rasta smoothy recife sandália

Transcrição

rasta smoothy recife sandália
KARLA CRISTINA FERRO FREIRE
QUE REGGAE É ESSE QUE JAMAICANIZOU A “ATENAS BRASILEIRA”?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão para obtenção do Título de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientador: Profº Dr. Carlos Benedito Rodrigues da
Silva
São Luís
2010
0
Freire, Karla Cristina Ferro
Que reggae é esse que jamaicanizou a ―
Atenas brasileira‖? / Karla
Cristina Ferro Freire. — São Luís, 2010.
217f.
Impresso por computador (fotocópia).
Orientador: Carlos Benedito Rodrigues da Silva.
Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do Maranhão,
Programa de Pós–Graduação em Ciências Sociais, 2010.
1. Reggae — Identificação — São Luís–MA
I. Título
CDU 316.7:784.75 (812.11)
1
KARLA CRISTINA FERRO FREIRE
QUE REGGAE É ESSE QUE JAMAICANIZOU A “ATENAS BRASILEIRA”?
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Maranhão para
obtenção do Título de Mestre em Ciências
Sociais.
Aprovada em: 12/03/2010
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva (Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFMA
_____________________________________________________
Prof. Dr. Álvaro Roberto Pires
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFMA
_____________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Sergio da Costa Neves
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFS
2
À Maria e Celeste, que me incentivaram a ouvir e
dançar reggae desde criança; e à minha avó, Isabel
(in memoriam), exemplo de força e coragem.
3
AGRADECIMENTOS
Ao longo desses dois anos, muitas pessoas contribuíram das mais diversas formas
para que eu conseguisse seguir em frente com otimismo e perseverança na formulação deste
trabalho. E, por isso, quero agradecer:
Aos meus pais, Graça e Miguel, por terem se dedicado incondicionalmente a mim e à
minha formação, pelo amor e incentivo. E aos meus irmãos, Eduardo, Flavio e Claudio, e à
Vívia e Fernanda, pelo apoio e amizade.
Aos professores do Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão, principalmente, Profº Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva, meu orientador, por
me ajudar a construir este trabalho, e aos membros da banca de qualificação, Profº Dr.
Benedito Souza Filho e Profª Dra. Elizabeth Beserra Coelho, que contribuíram com
importantes sugestões e críticas à minha pesquisa, e pelo interesse em me ajudar. Agradeço
também aos professores com os quais tive contato direto na sala de aula: Profº Dr. Álvaro
Roberto Pires, Profª Dra. Maristela de Paula Andrade, Profº Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti,
Profº Dr. Igor Gastal Grill e Profº Dr. Alexandre Fernandes Corrêa, pelas contribuições
valiosas fornecidas ao longo do curso.
Aos professores do Curso de Comunicação Social e da especialização em Jornalismo
Cultural da UFMA, em especial, Ester Marques, pelo incentivo, amparo e amizade, desde a
época da graduação; Junerlei Dias e Flávio Reis por serem tão inspiradores e instigadores.
A meus colegas da universidade, pela troca de conhecimento, pelos bons momentos e
pelas discussões fundamentais para a sedimentação deste trabalho.
A todas as pessoas que contribuíram com esta pesquisa durante o trabalho de campo,
quer seja fornecendo informações importantes, concedendo entrevista ou apenas conversando
sobre o meu tema de estudo. Agradeço especialmente, a Fauzi Beydoun, pela disponibilidade
e pelo interesse em minha pesquisa; a Tarcísio Selektah, fonte de muitas informações e
inquietações, a Ramúsyo Brasil, pela troca de ideias e fotos cedidas, e a todos os
freqüentadores e apreciadores de reggae que se dispuseram a conversar comigo.
Aos meus amigos, que estão sempre presentes em minha vida nos momentos bons e
nos difíceis, alegrando-me e animando-me, pelos necessários dias de festa e farra, e por
compreenderem as minhas faltas quando eu precisava ler, pesquisar ou escrever.
Aos meus colegas de trabalho, que me deram força e suporte para que eu tivesse
tempo e pudesse me dedicar para desenvolver esta pesquisa.
4
E, finalmente, a Bruno, meu companheiro, pela paciência, amor e compreensão nos
momentos de angústia, pelas conversas e pelo silêncio na hora certa, por me ajudar lendo e
opinando sobre o meu trabalho.
Obrigada a todos!
5
“Não tenho dúvida nenhuma: a novidade mais importante da cultura
brasileira na última década foi o aparecimento da voz direta da
periferia falando alto em todos os lugares do país. A periferia se
cansou de esperar a oportunidade que nunca chegava, e que viria de
fora, do centro. A periferia não precisa mais de intermediários
(aqueles que sempre falavam em seu nome) para estabelecer conexões
com o resto do Brasil e do mundo. Antes, os políticos diziam: „vamos
levar cultura para a favela‟. Agora é diferente: a favela responde:
„Qualé, Mané! O que não falta aqui é cultura! Olha só o que o mundo
tem a aprender com a gente!‟”
Hermano Vianna, no programa Centra da Periferia, TV Globo.
“Do not tell me about my own culture!”
Raj, personagem indiano do seriado The Big Bang Theory, para Sheldon,
cientista que tentava “explicar” a Raj que, na cultura indiana, as vacas são
como deuses.
6
RESUMO
O reggae originário da Jamaica desde os anos setenta do século XX, instalou-se em São Luís
do Maranhão como um fenômeno sócio-cultural diversificado. Popularizado, inicialmente,
entre as classes sociais menos abastadas, sendo marginalizado por setores das elites, sem
incentivo governamental ou apoio da mídia hegemônica, conquistou adeptos na Ilha através
de um processo de identificação e ressignificação, tornando-se uma opção de lazer
importante, principalmente, para a juventude urbana da periferia.
Com a adesão de segmentos das classes médias a partir de meados dos anos oitenta, esse
estilo musical assumiu novas proporções e significados, estimulando o surgimento de bandas
e bares voltados para esse novo público e despertando o interesse dos veículos de
comunicação de massa e dos órgãos governamentais ligados ao turismo, uma vez que o
reggae se mostrou, também, um forte elemento de identificação da capital maranhense, que
passou a ser denominada ―
Jamaica brasileira‖.
O presente trabalho dedica-se a interpretar o fragmentado cenário atual do reggae em São
Luís: a diferenciação dos espaços, do público, dos tipos de música, dos produtores e mesmo
das formas de publicização do ritmo. Investigam-se, também, os conflitos e as convergências
de interesses, apropriações, gostos e identificações de quem produz, consome e promove os
vários estilos de reggae na capital maranhense.
Palavras-chave: Reggae Identificação São Luís
7
ABSTRACT
Reggae, first started in Jamaica in the 1970‘s, was inserted in São Luís do Maranhão as a wide
socio-cultural phenomenon. Initially appreciated among the lower income classes and being
therefore marginalized by the elite, without governmental incentive or media support, reggae
music conquered adepts in the island trough identification and adaptation becoming an
important leisure option mainly to the slam urban youth.
With the middle class joining the style in the 1980‘s, reggae took new statements and means
that stimulated the creation of bands and bars aimed to that new market and also caught the
attention of mass media and tourism authorities as it also became a strong element from which
the capital of Maranhão had turned to be known as ―
Brazilian Jamaica‖ (Jamaica Brasileira).
The current paper is an interpretation of the currently fragmented reggae scene in São Luís, its
different spaces, audience, types of music, producers and even the broadcasting forms.
Conflicts and convergences of interests, appropriation taste and identification of those who
produce, consumes and promotes the various styles of reggae in the capital of Maranhão.
Keywords: Reggae Identification São Luiz
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Reprodução da capa do disco "Do the Reggae" ........................................................... 28
Figura 2 - Jimmy Cliff em "The Harder They Come" ................................................................. 32
Figura 3 - Reprodução da capa de "Catch a Fire" .........................................................................34
Figura 4 - Casais dançando reggae em clube na Vila Palmeira .................................................. 39
Figura 5 - Tambor de crioula .......................................................................................................42
Figura 6 - Bumba meu boi em São Luís ..................................................................................... 42
Boizinho Regueiro‖ e a banda Filhos de Jah na Praça Maria Aragão ...................... 44
Figura 7 – ―
Figura 8 - Seminário Reggae e Turismo ...................................................................................... 49
Figura 9 - Clube "Barraca de Pau" na Cidade Operária ............................................................... 64
Figura 10 – ―C
lubão Cidade‖ na Vila Bacanga .......................................................................... 64
Figura 11 - Clube ―
Arena Show‖ na Ponta D´Areia .................................................................. 65
Figura 12 - Paredão de uma radiola em São Luís ....................................................................... 66
Figura 13 - Parte de trás do rack de uma radiola ......................................................................... 68
Figura 14 - Mesa de som, mixer e IPods da radiola Super Itamaraty ......................................... 69
Figura 15 - Móvel da radiola "Musical Neto Discos" ..................................................................69
Figura 16- Naifson com casal que pediu para tirar foto com ele, na Praça Maria Aragão .......... 72
Figura 17 - Lançamento da radiola "Super Itamaraty" no Ceprama ........................................... 73
Figura 18 - Reprodução do chat de discussão do site "Reggae Total" ........................................ 74
Figura 19 - Cortejo do velório de Antônio José ........................................................................... 76
Figura 20 - Performance do DJ Antônio José .............................................................................. 77
Figura 21 - Rosy Valença no palco .............................................................................................. 80
Figura 22 - Ricardo Luz ............................................................................................................... 82
Figura 23 – ―
Sunsplash Reggae Festival‖ no Centro Histórico ................................................... 84
Figura 24 - Pinto da Itamaraty e a equipe da "Caravana do Sucesso" ......................................... 85
Figura 25 – Pinto da Itamaraty cumprimentando regueiros na festa do Dia do Regueiro
em 2008 ....................................................................................................................................... 88
Figura 26 - Casal dança o ―
robozinho" ........................................................................................ 97
Figura 27 – ―
Bar do Nelson‖ na praia do Calhau ...................................................................... 116
Figura 28 - Discotecagem do DJ Waldiney no ―
Bar do Nelson‖ .............................................. 117
Figura 29 - Reprodução da capa da coletânea de reggaes de Betto Pereira e César
Nascimento ................................................................................................................................ 120
Figura 30 - Banda "Tribo de Jah" .............................................................................................. 122
Figura 31 - Banda "Mystical Roots" .......................................................................................... 124
9
Figura 32 - Banda "Manu Bantú" .............................................................................................. 126
Figura 33 - Festival Unireggae em 2008 no Circo da Cidade ................................................... 132
Figura 34 - Bar "Chama Maré" na Ponta D´Areia ..................................................................... 135
Figura 35 - Público dança no Bar "Chama Maré" ..................................................................... 136
Figura 36 - Marcos Vinícius e Netinho Jamaica ........................................................................ 146
Figura 37 - Swicher (cabine) de produção do programa Itamarashow ...................................... 148
Figura 38 - Dançarina do Bloco do Reggae em 2009 ................................................................ 156
Figura 39 - Reprodução de detalhe do folder da FUMTUR ...................................................... 170
Figura 40 - Reprodução de detalhe de folder da Prefeitura de São Luís ................................... 171
Figura 41 - Dançarinos do Bloco do Reggae em 2009, na presença da câmera da TV Globo ...173
Figura 42 - Reprodução da capa do Guia Turístico do Reggae de São Luís ............................. 180
Figura 43 - Reprodução das páginas 12 e 19 do Guia Turístico do Reggae de São Luís .......... 184
Figura 44 - Reprodução dos detalhes de fotos da capa e páginas 7 e 25 do Guia ..................... 185
Figura 45 - Reprodução do detalhe da boina posta digitalmente na cabeça do dançarino ........ 185
Figura 46 - Reprodução de detalhes das páginas 26 e 28 do Guia ............................................ 188
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13
Os mil pedacinhos que fazem o reggae ludovicense ................................................................ 15
Entre o reggae e a lambada ....................................................................................................... 15
O reggae é “perigoso” ................................................................................................................ 16
Por que reggae? .......................................................................................................................... 19
A abrangência da pesquisa ........................................................................................................ 23
1. É POSSÍVEL FALAR DE REGGAE NO SINGULAR? .................................................... 25
1.1. Reggae: um ritmo híbrido e diaspórico ............................................................................. 28
1.2. Made in Jamaica para o mundo ......................................................................................... 30
2. AS PEDRAS VÃO ROLANDO E CHEGANDO: O REGGAE EM SÃO LUÍS .............. 36
2.1. A festa onde “o reggae é a lei” ........................................................................................... 40
2.2. O reggae marginalizado ...................................................................................................... 45
2.3. São Luís: Jamaica brasileira? ............................................................................................ 53
3. A GEOPOLÍTICA DO REGGAE EM SÃO LUÍS: RADIOLAS, PEDRAS,MELÔS, BANDAS,
CLUBES, BARES .................................................................................................... 63
3.1. O domínio das radiolas ....................................................................................................... 65
3.2. “O reggae faz parte da minha vida”: o regueiro como fã e o jogo das disputas ............ 69
3.3. O DJ é a estrela ................................................................................................................... 76
3.4. Indústria regueira: poder político e simbólico ................................................................. 82
3.5. Pedras, melôs e a dinâmica da exclusividade .................................................................... 89
3.6. “Tudo vira pedra”: a corrida pelas regravações e o reggae feito por encomenda ........ 92
3.7. Reggae robozinho x reggae roots ........................................................................................ 96
3.8. O reggae de salto alto: os bares dentro do processo de legitimação do ritmo pela
classe média .............................................................................................................................. 111
3.8.1. Os bares, as bandas, a MPM: o reggae da/para a classe média .................................113
3.8.2. A proposta das bandas: o reggae “cabeça” ................................................................. 123
3.8.3. O gosto pelo reggae como distinção e como moda ....................................................... 133
4. REFAZENDO O CAMINHO DAS PEDRAS: A MIDIATIZAÇÃO DO REGGAE EM SÃO
LUÍS ................................................................................................................................. 140
4.1. O reggae que se vê na TV ................................................................................................. 146
4.1.1. A expansão do reggae nos meios de comunicação de massa ludovicenses ................ 150
4.1.2. O reconhecimento da “Jamaica brasileira” pela TV Mirante ................................... 153
11
4.1.3. O dito e o não dito .......................................................................................................... 156
5. REGGAE COMO PRODUTO TURÍSTICO EM SÃO LUÍS .......................................... 162
5.1. O turismo como negócio ................................................................................................... 165
5.2. Por que o reggae vira produto turístico? ........................................................................ 167
5.3. Turismo: em busca do “diferente” .................................................................................. 168
5.4. “São Luís Ilha do Reggae”: projeto para transformar o reggae em produto
turístico ..................................................................................................................................... 178
5.4.1. Guia Turístico do Reggae de São Luís: intenções e contradições .............................. 183
5.4.2. Seminário Reggae e Turismo: que reggae é esse? ....................................................... 193
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 201
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 205
ANEXOS .................................................................................................................................. 214
Mapa dos espaços de reggae em São Luís ................................................................................ 215
Modelo do questionário aplicado ............................................................................................... 216
CD de músicas reggae ............................................................................................................... 217
12
INTRODUÇÃO
Quem lê o título desta dissertação pode pensar que São Luís, a capital do Maranhão,
apelidada de ―
Atenas brasileira‖ em virtude de sua efervescência literária e científica do
século XIX, converteu-se na cidade do reggae, ―
jamaicanizou-se‖. Se isso fosse verdade (e,
neste momento, não estou dizendo que é nem que não é), caberia procurar saber como se deu
essa transformação.
A―
Atenas brasileira‖ evoca um passado glorioso, de grandes nomes da literatura,
artes e ciências nacionais e de uma elite que, estudando na França no século XIX, retornava a
São Luís trazendo consigo os costumes e a cultura letrada européia, produzindo romances e
poesias, forjando este cognome, sustentado com orgulho por alguns intelectuais ludovicenses.
Na década de 1980, devido à forte presença do reggae, a capital maranhense começou a ser
chamada pelos adeptos do ritmo de ―
Jamaica brasileira‖, denominação prontamente
condenada pelos defensores da ―
Atenas‖.
As disputas pela classificação (BOURDIEU, 1996) de São Luís ganharam
visibilidade nos jornais nos anos 1990. Artigos raivosos foram publicados execrando a
―
alcunha‖ ligada ao reggae, ―
ritmo estrangeiro‖, ―
cultura importada‖. Não era possível
admitir que em lugar de ou além de ―
Atenas brasileira‖, São Luís passasse a ser conhecida
como ―
Jamaica brasileira‖ 1, como demonstrou o professor de língua portuguesa, Ubirajara
Rayol, em artigo publicado no jornal O Estado do Maranhão:
Não se conhece na história da Jamaica feitos nos campos das letras, artes e
ciências [...]. Por outro lado, a Grécia antiga continua sendo um ponto de
referência para a cultura ocidental [...]. Eis que a ignomínia parece contagiar a
cidade, profanando a sua cultura, maculando um passado fastígio literário e
artístico [...] Protesta-se contra o insulto à memória maranhense (RAYOL, 1991).
No entanto, apesar dos protestos que ocorrem até hoje, a ―
Jamaica‖ foi ganhando
força ao longo dos anos 1980 e 1990. Divulgada entre os fãs do ritmo, nas festas, nos salões
de reggae da cidade, e massificada pelos programas de rádio e televisão especializados no
ritmo (arrendado pelos empresários do ramo), a expressão ―
Jamaica brasileira‖ foi sendo
incorporada ao imaginário do ludovicense, adotada pelos demais meios de comunicação de
massa, pelo discurso turístico e até pelos órgãos governamentais.
1
São Luís também tem outras denominações: além de ―
Ilha do Amor‖, ―
Upaon-Açu‖, nome que os índios
Tupinanbás davam para a cidade, que quer dizer ―
Ilha Grande‖, e ―
Ilha Rebelde‖, em virtude das revoltas
populares e manifestações políticas ocorridas em décadas passadas.
13
Aos poucos, os argumentos contra a ―
Jamaica brasileira‖ foram enfraquecendo.
Pesquisas acadêmicas foram feitas e, através delas, o reggae em São Luís foi deixando de ser
concebido como ―
cultura importada‖ e começando a ser visto como um elemento cultural
adaptado pela população local, de início, principalmente pela juventude negra concentrada
nos bairros pobres da capital (SILVA, 1995). Anos depois, o ritmo foi conquistando diversas
camadas sociais, possibilitando sua expansão para além das periferias2.
É sobre essa expansão e sobre como se dá essa diversificação do reggae em São Luís
que se trata esta pesquisa. Voltando ao título, é sobre que reggae é esse que ganhou tanta
força a ponto de, no jogo da luta de classificação, o cognome ―
Jamaica brasileira‖ fazer frente
à ―
Atenas brasileira‖. O que se quer dizer aqui não é que a ―
Jamaica‖ tenha suprimido a
―
Atenas‖, pois ambas convivem às vezes consensualmente, às vezes conflituosamente,
dependendo dos interesses de quem lança mão dessas denominações. Busca-se entender os
motivos pelos quais esse reggae conseguiu se ampliar no cenário cultural ludovicense e como
essa dilatação modificou esse reggae.
A jamaicanização a qual me refiro é, portanto, a capacidade que o reggae teve na
capital maranhense de se afirmar enquanto mais uma expressão da identidade cultural da
cidade, mesmo com os preconceitos que ainda existem em relação ao ritmo, a alguns adeptos
e locais onde este é dançado e ouvido.
Esse alargamento do reggae pelos espaços culturais da cidade foi possível,
principalmente, graças ao envolvimento das classes sociais com maior poder econômico e/ou
capital cultural mais elevado. É a partir do interesse dessas camadas que o turismo, a mídia e
o aparato governamental, em geral, passam a promover o reggae, embora essa
jamaicanização não tenha se dado (e nem se dá) harmoniosamente, na medida em que, muitas
vezes, é praticada com violência simbólica, e o reggae, apropriado de modo estereotipado.
O reggae feito para e por esses setores sociais é diferente do reggae vivenciado nas
periferias da cidade desde a década de 1970: os locais, tipos de música, público frequentador,
os ídolos, tipos de aparelhagem de som, a publicização do ritmo; há muitas diferenças. A
percepção dessa diferenciação foi o ponto de partida para este trabalho.
2
Periferia aqui entendida como um espaço geográfico, mas também simbólico: bairros ou áreas da cidade onde
vive e/ou frequenta a população com menor poder aquisitivo, abrangendo, além de áreas de palafitas, bairros
considerados populares, geralmente, mais afastados do centro da cidade.
14
Os mil pedacinhos que fazem o reggae ludovicense
Quando ingressei no Mestrado de Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão, em 2008, tinha a intenção de estudar o ―
fenômeno‖ do reggae em São Luís como
um movimento segmentado, dividido em partes.
Até então, eu pensava o reggae como blocos segmentados: ―
reggae de radiolas3‖,
―
reggae das bandas‖, ―
público dos bares‖, ―
público dos clubes‖ etc., sem me dar conta das
suas especificidades, como se cada ―
bloco‖ pudesse ser descrito e apreendido de forma
consistente e, até mesmo, homogênea.
Mas, à medida que a pesquisa foi avançando com as leituras e, principalmente, com o
trabalho de campo, pude constatar, como coloca Canclini (2008, p.81), que ―
o olhar
telescópico dos questionários e o olhar íntimo do trabalho de campo indicam de diversas
maneiras, parcialmente legítimas, a mesma cidade inapreensível‖.
Percebi então que havia segmentos dentro de cada segmento. Desta maneira, aquilo,
por exemplo, que eu estava querendo chamar de ―
reggae de radiola‖ como se fosse,
metaforicamente, um pano liso só, era uma colcha de retalhos, demarcada por um jogo de
interesses entre seus agentes, que ora se conflitavam, ora confluíam, engendrando um
universo variado de gostos, interesses e formas de identificação.
Passei a pensar a partir de palavras como ―
diferenciação‖ e ―
diversificação‖, que
apontam para uma maior fluidez, demonstrando a fragmentação, os mil pedacinhos que
comecei a enxergar no reggae em São Luís. Aliás, passei a pensar em ―
reggaes‖ dentro de
uma noção de ―
identidades‖ ou mesmo a partir da categoria ―
identificação‖, que indica uma
constante construção e reformulação.
Entre o reggae e a lambada
Quando eu era criança, na década de 1980, via as empregadas domésticas da minha
casa indo aos salões de reggae e ouvia os chamados melôs no rádio com elas em casa. Na
época, a lambada era moda. Eu lembro bem que, quando chegava do colégio à tarde, tomava
banho, vestia uma saia rodada e ia dançar lambada junto com Maria e Celeste. Entre uma
3
Radiola – a radiola considerada ―
tradicional‖ pelos empresários do ramo do reggae e pelo público
frequentador dos clubes – é a aparelhagem de som móvel que toca vinil, MD, pen drive e IPod, e possui até
oitenta caixas de som, com alto-falantes de grande potência. É também o nome que se dá à empresa que
comanda a aparelhagem. As maiores de São Luís chegam a ter até trinta funcionários, que se mobilizam para
fazer as festas nos clubes de reggae.
15
lambada e outra, elas sintonizavam o rádio em algum programa de reggae e eu dançava
reggae também. Até onde me lembro, eu não posso dizer que gostava nem desgostava, apenas
ouvia e dançava. Eu gostava mesmo era de dançar.
No entanto, após ouvir e dançar reggae na infância, cresci com uma visão préconcebida – que acredito ser a dominante na época entre as pessoas do meu convívio – de que
o reggae em São Luís significaria ―
invasão cultural‖, ―
cultura importada‖, ―
estrangeirismo‖,
uma vez que as letras eram em inglês e, a maioria das pessoas que ouviam, quase nunca
entendiam o seu significado.
Porém, anos depois, um fato mudou a minha visão. Em 2004, quando decidi fazer
uma matéria sobre o ―
título‖ de ―
Jamaica brasileira‖, atribuído a São Luís, para a revista
Canal Com, do Curso de Comunicação Social da UFMA, deparei-me com a publicação Da
terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade cultural (SILVA, 1995), cuja
leitura me revelou outros (importantes) significados do reggae na capital maranhense.
Compreendi que, para além do mercado, da perda do significado originário das letras 4 e da
filosofia regueira jamaicana, o ritmo incorporou outros sentidos e foi ressignificado na Ilha.
O estudo etnográfico trouxe relatos, depoimentos, informações e conclusões sobre como o
reggae chegou em São Luís adquirindo tanta força entre as classes populares.
A reportagem ficou pronta após entrevistas com donos de radiolas, músicos,
promotores de festas de reggae e com o autor do livro, mas a revista não saiu. Então,
abandonei o tema por um tempo. Só quando comecei a especialização em Jornalismo Cultural
em 2007 e, no ano seguinte, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
ambos na UFMA, retomei o problema que continua se apresentando a mim como uma questão
multifacetada.
O reggae é “perigoso”
Em uma conversa ao telefone com a minha mãe, em julho de 2009, ela pergunta:
- Você tem visitado seus sobrinhos?
- Não, ando fazendo minha pesquisa, indo nos reggaes, entrevistando gente. Tô sem tempo.
Ontem mesmo fui numa festa...
- É? Onde?
4
A mensagem textual das letras da música jamaicana não é compreendida por muitos apreciadores do ritmo,
pois estes não entendem inglês. As canções são apreendidas muito mais pela melodia, que tem a ver com a forma
de dançar (SILVA, 1995).
16
- Na Vila Palmeira.
- Vixe, na bagunça mesmo...? Cuidado, é perigoso. Quer dizer, pelo menos a gente acha, né?
Nunca fui, mas a gente ouve falar... É preconceito, né?
- Fica tranquila. Lá tinha mais segurança que em qualquer show de axé.
- Então tá.
Por que esse diálogo pessoal é importante, a ponto de merecer ser descrito aqui? Ele
expõe um preconceito, que não é só da minha mãe, uma funcionária pública aposentada, de
classe média, ligada aos movimentos sindicais; uma pessoa que considero ―
esclarecida‖. A
questão central é: se ela nunca foi a um clube de reggae, de onde ―
ouviu falar‖ que é
perigoso? ―
Principalmente dos jornais‖, ela me disse depois, quando eu voltei a tocar nesse
assunto.
Assim como a minha mãe, eu também fui e estou exposta a esses preconceitos,
(disseminados talvez pela mídia e nas relações interpessoais). Afinal, o que fez com que eu
gostasse de dançar e ouvir reggae aos oito, dez anos de idade, e depois só retornasse a ele aos
18 anos, quando já estava na universidade? O que me fez seguir esse caminho, diferente do de
várias pessoas que entrevistei nos clubes da periferia, que me deram relatos do reggae como
parte da vida delas, desde a infância? Gente que cresceu ouvindo reggae, sonhava em ser
―
grande‖ para poder ir ao clube ouvir a sua radiola? Por que elas têm a sua radiola e eu não?
São essas diferenças entre o ―
eu‖ e o ―
outro‖ que me intrigam principalmente nesta pesquisa.
E nessas diferenças, tomo para objeto os meus próprios preconceitos os quais, durante a
pesquisa, lutei para superar. Seria desonesto de minha parte dizer que – quando estive nos
clubes da periferia os quais passei a frequentar somente quando comecei esta pesquisa – não
tive medo, que sabia perfeitamente como me comportar em campo, que sabia como abordar as
pessoas em lugares onde eu me sentia uma estranha, muitas vezes confundida com turista,
olhada de cima a baixo, perceptivelmente como uma peça fora do lugar.
Vianna (1987) relata um fato interessante em sua dissertação sobre o funk carioca:
ele não dançava enquanto fazia o trabalho de campo nos bailes. A sua atitude contemplativa,
no início, incomodava os frequentadores, que perguntavam se ele estava triste, se não estava
gostando da festa. Mas depois, segundo ele, todos foram se acostumando a sua presença, pois
ele virou assíduo frequentador do mesmo baile funk por mais de um ano. ―
Não me cansei de
observá-los, em silêncio, quieto, sem dançar‖ (p.13). Assim como Geertz (1989) 5, Vianna
5
―
Não estamos procurando, pelo menos eu não estou, tornar-nos nativos (em qualquer caso eis uma palavra
comprometida) ou copiá-los. [...] o que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que compreende muito
17
defende que o antropólogo não pode sentir o que o ―
nativo‖ sente. Eu também nunca tive a
intenção de sentir o que o frequentador dos clubes de reggae, o que o fã de radiola sente.
Apesar disso, fui a campo com o meu bloco de anotações, meu gravador, às vezes com a
minha máquina fotográfica (e, nessas vezes, era muito mais confundida com turista), ficava
nos cantos observando quieta, mas também dançava. Não para me ―
enturmar‖ ou parecer
menos deslocada, mas porque dançar reggae faz parte da minha vivência. Não nego que senti
tremer o corpo todo quando presenciei a festa das radiolas – numa sensação física que, com
sensibilidade, se transforma em emoção – mas como alguém de ―
fora‖ que se encanta com o
que encanta aquelas pessoas.
A presença do pesquisador altera a rotina dos lugares e suscita reflexão dos
interlocutores, uma vez que o que lhes é perguntado os faz pensar (BOURDIEU, 1997, p.
695). Na tentativa (acredito que inconsciente ou mesmo comodista de minha parte) de passar
―
despercebida‖, sem alterar a dinâmica das festas de reggae, quando em campo, adotei uma
atitude que considero contemplativa, na medida em que mais observava os comportamentos,
as roupas, as formas de dançar, as relações estabelecidas, a disposição espacial do lugar e das
pessoas, a formação de grupos, a interação entre os frequentadores etc., do que buscava algum
tipo de interação. A cada festa, no entanto, abordava algumas pessoas para fazer perguntas,
sempre me apresentando como alguém que está ―
pesquisando o reggae‖. Mas acredito que no
decorrer do trabalho de campo tenha permanecido algumas vezes invisível àquelas pessoas;
minha presença não era importante, e só era perceptível talvez por eu ser uma ―
estranha‖ – até
meu modo de vestir, e a cor da minha pele e dos meus olhos eram signos dessa ―
estranheza‖
(VIANNA, 1987, p. 10). Mesmo nos eventos dos quais participei, como o Seminário do
Reggae e Turismo, procurei ficar anônima, mais ouvindo do que interferindo nos pontos de
vista expostos. Dizer quem eu era, o que estava fazendo ali e quais eram minhas intenções,
poderia influenciar as falas dos agentes.
Paralelamente às observações em campo, muitas entrevistas foram feitas com
diversos agentes sociais componentes do universo da minha pesquisa. Além de tomar vários
interlocutores como fontes de informações que não estão disponíveis em papel, as entrevistas
serviram para perceber as estratégias de afirmação de si pela exclusão do outro, as rivalidades,
a reprodução de discursos padronizados na produção de ―
verdades‖ e as motivações das
opiniões expressadas, uma vez que o que é dito para uma pesquisadora no campo faz muita
diferença, na medida em que há nessa interação um desequilíbrio de forças, uma dissimetria,
mais do que simplesmente falar, é conversar com eles, o que é muito mais difícil, e não apenas com estranhos,
do que se reconhece habitualmente‖ (GEERTZ, 1989, p. 23-24).
18
como lembra Bourdieu (1997, p.695): ―
É o pesquisador que inicia o jogo e estabelece a regra
do jogo, é ele quem, geralmente, atribui à entrevista, de maneira unilateral e sem negociação
prévia, os objetivos e hábitos, às vezes mal determinados, ao menos para o pesquisado‖.
Além das conversas informais e de algumas entrevistas gravadas com os
frequentadores dos locais de reggae, tentei aplicar questionários para obter informações sobre
quem eram esses frequentadores e saber as predominâncias de gostos e preferências deles.
Queria saber sexo, idade, bairro onde residiam, profissão, renda mensal familiar, escolaridade,
frequência com que iam e motivos pelos quais iam para festas de reggae, cantor/banda
preferidos, tipo de reggae que gostavam de ouvir e o que achavam dos ―
títulos‖ de ―
Jamaica
brasileira‖ e de ―
Atenas brasileira‖.
Na prática, entretanto, foi decepcionante, pois, na porta e dentro dos locais de festa,
quase ninguém parava sequer para saber do que se tratava aquele questionário. Era de se
esperar, afinal, acredito que ninguém, além de mim e das pessoas que trabalhavam (como
seguranças, vendedores de comidas e bebidas etc.), estava ali por outro motivo que não para
se divertir, dançar, ouvir a música tocada bem alta. Como, então, parar para responder a
perguntas? Eu me sentia desconfortável atrapalhando as pessoas, que paravam contra a
vontade. Algumas até respondiam, mas as respostas eram sempre dadas como que para ―
se
livrar‖ do incômodo. Depois de tentar aplicar o questionário na fila de espera da entrada do
festival Cidade do Reggae (onde as pessoas passavam, no mínimo, meia hora paradas, sem ter
o que fazer) e ouvir vários ―
não, obrigado‖, desisti dos questionários.
Uma decisão difícil foi em relação à delimitação do trabalho de campo. No início,
pensei em adotar dois ou três locais de reggae e frequentá-los assiduamente, estabelecendo
comparações. No entanto, com o passar do tempo, fui percebendo que era mais proveitoso não
ficar ―
presa‖ ao limite de alguns lugares, pois a dinâmica das festas me conduziria a outros
espaços interessantes. Assim, durante o ano de 2009, além de frequentar locais específicos
(tanto os considerados de classe média como os mais populares), fui a festas pontuais como,
por exemplo, a Cidade do Reggae, realizada no Parque Folclórico da Vila Palmeira, o Dia
Municipal do Regueiro, comemorado na Praça Maria Aragão, e o Bloco do Reggae durante
do carnaval, na Praça João Lisboa.
Por que reggae?
Alguém poderia me fazer essa pergunta (na verdade, sou eu mesma me
perguntando). Parafraseando Vianna (1987, p. 130), que justificou o estudo do funk carioca
19
alegando que ―
não existe um complô da indústria fonográfica multinacional tentando impor o
consumo de música negra norte-americana nos subúrbios do Rio‖, eu poderia dizer quase o
mesmo sobre o reggae em São Luís: que, apesar de as radiolas (me refiro às empresas)
lucrarem muito e formarem sim uma espécie de indústria cultural, elas não cresceram
incentivadas pela ―
indústria fonográfica multinacional‖ ou mesmo nacional, nem o reggae foi
―
empurrado‖ a qualquer custo à população ludovicense, como discorrerei nesta dissertação.
No entanto, prefiro dizer que o tema que escolhi tem a ver com a pessoa que sou. Ou,
como dizem Beaud e Weber (2007, p. 28): ―
as questões que você tem vontade de colocar para
a sociedade são também questões que você se coloca a si mesmo‖. Eu sou a pesquisadora de
classe média, que antes via a coisa de forma preconceituosa e há alguns anos teve uma
reviravolta na percepção, a partir do livro de Silva (1995).
Eu gosto de reggae. Gosto de dançar e de ouvir, mas nunca fui uma grande fã
daquelas que vivem a filosofia ou que todo fim de semana estão lá na casa de show para curtir
o som. Eu sou a universitária que frequentava para se divertir com amigos as festas de
reggaes nos bares de classe média, alguns que eram considerados pelo público como
―
alternativos‖ e depois viraram bares ―
da moda‖. Isso, particularmente, me intrigou muito: o
que fez com que o reggae, enquanto um fenômeno de identificação cultural da juventude da
periferia de São Luís, uma expressão da cultura marginal6, assumisse um caráter midiático,
uma força de identidade cultural da cidade – ―
Jamaica brasileira‖ e passasse a ser incentivado
pelo poder público e por um aparato turístico, e ser apreciado pelas classes sociais que
comumente estão afastadas dos setores populares: classes média/alta e turistas. E aí, me
pergunto, até que ponto esse reggae ainda está na ―
periferia‖? E que reggae é esse que se
ouve e se dança nos espaços da classe média?
A tentativa de me objetivar como pesquisadora e compreender de onde e como estou
vendo é um esforço para realizar um trabalho etnográfico coerente, que busque ultrapassar as
pré-noções.
No caso de uma etnografia sobre o reggae em São Luís, a tarefa não é apenas de
expor fatos estranhos e distantes em categorias familiares, mas, principalmente, realizar o
exercício inverso de estranhar o que parece ―
natural‖ (VELHO, 2004). Assim, o empenho é
de tomar para objeto as categorias que foram naturalizadas como ―
regueiro‖, ―
reggae de raiz‖
6
Aqui, parto do preceito de Silva (1995) que, embora não utilize esse termo, fala de um reggae que estava à
margem da sociedade, um ritmo que foi (e ainda é, em vários aspectos) marginalizado pelas instâncias
governamentais e midiáticas; um reggae que expressa a capacidade de mobilização da juventude negra das
periferias de São Luís em torno de uma opção de diversão escolhida por gosto e identificação e não por
imposição de uma indústria cultural.
20
e―
massa regueira‖, por exemplo. Uma vez que as categorias são fruto de uma construção,
elas tornam-se obstáculos epistemológicos assim como todas as pré-noções e representações
preestabelecidas sobre o objeto (LENOIR apud CHAMPAGNE, 1998). Deste modo, a
intenção não é dizer, por exemplo, quem é ou não ―
regueiro‖, mas discutir o processo através
do qual os indivíduos são classificados (e/ou se auto-classificam) como tal.
Para romper com as pré-noções e com a naturalização dessas categorias, recorro ao
seu percurso: como as coisas chegaram a ser como são? No caso da categoria ―
regueiro‖,
quando e por quem passou a ser usada? Em que contexto? Com que interesse? Para designar
que pessoas?
Além do empenho de ―
estranhamento‖ às categorias e às pré-noções, houve também
o necessário esforço de ―
desambientação‖ a um mundo do qual faço parte, dos bares de
reggae voltados para a classe média, os quais frequento por diversão desde o início dos anos
2000. Mas, por outro lado, um exercício de ―
aproximação‖ também foi feito, do mundo
desconhecido e complexo dos clubes e das festas realizadas na periferia, onde o reggae
funciona em outra lógica, que não aquela que eu me acostumei a vivenciar nos bares de classe
média. Porém, como adverte Velho (2004, p. 126), dentro do nosso próprio mundo, do nosso
grupo, podemos ter a experiência do ―
distanciamento‖ e do ―
estranhamento‖: ―
o que vemos e
encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e
encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido‖.
Assim, se entendermos o trabalho de campo como uma ―
vivência longa e profunda‖
com outros modos de vida, outros valores e outros sistemas de relação social (DA MATTA,
1981), principalmente se pensarmos na experiência da antropologia urbana, na qual o ―
outro‖
está entre ―
nós‖ (VIANNA, 1987), o que é ―
familiar‖ pode ser estranho e desconhecido e o
que é ―
exótico‖ pode estar bem perto do pesquisador.
Seguindo o conselho de Lenoir (1998, p. 68), não tenho o intuito de tomar parte das
lutas travadas no cenário do reggae ludovicense, mas sim analisar os agentes envolvidos
nelas: ―
Para o sociólogo, o que constitui o objeto da pesquisa não é tomar partido nessas lutas
simbólicas, mas analisar os agentes que as travam, as armas utilizadas, as estratégias postas
em prática‖. Também Canclini (2008, p. 23) diz que quem realiza um estudo da cultura pouco
tem a ganhar estudando-a a partir de identidades parciais, quer seja de grupos subalternos, das
minorias, das elites, de uma disciplina isolada ou do saber totalizado. ―
Aquele que realiza
estudos culturais fala a partir das interseções‖ e é justamente a partir dos ―
entre-lugares‖,
cenários de tensão, encontro e conflito que tento enxergar o(s) reggae(s) em São Luís.
21
Adotar o ponto de vista dos oprimidos ou dos excluídos pode servir na etapa da
descoberta, para gerar hipóteses ou contra-hipóteses que desafiem os saberes
constituídos, para tornar visíveis campos do real descuidados pelo conhecimento
hegemônico. Mas no momento da justificação epistemológica convém deslocar-se
entre as interseções, nas regiões em que as narrativas se opõem e se cruzam
(CANCLINI, 2008, p.23).
As ―
narrativas‖ que aqui me interessam são as dos diferentes sujeitos que dançam,
ouvem, gostam, produzem, consomem, vivem do reggae. Para entender o jogo de
representações e de poder que envolvem este universo, busquei saber como cada um deles
interpreta o reggae e que tipos de relações existem entre esses sujeitos. Como os
frequentadores de locais diferentes de reggae se veem e se percebem, e como classificam o
reggae que o outro dança, toca e ouve? Como os donos de radiolas ditas tradicionais
enxergam a expansão do reggae para áreas elitizadas7 da cidade? Como as bandas que tocam
geralmente em clubes de classe média entendem o reggae feito pelas radiolas?
Deste modo, a intenção desta dissertação é distinguir, separar, perceber as diferenças,
as nuances do que o senso comum (e talvez o senso comum erudito também) vê como sendo
―
o‖ reggae ludovicense. Se existem vários ―
reggaes‖, quais seriam eles? Em que espaços eles
se constituem? Quem são os agentes que fazem esses reggaes existirem? Se, como adverte
Bourdieu (2003, p. 713), o trabalho do pesquisador consiste em ―
um ponto de vista que é um
ponto de vista sobre um ponto de vista‖, como interpretar e dar sentido aos pontos de vista de
cada sujeito que se identifica ou está ligado de alguma forma ao reggae?
Como o processo de construção da(s) identidade(s) se dá também pela exclusão
(daquilo que não somos)8, na tentativa de afirmar o que o reggae é, quem é o regueiro, quem
é da massa regueira, cada interlocutor muitas vezes adota um discurso de exclusão das
práticas diferenciadas das que acredita serem legítimas.
É preciso, portanto, tomar para objeto e questionar tanto as representações do reggae
pelas instâncias midiáticas e governamentais, quanto pelos depoimentos dos agentes. As
primeiras porque fazem referência a um indivíduo genérico (o ―
regueiro‖, o ―
turista‖, o
―
reggae de raiz‖ etc.); e as segundas porque colocam em destaque a vivência individual 9.
7
Ou, para usar uma expressão de Silva (2007), áreas ―
higienizadas‖: os bares de reggae que estão localizados,
geralmente, em pontos turísticos e locais de difícil acesso por meio de transporte público e, assim, são mais
frequentados pela classe média; diferentemente dos clubes e salões de reggae (onde tocam as radiolas ditas
tradicionais), cuja estrutura física é geralmente mais precária e têm como público, predominantemente, as classes
populares.
8
Como defende Hall (2003, p. 85), toda identidade é relacional e situacional, e fundada sobre uma exclusão;
―
todos os termos da identidade dependem do estabelecimento de limites – definindo o que são em relação ao que
não são‖. Aprofundarei esta questão no capítulo quatro.
9
O raciocínio foi conduzido a partir de uma analogia ao que escreveu Pinto (1998, p. 15) sobre as relações
estabelecidas dentro do serviço militar e o funcionamento da instituição militar.
22
A abrangência da pesquisa
Para tentar entender como se deu a diversificação do reggae em São Luís, percorro
um universo bastante amplo e complexo: desde a constituição da dinâmica de produção do
reggae até os variados públicos, as formas de midiatização e de apreensão do ritmo pelos
meios de comunicação de massa, por empresários do ramo e órgãos governamentais.
Sendo assim, no primeiro capítulo busco na constituição do reggae na Jamaica,
enquanto música, filosofia e estilo de vida, um modo de entender o fenômeno que ainda iria
chegar a São Luís. Compreendendo o reggae como um elemento de múltiplas faces e que
nasce fruto de uma hibridização cultural, influenciado pela diáspora africana e pela
colonização européia na Jamaica, procuro perceber as configurações e o contexto em que o
ritmo foi concebido, encontrou espaço – primeiramente nos guetos de Kingston – e depois se
expandiu, a ponto de virar um estilo musical disseminado em várias partes do mundo,
incluindo o Brasil e, destacadamente, a capital do Maranhão.
A segunda parte do trabalho se dedica a fazer uma tentativa de resgate histórico de
como o reggae chegou a São Luís e como este foi adquirindo características próprias, através
de um processo de identificação e de adaptação do ritmo jamaicano, principalmente, nas áreas
periféricas da cidade. Demonstrando a ressignificação do ritmo, este capítulo também se
ocupa em traçar semelhanças e compreender a convivência do reggae com os ritmos
folclóricos considerados da cultura popular local. Enquanto estilo musical e opção de lazer
escolhidos pela população mais pobre da Ilha, o reggae foi (e ainda é) marginalizado pelas
classes sociais mais abastadas que ocupam tanto as instâncias midiáticas quanto as
governamentais (através, principalmente, da polícia e de órgãos que desenvolvem políticas
culturais e turísticas voltadas ao reggae). As formas pelas quais se dá essa marginalização –
que muito está relacionada ao fato de o reggae das periferias ser apreciado por uma população
predominantemente negra – são discutidas neste capítulo.
Ainda no segundo capítulo, discuto sobre a denominação ―
Jamaica brasileira‖,
atribuída a São Luís, buscando saber quem criou a expressão, a que setores sociais ela
interessa e a quais não interessa; assim como debater os conflitos gerados a partir desse
cognome frente a outros (principalmente, ―
Atenas brasileira‖) e as implicações desta ―J
amaica
brasileira‖, uma vez que a partir dela se configura a importância, a força e o alcance do
reggae em São Luís.
A geopolítica que consegui perceber no reggae em São Luís é esmiuçada na terceira
parte do trabalho. Nesta, procuro explanar, através dos mais diversos interlocutores que
23
constituem o reggae, a dinâmica de produção e de consumo do reggae em São Luís, assim
como a diversificação do mercado, do público, dos espaços, produtores, formas de percepção
e de apropriação do reggae. É neste capítulo da dissertação que busco descrever e discutir a
respeito dos clubes, das radiolas, DJs, cantores, bandas, empresários, fãs e frequentadores dos
locais de reggae, da legitimação do ritmo por frações da classe média, dos bares voltados para
esta camada social, dos conflitos e convergências que se configuram nesse espaço no qual o
reggae se realiza enquanto um fenômeno múltiplo.
O capítulo quatro é destinado a compreender como se dá o que chamo de
midiatização do reggae, desde a dinâmica das radiolas, que vão de salão em salão divulgando
o ritmo, passando pelo uso de carros de som nos bairros, programas de rádios e televisão,
especializados em reggae, até a publicização do ritmo como parte da identidade cultural de
São Luís nos demais veículos de comunicação de massa da cidade, exemplificados através de
um estudo das inserções na TV Mirante e TV Globo.
Por fim, a tentativa de transformar o reggae em produto turístico e suas implicações
são avaliadas no quinto capítulo. Tendo como base a análise do projeto da Prefeitura
denominado ―
São Luís Ilha do Reggae‖, do Guia Turístico do Reggae de São Luís e do III
Seminário Reggae e Turismo (os dois últimos são etapas do projeto), essa parte se dedica a
verificar como o reggae é apropriado pelas instâncias governamentais e empresários do
turismo, e perceber que reggae é esse que está sendo empacotado e vendido como produto.
Pela abrangência da pesquisa, estou ciente que vários aspectos relacionados ao
reggae poderiam ter sido mais explorados ou mesmo aprofundados. Entretanto, por falta de
tempo, de material de pesquisa e, em alguns casos, de interesse (a princípio) de minha parte,
assuntos e detalhes importantes não foram abordados ou precisariam ser mais esmiuçados, em
detrimento de outros aspectos igualmente importantes que consegui ver, me instigar,
pesquisar e, assim, me aprofundar.
Portanto, esta dissertação é o começo de um estudo sobre este fenômeno
multifacetado com o qual me deparei. Quanto mais a pesquisa de campo foi avançando, mais
minúcias e pequenas diferenciações fui constatando, mais fui adentrando em um mundo
complexo, o qual me esforcei para interpretar.
24
1. É POSSÍVEL FALAR DE REGGAE NO SINGULAR?
“Se você for ouvir a música de Bob Marley mesmo e traduzir, você vai ver que é a
coisa mais linda. É por isso que eu viajo, viajo” (Claudinei Guimarães, instrutor de
capoeira, em matéria exibida em 11 de maio de 2006 pela TV Mirante).
“Em Belém eu conhecia aquela coisa básica: Bob Marley, Jimmy Cliff, Peter Tosh.
Quando eu vim ao Maranhão passei a conhecer outros que eu não sabia e passei a
gostar, e aí buscar a partir daí começar a colecionar” (Sônia Soares, colecionadora
de reggae, em depoimento no making of de gravação do DVD da Tribo de Jah, dia
02 de outubro de 2008).
“[...] não existe entre os regueiros de São Luís uma ligação forte com Bob Marley.
A preferência é por outros cantores considerados mais românticos, como John Holt,
Gregory Isaacs, Erick Donaldson, entre outros” (Carlos Benedito Rodrigues da
Silva, 1995, p. 94).
“A gente fala massa regueira, nação regueira, não é a galera que vai pro bar do
Nelson. É uma referência direta à massa popular do reggae, aquela que frequentava
o Pop Som, o Espaço Aberto, que ia pras grandes festas de reggae” (Fauzi
Beydoun, cantor da banda Tribo de Jah, em entrevista no dia 03 de outubro de
2008).
A cidade de São Luís, no Maranhão, é conhecida por muitos brasileiros como
―
Jamaica brasileira‖ ou mesmo ―
capital nacional do reggae‖. No programa de televisão
veiculado pela extinta TV Manchete, ―
Documento Especial: Maranhão em ritmo de Reggae‖,
em 1991, o locutor afirma: ―
o reggae já está tão arraigado em São Luís, que passou a fazer
parte do cotidiano de toda a população‖. Pode ser exagero falar de ―
toda população‖, mas em
uma manhã de sábado, em junho de 2009, andando pela cidade, ouvi reggae seis vezes em
lugares diferentes: um taxista parado na Praça Deodoro com som no carro; em uma loja que
vende confecções a preços populares na Rua Grande; em outra loja (de CDs) na Rua do
Passeio; no carro ao lado ocupado por um jovem branco quando parei no semáforo perto do
Plantão Central da Beira-Mar; no bairro da Liberdade, o som saía alto de uma casa, e de outro
ponto não identificado (talvez uma casa ou carro de som) da Vila Jaracaty, que fica próxima à
ponte Bandeira Tribuzzi.
É perceptível que o reggae mobiliza, em São Luís, milhares de pessoas e até envolve,
de acordo com a Secretaria Municipal de Turismo, uma ―
cadeia produtiva‖ que agrega
bandas, cantores, colecionadores, pesquisadores, grupos de dança, DJs, radioleiros10,
associações e ONGs, e empresários do ramo 11. Mas o que é o reggae ludovicense? Quais são
10
Radioleiro é um termo muito usado por meus interlocutores para designar os donos de radiolas, empresários
do reggae.
11
A Secretaria Municipal de Turismo desenvolve, desde 2006, o projeto ―
São Luís – Ilha do Reggae‖, cujo
objetivo, segundo o folder de divulgação, é ―
promover o Reggae como produto turístico, por meio do
fortalecimento de sua identidade, valorização dos costumes locais, da articulação e integração dos segmentos,
25
as representações desse ritmo na mídia? Qual é a imagem do reggae divulgada pela indústria
turística? Que relação existe entre a ―
massa regueira‖ da qual fala Fauzi Beydoun e a música
de Bob Marley? Por que os regueiros de São Luís não têm uma ligação forte com Bob
Marley, considerado maior ícone do reggae mundial? E por que uma colecionadora de reggae
diz que Bob Marley é ―
básico‖? Se o bar do Nelson é um bar que toca predominantemente
reggae, por que o público de lá não é a massa regueira? A resposta que me parece mais
sensata a essas perguntas é outra pergunta: é possível falar de reggae em São Luís no
singular?
Para pensar nesse reggae (ou seria melhor falar em reggaes?) recorro ao Mundo em
pedaços de Geertz (2001). Se o mundo em que vivíamos não existe mais e o que nos resta é
um mundo ―
estilhaçado‖, é preciso pensar nos fragmentos, questionar as categorias que
representam uma visão universal como, por exemplo, a que mais me interessa aqui:
identidade. Como fica a identidade nesse mundo onde domina um ―
sentimento de dispersão,
particularidade, complexidade e descentramento‖? (Idem, p. 192). A unidade e a identidade
têm que ser refletidas a partir da diferença, pois ―
o catálogo de identificações disponíveis se
expande‖ (Idem, p. 197).
No entanto, como a cultura é complexa, é um desafio perceber as representações da
realidade, as demarcações culturais, os processos que levam às identificações. Apreender o
fenômeno do reggae em São Luís, que é múltiplo, é tentar perceber, dentro da diversificação,
as fronteiras entre os diversos, os pontos de conflitos e as convergências. Entretanto, como
adverte Geertz (2001, p. 216-217), ―
discernir rupturas e continuidades culturais [...] é bem
mais fácil na teoria do que na prática‖, pois a cultura é uma complexa rede de significados
construídos socialmente e na qual o indivíduo permanece amarrado.
A cultura não pode ser percebida como pura, como algo ligado a uma identidade
única e integral, ainda mais se pensada a partir de uma perspectiva de um mundo
fragmentado:
A visão da cultura, de uma cultura, desta cultura, como um consenso em torno de
elementos fundamentais – concepções comuns, sentimentos comuns, valores
comuns – parece muito pouco viável, diante de tamanha dispersão e
dasarticulação; são as falhas e fissuras que parecem demarcar a paisagem da
identidade coletiva (Idem, 2001, p. 219).
visando a satisfação dos visitantes, comunidade e agentes dos segmentos do Reggae em São Luís‖. No projeto, a
Prefeitura considera como cadeia produtiva do reggae todos os segmentos acima citados. Foi, inclusive, formada
uma Comissão Maranhense do Reggae, que tem representantes de cada um desses setores. Esse projeto será
analisado no próximo capítulo.
26
São essas falhas e fissuras que fazem a cultura ser constantemente (re)construída.
Segundo Warnier (2003, p. 163), as lacunas da percepção são preenchidas pelo imaginário na
constituição constante da identidade. Então, se a cultura está em permanente mudança, a
identidade cultural não pode ser solida e única, ela é fluida e é composta também de pedaços.
Como a realidade sócio-cultural não é ―
dada‖, ela deve ser interpretada. Para tentar
apreender a(s) identidade(s) do reggae ludovicense, me proponho a buscar na hermenêutica
cultural – que é ―
o entendimento do entendimento‖ (GEERTZ, 1998, p.13) – uma ferramenta
para entender esse reggae, ou seja, ler um texto que já é fruto de uma interpretação. É
importante considerar que a descrição etnográfica é datada e situacional, pois o objeto de
investigação está em constante mudança. A minha descrição, portanto, é feita a partir da
minha posição, de como estou vendo, e é a construção do meu olhar, o meu recorte, que
aponta as possibilidades de interpretação dos fenômenos e da realidade. Ciente disso, lanço
mão da reflexividade proposta por Bourdieu (1997, p. 694),
[...] que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num
―
trabalho‖, num ―
olho‖ sociológico, permite perceber e controlar no campo, na
própria condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ela se realiza.
De acordo com Bourdieu (1997), a compreensão é subjetiva e, no ato de explicar, o
subjetivo é objetivado através de uma construção feita pelo pesquisador tanto no campo,
quanto na transcrição de entrevistas com os interlocutores da pesquisa (que, para ele, mais que
transcrever, é o ato de reescrever a fala do outro). Também na antropologia interpretativa que
Geertz (1989, p. 20) propõe, a investigação antropológica é feita através dos diversos níveis
de interpretação, incluindo a dos sujeitos imersos no objeto de estudo. O que o etnógrafo
enfrenta é:
[...] uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas
sobrepostas e amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas,
irregulares e inexplícitas, e que ele [o etnógrafo] tem que, de alguma forma,
primeiro apreender e depois apresentar. [...] Fazer etnografia é como tentar ler (no
sentido de ‗construir uma leitura de‘) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de
elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos.
O estudo da cultura se dá, portanto, através da interpretação dos significados
apresentados pelos sujeitos em suas práticas sociais e da descrição microscópica e densa da
realidade em questão. No caso do reggae em São Luís, os entendimentos dos diferentes
sujeitos são tão diversos que é impossível descrevê-lo como uma prática sócio-cultural, pois
tanto pode ser filosofia de vida, forma de dançar, mercado lucrativo, tipo de música, opção de
27
lazer, instrumento de diversão, campo de disputa social, política e simbólica, produto
turístico. Interessa-me, portanto, analisar as apropriações feitas pelos sujeitos e a construção, a
partir de conflitos e de permanentes negociações, daquilo que cada um denomina como sendo
reggae.
1.1. Reggae: um ritmo híbrido e diaspórico
O reggae é um ritmo que nasceu de um processo de hibridização na Jamaica e se
internacionalizou, principalmente na voz de seu maior ícone, Bob Marley. Surgido no início
dos anos 1970, o ritmo é uma mesclagem do mentho – música folclórica jamaicana – com
vários gêneros musicais como os ritmos africanos, o ska e o calipso. De acordo com
Albuquerque (1997, p. 27-28), o ritmo tomou forma depois de uma sequência de
acontecimentos musicais: rhythm and blues, mentho, calipso, jazz, ska e rock-steady.
Segundo reza a lenda, um verão extremamente quente de 1966 fez com que [...]
reduzissem, gradativamente, a velocidade do ska, tornando-o mais lento [...]. A
batida, de fato, desacelerou-se. A guitarra ganhou o papel da marcação. Baixo e
bateria, os grandes beneficiados com a mudança, tornaram-se condutores da
música.
A própria origem da palavra reggae é diversa. É provável que o nome seja originado
da mistura entre as línguas afrocaribenhas e inglesa, presentes na Jamaica. Assim, ela
significaria ―
revolta‖ ou, ainda, ―
desigualdade‖. Apesar de muitas pessoas reivindicarem a
autoria do nome, esta nunca foi confirmada. No entanto, a palavra apareceu escrita pela
primeira vez em uma música do grupo Toots and Maytals, cujo titulo era ―
Do the Reggae‖. O
vocalista da banda, Toots Hibert, a definiu como ―
o que vem do povo, do gueto, da maioria
que sofre‖ (ALBUQUERQUE, 1997).
Figura 10- Reprodução da capa do disco "Do the Reggae"
28
Ao analisar a diáspora africana, Gilroy (2001, p.41) ressalta que, além de ser um
elemento de fragmentação e de trocas identitárias, o processo gerou o encontro de visões de
mundo: é a partir desse deslocamento que alguns intelectuais passam a trabalhar ideias como
hibridismo cultural e pan-africanismo 12, por exemplo. Ele afirma que pensadores como C.L.R.
James, Stuart Hall, Cornel West, entre outros, contribuíram para que o foco da crítica cultural
ultrapassasse a perspectiva nacionalista e ofereceram conceitos situados entre o local e o
global. Isso implica em pensar na cultura não mais como uma unidade que tem uma origem,
mas como algo híbrido. É o que Bhabha (2007) chama de desterritorialização da cultura: esta
passa a não ter mais um lugar de origem (pode até ter, mas isso já não interessa tanto) e se
estabelece nos entre-lugares.
Se a cultura caribenha é diaspórica (HALL, 2003, p. 34) e a diáspora provoca o
encontro/confronto de culturas e tem como consequência a relativização de valores, essa
cultura é deslocalizada, como explica Hall (2003, p. 36):
Como outros processos de globalização, a globalização cultural é
desterritorializante em seus efeitos. Suas compressões espaço-tempo,
impulsionadas pelas novas tecnologias, afrouxam os laços entre a cultura e o
―
lugar‖ [...] As culturas, é claro, têm seus ―
locais‖. Porém, não é mais tão fácil
dizer de onde elas se originam.
O que Hall propõe é que a hibridização das culturas não seja encarada como perda,
mas como ganho13. A ideia é compartilhada por Canevacci (1996, p.08), que defende a visão
da diáspora africana como um processo enriquecedor e de reciprocidade:
Uma diáspora marcada não mais pela erradicação violenta, pelo domínio
etnocêntrico, pela perda; mas uma diáspora contra a esterilidade de uma condição
imóvel, contra a miséria de uma identidade estável e segura [...] Diáspora como
escolha, como necessidade de trânsito, de transposição de fronteiras interiores e
exteriores.
Por isso, Hall argumenta que as novas formas musicais híbridas que surgem como
fruto da mistura não devem ser analisadas a partir da lógica centro/periferia, pois tanto centro
quanto periferia produzem músicas novas que só são possíveis por causa dos encontros
decorrentes da diáspora. A expressão musical do negro, por exemplo, se traduz na América
12
A ideia de pan-africanismo tem a ver com o processo de construção da(s) identidade(s) das culturas negras
espalhadas pelo mundo a partir da diáspora africana, que é multicultural, transnacional, multi-linguística e multireligiosa (GILROY, 2001).
13
Ele cita Laclau: ―
Essa universalização e seu caráter aberto certamente condenam toda identidade a uma
inevitável hibridização, mas hibridização não significa necessariamente um declínio pela perda de identidade.
Pode significar também o fortalecimento das identidades existentes pela abertura de novas possibilidades.
Somente uma identidade conservadora, fechada em si mesma, poderia experimentar a hibridização como uma
perda‖ (LACLAU apud HALL, 2003, p. 87).
29
de várias maneiras. Do blues ao hip-hop, nos Estados Unidos, a cultura africana foi-se
enraizando e tomando formas próprias, tornando-se ícone dos movimentos sociais e da
identidade negra. No caso do hip-hop, Gilroy (2001) argumenta que um poderoso movimento
de jovens negros urbanos pobres americanos, transformou a autopercepção da ―
América
negra‖, além de tomar proporções globais e influenciar grande parcela da indústria da música
popular.
1.2. Made in Jamaica para o mundo
“É apenas quando compreendemos que todas as afirmações e sistemas culturais são
construídos nesse espaço contraditório e ambivalente da enunciação que
começamos a compreender porque as reivindicações hierárquicas de originalidade
ou de „pureza‟inerentes às culturas são insustentáveis, mesmo antes de recorrermos
a instâncias históricas empíricas que demonstram o seu hibridismo”
Hommi Bhabha14
Também na Jamaica, o reggae nasceu como um ritmo dos guetos e foi possibilitado
pelo encontro proporcionado pela diáspora africana:
Constituindo-se na maioria populacional da Ilha, os africanos vindos de nações
diferentes sobreviveram aos 250 anos de escravidão e, após a abolição em 1838,
construíram novas relações interétnicas, criando as bases da cultura jamaicana com
seus cultos e danças rituais (SILVA, 2007, p. 94).
Os africanos escravizados trouxeram, portanto, na travessia do Atlântico, a memória
das formas musicais ouvidas em suas comunidades, que serviram de base para as músicas
caribenhas. E a maior parte da população descendente desses africanos continuou sendo
excluída, vivendo na miséria. ―
A música não podia ser separada da trágica experiência da
escravidão e da discriminação a que foram submetidos e teria sido um fator crucial para a
emancipação da ‗escravidão mental‘ de que falavam Bob Marley e Peter Tosh 15‖ (VIDIGAL,
2008, p. 25).
Além da sonoridade africana, predominante no reggae, o professor de música
Francisco Pinheiro (2009) cita a influência da colonização inglesa na constituição musical do
ritmo:
14
2007, p.67.
Nota de roda pé do autor: ―
Bob Marley usou essa expressão na letra ‗Redemption Song‘ no verso ‗se emancipe
da escravidão mental‘ [emancipate yourself from mental slavery], canção que pode ser encontrada no álbum
Uprising. Peter Tosh associa a liberação da maconha à eliminação da ‗mentalidade escrava‘ [slavish mentality]
dos jamaicanos na canção ‗Bush Doctor‘, do álbum do mesmo nome. Na Jamaica é chamada de ‗emancipação‘
(ocorrida em 1838) o que ficou conhecido na historiografia do Brasil como ‗abolição‘ da escravatura‖ (2008,
p.25).
15
30
[...] Como música, ele [o reggae] é uma arte de combinar os sons, de onde vem
também uma rítmica própria. De onde vem tudo isso? As células rítmicas do
reggae são oriundas quase que 90% da África. O timbre, os instrumentos usados
para se tocar reggae têm muito da África também. Na África se trabalha muito a
exaltação dos sons graves. Por isso que no tambor de crioula o solista é o maior
tambor, é o tambor grande, o meião, o roncador, como queiram chamar. Então, os
solos são de instrumentos graves, um pouco diferente da Europa, que exaltou
muito os violinos, que são mais agudos de uma orquestra. Isso é uma característica
das músicas oriundas dessa região [...]. Isso quer dizer que a África não explora os
sons médios e agudos? Explora, mas há muita ênfase aos sons graves. Daí lá na
Jamaica aquilo foi tudo sintetizado porque o reggae tem, assim como o bumba-boi
aqui e todas as manifestações chamadas de ―
autênticas‖, tem influências européias,
indígenas e africanas. Então o reggae tem muita influência européia, sobretudo
inglesa, porque a Jamaica foi colonizada pelos ingleses, tem também alguns
dialetos africanos, alguns ―
ioiôiô‖ ainda aparecem [...].
Segundo White (1992), influenciados pelo calipso, ritmo de Trinidad e Tobago que
dominou o Caribe por muitos anos, e também pelas antigas canções folk inglesas, os
jamaicanos foram misturando diversos ritmos até solidificar o mentho, nos anos 1950. Na
mesma década, com o processo de industrialização que se iniciou, ocorreu também o
inchamento da capital Kingston – em virtude da imigração do campo para a cidade – e o
surgimento de várias favelas. O ska veio depois, influenciado pelo rhythm and blues, que se
expandia em Miami e New Orleans, nos Estados Unidos. Mais dançante e acelerado, o ska
possibilitou a efetivação de uma indústria fonográfica na Jamaica nos anos 1960 (WHITE,
1999). E, com o passar do tempo, a batida predominantemente instrumental do ska foi se
modificando com a introdução de vocalistas nas bandas e ―
nessa evolução, impulsionadas por
novas misturas, surgiu o rock-steady‖ (SILVA, 2007, p. 97), com letras que falavam de
problemas sociais e políticos. O reggae viria logo depois desses movimentos musicais.
Um dos registros que se tem dessa época é o filme The Harder They Come, de 1972,
dirigido por Perry Henzell e estrelado por Jimmy Cliff. Na película, esse cenário jamaicano é
mostrado a partir da história real de Ivan Martín, um negro pobre que sai do interior para
tentar sucesso musical em Kingston. A miséria e a falta de oportunidade fazem com que ele se
torne um dos bandidos mais procurados pela polícia, mas também uma espécie de herói para o
povo. Antes de virar traficante e de matar um policial, Ivan chega a gravar uma música, ―
The
harder they come‖ (composta por Cliff especialmente para o filme), mas, apesar da canção
fazer sucesso nas festas, é boicotada pelo produtor, que tenta explorar o cantor aspirante.
Assim, no filme, percebe-se a existência de uma indústria cultural do reggae na década de
1970, na qual algumas gravadoras e produtoras dominam o mercado, impondo o que deve ser
31
ouvido e o que deve ser tocado, de acordo com seus interesses comerciais 16. A própria
realização deste filme pode ser vista como parte dessa indústria funcionando, como pontua
Vidigal (2008, p.73):
Diversos autores atestaram o papel catalisador de The Harder They Come nos
processos transculturais que levaram o reggae para todos os cantos do planeta,
fazendo com que muitos considerassem o filme como parte de uma estratégia
maior da gravadora, com o objetivo de tornar o reggae aceitável para o público
americano e europeu17.
Figura 11 - Jimmy Cliff em "The Harder They Come". Foto: Divulgação
Segundo depoimento do jamaicano Chris Blackwell, dono da gravadora Island
Records, empresa que lançou tanto o disco quanto o filme The Harder They Come, ―
havia
muita criatividade no meio musical, [...] assim achamos que seria ótimo se conseguíssemos
capturar algo da essência da Jamaica em filme‖ (apud VIDIGAL, 2008, p.73). Deste modo,
entre músicas como ―
You can get if you really want‖, de Jimmy Cliff, e ―
Sweet and dandy‖,
16
Albuquerque (1997, p.63) narra, em ―
O eterno verão do reggae‖, história parecida que ocorreu com Bob
Marley, quando ainda jovem procurou um estúdio para tentar emplacar a carreira de cantor: ―
A sessão foi rápida
e conduzida pelo próprio Kong [Leslie Kong, do estúdio Musik City], que usou a banda do estúdio para
acompanhar aquele jovem candidato ao estrelato. Marley acatou as ordens do produtor e abriu a boca apenas
para cantar. Pelo seu trabalho, ficou combinado – ou melhor, determinado – que ele receberia cerca de 15 dólares
e nenhum centavo a mais. Ele não teria mais direito algum sobre a música. Se ela se transformasse em um hit, os
lucros seriam todos de Kong. Era o primeiro encontro de Marley com a máfia dos estúdios jamaicanos‖.
17
Nota de roda pé do autor: ―
Sobre o papel de The Harder They Come na criação de um mercado consumidor
para o reggae, podem ser consultados artigos e livros escritos em várias épocas, com enfoques diversos (Gilroy,
1987, p. 169; Thelwell, 1992, p. 176; Fulani, 2005). Para outros comentários sobre o filme, ver Cooper (1995, p.
96), Warner (2000, p.76) e Marshall (1992, p.98). A revista de cultura pop Rolling Stone considerou a trilha
sonora do filme como um dos 500 álbuns musicais mais influentes de todos os tempos, onde ocupa a 119ª
posição (2003). Os documentários Hard Road to Travel (1991) e Midnight Movies (2005) trataram da recepção
do filme na Jamaica e nos Estados Unidos, respectivamente‖ (2008, p.73).
32
dos Maytalls, o filme retrata de maneira quase documental a efervescência da Jamaica na qual
o reggae surgiu. A música-título demonstra bem o espírito da época:
Eles me falam sobre um lugar lá no céu/ Esperando por mim quando eu morrer/
Mas entre o dia que você nasce e o dia que você morre/ Eles nunca ouvem nem
mesmo seu lamento/ Por isso, tão certo quanto o nascer do sol/ Eu vou pegar
minha parte do que é meu agora/ E então, quanto mais duro eles vierem/ Mais dura
será a queda deles/ Um por um (Jimmy Cliff, tradução minha).18
Em diversas outras letras de canções dessa época está o protesto contra a miséria e a
influência do rastafarianismo 19, que se disseminava cada vez mais na Ilha: falava-se de
opressão, da luta do negro, de Jah, da Babilônia, de retorno à África e de rebeldia, como no
disco de 1972 do grupo The Wailers – formado por Bob Marley, Peter Tosh e Bunny
Livingston – ―
Catch a Fire‖. A letra-título do álbum diz:
Escravocrata, a mesa tá virando (Toca fogo)/ Toca fogo, para que você possa se
queimar agora (Toca fogo)/ Toda vez que ouço o estalar de um chicote/ Meu
sangue corre frio/ Lembro-me nos navios negreiros/ Como eles brutalizavam as
próprias almas/ Hoje dizem que somos livres/ Só para sermos acorrentados na
pobreza (Bob Marley, tradução minha).20
No começo dos anos 1970, na Jamaica, a palavra reggae ainda era pouco conhecida.
O termo não é utilizado em momento algum no filme The Harder They Come. De acordo com
Albuquerque (1997, p.59), a música era vendida em compactos, cuja prensagem e distribuição
eram fáceis, os custos baixos e a vendagem rápida, seguindo o modus operandi do mercado
fonográfico da época.
18
A letra original é: They tell me of a pie up in the sky/ Waiting for me when I die/ But between the day you're
born and when you die/ They never seem to hear even your cry/ So I sure as the sun will shine/ I'm gonna get my
share now what is mine/ And then the harder they come/ The harder they fall/ One and all.
19
O movimento, surgido na Jamaica nos anos 1920, foi iniciado por Marcus Garvey. Descendente dos maroons
(escravos africanos que se refugiaram nas montanhas, formando grupos de resistência contra a dominação
inglesa na Jamaica), buscou na bíblia as ideias para a teologia rastafari, aqui resumidas: o ocidente era a
Babilônia, local de sofrimento que deveria ser superado. ―
A igreja católica, a polícia, o governo – tudo isso
representaria a Babilônia, o sistema corrupto e decadente do mundo ocidental‖ (ALBUQUERQUE, 1997, p. 33);
o uso da maconha tinha o propósito de ajudar a aguentar a realidade de opressão, além de servir para elevar as
mentes e facilitar a compreensão das coisas; os dreadlocks nos cabelos (dread quer dizer ―
terrível‖ e expressava
o medo que as pessoas brancas tinham dos negros com tranças) seriam como antenas através das quais os rastas
receberiam a inspiração de Jah, abreviação de Jeová (Idem, p.34); e a Etiópia passou a ser o horizonte, o lugar
para onde os negros rastas deveriam voltar. A opressão a que o povo era submetido fez com que as ideias se
propagassem e influenciassem de forma fundamental o reggae, pois ―
eles encontravam na teologia rastafari tanto
o consolo para as suas angústias quanto a inspiração para a produção musical que deu origem ao reggae‖
(SILVA, 2007, p.103). Para Hall (2003, p.43), ―
o rastafarianismo se representou como um ‗retorno‘. Mas aquilo
a que ele nos retornou foi a nós mesmos‖.
20
A letra original é: Slave driver, the table is turn (catch a fire)/ Catch a fire, so you can get burn, now (catch a
fire). Ev'rytime I hear the crack of a whip/ My blood runs cold/ I remember on the slave ship/ How they brutalize
the very souls/ Today they say that we are free/ Only to be chained in poverty.
33
Figura 12 - Reprodução da capa de "Catch a Fire"
Albuquerque (Idem, p.59) considera, entretanto, o lançamento de ―
Catch a Fire‖ um
marco na história do reggae mundial, pois ―
pela primeira vez na história da música pop
jamaicana, um artista local era, de fato, dono do seu nariz e lançava um disco inteiramente
composto por músicas inéditas [...], gravadas, sem pressões, num estúdio inteiramente a seu
dispor‖. Produzido por Bob Marley e Chris Blackwell, o disco foi fruto de contrato com a
Island, que tratou os artistas de maneira muito mais digna da que a indústria fonográfica
tratava os músicos na época. Em um período em que o rastafarianismo estava se espalhando
no centro urbano e a violência nos guetos jamaicanos aumentava, Bob Marley apareceu na
capa do álbum fumando um enorme e desafiador baseado. Crescendo na periferia de
Kingston, criado pela mãe solteira, enfrentando as dificuldades impostas pela pobreza
(ALBUQUERQUE, 1997), não é difícil entender por que as letras das canções de Bob Marley
eram de protesto contra a fome, a miséria, a opressão e pela paz nas ruas.
É a partir de ―
Catch a Fire‖ que o reggae passa a se consolidar como um ritmo
diferente do ska e do rock-steady, e começa a ir mais longe: em 1973, os Wailers tocaram em
Londres pela primeira vez. A internacionalização do reggae foi sendo consolidada pelos
Wailers e, principalmente, pelo integrante mais expansivo do grupo, Bob Marley. No segundo
disco da banda, ―
Burning‖, sucesso imediato, foram gravadas músicas que hoje são
consideradas clássicos do reggae mundial como ―
Get up, stand up‖ e ―
I shot the sheriff‖, que
depois seria regravada por Eric Clapton, disseminando o reggae também para a plateia branca
do rock (Idem, 1997).
Depois de fazer muito sucesso, os Wailers se separaram e cada integrante seguiu
carreira solo. Bob Marley aderiu à fé rasta e suas composições passaram a ser mais
34
espiritualizadas e pacifistas. Tornou-se um ídolo mundial – conforme Albuquerque (1997, p.
68), ―
superstar número um do Terceiro Mundo‖ – aclamado pelas revistas especializadas em
música e pelos grandes nomes do pop internacional, como Stevie Wonder e Mick Jagger, por
exemplo. Em 1981, após morrer de câncer, Marley se concretizou como ícone maior do
reggae, sendo cultuado em todas as partes do planeta.
Após o falecimento de Bob Marley o papel difusor das gravadoras e outros
intermediários se tornou muito menos relevante do que a divulgação espontânea,
mundializada, da produção em torno do reggae por parte de jornalistas, músicos,
admiradores e uma ampla rede informal de comunicação transcultural (VIDIGAL,
2008, p. 73).
O reggae foi, portanto, se ―
globalizando‖ e levando para cada país onde se firmava
elementos culturais que seriam hibridizados com elementos locais para tomar formas
particulares. Segundo o pesquisador Leonardo Vidigal, a expressão ―
globalização do reggae”
foi utilizada pelas professoras Carolyn Cooper e Donna Hope na Global Reggae Conference,
realizada na Jamaica em 2008, em uma discussão sobre a ligação entre a cultura negra e a
internacionalização do ritmo. A comunidade acadêmica debateu que, se por um lado, o reggae
criou um ―
espaço negro‖, como afirmou a historiadora Edna Brodber, defendendo que ―
o
reggae converteu muitas pessoas, mas também produziu um ambiente de empatia para
aqueles que queriam ser mais do que ouvintes de cantores e instrumentistas‖ (apud
VIDIGAL, 2008, p. 26), por outro, não se pode associar o reggae a um conceito homogêneo
de cultura negra, uma vez que há uma multiplicidade de apropriações praticadas pelos
diversos países onde o reggae foi-se instalando (Idem, p. 25).
Assim, no Brasil, há várias formas de adaptação ao reggae. Em cada região, o ritmo
foi tomando feições diferentes. Somando à apreciação dos cantores jamaicanos (vários deles
vieram ao Brasil, como Peter Tosh, Jimmy Cliff e o próprio Bob Marley, por exemplo),
diversos movimentos de reggae foram surgindo a partir da década de 1970, mas
principalmente na de 1980: desde o samba-reggae baiano, às canções de Gilberto Gil (como
―
Não chore mais‖, versão de ―
No woman no cry‖ de Marley), ―
Nine out of ten‖, de Caetano
Veloso, à banda fluminense Cidade Negra e da maranhense Tribo de Jah. O reggae foi-se
espalhando de forma fragmentada e diferenciada pelo país. Em São Luís do Maranhão, lugarobjeto desta dissertação, o reggae tomou formas peculiares também.
35
2. AS PEDRAS VÃO ROLANDO E CHEGANDO: O REGGAE EM SÃO LUÍS
“As culturas negras da diáspora mostram-se abertas, inacabadas e internamente
diferenciadas. Elas são formadas a partir de múltiplas fontes por movimentos que se
entrecruzam no mundo atlântico [...] Elas são continuamente criadas e recriadas
com o tempo e a sua evolução é marcada pelos processos de deslocamento e de
reposição dentro do mundo atlântico, e pela disseminação através de redes
mundiais de intercâmbio de comunicação e cultura”
Paul Gilroy 21
Silva (1995) percebeu o reggae em São Luís como um fenômeno de identificação da
juventude negra da periferia. Segundo o antropólogo, na cidade que possui uma população
predominantemente negra, com raízes africanas e algumas características culturais
semelhantes às da Jamaica, o reggae foi sendo acolhido por uma questão de gosto, de
identificação.
Se na Jamaica o reggae era símbolo da expressão dos negros oprimidos, em São
Luís, é considerado por ele também uma forma de resistência, uma vez que ampla parcela da
juventude negra concentrada na periferia urbana da cidade se mobiliza em torno do ritmo
como instrumento de lazer e, ao mesmo tempo, como demonstração da capacidade de criar
suas próprias alternativas de identificação, ainda que estes símbolos de identificação venham
de fora (SILVA, 2004), pois
[...] o processo de globalização possibilita aos diferentes grupos localizados,
atingidos pela dinâmica da mundialização da cultura, escolher, baseados em suas
raízes étnico-culturais, novos elementos que passam, a partir de uma
ressignificação, a ser retratados como expressão de sua identidade (SILVA, 2007,
p. 80).
A história do reggae na capital maranhense começou nos anos 1970. Não se sabe ao
certo, no entanto, a trajetória do ritmo da Jamaica a São Luís. É provável que os primeiros
discos tenham sido trazidos por marinheiros que vinham da Guiana Francesa e aportavam em
Cururupu. Sem dinheiro para pagar as refeições, eles trocavam vinis de reggae por comida e
bebida com donos dos bares ou para pagar as prostitutas no Porto do Itaqui, em São Luís. Um
dos defensores dessa hipótese é o dono de radiola Maurício Capela. Segundo ele, ―
os
marinheiros davam os vinis de presente para as prostitutas do porto, aí as meninas rolavam os
discos pros namorados e amantes da terra‖ (apud BRASIL, 2006, p. 05).
21
GILROY apud GUERREIRO, 2000, p. 98.
36
Contudo, a maioria dos donos de radiola em São Luís reconhece o DJ José Ribamar
da Conceição Macedo como o pioneiro a tocar o ritmo jamaicano nas festas da capital
(SILVA, 1995). Riba Macedo, como é conhecido, teve o primeiro contato com o reggae no
início da década de 1970, quando conheceu o vendedor de discos usados Carlos Santos, no
Pará. Riba gostava de música ―
estrangeira lenta‖ e Carlos passou a lhe trazer vinis de reggae,
que eram novidade no país.
Era discotecário de um salão de festas localizado no bairro da Areinha, região
formada por ocupações e palafitas na periferia de São Luís. Nesse salão, Riba
trabalhava em uma radiola conhecida como ―
Sonzão do Carne Seca‖ (pela
intensidade do som que a aparelhagem produzia e pelo nome do seu proprietário),
onde se ouvia, na década de setenta, principalmente as músicas de Jimmy Cliff. A
partir daí o ritmo começou a ser difundido para outras áreas da cidade e, pela
influência dos discotecários, ganhou espaço junto à população da periferia
(SILVA, 1995, p. 53-54).
O jornalista Otávio Rodrigues, apresentador do primeiro programa de reggae do
rádio brasileiro, também ressalta a importância de Riba Macedo para a difusão do ritmo em
São Luís, ainda na década de 1970:
Foi no mercado do Ver-o-Peso, na capital paraense, em 1975, que o pioneiro Riba
Macedo comprou seus primeiros discos de reggae. E então, com as jóias embaixo
do braço, começou a aparecer nas festas dos amigos discotecários de São Luís (era
assim que se chamavam os DJs), sempre tentando uma brecha entre um merengue,
um som discoteque e um bolerão... ―
Ninguém gostava. Falavam pra mim: ‗Riba,
larga de mão, isso é música de arraial!‘.‖ A partir de 1976, quando botou nas festas
seu Sonzão Guarany - na época, como era comum, um sistema de som com apenas
duas caixas e dois toca-discos -, Riba conseguiu espalhar o ritmo jamaicano e
inspirar a primeira geração do reggae no Maranhão. Surgiram DJs, radioleiros
(donos de radiola, como são chamados os sistemas de som), clubeiros (donos de
clubes, os salões de dança) e colecionadores. ―
Eu tocava Jesse Green, Jimmy Cliff,
Desmond Dekker, Toots [Hibbert, líder dos Maytals]. Quando aquele disco This is
Reggae Music, o de capa amarela, apareceu no Maranhão, eu já tinha o meu faz
tempo!‖ (2004).
De acordo com pesquisa feita por Silva (1995), a proximidade geográfica entre o
Maranhão e o Pará, além da semelhança entre os ritmos que predominavam nos dois estados
no período pode ter facilitado a entrada do reggae no Maranhão via Pará. Como pondera o
pesquisador e colecionador Tarcísio Ferreira Selektah (2009), é em terras maranhenses que o
ritmo ganha proporções maiores. ―
O Maranhão é o estado brasileiro que tem a ligação mais
forte com o Caribe. Boa parte dos sucessos no Maranhão vinha do Pará, mas o engraçado é
que fez sucesso aqui e não lá. Mas, no início, os vinis vinham de lá‖. 22
22
Fala durante a mesa redonda ―
Cena do Reggae na Jamaica Brasileira‖, I Musicom, UFMA, 22 de outubro de
2009.
37
Há ainda uma terceira possibilidade, de que o reggae tenha chegado através das
ondas curtas dos rádios amadores, que conseguiam captar sinais de diversas regiões das
Américas, incluindo o Caribe (BRASIL, 2006). As hipóteses de como o ritmo chegou à
capital maranhense não se excluem e, por isso, é plausível que os acontecimentos tenham sido
concomitantes.
O reggae tem, desde o final dos anos 1970, uma imensa popularidade em São Luís.
Já em meados da década de 1990, existiam nove programas sobre reggae no rádio e três na
televisão. Além disso, eram mais de oitenta salões e clubes de reggae espalhados pela cidade
(SILVA, 1995). De acordo com levantamento feito pela Secretaria Municipal de Turismo 23,
em 2008, existiam oito programas de rádio que somavam cinquenta e duas horas de
programação por semana, de domingo a domingo; dois programas de televisão, somando duas
horas por dia, de segunda a sexta-feira; e cerca de sessenta radiolas de reggae em São Luís.
Nos anos 1970, era tocado em festas onde predominavam ritmos como merengue,
lambada e bolero. Assim, nos intervalos de sequências mais agitadas, os discotecários
passaram a tocar estilos cadenciados. Desta forma o reggae foi despontando no cenário
musical da capital, onde era conhecido, no início, como música ―
estrangeira lenta‖ (SILVA,
1995). Aliás, como estes ritmos que dominavam os salões populares da cidade eram dançados
a dois e ninguém sabia o modo de se curtir o ―
novo ritmo‖, o reggae passou a ser dançado
―
agarradinho‖, como se convencionou dizer. ―
Em vez dos passos largos para frente e dos
braços para o alto, os ludovicenses cadenciaram ainda mais a dança e juntaram-se em par‖
(BRASIL, 2006, p. 08). Segundo o professor de dança, que dá aula de reggae, Saci Teleleu
(2009), ―
o merengue e o bolero são nossas influências, o porquê de nós dançarmos agarrado
até hoje. Eu digo que o reggae segurou, o reggae é responsável por manter essa forma de se
dançar agarrado aqui em São Luís‖. 24
O filme The Harder They Come, por exemplo, mostra as festas nos guetos
jamaicanos com ska e reggae, frequentadas predominantemente por negros. O que se pode ver
no filme é que, em 1972 na Jamaica, ninguém dançava reggae em par. Entretanto, em São
Luís, segundo Brasil (2006), desconhecendo a religião rastafari, a filosofia do reggae e o
contexto social jamaicano, que faziam com que as pessoas de lá dançassem demonstrando
força, os maranhenses ressignificaram a dança, tornando-a mais sensual. ―
O bom é coxa com
23
Os dados estão presentes no ―
Guia Turístico do Reggae de São Luís‖, lançado em dezembro de 2008 pela
Secretaria Municipal de Turismo. A pesquisa foi feita por José de Ribamar Mendes Bezerra.
24
Entrevista em matéria da TV Mirante, dia 29 de outubro de 2009. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Y8Lh2lCw7Dw>. Acesso em 30 de novembro de 2009.
38
coxa, cheirando o cangote da menina, naquele molejo na cintura‖, me disse o pedreiro José de
Ribamar Silva (2009), frequentador dos clubes de reggae da Vila Palmeira.
Figura 13 - Casais dançando reggae em clube na Vila Palmeira. Foto: Ramúsyo Brasil
Porém, tanto em vídeos das décadas de 1980/90, disponíveis na Internet 25, quanto
hoje nos clubes de reggae, se vê pessoas dançando aos pares e também muitas pessoas
dançando sozinhas ou até fazendo coreografias em duplas ou trios.
Essa proximidade do som jamaicano com os ritmos caribenhos, que eram bastante
tocados em São Luís na época, deu impulso ao reggae, que foi rapidamente conquistando um
numeroso público. Em entrevista, Silva (2004) esclareceu que:
A identificação com o reggae em São Luís pode ser explicada pela familiaridade
do ritmo com o merengue, bolero, forró e outras manifestações culturais regionais
como o tambor de crioula e o bumba-meu-boi. Além disso, há também muitas
semelhanças culturais entre a Jamaica e o Maranhão.
Ora, a cultura envolve também poder e ―
não é um campo autônomo nem
externamente determinado, mas um local de diferenças e lutas sociais‖ (JOHNSON, 1999, p.
13). Assim, em uma época em que as manifestações da cultura popular de São Luís eram
25
Diversos vídeos gravados nos clubes de reggae, nos anos 1980/90, estão disponíveis no site You Tube,
arquivo de Leandro Ramos: ―
Anos 90 – Reggae no Maranhão‖. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch
?v=sHvVkaOVN0E&NR=1&feature=fvwp>. Acesso em 12 de julho de 2009; ―
Reggae do Maranhão anos 80 –
personalidades‖. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7-iEWcN0SZI>. Acesso em 12 de julho de
2009; ―
Radiolas Anos 90‖, Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=FwNctrJJMio&feature=related>.
Acesso em 12 de julho de 2009.
39
marginalizadas e ficavam praticamente restritas às camadas sociais mais pobres 26, o reggae
surgiu como um estilo musical próprio dessa população, predominantemente negra.
Embora, naquele momento, na cidade, o ritmo não tenha assumido o caráter de
protesto que possuía na Jamaica, passou a reunir em São Luís as classes mais oprimidas em
torno de um estilo musical por uma questão de gosto.
2.1. A festa onde “o reggae é a lei”27
As festas de reggae realizadas nas periferias da capital maranhense podem ser vistas
como oportunidades de extravasar os problemas e frustrações da população, que enfrenta no
seu cotidiano as dificuldades da pobreza. A festa, conforme as abordagens feitas por Burke e
Perez28, é o excesso, o momento no qual quem pouco tem, tudo pode, a hora de se divertir
para recuperar as energias e voltar à dura rotina, só esperando pela próxima festa. O som alto
das radiolas, a dança no salão, o consumo de bebida alcoólica (principalmente cerveja), o
encontro com amigos, a ―
pura e simples‖ diversão: tudo isso proporciona aos frequentadores a
sensação de alívio de tensões do dia-a-dia, apesar de ali haver outras tensões. Como diz Viana
(1987, p.140) sobre o funk carioca (mas que aqui cabe, de certa forma, ao reggae nos clubes
ludovicenses): ―
[...] a ameaça sempre presente da violência. A festa é loucura, uma afirmação
inconsequente e irresponsável de que a vida vale a pena ser vivida. A alegria apesar de toda a
miséria do cotidiano‖.
Em um vídeo intitulado ―
Anos 90 – Reggae do Maranhão‖29, essa ideia é confirmada
no depoimento de três homens negros, entrevistados em uma festa de reggae no antigo clube
―
Toque de Amor‖, no bairro da Ponta D´Areia:
Aqui o reggae mais é uma forma de diversão, aonde o pobre, o negro, consegue se
libertar da opressão que ele passou a semana toda, lavando carro, levando bronca
26
Somente na década de 1990, as manifestações folclóricas às quais me refiro (como, por exemplo, o bumbameu-boi) passaram a receber mais frequentemente incentivo através de políticas públicas do governo estadual,
voltadas para o desenvolvimento de uma indústria turística, sendo, portanto, reconhecidas enquanto cultura
popular legítima do Maranhão. Antes dessa política de valorização, as manifestações – a maioria de origem
africana – eram praticadas à margem da sociedade pelas classes mais pobres, na periferia da capital e no interior
do estado.
27
Alusão a um verso da música ―
Regueiros Guerreiros‖, da banda Tribo de Jah.
28
BURKE, Peter. O mundo do carnaval. In: Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 202-228. PEREZ, Lea. Antropologia das Efervescências Coletivas. Dionísio nos Trópicos: festa
religiosa e barroquização do mundo – Por uma Antropologia das Efervescências Coletivas. In: PASSOS, Mauro
(org.) A festa da vida. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 15-58.
29
O vídeo, publicado no site You Tube, não tem créditos nem caracteres para identificar as pessoas que dão
depoimentos. O arquivo é de Leandro Ramos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=sHvVkaOVN
0E&NR=1&feature=fvwp>. Acesso em 12 de julho de 2009.
40
da polícia. Então, sexta-feira o pessoal desce pros clubes de reggae, é uma maneira
de se divertir.
Se você passar em frente a uma festa de reggae, você sempre se toca pro que tá
tocando lá dentro. Quer dizer, na hora que bate, você sente a pancada e você tem
que encarar.
Antes até era criticado, mas hoje nós tamo conseguindo assim uma fase áurea,
tamo conquistando um espaço que a sociedade nos negou, mas que hoje vem à
tona. Fluiu e o reggae tá aí na rua.
Partindo dessa mesma ideia do reggae como expressão e extravasamento da
população pobre de São Luís, a banda Tribo de Jah compôs a música que hoje é considerada
hino do reggae no Maranhão, ―
Regueiros Guerreiros‖30:
Mais um dia se levanta/ Na Jamaica brasileira/ Mais uma batalha que desperta/ A
Nação Regueira/ Eles descem dos guetos logo cedo/ Se concentram nas praças e
ruas do centro/ Lavando, vigiando carros,/ Vendendo jornais,/ Construindo
prédios, obras,/ Cuidando de casas e quintas/ São menores, maiores brasileiros/
São os dreads verdadeiros do Maranhão/ Regueiros Guerreiros/ Dreads
Verdadeiros/ Regueiros Guerreiros/ Do Maranhão/ Ninguém jamais parou para
pensar/ Na sua condição de cidadãos com direitos/ Lutando em condições
desiguais/ Lutando contra preconceitos e diferenças sociais/ Só que no fim de
semana/ O Reggae é a lei/Dançando no Toque, No Pop, no Espaço/ Todo regueiro
é um rei (Tribo de Jah).
Opção de lazer para essa população que ―
desce dos guetos‖, o reggae não implicou
na perda das ditas tradições regionais e raízes locais. Há, inclusive, semelhança musical com
os ritmos anteriormente consolidados como cultura popular maranhense. No caso do bumbameu-boi, por exemplo, em uma matéria publicada na Folha de São Paulo de 18 de setembro
de 1988, Rodrigues disse que a identificação está na marcação dos couros do bumba-meu-boi,
que é centrada em contratempos como acontece no reggae. Já Brasil (2005, p. 45) traça um
paralelo entre o tambor de crioula e o reggae:
[...] considerando seus respectivos ritmos, podemos fazer uma comparação entre
seus elementos tímbricos: a guitarra, que no reggae produz o efeito da repetição,
tem a função de dar a ginga ao reggae, assim como as matracas no Tambor. A
bateria faz a pontuação da música, trabalha a dinâmica do som. Também é
constatada tal função no ―
meião e no crivador‖, que no Tambor, constituem a base
da instrumentação, ou como também é conhecida pelos músicos, ―
a cozinha‖. O
―
tambor grande‖ e o contra-baixo em seus respectivos gêneros são responsáveis
pelos graves (maior vibração), ambos estão livres para criar arranjos com acentos
30
A música que está no primeiro CD da banda, lançado em 1995, é executada até hoje nas rádios e bastante
conhecida pela população ludovicense. Em uma eleição feita na comunidade ―
Reggae Roots – São Luís‖, no site
de relacionamento Orkut, ―
Regueiros Guerreiros‖ foi escolhida entre 15 reggaes a música que mais lembra o
reggae na atual Jamaica Brasileira, com 45% dos votos. ―
É preciso falar mais algo? Não né. A letra já diz tudo!‖,
comentou a universitária Débora Campos, uma das pessoas que votou na canção da Tribo de Jah. Disponível em:
<http://www.orkut.com.br/Main#CommPollResults?cmm=1168547&pid=60282002&pct=1209848954>. Acesso
em 12 de outubro de 2009.
41
inusitados, sincopados, fora da cabeça do tempo, nos contratempos e com notas
fantasmas.
Figura 14 - Tambor de crioula. Foto: site da Prefeitura de Cantanhede - MA
O pesquisador José de Ribamar Mendes também destaca que há uma identificação
musical entre o reggae e os ritmos da cultura popular local.
A percussão do tambor de crioula e do bumba-meu-boi, manifestações de origem
africana, é semelhante à marcação do contrabaixo do reggae roots. Isso vai fazer
uma junção do que já está no imaginário maranhense com a música estrangeira.
Vai se juntando à cultura local de forma agradável. Existe uma ancestralidade em
comum.31
Figura 15 - Bumba meu boi em São Luís. Foto: Enciclopédia Viva
Desta forma, a identificação musical vai ao encontro do contexto histórico-cultural,
uma vez que as principais manifestações culturais do estado nasceram da cultura afro31
Fala durante a mesa redonda ―
Cena do Reggae na Jamaica Brasileira‖, I Musicom, UFMA, 22 de outubro de
2009.
42
descendente, assim como o reggae na Jamaica. Muitas vezes, o mesmo indivíduo – em geral,
negro e pobre – que na década de 1980 lotava os salões de reggae, participava das ditas
manifestações da cultura popular tradicional do Maranhão, tais como o bumba-meu-boi e o
tambor de crioula.
Conversando com alguns frequentadores nos clubes de reggae, pude perceber que,
ainda hoje, é possível identificar entre os frequentadores, aqueles indivíduos conhecidos pelos
ludovicenses como ―
brincantes‖, como observou também Brasil (2005, p.47):
O―
brincante‖ é aquela pessoa que participa de várias ―
brincadeiras‖ da Ilha, no
São João ele toca matraca no ―
Boi‖, na festa de São Benedito ele bate ―
Tambor‖,
no aniversário da morte de Bob Marley ele vai pro reggae. Este indivíduo sente-se
atraído pela pulsão coletiva que é proporcionada pelas instituições culturais de
origem africana, que são essencialmente baseadas no sentido da vibração interna
do corpo no transe.
Além disso, as radiolas de reggae são comumente contratadas para tocar em festas
populares e religiosas. Na festa do Divino Espírito Santo, em Alcântara, há sempre uma
radiola tocando reggae até o amanhecer do dia; na celebração da morte de boi de vários
grupos de bumba-meu-boi é frequente que se toque reggae também; e em diversas outras
festas populares o reggae está presente, como relatou Ferretti32, sobre o tambor de crioula
realizado em terreiro de culto afro, no município de Codó, em 1998:
Soubemos que no terreiro de Seu dos Santos haveria toque, por ser dia de seu
aniversário. Fomos até lá, um pouco guiados pelos fogos que soltavam. Ao chegar
vimos que havia no quintal, um baile com a radiola Jovem Pam, tocando músicas
de reggae, com grande participação de jovens.
Também o Guia Turístico do Reggae de São Luís (2008, p.22) registra algumas
festas religiosas das quais o ritmo faz parte:
Os festejos de tradição/festas religiosas são numerosos e acontecem em todo o
Estado. Logo após a cerimônia religiosa, segue-se a parte profana com a festa ao
som da radiola de reggae. Destacam-se, na Ilha de São Luís, a Festa de Nossa
Senhora de Belém, em Igaraú, Estiva; Festejo de Santos Reis, em Maracanã;
Festejo de Santa Luzia, em Andiroba; Festejo de São José de Ribamar, em São
José de Ribamar; Festejo de Santa Bárbara, em Santa Bárbara.
Mendes (2009), responsável pelo trabalho de pesquisa do Guia, afirma que algumas
festas de reggae já são programadas, inclusive, em função de festejos de tradição associados a
festas religiosas.
32
FERRETTI, Sérgio. Tambor de crioula no dia 13 de Maio em Codó. Artigo publicado no site Divino
Emaranhado, sem data, p. 02. Disponível em: <http://www.divinoemaranhado.art.br/pag/grl/lit/0600200004
.doc>. Acesso em 23 de janeiro de 2009.
43
Essa proximidade entre os ritmos rendeu até homenagens dos grupos de boi para o
reggae em suas canções como, por exemplo, ―
Luzes e Estrelas‖ (1997), composição de Inácio
Bartolomeu, toada do Boi da Mocidade de Rosário: ―
Brilha a luz de João Carcará/ Madre
Deus das estrelas que tem fé/ Itanatty, brincantes cazumbás/ Brilha a estrela de Antonio José/
Banda Guetos e a Tribo que é de Jah/ Brilha a estrela que urrou no Pindaré‖. Assim como a
banda maranhense Filhos de Jah criou uma música chamada ―
Boizinho Regueiro‖ (2009),
cujo refrão versa: ―
Meu boizinho regueiro/ Meu boizinho regueiro/ Ginga pro lado de cá, pro
lado de lá‖, e no final do reggae sobe o som das matracas do bumba-meu-boi. Em
apresentação realizada no Dia Municipal do Regueiro, 5 de setembro de 2009, na Praça Maria
Aragão, a banda tocou a música acompanhada de um boi com couro temático do reggae, cujo
miolo 33 era um dançarino de reggae, vestido com uma calça de listras horizontais e colete
coloridos, e boina com as cores do reggae. Ao fim da execução da música, o vocalista
Fabinho Araújo disse:
A diversidade é a soma das culturas. Taí o boizinho regueiro. Invenção nossa.
Tinha que ser invenção nossa. Porque senão alguém aí fora inventava e a gente ia
aplaudir. Mas bumba-meu-boi regueiro tinha que ser do Maranhão. Palmas pro
boizinho regueiro!
Figura 16 – ―
Boizinho Regueiro‖ e a banda Filhos de Jah na Praça Maria Aragão
O―
boizinho regueiro‖ foi apresentado pela primeira vez dia 19 de junho de 2009, na
festa junina ―
Filhos de São João & o Boizinho Regueiro do Maranhão‖, na Vila Palmeira,
idealizada por Araújo. No repertório, ouviu-se uma mistura dos ritmos, com toadas, canções
de MPM34 e reggaes: ―
Quando São João Chegar‖, de Fauzy Beydoun, ―
Se Não Existisse o
33
Miolo do boi é como ficou conhecida a pessoa que fica dentro da carcaça do boi, dançando, rodopiando, dando
vida ao boi. O couro do boi é a roupa bordada com temas diversos que cobre a carcaça do boi.
34
Sigla de Música Popular Maranhense. Mais a frente falarei mais sobre a MPM.
44
Sol‖, Chagas da Maioba, ―
Ilha Bela‖, Carlinhos Veloz, ―
Pisa na Fulô‖, João do Vale, e
―
Bailarino das Areias‖, do Boizinho Incantado.
No entanto, apesar da forte ligação que existe entre o bumba-meu-boi e o reggae,
entre alguns frequentadores mais jovens essa identificação entre o reggae e as manifestações
da cultura popular não tem tanta importância. Muitos (sobretudo das classes populares) me
disseram frequentar muito mais os clubes de reggaes do que participar das brincadeiras de
bumba-meu-boi e tambor de crioula, por exemplo, como explicou o frequentador de clube de
reggae, Francisco Costa (2009), 21 anos: ―
A gente vai, a gente vai pro boi também. Mas a
gente gosta mesmo é de reggae [...] acho que é porque hoje no boi vai todo mundo né? E no
reggae a gente é que domina‖.
Ora, se o ―
boi‖ deixou de ser uma manifestação marginalizada, própria das camadas
sociais mais populares, e passou a ser uma manifestação reivindicada pela população
ludovicense de uma maneira geral, e o reggae ainda é identificado por Costa como um lugar
onde ―
a gente é que domina‖ (―
a gente‖ pode significar, pela fala dele, a população negra e
pobre), o reggae passa a ter, para ele, mais relevância que o bumba-meu-boi. Para Costa, o
gosto pelo reggae (aquele reggae que ele frequenta) é próprio da camada social com a qual
ele se identifica; já o ―
boi‖ parece não mais identificar a população da periferia e negra, uma
vez que se firmou como identidade dos maranhenses como um todo: brancos, negros, ricos ou
pobres.
2.2. O reggae marginalizado
Os espaços de reggae localizados na periferia e/ou frequentados pelas classes
populares são locais onde os excluídos e marginalizados pelas instituições públicas e pela
mídia podem se divertir entre seus iguais (SILVA, 2007a, p. 34). É importante considerar que
essa
[...] discriminação contra o negro não se dá por conta do reggae. Ao contrário, o
reggae, a exemplo de várias outras manifestações que recebem o mesmo
tratamento, é discriminado por sua identificação como ―
coisa de negro‖ e, neste
sentido, é atingido também, pela desqualificação atribuída às atividades lúdicas
construídas pelos grupos negros na cultura brasileira (Idem, p. 35)
Desta forma, aqueles que optam por esses espaços de lazer são alvo de preconceitos
e, em várias situações, taxados de marginais e, por isso, submetidos à vigilância e controle,
45
exercidos pelo governo, principalmente, através da polícia, e pelos meios de comunicação de
massa.
Mesmo quando os clubes passaram a ser frequentados por brancos e por pessoas de
maior poder econômico, a discriminação continuou. Com o tempo, foram surgindo espaços
―
apropriados‖ ao gosto dos setores de classe média35, o que significa que, embora nos salões
populares haja a presença de pessoas de camadas sócio-economicamente favorecidas,
prevalece como maioria nos clubes e festas realizadas nas periferias da cidade a população
menos abastada. E, como as elites ludovicenses associam a marginalidade a esta população,
por consequência, veem esses espaços de reggae como locais de criminalidade.
Por isso, para Silva (2007), o fato de o reggae estar sendo hoje consumido pela
classe média não diminui as desigualdades sociais nem o preconceito racial. Em dois
depoimentos colhidos por ele fica em evidência a manutenção da segregação racial e o
tratamento diferenciado da sociedade (aqui na figura da polícia) para com os brancos
presentes nos reggaes: ―
No tempo que a polícia vivia baixando o pau na negrada, os brancos
nem sabiam que o reggae existia. Agora que o reggae virou moda, os brancos começam a
invadir o salão e a gente não tem mais espaço pra dançar‖ (GUIU JAMAICA, dançarino,
apud SILVA, 2007, p. 121).
Quando a polícia chegava no salão, baixava o pau em todo mundo. Agora não, os
brancos descobriram o reggae e os negrinhos já não têm mais lugar para dançar
porque o reggae tá ficando caro, e se a gente não se organiza a gente perde o nosso
espaço (RUY PINTO, capoeirista, apud SILVA, 2007, p. 123).
Percebe-se na fala de ambos uma resistência à presença dos brancos nos locais de
reggae, uma vez que, genericamente, são esses brancos que os oprimem, os vigiam e,
portanto, representam uma ameaça ao espaço por eles construído.
Daí a presença do branco ser vista, por alguns, como uma invasão, geralmente
incômoda, já que este é a representação do grupo que caracteriza o reggae como
uma atividade marginal, ameaçadora [...]. As reações de vigilância e controle
exercidas, por exemplo, pela polícia e pela imprensa local refletem a concepção
das elites maranhenses sobre o reggae e seus frequentadores, contribuindo para a
construção de uma imagem estereotipada do regueiro (SILVA, 2007a, p. 34-35).
Tanto os frequentadores quanto os espaços localizados na periferia são
marginalizados, vistos a partir de preconceitos e estereotipados negativamente. Em palestra no
III Seminário Reggae e Turismo, realizado em maio de 2009, o pesquisador de Carnaval
35
Sobre esse processo de aceitação do reggae por setores das classes média e alta, e sobre o surgimento de
espaços voltados para essas classes sociais, tratarei mais pontualmente no próximo capítulo.
46
Eugênio Araújo teceu considerações sobre o fato de que (segundo pesquisa de Silva, 1995) os
primeiros bairros da cidade onde o ritmo ganhou espaço tenham sido Areinha, Liberdade,
Sacavém e Vila Palmeira:
Hoje são os bairros considerados os mais perigosos e de maior índice de
criminalidade da cidade. Eles foram os primeiros lugares onde se escutou reggae
em São Luís. Então vejam que a origem [...] da manifestação também está atrelada
a sentidos negativos ou negativizados pela visão dominante.
Associa-se, então, a criminalidade registrada nos bairros onde o reggae teve maior
penetração desde as décadas de 1970/1980 aos apreciadores do ritmo, classificados
socialmente como criminosos, pelo fato de residirem em áreas da periferia e frequentarem
clubes de reggae, espaços definidos, por sua vez, como ―
lugar de negro‖, de ―
marginal‖.
Nesse caso, tanto a periferia quanto o negro que lá reside são alvos de discriminação.
Há muitos relatos de violência policial nos clubes, principalmente na década de
1980, quando as festas já atraíam centenas de pessoas. ―
A polícia não tinha pena não. Ia
descendo o pau mesmo. Eles achavam que todo mundo era bandido, não tavam nem aí‖, me
disse Pedro Jamaica (2009), frequentador de clubes de reggae desde a década de 1980.
Atualmente, no entanto, muitos frequentadores dos locais de reggae situados na
periferia me afirmaram que a ação dos policiais não é mais tão violenta, mas que ainda sentem
a discriminação por parte da polícia. Conforme Selektah (2009):
O reggae, apesar de todo o boom da mídia ainda hoje é marginalizado. Não é mais
como era antigamente, mas a polícia fecha os reggaes do gueto. Passou do horário,
o som tá muito alto, fecha, amparado na lei. Mas em locais de classe média deixa
tocar até sete horas da manhã. Além disso, o reggae só é notícia quando alguém
morre, só notícia ruim.
A maneira como o reggae vira notícia é um assunto que será tratado no capítulo 6.
No que diz respeito à ação do Estado, o que transparece no discurso dos entrevistados é que a
violência praticada hoje não é mais predominantemente física, como ocorria nas décadas
passadas, mas permanece de forma simbólica, sendo uma violência branda, suportada, do
reconhecimento e, portanto, acolhida como legítima (BOURDIEU, 2002, p. 206).
Assim, a violência contra os frequentadores e locais de reggae da periferia é
―
branda‖ porque não se expressa mais tanto com força física e é ―
do reconhecimento‖ porque
age sob pretexto da lei e, embora o Estado ―
reconheça‖, em vários âmbitos, a importância do
reggae para grande parcela da população da cidade, o faz de forma seletiva e preconceituosa
(um exemplo é a forma como hoje se tenta promover o reggae como produto turístico, mas a
47
partir de uma série de critérios que excluem as periferias 36), assim como, em contrapartida, o
próprio frequentador ―
reconhece‖ a legitimidade da ação do Estado em relação ao reggae,
quer seja através da ação da polícia ou de instituições como Secretarias de Cultura e Turismo,
as quais desenvolvem projetos que englobam de algum modo o reggae.
Quando Selektah afirmou que ―
a polícia fecha os reggaes do gueto‖, estava se
referindo às ações da Operação Manzuá, realizadas por cinco meses em 2009 (de março a
julho), pelo Ministério Público Estadual, em parceria com as Polícias Civil e Militar. De
acordo com a chefe da Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Maranhão,
Olívia Franse (2009):
A Operação Manzuá é um projeto institucional do Ministério Público que visa
incentivar os poderes públicos do Estado e dos municípios da Ilha de São Luís a
atuar de forma conjunta no enfretamento de questões urbanas. O enfoque é a
ordenação dos espaços públicos, ocupados de forma desordenada; o
funcionamento dos bares e restaurantes; a violência urbana, a participação de
menores em horário impróprio. Tem uma linha de atuação voltada para repressão à
poluição sonora, que se tornou um dos principais problemas encontrados na
cidade.
A Operação Manzuá foi tema de discussão durante o III Seminário Reggae e
Turismo, em 2009. O assunto entrou na pauta depois da palavra do representante da Fundação
Municipal de Cultura (FUNC), Francisco Colombo, que abordou a questão da insegurança
nos bairros e locais de reggae:
[...] A cultura deve servir para incentivar o cidadão a realizar a sua cidadania
plenamente, e realizar a cidadania plenamente consiste em viver a cidade mais
plenamente. E hoje a gente sabe também que São Luís não é exatamente uma
cidade democrática pra gente viver essa cultura plenamente. Por exemplo: eu não
saio da minha casa para ir a determinado lugar, por mais que tenha a radiola do
meu amigo Tarcísio, lá na Liberdade, que eu gosto muito, mas eu não vou se eu
achar que eu vou tá inseguro, se eu achar que eu vou ser assaltado ou assassinado.
Ou se eu achar que se eu for de carro o meu carro vai ser roubado. A cultura para
ser vivida plenamente, ela tem que acontecer quando a gente resolver os problemas
de maneira integrada. É por isso é que é importante a integração da Secretaria, da
Polícia Militar, do poder público em geral. É preciso a gente entender que cultura
não pode ser vivida num contexto isolado.
Após essa fala, Colombo foi questionado e até acusado de preconceito por algumas
pessoas da plateia, composta predominantemente por agentes envolvidos com o reggae, como
DJs, donos de bares, de radiolas, de produtoras, pesquisadores, dançarinos, cantores etc. Ele
se defendeu dizendo que estava acostumado a andar pelo bairro da Liberdade, que tinha
muitos amigos lá, que a insegurança não ocorre só nos bairros da periferia, pois seria um
problema que existe em toda a cidade e que precisava ser combatido.
36
O turismo será discutido no último capítulo.
48
Figura 17 - Seminário Reggae e Turismo. Foto: Fabrício Cunha
A questão da segurança e da ação da polícia nos reggaes foi discutida na fala
seguinte, do representante da Polícia Militar. O Major Jorge Luongo, comandante da
Companhia de Policiamento de Turismo, nas áreas da Praia Grande e Lagoa da Jansen,
discorreu sobre as ações da PM relativas à segurança nas festas de reggae e também sobre a
Operação Manzuá:
Há muito tempo o reggae já não é pontuado como área de ocorrências policiais,
até porque a gente desenvolve ações específicas para esses estabelecimentos. A
gente procurou diversificar: estabelecimentos que oferecem diversão pública, tais
como o reggae, as boates e quaisquer tipos de bar, são fiscalizados pela polícia.
Mas o importante é dizer que existem aspectos legais para o funcionamento desses
estabelecimentos. Eles perpassam pela questão do isolamento acústico, a proibição
de menores, o acompanhamento por parte da PM na promoção desses eventos e
proteção daqueles que vão ali gastar o seu dinheiro, seu tempo e se divertir. A
gente quer que o cidadão de bem procure esses estabelecimentos e se divirta. E
aqueles que não compartilham da atuação legal serão reprimidos pela atuação
policial. Essa é a diretriz do nosso comandante [...].
Muitos dos senhores já devem ter tomado conhecimento ou mesmo sido visitados
pela Operação Manzuá. É um entendimento entre instituições: Polícia Civil,
Bombeiros e Militar, e Ministério Público, e agora se juntou o Juizado da Infância
e Juventude. E ela vem atuando nos bares, nos bairros, contra aqueles usuários de
veículos com som alto, mas ela tem atingido as pessoas, mas eu acho que o cunho
educacional deve ser levado em consideração. Nós sabemos que se nós estamos
em local residencial, aquele volume não deverá ultrapassar certo patamar. Se nós
estamos em local turístico, o horário estabelecido deverá ser respeitado.
Ora, ao dizer que ―
o reggae não é pontuado como área de ocorrências policiais‖
porque a polícia ―
desenvolve ações específicas para esses estabelecimentos‖ (grifo meu) é
admitir que esses locais de reggae precisaram (ou precisam) de uma maior vigilância e
controle. Que ações específicas seriam estas? Uma delas, que é visível a quem passa, por
exemplo, em frente aos locais de reggae situados na praia da Ponta D´Areia, nos domingos à
49
tarde, é a presença constante de viaturas da Polícia Militar na porta dos clubes. ―
Aqueles que
não compartilham da atuação legal serão reprimidos pela atuação policial‖ é uma forma de
dizer que todos aqueles que estiverem ―
fora da lei‖ serão punidos. Deste modo, atuando sob a
estirpe da lei, a polícia exerce a força legítima para disciplinar os locais de reggae. Portanto,
como o controle disciplinar é feito pelo órgão autorizado ele é, em parte, consentido por
aqueles que são vigiados e disciplinados.
Após o discurso proferido por Luongo, duas pessoas da plateia fizeram
questionamentos ao Major. Primeiro, Cláudio Designer (representante de uma produtora) e
depois, Selektah:
Nosso colega que está aqui, César Jamaica, DJ e proprietário de uma radiola, foi
preso sem sequer falar nada, foi dada uma voz de prisão pra ele lá na hora da festa.
E na Lei Estadual não há previsão legal para prisão numa situação dessas, por
causa de som alto. Hoje o que a gente tá vendo é a Operação Manzuá chegando
nos estabelecimentos e dando voz de prisão sem nenhum argumento.
[...] Por que na Praia Grande só as casas de reggae estão sendo fechadas? Aquelas
boates lá, Observatório... nunca é alvo da fiscalização?
Designer estava se referindo a um episódio ocorrido no início de maio de 2009,
quando o clube Toca da Praia foi fechado pela Operação Manzuá e o DJ que estava fazendo a
festa teve sua aparelhagem apreendida e foi levado pela polícia à delegacia. Já Selektah
questionou a respeito da presença da fiscalização que, segundo ele, no Centro Histórico, teria
ido aos locais de reggae como o Roots Bar e o Bar do Porto, mas não às boates gays que
ficam localizadas na mesma região. Às duas colocações, o Major respondeu:
Vamos acabar com isso de que o reggae é perigoso, é ligado a drogas e um local
onde só habitam marginais. Não, tanto é que vocês estão aqui para discutir isso. A
Operação Manzuá vai continuar, pelo menos por parte da Polícia Militar, vai
continuar. Quanto à pergunta que foi feita com relação ao fechamento de casas de
reggae, eu acho que existe um sentimento de vitimização, de que o reggae é
perseguido. Eu acho que não existe um direcionamento, nem uma orientação por
parte do comando de que só haverá fechamento de estabelecimentos de reggae.
Ocorre sim uma verificação de todas as licenças necessárias para funcionamento, e
se não há perturbação do sossego, limites legais de horário e constatação de
menores ou qualquer outro tipo de irregularidade dentro do estabelecimento. Não
fechamos a Observatório, senhores, porque eles já possuem o isolamento acústico
adequado, a licença, quem chega na portaria tem que apresentar identidade. Agora,
vocês têm meu telefone. Liguem e nos acionem se existir algum tipo de ilícito
contrário ao que estou dizendo aqui.
Ao afirmar que existe um ―
sentimento de vitimização‖ por parte daqueles que
produzem e promovem as festas de reggae, Luongo quis isentar a polícia de toda e qualquer
ação realizada a partir de pressupostos preconceituosos. A intenção foi dizer que a polícia age
sem distinguir os locais de festa, dar a entender que não importa o ritmo tocado e a
50
localização da festa, que a ação será sempre a mesma, pautada nos princípios da legalidade.
No entanto, na primeira frase pronunciada por ele em sua palestra, já havia sido dito que a
Polícia ―
desenvolve ações específicas para esses estabelecimentos‖, ou seja, o reggae recebe
sim um tratamento diferenciado pela polícia.
No Seminário Reggae e Turismo, depois de muita contestação sobre a Operação
Manzuá, o debate foi finalizado pela intervenção reflexiva do DJ Junior Black:
Quero saber se as políticas públicas e de segurança estão sendo pensadas para as
comunidades de periferias. Pra quando o Tarcísio Selektah quiser levar a radiola
dele pra Liberdade... A minha reflexão é: nós somos marginais ou marginalizados?
Somos violentos ou violentados?
O preconceito em relação aos locais de reggae (principalmente, aos situados em
áreas periféricas da cidade), embora às vezes mascarado, existe. A questão da insegurança
apareceu sob vários ângulos nas diversas falas nesse Seminário. Primeiro, o representante da
FUNC abordou o tema, dando a entender que o bairro da Liberdade é um lugar perigoso.
Então, várias pessoas da plateia se sentiram alvo do ―
preconceito‖ de Colombo, que precisou
então se justificar para demonstrar que, para ele, a falta de segurança é um problema mais
amplo, que abrange toda a cidade. Depois, o Major da PM tentou demonstrar,
discursivamente, que o posicionamento da polícia é tratar os locais de reggae como qualquer
outro local de diversão, sem distinção social ou racial. Mas esse discurso é questionado por
pessoas que promovem as festas de reggae nos clubes populares. Para eles, a polícia age sim
de forma diferenciada, tratando os frequentadores dos clubes muitas vezes como bandidos, a
exemplo dos relatos de frequentadores em relação às décadas passadas (de que ―
a polícia
vivia baixando o pau na negrada‖). Alguém da plateia chegou, inclusive, a falar que ―
a polícia
tá fechando os reggaes porque é coisa de preto, de pobre‖. Em outro momento, Selektah falou
que ―
queria ver fecharem esses bares [de reggae] de rico‖. A essas colocações, Luongo
respondeu que ―
existe um sentimento de vitimização, de que o reggae é perseguido‖.
A respeito da Operação Manzuá, é importante considerar que, ao contrário do que
sugeriu Selektah, a fiscalização ocorreu também em outros bares e casas de show na Praia
Grande, além dos locais de reggae, assim como também fechou o Bar do Nelson (bar de
classe média que toca preponderantemente reggae) durante uma ação de fiscalização, em
junho de 2009. O bar teve sua licença de funcionamento cassada, por descumprimento ao
horário de funcionamento estabelecido, reabrindo as portas cerca de quinze dias depois
(FRANSE, 2009). Naquele mesmo fim de semana, de acordo com reportagem do jornal O
Estado do Maranhão de 23 de junho de 2009, o Ministério Público fechou aproximadamente
51
trinta estabelecimentos, desde bares da Avenida Litorânea (por falta de licença para funcionar
e por desrespeito ao limite máximo de som permitido), a quiosques da praia da Ponta D´Areia
(por venda de alimentos e bebidas alcoólicas, quando só tinham permissão de comercializar
água de coco), lanchonetes irregulares em bairros de classe média como a Cohama, e casas de
show em bairros da periferia, como o clube de reggae Ritmo da Ilha, no São Cristóvão, que,
segundo a fiscalização, não oferecia condições mínimas de segurança para os frequentadores.
Se há diferença na forma de agir da polícia durante as incursões nos clubes, em
relação ao comportamento da mesma polícia nos chamados bares de reggae37, isso é uma
questão que eu não pude comprovar, pois nunca presenciei a fiscalização da Operação
Manzuá ou qualquer outra ação da polícia enquanto estive pesquisando em campo ou como
frequentadora de alguns locais de reggae. Segundo relatos de frequentadores dos espaços
populares, algumas vezes a polícia é chamada por causa de brigas, porém, a ação dos policiais
é de retirar os envolvidos do local e conduzi-los à delegacia, embora algumas pessoas tenham
me dito que é comum a polícia ―
chegar batendo‖. Pelos depoimentos colhidos nos clubes,
entendi que a polícia entra nos salões ―
à procura de bandidos‖, que são levados para o distrito
policial, enquanto a postura dos policiais nas proximidades dos locais frequentados pela classe
média parece ser muito mais de garantir a segurança dos frequentadores.
Todavia, a presença da polícia não é tão constante nos bares de reggae. Em locais
como Bar do Nelson e Trapiche, por exemplo, dificilmente vi policiais de plantão durante as
festas de reggae; no máximo uma viatura passando em frente aos locais. Já nos clubes
populares como o Toca da Praia e o Arena, ambos situados na praia da Ponta D´Areia (área
turística, próxima a vários hotéis), sempre há viaturas paradas em frente e, vez por outra, os
policiais entram nos clubes. Em outros clubes localizados nos bairros da periferia, no entanto,
não é sempre que uma viatura da polícia fica em frente ao local onde ocorre a festa. No
Palácio, por exemplo, clube amplo no bairro do São Cristóvão, alguns frequentadores me
relataram que é difícil a polícia estar presente.
Ela só aparece quando é chamada, quando tem briga. Lá os marginais entram com
faca escondida até embaixo do sapato. Ninguém revista. Já vão mal-intencionados.
Por isso que tem tanta briga. E a polícia quando chega já é só pra levar preso
(Celeste Freitas, 2008).
A presença ostensiva da polícia nos clubes da Ponta D´Areia aponta uma atenção
extra com a violência em uma área que é considerada turística, uma vez que fica na orla e a
37
A expressão ―
bares de reggae‖ é utilizada por vários interlocutores para diferenciar esse locais dos ―
clubes de
reggae‖. Sobre esses bares e as diferenças (público, estrutura, proposta, localização etc.) que existem entre esses
espaços e os ditos ―
clubes de reggae‖, falarei no próximo capítulo.
52
cerca de quinhentos metros de alguns hotéis de luxo da cidade. O fato de não haver a mesma
vigilância no Palácio, clube localizado na periferia, bem longe das regiões frequentadas por
turistas e pela classe média, pode demonstrar que a presença de viaturas em frente ao Toca da
Praia e ao Arena é uma ação motivada, sobretudo, pela preocupação com os turistas e não
com os frequentadores dos dois clubes. Em outras palavras, como os clubes são classificados
socialmente como espaços dos excluídos (que são marginalizados), a polícia parece pressupor
que esses locais sejam mais violentos que os bares (por isso, há mais policiamento em alguns
clubes que nos bares), no entanto, só há reforço policial nos clubes populares localizados em
áreas turísticas.
2.3. São Luís: Jamaica brasileira?
“Em seus tempos de apogeu literário, São Luís, a capital do Maranhão, tornou-se
conhecida como a „Atenas brasileira‟. Mais recentemente, pela reputação de cidade
amante do reggae, ganhou a alcunha de „Jamaica brasileira‟” (Zeca Baleiro,
cantor e compositor maranhense, em artigo publicado na IstoÉ,1º de abril de 2009).
“No momento em que os meios de comunicação maranhenses passam a cognominar
a nossa São Luís não mais de „Atenas brasileira‟, mas de „Jamaica brasileira‟, urge
que se repudie tamanho e tão deplorável abuso. Não se conhecem na história da
Jamaica feitos nos campos das letras, artes e ciências. Sabe-se das lutas de seu
povo contra os colonizadores ingleses [...]. Por outro lado, a Grécia antiga
continua sendo um ponto de referência para a cultura ocidental [...]. De repente,
muda-se o epíteto, belo e dignificante, de Atenas brasileira, para este, atroz e
destruidor: Jamaica brasileira” (Ubirajara Rayol, professor de Língua Portuguesa,
artigo publicado no jornal O Estado do Maranhão, 16 de abril de 1991).
“Se fala nessa disputa entre Atenas e Jamaica brasileira. Mas ninguém lembra de
Ilha de Upaon-Açu. Coitados dos índios que nem entram nessa disputa” (Francisco
Pinheiro, professor de música, fala durante o III Seminário Reggae e Turismo, 28
de maio de 2009).
Desde a década de 1990, circula pelos jornais de São Luís uma discussão sobre o
cognome ―
Jamaica brasileira‖. Alguns intelectuais, defensores de outra denominação
disseminada anteriormente, ―
Atenas brasileira‖ – e de tudo que ele representa – discordam
que a capital maranhense seja conhecida por uma expressão que remeta ao reggae, ritmo que
nasceu na Jamaica e conquistou, primeiro, as camadas sociais mais pobres de São Luís desde
os anos 1970 (SILVA, 1995).
A ―
Atenas‖ surge em meados do século XIX da necessidade de uma elite
intelectual38 se afirmar enquanto pertencente a uma cidade singularmente culta. Elaborando
38
Formada principalmente por filhos de comerciantes e algodoeiros maranhenses que estudavam na Europa e
voltavam para São Luís trazendo costumes europeus, transformando-se em consumidores e produtores de uma
―
cultura letrada‖ (BORRALHO, 2000). Sobre isso, Holanda pondera que ―
a rápida e efêmera ascensão
53
uma representação de si, essa elite se volta ―
às suas origens‖ letradas, buscando o resgate dos
grandes nomes da literatura brasileira gerados em São Luís, como Gonçalves Dias, João
Francisco Lisboa, Odorico Mendes, Aluísio e Arthur Azevedo, entre outros, para criar a
imagem de uma ―
Atenas brasileira‖ (ARAGÃO, 2007). Assim como a grega – berço da
civilização ocidental – a Atenas maranhense representaria uma cidade referência ―
nas artes,
nas letras, na política, na filosofia‖ (RAYOL, 1991), produzindo um sentimento de orgulho
entre os ludovicenses.
No entanto, quando outra denominação, que liga São Luís não mais às origens
européias, mas sim a uma Jamaica negra e pobre, passa a ganhar destaque na mídia, as elites
sentem-se provocadas e incomodadas, pois a identificação com a Jamaica remete mais à
África que à Europa.
Antes de ser conhecida como Jamaica brasileira, título que até hoje a gente reluta
em aceitar, São Luís era conhecida como Atenas brasileira. Então vejam, a gente
sai da Grécia, dos templos de mármore, do Mediterrâneo, e cai no mar do Caribe,
explorado e colonizado. De Atenas brasileira, dos livros, das letras, dos escritores,
a gente cai na Jamaica brasileira. Até hoje os intelectuais maranhenses não
engolem muito bem isso não (Eugênio Araújo, pesquisador de Carnaval, fala
durante o III Seminário Reggae e Turismo, 28 de maio de 2009).
Hoje São Luís foi rebaixada para uma nova ―
alcunha‖, não um título, que
envergonha os bons ludovicenses, ―
Jamaica Brasileira‖, isso não é um título, é
uma declaração de ―
involução‖, de retrocesso, de introdução de um ―
folclore
estrangeiro‖, pois isso não é cultura, pois cultura não tem nada a ver com esse
―
lixo‖ importado (João d´Eça, reverendo, em artigo publicado no blog Rev.João
d´Eça, 7 de maio de 200839).
A reivindicação de uma autenticidade, que não se contamine pelo ―
folclore
estrangeiro‖, pelo ―
lixo importado‖, faz parte do que Bourdieu (1996) chama de luta de
classificação. Cada agente advoga, com os argumentos que tem, em favor de seu ponto de
vista para manter ou mudar a ordem estabelecida. O que está em jogo é aquilo que
particulariza, identifica e destaca a cidade: os cognomes que São Luís adquire, através de um
processo de construção, servem, sobretudo, para torná-la singular. E, como observou o
professor de música Francisco Pinheiro, a denominação de ―
Ilha de Upaon-Açu‖ nem entra
nessa disputa, uma vez que ―
Atenas‖ e ―
Jamaica brasileira‖ remetem a elementos de
econômica do Maranhão coincidirá, por sua vez, com um aumento notável no número de estudantes daquela
capitania e província nortista, que chegará a ultrapassar largamente, no meio século imediato, os próprios totais
de Minas e os de Pernambuco. Não foi certamente por um milagre que tivemos a famosa ‗Atenas Brasileira‘‖
(HOLANDA apud CORRÊA, 1993, p. 100).
39
Disponível em <http://joaodeca.blogspot.com/2008/05/so-lus-ma-atenas-brasileira.html>. Acesso em 23 de
setembro de 2009.
54
identificação que interessam a determinados setores sociais, diferentemente de ―
Upaon-Açu‖,
denominação indígena que parece já não singularizar tanto a cidade.
Ainda que a Jamaica Brasileira pudesse ter um caráter subversivo, negra, pobre,
periférica, ela não se choca com a Atenas elitista, branca, rica. As duas advêm do
mesmo ―
magma‖, que no caso especifico da capital maranhense, é a ideologia da
singularidade (ARAGÃO, 2007, p.66).
Apesar de se constituírem a partir do que Aragão chama de ideologia da
singularidade, para alguns intelectuais maranhenses, defensores da ―
Atenas brasileira‖,
―
Atenas‖ e ―
Jamaica‖ são como duas imagens opostas, como pontuou Araújo (2009): a
primeira européia, culta e, por isso, superior; a segunda, pobre, negra, escravizada.
Neste jogo de poder, pronunciadamente, há, portanto, aqueles que intercedem pela
―
Atenas brasileira‖, buscando definir o que é e o que não é a autêntica cultura maranhense
(com base nas fronteiras simbólicas dessa ―
Atenas‖), amparados em uma ideia de pureza da
cultura (onde esta é concebida como imutável, possuidora de um local de origem), em uma
―
noção de identidade histórica da cultura como força homogeneizante, unificadora,
autenticada pelo Passado originário mantido vivo na tradição nacional do Povo‖ (BHABHA,
2007, p.67); e aqueles que passam a sedimentar a construção da ―
Jamaica brasileira‖,
lançando mão de outros elementos de identificação, não necessariamente negando a ―
Atenas‖
letrada, mas afirmando outras possibilidades de adaptação, que levam em consideração a
hibridação das culturas40.
Silva (2007, p.115-116) argumenta que, por trás desse repúdio à ―
Jamaica brasileira‖,
está um preconceito contra o que Jamaica pode representar e uma tentativa de afirmar uma
ligação mais forte com a Europa, reivindicando o título ―
mais nobre‖ de ―
Atenas brasileira‖:
A presença do reggae estaria provocando uma atrocidade na cultura maranhense,
especialmente para aqueles que assimilaram a ideologia da europeização,
construída na sociedade brasileira após a abolição da escravatura, quando o
trabalho escravo foi substituído pelo assalariado.
Se nos períodos imediatamente após a abolição da escravatura a presença do negro
era vista como sinônimo de atraso, de animalidade, o ex-escravo sendo definido
como incapacitado para o desenvolvimento econômico e cultural da nação, a
identificação de São Luís com a Jamaica hoje significa, para alguns, remetê-la a
um passado de inferioridade e distanciamento em relação à europeização
40
―
Hibridação designa um conjunto de processos de intercâmbios e mesclas de culturas, ou entre formas
culturais. Pode incluir a mestiçagem – racial ou étnica –, o sincretismo religioso e outras formas de fusão de
culturas, como a fusão musical. Historicamente, sempre ocorreu hibridação, na medida em que há contato entre
culturas e uma toma emprestados elementos das outras. No mundo contemporâneo, o incremento de viagens, de
relações entre as culturas e as indústrias audiovisuais, as migrações e outros processos fomentam o maior acesso
de certas culturas aos repertórios de outras‖ (Canclini, entrevista em 2008, Cadernos de Leitura, Edusp, nº 2,
disponível em: <http://www.edusp.com.br/cadleitura/cadleitura_0802_8.asp>. Acesso em 23 de outubro de
2009).
55
pretendida e, em nome da qual, se nega a importância da presença da população
negra, em grande parte responsável pela construção da sociedade brasileira.
Enquanto um pesquisador ligado ao Movimento Negro, Silva enfatiza em sua
argumentação a negação da importância do negro na constituição da cultura maranhense,
através do que ele chama de ideologia da europeização. Mas além desse aspecto, estão no
bojo da explanação de alguns defensores da ―
Atenas‖, outras questões – relacionadas a essa
tentativa de europeização: para se afirmar a nobreza dos ―
bons ludovicenses‖ (D´EÇA, 2008)
que têm uma cultura própria, original, se nega a cultura ―
importada‖.
Dou tratos à bola com a insolência dessa mediocridade no sacrilégio, em rádios, de
que os negros maranhenses descenderiam de jamaicanos (não dos honrosos
africanos), embora os escravizados do Caribe (América Insular) fossem de outras
gentes, em colonização inglesa, não lusa, como a nossa; os nossos ancestrais foram
bantos (chamados de angolas, benguelas, cambindas, congos, moçambiques) e
sudaneses, dentre os islamizados (muçulmanos, na crença do Islamismo, religião
fundada por Maomé); os jamaicanos, loucos pelo ―
reggae‖ deles e ―
baseados‖
supersônicos cismaram que um certo Selassié, falecido imperador da Etiópia
(África), é seu deus (Jah) dos rastafáris; talvez por essa adoração, o grupo Tribo de
Jah blasfemou, em Codó, que o ―
reggae‖ seria a manifestação mais importante da
cultura maranhense, o que, racionalmente, não é e nem é; e ―
decretaram‖ isso, na
Assembléia, sem nenhuma sisudez parlamentar adversa a que o ritmo estrangeiro,
não podendo ser cultura nacional, era lesa-pátria (Herberth Jesus dos Santos, artigo
no Jornal Pequeno, 7 de novembro de 2008).
Na fala de Santos percebe-se que a busca pela descendência dos negros maranhenses,
afirmando sua origem africana e colonização portuguesa, serve para negar qualquer ligação
com os jamaicanos (e aqui enquanto ligação só é aceita a ligação pela origem). Assim, o
reggae é descredenciado por ser um ritmo estrangeiro, que se opõe à cultural nacional,
evidenciando a importância da origem, do local da cultura. Não há, deliberadamente, uma
negação à presença do negro na dita cultura maranhense, mas a negação da Jamaica por
simbolizar aquilo que vem de fora, como se as origens reivindicadas, africana e portuguesa,
também não fossem estrangeiras. Em outras palavras, Santos admite a presença do negro que
veio da África, através da colonização – um negro que foi miscigenado com o branco e com o
índio e gerou aquilo que ele, romanticamente, considera como sendo o maranhense –, mas não
o negro que veio da Jamaica já no século XX e sem o crivo português.
Com os mesmos argumentos de originalidade e de defesa da cultura nacional, o
presidente do bloco de carnaval Os Foliões, Willian Moraes Corrêa, reagiu a uma fala do
prefeito de São Luís, João Castelo, na qual este incluiu o reggae como um dos elementos da
musicalidade da cidade, que conferiram à capital maranhense o reconhecimento como Capital
Brasileira da Cultura, em 2009:
56
Jamaicano nunca! Essa onda de reggae só beneficia dono de radiola. São ritmos
brasileiros. Origem européia, africana e ameríndia [...]. Nada de Jamaica! São
Luís é Brasil! Viva o Brasil! Nada contra Jamaica ou país algum. O título é
Capital da Cultura Brasileira! É Brasil, nosso país amado e querido. Nossos
ritmos, danças, sotaques, costumes, lendas, arquitetura, culinária, nosso jeito de
ser que encanta o mundo. A solenidade do prêmio foi linda! Claro, o Bloco OS
FOLIÕES e a Raízes de Portugal estiveram se apresentando, com dezenas de
manifestações culturais. Parabéns, amada SÃO LUÍS DO MARANHÃO! Mais
um título pra coleção! A força dos nossos tambores! (CORRÊA, 200941).
As origens dos nossos ―
ritmos‖, ―
danças‖, ―
sotaques‖ e ―
tambores‖ são defendidas
por Corrêa para afirmar a cultura brasileira em oposição à jamaicana. O importante aqui é
notar de onde se fala: Os Foliões é um grupo classificado como ―
bloco tradicional‖, que
reivindica a origem européia e africana, e vem se construindo como tradicional. Está sendo
realizado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um inventário
dos blocos tradicionais maranhenses para transformá-los em patrimônio imaterial do Brasil.
Na negação do reggae, Corrêa reafirma a ―
nossa‖ cultura como sendo uma cultura totalizada,
separada das demais, intocada em seu local histórico, ―
protegida na utopia de uma memória
mítica de uma identidade coletiva única‖ (BHABHA, 2007, p. 63).
Como explica Bhabha (Idem, p. 64-65):
[...] ao significar o presente, algo vem a ser repetido, relocado e traduzido em
nome da tradição, sob a aparência de um passado que não é necessariamente um
signo fiel da memória histórica, mas uma estratégia de representação da
autoridade [...].
Como estratégia de reprodução da tradição, se busca no passado a origem da nossa
cultura, refutando aquilo que possa contaminá-la e, consequentemente, enfraquecê-la. Sob
esta perspectiva, qualquer hibridação é vista como perda, como ―
aculturação‖ e, destarte, o
reggae, como uma invasão cultural, descaracteriza a cultura originariamente maranhense.
Desta forma, por ser considerada pelos defensores da ―
Atenas brasileira‖ uma
manifestação de cultura ―
não tradicional‖, o reggae (principalmente o reggae tocado pelas
radiolas, que se sustenta mais nas músicas que vêm de fora e/ou cantadas em inglês) é
concebido por Corrêa apenas como aquilo que ―
só beneficia dono de radiola‖, o que
evidencia o caráter financeiro do reggae, visto como um produto de mercado, desprendido de
qualquer valor cultural.
A tomada de posição de Corrêa, de Santos e de Rayol os caracterizariam como
aquilo que Bhabha chama de ―
intelectual nativo‖. Bhabha (2007, p.67) afirma que os sistemas
41
Comentário postado no site do Ministério da Cultura, dia 11 de março de 2009, sobre a notícia da entrega, a
São Luís, do prêmio de Capital Brasileira da Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2009/03
/11/sao-luis-e-a-capital-da-cultura-2009>. Acesso dia 11 de julho de 2009.
57
culturais são constituídos em um espaço contraditório no qual convivem enunciações
ambivalentes e, por isso, não é possível pensar em uma pureza ou mesmo em uma
originalidade da cultura. Os sujeitos são, deste modo, livres para ―
negociar e traduzir suas
identidades culturais na temporalidade descontínua, intertextual, da diferença cultural. O
intelectual nativo que identifica o povo com a verdadeira cultura nacional ficará desapontado‖
(Idem, p. 68).
Essa visão do reggae como invasão cultural, entretanto, vem sendo rebatida tanto por
alguns grupos culturais ligados ao Movimento Negro, como o Grupo de Dança Afro
Malungos – GDAM, quanto por trabalhos acadêmicos como os de Silva (1995 e 2007). O
reggae passa a ser reivindicado como um ritmo que ganhou características próprias na cidade,
sendo ressignificado por alguns setores sociais, principalmente, por jovens negros da
periferia, que o adaptaram e o adotaram como instrumento de lazer e de identificação.
No salão de reggae, o negro encontra seus iguais. Excluídos social e
economicamente de outras formas de lazer, os regueiros mobilizam-se a semana
toda, trabalhando, procurando ―
descolar algum troco‖ para ir ao reggae no final de
semana. Ali encontram seu espaço (SILVA, 1995, p. 107).
Em defesa da ―
Jamaica brasileira‖ – e, aqui, não necessariamente da expressão
―
Jamaica brasileira‖, mas daquilo que ela pode representar, a importância e o alcance do
reggae em São Luís enquanto uma manifestação da cultura negra – as ideias de Silva (1995)
desequilibraram o campo de poder estabelecido, no qual o reggae era marginalizado por
grande parte dos setores sociais, visto como ―
cultura importada‖. Partindo da mesma
concepção de Silva, o professor de música Francisco Pinheiro defendeu a autenticidade do
reggae ludovicense, no III Seminário Reggae e Turismo, realizado em 2009:
O reggae é autêntico musicalmente? Bem, o que a gente chama de autêntico?
Autenticidade é aquilo que tem uma identificação em um certo grupo, em um certo
tempo, em certo espaço, onde se vê uma criatividade ímpar. Então, a gente vê até
umas críticas aqui dizendo ―
esse reggae do Maranhão, ele veio foi da Jamaica‖.
Sim, mas aqui ele já adquiriu características totalmente diferentes. A função da
arte é causar emoções, emocionar e expressar impressões. Aqui o reggae
emociona, expressa impressões e está começando a adquirir uma identidade.
Outros setores sociais também já reconhecem o reggae como um elemento adaptado
à cultura maranhense: a mídia de forma geral incorporou e, inclusive, naturalizou a expressão
―
Jamaica brasileira‖, utilizada como algo que torna a capital maranhense singular em relação
às demais localidades do país.
58
Também o turismo vem se apropriando da expressão para tentar transformar o ritmo
em um produto turístico:
Turistas curtem essa cultura diferenciada. E o reggae tem isso. O reggae
proporciona isso. Quem nunca teve contato com a vibração de uma radiola ou com
a elegância de uma melodia, a música de um cantor, o show de uma banda... [...]
Nós somos a Jamaica brasileira! (Fábio Abreu, assessor técnico da Secretaria
Municipal de Turismo, 200942).
O que se traduz nas palavras de Fábio Abreu é a percepção de que os produtos
culturais comercializados pela indústria turística não devem ser padronizados, mas sim
segmentados. Aqui cabe uma análise mais ampla do processo de diferenciação da cultura
enquanto mercadoria. Hall (2003, p. 45 e 61) defende que a globalização contemporânea traz
consigo duas tendências contraditórias: existem forças dominantes de homogeneização
cultural, mas existem também processos que disseminam a diferença cultural e o que é ―
local‖
acaba por resistir aos fluxos homogeneizantes do universalismo. Portanto,
A globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e
―
fechadas‖ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as
identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de
identificação (HALL, 2003, p. 87).
Isso quer dizer que, ao lado da tendência de homogeneização das culturas, está uma
fascinação pela diferença, que provoca a mercantilização da ―
alteridade‖. É nessa conjuntura
que a chamada indústria cultural, descrita primeiro pelos pensadores de Frankfurt 43, exarcebase. A priori, todos são consumidores; e, hoje, consumidores especializados, uma vez que a
indústria atende a todos os gostos, personalizando as tendências, tratando os indivíduos
singularmente, potencializando e cultivando a diferença, em vez de valer-se da padronização.
―
Trata-se por toda parte de substituir a unicidade pela diversidade, a similitude pelas nuanças
e pequenas variantes, compatível com a individualização crescente dos gostos‖
(LIPOVETSKY, 1989, p. 162).
Assim, para o turismo, o reggae é um segmento capaz de atrair um tipo de público,
um produto que tem a singularidade necessária para ser explorado comercialmente.
Para além dessa visão de mercado, outros setores sociais e camadas da população já
não veem mais o reggae como uma invasão cultural nociva, a exemplo da percepção do
escritor Jomar Moraes, membro da Academia Maranhense de Letras:
42
Fala no III Seminário Reggae e Turismo, dia 28 de maio de 2009.
O termo ―
indústria cultural‖ foi criado por Max Horkheimer e Theodor Adorno na década de 1940 para
designar a transformação, pela técnica, da cultura em mercadoria, em produtos alientantes e homogeneizantes.
43
59
[...] A gente deveria advogar como cultura original do Maranhão, essa mistura,
esses povos que vieram para cá, índios, franceses e negros, tudo caldeou numa
cultura com uma cara maranhense [...] Então o fato de aqui ter chegado o reggae
não me causa nenhuma oposição, até porque sei que o reggae é uma expressão
forte da raça negra e o Maranhão é um estado essencialmente negro [...]
(MORAES apud SILVA, 2007, p. 75-76).
A fala de Moraes é marcada pela influência do livro de Silva de 1995. Foi depois de
ler essa obra, que o escritor acrescentou ao seu Guia de São Luís do Maranhão (segunda
edição revista e aumentada, 1995) duas páginas sobre o reggae, enquanto um ritmo que se
instalou em São Luís e aqui desenvolveu características próprias, se consolidando como um
elemento cultural singular que integra a diversidade cultural maranhense.
O reggae44, de procedência jamaicana, aportou em São Luís munido de potentes
âncoras e clara decisão de permanência. Por motivos geográficos e também
etnográficos, são grandes as semelhanças e aproximações culturais entre a Ilha de
São Luís e as do Caribe. Por isso, não é de hoje que aqui têm ou tiveram grande
aceitação os ritmos tipicamente caribenhos, de marcante influência africana, a
exemplo do mambo, da salsa, do merengue e da lambada [...] Por enquanto o
reggae reina na periferia e tem por adeptos principais os negros. São, porém,
plenas as possibilidades de ele fazer o percurso de outras manifestações da cultura
popular. Já conquistou espaços cativos nas programações radiofônicas, domina
corações e mentes, conta com facções e torcidas fiéis. E assumiu seu quê de
maranhensidade, graças aos bons ares da terra, que nele crescem e se aprofundam,
na mesma proporção em que ocorre o progressivo distanciamento da matriz
jamaicana. Em face disso, passou a ser correto falar em reggae jamaicano e em
reggae são-luisense. Porque enquanto na Jamaica a evolução já está para lá do
reggae-pop, o que deixou para trás o período de que são expoentes máximos Bob
Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh, em São Luís predomina o reggae-roots, o
reggae de raiz (MORAES, 1995, p. 227-228).
Moraes, amparado no discurso de Silva e enquanto membro da Academia
Maranhense de Letras, adota uma postura que não coloca o reggae em oposição à imagem da
―
Atenas brasileira‖ (apesar de não utilizar o termo ―
Jamaica brasileira‖). Para ele, o ritmo de
origem jamaicana adquiriu características próprias, assumindo um ―
quê de maranhensidade‖
que confere ao reggae em São Luís uma diferenciação do reggae na Jamaica. Assim, quando
destaca o roots, Moraes admite o reggae na medida em que o vê como uma manifestação que
se tornou singular em relação ao reggae jamaicano. O que está implícito no discurso dele é
que, independentemente da origem do reggae, não é mais possível considerá-lo apenas uma
―
cultura importada‖, pois o ritmo foi adaptado e incorporado à cultura do ludovicense.
A publicação da obra de Silva (1995) estimula um debate entre as duas concepções –
―
Jamaica‖ e ―
Atenas‖ – e contribui para que a ―
Jamaica‖ passe a ter mais aceitação, pois, pelo
44
Nota de roda pé do autor: ―
Sobre o assunto, consultar SILVA, Carlos Benedito Rodrigues da. Da terra das
primaveras à Ilha do Amor.”
60
menos parte do meio acadêmico e, sobretudo, alguns intelectuais que lutam pelas causas
negras, passam a conceber o ritmo jamaicano como um elemento que sedimenta as influências
negras na capital maranhense.
Algumas pessoas45 apontam o vocalista da banda Tribo de Jah, Fauzi Beydoun, como
o autor da expressão ―
Jamaica brasileira‖. Ele teria criado o termo quando apresentava o
programa Reggae Night na rádio Mirante FM, na década de 1980. Em entrevista, Beydoun
(2008) observou a importância da transformação do significado de outra palavra: regueiro.
O próprio termo regueiro era ―
queimado‖ no Maranhão. Quando a gente falava
regueiro o cara se sentia até ofendido. Então eu me lembro que eu fiz uma
inversão de valores: então a gente passou a falar ―
esse é regueiro‖, o cara que
―
manja‖, isso trouxe aquele orgulho pro cara. Então ele é do reggae, conhece o
reggae, as pedras. Não é nem o caso de dizer que inventei o termo regueiro, mas
quem levou a expressão para a mídia nacional foi a Tribo de Jah. Hoje você ouve
essa terminologia em todo lugar.
O que Fauzi está dizendo é que o termo regueiro que tinha um sentido negativo,
muitas vezes sendo sinônimo até de marginal, foi ressignificado: assumindo um caráter
positivo, regueiro passou a ser aquele que sabe dançar, que conhece o reggae. E isso não se
dá de uma hora pra outra, mas sim através de um processo de construção de uma imagem do
reggae, incentivada pela mídia, via programas de rádio e TV especializados, via investimento
das radiolas com as festas espalhadas por toda a cidade.
Junto com o regueiro, a ―
Jamaica brasileira‖ começou a conquistar espaço e ser
motivo de orgulho para alguns setores sociais, mesmo com toda a oposição que ainda hoje
enfrenta. Para a comunicóloga Patrícia Camargo, 24 anos, que é de classe média e não
frequenta muito os locais de reggae, a denominação é válida, em reconhecimento aos
numerosos apreciadores do ritmo. ―
Além de extremamente importante para divulgar o nosso
turismo, acho que o título Jamaica brasileira atribuído a São Luís é também merecido, afinal,
o nosso povo é regueiro‖ (2009).
A expressão que vem sendo amplamente difundida entre os frequentadores dos
clubes de reggae nas áreas periféricas da cidade e propagandeada no rádio e na TV, ganha
força extra com a entrada de alguns intelectuais no jogo. Além de massificado, o termo passa
a ser justificado pelas diversas pesquisas acadêmicas que vêm sendo realizadas desde a
década de 1990. Esse mesmo discurso que se publiciza através das pesquisas acadêmicas vai
45
Isso me foi afirmado pelo músico Sérgio Barreto (2004), pelo radialista Marcos Vinícius (2009) e pelo próprio
Beydoun (2008): ―
Olha, outro dia me disseram que fui eu que inventei essa expressão [Jamaica brasileira].
Quando eu comecei o programa de FM, eu criei um monte de expressão. Eu não lembro de ninguém ter falado
antes de mim‖.
61
sendo posteriormente apropriado pelo turismo e pela mídia, cada setor com interesses e
enfoques próprios. E esse discurso difundido pelos meios governamentais e pelos meios de
comunicação de massa chega à população de São Luís facilitando a aceitação ao ritmo – ou
pelo menos parte daquilo que o reggae pode ser e significar na cidade. A fala de Camargo é,
desta forma, marcada pela reprodução do discurso turístico e da mídia: reconhecendo a
importância do ritmo para o ―
nosso povo regueiro‖ e para a divulgação do ―
nosso turismo‖,
ela toma esse discurso como natural.
O reggae em São Luís, descrito por Silva (1995) mais como uma forma de dançar e
local de lazer da população negra e pobre da cidade, passa também a ser usado política e
filosoficamente. A banda Guetos, por exemplo, formada por músicos ligados ao Centro de
46
Cultura Negra , defende o reggae como instrumento de afirmação da negritude:
A gente sempre quis fazer música negra, então fazia samba, mina, nosso tambor de
crioula, bumba-meu-boi, fazia blues [...]. Aí o reggae falou mais alto porque rola
uma identificação com o nosso cotidiano, nossa história, com toda essa
ancestralidade que a gente traz na nossa música. E isso tudo também fortalece a
identificação com o público (Tadeu de Obatalá, músico da banda Guetos, em
matéria exibida pela TV Mirante, dia 17 de março de 2006).
Ao invés de se reportar em uma ideia de origem, Tadeu de Obatalá, busca a
ancestralidade, que remete a um passado em comum. Quando exprime a ideia de uma
―
identificação com o cotidiano‖, o vocalista da banda Guetos está discorrendo sobre a música
como um componente que faz parte de uma cultura dinâmica, imersa em um constante
processo de mudança, reformulada o tempo todo em função do contexto histórico-social
(WARNIER, 2007).
Esse entendimento sobre cultura e sobre identidade é diferente do de Corrêa, Santos
e Rayol, que, através da defesa de uma cultura nacional, deixam clara a compreensão da
cultura como algo a ser preservado e mantido imutável ao longo dos anos, e de identidade
como ―
o conjunto dos repertórios de ação, de língua e de cultura que permitem a uma pessoa
reconhecer sua vinculação a certo grupo social e identificar-se com ele‖ (WARNIER, 2003,
p.16-17).
46
O Centro de Cultura Negra do Maranhão é uma entidade de atuação política e cultural. Conforme o texto de
apresentação do CCN, em sua página na Internet: ―
Desde a sua fundação em 19 de setembro de 1979, tem
investido em ações de formação, que possibilite instrumentos para que os afros descendentes desse Estado se
percebam enquanto um segmento social que pode criar condições de sua organização, de atuar por si mesmo na
transformação da realidade de opressão social baseada no racismo que ficou relegado. Para isso o CCN tem
desenvolvido diversas ações de caráter artístico cultural como instrumento de resgate e valorização da cultura
afro brasileira‖. Disponível em: < http://www.ccnma.org.br/historico.htm>. Acesso em 20 de janeiro de 2008.
62
Ora, o termo utilizado por Tadeu de Obatalá não é identidade, mas identificação,
noção mais contextual e fluida. Para Warnier (2003), essa expressão é mais apropriada a um
cenário de globalização da cultura, onde um mesmo indivíduo pode assumir identificações
múltiplas que mobilizam diferentes elementos de língua, de religião, de cultura etc. Pensando
desta forma, é possível compreender porque a banda Guetos se identifica não só com o
reggae, mas também com o blues, o tambor de crioula e tambor de mina, todas manifestações
de origem negra, mas cada uma surgida em um local e, nesse ponto, como argumenta Bhabha
(2007), o local da cultura já não importa tanto.
3. A GEOPOLÍTICA DO REGGAE EM SÃO LUÍS: RADIOLAS, PEDRAS, MELÔS,
BANDAS, CLUBES, BARES
A consolidação do ritmo jamaicano em São Luís se deu com as festas de reggae
realizadas, principalmente, nos finais de semana, nos diversos salões espalhados pela cidade.
Os clubes de reggae existem desde o final da década de 1970. O primeiro, conforme
registro de Silva (1995) e de Brasil (2005), foi o Pop Som I, no bairro da Jordôa. Quando o
reggae começou a fazer sucesso e conquistar um público fiel, foram surgindo festas onde só
se tocava a música jamaicana. Assim, no início, o Pop Som apresentava, além de reggae,
merengue, salsa e lambada, mas depois, em meados dos anos 1970, passou a ser um clube
exclusivamente de reggae. Selektah (2009), entretanto, afirma que, antes mesmo do Pop Som,
já havia festas somente de reggae em outro bairro da periferia da cidade. ―
A história do
reggae começou pelo Sacavém. O Pop Som e outros clubes já vieram depois, no final de 70‖.
Os clubes de reggae estão localizados, em sua maioria, nos bairros populares da
capital maranhense e ficam, geralmente, em locais de fácil acesso por transporte público. Com
exceção de clubes como Espaço Aberto e Clubão do São Francisco – no bairro do São
Francisco (embora seja um bairro predominantemente de classe média, é cercado de
comunidades onde moram pessoas com menor poder aquisitivo, como Ilhinha, Conjunto Basa
e Morro), os já citados Toca da Praia e Arena – ambos na praia da Ponta D´Areia (que,
situada em área hoteleira, é próxima também da Ilhinha), grande parte dos clubes estão
locados em bairros periféricos como, por exemplo: Palácio da Seresta (no São Cristóvão),
Barraca de Pau (Cidade Operária), Caldeirão do Chopp (Vila Palmeira), União dos Moradores
do Bairro de Fátima (Bairro de Fátima), Pop Som II (Coroadinho), Clubão Cidade (Vila
Bacanga), CB 450 (Vila Embratel), Jamaica Brasileira (Cohab – Forquilha), entre outros.
Alguns não fazem somente festas de reggae (apesar de estas serem mais frequentes), como o
63
CB 450 que, no período de pré-carnaval promove eventos com pagode e blocos
carnavalescos.
Figura 18 - Clube "Barraca de Pau" na Cidade Operária. Foto: Reggae Total
Os salões são, em geral, espaços amplos, de chão batido ou cimento queimado, como
enormes terreiros rodeados de paredões de caixas de som. Alguns têm cobertura total, mas a
maioria é aberta, com apenas parte do salão coberto com telhado e alguns poucos com palha.
O teto é geralmente alto para permitir a circulação de vento. Em alguns clubes, como o Arena,
a cobertura é sustentada por colunas de concreto, em outros, como o Palácio da Seresta e o
Clubão Cidade, por muitos pilares de madeira. A iluminação é geralmente feita com muitas
luzes fracas, espalhadas nas colunas e no teto, de modo que o salão todo fica à meia luz.
Figura 19 – ―
Clubão Cidade‖ na Vila Bacanga. Arquivo: Reggae Total
Os frequentadores se vestem de forma variada, mas a predominância é de homens
que usam calça ou bermuda jeans, tênis e camisa, muitos usam bonés, mulheres trajam
também calça jeans, camisetas, tênis ou sandálias baixas, algumas vestidos e calças de tecido
mole; e se o clube é na praia e a festa de dia, até mesmo em virtude do forte calor, é comum
64
as mulheres estarem de biquíni e short ou saia curta, e os homens de bermuda e camiseta. Há
pessoas que usam roupas e acessórios na cores do reggae (verde, vermelho, amarelo e preto),
assim como cabelos com dreadlocks, visual comumente identificado pela mídia e pela
propaganda turística como sendo dos regueiros47, mas são a minoria nos salões.
Figura 20 - Clube ―
Arena Show‖ na Ponta D´Areia
A média de pessoas por baile é de quinhentas, porém os maiores clubes chegam a ter
lotação de dois mil pagantes. A bebida mais comercializada nesses locais é a cerveja. Em um
grande clube, por exemplo, chega-se a vender cento e trinta caixas de cerveja em uma única
festa (BRASIL, 2005, p. 66).
3.1. O domínio das radiolas
Nos salões passaram a comandar as radiolas, com suas aparelhagens de som com
paredões de até oitenta caixas. É justamente a potência dos paredões que provoca uma espécie
de ―
transe‖ nos clubes populares de reggae, como revela o promotor de festas José Ribamar
Vieira Guimarães (2004): ―
O reggae é muito rico em termos de música. Isso faz com que a
gente goste das ‗pedras‘. A gente gosta daquilo que estremece‖. Perto dos paredões de uma
radiola, literalmente, o corpo treme. De acordo com o músico Bruno Azevedo (2008), a
vibração é provocada pelas frequências do baixo, que dá a marcação da música. E essas
frequências graves saem pelas caixas de som que ficam na parte de baixo do paredão, em
contato com o chão. Como elas se propagam mais facilmente por corpos sólidos, as pessoas
sentem o corpo tremer. Como me explicou o dono de radiola e DJ Natty Nayfson (2009), ―
o
47
Sobre esse estereótipo, falarei mais adiante.
65
contrabaixo é que dá o peso do reggae. E aquilo ao vivo é pedra‖. Brasil (2005, p. 43-44)
também investigou sobre a sensação de vibração no corpo quando se está perto de uma
radiola:
[...] as vibrações são mais sentidas pelo corpo nas frequências graves, as quais,
dependendo do nível de incidência, provocam vibrações internas no corpo.
Segundo entrevista realizada com Rogério Graziano, engenheiro de som, esta
vibração acontece quando se satura o ganho em 80 hertz48 – hertz é a medida de
frequência de intensidade de som –. Outro dado importante é que quanto menor a
altura, que é a relação de gradação de notas graves para agudas (ou seja, menor a
altura, mais grave, maior a altura, mais agudo), e maior o volume, que é a
intensidade auditiva do som, maior é o campo vibracional do ambiente de
incidência.
Figura 21 - Paredão de uma radiola em São Luís
A ideia de utilizar sistemas de som que pudessem ser deslocados para os mais
diversos salões de festa da capital foi inspirada nos sound systems jamaicanos das décadas de
1960/70, que eram tipos de discotecas ambulantes utilizadas para driblar o controle
governamental (ALBUQUERQUE, 1997). Na Jamaica, eram anteriores ao reggae; os
primeiros surgiram ainda na década de 1940, mas somente pouco antes da independência da
Ilha, em 1962, é que se tornaram mais populares. ―
Como as pessoas não tinham como chegar
à música, os sound sistems levaram a música às pessoas‖, explica Albuquerque (1997, p. 47).
Segundo Selektah49, na Jamaica,
48
Nota do autor: ―
Dados cedidos por Rogério Villanova Gomes Graziano, engenheiro de som e acústica formado
pelo IAV – Instituto de Áudio e Vídeo, em São Paulo/SP. Em entrevista ao autor em maio de 2005‖.
49
Artigo intitulado ―
História, características e curiosidades do mundo das Radiolas/Sound System‖, sem data.
Disponível em <http://www2.uol.com.br/tribodejah/centralreggae/curiosidades_radiolas.htm>. Acesso em 28 de
setembro de 2009.
66
[...] começaram como um movimento ―
underground‖ na indústria do Reggae
jamaicano, mas os Sound Systems ascenderam até chegar a ser uma parte
integrada na cultura do Reggae. De fato, as raízes do Dancehall Reggae podem ser
traçadas a partir da formação dos Sounds Systems locais e nacionais conhecidos
(alguns há mais de 30 anos).
A diferença, porém, está no tamanho: enquanto os sound sistems jamaicanos eram
compostos geralmente de uma caminhonete com algumas caixas de som e amplificadores, a
maioria das radiolas maranhenses precisa de um ou dois caminhões para ser transportada. O
tamanho reflete na potência do som e, também, nas cifras. Para tocar em uma festa em São
Luís, as radiolas cobram, em média, de dois a três mil reais. No interior do estado, por causa
dos custos com transporte, o valor dobra, chegando a seis mil reais 50.
Uma das radiolas mais antigas, ainda em funcionamento, segundo o Guia Turístico
do Reggae de São Luís (2008), é a ―
Voz de Ouro Canarinho‖, de Edmilson Tomé da Costa, o
Serralheiro, um dos primeiros colecionadores de reggae em São Luís, que viajou 17 vezes
para a Jamaica e 26 para Londres em busca de vinis e tem um acervo de cerca de cinco mil
discos51. O Guia elenca, ainda, as radiolas ―
Sonzão de Carne Seca‖, ―
Trovão Azul‖, ―
Radiola
de Nestábulo‖, ―
Águia do Som‖ e ―
Som Guarany‖, que não estão mais em funcionamento.
Selektah (2009) lista também como as mais antigas: ―
Minha Doce Namorada‖, ―
Radiola de
Apolinário‖, ―
Digital Big Bem‖, ―
Asa Branca‖, ―
Intersom‖, ―
Som Castro de Bolda‖, ―
Águia
de Fogo‖, ―
Hollywood Som‖ e ―
Vera Cruz‖, que faziam os bailes em bairros da periferia e da
zona rural de São Luís desde o início da década de 1980.
De acordo com Brasil (2005, p.61), Carne Seca foi a primeira pessoa a ter uma
radiola com som potente na Ilha, ainda no final dos anos 1970. O tamanho da estrutura de
som que ele montou foi inspirado nas aparelhagens utilizadas nos salões de música caribenha
em Belém do Pará. Depois de Carne Seca, outros donos de clubes também montaram radiolas
enfeitadas, sempre com cores vibrantes, como amarelo, roxo e vermelho, ―
algumas com
oitenta caixas acústicas ou mais, formando paredões de notável efeito visual e sônico‖
(RODRIGUES, 2004).
Desde então, o equipamento de som das radiolas é feito especificamente para tocar
reggae, com uma boa qualidade dos graves. Nos anos 1990/2000, as radiolas mais potentes (e
mais famosas), eram ―
FM Natty Nayfson‖, ―
Black Power‖, ―
Itamaraty‖, ―
Rebel Lyon‖ e
―
Estrela do Som‖ (BRASIL, 2005, p.62). Atualmente, ouvindo-se os programas de rádio,
50
A informação me foi passada por Guimarães (2004).
Informação retirada do site História do Reggae Brasileiro, publicada em 1º de julho de 2008. Disponível em:
<http://reggaebrasilhistoria.blogspot.com/2008/07/serralheiro.html>. Acesso em 24 de janeiro de 2009.
51
67
onde as radiolas anunciam suas festas, estima-se que existam cerca de 60 radiolas na capital
maranhense (SÃO LUÍS, 2008, p. 13).
Hoje, algumas chegam a ter paredões de caixas de som com até 50 metros de
comprimento e sete de altura, além de uma estrutura com um pequeno palco onde o DJ faz a
sua performance, atrás de um balcão e em frente a uma espécie de rack do tamanho de uma
parede (com cerca de dois metros de altura), no qual se encontram equalizadores (que sevem
para equilibrar as frequências sonoras, de acordo com a preferência entre médios, graves e
agudos), amplificadores, algumas caixas de som e, às vezes, uma televisão.
Figura 22 - Parte de trás do rack de uma radiola. Foto: Ramúsyo Brasil
No móvel que fica na frente do DJ tem uma mesa de som com centenas de cabos e
um mixer – instrumento que o DJ utiliza para tocar a sua sequência musical, onde é possível
fazer efeitos nas músicas e colocar vinhetas – com dois IPods conectados. Assim, o DJ vai
fazendo a sua sequência alternando uma música de cada IPod.52
52
Obtive essas informações observando a aparelhagem de três radiolas (―
Super Itamaraty‖, ―
FM Natty Nayfson‖
e―
Musical Neto Discos‖) no festival ―
Cidade do Reggae‖, em 2009, com auxílio do músico Bruno Azevedo.
68
Figura 23 - Mesa de som, mixer e IPods da radiola Super Itamaraty. Foto: Ramúsyo Brasil
Outras radiolas também têm, segundo o Guia Turístico do Reggae de São Luís
(2008, p.13), ―
aparelhagem para tocar disco de vinil, dos idos da década de 1970, a fita
cassete da década de 1980, e os modernos minidiscos (MDs)‖. No entanto, nas festas que
presenciei, não vi a utilização de toca-discos. Isso porque como os vinis são raros, hoje os DJs
geralmente gravam as faixas dos discos em um arquivo no computador (usando para tocar um
MD ou um IPod) para evitar o transporte do vinil (SELEKTAH, 2009).
Figura 24 - Móvel da radiola "Musical Neto Discos". Foto: Ramúsyo Brasil
3.2. “O reggae faz parte da minha vida”: o regueiro como fã e o jogo das disputas
A frase acima me foi dita pelo morador do bairro Jardim Tropical, integrante do fãclube da radiola ―
Super Itamaraty‖, Jorge da Silva Santos, no dia 11 de julho de 2009, no
69
Parque Folclórico da Vila Palmeira. Ele estava com uma boina preta e amarela, e trajava calça
de moletom e tênis pretos, e uma camisa preta com detalhes em vermelho, verde e amarelo
(cores da bandeira da Etiópia, atribuídas ao reggae), onde se lia as palavras ―
100% Itamaraty
– Fã-clube do Jardim Tropical‖. A afirmação, dita com sinceridade, parece (e é) frase feita.
Mas, se entendermos o contexto no qual a frase foi dita, talvez fique mais fácil compreender
por que o reggae faz parte da vida dele:
Escuto reggae desde pequeno, desde uns nove anos. Sempre que eu via neguinho
dançando reggae eu ficava admirado, o pessoal dançando reggae, eu digo, pô, um
dia quando eu crescer, quando eu tiver maior, eu vou pro reggae também. Aí desde
esse tempo eu comecei a ir em festa, eu fugia de casa pra ir pro reggae, aí meus
pais vinham me buscar... Onde tinha reggae eu fugia de casa pra ir pro reggae. E
o reggae hoje faz parte da minha vida.
O reggae faz parte do cotidiano de Santos, assim como do de muitos jovens de uma
geração que cresceu ouvindo a música dentro de casa, nos programas de rádio, na pequena
radiola do vizinho 53, e que percebeu desde cedo os clubes de reggae como uma opção de
lazer. Como expressou a estudante Letícia Viegas (2008), em um fórum da comunidade
―
Loucos por Radiola‖, no site de relacionamento Orkut: ―
Não preciso nem falar qual a
radiola que me faz ficar arrepiada quando ouço tocar... A roxinha Itamaraty é claro... Cresci
ouvindo essa radiola e até hoje não sai do meu coração‖.54
Assim, cada radiola tem seu público, que a acompanha nos mais diversos locais de
apresentação, como uma torcida (muitos frequentadores me afirmaram que torcem para
determinada radiola, a expressão é bem comum). As mais conhecidas têm fã-clubes, cujos
membros comparecem nas grandes festas vestidos com camisetas onde se lê ―
100%
Itamaraty‖, ―
Fã-clube Estrela até Morrer‖ etc.
Durante as apresentações, o público, formado por jovens e adultos, de várias frações
das classes populares e classe média 55, se comporta como fã (o que não é muito comum em
festas de outros ritmos onde se tem somente som mecânico): entusiasmado, tira foto da
53
Passando por bairros da periferia, como Liberdade, Camboa e Vila Jaracaty, por exemplo, é muito comum ver
essas pequenas radiolas dentro das casas: geralmente, com algumas caixas de som e uma aparelhagem simples,
as pessoas montam suas radiolas no terraço ou na calçada de casa e tocam reggaes em volume alto,
principalmente nos finais de semana. Essas pequenas radiolas também fazem festas em locais pequenos, como
bares que ficam no seu próprio bairro. Percebi isso em observação feita durante o trabalho de campo e também
em conversas com alguns frequentadores dos clubes que tinham sua própria radiola.
54
Comentário postado em 3 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Comm
Msgs?cmm=50173345&tid=5205121855941493710&start=1>. Acesso em 25 de novembro de 2008.
55
Apesar do predomínio dos fãs das radiolas serem das classes populares, residentes nos bairros considerados de
periferia (83%, segundo o resultado dos questionários que apliquei nas festas de reggae em 2009), há entre os
frequentadores dos clubes pessoas de classe média e turistas.
70
radiola, do DJ e do proprietário, grita, ovaciona, aplaude, se empolga, dança, vibra com a sua
radiola e com o seu DJ preferido.
Thompson (2001) afirma que ser fã é uma forma de estabelecer uma relação de
intimidade não recíproca, cultivada à distância. No caso do fã da radiola e do DJ, essa relação
parece se configurar porque, apesar do reggae fazer parte do seu cotidiano e de não haver uma
distância material (pois o DJ e as outras pessoas que comandam a radiola estão ali bem perto
do público), tanto a radiola quanto o DJ são promovidos ao status de estrelas, com fama e
prestígio que lhe conferem uma ―
aura‖ de ídolo. Portanto, apesar da proximidade física, há
uma distância simbólica e, mesmo com o modo carismático com o qual o DJ interage com seu
público, ainda assim, não há intimidade recíproca, na maioria dos casos.
Um dos aspectos mais importantes da tietagem, segundo Thompson (2001, p.194), ―
é
a possibilidade de se tornar parte de um grupo ou comunidade, de desenvolver uma rede de
relações sociais com outros que compartilham a mesma orientação‖. Desta maneira, fazer
parte do fã-clube de uma radiola é uma expressão da identificação com o reggae e,
principalmente, com aquela radiola e com as pessoas que também a admiram. Torcer só faz
sentido se esse sentimento é partilhado com outros indivíduos. Por isso que, quando
perguntado por que prefere a ―
Super Itamaraty‖, Santos (2009) me disse: ―
Porque a Itamaraty
arrasta multidões, em São Luís, pelo interior, em vários lugares que ela vai, ela arrasta
multidões‖.
Fruto dessa relação fã/ídolo, o assédio ao DJ e ao dono da radiola é perceptível nas
festas: acompanhando a apresentação da ―
Super Itamaraty‖ no ―
Cidade do Reggae‖, em julho
de 2009, pude sentir a relação que se estabelece entre alguns frequentadores e os DJs e
apresentadores de programas de rádio e/ou TV. Sob a iluminação da equipe de reportagem do
programa Itamarashow (espaço arrendado pela Itamaraty na TV Difusora) e de muitos flashes
de câmeras de fotografar, de filmar e de celulares de pessoas que cercavam a mesa de som da
radiola, os integrantes da ―
Caravana do Sucesso‖ (como se autodenomina a equipe da ―
Super
Itamaraty‖) fizeram a festa no Parque Folclórico da Vila Palmeira. Havia muita gente com a
camisa da Itamaraty e, a todo instante, pessoas da plateia se aproximavam, pediam para falar
com Pinto da Itamaraty, para tirar foto com ele, com os apresentadores dos programas da
Itamaraty na TV e no rádio, respectivamente, Netinho Jamaica e Marcos Vinícius, e com os
DJs Bacana e Jean Holt.
Também Natty Nayfson desperta nos fãs da radiola dele essa admiração como ídolo.
No Dia Municipal do Regueiro, comemorado em 5 de setembro de 2009, na Praça Maria
Aragão, a radiola ―
FM Natty Nayfson‖ se apresentou juntamente com algumas bandas de
71
reggae maranhenses. Apesar de o público ser bem menor e bastante diversificado – não sendo
majoritariamente um público que frequenta as festas das radiolas nas periferias da cidade –
algumas pessoas se aproximavam da mesa de som para falar com ele e tirar foto. Sobre essa
relação que se estabelece entre quem comanda a radiola e o público, Nayfson (2009)
ponderou:
As radiolas foram o início do reggae, foi a grande alavancada do reggae para
expandir no Brasil. E a gente tá em contato direto com o povo. E como esse
contato é direto, a gente passa aquela alegria. E a radiola fica bem próxima do
povo. Então quem quiser vem aqui, tira uma foto... tamo em contato todo tempo,
não tem palco, não tem nada.
Figura 25 - Natty Naifson com casal que pediu para tirar foto com ele, na Praça Maria Aragão
Se os frequentadores dos clubes torcem por uma radiola, essa disputa é estimulada
pelos próprios DJs e proprietários. Faz parte do jogo as provocações, a concorrência acirrada
pela preferência do público. O mercado das radiolas funciona, deste modo, graças à
competitividade que existe entre elas. O jogo das disputas é feito através dos discursos, da
busca pelo melhor DJ, melhor sequência, melhor qualidade de som, maior torcida e maior
respeitabilidade diante da massa regueira.
Quando entrevistei Natty Nayfson, comecei pedindo que ele falasse um pouco sobre
sua radiola – quantos anos tinha, qual era a proposta etc. – a primeira frase que ele me disse
foi: ―
A minha radiola é a radiola de melhor qualidade‖. A afirmação foi taxativa e
demonstrou o embate acirrado que existe entre as radiolas ditas tradicionais56, cada uma se
56
As radiolas mais antigas (as que tocam, principalmente, nos clubes das áreas periféricas da cidade) se
autodenominaram ―
tradicionais‖, a partir do momento em que, na década de 1990, surgiram radiolas menores,
que passaram a tocar em bares voltados para um público de classe média. Sobre esse outro tipo de radiola,
discorrerei mais à frente.
72
considera ―
a melhor‖ e busca uma forma peculiar de ser conhecida, expressada nas vinhetas
veiculadas durante toda a apresentação. Alguns exemplos: ―
Ajax Som – A sensação da Ilha‖,
Musical Neto Discos – A radiola da sequência
―
Estrela do Som – A demolidora‖, ―
respeitada‖, ―
Menina Veneno – a modelo do reggae no Brasil‖ e ―
Itamaraty – O arrastão do
povão no Maranhão‖.
Pelas discussões que são travadas entre os fãs no bate-papo do site Reggae Total, as
disputas hoje são mais fervorosas entre a ―
Super Itamaraty‖, que é a antiga ―
Itamaraty‖ (a
qual Pinto herdou do pai na década de 1980) com nova aparelhagem, inaugurada em agosto
de 2007 em uma festa que reuniu 10 mil pessoas no Ceprama, segundo a organização; a
―
Estrela do Som‖, de Ferreirinha, que recentemente contratou o famoso DJ Carlinhos Tijolada
(antigo no cenário do reggae em São Luís e bastante querido pela massa regueira); e a ―
FM
Natty Nayfson‖, do colecionador respeitado no meio regueiro, Natty Nayfson; as duas últimas
na ativa desde os anos 1980.
Figura 26 - Lançamento da radiola "Super Itamaraty" no Ceprama. Arquivo: Leandro Ramos
No site, os fãs da Estrela do Som comentam como foi boa a festa no clube Toca da
Praia e rendem elogios a Carlinhos Tijolada, enquanto os da Itamaraty falam da festa no clube
Arena, localizado ao lado do Toca da Praia: ―
Quanto às festas da virada, eu falei, o público de
Carlinhos e da Estrela é muito educado‖ (Marcone, 3 de janeiro de 2010); ―
Legal se o
comportamento da Toca foi outro. Estava na Arena, aqueles que não sabiam brincar foram
colocados pra fora. O que a Itamaraty tem a ver com quem não sabe se comportar?‖ (Manoel,
3 de janeiro de 2010); ―
Só tenho a dizer que em relação a dj Carlinhos continua sendo
professor, ninguém segura, ele é o cara, lamento informar a torcida da Itamaraty mas o
73
maestro fenomenal é demolidor e merece nosso respeito‖ (Marcão, 13 de janeiro de 2010);
―
Não é fanatismo, tem certas coisas que a gente se diverte! Radiola pra mim é como time de
futebol. A jogadora mais gostosa do campo é a Estrela‖ (Fabio Jamaica, 12 de janeiro de
2010). ―
Quando Cesar Roberto escutar a sequência demolidora, ele vai começa a gaguejar na
Toca‖ (Edelson, 13 de janeiro de 2010).57
Figura 27 - Reprodução do chat de discussão do site "Reggae Total"
Esse mesmo espírito de competição que existe entre os fãs, também há entre os DJs e
entre os donos das radiolas. Um exemplo disso foi um bate-boca entre Pinto da Itamaraty e
Natty Nayfson, que presenciei no ―
Cidade do Reggae‖. Ao microfone, os dois trocaram
xingamentos durante uma disputa entre as duas radiolas: uma de frente para outra, o desafio
era cada uma tocar uma música, alternadamente, para ver qual levava mais o público ao
delírio. O fato aconteceu depois que o DJ da FM Natty Nayfson propôs o embate ao
microfone, no final da apresentação da radiola: ―
Depois dos shows, vai ter mais radiola.
Quero ver se a gente toca uma de cada. Vamo ver se a Itamaraty vai topar‖. Antes da
Itamaraty começa a tocar, Pinto fez um discurso e, no final, aceitou o desafio:
[...] E dizer pra qualquer um que vamo tocar uma de cada. Agora sem palhaçada.
Eu topo tocar sem palhaçada [o público próximo à radiola grita]. Eu não aceito
molecagem. Depois do show eu toco uma de cada. Agora sem palhaçada e sem
molecagem. Tem que respeitar o regueiro [...]. Quero ver Natty Nayfson! [muitos
gritos]
No microfone do lado esquerdo do palco onde os shows com os cantores iam
acontecer, Natty Nayfson interrompe: ―
Bota logo pra tocar rapaz, essa porra! Bota música!‖.
57
Mensagens retiradas do site Reggae Total. Disponível em: <http://www.reggaetotal.com/msm.php>. Acesso
em 13 de janeiro de 2010.
74
E Pinto, do lado direito do palco, continua: ―
Cala boca, tu é otário‖. ―
Otário é tu!‖, responde
Nayfson. Na sequência, Pinto diz: ―
Eu quero ouvir, quero ouvir, quero ouvir. Itamaraty! É
som que tem... [gritos]. E aqui tá pago, viu, palhaço‖ [gritos]. Nesse momento, entra a vinheta
em volume bem alto, que chega a abafar as vozes de Pinto e Nayfson: ―
Super Itamaraty. No
comando, DJ Jean Holt‖, e começa a música colocada pela Itamaraty.
Toda essa cena58 me pareceu aquilo que Goffman (1985, p. 36-37) chama de
realização dramática:
Em presença de outros, o indivíduo geralmente inclui em sua atividade sinais que
acentuam e configuram de modo impressionante fatos confirmatórios que, sem
isso, poderiam permanecer despercebidos ou obscuros. Pois se a atividade do
indivíduo tem de tornar-se significativa para os outros, ele precisa mobilizá-la de
modo tal que expresse, durante a interação, o que ele precisa transmitir.
Assim, durante o discurso de Pinto, momento em que ele interage com sua torcida e
com seu oponente, há um certo exagero para causar um efeito. A dramatização é a estratégia
utilizada, de forma não necessariamente consciente, para aquecer o jogo, estimulando a
competição entre as torcidas. E, pela reação das pessoas, que vibravam, aplaudiam e gritavam
a cada palavra dita por Pinto, percebe-se que o jogo continua em pleno funcionamento.
Durante as apresentações, as vinhetas e também as frases que os DJs falam entre as
músicas, reafirmam que a sua radiola é a melhor. Por exemplo, Nayfson (2009) repetia o
tempo todo ―
Você curtindo as boas do passado com a máquina. Incomparável‖; já o DJ Jean
Holt, gritava: ―
Segura compadi! Que aqui é a melhor do Brasil!‖.
Conforme o DJ Alexandre Pedra (2007),
Cada radiola em São Luís possui sua sequência particular, com um qualificador
específico para chamar a atenção dos regueiros; a Estrela do Som possui a
sequência demolidora, a Itamaraty, a sequência estilosa, a Rebel Lion, a sequência
indomável, a FM Natty Nayfson, a sequência arrasadora59.
O valor que se dá à radiola é atribuído, geralmente, não pela quantidade de caixas de
som e tamanho do paredão, mas pela qualidade do som (a radiola tem que ―
bater‖, tem que
fazer o corpo vibrar e, para isso, o som tem que ter qualidade nos graves do contrabaixo) e
pela sequência que o DJ coloca que, sendo ―
demolidora‖, ―
estilosa‖, ―
indomável‖ ou
―
arrasadora‖, tem que ser boa e agradar ao público.
58
Cena aqui entendida a partir do conceito de Goffman (1985, p. 193): ―
Há situações, frequentemente chamadas
de ‗cenas‘, nas quais o indivíduo age de modo a destruir ou ameaçar seriamente a aparência de cortesia da
convivência‖.
59
Artigo publicado no site ―
DJ Alexandre Pedra – o Terrorista do Reggae‖, em 13 de janeiro de 2007.
Disponível em: < http://www.alexandrepedra.dj.nom.br/historia.htm>. Acesso em 14 de janeiro de 2009.
75
3.3 O DJ é a estrela
No dia 18 de setembro de 1996, milhares de pessoas foram às ruas de São Luís,
amontoadas nas calçadas, avenidas, pontes, no caminho por onde passava um cortejo fúnebre.
Em cima do carro do Corpo de Bombeiros, ia o caixão com o corpo de Antônio José Pinheiro
Silva, o DJ Antônio José, morto aos 26 anos, em um acidente de carro, no dia anterior. Os
registros fotográficos60 mostram a comoção das pessoas, que acenavam, aplaudiam e
choravam ao longo do trajeto – do clube Espaço Aberto (onde ele tocava), no bairro do São
Francisco, ao Cemitério Jardim da Paz, no Maiobão. Algumas carregavam faixas onde se lia
―
Antônio José: o melhor DJ de todos os tempos‖.
Antônio José não era coronel, deputado, ministro, jogador de futebol ou artista de
TV. Era DJ de reggae, profissão pouco conhecida e nada nobre – mas isso apenas
aos olhos da elite maranhense. Pra ―
massa regueira‖, formada principalmente
pelos excluídos, era um adeus emocionado e muito justo a um dos mais
emblemáticos personagens do reggae do Maranhão [...]. Naquela quarta-feira
triste, quando o caixão do Lobo desceu à sepultura, coberto pelas bandeiras do
Brasil e da Jamaica, salpicado por responsórios, fotos, camisas e outras lembranças
atiradas por familiares, amigos e fãs, caía definitivamente a ficha de que o reggae
no Maranhão era bem mais do que ―
coisa da negrada‖, dos salões de periferia e
clubes de chão batido. A massa regueira já havia dado prova de força elegendo um
vereador, mas ali, chorando sentida, mostrava que também era capaz de fazer um
herói (RODRIGUES, 200461).
Figura 28 - Cortejo do velório de Antônio José. Reprodução de vídeo do site You Tube
Demonstrada a enorme capacidade de mobilização em seu enterro, Antônio José é
lembrado até hoje pelos fãs e por pessoas ligadas ao reggae como herói. Ele nasceu em
Ariquipá, povoado de Bequimão, interior do estado. De família humilde, com mais de trinta
60
Há um vídeo feito com fotos que registraram esse dia, postado no site You Tube. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Vj2zT9pbMxQ>. Acesso em 26 de dezembro de 2008.
61
Parte do texto publicado, em 2004, pelo jornalista Otávio Rodrigues, no blog Bumba Beat. Disponível em:
<http://bumbabeat.blogspot.com/>. Acesso em 26 de dezembro de 2008.
76
irmãos, veio para a capital com nove anos para estudar e poder ajudar os pais. Trabalhou em
uma oficina de eletrônica aos 13 anos, quando passou a acompanhar o amigo Tony Tavares,
que era DJ, nos bailes do clube Quilombo, localizado no bairro do São Francisco. Quando
Tony deixou de fazer as festas, Antônio José assumiu como DJ no Quilombo, tocando ritmos
variados (além de reggae, merengue, salsa, lambada etc.). Segundo Tavares (2010), a
sequência naquela época era ―
mesclada: a gente tocava quatro reggae, quatro balanço, duas
lambada e uma música lenta, do começo ao fim da festa‖. Depois de um tempo como DJ do
local, Antônio José foi convidado por Ferreirinha para tocar na radiola Estrela do Som, onde
fez fama e passou a ser denominado ―
O Lobo‖62.
O jeito firme de se comunicar com a massa regueira deu a Antônio José a
confiança de ser chamado de O Lobo, pra depois, internacionalmente, Anthony
Joseph [...] ―
Uma coisa é certa, regueiro não é tolo e conhece pedra‖. Assim ele
disse. Antonio José foi responsável por 90% das músicas de sucesso hoje em dia
na Jamaica brasileira63.
Figura 29 - Performance do DJ Antônio José. Reprodução de vídeo do site You Tube
A morte prematura do DJ, que chocou a massa regueira, contribuiu para consolidá-lo
como um mito, mas a trajetória de fama de Antônio José se deu por dois motivos principais:
primeiro, ele é considerado responsável pelo sucesso de vários reggaes que marcaram a
memória dos frequentadores das festas promovidas pela Estrela do Som e, segundo, por seu
desempenho no palco, que inaugurou um jeito de performar dos DJs de reggae dali em diante.
Como descreveu Rodrigues (2004):
62
Essas informações me foram passadas por Marcos Vinícius (2009) e Otávio Rodrigues (2004), e retiradas
também dos sites You Tube (Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Vj2zT9pbMxQ>. Acesso em
26 de dezembro de 2008) e Augusto Pesquisador (Disponível em: <http://augustopesquisador.blogspot.com/
2008/09/um-tributo-ao-jovem-antnio-jos.html>. Acesso em 26 de setembro de 2008).
63
Texto de Leandro Ramos, narrado por Marcos Vinícius, em vídeo postado por Daniel Pedra, em 20 de
setembro de 2008, no site You Tube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Vj2zT9pbMxQ>.
Acesso em 26 de dezembro de 2008.
77
Ele foi um dos primeiros a encarar o público de frente, no momento em que os
equipamentos de amplificação e controle passaram a ser colocados em mesas, e
não mais nos móveis monolíticos, que forçavam os DJs a trabalharem de costas.
Suas performances incluíam cantorias, refrões gostosos feitos no improviso e até
scattings64, à moda dos melhores da Jamaica.
Também Marcos Vinícius, quando discorreu sobre a importância da figura do DJ de
radiola no seminário Musicom, realizado na Universidade Federal do Maranhão, em outubro
de 2009, falou do DJ Antônio José como alguém que inaugurou uma linguagem própria do
reggae ludovicense. Para Vinícius (2009), o DJ de radiola é um artista do espetáculo,
essencial para a condução da festa, carismático com o público e que interage com as músicas.
―
Antonio José cantava em cima das músicas, deixou esse modelo de como se apresentar, de
como conduzir a festa. Ele dizia que se transportava para o mundo do espetáculo, ele
‗levitava‘ diante do público‖.
―
Cantar em cima‖, falar entre as músicas e até durante a execução dos reggaes
tornou-se prática comum entre os DJs de radiolas. Frases como ―
essa é pra puxar a gatinha‖,
―
segura o impacto‖, ―
abração pra galera do São Cristóvão, Cidade Operária‖, ―
quem gostou
dá um gritinho com o DJ‖, ―
essa aqui foi pedida, segura‖, são algumas ditas pelos DJs e, às
vezes, pelos donos das radiolas (que ficam no palco com microfone na mão, assim como o
DJ), para envolver o público o tempo todo.
A responsabilidade do DJ é apresentar as músicas, animar a festa e empolgar o
público, como explica Selektah (2009).
O DJ tem um linguajar próprio: a ―
pedra‖, ―
chegando junto‖... Até os nomes dos
DJs marcam essa identidade: pedra, roots, tijolada, black... O papel dele é colocar
o pessoal pra entrar no clube, administrar a festa, no inicio, no meio e no fim da
festa. Ele tem que saber fazer a sequência das décadas (70, 80 e 90), senão ele tá
―
entortando‖ a sequência. As músicas têm que encaixar, não pode misturar o roots
com o dancehall, porque aí ―
entorta‖ a sequência.
―
Entortar a sequência‖, segundo o linguajar dos frequentadores dos clubes na
periferia, é misturar músicas de épocas diferentes. Para o público mais antigo, que conhece
bem os reggaes que fizeram sucesso nas décadas passadas, ao misturar essas canções, o DJ
está quebrando a fluidez da sequência musical.
Além de se preocupar com a sequência, o DJ de radiola precisa ter presença de
palco, saber o que falar e como falar, de modo a projetar ao seu público seu próprio estilo e
estilo da radiola que representa (BRASIL, 2005, p.63). A apresentação dos DJs é
verborrágica: no palco, se houve às vezes mais a voz dele do que a do cantor da música que
64
Scat é uma técnica de canto que consiste em se cantar vocalizando tanto sem palavras, quanto com palavras
sem sentido e sílabas.
78
está sendo executada. Ele é a estrela da festa, admirado e ovacionado pela torcida da radiola
que representa: ―
DJ de responsa no reggae tem nome, trajetória linda, história, Carlinhos
Tijolada‖ (Marcone, 6 de janeiro de 2010, site Reggae Total). Mas, quem torce para outra
radiola, geralmente, critica o DJ da oponente: ―
O nome mais certo pra ele é Jean Bate-Lata. A
sequência de Jean Holt é totalmente voltada pra juventude‖ (Edelson, 7 de janeiro de 2010).
A figura do DJ é tão importante que algumas radiolas fazem seleção quando
precisam contratar um novo profissional. De acordo com o pesquisador José Ribamar Mendes
(2009), centenas de pessoas passam por essas seleções para tentar ser DJ, em virtude do
prestígio que esse agente tem dentro do mercado do reggae em São Luís.
A Itamaraty faz uma seleção de DJs que começa com trezentas pessoas querendo
ser DJ, depois há uma longa preparação do que foi escolhido. A primeira radiola
que fez seleção foi a Diamante Negro, que fez uma competição e o vencedor foi
contratado.
A fama do DJ vai se construindo pelas músicas que ele costuma tocar (as sequências
têm que fazer sucesso com o público) e pela performance e carisma dele. Mas, além do
esforço do DJ, há um aparato de mídia 65 em volta do seu nome que contribui de forma
decisiva para que ele se torne uma estrela. As vinhetas que são inseridas durante a
apresentação ―
martelam‖ o nome dele e, assim, cada DJ vai ganhando um cognome com o
qual fica conhecido pelos seus fãs. Por exemplo, na apresentação de Jean Holt, três vinhetas
tocavam a todo momento: ―
Super Itamaraty. Comando do DJ Jean Holt‖, ―
Super sequência do
DJ Jean Holt‖ e ―Jean Holt, Jean Holt. O Considerado‖.
―
O Considerado‖ é como Jean Holt se autodenomina e termina por ser denominado
pelo público, que significa ser bem-quisto, respeitado pela massa regueira. Assim como
Antônio José foi apelidado de ―
O Lobo‖ e Carlinhos Tijolada de ―
O Maestro‖, é comum os
DJs terem cognomes, que são massificados pelo aparato midiático das radiolas, quer seja nas
vinhetas durante as apresentações, quer seja nos programas de rádio e TV. Outras vinhetas
também demonstram a intenção de exaltar o nome do DJ: ―
Você está ligado na sequência
número 1 do reggae. César Vanucci é bem melhor‖; ―
Willian Black. A voz mais charmosa do
Brasil‖; ―
DJ Cena Roots, Cena Roots. O verdadeiro charme da Jamaica brasileira‖.
No final dos anos 2000, as radiolas começaram a investir também em cantores
maranhenses que passaram, inclusive, a se apresentar junto com as radiolas. Dois exemplos
(talvez, os mais famosos) são Rosy Valença (piauiense radicada no Maranhão) e Ricardo Luz.
Apesar de cantarem ao vivo, o modus operandi deles se assemelha ao das radiolas: os
65
Sobre isso, falarei mais adiante.
79
reggaes são quase sempre os mesmos tocados pelas aparelhagens e a forma de apresentação
se assemelha a dos cantores jamaicanos, no caso de Luz, e a dos DJs de radiola de São Luís,
no caso de Valença.
O arranjo, a batida e os timbres: tudo é igual, só que tem uma voz que canta ao vivo.
Durante o show, além de cantar a letra da música, Rosy Valença é verborrágica: fala o tempo
todo, com o mesmo linguajar e intenção de animação dos DJs. No ―
Cidade do Reggae‖, ela
cantou duas músicas e, quase não parava nem para respirar, pois quando a letra de um verso
acabava, ela emendava uma frase, um grito: ―
quero ouvir!‖, ―
só vocês!‖, ―
uma capelinha
agora‖, ―
simbora Marcos Vinícius‖, ―
breve lançarei meu próximo CD‖, ―
alô massa
regueira!‖, ―
maravilha estar aqui nesse super evento!‖, ―
só tenho a agradecer o carinho de
todos vocês e de todo o Brasil‖.
Figura 30 - Rosy Valença no palco. Foto: Reggae Total
No palco, Valença canta, fala e dança como DJ, com a diferença de que canta a
música inteira, enquanto os DJs só cantam trechos ―
em cima‖ da música. Entre alguns
frequentadores, faz muito sucesso, como me demonstrou o trabalhador da construção civil
Francinaldo Alves (2010), que costuma ir a vários clubes de reggae nos fins de semana como,
por exemplo, Toca da Praia, Jamaica Brasileira, Clubão Cidade e Barraca de Pau:
Eu tenho Rosy Valença em casa, em CD, ouço muito em radiola também, na Lion,
e o pessoal pede muito. Rosy Valença é assim uma que tá fazendo sucesso agora
aí, tá arrebentando. Ela toca umas músicas mesmo boas. Ela leva a galera à
loucura. Tem também Toty e Sly Fox, que tão arrebentando. Mas sabe como é que
é... no ranking, cantor é que nem música: tudo tem seu tempo e sua hora.
O depoimento de Alves revela que a preferência por determinado cantor é efêmera,
pelo menos no que diz respeito a esses novos cantores que vêm surgindo em São Luís. Assim,
se cantores mais antigos como Gregory Isaacs e Eric Donaldson são ídolos constantemente
80
referenciados pelos apreciadores de reggae mais romântico (nos questionários que apliquei e
nas entrevistas), é possível que, tanto Rosy Valença quanto Ricardo Luz tenham fama
passageira. Para fazer sucesso, Valença aproveita a maré e rema em direção ao que está na
moda. Um exemplo é a gravação de uma versão com a batida do reggae da canção ―
Halo‖. A
música da cantora pop internacional Beyoncé foi uma das mais tocadas nas rádios FMs do
Brasil em 2009, pois era tema da personagem Yvone, da novela da TV Globo, Caminho das
Índias. Regravada por Rosy Valença, a música ganhou o nome de ―
Melô de Yvone‖ 66.
O sucesso que Valença e Luz fazem agora parece ser influenciado também por um
aparato midiático, que incentiva as pessoas a gostarem desses cantores, embora o carisma com
o público seja determinante para que eles sejam admirados e consumidos pelos frequentadores
dos clubes.
Rosy Valença e Ricardo Luz cantam em inglês, mas, no caso de Luz, também tem
músicas em português, que fazem sucesso entre os frequentadores das radiolas, os quais
costumam apreciar mais os reggaes jamaicanos. Nos shows, ele sempre canta a canção
―
Reggae da Paz‖, com letra em português que fala de amor (e o público canta com ele):
Faz muito tempo que eu não vejo meu amor passar/ Nessa janela foi que a gente
começou a se olhar/ Shortinho curto, transparente, quase nua/ Que loucura de se
ver/ O seu perfume ainda hoje se encontra espalhado no ar/ Se a gente se
encontrar, eu vou dizer a ela/ Garota que vontade de te tocar/ E da mesma janela,
uma flor amarela/ Vou fazer de tudo pra te conquistar/ Faz muito tempo que não
vejo o meu amor passar (2X).
Enquanto Rosy Valença é branca, loira de cabelos cacheados e veste roupas da moda,
geralmente, calça, bermuda jeans colada ou saia e blusa estampada, Ricardo Luz tem a
aparência de um cantor de reggae jamaicano: negro, magro, alto, cabelos compridos e com
dreadlocks, traja quase sempre uma bata ou camisa branca bem solta e calça folgada nas cores
preta, vermelha e verde. Ele, diferentemente de Valença, adotou a postura apenas de cantor no
palco, onde faz alguns passos de reggae, sem muitas falas durante as músicas. Valença e Luz
cantam acompanhados pela aparelhagem da radiola ―
Super Itamaraty‖, mas Luz se apresenta
às vezes com uma banda completa, duas becking vocals e, às vezes, garotas vestidas ―
a
caráter‖ dançando atrás dele.
―
Esse cara tá arrebentando, não só aqui, mas nas rádios nacionais!‖, disse no
microfone o apresentador de programa de TV, Netinho Jamaica, sobre Ricardo Luz, no meio
66
Um clipe de Valença cantando, em uma paisagem de dunas e mar, o ―
Melô de Yvone‖, foi postado em 29 de
janeiro de 2010, no site You Tube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Je2hhveV1TE>. Acesso
em 30 de janeiro de 2010.
81
do show do cantor, no ―
Cidade do Reggae‖, em 2009. Também durante o Itamarashow, quase
todos os dias, entre os meses de maio e julho de 2009, os nomes de Ricardo Luz e Rosy
Valença eram mencionados como as ―
revelações do reggae do Maranhão‖ e vídeos que
mostravam a apresentação deles eram exibidos, sempre com comentários depois: ―
vocês ainda
vão ouvir falar muito dele‖, ―
olha que música linda‖, ―
a letra dessa música é pura poesia‖, ―
tá
fazendo o maior sucesso nas rádios de todo o país‖, ―
parece assim Jorge Vercilo, mas é
reggae feito no Maranhão!‖, ―
Rosy Valença, fazendo o maior sucesso‖ etc.
Figura 31 - Ricardo Luz. Reprodução de vídeo – arquivo de Leandro Ramos
Nos programas de rádio e nas apresentações das radiolas, as músicas tocam com
vinhetas que martelam os nomes deles: ―
Ricardo Luz. Ricardo Luz. Do Maranhão para o
Brasil‖; ―
Rosy Valença. Rosy Valença. Rosy Valença‖. Também os DJs incluem na sua
sequência as gravações dos cantores, e anunciam: ―
Aí vai uma música linda, do novo CD de
Rosy Valença‖.
Os dois cantores não representam, portanto, concorrência para as radiolas. São,
inclusive, incentivados pelas empresas, que apostam neles como novos produtos do reggae de
radiola, como se percebe pela divulgação realizada nas mídias e nas festas promovidas pelas
grandes radiolas.
3.4. Indústria regueira: poder político e simbólico
O preço para se entrar nos clubes onde uma radiola se apresenta gira em torno de R$
5,00 a R$ 10,00, às vezes com descontos para mulheres67. Em alguns locais, dependendo da
festa ou da radiola que toca, as mulheres entram de graça ou pagam meia entrada, a bebida é
67
Esses valores foram estipulados a partir de minha pesquisa de campo, feita em 2009, quando estive alguns
bailes e conversei com muitos frequentadores. Muitos clubes não cobram entrada quando a discotecagem é da
radiola residente. É o caso do ―
Palácio‖ e do ―
Ritmo‖, dois clubes situados no bairro do São Cristóvão. Quando
há radiola convidada, o ingresso cobrado é geralmente R$ 5,00.
82
gratuita ou vendida a preço de custo, notando-se que interesse político tem grande influência
sobre esses aspectos, pois as festas nas quais ―
é tudo liberado‖, geralmente, são promovidas
por políticos ou por pessoas que pretendem se candidatar a cargos públicos e querem
conquistar junto à massa regueira uma legião de eleitores. Um exemplo é o dono de radiola
Pinto da Itamaraty, que se elegeu, em 2006, deputado federal, graças ao voto maciço dos fãs
do reggae (segundo números do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, foi eleito com
mais de 90 mil votos). De acordo com Wada (2008, p. 143),
[...] o reggae, como produto cultural, torna-se moeda de troca política, passível de
ser vendido a qualquer preço, em qualquer lugar, para qualquer um. É uma relação
funcional, na qual o regueiro vota em quem está oferecendo festa gratuita ou
bebida a preço de custo ou ainda as grande ‗pedras‘ e, como contrapartida,
recebem promessas de melhores condições de vida.
Há também algumas festas cujo preço de entrada é mais caro, como o ―
Cidade do
Reggae‖, festival com show de várias radiolas, bandas e cantores como o jamaicano Sly Fox,
realizado no Parque Folclórico da Vila Palmeira, em julho de 2009. O valor do ingresso era
R$ 15,00, que incluía, além do acesso, um CD com canções do festival passado. O preço e a
falta de infra-estrutura foram motivo de reclamação do público. Três pessoas, pensando que
eu estava fazendo uma reportagem jornalística no local, me abordaram para denunciar as
condições do chão de terra batida, que estava cheio de poças de lama. Uma delas foi Alfredo
Jamaica (2009), integrante do fã-clube da Super Itamaraty:
Eu sou fã de todas as radiolas. Acho bacana pra gente dançar. Olha como tá essa
fuaca aí, ó. Eu só queria que eles fossem mais cuidadosos com o reggae, né? Olha
como tá isso aí. Eles deviam ter mais cuidado com isso, aqui tá cheio de gente,
todo mundo pagou caro e eles fazem isso assim, de qualquer jeito. Uma estrutura
melhor, tá vendo? Um barraco melhor pra gente.
Já o ingresso do ―
Sunsplash Reggae Festival‖, realizado pela Itamaraty
Sonorizações, Governo do Maranhão e Curso Wellington, em novembro de 2009, que trazia
as atrações internacionais John Holt e Gregory Isaacs, custava R$ 10,00. E esse valor foi
explorado, por Pinto da Itamaraty, para fins de acúmulo de capital político, como se nota em
entrevista concedida por ele (2009)68:
Que fique bem claro que o Sunsplash Reggae Festival não tem objetivo financeiro,
pois será cobrado o ingresso mais barato da historia do Reggae no Maranhão, será
de apenas 10,00 Reais para um evento destas proporções. O investimento feito
para a vinda destas duas grandes estrelas para o festival justificaria se cobrar um
ingresso de 50,00 reais, porque foi feito um alto investimento tanto a nível de
68
Entrevista concedida a Tarcísio Selektah, publicada no site Reggae Total, dia 24 de novembro de 2009.
Disponível em: <http://www.reggaetotal.com/entrevista_pinto.php>. Acesso em 27 de novembro de 2009.
83
contratação como de toda a infra-estrutura e logística necessário. Na realidade o
público estará pagando uma taxa simbólica ou podemos chamar de taxa de
contribuição. A título de informação para os leitores, o show somente de Gregory
Isaacs em algumas cidades por onde passará custará entre 25,00 a 30,00 reais.
Figura 32 – ―
Sunsplash Reggae Festival‖ no Centro Histórico. Foto: Reggae Total
Se o ―
Sunsplash Reggae Festival‖ não teve ―
objetivo financeiro‖, que finalidade
teve, senão política? Promovendo festas dessas proporções, a esse preço, com grandes
atrações, boa estrutura e em uma localização mais acessível a um público mais abrangente –
no Centro Histórico, onde podem ir tanto a massa regueira quanto as pessoas de classe média,
que não costumam frequentar as festas nas periferias – Pinto conquista mais prestígio
enquanto empresário do ramo e, enquanto político que é, demonstra capacidade de
mobilização e aumenta seu carisma junto aos eleitores.
Em um discurso proferido no festival ―
Cidade do Reggae‖, o deputado federal tentou
desvincular sua imagem de ―
político‖ (que é negativa, pelo descrédito geral da própria
política no Brasil) da de ―
regueiro‖:
Nós da Itamaraty Sonorizações vamos fazer o melhor pra quem está presente. [...].
Tem que respeitar o regueiro. E aqui não adianta levar pro lado político. Quem tá
aqui não é o deputado não. Já chega de quererem ser covarde pra querer usar o
lado político. Aqui é o da Itamaraty, é um regueiro como vocês [gritos do público].
Então, presta atenção. Toco um de cada e não tem conversa. Vamo lá DJ, bota pra
tocar [gritos e assobios dos fãs da Itamaraty]. Tem um detalhe, tem um detalhe.
Hoje o compromisso é até três horas da manhã. Até três. Mas depois eu vou falar
com o comando da Polícia Militar, pra ver se a gente vai até quatro, até cinco
[gritos do público].
Apesar de dizer que quem está falando é o ―
regueiro‖, o deputado acaba se
pronunciando, pois alguém na condição somente de ―
regueiro‖ não poderia falar com a
84
Polícia Militar para estender o horário da festa; essa é uma ação do deputado para com os seus
eleitores.
Quando Pinto da Itamaraty fala que ―
chega que quererem usar o lado político‖, ele se
refere a diversos agentes do reggae de São Luís que o acusam de só pensar nas cifras e se
aproveitar dos regueiros para se eleger a cargos públicos, sem dar o devido retorno.
Figura 33 - Pinto da Itamaraty e a equipe da "Caravana do Sucesso". Foto: Reggae Total
Prova de que Pinto da Itamaraty é bastante questionado por pessoas ligadas ao
movimento reggae foi um fato ocorrido durante o III Seminário Reggae e Turismo,
promovido pela Secretaria Municipal de Turismo, em maio de 2009. Antes mesmo da mesa
de abertura começar, ouviu-se algumas vozes da plateia: ―
Cadê o deputado‖?; ―
É, cadê?‖;
―
Ele nunca vem!‖. E o secretário de Turismo, Liviomar Macatrão, respondeu: ―
Calma, gente.
Ele teve compromisso urgente em Brasília. Ele foi chamado de última hora. É sério‖. E
alguém emendou: ―
Mas não pode mandar um representante? Tudo bem que ele é um homem
ocupado, mas ninguém da radiola dele pode vir a esses eventos?‖. A essa pergunta não houve
resposta e, depois de alguns segundos de burburinhos na plateia, todos se calaram e a mesa de
abertura se iniciou.
Figura muito criticada por outros radioleiros, colecionadores, músicos etc., Pinto da
Itamaraty é, no entanto, bastante amado pelos fãs da radiola Super Itamaraty. Conforme
entrevista de Marcos Vinícius (2008), funcionário da Itamaraty Sonorizações,
[...] existem facções dentro do reggae, mas a richa é entre os próprios apreciadores
do ritmo, geralmente por preferência de radiola. Eles têm verdadeiro fanatismo
pela Itamaraty e, claro, o deputado federal Pinto Itamaraty usa isso como
ferramenta para a obtenção de votos, uma vez que leva entretenimento para esse
público. Trata-se de um problema social, que favorece a situação69.
69
Entrevista concedida a Wada (2008, p.149).
85
Explorar a trajetória no reggae é a estratégia usada por vários candidatos a cargos
legislativos que direcionam suas campanhas ao público regueiro. Além de Pinto – que tem
como um dos principais feitos a criação do Dia Municipal do Regueiro, comemorado três dias
antes do aniversário de São Luís – o radioleiro Luís Fernando Costa Ferreira – o Ferreirinha –
e o radialista Ademar Danilo já foram eleitos vereadores mobilizando os frequentadores dos
clubes de reggae com propostas voltadas especificamente para este público (VINÍCIUS,
2008).
Principalmente em ano de eleição, é comum a promoção de bailes de reggae com
forte apelo político, onde a festa é uma oportunidade de obtenção de votos, conforme se pode
verificar na ação judicial, por abuso de poder econômico, movida pelo Ministério Público
Eleitoral, contra os candidatos a deputado estadual e federal, Carlos Alberto Franco de
Almeida e José Eleonildo Soares (Pinto da Itamaraty), respectivamente, em 2006 70:
[...] os investigados divulgaram suas propagandas eleitorais em ―
dobradinha‖,
tendo se utilizado da realização de festas, na capital e em diversos municípios do
interior do Estado, com a utilização da denominada ―
Radiola de Reggae
Itamaraty‖, de propriedade do candidato Pinto da Itamaraty, para promover suas
candidaturas. Nos referidos eventos, eram afixados cartazes com a propaganda
eleitoral dos investigados, bem como divulgado pela radiola, durante a festa, o
jingle de campanha, consistente em um reggae, em que eram mencionadas suas
candidaturas, seus números e feito pedido expresso de votos, através do discjóquei.
Nos depoimentos colhidos pelo Ministério Público Eleitoral no mesmo processo, as
testemunhas afirmaram que, além da festa ser gratuita e em praça pública, o DJ pedia votos
para o candidato:
[...] que no dia doze de agosto estava presente em uma festa que ocorria no
Povoado Ruy Vaz, município de Axixá, tendo chegado por volta das 22h; Que era
uma festa de reggae promovida pela ―
Radiola Itamaraty‖; Que não tinha cobrança
de taxa de entrada, tendo sido realizada na Praça do Povoado; [...] Que tem
conhecimento que a ―
Radiola Itamaraty‖ é de propriedade do Vereador de São
Luís ―
Pinto da Itamaraty‖; Que durante a festa foi tocado um reggae com
propaganda dos candidatos a Deputado Estadual e Federal, respectivamente,
Alberto Franco e ―
Pinto da Itamaraty‖; Que o DJ da Festa entre as músicas falava
que esta era uma promoção do Vereador ―
Pinto da Itamaraty‖, além de que dizia
que ―
regueiro tem que votar em regueiro‖, no caso ―
Pinto da Itamaraty‖; Que o
candidato ―
Pinto da Itamaraty estava no local [...].
Ora, se ―
regueiro tem que votar em regueiro‖ é porque, primeiro, há uma
identificação do cotidiano do regueiro com a figura de Pinto da Itamaraty; e, segundo, porque
há um descrédito da instituição política: já que muitas pessoas não acreditam nas promessas
70
Processo nº. 3299/2007. Trechos transcritos disponíveis no artigo ―
O reggae como instrumento político na
cultura maranhense‖ (WADA, 2008).
86
dos políticos, pois não veem retorno em ações concretas e melhoria da qualidade de vida, elas
preferem então votar naqueles que podem fazer pelo menos algo pelos regueiros, como
explicou uma moradora do Bairro de Fátima (ARAÚJO apud WADA, 2008, p. 154):
Sei que assim pelo menos terei a garantia de que tem um regueiro representando a
gente. Logo, por gostar do ritmo, buscará mais incentivo às festas de reggae e à
população que gosta, assim como melhorias para os bairros onde obteve maior
votação.
Bancando festas gratuitas para um grande número de pessoas e utilizando os espaços
midiáticos que possui, Pinto da Itamaraty se promove enquanto empresário e político. Por
exemplo, todos os anos, a Itamaraty realiza uma festa em comemoração ao Dia do Regueiro e
ao Aniversário de São Luís (dias 5 e 8 de setembro, respectivamente). A oportunidade é
aproveitada politicamente e isso ficou bem claro no programa Itamarashow de 8 de setembro
de 2008, na fala do apresentador, depois de um clipe com o cantor Kleber do Brasil (cantando
uma música em homenagem da Itamaraty para São Luís):
Aí ele, Mister Kleber do Brasil. Daqui a pouco vai estar ele, Sly Fox, todo mundo
cantando e encantando a galera no Parque Folclórico da Vila Palmeira. E essa festa
é todo ano, nós mostramos aqui a semana passada inteira, a galera chegando,
sendo recepcionada, porque hoje você não vai comprar o ingresso, hoje você na
entrada recebe uma senha, uma numeração, e essa numeração vai dar direito a
você concorrer a vários e valiosos brindes. Todo ano, ó, quando você chega na
festa, você é super bem recepcionado, você vem com a sua família, com a sua
galera, todo mundo. Tamo aguardando vocês lá. Parque Folclórico da Vila
Palmeira, começa a partir das 14h, duas da tarde. Uma parceria bonita aí de
Alberto Franco e Pinto da Itamaraty [...]. Aí mais pra você: festa do Dia Municipal
do Regueiro, que tem o comando dele, Pinto da Itamaraty, no comando da
Caravana do Sucesso, deputado Pinto da Itamaraty. E você já sabe como é que é o
clima, nessa festa tem churrascão liberado pra você, carne de primeira. Aqui não
se dá carne de pescoço pra regueiro [...] E já já você vai ver a opinião da galera
sobre essa festa. Porque aqui num é só eu falando não. Aqui tem o povão (Netinho
Jamaica).71
Enquanto Netinho Jamaica fala, imagens da festa do ano anterior são veiculadas,
mostrando as pessoas chegando ainda de dia, entrando tranquilamente, com seguranças na
porta entregando as senhas. Depois, já à noite, aparece em close um outdoor com as fotos dos
deputados Pinto da Itamaraty e Alberto Franco, instalado dentro do local da festa, além de
imagens que exibem o Parque Folclórico lotado de gente dançando.
Em seguida, entra a fala de uma mulher que está na festa: ―
Ah, foi uma boa opção
que Pinto fez pro regueiro, né? Porque é a primeira vez que a gente vê um deputado fazendo
71
Programa Itamarashow, TV Difusora, 8 de setembro de 2008, postado no site You Tube. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=5q1WEKUkArE&feature=related>. Acesso em 20 de janeiro de 2009.
87
isso, colocando uma oportunidade para cada um de nós como regueiro‖. E um homem
completa, entusiasmado: ―
É muito bom, ele faz essa festa todos os anos porque ele vai chegar
na altura superior ao que ele quer, a um dia ser governador e prefeito dessa cidade!‖. A
matéria termina com Pinto da Itamaraty no palco, dizendo uma frase: ―
O meu compromisso é
com vocês‖. A reportagem se configura, deste modo, como uma propaganda política exibida
fora do horário político permitido pela Lei Eleitoral, que proíbe a veiculação de propaganda
paga, caso do espaço ocupado pelo Itamarashow.
Figura 34 - Pinto da Itamaraty cumprimentando regueiros na festa do Dia do Regueiro em 2008.
Reprodução do programa Itamarashow
As radiolas são, portanto, um aparato de entretenimento e de mídia que é fonte de
poder político e simbólico, uma vez que conferem à figura do proprietário (e dos DJs) um
capital pessoal que Bourdieu (2000) chama de ―
heróico‖, que se fundamenta em uma
capacidade de mobilização, a partir do vazio deixado pelas instituições 72. Assim, com o
descrédito das instâncias governamentais e legislativas (que não cumprem o seu papel para
com o cidadão, deixando o vazio do qual fala Bourdieu), essa parcela da população termina
por votar em alguém com quem, de algum modo, se identifica, e, se não proporcionar
melhores condições de vida, pode pelo menos oferecer um pouco de diversão aos regueiros.
Entretanto, as radiolas hoje são empresas (as maiores bem estruturadas, com até
trinta funcionários) que geram também lucro financeiro com a promoção de festas e de shows.
72
“[...] o capital pessoal a que se pode chamar de heróico ou profético e no qual pensa Weber quando fala de
―
carisma‖ é produto de uma ação inaugural, realizada [...] no vazio e no silêncio deixados pelas instituições e os
aparelhos: ação profética de doação de sentido, que se fundamenta e se legitima ela própria, retrospectivamente,
pela confirmação conferida pelo seu próprio sucesso [...] à acumulação inicial de força de mobilização que ele
realizou‖ (BOURDIEU, 2000, p. 191).
88
3.5. Pedras, melôs e a dinâmica da exclusividade
Para fazer sucesso, as radiolas investem, desde a década de 1980, principalmente nas
músicas jamaicanas mais antigas, o denominado reggae roots, que seria o preferido do
público dos clubes da periferia, como afirma Guimarães (2004): ―
O regueiro de São Luís só
gosta do reggae jamaicano, aquele bem lento que se dança agarrado. Tem muita música que
fica guardada com os donos de radiola por até dez anos. São as músicas de ‗bilheteria‘, que
chegam a custar até R$ 10 mil‖.
Estas músicas ―
exclusivas‖, garantia de sucesso, são reggaes jamaicanos dos anos de
1960 e 1970 comprados diretamente nas feiras da Jamaica e de Londres. Desde que se
descobriu essa fonte no exterior, o mercado das radiolas passou a se alimentar da
exclusividade e as radiolas travavam uma guerra pela preferência dos regueiros – que têm
como objetivo ―
ir a uma festa e ouvir as músicas exclusivas de sua radiola e sentir a
motivação, o delírio do discotecário ao executá-las‖ (ARAÚJO, 2004, p. 04). A disputa pela
exclusividade não é uma peculiaridade do mercado do reggae ludovicense. Também na
Jamaica, os sound sistems se valiam de músicas exclusivas para conquistar o público. ―
Os reis
da rua compravam discos e riscavam o rótulo para que ninguém soubesse que música era
aquela‖ (ALBUQUERQUE, 1997, p. 48).
Em meados da década de 1980 e nos anos 1990, muitos radioleiros e DJs
maranhenses fizeram viagens à Jamaica em busca dos vinis de reggaes antigos. Essas músicas
eram raras porque naquela época já não eram mais ouvidas em Kingston, capital jamaicana,
como conta Natty Nayfson (2009):
Em 90 fiz minha primeira viagem à Jamaica, fui buscar as pedras lá... eu adoro a
Jamaica. Fui comprar a bolachinha... Os anos 90 foi a grande explosão do reggae.
Porque foi quando a gente fez várias viagens pra Jamaica. Várias pessoas foram
pra Jamaica procurar o reggae da bolachinha, do vinil. Mas com determinado
tempo, de tantas e tantas viagens pra Jamaica, não existia mais o que pegar. Na
primeira viagem que eu fiz, o roots que eu trouxe eles não escutavam mais trinta
anos atrás. No ano de 91, essas músicas já foram achadas. Então com a passar do
tempo, muitas e muitas viagens, a gente foi garimpando tudo que tinha.
Quem não tinha condições de viajar para a Jamaica, encomendava os discos, como
contaram os DJs Neto Miller e Tony Tavares: ―
Eu comecei a colecionar reggae, eu tinha
quinze anos. Hoje eu tenho quarenta e quatro. Eu sou desde o comecinho do reggae. E
consegui muitos discos de vinil, com meus amigos que viajavam e traziam porque eu mesmo
não tinha como ir lá‖ (MILLER, 2010).
89
Por telefone, tu ligava e o cara mandava via correio de São Paulo. Quando eu
descobria o nome de alguém, por exemplo Gregory Isaacs, aí eu dizia pro cara:
―
tem um tal de Gregory Isaacs‖. Aí o cara dizia ―
rapá, tenho um disco desse cara
aqui‖. Aí eu pedia pra mandar tudo que era dele. Rapá, era sucesso. Agora, eu
pegava umas bomba que era... quando tu não ouve... antigamente o cara era
obrigado a ouvir, só que por telefone tu não ouve. Rapá, comprava muita bomba.
Tinha um tal de Tom... rapaz, esse bicho era ruim.Tem um disco dele que presta, o
resto era só porcaria. Tem um tal de... que canta ―
Guantanamera, guajira
guantanamera‖ [cantarolando], ele é jamaicano... pô, o nome desse cara... uma vez
eu pedi cinco discos desse cara, só disco caro. Cheguei no correio, peguei esses
discos, eles compravam barato na Jamaica, eles vendiam caro era aqui... O que?
Eu vendi música pro Ferreirinha foi por mil e quinhentos... ―
raga-raga-raga-raga,
matí‖ [cantarolando]. Eu que tinha essa música, naquela época, só eu que tinha.
Não prestou a música, eu não gostei. Mas quando eu botei, Antônio José gostou.
Mais jovem que eu... Era música caribenha, o nome da música era ―
Raga-raga‖.
Bicho, pra mim, nenhuma prestou, uma porcaria. Peguei e vendi pro Ferrerinha.
Antônio José pulou a janela... eu dizia ―
eu vou vender esses discos pra num sei
quem‖. Ele pulou foi a janela da casa na minha mãe. Ele pegou os discos e disse
―
pode pagar Ferreirinha‖. Eu disse ―
rapá, é dois mil‖. ―
Eu dou mil e quinhentos
agora‖. Pá. Peguei o dinheiro. Tinha comprado as bolachinhas por cinquenta, né?
(TAVARES, 2010).
A competição por essas ―
bolachinhas‖ era tão grande que os donos de radiolas
guardavam esse acervo a sete chaves, jogavam fora as capas dos vinis e faziam de tudo para
que ninguém soubesse quem era o cantor ou banda. Esse é um dos motivos das canções em
São Luís serem apelidadas como melôs: Melô da Toca da Praia, Melô da Chuva, Melô de
Antônio José, Melô do Cerrote, de Priscila, da Dançarina, dos Namorados, da Barraca de Pau,
do Anil, de Serralheiro etc. A maioria são reggaes jamaicanos cuja autoria é ignorada pelo
público.
A mesma relação que o público das radiolas têm com as músicas, foi observada por
Vianna (1987, p. 116) nos bailes de funk do Rio de Janeiro:
Quase ninguém sabe qual o nome do artista que gravou a música, muito menos o
nome da música. Alguns sucessos são apelidados de melô disso ou melô daquilo,
mas o nome real da música só poucos DJs e raríssimos aficionados do funk
conhecem. Essa é uma relação bem diferente da de um fã de heavy-metal, por
exemplo, com o seu estilo de música preferido. Os ―
metaleiros‖ conhecem até
mesmo detalhes íntimos da vida particular de seus ídolos, comprando todas as
revistas, posters e biografias (além de camisetas, badges etc.) que são publicadas
sobre heavy-metal. Nada disso acontece com o funk (nem os próprios DJs se
interessam muito pela carreira dos músicos que fazem sucesso nos bailes). A
música serve apenas para dançar (e para fazer dançar, no caso dos DJs). A maioria
dos funkeiros não tem ídolos. Só melôs preferidas e ainda assim por um curtíssimo
período.
No caso do reggae em São Luís, alguns colecionadores, pesquisadores, DJs e donos
de radiolas (principalmente, os que também são DJs) são esses ―
aficionados‖ que conhecem
os cantores, as bandas e a história musical do reggae, até mesmo, fora do Maranhão. Não
seria correto, porém, dizer que todos os frequentadores tantos de clubes da periferia quanto
90
dos bares de classe média não têm ídolos, posters ou camisetas dos cantores e bandas de
reggae. O público em todos os locais é diversificado demais para se fazer esse tipo de
afirmação. Existem os que estão ali por diversão e só (se é que se pode dizer ―
só diversão‖, já
que a escolha do local de diversão já diz alguma coisa) e existem os que escutam a música em
casa e em outros locais73, os que se identificam com as proposições de Bob Marley, os que
sabem que o melô que gosta é uma música de Eric Donaldson etc.
A constituição dos melôs também tem outra motivação: como a maioria dos fãs do
reggae de radiola em São Luís não entende as letras cantadas em inglês, os melôs dão um
novo sentido às músicas que, assim, são mais facilmente identificadas (ARAÚJO, 2004). São
os criadores dos melôs que constroem esse significado. Na maioria das vezes, eles utilizam
um trecho da música que se pareça com alguma palavra em português para criar a
identificação do som, através de uma adaptação fonética. Exemplificando, podemos observar
o caso da música White Witch, da banda Andrea True Conection, conhecida em São Luís
como ―
melô do caranguejo‖. No refrão deste reggae é dito White witch is gonna get you (A
bruxa branca vai te pegar). Ao escutar, o regueiro ludovicense ―
entende‖, no entanto, ―
olha o
caranguejo‖, o que deu origem ao nome do melô.
Outros melôs são homenagens a mulheres (possivelmente, namoradas ou amigas dos
DJs), como os melôs de Poliana, Andressa e de Valéria; às novelas, como o melô de Donatela,
personagem de uma novela global; a locais onde há grande mobilização em torno do reggae,
como os melôs da Ponta D´Areia e do Anil; e a pessoas ligadas ao reggae, como o melô de
Marcos Vinícius, apresentador de programa de reggae no rádio e integrante da equipe da
radiola ―
Super Itamaraty‖, e ao já mencionado Antônio José, famoso DJ da radiola ―
Estrela
do Som‖.
Os melôs que mais fazem sucesso geralmente são chamados de pedras. Assim são
denominados os reggaes que conquistam o público pela sua força e pela ―
levada‖, sendo
considerados pelos apreciadores como músicas de boa qualidade: ―
pedrada‖, ―
tijolada‖,
―
pedra de responsa‖ são alguns termos bastante disseminados e conhecidos pela população de
São Luís que caracterizam as músicas que mais empolgam a ―
massa regueira‖. Ademar
Danilo (apud WADA, 2008) afirmou ter sido o idealizador do termo, que faria alusão à
expressão pedra preciosa, preciosidade. Esse significado é compartilhado pelo vocalista da
Tribo de Jah:
73
Aproximadamente 80% das pessoas que responderam aos questionários que apliquei em locais de reggae
situados na periferia afirmaram ouvir reggae em outros locais além do clube: no rádio ou através de CDs, em
casa.
91
Uma pedra é um reggae lindo, irresistível, bom de dançar, no estilo maranhense,
agarradinho, no estilo das antigas. Que ele não é apenas um reggae lindo, ele toca
fundo, mas que ao mesmo tempo tem que ser bom de dança de salão, senão não é
pedra (BEYDOUN, 2008).
As pedras são, portanto, identificadas como sendo quase sempre reggae roots, que se
dança mais comumente ―
agarradinho‖. Quando os empresários do reggae perceberam que o
público das radiolas preferia as músicas jamaicanas mais antigas e estas – que não eram mais
produzidas na Jamaica há mais de duas décadas – estavam se esgotando, compreenderam que
alguma alternativa precisava ser buscada; o público (ou parte dele) necessitava de novidade.
3.6. “Tudo vira pedra”74: a corrida pelas regravações e o reggae feito por encomenda
Como mencionou Natty Nayfson (2009), a fonte dessas canções feitas na Jamaica
nas décadas de 1960/70 foi secando com o passar dos anos. Já no final dos anos 2000, poucos
são os DJs que continuam ―
descobrindo‖ as músicas antigas jamaicanas. Atualmente, segundo
Nayfson, as radiolas estão buscando regravar alguns desses antigos sucessos. Se, por um lado,
a gravação – feita digitalmente – de versões das músicas antigas, às vezes com arranjos
diferentes, é uma opção de custo baixo para os donos de radiolas, por outro lado, a qualidade
dessas gravações é questionada por diversos agentes ligados ao reggae, sobretudo, músicos e
colecionadores, como Selektah75:
Quanto ao que vem acontecendo com as radiolas nos últimos oito anos é
interessante. Sem querer resgatar toda a história das radiolas, basta dizer que na
segunda metade dos anos 90 começa-se a buscar versões ou músicas exclusivas
gravadas por jamaicanos. No alvorecer do novo milênio, surgem ―
cantores‖
maranhenses de reggae fazendo covers de músicas de grande sucesso dos salões.
Fizemos questão de frisar a palavra ―
cantores‖ para deixar de fora deste pirão
artistas maranhenses que possuem uma história dentro deste movimento e que
participaram efetivamente da construção desta cultura.
Selektah, enquanto colecionador que possui diversas músicas exclusivas e defensor
do roots, acredita que a regravação desses sucessos (que eram exclusividade de algum
colecionador ou Dj) é desleal e degradante ao ―
movimento reggae”. Em artigo intitulado
―
Piratas do Caribe‖ 76 ele tece considerações sobre a quebra da exclusividade, cultivada pelos
colecionadores como uma espécie de tradição do reggae de São Luís:
74
Tony Tavares, cantor, DJ, dançarino e produtor de reggae. Entrevista em fevereiro de 2010.
Artigo publicado no Jornal Pequeno, dia 22 de junho de 2008. Disponível
<http://www.jornalpequeno.com.br/2008/6/21/Pagina81122.htm>. Acesso em 09 de julho de 2008.
76
Artigo publicado no site Reggae Total, dia 30 de outubro de 2009. Disponível
<http://www.reggaetotal.com/Piratas_do_Caribe.php>. Acesso em 17 de novembro de 2009.
75
em:
em:
92
O Reggae de Radiola construiu um dos maiores acervos de musicais do vinil que
se tem notícias fora da Jamaica, graças às viagens de figuras como Jr. Black,
Ferreirinha, Dread Sandro, Natty Nayfson, Serralheiro e muitos outros. Estas
raridades foram exclusividades das radiolas até enquanto as músicas não ―
foram
pra rua‖ como se diz no linguajar local. Não havia como se obter acesso as
mesmas se não fosse através de gravações em fitas cassetes ou comprar os discos
fora do Maranhão.
Nos anos 90 apareceu no Maranhão a famigerada coletânea de Roots em CD‘s,
que saiam aos borbotões e os arautos do lucro fácil ―
vendiam‖ as músicas até
então exclusivas ao agenciador/aliciador que as modificava e as colocava nos
CD‘s.
Ao ter em minhas mãos o primeiro volume fui à loja e fiz o seguinte
questionamento: como foi que produziram no EUA, mas especificamente em
Miami (onde se dizia que o disco tinha sido gravado), um CD exatamente com
todas as músicas que os maranhenses gostavam. E como era que um disco
produzido lá tinha não o número de série de registro que todo o CD originalmente
prensado tem e como os nomes dos cantores e das músicas estavam escritos
errados em inglês. Podem ter certeza que as respostas dadas pelo proprietário não
foram nada convincentes.
Depois que todos se convenceram das falsificações ficou a sem-vergonhice mesmo
[...]. Tive aproximadamente 10 músicas lançadas por minha pessoa pirateadas nas
coletâneas. E denunciei a pirataria diretamente para alguns cantores e bandas.
Em momento algum do discurso de Selektah é questionado o mercado da
exclusividade. O fato de uma só pessoa ter determinada música não é visto por ele como
monopólio, como controle de mercado, mas como parte de uma cultura, como uma tradição a
ser mantida, me nome da manutenção do ciclo social do reggae. A exclusividade é benéfica
ao movimento reggae, é assim que funciona e assim deve ser preservado. Selektah faz parte de
um grupo de pessoas ligadas ao reggae desde as décadas de 1970/80 e que hoje fazem um
movimento em defesa do reggae roots, sobre o qual falarei mais adiante.
As coletâneas intituladas Reggae Roots, lançadas e vendidas pela loja Music Play
desde a década de 1990, que trouxeram diversos melôs e canções que fizeram sucesso nos
salões de reggae, por um lado, possibilitaram o acesso a essas músicas, que só eram
executadas anteriormente pelas radiolas e nos programas de rádio (ligados às radiolas),
sempre com vinhetas tocando por cima, justamente para impossibilitar a cópia; por outro lado,
segundo Selekath (2009), os artistas e bandas nunca receberam nada por terem suas canções
nos CDs.
Tanto na quebra quanto na disputa pela exclusividade, o que está em jogo, do ponto
de vista econômico, é o lucro. Se o proprietário da Music Play tirou proveito da venda da série
de CDs Reggae Roots, os donos de radiolas ganham há anos com a comercialização da
93
exclusividade. Em uma reportagem veiculada pela TV Senac, em 1999 77, dois donos de
radiolas falam sobre a importância dessa exclusividade:
Tem um determinado dono de radiola que manda fazer três músicas. A gente vai
lá e manda fazer seis, fazer oito... Então essa concorrência é boa porque incentiva
o trabalho da gente (José Eleonildo Soares, Pinto da Itamaraty).
Se eu tiver 20 músicas exclusivas que só tocam na minha radiola, isso é muito
importante. Ainda mais porque se tiver uma pessoa que gosta da música, ela passa
a noite todinha e só sai depois que a música tocar (Luís Fernando Ferreira,
Ferreirinha).
A exclusividade, almejada por proprietários e também pelos fãs das radiolas – que
elegem uma radiola para torcer por ela – é reivindicada como um elemento que faz parte da
dinâmica do reggae em São Luís, sendo desejável e defendida por aqueles que promovem as
festas das radiolas.
As músicas que os radioleiros ―
mandam fazer‖ (como disse Pinto da Itamaraty)
seriam, em um primeiro momento, regravações, alternativa encontrada por eles para manter
de algum modo a exclusividade e ao mesmo tempo, movimentar com novidades o mercado do
reggae apreciado pelos frequentadores dos clubes.
Há também as músicas de outros estilos que ganham versões em reggae. Assim
como alguns cantores ingleses e jamaicanos regravaram canções de rock nos anos 1980/1990,
como Bernie Lyon, que fez sucesso com a versão reggae de ―
Eleanor Rigby‖, dos Beatles, e
John Holt que gravou ―
Hey Jude‖ (também da banda de rock inglesa), alguns cantores
jamaicanos de passagem por São Luís gravaram versões de músicas famosas no final da
década de 1990, como me contou o músico Bruno Azevedo (2008):
Eu trabalhava como tradutor e intérprete free lance para vários regueiros
jamaicanos que visitavam a cidade. O trabalho incluía ajudá-los em entrevistas e,
às vezes, traduzir letras de músicas. Era comum a tradução de músicas em
português que faziam ou fizeram sucesso no mercado local serem encomendadas
por radioleiros para gravação em inglês, conservando a melodia, pra serem
gravadas por cantores jamaicanos. Fiz a versão em inglês, por exemplo, de
―
Menina Veneno‖. Num dos casos, me foi encomendada a música ―
Como uma
Virgem‖, que estourava com a Banda Calypso. Meus contratantes não perceberam
que a música já era uma versão da música ―
Like a Virgin‖, da Madonna.
A ideia das regravações funciona como um tiro certo, do ponto de vista do mercado:
regrava-se canções de reggae famosas nos salões ludovicenses dos anos 1970/1980 e se grava
versões de músicas de outros ritmos que fazem sucesso no momento, como ―
Menina
77
Arquivo de Leandro Ramos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=MjMIumY5kG8&feature
=related>. Acesso em 18.11.2009.
94
Veneno‖, composta e gravada por Ritchie nos anos 1980, que fazia novamente sucesso na voz
da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, em 1995. Assim, os reggaes encomendados
podem ter mais chance de estourar.
O fato relatado por Azevedo sobre a música ―
Like a Virgin‖ demonstra uma falta de
atenção com o produto, talvez, fruto de uma corrida pelas regravações, provocada pela
concorrência. Para os donos de radiolas, parece importar mais a quantidade de músicas
produzidas (lembrando a fala de Pinto da Itamaraty, em 1999: ―
Tem um determinado dono de
radiola que manda fazer três músicas. A gente vai lá e manda fazer seis, fazer oito... Então
essa concorrência é boa porque incentiva o trabalho da gente‖) do que a qualidade do que está
sendo posto à prova nas festas.
A luta pela exclusividade dessas músicas antigas continua, de acordo com Natty
Nayfson (2009), através dessas gravações feitas especialmente para uma radiola:
Eu deixei de ir pra Jamaica em 98, mas a gente tem muita coisa. A gente garimpou
tudo. Então o eletrônico, ele pegou essas músicas e deu uma melhorada. Então
essas músicas continuam exclusivas, de radiola A, de radiola B... Tem várias
gravadoras. A disputa agora é dos investidores do reggae. O mesmo lance da
Jamaica. Os investidores contratam cantores, gravadoras... e vendem a música pras
radiolas. A música é exclusiva.
A afirmação de que o eletrônico melhorou as músicas antigas é bastante questionada
pelos defensores do reggae roots, como ficará demonstrado adiante. O que se percebe nesta
explanação de Nayfson é que há ainda um mercado rentável que engrena em função dessa
exclusividade, como apontou também as falas de Ferreirinha e Pinto da Itamaraty:
investidores e gravadoras vendem músicas exclusivas aos empresários das radiolas, que
mantém o jogo em funcionamento, conquistando o público com essas músicas, próprias de
cada radiola.
A concorrência da qual fala Pinto da Itamaraty provoca uma corrida pela gravação de
reggaes, uma vez que não há mais novas-velhas músicas jamaicanas para se descobrir. A
exclusividade ainda existe porque, apesar da pirataria da qual reclama Selektah (2009) e das
regravações dos reggaes famosos, há centenas de bolachinhas que só existem no Maranhão:
Tem músicas que só tem aqui em São Luís. Nem na Jamaica tem mais. Às vezes
são vinis que só saíram 200 cópias na época, de bandas que só gravaram aquilo e
depois nada mais. Isso foi garimpado e só existe aqui, só uma pessoa tem. Então
ainda existe exclusividade (SELEKTAH, 2009).
O reggae das radiolas não se alimenta, porém, somente da exclusividade e das
regravações dos antigos sucessos. Há uma produção de novas músicas feitas tanto
95
digitalmente quanto com banda, seguindo o estilo roots, como demonstrou o cantor jamaicano
Honey Boy, em reportagem veiculada pela TV Senac, em 1999:
Eu faço dance music na Jamaica e em Londres, mas porque São Luís gosta do
reggae de raiz que eu fazia nos anos 70 então eu faço esse tipo de música para o
pessoal de São Luís. Eu garanto: é uma boa música e eu continuarei fazendo até
enquanto eles curtirem (entrevista em inglês, legendada).
Há também novos cantores que surgiram incentivados pelas radiolas (e que tocam
músicas semelhantes ao reggae tocado por estas, como Rosy Valença e Ricardo Luz), além
dos cantores que já estão no mercado há décadas, como Tony Tavares, Santa Cruz, entre
outros; e há outras fontes, como a Internet.
Tavares (2010) afirma que atualmente se faz versões de canções de vários estilos
musicais: ele, por exemplo, gravou no início de 2010, a marchinha de carnaval ―
Jardineira‖,
em ritmo de reggae. Há versões também de músicas internacionais, como ―
La Isla Bonita‖, de
Madonna, ―
What If God Was One of Us‖, de Joan Osborne, e ―
I Miss You‖, de Haddaway –
essas três fizeram sucesso nos anos 1980 e recentemente (já no final dos anos 2000) foram
gravadas em estúdios de São Luís com a batida do reggae. De acordo com Tavares (2010), se
produz reggaes digitalmente, por encomenda de donos de radiola, de políticos e de outras
pessoas interessadas em ter um melô com o seu nome. Segundo ele, ―
tudo vira pedra‖.
3.7. Reggae robozinho x reggae roots
“A reivindicação da identidade tem sempre algo de violento a respeito do outro”
Nestor García Canclini 78
Uma fonte dos DJs hoje é a Internet, onde é possível baixar músicas de cantores do
mundo todo. Beydoun (2008) argumenta que, apesar das músicas jamaicanas antigas inéditas
hoje serem difíceis de se encontrar, existem outros meios de se garimpar boas canções:
O pessoal ia pra Jamaica buscar e isso foi ficando escasso realmente, embora hoje
tenha uma produção de reggae mundial muito grande: tem bandas no Havaí, nos
Estados Unidos, no Canadá, na Suécia, na Hungria, na Rússia, no Japão... tem
bandas excelentes de reggae, só que o pessoal tá muito desinformado, totalmente
alienado.
78
2008, p. 24.
96
A crítica de Beydoun é de que os DJs e donos de radiola pararam de pesquisar, de
exercer a função de ―
descobridores‖. Para ele, como um dos que lamenta o rumo atual do
reggae das radiolas e defende o roots, as radiolas enveredaram pelo caminho mais fácil, que
seria regravar os antigos sucessos.
Então eles deixaram de ter aquele papel do descobridor das pedras para pegarem
assim mecanicamente nesse repertório que é conhecido, que é produzido aqui, e
fazer sua seleção. O reggae deixou de ter aquele componente cultural. A música
jamaicana original é bonita porque é uma cultura genuína, linda, própria, com um
grande teor de poesia, de cultura realmente (Idem, 2008).
Essas músicas eletrônicas estão sendo denominadas pelos frequentadores e
radioleiros como “reggae robozinho”, uma alusão à forma mecânica de gravação e ao jeito
de dançar (a alegação é que a pessoa parece um robô se mexendo), que é diferente do reggae
roots. A dança do robozinho pode ser executada por uma pessoa ou em par: os movimentos
são bruscos, os rodopios são mais rápidos – não há a cadência da dança do reggae roots – os
passos têm forte marcação, alguns se assemelham, inclusive, aos de forró 79 e, mesmo quando
há um casal dançando, há momentos da coreografia onde ambos fazem passos sincronizados,
mas separados – e não ―
agarrados‖, como ocorre comumente no roots.
Figura 35 - Casal dança o ―
robozinho". Reprodução de vídeo do site You Tube – arquivo do DJ Tião Brasil
Há divergências sobre o que é, musicalmente, o robozinho: enquanto algumas
pessoas dizem que é um reggae mais acelerado (Fauzi Beydoun foi um dos que me
descreveram assim), outros dizem que a diferença está apenas na substituição da banda pelo
aparato eletrônico (um computador e às vezes um teclado):
79
O forró, nas últimas décadas, tem conquistado espaço cada vez maior nas festas populares do Nordeste/Meio
Norte. Com mega-bandas como Mastruz com Leite, Calcinha Preta e Calypso, as festas reúnem um grande
público interessado na dança que, assim como o reggae, é principalmente executada a dois. Os movimentos e
passos desse tipo de forró, que é mais agressivo e mais frenético do que o denominado ―
forró pé de serra‖
(inspirado principalmente em Luiz Gonzaga), são mais abertos, espaçosos, coreografados e bem marcados.
97
Aí quê que a gente fez, pegamos tudo que tinha e fomos fazendo em eletrônico.
Que é eletrônico? Que tem um teclado que toca baixo, guitarra [...], é o que tão
chamando de robozinho. Isso já foi no fim dos anos 90, 98, 99, anos 2000, até
hoje. O eletrônico já existia desde os anos 90, mas não era tão agressivo como o
eletrônico de hoje. Era feito no teclado e tal, mas que a galera não assimilava que
era eletrônico. Tinha várias músicas como Johnny Orlando, Rock Campbell, várias
músicas naquela época que a galera não sabia que era eletrônica e curtia. Aí com
determinado tempo a galera foi fazendo as músicas e tal [...]. A música eletrônica
não é mais acelerada. Ela não tem o mesmo feeling que a música feita com
instrumentos, nem da guitarra, nem do contrabaixo, nem da bateria.
Principalmente do contrabaixo, que faz o peso do reggae. E aquilo ao vivo é pedra,
diferente do eletrônico. Você vê uma música eletrônica, a batida é sempre igual,
tchic-tum, tchic-tum. Não tem as viradas do reggae roots (NAYFSON, 2009).
Um questionamento que se pode fazer a respeito das informações acima colocadas é:
apesar desse eletrônico estar nos salões de reggae desde a década de 1990, como afirmou
Nayfson, por que somente depois dos anos 2000 esse reggae passa a ser alvo de críticas?
Para apontar para algum tipo de resposta, é preciso tentar compreender as mudanças
do jogo. Depois de anos vivendo de exclusividade, através da busca pelas músicas
jamaicanas, nas feiras da Jamaica e de Londres, os radioleiros passaram a ―
mandar fazer‖
músicas digitalmente, o que alterou a dinâmica do mercado, provocando a proliferação de
investidores do ramo, desde produtoras a gravadoras que passaram a viver desse mercado.
Para cortar gastos e maximizar os lucros, ao invés de arcarem com os custos de uma banda,
pagamento de músicos, horas de gravação em estúdio, esses investidores fazem as gravações
digitalmente, com um teclado e um computador emulando os outros instrumentos. A
princípio, são alguns cantores jamaicanos de passagem pela cidade ou que passaram a morar
em São Luís que emprestam sua voz para as gravações, como Honey Boy e Norris Cole, por
exemplo. Depois, cantores maranhenses desconhecidos passaram a ser contratados para
gravar esses antigos sucessos, como conta Selektah (2009) 80.
Logo apareceu outro meio de se fazer músicas de modo exclusivo que foi a
encomenda de ―
pedras‖ para as radiolas com cantores e produtores da Jamaica. Aí
entra em cena Joe Gibbs, Bill Campbell, Norris Cole e Honey Boy e em poucos
anos eles são surpreendidos pelas ―
produções‖ locais mais baratas.
O resultado é que, além da quebra da antiga lógica da exclusividade, a qualidade das
músicas passa a ser questionada por aqueles que colecionam esses reggaes antigos e por
músicos profissionais. Foi nos anos 2000 que se deu um nome ao fenômeno: robozinho. Não
se sabe ao certo se o termo foi criado por frequentadores dos clubes para somente definir um
tipo de reggae que estava sendo tocado ou com intenção de criticar esse novo estilo. No
80
Artigo intitulado ―
Piratas do Caribe‖, publicado em 30 de outubro de 2009, no site Reggae Total. Disponível
em: <http://www.reggaetotal.com/Piratas_do_Caribe.php>. Acesso em 17 de novembro de 2009.
98
entanto, para defender o reggae roots, alguns agentes estão travando uma guerra contra o
reggae eletrônico. A discussão, que há alguns anos estava nos bastidores do reggae, no final
dos anos 2000, está na mídia, nas entrevistas e nos artigos publicados por pessoas desse
movimento.
Selektah é um dos que mais atua nessa batalha contra o reggae eletrônico, através de
diversos artigos publicados em jornais impressos e sites especializados.
É pública e notória, a crise de identidade pela qual passa o reggae no Maranhão,
principalmente no que diz respeito às radiolas que optaram por um ritmo musical
pobre, chamado popularmente de ―
robozinho‖, ―
bate lata‖, ―
couro‖ ou ―
música de
maluco‖ (SELEKTAH, 2008).81
Beydoun também tem falado abertamente sobre o assunto em entrevistas concedidas
a emissoras de rádio e televisão. A rejeição ao eletrônico ficou pública tanto em entrevista no
dia 2 de julho de 2009, ao programa Santo de Casa, da Rádio Universidade FM, quanto ao
JMTV 1ª Edição, da TV Mirante, no dia seguinte: ―
A gente quer defender o roots, essa coisa
própria daqui do Maranhão‖, disse à radialista Gisa Franco, apresentadora do Santo de Casa,
que respondeu comentando que ―
por isso que o roots é importante, porque só dá pra dançar
agarradinho no roots. Quem gosta sabe. No eletrônico não dá‖. Já no JMTV, Beydoun
começou a entrevista dizendo que ―
fizemos uma música agora que é um manifesto por esse
reggae roots, essa dança agarradinha, que é uma cultura nossa que tem que ser preservada,
inclusive pelas novas gerações‖. Em seguida, tocou uma música nova da Tribo de Jah,
apresentada por ele como uma tentativa de fazer um som mais ―
pedra‖, mais ―
roots‖, que
versava sobre São Luís como a Ilha do Reggae, do Amor, do Bumba-meu-boi, em ritmo bem
cadenciado.
Há, nessa empreitada de alguns produtores82, como Beydoun e Selektah, aquilo que
Bourdieu (1996, p. 258) denomina de ―
luta pelo monopólio da definição do modo de
produção cultural legítimo‖, que consiste na tentativa de afirmar que a única forma aceitável
de fazer a música reggae é a que eles consideram legítima. De acordo com Bourdieu, essa
disputa contribui para reproduzir continuamente a crença e o interesse pelo jogo. Isso
significa que, quanto mais discussão há a respeito da qualidade, da originalidade, da
legitimidade dos estilos de reggae que estão sendo produzidos em São Luís, mais os agentes
envolvidos na luta acreditam no jogo que está sendo jogado: quem gosta e defende o roots, se
arma de argumentos para afirmá-lo como ―
verdadeiro‖ (em contraposição ao eletrônico, que
81
Artigo publicado no Jornal Pequeno, 22 de junho de 2008.
Aqui, produtores é uma categoria de Bourdieu (1996): são aqueles agentes responsáveis pela produção dos
bens culturais. Eles são também consumidores, mas, nesse momento, falam com a propriedade de produtores.
82
99
seria ―
vulgar‖), e quem gosta de robozinho, ao ser ―
atacado‖ pelos defensores do roots, se
convence ainda mais que precisa defender aquilo que aprecia.
Robozinho não foi uma palavra que, enquanto pesquisadora, busquei durante o
trabalho de campo, mas uma expressão que foi sendo repetida, usada com naturalidade pelos
radioleiros e frequentadores dos locais de reggae da periferia. Aliás, é uma palavra que só foi
verbalizada nos locais onde o reggae tocado era o das radiolas ditas tradicionais. Nos bares
de classe média ninguém menciona a existência do robozinho; nesses locais, inclusive, os DJs
adotaram o roots como bandeira: a maior parte dos bares e dos DJs que tocam nos bares faz
parte de um movimento em defesa do roots.
Já os clubes e as radiolas ditas tradicionais fazem festas com os dois ―
tipos‖ de
reggae. De acordo com Nayfson (2009), dependendo da festa e do local, o DJ toca uma
sequência das ―
antigas‖ e uma das músicas eletrônicas, ou prioriza um tipo de música.
A proposta da minha radiola é tocar o reggae de raiz e também o reggae
eletrônico. A gente consegue assimilar os dois ritmos... Em todas as festas que
gente faz as músicas do passado porque elas é que fizeram o nosso sucesso e a
gente jamais vai deixar de tocar, mas bota também o reggae eletrônico. É claro
que tem as festas programadas em várias datas do ano, como ―
O Homem das
Pedras‖... a gente toca muita raiz.
Um exemplo dessa flexibilidade foi que, na apresentação da radiola FM Natty
Nayfson no Dia Municipal do Regueiro, 5 de outubro de 2009, na Praça Maria Aragão, em
meio a muitos reggaes considerados ―
pedras‖, Nayfson tocou algumas canções de Bob
Marley. O ícone jamaicano não costuma ser tocado pelas radiolas tradicionais nos clubes da
periferia83. Mas, como o público na praça era predominantemente de pessoas de classe média
e, junto com a radiola, estavam se apresentando várias bandas locais, que se identificam com
Bob Marley, Nayfson o incluiu na sua sequência.
Entre os frequentadores dos clubes de reggae, poucos são os que admitiram gostar do
robozinho. Quando perguntava que tipo de reggae as pessoas gostavam mais, a resposta era
automática: roots. Somente depois de muita conversa, alguns falavam do reggae robozinho
como um tipo de reggae bom de dançar. O que percebi é que, apesar de muitos
frequentadores dançarem e curtirem os reggaes eletrônicos, já existe um discurso pronto
(principalmente, para uma pesquisadora) de que o ―
verdadeiro‖ reggae é o roots.
83
Sobre isso, uma experiência curiosa me foi contada por Selektah (2009): ―
Quando eu cheguei no Maranhão, eu
era roqueiro. Mas já tinha alguns vinis de reggae. Quando fui a um clube pela primeira vez, convidado por um
amigo, em 1981, fiquei esperando tocar Bob Marley a noite toda. E não tocou. Impressionante. É que lá tocavam
outras coisas‖.
100
Gosto de dançar a dois, agarradinho... Esse negócio de robozinho não dá, o cara
fica... tem que ser a dois, agarrado. Só dá com o roots (Jorge da Silva Santos, fãclube da radiola Itamaraty, 2009).
Eu prefiro o reggae roots do que o robozinho. É mais bacana, melhor. Mas a gente
curte, a gente ouve qualquer um. É um outro passo, né? O roots bate dentro da
gente, tem aquele amor, aquela coisa. Mas a gente curte o robozinho também. Até
porque já tem muito maranhense que curte também, então é bacana a gente chegar
e apoiar (Alfredo ―
Jamaica‖, fã-clube da radiola Itamaraty, 2009).
Assim, enquanto alguns frequentadores alegam apreciar o roots por uma questão de
gosto, outros até admitem o eletrônico por fazer parte do conjunto do reggae de São Luís.
A questão do reggae eletrônico ganhou visibilidade na televisão em uma reportagem
exibida no Jornal da Globo do dia 10 de maio de 2006, data de aniversário da morte de Bob
Marley. Segundo a matéria da repórter Viviane Medeiros, feita em São Luís, esse tipo de
reggae é o que mais toca na capital maranhense. No trecho a seguir, a matéria mostra um
grupo gravando reggae em um estúdio, com um teclado e um computador, e depois entram as
falas de dois integrantes da banda:
E o que dizer do reggae cujo principal instrumento é o computador? É assim, com
a ajuda da tecnologia, que os fãs mais jovens de Bob Marley estão fazendo reggae.
Música eletrônica com a batida suave do ritmo jamaicano. É o que mais se ouve
nos clubes de São Luís. Por aqui, a banda se resume a um toque no teclado:
bateria... [som do teclado] baixo... [som do teclado] Um programa de computador
transforma tudo em melodia. Depois, é só cantar. [voz do cantor]
Se Bob Marley aprovaria o reggae eletrônico?
―
Eu acho que não. Acho que ele iria fazer acústico mesmo, tocando, aquilo que
demora...‖
―
Quem garante que Bob Marley não estaria fazendo eletrônica?‖
A discussão sobre o eletrônico aparece suavizada na reportagem. Ao mesmo tempo
em que está colocado em questão, o assunto não é polemizado. Embora a expressão ―
com a
ajuda da tecnologia‖ sugira uma facilitação do modo de fazer, como um aspecto positivo (ou
seja, tecnologia é progresso), o texto de Medeiros questiona por duas vezes a música
eletrônica: ―
E o que dizer do reggae cujo principal instrumento é o computador?‖ e ―
Se Bob
Marley aprovaria o reggae eletrônico?‖. E esses questionamentos não são respondidos pela
repórter, talvez como uma forma de tentar se isentar e não fazer julgamento de valor. Por fim,
as duas entrevistas que expressam opiniões diferentes terminam por manter o equilíbrio
desejado para a abordagem do assunto. A matéria, portanto, não toma partido a favor nem
contra o reggae eletrônico, mas confere visibilidade ao assunto.
Um debate interessante foi travado entre dois fãs de radiolas no site Reggae Total,
nos dias 27 e 28 de dezembro de 2009. No espaço destinado à manifestação dos internautas,
101
duas pessoas que se identificaram como Manoel e Edelson trocaram mensagens sobre o
reggae eletrônico84:
Dia 27/12/09
08:53 – MANOEL: Vejo reclamarem das músicas dos CANTORES
MARANHENSES, quando iniciou essa onda de ELETRÔNICAS, os
JAMAICANOS, cantavam versões sempre com a mesma base. Ou já esqueceram
de RAYMOOND, SIDDY RANKS, BILL CAMPBEL e outros, vamos valorizar e
respeitar nossos conterrâneos.
10:51 – MANOEL: As músicas dos conterrâneos não é tão ruim. A prova são a
maioria dos clubes lotados e com pessoas que conhecem e entendem de reggae.
11:53 – EDELSON para MANOEL: roots verdadeiro todo mundo sabe que a mais
de 30 anos os jamaicanos não fazem mais. O que nos resta esse BATE LATA.
11:55 – EDELSON: Aqui em São Luís um cantor que admiro por seu trabalho
competente é DUB BROWN o cara faz um reggae muito chegado, o velho roots.
12:00 – EDELSON para DUB BROWN: pq vc ñ tenta fazer CD reggae acústico?
vc tem muitos reggaes que ficariam legal sendo acompanhados por uma banda de
reggae.
12:09 – EDELSON: ex: josivania, rosangela, pinoquio, supapo, general, monica,
estrela black, geraldao, tinoco, bigu, jamily.
14:21 – MANOEL: EDELSON, quando dizem ''BATE LATA'' é discriminação é
achar que só o ROOTS é bom e que as ELETRÔNICAS nenhuma presta e não é
bem assim.
Dia 28/12/09
10:09 – EDELSON para MANOEL: codinome bate lata, é como esse reggae
produzido aqui em São Luís é conhecido no Brasil inteiro. Por sua batida ser
sempre a mesma.
O diálogo começa com Manoel citando os jamaicanos que já faziam há um tempo
músicas eletrônicas (Nayfson também afirmou em entrevista, em 2009, que, desde a década
de 1990, alguns cantores jamaicanos já faziam reggae eletrônico). A argumentação dele é de
que, quando eram os cantores da Jamaica que faziam música eletrônica, ninguém reclamava e
que, hoje, como são cantores maranhenses, as pessoas reclamam. Para ele, o ponto principal é
que existe uma valorização do que vem de fora em detrimento do que é feito pelos
―
conterrâneos‖. Manoel segue argumentando que o fato dos locais onde esse tipo de reggae
toca estarem sempre lotados de pessoas que entendem de reggae é um sinal de que a
qualidade da música não é ―
tão ruim‖. Então, Edelson responde às afirmações falando em tom
de saudosismo do ―
roots verdadeiro‖ (e, aqui, o verdadeiro se parece com o original: a
84
Os erros de português e as abreviações, próprias da linguagem de Internet, foram mantidos com o objetivo de
não alterar o texto original. Disponível em: <http://www.reggaetotal.com/msm.php>. Acesso em 30 de dezembro
de 2009.
102
mesma noção de originalidade da cultura reivindicada pelos defensores da ―
Atenas
brasileira‖, que não se permite ―
contaminar‖) e que o que resta é ―
esse bate lata‖. Ele
exemplifica o cantor Dub Brown como um dos que tem boas músicas de raiz e sugere que
este faça um CD de reggae ―
acústico‖, gravado com banda, ao invés de utilizar um aparato
digital. Para Manoel, a expressão ―
bate lata‖ é preconceituosa, pois pejorativamente sugere
que todo reggae eletrônicAo é ruim, enquanto todo roots é bom. A essa colocação, Edelson
responde que o nome ―
bate lata‖ é como esse reggae é conhecido em todo o país por ter
sempre a mesma batida.
Nessa discussão, Manoel aparece como um defensor do reggae eletrônico, mas não
nega o roots. Ele relativiza as críticas feitas ao eletrônico, enquanto Edelson se remete ao
roots (verdadeiro) para negar o eletrônico, chamando-o de ―
bate lata‖, como um tipo de
música que empobrece a cultura do reggae. Vê-se então que o lugar do enunciado (e quem
enuncia) muda a percepção da mesma coisa: quem gosta do robozinho o denomina eletrônico;
quem é contra, o chama de ―
bate lata‖.
Na comunidade da radiola ―
Super Itamaraty‖, no site Orkut, um usuário que se
identificou como Pedro Firmeza postou o link de uma música chamada ―
Robozinho‖. O
reggae é eletrônico (a base da música é a mesma do início ao fim e os arranjos são feitos pelo
teclado), cantado em inglês (ao ouvir, se percebe que é um cantor cuja língua materna é o
português, com pronúncia enrolada), sem identificação do autor e do cantor. Do que pude
compreender, a letra diz o seguinte:
Livre para dançar/Quero ficar doidão pra dançar robozinho (2X)/Agora eu quero
ficar longe de(o/a) spangaran/Te digo que é melhor não pensar na Babilônia [...]
Livre para dançar/Quero ficar doidão pra dançar robozinho (2X)/ Eu quero ficar
doidão pra dançar robozinho [...] Eu não tenho hora pra chegar em casa/ Quero
pegar uma garota negra e ver o que eu digo/Sem lenga-lenga, canta uma canção
pra mim/Quero agarrar uma garota negra pra dormir comigo/Eu quero diamba pra
fumar todo dia e toda noite (2X) (tradução minha85).
Apesar de não ter autoria, a música deixa uma mensagem que parece ser uma
resposta a quem critica o reggae eletrônico: quem gosta de robozinho só quer ser ―
livre para
dançar‖. A canção soa como um ―
me deixem em paz, eu só quero dançar e me divertir‖.
85
A letra da música (que consegui entender) é: ―
Free to dance/ I want to go so crazy to dance robozinho (2X)/I
want to be far away from spangaran now/I tell you better don´t think in the Babylon […] Free to dance/ I want
to go so crazy to dance robozinho (2X)/I want to go so crazy to dance robozinho […] I don´t have hour to arrive
in my house/I want to take a black girl and see what I say/Without laba-laba sing a song to me/I want to catch a
black girl sleep with me/I want to diamba for smoke in every day in every night (2X)‖. Sem identificação de
autor, postada por Pedro Firmeza, dia 17 de agosto de 2008, no site Orkut. Disponível em:
<http://www.4shared.com/file/59152709/59a4f3bd/Rbozinho.html>. Acesso em 20 de janeiro de 2009.
103
Quem gosta de robozinho parece não estar preocupado com a defesa do ―
verdadeiro‖ roots e
com as questões sociais abordadas por algumas canções de reggae, que discutem sobre a
Babilônia, por exemplo. Pensar na Babilônia significa pensar sobre os problemas da
sociedade e, segundo a letra de ―
Robozinho‖, é melhor aproveitar os prazeres da vida, do que
ficar pensando nos problemas dela. No entanto, geralmente, quem gosta do eletrônico,
também gosta do dito reggae roots: o robozinho é apenas um segmento válido do reggae de
radiola.
Pensado dentro da lógica do mercado turístico, o robozinho também é visto como um
segmento. Durante a palestra do assessor técnico da Secretaria Municipal de Turismo, Fábio
Abreu (2009), no III Seminário Reggae e Turismo, foi feita uma defesa do robozinho, após
alguém da plateia interromper o seu discurso:
São Luís promove a diversidade cultural e o reggae é um desses elementos, que
precisa ser forte como o bumba-meu-boi, o cacuriá, a dança do lelê e outras
manifestações da cultura local. Então nós precisamos fazer deste produto um
produto competitivo. Essa que é a intenção. [...] Em São Luís, ele [o turista] vai
ver tudo isso, vai ter o contato com o agarradinho, com aquela coisa de chamego,
aquele molejo na cintura...
[nesse momento, alguém da plateia interrompe com um grito: ―
robozinho‖! E
Fábio Abreu continua]
...também. Robozinho é um segmento. Ele é um segmento integrado ao nosso
público. O mercado é isso, o mercado é aberto a segmentos. A cultura é dinâmica.
Ela tem espaço pra todo mundo. Quem gosta de robozinho, acha bom, acha bonito.
Tem espaço pra tudo. Isso dentro do marketing a gente chama de distinção de linha
e isso também é bom [...]. Existe esse reggae eletrônico que também é muito bom
e que pode atingir uma outra camada, um outro segmento que goste mais de um
reggae mais nessa linha. A nossa produção está se diversificando.
Do ponto de vista comercial, um bom produto seria aquele que tem público, segundo
a explanação de Abreu. A partir do momento em que há ―
quem gosta de robozinho, acha bom,
acha bonito‖, não há por que não se admitir esse estilo. Não há, portanto, uma valoração do
produto cultural; há sim uma preocupação com a diversificação dos produtos
disponibilizados.
Quando o assessor técnico da Setur afirma que ―
a cultura é dinâmica‖, o que está
defendendo é que não se pode criticar o reggae eletrônico pelo fato de este estar modificando
o funcionamento do reggae em São Luís, que antes era baseado principalmente no reggae
roots.
A cultura da qual Abreu se vale não é vista como o conjunto de hábitos imutáveis,
uma vez que está imersa em um constante processo de mudança. Considerada, sob essa
perspectiva, como uma complexa totalidade de significados, normas, repertórios de ação,
hábitos e de representações, ―
toda cultura é transmitida por tradições reformuladas em função
104
do contexto histórico‖ (WARNIER, 2003, p. 23). Portanto, a partir desse prisma, o reggae
eletrônico seria um caminho possível, constituído dentro de um processo de transformação
que faz parte da dinâmica da cultura do reggae.
Entretanto, essa não é a visão de alguns colecionadores e músicos ligados ao reggae.
Há uma espécie de campanha para defender o roots, que acusa o reggae eletrônico de
depreciar o ritmo, e o público que gosta do robozinho, de ser ―
alienado‖.
Na verdade, as radiolas são acusadas de muitas coisas. De fazer a depreciação do
ritmo, o tal do robozinho, o bate-lata, eles tão acabando, eles só querem dinheiro,
só querem encher os bolsos deles, cobram cinco reais na porta. Eles são
empresários. Eu já fiz pesquisa, já entrevistei alguns radioleiros, eles têm metas. É
uma empresa, principalmente os maiores. ―
Olha eu tenho que fechar meu mês com
tantos reais, senão eu não pago meus funcionários‖. Tem radiola com vinte e nove
funcionários, com assessor de marketing, assessoria jurídica pra fechar contrato. É
uma empresa. Ah, a questão social, fulano podia tá ajudando... Podia. Mas ele
ainda não se sensibilizou pra isso. Ele tá atuando como empresa (Thalisse Sousa,
pesquisadora e turismóloga, 2009).
A visão empresarial destacada por Sousa é alvo de críticas de diversos agentes
ligados ao reggae. Embora alguns pesquisadores, colecionadores e músicos tenham me
afirmado que as radiolas buscaram ―
o caminho mais fácil‖, de menor custo, que seria as
gravações digitalizadas, nenhum dos empresários admitiu que o eletrônico é uma alternativa
para reduzir os custos: ―
o eletrônico deu uma melhorada‖, disse Natty Nayfson (2009); assim,
―
mandar fazer músicas‖, como disse Pinto da Itamaraty (1999), passou a ser normal e, se as
músicas eram feitas em um estúdio com um computador e um teclado ou com uma banda
completa com instrumentos, o que parece é que, para os empresários, não faz muita diferença,
do ponto de vista da qualidade do produto.
Contudo, para Beydoun (2008), um dos principais agentes da campanha em prol do
reggae roots, o robozinho
É um reggae feito de maneira bem rudimentar, gravado aí nos estúdios bem
precários, outros nem tanto né? Mas eles usam muito eletrônica, e é uma levada
solta de tudo. Eles imprimiram um outro ritmo ao reggae, é um reggae mais
acelerado. E é muito monótono, você vê, parece que é sempre o mesmo reggae.
Tem variações, tem voz masculina, voz feminina, mas, por exemplo, eu vi um
show agora, gravaram um DVD de reggae desse estilo de reggae aqui, tem assim
um elemento desastroso em termos culturais aqui... o pessoal procurou cantar
inglês, mas não cantam nem em inglês, nem em português. É feio né? Então tem
exceções, alguns que se sobressaem com alguma qualidade, mas esse DVD que eu
vi parecia uma banda, com uma bateria eletrônica... por isso que é robozinho, é
uma coisa mecânica. E a dança também perde todo aquele encanto, da dança do
agarradinho, parece que dança homem com homem, não sei como é que é esse
negócio, deve ser um horror. Mas eu vi esse DVD como ―
o roots‖ do Maranhão e
pensei: cara, que vergonha. Parece uma música só do começo ao fim, tem a mesma
pegada e entra um, sai outro, todo mundo cantando desafinado. E letras
105
incompreensíveis, um inglês macarrônico assim, coisa sem pé nem cabeça. Não dá
pra fazer um elogio; podia até respeitar, mas...
[...] É um produto de mercado local, para um público totalmente desaculturado. É
um problema né, a falta de cultura nas camadas menos privilegiadas da sociedade,
o fato deles elegerem esse tipo de música como sua música favorita. Mas eu acho
que é muito mais uma falta de opção. É isso que tão empurrando pra eles, é isso
que eles tão pegando.
Em alguns aspectos, a argumentação de Beydoun, nesse ponto, é semelhante à dos
defensores da ―
Atenas brasileira‖, frente ao cognome ―
Jamaica brasileira‖: assim como o
reggae não é considerado ―
cultura‖ para os ―
bons ludovicenses‖, para o vocalista da Tribo de
Jah, o robozinho não é digno de fazer parte da cultura do reggae, que é uma ―
cultura genuína,
linda, própria, com um grande teor de poesia‖ (2008). Aqui, o discurso dos defensores do
roots começa a coincidir com o dos defensores da ―
Atenas‖, na medida em que a forma de
entender a cultura parece ser a mesma. Dentro do jogo que está sendo jogado, a cultura é algo
a ser preservado e, uma vez contaminada, perde a sua raiz, esmaecendo-se.
Acompanhando as discussões que surgem no site Reggae Total, entre DJs, cantores
e, principalmente, frequentadores dos clubes, pude perceber que o público (ou pelo menos
essa parte do público que acessa a Internet) está longe de ser ―
desaculturado‖, como afirma
Beydoun.
Na sessão de bate-papo do site, os fãs das radiolas debatem, desde a qualidade do
som das radiolas, das sequências colocadas pelos DJs e da organização das festas realizadas
nos clubes, até a questões políticas que influenciam na dinâmica das festas. Alguns
exemplos86: ―
Ontem estive no Arena, antes de entrar fiquei observando falantes de 15 tocam
mais bonito e com nitidez‖ (Manoel, 1º de janeiro de 2010); ―
Na barraca de pau só toca a
mesma sequência, chega cansa‖ (Nana, 3 de janeiro de 2010); ―
Estive à tarde curtindo a FM
no Maritimus, como sempre muita potência e qualidade, mas Nayfson precisa trocar a maioria
das caixas de som‖ (Jorge, 1º de janeiro de 2010); ―
Nem sempre quem organiza evita má
comportamento das pessoas. Mas, estava no Arena, aqueles que não sabem brincar foram
colocados pra fora‖ (Pedro, 3 de janeiro de 2010); ―
Galera, vcs não acham que há um acordo
pra não premiar nem Super nem Poderosa porque é ano de eleição pra nenhum dos 2 ficar na
mal com os fãs?‖ (Manoel, 7 de janeiro de 2010).
Queria dizer aos nossos promotores de eventos, radioleiros, djs etc. que todos nós
frequentadores de bares, clubes e eventos do reggae vamos pq gostamos e é bom
que os demais tenham consciência de seus deveres afinal somos nós regueiros que
ainda vamos nos eventos. Queremos o melhor com musicas boas e pessoas
86
Comentários retirados do site Reggae Total. Disponível em: < http://www.reggaetotal.com/msm.php>. Acesso
em 8 de janeiro de 2010.
106
compromissadas com um lazer de qualidade, segurança, higiene de banheiros,
dentre outros (Cohatrac, 7 de janeiro de 2010).
Com essas músicas com prazo de validade, enquanto isso os verdadeiros autores
destas ―
obras‖ são desvalorizados e aqueles que apenas colocam as músicas para
tocar são exaltados. Enquanto isso a maioria da massa analfa culturalmente sequer
sabe o verdadeiro sentido da música reggae. Gente vamos procurar crescer
culturalmente e abominar essa banda podre e exigir qualidade, não dar poder pra
quem não merece, ou então vamos ficar satisfeito quietinho arquejando goela
abaixo o que eles impõem (Anônimo, 15 de janeiro de 2010).
Por esses comentários, interpreta-se que os frequentadores dos clubes não são
―
alienados‖ como sugere Beydoun. Eles vão às festas porque gostam e entendem de reggae, e,
por isso, criticam e cobram dos promotores dos eventos as melhorias que julgam necessárias.
Muitas vezes, entretanto, vê-se que as opiniões são marcadas pela preferência de uma
radiola e/ou um DJ: ―
Quem não conhece não pode comentar, as músicas que estão rodando lá
já estão manjadas. Na Estrela que é a sequência mais linda, conforma-se‖ (Jorge Fernando, 2
de janeiro de 2010); ―
O melhor dj da Estrela veio da Itamaraty, isso o publico da Estrela não
engole??‖ (Paulo, 7 de janeiro de 2010).
Entre os usuários do site Reggae Total, há aqueles que fazem um discurso em defesa
do roots (como Edelson, na discussão citada anteriormente) e aqueles que se posicionam em
favor do reggae eletrônico, embora estes sejam minoria, segundo verifiquei acompanhando as
mensagens postadas de setembro de 2009 a janeiro de 2010. A defesa do roots sempre está
ligada à palavra ―
verdadeiro‖, como se vê no comentário de uma pessoa que se identificou
como Chinaroots (7 de janeiro de 2010)87:
Já não basta essa onda de eletrônicas agora estão fazendo reggae com hinos dos
clubes [de futebol] que vergonha, há que saudade do verdadeiro reggae o roots da
bolachinha esse sim faz regueiro dançar de verdade e não rodar como pião.
Parabens a Rubens e Sonia de Fortaleza que juntos com outros abnegados lutam
para que o reggae de raiz não morra, o reggae pede socorro. Chega de reggae de
apenas dois cantores e de apenas duas radiolas, chega de briga entre donos de
radiolas. Vcs tem que se unir para que o reggae continue forte como sempre foi,
Caravana do Sucesso estreia logo a Roots Itamaraty, Ferrerinha fala para seus dj
fazer sequência geração 90 nas festa.
Chinaroots está sugerindo que os donos de radiola se unam, ao invés de travar uma
batalha com os concorrentes para que o ―
verdadeiro reggae roots‖ não morra. Para ele, o
eletrônico, que ―
faz o regueiro rodar como pião‖, está enfraquecendo o reggae e, por isso, as
radiolas precisam se amparar mais nas sequências musicais tocadas na década de 1990, que
eram abastecidas principalmente pelos vinis garimpados na Jamaica. A Itamaraty Roots é a
87
Site Reggae Total, transcrito ipice literis, disponível em: <http://www.reggaetotal.com/msm.php>. Acesso em
8 de janeiro de 2010.
107
radiola que o empresário Pinto da Itamaraty anunciou que vai lançar no segundo semestre de
2010. Segundo o próprio Pinto (2009),
[...] a Itamaraty Roots terá uma finalidade social, será uma pequena radiola com
qualidade de som e disporá de todo o aparato mediático eletrônico como MD‘s,
Toca-disco, Cds e Notebook, para se fazer festa beneficentes de apoio a entidades
sociais como creches, escolas comunitárias, ajudar alguém em dificuldade, etc. [...]
A estreia da Itamaraty Roots fica para o próximo ano depois do inverno e dos
festejos juninos. Será mais um projeto para a união, participação e interação de
todos e enriquecimento da musicalidade, a Itamaraty Roots estará aberta a todos os
DJ‘s, Grupos de colecionadores e colecionadores de Roots88.
Como empresário atento às alterações do mercado, Pinto da Itamaraty percebeu essa
diferenciação do público e começou a customizar o produto que vende, uma vez que há
pessoas que gostam do eletrônico e frequentam as festas onde se toca o dito robozinho, mas
há também um apelo pela preservação do reggae roots, como observou Selektah (2008):
[...] lembramos que Pinto Itamaraty, de olho nessas mudanças que estão
acontecendo em relação aos bares e os emergentes grupos de colecionadores,
inteligentemente, anunciou em alto e bom som em seu programa de rádio que vem
aí a Itamaraty Roots, que vai operar dentro desta forte tendência do movimento
regueiro.89
Seguindo a ―
tendência‖, também Natty Nayfson anunciou, no dia 11 de janeiro de
2010, em seu programa de rádio, Reggae Dance, que vai lançar a radiola ―
FM Natty Roots‖.
Algumas pessoas desse movimento em defesa do roots atribuem a resistência do
estilo ao esforço feito por colecionadores e donos de bares de reggae. Enquanto os grupos de
colecionadores promovem encontros onde se reúnem para tocar reggaes antigos, como forma
de preservar e incentivar o consumo desse tipo de reggae90, os bares desenvolvem projetos e
fazem festas ao som do reggae roots como, por exemplo, o projeto ―
Auêra Auara‖, realizado
desde agosto de 2009, pelo Trapiche Reggae Bar. De acordo com o DJ, radialista e dono do
Bar Chama Maré, Ademar Danilo (2009), que se afirma parte do movimento em prol do
roots, o projeto
é um resgate do verdadeiro reggae de raiz que fez a grande fama de São Luís
como a ―
Jamaica brasileira‖, esse estilo de reggae que nos tornou conhecido no
88
Entrevista concedida a Tarcísio Selektah, publicada no site Reggae Total em 24 de novembro de 2009.
Disponível em: < http://www.reggaetotal.com/entrevista_pinto.php> . Acesso em 30 de novembro de 2009.
89
Artigo publicado no Jornal Pequeno, 6 de julho de 2008.
90
A Associação de Grupos de Colecionadores de Reggae do Maranhão reúne 24 grupos que têm como intenção
―
fortalecer esse reggae de raiz‖, segundo afirmou o presidente da entidade, Natinho Roots, em reportagem do
jornal O Estado do Maranhão, dia 17 de novembro de 2008.
108
Brasil e em muitas partes do mundo. A gente tá resgatando esse estilo, reggaes
mais antigos e reggaes atuais no estilo roots91.
O pedagogo Ronald Corrêa (2008), que se apresentou como ―
apreciador do reggae
roots‖ em artigo publicado no Reggae Total92, é um dos que destaca os dois segmentos (bares
e colecionadores) como elementos centrais na conservação do estilo roots:
Os tempos daquele estilo de reggae que consagrou São Luís no cenário nacional e
mundial, mostrando que um pedaço da Jamaica residia aqui, foi sendo pouco a
pouco sobreposto por uma tendência musical deveras apelativa, movida tão
somente por interesses econômicos e com um descaso patente com relação à
qualidade. Não quero aqui evocar a eterna luta que se trava aqui entre os adeptos
do Roots tradicional e os arautos do Reggae produzido a partir do fim dos anos 90
tendo como destinatário os donos de radiolas (chamado de eletrônico ou
robozinho). Pelo contrário, defendo que cada pessoa tem o livre arbítrio para ouvir
o que quiser. Democracia é isso: respeito à pluralidade, às diferenças e o direito de
poder escolher. Para minha felicidade, o estilo de reggae que escolhi gostar e
ouvir, o reggae roots [...] mesmo diante de todo o poder da mídia, via programas
de rádio e televisão, via radiolas, mesmo nadando contra toda essa forte
correnteza, o velho roots sobrevive. Anima-me e muito ver que os grupos de
colecionadores vêm cada vez mais se organizando, realizando eventos, que estão
incansavelmente atrás de materiais musicais novos. Materiais esses que tem um
único parâmetro: a qualidade. Alegra-me ver que os bares especializados no bom
roots estão dia a dia se proliferando pela cidade, atraindo número cada vez maior
de adeptos e frequentadores.
Há dois pontos que me chamaram a atenção nos artigo de Corrêa: primeiro, o que diz
respeito aos programas de rádio e televisão, que são arrendados pelas grandes radiolas e,
portanto, divulgam e promovem aquilo que interessa aos empresários. Assim, se a radiola se
firma cada vez mais como um veículo que se sustenta com os reggaes eletrônicos, os
programas midiáticos ligados a esta radiola se preocupam em massificar o gosto do público
por esse estilo de reggae. Se o empresário percebe, no entanto, que há uma significante parte
do público que rejeita o eletrônico e prefere o roots, começa a despertar para a importância de
ter um produto voltado para esse segmento, a exemplo do que anunciaram Pinto e Nayfson.
Segundo, os bares que tocam reggae são apontados por várias pessoas (como Selektah,
Beydoun e Chinaroots) como locais onde o roots tem mais espaço. Há uma mudança na forma
que os colecionadores e os apreciadores mais antigos do reggae das radiolas percebem esses
locais, ao longo da década de 2000. Selektah, por exemplo, muda a conotação ao citar os
bares, em artigos publicados em 200893 e 200994:
91
Entrevista em reportagem da TV Mirante, em 14 de agosto de 2009.
Publicado no dia 14 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://www.reggaetotal.com/artigo_ronald.php>.
Acesso em 20 de agosto de 2008.
92
93
Artigo publicado no Jornal Pequeno, 22 de junho de 2008.
Artigo publicado no site Reggae Total, 23 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.reggaetotal.
com/artigo_a_onda_roots.php>. Acesso em 30 de novembro de 2009.
94
109
É pública e notória, a crise de identidade pela qual passa o reggae no Maranhão
[...]. Também se pode notar nos últimos cinco anos a ascensão crescente e
vertiginosa dos chamados ―
bares de reggae‖. Esses bares são redutos daqueles que
ainda cultuam o que se convencionou equivocadamente chamar de roots reggae.
Equivocadamente, porque na realidade há uma mistura de estilos nas sequências
com dance hall, lovers rock, roots, smooth reggae, new reggae jamaicano, reggae
gospel, etc. Sem mencionar nomes, podemos dizer que o público frequentador dos
bares é realmente, hoje, a parcela mais significante do chamado ―
Movimento
Reggae‖ do Maranhão. Os regueiros de verdade, alguns saudosistas amantes do
reggae de raiz com idades entre os 35 e 50 anos, colecionadores, discotecários de
radiolas dos anos 70 e 80, DJs. Na sua grande maioria, os frequentadores são
pessoas que buscam tranquilidade, boa música, um papo com os amigos e, acima
de tudo, reviver os bons tempos (SELEKTAH, 2008).
Vale relembrar que alguns jamaicanos chegaram a dizer na segunda metade dos
anos 90 que esse tipo de música Reggae que o maranhense gosta não existia mais.
E nós sabemos qual era o interesse em fazer tal afirmativa. Iniciava-se a era da
chamada música eletrônica no Reggae de Radiola [...] agora tem essa Onda Roots
que trouxe boas surpresas com revelação de músicas grandes Rootsmans em
bandas e cantores solo da Jamaica, Brasil, Europa, África, Japão e EUA e que
fazem sucesso nos bares, carros e casas da Capital Brasileira do Reggae. Toda essa
reviravolta tem que ser creditada a DJ‘s e donos de Bares de Reggae, inicialmente,
que estiveram na RESISTÊNCIA ROOTS apesar de toda a mídia avassaladora das
grandes radiolas, que proclamavam aos quatros ventos a morte do Roots (Idem,
2009).
Espaços onde frequentam principalmente segmentos da classe média, que ―
não é a
massa regueira‖ (BEYDOUN, 2008), os bares, que eram vistos como locais onde os
―
regueiros de verdade‖ não frequentavam (SELEKTAH, 2008), já que eram pontos de
diversão de uma juventude de classe média que não entende nem gosta de reggae (não como
os frequentadores dos clubes nas periferias), hoje começam a ser vistos como locais que
preservam o reggae roots (fazem parte do que Selektah chama de ―
onda roots‖), original do
movimento reggae em São Luís, diferentemente de muitos clubes, que agora se rendem ao
eletrônico.
Os ―
regueiros de verdade‖ aos quais se referiu Selektah são, em geral, o público
―
mais antigo‖ que frequentava os clubes tradicionais, localizados, em sua maioria, na
periferia da cidade. São esses regueiros também que fazem parte da massa regueira da qual
falou Beydoun (2008). Mas não os regueiros que gostam do reggae robozinho; esses são
considerados ―
alienados‖ por Beydoun (2008) e Selektah (2008):
Aí começa o assassinato aos poucos da galinha dos ovos de ouro, que era a
sequência exclusiva de músicas da Jamaica ou da Europa em favor da progressiva
―
robotização‖ do reggae. Sobre o público frequentador das festas das radiolas é
somente isso o que ele é, público. Totalmente alienado, desinformado e enganado.
Por que público? Ora, esse mesmo contingente que vai às festas das radiolas é o
mesmo que vai às festas dos ritmos considerados não menos alienados: ―
arrocha‖,
110
―
tecnobrega‖ e o ―
forró eletrônico‖, também apelidado de ―
pornoforró‖
(SELEKTAH, 2008).
Já os frequentadores dos ―
bares de reggae‖ (como o Bar do Nelson, Chama Maré,
Trapiche, entre outros) não seriam ―
regueiros‖, assim como o reggae robozinho já não é a
mesma música cultuada por colecionadores e fãs do ritmo original.
Desenhando o quadro do reggae em São Luís, parece um emaranhado complexo de
gostos, identidades, interesses e caminhos diferentes que, no entanto, não deixam de se
entrecruzar.
3.8. O reggae de salto alto: os bares dentro do processo de legitimação do ritmo pela
classe média
CENA 1: Entro no Bar do Nelson, Avenida Litorânea, praia do Calhau. Acho que o
ano é 2001, pois aqui busco na memória a descrição da cena. Estou com alguns amigos da
universidade. Lá dentro, pouca gente: uns dançam reggae ao som da discotecagem da
Vibration Sound, pequena radiola comandada pelo DJ Andrezinho Vibration, outros jogam
sinuca, uns conversam perto do bar, outros fazem uma roda para fumar um baseado. O lugar é
rústico: cercado por tapumes improvisados, tem um balcão de madeira onde se vende bebidas,
algumas mesas de sinuca que ficam na pequena parte que é coberta e tem chão de cimento,
banheiros simples e sujos, espaço ao ar livre onde se pisa na areia da praia. O público é
predominantemente formado por jovens universitários, músicos e poetas. Pela vestimenta
deles, percebe-se o que pretendem ser: ―
alternativos”, como pessoas que não seguem moda,
têm seu estilo próprio e elegem aquele – como diria o escritor Antônio Prata – bar ―
meio
ruim‖95 como ponto de diversão, um lugar para poucos. As mulheres usam vestidos, saias ou
calças de pano mole, os homens trajam bermudas e camisetas, todos com chinelos ou
95
Em crônica publicada em seu blog no site Estadão.com.br, em 26 de dezembro de 2008, ele escreve: ―
Eu sou
meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio
intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos [...].
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais,
meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto
frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente
que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e,
principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só
vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns
velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que
frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso , íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda
antes de tocar na MTV‖. Disponível em: <http://blog.estadao.com.br/blog/antonioprata/?title=bar_ruim_e_lindo
_bicho_1&more=1&c=1&tb=1&pb=1>. Acesso em 30 de novembro de 2009.
111
similares. Eu sou uma delas: me visto com uma calça de pano colorida, camiseta básica e
sandália rasteira.
CENA 2: O ano, eu lembro bem, era 2005. Chego na porta do Bar do Nelson e a
avenida, em frente ao local, está lotada de carros, de gente e de barracas vendendo bebidas.
Fazia tempo que eu não ia lá e aquela cena me chocou, de certa forma. Para um bar que era
como um recanto para poucos, a quantidade de pessoas na porta já indicava que lá dentro não
seria mais um lugar tranquilo. Era perceptível também a mudança de público: os poucos que
usavam bermudas, camisetas e chinelo passavam quase que despercebidos em meio ao que
me pareceu na hora um desfile de moda. Muitas mulheres estavam de calça jeans colada,
blusas brilhosas, vestidos de festa, cabelos escovados, bem maquiadas e de salto alto. Os
homens, de calça, sapato, camisas de marca, perfumados, cabelos no gel. Todos pareciam
estar indo a uma boate. Os carrões na porta formavam fila dupla e quem os dirigia ouvia um
som bem alto, que podia ser reggae ou algum tipo de dance music eletrônica. Lá dentro,
percebo que a areia foi cimentada. Nesse dia, reclamei a Nelson, dono do bar: ―
Por que tu
tiraste a areia, Nelson? Era tão legal...‖. E ele argumentou: ―
Tive que cimentar tudo porque as
meninas tavam reclamando que era ruim dançar reggae na areia de salto alto. A gente tem de
fazer o que o público pede; essa galera agora é maioria aqui‖ (2005).
Além de pôr piso em todo o bar, Nelson trocou os tapumes por uma cerca grafitada e
reconfigurou a decoração do local. No ano de 2005, o ―
Nelson‖ deixou, gradativamente, de
ser um ponto de universitários e passou a ser point da juventude ―
fashion‖ e de turistas.
As duas cenas se passaram quando eu nem imaginava que um dia pesquisaria sobre
reggae. Exceto pela conversa com Nelson, que anotei assim que cheguei em casa naquele dia,
(porque achei intrigante e pensei que poderia servir para alguma coisa depois – e serviu!),
todo o resto procurei na minha memória que, seletivamente e com todos os meus
preconceitos, me fez lembrar dos poetas, dos intelectuais e de outros universitários como eu, e
esquecer outros tantos que deveriam ser parte do público do bar. A mesma memória me
trouxe duas imagens do lugar: uma tranquila, com som agradável, gente interessante; e outra
infernal, com tanta gente se batendo e tantas moças com seus saltos altos dançando reggae
que quase pude sentir alguém pisar no meu pé.
Quando constatei que o Bar do Nelson estava modificado, havia virado um local ―
da
moda‖, deixei de frequentá-lo por um tempo, pois não havia mais aquele sentimento de
pertencimento àquele lugar por mim descoberto anos atrás.
Em 2007, em frente ao Nelson, ouvindo a conversa de um grupo de conhecidos,
percebi que meu sentimento, enquanto antiga frequentadora, era compartilhado. Eles diziam:
112
―
Isso aqui já foi muito bom. Hoje é só um lugar da moda‖. ―
É, no tempo que a gente tocava
aqui, a galera vinha só curtir mesmo, dançar e tal‖. ―
Pô, é só ver o preço da porta: dez pila pra
entrar e nem vai ter show, é só DJ mesmo. E tá lotado‖96.
Para esse grupo de pessoas, que fazem parte de uma fração da classe média, o que
interessava no Nelson era a sensação de ―
exclusividade‖, de ser ―
desbravador‖ de um lugar,
além do sentimento de que o lugar era compartilhado por pessoas que curtiam o reggae da
mesma forma de que eles – um local para quem gostava e entendia do roots, de Bob Marley,
da proposta filosófica do reggae. Havia um pequeno ciclo de pessoas que frequentavam e
propagandeavam entre si o local, que permanecia como uma espécie de segredo.
Canclini (2008, p. 62-63) observa o consumo de bens culturais como uma maneira de
diferenciação e distinção simbólica entre as classes e os grupos.
Há uma coerência entre os lugares onde os membros de uma classe e até de uma
fração de classe se alimentam, estudam, habitam, passam as férias, naquilo que
lêem e desfrutam, em como se informam e no que transmitem aos outros [...]. A
lógica que rege a apropriação dos bens como objeto de distinção não é a da
satisfação de necessidades, mas sim a da escassez desses bens e da impossibilidade
de que outros os possuam.
Assim, a partir do momento em que o Bar do Nelson passou a ficar lotado, muitos
deixaram de frequentá-lo, ao passo que outra fração da classe média (talvez com maior poder
aquisitivo e/ou com outro estilo de vida) tornou-se maioria no local.
3.8.1. Os bares, as bandas, a MPM: o reggae da/para a classe média
Os ―
bares de reggae‖, como passaram a ser conhecidos depois de um tempo os bares
voltados para classe média que tocam exclusivamente ou predominantemente reggae, são
espaços com público diversificado – pois a classe média (assim como as classes populares),
que considero aqui não é homogênea, mas formada por inúmeros grupos e frações com
interesses e gostos variados. Por essa pluralidade, percebem-se diversas contradições, a
começar pela apontada por Selektah (2008 e 2009): se, por um lado, os bares são espaços que
divulgam a música ―
de raiz‖, primeiro tipo de reggae a fazer sucesso na Ilha, estimado pelos
antigos apreciadores e entendidos de reggae, por outro lado, o público dos bares não é
formado somente por pessoas que gostam, sentem e apreendem o reggae, mas também por
96
Johelton Gomes (jornalista), Bruno Barata (músico e jornalista) e Rosberg Farias (estudante de História),
respectivamente.
113
turistas, curiosos e pessoas que buscam diversão nesses locais por motivos que estão além do
próprio ritmo.
Anterior a essa contradição que se refere ao público dos bares na atualidade, é um
questionamento incômodo: se os clubes de reggae existem desde os anos 1980, como e por
que se deu o surgimento desses ―
bares de reggae‖? A explicação parece estar nas
necessidades da classe média que, embora tenha começado a gostar do ritmo, não estava
disposta a ir à periferia, onde se sabia pelos jornais que era perigoso e frequentado por um
público não fazia parte de sua mesma camada social (BEYDOUN, 2008).
Assim, entre os anos de 1980 e 1990, um novo público começou a ―
aderir‖ ao
reggae: alguns universitários, principalmente de classe média (NELSON, 2005). Integrantes
da ―
intelectualidade‖ maranhense, os estudantes universitários costumam se aproximar das
manifestações que consideram populares, marginais e/ou de resistência. Um fato interessante
sobre esse aspecto é relatado por Wada (2008, p. 147):
Um marco histórico importante que consolidou a simpatia entre a população e o
reggae ocorreu em 1986, fato que serviu como divisor de águas na aceitação do
ritmo por parte da população em geral: a polícia invadiu o clube Espaço Aberto e,
sem motivações plausíveis, agrediu boa parte dos presentes. Como o período era
de pós-ditadura, a notícia de repressão instigou a mídia a reagir, fazendo com que
o fato ganhasse grande repercussão. Após o ocorrido, foi realizado um protesto na
Praça Deodoro, com a radiola de reggae Arco-Íris do Som, em um movimento que
contou com a adesão do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal
do Maranhão e outros grupos sociais. A partir de então, ir ao reggae passou a ser
sinônimo de resistência. Virou programa de universitários, intelectuais, poetas.
Quando o reggae começou então a ser percebido por esses grupos de universitários
como um fenômeno de periferia e não mais como uma consequência da invasão cultural
estrangeira, esse público encontrou alguns espaços para a apreciação do reggae. A partir de
conversas que tive com algumas pessoas ligadas ao reggae desde o início da efervescência do
ritmo na Ilha97, pude elencar alguns locais: o Espaço Cultural, que realizava já nos anos 1980
grandes shows de reggae e começava a atrair pessoas da classe média e o Espaço Aberto,
localizado no bairro do São Francisco, era frequentado por alguns professores universitários,
estudantes e outros setores da classe média. ―
Espaço Cultural e também no Espaço Aberto,
desde o início tinha uma galera da classe média que ficava lá na porta, com o carro aberto, já
curtia o reggae‖ (VINÍCIUS, 2009).
Na década de 1990, outros locais também foram importantes para consolidar o ritmo
para este público: o ―
África Brasil‖, na Avenida Litorânea, ―
Kingston‖, na Ponta do Farol,
97
Marcus Vinícius, radialista (2009); Nelson, dono do Bar do Nelson (2005); Tarcísio Selektah, colecionador e
pesquisador (2009); Fauzi Beydoun, vocalista da Tribo de Jah (2008).
114
―
Coqueiro Bar‖, na Ponta D´Areia, ―
Tombo da Ladeira‖, na Praia Grande, e ―
Bar do Nelson‖,
na Avenida Litorânea (BRASIL, 2005, p. 67-68).
Pelas informações que pude colher em campo, destaco dois locais (que não são,
necessariamente, mais importantes que os outros, mas exemplificam a dinâmica destes
espaços de reggae): o ―
Tombo da Ladeira‖, que na segunda metade da década de 1990
tornou-se sucesso no meio universitário, ficava em uma ladeira no Centro Histórico de São
Luís, em frente à sede da escola de capoeira do Mestre Gavião, que tinha o mesmo nome. No
início, o local era um ponto de encontro dos capoeiristas, que saiam do treino e iam se divertir
dançando reggae na ladeira. Como muitos dos praticantes eram universitários, o Tombo da
Ladeira começou a ter bastante movimento todas as quartas-feiras (segundo o DJ Andrezinho
Vibration, que fez a discotecagem lá por quatro anos, era cerca de três mil pessoa por noite 98)
e, durante alguns anos, foi um local de divulgação do ritmo fora da periferia, no centro da
cidade. Depois, o já citado Bar do Nelson, na Avenida Litorânea, foi também importante para
a consagração do reggae para o público de classe média. Como ficava em uma das praias
mais elitizadas de São Luís e o transporte público era mais escasso, o ―
Nelson‖ tinha um
público relativamente mais específico de uma fração da classe média, diferente da massa
regueira que frequentava os clubes populares, como registra o Guia Turístico do Reggae de
São Luís (2008, p. 14; 17):
A gente do reggae, ou seja, a massa regueira, a galera das pedras (pedra é um
reggae bom, envolvente, muito gostoso de dançar e ouvir), como se diz na
linguagem do reggae, é formada, em grande parte, por pessoas negras, oriundas de
estratos sociais de baixa renda. Entretanto, vale ressaltar que o reggae em São Luís
não é frequentado exclusivamente por negros ou por outras pessoas da periferia.
Há, nesse universo, pessoas de diferentes etnias e de todas as camadas
socioeconômicas [...]. Bandas locais com projeção nacional e regional, em geral,
se exibem nos clubes frequentados pela população jovem da camada média da
sociedade de São Luís.
98
Informação dada pelo DJ em uma reportagem publicada no site Badauê Online, dia 12 de fevereiro de 2008.
Disponível em: <http://www.badaueonline.com.br/2008/2/12/Pagina27179.htm>. Acesso em 26 de novembro de
2008.
115
Figura 36 – ―
Bar do Nelson‖ na praia do Calhau. Foto: Reggae Total
Além do público diferenciado em relação aos frequentadores dos clubes de reggae,
esses bares também começaram a difundir outro tipo de reggae (apesar do predomínio do
reggae roots), partindo do resgate da filosofia, da espiritualidade e dos significados
originários do estilo musical jamaicano. No Bar do Nelson, por exemplo, a responsável pela
discotecagem durante muitos anos foi também a radiola Vibration Sound, criada em 1999.
Com um aparato de som bem menor do que os paredões de caixas de som das demais radiolas
ditas tradicionais, a Vibration optava, em geral, por músicas de Bob Marley, Peter Tosh e
outros cantores do reggae jamaicano, ao invés dos cantores considerados mais românticos,
como John Holt, Gregory Isaacs e Erick Donaldson (até a década de 1990, os preferidos das
radiolas que tocavam nos clubes99). O DJ Andrezinho Vibration também não era parecido
com os demais DJs de radiolas e sim com DJs comuns de boates. Ele apenas colocava a
música para tocar e fazia as mixagens, não cantava ―
em cima da música‖, nem divulgava
outras festas durante a execução das canções e, apesar de criar alguns bordões, como ―
pira,
doido!‖, falava muito pouco durante sua performance, se comparado aos DJs das demais
radiolas, consideradas tradicionais. Outras radiolas como a Vibration surgiram e DJs que
performavam como Andrezinho também, a exemplo de Neto Miller e Waldiney, que
passaram a fazer festas em bares cujo principal público era a classe média.
99
Essa afirmação é feita por Silva (1995, p.94), mas também foi confirmada nos questionários que consegui
aplicar no Parque Folclórico da Vila Palmeira, em julho de 2009. Treze dos vinte e dois questionários que
apliquei no Festival ―
Cidade do Reggae‖ (cujo público era predominantemente o dos clubes da periferia) citaram
Eric Donaldson como o cantor preferido de reggae. Para se ter uma ideia do sucesso que esses cantores faziam
na capital, Rodrigues (2004) relata em seu artigo ―
Paredões de Som‖, que o primeiro show de Gregory Isaacs em
São Luís, em 1991, lotou completamente o Estádio Nhozinho Santos.
116
Figura 37 - Discotecagem do DJ Waldiney no ―
Bar do Nelson‖. Foto: Reggae Total
A esta altura, alguns universitários gostavam de reggae, mas não se identificavam
com os melôs, que eram febre nos clubes populares, pois eles entendiam as letras ou, se não
entendessem, buscavam a tradução para compreender a mensagem das músicas. O ícone
internacional Bob Marley passou, então, a ser o ídolo maior desse público, pelas letras que
falavam de paz, harmonia e felicidade 100.
O ritmo, tradicionalmente ouvido nas radiolas em São Luís, ganhou outras
conotações e passou a ser feito ao vivo pelas bandas ludovicenses, que foram surgindo depois
da pioneira Tribo de Jah. Elas encontraram como público justamente os universitários que se
identificavam com Bob Marley e frequentavam o Tombo da Ladeira, Bar do Nelson,
Coqueiro Bar etc., já que nos clubes tradicionais de reggae o domínio era das radiolas, como
explicitou o vocalista da Tribo de Jah, em entrevista à Revista Massive Reggae101:
O começo foi muito difícil devido ao descrédito total em relação à banda e à falta
de recursos, porque os instrumentos eram muito precários e o público do reggae
estava acostumado com a potência das grandes radiolas e, sobretudo, com o
reggae puramente jamaicano. A gente chegou a receber até vaias quando tocamos
dentro de um clube de reggae (BEYDOUN, s/d).
Quando questionado por mim a respeito dessa entrevista, Beydoun (2008) esmiuçou:
Naquele tempo a gente não tinha nem condições técnicas pra fazer face com
radiola, então a gente entrou com um sonzinho desse tamanhinho, foi assim um
100
Nos questionários por mim aplicados de forma avulsa (por e-mail e na minha rede de relacionamento, fora
dos ambientes de reggae), a maioria das pessoas que se classificaram como pertencentes à classe média (87%),
afirmaram que Bob Marley era o cantor preferido e/ou tinham CDs, DVDs ou Mp3 do cantor jamaicano em casa.
101
Entrevista concedida a Leo Vidigal. Revista Massive Reggae, s/data. Disponível em <http://paginas.terra.
com.br/arte/massivereggae/tribo.htm>. Acesso em 21 de agosto de 2007.
117
acidente, aquela coisa de tá na hora errada, no lugar errado. Mas foi uma
forçação de barra, aquela vontade de tocar e mostrar o trabalho, e não foi uma
coisa projetada. E a gente foi vaiado realmente, no Pop Som. A galera não tava
nem aí, vaiou e enfim, mas foi um dos percalços iniciais da carreira.
Beydoun tentou nesse dia jogar o jogo das identidades102, mas compreendeu que o
lugar ocupava era de ―
descrédito‖ em relação ao outro (no caso, as radiolas) e entendeu que a
identidade que a Tribo de Jah reivindicava não era a mesma da do público das radiolas. A
questão não era a diferença de classe social, nem somente da qualidade do som, mas do tipo
de música que a Tribo estava tocando em um lugar onde o reggae que se ouvia era outro. Por
isso, mesmo a banda se considerando como parte daquela cultura reggae (daí a ―
vontade de
tocar e mostrar o trabalho‖ naquele lugar) e tentando assumir a identidade de regueiro como
aqueles que estavam no clube Pop Som, os regueiros (que naquele momento se identificavam
praticamente só com o reggae roots jamaicano) não aceitaram a música com letra em
português e a batida diferente do reggae da Tribo.
A identidade da qual se fala aqui é aquilo que nos constrói socialmente e nos vincula
a um determinado contexto. E o que nos define, o faz nos distinguindo daquilo que não nos é
próprio. Para Cuche (2002, p. 177),
A identidade cultural é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o
grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um certo ponto de vista) e
o distingue dos grupos (cujos membros são diferentes dos primeiros sob o mesmo
ponto de vista).
Como defende Hall (2003, p. 85), toda identidade é fundada sobre uma exclusão;
―
todos os termos da identidade dependem do estabelecimento de limites – definindo o que são
em relação ao que não são‖.
Percebe-se, portanto, nesta fala de Beydoun, a identidade marcada pela exclusão: nos
clubes não se gosta de ouvir bandas, se gosta do som das radiolas. Já nos bares de reggae, são
as bandas que fazem sucesso, e as tradicionais radiolas geralmente não têm vez.
Mas, segundo relato de Selektah (2009), não foi sempre assim:
A música ―
Magnatas e Regueiros‖, da Tribo de Jah, fez uma quebra entre bandas e
radiolas. Antes, até que as músicas dos cantores como Betto Pereira, da própria
Tribo, ainda tocavam de vez em quando nas radiolas, mas depois disso... houve um
racha mesmo.
102
Hall (1999, p. 18-22) mostra que, na contemporaneidade, as identidades são volúveis e seguem uma lógica de
nicho, onde o mesmo indivíduo está ao mesmo tempo inserido em vários subgrupos e sub-culturas e carrega em
si a ―
identidade‖ de cada um deles, ativando-a quando for interessante. Esse é o jogo das identidades.
118
Diversos cantores maranhenses, que fazem parte de uma geração musical que se
denominou MPM – Música Popular Maranhense103, como Betto Pereira, César Nascimento,
Carlinhos Veloz, entre outros, fizeram canções de reggae nas décadas de 1980/1990 – sucesso
Ilha Bela‖, de Veloz, uma homenagem a
em várias camadas sociais – como, por exemplo, ―
São Luís: ―
Que ilha bela, que linda tela conheci/ Todo molejo todo chamego coisa de negro
que mora ali/ Se é salsa ou rumba balança a bunda meu boi/ Deus te conserve regado a reggae
oi oi oi oi/ Que a gente segue regado a reggae oi oi oi oi‖. César Nascimento também tem
algumas músicas de reggae muito conhecidas até hoje, como ―
O Radinho‖:
Se o radinho caísse aqui, caísse o radinho perto de você (2X)/ diga cidadão o que
fazer/ com informação em megatons/ batia continência com o dial na frequência/
ou desse obediência insultava a nação/ Se o radinho caísse aqui, caísse o radinho
perto de você (2X)/ diga cidadão o que fazer/ com informação em megatons/ batia
continência com o dial na frequência/ ou desse obediência insultava a nação/ mas
atenção pra notícia/ a invasão é pacífica/ a percussão é marítima/ a explosão é
sonora/ é munição pós-moderna/ ai ai ai,/ oi oi oi oi oi oi/ ai ai ai diz/ oi oi oi oi oi
oi.
Já em ―
Maguinha do Sá Viana‖, Nascimento se apropria de categorias correntes no
meio do reggae e versa sobre uma mulher (do bairro Sá Viana, que fica na periferia da
cidade) que dança no salão ao som da radiola de reggae:
Outro dia tava num salão de reggae lá pras bandas do Maranhão/ Vi uma
Maguinha com missanga no cabelo no meio do salão/ Baixo tá no pé, corpo na
canção/ Toca radiola essa Maguinha furacão (2X)/ Eô-ô, êô-ô/ Quem ela é?/ Rita,
Ambrosina, Maria das Dores/ De onde ela é?/ De São Paulo, Nova York ou dos
Açores/ Maguinha tu parece que é baiana, dança como jamaicana, tem cintura
caribenha/ Maguinha do Sá Viana (2X).
Também Betto Pereira foi buscar na dinâmica do reggae ludovicense inspiração para
a canção ―
Mina Negra‖:
Mina negra dançou tambor/ Divina negra dançou reggae (2X)/ A linda negra
chegou balançou o salão, falando inglês/ ―
I like to dance, I love reggae‖ (2X)/
Reggae de radinho, reggae de salão, só pra subir/ a temperatura dessa criatura em
mim/ Reggae no radinho/ e meu coração dizendo ai ai ai ai/ Reggae do ladinho/ te
fazer carinho/ a pura loucura do beijo, que tesão/ I like to dance, I love reggae.
103
Segundo o radialista graduado em Ciências Sociais, Ricarte Almeida, em artigo publicado no suplemento
Guesa Errante, Jornal Pequeno, em 30 de janeiro de 2007, a sigla MPM foi ―
cunhada popularmente pela classe
musical para designar Música Popular Maranhense, como estratégia de afirmação e divulgação‖. Chico
Maranhão, cantor e compositor dessa geração de artistas, iniciada na década de 1970, definiu MPM, em artigo
publicado no jornal O Estado do Maranhão, em 18 de junho de 2004, como ―
um conjunto de agentes, ou
possibilidades com qualidades e características específicas atuando para um mesmo fim: a construção e a
afirmação de uma canção maranhense moderna‖. E justificou o seu uso: ―
a adoção da sigla MPM que aqui não
estou defendendo, mas apenas discutindo, se não mais tem razão de ser teve seu momento de importância
quando aglutinadora de ideias, contribuindo na consciência de uma poesia musical comprometida com a
realidade maranhense‖.
119
Figura 38 - Reprodução da capa da coletânea de reggaes de Betto Pereira e César Nascimento
Nessas canções, o reggae está associado ao negro, ao ritmo que embalava os salões
dos clubes populares, onde a música é cantada em inglês: é do reggae de radiola que os
cantores da MPM estavam falando. É uma aglutinação de músicos ligados a um certo tipo de
intelectualidade ou vanguarda, que necessitava ―
responder às ressonâncias que pairavam nos
céus do país‖ e precisava afirmar uma identidade própria (MARANHÃO, 2004), que estava
reconhecendo o reggae como uma cultura do ludovicense, parte dessa identidade. Betto
Pereira fez, inclusive, um tributo ao reggae em São Luís, com ―
Toque de Amor‖, onde cita
nomes da radiola Estrela do Som, do clube ―
Toque de Amor‖ e da banda ―
Tribo de Jah‖:
Iôiôiôiô Iôiôiôiô Iáiá (4X)/ Quero que você me leve/ pro espaço reggae e comece a
dançar/ Toque de Amor ao som da Jamaica/ Quero que você me leve/ pro espaço
reggae e comecei a dançar/ Toque de Amor ao som da Tribo de Jah/ Estrela do Som/
explosão do som no ar/ Som Brasil, planeta África/ Estrela do Som/ explosão do
som no ar/ Som Brasil, planeta Terra.
Apesar de apreciadas pelo público das radiolas, essas músicas nunca foram muito
executadas nos clubes de reggae, pois, nos salões, o momento era de dançar o reggae
jamaicano, que tem outra batida (VINÍCIUS, 2009), como explica Freitas (2008),
frequentadora dos clubes desde a década de 1980: ―
Antigamente até que tocava uma ou outra
de vez em quando, mas nunca foi muito não. Tocava mais mesmo era só os melôs‖.
Entretanto, as críticas feitas por alguns setores (ligados a essa intelectualidade de
classe média) aos donos das radiolas, pelo modo de funcionamento de seu mercado, foram
afastando esses dois nichos de música reggae (radiolas e MPM) que, de certa maneira, nunca
estiveram próximos: eram modos de fazer, intenções, públicos e mercados diferentes. A MPM
era feita por cantores locais com proposta de fazer uma música de alcance nacional, mas com
traços regionais, se apropriando de elementos identitários e da cultura popular do Maranhão,
para um público prioritariamente de classe média que, já gostando de MPB (Música Popular
120
Brasileira), poderia se identificar com a MPM, como se esta fosse a dimensão local da MPB.
Já as radiolas se alimentavam principalmente de músicas jamaicanas antigas, que eram
garimpadas fora do Brasil e aqui chegavam como preciosidades valiosas (e, por isso,
lucrativas para quem as possuía).
A música que marca e explicita bem esse ―
racha‖ é a citada por Selektah, canção do
primeiro CD da Tribo de Jah (1995):
Magnatas e regueiros/ Na Jamaica brasileira/ Os regueiros gostam de reggae/ Os
magnatas gostam de dinheiro/ Não fazem nada pelo reggae/ Nada fazem pelos
regueiros/ Pensam que a vida é uma festa/ Para lucrar o ano inteiro/ Muitos se
dizem de bem/ Se dizem regueiros sem interesse/ No fundo são desordeiros/
Lobos vestidos em pele de cordeiro/ Movidos pela grana/ Pela inveja e pela
ganância/ Não conhecem a mensagem/ Princípios de paz e tolerância/ Muita gente
humilde e honesta/ Ama o reggae e vive no gueto/ Paga pra ir a uma festa/ Mas
não recebe o devido respeito/ São tratados como bichos/ Pra polícia são todos
suspeitos/ Vítimas do descaso, da exploração/ E do preconceito./ O reggae não é
isso, não é guerra, futricas ou maquinação/ É música de paz, de amor e união.
―
Magnata‖, segundo o dicionário Larousse de Língua Portuguesa (1992), significa
―
pessoa poderosa, influente, muito rica. Grande capitalista‖. Os magnatas do reggae são os
donos das radiolas e a conotação dada a esse termo na música é exatamente a do dicionário.
Em 1995, quando a banda lançou o primeiro CD, mas já com quase dez anos de formação, a
Tribo se sentiu segura para romper de vez com os magnatas e levar adiante a sua proposta que
é difundir o reggae, com mensagens de amor e paz, falando de problemas sociais e
divulgando as ideias do rastafarianismo (BEYDOUN, 2008):
A Tribo teve esse papel de transpor para o português e para o Brasil toda a
temática original do reggae. Ela foi a primeira banda que falou em Jah, Babilônia,
em roots, nunca ninguém jamais tinha citado esses conceitos. Então a partir daí a
banda passou a imprimir uma cultura reggae a nível nacional.
A história da Tribo de Jah104 se iniciou na Escola de Cegos do Maranhão, onde cinco
músicos deficientes visuais formaram uma banda e passaram a fazer shows de seresta, reggae
e lambada, em São Luís e em municípios do interior do estado. Fauzi Beydoun, vocalista e
guitarrista, nascido em São Paulo e que havia morado por quatro anos na Costa do Marfim
(África), era aficionado por reggae quando conheceu o grupo e formou a Tribo de Jah, em
1986. O primeiro LP foi lançado em 1991, com tiragem de mil cópias e, segundo Beydoun
(2008), ―
teve uma grande repercussão local. Eu me lembro que eu levava pras lojas na Rua
Grande e eu não dava conta, acabava muito rápido. E a galera dizia: ‗pô, bicho, tá vendendo
mais do que a Xuxa‘. Naquele tempo o que mais vendia era a Xuxa, né?‖.
104
As informações sobre a história da banda e me foram passadas por Beydoun, em entrevista em 2008.
121
Figura 39 - Banda "Tribo de Jah". Foto: Divulgação
Depois, ainda no início da década de 1990, a banda passou a fazer shows nas capitais
dos estados vizinhos, como Teresina e Fortaleza, época em que ―
as pessoas nem tinham essa
noção do que era reggae, mas a banda começou a agradar‖ (Idem, 2008) e os shows foram
lotando cada vez mais no Norte e Nordeste.
A nível regional, a banda acabou se projetando bem. Ia pro Ceará, pra Paraíba,
Pernambuco e tal. Aí surgiu a primeira chance de ir pra São Paulo. A banda foi de
ônibus, fizemos dois shows e voltamos de ônibus. Aí foi o grande destaque da
banda em nível nacional, o show repercutiu muito em São Paulo [...]. A Tribo
chegou em São Paulo, não tinha repercussão em rádio nenhuma, era um trabalho
independente, não tinha CD nas lojas. A gente chegou a fazer show pra dez mil
pagantes com casa lotada. Uma coisa assim que nem o Rappa fazia naquela época.
E quem ia pro show era basicamente classe média, universitário, surfista, tá
entendendo? Todo mundo falava: ―
nossa, que galera bonita‖, aquela coisa. Então
esse movimento foi determinante porque era um pessoal formador de opinião, a
galera do surf, da universidade (Idem, 2008).
No mesmo período em que a Tribo começou a se projetar nacionalmente,
envolvendo um público de classe média, a cena reggae no país se movimentava
principalmente com os baianos Edson Gomes e Gilberto Gil, e com as bandas Paralamas do
Sucesso e Cidade Negra (esta última, criada em 1983, com o nome de Lumiar).
Depois de fazer sucesso no Brasil e em vários outros países (a banda morou em
Fortaleza e depois em São Paulo), a Tribo voltou várias vezes a São Luís contribuindo para
que o reggae obtivesse mais reconhecimento dos diversos setores sociais da Ilha. Beydoun
(2008) analisa: ―
esse reggae que tá atingindo a classe média, isso foi uma coisa que a Tribo
espalhou pelo Brasil, que já vem de lá do Sul pra cá‖.
Enquanto nomes como Zeca Baleiro e Rita Ribeiro começavam a despontar
nacionalmente fazendo música com raízes nos ritmos maranhenses, que tinha no bojo um
122
pouco do reggae ludovicense (como em ―
É pedra, é pedra, é pedra/ É pedra de responsa/
Mamãe eu volto pra Ilha/ Nem que seja montado na onça‖, de Baleiro e Chico César), mas
não eram cantores de reggae, na esteira da Tribo de Jah, outras bandas maranhenses foram
surgindo no decorrer dos anos 1990. Alguns exemplos: Guetos, Nêgo Banto (que depois
mudou de nome para Manu Bantú), Legenda e Mystical Roots. Paralelamente ao
aparecimento das bandas, alguns cantores de reggae também foram se firmando nessa época
no cenário ludovicense, como Célia Sampaio, Santa Cruz e Zé Lopes.
Esses grupos musicais e cantores tiveram papel importante na conquista desse
público de classe média, uma vez que faziam um reggae geralmente com letras em português,
mensagens de protesto, buscando a valorização da filosofia de Bob Marley e dos ritmos
maranhenses, aspectos apreciados por esse público.
Assim como aconteceu com o baião, que começou como fenômeno de massa no
Nordeste e conquistou os universitários do Sudeste do país para, então, tornar-se
reconhecidamente um estilo musical legítimo da música popular brasileira (FERRETTI,
2007), foi na década de 1990, com a legitimação do reggae por grupos de estudantes
universitários e de intelectuais ludovicenses, que a mídia hegemônica105 de São Luís passou a
publicizar com mais frequência o reggae enquanto estilo musical de expressão no Maranhão.
No caso da Tribo de Jah, foi fazendo sucesso no Sudeste do Brasil que a banda se
projetou nacionalmente, embora já fosse febre entre um público de surfistas, universitários e
outras camadas da classe média desde o início da década de 1990 no Nordeste.
3.8.2. A proposta das bandas: o reggae “cabeça”
Tive que rir que chorar/ tive que crer para ver que argumentos não vão adiantar/
Em cada esquina a ganância/ a luta pelo poder/ as armadilhas que nos tentam
armar/ E o moleque de esquina/ em meio a tantas buzinas/ não consegue sequer
expressar/ Que se tivesse uma chance/ de viver um romance/ nesse drama não iria
acabar/ São tantos vidros fechados/ corações petrificados/ Made by Concretete
Jungle/ Vidros fechados/ corações petrificados, petrificados/ Mas o sinal abriu/ e
os seus sonhos ninguém ouviu/ Foi mais um rosto que a noite cobriu (2X)/
Amarelô no farol (4X)/ Tive que rir.../ Mas a polícia parou/ e o moleque rodou/
Mas a policia parou/ e o moleque rodou, rodopiou (“Amarelô”, Mystical Roots).
O reggae feito pelas bandas é diferente do tocado nas tradicionais radiolas de São
Luís. Além de a maioria das letras das músicas serem em português e falarem de problemas
105
Por mídia hegemônica entendo os jornais de grande circulação e emissoras de rádio e televisão de maior
audiência, excetuando os espaços midiáticos na TV e no rádio arrendados pelos proprietários de radiolas que,
apesar de terem grande audiência, eram meios de comunicação elogiosos ao reggae, principalmente, por motivos
comerciais.
123
sociais locais, algumas bandas misturam a batida do reggae roots jamaicano aos ritmos
regionais, como tambor de crioula e o bumba-meu-boi. Na intenção de algumas bandas
também aparece a filosofia do reggae e a afirmação de uma identificação cultural – o reggae
é visto como música de resistência. A partir da análise da trajetória de três grupos, tentarei
pontuar alguns aspectos sobre a proposta das bandas ludovicenses de reggae.
A primeira é a Mystical Roots, banda de reggae e ska que surgiu em 1994, e lançou
seu primeiro CD de estúdio em 2003. ―
Amarelô‖ é uma de suas canções mais conhecidas e
representa bem as preocupações da banda, que nasceu dentro de uma escola particular de São
Luís. O grupo fez a sua primeira apresentação ―
numa festa de estudantes secundaristas do
colégio Objetivo, demonstrando a definitiva inserção do reggae no gosto da jovem elite
maranhense no início da década de 1990‖ (BRASIL, 2005, p. 75).
Figura 40 - Banda "Mystical Roots". Foto: Divulgação
Depois de fazer sucesso na cidade, com letras que falavam, sobretudo, de problemas
sociais ligados à pobreza, o grupo se mudou para São Paulo em 1996, onde alavancou a
carreira por oito anos de modo independente. Com a projeção nacional da Mystical, a
vocalista Luciana Simões foi chamada para substituir provisoriamente, em 2004, a vocalista
da banda Natirut´s, um dos grupos de reggae de maior fama e vendagem de CDs do país
(Idem, 2005). Além disso, no mesmo ano, a Mystical Roots, conseguiu emplacar uma música
na trilha sonora da novela da Rede Globo, ―
Da Cor do Pecado‖, o que demonstrou a sua
capacidade de adequação ao mercado fonográfico brasileiro 106. A canção ―
Pras bandas de lá‖
106
E essa era a intenção da banda, como se percebe na fala dos integrantes Júnior Echoes e Giuliano Laurenza
(respectivamente), em entrevista concedida a Vidigal, sem data, quando eles explicam por que têm várias
canções em inglês: ―
você não pode só se limitar ao português, agora com a Internet pode ser que os ‗gringos‘
gostem de alguma faixa nossa. A gente quer também sair, tocar fora, mas não tem como medir o tamanho da
repercussão de cara, então não dá para descartar o público de fora‖; ―
o inglês é a língua universal, os formadores
de opinião em todo mundo vão entender. E é a língua de onde nasceu o reggae‖. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/tribodejah/centralreggae/entrevistas_mystical_091002_2.htm>. Acesso em 10 de
janeiro de 2010.
124
era tema do personagem Dodô (interpretado pelo ator Jonathan Haagensen), baixista de uma
banda de reggae (que era a própria Mystical), ex-namorado da protagonista Preta (Taís
Araújo), uma dançarina de tambor de crioula, que se mudava de São Luís para o Rio de
Janeiro. A música mistura a batida do cacuriá (ritmo da cultura popular maranhense) com o
reggae. Diz a letra:
Eu fui pro lado de lá/ provar do cacuriá/ da dona Teté/ Pirei ao te ver requebrar/
nas ondas do teu gingar/ na batida do pé [...]/ Fogo pagô, xô rolinha, fogo pagô/
Era uma garota bem difícil de se ter/ gostava de teatro e cinema universal/ dançava
boi, cacuriá, dançava lelê/ Fazia capoeira e tocava berimbau/ Fazia terapia de
cristal.
A Mystical Roots terminou no final de 2004.
Outra banda que alcançou reconhecimento fora do Maranhão foi a Nêgo Banto,
criada em 1997, sob o comando do vocalista e contra-baixista Gerson da Conceição. Depois
de alguns shows, a banda gravou o primeiro CD em 1999, que rapidamente se esgotou nas
lojas de São Luís (BRASIL, 2005, p. 74). Devido ao sucesso local, o grupo foi para São
Paulo, onde assinou contrato com uma das maiores gravadoras do país, a Universal. Na
tentativa de projetar a banda no mercado nacional, o segundo CD foi concebido com proposta
musical diferente, semelhante à sonoridade das bandas de reggae pop do Sudeste, o que
provocou, segundo Brasil (2005, p.75),
[...] o esvaziamento da identidade sonora da banda, que até mudou de nome depois
que chegou em São Paulo: passou de ―
Nêgo Banto‖ para ―
Manu Bantú‖. A
mudança aconteceu por causa de problemas com o antigo produtor executivo da
banda em relação aos direitos autorais e de utilização do nome do grupo, mas
independentemente desse aspecto, a mudança de ―
Nêgo‖ para ―
Manu‖, revela a
tentativa de conquista do mercado sudestino.
A banda, com músicas que falavam de amor, de problemas sociais e questões raciais,
reivindica as raízes africanas. De acordo com Conceição (2003), em entrevista à Folha de São
Paulo107: "Mantivemos o bantu para mostrar a forte relação com a África, nossa base, nossa
origem. A gente faz um reggae de raiz, mas com várias leituras das influências africanas que a
gente tem". Na mesma entrevista, o vocalista afirma que o reggae gera ―
um movimento de
elevação da auto-estima da população discriminada‖ e que todas as letras do segundo CD são
em português ―
para que as pessoas entendam e cantem junto, criando uma maior
interatividade". A proposta da Manu Bantú é, portanto, despertar a reflexão sobre as questões
sociais, como pode se observar no trecho da música ―
Negão‖: "Não lhe ensinaram na escola
107
Matéria publicada na Folha Ilustrada, em 10 de fevereiro de 2003. Disponível
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u30629.shtml>. Acesso em 30 de novembro de 2008.
em:
125
como proceder/ À margem da sociedade cadê você/ Ignorado seu legado sua contribuição/
Nem migalhas nem trocados/ Sem nada na mão‖.
Figura 41 - Banda "Manu Bantú". Foto: Divulgação
Uma contradição latente em relação à intenção da banda é que, embora Conceição
diga que o reggae serve para ―
elevar a auto-estima da população discriminada‖, as pessoas
que ouvem o reggae que ele faz não fazem parte dessa população: esses discriminados gostam
sim de reggae, mas daquele feito pelas radiolas, que têm proposta musical diferente da Manu
Bantú – banda, segundo o próprio Gerson da Conceição (2004), inspirada em grupos como
Steel Pulse e Wailers, além de Bob Marley.
Essa mesma contradição se configura em outra banda que tem forte ligação com o
movimento negro em São Luís: a Guetos. Criada em 1993 por músicos integrantes do Centro
de Cultura Negra do Maranhão, o grupo se afirma enquanto uma banda de reggae que se
propõe a discutir o racismo e estudar ritmos e sons de origem africana como o blues, tambor
de crioula, afoxé e bumba-meu-boi, buscando afirmar a identidade afro-descendente108.
Entretanto, a identidade não existe senão em relação a outra identidade. Ela resulta
de processos de identificação que ocorrem dentro de contextos sociais que influenciam na
posição dos agentes e nas tomadas de posição e escolhas deles. Como esclarece Bourdieu
(2007, p. 48), ―
os seres aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de indivíduos, quer de
grupos, existem e subsistem na e pela diferença‖. Assim, a Guetos se afirma rejeitando a
proposta das radiolas (considerada mercadológica pelo grupo), como é explanado por Sérgio
Barreto (2004), ex-vocalista da banda:
Esse lance de Jamaica brasileira é mais um estereótipo criado pelo Fauzi no
programa Conexão Reggae. Nada contra a expressão, mas sim os motivos pelos
quais ela é usada. Porque depois os outros caras das radiolas começaram a
108
Informações retiradas do flog da banda na Internet. Disponível em: <http://www.flogao.com.br/bandaguetos
/foto/14/17443103>. Acesso em 3 de maio de 2006.
126
divulgar isso aí pra vender, saca? As radiolas, de modo geral, são totalmente
alienantes. A gente quer fazer é música de negro.
A banda exclui daquilo que considera legítimo no reggae ludovicense o mercado das
radiolas, no entanto, assim como a Manu Bantú, parece hoje se comunicar mais com setores
da classe média do que com segmentos da população mais pobre, sobre a qual fala em suas
letras, quer seja sobre a miséria, como por exemplo, em ―
Lida‖, ou sobre o cotidiano e lazer
dessa população que gosta de reggae, como em ―
Fim de Semana‖, respectivamente:
Grande lida é viver a vida/ Deveríamos ganhar pra viver (2X)/ Toda essa
resistência/ Toda essa persistência/ Os filhos da ignorância/ Jamais terão
consciência/ Por que não estudou?/ Por que não se informou?/ Errado ele votou/
Baila no lixo/ Vive do lixo/ Come do lixo/ Lixo que dá pra comer/ É isso aí, bicho/
Bicho do homem/ Fome do bicho/ Miséria do homem/ Pro outro homem poder.
Tire um fim de semana pra você dançar/ Fim de semana pra você ―
reggar‖/ Uma
pedras maneiras num clube de reggae/ Reggae, reggae/ Tire um fim de semana
pra você ―
reggar‖/ Uma pedras maneiras com a Tribo de Jah/ Trópicos, ondas/ Pra
ir ao reggae/ Reggae, reggae/ Gueto, gueto/ Reggae música/ Gueto, gueto/ São
Luís, Jamaica (2X)/ Ilha reggae (4X).
É difícil definir a Guetos. Embora pareça ser um grupo constituído por pessoas de
um segmento da classe média (mas isso nem pode ser afirmado com precisão) e parte
considerável do público seja também da classe média, já que a banda não faz tanto sucesso
entre os frequentadores dos clubes de reggae da periferia (não só a Guetos, mas as bandas
ludovicenses, de modo geral, têm difícil penetração nesses locais109), a banda afirma em seu
Flog que:
No início de sua história atuou em bares, espaços de lazer da população afro
descendente aos poucos foi sendo convidada para participar de atividades e
eventos sócio-políticos de outras organizações e mais tarde passou a se apresentar
também na periferia de São Luís e em comunidades, por entender que a arte
proporciona alegria e prazer, facilita a compreensão maior do universo de cada
pessoa e a percepção maior das desigualdades, impulsionando a participação
social.
O grupo parece tentar desenvolver um trabalho voltado para o que Castells (1999, p.
24) chama de identidade de resistência:
Criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou
estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de
109
Sobre isso, o vocalista e baterista da Banda Legenda, George Gomes, lamentou, em matéria do jornal O
Estado do Maranhão, dia 3 de janeiro de 2009: ―
Infelizmente, as radiolas não rodam as músicas produzidas
pelas bandas locais. Acho que, pelo fato de a maioria das nossas músicas serem cantadas em português e eles
acharem que o público prefere músicas em inglês‖. Para Selektah (2009), ―
as bandas não entendem esse
mercado e têm uma sobrevida nos bares‖.
127
resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as
instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos [...].
Assim, se reconhecendo como atores que se encontram em posição desvalorizada e
alvo de preconceitos raciais, os integrantes da Guetos buscam nas letras de protesto uma
forma de conscientizar a população menos favorecida de suas contribuições para a formação
cultural do lugar onde está inserida e de seu importante papel na sociedade. Versa o refrão de
uma de suas músicas: ―
Rastamen é filosofia/ Rastamen é filosofia/ De viver/ De viver‖. Em
uma apresentação da banda na Praça Maria Aragão (2009), ao microfone, o vocalista Tadeu
de Obatalá disse ao público: ―
Nós somos uma banda que toca músicas próprias e quase tudo
em português. Porque a gente quer que vocês entendam a mensagem. Pra tornar acessível a
todo mundo o que a gente tá falando‖.
No entanto, o público das radiolas, principalmente a juventude negra da periferia, em
geral, não ouve as bandas ludovicenses, pois está ligada ao reggae muito mais pelo ritmo,
pelo dançar, e se identifica com o reggae dos clubões, quer seja o reggae antigo jamaicano,
quer seja o reggae eletrônico produzido em São Luís. O protesto exposto nas letras da Guetos,
portanto, chega mais aos setores das classes médias que às classes mais populares, alvo das
discussões.
Mas as letras com temas sociais e raciais também são um meio de quebrar as
barreiras da discriminação originada nas camadas mais ricas. Desta maneira, cantando o
negro, a banda quer valorizá-lo, despertar um sentimento de orgulho da negritude e diminuir
os preconceitos raciais entre os diversos setores sociais. Conforme Brasil (2005, p. 73),
[...] a Guetos agitou no início dos anos 1990, ensaios abertos às quartas-feiras, no
Bar do Basílio, localizado no Projeto Reviver. Esses ensaios tinham como objetivo
também formar um público para as bandas de reggae, assim como levar a classe
média local aos shows. Esse projeto também congregava outras manifestações
afrodescendentes de origem moderna como, por exemplo, os grupos de ―
Break‖ da
cidade.
Envolvendo, portanto, frações da classe média, a banda consegue expandir o seu
projeto de ―
traduzir nas letras a força do Movimento Negro e novos horizontes para a cultura
afro-brasileira‖110. Há também um interesse em divulgar o roots, considerado o estilo
―
original‖, como argumentou Obatalá (2009), em entrevista à TV Mirante 111: ―
A gente tem
esse conceito de fazer o reggae na sua essência do reggae roots, que é o original, mas a gente
também dá um toque bem maranhense, canta João do Vale, por exemplo‖.
110
111
Frase retirada do já referenciado Flog da banda.
Entrevista no estúdio, no JMTV 1ª Edição, dia 11 de setembro de 2009.
128
Diversas outras bandas de reggae foram surgindo no Maranhão depois da Guetos,
Manu Bantú e Mystical Roots. Quase todas têm uma forte ligação com a música de Bob
Marley e, por isso se constituem com as mesmas propostas de debater problemas sociais,
tocar reggae roots e divulgar mensagens de paz.
Algumas bandas têm consciência de que possuem um público próprio, diferente do
que aprecia o reggae das radiolas, mas reconhecem que seu interesse pelo reggae surgiu
também em virtude dos músicos terem crescido em uma cidade onde há essa ―
nuvem de
reggae‖ pairada no ar. Como me afirmou o músico André Lucap (2009), sobre os melôs:
―
Hoje isso tudo já faz parte do imaginário coletivo dos maranhenses. Todo mundo já ouviu
essas músicas, conhece de alguma forma, mesmo quem nunca foi em clube de reggae”.
Assim, as bandas surgidas, na década de 1990, da classe média, se apropriando de
vários aspectos da riqueza e diversidade do reggae ludovicense, formaram um estilo próprio,
cativando uma fração do público apreciador do ritmo, como explica o vocalista da Mystical
Roots, Junior Echoes112:
Quando a gente começou, somente tinha a banda Guetos tocando reggae. A Tribo
de Jah estava na estrada, baseada em Fortaleza. Demos os primeiros shows com o
nome de Mystical Roots no final de 1994 e no reveillon de 1995. O público que
existia era o que gostava de Bob Marley, que ouvia reggae em casa, e os que
gostavam das radiolas. Só tinha a banda Guetos, que sozinha não conseguia saciar
todo esse público. Mas em São Luís o pessoal preferia lotar uma radiola do que ir
para um show ao vivo, de quem quer que fosse. A gente tinha que cativar este
pessoal e outro público também, mais caseiro. Começamos a tocar covers de
músicas dos anos 70, algumas da Inglaterra, misturamos com versões de músicas
brasileiras, tocamos Gilberto Gil, Tim Maia em ritmo de reggae, Luiz Melodia,
Beatles, tudo isso com a pegada roots. Então nos nossos shows tinha esse público
que ia nas radiolas, que era cerca de 30%, que continua fiel às radiolas até hoje, e
outra parte mais ligada no nosso som. As pessoas foram se identificando com essa
mistura, a banda tocava "Ando Meio Desligado" [nota do e: dos Mutantes], João
do Vale. Nosso som era ritmo, fusão e dub. Então a banda já tinha uma
personalidade, era capaz de fazer muita coisa, não era uma banda só de "lovers",
por exemplo. Existem bandas lá que, quando começam, precisam tocar o que rola
nas radiolas para conquistar o público, mas isso se deve também ao gosto dos
músicos. Quando você começa a ouvir reggae, os melhores exemplos são Joe
Higgs, Desmond Dekker, Eric Donaldson. Então acaba gravando a música que
você mais gosta, por exemplo, "Are we a Warrior", do Ijahman, que é um hino em
São Luís, é apaixonante, é algo que você ouve lá desde criança, então quem monta
uma banda vai querer tocar.
O reggae da Mystical era, portanto, assumidamente, da e para a classe média,
embora fosse muito influenciado pelas radiolas, afinal, como afirma Nayfson (2009), ―
no
começo do reggae nos anos 70 o instrumento principal desse movimento do reggae no
Maranhão, no Brasil, foram as radiolas [...]. As bandas vieram depois‖.
112
Em entrevista a Vidigal, já referenciada, sem data.
129
Assim como Nayfson, enquanto dono de radiola, atribui às radiolas uma importância
maior dentro do ―
movimento do reggae no Maranhão‖, algumas bandas e DJs que tocam nos
bares têm a postura contrária, de muitas vezes criticar os donos de radiolas por promoverem
um movimento apenas comercial.
Eu não faço festa nesses locais [como Toca da Praia, Arena, Palácio da Seresta]
porque particularmente, eu sou roots reggae. Porque pra mim reggae não é uma
música pra ganhar dinheiro, não é uma música só de mídia, pra quem quer
aparecer. Pra mim reggae é uma música espiritual, que tem a ver com a paz, com a
igualdade, eu prego isso. Esses locais, infelizmente, não desmerecendo, mas não é
o meu estilo [...]. O reggae eletrônico não me dá aquela energia, não me transmite
aquela energia que o roots reggae me transmite [...]. Graças a nós, eu, Ademar
Danilo, Marcos Vinícius, nós estamos resgatando aquela origem do que nós
começamos [...]. Eu acredito que essa onda de eletrônico começou com a mídia
dos donos de radiola. Os donos de radiola, que se dizem os caras do reggae. Pra
mim, particularmente, reggae pra mim, é levar mensagem da paz, do amor, da
igualdade. Música reggae é uma música diferente, não é uma música só pra ganhar
dinheiro não, não é (DJ Neto Miller, 2010).
Mesmo quando a crítica não é direta, é possível perceber a luta pelo monopólio da
legitimidade (BOURDIEU, 2008, p. 57) de quem faz o reggae original e comprometido
socialmente. Em entrevista à TV Mirante (30 de julho de 2009), o vocalista da Banda
Kazamata, Hilton Quintanilha, ignorou a existência das radiolas e dos clubes populares de
reggae, quando disse:
A gente percebeu uma leve queda no movimento. A banda tá trabalhando pra que
esse movimento não caia. Um bar reabriu, que foi o Trapiche, e isso é ótimo [...].
Existe uma carência por novidade no cenário reggae. É por isso que gente tá
sempre trabalhando músicas novas, autorais. As outras bandas que estão aí na
estrada, na cidade, também estão trabalhando para fortalecer o movimento roots.
Ao falar genericamente em queda no ―
movimento reggae‖, Quintanilha está
excluindo as radiolas desse movimento. O Bar Trapiche passou dois anos fechado e reabriu
no dia 11 de julho de 2009; no entanto, os clubes de reggae da periferia não fecharam as
portas e continuam lotados como há décadas. O vocalista da Kazamata estava falando a
respeito das bandas e dos bares de reggae como se só esses segmentos fossem o ―
movimento
reggae‖ em São Luís, ignorando toda a efervescência que existe entre as classes mais
populares, nas centenas de salões espalhados pela cidade.
Sobre a reabertura do Trapiche, Danilo (2009) especificou que contribuiu para o
fortalecimento do ritmo no circuito Lagoa/Ponta D´Areia: ―
É uma das casas mais importantes
para fortalecer esse circuito. Nós temos nas noites de sextas, as festas no Creóle Bar, no
130
domingo no Chama Maré e agora, com o retorno do Trapiche, temos o sábado preenchido‖113.
É importante ressaltar que o circuito do qual ele fala é voltado principalmente para a classe
média que, ao tomar gosto pelo reggae, contribuiu para que o ritmo adquirisse outras
proporções em São Luís.
Alguns eventos também sedimentaram o reggae feito para a classe média em São
Luís, na primeira metade dos anos 2000. O Festival Internacional de Reggae, em 2004, reuniu
oitenta mil pessoas (BRASIL, 2006) e o Maranhão Roots Reggae Festival, promovido pelo
Sistema Mirante, contabilizou em sua terceira edição, em 2005, vinte mil pessoas por dia. O
evento, que reuniu atrações internacionais (cantores jamaicanos), bandas locais, nacionais e
radiolas de reggae, teve como público, além de maranhenses, um grande número de turistas,
como avaliou o diretor comercial do Sistema Mirante, Francisco Franco Neto, na edição do
dia 26 de julho de 2005 do jornal O Estado do Maranhão:
Nós fizemos uma divulgação fora do estado e deu bons resultados. Trouxemos
atrações de várias partes do Brasil, como Ceará e Brasília, por exemplo, e isso
contribuiu para atrair um grande público. Grupos da Guiana Francesa também
vieram prestigiar o festival.
A partir do crescimento do reggae dentro da cultura musical do estado, a
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) criou em 1998 o Festival Universitário de
Reggae – Unireggae – que premia novos compositores e cantores do ritmo, com a intenção de
incentivar o surgimento de novos nomes e grupos de reggae em São Luís. Segundo o texto de
apresentação do festival, publicado no site da UFMA, em 2009:
Este projeto é dirigido a compositores do ritmo reggae e envolve interessados da
capital, interior do Estado e outros Estados [...]. O público alvo do festival tem
sido universitários e jovens emergentes da área de música. O objetivo principal do
projeto é revelar novos talentos para a cultura maranhense e brasileira, assim como
possibilitar a promoção e divulgação das expressões culturais no nosso meio. 114
O público do Unireggae é predominantemente de classe média, sobretudo,
universitários. Realizado quase sempre no Centro Histórico (já ocorreu na Praia Grande e, nos
últimos anos, acontece no Circo da Cidade), tanto os artistas e compositores que se
apresentam no festival são músicos de classe média – muitas vezes, pessoas ligadas às bandas
de reggae, rap e rock do cenário ludovicense –, quanto o público presente é composto por
pessoas de frações da classe média. Prova de que o Unireggae é feito da/para a classe média,
foi a fala do diretor do Departamento de Assuntos Culturais (DAC) da UFMA, Alberto
113
114
Entrevista em matéria do jornal O Estado do Maranhão, dia 11 de julho de 2009.
Disponível em <http://www.ufma.br/noticias/noticias.php?cod=4983>. Acesso em 20 de agosto de 2009.
131
Dantas, durante o III Seminário Reggae e Turismo, em maio de 2009, quando o festival estava
ameaçado de não acontecer115: ―
A minha fala aqui é curta. É só para deixar vocês tranquilos,
que a gente vai manter o Unireggae. É preciso tirar o reggae do gueto. Nossa intenção é
manter o Unireggae‖.
Figura 42 - Festival Unireggae em 2008 no Circo da Cidade.
Ora, ―
tirar o reggae do gueto‖ significa se apropriar de uma cultura que se
desenvolveu no gueto, mas que agora, devido à proporção que tomou, precisa sair de lá, como
se permanecer na periferia fosse um demérito. O gueto é o lugar onde a classe média não vai,
mas essa camada social quer ir ao reggae. Então, a solução é ―
tirar o reggae do gueto‖, num
ato de violência simbólica exercido, muitas vezes, com o consentimento de quem a sofre, pois
pelo menos parte das pessoas que fazem e vivem de reggae nos guetos da cidade concordam
com iniciativas que levam o ritmo para locais além das periferias, independentemente da
forma como isso aconteça. Assim, o reggae da periferia vira moda, mas a periferia continua
115
No mesmo texto de apresentação do Unireggae no site da UFMA, publicado em janeiro de 2009, dizia: ―
Sua
execução tem sido difícil, pois a UFMA não tem encontrado parceiros em potencial para viabilizar sua
execução‖. Passada a data prevista no calendário da universidade para o evento (23 e 24 de julho), no dia 5 de
setembro, Dia Municipal do Regueiro, o secretário municipal de cultura e ex-diretor do DAC, Euclides Moreira
Neto, disse em discurso que o Unireggae não seria realizado em 2009: ―
A gente realizou onze edições do
Unireggae. Infelizmente, esse ano não vai ter. Mas a intenção da direção do DAC é voltar a fazer acontecer no
ano que vem. E nós vamos fazer de tudo pra ajudar, pra fazer com que esse festival, que é tão importante, volte a
se realizar‖. Entretanto, um mês depois estava publicada no blog do jornalista Pedro Sobrinho a notícia de que as
inscrições para o 12º Festival Unireggae estavam abertas até o dia 30 de outubro e o evento seria realizado nos
dias 21 e 22 de novembro. Acompanhado o festival no Circo da Cidade, notei que a quantidade de pessoas
presente no público era muito menor que em anos anteriores e que, apesar de Ademar Danilo (DJ convidado do
festival) dizer que naquela noite se ouviria ―
muita pedra, muito reggae de raiz‖, as músicas que concorriam no
Unireggae não eram do estilo roots; algumas até tinham uma batida que lembrava ritmos como axé e forró.
132
sendo o mesmo lugar perigoso aos olhos de setores da classe média. Para ser consumido por
essas frações sociais, o ritmo precisa de novos espaços, uma vez que o gueto não serve.
3.8.3. O gosto pelo reggae como distinção e como moda
“Não há nada tão poderoso quanto o gosto musical para classificar os indivíduos e
por onde somos infalivelmente classificados”.
Pierre Bourdieu116
Beydoun (2008) considera que o público das bandas que frequenta os bares teve um
papel importante na disseminação do reggae maranhense para outros setores da sociedade,
além das periferias:
A classe média, como tem mais acesso à informação cultural, eles acabaram
entendendo o reggae de uma outra maneira. Eu acho que a classe média na
verdade teve um papel fundamental da inserção do reggae num contexto digamos
mais na sociedade. [...] Hoje em dia tem muita gente da classe média que diz ―
ah,
eu gosto de reggae, eu curto reggae‖. Então eu acho que essa adesão da classe
média na verdade fez com que o reggae fosse mais consensual em termos sociais
no Maranhão. Você percebe isso, embora essa galera não vai se dispor a ir – é até
compreensível né? – em gueto.
O fato de a classe média não se dispor a ir ao gueto, mas se interessar pelo reggae,
que surgiu como expressão da identidade das populações negras e pobres (quer se veja o
reggae na Jamaica ou em São Luís), intriga Carvalho (2004, p. 70):
[...] entender por que, subitamente, um setor da classe média branca precisa posar
de nativo de tradições populares e, às vezes, até invadir diretamente o espaço
expressivo das classes populares (sobretudo afrobrasileiras) em uma tentativa de
performar para si mesma que aquela cultura popular lhe pertence, quando
historicamente tem sido um emblema da resistência das comunidades
afrobrasileiras justamente contra a discriminação que ainda sofrem pelas mãos dos
brancos.
Talvez, uma resposta parcial a esse questionamento seja pensar no processo de
identificação da classe média com uma cultura que, a princípio, representaria a identidade das
classes populares, a partir do que Bhabha (1998, p. 301) chama de identidades diferenciais,
que são constantemente negociadas, híbridas e transitórias.
A globalização cultural é figurada nos entre-lugares de enquadramentos duplos:
sua originalidade histórica, marcada por uma obscuridade cognitiva; seu ―
sujeito‖
descentrado, significado na temporalidade nervosa do transicional ou na emergente
provisoriedade do ―
presente‖ (Idem, p. 297).
116
2008, p. 23.
133
O raciocínio de Bhabha esclarece porque um sujeito branco de classe média pode se
identificar com a cultura do reggae – já que em uma perspectiva de globalização cultural o
leque de identidades se expande e os limites se afrouxam, deixando as identificações mais
fluidas e efêmeras – no entanto, o que é mais complicado é pensar como se dá essa
identificação?
Na visão de Silva (2007, p.114), mesmo com a expansão do reggae para áreas da
cidade consideradas mais ―
higienizadas‖ e com a ascensão de novos públicos de classe média,
o ritmo não é aceito por estes grupos como identidade cultural maranhense, ―
pois isso
remeteria São Luís a uma Jamaica negra e pobre‖. Para ele, o consumo da cultura do negro
pelo branco se dá como diversão e como moda, enquanto espetáculo midiático.
Voltemos então para a Cena 2 descrita no item 3.8.: o reggae vinha conquistando um
público cada vez maior e mais diversificado, e entrou ―
na moda‖ de vez, em São Luís, no ano
de 2005. Depois do Bar do Nelson ter virado ―
febre‖ entre a juventude de classe média,
seguindo a tendência, outras casas de reggae voltadas para este segmento foram surgindo a
partir daquele ano: o Trapiche, aberto no início de 2005, no bairro da Ponta D´Areia, na beira
da praia, tem um público diversificado – que vai desde alguns universitários, até as classes
média e alta, além de turistas; o Mama África, aberto no final de 2005, no bairro do Calhau,
era frequentado pelo público de uma boate (que ficava na Avenida dos Holandeses, atrás do
local) e funcionou somente por poucos meses; o Chama Maré, inaugurado no final de 2006,
na beira da praia da Ponta D´Areia, atrai frequentadores de classe média e turistas, ao fim das
tardes de domingo, entre tantos outros como o África Brasil, o Roots Bar, o Kingston 777,
que têm propostas semelhantes à do Nelson e a do Bar do Porto, que funciona desde 1995, no
Centro Histórico, e atrai um público variado, que inclui turistas, em virtude se sua localização.
Os ―
bares de reggae‖ são espaços fisicamente diferentes dos clubes: decoração com
grafitagem e com tintas que brilham no escuro, iluminação colorida e com luz baixa, piso de
cimento uniforme, telhado, banheiros e balcão de venda de bebidas bem estruturados.
Também o preço da entrada é, geralmente, mais caro, custando, em média, de R$ 10,00 a R$
20,00, dependendo das atrações que estão no palco. Assim como o valor da cerveja, bebida
mais comercializada, é quase sempre mais alto117, chegando a custar R$ 4,50 a garrafa no
Chama Maré, por exemplo.
117
Digo quase sempre porque há exceções: Freitas (2010) me afirmou que em uma festa no clube Palácio da
Seresta, no São Cristóvão, que é frequentado pelas classes populares, ―
a garrafa de cerveja tava cinco reais e a
porta era dez. Todo mundo tava reclamando. Mas nesses clubes assim geralmente, custa três, três e cinquenta‖.
134
O Chama Maré é um exemplo da proposta dos bares em São Luís. Localizado a
menos de duzentos metros de alguns hotéis de luxo, na praia da Ponta D´Areia, o bar é todo
decorado com luzes roxas, desenhos fosforescentes de estrelas nas colunas pretas da parte
coberta, onde é mais escuro propriamente para as pessoas dançarem, em frente a um pequeno
palco, onde se apresentam bandas e DJs com suas pequenas radiolas (ao invés de dezenas de
caixas de som, como acontece com as radiolas tradicionais, a aparelhagem que toca nos bares
é bem menor, com uma parede apenas que tem cerca de oito caixas de som). Na área aberta,
onde ficam as mesas e cadeiras de plástico, há várias palmeiras, cuja base é pintada com as
cores vermelho, verde e amarelo; nas paredes têm pinturas e grafitagem com temas ligados ao
patrimônio de São Luís, à cultura popular e ao reggae (são casarões do Centro Histórico, um
rosto de Bob Marley, tambor de crioula, bumba-boi, paredões de radiola etc.).
Figura 43 - Bar "Chama Maré" na Ponta D´Areia. Arquivo: Ademar Danilo
O bar atrai um público principalmente de classe média, além de muitos turistas. Pela
disposição das pessoas no lugar, se percebe vários nichos: algumas mulheres se vestem de
short, camiseta e chinelo, umas estão de biquíni por baixo da roupa e parecem ter saído direto
da praia; outras usam camiseta, calça jeans ou de pano mole, sandália de dedo; e há grupos de
mulheres que trajam roupas mais chiques, como calças jeans coladas, tops brilhosos, vestidos
longos e salto alto. Os homens também se vestem de forma variada, desde aqueles que usam
bermuda e camiseta, até os que trajam calça, sapato e camisa de marca.
135
Figura 44 - Público dança no Bar "Chama Maré". Arquivo: Ademar Danilo
O DJ Neto Miller, colecionador de vinis há 29 anos, considera o público
diversificado bom para o movimento do reggae roots na capital maranhense. No Chama
Maré, Miller (2010) ponderou:
Eu sou um cara que eu sou regueiro de periferia. Eu ia pra clube de reggae 25
anos atrás quando essa galera não ia em clube de reggae. Reggae era uma música
que era pra negro, música de negro, de periferia, não era uma música aceita pela
sociedade. Hoje que tá sendo aceita pela sociedade, graças a Deus. Esse público
que tá aqui é um público que, na verdade, tem o reggae mesmo, sente a energia do
reggae [...]. Então tem um público aqui que é fiel, que é regueiro. Mas tem uns
que vem pra cá simplesmente por modismo, porque tem muita gente bonita,
homem bonito, mulher bonita... e que, na verdade, não tem nada a ver com reggae.
Mas a gente faz o nosso trabalho. Eles vêm, é legal, é bom.
Diferentemente daquele público que se identifica com a filosofia de Bob Marley,
com o ritmo do roots e com as bandas maranhenses, que é, a maioria, de classe média, esse
novo público que vai aos bares ―
simplesmente por modismo‖ passou a frequentar os locais de
reggae como frequentava as boates e outras casas de show. Para este público (que é também
de classe média e abrange turistas e muitos universitários), parece não haver identificação
com o reggae; o ritmo muitas vezes é só um detalhe, como demonstrou um grupo de jovens
de classe média alta entrevistado por Silva (2007, p. 85):
Nós sempre frequentamos as danceterias, mas aquilo estava ficando maçante e a
gente queria ir pra outros lugares. Ai um ou outro ia no reggae e falava pros
outros, no início a gente tinha um certo receio de ir porque muita gente falava que
era local violento, principalmente os colegas de escola que os pais não deixavam
ir. Mas depois que a gente começou a frequentar em grupos, levávamos nossas
garotas e nunca houve problema. A gente queria outra alternativa e no salão de
reggae é isso, a gente se sente mais à vontade, mais livre. A gente acabou se
enturmando com os regueiros. Eles sabem que a gente tem uma condição diferente
da deles, mas mesmo assim nunca houve problemas com nenhum de nós porque a
gente também respeita o espaço deles.
136
Também o jornalista Luís Felipe Falcão (2009), frequentador de bares como o
Chama Maré, Trapiche e Nelson, me afirmou que vai ao reggae (como vai ao samba) por
diversão:
Eu sou de Minas e tô morando aqui há pouco tempo. Fiquei impressionado como é
forte essa coisa do reggae aqui. Eu gosto de reggae, mas não sou um aficionado.
Vou pra me divertir. O meu programa de domingo, assim como o de muita gente,
é: vou cedo, tipo meio dia pro Da Gema, que é samba, aquela coisa bem Lapa.
Depois a gente termina a noite no Chama Maré.
O reggae, nesse caso, é apenas uma opção de lazer. Mas será que não pode ser
também ―
apenas‖ uma opção de diversão para o jovem negro de classe popular que frequenta
o clube de seu bairro? Tentar medir os níveis e limites entre identificação e diversão pura e
simples (dá para ser ―
pura e simples‖?) é uma tarefa impossível, pois a construção do gosto,
embora deva ser analisada dentro de um contexto, é feita através de um processo de
individuação (CASTELLS, 1999, p. 23); passa por experiências vividas, mas também pelas
mediadas.
No que diz respeito à mídia, a partir da segunda metade dos anos 2000, a divulgação
do reggae – tanto a nível local quanto nacional – enquanto fenômeno cultural de grande
relevância no Maranhão, foi-se fortalecendo. Nas matérias produzidas sobre o ritmo termos
como ―
Jamaica brasileira‖ e ―
Capital brasileira do reggae‖ são frequentes118. Como os
veículos de comunicação (que são constituídos por profissionais da classe média) têm a
capacidade de colocar temas em discussão e ―
fazer‖ moda, isso ajudou também o reggae a
assumir uma nova proporção em São Luís.
No mundo globalizado, onde o espaço público passa centralmente pela mídia 119, a
moda é um fenômeno de sociabilidade. Além disso, as pessoas têm acesso a conteúdos
midiáticos a todo instante, sem mesmo se aperceberem. Com o grande volume de informações
extraídas da mídia, o sujeito/espectador termina por apropriar-se destes conteúdos como
sendo seus. Assim, a carga midiática não só contribui para que o receptor vivencie (ou ―
televivencie‖) novas experiências, como também construa suas opiniões a respeito do que está
sendo veiculado.
118
A afirmação se baseia em pesquisa feita no arquivo da TV Mirante, de 2006 a 2009, das reportagens e
entrevistas sobre reggae. Além disso, a partir da conversa com jornalistas que trabalham em televisão há mais de
20 anos, em São Luís.
119
O conceito de espaço público utilizado é o fornecido por Hannah Arendt (1999) e Jurgen Habermas (1984),
compreendido como um espaço de ação e discussão das questões comuns aos indivíduos membros de uma
sociedade. Para Bucci (2000, p. 11), no Brasil, não a mídia como um todo, mas a televisão domina o espaço
público: ―
O espaço público no Brasil começa e termina nos limites postos pela televisão [...]. O país se informa
sobre si mesmo, situa-se dentro do mundo e se reconhece como unidade‖.
137
Desta forma, se o reggae passou a ser moda em São Luís na segunda metade da
década de 2000, também foi em virtude da divulgação na mídia hegemônica, que passou a
veicular mais constantemente o reggae feito pelas bandas, a falar da força de Bob Marley na
capital e do reggae roots, como o legítimo reggae do Maranhão120.
No entanto, os gostos, em um contexto onde as identidades são flutuantes 121 e estão
em permanente construção, são flexíveis e mutáveis, à medida que o sujeito vai vivendo,
experimentando e apreendendo novos conhecimentos. Destarte, se pensarmos para além da
―
moda‖, o que faz com que uma parcela da juventude – que não é negra, nem pobre, nem
tenha crescido ouvindo reggae de radiola – hoje goste e entenda de reggae?
Bourdieu (2008, p. 13) pontua que ―
o gosto classifica aquele que procede à
classificação: os sujeitos sociais distinguem-se pelas distinções que eles operam entre o belo e
o feio, o distinto e o vulgar‖. No caso do reggae em São Luís, para essa fração da classe
média, a distinção não é uma questão meramente econômica de ―
classe social‖, tem muito
mais a ver com o capital cultural122, com o conjunto de disposições internalizadas que são
classificatórias e incluem, tanto formas de percepção do mundo social, quanto formas de
apreciação mais ligadas a gostos, preferências e escolhas.
O gosto pelo reggae se dá, então, pela percepção que se tem do reggae, como um
tipo de música de elevada qualidade sonora, rítmica e de conteúdo das letras, como ressalta o
universitário Celso Mota (2008). ―
Eu gosto de reggae, mas não de qualquer coisa. Tem que
ser aquele roots mesmo, Bob Marley, Peter Tosh, só essa galera que faz um som lindo,
músicas que falam pra alma‖. Se ―
a música é a mais espiritualista das artes do espírito [...] o
amor pela música é uma garantia de ‗espiritualidade‘‖ (BOURDIEU, 2008, p. 23), é
concebendo o reggae como uma fonte dessa ―
espiritualidade‖ que frações da classe média
apreciam o ritmo, como maneira de diferenciar-se daqueles que não entendem os
―
verdadeiros‖ sentidos do reggae.
A questão não é, portanto, poder ir ao local de reggae frequentado por membros de
uma classe social com maior poder aquisitivo, ter dinheiro para comprar CDs, pagar entrada
de shows, mas ter o background necessário para apreender simbolicamente esses bens e
atividades culturais. Assim, nos bares, o conhecimento sobre a história e a ideologia do
120
Discutirei sobre a forma de midiatização do reggae no próximo capítulo.
A identidade do sujeito pós-moderno descrito por Hall (2006, p. 39) é não só desagregada como deslocada.
―
Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como
um processo em andamento‖.
122
Capital cultural, de acordo com Bourdieu (2000, 2005 e 2008), são ideias, conhecimentos, capacidades
culturais específicas de uma classe ou de um subgrupo que são acumuladas pelos agentes, que as utilizam
quando do convívio social. É também um recurso de poder, de posse de determinadas informações, de gostos, de
apropriação de atividades e bens culturais.
121
138
reggae está muito mais associado ao capital cultural possuído que a simples frequência
desses locais.
O consumo do reggae, por esse segmento, se dá como forma de distinção. Da mesma
forma que os agentes produtores (como Beydoun, Selektah e músicos de várias bandas
ludovicenses) defendem o reggae roots, também o público consumidor que se afirma
apreciador do ―
verdadeiro‖ roots, o faz para se distinguir dos demais frequentadores dos bares
(que estão ali ―
apenas‖ por modismo) e dos clubes, que estão ―
totalmente alienados‖,
relembrando as palavras de Beydoun e Selektah.
O gosto é, portanto, a afirmação prática de uma diferença inevitável, que se concebe
enquanto aversão ao gosto dos outros (BOURDIEU, 2008, p. 56). A apreciação ao reggae,
sob esse prisma, só pode ser dessa forma, somente através do conhecimento sobre a história,
as ideias, a filosofia e a musicalidade, somente dançando o roots, é possível ter um gosto
legítimo pelo reggae. A oposição entre o ―
autêntico‖ e o ―
símile‖, a ―
verdadeira‖ cultura e a
―
vulgarização‖ dá alicerce ao jogo, onde o que está em jogo, culturalmente, é a distinção
(Idem, p.234).
Assim, quem entra no jogo, entra para se distinguir. Por isso, as bandas se dizem
diferentes das radiolas; estas, por sua vez, se dizem igualmente diferente das bandas; quem
gosta de roots se afirma diferente de quem gosta do eletrônico; quem gosta de Bob Marley e
adotou o reggae como ―
estilo de vida‖ se diz diferente de quem frequenta os reggaes só por
moda, e assim por diante. E, em todos esses casos, ―
diferente‖ significa ―
melhor‖. Mesmo
entre as bandas, que têm propostas semelhantes, há distinções, como se pode perceber no
seguinte trecho de uma reportagem do jornal O Estado do Maranhão (3 de janeiro de 2009)
sobre a Legenda, onde há a fala do vocalista da banda:
Influenciados pelo reggae de raiz, os integrantes se dizem contagiados pela
sonoridade, pela dança e cultura do reggae jamaicano que se instalou no
Maranhão. Diferente da maioria dos grupos que adotam um discurso mais voltado
para o protesto político e social, a Legenda opta por letras que falam de amor e,
claro, de paz. ―
É uma questão de identificação – nos encontramos mais naquela
coisa de paz e amor expressada em nossas composições‖, sintetiza George Gomes.
Assim, não se pode dizer que todas as bandas ludovicenses de reggae toquem o
roots, cantem em português e façam um tipo de música de protesto e de resistência. Os gostos
diferenciados provocam uma pluralização do reggae em São Luís, tanto das formas de
produção quanto de consumo. Como analisa Canclini (2008, p.109):
Nem as elites nem os setores populares, como revela a fragmentação de seus
comportamentos, constituem uma massa homogênea. A mesma [...] cidade que os
139
massificou, os conectou com uma grande variedade de ofertas simbólicas –
nacionais e estrangeiras –, que fomentam, assim, a pluralidade de gostos.
Pensando a partir dessa diferenciação, também não se pode dizer que todo reggae
feito sob encomenda para as radiolas hoje sejam eletrônicos, que todos os bares de reggae
toquem exclusivamente o roots, que todos os jovens brancos de classe média que gostam de
reggae se identificam com Bob Marley. Assim como a ―
massa regueira‖, apesar do nome
massa, não é uniforme, uma vez que é formada por indivíduos diferentes que compartilham o
gosto pelo reggae. Há, no entanto, predominâncias: entre os frequentadores dos bares de
reggae predomina a classe média, entre os fãs do reggae robozinho predominam jovens da
periferia, entre os colecionadores predomina o gosto pelos reggaes mais antigos etc. Desta
forma, olhar ―
o‖ reggae ludovicense é construir um olhar sobre um fenômeno múltiplo. Por
isso, Geertz (2001, p. 198) acertadamente adverte: ―
a unidade e a identidade existentes terão
que ser negociadas, produzidas a partir da diferença‖.
4. REFAZENDO O CAMINHO DAS PEDRAS: A MIDIATIZAÇÃO DO REGGAE EM
SÃO LUÍS
A cultura do reggae em São Luís foi um fenômeno que ocorreu – do ponto de vista
social – ―
das margens para o centro‖, das classes mais populares para a elite, ao contrário do
que acontece com a maioria dos produtos promovidos pela indústria cultural. Desta forma,
Contrariando os movimentos midiáticos, que ―
aquecem‖ ou ―
esfriam‖
determinados ritmos de acordo com os interesses das gravadoras, paradoxalmente,
o reggae que não trilha por esse mesmo caminho, adquiriu uma posição destacada
no contexto das programações culturais de São Luís (SILVA, 2007a, p. 28).
A entrada do ritmo em São Luís, na década de 1970, ocorreu por caminhos distantes
das classes média e alta, que costumam controlar os rumos da indústria fonográfica e, assim, o
gosto pelo reggae não foi imposto às populações das periferias.
Conquistando primeiro as classes populares – por uma série de fatores que incluem,
sobretudo, a identificação e a procura por lazer – e, só depois, adaptado e, de certo modo,
admitido também pelas classes média e alta, o reggae passou por diversas etapas que o
levaram a uma crescente midiatização: da divulgação de festas nos carros de som nos bairros,
às mídias de rádio, televisão e jornal, até o uso da Internet (intensificado a partir da segunda
metade dos anos 2000) como ferramenta de promoção das festas e discussão sobre o reggae,
tanto em sites de relacionamento como Orkut – onde existem dezenas de comunidades sobre o
140
reggae maranhense, sobre as radiolas, bandas etc. – quanto em sites como o Reggae Total e
alguns blogs, feitos por pessoas ligadas principalmente às radiolas.
A trajetória do ritmo, que começou na capital maranhense nos salões populares de
festa, durante praticamente uma década permaneceu fora do circuito midiático, como explica
Brasil (2006, p.12): ―
Chamamos de cultura não midiatizada porque, nesse espaço de tempo,
que vai de meados dos anos 1970 a meados dos anos 1980, o reggae em São Luís não possuía
espaço geográfico e midiático próprio de veiculação e de difusão‖.
São as radiolas e clubes de reggae que, conquistando um espaço no cenário musical
da cidade, fizeram a ponte para que o reggae assumisse um caráter midiático. A própria
radiola, que se desloca de salão em salão, levando as pedras e um DJ-estrela que comanda a
festa interagindo com o público, é considerada por Brasil ―
a primeira mídia genuína do
reggae‖. A figura do DJ aparece como um comunicador, na medida em que ele apresenta e
comenta as músicas, dá recados, divulga outras festas, fala com o público até mesmo durante
as músicas, tornando-se, assim, um mediador123.
Mas, foi na década de 1980 que surgiram os programas de rádio FM especializados
em reggae e, em seguida, de televisão. De acordo com a pesquisa feita por Silva (1995, p. 8687), o primeiro programa específico sobre o ritmo em São Luís foi o Reggae Night,
apresentado entre 1984 e 1986 por Danilo e Beydoun:
Antes desse período, a Rádio Ribamar AM apresentava um programa em que o
locutor Jota Kerly, em alguns momentos, colocava músicas de reggae, dizendo:
―
Agora é na lei da Jamaica‖. Fora isso, rádio não tocava reggae de forma alguma
em São Luís. Somente a partir do ―
Reggae Night‖ começaram a ser produzidos
outros programas que, além das músicas, apresentam comentários sobre os
principais fatos relacionados aos cantores de reggae da Jamaica e divulgam festas
que acontecem semanalmente em São Luís.
Esse primeiro programa de reggae no rádio em São Luís foi idealizado por alguns
jovens universitários, que faziam parte, no início da década de 1980, de um grupo literário
denominado ―
Akademia dos Párias‖124, do qual participavam Danilo e o então diretor da rádio
Mirante FM, Celso Borges (2010):
É o primeiro programa de reggae daqui. Projetado por Ademar e Fauzy, que são
duas figuras emblemáticas, figuras que são referência no reggae no Maranhão,
123
O mediador como um agente comprometido em facilitar o diálogo e o entendimento, transmissor de
conteúdos; possuidor, portanto, de credibilidade, de capacidade de criar harmonia e facilidade de comunicação.
124
O grupo literário ―
Akademia dos Párias‖ era formado por jovens escritores e poetas que estudavam na
Universidade Federal do Maranhão, que publicaram, em São Luís, oito edições de uma revista de poemas
chamada ―
Uns & Outros‖, entre a metade dos anos 1980 e meados de 1990. Faziam parte do grupo: ―
Fabreu
(Fernando Abreu), Ademar Danilo, Garrone, João Carlos, Suzana, Mara, Sônia Jansen, Paulão, Paulinho Nó
Cego, Ronaldão‖ (BORGES, 2010).
141
sem dúvida nenhuma. Ademar que é um cara que até hoje vive de reggae, tudo que
ele fez na vida é de reggae [...] largou tudo, hoje não faz nada, só vive de reggae.
A alma dele, não é só como empresário não. Como empresário, como DJ, é um
cara que respira reggae duzentas horas por dia [...]. A ideia do programa surgiu
assim entre intelectuais, naquela galera. E numa rádio como a Mirante FM, que era
voltada pra elite. Mas aí depois começou a dar muita audiência com as massas [...]
A gente ia na Jordôa, ali no Pop Som. Nessa época ainda não tava salão. Salão
começa dois, três anos depois, que começa salão pesado [...]. Eu já ouvia muito
reggae, Ademar já ouvia muito reggae já. Eu ouvia Bob Marley, Jimmy Cliff e
Peter Tosh. Minha formação de reggae era essa, também era o que mais tinha.
Ademar não, já escutava reggae há mais tempo, tinha informação de reggae
mesmo [...]. O que tocava [no Reggae Night] era o reggae mesmo que não toca em
salão. Era Bunny Wailer, era Alpha Blondy, era Bob Marley.
Wada (2008, p. 147) ressalta que a adesão desses intelectuais ao reggae contribuiu
para a formação de uma opinião pública favorável ao ritmo, bastante marginalizado.
O jornalista Ademar Danilo atribui a aproximação de pensadores e intelectuais ao
reggae ao seu ingresso na universidade quando, já amante do ritmo jamaicano,
passa a integrar o grupo de literatura ―
Academia dos Párias‖, e leva os integrantes
da trupe, isto é, a pequena burguesia, a espaços considerados guetos culturais. Para
o jornalista, a sua adesão ao ritmo funciona como fator de estímulo para a
formação de uma opinião pública favorável.
Portanto, o Reggae Night foi o primeiro programa especializado em reggae do rádio
ludovicense, surgido da classe média e que tocava músicas que não faziam tanto sucesso nos
salões populares de reggae. Para Rodrigues (2004), Danilo e Beydoun foram os primeiros
―
intelectuais‖ do reggae, que tinham como objetivo, nesse programa de rádio, a troca de
conhecimento sobre a música reggae.
Nos anos 80, emergiram os ―
intelectuais‖ do reggae. Entre eles, o paulista Fauzi
Beydoun, hoje líder da Tribo de Jah, e Ademar Danilo, que graças à ―
massa
regueira‖, elegeu-se vereador em 1992, abrindo caminho para outros fazerem o
mesmo [...]. Fauzi e Ademar apresentaram juntos o programa Reggae Night, na
Mirante FM. Com conhecimentos da cultura jamaicana, inglês na pinta e bem
fornidas estantes de discos, a dupla deu uma injeção de conhecimento nos
ouvintes, abriu os microfones para outros conhecedores, como os veteranos
Zequinha Rasta e Viegas.
A partir desse programa, outros foram surgindo com formatos semelhantes. A
maioria passou a ser criada pelos próprios donos de radiolas e de clubes, que antes faziam a
divulgação de suas festas através de alto-falantes e carros de som nos bairros (VINÍCIUS,
2009) e agora, já com o capital oriundo do lucro das festas, tinham a intenção de usar o
veículo de comunicação radiofônico como meio de promoção do ritmo, das festas e das
próprias radiolas.
Voltados para a massa regueira frequentadora dos clubes populares, os programas
passaram a buscar uma forma de comunicar que seguia o modo de verbalização dos DJs: os
142
locutores usavam uma linguagem própria, com termos popularizados entre o público-alvo,
anunciavam festas, apresentavam novos melôs, intervinham durante a execução das músicas e
falavam com ouvintes no ar (BRASIL, 2005, p. 85).
A estratégia dos locutores para prender a atenção dos ouvintes é, além de colocar as
melhores pedras para tocar, promover uma espécie de ―
conversa‖ coloquial, na qual ele
chama a massa regueira para ir às festas, ao mesmo tempo que manda um abraço para os
moradores dos bairros onde há concentração maior de apreciadores do ritmo, lembra o nome
de pessoas, interage com elas e, assim, com simpatia e usando um tom de intimidade, vai
cativando o público.
Com uma linguagem simples que reflete a visão de mundo, os valores e o fazer da
gente do reggae, os apresentadores se aproximam do público-ouvinte, que
participa ativamente dos programas por meio de telefonemas aos estúdios durante
a realização do programa. Outro dado revelador dessa relação é a constante
presença dos apresentadores nas festas, o que lhes possibilita conhecer mais
detalhadamente seu público-ouvinte, saber de suas preferências, ou melhor, saber
quais as pedras os envolve mais (SÃO LUÍS, 2008, p. 20).
Entretanto, é importante ressaltar que os apresentadores vão às festas porque é de lá
que eles vieram: a maioria, antes de assumir um programa no rádio, foi DJ, técnico de som
etc., fazia parte da equipe de uma radiola. Portanto, não é o locutor que vai ao clube para
conhecer a dinâmica das festas e as preferências do público; geralmente é o DJ que, depois de
fazer muitas festas, acaba se tornando apresentador, mas sem nunca deixar de ir às festas, pois
isso faz parte da estratégia de interação com os frequentadores/ouvintes/espectadores de
reggae.
O locutor desses programas de rádio é, então, como o que Martín-Barbero (2008, p.
296) chama de apresentador-animador que é ―
mais que um transmissor de informações, é na
verdade um interlocutor, ou melhor, aquele que interpela a família convertendo-a em seu
interlocutor. Daí o seu tom coloquial‖. Nos programas, o interlocutor é, inclusive, mais
importante que as músicas que são tocadas, uma vez que praticamente nenhuma canção é
executada até o fim, sendo interrompida a todo instante pelo locutor para dar uma notícia,
falar com algum ouvinte ao telefone ou, simplesmente, colocar outro reggae para tocar. Sobre
esse fato, Brasil (2005, p.68-69) acredita que
[...] os ouvintes ouvem os programas pela interação sua ou de sua localidade com o
programa e a radiola que o programa apresenta e não necessariamente para ―
ouvir‖
reggae. A música nos programas de reggae é apenas um pretexto de todos que
estão envolvidos com ele, para proporcionar uma integração entre a comunidade
reggae e as mídias de massa.
143
Os programas de reggae no rádio são, dessa forma, fonte de interação, informação,
entretenimento, lazer e também de consumo de bens culturais que, de acordo com Canclini
(2008, p. 38-39) pode ser uma dimensão da cidadania:
[...] estes meios eletrônicos que fizeram irromper as massas populares na esfera
pública foram deslocando o desempenho da cidadania em direção às práticas de
consumo. Foram estabelecidas outras maneiras de se informar, de entender as
comunidades a que se pertence, de conceber e exercer os direitos. Desiludidos com
as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre à rádio e à
televisão para conseguir o que as instituições cidadãs não proporcionam: serviços,
justiça, reparações ou simples atenção.
Com grande audiência, os programas de rádio se tornaram ―
importante ferramenta de
marketing e propaganda do reggae e dos produtos a ele associados, constituindo, assim, um
verdadeiro instrumento de mobilização social‖ (SÃO LUÍS, 2008, p. 19), e passaram a ser
arrendados pelos empresários do ramo. Naquele primeiro momento, ainda na segunda metade
da década de 1980, a midiatização do reggae não se deu, portanto, pelo reconhecimento da
importância do ritmo na cidade pelos meios de comunicação de massa, mas sim, através do
investimento feito pelos proprietários de radiolas e clubes, que começaram a comprar espaços
nos veículos – primeiro no rádio e depois na televisão. E esse espaço midiático proporcionou
uma expansão do público dentro do mercado regueiro, como explica Brasil (2006, p. 02):
A partir dessa infiltração nas rádios tornou-se mais fácil a divulgação das festas, os
disc-jóqueis ficaram conhecidos em toda a cidade, as gírias de reggae se
espalharam pelas comunidades da Ilha, todos estes fatores, juntamente com a
grande identificação afro-maranhense com o ritmo, formaram ao longo do tempo a
―
massa regueira‖.
Hoje, conforme registro do Guia Turístico do Reggae de São Luís (2008), é no rádio
que o reggae tem sua maior mídia.
Com uma vasta programação, as emissoras comerciais de maior alcance no
município de São Luís oferecem ao regueiro, durante a semana, cinquenta e duas
horas de programação, distribuídas em oito programas diferentes, de domingo a
domingo, nos horários matutino, vespertino e noturno, sendo este último turno o
que apresenta o maior número de programas e com maior duração. As rádios
comunitárias, de menor alcance, oferecem, por sua vez, mais vinte e sete horas por
semana de programação específica de reggae. Isso se deve, principalmente, ao
hábito que os regueiros têm de ouvir rádio tanto durante a execução de suas tarefas
laborais diárias, como nos momentos de lazer.
Os programas especializados em reggae tornaram-se tão importantes para a
divulgação das festas, dos DJs, das músicas e, consequentemente, para o funcionamento do
mercado das radiolas, que hoje, segundo Vinícius (2009), ―
quando a radiola surge ela
necessita de um programa de rádio. Ela tem uma torcida que precisa saber onde a radiola vai
144
tocar‖. A utilização dos espaços arrendados no rádio e, depois, na televisão, tem a ver com a
profissionalização das radiolas, conforme explica Vinícius (2009):
A primeira radiola a se profissionalizar foi a Itamaraty. Por que tratar a coisa
como empresa? O reggae no Maranhão tem esse caráter comercial, nunca como
hoje as radiolas tiveram tanta autonomia financeira e, ao mesmo tempo, dependem
tanto das mídias (rádio e TV) para sua divulgação. Toda radiola hoje pra se manter
no topo tem que ter um programa. O locutor tem que convencer o regueiro a ir na
radiola, falar o roteiro por onde a radiola vai passar. O rádio foi e é importante
para tornar público as festas.
As radiolas que têm programas atualmente são 125: Itamaraty (Radiola Reggae, rádio
Difusora FM), Musical Neto Discos (The Best Reggae, rádio Cidade FM), FM Natty
Naiyfson (Reggae Dance, Cidade FM), Estrela do Som (Star Reggae, Cidade FM), Black
Power (Reggae Power, Cidade FM) e FM do Clubão (Clubão Reggae, Cidade FM).
Mesmo com a proliferação desses programas de rádio desde os anos 1980, durante
pouco mais de uma década, o reggae permaneceu marginalizado pelas mídias hegemônicas do
Maranhão – sua publicização ocorria, geralmente, de forma negativa: segundo Selektah
o reggae era sempre o lugar onde acontecia morte e violência‖.
(2009), ―
Nessa época, por causa do preconceito que os próprios veículos de comunicação
tinham, o reggae era discriminado também (e, talvez, consequentemente) pela sociedade em
geral, ficando o seu sucesso, via de regra, restrito às classes mais populares. No entanto, isso
não significa que o mercado regueiro já não estivesse funcionando a todo vapor, gerando
lucro aos donos de radiolas e promotores de festas, e conquistando um público cada vez
maior em toda a cidade.
A exceção nos maiores veículos de massa desse período é o Reggae Point, da rádio
Mirante FM: o programa, no ar desde novembro de 1987, não é vinculado a nenhuma radiola
e faz parte de uma emissora que integra o maior sistema de comunicação do Maranhão
(Sistema Mirante, pertencente à família Sarney, que tem, ainda, jornal impresso, rádio AM,
portal de notícias e televisão – esta última, afiliada da Globo). No início, o programa que
começou um ano depois do Reggae Night ter saído do ar, era apresentado por Tony Tavares –
que depois deixou a locução para se dedicar à carreira de cantor de reggae –, e hoje é
apresentado pelo DJ Waldinei.
125
A lista com os programas está disponível no site Reggae Total, <http://www.reggaetotal.com/radios.php>.
Acesso em 10 de janeiro de 2010.
145
4.1. O reggae que se vê na TV
“Vai curtir a Super Itamaraty, com Jean Holt, estremecendo tudo, a Musical Neto
Discos, que é a convidada de hoje, com Chiquinho Pedra, o Terror, e ainda os
cantores Mister Kleber, o jamaicano Sly Fox, ao vivo. Aquele churrascão liberado...
Olha aí, a galera do BF, curtindo todas... Enfim, e hoje você vai comer churrasco
liberado, num é Black Boy?”
“É... carne de primeira. Olha aí a galera do Pará!”
“Lelê, Roots! Aí ó, fã-clube Itamaraty, „sou Itamaraty de coração‟, linda gata! [...].
Daqui a pouco no Parque da Vila Palmeira, e o mais importante, não é Netinho? É
que esse ano toda produção, a Itamaraty Sonorizações, o deputado federal Pinto
Itamaraty, o apoio do deputado Alberto Franco, da Estrela do Som, a número 1, de
toda a comunidade regueira de São Luís do Maranhão, Alvorada Moto... tá
assistindo o programa, né? Sorteio de uma moto! Ó o som da moto aí Black Boy!
Ihuuu!”
“Ai, me tremo todo!”
“Minha amiga Patativa, da Madre Deus. Convidada também. Me confirmou que vai
marcar presença também. Vai ser lindo, daqui a pouco na Vila Palmeira! A partir
das duas da tarde, portões liberados.”
No dia 8 de setembro de 2008, o programa Itamarashow – que vai ao ar de segunda a
sexta, das 13h40 às 14h, na TV Difusora (afiliada do SBT) – foi especial sobre o aniversário
de São Luís e também sobre a festa, promovida pela radiola Itamaraty, que ia comemorar o
Dia Municipal do Regueiro (5 de setembro, instituído pela Lei Nº 4102/02, de autoria do
então vereador Pinto da Itamaraty). O apresentador Netinho Jamaica dividiu o cenário roxo e
azul (feito com fundo de cromaqui126) com o apresentador do programa de rádio Radiola
Reggae, Marcos Vinícius. O diálogo acima é iniciado por Vinícius. Enquanto eles falam,
imagens de várias festas de reggae vão ao ar e, conforme as pessoas vão aparecendo, eles vão
improvisando o que dizem.
Figura 45 - Marcos Vinícius e Netinho Jamaica. Reprodução do programa Itamarashow
126
Cromaqui é um fundo verde ou azul que permite a inserção de um cenário virtual através de um programa de
computador.
146
O Itamarashow é um programa de TV com roteiro – que inclui falar das festas, das
músicas, divulgar a agenda da radiola etc. –, mas sem script127, com expressões que foram
consolidando ao longo de anos uma linguagem própria do reggae das periferias a exemplo de
―
estremecendo tudo‖, ―
curtindo todas‖ e ―
marcar presença‖.
Há, portanto, um modo de falar, de se mexer e de se vestir que tem a ver com o jeito
de se comunicar e de se expressar daquele que apresentadores e DJs identificam como
regueiro. A maneira como os apresentadores de programas de TV especializados em reggae
se movem, agitam a mão, articulam expressões como ―
linda gata!‖ e ―
me tremo todo‖ é
inspirada e, ao mesmo tempo, inspira os frequentadores dos clubes. As roupas de marca de
surf que eles usam (que são das lojas patrocinadoras do programa, como Degraus Surf e
Marcelo Surf, por exemplo) são comumente observadas nos salões. O estilo deles influencia,
principalmente, o modo de se vestir dos jovens nos clubes populares, como fica demonstrado
na opinião do frequentador Francisco Costa (2009): ―
O jeito que eles [Netinho Jamaica e
Marcos Vinícius] se vestem é massa, né? É assim que regueiro se veste: camisa [da marca]
Pena, bermuda da hora, boné‖.
Aonde a ―
Caravana do Sucesso‖ vai, uma equipe do Itamarashow está lá com uma
câmera, uma luminária e um repórter entrevistando o público, os DJs, o proprietário e demais
funcionários da radiola. Faz parte do show a presença da câmera e dos holofotes. Também faz
parte, hoje, do funcionamento do mercado a veiculação das festas, dos DJs e da radiola em
programas especializados nos canais de televisão.
Como me explicou Vinícius (2009), os programas ―
martelam‖ na cabeça dos
espectadores determinadas músicas e festas, os nomes dos DJs e das radiolas, funcionando
como vitrine para expor os produtos das radiolas:
Nos programas deveria se usar melhor o espaço não só pra divulgação das festas,
mas pra falar da história, pra mostrar de onde vem essa cultura, pra não ficar
aquela repetição exagerada, que serve pra bater a divulgação da festa. Mas há um
desinteresse de quem é proprietário do espaço porque o que interessa é a
massificação da festa, que é repetitiva, cansativa. Mas o público aceita esse
formato, ele quer saber da festa. Esse formato é reforçado pela audiência enorme.
O depoimento de Vinícius evidencia o caráter comercial assumido pelos programas
de reggae, na medida em que privilegia a ―
massificação da festa‖ em detrimento da qualidade
e da diversificação do conteúdo informacional. Repete-se diversas vezes, em um mesmo
programa, a mesma informação para que o telespectador se convença de quem tem que ir a
127
Isso significa que os assuntos que são abordados são previamente acordados, mas não há um roteiro escrito
para ser lido. As palavras e frases que são ditas no ar são fruto da elaboração improvisada do apresentador.
147
determinada festa, como no Itamarashow do dia do aniversário de São Luís em 2008, quando
os apresentadores falaram dez vezes que a festa iria ser no Parque Folclórico da Vila
Palmeira, a partir das duas da tarde. A menção ao ―
churrasco liberado‖ também foi repetida
por cinco vezes, assim como os nomes dos cantores e do promotor do evento, Pinto da
Itamaraty.
Figura 46 - Swicher (cabine) de produção do programa Itamarashow. Arquivo: Leandro Ramos
No entanto, além de ver a agenda de shows, os frequentadores dos locais onde as
coberturas são feitas querem ―
se ver‖ na televisão. Já que nos telejornais das emissoras de TV
de maior audiência como a Mirante e a Difusora, o regueiro quase não tinha espaço, nos
vídeos dos programas específicos de reggae, comprados pelos empresários do ramo, era (e é)
possível ver muita gente dançando, acenando, mandando beijos e sorrindo para a câmera.
Utilizando as palavras de Martín-Barbero (2008, p. 269), ―
são as massas tornando-se
socialmente visíveis, configurando sua fome de ascensão a uma visibilidade que lhes confira
um espaço social‖.
O primeiro programa de reggae na TV ludovicense foi o Ilha Reggae, produzido pelo
radialista Luís Fernando e pelo colecionar Leandro Ramos. Segundo o pesquisador Rogério
Costa (2009, p. 11):
Surgiu em 1995, sendo veiculado nas manhãs de segunda a sábado, com o
propósito de aglutinar telespectadores em torno das programações dos clubes e
matérias especiais sobre esse gênero musical no mundo e na Jamaica brasileira. O
programa mostrava as festas que aconteciam através do quadro câmera jamaicana,
em que os fãs tinham possibilidade de acenar, exibir sua coreografia e alegria no
meio do salão de dança e o disc-jockey mostrava, com propriedade, sua
performance no comando da radiola [...]. O programa proporcionava contrariar a
visão crítica predominante de marginalidade e ambiente de perversões e consumo
livre de narcóticos e enfatizar a arregimentação de fãs que comungavam de opção
aprazível e de fora da grande mídia que é o reggae nos clubes da periferia.
148
Era, deste modo, a oportunidade que os frequentadores tinham de se ver e de ver uma
imagem positiva do reggae dos salões populares, como defende Luís Fernando (apud
COSTA, 2009, p. 12), sobre o Ilha Reggae:
Um programa para mostrar que existia o reggae e que a massa regueira era grande
e muito forte. Embora o importante papel do rádio na consolidação do movimento
na cidade, mesmo assim muita gente ainda desconhecia; tinha uma aversão à ideia
de uma festa de reggae. Ouvir o som de radiola ou as luzes que indicavam a
realização de festas já era motivo de susto pra muitos. As imagens da câmera
jamaicana ajudaram e muito tanto ao regueiro se identificar como regueiro, negro,
lutador e à sociedade que desconhecia o reggae, que se embasava somente nos
preconceitos exibidos nas páginas policiais dos jornais.
A comunicação mediática é um dos elementos de configuração da sociabilidade
contemporânea, na medida em que altera o modo de estar, perceber e pensar o mundo.
Principalmente a televisão influencia a forma como as pessoas percebem a realidade
(THOMPSON, 2001). Por isso, o fato de o frequentador dos salões de reggae se ver na
televisão contribui para que ele perceba o reggae de outra forma, embora ele já tenha uma
visão sobre o fenômeno construída a partir de sua experiência nos clubes. Isso significa que a
experiência mediada – ver o reggae pela TV – modifica a forma como ele vivencia o reggae
no seu dia-a-dia.
Esta influência exercida pela mídia nas sociedades contemporâneas ocorre,
sobretudo, em virtude de seu poder simbólico: ela tem a capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos, de influenciar as ações dos outros e produzir eventos por meio da produção e
da transmissão de formas simbólicas (Idem, 2001). No entanto, é importante ressaltar que a
comunicação mediada é um fenômeno que ocorre dentro de um contexto histórico-social.
Desta maneira, há uma mão dupla na construção social: ―
Por um lado, a sociedade e os meios
de comunicação ajudam a moldar a consciência. Por outro lado, [...] os homens e as mulheres
constroem e constituem coletivamente os fenômenos sociais (TUCHMAN, 2002, p. 91).
Partindo dessa perspectiva, podemos dizer que os programas televisivos específicos
sobre reggae ajudam o telespectador a construir uma concepção do fenômeno, mas também
são influenciados pelas formas de percepção do reggae dos frequentadores, dos fãs e de quem
produz esses programas os quais, embora marcados por interesses financeiros, são fruto de um
modo de ver e de entender a dinâmica do reggae.
Esses programas, no entanto, têm um público relativamente específico:
frequentadores dos clubes populares de reggae e fãs das radiolas. Portanto, pouco contribuem
para modificar a visão preconceituosa que grande parte da população da cidade ainda tem do
ritmo, de seus apreciadores e dos locais onde as festas acontecem (VINÍCIUS, 2009).
149
4.2. A expansão do reggae nos meios de comunicação de massa ludovicenses
“O reggae, até mais que o bumba-meu-boi, vende mais discos, vende moda, vende
comportamento. E aí, a mídia alimenta a massa regueira e a massa ganha mais
espaço, mesmo que permaneça no mesmo lugar.”
Luiz Carlos Cordeiro128
Em meados dos anos 1990, início dos 2000, quando o reggae (ou parte do reggae:
bandas, DJs e bares, cujo público está, principalmente, nas classes médias) começa a não ser
mais culturalmente discriminado – o que é ―
socialmente periférico‖ passa a ser
―
simbolicamente central‖ (VIDIGAL, 2008, p. 31) – e vira moda mesmo entre as classes
sociais mais altas da capital maranhense, as emissoras de televisão e os jornais de maior
importância e circulação do estado modificaram o recorte do reggae enquanto notícia. Se, no
início, ele muito mais aparecia nas páginas policiais – e os clubes de reggae como locais onde
crimes aconteciam (SELEKTAH, 2009) –, hoje, aparece na mídia como um fenômeno que
identifica o Maranhão diante do Brasil e do mundo.
É comum verificar nos textos das matérias produzidas sobre reggae referências a São
Luís como ―
Jamaica brasileira‖. Além disso, a paixão do maranhense pelo reggae é quase
sempre exaltada e exibida com orgulho. Isso, é claro, ajuda a construir no imaginário do
ludovicense a noção de identificação cultural com o ritmo, pois, nos meios de comunicação
―
não apenas se reproduz ideologia, mas também se faz e refaz a cultura das maiorias, não
somente se comercializam formatos, mas recriam-se as narrativas nas quais se entrelaça o
imaginário mercantil com a memória coletiva‖ (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 63).
Todavia, a forma como o reggae é apreendido pelos veículos de comunicação é
quase sempre estereotipada e embasada, às vezes, em preconceitos. Por exemplo, no
―
Documento Especial: Maranhão em ritmo de reggae‖, exibido em 1991, pela extinta TV
Manchete, o locutor ―
começa lamentando que no Maranhão ‗os maiores sucessos são sempre
importados da Jamaica‘, qualificando tal situação de ‗distorção cultural‘, pois o Brasil seria
‗um dos países mais ricos em matéria de gêneros musicais‘‖ (VIDIGAL, 2008, p. 124), o que,
para Vidigal (Idem, p.126), desqualifica a prática dos maranhenses, sugerindo que estes fazem
somente a transposição do reggae da Jamaica para o Maranhão, aparentemente vazio de
sentido e de dimensão cultural.
É importante pontuar que os meios de comunicação de massa ajudam a sedimentar
aquilo que as pessoas entendem como a realidade social. Bucci (2000, p. 32) pensa na
128
Jornalista, editor-chefe do JMTV 1ª Edição, da TV Mirante. Entrevista em 8 de janeiro de 2010.
150
televisão brasileira como um veículo de manutenção dessa realidade e do status quo. Assim,
―atelevisão reproduz a exclusão social e o preconceito de classe à medida que a integra. Ao
mostrar o Brasil, ela falsifica o Brasil e, portanto, esconde o Brasil. É a regra do jogo‖.
Isso significa que, mesmo mostrando o reggae, a televisão ludovicense (não os
programas arrendados, mas os telejornais e programas culturais das emissoras de maior
audiência), o mostra escondendo vários de seus aspectos e jogando luz apenas no que
interessa, quase sempre de modo estereotipado e imbricado de pré-noções.
O que interessa? De que maneira e a quem interessa a publicização do reggae nas
televisões de maior audiência?
Buscando
algumas possíveis respostas,
analisei reportagens e entrevistas
relacionadas a reggae, exibidas na TV Mirante e na TV Globo, entre os anos de 2006 e
2009129. Somente em 2006, o reggae maranhense teve quatro inserções na TV Globo, quase
todas motivadas pelo agendamento130, como, por exemplo, no dia em que a morte de Bob
Marley completou 25 anos (11 de maio): foram exibidas duas matérias sobre a influência do
cantor na capital maranhense (uma no Jornal da Globo e outra no Jornal Hoje). Diz o texto da
reportagem do Jornal Hoje: ―
Na capital brasileira do reggae é difícil não ser seduzido por esse
ritmo envolvente. Mesmo as gerações que nasceram ouvindo rock foram conquistadas pelas
canções que Bob Marley tornou universais‖. Esse trecho demonstra a utilização de frases
feitas (―
capital brasileira do reggae‖) e a generalização do que está sendo noticiado (como se
todas as gerações que gostavam de rock passassem a gostar das músicas de Bob Marley; o
próprio termo ―
gerações‖ já é generalizante).
O Jornal da Globo também mostrou o reggae em uma escadaria do Centro Histórico
de São Luís, no dia 10 de março de 2006, durante uma série de tomadas ao vivo sobre a
musicalidade na noite das capitais do Nordeste.
No carnaval, o Jornal Hoje divulgou o reggae de São Luís, em uma matéria sobre a
novidade de se ter um bloco só de reggae entre centenas de blocos de carnaval de rua. A ideia
central da matéria pode ser sintetizada na passagem131 da repórter Viviane Medeiros, do dia
129
Decidi analisar apenas uma emissora, ao invés de tentar abarcar um universo maior de programas televisivos,
por acreditar que seria mais interessante fazer um estudo mais aprofundado, decupando todas as reportagens que
foram feitas em quatro anos em um canal de TV, do que analisar algumas matérias avulsas de várias emissoras.
Sendo assim, embora tenha assistido e analisado algumas reportagens de telejornais de TVs como a Difusora,
Cidade e TVE, escolhi a TV Mirante/TV Globo por se tratar do canal de maior audiência no Maranhão: na
―
participação‖ – percentual em relação aos domicílios com televisores ligados – medida em maio de 2007 pelo
Ibope, os telejornais JMTV 1ª Edição e 2ª Edição apresentaram pontuação de 67 e 64, respectivamente. Além
disso, pelo fato de ser funcionária da emissora, tive acesso facilitado ao arquivo da TV.
130
Agendamento é o que se chama na linguagem jornalística de ―
gancho‖, ou seja, um fato que faça com que
determinado assunto seja destaque a ponto de virar notícia.
131
A passagem é a parte da reportagem em que o repórter aparece.
151
27 de fevereiro de 2006: ―
O reggae é um dos ritmos mais populares de São Luís. Tanto que a
cidade ficou conhecida como a Jamaica brasileira. Os sucessos de Bob Marley e Peter Tosh
estouraram na década de 70. Mas nas ruas, durante o carnaval, reggae é novidade‖.
Destarte, foi no ano de 2006, que o reggae maranhense teve maior inserção na TV
Globo, por causa desses dois acontecimentos: 1) a primeira vez que se viu nas ruas de São
Luís um bloco de reggae no Carnaval, com trio elétrico, show da banda Tribo de Jah e
discotecagem de radiolas; 2) os 25 anos da morte de Bob Marley. Naquele ano, o reggae
apareceu o mesmo tanto de vezes que o bumba-meu-boi, considerado uma das maiores
expressões da cultura popular do Maranhão.
Mas por que São Luís foi a cidade escolhida para produzir essas reportagens sobre o
aniversário da morte de Bob Marley, já que o jamaicano é ídolo em todo o país? De acordo
com a coordenadora do Núcleo de Rede da TV Mirante, Eveline Cunha (2010):
É por causa de toda a representação que ela [a morte de Marley] tem pra uma
parcela da população maranhense, como ela mexe com a vida do povo
maranhense. É que pra lembrar a morte de Bob Marley, o maranhense interdita
ruas, liga as radiolas, faz uma grande festa e isso é novidade pra quem está fora
daqui. Logo o público telespectador de um jornal que passa no Brasil inteiro e em
outros países, é interessante porque tem a dança, a paixão das pessoas pelo ídolo, o
jeito de dançar... E é verdadeiro porque acontece todo ano.
É, sobretudo, a novidade que faz com que o reggae ludovicense seja notícia
nacional. O reggae que interessa, portanto, é aquele que diferencia a cidade das demais
localidades do país, como explica Cunha (2010):
O reggae é um dos nossos grandes diferenciais quando vamos mostrar a parte
cultural do Maranhão e por isso tem uma boa aceitação na Rede [Globo]. Porque,
se analisarmos pelo conceito de que notícia é aquele fato que saiu da normalidade,
o fato do maranhense gostar muito da música jamaicana é uma boa notícia quando
o normal seria gostar da música produzida aqui. Sem contar que se a gente for pela
aquela ideia de que notícia é uma novidade, verdadeira e interessante, o assunto
reggae aqui no Maranhão está sempre virando notícia, pois a cada dia temos novos
grupos, coreografias, boas histórias envolvendo o assunto.
São, portanto, as peculiaridades do reggae em São Luís, que fazem com que a TV
Mirante produza, constantemente, matérias relacionadas ao ritmo para serem veiculadas na
Rede Globo e tenha, inclusive, prioridade para fazê-las em São Luís (à frente de emissoras de
outras cidades onde também há movimentos significativos, como Salvador, por exemplo), em
virtude da diversidade de abordagens, do número de pessoas que se mobilizam em torno do
fenômeno (além de milhares de apreciadores, há grupos de dança, muitas bandas, cantores,
DJs, produtores, colecionadores e pesquisadores que se dedicam especialmente ao reggae) e,
152
é claro, do cognome ―
Jamaica braseira‖, que torna a capital do Maranhão a cidade mais
legítima para falar de reggae, do ponto de vista midiático.
Entre os anos de 2006 e 2009, foram 11 matérias exibidas na TV Globo sobre o
reggae ludovicense. Na TV Mirante, foram cerca de 160 inserções relacionadas a reggae em
quatro anos, média de uma matéria ou entrevista ao vivo por semana, além da Agenda
Cultural que divulga o roteiro das festas e vai ao ar nas sextas-feiras, no JMTV 1ª Edição, ao
meio-dia. Na Agenda, toda semana, há dicas dos bares e das festas de reggae, mas
predominantemente daquelas voltadas principalmente para a classe média, ficando muitas
vezes de fora as festas nos salões populares. Segundo o editor-chefe do JMTV 1ª Edição –
que produz e edita a Agenda Cultural –, Luiz Carlos Cordeiro (2010):
Não há qualquer tipo de preconceito na Agenda Cultural. Pelo contrário,
queremos que ela seja o mais abrangente possível. Assim como divulgamos o
reggae do Bar do Nelson, do Creóle Bar e do Chama Maré, no Calhau, Lagoa e
Ponta D´Areia – os que seriam frequentados pelas classes média e alta –
também costumamos divulgar as festas no Verona Clube da Vila Fialho, no
Clube CB 450 da Vila Embratel, no Clube do Bento e Espaço Aberto, no São
Francisco, e de outros bares na Cidade Operária, São Cristovão, Anjo da
Guarda, etc. [...]. Ocorre que bares como do Nelson, Creóle e Chama Maré
enviam dicas semanalmente, e os demais não. E, mesmo assim, tentamos evitar
que eles sejam citados em agendas seguidas, pra não cair na repetição. Talvez haja
o "preconceito" dos próprios promotores das festas realizadas em clubes da
periferia, achando que não adianta mandar a dica porque não vai ser
divulgada. Queremos mais é que eles mandem!
Quer seja por uma ideia pré-concebida dos promotores dos eventos ou por falta de
interesse em divulgar os eventos na Agenda da TV Mirante – uma vez que parte das radiolas
que promovem as festas nas periferias têm seus próprios veículos de comunicação e, ainda,
pelo fato de talvez, acreditarem que o público interessado nas festas populares não assista o
telejornal da Mirante e sim o programa específico sobre reggae – o fato é que as festas
publicizadas na Agenda Cultural da TV Mirante são predominantemente aquelas feitas pela e
para as classes média e alta.
4.3. O reconhecimento da “Jamaica brasileira” pela TV Mirante
“Nas fachadas, a lembrança do passado português. Mas é só entrar num desses
sobrados pra ter a sensação de estar na Jamaica. Das cores da bandeira à imagem
de um ídolo reverenciado como poucos em São Luís. Aqui, Bob Marley ainda está
vivo [som da música]. É a música dele que embala os fãs do reggae nos clubes da
cidade, como se ainda estivéssemos nos anos 70”.
153
É possível imaginar a cena se passando na TV: A câmera faz uma panorâmica
mostrando os azulejos portugueses dos casarões do Centro Histórico de São Luís; depois,
entra em um dos sobrados acompanhando os passos da repórter. É ela quem nos aponta
elementos referentes ao reggae nas paredes do prédio onde funciona um bar: uma bandeira
nas cores vermelha, verde, amarela e preta, com a imagem de Bob Marley pintada no meio. A
câmera, no entanto, ultrapassa a repórter e finalmente nos revela de onde vem a música que
se ouve desde o início da cena: há uma banda, num pequeno palco, tocando ―
Three Little
Birds‖, sucesso do ícone maior do reggae internacional.
O texto da repórter Viviane Medeiros é de uma matéria para o Jornal da Globo, do
dia 11 de maio de 2006. A reportagem, exibida na data do aniversário de 25 da morte de Bob
Marley, abordou a influência do cantor na capital do Maranhão. As imagens são coloridas: os
cantores estão vestidos ―
à caráter‖, assim como a decoração interna do casarão histórico; as
pessoas do público entrevistadas têm o estereótipo do tradicional regueiro, com dreads no
cabelo, boina e roupas nas cores do reggae. A reportagem mostra, ainda, Natty Naifson como
um colecionador de vinis de reggae que já foi mais de trinta vezes na Jamaica, e outra banda
maranhense gravando em um estúdio. Diz o texto, enquanto o grupo toca e a câmera faz um
passeio pelos instrumentos e integrantes, por último, procura se fixar na tela de um
computador:
E o que dizer do reggae cujo principal instrumento é o computador? É assim, com
ajuda da tecnologia, que os fãs mais jovens de Bob Marley estão fazendo reggae.
Música eletrônica com a batida suave do ritmo jamaicano é o que mais se ouve
nos clubes de São Luís.
O objetivo da reportagem é, não só mostrar que São Luís é realmente a cidade do
Brasil onde o reggae de Bob Marley tem maior influência – na medida em que configura um
contexto onde músicos, colecionadores e, principalmente, o público e os consumidores
ludovicenses são apaixonados pelo ritmo que veio da Jamaica –, mas sugerir que na capital
maranhense o reggae jamaicano dos anos de 1960 e 1970 sobrevive através de uma constante
reconstrução e reconfiguração feita pela ―
nova geração‖ de fãs.
Partindo, implicitamente, de um conceito de cultura enquanto um processo de troca
mutável, dinâmica e adaptável, que precisa se renovar para continuar fazendo sentido para
aqueles que estão inseridos em seu contexto, a reportagem apresenta com entusiasmo o
resultado das inovações tecnológicas. Apesar de ser criada uma breve discussão sobre as
consequências das mudanças na música trazidas pela tecnologia, na matéria, é a ―
novidade‖
em si que empolga. A reportagem caminha, portanto, para uma apologia a Bob Marley,
154
ressaltando seus ensinamentos e mensagens de amor e paz: ―
Opiniões à parte, há pelo menos
uma certeza entre os discípulos do mestre. Os ensinamentos dele continuam atuais, fontes de
inspiração para as novas gerações‖. E encerra com duas sonoras132 de jovens músicos locais:
―
Ele deixou um legado bacana, que é essa questão da luta contra a desigualdade social e a
gente continua fazendo esse tipo de música‖; ―
E a gente acha que se essa mensagem não for
ouvida aqui, ela vai ser ouvida em algum lugar‖.
Em um contexto onde o discurso da valorização das identidades culturais ganha
relevo na mídia ludovicense, é comum verificar nos textos das matérias produzidas sobre
reggae referências a São Luís como ―
Jamaica brasileira‖ ou ―
capital brasileira do reggae‖.
Nas diversas ―
vozes‖ que aparecem implícita e explicitamente nas reportagens analisadas
entre 2006 e 2009, o reggae é legitimado e nunca contestado, desde o discurso dos produtores
dos textos
133
, até o dos especialistas ouvidos (antropólogos, pesquisadores, colecionadores
etc.), fãs e público em geral, músicos, donos de radiolas, entre outros. Cada personagem, em
seu lugar de fala, contribui para a construção da representação do reggae enquanto prática
social legitimamente maranhense.
No carnaval de 2006, em meio a centenas de blocos que tocavam marchinhas e
músicas de carnaval, um volumoso bloco invadiu o circuito tocando somente reggaes
jamaicanos e nacionais, com brincantes usando boinas e abadás nas cores verde, vermelho e
amarelo. Foi isso que mostrou a matéria sobre o bloco do reggae em São Luís, exibida no
Jornal Hoje, que se encerrava assim: ―
Este grupo de dança afro estreou no circuito
carnavalesco com coreografia e música ao vivo. E transformou a festa mais popular do Brasil
num grande baile jamaicano‖.
Em 2009, outra matéria foi feita para a TV Globo, sobre o bloco do reggae no
carnaval ludovicense. Entretanto, naquele ano, o bloco estava vazio, com não mais de trinta
pessoas dentro da área delimitada pelo cordão de isolamento134. Em virtude disso, a
reportagem de Honório Jacometto enfocou nas coreografias dos dançarinos do bloco (que são
do Grupo de Dança Afro Malungos – GDAM), na peculiaridade do ritmo jamaicano em
pleno carnaval e na presença dos turistas, que tiravam fotos da apresentação do bloco. As
imagens da matéria eram propositadamente fechadas (mostrando detalhes dos dançarinos: as
132
Sonora em uma reportagem é um trecho editado da entrevista de terceiros.
Aqui se fala de todos os produtores do texto telejornalístico, que começa na produção da pauta, passa pelo
trabalho do repórter, do cinegrafista e do iluminador, e é concluído na edição de texto e de imagens.
134
O carnaval de rua em 2009 teve bem menos movimentação que o de 2006. Portanto, o pequeno número de
brincantes não era um problema específico do bloco do reggae, mas do carnaval em geral, cujos motivos não
cabem a este trabalho.
133
155
tranças no cabelo, os pés fazendo passos de reggae etc.) para não transparecer que o bloco
estava vazio. Dizia o texto:
É um carnaval pra todos os gostos e estilos musicais. Aqui em São Luís –
conhecida como a Jamaica brasileira – é o reggae que predomina nas ruas
históricas. "Aqui é alma de todo regueiro, todo regueiro se encontra aqui"
(dançarino do bloco de reggae, sem crédito). Trancinhas no cabelo. Coreografia
lenta. Passo marcado. É o estilo rastafari. Com dança sensual e corpo coladinho.
"É a mistura perfeita: carnaval, reggae. Tudo junto. Maravilha!" (turista, sem
crédito) (Matéria do Jornal Hoje, 23 de fevereiro de 2009).
Figura 47 - Dançarina do Bloco do Reggae em 2009. Reprodução da TV Globo
Assim, a TV Globo mostrou o acontecimento exibindo o que interessava – a beleza e
as particularidades do reggae no carnaval de São Luís –, omitindo aquilo que poderia
―
enfraquecer‖ a matéria – a pouca quantidade de pessoas.
4.3.1 O dito e o não dito
O discurso das matérias sobre reggae feitas para serem exibidas em rede nacional é
relativamente semelhante ao discurso das matérias locais. Nelas, o tom do (a) repórter é de
alegria e de vibração. A diferença está na maior contextualização do reggae enquanto prática
social em São Luís. Ora, ―
um discurso não é delimitado à maneira de um terreno, nem é
desmontado como uma máquina. Constitui-se em signo de alguma coisa, para alguém, em um
contexto de signos e de experiências‖ (MAINGUENEAU, 1997, p.34).
Assim, como a identificação com o reggae não faz parte do dia-a-dia, da experiência
de todos os brasileiros, as reportagens exibidas pela TV Globo se preocupam em sempre
justificar, explicar e reafirmar a cultura do reggae no Maranhão. Já as matérias feitas e
exibidas na TV Mirante tratam do reggae com o mesmo discurso de reconhecimento à sua
importância cultural no Maranhão, entretanto, geralmente, não têm a contextualização maior
do reggae enquanto fenômeno musical e cultural. Em uma matéria exibida no dia 7 de
156
dezembro de 2006, o repórter Elbio Carvalho apresentou uma nova banda no cenário musical
da cidade: ―
A banda tem como missão fortalecer o movimento regueiro da Ilha com a magia
do reggae roots. Um som introduzido na capital maranhense há décadas e que até hoje
embala a massa regueira‖. A contextualização nas matérias é, desta forma, feita quase
sempre a partir de jargões e estereótipos, além de ser generalizante, como na abertura do
programa Repórter Mirante, de 24 de maio de 2008:
Conhecida como Jamaica brasileira, São Luís reúne milhares de fãs do reggae.
Nas apresentações de radiolas, em shows de bandas locais e programas de rádio.
Para todos os fãs, Bob Marley é o rei do ritmo jamaicano. O Repórter Mirante foi
em busca dos seguidores da herança musical e das mensagens de amor e paz de
Bob Marley. E mostra admiradores apaixonados e colecionadores de preciosidades
do mundo do reggae.
Dizer que para todos os fãs de reggae Marley é o ―
rei‖ é uma generalização, uma
vez que existem apreciadores de reggae em São Luís que preferem cantores como Gregory
Isaacs ou Eric Donaldson, por exemplo, além de muitos outros que gostam mais de reggae
eletrônico, bem posterior ao tipo de música feita por Bob Marley.
No entanto, mais importante do que observar o que é dito nas matérias jornalísticas
sobre reggae em São Luís, é analisar como é dito (PINTO, 2001). O texto na TV reúne a
palavra oral, o som e a imagem, e cada um tem um discurso que pode ser interpretado. O
conteúdo do que é dito é expressado nas transcrições dos offs135, das passagens e das sonoras
das reportagens. Mas é preciso ter clareza de que o discurso colocado pela televisão é
múltiplo e, por isso, mais complexo e difícil de ser estudado. Interessa perceber o tom da
leitura do (a) repórter (bem ―
para cima‖), a edição de imagens que corta determinada cena em
detrimento de outra que expresse melhor a ―
identidade do reggae‖, o BG136 que traz músicas
famosas de Bob Marley para agradar os ouvidos do telespectador (pois aquilo que é mais
conhecido e reconhecido é mais facilmente aceito), a escolha de determinado ângulo pelo
cinegrafista, entre outras tantas variáveis.
Outro aspecto fundamental é notar o não dito, como o fato de a TV Mirante por
vezes negligenciar o reggae de radiola (não aquele da radiola Vibration Sound, por exemplo,
que toca em bares e clubes de classe média e alta, mas o das radiolas ―
tradicionais‖, tocado
nos clubes de periferia da cidade). O não dito é, assim, a massa regueira e as radiolas,
embora essas expressões sejam comumente usadas nos textos das matérias da TV
Mirante/Globo. A ―
massa regueira‖ – os fãs de reggae na periferia de São Luís – e o
135
Off é o texto escrito pelo repórter. Junto com as sonoras e a passagem completa-se a reportagem editada.
BG é a abreviatura de background. Do inglês, fundo ou segundo plano. No áudio das tele-reportagens é
utilizado para descrever o som em segundo plano.
136
157
funcionamento e a agenda das radiolas que percorrem os clubes da cidade, são ocultados na
medida em que o recorte feito pela TV não encaixa essa face do reggae. Quando as
expressões ―
radiola‖ e ―
massa regueira‖ fazem parte das reportagens da TV Mirante/Globo,
elas são utilizadas, muitas vezes, de forma romântica e superficial. Assim, na Mirante,
enquanto a massa regueira são os milhares de fãs do reggae, sem distinção de cor, idade ou
classe social (é tratada como massa mesmo, no sentido de homogeneidade), a radiola é o
peculiar paredão de caixas de som que embala os regueiros. Nas reportagens, o som é feito
por bandas ludovicenses ou pela inserção de BGs com músicas de Bob Marley, mas a
imagem é de um paredão de radiola. Assim, a TV se apropria do imagético da radiola (pois
impressiona, pela quantidade de caixas de som e pelas cores e luzes da aparelhagem) e do
jargão ―
massa regueira‖, mas não exibe nem o som das radiolas, nem o público frequentador
dos clubes da periferia.
Isso significa que, apesar de mostrar ―
o‖ reggae ludovicense, a televisão omite parte
significativa desse reggae; apesar de dar visibilidade ao ritmo, não diminui a discriminação
contra os frequentadores dos clubes da periferia, que o constroem e o constituem, como
pontua Cordeiro (2010):
Acho que, quando se fala de reggae, o tipo de cobertura depende muito do fato e
da linha editorial de cada órgão da imprensa. Se é um crime, uma briga, por
exemplo, num clube de reggae da periferia, isso costuma ganhar destaque nas
manchetes. Associa-se o fato ao ambiente e à classe social que o frequenta. Se, no
entanto, isso ocorre em um clube ou em uma boate das áreas nobres, frequentadas
por pessoas das classes média e alta, muitas vezes o nome do local e dos
personagens envolvidos são ocultados. Algumas vezes, nem vira notícia! O
contrário também ocorre. Nem sempre uma banda ou um show de reggae que lota
um clube da periferia ou o Parque da Vila Palmeira, por exemplo, recebe o
merecido destaque, mas a repercussão é garantida por alguns jornais e emissoras
de televisão se o evento tiver como palco a boate Flamingo ou a Lagoa da Jansen.
Associando a violência à classe social que frequenta o local onde o fato violento
ocorreu, a imprensa – da qual fala genericamente Cordeiro – narra um acontecimento a partir
de preconceitos de classe e de cor, uma vez que expressiva parte da população mais pobre da
cidade é negra. Assim como o mesmo fato violento ocorrido em um local frequentado pela
classe média ganha outro modo de visibilidade ou nem ganha visibilidade.
Citando um exemplo, em 2009, quando o Ministério Público do Maranhão realizou
durante vários meses uma operação denominada ―
Manzuá‖, que fechou diversas casas de
show e bares de São Luís, por desrespeitarem o limite máximo da altura do som permitido
por lei, a TV Mirante mostrou a interdição do clube Toca da Praia (popular), mas não fez a
cobertura da blitz que fechou o Bar do Nelson (voltado para classe média). A reportagem de
158
Mayrla Lima, exibida no dia 11 de maio de 2009, mostrou a ação do Ministério Público,
acompanhado de dezenas de policiais militares:
A Operação Manzuá é realizada na capital maranhense há quatro meses e
continuou no domingo. Este clube de reggae na Ponta D´Areia foi fechado. No
local, os peritos constataram que o volume do som era de 110 decibéis, o dobro do
permitido por lei.
―
Há muito tempo recebemos reclamações, abaixo-assinados e temos até ações
civis públicas por causa do alto nível de poluição sonora. Tínhamos que agir‖
(Cláudio Guimarães, promotor de Justiça de Investigações Criminais).
O público que estava no clube teve que ser retirado pela polícia. O responsável
pelo estabelecimento foi detido. E o alvará de funcionamento foi cassado pelo
Corpo de Bombeiros.
Cerca de quinhentas pessoas estavam no Toca da Praia naquela tarde de domingo, no
momento da operação. Apesar de no texto, a repórter afirmar que ―
o público que estava no
clube teve que ser retirado pela polícia‖ (grifo meu), as imagens mostraram que a ação da
polícia não foi fisicamente violenta com os frequentadores, e estes (que receberam o dinheiro
da entrada de volta pela direção) saíam reclamando, mas sem resistir às ordens da Polícia. A
reportagem deu voz ao promotor que estava à frente da ação e a um sargento da Polícia
Militar, mas não ouviu ninguém do público, nem da organização da festa, o que parece
configurar a adoção de uma postura parcial – da ―
voz oficial‖ – em favor do Ministério
Público e da Polícia. Em entrevista ao jornal O Estado do Maranhão do dia 11 de maio de
2009, Luís Ferreira, o Ferreirinha da Estrela do Som, responsável pelo clube, disse: ―
Nós
estávamos a 60 decibéis, nível um pouco acima. Eles mediram aqui dentro da casa e não lá
fora, como deve ser feito‖.
Enquanto detentor de um poder simbólico, o jornalista pode dar visibilidade ao que
ainda não foi percebido e ao que não é de conhecimento público, ―
traduzindo‖ os
acontecimentos. Mas, ao elaborar uma notícia, o faz de acordo com seu modo de ver, dentro
de uma angulação escolhida por ele (entre tantas outras possíveis), baseado em critérios de
noticiabilidade137 e na linha editorial do veículo de comunicação para o qual trabalha,
mediando as inúmeras falas (inclusive, a dele próprio). ―
Os jornalistas são participantes ativos
na definição e na construção das notícias, e, por consequência, na construção da realidade‖
(TRAQUINA, 2002, p. 14). Sendo assim, a produção da notícia tem base no acontecimento,
mas, como o jornalista não consegue abarcá-lo inteiramente e como o fazer jornalístico possui
137
Segundo Rodrigues (1990, p. 101), os critérios de noticiabilidade podem ser resumidos em: 1) relevância
social – a notícia deve significar algo importante para um considerável número de pessoas integrantes de um
público amplo, disperso e diferenciado; 2) interesse público – ligado à importância e qualidade da informação; 3)
imprevisibilidade – um fato que foge da normalidade e não era previsto, e ocorre por excesso (algo que
ultrapassa os limites do comum) ou por falha (algo que deveria estar funcionando normalmente, mas não está).
159
outras dimensões que envolvem aspectos econômicos, políticos etc., não é o fato puro e
simples que é noticiado, e sim o resultado de um complexo jogo de interesses e visões de
vários agentes/instituições que procuram (re)elaborar a realidade.
Assim, omitindo as vozes de alguns dos lados da questão, a matéria sobre a Operação
Manzuá da TV Mirante veiculou uma realidade recortada de maneira que tanto o clube quanto
os frequentadores foram, de certo modo, marginalizados.
No entanto, é importante considerar que, em quatro anos, de todas as reportagens que
envolviam o tema reggae, somente algumas sobre a Operação Manzuá apresentaram o reggae
dentro de uma perspectiva negativa, ligada à ilegalidade (no caso, o som mais alto que o
permitido). Em todas as outras matérias da TV Mirante, entre 2006 e 2009, o reggae aparece
como um ritmo, um estilo de vida, um modo de ser do maranhense, exibido com orgulho e
como parte da identidade da cidade.
A visibilidade maior do reggae hoje na mídia ludovicense pode ser explicada (entre
outros fatores) pelo fato de o reggae, na atualidade, ser um fenômeno diversificado. Hoje, o
reggae, que emergiu em São Luís na década de 1970 como um fenômeno de periferia, foi
capitalizado, consolidado enquanto um produto de mercado e customizado para os mais
diversos gostos e fatias sociais. A partir do momento em que o reggae deixou de estar ligado
somente àquilo que é pobre, que é violento, que vem de fora como uma invasão cultural, ele
passou a conquistar espaços mais significativos na mídia, a qual o ressignificou, passando de
uma visão que tendia a ser negativa para uma visão positiva do reggae, como é possível
verificar nos trechos das seguintes reportagens: ―
Na terra que importou da Jamaica o ritmo e
deu um tempero maranhense, criando o reggae agarradinho, as lições de Bob Marley
passaram de geração a geração‖ (Werton Araújo, 12 de maio de 2006); ―
As mensagens de paz
e de amor que o jamaicano semeou mundo afora nos anos setenta ainda soam atuais. E estes
jovens querem continuar o trabalho que o mestre começou‖ (Viviane Medeiros, 10 de maio de
2006); ―
A música original da Jamaica chegou à capital maranhense pra ficar. São mais de 30
anos de uma paixão que faz pulsar o coração dos regueiros‖ (Werton Araújo, 17 de março de
2007); ―
O reggae chegou ao Brasil na década de setenta e entrou no dia-a-dia de São Luís. A
capital dos azulejos se consagrou como a Jamaica brasileira. Aqui, as radiolas de reggae
embalam as noites. Bem agarradinhos, os casais aproveitam cada minuto das músicas‖ (Luiz
Felipe Falcão, 02 de fevereiro de 2009).
O reggae publicizado pela TV Mirante/Globo é, portanto, quase sempre, o reggae
―
bonito‖, que tem como ícone Bob Marley, é o reggae de universitários, das classes mais
abastadas e de turistas. É o reggae da ―
Jamaica brasileira‖, dos regueiros que usam boinas
160
com as cores do reggae, que dançam ―
agarrado‖, que curtem a filosofia rasta. É um reggae
estilizado ou mesmo estereotipado. Mas também pode ser um reggae que opera
transformações sociais na periferia, como mostra a reportagem de Regina Souza, feita em
janeiro de 2010, para o programa Mais Você, da TV Globo:
O quarto é o cantinho predileto de Laura Jordiele. E o livro, uma das suas grandes
paixões. ―
As minhas duas paixões são o livro e o reggae. Eu leio tudo, os livros
didáticos, os paradidáticos, são livros da minha mãe que ela faz Pedagogia. Me
ajudam a melhorar a minha forma de falar, ajudam na escola‖ (Laura).
A dedicação da menina, de 12 anos, é um dos motivos de orgulho para Vitória.
―
Ela adora ler. E isso é muito bom, ajuda a desenvolver a linguagem dela, a
melhorar o desempenho na escola." (Mãe de Laura).
O sorriso largo... as passadas longas e firmes levam Johnathan, de 11 anos, a casa
26, da Rua do Peixe, na Liberdade. O bairro é um dos mais violentos da capital
maranhense, mas também é reduto do reggae por aqui. Johnathan se encontra com
Laura e com tantos outros meninos e meninas. No local funciona a sede da
companhia "Garotinhos Beleza", um grupo de dança que leva o reggae para o
carnaval de rua em São Luís.
Jordman deu os primeiros passos para formar a companhia de reggae há 16 anos.
Ele começou a ensinar os filhos. Hoje o grupo tem 40 crianças e adolescentes e faz
o maior sucesso no carnaval. ―
Eu tive a ideia de fazer um bloco de reggae porque
eu vi que no Maranhão não tinha um bloco de reggae no carnaval‖ (Jordman
Silva).
Só que dançar não é a única tarefa dessa turminha que tem entre 8 e 17 anos.
(Passagem da repórter): ―
Para ser um Garotinho Beleza, primeiro eles passam por
uma seleção: prova de matemática e de português. Para permanecer no grupo, eles
precisam ter boas notas no boletim. É aí que entram as aulas de reforço. A sede do
grupo vira sala de aula‖.
A ideia do reforço escolar foi de Vitória, a mãe de Laura e coordenadora da
companhia. Cansada de ver as crianças do bairro nas ruas, fez uma proposta:
―
Educar através da dança. Porque é algo que eles gostam – de dançar. Então
vamos fazer essa troca? Dançar educando. Nós visitamos as escolas para saber
como eles estão nas escolas. Para eles sentirem que nós também temos
responsabilidade por eles‖ (Maria Vitória Costa).
Quando Johnatan entrou para a companhia tinha seis anos de idade. Nem sabia
dançar. Está crescendo com o grupo e aprendendo grandes lições. ―
Eu me saí mais
da rua. Aí as minhas notas na escola eram péssimas. Estão melhorando. Eu não
sabia dançar, aprendi" (Johnathan).
Em dias de ensaio as meninas redobram os cuidados com o visual. ―
Tem que se
arrumar, se produzir, se maquiar... sorriso nos lábios tem que ter sempre. Sempre,
com batom também, com brilho, fica mais charmoso‖ (Laura). ―
Tem que ter
cuidado com o visual porque o público gosta" (Mirla).
É hora de acertar os passos das coreografias que os Garotinhos Beleza vão levar
para as ruas de São Luís. Na falta de uma quadra, eles ensaiam no meio da rua.
Expressão corporal, os passos bem marcados... horas a fio eles seguem no embalo
do ritmo que veio da Jamaica e tomou conta do Maranhão. As apresentações do
grupo começam mesmo antes dos quatro dias de carnaval, mas ninguém reclama
de cansaço. Basta ver o tamanho do sorriso: é de puro prazer. Embalados pelo
reggae, eles querem mais é dançar. ―
Quanto mais a gente ensaia, mais a gente
quer. Mais a gente sente satisfação em querer dançar‖ (Gilson, 11 anos). ―
É bom
dançar todo ritmo. Mas o reggae é melhor‖ (Johnathan).
Lais Cristini só tem oito anos. É a primeira vez que vai sair com os Garotinhos
Beleza no carnaval. Ainda tenta acertar os passos, mas já tomou gosto pela dança.
―
Porque é muito legal. É gostoso dançar" (Lais).
Afinados com a coreografia, eles prometem fazer bonito no carnaval de São Luís.
161
Embora a matéria fale que o bairro da Liberdade é um dos mais violentos de São
Luís e também seja um reduto do reggae, não afirma que o reggae está ligado à violência; ao
contrário, busca mostrar que o ritmo está sendo utilizado, através de um projeto social, como
ferramenta para melhorar a vida de crianças do bairro, como confirma o depoimento de
Johnathan, quando diz que saiu mais das ruas e que as notas na escola melhoraram.
Aqui, o reggae é desvinculado da imagem da marginalidade. Igualado em número de
inserções na Rede Globo ao bumba-meu-boi, o reggae conquista um status dentro da cultura
maranhense semelhante ao da chamada cultura popular sem, entretanto, ser considerada parte
desta, na qual se enquadram manifestações como o boi, o tambor de crioula e os blocos
tradicionais de carnaval, por exemplo.
Assim, ao mesmo tempo que reforça a identificação do reggae com São Luís,
mostrando em reportagens – gravadas ou ao vivo – o reggae como cultura, como um estilo
mais que apenas musical, mas de vida, como instrumento de transformação social, a TV
Mirante/Globo dá visibilidade ao reggae, e uma visibilidade que, nestes tempos
contemporâneos, só é possível através da TV. Entretanto, é exposta, tanto para os
maranhenses, como para milhares de brasileiros em rede nacional, principalmente uma (ou
algumas) face(s) do reggae, na(s) qual(is) toda a efervescência dos salões populares e o
movimento comercial das radiolas são esvaziados em meio às bandas e bares de classe média,
ao culto a Bob Marley e a filosofia do reggae jamaicano, ao reggae que se consolidou para
agradar (ou porque agradou) novos públicos da camadas sociais economicamente mais
abastadas.
5. REGGAE COMO PRODUTO TURÍSTICO EM SÃO LUÍS
Não é difícil encontrar turistas em festas de reggae em São Luís. É até bastante fácil,
em período de alta estação138, em um local considerado de classe média. De acordo com
pesquisa feita em 2004 pela turismóloga Thalisse Ramos de Sousa 139, 86% dos turistas
entrevistados em São Luís tinham interesse em conhecer o reggae maranhense, mas muitos
reclamavam das dificuldades de acesso à informação sobre os espaços de reggae. Segundo a
138
Segundo as agências de viagens de São Luís e a Secretaria Municipal de Turismo, ―
alta estação‖ é o período
no qual há maior presença de turistas na cidade, sendo os meses de férias – dezembro, janeiro e julho; o mês de
junho, em virtude do São João maranhense, e também o mês de agosto, época de férias na Europa.
139
A pesquisa, que foi o trabalho de conclusão de graduação em Turismo, na Universidade Federal do
Maranhão, buscava perceber a expectativa do turista em relação ao reggae de São Luís, mensurando o interesse
do visitante pelo ritmo e tentando compreender como esse reggae se apresentava a quem chegava de fora da
cidade e quais os problemas do reggae enquanto produto turístico.
162
pesquisadora, ―
você chega num recepcionista de hotel e pergunta: onde tem reggae? Ele não
sabe dizer. Não sabe contar a história, não sabe responder nada a respeito do reggae. E é
assim em todo lugar da cidade‖ (SOUSA, 2009).
As agências de viagem ainda não têm o reggae como um atrativo oficial, não
prepararam um roteiro; no máximo, guias de turismo e agências indicam um lugar, uma festa,
aos clientes que perguntam onde podem conhecer o reggae. Mas fama o reggae maranhense
tem. Afinal, São Luís é conhecida e propagandeada como a ―
Jamaica brasileira‖ pela mídia,
pelas instituições governamentais (principalmente, em suas campanhas publicitárias) e por
diversos Guias Turísticos, como me relatou a guia de turismo, Edmê Costa (2009):
Eles [os turistas] já sabem que aqui é a Jamaica brasileira. Naquele guia, Lonely
Planet, conhecido no mundo todo, traduzido em quatro línguas, já tem São Luís
como capital brasileira do reggae. Então os turistas já chegam perguntando
mesmo.
O Guia Turístico Lonely Planet é um dos mais importantes internacionalmente e está
disponível na Internet. Nele, em um pequeno texto de apresentação sobre São Luís, a cidade é
divulgada como a ―
capital brasileira do reggae‖. O texto discorre primeiro sobre o Centro
Histórico, os casarões coloniais e o reconhecimento da Unesco. Em seguida, cita o reggae, o
bumba-meu-boi, as praias e a cidade de Alcântara140. Além disso, no link ―
Things to do‖
(Coisas pra fazer), das cinco opções de bares e boates, duas são de bares de reggae,
localizados em pontos considerados turísticos: o Bar do Nelson, na Avenida Litorânea (praia
do Calhau), e o Bar do Porto, situado no Centro Histórico.
O reggae também é mencionado na já citada publicação turística Guia de São Luís
do Maranhão (1995), de Jomar Moraes. Na segunda edição, o reggae foi inserido em duas
páginas no capítulo ―
E agora às festas, que ninguém é de ferro‖. O autor do Guia fala das
semelhanças culturais entre as ilhas de São Luís e do Caribe, da incorporação do ritmo de
procedência jamaicana ao universo festivo da capital maranhense nos anos 1980, das
diferenças entre os reggaes ouvidos em São Luís e na Jamaica, das radiolas, das ―
pedradas‖ e
dos ―
melôs‖. Em momento algum, o texto critica a incorporação do ritmo jamaicano como
140
O texto na íntegra é ―
The historic center of São Luís is an enchanting neighborhood of steamy cobbled streets
and pastel-colored colonial mansions, some handsomely restored, some still deep in tropical decay, and 1100 of
them on the Unesco World Heritage list. It‘s a charming area with a unique atmosphere, and also has one of the
best concentrations of museums, galleries and craft stores in the Northeast. But Maranhão‘s capital is more than
just this colonial heart. São Luís is also the reggae capital of Brazil, it is home to the highly colorful and unusual
Bumba Meu Boi festivities, and it has a lively beach scene. The trip across Baía de São Marcos to Alcântara, an
impressive historic town slipping regally into decay, is an added reason to put São Luís on your itinerary‖.
Disponível em: <http://www.lonelyplanet.com/brazil/the-northeast/sao-luis>. Acesso em 31 de julho de 2009.
163
algo prejudicial aos ―
ritmos locais‖. Ao contrário, o reggae aparece como mais um elemento
que enriquece e diversifica a chamada cultura local.
Também o ―
título‖ de capital nacional do reggae ou Jamaica brasileira, que vai se
consolidando em diversos segmentos, já faz parte do imaginário de boa parte dos
ludovicenses. Mesmo aqueles que não concordam com a denominação de Jamaica brasileira,
admitem a força que o reggae tem na cidade, como o aposentado Raimundo Gomes, por mim
entrevistado durante a apresentação do Bloco do Reggae, no carnaval de 2009:
Tudo bem que esse negócio de reggae é forte aqui, daí eu entendo o porquê de se
dizer ―
Jamaica brasileira‖. Mas isso não é coisa daqui. Isso não é carnaval.
Carnaval é marchinha, banda, são os blocos tradicionais daqui. Não esse reggae
que nem coisa nossa é.
Essa ideia negativa de que o reggae ―
não é coisa nossa‖ tem se desfeito na maioria
dos discursos institucionais e governamentais, a exemplo da fala do prefeito de São Luís,
João Castelo, no dia da entrega do título de ―
Capital Brasileira da Cultura 2009‖ à cidade, na
qual ele citou o reggae como cultura importada, mas não no tom negativo tantas vezes já
utilizado pelos defensores da ―
Atenas brasileira‖. Aqui, embora diferenciado daquilo que é
originariamente ―
nosso‖, o reggae aparece como um componente da diversidade cultural que
deu a São Luís o título de Capital Brasileira da Cultura141:
A cidade orgulha-se de sua culinária típica, de sua paisagem exuberante e de sua
musicalidade, seja ela da terra, como o boi e o tambor de crioula, ou importada, o
reggae. Somando a isso, o ar vagamente europeu, proveniente de seu rico casario
colonial (CASTELO, 2009).
Para o turismo, o reggae parece ser um segmento em expansão, pronto para ser
explorado. O trabalho de transformação do reggae em produto turístico está começando por
meios governamentais. Um exemplo é o projeto que a Prefeitura de São Luís está
implementando desde 2006 para consolidar o reggae enquanto atrativo e produto turístico:
―
São Luís Ilha do Reggae‖, que resultou na publicação do Guia Turístico do Reggae de São
Luís, no final de 2008. Isso não quer dizer que há anos esse trabalho de divulgação do ritmo
não venha sendo feito pelos donos de radiolas, pelas bandas de reggae, e por outros meios
fora do circuito institucional, embora de forma isolada e não articulada.
141
Fala extraída de matéria publicada no site do Ministério da Cultura, dia 11 de março de 2009. Disponível
em: <http://www.cultura.gov.br/site/2009/03/11/sao-luis-e-a-capital-da-cultura-2009>. Acesso no dia 11 de julho
de 2009.
164
Mas que relações existem e estão sendo firmadas entre o setor do turismo e o reggae
na capital maranhense? Como esse ritmo, que envolve uma teia de relações econômicas,
políticas, culturais, sociais e simbólicas, está sendo apreendido e transformado em produto
turístico? Que reggae é esse que está sendo empacotado para ser atrativo e parte de roteiro
turístico? São algumas questões que motivam este capítulo.
5.1. O turismo como negócio
A expansão da atividade turística se deu de forma notável a partir do final da
Segunda Guerra Mundial, relacionado ao surgimento das férias remuneradas. De acordo com
Ouquires (2005, p. 15), o tempo livre remunerado torna-se realidade na Europa durante a
primeira metade do século XX.
As raízes do turismo contemporâneo, fruto do acelerado crescimento econômico
do pós-guerra, encontram-se na melhoria do padrão de vida dos trabalhadores, na
criação de uma ―
civilização do automóvel‖, na redução do tempo de trabalho e na
implementação de uma ―
indústria do lazer‖, componentes que Jost Krippendorf
chama, em Sociologia do turismo (1989, p.18), de ciclo de reconstituição do ser
humano pelo desenvolvimento da sociedade industrial.
Assim, o lazer, na lógica da sociedade capitalista industrial, torna-se uma forma de
libertação temporária das obrigações sociais. Entretanto, ―
não é a ociosidade, não suprime o
trabalho; o pressupõe. Corresponde a uma liberação periódica do trabalho no fim do dia, da
semana, do ano ou da vida de trabalho‖ (DUMAZEDIER, 1999, p. 28). O período de férias é,
portanto, uma espécie de ―
pacto‖ social no qual os trabalhadores admitem se sacrificar o ano
inteiro no trabalho para descansar e aproveitar o que a sua remuneração pode oferecer.
Sobre a expansão do turismo, Hobsbawm (1996, p. 262) ironiza:
[...] naturalmente a maior parte da humanidade continuava pobre, mas nos velhos
centros industrializados, que significado poderia ter o “de pé, ó vítimas da fome”
da ―
Internationale‖ para trabalhadores que agora esperavam possuir seu carro e
passar férias anuais remuneradas nas praias da Espanha?
Sob este ponto de vista crítico, a atividade turística, enquanto atividade de lazer, é
uma fuga da realidade maçante. E, com a aceleração do ritmo de vida, diminui cada vez mais
o tempo livre e aumenta o estresse dos habitantes dos grandes centros urbanos, ocorrendo uma
valorização do consumo do lazer. Assim, ―
a ideia de viajar vem penetrando de tal forma na
mente do homem moderno que, cada vez mais, se fortalece como conquista, um direito, uma
possibilidade, um consumo‖ (CORIOLANO, 1998, p. 30). E, sendo as férias um tempo que
165
serve para o trabalhador recompor suas energias, descansar para poder produzir mais por mais
um ano, a atividade turística é um instrumento de conformação para esquecer (ou pelo menos
suportar) os problemas do cotidiano, uma mercadoria comprada para diversão. E, pelo preço
dessa mercadoria, sabe-se que o turista é proveniente, sobretudo, das classes média e alta, que
passam a ser cada vez mais incentivadas mercadologicamente a terem a necessidade de viajar.
Wallerstein (2001, p.106) aponta que o turismo, invenção da civilização capitalista,
demonstra as enormes desigualdades sociais existentes no mundo, pois, segundo ele, no
máximo 20% da população mundial pode empreender de fato uma viagem turística. No
Brasil, as estimativas do Ministério do Turismo são um pouco mais otimistas. Considerando
qualquer pessoa que tenha viajado pelo menos uma vez (e, nesse caso, pode nem ter sido uma
viagem de férias, mas a trabalho, por exemplo), o Estudo do Turismo Doméstico no Brasil
2002-2006142 contabilizou 42.810.000 consumidores de turismo no país em 2005 143. Isso
representava 23% da população brasileira naquele ano. Ainda assim, o número de pessoas que
usufruíam do turismo no Brasil era menor que um quarto da população. Isso se explica pelos
altos custos de uma viagem turística, que incluem transporte, hospedagem, alimentação e
consumo de produtos turísticos, que vão desde serviços prestados por agências de viagem e
guias de turismo até a compra de souvenires.
A pesquisa do Ministério do Turismo indicou, ainda, que 59,4% dos brasileiros que
fizeram viagens domésticas residiam na região Sudeste, enquanto 12,5% eram provenientes
do Nordeste, fato esclarecido no estudo pelo PIB per-capita calculado em 2004, bem maior no
Sudeste (R$ 12.540,00) que no Nordeste (R$ 4.927,00), região apontada como a mais pobre
do país. Ora, se 25% da população brasileira tinha, em 2005, renda mensal de até um salário
mínimo, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2005), e
todo este percentual encontra-se fora das estatísticas do Ministério do Turismo, que só
considerou domicílios com renda mensal familiar superior a um salário mínimo, imagina-se a
partir de então o tamanho da exclusão social que o setor turístico evidencia. Ao turismo,
enquanto mercado, só interessam, na prática, as classes sociais que podem pagar pelo produto
142
Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Ministério do Turismo, tendo
como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2005). Disponível no site
<www.turismo.gov.br>, seguindo os links: Dados & Fatos, Demanda Turística, Demanda Doméstica. Acesso em
22 de maio de 2009.
143
O cálculo foi feito assim: a pesquisa constatou que 37,3% (15.739.000) dos domicílios urbanos brasileiros
com renda mensal familiar superior a um salário mínimo tiveram um ou mais dos seus membros realizando pelo
menos uma viagem doméstica em 2005. Multiplicando esse valor de mais de 15 milhões pelo número médio de
pessoas que viajam por domicílio (2,72), chegou-se ao total de 42.810.000 consumidores de turismo no Brasil no
ano de 2005.
166
que está sendo comercializado. E os altos custos só podem ser pagos por pessoas das classes
média e alta.
Há ainda outro fator que contribui para que o turista que viaje ao Maranhão tenha um
poder aquisitivo mais elevado: De acordo com artigo publicado no jornal Cazumbá144, o Guia
―
Viaja Mais Melhor Idade‖, lançado em outubro de 2008 pelo Ministério do Turismo,
demonstrou que as viagens ao Maranhão, independentemente da origem, têm custo mais
elevados que para estados vizinhos. Assim, por exemplo, em 2008, de Belo Horizonte a São
Luís era 20% mais caro que uma viagem de Belo Horizonte a Belém. E o turista que optasse
em conhecer São Luís, saindo de São Paulo, pagaria R$ 1.873, enquanto que se optasse pela
capital cearense pagaria R$ 1.094.145
Outra pesquisa, realizada em 2008 pela Prefeitura de São Luís, denominada
―
Turismo Receptivo 2008/Alta Estação‖146, apontou o perfil do turista que visitou a capital
maranhense como sendo predominantemente de classe média: dos turistas que estiveram na
cidade no período da aplicação da pesquisa, a maioria tinha ensino superior (42,04%). Dos
visitantes que declararam a ocupação, os maiores percentuais se encontraram entre os
estudantes (13,24%), seguido de professor (11,67%), funcionário público (11,54%) e
autônomo (10,81%). Em relação aos gastos realizados durante a viagem, a maior parte dos
turistas declarou haver feito gastos de até mil reais.
5.2. Por que o reggae vira produto turístico?
O setor turístico de São Luís só passa a perceber o reggae como atrativo e começa a
tentar explorá-lo como produto depois que o ritmo é reconhecido, pela mídia e pela classe
média em geral, como parte da identidade do ludovicense, já nas décadas 1990/2000.
Desde o final dos anos de 1980, no entanto, o reggae maranhense vem sendo
divulgado fora do estado, mesmo que seja individualmente por grupos musicais, pelas
radiolas ou por pessoas interessadas em reggae, como o colecionador Zequinha Rasta147:
144
Edição 56, ano VII, dezembro de 2008.
Tal fato é explicado pelos agentes de viagem tanto pela distância da capital maranhense, localizada no
extremo norte do país e, principalmente, pelas rotas aéreas, que normalmente não são diretas para São Luís e,
portanto, geralmente mais caras. A quantidade menor de vôos também explica o preço das passagens:
atualmente, São Luís tem 11 vôos domésticos diários, enquanto Belém, por exemplo, tem 26.
146
O estudo da Coordenação de Análise Mercadológica da Secretaria Municipal de Turismo foi realizado por
amostragem com entrevistas conduzidas junto aos turistas no Aeroporto Internacional Marechal Cunha
Machado, Terminal Rodoviário, Terminal da Ponta da Madeira, Terminal Hidroviário e posto da Polícia
Rodoviária Federal na BR 135, totalizando 823 entrevistas.
147
Em entrevista feita por Fauzi Beydoun no making of da gravação do DVD da Tribo de Jah, em São Luís,
outubro de 2008.
145
167
Eu entrei na onda do reggae em São Paulo nos anos 70, no comecinho [...].
Quando eu saí do Maranhão eu só conhecia Jimmy Cliff, Marley. Em São Paulo é
que tive a oportunidade de conhecer pessoas que já colecionavam reggae e através
dessas pessoas que eu fui conhecer a imensidão que é o reggae music. Eu voltei
pra São Luís em meados de 85, 86. Depois por onde eu passei eu levei o reggae:
Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Nesse tempo é que o reggae começou a
ficar forte mesmo aqui no Maranhão.
Formada na década de 1980, a banda Tribo de Jah, ainda hoje a maior representante
das bandas de reggae maranhenses148, também tem divulgado o ritmo em todo o Brasil e em
shows pelo mundo, como comenta Beydoun (2008):
A Tribo fez um papel (vou legislar em causa própria aqui), um papel muito
importante de divulgar [...]. Falamos do Maranhão, divulgamos o Maranhão no
mundo todo, espontaneamente, se divulga sua raiz, sua origem [...]. O Maranhão
passou a ser muito respeitado pelos regueiros de todo o país, vários casos aí de
pessoas que querem conhecer o Maranhão por causa do reggae, e muitos vieram
pra cá e se apaixonaram.
A partir do momento em que o reggae passa a atrair pessoas para viajarem ao
Maranhão, ele se torna um ―
produto em potencial‖ para o turismo. Entretanto, é importante
observar que esse processo de tentar transformar o reggae em mercadoria turística só é
possível devido à participação da classe média, que proporciona ao reggae a visibilidade e o
reconhecimento necessários para o fomento do turismo em São Luís por meio do ritmo. E,
assim como a classe média ―
não vai se dispor a ir em gueto‖ (BEYDOUN, 2008), os turistas
(que são, afinal, provenientes sobretudo da classe média) também não. Então, que reggae é
esse que o turista que vem a São Luís quer conhecer?
5.3. Turismo: em busca do “diferente”
Embora as agências de viagens de São Luís ainda não tenham desenvolvido um
roteiro cultural cuja atração principal seja o reggae (a exemplo do que acontece com o
bumba-meu-boi: existem passeios pelos arraiais juninos e, no mês de julho, as agências
organizam idas ao Maranhão Vale Festejar, evento que reúne apresentações de diversas
brincadeiras juninas, no Convento das Mercês, bastante frequentada por turistas), a iniciativa
148
Segundo Brasil (2005, p. 71), ―
A Tribo de Jah, atualmente, é a expressão artística maranhense que mais
vende cd´s no mercado nacional, ultrapassando artistas já consagrados da MPB maranhense, tais como: Alcione,
Zeca Baleiro, Rita Ribeiro e até mesmo ‗Lairton e seus teclados‘, com seu ‗Morango do Nordeste‘, que possui
maciça aceitação nas camadas populares dos consumidores do mercado fonográfico‖.
168
privada se aproveita do cognome ―
Jamaica brasileira‖ e faz referência ao reggae como uma
das atrações que o turista não pode deixar de conhecer se vier ao Maranhão, como me relatou
o agente de viagens Bruno Azevedo (2008):
As agências não lucram diretamente com o produto reggae. Normalmente, não
vendem pacotes ou passeios voltados para o reggae. Mas, na hora de vender o
pacote, se o cliente demonstrar interesse, a referência do reggae faz parte do
―
destino Maranhão‖.
A imagem do reggae ludovicense que é divulgada fora do estado através de
publicidade institucional governamental e da iniciativa privada é, em geral, bastante
estereotipada. Em folders e propagandas do reggae é comum se ―
vender‖ a ideia de São Luís
como a ―
Jamaica brasileira‖, lugar onde existem clubes de reggae com seus paredões de
caixas de som por todos os cantos. Além disso, a particularidade do dançar ―
agarradinho‖,
dos regueiros com seus dreadlocks e das pedras das radiolas é quase sempre exaltada textual
ou imageticamente, uma vez que a lógica do turismo é comercializar aquilo que é diferente,
que é peculiar ao visitante.
A divulgação de estereótipos faz parte do modus operandi da indústria turística: para
promover a simplificação de uma realidade que é complexa, estes tornam o produto cultural
mais palatável (PEREIRA e ORNELAS, 2005, p. 11):
Os materiais promocionais elaborados pelas agências de fomento ao turismo
procuram divulgar e promover os destinos, utilizando os estereótipos como um
meio de ressaltar aos olhos do curioso o que aquele destino tem de mais relevante,
belo, atraente, sedutor e encantador, desempenhando o papel de formador de
motivações e desejos, permitindo a construção da identidade turística do destino
que está sendo promovido.
Analisando trinta folders, brochuras e outras publicações turísticas do Maranhão,
guardadas no período de 1998 a 2008, pude perceber que o reggae só passa a ser citado de
forma mais constante e relevante a partir da segunda metade dos anos 2000. Antes desse
período, quase todos os folders analisados discorriam muitos mais sobre as belezas
arquitetônicas e, quando falavam da cultura, destacavam os escritores que faziam parte da
história do estado (remetendo à imagem da ―
Atenas brasileira‖) e as danças folclóricas como
o bumba-meu-boi e o tambor-de-crioula, por exemplo. Porém, encontrei em uma revista
informativa da extinta Maratur – Empresa Maranhense de Turismo, de maio de 1998,
algumas linhas sobre o reggae, dentro do item ―
Cultura popular‖, no subtítulo ―
Tambor e
reggae‖, no final do último parágrafo: ―
Nos últimos anos, o Maranhão também incorporou
um novo ritmo às suas tradições, o reggae, que já deu a São Luís, Ilha dos Amores, outro
169
título nacional: a capital brasileira do reggae‖. Na mesma página, há uma foto de um casal de
negros dançando em par, em frente a um paredão de caixas de som amarelas; ele com boina
de crochê nas cores amarela e preta, ela com um lenço cor-de-rosa prendendo os dreads do
longo cabelo. A legenda diz ―
no jeito agarradinho de dançar o reggae‖. O interessante dessa
abordagem ao reggae é que, além do uso de vários estereótipos, o texto diz ―
nos últimos
anos‖, dando a impressão de que o ―
fenômeno‖ do reggae em São Luís era bastante recente
em 1998, quando talvez recente fosse a aceitação de setores que possuíam capital econômico
e/ou cultural mais elevado.
Em uma brochura da Fundação Municipal de Turismo (FUMTUR), de 2001,
denominada ―
São Luís em Exposição‖, enquanto o bumba-meu-boi aparece no item
―
Folclore‖ sozinho, o reggae está no item ―
Ritmos‖, juntamente com o carnaval de rua e
tambor de crioula: ―
O resto do ano fica por conta de ritmos diversos que nada deixam a
desejar, indo desde o tambor de crioula até as ‗pedras‘ do reggae‖. O texto acompanha uma
pequena foto que mostra um homem sentado de costas com sua boina nas cores vermelha,
amarela, preta e verde à mostra e outro de pé com os cabelos cheios de dreadlocks em
movimento. Abaixo, a legenda versa: ―
reggae, ritmo que fez de São Luís a Jamaica
Brasileira‖.
Figura 48 - Reprodução de detalhe do folder da FUMTUR
Já na publicação do Governo do Estado, ―
Maranhão – A nova descoberta‖ (2003), o
reggae é citado em um texto de uma página (cujo título é ―
O Folclore maranhense possui
características únicas‖). Em sete parágrafos, o texto menciona o São João, bumba-meu-boi, as
danças do lelê, caroço, cacuriá, tambor de crioula, o carnaval, o festejo de São José de
Ribamar, a Festa do Divino, a Festa de São Benedito e, por último, o reggae: ―
E para quem
170
deseja conhecer uma outra face da Ilha, pode dançar ao ritmo da ‗Jamaica Brasileira‘,
denominação dada a São Luís, devido a forte influência do reggae roots - reggae de raiz que
embala uma nova geração cultural‖. Para não provocar discussão (pois o turismo não está
interessado em discussão, mas sim em consenso e, por isso, via de regra, opta por apropriarse do discurso oficial149 para seu florescimento), o reggae é sempre separado das
manifestações e estilos musicais da chamada cultura popular. Aqui, ele é ―
a outra face da
Ilha‖; no site da Secretaria Estadual de Turismo, enquanto o bumba-meu-boi, por exemplo,
entra nos itens ―
Cultura popular‖ e ―
Manifestações populares‖, o reggae é posto dentro do
link ―
Cultura‖, no item ―
Música‖: ―
Outra forte influência é do Reggae, ritmo jamaicano que
décadas atrás invadiu a Ilha e cativou seus moradores. A paixão por essa música conferiu a
São Luís mais um título: Jamaica Brasileira‖. 150
Figura 49 - Reprodução de detalhe de folder da Prefeitura de São Luís
A promoção do reggae na construção da identidade turística de São Luís só tem
crescido desde então, e sempre através desses estereótipos. Embora o reggae ainda não tenha
o mesmo espaço de destaque que o bumba-meu-boi no material de divulgação das agências
promotoras do turismo, o ritmo está cada vez mais evidente nessas publicações.
Isso se reflete na expectativa do turista que chega a São Luís, conforme o que se
pode perceber na observação de guias de turismo por mim entrevistados:
Muitos turistas perguntam sobre reggae quando chegam aqui, mas não todo tipo de
turista. Geralmente mais os jovens é que querem saber do reggae. Agora, eu tento
desmistificar a visão deles. Porque eles chegam aqui e pensam que vão encontrar
149
O discurso oficial ao qual me refiro, nesse caso, é o formulado por pesquisadores da chamada cultura
popular no Maranhão (que se ocupam em definir o que é a cultura popular – e, implícita ou explicitamente, o
que não é), apropriado pelas instituições governamentais, demais intelectuais e pela mídia. Nesse discurso
―
oficial‖ não há consenso sobre a aceitação do reggae como parte da identidade cultural do ludovicense e, muito
menos, como parte da cultura popular do estado.
150
Disponível em <http://www.turismo.ma.gov.br/pt/>. Acesso em 10 de agosto de 2009.
171
um rastafári em cada esquina. Essa imagem que é vendida pelo próprio governo,
na mídia: São Luís como Jamaica brasileira... eles acham que aqui todo mundo
gosta de reggae e não é bem assim. Por isso eu falo que o reggae é forte sim, mas
mais em locais na periferia (SOARES, 2009).
Os turistas perguntam bastante sobre o reggae, até porque há uma propaganda
muito grande. É até meio complicado porque eles pensam que aqui tem reggae
todo dia e não é bem assim, depende da agenda cultural da cidade [...]. Geralmente
o perfil do turista que pergunta sobre o reggae é de pessoas na faixa etária de 20
aos 40, 50 anos no máximo. Agora, com essa difusão da Jamaica brasileira, tem
pessoas da terceira idade também, mas eles têm uma ideia equivocada de como se
dá o reggae aqui. Eles acreditam às vezes que vão assistir um show, que vão ficar
sentados. Quando a gente fala que o lugar é simples... a gente aqui não tem um
reggae pra turista ver. (MENDES, 2009).
Quando o guia fala ―
reggae pra turista ver‖, ele está se referindo a um espetáculo, tal
como acontece com as manifestações da cultura popular no Maranhão Vale Festejar. As
apresentações do projeto – promovido pela Companhia Vale desde 2004 – no Convento das
Mercês, Centro Histórico de São Luís, são realizadas em um palco que fica no centro do pátio
interno do Convento. Os espectadores (muitos turistas) ficam sentados ao redor do palco,
enquanto as diversas brincadeiras juninas (tambor de crioula, cacuriá, quadrilha, bumba-meuboi e outras danças) se revezam em exibições que duram de trinta minutos a uma hora,
diferentemente do que acontece nos terreiros dos bairros, onde geralmente é encenado o auto
do bumba-meu-boi, por exemplo, e onde a comunidade participa das brincadeiras de forma
mais interativa, dançando junto com os integrantes dos grupos.
No entanto, ao contrário do que acredita o guia (que ―
a gente aqui não tem um
reggae pra turista ver‖), acompanhando o Bloco do Reggae (organizado pelo Grupo Afro
GDAM) no carnaval de 2009, pude perceber que o reggae começa sim a ser ―
encenado‖ para
os turistas. O bloco, que se apresentou nos três dias do carnaval na Praça João Lisboa, Centro
da cidade, era aberto ao público (para participar dentro do cordão de isolamento era preciso
comprar a camisa do bloco), entretanto, os integrantes eram principalmente os membros do
GDAM e, por noite, não tinha mais que trinta pessoas, sendo doze somente dançarinos do
grupo, que ficavam à frente do bloco conduzindo as coreografias. Vestidos com as cores da
Etiópia, quase todos eles eram negros, usavam tranças nos cabelos, as mulheres bem
maquiadas e usavam roupas justas e os homens, bem arrumados, exibiam corpos atléticos.
Eles dançavam entre si e, por vezes, convidavam alguém de fora do bloco para ensinar alguns
passos (normalmente, turistas, que são facilmente percebidos entre os espectadores, por causa
de suas câmeras fotográficas). A satisfação dos dançarinos era se exibir para o público.
―
Adoro isso aqui. A gente tá aqui mostrando o que a nossa cultura tem de melhor‖, me disse
rapidamente uma delas antes de voltar para a frente do bloco. Quanto mais as pessoas tiravam
172
fotos deles e, principalmente, quando uma câmera da TV Mirante apareceu no primeiro dia
da apresentação do bloco para fazer uma matéria para o Jornal da Globo, mais ainda os
integrantes dançavam com vontade e em uma coreografia bem sincronizada.
Figura 50 - Dançarinos do Bloco do Reggae em 2009, na presença da câmera da TV Globo
A parceria firmada desde 2008 entre o GDAM e o São Luís Convention & Visitors
Bureau (entidade não-governamental cujo objetivo é incentivar o turismo), para fomentar a
venda de abadás do bloco e de pacotes turísticos em agências e hotéis da capital, evidencia o
interesse do bloco em atrair turistas, conforme demonstrado também em matéria do Jornal
Pequeno151, durante a coletiva de lançamento do Bloco do Reggae, em janeiro de 2009:
―
Acreditamos que o reggae possa ser o diferencial do Carnaval de São Luís‖,
acentuou Cláudio Adão, dirigente do GDAM, defendendo a proposta do Bloco do
Reggae, dentro do circuito do carnaval de rua, em atenção, ao público local e
também, aos turistas.
Conversando com alguns turistas que acompanharam o bloco, tirando fotos e por
vezes, arriscando alguns passos, no carnaval em 2009, percebi o quanto a apresentação bem
organizada os impressionou, como me expressou o turista do Ceará, Joselito Fernandes
(2009):
Eu já conhecia o ritmo, é claro, e adorava. Mas nunca tinha visto no carnaval. É
lindo! Essa dança envolve. Agora quero aprender a dançar assim [...]. Esse reggae
no carnaval é diferente. Eu tava aqui com o pessoal da família da minha mulher,
que é daqui, e eles me disseram ―
vamo ficar pra ver o bloco do reggae‖. Valeu a
pena. É diferente mesmo. Maravilhoso.
151
Matéria
do
JP
Turismo,
de
16
de
janeiro
de
2009.
Disponível
<http://www.jornalpequeno.com.br/2009/1/15/Pagina96479.htm>. Acesso em 28 de janeiro de 2009.
em:
173
Mas nem sempre as apresentações de reggae aconteceram assim em praça pública,
envolvendo uma certa produção e ainda mais em uma festa como o carnaval, que
―
tradicionalmente‖ tem seus ritmos e grupos de folia. A primeira vez que o Bloco do Reggae
saiu às ruas no carnaval foi em 2006. Assim mesmo, se foi aceito pelo Governo do Estado
como bloco oficial, foi alvo de críticas de alguns setores sociais, como se pode constatar em
artigo publicado, em março de 2006, no Jornal Pequeno152, pelo jornalista e escritor Herbert
de Jesus Santos:
Na Praça Deodoro, no entardecer da terça-feira gorda, um trio elétrico boçal
puxava o bloco GDAM, dirigido por Adão de tal, e que era afro, e virou casaca à
chantagem financeira do ―
reggae‖, e fez um samba-do-crioulo-doido, na
ridicularização das nossas raízes honrosas. Sempre reforçado pela burra pública, o
GDAM (sem traquejo, na sua encenação gananciosa de brincadeiras de São João)
escorraçou, com zoada estrondosa, a Máquina de Descascar Alho (de sambas e
marchas), uma das preciosas invenções artísticas da Madre de Deus, nos últimos
decênios. Na passarela do samba, no Anel Viário, na brecha do concurso de
índios, o incauto Garotos Belezas (grupo de crianças do Diamante) passou,
igualmente, na macaqueação da dança, fantasia e som em inglês. O Jeguefolia
(saído da estrebaria do Maranhão Novo) deixou a malícia melodiosa e, chancelado
pelo ―
capim‖ do ―
reggae‖, com ideia de jerico, pintou até o ―
documento‖ do
jumento com as cores da bandeira da Jamaica.
O ritmo, que ainda hoje desagrada diversas pessoas, sobretudo alguns intelectuais
ligados à Academia Maranhense de Letras153, passou muitos anos marginalizado pela
sociedade em geral e restrito aos locais da periferia da cidade. Todavia, ainda que não seja
consenso (e nem se acredita que um dia será consenso), o reggae passa a ser apreendido para
ser transformado em produto turístico. De acordo com Ouriques (2005, p. 140), uma das
estratégias do turismo é utilizar manifestações culturais marginalizadas para transformá-las
em mercadorias.
Reforçamos aqui o argumento de que o turismo se apropria de manifestações
populares e realidades sociais que em outros momentos foram consideradas
expressões do subdesenvolvimento, dando-lhes um significado estético e
produzindo-as enquanto mercadorias turísticas.
Se o turismo se apropria das culturas populares para vendê-las enquanto produto
para as classes média e alta (principais consumidoras das mercadorias turísticas), isso quer
dizer que, de alguma forma, essas classes se interessam por essas culturas.
152
Artigo publicado na coluna Sotaque da Ilha, dia 10 de março de 2006. Disponível em
<http://www.jornalpequeno.com.br/2006/3/10/Pagina30195.htm>. Acesso em 27 de janeiro de 2007.
153
Herbert de Jesus Santos já se candidatou duas vezes a uma cadeira na AML, mas não foi eleito. Compartilha
da visão de alguns membros da Casa, como Ubirajara Rayol, por exemplo, como já foi demonstrado no capítulo
2.
174
Carvalho (1995, p. 51) fala que uma das estratégias das elites dominantes é absorver
determinadas práticas culturais dos setores populares, dando-lhes uma lógica capitalista. E ―
o
que é identificado e escolhido como elemento constitutivo das tradições nacionais é recriado
segundo moldes ditados pelas elites cultas e, com nova roupagem, desenvolvido, digerido e
devolvido aos cidadãos‖.
Partindo dessa perspectiva, percebemos que para ser transformado em produto, em
São Luís, o reggae teve que ser (ou está sendo) ―
higienizado‖. Esse processo começou com a
abertura de bares e casas de reggae, que são frequentados pela classe média,
predominantemente branca.
Assim, quando os espaços de reggae começaram a ser ―
invadidos‖ pela classe média
branca, o turista, como integrante dessa classe, passa a ver também nesses espaços um local
de lazer e descoberta do diferente. Enzensberger (apud OURIQUES, 2005, p. 44) destaca
essa procura do turista pelo aventuresco. Ele descreve o turista como aquele que busca, ao
mesmo tempo, o diferente e o materialmente confortável. Também Zelinda Lima, quando era
diretora do Departamento de Promoções da Maratur, disse a Ferretti (2002, p. 133) que os
turistas que vinham a São Luís eram em sua maioria idosos que tinham dinheiro e queriam se
divertir com conforto, sem sair dos bons hotéis; e que tinham, em geral, medo de assaltos,
sujeira e contaminação etc. Isso pode ser percebido, no que diz respeito ao reggae em São
Luís, no texto de divulgação do projeto ―
Reggae de primeira na quinta‖
154
, promovido pela
agência Maracá Turismo, que tem se especializado em comercializar o reggae:
Dos guetos jamaicanos partiu para o mundo chegou com toda sua força a esta
outra ilha. E por mais incrível que possa parecer o Reggae tem uma força muito
grande em três ilhas fora da Jamaica, na Inglaterra, Japão e na Ilha de São Luis e
nos últimos 18 anos explodiu em forma de shows com os mais variados cantores e
bandas, que são autênticas estrelas do cenário musical jamaicano dos anos 70 e
80.
O panorama hoje em termos de ambiente de festa é outro, a grande força do
Reggae em São Luis se concentra nos bares com ambientes mais aconchegantes,
decorados, com um bom atendimento nos serviços e conforto. São Luís conta com
aproximadamente 10 bares especializados com uma grande afluência de público
cativo e fiel.
Como fica claro no trecho acima, faz parte da preocupação do trade turístico o
conforto do turista. Também todos os guias de turismo por mim entrevistados demonstraram
preocupação a respeito dos locais que eles indicam para o turista conhecer o reggae
ludovicense. Segurança e bom atendimento foram itens sempre citados.
154
Disponível em <http://kamaleao.com/saoluis/477/projeto-reggae-de-primeira-em-sao-luis-maraca-turismo>.
Acesso dia 23 de julho de 2009.
175
Se o turista me pergunta então onde ele pode ir dançar reggae, eu explico, bem...
que é na periferia da cidade. Eu não recomendo ir no reggae, mas se ele insistir
que quer ir, recomendo lugares como o Roots Bar, que é na Praia Grande, e o Bar
do Nelson, por exemplo [...]. Porque pelo menos é um pouco mais seguro. Não
vou recomendar outros lugares, porque não é seguro. Mesmo assim, falo pros
turistas que nesses locais ele não vai encontrar um bom atendimento, uma boa
estrutura. Turista, em geral, gosta de conforto e a gente ainda não tem no reggae
um produto turístico. Precisa de mais estrutura, bom atendimento (SOARES,
2009).
Falo pros turista que aqui tem reggae todos os dias da semana: de segunda a quarta
na periferia e de quinta a domingo aqui na ―
Zona Sul‖ [...]. Recomendo mais no
Bar do Porto, no Centro Histórico [...] porque já é um ponto turístico, eles já estão
lá e acabam fazendo um by night155 lá mesmo, é uma questão logística [...]. O da
periferia é que a gente não indica. Porque é perigoso. Esses locais como o Chama
Maré, Bar do Nelson, Bar do Porto, esses locais eu frequento e sei que não tem
briga, não tem confusão. Lá tem o nosso reggae roots, e digo que pode dançar
agarrado. Indico os lugares que garanto não ter baderna, lugares civilizados
(COSTA, 2009).
Eu recomendo o reggae sim, mas falo um pouquinho do reggae, que chegou aqui
na década de 70, que se difundiu na periferia, mas indico lugares como o Bar do
Nelson, Chama Maré, o Trapiche, o Bar do Porto, aí a gente percebe de acordo
com o perfil do turista, indicamos o reggae na escadaria da Praia Grande... Eu
explico como é, porque tem aquelas caixas de som, é diferente... O turista tem que
saber se ele vai gostar do que vai encontrar. Tem, por exemplo... 60% dos hotéis
da cidade estão ali na área da Ponta D´Areia, Lagoa da Jansen, e tem aquele
reggae de massa, o Toca da Praia. Então a gente tem que explicar, a gente é até
preconceituoso, mas tem que dizer que não tem segurança, que a frequência não é
agradável, porque a gente sabe que é perigoso (MENDES, 2009).
Recomendo ali no Bar do Nelson, mas lá só tem sexta e sábado. Tem o Chez Moi,
um projeto às quintas, tem o Creóle Bar, na Lagoa, também a gente indica. Agora
outros locais, perto da área hoteleira, como Toca da Praia, Maré Mansa... a gente
tem mais cautela. O turista chama logo atenção, vai com máquina fotográfica... e
são áreas que não têm segurança. Então a gente não recomenda (SILVA, 2009).
Portanto, o que se percebe é que a imagem que o turista tem do reggae antes de
chegar a São Luís, construída a partir da propaganda que se faz do reggae maranhense, é
quase sempre feita com elementos estereotipados do reggae das periferias (os paredões de
caixas de som que só as radiolas que tocam nos clubes populares têm, os dançarinos ―
a
caráter‖ com as cores do reggae que dançam agarradinho etc.), mas o que ele vai encontrar na
cidade é geralmente um outro tipo de reggae, frequentado mais pela classe média, na medida
em que esse é o reggae recomendado pela cadeia turística. 156 Assim, os turistas vêm em
155
By Night, na linguagem do turismo, é um passeio noturno comercializado pelas agências. Geralmente, é para
conhecer a música e a vida noturna do lugar, com o acompanhamento de um guia de turismo.
156
A duas exceções que encontrei, que contradizem as recomendações dos guias de turismo, foram: Primeiro, o
Guia Turístico de São Luís, lançado pelo Governo do Maranhão em março de 2001. Apesar de o reggae não
aparecer na parte central do Guia (e, portanto, não há história nem explicação alguma sobre o reggae no
Maranhão), há indicações de seis ―
Clubes de Reggae‖ no item ―
Opções de Lazer‖, que engloba boates, casas de
shows, cinemas e teatros. E a maioria dos locais indicados é considerada de periferia; estão lá Espaço Aberto
(bairro do São Francisco), Jamaica Brasileira (Cohab), Bar do Porto (Centro Histórico), Bar do Nelson (Praia do
176
busca do reggae que se dança agarrado, das radiolas com seus paredões de caixas de som, do
reggae que é ―
alternativo‖, mas acabam frequentando bares de classe média onde, inclusive,
quase sempre esse reggae (de radiola ―
tradicional‖, das classes populares, do gueto) não está
presente, como demonstrou o turista Cláudio Santana, de São Paulo, por mim entrevistado no
Bar do Nelson, em dezembro de 2008:
Eu vim aqui atrás do famosíssimo reggae do Maranhão, né? Gostei muito... mas
meus amigos tinham me falado de uns paredões, saca? Aqui já tão me dizendo que
é só noutros lugares. Mas, putz, muito bom o reggae, e como a galera curte! [...]
Vou voltar pra casa podendo falar que fui num reggae.
Esse sentimento de ―
ter estado lá‖ é uma das características do turista. Segundo
Ouriques (2005, p.46), ele procura também confirmar a ideia que formou acerca da própria
viagem e de suas experiências. ―
Ou seja, busca ‗comprovar‘ os sonhos e imagens fabricados
pela publicidade turística, mesmo os estereotipados‖. No caso de Santana, apesar de ele ter
percebido que a experiência que ele estava tendo num reggae em São Luís não era
exatamente a que ele esperava, mesmo assim, teve suas expectativas correspondidas, na
medida em que disse que gostou e que vai poder voltar para casa com sentimento de ―
dever
(ou vontade) cumprido‖. O turismo, desta forma, comercializa lembranças, na medida em
que o que mais interessa é o que ficará guardado na memória sobre a experiência –
importando muitas vezes até mais do que o presente da experiência (que pode até ter sido
frustrante em algum momento ou de alguma forma).
Buscando a ―
autenticidade‖ da cultura do outro, mas sem ―
correr riscos‖, o turista
passa por experiências que muitas vezes são baseadas em estereótipos e ―
aparências‖.
Para se transformarem em um lugar suficientemente confortável ao público, alguns
bares de reggae vêm se adaptando à realidade do mercado. O surgimento desses diversos
―
bares de reggae”, preocupados com o conforto do frequentador e com a estética do lugar, é
o início de um processo de transformação do reggae em produto turístico. Em maio de 2006,
o assunto foi discutido em uma plenária na Câmara Municipal de São Luís, proposta pelo
então vereador Pinto da Itamaraty, dono da radiola Itamaraty. Como o reggae poderia servir
de fonte geradora de renda se tornando atrativo turístico foi o principal ponto da discussão.
De acordo com os presentes na plenária (pesquisadores, empresários, políticos,
comunicadores e outras pessoas envolvidas de alguma forma com o reggae), com algumas
Calhau), Toca da Praia (Praia da Ponta D´Areia), Natty Club (Praia da Ponta D´Areia), Maritimu´s (Praia do
Olho D´Água) e Papareggae (Aterro do Bacanga). Segundo, o Guia Turístico do Reggae de São Luís, sobre o
qual falarei mais adiante, que reservou um item ao ―
reggae nos guetos‖, divulgando dois locais da periferia:
Cidinho Bar (Liberdade) e Point do Celso Cliff (Bairro de Fátima).
177
exceções, a maioria dos locais onde aconteciam as festas de reggae eram pequenos, sem
ventilação, banheiros adequados, equipamentos de segurança e saídas de emergência; e por
isso a estruturação desses locais era importante para que fossem frequentados por turistas e
Quando recebo visitantes em São
promovessem conforto aos frequentadores ludovicenses. ―
Luís e eles querem conhecer o reggae, tenho dificuldade para escolher o local adequado‖,
disse a professora universitária Ana Karen do Vale, presente na plenária, em entrevista ao
jornal Cazumbá (ano V, edição 26, maio/junho de 2006).
Assim, a ideia, segundo Pinto da Itamaraty, era estruturar os locais de reggae
oferecendo maior segurança e comodidade, sem, entretanto, alterar a dinâmica dos locais. ―
A
essência desse ritmo é que não pode ser perdida. Há uma preocupação em não
descaracterizarmos esses ambientes, mas de apenas estruturá-los‖157.
O planejamento para que essa estruturação acontecesse nos locais de reggae
começou no mesmo ano de 2006, através do lançamento do projeto da Prefeitura: ―
São Luís
Ilha do Reggae‖.
5.4. “São Luís Ilha do Reggae”: projeto para transformar o reggae em produto turístico
No Bar do Nelson, depois da reforma em 2005 (que colocou piso de cimento no
lugar da areia), outra obra foi realizada em 2008, quando um portão de alumínio foi instalado
e os banheiros reformados como parte do projeto ―
São Luís Ilha do Reggae‖, implementado
desde 2006 pela Prefeitura de São Luís, através da Secretaria Municipal de Turismo, em
parceria com o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
Além do Nelson, mais seis donos de bares158 – em geral, voltados para um público
de classe média – receberam consultoria do Sebrae em julho de 2008 e houve a elaboração de
projetos arquitetônicos para a melhoria dos ambientes interiores dos estabelecimentos. A
Secretaria Municipal de Turismo firmou parceria com o Banco do Nordeste, que financiou a
reforma dos espaços.
De acordo com a coordenadora do projeto, a turismóloga Thalisse Ramos de Sousa,
não houve uma ―
escolha‖ dos bares beneficiados; o projeto atendeu aos bares cadastrados
junto à Secretaria Municipal de Turismo. A eliminação até se chegar aos sete
157
Fala extraída de matéria do jornal Cazumbá, ano V, edição 26, maio/junho de 2006.
Os bares incluídos no projeto são: Cidinho Bar (localizado no bairro da Liberdade), Bar do Nelson (Avenida
Litorânea, praia do Calhau), Roots Bar (Centro Histórico), Creóle Bar (Lagoa da Jansen, Ponta D´Areia), Chama
Maré (Ponta D´Areia), Point do Celso Cliff (Bairro de Fátima) e Túnel do Tempo (Madre Deus). Conforme
informações da Secretaria Municipal de Turismo, em janeiro de 2009, todos os bares já haviam feito pelo menos
parte da reforma estrutural prevista no projeto.
158
178
estabelecimentos que foram efetivamente reformados foi através das diversas etapas nas
quais foram ocorrendo desistências. Desde 2006, quando o planejamento estratégico foi
apresentado à cadeia produtiva do reggae (que inclui bandas, cantores, colecionadores,
pesquisadores, grupos de dança, DJs, radioleiros, associações e ONGs, e empresários do
ramo), foi iniciado o cadastro e os proprietários dos bares foram passando pelas etapas da
fase de estruturação.
O objetivo do eixo estruturação é incrementar a infraestrutura dos locais. Ele se
limita à questão física. [...] Quando nós lançamos o projeto em 2006, eles vieram
fazer o seu cadastro, eles deram crédito para a Prefeitura. Nós pegamos todos os
cadastrados, sem fazer distinção de nenhuma, inclusive tem um cadastrado, seu
Nonato, que é lá da Vila Esperança. A gente foi lá visitar ele, conhecer o espaço
dele, como fizemos com todos os outros. É um espaço tão rústico que quando a
gente chegou lá ele serviu manga verde com sal pra gente. Então, tem ideia que é
um espaço bem assim... Mesmo assim ele foi atendido. E aí nós chamamos pra
conversar, explicamos a proposta, que é envolver o turismo. E na primeira reunião
nem todo mundo apareceu. Se você tiver interesse, você aparece [...]. Todos
receberam convite para o encontro com o Sebrae, que é parceiro no projeto de
estruturação. Nem todos compareceram. Então esse foi o critério de eliminação,
que a gente deixou bem claro. Depois foi outro procedimento, porque para esse
eixo, pra ter o resultado que a gente teve, teve a consultoria e depois a captação de
recursos. Na consultoria, outros bares foram se excluindo [...]. Depois eles foram
chamados para a gente dar os resultados, o que nós percebemos: a segurança é
assim, é assado. Os banheiros são assim. Algumas pessoas nesse momento já
foram se desligando, já não compareceram para receber os resultados. Depois
disso, dissemos: ―
olha, nós vamos fazer o projeto arquitetônico e vocês têm que se
comprometer com a reforma porque se eu vou mandar um arquiteto pra lá, tô
fazendo investimento, então tem que me dar retorno‖. Pra reformar, algumas
pessoas já começaram a desistir. O da Vila Esperança foi um que desistiu
(SOUSA, 2009).
O que se percebe na fala de Sousa é que, apesar de nenhum tipo de estabelecimento
haver sido excluído a priori do projeto, o critério econômico acabou eliminando alguns bares,
que não puderam (ou não quiseram) tomar empréstimo bancário para fazer a reforma em seus
espaços.
O programa inclui, desta forma, uma etapa de melhoria da estrutura e dos serviços
do Reggae (aqui como produto turístico) na cidade, e a oferta de cursos de capacitação
direcionados aos agentes dos diversos setores que fazem o Reggae – como, por exemplo, o
curso de gestão de negócios realizado em 2007, além de um programa de promoção, com
políticas de comunicação direcionadas para a divulgação contínua do produto nos mercados
local, nacional e internacional, e um programa de relacionamento, com ações voltadas para
melhorar a imagem do Reggae junto aos formadores de opinião e à comunidade em geral.
Segundo o folder de divulgação do projeto, o objetivo é
179
promover o Reggae como produto turístico, por meio do fortalecimento de sua
identidade, valorização dos costumes locais, da articulação e integração dos
segmentos, visando a satisfação dos visitantes, comunidade e agentes dos
segmentos do Reggae em São Luís.
Para atingir esses objetivos, o projeto lançou, em dezembro de 2008 (final da gestão
da secretária de Turismo, Socorro Araújo), o ―
Guia Turístico do Reggae de São Luís‖.
Conforme release de divulgação do Guia, o impresso tinha como meta
promover o reggae local destacando seus aspectos históricos e culturais e suas
particularidades, a fim de encantar os visitantes. De forma didática, prática e
ilustrativa, o Guia busca informar turistas, massa regueira e comunidade em geral
sobre o desenvolvimento do reggae local, indicar possibilidades para os turistas
visitarem as festas de reggae ludovicenses e instruir o trade turístico
(principalmente hotéis, agências e guias de turismo) sobre o movimento. Na
publicação, o leitor encontrará, além das informações sobre as casas de reggae, um
conteúdo diferenciado que contempla a história do reggae local, comentários a
respeito de quem é o regueiro ludovicense, dos segmentos que compõem o reggae,
um mini-glossário com expressões típicas do movimento, entre outras informações
que apresentam as particularidades do reggae de São Luís.159
Figura 51 - Reprodução da capa do Guia Turístico do Reggae de São Luís
O Guia ainda não traz um roteiro turístico. Mas a intenção da Secretaria Municipal
de Turismo (na gestão de Socorro Araújo) era fomentar a cadeia produtiva do reggae para
que um roteiro pudesse ser elaborado.
159
Release distribuído à imprensa pela Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Luís, no dia 17 de
dezembro de 2008.
180
A proposta é que a gente tenha um roteiro. Mas aqui no Guia o que a gente tem
ainda não é um roteiro. É a indicação de alguns locais de festa [...]. Pro roteiro, o
que seria ideal: antes de você chegar na festa, que você fosse a um local com
exposição, alguma galeria, não precisava nem ser museu... que contasse um pouco
da história. Depois a gente podia marcar pra eles verem um ensaio de um grupo de
dança, mas a gente precisa articular esse segmento. ―
Garotinhos Beleza, que horas
tu ensaia? Onde?‖ ―
A qualquer hora, em qualquer lugar‖. ―
Tu tem que ter um
lugar e hora marcada, porque eu posso levar turista lá pra ver‖. ―
GDAM,
Garotinhos vai ensaiar terça e quinta. Não bota terça e quinta que tu vai concorrer
com eles. Tem que ser segunda e quarta‖. ―
Fulano de tal, tu é colecionador, tu tem
uma garagem legal, quer ganhar um troco? Põe tuas peças lá que a gente leva
turistas, paga uma entrada pra eles conhecerem teu acervo‖. A gente tem que ter
um restaurante, que servisse comida jamaicana... mas não tem. A ideia agora em
2009 é ampliar esse movimento. O guia pode ser alguém da própria comunidade,
que conhece bem o reggae. Os grupos de dança já podem vender suas camisas e
souvernires para manterem o seu trabalho (SOUSA, 2009).
O objetivo da Secretaria é, portanto, fazer com que os grupos de dança e outros
envolvidos com a produção do reggae se enquadrem na lógica da indústria turística. O
questionamento que pode ser feito é quanto à perda da espontaneidade: se o grupo de dança
Garotinhos Beleza passar a ter hora e local marcado para o ensaio, não vai estar sendo
alterada a dinâmica do grupo? E se esses ensaios passarem a ser assistidos por turistas, será
que vão ser como os ensaios habituais? Se as apresentações forem formatadas para o turismo,
será que não vão se tornar apresentações espetacularizadas como ocorre com o bumba-meuboi e com o tambor de crioula? Hoje, os grupos folclóricos fazem exibições especificamente
para turistas: mais curtas, com vestimenta muitas vezes diferente da comumente usada. No
caso do bumba-meu-boi, o auto pode deixar de ser apresentado, por exemplo, como explicou
Uma apresentação leva normalmente entre
a dona do Boi da Fé em Deus, Terezinha Jansen: ―
45 minutos a uma hora, envolvendo ou não a comédia, de acordo com o gosto do contratante‖
(apud MARQUES, 1999, p. 144). A preocupação com a intervenção da indústria turística na
dinâmica dos grupos de tambor de crioula fez Ferretti (2002, p. 143) tecer a seguinte
argumentação:
As festas populares vão perdendo sua espontaneidade e sendo transformadas em
apresentações para turistas, realizadas em hotéis, teatros e praças públicas para
serem apreciadas confortavelmente por pessoas de outras camadas sociais. O povo
embora goste e continue fazendo suas festas, não tem maior acesso a estes locais e
aos benefícios desta apropriação que tende a prejudicar sua própria criatividade
com a transformação de um ritual marginal, num espetáculo valorizado em função
de outros interesses.
Embora altere a vida das comunidades onde se insere, na medida em que as
manifestações culturais e os costumes locais passam por um processo de adaptação à lógica
do mercado, o turismo pode também contribuir para o desenvolvimento social e econômico
da comunidade, como defende a coordenadora do projeto ―
São Luís Ilha do Reggae‖:
181
Nos seminários realizados, a gente tem essa pergunta constantemente: ―
ah, a gente
tá querendo enfeitar, fazer uma coisa pra inglês ver? Propriamente pro turista?‖.
Não. É aquilo que a gente já tem, só que agregado a esse elemento alguns fatores
de qualidade. Não é que a gente queira transformar o clube, por exemplo, numa
coisinha lindinha, pro turista ver e achar que tá tudo perfeito. Aquele clube que já
atende a comunidade, atende de uma forma insatisfatória, não contempla certos
quesitos como, por exemplo, a qualidade dos banheiros, do atendimento, critérios
de segurança. Esse mesmo clube vai sofrer alterações para que continue atendendo
a comunidade, só que agora dando mais segurança pra que as pessoas que
trabalham com turismo possam indicar para que turista comece a frequentar [...]. E
também vai tá agregando valor ao seu espaço com a presença do turista, que vai
consumir e deixar renda. O produto turístico seria o que nós já temos, mas atrelado
a isso alguns elementos que atendem aos padrões comerciais, porque fica muito
complicado a gente indicar uns locais porque você tem dúvida quanto à questão da
segurança, você é co-responsável quando você faz uma indicação (SOUSA, 2009).
Apesar da preocupação demonstrada pelos gestores do projeto São Luís Ilha do
Reggae (a mesma já explicitada em 2006 pelo então vereador Pinto da Itamaraty, durante a
audiência na Câmara Municipal) com o bem estar dos frequentadores dos locais de reggae,
com o conforto e a segurança da ―
comunidade‖, essa preocupação só se transforma em ação
quando há visitantes envolvidos. Em outras palavras, as políticas públicas voltadas para o
reggae só começam a ser pensadas e implementadas quando se percebe o potencial turístico
do segmento. Isso fica mais evidente ainda na fala do secretário Municipal de Turismo (da
gestão que se iniciou em 2009), Liviomar Macatrão (2009), quando ele comenta as mudanças
do projeto na troca da direção do Município:
A grande mudança é o nome da comissão, que será agora Comissão Integrada do
Reggae e Turismo. E na composição teremos quatro representantes do trade
turístico [...]. Porque antes as discussões giravam em torno da política cultural do
reggae. Aqui vamos discutir o reggae ligado ao turismo. A política cultural, pra
aprimorar, pra melhorar, aperfeiçoar, e tratar tudo isso como produto turístico. A
gente acredita que com essas mudanças a gente vai conseguir resultados melhores.
As ações são, portanto, para incrementar o turismo e as melhorias nos
estabelecimentos são para os turistas, embora terminem por beneficiar a comunidade local.
Essa crítica foi feita em artigo assinado por quatro integrantes da Comissão Integrada do
Reggae160, publicado em janeiro de 2009, no Jornal Pequeno 161:
160
A Comissão Integrada do Reggae é composta de representantes de casas, clubes, bares, bandas, cantores,
grupo de danças, radiolas e Djs de reggae; de colecionadores e pesquisadores; de produtoras e gravadoras; de
associações, ONGs e conselhos; de comunicação e mídia. Foi criada em 2006, segundo release divulgado à
imprensa, com o intuito de ―
gerir o projeto São Luís Ilha do Reggae, realizado pela Prefeitura de São Luís,
através da Secretaria Municipal de Turismo, com objetivos de desenvolver uma oferta organizada do reggae,
visando fortalecer a sua identidade como produto turístico, seus aspectos referenciais e estruturais, além de
valorizar sua importância na composição da diversidade cultural de São Luís‖.
182
[...] com o passar do tempo e da vivência da CIR [Comissão Integrada do Reggae]
com a Setur [Secretaria Municipal de Turismo] as coisas foram ficando claras e os
papéis sendo realmente definidos. Primeiro, não era desejo da Setur estabelecer
conjuntamente com a CIR políticas públicas para o reggae. Nunca nos enganamos
que o projeto era de uso político e que nós estaríamos ali até quando fosse do
interesse da Setur. Segundo, os interesses da CIR e da Setur eram antagônicos e
ainda o são [...]. Há muitos anos o Movimento Reggae clama e pede aos órgãos da
segurança e às autoridades de São Luís, pelo reconhecimento, de fato, da sua
existência, e que seja respeitada a sua importância para a população desta Ilha. E
pedimos pouco, apenas queremos ter uma polícia que vá aos locais de reggae para
garantir a segurança e a paz de seus frequentadores. Queremos uma rua iluminada
e em condições de trafegabilidade, porque a grande maioria dos seus adeptos
acolhe a esses locais a pé. Portanto, precisamos de ruas com iluminação, sem
buracos esgotos e lama.
No mesmo artigo, os membros da CIR reprovaram o lançamento do Guia Turístico
do Reggae de São Luís, reclamando de terem sido excluídos da finalização da publicação e
tecendo várias críticas quanto ao conteúdo do Guia.
5.4.1. Guia Turístico do Reggae de São Luís: intenções e contradições
A publicação da Secretaria Municipal de Turismo foi lançada no dia 18 de dezembro
de 2008, final da gestão do prefeito Tadeu Palácio. Com uma tiragem de três mil exemplares,
o Guia Turístico do Reggae de São Luís seria distribuído em hotéis, agências e postos de
informação turística, conforme informou o release de divulgação do lançamento, distribuído
à imprensa no dia 17 de dezembro de 2008.
É um folheto com 32 páginas em formato de bolso (18x10cm), bastante ilustrado e
com muitas fotos que fazem referência às paisagens de São Luís e às representações do
reggae, tais como o paredão de caixas de som de uma radiola, pessoas vestidas a caráter
(com boinas e roupas nas cores do reggae e cabelos com dreadlocks), dançando em par ou só.
A predominância de cores da publicação é: branco (cor das páginas), amarelo, vermelho e
verde (cores das listras verticais que molduram todas as páginas do Guia; e também bastantes
presentes nas fotos, compondo o visual dos modelos fotografados), e preto (além de ser a cor
das letras de todos os textos, está na roupa das pessoas fotografadas).
161
Artigo intitulado ―
Comissão Integrada do Reggae (CIR) e o embuste municipal‖, publicado em 06 de janeiro
de 2009, assinado por Tarcisio Ferreira Selektah, Célia Sampaio, Cláudio Farias e Jorge Lobato Black.
Disponível em: <http://www.jornalpequeno.com.br/2009/1/6/Pagina94913.htm>. Acesso em 10 de janeiro 2009.
183
Imageticamente, o Guia recorre aos estereótipos, assim como a maioria das
publicações turísticas analisadas. A intenção ao exibir, por exemplo, tanto na capa quanto
dentro do Guia, em uma foto de página inteira (p. 12) um paredão de muitas caixas de som,
nas cores amarela e preta, é mostrar uma peculiaridade do reggae em São Luís: as radiolas,
com essa imagem impressionante, são um atrativo para o turista, que não está acostumado a
ver esse tipo de aparelhagem. Assim como a foto do jovem negro e sorridente, de cabelos
encaracolados, vestido com calça preta e camiseta do Bloco GDAM (nas cores preta,
vermelha, amarela e verde), com um cordão de tucum no pescoço e um rádio no ombro,
como se ouvisse reggae andando pelas ruas da Praia Grande, parece dizer ao turista ―
aqui há
regueiros em toda parte; em qualquer lugar se escuta reggae‖. Imagens como esta contribuem
para que os turistas pensem ―
que vão encontrar um rastafári em cada esquina‖, como me
disse o guia de turismo Adson Soares.
Figura 52 - Reprodução das páginas 12 e 19 do Guia Turístico do Reggae de São Luís
Quase todos os homens fotografados no Guia usam dreadlocks e em todas as fotos
as pessoas usam roupas com as cores do reggae, reforçando um estereótipo, embora o texto
diga:
O uso de tranças nos cabelos (dreadlocks) está mais ligado às questões de estética
da negritude para uma militância em movimentos negros do que a uma
identificação com o reggae, uma vez que não existe uma forte relação entre os
Movimentos Negros em São Luís com o Movimento Reggae. Atualmente, as
vestimentas dos frequentadores dos ambientes do reggae não apresentam um
destaque especial, embora alguns regueiros usem camisas com figuras de Bob
184
Marley ou com as cores da Etiópia (verde, vermelho, amarelo e preto). Os
frequentadores mais jovens preferem uma vestimenta muito esportiva, composta
na maioria das vezes por camisetas, bermudas e tênis de marcas relacionadas com
esportes radicais, tais como o surf e o skate (p.14).
A qualidade de algumas fotos denuncia uma possível pressa para finalização da
publicação: algumas fotos estão desfocadas, outras parecem ter perdido a resolução quando
ampliadas (p. 21-23). Além disso, há três fotos com os mesmos modelos, na mesma posição
(um olhando para o outro, de frente, a mulher com os braços entrelaçando o pescoço do
homem e este com as mãos na cintura dela), só que em cenários diferentes do Centro
Histórico, parecendo uma montagem (foto na capa e nas páginas 7 e 25).
Figura 53 - Reprodução dos detalhes de fotos da capa e páginas 7 e 25 do Guia
Há ainda uma foto de um casal dançando ―
agarradinho‖, na qual, perceptivelmente
uma boina colorida foi posta digitalmente na cabeça do homem (p. 24) – é a mesma boina
que vem nos títulos de cada item tratado no Guia. As fotos utilizadas na publicação foram
feitas por cinco fotógrafos e também extraídas dos arquivos da Setur e do GDAM.
Figura 54 - Reprodução do detalhe da boina posta digitalmente na cabeça do dançarino
185
Se as imagens apontam para uma pressa na conclusão do Guia, o texto feito pelo
pesquisador José de Ribamar Mendes Bezerra 162, com complemento de Thalisse Ramos de
Sousa e Ana Kate Linhares (ambas técnicas da Setur), praticamente não tem erros gráficos ou
de digitação, o que demonstra que não deve ter sido confeccionado de última hora e que deve
ter havido uma revisão.
Durante o decorrer do texto, os vários estereótipos que são afirmados ajudam a
construir uma imagem do reggae ludovicense. Embora o texto não exclua as segmentações
do fenômeno na cidade, o Guia busca textualmente reforçar características que condensem e
unifiquem o movimento, descrevendo sempre ―
o‖ reggae de São Luís:
[...] o reggae foi ganhando cores locais que o diferenciam não só do reggae
jamaicano como também do ouvido e dançado em outras capitais nordestinas,
brasileiras, como Fortaleza, onde predomina o reggae feito por bandas, e
Salvador, onde o reggae é apresentado principalmente nos bares [...]. Aqui,
diferentemente de outras localidades, o reggae é dançado aos pares, ou melhor, é
dançado agarradinho, em uma coreografia sensual que mescla movimentos
característicos do merengue, do bolero e do forró (p.7).
É a radiola que dá o tom da festa, que difunde o ritmo, que faz o clube encher, ou
melhor, derramar, bombar, como se diz entre as pessoas do reggae (p.13).
De acordo com Pereira e Ornelas (2005, p.10), para o turismo, os estereótipos são
―
elementos indispensáveis no processo de categorização, na medida em que oferecem os
recursos necessários para simplificar, retirar as ambiguidades [...] durante os encontros
sociais‖. Assim, apesar de o próprio Guia afirmar em outros momentos que existem bandas
de reggae que mobilizam o público em bares e em festivais, é a radiola que é sempre citada
como parte daquilo que faz a identidade do reggae ludovicense, pois o diferencia daquele
feito em outros locais, assim como a forma de dançar aos pares, que, mesmo de não sendo a
única, é a que torna a cidade peculiar.
Considerando-se que o Guia é feito prioritariamente para turistas, ao dizer que ―
vale
ressaltar que o reggae em São Luís não é frequentado exclusivamente por negros ou por
outras pessoas da periferia. Há, nesse universo, pessoas de diferentes etnias e de todas as
camadas socioeconômicas‖ (p.14), o texto parece querer explicar ao visitante que, embora a
população negra das periferias seja o principal público frequentador dos reggaes, o turista
pode ―
se despreocupar‖ e ir ao reggae para conhecer o ritmo, pois há também pessoas de sua
camada socieconômica frequentando esses locais. Assim, apesar da exaltação dos regueiros,
162
De acordo com seu currículo lattes, José de Ribamar Mendes Bezerra tem doutorado em Letras e Linguística,
e já realizou pesquisa sobre o ―
sistema léxico-semântico da comunidade regueira ludovicense‖.
186
da massa e das radiolas, o turista é ―
guiado‖ a ir para locais onde nenhum desses elementos
está presente, uma vez que se presume que ele faz parte de um público ―
mais exigente‖:
Os bares são os locais onde se pode combinar bebidas populares variadas com um
bom reggae. Existem pequenos bares nos bairros de São Luís especialistas em
reggae de qualidade, onde se pode encontrar os regueiros mais autênticos e
representativos do movimento.
As casas e os clubes de reggae são locais onde se pode dançar e ouvir uma boa
pedra. Estes espaços desempenham um papel fundamental para a expansão e
divulgação do reggae em São Luís. Existem clubes que apresentam uma boa
estrutura de funcionamento e que se localizam em bairros considerados de classe
média; outros situados na periferia da cidade e apresentam espaços menos
privilegiados com relação à infra-estrutura, contemplando, assim, um público
menos exigente (Idem, p.18).
Há uma violência simbólica praticada pela Setur no Guia Turístico, pois, embora dê
visibilidade aos frequentadores dos clubes de reggae (e, em vários momentos, exalte um
regueiro genérico), esses são estereotipados e chamados de ―
público menos exigente‖.
O Guia não traz efetivamente um roteiro turístico, como admitiu em entrevista a
coordenadora do Projeto São Luís Ilha do Reggae, mas no item intitulado ―
Roteiro Turístico
– O caminho das pedras‖, traz a indicação de sete locais onde se toca reggae (descrevendo o
tipo de festas, tipo de reggae que toca, quando e em que horário as festas acontecem,
endereço e telefone do local), divididos em quatro subitens: ―
Reggae e Patrimônio Cultural‖,
citando o Roots Bar, localizado no Centro Histórico; ―
Reggae nas Praias‖, incluindo o Chama
Maré, Creóle Bar e Bar do Nelson, situados na Ponta D´Areia e Calhau; ―
Reggae e
Diversidade Cultural‖, com o Túnel do Tempo, bar que fica na Madre Deus; e ―
Reggae nos
Guetos‖, com Cidinho Bar e Point do Celso Cliff, bares localizados nos bairros da Liberdade
e de Fátima, respectivamente.
O que se observa é que a maioria dos bares sugeridos (os quatro primeiros) está
situada em pontos turísticos e é frequentada principalmente pela classe média. O Bar do
Nelson, por exemplo, é descrito como ―
um dos principais points da juventude regueira de São
Luís, com garantia de animação e agito‖ (p.26). Os demais bares são descritos como
―
modestos‖, ―
pequenos‖, ―
mas aconchegantes‖. Eles estão localizados em bairros mais
populares (Madre Deus, Liberdade e Bairro de Fátima). A pergunta que pode ser fazer é: será
que, pela descrição, o turista vai se interessar em conhecer os três últimos bares?
Comparando as seguintes descrições do Chama Maré (p.26) e Cidinho Bar (p.28), por qual
dos locais o turista deve optar?
187
Figura 55 - Reprodução de detalhes das páginas 26 e 28 do Guia
Certamente, a ―
belíssima vista para o mar‖, a ―
sequência musical de reggae e
músicas caribenhas‖ e o ―
menu de comidas típicas‖ parece melhor ao turista que o ―
som
mecânico‖ no ambiente no qual ―
é possível dançar apesar das mesas e cadeiras‖, onde ocorre
venda de ―
alimentação e bebidas‖.
Para além dessas comparações, membros da Comissão Integrada do Reggae
questionaram, em artigo publicado dia 6 de janeiro de 2009, no Jornal Pequeno 163, a exclusão
de locais considerados importantes dentro do cenário do reggae ludovicense.
Arbitrariamente, fomos informados que o guia dos bares foi retirado do cadastro
que a Prefeitura tinha.
Algo que ficou imperdoável neste guia foi a omissão de bares tradicionais tais
como o Kingston 777, de Júnior Black; Bar do Porto, na Praia Grande; Point do
Magno Roots, no Bairro de Fátima; Ritmo da Ilha, de Gabriel, no São Cristóvão;
Conexão Roots, no Anjo da Guarda. Negar a existência dos mesmos, no circuito
de bares de reggae da Ilha, é como negar o reggae enquanto uma cultura
enraizada no Maranhão. Os casos mais evidentes e gritantes dessa omissão são no
que se refere ao Kingston 777 e o Bar do Porto, que já são consagrados na história
do reggae na Ilha.
163
Disponível em <http://www.jornalpequeno.com.br/2009/1/6/Pagina94913.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de
2009.
188
Segundo me informou Sousa, o cadastro da Prefeitura tem outros bares (todos que
procuraram a Secretaria para fazer o cadastro), mas, como o Guia Turístico foi uma etapa do
projeto São Luís Ilha do Reggae, a Setur incluiu no folheto apenas os locais que efetivaram a
fase de estruturação física, alegando que só é prudente indicar aos turistas lugares sobre os
quais ―
se tem certeza da segurança, conforto e bom atendimento [...]. Se a gente quer
comercializar aquele espaço, quer vender a imagem dele, indicar, fazer com que as pessoas
consumam esse local, a gente tem que ter alguns critérios‖ (SOUSA, 2009).
Assim como o critério para selecionar os bares recomendados pelo Guia foi incluir
somente os que passaram pela etapa de estruturação física, os contatos de bandas, cantores,
pesquisadores, produtores, colecionadores, grupos de dança, DJs, ONGs e Associações,
comunicações e mídia, radiolas e lojas de CDs/camisas que estão presentes na publicação são
de pessoas e entidades que procuraram a Setur para fazer o cadastramento, o que causou
também algumas distorções. Assim, por exemplo, enquanto o Guia indica oito bandas, inclui
somente quatro radiolas, quando se sabe que existem em São Luís muito mais radiolas que
bandas de reggae. Conforme o próprio Guia, são mais de sessenta radiolas na cidade. Esse
número expressivo é dito para demonstrar a importância que as radiolas têm, enquanto as
bandas são citadas como um movimento no mínimo secundário (a publicação sequer fez um
levantamento do número de bandas ou mesmo mencionou os nomes dos grupos, como fez
com as radiolas). Aliás, o Guia traz uma página inteira dedicada às radiolas (p.13, item
intitulado ―
O reggae aportou na Ilha‖), na qual se explica o que são, como funcionam, sua
importância para o reggae ludovicense e se fala da mobilização dos regueiros e fãs-clubes em
torno das mesmas. Já as bandas maranhenses são citadas apenas em um parágrafo dentro de
um texto sobre as ―
Tribos do reggae‖, juntamente com DJs, radiolas (onde, mais uma vez, é
destacada a sua importância), cantores, dançarinos, estúdios de gravação, associações e
ONGs, bares, clubes e veículos de comunicação. No entanto, no momento de indicar ―
alguns
representantes dos principais segmentos da cadeia produtiva do reggae de São Luís que estão
cadastrados no Banco de Dados da Secretaria Municipal de Turismo‖ (p.29), o número de
bandas é o dobro que o de radiolas. Talvez isso se explique porque as bandas são
identificadas pelo Guia como tendo um público de classe média, onde se encaixam os
turistas:
Existe uma banda de reggae maranhense que é muito famosa. Já conquistou
projeção internacional e viaja pelo mundo exibindo-se em grandes espetáculos e
só se apresenta em São Luís em ocasiões especiais. Outras bandas locais com
projeção nacional e regional, em geral, se exibem nos clubes frequentados pela
população jovem da camada média da sociedade de São Luís (p.17).
189
Além disso, há que se considerar que, se os representantes foram colhidos do banco
de dados da Setur, isso demonstra um certo desinteresse das radiolas em fazer parte do
projeto da Prefeitura, talvez por serem, de certa forma, auto-suficientes e terem, ao longo dos
anos, buscado meios alternativos de divulgação, que não se pautam pelas iniciativas
governamentais.
No Guia nós temos a indicação das radiolas que vieram se cadastrar como
radioleiros. A gente sabe da existência das radiolas, mas que elas também têm
festas muito itinerantes. Então não dá tipo pra dizer todo sábado tu vai ver a
Itamaraty em tal lugar porque elas fazem festa na cidade toda. E todo mundo que
foi cadastrado tá no Guia. Alguns não estão porque não foram cadastrados.
Inclusive, é uma indignação de muitos DJs. Talvez se tu for conversar com eles,
eles vão falar mal horrores. ―
Ah, porque fulano trabalha com isso há tantos anos!‖
Se não procurou a Secretaria, daí a gente não teve como fazer a indicação
(SOUSA, 2009, grifo meu).
Desta forma, a Secretaria Municipal de Turismo se afirma como órgão que tem
autoridade e poder para dizer o que é e quem faz o reggae em São Luís. No entanto, as
radiolas parecem não reconhecer essa legitimidade da Setur para afirmar quem deve e quem
não deve estar em uma publicação sobre reggae.
Apesar das radiolas não se fazerem tão presentes no Guia (em termos de indicação),
a referência ao ―
mundo‖ das radiolas aparece em vários momentos, direta ou indiretamente.
No item ―
A linguagem das pedras‖, por exemplo, é apresentado um pequeno glossário com
os significados de algumas expressões do reggae ludovicense, extraída da ―
linguagem‖ da
―
gente do reggae‖:
É também, por meio da língua, veículo da cultura e reflexo da identificação e da
diferenciação de cada comunidade, que o regueiro se identifica e se reconhece
como membro de um grupo social, pois usa uma linguagem que o caracteriza.
Assim, no universo do reggae maranhense palavras e expressões se (re)inventam
e vivências, da visão do mundo, dos valores e do fazer da gente do reggae (p.24).
A linguagem da qual o Guia trata é a dos fãs das radiolas e não do universo do
reggae ludovicense como um todo, já que este é extremamente diverso e fragmentado. Pude
comprovar durante o trabalho de campo que entre as dezessete palavras e expressões citadas
no Guia, apenas ―
magnata‖, ―
massa regueira‖, ―
melô‖, ―
pedra‖, ―
radioleiro‖ e ―
sequência‖
são compreendidas pela maioria dos frequentadores do Bar do Nelson, por exemplo; e
também são conhecidas por ludovicenses que nem frequentam ou gostam de reggae, uma vez
que foram disseminadas pela mídia, pelo trade turístico e pelos vários agentes do reggae (tais
190
como cantores, bandas e DJs), além de terem sido objeto de inúmeros estudos acadêmicos 164.
Entretanto, grande parte das pessoas questionadas nos bares de classe média sobre expressões
como ―
bater bem‖, ―
caber na pontuação‖, ―
dar roça‖ e ―
passar o pano‖ não sabia exatamente
do que se tratavam. Isso significa que, embora as expressões sejam curiosas (e o curioso
interessa ao turismo, pois atrai o turista), dificilmente o turista que for a um local de reggae
de classe média vai ouvi-las de um nativo.
Outro artifício utilizado pela publicação para atrair turistas para São Luís é explicitar
que o reggae na cidade ocorre todos os dias da semana, durante o ano inteiro. Diferentemente
dos festejos da cultura popular, que têm data pra acontecer (como as festas juninas, que são
estendidas no máximo ao mês de julho com o projeto Maranhão Vale Festejar), o Guia quer
deixar claro no item ―
Reggae o ano todo‖ que o turista pode visitar São Luís em qualquer
época do ano para conhecer o ritmo que veio da Jamaica. Para isso, esclarece que o reggae se
faz presente no carnaval, no São João e em festas como o Divino Espírito Santo e o Natal.
Seguindo com as exemplificações de festas de reggae durante o ano todo, o Guia
menciona ainda: Os Homens das Pedras, Reggae do Ciclista, Festa da Beleza Negra, Festa da
Recordação, Festa da Paz, Aniversário do Espaço Aberto, Reggae das Havaianas, Aniversário
da Morte de Bob Marley, Reggae do Trabalhador e Festival do Peixe Serra. Quase todas
essas festas acontecem nas periferias da cidade e são promovidas pelas radiolas. Com
exceção da ―
Morte de Bob Marley‖ (a festa é realizada há 18 anos no Circo da Cidade, no
Centro), a divulgação dessas festas é feita pelos programas de rádio e de televisão ligados às
radiolas, ouvidos e vistos principalmente pelas classes populares. Somente a festa para Bob
Marley tem espaço na mídia hegemônica do estado, com matérias e entrevistas nos jornais de
grande circulação e nos telejornais da Mirante e da Difusora, por exemplo. Assim, embora o
Guia cite todas essas festas para dar uma dimensão da disseminação do reggae na capital
maranhense, dificilmente o turista irá ouvir falar delas ao chegar em São Luís e buscar
informações nas agências de viagens e balcões de informação turística.
Em destaque nesta mesma página (p.23), o texto ―
São realizados também, festivais
musicais, destacando-se os seguintes: Cidade do Reggae, Festival Internacional do Reggae,
Maranhão Roots Reggae Festival, Maranhão Reggae Music e o Unireggae‖ ignora que de
todos estes festivais, em 2008, quando foi publicado o Guia, os únicos dois que continuavam
164
Para citar alguns: ―
Reggae e identidade cultural: um estudo sobre o sistema léxico-semântico da comunidade
regueira ludovicense‖, de J.R.Mendes Bezerra e Anairan Jeronino da Silva, publicado no Caderno de resumos do
V Encontro Humanístico, em 2005. ―
O reggae ludovicense: uma leitura do seu sistema léxico-semântico‖.
Monografia de conclusão da Graduação em Letras - UFMA, de Elaine Peixoto Araújo, em 2003. E ―
O
canibalismo fonético do Maranhão‖, artigo publicado na revista Língua Portuguesa, ano 1, n° 1, 2005, por Flávia
Perin.
191
a acontecer eram o Unireggae e o Cidade do Reggae. O que se percebe é que a intenção da
publicação é sempre demonstrar a enorme dimensão que o reggae tem na cidade,
independentemente do que o turista vai encontrar na prática.
Já na ―
Apresentação‖, assinada pela então secretária municipal de Turismo, Socorro
Araújo, essa ideia de que o reggae está em todo lugar fica evidente. O ritmo é apresentado
não como uma mera ―
importação‖, mas como um elemento que compõe de forma marcante a
identidade de São Luís:
Desde que chegou na Ilha de São Luís há mais ou menos quatro décadas o reggae
vem enriquecendo nossa cultura, ganhou uma personalidade, transmitiu valores,
caracteriza gerações e constitui uma filosofia de vida. Instalaram-se clubes e
espaços destinados ao reggae em quase todos os bairros da cidade. Festas
animadas pelo reggae roots ou pela batida do som mecânico. O certo é que não há
em São Luís um movimento musical, que depois de tantas influências movimente
maior cadeia produtiva (p.6).
Depois desse primeiro parágrafo, o texto passa a discorrer sobre a ação da Prefeitura
por meio do Planejamento Estratégico do Reggae, da parceria com o Sebrae e do Projeto São
Luís Ilha do Reggae. A apresentação, então, não parece ser do reggae ludovicense, mas das
iniciativas da Secretaria Municipal de Turismo. E não parece ser dirigida aos turistas (que
interessa aos turistas o projeto em si?) e sim às entidades ligadas ao reggae e à sociedade em
geral como uma demonstração do trabalho desenvolvido pela Prefeitura da cidade.
Neste ano a Setur celebrou uma decisiva parceria com o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae-MA. Estamos realizando juntos
um trabalho profissional. Para cada bar de reggae parceiro do Projeto São Luís
Ilha do Reggae foi viabilizada consultoria para elaboração de um projeto
personalizado para melhorar a qualidade do ambiente físico das festas e dos
serviços por eles oferecidos. Mas também incentivamos o empreendedorismo ao
oferecer cursos que motivassem nossos parceiros do reggae a fazer crescer seus
negócios, em suas respectivas áreas [...].
Este Guia Turístico é um produto de muita qualidade para quem quer entender
como foi possível que um pedacinho da Jamaica tenha se adaptado tão bem em
São Luís do Maranhão (p.6).
Todavia, em janeiro de 2009, uma nova gestão assumiu a Prefeitura da capital
maranhense. O Guia Turístico do Reggae de São Luís, lançado em dezembro de 2008 (último
mês do mandato de Tadeu Palácio e da secretária de Turismo, Socorro Araújo), ―
deixou de
ser distribuído‖ por determinação do novo secretário municipal de Turismo, Liviomar
Macatrão, que me explicou de forma sucinta o motivo da não utilização do Guia em
entrevista (2009): ―
A gente não tem ainda um roteiro turístico. E por isso, o Guia não poderia
ter sido feito. Se você não tem um roteiro... a gente nem vai usar‖. No balcão de Informações
Turísticas do aeroporto, me disseram que o Guia Turístico do Reggae de São Luís ―
foi
192
entregue somente para ficar no arquivo. A gente só tem um exemplar. A senhora pode ligar
na Central de Informações da Prefeitura, até porque aqui é do Estado e o Guia foi lançado
pela Prefeitura‖. Já na Central de Informações Turísticas do município, fui informada pelo
atendente que ―
o Guia ainda vai ser lançado‖. Quando insisti perguntando sobre o Guia
Turístico lançado no final de 2008, ele me disse desconversando que ―
essa publicação não
tem mais‖. 165
Aparentemente, o Guia foi recolhido ou sequer chegou a ser distribuído. Algumas
agências de viagem e hotéis por mim contatadas nem chegaram a tomar conhecimento da
publicação. No mesmo dia que entrevistei Macatrão, o assessor técnico da Setur, Fábio
Abreu, deu uma palestra sobre o Projeto São Luís Ilha do Reggae, como parte da
programação do III Seminário Reggae e Turismo, e mencionou em dois momentos o Guia
Turístico:
Já tivemos o primeiro momento, que foi o Guia. O Guia recebeu críticas, mas a
intenção agora do Guia é aperfeiçoamento, é contemplar o máximo de
equipamentos possíveis. Então vamos pensar em aperfeiçoar o equipamento já
existente [...].
Temos um programa de promoção e divulgação. Infelizmente, no eixo de
promoção do reggae nós estamos trabalhando até agora com o Tributo e o Guia,
precisamos de mais ferramentas, mais participação da mídia promovendo as ações
de vocês.
Se o Guia não estava sendo utilizado, nem divulgado ou distribuído, como poderia
ser uma ferramenta de promoção? Dos quatro eixos explanados por Fábio Abreu
(estruturação, qualidade, promoção e relacionamento), o eixo de promoção pareceu ser o que
menos foi efetivado até aquele momento. Esses e outros aspectos bastante conflitantes foram
abordados no III Seminário Reggae e Turismo, realizado no em maio de 2009, pela Secretaria
Municipal de Turismo e Grupo de Dança Afro-Malungos (GDAM).
5.4.2. Seminário Reggae e Turismo: que reggae é esse?
No dia em que fiz a entrevista com Sousa, na Secretaria Municipal de Turismo, fui
cadastrada como ―
pesquisadora de reggae‖ no banco de dados da Setur. Naquele encontro,
ela me convidou para participar do próximo seminário que seria realizado sobre Reggae e
Turismo, me adiantando que essas reuniões são sempre muito ricas, pois há diversas
discussões e conflitos de interesses e de opiniões. Assim, recebi a ligação da Secretaria
165
Ao falar com os atendentes, não me identifiquei como pesquisadora, pois assim pude ouvir a resposta que um
turista ou qualquer outro interessado obtém. As ligações foram feitas em agosto de 2009. As identidades dos
interlocutores foram preservadas para não prejudicá-los.
193
avisando da data do evento, e no dia 28 de maio de 2009, fui até a sede da Setur acompanhar
o III Seminário Reggae e Turismo, com duas mesas redondas, muita polêmica, discursos ora
antagônicos, ora convergentes, apresentação do Planejamento Estratégico do Reggae e
eleição dos novos membros da Comissão Integrada do Reggae e Turismo – Cirt
(anteriormente denominada apenas Comissão Integrada do Reggae).
O evento contou com cerca de oitenta pessoas envolvidas com reggae (cantores,
bandas, associações, ONGs, bares, colecionadores, pesquisadores, DJs, grupos de dança,
produtoras, gravadoras, radiolas, imprensa, casas e clubes de reggae) e do trade turístico
local. Acredito que os presentes ali deveriam, assim como eu, estar cadastrados na lista da
Setur e devem ter recebido o convite por telefone também. Portanto, apesar de o evento ser
aberto a quem se interessasse e ter sido divulgado através da imprensa (havia, inclusive, duas
equipes de televisão fazendo a cobertura do Seminário), é provável que grande parte da
plateia fosse de pessoas que estão no cadastro da Secretaria.
A eleição da Cirt aconteceu no final do evento, sem nenhum tipo de confusão. Antes
da eleição da Comissão, que foi realizada já à noite, durante toda a tarde várias discussões
ocorreram.
As primeiras falas, na mesa de abertura, tiveram um tom político e foram todas no
sentido de consolidar o reggae como produto turístico:
Queremos vocês, cadeia produtiva do reggae, como parceiros, mas de forma
organizada. Nós precisamos de vocês, do show, do espetáculo. Temos consciência
da importância do reggae para o turismo no Maranhão (Alexandre Brandão, vicepresidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Maranhão – ABIH,
2009, grifo meu).
As palavras de Brandão demonstram a intenção de disciplinamento do reggae por
parte das instituições públicas e privadas que pretendem incentivar o turismo e se denominam
legítimas para dizer como deve ser a dinâmica do reggae. É a ―
cadeia produtiva do reggae”
que tem a matéria prima, que precisa ser ―
lapidada‖ e, por isso, precisa se adaptar às
necessidades do turismo, e não o contrário. Também Macatrão (2009) inicia seu discurso
assumindo um tom de fala autorizada a dizer como se deve ―
gerir o reggae”:
Este momento é importante para o desenvolvimento do reggae como ritmo e como
um produto turístico. Por isso, a importância da inclusão no trade local, pois é ele
que vende os atrativos da cidade. Costumo dizer que muitas vezes fazemos história
e nem percebemos isso. Temos que perceber agora que essa comissão pode mudar
a maneira de gerir reggae e mudar para melhor.
As primeiras falas caminham, desta maneira, para uma praticidade: para virar
produto, o reggae precisa se organizar e ser gerido dentro dos parâmetros do mercado. Até
194
então, não havia o que se discutir em relação a isso, a não ser formas de fazer a concretização
do reggae como produto turístico. No entanto, na primeira mesa redonda (―
Reggae e
Cultura‖), o tom do discurso mudou, com a palestra de Eugênio Araújo, apresentado como
―
pesquisador do Carnaval‖. Ao invés de convergir para a visão pragmática de conceber o
reggae como mercadoria, Araújo optou por uma fala contestadora que incomodou grande
parte da plateia:
Eu sou do tempo que o reggae era no limite do rural com o urbano, nos quintais
das casas, no pé de mangueira. Eu não sou desse reggae de lugares abafados, tudo
fechado, em concreto, tudo preto... tudo confortável... enfim, não faz muito a
minha linha. Quero dizer que eu frequento e frequentava bastante reggae, inclusive
quando ainda não era essa coisa desejada que é hoje. Pois o reggae não era nem
desejado [...].
Essa não é a minha praia. Então a minha fala hoje aqui vai ser mais para colocar
algumas coisas que implicam em dificuldade para tornar o reggae um produto
cultural vendável em São Luís do Maranhão. E isso não acontece só aqui. O
reggae não é um produto facilmente transformável em produto para ser colocado
em uma prateleira com um rótulo agradável e que seja consumível por qualquer
tipo de público. E isso não se dá só aqui, se dá em todo lugar. E isso tem vários
motivos. Começando pelas origens. Essa coisa do reggae ter nascido na Jamaica,
em toda essa situação social complicada, e aqui em São Luís também: exescravizados, ex-colonizados, uma grande contingência de população negra, um
certo misticismo pairando no ar, uma certa mitologia, o que na Jamaica se chamou
de mitologia rastafáriana. A gente não pode falar de reggae sem falar de mitologia
rastafári [...].
Porque quando a gente vende um produto, a gente não vende só o invólucro, nem
só uma sonoridade. A gente tá vendendo um conteúdo, também. E a mitologia
rastafári é complicada. Ela prega que a gente vive hoje em uma Babilônia, em um
sentido negativo mítico-religioso. Então para o regueiro nós vivemos em um
mundo complicado, nós não vivemos num mundo positivo. O regueiro quer
ultrapassar esse mundo. Então como é que você vai vender um produto que é
complicado? O turismo não quer achar o mundo complicado. O turismo quer achar
o mundo lindo. Para o turista só interessa as coisas descomplicadas, as coisas sem
problemas. Você não vai vender problema prum visitante que tá chegando na sua
casa. Ele não quer comprar problema. Ele quer comprar solução. O reggae tá o
tempo todo levantando problemas [...].
Durante a fala do pesquisador, que também comentou a origem do reggae em São
Luís atrelada aos cabarés e questionou como o turismo pretendia vender um produto que está
ligado a uma filosofia rastafári que prega o consumo excessivo de maconha, vi muitos
participantes se contorcerem em suas cadeiras e ouvi muitos comentários que
descredenciavam o palestrante: ―
esse cara não sabe o que tá falando‖, ―
ele devia ter estudado
pra vir aqui falar sobre a origem do reggae‖, ―
isso aí sobre maconha não tem nada a ver, que
besteira‖ etc. Ao fim da exposição, um dos que pediu a palavra foi Selektah: ―
A origem do
reggae aqui não tem nada a ver com os puteiros, isso é uma falta de respeito [...]. Acho que o
senhor deve mesmo estudar o carnaval, porque de reggae não entende‖.
195
Independentemente do que é verdade ou não na fala de Eugênio Araújo, o que ficou
visível é que o rumo do discurso dele estava na contramão do que a maioria pretendia seguir.
O seminário não era para contestar, para colocar entraves à transformação do reggae em
produto turístico, e sim para eliminar os obstáculos, por fim às diferenças que impedem a
integração dos setores envolvidos com o reggae. Por isso, a palestra dele foi tão incômoda.
Ao turismo não interessam os problemas que a filosofia rastafári traz em seu âmago, mas
apenas a sua representação imagética, que é curiosa e intrigante. Os participantes não
queriam discutir se o rastafári consome maconha e isso é ilegal, queriam sim saber como a
figura do rasta, com seus dreadlocks e sua mensagem de paz, poderia ser vendida como um
dos elementos que compõe o produto reggae dentro do ―
destino São Luís‖. O turismo
realmente ―
não que achar o mundo complicado‖, por isso, as coisas precisam ser
simplificadas (através do uso de estereótipos, por exemplo) e não complicadas, como fez
Araújo.
A segunda palestra da mesa redonda ―
Reggae e Cultura‖ foi menos agressiva,
embora tenha deixado uma mensagem de alerta para que ―
não se descaracterize‖ o reggae
quando for pensado e executado como produto turístico. A fala é do professor de música,
Francisco Pinheiro:
[...] Autêntico mesmo não existe quase nada. Tudo é influência de uma outra coisa.
A arte não é uma coisa isolada. Ela tá inserida dentro de todo um contexto [...].
Fazendo uma analogia com um ovo, que tem núcleo, citoplasma e casca, quando a
gente quer transformar qualquer manifestação, principalmente artística, em
parceiros turísticos etc. e tal, a gente pensa só na casca, esquece do núcleo. Só que
pra se formar a casca do ovo, ela é formada dos nutrientes que vêm do núcleo e
sustentada pelo oxigênio que vem de fora. Isso quer dizer que a gente tem que
conservar a autenticidade mudando a casca de vez em quando [...].
O reggae é considerado uma cultura artística porque existe uma estética criativa
que popularmente a gente reconhece como arte. O reggae assim como o rock,
como o jazz, como a música erudita, ele é um gênero [...]. Essa identidade que ele
tá adquirindo está saindo do núcleo, passando pelo citoplasma e chegando na
casca. Isso tá fazendo com que alguém que não conhece aquilo autêntico, comece
a olhar pra cá. E quando o turista olha pra isso, o empresário olha pro olho do
turista pra saber pra onde ele tá olhando. Eu acho isso sadio, acho que é uma
expressão que tem que ser reconhecida, valorizada [...]. Só acho que aqueles que
querem investir no reggae, os empresários, se lembrem do núcleo, se lembrem de
investir na gema, porque senão a casca vai ficar fraca e vai quebrar. Aí não vai ter
nem pro reggae nem pros empresários.
O discurso de Pinheiro não foi alvo de críticas ou questionamentos da plateia. O tom
foi mais reflexivo e a argumentação é a mesma defendida pela própria Secretaria Municipal
de Turismo, de que a ideia não é interferir na dinâmica dos locais de reggae, não é ―
enfeitar,
fazer uma coisa pra inglês ver [...]. Não é que a gente queira transformar o clube, por
196
exemplo, numa coisinha lindinha, pro turista ver e achar que tá tudo perfeito‖ (SOUSA,
2009). Assim, do ponto de vista discursivo, a preocupação do professor de música com o
―
núcleo‖ e com a ―
autenticidade‖ é compartilhada pelos presentes.
A segunda mesa redonda, mais pragmática, intitulada ―
Políticas Públicas para o
Reggae‖, foi iniciada com a fala de Macatrão.
[...] Seguimos o projeto da gestão anterior, mas a gente apenas fez algumas
alterações mercadológicas. Acho que é o momento da gente trabalhar mais o
mercado. Por isso a ideia de uma Comissão Integrada do Reggae com o trade
turístico [...].
O reggae tem que ser um produto competitivo. É inadmissível que a gente seja
reconhecido nacionalmente e não valorize isso nem aqui internamente [...]. Eu fui
agente de viagens durante sete anos e sei como tinha turista que chegava
procurando onde tinha reggae, principalmente paulista. Então nós somos
reconhecidos sim, mas temos que tornar o nosso produto competitivo, temos que
fortalecê-lo. Temos que desenvolver, portanto, o roteiro do reggae. Esse roteiro
tem que ser desenvolvido a partir de vários critérios. E esses critérios é que a gente
tem que discutir a partir de agora. A gente não pode pensar que a gente só vai
conseguir levar turista se for para uma área nobre. O reggae tem a sua
característica na cidade. Então a gente pode, sem dúvida alguma, levar pra área
onde ele mantém sua característica, desde que a gente saiba promover esse tipo de
produto. Porque se a gente vende o produto errado compromete toda a cadeia. Um
exemplo é como nós vendíamos os Lençóis Maranhenses errado. Só começou a
dar certo quando a gente passou a explicar às operadoras como vender o pacote:
quantas horas dura, o que o turista ia encontrar, que o turista ia fazer uma trilha
dentro de uma Toyota, que ele ia ficar balançando por uma hora até chegar nas
dunas. Essa informação é fundamental. Esses critérios têm que ser pensados, pois a
informação é fundamental (grifos meu).
Desenvolver um roteiro turístico ―
a partir de vários critérios‖ significa organizar,
disciplinar o reggae para que o passeio seja viável mercadologicamente. Assim, para se levar
o turista para as áreas ―
não nobres‖, é preciso que esses locais sejam preparados para receber
visitantes.
Em outubro de 2009, um roteiro experimental elaborado pela Setur, foi apresentado a
alguns agentes de viagem de São Luís. O tour começou pela casa de Natty Naifson (uma
espécie de museu do reggae, possui acervo com milhares de discos e objetos trazidos da
Jamaica e de Londres), no bairro da Liberdade, passou pela sede do projeto social do grupo de
dança Garotinhos Beleza, onde as crianças apresentaram algumas coreografias, e terminou em
uma sala de aula com um professor de dança ensinando passos de reggae aos visitantes. Nesse
dia, o secretário de Turismo informou que esse roteiro começaria a funcionar em janeiro de
2010, no entanto, de acordo com a proprietária de agência de viagens, Sandra Rodrigues
(2010), que estava no passeio em outubro, ―
eles estão com dificuldade de por em prática por
causa de problemas de acesso ao bairro da Liberdade e também por causa da falta de
segurança‖. Isso quer dizer que um roteiro do reggae precisa proporcionar a experiência ao
197
turista (de ver e saber a história curiosa do acervo de Naifson, de conhecer o projeto social do
Garotinhos Beleza e de aprender a dançar reggae ―
agarradinho‖), mas essa experiência tem
que ser confortável e segura, o que ainda é inviável, na visão do trade turístico.
O III Seminário Reggae e Turismo foi encerrado com a palestra do assessor técnico
da Setur, o turismólogo Fábio Abreu, que iniciou uma explanação sobre o Projeto São Luís
Ilha do Reggae. Com um discurso técnico e voltado para o mercado turístico, ele reforçou em
vários momentos a importância da integração do poder público com a cadeia produtiva do
reggae.
Esse projeto é referente aos quatro anos da gestão anterior, de 2006 a 2009. A
intenção da Secretaria foi possibilitar uma ação integrada do poder público pra
ajudar a desenvolver o ritmo na cidade.
Falar de reggae e turismo é fundamental primeiro a discussão sobre o que é
turismo. Não uma discussão conceitual da Academia, mas sim uma abordagem
mais prática. O que é turismo? É a arte de receber bem. Então o que eu tô dizendo
sobre reggae e turismo é que não só os hotéis, mas a radiola, o bar, todos nós
temos que receber bem, e não só o turista, mas a própria comunidade. Uma outra
questão trabalhada pela Secretaria é que o turismo tem que se firmar na esfera
pública como uma ação integrada com nós que fazemos o movimento reggae
capaz de formar e manter o produto organizado.
[...] Estive em Salvador também por três meses pesquisando e pude perceber o
quanto eles são organizados. Detalhe: muitos deles não se gostam, mas têm
excelentes relações comerciais e conseguem formar um produto extremamente
organizado. Conseguem trabalhar junto em prol de uma cultura chamada axé.
Então eles conseguem formar um produto comercialmente muito bom, que hoje é
cultura de exportação [...].
É isso, o mercado tá exigindo e a gente tem que valorizar o que já existe [...].
Dentro da nossa cultura, mesmo se nós não gostamos, nós não precisamos destruir
o que é nosso. Não posso ser contra o Marafolia, por exemplo, se é um
empreendimento que traz movimento pra cidade. Então a gente tem é que
promover o que é nosso [...].
O que os turistas querem? Bem, isso foi levantado pela Thalisse no trabalho
monográfico dela. Ele quer reggae nas ruas, quer reggae nos bairros, nas casas de
shows. Ele quer encontrar um espaço organizado, não precisa ser um espaço
chique. Quando ele chega no aeroporto, ele quer saber do reggae, onde é que tem
festa, onde tem um bom clube, ele quer aprender a dançar. Quem oferece hoje na
cidade uma oficina de dança? Precisamos oportunizar isso. Olha quantos produtos
podemos oferecer e estamos perdendo tempo.
Nesse momento, o diretor do Grupo Afro GDAM, Cláudio Adão, pede a palavra:
A gente tem uma dificuldade muito grande. Os guias que trabalham em São Luís
não querem dizer onde fica um local de reggae ou uma casa de show, um espaço...
a maior dificuldade. Eu digo isso porque eu já tentei com vários guias fazer alguns
projetos com reggae... tipo, olha, vamos na Liberdade, Bairro de Fátima... eles
num querem, botam dificuldade... aí o turista não vai chegar, é difícil.
E Fábio Abreu continua:
A questão do Adão é pertinente. Que o turista quer? Informações. Se as
informações não chegarem... o problema não é o turista, são os prestadores de
serviço. O Luís [dono da agência Maracá Turismo] só vai divulgar um espaço
quando as informações chegarem pra ele na agência. Este é o momento da gente
198
discutir isso pra melhorar. Eu não digo nem guias, lá no aeroporto já vi turistas
chegarem e perguntarem de reggae e serem informados que o reggae é inseguro.
Até corrigir essa impressão nós precisamos mudar a nossa atitude primeiro.
Façamos reunião, discutindo, cobrando, afinando nosso entendimento. Esse
planejamento estratégico vai ser apresentado ao trade turístico, aos guias. Então
essa percepção vai mudar [...].
Precisamos de uma cadeia produtiva integrada. Observem o que nós queremos
para o reggae. Gostaria que vocês prestassem atenção agora e me dissessem se não
somos capazes de fazer isso: programas de TV e de rádio, informativos em livros
jornais e revistas, produção de notícias, projetos sociais, lojas especializadas,
eventos programados, radiolas, bandas, cantores, clubes bares, oficinas de dança.
Quantas manifestações e produtos culturais têm do Brasil esse portfólio para
turistas? Talvez só o axé baiano. O problema é que nós não temos isso aqui
organizado [...].
Quais são as peculiaridades do nosso produto, que o torna competitivo? Dançar
agarradinho, nosso gingado; os paredões das radiolas, que encanta, todo mundo
quer fotografar; performance e narração dos DJs; as expressões que chamam a
atenção também, termos populares... ―
massa regueira‖, ―
pedra‖, isso encanta o
turista também. O Brasil reconhece São Luís como a capital brasileira do reggae.
Então esse é o momento da gente pegar tudo isso e organizar (grifos meus).
Que reggae é esse explanado pelo turismólogo da Setur? É um ritmo, ora uma
cultura, ora um estilo de vida, mas, sobretudo, um produto que precisa ser ―
organizado‖. E,
na visão dele, esse reggae como mercadoria é segmentado; e essa diversidade é uma espécie
de ―
carro-chefe‖ para o turismo de São Luís. Aliás, a expressão diversidade cultural está
muito presente no discurso turístico da capital maranhense, quer seja nos folderes, nas
publicações, nos sites, na palavra do prefeito João Castelo, do secretário de Turismo e dos
turismólogos de forma geral. É interessante ao turismo falar da ―
rica cultura popular‖, mas
também da ―
tradição intelectual‖ da Atenas brasileira, e dos outros ritmos, como o reggae,
que têm força e suas peculiaridades na cidade. Passar a ideia de uma São Luís multicultural é
a intenção do trade turístico.
Quando Fábio Abreu faz a defesa do Marafolia, por exemplo, é a partir de uma visão
mercadológica que ele o faz. O objetivo não é julgar ou valorar o produto cultural, mas sim se
apropriar do que é ―
comercialmente bom‖. Assim, não importa se o axé baiano do Marafolia
é bom ou não, o que interessa é que é um produto que traz movimento à cidade e,
consequentemente, lucro para uma cadeia produtiva.
Hoje, o turismo tem sido uma das plataformas da maior parte dos governos.
Descobriu-se, nas últimas décadas, que com as pessoas viaja o dinheiro. Como observa
Carvalho (1995, p. 59), ―
na ótica empresarial, o turismo é visto como uma importante
alternativa de carreamento de recursos, tanto para a iniciativa privada como para o setor
público‖. Conforme Ouriques (2005, p. 143),
199
O turismo consolida-se discursivamente como a ‗alavanca‘ do progresso
econômico, por meio da transformação de comunidades inteiras em cenários para
turista e da subordinação das tradições e festas populares aos ritmos frenéticos da
acumulação de capital.
No entanto, ao mesmo tempo que massifica a cultura, o turismo também a divulga,
podendo contribuir para seu fortalecimento. Consolidando o reggae enquanto produto
turístico, o projeto ―
São Luís Ilha do Reggae‖ pode colaborar para uma maior visibilidade do
ritmo nacional e até internacionalmente, mas também para uma maior segregação dos
espaços, deixando mais nítidas as fronteiras entre os lugares que devem ser frequentados por
turistas e os que não devem. Assim, enquanto os bares voltados para um público de classes
média e alta recebem incentivo governamental, a maioria dos clubes localizados nas áreas de
periferia não participaram do projeto (pelo menos na parte estrutural), o que torna a distância
entre os dois tipos de espaços ainda maior.
Essa é a dicotomia do turismo colocada em questão por tantos antropólogos e
estudiosos do fenômeno turístico: se, por um lado, o turismo divulga e dá visibilidade à
cultura de um local, por outro, ao apreendê-la para transformá-la em produto, pode interferir
na cultura de forma negativa, padronizando-a, tirando-lhe a espontaneidade.
Sabe-se que a cultura é dinâmica e não pode ser pensada apenas como algo a ser
conservado e passível de contaminação em contato com outras realidades. Ao contrário, é em
processo constante de transformação que uma cultura sobrevive e continua fazendo sentido
para aqueles que estão inseridos em seu contexto. Em uma perspectiva de globalização,
devemos perceber a cultura não como algo puro e intocado, mas marcada pelos mais diversos
encontros, trocas e choques. Em um mundo financeirizado, seria inocência acreditar que as
manifestações culturais pudessem permanecer fora da lógica do mercado.
Entretanto, o reggae envolve, fundamentalmente, uma questão de identidade, pois o
gosto cultural pelo ritmo é construído não só pelas experiências mediadas e incentivado pelo
que a indústria cultural e turística oferece e busca impor a partir de seus interesses, mas
também pelas experiências não-mediadas, pelo contexto histórico-social e pelas associações e
semelhanças culturais com as tradições regionais.
200
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando presenciei pela primeira vez uma festa com radiolas de reggae, para
executar a pesquisa que havia me proposto a fazer, aquilo tudo era novo para mim. Os bailes
aconteciam há décadas: espalhados pelos bairros da periferia da cidade, mobilizavam
milhares de pessoas há anos, e eu (admito envergonhada) aos meus vinte e sete anos, só havia
visto pela televisão, em matérias editadas que mostravam regueiros de boina e dreadlocks,
imagens fechadas de imensos paredões de caixas de som e de casais dançando ―
agarradinho‖.
O outro reggae eu conhecia bem: frequentava os chamados ―
bares de reggae‖ há
quase dez anos, ouvia Bob Marley e Peter Tosh em casa, dançava ao som da radiola
Vibration Sound, ia ao Bar do Nelson, ao Coqueiro Bar, Trapiche.
Antes de começar este trabalho, tinha uma noção de que aquele reggae que conhecia
era distinto do reggae que eu via só pela TV. E, como me intrigavam essas diferenças,
interessei-me por investigá-las, sem ter ideia do tamanho do desafio no qual estava me
lançando.
O universo do reggae em São Luís é tão complexo e diversificado que a cada nova
investida em campo, cada nova entrevista com os agentes que produzem, consomem e/ou
vivem do reggae, mais difícil e complicado ficava tentar interpretar esse fenômeno.
Com o passar do tempo e decorrer da pesquisa, percebi que o reggae que eu ouvia
era realmente diferente daquele que presenciei em um clube da periferia. Mas percebi
também, ouvindo com mais atenção, que o próprio reggae que eu ouvia antes não era um só:
os DJs que tocavam nos bares faziam uma sequência musical diferente daquela que as bandas
de reggae executava; assim como as próprias bandas, cada uma tinha uma proposta diferente,
com letras e repertórios diversos. Notar as diferenciações do reggae tocado nos clubes foi
ainda mais difícil (acredito que muitas tenham passado despercebidas), pois para mim a
dinâmica dos clubes era algo estranho que eu precisava primeiro entender para depois tentar
apreender algumas de suas nuances.
Embora o meu papel não fosse classificar os tipos de reggae, de locais, de públicos –
mas sim analisar como os sujeitos se definem, como e porquê classificam os outros e o
reggae que os outros dançam, ouvem e tocam – em vários momentos, para distinguir e
interpretar as diferenciações existentes no contexto do reggae em São Luís, me apercebi
fazendo classificações. Algumas pré-noções certamente também não foram vencidas. Mas
procurei ter o cuidado de tentar partir das definições de meus interlocutores para utilizar as
categorias: ―
robozinho‖, ―
radiola tradicional‖, ―
bares de reggae‖, muitas foram as expressões
201
que adotei a partir da fala e da percepção dos agentes envolvidos com o reggae, mas sempre
tentando compreender como, por quem e com que intenção essas categorias eram utilizadas.
As mudanças trazidas pela tecnologia e pelas trocas culturais proporcionadas pelo
avanço da globalização enquanto fenômeno midiático, econômico e cultural, ocorrem de
maneira rápida, o que também dificulta o trabalho de interpretar as formas de produção,
apropriação e consumo do(s) reggae(s) em São Luís.
O ritmo, que chegou à capital do Maranhão na década de 1970, provavelmente, por
várias vias, é fruto de uma hibridização cultural que não significou uma ―
aculturação‖, nem
implicou no esmagamento das tradições locais. Parte da população ludovicense adaptou
elementos culturais fazendo com que a música jamaicana assumisse características peculiares
e novas dimensões simbólicas na cidade.
É difícil mensurar quando e como se deu a transição do reggae – de marginalizado
para um ritmo aceito por grande parcela dos ludovicenses – visto que até hoje há setores
sociais que não admitem tanto a denominação ―
Jamaica brasileira‖ quanto o que esta
representa e do que é fruto: da identificação, do gosto pelo reggae, expressado por milhares
de pessoas na cidade, de variadas classes sociais e com capital cultural diverso.
É inegável, no entanto, que o reggae – emergido em São Luís como um fenômeno
de periferia, fruto da identidade do negro, da escolha de lazer das classes populares – criando
caminhos próprios, paralelos àqueles incentivados pela indústria cultural, pelas instâncias
governamentais e midiáticas, cresceu e, hoje, se expandiu para além das margens.
No entanto, antes mesmo de extrapolar as margens, há décadas, nas periferias (onde
há não só cultura, lazer, mas dinheiro circulando, ao contrário do que tende a crer nossa
preconceituosa percepção) funciona o mercado lucrativo das radiolas, das centenas de clubes
que existem na cidade há anos sem nenhum auxílio de órgãos públicos ou mesmo apoio das
mídias hegemônicas. Nesse mercado, o ganho é financeiro, pois hoje algumas radiolas são
empresas lucrativas e há centenas de pessoas que trabalham e tiram seu sustento do reggae,
mas também simbólico e político, uma vez que alguns donos de radiolas e outros agentes
ligados ao reggae já foram eleitos vereadores e deputados, e muitos mantém influências junto
a grupos políticos. Além disso, hoje as radiolas possuem seus próprios espaços no rádio e na
televisão (comprados, uma prova de seu poder econômico) e mobilizam em suas festas
centenas de pessoas todos os fins de semana.
Com a emergência das bandas ludovicenses e dos chamados ―
bares de reggae‖,
configurou-se um público diferenciado daquele percebido por Silva (1995): as classes
média/alta passaram a frequentar alguns locais de reggae e, por isso, outros locais surgiram a
202
partir do interesse dessas camadas sociais. Outros mercados foram se firmando e outras
dinâmicas foram se estabelecendo. Posto dessa forma, parece um cenário binário: clubes x
bares, radiolas x bandas etc., mas, como pude demonstrar ao longo desta dissertação, esse
cenário é muito mais complexo e repleto de pequenas subdivisões, de tensões, conflitos e
convergências.
Pensando no percurso do reggae em São Luís é possível interpretar que o ritmo
conquistou primeiro as classes sociais mais populares e buscou meios de divulgação
alternativos, tornando-se, ao mesmo tempo, um elemento de identificação, uma forma de
expressão e opção de lazer da população pobre urbana da capital e uma indústria lucrativa
para os donos de radiolas. Depois, com a legitimação principalmente da juventude de classe
média, os meios hegemônicos de comunicação passam a ―
perceber‖ o reggae como um estilo
musical relevante no contexto cultural da Ilha, incentivando no imaginário coletivo a
associação do ritmo e da estética do reggae com a cidade.
Ao analisar esse cenário fragmentado do reggae ludovicense, onde existem tipos de
reggae, espaços, públicos, produtores e formas de publicização e de apropriação diferentes, é
preciso levar em consideração que o mesmo processo – próprio da modernidade, de
constantes deslocamentos, encontros culturais e (re)territorializações (ORTIZ, 2007) – que
amplia o leque de opções e de possibilidades de identificação, também evidencia as
diferenças entre os diversos grupos e classes sociais. As escolhas e gostos de cada um têm a
ver com as diferenças sociais, culturais e econômicas entre as pessoas. Assim, as
diferenciações entre os locais de reggae, por exemplo, demonstram uma diversificação das
opções de diversão e de identificação, mas também demarcam a segregação entre as camadas
sociais, na medida em que cada grupo frequenta determinado tipo de espaço e, muitas vezes,
rejeita a presença do outro em seu espaço.
Mas como ―
o ‗Outro‘ deixou de ser um termo fixo no espaço e no tempo externo ao
sistema de identificação e se tornou uma ‗exterioridade constitutiva‘ simbolicamente
marcada, uma posição marcada de forma diferencial dentro da cadeia discursiva‖ (HALL,
2003, p.116), a própria reivindicação da identidade tem que ser negociada e construída
discursivamente no ―
Outro‖ ou através dele, ―
por um sistema de similaridades e diferenças,
pelo jogo da différance” (Idem, p. 116).
Sob esta perspectiva, quem freqüenta os clubes de reggae da periferia ouve as
radiolas ditas tradicionais, com seus paredões e DJs famosos, com seus melôs, às vezes com
músicas jamaicanas antigas, às vezes com reggaes eletrônicos, tocados ao vivo por cantores
como Rosy Valença e Ricardo Luz, ou pelas aparelhagens das radiolas, e ouve e vê os
203
programas de rádio e televisão sobre reggae, apresentados, em geral, por DJs ou promotores
de festas de reggae. Já os públicos – de universitários, classes média e alta e turistas – que se
veem no reggae mostrado na TV Mirante/Globo, dança nas casas de reggae de acesso mais
difícil (para quem depende de transporte público), situadas quase sempre em áreas turísticas,
ao som de radiolas como a Vibration Sound e de bandas ludovicenses de reggae.
É claro que, com o intuito de demonstrar algumas diferenciações existentes, explanei
esse quadro fazendo várias generalizações, uma vez que nem todos os bares voltados para a
classe média ficam em área turística; as pessoas que frequentam os clubes, nem todas são
necessariamente das classes populares, assim como nos bares não há somente as classes
média/alta; não posso afirmar também que os apreciadores das radiolas tradicionais só vejam
os programas especializados em reggae, e que a população mais abastada não veja programas
como o Itamarashow etc. Entretanto, quem reivindica a identidade de ―
regueiro‖ muitas vezes
o faz dizendo que o reggae que escuta, toca e dança é o ―
verdadeiro‖ reggae, enquanto o que
o outro ouve, dança e toca não é. A oposição entre ―
original‖ e ―
vulgar‖, ―
verdadeiro‖ e
―
alienado‖ está bastante presente nas disputas pela classificação do reggae em São Luís.
Diversos agentes entram no jogo para afirmar quem tem a autoridade de definir o que é, como
é e para quem é o ―
verdadeiro‖ reggae.
Há muito mais aspectos que devem ser interpretados a respeito do reggae em São
Luís. Múltiplos elementos apenas apontados nesta dissertação merecem maior investigação.
Como enfatiza Pinto (apud CHAMPAGNE, 1998, p. 40), o objeto antropológico está em
permanente construção: ―
Longe de flutuar como uma inspiração longínqua, a construção do
objeto encontra-se incorporada no olhar do sociólogo, em seu modo de apresentação, nas
perguntas formuladas e, até mesmo, nos silêncios, ingenuidades e provocações...‖. Assim,
outras perguntas podem ser formuladas, as que foram formuladas aqui podem ter outras
respostas, outras provocações podem ser feitas e outros olhares podem ser lançados sobre o
reggae em São Luís.
As apropriações políticas, simbólicas e econômicas operadas em vários níveis tanto
pelos empresários do reggae, quanto pelos veículos de comunicação de massa, setores
privados (como o turismo) e órgãos governamentais, demonstram a importância que este
fenômeno tem hoje na capital maranhense. Pesquisá-lo através das mais variadas abordagens
é, portanto, fundamental para se entender a dinâmica sócio-cultural da Ilha de São Luís.
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Freire. São Luís, 28 de maio de 2009. Gravada em áudio.
211
____________________. Fala no III Seminário do Reggae e Turismo. São Luís, 28 de maio
de 2009. Gravada em áudio.
MENDES, Augusto (guia de turismo). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 07 de
julho de 2009. Gravada em áudio.
MILLER, Neto (DJ de reggae). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 17 de janeiro
de 2010. Gravada em áudio.
MOTA, Celso (frequentador de bares de reggae). Entrevista concedida a Karla Freire. São
Luís, 13 de dezembro de 2008.
―
Nelson‖ (proprietário de bar de reggae). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 15 de
abril de 2005.
NAYFSON, Natty (DJ, colecionador e dono de radiola). Entrevista concedida a Karla Freire.
São Luís, 5 de setembro de 2009.
PINHEIRO, Francisco (professor de música). Palestra no III Seminário do Reggae e Turismo.
São Luís, 28 de maio de 2009. Gravada em áudio.
RASTA, Zequinha (colecionador de reggae). Depoimento gravado no making of do DVD da
Tribo de Jah, em 02 outubro 2008.
RODRIGUES, Sandra (proprietária de agência de viagens). Entrevista concedida a Karla
Freire. São Luís, 17 de janeiro de 2010.
SANTANA, Cláudio (turista de São Paulo). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 13
de dezembro de 2008.
SANTOS, Jorge da Silva (fã-clube da radiola Super Itamaraty). Entrevista concedida a Karla
Freire. São Luís, 11 de julho de 2009. Gravada em áudio.
SELEKTAH, Tarcísio Ferreira (colecionador, pesquisador e dono de radiola de reggae). Fala
no III Seminário do Reggae e Turismo. São Luís, 28 de maio de 2009. Gravada em áudio.
Fala no I Musicom e entrevista a Karla Freire. São Luís, 22 de outubro de 2009.
SILVA, Carlos Benedito Rodrigues da. Entrevista concedida a Karla Freire e Ricardo Netto.
São Luís, 10 de fevereiro de 2004. Gravada em áudio.
SILVA, José de Ribamar da. (frequentador de clube de reggae). Entrevista a Karla Freire. São
Luís, 11 de julho de 2009.
SILVA, Sérgio (guia de turismo). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 07 de julho
de 2009. Gravada em áudio.
SOARES, Adson (guia de turismo). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 07 de julho
de 2009. Gravada em áudio.
SOARES, Sandra (colecionadora de reggae). Depoimento gravado no making of do DVD da
Tribo de Jah, em 02 outubro 2008.
SOUSA, Thalisse Ramos de. (turismóloga, coordenadora do Projeto ―
São Luís Ilha do
Reggae‖). Entrevista concedida a Karla Freire. São Luís, 16 de janeiro de 2009. Gravada em
áudio.
TAVARES, Tony (radialista, cantor e DJ de reggae). Entrevista concedida a Bruno Azevedo.
São Luís, 02 de fevereiro de 2010. Gravada em áudio.
212
VINÍCIUS, Marcos (radialista, apresentador de programa de reggae e integrante da equipe da
radiola Super Itamaraty). Fala no I Musicom e entrevista concedida a Karla Freire. São Luís,
22 de outubro de 2010.
Sites consultados
www.augustopesquisador.blogspot.com
www.cultura.gov.br
www.orkut.com
www.reggaetotal.com.br
www.turismo.ma.gov.br
www.ufma.br
www.youtube.com
213
ANEXOS
214
215
MODELO DO QUESTIONÁRIO APLICADO
Sexo: [ ] masculino
[ ] feminino
Ano de nascimento: ___________
Bairro em que reside:________________________
Escolaridade: [ ] ensino fundamental incompleto [ ] ensino fundamental completo
[ ] ensino médio incompleto [ ] ensino médio completo
[ ]ensino superior incompleto [ ] ensino superior completo
[ ] mestrado/doutorado [ ] outra: ______________________________
Ocupação/profissão: ______________________
Religião: _______________________
Renda mensal familiar: [ ] 1 salário mínimo [ ] 2 a 5 s/mínimos [ ] mais de 5 s/mínimos
Com que freqüência vai a uma festa de reggae?
[ ] nunca fui [ ] fui uma vez ou poucas vezes [ ] uma vez a cada seis meses ou a cada ano
[ ] uma vez por mês [ ] pelo menos 2 vezes por mês [ ] toda semana
[ ] mais de uma vez por semana
Qual(is) o(s) motivo(s) de ir a uma festa, bar ou clube de reggae? (pode marcar mais de uma)
[ ] porque gosto de reggae [ ] para dançar [ ] é um bom lugar para paquerar
[ ] para trabalhar [ ] não gosto de reggae, mas venho acompanhando amigos
[ ] outros motivos: ___________________________________________________________
Você ouve reggae em casa ou em outros lugares?
___________________________________________________________________________
Você tem CDs, DVDs, Mp3 de reggae?
___________________________________________________________________________
A sua família ou as pessoas com quem você mora gostam de reggae?
___________________________________________________________________________
O que você acha do título de “Jamaica brasileira” atribuído a São Luís?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
E do título de “Atenas brasileira”?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
* Se você gosta de reggae:
1) Como começou a gostar?
_______________________________________________________
2) Qual o cantor e/ou banda de reggae preferido?
_______________________________________________________
3) Você se identifica com o reggae de alguma forma?
_______________________________________________________
4) Você gosta de ouvir (pode marcar mais de uma opção)
[ ] reggae jamaicano [ ] reggae das bandas maranhenses [ ] reggae das radiolas
[ ] reggae eletrônico [ ] outros:_________________________________________
216
CD DE MÚSICAS REGGAE
Coletânea com algumas músicas citadas nesta dissertação e outras que demonstram
os diversos estilos explanados neste trabalho, desde reggaes jamaicanos mais antigos (tanto os
considerados mais românticos quanto os com letras de protesto), faixa com vinhetas de
radiolas, canções da MPM, reggaes de bandas maranhenses, aos novos reggaes eletrônicos.
1. Are We a Warrior (Hino dos regueiros de São Luís) – Ijahman Levi
2. I Forget To Give You Love – Eric Donaldson
3. White Witch (Melô do Caranguejo) – Andrea True Connection
4. Sweet P. (Melô da Chuva) – The Fabulous Five
5. Think Twice (Melô de Poliana) – Donna Marie
6. Vinhetas de várias radiolas
7. Slave Driver – Bob Marley & The Wailers
8. Stand Up and Fight Back – Jimmy Cliff
9. Toque de Amor – Betto Pereira
10. Maguinha do Sá Viana – César Nascimento
11. Regueiros Guerreiros – Tribo de Jah
12. Amarelô – Mystical Roots
13. Fim de Semana – Guetos (cantada por Paulinho Akomabu)
14. Melô de Tatiane – Ricardo Luz
15. Melô de Naná – Rosy Valença
16. Melô da Dançarina – Well Max
17. Robôzinho – autor/cantor não identificados
18. La Isla Bonita (Madonna) – Rosy Valença
217

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