análise das abordagens centradas no ser humano - grupo

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análise das abordagens centradas no ser humano - grupo
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO
DIGITAL EM AMBIENTES CORPORATIVOS - DIGICORP
PAULA AZEVEDO MACEDO
Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens
centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking
e Marketing 3.0
São Paulo
2014
PAULA AZEVEDO MACEDO
Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens
centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking
e Marketing 3.0
Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação em
Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes
Corporativos da Universidade de São Paulo como
requisito final para obtenção do título de especialista.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Ranoya
São Paulo
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
MACEDO, Paula Azevedo
Projetando tecnologia para pessoas: análise das
abordagens centradas no ser humano – Design de Interação,
Design Thinking e Marketing 3.0. Paula Azevedo Macedo:
orientador Guilherme Ranoya. São Paulo – 2014. 86 fls.
Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014.
1. Design Centrado do Ser Humano. 2. Design de Interação.
3. Design Thinking. 5. Design de Interface. 6. Interação
Humano-Computador. 7. Interação Homem-Máquina
(aspectos cognitivos). 8. Interface Homem-Computador
(design). 9. Comunicação Digital (aspectos sociais).
10.Humanização da Tecnologia. 11. Pós-Modernidade
PAULA AZEVEDO MACEDO
Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no
ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0
Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação em Gestão Integrada da Comunicação
Digital em Ambientes Corporativos, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo.
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. ______________________________
Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________
Assinatura: __________________________
Prof. ______________________________
Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________
Assinatura: __________________________
Prof. ______________________________
Instituição: ___________________________
Julgamento: ________________________
Assinatura: __________________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família por me incentivar a buscar respostas, seja na vida, seja na
academia.
Agradeço à todos aqueles que de alguma forma inspiraram e contribuíram para o
desenvolvimento deste trabalho:
À Digicorp por proporcionar meu reencontro com a Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, especialmente à Professora Elizabeth Saad pela criação e
coordenação desta especialização, ao Professor Mauro Wilton pelos questionamentos na
disciplina “Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais na Sociedade em Rede” que
tanto ampliaram minha visão sobre o tema e ao Professor e Orientador Guilherme Ranoya
pela generosidade a cada encontro, por me acompanhar na empreitada de compreender o ser
humano e sua relação com a tecnologia.
Agradeço à Bianca e Val e aos colegas da turma por tornarem esses anos mais fáceis,
especialmente ao Guilherme Saconatto por divididir comigo parte da construção do seu
projeto sobre a Experiência do Usuário e ter ajudado o meu projeto a fazer mais sentido.
Agradeço à INSITUM, pela oportunidade de trabalhar em projetos centrados no ser
humano, e aos colegas que ajudaram a tecer meu entendimento sobre a temática,
principalmente à Verena Pessim que tanto me inspirou com sua sensibilidade para as questões
humanas.
Agradeço à comunidade de User Experience Design no Brasil e no exterior,
especialmente ao Fabrício Teixeira e aos colaboradores e leitores do blog
ArquiteturadeInformacao.com, pela inspiração e pela busca por melhorar a vida das pessoas
por meio da tecnologia.
Agradeço aos amigos que compartilham meus sonhos, especialmente ao Seth Perez e
Larissa Braga, que me ajudaram a construir o infográfico sobre Paul Otlet e o Mundaneum,
que também influenciou o presente estudo.
DEDICATÓRIA
À todos aqueles que buscam cuidar do lado humano no que fazem em seu dia a dia.
À todos aqueles que acreditam que a tecnologia pode melhorar a vida das pessoas.
A alma tem dois olhos: um olha o tempo,
o outro olha longe, em direção à eternidade.
Angelus Silesius
RESUMO
Este estudo tem como objeto de pesquisa a relação do homem com a tecnologia, a
Interação Humano-Computador e a construção da identidade na pós-modernidade.
Tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam a percepção do homem sobre ele
mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objetivo do projeto é buscar maneiras de
projetar tecnologias centradas no ser humano, considerando seus aspectos e valores. A
metodologia é o estudo da interface homem-computador, da configuração do ser humano e da
identidade na pós-modernidade e a análise das abordagens prático-teóricas do Design de
Interação, Design Thinking e Marketing 3.0, sobre como consideram os aspectos e valores
humanos ao desenvolver experiências de interação com produtos e serviços mediados pela
tecnologia.
Palavras-chave: Design Centrado do Ser Humano - Design de Interação - Design
Thinking - Design de Interface – Interação Humano-Computador – Interação HomemMáquina (aspectos cognitivos) - Interface Homem-Computador (Design) – Comunicação
Digital (aspectos sociais) – Humanização da Tecnologia – Pós-Modernidade
ABSTRACT
The object of this study is the relation between man and technology, the HumanComputer Interaction and the identity construction on post-modernity. Technologies and
interfaces are not neutral; they affect the man´s perception about himself, about others and
about the environment. This study aims find ways to design technologies in a human centered
approach, taking in account the human values and aspects. The methodology is the study of
human-computer interface, the identity´s construction of human being on post-modernity and
analysis of practical-theorical approaches of Interaction Design, Design Thinking and
Marketing 3.0., about how considering the human aspects and values developing interaction
experiences with products and technologies mediated by technology.
Keywords: Human Centered Design- Interaction Design - Design Thinking – Human
Interface Design – Human-Computer Interaction – Human-Machine Interaction (cognitive
aspects) – Human-Computer Interface (Design) – Digital Communication (social aspects) –
Humanization of Technology – Post-Modernity
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet ............................ 14
Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo – ........................................ 17
Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg) ............................... 18
Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico da proporção áurea entre
habilidades e desafios ............................................................................................................... 19
Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia
flexível, aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e
um display. As cores se alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível
divertida, sensual, estimulada por reflexos sensórios e afetada pelo humor. ........................... 36
Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda Parte de sua
pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade................ 39
Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens ................................................................................ 44
Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação
(interface) e modelo mental (das pessoas). .............................................................................. 46
Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers ............................................... 48
Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma
ponte entre pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação
de técnicas e métodos que permitam a criação de sistemas mais humanizados ....................... 48
Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo
das Pessoas - Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper .............. 50
Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre
desejo das pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico. . 51
Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos
de televisão - isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades
estejam claras ............................................................................................................................ 52
Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo .................... 56
Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O
segundo, busca o empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e cocriativo. ..................................................................................................................................... 57
Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design
thinking como modelo de pensamento projetual na contemporaneidade ................................ 58
Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em
determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se
escolhas..................................................................................................................................... 60
Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas
básicas: entender, criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o
problema a ser resolvido), idear sobre possíveis soluções para este problema, criar protótipos
das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções mais refinadas. ............................ 61
Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de
design de Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de
clareza e foco, adaptação feita por Verena Pessim ................................................................... 62
Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design
Thinking ................................................................................................................................... 64
Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social
e para o meio ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social ....................... 66
Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas
com os clientes ......................................................................................................................... 69
Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0 ............................... 71
Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing
colaborativo, era do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do
espírito humano ........................................................................................................................ 73
Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como
o marketing centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à
necessidades funcionais, emocionais e espirituais das pessoas. ............................................... 74
Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux
- considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa ...... 77
Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O
comprometimento é compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas: ...... 78
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CDU
CRM
DCH
DCU
IS
IDEO
HCD
IHC
MIT
SI
UCD
UX
Classificação Decimal Universal
Customer Relationship Management
Design Centrado no Ser Humano
Design Centrado no Usuário
Information System
Consultoria de Design Centrado no Ser Humano e Inovação anglo-americana
Human Centered Design
Interação Humano-Computador
Massachusetts Institute of Technology
Sistema de Informação
User Centered Design
User Experience - Experiência do Usuário
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO ..................................................... 13
1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR .......................................... 15
1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA ........................................ 20
2. ASPECTOS HUMANOS ................................................................................................ 28
2.1 SER HUMANO .............................................................................................................. 29
2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE .................................... 32
2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO ......................................... 34
3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO ........................................... 39
3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO............................................................................................ 41
3.2 DESIGN THINKING ...................................................................................................... 51
3.3 MARKETING 3.0 ........................................................................................................... 67
3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS ...................................... 75
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 79
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83
12
1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade é marcada por artifícios que permitiram ao homem ser e
interagir no mundo, por meio da técnica o homem expande suas capacidades e modifica o
ambiente. O computador, a incrível máquina de calcular, foi se transformando em um parceiro
constante das atividades humanas e modificou também a maneira como o homem é e atua no
espaço.
A conexão do homem com suas máquinas e aparatos tecnológicos passou a ser
questionada: como a relação do homem com a máquina afeta o ser humano? As interfaces
entre o humano-computador são persuasivas e cerceantes ou são criadas para facilitar a vida
das pessoas em sua missão de ser no mundo?
Partimos do pressuposto de que as tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam
a percepção do homem sobre ele mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objeto
desta pesquisa é a relação do homem com a tecnologia, a Interação Humano-Computador. O
objetivo é a busca por maneiras de projetar tecnologias centradas no ser humano, cujo
propósito seja expansão, a ativação da potência.
Para tanto, a metodologia será a análise teórica para entendimento e esclarecimento da
relação do homem com a tecnologia, e, na perspectiva da centralidade no humano, a
compreensão do que é design de interface que liberta em oposição ao que limita, cercea. Para
isso, serão analisados os aspectos e valores humanos envolvidos na relação mediada pela
tecnologia, sob a contextualização do que é ser humano na pós-modernidade. Com a
ilustração deste cenário, será feita análise das abordagens prático-teóricas do Design de
Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. que, em sua configuração, são centradas no ser
humano.
Isso será feito para entender como os aspectos humanos podem ser considerados nos
processos que envolvam desenvolvimento de produtos e serviços que proporcionem
experiências mediadas por tecnologia.
A hipótese é que desenhar interfaces para tecnologias emergentes em cenários em
transição requer visão de negócios sustentáveis, os quais demandam propósitos coerentes, que
considerem os aspectos e valores humanos.
13
1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO
Quando Paul Otlet, visionário e documentalista do fim do séc. XIX e início do séc.
XX, iniciou seu projeto de universalização e disseminação do conhecimento científico1 ao
lado de Henry La Fontaine e uma rede de pessoas e instituições, tinha seus propósitos muito
claros.
Com a CDU (Classificação Decimal Universal), o princípio monográfico e outras
técnicas que foi desenvolvendo, Paul Otlet buscou catalogar e organizar todo o acúmulo do
conhecimento humano produzido ao redor do mundo, ele idealizou e começou a implementar
algo que ainda não existia na época – a distribuição generalizada do conhecimento científico
na medida em que fosse produzido – por meio do chamado Mundaneum (Cidade Mundial).
Ele e La Fontaine acreditavam que o amplo acesso a este conhecimento expandiria o capital
intelectual da humanidade, e assim seria possível chegar à Paz Mundial.
Otlet mobilizou uma rede de cooperação internacional, recebendo informação de
várias partes do mundo por meio do IIB (Instituto Internacional de Bibliografia). Além disso,
teve muitos parceiros, dentro os quais se destacam Henry La Fontaine que fazia importantes
articulações políticas, o célebre arquiteto Le Cobusier, muito fiel ao projeto de Otlet,
construiu plantas e maquetes gigantescas da Cidade Mundial para convencer governantes de
diferentes países a abrigar o projeto (Bruxelas, Gêneva, Anvers)2, Andrew Carnegie, rei do
aço dos Estados Unidos, fez doações milionárias quando conheceu a proposta e até mesmo
inovações como a invenção do microfilme de Otlet em conjunto com o engenheiro Robert
Goldschmidt, quando buscavam juntos soluções técnicas para viabilizar o projeto.
1
Por volta de 1985 e até 1934 os begas Paul Otlet e Henry La Fontaine criaram o Instituto Internacional de
Bibliografia (IIB) e o Repertório Bibliográfico Universal (RBU) com sede em Bruxelas com cooperação
internacional para criação de uma Biblioteca Universal. Paul Otlet criou a Classificação Decimal Universal
(CDU), que atendia melhor os propósitos universalistas que a Classificação Decimal de Dewey (CDD), a CDU
além da notação hierárquica, permitia a indexação do conteúdo do documento em três dimensões (Realidade,
Conhecimento, Documento) uma inovação proposta por Otlet chamada princípio monográfico, que mais tarde,
ele combinou com a possibilidade de enriquecimento semântico por parte do usuário que faria a busca, a cada
acesso. Otlet persistiu obsessivamente a ideia da criação da Cidade Mundial (Mundaneum), que seria o pólo
receptor e emissor de todo o conhecimento para o mundo inteiro.
2
Documentário: O homem que queria classificar o mundo. Disponível em:
http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=5941 Acesso em 14.Agosto.2014.
14
Alguns anos antes da explicitação dos primeiros conceitos de hipermídia por Vannevar
Bush e Ted Nelson3, Paul Otlet previu a emergência tecnológica que hoje assistimos sobre a
forma da web:
[...] um engendramento não afetado pela distância, que combinaria ao mesmo tempo
rádio, raio-x, cinema e microfotografia. Todas as coisas do universo e tudo
relacionado ao homem seria registrado, não importa onde estivesse, no momento em
que fosse produzido. Assim, a imagem em movimento do mundo seria estabelecida
– sua memória, sua verdadeira duplicata. De qualquer distância qualquer um seria
capaz de ler qualquer passagem, expandida ou limitada do assunto desejado, isso
seria projetado em sua tela individual. Assim, em sua poltrona qualquer um seria
4
capaz de contemplar toda a criação ou partes particulares dela (OTLET, Paul, 1935
5
apud RAYWARD,1994 p.245, tradução nossa)
Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet
As tecnologias da época convergiriam para viabilizar a
proposta disseminação do conhecimento no momento em
6
que fosse prodzido por meio do Mundaneum
Com a Segunda Guerra mundial, e a invasão alemã na Bélgica, praticamente toda esta
articulação e legado de Paul Otlet acabaram caindo no esquecimento, os arquivos e
3
BAIRON, 2012. p.09
4
Paul Otlet (1935) Monde: Essai d´universalisme: Connaissances du monde. Sentimentes du monde. Action
organisée et plan du monde. (Editiones Mundaneum). Bruxelles: D. Van Keerberghen et fils p.390-391
5
“[...] a machinery unaffected by distance which combined at the same time radio, x-rays, cinema and
microscopic photography. Everything in the universe and everything related to humans were registered no matter
where they had been created. Thus the moving image of the world would be established - it´s memory, it´s true
duplicate. From afar anyone would be able to read any passage, expanded or limited by the desirable subject, that
would be projected onto his individual screen, Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the
whole of creation or particular parts of it.”
6 Ilustração de Larissa Braga para o Infográfico: How Hypermedia looked in 1934 apresentado por Paula
Macedo no Information Architecture Summit 2014. Disponíve em: <http://mundaneumpaulotlet.tumblr.com/>.
Acesso em 12.Agosto.2014
15
maquinários que estavam sendo construídos foram destruídos pelo 3º Reich alemão. A CDU é
importante na Ciência da Informação e Biblioteconomia até os dias de hoje, com diversos
tipos de uso; mas o Mundaneum7, como um projeto completo, ficara apenas como fato
histórico. Ele foi redescoberto no final da década de 60, por Boyd Rayward8, estudioso de
Ciência da Informação e Biógrafo de Paul Otlet, que deu início aos estudos acadêmicos de
Mundaneum como uma forma arcaica de hipermídia. Mais recentemente, Alex Wright, que se
refere ao Mundaneum como “a network platônica” 9 tem disseminado a história deste projeto
em meios não acadêmicos e a empresa Google é uma das patrocinadoras do Le Monde, o
museu que estuda os arquivos históricos10 do conhecimento deixado por Paul Otlet e o
Mundaneum.
A grande questão sobre Otlet, além de seu exercício visionário, é o propósito, questão
sobre a qual esse trabalho se propõe a refletir. Como considerar os propósitos para os quais se
direciona as energias para manejar e criar novas técnicas e tecnologias, e engajar as pessoas
envolvidas em um projeto.
1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR
Quando os bibliotecários Peter Morville e Louis Rosenfeld (1998) levaram
Biblioteconomia e Ciência da Informação para a “Internet” em forma de Leis para a
Arquitetura de Informação na Web também procuraram relacionar as técnicas ao propósito
para os quais elas eram utilizadas. Por exemplo, além de uma extensa sistematização sobre
como organizar, rotular, buscar, criar vocabulários controlados, etc.; os autores encontraram a
necessidade de falar sobre “Ética” 11 como formas de políticas intrínsecas às atividades de
categorizar e classificar. Decisões políticas estão relacionadas com propósitos, os autores
7
Confira: http://www.mundaneum.org/
8 Página eletrônica de Boyd Rayward, que reúne as principais publicações disponibilizadas na internet:
Disponível em: <http://people.lis.illinois.edu/~wrayward/otlet/otletpage.htm>. Acesso em 12.Agosto.2014
9 WRHIGHT, Alex. Cataloguing The World: Paul Otlet and the birth of information age. New York: Oxford,
2014. http://www.catalogingtheworld.com/
10
Exposição Digital dos Arquivos de Le Monde, Mundaneum. Disponível em: <
http://digitalarchives.mundaneum.org/exhibit/the-origins-of-the-internet-in-europe/QQRRh0A?position=19%2C0> Acesso em 12.Agosto.2014.
11
ROSENFELD e MORVILLE, 1998, p.240.
16
defendem a busca da neutralidade sobre todos os aspectos12, como uma forma de garantir que
interesses difusos não irão se sobrepor aos interesses da comunidade para qual um sistema é
projetado.
Na prática, um conjunto de variáveis dificulta a neutralidade em projetos de
arquitetura de informação para a web abordada por Morville e Rosenfeld, conceito que é tão
natural nos sistemas bibliográficos. Há algo na rede que foge ao controle das regras e políticas
de Biblioteconomia e Ciência de Informação para os Sistemas de Informação na Internet.
A comunidade de Design de Interação também parece afetada por esta falta de
controle sobre a neutralidade: há discussões em torno daquilo que é considerado o ‘bom
design’ - algo que atende as necessidades das pessoas, é bem desenvolvido tecnologicamente
e oferece vantagens aos negócios e o ‘mau design’, que seria, por exemplo, aquele que
encontraria nas necessidades das pessoas, oportunidades de produtos que persuadem, mas não
necessariamente prestam um serviço ou se caracterizam como um bom produto para as
pessoas que os usam.
A intensa proximidade do homem com seus dispositivos, uma conexão que mais
parece vício, provoca inquietude: afinal essas interfaces são bem projetadas? Elas têm um
propósito definido? Em meio à modelos de práticas, seja apresentados em palestras13, na
literatura, ou em provocações em blogs e listas discussões, o desconforto é latente.
No “Design da Persuasão”, em uma visão extremista14 , interações simples como as
notificações que as aplicações nos enviam, podem ser consideradas um design de interface
persuasivo. Isso porque, da maneira como elas são feitas, no caso do Facebook, por exemplo,
não trazem a mensagem - que seria o conteúdo que interessaria ao usuário - o propósito delas
é deixá-lo curioso e levá-lo até o aplicativo, recompensá-lo com o conteúdo de seus amigos e
então ele fica navegando por lá. Pode ser visto como o clássico ciclo de condicionamento da
psicologia - Interrompe, Checa, Interage, Recompensa - e isso vicia, com o propósito maior
não de dar o conteúdo de interesse ao usuário, mas de fazê-lo voltar mais vezes ao aplicativo.
12
Neutralidade é considerada essencial em sistemas de categorização e classificação bibliográficos, e de certa
forma aplicáveis. Em rede, com ambiente mais flexível e objetivos institucionais não tão bem definidos como se
costuma encontrar em bibliotecas, esse conceito torna-se mais delicado e complexo de aplicar.
13
14
Interaction South America 2012 e 2013. Information Architecture Summit 2014.
Notifications are a UX Anti-Patterns. Disponível em: https://medium.com/@holympus/notifications-are-a-uxanti-pattern-c4d8c9ccce39. Acesso em 14.Agosto.2014.
17
Mas a tecnologia pode ser tão persuasiva e viciante assim? B.J. Fogg, fundador do
Persuasive Technology Lab da Universidade de Standford afirma que sim. Ele cunhou o
termo ‘captology’ para designar computador como tecnologia persuasiva, ele foi listado como
visionário pela revista Forbes15 por ter previsto que computação móvel iria cada vez mais
influenciar comportamentos e atitudes das pessoas.
Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo –
Que influencia comportamentos e atitudes humanos16
Em “FOGG´S Behavior Model for Change” ele demonstra como essa relação
acontece na prática, como o comportamento humano pode ser moldado pelo designer de
interface. Em seu laboratório, desenvolve aplicações para mudança de comportamento na área
da saúde, com propósitos como ‘esquemas para ajudar fumantes a pararem de fumar’.
15
16
Conf. http://archive.fortune.com/galleries/2008/fortune/0811/gallery.10_new_gurus.fortune/
FOGG, 2003, p.5. Tradução e Adaptação nossa.
18
Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg) 17
A chave para mudança de comportamento está em colocar ‘hot triggers’ - “gatilhos”
no caminho de pessoas altamente motivadas. A alta motivação e alta habilidade, aliadas a um
catalizador relevante, despertam a mudança de hábitos e comportamentos.
Fogg é também consultor de mercado, e já atendeu a área de saúde da Nike, por
exemplo. Ele explica que este é exatamente o princípio de como o Facebook age, e outras
aplicações persuasivas que temos contato18; a ideia do Instagram, por exemplo, partiu de uma
aluna durante uma aula que ministrava: tarefa simples, alta motivação, alta habilidade.
É curioso que o modelo de Fogg se parece com o de Mihaly Csikszentmihalyi, da
teoria do fluxo - “flow theorie”19
17
Design for behavior change in health. Dexter Zhuang. Disponível em:
<http://www.uxbooth.com/articles/designing-for-behavioral-change-in-health/>. Acesso em 02.Setembro.2014.
18
Spotlight: BJ Fogg Psychologi of Persuasion. Disponível em: <http://www.bjfogg.com/> Acesso em
02.Setembro.2014.
19
RANOYA, 2013, p.98
19
Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico do equilíbrio entre habilidades e desafios20
Essa sensação de imersão profunda que pode ser chamada até de felicidade21, é aquele
estado de conexão e atenção extrema que músicos, religiosos, atletas e gamers vivenciam em
momentos de muita concentração e entrega. Está até mesmo na obra Tao of Jet Kune do de
Bruce Lee22.
Para estar no estado de fluxo é necessário atenção envolvida, um equilíbrio entre
habilidade e desafio aliado à uma sensação de não controle, Csikszentmihalyi descreve como
uma situação de êxtase, quando perde-se parcialmente o controle ativo sobre o próprio corpo e
a noção do tempo é perdida. É o estado que um músico chega ao compor uma sinfonia e
muitos programadores quando concentram-se em um código; mas deveria ser, ainda que numa
escala menor, a mesma que um adolescente fica ao navegar por um feed de uma rede social?
Quando se projeta para o estado de fluxo ou para a mudança de comportamento é
possível que se consiga alcançar, mas será que os propósitos estão bem delineados?
Margareth Stuart, responsável pelo User Experience do Facebook comenta sobre o
que ela chama de “design at scale” – projetar em escala.23. Cada mudança de design de
interface de um minúsculo botão impacta mais de 1.23 bilhão de pessoas, é um sexto da
humanidade, ao mesmo tempo, por isso o botão do “like” – “curtir”, por exemplo, levou 280
20
EDLAB Seminar Longshot. Alex Sarling 08.Agosto.2012. Disponível em:
<http://edlab.tc.columbia.edu/index.php?q=node/8149>. Acesso em 02.Setembro.2014.
21
Mihaly Csikszentmihalyi:.Flow, the secret to happiness. Disponível em:
<http://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow> Acesso em 02.Setembro.2014.
22
23
Ranoya, 2003, p.98
Margaret Gould Stewart: How giant websites design for you (and a billion others, too). Disponível em:
<http://www.ted.com/talks/margaret_gould_stewart_how_giant_websites_design_for_you_and_a_billion_others
_too> Acesso em 02.Setembro.2014
20
horas para ser feito. Eles trabalham com métricas e procuram conhecer um pouco a realidade
sobre para quem estão desenhando. Mas, diz ela, como designer, não há nenhuma escola
sobre o que ela faz atualmente, é algo nunca feito antes. Praticamente tudo que ela criou não
existe mais, devido à velocidade das mudanças, no entanto, em seu trabalho, ela carrega a
promessa de que está desenhando o mundo que conhecemos.
É o cenário visualizado por Paul Otlet, é perceptível a eletricidade24, de fato já
podemos senti-la em tempo real. Mas, o que se carrega por ela? Quando Paul Otlet
vislumbrou que “em sua poltrona qualquer um seria capaz de contemplar toda a criação ou
partes particulares dela”25 (apud RAYWARD, 1994 p.24, tradução nossa) estava referindose ao conhecimento humano que seria capaz de permitir a evolução do mundo para uma
humanidade mais pacífica, e este era o propósito da tecnologia. E, hoje, o que estamos de fato
contemplando de nossas ‘poltronas’? O que transmitimos, pelos bits e bites do Facebook?
Bill Buxton defende a ideia de que as grandes mudanças acontecem a partir de
pequenas decisões que tomamos, inclusive de design – “Não é sobre o mundo do design; é
sobre o design do mundo. Hoje podemos fazer qualquer coisa, o que nós faremos?” 26
(BUXTON, 2007, p.418, tradução e grifo nosso)
Se Otlet diria que contemplaríamos a criação, fruto de nosso exercício humano. Que
humanidade é essa que não estamos a contemplar?
1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA
Mundaneum e a Cidade Mundial era um sonho que engajava - Paul Otlet não foi
mediu esforços, foi seu projeto de vida, Henry La Fontaine articulou policamente por anos a
fio, chegando a receber um Nobel da Paz e Le Cobusier não economizou tempo e equipe na
construção de maquetes que tangibilizassem o projeto universalista megalomaníaco. O
cenário político econômico não aportou a imensidade e idealismo do projeto, mas o que Otlet
assertivamente vislumbrava era o crescimento exponencial da produção científica daquela
época, era uma produção intelectual que extrapolava os meios comuns de se trocar
informação, não cabia mais continuar fazendo-se da maneira como se fazia.
24
termo de Mac Luhan
25
“Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the whole of creation or particular parts of it”
26
“It’s not about the world of design; it’s about the design of the world. Now that we can do anything, what will
we do?”
21
O computador, na época em que foi desenvolvido, entre as duas grandes guerras, era
uma fantástica máquina de calcular. Teve na indústria bélica o financiamento de seu
aprimoramento pela necessidade de processamento rápido de dados. Em Bletchley Park27, em
Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, com os propósitos de decifrar os códigos da
frota naval alemã, o matemático e cientista Alan Turin28 deu início ao que seria a forma da
computação como conhecemos.
Claude Shannon29, matemático norte-americano, considerado fundador da teoria da
informação esteve em contato com Alan Turing no Bletchey Park por sua ligação com as
forças armadas. Shannon publicou “A Mathematical Theory of Communication” e
posteriormente “Computing Machinery and Intelligence”, no pós-guerra, que é considerado a
fundação da inteligência digital e da computação moderna.
Quando os computadores começaram a surgir, eram restritos às instituições públicas e
grandes corporações. Como aponta Steve Johnson30, é bem provável que algumas pessoas que
participavam da cena de construção desta nova realidade digital desconhecessem
completamente os usos que o computador tomaria na sociedade. Ele chama esses equívocos
de lapsos - profecias limitantes acerca das máquinas e suas potencialidades.
Johnson31 faz um paralelo com o equívoco de Thomas Edson, inventor do fonógrafo,
quando ele imaginou que ele seria usado para gravar conversas telefônicas, não concebia o
potencial de ser máquina de reprodução de som em massa. A história da computação é
recheada desses lapsos: “Eu acredito que exista um mercado mundial para talvez cinco
computadores” 32(Thomas Watson, presidente da IBM, 1943).
27
Bletcheley Park ou Station X era a estação de inteligência Britânica durante a Segunda Guerra Mundial.
28
Alan Turing desenvolveu o conceito de algoritmo durante a quebra de código criptográficos na Segunda
Guerra Mundial. Ele é pioneiro na inteligência artificial e ciência da computação. Criou, em 1950, o “Teste de
Turing”, onde uma comissão técnica analisaria o grau das inteligências artificiais dos computadores, Por meio de
uma ‘conversa’, o computador que conseguisse enganar 30% do júri seria uma máquina capaz de pensar. In:
CHRISTIAN, Brian. O humano mais humano: o que a inteligência artificial nos ensina sobre a vida. Laura
Teixeira Mota (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
29
Claude Shannon foi um norte americano pioneiro da inteligência artificial e fundador da teoria da informação.
Trabalhava nos sistemas de criptografia do Bell Labs, laboratório de pesquisa e desenvolvimento da AT&T dos
Estados Unidos, onde foram atribuídas inovações como a primeira transmissão púbica de Fax, Televisão, e onde
Claude publicou em 1948 a “Teoria Matemática da Comunicação”. In: CHRISTIAN, 2013, Ibidem. E :
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_Labs e http://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Shannon Acesso em
15.Agosto.2014.
30
JOHNSON, 2001, p.109
31
ibidem, p.107-108
32
“I think there is a world market for maybe five computers.”
22
O mercado era restrito na época, por isso fazia mais sentido capacitar as pessoas para a
tarefa complexa de manejar uma máquina de calcular, muito mais que o contrário. Havia uma
demanda sobre a eficiência neste manejo, assim nasciam os estudos de Ergonomia e Fatores
Humanos33, os primeiros estudos da Interação Humano-Computador (IHC) foram em busca
de produtividade.
Em outro campo a ciência da cognição buscava outros tipos de respostas acerca desta
relação:
[...] tudo começou em um Simpósio sobre Teoria da Informação, realizado no
Massachutts Institute of Technology em 11 de setembro de 1956, onde figuras
importantes no desenvolvimento do novo pensar apresentaram artigos inéditos:
Herbert Simon, Noan Chomsky e Claude Shanhon. O certo é que nos anos 60 se
encontram os principais autores e atores do cognitivismo ou da Ciência da
Cognição, estudando o comportamento da assimilação dor conhecimento em seres
humanos, máquinas e na interação dos dois. (BARRETO, 2014)
Aos poucos, os computadores passarem a fazer parte da realidade de trabalho de
algumas pessoas, em meados dos anos 70, IBM e algumas outras empresas já faziam negócios
lucrativos com a computação34, a Intel, possuía inclusive tecnologias de distruibuição como
chip e circuitos integrados35 , tanto que um de seus engenheiros convocou uma reunião para
defender a fabricação do Computador Pessoal, muito antes do primeiro Apple I ser lançado;
mas Ken Olsen, rebateu “Não há motivos para as pessoas quererem computares em suas
casas.” O engenheiro, não sabia responder quais seriam esses motivos, ele não enxergava um
propósito bem delineado, realmente parecia sem sentido.
Um ambiente fértil para o desenvolvimento das tecnologias com as quais convivemos
hoje foi o Palo Alto Research Center (Xerox Parc)36 Steve Johnson afirma que “seria
legítimo dizer que o idioma moderno nasceu ali” (JOHNSON, 2001, p.39). Isso porque os
produtos tecnológicos ali desenvolvidos foram o início do que o autor considera a “fusão de
tecnologia e arte”, a criação da interface: “Softwares que dão forma à interação entre
usuário e computador” (JOHNSON, 2001, p.17).
Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society. Disponível em
<http://hfs.sagepub.com/> Acesso em 16.Agosto.2014.
33
34
HOWARD, Adrian. User Experience does not exist. In: Infoqueue: Enterprise Software Development
Community. UX Cambrige 2012. Videoconferência. Disponível em: http://www.infoq.com/presentations/UXFuture .Acesso em 11.Agosto.2014.
35
36
JOHNSON, 2001.
JOHSON, 2001. Descreve em sua obra sobre os impactos das tecnologias desenvolvidas no laboratório da
Xerox.
23
Na perspectiva do computador como um “sistema simbólico”, que deve “representarse a si mesmo” ao usuário, numa linguagem que este compreenda, Steve Johnson, em
“Cultura da Interface” demonstra o quanto essa linguagem representa e forma nossa visão de
mundo, como a arte da literatura de um romance vitoriano fazia na sociedade industrial.
O primeiro produto da Xerox Parc, que Johnson descreve como transformador da
relação homem-máquina por meio de uma interface foi a invenção do mouse por Doug
Engelbart em 1968 (JOHNSON, 2001, p.21). Ele ressalta outras metáforas importantes na
transformação da relação do homem com a tecnologia, como a do desktop por Alan Kay
(popularizada com Windows), a inovação do estilo com o lançamento do Macintosh da Apple
em 1984 – “o computador para o resto de nós” 37, e a navegação em janelas.
Foram todas pequenas inovações que alteraram a maneira do homem ser, agir e fazer
as coisas, eram metáforas poderosas à atividades analógicas ou mecânicas, mas não meras
imitações, havia algo em suas essências que comunicava, fazia o hiato entre tarefas que as
pessoas já realizavam analogica ou mecanicamente, mas também estavam prenhes de novas
potencialidades - que encontravam nos anseios humanos um campo fértil para criação de uma
nova arte de se fazer no mundo digital.
Esses exemplos, para Johnson, caracterizam o que McLuhan falava sobre as
tecnologias elétricas do séc. XX - extensão de nosso sistema nervoso central 38.
Aqui, já não se tratava mais de um homem operando uma complexa máquina de
calcular para executar tarefas corporativas, era o homem fazendo uso de artifícios que
sobrepunham a visão de mundo de máquina como “prótese”. São visões parecidas à de
Guattari interpretadas por André Parente (1999):
Guattari para quem a informática e a tecnociência não são nada mais que formas
hiperdesenvolvidas da própria subjetividade. Guattari observa que não são apenas as
atuais máquinas informacionais que nos permitem falar de uma produção máquinica
da subjetividade, uma vez que as subjetividades pré-capitalistas e arcaicas eram
engendradas por diversos dispositivos máquinicos coletivos (equipamentos coletivos
de subjetivação) de modelização de formas de existência. (PARENTE, 1999, p.33) 39
A interface, mais que um fim, é filtro que traduz o binário em algo que nos faz sentido.
Na transição do nosso fazer e pensar analógico e mecânico para o digital, essas metáforas
37
“the computer for the rest of us”
38
McLuhan apud JOHNSON, 2001, p.23)
39
GUATTARI, Felix. Produção de subjetividade Apud PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de
Janeiro: Pazulin, 1999.
24
mostraram mais eficientes quando carregavam conceitos do fazer antigo, mas sem limitar-se
por isso.
Há neste, cenário, o que Steve Johnson chama de metaformas – “fantasmas de
tecnologias que estão por vir” - interfaces intermediárias entre as tecnologias que conhecemos
e as emergentes. Elas fazem as pessoas sentirem-se à vontade, em casa, apropriando-se desse
novo e assim fazem com que de fato ele exista de forma massiva.
Informação digital sem filtros é coisa que não existe, por razões que ficarão cada
vez mais claras. À medida que parte cada vez maior da cultura se traduzir na
linguagem digital de zero e uns, esses filtros assumirão importância cada vez maior,
ao mesmo tempo que seus papéis culturais se diversificarão cada vez mais,
abrangente entretenimento, política, educação e mais. O que se segue é uma
tentativa de ver esses vários desenvolvimentos como exemplos de uma ideia mais
ampla, uma nova forma cultural que paira em algum lugar entre meio e mensagem,
uma metaforma que vive no submundo entre o produtor e consumidor de
informação. A interface é uma maneira de mapear esse território novo e
estranho, um meio de nos orientarmos num ambiente desnorteante. Décadas
atrás Doug Engelbart e um punhado de outros visionários reconheceram que a
explosão da informação poderia ser tanto libertadora quando destrutiva - e sem uma
metaforma para nos guiar por esse espaço-informação, correríamos o risco de nos
perder no excesso de informação. (JOHNSON, 2011, p.33, grifo nosso)
“Na esfera cultural, os híbridos são mais fortes, mais inovadores, que os puro
sangue” (JOHNSON, 2011, p.35). Assim como as televisões ficam inteligentes numa
velocidade lenta, mas que de repente fazem coisas que impressionam, são as pequenas
inovações que dão conta de transformar o vir a ser, que se nota até que esteja tangibilizado
sob nossos dedos e permitindo novos fazeres.
A usabilidade é prática que busca garantir que esses filtros intermediários funcionem.
Leis, como as famosas “Heurísticas de Nielsen”40 foram desenvolvidas para guiar o
desenvolvimento das Interfaces Humano-Computador.
Com o lançamento do Macintosh e com propagação da computação entre os
entusiastas de games, entre os anos 80 e 90 cada vez mais pessoas “normais” tinham
computadores em casa, ele começou a fazer parte do dia a dia das pessoas. Certas leituras da
engenharia da usabilidade, no entanto, tinham a visão da interface enquanto metaforma que
domestica pessoas e computadores em uma relação limitada, o que parece não fazer jus às
possibilidades simbólicas do computador na era digital.
40
NIELSEN, JAKOB. 10 Usability Heuristics for the User Interface Design. 1995. Disponível em:
<http://www.nngroup.com/articles/ten-usability-heuristics/. Acesso em 12.Agosto.2014.
25
O Windows da Microsoft foi a interface que definitivamente levou o computador para
a casa de todos, mas como diz Johnson alguns esforços pareciam exagerados
Em algum ponto do caminho a boa-fé das metáforas amigáveis, acessíveis ao
usuário, foi substituída pela histeria da simulação total. O sensato desejo de
estabelecer analogias entre o digital e o orgânico deu lugar a busca sem limites de
uma pura fusão entre os dois. (JOHNSON, 2001, p.48)
Esses extremos enxergam o computador como máquina de realizar tarefas para
humanos, mas, ao mesmo tempo, enxergam humanos como máquinas de responder estímulos
de computador.
No fundo, a boa usabilidade não é resultante da construção de objetos que
simplifiquem o uso por seu desenho ou engenhosidade, mas daqueles que permitam
ser ocupados e colonizados pelas pessoas; por suas diversidades de visões e práticas
(efetivas ou potenciais, reais ou imaginárias); ou mesmo daqueles capazes de
inspirá-las. Bem mais grave que um design despreocupado com o usuário, é um que,
aparentemente centrado nele, coloca de fato um robô em seu lugar. (RANOYA,
2013, p. 146)
Antonio Damásio (2000), neurocientista, demonstra por meio de experimentos que há
uma relação não puramente racional entre as coisas, muito mais que a mera analogia poderia
acomodar. Don Norman, psicólogo cognitivista, co-fundador do Nielsen Institute e autor de
“Design of Everyday things”, havia desenvolvido e disseminado muitas regras sobre utilidade
e usabilidade, mas, algo mudava em 1993, quando trabalhando na Apple, passou a se
denominar “Experience Designer” – “Designer de Experiência do Usuário”, porque:
Eu inventei o termo porque achava que “Human Interface” e Usabilidade eram
muito limitados. Eu queria cobrir todos os aspectos que envolvem a experiência de
uma pessoa com com um sistema, incluindo o design industrial, gráfico, a interface,
as interações físicas e o manual. (Don Norman apud HOWARD, 2012, tradução
nossa).41
Norman também publicou “Emotional Design: why we love (or hate) every day
things.”, onde, influenciado pela obra de Damásio, destaca a importância da emoção na
relação do homem com as coisas do mundo, inclusive a tecnologia. O termo User
Experience42 vinha para dizer: há muito mais que usabilidade.
Além disso, como aponta Johnson, a interface digital é muito mais que uma analogia
do que consideramos ‘mundo real’, ela em sua amplitude, deveria refletir possibilidades,
afinal “A interface representa o usuário no espaço de dados.” (JOHNSON, 2011, p.22).
41
“I invented the term because I thought Human Interface and Usability were too narrow; I wanted to cover all
aspects of the person´s experience with a system, including industrial design, graphics, the interface, the physical
interaction, and the manual”.
42
User Experience é prática multidisciplinar que busca compreender e criar soluções centradas em usuários em
interfaces digitais.
26
É nesta capacidade de simulação, sustenta Rheingold, que a mente humana e a
realidade artificial do computador compartilham um potencial para sinergia:
"dar ao simulado hiper realista de nossas cabeças o controle de simulador hiperrealista computadorizado faz com que algo de extrema importância esteja prestes a
acontecer (PARENTE, 1999, p.33)43
Essa visão animadora de Johnson e Rheingold pode ser interpretada também na visão
de Manovich, para quem vivemos uma forma cultural diferente com a vivência dos ‘dados’ bits e bites. Ele apresenta essa transformação da cultural, de uma forma dialógica, afetada nos
dois sentidos: os designers de interface são os “artistas” e as pessoas que interagem com essas
interfaces, são sempre convidadas a criar novos comportamentos e novos modos de ser, no
momento em que estão em contato com os dados representados e legíveis na forma de “arte”,
a interface:
A história da arte não é apenas sobre inovações estilísticas, lutas para representar a
realidade, o destino humano, a relação entre a sociedade e o indivíduo, etc. – é
também a história das novas interfaces de informação criadas pelos artistas e os
novos comportamentos informacionais desenvolvidos por usuários à partir
delas. Guando Giotto e Einstein desenvolveram novas maneiras de organizar a
informação no espaço e no tempo, seus espectadores também desenvolveram formas
adequadas de navegar nessas estruturas informacionais – assim como hoje, a cada
grande atualização de um softwares, é requerido que modifiquemos comportamentos
informacionais que estávamos desempenhando ao usar a versão anterior.
(MANOVICH, 2001, p.9-10, tradução e grifo nosso) 44
Johnson cita McLuhan por toda sua obra, mas o que fica é, mais do que máquina
como extensão de nós, é a capacidade de, na relação homem-máquina, florescer uma nova
consciência, passível pela possibilidade de nos estendermos neste novo contexto (dados) de
forma libertária e transcendente, não limitando-nos, assim é pode-se despertar algo que já
estava latente (potência).
A interface, por enquanto é o filtro, o antídoto, o fantasmas das tecnologias que
sonhamos e das possibilidades da relação homem-máquina, em seu cenário mais animador. A
relação homem-máquina (digital) faz cada vez mais parte do cotidiano das pessoas, participa
do café da manhã, é parceiro no ambiente de trabalho, é o amigo inseparável que mantém as
pessoas atualizadas sobre as novidades do mundo e também do quarteirão, vai junto às
43
Rheingold, Howard. What’s the big deal about cyberspace? In: The art of human computer interface design.
Massachussetts: Reading, 1990
44
“The history of art is not only about the stylistic innovation, the struggle to represent reality, human fate, the
relationship between society and the individual, etc. – it is also the history of new information interfaces
developed by artists, and the new information behaviors developed by users. When Giotto and Eisenstein
developed new ways to organize information in space and in time, their viewers had to also develop the
appropriate ways of navigating these new information structures – just as today every new major release of a
new version of familiar software requires us to modify information behaviors we developed in using a previous
version.”
27
compras, sai junto para jantar, até que as pessoas dizem: quero férias, quero ficar um pouco
desconectado!
Johnson, Manovich e outros apostam que a interface é a arte de nosso tempo. E toda
arte é caracterizada pela sensibilidade humano, ao momento histórico em que o humano se
encontra. E é exatamente essa que parece ser a tendência da análise prática da relação
humano-tecnologia (Design Centrado no Ser Humano, Design Thinking, Design de
Experiência do Usuário, Design de Interação).
Curiosamente, quanto mais desenvolvemos nossas capacidades de evoluir nossas
técnicas e tecnologias: de programá-las, avaliá-las, mensurá-las, mais precisamos entender em
níveis mais profundos o que significa ser humano e o quanto esses aspectos afetam nossa
experiência e essência ao interagirmos com interfaces digitais.
28
2. ASPECTOS HUMANOS
Antes de falar das abordagens que centram no ser humano é importante definir o que
são os aspectos humanos e contextualizar o sujeito no cenário narrado acima. Edgar Morin45
fala da complexidade da construção do ‘eu’ por três aspectos inseparáveis: a individualidade e
subjetividade, onde o eu se sente ele mesmo, a autoafirmação do eu; o ‘eu’ egocêntrico, que
se coloca no mundo e age em função de seus interesses pessoais; e o ‘eu’ como ‘nós’,
refletido sob o sentimento de comunidade calorosa: os indivíduos que não apenas estão na
sociedade, mas a sociedade que está nos indivíduos, a dualidade entre sujeitos que estão em
um espaço, e identidade do espaço pelo que está no interior deles.
O termo humano, segundo Raymond Willians (2007) já foi usado para denotar
civilidade, na idade média, época em que também era caracterizado pela contraposição com o
divino. No século XIX humano tinha também um sentido bem estar, e termos como
“humanitários” passaram a ser associados ao adjetivo de ‘ser humano’. No século XX,
humano passou a indicar calor e afinidade - como em “uma pessoa muito humana”, outro
sentido adicionado com o passar do tempo foi o de falibilidade tolerada, “erro humano”, este
sentido estaria conectado com a noção tradicional que é humano não só errar como pecar.46
Ser exato, impassível de erro, parece uma característica das máquinas, tendo oposição como
uma forma de definir, podemos, neste sentido, situar o que é humano em relação ao que é
maquínico.
A questão da simbiose do homem orgânico com a máquina, no chamado pós-humano,
como apresentado por Lucia Santaella (2007) começam a ser delineadas. Ainda que não seja o
objeto de estudo deste projeto, algumas fronteiras são importantes de pontuar - Santaella fala
do movimento do cyberpunk , como um uso sociocultural mais descentralizado da ciência e da
tecnologia à serviço de indivíduos, é a tecnologia atuando para alteração os sentidos e a mente
humanas. O ciborque47 provocaria:
[...] profundas questões filosóficas sobre natureza da realidade, da subjetividade e
do ser humano no mundo da tecnologia: o que é autenticamente humano quando
se tornam indefinidas as fronteiras entre humanidade e tecnologia? O que é a
identidade humana, se ela for programável? O que sobra das noções de
autenticidade e identidade numa implosão programada entre tecnologia e ser
45
Edgar Morin - A complexidade do eu. Disponível em: <http://youtu.be/ExOqRgBKDKA> Acesso em
10.Setembro.2014.
46
47
WILLIANS, 2007, p.205-209
Híbrido, o homem ampliado pelas tecnologias. O termo ciborgue nasceu da junção de cyb (ernetic) +
org(anism) - cib(ernético) + org(anism ) cunhado por Clynes e Nathan Kline em 1960. In: Santaella,2007, p.40
29
humano. O que é “realidade”, se ela é capaz de tanta simulação? De que modo a
realidade está hoje sendo corroída, e quais são as consequências disso? Certamento
Gibson (em neuromancer) não responde a essas perguntas, mas pelo menos nos faz
pensar sobre elas. (Kellener48, apud Santaella, 2007, p.37, grifo nosso)
Certamente trata-se de outro tipo de ser humano, nuances que ultrapassam o recorte
deste projeto, o foco fica na desconcertante indagação de Kellner: “O que é a identidade
humana se ela for programável?”.
2.1 SER HUMANO
Buscando paralelos na história para a compreensão do lado humano e do que é ser
humano, chegamos a Parmênides49, um dos pré-socráticos mais importantes, seu poema
filosófico “da Natureza” influenciou grande parte da metafísica e filosofia ocidental, tanto
pelos que partiram de sua concepção sobre a identidade do ser para fundar sua teoria, como
aqueles que por meio da negação de sua ideia formaram a base de sua filosofia.50
Na leitura anti-predicativa do argumento de Parmênides, proposta por Trindade
Santos, a descoberta da verdade vem pelo pensar que tem o mesmo sentido de conhecer - O
que conheço é aquilo que é conhecido por mim. O conhecimento não é sobre algo exterior
sobre o qual o homem age para descobrir, o conhecimento é sobre o desvelamento do ser
pela experiência, sendo, se é51.
Vamos, vou dizer-te –
e tu escuta e fixa o relato que ouviste
- quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:
um que é, que não é para não ser,
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
o outro que não é, que tem de não ser,
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável,
nem mostrá-lo [...]
(Parmênides apud SANTOS, 2012. p.15).
48
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Bauru, Edusc, 2001.
49
Há controvérsias sobre o período em que Parmênides nasceu, estima-se que seja entre 544 e 541 a.C., na
cidade grega de Eleia, seu texto “da Natureza” é um poema, incompleto e cujos trechos foram preservados por
meio da citação sistemática ao longo do tempo pelos mais diversos pensadores e filósofos, inclusive por
Sócrates e Platão. In: CORDERO, 2011. p.9
50
SANTOS, 2011. p.49
51
CORDERO, 2011.
30
No poema são apontados apenas dois caminhos únicos e excludentes para ser - “O que
é” e “O que não é”- os caminhos são lidos como “nome”: um é, tem um “nome” (uma
identidade) e no outro caminho, o nome lhe será negado, é o “não nome”, onde não é possível
conhecer. Parmênides, segundo Santos, está a falar do pensamento como conhecimento condição da possibilidade de compreender alguma coisa. Não é conhecimento de nada
exterior ao próprio conhecimento. Há apenas o conhecimento.
Essa perspectiva de conhecimento descolado das coisas causa certo estranhamento à
primeira vista, isso porque praticamente toda a história da filosofia ocidental, desde Platão e
Aristóteles é a história da metafísica, que é conhecimento por meio das formas. As formas
surgem em Platão como “entidades reguladoras do conhecimento que se situam acima das
flutuações das capacidades cognitivas dos indivíduos” (SANTOS, 2009, p.30), são hipóteses
que permitem ao conhecimento ser verdadeiro, conhecimento é conhecimento de algo
(exterior).
Para Heidgger52 essa perspectiva de conhecimento, a metafísica, implica no
esquecimento do ser, pois se trata de ‘entes’, ela substitui o conhecimento do ‘ser’ pelo
conhecimento do ‘ente’.53 Em Aristóteles, o ser é visto sob a perspectiva da substância, são
modos de “dizer” o que se é, os significados são tecidos pela captação de uma realidade
exterior, há um proto sujeito e um proto objeto, o conhecimento é a relação entre essas
entidades distintas, este é um entendimento predicativo. Decartes (razão) consagra a visão
predicativa do conhecimento, que, segundo Santos, é tão convincente que as visões não
predicativas praticamente foram esquecidas.
Até que Husserl (fenomenologia), Heidgger (ontologia), Wittengenstain (terapia da
linguagem), Marx (praxis) demarcaram o fim da filosofia enquanto a forma metafísica de se
ver o “ente”54. No Daisen55 - ser é vir a ser aí no mundo – visão que marca um rompimento
com as visões predicativas:
[...] ser-no-mundo, que é a constituição fundamental do Daisen e que delimita todos
os modos de ser deste ente. O Daisen sempre busca tornar possível cada maneira
de existir que se correlaciona a um significado. Este se torna possível através da
compreensão, que é inerente ao Daisen. O projetar do Daisen nunca é sua totalidade,
52
Santos, 2011.
53
Santos, op. cit.
54
ver Santos op.cit. e HEIDGGER, 2005, p.91, notas do tradutor.
55
Conceito de tradução complexa. Daisen é um conceito popularizado por Heidegger, é o vír a ser aí no mundo,
daisen vive na clareira do ser, no seu entorno. Cf. o “Ser e o Tempo” de Heidegger.
31
pois está sendo a realização das possibilidades que não tinham sido ainda
desveladas. (ARAÚJO, 2005, p.39, grifo nosso)
O Daisen pode ser visto como uma representação de energia contrária à alienante e
cerceante da relação o homem com a técnica (sob a tecnologia) vistas no primeiro capítulo e
sob a pergunta de Kellner; a angústia , para Heidegger é o fenômeno que revela “o ser para o
poder ser mais próprio, ou seja, o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si
mesmo”. (Heidegger56 apud ARAÚJO, 2005, p.44).
Nessa perspectiva, o homem surge como um ser simbólico, cujas negociações de
sentido com os outros e com as coisas do mundo o fazem ser o que é. Merleau-Ponty, em uma
análise sobre a linguagem, descreve a experiência de pensamento como o que nos inicia ao
que não somos, abrindo oportunidade para a essência surgir (CHAUÍ, 2002, p.41). A ordem
humana, nesse aspecto é definida pela estrutura simbólica, “o que define a ordem humana
não é a criação de uma ‘segunda natureza’ (cultura), mas a capacidade de ultrapassar
estruturas criadas, negando-as e criando outras”. (CHAUÍ, 2002, p.243). O indivíduo e a
coletividade para Merleau-Ponty não são isoláveis, é impossível dizer qual é fundante em
relação ao outro, a sociedade é um sistema de trocas - um dos três aspectos citados por
Morin57.
Flusser em “O mundo codificado” fala sobre as capacidades que nos torna humanos:
Quando o homem se assumiu como sujeito do mundo, quando recuou um pouco
para poder pensar sobre ele, isto é, quando se tornou homem, assim o fez graças à
sua curiosa capacidade de imaginar esse mundo. Assim criou um mundo de
imagens que fizessem a mediação entre ele e o mundo dos fatos, com os quais estava
perdendo contato à medida que retrocedia para observá-los. Mais tarde ele aprendeu
a lidar com esse universo imagético graças a outra capacidade humana - a
capacidade de conceber. Ao pensar por meio de conceitos, o homem tornou-se não
somente o sujeito de um mundo objetivado de fatos, mas também de um mundo
objetivado de imagens. (FLUSSER, 2013, p. 120-121, grifo nosso)
Neste ponto, nos questionamos: de que forma o ser humano chegou ao ponto de, pela
própria imaginação e pensamento, criar formas e símbolos que o afastavam de ser humano
(nessa concepção libertária)?
Como Ser Humano não é acabado, finito e pronto, está em transformação, essas
respostas estão apresentadas em momentos distintos e de maneiras diferentes pela filosofia e
antropologia, sociologia, neurociência, etc. No recorte deste trabalho, é possível destacar a
importância da definição da identidade humana nas relações simbólicas do homem com
56
“Ser e o Tempo”
57
citado acima
32
tecnologia. Podemos buscar entender como atuam as forças não neutras que agem nessa
interação, como elas complementam, entram em conflito e se emaranham na complexidade do
ser.
2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE
Stuart Hall (2005) em “A identidade cultural na pós-modernidade” fala das
concepções de construções identitárias ao longo do tempo. O sujeito no iluminismo caracterizado pela busca do individualismo - o ser dotado de essência inata que se
desenvolvia com ele. O sujeito sociológico surge com a sociedade moderna, o ser é formado
pela relação com “outras pessoas importantes para ele” (HALL, 2005, p.10), o contato
constante com mundos culturais exteriores permitiria a construção da identidade por meio do
que esses mundos oferecem - é a “costura do sujeito à estrutura”: capital, classes sociais
eram algumas das características herdadas pelo sujeito, condições que o formavam.
Já o sujeito pós-moderno é composto por várias identidades e fragmentações, a
identidade é construída historicamente e não biologicamente. São os portfólios de
identidade58, voláteis e cambiáveis, apresentado por diversos pensadores, entre eles Bauman
(2001 e 2007) e Harvey (2012).
Harvey comenta que a “fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de
todos os discursos universais (ou para um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do
pensamento pós-moderno” (HARVEY, 2012, p.19).
Bauman, que usa o termo ‘modernidade líquida’, fala sobre os desprendimentos e
laços sociais que se desfizeram com a reconfiguração do mundo globalizado e interconectado.
Com a lógica da ‘racionalidade instrumental’ (Weber), onde a ordem econômica desempenha
um papel determinante (Karl Marx), o capitalismo proporcionou uma libertação da economia
dos seus tradicionais embaraços políticos, éticos e culturais (BAUMAN, 2007, p.11).
É o mesmo cenário comentado por Stuart Hall:
[...] a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades
centradas e ‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante
sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições
58
Entrevista disponível no STOA, rede social da USP. MELLO, Luci Ferraz et al. Mauro Wilton de Souza e as
interfaces da Comunicação / Educação. Biografia das Personalidades em Educomunicação. Disponível em <
http://moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=14834> . Acesso em 14.Abril.2013
33
de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais
plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas.(HALL, 2005, p.87,
grifo nosso)
A experiência de ser humano parece se transformar, ser na pós-modernidade não é
mais o mesmo do que era na modernidade e no iluminismo, aparentemente as respostas não
estão impressas na essência e tampouco são garantidas pelas estruturas sociais:
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está
se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas.
Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’
e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da
cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e
institucionais.
[...]
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao
invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade, desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente. (HALL, 2005, p.12-13)
Assim, a busca da identidade, ainda que efêmera, é uma busca por tornar o fluxo de
mudança mais lento, solidificar o fluído, dar forma ao disforme. Quando visto de relance, as
identidades configuradas pelas pessoas parecem sólidas e fixas, mas segundo Bauman (2007,
p.98) elas são voláteis. A construção da identidade passa a ser uma tarefa pessoal e solitária,
ainda que muitas vezes não totalmente consciente: “Todo mundo tenta fazer de sua vida uma
obra de arte” (Albert Cadmus apud BAUMAN, 2007, p.97).
É uma atribuição marcada por detalhes emocionais, influências midiáticas e o papel
exercido em um momento de interação social, David Harvey complementa essa visão,
mostrando o papel intermediário das representações e artefatos – interfaces? – nessa
construção
As práticas estéticas e culturais têm particular suscetibilidade à experiência
cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de
representações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experiência humana. Elas
sempre servem de intermediário entre o Ser e o Vir-a-Ser. (HARVEY, 2012,
p.293, grifo nosso)
Podemos considerar, então, que os artefatos, as representações – ou as tecnologias e as
interfaces – são intermediários nessa construção do eu, para este aspecto, Bauman faz um
confronto interessante – a diferença entre a necessidade e o desejo: a necessidade é inflexível,
enquanto o desejo é o impulso que busca libertação do princípio da realidade, ele é líquido e
34
expansível, sedento por referenciais simbólicos, daí a facilidade de apegar-se e desapegar-se
de valores estabelecidos.
Os aparatos e as formas de organizações vigentes representam para Bauman o cenário
de transição onde as identidades são negociadas no espaço:
O cada vez mais frequente uso da metáfora ‘rede’, em substituição a termos usados
no passado, na descrição das interações sociais (sistemas, estruturas, sociedades ou
comunidades), reflete a acumulativa percepção de que as totalizações sociais são
nebulosas nas bordas; mantêm-se num estado de fluxo constante; estão sempre se
tornando, em vez de serem; e raramente estão destinadas a durar para sempre.
Em outras palavras, isso sugere que as totalizações hoje em luta por reconhecimento
são mais fluidas do que costumavam ou se acredita ser quando os termos que agora
ansiamos por substituir eram os adotados.
[...] a rede é a formidável flexibilidade de seus conteúdos [...]
O processo de ‘formação de identidade’ tornou-se sobretudo uma máquina de
renegociação de redes [...] A formação da identidade tornou-se tarefa vitalícia,
jamais completada. Em nenhum momento da vida a identidade é final. (BAUMAN,
2011, p.19, grifo nosso)
O tempo (quase no sentido cronológico), a comunidade (no sentido de múltiplas e
concomitantes comunidades) com as quais as pessoas interagem, a primazia momentânea de
um valor ‘fundamental’ dá conta de traduzir o “quem eu sou”, “quem você é”:
É apenas quando inserida em um contexto específico que a identidade ganha
contornos e significado. Por isso, em cada situação, para cada grupo de sujeitos, há
mediações específicas atuando. Numa dada relação a mediação hegemônica pode ser
a diferença de gênero e as identidades serão construídas a partir da ideia de ‘homem
e ‘mulher’. Em outra situação, a mediação fundamental pode ser a cor da pele e os
mesmos sujeitos serão reidentificados como ‘brancos’ e ‘negros’. As identidades
estão sempre em construção, dependentes desses sistemas classificatórios
estabelecidos no momento específico em que as diferenças são evocadas. Por traz
de uma construção de identidade há sempre a mediação de um processo
simbólico e discursivo que marca as diferenças. (LEITE, SOUZA E GIOIELLI,
2005, p.38, grifo nosso).
Como tradutor que afeta, a interface deveria se propor a entrar nesse jogo de
identidade e valores que compõe o homem na pós-modernidade, acompanhando e
complementando sua construção.
2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO
“Eu sou eu e minhas circunstâncias” (ORTEGA Y GASSET)59. É preciso cuidado ao
tomar a máquina como puramente conexão ou mesmo extensão, pois no cenário vislumbrando
acima, fica evidente que é essencial ao homem a capacidade de contextualizar e de realizar
59 Citação apresentada por Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da
Sociedade em Rede. Digicorp. Turma 3. 2013.
35
interligações, se o homem torna-se técnico, pode perder também sua identidade. A
subjetividade é construída por valores individuais e reconfigurados na pós-modernidade, a
“escolha é a objetivação de uma subjetividade” 60, se eliminarmos a escolha? O que resta do
ser no homem, um ser técnico?
Teorias recentes que explicam a relação entre tecnologia e organizações
argumentam que as duas são mutuamente interdependentes; uma molda a outra,
reafirmando os ciclos de construção de sentido e dando forma aos significados
organizacionais. (GASSON, 2003, p.30-31, tradução nossa)61
A técnica é um fim, é instrumental. A tecnologia é conjunto de experiências
relacionais no tempo e espaço para uso da técnica62. Na sociedade do consumo, as
necessidades são criadas, é possível perceber o valor das coisas pela sua finalidade, ou
propósito como trataremos no início deste estudo.
A técnica (citando Heidegger) é tudo aquilo que permite a descoberta da verdade, o
desvelamento do ser no Daisen, que permite ao homem exercer seu poder. Pela tecnologia, o
homem pode causar uma ruptura no tempo e no espaço, capaz de decompor os componentes63
e desvendar-se.
“Um organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa
relação causa uma mudança no organismo” (DAMÁSIO64 apud Ranoya, 2013, p.88).
Segundo Ranoya (2013, p.88), é impossível separar o objeto desta mudança que ele provoca
no sujeito, e essa dupla articulação está sempre implicada na produção do sentido.
“A tecnologia não é boa e nem má, tampouco neutra” (Melvin Kransberg apud
Buxton, 2008, p.38):
O que isso quer dizer é que sempre que introduzirmos um produto no mercado e na
sociedade, isso terá um impacto – positivo ou negativo. Eu tenho um corolário para
a Primeira Lei de Kransberg que é: Sem projeto informado (intencional), a
tecnologia está mais propensa a ser má do que ser boa. (BUXTON, 2008, p.38,
tradução nossa)65
60
Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da Sociedade em Rede.
Digicorp. Turma 3. 2013.
61
Recent theories that explain the relationship between technology and organization have argued that the two are
mutually interdependent: each shapes the other through self-reinforcing cycles of sensemaking and giving form
to the organizational meanings that ensue.
62
Mauro Wilton, ibidem
63
Estruturas sociais, como na citação de Gasson, as estruturas simbólicas que compõe as organizações.
64
65
DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letas, 2005. p. 38
What this says is that whenever we introduce a product into the market and our society, it will have an
impact—positive or negative. I have a corollary to Kransberg’s First Law. It is:
36
A pós-modernidade, como vimos, é marcada por uma fragmentação, uma efemeridade
de valores. O valor humano torna-se múltiplo, cambiável e não raras vezes percebe-se a
concomitância de valores conflitantes entre si. Em um cenário de emergência de tecnologias,
Harper, Rodden e Rogers (2008) defendem a criação de políticas que cuidem de entender
quais são os valores importantes de serem delimitados - fronteiras – que isso balize o
desenhar da tecnologia por e para humanos.
Como os valores humanos podem afetar as fronteiras da interface? Por exemplo, o
desejo de vitalidade e a independência quando envelhecemos pode motivar a acoplar
dispositivos médicos próximos ao corpo ou mesmo dentro dele. Mas como isso afeta
outro valor humano, como a necessidade de definir a própria identidade? Se o
computador está incorporado em nós, eles são parte de nossa identidade? E sobre
compartilhar informação com terceiros? Se esses terceiros tiverem acesso à nossa
informação mais íntima, podemos estar perdendo a independência que nós talvez
estejamos buscando? Qual a fronteira entre nós e interfaces embutidas em nós de
forma invisível, o quanto é importante controlar o limite dessa fronteira? Essas são
algumas questões que termos que lidar cada vez mais no futuro. (HARPER,
RODDENS e ROGERS, 2008, p.37, tradução e grifo nosso)66
Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia flexível,
aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e um display. As cores se
alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível divertida, sensual, estimulada por reflexos
sensórios e afetada pelo humor.67
Os autores citam questões delicadas que podem vir à tona com essas novas interações:
interação direta e silenciosa - quando, por meio de sensores invisíveis, nossas interações
Without informed design, technology is more likely to be bad than good.
66
“How do human values affect the interface boundaries? For example, the desire of vitality and independence
as we grow older might motivate us to place medical devices close to or even within our bodies. But how dos
this affect other human value, such as the need to define our own identity? If computes are embedded within us,
are they part of identity? And what about sharing that date with others? If others have access to our most
intimate data, do we then fell a loss of the independence we might seek? Likewise, the boundary between us and
embedded device is invisible, how important is it that we manage and control that boundary? There are all issues
that we increasingly have to deal with in future.”
67
HARPER, RODDEN E ROGERS, 2008, p.36
37
comuns com objetos do dia a dia passam a ser permeadas pelo digital (o quanto isso chega até
a cognição humana? O quanto essas mudanças são evidentes?); outro exemplo que clama por
uma fronteira, segundo os autores é o “modo de vivência de um ecossistema
computadorizado” (HARPER, RODDENS e ROGERS, 2008, p.39, tradução nossa) - além de
garantir que as pessoas entendam a interação, de definir qual o limite entre segurança e
privacidade nesses ecossistemas, há outras questões como a dependência cada vez maior dos
sistemas digitais para serviços que eram do intelecto humano, como um diagnóstico médico
por exemplo, o que fazer quando alguma coisa nos sistema pára de funcionar? Isso será
perceptível?
São muitas as questões abordadas pelos autores no relatório chamado “Being Human”
– Sendo Humano. A questão principal é entender a tecnologia como um fenômeno social, que
pode, por suas características, muitas vezes difíceis de notar nas primeiras versões, chocar-se
com os valores e com os elementos que compõe a identidade humana:
Muitos sistemas são construídos com o pressuposto que quanto mais informação
capturam melhor. Em contrapartida, as pessoas valorizam a possibilidade de ser
seletivas quando se lembram. Algumas vezes é importante esquecer, e contamos
com a tendência natural de que os outros também esqueçam nossas ações e
atividades passadas. Mas os arquivos digitais são impiedosos: uma brincadeira boba
de tirar fotos por um smartphone, se compartilhadas na rede podem perseguir
alguém para o resto de sua vida, de uma forma nunca vista antes. Vai ser possível
para as pessoas apagarem as memórias digitais capturadas por outros? Agora que
existem ferramentas digitais que podem gravar tudo que é dito ou feito, como isso
afeta nossas próprias capacidades de ser lembrados?
A pegada digital obviamente levanta novos desafios para a maneira como
projetamos a tecnologia. Tudo isso precisa ser entendido como um fenômeno social.
Memórias nos ajudam a honrar nosso passado e moldar nossa identidade […] No
futuro, é provável que haja dados pessoais nossos em vários domínios e isso pode ter
um impacto social muito maior do que estamos imaginando. (HARPER, RODDENS
e ROGERS, 2008, p.46, tradução e grifo nosso) 68
Flusser demonstra que a composição e o uso do código altera nossa capacidade de
entender o mundo, a tecnologia indo além do instrumental. Ela decompõe, e assim compõe:
Um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é proporcionar a comunicação
entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem (‘significam’)
68
“Many system are built on the assumption that the more date we capture the better. In contrast, humans place
great value on being selective in what they remember. It is important that we sometimes forget and that rely on
the tendency of others to forget our past actions and activities too. But digital records are merciless: a silly prank
capture on a mobile phone and then uploaded to a photo sharing site may haunt someone to the rest of their lives
in a way it never did before. Will it be possible for people to delete digital memories capture by others? Now that
there are digital tools that can record everything we say or do, how will this affect our own abilities and was of
remembering? Digital footprint obviously raise new challenges for how we design technologies. But they also
need to be understood as a social phenomenon. Memories help us honour the past and shape our sense of
identity.[...] In the future we are likely to have less control over our digital records. This fact, coupled with the
persistence of our personal data in many domains may well have more far-reaching societal impact than even
begin to imagine.”
38
outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição; ela substitui a
vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mutuamente por
meio de códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O
homem é um animal alienado (verfremdet) e vê-se obrigado a criar símbolos e a
ordená-los em códigos, caso queria transpor o abismo que há entre ele e o
‘mundo’. Ele precisa mediar (vermitteln), precisa dar um sentido ao ‘mundo’. [...]
O mundo codificado em que vivemos não mais significa processos, vir-a-ser, ele não
conta histórias, e viver nele não significa agir. O fato de ele não significar mais isso
e chamado de ‘crise dos valores’. [...]
Não há paralelos no passado que nos permitam aprender o uso dos códigos
tecnológicos, como eles se manifestam, por exemplo, numa explosão de cores. Mas
devemos aprendê-lo, senão seremos condenados a prolongar uma existência sem
sentido em um mundo que se tornou codificado pela imaginação tecnológica.
(FLUSSER, 2013, p.130-137, grifo nosso)
Conseguimos assim, traçar um pano de fundo e trazer à tona os tão negligenciados
aspectos humanos inerentes ao mundo tecnomediado. Como projetar tecnologia para
humanos, respeitando-lhes as fronteiras do ser, permitindo a construção de identidade como
manifestação de sua liberdade?
Diante da problemática exposta, este trabalho se propõe a entender as abordagens que
consideram os aspectos humanos no desenvolvimento de projetos que envolvam experiências
mediadas por interfaces, mais especificamente como se dá a centralidade humana nessas
abordagens.
39
3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO
John Maeda69 conta que sua busca pela simplicidade nos sistemas complexos sempre
foi uma busca de entender o lado humano e como trazer simplicidade não de uma maneira
“simplória” ou reducionista, mas de uma maneira mais humana. Ele que, iniciou seus estudos
em Ciências da Computação, fala durante sua apresentação na Ted Talk70 da importância dos
designers em sua formação - Muriel Cooper e Paul Rand - durante sua passagem pelo MIT Massachusetts Institute of Technology, e pela Escola de Artes do Japão.
Especialmente no MIT, onde foi estudante e posteriormente diretor do Laboratório de
Mídia, diz ele - a questão humana não era algo explícito – “o T não significa humano” 71- e
foi exatamente atrás do que era humano que ele teve que ele se desbruçou para leis da
simplicidade. Maeda costuma monitorar o quanto as pessoas estão buscando por “human” –
“humano” e por “computer” – “computador” no Google, e compara esses termos com a busca
por “simplicity” – “simplicidade” e “complexity” – “complexidade”, para ele, humanidade e
simplicidade estão de alguma forma conectadas.
Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda
Parte de sua pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade72
69
Designer gráfico, artista visual e cientista da computação. Diretor do Laboratório de mídia do MIT, autor de
Leis da Simplicidade e Design by Numbers.
70
John Maeda. On Simplicity. http://www.ted.com/talks/john_maeda_on_the_simple_life/ - Muriel Cooper era
designer e foi diretora do MIT, incentivou Maeda e ir para a Escola de Artes quando ainda era aluno de
computação e teve contato com o designer gráfico Paul Rand na Escola de Artes do Japão, ele atribui essa busca
pelo lado artístico como algo que o fez mais sensível ao lado humano e buscar a simplicidade.
71
“the T doesn´t mean Human”
72
Maeda, ibidem.
40
Em “Leis da Simplicidade”, Maeda (2007), descreve como os sistemas complexos
deveriam se comportar para trazer mais simplicidade à vida humana e não o contrário, como
ele diz, “a tecnologia tornou nossas vidas mais completas, ao mesmo tempo, tornamo-nos
desconfortavelmente ‘completos’” (MAEDA, 2007, i). Produtos tecnológicos com manuais
longos para produtos do dia a dia, é um exemplo de complexidade que não agrega benefício
na vida das pessoas - se elas precisam de um manual tão complexo para entender como
funciona, é porque não funciona bem, ou de um jeito simples.
Como já vimos, a história do estudo da relação homem-máquina iniciou-se com as
abordagens da Ergonomia e de Fatores Humanos da Interação Humano Computador (IHC),
que não eram centradas especificamente no ser humano, buscavam economia de esforço,
melhoria na execução de tarefas, as pessoas vistas usuários de máquinas.
A 10 da simplicidade de Maeda vão à contramão do movimento da usabilidade, da
forma com apresentada no primeiro capítulo:
1. REDUZIR: A maneira mais simples de alcançar a simplicidade é por meio
de redução conscienciosa
2. ORGANIZAR: A organização faz com que um sistema de muitos pareça de
poucos
3. TEMPO: Economia de tempo permite simplicidade
4. APRENDER: O conhecimento torna tudo mais simples
5. DIFERENÇAS: Simplicidade e complexidade necessitam uma da outra
6. CONTEXTO: O que reside na periferia da simplicidade é definitivamente
não periférico
7. EMOÇÃO: Mais emoção é melhor que menos
8. CONFIANÇA: Na simplicidade nós confiamos
9. FRACASSO: Algumas coisas nunca podem ser simples
10. A ÚNICA: A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o
significativo (MAEDA, 2007, refrão)
Os sistemas devem permitir que as pessoas executem as tarefas de forma eficiente,
mas também garantir os espaços para as emoções. É a sutil e complexa arte dos objetos à
nossa volta proporcionarem momentos de conforto, de reconhecimento, de uma experiência
com significado. “A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o significativo”
(MAEDA, 2007, p.89) - o significativo é essa característica das interfaces que dialogam com
o potencial simbólico e cognitivo das pessoas que interagem com ela, são eficientes em
entender os aspectos humanos que afetam essa interação.
41
Como o objetivo deste trabalho é entender como as abordagens centradas no ser
humano consideram os aspectos humanos em suas metodologias, foram selecionadas a
abordagens do Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. para análise
Susan Gasson (2003) fez um levantamento sobre as abordagens que buscavam essa
centralidade no ser humano, no artigo “Human Centered vs User Centered Approches to
Information System Design” ela levanta a dificuldade das abordagens de desvincularem o
homem como usuário de computador, o homem que interage com a máquina, usuário de
tecnologia.
Ela chama atenção para o fato de que a tecnologia é modelada e modela expectativas
sociais, o design centrado no ser humano questiona essas mazelas sociais que moldam as
tecnologias.
Tecnologia é moldada por, e molda por sua vez, as expectativas sociais: a forma
como a tecnologia é derivada desses efeitos, das expectativas sociais afeta o
processo design. Design Centrado no Ser Humano defende o design de sistemas
que questionam as normativas da expectativa social para a tecnologia.
(GASSON, 2003, p.31, tradução e grifo nosso) 73
3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO
O Design de Interação, segundo Gasson74, é oriundo da Interação HumanoComputador e foi uma das primeiras práticas a se preocupar de forma mais profunda com as
questões humanas na interface homem máquina, indo além de affordance75 e usabilidade.
Design de Interação analisa as maneiras que as pessoas vão operar com um artefato
técnico e projetam o artefato para refletir esses propósitos e usos específicos.
(Preece, Rogers and Sharp, 2002 apud GASSON, 2003, p.35, tradução nossa)76
O Design de Interação veio para considerar o espaço de possibilidades passíveis de
emergir com a presença da tecnologia.
Alan Cooper propõe a ruptura do paradigma industrial, ele defende tirar a criação da
tecnologia das mãos unicamente dos programadores. Cooper iniciou sua carreira como
73
“Technology is shaped by, and shapes in turn, social expectations: the form of technology is derived from the
effect of these social expectations upon the design process (Mackenzie and Wajcman, 1999). Human-centered
design advocates the design of systems that question normative expectations of technology (Kuhn, 1996).”
(GASSON, 2003, p.31)
74
GASSON, 2003, p.35
75
Capacidade de um objeto, interface ou ambiente, pelas suas características, deixar claro quais suas
possibilidades de funcionais.
76
Interaction design examines the ways in which people will work with a technical artifact and designs the
artifact to reflect these specific purposes and uses
42
desenvolvedor de software77 e posteriormente buscou transição do que ele julga um
pensamento puramente maquínico para o desenvolvimento do comportamento da interface da
interação do homem com a tecnologia, por meio Design de Interação.
Segundo Cooper, o que faz as pessoas gostarem ou não gostarem dos produtos
tecnológicos, estarem ou não estarem satisfeitas com um serviço não se encaixa mais no
paradigma industrial ao qual os programadores estão habituados - a visão de mundo binária
onde algo pode ser maior ou menor, funcionar ou não funcionar.78
As abordagens centradas no ser humano, como a do Design de Interação, buscam a
sutil diferença entre entregar um bom produto e entregar algo que propicie uma interação
prazerosa com produtos e serviços. E isso exige a mudança na forma de pensar e criar, pois se
está focado em criar um bom produto, foca-se no que já se sabe fazer e no produto em si, mas
quando busca entregar experiências centradas em pessoas, há de buscar um entendimento que
vai muito além do produto em si.
ROGERS, SHARP e PREECE (2011) sustentam o Design de Interação para além da
interação do homem-computador, os autores listam itens importantes para se considerar
nesses projetos de design interativos, são métodos que buscam garantir que essas interações
com a tecnologia estejam alinhadas com as expectativas de experiência do ser humano, e não
somente pelas perspectivas de desenvolvimento tecnológico:
Projetar produtos interativos requer considerar quem vai usá-los, como e onde serão
usados. Outra preocupação fundamental é entender o tipo de atividades que as
pessoas estão fazendo ao interagirem com os produtos. A adequação a diferentes
tipos de interfaces e arranjos de dispositivos de entrada e saída dependem do tipo de
atividade para os quais se destinam. Tomar decisões baseando-se no entendimento
dos usuários, envolve, por exemplo:
-Levar em consideração a habilidade das pessoas - no que as pessoas são boas ou
ruins;
-Considerar o que pode ajudar as pessoas no modo que elas fazem as coisas
atualmente;
-Pensar o que tem potencial de proporcionar experiências de qualidade para os
usuários;
-Ouvir o que as pessoas querem e envolvê-las no processo de design;
77
Alan Cooper desenvolveu o Visual Basic que foi comprado por Bill Gates e contribuiu para o sucesso do
Microsoft Windows. É autor de "About Face: The Essentials of User Interface Design" and "The Inmates Are
Running the Asylum", em suas obras faz um cenário distópico se consideramos tecnologia modelada unicamente
por engenheiros de softwares.
78
Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em
30.Agosto.2014
43
-Usando técnicas de experimentação e testes baseadas no usuário durante o processo
de design. (ROGERS, SHARP e PREECE, 201, p.7-8, tradução nossa)79
Em “The Inmates are running the asylum” (2004) Alan Cooper aborda que os
programadores não deveriam construir todo o código e os designers atuarem na interface só
depois que os programas já estivessem prontos, pois o código dita a interação. De fato, ao
desenvolver um software e uma maneira que uma máquina atua em um ambiente, novos
comportamentos serão projetados e é sobre esses comportamentos que os programadores não
possuem insumos para refletir, uma vez que centram seus esforços no produto que estão
desenvolvendo.
A chave para resolver o problema é design de interação antes da programação.
Nós precisamos de uma nova classe de profissional de designers de interação que
projetem a maneira como o software vai se comportar. Hoje, programadores
conscientemente projetam o código dentro dos programas, mas sem atenção devida
projetam a interação com os humanos. Eles projetam o que programa faz, mas não
como ele se comporta, se comunica ou informa. [...]
Programadores não são maus. Eles trabalham arduamente para fazer com que os
softwares sejam fáceis de usar. Infelizmente, o referencial que possuem são eles
mesmos, eles constroem softwares fáceis de ser usados por outros engenheiros de
programação, não para seres humanos normais. (COOPER, 2004, p.16-17, tradução
e grifo nosso)80
Na visão de Cooper essa mudança de paradigma se faz necessária para que a
tecnologia não cerceie os comportamentos humanos. Segundo o autor81, ainda que às vezes
julguemos que as interfaces se comportem de determinada maneira por algum (bom) motivo,
na maioria das vezes, são resultados do pensamento do programador, ou do que é conhecido
79
Designing interactive products requires considering who is going to be using them, how they are going to be
used, and where they are going to be used. Another key concern is to understand the kind of activities people are
doing when interacting with the products. The appropriateness of different kinds of interfaces and arrangements
of input and output devices depends on what kinds of activities are to be supported. For example in deciding
which choices to make by basing them on an understanding of the users. This involves: - Taking into account
what people are good and bad at;/- Considering what might help people with the way they currently do things;/Thinking though what might provide quality user experiences;/- Listening to what people want and getting them
involved in the design;/- Using tried and tested user-based techniques during the design process
80
“The key to solving the problem is interaction design before programming. We need a new class of
professional interaction designers who design the way software behaves. Today, programmers consciously
design the code inside programs but only inadvertenly design the interaction with humans. They design what a
program does but not how it behaves, communicates, or informs. (...) Programmers aren´t evil. They work hard
to make their software easy to use. Unfortunantely, their frame of reference is themselves, so they only make it
easly to use for other software engineers, not for normal human beings.”
81
COOPER, 2004, p.53
44
como ‘herança’82 de software, e que na prática acabam ditando comportamento de seres
humanos.
Muitos programadores se julgam talentosos designers. De fato, muitos deles o são,
mas há uma grande diferença entre projetar para função e projetar para
humanos.
[…]
Eu acredito que nossa incapacidade em resolver problemas usando métodos de
engenharia é a prova de que engenharia não pode resolver o problema. Pedir a
engenheiros para consertar o problema é como pedir para a raposa cuidar da
segurança do galinheiro. (COOPER, 2004, p. 90-92, tradução e grifo nosso) 83
Cooper explica que essa dinâmica cria sistemas complexos, que desequilibra a relação
homem-máquina, pois acaba exigindo que o ser humano pense e se comporte como uma
máquina. Isso porque, no desenvolvimento do software, o programador cria uma lógica
parecida à de seu modelo mental que é muito diferente do das pessoas comuns:
Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens
Para Cooper, os programadores são o ‘homo logicus’, aceitam a complexidade para ter mais controle
das opções possíveis, em contrapartida, o que as pessoas comuns - ‘homo sapiens’ buscam a
simplicidade e abrem mão de controlar em prol disso 84
Produtos digitais geralmente assumem que as pessoas são tecnologicamente
alfabetizadas. Por exemplo, no Word da Microsoft, se uma usuária quer renomear
um documento que está editando, ela deve saber que terá também que fechar o
documento ou usar o “Salvar como..” no menu de comando (e lembrar-se de apagar
o arquivo com o documento antigo). Esses comportamentos são inconsistentes com
a forma como uma pessoa normal pensa sobre renomear alguma coisa; em vez de
82
Acúmulo de decisões unilaterais que compõe uma linguagem de programação orientada a objetos, permite a
evolução das linguagens com base em linguagens anteriores, algumas decisões se propagam no desenvolvimento
de software assumindo proposições dogmáticas.
83
“Many programmers believe themselves to be talented designers. In fact, this is often true, but there is a
tremendous difference between designing for function and designing for humans.[...] I believe that our failure to
solve the problem with engineering methods is proof that engineering methods cannot solve the problem. I´ll go
further and state that engineering methods are one of the root causes of the problem. Asking engineers to fix the
problem is like asking the fox to solve the henhosue security problem.”
84
COOPER, 2004, p.97
45
adequar-se a modelo mental das pessoas, os sistemas exigem que elas passem a
pensar mais de forma análoga a maneira como um computador funciona. (COOPER
et al, 2014, p.5, tradução nossa)85
Com o intuito de criar interfaces mais humanas, Cooper desenvolveu o Processo de
Design orientado a Propósitos86, que parte do entendimento das pessoas para desenvolver um
software. Isso é feito por meio da pesquisa e criação das personas, atividade que requer o
reconhecimento dos propósitos (goals) dessas pessoas. Propósito, segundo ele, é diferente de
atividades e tarefas - que programadores a analistas de usabilidade se acostumaram a focar está relacionado à propósitos finais na vida dessas pessoas enquanto tarefas e atividades são
necessidades eventuais ou intermediárias que as pessoas fazem para atingi-los:
Quando as empresas realmente focam nos usuários, elas tendem em prestar muito
mais atenção nas atividades que engajam os usuários e não prestam atenção
suficiente nos propósitos que as pessoas têm ao realizarem essas tarefas [...]
Propósitos não são a mesma coisa que atividades. Um propósito é uma expectativa
de uma condição final, enquanto tanto atividades como tarefas são passos
intermediários (em níveis diferentes de organização) para ajudar alguém à atingir
seu propósito ou conjunto de propósitos [...]
Muitos desenvolvedores e profissionais de usabilidade ainda abordam o design de
interface questionando-se quais são as tarefas. Ainda que isso entregue o resultado,
isso não irá gerar mais do melhorias incrementais: Isso não é capaz de gerar uma
solução que diferencia seu produto no mercado, e muitas vezes não satisfazem os
usuários de verdade. (COOPER et al, 2014, p.14)87
Modelos de negócios sustentáveis em longo prazo, envolvendo tecnologia, para
Cooper, requer interfaces baseadas no modelo mental das pessoas ao invés de serem guiadas
pelo modelo de implementação88, está é uma condição básica para projetar interações
orientadas à propósitos das pessoas.
85
“Digital products regularly assume that people are tehcnology literate. For example, in Microsoft Word, if a
user wants do rename a document she is editing, she must know that must either close the document or use "Save
As.." menu command (and remember to delete the file with the old name). These behaviors are inconsistent with
how a normal person think about renaming something: rather, they require that a person change her thinking to
be more like way a computer works.”
86
“Goal-Directed Design Process”
87
“When companies do focus on the users, they tend to pay too much attention to task users engage in and not
enough attention to their goals in performing those tasks. (...)Goals are not the same as tasks or activities. A goal
is an expectation of an end condition, whereas both activities and tasks are intermediate steps (at different levels
of organization) to help someone to reach a goal or set of goals.[…] Many developers and usability professionals
still approach interface design by asking what the tasks are. Although this may get the job done, it won´t produce
much more than incremental improvement: It won´t provide a solution that diferentiates your product in the
market, and very often it won´t really satisfy the user.”
88
COOPER et at, 2014, p.19
46
Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação (interface) e
modelo mental (das pessoas). 89
Quanto mais um modelo de representação (interface) aproximar-se do modelo mental
do usuário, mas simples de entender a interface será. Geralmente os modelos de representação
são muito parecidos com os modelos de implementação (lógica do software) o que torna as
interfaces difíceis de serem compreendidas pelas pessoas.
Para ele, o modelo de desenvolvimento onde os programadores refletem e constroem
sobre toda a lógica do sistema e somente depois os designers criam a interface que mediará a
interação desse sistema com as pessoas, falha em requisitos simples como simplicidade e
facilidade de aprendizado por meio do usuário à um sistema, pois:
É muito mais fácil projetar um software que reflita o modelo de implementação. Sob a
perspectiva do programador, é perfeitamente lógico disponibilizar um botão para cada função,
um campo para cada entrada de dados, uma página para cada passo de transação, uma caixa
de diálogo para comando. Mas embora isso reflita adequadamente os esforços de
infraestrutura e engenharia, isso peca em proporcionar mecanismos coerentes para que os
usuários atinjam seus propósitos. No final, o que é produzido aliena e confunde os usuários.
(COOPER et al, 2014, p.17, tradução nossa)90
Uma das técnicas do Design de Interação para centrar o desenvolvimento no ser
humano, é a criação de Personas, primeiro define-se um público para o qual um sistema
deveria ser projetado - para Cooper isso é essencial, pois não há como desenvolver soluções
universalmente e homogeneamente ideais - e posteriormente busca-se atender os propósitos
deste público, inserindo-o no cerne do desenvolvimento do produto. Personas não são pessoas
89
90
COOPER et at, 2014, p.19
“It is much easier to design software that reflects its implementation model. From the developer´s perspective,
it´s perfectly logical to provide a button for every function, a field for every data input, a page for every
transaction step, and a dialog box for every code modelu. But while this adequately reflects the infrastructure of
engineering efforts, it does little to provide coherent mechanisms for a user to achieve his goals. In the end, what
is produced alienates and confuses the user.”
47
reais, mas as representam em um processo de design, são arquétipos hipotéticos de usuários
atuais. (COOPER, 2004,p.124).
Para construir esses arquétipos, o designer entra em contato com a realidade dessas
pessoas, praticando o olhar de pesquisador e observador, convivendo com outro ponto de
vista; a empatia, proporcionada pela vivência com esta realidade, permite que o designer
tenha insumos de considerar os aspectos humanos durante o desenvolvimento de um produto
digital:
Uma das mais ferramentas mais poderosas que os designers trazem à mesa é a
empatia: a habilidade de sentir o que os outros sentem. A exposição direta e
intensiva que pesquisas com usuários adequadas fazem com que o designer
realmente faça uma imersão ao mundo do usuário, e tenham isso em mente antes de
proporem uma solução. Uma das práticas mais perigosas no desenvolvimento de
produtos é separar os designers dos usuários porque isso elimina o conhecimento
empático. (COOPER et al, 2007, p.19, tradução e grifo nosso)91
Saber quais são os propósitos das pessoas e entender porque eles são importantes,
demanda do designer compreender qual é o contexto dessa persona, quais são suas
habilidades, como interagem atualmente com os objetos à sua volta. Segundo Cooper é este
entendimento que permite que uma interface seja de fato a ponte para que as pessoas
alcancem seus propósitos.
Bom design de interação’ faz sentido apenas se for usado em um contexto onde as
pessoas de fato o utilizem para algum propósito. Você não pode ter propósitos sem
ter pessoas. As duas coisas são inseparáveis. Esses são os dois elementos principais
do nosso processo de design orientado à propósitos: propósitos e pessoas. […] A
essência de um bom design de interação é a criação de interações que permitem que
os usuários atinjam seus propósitos práticos sem violar seus propósitos pessoais
(COOPER, 2004, p.149-150, tradução nossa) 92
Uma das formas de caracterizar esse momento da persona seria a construção dos
cenários de contexto, como ‘Day in the Life’ (Um dia na vida), por exemplo, onde se
descreve como é um dia da persona fictícia, quais são os pontos de contato do produto, como
esses pontos deveriam se comportar para que elas atinjam seu propósitos; esse detalhamento
91
“One of the most powerful tools designers bring to the table is empathy: the ability to feel what others are
feeling. The direct and extensive exposure to users that proper user research entails immerse designers in the
user´s world, and gets the thinking about users long before they propose solutions. One of most dangerous
practices in product development is isolating designers from the users because doing so eliminate empathic
knowledge.”
92
‘Good interaction design’ has meaning only in the context of a person actually using it for some purpose. You
cannot have purposes without people. The two are inseparable. That is the two key elements of our design
process are goals and personas - purposes and people.
[...] The essence of good interaction design is to devise interactions that let users achieve their practical goals
without violating their persona goals.
48
de informação é possível à partir de observações e entrevistas com pessoas reais em
momentos de uso específico.
Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers93
Personas além de ser uma ferramenta de entendimento profundo de design centrado no
ser humano tem se mostrado de grande valor como ferramenta de comunicação e alinhamento
estratégico em uma organização94. Quando há conflito de interesses entre marketing, design,
desenvolvimento, sobre para qual ‘usuário’ estão querendo desenvolver um produto, uma
Persona unifica os interesses e faz com que todos falem a mesma língua e trabalhem sob o
mesmo propósito.
O processo de design proposto considera requisitos de negócios e de sistema
(desenvolvimento), e uma etapa de validação e testes com usuários finais:
Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma ponte entre
pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação de técnicas e métodos que
permitam a criação de sistemas mais humanizados95
A crítica que Gasson faz em seu levantamento é que o Design de Interação, mesmo
sendo uma linha de ruptura com as práticas anteriores, continua limitando-se ao computador.
Talvez exatamente porque surgiu em um contexto onde as interações com do homem com o
93
Fonte: http://www.cooper.com/journal/2014/04/inside-goal-directed-design-a-conversation-with-alan-cooperpart-2 Acesso em 30.Agosto.2014
94
COOPER, 2004, p.132
95 COOPER AND REIMANN, 2003.
49
software eram centrais no cenário competitivo. Ela diz que ainda que a abordagem seja
orientada à propósitos, desde o início são mapeadas as interações relacionadas à um produto
tecnológico específico e assim, fica difícil fugir dele.
É um sistema que centra em pensar pessoas, mas na construção de personas,
invariavelmente os estereótipos fazem com que elas sejam consideradas como indivíduos, e
assim muitos detalhes podem ficar invisíveis ao observador no momento da pesquisa. Mas, a
autora não deixa de pontuar que o Design de Interação foi uma mudança no paradigma do
desenvolvimento ao considerando as pessoas no cerne processo, tanto que deu origem à outras
metodologias como Casos de Uso em programação e o método Agile.
O principal output do processo de Cooper são princípios de design de interação que
demonstram como um sistema deveria se comportar ao interagir com as pessoas em diferentes
cenários. Cooper cita Bill Moggridge, sobre como o desenvolvimento tecnológico se pautou
em “ser gentil com os chips e cruel com os usuários”96, o custo da evolução rápida da
tecnologia foi interações onde as pessoas não se reconhecem, não se sentem confortáveis, no
mínimo, não sentem que aquilo foi desenhado para elas. O Design de interação busca ir de
contra essa lógica, por meio da mudança do comportamento do software ao interagir com as
pessoas, indo além da interface: na maneira como os sistemas são construídos (ou
codificados).
Alan Cooper cita características universais que devem estar impressas nos códigos dos
softwares para que lhe confira mais ‘educação’ e assim permita interações mais humanas com
a tecnologia, carregadas de potencial cognitivo:
Software educado é interessado em mim
Software educado é diferenciado para mim
Software educado é para frente
Software educado tem bom senso
Software educado antecipa-se às minhas necessidades
Software educado é responsivo
Software educado é discreto sobre seus problemas
Software educado é bem informado
Software educado é perspicaz
Software educado é autoconfiante
Software educado mantém-se focado
Software educado é flexível
96
“be kind to chips and cruel to user”
50
Software educado dá gratificação instantânea
Software educado é confiável (COOPER, 2004, p.162, tradução nossa97)
A descrição do software educado de Alan Cooper é a descrição de uma máquina
humanizada, ou seja, está em um ecossistema com o propósito de interagir com seres
humanos e por isso busca compreendê-lo e agir com as características correspondentes ao que
se espera dele, e não o contrário.
Para Cooper, “a única coisa mais cara que escrever um software é escrever um mau
software” (2004, p.53), por isso as metodologias por ele propostas, seriam parte da evolução
dos negócios em tecnologia, uma vez que softwares construídos sob pontos de vistas
unilaterais são caros e falham.
É um jogo de entender o que é importante para as pessoas em determinado contexto e
considerar as soluções de negócios e tecnologia que se encaixam dentro do ecossistema. Ele
apresenta esse jogo, pela tríade:
Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo das Pessoas Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper 98
Cooper diz que embora um produto possa ser uma tecnologia de sucesso e um bom
negócio, pode não ter a lealdade de seus usuários, como por exemplo a Microsoft; já a Apple
conseguiu ser um produto que as pessoas amam, mas não é a melhor tecnologia, do ponto de
vista técnico.
97
Polite software is interested on me / Polite software is diferential to me / Polite software is forthcoming / Polite
software has common sense / Polite software antecipates my needs / Polite software is responsive / Polite
software is taciturn about its personal problems / Polite software is well informed / Polite software is perceptive /
Polite software is self-confident / Polite software stays focused / Polite software is fudgable / Polite software
gives instante gratification / Polite software is trustworthy
98
COOPER, 2004, p.73
51
Ainda que equilíbrio dessa tríade seja considerado utópico por algumas vertentes, tem
sido o principal termômetro de inovação, principalmente, se iniciados à partir das
necessidades das pessoas - ‘what people desire’ – “o que as pessoas desejam” no diagrama
acima.
3.2 DESIGN THINKING
Os membros da IDEO como Bill Moggridge99 e Tim Brown100 e a própria d-school101
em Standford popularizaram a intersecção entre design, tecnologia e negócios como modelo
de inovação e Design Centrado no Ser Humano102 representado sob o diagrama de Venn:
Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre desejo das
pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico.103
Para Moggridge, há sempre um enviesamento dependendo da lente sob a qual se
analisa os processos à partir do diagrama. Áreas de pesquisa ou tecnológicas direcionaria a
olhar primeiro a possibilidade de inovação, sob a lente da ‘tecnologia’ e depois de encontrar,
desenvolveria a proposição de negócios para que houvesse um investimento e por último
encontrar o mercado para esta inovação (pessoas interessadas). Já se a análise for feita pela
99
Criador de um dos primeiros modelos de laptop, um dos fundadores da IDEO e diretor do Cooper Hewitt
Design Museum de Nova York, autor de Designing Interactions.
100
Atual CEO da IDEO, autor de Change by Design.
101
Instituto de Design Thiking de Standford. http://dschool.stanford.edu/about/
102
Tradução de Human Centered Design - HCD.
103
Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em
02.Setembro.2014
52
lente de negócios, tende-se a começar vislumbrando primeiro a oportunidade de negócio, e
depois ir atrás da tecnologia e as pessoas para este serviço. Mas, pela lente do design, começase pelas necessidades das pessoas representadas no diagrama, e depois disso buscam-se
soluções para desenvolvê-la por meio de modelos de negócios e tecnologia.
Para explicar a aplicação desta teoria, Bill Moggridge fala de tudo que pode ser
considerado design: de um edifício, a um livro, uma peça de moda, um laptop, uma
decoração, a construção de um espaço, um objeto temos em nossa cozinha até os complexos
artefatos tecnológicos que convivem conosco no dia a dia.104
Como exemplo de bom design, ele apresenta um protótipo futurístico Ultra-Mobile PC
experience da Intel105 onde a experiência com os objetos tecnológicos é pensada em cada
ponto de contato, as pequenas interações, ao final proporcionam um serviço único. Bill
Moggridge explica que cada item dessa experiência é uma oportunidade de design, e, mais do
que performarem uma função específica própria, é importante considerar como eles estão
conectados entre si para proporcionarem uma experiência para alguém.
Como exemplos de mau design ele cita o clássico exemplo dos controles remotos
complexos - forçam as pessoas a executarem tarefas que não estão claras para elas, os passos
são confusos, há uma complexificação da experiência interativa. A sensação que fica é de que
o processo não foi testado com pessoas reais, considerando um momento de uso real.
Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos de televisão isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades estejam claras 106
104
Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em
02.Setembro.2014
105
Intel Ultra-Mobile PC experience (UMPC). Disponível em: http://youtu.be/HrzeiUvDZog. Acesso em
02.Setembro.2014
106
MOGGRIDGE, 2007.
53
Para Moggridge isso acontece porque existe uma separação tecnológica. Há pessoas
desenvolvendo os celulares, pessoas desenvolvendo websites e totalmente desconectado à
isso, pessoas que desenvolvem os softwares e aplicativos para esses celulares.
Para se criar um bom design, Moggridge afirma que é necessário um processo, cujo o
início é entender as pessoas: “Os fatores chave no Processo de Design são o entendimento
das pessoas e a Prototipação”107
Stefanie Di Russo, PhD na Universidade de Swinburne, tem pesquisado quais seriam
as escolas de design108 que deram origem ao Design Thinking, abordagem popularizada pela
IDEO e d-school, e que vem se consolidando em algumas áreas de prática como modelo de
pesquisa, design e inovação nas empresas. Pela evolução da metodologia projetual que a
autora apresenta, é possível visualizar a construção do processo de design centrado no ser
humano ao longo dos anos.
Ela faz o levantamento de teorias que consideravam os fatores humanos na forma de
um sistema projetual de pensamento. Na primeira onda que seria entre os anos 1960 e 1980 ela discorre sobre a teoria de Hebert Simon, da área de inteligência artificial, ele caracterizava
o design como um processo cujo objetivo era melhorar os ambientes artificiais até chegarem
ao nível de “ambientes preferidos” 109. Para ele, o mundo é uma construção artificial, repleta
de objetos não naturais criados pelo homem, nem o cérebro humano nem os computadores são
capazes de compreender as complexidades desse ambiente; então o que o designer deve fazer,
por meio de um processo, é buscar a satisfação, testando as soluções até encontrar o modelo
mais satisfatório (prototipação e teste). Para isso é necessário compreender as diferenças entre
os stakeholders, e como os problemas são entendido por eles, o processo tem que ser aberto e
envolvente, sem objetivos finais pé definidos, é um processo vivo.
Também na década de 70, Victor Papanek, designer industrial, começou a desenvolver
as teorias do design sustentável. Em sua obra “Design for the real world: human ecology and
social change” de 1972 ele fala que “projetos de design recentes tem satisfeito apenas
necessidades passageiras e desejos, enquanto as verdadeiras necessidades do homem são
107
“The Key factors in the Design Process are Understanding People and Prototyping” In: Bill Moggridge. What
is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014
108
Stepnanie Di Russo. A brief history of design thinking. Disponível em
<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/03/31/a-brief-history-of-design-thinking-the-theory-p2/> Acesso em
10.Setembro.2014.
109
“preferred ones”
54
frequentemente negligenciadas” 110 - ele também buscava uma simplificação da
complexidade do mundo por meio do design das coisas do mundo.
Na segunda onda, de teorias que datam entre os anos 1980 e 1990, ela apresenta
Richard Buchanan, que de fato usa o termo ‘design thinking111’: “Design Thinking é restrito a
algumas pessoas que praticam a disciplina com insights diferenciados e algumas vezes
avançam para novas áreas e aplicações inovadoras” 112 (BUCHANAN 113apud DI RUSSO,
tradução nossa). E a forma como define design é próxima do que o design thinking da IDEO e
a prática de design de serviços buscam:
Design está diretamente envolvido com:
1.
Comunicação simbólica e visual
2.
O design de objetos materiais
3.
Atividades e serviços organizacionais
4.
O design de um ambiente complexo para viver, trabalhar, jogar e aprender.
(BUCHANAN apud DI RUSSO, tradução nossa) 114
Outra grande referência de modelo projetual que teria originado o Design Thinking,
segundo Di Russo, seria o Design Participativo - Participatory Design – um modelo
considerado político - o cerne de sua ideologia está na democracia clássica, desde Platão, que
busca o desenvolvimento de uma sociedade harmônica por meio do envolvimento das pessoas
que fazem parte dela. Segundo Paizan e Mellar115, este modelo surgiu nos países Escandinavos
na década de 1960, em discussões sobre como as práticas de design democráticas poderiam
ser introduzidas no setor industrial. Nos anos 80, segundo Di Russo, o desenvolvimento do
design participativo foi mesclando-se ao design de interação, ao ser integrado em sistemas de
desenvolvimento tecnológico.
110
“recent design has satisfied only evanescent and desires, while the genuine needs of man have often been
neglected.”
111
Design Thinking pode ser traduzido como “modelo de pensamento do design” ou “pensar como o designer”,
mas neste estudo, vamos manter a grafia original tal qual é conhecida e usada no mercado brasileiro.
112
“Design thinking is mastered by a few people who practice the discipline with distinctive insight and
sometimes advance in to new areas of innovative application.”
113
BUCHANAN, 1998. p.8
114
Design is directly envolved: 1. Symbolic and visual communication / 2. The design of material objects / 3.
Activities and organized services / 4. The design of complex systems or environments for living, working,
playing and learning
115
PAIZAN, D. C.; MELLAR, H. G. Envolvendo os alunos no design de tecnologia educacional: aprendendo
com o design participativo. Estudos Linguísticos e Literários: saberes e expressões globais, Foz do Iguaçu, 2011.
apud CAMARGO E FAZANI, p.140
55
Assim como o Design Thinking, este modelo procurar integrar todos os envolvidos no
ciclo de vida de um produto na concepção de novas soluções e transformações do mesmo.
CHICK E MICKLETHWAITE descrevem o design participativo como uma abordagem
focada nos processos e procedimentos de projetar em busca de modelos sustentáveis:
Para alguns, essa abordagem tem uma dimensão política de empoderamento do
usuário e democratização do design. Praticantes do design participativo
compartilham a visão de que cada participante do projeto é um especialista no que
faz, todos possuem informações valiosas do que podemos aprender e a voz de todos
precisa ser ouvida. Passar tempo com os usuários em seus ambientes, ao invés de
projetar abstratamente em outro espaço, é uma importante parte do desing
participativo […]
O design participativo se propõe a envolver todos os interessados (empregados,
consumidores, cidadãos usuários finais) no processo de design, o objetivo é
assegurar que a solução final atenda às necessidades atuais e seja utilizável para o
público alvo. (CHICK E MICKLETHWAITE, 2011, p.45-47, tradução e grifo
nosso)116
Este modelo também é apresentado no estudo de Susan Gasson117 sobre as abordagens
centradas nos usuários versus as abordagens centradas no ser humano, como já vimos
anteriormente, ela explica que as abordagens centradas no ser humano, em uma visão
sociológica, consideram que dois sistemas competem e se complementam: o sistema social
formado pelas interações, atividades, necessidades, propósitos e conhecimentos humanos e o
sistema técnico formado pelos processos tecnológicos e de produção, gerenciados por
indicadores de desempenho118, cabe aos processos centrados no ser humano equilibrar essas
forças para o lado social:
A perspectiva socio-técnica é mais evidente na literatura que analisa a prototipação e
o design participatório. Essa área de prática se atenta explicitamente para negociar
com “mundos múltiplos”. […] Nos sistemas de informação os interessados estão
em uma posição podem negociar seus requerimentos do SI em cerca de um
projeto de design – o protótipo do sistema de Tecnologia da Informação, ou
protótipo do sistema de trabalho. (GASSON, 2003, p.34, tradução nossa) 119
Desenvolvimento participativo tem maior potencial de ser politicamente disruptivo e
controverso do que as formas tradicionais de desenvolvimento de sistemas (não
116
For some, this approach has a political dimension of user empowerment and design democratization.
Participaroty design practioniers share the view that every participant in a project is an expert in what they do,
has valuable insights we can learn from and has a voice that needs to be heard. Spending time with users in their
own enviromments, rather than working on a project abstractly in another space, is another important part of the
participatory design. […] participatory design attempts to actively involve all stakeholders (employees,
customers, citizens end-uses) in the design process, with the aim of ensuring that the end solution meets actual
needs and is usable by intended audience.
117
GASSON, 2003
118
ibidem, p.31
119
“The socio-technical perspective is most apparent in the literature analysis of prototyping and participatory
design. This area of work explicitly attempts to deal with the "multiple worlds"[…] Information System
stakeholders are placed in a situation where they can negotiate their requirements of an IS around a design
exemplar - a prototype Information Technology system, or a prototype work-system.”
56
participativa), porque envolvem uma ampla variedade de interesses, diferentes
objetivos e perspectivas sobre a forma que a organização deveria funcionar e sobre
como as responsabilidades mudariam. (Howcroft and Wilson, 2003; Winograd, 1996
apud GASSON, 2003, p.34, tradução nossa)120
Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo 121
Design Centrado no Usuário, para Di Russo é uma evolução do Design Participativo,
nas décadas 80-90, criada por Donald Norman. Segundo a autora, o Design Participativo
algumas vezes falhava em considerar as intenções e desejos das pessoas e inclui-las no
processo, por meio do Design Centrado no Usuário, Norman devolveu esse controle às
pessoas, deixando ‘as coisas visíveis’, criando metodologias que buscavam garantir que as
necessidades dos usuários fossem vistas e atendidas.
O Design de Serviços evoluiu na parte do entendimento do ambiente como um todo,
uma vez que buscava não apenas observar e testar uma parte da interação, mas entender como
e o que as pessoas fazem com um produto (ou serviço), na sua jornada e experiência de
contato com os mesmos. Além disso, o design de serviços procura incluir não apenas os
usuários finais, mais todos os interessados envolvidos no processo, numa perspectiva
holística.
Então, nos anos 90 começam as abordagens de Design Centrado no ser Humano
(DCH), considerando design como uma forma de pensamento, que se propõe humanizar os
processos, produtos e serviços, criando empatia com os interessados.
120
“Participatory development has more potential to be politically disruptive and contentious than traditional
(non-participatory) forms of system development, because it involves a wide variety of interests, with differing
objectives and perspectives on how organizational work and responsibilities should change”
121
Disponível em <http://participateindesign.org/about/participatory-design/> Acesso em 10.Setembro.2014.
57
Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O segundo, busca o
empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e co-criativo.122
Para resumir as linhas de pensamento e metodologias projetuais que chegaram ao
Design Thinking como Design Centrado no Ser Humano, Di Russo ilustrou as evoluções de
forma circular, e segundo ela, o design thinking como prática e processo de design tende para
ser analisado também cientificamente, como exemplo ela mostra os estudos que os relaciona a
outras áreas, como alguns feitos em Standford.123
122
Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em
<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-cameto-be/> Acesso em 10.Setembro.2014
123
Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em:
<http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014.
58
Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design thinking como
modelo de pensamento projetual na contemporaneidade 124
“Todos os homens são designers” disse Victor Papanek (1984, p.3, tradução nossa)125,
quando sustentava que de alguma forma toda a sociedade tem a responsabilidade sobre o
mundo que está sendo criado. O Design Thinking não diz que todos os homens são designers,
mas que todos são capazes de se apropriar do modo de pensamento dos projetistas para
inovar e buscar novas soluções. Dentro do universo do design thinking o design é uma
atitude, não uma profissão, o design não pertence apenas aos designers126.
124
Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em
<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-cameto-be/> Acesso em 10.Setembro.2014
125
“All men are designers”
126
CHICK e MICKLETHWAITE, 2011.
59
Tim Brown, a partir de um artigo da Harvard Business Review127 começou a
popularizar os métodos do design thinking como forma de resolver problemas e criar
inovações capazes de mudar o mundo. Segundo ele, é uma abordagem que pode integrar
economia e tecnologia, mas começa sempre com uma necessidade humana, ou algo que pode
vir a ser. O que faz a vida das pessoas mais fácil? O que faz a tecnologia mais útil e mais
utilizável?128
É uma evolução da ergonomia, fatores humanos e usabilidade, pois não se trata apenas
de colocar os botões no lugar certo, mas também compreender a cultura e o contexto antes
de começar a ter ideias.129
De resolvedor de problemas à definidor de problemas […] As ideias por trás do
design thinking surgiram de métodos que são comuns à todas as áreas do design,
seja industrial, gráfico, de interiores ou qualquer outra profissão de design. Opera do
princípio básico que constitui o processo que talvez possa ser expressado como: o
modo como os designers abordam os problemas para alcançar as soluções.
Designers frequentemente veem a si mesmos como resolvedores de problemas mais
do que farejadores de problemas. Projetos de sucesso, entretanto, vêm de um
entendimento profundo do problema que requer solução, chegando ao ponto de
estender ou reconfigurar o problema em si. Os designers mais bem sucedidos tentam
descobrir as premissas inerentes a configuração de um problema, e exploram novas
maneiras de pensar sobre o problema em si. (CHICK and MICKLETHWAITE,
2011, p.38-39, tradução nossa)130
Para pensar como um designer, Tim Brown lista algumas características que as
pessoas precisam desenvolver para aplicar no processo de Design Thinking: 1) Empatia:
capacidade de imaginar o mundo a partir de diferentes perspectivas. Colocando as
sempre pessoas em primeiro lugar, consegue pensar em soluções que surgem das necessidades
do outro, estejam ela explícitas ou latentes. 2) Pensamento Integrado: Conseguir enxergar
as múltiplas facetas de um problema (não apenas isso ou aquilo), dessa forma são capazes
de criar soluções que vão além de apenas melhorias das soluções existentes. 3) Otimismo:
Assume que não importa o quanto desafiador possa parecer um problema, sempre haverá
soluções melhores do que as existentes. 4) Experimentalismo: O espírito do designer
127
BROWN, Tim.Design thinking. Harvard Business Review, June, 2008. p.84-95
128
Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em:
http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014
129
130
ibidem
A From problem-solving to problem setting.[…]The ideas behind design thinking emerged from methods that
are common to nearly all design fields, be it industrial, graphic, interior or any design profession. These basic
operating principles constitute a process that might be expressed most simply as: the way designers approach
problems and achieve solutions. Designers often think of themselves as problem-solvers rather than problemfinders. Sucessful design outcomes, however, come from a deep understanding of the problem requiring
solution, even to the extent of reframing the problem itself. The most successful designers attempt to uncover the
assumptions in as given statement of a problem, and to explore new ways of thinking about the problem itself.
60
thinker é de sempre buscar novas maneiras e outras direções para resolver problemas. 5)
Colaboração: Com a complexidade crescente de produtos, serviços e sistemas, ficou comum
o mito do designer genial, as melhores equipes de inovação, no entanto , são
multidisciplinares e formadas por profissionais que tem facilidade de construir soluções de
maneira colaborativa.131
A missão do Design Thinking, segundo Brown, é traduzir as observações de como as
pessoas interagem com produtos, serviços ou ambientes - considerando fatores cognitivos e
emocionais - em insights e transformar esses insights em novos produtos, serviços ou
ambientes. Busca satisfazer tanto necessidades quanto os desejos das pessoas, explícitos e
latentes. Segundo Brown132, geralmente é a conexão emocional com produtos e serviços que
engaja as pessoas, casos de sucesso tem um apelo ao mesmo tempo funcional e emocional,
“eles cumprem seu papel e as pessoas os amam” (BROWN, 2008, p.92, tradução nossa)133
O processo de Design Thinking consiste em aplicar o pensamento convergente e
divergente, em diferentes momentos, que Brown refere como ‘criar escolhas’ e ‘fazer
escolhas’, aprender sobre a solução construindo-as (“learning by doing”), por isso é tão
importante a prototipação das ideias e teste com as pessoas.
Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em
determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se escolhas134
Segundo Mark Schar, neurocientista que faz uma análise da metodologia processual
do Design Thinking135, a parte do cérebro que faz os humanos tomarem as decisões não é
131
“Designer Thinker´s Profile” no artigo da HBR - BROWN, 2008, p.86
132
BROWN, 2008, p.92
133
“they do the job and we love them”
134
BROWN, 2009, p.67
61
ligada totalmente à linguagem, de alguma forma a parte ligada à emoção no cérebro,
sentimentos e sentidos inconscientes, influenciam fortemente nas ‘boas’ decisões. Por isso, é
importante invocar o lado emocional, buscar a empatia, o lado humano, a inteligência
emocional e criatividade também nos momentos convergentes do processo. Não é só uma
questão de resolver o problema, segundo ele, mas resolver o problema certo.
A criatividade como qualidade do design para criar oportunidades e fazer escolhas é
citada também por Bill Buxton:
Design é uma escolha, e há dois momentos onde se tem espaço para a criatividade:
1.
a criatividade que você traz enumerando opções sifnificativas para escolher
2.
a criatividade que você traz por definir os critérios, as heurísticas, de acordo
com as quais você faz as escolhas. (BUXTON, 2007, p.145, tradução nossa) 136
Considerando o processo de design thinking propagado pela IDEO e d-school, existem
três etapas principais, que Brown chama de Inspiração (Hear-Entender), Ideação-(CreateCriar) e Implementação (Deliver-Prototipar e Entregar).
Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas básicas: entender,
criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o problema a ser resolvido), idear sobre
possíveis soluções para este problema, criar protótipos das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções
mais refinadas.137
Design thinking como um processo exploratório. Design thinkers sabem que não há
resposta certa para o problema. Em vez disso, eles argumentam por meio de
sequências não lineares, um processo de design iterativo chamado inspiração,
135
Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em:
<http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014.
136
Design is choice, and there are two places where there is room for creativity: 1. the creativity that you bring to
enumerating meaningfully distinct options from which to choose. 2. the creativity that you bring to defining the
criteria, or heuristics, according to which you make your choices.
137
Visualização do modelo de design thinking da d-school de Standford, disponível em:
<http://designthinking.co.nz/> Acesso em 12.Setembro.2014.
62
ideação e implementação, o processo de design converte problemas em
oportunidades. (BROWN apud KIMBELL, 2011, p.294, tradução e grifo nosso) 138
Este processo não é totalmente linear e as primeiras etapas são marcadas por
incertezas, que são exatamente as experimentações e busca de soluções não comuns para os
problemas, por meio de um entendimento das pessoas.
Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de design de
Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de clareza e foco, adaptação
feita por Verena Pessim139
As primeiras etapas são momentos exploratórios, onde não é necessário ter certezas,
mas sim buscar fazer as perguntas certas. É o momento de compreender as minúcias do
ambiente e definir o problema que deve ser resolvido. Para fazer design centrado no ser
humano, Bill Moggridge140 diz que é necessário fazer design para os outros, e para isso há
muitas técnicas para ENTENDER o outro, é necessário observar, entrar em seu mundo,
provavelmente muitas de suas necessidades as pessoas não vão expressas em uma entrevista
(ou em um teste de usabilidade), é preciso observar como as pessoas fazem e usam as
coisas em suas volta, no contexto real, para ter EMPATIA é necessário preciso que o
138
BROWN, Tim. Change by design , 2009.“Design thinking as an exploratory process. Design thinkers know
there is no right answer to a problem. Rather, he argues through following the non-linear, iterative design
process that he calls inspiration, ideation, and implementation, the design process can convert problems into
opportunities.”
139
140
Arquivo pessoal. Confira: www.verenapessim.net
Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em
02.Setembro.2014
63
designer e o pesquisador sintam como as coisas funcionam, interajam com elas, testando,
sempre que possível.
No kit de ferramentas da IDEO141 esta etapa é descrita como momento de identificar
um desafio estratégico para o projeto, para isso é preciso determinar quem vai ser
abordado, ganhar empatia, colher histórias, interagir com as pessoas, ouvir propósitos,
objetivos, observar a realidade, buscar um entendimento profundo das necessidades, barreiras
e restrições. São utilizados métodos qualitativos como imersões contextuais, entrevistas em
profundidade, entrevistas em grupo, entrevista com especialistas, diários de jornada,
descobertas guiadas pela comunidade.142
A próxima etapa seria CRIAR, definir objetivos: é um processo intermediário de
síntese e interpretação das informações com o filtro do desejo e necessidade das pessoas em
mentes. Na análise, os dados são organizados e agrupados, identificam-se padrões, são
definidas oportunidades para criar soluções, direções estratégicas e soluções tangíveis para
problemas encontrados, ainda não definidos completamente do ponto de vista tecnológico ou
de negócios. São feitas estruturas visuais de análise como diagrama de venn, mapa processual,
e matrizes.
141
IDEO. HCD - Human Centered Design: Kit de ferramentas. 2.ed. s.d. Disponível em: <https://hcd-connectproduction.s3.amazonaws.com/toolkit/en/portuguese_download/ideo_hcd_toolkit_complete_portuguese.pdf>
Acesso em 10.Setembro.2014.
142
IDEO, ibidem, p.29
64
Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design Thinking 143
Na criação são identificadas áreas de oportunidade a partir de onde se iniciam
brainstorms de novas soluções e as ideias são representadas por meio de storyboards ou
protótipos. O objetivo dos protótipos, segundo Brown (2008, p.87), não é ser definitivo, o
propósito seria aprender sobre as forças e fraquezas de uma solução e identificar novas
direções que o protótipo pode tomar, por isso ele não precisa ser complexo e caro, mas sim
representar como um novo produto, sistema ou serviço interagiria em um sistema para
entender como ele resolveria algum problema.
Protótipos são para ser testados com as pessoas, David Kelley144 afirma que design
centrado no ser humano envolve projetar comportamentos e personalidades nos produtos,
143
IDEO, s.d., p.70
65
e por isso, a IDEO substituiu protótipos em 3D por protótipos em movimento, que buscavam
simular a experiência do homem com a tecnologia, é o feedback desta interação que um
teste com protótipos no Design Thinking busca trazer.
A última etapa seria a IMPLEMENTAÇÃO, o objetivo é tornar as soluções viáveis,
aplicando a lente de negócios e tecnologia. Tim Brown145 diz que é o momento de combinar
ideias de incrementais de resultados a curto e médio prazo, e ideias inovadores de
desenvolvimento e impacto em longo prazo.
Para David Kelley146, a mediocridade é o preço mais caro que uma empresa pode
pagar, a inovação traz novas perspectivas, novas formas de ganhar dinheiro - é o equilíbrio de
explotation e explorarion147. Segundo ele:
As empresas vivem dentro da caverna do mito de Platão. Os executivos passam
horas em frente a um computador e falam com as mesmas pessoas. Eles só veem
sombras, não a realidade. Em vez de ir a mais uma reunião, deveriam estar na rua
com quem usa o produto ou serviço que oferecem.
É no campo que as grandes ideias surgem. As empresas costumam ter uma grande
ideia e depois vão procurar entender como as pessoas lidaram com ela. Quando
começamos um projeto pelo lado humano, não precisamos estudar se as pessoas
vão querer aquilo, porque tudo já partiu do desejo de quem usará.
(KELLEY, 2014, entrevista, grifo nosso) 148
Para Tim Brown, a mudança proporcionada pelo design thinking é a mudança do
próprio mundo que vivemos, ao centrar os projetos nos seres humanos, o próprio ambiente se
transforma:
Hoje nós temos a oportunidade de liberar o poder do design thinking como um meio
de explorar novas possibilidades, criar novas escolhas, e trazer novas soluções para
o mundo. No processo, nós podemos acabar descobrindo que nossa sociedade está
mais saudável, nossos negócios estão mais lucrativos e nossas próprias vidas estão
mais ricas e significativas. (BROWN apud CHICK e MICKLETHWAITE, 2011,
p.35, tradução nossa)149
144
David Kelley - Human-centered design. Disponível em:
<http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014.
145
BROWN, 2008, p.91
146
Quer inovar? Vá para a rua. Entrevista com David Kelley Revista Exame.03.Maio.2014. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1064/noticias/quer-inovar-va-para-a-rua?page=1> Acesso em
12.Setembro.2014
147
James G. March (1991) Exploration and exploitation in organizational learning, Apud. Kimbell, 2011, p.294.
148
Entrevista Revista Exame, op. cit.
149
BROWN, Tim. Change by design, 2009, p.230 - “Today we have opportunity... [to] unleash the power of
design thinking as a means of exploring new possibilities, creating new choices, and bringing new solutions to
the world. In the process, we may find that we have made our societies healthier, our business more profitable,
and our own lives richer and more meaningful”
66
Bill Moggridge afirma que a próxima expansão no design é da criação para
indivíduos para o design de ambientes e o design do mundo em que vivemos, de forma
mais ampla. Os produtos pessoais expandem-se para saúde e bem estar, vendo as pessoas de
uma forma mais completa, holística, ao mesmo tempo é cada vez maior a busca por um
design que consiga impactar a sociedade, que traga mudanças sociais significativas, o design
está chegando para pessoas e áreas que até então eram desconsideradas.
Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social e para o meio
ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social 150
Tanto David Kelley151 como Tim Brown152 comentam sobre o movimento de inovação
social que a IDEO se propõe a fomentar, o próprio Kit de Ferramentas153 foi pensado para
desenvolver projetos em países em desenvolvimento, que busquem a sustentabilidade para
pessoas na base da pirâmide, que vivem com menos de 2 dólares por dia.
Na visão de Moggridge, sustentabilidade antes era associada a selecionar materiais
biodegradáveis, isso continua sendo necessário, mas há um entendimento global que emerge
sobre a sustentabilidade como um contexto de expansão de sociedade humana.
O Design Thinking estabelece-se do princípio ao fim como uma abordagem projetual
centrada no ser humano, as críticas que rondam esse modelo residem em dois pontos, um,
como aponta Gasson é a dificuldade na prática dos modelos de design participativo, como
o design thinking, realmente considerarem a visão de todos os interessados, uma vez que
150
Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em
02.Setembro.2014
151
David Kelley - Human-centered design. Disponível em:
<http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014.
152
Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em:
http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014
153
IDEO, 2.ed. s.d.
67
os projetos são submetidos a interesses de outras lentes. “Visão dos usuários são
frequentemente inaquedamente representadas por restrição de custos, ou falta de apreciação
da importância da perspectiva dos usuários” (Cavaye, 1995 Apud Gasson, 2003, p.35,
tradução nossa)154 - as escolhas de quais usuários vão participar e mesmo o escopo do novo
sistema são sempre submetidos à uma organização. E, por outro lado, alguns críticos tratam
da dificuldade de prototipação de algumas equipes de design, que muitas vezes não chegam
até esta fase do processo, um problema de aplicação metodológica.
Para inovar realmente é preciso amadurecimento cultural da organização que utiliza o
Design Thinking, como Alan Cooper155 disse, a maior contribuição que o design centrado no
ser humano pode dar uma organização é incentivá-la à quebrar as regras existentes, ir além,
transpor as fronteiras.
3.3 MARKETING 3.0
Gary Hamel156 e um grupo de pensadores e executivos como C.K. Prahlad157, Peter
Senge158, John Mackey (Whole Foods), Tim Brown (IDEO) e outros se reuniram no final de
2008 para falar sobre os novos rumos dos negócios frente às emergentes mudanças
econômicas e sociais, eles lançaram uma lista com 25 desafios para que as empresas
tornarem-se relevantes neste novo cenário, no que seria chamado de administração 2.0., com
propostas em longo prazo.
As ideias foram reunidas sob um artigo da Harvard Business Review159 entitulado
“Moon Shots for management” - “Metas na Lua para Gestão”, primeiro desafio listado seria
154
“User views are often inadequately represented because of cost constraints, or a lack of appreciation of the
significance of users' perspectives”
155
Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em
30.Agosto.2014
156
Especialista em administração, autor de bestsellers como "Liderando a revolução", "O futuro da
administração" e "Competindo pelo futuro" (escrito em parceria com C.K. Prahalad)
157
Doutor em Administração por Harvard, professor titular de estratégia corporativa do programa de MBA da
Universidade de Michigan, conselheiro do governo indiano para empreendedorismo. Autor de “The
multinational mission: balancing local demands and global vision”, “Competindo pelo futuro”, com Gary
Hamel, “O futuro da competição” e “A riqueza na base da pirâmide”
158
159
Autor de “A quinta disciplina”, sobre aprendizado e aprimoramento das organizações.
HAMEL, Gary. Moon Shots for management. Harvard Business Review. Fev.2009. Disponível em:
<http://www.denewnormal.nl/wp-content/uploads/2013/02/plugin-MoonShotsForManagementGaryHamel2.pdf> Acesso em 12.Setembro.2014.
68
“Assegurar que a administração sirva à um propósito maior”160 (GARY, 2009, p.2, tradução
nossa), isto é, a gestão do futuro deve se voltar para metas nobres, socialmente significantes e
relevantes.
O propósito tem sido considerado o quinto “P” do Marketing, se integrando aos 4
tradicionais (Praça, Preço, Produto, Promoção), isso porque, cada vez mais, os valores
propagados pela empresa afetam inclusive a percepção da marca pelos consumidores.161
Em uma perspectiva menos ampla, a edição de Julho-Agosto de 2014 da Harvard
Business Review162 abordou o reposicionamento do marketing na atual conjectura
socioeconômica, segundo ARONS e WEED (2014) a forma como os profissionais de
marketing envolvem-se com seus clientes mudou profundamente,163 são necessárias cada vez
mais habilidades como capacidade de promover o insight dos clientes finais, comunicar
objetivos sociais e proporcionar experiências diferenciadas, as empresas utilizando dados
dos consumidores de maneira mais refinada conseguem aproximação mais efetiva com seus
público.
Saber o que o consumidor está fazendo, onde e quando, é atualmente a grande
cartada. Em nosso estudo, profissionais de alto desempenho se distinguem por sua
capacidade de integrar informação sobre o que os clientes estão fazendo com por
que estão fazendo, o que leva a novos insights sobre as necessidades do cliente e
qual a melhor forma de satisfazê-las. Esses profissionais entendem as necessidades
básicas dos clientes — como o desejo de ter sucesso, encontrar um companheiro (a)
e alimentar um filho —, motivações que chamamos de “verdades humanas
universais”. (Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e
WEED, 2014, s.n., grifo nosso)
Em outro artigo da mesma edição - “Desvende os mistérios do relacionamento com o
cliente” - Fournier, Wittenbraker e Avery abordam a complexidade nos CRM´s164 das
empresas ao utilizarem dados dos usuários para gerarem interações significativas com os
clientes. Por mais informações que estejam disponíveis por meio dos softwares de
processamentos de dados, falta inteligência relacional, ou seja, entender o que o cliente
160
“Ensure that the work of managmente serves a higher purpose”
161
Relatórios da Edelman sobre percepção dos consumidores revela que o propósito social da marca é um fator
de decisão no momento de compra, cada vez maior. Disponível em:
<http://www.repensecomunicacao.com.br/blog/proposito-o-quinto-%E2%80%9Cp%E2%80%9D-demarketing/> e <http://purpose.edelman.com/slides/introducing-goodpurpose-2012/> Acesso em
12.Setembro.2014.
162
Pensa - Sinta - Faça: Os novos princípios do marketing. Harvard Business Review. Julho-Agosto de 2014.
Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/revista/julho-2014>. Acesso em 13.Setembro.2104
163
Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e WEED, 2014.
164
Customer relationship management - Área de Gestão de Relacionamento com o Cliente
69
espera da marca - qual é a promessa que eles ‘compraram’ - qual é a expectativa desse
relacionamento. Na verdade há uma pluralidade de relacionamentos possíveis e as minúcias
vão se adequar à essas expectativas e ao propósito das pessoas ao envolver-se com a marca
por meio de um produto ou serviço, e, os aspectos funcionais e emocionais dessa relação
determinam também se ela pode ser desde ‘amigos’ até ‘conhecidos’.
Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas com os
clientes165
Uma profissional liberal altamente influente, reconhecida por um varejista online
como uma cliente fidelizada, tenta repetidamente explicar por que está frustrada com
a política da empresa de exigir sua assinatura na entrega de mercadorias, que
inevitavelmente chegam no meio do dia, quando ela não está em casa. A ideia de
que a empresa deseja manter um estreito relacionamento com ela é frustrada por
interações inúteis com executivos que se recusam a flexibilizar essa prática. Um
deles finalmente faz uma tentativa inócua de “resolver” o problema oferecendo-lhe
um vale-brinde de US$ 200. Ela acaba cancelando um novo pedido no valor de US$
7 mil. (FOURNIER, WITTENBRAKER e AVERY, 2014, s.n.)
Segundo os autores, as empresas precisam se empenhar em entender o tipo de
relacionamento que é esperado e mesmo o tipo de relacionamento que ela quer instigar e a
partir disso envolver as pessoas por meio da experiência com toda a cadeia de contato com o
produto e serviço. Eles citam o exemplo do Pinterest166, que encontrou formas de evoluir no
relacionamento com os usuários por meio da evolução do valor proporcionado pela
experiência de interação com o produto, primeiro um relacionamento de ‘casos passageiros’,
onde as pessoas descobriam coisas novas aleatoriamente, depois passando a ‘conhecidos
165
Fournier, Wittenbraker e Averym., HBR, 2014
166
Rede social de compartilhamento de imagens. http://www.pinterest.com/
70
fortuitos’ quando encorajava as pessoas a se conectarem com outros usuários por meios de
interesses em comuns, e, a medida que expandem suas conexões no sites, o relacionamento
muda de ‘conhecidos casuais’ para ‘colegas de turma’.
Relacionamentos com os clientes, para os autores, tem que ser entendido com um
bem de longo prazo, e ainda segundo o estudo de Arons e Weed marcas fortes oferecem
vantagens funcionais - harmonia entre o que o cliente compra e a marca produz, vantagens
emocionais - como a marca satisfaz as necessidades emocionais dos clientes e vantagens
sociais: como ela contribui para a sustentabilidade do ecossistema.
Em “Marketing 3.0.”, Philip Kotler (2010) desenvolve o conceito do marketing
centrado no ser humano, que segundo ele ganha relevância com a nova ordem econômica
mundial e a ascensão do mundo digital.
Segundo Kotler (2010), a primeira onda do marketing, o Marketing 1.0. era centrado
no desenvolvimento do produto, tinha uma característica funcional, a interação era de um
para um, era o marketing vigente na era industrial, os produtos buscavam atingir o mercado de
massa e eram padronizados e produzido em escala, buscando reduzir custos de produção.
Kotler, para resumir essa fase do marketing centrado no produto usa a frase de Ford “O carro
pode ser de qualquer cor, desde que seja preto” 167.
A segunda onda do marketing veio na era da informação com a difusão dos meios de
comunicação e das tecnologias de informação, é Marketing 2.0., voltando para satisfazer e
reter consumidores. Caracteriza-se por uma conexão do funcional com o emocional, a
interação agora é de relacionamento de um para um, como apontado Fournier, Wittenbraker e
Avery, a frase desta fase para Kotler se resume em “o cliente é rei”, busca-se atender a
necessidades e desejos dos consumidores, o profissional de marketing precisa segmentar o
mercado e desenvolver um produto superior para o mercado-alvo específico, é o marketing
que almeja atingir a mente e o coração do consumidor.
A emergência do Marketing 3.0. vem com a ascensão do marketing voltado para
valores, como apresentado por Hamel (2008). O Marketing 3.0. é aquele onde a empresa
coloca as questões culturais no âmago do seu modelo de negócios (KOTLER, 2010, p.18),
e essas demonstram preocupação com a comunidade ao redor, de consumidores, parceiros,
fornecedores, acionistas, a interação se caracteriza como colaboração de um para muitos. É
167
FORD apud KOTLER, p.4
71
quando a abordagem muda de centrada no consumidor para centrada no ser humano, o
consumidor é visto como ser humano pleno, dotado de mente, coração e espírito:
Cada vez mais os consumidores estão em busca de soluções para satisfazer seu
anseio de transformar o mundo globalizado num mundo melhor. Em um mundo
confuso, eles buscam empresas que abordem suas mais profundas necessidades de
justiça social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores Buscam não
apenas satisfação emocional, mas também satisfação espiritual, nos produtos e
serviços que escolhem. (Kotler, 2010, p.4, grifo nosso)
Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0 168
Kotler situa o Marketing 3.0. com o que ele chama de nova onda da tecnologia da
informação, que tem se disseminado desde o início dos anos 2000 e permite a “conectividade
e interatividade entre indivíduos e grupos. A nova onda da tecnologia é formada por três
grandes forças: computadores e celulares baratos, internet de baixo custo e fonte aberta”.
(KOTLER, 2010, p.7). Também chamada era da ‘participação’, assiste-se à liberação do pólo
emissor, agora os consumidores também são produtores; com as mídias sociais, os
consumidores passaram a influenciar uns aos outros com suas opiniões e experiências
(KOTLER, 2010, p.9), e dessa formam desempenham um papel ativo na criação do valor
das empresas.
168
Kotler, 2010, p.6)
72
Outro ponto levantado pelo autor é o paradoxo da globalização e do marketing
cultural, segundo ele, a tecnologia impulsionou a globalização e a economia interligada,
criando uma cultura global universal ao mesmo tempo, uma vez que não é uma força
uniforme e é marcada pela desigualdade e fortalece também culturas tradicionais locais.
Para desenvolver uma campanha culturalmente relevante, os profissionais de
marketing precisam entender um pouco de antropologia e sociologia. Devem ser
capazes de reconhecer os paradoxos culturais que talvez não estejam óbvios. Isso é
difícil, pois os paradoxos culturais não são algo sobre o qual as pessoas
normalmente conversem. Os consumidores afetados pelas campanhas culturais são
maioria, mas são uma maioria silenciosa. Sentem o paradoxo, mas não os
confrontam, a não ser que uma marca cultural os aborde. (KOTLER, 2010, p.16)
Para completar a análise sobre a convergência do marketing 3.0. Kotler discorre sobre
a sociedade criativa, cientistas e artistas têm voltado à cena nas grandes cidades e influenciado
o estilo de vida das pessoas169 e também as economias dos países desenvolvidos. Prahalad, em
“A riqueza na base da pirâmide” defende a economia criativa e inovação para levar
desenvolvimento e sustentabilidade para pessoas na extrema pobreza.
Segundo Zohar170 a pirâmide de Maslow das necessidades humanas - desde
sobrevivênvia e necessidades fisiológicas, passando pelas de segurança, sociais, auto estima e
por fim auto realização - representam o modelo capitalista até então, mas em Capital
espiritual171 a autora propõe uma inversão, que revela ser uma vontade do próprio criador do
modelo antes de morrer: “a auto realização como necessidade primária de todos os seres
humanos.”172.
O que o autor delineia é a busca por significado por meio da realização espiritual e
felicidade, ou seja, as pessoas não estão buscando apenas produtos e serviços para
consumidor, estão buscando experiências e modelos de negócios que toquem seu lado
espiritual. “Proporcionar significado é a futura proposição de valor do marketing”. (Kotler,
2010, p.21)
169
o autor faz referência à Daniel Pink - O cérebro do futuro, Richard Florida - The Flight of the Creative Class,
Julia Cameron - The Artist´s Way e Gary Zukav - O coração da alma.
170
ZOHAR, Danah e MARSHALL, Ian. Capital espiritual. São Paulo: Best Seller, 2006. apud KOTLER, 2010,
p.20-21
171
ibidem.
172
ibidem
73
Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing colaborativo, era
do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do espírito humano 173
Na prática, o Marketing 3.0. será moldado por modelos horizontais e colaborativos,
com uma filosofia análoga à do design participativo vista no capítulo anterior. Kotler cita
Pralad sobre a co-criação:
Cocriação é um termo de criado por C.K.Prahalad para descrever a nova abordagem
de inovação [...] “novas maneiras de criar produtos e experiência por meio da
colaboração das empresas, consumidores, fornecedores, e parceiros de canal
interligados em uma rede de inovação”174
A experiência com um produto jamais é isolada. É o acúmulo de experiências
individuais que cria maior valor para o produto. Quando consumidores individuais
experimentam o produto, personalizam a experiência de acordo com necessidades e
desejos singulares. (KOTLER, 2010, p.37, grifo nosso)
No Marketing 3.0. os consumidores são seres humanos completos, cujas necessidades
e esperanças são levadas em consideração no desenvolvimento da marca, Kotler cita Peter
Drucker ao afirmar que o planejamento das empresas não devem iniciar pelo retorno
financeiro, mas sim pela realização da missão a que se propõe.175 Os valores da empresa são
apresentados pela maneira pela qual a prática corporativa se desenvolve:
173
Kotler, 2010, p.23
174
PRAHALAD, C.K., KRISHNAN, M.S,. A nova era da inovação. Rio de Janeiro: Campus\Eslsevier 2008
apud KOTLER, 2010, p.37
175
Peter Drucker apud Kotler, 2010, p.46
74
[...] valores articulam um conjunto de prioridades corporativas e tentativas de gestão
para incluí-los em suas práticas, o que espera-se, fortalecerá comportamentos que
beneficiam as empresas e comunidades dentro e fora dela o que, por sua vez,
fortalecerá os valores da instituição. (KOTLER, 2010, p.47)
Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como o marketing
centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à necessidades funcionais, emocionais e
espirituais das pessoas.176
Para o autor, as promessas que as empresas devem fazer no Marketing 3.0. é uma
experiência capaz de transformar a vida do consumidor. Para isso, as missões da marca
“devem ser simples e permitir um escopo de negócio flexível”, além dos consumidores, os
colaboradores da empresa são grandes protagonistas na propagação dos valores da marca. Os
funcionários das empresas são os consumidores mais próximos delas, e eles precisam ter
autonomia, pois nesta abordagem é necessário alinhar valores e comportamentos, atitudes.
Kotler cita o provérbio chinês para ilustrar a importância do empoderamento dos funcionários
das empresas “Conta-me e eu esquecerei, mostra-me e talvez eu lembre; envolva-me e eu
entenderei” (2010, p.93)
Assim como Bill Moggridge vislumbrava o futuro do design como responsabilidade
pelo ecossistema, Kotler aponta para as preocupações socioculturais que vem à cena
juntamente com o Marketing 3.0. Será um desafio para as empresas oferecer soluções
transformadoras da sociedade, alcançando relevância de sua visão, missão e valores e mais
impacto nos negócios e na sociedade:
176
KOTLER, 2010, p.47
75
As empresas normalmente começam com o propósito de gerar lucros por meio da
satisfação de algum cenário que o mercado quer e deseja. Quando são bemsucedidas e crescem costumam receber pedidos de doações para causas dignas. [...]
Com o passar do tempo, o público começa a esperar que as empresas operem como
mecanismos de desenvolvimento sociocultural, e não como mecanismos de geração
de lucros. Um número cada vez maior de consumidores pode começar a julgar
as empresas parcialmente por seu nível de comprometimento com os problemas
públicos e sociais. Algumas empresas podem se mostrar capazes de lidar com essa
questão por meio da incorporação do desafio social à filosofia da empresa. Elas
transformam a sociedade. Nesse momento, essas empresas, terão passado ao
Marketing 3.0. (KOTLER, 2010, p.153, grifo nosso)
As empresas que aplicam o marketing centrado no ser humano, integrariam, portanto,
em sua missão, visão e valores as necessidades humanas sob uma perspectiva holística:
necessidades individuais (funcionais, emocionais e espirituais) e necessidades
socioculturais. A responsabilidade pelo desenvolvimento e propagação desse propósito é
compartilhada com colaboradores das empresas e com a comunidade, os valores são
propagados especialmente pelas pessoas que se identificam com a marca e com experiências
proporcionadas por ela.
3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS
Como resumo das três abordagens analisadas neste trabalho, é possível compará-las
sob alguns aspectos:
76
Design de Interação
Design Thinking
Marketing 3.0.
Centrado em:
Interação do homem com a
máquina
Inovação centrada no
desejo e necessidades
funcionais e emocionais
das pessoas
Missão, visão e valores das
empresas alinhadas com ser
humano dotado de corpo, mente
e espírito
Como funciona?
Design do comportamento
da interface, ela age como
uma ponte para que as
pessoas atinjam seus
propósitos de vida
Design participativo para
criar opções e fazer boas
escolhas baseadas nas
perguntas certas para os
problemas relevantes a
serem resolvidos.
Visão do consumidor de forma
holística: considerando aspectos
individuais (funcionais,
emocionais e espirituais) bem
como questões socioculturais.
Interessados no ciclo de
vida de um produto ou
serviço: consumidores,
fornecedores, parceiros,
acionistas, designers, etc.
Consumidores engajados com a
marca e colaboradores
apaixonados e responsáveis pela
missão da empresa
Atores principais Designer de interação
Processo
Processo de Design
Orientado à Propósitos. Busca fazer uma ponte
entre pesquisa com usuários
e o design por meio de uma
combinação de técnicas e
métodos que permitam a
criação de sistemas mais
humanizados
Entender, criar e entregar,
5 metodologias chaves:
criar empatia, definir (o
problema a ser resolvido),
idear sobre possíveis
soluções para este
problema, criar protótipos
das soluções, testá-las
com as pessoas e chegar à
soluções mais refinadas e
viáveis
Compreensão dos valores
individuais e sociais,
alinhamento dos mesmos à
missão, visão e valores da
empresa e propagação dos
valores da marca por meio da
co-Criação com consumidores e
colaboradores
OutPut
Princípios de Design de
Interação direcionados à
propósitos das personas em
cenários de uso: dizem
como a interface deve se
comportar para mediar a
interação do homem com a
tecnologia
Produtos e Serviços
inovadores baseados em
insights sobre como as
pessoas interagem no dia
a dia com as coisas e
umas com as outras
Proporcionar significado para as
pessoas por meio da
identificação com uma marca
integrada com valores humanos
e sócio-culturais
Como pensa no
longo prazo
Equilíbrio entre necessidade
das pessoas, viabilidade de
negócios e factibilidade de
tecnologia
Toolkit de inovação para
projetos sociais e visão da
sustentabilidade como
expansão da sociedade
interconectada
Empresa co-responsável pela
transformação da sociedade
Propósito
Criar interfaces mais
humanizadas
Inovação em produtos,
serviços e ambientes
centrados nas pessoas
Alinhamento da marca com
valores humanos
proporcionando significado para
as pessoas
Quadro 1: Comparação das abordagens centradas no
ser humano: Design de Interação, Design Thinking e
Marketing 3.0.
77
Todas as abordagens referem-se a si mesmas como centradas no ser humano, mas pela
análise dos discursos é possível inferir seus propósitos como: 1) criar interfaces mais humanas
(no Design de Interação), 2) Inovar em produtos, serviços e ambientes (Design Thinking) e 3)
alinhar objetivos de marca à valores humanos proporcionando significado para as pessoas
(Marketing 3.0.). Podemos notar que a centralidade a que se referem é sob o ponto de partida
de onde atuam, seja design ou marketing, no entanto, por serem todas abordagens que
efetivamente buscam humanizar interfaces, produtos, serviços e marcas, este pode ser
considerado um grande avanço na centralidade humana considerando os aspectos humanos
nos processos.
Sabemos também que não são as abordagens que vão garantir que essa tendência à
humanização como propósito para o design e para o marketing se realize, a aplicação das
metodologias requer uma cultura, preparação e tempo de maturação adequados.
Além disso, é importante salientar que as abordagens buscaram tanto o entendimento
do lado humano - a pesquisa sobre as pessoas, o contexto e a sociedade - que começou a
desiquilibrar a balança, se consideramos o desenvolvimento tecnológico.
Alan Cooper e outros defenderam tirar das mãos unicamente dos programadores a
criação da lógica dos computadores, porque este era um dos motivos de eles serem tão pouco
humanos. Há um movimento na comunidade de desenvolvedores para restabelecer este
equilíbrio, abordagens como Agile UX e Lean UX, por exemplo, procurar integrar o
entendimento humano no mesmo tempo que a tecnologia é desenvolvida:
Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa 177
177
Disponível em: http://lithespeed.com/lean-ux-dont-part-1-3-2/. Acesso em 13.Setembro.2014.
78
Já Bill Buxton, em “Skething User Experiences” defende um modelo de integração
total entre design, marketing e desenvolvimento durante a criação e evolução de um produto
tecnológico, em cada parte do processo, as equipes são comprometidas em maior ou menor
grau, mas todas estão conectadas e atuando de forma integrada:
Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O comprometimento é
compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas:
“Para criar produtos de sucesso é tão importante quanto (se não mais) investir no
design do processo de design, assim como no produto sim”. (BUXTON, 2008, p.408,
tradução nossa) 178. A proposta de Buxton é interessante, mas também requer um ambiente
preparado e um modelo de desenvolvimento que contemple as equipes ou áreas citadas, o que
nem sempre faz parte da realidade das empresas.
O importante é notar a perspectiva do design e marketing como entendimento do lado
humano e integração desse significado ao projetar tecnologia para as pessoas realmente
configura-se como uma tendência, a menos nos processos que buscam considerar os aspectos
humanos em seu desenvolvimento.
178
“In order to create successful products, it is as important (if not more) to invest in the design of the design
process, as in the design of the product itself.”
79
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Um homem do mundo é companheiro no grande jogo da vida”
KANT, Imanuel 179
Ao situarmos o homem no cenário da pós-modernidade pudemos chegar a algumas
considerações a respeito da relação do homem com a tecnologia e de que maneira podemos
escolher projetar as futuras tecnologias considerando os aspectos, valores e propósitos
humanos.
Quando abordamos o projeto de Paul Otlet no primeiro capítulo, vimos que a
idealização do Mundaneum foi feita considerando as mudanças que ele percebeu no cenário
de transição que se encontrava, quando começou a mover um maquinário em torno de um
projeto de universalização do conhecimento, uma vez via a emergência da distribuição
informacional de sua época; no segundo capítulo percebemos que as implicações da transição
para o pós-moderno seriam de uma transformação da relação do homem com a tecnologia, e
um dos propósitos aos quais poderia se lutar por, tal como fez Otlet, seria recuperação da
própria identidade humana, fragmentada, líquida, cambiante, por meio da reconstrução dos
valores na interação com o mundo tecnomediado.
Partimos do pressuposto da não neutralidade na relação do homem com a tecnologia, o
design que pode cercear ou pode libertar o ser humano: pode alienar e que pode instigá-lo
para um conhecimento de si mesmo e a ampliação de sua consciência, o computador que
domestica, mas que pode também potencializar as capacidades humanas – “a tecnologia não
é boa e nem é má, tampouco neutra” – disse Buxton se referindo à Kransberg. Reafirmamos
essas características ao longo dos capítulos 2 e 3.
Com Johnson e Manovich, no primeiro capítulo, chegamos ao conceito da interface
como arte deste tempo – metáforas que representam o homem no mundo de dados – e, como
todo bom artista, quem projeta tecnologia para humanos precisa desenvolver a sensibilidade
com as questões humanas mais profundas, questões que atualmente se caracterizam por serem
múltiplas, plurais, efêmeras, transitórias, em um processo de construção e reconstrução
contínuos – como nos apresenta Hall, Harvey e Bauman ao entendermos a construção da
179
KANT, Imanuel. Preleção sobre antropologia. Cf. As principais preleções filosóficas de I. Kant. Conforme os
recém encontrados cadernos de Conde Heinrich zu Dohnawunderlacken. Editados por A. Kowalewski., 1924.
p.71 (N.A.) Apud (HEIDEGGER, 2005, p.133)
80
identidade e as transformações socioculturais advindas com a globalização e difusão das
tecnologias no modo de viver do homem.
Vimos também que a tecnologia molda e é moldada pelas organizações e pelas
pessoas, assim, um modelo que busque a centralidade do ser humano tem que se debruçar
sobre os aspectos humanos da interação homem-computador, buscando equilibrar essa
balança, entendendo sempre que são forças distintas – pudemos ver ao longo do texto, os
exemplos da tecnologia que é construída sob o alicerce de enxergar humanos como máquinas,
resquícios da produtividade industrial e do modelo mental de programação; o homem técnico,
maquinizado, é também um homem que perdeu a sua identidade, e ainda mais grave, é um
homem que pela sensação de conexão intensa com a tecnologia, esqueceu-se de si, esqueceuse de ser.
A tecnologia projetada para pessoas deveria permitir e convidar todos a fazerem de
sua própria vida uma obra de arte (como disse Albert Camus, citado por Bauman), inspirá-los
a jogar o jogo da vida, conhecendo de fato suas posições, escolhas e valores – ainda que
transitórios - inclusive aqueles experimentados por meio da interação com interfaces digitais.
A interface é um tradutor que afeta, e como vimos no final do segundo capítulo, ela tem
condições de entrar nesse jogo de identidades e valores que compõe o homem na pósmodernidade, principalmente se for veículo de significação e construção de sentido.
O código, para Flusser, é o sistema de símbolos que mediam e ajudam a dar um
sentido no mundo. Entre os dois olhos da alma (aquele que olha para o tempo, e aquele que
olha para a eternidade)180, o modo de ver do designer tem que ser o segundo - aquele que
permite deixar o fluxo mais lento, ou como explica Flusser, olhar para o que é eterno: é o
olho-sentinela, que está sempre procurando a eternidade e ensinando isso ao computador para
que ele “transporte a eternidade, intuída e manipulada para a temporalidade” (FLUSSER,
2013, p.192).
Quando, no terceiro capítulo, Maeda fala sobre a simplicidade nos sistemas complexos
e busca pelo lado humano, fala exatamente deste olhar que se distancia, permite a abertura, o
design centrado no ser humano questiona as mazelas e expectativas sociais que moldam as
tecnologias.
A responsabilidade é requisito da emancipação por meio do design. Todas as
abordagens analisadas no terceiro capítulo – Design de Interação, Design Thinking o
180
Flusser, 2013, p.188, citando Angelus Silesius
81
Marketing 3.0., tem em comum o forte propósito de responsabilizar-se com o que acontece
com o humano quando ele está em contato com um produto, serviço, ambiente ou uma marca.
Podemos considerar as três abordagens como centradas no ser humano especialmente
por não limitarem o entendimento do humano como usuário de tecnologia e como consumidor
de produtos. Quando se parte de pessoas como usuários e consumidores não há espaço para
ser, pois em uma interface, produto, serviço, ambiente e marca alicerçados sobre este
propósito, o ser já foi dado, o ser é outro, vazio de significado.
Com Alan Cooper, entendemos que o Design de Interface preocupa-se com o
comportamento da interface na interação com o ser humano, interfaces construídas sob o
princípio do design da interação, em teoria, tem condições de atuar no jogo da vida das
pessoas, pois todos os aspectos contextuais e principalmente seus propósitos pessoais estão
envolvidos.
O Design Thinking, metodologia que se propõe a ser Design Centrado no Ser Humano,
tem suas raízes no modelo de Design Participativo, que procura incluir todos os interessados
na construção de um produto, serviço ou ambiente, dando-lhes voz ativa; por meio de um
entendimento profundo as necessidades e desejos as pessoas em sua intimidade, o Design
Thinking se propõe à inovar, entrando sem amarras no jogo de ser e viver.
Kotler nos apresenta a evolução do marketing sobre o conceito do Marketing 3.0., na
descrição sobre a metodologia, podemos ver o marketing que já está jogando as negociações
identitárias da pós-modernidade, quando ele diz que “proporcionar significado é a futura
proposição de valor do marketing” (KOTLER, 2010, p.21), notamos a busca de uma
construção do humano junto com as pessoas - objetivos da marca são alinhados aos valores
humanos, e as promessas feitas são promessas que nas quais há espaço para ser.
Como a análise foi feita sobre o discurso teórica dessas abordagens, implicações para
futuras pesquisas seriam 1) Analisar como as teorias se comportam na prática, 2) Analisar
práticas exercidas sob o título dessas abordagens e verificar o quanto estão próximas de seus
discursos, ou seja, o quanto conseguem considerar os aspectos humanos no desenvolvimento
do produto, serviço, ambiente ou marca e 3) Identificar os aspectos culturais que afetam a
incorporação dessas metodologias no âmbito organizacional.
Outro ponto importante delineado ao longo desta pesquisa e que pode ser explorado
em outros estudos é a questão da emergência de novas formas econômicas e a partir do
desenvolvimento tecnológico. Assim como Otlet previu uma transformação da humanidade
82
por meio da evolução técnica, Moggridge, Buxton, Kotler, Cooper, Flusser, Lévy e outros
também se referiram à expansão da humanidade por meio da tecnologia: Moggridge falou da
expansão do design sob a perspectiva do indivíduo para o design que busca impacto e
inovação social, Kotler disse que a sustentabilidade é um dos valores humanos e algo que tem
que estar no cerne da missão das empresas do futuro, das que estarão sob a regência do
Marketing 3.0. Buxton, Cooper e Flusser destacam a responsabilidade do designer, de quem
projeta a tecnologia na modelagem das formas de ser, interagir e consequentemente
transformar o mundo.
É onde o jogo do homem na vida passa a ser o jogo da humanidade. Pierre Lévy vai
mais longe, para ele a finalidade, ou o propósito de todas as atividades - inclusive econômicas
- deve visar o aumento de potência, é o que ele chama de economia dos valores humanos ou
economia da inteligência coletiva.
Nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas, critério e
portador vivo de todo valor. Que bem seria esse que não fosse saboreado, apreciado
ou imaginado por nenhum membro de nossa espécie? Os seres humanos são, ao
mesmo tempo, a condição necessária do universo e o supérfluo que lhe confere seu
preço, compõe o solo da existência e o extremo de seu luxo: inteligências, emoções,
envoltórios frágeis e protetores do mundo, sem os quais tudo voltaria ao nada. É por
isso que defendemos que é preciso ser economista do humano, que é bom cultiválo, valorizá-lo, variá-lo e multiplicá-lo, e não esbanjá-lo, destruí-lo, esquecê-lo,
deixá-lo morrer por falta de cuidados e reconhecimento. Mas não podemos
permanecer no plano da enunciação de seus princípios. É necessário igualmente
forjar instrumentos - conceitos, métodos, técnicas - que tornem sensível,
mensurável, organizável, em suma, praticável o progresso em direção a uma
economia do humano.(LÉVY, 2007, p.47)
Reafirmamos então, à luz da literatura acerca da relação do homem com a tecnologia e
da configuração do humano na pós-modernidade, que projetar interfaces para tecnologias
emergentes requer compreensão do ser humano e seus clamores de construção de significação
nas três dimensões (ser humano como indivíduo, ser humano que se reconhece no olhar do
outro e ser humano enquanto coletividade).
Para projetar tecnologia para pessoas com propósitos claros é preciso visão sustentável
em longo prazo, no contexto organizacional significaria considerar os aspectos humanos
desde o entendimento do outro e construção do conceito do produto, serviço, ambiente ou
marca (design), passando pela visão de negócios (estruturação da proposta de valor da
instituição bem como sua comunicação) até o desenvolvimento da tecnologia em si.
83
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