escolar e abandono precoce do sistema de ensino são
alguns dos aspectos marcantes na maioria dos jovens que chegam ao sistema de justiça tutelar educativa
82
num claro desfasamento entre o nível de escolaridade que deveriam possuir e o do grupo etário estatisticamente considerado de referência (Carvalho, 2003, 2010). Alguns autores sugerem que mais do que a
origem social, estes jovens envolvidos em práticas delinquentes tendem a partilhar uma história escolar,
a do insucesso e da exclusão, e as suas atitudes decorrerão mais da escola do que das origens sociais
(Dubet, 1994; 2003). Nesta ordem de ideias, levanta-se a questão de saber até que ponto muitas escolas
se encontram, de facto, integradas no tecido social onde se inscrevem ou se, pelo contrário, também
se encontram segregadas quer territorialmente, quer, sob outro ponto de vista, das dinâmicas sociais e
organizativas por inacção da sua parte ou por outros factores. Mas este não é um posicionamento consensual na comunidade científica.
Parte da discussão em torno da delinquência centra-se recorrentemente na sua expressão em
contexto urbano, frequentemente associada a processos de urbanização cujos efeitos se fazem sentir
de modo intenso sobre as populações (Moura, 2003; Carvalho, 2010). Estima-se que mais de metade
da população do planeta viva hoje em cidades com mais de meio milhão de habitantes, sendo nestes espaços que se acumula maior riqueza, mais recursos e equipamentos. É nas cidades do litoral
português, em especial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que reside o maior número
de crianças e jovens, numa lógica que se estende ao resto da população: no final de 2004, cerca de
40% do total dos residentes no país encontrava-se em zona urbana, sendo que mais de metade desse valor se concentrava em apenas 14 das 141 cidades existentes à data. Estas 14 cidades ocupavam
somente 2% do território nacional, revelando uma densidade populacional média quase vinte vezes
superior à média nacional. O contraste entre os aglomerados populacionais do litoral e do interior é
acentuado, com os primeiros a apresentar as mais altas taxas de natalidade e os menores índices de
envelhecimento (INE, 2004).
Perante este enquadramento, não é de estranhar a litoralização e urbanização da delinquência juvenil portuguesa associada aos indicadores demográficos anteriormente mencionados. Mas é de relevar
a sobre-representação de jovens oriundos de certos territórios urbanos/suburbanos: frequentemente,
a sua génese é representada como estando mais relacionada com modos de vida em determinados núcleos habitacionais das cidades (bairros de construção ilegal ou sociais de realojamento) do que em
outros. A zona onde se reside influencia as opções de que as crianças e jovens dispõem e a prevalência
de certos padrões de vizinhança e de redes sociais que facilitam o acesso a estruturas de oportunidade
ilegais deve merecer especial atenção; e será também nestes contextos que existe a maior probabilidade
de serem vítimas de actos violentos (Benbenisthy e Astor, 2005).
[descrição de desenho sobre o bairro] “Sabes aquele café do (…), aquele sítio que não tem saída? Era só para
a gente brincar e de bicicleta e agora é só carros e corridas. Carros que já atropelaram e vimos a Polícia e
pusemos logo a sacar. Nada com a Polícia, nada! Não quero nada com a Polícia!” Ricardo, 11 anos, 4º ano de
escolaridade
De igual modo, tem ainda de se considerar uma crescente mobilidade geográfica em torno de uma
“delinquência rodoviária” que se vai concretizando paralelamente ao desenvolvimento e melhoria das
vias de comunicação no país, promovendo o contacto e circulação entre diversas zonas. Quando se estudam trajectórias destes jovens, identifica-se como a passagem a actos deste tipo de delinquência (furto
e uso de veículo e condução sem habilitação legal, entre outros possíveis) tendem a constituir um ponto
de viragem negativo para um reforço de um percurso desviante.
Embora a expressão mais significativa da delinquência juvenil portuguesa possa ser inserida no quadro de uma pequena criminalidade, essencialmente patrimonial, a par de uma crescente visibilidade das
designadas “incivilidades”, legais ou ilegais (Roché, 1993), importa reter como uma parte mais reduzida
desta problemática se encontra associada à criminalidade de adultos, sobretudo a criminalidade organizada. Tal vem a traduzir-se em alguns actos de roubo, assalto, tráfico de drogas, furto de veículos e uso
de armas. Assentar esta ligação numa diferenciação de papéis atribuídos a menores e adultos, como se
encontra patente no relato do Fábio, a quem competia sempre o transporte das armas de fogo no decorrer de assaltos realizados em grupo com outros jovens e adultos.
83
“Os dias eram sempre da mesma maneira, levantava tipo 10h, 11h, às vezes acordava mais cedo, que não sou
de dormir a manhã toda. (...) Vestia bem, boa calça, bombazine, blusão de cabedal, punha música, telefonava
a uma dama, às vezes nem precisava, elas vinham ter comigo ou eu ia ter com elas a seguir ao almoço. Passeava pelo meu bairro, grandes abraços, grandes grupos. (...) Vestia novamente, tudo certo, muito direitinho.
Cabelo com desenhos e argolas de ouro. Ténis Air Max, gorro Kangoo, fato de treino todo direito. Não arrisco à toa. Entrava nas cenas. Só nas 2 primeiras vezes é que estava nervoso, depois passei a ficar sério. Não
deixava os outros preocupados, eu é que levava a arma, tudo ia correr bem.” Fábio, 17 anos, Medida Tutelar
Educativa de Internamento em Centro Educativo (1 ano em regime semiaberto cumprida 7 meses em regime fechado por acumulação com prisão preventiva; condenado a 3 anos e meio de pena de prisão)
Destas vivências emerge um quadro de (inter)dependências que se vai criando e reformulando entre
uns e outros: da parte dos jovens, porque encontram nestes grupos um reconhecimento e apoio que lhes
confere um determinado suporte e estatuto social, eventualmente até mesmo uma certa protecção que
se pode estender à família e ao círculo mais próximo de pares; da parte dos adultos, a necessidade de
recurso a menores em função das suas competências ou na exploração da sua inimputabilidade perante
a lei penal. E tende a ser perante quadros desta natureza que se evidencia um agravamento do grau de
violência nos actos cometidos, assim como uma maior diversificação dos perfis das vítimas.
Em jeito de conclusão: a importância decisiva da prevenção
Os desafios e os constrangimentos que a problemática da delinquência juvenil colocam à intervenção
dos mecanismos informais e formais de controlo social na sociedade portuguesa estão longe de se esgotar no que foi apresentado ao longo desta comunicação. Procurou-se somente destacar alguns dos
pontos principais que se conhecem da sua evolução nos últimos anos, colocando o principal enfoque nas
dinâmicas sociais que marcam a condição da infância e da juventude.
Termina-se esta apresentação recorrendo a um documento elaborado por um jovem internado em
Centro Educativo, uma carta que dirigiu à professora e na qual reflecte sobre o seu percurso de vida.
Esta situação tem a particularidade de ter como autor aquele a quem foi aplicada pela primeira vez no
país (2002) a medida de internamento de duração máxima prevista pela Lei Tutelar Educativa – três
anos em regime fechado –, na altura no âmbito de um processo onde se viu provada a prática de 52
factos ilícitos, 35 dos quais associados a delinquência rodoviária. No fundo da página desenhou, numa
ilustração plena de animação, como se de um filme ou jogo de computador se tratasse e onde realidade
e ficção são difíceis de destrinçar, aquilo que lhe aconteceu no último confronto com a polícia e que veio
a determinar a sua entrada em Centro Educativo precisamente dois dias antes de completar 16 anos;
ou seja, se tivesse cometido estes actos nos dias seguintes seria considerado como adulto e o mais certo
seria a sua entrada em prisão. Retrata uma perseguição policial que se prolongou por vários quilómetros
terminando com troca de tiros entre ele (que conduzia) e outros jovens ocupantes do carro furtado (de
marca topo de gama) em que seguiam e as autoridades policiais. O carro acabaria por ser imobilizado
pelas autoridades policiais e todos viriam a ser detidos.
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Carta de jovem em Centro Educativo7
Destas acções, onde a violência, o risco, o desafio consigo mesmo e com os outros imperam, há que
extrair outros aspectos. Como as palavras do João deixam transparecer de forma clara, mais do que
poder ser entendida estritamente como um caso de polícia ou de tribunal, a delinquência juvenil é fundamentalmente um problema social que diz respeito a toda a sociedade, começando no modo como
informalmente cada um se posiciona e reage a este tipo de actos. Da necessidade de (re)pensar esta
problemática em Portugal, assinala-se que aquilo que a diferencia de situações anteriores se prende, em
muito, com os espaços e com as dinâmicas sociais onde se vem a produzir e a adquirir uma determinada
visibilidade no seio de comunidades fragmentadas onde as duas mais importantes instâncias de socialização – a família e a escola –, se encontram também sujeitas a transformações que as afastam de modelos tradicionais de funcionamento. A multiplicidade e complexificação das dinâmicas que as atravessam
obriga a (re)ajustamentos e respostas que não se revelam eficazes nos quadros institucionalizados tal
como vieram a vigorar até agora, e novas exigências e desafios se colocam para ambas.
A delinquência juvenil assenta numa diversidade de motivos que, na maior parte das vezes, raramente podem ser analisados de forma singular ou linear, surgindo maioritariamente em acumulação ou articulação. É no campo da prevenção que tudo se joga, numa intervenção que se deseja necessariamente
atempada e de sucesso. Para que se atinja este patamar de desenvolvimento, há que percorrer um longo
caminho. Espera-se apenas que a tomada de consciência individual e colectiva sobre este problema
social se venha a reflectir, de facto, numa mudança de atitudes e de acções que contribua, aos mais diversos níveis, para a sua efectiva prevenção e combate.
7 “Olá senhora professora. É assim a minha vida, sabe eu roubava muitas coisas das pessoas porque não tive juízo, fui por conversas de
amigos e roubei carros, lojas, passava mal porque não sou nenhum santo. Já levei facadas, estive para morrer mas não morri por sorte. Sabe
porquê? Porque a minha mãe gosta muito de mim. O meu pai só sabe beber, não sabe dar educação. Aprendi a roubar aos nove anos, para
começar vendia droga, fui apanhado com 10 anos e fui para o colégio (…), tive três anos em (…) mas saí depois. Vi um grupo de amigos e
disse: “Posso ir com vocês?” E eles disseram: “Bora!” E depois vim para aqui.” João, 16 anos, Medida Tutelar Educativa de Internamento em
Centro Educativo (3 anos em regime fechado, 52 factos ilícitos provados, 35 dos quais pelo furto de uso de veículo).
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87
PAINEL III:
PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE
E DO TERRORISMO
PAINEL III:
PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE
E DO TERRORISMO
Júlio Pereira, Secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa
Este painel, dedicado à questão da prevenção da criminalidade e do terrorismo, situa-se na continuação
dos dois painéis anteriores.
A prevenção da criminalidade e do terrorismo, sendo um tema de grande importância em qualquer
circunstância, é-o especialmente num espaço de circulação que envolve cerca de 500 milhões de pessoas e onde coexistem diferentes comunidades, assentes em valores muito semelhantes, mas que têm
culturas e tipos de organização policiais e legais diferentes, o que suscita enormes dificuldades.
Mas a questão não se põe apenas ao nível da União Europeia. Pelo menos de há 20 anos a esta parte,
tem havido uma alteração substancial de políticas de circulação de pessoas, nomeadamente em matéria
de concessão de vistos, o que dificulta obviamente a acção do Estado e de todos os que têm por missão
prevenir a criminalidade, auxiliando aqueles que se aproveitam destas facilidades para levar a cabo a
prática de crimes.
O Estado tem de prevenir e combater a criminalidade de acordo com regras, às quais não se submetem aqueles que se dedicam à prática de crimes. Ao nível da União Europeia têm sido criados importantes instrumentos que visam a prevenção da criminalidade e do terrorismo, desde a criação de instituições, até à formulação de políticas e à aprovação de instrumentos legislativos.
Só para citar alguns instrumentos mais recentes, refira-se o Programa de Estocolmo, ligado a uma
Europa aberta, segura, ao serviço dos cidadãos, e também a Estratégia Europeia de Segurança Interna
para os próximos anos, em estudo.
Entre as políticas desenvolvidas, encontra-se a da criação da Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade. O contact point português nessa rede, o Professor Nelson Lourenço, sociólogo, Professor
Catedrático da Universidade Nova de Lisboa e reitor da Universidade Atlântica, é um especialista em
mudança social e desenvolvimento, autor de inúmeros trabalhos de investigação, nomeadamente na
área da Sociologia Criminal e políticas de segurança.
Outro convidado deste painel é o Professor José Manuel Anes, Professor na Universidade Lusíada e
criminalista, que foi, durante muitos anos, um destacado elemento da Polícia Judiciária. Actualmente é
presidente (tendo já sido vice-presidente do OSCOT – Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo). É, também, o director da revista Segurança e Defesa e autor de múltiplos artigos
em várias publicações, nacionais e internacionais, e palestrante em diversas conferências.
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PARA UMA ESTRATÉGIA
EUROPEIA DE
SEGURANÇA INTERNA
DO TRATADO DE LISBOA AO PROGRAMA DE ESTOCOLMO
Nelson Lourenço,
Reitor da Universidade Atlântica / Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade
Introdução
O Tratado de Lisboa1 concede à questão da segurança e dos direitos dos cidadãos uma importância privilegiada e reforçada.
A criação pelo Tratado de Lisboa do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça e dos instrumentos
necessários à sua implementação, como o Secretariado Permanente para a Segurança, confirmam esta
importância.
Neste momento – e por força do Tratado de Lisboa – estão em discussão dois textos essenciais para
o debate da segurança no contexto da União Europeia:
_ o Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura para servir e proteger os cidadãos, aprovado
em Dezembro pelo Conselho da União Europeia para a Justiça e Assuntos Internos;
_ a Estratégia de Segurança Interna para a União Europeia: Em Direcção a um Modelo de Segurança
Europeia, da Presidência Espanhola, que conta à partida com o apoio expresso dos outros dois países do trio de presidências – de Janeiro de 2010 a Junho de 2011 – Bélgica e Hungria.
Nesta apresentação ensaio uma leitura crítica destes dois documentos que, sob o espírito do Tratado
de Lisboa, estão disponíveis para discussão pública.
1. Mudança Social, Globalização e Segurança
Como tive a oportunidade de escrever em texto recente2, há hoje uma consideração partilhada de que as
profundas transformações nas formas e intensidade das ameaças à segurança das sociedades contemporâneas, ameaças das quais Portugal não se isenta, exigem uma nova capacidade de resposta institucional
e a promoção de uma diferente cultura de segurança por parte da comunidade nacional e internacional.
Uma renovada capacidade institucional pressupõe, como é unanimemente reconhecido, a actualização
dos sistemas de segurança interna, conferindo-lhe modernidade, adaptabilidade e funcionalidade diante dos desafios contemporâneos e vindouros.
1 A designação Tratado de Lisboa engloba os dois tratados constituintes da União Europeia, o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia, assinados em Lisboa, em Dezembro de 2007, e ratificados em Janeiro de 2009.
2 Nelson Lourenço, “Segurança, Sentimento de Insegurança e Estado de Direito. O espectro axial da relação Direitos, Liberdades e Garantias
e Poderes do Estado”, in Liberdade e Segurança, Lisboa, Ministério da Administração Interna, 2009.
93
Contribuir para a promoção de uma diferente cultura de segurança por parte da comunidade nacional e europeia exige, desde logo, que os modelos adoptados de segurança interna sejam dotados de
inteligibilidade para os actores institucionais e individuais que o integram, e aos quais cabe a missão de
produzir a segurança pública que a ordem constitucional determina e a população deseja. Mas exige,
simultaneamente, que em todas as manifestações da vida colectiva, a segurança se revele e seja reconhecida como um bem comum valioso, para o qual todos devem ser chamados a contribuir.
No que respeita à promoção de uma nova cultura de segurança por parte da comunidade internacional, importa perceber que não existe, no momento em que vivemos, e naquele que se perfila como nosso
futuro comum, nenhum interesse estratégico, justificação técnica-operacional ou razões geopolíticas
para que a questão da segurança interna das sociedades livres e democráticas se mantenha fechada e
avessa à cooperação entre os Estados. É igualmente indefensável que não se procurem mitigar os riscos
conhecidos, grande parte dos quais partilhados, e não se beneficie maximamente das sinergias, do capital acumulado de experiência e dos recursos existentes, nomeadamente informacionais.
2. Do Tratado de Lisboa ao Programa de Estocolmo
No âmbito da União Europeia, este quadro de referência foi reconhecido e reforçado pelo Tratado de
Lisboa que lhe dedica o Título V – O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, ratificado em Janeiro de 2009, incluindo um conjunto alargado de cooperações reforçadas, como a cooperação na área judiciária em matéria civil e penal e a cooperação policial.
O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça visa assegurar os “esforços para garantir um elevado
nível de segurança, através de medidas de prevenção da criminalidade, do racismo e da xenofobia e de
combate contra estes fenómenos, através de medidas de coordenação e de cooperação entre autoridades
policiais e judiciárias e outras autoridades competentes, bem como através do reconhecimento mútuo
das decisões judiciais em matéria penal e, se necessário, através da aproximação das legislações penais”.
O Tratado de Lisboa criou ainda o Comité Permanente para a Cooperação Operacional em matéria
de Segurança Interna (C0SI) para assegurar uma efectiva coordenação das actividades de segurança e
de aplicação da lei (art.º 71).
O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, enquanto quadro orientador da segurança e direitos dos
cidadãos europeus, possui agora um instrumento adequado à sua implementação com a aprovação do
designado Programa de Estocolmo - Uma Europa aberta e segura para servir e proteger os cidadãos, pelo
Conselho JAI em Dezembro de 2009. Este programa vigorará no período de 2010 a 2014.
O Programa de Estocolmo tem presente que as transformações sociais, económicas, políticas e científicas e tecnológicas vividas nos últimos sessenta anos, e que estão na origem da intensificação da globalização e do processo de crescentes interdependências à escala mundial e cujo resultado se materializa na
complexidade das sociedades actuais, pressupõem que os modelos de segurança interna sejam capazes de
se adaptar quer às necessidade de segurança dos cidadãos, quer aos desafios a que a sociedade do século
XXI os obriga.
Este novo modelo de segurança interna pressupõe, entre outros aspectos, a necessidade de uma
nova definição de segurança por força do que venho designando como processo de densificação do conceito de segurança interna3. O Programa de Estocolmo, na mesma linha de pensamento, afirma que o
conceito de segurança interna deve ser entendido como um conceito abrangente e compreensivo que
atravesse múltiplos sectores da actividade humana, de modo a abarcar as ameaças que tenham impacto
3 Vide Nelson Lourenço (Coord.), Estudo para a reforma do modelo de organização do sistema de segurança interna. Relatório Final – Modelo e
Cenários, IPRI, Universidade Nova de Lisboa, Dezembro de 2006.
94
directo sobre a vida, segurança e bem-estar dos cidadãos, incluindo desastres e catástrofes naturais ou
induzidas pelo homem (como tremores de terra, fogos florestais, inundações e tempestades).
É sobre este quadro que assenta a proposta para uma Estratégia de Segurança Interna da União Europeia e de construção de um Modelo Europeu de Segurança, apresentado para discussão pública – no
espírito do Tratado de Lisboa e reassumido pelo Programa de Estocolmo, que apela a uma participação
activa dos cidadãos e de associações representativas em todas as áreas da União (art. 11, do Tratado da
União de Europeia) – pela Presidência Espanhola e com o apoio expresso dos outros dois países que
compõem o trio de presidências (Bélgica e Hungria)4.
3. Proposta de construção de um modelo europeu de segurança
Entre as prioridades políticas definidas pelo Programa de Estocolmo, está a necessidade de se definir
uma “estratégia europeia de segurança com o objectivo de se aumentar a segurança no quadro da União
e deste modo proteger os cidadãos europeus e combater o crime organizado, o terrorismo e outras ameaças. A estratégia deve ser concebida de modo a reforçar a cooperação na aplicação da lei, na gestão das
fronteiras, na protecção civil, na gestão do risco e de catástrofes assim como na cooperação judicial para
uma Europa mais segura”.
Para além do reconhecimento da necessidade de uma estratégia europeia de segurança interna,
o Programa de Estocolmo enfatiza a cooperação entre os Estados-membros como componente indispensável dessa estratégia.
A indispensabilidade da cooperação entre os Estados-membros é claramente explicitada no Cap. 4
do Programa e cito:
“O reforço das acções a nível europeu, combinado com uma melhor coordenação com as acções a nível
regional e nacional, são essenciais para a protecção das ameaças transnacionais. Terrorismo e crime organizado, tráfico de drogas, corrupção, tráfico de seres humanos, tráfico de pessoas e tráfico de armas, entre
outros, continuam a desafiar a segurança interna da UE. A generalização do crime transfronteiriço tornouse um desafio urgente que requer uma resposta clara e abrangente. A acção da União irá reforçar o trabalho
realizado pelos Estados-membros e melhorar o resultado do seu trabalho.”
A estratégia europeia de segurança interna, tal como proposta no Programa de Estocolmo, assenta,
como acima se referiu, numa definição abrangente e compreensiva do conceito de segurança, baseandose num conjunto de princípios orientadores:
_ Clareza na partilha de tarefas entre a UE e os Estados-membros, reflectindo uma visão partilhada
dos desafios actuais;
_ Respeito pelos direitos fundamentais;
_ Solidariedade entre Estados-membros;
_ A necessidade de uma abordagem horizontal e transversal, a fim de ser capaz de lidar com crises
complexas e catástrofes naturais ou provocadas pelo homem;
_ A necessidade de melhorar a cooperação entre as agências da UE, incluindo as informações;
_ Centrar a acção na implementação e racionalização, bem como na melhoria da acção preventiva;
_ A utilização de iniciativas regionais e da cooperação regional;
_ Melhorar a informação dos cidadãos consciencializando-os da importância do trabalho da União
para os proteger.
4 JHA TRIO PRESIDENCY PROGRAMME (Jan. 2010 – Jun. 2011), Council of the EU, 4.01.2010.
95
O Programa de Estocolmo não perspectiva a estratégia de segurança interna como uma realidade autónoma, fechada e auto-sustentável, como um conjunto de directrizes, instrumentos e acções levadas a
cabo pelas instituições da UE e os Estados-membros. Pelo contrário, a estratégia europeia de segurança,
tal como proposta no Programa de Estocolmo, é perspectivada num contexto mais amplo de projectos
já aprovados pelas instituições da UE, nomeadamente as estratégias sectoriais aprovadas pelo Conselho
em 2005 na área da segurança interna (Justiça Criminal e dos Assuntos Internos).
A estratégia tem também em conta as outras políticas comunitárias, nomeadamente as relativas ao
mercado interno. A dimensão externa da estratégia europeia de segurança interna da União é outro dos
pontos abrangidos, especialmente em relação às relações com os vizinhos da UE e em particular com os
países candidatos e potenciais candidatos.
No que se refere às questões institucionais, o Conselho Europeu define o Comité de Segurança Interna (COSI) como órgão responsável pelo desenvolvimento, acompanhamento e execução da estratégia. O
COSI fica assim com a pesada responsabilidade de gerir a política de segurança interna em coerência e articulação com as outras políticas da União Europeia. Neste sentido, o Conselho Europeu da JAI sugere à Comissão Europeia que se estude a viabilidade da criação de um Fundo de Segurança Interna para promover
a implementação da Estratégia de Segurança Interna, dotando-a de uma efectiva capacidade operacional.
Neste campo, o Conselho Europeu considera como importante uma avaliação objectiva e imparcial
da implementação das políticas na área da segurança e da justiça, em especial para promover a plena
aplicação do princípio do reconhecimento mútuo. De igual modo e com o objectivo de criar uma genuína cultura judicial europeia, o Programa de Estocolmo prevê um ambicioso programa de formação de
magistrados e de outros agentes intervenientes na área da segurança interna.
A presidência espanhola tem em curso um ambicioso programa de trabalho para preparar e fazer
aprovar uma estratégia de segurança interna para a União Europeia, assumindo como ponto de partida
o Tratado de Lisboa e o Programa de Estocolmo.
Num documento distribuído em Fevereiro – Internal Security Strategy for the European Union: Towards a European Security Model – é referido um conjunto de orientações estratégicas semelhantes às
propostas no Programa de Estocolmo.
Neste contexto de uma, pelo menos aparente, vontade de se construir um Modelo Europeu de Segurança Interna – incluindo o Modelo Europeu de Informação Criminal (ECIM) – no qual assentará a Estratégia Europeia de Segurança Interna, a aprovar pelos Estados-membros (documento de apresentação do
trio de presidência espanhola, belga e húngara, 17696/09, 22 de Dezembro de 2009).
4. Conclusão
Algumas conclusões/pontos de referência sobre a estratégia de segurança europeia tal como é proposta
nestes documentos:
_ cooperação reforçada entre os Estados-membros – uma concepção de que a prevenção e o combate
da criminalidade só será eficaz no quadro de uma acção conjunta dos Estados-membros da União;
esta acção deve ter presente a segurança no quadro interno da União mas estar atenta às relações
exteriores;
_ conceito alargado e compreensivo de segurança – a assumpção de que a complexidade da sociedade
contemporânea e os desafios daí decorrentes exigem um conceito mais denso e integrador de realidades que tradicionalmente não eram incluídas na sua definição;
_ segurança, cidadania e Estado de Direito – a tradição democrática da Europa e da União pressupõe
uma intransigente defesa dos Direitos do Homem e de uma cidadania que se assuma como uma
realidade tangível.
96
As dinâmicas sociais, económicas e políticas e a inovação tecnológica que estão na origem da sociedade emergente nas últimas décadas do século XX – uma sociedade global, aberta, de interacções à
escala planetária e, por isso, uma sociedade frágil – pressupõem um novo modo de pensar a segurança e
a necessidade de construção de um quadro integrador que retenha a densificação deste conceito.
Em artigo recente5 – sobre as novas ameaças à segurança e à emergência associada do sentimento
de insegurança, na sociedade global e urbana contemporânea – afirmei que a resposta ao desafio que o
aumento da insegurança coloca às sociedades democráticas passa pela definição de novos quadros de
actuação, num processo legitimador das expectativas dos cidadãos, numa concepção da segurança centrada na pessoa humana e não no Estado. Mas passa também por um Estado forte e legitimado, capaz de
respeitar as expectativas dos seus cidadãos, como é explicitamente definido no Tratado de Lisboa.
5 Nelson Lourenço, “Segurança, Sentimento de Insegurança e Estado de Direito. O Espectro axial da relação Direitos, Liberdades e Garantias
e Poderes do Estado”, in Liberdade e Segurança, Lisboa, Ministério da Administração Interna, 2009.
97
O TERRORISMO GLOBAL
E SUAS AMEAÇAS (*)
José Manuel Anes, Presidente do OSCOT
A criminalidade transnacional compreende dois universos:
_ o crime organizado (máfias, cartéis, sindicatos, etc.);
_ o terrorismo.
I. Terrorismo
Embora tenha sido difícil encontrar nos organismos internacionais (por exemplo, a ONU) uma definição de terrorismo, socorrer-me-ei de uma aproximação operacional: “terrorismo é uma matança indiscriminada de civis inocentes (ou de civis não combatentes)”.
Podemos considerar vários tipos de terrorismo:
_ o laico (ex: IRA, ETA, FARC) – local, por vezes com apoios noutros países;
_ o religioso (ex. o islamista “jihadista”).
Não falarei aqui do terrorismo da ETA, pois ele não é uma ameaça transnacional (só ataca Espanha,
embora isso não desresponsabilize os outros países de deverem ser solidários com a luta contra todas as
formas de terrorismo).
II. Terrorismo religioso
No domínio do terrorismo religioso temos ainda dois tipos:
_ o local (ex: Hamas e Hezbollah, que lutam contra Israel)
_ o global – actualmente, o de base religiosa, islamista radical, mais propriamente, salafista e jihadista, como o da Al-Qaeda, lutando contra “infiéis” e “apóstatas”.
Esclareça-se desde já que estes termos são distintos, embora eles se incluam sucessivamente uns
nos outros (como subconjuntos, vide o diagrama do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia de
West Point, dos EUA), sendo o mais geral o Islão (a religião de 1500 milhões de crentes), seguido pelo
islamismo – a dimensão política da religião muçulmana (ex. os Irmãos Muçulmanos, originariamente
do Egipto) – o qual inclui o salafismo fundamentalista e, por último, o jihadismo (que faz a apologia da
luta armada, a jihad) contra os inimigos da sua versão extremista do Islão.
Esclareça-se ainda que este jihadismo resulta de uma interpretação incorrecta da jihad, que significa esforço de melhoria do crente, a “grande Jihad”, que é superior à “pequena Jihad”, a luta armada,
exterior. Esta interpretação é seguida pela grande maioria do Islão e pelas confrarias do seu misticismo
esotérico, o sufismo, e decorre de um “hadith” do Profeta.
99
III. As três gerações da Jihad
As três gerações dos jihadistas são, segundo Giles Kepel:
1ª.) – a “Jihad em campo aberto” (ex. a luta dos mujahedin contra a invasão soviética do Afeganistão,
cujo teórico e organizador foi o palestiniano Al Azam);
2ª.) – a Jihad da Al-Qaeda, teorizada por O. Bin Laden e Al-Zawahiri e posta em prática com uma organização piramidal, hierárquica, realizando grandes acções espectaculares;
3ª.) – a “Jihad sem lider”, “espontânea”, (quase) “autónoma”, teorizada por Al-Suri e posta em prática
pelas (indevidamente chamadas) “células adormecidas” e pelos grassroot terrorists.
Existe uma complementaridade entre a segunda e terceira gerações da Jihad, pelo que a acesa discussão, há cerca de dois anos, nas páginas da revista Foreign Affairs entre os especialistas Bruce Hofman
– professor de Georgetown e autor do clássico livro Inside Terrorism, que defende que a principal ameaça ainda é a Al-Qaeda (após os erros cometidos no Iraque pela Administração Bush Jr., que permitiu
uma recomposição da Al-Qaeda no Afeganistão/Paquistão) – e Marc Sageman – ex-quadro da CIA no
Afeganistão, autor de Understanding Terror Networks e de Leaderless Jihad, que defende que o principal
inimigo é agora essa Jihad “espontânea” –, nos parece deslocada. De facto, por exemplo, os atentados de
07.07.2005 em Londres foram “espontâneos”, mas os seus autores receberam formação religiosa e treino
operacional no Paquistão/Afeganistão, por iniciativa própria ou de um “facilitador”.
IV. Organizações (mais ou menos) ligadas à Al-Qaeda
Podemos considerar que as seguintes organizações têm ligação à Al-Qaeda: Jihad islâmica egípcia (de
Al-Zawahiri), Al-Qaeda no país de entre os dois rios/Mesopotâmia (Iraque), Al-Qaeda na Península
Arábica (Iémen e Arábia Saudita) – que esteve por detrás da tentativa falhada de um jovem nigeriano,
de atentado contra um avião que se dirigia a Detroit, no passado Natal –, Al-Qaeda no Magrebe islâmico
(Argélia, Magrebe e Sahel), Grupo Islâmico de Combate Marroquino (cuja ligação à Al-Qaeda parece
não ser muito forte, devido à sua fraca organização), TTP-Tariq Taliban-i-Pakistani (“frente popular”
que serve de guarda-chuva à Al-Qaeda no Paquistão e nas zonas fronteiriças do Afeganistão), os grupos anti-indianos de Caxemira, Jahish-i-Mohamed e Lashkar-e-Taiba (autor dos atentados recentes de
Bombaim), o Movimento Islâmico do Uzebequistão, o grupo Abu Sayaf, nas Filipinas (parece ter sido
expulso da Al-Qaeda e é rival da Frente de Libertação Moro, esta seguindo a Jihad local) e, na Indonésia
e Malásia, o grupo Jemaah Islamiyah (que fez, entre outros, os atentados de Bali).
Como se vê, alguns destes grupos são verdadeiros franchisings da Al-Qaeda – veja-se o caso do antigo
GSPC-Grupo Salafista de Pregação e Combate, da Argélia, que se colocou às ordens de Bin Laden após
um período probacionista. Há ainda a considerar grupos formados por tchechenos (ameaçando a Rússia), uigures (ameaçando a China), etc., etc.
Há que considerar, no domínio da Jihad local, grupos como os marroquinos Salafiya Jihadia e o Recto
Caminho – autores prováveis dos atentados de Casablanca, em 2003 –, a Frente Islâmica de Libertação
Moro (Filipinas) – que fez um acordo táctico com as autoridades filipinas para destruírem em conjunto
o Abu Sayaf. Há ainda a considerar, num outro plano (misturando “jihad em campo aberto”, guerrilha
e terrorismo), os chamados “insurgentes” contra as invasões estrangeiras (os taliban no Afeganistão e
no Iraque, não só os sunitas mas também os xiitas do Exército do Mahdi, este em cessar-fogo há algum
tempo).
Por último, refira-se grupos islamistas radicais e jihadistas na Europa, como o Takfir-wal-Hijra (ou
Hijra wal Takfir) – bastante difuso e que nada tem a ver com o grupo egípcio dos anos 70 – e o HUT
(Hizb-ut-Tahrir). Há um grupo fundamentalista de evangelização islâmico, o Tabligh Jamahat, com
grande implantação em todo o mundo e também na Europa (e em Portugal, com a Escola Islâmica de
Palmela), que não é violento, nem político, mas que se deixa “surfar” por elementos jihadistas nas suas
peregrinações e reuniões.
100
V. Ameaças do terrorismo global salafista e jihadista
Para a Europa – temas como os “cruzados” que apoiam os “sionistas”, os ex-colonialistas que apoiam
os regimes arabo-muçulmanos “apóstatas”, a NATO e as intervenções diversas com os EUA, particularmente no Iraque e no Afeganistão.
Para Portugal – os temas anteriores, juntamente com a reclamação por parte da Al-Qaeda do regresso
do Al-Andalus ao Islão (sobretudo o Sul de Espanha), já que o Sul de Portugal era o Garb-Al Andaluz.
Riscos de acções do terrorismo jihadista e salafista na Europa:
_ Atentados com explosivos:
_ em terra (ex.: Madrid, 11/3/2004, Londres 7/7/2005);
_ contra aviões, atingindo cidadãos europeus, entre outros – ex.: os atentados falhados dos “explosivos líquidos” (acetona, água oxigenada e um ácido, para fazer o TATP na casa de banho do avião)
do Verão de 2006 e o do Natal de 2009, com PETN escondida junto ao corpo;
_ Sequestro de cidadãos europeus (fora do espaço europeu) – ex: AQMI, agora no Sahel, sendo vítimas cidadãos espanhóis, franceses, italianos, etc.
_ Homicídios de personalidades que se opõem ao Islão ou ao islamismo – ex. o homicídio do cineasta
Theo van Gogh, pelo grupo marroquino Hofstadt, e as conspirações para matar dois caricaturistas,
um dinamarquês e um sueco, esta bem recente;
_ Acções terroristas com AMDs, químicas (ex: Sarin), biológicas (ex: Antrax) e nucleares (BA, “bomba suja”);
_ Ciberataques;
_ Pirataria;
Riscos do terrorismo suicida – pela mobilidade da “arma” que constitui o terrorista.
VI. Vigilância e detecção de terroristas
Nos aeroportos:
_ documentos identificadores e verificação das bases de dados;
_ detecção de explosivos nas bagagens de mão (explosivos “líquidos”, etc.) e de porão – aparelhos
fixos e móveis (espectrómetro de detecção iónica);
_ restrições de líquidos;
_ inspecção corporal (raios X, apalpação, “scanners” corporais), pois pode haver explosivos junto ao
corpo ou no seu interior;
_ procedimentos diversos para diminuir as vulnerabilidades do Espaço Schengen (identificações aleatórias, operações stop, etc.).
Em terra: identificações aleatórias, operações stop, etc.
No mar: patrulhas (no mar e em terra), radares (fixos e móveis).
101
VII. Ligação do terrorismo ao crime organizado
O objectivo é sobretudo a obtenção de fundos, de documentação, de armas e explosivos, etc.
Exemplos:
_ Madrid 11.03.2004: actividade ilícita de telemóveis e outras, troca de haxixe em Marrocos (GICM)
por explosivos (em Espanha);
_ AQMI: colaboração com tribos tuaregues; sequestros;
_ FARC: narcotráfico e sequestros.
VIII. Recrutamento, radicalização, desradicalização e conquista das populações
Recrutamento:
_ nas comunidades arabo-muçulmanas (imigrantes ou membros de 1ª. geração, ou de 2ª. geração);
_ nas prisões (ex. França, EUA);
_ conversões de brancos(as) e louros(as).
Radicalização:
_ formação religiosa radical (associações, circuitos de convivência, mesquitas, ginásios, etc.);
_ formação operacional - na Europa (treino nas montanhas e florestas com, por exemplo, “paint ball”)
ou fora dela (nas “terras da Jihad”, por exemplo, Paquistão/Afeganistão, Iraque, etc.)
_ o papel dos “facilitadores”.
Desradicalização:
_ experiências diversas, interessantes e bem sucedidas – na Europa (Holanda, particularmente Amesterdão, e em Inglaterra, com “the battle for hearts and minds”) e fora dela (Arábia Saudita, Malásia,
Indonésia, Iémen, etc.); êxito recente do filho do coronel Kadhafi ao recuperar três ex-jihadistas
que estavam presos na Líbia e que escreveram um livro recente de denúncia dessa interpretação
errada da Jihad;
_ estratégias complementares – a religiosa, a cultural, a instrucional, a socioeconómica e oferecer
novos circuitos de convivência e novas perspectivas de vida.
“Comprehensive approach” (NATO, Riga)
Na luta contra a guerrilha, os insurgentes e o terrorismo, a utilização de forças militares tem de ser
acompanhada por uma operação de conquista das populações. A luta contra o terrorismo deve incluir,
pois, um esforço diplomático, de cooperação internacional, militar, policial, de intelligence e ainda de
ajuda às populações (construção de estradas, casas, escolas, postos médicos, ajuda económica, etc.) –
onde Portugal, particularmente em Angola, durante a guerra colonial, acumulou uma rica e competente
experiência (os ingleses fizeram o mesmo na Malásia). O general McCrystal, comandante das Forças no
Afeganistão disse recentemente, dando corpo a esta estratégia, que é preciso fazer amigos e aliados e
não acrescentar mais inimigos à lista dos que já existem.
102
IX. A cooperação internacional na luta contra o terrorismo
Particularmente necessária nos domínios de:
_ Intelligence:
_ A informação tem de circular, ser partilhada e ser bem analisada (“transformar informação em
intelligence”);
_ Cooperação internacional – informações e acções operacionais decisivas!
_ Cooperação entre os organismos nacionais – idem;
_ Bases de dados partilhadas;
_ Melhoria da análise de informações – novas metodologias pós-11 de Setembro.
_ Polícias, forças de segurança:
_ Cooperação permanente – ex. entre França e Espanha e entre Portugal e Espanha, na luta contra
a ETA.
_ Exércitos:
_ Formação de uma força conjunta – por exemplo o que está a ser feito, neste domínio, entre os países do Magrebe e do Sahel, por iniciativa da Argélia.
_ Diplomacia:
_ É necessário em todos os organismos internacionais estabelecer acordos de combate ao terrorismo. Resultados positivos têm sido alcançados recentemente – vide as conclusões, neste domínio, da
reunião dos países não-alinhados.
Este texto sintético acompanhou o “power point” que apresentei na minha comunicação às Jornadas
de Segurança da DGAI/MAI
(*)
103
Islão
Islamismo
Salafistas
Jihadismo
Exemplos
Violência
Armada
Política
Fundamentalismo
Tabligh, Jamaat
Islamismo
Irmãos Muçulmanos
Sim
Salafismo
Talibans
Sim
Sim
Jihadismo
Al Qaeda
Sim
Sim
Sim
OBJECTIVOS DA JIHAD
Local
Exemplo: Hamas, Hezbollah
Global
Exemplo: Al Qaeda
COMPORTAMENTOS DELINQUENTES ANALISADOS
Jihad
Grupos (exemplos)
Teóricos
Inimigo Próximo
GSPC
Sayd Qutb
Al-Zarqawi
Inimigo Longínquo
Al Qaeda
Al-Zawahiri
Al Qaeda no Magrebe Islâmico
PRIORIDADES DA JIHAD
Al Qaeda
1º Inimigo longínquo
Al-Zawahiri
2º Inimigo próximo
Sayd Qutb
1º Inimigo próximo
Al Zarqawi
2º Inimigo longínquo
Al-Suri
AS TRÊS GERAÇÕES DE JIHADISTAS
1º
2º
Al Azzam – Mujahedin, contra a invasão soviética (fim dos anos 80 – Afeganistão)
Al Qaeda – Osama Bin Laden FMLCJC (1998)
(Anos 90 a 00) – A. Al Zawahiri (“Cavaleiros sob o estandarte do profeta”)
3º
Al Zarqawi – Al Qaeda entre dois rios (Mesopotâmia)
Al Suri – Apelo à resistência islâmica mundial
Cf. Giles Kepel “ Terreur et Martyre” 2008
104
Terrorismo
JIHAD GLOBAL
Organizações filiadas na Al-Qaeda (ou com ligações a ela)
Jihad Islâmica Egípcia
Grupo Islâmico Egípcio (no exterior)
Lashkar e Tayyba (Cachemira)
Jaish e Mohammed (Cachemira)
Ex-GSPC, agora Al-Qaeda no Magreb Islâmico
Abu Sayyaf (Filipinas)
GICM – Grupo Islâmico de Combate Marroquino
Jemaah Islamiyah (Indonésia, Malásia, etc.)
Al-Qaeda entre dois rios (Mesopotâmia
ORGANIZAÇÕES JIHADISTAS NA EUROPA E NORTE DE ÁFRICA
Inglaterra
Hizb-u Tahrir ––> Al-Mujahiroun ––> Al-Qurabaa
Ansar Al-Islam; GSPC; GIMC; LashKar e Tayyba; Jaish e Mohammed
França
GSPC ––> AQMI
GIMC
Espanha
GSPC ––> AQMI; GICM; Salafiya Jihadya
LashKar e Tayyba; Jaish e Mohammed (Catalunha)
Marrocos
GICM; Salafiya Jihadya;
Al-Hijra wa Takfir – “O recto caminho”; Ansar Al-Mahdi
Argélia
GSPC ––> AQMI
Em diversos países
Al Qaeda e filiados
Takfir – Al-Hijra
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL
Crime Organizado
Exemplo: máfias, cartéis, sindicatos, etc
Terrorismo
Exemplo: Al Qaeda
TERRORISMO
Local
Exemplo: Hamas, Hezbollah
Global
Exemplo: Al Qaeda
Terrorismo
Laico
Religioso
Local
Exemplo: IRA, ETA, FARC
por vezes com apoios noutros países
Exemplo: Hamas, Hezbollah
Global
–
Salafista e jihadista
AMEAÇAS DO TERRORISMO GLOBAL SALAFISTA E JIHADISTA
Europa
Temas como: os “cruzados” que apoiam os “sionistas”, os ex-colonialistas que apoiam
os regimes arabo-muçulmanos “apóstatas”, a NATO e as intervenções diversas com os EUA,
particularmente no Iraque e no Afeganistão
Portugal
Os temas anteriores juntamente com a reclamação por parte da Al Qaeda do regresso
do Al-Andalus ao Islão (sobretudo o sul de Espanha), já que o sul de Portugal era
o Garb-Al Andaluz
105
RISCOS DE ACÇÕES DO TERRORISMO JIHADISTA E SALAFISTA NA EUROPA
Atentados com explosivos em terra /ex.: Madrid, 11/3/2004, Londres 7/7/2005
Atentados com explosivos contra aviões, atingindo cidadãos europeus, entre outros – ex.: os atentados falhados dos
“explosivos líquidos” (acetona, água oxigenada e um ácido, para fazer o TATP na casa de banho do avião) do Verão
de 2006 e o do Natal de 2009 com PETN escondida junto ao corpo
Sequestros de cidadãos europeus (fora do espaço europeu; ex.: AQMI, agora no Sahel, sendo vítimas cidadãos
espanhóis, franceses, italianos, etc.
Homicídios de personalidades que se opõem ao Islão ou ao islamismo (ex.: o homicídio do cineasta Theo Van Gogh,
pelo grupo marroquino Hofstadt e as conspirações para matar os caricaturistas dinarmaquês e sueco, esta bem recente)
Acções terroristas com ADMs, químicas (ex.: Sarin) , biológicas (ex.: Antrax) e nucleares (BA, “bomba suja”)
Ciberataques
Pirataria
VIGILÂNCIA E DETECÇÃO DE TERRORISTAS
Nos aeroportos
_ documentos identificadores e verificação das bases de dados
_ detecção de explosivos nas bagagens de mão (explosivos “líquidos”, etc.) e de
porão – aparelhos fixos e móveis (espectrómetro de detecção iónica)
_ restrições de líquidos
_ inspecção corporal (raios X, apalpação, “scanners” corporais), pois pode haver explosivos
junto ao corpo ou no seu interior
_ procedimentos diversos para diminuir as vulnerabilidades do Espaço Schengen
(identificaçãoes aleatórias, operações stop, etc.)
Em terra
_ identificações aleatórias, operações stop, etc.
No mar
_ patrulhas ( no mar e em terra), radares (fixos e móveis)
“TRANSFORMAR INFORMAÇÃO EM INTELLIGENCE”
Cooperação internacional – Informações e acções operacionais
Cooperação entre os organismos nacionais – informações e acções operacionais
Bases de dados
Melhoria da análise de informações – novas metodologias
TERRORISMO
Recrutamento
_ nas comunidades arabo-muçulmanas (imigrantes ou membros de 1ª geração,
ou de 2ª geração)
_ nas prisões (ex.: França, EUA)
_ conversões de brancos(as) e louros(as)
Radicalização
_ formação operacional – na Europa (montanhas e florestas com, p.e., “paintball”) ou fora dela
(nas “terras da Jihad”, p. ex. Paquistão / Afeganistão, Iraque, etc.)
_ o papel dos “facilitadores”
Desradicalização
_ experiências diversas interessantes e bem sucedidas – na Europa (Holanda, particularmente
Amesterdão, e em Inglaterra, com “the battle for hearts and minds”) e fora dela (Arábia
Saudita, Malásia, Indonésia, Iémen, etc.)
_ estratégias complementares – a religiosa, a cultural, a instrucional, a socioeconómica
e oferecer novos circuitos de convivência e novas perspectivas de vida
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PAINEL IV:
SEGURANÇA COMUNITÁRIA,
MODELOS E PRÁTICAS
PAINEL IV:
SEGURANÇA COMUNITÁRIA,
MODELOS E PRÁTICAS
Dalila Araújo, Secretária de Estado da Administração Interna
A introdução deste painel sobre “Segurança comunitária: modelos e práticas” nas Jornadas de Segurança revela muito bem o papel que o Ministério da Administração Interna atribui a esta dimensão da
segurança. Se me permitem, farei um breve enquadramento deste tema, sob o ponto de vista da política
do Ministério da Administração Interna, antes de passar a palavra às nossas oradoras, a quem agradeço,
desde já, a presença.
Uma segurança comunitária, tal como nós a entendemos, é uma segurança adaptada aos tempos de
hoje, aos tempos desta sociedade, ao espaço urbano, aos territórios, à sociologia urbana. S. Exa. o Ministro da Administração Interna já o referiu, hoje de manhã, na intervenção inicial, colocando a segurança comunitária, justamente, no seu papel de prevenção e de combate à criminalidade. Esta segurança
comunitária vem numa linha de aprofundamento dos programas de policiamento de proximidade que,
desde a década de 90, as forças de segurança vêm desenvolvendo: “Escola Segura”, “Idosos em Segurança”, “Comércio Seguro” e outros, de diferente natureza.
Este aprofundamento do policiamento de proximidade, dos programas, das políticas, traduz-se hoje,
na nossa estratégia do Ministério da Administração Interna, em vários instrumentos.
Os contratos locais de segurança são, para nós, instrumentos privilegiados da abordagem da segurança neste novo paradigma, com novas exigências, instrumentos e abordagens mais globais.
O programa de videovigilância é, também, um instrumento que se insere nessa dimensão da segurança comunitária. A videovigilância, no respeito pela vida privada, pela intimidade, é encarada pelo
Ministério da Administração Interna como um dissuasor da criminalidade e como um instrumento de
apoio à investigação criminal.
Outro instrumento, também de não somenos importância, é o incentivo às polícias municipais. Tendo estes organismos uma natureza administrativa, olhamos para as polícias municipais numa perspectiva de cooperação com as forças de segurança. São, também, instrumentos de reforço do sentimento de
segurança, pela sua visibilidade no espaço público e pela sua proximidade aos cidadãos.
Um outro instrumento, a recuperar, é o recurso aos guardas-nocturnos. Por circunstâncias diversas,
os guardas-nocturnos foram sendo afastados do espaço público, mas é nossa intenção rever e estudar
um novo regime para a administração desta actividade de segurança comunitária e também de cooperação com as forças de segurança.
Vou deter-me, brevemente, nos contratos locais de segurança e na sua relevância, naquilo que é para
o Ministério da Administração Interna a dimensão da segurança comunitária dos novos tempos.
Estes modelos, como sabemos, são inspirados na teoria de dois sociólogos americanos, que, na década de 1980, conceptualizaram a teoria conhecida por broken windows theory, a qual inspirou as políticas
do Mayor de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, e que, entre 1993 e 1997, fizeram dessa cidade uma das mais
seguras do mundo.
Os contratos locais de segurança têm esta tradição. O seu conceito ancora-se nesta teoria, que muitos dos presentes conhecem, e surgem nesta linha de aprofundamento dos programas de proximidade.
Nós inspirámo-nos, nas nossas primeiras experiências de contratos locais de segurança, concretamente
no concelho de Loures, nos modelos desses contratos, que tinham feito já o seu percurso na Europa do
Norte, em França e em Espanha.
Os contratos locais de segurança aparecem-nos como uma resposta a muitos dos problemas que foram
analisados hoje, no quadro dos dois estudos aqui apresentados; isto é, aparecem como uma resposta a
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fenómenos que não têm uma natureza securitária, mas sim, uma dimensão social. Respondem a uma desestruturação dos mecanismos de controlo social e a muitos problemas que não são problemas de polícia.
Logo, os contratos locais de segurança são instrumentos que, do nosso ponto de vista, assentam (tal
como foram concebidos, principalmente para a realidade específica de Loures) em quatro eixos: o da prevenção, o da ampliação, o do policiamento de proximidade, sempre presente, e, também, o das parcerias.
Este contrato local de segurança, como nós o idealizámos, foi pensado para uma realidade concreta
– e é esta a natureza dos contratos locais de segurança: são feitos “à medida”. Este foi pensado para a
realidade sociológica de três freguesias: Sacavém, Apelação (incluindo a Quinta da Fonte) e Camarate,
situadas em zonas urbanas ditas “sensíveis”. Temos uma outra experiência, circunscrita ao Bairro do
Cerco, no distrito do Porto, mas tem uma dimensão diferente: visa a realização de um diagnóstico local
de segurança para que depois se faça uma estratégia para a sua intervenção.
Neste momento, já foram celebrados 29 contratos locais de segurança com as autarquias. Esta é uma
das estratégias fundamentais do Ministério da Administração Interna, a da abertura à sociedade civil, sem
nunca esquecer que compete às forças de segurança e ao ministério garantir a segurança dos cidadãos.
Estas novas abordagens, esta diversidade e estes fenómenos extra-securitários exigem esta resposta. Portanto, da parte do Ministério da Administração Interna a actuação pauta-se por estas linhas de
proximidade, do policiamento de proximidade, do aprofundamento destes programas e da sua adaptação a realidades muito concretas. Diria mesmo que são soluções que podem não perdurar, podem ser
desenhadas e aplicadas num contexto social próprio e, algum tempo depois, pode verificar-se que este
modelo deve ser alterado ou deve migrar para outros espaços territoriais.
Não vou fazer a análise do contrato local de segurança de Loures, mas, atendendo ao facto de ter
tido o privilégio de estar na origem deste contrato local de segurança – não nestas funções, mas noutras
que desempenhei, na época, como Governadora Civil de Lisboa –, não posso deixar de olhar para este
instrumento com um carinho particular e de o acompanhar, também, de forma muito especial, porque é
um instrumento que vem dando frutos “no terreno” ao nível de um menor conflito social, de uma maior
convivialidade e, também, de uma redução da criminalidade participada, que é já notória.
É, neste quadro, que agradeço às nossas oradoras. Susana Durão é doutorada em Antropologia pelo
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, mestre em Antropologia Social e Cultural
pela Universidade Nova de Lisboa e tem desenvolvido a sua actuação no estudo destes temas associados
à segurança, e a uma dimensão muito importante da segurança, que é a sua representação – o chamado
“sentimento de segurança”. Tem participado em vários projectos de investigação e publicou um livro
nesta matéria. Maria João Freitas é também doutorada em Sociologia e é Vogal do Conselho de Administração do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P.. É especialista em Sociologia Urbana e
responsável por programas de requalificação urbanística no domínio da habitação e da reabilitação, nomeadamente, em bairros críticos. Esperamos que nos dê, e irá dar com certeza, a sua perspectiva sobre
a forma como o planeamento urbano e as soluções urbanísticas influenciam as condições de segurança
ou de insegurança de um bairro.
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PROXIMIDADE POLICIAL:
O QUE É?
PROPOSTA DE LEITURA CONTEXTUALIZADA
EM TERRITÓRIOS URBANOS
Susana Durão, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
1. Introdução
Este texto centra-se numa reflexão sobre “proximidade policial”, propondo uma interpretação da
mesma à luz da sua contextualização em Portugal. Mais concretamente, explora os efeitos da proximidade policial nas geografias morais do policiamento e nas culturas de trabalho que encontramos
em esquadras portuguesas, aqui pensadas a partir de casos estudados em Lisboa. Procura-se ilustrar
e explicar, através da interpretação de mapas, as pluralidades e padrões que se mantêm em rotinas de
trabalho de três serviços de esquadra: na patrulha automóvel, na patrulha pedonal e num programa
do policiamento de proximidade designado “Escola Segura”. Este texto reflecte concretamente sobre
o caso da Polícia de Segurança Pública (PSP). Por fim, conclui-se que a proximidade deve ser vista
como conceito alargado do policiamento e que é insuficiente imaginar estratégias para a proximidade
sem redefinir, actualizar e revalorizar a própria actividade da patrulha.
2. Proximidade policial, projecto inacabado?
A integração de conceitos como o de proximidade na actividade de policiar nasce da ideia de desenvolver técnicas de prevenção criminal alternativas à repressão policial, depois de várias situações
locais, criminais e de ordem pública terem apontado fraquezas aos métodos operacionais e demonstrado que as técnicas preventivas eram insuficientes (Moore, 2003: 129-130). A proximidade situa-se
no mesmo plano de actuação da patrulha, mas são coisas diferentes. A patrulha é genericamente
considerada o primeiro nível do policiamento nas esquadras, mas claramente o que ocupa o maior
volume do trabalho policial, assente em tarefas de vigilância territorial mais ou menos coordenadas,
sendo em boa parte accionadas por chamadas de emergência. A proximidade tem dois objectivos
basilares: em primeiro lugar, conta com um maior apoio das populações locais e cidadãos à acção
policial do que as técnicas de policiamento menos aproximadas dos cidadãos, o que implica mudanças estratégicas, novas políticas, mais responsabilidade e mudanças na base da legitimidade que os
polícias encontram junto dessas populações (Moore, 2003: 140). Em segundo lugar, e simultaneamente, actua nas realidades locais tendo por base um entendimento diferente dos usos da acção e
da autoridade policial, envolvendo técnicas de comunicação e de negociação no policiamento, o que
implica que tal policiamento, para se efectivar, tem de desenvolver níveis de cooperação e de compromisso local com imaginação e raciocínio (Skolnick e Bailey, 2002; Sparrow, Moore e Kennedy,
1990; Moore, 2003: 142).
Tais técnicas, apesar de poderem ter sido desde sempre usadas de modo mais ou menos intuitivo
pelos patrulheiros na sua ocupação, sobretudo enquanto tácticas, é com uma ideia de polícia mais
próxima, ou se se quiser mais comunitária ou orientada para o contacto directo e mais permanente
com os cidadãos, que começam a fazer parte do repertório mais conscientemente reflectido da actividade, enquanto estratégia integrada (Moore e Trojanowicz, 1988). Sendo assim, um policiamento
de proximidade tem necessariamente de passar pela confiança, diálogo e tempo – o que implica mudanças que são ao mesmo tempo organizacionais e propriamente policiais. Voltarei a estes aspectos
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à medida que for desenvolvendo o texto, com base na interpretação das ilustrações etnográficas dispostas nos mapas.
As polícias anglo-saxónicas, britânicas e norte-americanas foram as primeiras a criar os policiamentos comunitários do século XX, na década de 1960. Estes viriam a influenciar os programas de proximidade na Europa continental duas décadas depois. O chamado “policiamento de proximidade” em Portugal vai encontrar como fonte de inspiração a experiência francesa, muito por afinidade entre ambos
os modelos de polícia, isto é, dos sistemas institucionais e administrativos de polícias nacionais (Costa,
2002; Gomes et al, 2001; Monet, 2006; Oliveira, 2003).
Tem sido diagnosticado em vários países que o policiamento comunitário e o policiamento para a
solução de problemas (Goldstein, 1979) se revelaram projectos incompletos e mitigados, mesmo nos
países que criaram estes conceitos (Moore, 2003: 144-156). São várias a razões encontradas. Defendese que este tipo de policiamento nunca foi consensual e sempre terá mantido resistências internas nas
polícias e mesmo entre decisores políticos (AAVV, 2000). A sua dimensão manteve-se reduzida, quando
não periférica, no seio das políticas para as polícias e, como tal, insuficiente para afectar profundamente
toda a filosofia, culturas e disposições organizacionais do policiamento (Durão, 2008; Reiner, 1985). No
mesmo sentido, nos últimos 30 anos, os planos para o investimento na “proximidade policial” passaram
também eles a concorrer com a emergência de um discurso dominante e globalmente difundido que
visa ampliar cada vez mais as competências das polícias generalistas no “combate ao crime”, levando a
direccionar esse investimento para o crescimento e equipamento de unidades anticrime, unidades profissionalizadas especiais, unidades de reacção rápida e outras. Uma razão de ordem mais política é também apontada e por vezes reiterada por criminologistas clássicos quando defendem que o policiamento
mais preventivo e próximo, baseado em projectos locais de actuação, e não em grandes e homogéneas
políticas de intervenção, é de difícil mensurabilidade e, como tal, seria difícil comprovar a sua eficácia
para o governo da segurança. Mas é preciso notar que os cépticos da proximidade ou de policiamentos
comunitários tendem a basear-se em realidades que estão muito longe do que seria o ideal de funcionamento dos mesmos, e, como tal, referem-se a eles como utopias (Greene e Matrofski, 1988), chavões
vazios e técnicas de relações públicas (Klockars, 1988) incapazes de resolver problemas sérios, como as
ondas de violência urbana (Bailey, 1988).
Embora as várias razões enunciadas contribuam para manter inacabado o projecto de proximidade,
autores defendem que o facto de esta ser uma espécie de “revolução silenciosa” ou mesmo o “paradigma
dominante” do policiamento moderno (Kelling, 1988), e seguramente uma das mais influentes estratégias para um “policiamento futuro” (Newburn, 2008), terá contribuído para transformações quer no
seio da actividade de policiar do pós-guerra, quer no entendimento sobre o papel dos polícias na sua
actividade. Embora a manutenção de modelos administrativos de polícia, que não têm em conta a especificidade e exigências concretas da proximidade, possa constranger essa transformação, é no plano das
práticas micropolíticas que algumas mudanças parecem de facto estar a ocorrer.
Podem ser sucintamente inumerados os benefícios acerca da introdução de uma dinâmica de aproximação policial às realidades locais. Polícias mais próximos dos cidadãos permitem algum controlo
indirecto e social dos limites eventualmente menos respeitados pela acção policial e elevação dos níveis
de satisfação com os serviços policiais. Nas esquadras de Lisboa, onde desenvolvi as pesquisas, para os
comandantes de esquadra não era uniforme a forma de operacionalizar os programas da proximidade e
alguns ameaçavam desmantelá-los, não fossem eles accionados por uma normativa superior irrevogável
e emanada pela Direcção Nacional. Quando tal acontecia, alguns agentes da proximidade consideravam-se socialmente “protegidos” pelas cartas que chegavam constantemente às polícias traduzindo um
elevado grau de satisfação com aqueles programas e com o seu trabalho. De facto, como vim a verificar
após vários meses de participação nas rotinas policiais, a dinâmica de contactos destes serviços era muito mais avolumada do que noutros da patrulha (o que poderá ser lido mais adiante nos mapas). Além
disso, ao contrário de imagens estereotipadas dos polícias que tendemos a alimentar no senso comum,
mais proximidade local parecia reverter em menos opacidade policial ou numa opacidade que para funcionar necessitava de um elevado nível de sofisticação. Isto porque as acções dos polícias dos serviços
de proximidade são de forma geral mais visíveis, social e culturalmente mais escrutinadas desde logo
do que as da patrulha.
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O policiamento territorial é levado a sério, e de facto os polícias podem ter algum papel no evitamento de situações de risco e na protecção não só do património, mas muito particularmente na
situação de prevenção da vitimação. Uma certa “cultura da suspeição policial” (Reiner, 1985: 91-92),
que se traduz em ver nos cidadãos um elemento suspeito, mesmo que muitas vezes sem indícios reais
para tal, pode assim ser senão profundamente alterada, pelo menos atenuada, levando a apostar numa
selectividade maior da actividade punitiva e criação de novas ferramentas de carácter mais alargado e
planeado para o policiamento local. Como vários autores clássicos demonstraram, a actividade policial
está bem longe de se sustentar apenas numa relação directa com a lei e o crime, estando sim muito
assente em entendimentos culturais, morais e interactivos partilhados entre polícias e nos entendimentos que projectam a partir das suas rotinas de trabalho (Bittner, 1978; Manning, 1977, 2004). Deste
modo, a proximidade pode contribuir para a verdadeira socialização dos polícias em espaços urbanos e
de cidadania que deixam de ser olhados por estes como estranhos e distantes, prefigurando mudanças
de atitude que podem passar por um reconhecimento de dimensões identitárias e cívicas que até aqui
têm sido travadas nos polícias.
De facto, é de notar que nos últimos anos se dissipou uma tendência observada nos primeiros estudos sobre este tipo de políticas e programas de aproximação dos polícias aos cidadãos. A questão
crítica de considerar tais programas como não sendo “verdadeiramente” policiais, mas uma espécie de
serviço social, tende de facto a atenuar-se à medida que estes se instalam nas rotinas de funcionamento da esquadra. Muitos agentes a trabalhar em equipas da proximidade, e não apenas os “arquitectos”
do sistema, são cada vez mais peremptórios: sabem os limites do seu mandato e de como não podem
actuar em dimensões que só a assistência social ou programas de Estado dirigidos para o apoio social
deveriam garantir. Egon Bittner ilustra bem o quão equivocada esteve desde sempre esta questão: “Dizer que apenas os assistentes sociais poderiam lidar com esses problemas [no apoio directo a pessoas]
é o mesmo que argumentar que um campeão de natação não poderia tirar da água uma pessoa que está
se afogando exceto se tivesse um Certificado de Salva-Vidas (…). O compromisso com os princípios do
policiamento comunitário significa agir com a suposição de que a Polícia constitui uma organização de
prestação de serviço dedicada a manter a paz, à defesa dos direitos das pessoas e ao policiamento. Em
todos esses campos ela não é apenas um instrumento independente de governo; ao contrário, para alcançar os objetivos desejados, [os polícias] devem trabalhar com os indivíduos, os grupos comunitários
e as instituições da comunidade” (2003: 282-283).
A prática da proximidade pode ainda trazer mais horizontalidade à Polícia, pois os agentes desenvolvem competências concretas que desafiam a determinação estreita da hierarquia, estando operacionalmente menos dependentes dela, o que contribui para elevar o status profissional do policiamento
(como veremos nas secções seguintes). Os ganhos em termos de autoridade policial nas comunidades, o
seu reconhecimento social, pode reverter-se em reconhecimento organizacional, mas a partir dos níveis
estatutariamente menos elevados da organização. Este aspecto desafia linhas de orientação tradicionais
em polícias como as do Sul da Europa, com uma inquestionável administração central que, pelo seu
peso administrativo, frequentemente desresponsabiliza a acção individual em prol da sobrevalorização
da hierarquia, baseada numa ideia de separação institucional entre polícia e sociedade. A Polícia pode
efectivamente pluralizar-se e pluralizar os seus saberes internamente, enquanto actua em meios urbanos que se complexificaram muito nas últimas décadas e dos quais é parte integrante.
3. Enquadramentos e entendimentos da proximidade em Portugal
A proximidade chega a Portugal em meados dos anos 1990, já um pouco tardiamente, quando comparado com outros países do Centro europeu (Costa, 2002; Durão, 2008; Oliveira, 2003). Em Portugal a proximidade surge inevitavelmente também de um estreitamente político entre as organizações
policiais e os governos de Estado, em tempos de restauração dos canais democráticos e na sequência
da adesão de Portugal à União Europeia em 1986. Várias políticas foram accionadas no sentido de
possibilitar que a proximidade policial chegasse às esquadras, na forma de programas, com polícias
a trabalhar isoladamente (a grande maioria) ou em equipas. Refiro-me aqui apenas às políticas gerais
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mais determinantes do ponto de vista sociológico. Foi necessário o investimento numa elite de polícias oficiais que pudesse ir criando massa crítica à medida que substituía progressivamente as elites
militares desta polícia urbana (sendo efectivada a profissionalização da formação avançada oferecida
pela própria Polícia). Foi importante o alargamento das habilitações escolares dos agentes de Polícia
e o rejuvenescimento de todo o corpo policial. A entrada de mulheres e a sua progressiva (embora por
vezes tímida) visibilidade social na patrulha e nas esquadras, a partir dos anos 80, não determinou
mas repercutiu-se na forma como a proximidade foi desenvolvida nas esquadras (Durão, 2003, 2004;
Durão e Leandro, 2003), bem como a noção mais geral da Polícia como uma ocupação plural e para
todos os “civis” que a ela se candidatassem (Durão, 2008). Uns programas foram mais investidos do
que outros e obtiveram maior reconhecimento público, local, político e organizacional (como é o caso
do Escola Segura e, menos, o do Idoso em Segurança/Apoio 65). Outros mantiveram-se menos influentes (como é o caso do Comércio Seguro) ou foram simplesmente inseridos em rotinas de esquadra de
modo muito variado e com experiências muito heterogéneas por todo o país (como o Operação Férias,
Táxi Seguro, Farmácia Segura). Alguns estão a ser hoje reinvestidos por imposição de políticas sociais
e de segurança prioritárias, como é o caso do apoio mais direccionado para o atendimento a vítimas de
violência doméstica (que começou por ser reflectido e dinamizado no final de 90 no âmbito do Projecto INOVAR). Assiste-se a uma maior procura de articulação entre programas, através do Programa Integrado de Policiamento de Proximidade (PIPP) desde 2006, já alguns anos após a operacionalização
destes em grande parte das esquadras portuguesas.
Várias leis, quer organizacionais quer no âmbito penal, foram redefinindo áreas e abrindo um espaço
para a proximidade que está ainda por conhecer e até talvez mais claramente por reconhecer. Refiro
apenas alguns exemplos. No plano organizacional, à entrada do milénio, a estruturação do policiamento
distribuído por unidades de esquadra locais era já relativamente consensual. No plano da investigação
criminal também se clarificaram e distinguiram os planos da actuação policial com a criação de unidades especializadas, possibilitando às esquadras (ainda que de forma incompleta e pouco autónoma nas
suas políticas) que desenvolvessem planos de prevenção local. A criminalização da violência doméstica,
cujo princípio legal ou sociológico não importa aqui discutir, tem tido efeitos na aproximação entre polícias e vítimas de crime que, por princípio, encontram agora um quadro de regulação social e legal mais
lato que os atrai mais facilmente para os canais da Polícia e da Justiça. O facto de desde 2008 terem começado a efectuar-se Contratos Locais de Segurança – celebrados entre o Ministério da Administração
Interna, governadores civis e presidentes de câmaras municipais, envolvendo as forças de segurança,
instituições e associações locais em várias autarquias de diferentes distritos nacionais – pode significar
que, além de conduzida por maior proximidade, a polícia urbana em Portugal começa a ser impulsionada por um envolvimento mais estruturado e com várias parcerias nas dinâmicas de uma alegada “segurança integrada e comunitária” (Pereira, 2010: xvii).
Embora inúmeras mudanças tenham ocorrido nas forças policiais em ciclos políticos curtos depois
de 1974, e sobretudo na segunda metade da década de 1980, a proximidade policial em Portugal parece
continuar a transportar em si várias ambiguidades difíceis de resolver. Internamente, na própria Polícia,
quando questionados sobre o que fazem os polícias de proximidade e com a proximidade, não é fácil
encontrar um consenso.
Esta análise baseia-se em dados de uma investigação no âmbito da qual efectuei mais de 80 entrevistas no decurso de um trabalho de observação directa em esquadras durante 12 meses em 2004 (Durão,
2008). Devido à participação em vários projectos de investigação científica, antecedentes e subsequentes à referida pesquisa de terreno, tenho vindo, em múltiplas ocasiões, a questionar os polícias sobre
os entendimentos do seu trabalho prático e do seu mandato profissional. Uma primeira constatação é
óbvia: o policiamento de proximidade não é nutrido por todos os polícias da mesma forma. O conceito
tem múltiplos desdobramentos e surge nos discursos policiais e nas entrevistas que realizei, de alto a
baixo da hierarquia, em pelo menos cinco sentidos distintos:
3.1. Pode ser entendido, por poucos, como um projecto global de polícia, uma espécie de filosofia que
tenderia para um maior respeito pelos direitos humanos; uma filosofia que autoriza aos polícias desenvolver novas formas e atitudes de policiamento que impliquem uma relação directa e mais igualitária
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perante os cidadãos. Este é exactamente o entendimento de estudiosos que perspectivam uma ampla
“estratégia organizacional alternativa” e uma “abordagem geral do policiamento” (Moore, 2003: 13;
Rosenbaum, 2002).
3.2. O conceito é visto como um modelo de policiamento que se pretende inovador (mas parcialmente
aplicado) através de programas que lhe dão uma certa definição organizacional. Nesta perspectiva, a
proximidade restringe-se a programas que existem, aos seus horários (diurnos), tem fraco reconhecimento na organização e não está perfeitamente coordenada com as restantes actividades da patrulha.
Trata-se de uma perspectiva que poderia ser considerada “realista” e que reflecte uma posição periférica da proximidade face a uma filosofia mais geral que vê na polícia de patrulha ou um serviço de emergência ou que acredita combater o crime em sentido muito lato, fazendo o que sempre fez (Sparrow,
Moore e Kennedy, 1990) Mas mesmo sem uma aceitação total, o facto é que a proximidade tem vindo a
conquistar o seu espaço em várias esquadras e divisões policiais, bem como nos departamentos de polícia, um pouco por todo o lado (Bittner, 2003).
3.3. A proximidade é também entendida como uma política para o policiamento que se confunde com a
visibilidade. Este último conceito nasce em Portugal também no final da década de 1990 e baseia-se no
princípio de que cada esquadra deve ter um certo número de agentes apeados ou de carro em locais de
maior visibilidade pública. Nas esquadras do comando metropolitano de Lisboa existiu durante alguns
anos o chamado “carro-visível”, criado para “produzir visibilidade policial”, isto é, para ser visto enquanto vê, para alegadamente criar um sentimento de segurança nos cidadãos e ao mesmo tempo fazer
uma prevenção local genérica. Para muitos polícias não há diferença entre estar à vista de todos e estar
próximo dos cidadãos. Tal consideração pode conduzir a entendimentos extremos, como o que considera que operações de fiscalização ao trânsito se inserem numa política de policiamento de proximidade,
simplesmente por se imaginar que servem para beneficiar a visibilidade policial na sociedade, porque
actuando, existem. Mas tal afasta-se muito, se é que não antagoniza, as considerações que conhecemos
sobre proximidade e mais genericamente sobre o policiamento comunitário.
3.4. O conceito de proximidade pode ainda ser entendido como a recuperação de um modelo de “policiamento tradicional”, “o que a Polícia sempre foi”, com um trabalho “territorial”, “de rua”, “a essência
mesmo da patrulha”, como me disseram alguns oficiais, chefes e agentes mais antigos na organização,
aspecto que já estaria configurado nas unidades policiais mais próximas dos cidadãos, as esquadras. Alguns autores também sublinharam estes entendimentos nas suas pesquisas. Todavia, lembraram como
tácticas desse “bom policiamento” (…) “raramente eram reconhecidas pelos supervisores ou pelo sistema administrativo da organização como policiamento efectivo, e permaneciam ocultas e desconhecidas.
Por essa razão, eram mais incomuns do que deveriam ou poderiam ser” (Moore, 2003: 142). Mais, muitas vezes alegar que a inovação repete aspectos fundamentais do tradicional significa apenas travá-la, já
que mesmo que inspirada por aspectos do trabalho policial em geral, o que a proposta de proximidade
policial oferece numa sociedade democrática nunca poderá ter paralelo com o que ofereceu numa sociedade dominada por um regime ditatorial, como foi Portugal até 1974.
3.5. E, finalmente, a proximidade é vista como uma mera táctica oportunista do policiamento, uma
forma de chegar mais próximo de potenciais informadores e ter, consequentemente, mais informação para agir sobre a realidade. Por exemplo, alguns polícias da proximidade podem trabalhar à civil
(sem farda) em horários diferentes dos habituais tentando intervir sobre ambientes que conhecem
à custa de relações que mantiveram localmente enquanto elementos fardados. Este entendimento,
este tipo de táctica policial, desvirtua completamente o espírito que fez nascer este tipo de policiamento, mas permite exactamente compreender como os conceitos, mesmo os mais bem intencionados, podem ser usados para práticas para os quais não foram inicialmente imaginados. Tal não
significa dizer que as polícias preventivas não desenvolvem planos e estratégias de actuação local
quando, por exemplo, detectam que em determinadas situações, contextos e horas algumas manifestações criminais têm obrigatoriamente de ser contidas. Muitos autores demonstram que se trata
do oposto. Mas como a cooperação e a colaboração com os cidadãos está na base da proximidade, o
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seu uso como instrumento de dissimulação, ou para recolha de informações ocasionais, rapidamente
pode reverter em diminuição de confiança nas polícias locais e em fechamento de parte a parte. Uma
ambiguidade desta natureza pode acabar com o trabalho local de anos da proximidade. Tais estratégias são particularmente inúteis em bairros onde vigora o tráfico de drogas, em crimes de violência
doméstica e em muitos outros.
O próprio modelo institucional que faz operar a proximidade policial parece apoiar as hesitações
que encontramos no terreno face ao conceito e seus usos. Poder-se-ia dizer que a proximidade em
Portugal é pré-determinada por um modelo “institucionalista”. Quer isto dizer que os programas da
proximidade, em concreto, são encarados como serviços que se oferecem aos cidadãos. Os cidadãos
participam pouco e de forma pouco activa nos processos sociais e políticos que erguem o policiamento em geral e a proximidade em particular. Neste sentido trata-se de um projecto institucionalizado e institucionalizante onde a negociação com colectivos e comunidades é diminuta. Mesmo nos
exemplos mais bem sucedidos, como é o caso do programa Escola Segura, os parceiros preferenciais
são sempre instituições (escolas e autarquias) e menos organizações não governamentais, cidadãos
organizados ou semi-organizados (associações locais, associações de moradores, associações de comerciantes, por exemplo). Em geral, mesmo que envolvendo sempre os mais diversos cidadãos, a
comunicação com estes tende a passar por contextos e enquadramentos institucionais: no caso dos
jovens, o facto de serem alunos de escolas; no caso dos idosos, o serem frequentadores de centros de
dia ou centros de apoio de juntas de freguesia; no caso dos comerciantes, o facto de serem lojistas. É
provável que a Polícia não consiga escapar não só a modelos e culturas organizacionais como a um
certo peso histórico de formas de administração do Estado que tendem a desenhá-lo como sendo
muito presente nas mais diversas facetas da vida quotidiana, mesmo que nem sempre actuante e, menos ainda, popular, sendo que os cidadãos de um Estado podem alimentar a ideia de que são tratados
pelas suas agências com desconfiança e indiferença (Herzefeld, 1992) mesmo quando o Estado insiste
em lhes mostrar o contrário.
Na verdade, na arquitectura policial portuguesa, como na francesa, o policiamento de proximidade
distingue-se do policiamento de orientação comunitária de tradição anglo-saxónica. O eixo fundamental da diferença resulta do facto de a proximidade ser oferecida da instituição para as populações,
de dentro para fora, e não em sentido transversal, como em algumas polícias britânicas e em alguns
Estados da América do Norte, o que leva à participação mais activa das comunidades no policiamento
(Skolnick & Bayley, 2002; Monet, 2006). Tal tem relação directa com a história das instituições policiais
e dos respectivos Estados nos diferentes países. Embora em Portugal sejam cada vez mais anunciadas
parcerias entre vários serviços públicos e privados para a “co-produção da segurança” (Oliveira, 2001),
e existam alguns exemplos singulares e diferenciados da proximidade, mantém-se uma tendência de
matriz institucionalista.
A participação dos cidadãos na segurança dá-se sobretudo através da informação mediática e política
e por intermédio de várias narrativas difusas que envolvem o crime (Durão, 2008a). Neste processo, a
divulgação oficial de estatísticas criminais ocupa um papel central. Na prática, tudo indica que o policiamento de proximidade com os cidadãos (e não apenas para os cidadãos) continua a ser um “projecto
prospectivo”, isto é, algo que um dia, no futuro, poderá vir a acontecer.
4. Proximidade, onde?
A proximidade pode ser analisada a partir do trabalho de esquadra das polícias. Muito mais do que
numa dimensão programática, o desafio analítico está em perceber como nas práticas do policiamento
local se “comporta” quer o policiamento, quer os agentes que lhe dão corpo e movimento. É nas unidades implementadas no tecido urbano, quando o policiamento se vê como estando territorializado e socialmente legitimado, que as políticas de proximidade, de maior aproximação e de negociação de estratégias e tácticas do policiamento começam a fazer sentido e a eventualmente ressoar nas próprias elites
policiais. Embora exista sempre um trabalho de preparação e de planificação de programas, a verdade
é que o sucesso ou insucesso dos programas de proximidade local depende muito da maior ou menor
118
capacidade de agência de polícias locais. Vários autores defendem que (…) “muito do que se conhece
sobre o que funciona no policiamento baseia-se na experiência de trabalho dos polícias” (Goldstein,
1979; Moore, 2003: 145). É possível sistematizar tal conhecimento.
As esquadras ocupam actualmente sensivelmente 80% do efectivo policial. Isto é, elas são a base
organizacional de funcionamento do modelo policial em Portugal. O trabalho que as ocupa está longe
de se esgotar no trabalho dito “criminal”, isto se considerarmos o crime como ocorrências registadas,
o “crime processado”. O grande volume do trabalho das polícias locais continua a passar-se no plano
daquilo que poderíamos chamar a regulação e mediação de conflitos, sendo que apenas parcialmente
estes conflitos chegam a merecer registo escrito (Durão, 2008). Em 2005 tive acesso à consulta e tratamento de informação registada numa Divisão da cidade de Lisboa com cinco esquadras, que uso aqui
para ilustrar o que acabo de dizer. Em 2005, a Divisão somou 16.930 entradas de ocorrências relatadas
nas suas esquadras e serviços. Desse total apenas 5.917, um pouco mais de um terço do total, isto é, 35%,
era relativo a registos criminais. Mesmo assim, os dados manifestavam uma tendência para o aumento
dos indicadores criminais relativamente aos anos anteriores. Segundo o comandante da unidade, tal
ficou a dever-se sobretudo a políticas organizacionais de implementação de operações locais ou coordenadas de fiscalização ao trânsito (sobretudo), tráfico de drogas e armas, e não tanto às actividades
de rotina regulares da patrulha.
Foi precisamente esta consciência e persistência histórica do policiamento local e efectivamente
pré-factual ou preventivo – convém lembrar – que nos levou, desde os anos 1980 à discussão internacional e depois nacional sobre a importância de retomar os modelos de policiamento comunitário e de
proximidade (Reiner, 1996).
5. Saberes locais e “geografias morais” dos polícias
A proximidade pluralizou os saberes nas esquadras, alargou o quadro de possibilidades do conhecimento policial local, mas também reproduziu alguns padrões de policiamento que tendem a separar
nas cidades conjuntos habitacionais e bairros considerados pelos polícias com quem percorri as ruas da
cidade durante meses como sendo ou de “classe média” ou “bairros pobres e da droga”. Desenhei alguns
“mapas de espaço-tempo” para ilustrar sequências de turnos de três serviços da patrulha – carro-patrulha, patrulhamento a pé, programa de proximidade Escola Segura – com recurso a técnicas da geografia
temporal de Hagerstrand, reflectidas e desenvolvidas por Gregory (1985) e Predd (1977) para vários
contextos, mas aplicados ao estudo do policiamento por Fyfe (1992). Os mapas ajudam a sistematizar
toda a série de observações e de informação que me foi transmitida pelos polícias sobre o seu trabalho:
sobre as especificidades e os limites de cada serviço. Seleccionei apenas um turno que considerei típico
em cada um dos três serviços. Depois de meses de observação e de participação nas rotinas de esquadra
não me foi difícil fazer esta selecção.
5.1. Mapa de giros da “Esquadra Amarela”
Um “mapa de giros” traça os limites administrativos da área de supervisão de uma esquadra, que neste
caso denomino como “Esquadra Amarela”. Pode visualizar-se a divisão tradicional dos “giros” da esquadra, partes da área que recebem uma numeração que orienta os planos de policiamento diário estipulados pelos comandantes locais. Este é um mapa de orientação geral da patrulha que recua ao início da
história da Polícia em Portugal.
Estes mapas nasceram com as esquadras no final do século XIX e foram revistos nos anos 50 (cf. Decreto Lei 39 497 de 31 de Dezembro de 1953). Durante o Estado Novo, com a implementação de maior
controlo superior do trabalho dos agentes, estes eram distribuídos por giros com percursos definidos.
Eram rondados pelo chefe de ronda que percorria as mesmas artérias em sentido contrário e os cruzava,
escrevendo numa caderneta de giro o número de matrícula do subalterno. Tal rotina funcionou pelo
menos até aos inícios dos anos 90, quando se reintroduziram princípios de aleatoriedade na patrulha
(Leitão, 2001) e a instituição policial começou a ser realmente perspectivada à luz de uma nova ordem
democrática, sofrendo transformações profundas desde então.
119
Todavia, nesta ilustração sobrepõe-se uma outra camada de entendimento prático da patrulha local
baseada nas percepções que são manifestas e partilhadas entre os agentes da esquadra. Por aqui podemos compreender como os agentes organizam mental e cognitivamente o espaço, e por isso lhes chamo
geografias morais, porque ditam muito do que são as condutas e ideias que estes polícias desenvolvem a
partir dos diferentes serviços. Os polícias separam a parte de cima da parte de baixo e fazem corresponder cada uma delas ao “bairro de classe média” (em cima), aos “bairros e lugares de tráfico de drogas”
e aos “bairros e zonas de pobreza” (em baixo). Estas percepções cognitivas profissionais têm alguma
referência à acidentação geográfica, mas baseiam-se em entendimentos e partilha de entendimentos
que vão sendo construídos pelos agentes na experiência do policiamento de esquadra. Esta geo-referenciação moral do espaço é tão marcante para a actividade de policiar quanto a referenciação do mapa
administrativo dos giros, na medida em que ambas conduzem e condicionam o policiamento.
As geografias morais integram saberes práticos, conhecimentos adquiridos e produzidos pelos agentes
nos percursos traçados por áreas da cidade que, depois de tantas vezes percorridas, começam a ser lidas
de acordo com grelhas mentais específicas. Essas grelhas são amplamente condicionadas pelas rotinas que
nos serviços os agentes vão accionar. O espaço e o tempo sobressaem como elementos organizadores das
percepções profissionais. Para o desenho das geografias morais da patrulha concorrem também outras
experiências que não podem ser desenvolvidas neste texto, tais como as interacções sociais e contactos
interpessoais que os polícias mantêm nas situações e com as mais diversas pessoas dos bairros, sendo estas
frequentemente sujeitas a categorizações partilhadas (Durão, 2008, capítulos 6 e 7).
5.2. Mapas da patrulha de proximidade
Os mapas espaço-tempo, que podem ser visualizados daqui em diante no texto, têm a particularidade
de permitir ler os itinerários percorridos no espaço (representado no plano horizontal) cruzados pelo
tempo (representado no eixo vertical). É a coincidência entre espaço e tempo (nos pontos identificados
no mapa) que permite ilustrar as sequências percorridas pelos agentes nestes serviços.
Podemos assinalar no mapa as chamadas de emergência; as paragens relativas às chamadas (quando
e onde tiveram lugar); e as paragens para estabelecer contactos com cidadãos; o tempo demorado nas
paragens e nas sequências percorridas. Não vou entrar em grandes detalhes sobre a conceptualização
dos mapas, mas sim sublinhar, em termos genéricos, o que os mapas nos dizem acerca do que é mais
determinante em cada um dos serviços ilustrados. Mais dados de contexto e uma análise minuciosa
podem ser lidos a partir da legenda dos mapas ou em Durão (2008: 148-154). Algumas características e
diferenças entre os serviços sobressaem imediatamente quando olhamos para os mapas.
120
MAPA 1: CARACTERIZAÇÃO SOCIOPOLICIAL DA ÁREA
Bairros e Zonas
de Pobreza
Bairro de
Classe Média
Bairro e Lugares
de tráfico de droga
Artérias de maior
trágego
Nota: As classificações descritas no mapa são usadas pelos polícias nas suas rotinas. Não pretendem ter rigor sociológico.
121
5.2.1. Mapa 2: O carro-patrulha
Uma análise breve do mapa permite dizer que o carro-patrulha (que passarei a designar como CP) trabalha e responde mais a chamadas de emergência policial do que toma a iniciativa de contacto com os
cidadãos ou responde a ordens superiores. Tais chamadas podem levá-lo a pontos distantes entre si no
espaço. Este é o serviço da patrulha com maior capacidade de circulação e amplitude (até mesmo para
lá das fronteiras administrativas da área de uma esquadra). Este é também o serviço com maior volume
de trabalho – quer na participação em ocorrências, quer nos relatos escritos das mesmas, aspecto que se
traduz no mapa pela recorrente ida à esquadra, mas que implica muitas vezes para os agentes trabalho
extra-turno. Os agentes no CP têm por isso que desenvolver mais competências operacionais e actuar
com uma certa rapidez – o que chamam “agir com uma certa adrenalina”.
SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DO CARRO PATRULHA
* – Os agentes do carro patrulha dão entrada no serviço na esquadra. Esperam ser rendidos pelos colegas
do grupo anterior que estão a resolver uma ocorrência na área de uma esquadra vizinha.
P1 – Paragem num bar, aproveitando o tempo de espera.
P2 – Chegam os colegas no carro à esquadra. O arvorado do grupo anterior pede para ser conduzido de novo ao local da
ocorrência onde esteve a tirar mais dados para escrever o registo. Trata-se de um prédio devoluto onde numa das casas
foram encontradas urnas. Contactam o Instituto de Medicina Legal e esperam que uma brigada da Polícia Judicária vá ao
local.
P3 – Paragem num dos bares mais frequentados pelos polícias (uma paragem de rotina no início dos turnos).
C1– Chamada para ir à esquadra para condução de um colega doente do grupo até à paragem do autocarro.
L1 – Condução do colega à paragem do autocarro.
PC1 – Paragem para estabelecer contactos com dois negros que estão sentados no passeio e que são considerados
suspeitos. Os agentes fazem perguntas sobre o tráfico de drogas. Um dos agentes vai a uma zona descampada “espantar”
alguns consumidores.
P4 – Paragem na esquadra para um dos agentes se inscrever no concurso de subchefes.
P5 – Na sede de divisão. Levantamento de objectos pessoais a pedido do comandante que vive temporariamente
num quarto da esquadra.
C2 – Chamada do rádio: furto de viatura e acidente com feridos. Os agentes ligam as sirenes, vamos a alta velocidade até
ao local da ocorrência.
L2 – Chegada ao local e contacto com pessoas envolvidas. Chega a brigada de trânsito da divisão ao local e trata do
acidente. Os patrulheiros ficam a regular o trânsito interrompido. Sabe-se pelo rádio que o assaltante foi interceptado por
um carro patrulha.
P6 – Chamada com paragem na esquadra para levantar registo da ocorrência do “caso das urnas”.
P7 – Paragem na esquadra vizinha para entregar o mesmo registo, uma vez que a ocorrência se deu nessa área de
supervisão.
P8 – Paragem num bar.
PC2 – O condutor do carro patrulha interpela uma condutora que leva uma criança sem o cinto de segurança posto.
P9 – Chamada e paragem na esquadra para levantar registo variado.
P10 – Paragem na sede de divisão para entregar o mesmo registo variado.
* – Regresso à esquadra para a rendição.
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MAPA 2: SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DO CARRO-PATRULHA
C — Chamadas recebidas pelos agentes do carro
L — Locais para onde se dirigem os agentes depois de receberem chamadas, pedidos de auxílio dos citadinos
P — Paragens e pausas durante o turno, por ordem superior ou por decisão dos agentes
PC — Paragens para estabelecer contactos com os citadinos
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5.2.2. Mapa 3: A patrulha a pé
Quando passamos para um outro turno, efectuado pelo serviço de patrulha a pé, observamos um mapa
completamente diferente. Note-se como a escala faz um zoom. Em primeiro lugar, as chamadas de emergência não organizam as rotinas deste serviço. Em grande medida tal deve-se ao facto de se considerar
que um patrulheiro a pé encontra limites de mobilidade e de deslocação rápida no espaço. As pausas
para observação e algumas paragens para estabelecer contactos com cidadãos são a dinâmica mais frequente para os patrulheiros. Estes são mais levados a fixar a observação em determinados pontos e em
partes mais circunscritas da área a policiar e em alguns giros seleccionados. Quando comparados com o
CP, nestes agentes detectamos uma muito maior tendência para serem directamente interpelados pelos
cidadãos; estão mais ao seu nível nas ruas, caminham a seu lado.
SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DE AGENTES APEADOS
* – Início do turno na esquadra. O carro visível está avariado. Os agentes fazem o serviço de visibilidade apeados.
P1 – Paragem num bar.
P2 – Paragem na esquadra.
P3 – Paragem numa zona considerada de intenso tráfico de droga. Surge a informação, pela rede, de que um
toxicodependente se precipitou de um penhasco. É possível que tenha morrido.
P4 – Paragem para ir observar o acidente. No local está o INEM e os colegas do carro-patrulha da esquadra.
Os patrulheiros apeados regulam o trânsito.
P5 – Paragem na zona de tráfico e observação à distância.
PC1 – Um agente interpela um sujeito. Pede informações sobre movimento do tráfico.
P6 – Paragem numa rua considerada de tráfico.
PC2 – Os dois agentes interpelam um toxicodependente, revistam-no no local e aconselham-no a abandonar
o local.
P7 – Paragem e observação numa zona de tráfico.
P8 – Paragem num bar.
P9 – Paragem numa loja.
* – Regresso à esquadra para a rendição.
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MAPA 3: SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DE AGENTES APEADOS
Um dia de rotina no turno das 13-19 horas de dois agentes fardados numa patrulha dobrada.
P — Paragens e pausas durante o turno
PC — Paragens para estabelecer contactos com os citadinos
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5.2.3 Mapa 4: Escola Segura, programa da proximidade
Nos serviços do policiamento da proximidade, em concreto no programa Escola Segura, a circulação
volta a ser mais ampla porque o serviço se efectua de automóvel. Mas a circulação dos agentes do programa não é determinada pelas chamadas de emergência. A referência para a circulação destes agentes
passa a ser os estabelecimentos de ensino (neste caso levando os agentes a percorrer as áreas de duas esquadras de uma mesma divisão, devido a um acordo pré-estabelecido entre ambas). Assim, as paragens
efectuadas, e que são bastantes, são quase todas efectuadas por iniciativa dos polícias, para estabelecer
contactos com cidadãos, nas ruas ou nas escolas.
SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DO CARRO DA ESCOLA SEGURA
* – Início do turno na sede da divisão.
P1 – Paragem na esquadra.
PC1 – Paragem à entrada de uma escola secundária pública no início da actividade escolar. À conversa com pais, alunos e
funcionários.
PC2 – Paragem à entrada de um colégio privado. Aqui há menos oportunidade para estabelecer contactos
com pessoas e mais determinação na regulação do trânsito. À porta da escola uma mulher dirige-se aos agentes e pede
auxílio pois diz ter sido furtada. O carro circula com a mesma pela área e junto a escolas tentando interceptar o jovem;
informa características do sujeito para a rede.
P2 – Paragem para deixar a mulher no café onde trabalha.
PC3 – Visita a uma escola primária de um bairro pobre. Entrada dentro da escola e visita às turmas infantis.
PC4 – Visita a uma escola secundária pública, entrada e conversa com funcionários e alunos. Paragem no bar da escola.
PC5 – Paragem num jardim onde brincam grupos de crianças de escolas infantis. Conversa com educadores.
PC6 – Paragem numa escola secundária pública para dar uma sessão a uma turma “complicada” na cadeira
de “educação cívica”.
C1 – Chamada para uma ocorrência: desordem com duas alunas. Os agentes declinam, têm sobreposição
de serviço. A ocorrência vai seguir para o carro-patrulha.
PC7 – Paragem junto a um grupo de jovens e interpelação dos mesmos. Parecem ser novos na área…
P3 – Paragem na esquadra.
* – Regresso à sede da divisão para a rendição.
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MAPA 4: SEQUÊNCIAS ESPAÇO-TEMPO DO CARRO DA ESCOLA SEGURA
Um dia de rotina no turno das 7-14 horas do carro do Programa Escola Segura da proximidade.
C — Chamadas recebidas pelos agentes do carro
P — Paragens e pausas durante o turno
PC — Paragens para estabelecer contactos com os citadinos
127
5.3. O quê, como e quem acciona o policiamento?
Poderíamos fazer uma primeira síntese e dizer que existem desde logo diferentes tendências de accionamento do trabalho policial nos três serviços: o CP é tendencialmente accionado por chamada; a patrulha a pé por ordens superiores das chefias da esquadra e mais pré-estabelecidas por um plano diário
do patrulhamento; e os programas da proximidade mais dependentes da iniciativa dos seus agentes.
Tais diferenças, que sobressaem das sequências da actividade policial a partir de uma análise de rotinas,
levam necessariamente ao desenvolvimento de diferentes saberes profissionais e locais na patrulha e,
portanto, à pluralidade policial que, como veremos, fica a dever muito à implementação dos programas
de proximidade nas esquadras.
5.4. Saberes do policiamento local
No CP desenvolve-se um saber considerado mais operacional, actuante e territorial – este move-se como
nenhum outro serviço na área. Estes são os agentes que devem conhecer melhor os códigos penais. Por
ser um canal de entrada de ocorrências numa esquadra – diz-se mesmo que o CP é o ex-líbris de uma
esquadra – os agentes têm de conhecer de perto os procedimentos administrativos.
No patrulhamento a pé desenvolve-se um saber itinerante, propriamente pedonal; um saber “toponímico” e observacional. Conhecer ruas pelos nomes, localizações detalhadas, ruelas, becos, segredos dos
lugares é fundamental para o bom policiamento local. Trata-se de um saber “horizontal”, no sentido em
que é perspectivado na partilha do espaço com outros cidadãos que circulam nas cidades: daí a maior
possibilidade de estabelecer contactos inusitados.
Nos programas da proximidade desenvolvem-se outro tipo de saberes. Pode dizer-se que este se
caracteriza por ser um saber relacional e em rede. O que o sustenta é uma maior capacidade de comunicação por parte dos agentes. Estes agentes desenvolvem saberes de negociação e de mediação local
e institucional, porque a sua actuação gira em torno de grupos e de cidadãos e não apenas em torno da
actuação directa nos territórios, digamos assim. Pode considerar-se ainda que os polícias da proximidade têm uma espécie de saber “militante”, como já foi evidenciado por Katane (2002: 73). Estes são ao
mesmo tempo polícias e participantes activos na produção de um tipo de policiamento que, por ser mais
recente, tem ainda margens de indefinição e um estatuto organizacional algo incerto.
5.5. Características dos polícias e diferenças
Podemos aprofundar ainda mais a análise e perguntar: que características mais particulares se desenvolvem nos agentes em cada tipo serviço? Por um lado, o carro-patrulha permite a manutenção de um
certo anonimato aos agentes, por outro, estes lidam fundamentalmente com o imprevisto. Estas são duas
características do trabalho que podem levar os agentes do CP a criar mais facilmente do que noutros serviços uma capa de suspeição, que alguns podem generalizar como uma atitude geral a ter face aos cidadãos. Pode dizer-se que os agentes que ficam muitos anos nos serviços do CP, e também noutros serviços
automobilizados (como as Brigadas de Intervenção Rápida, por exemplo) desenvolvem mais facilmente
uma certa tendência para a ostensividade policial e em algum momento acabam por revelar uma percepção de que se é tanto mais operacional quanto mais desconfiado, distante e calculista se for.
No carro-patrulha podem ainda observar-se outros limites. A relação de continuidade do serviço
pode perder-se, já que as ocorrências são variadas e imprevisíveis. E pode observar-se nos agentes uma
certa noção de fadiga da operacionalidade, sobretudo quando sobre o CP recai muito do esforço que
supostamente devia ser colectivo numa esquadra.
No patrulhamento a pé as questões que sobressaem passam a ser outras. Há tendência para uma
maior frequência de passagem pelos mesmos espaços, as mesmas ruas, o que se por um lado potencia
o conhecimento local, por outro tende a criar uma habituação e eventual desinteresse. Talvez por isso
também, este serviço tende a ser perspectivado como “parente pobre” do CP. Como tal, os agentes a pé
defendem que estão mais expostos à vida urbana e que são um “alvo fácil” dos cidadãos; que estes os
interpelam constantemente e muitas vezes com questões que desafiam a sua autoridade profissional. É
frequente ouvir um agente a pé dizer que não se está tão protegido como se estaria num CP.
Alguns agentes manifestam querer ser mais operacionais, mas não terem as condições para tal por
não serem sistematicamente chamados a resolver as ocorrências policiais, como são os agentes que cir128
culam no CP. Os mais jovens manifestam desejar de estar no CP – o serviço onde consideram poder desempenhar um “verdadeiro trabalho de polícia”. Eu diria que um dos principais problemas da patrulha
a pé – e que não diz apenas respeito aos agentes, mas sim a toda a organização policial – é conceber-se
comparativamente com o CP e ter como que um défice de identidade no presente.
Na patrulha a pé podemos observar também que o facto de não se participar tanto em ocorrências
policiais pode levar os agentes a um adiamento de saberes legais e administrativos importantes, e simbolicamente muito valorizados numa burocracia de Estado como é a Polícia. Não esqueçamos que os
agentes estão conscientes deste seu papel, mesmo quando manifestam ambivalências face a ele, quando
dizem: “A nossa arma é cada vez mais a caneta” (Durão, 2008, páginas ???). Deste prisma, podemos
compreender como na organização policial no seu todo, e nos próprios agentes da patrulha, se pode
frequentemente desenvolver uma percepção destes como polícias incompletos. Muitas vezes denotei
nos agentes apeados a percepção de que o seu trabalho não está nem suficientemente próximo (como
os programas da proximidade) nem suficientemente distante (como o CP) das realidades patrulhadas e
dos cidadãos – verificando-se assim um certo impasse organizacional e que abre espaço para perguntar:
para onde vai a patrulha, afinal?
Na proximidade, por seu lado, temos serviços que enfrentam dificuldades diferentes. Os programas
partem do objectivo de desenvolver relações interinstitucionais e interpessoais privilegiadas, mais
comunicação interpessoal (nas escolas e na área da patrulha em geral). Os agentes têm por isso mais
iniciativa na tomada de contacto, mas o sucesso dos programas depende da duração e solidez desses
mesmos contactos: isto é, a permanência no serviço é determinante para que os agentes tenham efectivamente um papel na produção de relações sociais a partir do policiamento. As limitações e dificuldades
específicas dos serviços da proximidade têm quase sempre a ver com o factor tempo, sendo este, como
se disse na introdução, um dos ingredientes mais determinantes para a sua implementação enquanto
política e prática policial.
Os agentes dos programas raramente perdem a sensação de ser um serviço “ao lado” da patrulha e,
por isso, alguns assinalam que não são envolvidos nos problemas, trocas de informação e rotinas das
esquadras. Além disso, os serviços da proximidade têm uma acumulação de práticas recente e ainda
pouco solidificada na história institucional da polícia: dir-se-ia que a proximidade tem que lutar pelo
seu lugar. Embora tenda a ser bem acolhida localmente pelos cidadãos, a percepção nas esquadras é que
muitas vezes a proximidade coloca novos desafios a que as instituições nem sempre estão aptas a responder. Nem sempre as instituições têm o mesmo ritmo que as práticas que visam implementar, sobretudo quando estas trazem consigo exigências específicas e novas. Existem de facto alguns aspectos que
só o “tempo institucional” e a persistência das práticas permitirão mudar nesta complexas organização.
Volto a sublinhar que um dos dados interessantes é a forma como se tem vindo a desacentuar a crítica
interna na polícia a este policiamento como “social” e não “policial” – como se as práticas e o tempo
percorrido, pouco mais do que uma década, tivessem já superado a necessidade da sua justificação.
Mas é ainda possível identificar mais uma grande dificuldade da proximidade, porventura menos previsível do que as outras. A intensa mobilidade e circulação de pessoal nas esquadras dos maiores comandos urbanos leva à interrupção permanente de projectos na proximidade que, como antes defendi,
dependem do tempo, da confiança interpessoal (não apenas inter-institucional), da constituição de redes
de conhecimento local, e de agentes e chefes que lhes dão corpo e identidade – o que poderíamos chamar
“efeito-de-proximidade-interpessoal” do policiamento. De facto, nesta medida, este é um serviço com
características diferentes dos restantes serviços da patrulha, porque não pode apoiar-se na rotatividade.
De cada vez que é transferido um polícia com um elevado potencial de saber local e uma rede de conhecimentos bem constituída, ele leva consigo esse conjunto de saberes. O processo demorará a ser reorganizado por outro polícia. E, entretanto, o polícia transferido terá de percorrer, numa outra unidade, um
novo caminho para restabelecer o conhecimento local que lhe falta e que lhe é essencial à actividade.
Este é um problema que afecta a patrulha em geral, mas é particularmente determinante na proximidade, pois afecta-a no seu âmago. O facto das esquadras das maiores cidades do país serem consideradas
pelos agentes como “esquadras de passagem” tende a envolver uma grande percentagem de forma distante e pouco sólida em projectos de proximidade que só o factor tempo pode substantivar e sustentar.
Falo aqui já não do tempo institucional, mas do tempo biográfico de cada polícia dedicado a um serviço.
129
Mais uma vez fica provado que não é de somenos importância a relação entre modelos de policiamento
e práticas; a forma como modelos podem dificultar inovações práticas e a forma como as práticas podem
lembrar a desadequação de modelos organizacionais que quando criados não as contemplaram.
6. Padronizações do policiamento no espaço
As diferenças detectadas nos serviços de policiamento de esquadra permitem desmistificar a ideia de
que a actividade policial em contexto é homogénea e indecifrável por ser eminentemente opaca nas
suas políticas da acção (Palacios Cerezales, 2005). A pluralidade policial é um facto e a abertura da organização à mudança das filosofias do policiamento de proximidade parece ser uma realidade analisável
do ponto de vista social. Todo o texto evidenciou, com a preciosa ajuda da minúcia etnográfica, ilustrada
pelos mapas, que o trabalho policial não é unívoco.
Todavia, alguns entendimentos e consensos territoriais permanecem a guiar os diferentes serviços.
A variação profissional expressa nos diferentes serviços e sequências do policiamento não tem expressão recíproca nos territórios policiados, perpetuando assim, de diferentes modos, ordens morais que
segmentam os espaços da cidade. Pode dizer-se que uma mesma cartografia profissional e moral é produzida a partir dos diferentes roteiros do policiamento que podem ser lidos novamente no mapa 1. Há
uma divisão sócio-espacial que atravessa e produz essa cartografia. Na parte de cima, nos bairros de
classe média, as visibilidades policiais são geralmente passivas e os cidadãos, considerados cidadãos a
proteger. Na parte de baixo, as áreas marcadas pela probreza são homogeneamente tidas como lugares
e territórios de tráfico de droga, a presença policial é ostensiva e os territórios devem ser controlados.
Assim, os polícias são parte integrante de culturas urbanas, integram o mapa de ordens políticas para a
cidade, nesse eficaz e disseminado exercício de micropoder.
É de notar que mesmo a actividade dos programas da proximidade tende a ocorrer onde estão sediadas as escolas públicas, na cidade urbanizada e nas áreas classificadas pelos polícias como de classe
média. A pobreza silencia-se por trás de portas fechadas aos agentes; em lugares onde rareiam instituições escolares e de solidariedade, onde os habitantes não têm representantes ou porta-vozes locais. São
as ocorrências que levam os agentes, sobretudo no CP, a contactar os jovens dos espaços mais pobres
e periféricos ao policiamento, sendo que os jovens podem facilmente deixar de figurar na categoria de
alunos ou até de menores para poder passar a figurar na categoria de suspeitos e de meros desafiantes
da autoridade policial. Assim se instala rapidamente, quando não historicamente, um clima de radicalização da diferença e de distanciamento entre polícias e locais, exactamente em sentido inverso aos
objectivos mais nucleares da proximidade policial.
Tal resulta no adensamento da ambiguidade da actividade policial entre o apoio e o controlo de pessoas. Tal ambiguidade, nos espaços da cidade onde resvala para o lado do controlo, leva facilmente a
deslocar a acção da rede de solidariedades locais para as redes da Justiça. O movimento dominante dos
polícias nessas partes da cidade, sobretudo quando são homogeneamente vistos como bairros da droga,
tende a ampliar a sua acção penalizadora e criminalizante. Este movimento sublinha distâncias e adia
inevitavelmente as proximidades que, quando são investidas, são percepcionadas como inadequadas
para aqueles locais urbanos.
As mudanças na filosofia organizacional não têm assim um impacto análogo em todo o território. As
inovações da proximidade dificilmente chegam aos territórios mais estigmatizados pelos polícias, pelos
Estados e pelos próprios habitantes que participam no processo, e que criam também formas de interrupção sistemática à circulação local dos polícias (cf. Katane, 2002). Não se trata de um movimento de
sentido único (Chaves, 1999; Fernandes, 2002). Mesmo se diferentes sequências do policiamento apontam diferentes lógicas de entendimento da actividade que podem anunciar a aproximação da Polícia e
do Estado aos cidadãos, elas evidenciam também a tendência policial para separar colectivos, para uma
certa selectividade da aplicação dos seus recursos de controlo e de apoio, para perpetuar, de novas formas, uma separação entre quem está do lado de cima e quem está do lado de baixo da área e da sociedade.
É assim que sequências, itinerários e incidências quotidianas do policiamento ajudam a criar “regiões
moralmente diferenciadas na cidade” (Agier 1996: 39-40). Os efeitos das itinerâncias policiais produ130
zem guiões que são lidos e relidos nas sociedades, em particular nos canais mediáticos e nos canais da
Justiça. Este texto pretendeu assim demonstrar como as cartografias sociopoliciais merecem tornar-se
objecto de estudo e ser examinadas de perto, nas suas práticas materiais e extensões simbólicas.
O processo de transformação das políticas do policiamento é gradual e convida, por múltiplos caminhos que se prendem com orientações globais e acontecimentos mundiais – em particular após os
atentados terroristas de 11/09 e toda a reacção mundial que se lhe seguiu (AAVV, 2004) – a que se encare
o trabalho de polícia na segurança pública como trabalho eminentemente anticriminal. As influências
globais no sentido de isolar e tornar alvo preferencial das polícias os factores criminais podem modificar políticas nacionais, mesmo quando os contextos conhecidos as contrariam. Tal é tanto mais evidente
quanto o contraste que resulta entre o que é estatisticamente assinalável no trabalho dos polícias – o seu
trabalho continua a ser sustentado por uma série e plural forma de actuação e de resposta a demandas
sociais para a sua acção – e o que é estatisticamente revelado, analisado e seleccionado do seu trabalho:
o trabalho considerado e classificado como criminal.
O exercício etnográfico aqui proposto surge a ilustrar ambiguidades que atravessam o sistema policial português contemporâneo – as diferenciações territoriais (na parte de cima e na parte de baixo); as
diferentes investidas policiais e frequência de presença nesses territórios; a dificuldade em conjugar a
assistência a pessoas e o controlo do crime. As particularidades de cada serviço não são meras valências
funcionais, mas implicam efectiva diferença de filosofia e apontam para mudanças a ocorrer no policiamento. Mas mesmo nos serviços de policiamento de esquadra, onde menos probabilidades existem para
que os agentes actuem directamente em realidades criminais, desenham-se tendências onde este é o
vector privilegiado de leitura da actividade policial.
7. Palavras conclusivas
Em coerência com a perspectiva adoptada neste texto, a noção de proximidade merece ser alargada.
Arrisco dizer que a noção de proximidade pode ser amplificada à própria actividade de policiar: os polícias nas esquadras desenvolvem saberes locais sobre as cidades enquanto fazem parte, eles mesmos,
da produção de cidades. Hoje não é possível pensar na proximidade sem pensar na patrulha como um
todo. A proximidade não deve ser vista como forma adjacente da patrulha, como algo que apenas se
acrescenta a ela, mas como um modo de policiamento que reinventa e que obriga a questionar, de novo,
para onde vai a patrulha.
Não é possível pensar “sistemas policiais” sem pensar práticas policiais; pensar unidade sem perspectivar a pluralidade; conhecer padrões sem as respectivas singularidades da vida e rotinas policiais,
conhecer as abrangências sem pensar nos limites dos projectos do policiamento. A proximidade desafia pensamentos estanques sobre a manutenção de relações de poder para o exercício da autoridade e
aplicação da lei, implica reflectir honestamente sobre possibilidades e perigos das negociações da acção
entre os polícias e cidadãos, e desafia mesmo a ideia dos cidadãos como eternos “outros”. Assim, não
parece ser já suficiente a teoria que perspectiva a polícia como entidade disciplinadora do social (Choong, 1997). Os dados etnográficos apontam o caminho de uma imensa complexificação da actividade de
policiar nos últimos anos, mesmo se com um tom embrionário. Desta perspectiva, nem a classificação
de “instituição total” (Goffman, 1992), por um lado, nem a metáfora da micro-sociedade (Roethlisberger
& Dickson, 1939), por outro, parecem ser pertinentes para reflectir os problemas inerentes às organizações policiais, que não são tão fechadas sobre si próprias como alguns teóricos as imaginaram.
A Polícia, mais concretamente as esquadras, é sempre permeável a influências sociais e determinações locais. A própria socialização profissional dos polícias não se dá nem em ambiente fechado nem
de forma exclusivista, já que estes estão integrados numa ampla malha de outros corpos de polícia,
profissionais da Justiça, profissionais da Acção Social, da Saúde, de socorro, etc. Há que alargar a visão
que perspectiva os polícias como meros operadores indiferenciados de planos para o policiamento que
não ajudaram a traçar ou, num outro sentido, como profissionais poderosos e agentes da dupla exclusão
social. É mais seguro imaginar que estes estão situados em ambientes de disputa de moralidades para
o social e que a negociação é ferramenta de trabalho. Se é possível defender que desde os atentados
131
terroristas internacionais houve uma amplificação das determinações profissionais dos polícias em vários países, que têm conduzido ao regresso de retóricas anticrime globais (Brodeur e Leman-Langlois,
2004), em Portugal há uma preocupação política em não permitir uma amplitude do mandato policial
para lá das fronteiras do que está consagrado legal e constitucionalmente e no âmbito dos códigos penais. Mas não foi discutida a verdadeira abrangência da proximidade policial.
Uma discussão mais ampla pode ser lançada em torno da divisão institucional da segurança no plano
da actuação policial, e que faz convergir para o campo novos actores que podem desafiar ou mesmo a
redelimitar os poderes alegadamente disciplinadores dos polícias de Estado face a comportamentos
individuais e grupais – o que aponta novas áreas de negociação de moralidades. Tal é o caso da entrada
em cena de corpos de seguranças privados, órgãos de polícia criminal de competência específica (além
dos órgãos de polícia criminal de competência genérica, como são a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública), mas também de agentes médicos e de acção social.
Foquemos en passant alguns desses exemplos.
Algumas áreas da saúde mental, aliadas a leis de discriminalização do consumo de drogas, funcionam como novos intermediários morais. Desde 1 Julho de 2001 (Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro), a
aquisição, posse e consumo de qualquer droga estão fora da moldura criminal e passaram a ser violações
administrativas. Tal levou à criação de um quadro de técnicos a operar em Comissões de Dissuasão da
Toxicodependência em vários locais do país, criadas no âmbito do Instituto da Droga e da Toxicodependência, para onde os consumidores são encaminhados pelos polícias.
Outro caso é o dos técnicos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, a operar desde 1998 no
âmbito da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, cuja legitimidade para actuar em situações da sua área de competência pode ser complementar ou sobrepor-se à policial, âmbito
no qual os polícias deixam de ter o monopólio do policiamento. Embora os casos de crianças e jovens
em risco possam ser “referenciados” policialmente, a legitimidade actuante é atribuída a técnicos de
serviço social. Por exemplo, a legitimidade prática de uma decisão judicial de retirada coerciva de um
menor a uma família pode ser desafiada caso a acção seja efectuada apenas por agentes da autoridade e
sem a presença de uma técnica assistente social que de facto evidencie e contextualize o caso.
Os juízes de paz, outra das figuras profissionais criadas recentemente no âmbito dos Julgados de Paz,
tribunais arbitrais alternativos às varas judiciais, são mais um agente institucional a actuar no plano da
gestão de conflitos e moralidades. Os Julgados de Paz, embora competentes para actuar num âmbito
restrito de questões do Direito Cível, e com uma ocupação territorial muito diminuta (em Lisboa existe
apenas um local de atendimento) configuram a possibilidade de uma menor entrada de denúncias e
queixas por via das polícias, que poderiam eventualmente vir a transformar-se em matéria de Direito
Penal e vir a ser julgadas em tribunal.
Já num outro sentido mais transnacional, várias políticas e entendimentos europeus, por exemplo,
em relação à proeminência do papel das vítimas nos sistemas de Justiça nacionais da Zona Euro, podem interferir nas dinâmicas organizacionais de polícias nacionais, e obrigar a repensar orientações
estratégicas (que são sempre finitas e mutáveis) com impacto nos planos de policiamento local. Novas geografias e moralidades do policiamento podem surgir. A proximidade policial é, como tal, um
caminho a percorrer.
132
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134
INICIATIVA, BAIRROS CRÍTICOS:
UM MODELO DE
INTERVENÇÃO INTEGRADA
EM ÁREAS PROBLEMÁTICAS
Maria João Freitas, Vogal do Conselho de Administração do IHRU
Partilho convosco uma iniciativa intergovernamental de oito ministérios, liderada pelo Ministério do
Ambiente e do Ordenamento do Território. Trata-se da Iniciativa Bairros Críticos, que emerge com
uma nova abordagem de proximidade e de olhar o espaço público urbano. Sobretudo, tentarei reter-me
sobre o que significa a co-responsabilidade na produção de melhores cidades e de melhores espaços.
A construção de uma mudança nas nossas comunidades, valorizando a proximidade, a segurança, resulta da ideia de que podemos melhorar, ou seja, mudar e produzir outros cenários. Mas há que reconhecer
que a mudança não é muito fácil de conseguir e por isso merece toda a nossa atenção.
A Iniciativa Bairros Críticos (Cova da Moura, Bairro do Lagarteiro e Vale da Amoreira) apareceu no
terreno em 2006. Anteriormente havia já alguma experiência em termos de trabalhos integrados (INH/
Câmaras Municipais; EFTA/INH). No conjunto, podemos dizer que as diferentes modalidades já neste
momento abrangem cerca de vinte e cinco territórios. São modalidades diferentes de intervenção, mas
com um objectivo claro: é impossível querermos projectar, ambicionar uma melhor qualidade de vida
nestes territórios (e quando dizemos melhor qualidade de vida não estamos apenas a falar da qualidade
do edificado, estamos a falar em espaços mais seguros, maior convivência, locais em que as pessoas se
sintam bem), sem trabalhar em cooperação, sem ser em co-responsabilidade com outros agentes, em
projectos integrados.
135
INICIATIVAS DE INTERVENÇÃO SOCIOTERRITORIAL INTEGRADAS
Iniciativas de Intervenção Terrirorial Integrada
INH/CML’s
EFTA/INH
2005
EEA/RCM
Nova Estratégia para a Gestão do PH_IHRU
IHRU/BEI
QREN
IHRU/CMLx
2006
2007
2008
IHRU
REAB
Parque
PRU’s
Viver
Marvila
_ S. Sebastião
_ Fogueteiro
_ Qta. do Cabral
_ Descobertas
_ Vale da Amoreira
_ Raposo
_ Bº. Rosa
_ N. Sra. Conceição
_ Cabo Môr
_ Rua das Mães
d’Água
_ Amendoeiras
_ Amadora –
“Zambujal Melhora”
_ Almada –
“Almada Poente”
_ Moita – “Vale
Construir o Futuro”
_ Lisboa – “Estratégia
Integrada para a
Qualificação do
Bairro Padre Cruz”
_ Lisboa – “Eco-Bairro
Boavista” (aguarda
selecção)
_ Portalegre – (Espaço
Robinson)
_ Régua – “Frente
Douro”
_ Sines – “Valorizar
o Passado, Qualificar
o Futuro”
_ Odivelas – Programa
Integrado de
valorização de áreas
urbanas de excelência
em centros históricos
– CH Odivelas”
_Amendoeiras
_ Lóios
_ (Armador)
_ (Condado)
_ (Flamenga)
SRU’s
Velhos Guetos,
Novas
Centralidades
Iniciativa
Bairros Críticos
2005-2009
_ Porto Vivo
_ Coimbra Viva
_ Viseu Novo
_ Alagoas
_ Rabo de Peixe
_ Cova da Moura
_ Vale da Amoreira
_ Lagardeiro
2009
Penso que esta lógica de trabalho colaborativo constitui o alinhamento de todo o tipo de intervenção
comunitária, de todo o tipo de intervenção que passa pelo reconhecimento da relevância da proximidade. Será, também, o alinhamento dos Contratos Locais de Segurança.
A Iniciativa Bairros Críticos é uma iniciativa experimental em três territórios concretos (Cova da
Moura, no distrito de Lisboa; Bairro do Lagarteiro, no distrito do Porto; Vale da Amoreira, no distrito de
Setúbal), e nasceu para que nós aprendêssemos com ela.
IBC_ INICIATIVA BAIRROS CRÍTICOS
_ 3 territórios numa iniciativa EXPERIMENTAL
_ Estrutura de gestão multinível (central + local): TODOS têm um papel a desempenhar
_ Estrutura de financiamento múltipla: todos os RECURSOS são accionados
_ Lugares + Organizações + (em)Poder(amento)
_ Processo + Compromisso + Co-Responsabilidade
_ ...Difícil! ...Mas POSSÍVEL!!!!!
Por vezes confundem-se os programas que são de maior generalização e os que são de natureza experimental. Este é, literalmente, de natureza experimental, e esperamos conseguir aprender o que resulta
e o que não resulta. Esta Iniciativa tem uma característica especial, que hoje em dia marca o que tem a
ver com desenvolvimento comunitário, e que se define pela estrutura de gestão multinível: estruturas
centrais, autarquias, estruturas locais (associações de moradores, IPSSs).
Esta estrutura é muito importante na medida em que muitas vezes nos habituamos a pensar que
quando estamos a falar de intervenção comunitária local é só com as estruturas locais. Uma das li136
ções que esta Iniciativa já nos permitiu aprender (e que poderá ser relevante neste seminário sobre
segurança) é que quanto mais queremos descer em proximidade, quanto mais queremos trabalhar em
comunidade, mais precisamos de todos os serviços públicos verdadeiramente empenhados nessa missão. E esta dicotomia a que nos habituámos, de colocar de um lado o central e no outro lado o local,
exige que se compatibilizem estes pólos. Todos têm, de facto, um papel a desempenhar. O que esta
Iniciativa nos tem ensinado é que temos que reinventar o nosso próprio papel. Penso que os colegas
que estão representados na Iniciativa, por parte do Ministério da Administração Interna, poderão
testemunhar isto verdadeiramente.
A Iniciativa Bairros Críticos também tem uma estrutura de recursos múltiplos, ou seja, todos os
recursos são accionados. Não são apenas os recursos financeiros: podem ser os programas e meios
existentes (no caso da Polícia, o carro-patrulha, o giro pedonal) porque todos têm uma função (não
necessariamente financeira).
Quando estamos a falar de iniciativas de índole comunitária temos que ter a noção de que não estamos a falar só de lugares (territórios com ruas, becos, impasses, sítios mais e menos agradáveis, mais
degradados ou mais qualificados). O local compreende organizações e pessoas, processos sociais em
construção e que exigem compromissos, negociações muito fortes e uma atribuição de co-responsabilidades. Existem vários testemunhos, já nestes três territórios, de várias acções de animação muito
partilhadas e participadas. Os três territórios neste momento envolvem uma rede de cerca de oitenta
organismos envolvidos com actividades bastante variadas, sendo necessário chamar a atenção para
dois aspectos sensíveis:
1. Promover a mudança nestes territórios implica, acima de tudo, e apesar de tudo, mudar as formas
de fazer. Podemos virarmo-nos para onde quisermos, construir os edifícios mais belos, fazer a organização de espaços públicos mais interessante, construir os equipamentos mais modernos. Mas
se nós não conseguirmos, colectivamente, introduzir esta mudança que queremos para os territórios, e nesta mudança que queremos para a qualidade de vida das suas populações, a interiorização
de que ela também passa pela nossa própria mudança, naquilo que é a nossa competência em termos de fazer, estaremos sempre um bocadinho mais atrás desta missão;
2. Há uma questão que também é transversal neste trabalho comunitário, e corresponde à tensão sistemática entre o que é que visível neste trabalho e aquilo que é, no fundo, estruturante e invisível.
O trabalho comunitário tem faces visíveis, é um facto, mas tem uma face e um trabalho fundamental,
exactamente como os edifícios, que são as estruturas. Podemos construir edifícios rapidamente, mas se não tivermos as estruturas bem firmes não vale a pena apressar. E isto demora tempo.
E esta questão da demora leva a que se menorize um pouco os elementos estruturais destes processos (que resulta numa das características deste tipo de intervenções de trabalho comunitário
em proximidade).
Gostaria ainda de me referir à presença do MAI nesta iniciativa. Por um lado, há o reconhecimento
da relevância do espaço público, seja como objectivo de intervenção, seja como uma oportunidade fundamental para o desenvolvimento do sentido de comunidade. O espaço público acaba por ser onde tudo
se manifesta, para o bem e para o mal. Às vezes nem sempre se valorizam os aspectos positivos e potencialidades, tudo acaba por acontecer em termos de visibilidade, do reconhecimento do que possa estar
mal, no reconhecimento da falta de civilidade em termos de uso por alguns grupos sociais, criando-se
um maior sentimento de insegurança.
137
DA EXPERIMENTAÇÃO À APRENDIZAGEM
O espaço público
como oportunidade
de desenvolvimento
de sentido de comunidade
Processo
de construção
colectiva de relações
Co-produção da mudança
Inovação nas
em rede de parceiros
metodologias
de Intervenção
Por outro lado, temos a questão das parcerias, cuja efectivação é de facto uma necessidade, na medida
em que acaba por estruturar a mobilização das instituições (nomeadamente das polícias) para a co-produção de mudança. As parcerias não podem ser apenas tempo para gastar, têm que ser de facto reconhecidas
como um espaço produtivo na melhor ligação entre os agentes que estão no terreno e que tenham como
objectivo um mesmo objectivo, sendo este a produção da mudança e a construção de uma melhoria para
estes territórios (e ainda a capacidade de inovação ao nível das metodologias de intervenção).
Vou dar apenas alguns exemplos sobre o papel da segurança nestas parcerias e nesses territórios: no
que diz respeito ao espaço público, ao nível da Iniciativa Bairros Críticos, tem sido absolutamente fundamental a participação das forças de segurança, por exemplo, na concepção dos projectos de desenho urbano. Estamos neste momento a intervir a nível do desenho urbano (desses três bairros), desenho urbano
esse que nalguns casos foi identificado como muito deficiente, mal organizado, mal concebido de raiz, e
não apenas (mas também) mal mantido. Ora, tem sido fundamental a participação das forças de segurança
na própria concepção do que se vai fazer em torno do espaço urbano. A generalização do conhecimento
dos saberes destas forças de segurança pode parecer simples mas é absolutamente fundamental.
138
DA EXPERIMENTAÇÃO À APRENDIZAGEM
Qualidade do ESPAÇO PÚBLICO
_ participação na concepção
e nos projectos de desenho urbano
_ animação do espaço público
Acção &
segurança
Uma
co-responsabilidade
ANIMAÇÃO INSTITUCIONAL
ANIMAÇÃO TERRITORIAL
_ um MEIO necessário
_ construção de confiança
_ mexe com as instituições
_ conjugação de regras
_ exige novas formas de regulação
social e governança
_ linguagem comum
Chamo ainda a atenção para um segundo exemplo: as parcerias não podem ser um fim, mas um
meio de acção. Porque, precisamente, se nós estivermos seriamente nestes trabalhos de intervenção
comunitária, teremos de trazer para casa uma agenda que pode não estar alinhada com as orientações
gerais, e este trabalho de saber distinguir as orientações gerais das verdadeiras necessidades específicas
constitui o verdadeiro desafio. Portanto, este tipo de participações, e esta animação institucional, são
um vector absolutamente primordial. Exige-se uma nova forma de parcerias sociais no trabalho comunitário, sendo esta uma das maiores tensões de quem trabalha no terreno e, por vezes, também, fonte
das maiores frustrações. Independentemente das boas vontades, não há soluções feitas.
O terceiro e último exemplo tem a ver com a construção da confiança: como construir a confiança
com terceiros, que é tão necessária para, por um lado, conjugar, negociar regras, fazer processos de mediação, mas, sobretudo, estabilizar regras de funcionamento colectivo naqueles territórios?
Construir a confiança torna-se difícil, não só a nível físico mas também a nível técnico. Mas, e sobretudo, difícil é haver uma estabilização de uma linguagem comum a todos os agentes, públicos ou locais.
Esta uniformização é fundamental para que não hajam discrepâncias entre os interlocutores públicos e
os locais e para que haja credibilidade e garantia de uma construção conjunta.
Para concluir, é preciso então ter a noção, como diz a canção, que a mudança se conjuga no plural,
conversa-se no gerúndio, exerce-se em proximidade e constrói-se no colectivo. Isto significa que estamos a falar da partilha de percursos de processos e de compromissos, ou seja, em co-responsabilidade
na acção por parte de todos. Penso que é claro para todos o que significa haver uma co-responsabilidade
e um compromisso numa acção colectiva.
Esta Iniciativa Bairros Críticos veio-nos trazer alguma esperança, veio demonstrar que é possível
fazer diferente, que é possível conseguir resultados, em situações tão difíceis, que é possível continuar a acreditar, e que a mudança é muito difícil, demora muito tempo e é preciso estar atento e
começar muito depressa.
139
PAINEL V:
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS,
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA
PAINEL V:
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS,
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA
José Conde Rodrigues, Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna
O tema do presente painel é um tema que se impõe com naturalidade na realização de umas Jornadas de
Segurança. Não se concebe uma estratégia para a segurança sem a contribuição das forças de segurança.
Logo, este painel das Jornadas de Segurança é importante por dar a palavra às forças de segurança
e a oportunidade de estas expressarem, também, a sua opinião acerca do que poderá ser, ou deverá ser,
uma polícia para o século XXI.
Temos uma sociedade que está em permanente mutação, comunidades que, cada vez mais, obedecem a ritmos diferentes. Temos uma nova vivência urbana, diferentes realidades do ponto de vista económico e cultural, as quais precisam, também, de uma polícia nova. De uma polícia que se adapte a essa
mesma sociedade e que responda aos desafios do século XXI.
Assim, discorrer sobre uma polícia para o século XXI levará, com certeza, a novas oportunidades
para reflectir sobre o policiamento de proximidade, mas também, sobre modelos de policiamento, tácticas de policiamento, novas técnicas de investigação, utilização de novos equipamentos, não só de base
tecnológica, mas muitos outros equipamentos no domínio da segurança.
Será, ainda, uma oportunidade para equacionar o modo como o dispositivo policial pode ser hoje enquadrado num território, como deve interagir numa situação de cooperação internacional, em missões
de carácter internacional.
Do que antecede, resulta que há muitas dimensões do policiamento e todas devem ser trazidas à
reflexão, mas, sobretudo, devem servir para preparar a acção diária das forças e serviços de segurança,
respondendo aos desafios que a sociedade lhes coloca, aos objectivos de soberania do Estado e àquilo
que os cidadãos esperam da acção do Governo.
Os intervenientes deste painel são conhecidos. Reflectem diferentes dimensões da actuação policial
no nosso país e a necessária conjugação entre diferentes ministérios. Temos, na mesa, representantes
de forças e serviços de segurança do Ministério da Administração Interna, do Ministério da Defesa
Nacional e, também, do Ministério da Justiça. É certo que a cooperação se deve fazer, desde logo, entre
ministérios, mas quando a cooperação é exemplar, torna-se eficaz ao nível das próprias forças e serviços
de segurança. O contributo que cada um dos representantes deste painel nos trará é fundamental para
essa acção conjugada.
143
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS:
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
GUARDANACIONALREPUBLICANA
Tenente-General Nelson dos Santos,
Comandante-geral da Guarda Nacional Republicana
Ajustar permanentemente a estratégia da Guarda Nacional Republicana aos desafios que em matéria de
segurança, considerada esta em sentido lato, se colocam às forças e serviços de segurança constitui um
imperativo e decorre das alterações políticas, sociais, económicas e tecnológicas que se vão registando
ao longo dos tempos, não só no nosso país mas, também, além-fronteiras. Com efeito, estas alterações
determinam a mudança nas ameaças e nos riscos que enfrentamos e, consequentemente, forçam a adaptações no modo e na forma de actuar, ou seja, obrigam ao ajustamento da estratégia empregue.
Vejamos, então, de forma sucinta, porque o tempo disponível é escasso, o que pensamos sobre o ambiente securitário futuro no nosso país e que estratégia pretendemos adoptar.
A criminalidade violenta e grave encontra-se claramente no topo das nossas preocupações. Afectando
o sentimento de segurança dos cidadãos, o homicídio, as ofensas à integridade física grave, o rapto, o sequestro e a tomada de reféns, a violação e o roubo nas suas diversas vertentes são tipologias de crimes permanentemente monitorizadas pela Guarda Nacional Republicana. Não sendo práticas novas, são novidade
pelas variantes que apresentam, como os assaltos por carjacking, homejacking ou o roubo de caixas ATM.
A designada pequena criminalidade, a dos furtos e das burlas, é, na actualidade, uma questão que
nos preocupa, dada a frequência com que ocorre. São delitos praticados em todo o território nacional
que perturbam seriamente as vítimas, contribuindo para o clima de insegurança entre as populações.
Sem pretender desvalorizar a acção das forças e dos serviços de segurança, o combate a esta actividade
delituosa, passa, também, por comprometer o cidadão comum, tendo em conta o papel importante que
pode desempenhar na sua prevenção, seja através da informação que pode prestar, seja pelas precauções tomadas em relação à segurança dos seus bens e do seu património.
A protecção aos mais vulneráveis, os menores, as mulheres e os idosos, constitui outro dos importantes desafios a enfrentar no âmbito da segurança. A par de uma resposta que se pretende cada vez mais
qualificada do ponto de vista dos recursos humanos da instituição, a acção a desenvolver terá de ser
apoiada no diálogo permanente com os cidadãos e as entidades locais. Os programas específicos para
enfrentar o problema estão estabelecidos, a Escola Segura, o Idoso em Segurança, o Apoio à Vítima, etc.,
irão continuar. Importa, agora, consolidar as condições que permitam às vítimas, sem constrangimentos, denunciar as situações de violência a que são sujeitas.
Ameaças presentes no nosso dia-a-dia são as práticas de tráficos diversos, em particular, de droga.
Não sendo da competência da Guarda a investigação destes crimes, continuarão, no entanto, a ser combatidos e reprimidos na acção policial diária e, muito especialmente, através da sua Unidade de Controlo Costeiro, no âmbito da missão que lhe está atribuída de vigilância, patrulhamento e intercepção
terrestre ou marítima em toda a costa e mar territorial.
Para lidar com os tipos e graus de criminalidade que de modo sumário referi, há que graduar a nossa intervenção. As acções de prevenção, através principalmente do policiamento de proximidade, que
privilegia o contacto com as populações (e recordo que esta foi desde sempre uma prática usada pelos
elementos da Guarda na sua acção policial, em particular junto das populações mais isoladas), e as
acções especiais de repressão dirigidas para ameaças específicas e concretas são, genericamente, os
processos de actuação utilizados, até agora, com resultados positivos. Orientando, também, a actividade
145
operacional para alvos mais vulneráveis – com programas especiais destinados a proteger, por exemplo,
as farmácias, as portagens nas auto-estradas, os locais de abastecimento de combustíveis, os transportes
de mercadorias especiais, as igrejas e outros –, apoiando a celebração de contratos locais de segurança
com as autarquias e participando activamente na sua implementação, ou desencadeando, com regularidade, operações de prevenção e fiscalização de maior envergadura dirigidas para zonas problemáticas,
procurar-se-á dar visibilidade às acções das forças e, acima de tudo, criar insegurança nos agentes do
crime e reforçar o sentimento de confiança no cidadão.
Iremos, assim, prosseguir com este modelo de actuação, recorrendo a novas tecnologias informáticas
e ao uso de GPS, meios que permitem agilizar procedimentos e actuar mais rapidamente. Os recursos
humanos e materiais continuarão a ser articulados de forma a que, em tempo oportuno, o policiamento
de proximidade, perante situações suspeitas ou de ocorrências com violência, dê lugar, de forma gradativa, à intervenção de forças especialmente treinadas em manutenção da ordem pública e no combate à
criminalidade grave e violenta, e manteremos as operações direccionadas para alvos pré-determinados
de maior vulnerabilidade à acção dos delinquentes ou criminosos.
O combate à sinistralidade rodoviária e suas consequências constituirá, sempre, para a Guarda,
um objectivo de relevante importância. Sabemos que este combate não é exclusivo das forças de segurança, mas a acção de prevenção e repressão dos nossos homens e mulheres nas estradas de Portugal contribuirá, com certeza, para que o país continue, depois de longos anos de afastamento, a
aproximar-se dos melhores indicadores europeus nesta matéria. A estratégia a seguir não difere do
que temos vindo a realizar anteriormente. Intensificar e multiplicar as acções fiscalizadoras, dotar
as forças com os equipamentos necessários e apoiar todas as campanhas de sensibilização que visem
reduzir a sinistralidade rodoviária.
Entendida hoje numa perspectiva social integrada, a segurança tem, no entanto, novos desafios nos
domínios da protecção da natureza e ambiental e da protecção civil.
Considerados por muitos estudiosos como uma das mais prováveis causas da conflitualidade futura,
os recursos naturais e o ambiente constituem, hoje em dia, uma preocupação acrescida para as forças e
serviços de segurança, em particular para a Guarda Nacional Republicana, que dispõe de uma força especialmente preparada para os defender e preservar. Prevejo que as polícias com esta missão, em Portugal e no mundo, venham a ter um acréscimo significativo de importância e empenho nos próximos tempos, conhecidas que são as ameaças a que a natureza e o ambiente estão sujeitos. Continuar a prevenir e
a reprimir as acções que atentem contra este património da humanidade e, simultaneamente, promover
iniciativas que ajudem à compreensão deste valor inestimável universal, em particular, junto daqueles
que serão as gerações do amanhã, as crianças e os jovens, constitui missão da Guarda, com um grau de
prioridade na sua concretização tão elevado quanto o do combate a outro tipo de delito ou crime.
No âmbito da protecção civil, a vigilância e o combate aos incêndios florestais assumem particular
relevo. Contudo, num mundo de riscos crescentes, naturais ou causados pelo homem, as forças e os
serviços de segurança devem estar preparados para colaborar, eficaz e oportunamente, com outras
organizações e entidades em acções de apoio civil às populações no caso de ocorrência de situações de
catástrofe ou acidente grave. A Guarda Nacional Republicana tem, também, como missão específica a
execução de acções de prevenção e intervenção de primeira linha, em todo o território nacional, em
situações de emergência, de protecção e socorro, designadamente nas ocorrências de incêndios florestais ou de matérias perigosas, catástrofes e acidentes graves. São riscos que afectam a segurança do
país e, não sendo um novo problema, a sua diversidade obriga-nos a procurar dotar o nosso Grupo de
Intervenção, Protecção e Socorro com valências e tecnologia que permitam uma actuação nas múltiplas áreas de possível intervenção.
Em resumo, direi que, em matéria de protecção civil e do ambiente, prosseguiremos o esforço para melhorar, ainda mais, as qualificações dos nossos recursos humanos e proporcionar-lhes os meios materiais
que aumentem a sua eficiência profissional, mantendo a estrutura organizativa implantada no terreno.
Mas a segurança interna nacional, garante-se, também, fora das nossas fronteiras. O aproveitamento de situações de fragilidade social e política em muitas regiões do mundo por agentes do crime e
do terror para exportar a criminalidade e a instabilidade para nações democráticas e livres exige um
acompanhamento permanente e atento dos conflitos no mundo e a intervenção de forças internacio146
nais que ajudem à consolidação dos Estados emergentes e à pacificação de regiões e nações desavindas.
Trata-se de uma ameaça que irá, com certeza, manter-se no tempo e com contornos sempre incertos
e muito diversificados. Estivemos e estamos presentes com forças em algumas zonas do globo, integrando missões internacionais de gestão de crises com o objectivo de ajudar na construção da paz e da
estabilidade e, indirectamente, promover a segurança interna do nosso país. Continuaremos a fazê-lo
sempre que o interesse nacional o exigir.
Com a inter-relação e interdependência frequente entre delinquência e criminalidade organizada
transnacional ou o terrorismo, os poderes públicos passaram a ser confrontados com um conjunto heterogéneo de ameaças de natureza e origem diferentes e praticados por actores múltiplos. A segurança
das nações é, assim, nos dias de hoje, uma questão bem mais complexa do que no passado e um conceito
evolutivo e abrangente, quer do ponto de vista dos sectores que envolve, quer quanto ao espaço geográfico onde se desenrola. Creio poder afirmar que nenhum Estado é actualmente capaz de garantir a sua
própria segurança autonomamente sem o concurso e a colaboração de outros Estados.
Vem isto a propósito da nova frente que, entretanto, se abriu no combate à criminalidade, com a
recente descoberta em Portugal de uma suposta base logística do movimento ETA e a detenção de três
elementos desta organização em Portugal. Não obstante as afirmações das autoridades espanholas de
que a ETA apenas constitui ameaça para a nação vizinha, opinião, aliás, confirmada, até ao momento,
pela não ocorrência de actos terroristas noutros países – vide o caso da França, que apesar de estar na
linha da frente no combate ao movimento, em colaboração com as autoridades espanholas, não sofreu
nenhum atentado – Portugal e as suas forças de segurança têm o dever de partilhar com Espanha esforços no combate ao crime e ao terror, ocorram estes dentro das nossas fronteiras ou no exterior. Não
sendo competência da Guarda a investigação deste tipo de crime, compete-lhe, no entanto, redobrar a
sua atenção no controle de pessoas e situações que possam levar à descoberta e desmontagem de células
daquela organização em Portugal. Fá-lo-emos com todo o zelo e empenho, até porque a nossa presença
em praticamente todo o território nacional permite-nos dispor de uma rede de fiscalização e de recolha
de informações única e fundamental na detecção de situações anómalas e suspeitas.
Associada aos modelos de intervenção policial referidos, a ameaça que perspectivamos exige, por
outro lado, uma intensificação das medidas de investigação criminal nos limites e competências previstas na lei. Continuaremos a investir na formação técnica dos profissionais da Guarda afectos a esta
especialização, procurando dotá-los com os equipamentos que lhes permitem mais e melhores resultados na sua actividade como investigadores.
A partilha de informação e a permanente colaboração com os outros órgãos de polícia criminal são,
complementarmente com a realização de operações conjuntas com as restantes forças e serviços de segurança, indispensáveis para enfrentar com êxito as ameaças globais na sociedade de risco e incerteza
em que hoje vivemos. As acções e os resultados obtidos até agora com a presença da Guarda nas equipas
mistas de combate ao crime e à delinquência em zonas problemáticas, levam-nos a querer continuar a
apostar neste modelo de cooperação para enfrentar estas ameaças noutras regiões do país. A criação do
cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna e a acção desenvolvida no âmbito das suas
atribuições têm beneficiado a articulação e a colaboração entre as forças e serviços de segurança.
Para concluir, referirei que a segurança ou a insegurança, reais ou simplesmente percepcionadas
pelas populações, são fenómenos de grande impacto e efeito nas sociedades.
Portugal não enfrenta os problemas sérios que algumas nações conhecem em matéria de segurança,
mas importa olhar o futuro com prudência e cautela porque a prática delituosa continuará a fazer parte do nosso quotidiano numa dimensão, grau de incidência e configuração que são imprevisíveis. Não
podemos ter a veleidade de erradicar o crime e a delinquência, mas devemos contê-los em níveis aceitáveis, impedindo a sua escalada, de forma a que não sejam percepcionados como impunes pela sociedade
e por quem os pratica e, acima de tudo, não desencadeiem um clima de insegurança entre a população.
A Guarda Nacional Republicana estará atenta ao desenvolvimento deste fenómeno e no âmbito das
suas múltiplas competências procurará, sempre, ajustar a sua estratégia às alterações que se venham a
verificar na qualidade e amplitude das ameaças e dos riscos que tenhamos de enfrentar.
147
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS:
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Superintendente-Chefe Francisco de Oliveira Pereira,
Director Nacional da Polícia de Segurança Pública
A segurança é invariavelmente um tema sempre actual e transversal a todas as sociedades e regimes políticos, um tema em permanente discussão, desde a opinião pública, ao poder político, desde os órgãos
de comunicação social, às instituições legalmente constituídas.
Podemos considerar diferentes abordagens ou estudos, mesmo em perspectivas multidisciplinares
distintas, mas chegaremos a uma mesma conclusão paradigmática – que a segurança é hoje um dever de
cidadania e não apenas um direito fundamental.
Hoje, a Polícia de Segurança Pública é uma instituição em permanente adaptação às mutações sociais
que procura respostas muito concretas e específicas no seio da própria comunidade onde está inserida
e da qual emana.
Esta característica de representatividade da comunidade, confere-nos legitimidade de acção, pois
partilhamos uma identidade comum, partilhamos os mesmos anseios e angústias, as mesmas suspeições
e, do mesmo modo, perspectivamos um futuro sempre melhor.
A nossa legitimidade de acção sustenta-se igualmente no escrutínio a que diariamente somos sujeitos pela opinião pública e pelos órgãos de comunicação social, sustenta-se na validação da legalidade
das nossas acções pelas autoridades judiciárias e, por fim, mas não menos importante, sustenta-se na
fiscalização permanente da actividade operacional diária e das acções administrativas e financeiras.
Inserida na sociedade e legalmente legitimada a defender e salvaguardar a segurança e tranquilidade
públicas, a PSP tem-se apresentado com uma nova dinâmica, ao fomentar diferentes conhecimentos e
experiências, ao criar novos projectos e ideias e ao estabelecer laços de cooperação com os cidadãos e
com as instituições, na legítima expectativa de que o ideal de co-responsabilização seja alcançado.
Acreditamos que o cidadão, as instituições, o poder local e os órgãos de comunicação social assumem um papel de extraordinária relevância na construção de uma sociedade mais livre, mais justa,
mais solidária e mais segura.
O comprometimento de todos é absolutamente necessário, porque todos somos responsáveis e todos
podemos e devemos contribuir para o bem-estar comum.
Este é um novo paradigma: à Polícia exigem-se conhecimentos, exige-se o cumprimento do dever
com base na legalidade, na convicção de que existimos para servir o cidadão, mas o mesmo cidadão só
poderá efectivamente viver em harmonia social se aceitar um compromisso de responsabilidade, de
cooperação e compreensão para com as polícias.
A Polícia de Segurança Pública também não esquece as suas obrigações, antes enfrenta o presente e
abraça o futuro, com a serenidade própria de uma instituição que carrega uma experiência secular, que
não teme as dificuldades ou as incompreensões, mas que acredita em si mesma.
A exigência caracteriza-nos, por isso, temos apostado na formação, num maior tecnicismo, numa
unidade de doutrina. Temos desenvolvido esforços no sentido da modernização e da inovação, quer
através de projectos tecnológicos sobejamente conhecidos, como o SEI e o SIGAE, entre outros, quer
através de programas de policiamento específicos e orientados, como o Programa Integrado de Policiamento de Proximidade ou as Equipas de Prevenção e Reacção Imediata.
Com efeito, o Programa Integrado de Policiamento de Proximidade, enquanto projecto congregador
149
de esforços comunitários, tem conduzido a resultados muito positivos, sendo um claro objectivo da PSP
apostar neste programa, alargando a sua implementação e potenciando ainda mais as práticas que são
desenvolvidas no sentido de aproximar o cidadão da polícia e a polícia do cidadão, dado o manancial de
informação e a saudável colaboração que resultam deste relacionamento.
Também as zonas urbanas sensíveis, cerca de 330 na nossa área de responsabilidade, são uma efectiva preocupação, fundamentalmente porque acreditamos que as questões de insegurança a elas por vezes associadas não se resolvem unicamente com a acção policial, mas sim com a participação e a vontade
efectiva da comunidade em mudar e em lutar pela harmonia social.
Neste domínio, as parcerias são absolutamente fundamentais e necessárias. Este tem sido o caminho
percorrido e é neste sentido que a PSP vai continuar a apostar, pois só assim se afastam os preconceitos
que possam existir e que têm conduzido, genericamente, a que os que os que mais precisam das Polícias
sejam, invariavelmente, os que mais se afastam.
Impõe-se ainda um outro objectivo estratégico, o de reestruturar a PSP, apostando-se na inovação e
na modernidade. Nesta perspectiva, as novas tecnologias de informação são para nós um instrumento
precioso e fundamental, não só para o tratamento diário de toda a informação operacional, mas também
porque se constituem como uma forma simples, ecológica e de livre acesso a todos os cidadãos, potenciando a concretização do objectivo de maior aproximação à sociedade.
Os sítios da internet da Polícia de Segurança Pública, da Escola Prática de Polícia e do Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna são fontes inegáveis de informação, à semelhança do
YouTube e do Twitter da PSP e a muito curto prazo do messenger e do facebook.
Somos de facto uma instituição em permanente adaptação e modernização.
Por tudo isto, estou certo que a Polícia de Segurança Pública contribui decisivamente para a segurança dos cidadãos, estou certo que este será sempre o nosso grande objectivo.
O caminho faz-se caminhando, dizia o poeta, e por isso, em todos os dias, a todas as horas e minutos,
tudo faremos para contribuir para uma sociedade melhor, na convicção de que a Polícia, os cidadãos e
as instituições têm de caminhar lado a lado, vencendo os desafios permanentes.
150
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS:
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
POLÍCIA JUDICIÁRIA
Procurador Pedro do Carmo, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária
Cabe-me a mim, nestas jornadas, representar a PJ, na sequência do convite que muito honrou a polícia que
neste momento ajudo a dirigir. É, pois, e com grande sentido de responsabilidade, a mim que me cabe proferir aqui algumas breves palavras.
Começarei por definir as competências da PJ, de forma a enquadrar o resto da intervenção, depois passarei à apresentação de alguns resultados operacionais. Se o crime é notícia, se é fonte de preocupação, devem
também ser notícia os resultados que todos nós, e também a PJ, conseguimos alcançar na luta contra esse
fenómeno, resultados que deveriam ser motivo de tranquilidade e confiança para os nossos concidadãos.
Farei uma breve referência a algumas acções de prevenção criminal, desenvolvidas pela PJ durante o ao que
passou, e terminarei com algumas linhas de rumo estratégicas e operacionais para o ano que já se iniciou.
Compete à PJ coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação e desenvolver e promover as acções
de prevenção e investigação da sua competência ou que lhe sejam acometidas pelas autoridades judiciárias competentes. Esta competência é a que se encontra definida no texto da lei orgânica da PJ aprovada
recentemente. Em matéria de investigação criminal é da competência, reservada, da PJ a investigação
dos crimes do artigo 7º da Lei da Organização da Investigação Criminal. Naturalmente, separamos aqui
os crimes de competência reservada indelegável e os de competência reservada delegável noutros órgãos de polícia criminal. Esses crimes poderão ser sintetizados da seguinte forma: graves e com maior
danosidade social, complexos, plurilocalizados, de maior opacidade ou cometidos de forma organizada.
São, por exemplo, o homicídio, o roubo, o rapto, sequestro e tomada de reféns, o terrorismo, a associação
criminosa contra a liberdade e autodeterminação sexual, a corrupção, o tráfico de estupefacientes e a
criminalidade económico-financeira.
Passando agora para os resultados operacionais obtidos. Em 2009, a PJ efectuou 2125 detenções, das
quais 187 por homicídio, 115 por rapto e sequestro, 509 por roubo, 105 por incêndio, 556 por tráfico de estupefacientes, 39 por tráfico de armas de fogo. Estes resultados corresponderam a mais 448 detenções do
que em 2008, o que equivale a dizer que a PJ efectuou em 2009 cerca de mais 30% de detenções do que no
ano de 2008. Por outro lado, podemos referir que em 45% destes casos foi aplicada a medida de coação de
prisão preventiva, tendo aos restantes sido aplicadas outras medidas de coação, entre as quais a obrigação
de permanência na habitação. Portanto, quando falamos em 45%, falamos, efectivamente, do número de
detidos que ficou em prisão preventiva. Este número é significativo, acima de tudo para a PJ, tendo em conta que reflecte o resultado da investigação efectuada. Como sabem, a aplicação da prisão preventiva exige
a verificação de vários pressupostos, tem em conta a gravidade do crime, a moldura penal aplicável, mas
também a existência de fortes indícios da prática desse crime, e a existência desses fortes indícios só se obtém através de uma investigação criminal, através de um método de recolha de prova eficaz, de qualidade.
Portanto, quando os magistrados oficiais a aplicam a 45% das detenções é bastante revelador da qualidade
do trabalho que foi desenvolvido e que permitiu e conduziu a estas detenções. Temos durante o ano de 2009
mais detenções, mais prisões preventivas e uma diminuição global dos crimes graves investigados pela PJ,
o que significa mais e melhor eficácia operacional.
Às detenções, acrescem 576 viaturas apreendidas, 19 embarcações e 1 aeronave e 52 obras de arte apreendidas e recuperadas. Relativamente a todos estes números, mesmo no que diz respeito às obras de arte,
houve também um acréscimo das apreensões. Durante o ano de 2008 o número de viaturas apreendidas
151
não tinha chegado às 500, tendo-se aproximado no ano que findou das 600. 683 armas de fogo foram
apreendidas, incluindo aqui armas de cano longo e cano curto. Relacionemos estas apreensões, também,
com o importante número de indivíduos detidos por tráfico de armas, repito, por tráfico de armas, e não
por mera detenção de arma de fogo ou por arma proibida, isto é, indivíduos que se dedicavam à transacção comercial ilícita de armas de fogo. Acresce, ainda, mais de 3000 dólares americanos e de 1 milhão
de euros, em numerário. Foram apreendidos, também durante o ano de 2009, mais de uma tonelada de
cocaína, mais de 12 toneladas de haxixe e 95 kg de heroína. A quantidade de heroína apreendida sofreu
um decréscimo, que é também verificável noutros países europeus, incluindo Espanha. Isso reflecte, sobretudo, uma disseminação das rotas e também uma diversificação das formas ou dos métodos de entrada da heroína em espaço europeu. Temos hoje em dia menores quantidades traficadas por mais pessoas,
de formas mais diversas, o que naturalmente dificulta a apreensão. Para fazer face a este fenómeno – e
ainda esta semana tivemos um importantíssimo encontro em Madrid com os nossos parceiros espanhóis
–, estamos já a adaptarmo-nos a esta realidade, desenvolvendo novas estratégias investigatórias que contamos que venham a produzir os seus resultados.
No âmbito da prevenção criminal, continuamos a desenvolver o projecto “Igreja segura”, destinado à
protecção do nosso património religioso, da nossa arte sacra. Neste momento, a exposição, que é itinerante,
encontra-se em Santarém e é de facto uma iniciativa, que em conjugação com a sociedade civil e com as
autoridades religiosas, tem sido bastante acarinhada e bem recebida. O projecto “SOS azulejo” destinado à
protecção do nosso importantíssimo património azulejar, é uma iniciativa em parceria com a GNR, com a
PSP e com outros parceiros institucionais, e tem tido uma divulgação e receptividade, dentro e fora do país,
que nos deixa bastante satisfeitos. Têm sido feitas várias reportagens por vários órgãos de comunicação
social brasileiros, espanhóis e franceses. Esta iniciativa reflecte a preocupação da PJ relativamente ao nosso
património cultural, mas simultaneamente é uma forma de dar a conhecer o que de bom temos e um pouco
da nossa história além-fronteiras.
Quero referir ainda as acções de formação e divulgação subordinadas ao tema “Segurança na internet”. É um dado adquirido que o cibercrime aumentou tremendamente neste últimos anos, o que não é
de espantar, tendo em conta a penetração das novas tecnologias. São acções que se dirigem, por um lado,
à prevenção dos crimes contra o património e contra a violação da vida privada através da informática,
mas, por outro, à prevenção da criminalidade sexual contra nós praticada através da internet. Há cerca
de quatro anos foi celebrado o primeiro protocolo com a DGE e um departamento da PJ, na altura a directoria de Coimbra, com vista à realização de várias acções de prevenção e divulgação em várias escolas
da região Centro do país. Esse protocolo foi repetido por outros departamentos, e posso dizer-vos que ao
longo destes quatro anos foram realizadas várias acções e que praticamente todas as semanas a PJ está
numa escola a falar para professores, pais e alunos, alertando-os para os riscos de uma utilização descuidada da internet. Eu próprio participo, sempre que posso, nessas acções. É uma área que acho muito
importante, pois o nosso pequeno esforço pode dar grandes resultados. Se na sequência destas acções,
viermos a evitar que uma só destas crianças venha a ser vítima de um crime desta natureza, vale a pena,
valeu a pena: os custos são desprezíveis, os resultados são imensos. Finalmente, foram desenvolvidas
acções de fiscalização ao exercício ilegal da segurança privada.
Linhas de rumo estratégicas: agilização dos procedimentos para a persecução dos objectivos da política
criminal, reforço da cooperação internacional, institucional e interdepartamental, consolidação e expansão
da componente técnica e científica, modernização dos sistemas de gestão e da nossa unidade de informação. Nos operacionais: acutilância investigatória à criminalidade grave e de maior danosidade social, proactividade na detenção, combate aos crimes de maior incidência, as cifras negras, e maior interoperacionalidade das comunicações da PJ com os outros órgãos da polícia criminal. Técnicas e operativas: integração
funcional dos novos 142 inspectores, integração e enquadramento funcional dos novos 50 funcionários de
apoio – entre especialistas, auxiliares e especialistas superiores –, digitalização e desmaterialização de expediente, simplificação e agilização de procedimentos, renovação da frota automóvel e das instalações.
Termino dizendo, na linha do que já foi dito pelos ilustres antecessores, que Portugal mais seguro depende de todos. Depende de todos quantos aqui estamos, mas também de todos quantos estão para além destas
quatro paredes. A segurança deve ser um compromisso colectivo. É com esta mensagem que mais uma vez
agradeço em nome da PJ o honroso convite que nos foi dirigido, desejando a todos as maiores felicidades.
152
SEGURANÇA DOS CIDADÃOS:
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS
E FRONTEIRAS
Manuel Jarmela Palos, Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Permitam-me, antes de mais, expressar o enorme privilégio que para mim representa a oportunidade de
participar nos trabalhos deste painel que reúne os responsáveis pelas forças e serviços de segurança, na
qualidade de director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Do leque de atribuições do SEF, normalmente são mais conhecidos o controlo da circulação de pessoas nas fronteiras, da permanência e actividades dos cidadãos estrangeiros em território nacional, e
ainda o estudo, a promoção, a coordenação e a execução de medidas e acções consideradas necessárias
à boa prossecução da política de imigração e de asilo.
Não obstante, em matéria de segurança interna, essas atribuições devem ser observadas em três
grandes áreas de actuação operacional: o controlo da circulação de pessoas nas fronteiras, a fiscalização da permanência e actividades de estrangeiros em território nacional e a investigação criminal,
neste caso assumindo um lugar bem definido como órgão de polícia criminal na investigação de um
tipo de criminalidade muito específica e sempre relacionada com fenómenos à escala global, como a
imigração ilegal e o tráfico de seres humanos.
A criminalidade relacionada com estes fenómenos mantém–se, de acordo com as últimas alterações
introduzidas à lei de estrangeiros e ao Código Penal, ocorridas no Verão de 2007, abrangendo crimes
como o auxílio à imigração ilegal, a associação de auxílio à imigração ilegal e o tráfico de pessoas, bem
como outros instrumentais, de que são exemplo nobre a falsificação ou contrafacção de documento,
a angariação de mão-de-obra ilegal e o casamento de conveniência. Em última análise, a associação
criminosa aparece frequentemente relacionada com aquela prática criminal, havendo vários casos de
condenação em tribunal por este tipo de crime, juntamente com a criminalidade em análise.
Entretanto, de acordo com a lei de política criminal aprovada em 2009, os crimes de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e falsificação ou contrafacção de documento são considerados de prevenção
e investigação prioritária, mantendo-se a consagração da anterior lei, enquanto o crime de casamento
de conveniência, que não fazia parte do rol de crimes referidos na anterior lei de política criminal, foi
agora consagrado na lei aprovada em 2009 como crime de investigação prioritária.
Apresentando números normalmente não muito elevados, a investigação deste tipo de criminalidade
revela-se outrossim de forma recorrente num quadro de elevada complexidade, derivada do facto de se
revestir quase sempre de características muito próprias, como a forte organização de quem explora os
fluxos migratórios, a transnacionalidade inerente ao fenómeno e a fragilidade das potenciais vítimas.
Daí que a cooperação com outros organismos, policiais e civis, ao nível nacional e internacional, incluindo a cooperação policial internacional directa, bilateral ou multilateral, e através de organismos como
a EUROPOL e a INTERPOL, para além do envolvimento do EUROJUST, cada vez mais visível, sejam
fundamentais para o seu sucesso.
Por definição, conforme se encontra previsto na lei de estrangeiros e no código penal, e foi também
consagrado na lei de organização da investigação criminal, trata-se das áreas de investigação criminal
onde o SEF actua mais directamente, fazendo-o não apenas numa perspectiva repressiva, mas igualmente de modo preventivo, proactivo e integrado com outros intervenientes, a um nível transversal,
153
sempre considerando os imigrantes, numa perspectiva criminal, como verdadeiras vítimas de formas
de exploração em que o objectivo passa pela condenação dos criminosos e pela aplicação de fórmulas
dissuasoras da prática do crime, mas também pela integração daqueles na nossa sociedade – conforme,
aliás, se encontra consagrado na lei de estrangeiros.
Enquanto entidade fiscalizadora na área de estrangeiros, a acção do SEF é por todos conhecida e
reconhecida, apresentando ano após ano, resultados sólidos e bem patentes nos sucessivos Relatórios
de Segurança Interna.
Não cabendo nesta apresentação um debruçar detalhado sobre esta actividade, tal como sobre a investigação criminal, permito-me no entanto recordar alguns números que, aliás, já são do domínio público – constam do Relatório de Segurança Interna referente ao ano transacto. Em 2009, no decurso de
9143 acções de fiscalização levadas a cabo pelo SEF, de forma autónoma ou em actuação conjunta com
outras entidades, foi possível controlar e identificar cerca de 200.000 indivíduos em território nacional,
de que resultou a detenção de 744 cidadãos estrangeiros por permanência irregular, para além da adopção de outros procedimentos do foro administrativo, igualmente em número significativo, como sejam
as notificações para abandono voluntário do país ou a instauração de processos de contra-ordenação
por infracções diversas à lei de estrangeiros.
Parece-me, no entanto, e sem querer menosprezar as outras áreas de actuação do SEF, ser oportuna no
contexto deste fórum uma referência mais pormenorizada à área que respeita ao controlo de fronteiras.
Desde que foram abolidos os controlos nas fronteiras internas da União Europeia, a livre circulação das pessoas no interior do território comunitário coloca aos Estados-membros desafios em termos de segurança. Foi, por isso, necessário tomar medidas de segurança compensatórias nas fronteiras externas da União.
É entendimento pacífico que uma boa gestão dos controlos nas fronteiras externas contribui para o
reforço da segurança dos cidadãos, na medida em que se traduz na primeira linha do combate a fenómenos que afectam as sociedades de hoje, como o terrorismo, as redes de imigração clandestina e o tráfico
de seres humanos e a criminalidade em geral.
De facto, uma gestão coerente e eficaz das fronteiras externas dos Estados-membros da União Europeia reforça não só a segurança mas também o sentimento dos cidadãos de pertença a um espaço
comum de mais de 500 milhões de pessoas e de partilha de um mesmo destino.
No dia-a-dia sucede que as autoridades com a competência para o controlo das fronteiras externas
tenham de exercer simultaneamente duas tarefas: a do controlo da entrada no território, que não passa só pelo controlo dos documentos e demais condições de entrada, tarefas estabelecidas no direito
comunitário, mas pode levar também ao exercício de uma acção de natureza policial ou judiciária,
quando nomeadamente se verifique que a pessoa em causa é procurada ou constitui uma ameaça para
a segurança.
A segurança das fronteiras externas da União Europeia constitui um tema essencial para os cidadãos
europeus, na medida em que a falta de controlo, ou o controlo deficiente, pode pôr em perigo o nível
de segurança interna dos Estados-membros, situação especialmente gravosa num espaço tão vasto sem
fronteiras internas e, como tal, sem a existência de um controlo sistemático e permanente.
Não nos podemos esquecer que quando falamos de segurança dos cidadãos falamos da segurança
de um universo de mais de 400 milhões de cidadãos europeus, que por força do Acordo Schengen, que
integra o acervo comunitário, confiam no controlo que é efectuado nas fronteiras externas desse espaço
vastíssimo de livre circulação de pessoas.
Foi pois, neste espaço comum no qual nos inserimos – o da União Europeia – identificada a necessidade de uma instância comum de cooperação e de coordenação mais operacional dos controlos e da fiscalização das fronteiras externas, bem como a necessidade de se assegurar uma melhor integração das
missões exercidas nas fronteiras externas com as exercidas por outras autoridades situadas no interior
do espaço comum de livre circulação.
Para responder de forma coerente às necessidades sentidas e já identificadas, preconizou-se a
adopção de uma política comum de gestão integrada das fronteiras externas com cinco componentes
distintas mas ligadas entre si:
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_ um acervo legislativo comum;
_ um mecanismo comum de concertação e de cooperação operacional;
_ uma avaliação comum e integrada dos riscos;
_ uma formação em termos de dimensão europeia e equipamentos interoperacionais;
_ uma partilha dos encargos entre os Estados-membros.
A estas componentes devem ser acrescentadas as acções nos países terceiros, e com os países terceiros, a fim de identificar os riscos a montante da fronteira externa. Enquadram-se neste objectivo as
acções relacionadas com a colocação de oficiais de ligação de imigração nos países de origem de fluxos
migratórios e a associação de países terceiros nas acções de vigilância das fronteiras externas.
Portugal dispõe neste momento de oficiais de ligação de imigração do SEF em Angola, Brasil, Cabo
Verde, Moçambique, Rússia, São Tomé e Príncipe, Senegal/Guiné-Bissau e Ucrânia, que asseguram a
montante um papel importantíssimo no controlo da entrada de cidadãos estrangeiros.
Decorridos que estão alguns anos desde que foi feito ao nível comunitário este diagnóstico, podemos
afirmar que o caminho percorrido indicia já alguns resultados muito visíveis e promissores para se alcançarem os objectivos preconizados pela gestão integrada das fronteiras.
A União Europeia já dispõe de um acervo legislativo comum, traduzido no Código de Fronteiras, que
permite a uniformização dos procedimentos de controlo de fronteira, assegurando desta forma a eliminação das disparidades entre procedimentos e permitindo uma maior confiança nas acções adoptadas
para o controlo das entradas e das saídas no espaço da União.
Por outro lado, um mecanismo comum e operacional de concertação e de cooperação tem vindo paulatinamente a ser reforçado através da acção da Agencia Europeia de Fronteiras – Frontex – sediada em
Varsóvia, pela avaliação integrada dos riscos, a coordenação efectiva de acções nas fronteiras externas
da União e o favorecimento de uma maior convergência no domínio do pessoal e do equipamento.
Importa ter presente o forte empenhamento de Portugal nas operações coordenadas pela agência,
através do SEF, mas também, em algumas situações, da GNR, participando o nosso país anualmente
num vasto leque de operações conjuntas cujo objectivo primordial é o de assegurar um eficaz controlo
das fronteiras externas da União Europeia em locais qualificados como de risco migratório.
Só no que concerne ao ano passado, o SEF participou em 12 operações conjuntas coordenadas pela
Frontex (operações marítimas, aéreas e terrestres) envolvendo um total de 77 elementos que, em conjunto com peritos de outros Estados-membros, zelaram pela segurança de um espaço comum e pelo
cumprimento da legislação comunitária em matéria de entrada e saída de pessoas.
Este é o enquadramento jurídico e operacional no âmbito do qual o SEF tem vindo a desenvolver as
suas acções no sentido de contribuir, na vertente da gestão e controlo de fronteiras, para a segurança
dos cidadãos.
Com o incondicional apoio, diria mesmo incentivo, por parte das tutelas, o SEF adoptou uma postura
proactiva com o desenvolvimento de vários projectos que permitem um reforço dos níveis de segurança
no controlo das fronteiras, com simultâneos ganhos de eficácia ao nível dos recursos existentes.
No que diz respeito ao controlo das fronteiras, foi desenvolvido como projecto estruturante o novo sistema de controlo de fronteiras (o PASSE), o qual permite controlar, de forma automática, pessoas e os respectivos documentos em cerca de 10 segundos e, simultaneamente, armazenar a pertinente informação
relativa à passagem das fronteiras. Para além disso, o PASSE faculta a consulta, em tempo real, às Bases
de Dados de Controlo de Pessoas e Documentos do Sistema de Informação Schengen, da Interpol e das
Medidas Cautelares, o que configura, também, um ganho efectivo na perspectiva da segurança pública.
A racionalização do controlo de fronteira foi também o propósito que orientou o desenvolvimento do Projecto RAPID (Reconhecimento Automático de Passageiros Identificados Automaticamente).
Trata-se do primeiro sistema do mundo a permitir o controlo automatizado de passageiros munidos de
passaportes electrónicos, com reconhecimento biométrico através da face, permitindo aumentar significativamente o fluxo de passageiros, com níveis de controlo de segurança superiores, diminuição dos
custos operacionais e garantia de maior segurança. Este sistema possibilita ainda um elevado nível de
integração com os sistemas de informação do SEF.
155
No decurso do ano de 2009, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras controlou mais de 68 mil voos
(68.633) e quase 9 milhões de passageiros (8.922.432) só nas fronteiras aéreas externas.
No mesmo ano, nas fronteiras marítimas registou-se um total de 33.716 embarcações controladas,
representando um total de 1.627.292 pessoas controladas, correspondendo a mais de 1 milhão de passageiros (1.072.718) e mais de 500.000 tripulantes (554.573).
São números que, face à dimensão nacional, nos parecem só possíveis pela aposta ganha num
novo conceito de gestão integrada das fronteiras e pela utilização das novas tecnologias ao serviço da
segurança dos cidadãos.
Permito-me nesta matéria identificar ainda outros exemplos recentes de inovação com o forte contributo do SEF e que constituíram passos muito firmes no sentido de uma maior segurança dos cidadãos:
_ SISone4ALL, concebido pelo SEF, que permitiu em 2007 a concretização do objectivo político do
alargamento do Espaço Schengen aos novos Estados-membros da União Europeia e, com isso, a
livre circulação de pessoas;
_ projecto do Passaporte Electrónico Português, o PEP, que representa hoje um dos documentos de
viagem mais seguros em circulação e que é de facto um caso de referência internacional, não só
quanto à sua qualidade como documento seguro, mas também como um processo de referência na
qualidade de serviço ao cidadão.
Apraz ainda mencionar que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem também apresentado excelentes resultados por parte das instâncias europeias na avaliação das suas fronteiras aéreas e marítimas,
potenciados pelo investimento em tecnologia e formação, nomeadamente ao nível da detecção de documentos de viagem fraudulentos, área onde o SEF se tem destacado, designadamente como entidade
formadora de outros serviços congéneres a nível nacional e internacional.
No futuro imediato, outros desafios se colocam: reforçar ainda mais o combate à imigração ilegal e
ao tráfico de seres humanos, continuar a inovar tecnologicamente para reforçar o controlo das nossas
fronteiras e promover um melhor acolhimento e integração dos imigrantes no nosso país.
O caminho da busca contínua de soluções inovadoras para melhorar o desempenho e de uma maior
proximidade aos cidadãos e à sociedade civil não está pois terminado, é um processo contínuo que nos
honra prosseguir e que nos permite, no exercício diário das nossas funções, contribuir na nossa medida
para uma cada vez maior segurança dos cidadãos.
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SEGURANÇA DOS CIDADÃOS:
A CONTRIBUIÇÃO DAS FORÇAS
E DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA.
AUTORIDADE MARÍTIMA
NACIONAL
Vice-Almirante Silva Carreira, Director-geral da Autoridade Marítima Nacional
O objectivo da minha apresentação é dar-vos a conhecer o enquadramento conceptual, institucional e
operacional da Autoridade Marítima Nacional (AMN), como pilar essencial do Sistema da Autoridade
Marítima e como estrutura à qual a lei comete o exercício dos poderes públicos a exercer em zonas dominiais públicas e nos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional.
Portugal detém uma posição geomarítima de grande especificidade, possuindo uma das mais elevadas taxas de maritimidade do mundo. As águas jurisdicionais portuguesas, com mais de 1.720.000
km2, correspondem ao 11º espaço marítimo maior do mundo, sendo contudo o maior de entre todos os
países da Europa em espaços do continente europeu, e estima-se que actualmente cruzem as águas sob
jurisdição nacional, por dia, mais de 250 navios, o que representa, seguramente, acima de 70% de todo
o comércio externo marítimo europeu.
As águas sob jurisdição nacional têm sofrido uma pressão crescente, causada pelo aumento das actividades ilegais, que vêm causando uma degradação progressiva dos ecossistemas marinhos, o que torna
imperativo que o país, como Estado costeiro, tenha capacidade para evitar qualquer tipo de ameaça e de
processo de degradação ambiental, económica, social e cultural, com vista a preservar, de forma sustentada, os recursos marinhos.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada em Montego Bay em
1982, e que integra o ordenamento jurídico nacional desde Dezembro de 1997, estabelece a largura
do Mar Territorial em 12 milhas, a Zona Contígua até às 24 milhas e a ZEE até às 200 milhas. A necessidade de o país deter uma Zona Contígua levou a que esta fosse declarada pela publicação da Lei
nº 34/2006, de 28 JUL.
No respeitante à Plataforma Continental, Portugal desenvolveu estudos geológicos, com forte e determinante empenhamento do Instituto Hidrográfico da Marinha, quanto à perspectiva do seu alargamento, tendo já sido entregues na autoridade competente das Nações Unidas os estudos e restante
documentação geodésica tendentes, nos termos do preceituado no artigo 76º da CNUDM, a estender
aquele espaço soberano para além das 200 milhas.
Portugal detém, ainda, um outro tipo de espaço marítimo com significativo relevo para o país, que é
a área de responsabilidade nacional para busca e salvamento no mar (Search and Rescue), tendo o nosso
país duas zonas atribuídas com uma área total conjunta de cerca de 5.792.740 km2, o que exige, em termos de operação e empenhamento naval, um esforço acrescido.
Um dos indicadores mais fidedignos, em termos de operação, das características de maritimidade do
país consta, directa e indirectamente, da dimensão registral de navios e embarcações e volume de actos
praticados em relação a eles.
A importância institucional desta actividade registral patrimonial marítima, como manifestação do
exercício do controlo público-administrativo efectuado pelo Estado, resulta igualmente do facto de
ser, precisamente, uma das mais antigas funções da Autoridade Marítima. Ascende assim a, sensivelmente, 86.000, o número de registos existentes entre embarcações de comércio, de pesca, de recreio,
rebocadores e auxiliares.
157
Num âmbito mais global, em termos do designado cluster marítimo, o conjunto das actividades marítimas em Portugal representa mais de 3 mil milhões de euros/ano (a dados de 2004), sendo que, destes,
41% correspondem ao transporte marítimo, 15% a pescas e aquicultura e outros 15% ao turismo marítimo. Estima-se que, em termos de potencialidade de crescimento económico, o conjunto das actividades
marítimas possa ascender, a longo prazo, até um total de 12% do PIB.
Como Estado costeiro com competências soberanas e jurisdicionais sobre um vasto espaço marítimo
oceânico, Portugal confronta-se com três das mais intensas rotas do tráfico de estupefacientes para o
continente europeu, com origem no circuito das Caraíbas, da América do Sul e em África, visando estes
dois últimos, também, o acesso a território espanhol.
Contudo, no conjunto das designadas novas ameaças, assumem hoje, igualmente, preocupação
acrescida para os Estados costeiros, até pelos impactos socioeconómicos e sociopolíticos que induzem,
um conjunto de actividades criminosas ou contra-ordenacionais de grande gravidade como seja, entre
outras, acções de terrorismo operadas a partir de navios, contra navios ou mesmo contra terra, os contrabandos por via marítima, transporte de armas de destruição maciça (weapons of mass destruction –
WMD), actos de depredação piscatória, a imigração ilegal e o tráfico de pessoas, a exploração abusiva
de recursos inertes, a pesquisa e recolha selvagem e descontrolada do património cultural subaquático
e, ainda, as actividades poluidoras do meio marinho. Todas estas actividades representam, imediata ou
sucedaneamente, uma agressão a dois princípios fundamentais para o universo marítimo: a protecção e
preservação do meio marinho e a segurança marítima (safety e security), os quais são princípios sustentadores de todo o quadro substantivo da CNUDM.
Dos supramencionados 250 navios que diariamente cruzam espaços marítimos nacionais, navegam
cerca de 12 navios-tanque transportando 30% do transporte mundial de crude, dados que assumem especial relevância quando confrontados com o quadro de quase 2000 derrames ocorridos desde 1971 em
águas jurisdicionais portuguesas, alguns deles implicando mais de 700 toneladas de produto derramado, sublinhando-se, neste contexto, os impactes ecossistémicos ocorridos com o Aragon, em 1988, com
o Coral Bulker, em 1999, com o Prestige, em 2002, e mais recentemente com o CP Valour em 2005.
A actividade de combate à poluição, com origens funcionais e operacionais em Portugal desde 1973,
assume, actualmente, precisamente naquele quadro factual, um significado fulcral no âmbito das atribuições que a lei comete aos órgãos e serviços da Autoridade Marítima Nacional, existindo, ainda,
complementarmente, um sólido e eficaz regime jurídico-sancionatório que visa punir os ilícitos por
poluição do meio marinho.
Este regime, que consta do Decreto-Lei nº 235/2000, de 26 de Setembro, marcou, notoriamente,
uma fase importante no ordenamento marítimo nacional. Este regime jurídico foi, no formato que tem,
inovador no âmbito da União Europeia. O capitão do porto é a autoridade competente para a instrução
e decisão processual dos ilícitos.
No âmbito do combate à poluição do mar por hidrocarbonetos, em 2009, foram registados 75 alertas
via satélite de ocorrência de poluição marítima e 39 relatos de poluição, sendo que, em termos processuais, foram iniciados e instruídos 40 processos por contra-ordenação marítima. Nesta matéria, foram
realizados exercícios na Baía de Cascais, em São Martinho do Porto e no Funchal, tendo sido planeado e
realizado, pela primeira vez, em Sines, um exercício de nível do 1º grau do Plano Mar Limpo (PML) – de
âmbito nacional – coordenado pelo director-geral da Autoridade Marítima. O PML é o quadro regulador do combate à poluição marítima em Portugal, quer seja na vertente institucional, de programação
estratégica ou mesmo operacional, e foi aprovado pela RCM nº 25/93, de 15 de Abril, e corporiza, na sua
essência, um plano de contingência. Em especial, no caso do sinistro do navio S. Gabriel, em São Miguel,
nos Açores, existiu um empenhamento significativo de meios humanos e equipamentos com vista a evitar que existisse um derrame numa área sensível.
Em termos conceptuais, a forma como se entende o exercício da autoridade do Estado em zonas dominiais públicas e em espaços sob soberania e jurisdição nacional assenta em três pilares: o combate à criminalidade por via marítima (security), a segurança marítima (safety), e a protecção e preservação dos ecossistemas marinhos, no qual um dos vectores é, precisamente, o combate à poluição (marine pollution response).
Especificando o regime aprovado pelos Decretos-Leis nº 43/2002, 44/2002, 45/2002, todos de 2 de
Março, que definiram e enquadraram o Sistema da Autoridade Marítima e quadro de atribuições, e os
158
demais diplomas que regulam as respectivas matérias, integram o vector security matérias como o narcotráfico, o tráfico de pessoas e imigração clandestina e a pirataria e o terrorismo, incluem-se no vector
safety a salvaguarda da vida humana no mar, a protecção civil e o controlo de navios, sendo que se inserem no vector protecção e preservação dos ecossistemas marinhos o combate à poluição, a fiscalização
da pesca, a investigação científica e o controlo da extracção de inertes.
Como área específica de actuação dos órgãos de Estado que exercem actividade nos portos e em espaços sob soberania nacional, e em especial os órgãos locais da Autoridade Marítima, foi aprovada, pelo
Decreto-Lei n.º 226/2006, de 15 de Novembro, a estrutura básica de organização interna, com vista a
dar cumprimento ao Regulamento n.º 725/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo
a articulação de órgãos e serviços em matéria do designado ISPS CODE (código internacional para a
protecção dos navios e das instalações portuárias, da International Maritime Organization – IMO). Este
âmbito de actuação institucional pressupõe como entidades nucleares a Autoridade Competente para
a Protecção do Transporte Marítimo e dos Portos (ACPTMP), que é o presidente do conselho directivo
do Instituto Portuário dos Transportes Marítimos IP, a Direcção Geral da Autoridade Marítima e os
capitães dos portos face ao seu âmbito de atribuições nos termos do Decreto-Lei n.º 44/2002, de 02 de
Março, do Decreto-lei n.º 370/2007, de 06 de Novembro, e da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto (LSI),
e as administrações portuárias, no âmbito das quais funciona o oficial de protecção do porto (OPP) e o
oficial de protecção da instalação portuária (OPIP).
O capitão do porto coordena o Centro Coordenador de Operações de Protecção do Porto (CCOPP),
estatuindo a lei que a AMN pode, no âmbito das suas competências, “emitir orientações e determinar
acções e medidas especiais de reforço da protecção dos navios que acedem a portos nacionais e ou que
visem fazer face a eventuais ameaças a concretizar em águas sob jurisdição nacional”.
Em termos de cumprimento dos pressupostos legais do DL 226/2007, todas as instalações portuárias
já possuem Avaliação de Protecção e Planos de Protecção aprovados. Igualmente todos os portos principais do país têm as Avaliações de Protecção e os Planos de Protecção aprovados, com excepção dos
portos de Faro, Portimão e Praia da Vitória.
Quanto ao dispositivo operacional, e em termos de unidades navais, a Marinha mantém empenhados em permanência, no continente, uma corveta na ZEE, um navio-patrulha, 3 lanchas de fiscalização
rápida (LFR) no Sul, 1 LFR no Centro, com outra de reserva, e uma lancha de fiscalização (Rio Minho) no Norte. Nas águas territoriais e jurisdicionais integrantes da Região Autónoma (RA) dos Açores,
encontra-se uma corveta, estando um navio patrulha na RA da Madeira, reforçado com uma LFR no
Verão. Especificamente em relação à Polícia Marítima, o dispositivo operacional, nos espaços dos cinco
Departamentos Marítimos (DM), conta com 21 unidades auxiliares de Marinha (UAM), 19 embarcações
de alta velocidade (EAV), 20 motos de água e 6 aladoras.
Relativamente ao modelo organizativo e sua configuração jurídica, o DL n.º 44/2002 estabelece que
a AMN é a entidade responsável pela coordenação das actividades, de âmbito nacional, a executar pela
Marinha e pela DGAM, na área de jurisdição e no quadro do SAM (Sistema de Autoridade Marítima),
com observância das orientações definidas pelo ministro da Defesa Nacional.
O chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) é, por inerência, a AMN, em cuja dependência directa
funciona a Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) como órgão central e como “serviço da
Marinha responsável pela direcção, coordenação e controlo das actividades exercidas no âmbito da
Autoridade Marítima Nacional”.
A Polícia Marítima (PM), que detém expressamente poder de autoridade marítima, integra a estrutura operacional da AMN. Neste contexto, a PM é uma força policial armada e uniformizada, dotada de
competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e composta por militares
e militarizados da Marinha, competindo-lhe ainda, em colaboração com as demais forças policiais, garantir a segurança e os direitos dos cidadãos.
O CGPM, o 2CGPM, os CR e os CL são, respectivamente, por inerência de funções, o director-geral
da Autoridade Marítima, o subdirector-geral da Autoridade Marítima, os chefes dos departamentos
marítimos e os capitães dos portos são órgãos de comando da PM e são considerados autoridades policiais e de polícia criminal.
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A DGAM possui, além dos serviços centrais, uma estrutura desconcentrada a nível nacional, abrangendo cinco Departamentos Marítimos, e 28 Capitanias dos Portos (CP), dirigidas por capitães dos portos, e que integram, nos seus espaços de jurisdição, 17 Delegações Marítimas. Aqueles órgãos são, respectivamente, os órgãos regionais e locais da DGAM.
Integram, igualmente, a estrutura da DGAM, o Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), a Direcção
de Faróis (DF), a Direcção de Combate à Poluição no Mar (DCPM) e a Escola da Autoridade Marítima
(EAM), além de um conjunto de serviços técnicos centrais integrando a Direcção de Administração
Financeira e Logística, a Divisão de Segurança Marítima, a Divisão de Recursos Inertes e a Divisão
de Recursos Vivos.
O Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), como direcção técnica nacional em matéria de salvamento marítimo costeiro, socorro a náufragos e assistência a banhistas nas praias, detém supervisão técnica
sobre 30 Estações Salva-Vidas localizadas em todo o território nacional, estando afectos a esta actividade 19 embarcações salva-vidas, 28 semi-rígidas, 40 motos de água, 30 botes tipo zebro e 20 viaturas.
A Direcção de Faróis (DF), como direcção técnica nacional em matéria de assinalamento marítimo,
detém supervisão técnica sobre 45 faróis e mais de 500 farolins e bóias em todo o território nacional,
tendo realizado 2700 acções de manutenção técnica e, no âmbito da cooperação com São Tomé e Príncipe, foi assegurada a manutenção da rede de sinalização marítima daquele país.
Nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 46º da Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, que aprovou a Lei de
Bases da Protecção Civil, devidamente conjugado com o preceituado na alínea c), do n.º 2, do artigo 13.º,
do DL 44/2002, os órgãos locais da Autoridade Marítima são agentes de protecção civil.
Em 2009, foi prestado o socorro às vítimas da derrocada da falésia da Praia Maria Luísa, em 21 de
Agosto; foi dado o apoio à realização da Redbull Air Race, nas margens do Rio Douro; foram realizados
exercícios de salvamento marítimo no âmbito do Dia Nacional da Protecção Civil e, no respeitante ao
risco sísmico no âmbito da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), foram realizados os exercícios PROCIV IV, e PT QUAKE.
O COMAR funciona, assim, como sala de situação e centro de análise operacional, aí funcionado
igualmente o centro de despacho do 112.pt para a Autoridade Marítima e o “Maritime Rescue Coordination
Centre” (MRCC) Lisboa.
O COMAR apoia, ainda, o funcionamento do Centro Nacional Coordenador Marítimo (CNCM),
instituído pelo Decreto Regulamentar nº 86/2007, de 12 de Dezembro, diploma que veio regulamentar, de forma integrada, a articulação entre autoridades de polícia e entidades técnicas cujos quadros
de atribuições se exercem em espaços dominiais e em espaços marítimos sob soberania e jurisdição
nacional. No CNCM têm assento permanente representantes do DGAM/CGPM, da GNR, do GCS, da
Marinha, da FA, do SEF e da PJ, podendo ser agregados aos trabalhos, em função das matérias envolvidas, outras entidades e órgãos, como sejam, designadamente, a Direcção-Geral das Alfândegas
e Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), a Direcção-Geral de Saúde (DGS), o Instituto da
Água (INAG), o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, IP (IPTM, IP) e a Direcção-Geral
de Pescas e Aquicultura (DGPA).
Como aspectos mais relevantes do produto operacional da Autoridade Marítima, no ano de 2009, e
de uma forma sintética, apuraram-se os seguintes dados:
1. Foram efectuadas 637 acções de salvamento, socorro a náufragos e assistência a banhistas, tendo-se verificado um decréscimo no número de mortes em praias vigiadas (de 6 para 5).
2. Foram realizados 104 Cursos de Nadador-Salvador, foram utilizados 2068 nadadores-salvadores,
tendo sido efectuadas 63 acções de formação de operador de motos de salvamento marítimo.
3. Verificou-se um decréscimo de 27,8% no número de entradas e saídas de navios e embarcações de
portos nacionais, tendo-se efectuado 30.629 acções de visita.
4. Foram praticados 41.927 actos administrativos no âmbito das Capitanias dos Portos e aplicadas
cerca de 6.686 coimas em resultados de processos por ilícitos contra-ordenacionais.
5. No total agregado, foram efectuadas 49.707 acções de fiscalização e efectuadas vistorias a 50.946
embarcações.
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6. Por outro lado, no âmbito do policiamento, e em termos de vigilância e fiscalização, verificou-se
um acréscimo de 14,8% em relação a 2008, tendo-se efectuado 49.707 acções a embarcações (mercantes, pesca e recreio) em espaços portuários e zonas integrantes do Domínio Público Marítimo.
7. Quanto aos crimes cometidos nos espaços dos comandos locais da Polícia Marítima, verificou-se
um aumento de 10,5% em relação a 2008, estando registados 1142, com especial incidência nas
zonas de Lisboa, Setúbal e Algarve.
8. Em termos de produto estupefaciente apreendido no ano findo, verificou-se um acentuado acréscimo em relação a 2008, tendo-se situado nos 8322 kg (390 kg de cocaína e 7932 kg de haxixe).
Como objectivos para 2010, a DGAM/CGPM definiu como prioridades aumentar a eficácia no combate às actividades ilícitas, desenvolver acções de cooperação e a articulação com as outras forças e serviços de segurança, incrementar o esforço de formação do pessoal, o treino e avaliação e, ainda, integrar
de uma forma ainda mais sustentada as novas tecnologias de informação.
161
POLÍTICAS PÚBLICAS
DE SEGURANÇA:
SIGNIFICADOS E ALCANCE
Amadeu Recasens I Brunet, Professor universitário
Inicio a minha intervenção falando brevemente sobre a questão das políticas de segurança, que não
podem ser vistas de forma isolada porque são parte das políticas públicas que, por sua vez, fazem parte
da política em termos gerais. Todos estes níveis estão presentes nas políticas de segurança, mas não
devemos confundi-los.
Vivemos, nas últimas décadas, um conjunto de mudanças fundamentais. Essas mudanças, essas
transformações exigem uma necessidade de adaptação dos modelos à criminalidade. Essa flexibilidade
é a única possibilidade de, no futuro, fazer uma gestão de segurança integrada.
Irei abordar quatro pontos primordiais: o papel dos Estados na tensão global, o papel da segurança
privada, a introdução de parceiros na segurança e os objectivos, metodologia e avaliação da segurança.
O primeiro ponto a referir é o do papel do Estado na tensão global versus local. O Estado mudou e a
natureza das suas relações internacionais mudou também. O Estado já não é aquele Estado isolado, moderno, que vivia fechado nele mesmo. Agora o Estado tem de partilhar o poder com a Europa, com outras
instituições, a nível multilateral ou bilateral. Por exemplo, a criação do Serviço Europeu de Acção Externa
obriga os Estados a partilharem mais matérias de segurança do que as que são partilhadas ao nível de
Schengen, da Europol e de outras instituições. Outro exemplo é dado pela cooperação policial luso-espanhola no combate ao terrorismo, que permitiu a detenção de elementos da ETA, no mês de Janeiro último,
em Torre de Moncorvo. Essa detenção demonstra bem a cooperação bilateral. Assim, o Estado já não está
sozinho nas suas questões de segurança, mas sim integrado na grande comunidade internacional.
Por outro lado, o Estado – para além da grande criminalidade –, em que, eventualmente, partilha informação com outros Estados da União Europeia ou com a Interpol, tem também de partilhar, cada vez
mais, as políticas de segurança com os poderes locais, fazendo com que as Câmaras e as Juntas de Freguesia estejam cada vez mais envolvidas e comprometidas com as políticas públicas locais de prevenção
da criminalidade. É útil que assim seja, para que conheçam, também, o território, a legitimidade local e
outros operadores da política de proximidade.
O segundo ponto tem a ver com a questão da segurança privada. Mesmo controlada pelo Estado, a
segurança privada tem um papel importante. Na Europa dos 27 já há mais empregados de segurança
pública do que agentes públicos de segurança. Nós vivemos em países onde ainda existe mais segurança
pública do que privada, mas, nos países de Leste e nos países anglo-saxónicos, o número de efectivos
na segurança privada é superior ao da segurança pública. Não podemos esquecer nem ignorar o sector
privado, que tem também de estabelecer e avaliar políticas de segurança e que pode ter algo que seja
benéfico para uso público.
Terceiro ponto a focar: os novos modelos de governação que introduzem novos parceiros. O Estado,
mesmo o Estado Social, não pode garantir e assegurar sozinho a segurança, mas tem de ter um papel
prevalecente e directivo nessas parcerias. É fundamental analisar o papel das relações entre o Estado e
os outros parceiros que vão fazer parte das políticas públicas de segurança. Não podemos deixar a segurança e as suas políticas nas mãos do sector privado, ou ao serviço dos interesses e critérios de grupos
sociais. Mas, também, tão-pouco, podemos fazer segurança pública sem eles. Os modelos de prevenção
do Estado e a Polícia têm de ser dotados de fiabilidade e credibilidade aos olhos dos cidadãos.
Finalmente o quarto ponto, que queria analisar de forma mais aprofundada: governança ou “Global
– local” e complexidade são palavras da modernidade ou da pós-modernidade, ou seja, do presente e
do futuro. É necessário ler correctamente a realidade para fazer verdadeiras políticas de segurança, que
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são aquelas que têm os papéis bem definidos, os objectivos claros, as metodologias precisas e a avaliação
adequada. Servem para criar confiança e vontade de co-responsabilidade nos cidadãos. Também eles
têm de sentir-se participantes e co-responsáveis pela sua segurança.
Quanto à questão da definição dos papéis, não se deve confundir um papel político com um papel
técnico ou corporativo. Há um nível de decisão que é da responsabilidade dos políticos, o de estabelecer
objectivos e prioridades. Não digo que não possa haver intervenção da Polícia nessa fase, mas terá de ser
uma Polícia de alto nível e com vasta experiência, capaz de desempenhar um papel não corporativista
mas “politécnico”, no sentido de técnico, entre os políticos.
Para bem exercer o poder de decisão e avaliação, é preciso assegurar uma boa informação e um bom
apoio técnico. A auto-ilusão, com dados “pré-fabricados” ao gosto dos políticos, não é positiva. Daí que os
aspectos científicos, os dados, e a sua interpretação sejam fundamentais para podermos tomar decisões.
Há, no entanto, um papel corporativo, nas políticas, em que se tem de executar parcerias com os
outros actores sociais, no território. Aqui, o factor técnico deveria prevalecer sobre o factor político,
deveria ser permitido à Polícia trabalhar no terreno mais operativo, tendo em conta, sempre, as políticas
previamente estabelecidas.
Um outro ponto é o papel dos estudos, das análises da política de segurança, dos dados e da investigação empírica. A investigação empírica quer quantitativa, quer qualitativa, baseada em inquéritos ou de
outra natureza, é fundamental para a percepção dos problemas e interpretação dos resultados.
A avaliação, que tem de ser feita desde o início e até ao fim (do ciclo) das políticas, é um instrumento
que vai permitir reorientar, reinventar as políticas de segurança, tendo em vista os resultados prévios.
Se os polícias, os operativos, não têm directrizes políticas, têm que criar, por necessidade, outras
políticas, e isso não é eficiente. Por outro lado, se as polícias não são eficientes, outros operadores, privados, por exemplo, vão ocupar esse lugar. Ou seja, não há vazios porque os vazios são preenchidos.
O problema é que estas devem ser preenchidas por alguém com competência para o efeito e não por
outros que não tenham essa função.
Além disso, se não há dados fiáveis, não há avaliação, e não podemos apurar se as políticas são ou não
eficientes. Sem informação, criamos uma actuação que, a médio e a longo prazo, tem um peso social e
político, causa desconfiança nas instituições, sobretudo desconfiança na Polícia.
Para terminar, há um tempo para decidir, um tempo para actuar, um tempo para avaliar e um novo
tempo para decidir. Todos têm a sua metodologia adaptada à realidade, e não é bom deixar vazios ou
fazer saltos no vazio.
Os recentes dados, que apenas li, do Relatório Anual da Segurança Interna, os dados da delinquência
juvenil, ou mesmo os dados que foram apresentados no painel de hoje, constituem já uma amostra, que
tem de ser avaliada criticamente. Mas, pelo que percebi, metodologicamente, estão muito bem apurados. Então, isso quer dizer que têm já uma base rigorosa para ver quais são os principais problemas.
Não basta ver que, como em toda a Europa, a criminalidade agregada decresceu. É preciso analisar
os crimes desagregadamente e confrontá-los com outras variáveis para se saber, por exemplo, se, em
termos relativos, aumenta uma tipologia de criminalidade que provoca mais alarme social.
O segundo passo, depois de identificados os principais problemas, é analisar a natureza dos problemas já definidos. Depois, é preciso ordená-los por prioridades e ver em que contexto estão a ser produzidos. No passo seguinte, temos de ver que instrumentos existem na “caixa de ferramentas” das instituições e quais têm de se ir buscar fora. Não há nenhum problema em adquirir essas acessibilidades,
esses instrumentos que não temos, mas é preciso calcular o seu orçamento, pois estamos numa época de
contenção. Os recursos são limitados e não podemos esquecer, por isso, que todos os cálculos têm de ser
feitos no quadro dessas políticas de segurança.
Finalmente, tomar decisões, tendo em conta as prioridades e as políticas a desenvolver e estabelecer
um “cocktail multi-agencial” de intervenção, no contexto da governação. Ou seja, uma só medida não é
suficiente, estes cocktails, como os medicamentos, quando tomados na justa quantidade são muito bons:
em excesso, podem matar. Por isso, temos que ter atenção aos ingredientes do cocktail, para que este
produza um momento bem passado com os amigos e não uma bebedeira. O “cocktail multi-agencial” é
fundamental: é um momento determinante das políticas de segurança.
164
PAINEL VI:
ESTRATÉGIA DE
SEGURANÇA INTERNA
PAINEL VI:
ESTRATÉGIA DE
SEGURANÇA INTERNA
Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
Este é o último painel destas Jornadas de Segurança e gostaria de proferir algumas breves palavras
no sentido de explicar o sentido do painel e de apresentar os oradores, embora estes, na realidade,
dispensem apresentações.
Em primeiro lugar será apresentado, de forma sumária, mas por quem melhor o pode apresentar, o
conselheiro Mário Mendes, Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, o Relatório Anual de
Segurança Interna (RASI) de 2009.
A elaboração do RASI segue um processo conhecido. O projecto de relatório é preparado pelo Gabinete do Secretário-Geral de Segurança Interna. Depois é submetido, para apreciação, ao Conselho
Superior de Segurança Interna, que como se sabe, é presidido pelo primeiro-ministro e conta com a
participação de vários ministros e dos responsáveis máximos dos serviços e forças de segurança. Finalmente, é aprovado pelo Conselho de Ministros. No caso concreto, este relatório foi apresentado ao
Conselho Superior de Segurança Interna na passada quarta-feira e aprovado em Conselho de Ministros
na quinta-feira seguinte.
Em termos de divulgação pública, e para evitar algumas confusões que são correntes, gostaria
de deixar aqui esclarecido o seguinte: após a apreciação do RASI pelo Conselho Superior de Segurança Interna, foi feita uma conferência de imprensa, na qual participámos – o secretário-geral de
Segurança Interna e eu próprio – e na qual demos conta dos números essenciais desse relatório,
daqueles que suscitam sempre maior curiosidade pública, respeitantes à criminalidade geral e à
criminalidade violenta e grave. Foi então que, pela primeira vez, dissemos que a criminalidade geral
teve um decréscimo de 1,2% em 2009 e que a criminalidade violenta e grave conheceu, igualmente,
um decréscimo de 0,6%.
Este anúncio, convém sabê-lo, não teve nada de extemporâneo, porque o Conselho de Ministros não
corrige dados estatísticos: pronuncia-se, isso sim, sobre o sentido e o conteúdo do relatório. Os números
constantes do relatório são consolidados através de um processo que envolve as forças e os serviços de
segurança, a Direcção-Geral da Política de Justiça e o Gabinete do Secretário-Geral de Segurança Interna. A partir daí, desse trabalho de apuramento, os dados ficam intocados. O que é apreciado é o relatório
presente ao Conselho Superior de Segurança Interna e depois ao Conselho de Ministros, que tem de ser
aprovado porque se trata de um documento político, que é apresentado pelo Governo à Assembleia da
República.
Em termos de divulgação pública, o RASI de 2009 foi divulgado, como sempre sucede, simultaneamente perante o público em geral, através do sítio na Internet do Ministério da Administração Interna
e do Governo, e perante a Assembleia da República. E assim deve suceder porque a discussão perante a
Assembleia da República não é uma discussão fechada, reservada, é uma discussão que queremos que
seja o mais participada possível.
Há um segundo aspecto que importa referir. O relatório é fiável, os números apresentados são fiáveis. Como é sabido, os dados estatísticos apresentados são exclusivamente os dados fornecidos pelos
serviços e forças de segurança, que são centralizados pela Direcção-Geral da Política de Justiça e depois
enviados ao Gabinete do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna. Ou seja, em linguagem
corrente, não são dados do Ministério da Administração Interna, mas centralizados pelo Ministério
da Justiça, e que têm em linha de conta participações das forças e serviços de segurança. Portanto, são
efectivamente credíveis, nesta exacta medida.
169
O RASI de 2009 constitui um significativo progresso em relação a relatórios anteriores, e queria, desde já, deixar a minha saudação e felicitação ao senhor secretário-geral do Sistema de Segurança Interna,
conselheiro Mário Mendes.
Ano após ano (eu acompanho esta matéria há cerca de 12 anos) tem havido esforços no sentido de
melhorar o relatório. Este ainda comporta algumas fragilidades, que resultam de ser feito, em certo
sentido, “a várias mãos”, por receber contributos muito diferenciados de serviços e forças de segurança,
da Protecção Civil e da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária. Mas a nossa pretensão é torná-lo
num documento cada vez mais simples, bem sistematizado, de fácil leitura, mas rigoroso.
Creio que este ano, a partir de um trabalho que foi desenvolvido no Gabinete do Secretário-Geral, se
conseguiu dar um conjunto de passos decisivos nesse sentido. O relatório é menos extenso, o que é positivo, é mais fácil de ler, está melhor sistematizado, a sua linguagem é mais clara e uniformizada. Creio
que se deu um passo decisivo e vamos continuar nesse caminho, pois, precisamente, junto ao Gabinete
do Secretário-Geral funciona um grupo de trabalho que está a melhorar o relatório, no plano estatístico
e no plano da linguagem.
Também importa dizer que o relatório tem algumas dificuldades, que estamos a tentar ultrapassar,
e que se relacionam com o seu objecto. Os dados estatísticos recolhidos baseiam-se nos tipos legais de
crimes e não em categorias da criminologia ou da psicologia criminal. Esta circunstância leva, por vezes,
à dificuldade de conhecimento de certas realidades.
Uma última palavra em relação ao conteúdo do relatório. Como já foi referido repetidamente, em
2009 registou-se uma redução 1,2% da criminalidade geral relativamente a 2008 e de 0,6% no que respeita à criminalidade violenta e grave. É importante salientar que se trata aqui dos crimes mais violentos
e graves. A diminuição refere-se, por exemplo, a homicídios.
Há outro aspecto também muito importante a considerar, que é referido ano após ano: há crimes cujo
registo estatístico aumenta devido a fenómenos de proactividade policial. O crime de violência doméstica percorreu nos últimos anos um caminho que é publicamente conhecido: desde há alguns anos que
é um crime público e, para além disso, é um crime em relação ao qual foram desenvolvidos programas
policiais específicos. Por exemplo, qualquer pessoa que hoje visite uma esquadra da PSP ou um posto
da GNR em Portugal verifica que há uma sala de apoio à vítima, que é, em grande medida, dedicada ao
atendimento da violência doméstica.
Existe uma política de proximidade muito efectiva em relação às vítimas de violência doméstica.
Portanto, em si mesmo, o aumento de participações relativas à violência doméstica não é necessariamente negativo, prova que existe legalmente, e em termos de acção de polícia, uma maior protecção
dessas vítimas.
E embora não se possa dizer exactamente o mesmo em relação a esse fenómeno, algo de semelhante
se pode verificar em relação à violação. Aumentou, no domínio da criminalidade violenta e grave, o número de crimes de violação, de 2008 para 2009, mas não se esqueçam que a violação é um dos crimes
que possui as “cifras negras” mais elevadas. Os números de participações de crimes de violação dependem muito da vontade, da iniciativa, da confiança que, quem é violado, tem no sistema jurídico e no
sistema formal de justiça.
Portanto, os dados não nos permitem considerar que todo o trabalho já está feito, mas dão-nos uma esperança, porque invertem um ciclo de crescimento da criminalidade geral desde 2006. Pela primeira vez
há uma descida. Esta descida não é uniforme, não abrange todos os distritos. Há distritos em que desceu,
outros em que não. Mas o que interessa é a tendência geral, havendo a destacar que em algumas zonas de
maior concentração de criminalidade houve descida, e a tendência é aquilo que dá a chave da resposta.
Por último, o desafio que temos à nossa frente é difícil mas aliciante, envolve todos, e consiste em
transformar os dados deste ano numa tendência, num contra-ciclo. Se realmente nos últimos anos a
criminalidade tinha subido sempre, se em 2009 houve dados que denotam uma descida, o desafio do
Governo e da Administração Interna é manter a tendência de decréscimo da criminalidade para os
anos vindouros.
Passaria a palavra ao senhor conselheiro Mário Mendes. O conselheiro Mário Mendes exerce, actualmente, o cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna. Foi director-nacional da Polícia
Judiciária, director do Centro de Estudos Judiciários, alto-funcionário de Portugal na União Europeia e
170
juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça até há pouco tempo. Trata-se de uma pessoa que associa vastíssimos conhecimentos jurídicos a uma experiência efectiva e constante no domínio do sistema
de segurança, os quais têm beneficiado o trabalho que tem desenvolvido.
Quero frisar que este novo cargo é da maior utilidade para o Sistema de Segurança Interna. De acordo com a reforma da Segurança Interna, o secretário-geral de Segurança Interna tem hoje poder de
coordenação, mas também de direcção, de controle e, em situações excepcionais, até de comando operacional do sistema de segurança. A importância dessa coordenação, resultou, também, da exposição
do professor Amadeu Recasens I Brunet, pois existe hoje uma complexidade no sistema que obriga a
melhorar os níveis de coordenação. A fase das grandes e simples narrativas deu lugar ao chamado pósmodernismo, a uma certa pulverização, que também abrange o sistema de segurança.
E, portanto, é cada vez mais importante haver uma boa coordenação do sistema, e este novo cargo tem
um sentido indispensável nos tempos modernos nos sistemas de segurança. E se quisermos comproválo empiricamente, direi o seguinte: desde que o senhor conselheiro Mário Mendes exerce o cargo, já
várias concretizações foram atingidas, graças ao seu empenhamento. Foram criadas equipas conjuntas
de prevenção da criminalidade, que são essenciais na prevenção da criminalidade e, sobretudo, da criminalidade violenta e grave. Neste momento, estão a funcionar duas em Lisboa, uma em Setúbal e agora
começam a funcionar também no Algarve. Desenvolveu-se o Sistema Integrado de Investigação Criminal, que era um projecto adiado desde 2000 e que agora está em curso, graças também ao financiamento
comunitário. No âmbito da cooperação luso-espanhola, temos uma equipa conjunta para prevenção do
terrorismo e da criminalidade, com dois subgrupos a funcionar. Enfim, são apenas alguns exemplos,
mas concludentes, da utilidade da criação de um secretário-geral de Segurança Interna com este novo
desenho e esta nova geometria legal.
171
UMA REFLEXÃO
SOBRE O RASI 2009
Mário Mendes, Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna
O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente ao ano de 2009 obedeceu, na sua formulação,
tal como antes tínhamos anunciado, a novos critérios, através dos quais se pretendeu um documento
mais sintético, de mais fácil leitura e com mais e melhor qualidade de análise.
Sem pretensões de aproximação aos sempre inatingíveis patamares da perfeição, admitimos, porém, que se deu um importante e significativo salto qualitativo, tanto sob o ponto de vista da estrutura,
como do seu conteúdo.
A minha intervenção nestas jornadas não irá, estejam tranquilos, percorrer todo o âmbito do relatório limitando-se, por natural respeito para com todos os presentes, à transmissão das conclusões a que
cheguei após uma breve e primeira análise da integralidade dos dados relativos à criminalidade. Dados
que, convém sublinhar, foram fornecidos exactamente pela mesma fonte habitual (Direcção-Geral da
Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça) que os tratou com observância dos mesmos critérios de notação dos anos anteriores.
Terei fundamentalmente presente, nesta intervenção, que o RASI é na sua essencialidade um documento de natureza técnica, reflectindo dados, factos e tendências e não (mais) um argumento para
o debate político.
Numa primeira e imediata constatação, a criminalidade geral participada no ano de 2009 baixou
1,2% relativamente ao ano anterior. Esta descida, só possível pelo elevado empenho, dedicação e competência das mulheres e homens que integram as forças e serviços de segurança, ainda que ténue na frieza
escassa dos números absolutos, tem o importante significado de constituir a inversão de uma tendência
de subida que se vinha registando desde 2006.
Torna-se importante sublinhar o significado extremamente positivo da descida da criminalidade nos
distritos de Lisboa (-1,9%), de Setúbal (-7,6%) e de Aveiro (-6,1%), mostrando-se igualmente importante
realçar uma estabilização do índice de criminalidade no distrito de Faro, constatação objectiva que contraria o sistematicamente publicitado sentimento de insegurança que se diz sentir-se no Algarve.
Mantendo-nos na análise da criminalidade geral verificamos que a mesma mantém o paradigma quer
no tocante ao ranking das tipologias criminais mais participadas (peso significativo da pequena criminalidade contra o património, especialmente do crime de furto em veículo motorizado) quer no tocante
à distribuição geográfica dos crimes (apenas 3 distritos – Lisboa, Setúbal e Faro – mantêm um ratio de
mais de 40 crimes por mil habitantes, enquanto toda a faixa interior do país continua a apresentar um
ratio inferior a 30 crimes por mil habitantes1).
Reveste importante significado a redução em 12,2% do número de furtos em residências, percentagem que em termos objectivos se traduz numa redução superior a 3000 crimes. Esta redução deve-se
fundamentalmente ao trabalho exaustivo das forças de segurança no desmantelamento de algumas redes criminosas transnacionais que actuavam por todo o país. Releva a circunstância de este ilícito penal
constituir para as vítimas não só um significativo dano económico, como também uma invasão do seu
espaço privado, geradora da criação de forte clima de insegurança.
Ainda no tocante à criminalidade geral e às tipologias criminais mais participadas, constata-se a
subida inusitada e desproporcionada dos crimes de incêndio/fogo posto florestal (+60,9%) e de falsificação e passagem de moeda falsa (+23,2%). Admitimos que as razões para algumas destas subidas
1 1 O ratio médio na EU situa-se em 69,1%.
173
possam estar relacionadas com processos de notação estatísticas menos correctos, podendo não traduzir situações de efectivos ilícitos criminais2.
De referir, ainda, a existência de um ligeiro acréscimo das participações criminais associadas à proactividade policial (condução sem habilitação legal e condução com taxa de alcoolemia igual ou superior
a 1,2 g\l; detenção ou tráfico de armas proibidas, desobediência, resistência e coação sobre funcionário,
etc.) constatando-se que o número de registos deste tipo de ocorrências corresponde a cerca de 12,6%
da criminalidade total.
Ao nível dos crimes contra as pessoas, merece particular atenção o aumento, em 10%, das participações relativas a situações de violência doméstica. Constituindo este acréscimo uma preocupação a ter
em conta, quer do ponto de vista da intervenção social quer da prevenção criminal, revela o mesmo um
aumento da consciência de cidadania das vítimas e das autoridades, a qual, em si mesma, pode contribuir para uma melhoria das estratégias de intervenção neste domínio.
Passando aos números relativos à criminalidade violenta e grave3, a mesma frieza objectiva dos números mostra a igualmente ténue descida de 0,6%. Pouca coisa, dirão as consciências críticas permanentemente insatisfeitas; relevante, dirão os que mantenham a racionalidade de análise. Relevante porque significa igualmente uma inversão de tendência; relevante porque objectivamente se contraria o
“incessante ruído” que foi sendo espalhado sobre um aumento do crime violento e grave.
Para além de tudo isto, façam as análises que fizerem dos números constantes do relatório, utilizem
os argumentos que utilizarem, uma verdade permanece – a criminalidade violenta e grave baixou e o
seu peso relativo na criminalidade total representa apenas 5,8% do total de crimes4.
Não deixa, no entanto, de ser perceptível e de constituir motivo de preocupação a alteração qualitativa da criminalidade traduzida na frequente utilização (posse) de armas de fogo e no aumento desproporcionado da carga de violência, felizmente nem sempre física, colocada na prática do crime, circunstância que amplifica a visibilidade e o impacto mediático das actuações criminais, contribuindo para um
crescente sentimento de insegurança, nem sempre sustentado em bases racionais.
2 No caso do fogo posto florestal, que apresenta uma subida inusitada no mês de Março verificou-se trem sido notados como crimes
numerosas situações de queimadas realizadas por pastores, sobretudo na região do Gerês.
3 Refira-se que estes números não acrescem aos da criminalidade geral dado que antes os integram.
4 O máximo de peso relativo da criminalidade violenta e grave na criminalidade total foi de 6,27% e foi registado em 2006.
174
PORTUGAL SEGURO:
A ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA
PARA PORTUGAL EM 2010
Paulo Machado, Director-geral da Administração Interna
Portugal tem hoje um quadro estável de princípios e orientações estratégicas no domínio da segurança
interna que, em condições normais, garante a todos quantos aqui residem ou a este país se deslocam
condições de paz e tranquilidade públicas. Entendo por condições normais aquelas que caracterizam
a esmagadora maioria das pessoas na esmagadora maioria do seu tempo de vida (ou de qualquer outro
período que se queira considerar).
Esta afirmação não pretende escamotear uma só ocorrência criminal, por menos grave que ela possa
ser, nem denegar a existência de problemas, alguns muito sensíveis, no domínio da insegurança real e
subjectiva de algumas populações. Aliás, as Grandes Opções do Plano para o ano de 2010 continuam,
e bem, a eleger como primeira prioridade estratégica da segurança interna a prevenção, combate e
repressão do crime, com especial ênfase para a criminalidade violenta, grave e organizada, causadora
de maior alarme social.
A primeira afirmação pretende, apenas, reforçar a convicção de que a estabilidade em termos estratégicos torna, como agora vimos e ao longo destas jornadas se testemunhou, os resultados operacionais
obtidos como algo muito encorajador para se prosseguir, no curto, médio e longo prazos o objectivo de
sucesso de uma política pública de segurança pensada para os cidadãos e as suas necessidades. A estabilidade torna viável o planeamento das necessidades, e estas exigem visão estratégica.
Começo esta intervenção com o balanço da estratégia Portugal Seguro 2009 e reconhecendo que há
sempre dois caminhos possíveis para seriar uma política pública: um mais curto, mas sem memória, que
consiste (para usar uma metáfora) numa mera avaliação contabilística, de deve e haver, entre o investimento e o retorno imediato, não cuidando de aferir se o valor dos activos poderá vir a revelar-se decisivo
em exercícios futuros. Esta maneira de atalhar caminho é bastante privilegiada por certas formas de
comunicação e corresponde, em larga medida e lamentavelmente, ao espírito dos tempos que vivemos.
O outro caminho é mais longo, mais exigente, porque não prescinde da consideração sobre a inerência sistémica das políticas e tende a considerar a avaliação anual como um exercício auxiliar, sempre
muito contingente, para a compreensão do potencial transformador das políticas públicas.
Um exemplo apenas: se não tivéssemos presente o efeito diferido no tempo da política que apostou
na criação das salas de apoio às vítimas de violência doméstica, provavelmente não entenderíamos hoje
o acréscimo de visibilidade que concedemos a esse crime em Portugal. Outros exemplos que aqui poderiam ser mencionados levar-nos-iam a uma mesma conclusão: a proactividade policial considerada em
cada momento é, em larga medida, uma resultante diferida de investimentos pretéritos.
Neste sentido, um balanço deve sempre atender ao ponto de partida. Cabe saber de onde vimos, que
caminho trilhamos, que orientações políticas suportam as acções empreendidas.
175
FIGURA 1: GRANDES ORIENTAÇÕES POLÍTICAS TRANSVERSAIS
Reforma,
Intensificação
expansão
da segurança
do sistema
de segurança
interna e aumento
da eficácia da
Diversificação
Intensificação
+
comunitária
e aprofundamento
da capacidade
do controlo
+
do policiamento
de proximidade
de fronteiras
e da cooperação
internacional
+
de resposta
do sistema
=
Mais segurança
de protecção civil
e socorro
resposta policial
No caso em apreço, as orientações políticas no domínio da segurança interna mantêm-se estáveis e
são razoavelmente consensuais (ver Figura 1): reformar o sistema de segurança interna e fazê-lo expandir, intensificar um modelo de actuação que favorece a proximidade e identifica a segurança comunitária como um importante desígnio e intensificar a cooperação internacional, entendendo-a como factor
estratégico incontornável. Deve notar-se que na reforma e expansão do sistema de segurança interna se
inclui, muito naturalmente, e entre outras acções, a execução da programação de instalações e equipamentos das forças de segurança e as medidas legislativas adoptadas para o seu aperfeiçoamento.
Para 2009 o Governo havia definido um conjunto de 15 medidas para operacionalizar estas quatro
grandes orientações políticas transversais (cf. Figura 2). Com o trabalho realizado, de que se dá público
testemunho e amplo detalhe descritivo no RASI, percebem-se os passos importantes na consolidação
dos pilares do sistema de segurança interna: aprimoramento legislativo, reforço de meios, expansão da
capacidade existente, empoderamento tecnológico e implicação de parceiros, mobilizando vontades
para o esforço de disponibilizar segurança, garantir a tranquilidade das populações e respeitar a lei.
Como referi, no Relatório Anual agora entregue é possível encontrar para cada uma destas 15 medidas a respectiva descrição do que foi feito, de como foram concretizadas e com que grau de completude.
O saldo é francamente positivo.
FIGURA 2: BALANÇO DE 2009
1. Reforço e rejuvenescimento do efectivo policial
2. Valorização dos recursos humanos
3. Investimento em infra-estruturas de segurança e protecção civil
4. Modernização de equipamentos de segurança e protecção civil
5. Recurso às novas tecnologias
6. Desenvolvimento do policiamento de proximidade
7. Estabelecimento de parcerias com as autarquias
8. Consolidação da reforma da Segurança Interna
9. Constituição de equipas conjuntas de combate ao crime
10. Criação da Rede Nacional de Prevenção da Criminalidade
11. Reforço do controlo fronteiriço
12. Combate à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas
13. Aprovação da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária
14. Aprovação da Directiva Operacional Permanente Multirriscos
15. Expansão das Bases de Meios Aéreos do MAI
Relativamente à estratégia para o ano de 2010, também já vertida em capítulo autónomo deste Relatório
Anual de Segurança Interna, nela se reconhece, uma vez mais, a estabilidade das orientações políticas.
A apresentação anual de uma estratégia actualizada, que compreenda novas medidas e a actualização
das anteriores, não significa a revogação da estratégia anterior. Pelo contrário. Trata-se de uma actualização, sempre aconselhável, com vista a optimizar os instrumentos ao dispor do Estado no combate aos
fenómenos da criminalidade, também eles em permanente evolução e, em geral, a melhorar a resposta
pública a quaisquer ameaças à segurança, incluindo aos riscos múltiplos no âmbito da segurança rodo176
viária e da protecção civil. Houve, de novo, a preocupação de levar em linha de conta a envolvente social
a que se destinam as orientações e as medidas que as concretizam.
Cuidou-se, também, de clarificar os princípios gerais orientadores da estratégia nacional de prevenção e combate à criminalidade (ver Figura 3). Ontem e hoje, nesta mesma sala, ouvimos testemunhos
que demonstram a importância destes princípios. Cada um deles merece séria reflexão e densificação
conceptual. Temos que ter consciência que os princípios sem uma reforçada capacidade de acção de
pouco valem. Mas também temos que perceber que numa sociedade apoiada pelo edifício da legalidade
e pelo primado das instituições democráticas, as acções sem princípios contrariariam a ideia de política
pública e o sentido de governação.
FIGURA 3: PRINCÍPIOS GERAIS ORIENTADORES DA ESTRATÉGIA
NACIONAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À CRIMINALIDADE
Segurança
Cooperação internacional
Coordenação e economia de meios
Legalidade e respeito pelos direitos humanos
Centralização, estratégica e acção local
Multidisciplinaridade e interdependência
Sustentabilidade
Desenvolvimento socioeconómico e inclusão
Complementariedade
Envolvimento da comunidade e da sociedade civil
As orientações e prioridades para 2010 são igualmente claras (ver Figura 4). O Governo não se exime
às suas responsabilidades de manter um esforço de consolidação do sistema de segurança interna e de
lhe proporcionar condições para a obtenção de ganhos de eficiência e eficácia.
FIGURA 4: ORIENTAÇÕES E PRIORIDADES POLÍTICAS PARA 2010
Aumentar a eficácia na luta contra a criminalidade violenta e grave através do reforço do dispositivo
Aprofundar a articulação entre as actividades operacionais de ordem pública, de prevenção
e de investigação criminal
Reforçar a presença, a visibilidade e a intervenção das forças de segurança
Melhorar a segurança comunitária continuando a apostar nos contratos locais de segurança
Dinamizar a utilização de novas tecnologias e consolidar o Plano Tecnológico do MAI
Prosseguir a visão humanista em matéria de imigração e reforçar a aplicação da tecnologia
de combate à ilicitude transfronteiriça
Aprofundar a cooperação internacional
Continuar a apostar fortemente numa visão integrada da segurança interna
Pela terceira vez consecutiva, o Ministério da Administração Interna assume um compromisso estratégico plasmado em orientações políticas que visam criar as condições para um Portugal mais seguro,
mais coeso e mais bem preparado para enfrentar os riscos com que as sociedades livres se vêem confrontadas (ver Figura 5 a 14).
177
FIGURA 5: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M1
_ Melhorar a actividade operacional das Forças de Segurança
Acções
_ Reforçar o efectivo policial e a qualificação
dos profissionais das forças de segurança;
_ Reforçar a presença e a visibilidade
da acção policial.
FIGURA 6: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M2
_ Reforçar o policiamento de proximidade e aprofundar a segurança comunitária
Acções
_ Melhorar os programas de policiamento
_ Introduzir os diagnósticos locais de segurança
de proximidade e promover a reflexão
e reforçar a celebração dos contratos locais
sobre os modelos e práticas existentes
de segurança
FIGURA 7: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M3
_ Melhorar as instalações e modernizar os equipamentos das forças de segurança
Acções
_ Reforçar e qualificar o parque de edifícios
das forças de segurança
_ Reforçar e melhorar os meios materiais
e tecnológicos
FIGURA 8: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M4
_ Recorrer às novas tecnologias que garantem a promoção da segurança dos cidadãos
Acções
_ Incrementar projectos plurianuais, transversais
e de grande interacção com o cidadão
_ Alargar o Plano Nacional de Videovigilância
_ Preparar uma nova geração de profissionais
das FSS para a utilização das novas tecnologias
_ Desenvolver programas especiais apoiados
em geo-referenciação
FIGURA 9: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M5
_ Gestão integrada de fronteiras ao serviço da segurança pública
Acções
_ Reforçar o combate à imigração ilegal
e ao tráfico de seres humanos
_ Promover um melhor acolhimento e integração
dos imigrantes na sociedade portuguesa
178
_ Inovar tecnologicamente para reforçar
o controlo das fronteiras
FIGURA 10: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M6
_ Aprofundar a articulação entre as forças e serviços de segurança e outros serviços
ou entidades públicas ou privadas
Acções
_ Desenvolvimento de parcerias estratégicas
_ Desenvolver um cluster de I&D no domínio
da segurança, contribuindo para reforçar
a capacidade endógena nacional
FIGURA 11: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M7
_ Apostar na Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (EUCPN) e desenvolver
a Rede Nacional de Prevenção da Criminalidade
Acções
_ Intensificação das acções de cooperação
_ Desenvolvimento de projectos conjuntos
com a EUCPN
FIGURA 12: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M8
_ Aprofundar a cooperação internacional
Acções
_ Manter o elevado esforço de cooperação
no quadro da União Europeia
_ Alargar a expressão da cooperação
no âmbito da CPLP
FIGURA 13: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M9
_ Consolidar a segurança rodoviária como dimensão positiva da mudança social
Acções
_ Prosseguir a Estratégia Nacional
de Segurança Rodoviária 2008-2015
_ Dar um novo impulso de prevenção apoiado
em novas parcerias e em novas metodologias
e procedimentos
FIGURA 14: MEDIDAS E ACÇÕES PRECONIZADAS PARA 2010
M10
_ Garantir uma qualidade acrescida à protecção civil e ao socorro das populações
Acções
_ Mais e melhores respostas no domínio
_ Fortalecimento do sistema nacional de protecção
do planeamento estratégico da protecção
civil com mais formação e mais recursos
civil e do socorro
materiais e táctico-operacionais
A continuidade dos objectivos, como já referi, decorre do facto do ambiente externo não ter sofrido
alterações significativas de tal modo relevantes que suscitassem uma reorientação de fundo. Por outro
lado, internamente não se reconhece existirem sinais que configurem um quadro de referência diferente daquele que sugeriu esta estrutura de objectivos estratégicos. Há, isso sim, e como revelam os dados
179
da criminalidade reportados a 2009, resultados encorajadores que permitem perceber que é este o caminho, mas também persistências menos positivas que aconselham a reforçar os esforços no combate a
formas específicas de criminalidade.
Há, agora, que proceder a uma rigorosa calendarização e afinação no calendário das medidas e acções preconizadas para 2010. Com efeito, cada uma das medidas desdobra-se num conjunto de acções,
que por sua vez se concretizam em projectos e iniciativas próprias.
Do que estamos a falar é de um edifício complexo, mas cuja matriz deve ser de fácil entendimento
para os cidadãos. Esse edifício alojará o que de concreto se está e continuará a produzir para a segurança
de cada um de nós. São milhares de acções, promovidas por todas as Forças e Serviços de Segurança,
por todas as Direcções-Gerais deste Ministério, pelas Autoridades Nacionais, da Protecção Civil e da
Segurança Rodoviária. Manifestamente, o desdobramento desta estratégia até ao nível dos projectos e
iniciativas seria virtualmente impossível.
Se me permitem uma só particularização, no que à Direcção-Geral de Administração Interna respeita, a apresentação das grandes linhas programáticas da estratégia não poderia descer à identificação de um dos mais emblemáticos trabalhos que a DGAI está a concretizar neste ano de 2010: o
estudo prospectivo sobre as grandes mudanças sociais e territoriais que se poderão projectar para
os próximos 15 anos e o seu impacte para o sistema de segurança interna português. Tanto quanto é
do meu conhecimento, trata-se de um estudo inédito, realizado em parceria com uma universidade e
com outras duas direcções-gerais, que esperamos ajude a projectar o universo das principais mudanças que teremos pela nossa frente.
A Estratégia de Segurança Interna para 2010 respeita e implicará o trabalho de muitas dezenas de
milhar de profissionais, homens e mulheres, em diferentes funções e com distintas responsabilidades,
espalhados pelo Continente e nas Regiões Autónomas, mas também muitos deles no estrangeiro, em
variadíssimas missões.
É, afinal, uma estratégia que em termos orçamentais capta 87% do total do orçamento do MAI, cujo
valor total é superior a 2 biliões de euros para 2010.
Um esforço imenso que não tem preço se pensarmos para quem se dirige e nos benefícios colectivos que encerra.
180
EM JEITO DE ENCERRAMENTO
Rui Pereira, Ministro da Administração Interna
Destas jornadas, e em termos de estratégia, resultam alguns objectivos centrais para o sistema de
segurança interna.
Em primeiro lugar, é objectivo permanente do sistema manter a paz pública. Manter a paz pública é
um objectivo em si mesmo, é um imperativo categórico em matéria de segurança interna.
Depois, reduzir a criminalidade, a começar pela criminalidade mais violenta, pois é a que põe mais
gravemente em causa os bens pessoais e patrimoniais dos cidadãos.
Em terceiro lugar, elevar o sentimento de segurança, porque a segurança subjectiva também é um bem
que permite que os cidadãos sejam mais livres e desenvolvam mais livremente a sua personalidade.
E, finalmente, aprofundar um conceito global de segurança, porque todos sabemos que hoje é importantíssimo associar a segurança pública à protecção civil e à segurança rodoviária.
Em matéria de protecção civil e rodoviária, devo dizer que, em nome da auto-estima de todos os
portugueses, nos últimos anos temos dado passos decisivos, que são passos de uma civilização. Não
são passos de um Governo, não são passos de um ministério, são passos de um povo e por isso devemos
sentir-nos orgulhosos com eles.
Em relação aos objectivos estratégicos, começaria pelas linhas de força que parecem ter resultado do
Relatório Anual de Segurança Interna.
Em primeiro lugar, continuamos a apostar no reforço do dispositivo, através de recrutamentos
sistemáticos para as forças de segurança, que foram já decididos através de um despacho conjunto.
Continuamos a desenvolver a Lei de Programação, para melhorar instalações, veículos, armas e meios
informáticos ou de comunicação.
Em segundo lugar, continuamos, como linha de força, a apostar no policiamento de proximidade. Temos de analisar bem a distribuição do dispositivo, perante as flutuações demográficas, temos de definir
bem os modelos de patrulhamento, temos que continuar a desenvolver programas especiais de policiamento de proximidade, protegendo sempre as vítimas mais indefesas, e a controlar as fontes de perigo.
Em terceiro lugar, continuamos, também, a apostar na segurança comunitária, fazendo diagnósticos
locais de segurança, continuando a celebrar contratos locais de segurança e valorizando os Gabinetes
Distritais de Segurança e os recém-criados Gabinetes Regionais de Segurança, das Regiões Autónomas
dos Açores e da Madeira.
Em quarto lugar, devemos reforçar sempre a articulação entre segurança e investigação criminal.
Nos tempos que correm, diria que esse é um objectivo inalienável. É do reforço desta ligação entre segurança pública e investigação criminal que depende, decisivamente, o nosso êxito. Não nos esqueçamos
nunca que hoje as forças e os serviços de segurança são também de uma dupla natureza, são quase todos
órgãos de polícia criminal, e, portanto, essa associação é uma associação ontológica, obrigatória.
Em quinto lugar, a aposta nas tecnologias no Sistema Nacional de Segurança Interna – o Sistema
Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), o Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da Costa Portuguesa (SIVICC) – mas também em programas como o
Programa de Videovigilância, que devemos estender a zonas particularmente carentes, e o Programa
de Geo-referenciação, que conta com essa boa novidade em relação à criminalidade. E apostar em
projectos, projectos inovadores, como o Polícia Automático, para a leitura imediata de matrículas, ou
como o Portal de Segurança, para a informação do cidadão sobre estas matérias, ou ainda com a Queixa
Automática, que é um elemento de reforço da cidadania e que permite em situações sensíveis a apresentação de queixa não presencial.
Em sexto lugar, continuamos a apostar no controlo de fronteiras. Repito, a pertença a um espaço comum, de liberdade de segurança e justiça, não permite desvalorizar, antes pelo contrário, obriga a valorizar a gestão e o controlo de fronteiras. Instrumentos como o passaporte electrónico português, como
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o cartão de cidadão estrangeiro, como o sistema de Reconhecimento Automático de Passageiros Identificados Documentalmente (RAPID), ou como o Sistema Móvel de Identificação Local de Estrangeiros
(SMILE), são da maior importância. Mas temos de continuar a apostar neste caminho, nomeadamente
valorizando os Centros de Cooperação Policial e Aduaneira (CCPA) que temos nas nossas fronteiras
comuns com a Espanha.
Em sétimo lugar, continuar a apostar na protecção civil e na segurança rodoviária. É aqui que também se consegue, realmente, dar valor ao direito fundamental à segurança, e o passado dá-nos lições
muito importantes nesta matéria.
E em oitavo e último lugar, apostar na cooperação internacional. A pertença ao espaço europeu, a um
mundo globalizado, indica que se trata de uma frente absolutamente crucial. Instituições como a Europol, Interpol, o Sistema de Informações Schengen (SIS), a Frontex, a Eurogendfor, são instrumentos do
maior valor para, também, desenvolver a segurança em Portugal.
Estas foram as primeiras jornadas – a qualificação das jornadas como primeiras quer dizer muito
exactamente que tencionamos fazer as segundas e que tencionamos fazê-las todos os anos. Este ano, a
nossa pretensão essencial foi fazer jornadas sobre modelos de policiamento, segurança comunitária e
redução da criminalidade.
No ano que vem vamos preparar jornadas sobre políticas públicas de segurança, para reflectir sobre
a importância de políticas e decisões nacionais na segurança pública, na diminuição da criminalidade e
nos modelos de segurança comunitária. Fica aqui este desafio.
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