2 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva

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2 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
Volume 17 - Nº 2
Abril/Junho 2005
RBTI
Editorial
73
Sepse na Sala de Emergência: Um Desafio para Melhoria do
Cuidado do Paciente
Márcio Soares
ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
74
Uso do MODS Modificado em Pacientes Sépticos no
Departamento de Emergência para Predizer Mortalidade
Edvaldo V. de Campos, João M. da Silva Junior, Mirene de O. Silva,
Cristina P. Amendola, Samantha L. S Almeida, Luiz André Magno, Ederlon
Rezende
ARTIGO ORIGINAL
80
Mortalidade em UTI, Fatores Associados e Avaliação do
Estado Funcional após a Alta Hospitalar
Renan S. Moraes, João Marcelo L. Fonseca, Carla B. R. di Leoni
ARTIGO ORIGINAL
85
Perfil e Sobrevida dos Pacientes de Unidade de Tratamento
Intensivo de um Hospital Universitário do Rio de Janeiro
Rosane Pimenta de Azevedo, Marilene da Silva Moura, Sérgio da Cunha
ARTIGO ORIGINAL
Comparação do Modo VAPS com os Modos Volume
Controlado e Pressão Controlada em Pacientes com
Insuficiência Respiratória Aguda
89
Juliana Carvalho Ferreira, Jorge Valiatti, Guilherme de Paula Pinto
Schettino, Jorge Bonassa, Lisa Iwata, Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho
ARTIGO ORIGINAL
Bird Mark 7: Avaliação e Evolução Clínica durante sua
Utilização
94
Anderson José, Sofia Petrohilos, Elaine Cristina Polleti Dias, Luiz Rogério
Carvalho de Oliveira, Danila Vieira Baldini, Maíra Ferreira Lobo, Elaine
Cristina Pacheco, Paulo Antonio Chiavone
ARTIGO ORIGINAL
98
Incidência de Complicações em Terapia Nutricional Enteral
de Pacientes em Estado Grave
Ricardo Martins Borges, Carla Barbosa Nonino-Borges, Antonio Dorival
Campos, Anibal Basile-Filho
ARTIGO ORIGINAL
104
O Rápido Declínio da Concentração Sérica de Proteína CReativa na Fase Inicial da Sepse é Preditivo de Boa Evolução
Dumar Carlos Rezende Junior, Janaína Maria Miranda Ferreira de Moraes;
Maria Gabriela de Lucca, Susana Renata Perez Orrico, Marco Aurélio
Spegiorin, Antonio Carlos Christiano Junior, Carlos Alberto Polachini,
Sérgio Mussi Guimarães, Suzana M Lobo
ISSN 0103-507X
ARTIGO ORIGINAL
108
Comparison Between Direct and Invasive Arterial Blood
Pressure Measurement in Non-Hypotensive Critically ill
Patients
Marcelo Park, MD, PhD; Frederico Lomar, MD; Luciano Azevedo, MD,
PhD; Leandro Taniguchi, MD; Luiz Cruz-Neto, MD
ARTIGO ORIGINAL
112
A Importância do Treinamento Prévio no Uso do Desfibrilador
Externo Automático por Fisioterapeutas e Enfermeiros
Carlos C. I. S. Ovalle, Sebastião Araújo, Rosmari A. R. A. de Oliveira,
Desanka Dragosavac
ARTIGO ORIGINAL NEUROINTENSIVISMO
Hypophosphatemia in Severe Traumatic Brain Injury
116
Rayne Borges Torres, Renato Giuseppe Giovanni Terzi, Antônio Luís Eiras
Falcão, Nelci Fenalti Höehr, Venâncio Pereira Dantas Filho
ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
121
Etiologia e Fatores de Risco de Pneumonia Associada à
Ventilação Mecânica em Unidade de Terapia Intensiva
Pediátrica
Dayane Otero Rodrigues, Orlando César Mantese, Paulo P. Gontijo Filho
ARTIGO ESPECIAL
Escrever um Artigo é Artesanato, Não é Arte!
126
ARTIGO DE REVISÃO
Há Espaço para o CPIS no Manuseio da Pneumonia
Associada à Ventilação Mecânica?
129
Gilberto Friedman, Jefferson P Pedro Piva
Ricardo Viégas Cremonese, Túlio Frederico Tonietto, Cassiano Teixeira,
Flávio André Cardona Alves, Roselaine Pinheiro de Oliveira, José Hervê
Diel Barth, Eubrando Silvestre Oliveira, Sérgio Monteiro Fernando Brodt,
Nilton Brandão da Silva
ARTIGO DE REVISÃO
135
O Uso da Ventilação Mecânica Não-Invasiva na Extubação
Precoce e Como Técnica de Desmame: Revisão de Literatura
Daniela Vieira de Andrade, Carolina Pinheiro da Silva, Luciana Duarte
Satler de Oliveira, Patrícia Ribeiro Figueiredo, Paulo Sérgio Andrade
Moreira, Josiane Alves Caldeira
CASO CLÍNICO
142
Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon em Paciente
Pediátrico com Desordem na Oxidação dos Ácidos Graxos.
Relato de Caso
Cíntia Barreto Ferreira, Patrícia Almeida Prebianchi, Jane Sant’Anna
Castelo, Maria Rufina de Barros, Valmira Ramos Silva, Norma Suely
Oliveira
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
SUMÁRIO
Fundada em 1980
Diretoria para o Biênio
2004-2005
Presidente
José Maria da Costa Orlando
EDITORIAL
73
Sepse na Sala de Emergência: Um Desafio para Melhoria
do Cuidado do Paciente
Sepsis at the Emergency Department: a Challenge to
Improve Patient’s Care
Márcio Soares
Vice-Presidente
Waldemar Henrique Fernal
1º Secretário
Marcelo Moock
2º Secretário
Luiz Alexandre A. Borges
1º Tesoureiro
Rosa G. Alheira Rocha
2º Tesoureiro
Afonso José Celente Soares
Associação de Medicina
Intensiva Brasileira
Rua Domingos de Moraes,
814 Bloco 2 – Conj. 23
Vila Mariana –
CEP 04010-100
São Paulo – SP
Tel.: (11) 5575-3832
[email protected]
Indexada na base de
dados Lilacs
A REVISTA BRASILEIRA
DE TERAPIA INTENSIVA reserva-se todos os
direitos, inclusive os de
tradução, em todos os
países signatários da
Convenção Pan-Americana e da Convenção
Internacional sobre os
Direitos Autorais. Os trabalhos publicados terão
seus direitos autorais
resguardados pela AMIB,
que em qualquer situação agirá como sua detentora.
ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
74
Uso do MODS Modificado em Pacientes Sépticos no
Departamento de Emergência para Predizer Mortalidade
Use of Modified MODS Score in Septic Patients in the
Emergency Department
Edvaldo V. de Campos, João M. da Silva Junior, Mirene de O.
Silva, Cristina P. Amendola, Samantha L. S Almeida, Luiz André
Magno, Ederlon Rezende
ARTIGO ORIGINAL
80
Mortalidade em UTI, Fatores Associados e Avaliação do
Estado Funcional após a Alta Hospitalar
ICU Mortality, Associated Factors and Functional Status after
Discharge
Renan S. Moraes, João Marcelo L. Fonseca, Carla B. R. di Leoni
ARTIGO ORIGINAL
85
Perfil e Sobrevida dos Pacientes de Unidade de Tratamento
Intensivo de um Hospital Universitário do Rio de Janeiro
A Rio de Janeiro Teaching Hospital Intensive Care Unit
Patients Profile and Survival
Rosane Pimenta de Azevedo, Marilene da Silva Moura, Sérgio da
Cunha
ARTIGO ORIGINAL
89
Comparação do Modo VAPS com os Modos Volume
Controlado e Pressão Controlada em Pacientes com
Insuficiência Respiratória Aguda
Comparison of VAPS with Volume Control and Pressure
Control in Patients with Acute Respiratory Failure
Juliana Carvalho Ferreira, Jorge Valiatti, Guilherme de Paula Pinto
Schettino, Jorge Bonassa, Lisa Iwata, Carlos Roberto Ribeiro de
Carvalho
ARTIGO ORIGINAL
94
Bird Mark 7: Avaliação e Evolução Clínica durante sua
Utilização
Bird Mark 7: Evaluation and Clinical Evolution during its
Use
Anderson José, Sofia Petrohilos, Elaine Cristina Polleti Dias,
Luiz Rogério Carvalho de Oliveira, Danila Vieira Baldini, Maíra
Ferreira Lobo, Elaine Cristina Pacheco, Paulo Antonio Chiavone
ARTIGO ORIGINAL
98
Incidência de Complicações em Terapia Nutricional Enteral
de Pacientes em Estado Grave
Incidence of Enteral Nutrition Complications in Critically
ill Patients
Ricardo Martins Borges, Carla Barbosa Nonino-Borges, Antonio
Dorival Campos, Anibal Basile-Filho
ARTIGO ORIGINAL
104
O Rápido Declínio da Concentração Sérica de Proteína
C-Reativa na Fase Inicial da Sepse é Preditivo de Boa
Evolução
Rapid Decline on Serum C-Reactive Proteins Levels is
Predictive of Favorable Outcome in Septic Patients
Dumar Carlos Rezende Junior, Janaína Maria Miranda Ferreira de
Moraes; Maria Gabriela de Lucca, Susana Renata Perez Orrico,
Marco Aurélio Spegiorin, Antonio Carlos Christiano Junior, Carlos
Alberto Polachini, Sérgio Mussi Guimarães, Suzana M Lobo
ARTIGO ORIGINAL
108
Comparison Between Direct and Invasive Arterial Blood
Pressure Measurement in Non-Hypotensive Critically ill
Patients
Comparação entre Medidas Invasivas e Oscilométricas
de Pressão Arterial Sistêmica em Pacientes Críticos Não
Hipotensos
Marcelo Park, MD, PhD; Frederico Lomar, MD; Luciano
Azevedo, MD, PhD; Leandro Taniguchi, MD; Luiz Cruz-Neto, MD
ARTIGO ORIGINAL
112
A Importância do Treinamento Prévio no Uso do Desfibrilador
Externo Automático por Fisioterapeutas e Enfermeiros
The Importance of Previous Training in the Use of Automated
External Defibrillator by Physiotherapists and Nurses
Carlos C. I. S. Ovalle, Sebastião Araújo, Rosmari A. R. A. de
Oliveira, Desanka Dragosavac
ARTIGO ORIGINAL NEUROINTENSIVISMO
116
Hypophosphatemia in Severe Traumatic Brain Injury
Hipofosfatemia no Traumatismo Cranioencefálico Grave
Rayne Borges Torres, Renato Giuseppe Giovanni Terzi, Antônio
Luís Eiras Falcão, Nelci Fenalti Höehr, Venâncio Pereira Dantas
Filho
ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
121
Etiologia e Fatores de Risco de Pneumonia Associada à
Ventilação Mecânica em Unidade de Terapia Intensiva
Pediátrica
Etiology and Risk Factors for Ventilator-Associated
Pneumonia in Paediatric Intensive Care Unit
Dayane Otero Rodrigues, Orlando César Mantese, Paulo P. Gontijo
Filho
ARTIGO ESPECIAL
126
Escrever um Artigo é Artesanato, Não é Arte!
Writing a Paper is a Craft, Not an Art!
Gilberto Friedman, Jefferson P Pedro Piva
ARTIGO DE REVISÃO
129
Há Espaço para o CPIS no Manuseio da Pneumonia
Associada à Ventilação Mecânica?
Is There a Place for CPIS in the Management of Mechanical
Ventilator-Associated Pneumonia?
Ricardo Viégas Cremonese, Túlio Frederico Tonietto, Cassiano
Teixeira, Flávio André Cardona Alves, Roselaine Pinheiro de
Oliveira, José Hervê Diel Barth, Eubrando Silvestre Oliveira,
Sérgio Monteiro Fernando Brodt, Nilton Brandão da Silva
ARTIGO DE REVISÃO
135
O Uso da Ventilação Mecânica Não-Invasiva na Extubação
Precoce e Como Técnica de Desmame: Revisão de Literatura
Noninvasive Mechanical Ventilation as an Early Extubation
and Weaning Technique: A Literature Review
Daniela Vieira de Andrade, Carolina Pinheiro da Silva, Luciana
Duarte Satler de Oliveira, Patrícia Ribeiro Figueiredo, Paulo Sérgio
Andrade Moreira, Josiane Alves Caldeira
CASO CLÍNICO
142
Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon em Paciente
Pediátrico com Desordem na Oxidação dos Ácidos Graxos.
Relato de Caso
Lambert-Eathon Myasthenic Syndrome in Pediatric Patient
with Fatty Acid Oxidation Disorder. Case Report
Cíntia Barreto Ferreira, Patrícia Almeida Prebianchi, Jane
Sant’Anna Castelo, Maria Rufina de Barros, Valmira Ramos Silva,
Norma Suely Oliveira
69
RBTI
REVISTA BRASILEIRA DE
TERAPIA INTENSIVA
CORPO EDITORIAL
Editor Chefe
Gilberto Friedman
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS, Brasil.
Conselho Consultivo
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Faculdade de Medicina, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
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de Medicina, Universidade Federal de Santa
Catarina, Porto Alegre, SC, Brasil.
Werther B. de Carvalho, Professor de Medicina,
Escola Paulista de Medicina, Univerasidade
Federal de São Paulo, SP, Brasil.
Diretor de Publicações AMIB
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Editores de Sessão
Revisão:
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de Campinas, SP, Brasil.
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Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
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do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo,
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Fisioterapia:
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Universidade Metodista de São Paulo, São
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Conselho Editorial
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Faculdade de Medicina, Universidade da
República, Montevidéu, Uruguai.
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University of Nebraska, EUA
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Faculdade de Medicina,, Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, SP, Brasil
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de Gröningen, Holanda.
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Hospital Público do Servidor Estadual,
São Paulo, SP, Brasil.
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Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
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Universidade de Santo Amaro, SP, Brasil.
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Departamento de Medicina, Laboratório de
Fisiopatologia Experimental, Universidade do
Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil.
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República, Montevidéu, Uruguai.
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Católica do Chile, Santiago, Chile.
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Medicina, Faculdade de Medicina, Pontifícia
Universidade Católica do Chile, Santiago, Chile.
Haibo Zhang, Professor de Anestesia, Medicina
e Fisiologia, Universidade de Toronto, Canadá
Hervaldo S. Carvalho, Professor de Medicina,
Universidade de Brasília, Brasil.
Humberto Correa, Professor de Medicina,
Faculdade de Medicina, Universidade da
República, Montevidéu, Uruguai.
Jan Bakker, Departmento de Cuidado Intensivo,
Centro Médico Erasmus, Roterdam, Holanda
Jean-Louis Vincent, Professor de Medicina,
Universidade Livre de Bruxelas, Bruxelas, Bélgica.
Jean J. Rouby, Professor de Medicina,
Universidade de Paris, Paris, França.
Luis F. Poli de Figueiredo, Departamento de
Cardiopneumologia, Instituto do Coração, Escola
de Medicina, Universidade de São Paulo, Sao
Paulo, SP, Brasil.
Marcelo Velloso, Professor de Fisioterapia,
Centro Universitário Nove de Julho, São Paulo,
SP, Brasil.
Márcio B. Sá, Investigador Associado,
Facultade de Medicina, Universidade
Complutense, Madrid, Espanha.
Márcio Soares, Instituto Nacional do Câncer,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Maria C. B. J. Gallani, Professora de
Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas
da Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, Brasil.
Maria de Fátima F. Vattimo, Professora
de Enfermagem, Escola de Enfermagem,
Universidade de São Paulo, SP, Brasil.
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Anesthesiology and Critical Care Medicine,
Faculty of Health Sciences, Ben Gurion
University of the Negev, Beer Sheva, Israel
Patricia M. V. C. Mello, Professora
de Medicina, Faculdade de Medicina,
Universidade Estadual do Piauí,
Teresina, Piauí, Brasil.
Pedro C. R. Garcia, Professor de Medicina,
Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
RS, Brasil.
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Universidad Nacional Federico
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Roberto Machado, Associate Investigator,
Laboratory of Chemical Biology, Critical Care
Department, Clinical Center, National Institutes
of Health, Bethesda, EUA
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Faculdade de Medicina, Universidade Federal
da Bahia, Brasil.
Rui P. J. Moreno, Professor de Medicina,
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,
Portugal.
Sebastião Araújo, Professor de Medicina,
Faculdade de Medicina, Universidade Estadual
de Campinas, SP, Brasil.
Silvia Regina Rios Vieira, Professora
de Medicina, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, RS, Brasil.
Suzana Lobo, Professora de Medicina, Escola
de Medicina, FUNFARME, São José do Rio
Preto, São Paulo, Brasil.
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A correspondência para publicação deve ser endereçada para:
RBTI - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
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Tel.: (11) 5575-3832 E-mail:[email protected]
70
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
NORMAS AOS AUTORES
A RBTI é uma revista médica com revisão crítica que objetiva melhorar o cuidado dos pacientes agudamente doentes através da discussão, distribuição e promoção de informação baseada em evidência relevante aos profissionais envolvidos com Medicina Intensiva. Ela publica
comentários, revisões e pesquisa em todas estas áreas do conhecimento
relacionadas aos cuidados intensivos do paciente grave.
Informação Geral
A RBTI acolhe pesquisa de alta qualidade em qualquer aspecto relacionado ao cuidado intensivo. Todos os trabalhos submetidos serão
revisados. Todos os revisores são solicitados a responderem sua decisão
inicial em 4 entre 6 semanas.
Aos autores são solicitados a garantir que nenhum material infrinja
direito autoral existente ou direito de uma terceira parte. Os autores que
publicam na RBTI, retêm o direito autoral de seu trabalho.
Os artigos podem ser em português, espanhol ou inglês.
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A submissão de um artigo de pesquisa relatando pesquisa experimental em humanos ou animais implica que os autores obtiveram aprovação para a sua pesquisa do Comitê de Ética apropriado, e estão em
concordância com a Declaração de Helsinki. Uma declaração deste efeito precisa estar incluída no capítulo “Método”.
Para todos os artigos que incluem informação ou fotografias clinicas
relacionadas a pacientes individuais, um consentimento escrito e assinado de cada paciente, para publicar, precisa ser enviado por correio ou fax
ao escritório da revista. O manuscrito deve incluir uma declaração deste
efeito na sessão de “Agradecimentos” como a seguir: “Consentimento escrito foi obtido do paciente ou seu parente para publicação do estudo”.
Nomes genéricos das drogas devem ser usados. Quando nomes comerciais são usados na pesquisa, estes nomes devem ser incluídos entre
parênteses no capítulo “Métodos.
Como eu organizo meu artigo de pesquisa?
Todos os artigos de pesquisa devem incluir as seguintes sessões:
Página título:
O titulo completo do artigo
Os nomes completos de todos os contribuintes
Todos os títulos/posições dos contribuintes (assistente, diretor, residente, etc.)
O endereço completo (incluindo telefone, fax e e-mail) do autor para
correspondência.
Resumo:
Não ter mais que 250 palavras
Ser estruturado com os mesmos capítulos usados no texto principal.
Mencionar todos os unitermos.
Refletir acuradamente todos capítulos do texto principal
Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Summary (resumo traduzido), necessariamente em inglês
Mencionar os Key Words.
Introdução - esta sessão deve ser escrita do ponto de vista dos pesquisadores sem conhecimento de especialista na área e deve claramente
oferecer – e, se possível, ilustrar – a base para a pesquisa e seus objetivos.
Relatos de pesquisa clínica devem, sempre que apropriado, incluir um
resumo da pesquisa da literatura para indicar porque o estudo foi necessário e o que o estudo visa contribuir para o campo. Esta sessão deve terminar com uma breve declaração do que está sendo relatado no artigo.
Método - deve incluir o desenho do estudo, o cenário, o tipo de participantes ou materiais envolvidos, a clara descrição das intervenções e
comparações, e o tipo de análise usado, incluindo o poder de cálculo se
apropriado.
Resultados e discussão - os resultados e discussão podem ser combinadas em uma sessão única, ou apresentados separadamente. Resultados
da análise estatística deve incluir, quando apropriado, riscos relativo e
absoluto ou reduções de risco, e intervalos de confiança. A sessão de
resultados e discussão pode também ser dividida em subtítulos com leituras curtas e informativas.
Conclusões - deve discorrer claramente as conclusões principais da
pesquisa e fornecer uma clara explicação da sua importância e relevância.
Referências – Prefere-se que não exceda a 30 referências.
Figuras e Tabelas: devem ser mantidas separadas do texto principal
do artigo.
Artigos de Revisão
O artigo de revisão é uma descrição compreensiva de certo aspecto
Volume 16 - Número 4 - Outubro/Dezembro 2004
de cuidado de saúde relevante ao escopo da revista. Deve conter não
mais que 2000 palavras e 50 referências. Existem três tipos principais de
revisões:
Revisões científicas - descrevendo a ciência que têm impacto clínico;
Revisões “bancada a beira do leito” - descrevendo a ciência que suporta situações clínicas;
Revisões Clínicas - descrevendo puramente situações clínicas
Claramente, estes três tipos de revisões possuem o potencial de se
sobrepor, mas o objetivo de dividir a revista desta maneira é contribuir
para que o leitores encontrem o tipo de material que estão procurando.
Como eu organizo meu artigo de revisão?
Todos os artigos de revisão devem ser divididos nas seguintes sessões:
Página Título:
O título completo do artigo
Os nomes completos dos contribuintes
Todos os títulos/posições dos contribuintes (como assistente, diretor,
residente, etc.)
O endereço completo (incluindo telefone, fax e e-mail) do autor correspondente.
Resumo:
Não ter mais que 250 palavras
Ser estruturado como o texto principal.
Mencionar todos os unitermos.
Refletir acuradamente todos os capítulos do texto principal
Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Summary (resumo traduzido), necessariamente em inglês
Referências: Ter no máximo de 50 referências.
Figuras e Tabelas: Estas devem ser mantidas separadas do texto
principal do artigo.
Deve haver, também, o capítulo “Método” que relaciona as fontes de
evidência usadas. Se o autor procurou numa bibliografia virtual como a
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Instruções para autores de um comentário?
Comentários são curtos (800 a 1000 palavras, excluindo o resumo),
artigos de opinião escritos por especialistas e lidos pela comunidade
médica em geral. Muitos são solicitados, contudo os não solicitados
são bem vindos e são rotineiramente revisados. O objetivo do comentário é destacar algo, expandindo os assuntos destacados, e sugerir a
seqüência.
Qualquer declaração deve ser acompanhada por uma referência,
mas prefere-se que a lista de referências não exceda 15. Para a leitura,
as sentenças devem ser curtas e objetivas. Usar subtítulos para dividir
o comentário em sessões.
Por favor, lembre que, apesar de muitos de nossos leitores serem especialistas, eles podem não ser especialistas na sua área e, assim é necessário explicar toda a terminologia e acrônimos quando usados pela
primeira vez. Por favor, providencie uma lista alfabética de todas abreviações.
Assim como os comentários gerais também existem os tipos específicos:
Debates clínicos Pro-con
Dois autores convidados discutem suas diferentes opiniões sobre um
assunto clínico especifico. Os assuntos são levantados através de cenários
clínicos escritos pelo editor de sessão.
Cada autor é solicitado a escrever um artigo referenciado de 500 palavras, descrevendo se eles concordam ou discordam com o cenário clínico (pro ou con). Os artigos contrários são mostrados aos autores para
uma resposta de não mais que 100 palavras. Os autores sabem quem é seu
oponente mas não podem ver o artigo oposto até terem submetido seu.
Não deve haver mais que 10 referências no artigo de 500 palavras, e duas
referências na resposta de 100 palavras. Prefere-se referências de estudos
aleatórios e controlados publicados nos últimos 10 anos.
Comentários de Pesquisas
Os artigos de pesquisa são freqüentemente acompanhados por comentários. Eles visam descrever as qualidades e/ou deficiências da pesquisa, e suas implicações mais amplas. O artigo de pesquisa discutido
deve ser a primeira referência do comentário.
Comentários publicações recentes
Artigos de pesquisa publicados são escolhidos pelo conselho editorial nos últimos seis meses e os relata na forma de um comentário.
Como EU organizo meu comentário?
71
NORMAS AOS AUTORES
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Página Título: deve listar todos os títulos/posições dos contribuintes
e endereço completo (incluindo telefone, fax e e-mail), e indicar o autor
correspondente
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deverão ser acompanhados de um Summary (resumo traduzido), necessariamente em inglês
Texto Principal: veja ‘O que é um comentário’ para esclarecimento.
Subtítulos: Encoraja-se o uso de subtítulos no texto.
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revista. Elas usualmente não são revisadas, mas, ocasionalmente, podese convidar respostas as cartas para publicação no mesmo número da
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cinco ou menos referências (a primeira delas a ser referida deve ser o
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providenciar seus dados e endereço completo (incluindo telefone, fax,
e e-mail). Todas as cartas são editadas e enviada para os autores para
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Referências - Prefere-se que as referências não exceda 30.
Agradecimentos
Estes devem ser concisos. Os autores devem usar esta sessão se eles
gostariam agradecer o financiamento da pesquisa ou outra ajuda de organismos acadêmicos; ajuda de colegas ou colaboradores podem também
ser mencionados. Os autores devem obter permissão para agradecer a todos mencionados nos agradecimentos.
Interesses conflitantes
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Por favor, mencione qualquer ajuda, financeira ou outra qualquer, de
entidades comerciais.
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O escritório editorial agradece a todas submissões. Após, potencialmente existem seis estágios:
O conselho editorial assegura que o artigo de pesquisa enquadra-se
no escopo da revista
Sugere-se três revisores pelo editor para revisar o artigo. Ele é revisado para estrutura, gramática e estilo da revista.
O editor aconselha o conselho editorial se o artigo deve ser aceito,
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para citar dados na forma de comunicações pessoais é de responsabilidade dos autor(s), que deve incluir uma confirmação escrita, que a permissão foi obtida com o manuscrito submetido.
EXEMPLO DE REFERÊNCIAS
Artigo de jornal
Baumann WR, Jung RC, Koss M et al - Incidence and mortality of
adult respiratory distress syndrome: a prospective analysis from a large
metropolitan hospital. Crit Care Med, 1986;14:1-4.
Artigo de suplemento
Walker LK - Use of extracorporeal membrane oxygenation for preoperative stabilization of congenital diaphragmatic hernia. Crit Care
Med, 1993;21:(Suppl):S379-S380.
Livro
Doyle AC - Biological Mysteries Solved, 2nd Ed, London: Science
Press, 1991.
Capítulo de livro
Lachmann B, van Daal GJ - Adult Respiratory Distress Syndrome:
Animal Models, em: Robertson B, van Golde LMG - Pulmonary Surfactant. Amsterdam, Batenburg JJ, Elsevier, 1992;635-663
Resumo publicado
Varvinski AM, Findlay GP - Immediate complications of central venous cannulation in ICU. Crit Care, 2000;4:(Suppl 1):P6.
Artigo In press
Kharitonov SA, Barnes PJ - Clinical aspects of exhaled nitric oxide.
Eur Respir J, in press.
Figuras, Ilustrações, Fotografias e Tabelas
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total. Tabelas não devem incluir linhas verticais. Elas não devem tomar
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / EDITORIAL
Sepse na Sala de Emergência: Um Desafio
para Melhoria do Cuidado do Paciente
Sepsis at the Emergency Department: a Challenge to Improve Patient’s Care
Márcio Soares
A
sepse é um dos mais graves problemas de saúde pública da atualidade. A sua incidência vem aumentando
significativamente nos últimos anos e a letalidade e os
custos associados com esta condição são extremamente elevados1-4. Uma parcela significativa dos leitos das unidades de terapia intensiva (UTI) é ocupada por pacientes com sepse2,4,5.
Neste número da RBTI, Campos e col.6 demonstraram
que o Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) modificado foi um instrumento interessante para avaliar a gravidade
das disfunções orgânicas em 342 pacientes com sepse no setor
de emergência e pode discriminar razoavelmente os pacientes
que faleceram, daqueles que tiveram alta hospitalar. Embora
nenhum escore prognóstico ou de disfunção orgânica aguda
tenha precisão, suficiente para o uso, em decisões clínicas individuais, eles podem ser úteis em discussões sobre seu prognóstico, na melhoria da alocação dos recursos em terapia intensiva e
na classificação dos pacientes em ensaios clínicos7. Entretanto,
o grande mérito deste estudo foi chamar novamente a atenção
para a necessidade da abordagem adequada e precoce na sepse. Iniciativas de grande envergadura vêm sendo desenvolvidas
por entidades e especialistas na área, para difundir e otimizar
as estratégias atualmente disponíveis, para o cuidado dos pacientes com sepse e, conseqüentemente, melhorar a qualidade do atendimento e reduzir a mortalidade e a morbidade8,9.
A precocidade no diagnóstico, na avaliação da gravidade do
paciente no início do tratamento é fundamental para a melhoria do prognóstico. No entanto, lamentavelmente, muitos dos
pacientes que tiveram o diagnóstico de sepse feito nas enfermarias ou nas emergências tem o tratamento iniciado somente
após a admissão na UTI. A superlotação das emergências e o
déficit relativo de leitos de terapia intensiva fazem com que se
perca horas muito preciosas para a recuperação do paciente10.
A avaliação da gravidade das disfunções orgânicas é importante para identificar os pacientes de risco mais elevados
e para acompanhar os efeitos do tratamento empregado11. A
síndrome de disfunção orgânica múltipla é um processo dinâmico e uma das grandes limitações do estudo de Campos
e col.8 foi a mensuração do MODS em um único momento.
Sogayar e col.12 demonstraram que a predição prognóstica do
Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) após a abordagem terapêutica inicial foi superior a do SOFA da admissão
na UTI. No estudo de Nguyen e col.13, os pacientes com sepse
nos quais as pontuações dos escores de gravidade de doença e de disfunção orgânica, foram reduzidas ainda durante
a internação no setor de emergência, tiveram uma letalidade
hospitalar significativamente menor. Este mesmo grupo de
autores demonstrou benefício na sobrevida com o uso precoce do suporte hemodinâmico guiado pela saturação venosa
central de O2 14 e que a depuração precoce do lactato sérico
está associada a menor letalidade hospitalar, o que pode indicar uma melhoria da perfusão tecidual de pacientes com
sepse grave15. Estes resultados enfatizam a importância das
intervenções ainda no setor de emergência.
Os intensivistas defrontam-se agora com o desafio, enfrentado nos últimos anos pelos cardiologistas, que conseguiram reduzir drasticamente a letalidade nas síndromes coronarianas agudas. Este esforço envolveu a conscientização e o
treinamento de clínicos, emergencistas e outros profissionais
de saúde para o diagnóstico, identificação dos pacientes mais
graves e tratamento precoces, com base no conceito de que
“tempo é miocárdio”16. Se os intensivistas desejam melhorar
os cuidados e o prognóstico dos pacientes com sepse grave,
este empenho deve ultrapassar as portas da UTI.
Unitermos: emergência, prognóstico, Sepse, síndrome de
disfunção de múltiplos órgãos.
Key Words: emegency, outcome, multiple organ dysfunction syndrome, Sepsis
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Médico do Centro de Tratamento Intensivo do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, RJ; Mestre e Doutor em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Título de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB
Endereço para correspondência: Dr. Márcio Soares - Instituto Nacional de Câncer – INCA - Centro de Tratamento Intensivo - Praça Cruz Vermelha, 23 – 10º Andar - 20230-130 Rio de Janeiro, RJ - Fone: (21) 2506-6120; Fax: (21) 2294 8620 - E-mail: [email protected]
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
73
RBTI / ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
Uso do MODS Modificado em Pacientes Sépticos no
Departamento de Emergência para Predizer Mortalidade*
Use of Modified MODS Score in Septic Patients in the Emergency Department
Edvaldo V. de Campos2, João M. da Silva Junior2, Mirene de O. Silva2,
Cristina P. Amendola4, Samantha L. S Almeida4, Luiz André Magno3, Ederlon Rezende1
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The Multiple Organic Dysfunction Index was developed in a sample of surgical patients
and since then has been shown as a good predictive method in patients with septic shock. Six organic systems were selected
and quantified from zero to four, using the greater value of 24 hours. The computing of the cardiovascular variable using
pressure-adjusted heart rate leads to a lack of simplicity in the utilization of this index as a bedside tool. In an attempt of
easier calculation of the cardiovascular component, the same group that developed the MODS index has shown a modification in this cardiovascular element in which there was no need for central venous pressure measurement and was included
the evaluation of vasopressors use and lactate’s level. The objective of this study was to evaluate the discriminatory capability
of the modified MODS for septic patients in the emergency room.
METHODS: Contemporary cohort study in adult patients with severe sepsis during a six months period in the Emergency
Department (ED) of a Tertiary Hospital. We use definitions of the SCCM/ACCP consensus conference for the diagnosis of
severe sepsis.
RESULTS: 342 patients were included with a hospital mortality rate of 64%. The mean age was 73.7 ± 13.6 years. The mean
values of modified MODS, SOFA and APACHE II were 4.9 ± 3; 5.4 ± 2.9 e 20.5 ±7.1, respectively. Modified MODS had a
good correlation with SOFA by using the Pearson’s correlation coefficient (R2 0.80; p < 0.0001). The area under the ROC
curve for modified MODS, SOFA and APACHE II was 0.71, 0.71 and 0.75, respectively. The cut-off to modified MODS was
4 (sensitivity (S) 71.6%, specificity (P) 58.5%, positive predictive value (PPV) 75.4% and negative predictive value (NPV)
46.2%); 5 to SOFA (S 68%, P 63.4%, PPV 76.8% and NPV 47.2%) and 18 to APACHE II (S 76.7%, P 60.2%, PPV 77.4%
e NPV 41%).
CONCLUSIONS: The modified MODS presents a good correlation with SOFA and a reliable discriminatory capability in
patients with severe sepsis in the emergency department.
Key Words: Emergency Department, MODS, Prognostic, Score, Septic
O
desenvolvimento, a validação e o refinamento de índices prognósticos em pacientes gravemente enfermos, entre os quais o Acute Physiology and Chronic
Health Evaluation (APACHE)1-3, o Simplified Acute Physiology Score (SAPS)4,5, e o Mortality Prediction Model (MPM)6,7
representam uma importante contribuição no ambiente de
terapia intensiva. Os índices prognósticos quantificam desarranjos fisiológicos agudos e crônicos durante a admissão,
estimando a mortalidade, com o objetivo de corrigir os erros
e melhorar o desempenho da unidade de terapia intensiva
(UTI), além de auxiliar na uniformização de amostras populacionais em pesquisas clínicas8.
A disfunção de múltiplos órgãos é complicação séria, comum dentro do ambiente de terapia intensiva e vem sendo
reconhecida há décadas9-12. A mortalidade dessa síndrome
pode atingir valores de até 80%13,14. Porém, disfunção orgânica múltipla é um processo contínuo e com gravidade variável15. Os índices de disfunção orgânica descrevem desarranjos agudos e crônicos em sistemas orgânicos específicos
na admissão e durante a permanência na UTI. Embora esses
índices possam se correlacionar com mortalidade, a proposta
primária é aferir morbidade e resposta à terapia.
Nos últimos dez anos, três índices de disfunção orgânica foram desenvolvidos e têm sido utilizados em pesquisas
clínicas, o Índice de Disfunção Orgânica Múltipla (Multiple
Organ Dysfunciton Score - MODS)16, o Sistema de Disfunção Orgânica Logística (Logistic Organ Dysfunciton System
- LODS)17 e a Avaliação Seqüencial da Falência Orgânica
(Sequential Organ Failure Assessment - SOFA)18.
O MODS foi desenvolvido por Marshall e col. após intensa revisão literária. A validação foi realizada em amostra de
pacientes cirúrgicos16 e desde então tem-se mostrado como
bom método preditivo em pacientes com choque séptico, tanto clínicos quanto cirúrgicos19-21. Tem sido amplamente utilizado em estudos clínicos22-28. Seis sistemas orgânicos foram
escolhidos, quantificados de zero a quatro, utilizando-se o
maior valor nas 24 horas (Tabela 1). Valores altos de MODS
foram diretamente correlacionados com a mortalidade na
UTI e hospitalar29.
O cálculo da variável cardiovascular através da Freqüên-
1. Diretor do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual
2. Médico Assistente do Serviço de Terapia Intensiva Hospital do Servidor Público Estadual
3. Médico Supervisor do Serviço de Terapia Intensiva Hospital do Servidor Público Estadual
4. Residente em Medicina Intensiva do Serviço de Terapia Intensiva Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo, SP.
* Realizado no Serviço de Terapia Intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira – HSPE – FMO
Trabalho apresentado pelo Dr. Edvaldo V. de Campos para obtenção do Título de Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB.
Apresentado em 16 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 29 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 1800 6º andar - Vila Clementino - 04039-901 São Paulo, SP - Fone/Fax 11-50888146 – Email: [email protected]
74
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
Tabela 1 - Índice de Disfunção Orgânica Múltipla (Multiple Organ Dysfunciton Score ) MODS
Sistema orgânico avaliado/pontos
Cardiovascular: FCAP*
Respiratório: relação PO2/FiO2 (mmHg)#
Renal: creatinina sérica (mg/dL)
Neurológico: Escala de Coma de Glasgowα
Hepático: bilirrubinas séricas (mg/dL)
Hematológico: contagem de plaquetas (x 103/mm3)
0
≤ 10
> 300
≤ 1,1
15
≤ 1,2
> 120
1
10,1-15
226-300
1,2-2,2
13-14
1,3-3,5
81-120
2
15,1-20
151-225
2,3-3,9
10-12
3,6-7
51-80
3
20,1-30
76-150
4-5,6
7-9
7-14
21-50
4
> 30
≤ 75
> 5,7
≤6
> 14
≤ 20
*FCAP = FC x (PVC/PAM); FC = freqüência cardíaca; PVC = pressão venosa central; PAM = pressão arterial média.
# Independente do modo de ventilação mecânica e do valor de PEEP
α
Na ausência de sedação indicar o melhor estimado
cia Cardíaca Ajustada a Pressão (FCAP) leva à perda da simplicidade da utilização do índice à beira do leito. Esta variável
depende da reanimação e do uso de vasopressores e inotrópicos, além disso, a PVC não é aferida em todos os pacientes,
sendo outro fator de limitação. A FCAP é a variável mais
criticada neste índice de morbidade30. Entretanto, consegue
discriminar de maneira adequada os pacientes sobreviventes
e os não-sobreviventes31. Na tentativa de diminuir a dificuldade de cálculo que o componente cardiovascular proporciona,
o mesmo grupo que desenvolveu o MODS, apresentou uma
modificação no componente cardiovascular, com o objetivo
de simplificar o cálculo da variável (Tabela 2) e foi feita nova
validação do MODS modificado8.
Embora os índices de disfunção orgânica tenham sido incorporados em vários protocolos de pesquisa clínica dentro do
ambiente de terapia intensiva, nenhum estudo foi desenvolvido em pacientes sépticos no departamento de emergência, com
objetivo de avaliar a capacidade de predição de mortalidade
antes da chegada na UTI. Este estudo tem o objetivo de avaliar
o poder discriminatório do MODS modificado em pacientes
com sepse grave no departamento de emergência de um hospi-
tal terciário, comparando-o com o índice de disfunção orgânica SOFA e o índice prognóstico APACHE II (Tabela 3).
MÉTODO
Foi realizado um estudo coorte contemporâneo em pacientes adultos com sepse grave e/ou choque séptico, durante
um período de seis meses no departamento de emergência de
um hospital terciário.
Trata-se de uma unidade especializada no atendimento de
paciente graves, tanto clínicos quanto cirúrgicos, composta de 50
leitos, onde médicos residentes prestam assistência aos pacientes
internados, sob supervisão de um corpo clínico de médicos assistentes. Pacientes mais graves são atendidos em uma sala de cuidados intensivos do DE, composta de sete leitos e, não se recuperando em curto prazo de tempo, são encaminhados para unidade de
terapia intensiva especializada na doença do paciente.
Foram incluídos todos os pacientes internados no DE,
através de busca ativa, no período de 1 de fevereiro a 30 de
abril de 2004 e 1 de julho a 30 de setembro de 2004, com foco
infeccioso evidente ou altamente provável, presença de mani-
Tabela 2 - Índice de Disfunção Orgânica Múltipla (Multiple Organ Dysfunciton Score) MODS - Modificado
Sistema orgânico avaliado/pontos
0
1
2
Cardiovascular: freqüência cardíaca, vasopressores, lactato (mmol/L)
≤ 120
120-140
> 140
Respiratório: relação PO2/FiO2 (mmHg)#
Renal: creatinina sérica (mg/dL)
Neurológico: Escala de Coma de Glasgowα
Hepático: bilirrubinas séricas (mg/dL)
Hematológico: contagem de plaquetas (x 103/mm3)
> 300
≤ 1,1
15
≤ 1,2
> 120
226-300
1,2-2,2
13-14
1,3-3,5
81-120
151-225
2,3-3,9
10-12
3,6-7
51-80
3
Vasopressores - dopamina
>3 µg/kg/min
76-150
4-5,6
7-9
7-14
21-50
4
Lactato >5
≤ 75
> 5,7
≤6
> 14
≤ 20
# Independente do modo de ventilação mecânica e do valor de PEEP
α
Na ausência de sedação indicar o melhor estimado
Tabela 3 – Avaliação Seqüencial da Falência Orgânica (Sequential Organ Failure Assessment) SOFA
Sistema orgânico avaliado/pontos
Cardiovascular: hipotensão
Respiratório: relação Po2/Fio2 (mmHg)
Renal: creatinina sérica (mg/dl)
Neurológico - Escala de Coma de Glasgowα
Hepático: bilirrubinas séricas (mg/dl)
Hematológico: contagem de plaquetas (x 103/mm3)
0
1
Sem hipotensão
PAM< 70
mmHg
> 400
≤ 1,2
15
≤ 1,2
> 150
≤ 400
1,2-1,9
13-14
1,2-1,9
≤ 150
2
Dopamina ≤ 5
ou dobutamina
qualquer dose#
≤ 300
2,0-3,4
10-12
2,0-5,9
≤ 100
3
Dopamina > 5 ou
Noradrenalina ≤
0,1 #
≤ 200*
3,5-4,9
7-9
6,0-11,9
≤ 50
4
Dopamina >15
Noradrenalina
> 0,1#
≤ 100*
> 5,0
≤6
> 12
≤ 20
*Com suporte ventilatório (invasivo e não-invasivo)
α
Na ausência de sedação indicar o melhor estimado
# Agentes adrenérgicos administrados por até uma hora (doses em µg/kg/min)
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
75
RBTI / ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
RESULTADOS
Foram incluídos 342 pacientes com idade média de 73,7
± 13,5 anos, sendo 180 do sexo masculino e 162 do sexo feminino. A taxa de mortalidade hospitalar foi de 64%. O MODS
modificado médio da amostra foi de 4,86 ± 2,99, o SOFA médio 5,35 ± 2,85 e o APACHE II foi de 20,38 ± 7,08. O local
primário de infecção foi predominantemente pulmonar com
56,72%, seguido do foco urinário com 21,05%, abdominal com
76
10,81%, outros 7,92% e pequena porcentagem de origem desconhecida 3,5% (Tabela 4).
Tabela 4 – Dados Demográficos e Características
Clínicas da População Estudada (n = 342)
Idade (anos)*
73,70 ± 13,55
Sexo M/F
180/162
APACHE II*
20,38 ± 7,08
MODS modificado*
4,86 ± 2,99
5,35 ± 2,85
SOFA*
Internação hospitalar (dias)*
12,99 ± 11,87
Óbito hospitalar
219
Foco de infecção (%)
Pulmonar
56,72
Urinário
21,05
Abdominal
10,81
Outros
7,92
Desconhecido
3,5
*Média ± DP
A correlação entre o MODS modificado e o SOFA, utilizando-se a correlação de Pearson foi adequada com R2 = 0,80
(p < 0,0001) (Figura 1).
Figura 1 - Correlação de Pearson R2 = 0,8 e p < 0,0001
20
MODS
festações sistêmicas provocadas pela infecção, caracterizada
pela presença de pelo menos dois critérios como temperatura
> 38 ºC ou < 36 ºC, freqüência respiratória > 20 irpm, ou
PaCO2 < 32 mmHg, ou necessidade de ventilação mecânica, freqüência cardíaca > 90 bpm, leucometria > 12.000 ou
< 4.000 células/mm3 ou formas imaturas > 10%. Associada a
presença de pelo menos uma disfunção de órgão alvo: cardiovascular (hipotensão ou necessidade de drogas vasoativas),
respiratória (PaO2/ FiO2 < 250 ou necessidade de suporte
ventilatório invasivo), renal (diurese < 0,5 mL/kg/h), neurológica (alteração aguda do nível de consciência), coagulação
(plaquetas < 80.000/mm3 ou diminuição de 50% em relação
ao maior valor dos últimos três dias), hepática (bilirrubina
total > 1,2 mg/dL, exceto doença biliar), acidose metabólica e
lactato elevado 1,5 vezes o valor de referência. Pacientes com
idade menor que 18 anos foram excluídos. Os pacientes foram
acompanhados até a alta hospitalar ou óbito.
A busca ativa por pacientes e a coleta de dados foi realizada
durante quatro visitas diárias ao DE por médicos especialmente
treinados e participantes do estudo. Quando os valores laboratoriais ou os dados fisiológicos eram perdidos (ocasionalmente
bilirrubinas séricas e volume urinário em 24 h), o valor prévio
era utilizado e se não estivesse presente, o valor normal era adotado. Em pacientes sedados, a Escala de Coma de Glasgow, foi
considerada pelo valor prévio anotado no prontuário. Caso não
houvesse essa informação, o melhor valor foi adotado. Como
padronização de coleta de dados, os piores valores das variáveis fisiológicas e laboratoriais nas 24 horas que antecederam
a inclusão foram utilizados para os cálculos dos índices MODS
modificado, SOFA e APACHE II. O pesquisador não exercia
qualquer influência nas decisões dos médicos do DE.
Os dados foram inseridos em um banco de dados eletrônico (Excel - Microsoft) e posteriormente analisados através
de programa estatístico.
Os dados demográficos foram expressos como média ± desvio-padrão ou como percentual. A habilidade preditiva dos índices
em diferenciar entre sobreviventes e não-sobreviventes foi verificada utilizando curvas Receiver Operating Characteristic (ROC)32.
Medidas de qualidade como sensibilidade, especificidade, valor
preditivo positivo e valor preditivo negativo foram estimados com
intervalos de confiança 95% para a correta classificação do desfecho. As medidas de sensibilidade e especificidade foram calculadas para todos os pontos de corte possíveis de forma a se determinar o ponto de corte ótimo. Este ponto ótimo corresponde aquele
que maximiza a soma da especificidade e sensibilidade. A área sob
a curva ROC, parâmetro que determina o poder discriminatório
na predição foi calculado. Todos os testes estatísticos foram bicaudais e o nível de significância de 0,05 foi utilizado.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e pesquisa
do hospital que dispensou o consentimento formal e escrito.
10
0
0
10
20
SOFA
Sobreviventes
Não-sobreviventes
A área sob a curva ROC para o MODS modificado,
SOFA e APACHE II foram respectivamente de 0,71; 0,71 e
0,75 (Figura 2). Sendo o ponto de corte ótimo para o MODS
modificado de 4 (sensibilidade (S) 71,6%, especificidade (E)
58,5%, valor preditivo positivo (VPP) 75,4% e valor preditivo negativo (VPN) 46,2%); para o SOFA de 5 (S 68%, E
63,4%, VPP 76,8% e VPN 47,2%) e para o APACHE II de 18
(S 76,7%, E 60,2%, VPP 77,4% e VPN 41%).
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
Figura 4 - Distribuição da Mortalidade
dos Pacientes em Relação ao SOFA
Figura 2 - Área sob a Curva ROC para MODS
modificado, SOFA e APACHE II.
APACHE II
0,75
MODS modificado
0,71
SOFA
0,71
Figura 5 - Distribuição da Mortalidade
dos Pacientes em Relação ao APACHE II
Figura 3 - Distribuição da Mortalidade dos
Pacientes em Relação ao MODS Modificado
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que o MODS modificado apresentou bom poder discriminatório (habilidade de distinguir
entre sobreviventes dos não-sobreviventes), com uma curva
ROC de 0,71, quando calculado durante a permanência do
paciente séptico no DE, fato compartilhado com o SOFA,
que também apresentou o mesmo poder discriminatório. Assim, os dois índices de disfunção de órgãos podem ser utilizados como indicadores de mortalidade no DE, já que quando
comparados com o APACHE II, com uma curva ROC de
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
0,75, eles apresentaram um poder discriminatório muito semelhante.
Este estudo é o primeiro na literatura que se propõe a avaliar o papel prognóstico do MODS modificado em pacientes
sépticos no DE, comparando-o com o SOFA e o APACHE
II. Há na literatura, estudos que se propõem a verificar o poder discriminatório do SOFA e do MODS dentro do ambiente de terapia intensiva, com resultados satisfatórios33-34.
Apesar de terem sido desenvolvidos de maneiras diferentes, os índices de disfunção orgânica MODS modificado e
SOFA, guardam muitas semelhanças entre si, tanto na forma
de se calcular o valor numérico das variáveis quanto ao resultado final de discriminação. Fato corroborado pela correlação significativa R2 0,80 e p < 0,0001.
Outro estudo realizado com pacientes críticos de depar-
77
RBTI / ARTIGO ORIGINAL DESTAQUE
tamento de emergência encontrou resultados semelhantes
quanto ao poder discriminatório de escores prognósticos utilizados habitualmente em UTI, tais como SAPS II, MPM0 e
LODS35.
Devido à facilidade do cálculo dos índices MODS modificado e do SOFA, que dispensam a necessidade de análises
mais complexas, sugere-se que eles possam ser utilizados rotineiramente no departamento de emergência (DE) para estratificar os pacientes sépticos com maior probabilidade de
mortalidade e que poderiam se beneficiar com tratamento
precoce e agressivo em UTI especializadas.
As principais limitações deste estudo foram: 1) a coleta de
dados no DE no momento que o paciente era incluído, poderia não refletir os piores valores que ele apresentaria ao longo
das primeiras 24 h em uma UTI, o que pode comprometer a
comparação com outros trabalhos que foram desenvolvidos
dentro do ambiente de terapia intensiva; 2) a idéia de comparar os índices de disfunção orgânica e índice prognóstico
na tentativa de encontrar o melhor preditor de mortalidade
para pacientes sépticos no DE pode ser algo descrito como
acessório, pois foram desenvolvidos com a idéia primária de
quantificar a gravidade da disfunção de múltiplos órgãos e
3) é necessário que outros estudos sejam desenvolvidos, com
número de pacientes maior e englobando outros centros para
poder comprovar o poder discriminatório do MODS modificado em pacientes sépticos no DE.
CONCLUSÃO
O MODS modificado tem a capacidade de predizer mortalidade em pacientes sépticos no DE com boa margem de segurança. Logo, a identificação precoce de pacientes sépticos
de alto risco pode auxiliar no emprego de terapêutica agressiva e na transferência rápida para unidade de terapia intensiva
especializada no suporte a esses pacientes.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O Índice de Disfunção Orgânica Múltipla (MODS) foi desenvolvido em amostra
de pacientes cirúrgicos e, desde então, tem-se mostrado como
bom método preditivo em pacientes com choque séptico. Seis
sistemas orgânicos foram escolhidos e quantificados de zero a
quatro, utilizando-se o maior valor nas 24 horas. O cálculo da
variável cardiovascular através da freqüência cardíaca ajustada à pressão, leva a perda da simplicidade da utilização do
índice à beira do leito. Na tentativa de amenizar a dificuldade
do cálculo que o componente cardiovascular proporciona,
o mesmo grupo que desenvolveu o MODS apresentou uma
modificação no componente cardiovascular, sem a necessidade de medida da pressão venosa central, sendo incluído na
avaliação o uso de vasopressores e nível de lactato. O objetivo
deste estudo foi avaliar a capacidade do MODS modificado
de discriminar sobreviventes dos não-sobreviventes em pacientes sépticos na sala de emergência.
MÉTODO: Foi realizado um estudo de coorte contemporâneo em pacientes adultos com sepse grave, durante seis
meses no departamento de emergência (DE) de um hospital
terciário. Utilizaram-se as definições da reunião de consenso
da SCCM/ACCP para diagnóstico de sepse grave.
78
RESULTADOS: Foram incluídos 342 pacientes com
mortalidade hospitalar de 64%. A idade média foi de 73,7 ±
13,6. Os valores médios do MODS modificado, SOFA e APACHE II foram, respectivamente, 4,9 ± 3,0; 5,4 ± 2,9 e 20,5 ±
7,1. A correlação entre o MODS modificado e o SOFA, utilizando-se a correlação de Pearson foi adequada (R2 0,80; p<
0,0001). A área sob a curva ROC para o MODS modificado,
SOFA e APACHE II foram de 0,71; 0,71 e 0,75. Sendo o ponto de corte ótimo para o MODS 4 (sensibilidade(S) 71,6%,
especificidade(E) 58,5%, valor preditivo positivo (VPP) 75,4%
e valor preditivo negativo (VPN) 46,2%); para o SOFA 5 (S
68%, E 63,4%, VPP 76,8% e VPN 47,2%) e para o APACHE
II 18 (S 76,7%, E 60,2%, VPP 77,4% e VPN 41%).
CONCLUSÕES: O MODS modificado apresenta boa
correlação com o SOFA, além de adequada capacidade discriminatória em população de pacientes com sepse grave no
departamento de emergência.
Unitermos: Departamento de Emergência, Escore,
MODS, Prognóstico, Séptico
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79
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Mortalidade em UTI, Fatores Associados e
Avaliação do Estado Funcional após a Alta Hospitalar*
ICU Mortality, Associated Factors and Functional Status after Discharge
Renan S. Moraes1, João Marcelo L. Fonseca2, Carla B. R. di Leoni3
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The knowledge of demographic characteristics and mortality-associated factors are of
interest in a critical caring set. The main objectives of this paper are mortality proportions description and the functional
status after discharge.
METHODS: A longitudinal study in an adult intensive care unit was conducted through January to june/2003. A total of 345
patients were enrolled. Demographic data and mortality status were described. The Glasgow Outcome Scale (GOS) was
applied to those discharged for functional status avaliation. Cox Proportional Hazards models was used for the mortality and
associated factors analysis.
RESULTS: A total of 209 deaths were documented during the study period. The mortality was 49%, 51.9%, 55.1% and
60,6% in the ICU, 7 days, 28 days and 6 months, respectively. The non-white skin color, number of organ failures and
Apache II had a significant association with the mortality. For those discharged 66,9% had good functional status.
CONCLUSIONS: The mortality described was high in comparison with others authors. For those discharged approximately
2/3 had good functional status.
Key Words: functional status, intensive care unit, mortality, mortality-associated factors
A
função da Medicina Intensiva é diagnosticar, tratar
e manter os pacientes com iminente risco de vida,
portadores de doenças potencialmente reversíveis.
O objetivo final desse tratamento na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) é devolver a capacidade de desfrutar de
vida saudável e feliz1.
Os desfechos clínicos na UTI tem sido extensamente estudados sendo freqüentemente descritos em termos de mortalidade2. A mortalidade a curto prazo é relacionada à gravidade
da doença inicial aferida através de escores amplamente utilizados3,4. Considerando os desfechos a longo prazo existem
menos informações, não apenas em relação à sobrevida mas
também no que diz respeito à recuperação da capacidade
funcional e o retorno às suas atividades2.
Estudos registram taxas de mortalidade global na UTI
que vão de 24% a 47%, 11% a 20% na fase intra-hospitalar,
25% a 63% em 6 meses e 15% a 38% em 1 ano5-8. Em situações
específicas como na sepse são descritas taxas de mortalidade global de 49,7%. Estratificando pela presença ou não de
bacteremia concomitante a sepse, as taxas sobem para 52,1%
e 49,1%, respectivamente9. Combes e col. acompanharam
pacientes que necessitaram de ventilação mecânica por duas
semanas ou mais e descreveram mortalidade de aproximadamente 44% na UTI e 20%, 25% e 33%, após 6, 12 e 36 meses
de seguimento, respectivamente10.
A associação entre a mortalidade e alguns fatores de risco
tem sido descrita por alguns autores. Hamel e col. descreveram uma associação direta entre a idade e a sobrevida em seis
meses. Neste estudo, o APACHE II e o diagnóstico inicial
foram os principais determinantes da sobrevida6. Em estudo
longitudinal Colpan e col. em análise univariada descreveram
a associação significativa entre a idade, o Apache II, o uso de
ventilação mecânica, o uso de quimioterapia e esteróides com
a mortalidade8.
A qualidade de vida e o estado funcional após a saída
da UTI são desfechos avaliados por diversos autores. A primeira é um conceito multidimensional que abrange todos os
aspectos da vida pessoal de um paciente. Isto inclui desde a
capacidade de realizar atividade física, profissional, habilidade na execução de tarefas diárias, saúde mental, atividades
sociais, energia, dor, fadiga, sono e atividade sexual. O estado
funcional é definido como as atitudes diárias necessárias para
a execução e manutenção de suas necessidades11. A aferição
de ambas é complexa e realizada através de questionários enviados pelo correio e respondidos diretamente pelo paciente
ou por um familiar. Hennessy e col. em extensa revisão de trabalhos que aferiram desfechos clínicos em idosos internados
em unidades de tratamento intensivo, apontaram resultados
discrepantes por ausência de uniformidade na aferição do estado funcional e da qualidade de vida após a internação na
UTI11. A escala de Glasgow tem sido usada para avaliação de
desfechos em estudos com pacientes neurológicos12. É uma
escala simples que considera aspectos cognitivo e motor podendo ser usada como um desfecho intermediário para avaliação de capacidade funcional16,21.
Os dados demográficos dos pacientes admitidos nas UTI
é bastante diversa. As médias de idade, cor da pele e APACHE II apresentam variações conforme diferentes autores5,13-
1. Médico Intensivista da UTI Adulto do HNSC/GHC. Doutor em Medicina pela UFRGS
2. Médico Intensivista da UTI Adulto do HNSC/GHC.
3. Médica Estagiária do Curso de Terapia Intensiva da UTI Adulto do HNSC/GHC
* Recebido do Hospital Nossa Senhora da Conceição – Grupo Hospitalar Conceição (HNSC/GHC), Porto Alegre, RS
Apresentado em 11 de abril de 2005 - Aceito para publicação em 20 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Renan Stoll Moraes - Rua Amélia Telles, 272/301 - Porto Alegre, RS, 90460-070 - Tel: (51) 3333-9499/
(51) 9189-6080 - Fax: (51) 3333-9499 - E-mail: [email protected]
80
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
. Uma proporção maior de homens é admitida nas UTI5. De
um modo geral, as UTI tem recebido cada vez mais pacientes
em idade avançada, com doenças crônicas agudizadas, que
exigem tratamentos complexos muitas vezes combinados
com recursos limitados. Isso leva a uma reflexão a respeito da
efetividade da UTI, a uma avaliação da sobrevida em longo
prazo e da capacidade funcional dos pacientes que têm alta
delas5.
A constatação de grande variabilidade nas características
demográficas das populações atendidas nas UTI, bem como
a descrição da mortalidade intra e extra na unidade, torna
necessário o conhecimento da realidade de cada serviço. Outro aspecto pouco abordado em nosso meio diz respeito ao
impacto da internação na UTI sobre a vida do paciente e a
recuperação de sua capacidade funcional.
O objetivo principal deste estudo é a descrição da mortalidade na UTI, após a alta da unidade, a associação de alguns
fatores de risco com a mortalidade dentro e fora da unidade e
a capacidade funcional dos pacientes seis meses após a saída
do hospital.
15
MÉTODO
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Grupo Hospitalar Conceição, realizou-se um estudo observacional, analítico de coorte. A UTI adulto do Hospital Nossa Senhora da Conceição é uma unidade de internação geral
de pacientes clínicos e cirúrgicos. Têm um total de 28 leitos,
uma taxa de ocupação de 98,7% e média de permanência de
9,5 dias. O hospital tem um Prontuário Médico informatizado com informações sobre dados demográficos e exames
realizados por todos os pacientes internados. Foram consideradas todas as internações que ocorreram no período de
janeiro a junho de 2003 e incluídos pacientes com 12 anos
ou mais ou pesando acima de 40 kg, com qualquer doença
clínica ou cirúrgica. Foram excluídos os óbitos ocorridos em
24 horas ou menos, as re-internações na unidade e os pacientes com cardiopatia isquêmica. Os dados coletados foram
armazenados, de forma seqüencial, em um banco de dados
previamente planejado. O instrumento de aferição utilizado
foi um questionário estruturado e as principais variáveis demográficas pesquisadas foram sexo, cor da pele e idade. Também foram aferidos o APACHE II nas primeiras 24 horas da
internação e as falências orgânicas definidas conforme critérios de Knaus e col.4. Os desfechos clínicos principais foram
mortalidade na UTI, mortalidade sete, 28 dias após a alta da
unidade e seis meses após a alta hospitalar. Adicionalmente
foi aferido através da Glasgow Outcome Scale (GOS)16 a capacidade funcional daqueles que tiveram alta hospitalar. A
GOS é uma escala que contém cinco alternativas: 1) óbito;
2) estado vegetativo; 3) disfunção grave (paciente dependente, atende a comandos verbais); 4) disfunção moderada (paciente independente, mas incapaz de trabalhar ou estudar) e,
5) disfunção leve ou sem disfunção (paciente independente,
capaz de retornar as suas atividades normais). Os desfechos
clínicos foram aferidos através de atestados ou declarações de
óbito ou pela constatação no prontuário eletrônico do hospital. A localização dos pacientes que receberam alta hospitalar
foi feita através de contato telefônico e por correio. Os dados
foram armazenados em um banco próprio utilizando o proVolume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
grama EpiData e as análises estatísticas no pacote estatístico
SPSS 10.0. Foi elaborada análise descritiva da amostra em
termos de média ± DP ou freqüência e percentagem, quando
pertinentes. Empregou-se modelos de Cox (Cox Proportional
Hazards Models) em análises univariadas ajustadas para a
idade e multivariadas ajustadas para idade, cor da pele, sexo,
apache II e número de falências orgânicas.
RESULTADOS
Foram internados no período do estudo 607 pacientes e
262 foram excluídos. A figura 1 descreve de forma esquemática a inclusão e seguimento dos pacientes. A amostra efetivamente estudada correspondeu a um total de 345 pessoas
com idade de 56,2 ± 18,9 anos, 52,2% de mulheres, 89,3%
brancos, acompanhados 25,2 ±23,8 dias. Nesta população o
APACHE II foi de 17,3 ± 10,4 e 14,8% apresentavam duas ou
mais falências orgânicas. Após o acompanhamento durante
seis meses, 330 pacientes foram localizados, incluindo-se óbitos e altas, perfazendo um total de aproximadamente 95,6%
da amostra inicial.
Ocorreram 209 óbitos no período. As principais causas
de morte foram choque séptico (27,4%), disfunção orgânica
múltipla (25,9%), insuficiência respiratória (25,2%), sepse
(5,9%) e outras causas (15,6%). As proporções da mortalidade nos períodos estudados estão apresentadas na tabela 2. A
mortalidade na UTI foi de 49%, em 7 dias 51,9%, em 28 dias
55,1% e em 6 meses 60,6%. A associação entre os diferentes
fatores de risco e os desfechos clínicos está apresentada nas
tabelas 3 e 4. Na análise univariada, ajustada para idade, cor
Figura 1 - Diagrama de Inclusão dos Pacientes e o Seguimento
81
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 1 – Dados da Amostra (n = 345)
Tempo de acompanhamento (dias)*
25,2 ±23,8
Idade (anos)*
56,2 ±18,9
APACHE II*
17,3 ±10,4
Duas ou mais falências orgânicos**
14,8
Sexo feminino**
52,2
Cor branca**
89,3
*Valores expressos em Média ± DP
**Valores expressos em porcentagem
N=345
Tabela 2 – Desfechos Clínicos Principais (n = 345)
Mortalidade
%
UTI
49
não branca, Apache II e número de falências associaram-se
significativamente com os desfechos clínicos principais. Porém após ajuste para todas variáveis no modelo (análise multivariada) a idade mostrou associação significativa apenas
com a mortalidade em 28 dias e seis meses. O sexo masculino
manteve a tendência anterior de associação negativa sem significância estatística. Apache II, cor não branca e número de
falências mantiveram a associação significativa de risco com
os desfechos clínicos principais.
Dos pacientes que obtiveram alta da unidade (n = 176),
40 (22,7%) foram a óbito, 15 (8,5%) não foram localizados e
121 (68,7%) foram localizados e um familiar ou o próprio paciente informou suas condições de saúde naquele momento.
As proporções dos diferentes níveis da GOS estão apresentadas na tabela 5.
DISCUSSÃO
7 dias
51,9
28 dias
55,1
6 meses
60,6
Tabela 5 – Escala de Coma de Glasgow na Amostra (n = 121)
Índice
N
%
Óbito
19
15,7
Estado vegetativo
2
1,7
Disfunção grave
10
8,3
Disfunção moderada
9
7,4
Disfunção leve ou sem
81
66,9
Tão importante quanto à aplicação de recursos em novos
tratamentos e tecnologia de ponta nas unidades de tratamento intensivo, o conhecimento de dados epidemiológicos da
população atendida é uma necessidade que se impõe ante o
crescente custo destas no atendimento terciário e quaternário
de saúde.
Neste contexto os delineamentos de pesquisa mais adequados são os estudos longitudinais. Os dados demográficos
da amostra estudada revelaram uma população com média
de idade ainda numa fase muito produtiva da vida e uma proporção praticamente equivalente em relação ao sexo. Apesar
do APACHE II médio ser similar ao de outras populações
estudadas a mortalidade de 49% descrita na UTI foi muito
elevada. A mortalidade acumulada em 7 dias após a alta da
UTI foi 51,9%, em 28 dias 55,1% e em 6 meses 60,6%. Desses pacientes, 14,8% apresentavam duas ou mais falências or-
Tabela 4 - Risco Relativo* (IC 95%) para os Desfechos Clínicos Principais (Análise Univariada)
Variáveis
Mortalidade na UTI
Mortalidade em 7 dias
Mortalidade em 28 dias
p
RR (IC 95%)
RR (IC 95%)
p
RR (IC 95%)
Mortalidade em 6 meses
p
RR (IC 95%)
P
Sexo masculino
0,9 (0,68 a 1,23)
NS
0,9 (0,70 a 1,27)
NS
0,9 (0,69 a 1,22)
NS
0,9 (0,72 a 1,25)
NS
Cor não-branca
1,6 (0,98 a 2,64)
NS
1,8 (1,16 a 2,92)
<0,01
1,8 (1,19 a 2,93)
<0,01
1,7 (1,14 a 2,78)
=0,01
N° de falências
1,9 (1,67 a 2,23)
<0,01
1,8 (1,61 a 2,16)
<0,01
1,8 (1,58 a 2,10)
<0,01
1,7 (1,53 a 2,03)
<0,01
Apache II
1,0 (1,01 a 1,04)
<0,01
1,0 (1,01 a 1,04)
<0,01
1,0 (1,01 a 1,04)
<0,01
1,0 (1,01 a 1,04)
<0,01
* Ajustado para idade
Tabela 5 - Risco Relativo* (IC 95%) para os Desfechos Clínicos Principais (Análise Univariada)
Variáveis
Mortalidade na UTI
Mortalidade em 7 dias
Mortalidade em 28 dias
Mortalidade em 6 meses
Idade
1,0 (0,99 a 1,01)
NS
1,0 (1,00 a 1,01)
=0,05
1,0 (1,00 a 1,01)
=0,02
1,0 (1,00 a 1,02)
p
Sexo Masculino
0,9 (0,68 a 1,24)
NS
0,9 (0,72 a 1,29)
NS
0,9 (0,71 a 1,25)
NS
0,9 (0,74 a 1,27)
<0,01
Cor não-branca
1,8 (1,10 a 3,02)
=0,01
2,0 (1,30 a 3,35)
<0,01
2,1 (1,32 a 3,34)
<0,01
2,0 (1,27 a 3,16)
<0,01
Nº de falências
1,9 (1,66 a 2,25)
<0,01
1,8 (1,61 a 2,18)
<0,01
1,8 (1,57 a 2,12)
<0,01
1,7 (1,52 a 2,04)
<0,01
Apache II
1,0 (1,00 a 1,03)
<0,01
1,0 (1,00 a 1,03)
=0,01
1,0 (1,00 a 1,03)
<0,01
1,0 (1,00 a 1,03)
<0,01
* Ajustado para idade, sexo, cor da pele, número de falências e Apache II.
82
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
gânicas durante a sua internação. Estudos feitos em países
desenvolvidos apontam baixa mortalidade. Short e col em
estudo realizado em Hong Kong com mais de 2.000 pacientes acompanhados por 2,5 anos apontou APACHE II médio
de 18, mortalidade na UTI de 24%, intra-hospitalar de 11%
e sobrevida em um ano de 50%5. Hamel e col. acompanharam 9105 pacientes com doenças graves internados em centros de terapia intensiva de cinco grandes áreas geográficas
diferentes nos EUA. A mortalidade em 6 meses foi de 47%.
Análises ajustadas para idade, sexo, raça, renda, estado funcional basal, gravidade da doença e agressividade terapêutica
indicaram uma probabilidade de morte de 1% para cada ano
adicional de vida em pacientes com 18 a 70 anos e 2% para
àqueles com mais de 70 anos. Em pacientes tratados agressivamente e doenças moderadamente graves, a mortalidade em
seis meses ajustada para idade foi de 44% para pacientes com
55 anos, 48% para pacientes com 65 anos, 53% para pacientes com 75 anos, 60% para pacientes com 85 anos6. Azoulay
e col. em coorte feito em seis países europeus, no Canadá e
em Israel analisaram a sobrevida de pacientes sépticos após a
alta da UTI, descrevendo no período intra-hospitalar mortalidade de 10,4%17. Montuclard e col. acompanharam coorte
de pacientes com idade maior ou igual 70 anos com internação na UTI acima de 30 dias por um período de cinco anos
descrevendo taxa de mortalidade na UTI de 33% e 47% no
hospital7. Nos países em desenvolvimento a taxa de mortalidade descrita é similar à observada nesse estudo. Na Turquia,
Colpan e col. acompanharam 334 pacientes pelo período de
seis meses descrevendo mortalidade na UTI de 46,7%8.
As principais causas de morte em nesse estudo foram
choque séptico e disfunção orgânica múltipla. Entre os fatores considerados para explanar as elevadas proporções dos
desfechos clínicos principais citam-se as condições clínicas
prévias à internação e a agressividade das doenças, principalmente infecciosas, com altas taxas de mortalidade9.
Entre os fatores associados com a mortalidade, em qualquer dos períodos analisados, estão o número de falências,
APACHE II e a cor não branca. A idade, descrita em outros
estudos como um fator de risco para mortalidade6, apresenta
uma associação significativa na análise univariada com todos
desfechos principais. Na análise multivariada sua associação
de risco é significativa quando a internação é prolongada.
Este resultado é semelhante ao descrito por Chelluri e col. que
acompanharam coorte de pacientes submetidos à ventilação
mecânica prolongada apontando forte correlação entre idade
e comorbidades com mortalidade a longo prazo. A taxa de
mortalidade em curto prazo associou-se significativamente
com o baixo atendimento pré-hospitalar e gravidade da doença na ocasião da internação18. Combes e col. em uma coorte de 347 pacientes críticos descreveu que idade ≥ 65 anos,
NYHA classe 3 ou 4, imunossupressão prévia, choque séptico, hemodiálise na UTI e sepse nosocomial associaram-se
significativamente com mortalidade na UTI. Após a alta da
unidade idade ≥ 65 anos, imunossupressão prévia e duração
de ventilação mecânica > 35 dias associaram-se significativamente com a mortalidade10. No estudo citado previamente
Colpan e col. em análise univariada descreveram associação
significativa entre a idade, Apache II, uso de ventilação mecânica e uso de quimioterapia e esteróides com a mortalidade8.
A análise da capacidade funcional de 121 pacientes que
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
receberam alta hospitalar, feita através da Glasgow Outcome
Scale, revelou que 15,7% haviam morrido, 66,9% retomaram
sua vida habitual ficando sem seqüela ou com discreta disfunção, 7,4% ficaram com moderada disfunção, 8,3% com
disfunção grave e 1,7% em estado vegetativo.
A maioria dos estudos utiliza escalas padronizadas para
avaliação de qualidade de vida através de questionários enviados pelo correio. Hurel e col. acompanharam coorte de
329 pacientes internados em quatro UTI, utilizando questionários abordando qualidade de vida relacionada à saúde
(Nottingham Health Profile-NHP e Perceived Quality of Life
Scale - PQOL) e atividade profissional, obtiveram dados
completos de 223 pacientes relatando poucas mudanças na
capacidade profissional. A qualidade de vida aferida por ambas as escalas foi ruim dependendo principalmente do motivo
da internação2. Dimopoulou e col. relataram que pacientes
submetidos à cirurgia e reanimados de parada cardíaca apresentaram sobrevida de 55% após quatro anos de seguimento.
A maioria deles com boa capacidade funcional e qualidade
de vida, ambas aferidas pela NHP19. Wehler e col. validaram
outro instrumento de aferição que incluía aspectos psicossociais, físicos e fatores associados à saúde tais como residência e atividade profissional. Em coorte de 325 pacientes
relataram dados de qualidade de vida basal e no seguimento
de 185 indivíduos. Após seis meses de seguimento a maioria dos sobreviventes tinha retornado à sua condição de vida
pré-internação. Análise multivariada revelou que a idade, a
qualidade de vida pré-admissional e a gravidade da doença
foram os fatores mais fortemente associados com a qualidade
de vida no seguimento20. A utilização da GOS na aferição da
capacidade funcional é praticada e proposta por alguns autores12,16,21. A comparação de nossos resultados com a maioria dos outros estudos é prejudicada pela não utilização das
escalas já descritas e pela não aferição do estado funcional
prévio à internação na unidade. Porém a constatação de que
2/3 daqueles que receberam alta relataram boa capacidade
funcional é um resultado bastante promissor apesar das limitações metodológicas relatadas. Finalmente estudos que
aferiram a qualidade de vida dos pacientes após a internação
na UTI relataram qualidade de vida prévia à internação na
UTI inferior à população geral22. Após a saída da unidade os
sobreviventes teriam uma melhora na sua qualidade de vida,
porém ainda abaixo da população geral10,18,22.
O uso da mortalidade na UTI e após a alta hospitalar
podem não refletir adequadamente benefício a longo prazo
já que essas medidas não espelham necessariamente os cuidados e sua adequação no período após a alta, não avaliam
as re-admissões e não avaliam o estado funcional23. Talvez o
maior benefício das UTI seja o retorno do paciente ao estado
de “bem estar”, de vida independente e produtividade econômica. Permanece o dilema qual o melhor quantificador para
desfechos funcionais. Os escores de qualidade de vida são
medidas subjetivas da saúde física e emocional usados como
preditores da capacidade funcional. Essa avaliação é controversa, pois a relação entre a medida e a diferença funcional
com relevância clínica não está bem estabelecida; a sobrevida
a longo prazo depende do efeito sinérgico de todo o sistema
de saúde e pode ter potenciais vieses23. A população incluída
neste estudo apresenta, na sua maioria, renda e escolaridade muito baixa tornando o uso destes questionários muito
83
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
limitado. Além disto o uso destas escalas está condicionado
ao pagamento de royalties aos autores, representando custo
adicional não previsto no planejamento inicial da pesquisa.
Como os recursos e leitos em UTI são limitados, impõemse conhecimentos dos pacientes que realmente se beneficiam
destes23. Os cuidados com a saúde exigem tecnologias cada
vez mais avançadas sendo inevitável o aumento de despesas.
Grande parte dos recursos de manutenção e custeio da saúde
acaba sendo alocada às UTI. Estudo norte-americano observou que 8% dos pacientes da UTI consumiram 92% dos
recursos e desse grupo, 70% morreram no hospital24. O intensivista é quem deve saber como e em quem aplicar esses recursos e quais pacientes realmente serão beneficiados com este
cuidado altamente especializado. Essa predição da sobrevida pode ser a base para alocação de recursos de forma mais
apropriada. Assim, para se fazer Medicina custo-efetiva, com
manutenção da qualidade, é imperativa a análise dos dados,
como a sobrevida após a saída da UTI, bem como o retorno
desses pacientes a uma condição adequada24,25.
CONCLUSÃO
Os resultados documentados neste estudo apontam uma
mortalidade bem mais elevada do que descrita por outros autores. As razões desta observação necessitam de análises mais
detalhadas, mas as principais causas de morte relatadas são
responsáveis pela grande proporção dos óbitos descritos em
outras unidades. A cor não branca, duas ou mais falências e
Apache II associaram-se significativamente com a mortalidade. Dos pacientes que receberam alta, aproximadamente dois
terços apresentaram boa capacidade funcional com disfunção leve ou sem disfunção aferida pela GOS. Este trabalho
apresenta limitações importantes, principalmente relacionadas à aferição da qualidade de vida e capacidade funcional
da amostra antes da internação na unidade. A utilização da
GOS como instrumento de aferição por questões econômicas
e logísticas tornou limitada a comparação com resultados relatados por outros autores. Futuras investigações deste desfecho clínico são necessárias em nosso meio.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O conhecimento de
características demográficas e fatores associados com mortalidade nas unidades de terapia intensiva é fundamental. O
objetivo principal deste estudo é a descrição da mortalidade
na UTI, após a alta da unidade, condições de vida seis meses
após a saída do hospital e a associação de alguns fatores com
a mortalidade.
MÉTODO: Foi realizado um estudo longitudinal em unidade de terapia intensiva de adultos no período de janeiro
a junho de 2003. Acompanhou-se 345 pacientes e descritos
dados demográficos, mortalidade na UTI, sete, 28 dias e seis
meses após a alta da unidade. A capacidade funcional daqueles que receberam alta hospitalar foi aferida através da
Glasgow Outcome Scale (GOS). Empregou-se modelos de
Cox para analisar a relação entre a mortalidade e os fatores
associados.
RESULTADOS: Ocorreram 209 óbitos no período de
acompanhamento. A mortalidade foi de 49%, 51,9%, 55,1%
84
e 60,6%, na UTI, em 7 dias, em 28 dias e em 6 meses, respectivamente. A cor não branca, número de falências e Apache
II associaram-se significativamente com a mortalidade. Dos
pacientes que receberam alta, aproximadamente 66,9% apresentavam uma boa capacidade funcional com disfunção leve
ou sem disfunção aferida pela GOS.
CONCLUSÕES: A mortalidade na UTI, entre 7 e 28 dias
e seis meses após a alta da unidade é elevada em comparação
com outros autores. Dos pacientes que tiveram alta do hospital, dois terços apresentavam boa capacidade funcional.
Unitermos: estado funcional, fatores associados, mortalidade, unidade de tratamento intensivo
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Perfil e Sobrevida dos Pacientes de Unidade de Tratamento
Intensivo de um Hospital Universitário do Rio de Janeiro*
A Rio de Janeiro Teaching Hospital Intensive Care Unit Patients Profile and Survival
Rosane Pimenta de Azevedo1, Marilene da Silva Moura2, Sérgio da Cunha3.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The aim of this study was to know the profile (age, sex, source, length of stay, mortality rate) of patients of an intensive care unit (ICU) in a university hospital, from May 2003 to April 2004, since the clinical
picture of the patients assisted by teaching hospitals have frequently greater complexity.
METHODS: Observational and prospective study with data collection from all the admitted patients from May 2003 to
April 2004.
RESULTS: 198 patients were admitted in ICU. 51% were men, average 53 years. 53% were clinical ward patients, 41%
surgical ward patients and 6% outward patients. Length of stay before ICU: 17 days; in ICU: 11 days; after ICU: 19 days for
the patients who were discharged from the hospital and 34 days for those who died. The expected and observed hospital
mortality was 28% and 48%. The real mortality rate was 39%, 24% before 24 hours. The ward mortality rate after ICU was
9%. There was 2,5% of readmission. 52% ICU patients were discharged from the hospital.
CONCLUSIONS: In this study predominated elder patients, with sex and ward source similarly distributed. There was no
association between ward length of stay and severity in ICU admitted patients, neither length of stay in ICU. The APACHE
II index didn’t estimate accurately the length of stay in ICU neither after ICU. It also underestimated ICU and hospital
mortality.
Key Words: ICU, profile, survival, teaching hospital.
O
s Hospitais Universitários têm como uma das suas
características a complexidade dos pacientes por
eles assistidos. Apresentam, freqüentemente, múltiplas doenças, e são admitidos seja pelo agravamento de uma
de suas disfunções orgânicas ou para esclarecimento de diagnósticos difíceis. O agravamento do quadro clínico durante a
internação hospitalar pode levá-los ao Centro de Tratamento
Intensivo (CTI), que somando às suas doenças crônicas, falências agudas (respiratória, hemodinâmica, renal e outras),
freqüentemente desencadeadas por infecções graves.
A carência de leitos de CTI agrava o problema, tornando
tarde a vinda do paciente, optando-se por aqueles que já se
encontram dependentes de aminas vasopressoras e/ou ventilação mecânica, pois são de difícil manuseio nas enfermarias,
correndo maior risco de vida1.
Este quadro seleciona pacientes de extrema gravidade
como candidatos às vagas de CTI dessas instituições, criando
a expectativa de altas taxas de mortalidade hospitalar.
Alguns estudos têm abordado importantes questões relacionadas ao perfil de pacientes internados em unidades de
Terapia Intensiva2-4.
Os principais objetivos deste estudo foram conhecer o
perfil dos pacientes assistidos no CTI Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, e as taxas de mortalidade na unidade e a
hospitalar. Outros parâmetros foram avaliados visando um
melhor entendimento do fluxo do paciente antes e após o seu
ingresso no CTI, visando a avaliação da influência da demora
na admissão desses pacientes na gravidade do quadro ao dar
entrada no CTI, assim como do tempo de permanência no
CTI e a sua evolução após a alta.
MÉTODO
O HUPE é um hospital geral, de nível terciário e dispõe,
atualmente, de cerca de 300 leitos, distribuídos entre clínica
médica e especialidades clínicas, cirurgia geral e especialidades cirúrgicas, e unidades intensivas. Estas são: CTI Cardíaco,
Unidade Coronariana e o CTI Geral. No Sistema de Saúde
do estado do Rio de Janeiro este hospital desempenha função
assistencial e de ensino nas várias categorias profissionais da
área de saúde (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Serviço Social, Odontologia e outras).
O CTI Geral possui sete leitos, estando um deles ocupado com uma paciente tetraplégica, dependente de ventilação
mecânica, o que reduz sua capacidade de atendimento à demanda do hospital para seis leitos por vez.
A unidade dispõe de equipe multiprofissional com as seguintes características: dois plantonistas médicos, equipe de
enfermagem com profissionais de nível médio e superior e
plantonista de fisioterapia em todos os plantões.
A admissão de pacientes na unidade é decidida pelo médi-
1. Médica do Centro de Tratamento Intensivo do HUPE – UERJ; Especialista em Medicina Intensiva – AMIB
2. Médica Coordenadora da Unidade Docente Assistencial do Centro de Tratamento Intensivo do HUPE – UERJ; Especialista em Medicina
Intensiva – AMIB
3. Médico do Centro de Tratamento Intensivo do HUPE – UERJ; Especialista em Medicina Intensiva – AMIB; Professor Assistente e Coordenador da Disciplina de Medicina Intensiva da Faculdade de Ciências Médicas – UERJ.
*Recebido do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) - UERJ, Rio de Janeiro, RJ
Apresentado em 11 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 06 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Dra. Rosane Pimenta de Azevedo - Av. 28 de Setembro 77, 5º andar - Vila Isabel - 20551-030 Rio de Janeiro, RJ
- Fone: (21)2587-6272 / FAX: (21)2568-7197 - E-mail: [email protected]
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
85
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
co plantonista segundo o critério de gravidade e a expectativa
de sobrevida.
Foram acompanhados todos os pacientes admitidos no
CTI Geral durante o período de maio de 2003 até abril de
2004.
A gravidade dos pacientes foi avaliada pelo escore APACHE II, utilizando-se os índices fisiológicos das primeiras 24
horas de internação no CTI5,6. Os pacientes que faleceram ou
receberam alta nas primeiras 24 horas de internação não tiveram seu escore APACHE II calculado. Porém, foram considerados no cálculo da mortalidade geral no período estudado.
Foram registrados os seguintes dados: sexo, idade, origem
(enfermaria clínica; enfermaria cirúrgica; externa ao HUPE),
tempo de internação no hospital antes da admissão no CTI,
tempo de permanência no CTI, tempo de permanência na
enfermaria após a alta do CTI, mortalidade no CTI, mortalidade na enfermaria após a alta do CTI, percentual de reinternações no CTI.
Foi avaliada a relação entre a mortalidade prevista pelo
APACHE e a mortalidade hospitalar observada.
Foram avaliadas as seguintes associações, através dos cálculos dos coeficientes de correlação, de determinação e significância, utilizando-se o programa Excel, Office XP, Microsoft e o programa Prism:
• Tempo de permanência na enfermaria antes da admissão no CTI x APACHE II no CTI
• Tempo de permanência na enfermaria antes da admissão no CTI x tempo de permanência no CTI
• Tempo de permanência no CTI x tempo de permanência na enfermaria após alta do CTI
• APACHE II x tempo de permanência no CTI
RESULTADOS
Ocorreram 198 internações no CTI Geral no período de
estudo, sendo 51% de pacientes do sexo masculino. A média
da idade foi de 53 anos (13 a 86 anos). Segundo a faixa etária
estavam assim distribuídos: 13 a 20 anos: 13 pacientes (7%);
21 a 40 anos: 40 pacientes (20%); 41 a 60 anos: 69 pacientes
(35%); 61 a 86 anos: 76 pacientes (38%); conforme figura 1.
A origem dos pacientes, seja de enfermaria clínica ou cirúrgica, ou externa ao HUPE, pode ser observada na figura 2.
O APACHE II foi registrado em 169 pacientes, não tendo
sido feito nos demais seja por óbito (19 pacientes) ou alta (10
pacientes) nas primeiras 24 horas.
Os tempos médios de permanência antes da internação
no CTI, no CTI, após alta do CTI, este dividido entre os
pacientes que tiveram alta hospitalar e os que faleceram na
Figura 1 - Número de Pacientes por Faixa Etária (anos)
86
Figura 2 - Origem dos Pacientes
Figura 3 - Permanência Média dos Pacientes (dias) Antes,
Durante e Após a Alta do CTI (esta dividida entre os que
receberam alta e os que evoluíram para o óbito)
Figura 4 - Comparação entre Mortalidade
Hospitalar Prevista e a Observada neste Estudo
enfermaria, podem ser observados na figura 3, tendo sido
considerados apenas os pacientes com registro do APACHE
II (169 pacientes).
O APACHE II médio foi de 18, com taxa de mortalidade
hospitalar prevista de 28% e observada de 48% (Figura 4). A
mortalidade total no CTI foi de 39% (sendo 24% dos casos
nas primeiras 24h) e o tempo médio de permanência no CTI
desse grupo foi de 11 dias. A mortalidade na enfermaria após
alta do CTI foi de 9%. Logo, 52% dos pacientes admitidos no
CTI receberam alta hospitalar no período estudado.
Ocorreram 2,5% de re-internações no CTI.
As análises das possíveis associações revelaram os seguintes coeficientes de correlação e de determinação:
• Tempo de permanência na enfermaria antes do CTI x
tempo de permanência no CTI: r= - 0,07; r2 = 0,006; p = 0,30.
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
• Tempo de permanência no CTI x tempo de permanência na enfermaria pós-CTI: r= 0,14; r2= 0,02; p = 0,15.
• Tempo de permanência na enfermaria antes do CTI x
APACHE II no CTI: r = - 0,03; r² = 0,001; p = 0,67.
• APACHE II no CTI x tempo permanência no CTI: r =
0,15; r2 = 0,02; p = 0,05.
DISCUSSÃO
O pequeno número de leitos de tratamento intensivo tem
sido apresentado como um dos graves problemas da assistência pública de saúde. No HUPE este fato tem contribuído
para o adiamento de cirurgias de grande porte que exigem
pós-operatório na unidade intensiva, assim como a demora
para a admissão de casos clínicos das enfermarias. O problema se agrava com a maior complexidade dos casos admitidos
nos hospitais universitários, prolongando o tempo de permanência no CTI.
Observou-se que os pacientes admitidos no CTI do HUPE
no período estudado apresentavam média de idade elevada,
com mais de um terço deles com mais de 60 anos, o que representa, freqüentemente, maior número de comorbidades7.
As admissões distribuíram-se quase igualmente entre clínicas e cirúrgicas, cabendo ressaltar que os pós-operatórios
realizados no CTI do HUPE geralmente se relacionam a cirurgias de grande porte, muitas delas por neoplasias pulmonares, digestivas e do sistema nervoso central, procedimentos
freqüentes no hospital.
O fato dos pacientes admitidos no CTI terem tempo de
permanência médio nas enfermarias de 17 dias é mais um
sinal da complexidade desses casos. Considerando que o
CTI do HUPE tem pequeno número das suas admissões
por insuficiência coronariana aguda, condição clínica relacionada a menor tempo de permanência nas unidades intensivas, a média de permanência no CTI observada neste
estudo parece coerente com o perfil dos pacientes admitidos. Da mesma forma, o tempo médio de permanência
após a alta do CTI significativamente maior dos pacientes
que faleceram após a alta do CTI revela que tratavam-se
realmente dos casos mais complexos, não tendo sido a alta
precoce do CTI o fator determinante da evolução desfavorável. O pequeno número de re-internações (2,5%) no CTI
também permite esta interpretação. Estudo internacional
recente observou 5,1% de re-internações entre 15.180 pacientes admitidos, considerando as disfunções orgânicas
residuais como fator de risco para esse evento8. A insuficiência respiratória aguda foi a principal causa de readmissão em estudo recente9.
O APACHE II é apresentado pelo Ministério da Saúde
brasileiro como escore a ser usado para a análise da gravidade dos pacientes admitidos em centros de tratamento intensivo para adultos, conforme Portaria 3432, de 12 de agosto
de 199810. Trata-se de ferramenta utilizada e testada internacionalmente há vários anos. Observou-se uma média elevada
neste estudo, o que é coerente com o perfil dos pacientes dos
hospitais universitários. O escore subestimou a mortalidade
no CTI, e ainda mais intensamente a mortalidade hospitalar
dos pacientes estudados. A razão de mortalidade padronizada (Standard Mortality Ratio) foi de 1,7 neste estudo. Isto já
foi observado anteriormente7. Bastos e col.11 avaliaram o uso
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
do APACHE II em estudo multicêntrico brasileiro envolvendo 1.781 pacientes. Observaram uma diferença significativa
entre a taxa de mortalidade esperada e a observada com razão de mortalidade padronizada (SMR) de 1,66 , semelhante
a que for encontrada. O dado sugere que o instrumento não
esteja suficientemente calibrado para os hospitais brasileiros,
embora o Ministério da Saúde o recomende.
Diferentemente do estudo de Godhill e col.12, a maior permanência na enfermaria antes da transferência para o CTI
não revelou associação com a gravidade do paciente na admissão no CTI, avaliada pelo APACHE II, nem com maior
permanência do paciente no CTI. Muito embora não tenha
havido associação entre tempo de permanência na enfermaria e a gravidade dos pacientes na admissão no CTI (r = 0,03; r² = 0,001), cabe ressaltar que o importante percentual
de óbitos nas primeiras 24 horas de admissão pode refletir a
longa espera para a obtenção de vaga na unidade. Da mesma
forma, o APACHE II não foi um bom indicador do tempo
de permanência no CTI13, nem do tempo de permanência na
enfermaria após a alta do CTI.
O percentual de alta hospitalar dos pacientes admitidos
no CTI do HUPE no período estudado (52%) revela a gravidade dos pacientes assistidos e cria o desafio da ampliação
deste percentual.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi conhecer o perfil (idade; sexo; origem; tempo de
permanência antes, durante e após CTI; mortalidade na unidade e a hospitalar) dos pacientes internados em unidade de
terapia intensiva de um hospital universitário, uma vez que
para ela são freqüentemente encaminhados pacientes com
quadros clínicos mais complexos.
MÉTODO: Estudo observacional, prospectivo, com registro dos dados de todos os pacientes internados no período
de maio de 2003 a abril de 2004 .
RESULTADOS: Das 198 internações no CTI , 51%
foram de pacientes do sexo masculino, com idade média
de 53 anos. Quanto à unidade de origem: 53% de enfermarias clínicas; 41% de enfermarias cirúrgicas e 6% de
pacientes externos. Foram seguintes os tempos médios
de permanência: nas enfermarias antes da internação no
CTI: 17 dias; no CTI: 11 dias; após alta do CTI: com alta
hospitalar 19 dias e com óbito na enfermaria: 34 dias.
Taxa de mortalidade hospitalar prevista de 28% e observada de 48%. A mortalidade total no CTI foi de 39%, sendo 24% dos casos nas primeiras 24 horas. A mortalidade
na enfermaria após alta do CTI foi de 9%. Ocorreram
2,5% de re-internações. Receberam alta hospitalar 52%
dos pacientes admitidos no CTI.
CONCLUSÕES: Neste estudo predominaram pacientes
idosos, com distribuição de sexos e unidades de origem semelhantes. Não houve associação entre o tempo de permanência
na enfermaria e a gravidade do paciente na admissão no CTI,
nem com o tempo de permanência no CTI. O APACHE II
não foi um bom indicador do tempo de permanência no CTI
e na enfermaria após alta do CTI, e subestimou a mortalidade no CTI e a hospitalar.
Unitermos: CTI, hospital universitário, perfil, sobrevida.
87
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Comparação do Modo VAPS com os Modos
Volume Controlado e Pressão Controlada em
Pacientes com Insuficiência Respiratória Aguda*
Comparison of VAPS with Volume Control and Pressure
Control in Patients with Acute Respiratory Failure
Juliana Carvalho Ferreira1, Jorge Valiatti2, Guilherme de Paula Pinto Schettino3,
Jorge Bonassa4, Lisa Iwata5, Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho6
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Volume Assured Pressure Support (VAPS) is a dual-control mode of mechanical ventilation that combines the confort of demand flow provided by Pressure Support (PSV) with the safety of pre-set tidal volume
provided by Volume Control (VCV), aiming a reduction of work of breathing and, at the same time, assuring adequate
minute-volume. The objective was to compare the performance of Pressure Control (PCV), volume Control (VCV) and
Volume-assured Pressure Support (VAPS), in patients with Acute Respiratory Failure (ARF), in terms of gas exchange and
respiratory mechanics.
METHODS: 18 patients with ARF and mechanical ventilation using the ventilator INTERPLUS were initially ventilated in VCV
for 40 minutes, then randomized to VAPS followed by PCV or PCV followed by VAPS, and finally VCV again. At the end of
each phase, gas exchange and respiratory mechanics were assessed.
RESULTS: Gas exchange was stable along the four phases of the study. During VAPS, median (and interquartile) values were
pH=7,38 (7,28-7,42), PaCO2=34mmHg (24-41), SaO2=97% (93-98) and PO2/FiO2=238 (188-314), and the only parameter that statistically varied during the protocol was PaCO2 (34 during VAPS vs. 30 during VCV). Respiratory mechanics variables had relatively normal values (Cst=49 mL.cmH2O-1, Rst=10 cmH2O.s.L-1 e auto-PEEP=0) and no statistically significant
changes along the four phases.
CONCLUSIONS: VAPS is a ventilatory mode as safe and efficient as VCV and PCV in terms of gas exchange and respiratory
mechanics for patients with Acute Respiratory Failure on mechanical ventilation.
Key Words: Mechanical ventilation; ventilatory mode; dual control mode; VAPS; Acute Respiratory Failure; VAPSV
A
ventilação mecânica em pacientes com Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA) é um método de suporte que visa corrigir hipoxemia e/ou hipercapnia
e reduzir o trabalho respiratório1. Entre os modos ventilatórios, o modo Volume Assistido/Controlado é freqüentemente usado nas UTI do Brasil e do mundo2,3, por sua grande
disponibilidade e pelo fato de garantir o volume corrente, e
conseqüentemente o volume-minuto (VE’) pré-determinado.
Entretanto, por gerar um fluxo ajustado pelo operador, fixo,
pode causar grande assincronia entre o paciente e o ventilador. Essa assincronia ocorre porque o fluxo nem sempre é
adequado para a demanda ventilatória do paciente, e pode
gerar esforços inspiratórios para aumentar o fluxo, sem sucesso. Esse esforço causa gasto de energia e sensação de desconforto. A utilização de ondas de fluxo descendentes ou sinusoidais não corrige totalmente a assincronia, pois a cada
momento o fluxo pode não ser exatamente aquele que seria
ideal para o drive respiratório.
O modo Pressão de Suporte é um modo espontâneo que
pretende oferecer mais conforto e liberdade, permitindo que
o fluxo seja livre, obedecendo ao esforço inspiratório do paciente. Entretanto, por ser um modo espontâneo, o volumeminuto depende do esforço inspiratório e da impedância do
sistema respiratório. Em situações críticas, em especial em
pacientes neurológicos, o receio de que o paciente possa ter
períodos com VE’ inadequadamente baixo faz com que este
método seja menos usado.
O modo Volume Assegurado com Pressão de Suporte
(VAPS) é um modo ventilatório que combina essas duas modalidades, oferecendo o conforto do fluxo livre e a segurança
do volume corrente determinado. Nesse modo, o fluxo inspiratório é resultante da combinação do fluxo controlado, fixo
e constante, ajustado pelo operador, e do fluxo de demanda,
livre e dependente do esforço do paciente e do nível da pressão de suporte4. São ajustados volume corrente, fluxo e pressão de suporte. Se o paciente fizer um esforço adequado e o
nível da pressão de suporte for suficiente, o fluxo de demanda
será responsável pela maior parte do volume corrente ofere-
1. Médica Pesquisadora da UTI Respiratória da Disciplina de Pneumologia da FM - USP
2. Professor Adjunto da Disciplina de Clinica Médica II - Medicina Intensiva Faculdade de Medicina de Catanduva
3. Médico assistente da UTI Respiratória da Disciplina de Pneumologia da FM - USP
4. Engenheiro Mecânico - Doutor em Ciências Pneumológicas da EPM - UNIFESP
5. Engenheira Mecatrônica – Escola Politécnica da USP
6. Professor Associado – Livre Docente e Chefe da UTI Respiratória da Disciplina de Pneumologia da FM - USP
* Estudo realizado com o apoio do LIM 09 do Hospital das Clínicas da FMUSP e da Intermed Equipamentos Médico-Hospitalar Ltda.
Apresentado em 06 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 29 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho - R. Sampaio Viana, 509/21 - 04004-002 São Paulo, SP - Fone (11) 30697202 ramal 30 ou 39 - Fax (11) 3069-7202 ramal 42 - E-mail: [email protected]
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
89
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
cido. Entretanto, se o esforço inspiratório ou o valor da pressão de suporte forem insuficientes, o fluxo controlado e fixo
garante o volume corrente determinado. A utilização desse
modo ventilatório visa, portanto, a diminuição do trabalho
respiratório de pacientes com IRpA garantindo um volumeminuto adequado e melhor interação entre paciente e ventilador. (Figura1)
Figura 1 - Fluxo, Volume e Pressão ao longo do Tempo
Comparando os Modos Volume Controlado e VAPS.
Nota-se a diferença no padrão de fluxo, que combina fluxo livre com fluxo prédeterminado para garantir o volume corrente escolhido pelo operador.
A utilização de novos modos ventilatórios depende de sua
comparação com outros usados rotineiramente para ventilação mecânica. O modo VAPS, desenvolvido para garantir
ventilação adequada com mais liberdade de fluxo, apresenta
várias características que potencialmente melhoram a interação paciente-ventilador. Entretanto, sua aplicação clínica depende da comparação do seu desempenho e segurança com
modos amplamente usados e sabidamente seguros5.
O modo VAPS foi testado e descrito pela primeira vez em
1992. Em um estudo clínico, mostrou diminuição do trabalho respiratório em pacientes com IrpA6 e em seguida outros
estudos foram realizados com resultados semelhantes7-9. Entretanto, na prática clínica, o modo é pouco utilizado, em
grande parte por pouca familiaridade dos intensivistas com
esse novo modo e pela escassez de estudos que comprovem
sua segurança e efetividade quando comparado aos modos
mais tradicionalmente utilizados10.
Os objetivos deste estudo forão estabelecer se há equivalência entre os modos Pressão Controlada (PCV), Volume
Controlado (VCV) e Volume Garantido com Pressão de Suporte (VAPS) em pacientes com IRpA, em termos de trocas
90
gasosas e mecânica respiratória e estabelecer a segurança do
modo VAPS em pacientes com IRpA
MÉTODO
Após consentimento do Comitê de Ética da Instituição,
dois centros universitários participaram do estudo, a UTI
Respiratória do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a UTI do Hospital
Padre Albino da Faculdade de Medicina de Catanduva.
Para realização do estudo, foi obtido consentimento pósinformado do responsável pelo paciente, e a equipe médica
responsável concordou com a realização do protocolo.
Foram avaliados para inclusão no estudo pacientes adultos internados em regime de terapia intensiva por Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA), sob ventilação mecânica,
que preenchessem os seguintes critérios de inclusão:
1) Insuficiência Respiratória Aguda
• definida como a presença de hipoxemia (PO2/FIO2 <
300) e/ou hipercapnia (PaCO2 > 45).
2) Estabilidade Hemodinâmica
• definida como doses baixas e não crescentes de drogas
vasoativas.
3) Presença de esforço muscular suficiente para disparar
o aparelho
• era permitido o uso de doses baixas de sedativos prescritos pela equipe responsável pelo paciente, desde que permitissem que o paciente realizasse esforços inspiratórios, mantendo a escala de Ramsay ≥ 3.
Os critérios de exclusão foram insuficiência respiratória
grave, ainda não estabilizada, pacientes em fase avançada de
desmame, sedação profunda e lesões neuromusculares que
prejudicassem o desempenho da pressão de suporte.
Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão
eram conectados ao aparelho de ventilação mecânica INTERPLUS (Intermed, Brasil) e o aparelho era ajustado
conforme o protocolo:
a) Modo Volume Assistido/Controlado, numa condição
padrão “otimizada”, ou seja, aquela que a equipe médica
responsável ajustasse para manter as trocas gasosas adequadamente, chamada de VCV 1, utilizando como parâmetros
iniciais:
• Fluxo em onda decrescente de 60 L/min (reduzida para
30 L/min se o pico de pressão superasse 40 cmH2O)
• Volume corrente de 6 a 8 mL/kg
• Pressão de platô: a menor possível, e sempre inferior a
35 cmH2O
• Freqüência respiratória adequada para manter PaCO2 <
50 mmHg e pH > 7,30
• FIO2 suficiente para manter PaO2 > 60 mmHg ou SaO2
≥ 92%
• PEEP adequada para as condições clínicas e do paciente, ou seja, suficiente para manter SaO2 ≥ 92%
Após estabilização nessa modalidade ventilatória por
pelo menos 40 minutos, era colhida gasometria e realizadas
medidas de mecânica respiratória e auto-PEEP para registrar
a “condição basal”.
Os pacientes eram então divididos aleatoriamente em
dois grupos:
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
GRUPO 1: 40 minutos em VAPS (VAPS) seguida por 40
minutos em PCV (PCV) e retorno a VCV por 40 minutos
(VCV 2)
GRUPO 2: 40 minutos em PCV (PCV) seguida por 40
minutos em VAPS (VAPS)e retorno a VCV por 40 minutos
(VCV 2)
Os modos VAPS, PCV e VCV eram ajustados para gerar o
mesmo volume corrente usado na VCV 1. No modo VAPS, o
fluxo quadrado era ajustado em 30L/min, o volume corrente
era igual ao usado no modo VCV, e a Pressão de Suporte era
ajustada para o menor valor que gerasse uma curva de fluxo
predominantemente livre, sem um período final de fluxo fixo
em 30 L/min. No modo PCV, a Pressão Limite era ajustada
para gerar o mesmo volume corrente usado no modo VCV.
A troca gasosa era avaliada através de coleta de gasometria arterial e a mecânica respiratória era avaliada através
de cálculo de resistência, complacência estática do sistema
respiratório e auto-PEEP estático, após estabilização em
cada fase.
Para análise estatística, foram usados testes não-paramétricos uma vez que as variáveis não obedeciam distribuição normal. Para comparar os grupos 1 e 2 nas condições
basais, foi usado o teste de Mann-Whitney. Para analisar os
pacientes ao longo das 4 fases do protocolo, foi usado um
teste de medidas repetidas, o teste de Friedman. Por fim, o
teste de Wilcoxon Signed Ranks foi usado para comparar
VAPS com VCV.
RESULTADOS
Num período de um ano, 18 pacientes foram incluídos no
protocolo de estudo, 8 no Hospital Padre Albino da Faculdade de Medicina de Catanduva e 10 no Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Não houve necessidade de interrupção de protocolo em nenhum paciente, e não foi registrada nenhuma intercorrência
durante o estudo.
A tabela 1 mostra as características basais dos pacientes
incluídos no estudo, e compara os grupos 1 e 2. A mediana
de idade de 58 anos, com distribuição equilibrada entre homens e mulheres (10 homens e 8 mulheres). A mediana de
PO2/FIO2 de 221 mostra que a insuficiência respiratória era
de moderada a grave nesse grupo de pacientes. Houve uma
diferença de idade entre os dois grupos, sendo os pacientes do
grupo 2 significativamente mais velhos (mediana de 73 anos
de idade versus 49 anos no grupo 1).
A tabela 2 resume os resultados do estudo, as quatro fases foram bem toleradas e os parâmetros gasométricos foram
normais em todas as fases. Como era esperada em pacientes
com Insuficiência respiratória, a relação PO2/FIO2 era menor que 300 e permaneceu alterada, mas estável ao longo do
estudo. As variáveis de mecânica respiratória apresentaram
valores relativamente normais para pacientes com IRpA sob
ventilação mecânica e ficaram estáveis ao longo das 4 fases.
Nenhum paciente apresentou auto-PEEP em nenhuma das
fases. O único parâmetro que teve variação significativa entre
as fases foi a PaCO2.
A PaCO2 foi significativamente menor no modo volume
controlado aplicado inicialmente em relação ao modo VAPS.
A mediana de PaCO2 na fase VCV 1 foi 30 mmHg, representando uma leve hiperventilação, e na fase VAPS foi de 34
mmHg, valor mais próximo do normal (PaCO2 normal entre
Tabela 1 - Características Basais dos Pacientes Incluídos no Estudo. Comparação entre os Grupos 1 e 2
Todos
Mediana (interquartis)
Grupo 1
Mediana (interquartis)
Grupo 2
Mediana (interquartis)
18
10
8
58 (46-73)
49 (41-67)
73 (55-76)
55%
60%
50%
N
Idade
Sexo masc%
Causa da IRpA
Pneumonia
DPOC
Asma
TEP
SARA
Outra
p
0,021
7
3
2
2
2
2
Dias de UTI*
4 (3-5)
3 (2,5-4)
5 (4,25-8)
0,063
Dias de VM*
3 (2,5-5)
3 (2,5-4)
4,5 (1,75-5)
0,556
APACHE II*
23 (17-28)
23 (21-28)
20,5 (15,5-30)
0,857
PO2/FIO2
221 (169-289)
212 (140-289)
240 (214-376)
0,408
PH
7,39(7,25-7,46)
7,39(7,25-7,44)
7,39 (7,33-7,50)
0,696
PaCO2 mmHg
31 (21-43)
37 (25-47)
27 (18-33)
0,203
Sat O2 mmHg
97% (95-98%)
96% (95-98%)
97% (93-98%)
0,515
VT mL
495 (385-542)
445 (352-520)
510 (455-585)
0,360
f rpm
22 (16-28)
25 (16-30)
21 (16-27)
0,481
PEEP cmH2O
10 (8-13)
11 (8-18)
10 (8-10)
0,093
PO2/FIO2: relação entre a pressão arterial parcial de oxigênio e a fração inspirada de oxigênio; PaCO2 pressão arterial parcial de gás carbônico; Sat O2: saturação de pulso
de oxigênio; VT: volume corrente; f: freqüência respiratória; Ti: tempo inspiratório; aPEEP: auto-PEEP; * Dados disponíveis em 9 pacientes
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
91
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 2 - Variáveis de Mecânica Respiratória e Troca Gasosa: Comparação entre as 4 Fases do Estudo
VCV 1
Mediana (interquartis)
PH
7,39 (7,25-7,45)
30 (20-45)
PaCO2 (mmHg)
97% (95-98)
Sat O2 (mmHg)
Cest,sr Ml.cmH2O-1
45 (28-57)
Rsr cmH2O/L. s –1
12 (9-16)
VT (mL)
490 (380-545)
21 (16-29)
f rpm
9,87 (8,0-13,6)
Volume - minuto (L)
Ti s
0,9 (0,7-1,0)
PO2/FIO2
237 (190-333)
aPEEP cmH2O
0
VAPS
Mediana (interquartis)
7,38 (7,28-7,42)
34 (24-41)
97% (93-98)
49 (38-55)
10 (8-14)
510 (390-545)
19 (16-24)
10,0 (7,6-10,9)
1,0 (0,8-1,0)
238 (188-314)
0
PCV
Mediana (interquartis)
7,35 (7,27-7,42)
31 (26-42)
96% (95-98)
45 (35-55)
11 (7-15)
490 (400-580)
18 (15-26)
8,8 (7,3-11,9)
1,0 (0,9-1,0)
253 (165-287)
0
VCV 2
Mediana (interquartis)
7,37 (7,31-7,44)
32 (23-40)
97% (92-98)
45 (35-54)
12 (6-14)
480 (385-540)
20 (15-24)
8,8 (7,3-11,8)
0,8 (0,7-1,0)
243 (170-320)
0
p
0,697
0,041*
0,999
0,079
0,870
0,055
0,167
0,672
0,104
0,967
0,99
PaCO2 pressão arterial parcial de gás carbônico; Sat O2: saturação de pulso de oxigênio; Cest,sr: complacência estática do sistema respiratória; Rsr: resistência do sistema
respiratório; VT: volume corrente; f: freqüência respiratória; Ti: tempo inspiratório; PO2/FIO2: relação entre a pressão arterial parcial de oxigênio e a fração inspirada de
oxigênio; aPEEP: auto-PEEP
* atingido nível de significância, com p < 0,05
35 e 45 mmHg). Esta diferença não teve impacto significativo
no pH e não esteve relacionada a variações no volume minuto entre as fases.
DISCUSSÃO
O modo VAPS, desenvolvido há mais de 10 anos e testado
em modelos mecânicos e em pacientes, mostrou-se capaz de
reduzir o trabalho respiratório em pacientes sob ventilação
mecânica assistida6-10. Os poucos estudos clínicos foram publicados há uma década e desde então o modo permaneceu
subtilizado, apesar de disponível em alguns ventiladores mecânicos comercializados no mundo e no Brasil. Várias razões
poderiam explicar o porquê do modo ter sido tão pouco
usado: falta de disponibilidade nos aparelhos adquiridos por
várias UTI, não familiaridade da equipe com o novo modo e
escassez de estudos clínicos que comparassem essa modalidade com os modos ventilatórios mais amplamente usados.
O desenvolvimento de novos ventiladores e modos ventilatórios está atualmente voltado para a busca de modos que
sejam tão seguros quanto os classicamente utilizados em terapia intensiva e que ao mesmo tempo melhorem a sincronia
entre paciente e ventilador5. Uma vez que o modo ventilatório garanta adequadamente a troca gasosa, resta permitir
uma melhor interação entre paciente e ventilador, pois a assincronia pode gerar gasto desnecessário de energia, atraso
no desmame e até comprometimento hemodinâmico, e a obtenção de boa sincronia paciente-ventilador é tão importante
quanto a manutenção das trocas gasosas.
Nosso estudo incluiu 18 pacientes com insuficiência respiratória de várias etiologias, com critérios de inclusão bem
amplos, o que permitiu que a amostra de pacientes incluídos
provavelmente represente a população encontrada na maioria das UTI do Brasil. As variáveis utilizadas no estudo são
rotineiramente monitorizadas em pacientes sob ventilação
mecânica e utilizadas para adequar a ventilação mecânica na
prática clínica diária. Os dois grupos estudados eram semelhantes, exceto por uma diferença de idade, entre os dois grupos, sendo os pacientes do grupo 2 significativamente mais
velhos (mediana de 73 anos de idade versus 49 anos no grupo
92
1). Esta diferença foi casual, uma vez que os pacientes foram
alocados aleatoriamente para um dos dois grupos. Além disso, essa diferença não tem impacto nos resultados por tratarse de estudo tipo cross-over, isto é, a diferença no tratamento
entre os grupos era apenas na ordem em que eram aplicados
os modos ventilatórios. Dessa forma, ao final, todos os pacientes foram ventilados nos três modos ventilatórios testados (VCV, PCV e VAPS).
Os resultados obtidos no estudo, apresentados na tabela 2, mostram que os três modos ventilatórios, VCV, PCV e
VAPS, tiveram desempenho adequado e equivalente nesse
grupo de pacientes com insuficiência respiratória, quando
aplicados por períodos de 40 minutos. Esse período foi suficiente para atingir estabilidade das propriedades mecânicas e
das trocas gasosas12.
O volume corrente foi o mesmo nos quatro períodos do
estudo, propositadamente, para garantir uma mesma ventilação minuto e ajustado conforme o peso ideal com valores
freqüentemente utilizados na prática clínica. O fluxo pré-determinado do modo VCV, 60 L/min, é alto pois leva em conta
a possibilidade de alta demanda por fluxo nesses pacientes.
Optou-se por utilizar esse valor de fluxo uma vez que uma
crítica ao trabalho inicial de Amato e col.6 foi que o fluxo
utilizado no modo volume controlado era baixo (cerca de 45
L/min), o que teria aumentado o trabalho respiratório nesse
modo e favorecido o modo VAPS5.
As variáveis de mecânica respiratória e trocas gasosas ficaram estáveis durante todo o estudo, com valores relativamente comuns em terapia intensiva.
A única variável que teve diferença estatística entre os
modos foi a PaCO2, que na fase VCV1 teve mediana de 30
mmHg, contra 34 mmHg na fase VAPS, representando uma
leve hiperventilação na fase inicial. Como não houve diferença estatística no volume minuto entre essas duas fases
(9,87 no modo VCV1 contra 10,0 no modo VAPS), é possível que esta leve hipocapnia registrada na fase inicial VCV1
reflita, na verdade, a ventilação-minuto que o paciente vinha fazendo anteriormente ao início do protocolo de estudo, uma vez que a mediana de PaCO2 basal foi 31 mmHg.
De todo modo, a diferença absoluta entre as duas fases foi
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
pequena, não se refletiu no pH e não foi acompanhada de
repercussões clínicas.
Não foi avaliada a sincronia paciente-ventilador, uma
vez que a intenção era utilizar parâmetros monitorizados
diariamente nas UTI. Para avaliar sincronia, geralmente são
utilizados parâmetros complexos, como a utilização de balão esofágico, para estimar a pressão pleural, pletismografia,
para estimar o volume torácico e outros recursos que não são
usuais na maioria de nossas UTI.
Todos os modos foram bem tolerados, não se observando intercorrências durante o protocolo e o ajuste do modo
VAPS foi facilmente obtido, baseado no conforto do paciente
e formato da curva de pressão x tempo.
Este estudo tem algumas limitações. O tamanho da amostra é de apenas 18 pacientes, o que dificultou melhor avaliação da segurança do modo, entretanto todos os pacientes
toleraram muito bem o protocolo e, pelo menos ao longo
desse estudo, o modo mostrou-se bastante seguro. Para avaliar variáveis fisiológicas, apesar de pequena, a amostra foi
suficiente para mostrar equivalência entre os modos. Outra
limitação do estudo foi a ausência de avaliação de sincronia,
que poderia enriquecer a avaliação de desempenho do modo.
Optou-se por não avaliar sincronia porque seria necessária
a passagem de balão esofágico de um aparato muito mais
complexo para coleta de dados, o que muitas vezes dificulta a inclusão dos pacientes. Além do mais, outros estudos já
avaliaram e demonstraram benefícios do modo VAPS para
sincronia paciente-ventilador.
O modo VAPS mostrou-se tão eficaz quanto os modos
VC e PCV em termos de mecânica respiratória e trocas gasosas nesse estudo. Outros estudos já demonstraram melhor
sincronia paciente ventilador no modo VAPS em relação aos
modos tradicionalmente usados. Baseados neste e em estudos
prévios, concluímos que o modo VAPS é eficaz, e pode ser
uma alternativa para pacientes em ventilação mecânica assistida, garantido a mesma eficiência de modos amplamente
utilizados com a vantagem de reduzir o trabalho respiratório
e melhorar a sincronia paciente-ventilador.
ABREVIAÇÕES
Auto-PEEP: pressão positiva ao final da inspiração intrínseca
Ces,sr: complacência estática do sistema respiratório
IRpA: Insuficiência Respiratória Aguda
PaCO2: pressão parcial de gás carbônico
PCV: Ventilação com Pressão Controlada
PO2/FiO2: relação entre pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio
Rsr: resistência do sistema respiratório
SaO2: saturação de pulso de oxigênio
UTI: Unidade de Terapia Intensiva
VAPS: Ventilação com Pressão de Suporte com Volume
Garantido
VCV: Ventilação com Volume Controlado
VE’: Volume Minuto
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O modo Volume
Assegurado com Pressão de Suporte (VAPS) é um modo
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
ventilatório de duplo controle que combina o conforto
do fluxo inspiratório livre do modo Pressão de Suporte
(PSV) com a segurança do volume corrente determinado
do modo volume controlado (VCV), visando diminuir o
trabalho respiratório e garantir volume-minuto adequado.
O objetivo desse trabalho foi comparar os modos PCV,
VCV e VAPS em pacientes com Insuficiência Respiratória
Aguda (IRpA), em termos de trocas gasosas e mecânica
respiratória.
MÉTODO: Dezoito pacientes com IRpA, sob ventilação
mecânica utilizando ventilador INTERPLUS eram inicialmente ventilados em VCV por 40 minutos, depois colocados
aleatoriamente para VAPS seguida por PCV ou PCV seguido
por VAPS, terminando em VCV novamente. Ao final das fases, trocas gasosas e mecânica respiratória eram avaliadas.
RESULTADOS: As trocas gasosas ficaram estáveis ao
longo das quatro fases do estudo. No modo VAPS, obteve-se os seguintes valores (apresentados em mediana e
intervalo interquartil): pH = 7,38(7,28-7,42), PaCO2 = 34
mmHg(24-41), SaO2 = 97%(93-98) e PO2/FiO2 = 238(188314), e o único parâmetro estatisticamente diferente das
outras fases foi o PaCO2, que se elevou para 34 mmHg
no VAPS em relação ao basal de 30 mmHg em VCV. As
variáveis de mecânica respiratória apresentaram valores
próximos do normal (Ces,sr = 49 mL.cmH2O-1, Rsr = 10
cmH2O.s.L-1 e auto-PEEP = 0) e não tiveram variação estatística significativa entre as quatro fases.
CONCLUSÕES: O modo VAPS é um modo ventilatório
tão seguro e eficaz quanto VCV e PCV, em termos de mecânica respiratória e trocas gasosas, para pacientes com Insuficiência respiratória aguda sob ventilação mecânica.
Unitermos: Insuficiência respiratória aguda, modo de duplo controle, modo ventilatório, pressão controlada, pressão
de suporte, VAPS, VAPSV, ventilação mecânica
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93
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Bird Mark 7: Avaliação e Evolução Clínica
durante sua Utilização*
Bird Mark 7: Evaluation and Clinical Evolution during its Use
Anderson José1, Sofia Petrohilos2, Elaine Cristina Polleti Dias3, Luiz Rogério Carvalho de Oliveira4,
Danila Vieira Baldini5, Maíra Ferreira Lobo6, Elaine Cristina Pacheco7, Paulo Antonio Chiavone8.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The Bird Mark 7 ventilator was one of the first equipment of automatic mechanical
ventilation it is produced and commercialized worldwide in industrial scale. Although technologic surpassed, still very used.
This objective to evaluate the clinical evolution and mortality of the patients submitted to the Bird Mark 7 ventilator.
METHODS: The 60 patients studied had average age of 61 ± 16 years, 57% (34) were male. Adult patient, with acute respiratory failure of multi-etiological origin who had used the Bird Mark 7 ventilator for more than 24 hours had been studied.
The clinical evolution of each patient was observed daily.
RESULTS: The bronchopneumonia was the main cause of the mechanical ventilation (55%(33)). Average time of mechanical ventilation was 5 ± 4 days. 5%(3) of the patients had been weaned of the mechanical ventilation and extubated. One
of them evolved with discharge hospital and 2 patients died. The APACHE II average was 23 ± 5, foreseeing a death risk of
49% ± 21%, however, the observed death was of 98% (59).
CONCLUSIONS: Patients who had used the Bird Mark 7 ventilator had presented low performance in weaning and high
mortality when compared with foreseen mortality. The high mortality could be explained by the lack of resources offered by
Bird Mark 7, that makes the accomplishment of a strategical ventilation and adjusted of the patients very difficulty.
Key Words: Bird Mark 7, mechanical ventilation
A
ventilação artificial até a primeira metade do século XX era realizada através de câmaras de pressão
diferencial, método conhecido como “pulmão de
aço”, ou técnicas que utilizavam o mesmo princípio físico,
como os ventiladores do tipo “couraça”. Porém, demonstrou-se experimentalmente que a ventilação artificial induzida por insuflações intermitentes por pressão positiva era superior à câmara de pressão diferencial. Constatou-se que as
técnicas de pressão positiva tinham algumas vantagens sobre
o tradicional pulmão de aço utilizado até então, diminuindo a mortalidade de forma considerável. Através da ventilação artificial realizada com pressão positiva, uma ventilação
adequada poderia ser mantida mesmo em face de diminuída
complacência pulmonar ou aumento da resistência das vias
aéreas e o paciente tornava-se mais acessível para a monitorização, procedimentos e cuidados1-3.
Um equipamento chamado Spiropulsator foi desenvolvido por Frenkner e pela Companhia AGA e constituiu o primeiro equipamento de pressão positiva intermitente automático, comercializado em 1940. Outros equipamentos foram
desenvolvidos a partir destes experimentos, como os apare-
lhos relatados por Avery, chamado de “Respirador Universal
de Engstrom” e também por Morch1,4-6.
Os aparelhos tipo Bennett PR1 e os aparelhos Bird ciclados a pressão foram desenvolvidos logo após este período. O
respirador Bird Mark 7, lançado comercialmente em 1957, é
o mais vendido em todo o mundo e também o equipamento de ventilação mecânica de uso mais difundido em nosso
país1,7.
O ventilador mecânico Bird Mark 7 serviu de inspiração
daqueles que o seguiram com suas inovações e aprimoramentos. Trata-se de um ventilador que assiste e controla a
ventilação, sendo disparado à tempo ou à pressão, ou seja,
inicia o tempo inspiratório após atingir o tempo controlado
ou aguarda o paciente gerar uma pressão negativa no circuito
para iniciar o tempo inspiratório. Após alcançar determinada
pressão intrapulmonar o ventilador encerra o tempo inspiratório e inicia o tempo expiratório, isto é, sua ciclagem ocorre
obedecendo um limite de pressão7.
O ventilador mecânico Bird Mark 7 é um aparelho de
baixo peso (2,5 kg) construído de plástico verde transparente, mais resistente que o alumínio. Seu funcionamento exige
1. Fisioterapeuta Especialista em Pneumologia e Fisioterapia Respiratória, Supervisor do Curso de Fisioterapia Pneumo-Funcional e Fisioterapia
Intensiva da Santa Casa de São Paulo, Professor do Curso de Fisioterapia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
2. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória e Professora do Curso de Fisioterapia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
3. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória, Supervisora do Curso de Fisioterapia Pneumo-Funcional e Fisioterapia Intensiva da Santa Casa de São Paulo, Professora do Curso de Fisioterapia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
4. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia em Pneumologia e Fisioterapia Respiratória, Supervisor do Curso de Fisioterapia Pneumo-Funcional e Fisioterapia Intensiva da Santa Casa de São Paulo, Fisioterapeuta do Hospital Paulistano.
5. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Pneumo-Funcional e Fisioterapia na Monitorização e Tratamento em UTI.
6. Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Pneumo-Funcional e Fisioterapia em Pneumologia
7. Fisioterapeuta.
8. Doutor em Medicina, Professor Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Diretor do Serviço de Terapia
Intensiva da Santa Casa de Paulo
*Recebido da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – Serviço de Terapia Intensiva, São Paulo, SP
Apresentado em 11 de janeiro de 2005 - Aceito para publicação em 10 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Anderson José - Rua Porto Sabaúna, 266 - 03206-000 São Paulo, SP - Fone: (11) 6912-4142 - E-mail: dr_
[email protected]
94
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
fonte de energia que é representada pelo oxigênio ou ar sob
pressão. Em sua parte interna, consiste em dois compartimentos (direito e esquerdo) separados em sua parte central por um
diafragma elástico emoldurado por uma peça metálica7-9.
A força de atração magnética dos imãs, atuando sobre as
placas metálicas, é a responsável pelo afastamento do diafragma para a direita ou para a esquerda provocando, respectivamente, a abertura e fechamento da válvula de fluxo de gás.
Isto ocorre porque estando o diafragma, as placas metálicas e
a válvula de fluxo montados num eixo comum, o movimento
de uma das peças faz movimentar as outras10.
A câmara esquerda, chamada câmara da sensibilidade,
está em comunicação com o ar atmosférico através de um
filtro de ar e, a câmara direita, chamada câmara da pressão,
conecta-se com as vias aéreas do paciente. Com o aparelho
em atividade, a pressão na câmara direita atinge o valor préajustado na máquina. A válvula de fluxo se mantém aberta
durante a inspiração permitindo que os gases sob pressão entrem na câmara direita e em seguida passem para o paciente.
Entretanto, a entrada gradual de gases conduz a um aumento
de pressão nesta câmara provocando o desvio do diafragma
para o lado esquerdo; ou seja, ele se afasta do imã direito e
a placa metálica esquerda é empurrada em direção ao imã
esquerdo. Com o desvio do diafragma para a esquerda, a válvula de fluxo se fecha, terminando assim a inspiração. Neste
momento o aparelho realiza a ciclagem8.
A expiração é passiva e os pulmões desinsuflam por sua
própria elasticidade. Os gases expirados são eliminados por
uma válvula expiratória. Terminada a fase expiratória, o esforço inspiratório do paciente faz com que na câmara esquerda a placa metálica se afaste do seu imã correspondente e em
conseqüência a placa metálica direita e o diafragma também
se movem para a direita. O imã direito, pela sua força de atração, desloca o diafragma para a direita e consequentemente
abre-se a válvula de fluxo e repete-se a fase da inspiração8.
O controle de pressão situado à direita do compartimento permite distanciar ou aproximar o disco metálico deste
compartimento, de tal forma que caso se encontrem o imã
e o disco metálico, será necessário uma pressão maior nesse
compartimento para vencer a força de atração exercida pelo
imã no disco metálico e assim permitir o desvio da unidade
central para a esquerda9.
A pressão poderá ser maior ou menor, dependendo do
número pré-fixado no comando de pressão, por meio de uma
alavanca. Este número fixa a distância entre o imã e sua placa metálica e determina a tração magnética que vai manter
a válvula de fluxo aberta/fechada7. Quanto menor a pressão
pré-fixado, maior será a distância entre o imã e sua placa
metálica e mais facilmente a válvula de fluxo será fechada.
Quanto maior a pressão pré-fixado, mais próximo estará o
imã de sua placa metálica e maior será a dificuldade para desligar a referida válvula7.
O objetivo deste estudo foi avaliar a evolução clínica e
mortalidade dos pacientes submetidos ao ventilador mecânico Bird Mark7.
ção, foi realizado um estudo prospectivo na Unidade de Terapia Semi-Intensiva do Departamento de Medicina da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de junho de
2002 a novembro de 2003. Foram incluídos no estudo 60 pacientes com idade média de 61 ± 16 anos, com uma variação
de 24 a 93 anos, com predominância do sexo masculino com
57%(34) dos pacientes. O grupo feminino correspondeu a
43%(26) dos pacientes. O tempo de permanência em ventilação mecânica no ventilador Bird Mark 7 foi em média de 5 ±
4 dias, variando entre 1 e 20 dias.
Foram incluídos no estudo pacientes clínicos de ambos
os sexos, com idade superior a 18 anos, que permaneceram
sob ventilação mecânica no respirador Bird Mark 7 por um
período superior a 24 horas.
Foram excluídos do estudo pacientes que foram ventilados a qualquer momento por um outro modelo de ventilador
mecânico e pacientes que permaneceram sob ventilação mecânica no respirador Bird Mark 7 por um período inferior a
24 horas.
Os pacientes foram avaliados e observados quanto à sua
evolução clínica diária, complicações durante o período de
ventilação mecânica, desmame e evolução até a alta hospitalar ou óbito. Foi notificada a pontuação do Apache II e seu
Risco de Óbito (%) referente ao 1º dia de intubação orotraqueal.
A análise estatística realizada compreendeu o cálculo
de variáveis, médias e desvio-padrão, testes t de Student, de
Mann-Withnney e o Exato de Fisher. Para todos os testes foi
considerada diferença estatistíca significativa uma margem
de erro de 5% (p < 0,05).
MÉTODO
A ventilação mecânica é uma ciência relativamente nova
e a produção científica sobre este tema tem-se tornado consistente apenas recentemente, o que torna uma tarefa difícil
discutir um recurso de ventilação mecânica relativamente an-
Após aprovação do Comitê de Pesquisa do Centro de Terapia Intensiva e do Comitê de Ética em Pesquisa da InstituiVolume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
RESULTADOS
Observou-se neste estudo que a disfunção respiratória foi
o principal motivo que levou estes pacientes à ventilação mecânica, sendo responsável por 58%(35) dos pacientes. A maioria dos casos por broncopneumonia, representando 55%(33)
dos casos, seguida por causas neurológicas que correspondeu
a 13,3%(8) dos pacientes. As disfunções metabólica, cardiológica, hematológica e gastrintestinais apresentaram incidência
em 3,3%(2) dos pacientes, respectivamente. Foram classificadas como outras disfunções aquelas que não se enquadram
nos grupos anteriores onde observou-se 18,3%(11) dos pacientes estudados.
O APACHE II calculado apresentou uma média de 23 ±
5 pontos, variando entre 10 e 40. O risco de óbito estimado
foi de 49% ± 21%, porém nestas observações constatou-se um
taxa de óbito de 98%, diferença estatística significativa (p =
0,005).
Dos 60 pacientes observados, 5%(3) foram extubados, um
destes evoluiu com alta hospitalar e dois pacientes para óbito. Os 57 pacientes restantes (95%) apresentaram óbito ainda
sob ventilação mecânica no Bird Mark 7.
DISCUSSÃO
95
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
tigo, como é o caso do equipamento Birk Mark 7, uma vez
que são raros os desenvolvimentos científicos, atualizados e
com algum grau de evidência sobre este tema.
No local onde se desenvolveu o estudo são internados pacientes clínicos de diversas etiologias que necessitam de cuidados semi-intensivos. Porém, algumas vezes, encontram-se
neste local pacientes criticamente enfermos que necessitam
de cuidados intensivos; para estes pacientes são mobilizados
recursos de terapia intensiva adequados para o seu tratamento, como ventilador mecânico, bombas de infusão contínua
de medicamentos, equipamentos de monitorização, acompanhamento médico e de enfermagem contínuo e ininterrupto,
além do acompanhamento das equipes de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição e psicologia dentre
outras. A utilização do Bird Mark 7 para os pacientes pesquisados neste estudo residiu no fato de que no local de internação destes pacientes não havia outros recursos de ventilação
mecânica disponíveis.
Observou-se nessa casuística, que os pacientes estudados
revelaram-se graves e que apresenta correlação na média de
23 pontos do APACHE II e conseqüentemente um risco de
óbito de 49%.
No grupo em estudo, constatou-se que 58% dos pacientes
foram hospitalizados devido à alguma disfunção do sistema
respiratório. Em termos de demanda de assistência médicohospitalar, as doenças respiratórias são soberanas, tornandose as primeiras causas de internações entre os pacientes com
idade superior a 65 anos11.
Em relação aos mecanismos de defesa, este parece
apresentar relação inversa entre a idade e a velocidade
de depuração mucociliar, com diminuição no reflexo da
tosse e aumento na possibilidade de aspiração, o que tornam as pneumonias mais freqüente nesse grupo etário12.
A principal causa de internação hospitalar nos pacientes
estudados foi a broncopneumonia (BCP), semelhante às
descrições encontradas na literatura, que correspondeu à
maioria dos casos.
Freqüentemente existe uma associação com outras afecções, o que faz com que se aumente substancialmente o risco
de contrair novas infecções. Além disso, fatores como diminuição do nível de consciência, imobilidade no leito, uso de
drogas sedativas e diminuição da imunidade celular também
contribuem para o agravamento do quadro12.
Com estas alterações no sistema respiratório, esta população predominantemente de idosos torna-se especial, principalmente quando ocorre a necessidade de suporte ventilatório adequado e cauteloso.
O ventilador mecânico Bird Mark 7 apresenta algumas
vantagens em relação aos outros equipamentos, como por
exemplo, seu baixo custo, sua simplicidade mecânica e seu
fácil manuseio13. Por estas razões, este aparelho ainda é utilizado em grande escala, inclusive nas capitais e em grandes
centros médicos do país. Porém, atualmente, a sua indicação
deve ser precisa e sua utilização deve ser reservada apenas por
um curto período de tempo e em situações de emergência,
porque, apesar de tais vantagens, suas desvantagens apresentam-se com maior relevância. A falta de recursos modernos
de ventilação mecânica encontrados no ventilador Bird Mark
7 dificulta a ventilação nos pacientes graves, como os pesquisados neste estudo.
96
Chama a atenção o problema do equipamento necessitar
de uma vigilância e monitorização direta do operador por
não possuir alarmes de segurança, levando o paciente a um
risco contínuo9.
Como ele opera através de ciclagem à pressão, não há
um controle dos volumes corrente e minuto, levando à uma
falta de monitorização da ventilação alveolar, necessitando
de complemento espirométrico para avaliação dos volumes
respiratórios13.
É impossível determinar o grau de força muscular que
os pacientes devem exercer para poder assistir a ventilação
mecânica, realizando os disparos, em virtude dos sistemas
de imãs que compõem este mecanismo. Isto pode levar a
uma sucessão de demoradas e por vezes ineficazes contrações da musculatura inspiratória predispondo-as a fadiga e
posteriormente falência muscular, dificultando todo o processo de desmame da ventilação mecânica. Em alguns serviços, tem-se relatado a utilização de uma válvula de PEEP
do tipo “spring load”, porém, o ventilador não “reconhece”
esta válvula de PEEP como os ventiladores microprocessados e, se o paciente estiver realizando ciclos assistidos, isto
tornará o disparo da ventilação mecânica ainda mais difícil,
potencializando o seu efeito sobre a fadiga dos músculos
inspiratórios.
A pressão inspiratória deste ventilador varia de 0 a 40
cmH2O que, em casos especiais como o de pacientes com baixa
complacência tóraco-pulmonar, se torna insuficiente13. Além
disto, a forma de ciclagem à pressão, atualmente em desuso
na moderna ventilação mecânica, desfavorece o processo de
recrutamento alveolar, impedindo que os gases distribuam-se
por áreas de baixa complacência e dependentes, hiperdistendendo e lesando áreas de complacência preservada14,15.
A fração inspirada de oxigênio (FiO2) fornecida pelo
equipamento limita-se a 40% ou 100%, tornando difícil a
correção de hipoxemia ou hiperóxia quando presentes na gasometria arterial, podendo resultar em lesões por hipóxia ou
pela toxidade do excesso de oxigênio.
Condutas importantes utilizadas na ventilação mecânica moderna, como por exemplo a aplicação terapêutica de
PEEP, recrutamento alveolar e inversão de relação I;E, dentre outros, tornam-se inviáveis devido a falta destes recursos,
particularmente importantes em pacientes graves como os
pesquisados neste estudo14-16.
CONCLUSÃO
Os pacientes que utilizaram o ventilador mecânico Bird
Mark 7 apresentaram uma baixa performance no desmame
da ventilação mecânica e uma alta taxa de mortalidade observada quando comparada com a taxa mortalidade prevista.
Um dos fatores observados como relevante nesta alta taxa de
mortalidade pode ter sido a falta de recursos oferecidos pelo
ventilador Bird Mark 7, que dificulta a realização de ventilação mecânica estratégica e adequada aos pacientes.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O ventilador mecânico Bird Mark 7 foi um dos primeiros equipamentos
de ventilação mecânica automática a ser comercializado
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
mundialmente e produzido em escala industrial. Apesar
de tecnologicamente superado, ainda é muito utilizado. O
objetivo deste estudo foi avaliar a evolução clínica e mortalidade dos pacientes submetidos ao ventilador mecânico
Bird Mark 7.
MÉTODO: Foram estudados 60 pacientes adultos, com
idade média de 61 ± 16 anos, 57% (34) eram do sexo masculino e 43%(26) dos pacientes eram do sexo feminino, com
quadro de insuficiência respiratória aguda de origem multietiológica, nos quais se utilizou o ventilador mecânico Bird
Mark 7 por um período superior a 24 horas. Foi observada
diariamente a evolução clínica de cada paciente.
RESULTADOS: A broncopneumonia foi a principal
causa de indicação da ventilação mecânica (55% (33)).O
tempo médio de ventilação mecânica foi 5 ± 4 dias. 5%(3)
dos pacientes foram desconectados do ventilador mecânico
e extubados, destes, um paciente evoluiu com alta hospitalar
e dois pacientes para óbito. O índice APACHE II apresentou uma média de 23 ± 5 pontos, com risco de óbito de 49%
± 21%, porém o óbito observado foi de 98% (59).
CONCLUSÕES: Os pacientes que utilizaram o ventilador mecânico Bird Mark 7 apresentaram baixa performance no desmame e alta mortalidade quando comparada com
a mortalidade prevista. Um dos fatores observados como
relevante nesta alta mortalidade pode ter sido a falta de recursos oferecidos pelo ventilador, dificultando a realização
de uma ventilação mecânica estratégica e adequada aos pacientes.
Unitermos: Bird Mark 7, ventilação mecânica
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
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97
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Incidência de Complicações em Terapia
Nutricional Enteral de Pacientes em Estado Grave*
Incidence of Enteral Nutrition Complications in Critically ill Patients.
Ricardo Martins Borges1, Carla Barbosa Nonino-Borges2, Antonio Dorival Campos3, Anibal Basile-Filho4.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Human beings need nutrients in adequate quality and amount in order to satisfy
their needs. Sometimes this offer can not be achieved by oral intake and should be done by enteral route. The aims of this
study were to evaluate the frequency of tube feeding related complications in critically ill patients and evaluate the relation
between complications frequency and enteral feeding nutrition regarding nutrients sources and type of container (open or
closed system).
METHODS: A 364 cases from 2 intensive care units were reviewed. 166 meet the study criteria. Data were analyzed in two
separated groups, depending on nutrition solution used. Nutrition solutions were similar in all characteristics except type of
container and nutrients sources. The following complications had been analyzed: diarrhea, aspiration, regurgitation, vomits,
constipation and abdominal distention.
RESULTS: The incidence of complications was different between groups (22.8% and 38.5%, p< 0.05), being diarrhea the
only complication that occurred with different incidence (13.8% and 45.8%, p< 0.05). Tube feeding had an incidence of
complications of 27.7% and this may compromises the caloric intake of patients.
CONCLUSIONS: Container system does not seem to influence the incidence of complications; however the use of only one
or two sources of macronutrients (100% of proteins from casein and 100% carbohydrates from maltodextrin) can be an
important factor to predispose diarrhea.
Key Words: complications; Enteral nutrition, ICU setting.
O
ser humano necessita de nutrientes em quantidade
e qualidade adequados para atender suas necessidades1. Muitas vezes a oferta desses nutrientes não
pode ser feita por via oral, devendo-se utilizar as vias enteral
e/ou parenteral para a sua administração ao paciente2. Os nutrientes são necessários no reparo tecidual, na secreção hormonal, correto funcionamento imunológico e manutenção
da integridade da mucosa gastrintestinal. O déficit nutricional está associado ao aumento da morbidade e mortalidade
em pacientes em estado grave3,4,5.
A administração de soluções de nutrientes através de uma
sonda diretamente no estômago ou intestino de um paciente
é hoje amplamente utilizada, sendo que o acesso ao trato gastrintestinal pode ser feito por meio de sondas posicionadas
no estômago ou no intestino por via nasal ou oral do paciente
ou por sondas posicionadas através da parede abdominal, via
gastro ou jejunostomia.
Os pacientes em estado grave que são internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) têm maiores riscos de se
desnutrirem uma vez que, muitas vezes, se encontram em um
estado de hipermetabolismo e hipercatabolismo como conseqüência às respostas metabólicas à lesão. Esse estado leva
rapidamente a perda de massa corpórea magra, redução de
importantes processos imunológicos e cicatriciais e disfunção de órgãos vitais6,7. A intervenção nutricional adequada e
precoce nesses pacientes reduz a mortalidade porque há uma
melhora na resposta metabólica ao trauma, na incidência
de complicações infecciosas8,9, mantém a permeabilidade da
mucosa intestinal e reduz a disfunção de múltiplos órgãos10.
O uso da TNE está relacionado a menor incidência de quadros infecciosos, quando comparada à TNP11-13. Não há uma
explicação conhecida para a menor incidência de complicações infecciosas nos pacientes submetidos à TNE, porém a
espessura e a permeabilidade da mucosa intestinal parecem
ter participação na redução de infecção14,15.
Apesar dos benefícios da TNE, existem algumas situações
onde sua utilização não é possível ou quando a TNP deve
ser utilizada como fonte primária da terapia nutricional. Nas
condições que exigem TNP, se o trato gastrintestinal estiver
funcionante, pelo menos parcialmente, deve-se administrar
pequenas quantidades de nutrição visando atenuar a atrofia
por desuso e manter suas múltiplas funções16.
O uso da TNE pode ser limitado por diversos fatores técnicos e complicações relacionados ao método como regur-
1. Médico Assistente e Pós-Graduando da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
2. Nutricionista Chefe da Unidade Metabólica da Divisão de Nutrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo
3. Professor Associado do Departamento de Medicina Social (Estatística Médica) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade
de São Paulo
4. Professor Associado e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
*Recebido Disciplina de Terapia Intensiva (Centro de Terapia Intensiva da Unidade de Emergência e Campus – Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto) do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
• Dissertação de Mestrado realizada na Disciplina de Terapia Intensiva (Centro de Terapia Intensiva da Unidade de Emergência e Campus – Hospital das
Clínicas de Ribeirão Preto) do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Apresentado em 03 de março de 2005 - Aceito para publicação em 12 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Anibal Basile-Filho - Av. Bandeirantes, 3900 - 14049-900 Ribeirão Preto, SP - Fone: (16) 602-2439 - E-mail:
[email protected]
98
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
gitação, broncoaspiração, intolerância gastrintestinal, perda
do acesso ao trato gastrintestinal, otite, sinusite, distúrbios
metabólicos e síndrome de hiperalimentação17. Procedimentos e intervenções médicas também podem prejudicar a TNE,
uma vez que pode ser necessária a suspensão dessa modalidade de terapia nutricional, mesmo que temporariamente, para
a realização destes procedimentos18.
O reconhecimento das causas das complicações relacionadas à TNE pode auxiliar na tomada de decisões para que
se reduza a sua incidência e mais pacientes se beneficiem do
método. Os objetivos do presente estudo são identificar e
verificar a freqüência das complicações associadas à terapia
nutricional enteral em pacientes em estado grave, assim como
analisar comparativamente as complicações quanto ao sistema de acondicionamento e analisar comparativamente as
complicações quanto à fonte de macronutrientes da fórmula
para nutrição enteral.
MÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(HCFMRPUSP) e no CTI do Hospital e Maternidade São
Lucas (HMSL) de Ribeirão Preto, no período de janeiro de
2000 a julho de 2003, comparando a incidência de complicações relacionadas à TNE quando utilizada soluções para
nutrição de composição semelhante, porém com fontes diferentes de macronutrientes e sistemas aberto e fechado de
acondicionamento das soluções. Este estudo foi previamente
aprovado pelo Comitê de Ética das Instituições.
Foram revisadas 364 internações no total, sendo 252 ocorridas no CTI do HC-FMRPUSP e 112 internações ocorridas
no CTI do HMSL ambos no município de Ribeirão Preto.
Os critérios de inclusão no estudo foram idade acima de 20
anos, incapacidade de alimentação por via oral, trato gastrintestinal com função intacta, compatível com a utilização de
solução para nutrição tipo polimérica, ausência de comorbidades que indicassem a utilização de soluções para nutrição
especializadas.
Foram excluídos do estudo os pacientes que não se enquadravam nos itens descritos, não tinham condição de se
alimentar por via oral, mesmo que apenas parcialmente, foram mantidos exclusivamente em terapia nutricional parenteral, não apresentaram condições hemodinâmicas de se iniciar
terapia nutricional. Analisou-se os dois CTI separadamente,
sendo que em cada um deles se usou solução para nutrição
padrão, porém com fonte de macronutrientes diferentes. A
avaliação de todos os critérios (análise clínica, padronização
dos nutrientes, padronização dos métodos de infusão e verificação de intolerâncias) foi feita pelo mesmo observador.
Para avaliar a gravidade dos pacientes, foi utilizado o
Acute Physiologic And Chronic Health Evaluation II (APACHE II) 19. A avaliação do APACHE II foi feita nas primeiras 24 horas de internação do paciente no respectivo CTI.
Baseado no valor do APACHE II e na doença que motivou
a internação no CTI foi realizado o cálculo do risco de óbito
(RO) dos pacientes. Para o cálculo do APACHE II e do RO
foi utilizada uma planilha eletrônica e o programa Microsoft
Excel 2002®, Microsoft Corporation.
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
As soluções para nutrição tinham as seguintes características em comum: densidade calórica (1,0 kcal.mL-1), distribuição de macronutrientes, a saber, proteínas: 16% (40 g.L-1),
carboidratos: 49 a 51% (122 a 127 g.L-1), lipídios: 33% a 35%
(35 a 39 g.L-1), relação kcal não protéica : gramas de nitrogênio (132 a 134:1), osmolalidade (310 a 350 mOsm.kg.H2O-1)
relação de ácidos graxos ω6:ω3 (4 a 5:1), concentrações de
eletrólitos (sódio: 8,7 a 10,0 mg.mL-1, potássio: 12,5 a 15,0
mg.mL-1, cálcio: 6,7 a 8,0 mg.mL-1, fósforo: 6,7 a 7,2 mg.mL1
, magnésio: 2,3 a 2,7 mg.mL-1, cloreto: 12,0 a 12,5 mg.mL-1),
vitaminas e micronutrientes (oferta de 100% das recomendações de ingestão diária para homens adultos em 1500 mL)20.
Apesar das semelhanças, as soluções eram diferentes
quanto à fonte dos macronutrientes, sendo que a solução 1
apresentava como fonte de proteínas: 50% caseinato de potássio e 50% proteína do soro do leite, como fonte de carboidratos: 48% maltodextrina, 35% xarope de milho e 18%
sacarose, e lipídios: 51% óleo de canola, 16% óleo de milho,
25% TCM, 5% lecitina de soja, 3% gordura láctea. Já a solução 2 tinha, como fonte de proteínas: 100% caseinato, carboidratos: 100% maltodextrina, e lipídios: 40% óleo de girassol,
60% óleo de canola.
As soluções também diferiam quanto ao método de acondicionamento: para a administração da solução 1 (grupo 1)
utilizou-se sistema aberto e pó para reconstituição, uma vez
que a instituição na qual se utilizou esta solução possui um
lactário aonde ocorre a manipulação das soluções para nutrição que atende as recomendações de higiene e boas práticas em terapia nutricional enteral da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA)21. Já a solução 2 (grupo 2)
era acondicionada em sistema fechado, com solução pronta
para infusão. As soluções para nutrição foram administradas
continuamente, em 24 horas, sem pausa para repouso, por
meio de sonda tipo Dubb-Hoff, calibre variando entre 7 e 12
french, na posição nasogástrica confirmada por método auscultatório e por aspiração de conteúdo gástrico, independente da instituição aonde o paciente se encontrava.
A oferta calórica foi calculada utilizando-se o gasto energético basal (GEB) de cada paciente calculado por meio das
equações preditivas de Harris-Benedict22. As necessidades
energéticas e, portanto, a oferta, calórica, eram estimadas a
partir do GEB, corrigidos por fatores que não ultrapassaram
20%, conforme evidenciado em trabalhos recentes utilizando calorimetria indireta23-25. A terapia nutricional somente
foi iniciada quando o paciente encontrava-se hemodinamicamente estável e sem oscilações nos padrões de ventilação,
sendo estas estabilidades definidas pela equipe médica. A
oferta calórica inicial era de 30% das necessidades totais se
o paciente se encontrava a mais de 24 horas de jejum ou 50%
das necessidades totais se o paciente encontrava-se a menos
de 24 horas de jejum. O aumento da oferta calórica era de
15% a 20% d-1 caso o paciente não apresentasse complicações
e apresentasse glicemia menor que 180 mg.dL-1.
Foram analisadas as seguintes complicações relacionadas
à TNE: diarréia (cinco ou mais episódios de evacuações líquidas em 24 horas ou um volume fecal diário estimado maior
que 500 mL), broncoaspiração (presença de solução para nutrição em vias aéreas ou cânulas, associado a sinais clínicos
e laboratoriais de deterioração da função pulmonar, como
hipoxemia na gasometria arterial, infiltrado pulmonar ao
99
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
controle radiológico, taquicardia e taquipnéia), regurgitação
e vômitos (regurgitação foi definida como a presença de dieta
em cavidade oral ou nasal e vômitos foram definidos como a
saída ativa de dieta enteral pela boca. Regurgitação e vômitos
foram interpretados como uma mesma complicação pela dificuldade em se realizar a diferenciação entre eles), constipação
(necessidade do uso de laxantes ou realização de enemas, a
critério da equipe médica), distensão abdominal (alterações
quanto à tensão abdominal no exame físico com presença de
timpanismo e/ou desaparecimento de ruídos hidroaéreos)26.
Os dados coletados dos grupos foram inseridos em uma
planilha eletrônica do programa Microsoft Excel 2002®, e
processados eletronicamente com o programa GraphPad
InStat®, GraphPad Software Inc, EUA.
Foram utilizados os testes t de Student para amostras
não pareadas (comparação entre as populações, quando
as variáveis apresentavam distribuição normal, verificadas
pelo método Kolmogorov e Smirnov e desvios-padrão sem
diferença entre as populações), t de Student para amostras
não pareadas com correção de Welch (comparação entre as
populações, assumindo dados com distribuição normal pelo
método Kolmogorov e Smirnov, porém com desvios-padrão
diferentes entre as populações), e o teste Exato de Fisher
(comparação de duas proporções independentes). Adotou-se
o nível de significância de 5% (p < 0.05).
RESULTADOS
Das internações revisadas, 166 preencheram os critérios
de inclusão no estudo. Dos pacientes que foram excluídos,
126 (63,7%) se alimentavam exclusivamente por via oral, 8
(4%) receberam terapia nutricional com soluções para nutrição diferentes das padronizadas no estudo, 41 (20,7%) permaneceram em jejum por não haver estabilização do quadro
hemodinâmico, 12 (6,1%) receberam terapia nutricional via
parenteral exclusivamente e 11 (5,5%) estavam abaixo da idade mínima. Dos 166 pacientes que preencheram os critérios
de inclusão no estudo, 83 eram do sexo feminino (50%) e 83
eram do sexo masculino (50%).
A idade variou entre 21 e 94 anos, com média de 56,4 ±
19,4 e mediana de 66,5 anos. A avaliação da gravidade do
quadro clínico, feita por meio do índice APACHE II e do
cálculo do risco de óbito (RO) resultou em um valor médio
de 23,4 ± 8 e mediana de 23,5 pontos para o APACHE II
e 43,9 ± 26,1 e mediana de 42,3% de RO. O tempo de internação no CTI foi, em média, de 13,2 ± 14,2 e mediana
de 9 dias, e o tempo de utilização da dieta enteral durante
a internação no CTI foi de 11,6 ± 14 com mediana de 7
dias. A análise das características demográficas e índices de
gravidade de cada um dos dois grupos não mostrou diferenças em nenhuma das características analisadas, exceto
idade. A idade média do grupo 1 foi de 51,1 ± 18,3 e a do
grupo 2 de 67,9 ± 16,6 anos (p < 0,05). As características de
cada um dos grupos analisados encontram-se na tabela 1.
A gravidade dos pacientes, avaliada pelo índice APACHE
II e pelo cálculo do RO foram semelhantes e também não
foi evidenciada diferença na idade entre aqueles pacientes
que apresentaram e aqueles que não apresentaram complicações. Os pacientes que tiveram complicações relacionadas
à TNE tinham um APACHE II médio de 25,5 ± 6,8 e risco
100
Tabela 1 – Características Demográficas
Variáveis
Grupo 1
Número de pacientes
Idade (anos) +
114
52
51,1 ± 18,3
67,9 ± 16,6*
50,9%
48,1%
Sexo masculino £ ¥
APACHE II
+
Risco de óbito (%) +
Grupo 2
22,7 ± 8,1
25,0 ± 7,6
43,6 ± 26,0
45,7 ± 26,3
*: p < 0.05
+
: Teste t de Student não pareado com correção de Welch
£
: Teste Exato de Fisher
¥
: Em porcentagem em relação ao grupo
de óbito médio de 50,4% ± 24,2% (Tabelas 2 e 3). O número
de pacientes com complicações associadas à TNE foi de 46
(27,7%), sendo 26 (22,8%) no grupo 1 e 20 (38,5%) no grupo
2 (Tabela 4). O número de complicações associadas à TNE
foi de 53, uma vez que 3 pacientes no grupo 1 e 4 no grupo 2 apresentaram duas complicações relacionadas à TNE.
A freqüência das diferentes complicações e a distribuição
destas nos dois grupos encontram-se na tabela 5. A necessidade energética estimada dos pacientes submetidos à TNE
foi, em média, de 1620,0 ± 173,3 kcal.d-1. Os pacientes que
não tiveram complicações relacionadas à TNE tinham uma
necessidade energética estimada em 1639,1 ± 151,2 kcal.d-1.
Aqueles que tiveram complicações tinham uma necessidade
energética estimada em 1602,1 ± 191,8 kcal.d-1. No grupo
1 as necessidades energéticas foram estimadas em 1649,1
± 161,6 kcal.d-1, enquanto no grupo 2 foram estimadas em
Tabela 2 - Características dos Pacientes
que Tiveram e dos que não Tiveram
Complicações Relacionadas à TNE
Variáveis
Com Complicações
Número de pacientes
Idade (anos) +
Sexo masculino £ ¥
Sem Complicações
46
120
60,7 ± 19,2
54,7 ± 19,2
45,7%
48,3%
APACHE II +
24,9 ± 7,4
22,9 ± 8,2
Risco de óbito (%)+
49,3 ± 24,8
41,8 ± 26,4
: Teste t de Student
£
: Teste de Exato de Fisher
¥
: Em porcentagem em relação ao grupo
+
Tabela 3 - Características dos Pacientes que Tiveram
Complicações Relacionadas à TNE conforme o Grupo de Estudo
Variáveis
Grupo 1
Grupo 2
Número de pacientes e percentual
26 (22,8)
20 (38,5)
Idade (em anos) +
52,9 ± 18
70,8 ± 15,9*
Sexo masculino £ ¥
45,7%
48,3%
APACHE II
ƒ
Risco de óbito (%) +
23,7 ± 8,5
26,5 ± 5,5
47,5 ± 25,9
51,6 ± 23,7
*: p< 0,05
+
: Teste t de Student
£
: Teste Exato de Fisher
ƒ
: Teste t de Student não pareado com correção de Welch
¥
: Em porcentagem em relação ao grupo
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 4 - Distribuição dos Pacientes com
Complicações, conforme a Primeira Complicação
ocorrida, nos Dois Grupos de Estudo
Complicações
Grupo 1
Grupo 2
Distensão
6
0*
Diarréia£
4
11*
Regurgitação/ Vômitos£
14
9
Broncoaspiração£
0
0
Constipação
2
0
Total
26
20*
£
£
£
*:p< 0,05
£
: Teste Exato de Fisher
Tabela 5 - Incidência e Distribuição das
Complicações nos Dois grupos de Estudo
Complicações
Grupo 1
Grupo 2
6
3
4
11*
Regurgitação/ Vômitos
16
9
Broncoaspiração£
1
0
Distensão£
Diarréia
£
£
Constipação
2
1
Total£
29
24*
£
1575 ± 185,7 kcal.d-1 (p = 0,02). Os pacientes que tiveram
complicações relacionadas à TNE estavam recebendo, em
média, 1039 ± 355,2 kcal.d-1 no grupo 1 (Figura 1) e 894,7 ±
417,0 kcal.d-1 no grupo 2 (p < 0,0001) (Figura 2). Essa oferta calórica correspondia a 65% ± 23,7% das necessidades
calculadas dos pacientes no grupo 1 e 55,4% ± 24,8% das
necessidades dos pacientes do grupo 2 (p = 0,18) (Figura
3). As complicações ocorreram, em média, com 5,5 ± 3,1
dias no grupo 1 e 4,4 ± 1,6 dias no grupo 2. O tempo de
internação dos pacientes que receberam TNE foi, em média,
de 13,1 ± 13,8 dias, com mediana de 9 dias. Aqueles que
tiveram complicações associadas à TNE ficaram internados
por 17,0 ± 12,4 dias (mediana = 14 dias), enquanto aqueles
que não tiveram complicações ficaram internados por 11,6
± 14,1 dias (mediana = 8 dias) (p = 0,0003). O tempo de in-
Figura 1 - Oferta Calórica Programada e Real dos Pacientes
com Complicações Relacionadas à TNE no Grupo 1
*:p< 0,05
£
: Teste Exato de Fisher
Tabela 6 - Relação entre Tempo de Internação e Presença de
Complicações Relacionadas à TNE, Conforme o Grupo de Estudo
Tempo de Internação (dias)
Pacientes
Grupo 1
Grupo 2
Submetidos à TNE
14,6 ± 15,5
9,8 ± 8,1*
Com complicações+
19,7 ± 13,9
13,5 ± 9,3
Sem complicações§
13,1 ± 15,8
7,4 ± 6,2*
§
*:p < 0,05
§
:Teste de Mann Whitney
+
Teste t de Student não pareado com correção de Welch
Figura 2 - Oferta Calórica Programada e Real dos Pacientes
com Complicações Relacionadas à TNE no Grupo 2
Tabela 7 - Evolução dos Pacientes Submetidos à TNE que não
Apresentaram Complicações, Conforme o Grupo de Estudo
Pacientes
Grupo 1
Grupo 2
Alta£
61,4% (n = 54)
53,1% (n = 17)
Óbito£
38,6% (n = 34)
46,9% (n = 15)
: Teste Exato de Fisher
£
Tabela 8 - Evolução dos Pacientes Submetidos à TNE que
Apresentaram Complicações, conforme o Grupo de Estudo
Pacientes
Grupo 1
Grupo 2
Alta
38,5% (n = 10)
40% (n = 8)
Óbito£
61,5% (n = 16)
60% (n = 12)
£
: Teste Exato de Fisher
£
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
101
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 3 - Porcentagem da Necessidade Calórica
Ofertada no Dia da Complicação Associada à TNE
ternação dos pacientes submetidos à TNE foi de 14,6 ± 15,5
dias (mediana = 10 dias) no grupo 1 e de 9,8 ± 8,1 (mediana
= 7,5) no grupo 2 (p = 0,01). O tempo de internação dos pacientes de cada grupo conforme a presença ou não de complicações está apresentado na tabela 6. Dos 166 pacientes
submetidos à TNE, 53,6% receberam alta do CTI, enquanto
46,4% foram a óbito. A incidência de óbitos entre os pacientes que apresentaram complicações relacionadas à TNE foi
de 60,9% e de 40,8% entre aqueles que não apresentaram
complicações (p < 0,05). A relação entre o número de óbitos
observados e o número de óbitos esperados, calculado pelo
risco de óbito é conhecida como índice de óbito (IO). O IO
entre os pacientes com complicações relacionadas à TNE
foi de 1,24 e de 0,92 entre aqueles que não tiveram complicações. A evolução dos pacientes, conforme os grupos de
estudo, está descrita nas tabelas 7 e 8.
DISCUSSÃO
No presente estudo, a oferta calórica, quando ocorreram as complicações, era menor que as necessidades energéticas dos pacientes. Essa oferta calórica reduzida, mesmo
que por curtos períodos associada a quadros de metabolismo aumentado, pode comprometer o estado nutricional dos
pacientes. Desnutrição, intra-hospitar ou não, aumenta o
tempo de internação hospitalar, a morbidade e a mortalidade dos pacientes5. Esse aumento na morbidade e também
na mortalidade nos impelem a buscar soluções e medidas
eficazes para a redução na incidência de complicações relacionadas à TNE em pacientes internados em unidades de
terapia intensiva.
As amostras estudadas mostravam-se semelhantes em todas as características avaliadas, exceto na idade. Porém não
foram encontradas diferenças nas características demográficas entre aqueles pacientes que apresentaram complicações e
aqueles que não apresentaram complicações relacionadas à
TNE. Também não houve diferença no APACHE II ou no
risco de óbito dos pacientes com ou sem complicações relacionadas à TNE, mostrando que a gravidade dos pacientes
era semelhante.
Considerando que as características demográficas dos
pacientes com e sem complicações eram semelhantes, era de
102
se esperar que também não houvesse diferença entre suas
necessidades energéticas estimadas, como de fato ocorreu.
Assim, não é possível se avaliar o risco de complicações associadas à TNE pelo APACHE II e pela necessidade energética, como proposto já na literatura por Basile-Filho e
col.27 nessa população específica, provavelmente pelo alto
valor do APACHE II dos pacientes. Entre os pacientes que
apresentaram complicações relacionadas à TNE, quando
separados nos dois grupos propostos, as características demográficas se mantêm semelhantes exceto a idade. Há uma
diferença entre os grupos. Apesar dessa diferença, o valor
do APACHE II, que leva em consideração a idade do paciente, foi semelhante nos dois grupos assim como o risco
de óbito (RO). A diferença na idade se fez notar nas necessidades energéticas estimadas.
Apesar da semelhança das características, houve incidência de complicações maior no grupo 2. Considerando
que os grupos eram semelhantes, que os métodos de infusão
das soluções para nutrição também eram semelhantes e que
existiam diferenças entre os grupos quanto às soluções para
nutrição enteral utilizadas (tanto na composição quanto no
grau de manipulação prévia à infusão), estas podem estar
relacionadas com a diferença na incidência de complicações
relacionadas à TNE observadas no estudo.
A incidência de complicações entre os grupos foi semelhante para todas, exceto para diarréia. A incidência de diarréia no grupo 2 foi maior que no grupo 1. A solução utilizada
pelo grupo 1 necessita manipulação prévia a sua administração (sistema aberto), enquanto a solução utilizada pelo
grupo 2 não necessita (sistema fechado). Assim, o risco de
contaminação da solução para nutrição no grupo 2 é praticamente nenhum, desde que respeitado o prazo de validade
da solução após aberto. O fato da incidência de diarréia no
grupo 1 não ser maior que no grupo 2, sugere que a contaminação da solução para nutrição utilizada por este grupo também não existiu. Assim, quando a manipulação da solução
para nutrição enteral é cuidadosa e segue as recomendações
e boas práticas de manipulação e preparo de nutrição enteral
consegue-se evitar a sua contaminação, confirmando dados
da literatura28.
A diarréia tem etiologia multifatorial, sendo o uso de
medicamentos, principalmente aqueles que aceleram o trânsito intestinal e os antibióticos de largo espectro; estresse e
a fórmula para nutrição enteral os mais comumente relacionados com o seu aparecimento29. Considerando que os
grupos eram semelhantes e que a diferença entre eles era
a solução para nutrição enteral, pode-se inferir que as diferenças entre as soluções para nutrição enteral sejam um
fator importante no surgimento de diarréia nestes pacientes.
A diferença de composição entre as soluções para nutrição
enteral era quanto à fonte de macronutrientes. A solução 1
apresentava duas fontes de proteínas, três de carboidratos
e cinco de lipídios enquanto a solução 2 apresentava uma
única fonte de proteína e carboidrato e duas fontes de lipídios. Exceto pelo óleo de girassol, todas as fontes de nutrientes da solução 2 estavam presentes na solução 1, porém
em menor quantidade. Sugere-se que esta diferença entre os
macronutrientes pode ser um fator importante na etiologia
da diarréia.
Em conclusão, a incidência de complicações relacioRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
nadas à nutrição enteral é relativamente alta, com 27,7%
dos pacientes submetidos a ela apresentando algum tipo
de complicação relacionada ao procedimento. No presente estudo, o uso de soluções industrializadas prontas para
uso (“sistema fechado”) não reduziu a incidência de complicações relacionadas à nutrição enteral quando comparado ao uso de soluções industrializadas reconstituídas em
lactário seguindo as recomendações da ANVISA21. Apesar
das características dos hospitais serem diferentes (hospital
universitário e hospital particular), houve uma padronização dos procedimentos relacionados à TNE em ambos,
reduzindo assim divergências quanto a procedimentos e
condutas relacionadas à terapia nutricional do paciente.
A fonte de macronutrientes parece ser fator importante na
incidência de diarréia. Soluções com macronutrientes provenientes de fontes exclusivas ou de poucas fontes podem
estar relacionadas com maior incidência de diarréia do que
soluções que têm macronutrientes oriundos de fontes variadas. No entanto, serão necessários outros estudos variando isoladamente apenas um macronutriente por vez de
cada fórmula e controlando as outras variáveis, inclusive a
idade dos pacientes, para se determinar se estes são fatores
causais de complicações, principalmente diarréia.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O ser humano necessita de nutrientes em quantidade e qualidade adequadas
para atender suas necessidades nutricionais. Muitas vezes
a oferta desses nutrientes não pode ser feita por via oral,
devendo ser feita por via enteral ou parenteral, sendo a via
enteral preferencialmente a mais indicada. Os objetivos desse estudo foram verificar a freqüência de complicações associadas à terapia nutricional enteral (TNE) em pacientes em
estado grave e analisar comparativamente estas quanto ao
sistema de acondicionamento e à fonte de macronutrientes
das fórmulas.
MÉTODO: Foi realizada uma análise retrospectiva de
364 internações consecutivas em dois centros de terapia intensiva (CTI). Cento e sessenta e seis pacientes preencheram
os critérios de inclusão no estudo e foram analisados em
dois grupos distintos que receberam soluções para nutrição
enteral com características semelhantes, exceto pelo sistema
de acondicionamento e pela fonte de macronutrientes. As
seguintes complicações foram analisadas: diarréia, broncoaspiração, regurgitação, vômitos, constipação e distensão
abdominal.
RESULTADOS: Houve diferença, entre os dois grupos,
na incidência de complicações totais (22,8% e 38,5%, p <
0,05) e na incidência de diarréia (13,8% e 45,8%, p < 0,05).
A incidência de complicações relacionadas à TNE foi de
27,7% e comprometeu a oferta calórica a estes pacientes.
CONCLUSÕES: O tipo de acondicionamento da solução não parece influenciar a incidência das complicações,
porém o uso de apenas uma ou duas fontes de macronutrientes (100% das proteínas provenientes de caseinato ou
100% dos carboidratos provenientes da maltodextrina) pode
ser um fator predisponente importante de diarréia.
Unitermos: Complicações, pacientes em estado grave, terapia nutricional enteral
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
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103
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
O Rápido Declínio da Concentração Sérica de Proteína
C-Reativa na Fase Inicial da Sepse é Preditivo de Boa Evolução*
Rapid Decline on Serum C-Reactive Proteins Levels is
Predictive of Favorable Outcome in Septic Patients.
Dumar Carlos Rezende Junior1, Janaína Maria Miranda Ferreira de Moraes1; Maria Gabriela de Lucca2,
Susana Renata Perez Orrico3, Marco Aurélio Spegiorin3, Antonio Carlos Christiano Junior3,
Carlos Alberto Polachini3, Sérgio Mussi Guimarães3, Suzana M Lobo4.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJETIVES: C-reactive protein (CRP) is a marker of inflammation used to monitor the course of infection and inflammatory diseases. We aimed to evaluate the value of decreasing CRP concentrations early after ICU admission
as a prognostic marker in septic patients.
METHODS: One hundred-fifty three patients consecutively admitted in the ICU (24 beds in a Tertiary Hospital) with sepsis
were evaluated. CRP serum levels were measured on admission and 24h after. Organ function was evaluated on a daily
basis.
RESULTS: Mortality rates for patients with sepsis (n = 7), severe sepsis (n = 45) and septic shock (n = 101) were 28%, 53%
and 72%, respectively.
CONCLUSIONS: A decrease in CRP by 20% or more from the previous day’s level was a good indicator of survival. Serial
measurements may be helpful to identify patients who require more aggressive interventions.
Key Words: ICU, C-reactive protein, sepsis, septic shock, sepsis marker, outcome, mortality.
A
sepse é uma das principais causas de morte em pacientes críticos1. Desta maneira, é fundamental o
reconhecimento rápido da síndrome assim como de
uma evolução complicada, daí a importância do uso de indicadores biológicos. Na sepse, como em outras condições traumáticas, são detectados níveis elevados de vários indicadores
inflamatórios e reagentes de fase aguda2-5. Em recente reunião
de consenso para reavaliar as definições e identificar metodologias, que aumentem a acurácia e a confiabilidade do diagnóstico de sepse, foi recomendado que, em conjunto com os
parâmetros convencionais, isto é, as alterações das contagens
de leucócitos, febre ou hipotermia, parâmetros clínicos e hemodinâmicos, sejam utilizados indicadores biológicos, e sugeriram o uso da proteína C-reativa (PCR) ou a procalcitonina1.
Os níveis séricos das principais citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias, assim como dezenas de outros
indicadores celulares ou moléculas bioativas circulantes,
poderiam ajudar a caracterizar a presença e a gravidade da
sepse. A proteína C-reativa (PCR) é um indicador da fase
aguda, sintetizado pelo fígado, em resposta a um estímulo inflamatório6. A interleucina-1 (IL-1), IL-6 e o fator de
necrose tumoral-alfa (FNTα) são mediadores que regulam
a síntese de PCR2-6. Exceto em pacientes com insuficiência
hepática grave, as concentrações séricas de PCR aumentam
sempre que processos inflamatórios, infecciosos ou não, es-
tiveram presentes e seus níveis séricos dependem somente da
intensidade do estímulo e da taxa de síntese6.
O valor de uma única medida de PCR no diagnóstico de
infecção e sepse foi investigado em alguns estudos e níveis
séricos entre 5 e 10 mg/dL têm sido sugeridos como ponto de
corte para o diagnóstico de sepse6-8. Em um estudo realizado
em pacientes com sepse e cultura positiva, um decréscimo de
25% ou mais dos níveis de PCR em relação ao dia anterior foi
um bom indicador de resolução da sepse (sensibilidade 97%,
especificidade 95%)9. Na sepse os níveis plasmáticos de PCR
e IL-6 declinam progressivamente entre o primeiro e o quarto
dia de evolução nos sobreviventes10.
O objetivo primário deste estudo foi avaliar o valor preditivo de sobrevida de variações dos níveis séricos de PCR
na fase inicial da sepse. O objetivo secundário foi avaliar os
níveis séricos de PCR na fase inicial da sepse.
MÉTODO
O presente estudo foi realizado a partir de uma análise
do banco de dados da UTI. Por tratar-se somente da analise de dados registrados não foi solicitado consentimento
do Comitê de Ética do hospital para realização deste estudo. De um total de 1175 pacientes admitidos no período de
fevereiro de 2003 a abril de 2004, 153 pacientes consecuti-
1. Médico Residente da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base – FAMERP
2. Médica Patologista Clínico. Hospital de Base – FAMERP
3. Médico Intensivista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base – FAMERP
4. Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base – FAMERP; Professora adjunta da Disciplina de Clínica Médica da
FAMERP.
*Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Base – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
Apresentado em 11 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 27 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Profª Dra Suzana Lobo - Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5544 - Hospital de Base 7° andar - 15090-000 São José
do Rio Preto, SP - E-mail: [email protected]
104
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
vos admitidos com diagnóstico de sepse tiveram seus dados
registrados prospectivamente em um banco de dados do
Serviço de Terapia Intensiva do Hospital de Base – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. O diagnóstico
de infecção foi considerado de acordo com parâmetros
clínicos, laboratoriais e microbiológicos usuais11. Sepse,
sepse grave e choque séptico foram definidos de acordo
com os critérios da ACCP/SCCM 12. Falências orgânicas
foram arbitrariamente definidas como se segue. Falência
cardiovascular foi considerada na presença de pressão arterial (PA) sistólica < ou = 90 mm Hg ou PA média < ou
= 70 mmHg por pelo menos uma hora após reanimação
volêmica ou necessidade de vasopressores. A falência respiratória foi definida pela presença de uma PaO 2/FiO2 <
200 ou PaO2/FiO2 < 250 na vigência de outra disfunção
orgânica. A falência renal foi considerada se o volume de
diurese era menor que 0,5 ml/kg/h por pelo menos uma
hora, mesmo após reanimação volêmica. A falência hematológica foi considerada na presença de uma contagem
total de plaquetas < 80.000/mm 3 ou diminuição de 50%
ou mais nas últimas 72h. Falência metabólica foi descrita
para pacientes com pH < 7,30 ou Excesso de Base com
valor inferior a -5mEq/L e com concentração sérica de
lactato > 1,5 vezes o normal. Falência de múltiplos órgãos (FMO) foi considerada na presença da associação
de duas ou mais falências orgânicas. A dosagem sérica
de PCR (imunoensaio turbidimétrico) foi realizada na
admissão na UTI e após cerca de 24 horas, com tempo
mínimo de 20h (considerado dia 1). A mortalidade hospitalar foi avaliada através dos prontuários eletrônicos. A
análise estatística foi realizada com os testes t de Student
e Exato de Fisher. A análise de regressão logística foi realizada para que por meio de um modelo de regressão
multivariado fosse avaliado o fator significativo na probabilidade de morte hospitalar. As variáveis cujos valores
de p foram inferiores a 0.2 foram mantidas no modelo em
uma segunda análise.
ram mais tempo no hospital (p = 0.001) em comparação
aos sobreviventes. A prevalência de falências orgânicas
em não sobreviventes e sobreviventes está representada
na figura 1. Os não sobreviventes tiveram uma prevalência significativa de falência respiratória (79% versus 56%,
p < 0,05) e hematológica (35% versus 17%, p < 0,05) do
que sobreviventes. Não sobreviventes e sobreviventes tiveram níveis similares de PCR na admissão (20,1,± 15
mg/dL e 19 ± 10 mg/dL, respectivamente). Todavia, no
dia 1 os níveis de PCR foram mais elevados em não sobreviventes em comparação aos sobreviventes (18.8 ± 10
mg/dL versus 15.6 ± 10 mg/dL respectivamente, NS).
Tabela 1 - Dados Demográficos e Níveis de
PCR em Sobreviventes e Não-Sobreviventes.
Número de pacientes
Idade (anos)
APACHE II escore
Falência orgânica
PCR admissão (mg/dL)
PCR dia 1 (mg/dL)
Estadia UTI, dias
Estadia hospital, dias
Sobreviventes
54
52,3 ± 19,6
17,8 ± 7,4
2,1 ± 1,3
19,1 ± 10,5
15,6 ± 10,4
13,3 ± 11
14,7 ± 14
Não-Sobreviventes
99
59,5 ± 15,6*
21,1 ± 10,8*
2,8 ± 1,2*
20,1 ± 15
18,4 ± 10
14 ± 14
23,2 ± 17*
PCR: Proteína C-reativa, APACHE II: Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation. * : p < 0,05 versus sobreviventes
Figura 1 - Prevalência de Falências Orgânicas
em Sobreviventes e Não-Sobreviventes.
RESULTADOS
Cento e cinqüenta e três pacientes foram incluídos (81
pacientes clínicos e 72 pacientes cirúrgicos). Infecção comunitária foi diagnosticada em 35% dos pacientes e infecção nosocomial em 65%. Os locais de infecção mais
freqüentes foram o pulmonar (42%), o abdominal (38%)
e o urinário (9,9%). Em todos os casos o foco de infecção foi confirmado por um ou mais métodos diagnósticos
(radiológico microbiológico ou cirúrgico). A idade média
foi de 57 ± 17 anos e o APACHE II escore 20 ± 10. Ventilação mecânica foi utilizada em 126 pacientes (12 ± 9.7
dias). Pacientes que receberam o diagnóstico de sepse (n
= 7), sepse grave (n=45) e choque séptico (n = 101) apresentaram níveis médios de PCR na admissão de 16,5 mg/
dL, 17,8 mg/dL e 19,2 mg/dL, e as taxas de mortalidade
foram de 28%, 53% e 72%, respectivamente. Os dados demográficos dos não-sobreviventes e sobreviventes estão
representados na tabela 1. Os não-sobreviventes pertenciam a uma faixa etária mais alta (p = 0,014), tinham
APACHE II escore mais elevado (p = 0.047), com maior
numero de falências orgânicas (p = 0,001) e permaneceVolume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
* p < 0,05 versus sobreviventes
As variáveis analisadas como possíveis preditores de mortalidade estão descritas na tabela 2. A variável independentemente associada com sobrevida foi uma diminuição da PCR
acima de 20% (OR 0,38 IC 95% 0,16 – 0,92, p < 0,05) (Tabela
3). A presença de falência respiratória foi preditiva de morte
(OR 2.96 IC 95% 1,24 – 7,09, p < 0,05) (Tabela 3). A prevalência de FMO foi menor em pacientes com diminuição da
PCR (79% versus 72%, NS).
105
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 2 - Variáveis Analisadas como Possíveis Preditores de Mortalidade, seus
Riscos Relativos e Intervalos de Confiança (95%) Correspondentes (análise univariada).
Variáveis
Idade
FMO
Cardiovascular
Respiratória
Renal
Metabólica
Hematológica
Infecção nosocomial
Diminuição da PCR
> 20%
Estimativa do Coeficiente de Regressão
0,4679
-0,9786
0,9825
1,7963
0,4075
-0,4304
1,0174
0,1983
Erro Padrão da Estimativa
0,4922
0,8740
0,5689
0,6130
0,6067
0,6339
0,6757
0,5305
Valor de p
0,342
0,263
0,084
0,003
0,502
0,497
0,132
0,79
Odds Ratio
1,60
0,38
2,67
6,03
1,50
0,65
2,77
1,22
IC (95%) para Odds-Ratio
(0,61 – 4,19)
(0,07 – 2,08)
(0,88 – 8,15)
(1,81 – 20,04)
(0,46 – 4,94)
(0,19 - 2,25)
(0,74 – 10,40)
(0,43 – 3,45)
-1,2320
0,5348
0,021
0,29
(0,19 - 2,25)
Tabela 3 - Estimativas dos Riscos Relativos Associados aos Possíveis Preditores de
Mortalidade e Intervalos de Confiança (95%) Correspondentes (análise multivariada).
Variáveis
Cardiovascular
Respiratória
Hematológica
Diminuição da PCR
> 20%
Estimativa do Coeficiente de Regressão
0,6952
1,0864
0,6448
Erro Padrão da Estimativa
0,4337
0,4450
0,5578
Valor de p
0,109
0,015
0,248
Odds Ratio
2,00
2,96
1,91
IC (95%) para Odds-Ratio
(0,86 - 4,69)
(1,24 - 7,09)
(0,64 – 5,69)
-0,9673
0,4503
0,032
0,38
(0,16 – 0,92)
DISCUSSÃO
As elevações significativas nas concentrações séricas de
PCR são vistas em infecções, bacterianas ou fúngicas, mesmo em pacientes imunodeficientes13. Na prática clínica, por
sua baixa especificidade, a PCR não deve ser usada isoladamente no diagnóstico de infecção. Mas, em pacientes com
síndrome da resposta inflamatória sistêmica níveis elevados
de PCR são indicadores precoces da presença de infecção.14
A secreção de PCR inicia-se cerca de 4 a 6 h após o estímulo,
dobra a cada 8h e atinge o pico em 36 a 50 h. Após remoção
do estímulo, a diminuição é rápida devido à sua meia-vida de
19h6,13. Todavia, a PCR pode se manter em níveis elevados, se
a causa de base persistir.
No momento da admissão na UTI pacientes com sepse
apresentam níveis séricos bastante elevados de PCR. O único
determinante da concentração sérica de PCR é a taxa de síntese, que depende da intensidade do insulto. Portanto, a PCR
reflete não somente a presença da resposta inflamatória, mas
também a gravidade do quadro ou uma evolução favorável
ou não. O declínio rápido de mais de 20% do valor inicial
da concentração sérica de PCR foi preditivo de sobrevida em
pacientes com sepse.
A avaliação de medidas seriadas de PCR tem sido avaliada
por alguns autores. Os níveis de PCR diminuem rapidamente
após tratamento adequado de pacientes com pneumonia, mas
permanecem elevados nos que não respondem ao tratamento
e tem uma evolução complicada15. Em um estudo realizado
em pacientes com sepse e cultura positiva, um decréscimo de
25% ou mais dos níveis de PCR em relação ao dia anterior
foi um bom indicador da resolução da sepse. (sensibilidade
97%, especificidade 95%)9. Em pacientes com pancreatite
aguda a persistência de níveis elevados sugere presença de
complicação e um segundo aumento é altamente sugestivo
de infecção16,17. A relação entre as concentrações séricas de
106
PCR e a gravidade das disfunções orgânicas e mortalidade
foi investigada em um grupo heterogêneo de 304 pacientes
críticos18. Nesse estudo, concentrações elevadas de PCR, relacionaram-se com a presença de falências orgânicas, necessidade de terapia dialítica, maior tempo de internação na UTI
e altas taxas de infecção e de mortalidade. Concentrações de
PCR superiores a 10 mg/dl na admissão associavam-se a uma
mortalidade particularmente elevada. Níveis persistentemente
elevados relacionaram-se a maior mortalidade e sugerem persistência da resposta inflamatória e prognóstico reservado.
No presente estudo as concentrações séricas de PCR na
admissão foram semelhantes em pacientes não sobreviventes
e sobreviventes. Isto deve ser devido a presença de intensa
resposta inflamatória que ocorre em todos os pacientes com
sepse. Diferentemente, em populações heterogêneas de pacientes críticos e de pacientes idosos não sobreviventes apresentam concentrações séricas de PCR na admissão na UTI
significativamente maiores do que os sobreviventes18,19. Após
transplante de medula óssea níveis elevados de PCR relacionaram-se a um pior prognóstico e, entre outros indicadores,
o pico da PCR foi o melhor preditor independente de uma
evolução complicada20,21.
Cerca de 66% dos doentes foram admitidos já em choque
séptico, o que é uma prevalência muito elevada. Este dado
é na verdade decorrente da falta de leitos de alta complexidade no sistema público de saúde o que determina que os
pacientes sejam mantidos em enfermarias ou outras unidades
e admitidos na UTI somente quando o quadro se agrava. É
possível que os dados deste estudo não tenham aplicação a
unidades com maior disponibilidade de leitos para pacientes
criticamente enfermos e no qual o diagnóstico e tratamento
são realizados em uma fase mais precoce.
Embora haja boa correlação entre valores isolados de
PCR com a evolução, o uso de medidas seriadas de PCR,
mais do que uma única medida é um valioso instrumento
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
no diagnóstico e acompanhamento de pacientes críticos. A
persistência de níveis elevados de PCR ou níveis crescentes
indicam uma resposta terapêutica inadequada, presença de
complicações cirúrgicas ou grave doença não infecciosa associada. O uso de valores nas concentrações séricas de PCR
durante o curso da sepse, particularmente nas primeiras 24h,
pode ajudar a decidir sobre procedimentos diagnósticos mais
aprofundados ou reavaliação de intervenções terapêuticas.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Na sepse é essencial o
conhecimento de potenciais indicadores biológicos que auxiliem no diagnóstico, na avaliação da gravidade e na resposta
terapêutica. A proteína C-reativa (PCR) é uma proteína de fase
aguda sintetizada pelo fígado e liberada após o início de um
processo inflamatório ou lesão tecidual e cujos níveis séricos
aumentam após estímulo de várias citocinas. O objetivo deste
estudo foi avaliar se os níveis séricos de PCR, obtidos precocemente durante a internação na UTI, que podem ser utilizados
como indicador prognóstico em pacientes com sepse.
MÉTODO: Foram avaliados uma coorte de 153 pacientes consecutivos com sepse, sepse grave e choque séptico. A
dosagem sérica de PCR (imunoensaio turbidimétrico) foi realizada na admissão e repetida antes de 24 horas. As funções
orgânicas foram avaliadas diariamente.
RESULTADOS: As taxas de mortalidade em pacientes
com sepse (n = 7), sepse grave (n = 45) e choque séptico (n =
101) foram de 28%, 53% e 72%, respectivamente. Na análise
de regressão logística uma diminuição das concentrações séricas de PCR em um período de cerca de 24 horas de mais de
20% do valor inicial foi preditivo de sobrevida (OR 0,34 IC
95% 0,12 – 0,94, p < 0,05).
CONCLUSÕES: O uso de medidas seriadas de PCR,
mais do que uma única medida na admissão, é um valioso
instrumento no acompanhamento da resposta terapêutica,
podendo auxiliar na identificação de pacientes que exigem
medidas diagnósticas ou terapêuticas mais agressivas.
Unitermos: choque séptico, prognóstico, proteína C-reativa, sepse, sepse grave
Abreviações: PCR= proteína C-reativa, IL-1= interleucina 1, FNTα=fator necrose tumoral alfa, FMO= falência de
múltiplos órgãos.
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107
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Comparison Between Direct and Invasive Arterial Blood Pressure
Measurement in Non-Hypotensive Critically ill Patients*
Comparação entre Medidas Invasivas e Oscilométricas de
Pressão Arterial Sistêmica em Pacientes Críticos Não Hipotensos.
Marcelo Park, MD, PhD1; Frederico Lomar, MD1; Luciano Azevedo, MD, PhD1;
Leandro Taniguchi, MD1; Luiz Cruz-Neto, MD2
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJETIVES: Invasive measurement of systemic arterial blood pressure is frequently used to monitor
critically ill patients. The invasive method is related to excessive blood sample collection, blood stream infections, and local
thrombotic events. The oscillometric noninvasive measurement of arterial blood pressure can be used in non-hypotensive
patients after the acute phase of intensive care unit stay, reducing the invasive related adverse effects. The aim of this study
was to compare the invasive measurement of systemic arterial blood pressure to the oscillometric method in non-hypotensive critically ill patients.
METHODS: Data of twenty-seven patients non treated by vasopressors or inotropics were prospectively collected. Ten
concomitant invasive and oscillometric measurements of systemic arterial blood pressure were performed every 10 minutes
in cooperative patients.
RESULTS: The correlation between the 2 methods was good, r = 0.75 for systolic blood pressure, r = 0.72 for diastolic blood
pressure, and r = 0.73 for mean blood pressure, but agreement was poor, bias = - 5 mmHg for systolic blood pressure, 7
mmHg for diastolic blood pressure, and 6 mmHg for mean blood pressure. Factors identified as a possible source of these
great biases were low body mass index (BMI), low weight, and high systemic arterial blood pressure.
CONCLUSIONS: The oscillometric noninvasive technique can be used to measure systemic arterial blood pressure in nonhypotensive critically ill patients, taking into account that it correlates well with direct meassurement, but the real value is
probably lacking, mainly in thin and hypertensive patients.
Key Words: Blood pressure, intensive care, physiologic monitoring.
I
nvasive measurement of systemic arterial blood pressure is frequently used to monitor critically ill patients, mainly in the acute phase of the intensive care
unit stay1. The estimate of systemic arterial blood pressure and
other information, such as pulse pressure variation2 and pulse
contour3, is retrieved from the systemic arterial blood pressure
curve, and that information is reliable for monitoring volume
challenges in critically ill patients4. In contrast, use of the arterial line is related to excessive blood sample collection5, blood
stream infections, and local thrombotic events6.
The oscillometric measurement of arterial blood pressure
is widely used in clinical setting and consists in a noninvasive
tecnique that uses a cuff around the limb. After the insuflation
of cuff, during the fall of pressure, the pressure oscillation
caused by arterial pulsation is detected by the monitor and
analysed following different algorithms. Generally, the mean
arterial pressure is the pressure inside the cuff corresponding
to the major amplitude of oscillations; systolic and diastolic
arterial pressures are derivated from the mean arterial pressure7. The oscillometry is accurate in noncritically ill subjects
and can be used as an alternative to invasive measurement in
the critical care setting7,8.
In this study, we compared the noninvasive oscillometric
measurement of systemic arterial blood pressure to the invasive method in critically ill patients who are not treated by
vasopressors and inotropics.
METHODS
Twenty-seven consecutive patients from a 7-bed medical
intensive care unit in a tertiary care university hospital in São
Paulo, Brazil, were prospectively enrolled in the study. Patients were enrolled who were in the non hypotensive phase of
their intensive care unit stay, and no inotropics or vasopressors were being used by the patients. Patients on mechanical
ventilation were allowed. Informed consent was given by the
patient or next of kin. When the patient was off continuous
arterial blood pressure monitoring, the proper cuff7 was positioned on the contralateral arm of the arterial line after checking whether a difference existed between the measurement
of noninvasive arterial pressure in both arms. Patients with
a difference in systolic arterial pressure > 20 mmHg between
the arms were excluded from the analysis8.
In our unit, all hypotensive or mechanically ventilated
patients are sistematically monitored with invasive arterial
blood pressure catheter. Right radial artery is preferentially
1. Médicos assistentes da Unidade de Terapia Intensiva - Disciplina de Emergências Clínicas - Hospital das Clínicas - Universidade de São Paulo
2. Médico Supervisor da Unidade de Terapia Intensiva - Disciplina de Emergências Clínicas - Hospital das Clínicas - Universidade de São Paulo
*Received from Medical Intensive Care Unit – Hospital das Clínicas – University of São Paulo – São Paulo – Brazil
Submitted March, 28, 2005 - Accepted May, 19, 2005
Correspondence: Marcelo Park, MD - Rua Francisco Preto, 46, bloco 3, Apto 64 - 05835-010 São Paulo, SP – Brazil - e.mail: [email protected]
- Phone / Fax: 55 – 11 – 37721568
108
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
cannulated with a 20G, nontapered, teflon catheter (Becton e
Dickinson Ind. Cirúrgicas Ltda, Juiz de Fora, MG, Brazil) to
access arterial blood pressure and blood samples for laboratory analysis. The catheter and the transducer system (PX260
Pressure Monitoring Kit with TruWave Disposable Pressure
Transducer, Edwards Lifesciences, Irvine, CA, USA) are of
low compliance, and the flush test was performed frequently
during, the study, to assure the correct transmission of pressure through the system. This flush test is able to generate a
square-wave signal, and in a properly functioning system this
signal must reverberate one or two times and then decay back
to the underlying vascular pressure9.
Measurements of noninvasive arterial blood pressure were
done every 10 minutes by the oscillometric technique for a total of 10 measurements / patient. Concomitantly, the invasive
blood pressure was recorded at the same time in a single measurement every 10 minutes. Data were collected automatically by
DIXTAL 2010 monitor (DIXTAL, São Paulo, SP, Brazil), the
oscillometric device of this monitor has been validated following
the ANSI/AAMI SP10-1992 norm10,19. General data about the
patients, such as age, sex, APACHE II score, weight, height, and
arm circumference, were also collected. The patients were calm
and cooperative during the period of data recording.
Data are shown as medians and interquartile ranges11;
correlation was performed using the Spearman analysis12 and
agreement using the Bland-Altman plot13. The Wilcoxon signed rank test was used to compare within-group medians14.
To evaluate the possible factors associated with errors between both methods tested, the Spearman correlation between
the factor analyzed, and the subtraction of the pressures measured by the 2 techniques were used. P < 0.05 was considered statistically significant.
Table 1 – General Characteristics and
Arterial Blood Pressure of Patients
Characteristics
Age (yr)
Gender (male/female)
APACHE II *
Arm circumference (cm)
Weight (kg)
Height (cm)
BMI (kg /m2)#
Heart Rate (beats/min)
Mechanical ventilation (no)
Death (no)
Arterial line stay (days)
Diagnoses
Shock syndrome (no)
Septic (no)
Cardiogenic (no)
Respiratory failure (no)
Acute encephalopathy (no)
Value ( n = 27 )
43 (26-65)
13/14
16 (12-21)
29 (26-30)
60 (60-75)
165 (155-179)
24 (22-27)
102 (91-117)
26
10
4 (3.5-5.5)
18
16
2
7
2
Noninvasive
( n = 265 )
126 (108-146)
72 (62-81)
93 (79-105)
Arterial blood pressure
Systolic (mmHg)
Diastolic (mmHg)
Mean (mmHg)
Invasive
( n = 265 )
130 (116-150)
63 (54-76)
85 (75-98)
(no) denotes the absolute number of patients
* APACHE II denotes Acute Physiological and Chronic Health Evaluation score
and ranges from 0 to 72.
# BMI denotes Body Mass Index.
p < 0.001 between invasive and noninvasive arterial blood pressures (Wilcoxon
signed rank test).
Table 2 – Variables Associated With Error Between
Invasive and Noninvasive Arterial Blood Pressures*
RESULTS
Systolic
Diastolic
Mean
Characteristics
r coefficient
p value
r coefficient
p value
r coefficient
p value
Age
- 0.043
0.493
0.138
0.027
- 0.052
0.404
Gender
0.004
0.948
- 0.038
0.535
- 0.078
0.208
Height
- 0.023
0.716
- 0.028
0.652
- 0.024
0.704
Weight
- 0.210
< 0.001
- 0.075
0.232
- 0.216
< 0.001
BMI
- 0.196
< 0.002
- 0.009
0.887
- 0.204
0.001
Arm circumference
- 0.039
0.532
0.012
0.855
- 0.110
0.078
Heart rate
0.035
0.576
- 0.006
0.927
0.112
0.076
DISCUSSION
IBPs
0.457
< 0.001
0.114
0.065
0.190
0.002
In our patients, the correlation between invasive and oscillometric measurements of systemic arterial blood pressure
was good, r = 0.75 for systolic blood pressure, r = 0.72 for
diastolic blood pressure, and r = 0.73 for mean blood pressure. In spite of this good correlation, the agreement was poor,
bias = - 5 mmHg for systolic blood pressure, 7 mmHg for
diastolic blood pressure, and 6 mmHg for mean blood pres-
IBPd
0.250
< 0.001
0.366
< 0.001
0.298
< 0.001
IBPm
0.295
< 0.001
0.307
< 0.001
0.300
< 0.001
No patient was excluded from the study due to differences
in noninvasive measurement of systolic pressure between the
arms. General characteristics, diagnosis, and median arterial
blood pressures of patients enrolled in the study are shown in
table 1. Medians of invasive arterial blood pressures were statistically different from those acquired noninvasively (Table 1). In
spite of these differences, the correlation between both was good
for systolic, diastolic, and mean arterial blood pressure, but the
agreement was poor (Figure 1). Possible factors associated with
bias were evaluated in a univariate analysis of systolic, diastolic,
and mean pressure. Age, weight, body mass index (BMI), and
the level of invasive arterial blood pressure were possible factors
associated with errors during the noninvasive measurement of
systemic arterial pressure in our patients (Table 2). No patients
had complications due to the arterial puncture.
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
*Error was calculated as invasive minus noninvasive arterial blood pressure divided by invasive blood pressure. These univariated analyses were performed using
the Spearman correlation with error as the dependent factor and the characteristic
as the independent factor. r denotes the Spearman coefficient.
109
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figure 1 - Panel A shows the correlation between invasive and noninvasive systolic, diastolic and mean arterial blood pressure, r denotes
Spearman’s coefficient. Panels B, C and D show the agreement (Bland Altman plot) between invasive and noninvasive systolic, diastolic and
mean arterial blood pressures respectively. The bias and the standard deviation of the bias were: – 5 ± 22 mmHg to systolic pressure, 7 ± 14
mmHg to diastolic pressure and 6 ± 15 mmHg to mean pressure. Biases are shown at the right side of the Bland Altman plots.
sure. Some factors were identified as a possible source of this
bias: low BMI, low weight, and high systemic arterial blood
pressure were associated with greater differences between the
2 measurement methods (Table 2).
Direct arterial measurement of systemic arterial blood
pressure is considered the gold standard15. One point to be discussed is the reliability of the radial invasive measurement. In
the postoperative period after cardiac surgery, the difference
between radial to femoral measurements is high16,17; otherwise,
in general adult critically ill patients, radial artery cannulation
is usually attempted initially unless the pulses are not palpable.
If this fails, femoral artery cannulation is recommended as a
safe alternative to difficult radial cannulation18. However, available data do not indicate a preference for any one site6,18.
110
The good correlation between the methods point out the
tendency of similar behavior of the methods, but we can not
extrapolate this result to temporal tendency with our data.
The good correlation does not indicate the reproducibility
of the values obtained through each technique12. Otherwise,
the poor agreement shows the inaccuracy of the oscillometric
measurements13. According to the Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAIM) in the United
States, the bias allowed between the 2 methods of systemic
arterial blood pressure measurement is < 5 mmHg, and the
standard deviation for this bias is < 8 mmHg19. Our results
are greater than these allowed values showing that the values
obtained could underestimate the real value (Table 1, Figure
1). Our study is limited because we have used measurements
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
in contralateral arm, and physiologically one could argue that
pressures measured in one arm can be 20 mmHg different
from the other8. This difference can explain the poor agreement between the methods in our study.
With regard to factors related to the difference between
the techniques, low weight and BMI were associated with a
high bias. Higher biases are expected in obese patients, a situation known as “pseudo hypertension”15. No severe obese
patients were enrolled in our study. High pressures were associated with high bias in our study, but it must be stressed
that hypotensive patients were not enrolled in the study, and
in these hypotensive patients the bias is supposed to be high1.
A weak correlation existed between age and diastolic pressure
probably due to the higher rigidity of artery walls in the older
patients, another cause of “pseudo hypertension”15.
Several medical conditions are associated with errors with
the oscillometric technique, such as in the postoperative period after coronary artery bypass graft20, in preeclampsia21,
in the labor ward22, in obese and older patients15. In shock
states, it is strongly recommended that an invasive technique
be used to estimate systemic arterial blood pressure1. In a
physiological study, Hynson et al23 showed that during druginduced vasoconstriction, the accuracy of the oscillometric
technique was good. In contrast, in drug-induced vasodilatation, the accuracy was poor. Likewise, an arterial line can be
helpful during the acute phase of intensive care because arterial blood pressure must be exactly and frequently measured
and repeated blood samples may be easily collected1.
The continuous beat-to-beat monitoring of systemic
arterial blood pressure offers great help in the acute-phase
monitoring of the intensive care unit stay2-4. Otherwise, the
invasive systemic arterial blood pressure measurement can be
associated with unnecessary blood collection, blood stream
infections, and arterial thrombosis5,6 if the catheter remains
in place for a long time. In non-hypotensive patients, after
the acute-phase of the intensive care unit stay, the oscillometric noninvasive technique to measure systemic arterial blood
pressure can be used taking into account that it correlates
well with direct measurement, but the real value probably
is lacking, mainly in thin and hypertensive patients, at least
when the oscillometric measurement is used in the contralateral arm of the invasive arterial catheter.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O método invasivo
ou direto de mensuração da pressão arterial sistêmica é usado com freqüência na monitorização de pacientes críticos,
mas tem efeitos adversos como coletas excessivas de amostras
de sangue, infecções de corrente sangüínea e trombose local.
A técnica não-invasiva automatizada oscilométrica pode ser
uma alternativa após a fase aguda em pacientes críticos não
hipotensos, possivelmente reduzindo a incidência de complicações. O objetivo deste estudo foi comparar as medidas invasivas e não-invasivas de pressão arterial sistêmica.
MÉTODO: Dados de 27 pacientes não recebendo vasopressores ou inotrópicos foram prospectivamente coletados.
Dez medidas invasivas e não-invasivas da pressão arterial sistêmica foram realizadas a cada 10 minutos.
RESULTADOS: A correlação entre os dois métodos foi
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
boa, r = 0,75 para pressão sistólica, r = 0,72 para pressão
diastólica e r = 0,73 para pressão média, mas a concordância
entre os métodos foi ruim, bias = - 5 mmHg para pressão
sistólica, 7 mmHg para a pressão diastólica e 6 mmHg para a
pressão média. O IMC e o peso reduzido, assim como a pressão arterial altos foram indentificados como possíveis fatores
associados ao maior erro.
CONCLUSÕES: A técnica não-invasiva oscilométrica
pode ser usada para medir a pressão arterial sistêmica em
pacientes críticos não hipotensos levando em conta que esta
técnica tem boa correlação com a mensuração invasiva, mas
o valor real da medida pode não ser tão exato, principalmente em um subgrupo especial de pacientes.
Unitermos: Pressão arterial, monitorização fisiológica, terapia intensiva.
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111
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
A Importância do Treinamento Prévio no Uso do Desfibrilador
Externo Automático por Fisioterapeutas e Enfermeiros*
The Importance of Previous Training in the Use of Automated
External Defibrillator by Physiotherapists and Nurses
Carlos C. I. S. Ovalle1, Sebastião Araújo2, Rosmari A. R. A. de Oliveira3, Desanka Dragosavac4
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The rapid institution of basic life support (BLS) and the use of the automatic external
desfibrilador (AED) by non physician professionals have been shown as highly effective for in-hospital cardiopulmonary
resuscitation (CPR). However, in Brazil, this procedure has not been systematically analyzed, stimulating and justifying the
present research. This objective is evaluate the importance of previous training in the use of AED by physiotherapists and
nurses in general hospitals.
METHODS: Physiotherapists and nurses had carried out a CPR simulation including the use of AED. Group I: was composed
by professionals with previous training in AED use, and Group II: professionals without this training. The scene was mounted
using the AmbuR Man manikin and the Medtronic Physio Control LifepakR 500 training defibrillator. The procedures were
evaluated in accordance to the CPR guidelines and AED use recommended by the American Heart Association, including
the response time (arrival of the professional to the patient’s bed and the first shock application), the correct positioning of
the adhesive electrodes and the total time of attendance.
RESULTS: Group I has shown better response time (p < 0.001) and better overall CPR performance (p < 0.001) when
compared to Group II.
CONCLUSIONS: In the hospital environment, previously BLS trained non physician professionals present better overall CPR
performance, including the correct use the DEA, than non trained ones.
Key Words: Automated external defibrillator (AED); Cardiopulmonary resuscitation (CPR); Training.
O
tempo é um fator determinante na sobrevida dos pacientes em parada cardíaca (PCR), como já demonstrado amplamente pela literatura1-5.
A desfibrilação elétrica foi, no passado, uma atividade reservada ao pessoal com treinamento em suporte avançado de
vida (SAV), ou seja, médicos. Porém, atualmente, com o advento dos desfibriladores externos automáticos (DEA), o conceito
de desfibrilação precoce pôde ser expandido1,2,5-9, e esse procedimento passou também a ser realizado por outros profissionais no atendimento de PCR intra e extra-hospitalar2,5-11.
Em outros países, o DEA já se encontra rotineiramente
disponível para uso dentro dos hospitais1,10,11. No entanto, estudos demonstraram que vários problemas internos dificultam
o desempenho das equipes e, com isso, pode ocorrer demora
para a realização da primeira desfibrilação (5 a 10 minutos) até
a resposta das equipes de reanimação cardiopulmonar (RCP),
situação muito freqüente em pacientes não monitorizados e
em outras áreas do hospital que não a unidade coronariana,
a unidade de terapia intensiva (UTI) ou os serviços de emergência1. Com a utilização do DEA nesses locais, o tempo da
primeira desfibrilação diminuiu, aumentando a sobrevida dos
pacientes, quando comparado com a primeira desfibrilação realizada com os desfibriladores manuais1,6,7,9.
Apesar disso, Kenward e col.2, numa revisão sistemática,
observaram que poucos estudos foram realizados acerca do
uso do DEA na RCP intra-hospitalar, sugerindo a necessidade de pesquisas adicionais na área. Ressaltaram também que
a filosofia do pessoal não médico deve ser mudada, e que tal
procedimento não seja apenas uma extensão de suas atividades, mas sim parte de suas funções2.
No Brasil, uma política para a incorporação do DEA ao
arsenal de equipamentos hospitalares só recentemente vem
sendo implementada1, e praticamente não existem estudos
avaliando a performance dos profissionais não médicos na
sua utilização. Dessa forma, o objetivo central do presente
estudo foi avaliar a importância do treinamento prévio de
profissionais não médicos (fisioterapeutas e enfermeiros)
para o uso adequado do DEA num cenário simulado de RCP
intra-hospitalar.
MÉTODO
Trata-se de um estudo prospectivo realizado em cinco diferentes hospitais da região de Campinas e São Paulo (SP), Brasil. Foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional (protocolo
nº 225/2003) e um termo de consentimento livre e esclarecido,
por escrito, foi obtido de cada participante da pesquisa.
Fizeram parte do estudo fisioterapeutas e enfermeiros, de
ambos os sexos, totalizando 40 indivíduos, que foram divididos em dois grupos: Grupo I, composto por profissionais
1. Fisioterapeuta, Supervisor da Universidade Paulista de Campinas (UNIP).
2. Médico, Professor Doutor Assistente Departamento de Cirurgia da FCM-UNICAMP.
3. Fisioterapeuta da UTI – UNICAMP
4. Médica, Professora Doutora Colaboradora do Departamento de Cirurgia da FCM-UNICAMP.
*Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, SP.
Apresentado em 02 de fevereiro de 2005 - Aceito para publicação em 02 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Carlos Cezar I. S. Ovalle - Rua Itajobí, 137 – Vila Marieta - 13042-170 – Campinas, SP - Telefone: (0xx19) 32368716 / (0xx19) 8113-2049 - E-mail: [email protected]
112
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
com treinamento prévio para o uso do DEA, e Grupo II,
composto por profissionais sem o treinamento para o uso do
aparelho.
Foi montado um cenário, consistindo de um quarto com
um leito hospitalar não monitorizado, um cronômetro digital
CitizenR, o manequim AMBUR Man para simular o paciente, um dispositivo bolsa-valva-máscara para a realização das
insuflações pulmonares e luvas de proteção individual. Todos estes equipamentos já se encontravam à beira do leito. O
desfibrilador externo automático Medtronic – Physio Control
LifepakR 500 de treinamento foi entregue ao voluntário antes
de entrar no quarto do paciente.
Aos profissionais que participaram do trabalho foi informado que eles seriam avaliados no atendimento de uma suposta PCR em um leito não monitorizado de um hospital geral.
Os voluntários foram avaliados individualmente e não tiveram contato com outras pessoas durante o teste. Também
não foi permitido que os profissionais assistissem os procedimentos realizados por outros voluntários.
Antes do início dos procedimentos, era informado
verbalmente ao voluntário que ele havia sido chamado
por uma pessoa para atender um paciente que se encontrava inconsciente e estaria em suposta PCR por fibrilação ventricular (FV). A partir desse momento, o DEA era
entregue e o tempo de atendimento era cronometrado.
Também era registrada a performance global do voluntário no atendimento da PCR, sempre pela mesma pessoa
(C.C.I.S.O.).
O voluntário foi avaliado de acordo com o protocolo
de suporte básico de vida da American Heart Association
com a utilização do DEA 12. Foi verificada a realização
correta ou não dos procedimentos conforme descritos na
tabela I, e atribuídos pontos aos mesmos. Também foi
avaliado o tempo entre a chegada no leito do paciente e
a aplicação do primeiro choque, assim como a colocação
correta das pás adesivas e o tempo total de atendimento
(após dois choques consecutivos e a verificação da presença de pulso).
teste de Shapiro-Wilk para a normalidade dos dados, constatando-se que os eles seguiram uma distribuição normal.
Assim, foi utilizado o teste t de Student para verificar se
as médias das variáveis: tempo do primeiro choque, tempo
total de atendimento e desempenho global, apresentam diferenças significativas entre os grupos I e II, ao nível de 5%.
Para a comparação das variáveis: tipo de profissão, tempo
de graduação e sexo foi aplicado o teste Pearson Qui-quadrado.
RESULTADOS
Dos 40 voluntários incluídos no estudo, 15 tinham treinamento prévio para o uso do DEA e 25 não. Com relação ao
tipo de profissão, 14 eram fisioterapeutas e 26 enfermeiros,
com um tempo médio de graduação de 9,6 anos (variação =
1 – 24 anos; mediana = 8,5 anos).
O tempo médio de aplicação do primeiro choque pelos indivíduos treinados foi de 1,61 minuto (variação = 1,10 – 2,20
minutos; mediana = 1,56 minutos) e pelos não treinados foi
de 2,35 ± 0,15 minutos (variação = 1,25 – 3,58 minutos; mediana = 2,49 minutos) (p < 0,001) (Figura 1).
Figura 1 – Tempo entre o Início do
Atendimento e o Primeiro Choque
p < 0,001
Table 1 – Parâmetros Respiratórios, Volumes Pulmonares
em ZEEP, HFV e PEEP em Três Pacientes Estudados
Cenário
Consciência
Segurança
Vias Aéreas
Respiração
Circulação
Desfibrilacão
Candidato
Responsividade
Solicita ajuda
EPI
Abertura de vias aéreas
Verificou
Realizou duas respirações
Pulso carotídeo
Colocação correta das pás
Verificar se todos afastaram
Anunciar choque
Choque sem hesitar
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Pontos
1 Não
2 Não
1 Não
1 Não
2 Não
2 Não
2 Não
2 Não
1 Não
2 Não
1 Não
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
EPI = equipamentos de proteção individual
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram analisados usando o software SPSS
– Statistical Package for Social Sciences. Foi utilizado o
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
O tempo total médio do atendimento pelos indivíduos
treinados foi de 2,55 minutos (variação = 1,91 – 3,25 minutos;
mediana = 2,50 minutos) e pelos não treinados foi de 3,32 ±
0,15 minutos (variação = 2,16 – 4,58 minutos; mediana = 3,33
minutos) (p < 0,001) (Figura 2).
A pontuação do desempenho global médio dos indivíduos treinados foi de 11,33 ± 0,68 (variação = 5 – 14; mediana =
12) e dos não treinados foi de 6,44 ± 0,57 (variação = 1 – 13;
mediana = 6) (p < 0,001) (Figura 3).
Não foram detectadas diferenças significativas nas variáveis analisadas entre fisioterapeutas e enfermeiros, nem entre
aqueles com menos ou mais de 10 anos de graduação.
113
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 2 – Tempo Total do Atendimento
p < 0,001
Figura 3 – Desempenho Global dos Voluntários
p < 0,001
DISCUSSÃO
No presente estudo, muito embora todos os voluntários
tenham conseguido utilizar o DEA num tempo médio considerado adequado (< 4 min), os resultados indicam claramente
que o treinamento prévio em suporte básico de vida e no uso
do DEA influencia positivamente a performance dos profissionais não médicos no atendimento da PCR intra-hospitalar,
conforme constatado pelo melhor desempenho global daqueles indivíduos treinados em relação aos não treinados, independentemente do tipo de profissão e do tempo de graduação.
114
De fato, esses resultados estão de acordo com aqueles
relatados por Mattei e col.13, que investigaram se os fisioterapeutas e os enfermeiros poderiam utilizar o DEA, constatando que os indivíduos sem treinamento conseguiram
utilizá-lo, porém, após uma sessão de treinamento padronizado, os participantes do estudo apresentaram um melhor
desempenho13.
É bem sabido que o tempo entre o início da PCR e a instituição das manobras de RCP é um fator de crucial importância na sobrevivência dos pacientes, conforme já amplamente documentado na literatura1-5. No ambiente hospitalar,
o equipamento para desfibrilação deve estar disponível em
todas as áreas, sendo que o tempo de resposta da equipe de
atendimento não deve ser superior a um minuto5. Contudo,
trabalhos demonstraram que inúmeros problemas hospitalares internos podem prejudicar o atendimento por parte das
equipes de emergência, resultando em atrasos de até 5 a 10
minutos para a realização da primeira desfibrilação1,5,10. Os
resultados deste estudo mostraram que o tempo médio entre
a chegada do profissional até o leito do paciente e a aplicação do primeiro choque foi relativamente curto, ressaltando
a importância da disponibilidade do equipamento de desfibrilação próximo ao local da PCR, evitando atrasos desnecessários no atendimento, numa ocasião em que o tempo é
extremamente precioso.
Os profissionais da saúde que trabalham no ambiente
hospitalar devem possuir conhecimento em suporte básico
de vida (SBV) para poder atender prontamente uma PCR e
realizar a desfibrilação externa automática caso seja necessária2,5,6,13-15. O princípio da rápida desfibrilação advoga que
todas as pessoas preparadas para oferecer o SBV devem ter
acesso ao equipamento apropriado e a permissão para utilizá-lo caso, no desempenho de suas funções, caso tenham que
atender um paciente em parada cardíaca. Esse conceito já é
mundialmente aceito e enfatizado por diversos autores2,8,9,13-15.
O desfibrilador externo automático é um equipamento útil
e seguro para detectar, monitorizar e tratar disritmias cardíacas ameaçadoras da vida, além de diminuir o tempo resposta
no atendimento da PCR, fazendo com que o seu uso por profissionais da área de saúde, ou mesmo por leigos previamente
treinados, seja eficaz16. No entanto, deve-se estar atento para
o fato de que as manobras de compressão torácica externa
não devem ser postergadas quando o equipamento não se encontra imediatamente disponível ou o paciente encontra-se
na chamada “fase circulatória” da fibrilação ventricular12.
Assim, Berg e col.17, em um estudo em suínos, com o objetivo de comparar a desfibrilação manual com a desfibrilação
externa automática, demonstraram que o uso do DEA pode
atrasar as compressões torácicas, prolongando a fibrilação
ventricular. Ressalta-se que, no presente estudo, o treinamento prévio foi fator determinante não só da mais rápida
e correta utilização do DEA, mas também de uma melhor
performance global no atendimento da PCR. Isto, certamente, numa situação real, poderia redundar numa maior taxa de
sobrevivência daqueles pacientes atendidos por profissionais
adequadamente treinados.
Outro fator de grande importância, e que afeta diretamente a passagem da corrente elétrica através do tórax, é a correta
colocação das pás adesivas, sendo indicada a aplicação de um
eletrodo sobre o hemitórax direito, abaixo da clavícula, na liRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
nha hemiclavicular, e o outro eletrodo à esquerda do mamilo,
sendo que seu centro deve estar na linha axilar média1,18. Nurmi e col.18 relataram que a publicação dos novos protocolos
de atendimento cardíaco de emergência não influenciaram, de
forma evidente, o posicionamento correto dos eletrodos para
desfibrilação pelas equipes de atendimento, ressaltando que
este aspecto deve ser enfatizado nos treinamentos de RCP18.
No presente estudo, verificou-se que 60% (24/40) dos voluntários aplicaram as pás adesivas corretamente, porém, 32,5%
(13/40) o fizeram de maneira inadequada e 12,5% (3/40) não
aplicaram as pás adesivas, o que demonstra a necessidade de
maior treinamento para a colocação correta dos eletrodos,
conforme enfatizado por Nurmi e col.18.
Tem sido demonstrado que é possível ensinar profissionais da saúde e leigos2,8,13,19 para utilizarem corretamente o
DEA, sendo que a American Heart Association recomenda
uma sessão inicial de aprendizado de quatro horas1,19. De
fato, a realização de treinamento prévio em suporte básico de
vida, incluindo a utilização do DEA, mostrou-se um fator de
influência positiva no correto atendimento da PCR, em acordo com o relato de outros autores5,13,19. Quando se comparou
os profissionais fisioterapeutas e enfermeiros, não foram detectadas diferenças significativas no atendimento cardíaco de
emergência em relação ao tempo-resposta e ao desempenho
nos procedimentos realizados. Também, o tempo de graduação desses profissionais não influenciou de maneira significativa na performance global do atendimento.
CONCLUSÃO
Indivíduos atuantes na área de saúde com treinamento prévio em suporte básico de vida, independentemente do tipo de
profissão ou do tempo de graduação, apresentaram melhores
condições de realizar o atendimento cardíaco de emergência
simulado no ambiente intra-hospitalar. Muito embora os indivíduos sem treinamento também tenham conseguido utilizar
o DEA num tempo médio considerado adequado (< 4min), os
resultados deste estudo mostram claramente que a performance global no atendimento da PCR é superior naqueles com
treinamento prévio em suporte básico de vida, reforçando a
necessidade de programas regulares de educação continuada
em RCP para todos os profissionais da área de saúde.
Agradecimentos
Agradeço ao Prof. Mst. José Milton Sanches pela realização
da análise estatística e à empresa Biocam - Equipamento Médico Hospitalar Ltda, representada pelo Sr. Rogério Ulbrich, pelo
empréstimo dos equipamentos utilizados nesta pesquisa.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A pronta instituição
das manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) e o uso
do desfibrilador externo automático (DEA) por profissionais
não médicos tem-se mostrado altamente eficaz no atendimento de vítimas de parada cardiorrespiratória (PCR) intrahospitalar. Porém, no Brasil, este procedimento ainda não foi
analisado, o que justificou e estimulou a realização desta pesquisa. O objetivo deste trabalho foi avaliar a importância do
treinamento prévio na utilização do DEA por fisioterapeutas
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
e enfermeiros em hospitais gerais.
MÉTODO: Fisioterapeutas e enfermeiros realizaram a
simulação do atendimento de uma PCR utilizando o DEA.
Grupo I: composto por profissionais com treinamento prévio
para o uso do DEA e o Grupo II: sem o treinamento. O cenário foi montado utilizando o manequim AmbuR Man e o
desfibrilador Medtronic Physio Control LifepakR 500 de treinamento. Os procedimentos foram avaliados de acordo com
o protocolo de utilização do DEA da American Heart Association, incluindo o tempo de chegada no leito até a aplicação
do primeiro choque, a colocação correta das pás adesivas e o
tempo total de atendimento.
RESULTADOS: O grupo I apresentou melhor tempo de
resposta (p < 0,001) e melhor desempenho (p < 0,001) no atendimento cardíaco de emergência quando comparado ao grupo II.
CONCLUSÕES: No ambiente hospitalar, indivíduos
previamente treinados apresentam melhores condições de realizar o atendimento cardíaco de emergência, incluindo o uso
do DEA, que aqueles não treinados.
Unitermos: Desfibrilador externo automático, Reanimação cardiopulmonar (RCP), Treinamento.
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115
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - NEUROINTENSIVISMO
Hypophosphatemia in Severe Traumatic Brain Injury*
Hipofosfatemia no Traumatismo Cranioencefálico Grave
Rayne Borges Torres1, Renato Giuseppe Giovanni Terzi2, Antônio Luís Eiras Falcão3,
Nelci Fenalti Höehr4, Venâncio Pereira Dantas Filho5
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The aim of this study was to identify the incidence of hypophosphatemia in severe
traumatic brain injury (TBI), as well as to investigate the causes and its clinical significance.
METHODS: Fifty-nine serum phosphate determination were done in 14 severe TBI in adults
RESULTS: Seven patients developed hypophosphatemia (< 2 mg/dL). Univariate analysis exhibited association of low phosphate levels with higher pH (p = 0.0129), severe systemic inflammatory response syndrome (SIRS) (p = 0.0008) and positive
water balance (p = 0.0001). Multivariate analysis highlighted only the association of hypophosphatemia with severe SIRS
(p = 0.0001) and lower urine output (p = 0.0126). It was estimated that risk of death increased 3.24 times when serum
phosphate fell by one mg/dl. Severity of SIRS was a determinant factor of death (p = 0.005).
CONCLUSIONS: Hypophosphatemia is common in TBI and it appears to be associated to SIRS. Alkalosis and volume expansion were contributing factors. Hypophosphatemia in TBI is a marker of severity and death.
Key Words: Head injury; hypophosphatemia; risk of death; SIRS; systemic inflammatory response syndrome; traumatic brain
injury; TBI
P
hosphate is the most abundant intracellular anion
and plays a crucial role in the regulation of vital
functions. It is responsible for cellular membrane
integrity, for it plays a part in enzyme regulation, for formation of adenosine triphosphate (ATP), for oxygen delivery to
the tissues and for cellular immunity. It functions as a primary urinary buffer and it is an important element of bone
structure1.
Hypophosphatemia directly affect the rate of red cell glicolysis, leading to depression of ATP levels and of 2,3–diphosphoglicerate (2,3–DPG). Affinity of oxygen for hemoglobin is modulated by 2,3 –DPG. The clinical complications
caused by hypophosphatemia are attributed to reduction of
cellular energy stores (reduction of ATP) and to tissue hypoxia (low levels of 2,3-DPG) (1) and include: muscle weakness, frequently associated to respiratory muscles2, cardiac
dysfunction, including cardiac hypocontractility and ventricular tachycardia3, dysfunction of the central nervous system1,
changes in hematological4 and immune systems5. All these
changes may aggravate the clinical state of seriously sick patients, eventually leading to death.
Reduction of serum phosphate may occur due to a decreased intestinal absorption, to an increased urinary excretion or, more commonly, to an internal redistribution1,6,7.
Despite the fact that of hypophosphatemia is a known
disturbance that may be present in traumatic brain injury
(TBI)8-11, the possible causes and clinical implications in these
patients were studied little10. The objective of the present
study was to identify the incidence of hypophosphatemia in
patients with severe TBI, as well as the possible causes and its
clinical importance.
METHODS
The study included 14 adults with severe TBI admitted to
the Intensive Care Unit of the University Hospital of Campinas. The study was approved by the Hospital Research Ethics
Committee and informed consent was obtained from the patient’s legal representatives. Age, gender, Glasgow Coma Scale
(GCS) score on admission12, the cause of the head trauma,
the evaluation of the computerized tomography by the Marshall classification (13) and the presence or absence of associated lesions are displayed on table 1. All patients exhibiting
focal lesion as well as those with gunshot injuries underwent
surgery. All patients were intubated and on mechanical ventilation. Intracranial pressure was continuously monitored as
well as respiratory mechanics, capnography and pulse oximetry. A microsensor catheter in the brain parenchyma (Codman) was used to monitor intracranial pressure. Respiratory
variables, capnography and oximetry were continuously recorded with a respiratory profile monitor (CO2SMOPlus
Dixtal). Jugular bulb blood hemoglobin saturation was continuously monitored with a 4-French fiberoptic oxymetric
catheter (Baxter-Edwards) and/or in an intermittent way by
hemo-oximetry of a blood sample collected from the same
catheter, or from a 16G catheter. A central venous catheter
1. Physical Therapist and Master of Science. Intensive Care Unit - CAISM – Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher – UNICAMP.
2. Full Professor of Surgery - Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP
3. Assistant Physician – UTI - Hospital das Clínicas - UNICAMP
4. Assistant Professor - Clinical Pathology Department - Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP
5. Assistant Professor – Bioetrhics and Neurosurgery - Faculdade de Ciências Médicas and Hospital das Clínicas da UNICAMP
*Received from Campinas State University – UNICAMP
This Project was partially funded by FAPESP Grant 99/12920-8
Submitted, April, 03, 2005 - Accepted, June,27,2005
Correspondence to: Rayne Borges Torres, M.D. - Rua Hermantino Coelho, 195/113 - Bloco: Plaza - Mansões Santo Antônio - 13087-500 Campinas
– SP, Brazil - E-mail: [email protected]
116
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - NEUROINTENSIVISMO
Table 1 – Characteristics of the Patients with Severe TBI
Gender
Age
GCS
TA
Associated lesion (s)
CT
1
M
26
7
MT
No
DIII
2
F
19
8
GW
No
-
3
M
33
7
BE
No
DII
4
M
25
3
FA
No
Focal
5
F
19
6
GW
No
-
6
M
19
7
GW
No
-
7
F
30
6
RO
Pneumothorax
Focal
8
M
28
6
RO
Fracture of humerus and liver lesion
DIII
9
M
49
6
AU
Hemothorax
DIII
10
M
28
5
FA
No
Focal
11
M
23
6
AU
Fracture of femur
DIII
12
M
19
8
AU
No
DIV
13
M
15
8
AU
Pulmonary contusion
DIII
14
M
25
8
RO
Fracture of humerus
DIV
M: male; F: female; GCS: Glasgow coma scale; TA: Accident type; MT: motorcycle; GW: Gunshot wound; BE: beating; FA: fall; RO: running over; AU: automobile; CT:
computerized tomography by the Marshall classification; DII, DIII, DIV and focal: II, III and IV diffuse and focal lesion, respectively.
(superior vena cava) and a urinary bladder catheter were also
positioned. The correct location of the venous catheters was
confirmed by radiography.
PROTOCOL OF TREATMENT
Basal hydration of 30 mL/kg/day was complemented
in accordance to recorded water loss. Enteral nutrition was
started between 24 and 48 hours after injury. Electrolyte replacement was performed according to the basal needs, added
by correction of eventual losses.
The patients were positioned supine to approximately 30
degrees elevation with the head in a neutral position. It was
attempted to keep the cerebral perfusion pressure (CPP) always above 70 mmHg, with volume replacement and/or administered norepinephrine. Sedation was started with fentanyl associated to midazolam (0.5 mg of fentanyl and 75 mg of
midazolam in 250 mL of 5% glucose, dripping started at 10 to
20 microdrops/min, or in sufficient dose to sedate, according
to the individual response of each patient).
Mechanical ventilation was optimized to keep cerebral
oxygen extraction between 24% to 42% whenever intracranial pressure was above 20 cmH2O14,15; if intracranial pressure
remained elevated IV mannitol 20% was given in bolus (0.5
a 1 g/kg/dose) or sedation was substituted by thionembutal
(initial dose between 0.5 to 2 mg/kg/hour up to a maximum
of 4 mg/kg/hour). If after these isolated or combined alternative procedures, intracranial pressure remained elevated, a
new brain computerized tomography was performed and the
need for a surgical decompression was evaluated. No patient
needed decompressive surgery.
The use of mannitol, furosemide and vasoactive drugs
was recorded. Daily water balance and urine output was also
registered.
The systemic inflammatory response syndrome (SIRS) is
a common occurrence in patients with TBI. Diagnosis was
made based on consensus criteria suggested by SCCM/ESICM/ ACCP/ATS/SIS16. The number of analyzed patients is
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
small, therefore SIRS was categorized in two degrees according to severity: degree 1, represents the group that developed
SIRS or sepsis but did not need nor-epinephrine or it was below 0.1 µg/mL/kg (in these patients nor-epinephrine was used
to keep the CPP rather than to treat the hypotension induced
by SIRS); degree 2, represents the group that developed circulatory or septic shock and that needed over 0.1 μg/mL/kg
nor-epinephrine.
LABORATORY DATA
Arterial and venous blood gases as well as hemo-oximetry
of the jugular bulb were performed daily and analyzed by the
ABL 700® (Radiometer) equipment. The calculation of the
partial pressure of the oxygen that saturates 50% of the hemoglobin (P50) corrected to standard condition (temperature
37 ºC, pH 7.4 and PaCO2 40 mmHg) was obtained directly
from venous blood gases. The concentration of 2,3-diphosphoglicerate per hematocrit (2,3-DPG/Hct) was measured
by spectrophotometry, using 665® Catalog reagents (Sigma
Diagnostic). The first measurement was collected from the
arterial blood in the first 12 hours of hospital admission.
The remainders were performed daily, always in the morning. Serum phosphate was measured in an auto-analyzer with
“Roche Diagnostics” reagents.
Collection of data was performed for six days after admission to the Intensive Care Unit. The normal range of
phosphate for our hospital laboratory is 2.5 to 4.5 mg/dL.
Values below 2 mg/dL were considered as hypophosphatemia
and values below 1 mg/dL were considered as severe hypophosphatemia.
STATISTICAL ANALYSIS
The Mann-Whitney nonparametric test was used to compare variable such as age, GCS and APACHE II between
groups. To compare and correlate the variable that had more
than one measurement in each patient the GEE analyses –
117
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - NEUROINTENSIVISMO
generalized estimating equations, an extension of generalized
linear models was used17. This analysis takes into consideration measurements obtained in the same patient at different
times (longitudinal measurements) and analyses the simultaneous change on several variables in the same patient and in
the patients’ group. The continuous variables as well as the
categorical variables used in this analysis were classified by
pre-determined cut values.
RESULTS
Fifty nine measurements of serum phosphate were performed in 14 patients during the six days of study (Table 2).
It was observed that seven out of fourteen patients developed
hypophosphatemia and in three of them the hypophosphatemia was severe.
pophosphatemia but in none serum phosphate values were
below 1 mg/dL. Using each patient’s phosphate mean (PiM)
and lowest value (PiL) to compare survivors from non-survivors, phosphate levels were lower in the group that did not
survive (p < 0.05) (Figure 1). The GEE analysis revealed a
significant difference between both groups and it was estimated that for each decrease in one phosphate unit (1 mg/
dL), the risk of death increased 3.24 times. There was no significant difference between the groups as far as age, GCS and
APACHE II (Table 3).
Figure 1 - Mean Serum Phosphorus (PiM) exhibited Significant
Difference between Survivors and non-Survivors.
ANALYSIS OF THE FACTORS ASSOCIATED
WITH HYPOPHOSPHATEMIA
The following variables were analyzed as possibly related
to hypophosphatemia: the mean daily pH, the severity of
SIRS, the water balance, of urine output, the amount of mannitol infused in 24 hours, the use or not of dopamine and the
transfusion of blood. Seven patients developed degree 1 SIRS
and seven, degree 2 SIRS. Seven patients were transfused.
Univariate analysis showed that only the pH, severity of
SIRS and water balance correlated with hypophosphatemia.
Serum phosphate was lower with higher pH, more severe
SIRS and more positive water balance. Low urine output
exhibited a trend to be associated with hypophosphatemia
(Table 2).
The pH, the severity of SIRS, the water balances and
urine output were included in the multivariate analysis. Finally serum phosphate exhibited significant association with
severity of SIRS and low urine output (Table 2).
(*) Outlier; () Mean
Figure 2 - Lowest Serum Phosphorus (Pi LOW) also exhibited
Significant Difference between Survivors and non Survivors.
Table 2 – Variables Observed in Severe
TBI Associated to Hypophosphatemia
Univariate
analysis
Multivariate
analysis
Variables
pH
Severity of SIRS
Water balance
Diuresis
Mannitol
Dopamine
Blood transfusion
pH
Severity of SIRS
Water balance
urine output
Z
-2.49
-3.34
0.87
1.79
0.98
-3.80
0.76
0.07
-4.32
2.30
0.00
P
0.013
0.0008
0.38
0.07
0.33
0.0001
0.44
0.95
0.0001
0.022
0.997
*
*
NS
NS
NS
*
NS
NS
*
*
NS
(*) Outlier; () Mean
* Significant difference (p < 0.05)
NS: Non significant difference
ANALYSIS OF DEATH RISK FACTORS
Six patients died in the acute phase within 10 days after
admission. Five of them developed hypophosphatemia and
in three of them the hypophosphatemia was considered severe (< 1 mg/dL). In those who survived, two developed hy-
118
Table 3 – Comparison of Age and GCS and
APACHE II in TBI Survivors and non-Survivors
Survivors
Non survivors
Age
23.4 ± 6.8
28.5 ± 11
GCS
6.8 ± 1.8
6.2 ± 0.8
AP II
17.5 ± 5.6
19.7 ± 4
AP II %
21.8 ± 12.6
24.6 ± 11.9
GCS: Glasgow Coma Scale, APII: APACHE II punctuation and AP %: risk of death
at APACHE II. Mann Whitney nonparametric test
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - NEUROINTENSIVISMO
To analyze associated risk factors of death the following
variables were analyzed: the concentration of DPG/Hct, the
amount of mannitol in 24 hours, mean pH, mean base excess,
severity of SIRS and transfusion. Severity of SIRS was a determinant factor of death, considering that all six patients
who died developed degree 2 SIRS but only one survivor was
classified as degree 2 SIRS. Other factors did not exhibit correlation with death (the amount of mannitol, mean pH and
mean base excess).
OTHER RESULTS
When the phosphate was below 2 mg/dL there was a significant positive correlation between serum phosphate and
the concentration of 2,3-DPG/Hct (Z = -2.70, p = 0.007).
There was a significant correlation between the concentration
of 2,3-DPG/Hct and the P50st (Z = 5.56, p = 0.0001).
DISCUSSION
Data from the present study reveals that hypophosphatemia is a common finding in the acute phase of severe TBI.
Seven out of 14 patients presented an important fall in the
serum phosphate. The development of hypophosphatemia in
severe TBI had been previously reported8-11, but the causes
and the clinical implications were superficially approached.
Pas’ko et al.10 observed that in severe TBI, hypophosphatemia had relation to hypocapnia, to the absence of phosphate
in parenteral nutrition and to major losses of phosphate in
the urine and in the gastric aspirate. It is important to enhance that they did not investigate the concurrence of SIRS.
There are evidences that hyperventilation may lead to
phosphate reduction18-22. Nevertheless, a marked hypophosphatemia has been seen only when hyperventilation is associated to intravenous glucose administration18-20. Severity
of hypophosphatemia has been associated with longer22 and
more intense21 hyperventilation. In the present work, patients
with severe head injury were submitted to optimized ventilation14,15, sometimes being submitted to hyperventilation for
short periods of time in order to control intracranial hypertension. Glucose solution was administered daily. These associated factors may have contributed to the development
of hypophosphatemia. Hypophosphatemia induced by hyperventilation has been attributed to the migration of blood
phosphate ion to the interior of the cell, leading to an increased intracellular glycolytic activity in response to the intracellular pH increase. The glucose infusion leads to increase
in blood insulin levels promoting increased migration of the
phosphate ion into the cell18.
Volume expansion has been previously reported as predisposing factor in the development of hypophosphatemia7,23.
Our data confirms this observation, because hypophosphatemia correlated with positive water balance. The use of loop
diuretics lead to an increase of renal excretion of phosphate,
possibly leading to a moderate hypophosphatemia6,24. The effect of osmotic diuretics, such as mannitol is debatable25,26.
In the present investigation no correlation was observed between the amount of mannitol and serum phosphate.
Severity of SIRS, correlated with hypophosphatemia in
both univaried and multivariate analysis, suggesting that this
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
is a major factor associated with hypophosphatemia in these
TBI patients. SIRS is frequently present in the initial phase
of severe TBI, and it may be aggravated or develop at a later
stage, associated with systemic infection (sepsis). The correlation between sepsis and hypophosphatemia had already
been described by Barak et al.27, where a major prevalence
of hypophosphatemia in patients with sepsis was identified
(80%) in comparison with the presence of infection without
sepsis (65%) and with the incidence in normal people (15%).
They also observed a correlation between hypophosphatemia
and elevated inflammatory cytokines levels during the initial
phase of sepsis, mainly when cultures were positive. In previous studies, hypophosphatemia in trauma was associated to
early stress – liberation of catecholamine23, which in turn may
be associated to development of SIRS.
In the present work we observed that the development of
hypophosphatemia is, in itself, a marker of risk of death. The
risk of death increased 3.24 times for each unit (1 mg/dL)
decrease in serum phosphate. In surgical patients or in Intensive Care Units, hypophosphatemia seems to be associated
with increased mortality and complications (among them,
sepsis)24,28-30. Its correction seems to improve prognosis, as
shown in the study by Pas’ko et al. performed in severe TBI
decreasing mortality by 14.6%10. Zazzo et al.24 and Bollaert et
al.31 demonstrated beneficial effects on cardiac performance
after the correction of hypophosphatemia in septic patients.
However, Riou et al32 observed that correction of hypophosphatemia is not associated with any hemodynamic change in
brain dead patients. Hypophosphatemia was not treated by
the attending physician and only three patients progressed to
brain death. Hypophosphatemia was a risk of death marker
in severe SIRS (degree 2) (equivalent to circulatory shock or
septic shock) or, in organ dysfunction. The reduction of urine
output exhibited correlation with hypophosphatemia in the
multivariate analysis, probably because of renal dysfunction
associated to severe SIRS.
Complications caused by hypophosphatemia are attributed to the reduction of ATP and 2,3-DPG1. The 2,3-DPG
has an important function in oxygen transport. The increase
in concentration of the 2,3-DPG in the blood reduces oxygen
affinity by the hemoglobin and therefore increases P50st. In
the present study serum phosphate below 2 mg/dL correlated
with reduced 2,3-DPG. The expected correlation between the
P50st and the 2,3-DPG was also observed.
It is concluded that hypophosphatemia is a common
occurrence in severe TBI, most likely associated to SIRS.
Aggravating factors are alkalosis and volume expansion.
Hypophosphatemia is a marker of severity and of risk of
death in TBI.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi identificar a incidência de hipofosfatemia no traumatismo cranioencefálico (TCE) grave, bem como identificar as
causas e a sua significância clínica.
MÉTODO: Cinqüenta e nove medidas do fosfato sérico
foram realizadas em 14 adultos com TCE.
RESULTADOS: Sete pacientes desenvolveram hipofosfatemia (< 2 mg/dL). Na análise univariada, quanto mais
119
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - NEUROINTENSIVISMO
baixo o fosfato, mais alto estava o pH (p = 0,0129), mais
grave a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS)
(p = 0,0008) e mais positivo o balanço hídrico (p = 0,0001).
Na análise multivariada houve associação apenas da hipofosfatemia com a gravidade da SIRS (p = 0,0001) e o baixo
débito urinário (p = 0,0126). Estimou-se que, o decréscimo
em uma unidade de fosfato (mg/dL) aumenta o risco de óbito
em 3,24 vezes. A gravidade da SIRS foi fator determinante de
óbito (p = 0,005).
CONCLUSÕES: A hipofosfatemia é comum no TCE
grave, parece estar associado à SIRS, tendo como fatores
agravantes, a alcalose e a expansão volêmica. A hipofosfatemia é um indicador de gravidade e de risco de óbito no TCE
grave.
Unitermos: hipofosfatemia, risco de óbito, síndrome da resposta inflamatória sistêmica, TCE; Traumatismo craniano
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
Etiologia e Fatores de Risco de Pneumonia
Associada à Ventilação Mecânica em
Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica*
Etiology and Risk Factors for Ventilator-Associated Pneumonia in Paediatric Intensive Care Unit
Dayane Otero Rodrigues1, Orlando César Mantese2, Paulo P. Gontijo Filho3
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJETIVES: To investigate the etiology, microbiologic criteria and risk factors for ventilator-associated
pneumonia.
METHODS: The study prospective was realizated including 38 mechanically ventilated children, cared in the Pediatric Intensive Care Unit of the Clinic Hospital, Federal University of Uberlandia; the clinical-cirurgic unit of the university hospital
tertiary, through quantitative cultures of endotracheal aspirates in regular intervals.
RESULTS: Seventeen children had clinical signs and radiographic evidences of pneumonia, from whom four (23.5%) showed
negative microbiological tests. The incidence of ventilator-associated pneumonia. was 34.2% and the mortality rate 23.1%.
Klebsiella pneumoniae (44.4%) and Staphylococcus aureus methicillin resistant (MRSA) (33.3%) were the most frequent
pathogens in the early onset and late onset ventilator-associated pneumonia, respectively. Three strains of K. pneumoniae
belonged to the extended spectrum β-lactamase producer (ESBL) phenotype. Inspite the mean time of hospitalization (17.4
versus 14.4 days), time of mechanical ventilation (8.5 vs 7.4 days) and others risk factors were more associated to pneumonia, significant difference was not found among risk factors when comparing groups ventilator-associated pneumonia
developed to those did not develop the syndrome.
CONCLUSIONS: Ventilator-associated pneumonia were shown to be frequent, serious, and usually associated to K. pneumoniae and S. aureus in the early onset and late onset ventilator-associated pneumonia, respectively, difference was not
found among risk factors when comparing groups, and quantitative culture of endotracheal aspirate may be an important
tool that allows a better approach in these patients.
Key Words: endotracheal aspirate, mechanical ventilation, pneumonia
E
mbora a literatura seja muito rica sobre pneumonias hospitalares em pacientes críticos adultos sob
ventilação mecânica1-3, em crianças ela é escassa4,5,
apesar da presença de prótese ventilatória nos dois grupos
etários, principal fator predisponente para pneumonias4.
A definição de pneumonia hospitalar segundo o Centers
for Disease Control and Prevention (CDC)6, inclui critérios
clínico-radiológicos e microbiológicos1. Considerando a
baixa especificidade dos primeiros em pacientes adultos1-3, a
utilização de dados microbiológicos é recomendada por permitir uma abordagem terapêutica mais especifica com melhor
prognóstico1,3. As dificuldades de execução de broncofibroscopia para coleta de espécimes minimamente contaminados
como o lavado bronco-alveolar (BAL) e o escovado protegido
(PSB) tornam sua utilização difícil em países como o Brasil7.
O uso do aspirado endotraqueal (AE) é uma alternativa factível e menos invasiva no diagnóstico de pneumonia associada
à ventilação mecânica (PAV)3,8,9, apesar de resultados de culturas quantitativas demonstrarem de moderada a alta sensibilidade e geralmente uma baixa especificidade1. Jourdain e
col.10 sugerem que a melhor acurácia no diagnóstico de PAV
utilizando cultura do AE ocorre com o ponto de corte de 106
unidades formadoras de colônia por mililitro (UFC/mL).
A principal indicação de ventilação mecânica (VM) em
crianças, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, é a
falência respiratória (FR) induzida por pneumonias comunitárias, para as quais há uma tradição de uso empírico de
antibióticos no tratamento, resultando entre outros aspectos,
em alterações na microflora e aumento no risco de desenvolvimento de super infecção pulmonar7
Os objetivos deste trabalho foram investigar a etiologia,
critérios microbiológicos e fatores de risco para o desenvolvimento de PAV em crianças submetidas à ventilação mecânica, internadas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica
(UTI-P) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de
Uberlândia (HC-UFU).
MÉTODO
Foi realizado um estudo prospectivo na UTI-P do HCUFU, no período de setembro de 2001 a maio de 2002, incluindo 38 crianças submetidas à ventilação mecânica por
um período superior à 48 horas, de um total de cerca de
100 crianças internadas na Unidade no período estudado,
1. Mestre em Imunologia e Parasitologia Aplicadas - Universidade Federal de Uberlândia,
2. Pediatra, Diretor da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia e Diretor do
Hospital de Clinicas da Universidade Federal de Uberlândia.
3. Professor Titular da Área de Imunologia, Microbiologia e Parasitologia Aplicadas (ARIMP) – Universidade Federal de Uberlândia
* Recebido da Universidade Federal de Uberlândia, MG
Apresentado em 16 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 22 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Dra. Dayane Otero Rodrigues - Avenida Pará, 1720, Bloco 4C, Sala 47 - 38408-268 Uberlândia, MG - Fone: (034)
3218-2236, (034) 3231-5963 - Fax: (034) 32182333 - E-mail: [email protected]
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
121
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
com a maioria do sexo feminino e idade entre 29 dias e 2
anos, das quais 13 desenvolveram PAV diagnosticada por
critérios clínico-radiológicos e microbiológicos e 25 não
apresentaram este diagnóstico. Foram realizadas culturas
quantitativas de AE dos pacientes nas primeiras 24 horas
de internação, três dias e intervalos semanais até a extubação, óbito ou alta hospitalar, segundo estudo de dinâmica
de colonização realizado na Unidade como parte de trabalho de dissertação de mestrado (dados não publicados).
Foi preenchida uma ficha para cada criança contendo
características demográficas, fatores de risco intrínsecos
(idade, condição clínica, tempo de internação hospitalar)
e extrínsecos (uso de antimicrobianos, dispositivos invasivos, tempo de ventilação mecânica, re-internações / transferências ). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
do HC-UFU, além do consentimento prévio e informado
assinado pelos familiares dos pacientes. Quanto à análise
da gravidade dos pacientes, é realizado o PRISM na Unidade, entretanto, devido ao pequeno número da amostra,
não foi contabilizado neste estudo.
DEFINIÇÃO DE PNEUMONIA E COLONIZAÇÃO
Pneumonia
Presença de critérios clínico-radiológicos (aparecimento
ou modificação de secreção respiratória, febre, hipotermia,
leucocitose, taquicardia/bradicardia e aparecimento ou modificação de imagem radiológica com infiltrado ) segundo o
CDC6 definidos pela equipe médica da Unidade e critérios
microbiológicos por contagens ≥ 106 UFC/mL no AE10,11 definidos pelo laboratório de Microbiologia da Universidade
Federal de Uberlândia
Colonização do Trato Respiratório Inferior
Presença ou ausência de critérios clínico-radiológicos e
contagens ≤ 106 UFC/mL no AE ou cultura com contagens ≥
106 UFC/mL no AE na ausência de critérios clínicos11.
As pneumonias foram consideradas como:
• Comunitárias – infecção presente quando da internação
no hospital /UTI12;
• Hospitalares – infecção que se manifesta após 48 a 72
horas de internação12, incluindo as PAV, que especificamente
estão ausentes no momento da intubação traqueal e se manifestam após 48 horas nos pacientes ventilados mecanicamente5.
No diagnóstico de PAV, foi considerada ainda a história
clínica do paciente, o patógeno isolado12 e o tempo de manifestação de quatro dias foi adotado para sua classificação em
precoce e tardia3,9,13.
PROCEDIMENTOS MICROBIOLÓGICOS
A secreção traqueal obtida por aspiração com sonda,
utilizando-se técnicas assépticas, foi diluída (1/10, 1/100) em
solução fisiológica, e volumes de 0,1 mL destas diluições, subcultivados em agar Sangue, MacConkey, Manitol Salgado e
Sabouraud com cloranfenicol (16 µg/mL), seguindo-se a identificação dos recuperados pelos testes clássicos14 e avaliação
de susceptibilidade aos antibióticos in vitro segundo o National Committe for Clinical Laboratory Standards” (NCCLS)15.
122
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foram utilizados os testes Qui-quadrado, Exato de Fisher
e t de Student do programa Statistica 4.5 for Windows16 e Epi
– Info Versão 5.017, com índice de significativo de p < 0,05.
RESULTADOS
As 38 crianças incluídas nesta investigação foram intubadas e submetidas à VM por desenvolverem falência respiratória, entretanto, apenas 39,5% apresentaram FR como indicação de UTI, seguida por sofrimento cerebral difuso (23,7%) e
choque séptico (10,5%) (Tabela 1). Comparando-se o critério
de diagnóstico de PAV mais tradicional1,9 (critério clínico-radiológico) com o adotado no estudo (critério clínico-radiológico e microbiológico), de 17 crianças que apresentaram
manifestações clínico-radiológicas de pneumonia; em quatro
(23,5%) não foi possível a confirmação microbiológica, constituindo os falso-negativos microbiológicos da tabela 2, totalizando 13 casos de PAV diagnosticada clínico-radiológica e
microbiologicamente entre os 38 pacientes (34,2%). Das oito
crianças que apresentaram diagnóstico microbiológico sem
o clínico-radiológico (falso-positivo microbiológico), seis demonstraram alteração do nível de consciência.
Os fatores de risco analisados neste estudo (Tabela 3),
não demonstraram diferenças estatísticas significativas entre
os dois grupos, embora valores mais elevados fossem observados nas crianças que desenvolveram PAV, com destaque
para o tempo de internação no hospital , tempo de ventilação
mecânica, re-internações, uso prévio de antibióticos e mais
de três procedimentos invasivos, assim como evolução para
óbito (23,1% vs.16%).
Entre os 13 episódios de PAV, seis foram classificados
como precoces (< 4 dias) e sete como tardios (≥ 4 dias), sendo
Tabela 1 – Distribuição das Crianças Submetidas à
Ventilação Mecânica, Segundo sua Indicação de UTI.
Indicação de UTI
Insuficiência respiratória aguda
Sofrimento cerebral difuso
Choque séptico
Politraumatizado
Choque hemodinâmico
Pós-operatório imediato
Total
Número de Pacientes
15
09
04
04
03
03
38
%
39,47
23,68
10,53
10,53
07,89
07,89
100,00
Tabela 2 – Distribuição das Crianças com Prótese
Ventilatória, Segundo a Presença ou Ausência de
Pneumonia e a Densidade Bacteriana do Aspirado Traqueal.
Contagem ≥ 106
UFC/mL *
Sim
Não
Total
Pneumonia
(critérios clínicos/radiológicos)
Sim
Não
N (%)
N (%)
13 (76,47)
8 (38,09)
4 (23,52)
13 (61,90)
17 (100)
21 (100)
Total
N (%)
21 (55,26)
17 (44,74)
38 (100)
Sensibilidade - 76,5%, Especificidade - 61,9%, Valor preditivo positivo - 61,9%,
Valor preditivo negativo -76,5%
*unidades formadora de colônia/mililitro
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
Tabela 3 – Fatores de Risco Associados ao Desenvolvimento de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV).
Fator de risco
Idade (meses)*
Sexo
Masculino
Feminino
Tempo de internação (dias)*
Tempo de ventilação mecânica (dias)*
Re-internações / transferências
Uso prévio de antibióticos
Procedimentos invasivos
≥3
<3
Pacientes com PAV
(N =13 )
34,75 ± 48,72
Pacientes sem PAV
(N=25)
32,22((38,47)
6 (46,15%)
7 (53,85%)
17,42 ± 16,72
08,46 ± 5,69
10 (77%)
09 (69,23%)
10 (40%)
15 (60%)
14,40 ((10,64)
07,44 ((8,37)
12 (48%)
09 (36%)
12 (92,31%)
01 (7,69%)
22 (88%)
03 (12%)
p
0,66
0,98
0,51
0,72
0,17
0,10
0,88
*Valores expressos pela Média ± DP
Tabela 4 – Microrganismos Associados à Etiologia de PAV Precoce e Tardia.
Microrganismo (N)
PAV
Bacilos Gram-negativos (10)
Enterobacteriaceae (7)
K.pneumoniae (5)
Outras (2)
Não-fermentadores (3)
P. aeruginosa (2)
Acinetobacter spp. (1)
Cocos Gram-positivos (5)
S.aureus (4)
SCN (1) *
Total
Precoce (número %)
7 (77,7)
6 (66,6)
4 (44,4)
2 (22,2)
1 (11,1)
1 (11,1)
2 (22,2)
2 (22,2)
9
Tardia (número %)
3 (50)
1 (16,6)
1 (16,6)
2 (33,3)
1 (16,6)
1 (16,6)
3 (50)
2 (33,3)
1 (16,6)
6
*Staphylococcus coagulase negativo
associados à família Enterobacteriaceae (66,7%), com destaque para Klebsiella pneumoniae (44,4%), no primeiro grupo e
à Staphylococcus aureus (33,3%) nas formas tardias (Tabela
4). A presença de patógenos multiresistentes foi observada
em 42,8% das amostras da família Enterobacteriaceae, destacando-se dois casos de PAV precoce e um de tardia associados a cepas de Klebsiella pneumoniae com fenótipo produtor
de β lactamase de espectro estendido (ESBL); sendo observada a presença de Staphylococcus aureus resistente à meticilina
(MRSA) apenas nas PAV tardias.
DISCUSSÃO
A PAV é uma das complicações mais comuns em crianças intubadas4 e de difícil diagnóstico2,3,19. A utilização de
critérios microbiológicos no seu diagnóstico aumenta a especificidade, mas é dependente do uso de espécimes clínicos
minimamente contaminados, como o BAL e PSB3. Embora
as contagens microbianas a partir do AE apresentem uma
menor especificidade, podem estar correlacionadas com às
obtidas pelo BAL e PSB, sugerindo que este método, que é
menos invasivo e de custo mais baixo, por não exigir broncoscopia, representa uma alternativa importante no diagnóstico
de PAV3,12,13.
Jourdain e col.10 relataram um aumento na especificidade
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
(84%) utilizando o ponto de corte de 106 UFC/mL, quando
comparado com a especificidade de 66% obtida com o ponto
de corte de 105 UFC/mL. Marquete e col.18 também descreveram uma alta especificidade (83%) com o ponto de corte
de 106 UFC/mL para o AE. Nossos resultados, utilizando-se
um corte de 106 UFC/mL para confirmação de PAV, comparando-se com o critério de diagnóstico tradicional (clínico/radiológico), demostraram uma sensibilidade de 76,5% e
especificidade de 61,9%, inferiores aos já referidos, mas correspondentes a valores referidos em outros trabalhos5. Entre
os oito pacientes com resultado falso-positivo microbiológico, a detecção de um número elevado de bactérias no trato
respiratório pode ser justificado pela alteração do nível da
consciência em 75% dos casos, resultando em aspiração de
secreções do trato respiratório superior, como usualmente
relatado em adultos20,21. Entretanto, nenhum destes casos
apresentou critérios clínicos/radiológicos de PAV, diferente
do observado na população adulta, entre os quais os resultados falso-positivos são usualmente associados à síndrome da
resposta inflamatória sistêmica e outras pneumopatias, como
neoplasias e embolia pulmonar7,8. Por outro lado, os quatro
resultados microbiológicos falso-negativos podem resultar da
terapia antibiótica instituída que resultou em evolução favorável de três crianças.
Há poucas publicações sobre PAV em crianças, ao contrá-
123
RBTI / ARTIGO ORIGINAL - PEDIATRIA
rio do observado em adultos, nos quais a incidência em pacientes críticos varia entre 8% e 68%22. Neste estudo registrou
uma taxa de PAV de 34,2%, semelhante à observada (32,2%)
em um estudo realizado na Índia23. Este tipo de pneumonia é
associada à alta mortalidade, cerca de 50%, tanto em crianças4,23, quanto em adultos20. Nesta casuística, a proporção de
crianças com PAV que evoluiu para óbito foi de 23,1%, sem
diferença significativa quando se comparou ao grupo sem
pneumonia (16%), como relatado em outros trabalhos23.
Na avaliação dos fatores de risco, vários estudos13,23 verificaram que internação prolongada na UTI e tempo maior de
VM aumentam significativamente a incidência de PAV. Os fatores predisponentes analisados neste estudo não demonstraram diferenças estatísticas significativas entre os dois grupos,
embora sua maioria apresentassem valores mais elevados nas
crianças que desenvolveram PAV. A presença de sonda nasogástrica, alimentação enteral e o uso de anti-ácidos potencializa a colonização orofaríngea e gástrica, aumentando o risco
de pneumonia20, estes fatores não foram analisados neste trabalho, devido ao pequeno número da amostra.
Bacilos Gram-Negativos são os patógenos mais comuns
na etiologia de pneumonias, incluindo PAV em adultos20,24 e
em crianças23 , fato também observado neste estudo.
A participação de bactérias multiresistentes aos antimicrobianos é extremamente usual em pneumonias em pacientes críticos adultos20,25. Como referido anteriormente, nossos
resultados revelaram 42,8% de amostras da família Enterobacteriaceae resistentes a dois ou mais grupos de antibióticos.
É importante salientar que três crianças apresentaram PAV
com etiologia atribuída à K. pneumoniae do fenótipo ESBL.
A importância epidemiológica destes microrganismos, diante
da sua potencialidade de disseminação dos plasmídeos associados a esta resistência, é bem conhecida26.
A classificação das pneumonias em precoces e tardias é
baseada no tempo de manifestação e na sua etiologia, com
as últimas, associadas às bactérias resistentes aos antibióticos3,9. Na nossa investigação, entre as quatro estafiloccocias,
duas amostras de S. aureus susceptíveis e duas de resistentes
à meticilina foram responsáveis pelas PAV precoces e tardias,
respectivamente.
Esses resultados demonstraram que as PAV em crianças
apresentaram uma incidência (34,2%) e mortalidade (23,1%)
significativas, com participação expressiva de bactérias resistentes, não houve diferença de fatores de risco entre os pacientes que desenvolveram e os que não desenvolveram PAV,
considerando-se as dificuldades inerentes ao diagnóstico de
PAV, incluindo a complexidade da execução da broncoscopia
para coleta de espécimes clínicos minimamente contaminados, a utilização de cultura de AE em crianças, pode ser uma
importante alternativa que permitiria uma melhor abordagem nestes pacientes.
Abreviações
AE – aspirado endotraqueal
BAL – lavado bronco-alveolar
CDC – Centers for Disease Control and Prevention
ESBL - β- lactamase de espectro estendido
FR – falência respiratória
HC-UFU – Hospital de Clínicas da Universidade Federal
de Uberlândia
124
K. pneumoniae – Klebsiella pneumoniae
MRSA – Staphylococcus aureus resistente à meticilina
NCCLS – National Committe for Clinical Laboratory
Standards
PAV – pneumonia associada à ventilação mecânica
PSB – escovado protegido
S. aureus – Staphylococcus aureus
UFC/mL – Unidades formadoras de colônia por mililitro
UTI-P – Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica
VM – Ventilação mecânica
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Investigar a etiologia,
critérios microbiológicos e fatores de risco de pneumonias associadas à ventilação mecânica
MÉTODO: Foi realizado um estudo prospectivo, incluindo 38 crianças sob ventilação mecânica, internadas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas
da Universidade Federal de Uberlândia, uma unidade clínico-cirúrgica de um hospital de ensino de assistência terciária;
por meio de culturas quantitativas de aspirado endotraqueal
em intervalos regulares.
RESULTADOS: A presença de manifestações clínicas e
radiológicas de pneumonia ocorreu em 17 crianças, sendo
que em quatro delas (23,5%) não houve confirmação microbiológica. A incidência de pneumonia associada à ventilação
mecânica foi de 34,2% e a mortalidade de 23,1%. Os agentes
etiológicos mais freqüentes nas pneumonias precoces foram
Klebsiella pneumoniae (44,4%), com destaque para o fenótipo
produtor de β-lactamase de espectro estendido (ESBL), nos
dois tipos de pneumonia, e Staphylococcus aureus (33,3%) resistente à meticilina na forma tardia. Não foram encontradas
diferenças significativas entre os fatores de risco analisados,
quando comparou-se os grupos que desenvolveram e não,
pneumonia associada à ventilação mecânica, apesar dos tempos de internação hospitalar (17,4 versus. 14,4 dias) e de ventilação mecânica (18,5 versus 7,4 dias), dentre outros fatores
de risco, serem mais associados aos casos de pneumonia.
CONCLUSÕES: As pneumonias associadas à ventilação
mecânica foram freqüentes, graves, com participação expressiva de K. pneumoniae e S. aureus nas PAV precoces e tardias,
respectivamente, não houve diferença de fatores de risco entre os pacientes que desenvolveram e os que não desenvolveram PAV, e a utilização da cultura quantitativa do aspirado
endotraqueal pode permitir uma melhor abordagem nestes
pacientes.
Unitermos: aspirado endotraqueal, pneumonia, ventilação mecânica
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125
RBTI / ARTIGO ESPECIAL
Escrever um Artigo é Artesanato, Não é Arte!
Writing a Paper is a Craft, Not an Art!
Gilberto Friedman1, Jefferson P Pedro Piva2
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The aim of this article is to help the readers that wish to publish a paper. Suggestions on
how to plan a good scientific writing are shown. Selected didactical articles by the authors.
CONTENTS: Prepare your manuscript following the IMRaD principle (Introduction, Methods, Results and Discussion). Good
scientific writing must be: brief, clear and simple. When planning one should first construct figures and tables, then go
through material and methods and finally plan the discussion and introduction. The abstract should be writing after finalization. To structure the article construct a scaffold of headings, random ideas and rearrange order before writing. To write the
methods one may cut and paste previous work. Refer only to the data that answer the research question. The introduction
may have 2-3 paragraphs, first introducing broad area, followed by rationale and hypothesis. The discussion should start with
the key findings, afterwards discuss major results and finalize with a summary and conclusions. Make your point with data,
not arguments. To conclude, return to issues rose in introduction and resolve them.
CONCLUSIONS: Good scientific writing is a craft task. Take a specific time to write and practice.
Key words: peer-review, perfect manuscript, publication, research paper, writing
V
ivemos a era das comunicações, onde as informações
são valorizadas na medida que são adequadamente divulgadas. Esta obstinação pela divulgação da informação é particularmente valorizada no meio científico e acadêmico.
Os pesquisadores têm noção que suas descobertas e contribuições
serão valorizadas e incorporadas pela comunidade científica de
acordo com (a) forma como seus resultados são apresentados;
(b) a credibilidade do veículo utilizado para divulgação; (c) rigor
e consistência do método e resultados. Portanto, o pesquisador
(mesmo aquele iniciante neste processo) deve preocupar-se não
apenas a conduzir e realizar um ótimo experimento, mas sim saber descrevê-lo e divulgá-lo adequadamente.
O objetivo desta revisão é auxiliar e estimular aqueles menos
experientes na redação de artigos científicos, assim como, eliminar
a idéia fantasiosa que seja uma tarefa para poucos privilegiados.
Escrever um artigo científico, mesmo para os mais talentosos, é
uma tarefa de artesão que exige disciplina e metodologia1,2.
O primeiro passo é conhecer as regras e normas que regem a confecção e redação de artigos. Em 1978 a associação
World Association of Medical Editors (WAME) se reuniu pela
primeira vez no Canadá e definiram as normas de publicação
que são seguidas por todas as revistas médicas do mundo (por
isso conhecidas por muitos como “normas de Vancouver”)
(Wame). Ou seja, as regras são as mesmas, independente se
a revista tem caráter regional, nacional ou internacional3. A
seguir, baseados em nossas experiências com autores e como
editores de revistas médicas, apresentaremos um roteiro prático para a elaboração de um artigo científico.
O que é uma redação científica de boa qualidade?
Seja breve, encurte as frases.
Seja claro, entenda-se por claro como um sinônimo de
precisão.
Simplicidade é chave.
Em 1953, dois trabalhos sobre a estrutura do DNA, inclusive de investigadores que trabalhavam na mesma universidade, foram publicados na mesma Nature4,5. Provavelmente quem está lendo este artigo deve saber quem foram
Watson e Crick, mas quase nenhum deve saber quem foi
Rosalind Franklin. Leia estes trechos dos artigos e entenda
o porque:
Por onde começar?
Inicialmente, defina um período de seu tempo para escrever
e não postergue! Pratique, pratique e pratique. Imite outros através das suas leituras. Ignore os erros de escrita ou gramática.
1. Editor Chefe da Revista Brasileira de Terapia intensiva; Hospital de Clínicas de Porto Alegre FAMED-UFRGS
2. Professor Adjunto dos Departamentos de Pediatria das Faculdades de Medicina da PUCRS e UFRS; Editor Associado do Jornal de Pediatria
e Pediatric Critical Care Medicine.
Apresentado em 20 de maio de 2005 - Aceito para publicação em 24 de junho de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Gilberto Friedman - Rua Fernandes Vieira, 181/601- 90035-091 Porto Alegre, RS - e-mail: gfried@portoweb.
com.br
126
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO ESPECIAL
Enquanto o texto de Watson e Crick era extremamente
simples e de fácil entendimento, o texto de Rosalind Franklin
era difícil para o leitor. Em parte por isso, os dois ganharam
um prêmio Nobel, enquanto Rosalind é chamada por alguns
de “wronged heroine”6.
O Artesanato
O texto final terá uma seqüência lógica de leitura, iniciando com o título, autores, resumo (summary), unitermos, introdução, método, resultados, discussão e referências. Porém,
a elaboração e a confecção do texto não seguem nesta mesma
ordem. Pois, o que o(s) autor(es) dispõe(m) na etapa inicial
do método empregado é uma série de resultados, ainda não
hierarquizados.
Planejamento
Primeiro construa e observe as figuras e as tabelas. O entendimento do estudo passa necessariamente pelos resultados que ainda não estão escritos. Depois, revise o método.
Veja se tudo o que encontrou está de acordo com o método.
Posteriormente, revise os resultados mais uma vez. Havendo
certeza do que foi encontrado, pense a discussão e a introdução. O resumo é a último e deve ser escrito somente após o
artigo estar finalizado.
Estrutura
Este é o maior problema! De onde? Para onde? Planeje,
mas mude-a. Construa a armação dos tópicos. Coloque as
idéias sem ordenar e em estilo telegráfico. Rearranje a ordem
das idéias antes de escrever.
Resultados
Esta é a peça central. A partir deste ponto é que a história
deste artigo vai se desenvolver. Portanto, avalie cuidadosamente seus dados e defina aqueles que realmente importam.
Defina quais os que têm realmente algum impacto e mereceriam ser divulgados. Evite cair na tentação de apresentar
um excesso de resultados, pois, a “poluição” de informação
dispersa a atenção do leitor e desvia o foco das informações
relevantes.
Nesta seção confeccione tabelas com dados realmente essenciais, com boa diagramação, com títulos sintéticos e autoexplicativos. Evite tabelas ou figuras desnecessárias (p. ex.:
gráfico tipo torta para referir a distribuição em relação ao
sexo). O texto deve ser objetivo, claro e chamando a atenção
aos dados realmente significativos que muitas vezes estão detalhados nas tabelas ou gráficos.
Método
Nesta seção deve-se detalhar todos os passos para chegar a tais resultados. Os resultados apresentados somente
terão credibilidade se o método da pesquisa tiver sido compatível. Informe o delineamento da pesquisa, onde foi realizada, os critérios de inclusão e exclusão, detalhes da intervenção, como e quem mediu os efeitos, quais os cuidados
tomados para evitar possíveis vícios (coleta, mensuração,
entre outros). No caso de ser empregada alguma técnica
especifica e já descrita, esta deve ser citada com referência
bibliográfica.
Todas as pesquisas, mesmo aquelas envolvendo revisão
de prontuários, devem ser submetidas e aprovadas por uma
Comissão de Ética em pesquisa. Esta submissão e aprovação
devem ser referidas no texto. Além disto, um parágrafo deve
ser dedicado aos aspectos estatísticos, onde são especificados
quais os testes usados nas principais comparações.
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
Discussão
Releia seus resultados e selecione aqueles mais relevantes.
Tente hierarquizá-los ou colocá-los em uma seqüência lógica
(mesmo que sua citação nos resultados tenha sido outra). O
primeiro parágrafo deve deixar claro quais são os resultados
chave. É um parágrafo que resume a essência do estudo. Esta
apresentação tem como vantagens: orientar o leitor e definir a
seqüência da discussão. Obviamente, a seguir os autores devem
analisar seus resultados, compará-los com os dados existentes na literatura e apresentar sua explicação, seu entendimento
para tais resultados. Os parágrafos intermediários devem ser,
cada um, preferentemente, baseados em um resultado maior
do estudo. Podem também ser analisadas as perspectivas práticas ou novas pesquisas que tais resultados abrem.
Recomenda-se que pelo menos um parágrafo seja dedicado a analise das limitações do estudo. Todo estudo tem limitação! Portanto, aponte as limitações de seu estudo e, analise
de que forma estas limitações podem comprometer (ou não)
seus resultados.
O último parágrafo deve iniciar com o “em suma” e duas
a três sentenças com as idéias principais. O fechamento deste
parágrafo deve ser com a sentença de conclusão.
Conclusão
Como concluir pode ser difícil para um escritor iniciante.
Assim, retorne para os assuntos levantados na introdução.
Procure resolvê-los. Leve o leitor do particular (o próprio estudo) para o geral. Portanto, o artigo deve dar a história um
círculo fechado.
Referências
Selecione aquelas mais significativas e que realmente tenham embasado seu estudo. A maioria dos periódicos limita
o número de citações em 20 a 30 referências. Informe-se e siga
as orientações do periódico na sua forma de referi-las. Um
revisor experiente ao avaliar as citações bibliográficas tem
condições de definir se os autores têm conhecimento ou não
do assunto a que se propõem publicar seus resultados.
Introdução
Sabendo quais resultados o que será discutido, o autor
pode redigir uma apresentação sumária de seu estudo. A introdução não deve ultrapassar 6 parágrafos, sendo recomendado entre dois e quatro parágrafos, em torno de 450 palavras. O primeiro parágrafo deve introduzir a área abrangente.
O segundo parágrafo revisa objetivamente o foco do artigo e
o último deve explicitar a base lógica e a hipótese.
A introdução é uma “análise retórica”. Assim, estabeleça
um território revisando trabalhos prévios e definindo o tópico para o leitor. Posteriormente, estabeleça o nicho do estudo
e “ocupe” este nicho (objetivo ou hipótese operacional).
Resumo e summary
A maioria dos periódicos limita em 250 palavras e utiliza
o sistema de resumo e summary estruturado (Justificativa e
Objetivos, Método, Resultados, Conclusões). Existem vários
estudos demonstrando que muitos estudos são citados baseados apenas na leitura do resumo ou summary (versão inglesa
do resumo). Um outro aspecto importante é que o resumo,
na maioria das vezes é apresentado na versão eletrônica sem
restrição de acesso. Assim, é muito provável que muitos leitores tenham acesso apenas aos seus resultados descritos no
summary. Portanto, a sua confecção é um exercício de síntese
e objetividade.
127
RBTI / ARTIGO ESPECIAL
Título
Este pode ser o motivo para que seu estudo seja lido ou
não. Evite títulos longos, muito específicos e prolixos (p. ex.:
Perfil da IL-6, IL-8 e FNT em crianças com meningite meningocócica admitidas em uma Unidade de Tratamento Intensivo
de referência no sul do Brasil). Prefira os mais sintéticos e instigantes (p. ex.: FNT pode predizer a mortalidade em menigoccemia de crianças).
Autoria
Nas recomendações da WAME, está muito bem definido
o que é autoria e o que é colaboração3. Autor é quem participou de todos os processos do estudo (concepção, execução
e redação). Muitas revistas solicitam que todos os autores
firmem um documento de submissão definido sua participação no estudo. Se quiser agradecer a alguém que apenas o
auxiliou em alguma etapa de seu estudo, inclua-o em agradecimentos, mas nunca como autor.
A ordem de autoria é importante, pois muitas revistas
referem apenas os três primeiros autores e os demais como
e col. Assim, a seqüência da autoria é uma definição hierárquica das funções e atribuições neste estudo (e não no serviço
ou departamento!). O líder do grupo ou estudo poderá ser
o último autor e, geralmente nestes casos, o endereço para
correspondência o identifica.
Os detalhes finais
Antes de considerá-lo pronto, releia-o em voz alta. Desta
forma poderá ter uma idéia melhor da qualidade do texto.
Um outro procedimento de grande valia é pedir a um colega
seu, não envolvido com o estudo e que tenha experiência em
publicação, que leia e o avalie. Geralmente, somos surpreendidos com detalhes (muitas vezes grosseiros) que nos passam
sistematicamente despercebidos.
Em qual jornal eu submeto o meu artigo?
Tente obter uma imagem mental em qual jornal o artigo parece se adequar. Reflita se o artigo deva ser publicado
em um jornal geral ou de especialidade. Imaginar o perfil dos
revisores pode ser importante para convencimento da publicação. Muitas vezes enfrenta-se o dilema de escolher veicular
nosso estudo em um periódico com grande respeitabilidade
(alto índice de impacto, por exemplo), mas com uma visibilidade menor. Periódicos locais podem ter uma grade distribuição (maior visibilidade) porém com impacto no meio científico menor. Uma vez escolhido o periódico, verifique se foram
atendidas todas as condições exigidas pelo mesmo. Faça um
“check list”.
128
Em suma, a redação de um artigo é uma tarefa artesanal
para todos, é necessário praticar, seguindo os mesmos passos
a cada nova redação. É claro que os mais experientes o fazem
mais rápido, mas sempre seguindo os mesmos fundamentos.
A inspiração não faz parte de uma redação científica e, portanto, está ao alcance de todos aqueles que tentarem.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste artigo é ajudar os leitores que desejam publicar um artigo. Sugestões para planejar uma boa redação científica são demonstradas, utilizando-se como fonte de dados os artigos didáticos
selecionados pelos autores
CONTEÚDO: Prepare o seu manuscrito seguindo o princípio IMRaD (Introdução, Método, Resultados, Discussão).
Uma redação científica de qualidade deve ser breve, clara e
simples. Ao planejar, deve-se construir primeiro as figuras e
tabelas, avalie o método e finalmente planejar a discussão e
a introdução. O resumo é escrito após a finalização. Para estruturar o artigo arme os tópicos, lance as idéias sem ordem
e rearranje-a antes de escrever. Para escrever o capítulo método pode-se cortar e copiar trabalhos prévios. Ao redigir os
resultados refira-se apenas aos dados. A introdução pode ter
2-3 parágrafos, primeiro introduzindo a área abrangente, seguida da lógica e da hipótese. A discussão deve iniciar com os
resultados principais, a seguir discuta os maiores resultados
e finalize com um sumário e as conclusões. Convença o leitor
com os dados, não com argumentos. Para concluir, retorne
aos temas levantados na introdução e resolva-os.
CONCLUSÕES: Uma boa redação científica é uma tarefa artesanal. Tome um tempo específico e pratique.
Unitermos: artigo de pesquisa, manuscrito perfeito, publicação, redação, revisão por pares
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Há Espaço para o CPIS no Manuseio da
Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica?
Is There a Place for CPIS in the Management of Mechanical Ventilator-Associated Pneumonia?
Ricardo Viégas Cremonese1, Túlio Frederico Tonietto1, Cassiano Teixeira2,
Flávio André Cardona Alves2, Roselaine Pinheiro de Oliveira2, José Hervê Diel Barth2,
Eubrando Silvestre Oliveira2, Sérgio Monteiro Fernando Brodt2, Nilton Brandão da Silva3
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The ventilator-associated pneumonia (VAP) has high prevalence and mortality, representing a very relevant issue in the daily practice of the critical care physician and in the literature. The objective of this
revision is to evaluate the literature evidence about the topic, producing an instrument to be used in the construction of
protocols in the ICU for the management of this disease.
METHODS: Literature review (PubMed and MedLine).
CONCLUSIONS: The difficulties in the diagnosis of this pathology has raised the necessity of clinical scores utilization, of
which the Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS) has a central importance. Since 1991, the time of its elaboration, the
score has been applied by many authors in a lot of different scenarios of the VAP (diagnosis, prognosis, starting and suspension of treatment and clinical course evolution), with modifications in its characteristics and variations in its understanding.
Key Words: CPIS, “Clinical Pulmonary Infection Score”, Intensive Care, Mechanical Ventilation, Pneumonia.
A
s Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) compreendem 5% a 10% dos leitos hospitalares e são responsáveis por 20% a 25% de todas as infecções nosocomiais. As infecções respiratórias são as mais freqüentes
e apresentam maior risco de mortalidade (caso/fatalidade >
40%), consumindo 50% dos antibióticos destas unidades1.
O diagnóstico apropriado da pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) ou Ventilator-Associated Pneumonia- VAP) é uma das tarefas mais difíceis para o médico intensivista, visto a falta de padronização diagnóstica validada e a
grande controvérsia após mais de uma década de publicações
sobre o tema. Nenhum critério clínico, radiológico ou microbiológico, isoladamente, é definitivo ou específico na PAVM.
Estudos têm demonstrado que o retardo no início da terapêutica antimicrobiana determina um mau prognóstico. Por
outro lado, o emprego indiscriminado e não criterioso dos
antimicrobianos empíricos de largo espectro aumenta o risco
de superinfecção por bactérias multiresistentes e fungos, que,
por si só, estão associados a piores desfechos2-6.
Tanto estratégias restritivas quanto permissivas de antibioticoterapia empírica apresentam riscos adicionais aos pacientes críticos7.
O diagnóstico da PAVM é particularmente difícil na concomitância de SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto), visto a semelhança nos critérios clínicos de
identificação precoce. Andrews e col.8, estudando necropsias
de pacientes com SDRA, demonstraram 36% de falsos-negativos e 20% de falsos-positivos para o diagnóstico clínico de
PAVM. Outros autores também demonstraram a inespecifici-
dade dos diagnósticos baseados unicamente nos critérios clínicos para o reconhecimento da PAVM9,10. Em média, cerca
de 42% dos pacientes com febre e infiltrado pulmonar na UTI
apresentam PAVM11.
Em 1972, Johanson e col.12 desenvolveram um escore simples para o diagnóstico da PAVM. O aparecimento de um
novo infiltrado radiológico associado a dois dos três critérios, tais como leucocitose (> 12.000/mm3), febre (> 38,3 ºC)
e presença de escarro purulento, comparado a avaliação de
biópsias pulmonares, demonstraram sensibilidade de 69% e
especificidade de 75% para o diagnóstico de PAVM14. Estes
critérios de simples aplicação foram adotados universalmente
pelos autores e também pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention) para definições e vigilância epidemiológica e de pneumonia nosocomial em hospitais. No estudo
radiológico do tórax, a análise isolada de um infiltrado novo
no radiograma apresenta elevada sensibilidade, porém baixa
especificidade (67% de falso-positivos)13.
Outra grande dificuldade no diagnóstico de PAVM é a demonstração da etiologia. A complexidade do paciente crítico,
quanto aos diagnósticos diferenciais para o infiltrado pulmonar e a elevada prevalência de colonização do trato respiratório manipulado, torna a interpretação dos dados de coleta da
secreção respiratória muito inespecífica7. Assim como existe a dificuldade de valorização das amostras de escarro nas
infecções respiratórias comunitárias e hospitalares, devida a
necessidade de adequação das amostras para exame, muito
mais rigorosa deve ser a interpretação de amostras de aspirado traqueal e coletas seletivas das vias respiratórias distais. O
1. Médico Residente de Terapia Intensiva do Hospital Moinhos de Vento
2. Médico Intensivista do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento
3. Médico Supervisor do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento
* Recebido do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS
Apresentado em 07 de março de 2005 - Aceito para publicação em 11 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Ricardo Viégas Cremonese - R. Tenente Coronel Fabrício Pillar, 179/403 - Bairro Mont’Serrat - 90450-040
Porto Alegre, RS - Fone: (51) 3314-3000 – 8118-9690 - E-mail: [email protected]
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lavado bronco-alveolar (LBA), embora comumente utilizado
como referência para o diagnóstico nos trabalhos apresentados na literatura1,15,16 não atinge o nível de probabilidade
intermediária quando comparado a um padrão-ouro mais
exigente, tais como a histopatologia e culturas teciduais de
pulmão. Entretanto, na PAVM, mesmo estas, não garantem
o diagnóstico definitivo, visto a irregularidade fisiopatológica
e a evolução errática desta pneumonia17.
O objetivo desta revisão é agrupar as evidências da literatura a respeito do assunto, como um instrumento de
auxílio na decisão de inclusão do CPIS nos protocolos de
manuseio desta doença nas Unidades de Terapia Intensiva
(UTI).
MÉTODO
Foram revisados os artigos mais relevantes sobre pneumonia associada à ventilação mecânica e escores de diagnóstico
publicados na língua inglesa entre os anos de 1970 e 2004. A
pesquisa foi realizada nos portais da PubMed / MedLine.
DESCRIÇÃO DO ESCORE CLÍNICO DE
INFECÇÃO PULMONAR (CPIS)
Pugin e col.17 visualizando estas dificuldades e procurando uma regra prática, desenvolveram o CPIS (Clinical Pulmonary Infection Score) em 1991 na tentativa de aumentar a
acurácia do diagnóstico clínico de pneumonia em pacientes
sob ventilação mecânica (VM) por SDRA e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O escore foi validado em 40
amostras de LBA quantitativo e 29 mini-LBA de forma encoberta (Tabela 1). Os resultados revelaram 93% de sensibilidade e 96% de especificidade, quando utilizado um ponto
de corte de CPIS > 6 para diagnóstico de PAVM. De todas
as variáveis do escore, a relação PaO2/FiO2 e a quantidade
de secreção nas aspirações demonstraram o maior rendimento. O resultado das culturas do aspirado traqueal qualitativo
apresentou uma especificidade e um valor preditivo negativo
de apenas 48%, sendo incapaz de diferenciar colonização de
infecção18.
ACURÁCIA DO CPIS
Visando comparar o desempenho dos critérios clínicos de
Johanson e do CPIS, dois estudos são citados. No primeiro,
Fábregas e col.14 avaliaram 25 pacientes com biópsia pulmonar post-mortem. A coleta microbiológica foi realizada por
técnicas diversas - aspirado traqueal quantitativo (ATQ),
escovado brônquico protegido (EBP) e lavado bronco-alveolar (LBA). A acurácia obtida foi semelhante entre o CPIS
e os critérios de Johanson (sensibilidade: 77% vs. 69%; especificidade: 42% vs. 75%, respectivamente). Os principais responsáveis pela perda de especificidade do CPIS neste estudo
foram a valorização da secreção traqueal mucopurulenta e
da coloração do Gram. O ATQ (>105 UFC/mL) demonstrou
a melhor acurácia (sensibilidade de 69% e especificidade de
92%) entre os métodos diagnósticos. Os autores concluíram
que os parâmetros clínicos tinham uma acurácia aceitável no
diagnóstico de PAVM e que não havia diferença quanto ao
método de coleta microbiológica. Questiona-se a validade
externa deste estudo devido ao tamanho da amostra reduzido e avaliação do CPIS somente no dia do óbito, momento
de desfecho final do processo pneumônico, como também a
capacidade da biópsia de pulmão de constituir a referência
para o diagnóstico.
Papazian e col. obtiveram resultados superponíveis a Fábregas (sensibilidade de 72% e especificidade de 85%) e também não demonstraram superioridade do CPIS aos critérios
de Johanson8. Neste estudo, porém, a especificidade do CPIS
aumentou com a inclusão da avaliação microbiológica (especificidade = 95%). Contesta-se também a sua validade externa devido à amostra bacteriológica usada no cálculo do
escore ter sido coletada 48 a 72 horas antes da suspeita clínica
de PAVM.
APLICAÇÃO DO CPIS E ESCORES MODIFICADOS
A necessidade de uma amostra adequada das secreções
respiratórias é consenso entre os pesquisadores, porém a necessidade de utilização de técnicas invasivas de coleta ainda
é controversa20-25. As técnicas invasivas de coleta demons-
Tabela 1 - CPIS (Pugin e col.18)*
Parâmetros
0 ponto
1 ponto
2 pontos
Temperatura (°C)
≥ 36,5 e ≤ 38,4
≥ 38,5 e ≤ 38,9
≤ 36 ou ≥ 39
Leucócitos (células/mm3)
≥ 4.000 e ≤ 11.000
< 4.000 ou > 11.000
< 4.000 ou > 11.000
+ ≥ 500 bastões
Secreção traqueal § (24h)
< 14 + de aspirações
> 14 + de aspirações
≥ 14 + de aspirações com aspecto
purulento
Oxigenação (PaO2/FiO2)
> 240 ou SDRA
Radiograma do tórax
Sem infiltrado
Infiltrado difuso
Infiltrado localizado
Cultural do aspirado traqueal
semiquantitativo &
Ausência de crescimento ou cultivo
(0 ou 1+) de bactéria patogênica
Cultivo (2+ ou 3+) de
bactéria patogênica
Bactéria patogênica visualizada no Gram
(>1+) e cultivo de bactéria patogênica
(2+ ou 3+)
< 240
* Total de pontos = CPIS (varia de 0 a 12 pontos)
SDRA = Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto
PaO2/FiO2 = razão entre pressão arterial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio
§ Em cada aspiração de secreções é atribuído, pela equipe de enfermagem, uma graduação de 0 a 4 + (cruzes). A soma das cruzes em 24 horas é utilizada para o cálculo
do escore
& A análise subjetiva é graduada em cruzes (+). Pode variar de zero até 3 cruzes
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
tram custo-efetividade duvidosas e impossibilidade de serem
executadas em uma grande proporção das UTI. Ressalta-se
neste momento que o padrão-ouro para o diagnóstico microbiológico da PAVM não está definido e que qualquer um dos
métodos de coleta está sujeito a críticas26.
O temor da maioria dos intensivistas em não tratar pacientes com infiltrado pulmonar se ancora na alta mortalidade atribuível à PAVM (20% a 50%)15. Motivado pelo uso
desnecessário de antibióticos para casos suspeitos de PAVM e
consciente das dificuldades de se evitar o tratamento empírico
desnecessário, o grupo de Singh desenvolveu uma estratégia
de utilização do CPIS como ferramenta de suspensão ou redução do tempo de tratamento antimicrobiano (Tabela 2)26.
Os pacientes com CPIS inicial ≤ 6 (ainda sem confirmação microbiológica), teoricamente de menor risco para
PAVM, foram selecionados para terapia convencional a critério do médico assistente versus monoterapia experimental
com ciprofloxacina. Em 72 horas era realizada uma reavaliação do CPIS e, caso o mesmo se mantivesse abaixo de 6,
a ciprofloxacina era descontinuada; caso atingisse um valor
≥ 6, era mantido o tratamento por 10 a 21 dias26. A terapia
antimicrobiana foi usada em 90% (38/42) dos pacientes além
do 3º dia no grupo convencional e em 28% (11/39) no grupo
experimental (p = 0,0001). A mortalidade e a duração da internação na UTI não diferiu entre os grupos, entretanto, no
grupo da monoterapia, houve redução dos custos, menor risco de superinfecção e menor índice de resistência bacteriana.
Fartoukh e col.27 descreveram como um dos maiores problemas para aplicação do CPIS, o tempo de 48 a 72 horas
de espera pelo resultado dos culturais (Tabela 2). Seu grupo
examinou 79 episódios suspeitos de PAVM em 68 pacientes,
tomando o LBA como padrão-ouro para o diagnóstico. Foi
comparada a acurácia da impressão clínica dos intensivistas
a do CPIS modificado em dois momentos (pré e pós-teste microbiológico – no caso o Gram - obtido por AT semiquantitativo ou por cateter protegido às cegas - CPC). A estimativa
dos dados clínicos pré e pós-teste, comparado ao CPIS, teve
sensibilidade de 50% e 60% respectivamente e a especificidade de 59% igualmente para os dois testes. A incorporação
do Gram elevou a acurácia do CPIS para uma sensibilidade
pré e pós-teste de 82% e 80% e especificidade de 61% e 64%,
respectivamente. Não houve diferença quanto ao uso dos métodos diretos invasivos e encobertos de coleta.
Foi encontrado um baixo valor preditivo negativo para
um CPIS < 6 (probabilidade de 16% a 25% de existência de
PAVM neste grupo, com LBA como padrão-ouro), indo de
encontro aos achados de Singh e col.26, o que questiona a segurança da suspensão do antibiótico nestes casos. Os autores
descreveram a necessidade do acréscimo do Gram na interpretação inicial do CPIS, principalmente nos casos de probabilidade pré-teste intermediária. Mesmo assim, o escore não
permitiu a definição de quais pacientes deveriam receber tratamento empírico, objetivo principal desta pesquisa27.
Blot e col.28, verificaram em 91 casos de PAVM, a hipótese do uso associado de duas técnicas de coleta de material
microbiológico (CPC – alta especificidade e ATQ – alta sensibilidade). O achado bacteriano no CPC ou a ausência bacteriana no ATQ (coloração de Gram) permitiria uma acurácia
diagnóstica de PAVM de 92%. No entanto, a combinação
de CPC negativo e ATQ positivo não demonstrou acurácia
diagnóstica adequada para PAVM, havendo necessidade de
se aguardar o exame de cultura. Estimou-se que em 80% dos
casos, o Gram do ATQ isoladamente teria orientado a antibioticoterapia de forma desnecessária. Nesta condição de
baixa a moderada probabilidade de PAVM, a utilização do
CPIS, associada a estimativas de gravidade da infecção e piora ventilatória, poderia auxiliar na tomada de decisão28.
Luna e col.29 analisaram 63 pacientes em uso de antibióticos, com PAVM confirmada por cultura de LBA. O método
consistia na aplicação do CPIS modificado (Tabela 2), máximo de 10 pontos e exclusão da análise microbiológica), com
avaliação em três momentos: três dias antes do diagnóstico
de PAVM (PAVM -3), no dia do diagnóstico (PAVM), após 3,
5 e 7 dias do diagnóstico (PAVM +3, PAVM +5 e PAVM +7).
O CPIS aumentou significativamente no dia da PAVM comparado com o PAVM -3 (todos os casos de PAVM tinham um
CPIS > 5). Nos 31 sobreviventes houve diminuição significativa no CPIS a partir do PAVM +3 (valor < 6). O CPIS não
Tabela 2 - Modificações do CPIS
Autores
Modificações
Singh
e col.26
- O CPIS inicial é avaliado por 5 variáveis e o CPIS em 72h por 7 variáveis (incluindo o cultural e a progressão radiológica).
- Foi realizada análise qualitativa da secreção respiratória.
- Um escore > 6 (inicial ou em 72h) é considerado sugestivo de PAVM.
- Total de pontos inicial = 10
- Total de pontos em 72 horas = 14
Fartoukh
e col.27
- Foi simplificada a avaliação microbiológica (Gram ou cultural com o mesmo peso) entre negativa (0 ponto) versus positiva (2
pontos)
- Total de pontos = 12
Luna
e col.29
- Foi realizada análise qualitativa da secreção respiratória.
- Não foi atribuída pontuação à presença de formas jovens no leucograma.
- Não foi realizada a avaliação microbiológica da secreção respiratória.
- Total de pontos = 10
Flanagan
e col.35
- Foi utilizado um ponto de corte diferente na contagem de leucócitos totais (> 17.000 / mm3)
- Não foi atribuída pontuação à presença de células jovens no leucograma
- Não foi avaliação microbiológica da secreção respiratória
- Total de pontos = 10
Descrição das diferentes modificações do escore original do CPIS.
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
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RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
melhorou naqueles que não receberam a terapia adequada e,
nos casos em que o escore piorou ou permaneceu inalterado,
a mortalidade foi de 67,7% (muito superior aos 34,4% daqueles com melhora do escore; p = 0,01). O parâmetro que melhor se correlacionou com a sobrevida foi o aumento da relação PaO2/FiO2 no PAVM +3, aumentando com o emprego da
terapia antimicrobiana adequada e retornando ao normal no
PAVM +7 de tratamento. O leucograma foi o pior parâmetro
do escore na evolução clínica. Os autores propuseram que
medidas seriadas do CPIS poderiam auxiliar a definir o prognóstico dos pacientes já no 3º dia da doença, favorecendo a
decisão sobre qual paciente poderia receber terapia antimicrobiana mais curta (7 dias).
Dennesen e col. analisaram a evolução dos parâmetros
clínicos por 14 dias, durante o tratamento de PAVM em 27
pacientes (diagnóstico firmado por LBA)30. Foram analisadas somente a temperatura axilar, o leucograma, a relação
PaO2/ FiO2 e os resultados de culturas semi-quantitativas do
aspirado traqueal. O parâmetro mais acurado foi o índice de
oxigenação, como já descrito por Pugin18 e Luna3. No sexto dia do tratamento houve uma regressão significativa dos
parâmetros, com exceção da erradicação bacteriana no aspirado traqueal. A colonização por bactérias Gram-negativas
persistiu no aspirado traqueal, principalmente por Pseudomonas aeruginosa (PA), e a recolonização por outro patógeno
a partir da segunda semana precedeu a reinfecção pulmonar
por este germe. Os autores sugeriram que o tratamento por
sete dias seria apropriado para a maioria dos pacientes, evitando superinfecção por germes multiresistentes e reduzindo
os custos. A reavaliação do aspirado semiquantitativo com o
objetivo de observar a resposta ao tratamento não foi recomendada pelos autores30.
Garrard e col.31, analisando o CPIS original diariamente
em 83 pacientes, demonstraram uma melhora progressiva do
CPIS ao longo de nove dias de tratamento. Montravers e col.
observaram uma diminuição significativa da temperatura e
melhora da relação PaO2/FiO2 no terceiro dia do tratamento,
acompanhada pela erradicação bacteriana na maioria dos
EBP repetidos naquele momento32.
Em um ensaio clínico aleatório, multicêntrico e duplamente encoberto, conduzido recentemente por Chastre e col.
foi comparado o tratamento de PAVM durante 8 dias contra
15 dias33. O estudo incluiu 401 pacientes com PAVM diagnosticada por LBA quantitativo e tratamento antimicrobiano
empírico inicial adequado. Não houve diferença no tempo de
VM, permanência na UTI, mortalidade em 60 dias ou número de disfunções orgânicas entre os grupos. No grupo tratado
por oito dias, houve maior número de recorrência de pacientes infectados por bacilos Gram-negativos não-fermentadores, sem piora de prognóstico dos mesmos.
Outro ensaio clínico aleatório realizado com 290 pacientes, analisou a eficácia e a segurança da descontinuação da
terapia antimicrobiana precoce baseada em critérios rigorosos34. O CPIS inicial no grupo intervenção foi semelhante ao
grupo controle (7,1 ± 0,9 vs. 7,2 ± 0,9; p = 0,2). Os pacientes
submetidos à terapia mais curta (6 ± 4,9 dias vs. 8 ± 5,6 dias;
p = 0,001) não diferiram em termos de mortalidade hospitalar, tempo de permanência na UTI, tempo de VM e incidência de reinfecção. O valor inicial do CPIS no momento
do diagnóstico se correlacionou com o tempo de duração da
132
terapêutica (r = 0,42; p < 0,001).
Flanagan e col.35 estudaram 34 casos de PAVM diagnosticadas em 145 pacientes, obtendo um dos melhores desempenhos do escore já descritos. O CPIS modificado (Tabela 2)
teve média de 7,6 ± 1,4 nos casos de PAVM e de 4,1 ± 1,8 nos
não-casos (p < 0,0001). Para todos os casos de PAVM um
CPIS > 6 traduziu uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 91% (valores preditivos positivo de 61%, e negativo de 96%). Não houve diferença na acurácia preditiva por
técnicas invasivas e não-invasivas de coleta microbiológica.
Os autores chamam a atenção para a análise quantitativa realizada aleatoriamente nos pacientes sem clínica sugestiva de
PAVM, a qual evidenciou um aumento progressivo da contagem bacteriana, sugerindo que o valor de corte utilizado
de >104 UFC/mL no LBA poderia traduzir somente colonização nos pacientes sob suporte ventilatório por mais de 10
dias35. Baseado nos dados do estudo, o CPIS demonstrou boa
predição de risco de infecção. Este bom desempenho do escore pode ser atribuído a ponto de corte de 7/10 pontos, o qual
elevaria a especificidade. Outro fator a ser considerado foi a
modificação do ponto de corte para a contagem leucocitária
(17.000/mm3). Contrariando os estudos já descritos, a não
pontuação para coleta de material microbiológico não afetou
a acurácia do escore.
Schurink e col.36 publicaram um dos mais importantes
artigos contrários ao emprego do CPIS em pacientes críticos
internados em UTI. O estudo aplicou os critérios do CPIS
original (Tabela 1), exceto pela exclusão da variável “aspiração de secreções”, portanto somando um total máximo de
10 pontos. Foram avaliados 99 LBA consecutivos (ponto de
corte >104 UFC/mL) em pacientes com suspeita de PAVM,
sendo diagnosticados 69 casos (69,6%) . Quando o CPIS > 5
foi usado como ponto de corte, a sensibilidade do escore foi
de 83% e a especificidade de 17%. A área sob a curva ROC foi
de apenas 0,55. O mau desempenho do escore foi confirmado
pela aplicação do CPIS original completo por dois intensivistas em 52 pacientes, com variabilidade inter-observador
muito elevada (kappa = 0,16). A baixa acurácia preditiva
do CPIS neste artigo pode ser atribuída à alta probabilidade
pré-teste para PAVM nesta população, ao pequeno tamanho
da amostra e à ausência de padrão-ouro pré-definido. Questiona-se se a exclusão das aspirações traqueais e o ponto de
corte escolhido não possam ter enfraquecido o poder diagnóstico do escore.
Em recente análise de uma coorte retrospectiva com 201
pacientes o CPIS modificado por Singh (Tabela 2) calculados
no 1º e 3º dias foi utilizado por outros pesquisadores com o
objetivo de analisar a sua habilidade em identificar os casos
de PAVM comprovada por LBA. O CPIS no 1º dia (total de
10 pontos) não diferiu entre o grupo com ou sem diagnóstico
de PAVM confirmado por LBA (6,4 ± 1,4 vs. 6,2 ± 1,6; p >
0,2, respectivamente). No 3º dia 138 de 201 pacientes (69%)
apresentavam um CPIS > 6 (total de 14 pontos), que determinaria um prolongamento da terapia antimicrobiana. No entanto, pelos achados broncoscópicos dos mesmos pacientes
apenas 88 (44%) foram considerados como tendo VAP (kappa = 0,33). Enquanto a sensibilidade do CPIS foi de 89%,
sua especificidade foi de apenas 47%, o que teria acarretado
um tratamento desnecessário em 60 (53%) pacientes dos 113
em que se excluiu PAVM. Os autores demonstraram que o
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
poder discriminatório do escore no 1º dia foi nulo e questionaram a segurança, mais uma vez, de se guiar a terapêutica
no 3º dia baseada no escore, cuja maior conseqüência nesta
série seria a de tratar desnecessariamente 50% dos pacientes
sem pneumonia. O valor de corte do CPIS foi baixo (6/14)
podendo, em parte, explicar a baixa especificidade e alta sensibilidade. Pela curva ROC construída no estudo, valores entre 7 e 8 de um total de 14 pontos teriam acurácia próxima a
70%, sensibilidade de 75% e especificidade de 66%37.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A
UTILIZAÇÃO DO CPIS
Esta revisão demonstrou uma grande variabilidade no
delineamento dos estudos, um freqüente poder amostral reduzido e uma heterogeneidade de critérios aplicados às populações. Os diferentes momentos em que o CPIS foi utilizado
no curso da doença e a modificação dos critérios originais
do escore também confundem a interpretação dos dados. As
comparações entre os diferentes escores são inconclusivas e
sujeitas a erros de interpretação.
No contexto geral, parece pouco seguro aceitar o CPIS
como ferramenta de exclusão de PAVM. Não se deve retardar o início da antibioticoterapia baseados somente no escore, devido a sua baixa sensibilidade e baixo valor preditivo negativo demonstrado pelos estudos. O CPIS parece nos
auxiliar no seguimento terapêutico dos pacientes infectados,
visando à suspensão precoce do tratamento nos casos que a
PAVM não foi confirmada ou nos casos em que a resposta
antimicrobiana inicial foi satisfatória. Pelo já exposto ficou
clara a necessidade de se avaliar o escore sempre vinculado
a alguma informação microbiológica, desde que se empreguem coletas adequadas ou seletivas, além de utilizar pontos de corte elevados.
Deve-se observar que, caso o escore seja aplicado no dia
da suspeita da infecção, o número máximo de pontos disponíveis será 10, pois não estão disponíveis ainda os resultados
de cultura. Pelo fato do ponto de corte ser o mesmo (> 6), no
primeiro dia ou no seguimento do caso, a acurácia diagnóstica provavelmente será diferente. A utilização do resultado do
exame direto (Gram) no primeiro dia - como sexto item do
escore - poderia atenuar esta diferença preditiva.
Ainda é nítida a necessidade de se avaliar o desempenho
do escore nas diferentes situações clínicas como trauma,
DPOC, queimaduras graves, sepse abdominal com SDRA,
pancreatite e nos diferentes grupos de faixa etária ou associação de comorbidades. Estes pacientes geralmente cursam
constantemente com febre, leucocitose, infiltrado pulmonar
e secreção respiratória, fatores de confusão para o diagnóstico de PAVM, pois representam também os sinais de resposta
fisiológica inflamatória, não necessariamente de origem infecciosa. Salienta-se também que o escore teve seus índices
definidos arbitrariamente, sendo atribuídos pesos semelhantes para diferentes situações. A constituição adequada de um
escore de predição clínica necessita de um estudo com o objetivo de identificar o valor ponderal das variáveis preditivas
que o integram e sua validação em um segundo estudo de
aplicação do escore, utilizando outro grupo de pacientes (coorte de validação).
Mesmo com suas limitações, o CPIS representa um criVolume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
tério clínico mais completo que o de Johanson e pode ser
adotado na rotina diária das UTI, de forma padronizada e
reprodutível, substituindo a impressão clínica individual, sabidamente inespecífica. É possível que a sua medida seriada
provavelmente possa auxiliar o intensivista a conduzir de forma mais segura a suspensão do antibiótico ou selecionar o
bom candidato para uma terapia antimicrobiana mais curta;
no entanto, no momento atual a literatura nos deixa indecisos a este respeito. Estudos com maior número de pacientes
e de melhor delineamento, em contextos clínicos bem definidos, são necessários para firmar a importância deste escore
no manuseio da PAVM.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A pneumonia associada à ventilação mecânica apresenta alta prevalência e elevada
mortalidade. É um tema de alta relevância na prática diária do
intensivista e de grande espaço de discussão na literatura. O
objetivo desta revisão foi o de agrupar as evidências da literatura a respeito do assunto, como um instrumento de auxílio na
decisão de inclusão do CPIS nos protocolos de manuseio desta
doença nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
CONTEÚDO: Revisão da literatura, utilizando a base de
dados PubMed e a MedLine.
CONCLUSÕES: As dificuldades diagnósticas motivaram
a criação de escores clínicos, entre os quais destaca-se o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS). Desde a sua elaboração em 1991, este escore foi estudado por inúmeros autores
em diversos contextos relacionados à pneumonia associada à
ventilação mecânica - PAVM (diagnóstico, prognóstico, início
e suspensão do tratamento e seguimento clínico) - em geral sofrendo modificações arbitrárias e interpretações variadas.
Unitermos: CPIS, Pneumonia, Ventilação Mecânica, Terapia Intensiva
Abreviaturas:
CPIS - “Clinical Pulmonary Infection Score”
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
SDRA - Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto
CDC - Centers for Disease Control and Prevention
Cols.- colaboradores
PAVM – Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica
VM - Ventilação Mecânica
DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
LBA – Lavado Broncoalveolar
EBP – Escovado Brônquico Protegido
ATQ – Aspirado Traqueal Quantitativo
CPC - Cateter Protegido às Cegas
ROC – “Receiver Operating Characteristic Curve”
PA – Pseudomonas Aeruginosa
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
O Uso da Ventilação Mecânica Não-Invasiva
na Extubação Precoce e Como Técnica
de Desmame: Revisão de Literatura*
Noninvasive Mechanical Ventilation as an Early
Extubation and Weaning Technique: A Literature Review
Daniela Vieira de Andrade1, Carolina Pinheiro da Silva1, Luciana Duarte Satler de Oliveira1,
Patrícia Ribeiro Figueiredo1, Paulo Sérgio Andrade Moreira1, Josiane Alves Caldeira2
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJETIVES: The Noninvasive Positive Pressure Ventilation (NPPV) has been used as a way to supply
ventilatory support to patients with insufficiency respiratory and weaning failure, thus facilitating the early extubation of the
endotracheal tube and consequent reduction of the complications associated with increase duration of Mechanical Ventilation (MV). The aim of our study was to evaluate the effect of this new method of weaning in the gas exchange, in the work
of breathing, in the duration of mechanical ventilation, in the duration of Intensive Care Unit stay or hospital stay and also
the hospital costs.
CONTENTS: Although some cited randomized studies in our review demonstrated the effectiveness of the NPPV in the
weaning with early extubation and reduction of incidence of ventilator-associated complications, these data has not been
consistent, therefore is necessary that more clearly criterions shall be determinated to clearly show the real advantages of
the NPPV in relation to the conventional MV.
CONCLUSIONS: Thus this new technique of weaning can be useful as an alternative among the several techniques already
been used.
Key Words: Early Extubation, Mechanical Ventilation, Noninvasive Ventilation, Weaning
A
ventilação mecânica invasiva (VMI) é um método
de suporte ventilatório realizado através de uma
via endotraqueal, não consistindo em uma terapia
curativa. O emprego da VMI implica riscos próprios. Sua indicação deve ser prudente e criteriosa, e sua aplicação cercada por cuidados específicos1,2. É um procedimento invasivo
e associado à complicações como pneumonia nosocomial,
fraqueza da musculatura respiratória e aumento do índice de
morbidade e mortalidade2-4. Dessa forma, torna-se importante a rápida reversibilidade do processo pelo qual foi instituída
a VMI e o retorno à ventilação espontânea2-4.
A fase de transição da VMI para a ventilação espontânea,
que ocorre de forma gradual, é conhecida como desmame,
e tem como objetivos verificar a habilidade do paciente em
sustentar a respiração espontânea sem o auxílio do ventilador artificial e recuperar a função dos músculos respiratórios
através da redução progressiva do suporte ventilatório. Espera-se, então, que ela ocorra em menor tempo possível visando à eliminação de todas as complicações5-7. Há diversas
técnicas disponíveis para facilitar o desmame da ventilação
mecânica. Entre elas, está o método de respiração espontânea
com o tubo-T7, o modo de ventilação com pressão de suporte
(PSV), o de ventilação mandatória intermitente sincronizada
(SIMV)8 e o modo com pressão positiva contínua nas vias
aéreas (CPAP)8,9. Entretanto, há controvérsias em relação ao
método de desmame mais eficaz, se é que se pode afirmar que
há superioridade entre eles.
Dentre as várias causas de falha persistente no desmame,
o desequilíbrio entre a carga imposta ao sistema respiratório
e a sua capacidade em responder a essa demanda parece ser a
principal1. Diante desse fato, pacientes com redução da reserva ventilatória freqüentemente apresentam desmame difícil9.
Isso poderia ser evitado com o uso da Ventilação Mecânica
Não-Invasiva (VMNI), que consiste em um método no qual
uma pressão positiva é aplicada na via aérea do paciente através de máscara nasal ou facial sem a utilização da intubação
traqueal10-12. Dos objetivos da VMNI, têm-se como principais
reduzir o trabalho respiratório e as complicações da VMI,
melhorar a troca gasosa, reduzir o tempo de desmame e diminuir a incidência de re-intubação11-15.
Atualmente, há estudos utilizando a VMNI associada
à extubação precoce como um novo método de retirada da
VMI em pacientes com falhas no desmame, com os objetivos
de diminuir as complicações da VMI e fornecer os benefícios
já descritos2-4,16. Estes estudos sugerem que a VMNI pode facilitar a liberação do ventilador nestes pacientes.
Esta revisão de literatura tem como objetivo avaliar os
efeitos deste novo método de desmame na troca gasosa, no
trabalho respiratório, na duração de VMI, na permanência
na UTI e nos custos hospitalares.
1. Fisioterapeutas Graduados pela PUC-MG
2. Professora da PUC-MG, Fisioterapeuta do Hospital Madre Teresa, Mestranda em Ciências da Reabilitação da UFMG
*Recebido da PUC-MG
Apresentado em 26 de janeiro de 2005 - Aceito para publicação em 09 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Daniela Vieira de Andrade - Rua Santa Cruz, 475/601 - B. Grajaú - 30430-430 Belo Horizonte, MG - Fone: (31)
3313-1711/9941 8376 - E-mail:[email protected]
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
135
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
DESENVOLVIMENTO
Foram realizadas pesquisas bibliográficas por meio das
bases de dados MedLine, COCHRANE, LILACS, PEDro
e CINAHL. As palavras-chave utilizadas foram: noninvasive
ventilation, early extubation, weaning failure e suas sinonímias;
restringindo o período de tempo para os artigos referentes ao
tema do estudo de 1992 e 2004.
Dessa pesquisa, utilizando a leitura de título e abstract,
foram selecionados 79 artigos nas línguas portuguesa e inglesa, e dentre esses, apenas 24 foram utilizados, sendo 18 a
partir de leitura de textos e seis artigos a partir de referências
bibliográficas. Desses, 11 são artigos que se referem à eficácia
da VMNI e os outros 13 foram introduzidos para complementarem questões relacionadas à VMI e à VMNI.
Quanto aos tipos de desenhos de pesquisas descritos nos
artigos relacionados à VMNI, foram encontradas as seguintes classificações: experimentais foram seis; quase experimental, dois; observacional, um e de revisão, um.
A VMNI é definida, então, como uma técnica de ventilação mecânica empregada através de máscara nasal ou facial
que funciona como interface paciente/ventilador sem uma
via endotraqueal, com o intuito de aumentar a ventilação
alveolar melhorando as trocas gasosas e reduzindo o trabalho respiratório dos pacientes com insuficiência respiratória
(IResp)10-12. Essa técnica é uma opção para tentar evitar a intubação endotraqueal, além de tratar e prevenir os sintomas
resultantes da hipoventilação pulmonar, reduzir possíveis
complicações da VMI e o período de hospitalização10-12. Recentemente, estudos têm demonstrado a utilização da VMNI
também como uma alternativa para o desmame.
A partir da década de 30, surgiram trabalhos pioneiros
que descreveram a técnica e os benefícios do uso da ventilação com pressão positiva, oferecida através de máscara para
pacientes com IResp de variadas etiologias. O uso da VMNI
na Insuficiência Respiratória Aguda (IRespA), para evitar a
necessidade de intubação endotraqueal, foi descrito primeiramente nos anos 80 por Meduri e col.17
Um número crescente de trabalhos, criando uma casuística consistente, tem sido sucessivamente publicado, enaltecendo o poder da VMNI em evitar a intubação, diminuir a
freqüência de complicações relacionadas à VMI e o tempo de
permanência na UTI para os pacientes com IResp11-15. Além
disso, de acordo com Vitacca e col.18, a pressão de suporte
não-invasiva parece ser tão eficaz em relação à sensação de
dispnéia e ao esforço do diafragma em gerar volume corrente,
quanto à pressão de suporte invasiva. Eles acreditam que tal
fato se deve à dissipação da resistência para vencer a mesma
no tubo endotraqueal.
Durante o início dos anos 90, em várias experiências sem
controle9,19, a VMNI foi aplicada em pacientes que tinham
sido ventilados por um longo período. As primeiras evidências dessa aplicação no auxílio do desmame são referentes ao
seu uso em pacientes com extubação acidental ou IResp pósextubação. Dentre essas experiências, pode-se citar um estudo publicado em 1992, o de Udwadia e col.19 que relataram
em estudo observacional, o uso de VMNI para desmamar 22
pacientes dependentes do respirador. Seu grupo de pacientes
era variado, incluindo doenças da caixa torácica, fraqueza
dos músculos respiratórios e IResp após cirurgia cardíaca.
136
Previamente à tentativa de VMNI, os pacientes haviam recebido ventilação mecânica (VM) convencional com média
de duração de 31 dias e todos tiveram experiência sem êxito
na tentativa de desmame tradicional. Vinte dos 22 pacientes
foram desmamados com VMNI, dois dos 20 pacientes falharam e necessitaram de re-intubação.
Em 1993, Restrick e col.9 realizaram um estudo quase experimental com 14 pacientes portadores de doenças variadas
que foram encaminhados para o estudo em razão das dificuldades no desmame ou pela possibilidade de apresentar essas
dificuldades posteriormente. A VMNI nasal foi iniciada, uma
vez que os pacientes estavam respirando espontaneamente ou
estavam em condições estáveis com uma SIMV < 5 irpm ou
com uma PSV < 10 cmH2O. Inicialmente, a VMNI era fornecida continuamente e depois era reduzida gradualmente, mas
os autores não descreveram o tempo deste período inicial. Foi
observado no estudo que a VMNI obteve sucesso em 87%
do total de tentativas no desmame, além de um aumento na
PaO2 (p=0,011) e uma redução na PaCO2 (não significativo).
Os autores consideraram que a VMNI pode reduzir o tempo
de permanência em UTI facilitando as implicações econômicas e psicológicas do paciente.
No estudo de Kilger e col.20, também um estudo quase
experimental, utilizaram a VMNI para o tratamento de 15
pacientes sem DPOC preexistente. Todos os pacientes tinham
de preencher os seguintes critérios de inclusão: VMI por um
período mínimo ≥ 72 horas; saturação de oxigênio (SaO2) ≥
90% com oxigênio suplementar limitado a 6 L/min durante
respiração espontânea através de tubo-T. Os critérios para a
extubação precoce estavam relacionados aos dados gasométricos e a mecânica respiratória. Naturalmente, estes critérios
foram muito mais liberais (volume corrente ≥ 3 mL/kg, FR
≤ 40 irpm, Índice de Tobin ≤ 190, PImáx ≥ -20 cmH2O) do
que os usados na literatura3,4,15,21,22 e conseqüentemente, talvez fosse presumido que a faixa de re-intubação naqueles pacientes seria alta. Os pacientes eram tratados com dois modos
de VMNI, iniciando-se 30 minutos depois da extubação com
CPAP de 5 cmH2O, durante 30 minutos, seguido diretamente pela PSV de 15 cmH2O com PEEP de 5 cmH2O, durante
outros 30 minutos. Se os valores de estudo fossem benéficos,
a PSV com a PEEP, durante um mínimo de 30 minutos era
administrada, no mínimo, 6 vezes por dia. Foi descoberto
que ambos os modos de VMNI melhoraram a troca gasosa
e o padrão respiratório e reduziram o shunt intrapulmonar
e o trabalho respiratório. Os resultados mais benéficos foram descobertos para a PSV. A duração média da VMNI
foi de 8,5 ± 1,7 horas (p<0,05) somente 2 de 15 pacientes
foram re-intubados, obtendo uma taxa de 87% de sucesso
no desmame.
Ferrer e col.23, em uma revisão da literatura, encontraram
diversos trabalhos - alguns já descritos3,4,18, nos quais se instituía a VMNI após extubação precoce ou em pacientes que
apresentassem IRespA após extubação que aparentemente
havia obtido sucesso. Eles observaram que esta nova técnica foi mais eficaz na presença de doença pulmonar prévia e,
além disso, os pacientes se encontravam hemodinamicamente
estáveis, com um bom nível de consciência, sem febre e com
reflexo de tosse preservado. Dessa forma, seria difícil determinar a eficácia e o papel da VMNI nestes pacientes que
apresentavam quadro clínico estável. Entretanto, os autores
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
argumentaram que este método seria uma maneira de obter
um menor índice de complicações associadas à VMI.
Como mostra a tabela 1, o primeiro estudo controlado foi
publicado em 1998 por Nava e col.4, utilizando a VMNI como
uma estratégia para o desmame de pacientes com DPOC agudizada, após um período de 48 horas de VMI. Eles selecionaram um grupo de cinqüenta pacientes intubados com IResp
hipercápnica que falharam após um teste inicial em tubo-T.
Vinte e cinco foram mantidos intubados e outros 25 foram
extubados e imediatamente aplicada a VMNI. No grupo
tratado com a ventilação convencional, a pressão de suporte
foi inicialmente 17,6 ± 2,1 cmH2O, sendo reduzida gradualmente com tentativas intermitentes de respiração espontânea
realizadas duas vezes ao dia através do tubo-T ou de CPAP
com uma PEEP (positive end expiratory pressure) menor que
5 cmH2O. Já no grupo de VMNI, a pressão de suporte foi
inicialmente 19 ± 2 cmH2O e reduzida de 2 a 4 cmH2O ao
dia, levando-se em consideração a tolerância do paciente.
Nesse grupo, o tempo de respiração espontânea era, a cada
dia, aumentado gradualmente. Foi, então, observado que a gasometria nos dois grupos permaneceu constante durante todo
o período de suporte ventilatório. Entretanto, os pacientes do
grupo de VMNI obtiveram menor tempo de ventilação mecâ-
nica e menor estadia em UTI. Além disso, o estudo mostrou
maior incidência de pneumonia nosocomial, mortalidade e necessidade de suporte ventilatório no grupo VMI.
Em outro estudo, realizado em 1999 por Jiang e col.16 foram selecionados 93 pacientes de uma UTI ventilados mecanicamente e que estavam em processo de desmame. Após a
extubação, eles foram distribuídos em dois grupos aleatoriamente, sendo que um grupo recebeu oxigenioterapia e o outro grupo, tratamento com Biphasic Positive Airway Pressure
(BIPAP). Os autores observaram que 73 pacientes foram desmamados com sucesso. Vinte pacientes foram re-intubados,
sendo 7 do grupo de oxigenioterapia e 13 do grupo VMNI,
porém estes resultados não tiveram relevância estatística.
Dessa forma, os autores concluíram que a VMNI deveria ser
tentada apenas se houvesse um critério rigoroso dos pacientes para a IRespA.
Girault e col.3 realizaram um estudo prospectivo e aleatório, objetivando avaliar a utilização da VMNI como extubação sistemática e como técnica de desmame, para reduzir a
duração da VMI em pacientes com IResp e que apresentam
desmame difícil. Além disso, compararam essa técnica com o
desmame convencional utilizando a PSV em VMI. As variáveis estudadas foram o tempo total de duração do paciente em
Tabela 1 - Estudos Experimentais sobre o Uso da Ventilação Mecânica Não-Invasiva como Técnica de Desmame
Nava S
e col.
(1998)
Jiang JS,
Kao SJ,
Wang SN
(1999)
Experimental
Experimental
50 pacientes
com DPOC
93 pacientes
de doenças
variadas
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
Após uma falha
na tentativa de
tubo-T, os pacientes
eram extubados
e imediatamente
aplicada a
VMNI. Os que
continuavam
na VMI, a PS
era reduzida
gradualmente e
eram realizadas
tentativas de
tubo-T. A VMNI
era aplicada
continuamente
por 48 h ou até
que ela fosse bem
tolerada e depois
intercalada com
oxigenioterapia
Após a extubação
os pacientes eram
alocados para os
grupos. A IPAP
era programada
inicialmente cerca
de 12cmH2O e a
EPAP era cerca de
5cmH2O. Oxigênio
suplementar era
fornecido de 2 a
15L/min. BIPAP
era aplicado
continuamente por
72 horas e depois
intercalado com
oxigenioterapia
Duração
de suporte
ventilatório
Tempo de
permanência em
UTI
16,6 ± 11,8 dias grupo VMI vs
10,2 ± 6,8 dias grupo VMNI
(p = 0,021)
24,0 ± 13,7 dias grupo VMI vs
15,1 ± 5,4 dias grupo VMNI
(p = 0,005)
Dados
gasométricos
(pH e PaCO2)
Foi melhor no grupo VMI
(p=0,001) somente no
momento da intubação
e foi similar entre os dois
grupos durante a respiração
espontânea
Complicações
associadas à VMI
28% grupo VMI vs 0% grupo
VMNI desenvolveu pneumonia
nosocomial
Taxa de
mortalidade após
60 dias
92% grupo VMI vs 72% grupo
VMNI (p = 0,009)
Sobrevida
8% grupo VMNI vs 28% grupo
VMI morreram nos primeiros
60 dias
Sucesso no
desmame
78,5% do total de pacientes
obtiveram sucesso, mas não foi
descrito se houve relevância
estatística.
Taxa de reintubação
Não houve diferença estatistíca
significativa entre os dois
grupos
O estudo relatou que
a VMNI aplicada
precocemente quando
há falha no desmame
reduzem o tempo
de permanência em
UTI, a incidência de
PNM nosocomial e
melhorou a sobrevida.
Mas os autores
recomendaram novas
investigações para
avaliar a eficácia
clínica dessa prática
em pacientes com
IResp hipoxêmica
Os autores
concluíram que
a VMNI deve ser
tentada apenas se
houvesse um critério
de seleção rigoroso
dos pacientes para a
IRespA. Mesmo que
a VMNI seja aplicada
precocemente este
fato não prediz
resultados favoráveis.
137
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Tabela 1 - Continuação
Girault,
C e col.
(1999)
Keenan,
SP e col.
(2002)
Ferrer,
M e col.
(2003)
138
Experimental
Experimental
Experimental
33 pacientes
com DPOC e
outras doenças
restritivas ou
mistas
81 pacientes
com doenças
variadas que
desenvolveram
IRespA após a
extubação
43 pacientes
com doenças
variadas
Após 24h da falha
na tentativa de
tubo-T, os pacientes
eram alocados
para os grupos. A
VMNI era fornecida
inicialmente de
forma intermitente
de 2 a 4 h e
intercalando
com períodos
de respiração
espontânea com
oxigenioterapia. No
grupo controle, a PS
era gradualmente
reduzida até o
paciente tolerar
uma PS < 8cmH2O
para a extubação
Os pacientes que
desenvolvessem
IRespA dentro
de 48h após a
extubação eram
alocados para
os grupos (TP e
VMNI). A VMNI
era fornecida
continuamente
pelas primeiras
12h e depois
era intercalada
com respiração
espontânea. A
TP consistia
de oxigênio
suplementar
acrescentado de
fisioterapia intensiva
e farmacologia.
Após três falhas
consecutivas de
tubo-T os pacientes
eram alocados
para o grupo VMNI
onde era aplicada
imediatamente
após a extubação
de forma contínua
nas primeiras
24h e era retirada
gradualmente.
O outro era
reconectado à VMI
e a tentativa de
tubo-T era realizada
uma vez ao dia.
Sucesso no
desmame
Tempo de suporte
ventilatório total
Tempo de
permanência
hospitalar
Tempo de
permanência em
UTI
Complicações
associadas a VMI
Follow-up de 90
dias
75% do grupo VMI vs 76,5%
do grupo VMNI (NS)
Os autores
consideraram esta
3,46 ± 1,42 grupo VMI vs 11,54 técnica possível
± 5,24 grupo VMNI (p=0,0001) em pacientes com
IResp aguda-crônica
com dificuldade
27,69 ± 13,09 grupo VMI vs
de desmame, pois
27,12 ± 14,33 grupo VMNI (NS)
reduziu a duração do
suporte ventilatório
diário durante o
14,06 ± 7,54 grupo VMI vs
desmame sem
12,35 ± 6,82 grupo VMNI (NS)
aumentar o risco de
falha mas não reduziu
o tempo total de
56,3% grupo VMI vs 35,3%
suporte ventilatório
grupo VMNI (NS)
relacionado ao
desmame
87,5% grupo VMI vs 100%
grupo VMNI (NS) obtiveram
maior sobrevida
Taxa de
re-intubação
72% grupo VMNI vs 69% grupo
TP (NS)
Tempo total de
VMI
8,4 ± 7,4 dias grupo VMNI vs
17,5 ± 28 dias grupo TP (NS)
Tempo de
permanência
hospitalar
Tempo de
permanência
em UTI
Taxa de
pneumonia
Os autores não
recomendaram o uso
rotineiro da VMNI
32,2 ± 25,4 dias vs 29,8 ± 28,4
para pacientes que
dias grupo TP (NS)
necessitaram de
suporte ventilatório
por mais de 48h ou
15,1 ± 10,9 dias grupo VMNI vs
para aqueles que
19,4 ± 25 dias grupo TP (NS)
desenvolveram IRespA
dentro de 48h após a
41% grupo VMNI vs 40% grupo extubação
VMI (NS)
Taxa de sobrevida
85% grupo VMNI vs 76% grupo
TP (NS)
Tempo de VMI
9,5 ± 8,3 grupo VMNI vs 20,1
±13,1 grupo VMI (p=0,003)
Tempo total
de suporte
ventilatório
11,4 ± 8,0 grupo VMNI vs 20,1
± 13,1grupo VMI (p=0,012)
Tempo de
permanência
hospitalar
27,8 ± 14,6 grupo VMNI
vs 40,8 ± 21,4 grupo VMI
(p=0,026)
Tempo de
permanência
em UTI
14,1 ± 9,2 grupo VMNI vs 25 ±
12,5 grupo VMI (p=0,02)
Taxa de reintubação
Não houve diferença
significativa entre os grupos
Sobrevida após
90 dias
19% grupo VMI vs 13% grupo
VMNI (p=0,045)
Os autores
concluíram que a
VMNI é eficaz em
reduzir o período de
VMI em pacientes
com falhas repetidas
de desmame
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
Tabela 1 - Continuação
Esteban
A e col.
(2004)
Experimental
221 pacientes
de doenças
variadas que
desenvolveram
IRespA após a
extubação
Os pacientes
eram extubados
após tentativa de
desmame e aqueles
que apresentaram
IRespA dentro
das primeiras 48h
eram alocados para
receber VMNI ou
terapia padrão. A
VMNI era aplicada
continuamente
por 4h e depois
intercalada com
respiração não
assistida e a
TP consistia de
oxigenioterapia,
fisioterapia e
fármacos
Taxa de
mortalidade total
Taxa de
mortalidade após
re-intubação
Taxa de
re-intubação
Tempo de
permanência em
UTI
25% grupo VMNI vs 14% grupo
TP (p=0,048)
38% grupo VMNI vs 22% grupo
Os autores
TP (NS)
concluíram que a
VMNI na IRespA
após a extubação não
é eficaz em evitar a
re-intubação
48% vs 48% (NS)
18 vs 18 dias (NS)
IPAP= Inspiratory Positive Airway Pressure; EPAP= Expiratory Positive Airway Pressure
NS= não significativo; PS= Pressão de Suporte; IRespA= Insuficiência Respiratória Aguda; TP= terapia padrão, PNM= pneumonia
VMI e de suporte ventilatório, sucesso no desmame, as complicações associadas a VMI, o tempo total da hospitalização e a
permanência na UTI. Como resultado, os autores verificaram
que não houve diferenças significativas entre os dois grupos
estudados em relação a algumas variáveis. Mas em relação à
duração diária de suporte ventilatório e ao tempo em VMI,
houve uma redução significativa no grupo de pacientes que
foram submetidos à VMNI em comparação ao grupo PSV
(p=0,0001).
Foi também observada, em uma outra experiência controlada e aleatória, a eficácia da VMNI durante o tratamento
de pacientes de alto risco que desenvolveram IResp durante
as primeiras 48 horas depois da extubação21. Comparando o
grupo VMNI com o do tratamento convencional, não houve
nenhuma diferença na faixa de re-intubação ou mortalidade
hospitalar. Semelhantemente, nenhuma diferença foi encontrada na duração da ventilação mecânica ou extensão da UTI
ou estadia hospitalar. Assim, os autores não recomendaram
o uso rotineiro da VMNI em pacientes com IRespA dentro
de 48 horas após a extubação mas consideram de alguma relevância o uso da VMNI precocemente à IRespA.
Em um ensaio clínico multicêntrico recente, Esteban e col.
observaram o uso da VMNI em pacientes em situação clínica
semelhante ao experimento de Keenan e col. Os pacientes tinham que ter utilizado VMI por mais de 48 horas e ter uma
extubação com sucesso após completarem o procedimento de
respiração espontânea. Após a extubação, os pacientes foram
observados por 48h e aqueles que encontrassem os critérios
para IRespA dentro deste período eram aleatoriamente distribuídos para o tratamento com terapia padrão ou VMNI. De
um total de 980 pacientes que haviam sido extubados eletivamente, 244 desenvolveu IRespA dentro de 48h após a extubação, sendo que 221 pacientes foram aleatoriamente distribuídos para o grupo de estudo – 114 para receber VMNI e 107
para terapia médica padrão. Foi observado que a mortalidade
de todas as causas na UTI foi mais alta no grupo VMNI do
que no grupo terapia padrão, a taxa de mortalidade após a
re-intubação foi maior no grupo de VMNI, porém não houve
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
diferença estatistíca significativa na taxa de re-intubação entre os dois grupos. A diferença entre os grupos em relação à
permanência na UTI também não foi significativa. Outro fato
documentado foi que o intervalo entre o desenvolvimento da
IRespA e a re-intubação foi significativamente maior no grupo
VMNI do que no grupo controle (média de 12 horas vs 2 horas
e 30 minutos, p=0,02).
Em um outro estudo de Ferrer e col.2, com 43 pacientes
alocados aleatoriamente, 33 tinham doença pulmonar crônica. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, em que
um era extubado e imediatamente era aplicada a VMNI e
outro era reconectado ao ventilador e o desmame tentado
uma vez ao dia (desmame convencional). Os autores verificaram que o grupo VMNI houve maior probabilidade do
sucesso de desmame não havendo diferença significativa na
re-intubação entre os dois grupos. Outros dados observados
foram não somente um índice maior de pneumonia nosocomial e choque séptico no grupo de desmame convencional,
como também maior sobrevida no grupo VMNI.
Os trabalhos apresentados nesta revisão de literatura
utilizaram métodos variados no que diz respeito ao uso da
VMNI após a extubação precoce e a maioria dos pacientes
apresentavam DPOC e IRespA2-4,9,16,18,19,21,22, sendo que os estudos se dividiram em experimentais, quase experimentais e
observacionais.
Alguns estudos mostraram que o uso da VMNI como
método de desmame pode reduzir o tempo de VMI se comparado com o desmame convencional em pacientes com falhas repetidas de desmame2-4,9,19,20. Em conseqüência disso, a
duração do suporte total de VM, a incidência de pneumonia
nosocomial, a duração de estadia hospitalar e de permanência em UTI também reduziram em três desses estudos2-4,9 .
Em relação às complicações, poucos estudos2-4,9 demonstraram a incidência de pneumonia nosocomial. Dentre tais estudos, Ferrer e col.2 e Nava e col.4, em estudos
experimentais semelhantes, demonstraram melhora neste
resultado; porém no estudo de Girault e col.3, também
aleatório, não houve diferenças significativas em relação
139
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
à ocorrência de pneumonia nosocomial entre os grupos
estudados. Essa diferença nos resultados pode ser em virtude da pequena amostra, como o ocorrido no estudo de
Girault e col.3. Além disso, os pacientes selecionados não
permaneceram por um tempo prolongado na VMI como o
ocorrido em Nava e col.4; sendo observada, então, maior
tendência dessa complicação no grupo de VMI. Mesmo
sendo esta uma das maiores complicações associadas à
VMI, questiona-se então o fato de outros autores não terem considerado tal assunto relevante. Foram citadas também complicações relacionadas à VMNI como irritação
cutânea facial e distensão gástrica4,19, mas não apresentaram valor estatisticamente significativo.
Comparando-se os protocolos de aplicação da VMNI,
seis autores2,4,16,18,19,22 utilizaram a VMNI continuamente,
enquanto três autores3,9,20 utilizaram-na de maneira intermitente. Apenas em um estudo21, a VMNI foi utilizada continuamente nas primeiras 12 horas e intermitentemente nas
seguintes.
Dos seis estudos experimentais2-4,21,22, apenas em Nava e
col.4 e Esteban e col.22 foram relatados os critérios de desmame. Pode-se pensar na necessidade em descrever tais critérios, uma vez que tal fato poderia influenciar no resultado
final do grupo VMNI. Dessa maneira, estando o paciente no
modo PSV invasivo por um período prolongado de tempo
e em redução gradual dos seus parâmetros até a aplicação
da VMNI, poder-se-ia questionar se não haveria uma melhor
adaptação deste paciente na respiração espontânea do que
aqueles que imediatamente, após o modo controlado, são colocados em tubo-T.
No que diz respeito ao sucesso no desmame com VMNI,
foi visto que a maioria2-4,9,19,20 obteve um resultado positivo;
houve, no entanto, três estudos experimentais21,22 em especial que não confirmaram este resultado. Mas este fato poderia ser esperado, em alguns deles, visto que a instituição
da VMNI foi realizada apenas quando os pacientes já estavam em IResp, uma vez que já estaria estabelecido um desequilíbrio entre a carga imposta e a capacidade de resposta
a essa demanda e a VMNI não seria capaz de interromper
esse ciclo. Além disso, os estudos não relataram o índice de
re-intubação após a instituição da VMNI, sendo que apenas
cinco2,16,20-22 descreveram este resultado, como Kilger e col.20,
em que houve duas re-intubações dentro das primeiras 48
horas de VMNI, já Esteban e col.22 não houve diferença
significativa entre os dois grupos. Quanto aos critérios de
extubação, observou-se que não foram idênticos em todos
os estudos.
Foi observada uma redução na permanência hospitalar e
em UTI somente em dois dos estudos analisados2,4. A redução nesses índices não foi bem descrita e, além disso, deveria
ser considerado o tempo total em que estes pacientes foram
ventilados e suas condições clínicas.
A redução nos índices de complicações e na duração da
estadia hospitalar e em UTI reflete nos gastos financeiros
das Unidades de Terapia Intensiva. Em Nava e col.24, comparando-se os recursos humanos e financeiros necessários
para ventilar pacientes com DPOC instituindo-se a VMI ou
a VMNI, os resultados foram muito similares durante as primeiras 48 horas de VM e, após este período, houve uma diminuição neste recurso no grupo de VMNI. Isso talvez ganhe
140
importância especial durante os períodos difíceis da VM que,
freqüentemente, impõe não somente um desafio físico, mas
também psicológico ao paciente.
Outro fator a ser discutido é a melhora nos dados gasométricos. Observou-se que a maioria2-4,16,18,19,21,22 obtiveram
resultados semelhantes e positivos entre os grupos estudados. No estudo de Girault e col.3, em que a aplicação
da VMNI ocorreu em períodos intermitentes, obteve-se
este resultado positivo. Já em Kilger e col.20, em um estudo quase experimental, em que o período de aplicação da
VMNI foi semelhante, obteve-se um resultado melhor no
grupo VMNI. No que diz respeito ao trabalho respiratório somente este último observou uma redução no grupo
VMNI.
Dentre os estudos analisados, apenas Girault e col.3 e Nava
e col.4, que são estudos experimentais, relataram um acompanhamento contínuo dos pacientes durante o desmame, no qual
eles eram avaliados em relação à oximetria, à pressão arterial,
à ausculta pulmonar e ao eletrocardiograma.
Foi visto também que os estudos utilizaram método não
encoberto, o que poderia ser uma limitação destes trabalhos,
uma vez que isso poderia influenciar nos resultados.
Outras limitações citadas nos estudos são gravidade da
doença16,20, excesso de secreção pulmonar2,16, maior dose de
sedativos no grupo de desmame convencional2, ausência de
grupo controle20 e técnicas de desmame diferenciadas2 e não
controladas20. Todas essas limitações são fatores que interferem nos resultados causando um viés. Como foi visto, por
exemplo, há uma tendência maior do grupo controle (desmame convencional) em receber terapia medicamentosa intensificada. Questiona-se, então, se essa co-intervenção não
influenciaria nos resultados.
Uma maneira de se concluir sobre a eficácia do desenho
de um estudo é a presença ou não de follow-up, pois através
do acompanhamento dos pacientes verifica-se a validação de
um método também a longo prazo. Em nossa revisão de literatura, todos os trabalhos experimentais2-4,13,14,21 com exceção
de um22, realizaram um follow-up após suas intervenções.
CONCLUSÃO
Alguns estudos experimentais demonstraram que a aplicação da VMNI na extubação precoce em pacientes que
apresentaram desmame difícil ou desenvolveram IResp após
a extubação, pode proporcionar uma redução na duração de
suporte ventilatório invasivo, nos índices de complicações associadas à VMI e uma melhora na sobrevida. Porém, esses
dados não foram consistentes, pois houve outras variáveis
estudadas que não apresentaram diferenças estatistíca significativas, como por exemplo, a melhora na troca gasosa, a
redução do trabalho respiratório e dos custos hospitalares.
Os artigos revisados descreveram pesquisas bem desenhadas, mas apresentaram um método de intervenção variado,
deixando algumas lacunas, o que dificultou a análise, como
por exemplo, o momento adequado para instituir e retirar a
VMNI, os seus modos de aplicação e o protocolo adequado
para desmamar os pacientes.
Dessa forma, são necessárias novas investigações experimentais e com melhores critérios como parâmetros ventilatórios utilizados e homogeneidade da população para avaliarRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO DE REVISÃO
mos a eficácia da VMNI em pacientes com desmame difícil
ou com IResp pós-extubação. Assim, essa nova técnica de
desmame pode ser útil como uma alternativa dentre as várias
técnicas disponíveis.
AGRADECIMENTOS
À nossa orientadora Josiane A. C. Vasconcellos, nosso
especial agradecimento, que não mediu esforços para nos
ajudar, orientando-nos dentro do que é exigido para a elaboração desse trabalho.
04.
05.
06.
07.
08.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ventilação mecânica não-invasiva (VMNI) vem sendo utilizada para fornecer suporte ventilatório aos pacientes com insuficiência
respiratória (IResp) e falhas repetidas de desmame, facilitando assim uma extubação traqueal precoce, e conseqüente redução das complicações associadas ao uso prolongado
da Ventilação Mecânica Invasiva (VMI), como fraqueza da
musculatura respiratória, pneumonia nosocomial e aumento do índice de morbidade e mortalidade. O objetivo deste
estudo foi avaliar os efeitos desse novo método de desmame na troca gasosa, no trabalho respiratório, na duração
da VMI, na permanência em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) e nos custos hospitalares.
CONTEÚDO: Embora alguns estudos controlados citados nesta revisão, demonstraram a eficácia da VMNI no
desmame com extubação precoce e redução na incidência
de complicações associadas a VMI, esses dados não foram
consistentes, pois é preciso que se determinem critérios mais
objetivos para deixar claras as reais vantagens da VMNI em
relação à ventilação convencional.
CONCLUSÕES: Essa nova técnica de desmame pode
ser útil como uma alternativa dentre as várias técnicas já
disponíveis.
Unitermos: Desmame, Extubação Precoce, Ventilação
Mecânica, Ventilação Não-Invasiva
09.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
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141
RBTI / CASO CLÍNICO
Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon em Paciente Pediátrico
com Desordem na Oxidação dos Ácidos Graxos. Relato de Caso*
Lambert-Eathon Myasthenic Syndrome in Pediatric
Patient with Fatty Acid Oxidation Disorder. Case Report
Cíntia Barreto Ferreira1, Patrícia Almeida Prebianchi2, Jane Sant’Anna Castelo3,
Maria Rufina de Barros4, Valmira Ramos Silva5, Norma Suely Oliveira6
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: To describe one pediatric case of school child girl with Lambert-Eathon Myasthenic
Syndrome like clinic presentation of Fatty Acid Oxidation Disorder, probably Carnitine Deficiency.
CASE REPORT: School-age girl, eight years old, white, normal phsyconeuromotor development. At hospital admission her
mother related hypoglycemia crisis over long term, vomiting, pain and weakness of the legs, adding abdominal pain. The first
hypothesis was myasthenic disease then was undertaken appropriate treatment. In this time, the pain and weakness of the
legs got progressive and ascendant evolution. The electromyography disclosed a characteristics patterns of Lambert-Eathon
Myasthenic Syndrome (mixed pattern: neurogenic and myophatic). The clinical evolution was unfavorable with autonomic
dysfunction, refractory hypotension, neurogenic shock, ventricular cardiac arrhythmia and death on the 6th day of hospitalization. At necropsy finding generalized degenerative muscle disease, generalized skeletal muscle lipid storage and extensive
steatosis in liver, heart and kidneys are in agreement with reports of carnitine deficiency.
CONCLUSIONS: Limb pain in children is a frequent symptom but it is necessary to do differential diagnosis, to take laboratories exams and electromyography, because rare disease could be underlying and fatal outcome without adequate treatment
option could occur. This association of two rare diseases (Lambert-Eathon Myasthenic Syndrome and Fatty Acid Oxidation
Disorder) in a single pediatric patient has never been described in the literature before.
Key Words: Carnitine deficiency, Fatty acid oxidation disorder, Lambert-Eathon myasthenic syndrome.
A
síndrome Miastênica de Lambert-Eathon (SMLE)
caracteriza-se pelo acometimento da junção neuromuscular, com anormalidade na liberação de acetilcolina na fenda sináptica. Encontram-se anticorpos anticanais de cálcio, voltagem-dependentes (tipo P/ Q) no terminal pré-sináptico. É uma doença rara, acomete geralmente o
adulto, com predominância de 5:1 do sexo masculino1. Em
70% dos pacientes há um processo maligno subjacente, sendo
o câncer de pequenas células do pulmão, o mais comum2. O
quadro clínico se inicia, na maioria dos casos, com fraqueza
muscular de caráter progressivo e com flutuação na atividade física, acometendo a musculatura proximal dos membros
inferiores e cintura pélvica. Evolui com fraqueza em cintura
escapular, podendo haver comprometimento craniobulbar,
embora a diplopia, ptose palpebral e disfagia não sejam comuns. Além do comprometimento motor, em muitos casos,
há queixas relacionadas com sistema nervoso autônomo, tais
como, constipação, retenção urinária, boca seca e impotência. Ao exame físico, observa-se fraqueza da musculatura
proximal, com melhora característica após alguns segun-
dos de contração muscular sustentada. Os reflexos profundos encontram-se diminuídos ou abolidos, entretanto, após
contração voluntária do membro em questão, pode ocorrer
recuperação do reflexo. Geralmente, o quadro neurológico
não é grave, porém há relatos de insuficiência respiratória.
O diagnóstico é definido pela eletroneuromiografia, por incremento da resposta com a estimulação repetida do nervo,
padrão oposto ao da Miastenia gravis. O primeiro potencial
evocado é de baixa amplitude, porém com velocidade de estimulação acima de 10 Hz, ocorre um grande aumento na
amplitude do potencial. Essa resposta resulta da facilitação
da liberação do neurotransmissor em elevadas freqüências
de estimulação. Além dos resultados eletroneuromiográficos,
pode-se ainda pesquisar os anticorpos anti-canais de cálcio.
O tratamento sintomático do quadro neurológico pode ser
realizado com drogas que melhoram a liberação de acetilcolina na fenda sináptica. A 3,4 diaminopiridina melhora a liberação de acetilcolina na fenda sináptica através da inibição
dos canais de potássio. Nos casos relacionados à neoplasia,
o tratamento dessa condição resulta na melhora da sintoma-
1. Médica Pediatra e Residente de Medicina Intensiva Pediátrica do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória.
2. Médica Pediatra e Residente de Infectologia Pediátrica do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória.
3. Médica Patologista Responsável pelo Setor de Anatomia Patológica do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Preceptora da Residência
Médica em Pediatria do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória.
4. Médica Neurofisiologista.
5. Doutora, Programa de Pós-Graduação em Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais, Coordenador Geral da Residência Médica em
Pediatria do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Escola
Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Vitória, ES.
6. Doutora, Programa de Pós-Graduação em Pediatria da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), Coordenadora Científica da Residência Médica em Pediatria e Medicina Intensiva Pediátrica do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Professora Adjunta do Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Vitória, ES.
* Recebido do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória, ES
Apresentado em 20 de fevereiro de 2005 - Aceito para publicação em 18 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Avenida Carlos Orlando de Carvalho nº 220/03A - Jardim da Penha - 29060-260 Vitória, ES - E-mail:
[email protected]
142
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / CASO CLÍNICO
tologia neurológica. Nos casos com comportamento mais
agressivo pode ser empregado prednisona somente, ou em associação a azatioprina, ciclosporina A, imunoglobulinas ou
plasmaférese1,6,7.
Em relação à oxidação mitocondrial dos ácidos graxos,
sabe-se que é uma via produtora de energia essencial. Os ácidos
graxos também são combustíveis importantes para o músculo
esquelético em exercício e são os substratos preferidos do coração. Relata-se defeitos genéticos em quase todas as etapas da via
de oxidação dos ácidos graxos, todos herdados de modo recessivo. Os defeitos no ciclo da carnitina podem ser primários ou
secundários. A deficiência primária é o único defeito genético
onde a deficiência de carnitina é a causa do comprometimento
da oxidação dos ácidos graxos. Outros defeitos conhecidos são
a deficiência de carnitina-palmitoiltransferase-1, deficiência de
carnitina-palmitoiltransferase-2 e deficiência de carnitina/acilcarnitina-translocase. As manifestações clínicas são razoavelmente semelhantes entre os vários tipos da doença. A apresentação mais comum é um episódio agudo de coma e hipoglicemia
ameaçadores à vida, induzida por um período de jejum. Outras
manifestações freqüentes incluem miocardiopatia crônica e fraqueza muscular ou, mais raramente, rabdomiólise3.
A apresentação clínica de síndrome miastênica de Lambert-Eathon em paciente pediátrico com distúrbio da oxidação
de ácidos graxos não foi encontrada na revisão da literatura.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 8 anos, branca, deu entrada no
Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória em fevereiro de 2003, em choque neurogênico.
Filha de pais não consangüíneos, hígidos, cursava a 3ª série do
ensino fundamental. Pai falecido há 5 meses por acidente por
submersão e irmão do sexo masculino falecido aos 14 dias de
vida com diagnóstico de sepse neonatal fulminante. História
pregressa de hipoglicemia, pneumonias de repetição, desidratação, vômitos (tratados como doença do refluxo gastroesofágico)
e convulsões (fez uso de fenobarbital por um ano). À internação apresentava história de crises de hipoglicemia de longa data.
Há dois anos com vômitos intermitentes sendo que nos últimos
meses apresentava episódios diários, dor e fraqueza muscular
nos membros inferiores e há um ano com dor abdominal. Nos
últimos quatro meses houve piora da fraqueza nos membros inferiores que ascendeu progressivamente da cintura pélvica até a
região cervical. Ao exame físico apresentava-se com dor abdominal difusa, distensão abdominal, hepatomegalia, e hematêmese. Havia diminuição da força muscular nos membros superiores
e inferiores com sensibilidade preservada, reflexos profundos
diminuídos, comprometimento da musculatura torácica e respiração paradoxal abdominal. Suspeitando-se de Miastenia Gravis, prescreveu-se imunoglobulina hiperimune, piridostigmina e
sintomáticos. Iniciada investigação diagnóstica com os seguintes
resultados: leucogramas e provas de função reumática normais;
pesquisas sorológicas para Hepatite A, B e C e toxoplasmose
negativas; elevação dos níveis séricos das transaminases hepáticas,
creatinoquinase, fosfocreatinoquinase e amônia; hemocultura negativa; ultra-som abdominal evidenciou hepatomegalia homogênea; endoscopia digestiva alta normal; dissociação atrioventricular ao eletrocardiograma; eletroneuromiografia evidenciou incremento maior que 50% à estimulação de altas freqüências, padrão
Volume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
pré-sináptico tipo misto: neurogênico e miopático. Evoluiu com
insuficiência respiratória, instabilidade hemodinâmica, distúrbio
autonômico com hipotensão refratária a fluidoterapia e vasopressores, choque neurogênico, desritmia cardíaca ventricular e óbito
no 6º dia de internação. Após a autorização materna, foi realizada
necropsia e evidenciado doença degenerativa muscular, depósitos
de lipídios intramusculares, extensa esteatose hepática, renal e cardíaca, compatível com deficiência de carnitina.
Baseando-se nos resultados clínicos, laboratoriais, eletroneuromiográfico, evolutivos e de necropsia da paciente, foi
estabelecido o diagnóstico de SMLE associado à provável deficiência de carnitina.
DISCUSSÃO
A Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon (SMLE), doença neuromuscular rara, auto-imune, pode apresentar uma distribuição da fraqueza muscular similar à Miastenia gravis (Mg).
Essa síndrome apresenta características específicas que podem
ser visualizadas no exame de eletroneuromiografia, contribuindo para o seu diagnóstico. Wirtz e col. estudaram pacientes
adultos com SMLE e Mg, distinguiram as características clínicas de apresentação como fraqueza de membros como primeiro
sintoma (95% dos casos de SMLE) e fraqueza muscular extraocular (59%dos casos de Mg). Em relação a presença ou ausência de neoplasias simultâneas, os mesmos autores, concluíram
que em ambas as situações não há diferença entre os sexos, mas
nos pacientes com neoplasia a média de idade do início dos sintomas é maior, diagnóstico mais precoce, apresentam sintomas
diferenciais como a perda ponderal e há necessidade de ventilação pulmonar mecânica prolongada após anestesia4,5. A eletroneuromiografia é o exame complementar para o diagnóstico da
SMLE. A destruição das fibras musculares da unidade motora
é responsável pela diminuição da duração e voltagem dos potenciais de ação, como também pela assincronia que faz surgir
os potenciais polifásicos que se caracterizam por sua baixa voltagem e curta duração (o potencial de ação trifásico é o padrão
normal em indivíduos sadios). As velocidades de condução motoras e sensitivas são normais. Sendo o sinal característico da
SMLE o aumento do incremento durante a estimulação repetitiva8, o qual foi evidenciado no caso.
A deficiência primária de carnitina, desordem causada
pelo transporte defeituoso de carnitina através da membrana mitocondrial, ocorre após mutações no gene SLC22A5
que codifica o transportador de carnitina (OCTN2)9. A deficiência de carnitina palmitoiltransferase 2 é o defeito mais
comum da oxidação mitocondrial dos ácidos graxos10. Este
defeito apresenta três variedades distintas: do recém-nascido,
da criança e do adulto. A deficiência do recém-nascido e da
criança envolve múltiplos órgãos, sendo invariavelmente fatal
no recém-nascido11. Garavaglia e col., em 1991, evidenciaram
que a deficiência primária de carnitina pode expressar uma
variável fenotípica heterozigótica em diferentes famílias tanto
quanto na mesma família, com manifestação cardíaca12. Essas descrições poderiam sugerir que o irmão da paciente pode
ter também sido acometido, mas a avaliação da evolução clínica foi fulminante e não foi realizado exame de autópsia.
A apresentação clínica pode ser de hipoglicemia hipocetótica
inicialmente e mais tarde evoluir com miopatia esquelética,
miocardiopatia9, hepatomegalia com disfunção hepática im-
143
RBTI / CASO CLÍNICO
portante, arritmia cardíaca, acidose metabólica e coma, o
mesmo quadro clínico apresentado neste relato. O diagnóstico de deficiência de carnitina deve sempre ser considerado
quando há história de fraqueza muscular isolada mesmo se
houver manifestação na infância adiantada, quando há evidência de miocardiopatia, síndrome Reye-like e coma13. Cuil
e col. estudaram pacientes portadores de miopatia por depósito de lipídios e encontraram, à eletroneuromiografia, uma
baixa atividade espontânea (18% dos casos), potencial de curta duração e polifásico na unidade motora (46% dos casos)
e sem potencial polifásico (74%). Houve também aumento
importante da desidrogenase láctica e fosfocreatinoquinase.
Desse modo, é sugerido que a miopatia por depósito de lipídios deve ser considerada no diagnóstico quando o paciente
apresentar fraqueza muscular, mialgia e potencial de curta
duração polifásico, de baixa amplitude, com ou sem atividade espontânea ocasional na unidade motora e aumento na
desidrogenase láctica e fosfocreatinoquinase14. No caso em
questão houve hiperamonemia, alterações das enzimas hepáticas e elevação da creatinoquinase e fosfocreatinoquinase.
Kunnert e col. descreveram a esteatose de miocárdio, rins e
fígado em achados de necropsia, a partir da qual foi demonstrado o diagnóstico de deficiência de carnitina15, semelhante
Figuras 1 – HE-40X Fibras Cardíacas Longitudinais
com Citoplasma ora Claro ora Vacuolizado,
Sugestivo de Depósito de Lipídios
aos achados anátomo-patológicos da paciente.
Figuras 3 – 40X Músculo Esquelético. As Gotículas
mais Escuras Representam o Depósito de Lipídios
Dores recorrentes em membros inferiores são freqüentes
em crianças de 4 a 10 anos de idade, com predomínio no sexo
feminino, caracterizadas por três ou mais episódios de dor
com intensidade suficiente para interferir nas atividades cotidianas e geralmente ocorrem por um período mínimo de
3 meses. O diagnóstico diferencial deve ser feito entre dores recorrentes em membros inferiores com manifestações
sistêmicas (doenças do tecido conjuntivo, disvitaminoses,
doenças endócrinas e hemoglobinopatias) e com alterações
neuromusculares não inflamatórias (miopatias congênitas,
metabólicas, mitocondriais, endócrinas, tóxicas, nutricionais;
distrofias musculares; miotonias; neuropatias; síndromes paraneoplásicas; doenças de junção neuromuscular; rabdomiólise; causas reumatológicas e traumatismos)3.
O caso em questão apresentou-se clinicamente como
Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon em uma criança
portadora provável de defeito na oxidação mitocondrial dos
ácidos graxos, mais especificamente deficiência de carnitina.
Isso nos faz incluir nas hipóteses diagnósticas em pacientes
com dor e fraqueza em membros inferiores, essa possível associação a partir desse caso, uma vez que não há relato como
esse na literatura até o momento. isso poderia resultar em
diagnóstico precoce e tratamento adequado.
RESUMO
Figuras 2 – HE-40X Músculo Esquelético Transversal
com Citoplasma ora Claro ora Vacuolizado,
Sugestivo de Depósito de Lipídios
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JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Relatar um caso de
apresentação clínica como Síndrome Miastênica de LambertEathon em paciente pediátrico com distúrbio da oxidação
dos ácidos graxos, provavelmente deficiência de carnitina.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 8 anos,
branca, desenvolvimento sócio-neuro-psicomotor normal.
Na admissão sua mãe relata crises de hipoglicemia de longa
data, vômitos, dor e fraqueza muscular nos membros inferiores, associando-se dor abdominal. À internação, com suspeita diagnóstica de Miastenia gravis, foi tratada como tal.
A dor e a fraqueza muscular evoluíram de modo progressivo
e ascendente. Durante a eletroneuromiografia evidenciou-se
padrão compatível com Síndrome Miastênica de LambertEathon (padrão misto: neurogênico e miopático). A evolução
clínica foi desfavorável com distúrbio autonômico, hipotensão arterial refratária a expansores de volume e vasopresRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / CASO CLÍNICO
sores, choque neurogênico, disritmia cardíaca ventricular e
óbito no 6º dia de internação. O exame de necropsia revelou
doença muscular degenerativa, depósito de lipídios em toda
musculatura esquelética, esteatose extensa no fígado, coração
e rins. Quadro compatível com deficiência de carnitina.
CONCLUSÕES: Dor nos membros inferiores é um sintoma freqüente em crianças sendo necessário o diagnóstico
diferencial para realização de exames laboratoriais e da eletroneuromiografia pois pode ocorrer doenças de incidência
rara com resultado fatal sem opção de tratamento adequado.
A associação de duas doenças incomuns (Síndrome Miastênica de Lambert-Eathon e distúrbio na oxidação de ácidos
graxos) em paciente pediátrico não foi descrita na literatura
até o momento.
Unitermos: Deficiência de carnitina, distúrbio da oxidação
dos ácidos graxos, síndrome miastênica de Lambert-Eathon.
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