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O SEGUNDO SÉCULO E O CÂNONE DO NOVO TESTAMENTO
Tarcisio Caixeta de Araujo1
Resumo:
Este artigo trata da formação do Cânone do Novo Testamento. Toma como ponto de partida a
numerosa e rica literatura produzida durante o segundo século d.C. Considera os chamados heréticos
e textos não normativos como importantes para a discussão, a reflexão e tomada de posição frente a
eles, culminando na definição do corpus textual chamado de cânone.
Palavras-chave:
Cânone, segundo século, ortodoxia, heresia, Novo Testamento.
Abstract:
This article deals with the formation of the Canon of the New Testament. Takes as its starting point the
large and rich literature produced during the second century AD. It takes the so called heretics writers
and the non-normative texts as important for discussion, reflection and a way of answer before them,
culminating in the definition of the textual corpus called canon.
Keywords:
Canon, second century, orthodoxy, heresy, New Testament.
1. INTRODUÇÃO
Há uma rica produção literária no segundo século da era cristã que contribuiu
para a definição do que seria canônico, e, portanto, autoritativo para a igreja cristã.
Este artigo se interessa pelas literaturas do segundo século bem como pelos mais
variados escritores tanto da ortodoxia cristã quanto daqueles considerados como
heréticos. O aparecimento das heresias contribui para a reflexão e aprofundamento
sobre as doutrinas essenciais do Cristianismo.
Para se entender o desenvolvimento do cânone do Novo Testamento, é
importante estudar os escritores e escritos cristãos do segundo século. Faz-se
necessário examinar também os Pais Apostólicos e os apologistas, pois eles
apresentam uma visão panorâmica do pensamento teológico tanto do ocidente
quanto do oriente, visão esta que contribuiu para a ulterior formulação do cânone do
Novo Testamento.
1
Tarcisio Caixeta de Araujo é mestre em Teologia pela University of Wales (South Wales Baptist College) com
reconhecimento pela PUC-Rio, licenciado em Letras pelo UNI-BH, bacharel em Teologia pelo Seminário
Teológico Batista Mineiro (curso livre), alfabetização Braille pelo Instituto São Rafael, Belo Horizonte-MG.
Professor de Hebraico bíblico, Antigo Testamento, Teologia do Antigo Testamento e Exegese na Faculdade
Batista de Minas Gerais. Membro da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), do National Association of
Professors of Hebrew (NAPH), do Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG (NEJ), da Associação Brasileira de
Pesquisa Bíblica (ABIB). Este artigo foi atualizado depois de sua publicação pela extinta Faculdade de
Teologia de Belo Horizonte.
2
Este artigo se norteará pela seguinte questão: Que fatores ocasionaram um
interesse crescente em literatura cristã autoritativa (‘canônica’), no segundo século?
Este será o principal desafio para se entender a formulação do cânone do Novo
Testamento. Naturalmente que não se pode apresentar aqui uma única e definitiva
resposta, i.e, não há somente uma verdade fornecida pelos Pais Apostólicos, pelos
apologistas, ou pelos “estranhos” escritos preservados, por exemplo, no trabalho de
Eusébio.2 Se por um lado, os escritos dos Pais Apostólicos, os que sobreviveram, e
os apologistas são fundamentais para se compreender os escritos do Novo
Testamento como Escrituras, por outro lado, os escritos dos heréticos são também
importantes. Eles ajudam a proporcionar uma compreensão de quais critérios foram
utilizados para se julgar os escritos aceitáveis. À medida do possível, personalidades
tais como Taciano, Marcião, Valentino, Montano. serão considerados neste artigo, a
fim de se ouvir as vozes daqueles cuja visão de escritos autoritativos não triunfou.
O método adotado neste artigo é o da pesquisa bibliográfica. Este se
apresenta em dois capítulos: 1) uma pesquisa sobre o segundo século e, 2) o
desenvolvimento do cânone do Novo Testamento. No primeiro capítulo serão feitas
considerações aos principais centros do pensamento cristão; os principais Pais e
apologistas; Gnosticismo; Marcionismo; a Nova Profecia e alguns dos desafios e
dilemas enfrentados pela cristandade. O segundo capítulo vai direto ao foco deste
artigo, ou seja, a formação do cânone do Novo Testamento no segundo século.
2. O SEGUNDO SÉCULO
O segundo século foi o período mais efervescente do início da história da
Igreja, porque os fundamentos da igreja oficial, a ordem do cânone e definições da
doutrina ortodoxa versus heresia estavam sendo estabelecidas naquele período.
A. As principais fontes no segundo século
Da Segunda metade do primeiro século ao fim do segundo século d.C., um
número considerável de escritos cristãos foi produzido. Entre eles destacam-se:
cinco tratados de Papias de Hierápolis3 intitulados Interpretações dos Oráculos do
2
Em sua História Eclesiástica i-iv e v-x.
Papias foi bispo de Hierápolis na Frígia, “o ouvinte de João e companheiro de Policarpo…” (IRENAEUS In:
Ante-Nicene Fathers, 1995, p563).
3
3
Senhor [Logi/wn kuriakw=n e)chgh/sew]; uma carta aos Filipenses de Policarpo;4
uma carta endereçada pela Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélia e a igrejas em
outros lugares chamada de O Martírio de Policarpo5 [Marturi/ou Polu/karpou]; as
sete Epístolas de Inácio de Antioquia;6 a Epístola de Barnabé
a Segunda Epístola de
[th/n te Barnaba=];7
Clemente;8 o Livro do Pastor [Poime/noj bibli/on];9 Sobre
a Páscoa Judaica [Peri\ tou= pa/sxa] e Sobre a Vida Cristã e os Profetas [Peri\
politei/a kai\ prdehtw=n] de Melito,10 bispo de Sardis; o Didache;11 uma carta aos
Romanos [ (Rwmai/ouj e)pistolh\], e uma carta de Crisófora [e)pistolh\ tou=
Xrusofo/r#] de Dionísio,12 bispo de Corinto; Estromas [Strwmate/wn] de
Pantenos;13 Esboços [ (Upotupw/sewn] e a Exortação aos Gregos [pro\ (`Ellhna
lo/go o( protreptiko\] de Clemente de Alexandria;14 os Atos dos Mártires
Sicilianos;15 Apocalipse de Pedro;16 Atos de Paulo17 e outros materiais.
Os quatro mais importantes apologistas do segundo século foram Justino
4
Policarpo foi bispo de Esmirna, Ásia Menor (EUSEBIUS, 1992, p.281). “A breve Epístola de Policarpo contém
proporcionalmente muito mais alusões aos escritos do Novo Testamento do que o que está presente em qualquer
outro dos Pais Apostólicos.” Ele sofreu martírio em 155 ou 156 d.C. (METZGER, 1997, p.60ss.).
5
HARMER (1898, p.185).
6
As Epístolas de Inácio foram escritas circa 110 d.C. (KOESTER, 1990, p.1). O martírio de Inácio ocorreu na
época do Imperador Trajano ca. 110 d.C..
7
A epístola é mencionada em Eusebius (1994, p.47) como parte daqueles escritos disputados [ta=j
a)ntilegome/naj].
8
Um sermão primitivo cristão, escrito por um autor anônimo. Ele se situa entre 120 e 170 d.C. (METZGER,
1997, p.67).
9
O Livro do Pastor era aceito por alguns cristãos como autoritativo para ser lido nas igrejas (EUSEBIUS, 1992,
p.193).
10
Ele escreveu uma Apologia [] ao Imperador Verus [161-180 d.C]. Além disso, escreveu cerca de
vinte outros livros (EUSEBIUS HE iv.xxvi.1 p.387).
11
Foi escrito na primeira metade do segundo século, e composto, provavelmente, por mais de um autor
(METZGER, 1997, p.50).
12
EUSEBIUS (HE iv.xxiii.9,13. p.381ss.).
13
Pantenos foi o chefe da escola de Alexandria [fundada por Alexandre, o Grande, em 331 a.C. Alexandria
tornou-se a primeira escola de teologia cristã]. O trabalho de Pantenos foi compilado por Clemente de
Alexandria (EUSEBIUS, 1994, p.27).
14
EUSEBIUS (HE vi.iii.2f. p.43.).
15
O mais antigo documento na história da Igreja Latina (ROBINSON, 1927, p.71). Os Atos narram como sete
homens e cinco mulheres do vilarejo da Sicília, na Numidia [moderna Tunisia], foram postos em julgamento na
câmara-concílio de Cartago, em 17 de Julho de 180. Esperato menciona que ele tinha em sua bolsa “Os livros, e
as cartas de um homem justo, um certo Paulo.” (The Acts de the Scillitan Martyrs, 1927, p.72).
16
Foi escrito no começo do segundo século (The Apocrypha NT, p.504).
17
“Composto por um presbítero da Ásia antes do tempo de Tertuliano: ca. 160-170” (The Apocrypha NT…
p.228). Atos de João e Atos de Pedro são também exemplos de Atos escritos no segundo século.
4
Mártir,18 [o mais importante deles, de acordo com Maussaux],19 Tertuliano,20 Irineu de
Lion21 e Atenágoras.22 No entanto, Teófilo de Antioquia;23 Aristides;24 Quadratos;
Aristo de Pella e Miltíades25 são também dignos de serem mencionados.
Alexandria, no Egito, de tradição platônica, e Antioquia, na atual Turquia,
eram as igrejas orientais de fala grega. Cartago, na atual Tunísia, era a igreja
ocidental de fala latina, a qual figura somente no fim do segundo século. Roma,
Grécia e Gália também se apresentavam como áreas significativas para o
cristianismo no segundo século.26
B. As principais tendências
Por volta do ano 100-160 d.C., apareceu um grande número de professores,
os quais, mais tarde, foram descritos como “heréticos”. Entre eles estavam
Cerintos,27 Cerdo,28 Marcião29 e também alguns professores do
Gnosticismo tais
como Saturnino, Basilides30 e Valentino.31
18
Justino disse que era da Palestina (JUSTIN, first apology ii.) e que se tornou um professor cristão em Éfeso
depois de 130 d.C. e mudou-se para Roma, onde fundou uma comunidade cristã. Seu trabalho mais famoso foi o
Diálogo com Trifo [“... percorrendo 142 capítulos, é provavelmente o livro mais extenso produzido por um
escritor cristão ortodoxo.”] (BRUCE, 1991, p.144).
19
MASSAUX, Edouard (1993, p.10).
20
O grande opositor das ideias Marcionitas. Ele escreveu cinco livros em Latim contra Marcião. Mais tarde “se
juntou à seita Montanista, tornando-se líder desse grupo na África.” (METZGER, 1997, p.158).
21
Irineu foi um escritor ortodoxo, discípulo de Policarpo, discípulo de João. Ele “tornou-se bispo de Lion em
Gaul [Gália], A.D. 180.” (BRUCE, 1991, p.100).
22
O cristão filósofo de Atenas. (MASSAUX, 1993, p.120). De acordo com Metzger (1997, p.125), ele refutou as
três acusações contra os Cristãos, ou seja, ateísmo, canibalismo e incesto edipiano.
23
O sexto bispo de Antioquia e um importante apologista cristão sírio da segunda metade do segundo século. Ele
escreveu um tratado contra Marcião, e citou o Apocalipse de João (EUSEBIUS HE iv.xxvi. p.385).
24
Um cristão filósofo de Atenas que declarou que somente os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de
Deus. (METZGER, 1997, p.127). Ele escreveu uma defesa da fé endereçada a Adriano. (EUSEBIUS HE iv.iii.3.
p.309).
25
Não há nenhuma relação literária entre aqueles apologistas e os escritos do Novo Testamento em seus poucos e
raros fragmentos que sobreviveram (MASSAUX, 1993, p.2) .
26
McGRATH (1994, p.5ss.).
27
Irineu, citado por Eusébio (iv.xiv.6 p.337s.) chama Cerinto de “o inimigo da verdade”.
28
Cerdo foi “quem tomou seu sistema dos seguidores de Simão, e foi viver em Roma no tempo de Higino… Ele
ensinava que o Deus proclamado pela lei e os profetas não era o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” Seu sucessor
foi Marcião (IRENAEUS, Against Heresies i.xxvii.1,2).
29
Marcião, de Sinope, na província do Ponto, será discutido posteriormente como o primeiro possível criador de
um cânone de escritos cristãos. (Ver IRENAEUS, Against Heresis, book i, e Tertullian, Against Marcion.).
30
Saturnino, de origem antioquiana, estabeleceu uma escola “de ímpia heresia” [qeomisw=n ai(re/sewn] na
Síria. Basilides de Alexandria estabeleceu uma escola semelhante no Egito (EUSEBIUS, HE iv.viii.3 p.315). Ele
ensinava que Simão Cirineu foi quem sofreu na cruz no lugar de Jesus (METZGER, 1997, p.79).
31
Irineu diz que Valentino é o fundador de uma heresia especial [idia airesew] (Ver Against Heresis ii.
p.316, 376-379,406).
5
O Encratismo32 emergiu no final daquele período. Isto envolvia uma forma
extremada de ascetismo, que estava se desenvolvendo através do século. Ireneu,33
ao escrever sobre Encratismo, afirma que os encratistas pregavam contra o
casamento, e alguns teriam introduzido a abstinência de carne animal. Ele aponta
Taciano como o primeiro a introduzir as ideias do Encratismo.
De 160 em diante a Nova Profecia34 emerge na Ásia Menor romana. Com o
Gnosticismo35 e o trabalho de Marcião, a Nova Profecia trouxe desafios para as
igrejas católicas36 em desenvolvimento.
As raízes do movimento gnóstico recuam ao helenismo pré-cristão, ao
judaísmo e a religiões orientais. O Gnosticismo tinha um interesse predominante em
cosmologia como tentativa para solucionar o problema do mal.37 Um dos desafios foi
exatamente a questão sobre quais escritos a jovem religião cristã deveria considerar
como autoritativos da igreja primitiva.
Os Pais Apostólicos do segundo século viviam numa verdadeira panela de
pressão. Eram muitos os dilemas com os quais tinham que lidar. Eles tinham que dar
respostas àqueles dilemas greco-romanos mais comuns, tais como: unidade versus
pluralidade, humanidade, paidea (educação-cultura), e a diversidade de religiões.
Aqueles pensamentos e respostas diversas influenciaram o pensamento dos
cristãos do segundo século.
Os temas do segundo século giram em torno de cinco desafios:38 Criador e
criação, natureza humana e destino, identidades de Jesus, o lugar da Igreja no
mundo, os cristãos e a sociedade. Havia uma frustração entre os cristãos, porque
seu Senhor não voltara imediatamente após ascender aos céus.39
O martírio também foi um fator importante na história cristã no segundo
século. Muitos cristãos sofreram por causa de sua fé, contudo, alguns não foram
reputados dignos de sofrerem, devido ao seu ponto de vista sobre o corpo de Cristo
32
Taciano foi a figura mais conhecida no encratismo do segundo século. Um antigo discípulo de Justino Mártir e
importante personalidade como o criador do Diatessaron [uma harmonia dos Evangelhos]. (Ver EUSEBIUS HE
iv.xxviiif. p.395ss.).
33
Contra Haereses i.xxvi.i. Tomo I. p.220.
34
A Nova Profecia ficou conhecida no quarto século como Montanismo. Eusébio (HE v.iii.4.p.443) afirma que o
partido de Montano [a)mfi\ to\n Montano\n] e outros partidos acreditavam que eles também fossem profetas.
35
“uma religião sincretista e filosófica que floresceu por cerca de quarto séculos, paralela ao Cristianismo
primitivo... gnosis (, ‘conhecimento’) … ” (METZGER, 1997, p.76).
36
O termo católico/a, usado neste artigo, refere-se ao cristianismo oficial (ortodoxo).
37
LAMPE (1978, p.28).
38
WAGNER (1994, p.65).
39
WAGNER (1994, p.7).
6
e sua cristologia. Plinio,40 o Jovem (c.62-113 d.C.), citado por Bettenson, registrou
seu próprio tratamento dos suspeitos: “Eu lhes pergunto se são cristãos. Se eles
admitem, eu repito a pergunta uma segunda e uma terceira vez, ameaçando-os com
uma punição capital; se eles persistem eu os sentencio à morte. […] outros, que eu
exibo como loucos, reservo para serem enviados a Roma, desde que sejam
cidadãos romanos.” É evidente que perseguições contra cristãos, sejam ortodoxos
ou heréticos, não ocorreram ininterruptamente. De acordo com Alguns atos
autênticos dos primeiros mártires,41 houve épocas de considerável paz, por ocasião
da perseguição romana. A causa principal de perseguição não era generalizada,
mas um sentimento de indisposição contra os cristãos de certas localidades.
Depois de delinear algumas características significativas e tendências da
cristandade do segundo século, a segunda parte deste artigo abordará a
preocupação crescente a respeito da autoridade dos escritos cristãos no segundo
século.
3. O DSENVOLVIMENTO DO CÂNONE DO NOVO TESTAMENTO
O desenvolvimento do cânone do Novo Testamento foi progressivo e de suma
importância para determinar o tipo de literatura autoritativa da igreja cristã primitiva.
A. Definição
A palavra cânone vem do grego kanw/n (kanon) e do hebraico hnq (qanah) e
significa literalmente junco. Num sentido metafórico, como usado por Orígines, por
exemplo, cânone significa regra de fé.42 É este sentido último que será considerado
neste artigo. Os escritores do Novo Testamento não usaram o termo cânone como
este é conhecido hoje em dia. De acordo com Schneemelcher43 há apenas quatro
ocorrências do vocábulo cânone no Novo Testamento, mas não como uma
designação para Bíblia, uma vez que este sentido só pode ser confirmado a partir da
segunda metade do quarto século. No Novo Testamento, o termo cânone ocorre
somente em Gálatas 6:16 [kano/ni],44 e em 2 Coríntios 10:13 [kano/noj], 15
40
BETTENSON (1979, p.3).
Some Authentic Acts de the Early Martyrs. (1927, p.27s.).
42
BRUCE (1991, p.86).
43
SCHNEEMELCHER (1991, p.10s.).
44
The New Testament in Greek.
41
7
[kano/na], 16 [kano/ni]. A Segunda Carta de Pedro 3:16 é, provavelmente, a mais
antiga evidência para uma coleção de Escrituras cristãs,45 apesar da palavra kanw/n
não se aplicar nesse contexto.
Aland46 diz que primeiramente cânone significa “a regula fidei, e em seguida,
as decisões dos concílios, e finalmente, do quarto século em diante, a lista dos livros
das Sagradas Escrituras…”. Aland insiste que a Igreja organizada não criou o
cânone. A Igreja só reconheceu como canônicos os livros que já eram aceitos como
autoritativos. É evidente, portanto, que a autoridade precede a canonicidade.
Vejamos as fontes que influenciaram ou corroboraram para a definição dos
textos canônicos do Novo Testamento.
B. As Fontes
O uso que os Pais Apostólicos fizeram dos textos reputados como canônicos
hoje, não é suficiente para afirmar que aqueles textos estavam disponíveis numa
edição final em seu tempo. Schneemelcher47 escreveu que “Na primeira metade do
segundo século não havia ainda NT como uma coleção canônica.” O debate com o
Gnosticismo provavelmente “compeliu a Igreja a refletir sobre a ‘verdadeira’ e
‘genuína’ tradição”.48
Trevett49 crê que não há citações reais e formais dos escritos do Novo
Testamento nos Pais Apostólicos, mas somente paralelos. Para ilustrar, ela
relaciona as Epístolas de Inácio de Antioquia com o Evangelho de João (Ef. 5:2 com
Jo. 6:33; Ef. 17:1 com Jo. 12:33; Magn. 7:1 com Jo. 5:19,30 e 8:28; Rom. 7:2 com
Jo. 4:10; Rom. 7:3 com Jo. 6:33; Fil. 7:1 com Jo. 3:8). Inácio conhecia as tradições
embasadas nos Evangelhos e também os paralelos de tradições não evangélicas.
Inge50 também afirma que nenhuma das referências de Inácio aos livros do Novo
Testamento é citação direta. Elas podem ser citações de memória; alusões;
adaptações; ecos; semelhança; reminiscência; coincidência. Quando Inge compara
a Carta de Inácio aos Efésios 18:1 com 1 Coríntios 1:18,20, ele diz que: “Inácio está
citando São Paulo, e isto se torna mais certo pelo eco de I Cor.1.18 na sentença
45
WILLIAMS (1991, p.83).
ALAND (1962, p.18).
47
SCHNEEMELCHER (1991, p.19).
48
SCHNEEMELCHER (1991, p.22).
49
TREVETT (2001, in loc.).
50
INGE (1905, p.63ss.).
46
8
precedente”. Inge acredita que Inácio alude a todas as Cartas de Paulo, Atos,
Hebreus, 1 Pedro e aos quatro Evangelhos. Ele também sugere que havia uma
tradição cristã comum e outras fontes além dos escritos do Novo Testamento onde
Inácio poderia se basear.51 Apesar da tradição cristã não ser citada nem referida
como Escritura, há evidência de interesse nisso.
C. As Escrituras judaicas e a literatura cristã
Quando o assunto é o cânone do Novo Testamento, a seguinte questão deve
ser respondida: Que fatores suscitaram um interesse crescente em literatura cristã
autoritativa (‘canônica’), no segundo século? Uma questão secundária, em que
critérios foram alguns livros selecionados e alguns rejeitados, também será
considerada neste artigo.
Os dilemas principais do segundo século não incluem diretamente o tema do
cânone. No segundo século as grandes questões da cristandade são embrionárias.
No entanto, como Lampe52 afirma, “os Pais Apostólicos e alguns escritos do Novo
Testamento são imprescindíveis como evidência para a história da doutrina no fim
do primeiro século e na primeira metade do segundo.” Os dilemas que surgiram
levaram as igrejas a refletirem sobre o material escrito em circulação.
Diferentes gêneros de textos tais como: Evangelho, história, sabedoria,
apocalipticismo, apologias, e martiriologias apareceram na segunda metade do
primeiro século e no segundo século. Todos eles foram escritos supostamente para
o benefício da Igreja [compostos dentro de uma variedade de cristandades]. Além
disso, havia “uma enorme e variada provisão de literatura Judaica do período de 300
a.C. a 100 d.C.”,53 e a Apocrypha do Antigo Testamento. Schneemelcher54 diz que “a
palavra ‘apócrifo’ não se apresenta primeiramente em conexão com a história do
cânone, mas no conflito da Igreja com o Gnosticismo e outras heresias,” e nesse
contexto, significa literatura “escondida”.
Segundo Aland,55 a Epístola de Barnabé, a Epístola de Clemente, o Didache e
o Pastor de Hermas foram contados por longo tempo como “canônicos”, nesse
sentido, foram amplamente lidos nas igrejas. Não foram considerados em nenhum
51
INGE (1905, p.81ss.).
LAMPE (1978, p.23).
53
BRUCE (1991, p.154s.).
54
BRUCE (1991, p.14).
55
ALAND (1962, p.26).
52
9
momento como literatura apócrifa. Foi o interesse em apostolicidade que
determinou, finalmente, que esses escritos não se tornassem canônicos. O livro de
Hermas, o Pastor, por exemplo, aparece no Cânone Muratoriano como um trabalho
para ser estudado privativamente. Só não foi considerado apostólico, porque fora
escrito bem mais tarde.56
As Escrituras judaicas não foram fixadas na forma canônica até o fim do
primeiro século. Williams57 diz que somente a Torah estava fixada e aceita como
autoritativa por todos os judeus do tempo de Jesus. Os fariseus usaram tanto a
Torah quanto os outros escritos judaicos, i.e., os Profetas e os outros escritos que
agora são canônicos. Outros (e.g. os Essênios) provavelmente usaram uma
variedade maior de escritos. O cânone judaico foi estabelecido pelos rabinos [de
tradição farisaica], depois da queda de Jerusalém.58
Em paralelo com o fechamento do cânone judaico, um corpo de escritos
cristãos emergiram. Por algumas vezes, nos escritos dos Pais Apostólicos tais como
a Epístola de Inácio aos Filadélfios,59 a Epístola de Clemente, a Epístola de Barnabé
e o Didache, encontra-se o termo Evangelho [Gr. eu)agge/lion e Lat. evangelium =
boas Novas]. Contudo, esses textos “não podem ser usadas como evidência para
um uso primitivo do termo ‘Evangelho’ como uma designação de um documento
escrito.”,60 os Evangelhos se originaram de uma tradição oral.61 Mas os quatro
Evangelhos (agora canônicos) existiam provavelmente antes do ano 100. Além
disso, os Gnósticos reivindicavam ter recebido ensinos secretos do próprio Jesus, de
onde alguns evangelhos adicionais foram compostos.62 Os quatro, junto com os
evangelhos de outros grupos, Atos associados com os apóstolos Paulo e André etc.,
e escritos apocalípticos (e.g. o Apocalipse de Pedro) foram adicionados a um corpo
considerável de escritos cristãos.
O cânone não foi definido aleatoriamente. Levou-se em consideração, além
dos fatos relatados até aqui, importantes critérios para se escolher quais escritos
tinham o caráter de Escritura e quais não tinham.
56
HAHNEMAN, Gedefrey Mark. The Muratorian Fragment and the Development of the Canon. Oxford:
Clarendon Press, 1992, p. 36s.
57
WILLIAMS (1991, p.81s.).
58
HALL (1991, p.25).
59
Veja capítulos 5.1 [t%= eu)aggeli%=], 5.2 [t%= eu)aggeli/%; t%= eu)aggeli/%], 8.2 [t%= eu)aggeli%], e 9.2
[to\ eu)agge/lion; to\\ de\\ eu)agge/lion] como alguns exemplos do uso do termo Evangelho (p.124ss.).
60
KOESTER (1990, p.17).
61
GOODSPEED (1966, p.2s.).
62
METZGER (1997, p.79).
10
D. Critérios de escolha
De acordo com Aland63 a formulação do cânone em sentido real começa
cerca de 150 d.C. e vai até o quarto século e além. O cânone do Novo Testamento
“não deve ser considerado e discutido isoladamente, mas apenas em constante
atenção ao cânone do Antigo Testamento.”64 Para Bruce,65 a lista dos livros do
Antigo Testamento “...redigidos por Melito, bispo de Sardis, ca. 170 A.D...” contém
todos os livros conhecidos hoje como Antigo Testamento, com exceção do livro de
Ester. Melito refere-se a esses escritos como os escritos do “antigo pacto”. Este é o
primeiro uso desta ideia até onde se sabe, e subsequentemente os livros do “novo
pacto” emergiriam. Orígines (185-254 d.C.), citado por Bruce,66 apresenta uma lista
dos livros canônicos do Antigo Testamento como sendo vinte e dois livros:
os cinco livros de Moisés são seguidos por (6) Josué, depois (7) Juízes e
Rute ... (8 e 9) os quarto livros dos Reis ... depois (10) Crônicas ... (11)
Esdras e Neemias ... (12) Salmos, (13) Provérbios, (14) Eclesiastes, (15)
Cântico dos Cânticos; (16) Isaias; (17) Jeremias com Lamentações e a
‘Epístola de Jeremias’ ... (18) Daniel, (19) Ezequiel, (20) Jó, (21) Ester. O
livro dos doze Profetas foi omitido da sua lista em decurso de transmissãoacidental, naturalmente...
A Epístola de Jeremias aparece, na lista de Origines, como autoritativa. Listas
similares foram apresentadas por outros escritores.
O Cânone Muratoriano67 [descoberto pelo Cardeal L. A. Muratori – 16721750]68 não menciona Tiago, Hebreus e 1 Pedro como parte dos escritos
autoritativos da cristandade. Entretanto, Hahneman69 afirma que isto “é inconclusivo
devido à probabilidade de defeitos no Fragmento”. A composição desse Fragmento
se deu entre 170 e 220 d.C. E é quase certo que seja um documento romano. A
despeito desta conclusão de Hahneman, o Fragmento Muratoriano continua sendo
uma evidência importante para o desenvolvimento do Cânone do Novo Testamento
no segundo século. O Fragmento pode ser datado no tempo de Pius, bispo de
63
ALAND (1962, p.9).
ALAND (1962, p.2s.).
65
BRUCE (1991, p.91).
66
Origen In: BRUCE (1991, p.92).
67
É o catálogo mais antigo de que se tem notícia.
68
SCHNEEMELCHER (1991, p.34).
69
HAHNEMAN, Gedefrey Mark (1992, p.32ss.).
64
11
Roma, entre c.140 a 154 d.C. Ele menciona Hermas, irmão de Pius, como um
“temporibus nostris”. Hahneman70 acredita que,
O Fragmento, conforme tradicionalmente datado, é pois uma anomalia em
termos de seu conteúdo. Ele seria um dos mais antigos, senão a mais
antiga testemunha para a adição das Pastorais à coleção paulina. … Se
esses textos [1 Pedro, e talvez Tiago] estão simplesmente faltando no
Fragmento, então o Fragmento representaria o mais amplo e mais antigo de
tais coleções incluindo Epístolas católicas menores.
…O Fragmento Muratoriano claramente representa alguma coisa mais do
que uma coleção, é mais amplo que isso. O Fragmento representa um
cânone fechado de coleção de escrituras. Isto delineia um grupo específico
de escritos que o fragmento expunha como aceitos pela Igreja Católica …
Na lista dos escritos aceitáveis aparece Sabedoria de Salomão71 e o
Apocalipse de Pedro (como disputados). Entretanto, a Carta aos Hebreus, Tiago e
Pedro não aparecem. Escritos tais como a Carta aos Laodicensses, Alexandrinos, e
alguns trabalhos de Ársino, Valentino, e Miltíades aparecem, no Fragmento, como
tendo sido claramente rejeitados pela Igreja Católica. O Pastor é apresentado como
restrito à leitura privada.
Cabe aqui a pergunta: quais foram os principais critérios usados pelos
cristãos primitivos na seleção de alguns livros e rejeição de outros? De acordo com
Bruce,72 para ser parte do cânone um texto tinha que ser reconhecido como
autoritativo em seu uso pelas pessoas, i.e., se o texto tivesse “recebido
reconhecimento geral canônico entre as igrejas em várias partes do mundo cristão
...”. Outro critério importante era se o texto [NT] teria sido escrito por um apóstolo.
Contudo, esse critério não foi radical, “houve uma tendência de dar o benefício da
dúvida a um livro cujo conteúdo conservava a fé dos apóstolos.”73
Muitos outros fatores fizeram a Igreja refletir sobre seu uso particular dos
escritos da sua época e começarem a categorizá-los e a criticá-los. O
questionamento do material judaico por Marcião, por exemplo, fez a Igreja se
proteger contra o anti-judaísmo, e se decidir pelos escritos do Antigo Testamento
como parte de seu próprio cânone. O surgimento de escritos com uma cristologia
70
HAHNEMAN (1992, p.130s.).
Além de Sabedoria de Salomão, a Igreja Católica atual aceita como dêutero-canônicos os livros de Tobias,
Judite, I Macabeus, II Macabeus, Eclesiástico, Baruc, e os textos contidos no final de Ester e Daniel, os quais
não constam na Bíblia Hebraica.
72
BRUCE (1991, p.87).
73
BRUCE (1991, p.102).
71
12
questionável tais como o Evangelho dos Ebionitas74 levou o cristianismo ortodoxo
a se decidir por alguns escritos, em detrimento de outros, como parte do processo
de se determinar o que era ensino aceitável e o que não era. O aparecimento de
material pseudonímico ligado aos nomes de apóstolos tais como Atos de Paulo [um
dos bons exemplos rejeitados por Tertuliano], e o Apocalipse de Pedro levantaram
um crescente interesse nos materiais apostólicos para assegurar confiança.
Contudo, isto é uma espada de dois gumes, porque as pessoas poderiam estar
produzindo mais escritos se utilizando do nome dos apóstolos. Alguns grupos tais
como a Nova Profecia tiveram interesse em escritos particulares, o que fez com que
as Igrejas Católicas emergentes suspeitassem de tais escritos e a partir de então,
um processo de defesa ou de crítica àqueles escritos pode ser visto.
No quarto século, Eusébio75 apresenta os escritos autoritativos e nãoautoritativos em quatro categorias. Primeiro, a categoria dos livros reconhecidos [e)n
o(mologoume/noij],
i.e., os livros genuínos:
Paulo, 1 João, Epístola
de
Os Evangelhos, Atos, Epístolas de
Pedro e o Apocalipse de João. Segundo, os livros
disputados [tw=n a)ntilegome/nwn]: Tiago, Judas, 2 Pedro, 2 e 3 João. Terceiro, os
não-genuínos: Atos de Paulo, O Pastor, o Apocalipse de Pedro, Carta de Barnabé, o
Didache e o Apocalipse de João [aceito por alguns e rejeitado por outros]. Quarto, os
escritos heréticos [ai(retikw=n]:76 Evangelhos de Pedro, Tomé, Matias; Atos de André
etc.
Irineu77 defende com ardor os quatro antigos Evangelhos como o único e
exato número de Evangelhos para a Igreja. Ele compara seu número com a ordem
correta da natureza.
Descrevemos a seguir o pensamento de alguns dos pais apostólicos que
ajudaram na definição do cânon do Novo Testamento.
74
Alguns Evangelhos foram produzidos além dos quarto Evangelhos canônicos, e.g. Evangelho de Filipe,
Evangelho de Pedro, Evangelho de Tomé etc. O Evangelho dos ebionitas é entendido como sendo o Evangelho
de Mateus, que também era conhecido como Evangelho dos Hebreus. Os ebionitas eram vegetarianos e
repudiavam o Apóstolo Paulo, chamando-o de apóstata da lei. (The Apocryphal NT: Begin the Apocryphal
Gospels… p.8s.).
75
EUSEBIUS (1992, p.257ss.).
76
A despeito de muitos dos textos apócrifos serem considerados heréticos, há uma enormidade de evangelhos,
apocalipses, comentários bíblicos diversos e outros textos interessantes, esperando para serem lidos. Eles podem
oferecer certas interpretações das Escrituras que ajudarão o leitor a compreender melhor certas passagens
lacônicas. Os apócrifos podem ser lidos numa edição em português, em quatro volumes, publicada pela
Mercuryo.
77
Against Heresies iii.xi.11.p.46s.
13
E. Melito, Taciano e Marcião
Melito, Taciano e Marcião são escritores do segundo século. O pai apostólico,
Melito de Sardis, é importante para a compreensão do cânone do Novo Testamento.
Melito foi o primeiro a usar o termo “Antigo Testamento”, no contexto de escritos em
discussão, como abordado anteriormente. Isso é significativo, porque Sardis foi a
cidade com uma massiva presença de Judeus.78 Melito,79 em uma Carta a Onésimo,
citado por Eusébio, afirma:
Desde que tu te mostras desejoso, em teu zelo pela verdadeira palavra
[pro\j to\n lo/gon xrw/menoj], para ter extratos da Lei e dos Profetas [tou=
no/mou kai\ tw=n profhtw=n] concernente ao Salvador ... tu desejas saber
acuradamente os fatos a respeito dos antigos escritos [tw=n palaiw=n
bibli/wn], quão numerosos são eles, ... os livros do Antigo Testamento [th=j
palaia=j diaqh/khj bibli/a] ...”
Após dizer isto, Melito apresenta uma lista de quais livros eram canônicos
para os judeus no segundo século. Ele menciona todos os livros do cânone do
Antigo Testamento conhecidos hoje, com exceção do livro de Neemias
[provavelmente,
formando
um
livro
com
Esdras],
Ester
e
Lamentações
[provavelmente, formando um livro com Jeremias].
Taciano, um escritor anti-helênico e discípulo de Justino, é também relevante
para a compreensão do desenvolvimento do cânone do Novo Testamento. A
despeito de Taciano ter sido considerado herético, por causa de seu Encratismo do
tipo radical, ele foi também o primeiro a harmonizar os quatro Evangelhos. Ele
“compôs de certa forma uma combinação e uma coleção dos Evangelhos [o(/pw tw=n
eu)aggeli/wn], e deu a isso o nome de O Diatessaron [to dia\ tessa/rwn] ...”.80 O
sírio Taciano fora educado ao estilo helênico. Em Roma, tornou-se um cristão
atuante. Provavelmente, em 172 d.C., após um cisma com a Igreja de Roma
“Taciano retornou ao Oriente, onde se tornou o fundador de uma seita, conhecida
como os Encratistas [‘] (i.e. ‘os auto-disciplinados’).”81
“Harmonias” dos Evangelhos
mostram que escritos estavam sendo
produzidos com propósitos didáticos – para tornar as narrativas práticas. Elas
também indicam que a ideia dos 4 Evangelhos, o que em parte teria sido uma
resposta ao Marcionismo, não foi necessariamente a norma. Se uma pessoa
78
KRUGER (1897, p.124).
Melito In: EUSEBIUS (HE iv.xxvi.13,14. p.393).
80
EUSEBIUS (HE iv.xxix.6. p.397). Diatessaron é uma palavra grega que significa literalmente por quatro.
81
METZGER (1997, p.116).
79
14
quisesse viver uma vida celibatária, e encorajar outros a isso, usaria algum texto do
tipo Atos de Paulo e Tecla, ou mesmo a literatura do Pseudo-Clementino. Eusébio82
afirma que as ideias do blasfemo [th\n blasfhmi/an] Taciano, chamadas de
Encratismo, procede de Saturnino e de Marcião.
Marcião trouxe um novo ensino a Roma circa 140 d.C. Esse novo ensino é
muito importante para o entendimento do cânone, porque Marcião delineou seu
próprio cânone das Escrituras, antes de qualquer outro, e chamou isso de O
Evangelho e O Apóstolo. O bispo de Sinope, pai de Marcião do Ponto [Marcion
Ponticus], o excomungou. Por causa disso, Marcião foi para Roma. Kruger83
apresenta Marcião como
um bem-sucedido criador de ovelhas, o qual tinha uma
concepção anti-judaica da cristandade. Para Tertuliano,84 Marcião foi o herético do
Ponto, um “irmão” que se tornou um “apóstata”. Ele foi mais selvagem do que as
bestas feras.85 Antithesis é provavelmente o único trabalho de Marcião.86 Foi escrito,
como Goodspeed87 afirma, mais ou menos na metade do segundo século d.C.
Em organização e escritura, o cristianismo padrão aprendeu muito de
Marcião, e sua influência pode ser traçada no esforço posterior de se
organizar a cristandade em um grande corpo, e aderir as Cartas de Paulo à
sua escritura. Marcião foi o primeiro homem, até onde sabemos, a atentar
para essas coisas.
Como Bruce88 aponta, Marcião baseou seu Evangelho em Lucas e “de acordo
com sua crença de que Jesus foi um ser sobrenatural que apareceu de repente
entre os homens com a mera semelhança de humanidade...” ele omitiu das
narrativas lucanas o nascimento, a genealogia, o batismo e a tentação de Jesus, e o
ministério de João Batista. Marcião também rejeitou o Deus de Israel e o Antigo
Testamento. Seguindo essa linha de pensamento, ele omitiu todas as referências ao
Antigo Testamento em seu cânone, O Apóstolo, o qual se baseia nas Cartas de
Paulo. Hall89 afirma que Marcião não rejeitou os escritos do Antigo Testamento. Pelo
contrário, ele aceitou-os como revelação divina, mas interpretou o Antigo
Testamento literalmente [ele condenou o método alegórico de interpretação que era
82
EUSEBIUS (HE iv.xxviii,xxix.1ss. p.395).
KRUGER (1897, p.78).
84
Against Marcion. TERTULLIAN In: Ante-Nicene Fathers. (1995, p.271s.).
85
TERTULLIAN In: Ante-Nicene Fathers. (1995, p.271s.).
86
METZGER (1997, p.91).
87
GOODSPEED (1966, p.109).
88
BRUCE (1991, p.99s.).
89
HALL (1991, p.37s.).
83
15
popular em sua época].90 De acordo com suas interpretações, ele negou o Deus do
Antigo Testamento como o Deus e Pai de Jesus Cristo. Além disso, ele acreditava
que “os livros do nosso Novo Testamento são um falso amálgama do evangelho de
Jesus com os princípios do Criador”. Por alguma razão obscura, Marcião não usou
as Cartas de Paulo a Timóteo e Tito em seu mini cânone. Talvez porque ele não as
conhecesse, ou não as considerasse como Cartas de Paulo. Mais tarde, os
seguidores de Marcião as usaria normalmente.91 Marcião escolheu as Cartas de
Paulo e o Evangelho de Lucas para seu particular cânone, pois encontrou neles
suporte para o seu entendimento de Deus, e sua interpretação a respeito da
natureza de Jesus. É claro que ele teve que omitir algumas partes desses escritos.
Marcião fez “uma distinção entre o Supremo Deus de bondade e um Deus
inferior de justiça, o qual foi o Criador e o Deus dos judeus. Ele reputava Cristo como
o mensageiro do Deus Supremo.”92
Devido aos seus pensamentos,
Marcião
poderia ser considerado parte do movimento gnóstico. No entanto, Goodspeed93
acredita que Marcião nunca se tornou um completo gnóstico. Provavelmente, o
melhor lugar para situá-lo seja entre os docetistas. Marcião teve como pano de
fundo a filosofia platônica do criador inferior, i.e., um demiurgo. Ele adotou também a
“abstinência sexual, uma dieta rigorosa, e comprometimento com o martírio quando
diante de perseguição…”.94
Irineu,95 citado por Bettenson, diz que Marcião é um blasfemo, porque ele
insistia que Deus [o Deus do Antigo Testamento] era “um feitor de males que se
deleitava com as guerras, inconstante no julgamento e auto-contraditório.”
Tertuliano, Irineu, Justino e Teófilo de Antioquia, dentre outros, escreveram contra
Marcião.96
Diferente de Marcião, Irineu, por exemplo, reconheceu como canônicos vinte
dos vinte e sete livros do cânone do Novo Testamento conhecido hoje em dia, não
somente onze [mutilados intencionalmente] como Marcião reconhecera.97 Entretanto,
como um precursor na criação de um cânone, Marcião é sempre digno de ser
90
GOODSPEED (1966, p.110).
Marcionismo foi um movimento de pelo menos dois séculos.
92
METZGER (1997, p.91ss.).
93
GOODSPEED (1966, p.111).
94
HALL (1991, p.38).
95
Irinaeus. In: BETENSON (1979, p.37).
96
GOODSPEED (1966, p.110s.).
97
BRUCE (1991, p.100).
91
16
considerado. Williams98 afirma que Marcião “foi o primeiro a propor um especial e
exclusivo Cânone Cristão.” O trabalho de Marcião forçou as igrejas a definirem a
natureza de seus escritos e a refletirem sobre os textos religiosos produzidos desde
o tempo de Moisés.
É praticamente impossível falar do desenvolvimento do cânone das Escrituras
sem falar de ortodoxia e heresia.
F. Ortodoxia e heresia
Bauer,99 citado por Hall, afirma que “heresia precede ortodoxia, no sentido
que desde o início nos deparamos com um grande e diferente número de
organizações e doutrinas frequentemente competitivas.” Ehrman100 diz que: “Não
havia ainda uma ‘ortodoxia estabelecida’, ou seja, nenhum sistema teológico básico
reconhecido pela maioria dos líderes da Igreja e dos leigos. Diferentes igrejas locais
tinham diferentes compreensões da religião, enquanto diferentes entendimentos da
religião estavam presentes inclusive dentro de uma mesma igreja local.” Depois que
a palavra heresia tornou-se claramente distinta da ortodoxia, Simão, o Mágico, o pai
de toda heresia, foi contrastado com Pedro, o pai da proto-ortodoxia,101 e muitas
heresias foram tidas como descendendo dele.
Dionísio de Corinto é um bom exemplo da preocupação dos escritos cristãos
e sua integridade no segundo século. Ele se preocupava com a falsificação de suas
próprias Cartas, e acreditava que os Apóstolos do mal [tou= diabo/lou a)po/stoloi]
“as tinham preenchido [suas próprias Cartas] com joio, por deixarem de fora
algumas coisas e acrescentarem outras. ...”. No entanto, quando Dionísio fala a
respeito das Escrituras do Senhor como tendo sido também alvo de falsificação, não
afirma que os escritos sagrados tenham sido certamente falsificados, mas que isso é
uma possibilidade. Diz ele: “... não é de se admirar que alguns tenham sido capazes
de falsificar até mesmo as escrituras do Senhor...”. Dionísio excluiu seu próprio
trabalho como escrituras.102 Os Apóstolos do mal”, mencionados por Dionísio,
tiveram que ser contrastados com os “Apóstolos do Senhor”. Apostolicidade,
portanto, foi um importante critério na aceitação ou rejeição dos mais diversos
98
WILLIAMS (1991, p.85).
Bauer In: HALL (1991, p.36).
100
EHRMAN (1996, p.4).
101
EUSEBIUS (HE ii.i.12. p.109).
102
EUSEBIUS (HE iv.xxiii.9,13. p.381ss.).
99
17
escritos. Cullmann afirma que o cânone do Novo Testamento se formou não por
adição, mas por eliminação.103
4. CONCLUSÃO
Responder as questões acerca de uma literatura cristã autoritativa
(precursora do cânone) não é uma tarefa simples. À parte do cânone formal, como
Aland104 aponta, há um cânone auto entendido, i.e., um cânone dentro do cânone.
Muitos livros foram escritos no segundo século com as mais variadas
interpretações e discussões de como a cristandade deveria ser e no que os cristãos
deveriam acreditar. Em comparação com os escritos do Novo Testamento, esse tipo
de literatura foi rejeitada como não autoritativa, ou como herética, incluindo aqueles
escritos que afirmam que Jesus era em semelhança de homem (docetismo), e que
não veio em carne, ou que ele era uma emanação ou uma figura redentora que
traria libertação de uma armadilha em que o homem estava inserido (Gnosticismo),
ou que havia dois diferentes deuses etc. Os Cristãos eram contestados pelos judeus
e pelos romanos igualmente. Eles precisavam de uma literatura autoritativa para se
defender contra as acusações que lhes eram feitas. Esses e outros fatores
suscitaram um interesse crescente em literatura cristã autoritativa (‘canônica’), no
segundo século.
O fundador do Cristianismo não escreveu nenhum tipo de literatura, mas
instruiu seus seguidores para espalharem o Evangelho [como boas novas] a toda
parte. Eles pregaram não apenas verbalmente, mas alguns deles também
escreveram o que experienciaram com seu Mestre.
A cristandade do terceiro milênio continua diversificada em muitos e
diferentes modos. Protestantes e católicos, e.g., têm em comum os livros do cânone
hebraico e os livros do Novo Testamento. No entanto, a cristandade do terceiro
milênio não está confinada a protestantes e católicos como dois grandes e únicos
blocos de pensamento. Há uma vasta gama de Denominações cristãs, e ainda,
variados métodos de interpretação das Escrituras. Aland105 afirma que os diferentes
103
CULLMANN, Oscar. A formação do novo testamento. Tradução de Bertholdo Weber. São Leopoldo: Sinodal,
1982. p.114.
104
ALAND (1962, p.29s.).
105
ALAND (1962, p.32).
18
caminhos de seleção e interpretação que muitas confissões religiosas utilizam do
cânone formal, de fato produz um cânone dentro do cânone. Além disso,
consequentemente, esses novos cânones produzem diferentes confissões. Lutero,
por exemplo, em sua tradução do Novo Testamento, colocou “a Epístola aos
Hebreus, a Epístola de Tiago, Judas e o Apocalipse como apêndices, explicando
expressamente que eles não pertenciam aos ‘certos, próprios e principais livros do
Novo Testamento’…”.106
Há, sem dúvida, um cânone formal das Escrituras. A Igreja do terceiro milênio
não tem autoridade suficiente para modificar isso. A Igreja pode até criar um cânone
dentro do cânone, mas não deveria negar ou inserir novos escritos como canônicos
hoje.
O trabalho dos escritores do Novo Testamento, e dos Pais Apostólicos do
segundo século e de outras épocas, culmina com os concílios do quarto século,
estabelecendo assim, um cânone formal das Escrituras que não deveria ser
invalidado.
Os critérios de aceitação ou rejeição dos livros que os líderes da cristandade
usaram, não eram fórmulas matemáticas complicadas. Basicamente, um texto
cristão para ser aceito como canônico, tinha que ser reconhecido como autoritativo
em seu uso pelas pessoas, ter sido escrito ou estar relacionado com um apóstolo ou
ter sido produzido na era apostólica.
Aland107 sugere que a formulação do cânone é providentia Dei. Isto significa
que o que está escrito nas Escrituras é o que Deus queria que fosse escrito. Esta é
a crença dos cristãos “ortodoxos”108 do terceiro milênio.
As Escrituras são produto de uma parceria divino-humana. Os humanos
registraram, ao seu modo, conforme sua competência, estilo, debilidades, o que o
divino aprovava. Os textos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento,
independente de autoria, data, de prováveis acréscimos ou supressões, devem ser
imprescindíveis para se encontrar respostas sempre atualizadas e transformadoras,
seja por parte de um leitor solitário, das igrejas, ou das comunidades nas quais o
cristão está inserido.
106
ALAND (1962, p.30) .
ALAND (1966, p.33).
108
O termo ortodoxos está posto como sinônimo de conservadores.
107
19
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