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Panorama Critico
#02 - Ago/Set 2009
Arte contemporânea revelada
Peter Plagens
Tradução
Ângela Z. Cagliari
Resumo
Pesquisa realizada em grandes jornais e revistas semanais sugere que as
artes visuais estão perdendo lugar na imprensa popular, até mesmo com seu público e mercado- crescendo exponencialmente.
Palavras-Chave:
Crítica, mídia, comunicação
Peter Plagens. Originalmente publicado em Art in America, Fevereiro de 2007,
Brant Publications, Inc. Para maiores informações www.artinamericamagazine.com
Panorama Crítico | ISSN 1984-624X | Edição #02 | Agosto/Setembro 2009
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#02 - Ago/Set 2009
Arte contemporânea revelada
Peter Plagens 1
Por que ninguém mais escreve sobre arte contemporânea? Questão levantada
por mim em uma abertura de uma exposição meses atrás.
I
Hoje o mundo da arte é maior e mais rico do que era há meio século, a uma
geração atrás ou até mesmo há uma década passada. Em 2002, mais de um quarto
da população adulta nos Estados Unidos visitou alguma galeria de arte ou museu, um
número que o governo americano chama de "participação cultural" (cinema não está
incluso), a qual perde somente para o número de pessoas que lêem livros e visitam
sítios históricos, e duas vezes à frente do número de freqüentadores de concertos; (1)
desde então, o cardápio de exposições de arte tem apenas aumentado, assim como
os visitantes. A maioria das cidades (no EUA) possui ao menos um distrito com
galerias, enquanto os maiores têm diversos, como os distritos nova iorquinos de
Chelsea, SoHo, Rua 57, Upper East Side, Williamsburg and Dumbo, e o West Side; da
grande Los Angeles, Santa Mônica, Culver City, East Hollywood, centro e a
Chinatown. Todo mundo que tem um Range Rover na garagem, um guarda-roupas
cheio de ternos Armani e sabe diferenciar (um vinho) medoc de um merlot está
comprando arte contemporânea. Nos últimos anos os preços de leilões, para até
mesmo artistas de média popularidade (como Richard Prince) escaparam do empurrão
gravitacional de prudência. Museus de arte moderna e contemporânea –
freqüentemente edifícios glamorosos e caros, projetados por “arquitetos-estrela” de
renome internacional – se espalharam 2 em praticamente todas as cidades americanas
com um logo de neon pairando a mais de dez andares de altura. Tudo isso levou,
naturalmente, a movimentos de jovens ambiciosos - muitos dos quais, pouco tempo
antes, poderiam ter escolhido careiras em design gráfico, cinema ou relações públicas
– para se auto declararem artistas. O empreendimento da arte contemporânea é
suficientemente notável aos freqüentadores de complexos de salas de cinema e
1
Peter Plagens. Originalmente publicado em Art in America, Fevereiro de 2007, Brant
Publications, Inc. Para maiores informações www.artinamericamagazine.com
2
N.T. em inglês sprung (spring) – florescer.
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pessoas que passam muito tempo deitados no sofá assistindo televisão 3 que
recentemente o tema ganhou uma comédia de cinema (Art School Confidential) e
reality show (Art Star). Em termos absolutos, possivelmente mais tinta é respingada na
arte moderna e contemporânea do que jamais havia sido antes. Parece que não há
somente material suficiente para manter críticos escrevendo constantemente para
jornais diários e revistas de circulação nacional extremamente ocupados, mas há tanto
material que mais escritores, mais linhas nas colunas,mais cobertura, são
requisitados.
Aqueles de nós que crescemos com o mundo da arte, com certeza,
precisamos de crítica de arte. Assim como Michael Brenson, em um artigo de 1997
patrocinado pela Fundação Andy Warhol, escreveu em “Resistindo à jornada perigosa:
a crise no jornalismo crítico”:
Críticas de arte são indispensáveis. Elas são
modos de reconhecer e seguir artistas, de manter-se
informado com as mudanças pensadas por artistas, e
saber
como
artistas,
marchands,
curadores,
e
colecionadores funcionam, (críticas de arte) são um meio
de trazer novas situações e espaços alternativos à
atenção do público, e assim traçar seu sucesso ou
fracasso. As críticas são veículos para críticos se
envolverem em novas formas de definir e pensar, por
meio de descoberta,s onde suas áreas de ignorância e
cegueira estão e como lidar com elas.
4
Mas em 2003, James Elkins, um professor de história da arte da escola
do Instituto de Arte de Chicago, e, possivelmente, o cidadão anglófono mais
preocupado no mundo no com crítica de arte, abriu seu livreto “O que aconteceu com
a crítica de arte?”, da Prickly Paradigm Press 5 , [no capítulo] “Crítica de arte está na
crise mundial”. Ele continua: “ sua voz (crítica de arte) tornou-se fraca e está
dissolvendo-se na confusão da crítica cultural efêmera... Logo, está morrendo, mas
3
Cineplex-goers and couch potatoes.
N.A. This essay is reprinted in Maurice Berger, ed., The Crisis of Criticism, New York, New
York Press, 1998. (Este é um artigo reimpresso pelo editor Maurice Berger no livro The Crisis of
Criticism, New York, New York Press, 1998.
5
N.T.Prickly Paradigm Press é uma editora que dá liberdade para autores falarem sobre suas
áreas acadêmicas. É distribuída pela University of Chicago Press.
4
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está em todo lugar. É ignorada, mas ainda tem o mercado atrás de si... Por um lado,
portanto, a crítica de arte é bastante saudável. Tão saudável que está ultrapassando
seus leitores – há mais crítica por aí do que as pessoas podem ler”.
A idéia “mais crítica por aí do que as pessoas podem ler” de Elkins
refere-se, principalmente, a publicações especializadas em arte, da mais refinada e
mais lida até a publicação mais hermética e de pequena circulação “pequenas
revistas”. Porém, ocasionalmente, uma das revistas de grande circulação oferece arte
que é chamada nos negócios (business) de “pacote” ou “para levar”. Em dezembro de
2006, a revista Vanity Fair, por exemplo, dedicou mais de oitenta páginas para sua
matéria de capa chamada “Edição da Arte”, sobre o “universo” da arte contemporânea.
Para ser justo, o tratamento da Vanity Fair não ofereceu um prato de carne vermelha –
um simpósio sobre o estado do mundo da arte com
perfis de negociantes,
colecionadores, editores, artistas, leiloeiros, curadores e de artistas consagrados e
emergentes, e ainda retorna a Fábrica de Warhol e todos os personagens do início do
modernismo.
Contudo, no contexto de uma revista que cheira como um balcão de
cosméticos, (essa edição sobre arte) parece um catálogo de Natal e um desfile de
moda, arte novamente classificada como decoração (frou-frou) para os ricos que
gostam de tendências. Na edição da revista W sobre arte, a qual estava nas bancas
um mês antes, a arte não esteve mais bem representada.
A julgar pelos jornais de várias grandes cidades americanas e algumas revistas
nacionais, a imprensa popular parece estar fazendo matérias sobre arte com certo
detalhamento. Roberta Smith, Holland Cotter e Michael Kimmelman do New York
Times, Peter Schjeldahl do New Yorker, Mark Stevens da revista New York, Jerry Saltz
do Village Voice, Jed Perl do New Republic, Arthur Danto do The Nation, Ken Johnson
do Boston Globe, Edward Sozanski e Edith Newhall do Philadelphia Inquirer,
Christopher Knight e David Pagel do Los Angeles Times, Kenneth Baker do San
Francisco Chronicle, Robert L. Pincus do San Diego Union-Tribune, e muitos outros
produzindo uma variada quantidade de palavras sobre arte todo mês. E a maioria,
senão todas as suas publicações, também publicam artigos extras sobre arte feitos por
freelancers e outros contribuidores.
Alguns jornais diários do centro do país, como o Kansas City Star (que
tem como crítica de arte Alice Thorson), reserva um espaço considerável para arte.
Em algumas metrópoles de médio porte existem algumas exceção de sofisticação
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atípica. Nancy Barnes, uma editora do Minneapolis Star Tribune diz, “Nós temos
matérias saudáveis sobre arte no Star Tribune, e continuaremos a ter. Nós temos uma
grande equipe com especialistas em artesanato e em arte, e a maioria de nossas
matérias é feita na casa (no jornal), com alguns poucos contribuidores. Nós temos
sorte de estar em um mercado onde boas matérias sobre arte são apreciadas e
realmente exigidas”.
6
Thorson diz, “Sou afortunada com o fato de que meu jornal
publicará notícias, comentários e críticas sobre artes tanto quanto eu posso gerar,
assim como as opiniões sobre galerias feitas por nossos freelancers regulares”. Até
mesmo o Contra Costa Times (da Califórnia), com circulação de 186,000 exemplares,
emprega uma equipe em horário integral para cobrir matérias sobre artes visuais. 7
Portanto, parece não haver uma diminuição de crítica de arte dirigida ao público em
geral.
II
Contudo, nacionalmente, matérias sobre arte em jornais estão em baixa, e não
somente pelo longo curso que Elkins indica quando escreve que “crítica de arte em
jornais é difícil de ser medida, entretanto, parece cada vez mais termos menos críticas,
se relacionadas ao crescimento populacional, do que tínhamos há cem anos”. Por
mais significativos que sejam esses números – palavras, espaço na folha, número de
jornalistas que se dedicam exclusivamente ou dedicam seu maior tempo em cobrir
matérias sobre artes visuais, etc. – a tendência dos últimos cinco ou dez anos é a
diminuição dessa cobertura, exceto, pelo visto, no New York Times e no Los Angeles
Times. Jornais de grande circulação como o Miami Herald (360,000 aos domingos) e o
Chicago Sun Times (333,000 aos domingos), não empregam escritores de artes
visuais em horário integral. Já os diários em Charlotte, Cleveland, Denver e Oakland
empregam, mas esses escritores cobrem notícias sobre arte apenas parcialmente,
dividindo seu tempo com arquitetura e música clássica. A média nacional de espaço
dado às artes visuais consome somente 5 % do total do espaço que os jornais dão às
6
N.A. Salvo citado, todas as citações vêm de emails e telefonemas entre mim e minhas fontes.
N.A. A maioria das estatísticas e muitos outros fatores neste artigo vêm do livro “Reporting the
Arts II: News Coverage of Arts and Culture in America. New York, National Arts Journalism
Program, Columbia University, 2004. Nominalmente, o livro de três anos de idade possa indicar
que muito das suas informações já foram modificadas. Porém, desde 2004, as coisas
provavelmente só pioraram.
7
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artes, enquanto ao cinema e aos livros cinco e três vezes mais, respectivamente,
espaço nos jornais.
Owen Thomas, o editor de novidades do Christian Science Monitor,
admite que todas as matérias sobre arte em seu jornal -- são escritas por freelancers
que geralmente produzem suas próprias histórias, ao contrário de escrever sobre um
tema pedido pelo jornal – decaíram na última década. O Monitor é uma publicação
nacional; No Greensboro (Carolina do Norte) News & Record, um diário possivelmente
mais tradicional com uma circulação de 100,000 exemplares, o editor John Robinson
diz, “Nós temos o que chamamos de colunista de artes visuais, o qual escreve para
nós cerca de uma vez por mês...Sua coluna – e nossas reportagens – tendem a ser
mais sobre elementos e novidades artísticas do que críticas ou resenhas... As artes
visuais ganham menos cobertura no jornal do que qualquer outra expressão no campo
das artes, com a possível exceção da dança”.
Do ponto de vista dos escritores, a situação é ainda mais definida, e é
estendida às artes, com “s”. Aqui estão dois dos típicos comentários dados
compreensivelmente sob a condição de anonimato:
“Quando eu comecei no nosso jornal (há mais de
dez anos), eu preenchia dois cargos: o artístico e o de
outra área. Eu agora estou cobrindo (ainda mais outra
área) também. Eu sou o único escritor de artes em um
jornal que costumava ter três pessoas para isso”.
“Devido ao fato de eu ser o único crítico da equipe
do meu tipo em toda a região, eu poderia muito bem
perder
meu
emprego
no
próximo
mês
ou
tê-lo
reconfigurado para não existir mais. (Eu então serei um
crítico de arte/policial suburbano, reporter beat
8
/
newsboy (insider)”.
Revistas nacionais de interesse geral não têm feito melhor que os jornais. No
que hoje parece ter sido a era de ouro – os anos 50 e 60 – os tipo Gene Baro, David
Bourdon, E.C. Goossen, Thomas B. Hess, Barbara Rose, Harold Rosenberg, William
Seitz,
Alan
Solomon
e
até
mesmo
Leo
Steinberg,
escreveram
8
bastante
N.T. Beat reporter é um jornalista que tem como cargo gerar matérias sobre uma determinada
área designada a ele.
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freqüentemente para revistas como Vogue sobre artistas como Picasso, Jackson
Pollock, Bridget Riley e Ray Johnson. Apesar de a revista Life, famosa por ter
publicado a frase “Jackon Pollock é o maior pintor vivo nos Estados Unidos?”, a qual
poderia ser lida com sarcasmo, escreveu um longo artigo sobre o pintor. E em outra
vez, Life publicou a transcrição -- com milhares de palavras – de uma discussão sobre
pintura de vanguarda entre grandes pensadores da arte, como Meyer Schapiro e
Clement Greenberg. Editores amigos da arte, como Alexander Liberman da Vogue,
Kermit Lansner da Newsweek e Dorothy Seiberling da Life, estabeleceram padrões
que mantiveram matérias de arte com respeitável nível em revistas populares durante
os anos 70 e 80.
Então, as coisas começaram a mudar. A Newsweek – que me tratava como um
membro da equipe por quase quinze anos e agora me trata respeitosamente como
uma contribuidor ocasional desde 2003 – e a Time acabou sujeitando-se as mesmas
forças maiores que afetam os diários no centro do país. Seus assinantes, os quais são
responsáveis por mais de 90% da circulação da revista, estão envelhecendo. Leitores
jovens estão menos interessados na revista. A competição da internet está forçando
as novas revistas a mudanças mais radicais do que as enfrentadas quando os
noticiários de TV apareceram no final dos anos 60. As margens de ganho financeiro
tornaram-se anoréxicas. Todos devem fazer mais com menos. Quando eu entrei na
Newsweek em 1989, os escritores mais ou menos se dedicavam exclusivamente as
suas áreas de conhecimento, cobrindo teatro, show de música/ópera/dança e arte.
Nada mais. E enquanto eu não conheço de perto os trabalhos da revista Time, eu não
tenho conhecimento de que não há empregados efetivos substituindo Robert Hughes,
já aposentado.
Quando eu comecei na Newsweek, eu fui trabalhar na seção de
“Cultura”; até o momento da minha saída da equipe, o nome da seção havia mudado
para “Artes e Entretenimento”. Um nome mais propício seria “Entretenimento e Artes”.
Ao lado da palavra “artes” a palavra “entretenimento” tem algo do mesmo efeito
“deslegitimador” quando junto da palavra “esportes”. É claro, todos os esportes de
platéia são formas de entretenimento, por exemplo, luta profissional 9 , que é somente
um fac-símile decorativo do esporte real. O combate é falso e o encerramento é
combinado. Quando “entretenimento” é fretado para as “artes” algum tipo de
adulteração ocorre.
9
N.T. Professional wrestling é uma luta não-competitiva com elementos de combate e teatro
apresentada para um público em busca de entretenimento.
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A situação não é muito diferente com as seções devotadas a “Artes e
Lazer”, como na edição dominical do New York Times, onde a crítica de arte foi
eliminada em favor do jornalismo suave 10 . Atualmente, nas edições de domingo do
jornal, exposições de arte, teatro legitimado, concertos clássicos, etc., são avaliados,
na maioria das vezes, como itens “quentes”, preferencialmente acompanhados de
escândalos, fofocas e estatísticas (custos de produção, público, pagamentos, rankings
de popularidade, etc.). Seja a exposição, peça de teatro ou concerto em questão, bons
ou ruins na opinião de um crítico conhecido, a matéria acaba por ser definida conforme
as definições de cobertura. Se o evento parece ou não uma contribuição
historicamente importante para o campo das artes, é considerada inteiramente
irrelevante. Contudo, a atrofia na seriedade não é limitada à mídia popular. Aqui está o
que Cary Darling teve de dizer no ano passado no jornal Fort Worth Star Telegram
sobre a gradual diminuição do canal de TV a cabo Bravo: “Ao menos simbolicamente,
a voz poética de Paul Robenson caiu silenciosa ao entusiasmo irritante da
[comediante] Kathy Griffin, e trabalhos incríveis de Picasso tiveram de ser mascarados
em favor dos controversos personagens da loja de tatuagens do programa ‘Inked’”.
III
Para ajudar a encontrar o porquê da disparidade existente entre um público
robusto interessado em arte (contudo, não necessariamente no tipo de arte indicado
pelo adjetivo “contemporâneo”) e o crescente encurtamento na imprensa popular
sobre ela, eu enviei perguntas por e-mail para gerentes e editores de cerca de doze
jornais diários de fora dos grandes centros de arte do EUA. Eu também incluí meu
telefone para algumas dessas pessoas, que possivelmente não me responderiam por
escrito. Eu devo ter “encostado na ferida”. Na maioria dos casos, a resposta padrão
“repetidas perguntas para o escritório dele/dela não foram respondidas” é aplicada.
Um editor finalmente respondeu depois da minha terceira tentativa, desculpou-se com
a velha história de que meus e-mails, de algum modo, “nunca chegaram”. Minha
resposta a ela, a qual incluía as outras três tentativas (cada uma, obviamente, havia
chegado ao seu destino), fez com que ela mudasse sua tática e, então, passou o
assunto sobre cobertura jornalística em arte para dois escritores do jornal, que nada
tinham a ver com as decisões administrativas sobre cobertura em arte que eu havia
10
N.T Soft journalism é um tipo de jornalismo informal, baseado em notícias sensacionalista,
celebridades, crime, etc.
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questionado. Obstrução talvez seja um termo muito forte para as respostas dos
editores, porém suficientes para dizer que organizações que coletam notícias não
ficam bem quando tentam defender-se dessa coleta.
O Greensboro News & Record’s Robinson, entretanto, têm um padrão
definido de franqueza no que diz respeito à cobertura jornalística sobre arte:
“Há variadas razões pelas quais não damos à arte
mais respeito. Nós percebemos que o público para esse
tipo de matéria (sobre arte) é pequeno. Poderia ser uma
profecia auto-suficiente – nós não escrevemos sobre arte
porque não há demanda, mas não é uma demanda
porque não escrevemos sobre... Publicidade nada tem a
ver com essas decisões. Eu acredito que se uma galeria
dissesse que compraria um anúncio caro no final da
página focando no mundo da arte, nós teríamos o salto
para a oportunidade de expandir nossa cobertura. Ao
meu conhecimento, isso não aconteceu, e teatros e
orquestras sinfônicas não são grandes anunciantes em
jornais, porém nós encontramos dinheiro para escrever
sobre
suas
produções
regularmente...
Arte
contemporânea é, freqüentemente, difícil de entender.
Eu ouso dizer que, se perguntado, eu inscreveria a
maioria dos leitores na escola Tom Wolfe de [opiniões
sobre] arte contemporânea”.
Enquanto nada além que os jornais fizeram foi cortar matérias sobre “as
artes”, ao mesmo tempo a cobertura da emanação da cultura popular “explodiu”, o
Monitor’s Thomas diz que as artes visuais podem ter inconvenientes específicos.
Primeiro, há o que ele chama de “fator de superioridade”—a percepção de que arte
moderna e contemporânea são apenas compreendidas por ricos, uma elite iniciada.
Segundo, ele diz, “não há um Picasso”, nenhuma figura dominante capaz de gerar
interesse no público em geral. O mesmo pode ser dito sobre os críticos. O arquiconservador, porém astuto e de hilária leitura, Hilton Kramer, já saiu do New York
Times há tempos e, agora está ausente do New York Observer; a revista Time foi
abandonada pelo tambor de chaleira de Robert Hughes, o qual, mesmo aposentado, é
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ainda a voz mais ouvida na crítica de arte americana. Nos anos recentes, esses dois
eram os únicos críticos de arte que suas assinaturas vendiam suas publicações, e não
o inverso.
Jornais, e em menor escala revistas, que costumavam ser propriedade
de família e dinastias familiares, como, por exemplo, a família Chandlers do Los
Angeles Times. Confortáveis margens de lucro eram mais garantidas antes da TV a
cabo e da Internet, e proprietários se importavam menos com os grandes lucros do
que em exercitar o poder político e serem os cacifes locais. Eles poderiam cobrir um
assunto que não dessa liderança, como arte, caso tivessem vontade. Contudo,
freqüentemente, eles cobriam matérias sobre arte como um tipo de obrigação de uma
nobreza quase ignorante do que por genuíno interesse. Hoje, mais e mais jornais
foram engolidos por propagandas publicitárias de empresas nacionais e internacionais.
Lucros e retornos para acionistas assumiram fundamental importância, e como
resultado, o conteúdo editorial desses jornais foi deslocado. Artigos do tipo “Notícias
que podem ser úteis para você”, “jornalismo para lidar com situações difíceis”, “íntimo
e pessoal” e os fatos importantes da vida de Brad Pitt e Angelina Jolie cresceram
exponencialmente. Matérias sobre arte – patrocinadas por pequenos anúncios de
baixo lucro – encolheram. Os novos proprietários corporativos de jornais, geralmente,
permanecem politicamente conservadores, e possivelmente mais conservadores
culturalmente que os antigos proprietários de famílias tradicionais. Para eles, arte
contemporânea, na melhor das hipóteses, é um divertimento inofensivo, e na pior,
como sabemos, uma ameaça à civilização como estamos acostumados, e na média
dessas suposições, um irritante cultural. Em seus corações de copas eles não querem
ler sobre arte contemporânea em seus jornais, e pensam que seus leitores também
não.
Além disso, não somente a estrutura operacional da imprensa popular
mudou, mas a mídia como um todo se alterou radicalmente. Nos velhos tempos, diz
Stevens, “era difícil ter muitas imagens e frescuras na diagramação. Logo, as palavras
ocupavam mais espaço na página... Agora, os editores são constantemente tentados a
aumentar o tamanho das fotografias, adicionar novas imagens, mover isso e aquilo – e
o resultado é a diminuição das palavras. Isto está acontecendo em toda parte na
imprensa. Pode-se chamar de efeito ‘USA Today’. Não há foco do leitor. Nada além de
pequenas manchetes. É a imprensa fast-food ”. E assim que a televisão surgiu na
casa de cada cidadão americano, semanalmente – até diariamente –, doses de
notícias não eram mais suficientes. Hoje, a Internet minuto a minuto, para subestimar
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ainda mais esse caso, aumentou as desvantagens do atraso da notícia. A Internet
também democratizou a participação do espectador na mídia. Os leitores não querem
somente falar com o televisor, eles querem ver suas opiniões postadas ao lado das
matérias escritas por escritores pagos. Poucas pessoas que formam público para a
arte contemporânea se importam com o que um supostamente renomado crítico de
jornal possa dizer sobre um artista ou exposição.
Há exceções – como os críticos de alguns dos maiores diários – mas
eles não se misturam. Mais e mais pessoas na platéia de arte contemporânea
prefeririam ler Tyler Green falando mal de alguém em seu blog, o Modern Art Notes,
do que as considerações de Michael Kimmelman em uma retrospectiva do MoMA.
Muitos escritores de arte complementaram suas atividades escrevendo em blogs de
graça ou foram comprimidos a eles por desejarem outros canais tradicionais – para
isso, muitos bloggers não têm inclinação ou disciplina para escrita. Cada um desses
bloggers de arte tem fãs e outros bloggers seguidores, e cada um desses bloggers
têm... e assim por diante. Uma crescente forma de crítica de arte consiste em postar
links para críticas de outras pessoas, as quais postarão links... E assim por diante.
Enquanto isso, diz um diretor de um museu de arte, “a mídia de mainstream
abraçou e aceitou o emburrecimento do público americano; e isso permanece porque
arte contemporânea é um empreendimento intelectual e, portanto, não é de interesse
para ela (a mídia) cobrir”. Um crítico de livros concorda: “havia um tempo” ele diz, “
quando as revistas se sentiam confortáveis em forçar alta cultura garganta abaixo de
seus leitores, porque eles pensavam que deveriam fazê-lo. Eles tinham margens de
lucro que permitiam fazer o que tivessem vontade. Agora eles estão lutando para isso
continuar viável, então, primeiramente entram em pânico e começam a tentar
adivinhar o que os leitores querem, especialmente os entre 18 e 30 anos de idade.
Fato que os fazem produzir o tipo de matéria tímida e de inclinação pop que você vê
em cada edição”.
É claro, algumas coisas eram piores no passado, especialmente em termos de
iluminação versus espírito de filisteu 11 . “Na virada do século”, escreve Elkins, “Royal
Cortissoz, um crítico teimosamente conservador do New York Tribune, lutou contra
tudo que era moderno, exceto Matisse e, uma geração depois, John Canaday, o
tradicional crítico do New York Times, lutou contra o Expressionismo Abstrato com
uma violência sarcástica que hoje parece remota”. Christopher Knight (do Los Angeles
11
N.T. Philistinism é um termo pejorativo. Uma atitude hipócrita, ignorante de naturezaartística.
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Times) de fato, acha que muito da negação a respeito da qualidade da atual crítica de
arte pertence, na verdade, a uma escola de pensamento que acha que a arte é
desastrosa, personificada no século anterior por Cortissoz e Canaday. “A visão de
declínio continua viva – mas agora ela virou às costas para arte e está focada no
jornalismo de arte,” diz ele.
IV
Infelizmente, nós escritores de arte, também somos parte do problema.
Parafraseando um velho amigo meu dos tempos da faculdade, muito freqüentemente
“não escrevemos tão bom”. O que significa dizer que muitos escritores falham ao
escrever sobre arte moderna e contemporânea em inglês claro, o qual o leitor entenda
-- sem neologismos e patuás intramuros 12 . Contudo, eu me considero melhor escritor
que a maioria (a Newsweek me deixou isso claro), meu estilo coagulado, com
parênteses longos e minha adoração por ponto e vírgula, é, geralmente, pouco polido
para as principais publicações mensais. Como Stevens observa, “A maioria dos
críticos que estão no ramo não são escritores. Eu acho que nunca ocorreu a eles que
deveriam tentar escrever bem. Não é surpresa que ninguém que não seja familiarizado
com o assunto tenha interesse em lê-los”. Quando isso é apontado para nós, muitos
na fraternidade da crítica de arte ficam ouriçados e discutem que “escrita clara” é um
código para o conservadorismo de Roger Kimball, considerando arte qualquer coisa
mais aventurosa que Fairfield Porter 13 .
Eles têm alguma razão. Vinte anos atrás, eu participei de uma falsa
agência de Incentivo Nacional para as Artes (eu não sabia que era falso naquela
época), na qual nós discutíamos as subvenções dos críticos e recomendávamos se
deveriam continuar e de que maneira. (A decisão de parar com os patrocínios já havia
sido feita, e nossas reuniões eram apenas retroativas). O chefe lutava com as já
mortas e esquecidas subvenções e reclamava – causadas principalmente pelos
conservadores no poder – de falta de inteligibilidade. Ainda assim, é fato que os
críticos que escrevem os mais límpidos textos, hoje em dia, são estéticos, se não
políticos, conservadores como Hilton Kramer, Jed Perl e Mario Naves. Por outro lado,
críticos como estes escrevem sobre arte sobre a qual eles não necessitam de esforço
12
13
Sans neologisms and intramural patois.
Fairfield Porter foi um pintor e crítico de arte americano.
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retórico para fazê-lo. Escrever sobre arte fora de suas zonas de conforto resultou em
algumas memoráveis falsificações de idéias.
É também verdade que, nem todo escritor de arte trabalha bem em
ambos os mundos da arte e do corporativismo de um jornal. Antes de eu poder ser
contratado pela Newsweek, o editor da seção de cultura que havia me recrutado, me
solicitou que fôssemos almoçar juntos no (restaurante) “21” e que eu estivesse bem
vestido. Ele me disse que encontrar um crítico de arte era a contratação mais difícil
que ele havia tido na revista, e pareceu satisfeito em descobrir que eu não tinha um
cabelo com “rabo-de-cavalo” verde e que eu podia de fato comer com talheres.
Contudo, quando nós, críticos de imprensa popular passamos pelo teste obrigatório de
boas maneiras, muitos de nós ainda carregam a debilidade de ter outras coisas para
fazer. Em “The Crisis in Journalistic Criticism”, Brenson escreve:
“(...) nenhum dos críticos que escrevem em
publicações
nacionais
querem
ser
conhecidos
exclusivamente como críticos de arte. Peter Plagens da
Newsweek é pintor. Mark Stevens, que assumiu como
crítico de arte da revista New York na primavera de 1994
é também um romancista. Robert Hughes da Times,
escreveu importantes livros sobre assuntos diferentes de
arte, seus artigos mais ambiciosos, em grande parte,
aparecem fora da Time, e por um bom tempo ele já está
focando suas energias em um seriado de TV sobre
história da arte nos Estados Unidos. Michael Kimmelmen
entrou no New York Times como um crítico de turno
integral sobre música e como crítico de arquitetura em
meio turno, e tem escrito regularmente sobre música
para a Vogue. Adam Gopnik da New Yorker, deixou claro
que ele quer ser conhecido como um homem das letras...
Em nenhum desses críticos há comprometimento pleno
em ser um crítico de arte que os atuais desafios em fazer
crítica exigem”.
Os tempos e o pessoal são outros, mas a argumentação de Brenson continua
sendo amplamente verdadeira. Há exceções, é claro, e a primeira delas é Roberta
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Smith do New York Times. Semana sim, semana não, ela se dedica inteiramente ao
jornalismo crítico de arte, na maioria das vezes nas trincheiras de exposições com
catálogos de graça de novos artistas em galerias de arte comercial. Todavia, muitos
escritores de arte da imprensa popular são escritores, e logo, têm ambições de
escritores. Eles não ficam satisfeitos em manter tarefas de crítica em galerias e
exposições em museus, ou ficar à sombra do artista-famoso Johnsons como fez
Boswells. Ao contrário de perseguir o desejo de poder fazer ou arruinar a reputação de
artistas nos moldes de Clement Greenberg (o qual tem uma reputação maior que a
verdadeira), eles querem escrever livros ou poemas que não ameaçam o mundo da
arte, os quais lhes darão status de escritores per se – isto é, de artistas na sua
especialidade.
Então, por que não há críticos de arte que sejam bons escritores? Eu não sei.
Talvez exista algo sobre escrever sobre arte – oposto do que há em escrever sobre
comida, filmes ou religião – que – limita o estilo do escritor. Ou talvez o motivo seja a
mentalidade “do-gooder” 14 que afeta os críticos de arte da imprensa popular. Uma
pesquisa de 2002 do Programa Nacional de Jornalismo sobre Artes com 230 críticos
de arte que escrevem para jornais e revistas de grande circulação, descobriu que
descrever o que é arte, ao invés de criticá-la, para eles, é sua tarefa favorita. Somente
27 % dos críticos participantes colocaram “dar uma opinião ou um julgamento pessoal”
como mais importante. Os críticos também citaram objetivos previsivelmente fracos e
não originais: o repórter de entretenimento pegando dicas com leitores “do que está na
cidade”, a professora da escola informando os jornalistas sobre “diferentes culturas e
opiniões alternativas”, o “diálogo aberto” de administrador de arte entre artistas e
leitores, e o marchand “motivando leitores a ver e comprarem obras de arte”. A
questão sobre o que a crítica de arte deveria alcançar e como – e se a taxa de
sucesso é estável ou não – tem sido objeto de importantes consternações; uma
testemunha, nesta revista 15 , é o artigo “Uma crise silenciosa” de Raphael Rubinstein
(Art in America, março de 2003) e “Crítica de Arte, Certeza de Derrota” (Art in America,
janeiro de 2006). Rubinstein, que editou a nova coleção Hard Press sob o título
“Critical Mess: Art Critics on the State of Their Practice”, descreveu a relutância de a
crítica ir além do julgamento pejorativo.
Enquanto os editores de crítica de arte e os leitores da imprensa popular, os
quais, possivelmente, não ficaram mais inteligentes com o passar dos anos, se
14
N. T. “Fazer melhormente”. O superlativo de good é better, não gooder, o autor está
ironizando o inglês mal escrito.
15
N.T. Nesta revista refere-se a Art in America.
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tornaram mais perspicazes. Estereótipos ao contrário, os editores da imprensa popular
são homens e mulheres muito espertos que conhecem muito bem o público de suas
publicações. O que eles vêem são leitores de jornais e revistas que são enganados
com reportagens, muitas das quais não são lidas com cuidado, e somente são
absorvidas parcial ou superficialmente. Para haver foco na leitura, o público exige
habilidade e, ao menos, um pouco de entretenimento – e na maioria das vezes, isso
não acontece. E para críticos de arte, tomar a estrada inoportuna – “Leitores iriam
querer ler minhas críticas se meu editor ignorante tivesse a coragem que eu tenho” –
não leva a bons resultados. Eles acabam sendo publicados com ainda menos
freqüência. É também inútil se os editores dizem, “Tudo bem, se você acha que deve
ser assim, a arte que se dane.” Quando os editores fazem isso, eles estão ignorando
um setor da cultura em geral (“as antenas da sociedade”, etc.) e desse modo, esse
setor não funciona mais, enganando seus leitores.
V
O que dizer sobre a culpabilidade da arte? A grande maioria de arte
contemporânea produzida ainda consiste em objetos de arte únicos. Esse fato sozinho
coloca a arte contemporânea em desvantagem no que diz respeito a matérias na
imprensa. Dito de forma simples, dezenas de milhares de leitores a mais vão ao
cinema, escutam CDs ou assistem a programas televisivos do que os que vão a uma
exposição ver o objeto de arte sobre o qual há uma crítica no jornal. Os editores da
imprensa popular e seus leitores preferem muito mais artigos sobre coisas vividas por
eles do que coisas que não experenciaram. Exposições que duram dois ou três meses
e seguem itinerantes por outros locais do país, têm mais cobertura que as mostras de
galerias, porém, comparadas com cinema, música popular e televisão, o espaço
continua misterioso. Exposições em galerias comerciais de curta duração e quase
nunca vão para outros espaços públicos, são ainda mais desvantajosas. 99% do
público que vai a uma mostra em uma galeria chega com algum conhecimento
internalizado já – às vezes consciente, às vezes não – na gíria utilizada por corretores
de imóveis, meros “olhadores”. Eles não são compradores em potencial para os bens
vendidos na galeria (quanto melhor for a galeria, menos ela depende do público
espontâneo para vender); eles sabem que, em uma certa extensão, eles não tem
importância no comércio ali realizado, mais ou menos como os grupos de turistas que
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vão visitar a Bolsa de Nova York. Em minha opinião (e é somente minha opinião; eu
não tenho conhecimento de pesquisas realizadas nesse sentido) é que esse público
se importa muito menos que, digamos, as pessoas que vão ao cinema, sobre conferir
suas opiniões sobre a arte que estão vendo versus as críticas da imprensa popular.
Essas circunstâncias, em adição à presunção do público que as artes
moderna e contemporânea necessitam algum tipo de conhecimento prévio, um
batismo nas águas esotéricas, faz do campo um nicho mercadológico. E – na
perspectiva de muitos dos não iniciados – é um nicho de brancos privilegiados, até
mesmo decadentes. Como Douglas Wolk, um escrito de arte de um jornal semanal
alternativo de Portland, Oregon, diz, “Arte contemporânea parece um jogo de pessoas
super ricas, como pólo ou algo parecido. A mídia tradicional não dedica grandes linhas
também a pôneis de pólo, e com razão”. Andras Szanto, antigo diretor do agora inativo
National Arts Journalism Program da Universidade de Columbia, oferece uma versão
mais completa da hipótese: “incessante profissionalização da arte significa que ela
está se tornando mais teórica e complicada, e sua volição posicionada a uma sempre
grande distância do público padrão educado. Não falo de belas paisagens. Essa
especialização é estranha aos jornais diários, e, certamente, é a flecha favorita na
maleta do editor antagonista: ‘Nossos leitores não se importam porque isso [arte
contemporânea] é muito especializado’.”
Acessível ou não, para muitos leitores, arte contemporânea é humilhante
quando tenta ser séria, e intoleravelmente auto-satisfeita e irônica quando é aclamada.
Em ambos os casos, não parece ser um tipo atraente de ração para a mídia.
Arte contemporânea é também vítima de seu sucesso ancestral como arte
moderna. Posto de forma simples, arte contemporânea não é mais alternativa e radical
como eram seus bisavós do início do modernismo. Ela sobreviveu a uma infância
abusiva, cresceu, ficou rica e tornou-se reputadamente um braço transgressivo da
indústria do entretenimento e da moda. Nesse artigo, o programa de TV mais popular
no mundo da arte, sem dúvida, é o reality show de moda, Project Runway. Matthew
Barney deve ser mesmo um profundo e perturbado artista individual, mas a School of
Matthew Barney (está aí, pessoal, respirando como sapos em árvores) é tão genuína
quanto a estação rock de rádio FM “alternativa” que toca Radiohead com bastante
freqüência. Com artistas como Spencer Tunick, que agora ocupa a posição antes de
Robert Mapplethorpe como fotógrafo - desafiador, e o Papilotti Rists do mundo
posando como nosso atual Jack Smiths, tais realities shows, como a série de TV sobre
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implantes de seios “Dr. 90210”
17
16
e o festival de adultério vigiado chamado “Cheaters”
, parecem ser o negócio do momento. Esses programas são melhores produzidos
que a maioria dos trabalhos em arte, e bem menos pretensiosos nos acordos
comerciais.
Não é surpresa que acadêmicos da arte contemporânea têm, em grande
número, desertado de seu campo cognato. Eles se convenceram que arte – você
sabe, Arte – é, no final das contas, pouco especial ou nem mesmo existe como uma
entidade cultural distinta. Cultura visual – isto é, sinais, símbolos e imagens de gráficos
sem importância até fotografias de monitoramento feitas por satélite, apresentadas em
qualquer coisa desde as caixas de fósforo com impressão barata até monitores de
plasma de mais de 120 cm – é onde ela está. “Arte” deve estar enterrada em algum
lugar no meio de tudo isso, mas quem se importa onde ela está de fato? Um “tema
comum” que permeia a escrita sobre cultura visual, diz Elkins, “é a presunção que as
belas artes se tornaram diretamente emaranhadas na cultura popular, e a partir desta
observação elas, às vezes, seguem... que elas estão fora de moda ou mal
encaminhadas para se engajarem na defesa da ‘alta’ arte”. Hoje em dia, jovens
artistas ambiciosos tendem a seguir teóricos acadêmicos do que influenciá-los, e,
conseqüentemente,
eles
acabam
por
fazer
uma
arte
que,
deliberada
e
freqüentemente, ironicamente, parecida mais com outra qualquer espiga de milho no
succotash 18 da cultura visual do que fazia como antigamente, nas belas artes.
Estranhamente, isso põe a arte contemporânea em um duplo problema no que
diz respeito a ser considerada valiosa como notícia para a imprensa popular. Enquanto
ela ainda sofre na reunião matinal por ser difícil e misteriosa, sua nova forma de
engajamento na pseudo-obviedade rende à arte contemporânea, simultaneamente,
desinteresse e mistificação. “Homem morde cachorro e é notado”, diz Knight. “[Mas]
arte é uma indústria multibilionária, promovida por titãs do mundo coorporativo, líderes
civis, desenvolvedores comerciais, empresas de relações públicas e agências de
turismo até mesmo em cidades de médio porte. Arte é parte do sistema”.
VI
16
N.T. No Brasil a série é conhecida como “Dr. Hollywood”.
N.T. literalmente “Traidores”.
18
N.T. receita americana feita com milho, espécie de ensopado.
17
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Há algo que se possa fazer sobre a situação da cobertura em arte na imprensa
popular? A primeira coisa que escritores podem fazer é, citando Elkins, “engajar o
leitor sem recorrer a ambigüidades, linguagem técnica ou hipérboles”. E com isso, eu
acrescentaria alguma poesia – isto é, um pouco da arte deles (dos escritores). Em
uma matéria recente no Village Voice, Jerry Saltz faz uma análise que talvez seja a
melhor sobre os ingredientes desejáveis na crítica de arte:
“Minha única opinião é deixar o leitor sentir meus
sentimentos; tente escrever de forma direta, livre de
jargões; não simplifique demais ou emburreça minhas
respostas; procure ter uma idéia, um julgamento ou uma
descrição em cada frase; não subestime as coisas;
explique como os artistas podem ser originais ou
derivativos, e como eles usam técnicas e materiais;
observe se eles estão desenvolvendo algo ou estão
parados; forneça contexto; e faça julgamentos que,
esperançosamente, vão ir além da minha simples
opinião. A (crítica) requer algo a mais. Esse algo a mais
é do que a arte e a crítica são feitas.”
Somente quando a predileção da imprensa popular pela superficialidade for
corrigida por escritores que tomam partido e exercitam seus diretos de informar e fazer
julgamentos sem apologias, e quando os editores perceberem que com a arte,
opiniões importantes têm valor de notícia que podem fisgar o interesse dos leitores e
iniciar vivas discussões, um ou outro dos desejos de Elkins pode se tornar realidade.
“Crítica de arte em jornais”, ele diz, “[está] lá como um guia, mas nunca como uma
fonte a ser citada, a menos que o assunto do historiador [da arte] seja a história da
recepção de um artista na mídia popular... Eu adoraria ver críticas de arte do The New
York Times, do The New Yorker ou da Time serem citadas por historiadores da arte de
revistas, como a Art Bulletin, October ou Art History”. Não que editores da imprensa
popular ficariam impressionados com citações da sua equipe de críticos em
publicações especializadas, mas faria com que os críticos se sentissem melhores –
fazer com que eles sintam que excluídos do mundo dos especialistas da arte apenas
porque eles escrevem, na maioria dos casos, para pessoas não iniciadas.
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Além dessas duas sugestões roubadas, nada mais eu tenho a oferecer. Eu
adoraria poder dizer que o problema do encolhimento das reportagens na imprensa
popular sobre arte moderna e contemporânea poderia ser efetivamente endereçado
por esforços de torcedores – críticos atirando em si mesmos, críticos atirando pela
arte; promoção da “ciência”
19
de artistas e exposições entre o público geral através de
encontros e simpósios; e crítica de arte no currículo de escolas de arte e
departamentos universitários de arte – mas eu não consigo. Evan Elkins – o qual,
enquanto não exerce a crítica de arte, come, dorme e respira crítica de arte de outras
pessoas – termina me dizendo por e-mail, “Eu achava que era, ao menos, possível
que não havia problema algum: que a mídia americana refletia o público americano de
forma razoavelmente apurada. Basicamente, as pessoas não se importam e têm a
cobertura do mundo da arte que querem”.
É evidente que sempre há esperança de que as duas mais amorfas e
incontroláveis partes dessa interação de três partes – arte e o público – possam
mudar. Artistas poderiam parar de serem tão pretensiosamente misteriosos, e/ou
pseudo-pop, e começarem a fazer uma arte mais humana que atraia mais interesse
do, para usar a frase de Stevens, “outro lado do rio”. E o público poderia tentar se
desacostumar do gosto das explosões e perseguições automotivas dos cinemas de
grandes bilheterias, tentar olhar para coisas mais difíceis e contemplativas e tentar ler
algo mais exigente na seção de arte e entretenimento dos jornais e revistas além das
resenhas de filmes e colunas de conselhos. Porém, essas são melhoras muito vastas
para qualquer pequeno grupo de pessoas – escritores de arte, por exemplo – para
serem implementadas deliberadamente. Fora o problema da falta de interação entre
arte moderna e arte contemporânea, e, como dizem os ingleses, seu apostador
habitual, talvez isso seja historicamente intratável. Como um escritor de arte de um
jornal diz, “Eu ainda não tenho certeza se o seu pastor toscano típico alguma vez deu
valor a Piero della Francesca”.
Sobre o Autor
Peter Plagens é pintor e crítico de arte. Atualmente vive em Nova York.
19
N.T. no sentido de estar ciente, tomar conhecimento.
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