Flipper - Global Garbage
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Flipper - Global Garbage
G biodiversidade G Meu nome não é Uns são chamados de golfinhos, outros têm apelido de baleia, e alguns têm nomes especiais, como toninha ou orca. Mas todos são igualmente encantadores e merecem ser mais conhecidos por suas características reais do que por imagens fantasiosas de mídia TERR A DA GENTE texto Norbert Wu/minden pictures 26 Golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) Maura Campanili TERR A DA GENTE Flipper 27 T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e e 28 praticamente impossível encontrar quem não goste deles, seja pela reconhecida inteligência e capacidade de comunicação, seja pela graça com que se exibem, às vezes bem pertinho da costa ou em shows de parques aquáticos ao redor do mundo. Os golfinhos também fazem parte do imaginário popular. Figuram há pelo menos 2 mil anos ao lado de deuses e seres fantásticos nos mosaicos do Império Romano. E nos acompa- tante comuns na costa brasileira. A literatura e o cinema também tornaram vilãs algumas espécies, como é o caso da orca (Orcinus orca), injustamente imortalizada como ‘baleia assassina’, e do cachalote (Physeter macrocephalus), a famosa ‘baleia’ Moby Dick da obra de Herman Melville e a Dona Monstro da animação Pinóquio dos Estúdios Walt Disney. O que pouca gente sabe é que ambas as espécies, apesar de grandes, não são baleias, mas golfinhos. Baleias e golfinhos são agrupados alimentos: peixes e crustáceos bem pequenos. Já os golfinhos são odontocetos (Odontoceti) e possuem dentes para se alimentarem de animais maiores: lulas, peixes – às vezes bem grandes, como tubarões – e até baleias bem maiores do que os próprios golfinhos. Além da presença de dentes, o que possibilita aos golfinhos essa eficiência na captura de alimento é a capacidade de caçar em grupo. O maior misticeto é a baleia-azul, que pode chegar a 33 metros de com- Os perigos do lixo marinho Uma das grandes ameaças aos golfinhos – e também a todas as espécies que dependem do mar para viver e se alimentar – é o lixo marinho. Formado por todo tipo de resíduo sólido manufaturado, pode permanecer no oceano por milhares de anos. No Pacífico Norte, há registro de imensas ‘ilhas’ flutuantes de lixo, mas não se sabe se elas também existem no Atlântico Sul. “Esse lixo pode ser de fontes terrestres – jogado por usuários de praias e rios, sistemas de drenagem e esgoto, enchentes, lixões e aterros próximos a corpos d’água – e de fontes marinhas, como navios e plataformas oceânicas de petróleo e gás”, diz a oceanógrafa Juliana Assunção Ivar do Sul, da Associação Praia Local, Lixo Global. Uma vez no ambiente, o lixo formado por plástico, isopor, nham em brinquedos, jogos, livros, figurinhas, filmes e seriados de TV. A expressão travessa e simpática desses bichos nos faz sonhar em ter um deles como amigo íntimo, como nas várias versões envolvendo o golfinho Flipper, que se tornou o nome mais conhecido dos golfinhos-narizde-garrafa (Tursiops truncatus), bas- metal, papel e vidro causa diferentes impactos nos golfinhos. Curiosos, os animais gostam de interagir com as redes de pesca abandonadas e acabam morrendo afogados. Ou permanecem indefinidamente enredados (enrolados à rede), com vários efeitos subletais: ficam debilitados, com dificuldades para se defenderem, alimentarem-se e se reproduzirem. Outro problema é a ingestão dos produtos pequenos. “Eles comem de tudo e não se sabe a razão. Há teorias de que confundiriam o lixo com presas ou outros alimentos”, acrescenta Juliana. “A ingestão desses objetos pode causar sensação de saciedade e o animal não busca mais alimento. Se o item é maior, pode causar obstrução gastrointestinal, com efeitos letais e subletais”. em uma só ordem de mamíferos marinhos, a dos cetáceos (Cetacea). Porém, as baleias se encaixam em uma subordem conhecida como misticetos (Mysticeti), cuja característica principal é a presença de barbatanas de queratina, que ficam presas na mandíbula pelos dois lados da boca e servem para filtrar primento quando adulta e o menor, a baleia-franca-anã (Caperea marginata) de 5 a 6 metros. O maior odontoceto é o cachalote, que atinge até 18 metros de comprimento quando adulto, e o menor, a vaquita (Phocoena sinus) e seu máximo de metro e meio. Com uma linha de costa muito grande, o Brasil se dest aca na diver- Hiroya Minakuchi/minden pictures MANCHAS DA IDADE As manchas identificam o golfinho-pintado-do-atlântico: quanto mais velho, mais manchas. O golfinho-nariz-de-garrafa (pág. 27) é a espécie de maior ocorrência e a mais conhecida por causa do personagem Flipper T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e Golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis) 29 Família numerosa A maioria das espécies de golfinhos registradas em águas brasileiras é da família Delphinidae. Dela fazem parte: Baleia-piloto-de-peitorais-curtas (Globicephala macrorhynchus) – Ingere cerca de 45 kg de comida por dia. O principal componente da dieta é lula, apesar de comer também pequenos peixes Baleia-piloto-de-peitorais-longas (Globicephala melas) – Não habita regiões muito quentes, por isso as populações do Norte e do Sul não se misturam Boto-cinza (Sotalia guianensis) – O mais comum em todo o litoral brasileiro T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e Falsa-orca (Pseudorca crassidens) – Apesar do nome é confundida com o golfinho-nariz-de-garrafa, embora seja maior Golfinho-cabeça-de-melão (Peponocephala electra) – De corpo cinza escuro e ‘lábios’ geralmente brancos, alguns têm ‘tapa-olho’ escuro. Difícil de distinguir da orca-anã Golfinho-clymene (Stenella clymene) – É pequeno, com 1,8 metro de comprimento, em média. Tem ‘bico’ curto, barriga branca e marcas escuras acima do olho e abaixo da nadadeira dorsal matheus jeremias fortunato 30 Golfinho-de-peron (Lissodelphis peronii) – Não tem barbatana dorsal. Habita águas frescas e profundas no Hemisfério Sul Golfinho-de-risso (Grampus griseus) – Apresenta um sulco leve e côncavo na cabeça, uma característica exclusiva da espécie Golfinho-de-risso (Lagendodelphis hosei) – É mais comum no Oceano Pacífico, mas raramente também aparece no Atlântico Golfinho-listrado (Stenella coeruleoalba) – Apresenta uma listra azul escuro em todo seu comprimento Golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) – É o Flipper. Ocorre em zonas tropicais e temperadas de todo o mundo Golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis) – Tem um padrão manchado e conforme envelhece aparecem mais manchas, até predominar o branco Golfinho-pintado-pantropical (Stenella attenuata) – Possui dorso cinza escuro com manchas claras e focinho branco. Fica mais manchado conforme envelhece. Golfinho-comum-de-bico-curto (Delphinus delphis) – É um dos menores e mais comuns em todo o mundo Golfinho-rotador (Stenella longirostris) – Dá saltos espetaculares, rodando como um pião, em pleno ar Golfinho-comum-de-bico-longo (Delphinus capensis) – Distingue-se do anterior pelo ‘bico’ longo Orca (Orcinus orca) – Vive em sociedades matriarcais e caça grandes presas em grupos, mas não ataca humanos Golfinho-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis) – Possui 20 a 27 dentes em cada linha, com pequenas ‘rugas’ (sulcos verticais) Orca-anã (Feresa attenuata) – Muito parecida com a falsa-orca. É mais comum nas costas do Japão, Havaí e Índia Golfinho-rotador (Stenella longirostris) Onde tem peixe, tem golfinho, que precisa comer muito A bióloga Liliane Lodi, do Instituto Aqualie, estuda o golfinhonariz-de-garrafa no litoral do Rio de Janeiro e conta que os golfinhos são animais bastante sociais, “mas entre eles”. Ela recomenda: “Para observá-los, é melhor permanecer dentro do barco ou na praia e não tentar tocá-los na água, pois dificilmente se consegue”. Esses animais andam sempre em grupos, de tamanhos variados, conforme a espécie. As orcas, por exemplo, vivem em alto-mar, em sociedades matriarcais, onde a fêmea mais velha é a líder do grupo. “Formam famílias de até quatro gerações. Os grupos, em geral, são pequenos, mas eventualmente podem chegar a 50 indivíduos”, diz Liliane. Grupos de golfinhos oceânicos são bem maiores e chegam a ter centenas de indivíduos. As espécies costeiras vivem em grupos menores. “Mas já vi grupo de boto-cinza na baía de Parati, onde há boa disponibilidade de alimentos, de até 450 indivíduos”, conta a bióloga. Algumas espécies possuem sociedades mais fluidas e mudam de grupo o tempo todo, como é o caso do próprio nariz-de-garrafa e do golfinhorotador (Stenella longirostris), que habita grande parte do litoral brasileiro, mas tem a maior população residente conhecida no arquipélago de Fernando de Noronha. Golfinhos costumam ser poligâmicos, com machos e fêmeas cruzando com vários indivíduos do sexo oposto. A gestação dura em torno de 12 meses na maioria das espécies e o filhote é amamentado T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e sidade de golfinhos. Dentre mais de 70 espécies conhecidas no mundo, quase 50% já foram registradas ao menos uma vez no nosso litoral e na Bacia Amazônica, onde vivem o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi (Sotalia fluvialitis), nossas duas espécies fluviais. Segundo o biólogo Marcos Santos, coordenador do Laboratório de Biologia da Conservação de Cetáceos do Departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, originalmente as duas espécies mais comuns no litoral brasileiro eram o boto-cinza (Sotalia guianensis), ainda abundante, e a toninha (Pontoporia blainvillei), hoje ameaçada. “O boto-cinza ocorre em águas costeiras, muitas vezes adentrando estuários, desde o estado de Santa Catarina e, rumando ao Norte, até Honduras, na América Central. Poderíamos dizer que é a ‘mais brasileira’ das espécies de cetáceos. A toninha ocorre em águas costeiras desde o Espírito Santo e, rumando ao Sul, até a Baía Blanca na Argentina”, diz. matheus jeremias fortunato saltador O golfinho-rotador (nesta e na pág. anterior), que gira no ar como um pião, tem a maior população residente conhecida em Fernando de Noronha, mas a espécie se espalha por grande parte do litoral brasileiro 31 Suzi Eszterhasminden pictures T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e 32 Golfinho-comum-de-bico-curto (Delphinus delphis) contrastes O de-bico-curto (acima) é um dos golfinhos menores e mais comuns; o golfinho-de-risso (pág. seguinte) é espécie rara e tem a característica exclusiva do sulco côncavo na cabeça por até 18 meses. “Mesmo depois de desmamar, costuma acompanhar a mãe por um longo tempo”, explica André Barreto, doutor em Oceanografia e professor da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). A comunicação entre eles é feita principalmente através do som. Possuem uma audição muito sensível e produzem sons de alta frequência para se comunicar e explorar o ambiente. “Os golfinhos utilizam pulsos de ultrassom do mesmo modo que um barco utiliza o sonar. Ouvindo os ecos, eles conseguem saber a distância para obstáculos e identificar as suas presas”, diz Barreto. Além disso, possuem um metabo- lismo alto e precisam comer muito. Mesmo entre os golfinhos menores, costeiros, cada indivíduo necessita ingerir 5 quilos de alimento por dia. Por isso, gastam muita energia procurando alimentos e frequentam áreas de grande importância econômica para o País por suas características piscívoras, ou seja, onde há peixe, há golfinhos. E há problemas As toninhas podem ser extintas em todo mundo com a captura acidental (by catch) em redes de pesca, um impacto que afeta mundialmente as populações costeiras de golfinhos. “Nenhum pescador quer capturar golfinhos. Porém, acidentalmente, eles se envolvem com redes de pesca e morrem afogados. Por esse motivo, as toninhas hoje são consideradas mundialmente ameaçadas de extinção e, segundo a última revisão do estado de conservação da fauna brasileira, ficaram na subcategoria ‘em perigo’”, observa Marcos Santos. Um Plano para Mamíferos Aquáticos, editado pelo Ibama, em 2001, inclui como ameaçados também o golfinho-rotador e o golfinho-nariz- Brandon Cole/getty images T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e o. nt os ma rc os de sa 33 Golfinho-de-risso (Grampus griseus) Pescadores matam golfinhos para usar a carne dura como isca de tubarão de-garrafa. Segundo o advogado Cristiano Pacheco, diretor executivo do Instituto Justiça Ambiental e voluntário da organização não governamental Sea Shepherd Brasil, porém, nem sempre a captura de golfinhos é acidental. “Em 2007, soubemos de um massacre de golfinhos no Amapá, quando 83 animais foram mortos. Na ocasião, entramos com ação de indenização pedindo embargo das embar- cações – para a qual conseguimos uma liminar – e uma ação civil pública contra o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), por omissão de informações”. Depois, Pacheco soube que os golfinhos são capturados no Amapá e no Pará para servirem de isca de tubarão, “porque possuem uma carne dura, que demora mais para amolecer na água”. Não há estimativas do número Famílias pequenas Só existem registros em águas brasileiras de uma espécie da família Phocoenidae e uma da família Pontoporidae. São elas: Boto-de-burmeister (Phocoena spinipinnis) – Possui a nadadeira dorsal extremamente afiada. Sua pele escurece logo após a morte, por isso ele é apelidado de boto-preto Toninha (Pontoporia blainvillei, foto acima) – É provavelmente o golfinho mais ameaçado no Atlântico Sul Ocidental, com alta mortalidade acidental em redes de espera Suzi Eszterhas/minden pictures T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e Orca (Orcinus orca) 34 na paz A orca ganhou, no cinema, a fama injusta de assassina, mas ela não ataca humanos, só grandes presas. Vive em alto-mar, em grupos, sob a liderança da fêmea mais velha de golfinhos caçados para este fim, mas o advogado lembra que a pesca de tubarão inclui espécies comuns na mesa do brasileiro, como cação, caçonete, anjo e viola. A lista de ameaças aos golfinhos não se limita às redes de pesca. Eles também são vítimas de atropelamento por embarcações, da diminuição dos estoques pesqueiros, da poluição, do lixo marinho e das mudanças climáticas, que já alteram a temperatura e as correntes marítimas, mexendo com a cadeia alimentar. “A Os cetáceos são pouco pesquisados no Brasil poluição sonora, provocada pelo grande volume de embarcações também pode influir no sensível sistema auditivo dos golfinhos e interferir na comunicação entre eles”, explica Liliane. Para estimar a importância das ameaças, no entanto, faltam informações no Brasil. Mesmo que as pesquisas sobre os cetáceos tenham crescido consideravelmente no País desde o início da década de 1980 – caso do golfinho-rotador em Noro- nha, onde há pesquisa, educação ambiental e integração social com comunidades pesqueiras – há muitas lacunas a serem preenchidas. “Faltam estimativas de tamanhos da maioria das populações, seus hábitos alimentares, seus aspectos reprodutivos, dentre outros. Essas informações são espaçadamente distribuídas ao longo da costa e se concentram apenas em pequenos núcleos onde existe pesquisa há mais tempo”, diz Santos. Uma das espécies em melhor condição, neste sentido, é o narizde-garrafa (Tursiops truncatus). Além das pesquisas de Liliane Lodi do Instituto Aqualie, no arquipélago das Cagarras, em frente à praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, existe o programa Botos do Itajaí, coorde- willy ertel T E R R A D A G E N T E | biodiver sid ad e Boto-cinza (Sotalia guianensis) 35 A ‘MAIS BRASILEIRA’ O boto-cinza pode ser avistado no litoral brasileiro, de Santa Catarina para o Norte, e chega a entrar nos estuários. O exemplar acima foi fotografado no Lagamar, no litoral Sul de São Paulo nado por André Barreto, da Univali, com o registro da presença desses golfinhos na foz do rio Itajaí, em Santa Catarina. “Desde 2001 temos monitorado a ocorrência dos animais na área, onde há um grande tráfego de embarcações, analisando seu comportamento e ocorrência. E, desde 2008, começamos a identificá-los individualmente”, relata o oceanógrafo. Os estudos em Santa Catarina mostram certa tolerância dos animais às perturbações no local, mas também que há um limite para Observar um golfinho depende de sorte essa tolerância. “Em um período que houve uma dragagem intensa e explosões para quebrar rochas embaixo d’água, os golfinhos desapareceram da área por quase um ano. Atualmente estão de volta, mas apareceu uma série de doenças de pele em diversos animais”, continua Barreto. Segundos os especialistas, uma forma de evitar o declínio de populações de cetáceos pelo mundo deve ter como princípio o mesmo lema desta revista – ‘conhecer para conservar’ – e é uma corrida contra o tempo. Para os fãs de golfinhos, ainda há oportunidades de ver de perto esses incríveis mamíferos em ambiente natural, em várias localidades do País. Embora não exista um turismo estruturado para a observação de golfinhos, as boas dicas são: Fernando de Noronha para golfinhosrotadores; Praia do Pipa (RN), estuário de Cananéia (SP) e Baía Norte (SC) para boto-cinza; o farol de Laguna (SC) e a foz do rio Tramandaí (RS) para golfinhos-nariz-de-garrafa. As demais espécies distribuemse pela costa e vê-las depende de sorte, portanto é bom manter os olhos abertos, sobretudo quando se está embarcado.
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