SUMÁRIO
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SUMÁRIO
ASSOCIAÇÃO PAULISTA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL Av. Prof. Ascendino Reis, 1548 - 04027-000 - São Paulo / SP - Tels.: (11) 5575-4710 - Fax: 5571-8530 - www.aspi.org.br Boletim ASPI no 38 - Janeiro a Junho de 2012 CONGRESSO ASPI 2012 SUMÁRIO Editorial: • Proposta de Unificação do Registro de Direitos Autorais - Ivana Có Crivelli......................................... 02 Aconteceu na Aspi: • Ciclo de Eventos - Adriana Gomes Brunner............................................................................................. 03 Agenda: • Agenda Cultural ......................................................................................................................................... 07 Internacional: • Enquanto isso... - Benny Spiewak............................................................................................................. 08 Artigos: •A Importância da Interação com os Pesquisadores no Processo de Proteção das Criações Geradas na Unicamp – Gabriel Gustavo Guion – Janaina Casar – Patricia Tavares Magalhaes de Toledo – Mariana Nunciaroni Zanatta Inglez .......................................................................................................... 09 • Arbitragem: Meio Propício de Resolução de Conflitos no Âmbito da Propriedade Industrial – Fernanda Silva Alves .................................................................................................................................................. 17 • Como identificar um plágio literário – Claudio de Barros Goulart ........................................................ 30 • Direito ambiental: floresta normativa – Eduardo Dietrich Trigueiros .............................................. 31 • Comentários sobre a proteção jurídica cumulativa das obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário – Kleber Cavalcanti Stéfano ........................................................................................... 32 • Responsabilidade Civil na Internet – Gustavo Artese.............................................................................. 40 Jurisprudência: • Jurisprudência dos Tribunais – André Zonaro Giachetta......................................................................... 41 • Jurisprudência Administrativa – Luiz Ricardo Marinello ......................................................................... 45 Boletim ASPI no 38 Janeiro a Junho 2012 Uma publicação trimestral da Associação Paulista da Propriedade Intelectual – ASPI Diretoria e Conselho para o biênio 2011/2013 Presidente Ivana Có Crivelli 1° Vice-Presidente Henrique Steuer I. de Mello 2° Vice-Presidente Marcello do Nascimento Diretor Secretário Neide Bueno Diretor Secretário Adjunto Luiz Ricardo de Almeida Diretor Tesoureiro Soraya Imbassahy de Mello Diretor Jurídico José Carlos Tinoco Soares Diretor Social Luis Felipe Balieiro Lima Diretor de Ética Mauro J.G. Arruda Diretoria de Novos Projetos Luiz Ricardo Marinello Diretor de Relações Institucionais Alexandre Fragoso Machado Márcio Junqueira Leite Diretor da Biblioteca Daniel Adensohn de Souza Diretoria Editorial Adriana Gomes Brunner Nemer Diretoria Cultural André Zonaro Giacchetta Andrea Garbelini Queiroz Ingrid Sguassabia Ferreira Karin Klempp Leticia Provedel Luana Leticia Brazileiro Kassia Reis de Paula João Vieira da Cunha Marcelo Manoel Barbosa Diretoria de Relações Acadêmicas Eduardo Conrado Silveira Diretoria de Relações Internacionais Carlos Henrique de Carvalho Fróes José Carlos Tinoco Soares Junior Rodolfo Humberto Martinez Y Pell Jr. Wilfrido Fernandez Diretoria de Comunicação Mauricio Serino Lia Diretoria Patrimonial Ismênia Barros Marilisa C. Tinoco Soares Rogerio Brunner Conselho Fiscal e Consultivo Antonio Carlos Siqueira da Silva Elizabeth Kaszner Fekete Marcelo Antunes Nemer Peter Eduardo Siemsen Roger de Castro Kneblewski Conselho Nato Alberto Luis Camelier da Silva Clovis Silveira Constante B. Bazzon José Carlos Tinoco Soares Lanir Orlando Luiz Armando Lippel Braga Milton de Mello Junqueira Leite Newton Silveira Projeto e Produção Gráfica C&D - Editora & Gráfica Ltda. Boletim ASPI – Todos os direitos reservados. Reprodução autorizada, desde que citada a fonte. Av. Prof. Ascendino Reis, 1548 CEP 04027-000 - São Paulo - SP - Brasil Fone: 55211 5575-4944/4710 - Fax: 55 11 5571-8530 E-mail: [email protected] - http://www.aspi.org.br Editorial Proposta de Unificação do Registro de Direitos Autorais Ivana Có Crivelli No último dia 17 de abril, recebemos no belo restaurante do Terraço Itália a Dra. Márcia Regina Vicente Barbosa, Diretora de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura a qual proferiu palestra sobre “O registro de obras avançou em sua regulamentação na nova redação do anteprojeto de lei (APL) de modernização da Lei de Direitos Autorais proposto pelo MinC. Dispositivos introduzidos ao APL visam conferir ao Estado a possibilidade de agrupar em um único banco de dados informatizado e administrado pelo Ministério da Cultura, todos os elementos sobre as obras e fonogramas, bem assim as informações relativas aos direitos incidentes sobre as mesmas. A finalidade precípua a se atingir é facilitar e propiciar a disseminação e o uso legítimo de obras protegidas e apontar à sociedade aquelas que estão em domínio público, para efeito do seu livre acesso e utilização, sem as restrições impostas pelo direito autoral”. Hoje a matéria é regida pelo art.17 da Lei 5.988/73, lei que foi quase integralmente revogada pela Lei 9.610/98, remanescendo apenas o referido artigo. Há uma pulverização de órgãos competentes para receber diferentes e/ou coincidentes espécies de obras literária, artística ou científica. Os registros devem ser feitos na biblioteca Nacional pelo EDA - Escritório de Direitos Autorais, na Escola de Música, Escola de Belas Artes da universidade Federal do Rio de Janeiro, na Cinemateca que substituiu o Instituto Nacional do Cinema ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Estes vários órgãos não adotam critérios uniformes, dada a autonomia administrativa de cada qual, não conseguindo alcançar a segurança jurídica necessária aos usuários. O sistema de registro de direitos autorais brasileiro é uma verdadeira “colcha de retalhos”, o que não contribui satisfatoriamente para sua melhor eficiência. O APL propõe duas alterações significativas quanto ao sistema de registro de obras intelectuais. A primeira refere-se à unificação dos órgãos de registro, e, a segunda, tornar obrigatório o registro para os nacionais para a preservação da memória nacional e catalogação das obras brasileiras. A Convenção de Berna veda a exigência de registro para a constituição de direito de autor aos estrangeiros. O país estado-membro de Berna pode legislar requerendo a obrigatoriedade de registro para seus nacionais, ainda que tal prática possa parecer tratamento desigual. É interessante esclarecer que a exigência de registro como ato constitutivo de direito, aos nacionais, não fere a Convenção de Berna, cabendo a análise da experiência da Argentina, Paraguai que mantém a obrigatoriedade, e a motivação que levou o Uruguai em 2003 abandonar a exigência de registro. Em outros países, tais como Canadá, Estados Unidos, Colômbia, Japão e Coréia o registro é exigido não para a constituição de direito de autor, mas para que determinados atos jurídicos relacionados a direitos autorais, tais como a validade de um contrato de licença e/ou cessão perante terceiros, penhora, sucessão, restrição via ordem judicial, a presunção relativa da existência de direitos autorais em uma ação judicial. Todavia, na Austrália, França, Inglaterra e Suíça não há um órgão especial para registros, os registros podem ser realizados de forma privada, tal como em cartórios. Como legislação internacional, pode ser citado o Tratado sobre o Registro Internacional de obras audiovisuais, internalizado, no Brasil, pelo Decreto nº. 972, de 4 de novembro de 1993, o qual está em vigor desde 26/06/93, o qual indica em seu “Preâmbulo”: “Os Estados Contratantes, com vistas a aumentar a segurança Jurídica das transações relativas às obras audiovisuais e, portanto, promover a criação de obras audiovisuais assim como o intercâmbio internacional dessas obras, e contribuir para o combate à pirataria das obras audiovisuais e das contribuições que ela contém, acordam o seguinte: “De registrar indicações relativas às obras audiovisuais e aos direitos dessas obras inclusive, em particular, os direitos relativos a sua exploração.” A exigência ou não de registro de direitos autorais pode ser exercida pelo Estado parte de Berna, porém, nos parece sê-lo profícuo ao interesse público para situações específicas, tais como, as criações intelectuais produzidas sob a utilização de leis de renúncia fiscal, como ocorre para o audiovisual quando produzido pela Lei do Audiovisual, como para a averbação das contratações (facilitando a identificação dos titulares de direitos e dificultando-se a não ocorrência de contratação dúplice por herdeiros), bem como e, sobretudo, para a preservação da memória por meio da catalogação universal de obras e o favorecimento à identificação das obras em domínio público e licenças para obras órfãs. A Aconteceu na Aspi JANTAR DE CONFRATERNIZAÇÃO 12 de dezembro de 2011 Restaurante Charlô Jockey Clube de São Paulo A 3 Aconteceu na Aspi 43º CICLO DE PALESTRAS 1o de março de 2012 Tema: “Marcas de Medicamentos: as Atribuições do INPI e da ANVISA” Palestrante: Dra. Deborah Portilho JANTAR DE CONFRATERNIZAÇÃO 26 de abril de 2012 “Networking Dinner” Restaurante Chakras 4 A Aconteceu na Aspi A 5 Aconteceu na Aspi CONGRESSO ASPI 2012 26 e 27 de março de 2012 Tema: “A Propriedade Intelectual nas Empresas – Criação, Proteção e Internacionalização” Hotel Blue Tree Premium Faria Lima ALMOÇO PALESTRA ASPI 17 de abril de 2012 Tema: “Proposta de Unificação de Registro de Direitos Autorais pelo MinC” Palestrantes: Dra. Márcia Regina Vicente Barbosa – Dr. Cristiano Borges Lopes 6 A Agenda AGENDA CULTURAL Para conhecimento dos eventos realizados por nossa entidade, consulte o site www.aspi.org.br DOAÇÃO DE LIVROS Livro doado pelo autor para a biblioteca da ASPI. Livro doado pelo autor para a biblioteca da ASPI. Nome da Obra: “Tutela e Privacidade na Internet” Autor: Marcel Leonardi Nome da Obra: “Desenho Industrial: Abuso de Direito e o Reflexo na Concorrência do Mercado de Reposição” Editora Saraiva Autor: Alberto Luis Camelier da Silva Errata O artigo “A Quantificação da Indenização Decorrente de Dano Moral”, foi publicado no BOLETIM ASPI 37, tendo constado somente “Barros Goulart”, quando o nome correto de seu autor é Cláudio de Barros Goulart. A seção Internacional, com o título “Enquanto isso ...”, foi publicada no BOLETIM ASPI 37, com a atribuição da autoria a Benny Spiewak, mas os créditos pertencem também a Gustavo Swenson. A 7 Internacional Enquanto isso… * Benny Spiewak, Zancaner Costa, Bastos e Spiewak Advogados [email protected] ... em Washington, DC, EUA. No início de abril, a Câmara de Comércio Norte-Americana, espécie de Confederação Nacional da Indústria local, divulgou o relatório “Propriedade Intelectual e a Economia dos EUA”, que concluiu que a indústria americana forte em ativos da Propriedade Intelectual gera, pelo menos, 40 milhões de empregos nos EUA, contribuindo com mais de 5 trilhões de dólares ao PIB americano, ou algo próximo dos 35% do seu total. Os números, expressivos e motivadores, realçam a importância do sistema da Propriedade Intelectual aos EUA, bem como permitem que os demais países, inclusive o Brasil, reflitam sobre tal sistema e sua estratégica posição. Ao comentar os números do relatório, representantes da Câmara de Comércio Norte-Americana reiteraram que a consistente proteção à Propriedade Intelectual incentiva negócios e empresários a inovar, gerando competitividade e equilíbrio econômico. Em momento no qual os governantes brasileiros discutem, junto à indústria local, a necessidade de a competitividade local ser destacada, vale a pena a leitura do relatório, com lições valiosas. ... em Munique, Alemanha. O Escritório Europeu de Patentes (EPO) comemorou a celebração de acordo de colaboração bilateral com o nosso Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O documento contém importante notícia aos que atuam com patentes na Comunidade Europeia, especialmente por conta das provisões que objetivam facilitar a troca de informações em Português e Inglês, um dos idiomas oficiais do Instituto Europeu. Iniciativas europeias representam, aproximadamente, 40% do montante de aplicações brasileiras. Expressivo, o número tende a crescer, de acordo com os números apresentados no encontro entre as autoridades, ocorrido em abril, no Rio de Janeiro. Entre os números apresentados, destacase o crescimento de 7,7% no número de pedidos de patentes depositados por iniciativas francesas e o aumento de 14% no número dos pedidos de iniciativas alemãs. Os números de pedidos de patente brasileiros também tiveram aumento de quase de 9%, quando comparados ao ano de 2010. O caminho ainda é longo, mas o acordo de cooperação tende a facilitar seu trajeto. ... em Harare, Zimbábue. No ultimo dia de março, o diretor geral da Organização Africana 8 A Regional de Propriedade Intelectual (ARIPO), G. H. Sibanda, e o Ministro Chinês para a Administração da Indústria e Comércio, Zhou Bohua, assinaram memorando de entendimento, através do qual o Governo chinês se comprometeu a colaborar com o desenvolvimento da estrutura administrativa e de tecnologia da informação do ARIPO. Grande investidor no continente africano, o Governo Chinês, com a medida, ressalta sua estratégica posição na área, que conta com importantes iniciativas industriais chinesas, especialmente nos segmentos de engenharia e mineração. Intensas em pesquisas e desenvolvimentos, tais indústrias são ativas nas ações de patenteamento, exigindo uma atenção especial por parte das autoridades locais. Ao melhor estruturar o ARIPO, o Governo chinês busca garantir que os investimentos em tecnologia de suas indústrias sejam eficazmente protegidos. Cabe a nós acompanhar o movimento e reavaliarmos a importância do continente africano à indústria brasileira. … em Beijing, República Popular da China. O escritório chinês de Propriedade Intelectual (SIPO) anunciou série de iniciativas para facilitar o acesso dos empresários locais à inovação e ao sistema de propriedade intelectual. A divulgação agradou aos entusiastas da Propriedade Intelectual, na medida em que demonstra o interesse do Governo chinês em aumentar a competitividade da sua indústria local. Antes reservado aos interesses estrangeiros, o mercado de inovação chinês, agora, é desejado pela indústria local. O governo chinês destacou que objetiva desenvolver, em um curto prazo, o fortalecimento das seguintes indústrias locais: embalagens na agricultura; dispositivos energéticos, comunicações de curto alcance, óleos de cozinha, fibras de alto desempenho, tecnologia LCD, borracha e segurança automotiva. Centro importante da produção em larga escala mundial, a China objetiva, com as medidas, permitir que as empresas estrangeiras possam adquirir localmente soluções tecnológicas locais para resolver pendências da fase de produção. Por exemplo, o Governo espera que um fabricante alemão de peças automotivas possa adquirir, na China, inovações para seus processos, sem a necessidade de recorrer às empresas alemãs. Que possamos aprender com essas medidas de incentivo à competitividade da indústria local. Artigo A Importância da Interação com os Pesquisadores no Processo de Proteção das Criações Geradas na Unicamp Gabriel Gustavo Guion Janaina Casar Patricia Tavares Magalhaes de Toledo Mariana Nunciaroni Zanatta Inglez RESUMO – A relevância econômica da pesquisa universitária tem sido crescentemente notada nas últimas décadas, bem como o entendimento de que a contribuição das universidades para a sociedade é mais abrangente do que a formação e a capacitação de recursos humanos. Neste contexto, o objetivo central deste artigo é apresentar o processo de proteção e gestão da propriedade intelectual (PI) da Unicamp, contemplando as recentes iniciativas de reestruturação e melhorias implementadas pela Agência de Inovação Inova Unicamp, com destaque o aprimoramento da sua interação com a comunidade acadêmica da Universidade. Para tanto, a metodologia utilizada neste trabalho classifica-se como um estudo descritivo, e o procedimento técnico empregado foi o da pesquisa-ação. O artigo apresenta a atual estrutura de gestão de PI da Unicamp, as novas oportunidades de melhoria identificadas e as iniciativas de aprimoramento do relacionamento com os pesquisadores em curso. Conclui-se que os importantes resultados já alcançados só foram possíveis quando a Agência passou a priorizar a relação com o pesquisador, e passou a considerá-lo como o mais importante cliente e fornecedor para a participação da Unicamp na inovação. PALAVRAS-CHAVE: Gestão da Propriedade Intelectual; Ciência e Tecnologia; Disseminação da cultura de propriedade intelectual; Inovação ABSTRACT – The economic relevance of academic research has been increasingly been noticed over the last few decades, as well as the understanding that academic contribution to society goes beyond educating and training human resources. In this context, this article aims at presenting the Unicamp´s intellectual property (IP) protection and management process, including the recent process improvement initiatives conducted by Inova Unicamp Innovation Agency and emphasizing actions dedicated to enhance its interaction with the university academic community. The research methodology consisted of a descriptive study and the technical procedure used was of action research. The article presents the recent structure of IP management of Unicamp, new improvement opportunities and the initiatives in progress to enhance the relationship between with university researchers. It is possible to conclude that all important results already achieved were only made possible when A the Agency prioritized its relationship with the researcher and considered him as the most important client and supplier for the Unicamp´s contribution to the innovation process. KEYWORDS: Intellectual Property Management; Science & Technology; Diffusion of Intellectual Property Culture; Innovation 1. INTRODUÇÃO Em decorrência do contexto econômico e tecnológico altamente dinâmico em que a sociedade contemporânea vive nas últimas décadas, as formas de adquirir, difundir e transformar o conhecimento têm mudado significativamente. A inovação mostra-se ainda mais relevante no contexto econômico e competitivo global (OCDE, 2010). A capacidade de geração de conhecimento e sua conversão em inovação tecnológica dependem da interação de múltiplos agentes institucionais, em especial universidades, empresas e governo. Torna-se, então, premente a identificação de modelos gerenciais apropriados para administrar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação – tarefa das mais difíceis e desafiadoras em qualquer organização. A relevância econômica da pesquisa universitária tem sido crescentemente notada nas últimas décadas, bem como o entendimento de que a contribuição das universidades para a sociedade é bem mais abranGabriel Gustavo Guion - Advogado, especialista em Direito Empresarial pela FACAMP e bacharel pela mesma instituição. Gerente de Propriedade Intelectual da Inova Unicamp desde janeiro de 2012, onde trabalha desde 2006; Janaína Casar - Bacharel em química pela UFSCar, mestre em química pela Unicamp, e especialista em Inovação pelo Programa “International Leadership Training - ILT” / InnoTALK - Inovação e Tecnologia na América Latina e Caribe – InnoTALK, organizado pela GIZ DeutscheGesellschaft für Internationale Zusammenarbeit GmbH (Alemanha, 2011). Atua na Inova Unicamp desde maio de 2004 e como Analista de Propriedade Intelectual desde agosto de 2007. Foi Agente de Inovação no Programa de Investigação Tecnológica PIT-Sebrae da Unicamp de maio/2004 a julho/2006 e coordenadora do grupo da Unicamp no Programa de Investigação Tecnológica do Estado de SãoPaulo (PIT-SP) de agosto/2006 a junho/2009. Patricia Tavares Magalhaes de Toledo – . Mestre em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, especialização em Gestão estratégica Strategic, especialista Black Belt em Seis Sigma e Engenheira de Produção em Materiais pela Universidade de São Carlos. Diretora de Propriedade e Transferência de tecnologia da Inova Unicamp desde Janeiro de 2009. Trabalha na Inova Unicamp desde 2004, inicialmente responsável pela área de planejamento e gestão. Mariana Nunciaroni Zanatta Inglez - Formada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (1998), possui mestrado (2001) e doutorado (2006) em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. 9 Artigo gente do que a formação e a capacitação de recursos humanos. O desafio é descobrir como utilizar melhor o conhecimento gerado na universidade no sentido de obter o maior benefício possível para a sociedade, a economia e a própria universidade. Até recentemente, as instituições científicas e tecnológicas (ICT) no Brasil eram pouco orientadas para a interação com o setor produtivo em P&D. A cultura de propriedade intelectual (PI) e inovação nas universidades brasileiras e em boa parte das empresas locais ainda é incipiente. A maior percepção sobre a necessidade de transferir à sociedade os resultados das pesquisas universitárias implica mostrar à comunidade acadêmica que um bom resultado de pesquisa não é suficiente para ser transformado em inovação. Envolve também a conscientização sobre a importância de se proteger e gerenciar adequadamente os resultados das pesquisas de ICT públicas, uma vez que estes são, essencialmente, “bens públicos”. Para tal, torna-se fundamental disseminar no país a cultura da PI, com o intuito de orientar os agentes que estão envolvidos na produção do conhecimento e da tecnologia, visando o maior benefício social (TOLEDO, LOTUFO, 2011). Por meio da Lei de Inovação, o governo estimulou as ICT a contribuírem mais amplamente para o desenvolvimento tecnológico nas empresas. O momento propício à inovação vigente no país deve-se não só à maturidade que vem atingindo alguns setores industriais, como também aos esforços governamentais direcionados para a promoção de atividades inovadoras. Entretanto, grande parte do desenvolvimento dessas atividades depende das ações individuais das ICT, uma vez que estas instituições abrigam a maior parte da competência, dos recursos humanos e da infraestrutura dedicados à pesquisa cientifica e tecnológica em nosso país. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das pioneiras no Brasil na constituição de uma estrutura dedicada a transferência de tecnologia (TT), está engajada na proteção do conhecimento gerado e na sua transferência para uso e benefício social desde a década de 1980. A constituição da sua Agência de Inovação, a Inova Unicamp (Inova Unicamp), em julho de 2003, foi uma decisão-chave para a consolidação de sua política de inovação, graças ao amadurecimento de uma experiência institucional e não a uma reação tardia ao movimento iniciado nas universidades norte-americanas. Dedicada a desenvolver uma gestão efetiva para atender com qualidade aos desafios, a Inova Unicamp tem se engajado continuamente em projetos e iniciativas que para aprimorar sua estrutura e seus processos. Nesse sentido, o objetivo central deste artigo é apresentar o processo de proteção e gestão da PI da Unicamp, contemplando as recentes iniciativas de reestruturação e melhorias realizadas pela Inova Unicamp, com destaque para as ações dedicadas ao aprimoramento da sua interação com a comunidade acadêmica da Universidade. Com relação à metodologia de pesquisa, este 10 A trabalho pode ser classificado, do ponto de vista do objetivo da pesquisa, como um estudo descritivo, uma vez que um dos seus objetivos específicos envolve a apresentação precisa e detalhada das características de uma situação ou grupo específico, podendo envolver hipóteses não causais sobre a natureza dessas características (SELLTIZ et al., 1975). O procedimento técnico empregado foi de pesquisa-ação, uma vez que ocorreu a aproximação da pesquisa com uma ação – no caso, o desenvolvimento e a implementação de melhorias no processo de proteção e de gestão de PI da Unicamp, com enfoque no aprimoramento do relacionamento com a comunidade acadêmica – na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação estiveram envolvidos de modo cooperativo (THIOLLENT, 1997). Este artigo está estruturado em quatro seções, além da introdução. Primeiramente, será feita uma discussão sobre a estrutura para a transferência de tecnologia (seção 2). Na sequência, será descrita detalhadamente a atual estrutura de gestão de PI da Unicamp (seção 3), as novas oportunidades de melhoria identificadas (seção 4) e as iniciativas de melhoria do relacionamento com os pesquisadores em curso (seção 5). Para finalizar o trabalho, são apresentadas as conclusões. 2. ESTRUTURA PARA A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA ACADÊMICA Neste novo ambiente de inovação, as ICT desempenham um papel fundamental, incorporando como parte de sua função acadêmica o desenvolvimento econômico, que se adiciona ao ensino e pesquisa. Como consequência deste novo compromisso, novas funções são assumidas pelas universidades: projetos tecnológicos em cooperação com empresas; comercialização de resultados de pesquisa; patenteamento de produtos e processos e licenciamento de tecnologias. Neste contexto, a cooperação deixa de ser uma atividade informal e ocasional, como ocorria no passado, para adquirir um caráter formal, frequente e planejado, com relações regidas por contratos, que incluem a regulação dos possíveis direitos de propriedade intelectual gerados no âmbito dos projetos cooperativos de pesquisa (Scholze; Chamas, 1998; Toledo, 2009). Diante da relevância socioeconômica que adquire a proteção da PI, é fundamental que as ICT tenham consciência sobre a necessidade de proteger os resultados de suas pesquisas antes de publicá-los, para evitar a perda dos direitos e, consequentemente, que os possíveis benefícios oriundos da invenção venham a ser apropriados por terceiros. Considerando que o pesquisador não costuma preocupar-se com a comercialização dos resultados de suas pesquisas – até mesmo por não ser este o objetivo de sua atividade –, a criação de um mecanismo institucional que assuma esta tarefa e profissionalize sua gestão, surge como uma estratégia institucional importante. Por isto, a criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) tem o objetivo de introduzir uma nova dinâmica na Artigo gestão das relações das ICT com o setor produtivo, que se traduz na introdução de práticas até então desconhecidas pelo pesquisador, tais como a aplicação de cláusulas de confidencialidade em contratos com empresas, estímulo à proteção dos resultados antes de sua publicação, e exploração econômica dos bens intelectuais. Para tal, torna-se fundamental que o NIT esteja adequadamente estruturado para atender ao pesquisador e as empresas, intermediando e minimizando os conflitos inerentes à interação. A evolução de um NIT é dependente de diversos fatores internos e externos, alguns dos quais envolve o desenvolvimento de práticas de gestão apropriadas. Dentre os diversos elementos importantes que a gestão do NIT deve monitorar e otimizar continuamente, destacam-se: desenvolvimento de relações institucionais sólidas; habilidade e eficácia da comunicação; procedimentos, sistemas e estrutura; gestão de pessoas (Toledo, 2009). Com relação à estrutura, existem dois tipos básicos que um NIT pode adotar para executar o processo de TT: o tipo “do berço ao túmulo” (cradle-to-grave) e o tipo “compradores e vendedores” (Buyers-and-Sellers). No primeiro, mais comum nos EUA e na Europa, o processo de TT é executado de forma integrada por um mesmo agente; sua figura principal é o gerente de projetos, cuja função é a de cuidar de todos os aspectos relacionados à tecnologia: desde o recebimento da comunicação de invenção (CI)1 até inovação concretizar-se na empresa. Esse profissional deve ter perfil empreendedor, experiência na indústria e sólida base acadêmica, preferencialmente com doutorado (Sandelin, 2006; Diling et al. 2007; Toledo, 2009). No segundo tipo de estrutura, o processo de TT é executado separadamente, requerendo dois perfis de profissionais: os responsáveis pela proteção da tecnologia – de perfil mais técnico e especializados em PI, que cuidam dos aspectos legais e contratuais da proteção; e os responsáveis pelo licenciamento – mais empreendedores, aptos a concretizar a comercialização. Existem estudos que comparam os dois modelos (Diling et al., 2007), mas os resultados não são conclusivos – ambos possuem vantagens e desvantagens. Em universidades localizadas em países menos desenvolvidos, nos quais ainda está sendo construída uma cultura de proteção dos resultados das pesquisas A nas ICT e a articulação entre os atores do sistema de inovação não é tão forte, é esperado que o tipo mais comum de estrutura seja a de compradores-e-vendedores, especialmente pela restrita disponibilidade de profissionais capacitados em PI e TT e que possuam doutorado e experiência na indústria, o que torna complexa a identificação e retenção – os poucos profissionais com essa formação e experiência apresentam custo alto para uma ICT em geral – de um perfil de profissional capacitado para atuar na estrutura “do berço ao túmulo”. Contudo, independente do tipo de estrutura adotado, uma vez que o relacionamento universidade – empresa é em essência uma relação de confiança, torna-se essencial que o NIT tenha como prioridade, independente da estrutura que adotar, a construção de uma relação de confiança com todos os atores envolvidos no processo de TT, iniciando com as interações com os pesquisadores da universidade. Os escritórios de TT de sucesso no exterior investem significativamente em relações institucionais e marketing, notadamente dentro da ICT, uma vez que é essencial para o NIT conquistar a confiança da comunidade acadêmica. Os escritórios entendem que, como parte de sua atividade de criar um ambiente que estimule a participação dos pesquisadores, por meio da comunicação das suas invenções, devem trabalhar na difusão e no entendimento da comunidade acadêmica sobre o benefício que o processo de TT pode gerar ao pesquisador, à universidade e à sociedade. Quanto mais esses benefícios forem assimilados na comunidade acadêmica, maior a probabilidade das invenções serem comunicadas e de se obter apoio e aderência dos pesquisadores ao processo de transferência de tecnologia (Toledo, 2009). Nesse sentido, estruturar um processo efetivo de comunicação, por meio da promoção de eventos, palestras e demais iniciativas que possibilitem o conhecimento dos docentes e alunos sobre conceitos de PI e do apoio que o núcleo pode prestar, é fundamental para a eficácia do processo de TT. A cooperação dos inventores no processo de TT tende a ser maior quando percebem claramente os benefícios que a interação com o NIT pode trazer às suas pesquisas (Carpat;Sandelin, 2004; Toledo, 2009). Neste texto, adotou-se a tradução do termo em inglês Invention Disclosure como Comunicação de Invenção (CI). 1 11 Artigo 3. ESTRUTURAÇÃO DA GESTÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL DA UNICAMP A Inova Unicamp é o órgão que combina as funções de gestor da propriedade intelectual, de parcerias e projetos colaborativos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), de transferência de tecnologias e de estímulo ao empreendedorismo. Seu objetivo principal é articular parcerias em inovação da Unicamp com instituições públicas e privadas, para beneficiar as atividades de pesquisa e ensino, desenvolvendo ações não abarcadas por outras instâncias institucionais da universidade. Entre suas atividades, destacam-se: articulação de projetos de P&D cooperativos universidade-empresa; atendimento ao pesquisador; emissão de pareceres técnicos relativos à PI nos contratos firmados pela universidade; busca em bases de patentes; redação de patentes; pedido de proteção de patentes nacional e internacional; registro de programa de computadores e de marcas; elaboração de contratos; promoção de eventos relacionados à inovação; atendimento à imprensa em assuntos correlatos à inovação; apoio à criação de disciplinas, na Unicamp, relacionadas aos temas de inovação. A Inova Unicamp constitui uma referência no país na gestão das iniciativas de contribuição da universidade para a inovação. Desde sua recente criação, foram obtidos resultados expressivos e promissores2: mais de 300 contratos de parceria e projetos colaborativos foram efetivados; 51 licenciamentos, envolvendo 65 patentes, foram firmados com diferentes empresas; 375 novos pedidos de patentes foram depositados no INPI3; 21 empresas foram graduadas de sua incubadora – a Incamp (INOVA UNICAMP, 2010). Até o ano de 2010, a Unicamp totalizou 65 depósitos de pedido de patente via Patent Cooperation Treaty (PCT). 3.1. TIPO DE ESTRUTURA PARA A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA A Agência de Inovação Inova Unicamp adota o modelo “compradores-e-vendedores” e, portanto, requer um perfil mais técnico e especializado em PI para os profissionais responsáveis pela proteção de tecnologias. Atualmente a equipe de PI da Agência é constituída por oito profissionais, dos quais seis têm como atribuição principal a análise de patenteabilidade. Considerando o contexto brasileiro, em que as ICTs públicas dependem de um processo licitatório para a contratação de escritórios especializados em redação de patentes, nem sempre é possível contratar um escritório renomado a um custo acessível aos NITs. A Inova Unicamp, assim como NITs de muitas universidades públicas que possuem um portfólio extenso4 de tecnologias, opta pela especialização da proteção da PI, realizando boa parte da redação de patentes internamente. Nesse contexto, a vantagem do modelo “compradores-e-vendedores” adotado pela Inova Unicamp é que o mesmo permite que o profissional especializado em PI tenha tempo disponível para se 12 A dedicar às redações de pedidos de patente. Só no ano de 2010, a Agência internalizou 80% desse trabalho. Todavia, para este modelo funcionar adequadamente, é preciso que haja uma boa interação entre as equipes de PI e TT, evitando assim problemas na comunicação e execução das atividades. Além da boa interação entre as equipes, a experiência da Agência mostra que um sistema informatizado para a gestão de tecnologias é imprescindível, especialmente pelo tamanho de portfólio de tecnologias vigente da universidade e pelo volume de novas tecnologias que os analistas de PI e os agentes de TT trabalham anualmente. 3.2. DESCRIÇÃO DO FLUXO DO PROCESSO DE PROTEÇÃO E GESTÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL DA UNICAMP As principais atividades do processo de proteção e gestão da PI da Unicamp realizado e gerenciado pela área de PI da Inova Unicamp está representado na Figura 1. Todas as especificações, requerimentos e documentos do processo de proteção e gestão da PI da Unicamp estão documentadas nos procedimentos operacionais padrão (POPs) da área. Os POPs são revisados com a freqüência mínima anual, porém na medida em que novas iniciativas são propostas pela equipe, novos POPs devem ser elaborados e/ou os POPs existentes atualizados. Suas principais atividades estão distribuídas em quatro grandes grupos, que serão brevemente descritos a seguir. O fluxo é iniciado pelas atividades do Grupo 1 - Busca de anterioridade e compreensão da tecnologia. Por meio da CI o pesquisador informa à Inova Unicamp sobre sua invenção. Para facilitar o preenchimento pelo pesquisador e a análise e gestão da CI pela equipe de PI da Agência, foi desenvolvido um Sistema de Comunicação de Invenção, que possibilita o preenchimento do formulário de CI online. Uma vez concluído o preenchimento pelo inventor, o formulário de CI é enviado automaticamente para os analistas de PI da Agência. Na sequência, o pesquisador recebe uma mensagem eletrônica informando que seu pedido está pendente de aprovação. Um dos analistas verifica o formulário de CI e, uma vez aprovado, o mesmo é registrado internamente no Sistema MANTIS PI5. Depois de registrada, a nova CI entra na pauta da reunião de Brainstorming mais próxima. Trata-se de uma reunião semanal, com duração aproximada de uma hora, conduzida pela Diretoria com as equipes Resultados da Inova Unicamp do período de 2004 a 2010. 2 O total de patentes da UNICAMP que foi depositado após a criação da Inova Unicamp (7 anos), já excede o que as demais estruturas da universidade depositaram anteriormente (em 15 anos). 3 A Inova Unicamp concluiu o ano de 2010 com um portfólio de 600 famílias de patentes. 4 Mantis PI é um sistema baseado em um software livre que foi customizado pela equipe de informática da Agência para o registro e acompanhamento do histórico de todas as ações realizadas durante o processo de proteção de tecnologias (no âmbito de patentes, marcas e softwares), tanto internamente (para contatos com os pesquisadores e ações do analista de PI), quanto externamente (para depósitos/registros no INPI e contatos com escritórios terceirizados para redação). 5 Artigo de PI e TT, na qual o conteúdo da CI é analisado tecnicamente pela primeira vez. Alguns dos objetivos são: I) compreensão geral da tecnologia; II) levantamento de algumas questões técnicas e de mercado e III) atribuição de um analista de PI e de um agente de TT responsável pela tecnologia. Definido o analista de PI responsável, a análise preliminar da tecnologia é iniciada. Esta análise inclui o entendimento da tecnologia e o levantamento de dúvidas específicas para possibilitar a compreensão da invenção. Caso seja necessário, uma entrevista com o pesquisador é agendada. Em seguida, o analista faz uma análise das publicações realizadas pelos inventores, bem como a busca de anterioridade. A busca é feita em diversas bases de dados, podendo se estender de um dia até uma semana, variando conforme o grau de complexidade da tecnologia. Finalizadas as atividades do primeiro grupo, iniciam-se as atividades do Grupo 2 – Análise de Patenteabilidade e Preparação da documentação técnica. Com base nas informações descritas no CI, nas informações adicionais adquiridas em entrevistas com o pesquisador e nas obtidas na busca de anterioridade, o analista faz a análise de patenteabilidade da tecnologia, define a estratégia protecional parcial e informa ao pesquisador do seu parecer. Caso ele seja favorável, o próximo passo é a definição da estratégia protecional completa, ou seja, a definição dos objetos de patente que poderão ser requeridos – processo, dispositivo, composição, KIT, método entre outros – e do escopo de proteção. Não raramente, a estratégia protecional e o escopo de proteção começam a ser discutidos logo no brainstorming e essa discussão se estende por todo o processo até a finalização do documento técnico. Com base na estratégia e no escopo de proteção, um Relatório Técnico é solicitado aos inventores. Enquanto o analista aguarda o envio do relatório, ele deverá elaborar e solicitar aos inventores a assinatura do Termo de Partilha referente à tecnologia a ser protegida. A Agência tem como prática regularizar esse documento antes do depósito para evitar problemas futuros relacionados, por exemplo, à partilha de eventuais ganhos econômicos entre os inventores, que poderão ser obtidos por meio do licenciamento da referida tecnologia para uma empresa explorá-la comercialmente. Figura 1: Fluxo atual do processo de proteção de tecnologias por patente realizado Inova Unicamp. Assim que o relatório é encaminhado pelos inventores, iniciam-se as atividades do Grupo 3 – Redação da patente e depósito. O analista de PI começa a elaboração do documento técnico ou atribui essa atividade para algum escritório terceirizado contratado. Nos últimos três anos, a Inova Unicamp adotou como estratégia internalizar a maior parte da redação de patentes, tendo como meta utilizar escritórios terceirizados para redigir no máximo 30% dos pedidos depositados no ano. Os recursos economizados têm sido investidos na capacitação da equipe e na fixação dos analistas de PI com melhor desempenho. Os escritórios de patentes contratados recebem apenas um conjunto de documentos suficiente para a redação de um pedido: CI encaminhado pelos inventores, análise do CI por parte do analista de PI, busca de anterioridade comentada pelo analista e pelos inventores, definição da estratégia e do escopo de proteção. No caso das redações terceirizadas, a Agência tem como prática fazer a revisão dos documentos recebidos e, em alguns casos, é necessário alterar boa parte dos quadros reivindicatórios. Todavia, independentemente de quem elabora o pedido, uma validação junto aos inventores é sempre realizada. Nenhum documento é depositado sem ao menos um dos inventores fazer Av. Paulista 1294, 16º 01310-915 - São Paulo/SP - Brasil Tel.: (55-11) 3372-3766 Fax: (55 11) 3372-3767/68/69 [email protected] www.daviddonascimento.com.br A 13 Artigo uma revisão, inserir eventuais contribuições e dar a aprovação final. Finalizada a fase de redação, a versão final é então encaminhada para o profissional da equipe de PI responsável por providenciar o depósito, que pode ser nacional e/ou internacional. Depois do pedido de patente depositado, o trabalho da agência na referida tecnologia continua, passando-se as atividades do Grupo 4 – Gestão do depósito. O mesmo profissional da equipe responsável por providenciar os depósitos da Unicamp, também deverá informar os inventores sobre a data em que o pedido foi protocolizado e por fazer toda a gestão do pós-depósito, que inclui a leitura semanal das Revistas de Propriedade Industrial, o pagamento de anuidades, o pedido do exame técnico, o levantamento de pareceres técnicos expedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), dentre outros. No caso dos pareceres técnicos, os próprios analistas de PI analisam os pareceres, notificam os inventores envolvidos e elaboram a resposta do mesmo. A experiência da Agência mostra que em média 80% dos pareceres respondidos pela equipe são posteriormente deferidos pelo INPI. A equipe de PI cuida da gestão de uma patente até o final do seu prazo de vigência. 1.NOVAS OPORTUNIDADES DE MELHORIAS DO PROCESSO DE PROTEÇÃO E GESTÃO DE PI NA INOVA UNICAMP O processo de proteção e gestão da PI da Unicamp, realizado por sua Agência de Inovação, foi significativamente reestruturado e aprimorado ao longo dos últimos quatro anos, especialmente a partir do segundo semestre de 2010. Um recente diagnóstico da área de PI foi realizado pela Agência no âmbito do projeto InovaTT6 – “Um novo patamar na transferência de tecnologias da Unicamp”, financiado pela FINEP. O diagnóstico mostra que as atividades estão bem organizadas, a equipe é autônoma, boa parte possui boa experiência e destacado conhecimento técnico e está comprometida com a melhoria contínua das atividades. É consensual entre os analistas da equipe a necessidade de que haja um relacionamento harmonioso e de confiança com o pesquisador. A relação entre analista e pesquisador é fundamental para todo o processo de TT de uma universidade. Esse tema é pauta frequente nas discussões entre os analistas de PI e a diretoria da Inova Unicamp, sendo considerado o tema prioritário para a melhoria contínua. Um caso que requer especial cuidado relaciona-se a recusa de uma CI, ou seja, quando se avalia que a invenção não é passível de proteção por patente. Para isso, a equipe se dedica ao contínuo aprimoramento do processo de análise da tecnologia, garantindo que ele esteja devidamente documentado, registrando os motivos que fundamentaram uma eventual recusa. Em todos os casos, a comunicação da recusa deverá ser feita pessoalmente, esclarecendo-se que o parecer de patenteabilidade não está relacionado ao mérito científico da pesquisa. 14 A Também foi identificada a necessidade de treinar mais analistas da equipe para emitirem pareceres técnicos em resposta às ocorrências técnicas do INPI sobre o depósito das patentes, pois hoje grande parte desta tarefa está concentrada em um único profissional. Nesse sentido, a equipe já organizou e realizou um treinamento para distribuir melhor essa atividade. Além disso, estão sendo criados mecanismos no MANTIS PI para inserir o histórico do parecer e gerenciamento dos seus envios ao INPI. Outra melhoria sugerida está relacionada ao aprimoramento da interação da área de PI com a área de comunicação da Agência, no suporte às iniciativas de conscientização da comunidade Unicamp. 2. MELHORIAS NA INTERAÇÃO COM OS PESQUISADORES A partir de 2008 foi definido que um dos objetivos principais da área de PI deveria ser o de agilizar o processo de depósito dos pedidos submetidos. Os resultados anteriores a 2008 já foram otimizados com a implantação de diversas iniciativas, dentre as quais duas se destacam: i) a informatização do processo de gestão e acompanhamento das tecnologias por intermédio do programa de computador de gestão Mantis PI (concluído em 2009) e ii) a diminuição do tempo para o início da análise de uma tecnologia por meio da reunião de Brainstorming (iniciada em 2010). Por meio destas, a Inova Unicamp conseguiu desenvolver um acompanhamento mais profissional sobre as CIs em andamento, determinar um responsável para cada CI e realizar um entendimento inicial na mesma semana de recebimento da CI. Um dos principais resultados obtidos foi a redução do tempo médio de análise em mais de 50% (em relação à média do período de 2004 a 2008) nos dois anos seguintes a implementação desses dois aprimoramentos. Em 2010, quando a equipe conseguiu manter um fluxo regular de depósitos, levando em média 3 a 4 meses para submeter o pedido ao INPI, percebeu-se que esse trabalho ainda não era suficiente e que a melhoria da interação com os pesquisadores não deveria se ater apenas ao período relativo ao processo de depósito do pedido de patente, sendo fundamental cuidar da interação ex-ante. Nesse sentido, um indicador importante para saber se a equipe está tendo uma boa interação com os pesquisadores da Unicamp é a quantidade de CIs recebidas no ano. O número de CIs recebidos por ano pode ser considerado um indicador indireto da qualidade da interação prévia dos analistas de PI com os pesquisadores bem como da conscientização da comunidade com relação à relevância da proteção dos resultados de suas pesquisas. Não obstante, a CI é a matéria prima básica da Inova Unicamp, ou seja, 6 O objetivo do projeto InovaTT é aumentar a eficácia, a eficiência, a efetividade e os resultados do processo de TT da Unicamp. É financiado pela FINEP, tendo iniciado suas atividades em junho de 2010, com previsão de término em junho de 2012. Artigo a Agência depende dela para realizar seu trabalho de proteção e de transferência das tecnologias desenvolvidas na universidade. Analisando o período de 2004 a 2010, a Agência teve um crescimento contínuo de CI nos quatro primeiros anos (2004 a 2007), seguido de uma queda nos dois anos subsequentes (2008 e 2009) e um indicativo de recuperação, por meio do pequeno aumento no ano de 2010, conforme demonstram os gráficos apresentados nas Figuras 2 e 3. Em outubro de 2010 foi iniciado o processo de melhorias no formulário de CI, reduzindo-se o processo que era composto de três formulários a serem preenchidos pelo pesquisador, em três fases distintas, para apenas um formulário unificado. Um mês após a implementação do novo formulário, observou-se um aumento significativo nas CIs recebidas, como ilustra a Figura 3. Os aprimoramentos iniciais enfocaram a redução do esforço de preenchimento do formulário de CI pelo pesquisador, bem como a redução da burocracia relacionada ao processo de proteção. A Agência facilitou o preenchimento, reduziu as perguntas – enfocando as fundamentais para o processo de depósito – e com isso deu-se início ao processo de melhoria da Interação Pesquisador – Agência durante o processo de submissão da CI. Apesar dos resultados promissores obtidos, a equipe percebeu que não bastava apenas reduzir e unificar o formulário, era necessário oferecer comodidade, segurança e praticidade em sua submissão. No início de 2011 foi implementado o formulário online de CI Inova Unicamp, inédito no país. Tal inovação aprimorou a interação com os pesquisadores e a gestão das CIs. Figura 2: Número de Comunicações de Invenção recebidas no período de 2004 a 2010. A Agência tem realizado uma avaliação preliminar do processo online de submissão da CI, solicitando aos pesquisadores que respondessem a uma breve enquete de satisfação. O resultado foi positivo em 100% dos casos até o presente momento. No primeiro semestre de 2011 já foi possível constatar uma grande diferença na quantidade de A CIs recebidas em relação ao mesmo período de 2010: 28 e 41, respectivamente, representando um aumento de 32% já no primeiro semestre de funcionamento do formulário online. Pode-se inferir que as melhorias no Sistema de CI da Inova Unicamp já estão resultando em melhorias concretas na relação com a comunidade acadêmica e na sua conscientização sobre PI. Todavia, entende-se que um aumento na quantidade de CIs não significa um aumento do potencial inovador das invenções comunicadas. Nesse sentido, iniciativas já estão em andamento para que esses dois parâmetros cresçam em paralelo. Figura 3: Número de Comunicações de Invenção recebidas por mês no ano de 2010. Um dos fatores que influencia no potencial inovador das CIs da universidade está relacionado à falta de conhecimento sobre PI. Para minimizar essa dificuldade, a Inova Unicamp tem realizado anualmente o Ciclo de Palestras de PI nas unidades, que consiste em treinamentos de curta duração, ministrados nos Institutos, Faculdades e Centros de Pesquisa da Unicamp, geralmente no início das novas turmas de pós-graduação. A ideia é conscientizar a comunidade acadêmica sobre i) conceitos básicos de PI, ii) o papel da Agência na universidade, iii) o apoio que ela pode prestar ao pesquisador em todo o processo de TT, que se estende da análise e proteção do conhecimento gerado até a viabilização da exploração comercial por uma empresa. Outro mecanismo importante para a disseminação da cultura de PI dentro da universidade é a elaboração e distribuição de guias para docentes sobre PI, que se encontra em fase final de concepção. Recentemente, a Agência está empenhada em um novo projeto que visa aumentar a quantidade e o potencial inovador das CIs, por meio de Prospecção Tecnológica nas unidades. Segundo dados do SCImago Institutions Rankings (SIR), elaborado por um grupo de pesquisa da Universidade de Granada, na Espanha, a Unicamp é a terceira universidade ibero-americana mais produtiva em termos de publicações científicas, ficando atrás apenas da USP e da Universidade Nacional Autônoma 15 Artigo do México, ambas bem maiores em termos de estrutura, alunos e docentes. O SIR levou em conta o período de 2003 a 20087 Em 2010 a Unicamp publicou um total de 4161 artigos em periódicos e depositou apenas 65 pedidos de patentes. A Tabela 1 compara número de artigos publicados por Instituto com seus respectivos pedidos de patentes depositados. Com base nesses dados, a equipe de PI considerou apenas os Institutos que depositaram pedidos de patentes em 2010 como amostra alvo para prospecção. Face a expressiva diferença entre o número de publicações e depósitos de pedido de patentes, constata-se que há grandes chances de se aumentar o número de depósitos. A Inova Unicamp entende que a melhoria da interação da Agência com os docentes que realizam pesquisa aplicada, por meio da Prospecção Tecnológica, será fundamental para alcançar esse novo patamar. A Inova Unicamp visitará laboratórios selecionados, buscando compreender melhor as suas linhas de pesquisa, os projetos em andamento e identificar as tecnologias com maior potencial de proteção e de inovação. Espera-se com essa nova atividade estabelecer uma relação de maior confiança com os pesquisadores e, consequentemente, atrair mais CIs com maior potencial de mercado. Áreas do conhecimento Artigos Patentes Faculdade de Ciências Médicas 929 9 Instituto de Biologia 418 11 Instituto de Química 326 8 Instituto de Física 228 1 Faculdade de Engenharia de Alimentos 222 5 Centros Interdisciplinares 220 4 Faculdade de Engenharia Química 176 8 Faculdade de Engenharia Mecânica 130 7 Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação 110 8 Faculdade de Engenharia Agrícola 106 1 38 3 Instituto de Computação 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPAT, G; SANDELIN,J. Models of, and Missions for, Transfer Offices from Public Research Organizations. Califórnia: Stanford OTL, 2004. Disponível em: <http://otl.stanford.edu/about/documents/JSMissionsModels Paper-1.pdf>.Acesso em: 8 mai. 2011. DILING, M.B. et al. The Use of In-House Patent Management Professionals at Academic Institutions. In: AUTM Journal. v. XIX, cap. 3, p.27-40, 2007. INOVA UNICAMP. Relatório de atividades 2010. Campinas: Inova Unicamp, 2010. OECD. Science, Technology and Industry Outlook 2010. Paris: OECD, 2010. TOLEDO, P.T.M.; LOTUFO, R.A. The Importance of Protection and Transferring of Academic Research Results, Journal of Brazilian Chemistry Society, v.22, n.7, May 2011. Disponível em: <http://jbcs.sbq.org.br/ online/ 2011/vol22_n6/00ceditorial_22-6.pdf>. Acesso em: 01 jul 2011. TOLEDO, P.T.M. A gestão estratégica em Núcleos de Inovação Tecnológica: cenários, desafios e perspectivas. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. Cap.4, p.109-166. Tabela 1. Número de artigos publicados em periódicos e de pedidos de patentes depositados por Institutos, Faculdades e Centros de Pesquisa da UNICAMP em 2010. Fonte: Anuário de Pesquisa da Unicamp, 2010. Disponível em: http:// www.unicamp.br/anuario/2010 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A transferência de tecnologia acadêmica tem evoluído expressivamente nas últimas décadas e essa atividade tem se profissionalizado cada vez mais no mundo. Os NIT atuam em um ambiente em constante transformação, que demanda agilidade, flexibilidade e 16 melhoria contínua. Nesse sentido, estabelecer uma interação robusta com os pesquisadores é de fundamental importância para que um NIT possa exercer suas atividades de maneira eficiente. Procurou-se expor neste trabalho as principais estratégias desenvolvidas pela Inova Unicamp com o intuito de aprimorar e fortalecer o relacionamento com os pesquisadores da universidade. Todos os resultados já alcançados só começaram a se concretizar quando a Agência passou a priorizar a relação com pesquisador e enxerga-lo como o cliente e fornecedor mais importante, pois ele proporciona a matéria prima mais importante de um NIT: as invenções. Com essa nova visão, a Inova Unicamp está se empenhando para trabalhar cada vez mais de maneira proativa, que inclui desde palestras para difusão da cultura de PI na comunidade acadêmica, até visitas de prospecção tecnológica para o mapeamento e identificação de tecnologias com potencial inovador, contribuindo para a criação de um portfólio de patentes cada vez mais atrativo para o mercado e aumentando as chances das criações concebidas na universidade serem transferidas para a sociedade. A SANDELIN, J. Models for Transfer Offices of Public Research Organizations: Comparing Asia and United States. California: Stanford University, 2006. Disponível em: <www.ficci.com/mediaroom/speechespresentations/2006/dec/r&d/ plenary SessionVI/Jon_Sandelin.ppt>. Acesso em: 12 jun. 2011. SCHOLZE, S. H. C. Y CHAMAS, C. I. Regulación de la protección y la transferencia de tecnología, Revista de Economía y Empresa, Girona, v. XII, n. 34, p. 63-75, Set. 1998. SELLTIZ, C. WRIGHTSMAN, L.; COOK, S.; KIDDER, L. Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. Tradução: Dante Moreira Leite. São Paulo: EDUSP, 1975. THIOLLENT, M. Pesquisa-Ação nas Organizações. São Paulo: Atlas, 1997. Fonte: JORNAL BRASIL de 25/08/2010 disponível em www.jornalbrasil.com.br/interna.php? autonum=13999. 7 Artigo Arbitragem: Meio Propício de Resolução de Conflitos no Âmbito da Propriedade Industrial Fernanda Silva Alves1 [email protected] 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o propósito de analisar a arbitragem como meio propício para resolução de conflito no âmbito da propriedade industrial, mais especificamente, o instituto de marcas. Demonstrar a importância de um meio próprio reconhecidamente constitucional para apaziguar litígios oriundos de embates insurgidos, muitas vezes, administrativamente, a fim de perseguir o desenvolvimento dos interesses sociais. Uma das problematicidades suscitadas do tema proposto é o retardamento das decisões administrativas no que se refere às concessões de marcas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Outra indagação decorrente desta supracitada é quanto à efetividade resultante dessa morosidade e os respectivos prejuízos aos usuários – pessoas físicas e/ou jurídicas com a devida representação. Na maioria das vezes, a decisão arrastada há anos junto à Autarquia Federal, desaguará fatalmente no Poder Judiciário, e este por sua vez, não goza da efetividade tão salutar e desejada, por conta da morosidade – hoje comum -, do sistema. 2. IMPORTÂNCIA DA MARCA Para saber qual é a importância da marca, o seu objetivo material, haverá de se remeter, sucintamente, à impressionante habilidade da linguagem através dos tempos. Dos símbolos às mensagens pode-se depreender, basicamente, a palavra, não obstante, a linguagem. A marca! Inexiste unicidade da palavra, um lexicógrafo poderia tentar determinar o fim dos significados expressamente, mas jamais obstar a polissemia da mente. Assim como toda palavra tem distintos significados, a imprecisão se torna latente quando acrescidos prefixos, sufixos, derivações ou quaisquer outras composições plurissignificativas. George Orwell2 erigiu grande obra somente através de metáforas. “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros”. Este mandamento é um convite à luta contra de toda e qualquer forma de autoritarismo. O conteúdo da locução somado à expressividade visual relativamente nova resulta numa especialização de significado, podendo ser objeto de tutela exclusiva, concedida pelo Estado para determinado produto ou serviço, excetuando-se a vedação às expressões de propaganda, que no presente trabalho não serão objeto de análise. A Em tempos pretéritos, anteriores ao século XIII, a reprodução oral de escritos profissionais passavam, necessariamente, por recitadores, cantores, músicos e ambulantes que eram responsáveis por divulgar nas feiras, castelos e cidades.3 Considerando que cada expressão era aditada conforme sua moral – a moralidade daquele “cantador” -, ia-se ganhando traços diferentes do original. Tinoco Soares4 elucida que “embora tenha levado séculos e séculos a perceber, na verdade, o homem foi feito e continua, quiçá para todo o sempre, com uma marca própria, inigualável e insuscetível de reprodução, porém, comportando um sem-número de aproximações”, revelando assim, a individualidade da impressão digital. “É preciso ser rápido e agitado e poder oferecer seu patrimônio intelectual a serviço dos clientes” 5 A performance da marca está diretamente relacionada à reciprocidade do consumidor. Este fator não é isolado, depende sobremaneira, do labor comunicativo e ideológico. O mundo, em todos os setores, vende alguma coisa. As empresas vendem marcas. A Coca-Cola aliena quase tudo, exceto produtos e serviços. O “McDonald’s vende marca como fetiche” 6. O Bradesco tem vendido “presença”. Os políticos, “a independência econômica com o petróleo encontrado no pré-sal” e, o cliente deseja que você distribua a ele “segurança, sucesso e lucro”. A marca é o bem intangível mais importante na seara do patrimônio empresarial - propriedade industrial, visto que é o único título de propriedade concedido pelo Estado ad eterno, observadas as exigências legais de atividade lícita, efetiva e o adimplemento das obrigações de pagar as taxas decenais junto à Autarquia Federal. 1 Advogada do escritório Silva Filho (silvafilho.com.br); Pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo e as Novas Tendências do Direito pela Estácio de Sá – MG, Membro das Associações Nacionais: Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial – ABAPI e Associação Brasileira de Propriedade Industrial – ABPI e das Associações Internacionais: Association Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle – AIPPI e Ligue Internationale du Droit de la Concurrence – LIDC. Co-autora da obra Direito Processual em Movimento, organizada pelo pós-doutor Antônio Pereira Gaio Junior, 1.ed, Curitiba, PR: CRV, 2011, págs. 87 a 108, tema: Arbitragem: meio propício de resolução de conflitos no âmbito da propriedade industrial. 2 ORWELL, G. A Revolução dos Bichos: um conto de fadas. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 106. 3 SARAIVA, A. J. e LOPPES, O. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto, 2001, p. 36. 4 TINOCO SOARES, J. C. Tratado da Propriedade Industrial. Marcas e Congêneres. Vol. 1. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003, p. 21. 5 PETIT, F. Propaganda Ilimitada. 12.ed. São Paulo: Futura, 2006, p. 31. 6 FONTENELLE, I. A. O Nome da Marca. McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002, p. 277. 17 Artigo Não haverá erronia, contudo, em afirmar-se que a marca sobrevive “temporária ou definitivamente, independentemente do estabelecimento comercial”7 Tal observação, contudo, demonstra o grau de complexidade legal em que diversos empresários poderão se defrontar. O Direito não se dissocia da satisfação daquilo que se pretende alcançar. É de se depreender que a inefetividade, notoriamente, perdeu lugar no mundo hodierno. Idealizar a efetividade é viver o processo. A palavra efetividade – termo ao qual se pode atribuir, especificamente e em sentido estrito, a concretude do Direito – vem do latim efficere 8, que significa executar, realizar, concluir, em consonância com o processo, nas palavras de Cappelletti 9 poderia ser expresso como “igualdade de armas”. Para ele, intrinsecamente, vislumbrar-se-á até mesmo nas custas judiciais, em que a uma das partes litigantes é garantido o acesso efetivo entre outras barreiras ao acesso, como v.g. os problemas com os interesses difusos e a aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa. Salientando ser um tanto quanto difícil estabelecer uma linha de raciocínio para o conceito de efetividade no processo, Gaio Júnior10 assinala que “o resultado do processo deve ser tal, que possa assegurar à parte vitoriosa o pleno gozo de seu objetivo específico a que faz jus segundo o ordenamento”. Vale considerar, ainda, outra justificante com fulcro na efetividade, tal como exarado por Cintra, Grinover e Dinamarco11 em que “todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter”. No mesmo diapasão, Liebman12 demonstra que o foco se perfaz no Direito, no processo e no desenvolvimento e que, hodiernamente, reside na efetividade do Poder Judicante através do proclamado processo civil de resultados, sabedores de que “a tutela jurisdicional é dada às pessoas, e não aos direitos, e somente àquele sujeito que tiver razão: a tutela dos direitos não é o escopo da jurisdição nem do sistema processual”. Comungam-se os pensamentos, como se vê, as acepções não se divergem, mas e sobretudo, complementam-se. As explanações a respeito do conceito de efetividade são ainda incipientes e necessitam de reflexões zetéticas para traduzirem sua real importância e grandiosidade para a história pendular do Direito na contemporaneidade. Reside neste particular que a efetividade é a mola propulsora das lides, das crenças processuais, da motivação das partes e dos serventuários da justiça, idealmente, servem para inspirar ascensão social, política, econômica e cultural, afirmar as convicções, concretizar os desejos sustentados, muitas vezes, por toda uma vida. Doutro modo, conquanto a doutrina houvesse cindido, o tempo e a efetividade andam de mãos dadas e é basicamente, o corolário para a escolha da 18 A tutela jurisdicional, pois representam, recentemente, a morosidade e a carência satisfativa dos direitos conquistados. Quanto ao tempo, Tucci13 evidencia que a “manifesta repercussão temporal, até pela sua natureza, também é inafastável no campo do processo”. Sintoniza, ainda, o tempo à morosidade do sistema, verificando que esse vício é motivo curial da crise da justiça. Manifesta-se, por conseguinte, que a tutela jurisdicional só será efetiva e oportuna se acaso o procedimento for célere.14 A CRFB laborou uma ideologia frente aos novos rumos do processo civil de resultados, transpondo barreiras da morosidade quando expressa no artigo 5º, inciso LXXVIII a razoável duração do processo, sendo o tempo a justificativa para a exemplar prestação do serviço jurisdicional. Evidencia, ainda, sucintamente, os três motivos determinantes da problemática que circunda a intempestividade da tutela jurisdicional: “fatores institucionais, fatores de ordem técnica e fatores derivados da insuficiência material”15 No que toca às matérias, o autor acredita que o Estado não tem interesse em imprimir celeridade procedimental a fim de minimizar o lapso temporal entre o início do processo e a satisfação do direito lesado. O alto número de demandas e o baixo número de magistrados com o mínimo de tirocínio profissional cominado com a sistemática processual em que a decisão do juízo monocrático não goza do prestígio que deveria, traduz a não prestação da tutela jurisdicional. E para arrematar, as precárias instalações do Poder Judiciário, a inadequação relativa às condições de trabalho dos órgãos de primeiro grau no tocante à Justiça Estadual, as dissonâncias tecnológicas entre o Poder Judiciário dos Estados-Membros e Distrito Federal no que tange aos programas digitais utilizados para tentar diminuir a morosidade, por todo exposto, em termos diretos, “o tempo é o senhor da razão” e porque não também da qualidade total da prestação jurisdicional. Esclareça-se que, o binômio tempo e efetividade resgata os rumos do Direito. O reconhecimento deste fato, todavia, não obsta ou induz à aceitação como verdade intocável, ao contrário, incita a reflexão. Bus ALMEIDA, A. F. R de. Denominação de Origem e Marca. Stvdia Ivridica 39. Coimbra: Coimbra, 1999, p. 335. 7 BUSARELLO, R. Dicionário Básico Latino-Português. 6.ed. Florianópolis: UFSC, 2003, p. 97. 8 CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, págs.15 a 29. 9 GAIO JÚNIOR, A. P. Tutela Específica das Obrigações de Fazer. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 09. 10 CINTRA, A. C. de A., GRINOVER, A. P. e DINAMARCO, C. R. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 37. 11 LIEBMAN, E. T, apud. DINAMARCO, C. R. A Instrumentalidade do Processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 184. 12 TUCCI, J. R. C e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, p. 22. 13 Ibidem, p. 27. 14 Ibidem, p. 99. 15 Artigo ca ultrapassar as barreiras endo e exógenas, concretas e abstratas do mundo real ou da realidade ideal. A efetividade e o tempo estão para o Direito como o funcionamento do cérebro para a vida. Ao que parece razoável, não basta ter um cérebro, há de se estar em salutares condições de funcionamento para que não se declare a morte, o binômio, por sua vez, ativa os dispositivos necessários à realização do processo permitindo aos que litigam a vitalidade, a esperança e o respeito àqueles que laboram para e pela efetividade do processo civil de resultados. À vista de tais considerações, é possível que uma marca venha a colidir com outra, e ambas com uma terceira, quarta e assim, sucessiva e infinitamente, no mercado consumidor. Tais entraves marcários podem ser lícitos e perfeitamente mantidos quanto à convivência, ou mesmo, vir mascarados de reprodução parcial, total ou imitação. Desarrazoado, contudo, seria imaginar a predileção por um titular sem tornar proporcional e razoável a decisão no caso concreto. Não se ignore, além disso, que em certos casos uma marca copiosa tendente a manipular o mercado é ilegal, é desleal, é “pirata”! Petit ressalta que “o que deve ser moderno não é o layout, é a ideia”16. E muitas vezes, combater os sinais que possam induzir o público consumidor a erro poderá ser vista como a pedra de toque que desafia conflitos em sede de marcas. 3. CONFLITOS EM SEDE DE MARCAS A marca deverá corresponder aos ditames da Lei nº 9279, de 14 de maio de 1996. Desta maneira, em que pese a convivência leal entre marcas que guardam semelhanças, os artigos desta Lei, bem como, o artigo 124 e demais incisos, tendentes à pacificação, praticam a lealdade e a comunhão de todos os princípios basilares da CRFB, não olvidando da principiologia infraconstitucional da legislação em vigor. Marcas e produtos fora dos padrões expressos em Lei, infelizmente, são comuns no Brasil, e ao infringirem as regras, tornam-se ilegais. Ainda sim, há quem defenda que tal prática está amparada pela atipicida- A de material, sendo apreciada inserta no princípio da adequação social. Contudo, a maioria dos pensadores não concorda, sendo a prática comissiva ilegal, sujeita às infrações previstas em Lei. O sistema atributivo de direitos, também denominado first-to-file, garante ao primeiro titular que teve seu registro concedido pelo INPI a eficácia erga omnes, isto é, o monopólio por tempo indeterminado - observadas condições legais -, de impedir terceiros que usufruam da marca sem o seu consentimento. No entanto, esse direito não é inatacável. Tinoco Soares ressalta que mediante ação anulatória do registro até decorrer o prazo prescricional o registro poderá ser atingível. Findo o prazo, a propriedade se consolida de maneira inatacável.17 O artigo 129 assegura este direito. O sistema declarativo de direitos abrange, no Brasil, o direito autoral, embora se possam observar algumas decisões do TJMG, que adotam a contrario sensu, esse direito como sendo abrangente para o registro marcário. Irrepreensível, por conseguinte, que o sistema declarativo de direitos é Instituto que deverá ser imposto perante o INPI – quando em oposição à marca de terceiros e pelo Poder Judiciário pedindo que se declare o “pré-uso”. Atente-se ao fato de que, apenas a sentença declarativa não servirá sem sua executividade via administrativa, sob interposição de oposição no processo ou por via da nulidade administrativa quando se tratar de registro, observado o prazo temporal preclusivo de 06 (seis) meses contados da concessão. Após, somente dentro do prazo de 05 (cinco) anos contados da concessão, por via judicial, procedendo-se à anulabilidade do registro. Menezes 18 não se exime da importância da perícia para a verdade dos fatos e entende curial a prova, entretanto, a perícia é muitas vezes dispensável quando se tratar de conflitos de marcas e trade dress seja PETIT, F. Propaganda Ilimitada. São Paulo: Futura, 2006, p. 113. 16 TINOCO SOARES, J. C. Código da Propriedade Industrial Comentada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000, p. 91. 17 MENEZES, P. B de. Perícia em conflitos de marcas e trade dress: transferência da decisão de mérito para um terceiro não togado? In: Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Nº 103, nov/dez 2009, p. 46. 18 19 Artigo por não haver sedimentada orientação doutrinária e jurisprudencial seja pela singeleza de se olhar o objeto e se ver (extrair) se há ou não repetição de elementos identificadores concorrenciais. Para o jurisconsulto Dr. Tinoco Soares 19 “quando o produto se apresentar ao mercado através de uma embalagem, recipiente, frasco, envoltório, invólucro ou similar poderá também ter sido alvo de uma proteção específica como MARCA TRIDIMENSIONAL”. Assim sendo, o infrator poderá ser enquadrado nos crimes contra as marcas. A Convenção da União de Paris no seu artigo 6º quinquies C(1) ao examinar formalmente a possibilidade de registro duma marca deverá considerar as circunstâncias de fato e duração do uso desta. Dessarte, um mesmo signo deverá apresentar distintividade, não se apresentar “fraca” sob ponto de vista jurídico a fim de alcançar o objetivo único do monopólio legal. Não raras vezes um conflito é suscitado pela colidência entre nome empresarial e marca de outrem. É de se notar, preambularmente, que algumas decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul há prevalência do Instituto que detêm maior abrangência nestas decisões 20. Outros casos, a decisão se fundamenta no princípio da especificidade 21. Adiante, notadamente, as decisões professaram a linha de raciocínio do Superior Tribunal de Justiça 22. Noutras, o princípio da anterioridade 23. No Tribunal de justiça do Estado de São Paulo TJSP, o princípio da especificidade fora privilegiado 24. Decisões outras se fundam na exigência de se inserir no sistema para ser o titular legítimo 25. Insta relevar a possível incidência valorativa abonada do direito interno a ponto de não ser cumprido o tratado ratificado. A visão monista nacionalista pode vir a não corroborar com as demandas sociais, pois, há necessidade de sua ampliação, respeitando-o e cumprindo-o à luz de um prisma monista internacionalista 26 Preocupação de tal ordem, aliás, presidirá no reconhecimento da independência das Autarquias responsáveis pela concessão de marca e registro de nome empresarial 27. Os julgados buscam atingir o objetivo do Direito, qual seja: desenvolvimento! As decisões conduzirão, na prática, à motivação contemporânea28. Em alguns casos não há o que se falar em colidência29. As decisões do TJRJ têm fulcro na legalidade e comprometimento com o labor cognitivo do magistrado, tais decisões servem, muitas vezes, de bases motivadoras para a instância superior30 O TJMG privilegiou a independência das Autarquias no que tange a proteção do nome empresarial e da marca. Haverá exceção quando tratarem de ramos de atividade iguais de marca de alto renome.31 20 A Cá, o dispositivo exigiu a comprovação do dano para o ressarcimento, entretanto, a independência das Autarquias no que tange à tutela de marca e nome empresarial, foi de encontro, contradizendo-se, pois, em sua assertiva anterior32. Cautelosas as decisões de indeferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela por ter, as partes litigantes, direitos advindos de Autarquias diferentes. Ambos têm direitos e deveres e há necessidade de comprovação requisitos prova inequívoca e verossimilhança da alegação (artigo 273 CPC)33. Baseiam-se, as decisões, no princípio da especificidade e outro argumento salientado é o da vedação à imitação e ao aproveitamento parasitário34. Há, ainda, as que ratificam a limitação da tutela do nome empresarial no Estado-Membro a que foi requerida 35 Dissensões à parte, por sua vez, estas ignoram a independência das Autarquias. O sistema de busca de marcas junto ao INPI não é integrado ao de busca de nomes empresariais dos 26 Estados-Membros e Distrito Federal. O interesse social está sendo mitigado pelo interesse individual. O ideal principiológico da anterioridade pode ter sido posto de lado, comprometendo sobremaneira a matéria, objeto litigioso 36. O STJ a partir de 1988 recebeu a competência para julgar os casos de colidência entre marcas e nomes empresariais, alterando-se, sobremaneira, a exegese que antes era de competência do STF. Suas decisões buscam motivação no que tange a anterioridade, seja do arquivamento dos atos constitutivos nas Juntas Comerciais, seja no INPI. Sem o condão de privilegiar a isonomia do tratamento às sociedades empresárias, vez que, os Institutos além de abarcarem competências diferentes, detêm objetivos díspares. Enquanto umas resguardam o direito ao nome empresarial TINOCO SOARES, J. C. “Concorrência Desleal” vs. “Trade Dress” e/ou “Conjunto Imagem”. São Paulo: In House (do autor), 2004, p. 249. 20 Apelação Cível Nº 598004901, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior, Julgado em 01/07/1998. 21 Apelação Cível Nº 70006694061, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 23/10/2003. 22 Apelação Cível Nº 70014168603, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 23/03/2006. 23 Apelação Cível Nº 70015461106 e Nº 70015461106, ambas da Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 27/02/2008. 24 Apelação Com Revisão 694194100, 2109954000 e 5863454300. 25 Apelação Com Revisão 583474700. 26 Apelação Com Revisão 338524900. 27 Apelação Com Revisão 1145714600. 28 Apelação Com Revisão 1092154000 e 1692314200. 29 Apelação 3969784100 e Apelação Com Revisão 5868444000. 30 Apelação nº 2008.001.24493, 2006.006.00251 e 2008.001.24493. 31 Apelação nº 1.0707.06.118994-0, Número do processo: 2.0000.00.481953-2 e 2.0000.00.394144-6. 32 Número do processo: 1.0024.05.822461-9. 33 Número do processo: 2.0000.00.467079-9 e 1.0024.05.848770-3 34 Número do processo: 2.0000.00.496422-5 e 1.0024.06.092058-4. 35 Número do processo: 2.0000.00.477756-4. 36 Número do processo: 1.0701.07.184679-7, 1.0699.03.029551-2 e 1.0024.04.355600-0. 19 Artigo dentro do Estado-Membro, outras tutelam interesses da marca em todo território Nacional 37. Salienta-se a anterioridade do nome comercial mesmo que a marca idêntica requerida por terceiros tenha sido concedida antes. Veda-se o registro do nome empresarial mesmo com anterioridade de marca concedida 38. Privilegia-se a convivência com ressalvas, desde que não seja passível de confusão e/ou associação de uma empresa com outra 39. No que tange as decisões acerca da proteção às marcas notoriamente conhecidas, não há o que se falar em divergência de entendimentos, visto que a lei resguarda o privilégio 40. Pode-se depreender certa subjetividade na decisão, vez que, a expressão: “Importava o que naquele fosse característico” não se revela em que ponto da lei seria necessário para abstenção do uso de marca em detrimento ao nome empresarial e vice-versa. A vedação do CPI foi mantida na LPI nº 9279/96 com os mesmos dizeres 41. Eis que esta merece observação, pois, observa-se a análise criteriosa do julgado. Foram considerados todos os pontos pertinentes, quais sejam: a historicidade trazida ao caso contrato em que “marca e nome comercial não se confundem”; as várias funções das marcas – “destina-se a identificar produtos, mercadorias e serviços”; a dessemelhança entre os sinais distintivos também foi homenageado com os seguintes dizeres: “o nome comercial, por seu turno, identifica a própria empresa”; adotando sua motivação com fulcro no sistema atributivo de direitos 42. Detalhamento quanto ao uso de expressão comum, excluindo o gozo exclusivo da marca 43 A decisão se baseou no grau de abrangência territorial dos institutos, minimizando as diferenças a ponto de excluí-las. Não havia, ainda, o papel daquela que representaria num futuro próximo, o corte epistemológico no que tange às decisões motivadas e fundamentadas nos princípios – a CRFB de 1988 44. Notadamente, a despeito de diversificadas formas litigiosas a serem enfrentadas no que tange, tão somente, ao instituto de marcas, seja pela infringência dos incisos contidos no extenso artigo 124 da Lei da A Propriedade Industrial, seja pela desobediência doutros diplomas legais. Há, pois, de serem observadas formas variadas de solução de controvérsias e sua aplicabilidade em tema de marcas. 4.POSSÍVEIS MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS E SUA APLICABILIDADE EM TEMA DE MARCAS O Direito da Propriedade Industrial é o ramo do Direito que sintetiza de maneira mais clarividente o conflito entre particulares, contudo seus reflexos contêm traços de repercussão geral, exteriorizando-se de modo conglobante todas as relações jurídicas com o fim de atingir o desenvolvimento. Não se trata, pois, de qualquer desenvolvimento, mas e sobretudo, aquele destinado ao bem comum. A sociedade com seus conflitos e insatisfações é natural e perfeitamente aceitável. Até uma criança recorre da decisão proferida pelo pai que não permite, por exemplo, sua saída com os amigos. Este recorrerá à benevolência da mãe. É de se notar, nesse ínterim, que, a segunda instância, guardadas as suas peculiaridades, pode ser vislumbrada na figura da mãe que analisando os fatos, sopesando o direito, tentará “reformar a decisão do pai” – primeira instância. Ora, desde cedo se reconhece, mesmo que à distância, o mundo ideal do Judiciário. E ter o que realmente se REsp 267541 / SP – Recurso Especial - 2000/0071836-0, REsp 158668 / AM - Recurso Especial - 1997/0090512-8, REsp 284742 / SP - Recurso Especial - 2000/0110288-5, REsp 212902 / SC - Recurso Especial - 1999/0039742-8, REsp 210076 / RJ - Recurso Especial - 1999/00314450, REsp 198609 / ES Recurso Especial 1998/0093129-5 , REsp 62770 / RJ - Recurso Especial -1995/0014464-6 e REsp 32263 / SP - Recurso Especial - 1993/0003816-8. 37 REsp 613376 / SP - Recurso Especial - 2003/0217521-6, REsp 237954 / RJ - Recurso Especial - 1999/0102350-5, REsp 128136 / RJ - Recurso Especial - 1997/0026610-9 e REsp 35806 / SP Recurso Especial - 1993/0016191-1. 38 REsp 40598 / SP Recurso Especial - 1993/0031486-6, REsp 40190 / RJ - Recurso Especial 1993/0030250-7 e REsp 77549 / MG - Recurso Especial - 1995/0054827-5. 39 REsp 246652 / RJ - Recurso Especial - 2000/0007770-4, REsp 510885 / GO - Recurso Especial - 2003/0035347-0 40 REsp 97296 / RJ - Recurso Especial - 1996/0034766-2 41 REsp 52106 / SP - Recurso Especial - 1994/0023705-7 42 Processo REsp 1082734 / RS - Recurso Especial - 2008/0183761-4 43 RE111971 / SP - SÃO PAULO - Recurso Extraordinário 44 21 Artigo almeja pode não ser tão difícil quanto na realidade jurisdicional contemporânea. Neste sentido, analisar-se-á os vícios e as virtudes nas três vias escolhidas para formas de resolução de conflitos existentes a fim de se alçar a que melhor responderá às necessidades daqueles que buscam, através da figura do Estado, a pacificação social e o desenvolvimento. 4.1VIA ADMINISTRATIVA: BREVES NOÇÕES, VÍCIOS E VIRTUDES A marca expressa muito mais do que mero investimento empresarial, é a própria refletividade do desenvolvimento econômico, político, social e cultural de uma história. E de suma importância se faz salientar a necessidade de sopesar a axiologia do sistema e a teleologia visando, a subjetividade do fim, sabidamente destinado aos interesses públicos. A propriedade de um bem material é um direito fundado no fruir, no usar e no dispor – alienar, locar, morar eticétera. A propriedade de um bem imaterial – objeto do presente estudo inclui-se a propriedade industrial, artística, literária e científica desde que possam ser concretizadas no mundo real. Muito se discute sobre a natureza real do direito de propriedade industrial. A doutrina dominante ressalta a defesa de que a natureza dos direitos sobre os bens imateriais é direito de propriedade, “assegurando-se ao seu titular num momento de lide o intento de ações possessórias e eventuais benefícios decorrentes de fruição dos prazos prescricionais disciplinados na legislação cível comum”. 45 As lides advindas do descumprimento contratual – sentido lato -, administrativamente, são resolvidas no âmbito do INPI, ou seja, há publicações semanais na Revista da Propriedade Industrial que informa o momento para ação ou defesa na via administrativa. O INPI, que é uma Autarquia Federal responsável pela tutela dos direitos da propriedade industrial, quando emana a concessão do registro de marca faz nascer o direito de exclusividade sobre terceiros, garantida em todo território nacional. Uma marca registrada junto ao INPI deverá excluir a presença de terceiros do uso de marca idêntica, para o mesmo ramo de atividade. Esse ato da administração pública indireta 46 47 é a maior forma de manifestação da vontade estatal, é unilateral e seu objetivo visa o interesse público. Para se determinar a sujeição ao controle judicial, o ato deverá ser ponderado, haja vista que a revogação de um ato discricionário somente poderá ser feita pelo próprio prolator, cuja análise deverá ser limitada ao objeto e ao motivo para sua extinção, e seus efeitos não serão retroativos - “ex nunc”. Ao contrário do ato que exacerba os limites da legalidade. 22 A No âmbito da Propriedade Industrial, o processo administrativo de um pedido de registro de marca até ter o seu registro concedido, passará por algumas fases, dentre as quais vários atos administrativos poderão vir a acontecer. São atos administrativos vinculados: publicações, republicações, exigências, transferências, alterações de nome e de sede, deferimentos, sobrestamentos e arquivamento. Ao passo que a Oposição, a Manifestação e a Caducidade necessitam para seu intento, da provocação de terceiros juridicamente interessados. Os examinadores do INPI têm competência privativa para “julgar” qual parte terá direito sobre determinada questão. Essa decisão administrativa é ato discricionário. Os atos discricionários, não se sujeitam ao controle judiciário, em regra. Esse entendimento não pode ser absoluto, há de ser flexibilizado quando assim as partes decidirem, v.g., numa marca - objeto de oposição administrativa -, poderá sem maiores celeumas conviver pacificamente no mercado, em consonância com o acordado pelas partes. Esse acordo surtirá efeitos mais desejados do que um “julgamento” administrativo. Devendo ser, o acordo, averbado junto ao INPI para publicação e consequente efeitos erga omnes. Há atos administrativos que merecem ser apreciados com parcimônia. O PAN – Processo Administrativo de Nulidade -, e o Indeferimento, são atos administrativos ora vinculados, ora discricionários. Apesar de sabedores da existência do controle interno – autotutela administrativa -, que é realizada no controle dos atos praticados, podendo revogar atos inconvenientes e inoportunos – mérito administrativo – e, devendo ser anulados atos ilegais, vedando até mesmo, os direitos adquiridos conforme artigos 53 e 54 da Lei nº 9784 de 29 de Janeiro de 1999, há também o controle externo, qual seja: o Poder Judiciário deverá anular todos e quaisquer atos que vão de encontro à legalidade. Tal controle é realizado com relação aos aspectos legais dos atos discricionários, quando v.g., haja violação ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Fora inclusive sumulado o entendimento sob nº 473 do Supremo Tribunal Federal. Na maioria dos casos a disputa de interesses desaguará no Judiciário, seja pela falta de informações sobre outras formas propícias de resolução, pelo excesso de ceticismo ou mesmo pela cultura arraigada de que o Judiciário é o único que poderá “dar exatamente o que é seu de direito”. FURTADO, L. R. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 39. 45 46 A doutrina não faz essa diferenciação quanto ao MÉRITO ao excetuar os atos vinculados dos discricionários emanados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI. Limita-se a veicular que quando for de competência do Estado quanto à ordem pública e ao mérito, dever-se-á buscar resolução da lide no Poder Judiciário, ficando assim, vedado o auxílio paraestatal. Deverá ser observado se se trata de ato vinculado ou discricionário. A diferenciação quanto aos atos vinculados e discricionários é de suma importância para apreciação doutras formas de solução da lide. 47 Artigo Carnelutti 48 explica a dessemelhança entre as vias administrativa e jurisdicional em que: “a distinção entre ambas se funda na diferença entre o interesse (público) quanto a composição de conflitos e o interesse (público) em conflito”. Basicamente entre interesses exógenos e endógenos. Completando a explanação, segue a orientação de que a função processual deverá satisfazer as pretensões – atuando no conflito resistido -, enquanto a função administrativa deverá atender o desenvolvimento do interesse em conflito – atuando sobre o conflito de interesses. O interesse, portanto, da via Administrativa, não é a da composição do conflito resistido entre particulares, até porque o ato tem de estar em consonância com os interesses da coletividade resultando, muitas vezes, em decisões que nada responderá aos anseios das partes envolvidas. Segundo Carneiro 49, a CRFB não impede a solução administrativa, entretanto, não se verá reconhecida a coisa julgada, que se manterá o status apenas no plano administrativo. Daí, interessante se fará a apreciação da Ordem Jurisdicional por encontrar reconhecido que a via Administrativa não o melhor método nem tampouco eficaz no plano da pacificação social, dependendo da atuação duma segunda via para completude e ratificação da sua decisão. 4.2VIA JURISDICIONAL: BREVES NOÇÕES, VÍCIOS E VIRTUDES A via Jurisdicional é não é mais antiga do que a arbitragem, mas, indubitavelmente, a mais utilizada no Brasil. Deparamo-nos com um acesso usual cuja fragmentalidade européia carece de completude para retratar a eficiência total que se espera dela. Conceituar jurisdição sob a ótica de Diniz 50 é compreender a “administração da justiça pelo Poder Judiciário; poder-dever da aplicação do direito objetivo, conferido ao magistrado; atividade exercida pelo Estado para aplicação de normas jurídicas ao caso concreto”. E ainda, “compreende o poder de decisão; o de compelir, no processo de execução, o vencido a cumprir a decisão (...)”. Tal compreensão, entretanto, deverá ser analisada sob três enfoques que se relacionam entre si. Assim A se tem a jurisdição como poder, este que emana da soberania Estatal que assume o monopólio de solução dos conflitos com capacidade imperativa de impor suas decisões; como função, significando expressamente a busca pela pacificação social, pelo Estado mediante processo, prestando a devida tutela jurisdicional quando provocada e, como atividade, uma vez que atua através de uma sequência de atos processuais que igualmente são praticados pelo juiz. Chiovenda 51 ensina que a “jurisdição como função do Estado tem escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, (...) no afirmar a existência da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”. Este meio do Estado para composição da lide nem sempre se mostra a contento, tendo em vista a complexidade das relações hodiernas. Em uma de suas diversas obras, Gaio Junior 52 infere, através de pesquisas acerca do conceito de jurisdição, que não se pode delimitar o “alcance intelectivo” do instituto e Calamandrei já previa tal insuficiência definitiva “para todos os tempos e para todos os povos”. Quiçá os problemas da jurisdição se revestissem apenas na nomenclatura, definição jurídica e alcance cognoscitivo... Vão muito além destes. Atualmente, sendo a jurisdição função exclusiva do Poder Judiciário, será ela exercida somente por intermédio dos magistrados, seja através do exercício monocrático ou em órgãos colegiados. Neste sentido, a jurisdição se faz uma, tendo a sua distribuição jurisdicional em órgãos específicos – varas, ou mesmo em territórios ou comarcas com efeitos meramente funcionais, isto é, de caráter meramente administrativo. Tal característica expressa que a atuação da jurisdição normalmente se dará pela provocação da parte juridicamente interessada após ter sua pretensão resistia por outrem. Esta provocação ou intervenção CARNELUTTI, F. Sistema de direito processual civil. 2.ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004, 339-340. 48 p. CARNEIRO. A. G. Jurisdição e competência: exposição didática: área do direito processual civil. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 39. 49 DINIZ, M. H. Dicionário Jurídico. v. 3., 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 27. 50 CHIOVENDA. G. Instituições de direito processual civil. v.II. Campinas: Bookseller, 2002, p. 08. 51 GAIO JUNIOR, A. P. Direito Processual Civil: teoria geral do processo. v.1. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 33. 52 23 Artigo está expressa na CRFB, reconhecida como princípio basilar da inafastabilidade do Judiciário, garantindo seu conhecimento sempre que houver violação ou ameaça de direito, conforme artigo 5º, inciso XXXV 53, devendo, no exercício da jurisdição, aplicar o direito ao caso concreto, com o objetivo de atingir o fim, segundo Chiovenda 54, de “dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir. Gaio Junior 55 ressalta que, nas reformas operadas no campo da processualística civil brasileira, a preocupação com a celeridade-efetividade é notória. Não se deveria, pois, entender o direito de ter apreciado seu direito ameaçado ou violado com direito à apreciação em segunda ou terceira instâncias. Deste modo, se o juízo decidir a pretensão resistida conforme entendimento sumulado, o recurso não será apreciado pelo Tribunal. Na mesma medida em que, se conseguir julgamento em segunda instância desfavorável, somente subirá o recurso se presente o requisito da repercussão. Caso contrário, decidir-se-á perquirir na contramão da evolução resultados que satisfaçam a realidade. A processualística infraconstitucional penal auxilia de longe ao prescrever a violação do direito autoral no artigo 184 e a usurpação de nome ou pseudônimo alheio no artigo 185. Por sua vez, a Lei da Propriedade Industrial nº 9279/96 prescreve nos artigos 187 e 188, os crimes contra desenhos industriais; nos artigos 189 e 190 os crimes contra registro de marcas; o artigo 191 se refere aos crimes cometidos por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda; os artigos 192 a 194 prescrevem os crimes contra as indicações geográficas e demais indicações; e no artigo 195 constam os crimes de concorrência desleal. Conforme o artigo 209, parágrafos 1º e 2º, da Lei da Propriedade Industrial, o magistrado poderá determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que enseja violação dos direitos da propriedade industrial, bem como, apreensão de todas as mercadorias contrafeitas. Há também legislações infraconstitucionais quando o interesse do consumidor se mostra presente, artigo 4º, inciso VI do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 24 A O âmbito civil, a tutela ressarcitória se faz presente invertendo a função inerente da responsabilidade civil, qual seja: o do causador do dano repará-lo. Neste diapasão, Cavalieri Filho 56 observa que há uma necessidade fundamental de se restabelecer o equilíbrio através do ressarcimento jurídico-econômico, “recolocando o prejudicado no statu quo ante”. É feito através de uma indenização calculada pelo dano sofrido. E quando não se pode calcular o dano, como é o caso de infrações de direito marcário? Pereira 57 ratifica o óbice quantitativo quando aponta que “há intrínseca dificuldade de se aferir os danos decorrentes da violação dos direitos inerentes à propriedade industrial”, refutando a tutela ressarcitória, exigindo-se a tutela preventiva para a satisfação dos direitos. Menciona, ainda, que a tutela jurisdicional se faz inadequada quando a ordem sob pena de multa não consegue inibir o contrafator e, há uma ausência de técnica executiva de busca e apreensão dos produtos contrafeitos. Reconhecer que deva ser aplicada tutela preventiva na seara da Propriedade Industrial é devolver o direito a quem o tem. É tentar realizar a justiça através da celeridade e efetividade. Somente poderá ser observada a valoração do direito material – efetividade e celeridade -, que favorecem a propriedade industrial, se as tutelas: antecipada – que deverá inibir o tempo e o processo -, específica – que deverá obstar a efetividade e a inibitória – preventiva -, do processo civil pátrio forem consideradas. Os óbices para a escolha da tutela jurisdicional são inegavelmente a morosidade e a carência satisfativa dos direitos conquistados. O primeiro permite o escoamento dos direitos pela duração elasticizada das MORAES, A. de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 291. 53 CHIOVENDA. G. Instituições de direito processual civil. v.I. Campinas: Bookseller, 2002, p. 67. 54 GAIO JUNIOR, A. P. A Repercussão Geral e a Multiplicidade dos Recursos Repetitivos no STF e STJ. Artigo publicado na Revista de Processo RePro. RT. Vol. 170. Abril 2009. Publicação oficial Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. 55 CAVALIERI FILHO, S. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 36. 56 PEREIRA, L. F. C. Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial – aspectos processuais da Lei 9.279/96. São Paulo: RT, 2006, p. 24. 57 Artigo demandas judicantes. Significa dizer que o tempo vai corroendo paulatinamente o direito. Uma vez conquistada a sentença – prestação judicial, a falta de instrumentos para garantia do cumprimento do direito ora restaurado pala decisão sentencial estatal cria a cultura do denominado “ganha, mas, não leva”. No caso em tela, insta ressaltar que a propriedade industrial carece de tutela diferenciada e específica, a fim de proteger uma situação de direito substancial – industrial. “Inegável não apenas o cabimento, mas a utilidade da antecipação de tutela no âmbito da ressarcitória na forma especifica” em que preenchidos os requisitos – verossimilhança – exigidos à antecipação, é possível ao autor de uma demanda não apenas a antecipação da soma em pecúnia, como também a efetiva entrega desse que se faz, por vez necessária, “à eliminação do risco de lesão que somente a liminar poderia afastar, sem qualquer vinculação com a execução provisória”. 58 A tutela específica significa o mesmo que “reconhecer o direito do autor a determinada prestação e, passando em julgado, desde então o satisfaz, proporcionando-lhe situação jurídica idêntica àquela que se teria caso o devedor a cumprisse voluntariamente a obrigação devida”. 59 Machado 60 entende que “o artigo 461 é a base legal que permite, nos dias de hoje, afirmar que o processo civil brasileiro oferece instrumentos satisfatórios para a defesa da propriedade industrial” e que se deva almejar sempre pela prescrição do artigo supracitado ou de resultado prático equivalente, “pois a reparação pecuniária, no mais das vezes, não é apta para reparar os prejuízos sofridos pelo autor”. Ademais, a tutela inibitória, essencialmente preventiva, é recomendável e deveras necessária para a proteção do direito da propriedade industrial. A tutela inibitória permite que se imponha uma obrigação de fazer – positiva, ou que se imponha uma obrigação de não fazer – negativa, podendo figurar na individualidade ou coletividade. 61 Ainda há muito que se desconstruir e reconstruir de maneira disforme, modificando tradições ao projetar Normas, refletindo sobre os vícios perniciosos da dogmática que não mais correspondem aos anseios A sociais coletivos, rompendo modelos pré-postos e incutindo o progresso das ideias nas realizações. Motivar a cognição com intuito da progressão plurívoca, “regular por regular” não mais satisfaz. Há a necessidade de modificação do status quo ante - tem a norma que regular para desenvolver. O ludibriar pode resultar na diluição da marca diminuindo sobremaneira seu poder de atração. Para tanto se mostra presente a tutela antecipada, a tutela específica e a inibitória com objetivo de tentar inibir um momento tardio e redução dum aguardado prejuízo. Importante se faz ressalvar que na seara da jurisdição, o Estado se faz presente em absoluto, quando a pretensão resistida tiver incidência de direitos ditos indisponíveis. Por outra órbita, quando se tratar de direitos disponíveis, o caráter substitutivo da jurisdição se pronunciará, substituindo a vontade das partes no tocante ao conflito de interesses 62. O processo administrativo no mundo contemporâneo, bem como o judicial, clama por decisões céleres e acertadas. Não há mais espaço para a morosidade ou resultados que convençam nenhuma das partes. 4.3 VIA ARBITRAL: NOÇÕES GERAIS E HISTORICIDADE Uma terceira via possível de solução de controvérsias no que dedilha o tema de marcas, além da administrativa – por meio do INPI e, jurisdicional – através do processo – “instrumento pelo qual a jurisdição é exercida, sendo que, através dele, de modo imparcial, uma terceira pessoa, situando-se fora e acima do conflito ‘ditaria’ qual a solução mais justa, fazendo-se preponderar, já que mais forte que as partes” 63, apresenta-se sob a égide arbitral. Ibidem, p. 335-338. GAIO JUNIOR, A. P. Tutela Específica das Obrigações de Fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 90. 60 MACHADO, J. M. D. Aspectos da antecipação da tutela na propriedade industrial: patentes, desenhos industriais e marcas. São Paulo: RT, 2007, p. 123-130. 61 MARINONI, L. G. e ARENHART, S. C. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2006, p. 439-442. 62 GAIO JUNIOR, A. P. Direito Processual Civil: teoria geral do processo. v.1. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 37. 63 ROCHA, J. C. de S. da R e MISI, M. C. O Direito e os desafios da contemporaneidade. São Paulo: LTr, 1999, p. 167. 58 59 25 Artigo Ora, com o advento da Lei nº 9307 de 23 de setembro de 1996, a arbitragem se fez presente, e apesar de não ser tão recente quanto a sua promulgação, vem ganhando adeptos por erigir uma resposta célere e eficaz. De acordo com as disposições gerais, o artigo 1º da LA aduz que nem todas as demandas poderão ser resolvidas através da arbitragem. Comumente utilizada para dirimir as lides comerciais, somente serão aproveitadas quando as partes interessadas forem maiores e suas causas versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis e/ou transacionáveis. E ainda, tem liberalidade na escolha das regras de direito que serão aplicadas ao caso concreto, desde os princípios gerais, usos e costumes e até mesmo as regras alienígenas comerciais, salvo se houver violação aos bons costumes e à ordem pública, conceitos estes que, apesar de indeterminados, devem ser consideradas a razoabilidade. Igualmente razoável salientar que, apesar desta prática de resolução de litígio não ser nova, não se amoldou aos costumes, vindo à tona, hodiernamente, através do modismo jurídico doutros países desenvolvidos. Tal “modismo” ao contrário de muitos que entendiam inconstitucional parte da LA64, fora considerado constitucional pelo Tribunal, seja pela consonância com a Carta Maior, seja pela efetividade e redução temporal obtidas na decisão controversa. Gaio Junior acrescenta que a CRFB auxiliou sobremaneira a reinserção da arbitrabilidade obrigatória, v.g. ao estabelecer no artigo 217, § 1º: que quando se tratar de disciplina e competição desportiva, o acesso ao Poder Judiciário só será concretizado após o esgotamento na justiça desportiva. Transpondo o essencial, qual seja: a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, preocupações outras, aliás, em muitos momentos, se perfaz na imparcialidade e independência dos árbitros, na autonomia da cláusula compromissória, na interpretação segundo o que fora escolhido para pôr fim à lide e na executoriedade da sentença arbitral no Judiciário. Doutro modo, a sentença arbitral poderá ter seu prazo determinado pelas partes, e não o sendo, esta terá o prazo máximo de seis meses para sua prolação. Esta celeridade é importante quando se tratar de litígios em matéria de marcas, em que as partes, com o passar do tempo, vão perdendo poderio econômico e privilégio publicitário com a ascensão da insegurança jurídica. E quanto à efetividade, “cumpre, portanto, não se pugnar pela efetividade do processo como se fosse ele um ‘fim’ bem determinado e valioso a ser alcançado” 65 . Não se traduz na simples aceitação do veredicto, mas e sobretudo, no qualidade do resultado por ele alcançado, produzindo efeitos na órbita da lide anteriormente exaltada. 26 A A via arbitral pode ser outra forma de se vislumbrar o ato discricionário em que a conveniência e oportunidade talvez não sejam mais suficientes para atender aos interesses sociais e às demandas na contemporaneidade. Arrazoar a flexibilização da discricionariedade não significa suscitar a contradição. A principiologia constitucional de qualquer método de solução de controvérsias e sua aplicabilidade se encontra na igualdade. Para Bobbio 66, a tolerância na desigualdade não é sinal de fraqueza ou de inverdade, mas e, sobretudo, afirmação do respeito à pessoa alheia e à liberdade de escolha. A tolerância, no presente trabalho e em sentido lato, refere-se à aceitação de situações antagônicas, estas, buscadas a partir do reconhecimento da necessidade de conciliação na busca da paz social. Da igualdade de condições, princípio basilar, podese depreender outra derivação como v.g. o direito ao acesso à justiça. Tal direito não é sinônimo ao direito de acesso ao Judiciário. O último traz arraigada a concepção obsoleta da nomenclatura “ganhador” e “perdedor” ou ainda, da figura do “autor” e “réu” ao invés da expressão ideal de “satisfação das partes”. “A arbitragem não é modismo, nem panacéia, muito menos mera privação da jurisdição (...)” 67 Boaventura de Sousa Santos 68 ressalta alguns pontos da sociologia jurídica que devem ser desmitificados, um deles, v.g. seria a inexistência de neutralidade jurisdicional – as decisões são reflexos do modo de vida de cada juiz -, numa sociedade em que a complexidade e dinamismo são crescentes, talvez este ponto seja culminante para incentivar as partes à investidura dos meios propícios. Assim são os meios propícios de resolução de conflitos. Não é uma alternativa, mormente, é mais do que uma realidade. Não renasceram para plagiar a efetividade das leis, até porque “a lei pode ser eficaz e não ser efetiva. A lei será eficaz se se mostrar apta a produzir os efeitos a ela atinentes. Mas poderá ser inefetiva se a prática obstaculizar o seu pleno exercício.” 69 Assim sendo, reeducar a cultura, interiorizar Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, publicação na Ata 40 do DOU de 19-12-2001, in GAIO JÚNIOR, A. P. A Arbitragem Brasileira e sua Constitucionalidade. Disponível em: www.gaiojr.adv.br/artigos. Acesso em: 24 de dezembro de 2009. 64 SENTO-SÉ, J. L. de A. A Efetividade do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 61. 65 BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed.: Rio de Janeiro, 2004, p. 209. 66 FRANCO, M. Nova Cultura do Litígio: necessária mudança de postura. In: LEMES, S. F., CARMONA, C. A e MARTINS, P. B. Arbitragem. Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva Soares, In Memoriam. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 113. 67 SANTOS, B. de S. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça. In: LARA, R. Acesso à Justiça. O princípio constitucional e a contribuição prestada pelas faculdades de direito. São Paulo: Metodo, 2002, p. 51 68 MARTINS, P. B. A Arbitragem e o Mito da Sentença Parcial. In: LEMES, S. F., CARMONA, C. A e MARTINS, P. B. Arbitragem. Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva Soares, In Memoriam. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 267. 69 Artigo a reflexão e tocar o educando através da informação, são pontos primordiais para o sucesso da justiça. A mutabilidade reflexiva e o entendimento de novas acepções comportamentais, hodiernamente, não é pensamento original, há quem defenda que a “generosidade, elegância e cortesia” são bases sólidas para uma “ordem socioeconômica cristã” 70 e ainda, que “a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social” 71, demonstram a “eticização” de um novo modelo contemporâneo. Oportuna se faz a lembrança da cidade de Atenas, a mais importante e reputada por sua cultura e poderio na época de Sócrates, que pereceu por falta da verdade e zelo com a evolução da alma. 72 Muitos outros grandes pensadores cultivam valores subjetivos para justificar a importância cultural da Paz Social. Integrando, outros pensadores igualmente respeitáveis, conservam seus argumentos objetivamente. A teoria de “modernização reflexiva” 73, em que “um tipo de modernização destrói outro e o modifica”, surgindo assim um novo estágio, é determinado por grandes mutações sociais. Tal constituição denomina-se “sociedade global” 74, e sua amplitude determina a emersão duma “sociedade de risco” – tendência irremediável do controle, dantes monopolístico estatal, para as mãos da “sociedade industrial”, “a necessidade de evitar que o desvio se estabilize” 75. Tura critica os excessos de demanda e acrescenta: “vivemos no terceiro milênio, e por isso, é necessário flexibilizar o monopólio da Justiça tradicional, pondo um fim à cultura brasileira do paternalismo Estatal absoluto, centralizador, distribuidor de vantagens e benefícios (...).” 76 A ideia de findar a cultura brasileira do paternalismo estatal absoluto de Tura se aproxima, ideologicamente, do ideal compreendido na ótica crítica de Faoro em que “o estamento burocrático, fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático da nobreza da toga e do título” 77 assimilando que “a arbitragem não deve ser entendida como uma possibilidade de acesso ao Judiciário, mas como uma garantia certa de acesso à Ordem Jurídica justa e rápida.” 78 Um dos meios propícios de solução de litígios, a arbitragem, A é faculdade das partes. A imagem “aristocrática da nobreza toga e do título” não mais corresponde aos anseios desta sociedade que clama por respostas que não sejam tardias, que não haja a perda do seu objeto antes da “Justiça” posta. Outra reflexão que merece reminiscência é a “politização da função jurisdicional”79 – em que “o juiz deve, necessariamente, decidir e fundamentar sua decisão em conformidade com o direito vigente; mas deve, igualmente, interpretar, construir, formular novas regras, acomodar a legislação em face das influências do sistema político”. E quanto ao Direito, não basta apenas a sua existência, tem que existir para modificar, para dilatar e constituir a justiça. Não há mais espaços para justiça declaratória. 5. POSSIBILIDADE DE CONFLITO ADMINISTRATIVO SER APAZIGUADO NA VIA ARBITRAL E HOMOLOGADO NO INPI. Hodiernamente, vislumbram-se lides cada vez mais complexas e, o que antes era regulado pelo Direito, cede às vezes a uma nova sistemática arbitral – não tão jovem quanto parece -, entretanto, fora questão de divergência num tempo pretérito, no Supremo Tribunal Federal. LINDENBERG, A. O Mercado Livre numa Sociedade Cristã. Rev. e Coord. José Filipe Sepúlveda da Fonseca. Porto: Civilização, 1999, págs. 305 a 312. 71 NEGREIROS, T. Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 508. 72 SÓCRATES (470 – 399 a.C). In: FIGUEIREDO, C. 100 Discursos Históricos. 2.ed. Belo Horizonte: Leitura, 2002, p. 31. 73 BECK, U. A Reinvenção da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, A., Beck, U. e LASH, S. Modernização Reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 12. 74 GIDDENS, A. A Vida em uma Sociedade Pós-tradicional. In: GIDDENS, A., Beck, U. e LASH, S. Modernização Reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 119. 75 DI GIORGI, R. Direito, Democracia e Risco. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 191. 76 TURA, Adevanir. Direito arbitral: curso prático de arbitragem nacional e internacional. Leme: JH Mizuno, 2007, p. 50. 77 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 3.ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 836 e 837. 78 Ibidem, p. 53. 79 CAMPILONGO, C. F. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 61. 70 27 Artigo Compreender que a efetividade está diretamente associada ao bem estar e consequente desenvolvimento humano - do meio em que se vive e do Direito em si -, significa sopesar a base principiológica de todas as coisas em busca duma melhor qualidade de vida e de decisões jurídicas. Inferir a inafastabilidade do Poder Judiciário no que tange a Lei da Arbitragem - per si -, e não considerar outros princípios norteadores como a boa-fé, a razoabilidade, a proporcionalidade e a autonomia, v.g., entender-se-ia legítima a figura paternalista do Super-Estado-Tutor autenticando sua protetividade irrestrita - mesmo aquela tida como exacerbada. Este argumento é tão forçado e ilógico quanto o entendimento de que a Lei 9307/96 é inconstitucional por afastar suas decisões da análise do Poder Judiciário. Não seria desarrazoado imaginar a criação por lei, obviamente, de um setor, departamento ou câmara arbitral80, no âmbito administrativo. Tal criação observará necessariamente as disposições e princípios basilares, sendo compreendida, sua utilização, de maneira facultativa, a qualquer momento, auxiliando nas condições situacionais – de oposição, manifestação à oposição, pan provocado por terceiros, eticétera, vedado inicialmente para as questões que envolvam atos administrativos vinculados, de ordem e mérito. As sentenças arbitrais resultado do apaziguamento das pretensões resistidas entre as partes, proferidas por árbitros competentes, vindos das Câmaras de Arbitragem distribuídas nos Estados e Municípios poderiam ser passíveis de homologação junto ao INPI. Consistindo no reconhecimento administrativo, aceleraria sobremaneira o fim do curso processual da marca, entendido como mera expectativa de direito. Poder-se-ia denominar Ciclo Cogente da Arbitragem na Propriedade Industrial, em que a arbitragem, uma vez inserida no âmbito da PI, seria capaz de fracionar as decisões dos examinadores ao auxiliar a criação/ratificação da jurisprudência administrativa, contribuindo para homogeneizar as decisões dos grupos seletos de analistas. Assim sendo, imperaria a celeridade do curso processual administrativo, efetivando as decisões. Com isso, haveria necessidade de investimentos nos setores, treinamento dos administradores – servidores, aprimorando sobremaneira as mudanças sociais. O retorno financeiro globalizado seria indiscutível, vez que os usuários obteriam respostas quanto à possibilidade de maiores investimentos nos setores mercadológicos, dado ao menor tempo de decisão, gerando mais depósitos de marcas, concursos públicos para admissão de servidores, acarretando maior segurança jurídica, ampliação da rentabilidade e retorno das empresas, motivando ao mesmo tempo trabalho e renda, enfim, o ciclo cogente da arbitragem na propriedade industrial dimanaria a inserção desen- 28 A volvimentista em todos os setores, sejam privados ou não, desafiando as crises contemporâneas. Novas mentes devem trabalhar a fim de informar sobre os meios de resolução de conflitos fora do Judiciário, e não somente e como também, buscar a convivência harmônica entre as Normas instituidoras da inevitável e real globalização, evitando antinomias e interpretações que sirvam de contramão para o desenvolvimento humano vinculando, assim, o equilíbrio político-econômico-social que tanto a sociedade almeja. CONCLUSÃO Ter a exata ciência da importância da marca no mundo hodierno é fundamental para a sistemática mercadológica. Tal fator atua preponderantemente nos diversos setores: sócio-político, econômico e jurisdicional. A legislação não consegue mais abarcar a globalização e, essa mistura culturalesca, reflete direta e naturalmente a inefetividade e morosidade legais. A busca pelo binômio tão desejado nas decisões faz acender a necessidade da inserção de novo olhar sobre o que se apresenta. Contemporaneamente, contam-se duas vias para resolução de conflitos no âmbito da propriedade industrial: administrativa e jurisdicional e, propõe-se, como nos moldes internacionais, uma terceira via: a arbitral. A via arbitral vem ao encontro da efetividade e celeridade do sistema. Propiciando a resolução das lides ainda dentro do processo administrativo, aceleraria o fim do curso processual da marca, perfazendo a publicação do indeferimento ou deferimento e consequente prosseguimento do feito administrativo. Duas formas distintas foram apresentadas: se dentro do INPI, sugeriu-se uma nova seção: CAINPI ou de forma extrínseca, o INPI deverá homologar a decisão doutras Câmaras atendidas prontamente às exigências legais. O Ciclo Cogente da Arbitragem na Propriedade Industrial é ideia que deve ser sopesada, pois a arbitragem, uma vez inserida no âmbito da PI, seria capaz de fracionar as decisões dos examinadores ao auxiliar a criação/ratificação da jurisprudência administrativa, contribuindo para homogeneizar as decisões dos grupos seletos de analistas. Assim sendo, imperaria a celeridade do curso processual administrativo, efetivando as decisões. Com isso, haveria necessidade de investimentos nos setores, treinamento dos administradores – servidores, aprimorando sobremaneira as mudanças sociais. Entenda “setor”, “departamento” ou “câmara arbitral”, como palavras sinônimas. A nomenclatura a ser utilizada tem menor importância dado às consequências positivas ilimitadas acerca desta ideia. Sugerir-se-á CAINPI – Câmara Arbitral do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. 80 Artigo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, A. F. R de. Denominação de Origem e Marca. Stvdia Ivridica 39. 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Para uma definição clara e sem exageros, decidiu-se lançar mão do texto de MARIA HELENA DINIZ, transcrito abaixo: “O plágio consiste na apresentação de textos elaborados por outrem, modificando-os ou não, como se fossem de sua autoria” . (DINIZ, [s.d], 6ª ed.). Para Carlos Fernando Mathias de Souza seria, em direito autoral, a “usurpação da essência criativa de uma obra anterior”. Feitas tais considerações preliminares vamos aos pressupostos para que se possa identificar o plágio literário. O PLAGIADOR Todas as vezes que alguém se utiliza indevida e ilicitamente de obra de terceiros estará cometendo plágio e será considerado plagiador. Seria o expropriador o indivíduo que expropria trabalho alheio, utilizando-se de parte substancial da mesma, ou não, por via de cópia ou reprodução do texto pretendido. Não podemos confundir, contudo, a fim de que não se acuse ninguém, de forma indevida, de plagiador, sem a absoluta certeza do uso ilegal da obra. Nesse caso, podemos estar diante da coincidência ou semelhança existente entre os dois trabalhos. Nesse particular, não se pode falar em plágio. CONSEQUÊNCIAS PARA O CRIADOR ORIGINAL Danos de ordem patrimonial e moral, inclusive o seu aspecto ético-moral constituem tipos de lesão ao direito individual do autor. O plagiador tem plena consciência de que está praticando a ilegalidade do ato de plagiar, sendo debalde qualquer justificativa à sua conduta. A pessoa lesada poderá, então, recorrer ao Poder Judiciário para tentar reparar tais prejuízos. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO PLÁGIO Não basta para que se caracterize o plágio que simplesmente haja uma cópia ou mera reprodução de parte ou totalidade da obra. É preciso que estejam presentes a tentativa de dissimulação ou ocultação da obra e o intuito do plagiador em descaracterizar a paternidade da obra alheia, atribuindo a si a condição de verdadeiro autor. 30 A Para fins de entendimento técnico, esclarecemos abaixo uma das maneiras de descobrir-se se uma monografia, tese ou dissertação está sendo plagiada. TESTE DAS SEMELHANÇAS Hermano Duval propôs um teste que apontasse e revelasse se houve ou não plágio. Para tanto, o eminente jurista assim se posiciona, elencando os itens que poderão servir de subsídios a uma análise criteriosa do plágio: a) Repetição dos erros comuns; b)traços isolados de cópia literal; c) traços isolados de semelhanças através de secundárias alterações de fatos comuns, embora insignificantes; d)qualidade e valor das semelhanças com índice superior ao da respectiva quantidade, especialmente se considerados à luz do teste da imaginação e da habilidade literária dos autores em conflito; e e) comparação da habilidade literária e do poder de imaginação do autor original às do pseudo-infrator e, finalmente, aí se indagar se a semelhança de tratamento entre as obras em conflito é devida à cópia de uma pela outra, ou provém de uma criação independente.” CONCLUSÃO Infelizmente, em nossas universidades e instituições de ensino superior, o plágio tem se manifestado de forma intensa entre os futuros formandos, num exemplo flagrante de acréscimo na taxa de ilícitos dessa natureza. O desrespeito aos direitos autorais do criador da obra intelectual, agiganta-se com dificuldades, cada vez maiores, de controlar tais irregularidades. Urge que o Poder Judiciário se aparelhe convenientemente de juízes que compreendam a importância de coibir o plágio, com condenações que possam gerar ao plagiador receio de que se o fizer, será punido. E, mais: que tenham o entendimento técnico da matéria e não simplesmente o domínio do Direito Civil. O direito autoral, nos dias de hoj, e em diversos países do mundo, tem sido objeto de estudos profundos pelos magistrados, até porque torna-se imprescindível um conhecimento mais aprofundado para uma sentença contributiva e reparadora dos prejuízos sofridos pelo autor. Há outros tipos de testes que detectam um possível plágio, apenas os elencaremos nessa oportunidade: “Prova circunstancial ou similaridades substanciais; teste das abstrações; teste da plateie e teste bifurcado.” (ver LYCURGO, Plágio e outros estudos em Direito de Autor) Artigo Direito ambiental: floresta normativa Eduardo Dietrich Trigueiros Um dos primeiros aspectos com que o profissional do direito se depara ao frequentar um curso que verse sobre Direito Ambiental é o da transdisciplinariedade da matéria. O direito ambiental toca o direito público, mas também o privado; os interesses coletivos, mas também os particulares; o direito penal, mas também o civil; o sistema jurídico nacional, mas também o internacional. Essa característica marcante da matéria, que transita livremente por diversos ramos e aspectos do direito, lhe dá maior agilidade no regramento e eficácia na aplicação. Trata-se de bem jurídico que interessa a um e a todos, alinhado com característica marcante da Constituição Federal, que é a de atrelar a interpretação das normas à luz da promoção dos interesses sociais, que claramente prevalecem sobre os individuais. E a Constituição Federal prevê a regulamentação da proteção ao meio ambiente pela legislação infraconstitucional, pelo que sobreveio uma torrente normativa sem paralelo em nosso país. As esferas federal, estadual e municipal, concorrentemente, legislam desde então para promover a proteção e adequação das atividades dos sujeitos de direito ao meio ambiente, procurando, através de licenças e alvarás, multas e ações coletivas, tutelar bem comum que, dizem muitos, transcende a própria proteção conferida pela malha de normas puramente nacional, e, como as florestas, que não respeitam as fronteiras traçadas pelo homem, integram-se a um regramento internacional que vem tomando corpo desde a Rio 92. Mas o fato é que, para o operador de direito, tornase fundamental uma abordagem cuidadosa da floresta normativa existente sobre a matéria, justamente porque, no mais das vezes, concorrem as esferas federal, estadual e municipal na busca da tutela do bem comum, que se choca com o interesse particular, redundando num emaranhado interpretativo que deve ter como norte o objetivo desse importante ramo do direito, que é o de promover o bem comum. Só que o bem comum é mais complexo que a pura e simples preservação da fauna e da flora, já que o indivíduo e a atividade empresária que exerce fazem a volta e chegam ao mesmo ponto tutelado pelo direito ambiental. A indústria do homem é igual agente do bem estar social à luz da Constituição Federal, donde o regramento imposto ao sujeito de direito como norma ambiental, mesmo sendo interpretado irrestritamente como instrumento do bem comum, não pode perder de vista a perspectiva do trabalho como indutor desse mesmo bem. Assim é que se observa a tensão entre normas ambientais concorrentes nas três esferas, todas sob a perspectiva de bem comum como valor absoluto, e a perspectiva de bem comum enquanto atividade empresária e industrial. Em matéria de direito ambiental a lei não é tão permeável e a tensão acima descrita deverá se resolver com a prática dos órgãos jurisdicionais, da atividade empresária e industrial e do terceiro setor, fazendo uso do mais antigo preceito de direito, que é o bom senso, para que as situações fáticas se ajustem e as normas passem a ser interpretadas não por seu valor absoluto, mas, cada vez mais, pondo em perspectiva todos os atores sociais. As recentes negociações em torno do código florestal, que geraram celeuma no quesito das margens de córregos e rios que cortam as lavouras, em que ruralistas e ambientalistas apareceram como pólos divergentes, geraram um debate riquíssimo, em que as forças políticas deram um raro sinal da vitalidade de nosso sistemas democrático, pesados que foram todos os argumentos. Demonstrou-se nesse episódio que o fomento do debate dos temas afeitos ao meio ambiente pode ser um grande instrumento de conciliação das futuras normas ambientais, para maior harmonização de um sistema relativamente novo em nosso ordenamento jurídico e que só tende a crescer, influenciando outros ramos do direito com uma possível futura qualidade de norma primária de todas as demais normas de direito público e, mesmo, como premissa balizadora das relações tratadas pelo direito privado. Não são virgens os casos de fusões e aquisições de empresas privadas em que um dos elementos que integram a avaliação do negócio é o passivo ambiental. Quer seja na imagem de um país, de uma empresa e até de um vizinho, a observância à norma ambiental vem se tornando um imperativo nos dias de hoje, razão pela qual a qualidade das normas, bem com o acesso ao seu conhecimento e a compreensão de como interagem entre si e com os demais ramos do direito tornou-se uma necessidade ao operador do direito. Eduardo Dietrich Trigueiros Formado pela PUC/SP e mestre em Direito Ambiental pela Católica de Santos. A 31 Artigo Comentários sobre a proteção jurídica cumulativa das obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário Kleber Cavalcanti Stéfano* 1. INTRODUÇÃO O regime jurídico da propriedade intelectual no Brasil, ao menos pelo que sinaliza a doutrina especializada, tem admitido a tese da dupla proteção jurídica das obras artísticas de aplicação industrial ou de caráter utilitário. Por um lado tutela os direitos de propriedade industrial, efetivados pelo registro dos desenhos de formas plásticas ornamentais de objetos ou conjunto ornamental de linhas e cores aplicáveis a um produto, conquanto que proporcionem resultado novo e original em sua configuração externa1. Por outro, preserva e afirma os direitos de autor sobre as obras artísticas de desenho, pintura, gravura e escultura aplicadas a qualquer suporte físico ou corpus mechanicum2. O entendimento aparentemente pacificado pelos doutos na matéria parece ressoar também no Judiciário, eis que temos visto e experimentado algumas decisões proferidas em primeira e segunda instância assegurando proteção a estas obras intelectuais pelo instrumento dos desenhos industriais e, na sua falta, pelos mecanismos assecuratórios dos direitos patrimoniais e morais de autor. Há situações, inclusive, em que a proteção conferida é cumulativa. Ocorre que este regime de dupla proteção às obras artísticas de aplicação industrial precisa ser observado com cautela pelas autoridades judiciárias, ainda mais quando consta da pauta de pedidos a concessão de tutelas inibitórias ou o deferimento de cautelares de busca e apreensão de produtos. É necessário evitar a ocorrência de abuso ou extrapolação dos limites de exercício dos direitos de propriedade intelectual reservados, sob pena de impactar negativamente na atividade regular das indústrias e no setor de comércio. Outra preocupação que manifestamos é no sentido de que, uma vez disseminada a tese da possibilidade de proteção das obras artísticas de aplicação industrial pela legislação do direito de autor, o empresariado deixe de acreditar ou investir no registro de desenhos industriais das referidas obras, preterindo-os, até por razões de custo. O empresário pode ainda postergar o pedido de registro para momento inoportuno, isto é, após a expiração do período de graça dos desenhos industriais, previsto no parágrafo 3º do artigo 96 da Lei 9.279/963. Esta hipótese aventada, em tese, implicará na negativa de concessão do aludido registro de desenho industrial. Assim, diante do quadro fático apresentado, o que prevemos em curto prazo é a redução drástica dos depósitos de pedido de registro de desenhos industriais no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e em muitas situações, a sua imprestabilidade jurídica e desvalorização patrimonial. 32 A Neste artigo procuramos analisar este tema e suas complexidades, sugerindo possíveis caminhos e soluções no sentido da afirmação e garantia dos direitos de propriedade do titular de obras artísticas de aplicação industrial. Intentamos contribuir no sentido de apurar a correta definição e classificação desta categoria de obras de engenho no plano das criações industriais tuteladas pelos direitos de exclusiva. No mais, propomos algumas limitações quanto à proteção cumulativa para tais obras, reforçando o entendimento de que os registros de desenho industrial se constituem no mecanismo apropriado e suficiente para garantia e salvaguarda dos direitos do empresário/sociedade empresária. 2.CONTEXTUALIZAÇÃO DAS OBRAS ARTÍSTICAS DE APLICAÇÃO INDUSTRIAL OU UTILITÁRIAS NO REGIME JURÍDICO BRASILEIRO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL Não há maiores dificuldades quanto à definição do regime legal de proteção das criações artísticas. Criações estas que compreendem as obras literárias, artísticas e científicas provenientes da imaginação e da inspiração do autor. Estas obras estão intimamente ligadas ao autor, a bem dizer, conectadas à essência de seu espírito. São obras realizadas ou concebidas primeiramente para o deleite e contemplação do artista, retratando traços de sua personalidade e a exteriorização de sua alma. Obras que, refletidas para o mundo exterior, na medida da vontade do criador, são capazes de entreter, surpreender, emocionar, extasiar, provocar ódio, dentre muitas outras sensações e impressões. O artigo 7º da Lei 9.610/1998, de forma não taxativa, enumera várias formas de expressão da arte que são tuteladas pelos direitos de autor4. * Kleber Cavalcanti Stéfano é sócio da Icamp Marcas e Patentes; Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP); Pós-Graduado em Direito Constitucional pela PUC-Campinas; Professor dos Cursos de Graduação das Faculdades de Americana (FAM) e da Veris Faculdades. 1 Artigo 95 da Lei 9.279/96. 2 Artigo 7º, VIII, da Lei 9.610/98. 3 Art. 96. O desenho industrial é considerado novo quando não compreendido no estado da técnica. (...) § 3º Não será considerado como incluído no estado da técnica o desenho industrial cuja divulgação tenha ocorrido durante os 180 (cento e oitenta) dias que precederem a data do depósito ou a da prioridade reivindicada, se promovida nas situações previstas nos incisos I a III do art. 12. 4 Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramáticomusicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as Artigo Situação diferente não ocorre com as criações concebidas para facilitar as ações humanas cotidianas, a exemplo de novos aparatos tecnológicos que melhoram os meios de locomoção dos indivíduos, das inovações aplicadas aos processos de automação das indústrias, das tecnologias aplicadas à agricultura, à saúde humana, à preservação do meio-ambiente etc. A proteção jurídica das invenções que beneficiam a humanidade também está sob a guarda e vigilância estatal, e seu tratamento se dá pelos direitos de propriedade industrial, consoante dicção do artigo 2º da Lei 9.279/965. Dentre os direitos de propriedade industrial destacamos os desenhos industriais, mencionados nas legislações anteriores como modelos industriais. Segundo Gama Cerqueira, os desenhos industriais constituem-se como invenções de forma capazes de gerar efeito visual e atribuir a produtos e artigos industriais aspectos novos e originais distintos de outros a que poderiam se igualar, tornando-se agradáveis aos olhos do expectador, graças à sua ornamentação e forma6. É cediço que as criações protegidas por registro de desenho industrial não podem ter natureza puramente artística7. Isto significa que o legislador assegurou um campo de proteção via direitos de propriedade industrial, inclusive pelo próprio mecanismo do registro de desenhos industriais no INPI, às criações artísticas que tenham alguma aplicação industrial ou caráter utilitário. Em outras palavras, havendo o casamento entre a estética e a indústria novas obras surgirão e terão a propriedade intelectual tutelada pelo registro dos desenhos industriais no INPI, o que é reforçado até mesmo pela lei de direitos de autor, no § 3º do artigo 7º e no inciso VII do artigo 8º8. Na realidade, a lei autoral absorve para si a exclusividade de proteção sobre as obras de caráter puramente artístico, corretamente renegadas pela legislação dos desenhos industriais, que por seu turno, se incumbirá da missão de tutelar as obras de arte ‘impuras’, de nítido apelo e replicação em escala industrial. O que nos parece ocorrer realmente é que há uma divisão conceitual ou uma categorização das obras suscetíveis de proteção via registro de desenhos industriais no INPI. Em primeiro lugar temos as combinações de traços, linhas, cores e contornos aplicados para ornamentação de produtos e componentes notadamente industriais, a exemplo de automóveis, bicicletas, calçados, brinquedos, artigos de vestuário, embalagens etc. Nesta seara de proteção nos defrontamos com autênticos desenhos industriais de objetos de natureza utilitária na sociedade. Notamos claramente nestas obras a preocupação ou missão conferida ao autor em conceber novos desenhos para um dado produto industrial, suas peças e componentes, visando atender as necessidades e vontades do consumidor9. Ao tratamos dos desenhos industriais propriamente ditos, como enunciamos no parágrafo anterior, cremos estar diante de obras criadas por encomenda junto a profissionais graduados e gabaritados. São arquitetos, paisagistas, estilistas, desenhistas gráficos etc., que trabalham isoladamente ou em equipe, muitas vezes vinculados a produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constitua uma criação intelectual. 5 Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II - concessão de registro de desenho industrial; III - concessão de registro de marca; IV - repressão às falsas indicações geográficas; e V - repressão à concorrência desleal.] CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, v.1, p.213. 6 Art. 98. Não se considera desenho industrial qualquer obra de caráter puramente artístico. 7 Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: (...) VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. Grifos nossos. 8 Seria o caso, por exemplo, das disposições configurativas aplicadas a teclado de computador, a recipiente plástico para consumo de bebidas, a artigo de vestuário, a calçado, à escova dental, a brinquedos etc. 9 JOHANSSON&LANGLOIS ABOGADOS Fundada en 1945 Santiago-Chile Propiedad Industrial e Intelectual, Patentes de Invención, Modelos de Utilidad, Diseños Industriales, Marcas Comerciales, Derechos de Autor, Nombres de Dominio. San Pio X , Nº 2460, Piso 11 Providencia Santiago-Chile P.O.Box 1834, Santiago-Chile A Teléfono: (562)-231 2424 Fax : (562)-231 3434 E-mail: [email protected] www.jl.cl 33 Artigo agências que prestam consultoria e assessoria contínua em design para seus clientes. Neste caso, as obras intelectuais concebidas não são reveladoras da fina arte, na medida em que o criador sofre a interferência e a influência de vários agentes e de fatores externos que o privam de sua autonomia ou liberdade criadora e artística. São, na realidade, como que ‘artes industriais’. Queremos crer que esta categoria de obras é predominantemente marcada por aspectos estéticos indissociáveis do caráter comercial e utilitário, mas acima de tudo, distanciada do que convencionalmente se define por bela-arte, como sinônimo de beleza transcendente ou simplesmente de beleza. Não identificamos no desenho industrial genuíno esta conotação. Não vislumbramos nestas obras intelectuais a atividade humana de ordem estética concebida a partir da percepção, das emoções e das ideias do artista imbuído do propósito de estimular essas mesmas instâncias de consciência em um ou mais espectadores, oferecendo significado único e diferente para cada obra de arte apreciada. Essa significação que aplicamos para a pura ou bela arte é confirmada por pensadores clássicos. Para o fundador da semiótica, Charles S. Peirce, a arte possui a função transcendente, ou seja, manchas de tinta sobre uma tela ou palavras escritas sobre um papel simbolizam estados de consciência humana, abrangendo percepção, emoção e razão10. Leonardo da Vinci adverte que a arte diz o indizível; exprime o inexprimível; traduz o intraduzível11. Observe que o componente comercial ou de apelo ao consumo não interfere, não transita neste espaço. A nosso ver é exatamente esta a função a que se presta a arte na sua pureza e essência, de maneira a escapar completamente do escopo industrial ou utilitário. Em segundo posto temos o que classificamos e denominamos por desenhos industriais híbridos, que são resultado da transmutação de estado sofrida pelas obras essencialmente artísticas. Convém frisar que as obras essencial ou puramente artísticas é resultado de criações de escultores, grafiteiros, pintores e artistas plásticos, todos despreocupados e livres para colher do interior de sua alma e na quinta-essência criativa o que lhes parecer mais belo, espantoso, gracioso e surpreendente. Aqui, eles visam contribuir com sua arte para a contemplação dos mortais e também para a história e para a cultura dos povos e das sociedades. Suas obras são demarcadas pelo traço característico da uniformidade e da individualidade. Neste caso, não há interferência da indústria ou mesmo o juízo de apreciação ou depreciação de quem tem interesse econômico no resultado da produção artística, pois do contrário, não há arte na essência de sua significação. Há, de fato, algumas situações em que uma determinada pintura, escultura, desenho artístico, ou mesmo uma coletânea destas obras inéditas sejam 34 A exibidas publicamente, e dado à sua repercussão e empatia, geram a atração e o interesse empresarial com vista a adaptá-las e aplicá-las na produção de bens de consumo. São obras que ressoam aos olhares atentos da indústria, à captação fugaz dos sentidos do empresário visionário que procura tirar-lhes proveito econômico, ciente de sua projeção atrativa e de seu poder de captura do consumidor mais refinado, exigente e seletivo. Nesta situação identificamos os desenhos industriais híbridos. São obras intelectuais que nascem sob o escudo protetor dos direitos de autor, com a finalidade precipuamente artística, mas que na medida em que interessam à indústria, que se prestam a atender um determinado mercado de consumo, adquirem caráter utilitário e aproveitamento eminentemente econômico, desprendendo-se da feição puramente artística. É neste contexto que surgem as obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário, suscetíveis de dupla proteção via direitos de autor e via registro de desenhos industriais. Partimos da ideia de que estas obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário englobam as obras de arte aplicada citadas por doutrinadores como Carlos Alberto Bittar, para quem: Havendo a combinação, tem-se a denominada ‘obra de arte aplicada’, criação intelectual que, apresentando, ao lado do caráter estético, conotações utilitárias, é usada em fins industriais ou comerciais. Conjugando-se esses elementos, desde a criação, é a obra integrada ao processo econômico, possibilitando a consecução de melhores efeitos na comercialização, cada vez mais dominada pela sofisticação dos mercados. De outro lado, inseparáveis esses caracteres, opera-se a proteção da obra nos dois citados campos, reunidos os requisitos legais12. João Ademar de Andrade Lima admite o cruzamento da arte pura e da arte aplicada em peças únicas, quando fica evidenciado na obra concebida o apelo estético, o apelo artístico e o apelo funcional13. Lima também admite a proteção dual para esta categoria de criação em alguns casos. No entanto, acusa lucidamente a inexistência do regime dúplice de proteção no caso do designer que projeta uma estampa a ser usada em um único tapete e o designer que utiliza a mesma estampa como capa de caderno, a ser produzido aos milhares14. João Ademar ainda aduz que os aspectos mais essenciais das relações do usuário com os produtos (sobretudo os produtos industriais) – relações estas que se tornam perceptíveis durante o processo de uso e que possibilitam a satisfação das necessidades PEIRCE, Charles. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Mora e Leônidas Hegenberg. São Paulo, Cultrix, 1972, p.117. 11 KRESS, Renato. Consciência. São Paulo: Garamond, 2000, p.17. 12 BITTAR, Carlos. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.22. 13 LIMA, João Ademar. Notas introdutórias sobre direito de propriedade intelectual. Campina Grande: s.e., 2008, p.38. 14 Op. cit. p. 41. 10 Artigo - são as chamadas funções, desmembradas em três vetores, a saber: a função prática; a função estética; e a função simbólica. A função prática corresponderia à relação entre um produto e um usuário que se baseia nos efeitos diretos orgânico-corporais, isto é, fisiológicos. Já a função estética consistiria na relação entre um produto e um usuário experimentada no processo de percepção sensorial durante o uso, sob o aspecto psicológico. Por fim, a função simbólica, que se dá quando a espiritualidade do homem se excita com a percepção deste, ao estabelecer relações com componentes de experiências anteriores e sensações determinadas por aspectos psíquicos e sociais de uso. Observa-se no conceito de Lima uma delimitação precisa dos componentes genéticos de uma obra artística de aplicação industrial ou caráter utilitário15. Como exemplos de obras artísticas de aplicação industrial ou de caráter utilitário citamos o caso de uma coleção de pinturas em óleo sobre tela de um determinado autor, que semanas depois de sua concepção e exposição, será aproveitada por uma indústria têxtil em coleção personalizada de estampas para tecidos. Ou então o caso de uma obra fotográfica publicada em um jornal ou revista, que será utilizada por uma indústria na composição plástica de copos e pratos. Esta categoria de obras oportuniza ao empresário usufruir de dois mecanismos cumulativos de proteção a seus direitos de propriedade intelectual: de um lado os direitos de autor a reprimirem atos de reprodução ou imitação de obras de pintura, desenho artístico, escultura, fotografia etc., e de outro lado os desenhos industriais, que combaterão as condutas de violação e concorrência desleal e parasitária de mercado. 3. DA ADMISSIBILIDADE DA DUPLA PROTEÇÃO JURÍDICA SOBRE AS OBRAS ARTÍSTICAS DE APLICAÇÃO INDUSTRIAL OU CARÁTER UTILITÁRIO A possibilidade da dupla proteção jurídica das obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário é amplamente aceita na doutrina especializada. Neste sentido Labrunie e Colombo assinalam que: Por suas características “híbridas”, o objeto do desenho industrial encontra-se sob uma proteção sui generis, pois combina elementos próprios do direito de autor (fruto de uma criação), eventualmente de marcas, A pois pode identificar um produto e o distinguir dos demais no mercado, e de patentes, tendo em vista a presença da novidade e da aplicação industrial16. Gama Cerqueira observa que a proteção dos desenhos industriais é, em direito comparado, a mais polimorfa de todos os direitos de propriedade intelectual17. Ainda tratando desta matéria e, também admitindo a tese da duplicidade de proteção para tais obras, Cerqueira assinala com correção que: (...) Além disso, como negar ao autor de uma obra artística o direito de utilizá-la para fins industriais sob a garantia da lei? Não se pode também impedir que o autor de obras desse gênero autorize terceiro a empregá-la para aqueles fins, estabelecendo-se duas ordens de direitos: os da propriedade artística que competem ao autor e os da propriedade industrial, que cabem àquele que, devidamente autorizado, se utiliza da obra como desenho ou modelo industrial. (...) Com que fundamento, também, se excluem todos os modelos e desenhos de caráter puramente artístico, se a sua reprodução para fins industriais pode constituir desenho ou modelo privilegiável segundo a definição legal? (...) Assim, sempre que essas obras, aplicadas para fins industriais, possam considerar-se como desenho ou modelo, de acordo com a definição legal, a patente não pode ser recusada18. Interessa pontuar que, a exemplo de Gama Cerqueira, também não nos filiamos à corrente advogada pelos franceses que defende a unidade da arte e da proteção legal sobre tais obras, corroborando a máxima do genial tratadista de que não se trata de separar a arte da indústria; o que importa é distingui-las19. Contudo, embora admitamos o regime dual de proteção às obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário, advertimos que isto só ocorrerá se o titular dos direitos patrimoniais da obra autoral Op. cit. p. 37. LABRUNIE, J. COLOMBO, M. Proteção e importância dos desenhos industriais. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial. São Paulo, n. 102, p. 54-67, set./out. 2009, p.56. 17 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial, V.II, Tomo I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p.364. 18 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial, V.II, Tomo I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p.375. 19 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial, V.I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p.205. 15 16 35 Artigo registrar o resultado final do aproveitamento industrial da obra como desenho industrial no INPI. Neste caso, observará as disposições, termos e prazos da Lei 9.279/96, especialmente no que toca ao período de graça ou carência do parágrafo 3º do artigo 96 da Lei 9.279/9620. Nesta seara interessa-nos comentar acerca dos meios de proteção jurídica devotados para obras de arte plástica aplicadas em artigos cerâmicos, em lustres, abajures, tecidos etc. Para este conjunto de obras aventamos três possibilidades, a saber: 1. se a obra de arte plástica foi concebida por encomenda ou contrato, com propósito exclusivamente econômico, sendo objeto de replicação em escala industrial para fins de consumo, sua proteção jurídica é reservada aos desenhos industriais (desenho industrial propriamente dito); 2. se a obra de arte plástica foi concebida em peça única, para fins de exposição em galeria de arte, por exemplo, para contemplação do público, sua proteção jurídica está reservada aos direitos de autor (direito de autor); 3. se a obra de arte plástica foi concebida, inicialmente, em peça única, para fins de exposição, por exemplo, em museu, para contemplação do público, e dias, semanas ou poucos meses depois, foi aproveitada pela indústria, sendo objeto de replicação industrial para fins de consumo, sua proteção jurídica será cumulativa, isto é, por via de direitos de autor e desenhos industriais21 (desenho industrial híbrido). A terceira possibilidade aventada diz respeito exatamente à obra artística de aplicação industrial ou caráter utilitário, e que engloba a obra de arte aplicada. Ante ao conteúdo ora exposto, manifestamos o entendimento restritivo quanto à aplicação do regime dual de proteção para este gênero de obra. Defendemos sua aplicação para situações pontuais, específicas, quando efetivamente restar comprovado pelo titular que detém para si os direitos patrimoniais de autor da obra autoral, bem como do desenho industrial registrado no INPI, nas formas e prazos legais. Neste ponto vale a pena observar que nada impede ao autor da obra artística de aplicação industrial, de ceder ou licenciar os direitos patrimoniais que detêm sobre sua obra para exploração econômica de terceiros, sem que se perca de vista os limites e formas estabelecidos em lei. 4. DO ENFRENTAMENTO DA MATÉRIA CONTROVERTIDA PELO JUDICIÁRIO O Judiciário não tem mantido um entendimento uniformizado a respeito da proteção jurídica das obras artísticas de aplicação industrial ou de caráter utilitário. Alguns magistrados, especialmente de primeira instância, têm ampliado excessivamente o campo 36 A de segurança jurídica de tais obras. Por vezes se valem da tese do caráter dúplice de proteção a elas reservado, isto é, cumulando desenhos industriais e direitos de autor sem se aterem a critérios e limites legais necessários para afirmação deste direito. Por vezes, e de forma mais gravosa e preocupante, têm aplicado a proteção dos direitos de autor de forma subsidiária ou alternativa a obras sem feição ou caráter puramente artístico, suscetíveis de registro exclusivo como desenhos industriais. Fazemos menção, a título ilustrativo, à Apelação Cível (ACiv) 994.03.093284-5 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Os julgadores da 3ª Câmara de Direito Privado deram provimento em parte ao recurso interposto, reformando decisão monocrática, considerando que desenhos artísticos registrados na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ), mesmo não tendo sido registrados como desenhos industriais no INPI gozam de proteção jurídica equiparada, quando utilizados como estampa de artigos de confecção, independentemente da natureza do registro conferido. Também a ACiv 0072174-63.2004.8.19.0001 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), em que os julgadores da 4ª Câmara Cível proveram parcialmente o recurso, conferindo proteção equiparada aos desenhos industriais registrados no INPI para modelos de bolsas concebidas por um designer, condenando o réu ao pagamento de danos materiais e morais. Neste caso, os fundamentos jurídicos da decisão recaíram sobre os artigos 7º, 28 e 29 da Lei 9.610/1998. As decisões comentadas acima demonstram que alguns magistrados não têm a exata compreensão ou dimensão da natureza jurídica das obras artísticas de aplicação industrial ou de caráter utilitário, que não estão refletidas nas bolsas ou estampas de desenhos personalizadas que serviram de objeto das lides acima mencionadas. O que de certo modo tem nos preocupado é que há litígios de primeira instância em que indústrias de brinquedos têm suas atividades econômicas absolutamente comprometidas em virtude de liminares de abstenção de uso de moldes plásticos produzidos referentes a cabeças ou ‘carcaças’ de bonecas. São Art. 96. O desenho industrial é considerado novo quando não compreendido no estado da técnica. § 1º. O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no exterior, por uso ou qualquer outro meio, ressalvado o disposto no § 3º deste artigo e no art. 99. § 2º. Para aferição unicamente da novidade, o conteúdo completo de pedido de patente ou de registro depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado como incluído no estado da técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subseqüentemente. § 3º. Não será considerado como incluído no estado da técnica o desenho industrial cuja divulgação tenha ocorrido durante os 180 (cento e oitenta) dias que precederem a data do depósito ou a da prioridade reivindicada, se promovida nas situações previstas nos incisos I a III do art. 12.Grifo nosso. 20 No caso dos desenhos industriais, respeitando os prazos legais, especialmente no tocante aos requisitos da novidade e da originalidade (sobretudo quanto à observância do período de graça ou carência). 21 Artigo demandas fundadas em registros declarativos de direitos autorais conferidos pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – EBA/UFRJ. Neste ponto convém questionar se cabeças, rostos ou ‘carcaças’ de bonecas revelam caráter artístico suficiente para receberem proteção autoral. Estariam estes objetos realmente enquadrados no conceito de obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário? Indaga-se ainda que se tais obras forem assim consideradas, por qual motivo carecem dos certificados de registro de desenho industrial expedido pelo INPI? A interpretação ampliativa de convencimento de parte de nossos juízes resta por conferir o status de obra artística com aplicação industrial ou caráter utilitário para objetos comuns, de uso cotidiano. São bolsas, brinquedos, calçados, bases para instrumentos musicais, artefatos de cozinha e de escritório, móveis, artigos cerâmicos, joias, vasilhames de bebidas e de perfumes etc. reveladores de funções práticas e, por vezes, estética, mas sem nenhum simbolismo. Ignoram o fato de que tais objetos portam simplificado ajustamento de formas, traços, linhas, cores e contornos estéticos e mais nada. Tratam-se, na verdade, de obras suscetíveis, única e exclusivamente, de proteção via desenhos industriais propriamente ditos. Essa posição errática revelada em algumas decisões de nossas colendas cortes, sobretudo, nos juízos monocráticos, tem protegido demasiadamente os empresários que deixam de observar o prazo de carência previsto na Lei 9.279/96 para requerer o registro de desenhos industriais dos produtos que fabricam. É certo que a perda do período de graça ou carência previsto no artigo 96, §3º da Lei 9.279/96, faz com que os desenhos industriais criados para determinados objetos sejam absorvidos pelo estado da técnica, caindo em domínio público. Por esta razão, alguns empresários têm sido orientados por advogados a construírem um conceito artístico para estes objetos, na realidade produtos industrializáveis, para que possam auferir a proteção autoral, gozando dos benefícios da Lei 9.610/1998. Há, inclusive, dezenas de casos em que os empresários registram as obras pseudo-artísticas na EBA/ UFRJ para efeito de se documentarem em futuras demandas propostas contra a concorrência. O mais grave de tudo é que os juízes têm aceitado os certificados de registro de autoria de tais obras como provas consistentes e robustas no preenchimento do fumus boni iuris de ações cautelares e tutelas liminares ou antecipatórias. Não há um exame perfunctório, de substância, sobre o objeto protegido, creditando-se um valor quase que similar a uma carta-patente de invenção para tais obras. É cediço que a proteção autoral de obras artísticas, diferentemente das obras registradas por desenho industrial, é reconhecida independentemente de registro22, bastando a prova de autoria e materialidade da obra concebida, como um microfilme cartorial, por exemplo. Ademais, a proteção de obras artísticas se estende por 70 (setenta) anos, contados a partir do primeiro dia de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor da obra23, enquanto que nos desenhos industriais, o registro é válido por, no máximo, 25 (vinte e cinco) anos24. As vantagens de um registro autoral também se revelam no aspecto econômico. O custo para a proteção de obras via direitos de autor é demasiadamente barato se comparado com as despesas para se obter e manter um registro de desenho industrial no INPI, em que há necessidade de controle e acompanhamento de prazos e providências administrativas. Denis Barbosa adverte com propriedade que: Como já indicamos ao falarmos do princípio constitucional da especificidade das proteções, a dualidade de proteções sobre um mesmo objeto introduz sérios problemas de política pública e, como enfatizamos, de constitucionalidade. Se cabe supor que, para cada objeto e método de proteção pela propriedade intelectual, caberia uma equação de valore e princípios que ponderasse os interesses singulares e societais, cumulações de proteção tenderiam a diluir a clareza e eficácia dessa equação. È de se entender que a proteção ao direito autoral pode se somar à do direito de propriedade industrial; mas não podem conflitar uma e outra, que a lógica repele a coex Artigo 19 da Lei 9.610/1998. Artigo 41 da Lei 9.610/1998 24 Artigo 108 da Lei 9.279/1996. 22 23 Especializada em Assessoria a Sociedade de Advogados e Agentes da Propriedade Intelectual Contato: tel. 4475-6274 / 4975-6575 E-mail: [email protected] Site: www.neocont.com.br A 37 Artigo istência de duas exclusividades excludentes sobre o mesmo objeto25. A prevalecer o entendimento, a nosso ver, generalista e equivocado de alguns magistrados, e à medida que se revelar nova tendência nos julgamentos que enfrentam essa matéria é bastante provável que seja decretada a extinção ou imprestabilidade dos registros de desenhos industriais no INPI. Possivelmente assistiremos o descrédito deste título de propriedade industrial apregoado na Lei 9.279/96. Desta feita, insistimos para que a proteção dual só seja reconhecida para obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário que colecionem os atributos ou predicados a seguir enunciados: 1. revelar caráter puramente artístico na sua gênese ou essência; 2. enquanto figurar como obra para composição de desenho industrial, a resultante deve revelarse como sendo nova diante do estado da técnica; 3. enquanto figurar como obra para composição de desenho industrial, a resultante deve revelarse como sendo original em exame comparativo com objetos anteriores; 4. enquanto figurar como obra para composição de desenho industrial, a resultante deve ter aplicação industrial ou caráter utilitário; 5. depois de composta, seu resultado, qual seja, o desenho industrial acabado, deve ser necessariamente registrado no INPI, nos termos da Lei 9.279/96, especialmente no que infere ao §3º do artigo 96. Faltando quaisquer destes atributos, nada a que se cogitar em termos de obras artísticas de aplicação industrial e de caráter utilitário, ou como preferir, de obras de arte aplicada. É do Judiciário também que identificamos e louvamos decisões que prestigiam nosso entendimento sobre a matéria: Na ACiv 994.09.334493-2 da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP os desembargadores não proveram recurso interposto por uma indústria de bebidas, sob a alegação de reprodução de vasilhame protegido por registro de direito de autor. O entendimento exarado no acórdão é de que o meio legal 38 A de proteção dos vasilhames seria o dos desenhos industriais. Neste sentido, o desembargador relator do caso, Enio Zuliani, citando José Carlos Tinoco Soares, assinalou que: Não se discute que o design de uma garrafa, quando, de fato, possuir originalidade e atividade criativa, merece proteção como direito autoral, mas, a partir do momento em que a sua arte é aplicada à produção industrial, a sua proteção deixa de ser como direito autoral e passa a ser como propriedade industrial, sendo certo que, se observarmos, agora, os frascos, garrafas e/ou vasilhames de bebidas e outros que contenham relevos, reentrâncias, configurações peculiar, como por exemplo, aqueles que ostentam as marcas ‘Coca Cola’, ‘Grauts’, ‘Dimple’, ‘Frangélico’, ‘4711’ etc., a sua proteção no Brasil é feita em face da Lei n.° 9.279, de 14.5.1996, como registro de desenho industrial e/ou como registro de marca, por que esta lei só proíbe a forma necessária, comum ou vulgar do produto” (SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial - Patentes e seus Sucedâneos. Jurídica Brasileira. São Paulo: 1998). Na ACiv 70001418524 da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi conferido provimento ao recurso para denegar pretensão indenizatória por danos decorrentes de violação a direito de autor, justamente pelo fato dos julgadores entenderem que um móvel utilizado em publicidade tem função eminentemente utilitária, se enquadrando como direito de propriedade industrial, a demandar registro como desenho industrial, que não foi providenciado. Na ACiv 994.06.127715-6 da 1ª Câmara de Direito Privado, os julgadores desproveram recurso em que uma fabricante de sandália plástica vindicava pela condenação de uma concorrente por violação de direitos artísticos e de propriedade industrial, que não restou caracterizada ante a ausência do registro de desenho industrial no INPI. No Habeas Corpus 145.131/PR, julgado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho do Superior Disponível em <http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/apostilas/puc/desenhos.ppt> Último acesso em 16.11.2010. 25 Artigo Tribunal de Justiça, foi concedida a ordem para trancar ação penal contra paciente acusado de violar direito autoral de imagens de personagens infantis em camisetas. Neste caso o julgador entendeu que o meio jurídico de proteção aos direitos imateriais da obra intelectual analisada era o do registro marcário, não entendendo pela aplicação do artigo 184 do Código Penal à hipótese. Nesta mesma esteira de raciocínio parte a Apelação Criminal em Mandado de Segurança 990.08.129700-0 do TJSP, em que os desembargadores entenderam não haver proteção como desenho industrial de desenhos artísticos de personagens de animação afixados em rádios. Os julgadores refutaram o recebimento de ação penal com base no artigo 184 do Código Penal, entendendo que o caso comportaria aplicação do artigo 190 da Lei 9.279/96. Por fim, convém mencionar emblemático acórdão proferido por corte especializada no exame desta matéria. Trata-se da ACiv 2007.51.01.8050054 da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ), provida parcialmente e de forma unânime pelos Julgadores. Neste recurso, o relator designado, Juiz Federal convocado Marcello Ferreira Granado, não acolheu registros de direitos autorais de feições de bonecas para fins de anulação de desenhos industriais registrados no INPI, sustentando que tais produtos não se constituem em obras de arte, na medida em que foram idealizados e destinados a reprodução em grande escala e introdução no comércio, afastando-se da natureza de obra artística a ser protegida pelo artigo 18 da Lei 9.610/1998. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossas conclusões visam reforçar a ideia de que um regime dual e cumulativo de proteção jurídica, por via dos direitos de autor e por via dos desenhos industriais, é absolutamente possível e aplicável para obras artísticas de aplicação industrial ou caráter utilitário. Contudo, compete aos magistrados atentarem quanto aos critérios de reconhecimento jurídico para esta categoria de obras, que para gozarem da dupla proteção, dependem da afirmação do componente puramente artístico conectado à obra, absolutamente afinada com o registro de desenho industrial requerido e obtido no INPI, nas formas, termos e prazos legais. A partir deste entendimento será possível conferir aos desenhos industriais a importância, o crédito e a valia merecida, como autênticos títulos de propriedade industrial a serem respeitados por toda a sociedade, como instrumentos indutores do desenvolvimento econômico e tecnológico da sociedade brasileira, a exemplo das marcas e das patentes. REFERÊNCIAS BITTAR, Carlos. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v.1. ___. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v.2, tomo 1. CUNHA, Frederico. A proteção legal do design. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. LABRUNIE, J. COLOMBO, M. Proteção e importância dos desenhos industriais. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial. São Paulo, n. 102, p. 54-67, set./out. 2009. LIMA, João Ademar. Notas introdutórias sobre direito de propriedade intelectual. Campina Grande: s.e., 2008 MORO. Maitê. Cumulação de regimes protetivos para as criações técnicas. In: JABUR, Wilson; SANTOS, M. (Orgs.). Criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. PLETSCH, Laura. Desenho industrial: possibilidade de dupla proteção. Disponível em: <http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/ trabalhos2009_1/laura_pletsch.pdf> Último acesso em 19 jul. 2010. SCHULMANN, Denis. O desenho industrial. São Paulo: Papirus, 1994. SILVEIRA, Newton. Direito de autor no desenho industrial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. ___. Os requisitos de novidade e originalidade para a proteção do desenho industrial. In: SANTOS, Manoel; JABUR, Wilson. (Orgs). Criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. QUEVEDO & PONCE ESTUDIO JURIDICO Torre 1492 Av. 12 de Octubre y Lincoln, piso 16 Teléfonos: (593) 2 2986-570 / (593) 2 2986-575 – Fax: (593) 2 2986-579 / (593) 2 2986-580 WEB: http:/www.quevedo-ponce.com – Correo E.: [email protected] Apartado 17-01-600 QUITO – ECUADOR A 39 Artigo Responsabilidade Civil na Internet Gustavo Artese* Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.126/2011 - o Marco Civil da Internet - que tem como objetivo regular o uso da web no Brasil. Desde sua proposição, o projeto vem enfrentando dificuldades para ser aprovado. A falta de consenso não é, contudo, privilégio brasileiro. Que o diga a atual celeuma americana, onde recentes projetos de lei (conhecidos como Protect IP e SOPA) trazem como temática a coibição da reprodução de conteúdo não licenciado na rede. A discussão principal passa pelo nível de proteção que se conferirá aos direitos autorais na Internet. Ali o embate traz como protagonistas de um lado, e lutando por instrumentos mais rígidos de proteção, as nonagenárias indústrias do cinema e entretenimento, e de outro, as ainda adolescentes empresas de Internet. Estas, que contam com a liberdade – de reprodução, especialmente - como elemento importante de seu plano de negócios, advogam a flexibilização de direitos proprietários. Como se vê, lá, mais do que cá, os interesses econômicos ditam o rumo da discussão. E se nos EUA, onde o Digital Millennium Copyright Act (DMCA) regula a matéria há mais de uma década, discute-se novo marco legal, há quem diga que nosso legislativo pecou pela demora. Por outro lado, o consenso é que, graças à atuação do judiciário, a ausência de lei não nos relegou ao limbo da insegurança jurídica. A aprovação do Marco Civil terá reflexos em diversas áreas do direito, tais como: (I) o Direito Autoral (e.g. disponibilização de músicas, vídeos e textos); (II) Propriedade Industrial (e.g. venda de produtos falsificados); (III) Direitos de Imagem (e.g. publicação de material de conteúdo pessoal); (IV) Proteção da Privacidade; (V) Liberdade de Expressão (e sua contrapartida, e.g. material de conteúdo ofensivo) e (vi) questões tuteladas também pelo direito penal (e.g. hacking, malware, conteúdo pedófilo). Em contexto no qual a publicação de conteúdo ilícito tem potencial lesivo, a questão de alocação da responsabilidade aquiliana entre quem disponibiliza os recursos de rede - provedores - e quem destes faz uso, constitui, talvez, o principal tema de discussão. Foi a este respeito que, em 23 de agosto de 2011, decidiu a Terceira Turma do STJ ao julgar o Recurso Especial no 1.186.616. A decisão, que por sua extensão e amplitude, tende a orientar novos julgados a respeito do tema, concluiu que “os provedores de conteúdo: (I) não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações ilegais; (II) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio de conteúdo das informações postadas no site por seus usuários; (III) devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos; (IV) devem manter um sistema 40 A minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será avaliada caso a caso.”. Muito embora não seja pioneira, a decisão teve o mérito de sedimentar, de forma muito bem fundamentada, o que já era consenso entre especialistas. Contudo, em relação ao item (III), que diz respeito à possibilidade de responsabilização dos provedores por conteúdo de terceiros, a polêmica persiste. A posição do STJ carrega consigo notável afinidade com o sistema estadunidense do Notice and Takedown. Neste, o provedor não é, a priori, responsável pelo conteúdo ilícito. Passará a sê-lo, ou melhor, passará a ser passível de responsabilização, na medida em que, notificado de sua existência, optar por não retirá-lo do ar. A proposta de Marco Civil (artigos 14 a 16) aloca as responsabilidades de modo diferente. Nesta, a responsabilização do provedor somente se efetiva caso este se recuse a cumprir ordem judicial que especificamente determine o takedown. Cada uma das abordagens traz em si vantagens e desvantagens. Se por um lado o Notice and Takedown tira proveito dos benefícios da autoregulação, por outro - e a experiência americana comprova esta hipótese - dá margem ao exercício abusivo do direito de notificar. Isto porque, no Notice, ao se punir a opção de manter o conteúdo potencialmente lesivo com eventual responsabilização, cria-se para o provedor o incentivo de realizar o takedown independente da credibilidade da notificação. Entre correr o risco de prever mal os rumos de eventual decisão judicial na qual será coresponsável, e realizar o takedown preventivo, opta, o provedor, invariavelmente, pela segunda via. Nesta dicotomia entre o direito de postar - e manter postado - e o dever de retirada, vislumbra-se solução de compromisso. A partir da notificação, abusiva ou não, o provedor seria obrigado, sob pena de incidir a coresponsabilidade, a realizar o imediato takedown preventivo. Contudo, referido takedown teria validade por prazo definido em lei como razoável para a obtenção de medida acauteladora (e.g. 72 a 96 horas). Passado o prazo sem que o notificante tenha obtido ordem judicial confirmando a adequação do takedown, a retomada do conteúdo pelo provedor não importaria em qualquer tipo de responsabilidade. Os eventos das próximas semanas descortinarão as composições que levarão à redação final da proposta de Marco Civil. É de se ver para qual direção a nova lei nos apontará. * Gustavo Artese é Master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Chicago e advogado responsável pelas práticas de Propriedade Intelectual e TICs do escritório VPBG Advogados. Jurisprudência Coordenador: André Zonaro Giacchetta [email protected] DIREITO MARCÁRIO. RECURSOS ESPECIAIS. MARCA. BEM IMATERIAL COMPONENTE DO ESTABELECIMENTO. USO SEM A ANUÊNCIA DO TITULAR. IMPOSSIBILIDADE. CONCORRÊNCIA DESLEAL. RECONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. APURAÇÃO DA EXTENSÃO DOS DANOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. IMPORTAÇÃO PARALELA E RECONDICIONAMENTO DOS PRODUTOS SEM A ANUÊNCIA DO TITULAR DA MARCA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A marca é importante elemento do aviamento, sendo bem imaterial, componente do estabelecimento do empresário, de indiscutível feição econômica. 2. Como o Tribunal de origem reconhece a existência de violação do direito de uso da marca, em observância ao artigo 209 da Lei 9.279/96, independentemente de ter sido demonstrada a exata extensão dos prejuízos experimentados pela autora, descabe o julgamento de improcedência dos pedidos exordiais, pois a apuração pode ser realizada em liquidação de sentença. Precedentes. 3. A marca é fundamental instrumento para garantia da higidez das relações de consumo. Desse modo, outra noção importante a ser observada quanto à marca é o seu elemento subjetivo, que permite ao consumidor correlacionar a marca ao produto ou serviço, evitando, por outro lado, o desleal desvio de clientela. 4. As importações paralelas lícitas são contratos firmados com o titular da marca no exterior, ou com quem tem o consentimento deste para comercializar o produto. Tendo o Tribunal de origem apurado não haver autorização, pela titular da marca, para a importação dos produtos, o artigo 132, inciso III, da Lei 9.279/96, não socorre a recorrente. 5. Tolerar que se possa recondicionar produtos, sem submissão ao controle e aos padrões adotados pelo titular da marca - que também comercializa o produto no mercado -, significaria admitir a inequívoca confusão ocasionada ao consumidor que, ao adquirir produto da marca, espera obter bem de consumo que atenda a determinado padrão de qualidade e confiabilidade que associa ao signo. 6. Conduta que, por outro lado, não atende aos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, consoante disposto no artigo 4º, incisos I, III e VI, do Código de Defesa do Consumidor, que sobrelevam aos interesses da parte. 7. Recursos especiais parcialmente conhecidos para, na extensão, dar parcial provimento apenas ao da autora, para restabelecer o decidido na sentença, inclusive no que tange aos ônus sucumbenciais, devendo a extensão dos danos ser apurada em liquiA dação por artigos. Negado provimento ao recurso da ré. (STJ, REsp 1207952/AM. Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, publicado em 1.2.2012) *** AGRAVO REGIMENTAL. DIREITOS AUTORAIS. ESPETÁCULO AO VIVO. ECAD. INDICAÇÃO DAS OBRAS TIDAS POR VIOLADAS. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. 1. Cabível é o pagamento de direitos autorais relativos aos espetáculos realizados ao vivo, podendo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD cobrá-los, independentemente do cachê recebido pelos artistas e da prova da filiação. 2. Não é necessário que seja feita identificação das músicas e dos respectivos autores para a cobrança dos direitos autorais devidos. Precedentes. 3. Agravo Regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1174097/RS – Terceira turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, publicado em 7.11.2011) *** COMPETÊNCIA JURISDICIONAL - É COMPETENTE A JUSTIÇA BRASILEIRA PARA DETERMINAR QUE O RÉU, DOMICILIADO NO BRASIL, SEJA COMPELIDO A PROCEDER O CANCELAMENTO DE REGISTRO DE DOMÍNIO DE SÍTIO ELETRÔNICO REALIZADO NO ESTRANGEIRO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. O PRINCÍPIO DA PRECEDÊNCIA E O REGISTRO DA MARCA NOMINATIVA PERANTE O INPI ASSEGURAM A EXCLUSIVIDADE DA EXPLORAÇÃO DO DOMÍNIO, SENDO INADMISSÍVEL PERMITIR QUE O RÉU ATUE POR MEIO DE DOMÍNIO IDÊNTICO, À EXCEÇÃO DA TERMINAÇÃO.COM.BR, EM ESPECIAL, PORQUE ALMEJA ATUAR NO MESMO RAMO DE ATIVIDADE DA AUTORA SENTENÇA MANTIDA APELO DESPROVIDO. (TJ/SP, Apelação Cível nº. 912930720.2001.8.26.0000 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Theodureto Camargo, publicado em 17.11.2011) *** PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Concorrência desleal. Utilização das cores verde e amarelo no posto de gasolina da ré. Cores tradicionalmente atribuídas à marca da bandeira BR de titularidade da autora. As cores não podem ser objeto de registro (art. 124, VIII), mas em conjunto com uma determinada marca formam um padrão visual que, se utilizados de forma indevida, por terceiros, podem vir a causar confusão entre o público consumidor, com o nítido intuito de desvio de clientela. É que tais cores compõem o denominado trade dress da autora. No tocante à abstenção 41 Jurisprudência do uso das cores a ré implicitamente concordou com a procedência do pedido, visto que não recorreu da decisão liminar, providenciando a alteração das cores em seu estabelecimento. Quanto à reparação de danos, tem razão a autora. Concorrência desleal verificada. Embora a marca da ré, Ruff, inserida na testeira e nos rótulos em verde e amarelo seja diferente da marca BR da autora, a simples utilização das cores verde e amarelo tem potencial para confundir os consumidores menos avisados. Tal situação não caracteriza a contrafação, mas apenas a concorrência desleal. Reparação de danos com base nos critérios do art. 210 da Lei da Propriedade Industrial. Indenização fixada em 20% do valor dos rendimentos líquidos do correspondente ao que se pagaria pela utilização da marca por meio de contrato de franquia. Jurisprudência deste Tribunal. Ação de preceito cominatório c.c. reparação de danos procedente. Recurso da autora provido; desprovido o da ré. (TJ/ SP, Apelação Cível nº. 0129320-31.2008.8.26.0000 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mereira Viegas, julgado em 21.1.2012) *** APELAÇÃO - PROPRIEDADEINDUSTRIAL - MARCA - REGISTRO EFETUADO NO INPI POR CONDOMÍNIO EDILÍCIO - NULIDADE DO REGISTRO POR FALTA DE CAPACIDADE - VIOLAÇÃO DO ARTIGO 124 DA LEI 9.279/96 - RECURSO IMPROVIDO I - Cinge-se a controvérsia em saber se condomínio edilício é pessoa jurídica de direito privado, capaz de adquirir signo comercial nos termos do que preceitua o artigo 128 da LIP. II - Em que pese a existência de jurisprudências conferindo aos condomínios personalidade jurídica para solução de questões como (1) movimentação de conta corrente, (2) administração de patrimônio em comum, (3) admissão de empregados, (4) aquisição de prestação de serviço, (5) contratação de empresas para administração do condomínio; (6) obtenção de CNPJ etc - o fato é o Código Civil de 2002, ao disciplinar constituição e funcionamento das pessoas jurídicas, em seu art. 44, deixou de atribuir ao condomínio essa condição, não havendo em nossa legislação nenhum outro dispositivo que autorize sequer equiparação. III - Sendo cediço que a falta de uso de uma marca no mercado implica em sua perda, por caducidade, para evitar a existência de registros abusivos ou sem propósito, que não contribuem para designação de verdadeira atividade comercial, como no caso dos condomínios, cuja constituição, sabe-se, não mira o exercício de nenhuma atividade comercial. IV - Apelação e Remessa Necessária improvidas. (TRF 2ª Região, Apelação/Reexame necessário nº. 200951018145621 2ª Turma Especializada, Rel. Des. Messod Azulay Neto, publicado em 9.12.2011) 42 A *** APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. INTEMPESTIVIDADE NÃO VERIFICADA. DIREITO AUTORAL - CAMPANHA PUBLICITÁRIA. SUGESTÃO DE ASSOCIAR A SONORIDADE DE UM ESPIRRO AO NOME DA CERVEJA FABRICADA PELA RÉ. ENVIO DA CONCEPÇÃO À FABRICANTE OU À EMPRESA DE PUBLICIDADE QUE NÃO RESTOU DEMONSTRADA - MERA IDÉIA QUE NÃO INTEGRA O ROL DE DIREITOS AUTORAIS PASSÍVEIS DE PROTEÇÃO INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 7º E 8º, INCISOS I E VII, DA LEI Nº 9.610/98 MATERIALIZAÇÃO DAS IDÉIAS QUE SEGUIRAM ROTEIROS TOTALMENTE DISTINTOS SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. Considerando que não restou demonstrado que a fabricante de cerveja e a empresa de publicidade tiveram ciência da sugestão do autor, considerando que a mera idéia não se enquadra no conceito de obra intelectual, a ponto de merecer proteção pelo direito autoral, ex vi dos artigos 7º e 8º, I e VII, da Lei n. 9.610/98 e, considerando que a materialização das idéias seguiram roteiros totalmente distintos, sendo possível identificar claras distinções entre eles, é evidente que não tem o suplicante direito a indenização pelos danos materiais e morais alegados. (TJ/PR, Apelação Cível nº. 834.058-7 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Lopes, publicado em 30.1.2012) *** APELAÇÃO CÍVEL. ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. REGISTRO DE MARCA E DE NOME EMPRESARIAL. ANTERIORIDADE DO NOME. AMPLA UTILIZAÇÃO NA COMUNIDADE LOCAL. REGRAMENTO DE DIREITO INTERNO E DE DIREITO INTERNACIONAL. DUPLA FUNCIONALIDADE DO REGISTRO DE MARCA: PROTEÇÃO À CRIAÇÃO INTELECTUAL E AO CONSUMIDOR. O ponto nodal da controvérsia está assentado em se estabelecer se o nome da empresa TRANSPAR - TRANSPORTES E PARTICIPAÇÕES S.A., registrado com seus atos constitutivos em 1989, deve deixar de ser utilizado na sua frota, em virtude do registro da marca TRANSPAR, pela empresa de transporte coletivo, REIS & CIA. LTDA., efetuado em 2003. São relevantes para o deslinde da questão o artigo 124, V, da Lei n. 9.279/96, o artigo 8 da Convenção de Estocolmo e o artigo 1166, do Código Civil. De fato, o que se afere é que ambas as empresas estão inseridas em um contexto de acirrada concorrência, que ultrapassa o âmbito comercial, pois ambas atuam no mercado de transporte coletivo de Taquara/RS e cidades vizinhas. É de longa data Jurisprudência que as recorrentes mantêm contato, seja por meio de procedimentos licitatórios em que concorreram, seja pela simples atuação ostensiva na comunidade local. Portanto, não era de desconhecimento da demandante que o nome idêntico à marca que levou a registrado era utilizado por sua concorrente há muitos anos. Também não se olvida que, apesar da proteção ao uso da marca, o nome não deixa ser protegido tão-só pela inexistência de marca a ele correspondente. Ao contrário, há hipótese legal de âmbito internacional determinando a proteção do nome empresarial, ainda que sem o correspondente depósito ou registro de marca - artigo 8 da Convenção de Estocolmo, cuja revisão se deu através da Convenção de Paris, internalizada no Direito Brasileiro pelo Decreto n. 75.572/1975. A disciplina concernente ao direito de uso de marca, atenta, não só para a proteção da atividade intelectual, como também para a identificação do produto ou serviço pelo mercado consumidor. Por isso que, determinar a abstenção do uso da marca pela titular do nome, implicaria em confundir os consumidores acostumados a utilizar os serviços da ré. Ante tais razões, o pedido indenizatório não encontra substrato seja pela ausência de ato ilícito, de elemento subjetivo ou simplesmente porque o nexo causal não se implementou. Sentença reformada. Improcedência da pretensão veiculada. Sucumbência redimensionada. APELO DA RÉ PROVIDO. RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO. UNÂNIME. (TJ/RS, Apelação Cível nº. 70045851540 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Iris Helena Medeiros Nogueira, publicado em 26.1.2012) *** APELAÇÃO CÍVEL. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. PROGRAMAS DE COMPUTAÇÃO. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO REDUZIDA. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. Nos casos de proteção ao direito autoral, a fixação adequada não pode se restringir à perda patrimonial experimentada pela apelante, já que o pagamento tão somente do valor dos programas contrafaceados não indeniza, de forma justa, todos os prejuízos sofridos. Nessa linha de entendimento e em face da interpretação sistemática que deve ser feita das normas insertas no ordenamento jurídico, aquele que se utiliza de software sem licença deve ser obrigado ao ressarcimento dos prejuízos econômicos bem como indenizar o titular do direito de propriedade intelectual por ofensa ao seu direito autoral. (TJ/ MG, Apelação Cível nº. 1.0024.09.710998-7/001(1) 13ª Câmara Cível, Rel. Des. Alberto Henrique, publicado em 11.1.2012) *** AÇÃO INDENIZATÓRIA. Direitos Autorais. Receitas culinárias publicadas em fascículos de revista especializada. Participação da autora como culinarista. Pretensão de compensação pela violação do direito de imagem e de receber o equivalente a 5% sobre o preço de capa de cada exemplar da obra. Sentença de improcedência. Apela a autora sustentando que a receita é criação do espírito; que mesmo ser for considerada obra coletiva, merece proteção pela participação individual; defende o direito autoral pela tradução de receitas argentinas; afirma que receitas criadas pela autora foram traduzidas e publicadas na Argentina; assevera que não autorizou o uso de sua imagem nas revistas editadas pelas rés; argumenta que apesar da remuneração recebida, nada percebeu pela criação de todas as receitas formuladas. Descabimento. Receita culinária. Representação de uma fórmula, um método de preparo de alimentos, mediante a utilização de uma lista de ingredientes de uso comum. Inexistência de direito autoral. Inteligência do art. 8º, I, da Lei nº 9.610/98. Apenas a sua compilação pode ser objeto de proteção em favor do organizador, pela forma específica de montagem de um todo. Inteligência do art. 7º, XIII, da Lei nº 9.610/98. Ainda que assim não fosse, o trabalho foi de natureza coletiva, porque as receitas passavam pela análise e aprovação de nutricionistas do Incor, enquanto a coordenação culinária era da autora e de terceira pessoa. Despropositado o pedido de direitos autorais sobre o conjunto da obra, que cabe ao organizador. Inteligência do § 2º do art. 17 da Lei nº 9.610/98. Incontroverso que a apelante foi remunerada por sua participação conforme valor ajustado entre as partes. Vinculação da tinoco soares & filho ltda. marcas e patentes no brasil e exterior José Carlos Tinoco Soares José Carlos Tinoco Soares Junior FILIAL: 20071-000 - Rio de Janeiro - RJ. Av. Presidente Vargas, 482 - 5° andar - sala 514 Fone: (0xx21) 2253-0944 Fax (0xx21)2253-0944 INTERNET: http://www.tinoco.com.br E-mail: [email protected] A MATRIZ: 04063-001 - São Paulo. SP. Av. Indianópolis, 995 Tels.: (0xx11) 5O84-5330 / 5084-5331 5084-5332 / 5084-5946 / 5084-1613 Fax (Oxx11) 5084-5334 (Oxx11) 5084-5337 Caixa Postal 2737 (CEP 01060-970) 43 Jurisprudência imagem da apelante às receitas culinárias não gera obrigação de indenizar. Apelante não inovou o que já havia sido exposto nos autos e rebatido na sentença. Motivação da sentença adotada como fundamentação do julgamento em segundo grau. Adoção do art. 252 do RITJ. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ/ SP, Apelação Cível nº. 0211474-05.2005.8.26.0100 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. James Siano, publicado em 1.2.2012) *** DIREITO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS MUSICAIS. LEI 9610/98. UTILIZAÇÃO DE REFRÃO MUSICAL EM PROPAGANDA. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. - Apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido, em ação ordinária, objetivando o pagamento de indenização pela alegada utilização ilícita da obra lítero-musical. Para Lennon e McCartney, de autoria de Fernando Brant, Marcio Borges e Lô Borges, sob alegação de que a obra mencionada foi reproduzida pela EMBRATUR ao veicular seu informe publicitário nos principais jornais do país nos seguintes termos: sou do mundo sou Minas Gerais, o que seria o verso mais significativo e identificador da obra em apreço. - Inaplicabilidade do inciso VIII do artigo 46 da Lei 9610/98, Lei dos Direitos Autorais, eis que não é possível afirmar que a utilização do referido refrão não causa prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos compositores. Violação ao inciso 29, inciso I, da Lei 9610/98, que estabelece que a reprodução parcial ou integral de obra artística depende de prévia autorização. - Utilização de trecho musical mais marcante e significativo da obra. - A violação do direito do autor pressupõe seja a indenização fixada com razoabilidade, mas sem olvidar-se do caráter punitivo, além de reparador, razão por que fixo-a em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Recurso provido. (TRF 2ª Região, Apelação Cível nº. 200151010088730 1ª Turma Especializada, Rel. Des. Paulo Espirito Santo, publicado em 9.12.2011) *** APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO INIBITÓRIA DE USO DE MARCA E NOME EMPRESARIAL C/C REPARAÇÃO DE DANOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA PARCIAL. INVALIDADE DE REGISTRO DE MARCA SIMILAR À DA DEMANDANTE DECLARADA PELA JUSTIÇA FEDERAL. USO ILEGÍTIMO CONFIGURADO. ART. 124, XIX DA LEI Nº 9.278/96. DANOS MATERIAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM REPARATÓRIO A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 208 E 210, III, DA LPI. Pretendida suspensão do processo ventilada em contrazões, sob a alegação de prejudicialidade externa (art. 265, IV, a do CPC). 44 A Descabimento. Superveniência do julgamento da causa aqui noticiada perante a Justiça federal que não dá ensejo a suspensão deste processo. Interposição de Recurso Especial que não tem o condão de suspender a eficácia daquele decisum, eis que, via de regra, é recebido somente no efeito devolutivo. Rejeição da prejudicial de mérito de prescrição da pretensão reparatória. Qüinqüênio legal não ultrapassado. Dicção do art. 225 da Lei nº 9.278/96. Sentença de improcedência fundada na suposta falta de comprovação do fato constitutivo do direito invocado que não se sustenta. Vasta prova documental produzida que revela a existência de registro anterior da marca titularizada pela apelante (Farmoquímica). Ordenamento jurídico que adota o sistema atributivo, segundo o qual o registro procedido junto ao INPI confere ao seu titular o direito de propriedade e uso exclusivo da marca, assegurada sua proteção contra a usurpação indevida praticada por terceiros (art. 129, caput e III da LPI). Decisão proferida nos dois graus de jurisdição da justiça federal que declara a invalidade dos registros levados a efeito pela recorrida (Farmaquímica). Reconhecida colidência das marcas, frente à proximidade gráfica e fonética, capaz de conduzir o consumidor a erro ou confusão quanto à procedência dos produtos que assinalam. Inteligência do art. 124, XIX da Lei nº 9.278/96. Uso ilegítimo da marca que é reflexo da própria declaração de nulidade de seu registro, a qual opera efeitos ex tunc, retroagindo até a data de sua apresentação perante o INPI (art. 167 da LIP) Conseqüente condenação da apelada a cessar o seu uso, sob pena de aplicação de multa por cada descumprimento. Não obstante tenha ocorrido o arquivamento dos atos constitutivos dos litigantes em unidades territoriais distintas (art. 1.166 do CC), tal fato não é capaz de afastar as conseqüências advindas da acentuada similitude da parte essencial de seus nomes empresariais, uma vez que suscetível de dificultar a necessária identificação do empresário no mercado em que atua, posto que sujeito de direitos e obrigações em relação a terceiros. Imposição ao apelante de abster-se do uso da expressão Farmaquímica como elemento característico de seu nome empresarial, no prazo de 60 (sessenta dias), sob pena de multa diária. Danos materiais caracterizados pelos benefícios que o legítimo proprietário da marca teria auferido, acaso não ocorrida a sua usurpação, consoante estabelece o art. 208 da LPI. Violação de tal direito que é capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, tais como, o desvio de clientela e a confusão entre as empresas, diluindo o mercado explorado pelo apelante. Obrigação ilíquida, cuja apuração em sede de liquidação deve observar os parâmetros inseridos no inciso III do artigo 210 da LPI. Precedentes do E. STJ. Sentença que se reforma. PROVIMENTO DO RECURSO. (TJ/RJ, Apelação Cível nº. 0110435-24.2009.8.19.0001 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Leila Mariano, julgado em 7.12.2011) Jurisprudência Administrativa Conar “Kodilar” “Vem logo GVT” Representação nº 269/10, em recurso extraordinário Representação nº 264/11 Autora: Yoki Anunciante: M.W.A. – Kodilar Autora: Oi Agência: Cidade Relatores: Conselheiros Arthur Amorim, Marisa D’Alessandri (voto vencedor) e André Porto Alegre Relatores: Conselheiros José Tadeu Gobbi e André Porto Alegre Primeira Câmara, Câmara Especial de Recursos e Plenário do Conselho de Ética Segunda e Quarta Câmaras Decisão: Arquivamento Fundamento: Artigo 27, nº 1, letra “a” do Rice Fundamento: Artigos 1º, 4º, 23, 27, parágrafos 1º e 2º, 32, letras “a”, “b”, “c”, “f” e “g”, e 50, letra “c” do Código A Yoki considera que há demasiada semelhança entre as embalagens das especiarias e condimentos comercializados por ela sob a marca Kitano e as da concorrente Kodilar. A Yoki, presente no mercado desde 1960, alude a semelhanças de cor, janelas, forma de grafia da letra K e disposição do nome do produto na embalagem. A denunciante reforça seus argumentos lembrando o fato de os produtos de ambas as empresas visarem exatamente o mesmo público e serem oferecidos lado a lado nas gôndolas. Em sua defesa, a M.W.A., proprietária da marca Kodilar, alega tradição de mercado, no qual atua há 26 anos. Afirma que a sua marca é devidamente registrada no Inpi, e que cores, janelas de transparência etc. são elementos comuns às embalagens de produtos do segmento, como comprovam amostras juntadas à defesa. Arquivamento por unanimidade foi a recomendação aprovada em primeira instância, seguindo voto do relator. Para ele, a semelhança entre as embalagens não é capaz de confundir o consumidor. “Basta olhar para as embalagens e se reconhece cada produto individualmente”, escreveu ele em seu voto. Houve recurso da Yoki à Câmara Especial de Recursos. Dessa vez, seus argumentos prevaleceram, e a decisão inicial foi reformada por maioria de votos, para alteração. A autora do voto vencedor considerou que o impacto provável da embalagem de Kodilar pelos consumidores leve sim a eventual confusão. Como seu voto foi aprovado por maioria pela Câmara Especial de Recursos, abriu-se a possibilidade de recurso ao Plenário do Conselho de Ética e assim procedeu a M.W.A. Ela repisou seus argumentos iniciais e terminou por convencer os conselheiros presentes à sessão. Por maioria, eles acolheram o voto do relator, pelo arquivamento da representação, justificando considerar ser “assunto superado” a questão da similaridade das embalagens de especiarias e condimentos, tamanha a sucessão de coincidências em tipologia, cores, janelas etc. “O fato é que o consumidor já se acostumou com a mesmice dos produtos e suas embalagens que, em tese, fazem parte do cenário das gôndolas.” Campanha com o título acima, produzida pela Cidade Propaganda & Marketing, atraiu reclamação formulada pela Oi, que considera haver propaganda comparativa irregular e denegrimento de imagem nas peças. Veiculada em jornais, outdoor e redes sociais em Feira de Santana (BA), a campanha mostra dois pais de santo; um deles consegue receber a entidade, o outro não, porque seu acesso à internet é lento. A assinatura da campanha é: “Feira é veloz, a internet não. Vem logo GVT”. A empresa de telecomunicação anunciou que, em breve, passará a atuas no mercado de Feira de Santana. Para a Oi, o denegrimento é reforçado pelo fato de seu serviço de acesso à internet ser denominado Velox. Houve recomendação de sustação liminar da campanha até seu julgamento. Informada da abertura do processo pelo Conar, a GVT manifestou-se, negando qualquer envolvimento na campanha. Também a agência Cidade manifestouse, informando que as peças foram criadas e veiculadas sobre a sua exclusiva responsabilidade, expressando um protesto pelo que considera ser os maus serviços de acesso à internet disponíveis no momento em Feira de Santana. Submetido ao Conselho de Ética, o parecer do relator foi acolhido por maioria de votos. Ele recomendou a sustação da campanha, dada a inexistência de qualquer comprovação da pretensa má qualidade dos serviços. Os conselheiros acolheram ainda, por maioria, voto complementar, aceitando a exclusão da GVT do processo. Decisão: Sustação A * Decisões extraídas literalmente do repertório oficial de Jurisprudência do Conar. 45