Caderno 11
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Caderno 11
CADERNO 11 Anais Eletrônicos VI ECLAE Linguagens, novas tecnologias e ensino RESUMO Este trabalho tem como objetivo principal apresentar as possíveis contribuições que um ambiente virtual traz para o jovem escritor no contexto escolar de produção textual. Considerando o domínio que essa ferramenta tem exercido sobre a maioria dos estudantes secundaristas, e os inúmeros gêneros digitais com os quais eles têm passado a conviver, ou melhor, a usar, é possível verificar algumas aquisições relevantes para seu desempenho na construção do conhecimento. Evidentemente não se pretende adentrar nas contribuições visíveis nas áreas de conhecimentos gerais, tecnológicos, enfim nas ciências exatas e naturais. O foco desse trabalho está no teor argumentativo que esse jovem tem desenvolvido no ambiente virtual. Essa constatação pode ser feita em diversos gêneros digitais, mas, por uma questão didático-metodológica, trataremos desse fenômeno especificamente no gênero digital fórum de discussão, disponibilizado em grupos da rede social Facebook. Para identificação dessa contribuição, é necessária uma análise, baseada nas concepções de argumentação, de como esse fenômeno ocorre e o que difere dos textos escolares, para, então, viabilizar uma possível intervenção nas produções em sala de aula. Para isso, é necessário um estudo histórico das Teorias de argumentação, tendo como base Perelman (2005) e Ducrot (1987); bem como os estudos acerca da relevância da interatividade na construção argumentativa de textos com Bronckart (1999)e Marcuschi (2007), observando como as diversas teorias categorizam e auxiliam numa análise mais precisa das estratégias argumentativas apresentadas nas práticas discursivas escritas. Palavras-chave: Argumentatividade, Ambiente virtual, Produção escolar. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino A ARGUMENTATIVIDADE NO E-GÊNERO FÓRUM DE DISCUSSÃO: UMA ESTRAÉGIA PARA PRODUÇÃO EM CONTEXTO ESCOLAR Anelilde Maria de Lima Farias (FACHO) Introdução Não é raro presenciarmos professores de língua portuguesa que trabalham com produção textual em sala de aula revelar sua angústia sobre o nível de argumentatividade dos textos de seus alunos, seja qual for o gênero textual estudado. Também é comum observar as mais diversas estratégias para melhorar esse desempenho, auxiliado por uma vasta bibliografia dedicada à produção textual no contexto escolar. Entretanto, paralelo a essa angústia, pouco tem se verificado como avanço nessa área, e muitos textos de alunos de ensino médio continuam com ideias rasas, com argumentos de obviedade, e com muito pouco argumento de autoria. Se buscarmos algumas justificativas para isso, poderemos encontrar algumas respostas na própria concepção de gênero textual, em consonância com algumas teorias de gêneros, sejam tradicionais ou contemporâneas, no que diz respeito ao seu aspecto interacionista. Koch (2003) afirma que “na concepção interacional da língua, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos.” Da mesma forma Bronckart (1999) ,citado por Marcuschi (2007) “ a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”. Poderíamos mencionar, também, nessa mesma concepção de gênero, Bakh- 3105 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tin(1979); Bhatia(1997); Bazerman (2004), só para citar alguns. Para todos eles, não é possível imaginar um texto eficaz sem seu aspecto dialógico. Entretanto, muitas vezes, os textos escritos em sala de aula apresentam esse dialogismo de forma distante e superficial, contribuindo, talvez, para as apresentações insatisfatórias de teor argumentativo. É importante também lembrar que, para os mesmos autores, não é possível considerar um texto sem um propósito comunicativo. Assim, voltando ao contexto escolar, salvo raríssimas exceções, o que temos são jovens escrevendo para serem avaliados por um professor, ou, no máximo, simular um gênero que será usado futuramente. O propósito real do gênero se perde em lugar dos propósitos escolares. It proposes that we teach genre awareness, not specific genres, and that we consider carefully the genres we have students write with a viewe to the antecedents those genres may provide for future writing tasks. (Devitt, 2004, p.4) Não é objetivo deste trabalho julgar se esse procedimento é correto ou não, se escola deve ou não continuar com essa prática. A análise aqui se dá para melhor se perceber por que, às vezes, o professor não obtém os resultados que gostaria, no caso, em relação ao nível de argumentação. Por outro lado, uma das principais características dos gêneros veiculados em ambientes virtuais é a interatividade, consequentemente, são gêneros que têm exercido um maior fascínio nos seus usuários. Considerando o fórum de discussão do site de relacionamento Facebook como um gênero amplamente usado por jovens de todas a idades, inclusive aqueles que mantêm atividades de produção escolar, é possível que tenhamos a mesma pessoa demonstrando teor de argumentatividade diferenciado. Para isso, é necessário um estudo histórico das Teorias de argumentação, observando com as diversas teorias categorizam e auxiliam numa análise mais precisa das estratégias argumentativas apresentadas nas práticas discursivas escritas. Teorias da argumentação O estudo sobre argumentação tem tomado algumas linhas de investigação bastante relevantes para várias áreas do conhecimento, mas sabemos que os 3106 Anelilde Maria de Lima Farias conceitos sobre argumentar, as teorias que delas surgiram não são recentes. Tomando como base os estudos mais historicamente conhecidos, nos remetemos à Retórica de Aristóteles, para quem argumentar era demonstrar supremacia na palavra. Entre seus conceitos de retórica está “o poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente, por meio de argumentos persuasivos.” A partir desse enfoque sobre argumentação, diversas teorias surgiram, algumas em oposição à ideia aristotélica de retórica, outras ampliando, mas sempre tomando sua clássica visão de argumentação. Entre as concepções de argumentação relevantes, consideramos os conceitos de Perelman (1958) básicos para discussões posteriores produções escritas. Como seus estudos sobre argumentação tinham um olhar diferenciado em relação à retórica de Aristóteles, a ele foi designado como autoria de uma Nova Retórica. Para Perelman (1970) “a argumentação visa a provocar a adesão dos espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando-se, portanto, como um ato de persuasão.” Fica claro que, para o autor, todo enunciado pressupõe uma ação argumentativa. As estratégias utilizadas para essa persuasão é que será nosso objeto de estudo mais adiante. Mas, antes de entendermos as categorizações argumentativas propostas por Perelman, é importante observar as distinções que ele traz para os termos convencer e persuadir. Essa distinção é importante para identificarmos os mecanismos que estão sendo usados, muitas vezes, nos discursos orais ou escritos. Para o autor, convencer se dá pelo raciocínio lógico. É possível convencer alguém quanto maior for a certeza e o compromisso com a verdade comprobatória que se tiver. Por outro lado, persuadir se dá através da vontade, do quanto se atinge o sentimento do interlocutor. Todo tempo o homem faz uso da língua, oral ou escrita, para atingir esse outro, trazendo audiência para si. Ao produzir um discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de veicular mensagens, mas, principalmente, com o objetivo de atuar, de interagir socialmente, instituindo-se com EU e constituído, ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio EU, por meio do jogo de representações e de imagens recíprocas que entre eles se estabelecem. (Koch, 2008 p. 19) É nessa linha, muito mais voltada às descrições linguísticas, que se apresenta a Semântica argumentativa. Para análises que pretendemos fazer, estudar 3107 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais a argumentatividade inserida no nível fundamental da língua, será muito útil. Apesar de ser uma linha teórica não muito aceita por Ducrot, para quem a argumentatividade não consiste em algo preso apenas ao mundo linguístico, não podemos desprezar as concepções de orientação e conclusão na argumentação verificada em textos, principalmente no texto escrito, nosso objeto de análise. No texto escrito, alguém se fixa como locutor, fixando o(s) outro(s) como destinatário, não havendo possibilidade de uma troca (pelo menos imediata) de papéis entre ambos. (Koch, apud Guimarães, 1981, p. 21) Entretanto, essa premissa ‘de não possibilidade de troca imediata’ tende a sofrer alterações quando se tratando de alguns textos do ambiente virtual. Tipos de argumentação Estudos atuais sobre argumentação sempre apresentam formas de categorizar os argumentos presentes nos discursos, de acordo com as intenções pretendidas e com a força persuasiva que se quer empregar. Contudo, as ‘ técnicas argumentativas’ introduzidas por Perelman &Olbrechts-Tyteca (2005) são, sem dúvida, um dos estudos mais completos para categorização dos argumentos. Os esquemas ali apresentados fornecem as mais variadas possibilidades de análise de enunciados. É através das técnicas argumentativas que será possível identificar de que forma o interlocutor tentou atingir o outro, muito embora, muitas vezes sem a devida consciência do fenômeno apresentado. Em se tratando de um texto escrito, é possível que as estratégias sejam mais planejadas, considerando que cada expressão selecionada tem sua força argumentativa. Ducrot (1980) colabora com essa análise na medida em que explica o valor dos operadores argumentativos. Elementos que a gramática descritiva usa como unidades da língua o autor se apresentam como recursos de persuasão, como orientadores no processo argumentativo. As pesquisas concernentes à argumentação que J.C. Ascombre e eu temos desenvolvido visam a mostrar que ela nem sempre é acrescentada às possibilidades semântico-pragmáticas inscritas na língua: ocorre ao contrário, que, para descrever determinada expressão construção ou 3108 Anelilde Maria de Lima Farias torneio, faz-se preciso indicar as restrições argumentativas que ela impõe aos enunciados em que aparece. (DUCROT, 1987, p. 139) Ainda com os estudos de tipificação de Ducrot, é necessário considerar um dos seus estudos mais relevantes que diz respeito ao argumento de autoridade. Embora não signifique o tipo de argumento mais importante, mas, é através dele, que podemos fazer análises sob uma perspectiva de autoridade polifônica, aproveitando, também, as concepções de dialogismo dos textos de Bakhtin (2003). A interatividade no e-gênero fórum de discussão Com o advento da Internet, diversos gêneros textuais surgiram ou passaram por modificações para uma melhor viabilização do seu uso no meio tecnológico. Essa inserção de novos gêneros nas práticas comunicativas dos jovens, sem dúvida, tem exigido algumas mudanças dos processos de ensino de línguas no contexto escolar. Por muito tempo, algumas escolas imaginavam que a contribuição da ambiente virtual estava mais voltada para as influências tecnológicas e tentaram trazer para os alunos algumas práticas de inserção digital. Entretanto essa preocupação não se apresentava eficazmente nos estudos de gêneros, nas observações sobre variações linguísticas e, muito menos, em relação à produção textual. Atualmente, com o avanço de estudos sobre vários aspectos dos gêneros digitais, e até mesmo com a tímida, mas presente preocupação acerca desse tema pelos Parâmetros Curriculares, é possível identificarmos algumas contribuições relevantes dos textos de ambientes virtuais para as práticas de ensino em sala de aula presencial. É considerando essa atual visão pedagógica que o presente trabalho acredita numa contribuição relevante para as aulas de produção textual. Tomando como base o que Marcuschi (2004) já dissera, que nunca se escreveu tanto como com as novas práticas computacionais, é possível fazer uso desse contato crescente com a escrita para minimizar alguns problemas recorrentes nas produções de texto em sala de aula. É bem verdade que estamos falando de uma escrita híbrida, com todas as variações permitidas pelo ambiente tecnológico, mas estamos também falando de uma escrita mais livre, sem a monitoração e exigências peculiares às ativi- 3109 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais dades de produção textual em sala de aula. Dessa forma, é possível perceber, em vários gêneros veiculados na Internet, mais especificamente no fórum de discussão do Facebook, uma escrita espontânea, com teor argumentativo superior aos textos produzidos em sala de aula. Evidentemente não irei discutir aqui a obviedade das diferenças dos ambientes. Um ambiente didatizado tende a tolher a criatividade e, consequentemente, inibir a argumentação. O que se espera não é apenas a constatação, mas a transposição de um desenvolvimento argumentativo, presente no ambiente virtual, para as práticas discursivas escolares. É um ponto comum entre os estudiosos de genros textuais, como Bazerman (2006); Davitt (2004); Miller (2008); Marcuschi (2004), Bronckart (1999) a relevância do caráter interativo dos gêneros. É indiscutível que nenhum texto pode ser escrito ou falado sem que haja um outro como participante imediato dessa ação discursiva. Quando se trata de gêneros digitais esse processo interativo ainda é mais evidente pelas possibilidades de simultaneidade de participação em algumas práticas. O e-gênero fórum de discussão possui esta característica de interação considerando que é um gênero em que várias pessoas discutem um tema, geralmente determinado e conduzido por um organizador. Esse gênero permite que jogos de persuasão sejam desenvolvidos porque há sempre alguém tentando conseguir audiência para sua ideia defendida. (...) neste gênero digital, o interlocutor tem ainda a vantagem, relação aos outros gêneros de discurso em celulose, de não apenas processar solitariamente a informação ali exposta, como também poder questionar junto ao produtor do discurso os pontos criticáveis, obscuros ou absurdos do seu discurso. (XAVIER; SANTOS, 2005, P. 35) Tomando como ponto de partida essa constatação do processo interativo dos textos, é que surgem algumas preocupações em relação às produções textuais em sala de aula. Parte das dificuldades advém desse caráter dissociado do texto com propósitos comunicativos reais. Para Bronckart (2008) “um texto só pode ganhar sentido pela atividade de interpretação de seus leitores, que reconstroem sentido a partir dos índices disponíveis na materealidade textual”. Pelos mesmos motivos e acrescido de outros fatores, Bazerman (2006) afirma que 3110 Anelilde Maria de Lima Farias “Quando os alunos podem fazer seus textos ter vida para leitores à distância, criando interação dos significados evocados pelo texto, eles terão alcançado a agência mais profunda da escrita.” Análise da argumentatividade no e-fórum Os estudos sobre o teor argumentativo no E-fórum aconteceram com a iniciativa de uma professora de Língua Portuguesa, a qual formou um grupo de discussão denominado “Penso, logo escrevo.” Neste grupo, várias temáticas são apresentadas diariamente, permitindo a participação de alunos1 predominantemente do Ensino Médio. A primeira temática corresponde ao sistema de cotas, a qual foi apresentada ao grupo mediante várias estratégias argumentativas. Vejamos: Imagem 1 O questionamento da administradora do grupo, a princípio, pode parecer uma informação isenta de juízo de valor, mas ganha força argumentativa com a inclusão da expressão enfática “de fato”, o que induz o participante a um 1. Os nomes dos participantes foram apagados com intuito de preservar sua identidade em um trabalho de análise científica. 3111 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais posicionamento negativo em relação ao sistema de cotas. Entretanto, durante a discussão no E-fórum, os posicionamentos se libertam dessa indução, mostrando que o ambiente virtual possibilita uma argumentação de autoria com considerável eficácia. A primeira participante, Calado, revela seu posicionamento contrário ao sistema de cotas, indicando imediatamente a solução para o avanço da educação. A partir dessa argumentação, a administradora do grupo introduz um novo questionamento, desta vez com uma força argumentativa maior, o que possibilita a constatação de que o processo interativo, característico do ambiente virtual, permite o maior aprimoramento da argumentatividade. Sobre essa mesma temática, a discussão continua com outros participantes, permitindo a diversificação de textos argumentativos escritos. Imagem 2 O participante 2 introduz seu argumento ratificando o ponto de vista do participante 1, mas deixa clara a característica autoral de sua argumentação. Essa identificação, além dos recursos estilísticos se evidencia com expressões como: “...não merece minha confiança”; “Não acredito nos números dos beneficiados”. Além disso, é possível reconhecer a força incisiva contra as ações do Estado, mostrando mais liberdade discursiva na modalidade escrita. 3112 Anelilde Maria de Lima Farias Imagem 3 O participante 3 interage no grupo apresentando um ponto de vista diferente dos demais participantes. Sua argumentação é construída sob o estímulo das participações anteriores, portanto é desenvolvida com maior nível de informatividade. Esse movimento argumentativo também é fruto da força interativa desse ambiente. O participante sente-se instigado a convencer e persuadir o outro e, para isso, ele sabe da necessidade de não produzir argumentos apenas consensuais. É interessante observar, também, as palavras intencionalmente destacadas pelo participante 3, como “privilégio”, “incapacidade” e “racismo”. Tal recurso evidencia maior força argumentativa, à medida que responde criticamente a algumas abordagens de interactantes anteriores. 3113 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Conclusão A participação em um debate, via de regra, possibilita um maior desenvolvimento argumentativo entre participantes, em várias situações comunicativas. Entenda-se aqui debate como um gênero textual da modalidade oral. Tal experiência em sala de aula, normalmente, tende a ser bem-sucedida. Entretanto, na modalidade escrita, os entraves para expor uma argumentação são comuns, e a participação do aluno sempre ocorre de forma tímida, limitada. Percebeuse, no entanto, com os fragmentos do E-fórum de discussão do Facebook um movimento argumentativo diferente dessa constatação. A modalidade escrita não serviu de bloqueio do pensamento, ainda que em um ambiente monitorado e visualizado por diversos participantes. Mesmo que esse artigo não tenha apresentado análises comprobatórias mais amplas, ou mesmo uma análise de textos escolares sobre os mesmo temas, tendo em vista os limites desse espaço de divulgação, ficou perceptível o nível de argumentação que se apresentou no ambiente virtual, especificamente no gênero digital E-fórum de discussão. É possível reconhecer com esses dados que, se um aluno tem estado em contato com esse instrumento de argumentação de forma frequente, haverá a possibilidade de uma “memória argumentativa” se instalar, gerando uma transferência de capacidade discursiva para os demais textos que ele possivelmente escreverá em ambientes não virtuais, especificamente, em produções de caráter escolar. Referências ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. 181p. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. 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Para análise, elencamos algumas categorias que nos permitiram verificar e descrever o grau de proficiência desses sujeitos: a) a habilidade para reconhecer e operar com gêneros hipermodais; b) a capacidade para localizar e avaliar criticamente informação disponibilizada eletronicamente; c) adequação da produção escrita às diversas seções que compõe a revista eletrônica; d) domínio e uso de softwares para fins específicos. Para realização da pesquisa utilizamos o método etnográfico de coleta de dados juntamente com a técnica do observador participante. Deste modo pudemos analisar e descrever todas as etapas do desenvolvimento da revista, desde as reuniões preliminares em um grupo no Facebook, até as interações presenciais para decidir o conteúdo que iria compor o primeiro número. Como aporte teórico para analisar os diversos gêneros que foram produzidos e que se encontram na revista digital, utilizamos a teoria dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1997). Para trabalharmos a questão do suporte dos gêneros da esfera digital, utilizamos as hipóteses de Souza (2010) no que diz respeito a definição de software e interface de software. As análises nos permite dizer que os sujeitos envolvidos possuem um grau de competência genérica desejável, o que os possibilitam produzir e interagir com gêneros variados em suporte digital. Palavras-chave: Gênero digital, Suporte digital, Revista eletrônica. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino A REVISTA ELETRÔNICA EM SALA DE AULA: UM SUPORTE PARA GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESFERA DIGITAL Aguinaldo Gomes de Souza (HIPERGED-UFC/ETE-PE) Introdução O trabalho com gêneros discursivos em ambiente escolar, não é novo. Desde que o MEC, ainda na década de 90 do século passado, instituiu os parâmetros curriculares nacionais, que o ensino de língua portuguesa nas escolas do Brasil, de uma forma ou de outra, elege o gênero do discurso como elemento norteador do ensino de línguas em todos os seus aspectos. Entretanto, o ensino da língua em uma perspectiva textual-discursiva não é tão homogêneo, em outras palavras, não é possível estabelecer uma metodologia que abarque toda a multiplicidade e especificidade dos gêneros existentes. Algumas contribuições a respeito do ensino de línguas tendo por base os gêneros discursivos, podem ser achadas nos trabalhos de Dolz e Schneuwly (2004); Bronckart (1994); Bazerman (2006) entre outros. Entretanto, não está no escopo deste trabalho elaborar um manual semelhante ao que foi preconizado pela escola genebrina. Nos limitamos a observar e descrever como sujeitos situados em dado contexto sócio-histórico, utilizam a linguagem para produzir e interagir com os mais diversos gêneros discursivos em suporte digital. Assim, para construção da pesquisa optamos pelo método etnográfico com a técnica do observador participante. Segundo Angrosino (2008) o método etnográfico se difere de outros modos de fazer pesquisa pelos seguintes critérios: a) ele é baseado na pesquisa de campo; b) é face a face, 3117 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais ou seja, personalizado. Nele o pesquisador pode tanto ser participante quanto observador das vidas em estudo; é multifatorial, ou seja, pode ser aplicado em conjunto com outra técnica de coleta de dados; d) é feita por pesquisadores que pretendem interagir por um longo prazo com os sujeitos da pesquisa; e) trata-se de um método indutivo; f) tem por premissa tentar revelar o retrato mais completo possível do grupo em estudo; g) é dialógico, as conclusões e interpretações dos pesquisadores podem ser discutidas com os informantes na medida em que elas vão se formando. Ao optarmos pelo método etnográfico precisávamos de uma técnica para coleta de dados, nesse sentido optamos pela técnica do observador participante que é, como mostra Angrosino(2008, p.76) “um processo de aprendizagem por exposição ou por envolvimento nas atividades cotidianas e rotineiras de quem participa do cenário da pesquisa”. Para construção da pesquisa acompanhamos um grupo de 20 (vinte) estudantes e um professor que resolveram trabalhar produção textual tendo por ferramenta uma revista eletrônica nas aulas de língua portuguesa. Ao iniciar a pesquisa nos inserimos em um grupo que foi criado por esses sujeitos na rede social Facebook, o qual tinha por objetivo ser uma redação on-line da revista. Nessa redação eram definidas as pautas e as funções que cada participante iria ocupar durante cada número da revista. conforme podemos verificar na figura 01 Figura 01 3118 Aguinaldo Gomes de Souza As reuniões de pautas que aconteciam no grupo da rede facebook eram em sua maioria acompanhadas por reuniões presenciais, em uma dessas reuniões ficou decidido que a revista ganharia um formato específico na rede internet, ou seja, iria ser criado um site para ancorar a revista. Este tipo de trabalho exigiu dos participantes uma série de habilidades, conforme Warschauer (2000) apud Araújo;Lima (2011, p.03), tais habilidades poderiam ser assim descritas: a) habilidade de comunicação (diz respeito a habilidade que o indivíduo tem de contatar outros indivíduos para selecionar a tecnologia adequada aos propósitos comunicativos; b) habilidade de construção (diz respeito a capacidade de criar e administrar páginas e sites da web e suas tecnologias de manipulação hipertextual) e c) habilidade de pesquisa (capacidade de localizar, organizar e fazer uso das informações presentes na web, citando e dando créditos às fontes). Uma vez definido os sujeitos que iriam trabalhar no aspecto visual da revista, ficou acordado que cada um, após a criação da revista, receberia uma senha para administrar o site. A revista foi criada em uma plataforma chamada de Wordpress. Conforme podemos verificar na figura 02, abaixo Figura 02 3119 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Da estrutura da revista e suas divisões entre os membros Desde que Bakhtin ([1953] 2000, p. 109) introduziu a premissa de que a verdadeira substância da língua “não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica e isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações”, que o ensino e o estudo da linguagem dentro de uma perspectiva da interação na linguagem é “essencial para entender não apenas o funcionamento da linguagem, mas também o surgimento da própria subjetividade”, conforme apontou Faraco, (2009). Desse modo, ao estruturar uma revista eletrônica onde os estudantes pudessem interagir através dos mais variados gêneros, buscava-se práticas de produção textual na qual a linguagem em funcionamento fosse o elo motor. Nesse ponto específico, criar uma situação de interação real, confere aos eventos comunicativos em sala de aula a oportunidade de se vincular às práticas sociais recorrentes que se situam fora da escola. Assim, durante as reuniões de pauta, o grupo dividiu os cargos e funções a partir das aptidões de cada membro. Desse modo, a revista era composta por: gerentes de conteúdo, jornalistas, revisores, fotógrafos e equipe técnica. Trata-se de um simulacro de uma redação real. Dentro da redação, cada um dos membros era responsável por uma seção da revista, entretanto, as funções não eram fixas, um fotógrafo poderia ser um jornalista, um jornalista ser parte da equipe técnica e assim por diante. Os textos da esfera jornalística são “uma fonte primária de valores, tornandose então instrumento importante para o leitor se situar e se inserir na vida social e profissional” (FARIA, 2003, p.11). O trabalho com uma revista em sala de aula é muito mais que uma atividade de produção de textos, de gêneros, é a oportunidade que o sujeito tem de se instaurar como sujeito da/na linguagem. Nesse sentido, o trabalho realizado tirou os estudantes e suas práticas de escrita, dos limites da escola. Por meio da linguagem emergem relações simultâneas e consecutivas, trata-se de levar o estudante, enquanto sujeito produtor de textos, à heterogeneidade, tensões e contradições que de uma forma ou de outra estão presentes no ato de escrever. Pois quando o estudante se dispõe a produzir um texto fora das quatro paredes da sala de aula, sua voz ecoa e as atitudes responsivas retumbam em sua escrita 3120 Aguinaldo Gomes de Souza uma vez que ele escreve não apenas para um professor, mas para um auditório mais amplo. Assim, nenhum texto, nenhum gênero produzido por esses estudantes, fica confinado nos limites de um único ambiente, eles ganham voz(es), uma vez que ao ir para a rede internet fazem agora parte de uma tessitura textual mais ampla. Desse ponto de vista, as questões relacionadas a categorias como autor/autoria emergem com mais força, dai a importância da divisão do trabalho quando é proposta uma atividade como esta. Ao assinar uma reportagem, uma crítica, um editorial o sujeito se posiciona no mundo, a ideia nuclear é bastante simples: o uso significativo da língua só existe dentro das inter-relações pessoais e sociais situadas. Os gêneros que circulam na revista eletrônica Em uma revista circulam vários gêneros, sabendo disso, para análise, escolhemos um gênero produzido pelos estudantes, um artigo de opinião. Trata-se de um gênero que circula na esfera jornalística e possui, como sabemos, características próprias. A análise aqui proposta não diz respeito apenas as questões relacionadas ao gênero em si (sua estrutura, seu domínio de circulação, sua função etc) mas, mais diz respeito também a essas questões. Ao analisarmos a produção, levamos em conta que todo gênero se situa em alguma situação cotidiana. A referência nova aqui diz respeito ao fato de que ao utilizar um gênero digital, ao produzir um gênero na esfera digital, o sujeito está operando com níveis de letramento que se situam nessa esfera da atividade humana. No que concerne à ação do sujeito, Orlikowski (2000) citado por Arujo;Diebe (2014, p.44) pondera que este, “ao fazer uso da tecnologia, tanto pode reforçar como alterar estruturas institucionalizadas, em consonância com as regras e pressupostos estabelecidos no contexto dessas estruturas, como também fazer usos diferentes daqueles que ali são considerados como legítimos e aceitos”. E isto se deve, acreditamos, ao fato de que ao produzir gêneros em ambiente digital, ao produzir linguagem, o estudante está levando a escola para fora da escola, já que a internet não tem muros, nas palavra de Araújo;Diebe (2014, p.08) os agentes são igualmente atores e sujeitos, podemos considerar a agência humana como sendo também a ação de um ser singular, exemplar único da espécie humana, que constrói uma história, interpretando o 3121 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais mundo e a ele atribuindo um sentido, do mesmo modo que significa a posição que ocupa nesse mundo, as suas relações com os outros, a sua própria história e a sua individualidade. É assim que os temas e as temáticas tratadas dentro da revista ganham contornos variados, não há a necessidade intima de relacionar o que se produz dentro da revista com o cotidiano da sala de aula. Em uma escrita significativa os temas propostos são livres e os sujeitos produtores de textos são os agentes deste movimento. Veja por exemplo a figura 03, nela a estudante produz um gênero chamado de artigo de opinião e disserta sobre o consumismo. É notável como relata fatos da vida cotidiana (o ato de consumir) de forma crítica e ponderada, a retomadas dentro do texto a progressão temática, a estrutura, a tipologia discursiva leva o texto produzido em sala de aula para bem próximo do gênero artigo de opinião. Isto mostra que, conforme Marcuschi (2008), a aula de língua materna é um tipo de ação que transcende o aspecto meramente interno ao sistema da língua e vai além da atividade comunicativa e informacional, uma vez que os sujeitos de linguagem estão imersos em práticas sociais mais amplas que o contorno imediato (a escola). O mais importante neste ponto é não normatizar a produção de textos em determinados gêneros, o que se verificou foram apenas sugestões de como tratar o texto, por exemplo, alguns estudantes demonstravam desconforto em relação ao consumismo irracional (na época da produção do artigo de opinião uma famosa companhia de telefone havia lançado três modelos de smartphones em um único semestre), diante deste desconforto coube ao professor indagar através de categorias1 qual gênero se prestaria para emitir uma opinião. A preocupação não é trabalhar um gênero em si, mas encontrar o gênero que sirva aos propósitos elencados pelo sujeito. Trata-se, neste caso, de nas aulas de produção textual, situar a linguagem humana como uma forma de ação social e cultural. 1. neste caso partiu-se da pergunta: qual tipologia serve para argumentar? para emitir uma opinião? Que gênero receberia melhor essa tipologia? 3122 Aguinaldo Gomes de Souza Figura 03 Uma das particularidades do trabalho com textos e gêneros em situações reais de uso é o envolvimento do estudante com o fazer, o texto não é mais escrito para o professor avaliar. Ele é escrito para ser lido por uma comunidade maior. Ele também não é escrito apenas para ser publicado, ele é escrito e reescrito quantas vezes forem necessárias e é corrigido por pares. Trata-se de um trabalho linguístico pautado pela interação em que a língua é vista como um fenômeno heterogêneo que se manifesta de diferentes formas: variável, histórico e social. Fruto de práticas sociais e históricas. Ainda neste ponto, o trabalho com a língua dentro dessa perspectiva, achase submetido a condições de produção, portanto, heterogeneidade e indeterminação acham-se na base da concepção de língua aqui pressuposta. Cf. obs. a respeito em Marcuschi (2008). Mas, antes do artigo de opinião ser publicado no site da revista ele foi fruto de várias intervenções (de jornalistas, de editores, de revisores) na redação virtual. A atividade de escrita, nesse sentido, deixa de ser individual e passa a ser coletiva (embora apenas um assine o texto), conforme podemos ver na figura 04. 3123 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais As intervenções encontradas na redação da revista, intervenções relacionadas com as publicações dos gêneros, estão correlacionadas com a competência elencada por Shetzer e Warschauer (2000) que trata da habilidade de comunicação (diz respeito a habilidade que o individuo tem de contatar outros indivíduos para selecionar a tecnologia adequada aos propósitos comunicativos. Há nesta pré-etapa do desenvolvimento da matéria que irá para a revista, um processo geralmente ignorado nas produções de textos nas escolas, trata-se do acento apreciativo sobre as palavras do outro, o que via de regra faz com que o trabalho com o texto seja sempre dialógico. A palavra, como apontou Bakhtin/ Volochínov, (1995, p.112), dirige-se sempre a um interlocutor: ela é função da natureza desse interlocutor [...] O mundo interior e as reflexões de cada indivíduo têm um auditório social próprio, bem determinado, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações. Figura 04 3124 Aguinaldo Gomes de Souza É importante notar que essas intervenções no texto do outro, as reescritas dos textos, são executadas no grupo em que funciona a redação da revista. Este grupo está ancorado em uma rede social, em um software, e as funcionalidades deste software permitem a interação necessária ao desenvolvimento do trabalho. Nesta etapa, percebemos que há neste caso o domínio e uso de softwares para fins específicos. Essas observações nos faz inferir que o software é o elemento responsável por uma enorme variedade de interações que são realizadas entre sujeitos/língua(gem) e o domínio do software para fins específicos permite a este sujeito de linguagem caminhar por entre camadas de informações, estabelecer relações, interagir com outros sujeitos, como podemos observar na figura 05. Figura 05 Elemento comum a todos os que participavam do projeto ‘revista eletrônica’ é o domínio em maior ou menor grau de softwares variados. Desde os sujeitos responsáveis pela diagramação da página web até os editores e repórteres, em maior ou menor grau, possuíam um domínio das ferramentas digitais. Trata-se 3125 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais então de sujeitos que possuem algum grau de letramento digital, este entendido com Kress (2010) como algo que além das habilidades como a leitura e escrita preconizada nas escolas, mas como uma prática social, ou como assinalou Gillen e Barton (2010, p. 4): os letramentos digitais são “as práticas em constante mudança por meio das quais as pessoas produzem sentidos identificáveis usando tecnologias digitais”. Então, saber operar um computador, saber utilizar um software para fins específicos é em análise fazer usos de letramentos que os possibilitem interagir com textos e gêneros em ambiente digital. Aspectos teóricos: das características do suporte “revista eletrônica” Fator determinante aqui é saber que, sem a existência dos softwares, os gêneros digitais não existiriam. Trata-se de um suporte que possui características singulares e que de igual modo exerce grande influência nos gêneros que suporta. Entretanto, antes de iniciarmos as considerações a respeito do suporte dos gêneros digitais, é imperioso dizer que a discussão, na academia, a respeito do que é gênero e do que é suporte na esfera digital, ainda não está apaziguada. A posição que assumimos ao analisar as interações em software é a de que o software é o suporte da escrita. A posição assumida, nesse caso, não aconteceu a olho nu e sim com base em uma série de conjecturas que verificamos ao longo de outros estudos (SOUZA, 2010; SOUZA 2012; SOUZA 2008). De igual modo faz-se necessário apontar que dentro das elucubrações teóricas a respeito do objeto ‘suporte da escrita digital’, há quem considere a tela do computador como suporte, é o caso por exemplo de (Xavier (2002); Távora (2008). A nosso ver, o importante neste caso é a discussão que o tema propõe, uma vez que, conforme Marcushi (2003), “todo gênero tem um suporte, mas a distinção entre ambos nem sempre é simples e a identificação do suporte exige cuidado”. Desse modo, antes de prosseguirmos, faz-se necessário atentar para duas questões basilares quando estamos analisando os suportes em ambiente digital: (a) os gêneros quando se fixam em suportes que estão em ambiente digital sofrem destes grandes influências a ponto de serem identificados na relação que mantêm com eles. São características correlacionadas à própria natureza do suporte, como a hipertextualidade e a hipermodalidade; (b) quando o gênero está 3126 Aguinaldo Gomes de Souza ancorado em um suporte que pertence ao ambiente digital, há necessariamente uma relação direta entre o formato especifico do gênero e a interação que ocorre de maneira natural com o usuário da língua. Num certo sentido, essa interação entre o sujeito com o suporte e com o gênero digital se imbricam a ponto do gênero e do suporte serem identificados como um só. Fazendo um correlato com a língua, seria um caso de homonímia que se manifesta tanto na origem quanto na função. Podemos dizer que, em relação a (a) trata-se de um caso de função do gênero, o que nos permite indagar sobre as possíveis interferências do suporte na função. Ainda em (a) podemos nos indagar a respeito de como estas interferências que dizem respeito ao formato do suporte permite o desenvolvimento dos processos de textualização. Em (b) temos um caso típico de metonímia2, isto se deve em parte a própria natureza do suporte que dificulta a fronteira entre o gênero e ele. Ou seja, se em um determinado gênero que está ancorado na esfera digital, eu posso interagir mantendo uma relação direta com ele, como por exemplo, posso acessar links e ter mais informações, posso interagir com outras pessoas etc. O suporte que o suporta também me permite isto. Mas se existe tanta proximidade entre o gênero e o suporte dentro da esfera digital, o que vai permitir diferenciar um de outro? Seguramente, a distinção entre um e outro se dará em um nível mais interno, é preciso então voltar os olhos para a natureza do suporte digital. Este movimento de retomada nos leva a verificar, com Souza (2010)3, que o software é um suporte atípico, pois quando da sua criação por um sujeito historicamente situado, foram deixadas nele formas marcadas e não marcadas da presença de seus criadores. Admitir que a revista eletrônica é um suporte digital é dizer, por conseguinte, que os textos, hipertextos, gêneros, sons e vídeos estão materializados em softwares. É admitir que ao interagir com um suporte digital estamos a todo 2. A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido. Utilizamos este termo aqui para dizer que ao interagir com o suporte digital o sujeito por vezes não consegue diferenciar o que é suporte do que é gênero uma vez que as propriedades (hipertextuais) do suporte e do gênero se imbricam. 3. Comungamos com o autor a ideia de que o software é o suporte dos gêneros em ambiente digital, é no software que mantemos relação direta com a escrita, por conseguinte, com os gêneros. 3127 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais momento interagindo também com as formas marcadas e não marcadas da presença de outrem. Essa arquitetura geral, essa forma arquitetônica, permite-nos manter relações direta com a escrita, com os gêneros. Permite o aparecimento dos hipertextos e das hipermídias. Neste trabalho, não tratamos de fazer uma classificação de suporte, mas de analisar como ele contribui para seleção de gêneros e sua forma de apresentação. Como dissemos, na esfera digital há uma proximidade entre o gênero e o suporte de tal modo que um é identificado na relação com o outro. Veja o exemplo abaixo (figura 06), nele podemos verificar uma revista que está ancorada na rede internet através de um navegador web. No primeiro momento, sem uma categorização minuciosa, é quase impossível perceber que dentro desse navegador há um outro objeto, um software que deu origem a revista. Figura 06 Mais difícil ainda, olhando a olho nu, é perceber que entre o software que ancora a revista eletrônica e a revista eletrônica, há uma relação funcional. Ou seja, temos aí representado uma sobreposição de suportes, mas nessa relação não há antagonismo. Eles não se excluem, ao contrário, se incluem numa relação de tal ordem que a existência de um seria nula sem o outro. Trata-se de um 3128 Aguinaldo Gomes de Souza suporte que possui a potência necessária para transformar o que não vemos (o código que programa o software, a linguagem de máquina), em matéria. A forma que o software adquire e que permite a ancoragem dos gêneros nasce dessa relação entre a potência e a forma. E é dessa relação que a essência (a base hipertextual) faz o software adquirir funcionalidades. Aqui é necessário fazer um adendo, na medida em que ao falarmos da essência do software, estamos, em via de regra, falando dos atributos que permitem ao software ser o que é, e ao mesmo tempo, se diferenciar dos outros suportes. Quando dizemos que o software possui uma essência que lhe confere atributos, estamos dizendo propriamente que se lhe faltasse esse dado ele não seria o que é. E por conseguinte a relação entre ele e o gênero que ele suporta, não seria o que é. Então, a substância do software não é um mero adereço mas é o que o faz devir a ser, suporte. Isto tudo nos faz pensar na natureza do software e como essa natureza interfere nos usos que fazemos dos softwares e dos gêneros que estão ancorados em softwares. Note que os gêneros com os quais estamos interagindo no ambiente digital, não são o fim-único da existência do software. São, em ultima análise, uma das a causas da existência dos softwares4. É importante atentar também para o fato de que muitas das características dos gêneros digitais (por exemplo, a hipertextualidade, a hipermodalidade etc) nascem do suporte digital, então saber operar com um software é fator determinante para o sucesso das interações com os gêneros digitais. A concepção de língua e gênero utilizada no trabalho com os estudantes Um dos problemas do ensino de línguas é o tratamento inadequado que o texto vem recebendo, como muito bem lembrou Marcuschi (2008, p.52), introduzir o texto em ambiente escolar sem mudar as formas de acesso, sem mudar as categorias que irão ser trabalhadas ou as propostas de análise, parece não render muitos dividendos. Ligado a estes aspectos está a concepção de língua adotada 4. veja por exemplo o artigo de Souza (2010b) “Como um software é fabricado: um olhar ergolinguístico”, publicado pela revista Eutomia da Universidade Federal de Pernambuco, onde verificamos que os sujeitos desenvolvedores de software utilizam diversos gêneros (orais e escritos) antes de fabricar um software. 3129 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais pelo profissional, a razão é extremamente simples: a depender da perspectiva, da concepção de língua internalizada pelo professor, o trato dos textos e dos gêneros podem ganhar orientações diversas. Na incursão que fizemos, verificamos que o mentor do projeto aparentava ter internalizado em si uma concepção de ensino que, cf. Fonseca (1984, p.260), “prepara o aluno para a produção ágil dos seus discursos e para a avaliação crítica dos discursos alheios”. Tal concepção de ensino de língua, que está arraigado a uma concepção de língua como um conjunto de práticas sociais e discursivas, leva o estudante a operar com a língua como uma entidade sociointerativa e isto tudo vai acabar refletindo no modo como os sujeitos interagem com gêneros, uma vez que os gêneros discursivos possuem um papel fundamental na interação sociocomunicativa dos falantes da língua pois se ancoram sempre em alguma situação concreta da vida cotidiana, em alguma esfera da comunicação humana. Os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série de decisões para cuja execução ele necessita tomar preferência, nas palavras de Bronckart (1994, p.12): “a primeira das decisões é a eleger o que deve ser feito a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, ele escolherá aquele que lhe parece adequado ao contexto e à intenção comunicativa; e a segunda é a aplicação que poderá acrescentar algo à forma destacada ou recriá-la”. Como sabemos, o estudo dos gêneros discursivos não é novo e a muito eles (os gêneros) vem sendo objetos de ensino/aprendizagem nas aulas de línguas no Brasil. Isto se deve em grande parte a importância fundamental do uso dos gêneros para a interação sociocomunicativa dos indivíduos, ao fato de que é impossível se comunicar verbalmente sem ser por algum gênero, não é por acaso que Bakhtin (1997, p.290) assevera que “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...) A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas (...) cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso”. 3130 Aguinaldo Gomes de Souza A interação sociocomunicativa é sempre guiada por intenções comunicativas que acontecem substancialmente através de textos orais ou escritos, e estas, por sua vez, são condições de possibilidade de produção dos discursos. São nessas condições de produção que os usos sociais vão se constituindo, o que irá determinar o aparecimento de determinados gêneros que darão formas aos textos. Desse modo, os textos se organizam em gêneros e estes por sua vez necessitam de um suporte para poder circular nos mais variados domínios discursivos, conforme Marcuschi “a discussão sobre o suporte nos leva a perceber como se dá a circulação social dos gêneros”. Considerações finais Acreditamos que o ensino orientado numa perspectiva textual-discursiva em que o gênero é instrumento de ensino, não pode se desconectar dos modos de circulação social deste gênero. De igual modo, no fulcro da dinâmica social, os modos de se produzir textos e gêneros bem como a técnica, sofreram alterações significativas. Saber operar com essa nova tecnologia que permite o aparecimento da escrita e por conseguinte dos gêneros, é fundamental para lograr êxito. Se a produção de textos na escola é ainda um desafio para muitos educadores, levar essa produção para espaços análogos ao domínio de circulação real do gênero torna-se por demais importante quando queremos formar escritores e leitores proficientes. De fato, alguns gêneros parecem ter um habitat específico, parece servir melhor para determinados propósitos, mas isso não significa que devamos preconizar qual gênero se presta melhor para o ensino de língua. O que verificamos é que o ensino orientado a partir de uma perspectiva do estudo dos gêneros, na esfera digital, deve levar em consideração o fator sócio-histórico da época em que o sujeito vive e o suporte em que este gênero se ancora. Além disto, é preciso levar as atividades de produção de textos para fora da escola uma vez que produzir textos é parte da nossa vida cotidiana. Entretanto, o que verificamos é que quando tratamos do suporte de gêneros digitais, surge uma outra questão problemática: até este momento os estudos sobre o que é gênero e o que é suporte na esfera digital ainda estão incipientes e isto vai acabar se refletindo no ensino, por vezes o gênero é tratado como suporte e por vezes o suporte é 3131 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tratado como gênero e as funções de um de outro tendem em certo sentido se imbricarem, dai a importância de estudos que sistematizem a questão do suporte e que verifiquem até que ponto o suporte influência o gênero. Como tentativa para produção de textos em situações reais, o que verificamos é que trabalhar dentro de um perspectiva na qual o gênero seja visto como instrumento sócio-histórico, pode trazer algumas vantagens. O trabalho analisado nos leva a inferir que muito mais que preconizar o ensino e o uso de um determinado gênero na escola, se torna mais abrangente, e ao mesmo tempo sistemático, deixar que os educandos escolham os gêneros em função do propósito comunicativo de suas produções. Assim, a atividade proposta parte do uso e das escolhas linguísticas para a sistematização do gênero, trata-se como verificamos de uma concepção de ensino de língua muito próxima daquilo que Bronckart, (1991) e Schneuwly, (1991) chamaram de „didática da diversificação“ . Ao mesmo tempo, permitir que os educandos assumam uma atitude de autoria (no sentido lato desta palavra) permite resignificar essa escrita. Neste quesito, vale ressaltar que o professor ao direcionar a atividade parte do princípio de que ele é apenas um co-paticipante do processo de aprender. Nas palavras de Marcuschi (2008, p.13) „a sala de aula constitui um grande laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato individual, mas uma ação colaborativa“. Referências ANGROSINO, M.; FLICK U. (Coord.). Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2008. Araújo, J.C; Dieb, Messias. Tecnologia digital e agência: Ressignificando A Tarefa Da Escrita Escolar. Revista da Anpoll nº 37, p. 37-55, Florianópolis, Jul./Dez. 2014 BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Os gêneros do discurso. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997 BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV, V.N.). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1995. [1929] [ Links ] BRONCKART. 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Assim, a acessibilidade digital, através dessas ferramentas apresenta recursos linguísticos dinâmicos para efetivar uma proposta de ensino da Língua Portuguesa escrita de uma comunidade ouvinte, aplicada a sujeitos que a desconhecem na oralidade; ou seja, desconhecem o contexto sociocultural dessa língua, pois apesar de terem nascido no Brasil, não são usuários efetivos desse idioma. É preciso que a escola perceba que há necessidade de desenvolver um ensino pautado no bilinguismo. Uma vez que essa língua é, e deve ser trabalhada, como segunda língua para o aluno surdo. Desse modo, este artigo mostrará a relevância do uso das TICs no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos, visto que essas exploram muito o aspecto espaço-visual. Com isso, o aluno surdo se percebe próximo do usuário efetivo da Língua Portuguesa e inserto nesse contexto linguístico social. Contexto esse que promove a interação para a construção da identidade cognitiva e sociocultural. Palavras-chave: Português escrito, Alunos surdos, Uso das TICs. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino AS TICs COMO AUXÍLIO LINGUÍSTICO NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA PARA ALUNOS SURDOS Antônia Aparecida Barros Alencar Correia1 [email protected] Introdução O ensino de Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para alunos surdos em escolas regulares, tem se apresentado como uma proposta viável de inclusão social e vem ganhando destaque no Brasil e no mundo nas últimas décadas. Assim, para a consolidação dessa proposta, recorre-se a algumas das ferramentas oferecidas pela Tecnologia de Informação e Comunicação, como auxílio linguístico no ensino e na aprendizagem da Língua Portuguesa escrita, como segunda língua, para alunos surdos. Essas ferramentas exploram o aspecto espaço-visual e apresentam uma estrutura textual próxima da estrutura textual produzida por alunos surdos que se sentem inseridos no contexto linguístico social da comunidade virtual e tornam-se capazes e motivados a interagirem. A acessibilidade digital, através das ferramentas da Tecnologia de Informação e Comunicação (doravante: TIC), apresenta recursos linguísticos dinâmicos para efetivar uma proposta de ensino da Língua Portuguesa (a partir de agora: LP), 1. Graduada em Letras – Português – Inglês pela Faculdade de Formação de Professores de Araripina – FAFOPA, Especialista em Ensino de Língua Portuguesa, pela Faculdade de Formação de Professores de Petrolina – FFPP, Mestra em Educação pela Universidad de La Empresa – UDE, Doutoranda em Educação pela Universidad de Integración de lasAmericas – UNIDA. Professora de Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro. 3135 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais escrita de uma comunidade ouvinte, aplicada a sujeitos que a desconhecem na oralidade; ou seja, desconhecem o contexto sociocultural dessa língua, pois apesar de terem nascido no Brasil, não são usuários efetivos desse idioma. É preciso que a escola perceba que há necessidade de desenvolver um ensino pautado no bilinguismo. Pois essa língua é, e deve ser trabalhada, como segunda língua para o aluno surdo. Através de muitas das ferramentas das TICs, busca-se elaborar uma forma prática de letramento que possibilite ao aluno surdo um entendimento maior da construção de textos escritos que circulam socialmente, de forma que ele possa se apropriar da escrita do Português e usufruí-la em seu cotidiano. Isso se efetivará com muita leitura e troca de experiências entre colegas que vivenciam a mesma realidade: surdos ou ouvintes. Da mesma forma que a educação em geral apresenta problemas, a educação para surdos, também apresenta os seus desafios. Há vários questionamentos sobre o que ensinar aos alunos surdos: ensinar o domínio da oralidade? Ensinar o domínio da Língua de Sinais? Melhor será se a escola perceber esse aluno como um estrangeiro e consolidar esse tão sonhado ensino pautado no bilinguismo, levando em consideração como língua materna, a Língua Brasileira de Sinais (de agora em diante: LIBRAS). Respaldados nesse prisma, buscar-se-á promover para esse aluno a construção do conhecimento, da independência e da interação social. Com essa concepção, haverá um novo olhar para o texto escrito de aluno surdo na LP. Compreensão exigida, visto que a escrita desse sujeito difere, e muito, da escrita de um ouvinte, ou seja, do usuário efetivo desse código linguístico. A aproximação da escrita de um surdo a de um ouvinte reflete o nível de conhecimento que aquele possui do mundo deste. Ou ainda mais relevante: reflete à qual processo de alfabetização esse aluno foi submetido e qual nível de letramento apresenta. Para a pesquisadora Silva (2001, p.45), “... um dos maiores problemas da educação dos surdos é como é concebida a linguagem pelos professores e como são apresentadas as atividades de leitura e escrita, grande responsável pelas dificuldades desses indivíduos.” Muitos profissionais se esquecem de que para o aluno surdo a LP é uma língua estrangeira e esperam que, por nascerem no Brasil, sejam detentores de conhecimentos peculiares desse idioma. Erroneamente, esses profissionais acreditam que a escrita é a transposição da fala. Muitos alunos ouvintes apresentam dificuldades na escrita da língua, o que não é fator determinante de 3136 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia apresentarem dificuldades na oralidade, que dirá o aluno surdo que não conhece esse código em nenhum aspecto. Isso só ratifica o que Silva defende: A escrita não é a transposição da fala, e o fato de as crianças (ouvintes) terem dificuldades na produção de textos escritos não significa que apresentem dificuldades na língua oral. A linguagem escrita tem suas próprias regras e os recursos da linguagem necessitam ser revistos para garantir seu desenvolvimento (2001, p. 46). Assim sendo, buscar-se-á em algumas das ferramentas das TICs, recursos necessários para o desenvolvimento linguístico eficaz desses alunos que, muitas vezes, ainda enfrentam a não aceitação da condição de surdo por parte dos próprios familiares. Isso faz com que os levem a conflitos identitários e a uma baixa autoestima. Como afirma Silva (2001, p.48) “Os problemas dos surdos com a aquisição da escrita estão mais relacionados à aquisição e ao desenvolvimento de uma língua efetiva que lhes permita uma identidade sociocultural, ou seja, estar insertos no contexto social; só assim poderão entender as diferenças existentes entre sua própria língua e as outras.” Para isso, faz-se necessário um trabalho consciente de culturas diferentes, de idiomas diferentes. Nem melhor, nem pior; simplesmente, diferentes. As pessoas surdas, como minoria linguística, são estrangeiras em seu próprio país e, encontram dificuldades não só no âmbito escolar, ao serem prejudicadas por não terem acesso à educação na sua própria língua, uma vez que poucas instituições oferecem profissionais capacitados na língua de sinais, educadores surdos, professores intérpretes e guia-intérprete; como também no social, no que se refere a sua comunicação. A maioria não tem acesso à informação, pois é a LP, língua dos ouvintes, utilizada para tais fins. Urge que a escola hodierna, precisa se adequar ao ensino bilíngue, a uma convivência de, pelo menos, duas comunidades linguísticas dividindo o mesmo espaço físico; uma vez que é um dado real: alunos surdos fazendo parte do corpo discente das escolas regulares. 3137 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Um pouco de história da trajetória do surdo na educação Cada vez é maior o número de estudantes surdos que ingressam nas escolas de ensino regular no Brasil. Esse ingresso se dá como resultado das políticas públicas de inclusão social, que mostram a crescente inserção de surdos no ensino superior. Consoante dados do Ministério da Educação do Brasil, em 2003, havia apenas 665 surdos frequentando cursos superiores. Em 2005, esse número aumentou para 2.428, abrangendo instituições públicas e privadas (Brasil, 2006). E em 2014, houve um aumento expressivo desses sujeitos no contexto escolar superior, resultante de múltiplos fatores, dentre eles: o reconhecimento e status de LIBRAS como idioma; propostas de bilinguismo para o ensino de surdos; políticas públicas de inclusão efetiva, resultantes na maior participação de pessoas com necessidades especiais em setores de diversos contextos sociais. É esse panorama que se delineia. E, para melhor entendermos, façamos uma retrospectiva da trajetória do sujeito surdo na educação. Até o século XV, nas palavras de Lima (2004) apud Costa (2010, p. 21), “o mundo não encarava o sujeito surdo como um ser capaz”; portanto não havia nenhum segmento educacional que se preocupasse com esse perfil de aluno. Sendo então, somente no Séc. XVI, que se veio a considerar esse sujeito como apto à linguagem, a pensar, a se expressar; enfim, deixou de ser considerado um ser incapaz, inumano, para ser visto pela primeira vez como sujeito surdo humano. “O primeiro a declarar o surdo como capaz de pensar e de ser ensinado foi Girolamo Cardoso, em 1579. [...] O sucesso de seu empreendimento foi devido à sua percepção de dar ao surdo a possibilidade de elaboração de conceitos”. (COSTA, 2010, p. 22). Nesse mesmo período, outro estudioso, considerado como o primeiro professor de surdos da História, um monge Beneditino, na Espanha, Pedro Ponce de Leon (1520-1584) também enveredou por esse caminho e passou a educar os filhos surdos de nobres, ensinando-os a falar, ler e escrever acerca do Cristianismo. Fazia uso da datilologia (um código criado com base na realidade do ouvinte, que não é natural ao surdo, pois uma criança não alfabetizada não pode compreender a datilologia), e ensinou a escrita e a oralização, fundando assim a escola de professores de surdos. Entretanto, a Linguagem de Sinais não era considerada como língua. Assim, Costa (2010, p.33) nos mostra que “para o surdo, a imagem de sua linguagem lhe 3138 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia concedia uma posição de sujeito não aceito, de sujeito à margem, que não se expressava naturalmente conforme os padrões aceitos”. E para que viesse a ser aceito, recorria-se ao meio convencional, o autorizado, o legal, o permitido: à datilologia. Mesmo percebendo a facilidade com que o surdo fazia uso da língua de sinais, não a considerava, por entendê-la como uma linguagem defeituosa, instintiva, animalesca; comparada, inclusive, a utilizada pelos macacos. A linguagem através dos sinais era vista como incompleta, que não atendia a todos os sentidos, como afirma Costa (2010, p.35): “A linguagem não é completa, não dá conta de todos os sentidos, fala-se de um sentido e ouve-se de outro, e é exatamente neste lugar, da incompletude, da falta, que aparece a possibilidade do deslocamento, do novo, tanto dos sentidos, quanto dos sujeitos”. E com essa possibilidade de deslocamento, de posição, de sentido; através de perenes lutas, a comunidade surda, mesmo em minoria, vem se autoafirmando como comunidade independente e possuidora de linguagem própria. Desse modo, em consonância com as políticas públicas inclusivas, no dia 19 de dezembro de 2000, a linguagem de sinais é, finalmente, legitimada pela Lei 10.098, na esfera da linguagem brasileira de sinais. Seguida, então, da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, que tem como tema a linguagem do surdo e, com nova orientação: a linguagem do surdo não é mais a linguagem de sinais, mas sim, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Evolui-se da percepção do aluno surdo anormal, doente, incapaz; para a percepção de aluno diferente. Passa-se, então, a conceber a surdez como uma característica e, não mais, como uma doença. Característica essa que vem ao encontro do que todos sabem: os seres são diferentes; ninguém é igual. Então, precisa-se adequar a escola pública à legislação brasileira, que estabelece uma escola de qualidade para todos. E para que esses sejam atendidos, é mister que se vá muito além da descrição da legislação para a prática desta; ou seja, há urgência de mudanças na escola para uma inclusão de fato, levando em consideração não mais a deficiência, outrossim, a diferença. O pesquisador Bastos orienta: A instituição escolar, os professores, os gestores e funcionários precisam compreender que passamos por um novo momento no campo educacional em que observamos a incorporação das diferenças no ensino regular, desta forma, é necessário que haja uma reorganização da escola, ou seja, um planejamento para atender às peculiaridades existentes. (BASTOS, 2009, p.12) 3139 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Para SKLIAR (1998), não basta que a escola apenas reconheça a Língua Brasileira de Sinais, é preciso que se torne também local de construção da identidade do aluno surdo. Conforme o estudioso Sá (2002, p.101): [...] as identidades de surdos não se constroem no vazio, formam-se no encontro com os pares e a partir do confronto com novos ambientes discursivos. No encontro com os outros, os surdos começam a narrar-se, e de forma diferente daquela através da qual são narrados por aqueles que não são surdos. No Brasil, a Lei 10.436 dá aos surdos o direito de terem aulas ministradas em LIBRAS, ou pelo menos com a presença de um intérprete, o que ratifica que esse código é a língua materna e parte fundamental da identidade surda. A LP deve ser ensinada, concomitantemente, àquela; contudo como segunda língua, caracterizando assim, mais uma vez a necessidade de um ensino bilíngue para os alunos surdos. O estudioso Skliar (1998) refere-se a essa cultura como de uma minoria linguística, bem representada pela língua de sinais. Argumenta que essa língua não é isolamento, mas direito humano de pertencer a grupos com características diferentes. Ele complementa: “Não me parece possível compreender ou aceitar o conceito de cultura surda senão através de uma leitura multicultural, ou seja, a partir de um olhar de cada cultura em sua própria lógica, em sua própria historicidade, em seus próprios processos de produções.” (SKLIAR, 1998) Embora se tenha buscado ampliar os resultados positivos na educação dos surdos, ainda se percebem evoluções tímidas. Isso é consequência das limitações do ensino aplicadas à comunidade surda, uma vez que não há uma compreensão da língua oral pelos surdos e falta de qualificação profissional. Esses são os principais motivos que tornam o processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo lento. Tudo isso faz com que se reflita e, como profissional da educação, devese estar consciente de que é preciso inovar sempre; inclusive, por se viver em uma sociedade onde cada vez mais as informações independem de uma só fonte. Tem-se hoje, à disposição, muitas ferramentas, dentre essas, as tecnológicas; de relevante papel na disseminação de conhecimentos, numa perspectiva de um ensino cooperativo. 3140 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia A relevância desse ensino é destacada por Brandão que afirma: Hoje, através da internet é possível sair do individualismo e propor um ensino cooperativo, onde a navegação através de links mantenha vivo o espírito da pesquisa científica, com bases em questões problematizadoras, onde professores e alunos possam interpretar e fazer releituras do conhecimento estabelecido e alargar horizontes mediante fórum virtual de discussões (BRANDÃO, 2000, p. 6) É necessário que se faça a integração dos recursos disponíveis à proposta educativa, principalmente em se tratando da realidade do aluno surdo na escola regular em busca da aprendizagem da LP escrita. Pois as TICs são apresentadas como meios para o processo educativo e não como fins. Para isso, faz-se necessário que o professor, como um eterno aprendiz, tenha conhecimento sobre as possibilidades dos recursos que as TICs dispõem e que saiba utilizá-los como ferramentas de aprendizagem. Assim, cônscio dos recursos digitais em sala de aula, buscará uma maior interação com o seu aluno. Desse modo, o aluno surdo motivado e incentivado, ousará em encontrar caminhos para a própria educação, amparado na postura do professor mediador de conhecimentos. A produção textual escrita em LP do aluno surdo É preciso olhar o texto escrito em LP do aluno surdo como um texto de um estrangeiro, tentando compreender as relações de sentidos que eles produzem. A pesquisadora Silva nos mostra: ... é importante perceber, nos textos dos surdos, elementos que permitam reconhecer a textualidade e os sentidos no processo de construção da escrita, pois as dificuldades que o surdo encontra na escrita do português não são da mesma ordem, natural, da Língua Brasileira de Sinais. Cabe ao professor perceber que, apesar de todos os problemas e das dificuldades assinaladas, é possível entender/compreender e reconstruir o sentido dentro dos enunciados dos textos. As dificuldades encontradas na escrita dos surdos, ao contrário de constituir empecilho, pode ser a referência pedagógica para o trabalho com a segunda língua. (SILVA, 2001, p.92) 3141 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Apesar de a Lei 10.436 garantir à comunidade surda um ensino em sua língua materna, a LIBRAS, ou pelo menos, direito a um intérprete; grande maioria das instituições e profissionais não estão aparelhados e/ou preparados para tal desafio. É aqui que entra o papel da Tecnologia de Informação e Conhecimento. O uso das ferramentas de que as tecnologias dispõem podem diminuir o espaço na inclusão que esses itens geram, superando as limitações e, inclusive, auxiliando o processo de qualificação dos profissionais envolvidos no processo. A pesquisadora Marília Silva (2001) ressalta que “a inclusão do aluno surdo não deve ser norteada pela igualdade em relação ao aluno ouvinte, e sim, por suas diferenças sócio-histórico-culturais, às quais o ensino se sustente em fundamentos pedagógicos, políticos, históricos, implícitos nas novas definições e representações sobre a surdez.” Um ambiente propício é imprescindível para que o sistema educativo disponibilize os recursos necessários para consolidar a política pública de educação inclusiva; não apenas de integração, em que o aluno é quem se esforça para se adaptar à escola e não o inverso. Muitas tentativas no ensino de LP escrita para alunos surdos têm fracassado, provavelmente por utilizarem aspectos metodológicos apropriados a ouvintes e, consequentemente, por desconsiderarem as peculiaridades desses sujeitos. Por isso, para que ocorra sucesso nessa modalidade de ensino é imprescindível o bilinguismo, ou seja, o uso concomitante de duas línguas na escola: a LIBRAS, de modalidade espaço-visual (como língua efetiva) e a LP de modalidade oral-auditiva (como segunda língua); que só será possível se o profissional for fluente nos dois idiomas ou, pelo menos, que se tenha a presença de um intérprete para auxiliá-lo na língua materna do aluno surdo: LIBRAS. A escola passa a promover e vivenciar a identidade, a cultura, os hábitos dessas duas comunidades presentes na sua esfera para a construção de sentidos. Essa aprendizagem dos conceitos é debatida por Oliveira (1997, p. 48): “Como os significados são construídos ao longo da história dos grupos humanos, com base nas relações dos homens com o mundo físico e social em que vivem, eles estão em constante transformação.” Para Vygotsky (1989), é por meio da linguagem que o indivíduo ingressa em uma sociedade, que internaliza conhecimento e modos de ação, que organiza e estrutura seu pensamento. Assim, o signo é visto como fruto da necessidade de organização social e se transforma junto com a evolução da sociedade. Como então, 3142 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia o aluno surdo irá ingressar nessa sociedade e internalizar conhecimentos e modos de ação se lhe é negado o direito de interagir com a sua língua? Se é preciso esse sujeito traduzir a língua dele para a Língua Portuguesa? O autor Bakhtin diz que a sociedade, a língua e as interações verbais são as bases para a construção de uma “dialogia”. Essa é o núcleo de formação da consciência humana. O pesquisador adverte que para a consecução desta é preciso que locutor e ouvinte pertençam à mesma comunidade linguística e partilhem de situações sociais em que utilizem o mesmo sistema linguístico. Então, não é suficiente que se tenha a educação do aluno surdo baseada na tradução de Libras para a Língua Portuguesa. Mais uma vez, enfatiza-se a necessidade de a escola assumir a posição bilíngue, em que Libras seja para o aluno surdo a língua materna e, a Língua Portuguesa escrita, seja a segunda língua. Assim, o aluno surdo poderá agir e interagir nos dois códigos linguísticos, pois se sentirá partícipe do processo educativo e conhecedor, de fato, dos sentidos e significados do léxico de ambas as línguas. Vygotsky se refere à relevância da ampliação de vocabulário e de conceitos novos para o desenvolvimento cognitivo: “O novo e significativo uso da palavra, a sua utilização como um meio para a formação de conceitos, é a causa psicológica imediata da transformação radical por que passa o processo intelectual [...].” (1987, p. 51) Os diálogos são considerados de grande relevância na vida do surdo pelo pesquisador Skliar (1998, p. 84): “[...] a qualidade das trocas que se estabelecem em um plano visual-gestual entre pais e filhos, amigos, professores e alunos influencia decisivamente na forma de como as crianças surdas, neste caso, vivem [...].” Esse espaço dialógico faz com que esse aluno se sinta inserido no contexto social. O uso das TICs auxilia o domínio da escrita de língua portuguesa para o aluno surdo? Em busca da operacionalização desse ensino, lançam-se mãos de ferramentas das quais dispõem as TICs. E imersos na funcionalidade cotidiana dessas ferramentas, os alunos da comunidade surda e ouvinte interagem linguística, cognitiva e socioculturalmente, fazendo uso da escrita de LIBRAS e de LP através do uso do computador – e da internet. Para o aluno surdo, as alternativas e possibilidades 3143 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de comunicação se expandem com essas ferramentas. Os surdos utilizam para a construção de sentidos dos seus textos, muito o aspecto espaço-visual e essas tecnologias são extremamente acessíveis visualmente. Silva afirma: É preciso, considerar que, além da Língua de Sinais, o surdo, em nossa sociedade, tem de aprender a língua(gem) na sua forma escrita. A escrita é um meio importante do qual o surdo não pode prescindir, posto que sem ela não terá chance de competição e de comunicação com o mundo ouvinte. Os mecanismos entre as línguas utilizadas pelo surdo acabam gerando peculiaridades nos mecanismos coesivos do texto escrito. (SILVA. 2001, p. 61) Mostrar-se-á, então, em quais aspectos se pode explorar as TICs em busca do empoderamento da escrita de LP pelo aluno surdo, objetivando o letramento. Esses alunos ganharão autonomia, desenvolvendo suas atividades e o aprendizado individualizado, se tornando mais criativos, graças à variedade das ferramentas disponíveis. O contato do aluno com o computador no ambiente educacional contribui na aceleração do desenvolvimento intelectual cognitivo, no raciocínio lógico e na capacidade de solucionar problemas. Aqui, nesse ambiente, os alunos surdos têm uma interação maior e de melhor qualidade com o mundo. Frequentemente, os alunos surdos devem interagir em ambientes predominantemente de ouvintes, já que sua comunidade não se encontra concentrada em um mesmo lugar. Contudo, as TICs têm contribuído para mudar esse quadro, ao possibilitar uma comunicação rápida e visual, individual ou em grupos. Interagir com os amigos através das redes sociais é uma experiência muito apreciada pelos surdos, uma vez que promove contato com sua comunidade, oportunidade menos comum para eles do que é para os ouvintes. O Facebook, WhatsApp, E-mail são alguns dos recursos bastante apreciados e acessados pelos surdos, pois possibilitam o uso, sem grande domínio, da escrita do português em mensagens instantâneas de textos curtos, de fácil compreensão, e de recursos visuais (fotos, vídeos e ícones); critérios imprescindíveis para a leitura dessa comunidade. Para eles, a socialização on-line é impactante, já que, de outra forma, seria limitada a interação com outros surdos à distância. Assim sendo, as ferramentas das TICs são de enorme sucesso entre a comuni- 3144 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia dade surda, pois possibilitam uma aceitação indiscriminada dessa comunidade, em demonstração de interatividade e afetividade. Com essa funcionalidade, as ferramentas das TICs fazem com que a LP escrita deixe de ser um grande obstáculo e passe a ser, também, para o surdo, mesmo com limitações, um meio de interação social; levando-o a perceber-se protagonista dentro dessa comunidade social e assim motivado e desafiado a escrever sua própria história, em sua cultura, com suas discordâncias e anuências. Dessa maneira, as TICs estão inseridas no processo educacional, pois promovem uma aprendizagem individual e coletiva, agregam pessoas com um mesmo interesse e com interesses diversos, favorecem discussões entre pessoas e comunidades de múltiplas culturas; isto é, promovem, efetivamente, a interação social que é o princípio básico de qualquer meio de comunicação. Considerações finais Intencionalmente, este artigo procurou demonstrar algumas das peculiaridades da aprendizagem do aluno surdo, de modo que sejam ponderadas na atuação pedagógica para com essa comunidade. Também buscou apresentar as ferramentas das TICs que podem auxiliar e melhorar no processo de ensino e de aprendizagem; mostrando sua relação com o professor e colegas, e auxiliando a agregar conhecimentos. Como dito anteriormente, apesar de o governo promover políticas públicas inclusivas, de ter reconhecido, através da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, a LIBRAS como a língua oficial da comunidade surda brasileira, a inclusão efetiva do aluno surdo, ainda, acontece de modo insatisfatório. Realiza-se um trabalho mais de junção do que de inclusão propriamente dita; e, na maioria das vezes, é o aluno surdo que se adapta ou finge se adaptar à escola do que a escola oferecer recursos necessários para consolidar a inclusão. A legislação brasileira assegura que a escola regular esteja apta a receber os alunos portadores de necessidades especiais, em foco, os alunos surdos; mas na prática, são poucas as instituições que correspondem à exigência, pois faltam professores preparados para lidar com a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – a língua efetiva do surdo, ou mesmo intérpretes em sala que os auxiliem. O material didático para o aluno surdo é o mesmo utilizado para o aluno ouvinte e, não é adaptado; o português escrito é de difícil compreensão para o surdo não 3145 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais oralizado; os vídeos, na maioria das vezes, são sem legendas. É preciso rever as propostas pedagógicas atuais, como também as metodologias empregadas na educação da comunidade surda, percebendo a real compreensão das necessidades desses alunos e das especificidades de professores para atuarem nesse segmento de educação especial. A verdadeira inclusão e integração da comunidade surda podem e devem ser auxiliadas pelas TICs que surgem como facilitadoras de contato e um modo de trazer para mais perto seres de características similares de uma minoria linguística, dispersada entre a maioria de ouvintes. A comunidade surda apresenta uma relevante aceitação da tecnologia e participa efetivamente em redes socais mostrando que, principalmente, a internet, embora sem trabalhar na prática a acessibilidade, promove muitas formas de comunicação, revolucionando os métodos de interação, e oferecendo diversas maneiras de inclusão e integração do surdo na sociedade em geral. A criação de comunidades virtuais com os mesmos interesses, através das redes sociais, mostra a possibilidade de se utilizar as ferramentas das TICs para finalidade educacional. Em um mundo globalizado, buscar a inclusão é imprescindível e, os ambientes virtuais de aprendizagem são de enorme relevância para tal propósito, uma vez que promovem a interação social entre pessoas surdas, ouvintes e das mais diversas peculiaridades. Mesmo que não apresentem as adaptações específicas, essas TICs vêm desempenhando um excelente papel na interação do surdo, pois o incluem e integram a sua e a outras comunidades virtuais. Desse modo, podemos concluir que deve haver visão e missão voltada para a usabilidade dessas ferramentas por essa comunidade, assim, a verdadeira inclusão e interação social serão promovidas e, não apenas adaptadas. Com todos esses benefícios, ainda se concebe a escrita da Língua Portuguesa como um obstáculo para os surdos. E, percebe-se que o uso das TICs como auxílio linguístico ao ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita é recente e tem muito a ser revelado nesse trilhar da caminhada de educação inclusiva. Urge trilhar essa nova caminhada! 3146 Antônia Aparecida Barros Alencar Correia Referências BRANDÃO, Edemilson. Informática e educação: uma difícil aliança. Passo Fundo: UPF, 1995. BASTOS, M. H. A experiência de uma implementação de um curso de Libras para professores da escola pública. Ribeirão Preto, SP: CUML, 2009.128 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro Universitário Moura Lacerda. BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). Brasília: Centro Gráfico, 1996. ______. Decreto Nº 5626/2006. Regulamenta a Lei 10.436/222 que oficializa a Língua Brasileira de Sinais – Libras. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação Especial. 1998. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 6ª Ed., São Paulo: Hucitec, 1992. COSTA, J. P. B. A Educação do surdo ontem e hoje: posição sujeito e identidade. Campinas- SP: Mercado das Letras, 2010. FREIRE, Paulo. 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Conforme Litto (2010, p.45), 84.7% das instituições brasileiras que oferecem aprendizagem a distância utilizam a mídia impressa. A elaboração de materiais didáticos impressos que funcionem como instrumentos para apoiar os processos de ensino-aprendizagem revela-se como um dos grandes desafios para os professores que atuam na educação a distância. Quase sempre acostumados à escrita de gêneros textuais acadêmicos (teses, projetos, relatórios), os quais priorizam uma linguagem de cunho científico, os docentes do ensino superior deparam-se com o desafio de elaborar materiais didáticos dialógicos, explorando as características do gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2009). O presente artigo revela uma pesquisa qualitativa realizada com professores autores envolvidos com a escrita de materiais didáticos impressos elaborados para cursos de graduação na modalidade a distância da UFRPE/Universidade Federal Rural de Pernambuco, no âmbito do Programa UAB/Universidade Aberta do Brasil. Os professores autores apresentam dificuldades na elaboração de materiais didáticos para a educação a distância, descrevendo também algumas referências aos desafios inerentes nesse processo de escrita. A produção de material didático para a educação a distância constitui elemento importante no desenvolvimento da noção de autoria docente, considerando reflexões sobre o gênero discursivo mediacional e a abordagem dialógica na escrita textual. Palavras-chave: Materiais didáticos, Educação a distância, Letramento docente. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino ELABORAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS IMPRESSOS PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: O QUE DIZEM OS PROFESSORES AUTORES? Ivanda Maria Martins Silva (UFRPE/UAEADTec) Introdução A elaboração de materiais didáticos interativos revela-se como um dos grandes desafios para os professores que atuam no contexto dinâmico da Educação a Distância (EaD). Os docentes começam a assumir outros papéis, como, por exemplo, a autoria de materiais didáticos para diferentes suportes tecnológicos. Assim, escrever materiais impressos, elaborar guias de estudo, gravar videoaulas, participar de videoconferências e webconferências, criar roteiros para animações, além de várias outras ações começam a fazer parte da rotina dos professores que participam ativamente dos novos paradigmas da EaD. Quase sempre acostumados a um estilo acadêmico e técnico-científico de linguagem, os docentes se sentem agora desafiados para a produção de textos dialógicos e interativos, organizados pela integração de diferentes linguagens e mídias. No contexto da EaD, o professor torna-se autor de materiais didáticos que precisam ser disponibilizados em meio impresso e nos ambientes virtuais de aprendizagem. Essa função está sendo muito solicitada, no entanto, muitos docentes precisam aprimorar suas habilidades e competências na elaboração de textos coerentes com os princípios da EaD, por meio de uma linguagem simples, estabelecendo diálogo com o aluno a partir de mensagens curtas, dinâmicas, exercícios criativos, além de vários outros recursos importantes para elaboração de materiais didáticos para cursos a distância. 3149 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Os docentes precisam desenvolver novas competências e adaptar as estratégias de comunicação e interação com os alunos, visando à construção de materiais didáticos interativos. Muitos docentes têm que se libertar de uma linguagem acadêmica e científica para uma comunicação dialogada com os alunos, visando motivar e persuadir os alunos à aprendizagem nos moldes da Educação a Distância. Mesmo considerando as constantes inovações tecnológicas, os materiais didáticos impressos ainda assumem especial destaque na interação entre professores/autores e alunos/leitores, minimizando as distâncias físicas entre os atores do processo educativo. Não se pode esquecer que o livro impresso ainda tem grande destaque em nossa cultura. Conforme Chartier (1999, p.152): A indestrutibilidade do texto, supondo que seja atingida, não significa que devam ser destruídos os suportes particulares, historicamente sucessivos, através dos quais os textos chegaram até nós, porque a relação da leitura com um texto depende, é claro,do texto lido, mas depende também do leitor. Belo (2002) também comenta a importância do impresso em nossa cultura. Segundo o autor, „na era da escrita e da leitura digitais, [...] o impresso, o manuscrito e, em consequência, o papel fazem parte fundamental de nossos hábitos de trabalho“. (BELO, 2002, p. 33). Em meio impresso, os materiais didáticos são organizados em livros, fascículos, apostilas, guias, roteiros de estudos, cadernos de aprendizagem, roteiros para webaulas, manuais, livros de bolso, enfim, o texto impresso poderá assumir diversas formas e formatos, visando apoiar a aprendizagem dos alunos/leitores. Podemos dizer que o material didático impresso para EaD configura-se como gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009), revelando sua natureza didática e dialógica no apoio à aprendizagem dos alunos/leitores. Conforme Sousa (2009), o gênero discursivo mediacional serve como instrumento de ensino-aprendizagem e apresenta uma linguagem dialógica, envolvente, com „traços da interação face a face de sala de aula, onde o professor expõe, parafraseia, explica, reitera um tema (conteúdo) com o objetivo de proporcionar o aprendizado aos seus alunos.“ (SOUSA, 2009, p. 148). 3150 Ivanda Maria Martins Silva Sousa (2009) defende o gênero mediacional como “instrumento de ensino -aprendizagem”, em função de seu caráter didático nas interações com os alunos/ leitores. A autora ainda salienta que o gênero discursivo mediacional configurase em um contexto de letramento específico, por meio de estratégias linguísticas que marcam o diálogo entre docentes/autores e discentes/leitores. Alguns professores/autores adaptam-se rapidamente ao contexto dinâmico da cibercultura e iniciam a escrita de materiais didáticos, explorando as características do gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2009) no processo dialógico de ensino-aprendizagem mediado pelas tecnologias da informação e comunicação. No entanto, outros docentes, acostumados à escrita de artigos científicos, teses, relatórios, dissertações, revelam-se atônitos diante do desafio de construir textos didáticos, priorizando a natureza dialógica da linguagem. Nesse sentido, as relações dos docentes com a escrita vão direcionando a produção de materiais didáticos mais ou menos dialógicos, maios ou menos didáticos, enfim, mais ou menos adequados às demandas dos alunos da Educação a Distância. No cenário da EaD, muitos docentes apresentam diversas dificuldades na elaboração de materiais didáticos, pois precisam desenvolver outras práticas de letramento direcionadas à produção textual didática e dialógica. Após elaboração de materiais didáticos para os cursos a distância, novos desafios são colocados aos docentes que devem atuar na mediação pedagógica, facilitando as relações dos discentes com os novos meios tecnológicos e com as novas formas de aprender no universo digital. Segundo Lévy (1999), na EaD, o professor torna-se uma espécie de “animador da inteligência coletiva”, na medida em que organiza o fluxo da comunicação virtual, produz materiais didáticos para serem utilizados online, além de várias outras atividades que começa a desenvolver no processo de ensino-aprendizagem a distância. Nesse sentido, ainda conforme Lévy (1999, p.171), “a principal função do professor não pode ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de maneira mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento”. No processo de rápida expansão da EaD é fundamental investir na formação continuada de professores que precisam aprimorar constantemente sua prática pedagógica, agora diante dos desafios da educação online. Como afirmam Pereira e Moraes (2009), tendo em vista toda a evolução da EaD, desde a utilização 3151 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais do meio impresso (cartas, livros, guias de estudo) até a convergência das tecnologias da informação e comunicação no ciberespaço, impõe-se a (re)organização do trabalho docente e dos processos educativos. Segundo Morin (1991), a crise da contemporaneidade convida a educação a repensar o seu papel e obviamente a formação de professores, especialmente quando esta se dá em contextos educacionais que incorporam as tecnologias da informação e comunicação. Este repensar ganha maior importância com a expansão da EaD que tem aceitado e buscado a inovação educacional. Como o foco da Educação a Distância é a construção da autonomia do aluno por meio de processos metacognitivos e autoavaliativos, o professor passa a assumir muito mais a função de colaborador na “pilotagem do percurso de ensino -aprendizagem dos alunos” (LÉVY, 1999). Os alunos têm possibilidade de acesso às várias tecnologias que lhes conduzem às informações e os professores têm participação importante na sugestão de roteiros de aprendizagem que levarão os educandos à construção crítica do conhecimento, o que certamente configura-se como um diferencial em termos de concepção educacional e de aprendizagem. Diante dos desafios da EaD, o professor/autor precisa ampliar suas práticas de letramento, a fim de conhecer as características do gênero discursivo mediacional e escrever materiais didáticos adequados à natureza didática e dialógica desse tipo de produção textual. Desse modo, é importante que os docentes/ autores conheçam as potencialidades dos ambientes virtuais de aprendizagem, como a integração de diferentes gêneros digitais (fóruns, wikis, chats, glossários interativos, quiz), além de ampliarem criticamente seus conhecimentos sobre as características gerais da EaD. Certamente, se os professores/autores dominarem as inovações tecnológicas e conhecerem de perto as demandas dos alunos da EaD poderão ter maiores facilidades no processo de construção de materiais didáticos adequados aos suportes de comunicação e aos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes. Considerando a importância da elaboração de textos didáticos para EaD e tendo em vista os novos papéis dos docentes que atuam como autores de conteúdos pedagógicos, o presente artigo revela uma pesquisa qualitativa realizada com professores envolvidos no processo de escrita de materiais didáticos para cursos de graduação na modalidade a distância da UFRPE/Universidade Federal Rural de Pernambuco no âmbito do Programa UAB/Universidade Aberta do 3152 Ivanda Maria Martins Silva Brasil. Este estudo revela as concepções dos professores autores em relação à escrita de materiais didáticos impressos para Educação a Distância, evidenciando principais dificuldades na produção textual e as visões dos docentes sobre as características dos materiais didáticos. O artigo apresenta as seguintes seções: introdução, material didático impresso no contexto da EaD, percursos metodológicos, análise das vozes dos professores/autores na produção de materiais didáticos impressos para EaD, considerações finais e referências bibliográficas. Material didático impresso no contexto da EaD Os materiais didáticos impressos (MDI) revelam-se como importantes meios de orientação dos processos de ensino-aprendizagem, tendo em vista o cenário da EaD no Brasil. Considerando aspectos sociais, econômicos e culturais, os estudantes brasileiros que estudam a distância valorizam os materiais didáticos impressos, considerando ainda dificuldades de acesso rápido à internet em diversos municípios brasileiros, bem como a infraestrutura pouco adequada para as bibliotecas dos polos de apoio presencial no contexto do Programa UAB/ Universidade Aberta do Brasil. Como a EaD consegue chegar a locais cada vez mais distantes, nem sempre o acesso à internet em determinados municípios brasileiros é simples e fácil. Muitos alunos não conseguem acessar adequadamente os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), seja pela lentidão da internet, seja pela dificuldade de acesso eficaz aos recursos tecnológicos. Diante desse cenário, os materiais didáticos impressos (MDI) tornam-se essenciais para esse público-alvo, percebendo-se que os livros impressos ainda têm espaço garantido, mesmo com todos os avanços tecnológicos. Como podemos observar, o material impresso ainda tem seu lugar garantido na EaD, considerando o fato de ser uma tecnologia familiar aos leitores e de fácil acesso. Preti (2009) apresenta alguns argumentos para se (re)pensar o papel do material didático impresso no cenário da EaD brasileira, como, por exemplo: • O MDI não é uma tecnologia nova, mas ainda tem espaço garantido numa sociedade em que “tecnologias novas” se tornam cada vez mais populares e sedutoras. 3153 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais • Tem crescido enormemente a indústria de material impresso, indicando que o “fim do livro impresso” está longe de acontecer. • O MDI faz parte de nossa formação escolar. • Na EaD, ainda, predomina o uso do MDI por ser mais acessível para os estudantes. • As instituições que atuam na EaD estão em processo crescente de produção de material didático específico para os cursos em oferta, contribuindo para o desenvolvimento da “indústria do livro” no campo da EaD. Considerando tais aspectos, o MDI revela-se como ferramenta importante no cenário da EaD, tendo em vista o processo de comunicação entre professores/ autores e alunos/leitores. Conforme Sousa (2009), a elaboração do MDI está atrelada à configuração do gênero discursivo mediacional, ou seja, instrumento de ensino-aprendizagem que apresenta uma linguagem envolvente, com traços da interação face a face de sala de aula, cujo objetivo é proporcionar o aprendizado aos seus alunos. Segundo Sousa (2009, p.77): A proposta que vemos no gênero discursivo mediacional é promover a interação virtual do texto com o estudante da Educação a Distância. Isso constitui um contexto de letramento específico, o que, consequentemente, resulta no envolvimento virtual autor e leitor por meio das estratégias linguísticas construídas para esse fim. Nota-se que a produção de materiais didáticos para EaD vem desafiando os professores para a autoria pautada na dimensão dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1993). Na elaboração de materiais didáticos impressos, a abordagem bakhtiniana precisa ser revisitada, considerando as características da linguagem na escrita de textos dinâmicos e interativos. Assim, o dialogismo ― seja como constitutivo da interação verbal entre enunciador e enunciatário, seja compreendido no processo das relações entre enunciados, aproximando-se da intertextualidade, ou ainda considerado nas relações dialógicas entre texto e realidade histórico-social ― é importante para orientar a produção textual de conteúdos pedagógicos para EaD. 3154 Ivanda Maria Martins Silva De forma geral, a produção de materiais didáticos impressos para EaD precisa ser mais investigada, tendo em vista os constantes desafios que os professores/ autores enfrentam quando requisitados para a escrita de textos ancorados nas demandas dos alunos/leitores da EaD. Percursos metodológicos O presente estudo privilegiou uma abordagem qualitativa na análise de dados. Inicialmente, partimos de uma pesquisa teórica, de natureza bibliográfica, com a revisão da literatura sobre os principais eixos temáticos norteadores. Desse modo, a revisão da literatura contemplou enfoques de diferentes autores que desenvolveram pesquisas sobre Educação a Distância (MORAN, 2002, LÉVY, 1999, MOORE e KEARSLEY, 2007), materiais didáticos impressos (PRETI, 2009, FRANCO, 2007), gêneros textuais (MARCUSCHI (2002) BAZERMAN (2011) BAKHTIN (1993), gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009) e práticas de letramentos (SOARES, 2002, BUZATO, 2003). Após a revisão da literatura, sentimos a necessidade de realizar uma pesquisa empírica, tendo em vista a análise de materiais didáticos impressos e o estudo qualitativo de entrevistas com professores/autores, elaboradores de conteúdos didático-pedagógicos para Educação a Distância. Assim, considerando as articulações entre a revisão teórica e a abordagem empírica na análise dos dados, a pesquisa foi realizada em duas etapas descritas a seguir: • Análise das características do gênero mediacional na elaboração de materiais didáticos impressos para EaD. • Entrevistas com professores/autores sobre a construção de materiais didáticos impressos para EaD. Vale ressaltar que este artigo revela parte dos resultados da pesquisa intitulada Gênero discursivo mediacional: diálogos com a produção de materiais didáticos impressos para educação a distância, tendo em vista a etapa de análise das entrevistas com professores/autores participantes do processo de elaboração de materiais didáticos impressos para EaD no Programa UAB/UFRPE. Na próxima seção, serão apresentados os dados coletados por meio das entrevistas semiestruturadas 3155 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais realizadas com cinco docentes/autores que enfrentaram o desafio de escrever textos didáticos para EaD. Vozes dos professores/autores na produção de materiais didáticos impressos para EaD A fim de investigar as concepções dos professores/autores sobre a produção de materiais didáticos impressos, foi realizada uma pesquisa qualitativa no ano de 2011 com docentes que estavam atuando na EaD como elaboradores de conteúdos didáticos para cursos de graduação ofertados na modalidade a distância. Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com 05 (cinco) docentes que atuaram como autores de conteúdos didático-pedagógicos para cursos da Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. As entrevistas foram realizadas, a fim de investigar as concepções subjacentes dos docentes sobre a produção de materiais didáticos impressos, tendo em vista suas experiências com a escrita textual para EaD. Foram selecionados alguns trechos das entrevistas com breves comentários sobre principais dificuldades na escrita textual para EaD que os professores/autores relataram em suas entrevistas. Por questões éticas, os docentes não foram identificados. Serão utilizadas as expressões Docente A, Docente B, Docente C, Docente D, Docente E, visando às referências aos professores entrevistados. Inicialmente foi realizada entrevista com a docente A, graduada em Letras e Mestre em Linguística. A professora entrevistada tem 34 anos de idade e revelou ter de 06 (seis) anos de experiência na docência do ensino superior, além de também já ter atuado na Educação a Distância, antes de iniciar o processo de construção de materiais didáticos para o Programa da UFRPE/UAB- Universidade Aberta do Brasil. A docente atuou como professora/autora na disciplina Português Instrumental, no segundo semestre de 2009, tendo assumido, também, a função de coordenadora adjunta no programa e-Tec/IFPE. Apesar do conhecimento prévio como professora/autora, a entrevistada não tinha experiências com a docência online, ou seja, não trabalhou antes com a mediação nos ambientes virtuais de aprendizagem em contato com tutores e alunos. A docente A revelou o desejo de 3156 Ivanda Maria Martins Silva atuar como professora/formadora ou como professora/tutora nos ambientes virtuais de aprendizagem, a fim de ter mais contato com os educandos. No momento da entrevista, a docente A estava escrevendo material didático para a disciplina Técnicas de Revisão Textual que seria utilizada no curso de Licenciatura em Letras da UFRPE/UAB. Ao ser questionada sobre as principais dificuldades encontradas na produção de materiais didáticos impressos para EaD, a docente avaliou positivamente sua participação como professora/autora, revelando não ter muitas dificuldades na escrita de textos didáticos. Avalio positivamente minha atuação como professora autora, não tive muitas dificuldades no processo de elaboração de materiais didáticos para educação a distância. Fiz o esboço dos quatro volumes do material. Depois inseri os textos analisados e reescrevi cada um. Por isso, entreguei versões provisórias nas datas previstas pelo cronograma. (Entrevista com Docente A). Em seu depoimento, a docente A ressalta a importância do planejamento na construção do „esboço“ antes da elaboração completa do material didático. A docente parece ter consciência do amplo processo de produção textual, o qual envolve as ações de planejamento, construção, revisão, escrita e reescrita de materiais didáticos. Outra entrevistada foi a docente B, com 46 anos de idade, mestrado e doutorado em Linguística e 15 anos de experiência na docência do ensino superior. A docente B não revelou experiências anteriores com a Educação a Distância, antes de participar do Programa da UFRPE/UAB. A professora elaborou material didático para a área de Educação e afirmou ter enfrentado muitas dificuldades no início da produção de materiais didáticos impressos. Dentre as principais dificuldades encontradas, afirmou que a seleção de imagens/ilustrações foi um grande desafio na escrita do material didático impresso, pois era difícil encontrar ou indicar imagens que dialogassem com os conteúdos propostos. A docente B afirmou ainda que não foi tarefa fácil trabalhar com as noções de intertextualidade e multimodalidade, considerando as conexões entre diferentes textos e linguagens no processo de produção textual para EaD. Salientou que estava acostumada a escrever textos científicos, acadêmicos, mas não tinha experiências com a produção de conteúdos de natureza didática. Quando ques- 3157 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tionada sobre quais seriam as características que um bom material didático para EaD deveriam revelar, a docente B comentou: Um bom material didático para educação a distância deve ter clareza, objetividade, imagens que ilustrem e propiciem uma maior interação do aluno e linguagem interativa. O material produzido para EAD apresenta todas essas características. (Entrevista com Docente B). A professora salienta a linguagem interativa, a clareza, a objetividade e a seleção de imagens como características fundamentais na construção do material didático para EaD. Apesar de ter noções sobre as características do material didático como gênero discursivo mediacional, capaz de promover maior interação entre alunos e docentes/autores, vale ressaltar que a docente B demonstrou, em sua entrevista, que os desafios para a escrita de materiais didáticos impressos para EaD são imensos, visto que os educadores assumem novos papéis que antes não eram tão requisitados. Nesse sentido, a docente B afirmou ficar bem mais à vontade quando se deparava com a escrita de artigos científicos, pois já tinha certa experiência nesse tipo de escrita textual diretamente relacionada a sua vida acadêmica na educação superior. No entanto, quando foi convidada para escrever materiais didáticos impressos para EaD, a entrevistada relatou sua resistência inicial para participar do processo de produção textual, em função de ser preciso dominar a estrutura e as características do texto didático, o que se configurou como desafio. A posição da docente B é muito similar à visão da docente C em relação às dificuldades que circundam a escrita de textos didáticos para EaD. A docente C tem 41 anos de idade e atuava há apenas 05 anos no ensino superior. É graduada em Biologia, tem Mestrado em Educação e escreveu material didático impresso na área de Educação, trabalhando com planejamento didático e projetos interdisciplinares. Antes de participar do Programa da UFRPE/UAB, a docente C não teve experiência como professora na Educação a Distância. Suas experiências anteriores são na educação básica (mais de 15 anos) e apenas 05 anos no ensino superior, com o modelo presencial. Ao comentar sobre sua nova experiência com o desafio de construir material didático para EaD, a professora afirma: 3158 Ivanda Maria Martins Silva A experiência que eu tenho tido na EaD é gratificante por estar contribuindo com a formação de outras pessoas que estão separados geograficamente, mas que podem interagir, trocar conhecimentos, construir experiências. (Entrevista com a Docente C). Quando questionada sobre as principais dificuldades em relação à produção de materiais didáticos impressos, a docente C comentou sobre a dialogicidade da escrita e a necessidade de se pensar no aluno/leitor como o principal interlocutor na produção textual para EaD. Escrever material didático para educação a distância é um trabalho que precisa o tempo todo ser pensado em como o leitor estará interpretando o que está sendo lido, o que está ali colocado. Temos que nos imaginar como esse leitor/ pensar que estamos estabelecendo com ele um diálogo constante. (Entrevista com a Docente C). A docente C destaca a necessidade de elaborar conteúdos didáticos para EaD sempre tendo em vista o horizonte de expectativas e as experiências prévias dos alunos/ leitores. Nesse sentido, a professora aponta para o caráter dialógico da linguagem como um componente importante na escrita textual da EaD. Ao comentar sobre as características de um bom material didático para EaD, a docente C salientou os seguintes aspectos: Ser um material de leitura fácil; Apresente questões que você possa interagir com o leitor; Esteja sempre relacionando a teoria com a prática; Seja atrativo visualmente; Incentive a pesquisa, a leitura de outros textos; Tenha atividades de acordo com o conteúdo estudado. (Entrevista com a Docente C). É importante salientar que a docente C revela, em seus depoimentos, uma compreensão das características do gênero discursivo mediacional no processo de elaboração de materiais didáticos para EaD, como também observamos na entrevista com a docente B. Embora, a nomenclatura do gênero discursivo mediacional não tenha sido mencionada durante a entrevista, a docente C apresenta uma compreensão do material didático como representação de uma 3159 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais situação dialógica entre professores e alunos, considerando a necessidade de elaborar um texto didático atrativo, dialógico e interativo para os leitores. A referida entrevistada revela que o grande desafio da EaD certamente é garantir a aprendizagem do aluno, por meio de materiais didáticos adequados e com atividades diversificadas. Outra professora participante da pesquisa foi a docente D, graduada em Letras, com Mestrado e Doutorado em Letras/Linguística, 43 anos de idade e 12 anos de experiência na docência do ensino superior. A professora D não revelou experiências prévias com a EaD antes de participar do Programa da UFRPE/ UAB. Afirmou estar produzindo material para EaD, explorando conteúdos na área de Gramática Textual. Em relação às características para a produção de um bom material didático para EaD, a entrevistada destacou: Um bom material impresso para EaD deve oferecer um bom volume informações para que os estudantes possam fazer um estudo aprofundado, especialmente os estudantes que têm problemas de acesso à internet. Deve apresentar muitos textos complementares e verbetes de glossários diretamente vinculados aos termos que descrevem. Deve se assemelhar, o quanto possível, ao ambiente virtual, oportunizando “saltos” na leitura, breves digressões que motivem reflexões frequentes. (Entrevista com a Docente D). É importante destacar que a docente D aponta para o uso do material didático impresso como ponto de partida para o estudo, como já destacou Preti (2009). Conforme Preti (2009), limitar a formação do estudante à leitura do material didático impresso do curso é empobrecer a qualificação profissional do aluno, tendo em vista que o texto didático impresso na EaD deve ser compreendido como texto de base, pois serve de referência, de ponto de partida para o estudo. Nesse sentido, o material didático não pode ser o único texto a ser disponibilizado ao estudante. É preciso que o aluno perceba o texto didático como ponto de referência para ampliar seus horizontes de leituras, por meio de pesquisas complementares, leituras variadas, contatos com a diversidade de textos e gêneros textuais em diferentes situações de aprendizagem. A docente D também aponta para o volume de informções que o material didático deve apresentar ao leitor, no sentido de garantir espaços para a cons- 3160 Ivanda Maria Martins Silva trução de aprendizagens significativas. Sob esse aspecto, a voz da autora dialoga com a visão de Franco (2007): [...] O texto escrito deve possibilitar uma compreensão rápida dos conceitos pelo aluno. Para isso, as informações devem ser, em sua maioria, do conhecimento do aluno. Devem-se introduzir conceitos e informações de maneira que o aluno possa assimilá-las usando os conhecimentos prévios de que dispõe. Procurar explicar os conceitos e termos novos sempre que aparecerem ou se fizer necessário. Se for preciso, adicionar um glossário de termos técnicos para consulta do estudante. (FRANCO, 2007, p.28). Outra professora entrevistada foi a docente E, graduada em Letras Português/Inglês/Espanhol, mestre em Letras/Linguística, com 31 anos de idade e 06 anos de experiência como professora no ensino superior. Antes de entrar no Programa da UAB/UFRPE, não apresentou experiências prévias como docente na EaD. No entanto, antes de escrever materiais didáticos para EaD, teve experiência no próprio programa da UFRPE/UAB como professora/formadora no ambiente virtual de aprendizagem Moodle, coordenando o trabalhos dos tutores virtuais e mantendo interação mais próxima com os alunos em fóruns de discussão online. Atuei como professora formadora, mas o material não era de minha autoria e consegui aplicar o material, apenas com algumas adaptações de atividades, diante da realidade encontrada. Foi difícil, pois a disciplina com a qual trabalhei era Fonética e Fonologia, em geral uma disciplina em que os alunos têm muitas dificuldades. Minha experiência era toda no presencial e de repente me vi diante do desafio de dar essa disciplina para alunos que moravam em locais distantes, alunos da EaD. Também foi complicado trabalhar com o material que foi produzido por outro professor, pois tive que adaptar os meus planejamentos. (Entrevista com a Docente E). Essa experiência como professora/formadora no ambiente virtual de aprendizagem certamente contribuiu para a docente E iniciar os percursos na escrita de materiais didáticos impressos para EaD. A docente E avalia, de modo razoável, sua experiência como autora de conteúdos didático-pedagógicos, em função de algumas dificuldades na escrita textual para EaD, o que é natural no processo de construção de materiais didáticos como novo desafio para a referida autora. Res3161 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais salta-se que a docente E aponta a dificuldade de se adaptar ao novo paradigma da Educação a Distância, no sentido de trabalhar com alunos oriundos de diferentes localizações geográficas. Outro ponto importante é o fato de a docente entrevistada ter colocado como dificuldade a atuação na docência online com material que foi produzido por outro professor. Certamente, parece ser uma prática nos programas de EaD, o docente assumir vários papéis e dificilmente consegue-se ter o professor autor, aquele que elabora conteúdos, também atuando nos ambientes virtuais de aprendizagem, colocando em prática o seu próprio material didático. Desse modo, tal divisão do trabalho docente, considerando, por um lado, a autoria de textos didáticos, e, por outro, a docência online, parece não contribuir para uma prática pedagógica integrada e transdisciplinar, capaz de minimizar as distâncias entre teoria e prática. Na entrevista com a docente E, percebemos que a experiência na docência online orienta a professora para a escrita de um material didático mais próximo da realidade do aluno. Sobre minha experiência como autora para EaD, avalio razoavelmente, pois tive algumas dificuldades que ainda não consegui superar e relação à escrita de material didático impresso para EaD. Comecei o processo com muita empolgação, mas a limitação de páginas exatas me atrapalhou bastante. O motivo de minha empolgação vem da experiência como professora formadora, pois no material procuro colocar o que percebi ser uma falta ou dificuldade para os alunos. Procurei suprir suas necessidades ao longo do material impresso, com dicas de sites, sugerindo atividades e participação no ambiente, coisa que percebi ser no limite mínimo durante o curso. (Entrevista com a Docente E). Quando indagada sobre as principais dificuldades no processo de construção de materiais didáticos para EaD, a docente E afirmou: Eu tive muitas dificuldades iniciais na seleção de imagens (figuras, gráficos, tabelas, charges, cartuns, tirinhas) apropriadas para o material didático impresso que eu estava escrevendo para EaD. Outra dificuldade foi produzir um número certo de páginas. Tive dificuldade quanto ao número fechado de 75 páginas. (Entrevista com a Docente E). 3162 Ivanda Maria Martins Silva É importante destacar que a docente encontra dificuldades quando precisa escrever dentro de uma moldura já proposta pelo desenho didático da UFRPE/ UAB. É solicitado que a autora escreva um volume com 75 páginas de conteúdo, perfazendo um total de aproximadamente 15h/aula de estudo para o aluno. Podemos retomar as palavras de Preti (2009, p. 03) quando realiza indagações sobre a melhor estratégia para a produção de materiais didáticos para EaD. O que seria mais interessante: „propor projeto gráfico do material didático como moldura já pronta a “enquadrar” o texto do autor, ou como “tela em branco” a ser pintada pelo autor, com espaços de liberdade e de criatividade para dar plasticidade ao texto?“ Quando questionada sobre as características de um bom material didático para EaD, a docente E destacou: O material deve ser dialógico e de linguagem simples. Deve conter atividades que contemplem os conteúdos, mas de forma que possa ser possível a sua realização por parte dos alunos, levando em consideração as dificuldades que estes encontram como alunos de EaD. Sempre haver autoavaliação e motivação para a interação no ambiente virtual. (Entrevista com a Docente E). A docente E também salienta o carater dialógico da linguagem na escrita do texto didático para EaD, além de destacar a motivação para a aprendizagem e a autoavaliação como eixos importantes no processo de elaboração de materiais didáticos. Em síntese, as diferentes vozes das professoras/autoras ressoam juntas para o mesmo sentido, ou seja, a dialogicidade como componente fundamental na construção de materiais didáticos impressos para Educação a Distância. Os depoimentos transcritos apontam, de modo geral, para a necessidade de se construir o processo de interação com os alunos por meio da linguagem e das características do gênero discursivo mediacional, como multimodalidade, repetições, frases curtas, atividades diversificadas, intertextualidade. Conforme Sousa (2009), ao elaborar o texto didático, o professor imagina que com tal discurso haverá interação com os alunos. Por meio dos estímulos dados no material didático, o aluno cria um contexto cognitivo ao imaginar alguém interagindo consigo, o que favorece a dialogicidade no gênero discursivo media- 3163 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais cional. Nesse sentido, as professoras/autoras entrevistadas têm consciência da responsabilidade de escrever, aproximando-se dos alunos/leitores por meio da linguagem dialógica. Como afirmou Zuin (2006), na EaD, é primordial que os „professores ausentes se tornem presentes“. Na escrita de materiais didáticos impressos para EaD, os professores, embora fisicamente ausentes, podem se revelar presentes, colocando-se no papel dos educandos/leitores, reconstruindo seus percursos de aprendizagem, elaborando atividades que priorizem diferentes estilos de parendizagem e, sobretudo, compreendendo o processo dialógico de ensino/aprendizagem, visto que: “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. (FREIRE, 2002, p.25). O diálogo, enquanto componente indispensável à prática educativa para construção do conhecimento é, no dizer de Freire (2002), uma prática de saberes e afetos como ponto de partida para um relacionamento autêntico entre educador e educandos. Para Freire (2005, p. 91): “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. No enfoque de Bakhtin (1992), a linguagem é eminentemente dialógica, visto que mantém interação com enunciados anteriores e posteriores ao momento da comunicação. Além disso, enquanto fenômeno social e ideológico, a linguagem participa dinamicamente da realidade histórico-social dos indivíduos. Assim como a linguagem, a educação também é dialógica, já que “ensinar exige disponibilidade ao diálogo” (FREIRE, 2002). Certamente, a formação acadêmica e as experiências profissionais dos professores elaboradores dos conteúdos são elementos importantes na relação entre autores, textos didáticos e leitores. Nas entrevistas com os professores/autores fica evidente a preocupação com o aluno, com seus percursos de aprendizagem, por meio de um diálogo constante em prol do envolvimento do leitor com o texto didático. Porém, na prática, diante do desafio de escrever para Educação a Distância, reconhecendo as características do gênero discursivo mediacional, os professores/autores ainda revelam-se atônitos. Isso ocorre, pois os docentes deparam-se com a necessidade de desenvolver outras competências, buscando 3164 Ivanda Maria Martins Silva uma escrita textual dialógica e ampliando suas práticas de letramento por meio da elaboração de textos didáticos. Considerações finais A mídia impressa usada em Educação a Distância ainda apresenta-se como instrumento didático importante no processo de mediação pedagógica entre alunos e professores. Segundo Moore e Kearsley (2007, p. 78), „o texto é, sem margem de dúvida, a mídia mais comum empregada na educação a distância e, apesar do crescimento da comunicação online que usa texto, a maioria dos textos ainda é veiculada na forma impressa“. A construção de materiais didáticos impressos para EaD vem (re)significando a prática pedagógica do professor na posição de elaborador de conteúdos pedagógicos, autor de textos que precisam garantir espaços de intercomunicação entre os educandos, apoiando seus percursos de aprendizagem. Nesse sentido, a noção de autoria precisa ser revisitada como „fundamento docente e discente, por ser referência crucial da aprendizagem no professor e no aluno. Professor que não é autor, não tem aula para dar. Só pode reproduzir.” (DEMO, 2009, p.20). Antes acostumados a adotar os materiais didáticos e os livros-texto para apoiar suas aulas, agora, considerando os desafios da EaD, os professores descobrem-se como produtores de conteúdos pedagógicos, ou seja, autores de materiais didáticos que precisam desenvolver competências comunicativas e priorizar uma abordagem dialógica na produção textual. Na EaD, os professores precisam conhecer as características dos materiais didáticos impressos, priorizando a natureza dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1992) e o caráter “mediacional” (SOUSA, 2001) desses recursos que podem contribuir para a construção de aprendizagens significativas, ancoradas na autonomia dos educandos. Nesse processo, o papel do professor é incentivar e motivar a troca de saberes, a mediação relacional e simbólica entre os sujeitos, gerenciando a “pilotagem personalizada” dos percursos de aprendizagem (LÉVY, 1999, p.171). O material didático impresso, amplamente revisitado, debatido, discutido, analisado, agora se torna alvo de outras abordagens, novas leituras, diante das características da EaD como modalidade educacional que aposta na integração de tecnologias no processo de mediação entre docentes e discentes, valorizando 3165 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais a troca, a relação, a interação, o diálogo como eixos fundamentais na redução das distâncias físicas, promovendo-se uma “educação sem distância” (TORI, 2010), na qual todos aprendem e ensinam, ou seja, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2002, p. 25). Em síntese, as reflexões sobre a produção de materiais didáticos para EaD precisam estar em sintonia com as discussões sobre gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009), considerando a abordagem dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1992) e a necessidade de se minimizarem as distâncias físicas, por meio de recursos tecnológicos que ampliem cada vez o diálogo entre professores e alunos. Os educadores precisam estar em sintonia com as demandas de aprendizagem dos alunos, visando à elaboração de materiais didáticos adequados ao cenário dinâmico da Educação a Distância no Brasil. Referências Averbug, R. “Material didático impresso para Educação a Distância: tecendo um novo olhar”. Colabora: Revista Digital da CVA-RICESU. v. 2, n.5, p.16-31, agosto, 2003. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ______. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.277-326. BAZERMAN, C. Gênero, agência e escrita. 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Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v27n96/ a14v2796.pdf> Acesso em setembro 2011. 3167 RESUMO Os sites de redes sociais digitais, em especial o Facebook, têm sido um dos meios de comunicação mais utilizados nos últimos anos, permitindo a integração e troca de informações e geração de conhecimento entre diferentes públicos, e não só isso, têm se tornado um dos veículos de propagação e organização de grandes eventos, a exemplo das manifestações populares ocorridas em junho de 2013 no Brasil. Sendo assim, propusemos, neste trabalho, a utilização do Facebook como ferramenta para o ensino de gênero na escola. Nosso objetivo foi analisar o uso de expressões metafóricas como estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes de protesto, propondo atividades que facilitassem o processo de ensino e aprendizagem do gênero em ambiente virtual nas aulas de língua portuguesa. A pesquisa se deu a partir de uma abordagem qualitativa através da qual foi coletado um corpus de trinta textos retirados do Facebook, espaço inicial de produção, reprodução, distribuição e recepção desse discurso, e analisados a partir de Fairclough (2001, 2003), Marcuschi (2000, 2002, 2004, 2008) e Bezerra (2011, 2014). Na análise do gênero, observamos a presença da metáfora, recurso muito utilizado no gênero para persuadir o interlocutor ora pela ativação da memória, ora pela emoção. Concluímos o trabalho de pesquisa cientes de que quando levamos textos retirados de contextos sociais para a sala de aula os estudantes se envolvem mais com a leitura e discussão e, consequentemente, com o processo de aprendizagem, principalmente quando conseguimos envolver o uso das tecnologias, ferramentas tão comuns para os estudantes no dia a dia. Palavras-chave: Gênero, Facebook, Ensino. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino GÊNERO, FACEBOOK E ENSINO: UMA ANÁLISE DA METÁFORA NO GÊNERO CARTAZ DE PROTESTO Josefa Maria dos Santos1 (UPE) Introdução O mês de junho de 2013 marcou inegavelmente a história do Brasil. Milhares de pessoas foram às ruas protestar. O que inicialmente parecia ser mais um movimento liderado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que reivindica desde 2005 a mudança do sistema de transporte privado para um sistema público, tomou proporções inesperadas, surpreendendo a todos: governo, imprensa, polícia, sociólogos e a população em geral pela rapidez com que conseguiu adesões aos protestos. Durante os protestos, houve uma enxurrada de cartazes segurados por uma massa que ocupou as ruas de várias cidades do país. Os cartazes deram voz a uma multidão que parecia ávida por um grito, há muito, preso na garganta. Esse grito acabou gerando uma série de interpretações e fazendo (re)surgir um gênero textual que até então parecia esquecido. Não nos interessa aqui analisar o discurso político por trás dos protestos, e se eles são positivos ou não para a sociedade, mas perceber, à luz da análise crítica do discurso, o uso de expressões metafóricas como estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes de protesto, além de promover reflexões acerca do trabalho com esse gênero em ambiente escolar tendo o Facebook como suporte. 1. Mestre em linguística pela Universidade de Pernambuco. [email protected] 3169 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais A relevância desse trabalho deve-se ao fato de ser o cartaz de protesto um gênero discursivo de grande função social e um excelente exemplo de texto do mundo real, mas ainda pouco explorado nas aulas de língua portuguesa, assim como ainda são pouco explorados os gêneros em ambiente virtual, mesmo sendo a inserção das novas tecnologias no ensino de língua uma das orientações previstas pelos PCN (BRASIL, 1998). Em vista disso, nossa escolha pelo Facebook explica-se por dois motivos: primeiro por ser um site que vem sendo usado, não só como um ambiente para encontro de amigos ou postagens de fotos, mas também, como um espaço de informação e discussão, visto que são inúmeros os discursos estabelecidos e as discussões geradas (tome-se como exemplo as manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013), e, segundo, porque acreditamos que esse instrumento pode ampliar a interatividade e a flexibilidade de tempo no processo educacional, por isso é possível fazer uso das redes sociais para contribuir no processo de ensino aprendizagem (SILVA; COGO, 2007). Dessa forma, propomos um trabalho que pense um ensino voltado para a função social da língua. Para tanto, compreendemos com Fairclough (2001) a linguagem numa perspectiva discursiva, ou seja, situada em práticas sociais em que os sujeitos constituem a si próprios e podem intervir na sociedade, transformando-a ou legitimando suas práticas. Na visão dos PCN (1998), essa compreensão de linguagem é requisito básico para que os indivíduos construam seu processo de cidadania e integrem a sociedade de forma ativa e mais autônoma possível. Dessa forma, tomamos como objeto de análise os discursos veiculados nos cartazes de protesto, enquanto ação social da linguagem e forma de ação no mundo, o que insere essa pesquisa no principal objeto de ensino da Língua Portuguesa, qual seja: “o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem” (BRASIL, p. 22). Cientes de que a linguagem contribui efetivamente para a construção, manutenção ou transformação da realidade de um povo, consideramos bastante pertinente adotar como instrumento teórico-metodológico para esta investigação a Análise Crítica do Discurso (ACD), visto que se trata de uma perspectiva analítica comprometida com o estudo crítico e envolvida politicamente com a mudança social (FAIRCLOUGH, 2001). Seguindo o quadro teórico adotado para a pesquisa, baseamo-nos nos estudos de Marcuschi (2000, 2002, 2004, 2008) sobre gêneros e seus desdobramen- 3170 Josefa Maria dos Santos tos para o processo de ensino-aprendizagem e, por conseguinte, para o ensino de língua materna. Fundamentamo-nos também em Bezerra (2011, 2014), para estudo e caracterização do site de rede social Facebook, A pesquisa baseou-se em um estudo empírico, de natureza qualitativa, na qual selecionamos um corpus de 30 textos coletados no Facebook e analisamos a partir das concepções de prática social defendidas por Fairclough (2001). Concluída a análise, organizamos uma série de atividades para o estudo do gênero, tendo o Facebook como suporte. O trabalho foi desenvolvido em uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Pernambuco. Novas tecnologias de informação e comunicação: o Facebook como suporte para ensino do gênero O crescimento do uso do Facebook no Brasil (61,2 milhões de perfis ativos em 2014)2 trouxe novos contextos para os processos de comunicação e informação mediados por esse site. Esses novos contextos permitiram que novas práticas sociais emergissem e se popularizassem entre seus usuários, pois de acordo com pesquisas, cerca de 32% das pessoas que utilizam o Facebook no Brasil o fazem com o objetivo de informar-se3. Esse dado é revelador de uma realidade: o site Facebook ocupa lugar importante na cena midiática brasileira enquanto veículo de comunicação e informação e diferentemente do inicialmente pretendido por seu criador, Mark Zuckerberg, “colocar os estudantes em contato uns com os outros, a fim de compartilharem fotos, fazer amizades com novas pessoas e cultivar as amizades existentes” (PIMENTEL, 2014, p. 42), a mídia atualizou-se, proporcionando aos seus usuários a “capacidade de difundir informações através das conexões existentes entre os atores. Essa capacidade alterou de forma significativa os fluxos de informação dentro da própria rede” (RECUERO, 2009, p. 116). Para a autora, os processos de difusão das informações são emergentes e resultado das interações e dos processos de conflito, cooperação e competição. Seu estudo é 2. Fonte: Tecnologia.uol.com.br/noticias/facebook-em-numeros. Acessado em fevereiro de 2015 3. A Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 pode ser acessada na íntegra pelo endereço: http://observatoriodaimprensa.com.br/download/PesquisaBrasileiradeMidia2014.pdf 3171 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais essencial para compreender como um determinado grupo estrutura-se e como essa estrutura é alterada em função de aspectos sociais, históricos e econômicos. Se Recuero (2009) estiver certa, e acreditamos que ela está, conclui-se que esses processos de difusão das informações resultantes das interações, conflitos, cooperação e competição entre os seus membros só se podem dar através de textos, realizados através dos gêneros que circulam pelas redes midiáticas a exemplo do Facebook. Logo, utilizar o Facebook na sala de aula como ferramenta para estudo dos gêneros midiáticos, emergentes, transmutados ou até aqueles que têm existência autônoma fora da rede, pode ser essencialmente interessante, isso porque, como acrescenta Marcuschi (2008, p. 198): “Esse meio propicia, ao contrário do que se imaginava, uma ‘interação altamente participativa’, o que obrigará a rever algumas noções já consagradas”. Pontuamos aqui que o professor Marcuschi (2008) não se refere diretamente ao gênero no Facebook, mas ao ambiente virtual, e, sendo o site Facebook parte desse todo, consideramos produtiva sua inserção no espaço escolar. Quanto a essa possibilidade, o professor canadense George Siemens, em seu artigo “Conectivismo: uma teoria da aprendizagem para a era digital” apela para que a escola não mais continue repetindo modelos transmissores centrados numa única fonte do saber, pois hoje com melhores opções de busca e redes sociais digitais que podem propagar a informação rapidamente (tanto boa como má) temos menos necessidade de um único papel informacional. (SIEMENS, 2014). Concordando com Siemens (2014), Tapscott (1998, apud BRAVO, 2014, p. 125) afirma: “O tempo que os jovens passam conectados à rede não é um tempo passivo, mas ativo. É tempo de leitura. É tempo de pesquisa. É tempo dedicado ao desenvolvimento de habilidades e à solução de problemas. É tempo para organizar os pensamentos. É tempo da escrita”. Essa citação do pesquisador Tapscott apenas confirma o que pesquisadores brasileiros a exemplo de Bezerra (2011) vêm afirmando nos últimos anos: a internet foi e continua sendo um espaço privilegiado da leitura e da escrita ou, mais especificamente, um ambiente propício ao cultivo de muitas práticas e variedades de uso da língua. Assim, percebemos que, tanto no Brasil como no exterior, estudos acerca do uso da internet ou mais especificamente das redes sociais digitais como ferramenta para o ensino têm constituído indícios positivos de uma florescente área 3172 Josefa Maria dos Santos de pesquisa. Contudo, gostaríamos de pontuar que até onde pudemos observar, não há muitas pesquisas desenvolvidas no Brasil, na área da linguística, sobre as possibilidades pedagógicas do Facebook para o ensino de gênero. Porém, acreditamos com Bawarshi e Reiff (2013, p. 197) que “os ‘novos domínios comunicativos’ das novas mídias modificaram o cenário genérico e, ao fazer isso, trouxeram novos interesses de pesquisa sobre como a mídia de que o gênero participa molda o conhecimento e a ação do gênero”. Para os autores, as pesquisas recentes têm demonstrado bastante interesse em analisar como os contextos digitais da comunicação modificam o acesso aos gêneros, reconfiguram limites (inclusive limites temporais) e geram novas formas de colaboração. E se a internet, como afirma Bezerra (2011), é promovedora de espaço de leitura e escrita, por que não transformar essa ferramenta em uma aliada? Como sabemos, o Facebook não foi projetado para desenvolver atividades pedagógicas, porém, algumas pesquisas têm defendido a ideia de que essa ferramenta pode e deve ser usada para fins educacionais. Pesquisadores como Cerda & Planas (2011), por exemplo, avaliando o potencial tecnológico e pedagógico do Facebook, destacaram pontos importantes para o ensino. No tocante à tecnologia, os autores elencaram a simplicidade e velocidade na criação e administração de grupos; a facilidade no uso das ferramentas da rede; a possibilidade de marcação de imagens, envio de mensagens e conversa através do chat como aspectos positivos para sua inserção no ensino. Já no que tange os aspectos pedagógicos, os autores afirmam que o Facebook promove uma cultura de comunidade virtual e aprendizagem social, onde se compartilha experiências; proporciona abordagens inovadoras de aprendizagem, promovendo aprendizagem colaborativa e permitindo que os membros permaneçam em contato uns com os outros após completar a ação educativa. Além disso, participar de um grupo no Facebook pode motivar os alunos à pesquisa e dar mais dinamismo às aulas. Os autores afirmam ainda que, do ponto de vista do trabalho de grupo, o Facebook “fornece um espaço virtual onde os envolvidos em um objetivo compartilhado podem discutir tópicos, dar suas opiniões, organizar eventos, enviar informações, compartilhar ideias e propostas, elaborar conteúdos, etc. Assim, emerge uma comunidade virtual”. (CERDA; PLANAS, 2011, p. 199). Quanto à compreensão de comunidade virtual, Recuero (2005) diz que a compreende como um grupo de pessoas que interage no ciberespaço em que a comunica- 3173 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais ção mediada pelo computador se dá de forma mútua. A interação que acontece dentro de uma determinada rede é a base do estudo de sua organização. Ela pode ser cooperativa, competitiva ou geradora de conflito. A interação, que é cooperativa, pode gerar a sedimentação das relações sociais, proporcionando o surgimento de uma estrutura. Quanto mais interações cooperativas, mais forte se torna o laço social desta estrutura, podendo gerar um grupo coeso e organizado. Na organização da comunidade virtual, portanto, é necessário que exista uma predominância de interações cooperativas, no sentido de gerar e manter sua estrutura de comunidade. Diante do exposto, percebemos que o Facebook, assim como outros sites de rede social midiática, pode penetrar o universo escolar, não por modismo, mas por constituírem possibilidades a mais de discussão, interação e motivação para a aprendizagem, uma vez que “representam um novo e complexo universo de fenômenos comunicativos, sociais e discursivos” (RECUERO, 2014, p. 1). Quando defendemos o estudo dos gêneros textuais a partir de suportes digitais, não estamos querendo substituir o livro didático ou qualquer outro suporte formal, mas incluí-los no processo educacional, principalmente por trazerem discussões atuais e contextualizadas com o universo do educando e por possibilitarem, a partir das múltiplas semioses que põem em operação, uma compreensão mais ampla de como o suporte pode interferir no gênero, já que de acordo com Marcuschi (2008, p. 174) “o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”. Se o Facebook continuará sendo o site de redes sociais digitais com o maior número de perfis, ou se ocorrerá com ele o mesmo que ocorreu com o Orkut, não podemos predizer, mas certamente é possível antecipar que, à medida em que surgem novas ferramentas para facilitar a comunicação e a conectividade, outros tipos de ações são possíveis de serem realizadas pelos usuários. Dessa forma, não é mais possível que a escola e, em especial os professores de língua portuguesa, negligenciem essa ferramenta tratando-a como algo nocivo ao ensino e à aprendizagem. É imperativo considerar que, diferentemente de séculos passados, os textos não se apresentam mais unicamente em suportes físicos, mas em outras esferas, as quais muitas vezes por estarem mais próximas dos estudantes, podem tornar-se aliadas no processo de ensino e consequentemente favorecerem a aprendizagem por parte dos estudantes. 3174 Josefa Maria dos Santos Análise crítica do discurso: algumas considerações Situada na interface entre a linguística e a ciência social crítica, a Análise Crítica do Discurso (ACD), disciplina com amplo escopo de aplicação, tem se constituído em um modelo teórico-metodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, bem como tem estabelecido um quadro de análise que possibilita “mapear a conexão entre relações de poder e recursos linguísticos selecionados por pessoas ou grupos sociais” (RESENDE; RAMALHO, 2004, p. 185). Pedro (1998, p. 27-28) afirma que a ACD tem como características: • Entender a linguagem como a mais importante prática social; • Entender o texto como resultado da ação dos falantes e escritores socialmente situados, considerando as possibilidades de escolha que esses possuem e o poder e a dominação implícitos nessas escolhas; • Considerar que os participantes na produção dos textos desempenham papéis desiguais; • Prever que os significados veiculados nos textos dependem da interação; • Mostrar que os traços linguísticos são motivados socialmente; • Entender que linguagem tem caráter histórico; • Empreender análises baseadas na materialidade linguística. A partir do que apresenta Pedro (1998), percebemos que a ACD compreende uma abordagem teórico-metodológica que concebe o discurso como uma prática social, através da qual as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros, legitimando ou modificando as relações de poder e dominação existentes na sociedade através da linguagem. Para Ramalho e Resende (2006, p. 56), “existe na ACD uma preocupação em descobrir, revelar e divulgar aquilo que está implícito, rejeitando a ‘naturalização’ dos processos sociais, permitindo que as ideologias subjacentes ao discurso, bem como relações de dominação sejam reveladas”. Nesse sentido, o discurso na ACD passa a ser entendido tanto como reprodutor, quanto transformador de realidades sociais, isso porque o sujeito, diferentemente de outras abordagens teóricas, é visto como “não só propenso ao moldamento ideológico e linguístico, mas também agindo como transformador 3175 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de suas práticas discursivas, contestando e reestruturando a dominação e as formações ideológicas socialmente empreendidas em seus discursos” (MELO, 2010, p. 85). Percebe-se, a partir de Melo, que discurso e sujeito na ACD se constituem a partir de uma relação dialógica, ora reproduzindo práticas discursivas, ora ressignificando-as. Isso porque para a ACD o sujeito é um ator ideológico que tanto pode construir como ser construído socialmente a partir de escolhas linguísticas utilizadas em seu discurso. Para Fairclough (2001), discurso é uma prática de representação e significação do mundo, constituindo e ajudando a construir as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crenças. Essa visão constitutiva de discurso desvela uma noção de discurso que tem relação ativa com a realidade, e favorece a compreensão de discurso enquanto prática social. Conceber discurso como forma de prática social tem para o linguista britânico algumas implicações: a) implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação; b) implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, que se dá geralmente entre a prática social e a estrutura social em que a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. Na perspectiva do linguista, o discurso é entendido como elemento integrante do mundo social, constituindo esse mundo e sendo constituído por ele. Contudo, é importante salientar que as relações entre a mudança discursiva, social e cultural não são transparentes para as pessoas envolvidas e que, por isso, é preciso mostrar conexões e causas que estão ocultas por um lado, e, por outro, intervir socialmente para que sejam produzidas mudanças favoráveis àqueles que possa encontrar-se em desvantagens. Outra particularidade marcante que observamos na ACD é sua preocupação com as relações de poder como condição central da vida em sociedade, o que inclui as relações de gênero, classe social, raça e etnia. Nesse sentido, Fairclough (2001) afirma ser necessário analisar não só as relações de poder no discurso, mas também a maneira como essas relações e a luta pelo poder moldam as práticas discursivas de uma sociedade. Partindo da compreensão de que as práticas discursivas moldam e são moldadas por relações e luta por poder, Ruth Wodak (2004, p. 237) assevera: 3176 Josefa Maria dos Santos O poder envolve relações de diferença, particularmente os efeitos dessas diferenças nas estruturas sociais. A unidade permanente entre a linguagem e outras questões sociais garante que a linguagem esteja entrelaçada com o poder social de várias maneiras: a linguagem classifica o poder, expressa poder, e está presente onde há disputa e desafio ao poder. O poder não surge da linguagem, mas a linguagem pode ser usada para desafiar o poder, subvertê-lo, e alterar sua distribuição a curto e longo prazo. A linguagem constitui um meio articulado com precisão para construir diferenças de poder nas estruturas sociais hierárquicas. Essa compreensão de que a linguagem pode ser usada para desafiar o poder torna-se crucial para entendermos como muitos atores sociais, a partir dos discursos expressos nos cartazes de protestos durante as manifestações de junho de 2013, desafiavam instituições e poderes hierárquicos, conforme mostra a figura abaixo: Figura 1. Cartaz de protesto Fonte: Facebook (www.facebook.com/Cartazesdeprotestos?fref=ts) No discurso “ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil”, temos um exemplo claro de como a linguagem se entrelaça com o poder a fim de subverter e alterar as regras hierárquicas na estrutura social. Assim, vemos que o discurso não é neutro, mas produto de contexto histórico-social que também produz situação histórica e social, moldando a sociedade e sendo moldado por ela. Quanto a isso, Fairclough (2001, p. 100) adverte que: ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas, de forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos marcos delimi3177 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tadores vão sempre além da produção de sentidos. Assim, seus procedimentos e suas práticas podem ser investidos política e ideologicamente, podendo ser posicionados por eles como sujeitos (e ‘membros’). Para o autor, a prática dos membros tem resultados e efeitos sobre as estruturas sociais, as relações sociais e as lutas sociais. Contudo, eles geralmente parecem não ter consciência disso. Se assim o for, refletimos sobre o grau de consciência que teriam os manifestantes durante as manifestações de junho de 2013 que, utilizando-se de técnicas de persuasão nos discursos dos cartazes, discursos esses heterogêneos e até mesmo em alguns momentos contraditórios, conclamavam os brasileiros a irem às ruas como forma de luta por mudanças no sistema político e social do país. Dessa forma, a noção de que é possível sustentar desigualdades ou transformar práticas sociais através do discurso torna-se crucial para compreendermos por que o ensino de gênero não pode mais prescindir de um trabalho que por um lado mostre questões de poder e dominação que estão ocultas e, por outro, intervenha socialmente para produzir mudanças que favoreçam os grupos subordinados. A metáfora como estratégia de persuasão Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21) assinalam que as práticas sociais são “maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos materiais ou simbólicos, para agirem juntas no mundo”. Dessa forma, a prática social apresenta-se sob várias orientações: econômica, política, cultural e ideológica, e o discurso, por meio do uso de metáforas, pode estar implicado em todas elas. As metáforas, nesse sentido, desempenham papel importante como foco de análise, visto que podem apresentar implicações tanto políticas quanto ideológicas. Assim sendo, defendemos que o uso da metáfora nos cartazes de protestos no contexto das manifestações de junho de 2013 representou um recurso discursivo bastante útil como forma de persuasão do auditório que, nesse contexto, corresponde à massa indignada com os serviços públicos oferecidos pelo Estado. O estudo da metáfora não é coisa recente entre os teóricos e, muito menos, algo que se dê sem problemas, haja vista o número de definições muitas vezes 3178 Josefa Maria dos Santos conflitantes e sobrepostas do termo. Nosso intento, no entanto, é perceber como esse recurso nos discursos dos cartazes pode ter favorecido para que o diálogo entre os manifestantes, mídia, governo e sociedade em geral pudesse, de um lado, ampliar as discussões sobre as principais reivindicações do movimento e, por outro, persuadir aqueles que ainda não haviam aderido aos protestos. Segundo Marcuschi (2000 [1978]), em seu ensaio “A propósito da metáfora”, a noção mais antiga de metáfora no ocidente vem de Aristóteles, quando ele a caracterizou e forneceu pela primeira vez sua definição e teorização na Arte Poética. A metáfora seria, para Aristóteles, o uso do nome de uma coisa para designar outra. Assim definia o filósofo: “metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia”. (ARISTÓTELES, 384-322, a. C. – XXI, 7). Vemos na definição de Aristóteles pelo menos quatro tipos de metáfora: a) de gênero para espécie; b) da espécie para o gênero; c) da espécie para a espécie; d) de analogia. Esse último tipo parece ser o que mais se encaixa nas definições contemporâneas tradicionais, principalmente no que prescrevem os livros didáticos a exemplo de Ernani Terra (2002, p. 407): A metáfora consiste numa alteração de significado baseada em traços de similaridade entre dois conceitos. Normalmente, uma palavra que designa uma coisa passa a designar outra, por haver entre elas traços de semelhança. A metáfora é, pois, uma comparação implícita, isto é, sem o conectivo comparativo. Essa concepção aristotélica de metáfora como ‘transposição do significado de uma palavra’, presente ainda hoje nas aulas de língua portuguesa, passou, segundo Marcuschi (2000), a ser combatida com grande maestria pelo filósofo alemão H. Lipps (1958) que questionou a noção de significado de uma palavra de um contexto para outro – implicando com isso a contraposição de significados “autênticos” versus “transpostos”. Para o filósofo, não há “significado originário”, mas “origem de um significado”, o que torna a definição da metáfora como “transposição do significado de uma palavra” totalmente inadequada (LIPPS, 1958 apud MARCUSCHI, 2000, p. 80). Em estudos recentes, Lakoff e Johnson (1980) apresentaram ideias consideradas centrais para a compreensão da metáfora. A teoria dos autores postula que 3179 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais a metáfora não é apenas uma questão linguística, mas também cognitiva, sendo assim, algo que permeia nosso modo de agir e de pensar. As metáforas estariam infiltradas na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. No intuito de elucidar a questão sobre metáfora linguística e metáfora cognitiva, Sardinha (2001, p. 5) orienta que é preciso fazer uma distinção entre metáfora conceptual e metáfora linguística (ou expressão linguística metafórica). “Uma metáfora conceptual indica as maneiras pelas quais o pensamento se organiza e como as pessoas interagem, enquanto uma metáfora linguística representa a realização, na fala ou escrita, de uma metáfora conceptual”. O autor acrescenta ainda que a expressão linguística remete a representação metafórica conceptual e que, normalmente, as metáforas conceptuais não possuem correlatos linguísticos diretos. As metáforas conceptuais estariam divididas, de acordo com Lakoff e Johnson (1980), em pelo menos três tipos: a) estruturais - seriam aquelas responsáveis por estruturar metafórica e parcialmente um conceito em termos de outro, como por exemplo, TEMPO É DINHEIRO e DISCUSSÃO É GUERRA. b) orientacionais - essas são responsáveis pela organização do sistema de conceitos em relação a um outro, possibilitando aos conceitos uma orientação espacial. Assim, as expressões: “estou me sentindo pra baixo hoje”, ou: “direita? Esquerda? Eu quero é ir pra frente” (sobre o (a)partidarismo dos manifestantes) podem ser consideradas como expressões metafóricas alusivas a metáforas orientacionais como BOM É PARA CIMA ou BOM É PARA FRENTE. c) ontológicas – a experiência humana com objetos físicos, em especial o próprio corpo, fornece a base para as metáforas ontológicas. “A inflação está pressionando o mercado” seria uma expressão metafórica para a metáfora INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE, nesse caso, esse tipo está bastante próximo do que entendemos como personificação. A personificação seria para os autores uma categoria geral que cobre uma ampla variedade de metáforas, cada uma delas destacando diferentes aspectos de uma pessoa ou o modo como a percebemos. Resende e Ramalho (2006, p. 86) explicam que a essência da metáfora segundo Lakoff e Johnson (1980) “é compreender uma coisa em termos de outra”, o que não iguala os conceitos, trata-se de uma estruturação parcial com base na linguagem. Isso é exemplificado pelas autoras a partir da expressão metafórica 3180 Josefa Maria dos Santos “ele é um touro”, em que, para elas, os conceitos relacionados pela metáfora (‘ele’ e ‘touro’) não são igualados. O que ocorre é que certas características de ‘touro’ são mapeadas para ‘ele’ (por exemplo, força, virilidade ou falta de delicadeza). Essa exemplificação de Resende e Ramalho (2006), a respeito da teoria da metáfora desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980), confronta-se, no entanto, com um exemplo similar apresentado por Lipps (1858, p.73) para contestar o conceito de significados ‘igualados ou relacionados’. Assim exemplifica o filósofo: (...) O ‘animalesco’ (tierisch) caracteriza um comportamento humano. Mas foi transferido para este sentido? Provavelmente não, pois o próprio animal não é ‘animalesco’. ‘Animalesco’ caracteriza uma deficiência que apenas quando vista à luz das exigências humanas torna-se uma deficiência. [...] Para caracterizar a ignorância de alguém, o denominamos ‘um burro’ ou ‘um camelo’. Isso, porém, com o qual o comparamos, não é tomado simplesmente como portador da mesma característica. Os camelos não são de forma alguma ignorantes; um burro não é ‘um burro’ no mesmo sentido que um homem” (apud MARCUSCHI, 2000, p. 81). Vemos, assim, que algumas questões a respeito da metáfora ainda encontram-se um tanto obscuras e não consensuais, constituindo-se em um campo interessante de pesquisa. Devido ao tempo e espaço neste trabalho não vamos adentrar no labirinto das teorias sobre o tema, mas tomaremos a metáfora como um fato da vida cotidiana, sendo impossível, segundo Richards (1950) falar três frases sem que nelas apareça pelo menos uma metáfora (apud MARCUSCHI, 2000, p. 78). Quanto ao fato da metáfora ser um recurso bastante presente na linguagem, Gibbs (1994) apresenta pelos menos três hipóteses para explicar porque as pessoas falam metaforicamente, são elas: expressabilidade, compactividade e vivacidade. A hipótese da expressabilidade propõe que a metáfora permite veicular ideias que não poderiam ser facilmente expressadas por meio da linguagem literal. A hipótese da compactividade sugere que as metáforas possibilitam a comunicação de complexas configurações de informação de maneira econômica. E, por fim, a hipótese da vivacidade veicula a ideia de que utilizando a linguagem metafórica, os falantes podem expressar imagens mais ricas, detalhadas e vívidas de sua experiência fenomenológica e subjetiva, do que se usassem a linguagem literal. 3181 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Diante disso, acreditamos junto com Fairclough (2001) que em situações em que palavras e significados estão envolvidos em processos de contestação e mudança social e cultural, a variação semântica em uma situação particular pode tornar-se uma faceta e um fator de conflito ideológico. Isso porque, de acordo com Schröder (2010), os estudos atuais têm demonstrado haver reciprocidade entre os níveis linguístico e cognitivo no uso de metáforas, as quais devem ser vistas de acordo com o uso da língua, o contexto discursivo, e a situacionalidade cultural. Diferentemente do que os estudos tradicionais sugerem, Fairclough (2001), apoiado na teoria apresentada por Lakoff e Johnson (1980), não vê a metáfora como simples adorno estilístico ou apenas como um aspecto da linguagem literária especialmente da poesia. Para ele, “as metáforas penetram em todos os tipos de linguagem e em todos os tipos de discurso, mesmo nos casos menos promissores, como o discurso científico e técnico” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 241). Essa visão apresentada pelo linguista é também compartilhada por Marcuschi (2000 [1978]) ao afirmar que muito mais que um simples fenômeno linguístico de natureza semântica, ou apenas mais uma figura de linguagem, a metáfora é um fato normal da vida cotidiana, é anterior à razão e serve de meio para aferir a capacidade criativa natural do homem, tornando-se um modo de conhecer o mundo. Concordando com o que asseveram os pesquisadores, defendemos que o estudo da metáfora no gênero em discussão não pode se afastar de uma compreensão mais ampla do que foram as manifestações populares ocorridas no Brasil em junho de 2013, tampouco distanciar-se das questões e valores culturais de quem participou do evento, pois, como afirma Fairclough (2001, p. 241), quando nós significamos coisas por meio de uma metáfora e não de outra, estamos construindo nossa realidade de uma maneira e não de outra, isso porque as metáforas estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos, nossos sistemas de conhecimento e crença. Compreender a metáfora nesse sentido requer do interpretante uma negação de que metáforas são apenas uma forma de comparação, ainda que implícita. Para Marcuschi (2000, p. 85), a metáfora não é fruto da comparação, e sim, no máximo, base para uma comparação a posteriori. “É a metáfora que funda a comparação e não o contrário”, dessa forma, acrescenta o linguista: “a ordem psicológica tem prioridade sobre a ordem lógica”. Sobre o que discute o autor, 3182 Josefa Maria dos Santos exemplificamos com um dos cartazes de maior circulação durante os protestos e cujo discurso tornou-se conhecido mundialmente. Figura 2. Cartaz de protesto Fonte: Facebook (www.facebook.com/Cartazesdeprotestos?fref=ts) Quando observamos a figura acima, identificamos a existência de uma metáfora, mas, diferentemente dos conceitos tradicionais, não encontramos o segundo elemento com o qual o termo “gigante” deveria estabelecer relação de comparação. Assim, apoiados em Marcuschi (2000), questionamos: qual a base que serve de comparação para a metáfora presente? Linguisticamente não temos, na figura 2, nenhum termo que estabeleça comparação com o “gigante acordou”, mas impulsionados pela ordem psicológica que, nesse caso, tem prioridade sobre a ordem lógica, e pela compreensão tanto do contexto da produção do discurso, quanto de momentos anteriores ao evento, somos levados a inferir que o “gigante” no cartaz assume a posição de nação, povo, que acordado (unido, participante, consciente de sua força e de seus direitos) é capaz de mudar a situação política e social do país. Contudo, será que essa análise estaria sendo fiel ao conceito, uma vez que estaríamos de alguma forma fazendo transposição de significado? Quanto a isso, Marcuschi (2000, p. 85) reflete que “a surpresa que tais expressões metafóricas causam e a confusão que geram no leitor será tanto maior quanto mais rico o mundo que elas revelam e quanto mais intraduzível for esse mundo”. Assim, a metáfora torna-se um modo específico de conhecer o mundo que, ao lado do conhecimento lógico-racional, tem sua razão de ser e instaura uma série de outros valores. O que precisa ficar claro, na visão do linguista, é que a metáfora é essencialmente mais do que uma transferência de significado ba3183 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais seada em certos artifícios semanticamente explicáveis, além de ser muito mais do que uma simples comparação abreviada. Na verdade, ela pode ser tida como ponto de apoio para uma análise de capacidade criativa espontânea do indivíduo, sendo, então, apenas do ponto de vista operacional, uma transposição de significado, mas, do ponto de vista genético e psicológico, ela “criaria, pois, uma realidade nova”, seria a criação de novos universos de conhecimento. Essa realidade nova proposta por Marcuschi (2000) é também concebida por Fairclough (2001) que não acredita na neutralidade das metáforas, uma vez que, segundo ele, elas são capazes de estruturar a realidade de uma forma particular. Nesse sentido, ao refletirmos sobre a metáfora contida na figura 2, vemos como ela se atualiza de forma particular em um novo contexto, pois a intertextualidade presente no discurso “o gigante acordou” dialoga com outros discursos em contextos distintos. Entre eles podemos lembrar: 1) “Gigante pela própria natureza [...] Deitado eternamente em berço esplêndido [...]” (Hino Nacional); 2) “O gigante não está mais adormecido” (campanha publicitária da marca de uísque escocesa Johnnie Walker, lançada em outubro de 2011); 3) “O gigante acordou” (em cartaz da Marcha da família com Deus pela liberdade4). Vemos que em todos esses casos, a metáfora do “gigante” que ora está desperto, ora está adormecido, apresenta sentidos e propósitos comunicativos diferentes, no entanto buscam o mesmo resultado, que é persuadir o interlocutor, conforme podemos perceber nos exemplos anteriores: no Hino Nacional, a metáfora é usada como estratégia linguística para exaltar o país, seja pela extensão territorial, seja por suas belezas naturais; no caso da campanha publicitária do uísque, tem a função de promover a venda da bebida; e no caso da Marcha da família ocorrida em 1964, é usada para defender os interesses da elite, uma vez que as reformas na distribuição de renda e de terra, pretendidas pelo então presidente João Goulart, desagradavam os poderosos. Vale ressaltar que nesse mesmo ano deu-se o início da ditadura militar, regime que garantiu os bens desse grupo. Nota-se que nos dois casos em que a metáfora foi usada em forma de protesto (1964 e 2013) o gigante é representado por grupos sociais distintos: no 4. Série de manifestações ocorridas em 1964 e organizadas por setores conservadores da sociedade. O cartaz encontra-se disponível em: http://www.thaisagalvao.com.br/2013/06/23/o-gigante-de-1964-e-ogigante-de-hoje/ 3184 Josefa Maria dos Santos primeiro, a elite e grupos conservadores; no segundo, jovens, estudantes, universitários, professores, desempregados, marginalizados que utilizam serviços públicos como transporte, saúde e educação. Observa-se que o efeito persuasivo no discurso “o gigante acordou” em que ora é preciso acordar para manter o poder das elites sociais, ora para contestá-lo, funciona ideologicamente. Assim sendo, a metáfora torna-se capaz de influenciar nossas crenças, atitudes e valores de forma a possibilitar a transferência de associações positivas ou negativas de um domínio concreto para um domínio mais abstrato. Isso acontece porque, de acordo com Charteris-Black (2004), a metáfora apresenta, entre outras, uma característica pragmática, a de ser motivada pelo propósito subjacente de persuadir outrem, em virtude de sua capacidade de mediação entre os meios conscientes e inconscientes, ou seja, entre a cognição e a emoção. Conclui-se, dessa forma, que “a metáfora é um modo novo de conhecer e comunicar o mundo assim conhecido. Ela é de certa forma um recurso estruturador da realidade criando novas áreas de experiência que fogem ao indivíduo restrito à realidade puramente factual” (MARCUSCHI, 2000, p. 76). Daí ela servir também como recurso persuasivo, pois dizer “o gigante acordou” causa muito mais impacto no interlocutor por meio da memória e emoção do que dizer “a nação acordou”, principalmente, quando o propósito comunicativo é conclamar a população para participar dos movimentos de ruas, fortalecendo, assim, o gigante. Ao analisarmos a presença da metáfora em nosso corpus, constatamos, como mostra a figura 3, que mais de 67% dos textos estavam estruturados a partir de expressões metafóricas, o que confirma que determinados recursos da linguagem são ideológicos, servindo em circunstâncias específicas para reestruturar as relações de poder e dominação, subvertendo-as. 3185 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Figura 3. Análise e categorização de expressões metafóricas no corpus Categorias de metáforas de acordo com Lakoff e Johnson (1980) Metáforas estruturais Metáforas Orientacionais Metáforas Ontológicas Exemplificação Expressões metafóricas 3,30 é roubo Ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil. Deseja formatar o Brasil? Não adianta formatar o Brasil se não trocar de sistema operacional. Vem pra rua Brasil. Direita? Esquerda? Eu quero é ir pra frente. Saímos do Facebook. Enfia os R$ 0,20 centavos no SUS Pode ser que no final a gente diga: R$ 0,20 mudou o país. O gigante acordou. Não adianta ir para a rua como um leão se você continua a votar como um jumento. O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo. Quando seu filho ficar doente, leve-o ao estádio. A justiça não me olha porque é cega, mas o seu dinheiro ela enxerga. Era um país muito engraçado, não tinha escola só tinha estádio... Ninguém podia protestar não porque a PM sentava a mão. Somos a rede social. Contra a manipulação da mídia. O congresso não me representa. Pode ser que no final a gente diga: vinte centavos mudou o país. País mudo, é país que não muda Fonte: a autora 3186 Josefa Maria dos Santos Ao observamos o quadro acima, percebemos claramente como o gênero ideologicamente foi construído por expressões metafóricas, e que essas escolhas não são aleatórias, servindo em momentos particulares para contestar o poder hegemônico. O que, para Fairclough (2001), é uma boa razão para se defender uma modalidade de educação linguística que enfatize a consciência crítica dos processos ideológicos no discurso, para que as pessoas possam tornar-se mais conscientes de suas próprias práticas e mais críticas dos discursos investidos ideologicamente a que são submetidas. O cartaz de protesto e o Facebook: algumas reflexões para o ensino Segundo Sírio Possenti (2013), as manifestações de rua têm oferecido aos professores interessantes materiais para que a prática de leitura na escola seja efetivada a partir de análises mais explícitas e não apenas como identificação de conteúdo. Analisar com os estudantes as produções desses discursos a partir de seus contextos globais, da observação do cartaz enquanto gênero e como esse gênero ganha um outro significado quando colocado a serviço das práticas sociais pode suscitar no aluno uma maior reflexão acerca de como os discursos se estabelecem e como as relações de poder e dominação são manifestadas pelos usos linguísticos que se faz no texto. O estudo do gênero em tela, além de fornecer elementos importantíssimos para a análise linguística, propicia também um trabalho interdisciplinar, visto que dialoga com outras disciplinas como a sociologia, história, filosofia, enfim, as ciências humanas, fomentando assim um painel mais rico e diversificado de saberes. Nesse sentido, oferecemos algumas reflexões sobre como o ensino do gênero pode ser inserido no contexto escolar a partir do uso do Facebook, já que segundo Araújo & Biasi-Rodrigues (2007, p.79) a escola “precisa construir a sua história absorvendo novos conhecimentos e novas tecnologias e, valendo-se deles, promover um ensino-aprendizagem contextualizado”. Pensando no que afirmam os autores, fomos levados, desde o início dessa pesquisa, a refletir sobre de que forma a escola, maior agência de letramento (KLEIMAN, 2007), poderia proporcionar esse processo de ensino-aprendizagem contextualizado. 3187 anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais Assim, inicialmente levamos os estudantes ao laboratório de informática, nos asseguramos de que todos os que ainda não possuíam perfil no Facebook criassem a sua página, e a partir disso criamos um grupo no site. Formado o grupo da turma, começamos a estudar o gênero em páginas específicas, criadas especialmente para propagar os discursos das ruas. Após proporcionar o contato dos estudantes com os diversos discursos nos cartazes de protesto começamos a analisar as estratégias de persuasão presentes, em particular as expressões metafóricas, o que foi bastante significativo, pois os estudantes puderam perceber que as metáforas são muito mais que figuras de linguagens utilizadas para embelezar o discurso poético. O espaço do Facebook também foi utilizado para postar as atividades de análise do gênero e as próprias produções dos estudantes, o que proporcionou uma interação bastante significativa, uma vez que os estudantes começaram a utilizar a escrita de forma colaborativa a partir dos comentários sobre o gênero e sobre suas próprias produções como mostram as figuras abaixo: Figura 4 - cartazes para análises Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/) Figura 5 – questões para análises do gênero Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/) 3188 JOSEFA MARIA DOS SANTOS Figura 6 – Cartaz produzido pelos estudantes Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/) Figura 7 – Análise dos cartazes postados Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/) Com efeito, o trabalho de ensino do gênero em ambiente virtual (Facebook) mostrou-se bastante produtivo para os sujeitos envolvidos na pesquisa, uma vez que observamos a partir das respostas orais e escritas, bem como pelas próprias produções textuais, que os estudantes compreenderam a função social do gênero em questão: estimular a participação social, levando o povo a posicionar-se frente às questões políticas e econômicas do país. Mas não só isso, os estudantes perceberam que o gênero torna visíveis os problemas sociais quando dá voz às pessoas em situação de protesto, explicitando assim, as relações de desigualdades entre os sujeitos sociais envolvidos. Os alunos observaram ainda que um gênero carrega consigo crenças e valores de uma sociedade, demonstrando posições políticas e ideológicas presentes em determinados grupos, e que recursos 3189 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais linguístico-discursivos como coesão, intertextualdiade e metáfora, por exemplo, não são usados pelos produtores de texto de forma ingênua ou aleatória, já que há nessas escolhas questões ideológicas e hegemônicas mais amplas que precisam ser compreendidas pelo interlocutor para que ele possa posicionar-se criticamente diante delas. Considerações finais Analisar o uso de expressões metafóricas como estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes de protesto, propondo atividades que facilitassem o processo de ensino e aprendizagem do gênero em ambiente virtual nas aulas de língua portuguesa constituíram o objetivo dessa pesquisa. No gênero analisado, percebemos que a metáfora, considerada tradicionalmente como aspecto da linguagem literária, especialmente da poesia, foi fortemente utilizada e teve, na constituição dos discursos, importante papel persuasivo. Ao optarmos pelo gênero em suporte eletrônico, objetivamos mostrar como as redes sociais digitais podem funcionar como ferramenta pedagógica e como o professor, ao fazer uso de outros suportes textuais, pode transformar suas aulas em momentos mais significativos para os estudantes. Assim, longe de ter a pretensão de fornecer dicas, receitas ou produzir manuais de como se trabalhar com o gênero em sala de aula ou como abordar a análise do discurso no ensino fundamental, pretendemos apenas possibilitar algumas reflexões acerca do papel do professor de língua portuguesa frentes às novas exigências educacionais, pois entendemos que só compreendendo o discurso de diferentes formas de ação em sociedade, é possível construir nas escolas espaços criativos e dinâmicos de aprendizagem, assim como é possível também utilizar outros suportes como as redes sociais digitais para efetivar leituras e discussões críticas. 3190 Josefa Maria dos Santos Referências ARAÚJO, J.C.; BIASI-RODRIGUES, B. (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. ARISTÓTELES. Poética. Tradução: SOUZA, E. de. Porto Alegre: Globo, 1996. BAWARSHI, Anis S.; REIFF, Mary Jo. Gênero: história, teoria, pesquisa e ensino. Tradução de Benedito Gomes Bezerra. 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Os resultados apresentados decorrem de um estudo de caso, sob uma perspectiva metodológica qualitativa, analisando as atividades de letramento digital sugeridas e orientadas no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). É possível flagrar os movimentos de transgenerização ou hibridismo de gêneros, muitos que são conhecidos fora do âmbito virtual e que são migrados com características específicas para o ambiente digital, por exemplo os contos de fadas comumente apresentados no formato impresso e que são adaptados para o formato de vídeos. Mais ainda: quando ocorre a leitura no formato virtual do conto e sua transposição em modos de apresentação de links ou slides de apresentação com recortes de imagens do vídeo. Nesse percurso de análise observamos as transformações de gênero literário mediadas pelos artefatos digitais, constituindo práticas de letramento digital que exigem as competências específicas de leitura hipertextual, manuseio de ferramentas de gravação/modificação de imagens e textos (copiar imagem, cortar imagem, migrar imagens, linkar imagens/textos/vídeos). O estudo se pauta dentro da área temática de ‘letramento e ensino’ e na grande área ‘linguagens, novas tecnologias e ensino’ propostas neste VI ECLAE com interesses em analisar as práticas de letramento digital no contexto de práticas de ensino constituídas na modalidade de EaD. Palavras-chave: Letramento digital, Educação a distância, Ambiente virtual de aprendizagem, Literatura infantil. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino Letramento Digital e Ensino no Curso de Literatura Infantil em EaD Robson Santos de Oliveira1 (UFRPE/UAG) Introdução Estudos sobre o uso das tecnologias e seus impactos nas várias áreas da educação tem se tornado crescente. No campo do ensino e da linguagem verificamos as investigações de Freitas (2005; 2009), Vani Kenski (2007), Araújo (2009; 2011), Xavier (2011), Coscareli (2012), Bezerra (2011), Ribeiro (2012), entre outros. Especificamente no campo da Educação a Distância (EaD) destacamos Moran, Baseto e Behrens (2000), Valente, Prado e Almeida (2003), Arruda (2004), Kenski (2006), Beloni (2006), Maia e Mattar (2007), Araújo (2013). A modalidade de EaD é prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9.394/1996) no seu artigo de número 80, especificamente, e no artigo de número 87, mas também faz referência ao seu uso em outras modalidades, como no Ensino Fundamental: • Seção III (Do Ensino Fundamental), artigo 32, § 4º - O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. [grifo meu] 1. Prof. Dr. em Psicologia Cognitiva. Universidade Federal Rural de Pernambuco/Unidade Acadêmica de Garanhuns. Email: [email protected] 3195 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais A Educação a Distância constitui-se na modalidade de educação na qual a mediação didática e também pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre através de meios e tecnologias de informação e comunicação (TIC), em espaço e tempo assíncrono entre professores e estudantes, ou seja, é uma modalidade de educação não-presencial. Esta definição está presente no Decreto 5.622, de 19.12.2005 (que revoga o Decreto 2.494/98), que regulamenta o Art. 80 da Lei 9.394/96 (LDB. Tal mediação didático-pedagógica com professores, tutores e estudantes exige o domínio de novas ferramentas tecnológicas e estratégias inovadoras e adaptadas a este novo contexto de ensino-aprendizagem. Não faz parte dos objetivos deste artigo rever a história da EaD no Brasil que é resgatada por Valente (1997), mas nos reportaremos a algumas práticas de leitura e escrita nos ambientes midiáticos contemporâneos e que são utilizados nesta modalidade. Letramento digital e multiletramentos: multiletramentos digitais Por letramento digital conceitua-se as práticas de leitura e escrita no ambiente digital mediadas pelas tecnologias computacionais e de internet (SOARES, 2002; XAVIER, 2007). Assim, encontramos suportes tanto computacionais como os editores de texto, de planilhas eletrônicas, de apresentação, de imagens e de vídeos, os quais exigem formas de escrever e de ler específicas, caracterizadas por hipertextualidades e hibridismos de modalidades de escritas: textos com sons (diapositivos de apresentações), vídeos com textos (filmes editados), gráficos com animações, alterações de imagens etc. Todos esses procedimentos de escrita mediados pela tela do computador são práticas de letramento fora da internet, ou consideradas off-line. No ambiente virtual constituído pela internet essas mesmas práticas podem ser construídas e com novos incrementos, como a sincronicidade de ação em caráter colaborativo (escrever textos, elaborar planilhas, criar imagens, sons e vídeos de modo simultâneo) através de suportes que assim o permitam, 3196 Robson Santos de Oliveira como o Google-drive2. Essa modalidade de escrita amplia aquelas consideradas off-lines porque permitem compartilhamento e armazenamento de informações em larga escala e em caráter colaborativo, nos quais a hipertextualidade e os diversos letramentos se justapõem, então estamos nos referindo aos processos de lecto-escrita on-line. Assim, vários pesquisadores (SOARES, 2002; ROJO 2009; STREET, 2003) apontam para essa multiplicidade de letramentos com especificidades quanto à sua semiótica e estruturação no que se propõe designar por multiletramentos. Diremos, aqui neste artigo, que os multiletramentos coexistentes em textos e modalidades de escrita/leitura no ambiente digital, seja off-line ou on-line, são considerados multiletramentos digitais. Gêneros e hibridização de gêneros Os gêneros textuais são textos materializados em situações comunicativas recorrentes (MARCUSCHI, 2008) e esses textos apresentam padrões sócio-comunicativos característicos definidos por estruturas funcionais, objetivos, elementos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (SANTOS, 2009), os quais se materializam em padronizações mais ou menos rígidos ao longo do tempo, mas que também se caracterizam por modificações em outras formas genéricas ou mesmo na hibridização de gêneros. Estudos sobre a questão da transmutação, hibridização e formação de gêneros (Bhatia, 1997; 1993; 1999; Marcuschi, 2000; 2004; Swales, 2004; Araújo, 2004; 2006; Bezerra, 2006; Lopes, 2008) são apontados por Araújo (2012) que propõe a ideia de constelação de gêneros para dar conta desse caráter dessa tensão diádica entre rigidez e flexibilização dos gêneros. Assim, podemos considerar que, por um lado os gêneros se tipificam em padrões estabelecidos, aceitos e perpetrados ao longo do tempo (cartas, receitas, entrevistas etc.) mas que também sofrem modificações nos contextos de uso (cartas que 2. Google Drive é um serviço de armazenamento e sincronização de arquivos, apresentado pela Google em 24 de abril de 2012, compartilhando documentos de textos, planilhas eletrônicas, imagens, sons etc. 3197 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais se transformam em bilhetes, a fala que se transmuta nos diálogos escritos dos chats, os diários que se modificam em blogs etc. O próprio Araújo (2012, p. 190) embasa-se na tese inicial de Marcuschi (2000, p. 14) que afirma Marcuschi em relação à atividade de classificação dos textos, diz que “a diversidade de formatos pode ocorrer com [muitos] gêneros que apresentam formas de realização variadas (...)a ponto de não sabermos se estamos no mesmo gênero” [grifos de ARAÚJO, 2012, p. 190]. Admite-se, desse modo, tanto uma característica de padronização dos gêneros e, ao mesmo tempo, sua outra característica de flexibilização dessa padronização, no que se observa que são os usos num horizonte social e cultural que provocam tais tensões nos modelos sociais de escrita e de leitura. Considerando as características dos multiletramentos digitais torna-se um fenômeno corolário as modificações e hibridismos de gêneros. Acessar um vídeo e transmutá-lo em recortes de imagens para um arquivo de leitura de apresentação ou utilizar imagens, alterá-las e transportá-las para um arquivo de texto é um exemplo disso: os gêneros se hibridizam. Vídeos que tem textos ou arquivos de leitura que possuem sons e vídeos. Moodle, AVA e multiletramentos digitais Nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) esses multiletramentos digitais e hibridismo de gêneros digitais se tornam práticas comuns, exigindo dos sujeitos pertencentes a esse espaço social conhecimento e domínio de ferramentas e atividades de escrita e leitura digital. Os AVA são espaços virtuais onde professores, tutores e estudantes atuam numa perspectiva de ensino-aprendizagem. Esses cenários virtuais são predominantemente de escrita e de leitura, portanto, de multiletramentos digitais configurados por ambientes tais como Chats (salas de bate-papo em caráter síncrono), Fóruns (ambientes de trocas de postagens sob um tema específico em caráter assíncrono), envio de tarefas, atividades Wiki3, questionários etc. 3. Wiki (Cambridge dictionary online): Um lugar na Internet onde qualquer pessoa pode adicionar novas informações ou modificar aquelas já existentes [tradução minha]. Ver em http://goo.gl/gchD0F [acesso em 10/08/2015] 3198 Robson Santos de Oliveira O Moodle tem sido utilizado mais frequentemente como uma plataforma para o desenvolvimento de EaD por diversas instituições educacionais. O termo MOODLE é o acrónimo de “Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment”, um software livre, de apoio aos procedimentos de ensino-aprendizagem, executado num ambiente virtual4. Seus recursos disponibilizados permitem atividades orientadas por professores e acompanhadas por tutores prevendo datas de entrega das atividades por parte dos estudantes. A centralidade da lecto-escrita nesse ambiente é que caracteriza a modalidade de multiletramentos digitais e hibridismos de gêneros na medida em que textos digitalizados são lançados no ambiente, precisam ser acessados e realizado arquivamento por parte dos estudantes em seus computadores ou dispositivos pessoais de memória digital. A própria práxis pedagógica deste espaço que se caracteriza como AVA exige a participação do aluno com frequência, acessando e enviando arquivos, realizando leitura e escrita nas diversas salas disponíveis (chats, fóruns, atividades wiki etc.). Denise Braga (2007, p. 182) afirma que isso era o de se esperar pois “(...) esse conjunto de possiblidades criou novas práticas letradas e também re-configurou e re-significou práticas já existentes”, portanto estamos, nesse momento, reconfigurando e ressignificando práticas de letramento através dos multiletramentos digitais e hibridização de gêneros. Este artigo apresenta um estudo de caso decorrente de minha experiência docente no curso online de Pedagogia, da UFRPE, na disciplina de Literatura Infanto-Juvenil, no período de janeiro a abril de 2014, utilizando a plataforma Moodle. Uma imagem a seguir apresenta o ambiente inicial da disciplina com três colunas de ação, conforme na figura 1 (visualização a partir do computador do professor executor): 4. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Moodle [acesso em 10/08/2015] 3199 anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais Figura 1: Ambiente inicial da disciplina de Literatura Infantil no Moodle/UFRPE Nesse cenário de AVA temos a coluna de “navegação” (coluna 1) permitindo uma visualização em diversos links de acesso de informação do curso, da disciplina bem como do perfil do usuário. Na coluna central (coluna 2) temos o cenário onde ocorre o desenvolvimento da disciplina com as postagens de ementas, textos, links diversos e atividades a serem realizadas pelos estudantes. Na coluna 3 temos os links de ‘pesquisar nos fóruns’ e “últimas notícias” onde é possível identificar informações dos fóruns e quem está online no momento, bem como o que faz. Vamos apresentar algumas postagens da coluna central (coluna 2) onde ocorrem as atividades pedagógicas. Na figura 2, a seguir, propomos no cenário pedagógico várias atividades que requerem multiletramentos digitais: 3200 Robson Santos de Oliveira Figura 2: Atividade de leitura de textos fora do ambiente Moodle Nessa primeira semana o professor executor disponibilizou no AVA do Moodle dois modos de leitura digital: 1. Leitura dos livros de Lígia Cadermatori e de Lajolo e Zilberman no formato em pdf. Quando o aluno passa o mouse sobre este link será guiado para uma página onde estão disponibilizados os livros para serem arquivados em seu computador ou dispositivo digital; 2. Leitura de sites, fora do ambiente Moodle, como Wikipedia por exemplo, onde é possível realizar a leitura hipertextual do título ‘Literatura Infantojuvenil’ (em português) e ‘Literatura Infantil’ (em espanhol). Toda essa movimentação, por parte dos estudantes requer multiletramentos digitais: movimentar o mouse nos lugares adequados para acessar outras páginas (links identificados por cores e ícone de mão que surge na tela do computador sobre a palavra); acessada a página é preciso clicar com o mouse novamente sobre o link do arquivo (livro digital em formato de pdf) para armazenar no seu dispositivo pessoal, o que requer, por sua vez conhecimentos prévios de download de arquivos digitais e sua localização e nomeação no dispositivo pes- 3201 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais soal; no caso do link para o site fora do ambiente do Moodle é necessário que o estudante proceda à leitura hipertextual no Wikipédia para realizar o seu resumo de pontos relevantes. Após esses procedimentos que atualmente se constituem básicos para a maioria dos internautas, ou seja, de letramento digital, ainda no AVA o estudante deverá enviar um documento de editor de texto como um Word (Office) ou Writer (Libre Office) com os resumos das leituras realizadas e respondendo a questionários. Nesse novo movimento do estudante observamos as práticas de escrita digital: 1. Primeiramente no letramento digital off-line: realizando a escrita dos resumos dos documentos lidos para um editor de texto, o que requer conhecimentos prévios de abrir o respectivo programa aplicativo, saber movimentar o mouse e selecionar as ferramentas de escrita e editoração textual (alinhamentos, leiaute de página, adentramentos, configurações de fontes, inserção de referências de nota de rodapé, inserção de textos copiados dos sites ou do livro digital etc.; 2. Em um segundo momento no letramento digital online: acessando o link no AVA do Moodle para ir à página de envio do documento escrito no modo off-line, clicar com o mouse no ícone adequado e proceder aos caminhos corretos de localização do documento digital previamente escrito em seu dispositivo de armazenamento, selecioná-lo e enviá-lo para o AVA. Somente nesta primeira semana, com essas duas atividades de leitura e escrita, verificamos o multiletramento digital, nas instâncias off-line e online. Quanto à atividade de lecto-escrita registramos aqui as considerações de Fernanda Freire (2003, p. 151) quando discute escrita/leitura e computadores, especificamente quanto ao uso de editor de texto na escola, afirmando que o computador (e pode-se generalizar, também as mídias digitais, incluindo ainda a Internet) tem modificado o modo como nos relacionamos com a escrita e com a leitura. Nesse mesmo sentido Ribeiro (2003, p. 230) acrescenta que “estar online 3202 Robson Santos de Oliveira no uso do computador abre possibilidades de navegação e leitura” pois a rede mundial de computadores, a WWW, é muito mais que uma simples máquina de escrever, diz ela, pois para interagir no ambiente virtual, ler e escrever, é preciso “(...) que o usuário se mova, aperte botões, clique em palavras, compreenda a formatação das páginas digitais” (RIBEIRO, 2003, p. 232), ou seja, é necessário aprender novos gestos de ler e escrever (RIBEIRO, 2003, p. 237). Na figura 3, abaixo, observamos a orientação do professor-executor quanto à formatação do texto exigido, questões sobre a leitura dos documentos digitalizados e prazos de envio: Figura 3: Página de orientação de atividade virtual no Moodle de EaD/UFRPE Na página acessada, cujo recorte é apresentado na figura 3 observa-se as questões sobre a leitura dos documentos a fim de que os estudantes procedam à leitura e posteriormente à escrita da atividade. Também visualiza-se as orientações sobre como proceder na escrita digital e em seguida informações de agendamento de envio das tarefas. Em outro momento da disciplina de Literatura Infantil foi solicitado uma atividade de gênero e de intergericidade. 3203 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Figura 4: Atividade de reconhecimento de gêneros literários infantis Nesta semana foi solicitado aos estudantes que acessassem outras páginas fora do AVA do Moodle como uma página do Wikipédia e também um blogue. Essas páginas por sua vez traziam informações sobre a literatura infantil e seus gêneros (fábulas, contos de fadas, lendas etc.). Já nesse movimento observa-se que o estudante se movimenta em vários gêneros emergentes da tecnologia digital (sites e blogues) e passa a revistar antigos gêneros agora no formato digital. No blogue indicado foi solicitado uma leitura hipertextual e uma escrita em forma de apontamentos, portanto multiletramentos digitais. O próprio espaço destinado à atividade da semana traz uma característica do gênero da literatura infantil: a imagem da personagem Branca de Neve e os sete anões. Esse aspecto materializa o hibridismo dos gêneros que se tornam tão comuns no ambiente digital e, no caso aqui, observamos a referência imagética do gênero literário no texto didático de atividade pedagógica. Esse conjunto de ações de leitura constitui o multiletramento digital em vários espaços do AVA e fora dele. 3204 Robson Santos de Oliveira Uma tarefa é sugerida esta semana, conforme proposta na figura abaixo: Figura 5: Proposta de atividade sobre os gêneros na literatura infantil Na proposta pedagógica, conforme apresentada na figura 5, flagrada do AVA no Moodle da UFRPE na disciplina de Literatura Infantil do curso de Pedagogia, verificamos que após a leitura digital no site Wikipédia e no blogue especificado foi solicitada a tarefa de escrita digital no fórum, a partir da leitura de um dos tipos textuais do gênero literário infantil (contos de fadas, lendas, fábulas etc.) reapresentar o mesmo no ambiente de fórum. Essa mobilidade intergêneros constitui o hibridismo que lhe caracteriza, ou seja, a inserção de aspectos de um gênero noutro. Numa perspectiva macrovisual também vislumbramos aqui a constelação de gêneros proposta por Araújo (2012). A seguir apresentamos o resultado dessa intergenericidade na qual aspectos do gênero literário infantil se manifestam e se mesclam no gênero fórum virtual na figura 6: 3205 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Figura 6: Atividade de estudante no ambiente de fórum virtual Na figura 6 observamos a transposição do gênero de literatura infantil para o gênero fórum virtual ao mesmo tempo em que se mescla o gênero sinopse. Aqui temos, portanto, o flagrante da constelação de gênero e sua hibridização intergenérica. Ao mesmo tempo verificamos a prática dos multiletramentos digitais: leitura em diversas modalidades de gêneros e escrita digital, tanto off-line quanto online. Por fim destaca-se outra atividade nesta disciplina em que observa-se, por exemplo, a leitura hipermidiática no Youtube de canções de Vinícius de Moraes e outros intérpretes da MPB no projeto A Arca de Noé. Figura 7: Atividade sobre projeto musical de Vinícius de Moraes (A Arca de Noé) 3206 Robson Santos de Oliveira Nesta semana de atividades virtuais verificou-se que o professor-executor da disciplina propôs o letramento digital de músicas no ambiente de Youtube. O próprio projeto musical A Arca de Noé, nos anos 1980 na TV Globo já se caracterizou por essa intergenericidade realizando adaptação musical para a televisão. Se fizermos uma análise mais aprofundada, o que não será possível nesse texto, será possível concluir que o próprio projeto musical A Arca de Noé na TV é uma escala de intergenericidade, pois Vinícius de Moraes iniciou como poesia, lançando um livro, para depois migrar para as composições musicais das produções poéticas e, por fim, culminar na produção televisiva com videoclipes dessas músicas poetizadas. O exemplo aqui apresentado dessa semana de atividade pedagógica no AVA do Moodle materializa esse multiletramento digital que o computador e a Internet nos proporciona na atualidade, ou como nos diz Coscarelli (2009, p. 14): “o computador disponibiliza muitos textos, encoraja com suas ferramentas a construção de textos mono ou multimodais”. Na figura 7, então, flagra-se como os diversos gêneros se imbricam no ambiente virtual: o estudante será estimulado a visitar o Youtube; ler nesse gênero digital emergente som, imagens e textos; realizar escrita de pontos relevantes; reescrever o texto no modo de vídeo/som para o modo de texto/resumo como o que se pede de tarefa: “Visite os links indicados e escolha uma música, apresentando o cantor e a história da música”. Um dos resultados resultados dessa atividade pode ser observada na imagem a seguir, na figura 8, onde os estudantes pesquisaram em ambientes fora do AVA no Moodle e encontraram uma das composições de Vinícius de Moraes no seu projeto A ARCA DE NOÉ, apresentando-a no ambiente de fórum: 3207 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Figura 8: Escrita do estudante de texto pesquisado na Web Embora pareça bastante simples o ato de ‘copiar’ e ‘colar’ no computador e no ambiente virtual, o fato é que representa um dos novos usos da escrita e da leitura digital. Aqui, em resposta à tarefa solicitada pelo professor-executor os alunos realizaram uma das facetas do letramento digital: se deslocaram para fora do AVA no Moodle, utilizaram sites de busca ou navegaram num dos links propostos para a semana, depois fizeram a leitura hipertextual para selecionar uma composição poética, copiaram e depois retornaram ao AVA no Moodle para reescrever o texto selecionado. Nesse sentido corroboramos o que disseram Silva, Lima e Araújo (2009, p. 186) afirmando que a natureza hipertextual dos egêneros presentes nos AVA requerem uma confluência de letramentos. E aqui temos um outro exemplo desse movimento que exige multiletramentos digitais, quando o estudante de EaD realiza pesquisa no ambiente virtual, de modo tematizado (literatura infantil), e de modo específico (Youtube), coletando o endereço eletrônico e o transportando para o espaço de fórum virtual, onde o suporte do Moodle permite a visualização imediata da mídia, caracterizando uma hipermidialidade. Vejamos na figura 9 esta característica: 3208 Robson Santos de Oliveira Figura 9: Reescrita digital do gênero vídeo virtual no ambiente de fórum Nesta figura flagra-se a constelação de gêneros novamente, como sugerida por Araújo (2012), a hibridização de gêneros que se justapõem em vários níveis e os multiletramentos que se manifestam em leitura e escrita digital em diversas modalidades. As atividades propostas e realizadas no AVA requerem, como visto até aqui, um conhecimento prévio de lecto-escrita digital para que se possa atuar no ambiente e participar ativamente das aulas e sua dinâmica, tanto no espaço específico da atividade virtual quanto fora dela, tanto online quanto off-line. Considerações finais O estudo de caso aqui apresentado revela os imensos potenciais das ferramentais digitais em AVA como o Moodle, apesar de suas limitações. As atividades de EaD na disciplina de Literatura Infantil apresentadas nesse artigo revelam como os multiletramentos digitais são exigíveis e, ao mesmo tempo, se ampliam em contextos de usos, contribuindo para os hibridismos de gêneros e a caracterização de novos gêneros que emergem na tecnologia digital. 3209 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Esses novos procedimentos de escrita e de leitura provocam-nos, como educadores e técnicos educacionais, a fim de nos prepararmos adequadamente para novos cenários pedagógicos, novas estratégias educacionais sem perder o foco no estímulo à criticidade enquanto sujeitos do conhecimento. Referências ARAÚJO, J.C. (Org.); DIEB, M. (Org.). Letramentos na web: gêneros, interação e ensino. Fortaleza: Edições UFC, 2009. ARAÚJO, J.C. (Org.); COSCARELLI, C. V. (Org.); DIEB, M. (Org.). Educação & Tecnologia. 3. ed. Belo Horizonte: CEFET-MG, 2011. ARAÚJO, J.C. 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A metodologia de investigação está apoiada na pesquisa bibliográfica que se impetrará a partir da fundamentação teórica advinda de leitura de documentos como os OCEM (2006), pesquisas, artigos e trabalhos de autores como CANDAU (2002), LÉVY (2007), BAGNO (2007), dentre outros, bem como a análise do estudo da disciplina língua portuguesa e suas implicações no cotidiano, a partir da sociolinguística educacional. O presente artigo contribui para uma reflexão acerca da necessidade de se trabalhar com a inserção das novas tecnologias como instrumento de estímulo e dinamização, a fim de quebrar paradigmas existentes, os quais criam rejeição do discentes no que concerne ao estudo da sua própria língua. Palavras-chave: Ensino, Identidade, Língua portuguesa, TIC. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino O USO DAS TIC NO PROCESSO ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA Maria Goretti dos Santos Silva1 (SEC-BA) Introdução Os meios de comunicação devem ser instrumentos de auxílio no processo de formação do professor, visto que muitas são as ocasiões em que o uso dos recursos tecnológicos pode favorecer o desenvolvimento ensino/aprendizagem, bem como pode provocar um estranhamento, sobretudo dos educadores que há muito já exerce a função docente. As TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação – estão inseridas de forma muito preponderante no cotidiano de todos os cidadãos, ou seja, atualmente, vive-se a influência dos meios de comunicação e informação, dada a velocidade com a qual as notícias circulam no mundo globalizado, cujas fronteiras são rompidas, possibilitando a propagação mais facilmente de ideologias e consequentemente a reprodução de discursos massificantes. É bem verdade que não se deve tratar as TIC como instrumentos meramente maléficos. A forma como são utilizados estes recursos é que nortearão os resultados objetivados, de maneira tal que a necessidade de apresentar ao educador, em processo de formação de caráter contínuo, as novas tecnologias condensa-se com uma congruência própria de quem está vivenciando as mudanças 1. Professora Msc. da SEC-BA nas disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual do Ensino Médio. 3213 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de paradigmas, bem como as transformações de modelos educacionais estáticos, engessados, paralisados, de reprodução alienante e inflexível. Para tanto, este artigo tem por objetivo geral verificar como o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação pode favorecer o desenvolvimento do processo de formação do aluno de Língua Portuguesa (LP), de maneira a creditar mais estímulo ao educando, possibilitando uma maior interação entre o sujeito/ aprendiz e o objeto de conhecimento. A metodologia desta investigação se apoia na pesquisa bibliográfica que se impetrará a partir da fundamentação teórica advinda de leitura de livros, revistas, pesquisas, artigos e resumos. Em seguida será realizada a análise das implicações em seu cotidiano, buscando assim, favorecer a sistematização teórica em concordância com a análise crítica dos dados coletados acerca do tema proposto. Esta pesquisa se justifica pela observância do processo de formação discente em consonância com as novas tecnologias que “movem” o mundo globalizado. Não obstante, o processo de expansão do ensino em pleno século XXI deve estar atrelado ao crescimento gradativo e por vezes exacerbado dos recursos tecnológicos que fomentam o surgimento, cada vez mais veloz, de distintas atitudes, seja no âmbito da linguagem, do comportamento, do conhecimento. Já não se pode mais pensar em um modelo educacional que vá de encontro aos mais concretos meios de aquisição de aspectos cognitivos e conhecimentos sociais vigentes, que faz com que o ensino da LP se confunda com o ensino de uma língua estrangeira para o educando. Por isso, faz-se preciso estimular o uso das TIC para um aproveitamento mais eficiente dos objetos de estudo, a fim de se alcançar resultados igualmente eficazes. Assim sendo, o uso de recursos tecnológicos no âmbito escolar tende a favorecer um processo de maior atenção dos sujeitos envolvidos no processo ensino/ aprendizagem, posto que a partir da utilização de instrumentos inovadores, há um fomento às novas formas de diálogos, sobretudo, de maneira mais eloquente com aprendizes inseridos em um contínuo e presente contexto de transformações sócio-político-culturais e linguísticas. 3214 Maria Goretti dos Santos Silva Português: língua nativa ou língua estrangeira? A língua portuguesa é composta por características multifacetadas, pois ao se observar os constituintes dessa língua se pode perceber a diversidade linguística, cultural, histórica que formou e forma cotidianamente essa identidade nacional. Todavia, é necessário considerar que o português ao qual esse estudo se propõe pesquisar é o português brasileiro. Faz-se relevante estabelecer tal distinção, pois de acordo com Saramago (apud Bagno 2007) “quase me apetece dizer que não há uma língua portuguesa, há línguas em português.” Reafirmado por Bagno (2007) “o português são muitos”. Essa é a marca impressa em uma língua tão dinâmica e idiossincrática utilizada em tantos países, estados, cidades ou mesmo nos vários guetos que compõem o global e o local, pois toda e qualquer língua é viva e está sempre em processo de mutação e adaptação contextual. Assim, como corrobora Mendes (2004, p. 12): O que importa, e é isso que aqui defendemos, é pensar a língua como entidade viva, que se renova a cada momento, que se multiplica e auto-organiza através do seu uso pelos falantes e pelo contato com outras línguas; língua que é ao mesmo tempo, reflexo da cultura e também instrumento da construção e afirmação da cultura, marcando e sendo marcada por ela. Nisso consiste a afirmativa de que a língua e cultura não podem ser dissociadas. “A cultura e a língua orientam a nossa experiência subjetiva, oferecendo-nos uma grande variedade de representações simbólicas que permeiam todas as relações sociais” (MENDES 2004, p. 84). Isto é, partindo do processo de comunicação se tende a estabelecer as relações entre os seres sociais. Neste contexto, categoriza-se a língua e cultura brasileiras como sendo muito ricas e diversificadas, podendo-se dizer uma cultura de muitas culturas, uma língua de várias línguas. Muitas pesquisas apontam para o fracasso escolar que é crescente em relação ao ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa entre alunos brasileiros/ nativos do ensino fundamental no Brasil. Por isso, é muito comum ouvir alunos dizerem que não sabem falar “português”, uma vez que essa língua ensinada na escola pouco condiz com a realidade pragmáticas desses falantes. Não 3215 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais obstante, o falante nativo perde o enlace, até mesmo sentimental, com a sua própria língua, que deveria ser um ícone identitário e cultural na representação de seu habitus2 . O ensino-aprendizagem da língua portuguesa no Brasil tem encontrado bastantes barreiras no que concerne à motivação dos alunos em “dominá-la”. Isso se deve ao fato de que para muitos estudantes, a língua portuguesa acadêmica tem pouca referência com a língua portuguesa falada em sua práxis social. Desse modo, a língua se configura como algo que causa um estranhamento ao discente, ao ponto de ser comum comentários como: “não sei falar português”, isso acontece porque a escola precisa compreender que os alunos são heterogêneos e estes estão em constante transformação, seja no que concerne à língua ou à cultura. De acordo com Bagno (2007, p.37): Se a língua é falada por seres humanos que vivem em sociedade, se esses seres e essas sociedade são sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogêneos, diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos e transformações, estranho, o paradoxal, o impensável seria justamente que as línguas permanecessem estáveis e homogêneas. Ora, se o sujeito é brasileiro/nativo como não sabe falar a sua própria língua? Esse fato está imbricado com a falta de noção de pertencimento, de identidade. A língua não é vista como algo que compõe sua formação identitária e assume, dessa forma, uma caráter de estrangeiro3. Por vezes, a língua portuguesa é vista pelos alunos brasileiros/nativos como “língua estrangeira”, pois estes veem com estranheza a sua própria língua quando chegam à escola, uma vez que há uma diferença, a qual causa repulsa no processo de aprendizagem, entre a língua vivenciada e aquela apresentada no ambiente escolar. 2. Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus é uma subjetividade socializada (BOURDIEU, 1983). 3. É importante considerar que estrangeiro aqui está sendo tratado como algo que causa estranhamento. Ou seja, a língua portuguesa escolar é considerada como uma língua estranha, estrangeira. 3216 Maria Goretti dos Santos Silva Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade em seu poema Aula de Português: “A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender. A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas, atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me. Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério.” Como o próprio poema afirma, a língua portuguesa é apresentada no espaço escola como sendo uma outra língua, com tons de estrangeira, totalmente distinta da “linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender”. O aluno se sente diante de uma língua distinta daquela que se fala no cotidiano, da espontaneidade, das expressões comuns à sua fala contextual. Nesse cenário, a língua se apresenta como sendo algo tão distanciado e que “aturde e sequestra” o aprendiz, que é nativo dessa mesma língua. Assim “a língua, como veículo do pensamento do homem, é a manifestação de sua identidade” (SCHEYERL 2004, p.65), por isso, o estudante se vê atropelado por tantas regras e exceções que muito dificultam seu percurso de aperfeiçoamento daquela que carrega em si as marcas identitárias desse mesmo nativo, e que diante desse molde normativo da língua, inicia um processo de rejeição à 3217 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais sua própria língua portuguesa, haja vista os professores ouvirem tão constantemente de alguns alunos que odeiam a língua portuguesa, por ser tão difícil e inacessível. Por isso, para esses alunos, o português se configura como “dois, sendo o outro mistério”, porque esse outro, por vezes se constitui tão complicado para o discente que este nem consegue discernir que é a mesma língua, mas com formatações contextuais diferenciadas, ou seja, a escola apresenta a língua formal, mas cabe ao estudante saber utilizar essa língua de maneira devida em sua situacionalidade, e por vezes essa “dualidade” não fica clara para o aprendiz. Assim sendo, pode-se considerar que não se tem uma língua portuguesa, mas uma língua BRASILEIRA, a qual se torna uma forte marca identitária que bem caracteriza o jeito brasileiro de ser, “aqui, a diferença é colocada em termos de ‘língua dos brasileiros e ‘língua dos portugueses...” (BAGNO 2007, p.99). Por conta da obrigatoriedade imposta na escola de um ensino meramente pautado na gramática normativa, o momento de construção do saber se torna desmotivador, pois não há nenhuma associação com a realidade vivenciada. Além do que, os alunos, os quais já possuem um vocabulário dito “diferente” do padrão, são estigmatizados e excluídos na escola e na sociedade, pois a “linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável” (ALKIMIM 2001, p.21). Muitos professores de Língua Portuguesa se sentem, por vezes, frustrados ante a rejeição que os alunos têm à matéria. Rejeição esta que já se configura como um fator histórico-social, haja vista as enormes diferenças linguísticas que no imaginário coletivo do aluno transforma a língua portuguesa, em uma língua estrangeira, tamanha a falta de apreensão e compreensão. Não obstante, não se pode esquecer que o aluno é brasileiro/nativo e é falante dessa língua. Isso já o torna capaz de compreender a importância da contextualização da linguagem. Contudo, isso não o torna um falante melhor ou pior, já que o objetivo primeiro de uma língua é a comunicação. Assim, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio propõem: Quando se consideram os conceitos de heterogeneidade da linguagem e da cultura, passa a ser difícil conceber a linguagem e a cultura como abstrações descontextualizadas. Conforme se viu, tanto a linguagem como a cultura se manifestam não como totalidades globais homogêne- 3218 Maria Goretti dos Santos Silva as, mas como variantes locais particularizadas em contextos específicos (BRASIL, 2008, p.103). Para tanto, faz imprescindível que a escola seja um espaço de apresentação dos vários contextos linguísticos que permeiam a sociedade na qual o aluno está inserido. Ou seja, a língua trabalhada pode estar em consonância com a realidade e também em entrelaçada com a gramática normativa, uma vez que há uma exigência social de apreensão dos padrões da norma culta. A sociolinguística educacional A aprendizagem é ser um momento de troca de experiências, seja de maneira formal seja informal, isto é, a partir da interação entre os sujeitos, o conhecimento pode ser construído de modo coletivo e com base no contexto social no qual se está inserido. Para Vion (1992, p.45): o “interacionismo é capaz de indicar que toda empreitada ou ação do sujeito no mundo se inscreve num quadro social, submete-se às regras de gestão histórico-cultural, não é nunca ideologicamente neutra”. Isso se dá porque o indivíduo está inserido em um contexto social, histórico e cultural, que de maneira alguma podem estar desassociados de seu universo acadêmico, pois “o processo de aprendizagem se inscreve na dinâmica da transmissão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação” (TORT, 1976, p.27). Desse modo, as relações sociais estão profundamente imbricadas à formação escolar do indivíduo, pois tanto a educação quanto o processo de interação social estão subordinadas às questões sociais. A educação é um fenômeno social. Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas, e culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com interesses distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto nas organizações econômica e política quanto na pratica educativa. Assim as finalidades e meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmicas das relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente determinadas (SARTI,2003, p.49). 3219 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Assim, a Sociolinguística Educacional4 se constitui como fundamento para as aulas de Língua Portuguesa, haja vista a necessidade de se dar maior ênfase às questões variacionistas, considerando o contexto sócio-histórico-cultural dentro do processo de interação. Para isso, de acordo com Bortoni-Ricardo e Freitas (2009, p. 278) o objetivo da Sociolinguística Educacional é “construir novas metodologias que auxiliem professores a desenvolver em seus alunos as habilidades cognitivas necessárias a uma aprendizagem mais ampla, à expansão de sua competência comunicativa e à capacidade de desempenhar tarefas escolares cotidianas”. Por isso, a escola quando dissocia a prática da teoria pode causar uma grande rejeição no aprendiz, posto que não havendo uma relação direta com o que lhe é peculiar, haverá desmotivação e não reconhecimento daquilo que lhe é próprio. Destarte, pode-se compreender a “aprendizagem escolar é assim um processo de conhecimentos, organizada e orientada num processo de ensino onde os resultados se manifestam em modificações na atividade interna e externa e os sujeitos em suas relações com o ambiente físico e social se encontram (FREIRE,1996, p.42). A linguagem é um instrumento primordial de propagação da cultura de um povo, pois “a linguagem não é apenas uma representação de um mundo estabelecido independentemente. A linguagem é também este mundo” (DURANTI, 1997, p.337), pois assume a posição de facilitadora da aprendizagem, ou seja, a partir de expressões e/ou vocábulos pertencentes a um determinado grupo, pode-se abranger a aprendizagem da língua e da cultura de forma dinâmica e pragmática. Assevera-se assim, que a língua está caracterizada como um instrumento comunicacional, embasando as relações interacionistas e sociais, pois “(...) a linguagem não é só capital cultural, mas também é capital simbólico, de acordo com as dinâmicas de relações de poder que trazem prestígio político e hierarquia social” (MOTA, 2004, p.36). 4. A realidade e a prática em sala de aula têm mostrado que a Sociolinguística voltada para a educação pode contribuir de forma significativa para melhorar a qualidade do ensino da língua materna em cursos de formação de professores alfabetizadores porque trabalha com os fenômenos da língua em uso, com base na relação língua e sociedade e voltada para a realidade dos alunos (Sociolinguística Educacional, BORTONIRICARDO). Fonte: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/artigos/901-titulo-soiiolioguistiia-iiuiaiiooal 3220 Maria Goretti dos Santos Silva A tecnologia transpondo as fronteiras do conhecimento No processo de formação do educando, a tecnologia, até então, tem sido pouco explorada e ao educador não é dada a instrumentalização necessária para que haja uma abrangência no que concerne aos conteúdos a serem dispostos, propagando, de forma velada, a “desnecessária” utilização desses artifícios na sala de aula, como por exemplo o uso do celular, internet, dentre outros, pois a “tecnologia contemporânea é um dos fatores mais importantes de formação da socialidade contemporânea” (LEMOS 2004, p. 88). Desta forma, muitos alunos são obrigados a não utilizar as TIC no espaço escolar, sobretudo, quando esse cerne está nas mídias digitais, subsídios que ainda provocam estranheza, e possuem alta complexidade por parte de professores e corpo diretivo. Ou então, considera-se o fator tecnologia, por vezes, como uma mera “válvula de escape”, sem fundamentação e/ou objetivação do que se pretende ao utilizar tal recurso. Como preparar o aluno para fazer pesquisas sem que se faça uso inapropriado, com vistas no chamado “ctrl C/ ctrl V”: copiar e colar? O professor acaba sendo o grande responsável por sua própria formação (...) (GUEDES, 2006, p. 26). E é neste contexto de busca individual que a formação docente acontece. Ação, por vezes, pessoal, sem estímulo e sem auxílio, e que quando não apresentado ao universo das novas tecnologias, esse profissional pode ser excluído de possibilidades infinitas de inovação. “As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos” (LÉVY 1993, p. 7). De outro modo, deve-se considerar que o uso das novas tecnologias não se configura como a tábua de salvação da humanidade, porque a depender de seu uso, os problemas vigentes podem perdurar ou mesmo provocar rupturas gravíssimas no constructo do processo ensino/aprendizagem de qualquer indivíduo, pois “diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação (CASTELLS, 2005, p. 50). Decerto, a integração das tecnologias no âmbito educacional emerge como um acesso ao conhecimento em que as fronteiras são facilmente atravessadas. A cultura facilmente conhecida e o diálogo facilmente estabelecido. Assim sendo, ensinar a língua portuguesa ganha uma nova roupagem, e metodologicamente, 3221 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais torna-se mais eficiente e eficaz, já que as aulas ao centrarem-se em um procedimento de reconhecimento da identidade linguístico-cultural do indivíduo, com o auxílio das novas tecnologias, as quais têm o poder de trazer para o educando uma realidade mais concreta, atual e motivadora, viabilizam o conhecimento mais pleno da língua, perdendo o caráter superficial de reproduzir normas e condicionar-se às propostas fechadas dos livros didáticos, os quais, muitas vezes, assumem o papel de meros reprodutores de ideologias. “Assim, em uma sociedade, que supostamente teria uma cultura homogênea, encontramos diferentes ‘tribos’, no interior das quais ainda podemos encontrar uma enorme variedade de manifestações culturais” (CANDAU 2002, p. 74). Destarte, torna-se importante ampliar o processo ensino-aprendizagem, apresentando os a diversidade linguística, como um instrumento de propagação da multiculturalidade que sedimenta a identidade nacional, pois, a cultura é o meio de comunicação. Outrossim, a necessidade de relacionamento com pessoas de outras culturas é, hoje, mais evidente do que nunca. Deste modo, as mídias digitais favorecem essa apresentação das idiossincrasias que constituem cada comunidade, mais especificamente a brasileira. O meio social é fator preponderante para que o conhecimento seja uma práxis concreta e constitutiva do ser. Portanto, aprender a língua portuguesa requer, não só o conhecimento metódico de regras e normas, mas a inserção ou imersão na cultura popular, a fim de que haja uma complementariedade do objeto de estudo, ampliando o processo ensino/aprendizagem de forma que englobe a língua, a cultura, costumes, tradições, peculiaridades do país em questão. Torna-se importante ampliar o processo ensino-aprendizagem da LP, contextualizando os aspectos culturais como um instrumento, pois, a cultura é o meio de comunicação do homem e a forma de estabelecer relações e negociações de sentidos. “Ressalta-se, assim, a natureza multifacetada de nossas identidades, a ênfase na negociação de sentidos, na mutabilidade de papéis e na continuidade do processo de construção de identidade” (MOTA 2004, p. 42). Diante de tantos pressupostos, a formação do discente, considerando as diversas implicações que devem ser ponderadas diante da construção de seu saber linguístico, perpassa por uma gama de necessidades no que concerne aos conhecimentos de língua e cultura, de forma imbricada, justaposta aos recursos tecnológico-midiáticos que remodela um cenário com novas matizes, interpe- 3222 Maria Goretti dos Santos Silva lando o sujeito/aprendiz ao alargamento da visibilidade dos conhecimentos de si e do outro. Neste cenário, o professor deve saber usar as TIC a partir das práticas pedagógicas e do que se pretende alcançar. Igualmente, podem-se perceber ações que são meramente reprodutoras de práticas engessadas, sem o favorecimento de atitudes motivacionais que perfazem a apreensão do conhecimento em suas aulas, por isso de acordo com Costa e Paim (2004, p.27) “(...) a tecnologia não pode nunca estar dissociada da dinâmica em que o conhecimento é desenvolvido”. Faz-se notório o crescimento vertiginoso do uso das tecnologias no campo educacional, bem como a necessidade de que o uso desses recursos contribua de maneira significativa para o desenvolvimento de competências e habilidades nas aulas, uma vez que a partir das mídias digitais há uma possibilidade de fomento das diversas linguagens, produzindo significativas mudanças na produção de materiais com suporte em outras tecnologias. Contudo, deve haver um planejamento que evidencie de maneira consubstancial as características peculiares das diversas e distintas linguagens e potencialidades tecnológicas, ações que podem provocar mudanças na práxis educacional, considerando a competência existencial de atitudes, motivações, valores, crenças, estilos cognitivos, traços de personalidade, dentre outros. De acordo com Lancien (1998) os recursos multimidiáticos podem exercer um importante papel no desenvolvimento das competências comunicacionais, uma vez que a multimídia a Internet, por exemplo, beneficia não apenas o aprendiz, mas também o professor, assim, expondo uma categorização. Para tanto, é preciso ter clareza no que se objetiva e a partir da intencionalidade se constituir ambientes favoráveis que despertem o interesse e, sobretudo, o acesso do aluno aos recursos tecnológicos, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa e eficiente. As TIC trouxeram à comunidade global um acesso ilimitado ao conhecimento, bem como ao espaço escolar favoreceu novos rumos ao desenvolvimento do processo de constituição dos saberes, já que a aquisição de um novo conhecimento precede a autonomia do aprendiz ao buscá-lo em outros lugares, como por exemplo, nos meios de comunicação midiáticos, e não apenas em uma instituição formativa, assegurando que o acesso ao conhecimento é garantido pela 3223 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais liberdade da busca, a partir de estímulos pessoais, pois o aprendiz agora pode ter ingresso a um universo infinito de informações. Assim como corrobora Sobral e Jouet-Pastre (2004, p.224): A importância da tecnologia dentro desse contexto aparece de modo crescente (...), de melhor qualificar os professores para que possam lidar de maneira pedagogicamente eficaz com os alunos e a tecnologia, rompendo assim a velha barreira da tecnofobia e o mito de que a tecnologia pode provocar a “desumanização” do processo ensino-aprendizagem e da educação como um todo. Assim, faz-se preciso haver integração entre tecnologias, linguagens e representações de maneira a interconectar os cidadãos ao mundo globalizado, cujas fronteiras se tornam facilmente transponíveis. Contudo, é necessário observar as diferenças culturais, aceitá-las e, sobretudo, respeitá-las para que haja um processo de conhecimento e apropriação do que é do outro, sem perder as marcas identitárias que constitue cada grupo específico. Considera-se estabelecer mudanças urgentes no processo de formação e educação discente, com investimentos mais concretos no uso efetivo dos recursos tecnológicos, para que haja menos rejeição dos alunos em relação à aprendizagem da língua portuguesa. Não obstante, emerge a grande precisão de o educador estar em contato com as novas tecnologias, pois se constituem como meios muito eficazes para a obtenção de resultados positivos no que concerne ao conhecimento. Há que se reencontrar o sentido mais humanístico, interativo e integrador da educação, que leve a repensar a necessidade de professores e gestores tomarem consciência de que o uso das tecnologias permite redimensionar os espaços de ensinar e aprender, sonhar e amar, vislumbrando a provisoriedade do conhecimento, as novas possibilidades das práticas da escola, a necessidade da formação continuada para atender às características de mudança da sociedade atual e para resgatar o valor do saber e a sensibilidade do ser (REZENDE & FUSARI 1994, p.24). Faz-se primordial repensar na práxis educativa como uma tomada de consciência, geradora de buscas incessantes pelo objeto a ser desvelado. O professor assume a postura de sujeito auxiliador na formação do indivíduo enquanto cida- 3224 Maria Goretti dos Santos Silva dão ativo e partícipe na tomada de decisões, seja de cunho social, seja profissional, ou mesmo pessoal. A concepção docente deve estar em concordância com as transformações sociais. Não se pode pensar em eficientes e eficazes estratégias de ensino, sem que aquele que a direciona esteja estanque à realidade na qual estão inseridos seus alunos, desprezando os critérios de exigência social para a formulação de um ensino de qualidade. A busca pelo saber contribui para o desenvolvimento intelectual e mental do ser humano, em sua relação consigo mesmo e com o outro. Dessa forma, ao educador cabe também a tarefa de construir seus arcabouços significativos, ante as necessidades pessoais e intransferíveis, advindo de seu contexto de experiência pessoal. Por isso, como corrobora Nóvoa (1997, p.26) “a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”. Portanto, pode-se afirmar que nos novos paradigmas de formação de língua portuguesa não se pode excluir a inserção de conteúdos de multimídia e da prática docente aliada ao uso das TIC. Ou seja, formação escolar, é urgente a capacitação do profissional para o uso das mídias, sobretudo as digitais, posto que o desenvolvimento de materiais pedagógicos deve estar em consonância com as atualizações que constituem e, de certo modo, regem o mundo globalizado. Considerações finais A aprendizagem de língua portuguesa tem passado por muitas transformações ao longo dos anos, visto que cada aprendiz reage de uma forma diferenciada, levando em conta processos biológicos, cognitivos, afetivos, motivações, contexto social e histórico, processos de afiliação, processamento de input, criação de hábitos automáticos, interação (PAIVA 2005, p. 39). O presente artigo tendeu a discutir acerca de uma abordagem significativa do uso das TIC no âmbito educacional, visando à difusão de novas práxis nas salas de aulas de LP, observando as mudanças pedagógicas que podem se originar do uso desses novos recursos e também da inserção do educador nesse processo de transformação e formação a partir do uso das novas tecnologias. 3225 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Espera-se com essa pesquisa contribuir para a formação discente na disciplina de Língua Portuguesa, partindo da sociolinguística educacional apresentar ao aluno as diferentes contextualizações da língua, despertando no aprendiz o desejo por conhecer a sua língua enquanto ícone da sua própria identidade, do lugar a que pertence. Assim, a pesquisa pretende contribuir com debates futuros acerca do uso das novas tecnologias, a fim de garantir uma abertura urgente para a inserção das mídias, sobretudo as digitais, no processo de produção do conhecimento nas instituições de ensino, para que assim possa haver um estabelecimento de uma relação de comunicação cultural de maneira crítica e reflexiva, apropriando-se de forma motivadora dos recursos multimidiáticos, os quais favorecem a transposição das fronteiras físicas e ideológicas que pode auxiliar no diálogo entre culturas. Referências BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BORTONI-RICARDO, Stella Maris & FREITAS, Vera Aparecida de Lucas. Sociolinguística Educacional. In: ABRALIN: 40 ANOS EM CENA. João Pessoa: Editora Universitária, 2009. BORDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora marco Zero Limitada, 1983. BRASIL (2000), Secretaria de Educação Básica. 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Analyse des interactions Hachette Supérieur, Paris,1992. 3227 RESUMO Num mundo em constante transformação e cercado de novas tecnologias, é necessário que os estudantes desenvolvam habilidades que vão além do letramento alfabético, é urgente ser digitalmente letrado. No entanto, contrariando as mudanças aceleradas que acontecem na sociedade, a escola contemporânea insiste na manutenção do paradigma educacional adotado desde a Revolução Industrial, ancorado no modelo instrucionista da educação de massas. Considerando que o pleno domínio da língua é algo essencial para nos tornarmos cidadãos ativos, este estudo pretende investigar processos de letramento a partir dos gêneros textuais que circulam na sociedade, dando relevo aos gêneros digitais e suas contribuições ao desenvolvimento linguístico-cognitivo do educando. Como o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita ainda é um problema nas escolas, e sendo os gêneros digitais pouco explorados nas aulas de língua materna, temos por objetivo analisar como práticas pedagógicas voltadas para a produção de gêneros textuais digitais e não digitais, nas aulas de Língua Portuguesa, contribuem para a formação de leitores e escritores proficientes no Ensino Fundamental. A pesquisa realizada foi de natureza etnográfica, pesquisa-ação, e aconteceu em uma turma do 8º ano de uma escola pública do município de Recife – PE/Brasil. Para coleta de dados utilizamos a observação participante completa, a entrevista etnográfica semiestruturada e a análise documental. Os resultados obtidos apontam que os contextos criados para que os alunos se tornem cidadãos letrados facilitaram o debate e a interação, estimularam a autonomia e a aprendizagem colaborativa e promoveram a construção do conhecimento, sendo, mesmo que a nível micro, Inovação Pedagógica. Palavras-chave: Tecnologia, Gêneros textuais, Aprendizagem colaborativa. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino OS GÊNEROS DIGITAIS EM PROCESSOS DE APRENDIZAGEM AUTÔNOMA E COLABORATIVA Érica Carvalho da Silva (UFPE) Introdução Conscientes de que nosso cotidiano está rodeado de práticas de linguagem, seja em nossos relacionamentos pessoais, seja nos sociais, e de que hoje, no mundo informatizado, a educação letrada deve ir muito além das ações de codificar e decodificar símbolos, foi desenvolvido um projeto, nas aulas de Língua Portuguesa, que favorecesse a aprendizagem dos gêneros textuais digitais interligados aos gêneros não digitais, na busca de promover a interação entre os adolescentes e a descoberta de uma escrita significativa para uma efetiva participação no mundo letrado. Investigar essa ação interativa no processo de letramento torna-se relevante, uma vez que as novas tecnologias nos trouxeram novas formas de construção de sentidos, possibilitando-nos que saiamos da visão tradicional da aula de língua materna, em que a língua é tomada, como afirma Geraldi (1997, p. 190), “como objeto de estudo, como um sistema cujos mecanismos estruturais se procuram identificar e descrever.” Temos uma abordagem da língua meramente instrucionista, em que os alunos repetem passivamente em um exercício “incessante de copiar, conservar e combinar palavras” (GERALDI, 1997, p. 120), muitas vezes ignorando o seu real significado. A língua é um instrumento de comunicação e sua abordagem em sala de aula deve desenvolver no educando habilidades de expressão e compreensão de mensagens, por isso deve-se priorizar o uso em detrimento do saber a respeito da língua (grifos meus). Para que essas habilidades sejam desenvolvidas, é ne3229 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais cessário que os alunos assumam o papel de construtor do conhecimento junto ao professor, saindo da visão instrucionista para uma visão construcionista, em que, para Seymour Papert (2008), os educandos são estimulados a buscar o conhecimento, e os professores são os problematizadores, promovem contextos de aprendizagem que facilitam as descobertas dos aprendizes. Nessa perspectiva, a inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no contexto escolar tem por objetivo revolucionar o fazer pedagógico, melhorando as formas de aprender e desenvolvendo as habilidades do aluno, visando uma maior reflexão e participação social. Marcuschi ainda afirma que existem três aspectos que tornam o estudo dos gêneros digitais relevante: (1) Seu franco desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado; (2) Suas peculiaridades formais e funcionais, não obstante terem eles contrapartes em gêneros prévios; (3) A possibilidade que oferecem de se rever conceitos tradicionais, permitindo repensar nossa relação com a oralidade e a escrita. Assim, esse “discurso eletrônico” constitui um bom momento para se analisar o efeito de novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nessas tecnologias. (MARCUSCHI, 2010, p. 16) Dar condições ao aluno de conhecer esses gêneros emergentes é também função da escola, mais especificamente das aulas de Língua Portuguesa, tendo em vista que uma das habilidades a ser desenvolvida no educando em sala de aula é a competência escrita. Aprendizagem autônoma e colaborativa A escola precisa estruturar-se para promover uma prática pedagógica mais centrada no aluno, no desenvolvimento de suas habilidades de uma forma mais interativa e autônoma, estimulando a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas através do trabalho em equipe. Teóricos construcionistas defendem que o conhecimento não é um todo acabado que deve ser transmitido às gerações futuras, mas algo que deve ser construído através da interação pessoa/mundo/pessoa, mediada por artefatos sócio-historicamente situados. 3230 Érica Carvalho da Silva Adotando a visão de Marcuschi (2010) e Xavier (2008, 2010), os gêneros digitais, artefatos mediadores da construção do conhecimento, abrem janelas para mundos que permitem uma maior interação, proporcionando o desenvolvimento cognitivo do aprendiz, que agora se assume como sujeito autônomo. Para Gadotti (2008, p. 13), “A palavra ‘autonomia’ vem do grego e significa capacidade de autodeterminar-se, de auto-realizar-se, de ‘autos’ (si mesmo) e ‘nomos’ (lei).” Assim, agir autonomamente é ser capaz de construir seus conceitos, de ter autogoverno. Portanto, através desses gêneros podem-se criar ambientes propícios a uma aprendizagem autônoma, baseados em investigação real com ênfase no trabalho colaborativo, tendo em vista a quebra de fronteiras impulsionada pela internet. Para Correia e Dias (1998, p. 118), “Num mundo em mudança em que a maioria dos problemas que se colocam são complexos e universais, uma das formas de conceber a sua resolução é um trabalho colaborativo resultante das interações entre os vários intervenientes sociais.” A aprendizagem colaborativa tem como características: (i) O trabalho em equipe; (ii) A formação de equipes heterogêneas constituídas por alunos de níveis, sexos e raças diferentes; (iii) Os sistemas de recompensa orientados para o grupo e não para o indivíduo. (CORREIA e DIAS, 1998, p. 118) Vigotski (2007), através da sua teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal, ZDP, aborda a necessidade do indivíduo de trabalhar em equipe, seja com adultos ou com pares mais capazes, pois processos internos no desenvolvimento da criança são estimulados quando estas interagem com seus companheiros em processo de cooperação. Assim, existem os conhecimentos que as crianças já dominam e aqueles que elas só podem desenvolver através da colaboração umas com as outras. Para Coll (1994, p. 85-86), “As experiências de aprendizagem cooperativa, comparadas às de natureza competitiva e individualista, favorecem o estabelecimento de relações entre os alunos muito mais positivas” aflorando entre eles sentimentos de ajuda mútua, respeito, ética e solidariedade. 3231 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Considerando o grande fascínio que a mídia e os gêneros advindos dela exercem sobre os jovens, é natural que a escola estruture ambientes em que a leitura e a produção textual se tornem mais prazerosas, criativas e originais. Xavier 1 elenca algumas implicações no estudante resultante do letramento digital, para ele com esse jeito novo de fazer educação os alunos tornam-se ativos, têm mais motivação, constroem habilidades coletivamente, constroem aprendizagens adequadas às mudanças do mundo, lidam com material didático on-line, desenvolvem competências voltadas para era da informação. Num mundo em constante transformação, a utilização desses ambientes virtuais diminuiria a distância entre professor-aluno-aluno, num processo contínuo de colaboração para a resolução dos problemas. Fino (1999) ainda aborda que um software que contemple as especificidades cognitivas deve permitir uma atividade que, entre outras coisas, seja significativa; estimule o desenvolvimento cognitivo para que o aluno com a ajuda dos pares alcancem níveis mais elevados do conhecimento; permita a colaboração; estimule uma atividade metacognitiva; favoreça a negociação social do conhecimento. Portanto, o envolvimento dos estudantes em projetos comuns envolvendo os gêneros digitais, através da aprendizagem colaborativa, pretende promover uma maior interação entre professor-aluno-aluno, libertando-os do poder centralizador da ação educativa e tornando-os responsáveis pela construção do conhecimento. Gêneros textuais digitais Para Marcuschi (2010), gênero textual é um artefato situado sócio-historicamente, relativamente estável do ponto de vista da composição e do estilo, que serve como instrumento comunicativo específico e como forma de ação social. Partindo desta concepção, perceberemos que a partir do momento que novas formas de comunicação surgem, interferindo nessas condições de processamento textual, teremos, consequentemente, uma interferência na natureza do gênero produzido. 1. Artigo disponível em <http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento-Digital-Xavier.pdf> 3232 Érica Carvalho da Silva Essa interferência acontece desde a invenção da escrita, que trouxe com ela inúmeras possibilidades de uso da linguagem. Tivemos, nesse processamento histórico, a placa de barro, o pergaminho, o papel e, revolucionando uma época, a invenção da imprensa. Para Xavier2, a cada novo surgimento de contextos comunicativos, consequentemente, surgirão novos gêneros textuais, que nascem para atender às necessidades emocionais, físicas e econômicas em determinado momento histórico, pressionando os usuários da língua a se adequarem aos novos contextos. Assim, hoje, com o acelerado desenvolvimento tecnológico e com a internet refletindo a pluralidade de contextos comunicativos, inúmeros gêneros textuais emergiram na mídia eletrônica, uns realmente novos e outros como um hibridismo de gêneros pré-existentes, “o nada nada cria, logo é natural que os novos gêneros que emergem das tecnologias recém criadas misturem gêneros, façam uma composição de características de um certo gênero com a possibilidade técnica de efetivar uma determinada ação antes impossível.” (XAVIER, p. 7). Outra característica, tida como essencial, é “a centralidade da escrita, pois a tecnologia digital depende totalmente da escrita” (MARCUSCHI 2010, p. 21). Os novos gêneros também nos permitem observar uma maior integração entre som, imagem e palavras, tornando a sua linguagem cada vez mais plástica. Vemos emergir um espaço de apreensão de sentido em que ganha relevo não apenas a palavra escrita, junto com ela encontramos imagens, sons, formas, tudo no mesmo campo visual, formando um todo significativo. Para Xavier (2010, p. 209), “Com ele, ler o mundo tornou-se virtualmente possível, haja vista que sua natureza imaterial o faz ubíquo por permitir que seja acessado em qualquer parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente.” Sem dúvida o mundo digital exige de seus interlocutores bem mais que a simples decodificação do código linguístico. Para Cynthia Selfe e Susan Hilligoss apud Marcuschi (2010), “o computador mudou nossa maneira de ler, construir e interpretar textos e mostrou que não há formas naturais de produção textual e leitura.” O advento tecnológico veio nos 2. Xavier é doutor em linguística pela UNICAMP e orienta pesquisas em gêneros eletrônicos e letramento digital. Este artigo pode ser acessado em <http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Reflexoes%20em%20 torno%20da%20escrita%20nos%20novos%20generos%20digitais-Xavier.pdf> 3233 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais mostrar como a cultura e a tecnologia interagem para interferir nas práticas de leitura e produção escrita, sendo um espaço cognitivo que exige que revisemos as nossas formas de lidar com o texto. Marcuschi (2010, p. 37) elaborou um quadro expondo os principais gêneros existentes no ambiente virtual, relacionando-os a gêneros já existentes em outros contextos: Quadro I3 - relação entre gêneros textuais Gêneros emergentes Gêneros já existentes 1 E-mail Carta pessoal/bilhete/correio 2 Chat em aberto Conversações (em grupos abertos?) 3 Chat reservado Conversações duais (casuais) 4 Chat ICQ (agendado) Encontros pessoais (agendados?) 5 Chat em salas privadas Conversações (fechadas?) 6 Entrevista com convidado Entrevista com pessoa convidada 7 E-mail educacional (aula por e-mail) Aulas por correspondência 8 Aula chat (aulas virtuais) Aulas presenciais 9 Videoconferência interativa Reunião/de grupo, conferência/debate 10 Lista de discussão Circulares/série de circulares (?) 11 Endereço eletrônico Endereço postal 12 Blog Diário pessoal, anotações, agendas 3. Quadro retirado do livro Hipertextos e Gêneros Digitais: novas formas de construção de sentidos. 3234 Érica Carvalho da Silva Como o mundo contemporâneo está repleto de máquinas, é necessário ir além do letramento alfabético, precisamos tornar nossos jovens digitalmente letrados, fazendo-os cidadãos do mundo, como diz Paulo Freire. O professor de linguagem diante da era da aprendizagem De acordo com Kuhn (1978), as crises levam a mudanças paradigmáticas. Não é novidade que a escola que conhecemos hoje, baseada na pedagogia instrucionista, está em decadência. Assistimos, paralelamente, a uma evolução do paradigma educacional. A sociedade industrial impôs um modelo de escolarização voltado à massificação dos saberes e à reprodução social, tendo em vista a necessidade da época de mão de obra qualificada. Assim, o processo de comunicação na escola era unilateral, o professor era o dono do conhecimento, enquanto os alunos recebiam passivamente as informações e as reproduziam. Presentemente, com o advento tecnológico e a acelerada transformação da sociedade, estamos vendo surgir um novo tempo, a era da superindustrialização, em que ganha relevância a informação. Em termos educacionais, novos desafios surgem, o professor, protagonista no processo de ensino, abre espaço para o professor que cria espaços de aprendizagem e age em colaboração com os alunos. Perrenoud (2000, p. 24) afirma que uma das habilidades do professor no presente século é a de organizar situações de aprendizagem, “organizar e dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos”. Para Branson apud Correia e Dias, nessa nova perspectiva, espera-se: (i) A promoção do autoconhecimento dos alunos; (ii) O aumento da qualidade e da quantidade do feedback; (iii) O desenvolvimento de materiais didáticos de qualidade que permita uma integração eficaz no currículo; (iv) O desenvolvimento, nos alunos, de capacidades (skills) de autogestão e de resolução de problemas aliadas à capacidade de pensar criticamente; (v) A adequação dos ritmos de aprendizagem segundo os ritmos próprios dos alunos; (vi) O aperfeiçoamento dos processos de avaliação. (BRANSON apud CORREIA; DIAS, 1998, p. 117) 3235 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais De acordo com essa nova abordagem, a interação entre os participantes da aprendizagem – professor-aluno-aluno – ganha destaque, o trabalho deixa de ser unilateral e passa ser colaborativo, com ênfase na construção social do conhecimento. Essa visão do trabalho docente pode ser ancorada nas inovações tecnológicas que, como bem sabemos, caminham a passos largos, afetando todos os setores sociais, não sendo diferente com a educação, que é um dos setores estratégicos da sociedade, podendo beneficiar-se com esse desenvolvimento. Para isso, é necessário um redirecionamento pedagógico, pois, segundo Xavier (2008, p. 2), os alunos “têm chegado aos espaços escolares ávidos por encontros mais dinâmicos, participativos e instigadores de sua inteligência em rápido desenvolvimento.” Em face desse novo estudante, que já vem familiarizado com as tecnologias digitais, a aprendizagem colaborativa constitui uma alternativa de mudança, especialmente na relação professor/aluno. Perrenoud (2000, p. 125) cita que outra competência que o professor deste século precisa ter é saber trabalhar com as novas tecnologias, “as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC ou NTIC) transformam espetacularmente não só nossas maneiras de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir, de pensar.” Neste contexto histórico, exige-se do professor um reposicionamento teórico-metodológico, a fim de ajustar-se às novas demandas sociais, refletindo sobre o seu papel e o reconfigurando de acordo com as necessidades presentes e futuras. Para Xavier (2008, p. 4), “Por sua condição privilegiada de ator e coautor dos processos pedagógicos juntamente com o aprendiz, o professor deve realinhar sua identidade profissional a todo instante.” Uma prática pedagógica inovadora requer a superação de dicotomias como teoria e prática, educação e trabalho, pois estamos vivenciando o século do conhecimento, que também pode ser chamado de século da aprendizagem, em virtude do potencial educacional que nos é apresentado. Saímos da escassez da informação para superabundância informacional. O desafio agora é de outra natureza, cabe aos professores construir situações de aprendizagem em que os estudantes possam escolher, avaliar, refletir e transformar essas informações em conhecimento utilizáveis na sociedade, transformando aquilo que era reconhecimento e reprodução em conhecimento e produção. 3236 Érica Carvalho da Silva Análise dos dados O desenvolvimento do projeto envolveu o estudo dos gêneros textuais digitais e não digitais, por entendermos que eles estão inter-relacionados, desenvolvendo habilidades fundamentais para o leitor e o produtor de textos dos dias de hoje, assim, os alunos se envolveram na aprendizagem dos gêneros: Quadro II – gêneros estudados GÊNEROS ESTUDADOS • • • • Conto; Email; Blog; Relato de experiência. PROCEDIMENTOS • • • • • • • • Explorar o gênero conto; Criar a primeira versão de um conto; Revisar o texto e reescrevê-lo usando o Word; Explorar o gênero e-mail enviando mensagens para: escritor, diretor da escola e professora; Participar de uma oficina de contos com um escritor; Reorganizar os contos, se necessário, para montagem de um livro; Fazer o lançamento do livro na escola – manhã de autógrafos; Relatar a experiência vivida no projeto no blog da turma. PROPORCIONANDO • • • • • • Conhecer, compreender e produzir gêneros textuais digitais e não digitais; Criar mecanismos eficientes de pesquisa em ambientes digitais; Participar ativamente da interação proporcionada pelos gêneros digitais; Produzir textos utilizando recursos de multimídia; Conhecer formas de participação e aprendizagem colaborativa na rede. desenvolver a autonomia. A seguir, apresentarei algumas das atividades propostas e os trabalhos que surgiram em decorrência delas, a partir de uma descrição dos contextos de aprendizagens criados para essa turma em particular, levando em consideração suas especificidades como comunicação, rotina, modos de resolver problemas e desempenho. Analisaremos como os artefatos produzidos por meio da interação entre os pares e a utilização das novas tecnologias evidenciam práticas nas quais haja lugar para a aprendizagem. 3237 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais a. Explorando o gênero conto Levei para sala de aula o conto “TENTAÇÃO” de Clarice Lispector, que tem como temática o encontro fugaz entre uma menininha ruiva e solitária, sentada à porta de sua casa, e um cãozinho basset que passa pela rua com a sua dona. Cada aluno recebeu uma cópia do conto, em seguida fizeram uma leitura silenciosa, buscando compreender a temática do texto. Essa leitura que realizamos sozinhos se revela necessária para que possamos dialogar apenas com o texto, refletindo sobre os seus eventuais significados e possibilidades de construção de sentidos. b. Construindo conceitos Estudamos algumas características inerentes ao gênero em questão, como o tempo, o espaço, o tipo de narrador e a sequência narrativa. Para que essa análise fosse possível, levei diferenciados livros de contos para a sala de aula. Conversei com os alunos apresentando os livros, mostrando que, por se tratar de contos, cada livro continha mais de uma história, as quais poderíamos ler de acordo com o nosso interesse. Em seguida, pedi para que eles se reunissem em grupos de quatro pessoas e que escolhessem o livro que gostariam de trabalhar, depois, em equipe, escolheriam o conto do livro que iriam ler e analisar para apresentá-lo à turma. Tivemos quatro produções: Figura I: Grupo I – Alunos AT, JJ, T, PV 3238 Érica Carvalho da Silva Figura II: Grupo II – Alunos RS, MC, P, I, D Figura III: Grupo III – Alunos K, G, R, RK Figura IV: Grupo IV – Alunos IF, JG, LL, LG 3239 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais c. Da reflexão à ação Depois de termos lido e analisado alguns contos, chegou a hora de produzirmos os nossos próprios textos. Decidimos, então, produzir um livro de contos para deixarmos na biblioteca da escola, assim, outras crianças poderiam lê-lo. Para que essa construção fosse possível, iríamos trabalhar muitas vezes na sala de informática, pois precisaríamos utilizar o e-mail, o blog da escola e também precisaríamos digitar e ilustrar os nossos contos. Depois que tomamos as decisões necessárias, chegou a hora de sairmos do papel de leitores de textos já consagrados para nos tornarmos autores, e para isso era necessário planejamento e escrita da primeira versão. d. Do lápis, borracha e papel à tela, teclado e internet Conversei com os diretores da escola sobre o projeto que estava desenvolvendo com os alunos e combinei com eles uma troca de e-mail entre eles e os alunos do 8º ano A. Nesta interação, seriam discutidos assuntos referentes ao desenvolvimento do projeto. Ao realizar esta atividade, tínhamos alguns objetivos a serem alcançados: envolver os alunos em processos de letramento a partir do gênero textual digital e-mail; fazer com que os alunos percebessem a função interacional da linguagem; e envolvê-los em todas as etapas do projeto, inclusive o de pedir permissão aos diretores para fazermos a culminância. Expliquei para os meninos do 8º ano que eles deveriam pedir a autorização da diretora e do vice-diretor para realizarmos a culminância do projeto – o lançamento do livro – com a presença dos pais, e que esse pedido seria feito por e-mail. e. Um escritor em nosso meio Convidei um escritor de poemas e de contos para vir à escola conduzir uma oficina sobre a ação e a importância de escrever, no intuito de envolver os alunos em situações reais de letramento, incentivando-os à escrita. Assim, passamos 3240 Érica Carvalho da Silva por três momentos de interação com o escritor através de gêneros textuais específicos: 1º - exploramos seu blog; 2º - comunicamo-nos com ele através de e-mail; 3º - recebemos sua visita em nossa escola. f. Refacção textual no Word Desenvolver atividades no computador sempre encanta os meninos, poder escolher as cores, tamanhos e formatos das letras, poder ajustar o texto e ilustrá -lo gera vontade de aprender a fazer. Além disso, ao repassar o texto produzido para o Word, os alunos têm a oportunidade de revisá-lo mais uma vez, observando inadequações ortográficas denunciadas pelo corretor automático ou, até mesmo, possíveis alterações que ele resolva fazer ao realizar mais uma leitura. Pudemos observar, a partir desse interesse pela escrita dos contos, que os estudantes se sentiram mais estimulados a participar de contextos letrados quando introduzimos as novas tecnologias, permitindo que eles fizessem uso delas para produzir significado em contextos reais de interação, pois, segundo Bazerman (2007, p. 33-34), “Somente mediante o uso ativo dos sistemas pela produção, recepção e uso ativos de textos particulares é realizado o poder social de letramento.” g. O grande dia - manhã de autógrafos Confeccionamos em sala de aula os convites para enviarmos aos pais dos alunos, no intuito de que eles pudessem participar desse momento tão especial para os estudantes, pois entendemos que a participação dos pais faz parte do processo de crescimento do discente, como afirma Perrenoud (2000, p. 64), “Toda pedagogia diferenciada exige a cooperação ativa dos alunos e de seus pais.” 3241 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Figura V: Convite para manhã de autógrafos Além de escritores, os alunos também mostraram seus dotes como atores, encenaram o conto produzido pela aluna K - “A menina que aprendeu a voar”. Após a dramatização, iniciamos a sessão de autógrafos, o que deixou os pais e os alunos encantados, era tudo muito simples, mas repleto de uma simbologia e de uma veracidade que envolveu os autores e os espectadores desse evento. Figuras VI e VII: autografando o livro de contos 3242 Érica Carvalho da Silva A instituição escolar deve proporcionar essa passagem do sujeito enunciador para sujeito autor, de tal modo que o estudante vivencie práticas que os levem a dominar os mecanismos da escrita, sendo a escola um lugar fundamental para a construção de experiências que desenvolvam o papel de autoria com a linguagem. Essa construção de experiências acontece dentro de um processo interativo do qual emerge o texto, e quando tornamo-lo público “temos de viver com o fato de ter criado o texto e, através dele, afirmado uma presença social num campo letrado de ação social.” (BAZERMAN, 2007, p. 53). Desta forma, o estudo da língua é visto como uma atividade sociointerativa e, ao afirmar sua presença social no mundo letrado de forma exitosa, fará com que os estudantes ousem em exercer sua cidadania em outros contextos e ambientes. Esse envolvimento com a aprendizagem também foi percebido pelos pais que compareceram à manhã de autógrafos, ao final do evento, ao serem indagados sobre a importância de um projeto como esse na vida dos estudantes, ele responderam: Gostei... muito importante para eles se descobrirem com a leitura e perder a vergonha mais um pouco, muito importante mesmo. (Mãe de aluna, entrevista) Eu chorei, me emocionei, acho que estimula a imaginação deles, a escrita vai melhorando, gostei muito mesmo. (Mãe de aluna, entrevista) As considerações feitas pelos pais evidenciam uma preocupação com o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e oralidade dos alunos, ratificando a importância de projetos que favoreçam essa construção, portanto, o estímulo à criatividade, o envolvimento com a leitura e o desenvolvimento da escrita são atividades que deveriam estar presentes em qualquer contexto de aprendizagem desde muito cedo, evitando que tivéssemos tantos analfabetos funcionais chegando ao Ensino Fundamental II. 3243 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais h. O blog e o relato de experiência como escritor Para finalizarmos o projeto, sugeri aos alunos que publicássemos o nosso relato de experiência no blog da escola 4, para que outras pessoas tivessem acesso e também se envolvessem em histórias tão positivas quanto essa que vivenciamos. Eles gostaram da ideia, porém não sabiam como fazer, então iniciamos uma conversa sobre o que era “relatar” e “experiência”. Desta forma, relembramos oralmente o que havia sido feito no decorrer do projeto para, em seguida, os alunos produzirem a primeira versão de mais um gênero textual – o relato de experiência. Eles relataram individualmente como foi a vivência desse projeto de construção do livro de contos, seus sentimentos e expectativas. Pedi para que eles lembrassem todas as etapas e escrevessem. Assim, em seus textos surgiram afirmações: Depois de fazer nossos contos no caderno fomos para informática digitar os nossos textos passamos uma aula digitando os nossos textos depois de digitar botamos imagens nos nossos contos para ficar mais interessantes e demos um texto para o outro pra ver se tem alguma coisa errada nos textos e cada um leu um texto diferente. (Aluno R, relato de experiência) Depois que o livro estava pronto, nós alunos convidamos nossos pais para uma manhã de autográfo do nosso livro, nós lemos nosso texto para nossos pais, depois fizemos um lanche muito gostoso a partir desse dia nós alunos nos sentimos como verdadeiros escritores. (Aluno G, relato de experiência) Observamos na fala dos alunos uma satisfação com o resultado do projeto, eles sentiram-se como construtores e não apenas como receptores passivos do conhecimento. Esse sentimento de autoria deve-se ao fato de que cada aluno foi responsável direto pela realização do projeto, as atividades realizadas colaborativamente faziam com que todos se sentissem responsáveis pelos seus colegas, incentivando e ajudando no desenvolvimento das habilidades leitora e escrita, dessa forma, já não era apenas o professor a proferir um discurso unilateral, mas uma turma inteira envolvida com a aprendizagem. 4. Link para leitura dos textos dos alunos <http://escolapadreantoniohenrique.webnode.com/portfolio/> 3244 Érica Carvalho da Silva Esses fatores, associados ao uso das TIC, estimularam os estudantes a produzir o relato de experiência por três motivos: em primeiro lugar, porque a escrita, fundamentada em uma experiência vivida, gera conforto na hora da produção, pois nada terá de ser inventado, mas sim relatado. Em segundo lugar, porque o texto escrito terá um leitor real, assim, os alunos iniciaram a produção sabendo o que iriam escrever, para quem iriam escrever e para que iriam escrever. Em terceiro lugar, porque a associação dos gêneros textuais relato de experiência e blog torna a produção mais desafiadora, uma vez que ao publicar o texto na internet, ele pode correr o mundo. Sabemos que o blog é um espaço virtual que açambarca vários gêneros como diários íntimos, poemas, crônicas, contos, sendo um lugar de encontro, onde o leitor/escritor/autor constrói sua identidade, sendo artefatos de interação social, permitindo aos estudantes a oportunidade de construir conhecimento, através de uma prática que exige constante interação. Através dessa interação facilitada pelos gêneros digitais nas aulas de Língua Portuguesa, os processos de aprendizagem migraram de um contexto monolítico, em que a atenção está centrada no professor, para um modelo centrado no aluno. Além disso, o trabalho colaborativo entre os alunos ajudou-os na superação de deficiências tão corriqueiras nas salas do Ensino Fundamental das escolas públicas, como problemas ortográficos, de paragrafação textual, pontuação ou, até mesmo, de interpretação textual. O que nos dizem os alunos sobre o projeto? Os alunos envolveram-se num projeto que lhes permitiu participar de contextos diferenciados de letramento, seja digital ou não digital. Essa experiência proporcionou aos estudantes vivenciarem uma história de sucesso em relação à escrita, estabelecendo confiança e permitindo-lhes enxergar a escrita como “uma forma atraente de ação social.” (BAZERMAN, 2007, p. 62). O desenvolvimento de projetos abordando os gêneros textuais/digitais estimula o aluno a assumir uma postura mais ativa em face ao conhecimento, porém essa construção não acontece apenas se deixarmos os alunos interagirem com as TIC de maneira aleatória, é necessário que haja uma interação entre aluno 3245 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais -aluno-professor discutindo, questionando, orientando, propiciando aos alunos o envolvimento em desafios que os façam refletir sobre as estratégias utilizadas na resolução dos problemas, sendo as TIC apenas mais uma ferramenta nessa construção, tendo o papel de tornar os alunos sujeitos ativos na construção de suas próprias estruturas intelectuais. Para proporcionar essa interação, o projeto elaborado visou à criação de contextos que favorecessem o trabalho em dupla ou em grupo, ora trabalhando com os gêneros textuais não digitais, ora mediados pelo computador, trabalhando com os gêneros textuais digitais. Como já foi mencionado, para cumprir com o seu papel comunicativo, é necessário que o texto passe, na maioria das vezes, pelas etapas de planejamento, construção, revisão e rescrita. Essas etapas, em alguns momentos, foram construídas inteiramente pelos nossos estudantes, em duplas ou grupos, como foi o caso dos e-mails enviados aos diretores e também ao escritor. Em outros momentos, apenas a etapa de revisão foi feita em dupla, como foi a escrita do conto e do relato de experiência. Ao promovermos essa construção e/ou revisão compartilhada, tiramos o foco da correção textual dos olhos do professor e direcionamo-la aos próprios autores, juntamente com os colegas de turma, através de uma leitura mais atenta e detalhada. Esse redirecionamento pedagógico exige do aluno um comprometimento maior com as suas produções e com as produções do colega, dessa forma, ao invés de receber o seu texto todo rabiscado pela caneta vermelha do professor, para fazer a “limpeza” textual, os alunos debatem e decidem qual a melhor forma de organização textual, sobre os olhos atentos do professor, que orienta para as descobertas. Os alunos do 8º A ano mostraram-se adeptos ao trabalho em equipe: 3246 Érica Carvalho da Silva Quadro III - Excerto da entrevista semiestruturada Professora: Vocês acham que os trabalhos realizados em dupla ou em grupo facilitaram ou dificultaram a aprendizagem de vocês? Aluno G: Melhorou, porque como diz o velho ditado duas cabeças juntas pensam melhor. Aluna K: Acho, porque pode fazer... pensar diferente e comentar um com o outro. Aluno R: É melhor, porque se um errar a outra ajuda. Professora: No computador, também vocês percebem que quando erramos fica... Aluno R: um negócio vermelhinho Professora: Aí vocês percebem que está... Aluno T: Errada. Professora: Vocês costumam verificar quando isso acontece? Aluna K: Eu olho. Aluno G: Mesmo corrigindo ainda têm umas palavras erradas, que escrevem com letras maiúsculas. Esse processo de letramento é beneficiado quando organizamos situações de aprendizagens em que os estudantes se sentem impelidos a participar. Nesse contexto, a associação das TIC se torna extremamente útil, facilitando a busca de informação, a comunicação, a explicitação do raciocínio e o sentimento de autoria. Além disso, os alunos se veem envolvidos em dinâmicas que fazem parte do seu cotidiano. É a escola trazendo para dentro de seus muros a realidade social. Esse fator funciona como elemento motivador para uma aprendizagem autônoma e significativa, pondo em xeque a ideia de que aprender é seguir uma linha reta, linear onde estão presentes a passividade, a instrução e a repetição. O sentimento de autoria vislumbrado nos projetos realizados foi explicitado pelos alunos ao responderem a pergunta feita pela professora: 3247 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Quadro IV - Excerto da entrevista semiestruturada Professora: Dentre as atividades que desenvolvemos nos projetos, usando as TIC, das quais vocês gostaram mais? Aluno G: Foi quando a gente fez o nosso livro... porque a gente pode levar para casa e teve a manhã de autógrafo, a gente se sentiu como artista. Aluno T: Quando era da quinta série, eu dizia “eu nunca vou fazer um texto assim”, quando eu via um texto na internet eu dizia que eu nunca ia conseguir fazer, mas eu fiz um livro que nunca pensava em fazer, só pensava em perturbar. Aluno R: Melhor foi a manhã de autógrafos porque chamou a mãe para vir aqui. Todo mundo leu, com vergonha, mas leu, aí depois deu um lanchinho. Aluna AT: Eu gostei de tudo um pouco porque foi uma aprendizagem para gente. Nas falas dos alunos G e R verificamos o quanto é importante para os nossos estudantes sentirem-se inseridos em contextos que valorizem as suas produções, dessa forma, a presença da família, dos colegas, dos leitores reais confere significado ao texto produzido. Na fala do aluno T percebe-se a migração do sentimento de incapacidade de escrever, por achar que é muito difícil, para um sentimento de pertença a esse mundo que se abriu para ele, envolvendo-o na descoberta de si mesmo, como cidadão que pode ser mais que receptor passivo de informação, pode ser produtor de conhecimento. Além disso, percebemos em sua fala uma transformação de comportamento diante do universo estudantil, ao afirmar que antes “só pensava em perturbar” nas aulas, mas agora consegue produzir. Decerto que para tornarem-se leitores e escritores proficientes a estrada é longa, teremos de vencer anos de um trabalho meramente metalinguístico. Observamos, na interação dos alunos e no nosso próprio comportamento enquanto mediadores, a influência tácita dos modelos instrucionistas. Os textos produzidos por nossos alunos apresentam falhas que revelam a imaturidade de crianças que cresceram escrevendo textos que só tinham um destinatário – o professor – ou, até mesmo, frases sem nexo e sem finalidade comunicativa. No entanto, apesar de percebermos essas falhas, percebemos também uma vontade imensa de acertar, de cumprir com o seu papel social e de ver os seus textos ganharem 3248 Érica Carvalho da Silva vida, servindo bem mais que para o professor corrigir e dar uma nota, mas sim para comunicar. Nesse processo de construção da autonomia e da identidade juvenil, os contextos de aprendizagem criados se revelaram muito importantes, uma vez que buscaram facilitar as descobertas por parte dos alunos, ao invés de repassar a informação pronta para que eles assimilassem passivamente. Para Fino (2011), criar contextos diferenciados, que permitam ao aluno a descoberta, é papel do professor, que ao invés de centrar sua prática em si mesmo, centra na aprendizagem. Portanto, o contexto diferenciado de aprendizagem facilitou a interação e a colaboração entre os estudantes, que, mediados por uma base tecnológica, tiveram ao seu alcance um meio para buscar informações diferenciadas, podendo escolher, relacionar, criticar, descartar e reorganizar suas informações, transformando-as em conhecimento. Assim como, com o auxílio das TIC, os alunos puderam se apropriar também dos gêneros digitais, participando de contextos virtuais de comunicação, marcando seu lugar no mundo como cidadão digitalmente letrado. Considerações finais As situações de aprendizagem criadas nas aulas de Língua Portuguesa com a inserção das TIC proporcionaram um espaço que facilitou ao estudante estar com os pares, agir colaborativamente, pensar, refletir e aprender, evidenciando uma maior participação do aluno no processo de aprendizagem. Esses contextos buscaram aplicar a visão pedagógica abordada por Papert (2008), segundo esse autor, as crianças aprendem melhor descobrindo por si mesmas o conhecimento de que precisam, e os professores agem como os mediadores, promovendo situações didáticas que facilitem as descobertas dos aprendizes. O trabalho em equipe revelou-se, gradativamente, como uma forma de envolver os alunos em suas descobertas, promovendo a reflexão sobre os seus erros e acertos e o desejo de ajudar aqueles que faziam parte do seu grupo. Essas atividades tinham por base respeitar a ZDP dos estudantes, como afirma Vigotski (2007) ao nos dizer que processos internos no desenvolvimento da criança são estimulados quando estas interagem com seus companheiros em processo de 3249 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais cooperação. Coll (1994) também nos diz que a aprendizagem cooperativa favorece entre os alunos uma relação mais positiva. A outra característica do projeto vivenciado foi a inserção das TIC numa perspectiva integradora, sendo um meio facilitador da aprendizagem, pelas quais os estudantes puderam desenvolver suas habilidades de pesquisar, analisar, selecionar e transformar a informação em conhecimento. Além disso, através das TIC os estudantes puderam também produzir textos inseridos dentro de contextos comunicativos reais, transformando o que, nas aulas de Língua Portuguesa, era reconhecimento e reprodução em conhecimento e produção. Por este ângulo, a utilização das TIC em sala de aula não serviu como mais uma ferramenta para ratificar o paradigma vigente, serviu para que, em poder dos alunos, desse-lhes oportunidades de ousar em suas construções, envolvendo-os na realização de atividades do interesse deles, como nos diz Papert (2008, p. 43), “Uma das maiores contribuições do computador é a oportunidade para as crianças experimentarem a excitação de se empenharem em perseguir os conhecimentos que realmente desejam ter”. O papel da professora, no desenrolar dos projetos, foi organizar as situações de aprendizagem e agir de forma mais periférica e mediadora, acompanhando os trabalhos dos alunos e suas construções. Assim, a professora possibilitou que os alunos tivessem contato, em contextos socialmente relevantes, com os gêneros textuais que circulam na sociedade, bem como com os gêneros que emergiram das tecnologias digitais. Referências BAZERMAN, Charles. Escrita, Gênero e Interação Social. Organizado por Judith Hoffnagel e Angela Paiva Dionísio. São Paulo, Cortez Editora, 2007. COLL, César. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Trad. Emília de Oliveira Dihel. Porto Alegre: Artmed, 1994. CORREIA, Ana Paula Sousa. DIAS, Paulo. A evolução dos paradigmas educacionais à luz das teorias curriculares. Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho, 1998. FINO, Carlos Nogueira. Demolir os muros da fábrica de ensinar. Humanae, v.1, n.4, p.45-54, Ago. 2011. Disponível em: <http://www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes.htm> 3250 Érica Carvalho da Silva ______. (1999). Um software educativo que suporte uma construção de conhecimento em interacção (com pares e professor). Actas do 3º Simpósio de Investigação e Desenvolvimento de Software Educativo (edição em cd-rom). Évora: Universidade de Évora. Disponível em: <http://www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes.htm>. GERALDI, João Wanderlei. Portos de Passagem. 4ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1997. GADOTTI, Moacir. 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Identidade docente na era do letramento digital: aspectos técnicos, éticos e estéticos. 2º simpósio hipertextos e tecnologias na educação: multimodalidade e ensino, 1ª edição, 2008, Recife, Anais Eletrônicos. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ nehte/simposio2008/anais/Antonio-Carlos-Xavier.pdf>, acessado e 09/02/2012. 3251 RESUMO A educação a distância mediada por computador no Brasil continua desafiando pesquisadores da linguagem à compreensão de qual seria a melhor forma de organização textual-discursiva dos conteúdos objetos de aprendizagem, face à mudança de perfil exigida do aprendiz que, passando a assumir papel ativo na construção do conhecimento, deve “responder ao aprendizado” apoiado pelos recursos tecnológicos, conforme propõem Moore e Kearsley (2008). O presente trabalho parte do pressuposto de que esses recursos devem/podem operar como “ferramentas cognitivas”, quando os alunos são estimulados a estabelecer um padrão de “envolvimento com os textos”, postulados por Chafe (1981, 1985) e Luciano (2000, 2009, 2013), agora dispostos à aprendizagem atraves de dispositivos telemáticos. A literatura sobre o tema, a exemplo de Jonassen (2000), considera “ferramentas cognitivas” tecnologias informáticas como “sistemas tutoriais inteligentes”, “base de dados”, “ferramentas de representação visual”, “ambientes de conversação em tempo real” (chat), as “conferencias através de computador” (webconferencias), “motores de busca”, entre outros. Este trabalho inclui a gravação em PODCAST da leitura em voz alta dos conteúdos teóricos disponibilizados pelos professores do curso de Letras a distância, UFPE/UAB, como mais uma ferramenta cognitiva, com base nos resultados da pesquisa desenvolvida em 2000, em tese de doutoramento, acerca da influência da prosódia na compreensão do telejornal, desenvolvida por Luciano (2000, 2009). Assim, apresenta a metodologia de captação de áudio para o ensino a distância, realizada no Laboratório de Imagem e Som da UFPE, a qual se ancora nas noções de “contorno entoacional” e “coesão prosódica”. A primeira refere-se à observação da prosódia em relação às determinações sintáticas e semânticas da organização textual e, a segunda, à linha de observação prosódica na perspectiva funcioanl, segundo o modelo de Brazil (1985), o qual permitiu chegar à definição de “unidade de leitura”. Palavras-chave: Prosódia, Podcast, Ferramenta cognitiva. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino PROSÓDIA E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: O PODCAST COMO FERRAMENTA COGNITIVA Dilma Tavares Luciano (UFPE) Introdução Os membros de uma comunidade virtual de aprendizagem são constantemente “testados” em seus sentimentos de pertença diante da necessidade de enquadramento interativo singular, porque estão sob o impacto das interfaces dos artefatos de mediação. Além disso, o desenvolvimento da tecnologia nos último vinte anos redireciona o próprio sentido de mediação interpondo entre o sujeito e os objetos o fenômeno da “experiência”. Nessa perspectiva, os usuários dos dispositivos tecnológicos em ambientes virtuais de aprendizagem deixam de ser “consumidores” de informação, como sujeitos passivos ou meros espectadores ou receptores de conteúdos informacionais, passando à condição de aprendizes que devem cooperar em uma comunidade, logo, pressupõe relação entre todos e cada um dos membros dessa territorialidade simbólica. Nesse contexto, o presente trabalho propõe que a prosódia na leitura em voz alta (LVA) de conteúdos teóricos disponibilizados pelos docentes da graduação em Letras a distância, da UFPE (E-LETRAS), na plataforma moodle, em formato PODCAST, represente um mediador psicológico capaz de otimizar o grau de envolvimento do aprendiz/ouvinte com o objeto epistêmico da aprendizagem. Essa proposição toma por base dois diferentes pressupostos: i. A noção de “ferramenta cognitiva” usada para tratar de “ferramentas informáticas adaptadas ou desenvolvidas para funcionarem como parceiros intelectuais do aluno, de modo a estimular e facilitar o 3253 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais pensamento crítico e a aprendizagem de ordem superior” (JONASSEN, 2007, p. 21); e ii. O papel da prosódia na LVA realizada de modo a influir sobre a compreensão do ouvinte, quando se reveste de padrões entoacionais característicos de uma “leitura natural” (LN), compreendida como aquela em que há uma impressão acústica capaz de aproximar as fronteiras entre a escrita e a fala (cf. LUCIANO, 2000, 2009, 2013). As gravações em PODCAST dos conteúdos dos componentes curriculares do E-LETRAS tiveram início em agosto do corrente ano e são disponibilizados na “Biblioteca Virtual” do curso. Os leitores para as captações dos áudios são os próprios professores proponentes dos conteúdos, auxiliados por discentes dos cursos presenciais de Jornalismo, Rádio e TV, Cinema e Letras, da UFPE. Para este trabalho, a revisão da literatura para o conceito de “mediação” segue o exemplo apresentado por Lopes (2010), especialmente motivado pela ideia de que “estudar a mediação do professor não significa a adoção de um modelo de ensino ou de uma teoria de aprendizagem “ (LOPES et al, 2010, p.05), e por concordar em que ela, a mediação do professor, “não se confina ao que se passa na sala de aula: tem componentes de planeamento e de seguimento (follow up) que consideramos insuficientemente consideradas na prática profissional e na investigação” (idem, p. 05). A noção de “ferramenta cognitiva” no lastro das reflexões sobre a aprendizagem mediada por computador segue os postulados de David Jonassen (2007), os quais partem do princípio basilar de que se aprende com o computador quando as ferramentas forem usadas na perspectiva da aprendizagem significativa. Ensinar a distância: um novo paradigma da mediação Quando utilizamos uma ferramenta para realizar uma tarefa significativa do ponto de vista cognitivo, focamo-nos menos nas ferramentas e mais no que elas nos permitem fazer. Memorizar as partes do computador faz pouco sentido se estes não são utilizados para fazer algo útil. A compreensão surge de uma actividade significativa e não de memorização. (JONASSEN, 2007, p. 20) 3254 Dilma Tavares Luciano Um dos grandes desafios aos proponentes de cursos a distância na trilha do paradigma construtivista da educação continua a ser o desenvolvimento de programas de formação docente através do computador que sejam capazes de fomentar processos de aprendizagem “endogenamente formativo, não informativo apenas, muito menos reprodutivo”, como alertou Pedro Demo (2004), já há uma década. Nesse sentido, é possível afirmar que as formas como são utilizadas as tecnologias na escola e, mais especificamente, nos cursos de graduação online necessitam ser repensadas diante das evidências de que há um novo paradigma da mediação do professor a distância e das ferramentas que são usadas para aprender. Nesse paradigma, e tomando por base o refinamento teórico-prático apresentado por Lopes ET AL (2010, p.05), a mediação compreende: As ações e as linguagens (naturais e outras) do professor construídas e postas em prática como resposta sistemática aos desafios de aprendizagem dos alunos nos seus percursos para atingir os resultados de aprendizagem (capacidades, valores, atitudes, conhecimento e competências) pretendidos por um determinado currículo. Com esta definição, busca-se evidenciar o que é possível FAZER para levar o aprendiz a VIVENCIAR PERCURSOS que instanciem a APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, porque constituintes de “espaços do saber”, no sentido proposto por Lévy (1997, p.176), como ilustrado abaixo: O Espaço do Saber é o plano de composição, de recomposição, de comunicação, de singularização e de impulsionamento processual dos pensamentos. Cenário de dissolução das separações, o Espaço do Saber é habitado, animado por intelectos coletivos – imaginários coletivos – em reconfiguração dinâmica permanente. Assim, deve-se ter o cuidado de propor conteúdos para a aprendizagem a distância através de ferramentas que envolvam o aprendiz na construção ativa do conhecimento, refletindo sua compreensão e mesmo concepção da “informação nova”. Jonassen (2007, p.23) sintetiza o conceito de “ferramenta cognitiva” de modo bastante exemplar ao objetivo aqui proposto, qual seja o de incluir a LVA da gra- 3255 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais vação em PODCAST como uma das ferramentas cognitivas disponibilizadas aos estudantes do E-LETRAS. Diz assim: Finalmente, ferramenta cognitiva é um conceito. (...) Se pesquisar a literatura sobre computadores e aprendizagem ou qualquer catálogo de software, não encontrará investigação sobre ferramentas cognitivas para venda. As ferramentas cognitivas representam uma abordagem construtivista da utilização dos computadores, ou de qualquer outra tecnologia, ambiente ou actividade, que estimule os alunos na reflexão, manipulação e representação sobre o que sabem, ao invés de reproduzirem o que alguém lhes diz. Ao utilizar uma ferramenta cognitiva, o conhecimento é construído pelo aluno, não transmitido pelo professor. PODCAST: resgatando os sentidos da LVA A partir de meados do século XX, um olhar sobre a história da leitura em voz alta sugere uma mudança significativa da função social dessa atividade em espaços públicos, ao revelar um distanciamento do leitor caracterizado pelo “apagamento” da relação triádica leitor-texto-ouvinte e ênfase na relação assimétrica entre “quem lê” e “quem escuta”. Em substituição ao envolvimento com o texto, resta uma voz monocórdica e monométrica, numa realização da LVA sem considerar fatores de ordem cognitiva e interacional resultantes da “oralização” do texto escrito sobre o ouvinte. Os historiadores da leitura Cavallo e Chartier (1998, p.08) destacam: No mundo antigo, na Idade Média, nos séculos XVI e XVII ainda, a leitura implícita mas também efetiva de numerosos textos é uma oralização, e seus ‘leitores’ são os ouvintes de uma voz leitora. Dirigido assim tanto ao ouvido quanto aos olhos, o texto joga com formas e fórmulas aptas a submeter o escrito às exigências próprias da performance oral. Na atualidade, a preocupação com a performance oral apenas é verificada na LVA de textos exibidos na televisão, especialmente no gênero Telejornal, em cujas condições de produção se verifica a presença determinante de artefatos tecnológicos (o teleprompter, por exemplo) que asseguram/promovem a impressão de “naturalidade” na LVA dos locutores. 3256 Dilma Tavares Luciano Ao investigar a influência da prosódia na locução do telejornal, Luciano (2000, P03) destaca: É no século XVIII que encontramos o gérmen do telejornalismo quando a LVA em público assume uma função social relevante (cf. CAVALLO e CHARTIER, 1998; MANGUEL, 1997; entre outros), tempo em que ocorre um “furor de ler”, comparável ao momento atual com seus múltiplos objetos de leitura. Apesar da multiplicidade e diversidade de objetos de leitura em verdadeira constelação de gêneros, da segunda metade do século XX aos dias atuais observa-se uma perda do valor comunicativo e da função social dessa atividade de linguagem pela não atenção à performance oral dos leitores, exceto quando se tratar de textos veiculados pela indústria de comunicação. Mesmo havendo eventos sociais em que há a realização de LVA como parte constituinte do evento (em igrejas, cerimônia de colação de grau, etc), não há “cuidado” com a performance do leitor, posto que tampouco há esse cuidado na prática pedagógica de realização de LVA como objeto de ensino. Portanto, reflexões a esse respeito apresentadas em 2000 são ainda pertinentes: São exemplos dessa realidade, a LVA de um texto didático pelo aluno para que lhe seja avaliada a performance pelo(a) professor(a), não importando o que acontece no entorno com o público ouvinte, nem mesmo o texto lido, objeto “passivo” no processo de avaliação; ou a situação do palestrante diante de sua platéia, ao erguer algumas folhas para serem lidas... Com expressividade? O público “acompanhou” o que estava dizendo? (LUCIANO, 2000, p.5). É possível afirmar que a produção de PODCAST como recurso de aprendizagem em educação a distância está passível das mesmas críticas quanto à falta de uma metodologia de captação da LVA que considere o princípio da dialogicidade da linguagem natural, o qual deve ser respeitado mesmo na atividade de leitura, seja ela silenciosa ou para ouvinte(s). Nas palavras de Chartier (1998, p.20), “com efeito, todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma atitude de leitura.” Respeite-se, assim, a natureza triádica da atividade leitora: leitor-texto-ouvinte. 3257 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Nesse ponto, propõe-se o resgate dos sentidos do texto durante a LVA voltada para a compreensão do ouvinte, o que representa condição indispensável à proposição do PODCAST enquanto ferramenta cognitiva. Para tanto, parte-se da noção de língua como atividade estratégica e intencional durante a produção de textos bem estruturados, porque há um sistema lingüístico específico em jogo, cujos elementos necessários à compreensão não se limitam à superfície lingüística, pois há fatores constitutivos da intencionalidade que dependem de uma série de operações em vários níveis simultaneamente, inclusive e especialmente no âmbito das estratégias de textualização do leitor em voz alta, logo, de aspectos prosódicos constitutivos e constituintes do texto escrito. Assim: Assumimos, então, o modelo cognitivo de compreensão do discurso de Van Dijk (1992) e reelaborado por Koch (1997), no qual as diversas formas provindas de vários níveis da língua (morfofonológico, sintático, semântico e pragmático) interagem de forma complexa. É, portanto, um modelo de processadores. E mais, reafirmamos a existência de pródia na escrita, postulado central em Chacon (1996, 1998) e em Chafe (1985), o que não dicotomiza a análise opondo a fala à escrita, mas identifica semelhanças/diferenças e regularidades para os gêneros comunicativos, dentro de um continuum. Os diferentes gêneros estariam situados em determinadas esferas de conhecimento, identificadas pelas exigências das condições de comunicação de cada evento comunicativo. (LUCIANO, 2009, p.101) Com base na noção de evento comunicativo proposta por Saville-Troike (1982), como tipo de entidade delimitada, afirma-se que a escuta dos PODCAST realizada pelos discentes deve ser assim compreendida quando a LVA evidenciar fronteiras bem definidas da organização textual-discursiva dos conteúdos propostos pelos docentes em unidades comunicativas singulares. A realização da LVA para captação do PODCAST passa a ser considerada uma etapa da composição do texto escrito proposto à aprendizagem, ou seja, desloca-se do indivíduo que lê para o texto restituído de vozes, o foco da observação das estratégias de formulação textual stricto sensu (cf. MARCUSCHI, 2009; KOCH, 1992; LUCIANO, 2000, entre outros) e as estratégias de envolvimento (cf. CHAFE, 1985). As estratégias de formulação textual, o textualizadores, referem-se às ações de seleção distribuição e organização das informações na superfície tex3258 Dilma Tavares Luciano tual, cabendo ao produtor do texto, no caso da LVA, ao leitor/locutor decidir o que deve ser explicitado ou não por meio de marcas prosódicas. São pois estratégias de composição para as quais a voz é constitutiva na LVA. E nesse sentido, é possível reconhecer o valor comunicativo dos recursos prosódicos – diversidade de tons, segmentação em unidades sonoras, ritmo, ênfase ou realces tonais. Diz-se, assim, que “a prosódia é o liame que vai costurando as estruturas na superfície textual” audível, logo, exercendo função coesiva indispensável à construção de sentido. As estratégias de envolvimento dizem respeito à possibilidade do leitor marcar/realçar intencionalmente a distinção entre elementos NOVOS, presentes no texto, e os elementos considerados partilhados, informações DADAS como de ancoragem para a percepção/compreensão do novo. É no jogo da relação DADO/ NOVO que a prosódia vai compondo estratégias de envolvimento por possibilitar, na linguagem, uma orientação à interpretação preferida, audível no contorno entoacional. A aplicação da Teoria Interacional do Ton proposta por Brazil (1985) permite a caracterização de diferentes padrões expressivos na LVA, indicando possibilidades de contornos entoacionais tipificadores de leitura (cf. LUCIANO, 2000), com implicações no deslocamento sobre o eixo envolvimento/distanciamento do ouvinte, ao passo que a coesão prosódica representa a possibilidade de preservação da fluência sintática na realização da LVA com maior ou menor ênfase na fluência discursiva (cf. LUCIANO, 2000, 2009). Em conjunto, o uso consciente da prosódia na composição da LVA dos PODCAST segundo o modelo de Brazil, permitiu o estabelecimento das seguintes decisões metodológicas para o procedimento de captação do áudio: 1. Seleção de leitores para representação das vozes de diferentes “sujeitos” presentes no texto escrito – “leitores outros”; 2. Treinamento dos “leitores outros” para a coesão prosódica – “fluência sintática”; 3. Exercício de percepção dos diferentes tipos de leitura – “leitura litânica” (LL), “leitura padrão”(LP), “leitura natural”(LN); 4. Treinamento dos “leitores outros” para a segmentação em “unidades de leitura” – coesão prosódica + contorno entoacional; 3259 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais 5. Seleção das vozes; e 6. Captação dos áudios. Todas as etapas acima destacadas serão objeto de “testes de percepção” pelos leitores, servindo, assim, ao exercício de “modulação de voz”. Também serão os textos gravados objeto de “testes de compreensão”, com voluntários do projeto de extensão intitulado “Letramento e temas transversais: uma questão de cidadania”, cuja etapa II refere-se à preparação de material didático para os cursos de extensão resultantes do referido projeto. Considerações finais Por fim, a aplicação da Teoria Interacional do Tom à produção de PODCAST para o E-LETRAS pretende contribuir com o desenvolvimento das pesquisas sobre o valor comunicativo da prosódia na perspectiva pragmática. De outro lado, cumpre mais uma etapa da construção de um modelo de educação a distância desenvolvido pelo Departamento de Letras da UFPE, compromisso assumido pelo corpo docente do curso para a melhoria da qualidade do ensino nessa modalidade como um objetivo comum. Para atingir esse objetivo, parte-se da compreensão de que há um necessário movimento de transdisciplinaridade rumo à reflexão e à construção da cultura de ensino e de aprendizagem online, centrada na autonomia do aprendiz, e a qual passa a envolver diferentes atores desenvolvendo trabalho em equipe essencialmente multidisciplinar. Não apresenta, portanto, um modelo definitivo de captação de áudio para a produção de material didático em formato PODCAST, mas sim o relato de um experimento técnico à luz dos diferentes domínios de conhecimento com os quais o presente trabalho objetivou dialogar. Muito há por fazer e ainda compreender no campo da interação mediada por artefatos tecnológicos. O que se deve evitar, no entanto, é negar a importância da aproximação das pesquisas dos diversos campos do saber para o desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação e de sistemas de interação por meio do computador – Psicologia Cognitiva, Semiótica, Ergonomia, Sociologia, Antropologia, Linguística e de todos aqueles que colaborem com a compreensão do fenômeno da interação lato 3260 Dilma Tavares Luciano sensu -, à agenda de formação docente e ao cenário mundial quanto àss demandas comunicacionais imbricadas com as tecnologias. Ao final, pode-se destacar como objetivo geral dessa breve reflexão sobre o uso do PODCAST como ferramenta cognitiva útil à aprendizagem a distância desvelar o princípio da função tripartida da linguagem - o dizer, o fazer e o mostrar -, creditando à prosódia valor pragmático significativo à compreensão interlocutiva. Referências CAVALLO, G. e CHARTIER, R. História da leitura no mundo ocidental. Tradução Fulvia Moretto, Guacira Machado e José Antônio Soares. São Paulo: Ática, 1998. Vol.1 CHACON, L. Ritmo da escrita: uma organização do heterogêneo da linguagem. Tese de Doutorado, Instituto de Estudos Linguísticos Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996. ______. Ritmo da escrita. Uma organização do heterogêneo da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998. CHAFE, W. Linguistics differences produced by differences between speaking writing, and oral literature. IN: D. TANNEN (ed) Spoken and written language: exploring orality and literacy. Norwood, NJ: Ablex, 1987. DEMO, P. Desafios modernos da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. JONASSEN, D. H. Computadores, ferramentas cognitivas. Desenvolver o pensamento crítico nas escolas. Porto: Editora Porto, 2007 KOCH, I. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1997 LÉVY, P. Antropologia do ciberespaço. São Paulo: Editora 34, 1997 LOPES, J.B. et AL. 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São Paulo: Contexto, 1992. 3261 RESUMO Discutimos neste artigo as ramificações do m-learning, enquanto ferramenta tecnológica de ensino por meio da gamificação em uma turma de Ciências da Computação, cuja aula analisada teve como foco a ortografia em Língua Portuguesa. Utilizamos a gamificação apoiados pelo aplicativo para smartphone SoletrandoMob, pois este possibilita a ampliação do conhecimento ortográfico de forma lúdica e interativa. A utilização de novas tecnologias na educação tem se tornado uma prática frequente na tentativa de dinamizar e tornar mais eficiente a metodologia de ensino contemporânea. Os jogos educativos e os recursos midiáticos possibilitam ao aluno aprender com mobilidade (em qualquer ambiente) determinado conteúdo a qualquer momento. A metodologia para a composição do corpus se deu a partir da produção escrita de parágrafos acerca do grau de satisfação em relação ao uso do software educacional enquanto ferramenta de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa. A análise está fundamentada nas discussões a partir de pesquisas bibliográficas dos teóricos da Gamificação (FADEL et al.,2014 e VIANNA et al., 2013); de Software educacional (CRISTOVÃO, 2011; VALENTE, 1999); M-learning (LEITE, 2014; HIGUCHI, 2011). Para a discussão que tem em seu cerne o software educacional SoletrandoMob nos apoiamos nas reflexões de Mesquista Filho (2010). Como resultado, concluímos que o uso da tecnologia, através do m-learning e da gamificação na sala de aula faz com que os alunos utilizem o smartphone de uma maneira inteligente para consolidarem o conhecimento ou ainda aprenderem novos conteúdos. A utilização do SoletrandoMob, quando associado ao ensino do ensino da Língua Portuguesa, representa uma rica contribuição para aproximação entre a aprendizagem e o entretenimento de forma interdisciplinar. Ao contrário do que pode ser pensado, o uso das ferramentas tecnológicas em sala de aula deixou a esfera da ousadia e tem se tornado, gradativamente, uma ferramenta natural. Palavras-chave: Língua Portuguesa; Gamificação; Software educacional; M-learning. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino RAMIFICAÇÕES DO ENSINO DE LÍNGUA: A TECNOLOGIA MÓVEL EM AÇÃO Ana Carolina Costa de Oliveira1 Jamylle Rebouças Ouverney-King2 Maria das Graças Amorim Castro3 Apresentação Em meados da década de 70, algumas instituições de ensino superior do Brasil realizaram experimentos vinculando a informática à educação. Segundo Valente e Almeida (1997), desde então, diversas atividades de inserção do computador no processo de ensino e aprendizagem foram feitas permitindo assim, a esta área, uma identidade própria e relativamente solidificada. A utilização destes experimentos na educação tem se tornado uma prática frequente na tentativa de dinamizar e tornar mais eficiente a metodologia de ensino atual, especialmente na Língua Portuguesa, para a qual nos voltamos neste artigo. A utilização de jogos educativos e de recursos midiáticos, com os quais é possível o aluno aprender com mobilidade determinado conteúdo, a metodologia mobile learning (m-learning) tem iniciado um processo de expansão extremamente benéfico para a educação no século XXI. 1. Mestre em Engenharia de Produção – IFPB - Endereço: Av. Primeiro de Maio, 720 - Jaguaribe, João Pessoa – PB e-mail: [email protected]. 2. Doutora em Ciências Humanas e Interdisciplinaridade (UFSC) – IFPB – Endereço: Av. Primeiro de Maio, 720 - Jaguaribe, João Pessoa – PB e-mail: [email protected]. 3. Graduanda em Letras – IFPB – Endereço: Av. Primeiro de Maio, 720 - Jaguaribe, João Pessoa – PB e-mail: [email protected]. 3263 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais O aprendizado com mobilidade estimula o alunado a lançar mão da autonomia para aprender por conta própria, pois muitos destes alunos precisam estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Estudar hoje não é privilégio apenas de quem pode frequentar presencialmente uma sala de aula, tanto que é possível estudar dentro de um ônibus, de um avião, em uma fila de banco, entre outros ambientes que não o de uma sala de aula física como conhecemos, com mesas, cadeiras, quadros, etc.. Tudo isso por meio da aprendizagem com mobilidade. Também é interessante a possibilidade de agregar a esta mobilidade o conhecimento pedagógico por meio de ferramentas que auxiliem o alunado fora da sala de aula. Ferramentas que busquem exercer a motivação para adquirir ou consolidar determinado conhecimento. Assim, torna-se cada vez mais real e cotidiano o uso adequado da tecnologia e, particularmente, da inserção de softwares educacionais (SEs) no meio escolar e, porque não, na vida pessoal daquele que estuda. Contudo, é necessário gerenciar de forma linear a atratividade de um SE, de modo que este utilize estratégias lúdicas e com jogos, ou seja, gamificadas, para promover a motivação e o engajamento em diferentes cenários de aprendizagem. Pode-se afirmar, portanto, que o uso dos SEs interage cada vez mais com as distintas narrativas, que saltam nas telas dos smartphones e tablets favorecendo a emergência de novos paradigmas educacionais. Assim, o objetivo deste artigo é discutir as ramificações do m-learning, enquanto ferramenta tecnológica de ensino por meio da gamificação em uma turma de Ciências da Computação, cuja aula analisada teve como foco a ortografia em Língua Portuguesa. Este artigo foi dividido em três partes: inicialmente, foi feita uma breve explanação do universo tecnológico. Em seguida, foi realizada uma revisão de literatura para a discussão do m-learning, do software educacional (SE) e da gamificação. Por fim, foram apresentados os resultados de acordo com as percepções dos alunos sobre o SE SoletrandoMob. 3264 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro Tecnologia a favor da educação Acreditamos que os avanços tecnológicos vêm, de um modo geral, promovido a aproximação entre tecnologia e educação no sentido de ofertar variados dispositivos com os quais o ensino e a aprendizagem tornam-se mais interativos, ‘atrativos’ e lúdicos, em especial, para uma geração que ‘tem pressa’. Por outro lado, quando falamos em mobilidade também entendemos a possibilidade de um alcance maior das ferramentas educacionais, ou seja, comunidades que antes estariam isoladas, ou potencial e logisticamente postas em condições que não favoreciam o acesso ao conhecimento, agora, podem estar mais global e localmente situadas. Deste modo, dispositivos, aplicativos, softwares, dentre outros mecanismos associados ao ensino vêm como um artefato que otimiza a aprendizagem. Apresentamos a seguir as teorias que nos auxiliam a entender esses novos fenômenos da educação contemporânea. Mobile Learning As tecnologias contemporâneas fazem surgir uma nova modalidade de ensino, através dos dispositivos computacionais móveis: tablets, smartphones, celulares, Personal Digital Assistant (PDAs), PlayStation Portable (PSPs), netbooks, entre outros. Higuchi (2011) menciona que os dispositivos móveis fazem parte das formas atuais de comunicação e têm sido incorporados por diferentes setores da sociedade, em um processo contínuo de adaptação entre tecnologia e sociedade. Diante disso, tais dispositivos não podem ficar fora das questões educacionais. A introdução da computação móvel no processo de ensino, como forma de auxiliar a aprendizagem dos mais diversos conteúdos, tornou-se uma prática a partir do método mobile learning, ou simplesmente m-learning. Na definição de Higuchi (2011), m-learning é a possibilidade de se criar situações de aprendizagem usando os dispositivos móveis e tirando partido da permanente conectividade facultada pelas redes sem fios. Leite (2014) adiciona que o m-learning pode ser ampliado para qualquer tipo de aprendizagem que ocorre 3265 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais quando o estudante não está em um local estático e estipulado; a exemplo da academia de ginástica, em que ele poderá estar na esteira e escutando uma aula de inglês simultaneamente, ou no momento em que a aprendizagem acontece quando o estudante ‘tira’ vantagem das oportunidades oferecidas por tecnologias móveis, a exemplo da educação a distância. Para este estudo, o dispositivo móvel utilizado foi o smartphone, ferramenta tecnológica de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem, pois é um celular com tecnologias avançadas, incluindo programas executados em um sistema operacional, cuja denominação toma diferente nomeclantura passando a se chamar aplicativo (application), e sua abreviatura, advinda do vocábulo em inglês, compõe a sigla já notoriamente conhecida como ‘app’. Os aplicativos (apps) facilitam a instalação e a utilização de um SE, sua portabilidade e manuseio já que são disponibilizados nas app store, isto é, nas lojas virtuais de venda ou oferta de aplicativos, gratuitamente em alguns casos. Em nossa pesquisa, entendemos que o app SoletrandoMob executa as funções de um SE, como veremos adiante. Software educacional (SE) Para França e Silva (2014), o SE é um programa cujo objetivo favorece os processos de ensino-aprendizagem, uma vez que são desenvolvidos com a finalidade de levar o estudante a construir determinado conhecimento relativo a um conteúdo didático previamente estabelecido. Para Cristóvão e Nobre (2011), o SE deve proporcionar ao professor e ao aluno a oportunidade de utilizar novos métodos no ambiente educacional e fora dele, através dos quais são oferecidas oportunidades de aprendizagem e facilitação na consolidação do conhecimento. De acordo com Prieto et al. (2005) estes softwares têm finalidade pedagógica e sua utilização deve estar ligada a um assunto e uma situação de ensino baseados em uma metodologia que oriente o processo, através da interação, da motivação e da descoberta, facilitando a aprendizagem de um conteúdo. A utilização deste tipo recurso na educação proporciona uma série de vantagens no que diz respeito à aprendizagem através do efeito motivador, do desen- 3266 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro volvimento de habilidades cognitivas, da socialização e da coordenação motora. É importante ressaltar que o uso de dispositivos eletrônicos no âmbito educacional, do mesmo modo, proporciona a inclusão social e maior participação de alunos com dificuldades motoras, já que com um simples toque o usuário pode adentrar um universo amplo e expandir seus conhecimentos. Para este estudo, o SE escolhido foi o SoletrandoMob, que faz uso de dispositivos móveis para sua execução de maneira lúdica e, muito embora não tenha em sua descrição a função educativa, acaba por atuar nesse sentido, como veremos a seguir. O SoletrandoMob O SoletrandoMob surgiu da ideia de se criar um SE portátil desenvolvido para smartphone, que teve como inspiração o quadro Soletrando, do programa Caldeirão do Huck, exibido pela TV Globo aos sábados a tarde nos últimos oito anos, desde 2006. Em sua versão virtual, objeto de estudo desta pesquisa, o SE representa um jogo de soletração que busca auxiliar o usuário na aprendizagem, ou na consolidação, da ortografia da Língua Portuguesa. É importante mencionar que o app passou por uma atualização em junho/2015 e já está seguindo a nova regra ortográfica brasileira, tornando-se um recurso atual e relevante não somente para a aprendizagem como também para a divulgação do Novo Acordo Ortográfico. O app é ideal para jovens a partir de 12 anos e adultos. Nele, o participante testa seus conhecimentos sobre a ortografia da Língua Portuguesa. Este jogo é constituído de 1.200 palavras, divididas em dois níveis de dificuldade de acordo com as instruções do app: (i) até 10 anos (palavras fácies); (ii) e acima de 10 anos (palavras difíceis). Para cada palavra do jogo há uma dica, ou seja, a definição da palavra ou a utilização da palavra em uma frase, contextualizando-a tornando-a mais familiar. Retomamos que, originalmente, o jogo não foi concebido exclusivamente para práticas pedagógicas, mas como uma inspiração e extensão do quadro midiático, além de potencial fonte de recursos financeiros para os idealizadores do quadro e do jogo, já que para adquiri-lo, o usuário deve pagar a quantia de 3267 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais aproximadamente de cem reais. Não obstante, observamos que o jogo auxilia na introdução de questões ortográficas, consolida o conhecimento acerca de determinados vocábulos, provoca a participação em time e, consequentemente, o espírito da competição e, portanto, se encaixa na categoria de SE. Ainda nessa linha de raciocínio que concebe o app no campo do SE e pelo mesmo ter sido aplicado em uma atividade educacional entendemos que esse conjunto de práticas configura uma atividade gamificada. Sendo assim, partimos do interesse das pesquisadoras em avigorarem a gamificação como alternativa às abordagens tradicionais, e ao que diz respeito a expansão e aos benefícios das novas tecnologias na vida dos usuários, com por exemplo a utilização dos smartphones. Evidenciamos então a utilização desta abordagem para auxílio do ensino. Gamificação Nos últimos anos, estudiosos na área de game design de diversas partes do mundo tem se dedicado a aplicar princípios de jogos em áreas como comunicação, saúde, educação, políticas, para citar algumas. Por conseguinte, os jogos vêm atraindo muitos olhares e sendo usados para diversos fins, impulsionando a expansão da gamificação. Segundo Vianna et al. (2013, p. 01) a gamificação “corresponde ao uso de mecanismos de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas práticos ou de despertar engajamento entre público específicos”. Para Fadel et al. (2014), ela constitui a mecânica dos games em cenários non games4, criando um espaço de aprendizagem por meio de desafio, do prazer e do entretenimento. Na educação e nos campos de pesquisa pedagógica, a nomenclatura ‘gamificação’ é recente. No entanto, percebemos que na prática vem sendo usada há bastante tempo. Por exemplo, uma criança participava de um ditado e podia ter seu trabalho reconhecido com adesivos ou desenhos de coraçõezinhos como recompensa; ou ainda com palavras de incentivo – a exemplo de ‘parabéns’, ‘ótimo’, ‘excelente’, entre outros adjetivos que motivem a continuação da boa prática e 4. Non-games are a class of software on the border between video games and toys (IGN, 2006). 3268 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro mostrem que o desenvolvimento foi profícuo. Consequentemente e com o passar dos anos, estas atividades iam ganhando novos níveis de dificuldade por meio da adição de palavras mais complexas ou que demandem maior atenção ortográfica. Os mesmos costumes e aplicações são feitos em jogos educacionais tecnológicos. Ao término de cada atividade, o usuário pode visualizar a sua pontuação (o score), recebe imagens ou palavras de fundo motivador e que estimulem o usuário a continuar a prática do jogo. Nesse sentido, o SoletrandoMob torna-se um objeto de aprendizagem da ortografia da língua portuguesa falada no Brasil, pois tem a função didática de: incentivar o aluno sobre o conhecimento da escrita de determinada palavra; mostrar a palavra em uma sentença, contextualizando-a; corrigir, caso haja algum engano e demonstrar a versão apropriada, os dois últimos considerados aspectos pedagógicos essenciais para a fixação e compreensão semântica em contextos de situação. Ainda para as Fadel et al. (2014), a gamificação nasce como uma possibilidade de ligar a escola ao universo dos jovens com o objetivo na aprendizagem, por meio de práticas como sistemas de “rankeamento” e fornecimento de recompensas. Além disso, ao invés de objetivar exclusivamente o nível de aprendizado do conhecimento por meio das notas, podemos aguçar o cognitivo e o emocional dos alunos ao utilizar os mecanismos dos jogos, o entusiasmo e o envolvimento que os mesmos proporcionam aos participantes. A seguir, são descritos os procedimentos metodológicos da pesquisa. A pesquisa: procedimentos e coleta de dados Utilizamos como sustentáculo teórico as reflexões contidas em Leite (2014) e Higuchi (2011) acerca do m-learning (aprendizagem com mobilidade). Na sequência, Cristovão e Nobre (2011) e França e Silva (2014) sobre o uso de softwares educacionais e suas vantagens para a educação contemporânea. O mecanismo da gamificação é visto a partir de Fadel et al. (2014), e Vianna et al. (2013) nos apontam que, por meio da gamificação e apoiados pelo aplicativo para smartphone SoletrandoMob, temos a ampliação do conhecimento ortográfico de forma lúdica e interativa. 3269 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Utilizamos a prática gamificada para a abordagem sobre ortografia na língua portuguesa falada no Brasil como um duplo foco estratégico: (i) para diagnosticar potenciais lacunas na apropriação da ortografia da língua portuguesa, levando em consideração a nova regra ortográfica recentemente implantada; e (ii) para motivar os alunos na busca e otimização do conhecimento sobre ortografia, um campo de ensino da língua vernácula que pode apresentar certa resistência por partes do corpo discente. A apresentação do app SoletrandoMob foi realizada no primeiro dia de aula da disciplina de Leitura e Produção Textual. Após uma breve contextualização sobre a importância da tecnologia no ambiente de ensino-aprendizagem, na sequência foi feita a liberação da senha para o uso da rede sem fio (wifi) visando promover o acesso ao app gratuitamente. Os alunos que mostraram interesse em participar da pesquisa preencheram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que fosse feito o registro e anotações de dados. Nesta ocasião, os alunos tiveram a oportunidade de se familiarizar, utilizar e tirar dúvidas sobre o aplicativo. A partir deste momento, em todas as aulas durante o período entre abril de 2015 e junho de 2015 foram realizados os seguintes procedimentos para a coleta de dados: a) observação das discussões sobre o SoletrandoMob em sala de aula em um período de 2 meses; b) desenvolvimento de um parágrafo com o objetivo de investigar a satisfação dos alunos quanto a utilização do SoletrandoMob através do smartphone em sala de aula; e c) recolhimento do material utilizado no procedimento, isto é, das produções textuais dos alunos. Em virtude do limite de páginas, apenas os excertos analisados são trazidos no corpo do texto visando ilustrar, nas palavras dos alunos, suas impressões, crenças, valores e os efeitos do uso do SE na aula. É importante ressaltar ainda que, buscando tratar o corpus em sua originalidade em meio ao processo de análise, nenhuma alteração, ou correção, foi realizada ao texto original produzido pelos participantes da pesquisa. Havendo discordâncias ortográficas ou gramaticais, estas serão mantidas e a inserção de (sic) se fará presente. A apresentação dos excertos utilizará nomes fictícios para identificação das falas e opiniões e não dos participantes, como fora acordado no TCLE, preenchido e assinado pelos alunos. 3270 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro Para a análise do material coletado foram abordadas: a) as discussões presentes nas produções textuais; b) a identificação das influências no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa por meio do m-learning e da gamificação. A análise foi feita à luz dos conceitos de m-learning, SEs e gamificação. As percepções De acordo com a análise realizada sobre os parágrafos produzidos pelos alunos, foi possível discutir e verificar as ramificações do m-learning enquanto ferramenta tecnológica de ensino, em consonância com o SE e por meio da gamificação, e seus profícuos resultados. Segundo os alunos participantes, houve uma surpresa no desenvolvimento da primeira aula de Leitura e Produção Textual, pois eles esperavam um método tradicional de ensino, no qual o professor apresentaria aos alunos o conteúdo de forma expositiva e utilizando o Datashow, ou até mesmo o quadro branco faria as exposições teórico-metodológicas, assinalaria os exercícios, enfim, ministraria a aula nos moldes ‘tradicionais’. Com o uso do app, a turma ficou bastante empolgada e a classe se descontraiu com a ideia de jogar e aprender, simultaneamente. Nos minutos que antecederam o início da atividade notamos que alguns alunos estavam ansiosos, e durante a atividade outros demonstravam certo nervosismo quando não acertavam as palavras, pois não aceitavam seus próprios erros e reclamavam, tentando justificá-los. Por outro lado, a maioria da turma, estava tranquila com os resultados, discutiam sobre as palavras apresentadas, brincavam com os significados, testando novas contextualizações, comemoravam seus acertos. Neste sentido, acreditamos que a conexão entre a aprendizagem ortográfica e o uso do SE cruza fronteiras e auxilia também no autoconhecimento e superação de dificuldades, no caso dos alunos que estavam ansiosos e nervosos, promovendo uma recompensa cognitiva. Um aluno se surpreendeu “com a forma ousada de aprender” (BERNARDO, 2015). Como ele não discorreu na sua redação o porquê da ousadia, acreditamos que, por ele já cursar o Ensino Superior, nunca tenha imaginado a possibilidade de aprender brincando por meio de um jogo e, mais surpreendentemente, um 3271 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais jogo que está a sua disposição, em seu celular. O uso do adjetivo ‘ousado’ pode, igualmente, nos levar a compreensão de que o uso de jogos em sala de aula, como objetos de aprendizagem, ainda é visto com uma certa ressalva pelos alunos. Tal informação fica clara na fala de Israel (2015): “as aulas que antes era apresentada por um professor, hoje pode ser apresentada por um software presente em um aplicativo de celular” [sic]. A relações dicotômicas passado/professor e presente/software ficam claras no excerto anterior, apontando, inclusive, para um potencial afastamento da presença do professor no processo de ensino e aprendizagem que faz uso da tecnologia. Para o Renato (2015), com a utilização de um aplicativo educacional, a aula pode ser mais produtiva no sentido de enriquecer a linguagem de acordo com as normas cultas, aprimorando assim seu vocabulário: A aula com o jogo SoletrandoMob, mostrou que mesmo ouvindo as palavras no nosso cotidiano, ainda falhamos quando as escrevemos, além disso, esse jogo simples também traz palavras que nunca ouvimos antes, aprimorando nosso vocabulário (RENATO, 2015). No excerto acima, Renato faz referência à eterna confusão entre som e imagem que a nossa língua nos apresenta. De fato, nem sempre o que ouvimos será representado graficamente como esperamos representar. A referência à palavra “ignóbil”, vocábulo que não faz parte do nosso vocabulário cotidiano. Todavia, na aula que foi utilizada a técnica de gamificação em cooperação com o SE, os alunos a escutaram pela primeira vez e, por não terem conhecimento, solicitaram a dica, opção no jogo virtual em que é apresentado o seu significado e o uso exemplificado por meio de uma frase. Diante disto, eles aprenderam que ignóbil significa sem nobreza, objeto vil, desprezível. Com base no excerto do Renato, fica evidente o papel enriquecedor da tecnologia em sala de aula ao unir aprendizagem, brincadeira e mobilidade, motivando o aprendiz na busca do conhecimento e da expansão vocabular. Nesta mesma linha de raciocínio, que traz o elemento lúdico como coadjuvante no cenário da aprendizagem, o aluno Alex relatou que, “o aprendizado é diferenciado e bem divertido com o uso do aplicativo [jogo] Soletrando”. Entendemos, na fala de Alex, que a aula sai do método tradicional de ensino e apren- 3272 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro dizagem proporcionando uma nova estratégia para apropriação de conteúdo. Ao utilizar ‘diferenciado’, percebemos que Alex esteja referenciando o uso da tecnologia em sala de aula através do SE como algo que fora da noção tradicional do ambiente escolar. Já para Gilvan (2015), “em uma aula com o auxílio da tecnologia em forma de jogos educativos permitem ao aluno um aprendizado rápido, captando a atenção e tendo mais interesse em participar da aula e aprender” [sic]. Jogos, aprendizagem, velocidade, atenção, interesse e participação são as palavras-chave destacadas no discurso de Gilvan e que motivam o enriquecimento do processo de ensino e aprendizagem, já que o professor utiliza a produção textual, igualmente, como termômetro para verificar a produção do conhecimento e os caminhos que devem ser seguidos, outras rotas a serem tomadas ou, ainda, revistas. De posse de avaliações como a de Gilvan, e de outros participantes, o professor ‘descobre’ e avalia seus procedimentos, práticas metodológicas e pedagógicas. A sugestão para ‘brincar de aprender’ com um jogo digital, em sala de aula, foi bem aceita pelos alunos: “a tecnologia em si ajuda muito ao professor e acaba tornando as pesquisas que, às vezes são necessárias na sala de aula, mais simples e rápida” [sic] (ALVARO, 2015). Observamos aqui o compartilhamento no processo de ensino e aprendizagem quando Alvaro aproxima a presença do professor ao aluno. Se na fala de Israel (2015), citado anteriormente, o professor seria figura dispensável, vemos agora que ele é parte intrínseca do processo e sem ele os avanços podem ocorrer em menor intensidade. Acreditamos que ele faz referência à possibilidade de ‘pesquisar’ termos e expressões na internet em sala de aula com o uso do smartphone, atividade que não é permitida em alguns ambientes escolares, ou por alguns docentes. Se, por um lado, percebemos que algumas tecnologias podem ‘afastar’ o professor do aluno ou, até mesmo, ‘substituí-lo, notamos nesse excerto que o professor é o mediador e facilitador da prática pedagógica, além de fazer parte do rol dos beneficiados com os procedimentos didático-pedagógicos. Outros alunos também destacam que “em geral [a tecnologia] ajuda porque foge do padrão de ensino e acaba sendo uma atividade dinâmica, e creio que aumenta o interesse dos alunos” (ANTONIO, 2015); “tudo isso [a tecnologia] vem ajudando muito no aprendizado, deixando as aulas mais dinâmicas, 3273 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais divertidas, aprendendo brincando, não tem mais só o professor, livro e tarefa” (ADELINO, 2015). No caso da experiência analisada, observamos a relevância contida na aproximação entre tecnologia, ensino e o lúdico, nas palavras dos alunos. Outro elemento de influência é a relação motivação-prestígio. O uso da tecnologia parece trazer uma aura de prestígio ao professor que dela lança mão, estimulando seus alunos em uma ampliada participação e interesse pelas temáticas abordadas. Para muitos alunos, a aula torna-se prazerosa e bastante divertida, pois ao aprender brincando abre-se um leque de vantagens visando uma melhor assimilação de conteúdo. Desta forma, observamos que a união entre a mobilidade e a gamificação, nos dias atuais, configura um movimento que tem como foco principal o ensino e a aprendizagem por meio de um viés moderno, tecnológico e lúdico que ora ensina conteúdos, ora auxilia na resolução de problemas didático-pedagógicos ou ainda aprimora a produção de conhecimento. Segundo Bruno (2015), “o uso da tecnologia em sala de aula pode ser de grande importância e ajuda na aprendizagem de uma turma, se usada de forma correta a tecnologia será uma eficaz ferramenta de ensino”. O dinamismo que a gamificação proporcionou, durante a aula, demonstra que é viável o uso da tecnologia no ambiente escolar, para um aprendizado menos tradicionalista, já que se trata de um ditado digital, em que a vantagem está na correção de palavras ser executada automaticamente, com a usabilidade da tecnologia. Em um ditado tradicional, o professor pode testar as habilidades de audição, escrita e autocorreção, já que o professor dita, o aluno ouve, escreve e verifica, quando a correção se dá pela escrita no quadro, se a palavra está correta, podendo, também, a correção ser feita oralmente pelo professor, soletrando as letras que por ventura incitarem dúvidas. No caso do app, a correção é automática, porém, não desmerecendo o papel do professor como facilitador, já que ele está ali também para auxiliar e tirar dúvidas. Não obstante, três alunos acreditam que, “mesmo sendo uma ferramenta ou uma forma de aprender bem interessante, o uso da tecnologia, se não usada corretamente, em sala de aula pode tirar a motivação de assistir aula na forma tradicionalista” (DANILO, 2015). Ou seja, destacamos que o aluno entra em contradição ao escrever que o uso da tecnologia gera um aprendizado bem interes- 3274 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro sante, mas pode tirar a motivação das aulas expositivas, descritas por ele por meio do vocábulo ‘tradicional’. Nesse sentido, acreditamos que o uso das novas tecnologias em sala de aula, pode: (i) configurar um certo ‘modismo’, no sentido do professor somente usar a tecnologia para ‘atrair’ a atenção dos alunos e não obter nenhum produto pedagógico concreto; (ii) causar dissabores entre professores que não desejam lançar mão de recursos e dispositivos tecnológicos em suas aulas e sofrerem de julgamentos de valores tanto dos alunos, que não desejam assistir uma ‘aula tradicional’, quanto de outros professores, que os julgam antiquados. Outro aluno também destaca que “a tecnologia pode ser uma aliada ou inimiga do professor, ela pode facilitar a vida do professor, como também pode substituí-lo” (GUSTAVO, 2015). Entendemos que para que este uso seja bem-sucedido, contudo, é importante que o professor esteja orientado e não a utilize como forma de esquivar-se dos assuntos que devem ser ministrados. Assim, uma formação, ou capacitação, deve ser buscada pelo menos para que a tecnologia não seja um mero passatempo ou mecanismo de escape do conteúdo. É importante salientar que a tecnologia não é substituta do professor e sim uma ferramenta auxiliar. André (2015) expõe que “com a tecnologia a informação chega mais rápida, porém atrapalha, pois, para mandar as informações mais depressa as pessoas abreviam as palavras e não ficam atentas aos erros ortográficos”. Neste caso, temos uma relação antagônica entre velocidade e informação, gerando ansiedade e imediatismo nas trocas de conteúdo. Outro ponto estabelecido pelo aluno está na relação entre abreviar e erros ortográficos (variação da língua escrita frente a este imediatismo, ou seja, a pressa contemporânea). Ora, sabemos que o ato de abreviar sinaliza um encurtamento, ou ainda uma ‘pressa’ na transmissão da comunicação, derivada do constante imediatismo em que vivemos no mundo contemporâneo. No caso, do relato do André entendemos que a associação entre o abreviar e os, potenciais, erros ortográficos, que ele menciona, advém, talvez, do uso de abreviaturas em contextos inapropriados. Sabemos que a noção de ‘erro’ é, em alguns casos, uma noção relativa. Stella Bortoni-Ricardo (2006) advoga o uso da terminologia ‘transgressão’ ou ‘inadequação’, já que, como dito anteriormente, alguns termos, ou abreviações para 3275 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais citar o caso relatado pelo aluno, podem ser aplicadas em contextos que não deveriam. Acreditamos ainda as abreviações de hoje podem até sinalizar uma maneira alternativa de comunicação que, no futuro, podem se tornar usuais. Em vista dos argumentos apresentados pelos participantes da pesquisa, observamos a que utilização dos smartphones para outros fins como a transmissão de mensagens via whatsapp, a postagem de comunicações via Facebook, além da navegação em páginas da internet, ou seja, que não esteja vinculada a uma finalidade educativa, é reconfigurada por intermédio do m-learning, do SE e da prática gamificada, incorporando ainda a curiosidade ao processo de formação do conhecimento. Assim, o professor deve estar atento ao uso das tecnologias de informação em sala de aula para que os alunos não percam o foco e as ferramentas não deixem de auxiliar o professor, além de não desmotivar o aluno, ou deixar que o mesmo a utilize com finalidades outras que desvirtuem o processo de ensino e aprendizagem. Afinal, como bem relatou um dos participantes a tecnologia tanto pode ser um facilitador quanto um inibidor, portanto o papel do professor é sempre ter em mente a função facilitadora em associação com os recursos tecnológicos que pode utilizar em sua prática pedagógica. Para Masetto (2008) “a motivação permite uma aprendizagem mais significativa”. Observamos aqui a ponte essencial que o aluno estabelece entre o dispositivo eletrônico, o fator motivacional e a tecnologia. É agregado ainda o valor da facilitação da aprendizagem, já que uma vez motivado, o aluno está mais propenso a não ter dificuldades na produção do conhecimento. Aos poucos vem sendo incorporado o SE também ao ambiente escolar, com materiais didáticos eletrônicos, materiais de pesquisas, jogos educativos, aulas via internet, quadros eletrônicos interativos, etc.. 3276 Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro À guisa de conclusão O uso de SEs, em especial, aqueles que utilizam o caráter lúdico de aprendizagem, quando associados, no caso desta pesquisa, ao ensino ou otimização do ensino da Língua Portuguesa, representam uma rica contribuição para o desenvolvimento de práticas gamificadas especialmente por meio da interação dos professores com o universo dos jogos, a fim de dar sentidos, que auxiliem a avaliação crítica e a reflexiva. Além disso, estreitam fronteiras, ou aproximamnas, fazendo com que falantes de outras línguas também possam aprender a Língua Portuguesa, já que os SEs são disponibilizados mundo afora e permitem que usuários lancem mão de seus dispositivos portáteis e tenham acesso a esta percepção ortográfica. Para os alunos, a captação do conteúdo foi atraente gerando um maior interesse e curiosidade de como seria aprender com mobilidade5. Eles também comentaram sobre como seria mais fácil e simples aprender a escrita correta das palavras utilizando um aplicativo que, a princípio, era visto apenas como um jogo de distração de fins-de- semana. Foi possível apontar, nos textos escritos pelos alunos, a importância dada à atividade de escrever corretamente, pois muitos deles criticaram e apresentaram a insatisfação em visualizarem erros ortográficos absurdos em redes sociais. Entendemos que a prática gamificada promove uma interatividade interdisciplinar entre universos como o cibermundo, os alunos, os professores e a aprendizagem. Configura uma maneira de fazer uso dos celulares em sala de aula sem que hajam dissabores para o docente, já que nos dias atuais os mesmos enfrentam uma batalha constante contra a constante utilização do celular em classe, um mal que assola a sala de aula contemporânea do jardim de infância à pós-graduação. Fica claro que, para os alunos, o uso da tecnologia, da gamificação e da mobilidade na sala de aula, faz com que eles não utilizem o smartphone apenas para trocar ‘abobrinhas’ e sim para aprender. 5. Em pesquisas posteriores também investigamos os locais que os participantes faziam uso do aplicativo, o horário e durante quanto tempo. 3277 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Outrossim, a gamificação representa o movimento harmonioso e progressivo do processo de ensino e aprendizagem dentro e fora da sala de aula, a evolução didático-pedagógica agenciada pelas novas tecnologias de informação. Ao contrário do que pode ser pensado, o uso das ferramentas tecnológicas em sala de aula deixou a esfera da ousadia e tem se tornado, gradativamente, uma ferramenta natural. Como já foi relatado, os SEs estreitam fronteiras, físicas e virtuais, tornam o aluno mais propenso a aprender, subtraem dificuldades linguísticas, culturais e pessoais, além de provavelmente, muitas outras facilidades, ainda por relatar. E, muito embora, podem ser usados de forma individual, quando são usados no coletivo também são dispositivos promotores da reflexão sobre o que está sendo aprendido de forma lúdica, didática e motivacional. Tendo em vista sua versatilidade, podem ser usados com alunos que possuem as mais variadas habilidades de conhecimento e também como ferramentas tecnológicas de inclusão social e digital. Concluirmos que o uso da tecnologia faz com que as atividades da língua portuguesa deixem o universo dos cadernos, dos livros, dos quadros, enfim da ‘tradição’, para alcançar um ambiente virtual, e ainda assim concreto, efêmero, pelo momento da utilização, mas perene no conhecimento que proporciona ao usuário, pois o mesmo usa a tecnologia não somente como pano de fundo, mas como elemento de produção e aquisição de conhecimentos. Referências bibliográficas BORTONI-RICARDO, Stella Maris. “O estatuto do erro na língua oral e na língua escrita”. 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Ed. – Rio de Janeiro : MJV Press, 2013. 3279 RESUMO O domínio do uso das NTIC na sociedade atual caminha para um imperativo, visto que se configura cada vez mais necessário nas novas práticas de letramento exigidas nas várias esferas da sociedade (familiar, escolar, profissional, acadêmica) e a escola não pode isentar-se do seu papel de formar indivíduos competentes no uso das mídias virtuais, especialmente, da internet. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo apresentar possibilidades do uso do blog como estratégia pedagógica para o ensino da produção escrita de comentários, com vistas ao desenvolvimento da argumentação. Para tanto, utilizamos os estudos de Gomes (2005) e Gomes e Lopes (2007) sobre o uso do blog como estratégia pedagógica; assim como nos baseamos nos estudos de Adam (2011) sobre a argumentação e na proposta de sequência didática de Dolz e Schneuwly (2011) para fundamentar nossa proposta de ensino da produção escrita do comentário. Para a realização do nosso trabalho, foram realizadas oficinas sobre a criação e configuração do blog. Após o contato dos alunos com a ferramenta, o blog passou a ser utilizado como espaço de interação e colaboração entre professor/alunos, os quais passaram a produzir comentários a fim de defender ideias e pontos de vistas sobre temas diversos. Com isso, percebemos que houve maior motivação, integração e envolvimento dos alunos no processo de ensino/aprendizagem da escrita, visto que, ao publicar os comentários no blog, os textos dos alunos alcançaram leitores diversos, assim como houve avanços consideráveis na ampliação da competência argumentativa. Portanto, percebemos que é possível criar novos caminhos para o ensino da produção escrita atrelada aos novos letramentos trazidos pelas mídias virtuais, superando possíveis práticas tradicionais e fracassadas de ensino da escrita. Palavras-chave: Blog, Ensino, Escrita, Argumentação. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino TECNOLOGIA E ENSINO: A ARGUMENTAÇÃO EM COMENTÁRIOS DE BLOG Maria Alcione Gonçalves da Costa1 (UPE/Garanhuns) Introdução A discussão em torno do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) na educação tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos, visto que nossa vida é constantemente afetada por elas. Diante disso, vários trabalhos têm surgido em torno de questões relacionadas às mudanças provocadas no uso da linguagem nas NTIC, tais como os estudos sobre o surgimento dos gêneros virtuais (MARCUSCHI, 2010), os letramentos na web (ARAÚJO; DIEB, 2009) e a evolução do blog diante das exigências retóricas (MILLER, 2012). Outra questão que também vem sendo discutida no panorama atual é a inclusão das NTIC no ambiente escolar, explorando especialmente a Comunicação Mediada pelo Computador (CMC), conforme podemos ver em Primo (2003). A respeito disso, muitos trabalhos sobre a função pedagógica do blog têm sido produzidos por autores tais como Maria João Gomes (2005), Gomes & Lopes (2007) e Pinheiro (2013). Com o surgimento do computador e, sobretudo, da internet, emergiram novas formas de comunicação que, hoje, são cada vez mais necessárias para nossa participação em diversas práticas sociais: inscrições de concursos e vestibulares são feitas online, o e-mail vem sendo exponencialmente utilizado nas 1. Mestranda do Profletras da UPE/Garanhuns. Especialista no ensino de Língua Portuguesa. É professora de Língua Portuguesa no Instituto Federal do Sertão Pernambucano. Email: [email protected] 3281 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais comunicações entre membros de instituições (escolas, empresas, instituições), muitas operações bancárias podem ser realizadas pela internet, entre outras. Diante disso, o Governo Federal tem se preocupado com a tecnologização da educação e com a formação dos professores, implementando programas como o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), por exemplo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também têm defendido a ideia de que é papel da escola inserir o uso da tecnologia no ensino ao afirmar que “a presença crescente dos meios de comunicação na vida cotidiana coloca, para a sociedade em geral e para a escola em particular, a tarefa de educar crianças e jovens para a recepção dos meios” (BRASIL, 1998, p. 89). Diante disso, acreditamos que o uso do blog em contexto escolar pode contribuir sobremaneira para o ensino da escrita, especialmente, se explorarmos a sua ferramenta de comentários, pois estaremos atrelando ao ensino da produção escrita uma mídia altamente interativa e que tem conquistado os jovens, a internet. Assim sendo, a presente pesquisa discute possibilidades do uso do blog como estratégia pedagógica para o ensino da produção escrita do gênero comentário, com vistas ao desenvolvimento da argumentação e, também, do letramento digital. Com isso, esperamos incitar a necessidade dos professores de Língua Portuguesa repensarem as práticas de ensino dos gêneros textuais, assim como esperamos reforçar a ideia de que, atualmente, a escola precisa contribuir para a formação de indivíduos autônomos e capazes de participar das práticas de letramento digital (pesquisar e selecionar informações na internet, articular hipertextos, comunicar-se virtualmente, publicar arquivos na rede, etc). Na verdade, o trabalho com o blog apresenta-se para nós como um leque de possibilidades de ensino-aprendizagem da escrita: o aluno não escreverá apenas para o professor, mas para leitores variados; o aluno estará envolvido em uma situação de aprendizagem prazerosa, pois as mídias virtuais atraem cada vez mais o público jovem; o tempo escolar poderá ser ampliado a partir do momento em que os alunos se envolvam com o espaço de discussão no blog e o acesso direcionado com as práticas de escrita no ambiente virtual, contribuirá para o desenvolvimento da argumentação, do letramento digital e para a formação cidadã dos alunos. 3282 Maria Alcione Gonçalves da Costa Definição e evolução do blog Em linhas gerais, a palavra blog é a abreviação do termo weblog que pode ser traduzido como “arquivo na rede” (KOMESU, 2010, p. 136). A popularização do termo tem chamado a atenção de diversos estudiosos que buscam investigar sua definição e seus usos. Ao inserir a palavra blog no google (motor de busca na web) aparecem, em questão de segundos, aproximadamente 4.460.000.000 resultados sobre o assunto, revelando, assim, o quanto o blog tem ganhado visibilidade no ciberespaço. Ao analisarmos o seu aspecto formal, percebemos que os blogs apresentam um formato comum: postagens datadas em ordem cronológica reversa (posts), com data e horário; link para comentário e para o nome do autor, geralmente, abaixo de cada postagem. No entanto, quando analisamos seu aspecto funcional, identificamos uma multiplicidade de blogs com usos diversos, visto que, hoje, qualquer pessoa pode criar um blog e publicar conteúdos na rede de maneira diversa. Segundo Miller (2012), o blog surgiu no final dos anos 1990 e, ao longo do tempo, vem passando por um processo de mudanças significativas. Para a autora, os primeiros blogs foram criados por designers ou programadores bastante familiarizados com a linguagem de programação. Como esses primeiros blogs sofreram mudanças significativas na tecnologia a partir do surgimento de sites hospedeiros tais como pitas e blogger, que facilitaram sua criação e manutenção, por não exigir o conhecimento da linguagem HTML, houve uma verdadeira explosão do fenômeno blog na rede. Assim sendo, Miller (2012) defende a ideia de que o blog é dividido em três fases: os primeiros blogs, conhecidos como “blogs filtros”, foram criados para compartilhar informações de interesses de indivíduos que tinham alto conhecimento da web, tais como localizar informação, sem os mecanismos de busca acessíveis que existem hoje e configurar suas páginas HTML. A partir de 1999, com o surgimento dos sites hospedeiros, surgiram os blogs pessoais da segunda fase mais populares e com ênfase na autoexposição, uma espécie de diário virtual. Esses blogs, rapidamente, ganharam visibilidade no ciberespaço, pois além da mudança na tecnologia, o surgimento da ferramenta 3283 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais para a publicação de comentários alavancou a sua popularização, por possibilitar maior interatividade (Amaral; Recuero; Montardo, 2009). Por sua vez, a terceira fase do blog é marcada pelo surgimento das redes de relacionamento, que, por oferecerem ferramentas como a criação de lista de amigos e grupos, pesquisa de outros perfis na rede e postagem de link de blogs, facilitaram o acesso aos blogs, permitindo que eles fossem lidos por mais leitores. Portanto, percebemos que a evolução do blog é marcada por acontecimentos relacionados à tecnologia e ao contexto cultural, visto que a mudança da primeira fase para a segunda se deu a partir do surgimento de sites hospedeiros gratuitos e de fácil utilização e da motivação retórica voltada para a autoexpressão; enquanto que a passagem para a terceira fase do blog se deu a partir do surgimento das redes sociais, que elevou o nível de interatividade e conectividade do blog, e pelo surgimento de novas motivações retóricas tais como a insatisfação com a cobertura da mídia jornalística formal e as campanhas eleitorais, dando origem aos blogs jornalísticos e aos políticos. As contribuições do blog no cenário educacional Devido o avanço da tecnologia, o blog tem ganhado cada vez mais visibilidade no ciberespaço e tem invadido diferentes esferas sociais tais como a política, o jornalismo e a educação, como afirma Gomes e Lopes (2007, p. 120) “esta evolução dos blogues, não permite apenas novas e mais criativas formas de expressão, abre também novas potencialidades em termos comunicacionais e em termos pedagógicos, aqueles que no nosso contexto pessoal e profissional mais nos aliciam”. A popularidade do blog no ambiente educacional se deve, entre outros motivos, ao fato de ser uma ferramenta de fácil manuseio e de hospedagem gratuita, além de oferecer múltiplas possibilidades tecnológicas, tais como publicar textos na rede, navegar pelos hiperlinks, interagir virtualmente por meio dos comentários, explorar a multimodalidade dos textos que são hospedados no ambiente, criar links, inserir vídeos e imagens, entre outros. A respeito dos blogs educacionais, Gomes (2005) apresenta a distinção do uso do blog como recurso pedagógico (espaço de acesso a informações especializadas e espaço de disponibilização de informações por parte do professor) e 3284 Maria Alcione Gonçalves da Costa como estratégia pedagógica (portfólio digital, espaço de intercâmbio e colaboração, espaço de debate, espaço de integração). Para compreender melhor os usos potenciais dos blogs apresentados pela autora, consideramos pertinente discorrer sobre cada um deles: 1. Os blogs como espaço de acesso à informação especializada – funcionam como um espaço de consulta, cabendo ao professor pesquisar, selecionar e sugerir os blogs que contenham informações relevantes, adequadas e confiáveis sobre assuntos de interesse da turma; 2. Os blogs como espaço de disponibilização de informação por parte do professor – nesse caso, também funcionam como um espaço de acesso à informação, porém o conteúdo é produzido pelo próprio professor que precisa atualizá-lo de acordo com o desenvolvimento da disciplina, podendo disponibilizar materiais e comentários pessoais; 3. Os blogs como portfólio digital – funcionam como um processo gradual de coleção das atividades produzidas pelos alunos, através do qual o professor pode acompanhar o processo da aprendizagem e a participação dos alunos. Como o portfólio será construído em um meio digital e interativo, contará com as vantagens da tecnologia no que se refere tanto à facilidade e potencialidade dos recursos de arquivamento e consulta quanto no que se refere à divulgação e interação, assim os alunos terão acesso aos comentários do professor e dos próprios colegas. 4. Os blogs como espaço de intercâmbio e colaboração entre escolas – o intercâmbio e a colaboração entre escolas, que geralmente eram feitos por meio de cartas, a partir do momento que passam a ser feitos pelos blogs assumem nova forma e novas potencialidades, pois as trocas podem ser mais permanentes, mais visíveis e mais colaborativas; 3285 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais 5. Os blogs como espaço de debate – role-playing – nesse caso, são utilizados como um espaço de desenvolvimento de debates entre alunos ou entre turmas. A ideia consiste em discutir temáticas especificadas lançadas no blog por meio dos comentários através dos quais os alunos poderão apresentar e defender seus pontos de vista. 6. Blogs como espaço de integração – funcionam a partir da criação de um blog da turma, que pode ser de caráter coletivo. Assim, todos os alunos poderão participar de forma colaborativa, apresentando suas perspectivas, experiências e realidades culturais. Como nossa intenção é utilizar o blog como ferramenta para o ensino da produção escrita de comentários, com atenção especial para a argumentação, adotaremos a perspectiva do blog como espaço de debate – role-playing. No entanto, acreditamos que o blog, quando usado em sala de aula, acaba servindo a mais de um objetivo pedagógico, pois para estabelecer o debate por meio dos comentários, por exemplo, acabamos utilizando o potencial do blog enquanto espaço de disponibilização de informação, assim como exploramos o seu potencial enquanto espaço de integração e colaboração entre os alunos. A função dos comentários no blog O caráter interativo e participativo da web 2.0 revolucionou o ciberespaço, por apresentar diversas ferramentas que permitem a participação dos interagentes no ambiente virtual. No que se refere ao blog, segundo Amaral, Recuero e Montardo (2008), a ferramenta de comentários foi fundamental para a sua disseminação e popularização na web, pois através dela os interagentes podem deixar suas impressões sobre o conteúdo dos posts, participando efetivamente da construção do conhecimento em rede. A respeito do caráter interativo e coletivo do blog Primo e Recuero (2003, p. 58) afirmam que: Em um blog, portanto, é possível ao internauta concordar ou discordar dos posts, expor seu posicionamento e criar novos nós para a rede hipertextual, seja através de um comentário, seja através de um link para 3286 Maria Alcione Gonçalves da Costa seu próprio blog, criando espaços de negociação – embora estes espaços (janelas de comentários) destinados ao debate sejam menos visíveis, laterais ao grande espaço dos textos do blogueiro. Mais do que seguir links e trilhas pré-estabelecidos nos websites, o blog permite ao blogueiro e aos internautas criar novas trilhas, criar novos nós e links. A ação do internauta aqui, portanto, não se restringe a percorrer trilhas entre os links na Web, a simplesmente navegar. Ela é construída de forma conjunta, modificando a estrutura da própria Web. Trata-se de uma ação coletiva e construída de complexificação e transformação da rede hipertextual pela ação de blogueiros e leitores, que terminam por participar também como autores. Isso nos leva a repensar a função e a relevância dos comentários nesse meio virtual, visto que eles além de ser uma das principais motivações para a ação de blogar (AMARAL; RECUERO E MONTARDO, 2008), também podem motivar a criação de novas postagens em outros blogs que podem estar interligadas por meio de links, criando, assim, uma rede hipertextual. Por isso, concordamos com Amaral, Recuero e Montardo (2008, p. 34) ao afirmar que os comentários “são elementos significativos da cultura dos blogs, e que são, se não essenciais, muito importantes como elementos de motivação para os blogueiros e fundamentais como ferramentas de interação social”. Na verdade, os comentários, além de serem altamente interativos, podem assumir caráter colaborativo: ao lerem as postagens dos blogs, os internautas podem comentá-las, negociando sentidos e interferindo diretamente na direção argumentativa do que está sendo publicado. A noção de texto e de sequência textual nos estudos de Jean-Michel Adam Jean-Michel Adam tem se destacado por seus estudos sobre o plano de texto e, especialmente, por sua noção de sequências textuais. Em linhas gerais, o plano de texto é concebido por Adam (2011) como uma base de composição mais ampla do texto, geralmente, reconhecida socialmente, visto que, para o autor, “Os planos de texto estão, juntamente com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimento dos grupos sociais. Eles permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global 3287 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais de um texto, prescrita por um gênero” (ADAM, 2011, p. 258), sendo importante ressaltar que o linguista afirma existir planos de textos convencionais, isto é fixos, tal como acontece com o verbete de dicionários, e planos de texto ocasionais que não possuem uma forma padronizada. Enquanto isso, a sequência textual é definida pelo autor como: • uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem. • uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização interna que lhe é própria, e, portanto, em relação de dependência-independência com o conjunto mais amplo de que ela faz parte (o texto). (2011, p. 205). Dessa forma, percebemos que a sequência é concebida como uma estrutura linguística, em certa medida, autônoma formada por partes (proposições) que estão ligadas entre si e ligadas ao texto. Já a proposição é definida como a unidade mínima de sentido de um ato enunciativo que não existe de forma isolada, ou seja, mesmo sendo constituída por uma única palavra como nos enunciados “Bravo!”, “Sério?”, a proposição-enunciado “liga-se a um ou a vários outros e/ou convoca um ou vários outros em reposta ou como simples continuação” (ADAM, 2011, p. 109). Embora Adam reconheça que as sequências textuais sejam variadas e não homogêneas, ele aposta no caráter observável de alguns aspectos linguísticos e em certas regularidades na composição de sequências prototípicas, visto que, para o autor, “Os cinco tipos de base retidos correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural (pela leitura, escuta e produção de textos) e transformadas em esquema de reconhecimento e de estruturação da informação textual” (2011, p. 205). Diante disso, o linguista subdivide as sequências em cinco categorias: narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, sendo importante ressaltar que o autor defende a ideia de que um texto pode ser formado por mais de uma categoria de sequência, ou seja, é possível que um texto apresente uma estrutura sequencial heterogênea. 3288 Maria Alcione Gonçalves da Costa Como nosso interesse recai na compreensão de como se estrutura a sequência argumentativa, visto que iremos analisar os comentários escritos pelos alunos, observando se eles utilizaram a estrutura da sequência argumentativa na produção de seus comentários, conforme propomos em uma das oficinas desenvolvidas, não discorreremos sobre as cinco categorias prototípicas proposta pelo autor, mas apenas sobre a sequência argumentativa. A sequência argumentativa Com base na compreensão de que o discurso argumentativo é construído por meio de argumentos que justificam e validam a tese defendida e de contra -argumentos que refutam teses contrárias, Adam (2011) propõe o seguinte esquema para a sequência argumentativa: ESQUEMA 1: sequência argumentativa Fonte: Adam, 2011, p. 234 Dessa forma, percebemos que a sequência argumentativa é formada por três macroproposições e estas são constituídas por P.arg (proposições argumentativas), conforme aponta o esquema acima: a tese inicial (P.arg. 0), a sustentação ou refutação da tese inicial (P.arg. 1, P.arg 2, P.arg. 4) e a conclusão (P. arg. 3), sendo importante ressaltar que, para o autor, nem sempre a tese anterior e a sustentação são de caráter explícito. A respeito do esquema prototípico da sequência argumentativa, o autor afirma existir dois níveis: 3289 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais • O justificativo – em que a argumentação é estruturada por meio de argumentos que justificam a tese anterior e o interlocutor é pouco levado em conta; • O dialógico – no qual a argumentação é estruturada por meio de argumentos que justificam a tese defendida e de contra-argumentos que rejeitam teses contrárias, levando-se em conta a negociação com os interlocutores. A fim de esclarecer melhor o funcionamento do esquema prototípico da argumentação de base dialógica, Adam (2011, p. 235) apresenta um recorte da fala de um esportista radical extraído de um artigo jornalístico: Dominique Perret, esquiador radical; “nós NÃO somos camicases suicidas: assumimos riscos, CERTAMENTE, MAS são calculados”. Nesse caso, percebemos que a fala do atleta refuta uma tese anterior que não está explícita (os atletas são camicases suicidas, pois arriscam suas vidas voluntariamente), sendo que a refutação é sustentada por meio de um contra -argumento, introduzido pelo conector MAS, pois ao afirmar que os riscos são calculados, rebate-se a ideia de que os atletas são suicidas, direcionando o interlocutor para a seguinte conclusão: se os atletas assumem riscos, mas os riscos são calculados, eles não podem ser considerados suicidas. A partir dessas considerações sobre a sequência argumentativa, fica evidente que o nível dialógico torna-se mais complexo, por exigir uma articulação com discursos externos contrários, sendo que essa articulação se dá, sobretudo, por meio dos conectores argumentativos que exercem um papel determinante na construção do plano do texto. 3290 Maria Alcione Gonçalves da Costa A escrita no blog: da teoria à prática O desenvolvimento da nossa pesquisa de intervenção pedagógica em torno do ensino da produção escrita dos comentários no blog foi feito a partir do acompanhamento de duas turmas do 9º ano do Colégio Luiz Pessoa em Caruaru/PE durante seis meses (de junho a novembro de 2014), com um total de 36 alunos (17 da turma A e 19 da turma B). Para a realização de nossa proposta didática, estabelecemos o contato dos alunos com a ferramenta em três etapas: pesquisa e escolha de um blog na internet; criação do blog da turma e criação do blog individual. Na primeira etapa, levamos os alunos à sala de informática para que eles navegassem livremente pelos blogs, realizando a leitura da maneira que soubessem ou da maneira que os agradassem. Com isso, pudemos familiarizar o aluno com a estrutura do blog e com o tipo de leitura hipertextual que, por não ser linear, apresenta muitos caminhos possíveis. Na sequência, fizemos a visita coletiva a um dos blogs por eles selecionados, mostrando aos alunos a relevância de cada link assim como os elementos que constituem o blog (páginas, posts, links, comentários, blogroll, entre outros) para que eles pudessem conhecer melhor o seu formato. Para a execução da segunda etapa - criação do blog2 da turma - assistimos a um vídeo tutorial3 e, logo em seguida, executamos o passo a passo coletivamente. O site hospedeiro escolhido por nós foi o blogger, como estava sugerido no tutorial. Com isso, esclarecemos dúvidas e discutimos questões pontuais a respeito da criação do blog tais como: a necessidade do aluno possuir uma conta do gmail, a configuração do blog, a escolha do layout e do modelo do blog, entre outras. Por fim, na terceira etapa, os alunos criaram os seus blogs individuais. Essa etapa foi a mais demorada, visto que havia alunos muito incipientes no uso da internet, inclusive havia uma aluna que não sabia usar o computador, carecendo, pois, de um acompanhamento individual. No entanto, foi uma etapa muito importante para o desenvolvimento da pesquisa, pois, a partir de então, os alunos puderam, de fato, utilizar o computador e a internet de maneira autônoma e direcionada dentro do espaço escolar. 2. O endereço do blog da turma é encontrodasletras2014.blogspot.com. 3. O vídeo pode ser encontrado em: https://www.youtube.com/watch?v=IdD2Y86oIG4 3291 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Após a criação do blog, fizemos duas oficinas, com duração de 4h/aulas cada, sobre o uso do blog: na primeira, apresentamos aos alunos dicas de configuração e layout do blog para que eles pudessem se apropriar melhor da ferramenta blogger, conhecendo as suas possibilidades de uso, tornando o blog deles mais dinâmico e interessante; e, na segunda, ensinamos a turma a criar e publicar comentários e posts, com inserção de imagens, vídeos e permalinks a fim de que os alunos utilizassem a ferramenta com mais autonomia e interatividade. Posto isso, iniciamos o processo de ensino/aprendizagem da produção escrita dos comentários, com vistas ao desenvolvimento da argumentação, o qual foi feito com base na noção de sequência didática de Dolz e Schneuwly (2011) que é definida como um conjunto de atividades organizadas em torno da produção de um gênero oral ou escrito, sendo importante ressaltar que as temáticas abordadas, geralmente, envolviam questões polêmicas e/ou estavam relacionadas ao contexto social dos alunos tais como: a gravidez na adolescência, o aborto, o uso do celular em sala de aula, o bullying, a automutilação, entre outros. A aplicação da sequência didática e a análise de corpus Para a aplicação de nossa sequência didática, inicialmente, fizemos a apresentação da situação, na qual expomos aos alunos a situação de comunicação e a atividade de escrita a ser executada. Para tanto, discutimos sobre o caráter social do blog da turma, mostrando que o objetivo do nosso projeto era criar um espaço de discussão sobre temas polêmicos e que fazem parte do contexto da turma, a fim de que os alunos pudessem expor e defender suas opiniões; apresentamos o propósito comunicativo do gênero comentário e o seu público-alvo (colegas de sala, comunidade escolar e público geral); assim como refletimos sobre o assunto/tema da primeira postagem do blog da turma, abrindo espaço para a discussão oral. Por fim, os alunos foram incentivados a realizar a primeira produção do gênero em estudo, na qual podemos perceber a representação prévia que os alunos tinham do gênero comentário, conforme podemos ver a seguir: 3292 Maria Alcione Gonçalves da Costa POSTAGEM 1: O português é difícil: será? Fonte: blog da turma Ao analisarmos os comentários desta postagem, percebemos que os alunos conseguiram apresentar, parcialmente, uma representação do gênero em estudo, visto que a maioria deles conseguiu expor um ponto de vista sobre o tema da postagem. No entanto, é nítido que há uma série de dificuldades a serem superadas: parte dos alunos teve dificuldade em se posicionar acerca do tema; não houve progressão entre os comentários; não houve resposta aos comentários, mas apenas ao post inicial; e a maioria dos comentaristas não conseguiu desenvolver seu ponto de vista. Diante disso, verificamos que as dificuldades apresentadas pelos alunos estavam relacionadas, especialmente, ao desenvolvimento da argumentação e à progressão entre os comentários, o que prejudicava consideravelmente a realiza- 3293 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais ção do propósito comunicativo do gênero. Por esse motivo, desenvolvemos duas oficinas a fim de superar as dificuldades iniciais: a primeira sobre a esquematização da argumentação e a terceira sobre a função dos operadores argumentativos. O ensino da argumentação nos níveis justificativo e dialógico As primeiras produções textuais dos alunos revelaram, de fato, uma tendência à estruturação da argumentação no nível justificativo que, como vimos anteriormente, pouco leva em consideração a relação dialógica com o interlocutor. Nesse nível, o produtor do texto, geralmente, apresenta três proposições argumentativas: o ponto de vista (doravante PV), a(s) justificativa(s) (J) e a conclusão (C), sendo que, ao analisarmos os comentários dos alunos, percebemos que parte deles não apresentou a introdução nem a conclusão. Como o esquema de sequência argumentativa proposto por Adam (2011) fundamenta-se justamente na contra-argumentação (doravante CA), consideramos pertinente apresentá-lo didaticamente para os alunos, a fim de que eles pudessem transitar entre os níveis justificativo e dialógico que, com base na sequência de Adam (2011), podem ser entendidos da seguinte forma: Nível Justificativo: Introdução + ponto de vista + justificativas + conclusão (I + PV + j + C); Nível dialógico: Introdução + ponto de vista + justificativas + contra-argumentos + conclusão (I + PV + J + CA + C). Na verdade, ao observarmos os comentários produzidos pelos alunos até então, percebemos que a maioria dos textos não apresentou a introdução; uma parte considerável não apresentou a conclusão; e a maioria não introduziu o contra-argumento. A ausência da introdução, a nosso ver, não se configurou como um problema para o desenvolvimento da argumentação, pois o fato dos comentários serem uma resposta retórica ao post inicial e/ou aos comentários já publicados no blog, leva-nos, enquanto leitores, a estabelecermos a relação 3294 Maria Alcione Gonçalves da Costa entre um e outro, preenchendo, de forma natural, essa lacuna, o que pode ser um traço formal característico do gênero em estudo. No entanto, como percebemos que a ausência da contra-argumentação e da conclusão, de certa forma, prejudica a realização do propósito comunicativo do gênero, pois enfraquece o poder de convencimento e de persuasão da ação comunicativa, consideramos pertinente oferecer aos alunos subsídios didáticos para que esses pudessem ampliar a estrutura da argumentação. Para tanto, desenvolvemos uma oficina de análise do esquema da sequência argumentativa intitulada de “como esquematizar a argumentação”, seguindo as seguintes etapas: Etapa 1: apresentação e discussão sobre o tema “a proibição do uso do boné na escola”. Etapa 2: formação de dois grupos de alunos (um a favor e outro contra o uso do boné na escola); Etapa 3: Entrega de folhas, constando os seguintes enunciados para que os alunos completasse-os: O boné pode ser usado pelos alunos na escola, porque... O boné não deve ser usado na escola, pois... Etapa 4: socialização da atividade inicial de escrita pelos dois grupos a partir da qual obtivemos os seguinte textos: Grupo a favor: O boné pode ser usado pelos alunos, porque faz parte do estilo deles e é um direito que não pode ser tirado. 3295 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Grupo contra: O boné não dever ser usado na escola, pois muitos alunos escondem drogas nele. Etapa 5: produção do contra-argumento – para a realização dessa etapa, a professora-pesquisadora, com base nos argumentos iniciais, produziu enunciados que levavam os alunos a dialogarem com os argumentos postos pelos interlocutores, contra-argumentando-os: Embora o boné faça parte do estilo dos alunos, não deve ser usado na escola, visto que... Alguns alunos usam o boné para transportar drogas para a escola, mas... Etapa 6: resposta aos contra-argumentos e retomada da tese inicial, reforçando-a. Após essas etapas, obtivemos os seguintes textos: Texto 1: Embora o boné faça parte do estilo dos alunos, não deve ser usado na escola, visto que a escola não é lugar de moda e ele também serve para esconder o rosto de outros meninos que não são da escola e entram para bagunçar, aí a proibição do uso do boné é uma questão de segurança. 3296 Maria Alcione Gonçalves da Costa Texto 2: Alguns alunos usam o boné para transportar drogas para a escola, mas não são todos os alunos que faz isso e na escola tem o pessoal do mais educação que fica tomando conta do recreio e pode ficar de olho nesses alunos, e tem mais quem vende droga na escola não vai deixar de vender só porque não pode mais usar boné, ele pode carregar a droga em outros lugares, por isso o boné deve ser liberado sim. Por meio desta oficina, percebemos que os alunos conseguiram construir, com a ajuda da professora-pesquisadora, uma primeira representação da estrutura da sequência argumentativa proposta por Adam (2011). Posto isso, direcionamos novas atividades de produção de comentários no blog, as quais sempre eram antecedidas de atividade de leitura e de discussões em sala, para que os alunos pudessem compartilhar ideias, assim como formar e/ou ampliar pontos de vistas a cerca dos temas propostos, construindo a argumentação e a contra -argumentação. A seguir, apresentamos o recorte de comentários produzidos pelos alunos a respeito da postagem sobre a lei da palmada que, por ser uma questão polêmica, possibilitou o desenvolvimento de textos argumentativos em um nível dialógico. Além disso, percebemos que os alunos produziram textos mais consistentes, apresentando um plano de texto mais amplo e ligando as proposições por meio do uso de conectores, como podemos ver nos comentários a seguir: 3297 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais POSTAGEM 2: A palmada educa ou é uma ação violenta? Fonte: blog da turma 3298 Maria Alcione Gonçalves da Costa Ao analisarmos os comentários acima, percebemos que todos os interagentes se aproximaram do nível dialógico da sequência argumentativa, pois além de defenderem seu posicionamento a respeito da promulgação da lei da palmada, apresentaram a CA, geralmente, introduzida pelo uso de perguntas retóricas e/ou pelo emprego do conector “mas” (alguns alunos usaram “mais” ao invés de “mas”). Além disso, percebemos que poucos alunos não apresentaram a conclusão, revelando-nos, pois, que o contato com o esquema da sequência argumentativa contribuiu para o desenvolvimento da argumentação por parte dos alunos. Porém, ao observarmos a estruturação da sequência argumentativa nos comentários produzidos pelos alunos, percebemos que parte deles apresentou dificuldade em inserir o contra-argumento, como podemos observar no comentário de C: TABELA 1: Análise do comentário do interagente C Esquema Comentário da interagente E PV Eu sou contra a lei da palmada J porque é bom dar uma palmada para que o filho não voute a comete o erro CA mas acho que a conversa resolver mas e bom conversa e tambem dar umas palmadas C mas na minha opinião a conversa resolver basta os pais ir com calma e ter paciençia. Fonte: elaborada pela autora 3299 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais A princípio, C se posiciona contra a lei, por acreditar que a palmada educa; porém, na sequência, ele se contradiz ao afirmar que a conversa resolve, reforçando essa ideia, inclusive, na conclusão ao dizer que “basta os pais ir com calma e ter paciência”. Nesse caso, percebemos que o interagente não conseguiu sustentar seu ponto de vista até o final, pois ao inserir o contra-argumento, sua tese inicial perdeu força. Isso nos mostra que a contra-argumentação, quando não está bem estruturada, pode invalidar o ponto de vista defendido tornando-se, pois, um problema no desenvolvimento da argumentação. Além disso, percebemos também que alguns alunos utilizaram conectores de forma inadequada, conforme podemos ver no comentário de D, no qual o conectivo “no entanto” está sendo usado para introduzir uma conclusão. Diante desses problemas na sustentação do ponto de vista e não utilização adequada de conectivos, desenvolvemos uma oficina sobre a função dos conectores argumentativo na esquematização da argumentação, a partir da leitura e análise da tabela abaixo: TABELA 2: Quadro representativo das categorias dos conectores Categoria Conectores Função Exemplo Conectores argumentativos marcadores de argumento porque, já que, pois, com efeito, como Justifica o ponto de vista A lei da palmada é necessária, pois não se educa batendo. Conectores contra-argumentativos marcadores de um argumento forte mas, porém, entretanto, no entanto, Refuta/nega o contra-argumento Muitos pais acreditam que a palmada educa, mas isso não é verdade, pois a palmada não conscientiza as crianças sobre o que é certo ou errado, ela apenas amedronta os pequenos. 3300 Maria Alcione Gonçalves da Costa Conectores contra-argumentativos marcadores de argumentos fracos: Certamente, embora, apesar de que, ainda que Introduz o contra-argumento, sinalizando que Embora a palmada iniba a criança a cometer o erro, ela não deve ser praticada, pois além de causar medo e revolta, ela pode contribuir para o aumento da violência. Conectores argumentativos marcadores de conclusão portanto, então, em consequência Conclusão Portanto, os pais precisam exercitar mais o diálogo, alimentando, assim, o respeito e a cumplicidade na relação com seus filhos. Fonte: elaborada pela autora Após a leitura do quadro, os alunos realizaram uma série de atividades escritas, utilizando os conectores e, na sequência, lançamos novas postagens no blog, incentivando os alunos a utilizarem os conectores na produção de seus comentários a fim de articularem de forma mais clara e contundente os argumentos, contra-argumentos e conclusão. Como reconhecemos que a existência de uma questão polêmica é fundamental para o desenvolvimento da argumentação, lançamos uma postagem no blog sobre um tema que divide a opinião pública: a legalização do aborto. Apesar da temática ser bem conhecida, por fazer parte do contexto social dos alunos (em sala, foi feita uma enquete e dos 36 adolescentes entrevistados, 31 afirmaram conhecer, no mínimo, uma pessoa que recorreu ao aborto para interromper uma gravidez indesejada); realizamos um debate regrado entre as duas turmas envolvidas na pesquisa, para que os alunos pudessem alargar sua percepção sobre o assunto, por meio da pesquisa e da exposição a argumentos utilizados pelos defensores e opositores da legalização do aborto. Vejamos: 3301 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais POSTAGEM 3: O aborto deve ser descriminalizado no Brasil? Fonte: blog da turma 3302 Maria Alcione Gonçalves da Costa O recorte dos comentários acima revela-nos avanços significativos na escrita dos alunos em três níveis: genéricos, textuais e gramaticais. No que se refere às questões relativas ao gênero, percebemos que todos os comentários surgem como resposta ao post ou a outro comentário e que a maioria dos interagentes defende seu ponto de vista, por meio de argumentos e contra-argumentos. Embora o aspecto gramatical da escrita dos alunos não seja o foco de nosso trabalho, sempre buscamos refletir, a partir dos comentários produzidos pelos alunos, os desvios gramaticais mais recorrentes a fim de evitá-los: o uso do “mais” ao invés de “mas” foi um deles. Como, nos comentários acima, apenas o interagente E incorreu no uso inadequado do “mas”, acreditamos que conseguimos resultados positivos nesse aspecto também. Quanto aos aspectos textuais, apontamos avanços tanto na estruturação da argumentação quanto no uso dos conectores, visto que ao analisarmos os comentários anteriores, percebemos que nenhum conector foi utilizado de maneira inadequada. Além disso, boa parte dos alunos conseguiu introduzir a CA sem enfraquecer o ponto de vista defendido, pelo contrário, a CA é usada com o objetivo de levar o leitor a aderir à tese inicial, visto que os interagentes apontam os argumentos contrários que podem ser levantados pelo público-leitor, refutando-os. Diante disso, percebemos que, ao término de nossa pesquisa, boa parte dos alunos demonstraram ter alcançado avanços significativos na produção dos comentários, pois além de apresentarem um melhor domínio na estruturação da argumentação, atenderam aos propósitos comunicativos e às características próprias do gênero, assim como parecem ter superados desvios de ordem gramatical. Considerações finais O ensino da produção textual ainda é um dos grandes desafios a ser enfrentado por nós, professores de Língua Portuguesa, visto que infelizmente, parte de nossos alunos estão concluindo o ensino médio com dificuldades em produzir até mesmo o gênero textual mais ensinado na escola, o texto disser- 3303 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tativo-argumentativo, conforme nos revela, todos os anos, o Exame Nacional de Ensino Médio4 (ENEM). Como as NTIC têm ganhado enorme visibilidade entre nós, especialmente, entre os jovens, que têm usado cada vez mais as redes sociais e os aplicativos para se comunicarem socialmente, acreditamos que elas podem contribuir sobremaneira para a melhoria do ensino da produção textual, visto que tais tecnologias, além de se utilizarem fundamentalmente da escrita, conforme defende Marcuschi (2010), possibilitam o ensino de gêneros textuais dentro de seu contexto de uso, fazendo com que a escrita dos alunos ultrapasse os muros da escola e alcance leitores reais. Nesse sentido, o blog apresenta-se como uma rica possibilidade para o professor redimensionar o ensino da escrita, pois, de acordo com o que vimos anteriormente, o blogger é uma ferramenta altamente interativa através da qual os alunos podem publicar seus textos na rede e, principalmente, podem interagir com leitores diversos por meios dos links para comentários, defendendo ideias e pontos de vista sobre temas diversos de forma participativa. Referências ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise dos discursos. 2. ed. revista e aumentada. São Paulo: Cortez, 2011. AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO, Sandra. Blogs: mapeando um objeto. In: Blogs.com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo: Momento Editorial, 2008. p. 27-53. ARAÚJO, J. C.; DIEB, M. (orgs.). Letramentos na web: Gêneros, interação e ensino. Fortaleza: Edições UFC, 2009. p.13- 22. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: terceiro e quarto ciclo, Brasília: MEC/SEF. 1998. DOLZ, J, NOVERRAZ, N. e SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011. GOMES, Maria. João. (2005). Blogs: um recurso e uma estratégia pedagógica. Actas do VII Simpósio Internacional de Informática Educativa da Universidade do Minho. Portugal: Departamento de Currículo e Tecnologia Educativa, 2005. 4. Conforme podemos verificar no site oficial do INEP: http://portal.inep.gov.br/home. 3304 Maria Alcione Gonçalves da Costa GOMES, Maria. João.; LOPES, António Marcelino. Blogues escolares: quando, como e porquê? In Conferência weblogs na educação-3 testemunhos. V. 3. p. 117-133, 2007. KOMESU, F. C. Blogs e as práticas de escrita sobre si na internet. In MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 135-146. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, SP: Parábola, 2008. MILLER, Carolyn R. Gênero textual, agência e tecnologia. São Paulo: Parábola, 2012. PINHEIRO, Najara Ferrari. Para além da escola: o blog como ferramenta de ensinoaprendizagem. In BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola editorial, 2013. PRIMO, Alex. A interação mediada por computador: a comunicação e a educação a distância segundo uma perspectiva sistêmico-relaciona. 2003. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PRIMO, Alex; RECUERO, Raquel da Cunha. Hipertexto Cooperativo: uma Análise da Escrita Coletiva a partir dos Blogs e da Wikipédia. Revista da FAMECOS, n. 23, p. 54-63, 2003. 3305 RESUMO Sob a luz de Jean-Michel Adam, no que se refere à ideia das macroproposições e proposições que formam os períodos, as sequências e as partes que compõem um plano de texto, esta pesquisa foi realizada, considerando a importância do uso da ferramenta Twitter, como alternativa para o ensino de produção textual a estudantes de ensino médio. O trabalho, feito com discentes da terceira série do ensino médio da rede particular na cidade de Petrolina, sertão de Pernambuco, apontou ao desenvolvimento consistente da proficiência da escrita de textos. Observou-se que a prática da reelaboração de textos, utilizando-se sistematicamente do Twitter, onde a frase deve ser elaborada com apenas 140 caracteres, levou os jovens a compreenderem as instâncias da relação dos termos-ícones com a coerência frásico-textual, desenvolvendo-se a clareza e a síntese da produção- aspectos estes embasados na visão de Leonor Fávero e Ingedore G. Vilaça Koch. Viu-se que a ferramenta tecnológica, vivenciada no contexto da cultura de ciberespaço pensada por Pierre Lévy, é um poderoso mecanismo de trabalho na aula de produção textual, auxiliando o docente no processo de correção de texto, quando são diagnosticados problemas de má articulação, falta de clareza e de objetividade temática nos períodos textuais dos estudantes. Palavras-chave: Twitter, Ensino, Correção textual. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino USO DO TWITTER NO TRABALHO DE CORREÇÃO TEXTUAL COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO Vera Lúcia Santos Alves (FASJ) Introdução Este trabalho pautou-se na observação inicial de construções de períodos textuais feitos por estudantes do ensino médio, cuja clareza era ferida pela ausência do poder de síntese, levando, assim, as frases à prolixidade. Notando o quanto o encadeamento da estrutura precisava ser desenvolvido, a fim de que a força da informação pudesse ficar clara e coerente, vimos a necessidade de trabalhar os ícones frásicos, de modo que estes fossem os norteadores da reescrita textual, no processo de correção. De acordo com Adam (2011), esse encadeamento dos períodos e sua formação sequencial promovem por um plano coerente de texto, permitindo “construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um texto, prescrita por um gênero” (ADAM, 2011, p. 257). Assim, vimos, no processo de junção das macroproposições pensadas pelo autor, o mecanismo ideal para realizar o trabalho, considerando-se os períodos como unidades mínimas do texto, o primeiro modo de “agrupamento de proposições”, focalizando, nessas unidades, os ícones frásicos. Essa estratégia de correção textual levado ao microblog Twitter , criado em 2006 e, hoje, com mais de 40 milhões de usuários no Brasil, é eficiente, porque o escritor é levado a usar apenas 140 caracteres no processo de reelaboração do período, mantendo as características básicas das “unidades mínimas” - os períodos. 3307 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Pelo número de usuários que o microblog conquistou e vem conquistando- meio milhão em todo o mundo-, o caminho natural é que a sua relação com a educação seja efetivado. Tornou-se uma nova superfície da escrita em que, além das reduções, abreviaturas já conhecidas e compreendidas entre os jovens e, mais recentemente, entre os educadores, também apresenta uma forma de síntese da escrita utilizada na prática de ensino destes. A ferramenta pode auxiliar o trabalho do professor de língua portuguesa na na manutenção da coerência textual ligada à percepção do ícones-frásicos, as palavras-chave do período, responsáveis pela semântica e clareza temáticas. Tudo isso está ligado ao universo do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), como alternativa educacional, baseado na caracterização tecnológica da “inteligência coletiva” pensada por Pierre Lévy , para quem “Qualquer reflexão sobre o futuro dos sistemas de educação e de formação na cibercultura deve ser fundada em uma análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber” (2000, p.157). É a chamada “ética do ciberespaço”, cuja atuação cidadã remete à construção do saber individual e, também, à construção do conhecimento coletivo nas relações sociais. A coerência textual, foco desta pesquisa no tocante à pragmática da articulação do período, é um elemento fundamental para que um texto tenha um sentido claro, com elementos frásicos bem articulados. O significado contextual, a intencionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e a coesão são fatores textuais que se sustentam no mínimo de coerência interna e externa que uma produção escrita pode promover. Assim, além dos mecanismos estruturais, precisamos avaliar o texto pelo caráter semântico que ele expõe. Essa análise está muito bem posta em Fávero (2007), segundo a qual o princípio da comunicação está pautado na coerência textual; sem esta, o ruído comunicacional é inevitável, impossibilitando: “O texto contém mais do que o sentido das expressões na superfície textual, pois deve incorporar conhecimentos e experiência cotidiana, atitudes e intenções, isto é, fatores não linguísticos” (FÁVERO, 2007, p..60). 3308 Vera Lúcia Santos Alves É certo que a coerência pode ou não concordar com a versão estabelecida no “mundo real”, como delimita Koch (2002, p. 16). Para ele, é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não somente detalhes dos textos. A coerência, portanto, tem no aspecto contextual, a base para a compreensão do enunciado e deve ser analisado com cuidado para então podermos dizer se o texto é coerente ou incoerente. Nesta pesquisa, considerando que todas as produções analisadas estão ligadas a propostas textuais cuja temática fora pré-estabelecida em sala de aula, a coerência será avaliada tanto do ponto de vista interno, quanto externo. A relevância do twitter no ensino de linguagens Utilizar-se das redes sociais tecnológicas na educação é um mecanismo de extensão de conhecimento; sobretudo, no tocante à interação social, interlocução de ideias, dando-se, segundo Recuero (2008), de maneira qualitativa e , também, quantitativa. A força da abordagem de redes sociais está em sua necessidade de construção empírica tanto qualitativa quanto quantitativa que busca, a partir da observação sistemática dos fenômenos, verificar padrões e teorizar sobre os mesmos. Estudar redes sociais, portanto, é estudar os padrões de conexões expressos no ciberespaço. É explorar uma metáfora estrutural para compreender elementos dinâmicos e de composição dos grupos sociais. (RECUERO, 2008, P.22) Vivemos numa cultura digital em que a escrita assumiu nova performance, nova função social e, inclusive, novo caráter estrutural. São maneiras cada vez mais diversificadas de escrita, cuja pragmática está muito bem articulada com as ferramentas de que o escritor dispõe. Os gêneros produzidos nesse contexto têm sido objeto de estudo de análise, além de promover a percepção para produção de novos textos por parte dos alunos de ensino médio com que trabalhamos nesta pesquisa. Sobre isso, Marcuschi (2010, p.21), afirma que “Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam formas comu- 3309 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais nicativas próprias com certo hibridismo e desafiam as relações entre oralidade e escrita”. Por essa razão, o fato de os educadores utilizarem-se do twitter no ensino de produção textual , em suas aulas de linguagem reflete uma contextualização da educação no contexto de avanços tecnológicos irreversíveis da sociedade moderna. Entre a escrita espontânea e pessoal de um tweet e a elaboração de uma frase mais formal, para um texto acadêmico, o aluno desenvolve habilidades e competências, na comunicação social, absolutamente relevantes. O saber-fluxo, o trabalho-transação de conhecimento, as novas tecnologias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do problema da educação e da formação. [...] Os percursos e perfis de competências são todos singulares e podem cada vez menos ser canalizados em programas ou cursos válidos para todos.( LÉVY, 2000, p.158). As possibilidades do uso do Twitter como ferramenta pedagógica para trabalhar a produção de textos geram, ademais, a capacidade de reflexão a respeito do contexto de produção e a exigência de adequação da linguagem à plataforma digital. E, nesse processo de reescrita a que nos propomos nesta pesquisa, vale ressaltar a importância de tal caráter de domínio da língua padrão fora do contexto tradicional. É preciso mergulhar coletivamente nas trilhas da ciberesfera digital, tendo em vista que “no mundo digital, o mais importante não são somente os conteúdos digitais, mas também a reelaboração que se faz com base neles e as experiências que permitem” (ZUAZO e CASTEDO, 2013, p. 72). Diante desse universo de possibilidades que se abrem à estrutura, reestrutura, análise semântica, percepção de núcleos linguísticos e temáticos da frase, dentre muitos outros aspectos que se podem trabalhar com a plataforma digital, nota-se a relevância da divulgação de pesquisas que estimulem docentes e discentes ao uso mais produtivo internet na educação. 3310 Vera Lúcia Santos Alves Procedimentos metodológicos O corpus deste trabalho foi adquirido ao longo do primeiro semestre do ano letivo 2015, no Colégio Maria Auxiliadora, situada na cidade de Petrolina, interior de Pernambuco, com o trabalho de produção textual realizado com estudantes da terceira série do ensino médio. Em princípio, foram trabalhados textos argumentativos, cuja temática variavam de acordo com a pauta da mídia, ligada a assuntos relevantes da atualidade. Foram trabalhados os conceitos da textualidade, as estruturas macro e micro do texto, considerando, a ideia de Adam (2011, p. 205) de que deve haver um “ continuum de complexidade crescente entre o período e a sequência”, no qual estão inseridos os ícones- frásicos e sua função dentro do período. Durante o processo de correção dos textos, foram verificados aqueles cuja elaboração estava fora da necessária clareza e apresentavam grande fragilidade de articulação, ferindo a coerência textual. Nesses casos, perceberam-se algumas questões específicas como prolixidade e dificuldade no fechamento dos períodos, com uso dos pontos continuativos e parágrafos. Destacados no texto do aluno, os trechos em questão foram digitados em computador e, em seguida, passamos a identificar os termos-chave das frases, considerando a manutenção da ideia central de cada período. Em seguida, reconhecida a semântica necessária a cada período, contextualizado no tema central do texto global, os estudantes levaram ao twitter os ícones-frásicos, para reelaborarem os períodos de forma sintética, em 140 caracteres, como exige a plataforma. Realizado esse processo de reescrita, no twitter, os períodos reformulados eram, novamente, levados ao texto original, de modo a levar o aluno perceber como esse mecanismo mostra-se capaz de tornar o texto mais enxuto, mas eficiente em sua capacidade argumentativa. 3311 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Análises e resultados Verificamos, no corpus final, o fortalecimento das relações entre as a macrounidades textuais, identificando os núcleos frásicos e relação dos períodos com a coerência global do texto produzido. O refinamento das frases, com ênfase na compreensão a respeito dos elementos textuais, discursivos e linguísticos, apontou à capacidade de aperfeiçoamento dos alunos na produção textual. Nesta seção do artigo, mostraremos trechos das produções escritas e reescritas, apresentadas na segunda versão, com imagem retirada do twitter. Nos quadros abaixo, apresentamos o tema central de cada texto, um dos períodos destacados nas redações, os quais deveriam ser reelaborados no twitter, em 140 caracteres. Em seguida, destacamos, com imagens retiradas da página do usuário, no twitter, o mesmo período reescrito. Quadro 1: produção inicial Tema central do texto argumentativo 1: Redução sustentável da miséria no Brasil Período original produzido: “Como medida emergencial, o programa assistencial do governo, Bolsa Família, é uma ótima medida de governo no Brasil, mas é simples assistencialismo, porque há muitas pessoas que recebem verbas do programa e pela maioria delas não ter emprego e preparação profissional, não é uma coisa sustentável, se tirar dos que recebem a verba o dinheiro, elas vão voltar a ser miseráveis.” 3312 Vera Lúcia Santos Alves Imagem 1: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 1 Fonte: www.twitter.com Observa-se, na reelaboração do período, a manutenção dos ícones-frásicos, que, nesse caso, estão representados pelas palavras “Bolsa Família”, “emergencial” e “sustentabilidade”. Reconhecer que a frase perderia o sentido básico sem esses termos é o principal exercício semântico do aluno, no processo. Em seguida, o trabalho, na síntese realizada com, no máximo, 140 caracteres exercita a capacidade de argumentar em conexão com o tema global da redação, de forma clara e coerente. Quadro 2: produção inicial Tema central do texto argumentativo 2: Revogação do Estatuto do Desarmamento no Brasil: mais segurança à sociedade? Período produzido: O problema de violência que os brasileiros sofrem já mostra que se não tivesse mudado o Estatuto do Desarmamento , quando o brasileiro tem dificuldade de comprar uma arma livremente e precisa passar por muitas formas de exigências no país, os casos de morte seriam muito mais, por isso o Estatuto como está é importante para isso, porque se liberar a publicidade, como os outros absurdos que os deputados querem só para atender os interesses da indústria das armas. 3313 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Imagem 2: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 2 Fonte: www.twitter.com Na reescrita do segundo período (Imagem 2), vê-se que o excesso de termos chamados “acessórios” e a repetição desnecessária de termos e ideias foram excluídas do período, que demonstra (Quadro 2) forte dificuldade do aluno em concluir o argumento, com o fechamento da ideia. Desse modo, a rearticulação se fez em duas frases curtas, complementares semanticamente, no processo argumentativo a que se propôs a aluna/autora. Os termos icônicos da frase foram separados em dois curtos períodos, no twitter, por resultarem em duas informações diferentes que, unidas, compõem a força argumentativa na relação macrotextual. Quadro 3: produção inicial Tema central do texto argumentativo 3: A importância do Congresso Nacional para a democracia brasileira. Período produzido: 3314 VERA LÚCIA SANTOS ALVES Os deputados e os senadores brasileiros precisam agir com independência e respeito com o Executivo, pois o Congresso nas mãos do Executivo acaba enfraquecendo a democracia, e a consequência disso ficou clara, como aconteceu na Venezuela, onde o presidente Nicolas Maduro usou a democracia para fazer seus deputados aliados a instaurar a ditadura, através de Decretos que lhe dão mais poder do que pode ser coerente. Imagem 3: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 3 Fonte: www.twitter.com O estilo de escrita, as relações entre os elementos frásicos se mostram bem consistentes no período exposto no Quadro 3. Apesar disso, ao compor um contexto textual amplo, montando, com outros períodos, a progressão temática, notou-se a necessidade de fortalecer o caráter de síntese da frase. Assim, a sequência dos trechos “Congresso nas mãos do Executivo”, “como aconteceu na Venezuela” e “Nicolas Maduro usou a democracia para fazer seus deputados aliados a instaurar a ditadura, através de Decretos” foi suficiente, com ajustes de conectivos e pontuação, para abordar o exemplo relevante para falar do papel do Congresso na democracia, em sua relação com o governo federal. Em 140 caracteres, o texto ficou mais enxuto, objetivo e com a força argumentativa de que necessita o texto. 3315 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Quadro 4: produção inicial Tema central do texto argumentativo 3: A postura da juventude brasileira ante a corrupção no país Período produzido: O ruim disso tudo é que o roubo que foi estimado no desvio de verba na Petrobras foi de R$ 88 bilhões, mas parece que não importa para os jovens , que nenhuma manifestação fizeram sobre isso; se fosse por 20 centavos dava para fazer protesto, para sair e ir às ruas e reivindicar mudanças no quadro de corrupção. Imagem 4: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 4 Fonte: www.twitter.com Está claro no período reescrito (Imagem 4) que o aluno decidiu opinar utilizando-se da ironia, para compor sua estratégia argumentativa. Na composição da frase original (Quadro 4), vê-se que o padrão comparativo, norteador da ironia, entre as duas condições de postura da juventude ante as demandas do país – fator semântico da frase que atende, muito bem, à proposta temática- é mais fragilizado pela intercalação da oração adversativa iniciada com a conjunção “mas”. Na reescrita, a objetividade e a clareza da elaboração sintética da frase fortaleceu o tom irônico pretendido pelo autor. 3316 Vera Lúcia Santos Alves Referências ADAM, Jean-Michel. (2011). A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Cortez. FAVERO, Leonor Lopes. Coesao e coerência textuais. São Paulo: Série princípios, ed. 11, 2007. KOCH, I. G. V. A Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 2002. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. MARCUSCHI, L.A. Hipertextos e Gêneros Digitais: novas formas de construção de sentido. 2 ed. Rio de janeiro: Lucerna, 2010. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet / Raquel Recuero. – Porto Alegre: Sulina, 2008. (Coleção Cibercultura) 191 p. ZUAZO, Natalia e CASTEDO, Mirta. Reescrever, editar e remixar na era digital: novos conteúdos? In: Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, Ano XXVIII, nº 260, março 2013, p. 71-73. 3317 RESUMO O presente estudo visa apresentar uma proposta metodológica ao ensino de Língua Portuguesa a partir do que propõem os PCNs a respeito da necessidade de mudança que enfrenta a educação brasileira. A proposta se concentra no Ensino Médio e tem sua ênfase no uso das TICs em sala de aula com a utilização da Webquest. Instrumento que tem sua devida importância por fomentar a pesquisa e levar o professor a uma constante reformulação de suas práticas em virtude da urgência que tem a sociedade para acompanhar tais mudanças, não podendo, portanto, a escola estar fora delas. Os pressupostos teórico-metodólogicos estão fundamentados em autores como Stahl (1997), Quevedo, Crescitelli (2005), Viana (2006), Gil (2008) entre outros. Tomando como base as reflexões que nos apresentam, discutimos a inserção das TICs na sala de aula e o uso da ferramenta Webquest como proposta metodológica capaz de mediar a aprendizagem pela interação que se dá pelas partes envolvidas no processo. A mesma tem como suporte a internet, e como pudemos comprovar, através de sua aplicação que foi realizada em uma turma do 1º ano do Ensino Médio, contribui favoravelmente com o desenvolvimento da leitura e raciocínio crítico do educando, além de promover a aprendizagem colaborativa. Palavras-chave: Língua portuguesa, Metodologia, Webquest. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino WEBQUEST E CORDEL: UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO Mayara Myrthes Henriques Santos Introdução A forma como percebemos o mundo a nós vem sendo modificada pela inserção das novas tecnologias em nossas vidas. O modo como nos comunicamos com o mundo e com o outro já não se limita ao uso da palavra falada ou escrita. Essas mudanças, no entanto, estão presentes em todos os segmentos da sociedade e trata-se de um processo antigo, pois, A história do homem coincide com a história das técnicas, ou seja, a técnica é tão antiga quanto o homem. Inicia-se com a utilização de objetos que se transformam em instrumentos naturais e permanece como um aspecto cada vez maios complexo do processo de construção das sociedades humanas. (CARDOSO, 2002, p. 23) No contexto da era digital, a informação é um recurso acessível a todo aquele que navega na internet. Nesse âmbito, à escola cabe buscar inserir-se nessas transformações que, certamente, alteram a relação ensino/aprendizagem. Não considerar as novas tecnologias como uma ferramenta valiosa para a aquisição do conhecimento é impedir que a escola interaja com o mundo em que vivemos, ao mesmo tempo em que priva o aluno da construção do saber de uma forma dinâmica e com a qual ele se identifica. Por outro lado, a apropriação delas constitui a base para que a experiência educacional seja determinante na formação do cidadão que fará parte de um mercado de trabalho centrado na cultura tecnológica. 3319 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Entretanto, a discussão acerca das novas tecnologias não se limita ao simples fato de usá-las ou não. Dentre tantas possibilidades, é preciso que o docente conheça o recurso que deseja fazer uso como metodologia na sala de aula para não cair no erro de fazer da tecnologia um mecanismo de exclusão. Um dos recursos presentes na internet com esse fim é a webquest. O conceito “WebQuest” foi criado por Bernie Dodge em 1995 e denomina as atividades que estimulam a pesquisa orientada com vista à obtenção de informação disponível na Internet necessária a resolução de problemas pelo aluno ou grupo de alunos promovendo, desse modo, o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisões (Carvalho, 2002). Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral: Apresentar a WebQuest como um recurso didático, nas aulas de língua portuguesa, capaz de promover o desenvolvimento da leitura e raciocínio crítico do educando. Além disso, somam-se ao objetivo geral os objetivos específicos que são: Promover o uso do tablet como um recurso educativo; Estimular a pesquisa; Disseminar a cultura nordestina através da literatura de cordel; Conhecer autores da literatura de cordel; Fomentar discussões sobre questões sociais; Instigar a capacidade de interpretação por meio da produção de uma imagem; Incentivar a produção poética. Realizar um projeto que atuasse diretamente na necessidade de inserção das novas tecnologias no contexto educacional, visando à melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem, foi e continuará sendo um desafio gratificante. Percebemos, diante do entusiasmo e participação dos alunos, ao longo do desenvolvimento da pesquisa, que a maioria apresentava-se alheia ao uso da tecnologia com fins educacionais. Entendemos que este trabalho de pesquisa se justifica no sentido de que é necessário integrar a internet ao currículo das disciplinas de forma efetiva, para assim, estimular a personalização das atividades educacionais, a pesquisa, a autonomia e promover a reflexão e a construção de conhecimentos. Este trabalho encontra-se distribuído em três capítulos. No segundo capítulo, procuramos nos fundamentar no contexto teórico que envolvesse a associação proposta nos nossos objetivos. No terceiro capítulo, aqui chamado de Percurso Metodológico, tomamos a abordagem qualitativa como indicador na busca da descrição e explicação para fatores que favorecem a ocorrência dessa associação. Assim, entendemos que os 3320 Mayara Myrthes Henriques Santos conhecimentos aqui assimilados são apontados como norteadores dos resultados oferecidos pelos estudos explicativos. Para a coleta de dados, a observação em sala de aula, as discussões propostas pela webquest, a realização das tarefas, os textos produzidos a partir do entendimento do poema “ABC do Nordeste Flagelado”, de Patativa do Assaré, são suficientes para medirmos e verificarmos que essa associação internet/educação, pode romper com alguns bloqueios, em especial nos alunos que se sentem despreparados para a utilização da internet como um recurso na construção do conhecimento. Por último, apresentamos o relato das intervenções e vivencias, bem como o ganho conceitual evidenciado pelos alunos, expressos durante as nossas aulas e nas tarefas propostas pela webquest, o qual reflete sobre as várias articulações que o ensino de língua portuguesa possibilita no discente, o desenvolvimento dos aspectos intelectuais, social e afetivo, integrando os conteúdos pelo caminho da interdisciplinaridade, construindo conhecimentos participativos e decisivos na formação do sujeito como ser social. Referenciais teóricos As novas tecnologias no contexto escolar A sociedade da qual fazemos parte é a chamada sociedade do conhecimento, a qual tem se tornado cada vez mais tecnológica. E, nesse contexto, a educação exige a necessidade de que se desenvolvam habilidades e competências necessárias para lidar com as novas tecnologias em uma proposta integrada com o currículo escolar. Entretanto, em um mundo tecnológico, ainda é incomum a integração das novas tecnologias à sala de aula. Tal atitude constitui-se em um desafio para os docentes já que, muitos deles não tiveram uma formação que os preparasse para levar essas tecnologias às salas de aula. Assim, o que vemos é a percepção do próprio professor no sentido de que é necessário buscar esse conhecimento em outros espaços e levá-lo para o contexto escolar Precisamos dar aos alunos o acesso ao conhecimento, prepará-los para uma vida de aprendizagem e descoberta, com o domínio das habilidades e ferramentas de pesquisa como parte de sua educação básica, e para isso nós precisamos criar um ambiente de aprendizagem que 3321 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais integre ensino e pesquisa, onde os alunos exercitem constantemente a comunicação e a colaboração. (Stahl 1997, p.2) A inserção das novas tecnologias no âmbito educacional requer um olhar capaz de enxergar que, nesse processo, o envolvimento de práticas tecnológicas e estratégias de ensino condizentes com a sociedade tecnológica é um desejo de todos envolvidos em educação. Nesse contexto, buscar compreender as potencialidades inerentes a cada tecnologia e suas contribuições para a construção do conhecimento poderá trazer grandes avanços à mudança na escola e ainda ampliar o seu papel diante da sociedade. Antes, porém, de incluir uma nova metodologia em suas aulas, é necessário que o professor busque avaliar o contexto no qual está inserido a fim de constatar se o método pretendido será acolhido sem prejuízos. Afinal, as metodologias desenvolvidas em sala de aula podem adaptar-se, ou não, ao público em questão. Ao professor, portanto, cumpre a missão de analisar a metodologia, a partir do perfil da turma, para que se alcance os objetivos propostos. Percebe-se, com isso, a importância de o professor analisar e rever sua prática em um constante exercício de reflexão. Desse modo, apresentaremos a webquest como uma alternativa aos docentes que buscam inserir as TICs, através de novas metodologias, sobretudo, ao professor de língua portuguesa que perceba e sinta o quão pode ser prazeroso dividir o espaço da educação com a tecnologia. A webquest O uso da Internet como uma ferramenta útil no auxílio de pesquisas escolares necessita de orientações já que as inúmeras informações contidas ali podem, ao invés de facilitar, dificultar o seu estudo. Diante dessa necessidade, Dodge propôs, em 1995, uma nova metodologia capaz de cumprir essa função, ou seja, orientar a pesquisa na internet. As WebQuests consistem em atividades motivadoras, contextualizadas e orientadas para a pesquisa, que os alunos devem realizar em grupo, obedecendo a uma sequência lógica previamente estabelecida (Dodge, 1995). Nessa sequência, evidenciam-se sete partes constituintes da webquest, são elas: a Introdução ao tema em estudo, oportunidade na qual se 3322 Mayara Myrthes Henriques Santos deve motivar o aluno a fazer o que será pedido; a Tarefa, indicação precisa do que se deve fazer; Processo, os passos a seguir; Recursos, as fontes que podem ser consultadas; Avaliação, os critérios que vão ser utilizados para avaliar o trabalho realizado; a Conclusão, reflexão sobre as vantagens da realização da atividade, e por fim, os Créditos destinam-se a apresentar as fontes de todos os materiais usados nas pesquisas. Pelo fato da metodologia Webquest prezar pela construção do conhecimento através de um processo evolutivo no qual o aluno é estimulado e motivado a se tornar agente dessa construção, percebe-se com clareza que ela despreza a tradicional educação bancária, baseada na memorização de informação, e potencializa o usa da imaginação quando propõe desafios a serem solucionados. Além disso, trata-se de uma metodologia focada no aluno, o que nos coloca diante das teorias do construtivismo e da motivação que explicam a reação dos alunos – interesse e curiosidade - diante desta metodologia. A pesquisa pode ser um componente muito importante na relação dos alunos com o meio em que vivem e com a ciência que estão aprendendo. A pesquisa pode ser instrumento importante para o desenvolvimento da compreensão e para explicação dos fenômenos sociais. (Orientações Curriculares para o Ensino Médio, 2006, p. 125 e 126). A webquest, portanto, apresenta-se como um desafio e oportunidade em favor do desenvolvimento de um trabalho no qual a associação de uma metodologia mediada pelo uso do computador e da internet contribua para que os alunos se tornem proficientes nas práticas sociocomunicativas da linguagem e participem, de forma pró-ativa, na construção do conhecimento. As TICs e o ensino de língua portuguesa As TICs são responsáveis pela globalização da informação e, por causa disso, demanda uma sociedade inovadora, na qual a educação teve de se reconfigurar para se adaptar a um mundo carregado de informação multicultural e globalizado. Conforme podemos constatar nos PCN+ 3323 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais A reformulação do ensino médio no Brasil, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, regulamentada em 1998 pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, procurou atender a uma reconhecida necessidade de atualização da educação brasileira. Atualização necessária tanto para impulsionar uma democratização social e cultural mais efetiva, pela ampliação da parcela da juventude que completa a educação básica, como para responder a desafios impostos por processos globais, que têm excluído da vida econômica os trabalhadores não-qualificados, por conta da formação exigida de todos os partícipes do sistema de produção e de serviços. (PCN+, 1999, p. 7 e 8) No decorrer dos últimos anos, o ensino de língua portuguesa sofreu e vem sofrendo mudanças no tocante a valorização e promoção da interação do aluno pelo professor. A língua se constitui como uma das formas que o ser humano realiza para interagir nas mais diversas situações de comunicação. Todavia, as tecnologias da informação e comunicação têm revolucionado a sociedade e, nesse contexto, surge a necessidade de a escola fazer uso dessas tecnologias como uma ferramenta no ensino aprendizagem em que os alunos terão condições para que aprendam, além da língua, a interagir nas novas comunidades que se formam e, consequentemente, dos novos gêneros textuais digitais que nascem das necessidades da sociedade e como resultado das mudanças de práticas sociais (QUEVEDO, CRESCITELLI, 2005, p. 50) Desse modo, vemos que, para as aulas de Língua Portuguesa, uma nova realidade se apresenta e nela as mudanças são extremamente necessárias, de modo que já não se aceitam as velhas práticas nas quais o aluno não tinha participação na construção do conhecimento. A nova postura exigida do professor aponta para a implementação de metodologias que venham suprir essa tendência que ora se apresenta na educação. E, sobretudo no ensino de língua portuguesa, vise possibilitar uma maior interação entre os educandos. Nesse sentido, a webquest apresenta-se como uma possibilidade no cumprimento dessa realidade e a literatura de cordel como um eixo norteador para a formação do sujeito em aspectos que ultrapassam a problemática da educação numa sociedade envolvida pelo usa das tecnologias. 3324 Mayara Myrthes Henriques Santos A literatura de cordel: aspectos gerais A literatura de cordel é um gênero textual essencialmente poético que chegou ao Brasil através dos portugueses e instalou-se no nordeste onde criou raízes e fecundou. No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, de maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso; a organização da sociedade patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumento do pensamento coletivo, das manifestações da memória popular (DIEGUES JÚNIOR apud LOPES, 1983, p. 12). Manifestava-se, em sua origem, oralmente. Com o tempo, passou a ser escrita e, posteriormente, impressa em folhetos ilustrados que receberam a denominação de xilogravuras. Aborda os mais variados temas que se apresentam como uma interpretação da realidade, sobretudo da realidade do povo nordestino. Destaca-se, portanto, que o trabalho com a literatura de cordel permite ao aluno perceber que a palavra é um signo social e, como tal, pode assumir diferentes significados dentro contexto sócio discursivo em que for empregada, com isso, poderá o professor desenvolver em suas aulas os seguintes aspectos da literatura de cordel: A literatura de cordel e a interdisciplinaridade Uma das propostas metodológicas que, frequentemente, é citada por autores consiste no trabalho em conjunto das disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade. A literatura de cordel possibilita esse fim – do trabalho em conjunto – afinal, ler um cordel não implica apenas em aprimorar a leitura, mas na possibilidade de enriquecimento e construção do saber visto que através da literatura de cordel há a possibilidade de se trabalhar vários temas transversais. 3325 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais O cordel e o desenvolvimento da oralidade As salas de aula estão repletas de pessoas que têm “medo de falar”. Expressar-se em público é uma tarefa que para muitos causa terror. Entretanto, o fato de não vivermos em um mundo isolado, mas sim em contato com pessoas, nos coloca constantemente frente a situações nas quais temos que fazer uso da oralidade de maneira eficaz. Por isso, faz-se necessário trabalhar gêneros textuais que privilegiem o uso da oralidade como é o caso da literatura de cordel. A leitura do texto não verbal As xilogravuras representam de um modo geral o assunto tratado no cordel, logo, constituem um elemento riquíssimo para a construção do sentido do texto antes mesmo de lê-lo. Trabalhar com imagens permite ao leitor não só a compreensão global do que vai ler, mas, principalmente, a capacidade de interpretação. As características poéticas na literatura de cordel As construções poéticas à que chamamos de cordel são marcadas pelas rimas, ritmo, pela métrica e pela musicalidade. Sendo assim, os versos de um cordel seriam um excelente recurso para iniciar os leitores na poesia. “Temos observado que em toda classe há sempre dois ou três alunos que têm vocação para a poesia popular. Inclusive gente que já trabalha com o rap e descobriu um ‘parentesco’ com o cordel” (VIANA, 2006, p. 8). A literatura de cordel e o preconceito linguístico A literatura de cordel que é também chamada de literatura popular sofre um processo de exclusão por parte das pessoas, dos livros didáticos e de alguns estudiosos, “assim como quase tudo que vem diretamente da cultura popular é, com frequência, discriminada e tratada como algo de menor importância, no contexto cultural mais elitizado, mais socialmente aceito no Brasil” (LINHARES, 3326 Mayara Myrthes Henriques Santos 2006, p. 1). O que ocorre devido ao preconceito linguístico que existe em relação à linguagem do cordel – uma linguagem que foge ao rigor formal. A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (BRASIL, 1997, p. 26). Todavia, encontra-se nessa repulsa à literatura de cordel uma contradição: o motivo que a faz ser preterida por uns é o mesmo que a faz identificar-se com o povo, afinal, estamos falando de LITERATURA POPULAR. É por isso que a literatura de cordel deve adentrar o âmbito escolar com a finalidade de desenvolver habilidades linguísticas nos leitores em formação, bem como de conscientizá-los sobre o preconceito linguístico que ronda as manifestações literárias que se apropriam da linguagem informal. Diante dos aspectos citados fica evidente que o uso da literatura de cordel como suporte didático possibilita ao professor – que assume o papel de mediador – contribuir para a formação de cidadãos críticos e construtivos. Percurso metodológico Os procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa foram, de acordo com Gil (2008), quanto aos objetivos, pesquisa exploratória, a qual visa proporcionar maior familiaridade com o problema (explicitá-lo). Esse tipo de pesquisa pode envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado. Geralmente, assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de caso. O estudo partiu da pesquisa bibliográfica que contempla artigos e dissertações sobre a metodologia webquest disponíveis na Web a fim de que se pudesse ampliar os conhecimentos acerca da temática descobrindo, assim, diferentes olhares sobre o assunto. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa foi orientada pela abordagem qualitativa baseada em pesquisa experimental e estudo de caso que 3327 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento (Gil, 2008). Nesse momento foi trabalhado o conceito de Webquest, seus fundamentos e estrutura culminando com a elaboração deste recurso pela professora com base nos princípios norteadores de seu mentor Bernie Dodge (1995). A Webquest produzida pela professora recebeu o título de “A literatura de cordel e os recursos musicais” e encontra-se na base de dados para análise e publicação no site Webquestfacil ( http://www.webquestfacil.com.br ). O objeto de estudo foi constituído por 27 (vinte e sete) alunos pertencentes à turma do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Luiz Neto sob a coordenação da professora de Língua Portuguesa, também autora desse trabalho. Para acompanhar o processo de realização das tarefas da Webquest pelos alunos, foram feitas discussões e socializações em sala de aula, além disso, algumas tarefas propunham a sua execução no ambiente escolar em colaboração com os demais colegas. Desse modo, era possível constatar a receptividade dos alunos perante o trabalho realizado, a compreensão da metodologia e ainda a forma como essa metodologia influenciou sua aprendizagem. Conforme dito, a Webquest foi aplicada numa turma do 1º Ano do Ensino Médio e teve duração de 10 (dez) aulas distribuídas em 08 (oito) semanas. Relato de experiência O início da pesquisa deu-se com a exposição oral sobre o projeto que seria desenvolvido com a turma, a qual, de imediato, demonstrou interesse em participar, principalmente, porque estariam utilizando os tablets disponibilizados pelo Governo do Estado da Paraíba aos alunos do 1° ano do ensino médio. Ao questionar, porém, sobre a webquest, percebi que ninguém conhecia ou sabia o que era. Foi então que expliquei do que se tratava e pedi que eles pesquisassem sobre o assunto usando o tablet a fim de que pudéssemos fazer uma discussão em um segundo momento. Começamos, então, já em um segundo momento, com a discussão sobre o resultado das pesquisas feitas pelos alunos e, após ouvi-los, apresentei-lhes a 3328 Mayara Myrthes Henriques Santos webquest criada por mim no site http://www.webquestfacil.com.br e pedi que a acessassem. Passo-a-passo, expliquei as partes constituintes de uma webquest, conforme se pode visualizar na imagem abaixo. Durante a explicação, alguns alunos diziam que seria “muito trabalhoso” e eu confirmei, porém, adverti-os de que se tratava de etapas e que teríamos tempo suficiente para executá-las. Combinamos de dedicar uma aula por semana para trabalhar a webquest. O terceiro momento foi reservado ao conceito da literatura de cordel. Expliquei que é uma expressão literária popular característica do interior do Nordeste, em especial dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Caracteriza-se essencialmente por sua estrutura narrativa, a composição em versos, a impressão em pequenos folhetos de papel jornal ilustrados com xilogravuras. Esses folhetos normalmente são expostos em cordas, por isso a denominação “literatura de cordel”. É construída de acordo com um vasto repertório de formas poéticas fixas que delimitam a quantidade de sílabas poéticas, de versos e a disposição das rimas na estrofe. Depois disso, pedi que eles iniciassem as pesquisas e leituras pertinentes à primeira etapa da webquest para que pudéssemos socializar as informações na aula seguinte. A quarta aula começou com os alunos fazendo referência à música, Literatura de Cordel, que faz parte do Cd de Francisco Diniz, gravado em 2006. Em seguida, questionei-os sobre os demais textos presentes na primeira etapa que trazem conceitos e exemplos sobre a literatura de cordel. Nesse momento, os alunos disseram que já haviam estudado um pouco de literatura de cordel no 9° ano do ensino fundamental. Porém, afirmaram que só conseguiram entender os tipos de metrificação do cordel porque havíamos estudado muito esse assunto no Trovadorismo. Falaram também sobre a técnica da xilogravura, pois alguns alunos pesquisaram em outros sites além dos que estão na webquest e socializaram conosco suas impressões sobre esta técnica que, embora antiga, proporciona um belíssimo resultado. Assim, finalizamos a primeira etapa e pedi aos alunos que iniciassem a segunda. Para isso, deveriam ler a biografia de Patativa do Assaré e o seu cordel “ABC do Nordeste Flagelado”. Comecei perguntando aos alunos quem foi Patativa do Assaré e o primeiro episódio sobre a vida do poeta relatado por eles foi o fato dele ter estudado apenas 4 (quatro) meses durante toda a sua vida e mesmo assim ter sido um grande poeta. Citaram também o porquê dele ter ganhado o apelido de “Pata- 3329 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais tiva do Assaré”. Foi destacada, ainda, a linguagem simples usada por Patativa e a sua sensibilidade para compor o cenário da seca no nordeste. E assim finalizamos a aula. Demos início à sexta aula retomando o poeta Patativa do Assaré e, com o uso do data show, fiz a análise do cordel “ABC do Nordeste Flagelado” junto com os alunos a fim de que eles pudessem compreender não só a simplicidade da linguagem de Patativa, mas sobretudo, sua beleza. Dividi a turma em cinco grupos e pedi que cada grupo produzisse uma ilustração semelhante a uma xilogravura para o cordel “ABC do Nordeste Flagelado” de Patativa do Assaré e assim eles fizeram. Começaram meio tímidos, dizendo que não iriam saber fazer, no entanto, o resultado foi surpreendente. Para darmos sequência à webquest e iniciarmos a terceira etapa, pedi que, usando o tablet, fizessem as leituras das biografias de Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Resende, José Pacheco e João Martins de Athayde e, em seguida, lessem também um cordel de cada poeta. Durante a leitura, algumas dúvidas surgiram em relação ao significado de palavras e os alunos mencionaram também o fato dos poetas serem todos do Nordeste. Depois de feitas as leituras, a turma dividiu-se em 4 (quatro) grupos para que fossem produzidos cartazes sobre os poetas e apresentados à turma. Na nona aula, portanto, realizamos a apresentação dos grupos sobre os referidos poetas. A décima e última aula foi destinada à realização da quarta etapa. Nela, os alunos acessaram o site disponível na webquest. Após todos terem acessado, expliquei que cada um deveria produzir uma estrofe de um cordel com seis versos que tivesse como tema central a fome e que, depois de pronto, publicassem o texto no mesmo site. As estrofes foram, então, produzidas e publicadas, conforme consta nas figuras abaixo. Ao término desta etapa, finalizamos a webquest. Considerações finais A utilização das TIC’s está em consonância com as propostas do Projeto Pedagógico, uma vez que o mesmo contempla a utilização de recursos tecnológicos como uma forma de inserção social já que esta é uma realidade da atual 3330 Mayara Myrthes Henriques Santos sociedade tecnológica e, portanto, cabe à escola inserir-se nela e garantir ao aluno as condições para que não seja excluído da mesma. Assim, justifica-se o uso dos tablet’s com a intenção de preencher essa lacuna que, muitas vezes, é negligenciada na educação. Além do que, é preciso destacar que os alunos demonstram um maior interesse pela aula em que o professor usa recursos tecnológicos do que pela aula expositiva. Promover essa inserção é uma condição importante para que os alunos possam se reconhecer como parte dessa cultura e construir identidades afirmativas o que, também, pode levá-los a atuar sobre a sua realidade e transformá-la com base na maior compreensão que adquirem sobre ela. Evidencia-se, portanto, que neste projeto contribuímos para o desenvolvimento pessoal do estudante. Na EEEFM José Luiz Neto os resultados do IDEB e do IDEPB são referenciais para o planejamento das aulas uma vez que tem-se a preocupação em elevar os índices tanto de um quanto do outro, afinal, essa tem sido uma cobrança da sociedade e da própria comunidade escolar, representada pelos pais, que têm demonstrado esse interesse pelos resultados da escola na qual estudam seus filhos. Assim, desde o planejamento inicial do ano letivo, busca-se desenvolver estratégias que levem à elevação desses índices. O desenvolvimento de projetos configura-se, portanto, como uma dessas estratégias, já que focam na aprendizagem do aluno a partir de um maior envolvimento dele com as atividades propostas. A utilização de práticas inovadoras auxiliam, estimulam e apoiam os estudantes infrequentes e/ou com dificuldades de aprendizagem a atingir o sucesso escolar durante as aulas, porém, quando se associa o uso de recursos tecnológicos com uma prática inovadora que é o uso da webquest, o resultado é ainda mais satisfatório. Tal metodologia permitiu que os alunos pudessem ajudar uns aos outros de forma colaborativa nas atividades em grupo, o que garantiu o sucesso em todas as etapas da webquest. Os demais recursos tecnológicos da escola, como por exemplo, o notebook e data show foram utilizados nas atividades desenvolvidas. Registro, também, que pudemos utilizar o celular como um recurso didático, sobretudo, em momentos que o sinal da internet da escola não funcionava, portanto, momentos cruciais de nossa pesquisa. Constato, assim, que a utilização desses recursos foi essencial na aprendizagem dos alunos. 3331 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais Por fim, destaca-se a importância de se desenvolver ações no contexto escolar que envolvam e integrem a escola com a comunidade na qual ela está inserida. Nesse sentido, a participação da família é essencial na conquista dos objetivos propostos em toda e qualquer escola. No entanto, quando se trabalha com turmas da zona rural – é o caso da turma trabalhada -, essa integração família/escola torna-se ainda mais difícil do que nas turmas em que os pais são da zona urbana, pois enquanto estes deixam de vir à escola pela “falta de tempo”, aqueles enfrentam, ainda, o problema do transporte. Esse é, portanto, um desafio aos que fazem parte da educação, porém, temos que “driblar” adversidades como essa. Referências BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Fundamental, 1997. BRASIL. 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VIANA, Arievaldo. Acorda Cordel. Revista Nossa História, São Paulo, nº 33, p. 8, jul. 2006. 3333 RESUMO O e-mail é uma ferramenta de comunicação utilizada para transmissão de mensagens, permitindo que os usuários compartilhem documentos e informações de forma rápida, principalmente em ambientes institucionais. Assim, o presente trabalho, analisa a utilização do e-mail na interação entre professor e aluno no ambiente acadêmico. A pesquisa conta com o suporte teórico em Paiva (2004), Swales (1990) e Bakhtin (2003). O corpus é constituído de 50 mensagens entre 6 alunos e 4 professores de diferentes áreas. Além disso, foi realizada uma entrevista com 5 participantes sobre o uso do gênero e-mail na relação acadêmico-profissional. Os resultados demonstram que os docentes se utilizam do gênero e do suporte e-mail como uma ferramenta de extensão da sala de aula, antecipando atividades e aprofundando leituras e discussões em classe através do envio de materiais, organiza a disciplina através de informações sobre o andamento e cronograma de aulas. Além disso, os discentes, recorrem ao e-mail para interagir com o docente sempre que necessitam. Por fim, a estilística das mensagens do corpus permitiu verificar que enquanto os professores utilizam de determinadas formas linguísticas que indicam uma certa cordialidade, os alunos usam de forma mais polidas, indicando distanciamento em relação ao docente. Palavras-chave: Gêneros textuais, Propósitos comunicativos, Ensino. ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino CAR@S ALUN@S: PROPÓSITOS COMUNICATIVOS DO GÊNERO E-MAIL DE INTERAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO UNIVERSITÁRIOS Edivaldo Gomes Barbosa1 (UFPI) Introdução O e-mail é uma ferramenta de comunicação utilizada para transmissão de mensagens, permitindo que os usuários compartilhem documentos e informações de forma rápida e entre longas distâncias, o que fez com que ele tenha se tornado uma das principais ferramentas de comunicação, principalmente em ambientes institucionais. A utilização do e-mail é importante, sobretudo na educação, em que ele atua como um espaço de interação entre discente e docente e propicia a intervenção pedagógica através do suporte tecnológico. Dessa forma, o aluno atua no processo de aprendizagem não somente como sujeito passivo, mas também como sujeito inserido e participante do processo de aprendizagem. Aliado à tecnologia, através do e-mail, aluno e professor podem colaborar entre si e favorecer o projeto pedagógico de sala de aula, ao agilizar tarefas, compartilhar arquivos de estudo em comum a grandes grupos, discussão de assuntos e plantões “tiradúvidas”. Além disso, há de se ressaltar o caráter dialógico, numa perspectiva bakhtiniana, ou seja, a alternância enunciativa entre os sujeitos do discurso tendo por base a resposta (atitude responsiva), como se dá quando os alunos utili- 1. Graduando em Letras Português na Universidade Federal do Piauí. Membro do grupo de pesquisa em gêneros textuais CATAPHORA - UFPI (2013-2014) 3335 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres zam o e-mail como forma de apropriar-se do conhecimento, conforme os casos analisados à frente. Além da dialogicidade, podemos perceber que o e-mail, como canal de transmissão de informações, apresenta as seguintes características: caráter informal dos enunciados, o não atendimento a algumas regras ortográficas, a objetividade dos assuntos a serem tratados, e a ausência de pré-sequências (PAIVA, 2004). Neste contexto é que o presente trabalho analisa o e-mail como gênero e sua relação com o meio social em que está inserido, sobretudo em relação à interação entre professor e aluno em um ambiente acadêmico. Metodologia A pesquisa tem como objetivos específicos a análise dos principais recursos do estilo do gênero para explicar o significado das escolhas estilísticas e identificação dos propósitos sócio-retóricos mais recorrentes nos e-mails de interação entre docente e discente na esfera acadêmico-universitária. O corpus é constituído de 5 e-mails de 6 alunos diferentes e 5 e-mails de 4 professores de diferentes áreas em um total de 50 mensagens e tem como critério de seleção os e-mail trocados entre professor e aluno para fins de interação sobre assuntos da vida acadêmica. Além do corpus de mensagens, foi realizada uma entrevista com 5 participantes para entender como os usuários percebem e fazem o uso do gênero e-mail na relação acadêmico-profissional. Os nomes utilizados nos exemplos são todos fictícios. A pesquisa conta com o suporte teórico em Paiva (2004), sobre a caracterização do e-mail como gênero textual; em Biasi-Rodrigues e Bezerra (2012) e Swales (1990) busca apoio para as definições sobre propósito comunicativo e movimentos retóricos para a análise de gêneros; e em Miller (1984) fundamenta-se na concepção de gênero como ação social, além das concepções de Bakhtin (2003 [1979]) sobre a estilística dos gêneros textuais. 3336 Edivaldo Gomes Barbosa Fundamentação teórica Gênero como ação social Os estudos de Carolyn Miller (1994[1984]) buscam a elaboração de uma teoria que propõe o gênero como uma ação social. Com base nas noções de recorrência e ação retórica, a autora constrói sua definição de gênero como “ação retórica tipificada” (Miller, 1994, p. 24), ou seja, o gênero serve como uma resposta do usuário de determinado gênero a uma situação recorrente, e essa recorrência gera uma tipificação. Por exemplo, ao ler um livro, o aluno pode sistematizar a leitura através de vários gêneros segundo seu propósito. Ele poderá usar a resenha, se o objetivo é avaliar o livro, destacando as citações mais relevantes ou o resumo, se ele visar elencar as ideias principais contidas no texto. Dessa forma, podemos compreender os gêneros textuais como ação social que “pode nos ajudar a explicar como encontramos, interpretamos, reagimos e criamos certos textos” (MILLER, 1984, p. 151) e assim uma definição de gênero não deve levar em conta apenas a forma ou substância, mas também a ação que tal gênero deve realizar e o contexto de uso. Os gêneros textuais, dessa forma, “não dependem apenas da forma, mas da situação na qual são usados, do lugar onde são publicados e falados” (ALVES FILHO, 2011), ou seja, um texto pode ser categorizado em gêneros diferentes de acordo com o propósito comunicativo que quer se atingir e o contexto de uso. Nas palavras de Miller (1994), um gênero é estruturador da ação social, pois faz a ligação entre a realidade e o contexto em que o gênero está inserido, dessa forma um texto reflete as características das situações em que é utilizado. Propósito comunicativo Os membros de uma determinada comunidade discursiva utilizam os gêneros textuais para atender e realizar seus objetivos por meio da comunicação. Dessa forma ampliando a noção de gênero, Swales (1990), define gênero textual como “classe de eventos comunicativos” no qual os membros de uma comunidade discursiva, da qual um determinado gênero faz parte, compartilham de “propósitos comunicativos” que fundamentam e conferem uma estrutura deter3337 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres minada ao gênero. Estes propósitos influenciam na escolha do estilo e conteúdo pelos usuários do gênero. O propósito comunicativo dos gêneros é realizado nos gêneros textuais através de unidades retóricas, ou seja, “unidades de conteúdo informacional dentro de uma estrutura hierárquica de distribuição de informações na arquitetura física do texto” (BIASI–RODRIGUES, 1998, p. 130), ou seja, unidades retóricas que encerram em si conteúdos específicos e estão organizadas de modo a formar uma sequência linear e coerente de informações que confere uma estrutura ao texto. Essas unidades retóricas são denominadas moves que são “uma unidade discursiva ou retórica que realiza, dentro do discurso escrito ou falado, uma função comunicativa coerente.” (SWALES 2004, p. 228). Os moves são realizados por subcategorias retóricas combináveis denominadas por steps (passos). Segundo o argumento de Swales (1990) considerar o propósito comunicativo como critério primário no estudo de gêneros textuais exige uma investigação maior por parte do pesquisador, uma vez que o propósito comunicativo nem sempre é evidente, ou seja, a aplicação do propósito comunicativo se torna complexa, pois nem sempre os propósitos comunicativos de um gênero são reconhecidos pela comunidade discursiva do qual faz parte. Além disso, deve-se levar em conta as variações entre as intenções particulares dos usuários que utilizam os gêneros. Assim, o conceito antes considerado como ponto principal para a categorização do gênero, através da revisão do conceito por Askehave e Swales (2001) o estudo de gêneros passou a ser realizada por dois princípios: • O principio textual/linguístico: neste nível ocorre a análise do propósito comunicativo do texto em conjunto com a forma do gênero, conteúdo e estilo. E em uma etapa posterior são feitas as reanálises do repropósito levando em consideração o contexto de recepção daquele gênero, ou seja , depois da investigação de um propósito comunicativo geral do texto o pesquisador reagrupa, reclassifica e identifica variações de um gênero segundo os propósitos mais específicos de acordo com o contexto no qual o gênero está inserido. • O principio contextual leva em consideração o propósito como caráter relevante para a identificação do gênero, no entanto é levado em 3338 Edivaldo Gomes Barbosa consideração também a comunidade discursiva daquele gênero e a caracterização do gênero na respectiva comunidade. • Dessa forma a análise dos propósitos comunicativos deve ser realizada considerando o caráter mais geral do gênero, a sua interface social, já que “o uso dos gêneros, são estabelecidos em meio a práticas sociais especificas, variáveis de acordo com contextos culturais definidos.” (BIASI-RODRIGUES & BEZERRA, 2012, p. 247). Estilo Bakhtin (2003 [1979]) considera que os gêneros textuais possuem um estilo geral constituído de estilos próprios de cada campo da comunidade discursiva. Tanto o estilo geral como o estilo particular, fazem parte da constituição de determinado gênero. O estilo particular que corresponde as escolhas de determinadas formas linguísticas feitas pelos usuários de acordo com suas intenções, levando em consideração a função do gênero que utilizam e como coloca Bakhtin (2003[1979], p.306) “sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada.”, Ou seja , os recursos linguísticos que compõem o estilo individual fazem parte de um estilo mais amplo, o estilo geral do gênero, que abrange diversas formas de enunciado. Em uma interpretação sobre as ideias de Bakhtin sobre o estilo do gênero, Fiorin (2008, p. 36) considera que o “estilo é o conjunto de procedimentos de acabamento de enunciado” e reúne não só os elementos gramaticais como também os enunciativos e discursivos. Assim, o estilo são “os recursos linguísticos a disposição do enunciador que definem a especificidade de um enunciado” (FIORIN, 2008 p. 36), em que “as escolhas dependem da relação a se manter com o leitor” (BRAIT, 2008 p. 80), ou seja, a partir da possível resposta do destinatário, o autor utiliza formas linguísticas especificas que constituem o estilo do enunciado que por sua vez está presente no estilo de um gênero. O estilo do gênero está relacionado ao modo pelo qual um locutor compreende o destinatário da mensagem e sua resposta a enunciação. Dessa forma, dependendo do contexto, os integrantes do discurso escolhem as formas linguísticas para o seu discurso que, segundo Brait (2008) propicia a existência de dois estilos: um de caráter mais elevado e oficial de caráter estável e com bases 3339 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres normativas prescritivas e outro estilo de caráter mais familiar, que estabelece graus de intimidade permitindo uma linguagem mais distensa e aberta a novas possibilidades. Assim o estilo pode atuar tanto como uma força centrifuga dentro dos gêneros textuais, quando a inserção de um estilo em um gênero que não é o próprio ocasionando assim uma renovação nesse gênero, como atuar também como uma força centrípeta mantendo formas linguísticas estáveis e normativas, a depender do falante a que se refere. O e-mail como gênero textual O e-mail é utilizado como uma das formas de transmissão de mensagens pela internet. O termo é utilizado tanto para designar a plataforma de suporte de envio das mensagens (correio eletrônico) como para designar a mensagem enviada através deste. Apesar de o e-mail ser considerado à primeira vista como apenas a plataforma, ou canal de envio das mensagens, Paiva (2004) considera que há um gênero eletrônico escrito associado a esse canal, que reúne características de outros gêneros como, por exemplo, memorando, bilhete, carta, conversa distinguindo-se desses gêneros devido ao meio de transmissão (meio digital) e possuir uma assincronia na comunicação entre autor e leitor, além de outros aspectos como sinais não verbais como o emprego de emoticons, organização retórica como, por exemplo, a recorrência de assinatura do emissor como fechamento do e-mail, léxico como emprego de abreviações, e normas de interação como o caso das “netiquetas”. No âmbito acadêmico, é comum a criação do “e-mail da turma”, através do qual, em cada turma, é comum que pelo menos um fique responsável para manter o contato constante com os professores através do e-mail. Mas é claro que ocorre também a interação particular entre aluno e professor. Dessa forma, a comunidade discursiva acadêmica interage através do e-mail sobre assuntos da vida relativos à rotina da disciplina, como, por exemplo, informações sobre aulas, trabalhos escolares, notas, entre outros assuntos. Dessa forma o e-mail congrega indivíduos que possuem propósitos comunicativos em comum. Através das mensagens de e-mail, “uma persona de curto prazo (orientador, cliente, amigo, coordenador, colega, subordinado, etc.) interage com outros usuários, também personas de curto prazo” (PAIVA, 2004) recorrendo ao 3340 Edivaldo Gomes Barbosa estilo do gênero e selecionando formas como netiquetas, emoticons, entre outras, de acordo com o tipo de interação que deseja efetuar. Análise do corpus O corpus consiste em 50 mensagens de e-mail trocados entre professor e aluno, referentes a assuntos da vida acadêmica, dividido em 25 mensagens de alunos e 25 mensagens de professores nas quais as mensagens foram agrupadas segundo os propósitos comunicativos. Além disso, foram analisadas marcas estilísticas, tais como tempo e modo verbal e presença de abreviações. Os propósitos foram listados na ordem decrescente de recorrência. As mensagens dos exemplos estão preservadas em aspectos como formatação, organização sintática e foram alterados os nomes verdadeiros, salvaguardando a identidade dos participantes. Propósitos comunicativos Em e-mails enviados por docentes: os propósitos listados abaixo foram identificados através da análise das mensagens enviadas pelos professores para os alunos. Dar um aviso: o professor se utiliza do e-mail como um quadro de avisos, como para avisar a realização ou cancelamento das aulas e lançamento de notas no sistema acadêmico, como pode ser visto em: “Turma Em função da realização do VIII Festival Shakespeare e de uma viagem que farei para participar de um evento no Rio de Janeiro, não haverá aula da nossa disciplina nos dias 27/11 e 02/12.” “Prezados alunos... As notas da disc Biogeografia estão disponibilizadas no SIGAA. Confiram as notas e retornem e-mail caso haja dúvida ou algum problema. Att,” 3341 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres “Bom dia!! As aulas de TCC ocorrerão nas segundas-feiras a partir das 15 horas no Lab Geoambiente. att,” Esse propósito inclusive é ressaltado pelos docentes em entrevista, ao responderem “Com que finalidade você faz uso do email na comunicação com os alunos?”: “Utilizo o e-mail para informar os alunos sobre o cotidiano da disciplina, para o envio de textos complementares, questões e sugestões de leitura. O email facilita a interação com a turma, apesar de não ter muito retorno nas respostas.” Professor Pedro “Utilizo para informar sobre atividades, materiais de estudo e datas de atividades.” Professora Camila Enviar arquivos: as mensagens aqui listadas têm como propósito disponibilizar arquivos para os alunos, referentes às disciplinas. Entre estes arquivos há a presença de notas (em documento anexo ou no próprio corpo da mensagem), textos para atividades, leituras complementares e textos com orientações para trabalhos. Seguem alguns exemplos: “Prezados Pesquisadores Encaminho tese sobre Teresina – Antonio Aderson para fichamento. Att” “Prezados Segue no anexo o material para leitura e estudos no NT-I. att.” 3342 Edivaldo Gomes Barbosa “Segue abaixo a relação de alunos que ficaram de prova final na disciplina “História da Cultura” e suas respectivas médias. Maria- 6,1 Julia- 5,6 Pedro- 4,8 Camila - 6,3 Tiago- 6,5” “Fernanda, Segue em anexo alguns textos que versam sobre oralidade na sala de aula. Achei interessante para adaptarmos o trabalho com a oralidade para o cordel. Leia e veja o que acha. Um forte abraço” Exigir a realização de tarefas: nestes as mensagens têm como propósito exigir a realização de atividades que complementam e antecipam o conteúdo ministrado em sala de aula, como, por exemplo, leituras e exercícios prévios de conteúdos e resolução de questionários com base no texto discutido em aula. A maioria das mensagens analisadas contendo este propósito são dirigidas à classe: “Caros Educad@s, Segue link do livro “Sociologia da Educação” de Alberto Tosi. Da pág.21 a 81 é leitura obrigatória para as próximas aulas. O texto não vai em anexo, no formato pdf, porque o tamanho do arquivo excede a capacidade de envio pelo email.Um abraço e boa leitura.” “Car@s Educand@s, Considerando a leitura do texto Sociologia da Educação de Alberto Tosi (págs 21 a 81), responda as questões que seguem.” 1. Qual o papel atribuído por Durkheim a solidariedade nas relações sociais. 2. Defina e diferencie solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. 3. Apresente de forma crítica a perspectiva educacional de Durkheim. 3343 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres 4. O que Marx compreende por forças produtivas? 5. Na perspectiva Marx o que é alienação? 6. Como a escola se relaciona com as ideologias presentes na sociedade? 7. Como Marx compreende a Educação numa ordem social formada por diferentes classes? 8. Segundo Karl Marx o que é Consciência de Classe? 9. Conceitue o objeto de estudo de Max Weber. 10.Defina e diferencie os tipos de ação social de Max Weber. 11. Segundo Weber como ocorre os processos de racionalidade burocratização da vida na sociedade moderna. 12.Qual a perspectiva de educação de Max Weber? “Caríssismos(as), Segue em anexo artigo para leitura e exercício. Trazer na próxima aula 29.05 (quarta-feira): • Cometários das leis/decretos; • dados estatísticos sobre as pessoas com deficiência no Brasil, Piauí e Teresina • exercício respondido para correção no grupo classe. • Boa leitura e estudos” Dar orientações: esse tipo de mensagem é mais comum no atendimento individual do professor para com o aluno. Geralmente é uma resposta com o intuito de dirimir uma dúvida e guiar o aluno na realização de uma pesquisa ou atividade: “PREZADA JÉSSICA... CAP 1 RECEBIDO. PROCURE AS FONTES ORIGINAIS E RETIRE AS CITAÇÕES DAS CITAÇÕES, DEIXAR O MÍNIMO POSSÍVEL DE APUD. att,” “É melhor vc guardar esse relato para outra oportunidade. Para o projeto vc deve provar que é relevante essa pesquisa e que é importante tra- 3344 Edivaldo Gomes Barbosa balhar esse conteúdo em sala de aula. Seria interessante vc ler a parte que fala sobre oralidade no livro Aula de Português, de Irandé Antunes. Geralmente as escolas têm esse livro, mas se vc quiser eu deixo uma cópia para vc esta semana na UFPI. Vai te ajudar a fundamentar essa justificativa. Agora, se as professoras publicaram algum artigo, falando sobre a experiência do projeto que vcs fizeram, seria interessante vc citar, mas o relato pelo relato não é interessante agora. Um forte abraço,” Fazer um convite: geralmente enviadas a toda a classe, as mensagens contêm menção a eventos acadêmicos extraclasses que funcionam como uma extensão do conteúdo da sala de aula e, em tese, possibilitam ao aluno uma ampliação do conhecimento e uma maior inserção no curso: “Turma, Convido a todos a participarem de alguns eventos importantes relacionados ao Curso de Letras que acontecerão nos próximos dias. • 07/12 - Defesa de 151 Trabalhos de Conclusão de Curso na área de Letras (Português e Inglês), de alunos do PARFOR (professores da rede pública que não possuíam curso superior). O evento acontecerá durante todo o dia no Espaço Cultural Noé Mendes. Mais informações: http://www.ufpi.br/letras/materias/index/mostrar/ id/11328 • 10/12 - Defesa da dissertação de Mestrado da aluna ANA PAULA LIMA DE CARVALHO, intitulada: A variação linguística no livro didático e na sala de aula Mais informações: http://www.ufpi.br/ letras/eventos • 12 e 13/12 - III COGITE - Colóquio sobre Gêneros & Textos. Serão apresentados dezenas de trabalhos nas áreas da Linguística Textual e do Discurso. Na noite do dia 12 (quinta-feira) será lançado um livro produzido por professores da UFPI sobre Léxico, Texto e Discurso. Mais informações: http://coloquiocogite.com.br/ e http:// www.ufpi.br/letras/materias/idex/mostrar/id/11410 Conto com a presença de todos.” 3345 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Fazer um relato: dois e-mails se diferenciaram no corpus analisado pelo propósito de fazer um relato de eventos referentes ao âmbito docente, aos quais os alunos têm pouco conhecimento ou acesso. Sugere uma extensão dos debates realizados em sala de aula e também um contexto externo que se refere à vida acadêmica além dos limites da sala de aula: “Turma, acabei de chegar a Brasília para compor o CNG, como representante do CLG-UFPI/ADUFPI. No trajeto do aeroporto ao hotel, passei pela esplanada dos ministérios, e lá observei um “Formigueiro Vermelho”. Estou chamando deste modo, a grande concentração de faixas e barracas com pessoas fazendo menção a greves. Mas a maior concentração está localizada em frente do MEC. Tratar-se de um Ato, com carro de som estilo trilho elétrico, muitas pessoas concentradas na grama, no estacionamento, ouvindo o pronunciamento de representantes do nosso Sindicato Nacional, o ANDES. Tem muiiiita gente na rua. APOSTO QUE ISTO A MÍDIA NÃO NOTICIARÁ. VAMOS FAZER UM FORMIGUEIRO EM FRENTE A REITORIA DA FPI NA ASSEMBLEIA DE QUINTA-FEIRA AS NOVE DA MANHÃ!” Indicar uma bibliografia: nesse caso há a inserção no corpo da mensagem, de uma referência nas normas da ABNT a ser utilizada em uma atividade: “Turma, Na aula de hoje, faremos um estudo do texto LINGUÍSTICA TEXTUAL que já está disponível na R & R cópias. A bibliografia é: BENTES, Anna Christina. Linguística Textual. In: MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina. Introdução à Linguística. Vol. 1. 5. ed. São Paulo. Cortez: 2005.” Em e-mails enviados por discentes: os propósitos listados abaixo foram identificados através da análise das mensagens de e-mail enviadas por alunos aos professores. A interação ocorre tanto individualmente, como através de um representante da classe. 3346 Edivaldo Gomes Barbosa Pedir informações sobre o cronograma de aulas: as mensagens com este propósito têm o objetivo de confirmar a realização de uma aula. O e-mail aqui funciona como uma reformulação do cronograma de aulas principalmente após períodos de greve em que o calendário de aulas é retomado e um aluno – às vezes em nome de toda turma, fica encarregado de entrar em contato com o professor para solicitar informações sobre a agenda de aulas após a greve, dai a presença de formas na primeira pessoa do singular e plural. Uma característica que pode ser inferida através desses e-mails é sobre a unificação do movimento “greve”, uma vez que os alunos querem saber quais professores ministrarão ou não aula. As mensagens possuem tanto a primeira pessoa do singular quanto do plural: “Boa Noite Professor Júlio, Gostaríamos de saber se amanhã será ministrada sua aula das 14 as 18hs? Gratas, Alunas do curso de Serviço Social” “Gostariamos de saber se haverá aula amanhã (09), pois os outros professores já informaram que não haverá aula. Att. As alunas do 1° período!” “Olá professor Carlos, gostaria de saber se segunda-feira o senhor irá dar aula para o primeiro período de Contábeis na Uespi/CCM, por conta da iminência de greve do transporte público. Gostaria que o senhor respondesse com urgência. Obrigado. Pedro “Olá, professora, gostariamos de saber se suas aulas voltarão normalmente ou se será apenas esta na segunda-feira e se a greve já teve fim ou a senhora dará sua aula independentemente do movimento. Obrigado” “Olá, professor, tudo bem? Gostaria apenas de saber se na volta às aulas, o senhor dará andamento aos seminários ou vai adotar novo plano de curso para encerrarmos logo esse período, da turma de Ética em educação. obrigado pela resposta” Enviar arquivos: e-mail com a função de envio de trabalhos, nos casos em que o professor permite que o trabalho seja entregue online, substituindo a entrega presencial seja por motivos de distância ou por entrega fora do prazo. 3347 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Aparecendo como segundo propósito comunicativo mais recorrente, o envio de arquivos foi o propósito comunicativo mais lembrado pelos discentes no momento da entrevista ao responderem a pergunta “Em que situações você faz uso do e-mail para a comunicação com o professor?” “Utilizo o e-mail sempre que preciso enviar trabalhos” Ricardo “Uso para passar material” Adriana “(utilizo) Para enviar trabalhos, me comunicar com o professor” Jéssica Encontramos o propósito supracitado em mensagens como: “Professora Camila, boa noite! Hoje só consegui digitar essa parte do relatório e estou enviando para que a senhora possa dar uma olhada e emita algum parecer. Obrigada pela preocupação e sucesso!” “Bom dia professora! Estou lhe enviando meu relatório e gostaria que vc fizesse uma avaliação e me reenviasse pra que eu possa fazer as possíveis correções ou alterações solicitadas. Um abraço!” Pedir orientações: O terceiro propósito comunicativo mais recorrente nas mensagens de e-mail enviadas por discentes é o pedido de orientação. De caráter mais individual este e-mail é enviado com o intuito de pedir sugestões e orientações sobre o desenvolvimento de trabalhos acadêmicos: “Professora, Já terminei meu estágio e sobre o projeto de intervenção estou com muitas dúvidas, pois a professora e as salas que observei são muito boas. tenho duvidas quanto a esse projeto de intervenção. Gostaria de mais algumas dicas, orientações!!!! Aguardo retorno! Adriana.” “Olá Profª patricia, tenho uma dúvida quanto ao projeto de pesquisa e TCC. Como já sabe, tenho material resultante de um projeto que eu ela3348 Edivaldo Gomes Barbosa borei. Mas quem aplicou o projeto em sala de aula foram as professoras de Língua Portuguesa, sob a minha orientação enquanto coordenadora da escola em que trabalho. Daí, será que posso relatar tal experiência no meu trabalho?” Pedir a disponibilização de notas: As mensagens com este propósito limitam-se a pedir o boletim de notas ou informações sobre a disponibilização das mesmas: Olá professora, gostaria de saber, qual foi minha nota da primeira avaliação. Obrigado pela resposta! Professor, gostaria que o senhor enviasse para o email da nossa turma o resultado com a média final da turma de Ética em Educação, 2012.1, de Pedagogia. Obrigado Estilística das mensagens A análise das mensagens também contemplou aspectos estilísticos, resultando em peculiaridades em cada um dos propósitos. Em e-mails enviados por docentes Dar um aviso As mensagens com este propósito foram escritas utilizando a 3º pessoa do singular e também com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo. NÃO HAVERÁ AULA AMANHÃ. GOSTARIA QUE A LEITURA E O RESUMO DAS MEDITAÇÕES METAFÍSICAS FOSSEM EXECUTADAS. ABRAÇO 3349 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Enviar arquivos As mensagens com este propósito foram escritas na 3ª pessoa do plural com a utilização das formas “seguem”, “estamos enviando”, bem como 1ª pessoa do singular “encaminho”. O tempo verbal mais recorrente é presente do indicativo com o predomínio da forma “segue”. Car@s, Para o grupo que tem por tarefa discutir a relação Movimento Sociais e Educação, seguem textos sobre o fechamento de escolas na “zono” rural do país. Exigir a realização de tarefas As mensagens com este propósito foram escritas na 3ª pessoa do plural e com o tempo verbal imperativo, que em alguns casos é atenuado pela utilização do presente do indicativo. Prezados alunos... A partir da discussão do minicurso elaborem seu sumario. Mostrem antes para seu provável orientador aprovar. Att Dar orientações Escritas na 2ª pessoa do singular, mensagens analisadas contendo esse propósito possuem marcas da oralidade, e uso de abreviações típicas da linguagem da internet. O uso do imperativo direto “veja”, “converse” bem como a suavização desse imperativo e o uso de verbos no futuro do pretérito simples do indicativo conferem um caráter sugestivo à orientação e o uso dos termos “um forte abraço” e “prezada” como um indicativo de cordialidade e proximidade entre os interlocutores. “Bom dia, Fernanda Você pode observar algo que a professora não teve ou tem tempo de trabalhar em sala de aula. A Língua Portuguesa deve ser trabalhada em suas várias habilidades, como: Leitura, Interpretação de texto, fala e produção de texto, tendo como base a gramática da Língua e textos 3350 Edivaldo Gomes Barbosa literários. Veja o que a professora não tem como principal foco no ensino da Língua e trabalhe em cima disso. Se for o caso converse com a professora. Ela pode te indicar alguma dificuldade no trabalho com esses alunos. Um forte abraço” Fazer um convite A mensagem escrita no presente do indicativo. O professor representado na mensagem pela primeira pessoa do singular, convida seus alunos a participarem do evento em questão informando detalhes e ressaltando as vantagens. Prezados Alunos, O PIBID está com Edital aberto com oferta de vagas para novos bolsistas da área de Química. Convido a todos, que ainda não fazem parte desse programa maravilhoso, para participarem da seleção. O Período de inscrição foi prorrogado até dia 18. Dirijam-se à sala do PIBID A2-124 e inscrevam-se. O novo coordenador de área é o professor Gilvan. att. Fazer um relato As mensagens são escritas na primeira pessoa do singular, registrando as impressões subjetivas de quem escreve, sobre o fato relatado com formas nos tempos pretérito perfeito e futuro simples do indicativo. Caros alunos, No dia 19 de abril, mais uma reunião com o governo federal está agendada para discutir a reestruturação da carreira.Na última reunião do Setor das Federais, que ocorreu nos dias 29 e 30 de março, o movimento docente nacional indicou a realização de mobilização e paralisação nacional nos mesmos dias que ocorrem as mesas de negociação. O objetivo é pressionar o governo a avançar na reivindicação da categoria.Para o movimento docente nacional o mês de abril é decisivo nos rumos da 3351 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres negociação, que, caso não venham a progredir, estará convocando uma greve nacional para maio.Nesta quinta-feira (19), os docentes da UFPI cumprirão o calendário nacional de paralisação conforme deliberação da Assembleia Geral da ADUFPI realizada em 17/04, como também aprovaram a paralisação do dia 25/04 e o indicativo de greve nacional para o dia 15 de maio que será avaliado neste final de semana (21 e 22), em Brasilia-DF. Na reunião do Setor das Federais do ANDES-SN, que avaliará as rodadas de assembleia de indicativo de greve que acontecem no Brasil inteiro. Indicar uma bibliografia Como a indicação da bibliografia vem como uma fonte de consulta em uma atividade indicada para a classe, a mensagem é dirigida a todos e escrita utilizando a primeira pessoa do plural, com a presença dos tempos futuro do presente e do presente simples do indicativo. “Caros Alunos Obs. É necessário a leitura do texto da próxima aula. Referência do texto em anexo: SEVERINO, A.J. Metodologia do Trabalho Científico. 22.ed. ver.ampl.São Paulo: Cortez, 2002. págs. 63 a 71” Em e-mails enviados por discentes Pedir informações sobre o cronograma de aulas Quanto ao tempo verbal temos formas no futuro do presente simples do indicativo, bem como a recorrência do verbo “gostar” no futuro do pretérito simples do indicativo acompanhado de um verbo no infinitivo que é geralmente o verbo “saber”. Boa Noite Professor Júlio, Gostaríamos de saber se amanhã será ministrada sua aula das 14 as 18hs? Gratas, Alunas do curso de Serviço Social” 3352 Edivaldo Gomes Barbosa Enviar arquivos O envio de arquivos geralmente é feito de forma individual, por isso o uso da primeira pessoa do singular. Utilização dos tempos gerúndio e pretérito perfeito do subjuntivo. Professora Camila, boa noite! Hoje só consegui digitar essa parte do relatório e estou enviando para que a senhora possa dar uma olhada e emita algum parecer. Obrigada pela preocupação e sucesso! Pedir orientações Em uma interação individual entre aluno e professor, as mensagens com este propósito são escritas na primeira pessoa do singular e no presente do indicativo, acompanhadas de uma contextualização da dúvida, ou seja, o relato da situação problema. Professora, Já terminei meu estágio e sobre o projeto de intervenção estou com muitas dúvidas, pois a professora e as salas que observei são muito boas. tenho duvidas quanto a esse projeto de intervenção. Gostaria de mais algumas dicas, orientações!!!! Aguardo retorno! Adriana. Pedir a disponibilização de notas As mensagens escritas na primeira pessoa do singular, no entanto foram observados papeis sociais diferentes; em um dos casos tratava-se realmente de uma interação individual, em outro caso um aluno representa uma coletividade na solicitação de notas. Em relação ao tempo foram utilizados o futuro do pretérito simples do indicativo do verbo “gostar” seguido de um verbo no infinitivo. Olá professora, gostaria de saber, qual foi minha nota da primeira avaliação. Obrigado pela resposta! 3353 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Saudações e fechamentos recorrentes Nas mensagens de e-mail também foram analisadas as saudações e fechamentos mais recorrentes. As saudações e a quantidade de vezes em que ocorrem estão presentes na tabela abaixo. E-mails enviados por professores para alunos Saudações Recorrência Prezados Alunos 11 vezes Car@s 5 vezes Turma 4 vezes Nome do aluno 4 vezes Caríssimos 2 vezes E-mails enviados por alunos a professores Saudações Recorrência Professor 6 vezes Olá professora 3 vezes Professora 2 vezes Bom dia professora 1 vez Em relação aos fechamentos, as formas mais utilizadas e sua recorrência estão representadas na tabela abaixo: 3354 Edivaldo Gomes Barbosa E-mails enviados por professores para alunos Fechamentos Recorrência Att (abreviação de atenciosamente) 8 vezes Forte abraço 7 vezes Abraço 2 vezes Saudações 1 vez E-mails enviados de alunos para professores Fechamentos Recorrência Assinatura do aluno 8 vezes Obrigado 2 vezes Aguardo retorno 1 vez Obrigado pela resposta 1 vez Assuntos e propósito comunicativo Também foram analisados os assuntos das mensagens de e-mail para descobrir até que ponto estes resumem os propósitos comunicativos presentes nas mensagens. Durante a análise das mensagens de e-mail, alguns assuntos chamaram atenção por resumirem o propósito comunicativo presente no texto. tais assuntos foram representados na tabela e nos exemplos abaixo: 3355 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Assuntos dos E-mails Predizentes Não predizentes Não haverá aula dias 27/11 e 02/12 • Texto 11 Convite para eventos lingua latina II Notas da disc Biogeografia disponibilizadas no SIGAA texto tcc correto Plano de disciplina atividade artigo - minicurso Roteiro atividade Seminário Esclarecendo as Deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva. Livro Literatura em sala de aula Retomada das aulas Curso Origin 5.0 Nota da primeira avaliação 1º bloco contábeis – uespi Caderno de Textos disponível Nota da primeira avaliação Texto da disciplina Educação, Sociedade e Culturas Classificamos em assuntos predizentes, o assunto que cataforiza o conteúdo da mensagem, inclusive seu propósito comunicativo. Em alguns casos o próprio assunto veicula todo o conteúdo da mensagem, como por exemplo: 3356 Edivaldo Gomes Barbosa “Assunto: Convite para eventos Turma, Convido a todos a participarem de alguns eventos importantes relacionados ao Curso de Letras que acontecerão nos próximos dias.” “Assunto: Não haverá aula dias 27/11 e 02/12 Em função da realização do VIII Festival Shakespeare e de uma viagem que farei para participar de um evento no Rio de Janeiro, não haverá aula da nossa disciplina nos dias 27/11 e 02/12.” Na análise também se destacaram aquelas mensagens cujo assunto classificamos como não predizentes, ou seja, o titulo da mensagem de e-mail não prediz o conteúdo e o propósito comunicativo da mensagem, como no exemplo abaixo: Assunto: 1º blococontábeis – uespi Olá professor gostaria de saber se segunda-feira o senhor irá dar aula para o primeiro período de Contábeis na Uespi/CCM, por conta da iminência de greve do transporte público. Gostaria que o senhor respondesse com urgência. Obrigado. Carlos Na análise das mensagens foi constatada uma primazia da relação assunto e propósito comunicativo, ou seja, a maioria dos assuntos contêm e em alguns casos resume o assunto da mensagem, explicitando o propósito comunicativo logo no campo assunto. 3357 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Conclusão Considerando que o gênero possui uma ação social, ou seja, o gênero é uma resposta do usuário a uma situação recorrente e com determinado propósito comunicativo, o e-mail é utilizado tanto por docentes e discentes para tratar de assuntos referentes ao âmbito acadêmico, de assuntos intra e extraclasse. Nesse caso os docentes utilizam do gênero e do suporte e-mail como uma ferramenta de extensão da sala de aula, antecipando atividades e aprofundando leituras e discussões em classe através do envio de materiais, organiza a disciplina através de informações sobre o andamento e cronograma de aulas além de manter interação com a classe. Da mesma forma fazem os discentes, recorrem ao e-mail para interagir com o docente sempre que necessitam. A estilística das mensagens do corpus permite verificar as relações entre os sujeitos pesquisados, enquanto docentes utilizam de determinadas formas lingüísticas que indicam uma certa cordialidade, os discente utilizam de formas mais polidas, que indicam um certo distanciamento em relação ao docente. Em relação aos propósitos comunicativos analisados neste corpus, nota-se que estes contribuem e formam o propósito comunicativo do gênero e-mail na interação entre docente e discente que é tratar de assuntos referentes a vida acadêmica. 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