análise das abordagens centradas no ser humano - grupo
Transcrição
análise das abordagens centradas no ser humano - grupo
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL EM AMBIENTES CORPORATIVOS - DIGICORP PAULA AZEVEDO MACEDO Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0 São Paulo 2014 PAULA AZEVEDO MACEDO Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0 Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos da Universidade de São Paulo como requisito final para obtenção do título de especialista. Orientador: Prof. Dr. Guilherme Ranoya São Paulo 2014 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. MACEDO, Paula Azevedo Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. Paula Azevedo Macedo: orientador Guilherme Ranoya. São Paulo – 2014. 86 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014. 1. Design Centrado do Ser Humano. 2. Design de Interação. 3. Design Thinking. 5. Design de Interface. 6. Interação Humano-Computador. 7. Interação Homem-Máquina (aspectos cognitivos). 8. Interface Homem-Computador (design). 9. Comunicação Digital (aspectos sociais). 10.Humanização da Tecnologia. 11. Pós-Modernidade PAULA AZEVEDO MACEDO Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0 Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Aprovado em: Banca examinadora Prof. ______________________________ Instituição: ___________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: __________________________ Prof. ______________________________ Instituição: ___________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: __________________________ Prof. ______________________________ Instituição: ___________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: __________________________ AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família por me incentivar a buscar respostas, seja na vida, seja na academia. Agradeço à todos aqueles que de alguma forma inspiraram e contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho: À Digicorp por proporcionar meu reencontro com a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, especialmente à Professora Elizabeth Saad pela criação e coordenação desta especialização, ao Professor Mauro Wilton pelos questionamentos na disciplina “Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais na Sociedade em Rede” que tanto ampliaram minha visão sobre o tema e ao Professor e Orientador Guilherme Ranoya pela generosidade a cada encontro, por me acompanhar na empreitada de compreender o ser humano e sua relação com a tecnologia. Agradeço à Bianca e Val e aos colegas da turma por tornarem esses anos mais fáceis, especialmente ao Guilherme Saconatto por divididir comigo parte da construção do seu projeto sobre a Experiência do Usuário e ter ajudado o meu projeto a fazer mais sentido. Agradeço à INSITUM, pela oportunidade de trabalhar em projetos centrados no ser humano, e aos colegas que ajudaram a tecer meu entendimento sobre a temática, principalmente à Verena Pessim que tanto me inspirou com sua sensibilidade para as questões humanas. Agradeço à comunidade de User Experience Design no Brasil e no exterior, especialmente ao Fabrício Teixeira e aos colaboradores e leitores do blog ArquiteturadeInformacao.com, pela inspiração e pela busca por melhorar a vida das pessoas por meio da tecnologia. Agradeço aos amigos que compartilham meus sonhos, especialmente ao Seth Perez e Larissa Braga, que me ajudaram a construir o infográfico sobre Paul Otlet e o Mundaneum, que também influenciou o presente estudo. DEDICATÓRIA À todos aqueles que buscam cuidar do lado humano no que fazem em seu dia a dia. À todos aqueles que acreditam que a tecnologia pode melhorar a vida das pessoas. A alma tem dois olhos: um olha o tempo, o outro olha longe, em direção à eternidade. Angelus Silesius RESUMO Este estudo tem como objeto de pesquisa a relação do homem com a tecnologia, a Interação Humano-Computador e a construção da identidade na pós-modernidade. Tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam a percepção do homem sobre ele mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objetivo do projeto é buscar maneiras de projetar tecnologias centradas no ser humano, considerando seus aspectos e valores. A metodologia é o estudo da interface homem-computador, da configuração do ser humano e da identidade na pós-modernidade e a análise das abordagens prático-teóricas do Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0, sobre como consideram os aspectos e valores humanos ao desenvolver experiências de interação com produtos e serviços mediados pela tecnologia. Palavras-chave: Design Centrado do Ser Humano - Design de Interação - Design Thinking - Design de Interface – Interação Humano-Computador – Interação HomemMáquina (aspectos cognitivos) - Interface Homem-Computador (Design) – Comunicação Digital (aspectos sociais) – Humanização da Tecnologia – Pós-Modernidade ABSTRACT The object of this study is the relation between man and technology, the HumanComputer Interaction and the identity construction on post-modernity. Technologies and interfaces are not neutral; they affect the man´s perception about himself, about others and about the environment. This study aims find ways to design technologies in a human centered approach, taking in account the human values and aspects. The methodology is the study of human-computer interface, the identity´s construction of human being on post-modernity and analysis of practical-theorical approaches of Interaction Design, Design Thinking and Marketing 3.0., about how considering the human aspects and values developing interaction experiences with products and technologies mediated by technology. Keywords: Human Centered Design- Interaction Design - Design Thinking – Human Interface Design – Human-Computer Interaction – Human-Machine Interaction (cognitive aspects) – Human-Computer Interface (Design) – Digital Communication (social aspects) – Humanization of Technology – Post-Modernity LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet ............................ 14 Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo – ........................................ 17 Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg) ............................... 18 Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico da proporção áurea entre habilidades e desafios ............................................................................................................... 19 Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia flexível, aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e um display. As cores se alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível divertida, sensual, estimulada por reflexos sensórios e afetada pelo humor. ........................... 36 Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda Parte de sua pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade................ 39 Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens ................................................................................ 44 Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação (interface) e modelo mental (das pessoas). .............................................................................. 46 Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers ............................................... 48 Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma ponte entre pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação de técnicas e métodos que permitam a criação de sistemas mais humanizados ....................... 48 Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo das Pessoas - Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper .............. 50 Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre desejo das pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico. . 51 Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos de televisão - isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades estejam claras ............................................................................................................................ 52 Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo .................... 56 Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O segundo, busca o empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e cocriativo. ..................................................................................................................................... 57 Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design thinking como modelo de pensamento projetual na contemporaneidade ................................ 58 Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se escolhas..................................................................................................................................... 60 Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas básicas: entender, criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o problema a ser resolvido), idear sobre possíveis soluções para este problema, criar protótipos das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções mais refinadas. ............................ 61 Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de design de Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de clareza e foco, adaptação feita por Verena Pessim ................................................................... 62 Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design Thinking ................................................................................................................................... 64 Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social e para o meio ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social ....................... 66 Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas com os clientes ......................................................................................................................... 69 Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0 ............................... 71 Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing colaborativo, era do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do espírito humano ........................................................................................................................ 73 Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como o marketing centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à necessidades funcionais, emocionais e espirituais das pessoas. ............................................... 74 Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux - considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa ...... 77 Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O comprometimento é compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas: ...... 78 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CDU CRM DCH DCU IS IDEO HCD IHC MIT SI UCD UX Classificação Decimal Universal Customer Relationship Management Design Centrado no Ser Humano Design Centrado no Usuário Information System Consultoria de Design Centrado no Ser Humano e Inovação anglo-americana Human Centered Design Interação Humano-Computador Massachusetts Institute of Technology Sistema de Informação User Centered Design User Experience - Experiência do Usuário SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO ..................................................... 13 1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR .......................................... 15 1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA ........................................ 20 2. ASPECTOS HUMANOS ................................................................................................ 28 2.1 SER HUMANO .............................................................................................................. 29 2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE .................................... 32 2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO ......................................... 34 3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO ........................................... 39 3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO............................................................................................ 41 3.2 DESIGN THINKING ...................................................................................................... 51 3.3 MARKETING 3.0 ........................................................................................................... 67 3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS ...................................... 75 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 79 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83 12 1. INTRODUÇÃO A história da humanidade é marcada por artifícios que permitiram ao homem ser e interagir no mundo, por meio da técnica o homem expande suas capacidades e modifica o ambiente. O computador, a incrível máquina de calcular, foi se transformando em um parceiro constante das atividades humanas e modificou também a maneira como o homem é e atua no espaço. A conexão do homem com suas máquinas e aparatos tecnológicos passou a ser questionada: como a relação do homem com a máquina afeta o ser humano? As interfaces entre o humano-computador são persuasivas e cerceantes ou são criadas para facilitar a vida das pessoas em sua missão de ser no mundo? Partimos do pressuposto de que as tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam a percepção do homem sobre ele mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objeto desta pesquisa é a relação do homem com a tecnologia, a Interação Humano-Computador. O objetivo é a busca por maneiras de projetar tecnologias centradas no ser humano, cujo propósito seja expansão, a ativação da potência. Para tanto, a metodologia será a análise teórica para entendimento e esclarecimento da relação do homem com a tecnologia, e, na perspectiva da centralidade no humano, a compreensão do que é design de interface que liberta em oposição ao que limita, cercea. Para isso, serão analisados os aspectos e valores humanos envolvidos na relação mediada pela tecnologia, sob a contextualização do que é ser humano na pós-modernidade. Com a ilustração deste cenário, será feita análise das abordagens prático-teóricas do Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. que, em sua configuração, são centradas no ser humano. Isso será feito para entender como os aspectos humanos podem ser considerados nos processos que envolvam desenvolvimento de produtos e serviços que proporcionem experiências mediadas por tecnologia. A hipótese é que desenhar interfaces para tecnologias emergentes em cenários em transição requer visão de negócios sustentáveis, os quais demandam propósitos coerentes, que considerem os aspectos e valores humanos. 13 1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO Quando Paul Otlet, visionário e documentalista do fim do séc. XIX e início do séc. XX, iniciou seu projeto de universalização e disseminação do conhecimento científico1 ao lado de Henry La Fontaine e uma rede de pessoas e instituições, tinha seus propósitos muito claros. Com a CDU (Classificação Decimal Universal), o princípio monográfico e outras técnicas que foi desenvolvendo, Paul Otlet buscou catalogar e organizar todo o acúmulo do conhecimento humano produzido ao redor do mundo, ele idealizou e começou a implementar algo que ainda não existia na época – a distribuição generalizada do conhecimento científico na medida em que fosse produzido – por meio do chamado Mundaneum (Cidade Mundial). Ele e La Fontaine acreditavam que o amplo acesso a este conhecimento expandiria o capital intelectual da humanidade, e assim seria possível chegar à Paz Mundial. Otlet mobilizou uma rede de cooperação internacional, recebendo informação de várias partes do mundo por meio do IIB (Instituto Internacional de Bibliografia). Além disso, teve muitos parceiros, dentro os quais se destacam Henry La Fontaine que fazia importantes articulações políticas, o célebre arquiteto Le Cobusier, muito fiel ao projeto de Otlet, construiu plantas e maquetes gigantescas da Cidade Mundial para convencer governantes de diferentes países a abrigar o projeto (Bruxelas, Gêneva, Anvers)2, Andrew Carnegie, rei do aço dos Estados Unidos, fez doações milionárias quando conheceu a proposta e até mesmo inovações como a invenção do microfilme de Otlet em conjunto com o engenheiro Robert Goldschmidt, quando buscavam juntos soluções técnicas para viabilizar o projeto. 1 Por volta de 1985 e até 1934 os begas Paul Otlet e Henry La Fontaine criaram o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB) e o Repertório Bibliográfico Universal (RBU) com sede em Bruxelas com cooperação internacional para criação de uma Biblioteca Universal. Paul Otlet criou a Classificação Decimal Universal (CDU), que atendia melhor os propósitos universalistas que a Classificação Decimal de Dewey (CDD), a CDU além da notação hierárquica, permitia a indexação do conteúdo do documento em três dimensões (Realidade, Conhecimento, Documento) uma inovação proposta por Otlet chamada princípio monográfico, que mais tarde, ele combinou com a possibilidade de enriquecimento semântico por parte do usuário que faria a busca, a cada acesso. Otlet persistiu obsessivamente a ideia da criação da Cidade Mundial (Mundaneum), que seria o pólo receptor e emissor de todo o conhecimento para o mundo inteiro. 2 Documentário: O homem que queria classificar o mundo. Disponível em: http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=5941 Acesso em 14.Agosto.2014. 14 Alguns anos antes da explicitação dos primeiros conceitos de hipermídia por Vannevar Bush e Ted Nelson3, Paul Otlet previu a emergência tecnológica que hoje assistimos sobre a forma da web: [...] um engendramento não afetado pela distância, que combinaria ao mesmo tempo rádio, raio-x, cinema e microfotografia. Todas as coisas do universo e tudo relacionado ao homem seria registrado, não importa onde estivesse, no momento em que fosse produzido. Assim, a imagem em movimento do mundo seria estabelecida – sua memória, sua verdadeira duplicata. De qualquer distância qualquer um seria capaz de ler qualquer passagem, expandida ou limitada do assunto desejado, isso seria projetado em sua tela individual. Assim, em sua poltrona qualquer um seria 4 capaz de contemplar toda a criação ou partes particulares dela (OTLET, Paul, 1935 5 apud RAYWARD,1994 p.245, tradução nossa) Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet As tecnologias da época convergiriam para viabilizar a proposta disseminação do conhecimento no momento em 6 que fosse prodzido por meio do Mundaneum Com a Segunda Guerra mundial, e a invasão alemã na Bélgica, praticamente toda esta articulação e legado de Paul Otlet acabaram caindo no esquecimento, os arquivos e 3 BAIRON, 2012. p.09 4 Paul Otlet (1935) Monde: Essai d´universalisme: Connaissances du monde. Sentimentes du monde. Action organisée et plan du monde. (Editiones Mundaneum). Bruxelles: D. Van Keerberghen et fils p.390-391 5 “[...] a machinery unaffected by distance which combined at the same time radio, x-rays, cinema and microscopic photography. Everything in the universe and everything related to humans were registered no matter where they had been created. Thus the moving image of the world would be established - it´s memory, it´s true duplicate. From afar anyone would be able to read any passage, expanded or limited by the desirable subject, that would be projected onto his individual screen, Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the whole of creation or particular parts of it.” 6 Ilustração de Larissa Braga para o Infográfico: How Hypermedia looked in 1934 apresentado por Paula Macedo no Information Architecture Summit 2014. Disponíve em: <http://mundaneumpaulotlet.tumblr.com/>. Acesso em 12.Agosto.2014 15 maquinários que estavam sendo construídos foram destruídos pelo 3º Reich alemão. A CDU é importante na Ciência da Informação e Biblioteconomia até os dias de hoje, com diversos tipos de uso; mas o Mundaneum7, como um projeto completo, ficara apenas como fato histórico. Ele foi redescoberto no final da década de 60, por Boyd Rayward8, estudioso de Ciência da Informação e Biógrafo de Paul Otlet, que deu início aos estudos acadêmicos de Mundaneum como uma forma arcaica de hipermídia. Mais recentemente, Alex Wright, que se refere ao Mundaneum como “a network platônica” 9 tem disseminado a história deste projeto em meios não acadêmicos e a empresa Google é uma das patrocinadoras do Le Monde, o museu que estuda os arquivos históricos10 do conhecimento deixado por Paul Otlet e o Mundaneum. A grande questão sobre Otlet, além de seu exercício visionário, é o propósito, questão sobre a qual esse trabalho se propõe a refletir. Como considerar os propósitos para os quais se direciona as energias para manejar e criar novas técnicas e tecnologias, e engajar as pessoas envolvidas em um projeto. 1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR Quando os bibliotecários Peter Morville e Louis Rosenfeld (1998) levaram Biblioteconomia e Ciência da Informação para a “Internet” em forma de Leis para a Arquitetura de Informação na Web também procuraram relacionar as técnicas ao propósito para os quais elas eram utilizadas. Por exemplo, além de uma extensa sistematização sobre como organizar, rotular, buscar, criar vocabulários controlados, etc.; os autores encontraram a necessidade de falar sobre “Ética” 11 como formas de políticas intrínsecas às atividades de categorizar e classificar. Decisões políticas estão relacionadas com propósitos, os autores 7 Confira: http://www.mundaneum.org/ 8 Página eletrônica de Boyd Rayward, que reúne as principais publicações disponibilizadas na internet: Disponível em: <http://people.lis.illinois.edu/~wrayward/otlet/otletpage.htm>. Acesso em 12.Agosto.2014 9 WRHIGHT, Alex. Cataloguing The World: Paul Otlet and the birth of information age. New York: Oxford, 2014. http://www.catalogingtheworld.com/ 10 Exposição Digital dos Arquivos de Le Monde, Mundaneum. Disponível em: < http://digitalarchives.mundaneum.org/exhibit/the-origins-of-the-internet-in-europe/QQRRh0A?position=19%2C0> Acesso em 12.Agosto.2014. 11 ROSENFELD e MORVILLE, 1998, p.240. 16 defendem a busca da neutralidade sobre todos os aspectos12, como uma forma de garantir que interesses difusos não irão se sobrepor aos interesses da comunidade para qual um sistema é projetado. Na prática, um conjunto de variáveis dificulta a neutralidade em projetos de arquitetura de informação para a web abordada por Morville e Rosenfeld, conceito que é tão natural nos sistemas bibliográficos. Há algo na rede que foge ao controle das regras e políticas de Biblioteconomia e Ciência de Informação para os Sistemas de Informação na Internet. A comunidade de Design de Interação também parece afetada por esta falta de controle sobre a neutralidade: há discussões em torno daquilo que é considerado o ‘bom design’ - algo que atende as necessidades das pessoas, é bem desenvolvido tecnologicamente e oferece vantagens aos negócios e o ‘mau design’, que seria, por exemplo, aquele que encontraria nas necessidades das pessoas, oportunidades de produtos que persuadem, mas não necessariamente prestam um serviço ou se caracterizam como um bom produto para as pessoas que os usam. A intensa proximidade do homem com seus dispositivos, uma conexão que mais parece vício, provoca inquietude: afinal essas interfaces são bem projetadas? Elas têm um propósito definido? Em meio à modelos de práticas, seja apresentados em palestras13, na literatura, ou em provocações em blogs e listas discussões, o desconforto é latente. No “Design da Persuasão”, em uma visão extremista14 , interações simples como as notificações que as aplicações nos enviam, podem ser consideradas um design de interface persuasivo. Isso porque, da maneira como elas são feitas, no caso do Facebook, por exemplo, não trazem a mensagem - que seria o conteúdo que interessaria ao usuário - o propósito delas é deixá-lo curioso e levá-lo até o aplicativo, recompensá-lo com o conteúdo de seus amigos e então ele fica navegando por lá. Pode ser visto como o clássico ciclo de condicionamento da psicologia - Interrompe, Checa, Interage, Recompensa - e isso vicia, com o propósito maior não de dar o conteúdo de interesse ao usuário, mas de fazê-lo voltar mais vezes ao aplicativo. 12 Neutralidade é considerada essencial em sistemas de categorização e classificação bibliográficos, e de certa forma aplicáveis. Em rede, com ambiente mais flexível e objetivos institucionais não tão bem definidos como se costuma encontrar em bibliotecas, esse conceito torna-se mais delicado e complexo de aplicar. 13 14 Interaction South America 2012 e 2013. Information Architecture Summit 2014. Notifications are a UX Anti-Patterns. Disponível em: https://medium.com/@holympus/notifications-are-a-uxanti-pattern-c4d8c9ccce39. Acesso em 14.Agosto.2014. 17 Mas a tecnologia pode ser tão persuasiva e viciante assim? B.J. Fogg, fundador do Persuasive Technology Lab da Universidade de Standford afirma que sim. Ele cunhou o termo ‘captology’ para designar computador como tecnologia persuasiva, ele foi listado como visionário pela revista Forbes15 por ter previsto que computação móvel iria cada vez mais influenciar comportamentos e atitudes das pessoas. Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo – Que influencia comportamentos e atitudes humanos16 Em “FOGG´S Behavior Model for Change” ele demonstra como essa relação acontece na prática, como o comportamento humano pode ser moldado pelo designer de interface. Em seu laboratório, desenvolve aplicações para mudança de comportamento na área da saúde, com propósitos como ‘esquemas para ajudar fumantes a pararem de fumar’. 15 16 Conf. http://archive.fortune.com/galleries/2008/fortune/0811/gallery.10_new_gurus.fortune/ FOGG, 2003, p.5. Tradução e Adaptação nossa. 18 Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg) 17 A chave para mudança de comportamento está em colocar ‘hot triggers’ - “gatilhos” no caminho de pessoas altamente motivadas. A alta motivação e alta habilidade, aliadas a um catalizador relevante, despertam a mudança de hábitos e comportamentos. Fogg é também consultor de mercado, e já atendeu a área de saúde da Nike, por exemplo. Ele explica que este é exatamente o princípio de como o Facebook age, e outras aplicações persuasivas que temos contato18; a ideia do Instagram, por exemplo, partiu de uma aluna durante uma aula que ministrava: tarefa simples, alta motivação, alta habilidade. É curioso que o modelo de Fogg se parece com o de Mihaly Csikszentmihalyi, da teoria do fluxo - “flow theorie”19 17 Design for behavior change in health. Dexter Zhuang. Disponível em: <http://www.uxbooth.com/articles/designing-for-behavioral-change-in-health/>. Acesso em 02.Setembro.2014. 18 Spotlight: BJ Fogg Psychologi of Persuasion. Disponível em: <http://www.bjfogg.com/> Acesso em 02.Setembro.2014. 19 RANOYA, 2013, p.98 19 Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico do equilíbrio entre habilidades e desafios20 Essa sensação de imersão profunda que pode ser chamada até de felicidade21, é aquele estado de conexão e atenção extrema que músicos, religiosos, atletas e gamers vivenciam em momentos de muita concentração e entrega. Está até mesmo na obra Tao of Jet Kune do de Bruce Lee22. Para estar no estado de fluxo é necessário atenção envolvida, um equilíbrio entre habilidade e desafio aliado à uma sensação de não controle, Csikszentmihalyi descreve como uma situação de êxtase, quando perde-se parcialmente o controle ativo sobre o próprio corpo e a noção do tempo é perdida. É o estado que um músico chega ao compor uma sinfonia e muitos programadores quando concentram-se em um código; mas deveria ser, ainda que numa escala menor, a mesma que um adolescente fica ao navegar por um feed de uma rede social? Quando se projeta para o estado de fluxo ou para a mudança de comportamento é possível que se consiga alcançar, mas será que os propósitos estão bem delineados? Margareth Stuart, responsável pelo User Experience do Facebook comenta sobre o que ela chama de “design at scale” – projetar em escala.23. Cada mudança de design de interface de um minúsculo botão impacta mais de 1.23 bilhão de pessoas, é um sexto da humanidade, ao mesmo tempo, por isso o botão do “like” – “curtir”, por exemplo, levou 280 20 EDLAB Seminar Longshot. Alex Sarling 08.Agosto.2012. Disponível em: <http://edlab.tc.columbia.edu/index.php?q=node/8149>. Acesso em 02.Setembro.2014. 21 Mihaly Csikszentmihalyi:.Flow, the secret to happiness. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow> Acesso em 02.Setembro.2014. 22 23 Ranoya, 2003, p.98 Margaret Gould Stewart: How giant websites design for you (and a billion others, too). Disponível em: <http://www.ted.com/talks/margaret_gould_stewart_how_giant_websites_design_for_you_and_a_billion_others _too> Acesso em 02.Setembro.2014 20 horas para ser feito. Eles trabalham com métricas e procuram conhecer um pouco a realidade sobre para quem estão desenhando. Mas, diz ela, como designer, não há nenhuma escola sobre o que ela faz atualmente, é algo nunca feito antes. Praticamente tudo que ela criou não existe mais, devido à velocidade das mudanças, no entanto, em seu trabalho, ela carrega a promessa de que está desenhando o mundo que conhecemos. É o cenário visualizado por Paul Otlet, é perceptível a eletricidade24, de fato já podemos senti-la em tempo real. Mas, o que se carrega por ela? Quando Paul Otlet vislumbrou que “em sua poltrona qualquer um seria capaz de contemplar toda a criação ou partes particulares dela”25 (apud RAYWARD, 1994 p.24, tradução nossa) estava referindose ao conhecimento humano que seria capaz de permitir a evolução do mundo para uma humanidade mais pacífica, e este era o propósito da tecnologia. E, hoje, o que estamos de fato contemplando de nossas ‘poltronas’? O que transmitimos, pelos bits e bites do Facebook? Bill Buxton defende a ideia de que as grandes mudanças acontecem a partir de pequenas decisões que tomamos, inclusive de design – “Não é sobre o mundo do design; é sobre o design do mundo. Hoje podemos fazer qualquer coisa, o que nós faremos?” 26 (BUXTON, 2007, p.418, tradução e grifo nosso) Se Otlet diria que contemplaríamos a criação, fruto de nosso exercício humano. Que humanidade é essa que não estamos a contemplar? 1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA Mundaneum e a Cidade Mundial era um sonho que engajava - Paul Otlet não foi mediu esforços, foi seu projeto de vida, Henry La Fontaine articulou policamente por anos a fio, chegando a receber um Nobel da Paz e Le Cobusier não economizou tempo e equipe na construção de maquetes que tangibilizassem o projeto universalista megalomaníaco. O cenário político econômico não aportou a imensidade e idealismo do projeto, mas o que Otlet assertivamente vislumbrava era o crescimento exponencial da produção científica daquela época, era uma produção intelectual que extrapolava os meios comuns de se trocar informação, não cabia mais continuar fazendo-se da maneira como se fazia. 24 termo de Mac Luhan 25 “Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the whole of creation or particular parts of it” 26 “It’s not about the world of design; it’s about the design of the world. Now that we can do anything, what will we do?” 21 O computador, na época em que foi desenvolvido, entre as duas grandes guerras, era uma fantástica máquina de calcular. Teve na indústria bélica o financiamento de seu aprimoramento pela necessidade de processamento rápido de dados. Em Bletchley Park27, em Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, com os propósitos de decifrar os códigos da frota naval alemã, o matemático e cientista Alan Turin28 deu início ao que seria a forma da computação como conhecemos. Claude Shannon29, matemático norte-americano, considerado fundador da teoria da informação esteve em contato com Alan Turing no Bletchey Park por sua ligação com as forças armadas. Shannon publicou “A Mathematical Theory of Communication” e posteriormente “Computing Machinery and Intelligence”, no pós-guerra, que é considerado a fundação da inteligência digital e da computação moderna. Quando os computadores começaram a surgir, eram restritos às instituições públicas e grandes corporações. Como aponta Steve Johnson30, é bem provável que algumas pessoas que participavam da cena de construção desta nova realidade digital desconhecessem completamente os usos que o computador tomaria na sociedade. Ele chama esses equívocos de lapsos - profecias limitantes acerca das máquinas e suas potencialidades. Johnson31 faz um paralelo com o equívoco de Thomas Edson, inventor do fonógrafo, quando ele imaginou que ele seria usado para gravar conversas telefônicas, não concebia o potencial de ser máquina de reprodução de som em massa. A história da computação é recheada desses lapsos: “Eu acredito que exista um mercado mundial para talvez cinco computadores” 32(Thomas Watson, presidente da IBM, 1943). 27 Bletcheley Park ou Station X era a estação de inteligência Britânica durante a Segunda Guerra Mundial. 28 Alan Turing desenvolveu o conceito de algoritmo durante a quebra de código criptográficos na Segunda Guerra Mundial. Ele é pioneiro na inteligência artificial e ciência da computação. Criou, em 1950, o “Teste de Turing”, onde uma comissão técnica analisaria o grau das inteligências artificiais dos computadores, Por meio de uma ‘conversa’, o computador que conseguisse enganar 30% do júri seria uma máquina capaz de pensar. In: CHRISTIAN, Brian. O humano mais humano: o que a inteligência artificial nos ensina sobre a vida. Laura Teixeira Mota (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 29 Claude Shannon foi um norte americano pioneiro da inteligência artificial e fundador da teoria da informação. Trabalhava nos sistemas de criptografia do Bell Labs, laboratório de pesquisa e desenvolvimento da AT&T dos Estados Unidos, onde foram atribuídas inovações como a primeira transmissão púbica de Fax, Televisão, e onde Claude publicou em 1948 a “Teoria Matemática da Comunicação”. In: CHRISTIAN, 2013, Ibidem. E : http://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_Labs e http://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Shannon Acesso em 15.Agosto.2014. 30 JOHNSON, 2001, p.109 31 ibidem, p.107-108 32 “I think there is a world market for maybe five computers.” 22 O mercado era restrito na época, por isso fazia mais sentido capacitar as pessoas para a tarefa complexa de manejar uma máquina de calcular, muito mais que o contrário. Havia uma demanda sobre a eficiência neste manejo, assim nasciam os estudos de Ergonomia e Fatores Humanos33, os primeiros estudos da Interação Humano-Computador (IHC) foram em busca de produtividade. Em outro campo a ciência da cognição buscava outros tipos de respostas acerca desta relação: [...] tudo começou em um Simpósio sobre Teoria da Informação, realizado no Massachutts Institute of Technology em 11 de setembro de 1956, onde figuras importantes no desenvolvimento do novo pensar apresentaram artigos inéditos: Herbert Simon, Noan Chomsky e Claude Shanhon. O certo é que nos anos 60 se encontram os principais autores e atores do cognitivismo ou da Ciência da Cognição, estudando o comportamento da assimilação dor conhecimento em seres humanos, máquinas e na interação dos dois. (BARRETO, 2014) Aos poucos, os computadores passarem a fazer parte da realidade de trabalho de algumas pessoas, em meados dos anos 70, IBM e algumas outras empresas já faziam negócios lucrativos com a computação34, a Intel, possuía inclusive tecnologias de distruibuição como chip e circuitos integrados35 , tanto que um de seus engenheiros convocou uma reunião para defender a fabricação do Computador Pessoal, muito antes do primeiro Apple I ser lançado; mas Ken Olsen, rebateu “Não há motivos para as pessoas quererem computares em suas casas.” O engenheiro, não sabia responder quais seriam esses motivos, ele não enxergava um propósito bem delineado, realmente parecia sem sentido. Um ambiente fértil para o desenvolvimento das tecnologias com as quais convivemos hoje foi o Palo Alto Research Center (Xerox Parc)36 Steve Johnson afirma que “seria legítimo dizer que o idioma moderno nasceu ali” (JOHNSON, 2001, p.39). Isso porque os produtos tecnológicos ali desenvolvidos foram o início do que o autor considera a “fusão de tecnologia e arte”, a criação da interface: “Softwares que dão forma à interação entre usuário e computador” (JOHNSON, 2001, p.17). Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society. Disponível em <http://hfs.sagepub.com/> Acesso em 16.Agosto.2014. 33 34 HOWARD, Adrian. User Experience does not exist. In: Infoqueue: Enterprise Software Development Community. UX Cambrige 2012. Videoconferência. Disponível em: http://www.infoq.com/presentations/UXFuture .Acesso em 11.Agosto.2014. 35 36 JOHNSON, 2001. JOHSON, 2001. Descreve em sua obra sobre os impactos das tecnologias desenvolvidas no laboratório da Xerox. 23 Na perspectiva do computador como um “sistema simbólico”, que deve “representarse a si mesmo” ao usuário, numa linguagem que este compreenda, Steve Johnson, em “Cultura da Interface” demonstra o quanto essa linguagem representa e forma nossa visão de mundo, como a arte da literatura de um romance vitoriano fazia na sociedade industrial. O primeiro produto da Xerox Parc, que Johnson descreve como transformador da relação homem-máquina por meio de uma interface foi a invenção do mouse por Doug Engelbart em 1968 (JOHNSON, 2001, p.21). Ele ressalta outras metáforas importantes na transformação da relação do homem com a tecnologia, como a do desktop por Alan Kay (popularizada com Windows), a inovação do estilo com o lançamento do Macintosh da Apple em 1984 – “o computador para o resto de nós” 37, e a navegação em janelas. Foram todas pequenas inovações que alteraram a maneira do homem ser, agir e fazer as coisas, eram metáforas poderosas à atividades analógicas ou mecânicas, mas não meras imitações, havia algo em suas essências que comunicava, fazia o hiato entre tarefas que as pessoas já realizavam analogica ou mecanicamente, mas também estavam prenhes de novas potencialidades - que encontravam nos anseios humanos um campo fértil para criação de uma nova arte de se fazer no mundo digital. Esses exemplos, para Johnson, caracterizam o que McLuhan falava sobre as tecnologias elétricas do séc. XX - extensão de nosso sistema nervoso central 38. Aqui, já não se tratava mais de um homem operando uma complexa máquina de calcular para executar tarefas corporativas, era o homem fazendo uso de artifícios que sobrepunham a visão de mundo de máquina como “prótese”. São visões parecidas à de Guattari interpretadas por André Parente (1999): Guattari para quem a informática e a tecnociência não são nada mais que formas hiperdesenvolvidas da própria subjetividade. Guattari observa que não são apenas as atuais máquinas informacionais que nos permitem falar de uma produção máquinica da subjetividade, uma vez que as subjetividades pré-capitalistas e arcaicas eram engendradas por diversos dispositivos máquinicos coletivos (equipamentos coletivos de subjetivação) de modelização de formas de existência. (PARENTE, 1999, p.33) 39 A interface, mais que um fim, é filtro que traduz o binário em algo que nos faz sentido. Na transição do nosso fazer e pensar analógico e mecânico para o digital, essas metáforas 37 “the computer for the rest of us” 38 McLuhan apud JOHNSON, 2001, p.23) 39 GUATTARI, Felix. Produção de subjetividade Apud PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. 24 mostraram mais eficientes quando carregavam conceitos do fazer antigo, mas sem limitar-se por isso. Há neste, cenário, o que Steve Johnson chama de metaformas – “fantasmas de tecnologias que estão por vir” - interfaces intermediárias entre as tecnologias que conhecemos e as emergentes. Elas fazem as pessoas sentirem-se à vontade, em casa, apropriando-se desse novo e assim fazem com que de fato ele exista de forma massiva. Informação digital sem filtros é coisa que não existe, por razões que ficarão cada vez mais claras. À medida que parte cada vez maior da cultura se traduzir na linguagem digital de zero e uns, esses filtros assumirão importância cada vez maior, ao mesmo tempo que seus papéis culturais se diversificarão cada vez mais, abrangente entretenimento, política, educação e mais. O que se segue é uma tentativa de ver esses vários desenvolvimentos como exemplos de uma ideia mais ampla, uma nova forma cultural que paira em algum lugar entre meio e mensagem, uma metaforma que vive no submundo entre o produtor e consumidor de informação. A interface é uma maneira de mapear esse território novo e estranho, um meio de nos orientarmos num ambiente desnorteante. Décadas atrás Doug Engelbart e um punhado de outros visionários reconheceram que a explosão da informação poderia ser tanto libertadora quando destrutiva - e sem uma metaforma para nos guiar por esse espaço-informação, correríamos o risco de nos perder no excesso de informação. (JOHNSON, 2011, p.33, grifo nosso) “Na esfera cultural, os híbridos são mais fortes, mais inovadores, que os puro sangue” (JOHNSON, 2011, p.35). Assim como as televisões ficam inteligentes numa velocidade lenta, mas que de repente fazem coisas que impressionam, são as pequenas inovações que dão conta de transformar o vir a ser, que se nota até que esteja tangibilizado sob nossos dedos e permitindo novos fazeres. A usabilidade é prática que busca garantir que esses filtros intermediários funcionem. Leis, como as famosas “Heurísticas de Nielsen”40 foram desenvolvidas para guiar o desenvolvimento das Interfaces Humano-Computador. Com o lançamento do Macintosh e com propagação da computação entre os entusiastas de games, entre os anos 80 e 90 cada vez mais pessoas “normais” tinham computadores em casa, ele começou a fazer parte do dia a dia das pessoas. Certas leituras da engenharia da usabilidade, no entanto, tinham a visão da interface enquanto metaforma que domestica pessoas e computadores em uma relação limitada, o que parece não fazer jus às possibilidades simbólicas do computador na era digital. 40 NIELSEN, JAKOB. 10 Usability Heuristics for the User Interface Design. 1995. Disponível em: <http://www.nngroup.com/articles/ten-usability-heuristics/. Acesso em 12.Agosto.2014. 25 O Windows da Microsoft foi a interface que definitivamente levou o computador para a casa de todos, mas como diz Johnson alguns esforços pareciam exagerados Em algum ponto do caminho a boa-fé das metáforas amigáveis, acessíveis ao usuário, foi substituída pela histeria da simulação total. O sensato desejo de estabelecer analogias entre o digital e o orgânico deu lugar a busca sem limites de uma pura fusão entre os dois. (JOHNSON, 2001, p.48) Esses extremos enxergam o computador como máquina de realizar tarefas para humanos, mas, ao mesmo tempo, enxergam humanos como máquinas de responder estímulos de computador. No fundo, a boa usabilidade não é resultante da construção de objetos que simplifiquem o uso por seu desenho ou engenhosidade, mas daqueles que permitam ser ocupados e colonizados pelas pessoas; por suas diversidades de visões e práticas (efetivas ou potenciais, reais ou imaginárias); ou mesmo daqueles capazes de inspirá-las. Bem mais grave que um design despreocupado com o usuário, é um que, aparentemente centrado nele, coloca de fato um robô em seu lugar. (RANOYA, 2013, p. 146) Antonio Damásio (2000), neurocientista, demonstra por meio de experimentos que há uma relação não puramente racional entre as coisas, muito mais que a mera analogia poderia acomodar. Don Norman, psicólogo cognitivista, co-fundador do Nielsen Institute e autor de “Design of Everyday things”, havia desenvolvido e disseminado muitas regras sobre utilidade e usabilidade, mas, algo mudava em 1993, quando trabalhando na Apple, passou a se denominar “Experience Designer” – “Designer de Experiência do Usuário”, porque: Eu inventei o termo porque achava que “Human Interface” e Usabilidade eram muito limitados. Eu queria cobrir todos os aspectos que envolvem a experiência de uma pessoa com com um sistema, incluindo o design industrial, gráfico, a interface, as interações físicas e o manual. (Don Norman apud HOWARD, 2012, tradução nossa).41 Norman também publicou “Emotional Design: why we love (or hate) every day things.”, onde, influenciado pela obra de Damásio, destaca a importância da emoção na relação do homem com as coisas do mundo, inclusive a tecnologia. O termo User Experience42 vinha para dizer: há muito mais que usabilidade. Além disso, como aponta Johnson, a interface digital é muito mais que uma analogia do que consideramos ‘mundo real’, ela em sua amplitude, deveria refletir possibilidades, afinal “A interface representa o usuário no espaço de dados.” (JOHNSON, 2011, p.22). 41 “I invented the term because I thought Human Interface and Usability were too narrow; I wanted to cover all aspects of the person´s experience with a system, including industrial design, graphics, the interface, the physical interaction, and the manual”. 42 User Experience é prática multidisciplinar que busca compreender e criar soluções centradas em usuários em interfaces digitais. 26 É nesta capacidade de simulação, sustenta Rheingold, que a mente humana e a realidade artificial do computador compartilham um potencial para sinergia: "dar ao simulado hiper realista de nossas cabeças o controle de simulador hiperrealista computadorizado faz com que algo de extrema importância esteja prestes a acontecer (PARENTE, 1999, p.33)43 Essa visão animadora de Johnson e Rheingold pode ser interpretada também na visão de Manovich, para quem vivemos uma forma cultural diferente com a vivência dos ‘dados’ bits e bites. Ele apresenta essa transformação da cultural, de uma forma dialógica, afetada nos dois sentidos: os designers de interface são os “artistas” e as pessoas que interagem com essas interfaces, são sempre convidadas a criar novos comportamentos e novos modos de ser, no momento em que estão em contato com os dados representados e legíveis na forma de “arte”, a interface: A história da arte não é apenas sobre inovações estilísticas, lutas para representar a realidade, o destino humano, a relação entre a sociedade e o indivíduo, etc. – é também a história das novas interfaces de informação criadas pelos artistas e os novos comportamentos informacionais desenvolvidos por usuários à partir delas. Guando Giotto e Einstein desenvolveram novas maneiras de organizar a informação no espaço e no tempo, seus espectadores também desenvolveram formas adequadas de navegar nessas estruturas informacionais – assim como hoje, a cada grande atualização de um softwares, é requerido que modifiquemos comportamentos informacionais que estávamos desempenhando ao usar a versão anterior. (MANOVICH, 2001, p.9-10, tradução e grifo nosso) 44 Johnson cita McLuhan por toda sua obra, mas o que fica é, mais do que máquina como extensão de nós, é a capacidade de, na relação homem-máquina, florescer uma nova consciência, passível pela possibilidade de nos estendermos neste novo contexto (dados) de forma libertária e transcendente, não limitando-nos, assim é pode-se despertar algo que já estava latente (potência). A interface, por enquanto é o filtro, o antídoto, o fantasmas das tecnologias que sonhamos e das possibilidades da relação homem-máquina, em seu cenário mais animador. A relação homem-máquina (digital) faz cada vez mais parte do cotidiano das pessoas, participa do café da manhã, é parceiro no ambiente de trabalho, é o amigo inseparável que mantém as pessoas atualizadas sobre as novidades do mundo e também do quarteirão, vai junto às 43 Rheingold, Howard. What’s the big deal about cyberspace? In: The art of human computer interface design. Massachussetts: Reading, 1990 44 “The history of art is not only about the stylistic innovation, the struggle to represent reality, human fate, the relationship between society and the individual, etc. – it is also the history of new information interfaces developed by artists, and the new information behaviors developed by users. When Giotto and Eisenstein developed new ways to organize information in space and in time, their viewers had to also develop the appropriate ways of navigating these new information structures – just as today every new major release of a new version of familiar software requires us to modify information behaviors we developed in using a previous version.” 27 compras, sai junto para jantar, até que as pessoas dizem: quero férias, quero ficar um pouco desconectado! Johnson, Manovich e outros apostam que a interface é a arte de nosso tempo. E toda arte é caracterizada pela sensibilidade humano, ao momento histórico em que o humano se encontra. E é exatamente essa que parece ser a tendência da análise prática da relação humano-tecnologia (Design Centrado no Ser Humano, Design Thinking, Design de Experiência do Usuário, Design de Interação). Curiosamente, quanto mais desenvolvemos nossas capacidades de evoluir nossas técnicas e tecnologias: de programá-las, avaliá-las, mensurá-las, mais precisamos entender em níveis mais profundos o que significa ser humano e o quanto esses aspectos afetam nossa experiência e essência ao interagirmos com interfaces digitais. 28 2. ASPECTOS HUMANOS Antes de falar das abordagens que centram no ser humano é importante definir o que são os aspectos humanos e contextualizar o sujeito no cenário narrado acima. Edgar Morin45 fala da complexidade da construção do ‘eu’ por três aspectos inseparáveis: a individualidade e subjetividade, onde o eu se sente ele mesmo, a autoafirmação do eu; o ‘eu’ egocêntrico, que se coloca no mundo e age em função de seus interesses pessoais; e o ‘eu’ como ‘nós’, refletido sob o sentimento de comunidade calorosa: os indivíduos que não apenas estão na sociedade, mas a sociedade que está nos indivíduos, a dualidade entre sujeitos que estão em um espaço, e identidade do espaço pelo que está no interior deles. O termo humano, segundo Raymond Willians (2007) já foi usado para denotar civilidade, na idade média, época em que também era caracterizado pela contraposição com o divino. No século XIX humano tinha também um sentido bem estar, e termos como “humanitários” passaram a ser associados ao adjetivo de ‘ser humano’. No século XX, humano passou a indicar calor e afinidade - como em “uma pessoa muito humana”, outro sentido adicionado com o passar do tempo foi o de falibilidade tolerada, “erro humano”, este sentido estaria conectado com a noção tradicional que é humano não só errar como pecar.46 Ser exato, impassível de erro, parece uma característica das máquinas, tendo oposição como uma forma de definir, podemos, neste sentido, situar o que é humano em relação ao que é maquínico. A questão da simbiose do homem orgânico com a máquina, no chamado pós-humano, como apresentado por Lucia Santaella (2007) começam a ser delineadas. Ainda que não seja o objeto de estudo deste projeto, algumas fronteiras são importantes de pontuar - Santaella fala do movimento do cyberpunk , como um uso sociocultural mais descentralizado da ciência e da tecnologia à serviço de indivíduos, é a tecnologia atuando para alteração os sentidos e a mente humanas. O ciborque47 provocaria: [...] profundas questões filosóficas sobre natureza da realidade, da subjetividade e do ser humano no mundo da tecnologia: o que é autenticamente humano quando se tornam indefinidas as fronteiras entre humanidade e tecnologia? O que é a identidade humana, se ela for programável? O que sobra das noções de autenticidade e identidade numa implosão programada entre tecnologia e ser 45 Edgar Morin - A complexidade do eu. Disponível em: <http://youtu.be/ExOqRgBKDKA> Acesso em 10.Setembro.2014. 46 47 WILLIANS, 2007, p.205-209 Híbrido, o homem ampliado pelas tecnologias. O termo ciborgue nasceu da junção de cyb (ernetic) + org(anism) - cib(ernético) + org(anism ) cunhado por Clynes e Nathan Kline em 1960. In: Santaella,2007, p.40 29 humano. O que é “realidade”, se ela é capaz de tanta simulação? De que modo a realidade está hoje sendo corroída, e quais são as consequências disso? Certamento Gibson (em neuromancer) não responde a essas perguntas, mas pelo menos nos faz pensar sobre elas. (Kellener48, apud Santaella, 2007, p.37, grifo nosso) Certamente trata-se de outro tipo de ser humano, nuances que ultrapassam o recorte deste projeto, o foco fica na desconcertante indagação de Kellner: “O que é a identidade humana se ela for programável?”. 2.1 SER HUMANO Buscando paralelos na história para a compreensão do lado humano e do que é ser humano, chegamos a Parmênides49, um dos pré-socráticos mais importantes, seu poema filosófico “da Natureza” influenciou grande parte da metafísica e filosofia ocidental, tanto pelos que partiram de sua concepção sobre a identidade do ser para fundar sua teoria, como aqueles que por meio da negação de sua ideia formaram a base de sua filosofia.50 Na leitura anti-predicativa do argumento de Parmênides, proposta por Trindade Santos, a descoberta da verdade vem pelo pensar que tem o mesmo sentido de conhecer - O que conheço é aquilo que é conhecido por mim. O conhecimento não é sobre algo exterior sobre o qual o homem age para descobrir, o conhecimento é sobre o desvelamento do ser pela experiência, sendo, se é51. Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste - quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar: um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a verdade); o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável, nem mostrá-lo [...] (Parmênides apud SANTOS, 2012. p.15). 48 KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Bauru, Edusc, 2001. 49 Há controvérsias sobre o período em que Parmênides nasceu, estima-se que seja entre 544 e 541 a.C., na cidade grega de Eleia, seu texto “da Natureza” é um poema, incompleto e cujos trechos foram preservados por meio da citação sistemática ao longo do tempo pelos mais diversos pensadores e filósofos, inclusive por Sócrates e Platão. In: CORDERO, 2011. p.9 50 SANTOS, 2011. p.49 51 CORDERO, 2011. 30 No poema são apontados apenas dois caminhos únicos e excludentes para ser - “O que é” e “O que não é”- os caminhos são lidos como “nome”: um é, tem um “nome” (uma identidade) e no outro caminho, o nome lhe será negado, é o “não nome”, onde não é possível conhecer. Parmênides, segundo Santos, está a falar do pensamento como conhecimento condição da possibilidade de compreender alguma coisa. Não é conhecimento de nada exterior ao próprio conhecimento. Há apenas o conhecimento. Essa perspectiva de conhecimento descolado das coisas causa certo estranhamento à primeira vista, isso porque praticamente toda a história da filosofia ocidental, desde Platão e Aristóteles é a história da metafísica, que é conhecimento por meio das formas. As formas surgem em Platão como “entidades reguladoras do conhecimento que se situam acima das flutuações das capacidades cognitivas dos indivíduos” (SANTOS, 2009, p.30), são hipóteses que permitem ao conhecimento ser verdadeiro, conhecimento é conhecimento de algo (exterior). Para Heidgger52 essa perspectiva de conhecimento, a metafísica, implica no esquecimento do ser, pois se trata de ‘entes’, ela substitui o conhecimento do ‘ser’ pelo conhecimento do ‘ente’.53 Em Aristóteles, o ser é visto sob a perspectiva da substância, são modos de “dizer” o que se é, os significados são tecidos pela captação de uma realidade exterior, há um proto sujeito e um proto objeto, o conhecimento é a relação entre essas entidades distintas, este é um entendimento predicativo. Decartes (razão) consagra a visão predicativa do conhecimento, que, segundo Santos, é tão convincente que as visões não predicativas praticamente foram esquecidas. Até que Husserl (fenomenologia), Heidgger (ontologia), Wittengenstain (terapia da linguagem), Marx (praxis) demarcaram o fim da filosofia enquanto a forma metafísica de se ver o “ente”54. No Daisen55 - ser é vir a ser aí no mundo – visão que marca um rompimento com as visões predicativas: [...] ser-no-mundo, que é a constituição fundamental do Daisen e que delimita todos os modos de ser deste ente. O Daisen sempre busca tornar possível cada maneira de existir que se correlaciona a um significado. Este se torna possível através da compreensão, que é inerente ao Daisen. O projetar do Daisen nunca é sua totalidade, 52 Santos, 2011. 53 Santos, op. cit. 54 ver Santos op.cit. e HEIDGGER, 2005, p.91, notas do tradutor. 55 Conceito de tradução complexa. Daisen é um conceito popularizado por Heidegger, é o vír a ser aí no mundo, daisen vive na clareira do ser, no seu entorno. Cf. o “Ser e o Tempo” de Heidegger. 31 pois está sendo a realização das possibilidades que não tinham sido ainda desveladas. (ARAÚJO, 2005, p.39, grifo nosso) O Daisen pode ser visto como uma representação de energia contrária à alienante e cerceante da relação o homem com a técnica (sob a tecnologia) vistas no primeiro capítulo e sob a pergunta de Kellner; a angústia , para Heidegger é o fenômeno que revela “o ser para o poder ser mais próprio, ou seja, o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo”. (Heidegger56 apud ARAÚJO, 2005, p.44). Nessa perspectiva, o homem surge como um ser simbólico, cujas negociações de sentido com os outros e com as coisas do mundo o fazem ser o que é. Merleau-Ponty, em uma análise sobre a linguagem, descreve a experiência de pensamento como o que nos inicia ao que não somos, abrindo oportunidade para a essência surgir (CHAUÍ, 2002, p.41). A ordem humana, nesse aspecto é definida pela estrutura simbólica, “o que define a ordem humana não é a criação de uma ‘segunda natureza’ (cultura), mas a capacidade de ultrapassar estruturas criadas, negando-as e criando outras”. (CHAUÍ, 2002, p.243). O indivíduo e a coletividade para Merleau-Ponty não são isoláveis, é impossível dizer qual é fundante em relação ao outro, a sociedade é um sistema de trocas - um dos três aspectos citados por Morin57. Flusser em “O mundo codificado” fala sobre as capacidades que nos torna humanos: Quando o homem se assumiu como sujeito do mundo, quando recuou um pouco para poder pensar sobre ele, isto é, quando se tornou homem, assim o fez graças à sua curiosa capacidade de imaginar esse mundo. Assim criou um mundo de imagens que fizessem a mediação entre ele e o mundo dos fatos, com os quais estava perdendo contato à medida que retrocedia para observá-los. Mais tarde ele aprendeu a lidar com esse universo imagético graças a outra capacidade humana - a capacidade de conceber. Ao pensar por meio de conceitos, o homem tornou-se não somente o sujeito de um mundo objetivado de fatos, mas também de um mundo objetivado de imagens. (FLUSSER, 2013, p. 120-121, grifo nosso) Neste ponto, nos questionamos: de que forma o ser humano chegou ao ponto de, pela própria imaginação e pensamento, criar formas e símbolos que o afastavam de ser humano (nessa concepção libertária)? Como Ser Humano não é acabado, finito e pronto, está em transformação, essas respostas estão apresentadas em momentos distintos e de maneiras diferentes pela filosofia e antropologia, sociologia, neurociência, etc. No recorte deste trabalho, é possível destacar a importância da definição da identidade humana nas relações simbólicas do homem com 56 “Ser e o Tempo” 57 citado acima 32 tecnologia. Podemos buscar entender como atuam as forças não neutras que agem nessa interação, como elas complementam, entram em conflito e se emaranham na complexidade do ser. 2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE Stuart Hall (2005) em “A identidade cultural na pós-modernidade” fala das concepções de construções identitárias ao longo do tempo. O sujeito no iluminismo caracterizado pela busca do individualismo - o ser dotado de essência inata que se desenvolvia com ele. O sujeito sociológico surge com a sociedade moderna, o ser é formado pela relação com “outras pessoas importantes para ele” (HALL, 2005, p.10), o contato constante com mundos culturais exteriores permitiria a construção da identidade por meio do que esses mundos oferecem - é a “costura do sujeito à estrutura”: capital, classes sociais eram algumas das características herdadas pelo sujeito, condições que o formavam. Já o sujeito pós-moderno é composto por várias identidades e fragmentações, a identidade é construída historicamente e não biologicamente. São os portfólios de identidade58, voláteis e cambiáveis, apresentado por diversos pensadores, entre eles Bauman (2001 e 2007) e Harvey (2012). Harvey comenta que a “fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais (ou para um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno” (HARVEY, 2012, p.19). Bauman, que usa o termo ‘modernidade líquida’, fala sobre os desprendimentos e laços sociais que se desfizeram com a reconfiguração do mundo globalizado e interconectado. Com a lógica da ‘racionalidade instrumental’ (Weber), onde a ordem econômica desempenha um papel determinante (Karl Marx), o capitalismo proporcionou uma libertação da economia dos seus tradicionais embaraços políticos, éticos e culturais (BAUMAN, 2007, p.11). É o mesmo cenário comentado por Stuart Hall: [...] a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e ‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições 58 Entrevista disponível no STOA, rede social da USP. MELLO, Luci Ferraz et al. Mauro Wilton de Souza e as interfaces da Comunicação / Educação. Biografia das Personalidades em Educomunicação. Disponível em < http://moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=14834> . Acesso em 14.Abril.2013 33 de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas.(HALL, 2005, p.87, grifo nosso) A experiência de ser humano parece se transformar, ser na pós-modernidade não é mais o mesmo do que era na modernidade e no iluminismo, aparentemente as respostas não estão impressas na essência e tampouco são garantidas pelas estruturas sociais: O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. [...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade, desconcertante e cambiante de identidades possíveis, cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente. (HALL, 2005, p.12-13) Assim, a busca da identidade, ainda que efêmera, é uma busca por tornar o fluxo de mudança mais lento, solidificar o fluído, dar forma ao disforme. Quando visto de relance, as identidades configuradas pelas pessoas parecem sólidas e fixas, mas segundo Bauman (2007, p.98) elas são voláteis. A construção da identidade passa a ser uma tarefa pessoal e solitária, ainda que muitas vezes não totalmente consciente: “Todo mundo tenta fazer de sua vida uma obra de arte” (Albert Cadmus apud BAUMAN, 2007, p.97). É uma atribuição marcada por detalhes emocionais, influências midiáticas e o papel exercido em um momento de interação social, David Harvey complementa essa visão, mostrando o papel intermediário das representações e artefatos – interfaces? – nessa construção As práticas estéticas e culturais têm particular suscetibilidade à experiência cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de representações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experiência humana. Elas sempre servem de intermediário entre o Ser e o Vir-a-Ser. (HARVEY, 2012, p.293, grifo nosso) Podemos considerar, então, que os artefatos, as representações – ou as tecnologias e as interfaces – são intermediários nessa construção do eu, para este aspecto, Bauman faz um confronto interessante – a diferença entre a necessidade e o desejo: a necessidade é inflexível, enquanto o desejo é o impulso que busca libertação do princípio da realidade, ele é líquido e 34 expansível, sedento por referenciais simbólicos, daí a facilidade de apegar-se e desapegar-se de valores estabelecidos. Os aparatos e as formas de organizações vigentes representam para Bauman o cenário de transição onde as identidades são negociadas no espaço: O cada vez mais frequente uso da metáfora ‘rede’, em substituição a termos usados no passado, na descrição das interações sociais (sistemas, estruturas, sociedades ou comunidades), reflete a acumulativa percepção de que as totalizações sociais são nebulosas nas bordas; mantêm-se num estado de fluxo constante; estão sempre se tornando, em vez de serem; e raramente estão destinadas a durar para sempre. Em outras palavras, isso sugere que as totalizações hoje em luta por reconhecimento são mais fluidas do que costumavam ou se acredita ser quando os termos que agora ansiamos por substituir eram os adotados. [...] a rede é a formidável flexibilidade de seus conteúdos [...] O processo de ‘formação de identidade’ tornou-se sobretudo uma máquina de renegociação de redes [...] A formação da identidade tornou-se tarefa vitalícia, jamais completada. Em nenhum momento da vida a identidade é final. (BAUMAN, 2011, p.19, grifo nosso) O tempo (quase no sentido cronológico), a comunidade (no sentido de múltiplas e concomitantes comunidades) com as quais as pessoas interagem, a primazia momentânea de um valor ‘fundamental’ dá conta de traduzir o “quem eu sou”, “quem você é”: É apenas quando inserida em um contexto específico que a identidade ganha contornos e significado. Por isso, em cada situação, para cada grupo de sujeitos, há mediações específicas atuando. Numa dada relação a mediação hegemônica pode ser a diferença de gênero e as identidades serão construídas a partir da ideia de ‘homem e ‘mulher’. Em outra situação, a mediação fundamental pode ser a cor da pele e os mesmos sujeitos serão reidentificados como ‘brancos’ e ‘negros’. As identidades estão sempre em construção, dependentes desses sistemas classificatórios estabelecidos no momento específico em que as diferenças são evocadas. Por traz de uma construção de identidade há sempre a mediação de um processo simbólico e discursivo que marca as diferenças. (LEITE, SOUZA E GIOIELLI, 2005, p.38, grifo nosso). Como tradutor que afeta, a interface deveria se propor a entrar nesse jogo de identidade e valores que compõe o homem na pós-modernidade, acompanhando e complementando sua construção. 2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (ORTEGA Y GASSET)59. É preciso cuidado ao tomar a máquina como puramente conexão ou mesmo extensão, pois no cenário vislumbrando acima, fica evidente que é essencial ao homem a capacidade de contextualizar e de realizar 59 Citação apresentada por Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da Sociedade em Rede. Digicorp. Turma 3. 2013. 35 interligações, se o homem torna-se técnico, pode perder também sua identidade. A subjetividade é construída por valores individuais e reconfigurados na pós-modernidade, a “escolha é a objetivação de uma subjetividade” 60, se eliminarmos a escolha? O que resta do ser no homem, um ser técnico? Teorias recentes que explicam a relação entre tecnologia e organizações argumentam que as duas são mutuamente interdependentes; uma molda a outra, reafirmando os ciclos de construção de sentido e dando forma aos significados organizacionais. (GASSON, 2003, p.30-31, tradução nossa)61 A técnica é um fim, é instrumental. A tecnologia é conjunto de experiências relacionais no tempo e espaço para uso da técnica62. Na sociedade do consumo, as necessidades são criadas, é possível perceber o valor das coisas pela sua finalidade, ou propósito como trataremos no início deste estudo. A técnica (citando Heidegger) é tudo aquilo que permite a descoberta da verdade, o desvelamento do ser no Daisen, que permite ao homem exercer seu poder. Pela tecnologia, o homem pode causar uma ruptura no tempo e no espaço, capaz de decompor os componentes63 e desvendar-se. “Um organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação causa uma mudança no organismo” (DAMÁSIO64 apud Ranoya, 2013, p.88). Segundo Ranoya (2013, p.88), é impossível separar o objeto desta mudança que ele provoca no sujeito, e essa dupla articulação está sempre implicada na produção do sentido. “A tecnologia não é boa e nem má, tampouco neutra” (Melvin Kransberg apud Buxton, 2008, p.38): O que isso quer dizer é que sempre que introduzirmos um produto no mercado e na sociedade, isso terá um impacto – positivo ou negativo. Eu tenho um corolário para a Primeira Lei de Kransberg que é: Sem projeto informado (intencional), a tecnologia está mais propensa a ser má do que ser boa. (BUXTON, 2008, p.38, tradução nossa)65 60 Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da Sociedade em Rede. Digicorp. Turma 3. 2013. 61 Recent theories that explain the relationship between technology and organization have argued that the two are mutually interdependent: each shapes the other through self-reinforcing cycles of sensemaking and giving form to the organizational meanings that ensue. 62 Mauro Wilton, ibidem 63 Estruturas sociais, como na citação de Gasson, as estruturas simbólicas que compõe as organizações. 64 65 DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letas, 2005. p. 38 What this says is that whenever we introduce a product into the market and our society, it will have an impact—positive or negative. I have a corollary to Kransberg’s First Law. It is: 36 A pós-modernidade, como vimos, é marcada por uma fragmentação, uma efemeridade de valores. O valor humano torna-se múltiplo, cambiável e não raras vezes percebe-se a concomitância de valores conflitantes entre si. Em um cenário de emergência de tecnologias, Harper, Rodden e Rogers (2008) defendem a criação de políticas que cuidem de entender quais são os valores importantes de serem delimitados - fronteiras – que isso balize o desenhar da tecnologia por e para humanos. Como os valores humanos podem afetar as fronteiras da interface? Por exemplo, o desejo de vitalidade e a independência quando envelhecemos pode motivar a acoplar dispositivos médicos próximos ao corpo ou mesmo dentro dele. Mas como isso afeta outro valor humano, como a necessidade de definir a própria identidade? Se o computador está incorporado em nós, eles são parte de nossa identidade? E sobre compartilhar informação com terceiros? Se esses terceiros tiverem acesso à nossa informação mais íntima, podemos estar perdendo a independência que nós talvez estejamos buscando? Qual a fronteira entre nós e interfaces embutidas em nós de forma invisível, o quanto é importante controlar o limite dessa fronteira? Essas são algumas questões que termos que lidar cada vez mais no futuro. (HARPER, RODDENS e ROGERS, 2008, p.37, tradução e grifo nosso)66 Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia flexível, aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e um display. As cores se alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível divertida, sensual, estimulada por reflexos sensórios e afetada pelo humor.67 Os autores citam questões delicadas que podem vir à tona com essas novas interações: interação direta e silenciosa - quando, por meio de sensores invisíveis, nossas interações Without informed design, technology is more likely to be bad than good. 66 “How do human values affect the interface boundaries? For example, the desire of vitality and independence as we grow older might motivate us to place medical devices close to or even within our bodies. But how dos this affect other human value, such as the need to define our own identity? If computes are embedded within us, are they part of identity? And what about sharing that date with others? If others have access to our most intimate data, do we then fell a loss of the independence we might seek? Likewise, the boundary between us and embedded device is invisible, how important is it that we manage and control that boundary? There are all issues that we increasingly have to deal with in future.” 67 HARPER, RODDEN E ROGERS, 2008, p.36 37 comuns com objetos do dia a dia passam a ser permeadas pelo digital (o quanto isso chega até a cognição humana? O quanto essas mudanças são evidentes?); outro exemplo que clama por uma fronteira, segundo os autores é o “modo de vivência de um ecossistema computadorizado” (HARPER, RODDENS e ROGERS, 2008, p.39, tradução nossa) - além de garantir que as pessoas entendam a interação, de definir qual o limite entre segurança e privacidade nesses ecossistemas, há outras questões como a dependência cada vez maior dos sistemas digitais para serviços que eram do intelecto humano, como um diagnóstico médico por exemplo, o que fazer quando alguma coisa nos sistema pára de funcionar? Isso será perceptível? São muitas as questões abordadas pelos autores no relatório chamado “Being Human” – Sendo Humano. A questão principal é entender a tecnologia como um fenômeno social, que pode, por suas características, muitas vezes difíceis de notar nas primeiras versões, chocar-se com os valores e com os elementos que compõe a identidade humana: Muitos sistemas são construídos com o pressuposto que quanto mais informação capturam melhor. Em contrapartida, as pessoas valorizam a possibilidade de ser seletivas quando se lembram. Algumas vezes é importante esquecer, e contamos com a tendência natural de que os outros também esqueçam nossas ações e atividades passadas. Mas os arquivos digitais são impiedosos: uma brincadeira boba de tirar fotos por um smartphone, se compartilhadas na rede podem perseguir alguém para o resto de sua vida, de uma forma nunca vista antes. Vai ser possível para as pessoas apagarem as memórias digitais capturadas por outros? Agora que existem ferramentas digitais que podem gravar tudo que é dito ou feito, como isso afeta nossas próprias capacidades de ser lembrados? A pegada digital obviamente levanta novos desafios para a maneira como projetamos a tecnologia. Tudo isso precisa ser entendido como um fenômeno social. Memórias nos ajudam a honrar nosso passado e moldar nossa identidade […] No futuro, é provável que haja dados pessoais nossos em vários domínios e isso pode ter um impacto social muito maior do que estamos imaginando. (HARPER, RODDENS e ROGERS, 2008, p.46, tradução e grifo nosso) 68 Flusser demonstra que a composição e o uso do código altera nossa capacidade de entender o mundo, a tecnologia indo além do instrumental. Ela decompõe, e assim compõe: Um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é proporcionar a comunicação entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem (‘significam’) 68 “Many system are built on the assumption that the more date we capture the better. In contrast, humans place great value on being selective in what they remember. It is important that we sometimes forget and that rely on the tendency of others to forget our past actions and activities too. But digital records are merciless: a silly prank capture on a mobile phone and then uploaded to a photo sharing site may haunt someone to the rest of their lives in a way it never did before. Will it be possible for people to delete digital memories capture by others? Now that there are digital tools that can record everything we say or do, how will this affect our own abilities and was of remembering? Digital footprint obviously raise new challenges for how we design technologies. But they also need to be understood as a social phenomenon. Memories help us honour the past and shape our sense of identity.[...] In the future we are likely to have less control over our digital records. This fact, coupled with the persistence of our personal data in many domains may well have more far-reaching societal impact than even begin to imagine.” 38 outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição; ela substitui a vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mutuamente por meio de códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O homem é um animal alienado (verfremdet) e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em códigos, caso queria transpor o abismo que há entre ele e o ‘mundo’. Ele precisa mediar (vermitteln), precisa dar um sentido ao ‘mundo’. [...] O mundo codificado em que vivemos não mais significa processos, vir-a-ser, ele não conta histórias, e viver nele não significa agir. O fato de ele não significar mais isso e chamado de ‘crise dos valores’. [...] Não há paralelos no passado que nos permitam aprender o uso dos códigos tecnológicos, como eles se manifestam, por exemplo, numa explosão de cores. Mas devemos aprendê-lo, senão seremos condenados a prolongar uma existência sem sentido em um mundo que se tornou codificado pela imaginação tecnológica. (FLUSSER, 2013, p.130-137, grifo nosso) Conseguimos assim, traçar um pano de fundo e trazer à tona os tão negligenciados aspectos humanos inerentes ao mundo tecnomediado. Como projetar tecnologia para humanos, respeitando-lhes as fronteiras do ser, permitindo a construção de identidade como manifestação de sua liberdade? Diante da problemática exposta, este trabalho se propõe a entender as abordagens que consideram os aspectos humanos no desenvolvimento de projetos que envolvam experiências mediadas por interfaces, mais especificamente como se dá a centralidade humana nessas abordagens. 39 3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO John Maeda69 conta que sua busca pela simplicidade nos sistemas complexos sempre foi uma busca de entender o lado humano e como trazer simplicidade não de uma maneira “simplória” ou reducionista, mas de uma maneira mais humana. Ele que, iniciou seus estudos em Ciências da Computação, fala durante sua apresentação na Ted Talk70 da importância dos designers em sua formação - Muriel Cooper e Paul Rand - durante sua passagem pelo MIT Massachusetts Institute of Technology, e pela Escola de Artes do Japão. Especialmente no MIT, onde foi estudante e posteriormente diretor do Laboratório de Mídia, diz ele - a questão humana não era algo explícito – “o T não significa humano” 71- e foi exatamente atrás do que era humano que ele teve que ele se desbruçou para leis da simplicidade. Maeda costuma monitorar o quanto as pessoas estão buscando por “human” – “humano” e por “computer” – “computador” no Google, e compara esses termos com a busca por “simplicity” – “simplicidade” e “complexity” – “complexidade”, para ele, humanidade e simplicidade estão de alguma forma conectadas. Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda Parte de sua pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade72 69 Designer gráfico, artista visual e cientista da computação. Diretor do Laboratório de mídia do MIT, autor de Leis da Simplicidade e Design by Numbers. 70 John Maeda. On Simplicity. http://www.ted.com/talks/john_maeda_on_the_simple_life/ - Muriel Cooper era designer e foi diretora do MIT, incentivou Maeda e ir para a Escola de Artes quando ainda era aluno de computação e teve contato com o designer gráfico Paul Rand na Escola de Artes do Japão, ele atribui essa busca pelo lado artístico como algo que o fez mais sensível ao lado humano e buscar a simplicidade. 71 “the T doesn´t mean Human” 72 Maeda, ibidem. 40 Em “Leis da Simplicidade”, Maeda (2007), descreve como os sistemas complexos deveriam se comportar para trazer mais simplicidade à vida humana e não o contrário, como ele diz, “a tecnologia tornou nossas vidas mais completas, ao mesmo tempo, tornamo-nos desconfortavelmente ‘completos’” (MAEDA, 2007, i). Produtos tecnológicos com manuais longos para produtos do dia a dia, é um exemplo de complexidade que não agrega benefício na vida das pessoas - se elas precisam de um manual tão complexo para entender como funciona, é porque não funciona bem, ou de um jeito simples. Como já vimos, a história do estudo da relação homem-máquina iniciou-se com as abordagens da Ergonomia e de Fatores Humanos da Interação Humano Computador (IHC), que não eram centradas especificamente no ser humano, buscavam economia de esforço, melhoria na execução de tarefas, as pessoas vistas usuários de máquinas. A 10 da simplicidade de Maeda vão à contramão do movimento da usabilidade, da forma com apresentada no primeiro capítulo: 1. REDUZIR: A maneira mais simples de alcançar a simplicidade é por meio de redução conscienciosa 2. ORGANIZAR: A organização faz com que um sistema de muitos pareça de poucos 3. TEMPO: Economia de tempo permite simplicidade 4. APRENDER: O conhecimento torna tudo mais simples 5. DIFERENÇAS: Simplicidade e complexidade necessitam uma da outra 6. CONTEXTO: O que reside na periferia da simplicidade é definitivamente não periférico 7. EMOÇÃO: Mais emoção é melhor que menos 8. CONFIANÇA: Na simplicidade nós confiamos 9. FRACASSO: Algumas coisas nunca podem ser simples 10. A ÚNICA: A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o significativo (MAEDA, 2007, refrão) Os sistemas devem permitir que as pessoas executem as tarefas de forma eficiente, mas também garantir os espaços para as emoções. É a sutil e complexa arte dos objetos à nossa volta proporcionarem momentos de conforto, de reconhecimento, de uma experiência com significado. “A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o significativo” (MAEDA, 2007, p.89) - o significativo é essa característica das interfaces que dialogam com o potencial simbólico e cognitivo das pessoas que interagem com ela, são eficientes em entender os aspectos humanos que afetam essa interação. 41 Como o objetivo deste trabalho é entender como as abordagens centradas no ser humano consideram os aspectos humanos em suas metodologias, foram selecionadas a abordagens do Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. para análise Susan Gasson (2003) fez um levantamento sobre as abordagens que buscavam essa centralidade no ser humano, no artigo “Human Centered vs User Centered Approches to Information System Design” ela levanta a dificuldade das abordagens de desvincularem o homem como usuário de computador, o homem que interage com a máquina, usuário de tecnologia. Ela chama atenção para o fato de que a tecnologia é modelada e modela expectativas sociais, o design centrado no ser humano questiona essas mazelas sociais que moldam as tecnologias. Tecnologia é moldada por, e molda por sua vez, as expectativas sociais: a forma como a tecnologia é derivada desses efeitos, das expectativas sociais afeta o processo design. Design Centrado no Ser Humano defende o design de sistemas que questionam as normativas da expectativa social para a tecnologia. (GASSON, 2003, p.31, tradução e grifo nosso) 73 3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO O Design de Interação, segundo Gasson74, é oriundo da Interação HumanoComputador e foi uma das primeiras práticas a se preocupar de forma mais profunda com as questões humanas na interface homem máquina, indo além de affordance75 e usabilidade. Design de Interação analisa as maneiras que as pessoas vão operar com um artefato técnico e projetam o artefato para refletir esses propósitos e usos específicos. (Preece, Rogers and Sharp, 2002 apud GASSON, 2003, p.35, tradução nossa)76 O Design de Interação veio para considerar o espaço de possibilidades passíveis de emergir com a presença da tecnologia. Alan Cooper propõe a ruptura do paradigma industrial, ele defende tirar a criação da tecnologia das mãos unicamente dos programadores. Cooper iniciou sua carreira como 73 “Technology is shaped by, and shapes in turn, social expectations: the form of technology is derived from the effect of these social expectations upon the design process (Mackenzie and Wajcman, 1999). Human-centered design advocates the design of systems that question normative expectations of technology (Kuhn, 1996).” (GASSON, 2003, p.31) 74 GASSON, 2003, p.35 75 Capacidade de um objeto, interface ou ambiente, pelas suas características, deixar claro quais suas possibilidades de funcionais. 76 Interaction design examines the ways in which people will work with a technical artifact and designs the artifact to reflect these specific purposes and uses 42 desenvolvedor de software77 e posteriormente buscou transição do que ele julga um pensamento puramente maquínico para o desenvolvimento do comportamento da interface da interação do homem com a tecnologia, por meio Design de Interação. Segundo Cooper, o que faz as pessoas gostarem ou não gostarem dos produtos tecnológicos, estarem ou não estarem satisfeitas com um serviço não se encaixa mais no paradigma industrial ao qual os programadores estão habituados - a visão de mundo binária onde algo pode ser maior ou menor, funcionar ou não funcionar.78 As abordagens centradas no ser humano, como a do Design de Interação, buscam a sutil diferença entre entregar um bom produto e entregar algo que propicie uma interação prazerosa com produtos e serviços. E isso exige a mudança na forma de pensar e criar, pois se está focado em criar um bom produto, foca-se no que já se sabe fazer e no produto em si, mas quando busca entregar experiências centradas em pessoas, há de buscar um entendimento que vai muito além do produto em si. ROGERS, SHARP e PREECE (2011) sustentam o Design de Interação para além da interação do homem-computador, os autores listam itens importantes para se considerar nesses projetos de design interativos, são métodos que buscam garantir que essas interações com a tecnologia estejam alinhadas com as expectativas de experiência do ser humano, e não somente pelas perspectivas de desenvolvimento tecnológico: Projetar produtos interativos requer considerar quem vai usá-los, como e onde serão usados. Outra preocupação fundamental é entender o tipo de atividades que as pessoas estão fazendo ao interagirem com os produtos. A adequação a diferentes tipos de interfaces e arranjos de dispositivos de entrada e saída dependem do tipo de atividade para os quais se destinam. Tomar decisões baseando-se no entendimento dos usuários, envolve, por exemplo: -Levar em consideração a habilidade das pessoas - no que as pessoas são boas ou ruins; -Considerar o que pode ajudar as pessoas no modo que elas fazem as coisas atualmente; -Pensar o que tem potencial de proporcionar experiências de qualidade para os usuários; -Ouvir o que as pessoas querem e envolvê-las no processo de design; 77 Alan Cooper desenvolveu o Visual Basic que foi comprado por Bill Gates e contribuiu para o sucesso do Microsoft Windows. É autor de "About Face: The Essentials of User Interface Design" and "The Inmates Are Running the Asylum", em suas obras faz um cenário distópico se consideramos tecnologia modelada unicamente por engenheiros de softwares. 78 Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em 30.Agosto.2014 43 -Usando técnicas de experimentação e testes baseadas no usuário durante o processo de design. (ROGERS, SHARP e PREECE, 201, p.7-8, tradução nossa)79 Em “The Inmates are running the asylum” (2004) Alan Cooper aborda que os programadores não deveriam construir todo o código e os designers atuarem na interface só depois que os programas já estivessem prontos, pois o código dita a interação. De fato, ao desenvolver um software e uma maneira que uma máquina atua em um ambiente, novos comportamentos serão projetados e é sobre esses comportamentos que os programadores não possuem insumos para refletir, uma vez que centram seus esforços no produto que estão desenvolvendo. A chave para resolver o problema é design de interação antes da programação. Nós precisamos de uma nova classe de profissional de designers de interação que projetem a maneira como o software vai se comportar. Hoje, programadores conscientemente projetam o código dentro dos programas, mas sem atenção devida projetam a interação com os humanos. Eles projetam o que programa faz, mas não como ele se comporta, se comunica ou informa. [...] Programadores não são maus. Eles trabalham arduamente para fazer com que os softwares sejam fáceis de usar. Infelizmente, o referencial que possuem são eles mesmos, eles constroem softwares fáceis de ser usados por outros engenheiros de programação, não para seres humanos normais. (COOPER, 2004, p.16-17, tradução e grifo nosso)80 Na visão de Cooper essa mudança de paradigma se faz necessária para que a tecnologia não cerceie os comportamentos humanos. Segundo o autor81, ainda que às vezes julguemos que as interfaces se comportem de determinada maneira por algum (bom) motivo, na maioria das vezes, são resultados do pensamento do programador, ou do que é conhecido 79 Designing interactive products requires considering who is going to be using them, how they are going to be used, and where they are going to be used. Another key concern is to understand the kind of activities people are doing when interacting with the products. The appropriateness of different kinds of interfaces and arrangements of input and output devices depends on what kinds of activities are to be supported. For example in deciding which choices to make by basing them on an understanding of the users. This involves: - Taking into account what people are good and bad at;/- Considering what might help people with the way they currently do things;/Thinking though what might provide quality user experiences;/- Listening to what people want and getting them involved in the design;/- Using tried and tested user-based techniques during the design process 80 “The key to solving the problem is interaction design before programming. We need a new class of professional interaction designers who design the way software behaves. Today, programmers consciously design the code inside programs but only inadvertenly design the interaction with humans. They design what a program does but not how it behaves, communicates, or informs. (...) Programmers aren´t evil. They work hard to make their software easy to use. Unfortunantely, their frame of reference is themselves, so they only make it easly to use for other software engineers, not for normal human beings.” 81 COOPER, 2004, p.53 44 como ‘herança’82 de software, e que na prática acabam ditando comportamento de seres humanos. Muitos programadores se julgam talentosos designers. De fato, muitos deles o são, mas há uma grande diferença entre projetar para função e projetar para humanos. […] Eu acredito que nossa incapacidade em resolver problemas usando métodos de engenharia é a prova de que engenharia não pode resolver o problema. Pedir a engenheiros para consertar o problema é como pedir para a raposa cuidar da segurança do galinheiro. (COOPER, 2004, p. 90-92, tradução e grifo nosso) 83 Cooper explica que essa dinâmica cria sistemas complexos, que desequilibra a relação homem-máquina, pois acaba exigindo que o ser humano pense e se comporte como uma máquina. Isso porque, no desenvolvimento do software, o programador cria uma lógica parecida à de seu modelo mental que é muito diferente do das pessoas comuns: Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens Para Cooper, os programadores são o ‘homo logicus’, aceitam a complexidade para ter mais controle das opções possíveis, em contrapartida, o que as pessoas comuns - ‘homo sapiens’ buscam a simplicidade e abrem mão de controlar em prol disso 84 Produtos digitais geralmente assumem que as pessoas são tecnologicamente alfabetizadas. Por exemplo, no Word da Microsoft, se uma usuária quer renomear um documento que está editando, ela deve saber que terá também que fechar o documento ou usar o “Salvar como..” no menu de comando (e lembrar-se de apagar o arquivo com o documento antigo). Esses comportamentos são inconsistentes com a forma como uma pessoa normal pensa sobre renomear alguma coisa; em vez de 82 Acúmulo de decisões unilaterais que compõe uma linguagem de programação orientada a objetos, permite a evolução das linguagens com base em linguagens anteriores, algumas decisões se propagam no desenvolvimento de software assumindo proposições dogmáticas. 83 “Many programmers believe themselves to be talented designers. In fact, this is often true, but there is a tremendous difference between designing for function and designing for humans.[...] I believe that our failure to solve the problem with engineering methods is proof that engineering methods cannot solve the problem. I´ll go further and state that engineering methods are one of the root causes of the problem. Asking engineers to fix the problem is like asking the fox to solve the henhosue security problem.” 84 COOPER, 2004, p.97 45 adequar-se a modelo mental das pessoas, os sistemas exigem que elas passem a pensar mais de forma análoga a maneira como um computador funciona. (COOPER et al, 2014, p.5, tradução nossa)85 Com o intuito de criar interfaces mais humanas, Cooper desenvolveu o Processo de Design orientado a Propósitos86, que parte do entendimento das pessoas para desenvolver um software. Isso é feito por meio da pesquisa e criação das personas, atividade que requer o reconhecimento dos propósitos (goals) dessas pessoas. Propósito, segundo ele, é diferente de atividades e tarefas - que programadores a analistas de usabilidade se acostumaram a focar está relacionado à propósitos finais na vida dessas pessoas enquanto tarefas e atividades são necessidades eventuais ou intermediárias que as pessoas fazem para atingi-los: Quando as empresas realmente focam nos usuários, elas tendem em prestar muito mais atenção nas atividades que engajam os usuários e não prestam atenção suficiente nos propósitos que as pessoas têm ao realizarem essas tarefas [...] Propósitos não são a mesma coisa que atividades. Um propósito é uma expectativa de uma condição final, enquanto tanto atividades como tarefas são passos intermediários (em níveis diferentes de organização) para ajudar alguém à atingir seu propósito ou conjunto de propósitos [...] Muitos desenvolvedores e profissionais de usabilidade ainda abordam o design de interface questionando-se quais são as tarefas. Ainda que isso entregue o resultado, isso não irá gerar mais do melhorias incrementais: Isso não é capaz de gerar uma solução que diferencia seu produto no mercado, e muitas vezes não satisfazem os usuários de verdade. (COOPER et al, 2014, p.14)87 Modelos de negócios sustentáveis em longo prazo, envolvendo tecnologia, para Cooper, requer interfaces baseadas no modelo mental das pessoas ao invés de serem guiadas pelo modelo de implementação88, está é uma condição básica para projetar interações orientadas à propósitos das pessoas. 85 “Digital products regularly assume that people are tehcnology literate. For example, in Microsoft Word, if a user wants do rename a document she is editing, she must know that must either close the document or use "Save As.." menu command (and remember to delete the file with the old name). These behaviors are inconsistent with how a normal person think about renaming something: rather, they require that a person change her thinking to be more like way a computer works.” 86 “Goal-Directed Design Process” 87 “When companies do focus on the users, they tend to pay too much attention to task users engage in and not enough attention to their goals in performing those tasks. (...)Goals are not the same as tasks or activities. A goal is an expectation of an end condition, whereas both activities and tasks are intermediate steps (at different levels of organization) to help someone to reach a goal or set of goals.[…] Many developers and usability professionals still approach interface design by asking what the tasks are. Although this may get the job done, it won´t produce much more than incremental improvement: It won´t provide a solution that diferentiates your product in the market, and very often it won´t really satisfy the user.” 88 COOPER et at, 2014, p.19 46 Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação (interface) e modelo mental (das pessoas). 89 Quanto mais um modelo de representação (interface) aproximar-se do modelo mental do usuário, mas simples de entender a interface será. Geralmente os modelos de representação são muito parecidos com os modelos de implementação (lógica do software) o que torna as interfaces difíceis de serem compreendidas pelas pessoas. Para ele, o modelo de desenvolvimento onde os programadores refletem e constroem sobre toda a lógica do sistema e somente depois os designers criam a interface que mediará a interação desse sistema com as pessoas, falha em requisitos simples como simplicidade e facilidade de aprendizado por meio do usuário à um sistema, pois: É muito mais fácil projetar um software que reflita o modelo de implementação. Sob a perspectiva do programador, é perfeitamente lógico disponibilizar um botão para cada função, um campo para cada entrada de dados, uma página para cada passo de transação, uma caixa de diálogo para comando. Mas embora isso reflita adequadamente os esforços de infraestrutura e engenharia, isso peca em proporcionar mecanismos coerentes para que os usuários atinjam seus propósitos. No final, o que é produzido aliena e confunde os usuários. (COOPER et al, 2014, p.17, tradução nossa)90 Uma das técnicas do Design de Interação para centrar o desenvolvimento no ser humano, é a criação de Personas, primeiro define-se um público para o qual um sistema deveria ser projetado - para Cooper isso é essencial, pois não há como desenvolver soluções universalmente e homogeneamente ideais - e posteriormente busca-se atender os propósitos deste público, inserindo-o no cerne do desenvolvimento do produto. Personas não são pessoas 89 90 COOPER et at, 2014, p.19 “It is much easier to design software that reflects its implementation model. From the developer´s perspective, it´s perfectly logical to provide a button for every function, a field for every data input, a page for every transaction step, and a dialog box for every code modelu. But while this adequately reflects the infrastructure of engineering efforts, it does little to provide coherent mechanisms for a user to achieve his goals. In the end, what is produced alienates and confuses the user.” 47 reais, mas as representam em um processo de design, são arquétipos hipotéticos de usuários atuais. (COOPER, 2004,p.124). Para construir esses arquétipos, o designer entra em contato com a realidade dessas pessoas, praticando o olhar de pesquisador e observador, convivendo com outro ponto de vista; a empatia, proporcionada pela vivência com esta realidade, permite que o designer tenha insumos de considerar os aspectos humanos durante o desenvolvimento de um produto digital: Uma das mais ferramentas mais poderosas que os designers trazem à mesa é a empatia: a habilidade de sentir o que os outros sentem. A exposição direta e intensiva que pesquisas com usuários adequadas fazem com que o designer realmente faça uma imersão ao mundo do usuário, e tenham isso em mente antes de proporem uma solução. Uma das práticas mais perigosas no desenvolvimento de produtos é separar os designers dos usuários porque isso elimina o conhecimento empático. (COOPER et al, 2007, p.19, tradução e grifo nosso)91 Saber quais são os propósitos das pessoas e entender porque eles são importantes, demanda do designer compreender qual é o contexto dessa persona, quais são suas habilidades, como interagem atualmente com os objetos à sua volta. Segundo Cooper é este entendimento que permite que uma interface seja de fato a ponte para que as pessoas alcancem seus propósitos. Bom design de interação’ faz sentido apenas se for usado em um contexto onde as pessoas de fato o utilizem para algum propósito. Você não pode ter propósitos sem ter pessoas. As duas coisas são inseparáveis. Esses são os dois elementos principais do nosso processo de design orientado à propósitos: propósitos e pessoas. […] A essência de um bom design de interação é a criação de interações que permitem que os usuários atinjam seus propósitos práticos sem violar seus propósitos pessoais (COOPER, 2004, p.149-150, tradução nossa) 92 Uma das formas de caracterizar esse momento da persona seria a construção dos cenários de contexto, como ‘Day in the Life’ (Um dia na vida), por exemplo, onde se descreve como é um dia da persona fictícia, quais são os pontos de contato do produto, como esses pontos deveriam se comportar para que elas atinjam seu propósitos; esse detalhamento 91 “One of the most powerful tools designers bring to the table is empathy: the ability to feel what others are feeling. The direct and extensive exposure to users that proper user research entails immerse designers in the user´s world, and gets the thinking about users long before they propose solutions. One of most dangerous practices in product development is isolating designers from the users because doing so eliminate empathic knowledge.” 92 ‘Good interaction design’ has meaning only in the context of a person actually using it for some purpose. You cannot have purposes without people. The two are inseparable. That is the two key elements of our design process are goals and personas - purposes and people. [...] The essence of good interaction design is to devise interactions that let users achieve their practical goals without violating their persona goals. 48 de informação é possível à partir de observações e entrevistas com pessoas reais em momentos de uso específico. Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers93 Personas além de ser uma ferramenta de entendimento profundo de design centrado no ser humano tem se mostrado de grande valor como ferramenta de comunicação e alinhamento estratégico em uma organização94. Quando há conflito de interesses entre marketing, design, desenvolvimento, sobre para qual ‘usuário’ estão querendo desenvolver um produto, uma Persona unifica os interesses e faz com que todos falem a mesma língua e trabalhem sob o mesmo propósito. O processo de design proposto considera requisitos de negócios e de sistema (desenvolvimento), e uma etapa de validação e testes com usuários finais: Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma ponte entre pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação de técnicas e métodos que permitam a criação de sistemas mais humanizados95 A crítica que Gasson faz em seu levantamento é que o Design de Interação, mesmo sendo uma linha de ruptura com as práticas anteriores, continua limitando-se ao computador. Talvez exatamente porque surgiu em um contexto onde as interações com do homem com o 93 Fonte: http://www.cooper.com/journal/2014/04/inside-goal-directed-design-a-conversation-with-alan-cooperpart-2 Acesso em 30.Agosto.2014 94 COOPER, 2004, p.132 95 COOPER AND REIMANN, 2003. 49 software eram centrais no cenário competitivo. Ela diz que ainda que a abordagem seja orientada à propósitos, desde o início são mapeadas as interações relacionadas à um produto tecnológico específico e assim, fica difícil fugir dele. É um sistema que centra em pensar pessoas, mas na construção de personas, invariavelmente os estereótipos fazem com que elas sejam consideradas como indivíduos, e assim muitos detalhes podem ficar invisíveis ao observador no momento da pesquisa. Mas, a autora não deixa de pontuar que o Design de Interação foi uma mudança no paradigma do desenvolvimento ao considerando as pessoas no cerne processo, tanto que deu origem à outras metodologias como Casos de Uso em programação e o método Agile. O principal output do processo de Cooper são princípios de design de interação que demonstram como um sistema deveria se comportar ao interagir com as pessoas em diferentes cenários. Cooper cita Bill Moggridge, sobre como o desenvolvimento tecnológico se pautou em “ser gentil com os chips e cruel com os usuários”96, o custo da evolução rápida da tecnologia foi interações onde as pessoas não se reconhecem, não se sentem confortáveis, no mínimo, não sentem que aquilo foi desenhado para elas. O Design de interação busca ir de contra essa lógica, por meio da mudança do comportamento do software ao interagir com as pessoas, indo além da interface: na maneira como os sistemas são construídos (ou codificados). Alan Cooper cita características universais que devem estar impressas nos códigos dos softwares para que lhe confira mais ‘educação’ e assim permita interações mais humanas com a tecnologia, carregadas de potencial cognitivo: Software educado é interessado em mim Software educado é diferenciado para mim Software educado é para frente Software educado tem bom senso Software educado antecipa-se às minhas necessidades Software educado é responsivo Software educado é discreto sobre seus problemas Software educado é bem informado Software educado é perspicaz Software educado é autoconfiante Software educado mantém-se focado Software educado é flexível 96 “be kind to chips and cruel to user” 50 Software educado dá gratificação instantânea Software educado é confiável (COOPER, 2004, p.162, tradução nossa97) A descrição do software educado de Alan Cooper é a descrição de uma máquina humanizada, ou seja, está em um ecossistema com o propósito de interagir com seres humanos e por isso busca compreendê-lo e agir com as características correspondentes ao que se espera dele, e não o contrário. Para Cooper, “a única coisa mais cara que escrever um software é escrever um mau software” (2004, p.53), por isso as metodologias por ele propostas, seriam parte da evolução dos negócios em tecnologia, uma vez que softwares construídos sob pontos de vistas unilaterais são caros e falham. É um jogo de entender o que é importante para as pessoas em determinado contexto e considerar as soluções de negócios e tecnologia que se encaixam dentro do ecossistema. Ele apresenta esse jogo, pela tríade: Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo das Pessoas Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper 98 Cooper diz que embora um produto possa ser uma tecnologia de sucesso e um bom negócio, pode não ter a lealdade de seus usuários, como por exemplo a Microsoft; já a Apple conseguiu ser um produto que as pessoas amam, mas não é a melhor tecnologia, do ponto de vista técnico. 97 Polite software is interested on me / Polite software is diferential to me / Polite software is forthcoming / Polite software has common sense / Polite software antecipates my needs / Polite software is responsive / Polite software is taciturn about its personal problems / Polite software is well informed / Polite software is perceptive / Polite software is self-confident / Polite software stays focused / Polite software is fudgable / Polite software gives instante gratification / Polite software is trustworthy 98 COOPER, 2004, p.73 51 Ainda que equilíbrio dessa tríade seja considerado utópico por algumas vertentes, tem sido o principal termômetro de inovação, principalmente, se iniciados à partir das necessidades das pessoas - ‘what people desire’ – “o que as pessoas desejam” no diagrama acima. 3.2 DESIGN THINKING Os membros da IDEO como Bill Moggridge99 e Tim Brown100 e a própria d-school101 em Standford popularizaram a intersecção entre design, tecnologia e negócios como modelo de inovação e Design Centrado no Ser Humano102 representado sob o diagrama de Venn: Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre desejo das pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico.103 Para Moggridge, há sempre um enviesamento dependendo da lente sob a qual se analisa os processos à partir do diagrama. Áreas de pesquisa ou tecnológicas direcionaria a olhar primeiro a possibilidade de inovação, sob a lente da ‘tecnologia’ e depois de encontrar, desenvolveria a proposição de negócios para que houvesse um investimento e por último encontrar o mercado para esta inovação (pessoas interessadas). Já se a análise for feita pela 99 Criador de um dos primeiros modelos de laptop, um dos fundadores da IDEO e diretor do Cooper Hewitt Design Museum de Nova York, autor de Designing Interactions. 100 Atual CEO da IDEO, autor de Change by Design. 101 Instituto de Design Thiking de Standford. http://dschool.stanford.edu/about/ 102 Tradução de Human Centered Design - HCD. 103 Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014 52 lente de negócios, tende-se a começar vislumbrando primeiro a oportunidade de negócio, e depois ir atrás da tecnologia e as pessoas para este serviço. Mas, pela lente do design, começase pelas necessidades das pessoas representadas no diagrama, e depois disso buscam-se soluções para desenvolvê-la por meio de modelos de negócios e tecnologia. Para explicar a aplicação desta teoria, Bill Moggridge fala de tudo que pode ser considerado design: de um edifício, a um livro, uma peça de moda, um laptop, uma decoração, a construção de um espaço, um objeto temos em nossa cozinha até os complexos artefatos tecnológicos que convivem conosco no dia a dia.104 Como exemplo de bom design, ele apresenta um protótipo futurístico Ultra-Mobile PC experience da Intel105 onde a experiência com os objetos tecnológicos é pensada em cada ponto de contato, as pequenas interações, ao final proporcionam um serviço único. Bill Moggridge explica que cada item dessa experiência é uma oportunidade de design, e, mais do que performarem uma função específica própria, é importante considerar como eles estão conectados entre si para proporcionarem uma experiência para alguém. Como exemplos de mau design ele cita o clássico exemplo dos controles remotos complexos - forçam as pessoas a executarem tarefas que não estão claras para elas, os passos são confusos, há uma complexificação da experiência interativa. A sensação que fica é de que o processo não foi testado com pessoas reais, considerando um momento de uso real. Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos de televisão isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades estejam claras 106 104 Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014 105 Intel Ultra-Mobile PC experience (UMPC). Disponível em: http://youtu.be/HrzeiUvDZog. Acesso em 02.Setembro.2014 106 MOGGRIDGE, 2007. 53 Para Moggridge isso acontece porque existe uma separação tecnológica. Há pessoas desenvolvendo os celulares, pessoas desenvolvendo websites e totalmente desconectado à isso, pessoas que desenvolvem os softwares e aplicativos para esses celulares. Para se criar um bom design, Moggridge afirma que é necessário um processo, cujo o início é entender as pessoas: “Os fatores chave no Processo de Design são o entendimento das pessoas e a Prototipação”107 Stefanie Di Russo, PhD na Universidade de Swinburne, tem pesquisado quais seriam as escolas de design108 que deram origem ao Design Thinking, abordagem popularizada pela IDEO e d-school, e que vem se consolidando em algumas áreas de prática como modelo de pesquisa, design e inovação nas empresas. Pela evolução da metodologia projetual que a autora apresenta, é possível visualizar a construção do processo de design centrado no ser humano ao longo dos anos. Ela faz o levantamento de teorias que consideravam os fatores humanos na forma de um sistema projetual de pensamento. Na primeira onda que seria entre os anos 1960 e 1980 ela discorre sobre a teoria de Hebert Simon, da área de inteligência artificial, ele caracterizava o design como um processo cujo objetivo era melhorar os ambientes artificiais até chegarem ao nível de “ambientes preferidos” 109. Para ele, o mundo é uma construção artificial, repleta de objetos não naturais criados pelo homem, nem o cérebro humano nem os computadores são capazes de compreender as complexidades desse ambiente; então o que o designer deve fazer, por meio de um processo, é buscar a satisfação, testando as soluções até encontrar o modelo mais satisfatório (prototipação e teste). Para isso é necessário compreender as diferenças entre os stakeholders, e como os problemas são entendido por eles, o processo tem que ser aberto e envolvente, sem objetivos finais pé definidos, é um processo vivo. Também na década de 70, Victor Papanek, designer industrial, começou a desenvolver as teorias do design sustentável. Em sua obra “Design for the real world: human ecology and social change” de 1972 ele fala que “projetos de design recentes tem satisfeito apenas necessidades passageiras e desejos, enquanto as verdadeiras necessidades do homem são 107 “The Key factors in the Design Process are Understanding People and Prototyping” In: Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014 108 Stepnanie Di Russo. A brief history of design thinking. Disponível em <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/03/31/a-brief-history-of-design-thinking-the-theory-p2/> Acesso em 10.Setembro.2014. 109 “preferred ones” 54 frequentemente negligenciadas” 110 - ele também buscava uma simplificação da complexidade do mundo por meio do design das coisas do mundo. Na segunda onda, de teorias que datam entre os anos 1980 e 1990, ela apresenta Richard Buchanan, que de fato usa o termo ‘design thinking111’: “Design Thinking é restrito a algumas pessoas que praticam a disciplina com insights diferenciados e algumas vezes avançam para novas áreas e aplicações inovadoras” 112 (BUCHANAN 113apud DI RUSSO, tradução nossa). E a forma como define design é próxima do que o design thinking da IDEO e a prática de design de serviços buscam: Design está diretamente envolvido com: 1. Comunicação simbólica e visual 2. O design de objetos materiais 3. Atividades e serviços organizacionais 4. O design de um ambiente complexo para viver, trabalhar, jogar e aprender. (BUCHANAN apud DI RUSSO, tradução nossa) 114 Outra grande referência de modelo projetual que teria originado o Design Thinking, segundo Di Russo, seria o Design Participativo - Participatory Design – um modelo considerado político - o cerne de sua ideologia está na democracia clássica, desde Platão, que busca o desenvolvimento de uma sociedade harmônica por meio do envolvimento das pessoas que fazem parte dela. Segundo Paizan e Mellar115, este modelo surgiu nos países Escandinavos na década de 1960, em discussões sobre como as práticas de design democráticas poderiam ser introduzidas no setor industrial. Nos anos 80, segundo Di Russo, o desenvolvimento do design participativo foi mesclando-se ao design de interação, ao ser integrado em sistemas de desenvolvimento tecnológico. 110 “recent design has satisfied only evanescent and desires, while the genuine needs of man have often been neglected.” 111 Design Thinking pode ser traduzido como “modelo de pensamento do design” ou “pensar como o designer”, mas neste estudo, vamos manter a grafia original tal qual é conhecida e usada no mercado brasileiro. 112 “Design thinking is mastered by a few people who practice the discipline with distinctive insight and sometimes advance in to new areas of innovative application.” 113 BUCHANAN, 1998. p.8 114 Design is directly envolved: 1. Symbolic and visual communication / 2. The design of material objects / 3. Activities and organized services / 4. The design of complex systems or environments for living, working, playing and learning 115 PAIZAN, D. C.; MELLAR, H. G. Envolvendo os alunos no design de tecnologia educacional: aprendendo com o design participativo. Estudos Linguísticos e Literários: saberes e expressões globais, Foz do Iguaçu, 2011. apud CAMARGO E FAZANI, p.140 55 Assim como o Design Thinking, este modelo procurar integrar todos os envolvidos no ciclo de vida de um produto na concepção de novas soluções e transformações do mesmo. CHICK E MICKLETHWAITE descrevem o design participativo como uma abordagem focada nos processos e procedimentos de projetar em busca de modelos sustentáveis: Para alguns, essa abordagem tem uma dimensão política de empoderamento do usuário e democratização do design. Praticantes do design participativo compartilham a visão de que cada participante do projeto é um especialista no que faz, todos possuem informações valiosas do que podemos aprender e a voz de todos precisa ser ouvida. Passar tempo com os usuários em seus ambientes, ao invés de projetar abstratamente em outro espaço, é uma importante parte do desing participativo […] O design participativo se propõe a envolver todos os interessados (empregados, consumidores, cidadãos usuários finais) no processo de design, o objetivo é assegurar que a solução final atenda às necessidades atuais e seja utilizável para o público alvo. (CHICK E MICKLETHWAITE, 2011, p.45-47, tradução e grifo nosso)116 Este modelo também é apresentado no estudo de Susan Gasson117 sobre as abordagens centradas nos usuários versus as abordagens centradas no ser humano, como já vimos anteriormente, ela explica que as abordagens centradas no ser humano, em uma visão sociológica, consideram que dois sistemas competem e se complementam: o sistema social formado pelas interações, atividades, necessidades, propósitos e conhecimentos humanos e o sistema técnico formado pelos processos tecnológicos e de produção, gerenciados por indicadores de desempenho118, cabe aos processos centrados no ser humano equilibrar essas forças para o lado social: A perspectiva socio-técnica é mais evidente na literatura que analisa a prototipação e o design participatório. Essa área de prática se atenta explicitamente para negociar com “mundos múltiplos”. […] Nos sistemas de informação os interessados estão em uma posição podem negociar seus requerimentos do SI em cerca de um projeto de design – o protótipo do sistema de Tecnologia da Informação, ou protótipo do sistema de trabalho. (GASSON, 2003, p.34, tradução nossa) 119 Desenvolvimento participativo tem maior potencial de ser politicamente disruptivo e controverso do que as formas tradicionais de desenvolvimento de sistemas (não 116 For some, this approach has a political dimension of user empowerment and design democratization. Participaroty design practioniers share the view that every participant in a project is an expert in what they do, has valuable insights we can learn from and has a voice that needs to be heard. Spending time with users in their own enviromments, rather than working on a project abstractly in another space, is another important part of the participatory design. […] participatory design attempts to actively involve all stakeholders (employees, customers, citizens end-uses) in the design process, with the aim of ensuring that the end solution meets actual needs and is usable by intended audience. 117 GASSON, 2003 118 ibidem, p.31 119 “The socio-technical perspective is most apparent in the literature analysis of prototyping and participatory design. This area of work explicitly attempts to deal with the "multiple worlds"[…] Information System stakeholders are placed in a situation where they can negotiate their requirements of an IS around a design exemplar - a prototype Information Technology system, or a prototype work-system.” 56 participativa), porque envolvem uma ampla variedade de interesses, diferentes objetivos e perspectivas sobre a forma que a organização deveria funcionar e sobre como as responsabilidades mudariam. (Howcroft and Wilson, 2003; Winograd, 1996 apud GASSON, 2003, p.34, tradução nossa)120 Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo 121 Design Centrado no Usuário, para Di Russo é uma evolução do Design Participativo, nas décadas 80-90, criada por Donald Norman. Segundo a autora, o Design Participativo algumas vezes falhava em considerar as intenções e desejos das pessoas e inclui-las no processo, por meio do Design Centrado no Usuário, Norman devolveu esse controle às pessoas, deixando ‘as coisas visíveis’, criando metodologias que buscavam garantir que as necessidades dos usuários fossem vistas e atendidas. O Design de Serviços evoluiu na parte do entendimento do ambiente como um todo, uma vez que buscava não apenas observar e testar uma parte da interação, mas entender como e o que as pessoas fazem com um produto (ou serviço), na sua jornada e experiência de contato com os mesmos. Além disso, o design de serviços procura incluir não apenas os usuários finais, mais todos os interessados envolvidos no processo, numa perspectiva holística. Então, nos anos 90 começam as abordagens de Design Centrado no ser Humano (DCH), considerando design como uma forma de pensamento, que se propõe humanizar os processos, produtos e serviços, criando empatia com os interessados. 120 “Participatory development has more potential to be politically disruptive and contentious than traditional (non-participatory) forms of system development, because it involves a wide variety of interests, with differing objectives and perspectives on how organizational work and responsibilities should change” 121 Disponível em <http://participateindesign.org/about/participatory-design/> Acesso em 10.Setembro.2014. 57 Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O segundo, busca o empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e co-criativo.122 Para resumir as linhas de pensamento e metodologias projetuais que chegaram ao Design Thinking como Design Centrado no Ser Humano, Di Russo ilustrou as evoluções de forma circular, e segundo ela, o design thinking como prática e processo de design tende para ser analisado também cientificamente, como exemplo ela mostra os estudos que os relaciona a outras áreas, como alguns feitos em Standford.123 122 Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-cameto-be/> Acesso em 10.Setembro.2014 123 Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em: <http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014. 58 Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design thinking como modelo de pensamento projetual na contemporaneidade 124 “Todos os homens são designers” disse Victor Papanek (1984, p.3, tradução nossa)125, quando sustentava que de alguma forma toda a sociedade tem a responsabilidade sobre o mundo que está sendo criado. O Design Thinking não diz que todos os homens são designers, mas que todos são capazes de se apropriar do modo de pensamento dos projetistas para inovar e buscar novas soluções. Dentro do universo do design thinking o design é uma atitude, não uma profissão, o design não pertence apenas aos designers126. 124 Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-cameto-be/> Acesso em 10.Setembro.2014 125 “All men are designers” 126 CHICK e MICKLETHWAITE, 2011. 59 Tim Brown, a partir de um artigo da Harvard Business Review127 começou a popularizar os métodos do design thinking como forma de resolver problemas e criar inovações capazes de mudar o mundo. Segundo ele, é uma abordagem que pode integrar economia e tecnologia, mas começa sempre com uma necessidade humana, ou algo que pode vir a ser. O que faz a vida das pessoas mais fácil? O que faz a tecnologia mais útil e mais utilizável?128 É uma evolução da ergonomia, fatores humanos e usabilidade, pois não se trata apenas de colocar os botões no lugar certo, mas também compreender a cultura e o contexto antes de começar a ter ideias.129 De resolvedor de problemas à definidor de problemas […] As ideias por trás do design thinking surgiram de métodos que são comuns à todas as áreas do design, seja industrial, gráfico, de interiores ou qualquer outra profissão de design. Opera do princípio básico que constitui o processo que talvez possa ser expressado como: o modo como os designers abordam os problemas para alcançar as soluções. Designers frequentemente veem a si mesmos como resolvedores de problemas mais do que farejadores de problemas. Projetos de sucesso, entretanto, vêm de um entendimento profundo do problema que requer solução, chegando ao ponto de estender ou reconfigurar o problema em si. Os designers mais bem sucedidos tentam descobrir as premissas inerentes a configuração de um problema, e exploram novas maneiras de pensar sobre o problema em si. (CHICK and MICKLETHWAITE, 2011, p.38-39, tradução nossa)130 Para pensar como um designer, Tim Brown lista algumas características que as pessoas precisam desenvolver para aplicar no processo de Design Thinking: 1) Empatia: capacidade de imaginar o mundo a partir de diferentes perspectivas. Colocando as sempre pessoas em primeiro lugar, consegue pensar em soluções que surgem das necessidades do outro, estejam ela explícitas ou latentes. 2) Pensamento Integrado: Conseguir enxergar as múltiplas facetas de um problema (não apenas isso ou aquilo), dessa forma são capazes de criar soluções que vão além de apenas melhorias das soluções existentes. 3) Otimismo: Assume que não importa o quanto desafiador possa parecer um problema, sempre haverá soluções melhores do que as existentes. 4) Experimentalismo: O espírito do designer 127 BROWN, Tim.Design thinking. Harvard Business Review, June, 2008. p.84-95 128 Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em: http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014 129 130 ibidem A From problem-solving to problem setting.[…]The ideas behind design thinking emerged from methods that are common to nearly all design fields, be it industrial, graphic, interior or any design profession. These basic operating principles constitute a process that might be expressed most simply as: the way designers approach problems and achieve solutions. Designers often think of themselves as problem-solvers rather than problemfinders. Sucessful design outcomes, however, come from a deep understanding of the problem requiring solution, even to the extent of reframing the problem itself. The most successful designers attempt to uncover the assumptions in as given statement of a problem, and to explore new ways of thinking about the problem itself. 60 thinker é de sempre buscar novas maneiras e outras direções para resolver problemas. 5) Colaboração: Com a complexidade crescente de produtos, serviços e sistemas, ficou comum o mito do designer genial, as melhores equipes de inovação, no entanto , são multidisciplinares e formadas por profissionais que tem facilidade de construir soluções de maneira colaborativa.131 A missão do Design Thinking, segundo Brown, é traduzir as observações de como as pessoas interagem com produtos, serviços ou ambientes - considerando fatores cognitivos e emocionais - em insights e transformar esses insights em novos produtos, serviços ou ambientes. Busca satisfazer tanto necessidades quanto os desejos das pessoas, explícitos e latentes. Segundo Brown132, geralmente é a conexão emocional com produtos e serviços que engaja as pessoas, casos de sucesso tem um apelo ao mesmo tempo funcional e emocional, “eles cumprem seu papel e as pessoas os amam” (BROWN, 2008, p.92, tradução nossa)133 O processo de Design Thinking consiste em aplicar o pensamento convergente e divergente, em diferentes momentos, que Brown refere como ‘criar escolhas’ e ‘fazer escolhas’, aprender sobre a solução construindo-as (“learning by doing”), por isso é tão importante a prototipação das ideias e teste com as pessoas. Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se escolhas134 Segundo Mark Schar, neurocientista que faz uma análise da metodologia processual do Design Thinking135, a parte do cérebro que faz os humanos tomarem as decisões não é 131 “Designer Thinker´s Profile” no artigo da HBR - BROWN, 2008, p.86 132 BROWN, 2008, p.92 133 “they do the job and we love them” 134 BROWN, 2009, p.67 61 ligada totalmente à linguagem, de alguma forma a parte ligada à emoção no cérebro, sentimentos e sentidos inconscientes, influenciam fortemente nas ‘boas’ decisões. Por isso, é importante invocar o lado emocional, buscar a empatia, o lado humano, a inteligência emocional e criatividade também nos momentos convergentes do processo. Não é só uma questão de resolver o problema, segundo ele, mas resolver o problema certo. A criatividade como qualidade do design para criar oportunidades e fazer escolhas é citada também por Bill Buxton: Design é uma escolha, e há dois momentos onde se tem espaço para a criatividade: 1. a criatividade que você traz enumerando opções sifnificativas para escolher 2. a criatividade que você traz por definir os critérios, as heurísticas, de acordo com as quais você faz as escolhas. (BUXTON, 2007, p.145, tradução nossa) 136 Considerando o processo de design thinking propagado pela IDEO e d-school, existem três etapas principais, que Brown chama de Inspiração (Hear-Entender), Ideação-(CreateCriar) e Implementação (Deliver-Prototipar e Entregar). Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas básicas: entender, criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o problema a ser resolvido), idear sobre possíveis soluções para este problema, criar protótipos das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções mais refinadas.137 Design thinking como um processo exploratório. Design thinkers sabem que não há resposta certa para o problema. Em vez disso, eles argumentam por meio de sequências não lineares, um processo de design iterativo chamado inspiração, 135 Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em: <http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014. 136 Design is choice, and there are two places where there is room for creativity: 1. the creativity that you bring to enumerating meaningfully distinct options from which to choose. 2. the creativity that you bring to defining the criteria, or heuristics, according to which you make your choices. 137 Visualização do modelo de design thinking da d-school de Standford, disponível em: <http://designthinking.co.nz/> Acesso em 12.Setembro.2014. 62 ideação e implementação, o processo de design converte problemas em oportunidades. (BROWN apud KIMBELL, 2011, p.294, tradução e grifo nosso) 138 Este processo não é totalmente linear e as primeiras etapas são marcadas por incertezas, que são exatamente as experimentações e busca de soluções não comuns para os problemas, por meio de um entendimento das pessoas. Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de design de Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de clareza e foco, adaptação feita por Verena Pessim139 As primeiras etapas são momentos exploratórios, onde não é necessário ter certezas, mas sim buscar fazer as perguntas certas. É o momento de compreender as minúcias do ambiente e definir o problema que deve ser resolvido. Para fazer design centrado no ser humano, Bill Moggridge140 diz que é necessário fazer design para os outros, e para isso há muitas técnicas para ENTENDER o outro, é necessário observar, entrar em seu mundo, provavelmente muitas de suas necessidades as pessoas não vão expressas em uma entrevista (ou em um teste de usabilidade), é preciso observar como as pessoas fazem e usam as coisas em suas volta, no contexto real, para ter EMPATIA é necessário preciso que o 138 BROWN, Tim. Change by design , 2009.“Design thinking as an exploratory process. Design thinkers know there is no right answer to a problem. Rather, he argues through following the non-linear, iterative design process that he calls inspiration, ideation, and implementation, the design process can convert problems into opportunities.” 139 140 Arquivo pessoal. Confira: www.verenapessim.net Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014 63 designer e o pesquisador sintam como as coisas funcionam, interajam com elas, testando, sempre que possível. No kit de ferramentas da IDEO141 esta etapa é descrita como momento de identificar um desafio estratégico para o projeto, para isso é preciso determinar quem vai ser abordado, ganhar empatia, colher histórias, interagir com as pessoas, ouvir propósitos, objetivos, observar a realidade, buscar um entendimento profundo das necessidades, barreiras e restrições. São utilizados métodos qualitativos como imersões contextuais, entrevistas em profundidade, entrevistas em grupo, entrevista com especialistas, diários de jornada, descobertas guiadas pela comunidade.142 A próxima etapa seria CRIAR, definir objetivos: é um processo intermediário de síntese e interpretação das informações com o filtro do desejo e necessidade das pessoas em mentes. Na análise, os dados são organizados e agrupados, identificam-se padrões, são definidas oportunidades para criar soluções, direções estratégicas e soluções tangíveis para problemas encontrados, ainda não definidos completamente do ponto de vista tecnológico ou de negócios. São feitas estruturas visuais de análise como diagrama de venn, mapa processual, e matrizes. 141 IDEO. HCD - Human Centered Design: Kit de ferramentas. 2.ed. s.d. Disponível em: <https://hcd-connectproduction.s3.amazonaws.com/toolkit/en/portuguese_download/ideo_hcd_toolkit_complete_portuguese.pdf> Acesso em 10.Setembro.2014. 142 IDEO, ibidem, p.29 64 Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design Thinking 143 Na criação são identificadas áreas de oportunidade a partir de onde se iniciam brainstorms de novas soluções e as ideias são representadas por meio de storyboards ou protótipos. O objetivo dos protótipos, segundo Brown (2008, p.87), não é ser definitivo, o propósito seria aprender sobre as forças e fraquezas de uma solução e identificar novas direções que o protótipo pode tomar, por isso ele não precisa ser complexo e caro, mas sim representar como um novo produto, sistema ou serviço interagiria em um sistema para entender como ele resolveria algum problema. Protótipos são para ser testados com as pessoas, David Kelley144 afirma que design centrado no ser humano envolve projetar comportamentos e personalidades nos produtos, 143 IDEO, s.d., p.70 65 e por isso, a IDEO substituiu protótipos em 3D por protótipos em movimento, que buscavam simular a experiência do homem com a tecnologia, é o feedback desta interação que um teste com protótipos no Design Thinking busca trazer. A última etapa seria a IMPLEMENTAÇÃO, o objetivo é tornar as soluções viáveis, aplicando a lente de negócios e tecnologia. Tim Brown145 diz que é o momento de combinar ideias de incrementais de resultados a curto e médio prazo, e ideias inovadores de desenvolvimento e impacto em longo prazo. Para David Kelley146, a mediocridade é o preço mais caro que uma empresa pode pagar, a inovação traz novas perspectivas, novas formas de ganhar dinheiro - é o equilíbrio de explotation e explorarion147. Segundo ele: As empresas vivem dentro da caverna do mito de Platão. Os executivos passam horas em frente a um computador e falam com as mesmas pessoas. Eles só veem sombras, não a realidade. Em vez de ir a mais uma reunião, deveriam estar na rua com quem usa o produto ou serviço que oferecem. É no campo que as grandes ideias surgem. As empresas costumam ter uma grande ideia e depois vão procurar entender como as pessoas lidaram com ela. Quando começamos um projeto pelo lado humano, não precisamos estudar se as pessoas vão querer aquilo, porque tudo já partiu do desejo de quem usará. (KELLEY, 2014, entrevista, grifo nosso) 148 Para Tim Brown, a mudança proporcionada pelo design thinking é a mudança do próprio mundo que vivemos, ao centrar os projetos nos seres humanos, o próprio ambiente se transforma: Hoje nós temos a oportunidade de liberar o poder do design thinking como um meio de explorar novas possibilidades, criar novas escolhas, e trazer novas soluções para o mundo. No processo, nós podemos acabar descobrindo que nossa sociedade está mais saudável, nossos negócios estão mais lucrativos e nossas próprias vidas estão mais ricas e significativas. (BROWN apud CHICK e MICKLETHWAITE, 2011, p.35, tradução nossa)149 144 David Kelley - Human-centered design. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014. 145 BROWN, 2008, p.91 146 Quer inovar? Vá para a rua. Entrevista com David Kelley Revista Exame.03.Maio.2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1064/noticias/quer-inovar-va-para-a-rua?page=1> Acesso em 12.Setembro.2014 147 James G. March (1991) Exploration and exploitation in organizational learning, Apud. Kimbell, 2011, p.294. 148 Entrevista Revista Exame, op. cit. 149 BROWN, Tim. Change by design, 2009, p.230 - “Today we have opportunity... [to] unleash the power of design thinking as a means of exploring new possibilities, creating new choices, and bringing new solutions to the world. In the process, we may find that we have made our societies healthier, our business more profitable, and our own lives richer and more meaningful” 66 Bill Moggridge afirma que a próxima expansão no design é da criação para indivíduos para o design de ambientes e o design do mundo em que vivemos, de forma mais ampla. Os produtos pessoais expandem-se para saúde e bem estar, vendo as pessoas de uma forma mais completa, holística, ao mesmo tempo é cada vez maior a busca por um design que consiga impactar a sociedade, que traga mudanças sociais significativas, o design está chegando para pessoas e áreas que até então eram desconsideradas. Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social e para o meio ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social 150 Tanto David Kelley151 como Tim Brown152 comentam sobre o movimento de inovação social que a IDEO se propõe a fomentar, o próprio Kit de Ferramentas153 foi pensado para desenvolver projetos em países em desenvolvimento, que busquem a sustentabilidade para pessoas na base da pirâmide, que vivem com menos de 2 dólares por dia. Na visão de Moggridge, sustentabilidade antes era associada a selecionar materiais biodegradáveis, isso continua sendo necessário, mas há um entendimento global que emerge sobre a sustentabilidade como um contexto de expansão de sociedade humana. O Design Thinking estabelece-se do princípio ao fim como uma abordagem projetual centrada no ser humano, as críticas que rondam esse modelo residem em dois pontos, um, como aponta Gasson é a dificuldade na prática dos modelos de design participativo, como o design thinking, realmente considerarem a visão de todos os interessados, uma vez que 150 Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014 151 David Kelley - Human-centered design. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014. 152 Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em: http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014 153 IDEO, 2.ed. s.d. 67 os projetos são submetidos a interesses de outras lentes. “Visão dos usuários são frequentemente inaquedamente representadas por restrição de custos, ou falta de apreciação da importância da perspectiva dos usuários” (Cavaye, 1995 Apud Gasson, 2003, p.35, tradução nossa)154 - as escolhas de quais usuários vão participar e mesmo o escopo do novo sistema são sempre submetidos à uma organização. E, por outro lado, alguns críticos tratam da dificuldade de prototipação de algumas equipes de design, que muitas vezes não chegam até esta fase do processo, um problema de aplicação metodológica. Para inovar realmente é preciso amadurecimento cultural da organização que utiliza o Design Thinking, como Alan Cooper155 disse, a maior contribuição que o design centrado no ser humano pode dar uma organização é incentivá-la à quebrar as regras existentes, ir além, transpor as fronteiras. 3.3 MARKETING 3.0 Gary Hamel156 e um grupo de pensadores e executivos como C.K. Prahlad157, Peter Senge158, John Mackey (Whole Foods), Tim Brown (IDEO) e outros se reuniram no final de 2008 para falar sobre os novos rumos dos negócios frente às emergentes mudanças econômicas e sociais, eles lançaram uma lista com 25 desafios para que as empresas tornarem-se relevantes neste novo cenário, no que seria chamado de administração 2.0., com propostas em longo prazo. As ideias foram reunidas sob um artigo da Harvard Business Review159 entitulado “Moon Shots for management” - “Metas na Lua para Gestão”, primeiro desafio listado seria 154 “User views are often inadequately represented because of cost constraints, or a lack of appreciation of the significance of users' perspectives” 155 Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em 30.Agosto.2014 156 Especialista em administração, autor de bestsellers como "Liderando a revolução", "O futuro da administração" e "Competindo pelo futuro" (escrito em parceria com C.K. Prahalad) 157 Doutor em Administração por Harvard, professor titular de estratégia corporativa do programa de MBA da Universidade de Michigan, conselheiro do governo indiano para empreendedorismo. Autor de “The multinational mission: balancing local demands and global vision”, “Competindo pelo futuro”, com Gary Hamel, “O futuro da competição” e “A riqueza na base da pirâmide” 158 159 Autor de “A quinta disciplina”, sobre aprendizado e aprimoramento das organizações. HAMEL, Gary. Moon Shots for management. Harvard Business Review. Fev.2009. Disponível em: <http://www.denewnormal.nl/wp-content/uploads/2013/02/plugin-MoonShotsForManagementGaryHamel2.pdf> Acesso em 12.Setembro.2014. 68 “Assegurar que a administração sirva à um propósito maior”160 (GARY, 2009, p.2, tradução nossa), isto é, a gestão do futuro deve se voltar para metas nobres, socialmente significantes e relevantes. O propósito tem sido considerado o quinto “P” do Marketing, se integrando aos 4 tradicionais (Praça, Preço, Produto, Promoção), isso porque, cada vez mais, os valores propagados pela empresa afetam inclusive a percepção da marca pelos consumidores.161 Em uma perspectiva menos ampla, a edição de Julho-Agosto de 2014 da Harvard Business Review162 abordou o reposicionamento do marketing na atual conjectura socioeconômica, segundo ARONS e WEED (2014) a forma como os profissionais de marketing envolvem-se com seus clientes mudou profundamente,163 são necessárias cada vez mais habilidades como capacidade de promover o insight dos clientes finais, comunicar objetivos sociais e proporcionar experiências diferenciadas, as empresas utilizando dados dos consumidores de maneira mais refinada conseguem aproximação mais efetiva com seus público. Saber o que o consumidor está fazendo, onde e quando, é atualmente a grande cartada. Em nosso estudo, profissionais de alto desempenho se distinguem por sua capacidade de integrar informação sobre o que os clientes estão fazendo com por que estão fazendo, o que leva a novos insights sobre as necessidades do cliente e qual a melhor forma de satisfazê-las. Esses profissionais entendem as necessidades básicas dos clientes — como o desejo de ter sucesso, encontrar um companheiro (a) e alimentar um filho —, motivações que chamamos de “verdades humanas universais”. (Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e WEED, 2014, s.n., grifo nosso) Em outro artigo da mesma edição - “Desvende os mistérios do relacionamento com o cliente” - Fournier, Wittenbraker e Avery abordam a complexidade nos CRM´s164 das empresas ao utilizarem dados dos usuários para gerarem interações significativas com os clientes. Por mais informações que estejam disponíveis por meio dos softwares de processamentos de dados, falta inteligência relacional, ou seja, entender o que o cliente 160 “Ensure that the work of managmente serves a higher purpose” 161 Relatórios da Edelman sobre percepção dos consumidores revela que o propósito social da marca é um fator de decisão no momento de compra, cada vez maior. Disponível em: <http://www.repensecomunicacao.com.br/blog/proposito-o-quinto-%E2%80%9Cp%E2%80%9D-demarketing/> e <http://purpose.edelman.com/slides/introducing-goodpurpose-2012/> Acesso em 12.Setembro.2014. 162 Pensa - Sinta - Faça: Os novos princípios do marketing. Harvard Business Review. Julho-Agosto de 2014. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/revista/julho-2014>. Acesso em 13.Setembro.2104 163 Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e WEED, 2014. 164 Customer relationship management - Área de Gestão de Relacionamento com o Cliente 69 espera da marca - qual é a promessa que eles ‘compraram’ - qual é a expectativa desse relacionamento. Na verdade há uma pluralidade de relacionamentos possíveis e as minúcias vão se adequar à essas expectativas e ao propósito das pessoas ao envolver-se com a marca por meio de um produto ou serviço, e, os aspectos funcionais e emocionais dessa relação determinam também se ela pode ser desde ‘amigos’ até ‘conhecidos’. Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas com os clientes165 Uma profissional liberal altamente influente, reconhecida por um varejista online como uma cliente fidelizada, tenta repetidamente explicar por que está frustrada com a política da empresa de exigir sua assinatura na entrega de mercadorias, que inevitavelmente chegam no meio do dia, quando ela não está em casa. A ideia de que a empresa deseja manter um estreito relacionamento com ela é frustrada por interações inúteis com executivos que se recusam a flexibilizar essa prática. Um deles finalmente faz uma tentativa inócua de “resolver” o problema oferecendo-lhe um vale-brinde de US$ 200. Ela acaba cancelando um novo pedido no valor de US$ 7 mil. (FOURNIER, WITTENBRAKER e AVERY, 2014, s.n.) Segundo os autores, as empresas precisam se empenhar em entender o tipo de relacionamento que é esperado e mesmo o tipo de relacionamento que ela quer instigar e a partir disso envolver as pessoas por meio da experiência com toda a cadeia de contato com o produto e serviço. Eles citam o exemplo do Pinterest166, que encontrou formas de evoluir no relacionamento com os usuários por meio da evolução do valor proporcionado pela experiência de interação com o produto, primeiro um relacionamento de ‘casos passageiros’, onde as pessoas descobriam coisas novas aleatoriamente, depois passando a ‘conhecidos 165 Fournier, Wittenbraker e Averym., HBR, 2014 166 Rede social de compartilhamento de imagens. http://www.pinterest.com/ 70 fortuitos’ quando encorajava as pessoas a se conectarem com outros usuários por meios de interesses em comuns, e, a medida que expandem suas conexões no sites, o relacionamento muda de ‘conhecidos casuais’ para ‘colegas de turma’. Relacionamentos com os clientes, para os autores, tem que ser entendido com um bem de longo prazo, e ainda segundo o estudo de Arons e Weed marcas fortes oferecem vantagens funcionais - harmonia entre o que o cliente compra e a marca produz, vantagens emocionais - como a marca satisfaz as necessidades emocionais dos clientes e vantagens sociais: como ela contribui para a sustentabilidade do ecossistema. Em “Marketing 3.0.”, Philip Kotler (2010) desenvolve o conceito do marketing centrado no ser humano, que segundo ele ganha relevância com a nova ordem econômica mundial e a ascensão do mundo digital. Segundo Kotler (2010), a primeira onda do marketing, o Marketing 1.0. era centrado no desenvolvimento do produto, tinha uma característica funcional, a interação era de um para um, era o marketing vigente na era industrial, os produtos buscavam atingir o mercado de massa e eram padronizados e produzido em escala, buscando reduzir custos de produção. Kotler, para resumir essa fase do marketing centrado no produto usa a frase de Ford “O carro pode ser de qualquer cor, desde que seja preto” 167. A segunda onda do marketing veio na era da informação com a difusão dos meios de comunicação e das tecnologias de informação, é Marketing 2.0., voltando para satisfazer e reter consumidores. Caracteriza-se por uma conexão do funcional com o emocional, a interação agora é de relacionamento de um para um, como apontado Fournier, Wittenbraker e Avery, a frase desta fase para Kotler se resume em “o cliente é rei”, busca-se atender a necessidades e desejos dos consumidores, o profissional de marketing precisa segmentar o mercado e desenvolver um produto superior para o mercado-alvo específico, é o marketing que almeja atingir a mente e o coração do consumidor. A emergência do Marketing 3.0. vem com a ascensão do marketing voltado para valores, como apresentado por Hamel (2008). O Marketing 3.0. é aquele onde a empresa coloca as questões culturais no âmago do seu modelo de negócios (KOTLER, 2010, p.18), e essas demonstram preocupação com a comunidade ao redor, de consumidores, parceiros, fornecedores, acionistas, a interação se caracteriza como colaboração de um para muitos. É 167 FORD apud KOTLER, p.4 71 quando a abordagem muda de centrada no consumidor para centrada no ser humano, o consumidor é visto como ser humano pleno, dotado de mente, coração e espírito: Cada vez mais os consumidores estão em busca de soluções para satisfazer seu anseio de transformar o mundo globalizado num mundo melhor. Em um mundo confuso, eles buscam empresas que abordem suas mais profundas necessidades de justiça social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores Buscam não apenas satisfação emocional, mas também satisfação espiritual, nos produtos e serviços que escolhem. (Kotler, 2010, p.4, grifo nosso) Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0 168 Kotler situa o Marketing 3.0. com o que ele chama de nova onda da tecnologia da informação, que tem se disseminado desde o início dos anos 2000 e permite a “conectividade e interatividade entre indivíduos e grupos. A nova onda da tecnologia é formada por três grandes forças: computadores e celulares baratos, internet de baixo custo e fonte aberta”. (KOTLER, 2010, p.7). Também chamada era da ‘participação’, assiste-se à liberação do pólo emissor, agora os consumidores também são produtores; com as mídias sociais, os consumidores passaram a influenciar uns aos outros com suas opiniões e experiências (KOTLER, 2010, p.9), e dessa formam desempenham um papel ativo na criação do valor das empresas. 168 Kotler, 2010, p.6) 72 Outro ponto levantado pelo autor é o paradoxo da globalização e do marketing cultural, segundo ele, a tecnologia impulsionou a globalização e a economia interligada, criando uma cultura global universal ao mesmo tempo, uma vez que não é uma força uniforme e é marcada pela desigualdade e fortalece também culturas tradicionais locais. Para desenvolver uma campanha culturalmente relevante, os profissionais de marketing precisam entender um pouco de antropologia e sociologia. Devem ser capazes de reconhecer os paradoxos culturais que talvez não estejam óbvios. Isso é difícil, pois os paradoxos culturais não são algo sobre o qual as pessoas normalmente conversem. Os consumidores afetados pelas campanhas culturais são maioria, mas são uma maioria silenciosa. Sentem o paradoxo, mas não os confrontam, a não ser que uma marca cultural os aborde. (KOTLER, 2010, p.16) Para completar a análise sobre a convergência do marketing 3.0. Kotler discorre sobre a sociedade criativa, cientistas e artistas têm voltado à cena nas grandes cidades e influenciado o estilo de vida das pessoas169 e também as economias dos países desenvolvidos. Prahalad, em “A riqueza na base da pirâmide” defende a economia criativa e inovação para levar desenvolvimento e sustentabilidade para pessoas na extrema pobreza. Segundo Zohar170 a pirâmide de Maslow das necessidades humanas - desde sobrevivênvia e necessidades fisiológicas, passando pelas de segurança, sociais, auto estima e por fim auto realização - representam o modelo capitalista até então, mas em Capital espiritual171 a autora propõe uma inversão, que revela ser uma vontade do próprio criador do modelo antes de morrer: “a auto realização como necessidade primária de todos os seres humanos.”172. O que o autor delineia é a busca por significado por meio da realização espiritual e felicidade, ou seja, as pessoas não estão buscando apenas produtos e serviços para consumidor, estão buscando experiências e modelos de negócios que toquem seu lado espiritual. “Proporcionar significado é a futura proposição de valor do marketing”. (Kotler, 2010, p.21) 169 o autor faz referência à Daniel Pink - O cérebro do futuro, Richard Florida - The Flight of the Creative Class, Julia Cameron - The Artist´s Way e Gary Zukav - O coração da alma. 170 ZOHAR, Danah e MARSHALL, Ian. Capital espiritual. São Paulo: Best Seller, 2006. apud KOTLER, 2010, p.20-21 171 ibidem. 172 ibidem 73 Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing colaborativo, era do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do espírito humano 173 Na prática, o Marketing 3.0. será moldado por modelos horizontais e colaborativos, com uma filosofia análoga à do design participativo vista no capítulo anterior. Kotler cita Pralad sobre a co-criação: Cocriação é um termo de criado por C.K.Prahalad para descrever a nova abordagem de inovação [...] “novas maneiras de criar produtos e experiência por meio da colaboração das empresas, consumidores, fornecedores, e parceiros de canal interligados em uma rede de inovação”174 A experiência com um produto jamais é isolada. É o acúmulo de experiências individuais que cria maior valor para o produto. Quando consumidores individuais experimentam o produto, personalizam a experiência de acordo com necessidades e desejos singulares. (KOTLER, 2010, p.37, grifo nosso) No Marketing 3.0. os consumidores são seres humanos completos, cujas necessidades e esperanças são levadas em consideração no desenvolvimento da marca, Kotler cita Peter Drucker ao afirmar que o planejamento das empresas não devem iniciar pelo retorno financeiro, mas sim pela realização da missão a que se propõe.175 Os valores da empresa são apresentados pela maneira pela qual a prática corporativa se desenvolve: 173 Kotler, 2010, p.23 174 PRAHALAD, C.K., KRISHNAN, M.S,. A nova era da inovação. Rio de Janeiro: Campus\Eslsevier 2008 apud KOTLER, 2010, p.37 175 Peter Drucker apud Kotler, 2010, p.46 74 [...] valores articulam um conjunto de prioridades corporativas e tentativas de gestão para incluí-los em suas práticas, o que espera-se, fortalecerá comportamentos que beneficiam as empresas e comunidades dentro e fora dela o que, por sua vez, fortalecerá os valores da instituição. (KOTLER, 2010, p.47) Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como o marketing centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à necessidades funcionais, emocionais e espirituais das pessoas.176 Para o autor, as promessas que as empresas devem fazer no Marketing 3.0. é uma experiência capaz de transformar a vida do consumidor. Para isso, as missões da marca “devem ser simples e permitir um escopo de negócio flexível”, além dos consumidores, os colaboradores da empresa são grandes protagonistas na propagação dos valores da marca. Os funcionários das empresas são os consumidores mais próximos delas, e eles precisam ter autonomia, pois nesta abordagem é necessário alinhar valores e comportamentos, atitudes. Kotler cita o provérbio chinês para ilustrar a importância do empoderamento dos funcionários das empresas “Conta-me e eu esquecerei, mostra-me e talvez eu lembre; envolva-me e eu entenderei” (2010, p.93) Assim como Bill Moggridge vislumbrava o futuro do design como responsabilidade pelo ecossistema, Kotler aponta para as preocupações socioculturais que vem à cena juntamente com o Marketing 3.0. Será um desafio para as empresas oferecer soluções transformadoras da sociedade, alcançando relevância de sua visão, missão e valores e mais impacto nos negócios e na sociedade: 176 KOTLER, 2010, p.47 75 As empresas normalmente começam com o propósito de gerar lucros por meio da satisfação de algum cenário que o mercado quer e deseja. Quando são bemsucedidas e crescem costumam receber pedidos de doações para causas dignas. [...] Com o passar do tempo, o público começa a esperar que as empresas operem como mecanismos de desenvolvimento sociocultural, e não como mecanismos de geração de lucros. Um número cada vez maior de consumidores pode começar a julgar as empresas parcialmente por seu nível de comprometimento com os problemas públicos e sociais. Algumas empresas podem se mostrar capazes de lidar com essa questão por meio da incorporação do desafio social à filosofia da empresa. Elas transformam a sociedade. Nesse momento, essas empresas, terão passado ao Marketing 3.0. (KOTLER, 2010, p.153, grifo nosso) As empresas que aplicam o marketing centrado no ser humano, integrariam, portanto, em sua missão, visão e valores as necessidades humanas sob uma perspectiva holística: necessidades individuais (funcionais, emocionais e espirituais) e necessidades socioculturais. A responsabilidade pelo desenvolvimento e propagação desse propósito é compartilhada com colaboradores das empresas e com a comunidade, os valores são propagados especialmente pelas pessoas que se identificam com a marca e com experiências proporcionadas por ela. 3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS Como resumo das três abordagens analisadas neste trabalho, é possível compará-las sob alguns aspectos: 76 Design de Interação Design Thinking Marketing 3.0. Centrado em: Interação do homem com a máquina Inovação centrada no desejo e necessidades funcionais e emocionais das pessoas Missão, visão e valores das empresas alinhadas com ser humano dotado de corpo, mente e espírito Como funciona? Design do comportamento da interface, ela age como uma ponte para que as pessoas atinjam seus propósitos de vida Design participativo para criar opções e fazer boas escolhas baseadas nas perguntas certas para os problemas relevantes a serem resolvidos. Visão do consumidor de forma holística: considerando aspectos individuais (funcionais, emocionais e espirituais) bem como questões socioculturais. Interessados no ciclo de vida de um produto ou serviço: consumidores, fornecedores, parceiros, acionistas, designers, etc. Consumidores engajados com a marca e colaboradores apaixonados e responsáveis pela missão da empresa Atores principais Designer de interação Processo Processo de Design Orientado à Propósitos. Busca fazer uma ponte entre pesquisa com usuários e o design por meio de uma combinação de técnicas e métodos que permitam a criação de sistemas mais humanizados Entender, criar e entregar, 5 metodologias chaves: criar empatia, definir (o problema a ser resolvido), idear sobre possíveis soluções para este problema, criar protótipos das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções mais refinadas e viáveis Compreensão dos valores individuais e sociais, alinhamento dos mesmos à missão, visão e valores da empresa e propagação dos valores da marca por meio da co-Criação com consumidores e colaboradores OutPut Princípios de Design de Interação direcionados à propósitos das personas em cenários de uso: dizem como a interface deve se comportar para mediar a interação do homem com a tecnologia Produtos e Serviços inovadores baseados em insights sobre como as pessoas interagem no dia a dia com as coisas e umas com as outras Proporcionar significado para as pessoas por meio da identificação com uma marca integrada com valores humanos e sócio-culturais Como pensa no longo prazo Equilíbrio entre necessidade das pessoas, viabilidade de negócios e factibilidade de tecnologia Toolkit de inovação para projetos sociais e visão da sustentabilidade como expansão da sociedade interconectada Empresa co-responsável pela transformação da sociedade Propósito Criar interfaces mais humanizadas Inovação em produtos, serviços e ambientes centrados nas pessoas Alinhamento da marca com valores humanos proporcionando significado para as pessoas Quadro 1: Comparação das abordagens centradas no ser humano: Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. 77 Todas as abordagens referem-se a si mesmas como centradas no ser humano, mas pela análise dos discursos é possível inferir seus propósitos como: 1) criar interfaces mais humanas (no Design de Interação), 2) Inovar em produtos, serviços e ambientes (Design Thinking) e 3) alinhar objetivos de marca à valores humanos proporcionando significado para as pessoas (Marketing 3.0.). Podemos notar que a centralidade a que se referem é sob o ponto de partida de onde atuam, seja design ou marketing, no entanto, por serem todas abordagens que efetivamente buscam humanizar interfaces, produtos, serviços e marcas, este pode ser considerado um grande avanço na centralidade humana considerando os aspectos humanos nos processos. Sabemos também que não são as abordagens que vão garantir que essa tendência à humanização como propósito para o design e para o marketing se realize, a aplicação das metodologias requer uma cultura, preparação e tempo de maturação adequados. Além disso, é importante salientar que as abordagens buscaram tanto o entendimento do lado humano - a pesquisa sobre as pessoas, o contexto e a sociedade - que começou a desiquilibrar a balança, se consideramos o desenvolvimento tecnológico. Alan Cooper e outros defenderam tirar das mãos unicamente dos programadores a criação da lógica dos computadores, porque este era um dos motivos de eles serem tão pouco humanos. Há um movimento na comunidade de desenvolvedores para restabelecer este equilíbrio, abordagens como Agile UX e Lean UX, por exemplo, procurar integrar o entendimento humano no mesmo tempo que a tecnologia é desenvolvida: Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa 177 177 Disponível em: http://lithespeed.com/lean-ux-dont-part-1-3-2/. Acesso em 13.Setembro.2014. 78 Já Bill Buxton, em “Skething User Experiences” defende um modelo de integração total entre design, marketing e desenvolvimento durante a criação e evolução de um produto tecnológico, em cada parte do processo, as equipes são comprometidas em maior ou menor grau, mas todas estão conectadas e atuando de forma integrada: Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O comprometimento é compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas: “Para criar produtos de sucesso é tão importante quanto (se não mais) investir no design do processo de design, assim como no produto sim”. (BUXTON, 2008, p.408, tradução nossa) 178. A proposta de Buxton é interessante, mas também requer um ambiente preparado e um modelo de desenvolvimento que contemple as equipes ou áreas citadas, o que nem sempre faz parte da realidade das empresas. O importante é notar a perspectiva do design e marketing como entendimento do lado humano e integração desse significado ao projetar tecnologia para as pessoas realmente configura-se como uma tendência, a menos nos processos que buscam considerar os aspectos humanos em seu desenvolvimento. 178 “In order to create successful products, it is as important (if not more) to invest in the design of the design process, as in the design of the product itself.” 79 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Um homem do mundo é companheiro no grande jogo da vida” KANT, Imanuel 179 Ao situarmos o homem no cenário da pós-modernidade pudemos chegar a algumas considerações a respeito da relação do homem com a tecnologia e de que maneira podemos escolher projetar as futuras tecnologias considerando os aspectos, valores e propósitos humanos. Quando abordamos o projeto de Paul Otlet no primeiro capítulo, vimos que a idealização do Mundaneum foi feita considerando as mudanças que ele percebeu no cenário de transição que se encontrava, quando começou a mover um maquinário em torno de um projeto de universalização do conhecimento, uma vez via a emergência da distribuição informacional de sua época; no segundo capítulo percebemos que as implicações da transição para o pós-moderno seriam de uma transformação da relação do homem com a tecnologia, e um dos propósitos aos quais poderia se lutar por, tal como fez Otlet, seria recuperação da própria identidade humana, fragmentada, líquida, cambiante, por meio da reconstrução dos valores na interação com o mundo tecnomediado. Partimos do pressuposto da não neutralidade na relação do homem com a tecnologia, o design que pode cercear ou pode libertar o ser humano: pode alienar e que pode instigá-lo para um conhecimento de si mesmo e a ampliação de sua consciência, o computador que domestica, mas que pode também potencializar as capacidades humanas – “a tecnologia não é boa e nem é má, tampouco neutra” – disse Buxton se referindo à Kransberg. Reafirmamos essas características ao longo dos capítulos 2 e 3. Com Johnson e Manovich, no primeiro capítulo, chegamos ao conceito da interface como arte deste tempo – metáforas que representam o homem no mundo de dados – e, como todo bom artista, quem projeta tecnologia para humanos precisa desenvolver a sensibilidade com as questões humanas mais profundas, questões que atualmente se caracterizam por serem múltiplas, plurais, efêmeras, transitórias, em um processo de construção e reconstrução contínuos – como nos apresenta Hall, Harvey e Bauman ao entendermos a construção da 179 KANT, Imanuel. Preleção sobre antropologia. Cf. As principais preleções filosóficas de I. Kant. Conforme os recém encontrados cadernos de Conde Heinrich zu Dohnawunderlacken. Editados por A. Kowalewski., 1924. p.71 (N.A.) Apud (HEIDEGGER, 2005, p.133) 80 identidade e as transformações socioculturais advindas com a globalização e difusão das tecnologias no modo de viver do homem. Vimos também que a tecnologia molda e é moldada pelas organizações e pelas pessoas, assim, um modelo que busque a centralidade do ser humano tem que se debruçar sobre os aspectos humanos da interação homem-computador, buscando equilibrar essa balança, entendendo sempre que são forças distintas – pudemos ver ao longo do texto, os exemplos da tecnologia que é construída sob o alicerce de enxergar humanos como máquinas, resquícios da produtividade industrial e do modelo mental de programação; o homem técnico, maquinizado, é também um homem que perdeu a sua identidade, e ainda mais grave, é um homem que pela sensação de conexão intensa com a tecnologia, esqueceu-se de si, esqueceuse de ser. A tecnologia projetada para pessoas deveria permitir e convidar todos a fazerem de sua própria vida uma obra de arte (como disse Albert Camus, citado por Bauman), inspirá-los a jogar o jogo da vida, conhecendo de fato suas posições, escolhas e valores – ainda que transitórios - inclusive aqueles experimentados por meio da interação com interfaces digitais. A interface é um tradutor que afeta, e como vimos no final do segundo capítulo, ela tem condições de entrar nesse jogo de identidades e valores que compõe o homem na pósmodernidade, principalmente se for veículo de significação e construção de sentido. O código, para Flusser, é o sistema de símbolos que mediam e ajudam a dar um sentido no mundo. Entre os dois olhos da alma (aquele que olha para o tempo, e aquele que olha para a eternidade)180, o modo de ver do designer tem que ser o segundo - aquele que permite deixar o fluxo mais lento, ou como explica Flusser, olhar para o que é eterno: é o olho-sentinela, que está sempre procurando a eternidade e ensinando isso ao computador para que ele “transporte a eternidade, intuída e manipulada para a temporalidade” (FLUSSER, 2013, p.192). Quando, no terceiro capítulo, Maeda fala sobre a simplicidade nos sistemas complexos e busca pelo lado humano, fala exatamente deste olhar que se distancia, permite a abertura, o design centrado no ser humano questiona as mazelas e expectativas sociais que moldam as tecnologias. A responsabilidade é requisito da emancipação por meio do design. Todas as abordagens analisadas no terceiro capítulo – Design de Interação, Design Thinking o 180 Flusser, 2013, p.188, citando Angelus Silesius 81 Marketing 3.0., tem em comum o forte propósito de responsabilizar-se com o que acontece com o humano quando ele está em contato com um produto, serviço, ambiente ou uma marca. Podemos considerar as três abordagens como centradas no ser humano especialmente por não limitarem o entendimento do humano como usuário de tecnologia e como consumidor de produtos. Quando se parte de pessoas como usuários e consumidores não há espaço para ser, pois em uma interface, produto, serviço, ambiente e marca alicerçados sobre este propósito, o ser já foi dado, o ser é outro, vazio de significado. Com Alan Cooper, entendemos que o Design de Interface preocupa-se com o comportamento da interface na interação com o ser humano, interfaces construídas sob o princípio do design da interação, em teoria, tem condições de atuar no jogo da vida das pessoas, pois todos os aspectos contextuais e principalmente seus propósitos pessoais estão envolvidos. O Design Thinking, metodologia que se propõe a ser Design Centrado no Ser Humano, tem suas raízes no modelo de Design Participativo, que procura incluir todos os interessados na construção de um produto, serviço ou ambiente, dando-lhes voz ativa; por meio de um entendimento profundo as necessidades e desejos as pessoas em sua intimidade, o Design Thinking se propõe à inovar, entrando sem amarras no jogo de ser e viver. Kotler nos apresenta a evolução do marketing sobre o conceito do Marketing 3.0., na descrição sobre a metodologia, podemos ver o marketing que já está jogando as negociações identitárias da pós-modernidade, quando ele diz que “proporcionar significado é a futura proposição de valor do marketing” (KOTLER, 2010, p.21), notamos a busca de uma construção do humano junto com as pessoas - objetivos da marca são alinhados aos valores humanos, e as promessas feitas são promessas que nas quais há espaço para ser. Como a análise foi feita sobre o discurso teórica dessas abordagens, implicações para futuras pesquisas seriam 1) Analisar como as teorias se comportam na prática, 2) Analisar práticas exercidas sob o título dessas abordagens e verificar o quanto estão próximas de seus discursos, ou seja, o quanto conseguem considerar os aspectos humanos no desenvolvimento do produto, serviço, ambiente ou marca e 3) Identificar os aspectos culturais que afetam a incorporação dessas metodologias no âmbito organizacional. Outro ponto importante delineado ao longo desta pesquisa e que pode ser explorado em outros estudos é a questão da emergência de novas formas econômicas e a partir do desenvolvimento tecnológico. Assim como Otlet previu uma transformação da humanidade 82 por meio da evolução técnica, Moggridge, Buxton, Kotler, Cooper, Flusser, Lévy e outros também se referiram à expansão da humanidade por meio da tecnologia: Moggridge falou da expansão do design sob a perspectiva do indivíduo para o design que busca impacto e inovação social, Kotler disse que a sustentabilidade é um dos valores humanos e algo que tem que estar no cerne da missão das empresas do futuro, das que estarão sob a regência do Marketing 3.0. Buxton, Cooper e Flusser destacam a responsabilidade do designer, de quem projeta a tecnologia na modelagem das formas de ser, interagir e consequentemente transformar o mundo. É onde o jogo do homem na vida passa a ser o jogo da humanidade. Pierre Lévy vai mais longe, para ele a finalidade, ou o propósito de todas as atividades - inclusive econômicas - deve visar o aumento de potência, é o que ele chama de economia dos valores humanos ou economia da inteligência coletiva. Nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas, critério e portador vivo de todo valor. Que bem seria esse que não fosse saboreado, apreciado ou imaginado por nenhum membro de nossa espécie? Os seres humanos são, ao mesmo tempo, a condição necessária do universo e o supérfluo que lhe confere seu preço, compõe o solo da existência e o extremo de seu luxo: inteligências, emoções, envoltórios frágeis e protetores do mundo, sem os quais tudo voltaria ao nada. É por isso que defendemos que é preciso ser economista do humano, que é bom cultiválo, valorizá-lo, variá-lo e multiplicá-lo, e não esbanjá-lo, destruí-lo, esquecê-lo, deixá-lo morrer por falta de cuidados e reconhecimento. Mas não podemos permanecer no plano da enunciação de seus princípios. É necessário igualmente forjar instrumentos - conceitos, métodos, técnicas - que tornem sensível, mensurável, organizável, em suma, praticável o progresso em direção a uma economia do humano.(LÉVY, 2007, p.47) Reafirmamos então, à luz da literatura acerca da relação do homem com a tecnologia e da configuração do humano na pós-modernidade, que projetar interfaces para tecnologias emergentes requer compreensão do ser humano e seus clamores de construção de significação nas três dimensões (ser humano como indivíduo, ser humano que se reconhece no olhar do outro e ser humano enquanto coletividade). Para projetar tecnologia para pessoas com propósitos claros é preciso visão sustentável em longo prazo, no contexto organizacional significaria considerar os aspectos humanos desde o entendimento do outro e construção do conceito do produto, serviço, ambiente ou marca (design), passando pela visão de negócios (estruturação da proposta de valor da instituição bem como sua comunicação) até o desenvolvimento da tecnologia em si. 83 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Helena de Lima Marinho Rodrigues. Os modos de existência do Daisen: inautencidade e autencidade em Ser e Tempo. Kalagatos: Revista de Filosofia do Mestrado Acadêmico de Filosofia da UECE Fortaleza, v.2, n.3, inverno 2005, p.37-63. Disponível em <http://www.uece.br/kalagatos/dmdocuments/Os-modos-de-existencia-do-Dasein.pdf> Acesso em 24 Agosto de 2014. ARONS, Marc de Swaan, WEED, Keith, DRIEST, Frank van den. A mais moderna máquina de marketing. Harvard Business Review Brasil. Julho-Agosto de 2014. BAIRON, Sérgio. O que é hipermídia. São Paulo: Brasiliense, 2012. BARRETO, Aldo de Albuquerque. Uma quase história da Ciência da Informação. Disponível em: <https://www.academia.edu/7882692/Uma_quase_historia_da_ciencia_da_informacao> Acesso em 16.Agosto.2014. BAUMAN, Zygmaunt. Ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007 BROWN, Tim. Change by design: how design thinking tranforms organizations and inspire innovation. New York: 2009. ______. Design thinking. Harvard Business Review, June, 2008. p.84-95 ______. Designers -think big! Ted Global 2009 Disponível http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso 02.Setembro.2014 em: em BUXTON, Bill. Beyond Technology: Design for People. MicrosoftAdverstsing - Cannes Lions 2013. Disponível em: http://youtu.be/JeT8A7sYnQU. Acesso em 13.Agosto.2014 ______. Sketching User Experiences: getting the design right and the right design. Morgan Kauffman/Elsevier, 2007 CAMARGO, Liriane Soares de Araújo, FAZANI, Alex Jose. Explorando design participativo como prática de desenvolvimento de sistemas de informação. InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 5, n. 1, p. 138-150, mar./ago. 2014. CHAUÍ, Marilena. Experiência do pensamento: ensaios sobre a obra de Meleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 84 CHICK, Ane, MICKLETHWAITE, Paul. Design for sustainable change: how designers can drive the Sustainability Agenda. Singapore: AVA Book Production, 2011. CHRISTIAN, Brian. O humano mais humano: o que a inteligência artificial nos ensina sobre a vida. Laura Teixeira Mota (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2013. COOPER, Alan. Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em 30.Agosto.2014 ______. The innmates are running the asylum: why high-tech products drive us crazy and how to restore sanity. Indiana: Sams Publishing, 2004. COOPER, Alan, REIMANN, Robert. About face 2: the essentials of interaction design. Indianapolis: Wiley Publishing, 2003. COOPER, Alan, REIMANN, Robert, CRONIN, Dave. About face 3: the essentials of interaction design. Indianapolis: Wiley Publishing, 2007. COOPER, Alan. REIMANN, Robert, CRONIN, Dave, NOESSEL, Christopher. About face 4: the essentials of interaction design. Indianapolis: Wiley Publishing, 2014. CORDERO, Néstor Luis. Sendo, se é: a tese de Parmênides. Eduardo Wold (Trad.). São Paulo: Odysseus Editora, 2011. CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow, the secret to happiness. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow> Acesso em 02.Setembro.2014. DAMASIO, António. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. Laura Teixeira Motta (Trad.). São Paulo, Companhia das Letras, 2000. DI RUSSO, Stefanie. A brief history of the design thinking. (part. 1, 2 e 3). Disponível em <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/01/18/a-brief-history-of-design-thinking-thetheory-p1/>; <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/03/31/a-brief-history-of-designthinking-the-theory-p2/>; <http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-ofdesign-thinking-how-design-thinking-came-to-be/> Acesso em 10.Setembro.2014 DUBBERLY, Hugh. Alan Cooper and the Goal Directed Design Process. AIGA Journal of Design for the Network Economy. v.1, n.2., 2001. Disponível em: http://www.dubberly.com/articles/alan-cooper-and-the-goal-directed-design-process.html Acesso em 06.Setembro.2014. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Rafael Cardoso (Org.), Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 85 FOGG, B. J. Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do. Amsterdam: Morgan Kaufmann Publishers, 2003. FOURNIER, Susan; WITTENBRAKER, John, AVERY, Jill. Desvende os mistérios do relacionamento com o cliente. Harvard Business Review Brasil. Julho-Agosto de 2014. GASSON, Susan. Human-Centered Vs. User-Centered Approaches to Information System Design. The Journal of Information Technology Theory and Application (JITTA), 5:2, 2003, 29-46. Disponível em: http://cci.drexel.edu/faculty/sgasson/papers/SG-JITTA.pdf. Acesso em 30.Agosto.2014 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. HAMEL, Gary. Moon Shots for management. Harvard Business Review. Fev.2009. Disponível em: <http://www.denewnormal.nl/wp-content/uploads/2013/02/pluginMoonShotsForManagementGaryHamel-2.pdf> Acesso em 12.Setembro.2014. HARPER, Richard; RODDEN, Tom; ROGERS, Yvone et al (Ed.). Being human: HumanComputer Interaction in the year 2020. Cambrige: Microsoft Research Ltda, 2008. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultura. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves (Trad.). 23.ed. São Paulo, Loyola, 2012. HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Ernildo Stein (Trad. e notas). São Paulo: Abril Cultural, 2005. (Coleção Pensadores) HOWARD, Adrian. User Experience does not exist. In: Infoqueue: Enterprise Software Development Community. UX Cambrige 2012. Videoconferência. Disponível em: http://www.infoq.com/presentations/UX-Future .Acesso em 11.Agosto.2014. IDEO. HCD - Human Centered Design: Kit de ferramentas. 2.ed. s.d. Disponível em: <https://hcd-connectproduction.s3.amazonaws.com/toolkit/en/portuguese_download/ideo_hcd_toolkit_complete_ portuguese.pdf> Acesso em 10.Setembro.2014. JOHNSON, Steve. Cultura da interface: como o computador trasnforma nossa maneira de criar e comunicar. Maria Luísa X. de A Borges (Trad.). Rio de Janeiro: Zahar, 2001. KELLEY, David. Human-centered design. Disponível <http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso 10.Setembro.2014. em: em KIMBELL, Lucy. Rethinking design thinking. part 1. Design and Culture. v.3, issue 3, 2011. p.285-306. Disponível em <http://www.designstudiesforum.org/dsf/wpcontent/uploads/2011/11/kimbell_wm.pdf> Acesso em 10.Setembro.2014. 86 KOTLER, Philip. Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Ana Beatriz Rodrigue (Trad.) Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5.ed. São Paulo: Loyola, 2007. LEITE, Marcelo; SOUZA, Mauro Wilton de, GIOIELLI, Rafael Pompéia. Práticas de recepção mediática: cultura da imagem e identidade cultural. Novos Olhares: Grupo de Estudos sobre Práticas de Recepção a Produtos Mediáticos - ECA USP. Ano 8, n.15, 2005. p.33-44. MAEDA, John. As leis da simplicidade. Fernando Lopes Dantas (Trad.). São Paulo: Novo Conceito, 2007. ______. On Simplicity. Disponível em <http://www.ted.com/talks/john_maeda_on_the_simple_life/> Acesso em 02.Setembro.2014 MANOVICH, Lev. Post-media aesthetics. 2001. Disponível em <http://manovich.net/content/04-projects/030-post-media-aesthetics/29_article_2001.pdf> Acesso em 15.Agosto.2014. MELLO, Luci Ferraz et al. Mauro Wilton de Souza e as interfaces da Comunicação / Educação. Biografia das Personalidades em Educomunicação. Disponível em < http://moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=14834> . Acesso em 14.Abril.2013 MOGGRIDGE, Bill. Design interactions. Massachussets Institute of Technology, 2007. ______. What is Design?. Disponível em: 02.Setembro.2014 http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em MORIN, Edgar. A complexidade do eu. Disponível em: <http://youtu.be/ExOqRgBKDKA> Acesso em 10.Setembro.2014. NERVO, Alexandre Antônio. Da técnica à tecnologia. uma leitura do pensamento tecnológico de Martin Heidegger. Linguasagem. n.18. 2012. Disponível em: http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao18/artigos/042.pdf Acesso em 11.Agosto.2014. NORMAN, Donald A. Emotional Design: why we love (or hate) every day things. New York: Perseus Group, 2004. PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. 1 PAPANEK, Victor. Design for the real world: human ecology and social change. New York: Van Nostrand Reinhold, 1984. 87 RANOYA, Guilherme. Mauro Wilton (Orient.) A intuitividade nas mídias interativas. São Paulo, 2013. 170 p. Tese (Doutorado). - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. RAYWARD, W. Boyd. Visions of Xanadu: Paul Otlet (1868-1944) and Hypertext. Journal of American Society of Information Science, v.45, p.235-250. 1994. Disponível em: http://people.lis.illinois.edu/~wrayward/Visions%20of%20Xanadu_JASIS.pdf Acesso em 15.Agosto de 2014. ROGERS, Yvonne, SHARP, Helen and PREECE, Jenny. Interaction Design: Beyond Human-Computer Interaction.3.ed. Wiley, New York, 2011. ROSENFELD, Louis, MORVILLE, Peter. Information Architecture for the Word Wide Web. Sebastopol: O'Reilly, 1998. SANTAELLA, Lucia. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007 SANTOS, José Trindade. XVII Congresso Interamericano de Filosofia. Uma leitura antepredicativa do argumento de Parménides. 2013. (Congresso). Disponível em:http://youtu.be/LwKWJz1HbxE , http://youtu.be/tAyXkaYYKw8 e http://youtu.be/zBF_ydIGyQ0 Acesso em 07.Agosto.2014. ______. A leitura de ‘é/não é’ a partir de Parmênides, B2. Dissertatio - Revista de Filosofia. Ano. 18. n.32. verão de 2012. p.11-31. ______. A “questão da existência” no Poema de Parmênides. Filosofia Unisinos.13 (2), maio\ago.2012. p.182-198. ______. Parmênides contra Parmênides. Anais de Filosofia clássica. v.1., n.1, 2007. Disponível em: http://www.ifcs.ufrj.br/~afc/2007/trindade.pdf . Acesso em 08.Agosto.2014. ______. Pensando o ser, no Poema de Parmênides. Hypnos, São Paulo, n. 26, 1o semestre 2011, p.48-72. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/hypnos/article/viewFile/6508/4720. Acesso em 08.Agosto.2014. SCHAR, Mark. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em: <http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014. STEWART, Margaret Gould. How giant websites design for you (and a billion others, too). Disponível em: http://www.ted.com/talks/margaret_gould_stewart_how_giant_websites_design_for_you_and _a_billion_others_too. Acesso em 02.Stembro.2014 WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. Sandra Guardini Vasconcelos (Trad.). São Paulo: Boitempo, 2007.