Uma Breve Comparação entre Línguas Élficas e Indo

Transcrição

Uma Breve Comparação entre Línguas Élficas e Indo
LIVY MARIA REAL COELHO
UMA BREVE COMPARAÇÃO ENTRE LÍNGUAS ÉLFICAS E PROTO-INDOEUROPÉIAS
CURITIBA
2006
1
LIVY MARIA REAL COELHO
UMA BREVE COMPARAÇÃO ENTRE LÍNGUAS ÉLFICAS E PROTO-INDOEUROPÉIAS
Monografia apresentada à disciplina Orientação
Monográfica II como requisito parcial à obtenção
Do bacharelado em Letras- Grego do Setor de
Ciências Humanas, Letras e artes, Univerdiade
Federal do Paraná.
Orientadora: Profa. Dra. Adelaide H. P. Silva
CURITIBA
2006
2
Acadêmicos
Adelaide, Márcio, Lígia, Théo, Jorge.
Afetivos
Vó, Larissa, Marina, Érica, Felipe.
“Num sei, num sei...” Mara e Álvaro.
Financeiros
Maricler S/A e Fundação Araucária
Tabela 0: Agradecimentos
Dedicado a cinqüentona mais linda do mundo...
3
SUMÁRIO
0. Introdução...............................................................................................01
1. Proposta..................................................................................................02
2. Justificativa..............................................................................................04
I.
História Real...........................................................................07
II.
História Ficcional.....................................................................09
3.
Metodologia............................................................................................14
4.
Aspectos Fonológicos.............................................................................15
5.
I.
Vogais............................................................................................17
II.
Oclusivas........................................................................................19
III.
Alofonia...........................................................................................24
Aspectos Morfológicos............................................................................24
I.Língua de Caso..... .......................................... ......................24
II.Marcação de Número............................................... .............26
III.Marcação de Gênero.. ............................. .............................28
IV.Artigos... .......................... .......................... ...........................29
V.Morfologia Verbal. ..................................................................29
6.
Outros Aspectos
.....................................................................................30
7.
Conclusão.. .......................... .......................... ......................................32
8.
Referências ... .......................... .......................... .................................33
4
0. INTRODUÇÃO
Talvez seja o descontentamento com o mundo que leve tantos homens a
buscarem alternativas à realidade. Alguns criam novas formas de governo e,
estando no poder, aniquilam o outro. Outros, quiçá, mais sensatos ou apenas
menos poderosos, criam fantásticos mundos literários.
Esse segundo parece ser o caso de dois jovens amigos do início do século XX:
Lewis e Tolkien. Ambos criaram realidades alternativas à nossa; curiosamente
nenhuma é perfeita, livre do mal ou se doenças.
Essa tentativa de brincar de deus também está presente em XXX de Jorge Luis
Borges. Neste conto “uma sociedad secreta y benévola (...)surgió para inventar
um país.” No entanto, acabam criando, ficcionalmente, através de verbetes
enciclopédicos, todo um mundo,m com sua geografia, línguas, História, etc.
Borges, assim como os jovens ingleses, cria um mundo com padrões e valores
bem diferentes dos nossos.
Em seu planeta, Uqbar, as pessoas não entendem a realidade como o curso
dos objetos no tempo e no espaço e sim como “uma serie heterogênea de actos
independientes. Es sucesivo, temporal, no espacial.”
Curiosa é a relação que esta visão de mundo tem com a estrutura da língua
de Uqbar. Considerando que Borges conhecia algo da hipótese Humboldt-SapirWhorh, a língua e a maneira de perceber a realidade se mesclam e se espelham:
se não há espaço, só tempo, não há a necessidade de substantivos, não há como
fazer referência a “algo que é”, porque não este algo. O que há são ações e
estados que acabam. Há verbos impessoais. Não há “Luna”, há a ação de
“lunecer” ou de “lunar”. Se há a necessidade de referência a um determinado
objeto, isto é feito através do acúmulo de adjetivos que a coisa trazia naquele
momento: “Luna” poderia ser “aéreo-claro sobre oscuro-redondo”.
Essa empreitada de Borges levada às últimas conseqüências poderia
resultar num trabalho como o de Tolkien: a criação não só de uma língua, mas de
toda uma família lingüística, a criação não só de um mundo ficcional, mas de toda
a sua história e mitologia.
5
Enquanto no conto de Borges o planeta foi criado para “demostrar al Dios
no existente que los hombres mortales son capaces de concebir um mundo”,
Tolkien, muito religioso, criou um mundo onde línguas extremamente belas
pudessem ser faladas. Para ele, o interessante era criar estruturas lingüísticas
harmoniosas e a partir disso, um mundo onde estas criações existiriam.1
Não só pela extensão mas por sua complexidade, este mundo tolkieniano
merece ser visto, afinal à pergunta “PONTO VIRADO Quiénes inventaram a Tlön?
El plural es inevitable, porque lá hipótesis de un solo inventor – de un infinito
Leibniz obrando en la tiniebla y en la modestia- ha sido descartada
unánimamente.” Poderia ser respondida como nome do criador de “O Senhor dos
Anéis”.
1. PROPOSTA
O presente trabalho busca uma comparação entre línguas élficas e línguas
naturais. Por línguas élficas entende-se o conjunto de idiomas criado por John
Ronald Reuel Tolkien (1892 –1973) que serve de linguagem para os elfos de sua
literatura. Elfos são criaturas da mitologia européia (germânica, nórdica e celta)
que aparecem com diferentes traços em cada uma das narrativas que habitam. Na
obra de Tolkien os elfos são criação de Illúvatar, que os fez para serem a raça
mais bela e sábia do mundo. Eram imortais, mas não eternos, podendo ser mortos
através do ‘aço de guerra’, do fogo, de uma grande tristeza ou assassinados,
porém não conheciam a velhice e as doenças. A estrutura de um elfo é
semelhante à dos homens; são, no entanto, mais fortes de ‘membros e espírito’.
Outro nome para elfos é Quendi, os "que falam com vozes". Era assim que os
1
Curiosamente, Tolkien rompe com o mundo real na criação deste universo, como a
sociedadesecreta ao criar Uqban, a terra média de Tolkien e o planeta de Borges são universos
desligados da nossa realidade. Lewis, no entanto, nunca se afasta totalmente deste mundo:Alice
vive no mundo real e tomas pastilhas para poder conhecer o fantástico; os irmãos Penvensie
entram em um guarda-roupas mágico para conhecer Nárnia.
6
elfos se auto-entitulavam, pois teriam ensinado a fala às demais raças na Terramédia.
Tolkien, o autor da famosa trilogia “O Senhor dos anéis”, foi um importante
filólogo para seu século e deu aulas de Inglês Médio em Oxford. Criou como
passatempo, uma família de línguas de acordo com suas preferências pessoais
relativas, por exemplo, à sonoridade ou à estrutura sintática. O autor acreditava
que as língua deveriam ser “belas” e seu critério de beleza era seu próprio gosto.
Assim, criou línguas que, para ele, soavam bem e possuíam estruturas
morfossintáticas especiais. Nota-se quais eram as preferências de Tolkien ao
adentrar no universo das línguas: é gritante o uso de nasais e liquidas e de
estruturas não canônicas como o dual.
Dentro da criação de Tolkien encontram-se 12 línguas com pelo menos algum
tipo de fragmento ou indicação de sua estrutura, das quais duas, o Quenya e o
Sindarin, são completas a ponto de se poder falar ou escrever nelas. Existem
outras línguas que Tolkien apenas nomeou, mas não chegou a desenvolvê-las.
Neste trabalho, opto por abordar especialmente o Élfico Primitivo (doravante
EP) e o Quenya. Minha escolha é baseada na estrutura da família élfica criada por
Tolkien: o EP é a hipotética língua-mãe que teria originado todas as outras, tal
qual é o Proto-Indo-Europeu (PIE) para a família das línguas proto-indo-européias,
como o grego e o latim.
Tolkien criou antes as línguas faladas no Senhor dos Anéis e a partir delas
montou o que seria sua proto-língua. O próprio filólogo asteriscava as formas do
EP, dado que, tomando a família élfica como real, o EP teria um estatuto diferente
das demais, seria não atestado.
Tolkien registrava suas línguas em diversos
artigos, mas nunca chegou a publicar um livro sobre isso. Essas referências são
hoje encontradas em reuniões publicadas por ser filho, como o Letters e o
Etymologies.
Minha outra opção, o Quenya, é explicada em razão da quantidade de
informações que temos sobre essa língua. Em Quenya, temos dados de todos os
níveis lingüísticos, diferente do EP que tem raros dados sintáticos disponíveis.
7
Ressalto aqui ainda que o Quenya não é ancestral imediato do EP, e sim é a
evolução do Eldarin Comum, esta sim, língua que surge diretamente do EP. Em
relação às línguas naturais também não trabalho com ancestrais diretos.
Compararei a evolução do EP para o Quenya com a evolução do PIE ao Grego.
Usarei aqui, na maior parte do tempo (quando não, explicitarei através de notas ou
comentários) o Grego Clássico, ou Ático, dialeto ateniense do século V a.C. Antes
do PIE se tornar Grego Clássico passou por um número incerto de estágios, como
o Jônico Antigo, o dialeto Homérico. Assim nem o Quenya é descendente direto
do EP, nem o Grego Ático do PIE. Com essa comparação preten analisar o grau
de complexidade das línguas tolkienianas e, principalmente, o quanto elas se
assemelham às naturais.
2. JUSTIFICATIVA
Tendo em vista a formação de Tolkien como filólogo e o aparente cuidado que
teve para criar suas línguas, este trabalho, como já dito, se propõe a compará-las
com línguas naturais, em especial o Grego, para não só reconhecer o mérito do
autor, como também para verificar se de fato suas invenções têm um
embasamento consistente proveniente das línguas naturais. Para Tom Shippey,
professor de literatura medieval e Inglês médio em Oxford:
"Está claro que os idiomas que Tolkien criou foram criador por, vocês sabem,
um dos mais completos filólogos de nosso tempo, de modo que deve haver então
algo de interessante neles, e eu também penso que neles está derramado muito
do seu pensamento e conhecimento profissional, (...) Freqüentemente tenho
reparado que realmente existem observações muito valiosas sobre o que Tolkien
pensava sobre a filologia real enterrada na ficção. E eu não ficaria de maneira
alguma surpresa se houvesse valiosas observações enterradas nos idiomas
inventados. então deve haver, de fato, algo que surja deles.” 2
2
Entrevista realizada durante um simpósio Arda, em Oslo, de 3-5 de abril de 1987, publicada no
jornal Angerthas, edição 31.
8
Claro que este estudo não se sustentaria se seu objetivo fosse apenas buscar
uma possível reflexão de Tolkien sobre falas reais durante o processo inventivo de
língua, como defende acima Tom Shippey3, porém talvez esse tenha sido um dos
resultados finais obtidos com essa investigação.4
Vejo na concepção de lingüística do próprio Tolkien um motivo para estudar
suas línguas: “Nenhum idioma é apenas estudado meramente como um auxílio a
outros propósitos. Ele realmente servirá melhor a outros propósitos, filológicos ou
históricos, quando for estudado por amor, por si mesmo." (The Monsters and the
Critics and other essays (1997), p189).
Da mesma forma que Tolkien, segundo seu filho Christopher (Sauron
Defeated, 1992, p440), criou idiomas sem fins específicos, acredito que um estudo
de sua criação possa ser desinteressado em um fim prático.
No entanto, essa proposta, infelizmente, não é a que sigo. Entendo que é
importante estudar essas línguas em especial por dois motivos: 1) seu papel
gigantesco na obra do próprio Tolkien (obra tão grandiosa e famosa que me
desobrigaria a justificar seu estudo); 2) a grande qualidade que as línguas élficas
aparentam ter, sobretudo se comparada a outros idiomas inventados.
Quanto à primeira, Tolkien diz “(...)o que eu penso é um 'fato' primordial sobre
o meu trabalho, que é todo da mesma espécie, e fundamentalmente lingüístico em
inspiração.(...) isso não é um 'hobby', no sentido de alguma coisa totalmente
diferente do meu próprio trabalho usado como válvula de escape. A invenção de
idiomas é a base. as 'histórias' foram feitas especialmente para fornecerem um
mundo para os idiomas, não o contrário. Para mim um nome vem primeiro e a
história sucede-o. Eu deveria ter preferido escrever em 'élfico'. Mas, claro, uma
obra como o Senhor dos Anéis tem sido editada e deixada apenas com a
quantidade de 'idioma' que eu pensei que seria agradável aos leitores. (Eu agora
descubro que muitos teriam gostado de mais). (...) Isso é para mim, de qualquer
3
4
Também professor de Inglês Antigo em Oxford e famoso estudioso de literatura inglesa medieval.
Adiante comentarei sobre isso, em especial na questão das oclusivas do PIE.
9
forma, em grande parte um ensaio em 'estética lingüística’, como eu às vezes digo
às pessoas que me perguntam sobre o que é isso tudo". (Letters, p219)
Depois de tal afirmação fica evidente que se as línguas não são sua criação
mais relevante, são, no mínimo, a origem para todas as outras. Assim, até mesmo
em busca de uma interface lingüística-literatura, a produção de Tolkien merece ser
estudada. Há5 quem acredite inclusive que a produção ‘inventiva’ de Tolkien deva
ser considerada parte se sua produção como filólogo, o que aumentaria ainda
mais o crédito dado a um estudo sobre isso. No entanto, não uso isso como
justificativa, porque entendo que, como a produção literária e as críticas de um
estudioso da literatura devam ser consideradas distintamente – embora não seja
impossível e nem irrelevante traçar paralelos entre elas – o trabalho filológico de
Tolkien e suas criações também devam ser vistas, ao menos num primeiro
momento, como estudos distintos.
Já a segunda justificativa, sobre a qualidade da criação de Tolkien, se sustenta
no olhar para outras línguas não-naturais, como o Esperanto. O Esperanto, língua
criada em 1887 por Ludwik Lejzer Zamenhof para servir como língua universal, é
extremamente simples e, por isso, distante das naturais. Claro que essa
simplicidade era objetivada por Zamenhof, filólogo e oftalmologista. Porém, essa
língua, falada, no ano 2000, por aproximadamente 1,6 milhão de pessoas, já
apresenta variações dialetais conforme a região em que é falada. Esse fato mostra
que é comum às línguas não só a complexidade, como também a irregularidade.
E disso Tolkien cuidou muito bem, suas línguas tem uma complexidade
compatível com uma língua natural e apresenta também irregularidades. "Tolkien
tentou propositalmente tornar seus idiomas ‘naturais’; em conseqüência,há alguns
verbos irregulares e similares(...).” (Fauskanger , p27). O próprio Tolkien, em
Letters, compara as línguas élficas ao Esperanto, contrastando a existência de
uma mitologia/história que embasa as suas criações, ao contrário da língua de
Zamenhof, que foi criada apenas com fins práticos.
5
Como Helge Kåre Fauskanger, Cand. filólogo. (correspondente a um mestrado) em idiomas
nórdicos, autor do Curso de Quenya.
10
Além dos pontos apresentados, penso como os lingüistas suecos do grupo
Mellonath Daeron6: "os idiomas de Tolkien já são dignos de estudo apenas pelos
seus altos valores estéticos. (...) o conhecimento desses idiomas é a chave para
uma apreciação completa da beleza da subcriação de Tolkien, seu mundo, Arda."
(Fauskanger, p17)
Acredito que para uma compreensão mais abrangente deste trabalho, seja
necessária uma abordagem sobre como Tolkien criou essas línguas e, em
especial, sobre como se deu a evolução histórica dessas línguas no mundo fictício
da Terra Média.
I. História Real
Tolkien, já quando criança, se dedicava a línguas não reais. Em seu ensaio Um
Vício Secreto, publicado em The Monsters and the Critics and other essays (1997,
p198-219), o autor conta que quando criança falava Animálico. Tal língua,
baseada na inversão dos significados das palavras, trocava nomes de coisas por
nomes de animais. Tem-se, então, o seguinte exemplo: “cachorro rouxinol picapau quarenta”; "você é um asno". Passados alguns anos, Tolkien também se
tornou falante de Nevbosh. Desta última língua, Tolkien já participou da criação de
seu vocabulário. A estrutura do Nevbosh baseava-se na mistura de palavras
distorcidas de língua inglesa, francesa e latina, e.g., “Dar fys ma vel gom co palt
'hoc pys go iskili far maino woc?”, “Havia um velho que disse 'Como/ eu posso,
quiçá, carregar minha vaca?”. Pode-se notar por esta frase a mistura de palavras
latinas, como “hoc” e alemãs “meine woc”, e sua distorção: “hoc” (este) é usado
como “como”, “meine” (meu) é transformado em “maino”.
Após essas brincadeiras juvenis, Tolkien estudou línguas clássicas e filologia,
conheceu diversas línguas, dentre elas: Latim, Grego, Galês e Finlandês. Cito
essas porque, aparentemente, são as que ele se baseou para construir suas
6
Parte dos trabalhos desse grupo de estudos sobre línguas tolkienianas pode ser encontrado em
http://www.forodrim.org/
11
línguas. Os sons do Quenya se assemelham muito aos do Finlandês, enquanto os
do Sindarin, ao do Galês. Quanto às estrutura e evolução, parece-me que ele
seguiu as línguas clássicas, até porque, muitas vezes, essas são a base de
estudo de um filólogo O próprio Tolkien diz que na família das línguas élficas, o
Quenya teria o mesmo papel que o Latim tem hoje: é uma língua antiga, morta,
mas que é preservada, muitas vezes em sinal de erudição. “O idioma arcaico de
tradição [Quenya] é tido como um tipo de ‘latim élfico’ e, ao transcrevê-lo em uma
ortografia muito parecida com a do latim (exceto pelo fato de que o y é usado
apenas como uma consoante, como o y na palavra [inglesa] Yes), a semelhança
com o latim aumentou a olhos vistos”. (Letters:176) Tolkien, então, a partir do
conhecimento desses idiomas passou a criar suas próprias línguas, tendo em vista
sempre que estas deviam soar de maneira agradável. “One thing was important to
Tolkien. Languages should be beautiful. Their sound should be pleasing.”7
No entanto foi durante a Primeira Guerra Mundial que as construções
lingüísticas de Tolkien tomaram a forma dos idiomas élficos. Em 1916, Tolkien,
numa carta à sua mulher, diz estar trabalhando em seu "absurdo idioma das fadas
- para seu aperfeiçoamento. Freqüentemente desejo trabalhar nele e não me
permito a isso, porque embora eu adore muito isto, me parece um passatempo
maluco!"
Nesta mesma época o Silmarillion8 começa a ser escrito. Para Tolkien, a
criação do Silmarillion era absolutamente necessária à criação de suas línguas, já
que tinha a idéia de língua intrinsecamente ligada à idéia de uma cultura e pátria.
“A criação de um idioma e uma mitologia são funções relacionadas”, observa
Tolkien em Um Vício Secreto. "Sua construção de um idioma irá gerar uma
mitologia". E ainda após a publicação do Senhor dos Anéis: "a invenção de
idiomas é a fundação. As 'histórias' foram criadas para fornecer um mundo para os
7
“Uma coisa era importante para Tolkien. Línguas deveriam ser bonitas. Seus sons deveriam ser
agradáveis.” In http://move.to/ardalambion
8
Este é um livro não tão conhecido, que, no entanto, serve como Gênesis da obra ficcional de
Tolkien, tento inclusive uma linguagem absurdamente parecida com a bíblica. O livro conta como
surgiu o mundo fictício extremamente complexo onde se passam as aventuras narradas.
12
idiomas e não o contrário. Para mim, um nome vem antes e a história o segue.”
(Letters, p219-220) "Ninguém acredita em mim quando digo que meu longo livro é
uma tentativa para criar um mundo no qual uma forma de idioma agradável à
minha estética pessoal pudesse parecer real, mas é verdade". ( Letters, p264.)
Tolkien então criou suas línguas e a partir delas, a gigantesca mitologia
presente em sua obra literária. O autor diz que sentia falta de uma mitologia bela
como a germânica e a greco-latina para seu país, a Inglaterra, e também por isso
sentiu necessidade de criar tais histórias. Sabemos também que seu primeiro livro,
O Hobbit, foi escrito para seus filhos, ainda sem o objetivo de servir de base para
suas línguas. “El Hobbit, que llegaría a ser uma obra famosa y fundacional, no fue
um trabajo concebido para ser publicado em forma de libro. De hecho, el
comienzo del trabajo tolkieniano se refirió espcíficamente a una forma de vida
familiar, a las lecturas que desarrolló para entretener a sus cuatro hijos. (...) Por
tanto, estaban alejados del interés mitológico mayor del autor inglés, reflejado por
ejemplo en su trabajo El Silmarillion, comenzado en los años de la Primera Guerra
Mundial, pero en realidade nunca acabado.”9
Tolkien, então depois de começar a criar seus idiomas, não parou com o que
ele não mais classificava por ‘passatempo’, mas sim por ‘exercício de estética’.
Criou em torno de 12 idiomas, e nunca deu nenhum deles por finalizado. Mesmo o
Sindarin e o Quenya, idiomas tão completos quanto um natural, receberam
mudanças até o fim da vida de Tolkien.
II. História Ficcional
Chamarei de “História Ficcional”, a mitologia criada por Tolkien para embasar
suas línguas. Veremos que até mesmo a existência de diferentes dialetos são
explicadas por Tolkien através desta ficção.
9
San Francisco in LARIOS, 2005, p20.
13
O Élfico Primitivo surgiu com os primeiros elfos criados por Ilúvatar10. Não foi a
primeira língua a ser criada na mitologia de Tolkien. É posterior ao Valarin, idioma
dos Valar11, e ao Khuzdul12, dos anões. No entanto é a primeira da família das
línguas élficas.
A partir do ÉP, tem-se o Eldarin Comum. O Eldarin Comum surgiu já no início
da Marcha a Eldar13 e uma de suas principais distinções em relação ao EP é a
perda de vogais finais breves14. A Marcha a Eldar foi o primeiro fator que criou as
diferenças entre línguas: pela primeira vez os elfos se separavam e assim a língua
de cada grupo evolui de maneira distinta.
Tendo o EP evoluído para o Eldarin Comum, este evolui para o Quenya na fala
dos elfos que chegaram a Arda. No entanto, acredita-se que por algum tempo
10
Ilúvatar: ou Eru é “O Um”, “O que é só”. É o criador de todo o universo, Ea, e do mundo onde se
passam as narrativas, Arda. É interessante notar que em alemão Erde é “terra” e é também o
nome da deusa-mãe germânica.
11
Valar: Ilúvatar concebeu os Ainur, os sagrados, um povo que vivia com ele entoando belas
canções. Quando os Ainur foram para Arda – desejando criar um mundo belo e perfeito como suas
canções - tornaram-se, de acordo com seu poder, Valar, os mais fortes, ou Maiar.
12
A criação do Khuzdul é anterior ao EP, porém o Khuzdul não foi falado antes do EP Isso se dá
porque o criador dos os anões, o Valar Aule, foi obrigado por Ilúvatar a fazer com que os anões
permanecessem dormindo até o despertar dos Primogênitos, os Elfos, raça que Ilúvatar escolheu
para ser a primeira de Arda.
13
Eldar é um refúgio, um recanto criado pelos Valar para que os elfos saíssem da escuridão e do
domínio de Melkor, um poderoso e funesto Valar. A viagem para Eldar se deu em três partes,
tendo os elfos também se dividido de acordo com o tempo de sua travessia. Se dividiram em
Vanyar, Noldor e Teleri. Cada grupo tinha um Valar protetor e passou por diferentes dificuldades
durante a viagem. Os Teleri, o último grupo que caminhou para Eldar, tiveram uma travessia tão
difícil que muitos desistiram ou se perderam. Em Eldar, os Vanyar e os Noldor viviam juntos em
sua cidade Tirion, enquanto os Teleri viviam em Alqualonde, o Porto do Cisnes.
14
Essa perda de vogais finais breves pode ser vista através do exemplo: (EP) kwene > (Eldarin
Comum) kwēn (pessoa).
14
estas línguas foram mutuamente inteligíveis (como latim e os romanços), por
guardarem ainda muitas semelhanças.
O Quenya surgiu em Arda e era a fala comum a todos a Vanyar, Noldor15 e
Valar. Logo os Valar abandonaram seu idioma, o Valarin, e passaram a usar o
Quenya também entre si. "De fato é dito que com freqüência os Valar e Maiar
podiam se ouvidos falando quenya entre eles mesmos" (The War of Jewels
(1994), p305). O Quenya também foi o primeiro idioma com registros escritos:
“Aconteceu então que os noldor foram os primeiros a quem ocorreu a idéia das
letras, e Rúmil de Tirion foi o nome do estudioso que conseguiu adequar sinais ao
registro da fala e da música(...)”16
No entanto, durante a Primeira Era, houve a Rebelião dos Noldor, a maior
parte deste clã deixou a terra dos Valar e voltou para a Terra-média. Em seu
retorno, os Noldor, falantes de Quenya, tiveram contanto com os outros elfos que
continuavam na Terra-média.
O primeiro grupo com o qual se relacionaram foi os Sindar, Teleri que haviam
desistido de ir para Eldar. Estes foram o povo que mais se desenvolveu na Terramédia e falavam Sindarin. No Sindarin muitas mudanças17 ocorreram, porém era
ainda notável seu parentesco com o Quenya, em função do seu ancestral comum:
o Eldarin Comum.
Logo, os Noldor, menos numerosos, aprenderam o Sindarin. O uso do Quenya
foi proibido entre os elfos em função de atrocidades que os Noldor tinham
cometido em sua travessia para Eldar. Assim, “(...) os Exilados [Noldor que saíram
de Eldar] adotaram o idioma sindarin em todos os seus usos correntes; e alta-fala
15
Vanyar/ Noldor: Dos elfos criados por Ilúvatar surgiram dois grupos: Eldamar e Avari. Os
primeiros deixaram a Terra-média em busca do Eldar. Os Vanyar foi o primeiro grupo dentro os
Eldamar a buscar Eldar.
16
Silmarillion, 68.
17
Veremos o Quenya mais adiante, mas as maiores diferenças estavam na morfologia – o Sindarin
já não usava mais o sistema de casos – e na fonologia – o Quenya tinha um alto uso de vogais,
enquanto o Sindarin usava oclusivas sonoras em grande quantidade.
15
do oeste [o Quenya] era usada apenas pelos senhores dos noldor entre si. Ela
sobreviveu, porém, para sempre como a língua de tradição, não importa onde
morasse qualquer indivíduo daquele povo" (Silmarillion, p159)
O Quenya, então, passou por pouquíssimas transformações visto que a
língua não era usada no dia-a-dia. No entanto, ainda é possível notar algumas
diferenças, como a perda de casos, entre o Quenya usado em Eldar e o Quenya
usado na Terra-média na 3a Era.
Ainda permaneceu o fato de que "o quenya não era uma língua falada em
Númenor. Era conhecido apenas dos eruditos e das famílias de alta linhagem, a
quem se ensinava no início da adolescência. Era usado em documentos oficiais
destinados a serem preservados, tais como as Leis, e no Pergaminho e nos Anais
dos Reis (...), e freqüentemente em obras de tradição mais recônditas. Também
se usava largamente na nomenclatura: os nomes oficiais de todos os lugares,
regiões e acidentes geográficos da terra tinham forma Quenya (se bem que
tinham também nomes locais, geralmente com o mesmo significado, em sindarin
ou adûnaico). Os nomes pessoais, e especialmente os nomes oficiais e públicos,
de todos os membros da casa real, e da Linhagem de Elros18 em geral, eram
dados em forma quenya" (Complete History (1992): 471
18
Homens que viviam em Númenor. Esta ilha foi um presente dos Valar aos homens que se
mantiveram fiéis a eles durante os conflitos da Primeira Era.
16
Segue abaixo uma estrutura que representaria as mais representativas
línguas de Tolkien:
Valarin
Élfico Primitivo
Sindarin
Antigo
Telerin
Eldarin comum
Nandorin
Antigo
Quenya
K
Avarin
E
Taliska
17
Doriathrin
Sindarin
Orkish
Nandorin
Aduânico
3. METODOLOGIA
Então, para comparar estas línguas, defini determinados materiais para
embasar as informações estruturais de cada língua. Isso porque, em especial,
quanto ao EP e ao PIE, muitas das informações que temos são contraditórias.
Pelo fato do EP ser uma língua hipotética, as teorias concorrentes discordam
em determinados pontos de sua gramática (como, por exemplo, a questão das
vogais proto-indo-européias). Aqui adotamos a leitura de Calvert Watkins (2002).
Watkins apresenta uma estrutura para a língua que não é a mais tradicional e
aborda também algumas questões como a hipótese glotálica, mesmo que faça
isso de forma mais rápida e concisa. Não entramos na questão da formação do
PIE neste trabalho também para fugir das várias hipóteses que há, como a da
árvore genealógica ou a Wellentheorie19 Assim, tomamos como base a
reconstrução de Calvert Watkins (2001).
Para dar tratamento às línguas élficas, usei o material que Fauskanger, autor
do curso básico de Quenya (2004), disponibiliza na internet e o próprio curso
básico traduzido para o português. Não pude cotejar seus apontamentos com
todas as obras de Tolkien (em especial com o Etymologies e o Letters, que não
são de fácil acesso para brasileiros20) e muitas vezes discordo de seu tratamento
dado às línguas. Apontarei no corpo do texto, quando discordar do autor.
O trabalho iniciou-se com a leitura dos textos de Fauskanger e um
levantamento de traços relacionáveis com a gramática do Grego. Após algumas
leituras, inclui no estudo o PIE, em razão da posição ocupada pelo EP dentro da
família élfica. Então as hipóteses de comparação passaram a abranger também o
PIE e a evolução que gerou o Grego.
19
Teoria das ondas, J. Schmidt (1987) in Villar.
20
O Letters foi traduzido este ano para o português, no entanto, quando foi publicado já não havia
mais tempo para que eu pudesse comparar as informações de Fauskanger com a fonte.
18
4. ASPECTOS FONOLÓGICOS
Antes de iniciar qualquer tipo de investigação fonológica específica, acho
relevante apontar os sistemas das línguas com as quais trabalharemos.
PIE21
EP
Grego
Quenya
[a]
[a]
[a]
[a]
[a:]
[a:]
[a:]
[a:]
[e]
[e]
[e]
[e]
[e:]
[e:]
[e:]
[ε:]
[i]
[i]
[i]
[i]
[i:]
[i:]
[i:]
[i:]
[o]
[o]
[o]
[o]
[o:]
[o:]
[o:]
[ɔ:]
[u]
[u]
[u]
[u]
[u:]
[u:]
[u:]
[u:]
[y]
[y]
[y]
[y]
[y:]
[b]
[b]
[b]
[b]
[d]
[d]
[d]
[d]
[g]
[g]
[g]
[g]
[ gw]
[gh]
[ gw]
[gh]
[ gj h ]
[ gwh]
[ g j]
21
Aqui não inserimos as laringais saussurianas por estas serão controversas na literatura proto-
indo-europeista. Para uma discussão sobre o assunto, vide Watkins (1998).
19
[bh]
[dh]
[p]
[p]
[p]
[p]
[t]
[t]
[t]
[t]
[k]
[k]
[k]
[k]
[ph]
[ph]
[th]
[th]
[kh]
[kh]
[ k j]
[kw]
[f]
[s]
[s]
[s]
[s]
[zd]
[l]
[l]
[۪l]
[۪۪ḷ[
[۪r]
[r]
[r]
[ṛ]
[m]
[m]
[m]
[m]
[n]
[n]
[n]
[n]
[ks]
[w]
[w]
[w]
[w]
[j]
[j]
[j]
[j]
[x]
[h]
[ps]
[ŋ]
Tabela 1: Sistema Fonológico das Línguas
20
I. Vogais
O primeiro aspecto que abordarei será a distribuição das vogais nos sistemas
fonológicos das línguas. Note o quadro abaixo somente com as vogais de cada
língua:
PIE
EP
Quenya
Grego
[a]
[a]
[a]
[a]
[a:]
[a:]
[a:]
[a:]
[e]
[e]
[e]
[e]
[e:]
[e:]
[e:]
[e:]
[i]
[i]
[i]
[i]
[i:]
[i:]
[i:]
[i:]
[o]
[o]
[o]
[o]
[o:]
[o:]
[o:]
[ɔ:]
[u]
[u]
[u]
[u:]
[u:]
[u:]
[u:]
[u]
[y]
[y:]
[ε:]
Tabela 2: Sistema Vocálico das línguas em questão
É notável que das línguas trabalhadas, somente o Grego tem seu sistema
vocálico diferenciado. Outras línguas do período, como o Latim, também tinham
seu sistema vocálico baseado em 5 vogais com a contraposição longa/breve,
assim era esperado que Tolkien preferisse utilizar o padrão mais regular em suas
línguas, até porque tal padrão é o mais comum nas línguas do mundo.
21
Já no século IV d.C., o sistema vocálico do Grego já tinha se simplificado a
ponto de ter apenas as cinco vogais, sem distinção de quantidade. Tal sistema
ocorre também no Latim Tardio e em algumas línguas élficas, como no Avarin22.
Note a realização das vogais abaixo:
PIE
EP
QUÊNIA
A
/albho/ (branco)
/ereqa/ (isolado)
/ela/ (veja)
A:
/sa:lo/ (salgado)
/erja:/ (sozinho)
/na:/ (é)
E
/nem/ (dar)
/elen/ (estrela)
/me/ (nós)
E:
/we:do/ (molhado)
/stambe:/ (quarto)
/callie:re/ (brilhou)
I
/nisdo/ (toca)
/ninkwi/ (branco)
/amil/ (mãe)
I:
/wi:so/ (veneno)
/khi:na:/ (criança)
/ki:ra/ (navegar)
O
/gjonu/ (joelho)
/kwentro/ (narrador)
/ambo/ (colina)
O:
/gjo:nwih/ (canto)
/moroko:/ (urso)
/xo:n/ (coração)
U
/putlo/ (menino)
/kelun/ (rio)
/amu/ (para cima)
U:
/mu:s/ (rato)
/ndu:ne:/ (pôr-do-sol)
/antu:lien/ (retornou)
Tabela 3: Ocorrências das vogais em EP e PIE
22
O Avarin possui apenas as vogais breves: (EP) kwendī > (Avarin) kindi (elfos).
22
Grego
[a]
/delta/ (delta)
[a:]
/skia:s/ (sombras)
[e]
/esti/ (é)
[e:]
/zde:ta/ (sdéta)
[i]
/kai/ (e)
[i:]
/paidi:on/ (criança)
[o]
/epsilon/ (epsilon)
[ɔ:]
/ ɔ:mega/ (Omega)
[u:]
/u:den/ (nada)
[y]
/ephygon] (fugi)
[y:]
/ty:khε/
[ε]
/ty:khε/
[ε:]
/h ε:/ (a)
Tabela 4: Realização das vogais no grego
II. Oclusivas
Com relação à distribuição das oclusivas nas línguas élficas, Tolkien, caso se
propusesse, de fato, a criar suas línguas em função das clássicas, também parece
ter atingido seu objetivo. Usou determinada disposição já encontrada nas línguas
reais, e criou sua evolução também dentro do foneticamente esperado, mesmo
que nem sempre essa evolução seja exatamente igual a que ocorreu nas línguas
gregas .Note abaixo a disposição das oclusivas do EP e do grego.
Surda
Sonora
Surda aspirada
Labial
/p/
/b/
/ph/
Alveolar
/t/
/d/
/th/
Velar
/k/
/g/
/kh/
Tabela 5: Oclusivas do EP e do Grego
23
Observem-se os exemplos:
EP
Grego
Surda
Sonora
Surda
Sonora
Surda aspirada
/phjsiké /
/parma:/
/r:aba/
/ phinde: /
Surda
aspirada
Labial
Alveolar
/pajdewo/
(educo)
(rei)
(alma)
(livro)
(selvagem)
/panta/
/didomi/
/ theos/
/stinta:/
/ngolda/
(deus)
(curto)
(sábio)
/erkhomaj/
/kelun/
/gilja/
(venho)
(rio)
(estrela)
(tudo)
Velar
/basilew /
/kalon/
(belo)
(dar)
/gar/
(pois)
(cabelo)
/the:re: /
(rosto)
/khotse:/
(assembléia)
Tabela 6: Exemplos de ocorrências das oclusivas no EP e no Grego
Surda
Sonora
Sonora aspirada
Labial
p
b
bh
Alveolar
t
d
dh
Palatal
kj
gj
gj h
Velar
k
g
gh
Labiovelar
kw
gw
gwh
Tabela 7: Oclusivas presentes no PIE
24
Surda
Sonora
Sonora aspirada
/pet/ (voar)
/leb/ (boca)
/albho/ (branco)
/putlo/ (menino)
/ped/ (pé)
/dheuh (fumar)
Palatal
/dekjm/ (dez)
/gj onu/ (joelho)
/bhergj h/ (alto)
Velar
/ken/ (novo)
/jogóm/ (unir)
/ghans/ (ganso)
/kjekw/ (excremento)
/gwow/ (bovino)
/gwhen/ (sorriso)
Labial
Alveolar
Labiovelar
Tabela 8: Exemplo de ocorrências das oclusivas em PIE
Acima listo também as oclusivas do PIE com o intuito de indicar um
possível motivo para que a distribuição do PIE (língua que nas famílias naturais
tem o mesmo papel que o EP em relação às línguas élficas) não ser a utilizada por
Tolkien. Este teria preferido utilizar a distribuição das oclusivas no Grego, tendo
percebido o quão anti-natural é a distribuição que antigamente era proposta pelos
proto-indo-europeístas. É esperada, para o sistema fonológico das línguas, uma
distribuição com as contrapartes sonoras e surdas, ou então somente a presença
das surdas. Neste caso, os teóricos da língua hipotética propuseram exatamente o
contrário para a distribuição das oclusivas aspiradas: existiriam as sonoras, as
surdas não. Outro elemento que ainda contradiz essa hipótese é a impossibilidade
do trato vocal humano produzir ao mesmo tempo um som sonoro e aspirado. Para
produzir a sonoridade, as pregas vogais devem vibrar, para produzir a aspiração,
elas devem se afastar, e estes movimentos são impossíveis de se realizar
concomitantemente.
23
Mais uma vez, chamo a atenção para a perspicácia de
Tolkien, que mesmo tendo, aparentemente, adotado o PIE como modelo do EP,
não usou para sua língua determinados traços, no mínimo, discutíveis.
Quanto às oclusivas, dentro do próprio Grego e da família élfica notamos que
sua evolução se dá de forma semelhante, porém não exatamente igual. Em
ambas as famílias a evolução é marcada pelo processo de fricativização de
23
Apesar de existirem oclusivas sonoras aspiradas no Sânscrito, isto não me parece suficiente
para considerar natural esse modo de realização. O Sâncrito também é uma língua reconstituída e
provavelmente a aspiração era produzida logo depois da produção da oclusiva sonora.
25
determinado conjunto de oclusivas. No entanto, em Quenya, fricativizam as
surdas-aspiradas do EP, gerando de /ph/, /th/,/kh/; /f/, /s/, /h/, respectivamente. Já
no Grego moderno, além das surdas aspiradas, as sonoras também fricatizaram
gerando /f/, /θ/, /x/.
EP / Grego
Grego Moderno
Quenya
h
/p /
/f/
/f/
/th/
/θ/
/s/
/kh /
/x/
/h/
Tabela 9: Comparação da evolução das oclusivas surdas aspiradas
Grego
/ philosophia/ (filosofia)
h
Grego Moderno
/filosofia/ (filosofia)
/agat a/ (bom)
/agaθa/ (bom)
/khɔ:ra / (país)
/xora/ (país)
Tabela 10: Ocorrências das oclusivas surdas aspiradas e suas evoluções nas
línguas gregas
EP
/phind:e/ (trança)
h
/t aura:/(detestável)
h
/k o:gore:/ (Coração )
Quenya
/finde/ (cabelo, trança)
/saura/ (imundo, podre)
/huore/ (coração)
Tabela 11: Ocorrências das oclusivas surdas aspiradas e suas evoluções nas
línguas élficas
26
Vejamos mais demoradamente a evolução das surdas aspiradas, grupo onde
há mudança na evolução em ambas as famílias. Nos dois casos, há a
fricativização, ou seja, a muda o modo de articulação da consoante. No entanto o
ponto de articulação ou é mantido, ou sofre uma alteração pequena. /ph/, /th/,/kh/,
são, respectivamente, bilabial, alveolar e velar. /f/, /s/, /h/, labiodental, alveolar,
glotal. E /f/, /θ/, /x/, labiodental, dental, velar. Notamos que quando há mudança no
élfico, a consoante anterioriza, porém no grego isto não é tão regular, o /ph/
anterioriza, mas o /kh/, posterioriza.
É interessante notar que nas línguas ibéricas, como o Português e o
Castelhano, [θ] parece ter sido um passa intermediário na passagem de uma
oclusiva para uma fricativa sibilante: (Latim) kera > (Romanço) kjera> cjera> tjera>
(Português Arcaico) tsera> (Galego Português) θera > (Português Moderno) sera.
Já no caso do Grego, há que se considerar que a evolução das aspiradas para
as fricativas tem um paralelo com a evolução das sonoras para fricativas, criando
um sistema absolutamente simétrico. Se o [th] evoluísse para [s], o [ð] ficaria sem
correspondente sonoro.24 Veja a evolução e sua realização nas tabelas abaixo.
Grego
Grego Moderno
/ b/
/v/
/d/
/γ/
/g/
/ð /
Tabela 12: Evolução das oclusivas sonoras nas línguas gregas
24
No caso do Espanhol ocorreu exatamente o mesmo. As sonoras evoluíram para fricativas. O [v]
se confunde com o [β]; e o [ts], bem como o [dz], se confunde com o [θ], se tornando o par
simétrico de [ð]. No Português, como não houve a evolução para fricativas, bem como, não houve
a aspiração das pós-alveolares, o sistema se estabilizou em [f] e [∫], [v] e [ζ].
27
Grego
Grego Moderno
/ biblio/ (livro)
/vivlio/ (livro)
/andra/ (homem)
/anγra/ (homem)
/grama/ (letra)
/ðrama/ (letra)
Tabela 13: Ocorrências das oclusivas sonoras nas línguas gregas
Embora essa não seja uma mudança ocorrida nas línguas élficas, achei
pertinente ao menos citar toda a evolução das oclusivas das línguas gregas.
III. Alofonia
Mais um fato que mostra a preocupação de Tolkien em fazer suas línguas
muito próximas às reais é a alofonia entre z/s presente em EP. Quando /s/ ocorre
antes de uma oclusiva sonora é realizado como [z], como em /mizde:/ (chuva fina)
e /ezde:/ (tranqüilidade). Tal foto é fonologicamente esperado e também ocorre
em PIE, por exemplo. em /nizdos/ (ninho) e /mezg-/ (desnudar).
5. ASPECTOS MORFOLÓGICOS
Vistas as possíveis relações fonológicas entre as línguas, partimos para as
morfológicas.
I. Língua de caso
O que chama a atenção em um primeiro momento é o fato de que as quatro
línguas analisadas são línguas de caso, i.e., tem as funções sintáticas expressas
em morfemas da palavra e não na ordem em que estas aparecem na sentença.
Como o PIE, o EP tem um número de casos desconhecidos. O número de casos
28
presente no PIE varia entre 9 e 10 a depender das teorias25, seus casos são
nominativo, acusativo, vocativo, genitivo dativo, instrumental, locativo, ablativo e
alativo. Já o quenya apresenta 8 casos - a saber nominativo, acusativo, genitivo,
possessivo, alativo, ablativo, locativo, dativo, instrumental - e o grego 5
(nominativo, acusativo, dativo, genitivo, vocativo). Se pensarmos na evolução
lingüística esperada, o PIE e o EP teriam mais casos que suas evoluções, no
entanto não precisamos hipotetizar em relação a isso, se olharmos para suas
línguas-filhas: tanto o Grego Moderno quanto o Quenya da 3ª. Era têm menos
casos: respectivamente dois (mantêm-se apenas o nominativo e o acusativo) e
oito (perde-se o acusativo). Ao olharmos também para as línguas élficas que
vieram depois do Quenya da 3ª. Era, notamos a perde gradativa de casos, assim
como na família de línguas naturais, onde chegamos ao ponto de termos famílias
que evoluíram, para a não marcação de caso, como o Sindarin e como o
Português em comparação ao Latim, embora ainda haja vestígios da marcação de
casos no sistema pronominal.
Note no quadro abaixo como a perda de casos é gradativa em ambas as
famílias, o que explicita o quão cuidadosa foi a criação das línguas fictícias de
Tolkien. Note que o Sindarin não é propriamente uma evolução do Quenya, mas
sim uma língua irmã, assim como o Português é uma língua prima do Grego. No
Sindarin a marcação de caso desapareceu, restando apenas a marcação de
locativo, mais como um sufixo formador de nomes do que um sufixo de caso.
Neste quadro mantenho como ‘?’, os casos que provavelmente existiam no EP,
mas dos quais não há ocorrência ou menção.
25
Fauskanger comenta a existência no Quenya de um décimo caso que não chegou a ser nomeado
por Tolkien.
29
Casos
PIE
EP
Grego
Nominativo
X
X
X
Acusativo
X
X
X
Genitivo
X
X
X
X
Dativo
X
?
X
X
Ablativo
X
?
X
Instrumental
X
?
X
Alativo
X
X
X
Locativo
X
?
X
?
X
Possessivo
Vocativo
X
Quenya
X
Grego moderno Sindarin
X
X
X
X
Tabela 14: Casos nas línguas tratadas
A perda do acusativo no Quenya é um fator, aparentemente, anti-natural na
evolução das línguas élficas. A distinção caso reto x caso obliquo é a mais básica
do sistema de casos, e geralmente é a última, ou uma das últimas, a ser perdida.
No Latim, por exemplo, a evolução se dá do seguinte modo: ablativo e dativo se
tornam um único caso em Romanço, que abarca também o genitivo quando esta
língua se torna Provençal. O acusativo e o nominativo são os casos que passam
por todos os estágios evolutivos do Latim sem sofrer alterações até que a língua
deixa de ter marcação de caso.
No Grego essa distinção também é mantida: o Grego Moderno possui como
única distinção a de acusativo x nominativo.
II. Marcação de Número
Quanto à marcação de número, algumas línguas élficas também se aproximam
do padrão das línguas indo-européias: o EP possui, como alguns dialetos do
Grego e o PIE, três números: singular, plural e dual. Já o Quenya possuiu um
quarto número: o plural partitivo. No entanto há pouquíssimas informações sobre
30
isso e raros são os exemplos, razão pela qual vamos deixar o plural partitivo de
fora desta investigação (assim como fez Fauskanger ao apenas mencioná-lo em
seu curso, sem dar um tratamento vasto a essa forma como fez com as demais).
Singular
Plural
Dual
Jovem
ὁ νεανίας
οί νεανίαι
τώ νεανία
Dom
τò ðωρον
τὰ ðωρα
τώ ðώρα
Tabela 15 – Número no Jônico Antigo (Dialeto Homérico)
Singular
Plural
Dual
Estrela
Elen
Elenî
elenû
Labio
Peñe
Peñî
peñû
Tabela 16 – Número no EP
Ainda quanto à marcação de número é interessante notar que tanto nas
línguas Gregas como nas Élficas, as evoluções perderam o dual, abarcado pelo
plural:
Singular
Plural
Jovem
ὁ νεανίας
οί νεανίαι
Dom
τò ðωρον
τὰ ðωρα
Tabela 17 – Número no Grego
31
Singular
Plural
Estrela
Êl
elin
Criança
Hên
Hîn
Tabela 18 – Número no Sindarin
Lobo
Singular
Plural
Dual
Wlkwos
Wlkwōs
Wlkwō
Tabela 19 – Número no PIE
III.
Marcação de Gênero
Apesar de não ter encontrado qualquer análise sobre o gênero no EP,
considero que posso tecer alguns comentários com base nos dados que tenho
disponíveis. O EP parece funcionar similarmente ao PIE. Este possui, para grande
de parte dos teóricos, dois gêneros: masculino-neutro (marcado por –n) e
feminino-abstrato (-(e)h2). O EP, aparentemente também possui dois gêneros com
delimitações semânticas próximas a essas: masculino-neutro (/-o:/ como em
/tauro:/ “rei”, /tamro:/ “pica-pau”, /besno:/ “esposo”) e feminino-abstrato (/-i:/ ou /-e:/
como em /tauri:/ “rainha”, /i:di:/ desejo, /bese:/ “esposa). No entanto, para que se
tomasse essa distinção como regra, ou como única regra, um estudo e
aperfeiçoamento maior desta questão seria necessário visto que temos dados que
a contradizem (como /orne:/ "árvore”) e temos, também, em EP, aparentemente,
um terceiro gênero ou um alofone de /-i:/, formado em /-a:/, também com a idéia
de abstração, e.g., /besta:/ “casamento” e /rata:/ “caminho”. Já do Quenya e do
Grego temos mais dados, visto que temos essas línguas com gramáticas já bem
definidas. O Grego possui três casos: masculino, feminino e neutro - σοφός (sábio/
masculino), σοφή (sábia) σοφόν (sábio / neutro) - enquanto o Quenya só
32
apresenta dois: masculino e feminino, embora estes sejam marcados por
diferentes sufixos - serme (amiga), sermo (amigo); heri (senhora), heru (senhor).
IV. Artigo
A evolução do artigo do EP para o Quenya é semelhante à evolução do artigo
em Grego. No dialeto Jônico antigo (VIII a.C.) não havia artigo, somente o
pronome dêitico ὂ, ἤ, τό. Este sofreu uma especialização de uso e passou a ter a
função de artigo definido. Não há no Grego pronome indefinido, é a ausência do
definido que marca essa característica, tal qual nas línguas élficas. No EP havia
um dêitico “i” - este(s), esta(s) – que em Quenya (e também em Sindarin) torna-se
o artigo definido “i” – o(s), a(s). Em EP: “i galadâ” “esta árvore”, em Quenya “i alda”
“a árvore”. Em Jônico, “τό παιδίον” “esta criança”, em ático “τό παιδίον”, “a
criança”.
V. Morfologia Verbal
Em todas as línguas com as quais trabalho aqui há a distinção formal entre
aoristo e perfeito. Abaixo um quadro de exemplos.
Línguas
Presente
Aoristo
Perfeito
PIE
leikw- (deixar)
eleikwet
leloikwet
Grego
λείπω (deixar)
ἓλιπον
λείψω
EP
Sukm (beber)
suknē
Usukn-
quenya
Sunc-(beber)
Sunce
Usunc-
Tabela 20: Morfologia verbal nas línguas tratadas
Todas as formas são marcadas por um sufixo, sendo que algumas delas como os pretéritos do Grego e o perfeito do PIE, sofrem também um tipo de
prefixação. No Grego, o prefixo que indica pretérito é sempre o mesmo ε-, e é
33
chamado de aumento. Já no EP e no Quenya, esta prefixação parece ser feita por
um sufixo reduplicativo (o chamado redobro da Gramática Tradicional) 26. No PIE,
o redobro também marca perfeito.27
Língua
presente
Perfeito
EP
wâ-. (morrer)
awâwiiê
PIE
weikw- (falar)
kwekwoit(h)a
Quenya
Tuv- (encontrar)
Utūv-
Grego
ἂγω (conduzir)
ἤγαγον
Tabela 21: Redobro nas línguas tratadas
6. OUTROS ASPECTOS
Nesta parte do trabalho, explanarei outras semelhanças entre as línguas
élficas e a família de línguas gregas, só que em outros níveis, como o sintático e o
lexical.
Os adjetivos em Quenya não são triformes como no Grego, porém
apresentam sua disposição na frase da mesma forma que os gregos: concordam
com o sujeito e podem vir em posição atributiva ou predicativa. Em posição
predicativa têm a função de predicado da frase, mesmo que o verbo “ser” não
esteja explícito. Este tipo de construção, a frase nominal, também existe em
Grego e PIE, assim como existe um verbo cópula em cada uma dessas línguas.
26
Fauskanger (2004) caracteriza a formação do perfeito no Quenya como um processo de
prefixação através de um aumento. Aqui, chamo o mesmo processo de redobro por entender o
prefixo como a reduplicação da primeira vogal da primeira sílaba do verbo, e não como um
aumento que varia de acordo com a qualidade da vogal da primeira sílaba. Faço esta distinção por
existir no grego tanto redobro como aumento, e este último é sempre marcado por /-e/, já o redobro
varia de acordo com a raiz da palavra primitiva.
No Grego, o redobro pode também marcar presente, sendo a forma sem a reduplicação, o
perfeito. Porém esta formação é mais rara.
34
Grego
Atributiva
Predicativa (Frase nominal)
τό καλόν µέτρον (a medida
Καλόν τό µέτρον. (A medida é
bela)
Quenya
I taura aran (o poderoso rei)
bela.)
I aran taura (O rei é poderoso.)
Tabela 22: Posições dos adjetivos em Grego e Quenya.
Algumas aproximações em um nível lexical seriam possíveis: a marca para o
genitivo plural em Quenya é -on e em grego é –ωυ; a palavra para homem em
grego é ἁυήρ, enquanto em Quenya é nēr e em PIE, hner. No entanto, acredito
que isto seja uma coincidência e não, de fato, algo pensando por Tolkien. Com a
vastidão de palavras existentes e um número limitado de fonemas, é esperado
que algumas palavras soem de forma parecida.
Também seria muito profícua uma comparação do Quenya com o Latim, já
que o próprio Tolkien o caracteriza como o “latim das línguas élficas”. Para que
essa aproximação fosse ainda mais realista, Tolkien adotou as convenções
ortográficas do Latim para o Quenya, por exemplo em Quenya /k/ é escrito como
‘c’. Outras semelhanças são a evolução do /w/ para /v/ como ocorre em latim
vulgar no Quenya da 3a Era, a formação do artigo definido a partir do pronome
demonstrativo e a formação do perfeito através de redobro28.
Uma relação que poderia ter sido mais amplamente explorada neste trabalho é
a formação do infinitivo. Em Quenya, como no Grego, há dois tipos de infinitivo: o
aoristo e o perfeito. No entanto, além de não haver muitas informações sobre o
infinitivo no EP, as que encontrei em Fauskanger (2004) e em seu site são
contraditórias, ora apresentam o sufixo de infinitivo como –i, ora como -ie. Eu, que
acredito que no EP havia dois infinitivos (um aoristo e um perfeito, uma marcado
com –i, outro com -e) preferi não entrar aqui nesta discussão, mas acredito ser
28
Como por exemplo, em do (presente de dare, dar) e dedi (perfeito).
35
relevante ressaltar aqui tanto a possível relação quanto as dificuldades que
encontrei para tratá-las.
Uma última relação que traço é a concordância em caso do pronome relativo
presente em Quenya e em Grego. As formas dos pronomes relativos no
nominativo são ὄς (masculino singular), ἤ (feminino singular), ὄ (neutro singular)
para o Grego é “ya” (singular)/ “yar” (plural) para o Quenya: Veja, como exemplo, o
uso do relativo no genitivo:
forma
Exemplo
Quenya
yo
I nīs yo yondo cennen. (A mulher de quem vi o filho)
Grego
ἤς
ἠ γυνή ἤς παιδίον εἰδόν. (A mulher de quem vi o
filho)
Tabela 23: Frase nominal em Quenya e em Grego
7. CONCLUSÃO
A partir desdes apontamentos, acredito já ser notável a acuidade do
trabalho de Tolkien e quanto suas línguas se aproximam das reais. No entanto,
entendo que, para dizer o quanto as línguas élficas são naturais, um estudo sobre
o que é natural numa língua deveria ter permeado este trabalho. Parece-me que o
cuidado com a fonologia das línguas é muito maior do que o cuidado que Tolkien
teve com a morfologia: enquanto o sistema fonológico parece sempre estar em
harmonia, notamos alguns aspectos aparentemente antinaturais na evolução do
EP para o Quenya, e.g., o partitivo ser considerado um número e a perda do caso
acusativo.
Um estudo tipológico das línguas comparado a outros estudos evidenciaria
com mais propriedade a naturalidade destas línguas inventadas. Trabalhar com
aspectos não tão pontuais seria uma saída, no entanto, entendo que um trabalho
como este é necessário para chamar a atenção para esta possibilidade de estudo
e começar a levantar possíveis traços de análise.
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Tolkien utiliza-se para a estrutura de sua língua não só a estrutura do
Grego, mas também a do PIE e, aparentemente, a do Latim. Utiliza também
estruturas de outras línguas, como o Finlandês e o Galês, mas aproximações
entre essas línguas e as élficas seriam evidenciadas somente pela continuação
deste estudo.
Acredito ser ainda relevante notar como Tolkien dá um passo adiante de
seu tempo em especial na questão das oclusivas do EP. Isto não seria notável a
não ser através de um estudo que se preocupasse com suas línguas. Desta
forma, estas criações merecem ser revistas, embora não seja a parte mais
conhecida e, talvez, a mais relevante de seu trabalho.
8. REFERÊNCIAS
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The indoeuropean languages. London/New York: Routledge, 1998.
Enciclopédia de Valinor. Disponível em
http://enciclopedia.valinor.com.br/index.php/Tolkien > Acesso em: 09 out. 2005,
09:40:52.
FAUSKANGER, Helge Kåre. Curso de Quenya:a mais bela língua dos elfos. Trad.
Gabriel O. Brum. Arte & Letra, 2004, Curitiba.
FREIRE, S.J. Antônio. Gramática grega. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001
PERFEITO, Abílio Alves. Gramática do Grego: Curso Complementar do LICEUS.
4 Ed. Porto: porto Editora LTDA, 1974.
VILLAR, Francisco. Lenguas y pueblos indoeuropeos. Ediciones ISTMO: Madri.
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WATKINS, Calver. Proto-Indo-European: Comparison and Reconstruction in
RAMAT, Anna Giancalone; RAMAT, Paolo (eds). The indoeuropean languages.
London/New York: Routledge, 1998.
http://en.wikipedia.org/wiki/Greek_alphabet
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