Caderno 11

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Caderno 11
CADERNO 11
Anais Eletrônicos VI ECLAE
Linguagens, novas
tecnologias e ensino
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal apresentar as possíveis contribuições
que um ambiente virtual traz para o jovem escritor no contexto escolar de produção
textual. Considerando o domínio que essa ferramenta tem exercido sobre a maioria dos estudantes secundaristas, e os inúmeros gêneros digitais com os quais eles
têm passado a conviver, ou melhor, a usar, é possível verificar algumas aquisições
relevantes para seu desempenho na construção do conhecimento. Evidentemente
não se pretende adentrar nas contribuições visíveis nas áreas de conhecimentos gerais, tecnológicos, enfim nas ciências exatas e naturais. O foco desse trabalho está
no teor argumentativo que esse jovem tem desenvolvido no ambiente virtual. Essa
constatação pode ser feita em diversos gêneros digitais, mas, por uma questão didático-metodológica, trataremos desse fenômeno especificamente no gênero digital
fórum de discussão, disponibilizado em grupos da rede social Facebook. Para identificação dessa contribuição, é necessária uma análise, baseada nas concepções de
argumentação, de como esse fenômeno ocorre e o que difere dos textos escolares,
para, então, viabilizar uma possível intervenção nas produções em sala de aula. Para
isso, é necessário um estudo histórico das Teorias de argumentação, tendo como
base Perelman (2005) e Ducrot (1987); bem como os estudos acerca da relevância da
interatividade na construção argumentativa de textos com Bronckart (1999)e Marcuschi (2007), observando como as diversas teorias categorizam e auxiliam numa
análise mais precisa das estratégias argumentativas apresentadas nas práticas discursivas escritas.
Palavras-chave: Argumentatividade, Ambiente virtual, Produção escolar.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
A ARGUMENTATIVIDADE NO E-GÊNERO FÓRUM
DE DISCUSSÃO: UMA ESTRAÉGIA PARA
PRODUÇÃO EM CONTEXTO ESCOLAR
Anelilde Maria de Lima Farias (FACHO)
Introdução
Não é raro presenciarmos professores de língua portuguesa que trabalham
com produção textual em sala de aula revelar sua angústia sobre o nível de argumentatividade dos textos de seus alunos, seja qual for o gênero textual estudado.
Também é comum observar as mais diversas estratégias para melhorar esse desempenho, auxiliado por uma vasta bibliografia dedicada à produção textual no
contexto escolar.
Entretanto, paralelo a essa angústia, pouco tem se verificado como avanço
nessa área, e muitos textos de alunos de ensino médio continuam com ideias
rasas, com argumentos de obviedade, e com muito pouco argumento de autoria. Se buscarmos algumas justificativas para isso, poderemos encontrar algumas respostas na própria concepção de gênero textual, em consonância com
algumas teorias de gêneros, sejam tradicionais ou contemporâneas, no que diz
respeito ao seu aspecto interacionista. Koch (2003) afirma que “na concepção
interacional da língua, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se
constroem e são construídos.” Da mesma forma Bronckart (1999) ,citado por
Marcuschi (2007) “ a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental
de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”.
Poderíamos mencionar, também, nessa mesma concepção de gênero, Bakh-
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tin(1979); Bhatia(1997); Bazerman (2004), só para citar alguns. Para todos eles,
não é possível imaginar um texto eficaz sem seu aspecto dialógico. Entretanto,
muitas vezes, os textos escritos em sala de aula apresentam esse dialogismo de
forma distante e superficial, contribuindo, talvez, para as apresentações insatisfatórias de teor argumentativo.
É importante também lembrar que, para os mesmos autores, não é possível
considerar um texto sem um propósito comunicativo. Assim, voltando ao contexto
escolar, salvo raríssimas exceções, o que temos são jovens escrevendo para serem
avaliados por um professor, ou, no máximo, simular um gênero que será usado futuramente. O propósito real do gênero se perde em lugar dos propósitos escolares.
It proposes that we teach genre awareness, not specific genres, and that
we consider carefully the genres we have students write with a viewe
to the antecedents those genres may provide for future writing tasks.
(Devitt, 2004, p.4)
Não é objetivo deste trabalho julgar se esse procedimento é correto ou não, se
escola deve ou não continuar com essa prática. A análise aqui se dá para melhor se
perceber por que, às vezes, o professor não obtém os resultados que gostaria, no
caso, em relação ao nível de argumentação.
Por outro lado, uma das principais características dos gêneros veiculados em
ambientes virtuais é a interatividade, consequentemente, são gêneros que têm
exercido um maior fascínio nos seus usuários. Considerando o fórum de discussão do site de relacionamento Facebook como um gênero amplamente usado por
jovens de todas a idades, inclusive aqueles que mantêm atividades de produção
escolar, é possível que tenhamos a mesma pessoa demonstrando teor de argumentatividade diferenciado.
Para isso, é necessário um estudo histórico das Teorias de argumentação, observando com as diversas teorias categorizam e auxiliam numa análise mais precisa das estratégias argumentativas apresentadas nas práticas discursivas escritas.
Teorias da argumentação
O estudo sobre argumentação tem tomado algumas linhas de investigação bastante relevantes para várias áreas do conhecimento, mas sabemos que os
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conceitos sobre argumentar, as teorias que delas surgiram não são recentes. Tomando como base os estudos mais historicamente conhecidos, nos remetemos
à Retórica de Aristóteles, para quem argumentar era demonstrar supremacia na
palavra. Entre seus conceitos de retórica está “o poder de provar uma verdade, ou
uma verdade aparente, por meio de argumentos persuasivos.”
A partir desse enfoque sobre argumentação, diversas teorias surgiram,
algumas em oposição à ideia aristotélica de retórica, outras ampliando, mas
sempre tomando sua clássica visão de argumentação. Entre as concepções de
argumentação relevantes, consideramos os conceitos de Perelman (1958) básicos
para discussões posteriores produções escritas. Como seus estudos sobre argumentação tinham um olhar diferenciado em relação à retórica de Aristóteles, a
ele foi designado como autoria de uma Nova Retórica.
Para Perelman (1970) “a argumentação visa a provocar a adesão dos espíritos
às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando-se, portanto, como
um ato de persuasão.” Fica claro que, para o autor, todo enunciado pressupõe
uma ação argumentativa. As estratégias utilizadas para essa persuasão é que
será nosso objeto de estudo mais adiante.
Mas, antes de entendermos as categorizações argumentativas propostas
por Perelman, é importante observar as distinções que ele traz para os termos
convencer e persuadir. Essa distinção é importante para identificarmos os mecanismos que estão sendo usados, muitas vezes, nos discursos orais ou escritos.
Para o autor, convencer se dá pelo raciocínio lógico. É possível convencer alguém
quanto maior for a certeza e o compromisso com a verdade comprobatória que
se tiver. Por outro lado, persuadir se dá através da vontade, do quanto se atinge
o sentimento do interlocutor. Todo tempo o homem faz uso da língua, oral ou
escrita, para atingir esse outro, trazendo audiência para si.
Ao produzir um discurso, o homem se apropria da língua, não só com
o fim de veicular mensagens, mas, principalmente, com o objetivo de
atuar, de interagir socialmente, instituindo-se com EU e constituído,
ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio EU, por meio do jogo de representações e de imagens
recíprocas que entre eles se estabelecem. (Koch, 2008 p. 19)
É nessa linha, muito mais voltada às descrições linguísticas, que se apresenta a Semântica argumentativa. Para análises que pretendemos fazer, estudar
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a argumentatividade inserida no nível fundamental da língua, será muito útil.
Apesar de ser uma linha teórica não muito aceita por Ducrot, para quem a argumentatividade não consiste em algo preso apenas ao mundo linguístico, não
podemos desprezar as concepções de orientação e conclusão na argumentação
verificada em textos, principalmente no texto escrito, nosso objeto de análise.
No texto escrito, alguém se fixa como locutor, fixando o(s) outro(s) como
destinatário, não havendo possibilidade de uma troca (pelo menos imediata) de papéis entre ambos. (Koch, apud Guimarães, 1981, p. 21)
Entretanto, essa premissa ‘de não possibilidade de troca imediata’ tende a
sofrer alterações quando se tratando de alguns textos do ambiente virtual.
Tipos de argumentação
Estudos atuais sobre argumentação sempre apresentam formas de categorizar os argumentos presentes nos discursos, de acordo com as intenções
pretendidas e com a força persuasiva que se quer empregar. Contudo, as ‘ técnicas argumentativas’ introduzidas por Perelman &Olbrechts-Tyteca (2005) são,
sem dúvida, um dos estudos mais completos para categorização dos argumentos. Os esquemas ali apresentados fornecem as mais variadas possibilidades de
análise de enunciados.
É através das técnicas argumentativas que será possível identificar de que
forma o interlocutor tentou atingir o outro, muito embora, muitas vezes sem
a devida consciência do fenômeno apresentado. Em se tratando de um texto escrito, é possível que as estratégias sejam mais planejadas, considerando
que cada expressão selecionada tem sua força argumentativa. Ducrot (1980)
colabora com essa análise na medida em que explica o valor dos operadores
argumentativos. Elementos que a gramática descritiva usa como unidades da
língua o autor se apresentam como recursos de persuasão, como orientadores
no processo argumentativo.
As pesquisas concernentes à argumentação que J.C. Ascombre e eu temos desenvolvido visam a mostrar que ela nem sempre é acrescentada
às possibilidades semântico-pragmáticas inscritas na língua: ocorre ao
contrário, que, para descrever determinada expressão construção ou
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torneio, faz-se preciso indicar as restrições argumentativas que ela impõe aos enunciados em que aparece. (DUCROT, 1987, p. 139)
Ainda com os estudos de tipificação de Ducrot, é necessário considerar um
dos seus estudos mais relevantes que diz respeito ao argumento de autoridade.
Embora não signifique o tipo de argumento mais importante, mas, é através dele,
que podemos fazer análises sob uma perspectiva de autoridade polifônica, aproveitando, também, as concepções de dialogismo dos textos de Bakhtin (2003).
A interatividade no e-gênero fórum de discussão
Com o advento da Internet, diversos gêneros textuais surgiram ou passaram por modificações para uma melhor viabilização do seu uso no meio tecnológico. Essa inserção de novos gêneros nas práticas comunicativas dos jovens,
sem dúvida, tem exigido algumas mudanças dos processos de ensino de línguas
no contexto escolar. Por muito tempo, algumas escolas imaginavam que a contribuição da ambiente virtual estava mais voltada para as influências tecnológicas e tentaram trazer para os alunos algumas práticas de inserção digital.
Entretanto essa preocupação não se apresentava eficazmente nos estudos de
gêneros, nas observações sobre variações linguísticas e, muito menos, em relação à produção textual.
Atualmente, com o avanço de estudos sobre vários aspectos dos gêneros
digitais, e até mesmo com a tímida, mas presente preocupação acerca desse
tema pelos Parâmetros Curriculares, é possível identificarmos algumas contribuições relevantes dos textos de ambientes virtuais para as práticas de ensino
em sala de aula presencial. É considerando essa atual visão pedagógica que o
presente trabalho acredita numa contribuição relevante para as aulas de produção textual. Tomando como base o que Marcuschi (2004) já dissera, que nunca
se escreveu tanto como com as novas práticas computacionais, é possível fazer
uso desse contato crescente com a escrita para minimizar alguns problemas
recorrentes nas produções de texto em sala de aula.
É bem verdade que estamos falando de uma escrita híbrida, com todas as
variações permitidas pelo ambiente tecnológico, mas estamos também falando
de uma escrita mais livre, sem a monitoração e exigências peculiares às ativi-
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dades de produção textual em sala de aula. Dessa forma, é possível perceber, em
vários gêneros veiculados na Internet, mais especificamente no fórum de discussão do Facebook, uma escrita espontânea, com teor argumentativo superior
aos textos produzidos em sala de aula.
Evidentemente não irei discutir aqui a obviedade das diferenças dos ambientes. Um ambiente didatizado tende a tolher a criatividade e, consequentemente, inibir a argumentação. O que se espera não é apenas a constatação, mas
a transposição de um desenvolvimento argumentativo, presente no ambiente
virtual, para as práticas discursivas escolares.
É um ponto comum entre os estudiosos de genros textuais, como Bazerman
(2006); Davitt (2004); Miller (2008); Marcuschi (2004), Bronckart (1999) a relevância do caráter interativo dos gêneros. É indiscutível que nenhum texto pode
ser escrito ou falado sem que haja um outro como participante imediato dessa
ação discursiva. Quando se trata de gêneros digitais esse processo interativo
ainda é mais evidente pelas possibilidades de simultaneidade de participação em
algumas práticas.
O e-gênero fórum de discussão possui esta característica de interação considerando que é um gênero em que várias pessoas discutem um tema, geralmente determinado e conduzido por um organizador. Esse gênero permite que jogos
de persuasão sejam desenvolvidos porque há sempre alguém tentando conseguir
audiência para sua ideia defendida.
(...) neste gênero digital, o interlocutor tem ainda a vantagem, relação
aos outros gêneros de discurso em celulose, de não apenas processar solitariamente a informação ali exposta, como também poder questionar
junto ao produtor do discurso os pontos criticáveis, obscuros ou absurdos do seu discurso. (XAVIER; SANTOS, 2005, P. 35)
Tomando como ponto de partida essa constatação do processo interativo
dos textos, é que surgem algumas preocupações em relação às produções textuais em sala de aula. Parte das dificuldades advém desse caráter dissociado do
texto com propósitos comunicativos reais. Para Bronckart (2008) “um texto só
pode ganhar sentido pela atividade de interpretação de seus leitores, que reconstroem sentido a partir dos índices disponíveis na materealidade textual”. Pelos
mesmos motivos e acrescido de outros fatores, Bazerman (2006) afirma que
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“Quando os alunos podem fazer seus textos ter vida para leitores à distância,
criando interação dos significados evocados pelo texto, eles terão alcançado a
agência mais profunda da escrita.”
Análise da argumentatividade no e-fórum
Os estudos sobre o teor argumentativo no E-fórum aconteceram com a iniciativa de uma professora de Língua Portuguesa, a qual formou um grupo de
discussão denominado “Penso, logo escrevo.” Neste grupo, várias temáticas são
apresentadas diariamente, permitindo a participação de alunos1 predominantemente do Ensino Médio.
A primeira temática corresponde ao sistema de cotas, a qual foi apresentada
ao grupo mediante várias estratégias argumentativas. Vejamos:
Imagem 1
O questionamento da administradora do grupo, a princípio, pode parecer
uma informação isenta de juízo de valor, mas ganha força argumentativa com
a inclusão da expressão enfática “de fato”, o que induz o participante a um
1. Os nomes dos participantes foram apagados com intuito de preservar sua identidade em um trabalho de
análise científica.
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posicionamento negativo em relação ao sistema de cotas. Entretanto, durante
a discussão no E-fórum, os posicionamentos se libertam dessa indução, mostrando que o ambiente virtual possibilita uma argumentação de autoria com
considerável eficácia.
A primeira participante, Calado, revela seu posicionamento contrário ao
sistema de cotas, indicando imediatamente a solução para o avanço da educação. A partir dessa argumentação, a administradora do grupo introduz um novo
questionamento, desta vez com uma força argumentativa maior, o que possibilita a constatação de que o processo interativo, característico do ambiente virtual,
permite o maior aprimoramento da argumentatividade.
Sobre essa mesma temática, a discussão continua com outros participantes, permitindo a diversificação de textos argumentativos escritos.
Imagem 2
O participante 2 introduz seu argumento ratificando o ponto de vista do
participante 1, mas deixa clara a característica autoral de sua argumentação. Essa
identificação, além dos recursos estilísticos se evidencia com expressões como:
“...não merece minha confiança”; “Não acredito nos números dos beneficiados”.
Além disso, é possível reconhecer a força incisiva contra as ações do Estado,
mostrando mais liberdade discursiva na modalidade escrita.
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Imagem 3
O participante 3 interage no grupo apresentando um ponto de vista diferente dos demais participantes. Sua argumentação é construída sob o estímulo das
participações anteriores, portanto é desenvolvida com maior nível de informatividade. Esse movimento argumentativo também é fruto da força interativa desse
ambiente. O participante sente-se instigado a convencer e persuadir o outro e,
para isso, ele sabe da necessidade de não produzir argumentos apenas consensuais. É interessante observar, também, as palavras intencionalmente destacadas
pelo participante 3, como “privilégio”, “incapacidade” e “racismo”. Tal recurso
evidencia maior força argumentativa, à medida que responde criticamente a algumas abordagens de interactantes anteriores.
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Conclusão
A participação em um debate, via de regra, possibilita um maior desenvolvimento argumentativo entre participantes, em várias situações comunicativas.
Entenda-se aqui debate como um gênero textual da modalidade oral. Tal experiência em sala de aula, normalmente, tende a ser bem-sucedida. Entretanto,
na modalidade escrita, os entraves para expor uma argumentação são comuns,
e a participação do aluno sempre ocorre de forma tímida, limitada. Percebeuse, no entanto, com os fragmentos do E-fórum de discussão do Facebook um
movimento argumentativo diferente dessa constatação. A modalidade escrita
não serviu de bloqueio do pensamento, ainda que em um ambiente monitorado
e visualizado por diversos participantes.
Mesmo que esse artigo não tenha apresentado análises comprobatórias
mais amplas, ou mesmo uma análise de textos escolares sobre os mesmo temas,
tendo em vista os limites desse espaço de divulgação, ficou perceptível o nível
de argumentação que se apresentou no ambiente virtual, especificamente no
gênero digital E-fórum de discussão. É possível reconhecer com esses dados que,
se um aluno tem estado em contato com esse instrumento de argumentação de
forma frequente, haverá a possibilidade de uma “memória argumentativa” se instalar, gerando uma transferência de capacidade discursiva para os demais textos
que ele possivelmente escreverá em ambientes não virtuais, especificamente, em
produções de caráter escolar.
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XAVIER, Antonio Carlos. Como se faz um texto: a construção da dissertação
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RESUMO
Neste trabalho analisamos e descrevemos o desenvolvimento e uso de uma revista eletrônica por vinte estudantes do ensino técnico integrado ao médio, em uma
Escola Técnica Estadual de Pernambuco. Trata-se de uma investigação sobre a produção e uso de gêneros discursivos em suporte digital. Para análise, elencamos algumas categorias que nos permitiram verificar e descrever o grau de proficiência
desses sujeitos: a) a habilidade para reconhecer e operar com gêneros hipermodais;
b) a capacidade para localizar e avaliar criticamente informação disponibilizada eletronicamente; c) adequação da produção escrita às diversas seções que compõe a revista eletrônica; d) domínio e uso de softwares para fins específicos. Para realização
da pesquisa utilizamos o método etnográfico de coleta de dados juntamente com a
técnica do observador participante. Deste modo pudemos analisar e descrever todas as etapas do desenvolvimento da revista, desde as reuniões preliminares em um
grupo no Facebook, até as interações presenciais para decidir o conteúdo que iria
compor o primeiro número. Como aporte teórico para analisar os diversos gêneros
que foram produzidos e que se encontram na revista digital, utilizamos a teoria dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1997). Para trabalharmos a questão do suporte dos
gêneros da esfera digital, utilizamos as hipóteses de Souza (2010) no que diz respeito
a definição de software e interface de software. As análises nos permite dizer que os
sujeitos envolvidos possuem um grau de competência genérica desejável, o que os
possibilitam produzir e interagir com gêneros variados em suporte digital.
Palavras-chave: Gênero digital, Suporte digital, Revista eletrônica.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
A REVISTA ELETRÔNICA EM SALA DE AULA:
UM SUPORTE PARA GÊNEROS DISCURSIVOS
NA ESFERA DIGITAL
Aguinaldo Gomes de Souza (HIPERGED-UFC/ETE-PE)
Introdução
O trabalho com gêneros discursivos em ambiente escolar, não é novo. Desde
que o MEC, ainda na década de 90 do século passado, instituiu os parâmetros
curriculares nacionais, que o ensino de língua portuguesa nas escolas do Brasil,
de uma forma ou de outra, elege o gênero do discurso como elemento norteador
do ensino de línguas em todos os seus aspectos. Entretanto, o ensino da língua
em uma perspectiva textual-discursiva não é tão homogêneo, em outras palavras, não é possível estabelecer uma metodologia que abarque toda a multiplicidade e especificidade dos gêneros existentes. Algumas contribuições a respeito
do ensino de línguas tendo por base os gêneros discursivos, podem ser achadas
nos trabalhos de Dolz e Schneuwly (2004); Bronckart (1994); Bazerman (2006)
entre outros.
Entretanto, não está no escopo deste trabalho elaborar um manual semelhante ao que foi preconizado pela escola genebrina. Nos limitamos a observar
e descrever como sujeitos situados em dado contexto sócio-histórico, utilizam
a linguagem para produzir e interagir com os mais diversos gêneros discursivos em suporte digital. Assim, para construção da pesquisa optamos pelo método etnográfico com a técnica do observador participante. Segundo Angrosino
(2008) o método etnográfico se difere de outros modos de fazer pesquisa pelos seguintes critérios: a) ele é baseado na pesquisa de campo; b) é face a face,
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ou seja, personalizado. Nele o pesquisador pode tanto ser participante quanto
observador das vidas em estudo; é multifatorial, ou seja, pode ser aplicado em
conjunto com outra técnica de coleta de dados; d) é feita por pesquisadores que
pretendem interagir por um longo prazo com os sujeitos da pesquisa; e) trata-se
de um método indutivo; f) tem por premissa tentar revelar o retrato mais completo possível do grupo em estudo; g) é dialógico, as conclusões e interpretações
dos pesquisadores podem ser discutidas com os informantes na medida em que
elas vão se formando. Ao optarmos pelo método etnográfico precisávamos de
uma técnica para coleta de dados, nesse sentido optamos pela técnica do observador participante que é, como mostra Angrosino(2008, p.76) “um processo de
aprendizagem por exposição ou por envolvimento nas atividades cotidianas e
rotineiras de quem participa do cenário da pesquisa”.
Para construção da pesquisa acompanhamos um grupo de 20 (vinte) estudantes e um professor que resolveram trabalhar produção textual tendo por
ferramenta uma revista eletrônica nas aulas de língua portuguesa. Ao iniciar a
pesquisa nos inserimos em um grupo que foi criado por esses sujeitos na rede
social Facebook, o qual tinha por objetivo ser uma redação on-line da revista.
Nessa redação eram definidas as pautas e as funções que cada participante iria
ocupar durante cada número da revista. conforme podemos verificar na figura 01
Figura 01
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As reuniões de pautas que aconteciam no grupo da rede facebook eram em
sua maioria acompanhadas por reuniões presenciais, em uma dessas reuniões
ficou decidido que a revista ganharia um formato específico na rede internet, ou
seja, iria ser criado um site para ancorar a revista. Este tipo de trabalho exigiu
dos participantes uma série de habilidades, conforme Warschauer (2000) apud
Araújo;Lima (2011, p.03), tais habilidades poderiam ser assim descritas: a) habilidade de comunicação (diz respeito a habilidade que o indivíduo tem de contatar
outros indivíduos para selecionar a tecnologia adequada aos propósitos comunicativos; b) habilidade de construção (diz respeito a capacidade de criar e administrar páginas e sites da web e suas tecnologias de manipulação hipertextual)
e c) habilidade de pesquisa (capacidade de localizar, organizar e fazer uso das
informações presentes na web, citando e dando créditos às fontes). Uma vez definido os sujeitos que iriam trabalhar no aspecto visual da revista, ficou acordado
que cada um, após a criação da revista, receberia uma senha para administrar o
site. A revista foi criada em uma plataforma chamada de Wordpress. Conforme
podemos verificar na figura 02, abaixo
Figura 02
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Da estrutura da revista e suas divisões entre os membros
Desde que Bakhtin ([1953] 2000, p. 109) introduziu a premissa de que a
verdadeira substância da língua “não é constituída por um sistema abstrato de
formas linguísticas nem pela enunciação monológica e isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações”, que o ensino e o estudo da
linguagem dentro de uma perspectiva da interação na linguagem é “essencial
para entender não apenas o funcionamento da linguagem, mas também o surgimento da própria subjetividade”, conforme apontou Faraco, (2009).
Desse modo, ao estruturar uma revista eletrônica onde os estudantes pudessem interagir através dos mais variados gêneros, buscava-se práticas de
produção textual na qual a linguagem em funcionamento fosse o elo motor.
Nesse ponto específico, criar uma situação de interação real, confere aos eventos comunicativos em sala de aula a oportunidade de se vincular às práticas
sociais recorrentes que se situam fora da escola. Assim, durante as reuniões de
pauta, o grupo dividiu os cargos e funções a partir das aptidões de cada membro. Desse modo, a revista era composta por: gerentes de conteúdo, jornalistas,
revisores, fotógrafos e equipe técnica. Trata-se de um simulacro de uma redação real. Dentro da redação, cada um dos membros era responsável por uma
seção da revista, entretanto, as funções não eram fixas, um fotógrafo poderia
ser um jornalista, um jornalista ser parte da equipe técnica e assim por diante.
Os textos da esfera jornalística são “uma fonte primária de valores, tornandose então instrumento importante para o leitor se situar e se inserir na vida
social e profissional” (FARIA, 2003, p.11).
O trabalho com uma revista em sala de aula é muito mais que uma atividade de produção de textos, de gêneros, é a oportunidade que o sujeito tem de
se instaurar como sujeito da/na linguagem. Nesse sentido, o trabalho realizado
tirou os estudantes e suas práticas de escrita, dos limites da escola. Por meio
da linguagem emergem relações simultâneas e consecutivas, trata-se de levar
o estudante, enquanto sujeito produtor de textos, à heterogeneidade, tensões e
contradições que de uma forma ou de outra estão presentes no ato de escrever.
Pois quando o estudante se dispõe a produzir um texto fora das quatro paredes
da sala de aula, sua voz ecoa e as atitudes responsivas retumbam em sua escrita
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uma vez que ele escreve não apenas para um professor, mas para um auditório
mais amplo. Assim, nenhum texto, nenhum gênero produzido por esses estudantes, fica confinado nos limites de um único ambiente, eles ganham voz(es),
uma vez que ao ir para a rede internet fazem agora parte de uma tessitura textual mais ampla. Desse ponto de vista, as questões relacionadas a categorias como
autor/autoria emergem com mais força, dai a importância da divisão do trabalho
quando é proposta uma atividade como esta. Ao assinar uma reportagem, uma
crítica, um editorial o sujeito se posiciona no mundo, a ideia nuclear é bastante
simples: o uso significativo da língua só existe dentro das inter-relações pessoais
e sociais situadas.
Os gêneros que circulam na revista eletrônica
Em uma revista circulam vários gêneros, sabendo disso, para análise, escolhemos um gênero produzido pelos estudantes, um artigo de opinião. Trata-se
de um gênero que circula na esfera jornalística e possui, como sabemos, características próprias. A análise aqui proposta não diz respeito apenas as questões relacionadas ao gênero em si (sua estrutura, seu domínio de circulação, sua função
etc) mas, mais diz respeito também a essas questões. Ao analisarmos a produção, levamos em conta que todo gênero se situa em alguma situação cotidiana.
A referência nova aqui diz respeito ao fato de que ao utilizar um gênero digital, ao produzir um gênero na esfera digital, o sujeito está operando com níveis
de letramento que se situam nessa esfera da atividade humana. No que concerne
à ação do sujeito, Orlikowski (2000) citado por Arujo;Diebe (2014, p.44) pondera
que este, “ao fazer uso da tecnologia, tanto pode reforçar como alterar estruturas
institucionalizadas, em consonância com as regras e pressupostos estabelecidos
no contexto dessas estruturas, como também fazer usos diferentes daqueles que
ali são considerados como legítimos e aceitos”. E isto se deve, acreditamos, ao
fato de que ao produzir gêneros em ambiente digital, ao produzir linguagem, o
estudante está levando a escola para fora da escola, já que a internet não tem
muros, nas palavra de Araújo;Diebe (2014, p.08)
os agentes são igualmente atores e sujeitos, podemos considerar a agência humana como sendo também a ação de um ser singular, exemplar
único da espécie humana, que constrói uma história, interpretando o
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
mundo e a ele atribuindo um sentido, do mesmo modo que significa a
posição que ocupa nesse mundo, as suas relações com os outros, a sua
própria história e a sua individualidade.
É assim que os temas e as temáticas tratadas dentro da revista ganham
contornos variados, não há a necessidade intima de relacionar o que se produz
dentro da revista com o cotidiano da sala de aula. Em uma escrita significativa
os temas propostos são livres e os sujeitos produtores de textos são os agentes
deste movimento. Veja por exemplo a figura 03, nela a estudante produz um gênero chamado de artigo de opinião e disserta sobre o consumismo.
É notável como relata fatos da vida cotidiana (o ato de consumir) de forma
crítica e ponderada, a retomadas dentro do texto a progressão temática, a estrutura, a tipologia discursiva leva o texto produzido em sala de aula para bem
próximo do gênero artigo de opinião. Isto mostra que, conforme Marcuschi
(2008), a aula de língua materna é um tipo de ação que transcende o aspecto
meramente interno ao sistema da língua e vai além da atividade comunicativa e
informacional, uma vez que os sujeitos de linguagem estão imersos em práticas
sociais mais amplas que o contorno imediato (a escola). O mais importante neste
ponto é não normatizar a produção de textos em determinados gêneros, o que
se verificou foram apenas sugestões de como tratar o texto, por exemplo, alguns
estudantes demonstravam desconforto em relação ao consumismo irracional
(na época da produção do artigo de opinião uma famosa companhia de telefone
havia lançado três modelos de smartphones em um único semestre), diante deste desconforto coube ao professor indagar através de categorias1 qual gênero se
prestaria para emitir uma opinião. A preocupação não é trabalhar um gênero em
si, mas encontrar o gênero que sirva aos propósitos elencados pelo sujeito. Trata-se, neste caso, de nas aulas de produção textual, situar a linguagem humana
como uma forma de ação social e cultural.
1. neste caso partiu-se da pergunta: qual tipologia serve para argumentar? para emitir uma opinião? Que
gênero receberia melhor essa tipologia?
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Aguinaldo Gomes de Souza
Figura 03
Uma das particularidades do trabalho com textos e gêneros em situações reais de uso é o envolvimento do estudante com o fazer, o texto não é mais escrito
para o professor avaliar. Ele é escrito para ser lido por uma comunidade maior.
Ele também não é escrito apenas para ser publicado, ele é escrito e reescrito
quantas vezes forem necessárias e é corrigido por pares. Trata-se de um trabalho
linguístico pautado pela interação em que a língua é vista como um fenômeno
heterogêneo que se manifesta de diferentes formas: variável, histórico e social.
Fruto de práticas sociais e históricas.
Ainda neste ponto, o trabalho com a língua dentro dessa perspectiva, achase submetido a condições de produção, portanto, heterogeneidade e indeterminação acham-se na base da concepção de língua aqui pressuposta. Cf. obs. a
respeito em Marcuschi (2008).
Mas, antes do artigo de opinião ser publicado no site da revista ele foi fruto
de várias intervenções (de jornalistas, de editores, de revisores) na redação virtual. A atividade de escrita, nesse sentido, deixa de ser individual e passa a ser
coletiva (embora apenas um assine o texto), conforme podemos ver na figura 04.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
As intervenções encontradas na redação da revista, intervenções relacionadas com as publicações dos gêneros, estão correlacionadas com a competência
elencada por Shetzer e Warschauer (2000) que trata da habilidade de comunicação (diz respeito a habilidade que o individuo tem de contatar outros indivíduos
para selecionar a tecnologia adequada aos propósitos comunicativos.
Há nesta pré-etapa do desenvolvimento da matéria que irá para a revista,
um processo geralmente ignorado nas produções de textos nas escolas, trata-se
do acento apreciativo sobre as palavras do outro, o que via de regra faz com que
o trabalho com o texto seja sempre dialógico. A palavra, como apontou Bakhtin/
Volochínov, (1995, p.112), dirige-se sempre a um interlocutor: ela é função da natureza desse interlocutor [...] O mundo interior e as reflexões de cada indivíduo
têm um auditório social próprio, bem determinado, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações.
Figura 04
3124
Aguinaldo Gomes de Souza
É importante notar que essas intervenções no texto do outro, as reescritas
dos textos, são executadas no grupo em que funciona a redação da revista. Este
grupo está ancorado em uma rede social, em um software, e as funcionalidades
deste software permitem a interação necessária ao desenvolvimento do trabalho.
Nesta etapa, percebemos que há neste caso o domínio e uso de softwares para
fins específicos. Essas observações nos faz inferir que o software é o elemento
responsável por uma enorme variedade de interações que são realizadas entre
sujeitos/língua(gem) e o domínio do software para fins específicos permite a este
sujeito de linguagem caminhar por entre camadas de informações, estabelecer
relações, interagir com outros sujeitos, como podemos observar na figura 05.
Figura 05
Elemento comum a todos os que participavam do projeto ‘revista eletrônica’
é o domínio em maior ou menor grau de softwares variados. Desde os sujeitos
responsáveis pela diagramação da página web até os editores e repórteres, em
maior ou menor grau, possuíam um domínio das ferramentas digitais. Trata-se
3125
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
então de sujeitos que possuem algum grau de letramento digital, este entendido
com Kress (2010) como algo que além das habilidades como a leitura e escrita
preconizada nas escolas, mas como uma prática social, ou como assinalou Gillen
e Barton (2010, p. 4): os letramentos digitais são “as práticas em constante mudança por meio das quais as pessoas produzem sentidos identificáveis ​​usando
tecnologias digitais”. Então, saber operar um computador, saber utilizar um software para fins específicos é em análise fazer usos de letramentos que os possibilitem interagir com textos e gêneros em ambiente digital.
Aspectos teóricos: das características do suporte
“revista eletrônica”
Fator determinante aqui é saber que, sem a existência dos softwares, os
gêneros digitais não existiriam. Trata-se de um suporte que possui características singulares e que de igual modo exerce grande influência nos gêneros que
suporta. Entretanto, antes de iniciarmos as considerações a respeito do suporte
dos gêneros digitais, é imperioso dizer que a discussão, na academia, a respeito
do que é gênero e do que é suporte na esfera digital, ainda não está apaziguada.
A posição que assumimos ao analisar as interações em software é a de que o
software é o suporte da escrita. A posição assumida, nesse caso, não aconteceu a
olho nu e sim com base em uma série de conjecturas que verificamos ao longo de
outros estudos (SOUZA, 2010; SOUZA 2012; SOUZA 2008). De igual modo faz-se
necessário apontar que dentro das elucubrações teóricas a respeito do objeto ‘suporte da escrita digital’, há quem considere a tela do computador como suporte,
é o caso por exemplo de (Xavier (2002); Távora (2008). A nosso ver, o importante
neste caso é a discussão que o tema propõe, uma vez que, conforme Marcushi
(2003), “todo gênero tem um suporte, mas a distinção entre ambos nem sempre
é simples e a identificação do suporte exige cuidado”.
Desse modo, antes de prosseguirmos, faz-se necessário atentar para duas
questões basilares quando estamos analisando os suportes em ambiente digital:
(a) os gêneros quando se fixam em suportes que estão em ambiente digital sofrem destes grandes influências a ponto de serem identificados na relação que
mantêm com eles. São características correlacionadas à própria natureza do suporte, como a hipertextualidade e a hipermodalidade; (b) quando o gênero está
3126
Aguinaldo Gomes de Souza
ancorado em um suporte que pertence ao ambiente digital, há necessariamente
uma relação direta entre o formato especifico do gênero e a interação que ocorre
de maneira natural com o usuário da língua. Num certo sentido, essa interação
entre o sujeito com o suporte e com o gênero digital se imbricam a ponto do gênero e do suporte serem identificados como um só. Fazendo um correlato com
a língua, seria um caso de homonímia que se manifesta tanto na origem quanto
na função.
Podemos dizer que, em relação a (a) trata-se de um caso de função do gênero,
o que nos permite indagar sobre as possíveis interferências do suporte na função.
Ainda em (a) podemos nos indagar a respeito de como estas interferências
que dizem respeito ao formato do suporte permite o desenvolvimento dos processos de textualização. Em (b) temos um caso típico de metonímia2, isto se deve
em parte a própria natureza do suporte que dificulta a fronteira entre o gênero e
ele. Ou seja, se em um determinado gênero que está ancorado na esfera digital,
eu posso interagir mantendo uma relação direta com ele, como por exemplo,
posso acessar links e ter mais informações, posso interagir com outras pessoas
etc. O suporte que o suporta também me permite isto.
Mas se existe tanta proximidade entre o gênero e o suporte dentro da esfera digital, o que vai permitir diferenciar um de outro? Seguramente, a distinção
entre um e outro se dará em um nível mais interno, é preciso então voltar os
olhos para a natureza do suporte digital. Este movimento de retomada nos leva a
verificar, com Souza (2010)3, que o software é um suporte atípico, pois quando da
sua criação por um sujeito historicamente situado, foram deixadas nele formas
marcadas e não marcadas da presença de seus criadores.
Admitir que a revista eletrônica é um suporte digital é dizer, por conseguinte, que os textos, hipertextos, gêneros, sons e vídeos estão materializados
em softwares. É admitir que ao interagir com um suporte digital estamos a todo
2. A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade
ou relação de sentido. Utilizamos este termo aqui para dizer que ao interagir com o suporte digital o
sujeito por vezes não consegue diferenciar o que é suporte do que é gênero uma vez que as propriedades
(hipertextuais) do suporte e do gênero se imbricam.
3. Comungamos com o autor a ideia de que o software é o suporte dos gêneros em ambiente digital, é no
software que mantemos relação direta com a escrita, por conseguinte, com os gêneros.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
momento interagindo também com as formas marcadas e não marcadas da presença de outrem. Essa arquitetura geral, essa forma arquitetônica, permite-nos
manter relações direta com a escrita, com os gêneros. Permite o aparecimento
dos hipertextos e das hipermídias.
Neste trabalho, não tratamos de fazer uma classificação de suporte, mas de
analisar como ele contribui para seleção de gêneros e sua forma de apresentação.
Como dissemos, na esfera digital há uma proximidade entre o gênero e o suporte
de tal modo que um é identificado na relação com o outro. Veja o exemplo abaixo
(figura 06), nele podemos verificar uma revista que está ancorada na rede internet através de um navegador web. No primeiro momento, sem uma categorização minuciosa, é quase impossível perceber que dentro desse navegador há um
outro objeto, um software que deu origem a revista.
Figura 06
Mais difícil ainda, olhando a olho nu, é perceber que entre o software que
ancora a revista eletrônica e a revista eletrônica, há uma relação funcional. Ou
seja, temos aí representado uma sobreposição de suportes, mas nessa relação
não há antagonismo. Eles não se excluem, ao contrário, se incluem numa relação de tal ordem que a existência de um seria nula sem o outro. Trata-se de um
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Aguinaldo Gomes de Souza
suporte que possui a potência necessária para transformar o que não vemos (o
código que programa o software, a linguagem de máquina), em matéria.
A forma que o software adquire e que permite a ancoragem dos gêneros
nasce dessa relação entre a potência e a forma. E é dessa relação que a essência
(a base hipertextual) faz o software adquirir funcionalidades. Aqui é necessário
fazer um adendo, na medida em que ao falarmos da essência do software, estamos, em via de regra, falando dos atributos que permitem ao software ser o que
é, e ao mesmo tempo, se diferenciar dos outros suportes. Quando dizemos que
o software possui uma essência que lhe confere atributos, estamos dizendo propriamente que se lhe faltasse esse dado ele não seria o que é. E por conseguinte
a relação entre ele e o gênero que ele suporta, não seria o que é. Então, a substância do software não é um mero adereço mas é o que o faz devir a ser, suporte.
Isto tudo nos faz pensar na natureza do software e como essa natureza
interfere nos usos que fazemos dos softwares e dos gêneros que estão ancorados em softwares. Note que os gêneros com os quais estamos interagindo no
ambiente digital, não são o fim-único da existência do software. São, em ultima
análise, uma das a causas da existência dos softwares4. É importante atentar
também para o fato de que muitas das características dos gêneros digitais (por
exemplo, a hipertextualidade, a hipermodalidade etc) nascem do suporte digital,
então saber operar com um software é fator determinante para o sucesso das
interações com os gêneros digitais.
A concepção de língua e gênero utilizada no trabalho
com os estudantes
Um dos problemas do ensino de línguas é o tratamento inadequado que o
texto vem recebendo, como muito bem lembrou Marcuschi (2008, p.52), introduzir o texto em ambiente escolar sem mudar as formas de acesso, sem mudar as
categorias que irão ser trabalhadas ou as propostas de análise, parece não render
muitos dividendos. Ligado a estes aspectos está a concepção de língua adotada
4. veja por exemplo o artigo de Souza (2010b) “Como um software é fabricado: um olhar ergolinguístico”,
publicado pela revista Eutomia da Universidade Federal de Pernambuco, onde verificamos que os sujeitos
desenvolvedores de software utilizam diversos gêneros (orais e escritos) antes de fabricar um software.
3129
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
pelo profissional, a razão é extremamente simples: a depender da perspectiva,
da concepção de língua internalizada pelo professor, o trato dos textos e dos gêneros podem ganhar orientações diversas. Na incursão que fizemos, verificamos
que o mentor do projeto aparentava ter internalizado em si uma concepção de
ensino que, cf. Fonseca (1984, p.260), “prepara o aluno para a produção ágil dos
seus discursos e para a avaliação crítica dos discursos alheios”.
Tal concepção de ensino de língua, que está arraigado a uma concepção de
língua como um conjunto de práticas sociais e discursivas, leva o estudante a
operar com a língua como uma entidade sociointerativa e isto tudo vai acabar
refletindo no modo como os sujeitos interagem com gêneros, uma vez que os
gêneros discursivos possuem um papel fundamental na interação sociocomunicativa dos falantes da língua pois se ancoram sempre em alguma situação
concreta da vida cotidiana, em alguma esfera da comunicação humana. Os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série
de decisões para cuja execução ele necessita tomar preferência, nas palavras de
Bronckart (1994, p.12): “a primeira das decisões é a eleger o que deve ser feito a
partir do rol de gêneros existentes, ou seja, ele escolherá aquele que lhe parece
adequado ao contexto e à intenção comunicativa; e a segunda é a aplicação que
poderá acrescentar algo à forma destacada ou recriá-la”.
Como sabemos, o estudo dos gêneros discursivos não é novo e a muito eles
(os gêneros) vem sendo objetos de ensino/aprendizagem nas aulas de línguas
no Brasil. Isto se deve em grande parte a importância fundamental do uso dos
gêneros para a interação sociocomunicativa dos indivíduos, ao fato de que é impossível se comunicar verbalmente sem ser por algum gênero, não é por acaso
que Bakhtin (1997, p.290) assevera que
“todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como
as próprias esferas da atividade humana (...) A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos,
que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada
uma dessas esferas (...) cada esfera de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso”.
3130
Aguinaldo Gomes de Souza
A interação sociocomunicativa é sempre guiada por intenções comunicativas que acontecem substancialmente através de textos orais ou escritos, e estas,
por sua vez, são condições de possibilidade de produção dos discursos. São nessas condições de produção que os usos sociais vão se constituindo, o que irá determinar o aparecimento de determinados gêneros que darão formas aos textos.
Desse modo, os textos se organizam em gêneros e estes por sua vez necessitam
de um suporte para poder circular nos mais variados domínios discursivos, conforme Marcuschi “a discussão sobre o suporte nos leva a perceber como se dá a
circulação social dos gêneros”.
Considerações finais
Acreditamos que o ensino orientado numa perspectiva textual-discursiva
em que o gênero é instrumento de ensino, não pode se desconectar dos modos de circulação social deste gênero. De igual modo, no fulcro da dinâmica
social, os modos de se produzir textos e gêneros bem como a técnica, sofreram
alterações significativas. Saber operar com essa nova tecnologia que permite
o aparecimento da escrita e por conseguinte dos gêneros, é fundamental para
lograr êxito.
Se a produção de textos na escola é ainda um desafio para muitos educadores, levar essa produção para espaços análogos ao domínio de circulação real do
gênero torna-se por demais importante quando queremos formar escritores e
leitores proficientes. De fato, alguns gêneros parecem ter um habitat específico,
parece servir melhor para determinados propósitos, mas isso não significa que
devamos preconizar qual gênero se presta melhor para o ensino de língua. O
que verificamos é que o ensino orientado a partir de uma perspectiva do estudo
dos gêneros, na esfera digital, deve levar em consideração o fator sócio-histórico
da época em que o sujeito vive e o suporte em que este gênero se ancora. Além
disto, é preciso levar as atividades de produção de textos para fora da escola uma
vez que produzir textos é parte da nossa vida cotidiana. Entretanto, o que verificamos é que quando tratamos do suporte de gêneros digitais, surge uma outra
questão problemática: até este momento os estudos sobre o que é gênero e o que
é suporte na esfera digital ainda estão incipientes e isto vai acabar se refletindo
no ensino, por vezes o gênero é tratado como suporte e por vezes o suporte é
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
tratado como gênero e as funções de um de outro tendem em certo sentido se
imbricarem, dai a importância de estudos que sistematizem a questão do suporte e que verifiquem até que ponto o suporte influência o gênero.
Como tentativa para produção de textos em situações reais, o que verificamos é que trabalhar dentro de um perspectiva na qual o gênero seja visto como
instrumento sócio-histórico, pode trazer algumas vantagens. O trabalho analisado nos leva a inferir que muito mais que preconizar o ensino e o uso de um
determinado gênero na escola, se torna mais abrangente, e ao mesmo tempo sistemático, deixar que os educandos escolham os gêneros em função do propósito
comunicativo de suas produções.
Assim, a atividade proposta parte do uso e das escolhas linguísticas para a
sistematização do gênero, trata-se como verificamos de uma concepção de ensino de língua muito próxima daquilo que Bronckart, (1991) e Schneuwly, (1991)
chamaram de „didática da diversificação“ . Ao mesmo tempo, permitir que os
educandos assumam uma atitude de autoria (no sentido lato desta palavra) permite resignificar essa escrita. Neste quesito, vale ressaltar que o professor ao
direcionar a atividade parte do princípio de que ele é apenas um co-paticipante
do processo de aprender. Nas palavras de Marcuschi (2008, p.13) „a sala de aula
constitui um grande laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato
individual, mas uma ação colaborativa“.
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3133
RESUMO
Ensinar a Língua Portuguesa escrita, como segunda língua, para alunos surdos é
um desafio. Desafio por se pretender ensinar uma língua oral-auditiva, na modalidade escrita, para sujeitos que não a conhecem na oralidade. E para auxiliar esse
desafio, recorre-se ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. Assim, a
acessibilidade digital, através dessas ferramentas apresenta recursos linguísticos dinâmicos para efetivar uma proposta de ensino da Língua Portuguesa escrita de uma
comunidade ouvinte, aplicada a sujeitos que a desconhecem na oralidade; ou seja,
desconhecem o contexto sociocultural dessa língua, pois apesar de terem nascido
no Brasil, não são usuários efetivos desse idioma. É preciso que a escola perceba que
há necessidade de desenvolver um ensino pautado no bilinguismo. Uma vez que
essa língua é, e deve ser trabalhada, como segunda língua para o aluno surdo. Desse
modo, este artigo mostrará a relevância do uso das TICs no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos, visto que essas exploram muito o
aspecto espaço-visual. Com isso, o aluno surdo se percebe próximo do usuário efetivo da Língua Portuguesa e inserto nesse contexto linguístico social. Contexto esse
que promove a interação para a construção da identidade cognitiva e sociocultural.
Palavras-chave: Português escrito, Alunos surdos, Uso das TICs.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
AS TICs COMO AUXÍLIO LINGUÍSTICO NO
ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
PORTUGUESA ESCRITA PARA ALUNOS SURDOS
Antônia Aparecida Barros Alencar Correia1
[email protected]
Introdução
O ensino de Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para alunos
surdos em escolas regulares, tem se apresentado como uma proposta viável de inclusão social e vem ganhando destaque no Brasil e no mundo nas últimas décadas.
Assim, para a consolidação dessa proposta, recorre-se a algumas das ferramentas
oferecidas pela Tecnologia de Informação e Comunicação, como auxílio linguístico no ensino e na aprendizagem da Língua Portuguesa escrita, como segunda
língua, para alunos surdos. Essas ferramentas exploram o aspecto espaço-visual
e apresentam uma estrutura textual próxima da estrutura textual produzida por
alunos surdos que se sentem inseridos no contexto linguístico social da comunidade virtual e tornam-se capazes e motivados a interagirem.
A acessibilidade digital, através das ferramentas da Tecnologia de Informação
e Comunicação (doravante: TIC), apresenta recursos linguísticos dinâmicos para
efetivar uma proposta de ensino da Língua Portuguesa (a partir de agora: LP),
1. Graduada em Letras – Português – Inglês pela Faculdade de Formação de Professores de Araripina –
FAFOPA, Especialista em Ensino de Língua Portuguesa, pela Faculdade de Formação de Professores de
Petrolina – FFPP, Mestra em Educação pela Universidad de La Empresa – UDE, Doutoranda em Educação pela
Universidad de Integración de lasAmericas – UNIDA. Professora de Educação Básica, Técnica e Tecnológica
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro.
3135
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
escrita de uma comunidade ouvinte, aplicada a sujeitos que a desconhecem na
oralidade; ou seja, desconhecem o contexto sociocultural dessa língua, pois apesar de terem nascido no Brasil, não são usuários efetivos desse idioma. É preciso
que a escola perceba que há necessidade de desenvolver um ensino pautado no
bilinguismo. Pois essa língua é, e deve ser trabalhada, como segunda língua para
o aluno surdo.
Através de muitas das ferramentas das TICs, busca-se elaborar uma forma
prática de letramento que possibilite ao aluno surdo um entendimento maior da
construção de textos escritos que circulam socialmente, de forma que ele possa se
apropriar da escrita do Português e usufruí-la em seu cotidiano. Isso se efetivará
com muita leitura e troca de experiências entre colegas que vivenciam a mesma
realidade: surdos ou ouvintes.
Da mesma forma que a educação em geral apresenta problemas, a educação
para surdos, também apresenta os seus desafios. Há vários questionamentos sobre
o que ensinar aos alunos surdos: ensinar o domínio da oralidade? Ensinar o domínio da Língua de Sinais? Melhor será se a escola perceber esse aluno como um
estrangeiro e consolidar esse tão sonhado ensino pautado no bilinguismo, levando
em consideração como língua materna, a Língua Brasileira de Sinais (de agora em
diante: LIBRAS). Respaldados nesse prisma, buscar-se-á promover para esse aluno
a construção do conhecimento, da independência e da interação social.
Com essa concepção, haverá um novo olhar para o texto escrito de aluno surdo na LP. Compreensão exigida, visto que a escrita desse sujeito difere, e muito, da
escrita de um ouvinte, ou seja, do usuário efetivo desse código linguístico. A aproximação da escrita de um surdo a de um ouvinte reflete o nível de conhecimento
que aquele possui do mundo deste. Ou ainda mais relevante: reflete à qual processo de alfabetização esse aluno foi submetido e qual nível de letramento apresenta.
Para a pesquisadora Silva (2001, p.45), “... um dos maiores problemas da educação dos surdos é como é concebida a linguagem pelos professores e como são
apresentadas as atividades de leitura e escrita, grande responsável pelas dificuldades desses indivíduos.” Muitos profissionais se esquecem de que para o aluno
surdo a LP é uma língua estrangeira e esperam que, por nascerem no Brasil, sejam
detentores de conhecimentos peculiares desse idioma. Erroneamente, esses profissionais acreditam que a escrita é a transposição da fala. Muitos alunos ouvintes
apresentam dificuldades na escrita da língua, o que não é fator determinante de
3136
Antônia Aparecida Barros Alencar Correia
apresentarem dificuldades na oralidade, que dirá o aluno surdo que não conhece
esse código em nenhum aspecto. Isso só ratifica o que Silva defende:
A escrita não é a transposição da fala, e o fato de as crianças (ouvintes)
terem dificuldades na produção de textos escritos não significa que apresentem dificuldades na língua oral. A linguagem escrita tem suas próprias regras e os recursos da linguagem necessitam ser revistos para garantir seu desenvolvimento (2001, p. 46).
Assim sendo, buscar-se-á em algumas das ferramentas das TICs, recursos necessários para o desenvolvimento linguístico eficaz desses alunos que, muitas vezes, ainda enfrentam a não aceitação da condição de surdo por parte dos próprios
familiares. Isso faz com que os levem a conflitos identitários e a uma baixa autoestima. Como afirma Silva (2001, p.48) “Os problemas dos surdos com a aquisição
da escrita estão mais relacionados à aquisição e ao desenvolvimento de uma língua efetiva que lhes permita uma identidade sociocultural, ou seja, estar insertos
no contexto social; só assim poderão entender as diferenças existentes entre sua
própria língua e as outras.” Para isso, faz-se necessário um trabalho consciente de
culturas diferentes, de idiomas diferentes. Nem melhor, nem pior; simplesmente,
diferentes.
As pessoas surdas, como minoria linguística, são estrangeiras em seu próprio
país e, encontram dificuldades não só no âmbito escolar, ao serem prejudicadas
por não terem acesso à educação na sua própria língua, uma vez que poucas instituições oferecem profissionais capacitados na língua de sinais, educadores surdos,
professores intérpretes e guia-intérprete; como também no social, no que se refere
a sua comunicação. A maioria não tem acesso à informação, pois é a LP, língua dos
ouvintes, utilizada para tais fins.
Urge que a escola hodierna, precisa se adequar ao ensino bilíngue, a
uma convivência de, pelo menos, duas comunidades linguísticas dividindo o mesmo espaço físico; uma vez que é um dado real: alunos surdos fazendo parte do corpo discente das escolas regulares.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Um pouco de história da trajetória do surdo na educação
Cada vez é maior o número de estudantes surdos que ingressam nas escolas
de ensino regular no Brasil. Esse ingresso se dá como resultado das políticas públicas de inclusão social, que mostram a crescente inserção de surdos no ensino
superior. Consoante dados do Ministério da Educação do Brasil, em 2003, havia
apenas 665 surdos frequentando cursos superiores. Em 2005, esse número aumentou para 2.428, abrangendo instituições públicas e privadas (Brasil, 2006). E em
2014, houve um aumento expressivo desses sujeitos no contexto escolar superior,
resultante de múltiplos fatores, dentre eles: o reconhecimento e status de LIBRAS
como idioma; propostas de bilinguismo para o ensino de surdos; políticas públicas
de inclusão efetiva, resultantes na maior participação de pessoas com necessidades especiais em setores de diversos contextos sociais.
É esse panorama que se delineia. E, para melhor entendermos, façamos uma
retrospectiva da trajetória do sujeito surdo na educação.
Até o século XV, nas palavras de Lima (2004) apud Costa (2010, p. 21), “o mundo não encarava o sujeito surdo como um ser capaz”; portanto não havia nenhum
segmento educacional que se preocupasse com esse perfil de aluno. Sendo então,
somente no Séc. XVI, que se veio a considerar esse sujeito como apto à linguagem,
a pensar, a se expressar; enfim, deixou de ser considerado um ser incapaz, inumano, para ser visto pela primeira vez como sujeito surdo humano. “O primeiro
a declarar o surdo como capaz de pensar e de ser ensinado foi Girolamo Cardoso,
em 1579. [...] O sucesso de seu empreendimento foi devido à sua percepção de dar
ao surdo a possibilidade de elaboração de conceitos”. (COSTA, 2010, p. 22).
Nesse mesmo período, outro estudioso, considerado como o primeiro professor de surdos da História, um monge Beneditino, na Espanha, Pedro Ponce de
Leon (1520-1584) também enveredou por esse caminho e passou a educar os filhos
surdos de nobres, ensinando-os a falar, ler e escrever acerca do Cristianismo. Fazia
uso da datilologia (um código criado com base na realidade do ouvinte, que não é
natural ao surdo, pois uma criança não alfabetizada não pode compreender a datilologia), e ensinou a escrita e a oralização, fundando assim a escola de professores
de surdos.
Entretanto, a Linguagem de Sinais não era considerada como língua. Assim,
Costa (2010, p.33) nos mostra que “para o surdo, a imagem de sua linguagem lhe
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Antônia Aparecida Barros Alencar Correia
concedia uma posição de sujeito não aceito, de sujeito à margem, que não se expressava naturalmente conforme os padrões aceitos”. E para que viesse a ser aceito,
recorria-se ao meio convencional, o autorizado, o legal, o permitido: à datilologia.
Mesmo percebendo a facilidade com que o surdo fazia uso da língua de sinais, não
a considerava, por entendê-la como uma linguagem defeituosa, instintiva, animalesca; comparada, inclusive, a utilizada pelos macacos.
A linguagem através dos sinais era vista como incompleta, que não atendia a
todos os sentidos, como afirma Costa (2010, p.35): “A linguagem não é completa,
não dá conta de todos os sentidos, fala-se de um sentido e ouve-se de outro, e é
exatamente neste lugar, da incompletude, da falta, que aparece a possibilidade
do deslocamento, do novo, tanto dos sentidos, quanto dos sujeitos”. E com essa
possibilidade de deslocamento, de posição, de sentido; através de perenes lutas, a
comunidade surda, mesmo em minoria, vem se autoafirmando como comunidade
independente e possuidora de linguagem própria.
Desse modo, em consonância com as políticas públicas inclusivas, no dia 19
de dezembro de 2000, a linguagem de sinais é, finalmente, legitimada pela Lei
10.098, na esfera da linguagem brasileira de sinais. Seguida, então, da Lei 10.436,
de 24 de abril de 2002, que tem como tema a linguagem do surdo e, com nova
orientação: a linguagem do surdo não é mais a linguagem de sinais, mas sim, a
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
Evolui-se da percepção do aluno surdo anormal, doente, incapaz; para a percepção de aluno diferente. Passa-se, então, a conceber a surdez como uma característica e, não mais, como uma doença. Característica essa que vem ao encontro
do que todos sabem: os seres são diferentes; ninguém é igual. Então, precisa-se
adequar a escola pública à legislação brasileira, que estabelece uma escola de qualidade para todos. E para que esses sejam atendidos, é mister que se vá muito além
da descrição da legislação para a prática desta; ou seja, há urgência de mudanças
na escola para uma inclusão de fato, levando em consideração não mais a deficiência, outrossim, a diferença. O pesquisador Bastos orienta:
A instituição escolar, os professores, os gestores e funcionários precisam
compreender que passamos por um novo momento no campo educacional
em que observamos a incorporação das diferenças no ensino regular, desta
forma, é necessário que haja uma reorganização da escola, ou seja, um planejamento para atender às peculiaridades existentes. (BASTOS, 2009, p.12)
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Para SKLIAR (1998), não basta que a escola apenas reconheça a Língua Brasileira de Sinais, é preciso que se torne também local de construção da identidade
do aluno surdo. Conforme o estudioso Sá (2002, p.101):
[...] as identidades de surdos não se constroem no vazio, formam-se no
encontro com os pares e a partir do confronto com novos ambientes discursivos. No encontro com os outros, os surdos começam a narrar-se, e
de forma diferente daquela através da qual são narrados por aqueles que
não são surdos.
No Brasil, a Lei 10.436 dá aos surdos o direito de terem aulas ministradas
em LIBRAS, ou pelo menos com a presença de um intérprete, o que ratifica que
esse código é a língua materna e parte fundamental da identidade surda. A LP
deve ser ensinada, concomitantemente, àquela; contudo como segunda língua,
caracterizando assim, mais uma vez a necessidade de um ensino bilíngue para
os alunos surdos.
O estudioso Skliar (1998) refere-se a essa cultura como de uma minoria linguística, bem representada pela língua de sinais. Argumenta que essa língua não
é isolamento, mas direito humano de pertencer a grupos com características diferentes. Ele complementa: “Não me parece possível compreender ou aceitar o conceito de cultura surda senão através de uma leitura multicultural, ou seja, a partir
de um olhar de cada cultura em sua própria lógica, em sua própria historicidade,
em seus próprios processos de produções.” (SKLIAR, 1998)
Embora se tenha buscado ampliar os resultados positivos na educação dos
surdos, ainda se percebem evoluções tímidas. Isso é consequência das limitações
do ensino aplicadas à comunidade surda, uma vez que não há uma compreensão da língua oral pelos surdos e falta de qualificação profissional. Esses são os
principais motivos que tornam o processo de ensino e de aprendizagem do aluno
surdo lento.
Tudo isso faz com que se reflita e, como profissional da educação, devese estar consciente de que é preciso inovar sempre; inclusive, por se viver em
uma sociedade onde cada vez mais as informações independem de uma só fonte.
Tem-se hoje, à disposição, muitas ferramentas, dentre essas, as tecnológicas; de
relevante papel na disseminação de conhecimentos, numa perspectiva de um
ensino cooperativo.
3140
Antônia Aparecida Barros Alencar Correia
A relevância desse ensino é destacada por Brandão que afirma:
Hoje, através da internet é possível sair do individualismo e propor um
ensino cooperativo, onde a navegação através de links mantenha vivo o
espírito da pesquisa científica, com bases em questões problematizadoras, onde professores e alunos possam interpretar e fazer releituras do
conhecimento estabelecido e alargar horizontes mediante fórum virtual
de discussões (BRANDÃO, 2000, p. 6)
É necessário que se faça a integração dos recursos disponíveis à proposta
educativa, principalmente em se tratando da realidade do aluno surdo na escola
regular em busca da aprendizagem da LP escrita. Pois as TICs são apresentadas
como meios para o processo educativo e não como fins. Para isso, faz-se necessário que o professor, como um eterno aprendiz, tenha conhecimento sobre as
possibilidades dos recursos que as TICs dispõem e que saiba utilizá-los como
ferramentas de aprendizagem. Assim, cônscio dos recursos digitais em sala de
aula, buscará uma maior interação com o seu aluno. Desse modo, o aluno surdo
motivado e incentivado, ousará em encontrar caminhos para a própria educação,
amparado na postura do professor mediador de conhecimentos.
A produção textual escrita em LP do aluno surdo
É preciso olhar o texto escrito em LP do aluno surdo como um texto de um
estrangeiro, tentando compreender as relações de sentidos que eles produzem.
A pesquisadora Silva nos mostra:
... é importante perceber, nos textos dos surdos, elementos que permitam reconhecer a textualidade e os sentidos no processo de construção da escrita, pois as dificuldades que o surdo encontra na escrita do
português não são da mesma ordem, natural, da Língua Brasileira de
Sinais. Cabe ao professor perceber que, apesar de todos os problemas
e das dificuldades assinaladas, é possível entender/compreender e reconstruir o sentido dentro dos enunciados dos textos. As dificuldades
encontradas na escrita dos surdos, ao contrário de constituir empecilho, pode ser a referência pedagógica para o trabalho com a segunda
língua. (SILVA, 2001, p.92)
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Apesar de a Lei 10.436 garantir à comunidade surda um ensino em sua língua materna, a LIBRAS, ou pelo menos, direito a um intérprete; grande maioria
das instituições e profissionais não estão aparelhados e/ou preparados para tal
desafio. É aqui que entra o papel da Tecnologia de Informação e Conhecimento.
O uso das ferramentas de que as tecnologias dispõem podem diminuir o espaço
na inclusão que esses itens geram, superando as limitações e, inclusive, auxiliando o processo de qualificação dos profissionais envolvidos no processo.
A pesquisadora Marília Silva (2001) ressalta que “a inclusão do aluno surdo
não deve ser norteada pela igualdade em relação ao aluno ouvinte, e sim, por
suas diferenças sócio-histórico-culturais, às quais o ensino se sustente em fundamentos pedagógicos, políticos, históricos, implícitos nas novas definições e
representações sobre a surdez.”
Um ambiente propício é imprescindível para que o sistema educativo disponibilize os recursos necessários para consolidar a política pública de educação
inclusiva; não apenas de integração, em que o aluno é quem se esforça para se
adaptar à escola e não o inverso. Muitas tentativas no ensino de LP escrita para
alunos surdos têm fracassado, provavelmente por utilizarem aspectos metodológicos apropriados a ouvintes e, consequentemente, por desconsiderarem as peculiaridades desses sujeitos. Por isso, para que ocorra sucesso nessa modalidade
de ensino é imprescindível o bilinguismo, ou seja, o uso concomitante de duas
línguas na escola: a LIBRAS, de modalidade espaço-visual (como língua efetiva)
e a LP de modalidade oral-auditiva (como segunda língua); que só será possível se o profissional for fluente nos dois idiomas ou, pelo menos, que se tenha
a presença de um intérprete para auxiliá-lo na língua materna do aluno surdo:
LIBRAS. A escola passa a promover e vivenciar a identidade, a cultura, os hábitos
dessas duas comunidades presentes na sua esfera para a construção de sentidos.
Essa aprendizagem dos conceitos é debatida por Oliveira (1997, p. 48): “Como
os significados são construídos ao longo da história dos grupos humanos, com
base nas relações dos homens com o mundo físico e social em que vivem, eles
estão em constante transformação.”
Para Vygotsky (1989), é por meio da linguagem que o indivíduo ingressa em
uma sociedade, que internaliza conhecimento e modos de ação, que organiza e
estrutura seu pensamento. Assim, o signo é visto como fruto da necessidade de organização social e se transforma junto com a evolução da sociedade. Como então,
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Antônia Aparecida Barros Alencar Correia
o aluno surdo irá ingressar nessa sociedade e internalizar conhecimentos e modos
de ação se lhe é negado o direito de interagir com a sua língua? Se é preciso esse
sujeito traduzir a língua dele para a Língua Portuguesa?
O autor Bakhtin diz que a sociedade, a língua e as interações verbais são as
bases para a construção de uma “dialogia”. Essa é o núcleo de formação da consciência humana. O pesquisador adverte que para a consecução desta é preciso
que locutor e ouvinte pertençam à mesma comunidade linguística e partilhem
de situações sociais em que utilizem o mesmo sistema linguístico. Então, não é
suficiente que se tenha a educação do aluno surdo baseada na tradução de Libras
para a Língua Portuguesa. Mais uma vez, enfatiza-se a necessidade de a escola
assumir a posição bilíngue, em que Libras seja para o aluno surdo a língua materna e, a Língua Portuguesa escrita, seja a segunda língua. Assim, o aluno surdo
poderá agir e interagir nos dois códigos linguísticos, pois se sentirá partícipe do
processo educativo e conhecedor, de fato, dos sentidos e significados do léxico de
ambas as línguas.
Vygotsky se refere à relevância da ampliação de vocabulário e de conceitos
novos para o desenvolvimento cognitivo: “O novo e significativo uso da palavra,
a sua utilização como um meio para a formação de conceitos, é a causa psicológica imediata da transformação radical por que passa o processo intelectual [...].”
(1987, p. 51)
Os diálogos são considerados de grande relevância na vida do surdo pelo pesquisador Skliar (1998, p. 84): “[...] a qualidade das trocas que se estabelecem em
um plano visual-gestual entre pais e filhos, amigos, professores e alunos influencia
decisivamente na forma de como as crianças surdas, neste caso, vivem [...].” Esse
espaço dialógico faz com que esse aluno se sinta inserido no contexto social.
O uso das TICs auxilia o domínio da escrita de
língua portuguesa para o aluno surdo?
Em busca da operacionalização desse ensino, lançam-se mãos de ferramentas
das quais dispõem as TICs. E imersos na funcionalidade cotidiana dessas ferramentas, os alunos da comunidade surda e ouvinte interagem linguística, cognitiva
e socioculturalmente, fazendo uso da escrita de LIBRAS e de LP através do uso do
computador – e da internet. Para o aluno surdo, as alternativas e possibilidades
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
de comunicação se expandem com essas ferramentas. Os surdos utilizam para a
construção de sentidos dos seus textos, muito o aspecto espaço-visual e essas tecnologias são extremamente acessíveis visualmente.
Silva afirma:
É preciso, considerar que, além da Língua de Sinais, o surdo, em nossa
sociedade, tem de aprender a língua(gem) na sua forma escrita. A escrita
é um meio importante do qual o surdo não pode prescindir, posto que
sem ela não terá chance de competição e de comunicação com o mundo
ouvinte. Os mecanismos entre as línguas utilizadas pelo surdo acabam
gerando peculiaridades nos mecanismos coesivos do texto escrito. (SILVA. 2001, p. 61)
Mostrar-se-á, então, em quais aspectos se pode explorar as TICs em busca
do empoderamento da escrita de LP pelo aluno surdo, objetivando o letramento.
Esses alunos ganharão autonomia, desenvolvendo suas atividades e o aprendizado
individualizado, se tornando mais criativos, graças à variedade das ferramentas
disponíveis. O contato do aluno com o computador no ambiente educacional contribui na aceleração do desenvolvimento intelectual cognitivo, no raciocínio lógico
e na capacidade de solucionar problemas. Aqui, nesse ambiente, os alunos surdos
têm uma interação maior e de melhor qualidade com o mundo.
Frequentemente, os alunos surdos devem interagir em ambientes predominantemente de ouvintes, já que sua comunidade não se encontra concentrada em
um mesmo lugar. Contudo, as TICs têm contribuído para mudar esse quadro, ao
possibilitar uma comunicação rápida e visual, individual ou em grupos. Interagir
com os amigos através das redes sociais é uma experiência muito apreciada pelos
surdos, uma vez que promove contato com sua comunidade, oportunidade menos
comum para eles do que é para os ouvintes.
O Facebook, WhatsApp, E-mail são alguns dos recursos bastante apreciados e acessados pelos surdos, pois possibilitam o uso, sem grande domínio, da
escrita do português em mensagens instantâneas de textos curtos, de fácil compreensão, e de recursos visuais (fotos, vídeos e ícones); critérios imprescindíveis
para a leitura dessa comunidade. Para eles, a socialização on-line é impactante,
já que, de outra forma, seria limitada a interação com outros surdos à distância.
Assim sendo, as ferramentas das TICs são de enorme sucesso entre a comuni-
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dade surda, pois possibilitam uma aceitação indiscriminada dessa comunidade,
em demonstração de interatividade e afetividade.
Com essa funcionalidade, as ferramentas das TICs fazem com que a LP escrita deixe de ser um grande obstáculo e passe a ser, também, para o surdo,
mesmo com limitações, um meio de interação social; levando-o a perceber-se
protagonista dentro dessa comunidade social e assim motivado e desafiado a escrever sua própria história, em sua cultura, com suas discordâncias e anuências.
Dessa maneira, as TICs estão inseridas no processo educacional, pois promovem uma aprendizagem individual e coletiva, agregam pessoas com um mesmo interesse e com interesses diversos, favorecem discussões entre pessoas e
comunidades de múltiplas culturas; isto é, promovem, efetivamente, a interação
social que é o princípio básico de qualquer meio de comunicação.
Considerações finais
Intencionalmente, este artigo procurou demonstrar algumas das peculiaridades da aprendizagem do aluno surdo, de modo que sejam ponderadas na
atuação pedagógica para com essa comunidade. Também buscou apresentar as
ferramentas das TICs que podem auxiliar e melhorar no processo de ensino e de
aprendizagem; mostrando sua relação com o professor e colegas, e auxiliando a
agregar conhecimentos. Como dito anteriormente, apesar de o governo promover políticas públicas inclusivas, de ter reconhecido, através da Lei 10.436, de 24
de abril de 2002, a LIBRAS como a língua oficial da comunidade surda brasileira,
a inclusão efetiva do aluno surdo, ainda, acontece de modo insatisfatório. Realiza-se um trabalho mais de junção do que de inclusão propriamente dita; e, na
maioria das vezes, é o aluno surdo que se adapta ou finge se adaptar à escola do
que a escola oferecer recursos necessários para consolidar a inclusão.
A legislação brasileira assegura que a escola regular esteja apta a receber os
alunos portadores de necessidades especiais, em foco, os alunos surdos; mas na
prática, são poucas as instituições que correspondem à exigência, pois faltam
professores preparados para lidar com a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – a
língua efetiva do surdo, ou mesmo intérpretes em sala que os auxiliem. O material didático para o aluno surdo é o mesmo utilizado para o aluno ouvinte e,
não é adaptado; o português escrito é de difícil compreensão para o surdo não
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oralizado; os vídeos, na maioria das vezes, são sem legendas. É preciso rever as
propostas pedagógicas atuais, como também as metodologias empregadas na
educação da comunidade surda, percebendo a real compreensão das necessidades desses alunos e das especificidades de professores para atuarem nesse segmento de educação especial.
A verdadeira inclusão e integração da comunidade surda podem e devem
ser auxiliadas pelas TICs que surgem como facilitadoras de contato e um modo
de trazer para mais perto seres de características similares de uma minoria linguística, dispersada entre a maioria de ouvintes. A comunidade surda apresenta
uma relevante aceitação da tecnologia e participa efetivamente em redes socais
mostrando que, principalmente, a internet, embora sem trabalhar na prática a
acessibilidade, promove muitas formas de comunicação, revolucionando os métodos de interação, e oferecendo diversas maneiras de inclusão e integração do
surdo na sociedade em geral.
A criação de comunidades virtuais com os mesmos interesses, através das
redes sociais, mostra a possibilidade de se utilizar as ferramentas das TICs para
finalidade educacional. Em um mundo globalizado, buscar a inclusão é imprescindível e, os ambientes virtuais de aprendizagem são de enorme relevância
para tal propósito, uma vez que promovem a interação social entre pessoas surdas, ouvintes e das mais diversas peculiaridades. Mesmo que não apresentem
as adaptações específicas, essas TICs vêm desempenhando um excelente papel
na interação do surdo, pois o incluem e integram a sua e a outras comunidades
virtuais. Desse modo, podemos concluir que deve haver visão e missão voltada
para a usabilidade dessas ferramentas por essa comunidade, assim, a verdadeira
inclusão e interação social serão promovidas e, não apenas adaptadas.
Com todos esses benefícios, ainda se concebe a escrita da Língua Portuguesa como um obstáculo para os surdos. E, percebe-se que o uso das TICs como
auxílio linguístico ao ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita é
recente e tem muito a ser revelado nesse trilhar da caminhada de educação inclusiva. Urge trilhar essa nova caminhada!
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Antônia Aparecida Barros Alencar Correia
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3147
RESUMO
A educação a distância (EaD) é compreendida como modalidade, na qual professores e alunos estão fisicamente separados, mas unidos pelas tecnologias no processo dialógico de ensino-aprendizagem (MORAN, 2002). Apesar das constantes inovações tecnológicas, os materiais didáticos impressos continuam sendo utilizados
para apoiar a aprendizagem dos alunos na EaD. Conforme Litto (2010, p.45), 84.7%
das instituições brasileiras que oferecem aprendizagem a distância utilizam a mídia impressa. A elaboração de materiais didáticos impressos que funcionem como
instrumentos para apoiar os processos de ensino-aprendizagem revela-se como um
dos grandes desafios para os professores que atuam na educação a distância. Quase
sempre acostumados à escrita de gêneros textuais acadêmicos (teses, projetos, relatórios), os quais priorizam uma linguagem de cunho científico, os docentes do ensino superior deparam-se com o desafio de elaborar materiais didáticos dialógicos,
explorando as características do gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2009). O
presente artigo revela uma pesquisa qualitativa realizada com professores autores
envolvidos com a escrita de materiais didáticos impressos elaborados para cursos
de graduação na modalidade a distância da UFRPE/Universidade Federal Rural de
Pernambuco, no âmbito do Programa UAB/Universidade Aberta do Brasil. Os professores autores apresentam dificuldades na elaboração de materiais didáticos para
a educação a distância, descrevendo também algumas referências aos desafios inerentes nesse processo de escrita. A produção de material didático para a educação
a distância constitui elemento importante no desenvolvimento da noção de autoria
docente, considerando reflexões sobre o gênero discursivo mediacional e a abordagem dialógica na escrita textual.
Palavras-chave: Materiais didáticos, Educação a distância, Letramento docente.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
ELABORAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
IMPRESSOS PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
O QUE DIZEM OS PROFESSORES AUTORES?
Ivanda Maria Martins Silva (UFRPE/UAEADTec)
Introdução
A elaboração de materiais didáticos interativos revela-se como um dos grandes desafios para os professores que atuam no contexto dinâmico da Educação
a Distância (EaD). Os docentes começam a assumir outros papéis, como, por
exemplo, a autoria de materiais didáticos para diferentes suportes tecnológicos.
Assim, escrever materiais impressos, elaborar guias de estudo, gravar videoaulas, participar de videoconferências e webconferências, criar roteiros para animações, além de várias outras ações começam a fazer parte da rotina dos professores que participam ativamente dos novos paradigmas da EaD.
Quase sempre acostumados a um estilo acadêmico e técnico-científico de
linguagem, os docentes se sentem agora desafiados para a produção de textos
dialógicos e interativos, organizados pela integração de diferentes linguagens
e mídias. No contexto da EaD, o professor torna-se autor de materiais didáticos
que precisam ser disponibilizados em meio impresso e nos ambientes virtuais
de aprendizagem. Essa função está sendo muito solicitada, no entanto, muitos
docentes precisam aprimorar suas habilidades e competências na elaboração de
textos coerentes com os princípios da EaD, por meio de uma linguagem simples,
estabelecendo diálogo com o aluno a partir de mensagens curtas, dinâmicas,
exercícios criativos, além de vários outros recursos importantes para elaboração
de materiais didáticos para cursos a distância.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Os docentes precisam desenvolver novas competências e adaptar as estratégias de comunicação e interação com os alunos, visando à construção de materiais didáticos interativos. Muitos docentes têm que se libertar de uma linguagem acadêmica e científica para uma comunicação dialogada com os alunos,
visando motivar e persuadir os alunos à aprendizagem nos moldes da Educação
a Distância.
Mesmo considerando as constantes inovações tecnológicas, os materiais didáticos impressos ainda assumem especial destaque na interação entre professores/autores e alunos/leitores, minimizando as distâncias físicas entre os atores
do processo educativo. Não se pode esquecer que o livro impresso ainda tem
grande destaque em nossa cultura. Conforme Chartier (1999, p.152):
A indestrutibilidade do texto, supondo que seja atingida, não significa
que devam ser destruídos os suportes particulares, historicamente sucessivos, através dos quais os textos chegaram até nós, porque a relação
da leitura com um texto depende, é claro,do texto lido, mas depende
também do leitor.
Belo (2002) também comenta a importância do impresso em nossa cultura.
Segundo o autor, „na era da escrita e da leitura digitais, [...] o impresso, o manuscrito e, em consequência, o papel fazem parte fundamental de nossos hábitos de
trabalho“. (BELO, 2002, p. 33). Em meio impresso, os materiais didáticos são organizados em livros, fascículos, apostilas, guias, roteiros de estudos, cadernos de
aprendizagem, roteiros para webaulas, manuais, livros de bolso, enfim, o texto
impresso poderá assumir diversas formas e formatos, visando apoiar a aprendizagem dos alunos/leitores.
Podemos dizer que o material didático impresso para EaD configura-se
como gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009), revelando sua natureza didática e dialógica no apoio à aprendizagem dos alunos/leitores. Conforme
Sousa (2009), o gênero discursivo mediacional serve como instrumento de ensino-aprendizagem e apresenta uma linguagem dialógica, envolvente, com „traços
da interação face a face de sala de aula, onde o professor expõe, parafraseia, explica, reitera um tema (conteúdo) com o objetivo de proporcionar o aprendizado
aos seus alunos.“ (SOUSA, 2009, p. 148).
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Ivanda Maria Martins Silva
Sousa (2009) defende o gênero mediacional como “instrumento de ensino
-aprendizagem”, em função de seu caráter didático nas interações com os alunos/
leitores. A autora ainda salienta que o gênero discursivo mediacional configurase em um contexto de letramento específico, por meio de estratégias linguísticas
que marcam o diálogo entre docentes/autores e discentes/leitores.
Alguns professores/autores adaptam-se rapidamente ao contexto dinâmico
da cibercultura e iniciam a escrita de materiais didáticos, explorando as características do gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2009) no processo dialógico
de ensino-aprendizagem mediado pelas tecnologias da informação e comunicação. No entanto, outros docentes, acostumados à escrita de artigos científicos,
teses, relatórios, dissertações, revelam-se atônitos diante do desafio de construir
textos didáticos, priorizando a natureza dialógica da linguagem. Nesse sentido,
as relações dos docentes com a escrita vão direcionando a produção de materiais
didáticos mais ou menos dialógicos, maios ou menos didáticos, enfim, mais ou
menos adequados às demandas dos alunos da Educação a Distância.
No cenário da EaD, muitos docentes apresentam diversas dificuldades na
elaboração de materiais didáticos, pois precisam desenvolver outras práticas de
letramento direcionadas à produção textual didática e dialógica. Após elaboração de materiais didáticos para os cursos a distância, novos desafios são colocados aos docentes que devem atuar na mediação pedagógica, facilitando as
relações dos discentes com os novos meios tecnológicos e com as novas formas
de aprender no universo digital.
Segundo Lévy (1999), na EaD, o professor torna-se uma espécie de “animador da inteligência coletiva”, na medida em que organiza o fluxo da comunicação
virtual, produz materiais didáticos para serem utilizados online, além de várias
outras atividades que começa a desenvolver no processo de ensino-aprendizagem a distância. Nesse sentido, ainda conforme Lévy (1999, p.171), “a principal
função do professor não pode ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de maneira mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no
sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento”.
No processo de rápida expansão da EaD é fundamental investir na formação
continuada de professores que precisam aprimorar constantemente sua prática
pedagógica, agora diante dos desafios da educação online. Como afirmam Pereira e Moraes (2009), tendo em vista toda a evolução da EaD, desde a utilização
3151
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
do meio impresso (cartas, livros, guias de estudo) até a convergência das tecnologias da informação e comunicação no ciberespaço, impõe-se a (re)organização
do trabalho docente e dos processos educativos.
Segundo Morin (1991), a crise da contemporaneidade convida a educação
a repensar o seu papel e obviamente a formação de professores, especialmente
quando esta se dá em contextos educacionais que incorporam as tecnologias da
informação e comunicação. Este repensar ganha maior importância com a expansão da EaD que tem aceitado e buscado a inovação educacional.
Como o foco da Educação a Distância é a construção da autonomia do aluno
por meio de processos metacognitivos e autoavaliativos, o professor passa a assumir muito mais a função de colaborador na “pilotagem do percurso de ensino
-aprendizagem dos alunos” (LÉVY, 1999). Os alunos têm possibilidade de acesso
às várias tecnologias que lhes conduzem às informações e os professores têm
participação importante na sugestão de roteiros de aprendizagem que levarão os
educandos à construção crítica do conhecimento, o que certamente configura-se
como um diferencial em termos de concepção educacional e de aprendizagem.
Diante dos desafios da EaD, o professor/autor precisa ampliar suas práticas
de letramento, a fim de conhecer as características do gênero discursivo mediacional e escrever materiais didáticos adequados à natureza didática e dialógica desse tipo de produção textual. Desse modo, é importante que os docentes/
autores conheçam as potencialidades dos ambientes virtuais de aprendizagem,
como a integração de diferentes gêneros digitais (fóruns, wikis, chats, glossários
interativos, quiz), além de ampliarem criticamente seus conhecimentos sobre as
características gerais da EaD.
Certamente, se os professores/autores dominarem as inovações tecnológicas e conhecerem de perto as demandas dos alunos da EaD poderão ter maiores
facilidades no processo de construção de materiais didáticos adequados aos suportes de comunicação e aos diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes.
Considerando a importância da elaboração de textos didáticos para EaD e
tendo em vista os novos papéis dos docentes que atuam como autores de conteúdos pedagógicos, o presente artigo revela uma pesquisa qualitativa realizada
com professores envolvidos no processo de escrita de materiais didáticos para
cursos de graduação na modalidade a distância da UFRPE/Universidade Federal Rural de Pernambuco no âmbito do Programa UAB/Universidade Aberta do
3152
Ivanda Maria Martins Silva
Brasil. Este estudo revela as concepções dos professores autores em relação à
escrita de materiais didáticos impressos para Educação a Distância, evidenciando principais dificuldades na produção textual e as visões dos docentes sobre as
características dos materiais didáticos. O artigo apresenta as seguintes seções:
introdução, material didático impresso no contexto da EaD, percursos metodológicos, análise das vozes dos professores/autores na produção de materiais didáticos impressos para EaD, considerações finais e referências bibliográficas.
Material didático impresso no contexto da EaD
Os materiais didáticos impressos (MDI) revelam-se como importantes
meios de orientação dos processos de ensino-aprendizagem, tendo em vista o
cenário da EaD no Brasil. Considerando aspectos sociais, econômicos e culturais, os estudantes brasileiros que estudam a distância valorizam os materiais
didáticos impressos, considerando ainda dificuldades de acesso rápido à internet
em diversos municípios brasileiros, bem como a infraestrutura pouco adequada
para as bibliotecas dos polos de apoio presencial no contexto do Programa UAB/
Universidade Aberta do Brasil.
Como a EaD consegue chegar a locais cada vez mais distantes, nem sempre
o acesso à internet em determinados municípios brasileiros é simples e fácil.
Muitos alunos não conseguem acessar adequadamente os ambientes virtuais de
aprendizagem (AVA), seja pela lentidão da internet, seja pela dificuldade de acesso eficaz aos recursos tecnológicos. Diante desse cenário, os materiais didáticos
impressos (MDI) tornam-se essenciais para esse público-alvo, percebendo-se
que os livros impressos ainda têm espaço garantido, mesmo com todos os avanços tecnológicos.
Como podemos observar, o material impresso ainda tem seu lugar garantido na EaD, considerando o fato de ser uma tecnologia familiar aos leitores e de
fácil acesso. Preti (2009) apresenta alguns argumentos para se (re)pensar o papel
do material didático impresso no cenário da EaD brasileira, como, por exemplo:
• O MDI não é uma tecnologia nova, mas ainda tem espaço garantido numa sociedade em que “tecnologias novas” se tornam cada vez
mais populares e sedutoras.
3153
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
• Tem crescido enormemente a indústria de material impresso, indicando que o “fim do livro impresso” está longe de acontecer.
• O MDI faz parte de nossa formação escolar.
• Na EaD, ainda, predomina o uso do MDI por ser mais acessível para
os estudantes.
• As instituições que atuam na EaD estão em processo crescente de
produção de material didático específico para os cursos em oferta, contribuindo para o desenvolvimento da “indústria do livro” no
campo da EaD.
Considerando tais aspectos, o MDI revela-se como ferramenta importante
no cenário da EaD, tendo em vista o processo de comunicação entre professores/
autores e alunos/leitores. Conforme Sousa (2009), a elaboração do MDI está atrelada à configuração do gênero discursivo mediacional, ou seja, instrumento de
ensino-aprendizagem que apresenta uma linguagem envolvente, com traços da
interação face a face de sala de aula, cujo objetivo é proporcionar o aprendizado
aos seus alunos. Segundo Sousa (2009, p.77):
A proposta que vemos no gênero discursivo mediacional é promover
a interação virtual do texto com o estudante da Educação a Distância.
Isso constitui um contexto de letramento específico, o que, consequentemente, resulta no envolvimento virtual autor e leitor por meio das
estratégias linguísticas construídas para esse fim.
Nota-se que a produção de materiais didáticos para EaD vem desafiando os professores para a autoria pautada na dimensão dialógica da linguagem
(BAKHTIN, 1993). Na elaboração de materiais didáticos impressos, a abordagem
bakhtiniana precisa ser revisitada, considerando as características da linguagem
na escrita de textos dinâmicos e interativos. Assim, o dialogismo ― seja como
constitutivo da interação verbal entre enunciador e enunciatário, seja compreendido no processo das relações entre enunciados, aproximando-se da intertextualidade, ou ainda considerado nas relações dialógicas entre texto e realidade
histórico-social ― é importante para orientar a produção textual de conteúdos
pedagógicos para EaD.
3154
Ivanda Maria Martins Silva
De forma geral, a produção de materiais didáticos impressos para EaD precisa ser mais investigada, tendo em vista os constantes desafios que os professores/
autores enfrentam quando requisitados para a escrita de textos ancorados nas demandas dos alunos/leitores da EaD.
Percursos metodológicos
O presente estudo privilegiou uma abordagem qualitativa na análise de dados. Inicialmente, partimos de uma pesquisa teórica, de natureza bibliográfica,
com a revisão da literatura sobre os principais eixos temáticos norteadores. Desse
modo, a revisão da literatura contemplou enfoques de diferentes autores que desenvolveram pesquisas sobre Educação a Distância (MORAN, 2002, LÉVY, 1999,
MOORE e KEARSLEY, 2007), materiais didáticos impressos (PRETI, 2009, FRANCO, 2007), gêneros textuais (MARCUSCHI (2002) BAZERMAN (2011) BAKHTIN
(1993), gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009) e práticas de letramentos (SOARES, 2002, BUZATO, 2003).
Após a revisão da literatura, sentimos a necessidade de realizar uma pesquisa
empírica, tendo em vista a análise de materiais didáticos impressos e o estudo qualitativo de entrevistas com professores/autores, elaboradores de conteúdos didático-pedagógicos para Educação a Distância. Assim, considerando as articulações
entre a revisão teórica e a abordagem empírica na análise dos dados, a pesquisa foi
realizada em duas etapas descritas a seguir:
• Análise das características do gênero mediacional na elaboração de
materiais didáticos impressos para EaD.
• Entrevistas com professores/autores sobre a construção de materiais
didáticos impressos para EaD.
Vale ressaltar que este artigo revela parte dos resultados da pesquisa intitulada Gênero discursivo mediacional: diálogos com a produção de materiais didáticos
impressos para educação a distância, tendo em vista a etapa de análise das entrevistas com professores/autores participantes do processo de elaboração de materiais didáticos impressos para EaD no Programa UAB/UFRPE. Na próxima seção,
serão apresentados os dados coletados por meio das entrevistas semiestruturadas
3155
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
realizadas com cinco docentes/autores que enfrentaram o desafio de escrever textos didáticos para EaD.
Vozes dos professores/autores na produção de materiais
didáticos impressos para EaD
A fim de investigar as concepções dos professores/autores sobre a produção
de materiais didáticos impressos, foi realizada uma pesquisa qualitativa no ano
de 2011 com docentes que estavam atuando na EaD como elaboradores de conteúdos didáticos para cursos de graduação ofertados na modalidade a distância.
Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com 05 (cinco) docentes que atuaram como autores de conteúdos didático-pedagógicos para cursos da Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. As entrevistas foram realizadas,
a fim de investigar as concepções subjacentes dos docentes sobre a produção de
materiais didáticos impressos, tendo em vista suas experiências com a escrita
textual para EaD.
Foram selecionados alguns trechos das entrevistas com breves comentários
sobre principais dificuldades na escrita textual para EaD que os professores/autores relataram em suas entrevistas. Por questões éticas, os docentes não foram
identificados. Serão utilizadas as expressões Docente A, Docente B, Docente C,
Docente D, Docente E, visando às referências aos professores entrevistados.
Inicialmente foi realizada entrevista com a docente A, graduada em Letras
e Mestre em Linguística. A professora entrevistada tem 34 anos de idade e revelou ter de 06 (seis) anos de experiência na docência do ensino superior, além
de também já ter atuado na Educação a Distância, antes de iniciar o processo de
construção de materiais didáticos para o Programa da UFRPE/UAB- Universidade Aberta do Brasil.
A docente atuou como professora/autora na disciplina Português Instrumental, no segundo semestre de 2009, tendo assumido, também, a função de
coordenadora adjunta no programa e-Tec/IFPE. Apesar do conhecimento prévio
como professora/autora, a entrevistada não tinha experiências com a docência
online, ou seja, não trabalhou antes com a mediação nos ambientes virtuais de
aprendizagem em contato com tutores e alunos. A docente A revelou o desejo de
3156
Ivanda Maria Martins Silva
atuar como professora/formadora ou como professora/tutora nos ambientes virtuais de aprendizagem, a fim de ter mais contato com os educandos.
No momento da entrevista, a docente A estava escrevendo material didático para a disciplina Técnicas de Revisão Textual que seria utilizada no curso
de Licenciatura em Letras da UFRPE/UAB. Ao ser questionada sobre as principais dificuldades encontradas na produção de materiais didáticos impressos para
EaD, a docente avaliou positivamente sua participação como professora/autora,
revelando não ter muitas dificuldades na escrita de textos didáticos.
Avalio positivamente minha atuação como professora autora, não tive
muitas dificuldades no processo de elaboração de materiais didáticos
para educação a distância. Fiz o esboço dos quatro volumes do material.
Depois inseri os textos analisados e reescrevi cada um. Por isso, entreguei versões provisórias nas datas previstas pelo cronograma. (Entrevista com Docente A).
Em seu depoimento, a docente A ressalta a importância do planejamento
na construção do „esboço“ antes da elaboração completa do material didático. A
docente parece ter consciência do amplo processo de produção textual, o qual
envolve as ações de planejamento, construção, revisão, escrita e reescrita de materiais didáticos.
Outra entrevistada foi a docente B, com 46 anos de idade, mestrado e doutorado em Linguística e 15 anos de experiência na docência do ensino superior.
A docente B não revelou experiências anteriores com a Educação a Distância, antes de participar do Programa da UFRPE/UAB. A professora elaborou material
didático para a área de Educação e afirmou ter enfrentado muitas dificuldades
no início da produção de materiais didáticos impressos. Dentre as principais
dificuldades encontradas, afirmou que a seleção de imagens/ilustrações foi um
grande desafio na escrita do material didático impresso, pois era difícil encontrar ou indicar imagens que dialogassem com os conteúdos propostos.
A docente B afirmou ainda que não foi tarefa fácil trabalhar com as noções
de intertextualidade e multimodalidade, considerando as conexões entre diferentes textos e linguagens no processo de produção textual para EaD. Salientou
que estava acostumada a escrever textos científicos, acadêmicos, mas não tinha
experiências com a produção de conteúdos de natureza didática. Quando ques-
3157
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
tionada sobre quais seriam as características que um bom material didático para
EaD deveriam revelar, a docente B comentou:
Um bom material didático para educação a distância deve ter clareza,
objetividade, imagens que ilustrem e propiciem uma maior interação do
aluno e linguagem interativa. O material produzido para EAD apresenta todas essas características.
(Entrevista com Docente B).
A professora salienta a linguagem interativa, a clareza, a objetividade e a
seleção de imagens como características fundamentais na construção do material didático para EaD. Apesar de ter noções sobre as características do material
didático como gênero discursivo mediacional, capaz de promover maior interação entre alunos e docentes/autores, vale ressaltar que a docente B demonstrou,
em sua entrevista, que os desafios para a escrita de materiais didáticos impressos
para EaD são imensos, visto que os educadores assumem novos papéis que antes
não eram tão requisitados.
Nesse sentido, a docente B afirmou ficar bem mais à vontade quando se deparava com a escrita de artigos científicos, pois já tinha certa experiência nesse
tipo de escrita textual diretamente relacionada a sua vida acadêmica na educação superior. No entanto, quando foi convidada para escrever materiais didáticos
impressos para EaD, a entrevistada relatou sua resistência inicial para participar
do processo de produção textual, em função de ser preciso dominar a estrutura
e as características do texto didático, o que se configurou como desafio.
A posição da docente B é muito similar à visão da docente C em relação às
dificuldades que circundam a escrita de textos didáticos para EaD. A docente C
tem 41 anos de idade e atuava há apenas 05 anos no ensino superior. É graduada
em Biologia, tem Mestrado em Educação e escreveu material didático impresso
na área de Educação, trabalhando com planejamento didático e projetos interdisciplinares. Antes de participar do Programa da UFRPE/UAB, a docente C não
teve experiência como professora na Educação a Distância. Suas experiências
anteriores são na educação básica (mais de 15 anos) e apenas 05 anos no ensino
superior, com o modelo presencial. Ao comentar sobre sua nova experiência com
o desafio de construir material didático para EaD, a professora afirma:
3158
Ivanda Maria Martins Silva
A experiência que eu tenho tido na EaD é gratificante por estar contribuindo com a formação de outras pessoas que estão separados geograficamente, mas que podem interagir, trocar conhecimentos, construir
experiências. (Entrevista com a Docente C).
Quando questionada sobre as principais dificuldades em relação à produção
de materiais didáticos impressos, a docente C comentou sobre a dialogicidade da
escrita e a necessidade de se pensar no aluno/leitor como o principal interlocutor
na produção textual para EaD.
Escrever material didático para educação a distância é um trabalho que
precisa o tempo todo ser pensado em como o leitor estará interpretando
o que está sendo lido, o que está ali colocado. Temos que nos imaginar
como esse leitor/ pensar que estamos estabelecendo com ele um diálogo constante. (Entrevista com a Docente C).
A docente C destaca a necessidade de elaborar conteúdos didáticos para EaD sempre tendo em vista o horizonte de expectativas e as experiências prévias dos alunos/
leitores. Nesse sentido, a professora aponta para o caráter dialógico da linguagem como
um componente importante na escrita textual da EaD. Ao comentar sobre as características de um bom material didático para EaD, a docente C salientou os seguintes
aspectos:
Ser um material de leitura fácil;
Apresente questões que você possa interagir com o leitor;
Esteja sempre relacionando a teoria com a prática;
Seja atrativo visualmente;
Incentive a pesquisa, a leitura de outros textos;
Tenha atividades de acordo com o conteúdo estudado.
(Entrevista com a Docente C).
É importante salientar que a docente C revela, em seus depoimentos, uma
compreensão das características do gênero discursivo mediacional no processo de elaboração de materiais didáticos para EaD, como também observamos
na entrevista com a docente B. Embora, a nomenclatura do gênero discursivo mediacional não tenha sido mencionada durante a entrevista, a docente C
apresenta uma compreensão do material didático como representação de uma
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
situação dialógica entre professores e alunos, considerando a necessidade de
elaborar um texto didático atrativo, dialógico e interativo para os leitores. A
referida entrevistada revela que o grande desafio da EaD certamente é garantir
a aprendizagem do aluno, por meio de materiais didáticos adequados e com
atividades diversificadas.
Outra professora participante da pesquisa foi a docente D, graduada em Letras, com Mestrado e Doutorado em Letras/Linguística, 43 anos de idade e 12
anos de experiência na docência do ensino superior. A professora D não revelou
experiências prévias com a EaD antes de participar do Programa da UFRPE/
UAB. Afirmou estar produzindo material para EaD, explorando conteúdos na
área de Gramática Textual. Em relação às características para a produção de um
bom material didático para EaD, a entrevistada destacou:
Um bom material impresso para EaD deve oferecer um bom volume
informações para que os estudantes possam fazer um estudo aprofundado, especialmente os estudantes que têm problemas de acesso à internet. Deve apresentar muitos textos complementares e verbetes de
glossários diretamente vinculados aos termos que descrevem. Deve se
assemelhar, o quanto possível, ao ambiente virtual, oportunizando “saltos” na leitura, breves digressões que motivem reflexões frequentes.
(Entrevista com a Docente D).
É importante destacar que a docente D aponta para o uso do material didático impresso como ponto de partida para o estudo, como já destacou Preti (2009).
Conforme Preti (2009), limitar a formação do estudante à leitura do material
didático impresso do curso é empobrecer a qualificação profissional do aluno,
tendo em vista que o texto didático impresso na EaD deve ser compreendido
como texto de base, pois serve de referência, de ponto de partida para o estudo.
Nesse sentido, o material didático não pode ser o único texto a ser disponibilizado ao estudante. É preciso que o aluno perceba o texto didático como ponto de
referência para ampliar seus horizontes de leituras, por meio de pesquisas complementares, leituras variadas, contatos com a diversidade de textos e gêneros
textuais em diferentes situações de aprendizagem.
A docente D também aponta para o volume de informções que o material
didático deve apresentar ao leitor, no sentido de garantir espaços para a cons-
3160
Ivanda Maria Martins Silva
trução de aprendizagens significativas. Sob esse aspecto, a voz da autora dialoga
com a visão de Franco (2007):
[...] O texto escrito deve possibilitar uma compreensão rápida dos conceitos pelo aluno. Para isso, as informações devem ser, em sua maioria,
do conhecimento do aluno. Devem-se introduzir conceitos e informações de maneira que o aluno possa assimilá-las usando os conhecimentos prévios de que dispõe. Procurar explicar os conceitos e termos novos
sempre que aparecerem ou se fizer necessário. Se for preciso, adicionar
um glossário de termos técnicos para consulta do estudante. (FRANCO,
2007, p.28).
Outra professora entrevistada foi a docente E, graduada em Letras Português/Inglês/Espanhol, mestre em Letras/Linguística, com 31 anos de idade e 06
anos de experiência como professora no ensino superior. Antes de entrar no Programa da UAB/UFRPE, não apresentou experiências prévias como docente na
EaD. No entanto, antes de escrever materiais didáticos para EaD, teve experiência
no próprio programa da UFRPE/UAB como professora/formadora no ambiente
virtual de aprendizagem Moodle, coordenando o trabalhos dos tutores virtuais e
mantendo interação mais próxima com os alunos em fóruns de discussão online.
Atuei como professora formadora, mas o material não era de minha autoria e consegui aplicar o material, apenas com algumas adaptações de
atividades, diante da realidade encontrada. Foi difícil, pois a disciplina
com a qual trabalhei era Fonética e Fonologia, em geral uma disciplina
em que os alunos têm muitas dificuldades. Minha experiência era toda
no presencial e de repente me vi diante do desafio de dar essa disciplina
para alunos que moravam em locais distantes, alunos da EaD. Também
foi complicado trabalhar com o material que foi produzido por outro
professor, pois tive que adaptar os meus planejamentos.
(Entrevista com a Docente E).
Essa experiência como professora/formadora no ambiente virtual de aprendizagem certamente contribuiu para a docente E iniciar os percursos na escrita
de materiais didáticos impressos para EaD. A docente E avalia, de modo razoável,
sua experiência como autora de conteúdos didático-pedagógicos, em função de
algumas dificuldades na escrita textual para EaD, o que é natural no processo de
construção de materiais didáticos como novo desafio para a referida autora. Res3161
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
salta-se que a docente E aponta a dificuldade de se adaptar ao novo paradigma da
Educação a Distância, no sentido de trabalhar com alunos oriundos de diferentes
localizações geográficas.
Outro ponto importante é o fato de a docente entrevistada ter colocado
como dificuldade a atuação na docência online com material que foi produzido por outro professor. Certamente, parece ser uma prática nos programas de
EaD, o docente assumir vários papéis e dificilmente consegue-se ter o professor
autor, aquele que elabora conteúdos, também atuando nos ambientes virtuais
de aprendizagem, colocando em prática o seu próprio material didático. Desse
modo, tal divisão do trabalho docente, considerando, por um lado, a autoria de
textos didáticos, e, por outro, a docência online, parece não contribuir para uma
prática pedagógica integrada e transdisciplinar, capaz de minimizar as distâncias entre teoria e prática.
Na entrevista com a docente E, percebemos que a experiência na docência
online orienta a professora para a escrita de um material didático mais próximo
da realidade do aluno.
Sobre minha experiência como autora para EaD, avalio razoavelmente,
pois tive algumas dificuldades que ainda não consegui superar e relação à escrita de material didático impresso para EaD. Comecei o processo com muita empolgação, mas a limitação de páginas exatas me
atrapalhou bastante. O motivo de minha empolgação vem da experiência como professora formadora, pois no material procuro colocar o
que percebi ser uma falta ou dificuldade para os alunos. Procurei suprir
suas necessidades ao longo do material impresso, com dicas de sites,
sugerindo atividades e participação no ambiente, coisa que percebi ser
no limite mínimo durante o curso. (Entrevista com a Docente E).
Quando indagada sobre as principais dificuldades no processo de construção de materiais didáticos para EaD, a docente E afirmou:
Eu tive muitas dificuldades iniciais na seleção de imagens (figuras, gráficos, tabelas, charges, cartuns, tirinhas) apropriadas para o material
didático impresso que eu estava escrevendo para EaD. Outra dificuldade foi produzir um número certo de páginas. Tive dificuldade quanto ao
número fechado de 75 páginas.
(Entrevista com a Docente E).
3162
Ivanda Maria Martins Silva
É importante destacar que a docente encontra dificuldades quando precisa
escrever dentro de uma moldura já proposta pelo desenho didático da UFRPE/
UAB. É solicitado que a autora escreva um volume com 75 páginas de conteúdo, perfazendo um total de aproximadamente 15h/aula de estudo para o aluno.
Podemos retomar as palavras de Preti (2009, p. 03) quando realiza indagações
sobre a melhor estratégia para a produção de materiais didáticos para EaD. O
que seria mais interessante: „propor projeto gráfico do material didático como
moldura já pronta a “enquadrar” o texto do autor, ou como “tela em branco” a ser
pintada pelo autor, com espaços de liberdade e de criatividade para dar plasticidade ao texto?“
Quando questionada sobre as características de um bom material didático
para EaD, a docente E destacou:
O material deve ser dialógico e de linguagem simples. Deve conter atividades que contemplem os conteúdos, mas de forma que possa ser possível a sua realização por parte dos alunos, levando em consideração as
dificuldades que estes encontram como alunos de EaD. Sempre haver
autoavaliação e motivação para a interação no ambiente virtual.
(Entrevista com a Docente E).
A docente E também salienta o carater dialógico da linguagem na escrita do
texto didático para EaD, além de destacar a motivação para a aprendizagem e a
autoavaliação como eixos importantes no processo de elaboração de materiais
didáticos.
Em síntese, as diferentes vozes das professoras/autoras ressoam juntas para
o mesmo sentido, ou seja, a dialogicidade como componente fundamental na
construção de materiais didáticos impressos para Educação a Distância. Os depoimentos transcritos apontam, de modo geral, para a necessidade de se construir o processo de interação com os alunos por meio da linguagem e das características do gênero discursivo mediacional, como multimodalidade, repetições,
frases curtas, atividades diversificadas, intertextualidade.
Conforme Sousa (2009), ao elaborar o texto didático, o professor imagina
que com tal discurso haverá interação com os alunos. Por meio dos estímulos dados no material didático, o aluno cria um contexto cognitivo ao imaginar alguém
interagindo consigo, o que favorece a dialogicidade no gênero discursivo media-
3163
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
cional. Nesse sentido, as professoras/autoras entrevistadas têm consciência da
responsabilidade de escrever, aproximando-se dos alunos/leitores por meio da
linguagem dialógica.
Como afirmou Zuin (2006), na EaD, é primordial que os „professores ausentes se tornem presentes“. Na escrita de materiais didáticos impressos para
EaD, os professores, embora fisicamente ausentes, podem se revelar presentes,
colocando-se no papel dos educandos/leitores, reconstruindo seus percursos de
aprendizagem, elaborando atividades que priorizem diferentes estilos de parendizagem e, sobretudo, compreendendo o processo dialógico de ensino/aprendizagem, visto que: “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender”. (FREIRE, 2002, p.25).
O diálogo, enquanto componente indispensável à prática educativa para
construção do conhecimento é, no dizer de Freire (2002), uma prática de saberes
e afetos como ponto de partida para um relacionamento autêntico entre educador e educandos. Para Freire (2005, p. 91): “o diálogo é este encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na
relação eu-tu”.
No enfoque de Bakhtin (1992), a linguagem é eminentemente dialógica, visto que mantém interação com enunciados anteriores e posteriores ao momento
da comunicação. Além disso, enquanto fenômeno social e ideológico, a linguagem participa dinamicamente da realidade histórico-social dos indivíduos. Assim como a linguagem, a educação também é dialógica, já que “ensinar exige
disponibilidade ao diálogo” (FREIRE, 2002).
Certamente, a formação acadêmica e as experiências profissionais dos professores elaboradores dos conteúdos são elementos importantes na relação entre
autores, textos didáticos e leitores. Nas entrevistas com os professores/autores
fica evidente a preocupação com o aluno, com seus percursos de aprendizagem,
por meio de um diálogo constante em prol do envolvimento do leitor com o
texto didático. Porém, na prática, diante do desafio de escrever para Educação
a Distância, reconhecendo as características do gênero discursivo mediacional,
os professores/autores ainda revelam-se atônitos. Isso ocorre, pois os docentes
deparam-se com a necessidade de desenvolver outras competências, buscando
3164
Ivanda Maria Martins Silva
uma escrita textual dialógica e ampliando suas práticas de letramento por meio
da elaboração de textos didáticos.
Considerações finais
A mídia impressa usada em Educação a Distância ainda apresenta-se como
instrumento didático importante no processo de mediação pedagógica entre
alunos e professores. Segundo Moore e Kearsley (2007, p. 78), „o texto é, sem
margem de dúvida, a mídia mais comum empregada na educação a distância e,
apesar do crescimento da comunicação online que usa texto, a maioria dos textos ainda é veiculada na forma impressa“.
A construção de materiais didáticos impressos para EaD vem (re)significando a prática pedagógica do professor na posição de elaborador de conteúdos
pedagógicos, autor de textos que precisam garantir espaços de intercomunicação
entre os educandos, apoiando seus percursos de aprendizagem. Nesse sentido,
a noção de autoria precisa ser revisitada como „fundamento docente e discente,
por ser referência crucial da aprendizagem no professor e no aluno. Professor
que não é autor, não tem aula para dar. Só pode reproduzir.” (DEMO, 2009, p.20).
Antes acostumados a adotar os materiais didáticos e os livros-texto para
apoiar suas aulas, agora, considerando os desafios da EaD, os professores descobrem-se como produtores de conteúdos pedagógicos, ou seja, autores de materiais didáticos que precisam desenvolver competências comunicativas e priorizar uma abordagem dialógica na produção textual.
Na EaD, os professores precisam conhecer as características dos materiais
didáticos impressos, priorizando a natureza dialógica da linguagem (BAKHTIN,
1992) e o caráter “mediacional” (SOUSA, 2001) desses recursos que podem contribuir para a construção de aprendizagens significativas, ancoradas na autonomia dos educandos. Nesse processo, o papel do professor é incentivar e motivar a
troca de saberes, a mediação relacional e simbólica entre os sujeitos, gerenciando
a “pilotagem personalizada” dos percursos de aprendizagem (LÉVY, 1999, p.171).
O material didático impresso, amplamente revisitado, debatido, discutido,
analisado, agora se torna alvo de outras abordagens, novas leituras, diante das
características da EaD como modalidade educacional que aposta na integração
de tecnologias no processo de mediação entre docentes e discentes, valorizando
3165
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
a troca, a relação, a interação, o diálogo como eixos fundamentais na redução das
distâncias físicas, promovendo-se uma “educação sem distância” (TORI, 2010),
na qual todos aprendem e ensinam, ou seja, “quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2002, p. 25).
Em síntese, as reflexões sobre a produção de materiais didáticos para EaD
precisam estar em sintonia com as discussões sobre gênero discursivo mediacional (SOUSA, 2001, 2009), considerando a abordagem dialógica da linguagem
(BAKHTIN, 1992) e a necessidade de se minimizarem as distâncias físicas, por
meio de recursos tecnológicos que ampliem cada vez o diálogo entre professores
e alunos. Os educadores precisam estar em sintonia com as demandas de aprendizagem dos alunos, visando à elaboração de materiais didáticos adequados ao
cenário dinâmico da Educação a Distância no Brasil.
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3167
RESUMO
Os sites de redes sociais digitais, em especial o Facebook, têm sido um dos meios
de comunicação mais utilizados nos últimos anos, permitindo a integração e troca
de informações e geração de conhecimento entre diferentes públicos, e não só isso,
têm se tornado um dos veículos de propagação e organização de grandes eventos,
a exemplo das manifestações populares ocorridas em junho de 2013 no Brasil. Sendo assim, propusemos, neste trabalho, a utilização do Facebook como ferramenta
para o ensino de gênero na escola. Nosso objetivo foi analisar o uso de expressões
metafóricas como estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes de
protesto, propondo atividades que facilitassem o processo de ensino e aprendizagem do gênero em ambiente virtual nas aulas de língua portuguesa. A pesquisa
se deu a partir de uma abordagem qualitativa através da qual foi coletado um corpus de trinta textos retirados do Facebook, espaço inicial de produção, reprodução,
distribuição e recepção desse discurso, e analisados a partir de Fairclough (2001,
2003), Marcuschi (2000, 2002, 2004, 2008) e Bezerra (2011, 2014). Na análise do
gênero, observamos a presença da metáfora, recurso muito utilizado no gênero
para persuadir o interlocutor ora pela ativação da memória, ora pela emoção. Concluímos o trabalho de pesquisa cientes de que quando levamos textos retirados de
contextos sociais para a sala de aula os estudantes se envolvem mais com a leitura e
discussão e, consequentemente, com o processo de aprendizagem, principalmente
quando conseguimos envolver o uso das tecnologias, ferramentas tão comuns para
os estudantes no dia a dia.
Palavras-chave: Gênero, Facebook, Ensino.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
GÊNERO, FACEBOOK E ENSINO:
UMA ANÁLISE DA METÁFORA NO
GÊNERO CARTAZ DE PROTESTO
Josefa Maria dos Santos1 (UPE)
Introdução
O mês de junho de 2013 marcou inegavelmente a história do Brasil. Milhares
de pessoas foram às ruas protestar. O que inicialmente parecia ser mais um movimento liderado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que reivindica desde 2005
a mudança do sistema de transporte privado para um sistema público, tomou
proporções inesperadas, surpreendendo a todos: governo, imprensa, polícia, sociólogos e a população em geral pela rapidez com que conseguiu adesões aos
protestos.
Durante os protestos, houve uma enxurrada de cartazes segurados por uma
massa que ocupou as ruas de várias cidades do país. Os cartazes deram voz
a uma multidão que parecia ávida por um grito, há muito, preso na garganta.
Esse grito acabou gerando uma série de interpretações e fazendo (re)surgir um
gênero textual que até então parecia esquecido. Não nos interessa aqui analisar
o discurso político por trás dos protestos, e se eles são positivos ou não para a
sociedade, mas perceber, à luz da análise crítica do discurso, o uso de expressões
metafóricas como estratégias de persuasão utilizadas no discurso dos cartazes
de protesto, além de promover reflexões acerca do trabalho com esse gênero em
ambiente escolar tendo o Facebook como suporte.
1. Mestre em linguística pela Universidade de Pernambuco. [email protected]
3169
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
A relevância desse trabalho deve-se ao fato de ser o cartaz de protesto um
gênero discursivo de grande função social e um excelente exemplo de texto do
mundo real, mas ainda pouco explorado nas aulas de língua portuguesa, assim
como ainda são pouco explorados os gêneros em ambiente virtual, mesmo sendo
a inserção das novas tecnologias no ensino de língua uma das orientações previstas pelos PCN (BRASIL, 1998). Em vista disso, nossa escolha pelo Facebook
explica-se por dois motivos: primeiro por ser um site que vem sendo usado, não
só como um ambiente para encontro de amigos ou postagens de fotos, mas também, como um espaço de informação e discussão, visto que são inúmeros os
discursos estabelecidos e as discussões geradas (tome-se como exemplo as manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013), e, segundo, porque acreditamos
que esse instrumento pode ampliar a interatividade e a flexibilidade de tempo no
processo educacional, por isso é possível fazer uso das redes sociais para contribuir no processo de ensino aprendizagem (SILVA; COGO, 2007).
Dessa forma, propomos um trabalho que pense um ensino voltado para a
função social da língua. Para tanto, compreendemos com Fairclough (2001) a linguagem numa perspectiva discursiva, ou seja, situada em práticas sociais em que
os sujeitos constituem a si próprios e podem intervir na sociedade, transformando-a ou legitimando suas práticas. Na visão dos PCN (1998), essa compreensão
de linguagem é requisito básico para que os indivíduos construam seu processo
de cidadania e integrem a sociedade de forma ativa e mais autônoma possível.
Dessa forma, tomamos como objeto de análise os discursos veiculados nos cartazes de protesto, enquanto ação social da linguagem e forma de ação no mundo,
o que insere essa pesquisa no principal objeto de ensino da Língua Portuguesa,
qual seja: “o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao
participar das práticas sociais mediadas pela linguagem” (BRASIL, p. 22).
Cientes de que a linguagem contribui efetivamente para a construção, manutenção ou transformação da realidade de um povo, consideramos bastante
pertinente adotar como instrumento teórico-metodológico para esta investigação a Análise Crítica do Discurso (ACD), visto que se trata de uma perspectiva
analítica comprometida com o estudo crítico e envolvida politicamente com a
mudança social (FAIRCLOUGH, 2001).
Seguindo o quadro teórico adotado para a pesquisa, baseamo-nos nos estudos de Marcuschi (2000, 2002, 2004, 2008) sobre gêneros e seus desdobramen-
3170
Josefa Maria dos Santos
tos para o processo de ensino-aprendizagem e, por conseguinte, para o ensino
de língua materna. Fundamentamo-nos também em Bezerra (2011, 2014), para
estudo e caracterização do site de rede social Facebook, A pesquisa baseou-se em
um estudo empírico, de natureza qualitativa, na qual selecionamos um corpus
de 30 textos coletados no Facebook e analisamos a partir das concepções de prática social defendidas por Fairclough (2001). Concluída a análise, organizamos
uma série de atividades para o estudo do gênero, tendo o Facebook como suporte. O trabalho foi desenvolvido em uma turma do 9º ano do ensino fundamental
de uma escola pública de Pernambuco.
Novas tecnologias de informação e comunicação: o
Facebook como suporte para ensino do gênero
O crescimento do uso do Facebook no Brasil (61,2 milhões de perfis ativos
em 2014)2 trouxe novos contextos para os processos de comunicação e informação mediados por esse site. Esses novos contextos permitiram que novas práticas
sociais emergissem e se popularizassem entre seus usuários, pois de acordo com
pesquisas, cerca de 32% das pessoas que utilizam o Facebook no Brasil o fazem
com o objetivo de informar-se3. Esse dado é revelador de uma realidade: o site Facebook ocupa lugar importante na cena midiática brasileira enquanto veículo de
comunicação e informação e diferentemente do inicialmente pretendido por seu
criador, Mark Zuckerberg, “colocar os estudantes em contato uns com os outros,
a fim de compartilharem fotos, fazer amizades com novas pessoas e cultivar as
amizades existentes” (PIMENTEL, 2014, p. 42), a mídia atualizou-se, proporcionando aos seus usuários a “capacidade de difundir informações através das conexões existentes entre os atores. Essa capacidade alterou de forma significativa
os fluxos de informação dentro da própria rede” (RECUERO, 2009, p. 116). Para a
autora, os processos de difusão das informações são emergentes e resultado das
interações e dos processos de conflito, cooperação e competição. Seu estudo é
2. Fonte: Tecnologia.uol.com.br/noticias/facebook-em-numeros. Acessado em fevereiro de 2015
3. A Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 pode ser acessada na íntegra pelo endereço:
http://observatoriodaimprensa.com.br/download/PesquisaBrasileiradeMidia2014.pdf
3171
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
essencial para compreender como um determinado grupo estrutura-se e como
essa estrutura é alterada em função de aspectos sociais, históricos e econômicos.
Se Recuero (2009) estiver certa, e acreditamos que ela está, conclui-se que
esses processos de difusão das informações resultantes das interações, conflitos, cooperação e competição entre os seus membros só se podem dar através
de textos, realizados através dos gêneros que circulam pelas redes midiáticas a
exemplo do Facebook. Logo, utilizar o Facebook na sala de aula como ferramenta
para estudo dos gêneros midiáticos, emergentes, transmutados ou até aqueles
que têm existência autônoma fora da rede, pode ser essencialmente interessante, isso porque, como acrescenta Marcuschi (2008, p. 198): “Esse meio propicia,
ao contrário do que se imaginava, uma ‘interação altamente participativa’, o que
obrigará a rever algumas noções já consagradas”. Pontuamos aqui que o professor Marcuschi (2008) não se refere diretamente ao gênero no Facebook, mas ao
ambiente virtual, e, sendo o site Facebook parte desse todo, consideramos produtiva sua inserção no espaço escolar.
Quanto a essa possibilidade, o professor canadense George Siemens, em
seu artigo “Conectivismo: uma teoria da aprendizagem para a era digital” apela
para que a escola não mais continue repetindo modelos transmissores centrados numa única fonte do saber, pois hoje com melhores opções de busca e
redes sociais digitais que podem propagar a informação rapidamente (tanto
boa como má) temos menos necessidade de um único papel informacional.
(SIEMENS, 2014).
Concordando com Siemens (2014), Tapscott (1998, apud BRAVO, 2014, p.
125) afirma: “O tempo que os jovens passam conectados à rede não é um tempo
passivo, mas ativo. É tempo de leitura. É tempo de pesquisa. É tempo dedicado
ao desenvolvimento de habilidades e à solução de problemas. É tempo para organizar os pensamentos. É tempo da escrita”. Essa citação do pesquisador Tapscott
apenas confirma o que pesquisadores brasileiros a exemplo de Bezerra (2011)
vêm afirmando nos últimos anos: a internet foi e continua sendo um espaço privilegiado da leitura e da escrita ou, mais especificamente, um ambiente propício
ao cultivo de muitas práticas e variedades de uso da língua.
Assim, percebemos que, tanto no Brasil como no exterior, estudos acerca do
uso da internet ou mais especificamente das redes sociais digitais como ferramenta para o ensino têm constituído indícios positivos de uma florescente área
3172
Josefa Maria dos Santos
de pesquisa. Contudo, gostaríamos de pontuar que até onde pudemos observar,
não há muitas pesquisas desenvolvidas no Brasil, na área da linguística, sobre as
possibilidades pedagógicas do Facebook para o ensino de gênero. Porém, acreditamos com Bawarshi e Reiff (2013, p. 197) que “os ‘novos domínios comunicativos’
das novas mídias modificaram o cenário genérico e, ao fazer isso, trouxeram
novos interesses de pesquisa sobre como a mídia de que o gênero participa molda o conhecimento e a ação do gênero”. Para os autores, as pesquisas recentes
têm demonstrado bastante interesse em analisar como os contextos digitais da
comunicação modificam o acesso aos gêneros, reconfiguram limites (inclusive
limites temporais) e geram novas formas de colaboração. E se a internet, como
afirma Bezerra (2011), é promovedora de espaço de leitura e escrita, por que não
transformar essa ferramenta em uma aliada?
Como sabemos, o Facebook não foi projetado para desenvolver atividades
pedagógicas, porém, algumas pesquisas têm defendido a ideia de que essa ferramenta pode e deve ser usada para fins educacionais. Pesquisadores como Cerda
& Planas (2011), por exemplo, avaliando o potencial tecnológico e pedagógico do
Facebook, destacaram pontos importantes para o ensino. No tocante à tecnologia, os autores elencaram a simplicidade e velocidade na criação e administração
de grupos; a facilidade no uso das ferramentas da rede; a possibilidade de marcação de imagens, envio de mensagens e conversa através do chat como aspectos
positivos para sua inserção no ensino. Já no que tange os aspectos pedagógicos,
os autores afirmam que o Facebook promove uma cultura de comunidade virtual e aprendizagem social, onde se compartilha experiências; proporciona abordagens inovadoras de aprendizagem, promovendo aprendizagem colaborativa e
permitindo que os membros permaneçam em contato uns com os outros após
completar a ação educativa. Além disso, participar de um grupo no Facebook
pode motivar os alunos à pesquisa e dar mais dinamismo às aulas.
Os autores afirmam ainda que, do ponto de vista do trabalho de grupo, o
Facebook “fornece um espaço virtual onde os envolvidos em um objetivo compartilhado podem discutir tópicos, dar suas opiniões, organizar eventos, enviar
informações, compartilhar ideias e propostas, elaborar conteúdos, etc. Assim,
emerge uma comunidade virtual”. (CERDA; PLANAS, 2011, p. 199). Quanto à
compreensão de comunidade virtual, Recuero (2005) diz que a compreende
como um grupo de pessoas que interage no ciberespaço em que a comunica-
3173
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
ção mediada pelo computador se dá de forma mútua. A interação que acontece
dentro de uma determinada rede é a base do estudo de sua organização. Ela
pode ser cooperativa, competitiva ou geradora de conflito. A interação, que é
cooperativa, pode gerar a sedimentação das relações sociais, proporcionando o
surgimento de uma estrutura. Quanto mais interações cooperativas, mais forte
se torna o laço social desta estrutura, podendo gerar um grupo coeso e organizado. Na organização da comunidade virtual, portanto, é necessário que exista
uma predominância de interações cooperativas, no sentido de gerar e manter
sua estrutura de comunidade.
Diante do exposto, percebemos que o Facebook, assim como outros sites de
rede social midiática, pode penetrar o universo escolar, não por modismo, mas
por constituírem possibilidades a mais de discussão, interação e motivação para
a aprendizagem, uma vez que “representam um novo e complexo universo de
fenômenos comunicativos, sociais e discursivos” (RECUERO, 2014, p. 1).
Quando defendemos o estudo dos gêneros textuais a partir de suportes digitais, não estamos querendo substituir o livro didático ou qualquer outro suporte formal, mas incluí-los no processo educacional, principalmente por trazerem discussões atuais e contextualizadas com o universo do educando e por
possibilitarem, a partir das múltiplas semioses que põem em operação, uma
compreensão mais ampla de como o suporte pode interferir no gênero, já que de
acordo com Marcuschi (2008, p. 174) “o suporte não é neutro e o gênero não fica
indiferente a ele”.
Se o Facebook continuará sendo o site de redes sociais digitais com o maior
número de perfis, ou se ocorrerá com ele o mesmo que ocorreu com o Orkut, não
podemos predizer, mas certamente é possível antecipar que, à medida em que
surgem novas ferramentas para facilitar a comunicação e a conectividade, outros
tipos de ações são possíveis de serem realizadas pelos usuários. Dessa forma, não
é mais possível que a escola e, em especial os professores de língua portuguesa,
negligenciem essa ferramenta tratando-a como algo nocivo ao ensino e à aprendizagem. É imperativo considerar que, diferentemente de séculos passados, os
textos não se apresentam mais unicamente em suportes físicos, mas em outras
esferas, as quais muitas vezes por estarem mais próximas dos estudantes, podem tornar-se aliadas no processo de ensino e consequentemente favorecerem a
aprendizagem por parte dos estudantes.
3174
Josefa Maria dos Santos
Análise crítica do discurso: algumas considerações
Situada na interface entre a linguística e a ciência social crítica, a Análise Crítica do Discurso (ACD), disciplina com amplo escopo de aplicação, tem se
constituído em um modelo teórico-metodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, bem como tem estabelecido um quadro de análise que
possibilita “mapear a conexão entre relações de poder e recursos linguísticos selecionados por pessoas ou grupos sociais” (RESENDE; RAMALHO, 2004, p. 185).
Pedro (1998, p. 27-28) afirma que a ACD tem como características:
• Entender a linguagem como a mais importante prática social;
• Entender o texto como resultado da ação dos falantes e escritores
socialmente situados, considerando as possibilidades de escolha que
esses possuem e o poder e a dominação implícitos nessas escolhas;
• Considerar que os participantes na produção dos textos desempenham papéis desiguais;
• Prever que os significados veiculados nos textos dependem da interação;
• Mostrar que os traços linguísticos são motivados socialmente;
• Entender que linguagem tem caráter histórico;
• Empreender análises baseadas na materialidade linguística.
A partir do que apresenta Pedro (1998), percebemos que a ACD compreende
uma abordagem teórico-metodológica que concebe o discurso como uma prática
social, através da qual as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros,
legitimando ou modificando as relações de poder e dominação existentes na sociedade através da linguagem. Para Ramalho e Resende (2006, p. 56), “existe na
ACD uma preocupação em descobrir, revelar e divulgar aquilo que está implícito, rejeitando a ‘naturalização’ dos processos sociais, permitindo que as ideologias subjacentes ao discurso, bem como relações de dominação sejam reveladas”.
Nesse sentido, o discurso na ACD passa a ser entendido tanto como reprodutor, quanto transformador de realidades sociais, isso porque o sujeito, diferentemente de outras abordagens teóricas, é visto como “não só propenso ao
moldamento ideológico e linguístico, mas também agindo como transformador
3175
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
de suas práticas discursivas, contestando e reestruturando a dominação e as formações ideológicas socialmente empreendidas em seus discursos” (MELO, 2010,
p. 85). Percebe-se, a partir de Melo, que discurso e sujeito na ACD se constituem
a partir de uma relação dialógica, ora reproduzindo práticas discursivas, ora ressignificando-as. Isso porque para a ACD o sujeito é um ator ideológico que tanto
pode construir como ser construído socialmente a partir de escolhas linguísticas
utilizadas em seu discurso.
Para Fairclough (2001), discurso é uma prática de representação e significação do mundo, constituindo e ajudando a construir as identidades sociais, as
relações sociais e os sistemas de conhecimento e crenças. Essa visão constitutiva
de discurso desvela uma noção de discurso que tem relação ativa com a realidade, e favorece a compreensão de discurso enquanto prática social. Conceber
discurso como forma de prática social tem para o linguista britânico algumas
implicações: a) implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as
pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação; b) implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, que se dá geralmente entre a prática social e a estrutura
social em que a última é tanto uma condição como um efeito da primeira.
Na perspectiva do linguista, o discurso é entendido como elemento integrante do mundo social, constituindo esse mundo e sendo constituído por ele.
Contudo, é importante salientar que as relações entre a mudança discursiva, social e cultural não são transparentes para as pessoas envolvidas e que, por isso,
é preciso mostrar conexões e causas que estão ocultas por um lado, e, por outro,
intervir socialmente para que sejam produzidas mudanças favoráveis àqueles
que possa encontrar-se em desvantagens.
Outra particularidade marcante que observamos na ACD é sua preocupação com as relações de poder como condição central da vida em sociedade, o que
inclui as relações de gênero, classe social, raça e etnia. Nesse sentido, Fairclough
(2001) afirma ser necessário analisar não só as relações de poder no discurso,
mas também a maneira como essas relações e a luta pelo poder moldam as práticas discursivas de uma sociedade. Partindo da compreensão de que as práticas discursivas moldam e são moldadas por relações e luta por poder, Ruth Wodak (2004, p. 237) assevera:
3176
Josefa Maria dos Santos
O poder envolve relações de diferença, particularmente os efeitos dessas diferenças nas estruturas sociais. A unidade permanente entre a
linguagem e outras questões sociais garante que a linguagem esteja entrelaçada com o poder social de várias maneiras: a linguagem classifica
o poder, expressa poder, e está presente onde há disputa e desafio ao
poder. O poder não surge da linguagem, mas a linguagem pode ser usada para desafiar o poder, subvertê-lo, e alterar sua distribuição a curto
e longo prazo. A linguagem constitui um meio articulado com precisão
para construir diferenças de poder nas estruturas sociais hierárquicas.
Essa compreensão de que a linguagem pode ser usada para desafiar o poder torna-se crucial para entendermos como muitos atores sociais, a partir dos
discursos expressos nos cartazes de protestos durante as manifestações de junho de 2013, desafiavam instituições e poderes hierárquicos, conforme mostra
a figura abaixo:
Figura 1. Cartaz de protesto
Fonte: Facebook (www.facebook.com/Cartazesdeprotestos?fref=ts)
No discurso “ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil”, temos um exemplo
claro de como a linguagem se entrelaça com o poder a fim de subverter e alterar
as regras hierárquicas na estrutura social. Assim, vemos que o discurso não é
neutro, mas produto de contexto histórico-social que também produz situação
histórica e social, moldando a sociedade e sendo moldado por ela. Quanto a isso,
Fairclough (2001, p. 100) adverte que:
ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas, de
forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos marcos delimi3177
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
tadores vão sempre além da produção de sentidos. Assim, seus procedimentos e suas práticas podem ser investidos política e ideologicamente,
podendo ser posicionados por eles como sujeitos (e ‘membros’).
Para o autor, a prática dos membros tem resultados e efeitos sobre as estruturas sociais, as relações sociais e as lutas sociais. Contudo, eles geralmente parecem não ter consciência disso. Se assim o for, refletimos sobre o grau
de consciência que teriam os manifestantes durante as manifestações de junho
de 2013 que, utilizando-se de técnicas de persuasão nos discursos dos cartazes,
discursos esses heterogêneos e até mesmo em alguns momentos contraditórios,
conclamavam os brasileiros a irem às ruas como forma de luta por mudanças no
sistema político e social do país. Dessa forma, a noção de que é possível sustentar desigualdades ou transformar práticas sociais através do discurso torna-se
crucial para compreendermos por que o ensino de gênero não pode mais prescindir de um trabalho que por um lado mostre questões de poder e dominação
que estão ocultas e, por outro, intervenha socialmente para produzir mudanças
que favoreçam os grupos subordinados.
A metáfora como estratégia de persuasão
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21) assinalam que as práticas sociais são
“maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos materiais ou simbólicos, para agirem juntas no mundo”. Dessa
forma, a prática social apresenta-se sob várias orientações: econômica, política,
cultural e ideológica, e o discurso, por meio do uso de metáforas, pode estar
implicado em todas elas. As metáforas, nesse sentido, desempenham papel importante como foco de análise, visto que podem apresentar implicações tanto
políticas quanto ideológicas. Assim sendo, defendemos que o uso da metáfora
nos cartazes de protestos no contexto das manifestações de junho de 2013 representou um recurso discursivo bastante útil como forma de persuasão do auditório que, nesse contexto, corresponde à massa indignada com os serviços públicos
oferecidos pelo Estado.
O estudo da metáfora não é coisa recente entre os teóricos e, muito menos,
algo que se dê sem problemas, haja vista o número de definições muitas vezes
3178
Josefa Maria dos Santos
conflitantes e sobrepostas do termo. Nosso intento, no entanto, é perceber como
esse recurso nos discursos dos cartazes pode ter favorecido para que o diálogo
entre os manifestantes, mídia, governo e sociedade em geral pudesse, de um
lado, ampliar as discussões sobre as principais reivindicações do movimento e,
por outro, persuadir aqueles que ainda não haviam aderido aos protestos.
Segundo Marcuschi (2000 [1978]), em seu ensaio “A propósito da metáfora”,
a noção mais antiga de metáfora no ocidente vem de Aristóteles, quando ele
a caracterizou e forneceu pela primeira vez sua definição e teorização na Arte
Poética. A metáfora seria, para Aristóteles, o uso do nome de uma coisa para
designar outra. Assim definia o filósofo: “metáfora é a transposição do nome de
uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para
o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia”. (ARISTÓTELES, 384-322,
a. C. – XXI, 7). Vemos na definição de Aristóteles pelo menos quatro tipos de metáfora: a) de gênero para espécie; b) da espécie para o gênero; c) da espécie para
a espécie; d) de analogia. Esse último tipo parece ser o que mais se encaixa nas
definições contemporâneas tradicionais, principalmente no que prescrevem os
livros didáticos a exemplo de Ernani Terra (2002, p. 407):
A metáfora consiste numa alteração de significado baseada em traços
de similaridade entre dois conceitos. Normalmente, uma palavra que
designa uma coisa passa a designar outra, por haver entre elas traços de
semelhança. A metáfora é, pois, uma comparação implícita, isto é, sem
o conectivo comparativo.
Essa concepção aristotélica de metáfora como ‘transposição do significado
de uma palavra’, presente ainda hoje nas aulas de língua portuguesa, passou,
segundo Marcuschi (2000), a ser combatida com grande maestria pelo filósofo
alemão H. Lipps (1958) que questionou a noção de significado de uma palavra de
um contexto para outro – implicando com isso a contraposição de significados
“autênticos” versus “transpostos”. Para o filósofo, não há “significado originário”, mas “origem de um significado”, o que torna a definição da metáfora como
“transposição do significado de uma palavra” totalmente inadequada (LIPPS,
1958 apud MARCUSCHI, 2000, p. 80).
Em estudos recentes, Lakoff e Johnson (1980) apresentaram ideias consideradas centrais para a compreensão da metáfora. A teoria dos autores postula que
3179
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
a metáfora não é apenas uma questão linguística, mas também cognitiva, sendo
assim, algo que permeia nosso modo de agir e de pensar. As metáforas estariam
infiltradas na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. No intuito de elucidar a questão sobre metáfora linguística e
metáfora cognitiva, Sardinha (2001, p. 5) orienta que é preciso fazer uma distinção entre metáfora conceptual e metáfora linguística (ou expressão linguística
metafórica). “Uma metáfora conceptual indica as maneiras pelas quais o pensamento se organiza e como as pessoas interagem, enquanto uma metáfora linguística representa a realização, na fala ou escrita, de uma metáfora conceptual”.
O autor acrescenta ainda que a expressão linguística remete a representação metafórica conceptual e que, normalmente, as metáforas conceptuais não possuem
correlatos linguísticos diretos.
As metáforas conceptuais estariam divididas, de acordo com Lakoff e Johnson (1980), em pelo menos três tipos:
a) estruturais - seriam aquelas responsáveis por estruturar metafórica e
parcialmente um conceito em termos de outro, como por exemplo, TEMPO É
DINHEIRO e DISCUSSÃO É GUERRA.
b) orientacionais - essas são responsáveis pela organização do sistema de
conceitos em relação a um outro, possibilitando aos conceitos uma orientação
espacial. Assim, as expressões: “estou me sentindo pra baixo hoje”, ou: “direita? Esquerda? Eu quero é ir pra frente” (sobre o (a)partidarismo dos manifestantes) podem ser consideradas como expressões metafóricas alusivas a metáforas
orientacionais como BOM É PARA CIMA ou BOM É PARA FRENTE.
c) ontológicas – a experiência humana com objetos físicos, em especial o próprio corpo, fornece a base para as metáforas ontológicas. “A inflação está pressionando o mercado” seria uma expressão metafórica para a metáfora INFLAÇÃO É
UMA ENTIDADE, nesse caso, esse tipo está bastante próximo do que entendemos como personificação. A personificação seria para os autores uma categoria
geral que cobre uma ampla variedade de metáforas, cada uma delas destacando
diferentes aspectos de uma pessoa ou o modo como a percebemos.
Resende e Ramalho (2006, p. 86) explicam que a essência da metáfora segundo Lakoff e Johnson (1980) “é compreender uma coisa em termos de outra”,
o que não iguala os conceitos, trata-se de uma estruturação parcial com base na
linguagem. Isso é exemplificado pelas autoras a partir da expressão metafórica
3180
Josefa Maria dos Santos
“ele é um touro”, em que, para elas, os conceitos relacionados pela metáfora (‘ele’
e ‘touro’) não são igualados. O que ocorre é que certas características de ‘touro’
são mapeadas para ‘ele’ (por exemplo, força, virilidade ou falta de delicadeza).
Essa exemplificação de Resende e Ramalho (2006), a respeito da teoria da
metáfora desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980), confronta-se, no entanto,
com um exemplo similar apresentado por Lipps (1858, p.73) para contestar o conceito de significados ‘igualados ou relacionados’. Assim exemplifica o filósofo:
(...) O ‘animalesco’ (tierisch) caracteriza um comportamento humano.
Mas foi transferido para este sentido? Provavelmente não, pois o próprio
animal não é ‘animalesco’. ‘Animalesco’ caracteriza uma deficiência que
apenas quando vista à luz das exigências humanas torna-se uma deficiência. [...] Para caracterizar a ignorância de alguém, o denominamos
‘um burro’ ou ‘um camelo’. Isso, porém, com o qual o comparamos, não
é tomado simplesmente como portador da mesma característica. Os camelos não são de forma alguma ignorantes; um burro não é ‘um burro’
no mesmo sentido que um homem” (apud MARCUSCHI, 2000, p. 81).
Vemos, assim, que algumas questões a respeito da metáfora ainda encontram-se um tanto obscuras e não consensuais, constituindo-se em um campo
interessante de pesquisa. Devido ao tempo e espaço neste trabalho não vamos
adentrar no labirinto das teorias sobre o tema, mas tomaremos a metáfora como
um fato da vida cotidiana, sendo impossível, segundo Richards (1950) falar três
frases sem que nelas apareça pelo menos uma metáfora (apud MARCUSCHI,
2000, p. 78).
Quanto ao fato da metáfora ser um recurso bastante presente na linguagem, Gibbs (1994) apresenta pelos menos três hipóteses para explicar porque
as pessoas falam metaforicamente, são elas: expressabilidade, compactividade e
vivacidade. A hipótese da expressabilidade propõe que a metáfora permite veicular ideias que não poderiam ser facilmente expressadas por meio da linguagem
literal. A hipótese da compactividade sugere que as metáforas possibilitam a
comunicação de complexas configurações de informação de maneira econômica.
E, por fim, a hipótese da vivacidade veicula a ideia de que utilizando a linguagem metafórica, os falantes podem expressar imagens mais ricas, detalhadas e
vívidas de sua experiência fenomenológica e subjetiva, do que se usassem a linguagem literal.
3181
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Diante disso, acreditamos junto com Fairclough (2001) que em situações
em que palavras e significados estão envolvidos em processos de contestação
e mudança social e cultural, a variação semântica em uma situação particular
pode tornar-se uma faceta e um fator de conflito ideológico. Isso porque, de
acordo com Schröder (2010), os estudos atuais têm demonstrado haver reciprocidade entre os níveis linguístico e cognitivo no uso de metáforas, as quais
devem ser vistas de acordo com o uso da língua, o contexto discursivo, e a situacionalidade cultural.
Diferentemente do que os estudos tradicionais sugerem, Fairclough (2001),
apoiado na teoria apresentada por Lakoff e Johnson (1980), não vê a metáfora
como simples adorno estilístico ou apenas como um aspecto da linguagem literária especialmente da poesia. Para ele, “as metáforas penetram em todos os
tipos de linguagem e em todos os tipos de discurso, mesmo nos casos menos
promissores, como o discurso científico e técnico” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 241).
Essa visão apresentada pelo linguista é também compartilhada por Marcuschi
(2000 [1978]) ao afirmar que muito mais que um simples fenômeno linguístico
de natureza semântica, ou apenas mais uma figura de linguagem, a metáfora é
um fato normal da vida cotidiana, é anterior à razão e serve de meio para aferir
a capacidade criativa natural do homem, tornando-se um modo de conhecer o
mundo. Concordando com o que asseveram os pesquisadores, defendemos que o
estudo da metáfora no gênero em discussão não pode se afastar de uma compreensão mais ampla do que foram as manifestações populares ocorridas no Brasil
em junho de 2013, tampouco distanciar-se das questões e valores culturais de
quem participou do evento, pois, como afirma Fairclough (2001, p. 241), quando
nós significamos coisas por meio de uma metáfora e não de outra, estamos construindo nossa realidade de uma maneira e não de outra, isso porque as metáforas estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos, nossos sistemas
de conhecimento e crença.
Compreender a metáfora nesse sentido requer do interpretante uma negação de que metáforas são apenas uma forma de comparação, ainda que implícita. Para Marcuschi (2000, p. 85), a metáfora não é fruto da comparação, e sim,
no máximo, base para uma comparação a posteriori. “É a metáfora que funda
a comparação e não o contrário”, dessa forma, acrescenta o linguista: “a ordem
psicológica tem prioridade sobre a ordem lógica”. Sobre o que discute o autor,
3182
Josefa Maria dos Santos
exemplificamos com um dos cartazes de maior circulação durante os protestos e
cujo discurso tornou-se conhecido mundialmente.
Figura 2. Cartaz de protesto
Fonte: Facebook (www.facebook.com/Cartazesdeprotestos?fref=ts)
Quando observamos a figura acima, identificamos a existência de uma metáfora, mas, diferentemente dos conceitos tradicionais, não encontramos o segundo elemento com o qual o termo “gigante” deveria estabelecer relação de
comparação. Assim, apoiados em Marcuschi (2000), questionamos: qual a base
que serve de comparação para a metáfora presente? Linguisticamente não temos,
na figura 2, nenhum termo que estabeleça comparação com o “gigante acordou”,
mas impulsionados pela ordem psicológica que, nesse caso, tem prioridade sobre
a ordem lógica, e pela compreensão tanto do contexto da produção do discurso,
quanto de momentos anteriores ao evento, somos levados a inferir que o “gigante”
no cartaz assume a posição de nação, povo, que acordado (unido, participante,
consciente de sua força e de seus direitos) é capaz de mudar a situação política e
social do país. Contudo, será que essa análise estaria sendo fiel ao conceito, uma
vez que estaríamos de alguma forma fazendo transposição de significado?
Quanto a isso, Marcuschi (2000, p. 85) reflete que “a surpresa que tais expressões metafóricas causam e a confusão que geram no leitor será tanto maior
quanto mais rico o mundo que elas revelam e quanto mais intraduzível for esse
mundo”. Assim, a metáfora torna-se um modo específico de conhecer o mundo
que, ao lado do conhecimento lógico-racional, tem sua razão de ser e instaura
uma série de outros valores. O que precisa ficar claro, na visão do linguista, é que
a metáfora é essencialmente mais do que uma transferência de significado ba3183
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
seada em certos artifícios semanticamente explicáveis, além de ser muito mais
do que uma simples comparação abreviada. Na verdade, ela pode ser tida como
ponto de apoio para uma análise de capacidade criativa espontânea do indivíduo, sendo, então, apenas do ponto de vista operacional, uma transposição de
significado, mas, do ponto de vista genético e psicológico, ela “criaria, pois, uma
realidade nova”, seria a criação de novos universos de conhecimento. Essa realidade nova proposta por Marcuschi (2000) é também concebida por Fairclough
(2001) que não acredita na neutralidade das metáforas, uma vez que, segundo
ele, elas são capazes de estruturar a realidade de uma forma particular.
Nesse sentido, ao refletirmos sobre a metáfora contida na figura 2, vemos
como ela se atualiza de forma particular em um novo contexto, pois a intertextualidade presente no discurso “o gigante acordou” dialoga com outros discursos
em contextos distintos. Entre eles podemos lembrar: 1) “Gigante pela própria natureza [...] Deitado eternamente em berço esplêndido [...]” (Hino Nacional); 2) “O
gigante não está mais adormecido” (campanha publicitária da marca de uísque
escocesa Johnnie Walker, lançada em outubro de 2011); 3) “O gigante acordou”
(em cartaz da Marcha da família com Deus pela liberdade4). Vemos que em
todos esses casos, a metáfora do “gigante” que ora está desperto, ora está adormecido, apresenta sentidos e propósitos comunicativos diferentes, no entanto
buscam o mesmo resultado, que é persuadir o interlocutor, conforme podemos
perceber nos exemplos anteriores: no Hino Nacional, a metáfora é usada como
estratégia linguística para exaltar o país, seja pela extensão territorial, seja por
suas belezas naturais; no caso da campanha publicitária do uísque, tem a função de promover a venda da bebida; e no caso da Marcha da família ocorrida em
1964, é usada para defender os interesses da elite, uma vez que as reformas na
distribuição de renda e de terra, pretendidas pelo então presidente João Goulart,
desagradavam os poderosos. Vale ressaltar que nesse mesmo ano deu-se o início
da ditadura militar, regime que garantiu os bens desse grupo.
Nota-se que nos dois casos em que a metáfora foi usada em forma de protesto (1964 e 2013) o gigante é representado por grupos sociais distintos: no
4. Série de manifestações ocorridas em 1964 e organizadas por setores conservadores da sociedade. O
cartaz encontra-se disponível em: http://www.thaisagalvao.com.br/2013/06/23/o-gigante-de-1964-e-ogigante-de-hoje/
3184
Josefa Maria dos Santos
primeiro, a elite e grupos conservadores; no segundo, jovens, estudantes, universitários, professores, desempregados, marginalizados que utilizam serviços
públicos como transporte, saúde e educação. Observa-se que o efeito persuasivo no discurso “o gigante acordou” em que ora é preciso acordar para manter o
poder das elites sociais, ora para contestá-lo, funciona ideologicamente. Assim
sendo, a metáfora torna-se capaz de influenciar nossas crenças, atitudes e valores de forma a possibilitar a transferência de associações positivas ou negativas
de um domínio concreto para um domínio mais abstrato. Isso acontece porque,
de acordo com Charteris-Black (2004), a metáfora apresenta, entre outras, uma
característica pragmática, a de ser motivada pelo propósito subjacente de persuadir outrem, em virtude de sua capacidade de mediação entre os meios conscientes e inconscientes, ou seja, entre a cognição e a emoção.
Conclui-se, dessa forma, que “a metáfora é um modo novo de conhecer e
comunicar o mundo assim conhecido. Ela é de certa forma um recurso estruturador da realidade criando novas áreas de experiência que fogem ao indivíduo restrito à realidade puramente factual” (MARCUSCHI, 2000, p. 76). Daí ela
servir também como recurso persuasivo, pois dizer “o gigante acordou” causa
muito mais impacto no interlocutor por meio da memória e emoção do que
dizer “a nação acordou”, principalmente, quando o propósito comunicativo é
conclamar a população para participar dos movimentos de ruas, fortalecendo,
assim, o gigante.
Ao analisarmos a presença da metáfora em nosso corpus, constatamos,
como mostra a figura 3, que mais de 67% dos textos estavam estruturados a
partir de expressões metafóricas, o que confirma que determinados recursos da
linguagem são ideológicos, servindo em circunstâncias específicas para reestruturar as relações de poder e dominação, subvertendo-as.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Figura 3. Análise e categorização de expressões metafóricas no corpus
Categorias de metáforas
de acordo com Lakoff e
Johnson (1980)
Metáforas
estruturais
Metáforas
Orientacionais
Metáforas
Ontológicas
Exemplificação
Expressões metafóricas
3,30 é roubo
Ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil.
Deseja formatar o Brasil?
Não adianta formatar o Brasil se não trocar de
sistema operacional.
Vem pra rua Brasil.
Direita? Esquerda? Eu quero é ir pra frente.
Saímos do Facebook.
Enfia os R$ 0,20 centavos no SUS
Pode ser que no final a gente diga: R$ 0,20
mudou o país.
O gigante acordou.
Não adianta ir para a rua como um leão se
você continua a votar como um jumento.
O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo.
Quando seu filho ficar doente, leve-o ao
estádio.
A justiça não me olha porque é cega, mas o
seu dinheiro ela enxerga.
Era um país muito engraçado, não tinha escola só tinha estádio... Ninguém podia protestar
não porque a PM sentava a mão.
Somos a rede social.
Contra a manipulação da mídia.
O congresso não me representa.
Pode ser que no final a gente diga: vinte centavos mudou o país.
País mudo, é país que não muda
Fonte: a autora
3186
Josefa Maria dos Santos
Ao observamos o quadro acima, percebemos claramente como o gênero ideologicamente foi construído por expressões metafóricas, e que essas escolhas não
são aleatórias, servindo em momentos particulares para contestar o poder hegemônico. O que, para Fairclough (2001), é uma boa razão para se defender uma modalidade de educação linguística que enfatize a consciência crítica dos processos
ideológicos no discurso, para que as pessoas possam tornar-se mais conscientes
de suas próprias práticas e mais críticas dos discursos investidos ideologicamente
a que são submetidas.
O cartaz de protesto e o Facebook:
algumas reflexões para o ensino
Segundo Sírio Possenti (2013), as manifestações de rua têm oferecido aos professores interessantes materiais para que a prática de leitura na escola seja efetivada a partir de análises mais explícitas e não apenas como identificação de conteúdo. Analisar com os estudantes as produções desses discursos a partir de seus
contextos globais, da observação do cartaz enquanto gênero e como esse gênero
ganha um outro significado quando colocado a serviço das práticas sociais pode
suscitar no aluno uma maior reflexão acerca de como os discursos se estabelecem
e como as relações de poder e dominação são manifestadas pelos usos linguísticos que se faz no texto. O estudo do gênero em tela, além de fornecer elementos
importantíssimos para a análise linguística, propicia também um trabalho interdisciplinar, visto que dialoga com outras disciplinas como a sociologia, história,
filosofia, enfim, as ciências humanas, fomentando assim um painel mais rico e
diversificado de saberes.
Nesse sentido, oferecemos algumas reflexões sobre como o ensino do gênero
pode ser inserido no contexto escolar a partir do uso do Facebook, já que segundo
Araújo & Biasi-Rodrigues (2007, p.79) a escola “precisa construir a sua história absorvendo novos conhecimentos e novas tecnologias e, valendo-se deles, promover
um ensino-aprendizagem contextualizado”. Pensando no que afirmam os autores,
fomos levados, desde o início dessa pesquisa, a refletir sobre de que forma a escola,
maior agência de letramento (KLEIMAN, 2007), poderia proporcionar esse processo de ensino-aprendizagem contextualizado.
3187
anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais
Assim, inicialmente levamos os estudantes ao laboratório de informática,
nos asseguramos de que todos os que ainda não possuíam perfil no Facebook criassem a sua página, e a partir disso criamos um grupo no site. Formado o grupo da
turma, começamos a estudar o gênero em páginas específicas, criadas especialmente para propagar os discursos das ruas. Após proporcionar o contato dos estudantes com os diversos discursos nos cartazes de protesto começamos a analisar
as estratégias de persuasão presentes, em particular as expressões metafóricas, o
que foi bastante significativo, pois os estudantes puderam perceber que as metáforas são muito mais que figuras de linguagens utilizadas para embelezar o discurso
poético. O espaço do Facebook também foi utilizado para postar as atividades de
análise do gênero e as próprias produções dos estudantes, o que proporcionou
uma interação bastante significativa, uma vez que os estudantes começaram a
utilizar a escrita de forma colaborativa a partir dos comentários sobre o gênero e
sobre suas próprias produções como mostram as figuras abaixo:
Figura 4 - cartazes para análises
Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/)
Figura 5 – questões para análises do gênero
Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/)
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JOSEFA MARIA DOS SANTOS
Figura 6 – Cartaz produzido pelos estudantes
Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/)
Figura 7 – Análise dos cartazes postados
Fonte: Facebook (www.facebook.com/groups/434347126731265/)
Com efeito, o trabalho de ensino do gênero em ambiente virtual (Facebook)
mostrou-se bastante produtivo para os sujeitos envolvidos na pesquisa, uma vez
que observamos a partir das respostas orais e escritas, bem como pelas próprias
produções textuais, que os estudantes compreenderam a função social do gênero em questão: estimular a participação social, levando o povo a posicionar-se
frente às questões políticas e econômicas do país. Mas não só isso, os estudantes
perceberam que o gênero torna visíveis os problemas sociais quando dá voz às
pessoas em situação de protesto, explicitando assim, as relações de desigualdades entre os sujeitos sociais envolvidos. Os alunos observaram ainda que um
gênero carrega consigo crenças e valores de uma sociedade, demonstrando posições políticas e ideológicas presentes em determinados grupos, e que recursos
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
linguístico-discursivos como coesão, intertextualdiade e metáfora, por exemplo,
não são usados pelos produtores de texto de forma ingênua ou aleatória, já que
há nessas escolhas questões ideológicas e hegemônicas mais amplas que precisam ser compreendidas pelo interlocutor para que ele possa posicionar-se criticamente diante delas.
Considerações finais
Analisar o uso de expressões metafóricas como estratégias de persuasão
utilizadas no discurso dos cartazes de protesto, propondo atividades que facilitassem o processo de ensino e aprendizagem do gênero em ambiente virtual nas
aulas de língua portuguesa constituíram o objetivo dessa pesquisa. No gênero
analisado, percebemos que a metáfora, considerada tradicionalmente como aspecto da linguagem literária, especialmente da poesia, foi fortemente utilizada e
teve, na constituição dos discursos, importante papel persuasivo.
Ao optarmos pelo gênero em suporte eletrônico, objetivamos mostrar como
as redes sociais digitais podem funcionar como ferramenta pedagógica e como
o professor, ao fazer uso de outros suportes textuais, pode transformar suas aulas em momentos mais significativos para os estudantes. Assim, longe de ter a
pretensão de fornecer dicas, receitas ou produzir manuais de como se trabalhar
com o gênero em sala de aula ou como abordar a análise do discurso no ensino
fundamental, pretendemos apenas possibilitar algumas reflexões acerca do papel do professor de língua portuguesa frentes às novas exigências educacionais,
pois entendemos que só compreendendo o discurso de diferentes formas de ação
em sociedade, é possível construir nas escolas espaços criativos e dinâmicos de
aprendizagem, assim como é possível também utilizar outros suportes como as
redes sociais digitais para efetivar leituras e discussões críticas.
3190
Josefa Maria dos Santos
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3193
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar as práticas de letramento digital
que ocorrem em uma disciplina de Literatura Infantil no curso de Pedagogia pela
modalidade de Educação à Distância (EaD). Os resultados apresentados decorrem
de um estudo de caso, sob uma perspectiva metodológica qualitativa, analisando
as atividades de letramento digital sugeridas e orientadas no Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA). É possível flagrar os movimentos de transgenerização ou hibridismo de gêneros, muitos que são conhecidos fora do âmbito virtual e que são
migrados com características específicas para o ambiente digital, por exemplo os
contos de fadas comumente apresentados no formato impresso e que são adaptados
para o formato de vídeos. Mais ainda: quando ocorre a leitura no formato virtual do
conto e sua transposição em modos de apresentação de links ou slides de apresentação com recortes de imagens do vídeo. Nesse percurso de análise observamos as
transformações de gênero literário mediadas pelos artefatos digitais, constituindo
práticas de letramento digital que exigem as competências específicas de leitura hipertextual, manuseio de ferramentas de gravação/modificação de imagens e textos
(copiar imagem, cortar imagem, migrar imagens, linkar imagens/textos/vídeos). O
estudo se pauta dentro da área temática de ‘letramento e ensino’ e na grande área
‘linguagens, novas tecnologias e ensino’ propostas neste VI ECLAE com interesses
em analisar as práticas de letramento digital no contexto de práticas de ensino constituídas na modalidade de EaD.
Palavras-chave: Letramento digital, Educação a distância, Ambiente virtual de
aprendizagem, Literatura infantil.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
Letramento Digital e Ensino no Curso
de Literatura Infantil em EaD
Robson Santos de Oliveira1 (UFRPE/UAG)
Introdução
Estudos sobre o uso das tecnologias e seus impactos nas várias áreas da educação tem se tornado crescente. No campo do ensino e da linguagem verificamos
as investigações de Freitas (2005; 2009), Vani Kenski (2007), Araújo (2009; 2011),
Xavier (2011), Coscareli (2012), Bezerra (2011), Ribeiro (2012), entre outros. Especificamente no campo da Educação a Distância (EaD) destacamos Moran, Baseto e
Behrens (2000), Valente, Prado e Almeida (2003), Arruda (2004), Kenski (2006),
Beloni (2006), Maia e Mattar (2007), Araújo (2013).
A modalidade de EaD é prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB 9.394/1996) no seu artigo de número 80, especificamente, e no
artigo de número 87, mas também faz referência ao seu uso em outras modalidades, como no Ensino Fundamental:
• Seção III (Do Ensino Fundamental), artigo 32, § 4º - O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como
complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
[grifo meu]
1. Prof. Dr. em Psicologia Cognitiva. Universidade Federal Rural de Pernambuco/Unidade Acadêmica de
Garanhuns. Email: [email protected]
3195
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
A Educação a Distância constitui-se na modalidade de educação na qual a
mediação didática e também pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre através de meios e tecnologias de informação e comunicação (TIC),
em espaço e tempo assíncrono entre professores e estudantes, ou seja, é uma
modalidade de educação não-presencial. Esta definição está presente no Decreto
5.622, de 19.12.2005 (que revoga o Decreto 2.494/98), que regulamenta o Art. 80
da Lei 9.394/96 (LDB. Tal mediação didático-pedagógica com professores, tutores e estudantes exige o domínio de novas ferramentas tecnológicas e estratégias
inovadoras e adaptadas a este novo contexto de ensino-aprendizagem.
Não faz parte dos objetivos deste artigo rever a história da EaD no Brasil
que é resgatada por Valente (1997), mas nos reportaremos a algumas práticas de
leitura e escrita nos ambientes midiáticos contemporâneos e que são utilizados
nesta modalidade.
Letramento digital e multiletramentos: multiletramentos
digitais
Por letramento digital conceitua-se as práticas de leitura e escrita no ambiente digital mediadas pelas tecnologias computacionais e de internet (SOARES, 2002; XAVIER, 2007). Assim, encontramos suportes tanto computacionais
como os editores de texto, de planilhas eletrônicas, de apresentação, de imagens
e de vídeos, os quais exigem formas de escrever e de ler específicas, caracterizadas por hipertextualidades e hibridismos de modalidades de escritas: textos
com sons (diapositivos de apresentações), vídeos com textos (filmes editados),
gráficos com animações, alterações de imagens etc. Todos esses procedimentos
de escrita mediados pela tela do computador são práticas de letramento fora da
internet, ou consideradas off-line.
No ambiente virtual constituído pela internet essas mesmas práticas podem ser construídas e com novos incrementos, como a sincronicidade de ação
em caráter colaborativo (escrever textos, elaborar planilhas, criar imagens,
sons e vídeos de modo simultâneo) através de suportes que assim o permitam,
3196
Robson Santos de Oliveira
como o Google-drive2. Essa modalidade de escrita amplia aquelas consideradas
off-lines porque permitem compartilhamento e armazenamento de informações em larga escala e em caráter colaborativo, nos quais a hipertextualidade e
os diversos letramentos se justapõem, então estamos nos referindo aos processos de lecto-escrita on-line.
Assim, vários pesquisadores (SOARES, 2002; ROJO 2009; STREET, 2003)
apontam para essa multiplicidade de letramentos com especificidades quanto à
sua semiótica e estruturação no que se propõe designar por multiletramentos.
Diremos, aqui neste artigo, que os multiletramentos coexistentes em textos e
modalidades de escrita/leitura no ambiente digital, seja off-line ou on-line, são
considerados multiletramentos digitais.
Gêneros e hibridização de gêneros
Os gêneros textuais são textos materializados em situações comunicativas
recorrentes (MARCUSCHI, 2008) e esses textos apresentam padrões sócio-comunicativos característicos definidos por estruturas funcionais, objetivos, elementos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças
históricas, sociais, institucionais e técnicas (SANTOS, 2009), os quais se materializam em padronizações mais ou menos rígidos ao longo do tempo, mas que
também se caracterizam por modificações em outras formas genéricas ou mesmo na hibridização de gêneros.
Estudos sobre a questão da transmutação, hibridização e formação de gêneros (Bhatia, 1997; 1993; 1999; Marcuschi, 2000; 2004; Swales, 2004;
Araújo, 2004; 2006; Bezerra, 2006; Lopes, 2008) são apontados por
Araújo (2012) que propõe a ideia de constelação de gêneros para dar conta desse
caráter dessa tensão diádica entre rigidez e flexibilização dos gêneros. Assim,
podemos considerar que, por um lado os gêneros se tipificam em padrões estabelecidos, aceitos e perpetrados ao longo do tempo (cartas, receitas, entrevistas
etc.) mas que também sofrem modificações nos contextos de uso (cartas que
2. Google Drive é um serviço de armazenamento e sincronização de arquivos, apresentado pela Google
em 24 de abril de 2012, compartilhando documentos de textos, planilhas eletrônicas, imagens, sons etc.
3197
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
se transformam em bilhetes, a fala que se transmuta nos diálogos escritos dos
chats, os diários que se modificam em blogs etc.
O próprio Araújo (2012, p. 190) embasa-se na tese inicial de Marcuschi (2000,
p. 14) que afirma Marcuschi em relação à atividade de classificação dos textos,
diz que “a diversidade de formatos pode ocorrer com [muitos] gêneros que
apresentam formas de realização variadas (...)a ponto de não sabermos se estamos no mesmo gênero” [grifos de ARAÚJO, 2012, p. 190]. Admite-se, desse modo,
tanto uma característica de padronização dos gêneros e, ao mesmo tempo, sua
outra característica de flexibilização dessa padronização, no que se observa que
são os usos num horizonte social e cultural que provocam tais tensões nos modelos sociais de escrita e de leitura.
Considerando as características dos multiletramentos digitais torna-se um
fenômeno corolário as modificações e hibridismos de gêneros. Acessar um vídeo
e transmutá-lo em recortes de imagens para um arquivo de leitura de apresentação ou utilizar imagens, alterá-las e transportá-las para um arquivo de texto é
um exemplo disso: os gêneros se hibridizam. Vídeos que tem textos ou arquivos
de leitura que possuem sons e vídeos.
Moodle, AVA e multiletramentos digitais
Nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) esses multiletramentos digitais e hibridismo de gêneros digitais se tornam práticas comuns, exigindo dos
sujeitos pertencentes a esse espaço social conhecimento e domínio de ferramentas e atividades de escrita e leitura digital.
Os AVA são espaços virtuais onde professores, tutores e estudantes atuam numa perspectiva de ensino-aprendizagem. Esses cenários virtuais são predominantemente de escrita e de leitura, portanto, de multiletramentos digitais
configurados por ambientes tais como Chats (salas de bate-papo em caráter síncrono), Fóruns (ambientes de trocas de postagens sob um tema específico em
caráter assíncrono), envio de tarefas, atividades Wiki3, questionários etc.
3. Wiki (Cambridge dictionary online): Um lugar na Internet onde qualquer pessoa pode adicionar novas
informações ou modificar aquelas já existentes [tradução minha]. Ver em http://goo.gl/gchD0F [acesso em
10/08/2015]
3198
Robson Santos de Oliveira
O Moodle tem sido utilizado mais frequentemente como uma plataforma
para o desenvolvimento de EaD por diversas instituições educacionais. O termo
MOODLE é o acrónimo de “Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment”, um software livre, de apoio aos procedimentos de ensino-aprendizagem, executado num ambiente virtual4. Seus recursos disponibilizados permitem atividades orientadas por professores e acompanhadas por tutores prevendo
datas de entrega das atividades por parte dos estudantes.
A centralidade da lecto-escrita nesse ambiente é que caracteriza a modalidade de multiletramentos digitais e hibridismos de gêneros na medida em que
textos digitalizados são lançados no ambiente, precisam ser acessados e realizado arquivamento por parte dos estudantes em seus computadores ou dispositivos pessoais de memória digital. A própria práxis pedagógica deste espaço que se
caracteriza como AVA exige a participação do aluno com frequência, acessando
e enviando arquivos, realizando leitura e escrita nas diversas salas disponíveis
(chats, fóruns, atividades wiki etc.). Denise Braga (2007, p. 182) afirma que isso
era o de se esperar pois “(...) esse conjunto de possiblidades criou novas práticas
letradas e também re-configurou e re-significou práticas já existentes”, portanto estamos, nesse momento, reconfigurando e ressignificando práticas de letramento através dos multiletramentos digitais e hibridização de gêneros.
Este artigo apresenta um estudo de caso decorrente de minha experiência
docente no curso online de Pedagogia, da UFRPE, na disciplina de Literatura
Infanto-Juvenil, no período de janeiro a abril de 2014, utilizando a plataforma
Moodle. Uma imagem a seguir apresenta o ambiente inicial da disciplina com
três colunas de ação, conforme na figura 1 (visualização a partir do computador
do professor executor):
4. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Moodle [acesso em 10/08/2015]
3199
anais eletrônicos Vi eClae / Comunicações Individuais
Figura 1: Ambiente inicial da disciplina de Literatura Infantil no Moodle/UFRPE
Nesse cenário de AVA temos a coluna de “navegação” (coluna 1) permitindo
uma visualização em diversos links de acesso de informação do curso, da disciplina bem como do perfil do usuário. Na coluna central (coluna 2) temos o cenário onde ocorre o desenvolvimento da disciplina com as postagens de ementas,
textos, links diversos e atividades a serem realizadas pelos estudantes. Na coluna
3 temos os links de ‘pesquisar nos fóruns’ e “últimas notícias” onde é possível
identificar informações dos fóruns e quem está online no momento, bem como
o que faz.
Vamos apresentar algumas postagens da coluna central (coluna 2) onde
ocorrem as atividades pedagógicas. Na figura 2, a seguir, propomos no cenário
pedagógico várias atividades que requerem multiletramentos digitais:
3200
Robson Santos de Oliveira
Figura 2: Atividade de leitura de textos fora do ambiente Moodle
Nessa primeira semana o professor executor disponibilizou no AVA do Moodle dois modos de leitura digital:
1. Leitura dos livros de Lígia Cadermatori e de Lajolo e Zilberman no
formato em pdf. Quando o aluno passa o mouse sobre este link será
guiado para uma página onde estão disponibilizados os livros para
serem arquivados em seu computador ou dispositivo digital;
2. Leitura de sites, fora do ambiente Moodle, como Wikipedia por
exemplo, onde é possível realizar a leitura hipertextual do título ‘Literatura Infantojuvenil’ (em português) e ‘Literatura Infantil’ (em
espanhol).
Toda essa movimentação, por parte dos estudantes requer multiletramentos digitais: movimentar o mouse nos lugares adequados para acessar outras
páginas (links identificados por cores e ícone de mão que surge na tela do computador sobre a palavra); acessada a página é preciso clicar com o mouse novamente sobre o link do arquivo (livro digital em formato de pdf) para armazenar
no seu dispositivo pessoal, o que requer, por sua vez conhecimentos prévios de
download de arquivos digitais e sua localização e nomeação no dispositivo pes-
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
soal; no caso do link para o site fora do ambiente do Moodle é necessário que o
estudante proceda à leitura hipertextual no Wikipédia para realizar o seu resumo de pontos relevantes.
Após esses procedimentos que atualmente se constituem básicos para a
maioria dos internautas, ou seja, de letramento digital, ainda no AVA o estudante deverá enviar um documento de editor de texto como um Word (Office)
ou Writer (Libre Office) com os resumos das leituras realizadas e respondendo
a questionários. Nesse novo movimento do estudante observamos as práticas de
escrita digital:
1. Primeiramente no letramento digital off-line: realizando a escrita dos resumos dos documentos lidos para um editor de texto, o
que requer conhecimentos prévios de abrir o respectivo programa
aplicativo, saber movimentar o mouse e selecionar as ferramentas
de escrita e editoração textual (alinhamentos, leiaute de página,
adentramentos, configurações de fontes, inserção de referências de
nota de rodapé, inserção de textos copiados dos sites ou do livro digital etc.;
2. Em um segundo momento no letramento digital online: acessando o link no AVA do Moodle para ir à página de envio do documento escrito no modo off-line, clicar com o mouse no ícone adequado e proceder aos caminhos corretos de localização do documento
digital previamente escrito em seu dispositivo de armazenamento,
selecioná-lo e enviá-lo para o AVA.
Somente nesta primeira semana, com essas duas atividades de leitura e
escrita, verificamos o multiletramento digital, nas instâncias off-line e online.
Quanto à atividade de lecto-escrita registramos aqui as considerações de Fernanda Freire (2003, p. 151) quando discute escrita/leitura e computadores, especificamente quanto ao uso de editor de texto na escola, afirmando que o computador (e pode-se generalizar, também as mídias digitais, incluindo ainda a
Internet) tem modificado o modo como nos relacionamos com a escrita e com a
leitura. Nesse mesmo sentido Ribeiro (2003, p. 230) acrescenta que “estar online
3202
Robson Santos de Oliveira
no uso do computador abre possibilidades de navegação e leitura” pois a rede
mundial de computadores, a WWW, é muito mais que uma simples máquina de
escrever, diz ela, pois para interagir no ambiente virtual, ler e escrever, é preciso
“(...) que o usuário se mova, aperte botões, clique em palavras, compreenda a
formatação das páginas digitais” (RIBEIRO, 2003, p. 232), ou seja, é necessário
aprender novos gestos de ler e escrever (RIBEIRO, 2003, p. 237).
Na figura 3, abaixo, observamos a orientação do professor-executor quanto
à formatação do texto exigido, questões sobre a leitura dos documentos digitalizados e prazos de envio:
Figura 3: Página de orientação de atividade virtual no Moodle de EaD/UFRPE
Na página acessada, cujo recorte é apresentado na figura 3 observa-se as
questões sobre a leitura dos documentos a fim de que os estudantes procedam à
leitura e posteriormente à escrita da atividade. Também visualiza-se as orientações sobre como proceder na escrita digital e em seguida informações de agendamento de envio das tarefas.
Em outro momento da disciplina de Literatura Infantil foi solicitado uma
atividade de gênero e de intergericidade.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Figura 4: Atividade de reconhecimento de gêneros literários infantis
Nesta semana foi solicitado aos estudantes que acessassem outras páginas
fora do AVA do Moodle como uma página do Wikipédia e também um blogue.
Essas páginas por sua vez traziam informações sobre a literatura infantil e seus
gêneros (fábulas, contos de fadas, lendas etc.). Já nesse movimento observa-se
que o estudante se movimenta em vários gêneros emergentes da tecnologia
digital (sites e blogues) e passa a revistar antigos gêneros agora no formato digital. No blogue indicado foi solicitado uma leitura hipertextual e uma escrita
em forma de apontamentos, portanto multiletramentos digitais.
O próprio espaço destinado à atividade da semana traz uma característica
do gênero da literatura infantil: a imagem da personagem Branca de Neve e os
sete anões. Esse aspecto materializa o hibridismo dos gêneros que se tornam
tão comuns no ambiente digital e, no caso aqui, observamos a referência imagética do gênero literário no texto didático de atividade pedagógica. Esse conjunto de ações de leitura constitui o multiletramento digital em vários espaços
do AVA e fora dele.
3204
Robson Santos de Oliveira
Uma tarefa é sugerida esta semana, conforme proposta na figura abaixo:
Figura 5: Proposta de atividade sobre os gêneros na literatura infantil
Na proposta pedagógica, conforme apresentada na figura 5, flagrada do AVA
no Moodle da UFRPE na disciplina de Literatura Infantil do curso de Pedagogia,
verificamos que após a leitura digital no site Wikipédia e no blogue especificado foi solicitada a tarefa de escrita digital no fórum, a partir da leitura de um
dos tipos textuais do gênero literário infantil (contos de fadas, lendas, fábulas
etc.) reapresentar o mesmo no ambiente de fórum. Essa mobilidade intergêneros
constitui o hibridismo que lhe caracteriza, ou seja, a inserção de aspectos de
um gênero noutro. Numa perspectiva macrovisual também vislumbramos aqui
a constelação de gêneros proposta por Araújo (2012).
A seguir apresentamos o resultado dessa intergenericidade na qual aspectos
do gênero literário infantil se manifestam e se mesclam no gênero fórum virtual
na figura 6:
3205
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Figura 6: Atividade de estudante no ambiente de fórum virtual
Na figura 6 observamos a transposição do gênero de literatura infantil para
o gênero fórum virtual ao mesmo tempo em que se mescla o gênero sinopse.
Aqui temos, portanto, o flagrante da constelação de gênero e sua hibridização
intergenérica. Ao mesmo tempo verificamos a prática dos multiletramentos digitais: leitura em diversas modalidades de gêneros e escrita digital, tanto off-line
quanto online.
Por fim destaca-se outra atividade nesta disciplina em que observa-se, por
exemplo, a leitura hipermidiática no Youtube de canções de Vinícius de Moraes
e outros intérpretes da MPB no projeto A Arca de Noé.
Figura 7: Atividade sobre projeto musical de Vinícius de Moraes (A Arca de Noé)
3206
Robson Santos de Oliveira
Nesta semana de atividades virtuais verificou-se que o professor-executor
da disciplina propôs o letramento digital de músicas no ambiente de Youtube. O
próprio projeto musical A Arca de Noé, nos anos 1980 na TV Globo já se caracterizou por essa intergenericidade realizando adaptação musical para a televisão.
Se fizermos uma análise mais aprofundada, o que não será possível nesse texto,
será possível concluir que o próprio projeto musical A Arca de Noé na TV é uma
escala de intergenericidade, pois Vinícius de Moraes iniciou como poesia, lançando um livro, para depois migrar para as composições musicais das produções
poéticas e, por fim, culminar na produção televisiva com videoclipes dessas músicas poetizadas.
O exemplo aqui apresentado dessa semana de atividade pedagógica no AVA
do Moodle materializa esse multiletramento digital que o computador e a Internet nos proporciona na atualidade, ou como nos diz Coscarelli (2009, p. 14): “o
computador disponibiliza muitos textos, encoraja com suas ferramentas a construção de textos mono ou multimodais”. Na figura 7, então, flagra-se como os
diversos gêneros se imbricam no ambiente virtual: o estudante será estimulado a
visitar o Youtube; ler nesse gênero digital emergente som, imagens e textos; realizar escrita de pontos relevantes; reescrever o texto no modo de vídeo/som para
o modo de texto/resumo como o que se pede de tarefa: “Visite os links indicados
e escolha uma música, apresentando o cantor e a história da música”.
Um dos resultados resultados dessa atividade pode ser observada na imagem a seguir, na figura 8, onde os estudantes pesquisaram em ambientes fora do
AVA no Moodle e encontraram uma das composições de Vinícius de Moraes no
seu projeto A ARCA DE NOÉ, apresentando-a no ambiente de fórum:
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Figura 8: Escrita do estudante de texto pesquisado na Web
Embora pareça bastante simples o ato de ‘copiar’ e ‘colar’ no computador e
no ambiente virtual, o fato é que representa um dos novos usos da escrita e da
leitura digital. Aqui, em resposta à tarefa solicitada pelo professor-executor os
alunos realizaram uma das facetas do letramento digital: se deslocaram para
fora do AVA no Moodle, utilizaram sites de busca ou navegaram num dos links
propostos para a semana, depois fizeram a leitura hipertextual para selecionar
uma composição poética, copiaram e depois retornaram ao AVA no Moodle para
reescrever o texto selecionado. Nesse sentido corroboramos o que disseram Silva, Lima e Araújo (2009, p. 186) afirmando que a natureza hipertextual dos egêneros presentes nos AVA requerem uma confluência de letramentos.
E aqui temos um outro exemplo desse movimento que exige multiletramentos digitais, quando o estudante de EaD realiza pesquisa no ambiente virtual, de
modo tematizado (literatura infantil), e de modo específico (Youtube), coletando
o endereço eletrônico e o transportando para o espaço de fórum virtual, onde
o suporte do Moodle permite a visualização imediata da mídia, caracterizando
uma hipermidialidade. Vejamos na figura 9 esta característica:
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Robson Santos de Oliveira
Figura 9: Reescrita digital do gênero vídeo virtual no ambiente de fórum
Nesta figura flagra-se a constelação de gêneros novamente, como sugerida
por Araújo (2012), a hibridização de gêneros que se justapõem em vários níveis e
os multiletramentos que se manifestam em leitura e escrita digital em diversas
modalidades.
As atividades propostas e realizadas no AVA requerem, como visto até aqui,
um conhecimento prévio de lecto-escrita digital para que se possa atuar no ambiente e participar ativamente das aulas e sua dinâmica, tanto no espaço específico da atividade virtual quanto fora dela, tanto online quanto off-line.
Considerações finais
O estudo de caso aqui apresentado revela os imensos potenciais das ferramentais digitais em AVA como o Moodle, apesar de suas limitações. As atividades de EaD na disciplina de Literatura Infantil apresentadas nesse artigo
revelam como os multiletramentos digitais são exigíveis e, ao mesmo tempo, se
ampliam em contextos de usos, contribuindo para os hibridismos de gêneros e a
caracterização de novos gêneros que emergem na tecnologia digital.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Esses novos procedimentos de escrita e de leitura provocam-nos, como educadores e técnicos educacionais, a fim de nos prepararmos adequadamente para
novos cenários pedagógicos, novas estratégias educacionais sem perder o foco
no estímulo à criticidade enquanto sujeitos do conhecimento.
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RESUMO
As TIC estão inseridas de forma muito preponderante no cotidiano de todos os cidadãos, ou seja, atualmente, vive-se a influência dos meios de comunicação, dada a
velocidade com a qual as informações circulam no mundo globalizado, cujas fronteiras são rompidas, possibilitando a propagação mais facilmente de ideologias e
consequentemente a reprodução de discursos massificantes. Por isso, esse artigo
tem por objetivo geral verificar como o uso das TIC pode favorecer o desenvolvimento do processo de formação do aluno de língua portuguesa, de maneira a creditar
mais estímulo e possibilitar uma maior interação entre o sujeito/aprendiz e o objeto
de conhecimento. Assim, essa pesquisa se justifica pela relevância de se analisar a
utilização das novas tecnologias no processo da interação do aprendiz com o seu
objeto de estudo, ou seja, a sua língua nativa, que deve ser apresentada como sua
própria identidade. A metodologia de investigação está apoiada na pesquisa bibliográfica que se impetrará a partir da fundamentação teórica advinda de leitura de
documentos como os OCEM (2006), pesquisas, artigos e trabalhos de autores como
CANDAU (2002), LÉVY (2007), BAGNO (2007), dentre outros, bem como a análise
do estudo da disciplina língua portuguesa e suas implicações no cotidiano, a partir da sociolinguística educacional. O presente artigo contribui para uma reflexão
acerca da necessidade de se trabalhar com a inserção das novas tecnologias como
instrumento de estímulo e dinamização, a fim de quebrar paradigmas existentes, os
quais criam rejeição do discentes no que concerne ao estudo da sua própria língua.
Palavras-chave: Ensino, Identidade, Língua portuguesa, TIC.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
O USO DAS TIC NO PROCESSO
ENSINO/APRENDIZAGEM DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Maria Goretti dos Santos Silva1 (SEC-BA)
Introdução
Os meios de comunicação devem ser instrumentos de auxílio no processo
de formação do professor, visto que muitas são as ocasiões em que o uso dos
recursos tecnológicos pode favorecer o desenvolvimento ensino/aprendizagem,
bem como pode provocar um estranhamento, sobretudo dos educadores que há
muito já exerce a função docente.
As TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação – estão inseridas de forma muito preponderante no cotidiano de todos os cidadãos, ou seja, atualmente,
vive-se a influência dos meios de comunicação e informação, dada a velocidade
com a qual as notícias circulam no mundo globalizado, cujas fronteiras são rompidas, possibilitando a propagação mais facilmente de ideologias e consequentemente a reprodução de discursos massificantes.
É bem verdade que não se deve tratar as TIC como instrumentos meramente maléficos. A forma como são utilizados estes recursos é que nortearão os
resultados objetivados, de maneira tal que a necessidade de apresentar ao educador, em processo de formação de caráter contínuo, as novas tecnologias condensa-se com uma congruência própria de quem está vivenciando as mudanças
1. Professora Msc. da SEC-BA nas disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual
do Ensino Médio.
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de paradigmas, bem como as transformações de modelos educacionais estáticos,
engessados, paralisados, de reprodução alienante e inflexível.
Para tanto, este artigo tem por objetivo geral verificar como o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação pode favorecer o desenvolvimento do
processo de formação do aluno de Língua Portuguesa (LP), de maneira a creditar
mais estímulo ao educando, possibilitando uma maior interação entre o sujeito/
aprendiz e o objeto de conhecimento.
A metodologia desta investigação se apoia na pesquisa bibliográfica que se
impetrará a partir da fundamentação teórica advinda de leitura de livros, revistas, pesquisas, artigos e resumos. Em seguida será realizada a análise das implicações em seu cotidiano, buscando assim, favorecer a sistematização teórica em
concordância com a análise crítica dos dados coletados acerca do tema proposto.
Esta pesquisa se justifica pela observância do processo de formação discente em consonância com as novas tecnologias que “movem” o mundo globalizado.
Não obstante, o processo de expansão do ensino em pleno século XXI deve estar
atrelado ao crescimento gradativo e por vezes exacerbado dos recursos tecnológicos que fomentam o surgimento, cada vez mais veloz, de distintas atitudes, seja
no âmbito da linguagem, do comportamento, do conhecimento. Já não se pode
mais pensar em um modelo educacional que vá de encontro aos mais concretos
meios de aquisição de aspectos cognitivos e conhecimentos sociais vigentes, que
faz com que o ensino da LP se confunda com o ensino de uma língua estrangeira
para o educando. Por isso, faz-se preciso estimular o uso das TIC para um aproveitamento mais eficiente dos objetos de estudo, a fim de se alcançar resultados
igualmente eficazes.
Assim sendo, o uso de recursos tecnológicos no âmbito escolar tende a favorecer um processo de maior atenção dos sujeitos envolvidos no processo ensino/
aprendizagem, posto que a partir da utilização de instrumentos inovadores, há
um fomento às novas formas de diálogos, sobretudo, de maneira mais eloquente
com aprendizes inseridos em um contínuo e presente contexto de transformações sócio-político-culturais e linguísticas.
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Maria Goretti dos Santos Silva
Português: língua nativa ou língua estrangeira?
A língua portuguesa é composta por características multifacetadas, pois ao
se observar os constituintes dessa língua se pode perceber a diversidade linguística, cultural, histórica que formou e forma cotidianamente essa identidade
nacional. Todavia, é necessário considerar que o português ao qual esse estudo
se propõe pesquisar é o português brasileiro. Faz-se relevante estabelecer tal distinção, pois de acordo com Saramago (apud Bagno 2007) “quase me apetece dizer
que não há uma língua portuguesa, há línguas em português.” Reafirmado por
Bagno (2007) “o português são muitos”. Essa é a marca impressa em uma língua
tão dinâmica e idiossincrática utilizada em tantos países, estados, cidades ou
mesmo nos vários guetos que compõem o global e o local, pois toda e qualquer
língua é viva e está sempre em processo de mutação e adaptação contextual. Assim, como corrobora Mendes (2004, p. 12):
O que importa, e é isso que aqui defendemos, é pensar a língua como
entidade viva, que se renova a cada momento, que se multiplica e auto-organiza através do seu uso pelos falantes e pelo contato com outras
línguas; língua que é ao mesmo tempo, reflexo da cultura e também
instrumento da construção e afirmação da cultura, marcando e sendo
marcada por ela.
Nisso consiste a afirmativa de que a língua e cultura não podem ser dissociadas. “A cultura e a língua orientam a nossa experiência subjetiva, oferecendo-nos uma grande variedade de representações simbólicas que permeiam
todas as relações sociais” (MENDES 2004, p. 84). Isto é, partindo do processo
de comunicação se tende a estabelecer as relações entre os seres sociais. Neste
contexto, categoriza-se a língua e cultura brasileiras como sendo muito ricas e
diversificadas, podendo-se dizer uma cultura de muitas culturas, uma língua de
várias línguas.
Muitas pesquisas apontam para o fracasso escolar que é crescente em relação ao ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa entre alunos brasileiros/
nativos do ensino fundamental no Brasil. Por isso, é muito comum ouvir alunos dizerem que não sabem falar “português”, uma vez que essa língua ensinada na escola pouco condiz com a realidade pragmáticas desses falantes. Não
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
obstante, o falante nativo perde o enlace, até mesmo sentimental, com a sua
própria língua, que deveria ser um ícone identitário e cultural na representação de seu habitus2 .
O ensino-aprendizagem da língua portuguesa no Brasil tem encontrado
bastantes barreiras no que concerne à motivação dos alunos em “dominá-la”.
Isso se deve ao fato de que para muitos estudantes, a língua portuguesa acadêmica tem pouca referência com a língua portuguesa falada em sua práxis
social. Desse modo, a língua se configura como algo que causa um estranhamento ao discente, ao ponto de ser comum comentários como: “não sei falar
português”, isso acontece porque a escola precisa compreender que os alunos
são heterogêneos e estes estão em constante transformação, seja no que concerne à língua ou à cultura.
De acordo com Bagno (2007, p.37):
Se a língua é falada por seres humanos que vivem em sociedade, se
esses seres e essas sociedade são sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogêneos, diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos
e transformações, estranho, o paradoxal, o impensável seria justamente
que as línguas permanecessem estáveis e homogêneas.
Ora, se o sujeito é brasileiro/nativo como não sabe falar a sua própria língua?
Esse fato está imbricado com a falta de noção de pertencimento, de identidade.
A língua não é vista como algo que compõe sua formação identitária e assume,
dessa forma, uma caráter de estrangeiro3. Por vezes, a língua portuguesa é vista
pelos alunos brasileiros/nativos como “língua estrangeira”, pois estes veem com
estranheza a sua própria língua quando chegam à escola, uma vez que há uma
diferença, a qual causa repulsa no processo de aprendizagem, entre a língua vivenciada e aquela apresentada no ambiente escolar.
2. Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica afirmar que o
individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus é
uma subjetividade socializada (BOURDIEU, 1983).
3. É importante considerar que estrangeiro aqui está sendo tratado como algo que causa estranhamento.
Ou seja, a língua portuguesa escolar é considerada como uma língua estranha, estrangeira.
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Maria Goretti dos Santos Silva
Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade em seu poema Aula de Português:
“A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.”
Como o próprio poema afirma, a língua portuguesa é apresentada no espaço escola como sendo uma outra língua, com tons de estrangeira, totalmente
distinta da “linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender”. O
aluno se sente diante de uma língua distinta daquela que se fala no cotidiano, da
espontaneidade, das expressões comuns à sua fala contextual. Nesse cenário, a
língua se apresenta como sendo algo tão distanciado e que “aturde e sequestra”
o aprendiz, que é nativo dessa mesma língua.
Assim “a língua, como veículo do pensamento do homem, é a manifestação
de sua identidade” (SCHEYERL 2004, p.65), por isso, o estudante se vê atropelado por tantas regras e exceções que muito dificultam seu percurso de aperfeiçoamento daquela que carrega em si as marcas identitárias desse mesmo nativo,
e que diante desse molde normativo da língua, inicia um processo de rejeição à
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
sua própria língua portuguesa, haja vista os professores ouvirem tão constantemente de alguns alunos que odeiam a língua portuguesa, por ser tão difícil e
inacessível.
Por isso, para esses alunos, o português se configura como “dois, sendo o
outro mistério”, porque esse outro, por vezes se constitui tão complicado para o
discente que este nem consegue discernir que é a mesma língua, mas com formatações contextuais diferenciadas, ou seja, a escola apresenta a língua formal,
mas cabe ao estudante saber utilizar essa língua de maneira devida em sua situacionalidade, e por vezes essa “dualidade” não fica clara para o aprendiz. Assim
sendo, pode-se considerar que não se tem uma língua portuguesa, mas uma
língua BRASILEIRA, a qual se torna uma forte marca identitária que bem caracteriza o jeito brasileiro de ser, “aqui, a diferença é colocada em termos de ‘língua
dos brasileiros e ‘língua dos portugueses...” (BAGNO 2007, p.99).
Por conta da obrigatoriedade imposta na escola de um ensino meramente
pautado na gramática normativa, o momento de construção do saber se torna
desmotivador, pois não há nenhuma associação com a realidade vivenciada.
Além do que, os alunos, os quais já possuem um vocabulário dito “diferente”
do padrão, são estigmatizados e excluídos na escola e na sociedade, pois a “linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável” (ALKIMIM
2001, p.21).
Muitos professores de Língua Portuguesa se sentem, por vezes, frustrados
ante a rejeição que os alunos têm à matéria. Rejeição esta que já se configura
como um fator histórico-social, haja vista as enormes diferenças linguísticas que
no imaginário coletivo do aluno transforma a língua portuguesa, em uma língua
estrangeira, tamanha a falta de apreensão e compreensão. Não obstante, não se
pode esquecer que o aluno é brasileiro/nativo e é falante dessa língua. Isso já o
torna capaz de compreender a importância da contextualização da linguagem.
Contudo, isso não o torna um falante melhor ou pior, já que o objetivo primeiro
de uma língua é a comunicação.
Assim, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio propõem:
Quando se consideram os conceitos de heterogeneidade da linguagem
e da cultura, passa a ser difícil conceber a linguagem e a cultura como
abstrações descontextualizadas. Conforme se viu, tanto a linguagem
como a cultura se manifestam não como totalidades globais homogêne-
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Maria Goretti dos Santos Silva
as, mas como variantes locais particularizadas em contextos específicos
(BRASIL, 2008, p.103).
Para tanto, faz imprescindível que a escola seja um espaço de apresentação
dos vários contextos linguísticos que permeiam a sociedade na qual o aluno está
inserido. Ou seja, a língua trabalhada pode estar em consonância com a realidade e também em entrelaçada com a gramática normativa, uma vez que há uma
exigência social de apreensão dos padrões da norma culta.
A sociolinguística educacional
A aprendizagem é ser um momento de troca de experiências, seja de maneira formal seja informal, isto é, a partir da interação entre os sujeitos, o conhecimento pode ser construído de modo coletivo e com base no contexto social no
qual se está inserido. Para Vion (1992, p.45): o “interacionismo é capaz de indicar
que toda empreitada ou ação do sujeito no mundo se inscreve num quadro social,
submete-se às regras de gestão histórico-cultural, não é nunca ideologicamente neutra”. Isso se dá porque o indivíduo está inserido em um contexto social,
histórico e cultural, que de maneira alguma podem estar desassociados de seu
universo acadêmico, pois “o processo de aprendizagem se inscreve na dinâmica
da transmissão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação” (TORT, 1976, p.27).
Desse modo, as relações sociais estão profundamente imbricadas à formação escolar do indivíduo, pois tanto a educação quanto o processo de interação
social estão subordinadas às questões sociais.
A educação é um fenômeno social. Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas, e culturais de uma
determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com interesses
distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto nas organizações
econômica e política quanto na pratica educativa. Assim as finalidades e meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmicas das
relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente determinadas
(SARTI,2003, p.49).
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Assim, a Sociolinguística Educacional4 se constitui como fundamento para
as aulas de Língua Portuguesa, haja vista a necessidade de se dar maior ênfase às
questões variacionistas, considerando o contexto sócio-histórico-cultural dentro
do processo de interação. Para isso, de acordo com Bortoni-Ricardo e Freitas (2009,
p. 278) o objetivo da Sociolinguística Educacional é “construir novas metodologias
que auxiliem professores a desenvolver em seus alunos as habilidades cognitivas
necessárias a uma aprendizagem mais ampla, à expansão de sua competência comunicativa e à capacidade de desempenhar tarefas escolares cotidianas”.
Por isso, a escola quando dissocia a prática da teoria pode causar uma grande
rejeição no aprendiz, posto que não havendo uma relação direta com o que lhe é
peculiar, haverá desmotivação e não reconhecimento daquilo que lhe é próprio.
Destarte, pode-se compreender a “aprendizagem escolar é assim um processo de
conhecimentos, organizada e orientada num processo de ensino onde os resultados se manifestam em modificações na atividade interna e externa e os sujeitos
em suas relações com o ambiente físico e social se encontram (FREIRE,1996, p.42).
A linguagem é um instrumento primordial de propagação da cultura de um
povo, pois “a linguagem não é apenas uma representação de um mundo estabelecido independentemente. A linguagem é também este mundo” (DURANTI, 1997,
p.337), pois assume a posição de facilitadora da aprendizagem, ou seja, a partir de
expressões e/ou vocábulos pertencentes a um determinado grupo, pode-se abranger a aprendizagem da língua e da cultura de forma dinâmica e pragmática.
Assevera-se assim, que a língua está caracterizada como um instrumento
comunicacional, embasando as relações interacionistas e sociais, pois “(...) a linguagem não é só capital cultural, mas também é capital simbólico, de acordo
com as dinâmicas de relações de poder que trazem prestígio político e hierarquia
social” (MOTA, 2004, p.36).
4. A realidade e a prática em sala de aula têm mostrado que a Sociolinguística voltada para a educação
pode contribuir de forma significativa para melhorar a qualidade do ensino da língua materna em cursos de
formação de professores alfabetizadores porque trabalha com os fenômenos da língua em uso, com base
na relação língua e sociedade e voltada para a realidade dos alunos (Sociolinguística Educacional, BORTONIRICARDO). Fonte: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/artigos/901-titulo-soiiolioguistiia-iiuiaiiooal
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Maria Goretti dos Santos Silva
A tecnologia transpondo as fronteiras do conhecimento
No processo de formação do educando, a tecnologia, até então, tem sido
pouco explorada e ao educador não é dada a instrumentalização necessária para
que haja uma abrangência no que concerne aos conteúdos a serem dispostos,
propagando, de forma velada, a “desnecessária” utilização desses artifícios na
sala de aula, como por exemplo o uso do celular, internet, dentre outros, pois a
“tecnologia contemporânea é um dos fatores mais importantes de formação da
socialidade contemporânea” (LEMOS 2004, p. 88).
Desta forma, muitos alunos são obrigados a não utilizar as TIC no espaço
escolar, sobretudo, quando esse cerne está nas mídias digitais, subsídios que ainda provocam estranheza, e possuem alta complexidade por parte de professores
e corpo diretivo. Ou então, considera-se o fator tecnologia, por vezes, como uma
mera “válvula de escape”, sem fundamentação e/ou objetivação do que se pretende ao utilizar tal recurso. Como preparar o aluno para fazer pesquisas sem que
se faça uso inapropriado, com vistas no chamado “ctrl C/ ctrl V”: copiar e colar?
O professor acaba sendo o grande responsável por sua própria formação (...)
(GUEDES, 2006, p. 26). E é neste contexto de busca individual que a formação
docente acontece. Ação, por vezes, pessoal, sem estímulo e sem auxílio, e que
quando não apresentado ao universo das novas tecnologias, esse profissional
pode ser excluído de possibilidades infinitas de inovação.
“As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem,
na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos
os tipos” (LÉVY 1993, p. 7). De outro modo, deve-se considerar que o uso das
novas tecnologias não se configura como a tábua de salvação da humanidade,
porque a depender de seu uso, os problemas vigentes podem perdurar ou mesmo
provocar rupturas gravíssimas no constructo do processo ensino/aprendizagem
de qualquer indivíduo, pois “diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação (CASTELLS, 2005, p. 50).
Decerto, a integração das tecnologias no âmbito educacional emerge como
um acesso ao conhecimento em que as fronteiras são facilmente atravessadas. A
cultura facilmente conhecida e o diálogo facilmente estabelecido. Assim sendo,
ensinar a língua portuguesa ganha uma nova roupagem, e metodologicamente,
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
torna-se mais eficiente e eficaz, já que as aulas ao centrarem-se em um procedimento de reconhecimento da identidade linguístico-cultural do indivíduo, com
o auxílio das novas tecnologias, as quais têm o poder de trazer para o educando
uma realidade mais concreta, atual e motivadora, viabilizam o conhecimento
mais pleno da língua, perdendo o caráter superficial de reproduzir normas e
condicionar-se às propostas fechadas dos livros didáticos, os quais, muitas vezes,
assumem o papel de meros reprodutores de ideologias.
“Assim, em uma sociedade, que supostamente teria uma cultura homogênea, encontramos diferentes ‘tribos’, no interior das quais ainda podemos encontrar uma enorme variedade de manifestações culturais” (CANDAU 2002, p.
74). Destarte, torna-se importante ampliar o processo ensino-aprendizagem,
apresentando os a diversidade linguística, como um instrumento de propagação
da multiculturalidade que sedimenta a identidade nacional, pois, a cultura é o
meio de comunicação. Outrossim, a necessidade de relacionamento com pessoas
de outras culturas é, hoje, mais evidente do que nunca. Deste modo, as mídias
digitais favorecem essa apresentação das idiossincrasias que constituem cada
comunidade, mais especificamente a brasileira.
O meio social é fator preponderante para que o conhecimento seja uma
práxis concreta e constitutiva do ser. Portanto, aprender a língua portuguesa
requer, não só o conhecimento metódico de regras e normas, mas a inserção ou
imersão na cultura popular, a fim de que haja uma complementariedade do objeto de estudo, ampliando o processo ensino/aprendizagem de forma que englobe
a língua, a cultura, costumes, tradições, peculiaridades do país em questão.
Torna-se importante ampliar o processo ensino-aprendizagem da LP, contextualizando os aspectos culturais como um instrumento, pois, a cultura é o
meio de comunicação do homem e a forma de estabelecer relações e negociações
de sentidos. “Ressalta-se, assim, a natureza multifacetada de nossas identidades,
a ênfase na negociação de sentidos, na mutabilidade de papéis e na continuidade
do processo de construção de identidade” (MOTA 2004, p. 42).
Diante de tantos pressupostos, a formação do discente, considerando as
diversas implicações que devem ser ponderadas diante da construção de seu
saber linguístico, perpassa por uma gama de necessidades no que concerne aos
conhecimentos de língua e cultura, de forma imbricada, justaposta aos recursos
tecnológico-midiáticos que remodela um cenário com novas matizes, interpe-
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Maria Goretti dos Santos Silva
lando o sujeito/aprendiz ao alargamento da visibilidade dos conhecimentos de
si e do outro.
Neste cenário, o professor deve saber usar as TIC a partir das práticas pedagógicas e do que se pretende alcançar. Igualmente, podem-se perceber ações que
são meramente reprodutoras de práticas engessadas, sem o favorecimento de
atitudes motivacionais que perfazem a apreensão do conhecimento em suas aulas, por isso de acordo com Costa e Paim (2004, p.27) “(...) a tecnologia não pode
nunca estar dissociada da dinâmica em que o conhecimento é desenvolvido”.
Faz-se notório o crescimento vertiginoso do uso das tecnologias no campo
educacional, bem como a necessidade de que o uso desses recursos contribua de
maneira significativa para o desenvolvimento de competências e habilidades nas
aulas, uma vez que a partir das mídias digitais há uma possibilidade de fomento
das diversas linguagens, produzindo significativas mudanças na produção de
materiais com suporte em outras tecnologias.
Contudo, deve haver um planejamento que evidencie de maneira consubstancial as características peculiares das diversas e distintas linguagens e potencialidades tecnológicas, ações que podem provocar mudanças na práxis educacional, considerando a competência existencial de atitudes, motivações, valores,
crenças, estilos cognitivos, traços de personalidade, dentre outros.
De acordo com Lancien (1998) os recursos multimidiáticos podem exercer
um importante papel no desenvolvimento das competências comunicacionais,
uma vez que a multimídia a Internet, por exemplo, beneficia não apenas o aprendiz, mas também o professor, assim, expondo uma categorização. Para tanto, é
preciso ter clareza no que se objetiva e a partir da intencionalidade se constituir
ambientes favoráveis que despertem o interesse e, sobretudo, o acesso do aluno
aos recursos tecnológicos, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa e eficiente.
As TIC trouxeram à comunidade global um acesso ilimitado ao conhecimento, bem como ao espaço escolar favoreceu novos rumos ao desenvolvimento
do processo de constituição dos saberes, já que a aquisição de um novo conhecimento precede a autonomia do aprendiz ao buscá-lo em outros lugares, como
por exemplo, nos meios de comunicação midiáticos, e não apenas em uma instituição formativa, assegurando que o acesso ao conhecimento é garantido pela
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liberdade da busca, a partir de estímulos pessoais, pois o aprendiz agora pode ter
ingresso a um universo infinito de informações.
Assim como corrobora Sobral e Jouet-Pastre (2004, p.224):
A importância da tecnologia dentro desse contexto aparece de modo
crescente (...), de melhor qualificar os professores para que possam lidar
de maneira pedagogicamente eficaz com os alunos e a tecnologia, rompendo assim a velha barreira da tecnofobia e o mito de que a tecnologia
pode provocar a “desumanização” do processo ensino-aprendizagem e
da educação como um todo.
Assim, faz-se preciso haver integração entre tecnologias, linguagens e representações de maneira a interconectar os cidadãos ao mundo globalizado,
cujas fronteiras se tornam facilmente transponíveis. Contudo, é necessário observar as diferenças culturais, aceitá-las e, sobretudo, respeitá-las para que haja
um processo de conhecimento e apropriação do que é do outro, sem perder as
marcas identitárias que constitue cada grupo específico. Considera-se estabelecer mudanças urgentes no processo de formação e educação discente, com investimentos mais concretos no uso efetivo dos recursos tecnológicos, para que haja
menos rejeição dos alunos em relação à aprendizagem da língua portuguesa.
Não obstante, emerge a grande precisão de o educador estar em contato
com as novas tecnologias, pois se constituem como meios muito eficazes para a
obtenção de resultados positivos no que concerne ao conhecimento.
Há que se reencontrar o sentido mais humanístico, interativo e integrador da educação, que leve a repensar a necessidade de professores
e gestores tomarem consciência de que o uso das tecnologias permite
redimensionar os espaços de ensinar e aprender, sonhar e amar, vislumbrando a provisoriedade do conhecimento, as novas possibilidades das
práticas da escola, a necessidade da formação continuada para atender
às características de mudança da sociedade atual e para resgatar o valor
do saber e a sensibilidade do ser (REZENDE & FUSARI 1994, p.24).
Faz-se primordial repensar na práxis educativa como uma tomada de consciência, geradora de buscas incessantes pelo objeto a ser desvelado. O professor
assume a postura de sujeito auxiliador na formação do indivíduo enquanto cida-
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Maria Goretti dos Santos Silva
dão ativo e partícipe na tomada de decisões, seja de cunho social, seja profissional, ou mesmo pessoal.
A concepção docente deve estar em concordância com as transformações
sociais. Não se pode pensar em eficientes e eficazes estratégias de ensino, sem
que aquele que a direciona esteja estanque à realidade na qual estão inseridos
seus alunos, desprezando os critérios de exigência social para a formulação de
um ensino de qualidade. A busca pelo saber contribui para o desenvolvimento
intelectual e mental do ser humano, em sua relação consigo mesmo e com o
outro.
Dessa forma, ao educador cabe também a tarefa de construir seus arcabouços significativos, ante as necessidades pessoais e intransferíveis, advindo de seu
contexto de experiência pessoal. Por isso, como corrobora Nóvoa (1997, p.26) “a
troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação
mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o
papel de formador e de formando”.
Portanto, pode-se afirmar que nos novos paradigmas de formação de língua portuguesa não se pode excluir a inserção de conteúdos de multimídia e da
prática docente aliada ao uso das TIC. Ou seja, formação escolar, é urgente a capacitação do profissional para o uso das mídias, sobretudo as digitais, posto que
o desenvolvimento de materiais pedagógicos deve estar em consonância com as
atualizações que constituem e, de certo modo, regem o mundo globalizado.
Considerações finais
A aprendizagem de língua portuguesa tem passado por muitas transformações ao longo dos anos, visto que cada aprendiz reage de uma forma diferenciada, levando em conta processos biológicos, cognitivos, afetivos, motivações, contexto social e histórico, processos de afiliação, processamento de input, criação
de hábitos automáticos, interação (PAIVA 2005, p. 39).
O presente artigo tendeu a discutir acerca de uma abordagem significativa
do uso das TIC no âmbito educacional, visando à difusão de novas práxis nas salas de aulas de LP, observando as mudanças pedagógicas que podem se originar
do uso desses novos recursos e também da inserção do educador nesse processo
de transformação e formação a partir do uso das novas tecnologias.
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Espera-se com essa pesquisa contribuir para a formação discente na disciplina de Língua Portuguesa, partindo da sociolinguística educacional apresentar
ao aluno as diferentes contextualizações da língua, despertando no aprendiz o
desejo por conhecer a sua língua enquanto ícone da sua própria identidade, do
lugar a que pertence.
Assim, a pesquisa pretende contribuir com debates futuros acerca do uso
das novas tecnologias, a fim de garantir uma abertura urgente para a inserção
das mídias, sobretudo as digitais, no processo de produção do conhecimento nas
instituições de ensino, para que assim possa haver um estabelecimento de uma
relação de comunicação cultural de maneira crítica e reflexiva, apropriando-se
de forma motivadora dos recursos multimidiáticos, os quais favorecem a transposição das fronteiras físicas e ideológicas que pode auxiliar no diálogo entre
culturas.
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RESUMO
Num mundo em constante transformação e cercado de novas tecnologias, é necessário que os estudantes desenvolvam habilidades que vão além do letramento alfabético, é urgente ser digitalmente letrado. No entanto, contrariando as mudanças
aceleradas que acontecem na sociedade, a escola contemporânea insiste na manutenção do paradigma educacional adotado desde a Revolução Industrial, ancorado
no modelo instrucionista da educação de massas. Considerando que o pleno domínio da língua é algo essencial para nos tornarmos cidadãos ativos, este estudo pretende investigar processos de letramento a partir dos gêneros textuais que circulam
na sociedade, dando relevo aos gêneros digitais e suas contribuições ao desenvolvimento linguístico-cognitivo do educando. Como o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita ainda é um problema nas escolas, e sendo os gêneros digitais
pouco explorados nas aulas de língua materna, temos por objetivo analisar como
práticas pedagógicas voltadas para a produção de gêneros textuais digitais e não
digitais, nas aulas de Língua Portuguesa, contribuem para a formação de leitores e
escritores proficientes no Ensino Fundamental. A pesquisa realizada foi de natureza etnográfica, pesquisa-ação, e aconteceu em uma turma do 8º ano de uma escola
pública do município de Recife – PE/Brasil. Para coleta de dados utilizamos a observação participante completa, a entrevista etnográfica semiestruturada e a análise
documental. Os resultados obtidos apontam que os contextos criados para que os
alunos se tornem cidadãos letrados facilitaram o debate e a interação, estimularam
a autonomia e a aprendizagem colaborativa e promoveram a construção do conhecimento, sendo, mesmo que a nível micro, Inovação Pedagógica.
Palavras-chave: Tecnologia, Gêneros textuais, Aprendizagem colaborativa.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
OS GÊNEROS DIGITAIS EM PROCESSOS DE
APRENDIZAGEM AUTÔNOMA E COLABORATIVA
Érica Carvalho da Silva (UFPE)
Introdução
Conscientes de que nosso cotidiano está rodeado de práticas de linguagem,
seja em nossos relacionamentos pessoais, seja nos sociais, e de que hoje, no mundo informatizado, a educação letrada deve ir muito além das ações de codificar
e decodificar símbolos, foi desenvolvido um projeto, nas aulas de Língua Portuguesa, que favorecesse a aprendizagem dos gêneros textuais digitais interligados
aos gêneros não digitais, na busca de promover a interação entre os adolescentes e a descoberta de uma escrita significativa para uma efetiva participação no
mundo letrado.
Investigar essa ação interativa no processo de letramento torna-se relevante,
uma vez que as novas tecnologias nos trouxeram novas formas de construção de
sentidos, possibilitando-nos que saiamos da visão tradicional da aula de língua
materna, em que a língua é tomada, como afirma Geraldi (1997, p. 190), “como
objeto de estudo, como um sistema cujos mecanismos estruturais se procuram
identificar e descrever.” Temos uma abordagem da língua meramente instrucionista, em que os alunos repetem passivamente em um exercício “incessante de
copiar, conservar e combinar palavras” (GERALDI, 1997, p. 120), muitas vezes
ignorando o seu real significado.
A língua é um instrumento de comunicação e sua abordagem em sala de
aula deve desenvolver no educando habilidades de expressão e compreensão de
mensagens, por isso deve-se priorizar o uso em detrimento do saber a respeito
da língua (grifos meus). Para que essas habilidades sejam desenvolvidas, é ne3229
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
cessário que os alunos assumam o papel de construtor do conhecimento junto
ao professor, saindo da visão instrucionista para uma visão construcionista, em
que, para Seymour Papert (2008), os educandos são estimulados a buscar o conhecimento, e os professores são os problematizadores, promovem contextos de
aprendizagem que facilitam as descobertas dos aprendizes.
Nessa perspectiva, a inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no contexto escolar tem por objetivo revolucionar o fazer pedagógico,
melhorando as formas de aprender e desenvolvendo as habilidades do aluno,
visando uma maior reflexão e participação social.
Marcuschi ainda afirma que existem três aspectos que tornam o estudo dos
gêneros digitais relevante:
(1) Seu franco desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado; (2)
Suas peculiaridades formais e funcionais, não obstante terem eles contrapartes em gêneros prévios; (3) A possibilidade que oferecem de se rever
conceitos tradicionais, permitindo repensar nossa relação com a oralidade e a escrita. Assim, esse “discurso eletrônico” constitui um bom momento para se analisar o efeito de novas tecnologias na linguagem e o
papel da linguagem nessas tecnologias. (MARCUSCHI, 2010, p. 16)
Dar condições ao aluno de conhecer esses gêneros emergentes é também
função da escola, mais especificamente das aulas de Língua Portuguesa, tendo
em vista que uma das habilidades a ser desenvolvida no educando em sala de
aula é a competência escrita.
Aprendizagem autônoma e colaborativa
A escola precisa estruturar-se para promover uma prática pedagógica mais
centrada no aluno, no desenvolvimento de suas habilidades de uma forma mais
interativa e autônoma, estimulando a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas através do trabalho em equipe.
Teóricos construcionistas defendem que o conhecimento não é um todo
acabado que deve ser transmitido às gerações futuras, mas algo que deve ser
construído através da interação pessoa/mundo/pessoa, mediada por artefatos
sócio-historicamente situados.
3230
Érica Carvalho da Silva
Adotando a visão de Marcuschi (2010) e Xavier (2008, 2010), os gêneros digitais, artefatos mediadores da construção do conhecimento, abrem janelas para
mundos que permitem uma maior interação, proporcionando o desenvolvimento cognitivo do aprendiz, que agora se assume como sujeito autônomo.
Para Gadotti (2008, p. 13), “A palavra ‘autonomia’ vem do grego e significa
capacidade de autodeterminar-se, de auto-realizar-se, de ‘autos’ (si mesmo) e
‘nomos’ (lei).” Assim, agir autonomamente é ser capaz de construir seus conceitos, de ter autogoverno.
Portanto, através desses gêneros podem-se criar ambientes propícios a uma
aprendizagem autônoma, baseados em investigação real com ênfase no trabalho
colaborativo, tendo em vista a quebra de fronteiras impulsionada pela internet.
Para Correia e Dias (1998, p. 118), “Num mundo em mudança em que a maioria
dos problemas que se colocam são complexos e universais, uma das formas de
conceber a sua resolução é um trabalho colaborativo resultante das interações
entre os vários intervenientes sociais.” A aprendizagem colaborativa tem como
características:
(i) O trabalho em equipe;
(ii) A formação de equipes heterogêneas constituídas por alunos de níveis, sexos e raças diferentes;
(iii) Os sistemas de recompensa orientados para o grupo e não para o
indivíduo. (CORREIA e DIAS, 1998, p. 118)
Vigotski (2007), através da sua teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal, ZDP, aborda a necessidade do indivíduo de trabalhar em equipe, seja com
adultos ou com pares mais capazes, pois processos internos no desenvolvimento
da criança são estimulados quando estas interagem com seus companheiros em
processo de cooperação. Assim, existem os conhecimentos que as crianças já
dominam e aqueles que elas só podem desenvolver através da colaboração umas
com as outras. Para Coll (1994, p. 85-86), “As experiências de aprendizagem cooperativa, comparadas às de natureza competitiva e individualista, favorecem
o estabelecimento de relações entre os alunos muito mais positivas” aflorando
entre eles sentimentos de ajuda mútua, respeito, ética e solidariedade.
3231
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Considerando o grande fascínio que a mídia e os gêneros advindos dela
exercem sobre os jovens, é natural que a escola estruture ambientes em que
a leitura e a produção textual se tornem mais prazerosas, criativas e originais. Xavier 1 elenca algumas implicações no estudante resultante do letramento digital, para ele com esse jeito novo de fazer educação os alunos tornam-se
ativos, têm mais motivação, constroem habilidades coletivamente, constroem
aprendizagens adequadas às mudanças do mundo, lidam com material didático on-line, desenvolvem competências voltadas para era da informação.
Num mundo em constante transformação, a utilização desses ambientes virtuais diminuiria a distância entre professor-aluno-aluno, num processo contínuo de colaboração para a resolução dos problemas. Fino (1999) ainda aborda que um software que contemple as especificidades cognitivas deve
permitir uma atividade que, entre outras coisas, seja significativa; estimule o
desenvolvimento cognitivo para que o aluno com a ajuda dos pares alcancem
níveis mais elevados do conhecimento; permita a colaboração; estimule uma
atividade metacognitiva; favoreça a negociação social do conhecimento.
Portanto, o envolvimento dos estudantes em projetos comuns envolvendo
os gêneros digitais, através da aprendizagem colaborativa, pretende promover
uma maior interação entre professor-aluno-aluno, libertando-os do poder centralizador da ação educativa e tornando-os responsáveis pela construção do
conhecimento.
Gêneros textuais digitais
Para Marcuschi (2010), gênero textual é um artefato situado sócio-historicamente, relativamente estável do ponto de vista da composição e do estilo, que
serve como instrumento comunicativo específico e como forma de ação social.
Partindo desta concepção, perceberemos que a partir do momento que novas
formas de comunicação surgem, interferindo nessas condições de processamento textual, teremos, consequentemente, uma interferência na natureza do gênero produzido.
1. Artigo disponível em <http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento-Digital-Xavier.pdf>
3232
Érica Carvalho da Silva
Essa interferência acontece desde a invenção da escrita, que trouxe com ela
inúmeras possibilidades de uso da linguagem. Tivemos, nesse processamento
histórico, a placa de barro, o pergaminho, o papel e, revolucionando uma época,
a invenção da imprensa. Para Xavier2, a cada novo surgimento de contextos comunicativos, consequentemente, surgirão novos gêneros textuais, que nascem
para atender às necessidades emocionais, físicas e econômicas em determinado
momento histórico, pressionando os usuários da língua a se adequarem aos novos contextos.
Assim, hoje, com o acelerado desenvolvimento tecnológico e com a internet
refletindo a pluralidade de contextos comunicativos, inúmeros gêneros textuais
emergiram na mídia eletrônica, uns realmente novos e outros como um hibridismo de gêneros pré-existentes, “o nada nada cria, logo é natural que os novos
gêneros que emergem das tecnologias recém criadas misturem gêneros, façam
uma composição de características de um certo gênero com a possibilidade técnica de efetivar uma determinada ação antes impossível.” (XAVIER, p. 7). Outra
característica, tida como essencial, é “a centralidade da escrita, pois a tecnologia
digital depende totalmente da escrita” (MARCUSCHI 2010, p. 21).
Os novos gêneros também nos permitem observar uma maior integração
entre som, imagem e palavras, tornando a sua linguagem cada vez mais plástica.
Vemos emergir um espaço de apreensão de sentido em que ganha relevo não
apenas a palavra escrita, junto com ela encontramos imagens, sons, formas, tudo
no mesmo campo visual, formando um todo significativo. Para Xavier (2010, p.
209), “Com ele, ler o mundo tornou-se virtualmente possível, haja vista que sua
natureza imaterial o faz ubíquo por permitir que seja acessado em qualquer parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente.”
Sem dúvida o mundo digital exige de seus interlocutores bem mais que a simples
decodificação do código linguístico.
Para Cynthia Selfe e Susan Hilligoss apud Marcuschi (2010), “o computador
mudou nossa maneira de ler, construir e interpretar textos e mostrou que não há
formas naturais de produção textual e leitura.” O advento tecnológico veio nos
2. Xavier é doutor em linguística pela UNICAMP e orienta pesquisas em gêneros eletrônicos e letramento
digital. Este artigo pode ser acessado em <http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Reflexoes%20em%20
torno%20da%20escrita%20nos%20novos%20generos%20digitais-Xavier.pdf>
3233
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
mostrar como a cultura e a tecnologia interagem para interferir nas práticas de
leitura e produção escrita, sendo um espaço cognitivo que exige que revisemos
as nossas formas de lidar com o texto.
Marcuschi (2010, p. 37) elaborou um quadro expondo os principais gêneros
existentes no ambiente virtual, relacionando-os a gêneros já existentes em outros contextos:
Quadro I3 - relação entre gêneros textuais
Gêneros emergentes
Gêneros já existentes
1
E-mail
Carta pessoal/bilhete/correio
2
Chat em aberto
Conversações (em grupos abertos?)
3
Chat reservado
Conversações duais (casuais)
4
Chat ICQ (agendado)
Encontros pessoais (agendados?)
5
Chat em salas privadas
Conversações (fechadas?)
6
Entrevista com convidado
Entrevista com pessoa convidada
7
E-mail educacional (aula por
e-mail)
Aulas por correspondência
8
Aula chat (aulas virtuais)
Aulas presenciais
9
Videoconferência interativa
Reunião/de grupo, conferência/debate
10
Lista de discussão
Circulares/série de circulares (?)
11
Endereço eletrônico
Endereço postal
12
Blog
Diário pessoal, anotações, agendas
3. Quadro retirado do livro Hipertextos e Gêneros Digitais: novas formas de construção de sentidos.
3234
Érica Carvalho da Silva
Como o mundo contemporâneo está repleto de máquinas, é necessário ir
além do letramento alfabético, precisamos tornar nossos jovens digitalmente letrados, fazendo-os cidadãos do mundo, como diz Paulo Freire.
O professor de linguagem diante da era da aprendizagem
De acordo com Kuhn (1978), as crises levam a mudanças paradigmáticas.
Não é novidade que a escola que conhecemos hoje, baseada na pedagogia instrucionista, está em decadência. Assistimos, paralelamente, a uma evolução do
paradigma educacional.
A sociedade industrial impôs um modelo de escolarização voltado à massificação dos saberes e à reprodução social, tendo em vista a necessidade da época
de mão de obra qualificada. Assim, o processo de comunicação na escola era unilateral, o professor era o dono do conhecimento, enquanto os alunos recebiam
passivamente as informações e as reproduziam.
Presentemente, com o advento tecnológico e a acelerada transformação da
sociedade, estamos vendo surgir um novo tempo, a era da superindustrialização,
em que ganha relevância a informação.
Em termos educacionais, novos desafios surgem, o professor, protagonista
no processo de ensino, abre espaço para o professor que cria espaços de aprendizagem e age em colaboração com os alunos.
Perrenoud (2000, p. 24) afirma que uma das habilidades do professor no
presente século é a de organizar situações de aprendizagem, “organizar e dirigir
situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos”.
Para Branson apud Correia e Dias, nessa nova perspectiva, espera-se:
(i) A promoção do autoconhecimento dos alunos;
(ii) O aumento da qualidade e da quantidade do feedback;
(iii) O desenvolvimento de materiais didáticos de qualidade que permita
uma integração eficaz no currículo;
(iv) O desenvolvimento, nos alunos, de capacidades (skills) de autogestão
e de resolução de problemas aliadas à capacidade de pensar criticamente;
(v) A adequação dos ritmos de aprendizagem segundo os ritmos próprios
dos alunos;
(vi) O aperfeiçoamento dos processos de avaliação. (BRANSON apud
CORREIA; DIAS, 1998, p. 117)
3235
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
De acordo com essa nova abordagem, a interação entre os participantes
da aprendizagem – professor-aluno-aluno – ganha destaque, o trabalho deixa
de ser unilateral e passa ser colaborativo, com ênfase na construção social do
conhecimento.
Essa visão do trabalho docente pode ser ancorada nas inovações tecnológicas que, como bem sabemos, caminham a passos largos, afetando todos
os setores sociais, não sendo diferente com a educação, que é um dos setores
estratégicos da sociedade, podendo beneficiar-se com esse desenvolvimento.
Para isso, é necessário um redirecionamento pedagógico, pois, segundo Xavier
(2008, p. 2), os alunos “têm chegado aos espaços escolares ávidos por encontros
mais dinâmicos, participativos e instigadores de sua inteligência em rápido
desenvolvimento.”
Em face desse novo estudante, que já vem familiarizado com as tecnologias
digitais, a aprendizagem colaborativa constitui uma alternativa de mudança, especialmente na relação professor/aluno. Perrenoud (2000, p. 125) cita que outra
competência que o professor deste século precisa ter é saber trabalhar com as
novas tecnologias, “as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC ou
NTIC) transformam espetacularmente não só nossas maneiras de comunicar,
mas também de trabalhar, de decidir, de pensar.”
Neste contexto histórico, exige-se do professor um reposicionamento teórico-metodológico, a fim de ajustar-se às novas demandas sociais, refletindo sobre
o seu papel e o reconfigurando de acordo com as necessidades presentes e futuras. Para Xavier (2008, p. 4), “Por sua condição privilegiada de ator e coautor dos
processos pedagógicos juntamente com o aprendiz, o professor deve realinhar
sua identidade profissional a todo instante.”
Uma prática pedagógica inovadora requer a superação de dicotomias como
teoria e prática, educação e trabalho, pois estamos vivenciando o século do conhecimento, que também pode ser chamado de século da aprendizagem, em
virtude do potencial educacional que nos é apresentado. Saímos da escassez da
informação para superabundância informacional. O desafio agora é de outra natureza, cabe aos professores construir situações de aprendizagem em que os estudantes possam escolher, avaliar, refletir e transformar essas informações em
conhecimento utilizáveis na sociedade, transformando aquilo que era reconhecimento e reprodução em conhecimento e produção.
3236
Érica Carvalho da Silva
Análise dos dados
O desenvolvimento do projeto envolveu o estudo dos gêneros textuais digitais e não digitais, por entendermos que eles estão inter-relacionados, desenvolvendo habilidades fundamentais para o leitor e o produtor de textos dos dias de
hoje, assim, os alunos se envolveram na aprendizagem dos gêneros:
Quadro II – gêneros estudados
GÊNEROS
ESTUDADOS
•
•
•
•
Conto;
Email;
Blog;
Relato de
experiência.
PROCEDIMENTOS
•
•
•
•
•
•
•
•
Explorar o gênero conto;
Criar a primeira versão de um
conto;
Revisar o texto e reescrevê-lo
usando o Word;
Explorar o gênero e-mail
enviando mensagens para:
escritor, diretor da escola e
professora;
Participar de uma oficina de
contos com um escritor;
Reorganizar os contos, se
necessário, para montagem
de um livro;
Fazer o lançamento do
livro na escola – manhã de
autógrafos;
Relatar a experiência vivida no
projeto no blog da turma.
PROPORCIONANDO
•
•
•
•
•
•
Conhecer, compreender
e produzir gêneros
textuais digitais e não
digitais;
Criar mecanismos
eficientes de pesquisa
em ambientes digitais;
Participar ativamente da
interação proporcionada
pelos gêneros digitais;
Produzir textos
utilizando recursos de
multimídia;
Conhecer formas
de participação
e aprendizagem
colaborativa na rede.
desenvolver a
autonomia.
A seguir, apresentarei algumas das atividades propostas e os trabalhos
que surgiram em decorrência delas, a partir de uma descrição dos contextos de
aprendizagens criados para essa turma em particular, levando em consideração
suas especificidades como comunicação, rotina, modos de resolver problemas e
desempenho. Analisaremos como os artefatos produzidos por meio da interação
entre os pares e a utilização das novas tecnologias evidenciam práticas nas quais
haja lugar para a aprendizagem.
3237
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
a. Explorando o gênero conto
Levei para sala de aula o conto “TENTAÇÃO” de Clarice Lispector, que tem
como temática o encontro fugaz entre uma menininha ruiva e solitária, sentada à
porta de sua casa, e um cãozinho basset que passa pela rua com a sua dona. Cada
aluno recebeu uma cópia do conto, em seguida fizeram uma leitura silenciosa,
buscando compreender a temática do texto. Essa leitura que realizamos sozinhos
se revela necessária para que possamos dialogar apenas com o texto, refletindo
sobre os seus eventuais significados e possibilidades de construção de sentidos.
b. Construindo conceitos
Estudamos algumas características inerentes ao gênero em questão, como o
tempo, o espaço, o tipo de narrador e a sequência narrativa. Para que essa análise
fosse possível, levei diferenciados livros de contos para a sala de aula. Conversei
com os alunos apresentando os livros, mostrando que, por se tratar de contos,
cada livro continha mais de uma história, as quais poderíamos ler de acordo com
o nosso interesse.
Em seguida, pedi para que eles se reunissem em grupos de quatro pessoas e
que escolhessem o livro que gostariam de trabalhar, depois, em equipe, escolheriam o conto do livro que iriam ler e analisar para apresentá-lo à turma. Tivemos
quatro produções:
Figura I: Grupo I – Alunos AT, JJ, T, PV
3238
Érica Carvalho da Silva
Figura II: Grupo II – Alunos RS, MC, P, I, D
Figura III: Grupo III – Alunos K, G, R, RK
Figura IV: Grupo IV – Alunos IF, JG, LL, LG
3239
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
c. Da reflexão à ação
Depois de termos lido e analisado alguns contos, chegou a hora de produzirmos os nossos próprios textos. Decidimos, então, produzir um livro de contos
para deixarmos na biblioteca da escola, assim, outras crianças poderiam lê-lo.
Para que essa construção fosse possível, iríamos trabalhar muitas vezes na sala
de informática, pois precisaríamos utilizar o e-mail, o blog da escola e também
precisaríamos digitar e ilustrar os nossos contos.
Depois que tomamos as decisões necessárias, chegou a hora de sairmos do
papel de leitores de textos já consagrados para nos tornarmos autores, e para isso
era necessário planejamento e escrita da primeira versão.
d. Do lápis, borracha e papel à tela, teclado e internet
Conversei com os diretores da escola sobre o projeto que estava desenvolvendo com os alunos e combinei com eles uma troca de e-mail entre eles e os
alunos do 8º ano A. Nesta interação, seriam discutidos assuntos referentes ao
desenvolvimento do projeto.
Ao realizar esta atividade, tínhamos alguns objetivos a serem alcançados:
envolver os alunos em processos de letramento a partir do gênero textual digital
e-mail; fazer com que os alunos percebessem a função interacional da linguagem; e envolvê-los em todas as etapas do projeto, inclusive o de pedir permissão
aos diretores para fazermos a culminância.
Expliquei para os meninos do 8º ano que eles deveriam pedir a autorização da diretora e do vice-diretor para realizarmos a culminância do projeto – o
lançamento do livro – com a presença dos pais, e que esse pedido seria feito
por e-mail.
e. Um escritor em nosso meio
Convidei um escritor de poemas e de contos para vir à escola conduzir uma
oficina sobre a ação e a importância de escrever, no intuito de envolver os alunos
em situações reais de letramento, incentivando-os à escrita. Assim, passamos
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Érica Carvalho da Silva
por três momentos de interação com o escritor através de gêneros textuais específicos: 1º - exploramos seu blog; 2º - comunicamo-nos com ele através de e-mail;
3º - recebemos sua visita em nossa escola.
f. Refacção textual no Word
Desenvolver atividades no computador sempre encanta os meninos, poder
escolher as cores, tamanhos e formatos das letras, poder ajustar o texto e ilustrá
-lo gera vontade de aprender a fazer. Além disso, ao repassar o texto produzido
para o Word, os alunos têm a oportunidade de revisá-lo mais uma vez, observando inadequações ortográficas denunciadas pelo corretor automático ou, até
mesmo, possíveis alterações que ele resolva fazer ao realizar mais uma leitura.
Pudemos observar, a partir desse interesse pela escrita dos contos, que
os estudantes se sentiram mais estimulados a participar de contextos letrados
quando introduzimos as novas tecnologias, permitindo que eles fizessem uso
delas para produzir significado em contextos reais de interação, pois, segundo
Bazerman (2007, p. 33-34), “Somente mediante o uso ativo dos sistemas pela
produção, recepção e uso ativos de textos particulares é realizado o poder social
de letramento.”
g. O grande dia - manhã de autógrafos
Confeccionamos em sala de aula os convites para enviarmos aos pais dos
alunos, no intuito de que eles pudessem participar desse momento tão especial para os estudantes, pois entendemos que a participação dos pais faz parte
do processo de crescimento do discente, como afirma Perrenoud (2000, p. 64),
“Toda pedagogia diferenciada exige a cooperação ativa dos alunos e de seus pais.”
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Figura V: Convite para manhã de autógrafos
Além de escritores, os alunos também mostraram seus dotes como atores,
encenaram o conto produzido pela aluna K - “A menina que aprendeu a voar”.
Após a dramatização, iniciamos a sessão de autógrafos, o que deixou os pais
e os alunos encantados, era tudo muito simples, mas repleto de uma simbologia
e de uma veracidade que envolveu os autores e os espectadores desse evento.
Figuras VI e VII: autografando o livro de contos
3242
Érica Carvalho da Silva
A instituição escolar deve proporcionar essa passagem do sujeito enunciador para sujeito autor, de tal modo que o estudante vivencie práticas que
os levem a dominar os mecanismos da escrita, sendo a escola um lugar fundamental para a construção de experiências que desenvolvam o papel de autoria
com a linguagem.
Essa construção de experiências acontece dentro de um processo interativo
do qual emerge o texto, e quando tornamo-lo público “temos de viver com o fato
de ter criado o texto e, através dele, afirmado uma presença social num campo
letrado de ação social.” (BAZERMAN, 2007, p. 53). Desta forma, o estudo da língua é visto como uma atividade sociointerativa e, ao afirmar sua presença social
no mundo letrado de forma exitosa, fará com que os estudantes ousem em exercer sua cidadania em outros contextos e ambientes.
Esse envolvimento com a aprendizagem também foi percebido pelos pais
que compareceram à manhã de autógrafos, ao final do evento, ao serem indagados sobre a importância de um projeto como esse na vida dos estudantes, ele
responderam:
Gostei... muito importante para eles se descobrirem com a leitura e perder a vergonha mais um pouco, muito importante mesmo. (Mãe de aluna, entrevista)
Eu chorei, me emocionei, acho que estimula a imaginação deles, a escrita vai melhorando, gostei muito mesmo. (Mãe de aluna, entrevista)
As considerações feitas pelos pais evidenciam uma preocupação com o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e oralidade dos alunos, ratificando a importância de projetos que favoreçam essa construção, portanto, o
estímulo à criatividade, o envolvimento com a leitura e o desenvolvimento da
escrita são atividades que deveriam estar presentes em qualquer contexto de
aprendizagem desde muito cedo, evitando que tivéssemos tantos analfabetos
funcionais chegando ao Ensino Fundamental II.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
h. O blog e o relato de experiência como escritor
Para finalizarmos o projeto, sugeri aos alunos que publicássemos o nosso relato de experiência no blog da escola 4, para que outras pessoas tivessem
acesso e também se envolvessem em histórias tão positivas quanto essa que
vivenciamos. Eles gostaram da ideia, porém não sabiam como fazer, então iniciamos uma conversa sobre o que era “relatar” e “experiência”. Desta forma,
relembramos oralmente o que havia sido feito no decorrer do projeto para, em
seguida, os alunos produzirem a primeira versão de mais um gênero textual – o
relato de experiência. Eles relataram individualmente como foi a vivência desse projeto de construção do livro de contos, seus sentimentos e expectativas.
Pedi para que eles lembrassem todas as etapas e escrevessem. Assim, em seus
textos surgiram afirmações:
Depois de fazer nossos contos no caderno fomos para informática digitar os nossos textos passamos uma aula digitando os nossos textos
depois de digitar botamos imagens nos nossos contos para ficar mais
interessantes e demos um texto para o outro pra ver se tem alguma coisa errada nos textos e cada um leu um texto diferente. (Aluno R, relato
de experiência)
Depois que o livro estava pronto, nós alunos convidamos nossos pais
para uma manhã de autográfo do nosso livro, nós lemos nosso texto
para nossos pais, depois fizemos um lanche muito gostoso a partir desse dia nós alunos nos sentimos como verdadeiros escritores. (Aluno G,
relato de experiência)
Observamos na fala dos alunos uma satisfação com o resultado do projeto,
eles sentiram-se como construtores e não apenas como receptores passivos do
conhecimento. Esse sentimento de autoria deve-se ao fato de que cada aluno foi
responsável direto pela realização do projeto, as atividades realizadas colaborativamente faziam com que todos se sentissem responsáveis pelos seus colegas,
incentivando e ajudando no desenvolvimento das habilidades leitora e escrita,
dessa forma, já não era apenas o professor a proferir um discurso unilateral, mas
uma turma inteira envolvida com a aprendizagem.
4. Link para leitura dos textos dos alunos <http://escolapadreantoniohenrique.webnode.com/portfolio/>
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Érica Carvalho da Silva
Esses fatores, associados ao uso das TIC, estimularam os estudantes a produzir o relato de experiência por três motivos: em primeiro lugar, porque a escrita, fundamentada em uma experiência vivida, gera conforto na hora da produção, pois nada terá de ser inventado, mas sim relatado. Em segundo lugar, porque
o texto escrito terá um leitor real, assim, os alunos iniciaram a produção sabendo
o que iriam escrever, para quem iriam escrever e para que iriam escrever. Em terceiro lugar, porque a associação dos gêneros textuais relato de experiência e blog
torna a produção mais desafiadora, uma vez que ao publicar o texto na internet,
ele pode correr o mundo.
Sabemos que o blog é um espaço virtual que açambarca vários gêneros como
diários íntimos, poemas, crônicas, contos, sendo um lugar de encontro, onde o
leitor/escritor/autor constrói sua identidade, sendo artefatos de interação social,
permitindo aos estudantes a oportunidade de construir conhecimento, através
de uma prática que exige constante interação.
Através dessa interação facilitada pelos gêneros digitais nas aulas de Língua
Portuguesa, os processos de aprendizagem migraram de um contexto monolítico, em que a atenção está centrada no professor, para um modelo centrado no
aluno. Além disso, o trabalho colaborativo entre os alunos ajudou-os na superação de deficiências tão corriqueiras nas salas do Ensino Fundamental das escolas
públicas, como problemas ortográficos, de paragrafação textual, pontuação ou,
até mesmo, de interpretação textual.
O que nos dizem os alunos sobre o projeto?
Os alunos envolveram-se num projeto que lhes permitiu participar de contextos diferenciados de letramento, seja digital ou não digital. Essa experiência
proporcionou aos estudantes vivenciarem uma história de sucesso em relação
à escrita, estabelecendo confiança e permitindo-lhes enxergar a escrita como
“uma forma atraente de ação social.” (BAZERMAN, 2007, p. 62).
O desenvolvimento de projetos abordando os gêneros textuais/digitais estimula o aluno a assumir uma postura mais ativa em face ao conhecimento, porém
essa construção não acontece apenas se deixarmos os alunos interagirem com
as TIC de maneira aleatória, é necessário que haja uma interação entre aluno
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
-aluno-professor discutindo, questionando, orientando, propiciando aos alunos
o envolvimento em desafios que os façam refletir sobre as estratégias utilizadas
na resolução dos problemas, sendo as TIC apenas mais uma ferramenta nessa
construção, tendo o papel de tornar os alunos sujeitos ativos na construção de
suas próprias estruturas intelectuais.
Para proporcionar essa interação, o projeto elaborado visou à criação de
contextos que favorecessem o trabalho em dupla ou em grupo, ora trabalhando
com os gêneros textuais não digitais, ora mediados pelo computador, trabalhando com os gêneros textuais digitais. Como já foi mencionado, para cumprir com
o seu papel comunicativo, é necessário que o texto passe, na maioria das vezes,
pelas etapas de planejamento, construção, revisão e rescrita. Essas etapas, em
alguns momentos, foram construídas inteiramente pelos nossos estudantes, em
duplas ou grupos, como foi o caso dos e-mails enviados aos diretores e também
ao escritor. Em outros momentos, apenas a etapa de revisão foi feita em dupla,
como foi a escrita do conto e do relato de experiência. Ao promovermos essa
construção e/ou revisão compartilhada, tiramos o foco da correção textual dos
olhos do professor e direcionamo-la aos próprios autores, juntamente com os
colegas de turma, através de uma leitura mais atenta e detalhada.
Esse redirecionamento pedagógico exige do aluno um comprometimento
maior com as suas produções e com as produções do colega, dessa forma, ao invés de receber o seu texto todo rabiscado pela caneta vermelha do professor, para
fazer a “limpeza” textual, os alunos debatem e decidem qual a melhor forma de
organização textual, sobre os olhos atentos do professor, que orienta para as descobertas. Os alunos do 8º A ano mostraram-se adeptos ao trabalho em equipe:
3246
Érica Carvalho da Silva
Quadro III - Excerto da entrevista semiestruturada
Professora: Vocês acham que os trabalhos realizados em dupla ou em grupo facilitaram
ou dificultaram a aprendizagem de vocês?
Aluno G: Melhorou, porque como diz o velho ditado duas cabeças juntas pensam
melhor.
Aluna K: Acho, porque pode fazer... pensar diferente e comentar um com o outro.
Aluno R: É melhor, porque se um errar a outra ajuda.
Professora: No computador, também vocês percebem que quando erramos fica...
Aluno R: um negócio vermelhinho
Professora: Aí vocês percebem que está...
Aluno T: Errada.
Professora: Vocês costumam verificar quando isso acontece?
Aluna K: Eu olho.
Aluno G: Mesmo corrigindo ainda têm umas palavras erradas, que escrevem com letras
maiúsculas.
Esse processo de letramento é beneficiado quando organizamos situações
de aprendizagens em que os estudantes se sentem impelidos a participar. Nesse
contexto, a associação das TIC se torna extremamente útil, facilitando a busca de
informação, a comunicação, a explicitação do raciocínio e o sentimento de autoria. Além disso, os alunos se veem envolvidos em dinâmicas que fazem parte do
seu cotidiano. É a escola trazendo para dentro de seus muros a realidade social.
Esse fator funciona como elemento motivador para uma aprendizagem autônoma e significativa, pondo em xeque a ideia de que aprender é seguir uma linha
reta, linear onde estão presentes a passividade, a instrução e a repetição.
O sentimento de autoria vislumbrado nos projetos realizados foi explicitado
pelos alunos ao responderem a pergunta feita pela professora:
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Quadro IV - Excerto da entrevista semiestruturada
Professora: Dentre as atividades que desenvolvemos nos projetos, usando as TIC, das
quais vocês gostaram mais?
Aluno G: Foi quando a gente fez o nosso livro... porque a gente pode levar para casa e
teve a manhã de autógrafo, a gente se sentiu como artista.
Aluno T: Quando era da quinta série, eu dizia “eu nunca vou fazer um texto assim”,
quando eu via um texto na internet eu dizia que eu nunca ia conseguir fazer, mas eu
fiz um livro que nunca pensava em fazer, só pensava em perturbar.
Aluno R: Melhor foi a manhã de autógrafos porque chamou a mãe para vir aqui. Todo
mundo leu, com vergonha, mas leu, aí depois deu um lanchinho.
Aluna AT: Eu gostei de tudo um pouco porque foi uma aprendizagem para gente.
Nas falas dos alunos G e R verificamos o quanto é importante para os nossos estudantes sentirem-se inseridos em contextos que valorizem as suas produções, dessa forma, a presença da família, dos colegas, dos leitores reais confere
significado ao texto produzido.
Na fala do aluno T percebe-se a migração do sentimento de incapacidade
de escrever, por achar que é muito difícil, para um sentimento de pertença a esse
mundo que se abriu para ele, envolvendo-o na descoberta de si mesmo, como cidadão que pode ser mais que receptor passivo de informação, pode ser produtor
de conhecimento. Além disso, percebemos em sua fala uma transformação de
comportamento diante do universo estudantil, ao afirmar que antes “só pensava
em perturbar” nas aulas, mas agora consegue produzir.
Decerto que para tornarem-se leitores e escritores proficientes a estrada é
longa, teremos de vencer anos de um trabalho meramente metalinguístico. Observamos, na interação dos alunos e no nosso próprio comportamento enquanto
mediadores, a influência tácita dos modelos instrucionistas. Os textos produzidos por nossos alunos apresentam falhas que revelam a imaturidade de crianças
que cresceram escrevendo textos que só tinham um destinatário – o professor
– ou, até mesmo, frases sem nexo e sem finalidade comunicativa. No entanto,
apesar de percebermos essas falhas, percebemos também uma vontade imensa
de acertar, de cumprir com o seu papel social e de ver os seus textos ganharem
3248
Érica Carvalho da Silva
vida, servindo bem mais que para o professor corrigir e dar uma nota, mas sim
para comunicar.
Nesse processo de construção da autonomia e da identidade juvenil, os contextos de aprendizagem criados se revelaram muito importantes, uma vez que
buscaram facilitar as descobertas por parte dos alunos, ao invés de repassar a informação pronta para que eles assimilassem passivamente. Para Fino (2011), criar
contextos diferenciados, que permitam ao aluno a descoberta, é papel do professor, que ao invés de centrar sua prática em si mesmo, centra na aprendizagem.
Portanto, o contexto diferenciado de aprendizagem facilitou a interação e
a colaboração entre os estudantes, que, mediados por uma base tecnológica, tiveram ao seu alcance um meio para buscar informações diferenciadas, podendo
escolher, relacionar, criticar, descartar e reorganizar suas informações, transformando-as em conhecimento. Assim como, com o auxílio das TIC, os alunos
puderam se apropriar também dos gêneros digitais, participando de contextos
virtuais de comunicação, marcando seu lugar no mundo como cidadão digitalmente letrado.
Considerações finais
As situações de aprendizagem criadas nas aulas de Língua Portuguesa com
a inserção das TIC proporcionaram um espaço que facilitou ao estudante estar
com os pares, agir colaborativamente, pensar, refletir e aprender, evidenciando
uma maior participação do aluno no processo de aprendizagem. Esses contextos
buscaram aplicar a visão pedagógica abordada por Papert (2008), segundo esse
autor, as crianças aprendem melhor descobrindo por si mesmas o conhecimento
de que precisam, e os professores agem como os mediadores, promovendo situações didáticas que facilitem as descobertas dos aprendizes.
O trabalho em equipe revelou-se, gradativamente, como uma forma de envolver os alunos em suas descobertas, promovendo a reflexão sobre os seus erros
e acertos e o desejo de ajudar aqueles que faziam parte do seu grupo. Essas atividades tinham por base respeitar a ZDP dos estudantes, como afirma Vigotski
(2007) ao nos dizer que processos internos no desenvolvimento da criança são
estimulados quando estas interagem com seus companheiros em processo de
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
cooperação. Coll (1994) também nos diz que a aprendizagem cooperativa favorece entre os alunos uma relação mais positiva.
A outra característica do projeto vivenciado foi a inserção das TIC numa
perspectiva integradora, sendo um meio facilitador da aprendizagem, pelas quais
os estudantes puderam desenvolver suas habilidades de pesquisar, analisar, selecionar e transformar a informação em conhecimento. Além disso, através das
TIC os estudantes puderam também produzir textos inseridos dentro de contextos comunicativos reais, transformando o que, nas aulas de Língua Portuguesa,
era reconhecimento e reprodução em conhecimento e produção.
Por este ângulo, a utilização das TIC em sala de aula não serviu como mais
uma ferramenta para ratificar o paradigma vigente, serviu para que, em poder
dos alunos, desse-lhes oportunidades de ousar em suas construções, envolvendo-os na realização de atividades do interesse deles, como nos diz Papert (2008,
p. 43), “Uma das maiores contribuições do computador é a oportunidade para as
crianças experimentarem a excitação de se empenharem em perseguir os conhecimentos que realmente desejam ter”.
O papel da professora, no desenrolar dos projetos, foi organizar as situações
de aprendizagem e agir de forma mais periférica e mediadora, acompanhando os
trabalhos dos alunos e suas construções.
Assim, a professora possibilitou que os alunos tivessem contato, em contextos socialmente relevantes, com os gêneros textuais que circulam na sociedade,
bem como com os gêneros que emergiram das tecnologias digitais.
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3251
RESUMO
A educação a distância mediada por computador no Brasil continua desafiando pesquisadores da linguagem à compreensão de qual seria a melhor forma de organização textual-discursiva dos conteúdos objetos de aprendizagem, face à mudança
de perfil exigida do aprendiz que, passando a assumir papel ativo na construção do
conhecimento, deve “responder ao aprendizado” apoiado pelos recursos tecnológicos, conforme propõem Moore e Kearsley (2008). O presente trabalho parte do
pressuposto de que esses recursos devem/podem operar como “ferramentas cognitivas”, quando os alunos são estimulados a estabelecer um padrão de “envolvimento
com os textos”, postulados por Chafe (1981, 1985) e Luciano (2000, 2009, 2013), agora
dispostos à aprendizagem atraves de dispositivos telemáticos. A literatura sobre o
tema, a exemplo de Jonassen (2000), considera “ferramentas cognitivas” tecnologias informáticas como “sistemas tutoriais inteligentes”, “base de dados”, “ferramentas de representação visual”, “ambientes de conversação em tempo real” (chat), as
“conferencias através de computador” (webconferencias), “motores de busca”, entre
outros. Este trabalho inclui a gravação em PODCAST da leitura em voz alta dos conteúdos teóricos disponibilizados pelos professores do curso de Letras a distância,
UFPE/UAB, como mais uma ferramenta cognitiva, com base nos resultados da pesquisa desenvolvida em 2000, em tese de doutoramento, acerca da influência da prosódia na compreensão do telejornal, desenvolvida por Luciano (2000, 2009). Assim,
apresenta a metodologia de captação de áudio para o ensino a distância, realizada
no Laboratório de Imagem e Som da UFPE, a qual se ancora nas noções de “contorno
entoacional” e “coesão prosódica”. A primeira refere-se à observação da prosódia em
relação às determinações sintáticas e semânticas da organização textual e, a segunda, à linha de observação prosódica na perspectiva funcioanl, segundo o modelo de
Brazil (1985), o qual permitiu chegar à definição de “unidade de leitura”.
Palavras-chave: Prosódia, Podcast, Ferramenta cognitiva.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
PROSÓDIA E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
O PODCAST COMO FERRAMENTA COGNITIVA
Dilma Tavares Luciano (UFPE)
Introdução
Os membros de uma comunidade virtual de aprendizagem são constantemente “testados” em seus sentimentos de pertença diante da necessidade de enquadramento interativo singular, porque estão sob o impacto das interfaces dos
artefatos de mediação. Além disso, o desenvolvimento da tecnologia nos último
vinte anos redireciona o próprio sentido de mediação interpondo entre o sujeito e os objetos o fenômeno da “experiência”. Nessa perspectiva, os usuários dos
dispositivos tecnológicos em ambientes virtuais de aprendizagem deixam de ser
“consumidores” de informação, como sujeitos passivos ou meros espectadores ou
receptores de conteúdos informacionais, passando à condição de aprendizes que
devem cooperar em uma comunidade, logo, pressupõe relação entre todos e cada
um dos membros dessa territorialidade simbólica.
Nesse contexto, o presente trabalho propõe que a prosódia na leitura em voz
alta (LVA) de conteúdos teóricos disponibilizados pelos docentes da graduação
em Letras a distância, da UFPE (E-LETRAS), na plataforma moodle, em formato
PODCAST, represente um mediador psicológico capaz de otimizar o grau de envolvimento do aprendiz/ouvinte com o objeto epistêmico da aprendizagem. Essa
proposição toma por base dois diferentes pressupostos:
i. A noção de “ferramenta cognitiva” usada para tratar de “ferramentas
informáticas adaptadas ou desenvolvidas para funcionarem como
parceiros intelectuais do aluno, de modo a estimular e facilitar o
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
pensamento crítico e a aprendizagem de ordem superior” (JONASSEN, 2007, p. 21); e
ii. O papel da prosódia na LVA realizada de modo a influir sobre a
compreensão do ouvinte, quando se reveste de padrões entoacionais
característicos de uma “leitura natural” (LN), compreendida como
aquela em que há uma impressão acústica capaz de aproximar as
fronteiras entre a escrita e a fala (cf. LUCIANO, 2000, 2009, 2013).
As gravações em PODCAST dos conteúdos dos componentes curriculares
do E-LETRAS tiveram início em agosto do corrente ano e são disponibilizados
na “Biblioteca Virtual” do curso. Os leitores para as captações dos áudios são os
próprios professores proponentes dos conteúdos, auxiliados por discentes dos
cursos presenciais de Jornalismo, Rádio e TV, Cinema e Letras, da UFPE.
Para este trabalho, a revisão da literatura para o conceito de “mediação” segue o exemplo apresentado por Lopes (2010), especialmente motivado pela ideia
de que “estudar a mediação do professor não significa a adoção de um modelo
de ensino ou de uma teoria de aprendizagem “ (LOPES et al, 2010, p.05), e por
concordar em que ela, a mediação do professor, “não se confina ao que se passa
na sala de aula: tem componentes de planeamento e de seguimento (follow up)
que consideramos insuficientemente consideradas na prática profissional e na
investigação” (idem, p. 05).
A noção de “ferramenta cognitiva” no lastro das reflexões sobre a aprendizagem mediada por computador segue os postulados de David Jonassen (2007), os
quais partem do princípio basilar de que se aprende com o computador quando
as ferramentas forem usadas na perspectiva da aprendizagem significativa.
Ensinar a distância: um novo paradigma da mediação
Quando utilizamos uma ferramenta para realizar uma tarefa significativa do ponto de vista cognitivo, focamo-nos menos nas ferramentas e
mais no que elas nos permitem fazer. Memorizar as partes do computador faz pouco sentido se estes não são utilizados para fazer algo útil. A
compreensão surge de uma actividade significativa e não de memorização. (JONASSEN, 2007, p. 20)
3254
Dilma Tavares Luciano
Um dos grandes desafios aos proponentes de cursos a distância na trilha
do paradigma construtivista da educação continua a ser o desenvolvimento de
programas de formação docente através do computador que sejam capazes de fomentar processos de aprendizagem “endogenamente formativo, não informativo
apenas, muito menos reprodutivo”, como alertou Pedro Demo (2004), já há uma
década. Nesse sentido, é possível afirmar que as formas como são utilizadas as
tecnologias na escola e, mais especificamente, nos cursos de graduação online
necessitam ser repensadas diante das evidências de que há um novo paradigma
da mediação do professor a distância e das ferramentas que são usadas para
aprender.
Nesse paradigma, e tomando por base o refinamento teórico-prático apresentado por Lopes ET AL (2010, p.05), a mediação compreende:
As ações e as linguagens (naturais e outras) do professor construídas e
postas em prática como resposta sistemática aos desafios de aprendizagem dos alunos nos seus percursos para atingir os resultados de aprendizagem (capacidades, valores, atitudes, conhecimento e competências)
pretendidos por um determinado currículo.
Com esta definição, busca-se evidenciar o que é possível FAZER para levar
o aprendiz a VIVENCIAR PERCURSOS que instanciem a APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, porque constituintes de “espaços do saber”, no sentido proposto
por Lévy (1997, p.176), como ilustrado abaixo:
O Espaço do Saber é o plano de composição, de recomposição, de comunicação, de singularização e de impulsionamento processual dos pensamentos. Cenário de dissolução das separações, o Espaço do Saber é
habitado, animado por intelectos coletivos – imaginários coletivos – em
reconfiguração dinâmica permanente.
Assim, deve-se ter o cuidado de propor conteúdos para a aprendizagem a
distância através de ferramentas que envolvam o aprendiz na construção ativa
do conhecimento, refletindo sua compreensão e mesmo concepção da “informação nova”.
Jonassen (2007, p.23) sintetiza o conceito de “ferramenta cognitiva” de modo
bastante exemplar ao objetivo aqui proposto, qual seja o de incluir a LVA da gra-
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
vação em PODCAST como uma das ferramentas cognitivas disponibilizadas aos
estudantes do E-LETRAS. Diz assim:
Finalmente, ferramenta cognitiva é um conceito. (...) Se pesquisar a literatura sobre computadores e aprendizagem ou qualquer catálogo de
software, não encontrará investigação sobre ferramentas cognitivas
para venda. As ferramentas cognitivas representam uma abordagem
construtivista da utilização dos computadores, ou de qualquer outra
tecnologia, ambiente ou actividade, que estimule os alunos na reflexão,
manipulação e representação sobre o que sabem, ao invés de reproduzirem o que alguém lhes diz. Ao utilizar uma ferramenta cognitiva, o
conhecimento é construído pelo aluno, não transmitido pelo professor.
PODCAST: resgatando os sentidos da LVA
A partir de meados do século XX, um olhar sobre a história da leitura em
voz alta sugere uma mudança significativa da função social dessa atividade em
espaços públicos, ao revelar um distanciamento do leitor caracterizado pelo “apagamento” da relação triádica leitor-texto-ouvinte e ênfase na relação assimétrica
entre “quem lê” e “quem escuta”. Em substituição ao envolvimento com o texto,
resta uma voz monocórdica e monométrica, numa realização da LVA sem considerar fatores de ordem cognitiva e interacional resultantes da “oralização” do
texto escrito sobre o ouvinte.
Os historiadores da leitura Cavallo e Chartier (1998, p.08) destacam:
No mundo antigo, na Idade Média, nos séculos XVI e XVII ainda, a leitura implícita mas também efetiva de numerosos textos é uma oralização, e seus ‘leitores’ são os ouvintes de uma voz leitora. Dirigido assim
tanto ao ouvido quanto aos olhos, o texto joga com formas e fórmulas
aptas a submeter o escrito às exigências próprias da performance oral.
Na atualidade, a preocupação com a performance oral apenas é verificada
na LVA de textos exibidos na televisão, especialmente no gênero Telejornal, em
cujas condições de produção se verifica a presença determinante de artefatos
tecnológicos (o teleprompter, por exemplo) que asseguram/promovem a impressão de “naturalidade” na LVA dos locutores.
3256
Dilma Tavares Luciano
Ao investigar a influência da prosódia na locução do telejornal, Luciano
(2000, P03) destaca:
É no século XVIII que encontramos o gérmen do telejornalismo quando
a LVA em público assume uma função social relevante (cf. CAVALLO e
CHARTIER, 1998; MANGUEL, 1997; entre outros), tempo em que ocorre um “furor de ler”, comparável ao momento atual com seus múltiplos
objetos de leitura.
Apesar da multiplicidade e diversidade de objetos de leitura em verdadeira
constelação de gêneros, da segunda metade do século XX aos dias atuais observa-se uma perda do valor comunicativo e da função social dessa atividade
de linguagem pela não atenção à performance oral dos leitores, exceto quando
se tratar de textos veiculados pela indústria de comunicação. Mesmo havendo
eventos sociais em que há a realização de LVA como parte constituinte do evento (em igrejas, cerimônia de colação de grau, etc), não há “cuidado” com a performance do leitor, posto que tampouco há esse cuidado na prática pedagógica
de realização de LVA como objeto de ensino. Portanto, reflexões a esse respeito
apresentadas em 2000 são ainda pertinentes:
São exemplos dessa realidade, a LVA de um texto didático pelo aluno
para que lhe seja avaliada a performance pelo(a) professor(a), não importando o que acontece no entorno com o público ouvinte, nem mesmo o texto lido, objeto “passivo” no processo de avaliação; ou a situação
do palestrante diante de sua platéia, ao erguer algumas folhas para serem lidas... Com expressividade? O público “acompanhou” o que estava
dizendo? (LUCIANO, 2000, p.5).
É possível afirmar que a produção de PODCAST como recurso de aprendizagem em educação a distância está passível das mesmas críticas quanto à falta
de uma metodologia de captação da LVA que considere o princípio da dialogicidade da linguagem natural, o qual deve ser respeitado mesmo na atividade de
leitura, seja ela silenciosa ou para ouvinte(s). Nas palavras de Chartier (1998,
p.20), “com efeito, todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma
atitude de leitura.” Respeite-se, assim, a natureza triádica da atividade leitora:
leitor-texto-ouvinte.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Nesse ponto, propõe-se o resgate dos sentidos do texto durante a LVA voltada para a compreensão do ouvinte, o que representa condição indispensável
à proposição do PODCAST enquanto ferramenta cognitiva. Para tanto, parte-se
da noção de língua como atividade estratégica e intencional durante a produção
de textos bem estruturados, porque há um sistema lingüístico específico em
jogo, cujos elementos necessários à compreensão não se limitam à superfície lingüística, pois há fatores constitutivos da intencionalidade que dependem de uma
série de operações em vários níveis simultaneamente, inclusive e especialmente
no âmbito das estratégias de textualização do leitor em voz alta, logo, de aspectos prosódicos constitutivos e constituintes do texto escrito. Assim:
Assumimos, então, o modelo cognitivo de compreensão do discurso de
Van Dijk (1992) e reelaborado por Koch (1997), no qual as diversas formas provindas de vários níveis da língua (morfofonológico, sintático,
semântico e pragmático) interagem de forma complexa. É, portanto, um
modelo de processadores. E mais, reafirmamos a existência de pródia
na escrita, postulado central em Chacon (1996, 1998) e em Chafe (1985),
o que não dicotomiza a análise opondo a fala à escrita, mas identifica
semelhanças/diferenças e regularidades para os gêneros comunicativos,
dentro de um continuum. Os diferentes gêneros estariam situados em
determinadas esferas de conhecimento, identificadas pelas exigências
das condições de comunicação de cada evento comunicativo. (LUCIANO, 2009, p.101)
Com base na noção de evento comunicativo proposta por Saville-Troike
(1982), como tipo de entidade delimitada, afirma-se que a escuta dos PODCAST
realizada pelos discentes deve ser assim compreendida quando a LVA evidenciar
fronteiras bem definidas da organização textual-discursiva dos conteúdos propostos pelos docentes em unidades comunicativas singulares.
A realização da LVA para captação do PODCAST passa a ser considerada
uma etapa da composição do texto escrito proposto à aprendizagem, ou seja,
desloca-se do indivíduo que lê para o texto restituído de vozes, o foco da observação das estratégias de formulação textual stricto sensu (cf. MARCUSCHI,
2009; KOCH, 1992; LUCIANO, 2000, entre outros) e as estratégias de envolvimento (cf. CHAFE, 1985).
As estratégias de formulação textual, o textualizadores, referem-se às
ações de seleção distribuição e organização das informações na superfície tex3258
Dilma Tavares Luciano
tual, cabendo ao produtor do texto, no caso da LVA, ao leitor/locutor decidir o
que deve ser explicitado ou não por meio de marcas prosódicas. São pois estratégias de composição para as quais a voz é constitutiva na LVA. E nesse sentido,
é possível reconhecer o valor comunicativo dos recursos prosódicos – diversidade de tons, segmentação em unidades sonoras, ritmo, ênfase ou realces tonais. Diz-se, assim, que “a prosódia é o liame que vai costurando as estruturas
na superfície textual” audível, logo, exercendo função coesiva indispensável à
construção de sentido.
As estratégias de envolvimento dizem respeito à possibilidade do leitor marcar/realçar intencionalmente a distinção entre elementos NOVOS, presentes no
texto, e os elementos considerados partilhados, informações DADAS como de
ancoragem para a percepção/compreensão do novo. É no jogo da relação DADO/
NOVO que a prosódia vai compondo estratégias de envolvimento por possibilitar, na linguagem, uma orientação à interpretação preferida, audível no contorno entoacional.
A aplicação da Teoria Interacional do Ton proposta por Brazil (1985) permite
a caracterização de diferentes padrões expressivos na LVA, indicando possibilidades de contornos entoacionais tipificadores de leitura (cf. LUCIANO, 2000),
com implicações no deslocamento sobre o eixo envolvimento/distanciamento do
ouvinte, ao passo que a coesão prosódica representa a possibilidade de preservação da fluência sintática na realização da LVA com maior ou menor ênfase na
fluência discursiva (cf. LUCIANO, 2000, 2009).
Em conjunto, o uso consciente da prosódia na composição da LVA dos PODCAST segundo o modelo de Brazil, permitiu o estabelecimento das seguintes
decisões metodológicas para o procedimento de captação do áudio:
1. Seleção de leitores para representação das vozes de diferentes “sujeitos” presentes no texto escrito – “leitores outros”;
2. Treinamento dos “leitores outros” para a coesão prosódica – “fluência sintática”;
3. Exercício de percepção dos diferentes tipos de leitura – “leitura litânica” (LL), “leitura padrão”(LP), “leitura natural”(LN);
4. Treinamento dos “leitores outros” para a segmentação em “unidades
de leitura” – coesão prosódica + contorno entoacional;
3259
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
5. Seleção das vozes; e
6. Captação dos áudios.
Todas as etapas acima destacadas serão objeto de “testes de percepção” pelos leitores, servindo, assim, ao exercício de “modulação de voz”. Também serão
os textos gravados objeto de “testes de compreensão”, com voluntários do projeto
de extensão intitulado “Letramento e temas transversais: uma questão de cidadania”, cuja etapa II refere-se à preparação de material didático para os cursos de
extensão resultantes do referido projeto.
Considerações finais
Por fim, a aplicação da Teoria Interacional do Tom à produção de PODCAST
para o E-LETRAS pretende contribuir com o desenvolvimento das pesquisas sobre o valor comunicativo da prosódia na perspectiva pragmática. De outro lado,
cumpre mais uma etapa da construção de um modelo de educação a distância
desenvolvido pelo Departamento de Letras da UFPE, compromisso assumido
pelo corpo docente do curso para a melhoria da qualidade do ensino nessa modalidade como um objetivo comum. Para atingir esse objetivo, parte-se da compreensão de que há um necessário movimento de transdisciplinaridade rumo à
reflexão e à construção da cultura de ensino e de aprendizagem online, centrada
na autonomia do aprendiz, e a qual passa a envolver diferentes atores desenvolvendo trabalho em equipe essencialmente multidisciplinar.
Não apresenta, portanto, um modelo definitivo de captação de áudio para
a produção de material didático em formato PODCAST, mas sim o relato de
um experimento técnico à luz dos diferentes domínios de conhecimento com
os quais o presente trabalho objetivou dialogar. Muito há por fazer e ainda compreender no campo da interação mediada por artefatos tecnológicos. O que se
deve evitar, no entanto, é negar a importância da aproximação das pesquisas dos
diversos campos do saber para o desenvolvimento de tecnologias da informação
e comunicação e de sistemas de interação por meio do computador – Psicologia
Cognitiva, Semiótica, Ergonomia, Sociologia, Antropologia, Linguística e de todos aqueles que colaborem com a compreensão do fenômeno da interação lato
3260
Dilma Tavares Luciano
sensu -, à agenda de formação docente e ao cenário mundial quanto àss demandas comunicacionais imbricadas com as tecnologias.
Ao final, pode-se destacar como objetivo geral dessa breve reflexão sobre
o uso do PODCAST como ferramenta cognitiva útil à aprendizagem a distância desvelar o princípio da função tripartida da linguagem - o dizer, o fazer e o
mostrar -, creditando à prosódia valor pragmático significativo à compreensão
interlocutiva.
Referências
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VAN DIJK, T. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1992.
3261
RESUMO
Discutimos neste artigo as ramificações do m-learning, enquanto ferramenta tecnológica de ensino por meio da gamificação em uma turma de Ciências da Computação,
cuja aula analisada teve como foco a ortografia em Língua Portuguesa. Utilizamos
a gamificação apoiados pelo aplicativo para smartphone SoletrandoMob, pois este
possibilita a ampliação do conhecimento ortográfico de forma lúdica e interativa. A
utilização de novas tecnologias na educação tem se tornado uma prática frequente
na tentativa de dinamizar e tornar mais eficiente a metodologia de ensino contemporânea. Os jogos educativos e os recursos midiáticos possibilitam ao aluno aprender com mobilidade (em qualquer ambiente) determinado conteúdo a qualquer
momento. A metodologia para a composição do corpus se deu a partir da produção
escrita de parágrafos acerca do grau de satisfação em relação ao uso do software
educacional enquanto ferramenta de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem
da Língua Portuguesa. A análise está fundamentada nas discussões a partir de pesquisas bibliográficas dos teóricos da Gamificação (FADEL et al.,2014 e VIANNA et
al., 2013); de Software educacional (CRISTOVÃO, 2011; VALENTE, 1999); M-learning
(LEITE, 2014; HIGUCHI, 2011). Para a discussão que tem em seu cerne o software
educacional SoletrandoMob nos apoiamos nas reflexões de Mesquista Filho (2010).
Como resultado, concluímos que o uso da tecnologia, através do m-learning e da
gamificação na sala de aula faz com que os alunos utilizem o smartphone de uma
maneira inteligente para consolidarem o conhecimento ou ainda aprenderem novos
conteúdos. A utilização do SoletrandoMob, quando associado ao ensino do ensino
da Língua Portuguesa, representa uma rica contribuição para aproximação entre a
aprendizagem e o entretenimento de forma interdisciplinar. Ao contrário do que
pode ser pensado, o uso das ferramentas tecnológicas em sala de aula deixou a esfera
da ousadia e tem se tornado, gradativamente, uma ferramenta natural.
Palavras-chave: Língua Portuguesa; Gamificação; Software educacional; M-learning.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
RAMIFICAÇÕES DO ENSINO DE LÍNGUA:
A TECNOLOGIA MÓVEL EM AÇÃO
Ana Carolina Costa de Oliveira1
Jamylle Rebouças Ouverney-King2
Maria das Graças Amorim Castro3
Apresentação
Em meados da década de 70, algumas instituições de ensino superior do
Brasil realizaram experimentos vinculando a informática à educação. Segundo
Valente e Almeida (1997), desde então, diversas atividades de inserção do computador no processo de ensino e aprendizagem foram feitas permitindo assim, a
esta área, uma identidade própria e relativamente solidificada.
A utilização destes experimentos na educação tem se tornado uma prática
frequente na tentativa de dinamizar e tornar mais eficiente a metodologia de ensino atual, especialmente na Língua Portuguesa, para a qual nos voltamos neste
artigo. A utilização de jogos educativos e de recursos midiáticos, com os quais é
possível o aluno aprender com mobilidade determinado conteúdo, a metodologia mobile learning (m-learning) tem iniciado um processo de expansão extremamente benéfico para a educação no século XXI.
1. Mestre em Engenharia de Produção – IFPB - Endereço: Av. Primeiro de Maio, 720 - Jaguaribe, João Pessoa
– PB e-mail: [email protected].
2. Doutora em Ciências Humanas e Interdisciplinaridade (UFSC) – IFPB – Endereço: Av. Primeiro de Maio,
720 - Jaguaribe, João Pessoa – PB e-mail: [email protected].
3. Graduanda em Letras – IFPB – Endereço: Av. Primeiro de Maio, 720 - Jaguaribe, João Pessoa – PB e-mail:
[email protected].
3263
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
O aprendizado com mobilidade estimula o alunado a lançar mão da autonomia para aprender por conta própria, pois muitos destes alunos precisam estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Estudar hoje não é privilégio apenas de quem
pode frequentar presencialmente uma sala de aula, tanto que é possível estudar
dentro de um ônibus, de um avião, em uma fila de banco, entre outros ambientes que não o de uma sala de aula física como conhecemos, com mesas, cadeiras,
quadros, etc.. Tudo isso por meio da aprendizagem com mobilidade.
Também é interessante a possibilidade de agregar a esta mobilidade o conhecimento pedagógico por meio de ferramentas que auxiliem o alunado fora
da sala de aula. Ferramentas que busquem exercer a motivação para adquirir
ou consolidar determinado conhecimento. Assim, torna-se cada vez mais real e
cotidiano o uso adequado da tecnologia e, particularmente, da inserção de softwares educacionais (SEs) no meio escolar e, porque não, na vida pessoal daquele
que estuda.
Contudo, é necessário gerenciar de forma linear a atratividade de um SE, de
modo que este utilize estratégias lúdicas e com jogos, ou seja, gamificadas, para
promover a motivação e o engajamento em diferentes cenários de aprendizagem.
Pode-se afirmar, portanto, que o uso dos SEs interage cada vez mais com as distintas narrativas, que saltam nas telas dos smartphones e tablets favorecendo a
emergência de novos paradigmas educacionais. Assim, o objetivo deste artigo é
discutir as ramificações do m-learning, enquanto ferramenta tecnológica de ensino por meio da gamificação em uma turma de Ciências da Computação, cuja
aula analisada teve como foco a ortografia em Língua Portuguesa.
Este artigo foi dividido em três partes: inicialmente, foi feita uma breve explanação do universo tecnológico. Em seguida, foi realizada uma revisão de literatura para a discussão do m-learning, do software educacional (SE) e da gamificação. Por fim, foram apresentados os resultados de acordo com as percepções
dos alunos sobre o SE SoletrandoMob.
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
Tecnologia a favor da educação
Acreditamos que os avanços tecnológicos vêm, de um modo geral, promovido a aproximação entre tecnologia e educação no sentido de ofertar variados
dispositivos com os quais o ensino e a aprendizagem tornam-se mais interativos, ‘atrativos’ e lúdicos, em especial, para uma geração que ‘tem pressa’. Por
outro lado, quando falamos em mobilidade também entendemos a possibilidade de um alcance maior das ferramentas educacionais, ou seja, comunidades
que antes estariam isoladas, ou potencial e logisticamente postas em condições
que não favoreciam o acesso ao conhecimento, agora, podem estar mais global
e localmente situadas. Deste modo, dispositivos, aplicativos, softwares, dentre
outros mecanismos associados ao ensino vêm como um artefato que otimiza a
aprendizagem.
Apresentamos a seguir as teorias que nos auxiliam a entender esses novos
fenômenos da educação contemporânea.
Mobile Learning
As tecnologias contemporâneas fazem surgir uma nova modalidade de ensino, através dos dispositivos computacionais móveis: tablets, smartphones, celulares, Personal Digital Assistant (PDAs), PlayStation Portable (PSPs), netbooks,
entre outros.
Higuchi (2011) menciona que os dispositivos móveis fazem parte das formas atuais de comunicação e têm sido incorporados por diferentes setores da
sociedade, em um processo contínuo de adaptação entre tecnologia e sociedade.
Diante disso, tais dispositivos não podem ficar fora das questões educacionais. A
introdução da computação móvel no processo de ensino, como forma de auxiliar
a aprendizagem dos mais diversos conteúdos, tornou-se uma prática a partir do
método mobile learning, ou simplesmente m-learning.
Na definição de Higuchi (2011), m-learning é a possibilidade de se criar situações de aprendizagem usando os dispositivos móveis e tirando partido da permanente conectividade facultada pelas redes sem fios. Leite (2014) adiciona que
o m-learning pode ser ampliado para qualquer tipo de aprendizagem que ocorre
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
quando o estudante não está em um local estático e estipulado; a exemplo da
academia de ginástica, em que ele poderá estar na esteira e escutando uma aula
de inglês simultaneamente, ou no momento em que a aprendizagem acontece
quando o estudante ‘tira’ vantagem das oportunidades oferecidas por tecnologias móveis, a exemplo da educação a distância.
Para este estudo, o dispositivo móvel utilizado foi o smartphone, ferramenta tecnológica de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem, pois é um celular com tecnologias avançadas, incluindo programas executados em um sistema
operacional, cuja denominação toma diferente nomeclantura passando a se chamar aplicativo (application), e sua abreviatura, advinda do vocábulo em inglês,
compõe a sigla já notoriamente conhecida como ‘app’.
Os aplicativos (apps) facilitam a instalação e a utilização de um SE, sua portabilidade e manuseio já que são disponibilizados nas app store, isto é, nas lojas
virtuais de venda ou oferta de aplicativos, gratuitamente em alguns casos. Em
nossa pesquisa, entendemos que o app SoletrandoMob executa as funções de um
SE, como veremos adiante.
Software educacional (SE)
Para França e Silva (2014), o SE é um programa cujo objetivo favorece os
processos de ensino-aprendizagem, uma vez que são desenvolvidos com a finalidade de levar o estudante a construir determinado conhecimento relativo a um
conteúdo didático previamente estabelecido.
Para Cristóvão e Nobre (2011), o SE deve proporcionar ao professor e ao aluno
a oportunidade de utilizar novos métodos no ambiente educacional e fora dele,
através dos quais são oferecidas oportunidades de aprendizagem e facilitação na
consolidação do conhecimento. De acordo com Prieto et al. (2005) estes softwares têm finalidade pedagógica e sua utilização deve estar ligada a um assunto e
uma situação de ensino baseados em uma metodologia que oriente o processo,
através da interação, da motivação e da descoberta, facilitando a aprendizagem
de um conteúdo.
A utilização deste tipo recurso na educação proporciona uma série de vantagens no que diz respeito à aprendizagem através do efeito motivador, do desen-
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
volvimento de habilidades cognitivas, da socialização e da coordenação motora.
É importante ressaltar que o uso de dispositivos eletrônicos no âmbito educacional, do mesmo modo, proporciona a inclusão social e maior participação de
alunos com dificuldades motoras, já que com um simples toque o usuário pode
adentrar um universo amplo e expandir seus conhecimentos.
Para este estudo, o SE escolhido foi o SoletrandoMob, que faz uso de dispositivos móveis para sua execução de maneira lúdica e, muito embora não tenha
em sua descrição a função educativa, acaba por atuar nesse sentido, como veremos a seguir.
O SoletrandoMob
O SoletrandoMob surgiu da ideia de se criar um SE portátil desenvolvido
para smartphone, que teve como inspiração o quadro Soletrando, do programa
Caldeirão do Huck, exibido pela TV Globo aos sábados a tarde nos últimos oito
anos, desde 2006.
Em sua versão virtual, objeto de estudo desta pesquisa, o SE representa um
jogo de soletração que busca auxiliar o usuário na aprendizagem, ou na consolidação, da ortografia da Língua Portuguesa. É importante mencionar que o app
passou por uma atualização em junho/2015 e já está seguindo a nova regra ortográfica brasileira, tornando-se um recurso atual e relevante não somente para
a aprendizagem como também para a divulgação do Novo Acordo Ortográfico.
O app é ideal para jovens a partir de 12 anos e adultos. Nele, o participante
testa seus conhecimentos sobre a ortografia da Língua Portuguesa. Este jogo é
constituído de 1.200 palavras, divididas em dois níveis de dificuldade de acordo
com as instruções do app: (i) até 10 anos (palavras fácies); (ii) e acima de 10 anos
(palavras difíceis). Para cada palavra do jogo há uma dica, ou seja, a definição da
palavra ou a utilização da palavra em uma frase, contextualizando-a tornando-a
mais familiar.
Retomamos que, originalmente, o jogo não foi concebido exclusivamente
para práticas pedagógicas, mas como uma inspiração e extensão do quadro midiático, além de potencial fonte de recursos financeiros para os idealizadores
do quadro e do jogo, já que para adquiri-lo, o usuário deve pagar a quantia de
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
aproximadamente de cem reais. Não obstante, observamos que o jogo auxilia
na introdução de questões ortográficas, consolida o conhecimento acerca de determinados vocábulos, provoca a participação em time e, consequentemente, o
espírito da competição e, portanto, se encaixa na categoria de SE.
Ainda nessa linha de raciocínio que concebe o app no campo do SE e pelo
mesmo ter sido aplicado em uma atividade educacional entendemos que esse
conjunto de práticas configura uma atividade gamificada. Sendo assim, partimos do interesse das pesquisadoras em avigorarem a gamificação como alternativa às abordagens tradicionais, e ao que diz respeito a expansão e aos
benefícios das novas tecnologias na vida dos usuários, com por exemplo a utilização dos smartphones. Evidenciamos então a utilização desta abordagem para
auxílio do ensino.
Gamificação
Nos últimos anos, estudiosos na área de game design de diversas partes do
mundo tem se dedicado a aplicar princípios de jogos em áreas como comunicação, saúde, educação, políticas, para citar algumas. Por conseguinte, os jogos
vêm atraindo muitos olhares e sendo usados para diversos fins, impulsionando a
expansão da gamificação.
Segundo Vianna et al. (2013, p. 01) a gamificação “corresponde ao uso de
mecanismos de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas práticos ou
de despertar engajamento entre público específicos”. Para Fadel et al. (2014), ela
constitui a mecânica dos games em cenários non games4, criando um espaço de
aprendizagem por meio de desafio, do prazer e do entretenimento.
Na educação e nos campos de pesquisa pedagógica, a nomenclatura ‘gamificação’ é recente. No entanto, percebemos que na prática vem sendo usada há
bastante tempo. Por exemplo, uma criança participava de um ditado e podia ter
seu trabalho reconhecido com adesivos ou desenhos de coraçõezinhos como recompensa; ou ainda com palavras de incentivo – a exemplo de ‘parabéns’, ‘ótimo’,
‘excelente’, entre outros adjetivos que motivem a continuação da boa prática e
4. Non-games are a class of software on the border between video games and toys (IGN, 2006).
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
mostrem que o desenvolvimento foi profícuo. Consequentemente e com o passar
dos anos, estas atividades iam ganhando novos níveis de dificuldade por meio da
adição de palavras mais complexas ou que demandem maior atenção ortográfica.
Os mesmos costumes e aplicações são feitos em jogos educacionais tecnológicos. Ao término de cada atividade, o usuário pode visualizar a sua pontuação
(o score), recebe imagens ou palavras de fundo motivador e que estimulem o
usuário a continuar a prática do jogo. Nesse sentido, o SoletrandoMob torna-se
um objeto de aprendizagem da ortografia da língua portuguesa falada no Brasil, pois tem a função didática de: incentivar o aluno sobre o conhecimento da
escrita de determinada palavra; mostrar a palavra em uma sentença, contextualizando-a; corrigir, caso haja algum engano e demonstrar a versão apropriada,
os dois últimos considerados aspectos pedagógicos essenciais para a fixação e
compreensão semântica em contextos de situação.
Ainda para as Fadel et al. (2014), a gamificação nasce como uma possibilidade de ligar a escola ao universo dos jovens com o objetivo na aprendizagem, por
meio de práticas como sistemas de “rankeamento” e fornecimento de recompensas. Além disso, ao invés de objetivar exclusivamente o nível de aprendizado do
conhecimento por meio das notas, podemos aguçar o cognitivo e o emocional
dos alunos ao utilizar os mecanismos dos jogos, o entusiasmo e o envolvimento
que os mesmos proporcionam aos participantes.
A seguir, são descritos os procedimentos metodológicos da pesquisa.
A pesquisa: procedimentos e coleta de dados
Utilizamos como sustentáculo teórico as reflexões contidas em Leite (2014)
e Higuchi (2011) acerca do m-learning (aprendizagem com mobilidade). Na sequência, Cristovão e Nobre (2011) e França e Silva (2014) sobre o uso de softwares
educacionais e suas vantagens para a educação contemporânea. O mecanismo
da gamificação é visto a partir de Fadel et al. (2014), e Vianna et al. (2013) nos
apontam que, por meio da gamificação e apoiados pelo aplicativo para smartphone SoletrandoMob, temos a ampliação do conhecimento ortográfico de forma
lúdica e interativa.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Utilizamos a prática gamificada para a abordagem sobre ortografia na língua portuguesa falada no Brasil como um duplo foco estratégico: (i) para diagnosticar potenciais lacunas na apropriação da ortografia da língua portuguesa,
levando em consideração a nova regra ortográfica recentemente implantada; e
(ii) para motivar os alunos na busca e otimização do conhecimento sobre ortografia, um campo de ensino da língua vernácula que pode apresentar certa resistência por partes do corpo discente.
A apresentação do app SoletrandoMob foi realizada no primeiro dia de aula
da disciplina de Leitura e Produção Textual. Após uma breve contextualização
sobre a importância da tecnologia no ambiente de ensino-aprendizagem, na sequência foi feita a liberação da senha para o uso da rede sem fio (wifi) visando
promover o acesso ao app gratuitamente. Os alunos que mostraram interesse
em participar da pesquisa preencheram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que fosse feito o registro e anotações de dados. Nesta ocasião, os alunos tiveram a oportunidade de se familiarizar, utilizar e tirar dúvidas
sobre o aplicativo. A partir deste momento, em todas as aulas durante o período
entre abril de 2015 e junho de 2015 foram realizados os seguintes procedimentos
para a coleta de dados: a) observação das discussões sobre o SoletrandoMob em
sala de aula em um período de 2 meses; b) desenvolvimento de um parágrafo
com o objetivo de investigar a satisfação dos alunos quanto a utilização do SoletrandoMob através do smartphone em sala de aula; e c) recolhimento do material
utilizado no procedimento, isto é, das produções textuais dos alunos.
Em virtude do limite de páginas, apenas os excertos analisados são trazidos
no corpo do texto visando ilustrar, nas palavras dos alunos, suas impressões,
crenças, valores e os efeitos do uso do SE na aula.
É importante ressaltar ainda que, buscando tratar o corpus em sua originalidade em meio ao processo de análise, nenhuma alteração, ou correção, foi
realizada ao texto original produzido pelos participantes da pesquisa. Havendo
discordâncias ortográficas ou gramaticais, estas serão mantidas e a inserção de
(sic) se fará presente. A apresentação dos excertos utilizará nomes fictícios para
identificação das falas e opiniões e não dos participantes, como fora acordado no
TCLE, preenchido e assinado pelos alunos.
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
Para a análise do material coletado foram abordadas: a) as discussões presentes nas produções textuais; b) a identificação das influências no processo de
ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa por meio do m-learning e da gamificação. A análise foi feita à luz dos conceitos de m-learning, SEs e gamificação.
As percepções
De acordo com a análise realizada sobre os parágrafos produzidos pelos
alunos, foi possível discutir e verificar as ramificações do m-learning enquanto
ferramenta tecnológica de ensino, em consonância com o SE e por meio da gamificação, e seus profícuos resultados.
Segundo os alunos participantes, houve uma surpresa no desenvolvimento
da primeira aula de Leitura e Produção Textual, pois eles esperavam um método
tradicional de ensino, no qual o professor apresentaria aos alunos o conteúdo de
forma expositiva e utilizando o Datashow, ou até mesmo o quadro branco faria as
exposições teórico-metodológicas, assinalaria os exercícios, enfim, ministraria a
aula nos moldes ‘tradicionais’. Com o uso do app, a turma ficou bastante empolgada e a classe se descontraiu com a ideia de jogar e aprender, simultaneamente.
Nos minutos que antecederam o início da atividade notamos que alguns
alunos estavam ansiosos, e durante a atividade outros demonstravam certo nervosismo quando não acertavam as palavras, pois não aceitavam seus próprios
erros e reclamavam, tentando justificá-los. Por outro lado, a maioria da turma,
estava tranquila com os resultados, discutiam sobre as palavras apresentadas,
brincavam com os significados, testando novas contextualizações, comemoravam seus acertos. Neste sentido, acreditamos que a conexão entre a aprendizagem ortográfica e o uso do SE cruza fronteiras e auxilia também no autoconhecimento e superação de dificuldades, no caso dos alunos que estavam ansiosos e
nervosos, promovendo uma recompensa cognitiva.
Um aluno se surpreendeu “com a forma ousada de aprender” (BERNARDO,
2015). Como ele não discorreu na sua redação o porquê da ousadia, acreditamos
que, por ele já cursar o Ensino Superior, nunca tenha imaginado a possibilidade
de aprender brincando por meio de um jogo e, mais surpreendentemente, um
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
jogo que está a sua disposição, em seu celular. O uso do adjetivo ‘ousado’ pode,
igualmente, nos levar a compreensão de que o uso de jogos em sala de aula, como
objetos de aprendizagem, ainda é visto com uma certa ressalva pelos alunos.
Tal informação fica clara na fala de Israel (2015): “as aulas que antes era apresentada por um professor, hoje pode ser apresentada por um software presente
em um aplicativo de celular” [sic]. A relações dicotômicas passado/professor e
presente/software ficam claras no excerto anterior, apontando, inclusive, para
um potencial afastamento da presença do professor no processo de ensino e
aprendizagem que faz uso da tecnologia.
Para o Renato (2015), com a utilização de um aplicativo educacional, a aula
pode ser mais produtiva no sentido de enriquecer a linguagem de acordo com as
normas cultas, aprimorando assim seu vocabulário:
A aula com o jogo SoletrandoMob, mostrou que mesmo ouvindo as palavras no nosso cotidiano, ainda falhamos quando as escrevemos, além
disso, esse jogo simples também traz palavras que nunca ouvimos antes, aprimorando nosso vocabulário (RENATO, 2015).
No excerto acima, Renato faz referência à eterna confusão entre som e imagem que a nossa língua nos apresenta. De fato, nem sempre o que ouvimos será
representado graficamente como esperamos representar. A referência à palavra
“ignóbil”, vocábulo que não faz parte do nosso vocabulário cotidiano. Todavia,
na aula que foi utilizada a técnica de gamificação em cooperação com o SE, os
alunos a escutaram pela primeira vez e, por não terem conhecimento, solicitaram a dica, opção no jogo virtual em que é apresentado o seu significado e o uso
exemplificado por meio de uma frase. Diante disto, eles aprenderam que ignóbil
significa sem nobreza, objeto vil, desprezível. Com base no excerto do Renato,
fica evidente o papel enriquecedor da tecnologia em sala de aula ao unir aprendizagem, brincadeira e mobilidade, motivando o aprendiz na busca do conhecimento e da expansão vocabular.
Nesta mesma linha de raciocínio, que traz o elemento lúdico como coadjuvante no cenário da aprendizagem, o aluno Alex relatou que, “o aprendizado é
diferenciado e bem divertido com o uso do aplicativo [jogo] Soletrando”. Entendemos, na fala de Alex, que a aula sai do método tradicional de ensino e apren-
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
dizagem proporcionando uma nova estratégia para apropriação de conteúdo. Ao
utilizar ‘diferenciado’, percebemos que Alex esteja referenciando o uso da tecnologia em sala de aula através do SE como algo que fora da noção tradicional do
ambiente escolar.
Já para Gilvan (2015), “em uma aula com o auxílio da tecnologia em forma de
jogos educativos permitem ao aluno um aprendizado rápido, captando a atenção
e tendo mais interesse em participar da aula e aprender” [sic]. Jogos, aprendizagem, velocidade, atenção, interesse e participação são as palavras-chave destacadas no discurso de Gilvan e que motivam o enriquecimento do processo de ensino e aprendizagem, já que o professor utiliza a produção textual, igualmente,
como termômetro para verificar a produção do conhecimento e os caminhos que
devem ser seguidos, outras rotas a serem tomadas ou, ainda, revistas. De posse
de avaliações como a de Gilvan, e de outros participantes, o professor ‘descobre’
e avalia seus procedimentos, práticas metodológicas e pedagógicas.
A sugestão para ‘brincar de aprender’ com um jogo digital, em sala de aula,
foi bem aceita pelos alunos: “a tecnologia em si ajuda muito ao professor e acaba tornando as pesquisas que, às vezes são necessárias na sala de aula, mais
simples e rápida” [sic] (ALVARO, 2015). Observamos aqui o compartilhamento
no processo de ensino e aprendizagem quando Alvaro aproxima a presença do
professor ao aluno. Se na fala de Israel (2015), citado anteriormente, o professor
seria figura dispensável, vemos agora que ele é parte intrínseca do processo e
sem ele os avanços podem ocorrer em menor intensidade. Acreditamos que ele
faz referência à possibilidade de ‘pesquisar’ termos e expressões na internet em
sala de aula com o uso do smartphone, atividade que não é permitida em alguns
ambientes escolares, ou por alguns docentes. Se, por um lado, percebemos que
algumas tecnologias podem ‘afastar’ o professor do aluno ou, até mesmo, ‘substituí-lo, notamos nesse excerto que o professor é o mediador e facilitador da
prática pedagógica, além de fazer parte do rol dos beneficiados com os procedimentos didático-pedagógicos.
Outros alunos também destacam que “em geral [a tecnologia] ajuda porque foge do padrão de ensino e acaba sendo uma atividade dinâmica, e creio
que aumenta o interesse dos alunos” (ANTONIO, 2015); “tudo isso [a tecnologia] vem ajudando muito no aprendizado, deixando as aulas mais dinâmicas,
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
divertidas, aprendendo brincando, não tem mais só o professor, livro e tarefa”
(ADELINO, 2015). No caso da experiência analisada, observamos a relevância
contida na aproximação entre tecnologia, ensino e o lúdico, nas palavras dos
alunos. Outro elemento de influência é a relação motivação-prestígio. O uso
da tecnologia parece trazer uma aura de prestígio ao professor que dela lança
mão, estimulando seus alunos em uma ampliada participação e interesse pelas
temáticas abordadas.
Para muitos alunos, a aula torna-se prazerosa e bastante divertida, pois ao
aprender brincando abre-se um leque de vantagens visando uma melhor assimilação de conteúdo. Desta forma, observamos que a união entre a mobilidade
e a gamificação, nos dias atuais, configura um movimento que tem como foco
principal o ensino e a aprendizagem por meio de um viés moderno, tecnológico
e lúdico que ora ensina conteúdos, ora auxilia na resolução de problemas didático-pedagógicos ou ainda aprimora a produção de conhecimento.
Segundo Bruno (2015), “o uso da tecnologia em sala de aula pode ser de
grande importância e ajuda na aprendizagem de uma turma, se usada de forma
correta a tecnologia será uma eficaz ferramenta de ensino”. O dinamismo que a
gamificação proporcionou, durante a aula, demonstra que é viável o uso da tecnologia no ambiente escolar, para um aprendizado menos tradicionalista, já que
se trata de um ditado digital, em que a vantagem está na correção de palavras ser
executada automaticamente, com a usabilidade da tecnologia.
Em um ditado tradicional, o professor pode testar as habilidades de audição,
escrita e autocorreção, já que o professor dita, o aluno ouve, escreve e verifica,
quando a correção se dá pela escrita no quadro, se a palavra está correta, podendo, também, a correção ser feita oralmente pelo professor, soletrando as letras
que por ventura incitarem dúvidas. No caso do app, a correção é automática,
porém, não desmerecendo o papel do professor como facilitador, já que ele está
ali também para auxiliar e tirar dúvidas.
Não obstante, três alunos acreditam que, “mesmo sendo uma ferramenta
ou uma forma de aprender bem interessante, o uso da tecnologia, se não usada
corretamente, em sala de aula pode tirar a motivação de assistir aula na forma
tradicionalista” (DANILO, 2015). Ou seja, destacamos que o aluno entra em contradição ao escrever que o uso da tecnologia gera um aprendizado bem interes-
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
sante, mas pode tirar a motivação das aulas expositivas, descritas por ele por
meio do vocábulo ‘tradicional’. Nesse sentido, acreditamos que o uso das novas
tecnologias em sala de aula, pode: (i) configurar um certo ‘modismo’, no sentido
do professor somente usar a tecnologia para ‘atrair’ a atenção dos alunos e não
obter nenhum produto pedagógico concreto; (ii) causar dissabores entre professores que não desejam lançar mão de recursos e dispositivos tecnológicos em
suas aulas e sofrerem de julgamentos de valores tanto dos alunos, que não desejam assistir uma ‘aula tradicional’, quanto de outros professores, que os julgam
antiquados.
Outro aluno também destaca que “a tecnologia pode ser uma aliada ou inimiga do professor, ela pode facilitar a vida do professor, como também pode
substituí-lo” (GUSTAVO, 2015). Entendemos que para que este uso seja bem-sucedido, contudo, é importante que o professor esteja orientado e não a utilize
como forma de esquivar-se dos assuntos que devem ser ministrados. Assim, uma
formação, ou capacitação, deve ser buscada pelo menos para que a tecnologia
não seja um mero passatempo ou mecanismo de escape do conteúdo. É importante salientar que a tecnologia não é substituta do professor e sim uma ferramenta auxiliar.
André (2015) expõe que “com a tecnologia a informação chega mais rápida,
porém atrapalha, pois, para mandar as informações mais depressa as pessoas
abreviam as palavras e não ficam atentas aos erros ortográficos”. Neste caso, temos uma relação antagônica entre velocidade e informação, gerando ansiedade
e imediatismo nas trocas de conteúdo. Outro ponto estabelecido pelo aluno está
na relação entre abreviar e erros ortográficos (variação da língua escrita frente
a este imediatismo, ou seja, a pressa contemporânea). Ora, sabemos que o ato
de abreviar sinaliza um encurtamento, ou ainda uma ‘pressa’ na transmissão da
comunicação, derivada do constante imediatismo em que vivemos no mundo
contemporâneo. No caso, do relato do André entendemos que a associação entre
o abreviar e os, potenciais, erros ortográficos, que ele menciona, advém, talvez,
do uso de abreviaturas em contextos inapropriados.
Sabemos que a noção de ‘erro’ é, em alguns casos, uma noção relativa. Stella
Bortoni-Ricardo (2006) advoga o uso da terminologia ‘transgressão’ ou ‘inadequação’, já que, como dito anteriormente, alguns termos, ou abreviações para
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
citar o caso relatado pelo aluno, podem ser aplicadas em contextos que não deveriam. Acreditamos ainda as abreviações de hoje podem até sinalizar uma maneira alternativa de comunicação que, no futuro, podem se tornar usuais.
Em vista dos argumentos apresentados pelos participantes da pesquisa, observamos a que utilização dos smartphones para outros fins como a transmissão
de mensagens via whatsapp, a postagem de comunicações via Facebook, além
da navegação em páginas da internet, ou seja, que não esteja vinculada a uma
finalidade educativa, é reconfigurada por intermédio do m-learning, do SE e da
prática gamificada, incorporando ainda a curiosidade ao processo de formação
do conhecimento.
Assim, o professor deve estar atento ao uso das tecnologias de informação
em sala de aula para que os alunos não percam o foco e as ferramentas não deixem de auxiliar o professor, além de não desmotivar o aluno, ou deixar que o
mesmo a utilize com finalidades outras que desvirtuem o processo de ensino
e aprendizagem. Afinal, como bem relatou um dos participantes a tecnologia
tanto pode ser um facilitador quanto um inibidor, portanto o papel do professor
é sempre ter em mente a função facilitadora em associação com os recursos tecnológicos que pode utilizar em sua prática pedagógica.
Para Masetto (2008) “a motivação permite uma aprendizagem mais significativa”. Observamos aqui a ponte essencial que o aluno estabelece entre o dispositivo eletrônico, o fator motivacional e a tecnologia. É agregado ainda o valor
da facilitação da aprendizagem, já que uma vez motivado, o aluno está mais
propenso a não ter dificuldades na produção do conhecimento. Aos poucos vem
sendo incorporado o SE também ao ambiente escolar, com materiais didáticos
eletrônicos, materiais de pesquisas, jogos educativos, aulas via internet, quadros
eletrônicos interativos, etc..
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Ana Carolina Costa de Oliveira, Jamylle Rebouças Ouverney-King, Maria das Graças Amorim Castro
À guisa de conclusão
O uso de SEs, em especial, aqueles que utilizam o caráter lúdico de aprendizagem, quando associados, no caso desta pesquisa, ao ensino ou otimização
do ensino da Língua Portuguesa, representam uma rica contribuição para o
desenvolvimento de práticas gamificadas especialmente por meio da interação
dos professores com o universo dos jogos, a fim de dar sentidos, que auxiliem a
avaliação crítica e a reflexiva. Além disso, estreitam fronteiras, ou aproximamnas, fazendo com que falantes de outras línguas também possam aprender a
Língua Portuguesa, já que os SEs são disponibilizados mundo afora e permitem que usuários lancem mão de seus dispositivos portáteis e tenham acesso a
esta percepção ortográfica.
Para os alunos, a captação do conteúdo foi atraente gerando um maior
interesse e curiosidade de como seria aprender com mobilidade5. Eles também
comentaram sobre como seria mais fácil e simples aprender a escrita correta
das palavras utilizando um aplicativo que, a princípio, era visto apenas como
um jogo de distração de fins-de- semana. Foi possível apontar, nos textos escritos pelos alunos, a importância dada à atividade de escrever corretamente, pois
muitos deles criticaram e apresentaram a insatisfação em visualizarem erros
ortográficos absurdos em redes sociais.
Entendemos que a prática gamificada promove uma interatividade interdisciplinar entre universos como o cibermundo, os alunos, os professores e a
aprendizagem. Configura uma maneira de fazer uso dos celulares em sala de
aula sem que hajam dissabores para o docente, já que nos dias atuais os mesmos enfrentam uma batalha constante contra a constante utilização do celular
em classe, um mal que assola a sala de aula contemporânea do jardim de infância à pós-graduação. Fica claro que, para os alunos, o uso da tecnologia, da
gamificação e da mobilidade na sala de aula, faz com que eles não utilizem o
smartphone apenas para trocar ‘abobrinhas’ e sim para aprender.
5. Em pesquisas posteriores também investigamos os locais que os participantes faziam uso do aplicativo,
o horário e durante quanto tempo.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Outrossim, a gamificação representa o movimento harmonioso e progressivo do processo de ensino e aprendizagem dentro e fora da sala de aula, a evolução didático-pedagógica agenciada pelas novas tecnologias de informação.
Ao contrário do que pode ser pensado, o uso das ferramentas tecnológicas em
sala de aula deixou a esfera da ousadia e tem se tornado, gradativamente, uma
ferramenta natural. Como já foi relatado, os SEs estreitam fronteiras, físicas
e virtuais, tornam o aluno mais propenso a aprender, subtraem dificuldades
linguísticas, culturais e pessoais, além de provavelmente, muitas outras facilidades, ainda por relatar.
E, muito embora, podem ser usados de forma individual, quando são usados no coletivo também são dispositivos promotores da reflexão sobre o que
está sendo aprendido de forma lúdica, didática e motivacional. Tendo em vista
sua versatilidade, podem ser usados com alunos que possuem as mais variadas
habilidades de conhecimento e também como ferramentas tecnológicas de inclusão social e digital.
Concluirmos que o uso da tecnologia faz com que as atividades da língua
portuguesa deixem o universo dos cadernos, dos livros, dos quadros, enfim da
‘tradição’, para alcançar um ambiente virtual, e ainda assim concreto, efêmero,
pelo momento da utilização, mas perene no conhecimento que proporciona ao
usuário, pois o mesmo usa a tecnologia não somente como pano de fundo, mas
como elemento de produção e aquisição de conhecimentos.
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3279
RESUMO
O domínio do uso das NTIC na sociedade atual caminha para um imperativo, visto
que se configura cada vez mais necessário nas novas práticas de letramento exigidas nas várias esferas da sociedade (familiar, escolar, profissional, acadêmica) e a
escola não pode isentar-se do seu papel de formar indivíduos competentes no uso
das mídias virtuais, especialmente, da internet. Diante disso, o presente trabalho
tem como objetivo apresentar possibilidades do uso do blog como estratégia pedagógica para o ensino da produção escrita de comentários, com vistas ao desenvolvimento da argumentação. Para tanto, utilizamos os estudos de Gomes (2005) e
Gomes e Lopes (2007) sobre o uso do blog como estratégia pedagógica; assim como
nos baseamos nos estudos de Adam (2011) sobre a argumentação e na proposta de
sequência didática de Dolz e Schneuwly (2011) para fundamentar nossa proposta
de ensino da produção escrita do comentário. Para a realização do nosso trabalho,
foram realizadas oficinas sobre a criação e configuração do blog. Após o contato dos
alunos com a ferramenta, o blog passou a ser utilizado como espaço de interação e
colaboração entre professor/alunos, os quais passaram a produzir comentários a fim
de defender ideias e pontos de vistas sobre temas diversos. Com isso, percebemos
que houve maior motivação, integração e envolvimento dos alunos no processo de
ensino/aprendizagem da escrita, visto que, ao publicar os comentários no blog, os
textos dos alunos alcançaram leitores diversos, assim como houve avanços consideráveis na ampliação da competência argumentativa. Portanto, percebemos que é
possível criar novos caminhos para o ensino da produção escrita atrelada aos novos
letramentos trazidos pelas mídias virtuais, superando possíveis práticas tradicionais
e fracassadas de ensino da escrita.
Palavras-chave: Blog, Ensino, Escrita, Argumentação.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
TECNOLOGIA E ENSINO: A ARGUMENTAÇÃO
EM COMENTÁRIOS DE BLOG
Maria Alcione Gonçalves da Costa1 (UPE/Garanhuns)
Introdução
A discussão em torno do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) na educação tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos, visto que nossa vida é constantemente afetada por elas. Diante
disso, vários trabalhos têm surgido em torno de questões relacionadas às mudanças provocadas no uso da linguagem nas NTIC, tais como os estudos sobre
o surgimento dos gêneros virtuais (MARCUSCHI, 2010), os letramentos na web
(ARAÚJO; DIEB, 2009) e a evolução do blog diante das exigências retóricas
(MILLER, 2012). Outra questão que também vem sendo discutida no panorama
atual é a inclusão das NTIC no ambiente escolar, explorando especialmente a
Comunicação Mediada pelo Computador (CMC), conforme podemos ver em
Primo (2003). A respeito disso, muitos trabalhos sobre a função pedagógica
do blog têm sido produzidos por autores tais como Maria João Gomes (2005),
Gomes & Lopes (2007) e Pinheiro (2013).
Com o surgimento do computador e, sobretudo, da internet, emergiram
novas formas de comunicação que, hoje, são cada vez mais necessárias para
nossa participação em diversas práticas sociais: inscrições de concursos e vestibulares são feitas online, o e-mail vem sendo exponencialmente utilizado nas
1. Mestranda do Profletras da UPE/Garanhuns. Especialista no ensino de Língua Portuguesa. É professora de
Língua Portuguesa no Instituto Federal do Sertão Pernambucano. Email: [email protected]
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
comunicações entre membros de instituições (escolas, empresas, instituições),
muitas operações bancárias podem ser realizadas pela internet, entre outras.
Diante disso, o Governo Federal tem se preocupado com a tecnologização da
educação e com a formação dos professores, implementando programas como
o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), por exemplo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também têm defendido a ideia
de que é papel da escola inserir o uso da tecnologia no ensino ao afirmar que “a
presença crescente dos meios de comunicação na vida cotidiana coloca, para a
sociedade em geral e para a escola em particular, a tarefa de educar crianças e
jovens para a recepção dos meios” (BRASIL, 1998, p. 89).
Diante disso, acreditamos que o uso do blog em contexto escolar pode
contribuir sobremaneira para o ensino da escrita, especialmente, se explorarmos a sua ferramenta de comentários, pois estaremos atrelando ao ensino da
produção escrita uma mídia altamente interativa e que tem conquistado os
jovens, a internet.
Assim sendo, a presente pesquisa discute possibilidades do uso do blog
como estratégia pedagógica para o ensino da produção escrita do gênero comentário, com vistas ao desenvolvimento da argumentação e, também, do letramento digital. Com isso, esperamos incitar a necessidade dos professores de
Língua Portuguesa repensarem as práticas de ensino dos gêneros textuais, assim
como esperamos reforçar a ideia de que, atualmente, a escola precisa contribuir
para a formação de indivíduos autônomos e capazes de participar das práticas
de letramento digital (pesquisar e selecionar informações na internet, articular
hipertextos, comunicar-se virtualmente, publicar arquivos na rede, etc).
Na verdade, o trabalho com o blog apresenta-se para nós como um leque de
possibilidades de ensino-aprendizagem da escrita: o aluno não escreverá apenas
para o professor, mas para leitores variados; o aluno estará envolvido em uma
situação de aprendizagem prazerosa, pois as mídias virtuais atraem cada vez
mais o público jovem; o tempo escolar poderá ser ampliado a partir do momento em que os alunos se envolvam com o espaço de discussão no blog e o acesso
direcionado com as práticas de escrita no ambiente virtual, contribuirá para o
desenvolvimento da argumentação, do letramento digital e para a formação cidadã dos alunos.
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
Definição e evolução do blog
Em linhas gerais, a palavra blog é a abreviação do termo weblog que pode
ser traduzido como “arquivo na rede” (KOMESU, 2010, p. 136). A popularização
do termo tem chamado a atenção de diversos estudiosos que buscam investigar
sua definição e seus usos. Ao inserir a palavra blog no google (motor de busca
na web) aparecem, em questão de segundos, aproximadamente 4.460.000.000
resultados sobre o assunto, revelando, assim, o quanto o blog tem ganhado visibilidade no ciberespaço.
Ao analisarmos o seu aspecto formal, percebemos que os blogs apresentam
um formato comum: postagens datadas em ordem cronológica reversa (posts),
com data e horário; link para comentário e para o nome do autor, geralmente, abaixo de cada postagem. No entanto, quando analisamos seu aspecto funcional, identificamos uma multiplicidade de blogs com usos diversos, visto que,
hoje, qualquer pessoa pode criar um blog e publicar conteúdos na rede de maneira diversa.
Segundo Miller (2012), o blog surgiu no final dos anos 1990 e, ao longo do
tempo, vem passando por um processo de mudanças significativas. Para a autora, os primeiros blogs foram criados por designers ou programadores bastante
familiarizados com a linguagem de programação. Como esses primeiros blogs
sofreram mudanças significativas na tecnologia a partir do surgimento de sites
hospedeiros tais como pitas e blogger, que facilitaram sua criação e manutenção,
por não exigir o conhecimento da linguagem HTML, houve uma verdadeira explosão do fenômeno blog na rede.
Assim sendo, Miller (2012) defende a ideia de que o blog é dividido em três
fases: os primeiros blogs, conhecidos como “blogs filtros”, foram criados para
compartilhar informações de interesses de indivíduos que tinham alto conhecimento da web, tais como localizar informação, sem os mecanismos de busca
acessíveis que existem hoje e configurar suas páginas HTML.
A partir de 1999, com o surgimento dos sites hospedeiros, surgiram os blogs
pessoais da segunda fase mais populares e com ênfase na autoexposição, uma
espécie de diário virtual. Esses blogs, rapidamente, ganharam visibilidade no
ciberespaço, pois além da mudança na tecnologia, o surgimento da ferramenta
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
para a publicação de comentários alavancou a sua popularização, por possibilitar
maior interatividade (Amaral; Recuero; Montardo, 2009).
Por sua vez, a terceira fase do blog é marcada pelo surgimento das redes de
relacionamento, que, por oferecerem ferramentas como a criação de lista de amigos e grupos, pesquisa de outros perfis na rede e postagem de link de blogs, facilitaram o acesso aos blogs, permitindo que eles fossem lidos por mais leitores.
Portanto, percebemos que a evolução do blog é marcada por acontecimentos
relacionados à tecnologia e ao contexto cultural, visto que a mudança da primeira fase para a segunda se deu a partir do surgimento de sites hospedeiros gratuitos e de fácil utilização e da motivação retórica voltada para a autoexpressão; enquanto que a passagem para a terceira fase do blog se deu a partir do surgimento
das redes sociais, que elevou o nível de interatividade e conectividade do blog,
e pelo surgimento de novas motivações retóricas tais como a insatisfação com a
cobertura da mídia jornalística formal e as campanhas eleitorais, dando origem
aos blogs jornalísticos e aos políticos.
As contribuições do blog no cenário educacional
Devido o avanço da tecnologia, o blog tem ganhado cada vez mais visibilidade no ciberespaço e tem invadido diferentes esferas sociais tais como a política, o jornalismo e a educação, como afirma Gomes e Lopes (2007, p. 120) “esta
evolução dos blogues, não permite apenas novas e mais criativas formas de expressão, abre também novas potencialidades em termos comunicacionais e em
termos pedagógicos, aqueles que no nosso contexto pessoal e profissional mais
nos aliciam”.
A popularidade do blog no ambiente educacional se deve, entre outros motivos, ao fato de ser uma ferramenta de fácil manuseio e de hospedagem gratuita,
além de oferecer múltiplas possibilidades tecnológicas, tais como publicar textos
na rede, navegar pelos hiperlinks, interagir virtualmente por meio dos comentários, explorar a multimodalidade dos textos que são hospedados no ambiente,
criar links, inserir vídeos e imagens, entre outros.
A respeito dos blogs educacionais, Gomes (2005) apresenta a distinção do
uso do blog como recurso pedagógico (espaço de acesso a informações especializadas e espaço de disponibilização de informações por parte do professor) e
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
como estratégia pedagógica (portfólio digital, espaço de intercâmbio e colaboração, espaço de debate, espaço de integração). Para compreender melhor os usos
potenciais dos blogs apresentados pela autora, consideramos pertinente discorrer sobre cada um deles:
1. Os blogs como espaço de acesso à informação especializada – funcionam como um espaço de consulta, cabendo ao professor pesquisar,
selecionar e sugerir os blogs que contenham informações relevantes, adequadas e confiáveis sobre assuntos de interesse da turma;
2. Os blogs como espaço de disponibilização de informação por parte do
professor – nesse caso, também funcionam como um espaço de acesso à informação, porém o conteúdo é produzido pelo próprio professor que precisa atualizá-lo de acordo com o desenvolvimento da
disciplina, podendo disponibilizar materiais e comentários pessoais;
3. Os blogs como portfólio digital – funcionam como um processo gradual de coleção das atividades produzidas pelos alunos, através do
qual o professor pode acompanhar o processo da aprendizagem e a
participação dos alunos. Como o portfólio será construído em um
meio digital e interativo, contará com as vantagens da tecnologia
no que se refere tanto à facilidade e potencialidade dos recursos de
arquivamento e consulta quanto no que se refere à divulgação e interação, assim os alunos terão acesso aos comentários do professor
e dos próprios colegas.
4. Os blogs como espaço de intercâmbio e colaboração entre escolas – o
intercâmbio e a colaboração entre escolas, que geralmente eram feitos por meio de cartas, a partir do momento que passam a ser feitos
pelos blogs assumem nova forma e novas potencialidades, pois as
trocas podem ser mais permanentes, mais visíveis e mais colaborativas;
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
5. Os blogs como espaço de debate – role-playing – nesse caso, são utilizados como um espaço de desenvolvimento de debates entre alunos
ou entre turmas. A ideia consiste em discutir temáticas especificadas lançadas no blog por meio dos comentários através dos quais os
alunos poderão apresentar e defender seus pontos de vista.
6. Blogs como espaço de integração – funcionam a partir da criação de
um blog da turma, que pode ser de caráter coletivo. Assim, todos os
alunos poderão participar de forma colaborativa, apresentando suas
perspectivas, experiências e realidades culturais.
Como nossa intenção é utilizar o blog como ferramenta para o ensino da
produção escrita de comentários, com atenção especial para a argumentação,
adotaremos a perspectiva do blog como espaço de debate – role-playing. No entanto, acreditamos que o blog, quando usado em sala de aula, acaba servindo a
mais de um objetivo pedagógico, pois para estabelecer o debate por meio dos
comentários, por exemplo, acabamos utilizando o potencial do blog enquanto
espaço de disponibilização de informação, assim como exploramos o seu potencial enquanto espaço de integração e colaboração entre os alunos.
A função dos comentários no blog
O caráter interativo e participativo da web 2.0 revolucionou o ciberespaço,
por apresentar diversas ferramentas que permitem a participação dos interagentes no ambiente virtual. No que se refere ao blog, segundo Amaral, Recuero e
Montardo (2008), a ferramenta de comentários foi fundamental para a sua disseminação e popularização na web, pois através dela os interagentes podem deixar suas impressões sobre o conteúdo dos posts, participando efetivamente da
construção do conhecimento em rede. A respeito do caráter interativo e coletivo
do blog Primo e Recuero (2003, p. 58) afirmam que:
Em um blog, portanto, é possível ao internauta concordar ou discordar
dos posts, expor seu posicionamento e criar novos nós para a rede hipertextual, seja através de um comentário, seja através de um link para
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
seu próprio blog, criando espaços de negociação – embora estes espaços (janelas de comentários) destinados ao debate sejam menos visíveis,
laterais ao grande espaço dos textos do blogueiro. Mais do que seguir
links e trilhas pré-estabelecidos nos websites, o blog permite ao blogueiro e aos internautas criar novas trilhas, criar novos nós e links. A ação
do internauta aqui, portanto, não se restringe a percorrer trilhas entre
os links na Web, a simplesmente navegar. Ela é construída de forma conjunta, modificando a estrutura da própria Web. Trata-se de uma ação
coletiva e construída de complexificação e transformação da rede hipertextual pela ação de blogueiros e leitores, que terminam por participar
também como autores.
Isso nos leva a repensar a função e a relevância dos comentários nesse meio
virtual, visto que eles além de ser uma das principais motivações para a ação de
blogar (AMARAL; RECUERO E MONTARDO, 2008), também podem motivar
a criação de novas postagens em outros blogs que podem estar interligadas por
meio de links, criando, assim, uma rede hipertextual. Por isso, concordamos com
Amaral, Recuero e Montardo (2008, p. 34) ao afirmar que os comentários “são
elementos significativos da cultura dos blogs, e que são, se não essenciais, muito importantes como elementos de motivação para os blogueiros e fundamentais como ferramentas de interação social”. Na verdade, os comentários, além de
serem altamente interativos, podem assumir caráter colaborativo: ao lerem as
postagens dos blogs, os internautas podem comentá-las, negociando sentidos e
interferindo diretamente na direção argumentativa do que está sendo publicado.
A noção de texto e de sequência textual nos estudos
de Jean-Michel Adam
Jean-Michel Adam tem se destacado por seus estudos sobre o plano de texto
e, especialmente, por sua noção de sequências textuais.
Em linhas gerais, o plano de texto é concebido por Adam (2011) como uma
base de composição mais ampla do texto, geralmente, reconhecida socialmente,
visto que, para o autor, “Os planos de texto estão, juntamente com os gêneros,
disponíveis no sistema de conhecimento dos grupos sociais. Eles permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
de um texto, prescrita por um gênero” (ADAM, 2011, p. 258), sendo importante
ressaltar que o linguista afirma existir planos de textos convencionais, isto é fixos, tal como acontece com o verbete de dicionários, e planos de texto ocasionais
que não possuem uma forma padronizada.
Enquanto isso, a sequência textual é definida pelo autor como:
• uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em
partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem.
• uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização interna que lhe é própria, e, portanto, em relação de dependência-independência com o conjunto mais amplo de que ela faz
parte (o texto). (2011, p. 205).
Dessa forma, percebemos que a sequência é concebida como uma estrutura
linguística, em certa medida, autônoma formada por partes (proposições) que
estão ligadas entre si e ligadas ao texto. Já a proposição é definida como a unidade mínima de sentido de um ato enunciativo que não existe de forma isolada,
ou seja, mesmo sendo constituída por uma única palavra como nos enunciados
“Bravo!”, “Sério?”, a proposição-enunciado “liga-se a um ou a vários outros e/ou
convoca um ou vários outros em reposta ou como simples continuação” (ADAM,
2011, p. 109).
Embora Adam reconheça que as sequências textuais sejam variadas e não
homogêneas, ele aposta no caráter observável de alguns aspectos linguísticos e
em certas regularidades na composição de sequências prototípicas, visto que,
para o autor, “Os cinco tipos de base retidos correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural (pela leitura,
escuta e produção de textos) e transformadas em esquema de reconhecimento e
de estruturação da informação textual” (2011, p. 205).
Diante disso, o linguista subdivide as sequências em cinco categorias: narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, sendo importante ressaltar que o autor defende a ideia de que um texto pode ser formado por mais
de uma categoria de sequência, ou seja, é possível que um texto apresente uma
estrutura sequencial heterogênea.
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
Como nosso interesse recai na compreensão de como se estrutura a sequência argumentativa, visto que iremos analisar os comentários escritos pelos
alunos, observando se eles utilizaram a estrutura da sequência argumentativa
na produção de seus comentários, conforme propomos em uma das oficinas desenvolvidas, não discorreremos sobre as cinco categorias prototípicas proposta
pelo autor, mas apenas sobre a sequência argumentativa.
A sequência argumentativa
Com base na compreensão de que o discurso argumentativo é construído
por meio de argumentos que justificam e validam a tese defendida e de contra
-argumentos que refutam teses contrárias, Adam (2011) propõe o seguinte esquema para a sequência argumentativa:
ESQUEMA 1: sequência argumentativa
Fonte: Adam, 2011, p. 234
Dessa forma, percebemos que a sequência argumentativa é formada por
três macroproposições e estas são constituídas por P.arg (proposições argumentativas), conforme aponta o esquema acima: a tese inicial (P.arg. 0), a sustentação ou refutação da tese inicial (P.arg. 1, P.arg 2, P.arg. 4) e a conclusão (P. arg.
3), sendo importante ressaltar que, para o autor, nem sempre a tese anterior e a
sustentação são de caráter explícito. A respeito do esquema prototípico da sequência argumentativa, o autor afirma existir dois níveis:
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
• O justificativo – em que a argumentação é estruturada por meio de
argumentos que justificam a tese anterior e o interlocutor é pouco
levado em conta;
• O dialógico – no qual a argumentação é estruturada por meio de
argumentos que justificam a tese defendida e de contra-argumentos que rejeitam teses contrárias, levando-se em conta a negociação
com os interlocutores.
A fim de esclarecer melhor o funcionamento do esquema prototípico da argumentação de base dialógica, Adam (2011, p. 235) apresenta um recorte da fala
de um esportista radical extraído de um artigo jornalístico:
Dominique Perret, esquiador radical; “nós NÃO somos camicases
suicidas: assumimos riscos, CERTAMENTE, MAS são calculados”.
Nesse caso, percebemos que a fala do atleta refuta uma tese anterior que
não está explícita (os atletas são camicases suicidas, pois arriscam suas vidas
voluntariamente), sendo que a refutação é sustentada por meio de um contra
-argumento, introduzido pelo conector MAS, pois ao afirmar que os riscos são
calculados, rebate-se a ideia de que os atletas são suicidas, direcionando o interlocutor para a seguinte conclusão: se os atletas assumem riscos, mas os riscos
são calculados, eles não podem ser considerados suicidas.
A partir dessas considerações sobre a sequência argumentativa, fica evidente que o nível dialógico torna-se mais complexo, por exigir uma articulação com
discursos externos contrários, sendo que essa articulação se dá, sobretudo, por
meio dos conectores argumentativos que exercem um papel determinante na
construção do plano do texto.
3290
Maria Alcione Gonçalves da Costa
A escrita no blog: da teoria à prática
O desenvolvimento da nossa pesquisa de intervenção pedagógica em torno
do ensino da produção escrita dos comentários no blog foi feito a partir do acompanhamento de duas turmas do 9º ano do Colégio Luiz Pessoa em Caruaru/PE
durante seis meses (de junho a novembro de 2014), com um total de 36 alunos (17
da turma A e 19 da turma B). Para a realização de nossa proposta didática, estabelecemos o contato dos alunos com a ferramenta em três etapas: pesquisa e escolha
de um blog na internet; criação do blog da turma e criação do blog individual.
Na primeira etapa, levamos os alunos à sala de informática para que eles navegassem livremente pelos blogs, realizando a leitura da maneira que soubessem
ou da maneira que os agradassem. Com isso, pudemos familiarizar o aluno com a
estrutura do blog e com o tipo de leitura hipertextual que, por não ser linear, apresenta muitos caminhos possíveis. Na sequência, fizemos a visita coletiva a um dos
blogs por eles selecionados, mostrando aos alunos a relevância de cada link assim
como os elementos que constituem o blog (páginas, posts, links, comentários, blogroll, entre outros) para que eles pudessem conhecer melhor o seu formato.
Para a execução da segunda etapa - criação do blog2 da turma - assistimos a
um vídeo tutorial3 e, logo em seguida, executamos o passo a passo coletivamente.
O site hospedeiro escolhido por nós foi o blogger, como estava sugerido no tutorial. Com isso, esclarecemos dúvidas e discutimos questões pontuais a respeito da
criação do blog tais como: a necessidade do aluno possuir uma conta do gmail, a
configuração do blog, a escolha do layout e do modelo do blog, entre outras.
Por fim, na terceira etapa, os alunos criaram os seus blogs individuais. Essa
etapa foi a mais demorada, visto que havia alunos muito incipientes no uso da
internet, inclusive havia uma aluna que não sabia usar o computador, carecendo,
pois, de um acompanhamento individual. No entanto, foi uma etapa muito importante para o desenvolvimento da pesquisa, pois, a partir de então, os alunos
puderam, de fato, utilizar o computador e a internet de maneira autônoma e direcionada dentro do espaço escolar.
2. O endereço do blog da turma é encontrodasletras2014.blogspot.com.
3. O vídeo pode ser encontrado em: https://www.youtube.com/watch?v=IdD2Y86oIG4
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Após a criação do blog, fizemos duas oficinas, com duração de 4h/aulas cada,
sobre o uso do blog: na primeira, apresentamos aos alunos dicas de configuração e
layout do blog para que eles pudessem se apropriar melhor da ferramenta blogger,
conhecendo as suas possibilidades de uso, tornando o blog deles mais dinâmico e
interessante; e, na segunda, ensinamos a turma a criar e publicar comentários e
posts, com inserção de imagens, vídeos e permalinks a fim de que os alunos utilizassem a ferramenta com mais autonomia e interatividade.
Posto isso, iniciamos o processo de ensino/aprendizagem da produção escrita dos comentários, com vistas ao desenvolvimento da argumentação, o qual foi
feito com base na noção de sequência didática de Dolz e Schneuwly (2011) que é
definida como um conjunto de atividades organizadas em torno da produção de
um gênero oral ou escrito, sendo importante ressaltar que as temáticas abordadas,
geralmente, envolviam questões polêmicas e/ou estavam relacionadas ao contexto
social dos alunos tais como: a gravidez na adolescência, o aborto, o uso do celular
em sala de aula, o bullying, a automutilação, entre outros.
A aplicação da sequência didática e a análise de corpus
Para a aplicação de nossa sequência didática, inicialmente, fizemos a apresentação da situação, na qual expomos aos alunos a situação de comunicação e a
atividade de escrita a ser executada. Para tanto, discutimos sobre o caráter social
do blog da turma, mostrando que o objetivo do nosso projeto era criar um espaço
de discussão sobre temas polêmicos e que fazem parte do contexto da turma, a
fim de que os alunos pudessem expor e defender suas opiniões; apresentamos o
propósito comunicativo do gênero comentário e o seu público-alvo (colegas de
sala, comunidade escolar e público geral); assim como refletimos sobre o assunto/tema da primeira postagem do blog da turma, abrindo espaço para a discussão oral. Por fim, os alunos foram incentivados a realizar a primeira produção
do gênero em estudo, na qual podemos perceber a representação prévia que os
alunos tinham do gênero comentário, conforme podemos ver a seguir:
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
POSTAGEM 1: O português é difícil: será?
Fonte: blog da turma
Ao analisarmos os comentários desta postagem, percebemos que os alunos
conseguiram apresentar, parcialmente, uma representação do gênero em estudo, visto que a maioria deles conseguiu expor um ponto de vista sobre o tema
da postagem. No entanto, é nítido que há uma série de dificuldades a serem superadas: parte dos alunos teve dificuldade em se posicionar acerca do tema; não
houve progressão entre os comentários; não houve resposta aos comentários,
mas apenas ao post inicial; e a maioria dos comentaristas não conseguiu desenvolver seu ponto de vista.
Diante disso, verificamos que as dificuldades apresentadas pelos alunos estavam relacionadas, especialmente, ao desenvolvimento da argumentação e à
progressão entre os comentários, o que prejudicava consideravelmente a realiza-
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
ção do propósito comunicativo do gênero. Por esse motivo, desenvolvemos duas
oficinas a fim de superar as dificuldades iniciais: a primeira sobre a esquematização da argumentação e a terceira sobre a função dos operadores argumentativos.
O ensino da argumentação nos níveis justificativo
e dialógico
As primeiras produções textuais dos alunos revelaram, de fato, uma tendência à estruturação da argumentação no nível justificativo que, como vimos
anteriormente, pouco leva em consideração a relação dialógica com o interlocutor. Nesse nível, o produtor do texto, geralmente, apresenta três proposições
argumentativas: o ponto de vista (doravante PV), a(s) justificativa(s) (J) e a conclusão (C), sendo que, ao analisarmos os comentários dos alunos, percebemos
que parte deles não apresentou a introdução nem a conclusão.
Como o esquema de sequência argumentativa proposto por Adam (2011)
fundamenta-se justamente na contra-argumentação (doravante CA), consideramos pertinente apresentá-lo didaticamente para os alunos, a fim de que eles
pudessem transitar entre os níveis justificativo e dialógico que, com base na
sequência de Adam (2011), podem ser entendidos da seguinte forma:
Nível Justificativo: Introdução + ponto de vista + justificativas +
conclusão (I + PV + j + C);
Nível dialógico: Introdução + ponto de vista + justificativas + contra-argumentos + conclusão (I + PV + J + CA + C).
Na verdade, ao observarmos os comentários produzidos pelos alunos até
então, percebemos que a maioria dos textos não apresentou a introdução; uma
parte considerável não apresentou a conclusão; e a maioria não introduziu o
contra-argumento. A ausência da introdução, a nosso ver, não se configurou
como um problema para o desenvolvimento da argumentação, pois o fato dos
comentários serem uma resposta retórica ao post inicial e/ou aos comentários
já publicados no blog, leva-nos, enquanto leitores, a estabelecermos a relação
3294
Maria Alcione Gonçalves da Costa
entre um e outro, preenchendo, de forma natural, essa lacuna, o que pode ser
um traço formal característico do gênero em estudo.
No entanto, como percebemos que a ausência da contra-argumentação e
da conclusão, de certa forma, prejudica a realização do propósito comunicativo
do gênero, pois enfraquece o poder de convencimento e de persuasão da ação
comunicativa, consideramos pertinente oferecer aos alunos subsídios didáticos
para que esses pudessem ampliar a estrutura da argumentação. Para tanto,
desenvolvemos uma oficina de análise do esquema da sequência argumentativa intitulada de “como esquematizar a argumentação”, seguindo as seguintes
etapas:
Etapa 1: apresentação e discussão sobre o tema “a proibição do uso do
boné na escola”.
Etapa 2: formação de dois grupos de alunos (um a favor e outro contra o uso do boné na escola);
Etapa 3: Entrega de folhas, constando os seguintes enunciados para
que os alunos completasse-os:
O boné pode ser usado pelos alunos na escola, porque...
O boné não deve ser usado na escola, pois...
Etapa 4: socialização da atividade inicial de escrita pelos dois grupos
a partir da qual obtivemos os seguinte textos:
Grupo a favor:
O boné pode ser usado pelos alunos, porque faz parte do estilo
deles e é um direito que não pode ser tirado.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Grupo contra:
O boné não dever ser usado na escola, pois muitos alunos escondem drogas nele.
Etapa 5: produção do contra-argumento – para a realização dessa etapa, a professora-pesquisadora, com base nos argumentos iniciais, produziu enunciados que levavam os alunos a dialogarem com os argumentos postos pelos interlocutores, contra-argumentando-os:
Embora o boné faça parte do estilo dos alunos, não deve ser usado na escola, visto que...
Alguns alunos usam o boné para transportar drogas para a escola, mas...
Etapa 6: resposta aos contra-argumentos e retomada da tese inicial,
reforçando-a. Após essas etapas, obtivemos os seguintes textos:
Texto 1:
Embora o boné faça parte do estilo dos alunos, não deve ser usado na escola, visto que a escola não é lugar de moda e ele também
serve para esconder o rosto de outros meninos que não são da escola e
entram para bagunçar, aí a proibição do uso do boné é uma questão de
segurança.
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
Texto 2:
Alguns alunos usam o boné para transportar drogas para a escola, mas não são todos os alunos que faz isso e na escola tem o pessoal do mais educação que fica tomando conta do recreio e pode ficar
de olho nesses alunos, e tem mais quem vende droga na escola não vai
deixar de vender só porque não pode mais usar boné, ele pode carregar
a droga em outros lugares, por isso o boné deve ser liberado sim.
Por meio desta oficina, percebemos que os alunos conseguiram construir,
com a ajuda da professora-pesquisadora, uma primeira representação da estrutura da sequência argumentativa proposta por Adam (2011). Posto isso, direcionamos novas atividades de produção de comentários no blog, as quais sempre
eram antecedidas de atividade de leitura e de discussões em sala, para que os
alunos pudessem compartilhar ideias, assim como formar e/ou ampliar pontos
de vistas a cerca dos temas propostos, construindo a argumentação e a contra
-argumentação.
A seguir, apresentamos o recorte de comentários produzidos pelos alunos
a respeito da postagem sobre a lei da palmada que, por ser uma questão polêmica, possibilitou o desenvolvimento de textos argumentativos em um nível
dialógico. Além disso, percebemos que os alunos produziram textos mais consistentes, apresentando um plano de texto mais amplo e ligando as proposições
por meio do uso de conectores, como podemos ver nos comentários a seguir:
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POSTAGEM 2: A palmada educa ou é uma ação violenta?
Fonte: blog da turma
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Ao analisarmos os comentários acima, percebemos que todos os interagentes se aproximaram do nível dialógico da sequência argumentativa, pois
além de defenderem seu posicionamento a respeito da promulgação da lei da
palmada, apresentaram a CA, geralmente, introduzida pelo uso de perguntas
retóricas e/ou pelo emprego do conector “mas” (alguns alunos usaram “mais”
ao invés de “mas”). Além disso, percebemos que poucos alunos não apresentaram a conclusão, revelando-nos, pois, que o contato com o esquema da sequência argumentativa contribuiu para o desenvolvimento da argumentação por
parte dos alunos.
Porém, ao observarmos a estruturação da sequência argumentativa nos
comentários produzidos pelos alunos, percebemos que parte deles apresentou
dificuldade em inserir o contra-argumento, como podemos observar no comentário de C:
TABELA 1: Análise do comentário do interagente C
Esquema
Comentário da interagente E
PV
Eu sou contra a lei da palmada
J
porque é bom dar uma palmada para que o filho não
voute a comete o erro
CA
mas acho que a conversa resolver mas e bom conversa e
tambem dar umas palmadas
C
mas na minha opinião a conversa resolver basta os pais
ir com calma e ter paciençia.
Fonte: elaborada pela autora
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
A princípio, C se posiciona contra a lei, por acreditar que a palmada educa;
porém, na sequência, ele se contradiz ao afirmar que a conversa resolve, reforçando essa ideia, inclusive, na conclusão ao dizer que “basta os pais ir com calma
e ter paciência”. Nesse caso, percebemos que o interagente não conseguiu sustentar seu ponto de vista até o final, pois ao inserir o contra-argumento, sua tese
inicial perdeu força. Isso nos mostra que a contra-argumentação, quando não
está bem estruturada, pode invalidar o ponto de vista defendido tornando-se,
pois, um problema no desenvolvimento da argumentação. Além disso, percebemos também que alguns alunos utilizaram conectores de forma inadequada,
conforme podemos ver no comentário de D, no qual o conectivo “no entanto”
está sendo usado para introduzir uma conclusão.
Diante desses problemas na sustentação do ponto de vista e não utilização
adequada de conectivos, desenvolvemos uma oficina sobre a função dos conectores argumentativo na esquematização da argumentação, a partir da leitura e
análise da tabela abaixo:
TABELA 2: Quadro representativo das categorias dos conectores
Categoria
Conectores
Função
Exemplo
Conectores argumentativos
marcadores de
argumento
porque, já que,
pois, com efeito,
como
Justifica o ponto
de vista
A lei da palmada é necessária, pois não se
educa batendo.
Conectores
contra-argumentativos
marcadores de
um argumento
forte
mas, porém,
entretanto, no
entanto,
Refuta/nega o
contra-argumento
Muitos pais acreditam
que a palmada educa,
mas isso não é verdade, pois a palmada
não conscientiza as
crianças sobre o que
é certo ou errado, ela
apenas amedronta os
pequenos.
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
Conectores
contra-argumentativos
marcadores de
argumentos
fracos:
Certamente, embora, apesar de
que, ainda que
Introduz o contra-argumento,
sinalizando que
Embora a palmada
iniba a criança a cometer o erro, ela não
deve ser praticada,
pois além de causar
medo e revolta, ela
pode contribuir para o
aumento da violência.
Conectores argumentativos
marcadores de
conclusão
portanto, então,
em consequência
Conclusão
Portanto, os pais precisam exercitar mais o
diálogo, alimentando,
assim, o respeito e a
cumplicidade na relação com seus filhos.
Fonte: elaborada pela autora
Após a leitura do quadro, os alunos realizaram uma série de atividades escritas, utilizando os conectores e, na sequência, lançamos novas postagens no
blog, incentivando os alunos a utilizarem os conectores na produção de seus comentários a fim de articularem de forma mais clara e contundente os argumentos, contra-argumentos e conclusão.
Como reconhecemos que a existência de uma questão polêmica é fundamental para o desenvolvimento da argumentação, lançamos uma postagem no
blog sobre um tema que divide a opinião pública: a legalização do aborto. Apesar
da temática ser bem conhecida, por fazer parte do contexto social dos alunos
(em sala, foi feita uma enquete e dos 36 adolescentes entrevistados, 31 afirmaram
conhecer, no mínimo, uma pessoa que recorreu ao aborto para interromper uma
gravidez indesejada); realizamos um debate regrado entre as duas turmas envolvidas na pesquisa, para que os alunos pudessem alargar sua percepção sobre
o assunto, por meio da pesquisa e da exposição a argumentos utilizados pelos
defensores e opositores da legalização do aborto. Vejamos:
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POSTAGEM 3: O aborto deve ser descriminalizado no Brasil?
Fonte: blog da turma
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Maria Alcione Gonçalves da Costa
O recorte dos comentários acima revela-nos avanços significativos na escrita dos alunos em três níveis: genéricos, textuais e gramaticais. No que se
refere às questões relativas ao gênero, percebemos que todos os comentários
surgem como resposta ao post ou a outro comentário e que a maioria dos interagentes defende seu ponto de vista, por meio de argumentos e contra-argumentos.
Embora o aspecto gramatical da escrita dos alunos não seja o foco de nosso trabalho, sempre buscamos refletir, a partir dos comentários produzidos
pelos alunos, os desvios gramaticais mais recorrentes a fim de evitá-los: o uso
do “mais” ao invés de “mas” foi um deles. Como, nos comentários acima, apenas
o interagente E incorreu no uso inadequado do “mas”, acreditamos que conseguimos resultados positivos nesse aspecto também.
Quanto aos aspectos textuais, apontamos avanços tanto na estruturação
da argumentação quanto no uso dos conectores, visto que ao analisarmos os
comentários anteriores, percebemos que nenhum conector foi utilizado de maneira inadequada. Além disso, boa parte dos alunos conseguiu introduzir a CA
sem enfraquecer o ponto de vista defendido, pelo contrário, a CA é usada com
o objetivo de levar o leitor a aderir à tese inicial, visto que os interagentes apontam os argumentos contrários que podem ser levantados pelo público-leitor,
refutando-os.
Diante disso, percebemos que, ao término de nossa pesquisa, boa parte
dos alunos demonstraram ter alcançado avanços significativos na produção
dos comentários, pois além de apresentarem um melhor domínio na estruturação da argumentação, atenderam aos propósitos comunicativos e às características próprias do gênero, assim como parecem ter superados desvios de ordem
gramatical.
Considerações finais
O ensino da produção textual ainda é um dos grandes desafios a ser enfrentado por nós, professores de Língua Portuguesa, visto que infelizmente,
parte de nossos alunos estão concluindo o ensino médio com dificuldades em
produzir até mesmo o gênero textual mais ensinado na escola, o texto disser-
3303
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
tativo-argumentativo, conforme nos revela, todos os anos, o Exame Nacional
de Ensino Médio4 (ENEM).
Como as NTIC têm ganhado enorme visibilidade entre nós, especialmente, entre os jovens, que têm usado cada vez mais as redes sociais e os aplicativos para se comunicarem socialmente, acreditamos que elas podem contribuir
sobremaneira para a melhoria do ensino da produção textual, visto que tais
tecnologias, além de se utilizarem fundamentalmente da escrita, conforme defende Marcuschi (2010), possibilitam o ensino de gêneros textuais dentro de
seu contexto de uso, fazendo com que a escrita dos alunos ultrapasse os muros
da escola e alcance leitores reais.
Nesse sentido, o blog apresenta-se como uma rica possibilidade para o
professor redimensionar o ensino da escrita, pois, de acordo com o que vimos
anteriormente, o blogger é uma ferramenta altamente interativa através da qual
os alunos podem publicar seus textos na rede e, principalmente, podem interagir com leitores diversos por meios dos links para comentários, defendendo
ideias e pontos de vista sobre temas diversos de forma participativa.
Referências
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revista e aumentada. São Paulo: Cortez, 2011.
AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO, Sandra. Blogs: mapeando um
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língua portuguesa: terceiro e quarto ciclo, Brasília: MEC/SEF. 1998.
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GOMES, Maria. João. (2005). Blogs: um recurso e uma estratégia pedagógica. Actas
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Portugal: Departamento de Currículo e Tecnologia Educativa, 2005.
4. Conforme podemos verificar no site oficial do INEP: http://portal.inep.gov.br/home.
3304
Maria Alcione Gonçalves da Costa
GOMES, Maria. João.; LOPES, António Marcelino. Blogues escolares: quando, como
e porquê? In Conferência weblogs na educação-3 testemunhos. V. 3. p. 117-133, 2007.
KOMESU, F. C. Blogs e as práticas de escrita sobre si na internet. In MARCUSCHI, L. A.;
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sentido. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 135-146.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo, SP: Parábola, 2008.
MILLER, Carolyn R. Gênero textual, agência e tecnologia. São Paulo: Parábola, 2012.
PINHEIRO, Najara Ferrari. Para além da escola: o blog como ferramenta de ensinoaprendizagem. In BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Múltiplas linguagens
para o ensino médio. São Paulo: Parábola editorial, 2013.
PRIMO, Alex. A interação mediada por computador: a comunicação e a educação
a distância segundo uma perspectiva sistêmico-relaciona. 2003. Tese (Doutorado em
Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
PRIMO, Alex; RECUERO, Raquel da Cunha. Hipertexto Cooperativo: uma Análise da
Escrita Coletiva a partir dos Blogs e da Wikipédia. Revista da FAMECOS, n. 23, p. 54-63,
2003.
3305
RESUMO
Sob a luz de Jean-Michel Adam, no que se refere à ideia das macroproposições e
proposições que formam os períodos, as sequências e as partes que compõem um
plano de texto, esta pesquisa foi realizada, considerando a importância do uso da
ferramenta Twitter, como alternativa para o ensino de produção textual a estudantes
de ensino médio. O trabalho, feito com discentes da terceira série do ensino médio
da rede particular na cidade de Petrolina, sertão de Pernambuco, apontou ao desenvolvimento consistente da proficiência da escrita de textos. Observou-se que a
prática da reelaboração de textos, utilizando-se sistematicamente do Twitter, onde
a frase deve ser elaborada com apenas 140 caracteres, levou os jovens a compreenderem as instâncias da relação dos termos-ícones com a coerência frásico-textual,
desenvolvendo-se a clareza e a síntese da produção- aspectos estes embasados na
visão de Leonor Fávero e Ingedore G. Vilaça Koch. Viu-se que a ferramenta tecnológica, vivenciada no contexto da cultura de ciberespaço pensada por Pierre Lévy,
é um poderoso mecanismo de trabalho na aula de produção textual, auxiliando o
docente no processo de correção de texto, quando são diagnosticados problemas de
má articulação, falta de clareza e de objetividade temática nos períodos textuais dos
estudantes.
Palavras-chave: Twitter, Ensino, Correção textual.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
USO DO TWITTER NO TRABALHO DE CORREÇÃO
TEXTUAL COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Vera Lúcia Santos Alves (FASJ)
Introdução
Este trabalho pautou-se na observação inicial de construções de períodos textuais feitos por estudantes do ensino médio, cuja clareza era ferida pela ausência
do poder de síntese, levando, assim, as frases à prolixidade. Notando o quanto o
encadeamento da estrutura precisava ser desenvolvido, a fim de que a força da
informação pudesse ficar clara e coerente, vimos a necessidade de trabalhar os
ícones frásicos, de modo que estes fossem os norteadores da reescrita textual, no
processo de correção.
De acordo com Adam (2011), esse encadeamento dos períodos e sua formação sequencial promovem por um plano coerente de texto, permitindo “construir
(na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um
texto, prescrita por um gênero” (ADAM, 2011, p. 257). Assim, vimos, no processo
de junção das macroproposições pensadas pelo autor, o mecanismo ideal para realizar o trabalho, considerando-se os períodos como unidades mínimas do texto,
o primeiro modo de “agrupamento de proposições”, focalizando, nessas unidades,
os ícones frásicos.
Essa estratégia de correção textual levado ao microblog Twitter , criado em
2006 e, hoje, com mais de 40 milhões de usuários no Brasil, é eficiente, porque o
escritor é levado a usar apenas 140 caracteres no processo de reelaboração do período, mantendo as características básicas das “unidades mínimas” - os períodos.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Pelo número de usuários que o microblog conquistou e vem conquistando- meio
milhão em todo o mundo-, o caminho natural é que a sua relação com a educação
seja efetivado.
Tornou-se uma nova superfície da escrita em que, além das reduções, abreviaturas já conhecidas e compreendidas entre os jovens e, mais recentemente,
entre os educadores, também apresenta uma forma de síntese da escrita utilizada
na prática de ensino destes. A ferramenta pode auxiliar o trabalho do professor
de língua portuguesa na na manutenção da coerência textual ligada à percepção
do ícones-frásicos, as palavras-chave do período, responsáveis pela semântica e
clareza temáticas.
Tudo isso está ligado ao universo do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), como alternativa educacional, baseado na caracterização tecnológica da “inteligência coletiva” pensada por Pierre Lévy , para quem “Qualquer
reflexão sobre o futuro dos sistemas de educação e de formação na cibercultura
deve ser fundada em uma análise prévia da mutação contemporânea da relação
com o saber” (2000, p.157). É a chamada “ética do ciberespaço”, cuja atuação cidadã
remete à construção do saber individual e, também, à construção do conhecimento coletivo nas relações sociais.
A coerência textual, foco desta pesquisa no tocante à pragmática da articulação do período, é um elemento fundamental para que um texto tenha um
sentido claro, com elementos frásicos bem articulados. O significado contextual, a
intencionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e a coesão são fatores textuais que se sustentam no mínimo de coerência interna e externa que uma produção escrita pode promover. Assim, além dos
mecanismos estruturais, precisamos avaliar o texto pelo caráter semântico que
ele expõe. Essa análise está muito bem posta em Fávero (2007), segundo a qual
o princípio da comunicação está pautado na coerência textual; sem esta, o ruído
comunicacional é inevitável, impossibilitando: “O texto contém mais do que o
sentido das expressões na superfície textual, pois deve incorporar conhecimentos
e experiência cotidiana, atitudes e intenções, isto é, fatores não linguísticos” (FÁVERO, 2007, p..60).
3308
Vera Lúcia Santos Alves
É certo que a coerência pode ou não concordar com a versão estabelecida no
“mundo real”, como delimita Koch (2002, p. 16). Para ele, é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não somente detalhes dos textos.
A coerência, portanto, tem no aspecto contextual, a base para a compreensão do
enunciado e deve ser analisado com cuidado para então podermos dizer se o texto
é coerente ou incoerente.
Nesta pesquisa, considerando que todas as produções analisadas estão ligadas a propostas textuais cuja temática fora pré-estabelecida em sala de aula, a
coerência será avaliada tanto do ponto de vista interno, quanto externo.
A relevância do twitter no ensino de linguagens
Utilizar-se das redes sociais tecnológicas na educação é um mecanismo de
extensão de conhecimento; sobretudo, no tocante à interação social, interlocução
de ideias, dando-se, segundo Recuero (2008), de maneira qualitativa e , também,
quantitativa.
A força da abordagem de redes sociais está em sua necessidade de construção empírica tanto qualitativa quanto quantitativa que busca, a partir
da observação sistemática dos fenômenos, verificar padrões e teorizar sobre os mesmos. Estudar redes sociais, portanto, é estudar os padrões de
conexões expressos no ciberespaço. É explorar uma metáfora estrutural
para compreender elementos dinâmicos e de composição dos grupos sociais. (RECUERO, 2008, P.22)
Vivemos numa cultura digital em que a escrita assumiu nova performance,
nova função social e, inclusive, novo caráter estrutural. São maneiras cada vez
mais diversificadas de escrita, cuja pragmática está muito bem articulada com as
ferramentas de que o escritor dispõe. Os gêneros produzidos nesse contexto têm
sido objeto de estudo de análise, além de promover a percepção para produção de
novos textos por parte dos alunos de ensino médio com que trabalhamos nesta
pesquisa. Sobre isso, Marcuschi (2010, p.21), afirma que “Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam formas comu-
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
nicativas próprias com certo hibridismo e desafiam as relações entre oralidade e
escrita”.
Por essa razão, o fato de os educadores utilizarem-se do twitter no ensino de
produção textual , em suas aulas de linguagem reflete uma contextualização da
educação no contexto de avanços tecnológicos irreversíveis da sociedade moderna.
Entre a escrita espontânea e pessoal de um tweet e a elaboração de uma frase mais
formal, para um texto acadêmico, o aluno desenvolve habilidades e competências,
na comunicação social, absolutamente relevantes.
O saber-fluxo, o trabalho-transação de conhecimento, as novas tecnologias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do problema da educação e da formação. [...] Os percursos e perfis de
competências são todos singulares e podem cada vez menos ser canalizados em programas ou cursos válidos para todos.( LÉVY, 2000, p.158).
As possibilidades do uso do Twitter como ferramenta pedagógica para trabalhar a produção de textos geram, ademais, a capacidade de reflexão a respeito
do contexto de produção e a exigência de adequação da linguagem à plataforma
digital. E, nesse processo de reescrita a que nos propomos nesta pesquisa, vale ressaltar a importância de tal caráter de domínio da língua padrão fora do contexto
tradicional.
É preciso mergulhar coletivamente nas trilhas da ciberesfera digital, tendo em vista que “no mundo digital, o mais importante não são somente
os conteúdos digitais, mas também a reelaboração que se faz com base
neles e as experiências que permitem” (ZUAZO e CASTEDO, 2013, p. 72).
Diante desse universo de possibilidades que se abrem à estrutura, reestrutura, análise semântica, percepção de núcleos linguísticos e temáticos da frase,
dentre muitos outros aspectos que se podem trabalhar com a plataforma digital,
nota-se a relevância da divulgação de pesquisas que estimulem docentes e discentes ao uso mais produtivo internet na educação.
3310
Vera Lúcia Santos Alves
Procedimentos metodológicos
O corpus deste trabalho foi adquirido ao longo do primeiro semestre do ano
letivo 2015, no Colégio Maria Auxiliadora, situada na cidade de Petrolina, interior
de Pernambuco, com o trabalho de produção textual realizado com estudantes da
terceira série do ensino médio.
Em princípio, foram trabalhados textos argumentativos, cuja temática variavam de acordo com a pauta da mídia, ligada a assuntos relevantes da atualidade.
Foram trabalhados os conceitos da textualidade, as estruturas macro e micro do
texto, considerando, a ideia de Adam (2011, p. 205) de que deve haver um “ continuum de complexidade crescente entre o período e a sequência”, no qual estão
inseridos os ícones- frásicos e sua função dentro do período.
Durante o processo de correção dos textos, foram verificados aqueles cuja
elaboração estava fora da necessária clareza e apresentavam grande fragilidade
de articulação, ferindo a coerência textual. Nesses casos, perceberam-se algumas
questões específicas como prolixidade e dificuldade no fechamento dos períodos,
com uso dos pontos continuativos e parágrafos.
Destacados no texto do aluno, os trechos em questão foram digitados em
computador e, em seguida, passamos a identificar os termos-chave das frases, considerando a manutenção da ideia central de cada período. Em seguida, reconhecida a semântica necessária a cada período, contextualizado no tema central do texto global, os estudantes levaram ao twitter os ícones-frásicos, para reelaborarem os
períodos de forma sintética, em 140 caracteres, como exige a plataforma.
Realizado esse processo de reescrita, no twitter, os períodos reformulados
eram, novamente, levados ao texto original, de modo a levar o aluno perceber
como esse mecanismo mostra-se capaz de tornar o texto mais enxuto, mas eficiente em sua capacidade argumentativa.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Análises e resultados
Verificamos, no corpus final, o fortalecimento das relações entre as a macrounidades textuais, identificando os núcleos frásicos e relação dos períodos com
a coerência global do texto produzido. O refinamento das frases, com ênfase na
compreensão a respeito dos elementos textuais, discursivos e linguísticos, apontou à capacidade de aperfeiçoamento dos alunos na produção textual.
Nesta seção do artigo, mostraremos trechos das produções escritas e reescritas, apresentadas na segunda versão, com imagem retirada do twitter. Nos quadros
abaixo, apresentamos o tema central de cada texto, um dos períodos destacados
nas redações, os quais deveriam ser reelaborados no twitter, em 140 caracteres. Em
seguida, destacamos, com imagens retiradas da página do usuário, no twitter, o
mesmo período reescrito.
Quadro 1: produção inicial
Tema central do texto argumentativo 1: Redução sustentável da miséria no Brasil
Período original produzido:
“Como medida emergencial, o programa assistencial do governo, Bolsa Família, é uma ótima
medida de governo no Brasil, mas é simples assistencialismo, porque há muitas pessoas que
recebem verbas do programa e pela maioria delas não ter emprego e preparação profissional, não é uma coisa sustentável, se tirar dos que recebem a verba o dinheiro, elas vão voltar
a ser miseráveis.”
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Vera Lúcia Santos Alves
Imagem 1: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 1
Fonte: www.twitter.com
Observa-se, na reelaboração do período, a manutenção dos ícones-frásicos,
que, nesse caso, estão representados pelas palavras “Bolsa Família”, “emergencial” e “sustentabilidade”. Reconhecer que a frase perderia o sentido básico sem
esses termos é o principal exercício semântico do aluno, no processo. Em seguida, o trabalho, na síntese realizada com, no máximo, 140 caracteres exercita a
capacidade de argumentar em conexão com o tema global da redação, de forma
clara e coerente.
Quadro 2: produção inicial
Tema central do texto argumentativo 2: Revogação do Estatuto do Desarmamento no Brasil:
mais segurança à sociedade?
Período produzido:
O problema de violência que os brasileiros sofrem já mostra que se não tivesse mudado o
Estatuto do Desarmamento , quando o brasileiro tem dificuldade de comprar uma arma livremente e precisa passar por muitas formas de exigências no país, os casos de morte seriam
muito mais, por isso o Estatuto como está é importante para isso, porque se liberar a publicidade, como os outros absurdos que os deputados querem só para atender os interesses da
indústria das armas.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Imagem 2: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 2
Fonte: www.twitter.com
Na reescrita do segundo período (Imagem 2), vê-se que o excesso de termos chamados “acessórios” e a repetição desnecessária de termos e ideias foram
excluídas do período, que demonstra (Quadro 2) forte dificuldade do aluno em
concluir o argumento, com o fechamento da ideia. Desse modo, a rearticulação
se fez em duas frases curtas, complementares semanticamente, no processo argumentativo a que se propôs a aluna/autora. Os termos icônicos da frase foram
separados em dois curtos períodos, no twitter, por resultarem em duas informações diferentes que, unidas, compõem a força argumentativa na relação macrotextual.
Quadro 3: produção inicial
Tema central do texto argumentativo 3: A importância do Congresso Nacional para a democracia brasileira.
Período produzido:
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VERA LÚCIA SANTOS ALVES
Os deputados e os senadores brasileiros precisam agir com independência e respeito com
o Executivo, pois o Congresso nas mãos do Executivo acaba enfraquecendo a democracia, e
a consequência disso ficou clara, como aconteceu na Venezuela, onde o presidente Nicolas
Maduro usou a democracia para fazer seus deputados aliados a instaurar a ditadura, através
de Decretos que lhe dão mais poder do que pode ser coerente.
Imagem 3: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 3
Fonte: www.twitter.com
O estilo de escrita, as relações entre os elementos frásicos se mostram
bem consistentes no período exposto no Quadro 3. Apesar disso, ao compor um
contexto textual amplo, montando, com outros períodos, a progressão temática, notou-se a necessidade de fortalecer o caráter de síntese da frase. Assim,
a sequência dos trechos “Congresso nas mãos do Executivo”, “como aconteceu
na Venezuela” e “Nicolas Maduro usou a democracia para fazer seus deputados
aliados a instaurar a ditadura, através de Decretos” foi suficiente, com ajustes
de conectivos e pontuação, para abordar o exemplo relevante para falar do papel do Congresso na democracia, em sua relação com o governo federal. Em 140
caracteres, o texto ficou mais enxuto, objetivo e com a força argumentativa de
que necessita o texto.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Quadro 4: produção inicial
Tema central do texto argumentativo 3: A postura da juventude brasileira ante a corrupção
no país
Período produzido:
O ruim disso tudo é que o roubo que foi estimado no desvio de verba na Petrobras foi de R$
88 bilhões, mas parece que não importa para os jovens , que nenhuma manifestação fizeram
sobre isso; se fosse por 20 centavos dava para fazer protesto, para sair e ir às ruas e reivindicar
mudanças no quadro de corrupção.
Imagem 4: reescrita, no twitter, do período destacado no Quadro 4
Fonte: www.twitter.com
Está claro no período reescrito (Imagem 4) que o aluno decidiu opinar utilizando-se da ironia, para compor sua estratégia argumentativa. Na composição da frase original (Quadro 4), vê-se que o padrão comparativo, norteador da
ironia, entre as duas condições de postura da juventude ante as demandas do
país – fator semântico da frase que atende, muito bem, à proposta temática- é
mais fragilizado pela intercalação da oração adversativa iniciada com a conjunção “mas”. Na reescrita, a objetividade e a clareza da elaboração sintética da frase
fortaleceu o tom irônico pretendido pelo autor.
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Vera Lúcia Santos Alves
Referências
ADAM, Jean-Michel. (2011). A linguística textual: introdução à análise textual dos
discursos. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Cortez.
FAVERO, Leonor Lopes. Coesao e coerência textuais. São Paulo: Série princípios, ed.
11, 2007.
KOCH, I. G. V. A Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 2002.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000.
MARCUSCHI, L.A. Hipertextos e Gêneros Digitais: novas formas de construção de
sentido. 2 ed. Rio de janeiro: Lucerna, 2010.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet / Raquel Recuero. – Porto Alegre: Sulina,
2008. (Coleção Cibercultura) 191 p.
ZUAZO, Natalia e CASTEDO, Mirta. Reescrever, editar e remixar na era digital: novos
conteúdos? In: Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, Ano XXVIII, nº 260, março 2013, p.
71-73.
3317
RESUMO
O presente estudo visa apresentar uma proposta metodológica ao ensino de Língua
Portuguesa a partir do que propõem os PCNs a respeito da necessidade de mudança
que enfrenta a educação brasileira. A proposta se concentra no Ensino Médio e tem
sua ênfase no uso das TICs em sala de aula com a utilização da Webquest. Instrumento que tem sua devida importância por fomentar a pesquisa e levar o professor
a uma constante reformulação de suas práticas em virtude da urgência que tem a
sociedade para acompanhar tais mudanças, não podendo, portanto, a escola estar
fora delas. Os pressupostos teórico-metodólogicos estão fundamentados em autores como Stahl (1997), Quevedo, Crescitelli (2005), Viana (2006), Gil (2008) entre
outros. Tomando como base as reflexões que nos apresentam, discutimos a inserção
das TICs na sala de aula e o uso da ferramenta Webquest como proposta metodológica capaz de mediar a aprendizagem pela interação que se dá pelas partes envolvidas
no processo. A mesma tem como suporte a internet, e como pudemos comprovar,
através de sua aplicação que foi realizada em uma turma do 1º ano do Ensino Médio,
contribui favoravelmente com o desenvolvimento da leitura e raciocínio crítico do
educando, além de promover a aprendizagem colaborativa.
Palavras-chave: Língua portuguesa, Metodologia, Webquest.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
WEBQUEST E CORDEL: UMA
EXPERIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO
Mayara Myrthes Henriques Santos
Introdução
A forma como percebemos o mundo a nós vem sendo modificada pela inserção das novas tecnologias em nossas vidas. O modo como nos comunicamos
com o mundo e com o outro já não se limita ao uso da palavra falada ou escrita.
Essas mudanças, no entanto, estão presentes em todos os segmentos da sociedade e trata-se de um processo antigo, pois,
A história do homem coincide com a história das técnicas, ou seja, a técnica é tão antiga quanto o homem. Inicia-se com a utilização de objetos
que se transformam em instrumentos naturais e permanece como um
aspecto cada vez maios complexo do processo de construção das sociedades humanas. (CARDOSO, 2002, p. 23)
No contexto da era digital, a informação é um recurso acessível a todo
aquele que navega na internet. Nesse âmbito, à escola cabe buscar inserir-se
nessas transformações que, certamente, alteram a relação ensino/aprendizagem. Não considerar as novas tecnologias como uma ferramenta valiosa para
a aquisição do conhecimento é impedir que a escola interaja com o mundo em
que vivemos, ao mesmo tempo em que priva o aluno da construção do saber de
uma forma dinâmica e com a qual ele se identifica. Por outro lado, a apropriação delas constitui a base para que a experiência educacional seja determinante na formação do cidadão que fará parte de um mercado de trabalho centrado
na cultura tecnológica.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Entretanto, a discussão acerca das novas tecnologias não se limita ao simples fato de usá-las ou não. Dentre tantas possibilidades, é preciso que o docente
conheça o recurso que deseja fazer uso como metodologia na sala de aula para
não cair no erro de fazer da tecnologia um mecanismo de exclusão. Um dos recursos presentes na internet com esse fim é a webquest. O conceito “WebQuest”
foi criado por Bernie Dodge em 1995 e denomina as atividades que estimulam a
pesquisa orientada com vista à obtenção de informação disponível na Internet
necessária a resolução de problemas pelo aluno ou grupo de alunos promovendo, desse modo, o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisões (Carvalho, 2002). Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral: Apresentar a
WebQuest como um recurso didático, nas aulas de língua portuguesa, capaz de
promover o desenvolvimento da leitura e raciocínio crítico do educando. Além
disso, somam-se ao objetivo geral os objetivos específicos que são: Promover o
uso do tablet como um recurso educativo; Estimular a pesquisa; Disseminar a
cultura nordestina através da literatura de cordel; Conhecer autores da literatura de cordel; Fomentar discussões sobre questões sociais; Instigar a capacidade
de interpretação por meio da produção de uma imagem; Incentivar a produção
poética.
Realizar um projeto que atuasse diretamente na necessidade de inserção
das novas tecnologias no contexto educacional, visando à melhoria da qualidade
do processo ensino-aprendizagem, foi e continuará sendo um desafio gratificante. Percebemos, diante do entusiasmo e participação dos alunos, ao longo
do desenvolvimento da pesquisa, que a maioria apresentava-se alheia ao uso da
tecnologia com fins educacionais. Entendemos que este trabalho de pesquisa se
justifica no sentido de que é necessário integrar a internet ao currículo das disciplinas de forma efetiva, para assim, estimular a personalização das atividades
educacionais, a pesquisa, a autonomia e promover a reflexão e a construção de
conhecimentos.
Este trabalho encontra-se distribuído em três capítulos. No segundo capítulo, procuramos nos fundamentar no contexto teórico que envolvesse a associação proposta nos nossos objetivos.
No terceiro capítulo, aqui chamado de Percurso Metodológico, tomamos a
abordagem qualitativa como indicador na busca da descrição e explicação para
fatores que favorecem a ocorrência dessa associação. Assim, entendemos que os
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Mayara Myrthes Henriques Santos
conhecimentos aqui assimilados são apontados como norteadores dos resultados
oferecidos pelos estudos explicativos. Para a coleta de dados, a observação em
sala de aula, as discussões propostas pela webquest, a realização das tarefas, os
textos produzidos a partir do entendimento do poema “ABC do Nordeste Flagelado”, de Patativa do Assaré, são suficientes para medirmos e verificarmos que
essa associação internet/educação, pode romper com alguns bloqueios, em especial nos alunos que se sentem despreparados para a utilização da internet como
um recurso na construção do conhecimento.
Por último, apresentamos o relato das intervenções e vivencias, bem como
o ganho conceitual evidenciado pelos alunos, expressos durante as nossas aulas
e nas tarefas propostas pela webquest, o qual reflete sobre as várias articulações
que o ensino de língua portuguesa possibilita no discente, o desenvolvimento
dos aspectos intelectuais, social e afetivo, integrando os conteúdos pelo caminho da interdisciplinaridade, construindo conhecimentos participativos e decisivos na formação do sujeito como ser social.
Referenciais teóricos
As novas tecnologias no contexto escolar
A sociedade da qual fazemos parte é a chamada sociedade do conhecimento, a qual tem se tornado cada vez mais tecnológica. E, nesse contexto, a educação exige a necessidade de que se desenvolvam habilidades e competências
necessárias para lidar com as novas tecnologias em uma proposta integrada com
o currículo escolar. Entretanto, em um mundo tecnológico, ainda é incomum a
integração das novas tecnologias à sala de aula. Tal atitude constitui-se em um
desafio para os docentes já que, muitos deles não tiveram uma formação que os
preparasse para levar essas tecnologias às salas de aula. Assim, o que vemos é a
percepção do próprio professor no sentido de que é necessário buscar esse conhecimento em outros espaços e levá-lo para o contexto escolar
Precisamos dar aos alunos o acesso ao conhecimento, prepará-los para
uma vida de aprendizagem e descoberta, com o domínio das habilidades e ferramentas de pesquisa como parte de sua educação básica,
e para isso nós precisamos criar um ambiente de aprendizagem que
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
integre ensino e pesquisa, onde os alunos exercitem constantemente a
comunicação e a colaboração. (Stahl 1997, p.2)
A inserção das novas tecnologias no âmbito educacional requer um olhar
capaz de enxergar que, nesse processo, o envolvimento de práticas tecnológicas
e estratégias de ensino condizentes com a sociedade tecnológica é um desejo de
todos envolvidos em educação. Nesse contexto, buscar compreender as potencialidades inerentes a cada tecnologia e suas contribuições para a construção
do conhecimento poderá trazer grandes avanços à mudança na escola e ainda
ampliar o seu papel diante da sociedade.
Antes, porém, de incluir uma nova metodologia em suas aulas, é necessário
que o professor busque avaliar o contexto no qual está inserido a fim de constatar se o método pretendido será acolhido sem prejuízos. Afinal, as metodologias
desenvolvidas em sala de aula podem adaptar-se, ou não, ao público em questão.
Ao professor, portanto, cumpre a missão de analisar a metodologia, a partir do
perfil da turma, para que se alcance os objetivos propostos. Percebe-se, com isso,
a importância de o professor analisar e rever sua prática em um constante exercício de reflexão.
Desse modo, apresentaremos a webquest como uma alternativa aos docentes que buscam inserir as TICs, através de novas metodologias, sobretudo, ao
professor de língua portuguesa que perceba e sinta o quão pode ser prazeroso
dividir o espaço da educação com a tecnologia.
A webquest
O uso da Internet como uma ferramenta útil no auxílio de pesquisas escolares necessita de orientações já que as inúmeras informações contidas ali podem,
ao invés de facilitar, dificultar o seu estudo. Diante dessa necessidade, Dodge
propôs, em 1995, uma nova metodologia capaz de cumprir essa função, ou seja,
orientar a pesquisa na internet. As WebQuests consistem em atividades motivadoras, contextualizadas e orientadas para a pesquisa, que os alunos devem
realizar em grupo, obedecendo a uma sequência lógica previamente estabelecida (Dodge, 1995). Nessa sequência, evidenciam-se sete partes constituintes da
webquest, são elas: a Introdução ao tema em estudo, oportunidade na qual se
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Mayara Myrthes Henriques Santos
deve motivar o aluno a fazer o que será pedido; a Tarefa, indicação precisa do
que se deve fazer; Processo, os passos a seguir; Recursos, as fontes que podem ser
consultadas; Avaliação, os critérios que vão ser utilizados para avaliar o trabalho
realizado; a Conclusão, reflexão sobre as vantagens da realização da atividade,
e por fim, os Créditos destinam-se a apresentar as fontes de todos os materiais
usados nas pesquisas.
Pelo fato da metodologia Webquest prezar pela construção do conhecimento através de um processo evolutivo no qual o aluno é estimulado e motivado a
se tornar agente dessa construção, percebe-se com clareza que ela despreza a
tradicional educação bancária, baseada na memorização de informação, e potencializa o usa da imaginação quando propõe desafios a serem solucionados. Além
disso, trata-se de uma metodologia focada no aluno, o que nos coloca diante das
teorias do construtivismo e da motivação que explicam a reação dos alunos – interesse e curiosidade - diante desta metodologia.
A pesquisa pode ser um componente muito importante na relação dos
alunos com o meio em que vivem e com a ciência que estão aprendendo.
A pesquisa pode ser instrumento importante para o desenvolvimento
da compreensão e para explicação dos fenômenos sociais. (Orientações
Curriculares para o Ensino Médio, 2006, p. 125 e 126).
A webquest, portanto, apresenta-se como um desafio e oportunidade em
favor do desenvolvimento de um trabalho no qual a associação de uma metodologia mediada pelo uso do computador e da internet contribua para que os
alunos se tornem proficientes nas práticas sociocomunicativas da linguagem e
participem, de forma pró-ativa, na construção do conhecimento.
As TICs e o ensino de língua portuguesa
As TICs são responsáveis pela globalização da informação e, por causa disso,
demanda uma sociedade inovadora, na qual a educação teve de se reconfigurar
para se adaptar a um mundo carregado de informação multicultural e globalizado. Conforme podemos constatar nos PCN+
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
A reformulação do ensino médio no Brasil, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, regulamentada em 1998
pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais, procurou atender a uma reconhecida necessidade de atualização da educação brasileira. Atualização necessária tanto para impulsionar uma democratização social e cultural mais efetiva,
pela ampliação da parcela da juventude que completa a educação básica, como para responder a desafios impostos por processos globais, que
têm excluído da vida econômica os trabalhadores não-qualificados, por
conta da formação exigida de todos os partícipes do sistema de produção e de serviços. (PCN+, 1999, p. 7 e 8)
No decorrer dos últimos anos, o ensino de língua portuguesa sofreu e vem
sofrendo mudanças no tocante a valorização e promoção da interação do aluno
pelo professor. A língua se constitui como uma das formas que o ser humano
realiza para interagir nas mais diversas situações de comunicação. Todavia, as
tecnologias da informação e comunicação têm revolucionado a sociedade e, nesse contexto, surge a necessidade de a escola fazer uso dessas tecnologias como
uma ferramenta no ensino aprendizagem em que os alunos terão
condições para que aprendam, além da língua, a interagir nas novas
comunidades que se formam e, consequentemente, dos novos gêneros
textuais digitais que nascem das necessidades da sociedade e como resultado das mudanças de práticas sociais (QUEVEDO, CRESCITELLI,
2005, p. 50)
Desse modo, vemos que, para as aulas de Língua Portuguesa, uma nova realidade se apresenta e nela as mudanças são extremamente necessárias, de modo
que já não se aceitam as velhas práticas nas quais o aluno não tinha participação
na construção do conhecimento. A nova postura exigida do professor aponta
para a implementação de metodologias que venham suprir essa tendência que
ora se apresenta na educação. E, sobretudo no ensino de língua portuguesa, vise
possibilitar uma maior interação entre os educandos. Nesse sentido, a webquest
apresenta-se como uma possibilidade no cumprimento dessa realidade e a literatura de cordel como um eixo norteador para a formação do sujeito em aspectos
que ultrapassam a problemática da educação numa sociedade envolvida pelo usa
das tecnologias.
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Mayara Myrthes Henriques Santos
A literatura de cordel: aspectos gerais
A literatura de cordel é um gênero textual essencialmente poético que chegou ao Brasil através dos portugueses e instalou-se no nordeste onde criou raízes
e fecundou.
No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível
o surgimento da literatura de cordel, de maneira como se tornou hoje
em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores
de formação social contribuíram para isso; a organização da sociedade
patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de família deram
oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumento do pensamento
coletivo, das manifestações da memória popular (DIEGUES JÚNIOR
apud LOPES, 1983, p. 12).
Manifestava-se, em sua origem, oralmente. Com o tempo, passou a ser escrita e, posteriormente, impressa em folhetos ilustrados que receberam a denominação de xilogravuras. Aborda os mais variados temas que se apresentam como
uma interpretação da realidade, sobretudo da realidade do povo nordestino.
Destaca-se, portanto, que o trabalho com a literatura de cordel permite ao
aluno perceber que a palavra é um signo social e, como tal, pode assumir diferentes significados dentro contexto sócio discursivo em que for empregada, com
isso, poderá o professor desenvolver em suas aulas os seguintes aspectos da literatura de cordel:
A literatura de cordel e a interdisciplinaridade
Uma das propostas metodológicas que, frequentemente, é citada por autores
consiste no trabalho em conjunto das disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade. A literatura de cordel possibilita esse fim – do trabalho em conjunto – afinal,
ler um cordel não implica apenas em aprimorar a leitura, mas na possibilidade
de enriquecimento e construção do saber visto que através da literatura de cordel há a possibilidade de se trabalhar vários temas transversais.
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
O cordel e o desenvolvimento da oralidade
As salas de aula estão repletas de pessoas que têm “medo de falar”. Expressar-se em público é uma tarefa que para muitos causa terror. Entretanto, o fato
de não vivermos em um mundo isolado, mas sim em contato com pessoas, nos
coloca constantemente frente a situações nas quais temos que fazer uso da oralidade de maneira eficaz. Por isso, faz-se necessário trabalhar gêneros textuais
que privilegiem o uso da oralidade como é o caso da literatura de cordel.
A leitura do texto não verbal
As xilogravuras representam de um modo geral o assunto tratado no cordel,
logo, constituem um elemento riquíssimo para a construção do sentido do texto
antes mesmo de lê-lo. Trabalhar com imagens permite ao leitor não só a compreensão global do que vai ler, mas, principalmente, a capacidade de interpretação.
As características poéticas na literatura de cordel
As construções poéticas à que chamamos de cordel são marcadas pelas
rimas, ritmo, pela métrica e pela musicalidade. Sendo assim, os versos de um
cordel seriam um excelente recurso para iniciar os leitores na poesia. “Temos
observado que em toda classe há sempre dois ou três alunos que têm vocação
para a poesia popular. Inclusive gente que já trabalha com o rap e descobriu um
‘parentesco’ com o cordel” (VIANA, 2006, p. 8).
A literatura de cordel e o preconceito linguístico
A literatura de cordel que é também chamada de literatura popular sofre
um processo de exclusão por parte das pessoas, dos livros didáticos e de alguns
estudiosos, “assim como quase tudo que vem diretamente da cultura popular
é, com frequência, discriminada e tratada como algo de menor importância, no
contexto cultural mais elitizado, mais socialmente aceito no Brasil” (LINHARES,
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Mayara Myrthes Henriques Santos
2006, p. 1). O que ocorre devido ao preconceito linguístico que existe em relação
à linguagem do cordel – uma linguagem que foge ao rigor formal.
A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais.
Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo
que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores
ou erradas (BRASIL, 1997, p. 26).
Todavia, encontra-se nessa repulsa à literatura de cordel uma contradição:
o motivo que a faz ser preterida por uns é o mesmo que a faz identificar-se
com o povo, afinal, estamos falando de LITERATURA POPULAR. É por isso
que a literatura de cordel deve adentrar o âmbito escolar com a finalidade de
desenvolver habilidades linguísticas nos leitores em formação, bem como de
conscientizá-los sobre o preconceito linguístico que ronda as manifestações
literárias que se apropriam da linguagem informal.
Diante dos aspectos citados fica evidente que o uso da literatura de cordel
como suporte didático possibilita ao professor – que assume o papel de mediador – contribuir para a formação de cidadãos críticos e construtivos.
Percurso metodológico
Os procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa foram, de acordo com Gil (2008), quanto aos objetivos, pesquisa exploratória, a qual visa
proporcionar maior familiaridade com o problema (explicitá-lo). Esse tipo de
pesquisa pode envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas
experientes no problema pesquisado. Geralmente, assume a forma de pesquisa
bibliográfica e estudo de caso.
O estudo partiu da pesquisa bibliográfica que contempla artigos e dissertações sobre a metodologia webquest disponíveis na Web a fim de que se
pudesse ampliar os conhecimentos acerca da temática descobrindo, assim, diferentes olhares sobre o assunto.
Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa foi orientada pela abordagem qualitativa baseada em pesquisa experimental e estudo de caso que
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Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira
que permita seu amplo e detalhado conhecimento (Gil, 2008).
Nesse momento foi trabalhado o conceito de Webquest, seus fundamentos
e estrutura culminando com a elaboração deste recurso pela professora com
base nos princípios norteadores de seu mentor Bernie Dodge (1995). A Webquest produzida pela professora recebeu o título de “A literatura de cordel e os
recursos musicais” e encontra-se na base de dados para análise e publicação no
site Webquestfacil ( http://www.webquestfacil.com.br ).
O objeto de estudo foi constituído por 27 (vinte e sete) alunos pertencentes
à turma do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental
e Médio José Luiz Neto sob a coordenação da professora de Língua Portuguesa, também autora desse trabalho. Para acompanhar o processo de realização
das tarefas da Webquest pelos alunos, foram feitas discussões e socializações
em sala de aula, além disso, algumas tarefas propunham a sua execução no
ambiente escolar em colaboração com os demais colegas. Desse modo, era possível constatar a receptividade dos alunos perante o trabalho realizado, a compreensão da metodologia e ainda a forma como essa metodologia influenciou
sua aprendizagem.
Conforme dito, a Webquest foi aplicada numa turma do 1º Ano do Ensino
Médio e teve duração de 10 (dez) aulas distribuídas em 08 (oito) semanas.
Relato de experiência
O início da pesquisa deu-se com a exposição oral sobre o projeto que seria
desenvolvido com a turma, a qual, de imediato, demonstrou interesse em participar, principalmente, porque estariam utilizando os tablets disponibilizados
pelo Governo do Estado da Paraíba aos alunos do 1° ano do ensino médio. Ao
questionar, porém, sobre a webquest, percebi que ninguém conhecia ou sabia o
que era. Foi então que expliquei do que se tratava e pedi que eles pesquisassem
sobre o assunto usando o tablet a fim de que pudéssemos fazer uma discussão
em um segundo momento.
Começamos, então, já em um segundo momento, com a discussão sobre o
resultado das pesquisas feitas pelos alunos e, após ouvi-los, apresentei-lhes a
3328
Mayara Myrthes Henriques Santos
webquest criada por mim no site http://www.webquestfacil.com.br e pedi que a
acessassem. Passo-a-passo, expliquei as partes constituintes de uma webquest,
conforme se pode visualizar na imagem abaixo. Durante a explicação, alguns
alunos diziam que seria “muito trabalhoso” e eu confirmei, porém, adverti-os
de que se tratava de etapas e que teríamos tempo suficiente para executá-las.
Combinamos de dedicar uma aula por semana para trabalhar a webquest.
O terceiro momento foi reservado ao conceito da literatura de cordel. Expliquei que é uma expressão literária popular característica do interior do Nordeste, em especial dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte
e Ceará. Caracteriza-se essencialmente por sua estrutura narrativa, a composição em versos, a impressão em pequenos folhetos de papel jornal ilustrados
com xilogravuras. Esses folhetos normalmente são expostos em cordas, por
isso a denominação “literatura de cordel”. É construída de acordo com um vasto repertório de formas poéticas fixas que delimitam a quantidade de sílabas
poéticas, de versos e a disposição das rimas na estrofe. Depois disso, pedi que
eles iniciassem as pesquisas e leituras pertinentes à primeira etapa da webquest para que pudéssemos socializar as informações na aula seguinte.
A quarta aula começou com os alunos fazendo referência à música, Literatura de Cordel, que faz parte do Cd de Francisco Diniz, gravado em 2006. Em
seguida, questionei-os sobre os demais textos presentes na primeira etapa que
trazem conceitos e exemplos sobre a literatura de cordel. Nesse momento, os
alunos disseram que já haviam estudado um pouco de literatura de cordel no 9°
ano do ensino fundamental. Porém, afirmaram que só conseguiram entender
os tipos de metrificação do cordel porque havíamos estudado muito esse assunto no Trovadorismo. Falaram também sobre a técnica da xilogravura, pois
alguns alunos pesquisaram em outros sites além dos que estão na webquest e
socializaram conosco suas impressões sobre esta técnica que, embora antiga,
proporciona um belíssimo resultado. Assim, finalizamos a primeira etapa e
pedi aos alunos que iniciassem a segunda. Para isso, deveriam ler a biografia
de Patativa do Assaré e o seu cordel “ABC do Nordeste Flagelado”.
Comecei perguntando aos alunos quem foi Patativa do Assaré e o primeiro episódio sobre a vida do poeta relatado por eles foi o fato dele ter estudado
apenas 4 (quatro) meses durante toda a sua vida e mesmo assim ter sido um
grande poeta. Citaram também o porquê dele ter ganhado o apelido de “Pata-
3329
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
tiva do Assaré”. Foi destacada, ainda, a linguagem simples usada por Patativa
e a sua sensibilidade para compor o cenário da seca no nordeste. E assim finalizamos a aula.
Demos início à sexta aula retomando o poeta Patativa do Assaré e, com
o uso do data show, fiz a análise do cordel “ABC do Nordeste Flagelado” junto
com os alunos a fim de que eles pudessem compreender não só a simplicidade
da linguagem de Patativa, mas sobretudo, sua beleza. Dividi a turma em cinco
grupos e pedi que cada grupo produzisse uma ilustração semelhante a uma
xilogravura para o cordel “ABC do Nordeste Flagelado” de Patativa do Assaré
e assim eles fizeram. Começaram meio tímidos, dizendo que não iriam saber
fazer, no entanto, o resultado foi surpreendente.
Para darmos sequência à webquest e iniciarmos a terceira etapa, pedi que,
usando o tablet, fizessem as leituras das biografias de Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Resende, José Pacheco e João Martins de Athayde
e, em seguida, lessem também um cordel de cada poeta. Durante a leitura,
algumas dúvidas surgiram em relação ao significado de palavras e os alunos
mencionaram também o fato dos poetas serem todos do Nordeste. Depois de
feitas as leituras, a turma dividiu-se em 4 (quatro) grupos para que fossem produzidos cartazes sobre os poetas e apresentados à turma.
Na nona aula, portanto, realizamos a apresentação dos grupos sobre os
referidos poetas.
A décima e última aula foi destinada à realização da quarta etapa. Nela, os
alunos acessaram o site disponível na webquest. Após todos terem acessado,
expliquei que cada um deveria produzir uma estrofe de um cordel com seis
versos que tivesse como tema central a fome e que, depois de pronto, publicassem o texto no mesmo site. As estrofes foram, então, produzidas e publicadas,
conforme consta nas figuras abaixo. Ao término desta etapa, finalizamos a
webquest.
Considerações finais
A utilização das TIC’s está em consonância com as propostas do Projeto
Pedagógico, uma vez que o mesmo contempla a utilização de recursos tecnológicos como uma forma de inserção social já que esta é uma realidade da atual
3330
Mayara Myrthes Henriques Santos
sociedade tecnológica e, portanto, cabe à escola inserir-se nela e garantir ao
aluno as condições para que não seja excluído da mesma. Assim, justifica-se
o uso dos tablet’s com a intenção de preencher essa lacuna que, muitas vezes,
é negligenciada na educação. Além do que, é preciso destacar que os alunos
demonstram um maior interesse pela aula em que o professor usa recursos tecnológicos do que pela aula expositiva. Promover essa inserção é uma condição
importante para que os alunos possam se reconhecer como parte dessa cultura
e construir identidades afirmativas o que, também, pode levá-los a atuar sobre
a sua realidade e transformá-la com base na maior compreensão que adquirem
sobre ela. Evidencia-se, portanto, que neste projeto contribuímos para o desenvolvimento pessoal do estudante.
Na EEEFM José Luiz Neto os resultados do IDEB e do IDEPB são referenciais para o planejamento das aulas uma vez que tem-se a preocupação em elevar os índices tanto de um quanto do outro, afinal, essa tem sido uma cobrança
da sociedade e da própria comunidade escolar, representada pelos pais, que
têm demonstrado esse interesse pelos resultados da escola na qual estudam
seus filhos. Assim, desde o planejamento inicial do ano letivo, busca-se desenvolver estratégias que levem à elevação desses índices. O desenvolvimento de
projetos configura-se, portanto, como uma dessas estratégias, já que focam na
aprendizagem do aluno a partir de um maior envolvimento dele com as atividades propostas.
A utilização de práticas inovadoras auxiliam, estimulam e apoiam os estudantes infrequentes e/ou com dificuldades de aprendizagem a atingir o sucesso
escolar durante as aulas, porém, quando se associa o uso de recursos tecnológicos com uma prática inovadora que é o uso da webquest, o resultado é ainda
mais satisfatório. Tal metodologia permitiu que os alunos pudessem ajudar uns
aos outros de forma colaborativa nas atividades em grupo, o que garantiu o
sucesso em todas as etapas da webquest. Os demais recursos tecnológicos da
escola, como por exemplo, o notebook e data show foram utilizados nas atividades desenvolvidas. Registro, também, que pudemos utilizar o celular como
um recurso didático, sobretudo, em momentos que o sinal da internet da escola
não funcionava, portanto, momentos cruciais de nossa pesquisa. Constato, assim, que a utilização desses recursos foi essencial na aprendizagem dos alunos.
3331
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Comunicações Individuais
Por fim, destaca-se a importância de se desenvolver ações no contexto
escolar que envolvam e integrem a escola com a comunidade na qual ela está
inserida. Nesse sentido, a participação da família é essencial na conquista dos
objetivos propostos em toda e qualquer escola. No entanto, quando se trabalha
com turmas da zona rural – é o caso da turma trabalhada -, essa integração
família/escola torna-se ainda mais difícil do que nas turmas em que os pais
são da zona urbana, pois enquanto estes deixam de vir à escola pela “falta de
tempo”, aqueles enfrentam, ainda, o problema do transporte. Esse é, portanto,
um desafio aos que fazem parte da educação, porém, temos que “driblar” adversidades como essa.
Referências
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abordagem histórica. In GRINSPUN, Miriam P. S. Zippin. Educação Tecnológica:
Desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002.
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Disponível em http://www.iep.uminho.pt/aac/diversos/webquest/ Acesso em: 7 de
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DODGE, Bernie. Some Thoughts About WebQuests. (1995). Disponível em:
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008
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MINAYO, Maria Cecília de Souza; GOMES, Romeu; DESLANDES, Suely Ferreira.;/
PESQUISA SOCIAL- Teoria, método e criatividade. /MINAYO, Maria Cecília de Souza;
Cap: 1- O Desafio da Pesquisa Social- Petrópolis-RJ: Vozes, 2011.
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3332
Mayara Myrthes Henriques Santos
QUEVEDO, Angelita Gouveia; CRESCITELLI, Mercedes Fática de Canha. Recursos
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STAHL, M. M. Formação de professores para uso das novas Tecnologias da
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VIANA, Arievaldo. Acorda Cordel. Revista Nossa História, São Paulo, nº 33, p. 8, jul. 2006.
3333
RESUMO
O e-mail é uma ferramenta de comunicação utilizada para transmissão de mensagens, permitindo que os usuários compartilhem documentos e informações de
forma rápida, principalmente em ambientes institucionais. Assim, o presente trabalho, analisa a utilização do e-mail na interação entre professor e aluno no ambiente
acadêmico. A pesquisa conta com o suporte teórico em Paiva (2004), Swales (1990)
e Bakhtin (2003). O corpus é constituído de 50 mensagens entre 6 alunos e 4 professores de diferentes áreas. Além disso, foi realizada uma entrevista com 5 participantes sobre o uso do gênero e-mail na relação acadêmico-profissional. Os resultados demonstram que os docentes se utilizam do gênero e do suporte e-mail como
uma ferramenta de extensão da sala de aula, antecipando atividades e aprofundando
leituras e discussões em classe através do envio de materiais, organiza a disciplina
através de informações sobre o andamento e cronograma de aulas. Além disso, os
discentes, recorrem ao e-mail para interagir com o docente sempre que necessitam.
Por fim, a estilística das mensagens do corpus permitiu verificar que enquanto os
professores utilizam de determinadas formas linguísticas que indicam uma certa
cordialidade, os alunos usam de forma mais polidas, indicando distanciamento em
relação ao docente.
Palavras-chave: Gêneros textuais, Propósitos comunicativos, Ensino.
ÁREA TEMÁTICA - Linguagens, novas tecnologias e ensino
CAR@S ALUN@S: PROPÓSITOS COMUNICATIVOS
DO GÊNERO E-MAIL DE INTERAÇÃO ENTRE
PROFESSOR E ALUNO UNIVERSITÁRIOS
Edivaldo Gomes Barbosa1 (UFPI)
Introdução
O e-mail é uma ferramenta de comunicação utilizada para transmissão de
mensagens, permitindo que os usuários compartilhem documentos e informações de forma rápida e entre longas distâncias, o que fez com que ele tenha se
tornado uma das principais ferramentas de comunicação, principalmente em
ambientes institucionais.
A utilização do e-mail é importante, sobretudo na educação, em que ele
atua como um espaço de interação entre discente e docente e propicia a intervenção pedagógica através do suporte tecnológico. Dessa forma, o aluno atua
no processo de aprendizagem não somente como sujeito passivo, mas também
como sujeito inserido e participante do processo de aprendizagem. Aliado à tecnologia, através do e-mail, aluno e professor podem colaborar entre si e favorecer
o projeto pedagógico de sala de aula, ao agilizar tarefas, compartilhar arquivos
de estudo em comum a grandes grupos, discussão de assuntos e plantões “tiradúvidas”. Além disso, há de se ressaltar o caráter dialógico, numa perspectiva
bakhtiniana, ou seja, a alternância enunciativa entre os sujeitos do discurso tendo por base a resposta (atitude responsiva), como se dá quando os alunos utili-
1. Graduando em Letras Português na Universidade Federal do Piauí. Membro do grupo de pesquisa em
gêneros textuais CATAPHORA - UFPI (2013-2014)
3335
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
zam o e-mail como forma de apropriar-se do conhecimento, conforme os casos
analisados à frente.
Além da dialogicidade, podemos perceber que o e-mail, como canal de transmissão de informações, apresenta as seguintes características: caráter informal
dos enunciados, o não atendimento a algumas regras ortográficas, a objetividade
dos assuntos a serem tratados, e a ausência de pré-sequências (PAIVA, 2004).
Neste contexto é que o presente trabalho analisa o e-mail como gênero e
sua relação com o meio social em que está inserido, sobretudo em relação à interação entre professor e aluno em um ambiente acadêmico.
Metodologia
A pesquisa tem como objetivos específicos a análise dos principais recursos
do estilo do gênero para explicar o significado das escolhas estilísticas e identificação dos propósitos sócio-retóricos mais recorrentes nos e-mails de interação
entre docente e discente na esfera acadêmico-universitária. O corpus é constituído de 5 e-mails de 6 alunos diferentes e 5 e-mails de 4 professores de diferentes
áreas em um total de 50 mensagens e tem como critério de seleção os e-mail
trocados entre professor e aluno para fins de interação sobre assuntos da vida
acadêmica. Além do corpus de mensagens, foi realizada uma entrevista com 5
participantes para entender como os usuários percebem e fazem o uso do gênero
e-mail na relação acadêmico-profissional. Os nomes utilizados nos exemplos são
todos fictícios.
A pesquisa conta com o suporte teórico em Paiva (2004), sobre a caracterização do e-mail como gênero textual; em Biasi-Rodrigues e Bezerra (2012) e
Swales (1990) busca apoio para as definições sobre propósito comunicativo e movimentos retóricos para a análise de gêneros; e em Miller (1984) fundamenta-se
na concepção de gênero como ação social, além das concepções de Bakhtin (2003
[1979]) sobre a estilística dos gêneros textuais.
3336
Edivaldo Gomes Barbosa
Fundamentação teórica
Gênero como ação social
Os estudos de Carolyn Miller (1994[1984]) buscam a elaboração de uma teoria que propõe o gênero como uma ação social. Com base nas noções de recorrência e ação retórica, a autora constrói sua definição de gênero como “ação retórica tipificada” (Miller, 1994, p. 24), ou seja, o gênero serve como uma resposta
do usuário de determinado gênero a uma situação recorrente, e essa recorrência
gera uma tipificação. Por exemplo, ao ler um livro, o aluno pode sistematizar a
leitura através de vários gêneros segundo seu propósito. Ele poderá usar a resenha, se o objetivo é avaliar o livro, destacando as citações mais relevantes ou
o resumo, se ele visar elencar as ideias principais contidas no texto. Dessa forma, podemos compreender os gêneros textuais como ação social que “pode nos
ajudar a explicar como encontramos, interpretamos, reagimos e criamos certos
textos” (MILLER, 1984, p. 151) e assim uma definição de gênero não deve levar
em conta apenas a forma ou substância, mas também a ação que tal gênero deve
realizar e o contexto de uso.
Os gêneros textuais, dessa forma, “não dependem apenas da forma, mas
da situação na qual são usados, do lugar onde são publicados e falados” (ALVES
FILHO, 2011), ou seja, um texto pode ser categorizado em gêneros diferentes de
acordo com o propósito comunicativo que quer se atingir e o contexto de uso.
Nas palavras de Miller (1994), um gênero é estruturador da ação social, pois faz a
ligação entre a realidade e o contexto em que o gênero está inserido, dessa forma
um texto reflete as características das situações em que é utilizado.
Propósito comunicativo
Os membros de uma determinada comunidade discursiva utilizam os gêneros textuais para atender e realizar seus objetivos por meio da comunicação.
Dessa forma ampliando a noção de gênero, Swales (1990), define gênero textual
como “classe de eventos comunicativos” no qual os membros de uma comunidade discursiva, da qual um determinado gênero faz parte, compartilham de
“propósitos comunicativos” que fundamentam e conferem uma estrutura deter3337
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
minada ao gênero. Estes propósitos influenciam na escolha do estilo e conteúdo
pelos usuários do gênero.
O propósito comunicativo dos gêneros é realizado nos gêneros textuais através de unidades retóricas, ou seja, “unidades de conteúdo informacional dentro
de uma estrutura hierárquica de distribuição de informações na arquitetura física do texto” (BIASI–RODRIGUES, 1998, p. 130), ou seja, unidades retóricas que
encerram em si conteúdos específicos e estão organizadas de modo a formar
uma sequência linear e coerente de informações que confere uma estrutura ao
texto. Essas unidades retóricas são denominadas moves que são “uma unidade
discursiva ou retórica que realiza, dentro do discurso escrito ou falado, uma
função comunicativa coerente.” (SWALES 2004, p. 228). Os moves são realizados
por subcategorias retóricas combináveis denominadas por steps (passos).
Segundo o argumento de Swales (1990) considerar o propósito comunicativo como critério primário no estudo de gêneros textuais exige uma investigação
maior por parte do pesquisador, uma vez que o propósito comunicativo nem
sempre é evidente, ou seja, a aplicação do propósito comunicativo se torna complexa, pois nem sempre os propósitos comunicativos de um gênero são reconhecidos pela comunidade discursiva do qual faz parte. Além disso, deve-se levar
em conta as variações entre as intenções particulares dos usuários que utilizam
os gêneros. Assim, o conceito antes considerado como ponto principal para a
categorização do gênero, através da revisão do conceito por Askehave e Swales
(2001) o estudo de gêneros passou a ser realizada por dois princípios:
• O principio textual/linguístico: neste nível ocorre a análise do propósito comunicativo do texto em conjunto com a forma do gênero,
conteúdo e estilo. E em uma etapa posterior são feitas as reanálises do repropósito levando em consideração o contexto de recepção
daquele gênero, ou seja , depois da investigação de um propósito
comunicativo geral do texto o pesquisador reagrupa, reclassifica e
identifica variações de um gênero segundo os propósitos mais específicos de acordo com o contexto no qual o gênero está inserido.
• O principio contextual leva em consideração o propósito como caráter relevante para a identificação do gênero, no entanto é levado em
3338
Edivaldo Gomes Barbosa
consideração também a comunidade discursiva daquele gênero e a
caracterização do gênero na respectiva comunidade.
• Dessa forma a análise dos propósitos comunicativos deve ser realizada considerando o caráter mais geral do gênero, a sua interface
social, já que “o uso dos gêneros, são estabelecidos em meio a práticas sociais especificas, variáveis de acordo com contextos culturais
definidos.” (BIASI-RODRIGUES & BEZERRA, 2012, p. 247).
Estilo
Bakhtin (2003 [1979]) considera que os gêneros textuais possuem um estilo
geral constituído de estilos próprios de cada campo da comunidade discursiva.
Tanto o estilo geral como o estilo particular, fazem parte da constituição de
determinado gênero. O estilo particular que corresponde as escolhas de determinadas formas linguísticas feitas pelos usuários de acordo com suas intenções,
levando em consideração a função do gênero que utilizam e como coloca Bakhtin (2003[1979], p.306) “sob maior ou menor influência do destinatário e da sua
resposta antecipada.”, Ou seja , os recursos linguísticos que compõem o estilo
individual fazem parte de um estilo mais amplo, o estilo geral do gênero, que
abrange diversas formas de enunciado.
Em uma interpretação sobre as ideias de Bakhtin sobre o estilo do gênero,
Fiorin (2008, p. 36) considera que o “estilo é o conjunto de procedimentos de acabamento de enunciado” e reúne não só os elementos gramaticais como também
os enunciativos e discursivos. Assim, o estilo são “os recursos linguísticos a disposição do enunciador que definem a especificidade de um enunciado” (FIORIN,
2008 p. 36), em que “as escolhas dependem da relação a se manter com o leitor”
(BRAIT, 2008 p. 80), ou seja, a partir da possível resposta do destinatário, o autor
utiliza formas linguísticas especificas que constituem o estilo do enunciado que
por sua vez está presente no estilo de um gênero.
O estilo do gênero está relacionado ao modo pelo qual um locutor compreende o destinatário da mensagem e sua resposta a enunciação. Dessa forma,
dependendo do contexto, os integrantes do discurso escolhem as formas linguísticas para o seu discurso que, segundo Brait (2008) propicia a existência de
dois estilos: um de caráter mais elevado e oficial de caráter estável e com bases
3339
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
normativas prescritivas e outro estilo de caráter mais familiar, que estabelece
graus de intimidade permitindo uma linguagem mais distensa e aberta a novas
possibilidades.
Assim o estilo pode atuar tanto como uma força centrifuga dentro dos gêneros textuais, quando a inserção de um estilo em um gênero que não é o próprio
ocasionando assim uma renovação nesse gênero, como atuar também como uma
força centrípeta mantendo formas linguísticas estáveis e normativas, a depender
do falante a que se refere.
O e-mail como gênero textual
O e-mail é utilizado como uma das formas de transmissão de mensagens
pela internet. O termo é utilizado tanto para designar a plataforma de suporte
de envio das mensagens (correio eletrônico) como para designar a mensagem
enviada através deste. Apesar de o e-mail ser considerado à primeira vista como
apenas a plataforma, ou canal de envio das mensagens, Paiva (2004) considera
que há um gênero eletrônico escrito associado a esse canal, que reúne características de outros gêneros como, por exemplo, memorando, bilhete, carta, conversa
distinguindo-se desses gêneros devido ao meio de transmissão (meio digital)
e possuir uma assincronia na comunicação entre autor e leitor, além de outros
aspectos como sinais não verbais como o emprego de emoticons, organização
retórica como, por exemplo, a recorrência de assinatura do emissor como fechamento do e-mail, léxico como emprego de abreviações, e normas de interação como o caso das “netiquetas”. No âmbito acadêmico, é comum a criação do
“e-mail da turma”, através do qual, em cada turma, é comum que pelo menos um
fique responsável para manter o contato constante com os professores através
do e-mail. Mas é claro que ocorre também a interação particular entre aluno e
professor. Dessa forma, a comunidade discursiva acadêmica interage através do
e-mail sobre assuntos da vida relativos à rotina da disciplina, como, por exemplo, informações sobre aulas, trabalhos escolares, notas, entre outros assuntos.
Dessa forma o e-mail congrega indivíduos que possuem propósitos comunicativos em comum. Através das mensagens de e-mail, “uma persona de curto prazo
(orientador, cliente, amigo, coordenador, colega, subordinado, etc.) interage com
outros usuários, também personas de curto prazo” (PAIVA, 2004) recorrendo ao
3340
Edivaldo Gomes Barbosa
estilo do gênero e selecionando formas como netiquetas, emoticons, entre outras, de acordo com o tipo de interação que deseja efetuar.
Análise do corpus
O corpus consiste em 50 mensagens de e-mail trocados entre professor e
aluno, referentes a assuntos da vida acadêmica, dividido em 25 mensagens de
alunos e 25 mensagens de professores nas quais as mensagens foram agrupadas
segundo os propósitos comunicativos. Além disso, foram analisadas marcas estilísticas, tais como tempo e modo verbal e presença de abreviações. Os propósitos
foram listados na ordem decrescente de recorrência. As mensagens dos exemplos
estão preservadas em aspectos como formatação, organização sintática e foram
alterados os nomes verdadeiros, salvaguardando a identidade dos participantes.
Propósitos comunicativos
Em e-mails enviados por docentes: os propósitos listados abaixo foram
identificados através da análise das mensagens enviadas pelos professores para
os alunos.
Dar um aviso: o professor se utiliza do e-mail como um quadro de avisos,
como para avisar a realização ou cancelamento das aulas e lançamento de notas
no sistema acadêmico, como pode ser visto em:
“Turma
Em função da realização do VIII Festival Shakespeare e de uma viagem
que farei para participar de um evento no Rio de Janeiro, não haverá
aula da nossa disciplina nos dias 27/11 e 02/12.”
“Prezados alunos...
As notas da disc Biogeografia estão disponibilizadas no SIGAA.
Confiram as notas e retornem e-mail caso haja dúvida ou algum problema.
Att,”
3341
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
“Bom dia!!
As aulas de TCC ocorrerão nas segundas-feiras a partir das 15 horas no
Lab Geoambiente.
att,”
Esse propósito inclusive é ressaltado pelos docentes em entrevista, ao
responderem “Com que finalidade você faz uso do email na comunicação com os alunos?”:
“Utilizo o e-mail para informar os alunos sobre o cotidiano da disciplina, para o envio de textos complementares, questões e sugestões
de leitura. O email facilita a interação com a turma, apesar de não ter
muito retorno nas respostas.”
Professor Pedro
“Utilizo para informar sobre atividades, materiais de estudo e datas
de atividades.”
Professora Camila
Enviar arquivos: as mensagens aqui listadas têm como propósito disponibilizar arquivos para os alunos, referentes às disciplinas. Entre estes arquivos há
a presença de notas (em documento anexo ou no próprio corpo da mensagem),
textos para atividades, leituras complementares e textos com orientações para
trabalhos. Seguem alguns exemplos:
“Prezados Pesquisadores
Encaminho tese sobre Teresina – Antonio Aderson para fichamento.
Att”
“Prezados
Segue no anexo o material para leitura e estudos no NT-I.
att.”
3342
Edivaldo Gomes Barbosa
“Segue abaixo a relação de alunos que ficaram de prova final na disciplina “História da Cultura” e suas respectivas médias.
Maria- 6,1
Julia- 5,6
Pedro- 4,8
Camila - 6,3
Tiago- 6,5”
“Fernanda,
Segue em anexo alguns textos que versam sobre oralidade na sala de
aula. Achei interessante para adaptarmos o trabalho com a oralidade
para o cordel. Leia e veja o que acha.
Um forte abraço”
Exigir a realização de tarefas: nestes as mensagens têm como propósito
exigir a realização de atividades que complementam e antecipam o conteúdo
ministrado em sala de aula, como, por exemplo, leituras e exercícios prévios de
conteúdos e resolução de questionários com base no texto discutido em aula. A
maioria das mensagens analisadas contendo este propósito são dirigidas à classe:
“Caros Educad@s,
Segue link do livro “Sociologia da Educação” de Alberto Tosi. Da pág.21
a 81 é leitura obrigatória para as próximas aulas. O texto não vai em
anexo, no formato pdf, porque o tamanho do arquivo excede a capacidade de envio pelo email.Um abraço e boa leitura.”
“Car@s Educand@s, Considerando a leitura do texto Sociologia da Educação de Alberto Tosi
(págs 21 a 81), responda as questões que seguem.”
1. Qual o papel atribuído por Durkheim a solidariedade nas relações
sociais.
2. Defina e diferencie solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.
3. Apresente de forma crítica a perspectiva educacional de Durkheim.
3343
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
4. O que Marx compreende por forças produtivas?
5. Na perspectiva Marx o que é alienação?
6. Como a escola se relaciona com as ideologias presentes na sociedade?
7. Como Marx compreende a Educação numa ordem social formada
por diferentes classes?
8. Segundo Karl Marx o que é Consciência de Classe?
9. Conceitue o objeto de estudo de Max Weber.
10.Defina e diferencie os tipos de ação social de Max Weber.
11. Segundo Weber como ocorre os processos de racionalidade burocratização da vida na sociedade moderna.
12.Qual a perspectiva de educação de Max Weber?
“Caríssismos(as),
Segue em anexo artigo para leitura e exercício.
Trazer na próxima aula 29.05 (quarta-feira):
• Cometários das leis/decretos;
• dados estatísticos sobre as pessoas com deficiência no Brasil, Piauí
e Teresina
• exercício respondido para correção no grupo classe.
• Boa leitura e estudos”
Dar orientações: esse tipo de mensagem é mais comum no atendimento
individual do professor para com o aluno. Geralmente é uma resposta com o
intuito de dirimir uma dúvida e guiar o aluno na realização de uma pesquisa ou
atividade:
“PREZADA JÉSSICA...
CAP 1 RECEBIDO.
PROCURE AS FONTES ORIGINAIS E RETIRE AS CITAÇÕES DAS CITAÇÕES, DEIXAR O MÍNIMO POSSÍVEL DE APUD.
att,”
“É melhor vc guardar esse relato para outra oportunidade. Para o projeto vc deve provar que é relevante essa pesquisa e que é importante tra-
3344
Edivaldo Gomes Barbosa
balhar esse conteúdo em sala de aula. Seria interessante vc ler a parte
que fala sobre oralidade no livro Aula de Português, de Irandé Antunes.
Geralmente as escolas têm esse livro, mas se vc quiser eu deixo uma
cópia para vc esta semana na UFPI. Vai te ajudar a fundamentar essa
justificativa. Agora, se as professoras publicaram algum artigo, falando
sobre a experiência do projeto que vcs fizeram, seria interessante vc
citar, mas o relato pelo relato não é interessante agora.
Um forte abraço,”
Fazer um convite: geralmente enviadas a toda a classe, as mensagens contêm menção a eventos acadêmicos extraclasses que funcionam como uma extensão do conteúdo da sala de aula e, em tese, possibilitam ao aluno uma ampliação
do conhecimento e uma maior inserção no curso:
“Turma,
Convido a todos a participarem de alguns eventos importantes relacionados ao Curso de Letras que acontecerão nos próximos dias.
• 07/12 - Defesa de 151 Trabalhos de Conclusão de Curso na área de
Letras (Português e Inglês), de alunos do PARFOR (professores da
rede pública que não possuíam curso superior). O evento acontecerá durante todo o dia no Espaço Cultural Noé Mendes. Mais
informações: http://www.ufpi.br/letras/materias/index/mostrar/
id/11328
• 10/12 - Defesa da dissertação de Mestrado da aluna ANA PAULA
LIMA DE CARVALHO, intitulada: A variação linguística no livro
didático e na sala de aula Mais informações: http://www.ufpi.br/
letras/eventos
• 12 e 13/12 - III COGITE - Colóquio sobre Gêneros & Textos. Serão
apresentados dezenas de trabalhos nas áreas da Linguística Textual e do Discurso. Na noite do dia 12 (quinta-feira) será lançado um
livro produzido por professores da UFPI sobre Léxico, Texto e Discurso. Mais informações: http://coloquiocogite.com.br/ e http://
www.ufpi.br/letras/materias/idex/mostrar/id/11410
Conto com a presença de todos.”
3345
Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres
Fazer um relato: dois e-mails se diferenciaram no corpus analisado pelo
propósito de fazer um relato de eventos referentes ao âmbito docente, aos quais
os alunos têm pouco conhecimento ou acesso. Sugere uma extensão dos debates
realizados em sala de aula e também um contexto externo que se refere à vida
acadêmica além dos limites da sala de aula:
“Turma,
acabei de chegar a Brasília para compor o CNG, como representante
do CLG-UFPI/ADUFPI. No trajeto do aeroporto ao hotel, passei pela
esplanada dos ministérios, e lá observei um “Formigueiro Vermelho”.
Estou chamando deste modo, a grande concentração de faixas e barracas com pessoas fazendo menção a greves. Mas a maior concentração está localizada em frente do MEC. Tratar-se de um Ato, com carro
de som estilo trilho elétrico, muitas pessoas concentradas na grama,
no estacionamento, ouvindo o pronunciamento de representantes do
nosso Sindicato Nacional, o ANDES. Tem muiiiita gente na rua. APOSTO QUE ISTO A MÍDIA NÃO NOTICIARÁ. VAMOS FAZER UM FORMIGUEIRO EM FRENTE A REITORIA DA FPI NA ASSEMBLEIA DE
QUINTA-FEIRA AS NOVE DA MANHÃ!”
Indicar uma bibliografia: nesse caso há a inserção no corpo da mensagem, de uma referência nas normas da ABNT a ser utilizada em uma atividade:
“Turma,
Na aula de hoje, faremos um estudo do texto LINGUÍSTICA TEXTUAL
que já está disponível na R & R cópias. A bibliografia é: BENTES, Anna
Christina. Linguística Textual. In: MUSSALIM, Fernanda & BENTES,
Anna Christina. Introdução à Linguística. Vol. 1. 5. ed. São Paulo. Cortez: 2005.”
Em e-mails enviados por discentes: os propósitos listados abaixo foram
identificados através da análise das mensagens de e-mail enviadas por alunos
aos professores. A interação ocorre tanto individualmente, como através de um
representante da classe.
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Pedir informações sobre o cronograma de aulas: as mensagens com este
propósito têm o objetivo de confirmar a realização de uma aula. O e-mail aqui
funciona como uma reformulação do cronograma de aulas principalmente após
períodos de greve em que o calendário de aulas é retomado e um aluno – às vezes
em nome de toda turma, fica encarregado de entrar em contato com o professor
para solicitar informações sobre a agenda de aulas após a greve, dai a presença
de formas na primeira pessoa do singular e plural. Uma característica que pode
ser inferida através desses e-mails é sobre a unificação do movimento “greve”,
uma vez que os alunos querem saber quais professores ministrarão ou não aula.
As mensagens possuem tanto a primeira pessoa do singular quanto do plural:
“Boa Noite Professor Júlio, Gostaríamos de saber se amanhã será ministrada sua aula das 14 as 18hs? Gratas, Alunas do curso de Serviço Social”
“Gostariamos de saber se haverá aula amanhã (09), pois os outros professores já informaram que não haverá aula. Att. As alunas do 1° período!”
“Olá professor Carlos, gostaria de saber se segunda-feira o senhor irá dar aula para o primeiro período de Contábeis na Uespi/CCM, por conta da iminência de greve
do transporte público. Gostaria que o senhor respondesse com urgência.
Obrigado. Pedro
“Olá, professora, gostariamos de saber se suas aulas voltarão normalmente ou se será apenas esta na segunda-feira e se a greve já teve fim ou
a senhora dará sua aula independentemente do movimento. Obrigado”
“Olá, professor, tudo bem? Gostaria apenas de saber se na volta às aulas,
o senhor dará andamento aos seminários ou vai adotar novo plano de
curso para encerrarmos logo esse período, da turma de Ética em educação.
obrigado pela resposta”
Enviar arquivos: e-mail com a função de envio de trabalhos, nos casos
em que o professor permite que o trabalho seja entregue online, substituindo a
entrega presencial seja por motivos de distância ou por entrega fora do prazo.
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Aparecendo como segundo propósito comunicativo mais recorrente, o envio de
arquivos foi o propósito comunicativo mais lembrado pelos discentes no momento da entrevista ao responderem a pergunta “Em que situações você faz uso
do e-mail para a comunicação com o professor?”
“Utilizo o e-mail sempre que preciso enviar trabalhos”
Ricardo
“Uso para passar material”
Adriana
“(utilizo) Para enviar trabalhos, me comunicar com o professor”
Jéssica
Encontramos o propósito supracitado em mensagens como:
“Professora Camila, boa noite!
Hoje só consegui digitar essa parte do relatório e estou enviando
para que a senhora possa dar uma olhada e emita algum parecer. Obrigada pela preocupação e sucesso!”
“Bom dia professora!
Estou lhe enviando meu relatório e gostaria que vc fizesse uma avaliação e me reenviasse pra que eu possa fazer as possíveis correções ou
alterações solicitadas. Um abraço!”
Pedir orientações: O terceiro propósito comunicativo mais recorrente nas
mensagens de e-mail enviadas por discentes é o pedido de orientação. De caráter
mais individual este e-mail é enviado com o intuito de pedir sugestões e orientações sobre o desenvolvimento de trabalhos acadêmicos:
“Professora,
Já terminei meu estágio e sobre o projeto de intervenção estou com
muitas dúvidas, pois a professora e as salas que observei são muito
boas. tenho duvidas quanto a esse projeto de intervenção. Gostaria de
mais algumas dicas, orientações!!!! Aguardo retorno! Adriana.”
“Olá Profª patricia, tenho uma dúvida quanto ao projeto de pesquisa e
TCC. Como já sabe, tenho material resultante de um projeto que eu ela3348
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borei. Mas quem aplicou o projeto em sala de aula foram as professoras
de Língua Portuguesa, sob a minha orientação enquanto coordenadora
da escola em que trabalho. Daí, será que posso relatar tal experiência
no meu trabalho?”
Pedir a disponibilização de notas: As mensagens com este propósito limitam-se a pedir o boletim de notas ou informações sobre a disponibilização
das mesmas:
Olá professora, gostaria de saber, qual foi minha nota da primeira avaliação. Obrigado pela resposta!
Professor, gostaria que o senhor enviasse para o email da nossa turma
o resultado com a média final da turma de Ética em Educação, 2012.1,
de Pedagogia. Obrigado
Estilística das mensagens
A análise das mensagens também contemplou aspectos estilísticos, resultando em peculiaridades em cada um dos propósitos.
Em e-mails enviados por docentes
Dar um aviso
As mensagens com este propósito foram escritas utilizando a 3º pessoa do
singular e também com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo.
NÃO HAVERÁ AULA AMANHÃ. GOSTARIA QUE A LEITURA E O
RESUMO DAS MEDITAÇÕES METAFÍSICAS FOSSEM EXECUTADAS. ABRAÇO
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Enviar arquivos
As mensagens com este propósito foram escritas na 3ª pessoa do plural com
a utilização das formas “seguem”, “estamos enviando”, bem como 1ª pessoa do
singular “encaminho”. O tempo verbal mais recorrente é presente do indicativo
com o predomínio da forma “segue”.
Car@s,
Para o grupo que tem por tarefa discutir a relação Movimento Sociais e
Educação, seguem textos sobre o fechamento de escolas na “zono” rural
do país.
Exigir a realização de tarefas
As mensagens com este propósito foram escritas na 3ª pessoa do plural e
com o tempo verbal imperativo, que em alguns casos é atenuado pela utilização
do presente do indicativo.
Prezados alunos...
A partir da discussão do minicurso elaborem seu sumario. Mostrem
antes para seu provável orientador aprovar. Att
Dar orientações
Escritas na 2ª pessoa do singular, mensagens analisadas contendo esse propósito possuem marcas da oralidade, e uso de abreviações típicas da linguagem
da internet. O uso do imperativo direto “veja”, “converse” bem como a suavização
desse imperativo e o uso de verbos no futuro do pretérito simples do indicativo
conferem um caráter sugestivo à orientação e o uso dos termos “um forte abraço”
e “prezada” como um indicativo de cordialidade e proximidade entre os interlocutores.
“Bom dia, Fernanda
Você pode observar algo que a professora não teve ou tem tempo de
trabalhar em sala de aula. A Língua Portuguesa deve ser trabalhada
em suas várias habilidades, como: Leitura, Interpretação de texto, fala
e produção de texto, tendo como base a gramática da Língua e textos
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literários. Veja o que a professora não tem como principal foco no ensino da Língua e trabalhe em cima disso. Se for o caso converse com
a professora. Ela pode te indicar alguma dificuldade no trabalho com
esses alunos.
Um forte abraço”
Fazer um convite
A mensagem escrita no presente do indicativo. O professor representado na
mensagem pela primeira pessoa do singular, convida seus alunos a participarem
do evento em questão informando detalhes e ressaltando as vantagens.
Prezados Alunos,
O PIBID está com Edital aberto com oferta de vagas para novos bolsistas da área de Química. Convido a todos, que ainda não fazem parte desse programa maravilhoso, para participarem da seleção. O Período de inscrição foi prorrogado até dia 18.
Dirijam-se
à
sala
do
PIBID
A2-124
e
inscrevam-se.
O novo coordenador de área é o professor Gilvan.
att.
Fazer um relato
As mensagens são escritas na primeira pessoa do singular, registrando as
impressões subjetivas de quem escreve, sobre o fato relatado com formas nos
tempos pretérito perfeito e futuro simples do indicativo.
Caros alunos,
No dia 19 de abril, mais uma reunião com o governo federal está agendada para discutir a reestruturação da carreira.Na última reunião do
Setor das Federais, que ocorreu nos dias 29 e 30 de março, o movimento
docente nacional indicou a realização de mobilização e paralisação nacional nos mesmos dias que ocorrem as mesas de negociação. O objetivo é pressionar o governo a avançar na reivindicação da categoria.Para
o movimento docente nacional o mês de abril é decisivo nos rumos da
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negociação, que, caso não venham a progredir, estará convocando uma
greve nacional para maio.Nesta quinta-feira (19), os docentes da UFPI
cumprirão o calendário nacional de paralisação conforme deliberação
da Assembleia Geral da ADUFPI realizada em 17/04, como também
aprovaram a paralisação do dia 25/04 e o indicativo de greve nacional
para o dia 15 de maio que será avaliado neste final de semana (21 e 22),
em Brasilia-DF. Na reunião do Setor das Federais do ANDES-SN, que
avaliará as rodadas de assembleia de indicativo de greve que acontecem
no Brasil inteiro. Indicar uma bibliografia
Como a indicação da bibliografia vem como uma fonte de consulta em uma
atividade indicada para a classe, a mensagem é dirigida a todos e escrita utilizando a primeira pessoa do plural, com a presença dos tempos futuro do presente e do presente simples do indicativo.
“Caros Alunos
Obs. É necessário a leitura do texto da próxima aula. Referência do
texto em anexo: SEVERINO, A.J. Metodologia do Trabalho Científico.
22.ed. ver.ampl.São Paulo: Cortez, 2002. págs. 63 a 71”
Em e-mails enviados por discentes
Pedir informações sobre o cronograma de aulas
Quanto ao tempo verbal temos formas no futuro do presente simples do
indicativo, bem como a recorrência do verbo “gostar” no futuro do pretérito simples do indicativo acompanhado de um verbo no infinitivo que é geralmente o
verbo “saber”.
Boa Noite Professor Júlio, Gostaríamos de saber se amanhã será ministrada sua aula das 14 as 18hs? Gratas, Alunas do curso de Serviço
Social”
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Edivaldo Gomes Barbosa
Enviar arquivos
O envio de arquivos geralmente é feito de forma individual, por isso o uso
da primeira pessoa do singular. Utilização dos tempos gerúndio e pretérito perfeito do subjuntivo.
Professora Camila, boa noite!
Hoje só consegui digitar essa parte do relatório e estou enviando para
que a senhora possa dar uma olhada e emita algum parecer. Obrigada
pela preocupação e sucesso!
Pedir orientações
Em uma interação individual entre aluno e professor, as mensagens com
este propósito são escritas na primeira pessoa do singular e no presente do indicativo, acompanhadas de uma contextualização da dúvida, ou seja, o relato da
situação problema.
Professora,
Já terminei meu estágio e sobre o projeto de intervenção estou com
muitas dúvidas, pois a professora e as salas que observei são muito
boas. tenho duvidas quanto a esse projeto de intervenção. Gostaria de
mais algumas dicas, orientações!!!! Aguardo retorno! Adriana.
Pedir a disponibilização de notas
As mensagens escritas na primeira pessoa do singular, no entanto foram
observados papeis sociais diferentes; em um dos casos tratava-se realmente de
uma interação individual, em outro caso um aluno representa uma coletividade
na solicitação de notas. Em relação ao tempo foram utilizados o futuro do pretérito simples do indicativo do verbo “gostar” seguido de um verbo no infinitivo.
Olá professora, gostaria de saber, qual foi minha nota da primeira
avaliação. Obrigado pela resposta!
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Saudações e fechamentos recorrentes
Nas mensagens de e-mail também foram analisadas as saudações e fechamentos mais recorrentes. As saudações e a quantidade de vezes em que ocorrem
estão presentes na tabela abaixo.
E-mails enviados por professores para alunos
Saudações
Recorrência
Prezados Alunos
11 vezes
Car@s
5 vezes
Turma
4 vezes
Nome do aluno
4 vezes
Caríssimos
2 vezes
E-mails enviados por alunos a professores
Saudações
Recorrência
Professor
6 vezes
Olá professora
3 vezes
Professora
2 vezes
Bom dia professora
1 vez
Em relação aos fechamentos, as formas mais utilizadas e sua recorrência
estão representadas na tabela abaixo:
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E-mails enviados por professores para alunos
Fechamentos
Recorrência
Att (abreviação de atenciosamente)
8 vezes
Forte abraço
7 vezes
Abraço
2 vezes
Saudações
1 vez
E-mails enviados de alunos para professores
Fechamentos
Recorrência
Assinatura do aluno
8 vezes
Obrigado
2 vezes
Aguardo retorno
1 vez
Obrigado pela resposta
1 vez
Assuntos e propósito comunicativo
Também foram analisados os assuntos das mensagens de e-mail para descobrir até que ponto estes resumem os propósitos comunicativos presentes nas
mensagens. Durante a análise das mensagens de e-mail, alguns assuntos chamaram atenção por resumirem o propósito comunicativo presente no texto. tais
assuntos foram representados na tabela e nos exemplos abaixo:
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Assuntos dos E-mails
Predizentes
Não predizentes
Não haverá aula dias 27/11 e 02/12
• Texto 11
Convite para eventos
lingua latina II
Notas da disc Biogeografia
disponibilizadas no SIGAA
texto tcc correto
Plano de disciplina
atividade artigo - minicurso
Roteiro atividade Seminário Esclarecendo as Deficiências:
aspectos teóricos e práticos para
contribuir com uma sociedade
inclusiva.
Livro Literatura em sala de aula
Retomada das aulas
Curso Origin 5.0
Nota da primeira avaliação
1º bloco contábeis – uespi
Caderno de Textos disponível
Nota da primeira avaliação
Texto da disciplina Educação,
Sociedade e Culturas
Classificamos em assuntos predizentes, o assunto que cataforiza o conteúdo
da mensagem, inclusive seu propósito comunicativo. Em alguns casos o próprio
assunto veicula todo o conteúdo da mensagem, como por exemplo:
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Edivaldo Gomes Barbosa
“Assunto: Convite para eventos
Turma,
Convido a todos a participarem de alguns eventos importantes relacionados ao Curso de Letras que acontecerão nos próximos dias.”
“Assunto: Não haverá aula dias 27/11 e 02/12
Em função da realização do VIII Festival Shakespeare e de uma viagem
que farei para participar de um evento no Rio de Janeiro, não haverá
aula da nossa disciplina nos dias 27/11 e 02/12.”
Na análise também se destacaram aquelas mensagens cujo assunto classificamos como não predizentes, ou seja, o titulo da mensagem de e-mail não prediz
o conteúdo e o propósito comunicativo da mensagem, como no exemplo abaixo:
Assunto: 1º blococontábeis – uespi
Olá professor gostaria de saber se segunda-feira o senhor irá dar aula
para o primeiro período de Contábeis na Uespi/CCM, por conta da iminência de greve do transporte público. Gostaria que o senhor respondesse com urgência. Obrigado.
Carlos
Na análise das mensagens foi constatada uma primazia da relação assunto
e propósito comunicativo, ou seja, a maioria dos assuntos contêm e em alguns
casos resume o assunto da mensagem, explicitando o propósito comunicativo
logo no campo assunto.
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Conclusão
Considerando que o gênero possui uma ação social, ou seja, o gênero é uma
resposta do usuário a uma situação recorrente e com determinado propósito
comunicativo, o e-mail é utilizado tanto por docentes e discentes para tratar de
assuntos referentes ao âmbito acadêmico, de assuntos intra e extraclasse.
Nesse caso os docentes utilizam do gênero e do suporte e-mail como uma
ferramenta de extensão da sala de aula, antecipando atividades e aprofundando
leituras e discussões em classe através do envio de materiais, organiza a disciplina através de informações sobre o andamento e cronograma de aulas além de
manter interação com a classe. Da mesma forma fazem os discentes, recorrem
ao e-mail para interagir com o docente sempre que necessitam.
A estilística das mensagens do corpus permite verificar as relações entre
os sujeitos pesquisados, enquanto docentes utilizam de determinadas formas
lingüísticas que indicam uma certa cordialidade, os discente utilizam de formas
mais polidas, que indicam um certo distanciamento em relação ao docente.
Em relação aos propósitos comunicativos analisados neste corpus, nota-se
que estes contribuem e formam o propósito comunicativo do gênero e-mail na
interação entre docente e discente que é tratar de assuntos referentes a vida acadêmica.
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Edivaldo Gomes Barbosa
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