FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

Transcrição

FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
INSTITUTO GUGA KUERTEN
CÉLIA DIVA RENCK HOEFELMANN
Pesquisadora
EDUCAÇÃO CONDUTIVA EM SANTA CATARINA:
AVALIAÇÃO DE UM PROJETO
FLORIANÓPOLIS (SC)
2007
FUNDAÇÃO CATARINENSE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
INSTITUTO GUGA KUERTEN
CÉLIA DIVA RENCK HOEFELMANN
EDUCAÇÃO CONDUTIVA EM SANTA CATARINA:
AVALIAÇÃO DE UM PROJETO
Relatório de pesquisa para apresentar os
resultados do Projeto de Educação Condutiva
desenvolvido com crianças e adolescentes com
paralisia cerebral em serviços de atendimento
especializado e articulado com a formação
contínua dos profissionais.
FLORIANÓPOLIS (SC)
2007
Dedico este trabalho aos profissionais que
buscam qualificar sua formação para promover
a aprendizagem do aluno com paralisia
cerebral.
INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES
Instituto Guga Kuerten
Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Balneário Camboriú – Escola Especial
Tempo Feliz
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Camboriú – Escola Especial Alegria de
Viver
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Itajaí – Escola Especial Vale da Esperança
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Florianópolis – Instituto de Educação
Especial Professor Manoel Boaventura Feijó
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Porto Belo – Escola Especial Ensina-me a
Viver
Associação Beneficente Pássaros da Luz de Itajaí – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
Educação Condutiva
AGRADECIMENTOS
À Fundação Catarinense de Educação Especial e ao Instituto Guga Kuerten, pela promoção
desta pesquisa.
Às APAEs de Balneário Camboriú, Camboriú, Itajaí, Florianópolis e Porto Belo e ao Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, pela participação e apoio
incondicional neste trabalho.
Aos alunos, que nos ensinaram muito neste ano.
Aos seus familiares, pelo apoio durante o percurso.
Aos fisioterapeutas Dionísia, Bernardo, Jussara, Luís, Michel, Renata, Roberta e Sheila, por
esta longa caminhada e nem sempre muito tranqüila.
Aos professores e fonoaudiólogos participantes dos grupos, por compartilhar os momentos
preciosos que vivemos ao longo deste ano.
À Alice, pelo apoio, pelas contribuições e pelo acompanhamento deste trabalho.
À Raquel, pelos momentos de aprendizagem, pela disponibilidade incondicional, enfim, pelos
momentos compartilhados.
À Gracia, pela colaboração e apoio nesta pesquisa.
À Maria Nilza, Neusa, Edite e Márcia, companheiras em algumas discussões.
Ao Sérgio, pelas orientações com a escrita do texto.
À Mauricéa, pelas valiosas contribuições.
À Sandra Mara, por sempre estar disposta a atender os meus pedidos.
Para refletir:
Mais do que abordar a Educação Condutiva,
discuto, neste trabalho,
a importância da formação profissional.
Durante alguns meses, os papéis se inverteram:
fomos alunos, corremos atrás do desafio, negamos o mesmo
desafio, sentimo-nos ameaçados,
arrancados do nosso pedestal, destituídos da nossa segurança, e
aí veio a crise...
Que fazer? Resistir, negar, ter medo ou buscar criar o
novo, que custava tanto a nascer?
Com certeza o nosso grande
companheiro de jornada foi o desafio diário...
E a cada desafio superado, outros
surgiam!
Por que algo tão simples pode ser
tão complexo?
Ah, essa Educação Condutiva...
Mas o que queremos com ela? Queremos
ensinar nossos alunos a fazer movimentos para
serem mais independentes. É isso?
É isso, responde a condutora.
Então, queremos ensinar nossos
alunos...
E por que nos custa tanto
aprender?
RESUMO
Este relatório tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que avaliou as
contribuições da Educação Condutiva para crianças e adolescentes com paralisia cerebral em
programas de atendimento especializado, vinculando-as à formação contínua dos profissionais
envolvidos e às possibilidades de implantação da proposta em outras instituições
especializadas no Estado de Santa Catarina. Participaram desta pesquisa as seguintes
instituições: Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, Fundação
Catarinense de Educação Especial e APAEs de Balneário Camboriú, Camboriú, Itajaí,
Florianópolis e Porto Belo. A Educação Condutiva é uma abordagem pedagógico-terapêutica
desenvolvida pelo húngaro András Petö e que entende a paralisia cerebral não como um
problema médico ou terapêutico, mas como um problema de aprendizagem. Ela é orientada
por um profissional com formação multidisciplinar, o condutor. As instituições contaram,
durante o segundo semestre deste ano, com a assessoria de uma condutora. Os resultados
desta pesquisa apontam para a complexidade da Educação Condutiva e as dificuldades dos
profissionais em se apropriarem de sua essência. Entretanto, mesmo com os profissionais
ainda em processo de aprendizagem, os alunos já refletem resultados positivos. A condutora
esteve à frente do grupo no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva,
que foi o grupo que desenvolveu a abordagem na sua essência e nele foram percebidos vários
avanços. Pela complexidade da Educação Condutiva, não é possível implantá-la em outras
instituições sem a assessoria/presença de um condutor. Mesmo os profissionais participantes
desta pesquisa ainda precisam desta forma de apoio, pois a sua aprendizagem não se encontra
consolidada.
Palavras-chave: Educação Condutiva. Paralisia Cerebral. Formação Contínua. Aprendizagem.
Condutor.
CONCEITOS
EDUCAÇÃO CONDUTIVA: É uma abordagem pedagógico-terapêutica, desenvolvida pelo
médico e pedagogo húngaro András Petö (1893-1967). Destina-se a pessoas com alterações
motoras como a paralisia cerebral, enfermidades degenerativas (Mal de Parkinson, escleroses
múltiplas) e também para aquelas que sofreram dano cerebral por acidente. Esta abordagem
consiste em estimular integralmente as pessoas sobre a base de sua própria criatividade e
entorno cotidiano, proporcionando a conexão entre as ações e o significado destas ações. A
expressão “Educação Condutiva” está viciada por um viés ideológico, que lembra concepções
behavioristas, entretanto, não está se falando a partir desta perspectiva. A Educação
Condutiva faz referência a um processo de aprendizagem, no qual se estabelece uma
sociedade entre o profissional (condutor) e os alunos para criar as circunstâncias propícias
para aprender. É uma abordagem de natureza educativa e não um tratamento ou terapia. Podese afirmar que o embasamento teórico desta abordagem é bastante complexo, assim como
suas práticas, e por isto a implantação e o desenvolvimento de propostas de Educação
Condutiva requerem um profissional com uma formação multidisciplinar, que é o condutor.
CONDUTOR: O profissional responsável pelos programas é o condutor, que é formado para
exercer a ação de educar pelas estratégias práticas e teóricas da abordagem Petö. Ele recebe
formação acadêmica de quatro anos nos Centros de Educação Condutiva (Hungria e
Inglaterra), estruturando seu fazer multidisciplinar com conhecimentos de fisiologia,
psicologia, pedagogia, neuropsicologia, logopedia, música e de outras disciplinas. O condutor
apresenta ao aluno o entorno sócio-cultural e se ocupa em criar um ambiente que promova a
independência e, sobretudo, a vontade e o desejo de aprender, buscando a funcionalidade
ativa, ou seja, a ortofunção. Responsabiliza-se, também, pelo planejamento, execução e
acompanhamento constante do processo educativo.
ORTOFUNÇÃO: É a funcionalidade ativa. O critério da ortofunção é a atividade, é a
capacidade de atuar, a habilidade para se adaptar a novas situações e desenvolver estratégias
para resolver situações-problemas.
PROGRAMA: O atendimento na Educação Condutiva é organizado por programas com
características e qualidades específicas e bem definidas: programa deitado, programa
sentado, programa preparatório para em pé, programa em pé, programa individual e
programa manipulativo.
FACILITAÇÃO: A facilitação compreende todos os fatores que ajudam o aluno a atingir um
objetivo. A facilitação aparece em todas as tarefas com o aluno. Ela tem um sentido
pedagógico amplo. Este termo já era referido na literatura, mas teve o seu significado
redimensionado com a “facilitação condutiva” de Petö.
FACILITADOR: Refere-se ao profissional que atua com os alunos, possibilitando a estes as
ajudas necessárias. Enquanto o condutor é responsável pela condução dos programas junto ao
grupo, o facilitador se ocupa, geralmente, com um dos alunos. O termo facilitador (como
profissional) não existe na abordagem Petö, pois na Hungria todos os que trabalham nos
programas são condutores. Na realidade do México e Brasil, com poucos condutores, torna-se
necessário o papel do facilitador.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10
2 EDUCAÇÃO CONDUTIVA ..............................................................................................16
2.1 O papel da aprendizagem ................................................................................................20
2.2 Elementos essenciais .........................................................................................................22
2.2.1 O condutor .......................................................................................................................22
2.2.2 O programa ......................................................................................................................23
2.2.3 A série de tarefas .............................................................................................................25
2.2.4 Intenção rítmica ...............................................................................................................26
2.2.5 O grupo ............................................................................................................................26
2.3 Princípios básicos da educação condutiva......................................................................27
3 PERCURSO METODOLÓGICO .....................................................................................31
3.1 Descrição da realidade .....................................................................................................36
3.2 Crítica da realidade ..........................................................................................................40
3.2.2 Formação contínua ..........................................................................................................44
3.3 Criação coletiva.................................................................................................................52
4 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO CONDUTIVA: PEQUENOS / GRANDES
AVANÇOS...............................................................................................................................60
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................64
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................67
10
1 INTRODUÇÃO
O presente relatório tem como objetivo apresentar os resultados do Projeto de Pesquisa
que buscou avaliar as contribuições da Educação Condutiva1 para crianças e adolescentes com
paralisia cerebral em serviços de atendimento especializado. Convém salientar que a
Educação Condutiva já é consagrada em diferentes países e a avaliação, neste Projeto, está
intrinsecamente associada à formação contínua dos profissionais envolvidos e se orienta na
perspectiva de viabilizar a implantação da proposta em outras instituições especializadas no
Estado de Santa Catarina.
Esta pesquisa foi decorrente de uma parceira entre a Fundação Catarinense de
Educação Especial e o Instituto Guga Kuerten e contou com a participação de alunos e
profissionais das seguintes instituições: Escola Especial Tempo Feliz (APAE Balneário
Camboriú), Escola Especial Alegria de Viver (APAE de Camboriú), Escola Especial Vale da
Esperança (APAE de Itajaí), Instituto de Educação Especial Professor Manoel Boaventura
Feijó (APAE de Florianópolis)2, Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE – São
José) e Associação Beneficente Pássaros da Luz (Itajaí).
A Educação Condutiva é uma abordagem3 pedagógico-terapêutica, desenvolvida pelo
médico húngaro András Petö (1893-1967) para pessoas com alterações motoras,
principalmente com paralisia cerebral. Trata-se de uma pedagogia do movimento, que tem por
objetivo melhorar o desenvolvimento motor e incrementar a independência nos diversos
aspectos da vida cotidiana. É considerada uma abordagem de natureza educativa e não um
tratamento ou terapia. Assim, pode-se afirmar que o embasamento teórico desta abordagem é
bastante complexo e requer a presença de um profissional com uma formação diferenciada,
que é o condutor.
1
É importante alertar o leitor que o nome Educação Condutiva está viciado por um viés ideológico, que lembra
concepções behavioristas, entretanto, aqui se está falando a partir de outra perspectiva. Esta abordagem faz
referência a um processo de aprendizagem que envolve uma sociedade entre o profissional (condutor) e os
alunos para criar as circunstâncias propícias para aprender.
2
A partir deste momento, usar-se-á o termo APAE para padronizar a escrita em substituição aos nomes das
escolas especiais: Escola Especial Tempo Feliz (APAE de Balneário Camboriú), Escola Especial Alegria de
Viver (APAE de Camboriú), Escola Especial Vale da Esperança (APAE de Itajaí) e Instituto de Educação
Especial Professor Manoel Boaventura Feijó (APAE de Florianópolis).
3
A literatura fala em “sistema”, porém, a pesquisadora optou por usar o termo “abordagem” no texto por
entender que é mais coerente, uma vez que o conceito de sistema, no contexto educacional brasileiro, denota
uma estrutura muito mais ampla.
11
O condutor é o profissional responsável pelos programas4, formado para exercer a
função de educar pelas estratégias práticas e teóricas da abordagem Petö. Ele recebe
orientação acadêmica multidisciplinar de quatro anos em Centros de Educação Condutiva da
Hungria ou da Inglaterra. O condutor apresenta ao aluno o entorno sócio-cultural e se ocupa
em criar um ambiente que promova a independência e, sobretudo, a vontade e o desejo de
aprender, buscando a funcionalidade ativa, ou seja, a ortofunção. Responsabiliza-se, também,
pelo planejamento, execução e acompanhamento constante do processo educativo.
Como a Educação Condutiva requer a presença de um condutor, para desenvolver esta
pesquisa foi fundamental unificar as instituições envolvidas em um só Projeto, de forma a
viabilizar a participação de um profissional com esta formação específica. Neste sentido, por
intermédio de parcerias entre Fundação Catarinense de Educação Especial, Instituto Guga
Kuerten e Secretaria Municipal de Educação de Itajaí, contou-se com a assessoria da
condutora neuro-reabilitadora mexicana Evangelina Raquel Labastida Del Toro5 durante o
segundo semestre de 2007. A condutora veio ao Brasil especialmente para este trabalho.
Convém salientar que sua assessoria foi possível somente no segundo semestre – e não
durante todo o ano letivo de 2007, conforme estava previsto no projeto inicial –, devido a
dificuldades na liberação do seu visto de entrada e permanência no país.
Com exceção da Fundação Catarinense de Educação Especial, as demais instituições
já vinham adotando estratégias relacionadas à Educação Condutiva, mas estavam
impossibilitadas de desenvolver um projeto integral neste sentido porque ainda não tinham
um condutor em seu quadro de profissionais e também, obviamente, por não dominarem os
pressupostos desta abordagem pedagógica-terapêutica.
Devido a este fato, cada instituição optou por um nome específico para o seu
atendimento: Educação Ativa (APAE de Itajaí), Educação e Movimento (APAE de Balneário
Camboriú), Educação Dinâmica (APAE de Camboriú), Educação pelo Movimento (APAE de
Florianópolis) e Educação e Motivação (FCEE).
4
Programa se refere à organização do atendimento, que é dividido em: programa deitado, programa sentado,
programa preparatório para em pé, programa em pé, programa individual e programa manipulativo, cada um
com objetivos bem específicos.
5
Evangelina Raquel Labastida Del Toro tem graduação em Comunicação Humana pela Universidade Autônoma
de Morelos (Cuernavaca/México) e Mestrado em Educação Condutiva pela Universidade Pública de
Navarra/Espanha, este organizado pela Fundação Universidade-Sociedade e realizado em conjunto pelo Instituto
Petö de Budapeste – Hungria (Petö András Institute for Conductive Education of the Motor Disabled and
Conductor’s College) e pelo Instituto Español de Educación Conductiva/Centro Neurorrehabilitador/Fundación
Aspace Navarra.
12
A Associação Beneficente Pássaros da Luz de Itajaí, por sua vez, desenvolveu a
Educação Condutiva, pois contou com a presença direta da condutora como líder do grupo,
passando este a ser chamado “grupo referência”. O espaço da Associação, denominado Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, serviu como local para estágios de
observação e prática.
A iniciativa da implantação das estratégias nas instituições foi decorrente da
participação de alguns profissionais da região do Vale do Itajaí em curso na Instituição Con
Nos/Otr@s, A.C. Desarrollando la Educación Conductiva en México (julho/2005)6 e cursos
intensivos oferecidos aos profissionais7 no Brasil. Pelo relato destes profissionais, a proposta
tem contribuído muito para o desenvolvimento8 dos alunos participantes dos programas. Em
âmbito estadual, surgiu um interesse entre os profissionais da Educação Especial de outras
instituições (até porque a Educação Condutiva foi divulgada no XXII Congresso Estadual das
APAEs, realizado em agosto de 2006 pela APAE de Balneário Camboriú e pela Federação
Estadual das APAEs de Santa Catarina), desencadeando solicitações de cursos e de estágios
nas instituições que desenvolvem a abordagem.
Neste sentido, antes de uma maior propagação pelo Estado, para se ter clareza dos
pressupostos, exigências e benefícios envolvidos, a Fundação Catarinense de Educação
Especial e o Instituto Guga Kuerten resolveram desenvolver esta pesquisa para avaliar as
contribuições da Educação Condutiva, analisando aspectos relativos à formação dos
profissionais e às implicações para implantação da proposta em outros centros especializados.
Assim, os resultados deste estudo também fornecem informações relevantes quanto à
viabilidade e aos possíveis desdobramentos do processo de estruturação da Educação
Condutiva como política estadual de atendimento especializado para pessoas com alterações
motoras, principalmente com paralisia cerebral.
6
Os seguintes profissionais participaram deste curso: Célia Diva Renck Hoefelmann (pesquisadora e autora
deste trabalho), Emília Mendes, Gracia Maria Nascimento Corrêa (coordenadora da Associação Beneficente
Pássaros da Luz), Mauricéa L. Machado (diretora da Escola Especial Vale da Esperança – APAE de Itajaí) e
Roberta N. Werner (funcionária da Associação Beneficente Pássaros da Luz).
7
O Instituto Guga Kuerten promoveu dois cursos de Educação Condutiva: em janeiro de 2006, contando com o
apoio da APAE de Itajaí e coordenado pela MSc. Gracia Maria Nascimento Corrêa; e em agosto 2006, com o
apoio da APAE de Florianópolis e coordenado pela MSc. Célia Diva Renck Hoefelmann. O condutor
responsável pelos dois cursos foi Irving Ortiz Ávila da Instituição Con Nos/Otr@s, A.C. Desarrollando la
Educación Conductiva en México. Participaram, destes cursos crianças, adolescentes e jovens com alterações
motoras e profissionais representantes das instituições.
8
Entende-se por desenvolvimento, nesta pesquisa, o processo de domínio, no sentido de maior independência
para estabelecer uma melhor relação com o mundo físico e social.
13
Para viabilizar a pesquisa, foram realizadas parcerias entre as seguintes instituições:
FCEE, Instituto Guga Kuerten, Secretaria Municipal de Educação de Itajaí, Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva e APAEs9 de Balneário Camboriú,
Camboriú, Itajaí e Florianópolis e houve um significativo investimento de recursos humanos e
financeiros, incluindo pagamento de serviços prestados pela condutora e por outros
profissionais, aquisição de equipamentos específicos para Educação Condutiva, passagens
áreas México-Brasil-México, além de despesas relativas ao deslocamento para as assessorias.
Como a avaliação não ficou desvinculada da formação contínua dos profissionais
envolvidos e das implicações desta na ação com os alunos participantes do programa, inclusive
porque é uma proposta que está sendo construída, a formação foi um dos focos principais.
Neste contexto, a pesquisadora assumiu papéis relevantes no sentido de auxiliar na
estruturação dos programas, colaborar com a implantação da proposta na FCEE, organizar e
coordenar a formação dos profissionais, assessorar e participar da avaliação dos programas. A
partir do segundo semestre, este trabalho foi qualificado com a presença da condutora, que
inicialmente deu prioridade à organização de seu grupo de atendimento (Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Condutiva) e depois passou a acompanhar a pesquisadora nas
assessorias nas demais instituições.
Cabe salientar que a Educação Especial reivindica práticas que contribuam de maneira
mais eficaz para a aprendizagem do aluno com paralisia cerebral. Este fato torna-se mais
relevante quanto este aluno tem histórico também de deficiência mental, que constitui critério
para matrícula na Escola Especial/APAE. Em muitas situações, há uma dificuldade muito
grande em estabelecer, entre o aluno e o profissional, uma forma de comunicação, que é
requisito fundamental para qualquer processo educacional. Este é um consenso entre a
maioria dos profissionais da Educação Especial e que, provavelmente, motivou o interesse
pela Educação Condutiva.
9
De forma indireta, também houve a parceria de outras instituições vinculadas às APAEs, como, por exemplo, o
município de Balneário Camboriú, que cede o fisioterapeuta e alguns professores para a Instituição, além de ter
auxiliado para a aquisição dos equipamentos Petö.
14
Importa ainda ressaltar que a Educação Condutiva é uma proposta direcionada para
alunos com qualquer alteração motora, entretanto, para fins desta pesquisa, foram
acompanhados os alunos com paralisia cerebral10, participantes dos programas.
Assim, para elucidar a temática “Educação Condutiva como possibilidade de
atendimento especializado para alunos com paralisia cerebral”, foram articuladas ações para
estruturar um projeto que fornecesse subsídios para responder as seguintes questões de
pesquisa:
a) Quais as contribuições da Educação Condutiva para o desenvolvimento de crianças e
adolescentes com paralisia cerebral em programas de atendimento especializado?
b) Quais as implicações na implantação da Educação Condutiva em outras instituições
especializadas como política de atendimento especializado?
c) A formação contínua oferecida aos profissionais envolvidos na proposta tem contribuído
para que eles desenvolvam práticas condizentes com os pressupostos da Educação
Condutiva?
A busca por respostas a estas questões indicou como objetivo geral da pesquisa:
avaliar as contribuições da Educação Condutiva para crianças e adolescentes com
paralisia cerebral em programas de atendimento especializado, vinculando-as à
formação contínua dos profissionais envolvidos e às possibilidades de implantação da
proposta em outras instituições especializadas no Estado de Santa Catarina.
Para a concretização deste objetivo, foram definidos como objetivos específicos:
a) Analisar os benefícios da Educação Condutiva para crianças e adolescentes com paralisia
cerebral durante e após a participação em programas estruturados durante o ano letivo de
2007.
b) Acompanhar os resultados de grupos de Educação Condutiva do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Condutiva, da FCEE e das APAEs de Balneário Camboriú,
10
A paralisia cerebral é o termo utilizado para definir um conjunto de distúrbios motores decorrentes de lesão no
cérebro durante os primeiros estágios de desenvolvimento humano. Pode ocorrer também alteração mental,
visual, auditiva, da linguagem e do comportamento. A lesão é estática: não muda e não se agrava, ou seja, o
quadro não é progressivo. No entanto, algumas características podem mudar com o tempo.
15
Camboriú, Itajaí, Florianópolis, todos com diferentes organizações de tempo e intensidade
e com variações no tocante à assessoria da condutora.
c) Subsidiar a formação dos profissionais no tocante à Educação Condutiva, articulando
teoria e prática.
d) Estudar a viabilidade de implantar a Educação Condutiva em outros centros educacionais
especializados do Estado de Santa Catarina, como política de atendimento a crianças e
adolescentes com paralisia cerebral.
Para responder às questões de pesquisa, a pesquisadora organizou este trabalho da
seguinte forma:
O segundo capítulo apresenta a fundamentação teórica sobre a Educação Condutiva,
sendo relevante, na medida em que se propõe a esclarecer ao leitor aspectos relacionados a
esta abordagem. Para escrever sobre a Educação Condutiva, a pesquisadora buscou suporte
em fontes bibliográficas especializadas, mas principalmente nas ações e falas da condutora
Raquel, uma vez que o aprendizado desta abordagem se efetiva, em grande parte, no
entrelaçamento da teoria e da prática.
O terceiro capítulo descreve o percurso metodológico da pesquisa, que foi
desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa e de uma metodologia que se apóia nos
fundamentos da avaliação de programa proposta por Saul (1999). Esta metodologia estabelece
três momentos de investigação: descrição da realidade, crítica da realidade e criação coletiva,
que muitas vezes se interpenetram ou se sobrepõem. Este capítulo também discorre sobre a
análise dos dados e foca especialmente na formação dos profissionais em relação à Educação
Condutiva.
O quarto capítulo discute as contribuições da Educação Condutiva para os alunos com
paralisa cerebral, principalmente a partir do grupo do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
da Educação Condutiva.
O último capítulo apresenta os resultados da pesquisa e os possíveis encaminhamentos
para dar continuidade ao trabalho de Educação Condutiva em Santa Catarina.
16
2 EDUCAÇÃO CONDUTIVA
A origem da Educação Condutiva remonta ao ano de 1945, em Budapeste (Hungria), e
foi desenvolvida pelo húngaro András Petö, que tinha conhecimentos de neurologia, ortopedia
e educação e que, insatisfeito com as práticas tradicionais aplicadas às pessoas com alterações
motoras, delineou um novo caminho a partir de um olhar educacional.
A abordagem se destina a pessoas com alterações motoras como a paralisia cerebral,
enfermidades degenerativas (Mal de Parkinson, escleroses múltiplas) e também para aquelas
que sofreram dano cerebral por acidente.
Petö (1893-1967) nasceu em Szombathely, Hungria, cidade situada na fronteira com a
Áustria e os Alpes. A condutora Raquel citou dois aspectos da vida pessoal de Petö que
sugerem motivos para a estruturação da Educação Condutiva: a referência de sua mãe, que era
professora e tinha uma vida muito organizada, e o fato de seu pai ter o Mal de Parkinson e ser
usuário de cadeira de rodas. Raquel valorizou estes fatos porque, segundo ela, “a Educação
Condutiva pede as coisas bem pontuais, sistemáticas, com estrutura organizada; este era o
perfil da mãe de Petö, e ele tinha conhecimento das dificuldades de quem tem uma seqüela
motora, como era o caso de seu pai”.
Em 1911, Petö estudou Medicina em Viena (Áustria), que era, na época, importante
centro intelectual europeu, e teve a oportunidade de conviver com Freud11 e Moreno12.
Naquela época, fez teatro improvisado com Moreno, o que, provavelmente, contribuiu para
alicerçar sua teoria sobre o trabalho em grupo.
Desenvolveu suas primeiras experiências profissionais em vários hospitais na Áustria.
Depois foi líder de várias clínicas e institutos austríacos de saúde. Nunca aceitou dinheiro de
seus pacientes e buscou financiamento com empresas. Inclusive, produzia um periódico e
vivia dos créditos de suas publicações sobre outros temas que não a Educação Condutiva. É
muito provável que também tenha escrito alguns artigos com pseudônimos para se proteger da
perseguição política empreendida pelos nazistas contra aqueles que, como Petö, tinham
origem judaica.
11
12
Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista judeu-austríaco foi o fundador da Psicanálise.
Jacob Levy Moreno (1889-1974) é o criador do Psicodrama.
17
Com a ditadura de Hitler, ele foi morar para Paris e ali começou a delinear sua teoria.
Em 1938, voltou a Budapeste e se refugiou em um sótão na casa de amigos. A filha do casal
que o acolheu tinha paralisia cerebral e Petö passava a maior parte de seu tempo trabalhando e
brincando com ela. Com o término da Segunda Guerra Mundial, começou a trabalhar com
crianças com paralisia cerebral, fazendo germinar a Educação Condutiva.
Em 1950 foi construído o primeiro Instituto de Educação Condutiva na Hungria,
vinculado ao Ministério da Saúde daquele país até o início dos anos 1960, quando a Educação
Condutiva passou a ser entendida como parte do sistema educacional e o Instituto passou
então à gerência do Ministério da Educação.
Petö se concentrou na formação de profissionais para trabalhar com crianças com
paralisa cerebral. Ensinou aos profissionais que há formas de educar uma pessoa com dano
cerebral, quando se encontram estratégias para a reabilitação e, a partir desta premissa, criou a
categoria profissional de condutor. Em 1965 foi aprovada oficialmente a formação específica
de condutor, ou seja, do profissional que se dedica a ensinar os alunos a mover o seu corpo.
Atualmente, esta formação tem duração de quatro anos e é considerada uma graduação.
Com a morte de András Petö em 19 de setembro de 1967, a doutora Maria Hári13, seus
colegas e estudantes deram continuidade ao trabalho por ele desenvolvido. Em 1970, o
Instituto abriu suas portas para o atendimento de crianças procedentes de outros países e em
1985 foi concluída a construção do segundo edifício, que é sede atual do Instituto Petö e serve
para atender e albergar pessoas com alterações motoras.
Com a queda da Cortina de Ferro14 em 1989, o governo húngaro criou a Fundação
Internacional András Petö com o objetivo de difundir a Educação Condutiva pelo mundo.
Nessa mesma década, Ester Cotton e Andrew Sutton15 fundaram uma escola de Educação
Condutiva em Birmingham, na Inglaterra, que no início atendia pessoas com seqüelas motoras
e atualmente funciona também como centro de formação de condutores. Salienta-se que esta
associação de atividades é necessária, já que o aprendizado da Educação Condutiva requer
prática e, neste sentido, torna-se fundamental a estruturação dos atendimentos. Foram as duas
instituições, a húngara e a inglesa, que promoveram a internacionalização da Educação
Condutiva.
13
Maria Hári trabalhou com Petö e deu continuidade ao seu trabalho, inclusive escrevendo artigos sobre
Educação Condutiva. Também foi diretora do Instituto Petö. Faleceu em 06 de outubro de 2001.
14
Cortina de Ferro é a expressão cunhada por Winston Churchill para descrever uma linha imaginária que
dividia o mundo entre o capitalismo e socialismo.
15
Andrew Sutton é atualmente o diretor da Escola de Educação Condutiva em Birmingham, Inglaterra.
18
Atualmente, há Centros de Educação Condutiva na Hungria, Inglaterra, Canadá,
Estados Unidos, Espanha, Israel, Alemanha, Japão, Austrália, Noruega, Nova Zelândia e
México. No Brasil, há iniciativas em São Paulo16 e nas Instituições participantes desta
pesquisa. Em Florianópolis, o “Projeto Educação Condutiva com Amor” iniciou o
atendimento a crianças com paralisia cerebral no início deste ano. Duas condutoras, uma
húngara e outra inglesa, conduzem os programas. Aliás, a idealizadora deste Projeto, Leticia
Búrigo Tomelin Kuerten, publica muitas informações sobre a Educação Condutiva em seu
blog17, o qual se constitui em uma importante fonte de referência para os profissionais e
familiares que buscam conhecer mais sobre a abordagem.
No contexto brasileiro, a literatura disponível – composta principalmente por textos
traduzidos de outros idiomas – já trazia informações superficiais sobre esta abordagem,
usando nomes como Educação Orientadora e Educação Guiada, mas sem chamar a atenção
dos leitores brasileiros.
O termo Educação Guiada, por exemplo, é apresentado brevemente por Shepherd
(1996), em um dos capítulos de seu livro “Fisioterapia em Pediatria”, o qual se destina a
apresentar resultados da eficácia dos diversos métodos de fisioterapia relacionados à
abordagem Petö.
De acordo com o trabalho publicado por Robsinson e Cols (1989),
aproximadamente 12% das crianças submetidas à educação guiada no
Instituto Petö de Budapeste, durante o período de 4 anos, de 1985 a 1988,
conseguiram atender escolas normais, após receberem alta do Instituto. Os
resultados preliminares de pesquisa realizada na Inglaterra, em 8 crianças
com PC, mostram que elas conseguiram algum progresso em relação à
independência dos movimentos, à fala e aos cuidados pessoais
(SHEPHERD, 1996, p. 125-126).
Em outro capítulo, este mesmo autor discute a deficiência mental e a fisioterapia,
fazendo o seguinte comentário:
A Educação Guiada, mantida pelo prazo de 22 meses, em pesquisa publicada
por Cottam e Sutton (1995), não se revelou mais eficaz que as aulas
convencionais em um grupo de crianças de mais de 4 anos que apresentavam
retardo mental profundo (SHEPHERD, 1996, p.171).
16
17
Para mais informações, acessar o site: http://www.grhau.com.br
Consultar o site: http://educacaocondutiva.blogspot.com
19
A discussão sobre a utilização da abordagem para pessoas com deficiência mental é
bastante polêmica e, por este motivo, carece de uma análise específica, o que será feito no
decorrer deste relatório.
Discorrer sobre a Educação Condutiva constitui uma tarefa árdua, pois se tem pouca
produção teórica sobre o tema na língua portuguesa. Conforme já mencionado anteriormente,
Petö não deixou material escrito sobre o método, cabendo a seus seguidores sistematizá-lo
teoricamente.
Geralmente, os textos traduzidos para o português simplificam a teoria e a apresentam
de maneira fragmentada e superficial, muitas vezes dando margem para o entendimento
equivocado de que se trata de uma abordagem muito simples. Mas, ao contrário, por ter um
enfoque multidisciplinar, a Educação Condutiva abrange uma diversidade de aspectos que se
relacionam, como se compusessem uma grande rede. E compreender toda esta complexidade
somente é possível articulando a teoria com a prática.
Estas constatações foram confirmadas pela condutora Raquel que, em um dos
encontros com os participantes da pesquisa, comentou que “sobre a Educação Condutiva não
há muitas coisas escritas; não se pode buscar em bibliotecas, como outra teoria; então, para
aprender, vocês precisam me questionar mais”. A pesquisadora seguiu este caminho, tentando
tecer um referencial teórico que fornecesse sustentação à prática, a partir das falas e ações da
condutora, sem desconsiderar as informações coletadas na literatura e as obtidas por
intermédio dos cursos de Educação Condutiva apoiados pelo Instituto Guga Kuerten.
A fim de evitar possíveis distorções teóricas, o produto final deste capítulo passou pelo
crivo da condutora Raquel e foram feitas as alterações sugeridas por ela. Mesmo assim, este
referencial não é considerado como algo pronto, acabado, mas ainda em um processo de
construção.
Garimpando também os materiais escritos, a pesquisadora teve acesso a um artigo
apresentado por Anita Tatlow em um congresso internacional realizado na cidade de
Jerusalém em outubro de 1997. A autora faz uma analogia entre a teoria de Vygotsky/Luria18
e a abordagem de Petö. Em trabalhos futuros seria interessante fazer a interlocução entre as
duas teorias.
Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934), psicólogo bielo-russo, e Alexander Romanovich Luria (1902-1977)
neuropsicólogo russo, desenvolveram um novo tipo de Psicologia, relacionando os processos psicológicos com
aspectos culturais, históricos e instrumentais, com ênfase no papel fundamental da linguagem.
20
Aliás, há um movimento tentando fazer aproximações da Educação Condutiva
também com a teoria da Modificabilidade Cognitiva de Reuven Feuerstein19. Para
exemplificar, pode-se citar Jo Lebeer (1995)20, que dá ênfase ao papel da mediação e
aproxima as duas abordagens. Andrew Sutton, por sua vez, divulga em seu blog a realização
de conferência internacional para a comemoração, em dezembro deste ano, do vigésimo
aniversário da Tsad Kadima21 – instituição israelense que trabalha com Educação Condutiva–,
colocando em evidência a presença de Feuerstein, convidado para participar e falar sobre
“como unir as duas teorias a fim de criar mais que a soma das partes22”.
Em um pequeno texto publicado no mesmo blog, Feuerstein relata que conheceu
Maria Hári e teve com ela uma longa discussão sobre a temática, afirmando que ficou
impressionado com a estreita afinidade entre a Educação Condutiva e a Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural.
Percebe-se que a busca por estabelecer relações teóricas da Educação Condutiva com
outras abordagens é uma questão muito atual e está apenas no seu começo. Possivelmente,
após o evento em Israel, novas discussões sobre esta questão se farão presentes nos contextos
de formação e estudo sobre a Educação Condutiva.
2.1 O papel da aprendizagem
A Educação Condutiva é uma pedagogia do movimento, baseada no fato de que o
cérebro, mesmo lesado, não cessa de aprender. Contrariamente à idéia de que os danos do
sistema nervoso central são irreversíveis, a Educação Condutiva defende que a aprendizagem
é possível quando se apresentam objetivos funcionais que respondem às necessidades reais e
que exigem do cérebro a busca de soluções, obviamente em condições ambientais e
psicológicas apropriadas a este processo.
19
Reuven Feuerstein nasceu na Romênia em 1921 e graduou-se em Psicologia. Trabalhou com crianças
provenientes dos campos de concentração do holocausto judeu. Desenvolveu a Teoria da Modificabilidade
Cognitiva em Israel.
20
Jo Lebeer faz parte do Departamento de Medicina Geral e é professor de Aperfeiçoamento de Aprendizagem,
da Universidade de Antwerp, Universiteitsplein (Bélgica) e publicou o artigo A Educação Condutiva e a Teoria
da Experiência Mediada de Feuerstein (1995).
21
Tsad Kadima é uma expressão hebraica que significa “um passo à frente” – nome sugestivo para uma
instituição que atende crianças, adolescentes e jovens adultos com paralisia cerebral e problemas neuromotores.
22
Fonte: <http://andrew-sutton.blogspot.com>. Este evento está previsto para o período de 07 a 10 de dezembro
de 2007.
21
Petö entende que as funções alteradas ou não desenvolvidas, graças à plasticidade
neuronal, podem se reestruturar e se reorganizar por meio da aprendizagem. A plasticidade
neuronal refere-se à capacidade do sistema nervoso de se readaptar e suprir funções alteradas.
E para que isto ocorra são estabelecidos programas de aprendizagem com finalidades
específicas e que se integram na rotina diária do sujeito.
Portanto, o objetivo maior da abordagem é desenvolver a funcionalidade motora de
forma ativa e conseguir a máxima independência do sujeito com paralisia cerebral, para que
este possa ter uma melhor relação com o mundo físico e social.
Uma vez que a Educação Condutiva preconiza que as alterações motoras podem ser
modificadas, mediante a aprendizagem ativa de estratégias a fim de conseguir soluções
funcionais para determinadas dificuldades, torna-se muito importante o papel da educação na
reabilitação do sujeito.
A Educação Condutiva incorpora todos os níveis de aprendizado: físico, emocional e
intelectual, em uma aprendizagem integral. As atividades são realizadas em grupo, levando
em conta que as relações sociais são vitais para desenvolver o sentimento de pertencer a uma
comunidade, como um sujeito ativo.
A abordagem não controla e estabiliza o quadro motor do aluno de forma passiva,
muito pelo contrário, busca sempre a funcionalidade ativa, ou seja, a “ortofunção” – termo
criado por Petö para designar a habilidade que o sujeito tem de atuar, de resolver problemas
para se tornar uma pessoa ativa. A Educação Condutiva consiste em estimular integralmente o
sujeito sobre a base de sua própria atividade e do seu entorno cotidiano, proporcionando a
conexão entre as ações realizadas por ele e o sentido destas ações.
Esta é a essência da Educação Condutiva, como pode ser percebido no conceito
proposto por Maria Hári (1988, p. 1): “Por definição teleológica23, é um sistema de educação
cujo propósito central é o restabelecimento ortofuncional de formas de desorganização das
funções humanas, em particular, das pessoas com disfunções motoras”.
Para Hári (1988), o restabelecimento ortofuncional significar a capacidade de trabalhar
e atingir um propósito, ser capaz de mostrar interesse em diversas coisas e ser produtivo,
mesmo quando existe uma lesão cerebral. A autora afirma que a Educação Condutiva se
23
Teleologia (do grego télos = fim) é o estudo das finalidades, metas e objetivos, tanto humanos quanto naturais,
enquanto elementos motivadores ou impulsionadores do comportamento evolutivo das consciências e das
transformações do universo.
22
baseia nas qualidades humanas24 e que elas existem ainda quando há um sério dano no
sistema nervoso. Tais qualidades se formam em interação com o contexto social, com o outro.
Tudo o que se compreende e aprende neste contexto não é cópia, mas uma construção nova. A
imagem recém-criada transforma a original e se converte em um todo coerente, uma entidade
completa na mente da pessoa.
A Educação Condutiva não entende a aprendizagem como cópia mecânica dos
movimentos. Ao contrário, preconiza a aprendizagem ativa consciente. É muito importante
que a pessoa que está aprendendo a fazer o movimento tenha uma clara percepção do que se
trata e abandonar a passividade, reconstruindo o conteúdo implícito de uma ação. Mas esta
reconstrução não finaliza com a soma dos fragmentos da ação, pois envolve também a
possibilidade de a pessoa antecipar a meta final da ação e, assim, manter-se motivada.
2.2 Elementos essenciais
Para desenvolver o processo de aprendizagem ativa consciente, a Educação Condutiva
reúne cinco elementos principais: o condutor, o programa, a série de tarefas, a intenção
rítmica e o grupo, a seguir descritos separadamente.
2.2.1 O condutor
O condutor é o profissional formado em Educação Condutiva. A formação é em nível
universitário com a duração de quatro anos e pode ser realizada na Hungria ou na Inglaterra.
Também há a alternativa de pós-graduação (dois anos), como no caso da condutora que
assessora este projeto de pesquisa. Esta formação é multidisciplinar, englobando conteúdos de
diversas áreas como fisiologia, psicologia, pedagogia, neurologia, fonoaudiologia e música,
entre outras.
24
Como a autora fala que estas qualidades humanas diferem em essência das qualidades dos animais, citando a
linguagem, a pesquisadora acredita que ela esteja se referindo às funções mentais.
23
O condutor cria as condições adequadas para a aprendizagem. É o profissional
responsável pela elaboração e execução dos programas que, mesmo que sejam desenvolvidos
em grupo, devem contemplar as necessidades individuais dos alunos. Ele deve possibilitar, ao
aluno, condições de resolver com êxito e esforço suas tarefas, dando segurança e um sentido
para as ações que este vai empreender.
A observação pedagógica25, segundo a condutora Raquel, é muito valorizada e
necessária na Educação Condutiva, pois permite ao condutor conhecer de forma global cada
aluno e também o grupo para desenvolver o processo educativo. Há três tipos de observação:
a observação operativa, que envolve o ensino e as formas de facilitação; a observação
progressiva, centrada no processo de desenvolvimento do aluno (quando este domina um
movimento, aumenta-se a complexidade); e observação comparativa, que fornece subsídios
para formar os grupos e agrupamentos de alunos (no caso de estarem no mesmo grupo).
2.2.2 O programa
Uma meta fundamental da Educação Condutiva é ensinar a viver de maneira normal26.
Para isso, o programa incorpora todas as atividades diárias (de acordo com a idade
cronológica) baseadas no ritmo do cotidiano. Para o aluno com paralisia cerebral, é
importante um programa estruturado e real.
Cada dia de atendimento corresponde a um programa realizado por partes que se
conciliam a um objetivo geral. Em outras palavras, trata-se de uma série de tarefas articuladas
para dar sentido ao mesmo programa.
O grande desafio é criar um contexto, o mais próximo da vida da pessoa, no qual toda
a ação tenha um sentido. Sobre esta questão, Hári (1988, p. 08) assevera:
O programa de resolver problemas só funcionará dentro de um contexto, o
contexto de vida diária de uma pessoa. Cada parte do dia fará referência ao
resto do dia, terá influência no todo, modificará outras partes e será
igualmente modificada por elas.
25
26
É uma estratégia usada para a percepção consciente, a partir de critérios bem definidos.
O termo “normal” se refere à vida cotidiana.
24
Para a autora, o programa é amplo e articulado e deve ser vigiado constantemente para
que se mantenha o mais próximo da realidade cotidiana do aluno, caso contrário, corre o risco
de se converter em exercícios áridos, dissociados da complexidade humana. O programa, ou
seja, a rotina de trabalho contém todos os elementos variados que contribuem ao que se
entende por “vida normal”. As atividades funcionais incorporadas em um programa são os
meios, o veículo para manter o fluxo, o ritmo e o propósito do aluno de se movimentar de
forma ativa, educativa e independente.
A rotina de trabalho se divide em diferentes programas: programa deitado; programa
sentado; programa preparatório para em pé; programa em pé; programa manipulativo e
programa individual. Cada um tem características e qualidades específicas e bem definidas
que permitem o desenvolvimento dos alunos.
O programa deitado permite ao aluno aprender todos os movimentos e transferências
que levam a uma independência motriz na postura deitado. Facilita manter a simetria do eixo
postural em decúbito supino-prono. É uma postura fácil para realizar movimentos ativos com
as extremidades superiores e inferiores.
O programa sentado ensina a manter uma postura sentada e desenvolver tarefas de
controle cefálico, axial (cabeça, tronco), estimulando também tarefas de coordenação,
manipulação, equilíbrio, movimentos ativos com as extremidades superiores e inferiores.
O programa preparatório para em pé investe em todas as tarefas que preparam o
aluno para a postura de pé e futura marcha, como deslocamentos no solo, arrasto frontal ou
fisiológico, giro contínuo e transferências (mudanças de postura).
O programa manipulativo tem como foco o desenvolvimento da motricidade fina e do
contato viso-manual e também ajuda o aluno a ter uma autonomia nas atividades de vida
diária (comer, pentear os cabelos, escovar os dentes...). Convém considerar a importância do
desenvolvimento da funcionalidade das mãos, pois estas permitem uma maior independência.
O programa individual investe nas necessidades específicas de cada aluno, buscando
valorizar a sua ortofuncionalidade.
No início de cada programa, o condutor estabelece um objetivo para cada aluno e, ao
final, o aluno é avaliado e também realiza a sua auto-avaliação.
25
2.2.3 A série de tarefas
A série de tarefas é parte estruturada do programa diário, uma ferramenta para o
movimento e não uma seqüência de exercícios. Importa ressaltar que para a Educação
Condutiva há uma grande diferença entre exercício e tarefa.
Exercícios físicos são movimentos que servem para habilitar um músculo. São
movimentos perfeitos, tanto dinâmicos como lentos. Já as tarefas são pequenos movimentos
naturais que juntos constroem um movimento completo, de forma algorítmica.
A característica da tarefa é que o aluno a realiza para alcançar um objetivo. Um grande
movimento, por exemplo, pegar um objeto que está sobre a mesa, é “quebrado” e feito por
etapas, como se fosse em câmera lenta, e dirigido mediante a intenção rítmica: esticar o braço
à frente, abrir a mão, pegar o objeto, fechar a mão, olhar para o objeto, entregar o objeto
para o condutor. Neste momento, o condutor ensina o aluno a fazer cada tarefa, estimulando
o movimento ativo e dando somente a ajuda necessária (facilitação).
O grande objetivo da tarefa é buscar a funcionalidade do aluno. Neste momento,
evidencia-se o aspecto pedagógico, ou seja, o ensinar a fazer o movimento. Primeiro o aluno
vive a experiência do movimento completo, com todas as ajudas necessárias, depois aprende a
fazer cada parte (tarefa) deste grande movimento e as ajudas vão sendo diminuídas assim que
o aluno começar a fazer o movimento. Quando o aluno consegue fazer uma vez sozinho, é
indício de que poderá fazer outras vezes. As tarefas precisam ser repetidas para se alcançar os
objetivos e devem se tornar sempre mais complexas. É importante aplicar o que já foi
aprendido, para que aquilo que, em princípio, era pensamento, possa ir se automatizando.
Quando o aluno apresentar uma boa funcionalidade motriz, não precisará mais realizar a
mesma seqüência, pois já estará dominando o movimento completo.
26
2.2.4 Intenção rítmica
A intenção rítmica é a forma pela qual o aluno, a partir da linguagem do outro
(condutor ou facilitador), elabora seu discurso interior27 e, então, expressa uma intenção
seguida pelo movimento, que se realiza ritmicamente.
O uso da fala do outro e do discurso interior facilita a expressão motora, regula o ato
motor, centra a atenção no movimento, levando o aluno a controlar a velocidade e o ritmo do
movimento. Com a intenção rítmica, o aluno aprende a fazer movimentos novos de maneira
consciente.
Segunda Raquel, muitas vezes o aluno com paralisia cerebral tem uma falsa imagem
do movimento, assim, a intenção rítmica ajuda a formar a imagem correta. Afirmar, cantar ou
contar (depende da idade do aluno) para realizar os movimentos auxilia para que a atividade
seja consciente, porque define o que o aluno precisa fazer. Exemplo: Estico meu braço à
frente, o estico, o estico, o estico...; ou Estou sentado reto, reto, reto.... O condutor, ao
formular sempre a meta na primeira pessoa, conduz o aluno a percebê-la como se fosse seu
próprio desejo. Também ao falar, contar ou cantar, o condutor dá tempo para o aluno realizar
sua tarefa. Enfatiza-se a importância da motivação neste processo, considerando que ela é a
base para uma atividade verdadeira, a força que impulsiona a pessoa a atingir um objetivo.
Esta motivação inicialmente é externa, vem do outro, para depois o aluno incorporá-la e
transformá-la em uma vontade sua.
2.2.5 O grupo
O grupo é a unidade básica do trabalho e deve ser formado considerando a faixa etária
aproximada dos alunos. Estes não aprendem somente com o condutor, mas com todas as
pessoas que integram o grupo.
As relações grupais são vitais para desenvolver o sentimento de pertencer a uma
comunidade e para se alcançar sucesso. É importante que cada um tenha um papel ativo e se
sinta importante no grupo, de forma a estabelecer uma atmosfera de valorização e
27
Em relação à linguagem, observa-se uma grande identificação como os pressupostos de Vygotsky.
27
reconhecimento mútuo. Entretanto, cada um tem seus objetivos e passa a assumir a
responsabilidade por si mesmo.
2.3 Princípios básicos da educação condutiva
A Educação Condutiva tem três princípios fundamentais: a facilitação, a intenção
rítmica e a rotina.
A facilitação (manual, verbal, social, instrumental e uso do princípio da gravidade)
compreende todos os fatores que ajudam o aluno a atingir um objetivo. Ela aparece em todas
as atividades com o aluno e tem um sentido pedagógico amplo. O termo “facilitação” –
entendido como o processo de se conduzir um grupo na aprendizagem ou na mudança, de
forma a incentivar todos os membros a participar – teve seu significado redimensionado com
a “facilitação condutiva” de Petö. Por esta abordagem, as facilitações se dividem em:
•
Facilitação pedagógica: envolve a personalidade do condutor, o papel do grupo, a
motivação e a prevenção de soluções inadequadas.
•
Facilitação neurofisiológica: movimentos das extremidades superiores ajudam as
extremidades inferiores e produzem um efeito sucessivo; isto significa seguir uma
seqüência natural de movimentos corretos.
•
Facilitações mecânicas: unidade da tríplice flexão, ou seja, flexionar tornozelo, joelho e
quadril ajudam a controlar a espasticidade28 e assim permitem com mais facilidade a
realização de movimentos com as extremidades superiores.
•
Gravidade: usada como meio de facilitação que permite a relaxação das extremidades. O
princípio da gravidade contribui para a quebra de padrão (isto é, tônus muscular
aumentado), principalmente do aluno espástico. Um exemplo desta forma de facilitação é
inclinar bem a cadeira para acomodar o aluno, quando este entra em padrão e fica difícil
A espasticidade é uma alteração do tônus muscular (a quantidade de tensão ou resistência ao movimento em
um músculo) que compromete a movimentação. A condição chamada de paralisia cerebral espástica ocorre
quando a lesão está localizada na área responsável pelo início dos movimentos voluntários (trato piramidal),
então, o tônus muscular é aumentado, isto é, os músculos são tensos e os reflexos tendinosos são exacerbados.
Mais informações no site: http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm.
28
sentá-lo. A posição inclinada faz com que o corpo relaxe rapidamente, sem que seja
necessário muito esforço, por parte tanto do aluno quanto do condutor.
Como a preocupação da Educação Condutiva é que o aluno aprenda a fazer o
movimento, a facilitação manual deve ser de acordo com a necessidade do aluno, buscando
sempre a intencionalidade que se apóia na intenção rítmica. Caso o aluno não consiga fazer de
maneira independente, aí entra a facilitação manual. O condutor deve buscar o equilíbrio entre
todas as formas de facilitação e o movimento ativo.
Outra forma de facilitação é o uso de instrumentos. Os móveis e equipamentos, como
as cadeiras mostradas na figura 1, foram desenvolvidos para atender a muitas funções.
Figura 1 – Cadeiras do mobiliário Petö
Fonte: Instituição
Con
Nos/Otr@s,
A.C.
Desarrollando la Educación Conductiva en México
Em um primeiro momento, os equipamentos chegam a chocar o observador leigo, pois
parecem um tanto “primitivos”. Entretanto, acompanhando a prática, a sua funcionalidade
surpreende.
Segundo a condutora Raquel, se os móveis fossem mais confortáveis, proporcionariam
relaxamento e o que se pretende é justamente o contrário, ou seja, o movimento ativo. O
equipamento chama para a atividade (ver figura 2, a seguir). Obviamente, coloca-se proteção
para evitar que o aluno se machuque.
29
Figura 2 – Peças do mobiliário Petö
Fonte: Instituição Con Nos/Otr@s, A.C. Desarrollando la Educación
Conductiva en México
Outro fator importante é que a Educação Condutiva tem como objetivo a
independência do aluno, portanto, quanto mais ele usar os equipamentos, maiores serão as
possibilidades de atingir este objetivo, pois vai precisar menos da ajuda de outra pessoa. Usar
os materiais é uma atividade mais complexa e possibilita maior independência,
comparativamente à facilitação manual. As características específicas dos móveis permitem
isto. Por exemplo, uma cadeira Petö pode servir também como um apoio para andar.
Entretanto, dependendo das características dos alunos, é preciso pensar na alternativa de usar
alguns materiais, como, por exemplo, a mesa Petö.
O princípio da intenção rítmica, por sua vez, tem como meta estabelecer diferentes
ritmos conforme o tipo de paralisia cerebral:
•
Um aluno com quadro de espasticidade, dependendo de sua funcionalidade, pode precisar
até de cinco tempos para fazer o movimento: Estico meu braço à frente, o estico, o estico,
o estico ou Estico meu braço à frente, um, dois, três, quatro e cinco.
•
Para o aluno com quadro discinético29, o movimento deve ser em um tempo e manter a
posição dois, três, quatro e cinco; isto porque ele tem o movimento, mas não há qualidade
neste movimento. O mesmo ritmo serve também para casos de quadros atáxicos30.
29
Esta forma menos comum (aproximadamente 20%) de paralisia cerebral é caracterizada por movimentos
involuntários da face, tronco e membros que freqüentemente interferem com a fala e a alimentação. Os sintomas
30
•
O aluno com hipotonia31 precisa de um movimento mais dinâmico e com impacto,
entretanto, com poucas repetições para evitar sobrecarga nas articulações. Não se deve
deixar de buscar a intenção do movimento.
A complexidade da Educação Condutiva é estabelecer os ritmos para os alunos, sem
perder a referência do grupo, principalmente quando estes têm quadros diferentes – por
exemplo, o aluno espástico vai ter um ritmo e o discinético outro – e estão em um mesmo
grupo.
Outro princípio importante é o da rotina, que se relaciona com o programa de um dia
de Educação Condutiva, o qual é dividido em programas menores: programa deitado;
programa sentado; programa preparatório para em pé; programa em pé; programa
manipulativo e programa individual, cujas características e qualidades já foram descritas
anteriormente.
podem piorar em situações de tensão emocional e podem ir embora durante o sono. Os movimentos podem ser
rápidos e aos trancos (coréia) ou serem distorcidos (atetose) ou ainda, podem envolver a permanência em uma
posição anormal (distonia). Fonte: http://www.policlin.com.br/drpoli/130/.
30
A paralisia cerebral atáxica está relacionada com lesões cerebelares ou das vias cerebelares. Como a função
principal do cerebelo é controlar o equilíbrio e coordenar os movimentos, o aluno com lesão cerebelar apresenta
ataxia, ou seja, marcha cambaleante por causa da deficiência de equilíbrio, e apresenta, ainda, incoordenação dos
movimentos com incapacidade para realizar movimentos alternados rápidos e dificuldade para atingir um alvo.
Fonte: http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm.
31
A hipotonia é uma condição na qual o tônus muscular está anormalmente baixo, geralmente envolvendo
redução da força muscular.
31
3 PERCURSO METODOLÓGICO
A educação de alunos com paralisia cerebral, principalmente com histórico de
deficiência mental associada, sempre foi um desafio para muitos profissionais da Educação
Especial. Há um consenso entre os profissionais das instituições participantes desta pesquisa
quanto às dificuldades em oferecer mais qualidade no atendimento a estes alunos. Em muitos
casos, até mesmo a comunicação, entendida como a base para qualquer processo educacional,
é ineficaz – aqui estão envolvidas as dificuldades do aluno e, principalmente, aquelas
encontradas pelos profissionais na busca de estratégias adequadas.
Os fisioterapeutas (e também outros profissionais da saúde), por sua vez,
desenvolviam atendimentos em sessões de quarenta minutos de uma a duas vezes por semana,
conforme o caso. Muitas vezes, estes atendimentos serviam mais para manter a postura do
aluno e para evitar deformidades do que para possibilitar a melhora do quadro.
É importante frisar que o atendimento fisioterápico é muito importante, e não se
pretende negar o seu papel, mas sim discutir a Educação Condutiva, cujo foco principal é
ensinar os alunos a fazer o movimento.
No cotidiano das instituições, a proposta de trabalho voltada para estes alunos
geralmente era fragmentada e não havia uma troca efetiva de experiências e conhecimentos
entre os profissionais de diferentes áreas para qualificar o atendimento. Neste contexto, a
Educação Condutiva surgiu como algo distante, desconhecido, mas que causou interesse porque
veio com a proposta, ainda obscura, de superar este dilema. Instigava saber o como fazer.
A divulgação da abordagem começou após a participação dos cinco profissionais,
inclusive a pesquisadora, no Curso Teórico-Prático de Educação Condutiva realizado no
México em 2005. Como coordenadora da Escola Especial Tempo Feliz (APAE de Balneário
Camboriú) e com o apoio da direção e dos profissionais, em poucos dias, a pesquisadora
iniciou atendimento na instituição, usando algumas das estratégias da Educação Condutiva. A
diretora da Escola Especial Vale da Esperança (APAE de Itajaí), também participante do
curso, fez o mesmo.
O interesse dos profissionais envolvidos pela abordagem aumentava, pois eles
começavam a perceber que esta forma de trabalho, que alia educação e reabilitação, pode
32
preencher as lacunas, já mencionadas anteriormente, em relação ao trabalho dos alunos com
paralisia cerebral (e outras alterações motoras).
Assim, a partir desta percepção, foi desenvolvido o I Curso de Educação Condutiva
em janeiro e fevereiro de 2006 na APAE de Itajaí, com apoio do Instituto Guga Kuerten. Sob
coordenação da professora MSc. Gracia Maria Nascimento Corrêa, o curso foi ministrado por
Irving Ortiz Ávila da Instituição Con Nos/Otr@s, A.C. Desarrollando la Educación
Conductiva en México.
Esta atividade possibilitou a participação de alunos com paralisia cerebral em curso
intensivo de Educação Condutiva e oportunizou conhecimentos sobre a abordagem para
profissionais de instituições especializadas. Assim, foi adotada uma dinâmica que aliou teoria
e prática, numa associação indispensável para a compreensão da proposta.
Em agosto do mesmo ano, atendendo a novas solicitações dos profissionais, o Instituto
Guga Kuerten promoveu o II Curso de Educação Condutiva na APAE de Florianópolis,
também ministrado por Irving Ortiz Ávila e coordenado pela pesquisadora. Participaram deste
curso dois grupos de alunos (um de crianças e outro de adolescentes) e também os
profissionais da grande Florianópolis.
Durante os dois cursos, os profissionais que haviam participado de curso anterior
atuavam como facilitadores e, assim, aprimoravam seus conhecimentos, ao mesmo tempo em
que auxiliavam o condutor.
Em decorrência dos cursos e do trabalho desenvolvido nas instituições (nesse
momento também com iniciativas da Educação Condutiva nas APAEs de Camboriú e
Florianópolis), alguns resultados do uso das estratégias da abordagem começaram a ser
divulgados, o que aumentou o interesse de várias instituições especializadas do Estado sobre a
Educação Condutiva.
Diante desse panorama, a FCEE e as instituições que vinham adotando a abordagem
passaram a discutir a importância de realizar uma pesquisa para avaliar a contribuição da
Educação Condutiva no atendimento a alunos com paralisia cerebral, a relevância da
formação contínua dos profissionais e a viabilidade de expandir a proposta para mais
instituições especializadas no Estado de Santa Catarina.
Nesse momento, a pesquisadora assumiu a responsabilidade pelo Projeto e delineou os
encaminhamentos. Os objetivos começaram a ser definidos e era preciso buscar um caminho
para concretizá-los – tarefa que se constituiu num desafio em função da multiplicidade de
33
fatores envolvidos. Após refletir sobre as possibilidades de encaminhando do estudo, a
pesquisadora optou pela abordagem qualitativa, por entender que ela “exige que o mundo seja
examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista
que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49). Nesta perspectiva, o pesquisador freqüenta os locais de
estudo porque se preocupa com o contexto, pois considera que as ações podem ter uma
compreensão melhor quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência.
Para o percurso metodológico foi escolhido o paradigma da avaliação emancipatória
proposto por Saul (1999), que se caracteriza como um processo que envolve a descrição,
análise e crítica da realidade, visando transformá-la, cujo compromisso principal é permitir
que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas com o projeto escrevam a sua própria
história e gerem as próprias alternativas de ação.
Nesse contexto, a pesquisadora assumiu os papéis de coordenadora dos trabalhos
avaliativos e orientadora dessas ações, com a função de promover situações e/ou propor
tarefas que favorecessem o diálogo, a discussão, a busca de informações e a análise crítica
sobre o funcionamento real do projeto. Sua ação seguinte foi a de estimular a iniciativa do
grupo na reformulação e condução dos trabalhos.
Cabe salientar que, segundo Saul (1999), a avaliação emancipatória tem dois objetivos
básicos:
1. Iluminar o caminho da transformação: esta avaliação está comprometida com o futuro,
com o que se pretende transformar, a partir do autoconhecimento crítico do concreto, do
real, que possibilita a clarificação de alternativas para a revisão desse real.
2. Beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas: busca-se a
emancipação, acreditando que o homem, através da consciência crítica, imprima uma
direção às suas ações nos contextos em que se situa, de acordo com valores que elege e
com os quais se compromete no decurso de sua historicidade.
Apoiada nos princípios da pesquisa participante, a autora estabeleceu, como
pressupostos metodológicos para esta abordagem, o antidogmatismo, a autenticidade e o
compromisso, a restituição sistemática, o ritmo e o equilíbrio da ação-reflexão.
34
O antidogmatismo consiste em evitar, na pesquisa, o uso de idéias preestabelecidas ou
princípios ideológicos. A autenticidade e o compromisso implicam que o pesquisador
demonstre honestamente o seu compromisso, contribuindo com a causa em questão. Já a
restituição sistemática consiste no retorno de informação aos grupos de base, de forma
sistemática e organizada.
O princípio do ritmo e equilíbrio de ação-reflexão propõe que se mantenha uma
sincronização permanente de reflexão e ação no trabalho de campo, como um ato de
pensamento intelectual. O conhecimento é recebido e processado na base; a informação é
sintetizada em primeiro nível e a reflexão se dá em um nível mais geral e válido. Em seguida,
os dados são restituídos às bases, de uma forma mais consistente e ordenada, e estudam-se as
conseqüências desta restituição, em um processo contínuo.
Ainda de acordo com Saul (1999), esta forma de avaliação elege como conceitos
básicos: a emancipação, a decisão democrática, a transformação e crítica educativa, sendo que
o primeiro prevê que a consciência crítica da situação e a proposição de alternativa de solução
para a mesma constituam elementos de luta transformadora para todos os envolvidos.
A decisão democrática exige que haja um envolvimento responsável e compartilhado
dos sujeitos participantes na tomada de decisão, tanto no delineamento da proposta avaliativa
quanto nos rumos do programa educacional. A transformação, por sua vez, faz referência às
alterações substanciais, geradas pelas pessoas envolvidas, com base na análise crítica do
processo e nos compromissos sociais e políticos assumidos pelo grupo.
A crítica educativa propõe uma análise valorativa do programa educacional na
perspectiva de cada um dos participantes. Foca a dimensão do processo, mas sem
desconsiderar os produtos. A crítica visa à reorganização do programa educacional.
Estes conceitos delinearam o percurso da pesquisa, desenvolvida em três momentos: a
descrição da realidade, a crítica da realidade e a criação coletiva. Ressalta-se que essas
etapas não aconteceram de forma estanque; muito pelo contrário, por vezes elas se
imbricaram fortemente, constituindo-se em partes de um mesmo e articulado movimento.
Em consonância com a abordagem qualitativa, esses momentos se materializaram por
métodos dialógicos e participantes, predominando a observação participante, o uso de
entrevistas, filmagens e análise documental.
A pesquisadora realizou a observação participante durante todo o processo, no período
de fevereiro a dezembro de 2007. As observações foram organizadas em relatório e
35
compuseram material para análise dos dados. Buscou-se sempre um olhar dinâmico, ou seja,
ver, na ação com o aluno, os resultados da formação do profissional e perceber, na dificuldade
durante a atuação com o aluno, a motivação para a sua aprendizagem.
Foram feitas filmagens para registrar episódios que evidenciassem o desempenho dos
alunos e, concomitantemente, a atuação dos profissionais. Ao todo, foram mais de trinta horas
de vídeo, incluindo o acompanhamento de programas realizados antes da assessoria da
condutora e de atividades desenvolvidas no decorrer e ao final do Projeto.
Em fase da finalização do Projeto, também foram realizadas entrevistas, com os
fisioterapeutas responsáveis pelos programas e também com os professores (um representante
de cada instituição), que auxiliaram na triangulação dos dados. Os programas elaborados e os
registros da condutora sobre os grupos também foram usados como fonte de informações.
A análise dos dados se deu a partir da análise de conteúdo que, segundo Bardin
(2000), é um conjunto de técnicas de análise das comunicações para obter indicadores que
permitam identificar as condições de produção/recepção do conteúdo das mensagens.
Esta análise foi sendo realizada no decorrer dos acontecimentos e cada nova ação foi
desencadeada a partir dela. Cada movimento direcionava as próximas ações da pesquisadora
e, em grande parte, também da condutora, bem como de todos os profissionais envolvidos.
Retomando a discussão anterior, em relação aos três momentos que configuraram a
pesquisa, eles foram assim constituídos:
•
A descrição da realidade envolveu discussão sobre os programas realizados nas
instituições ao início do Projeto.
•
A crítica da realidade se caracterizou por um recuo crítico do grupo, que passou a
assumir a crítica de sua própria ação, por meio da reflexão sobre a sua prática. Esse recuo
crítico se efetivou a partir da tomada de consciência, pelos grupos, das distâncias entre as
propostas e as ações dos programas, pelos obstáculos existentes e pelas contradições entre
as pessoas que constituem os grupos.
•
A criação coletiva focou o delineamento de alterações sugeridas pelos próprios grupos.
Cada um desses momentos será discutido separadamente a seguir, mas, como já foi
dito, em muitas ocasiões eles se inter-relacionaram.
36
3.1 Descrição da realidade
Ao iniciar este Projeto, em fevereiro de 2007, as APAEs de Balneário Camboriú,
Camboriú, Itajaí e Florianópolis já vinham desenvolvendo estratégias da Educação Condutiva
em programas estruturados, ainda que com diferentes formas de organização quanto ao
tempo, periodicidade e número de alunos atendidos, como mostrado no quadro 01.
Nº de grupos
Carga horária
Periodicidade
semanal
Baln. Camboriú
04
04 horas
02 vezes
Camboriú
04
04 horas
02 vezes
Itajaí
04
02 horas
05 vezes
Florianópolis
02
01h30min
02 vezes
APAE
Quadro 01 – Constituição dos grupos das APAEs
Fonte: Organizado pela pesquisadora
Segundo relatos dos profissionais destas instituições, os programas desenvolvidos
apresentavam uma diferença qualitativa em relação aos atendimentos anteriores, que eram
realizados por sessão (atendimento clínico/fisioterápico) e na sala de aula (atendimento
pedagógico). Havia um consenso de que esta dinâmica de trabalho, aliando educação e
reabilitação, trazia muitos benefícios para crianças e adolescentes com alterações motoras.
Junto a estes grupos, a pesquisadora se fez presente, observando os programas e dando
algumas sugestões em termos gerais, pois os fisioterapeutas (com exceção de um) já haviam
participado de cursos sobre a Educação Condutiva e não tinham muitas dúvidas sobre o
trabalho que estavam desenvolvendo. O fisioterapeuta que não tinha participado dos cursos,
mas havia recebido algumas informações, desenvolvia um trabalho voltado para a área motora
em grupo, ainda sem relação com a Educação Condutiva32. Neste caso, a pesquisadora sugeriu
que ele observasse o trabalho de um grupo de outra instituição para que pudesse compreender
melhor a abordagem. Depois desta observação e de orientações mais específicas, inclusive de
profissionais da instituição, bem como de leituras, seu trabalho foi incorporando algumas
estratégias da Educação Condutiva.
32
Este é um fato que pode ocorrer se instituições especializadas começarem a usar a abordagem sem o
conhecimento da essência da Educação Condutiva.
37
A APAE de Florianópolis teve dificuldade em aumentar o tempo dos programas e o
número de alunos nos dois grupos, devido ao pouco tempo disponível dos fisioterapeutas. A
pesquisadora insistiu neste aspecto e a direção prometeu rever a situação para o segundo
semestre.
Durante os meses iniciais, a pesquisadora percebeu que não houve grandes
dificuldades nas APAEs em relação ao andamento dos programas; apenas algumas
informações foram necessárias. Entretanto, após alguns meses, com a mudança de
programas33, muitas dúvidas começaram a aparecer. Então, a pesquisadora articulou
momentos de observação, pelos profissionais, dos programas realizados nas outras
instituições participantes, para que pudessem aprender com outros grupos e mesmo fazer uma
análise crítica do seu trabalho e dos demais grupos.
A estratégia da pesquisadora teve resultados positivos, pois os profissionais fizeram uma
autocrítica, aprenderam novas estratégias e também observaram situações com as quais não
concordavam. Enfim, eles perceberam aspectos positivos e negativos em seus programas e nos
programas das outras instituições, o que contribuiu para qualificar o próprio atendimento.
A pesquisadora também escolheu três textos sobre a Educação Condutiva, os
encaminhou para a tradução e disponibilizou para todas as instituições, como recurso para
estudo em seus grupos.
Em relação à FCEE, o atendimento estava previsto para começar quando a condutora
fosse iniciar a assessoria, visto que nenhum dos profissionais do grupo havia realizado cursos
de Educação Condutiva.
Assim, os profissionais da FCEE constituíram um grupo de alunos para participar do
Projeto e, enquanto aguardavam a vinda da condutora, participavam de outras formas de
atendimento. A pesquisadora se preocupou com o perfil dos alunos ao verificar que eles
tinham sérios comprometimentos (deformidades ósseas, luxações de quadril, dificuldades para
respirar...) e poderiam ter prejuízos com o trabalho intensivo previsto na Educação Condutiva.
Para não tomar nenhuma atitude inadequada, a pesquisadora solicitou a um dos
fisioterapeutas (condutor)34 que avaliasse os alunos e a sua posição foi a mesma da
33
Na Educação Condutiva, o mesmo programa é realizado durante um campo (período de aproximadamente
quatro semanas). Nas APAEs, houve uma substituição dos programas a partir do mês de maio.
34
O termo “condutor” não poderia ser usado pelo fisioterapeuta, por este não ter a formação em Educação
Condutiva, mas, em alguns momentos, é usado em situações práticas para designar o líder do programa. Existe a
clareza sobre esta distinção entre os profissionais envolvidos.
38
pesquisadora, ou seja, de que poderiam ter melhores benefícios no atendimento individual,
por uma questão de saúde. Então, foi solicitado à Instituição que reorganizasse o grupo,
substituindo os alunos.
Durante esse período, a pesquisadora viabilizou momentos de estágio para os
profissionais da FCEE em outras instituições. E, ao final do mês de maio, o grupo foi
reorganizado e passaram a fazer parte alunos sem problemas de saúde, mas com um quadro de
deficiência mental acentuada. Depois, com o atraso da vinda da condutora, optou-se por
iniciar o trabalho e a pesquisadora auxiliou a implantar o atendimento.
Também nesse período, os profissionais de todas as instituições envolvidas realizaram
reuniões com os pais e responsáveis para explicar sobre o Projeto, pedir autorização para o (a)
filho(a) participar e também assinar um termo de compromisso. A pesquisadora participou da
maioria desses encontros.
Nas reuniões, evidenciou-se que a família também busca novas possibilidades para os
filhos e que a proteção excessiva (o inverso também ocorre) interfere negativamente no
desenvolvimento deles. Sabe-se que as instituições orientam as famílias, mas também é
consenso que, em muitos casos, as orientações não produzem as alterações qualitativas
desejadas.
Na seqüência, foram acompanhados atendimentos fisioterápicos individuais com alunos
com paralisia cerebral na APAE de Porto Belo, sendo que nem esses, nem o fisioterapeuta
haviam tido contato com a Educação Condutiva. Este acompanhamento ocorreu somente em
dois momentos e teve como propósito elucidar questões sobre o atendimento ali prestado.
Confirmou-se que o modo como ele ocorre é muito similar ao de outros centros especializados,
ou seja, de um a dois atendimentos semanais, em sessões de quarenta e cinco minutos cada. Em
relação ao desenvolvimento dos alunos, o fisioterapeuta 05 comentou que “existem aquisições,
mas, muitas vezes, o atendimento serve mais para manter a situação do aluno”.
A Associação Beneficente Pássaros de Luz de Itajaí, conhecida como Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, por sua vez, já vinha desenvolvendo um
trabalho desde 2006. Entretanto, a pesquisadora optou por acompanhar este grupo somente
depois da vinda da condutora, considerando que o atendimento seria organizado de acordo
com os pressupostos da Educação Condutiva e que este seria o “grupo referência”.
Finalmente, no mês de julho, a condutora conseguiu a liberação do seu visto e iniciou
o atendimento no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva. Naquele
39
momento, a prioridade foi constituir o grupo de alunos (já previamente selecionados) e
profissionais – estes só foram contratados quando iniciou o trabalho com a condutora, com
exceção de uma fonoaudióloga e de uma pedagoga que já atuavam no Centro. A Secretaria
Municipal de Educação de Itajaí cedeu dois professores de Educação Física para atuar no
Projeto e os pedagogos foram contratados pela FCEE. Foi difícil, naquele mês, selecionar os
profissionais, pois, na época, a maioria já se encontrava empregada.
A pesquisadora participou do grupo, atuando como facilitadora durante um mês. Este
procedimento ocorreu por dois motivos: para aprender mais sobre Educação Condutiva e para
auxiliar a estruturar o grupo.
Como não houve tempo para formação prévia, os profissionais do grupo estavam
aprendendo na ação com o aluno, a partir da experiência e das orientações da condutora.
Entretanto, muitos iniciavam e não permaneciam, por não se adaptarem ao trabalho. Esta
oscilação perdurou por quase um mês. Quando o grupo de profissionais ficou completo, a
pesquisadora se afastou da prática direta e continuou a fazer a observação participante.
Somente depois do grupo completo, a condutora passou a assessorar as demais instituições,
junto com a pesquisadora.
Com mais este grupo constituído, pôde-se fazer a caracterização dos alunos
participantes do projeto de pesquisa35, conforme apresentado no quadro 02.
NÚMERO DE ALUNOS
INSTITUIÇÃO
COM PARALISIA
CEREBRAL
COM OUTRA
ALTERAÇÃO MOTORA
TOTAL
Centro
de
Pesquisa
e
Desenvolvimento da Educação
Condutiva
07
-
07
FCEE
04
-
04
APAE Baln. Camboriú
17
06
23
APAE Camboriú
21
02
23
APAE Itajaí
20
04
24
APAE Florianópolis
06
-
06
TOTAL DE ALUNOS
75
12
87
Quadro 02 – Caracterização dos alunos
Fonte: Organizado pela pesquisadora
35
O número de alunos sofreu alterações durante o ano, na mesma proporção em que ocorreram transferências e
novas matrículas nas instituições.
40
Os profissionais que participaram efetivamente da proposta da Educação Condutiva e/ou
fizeram uso das estratégias também foram assim caracterizados, como mostra o quadro 03.
INSTITUIÇÕES
FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
TOTAL
FISIOTERAPEUTA
PEDAGOGO
FONOAUDIÓLOGO
OUTRA
-
04
01
02
07
FCEE
01
04
-
-
05
APAE Baln. Camboriú
01
04
-
02
07
APAE Camboriú
01
06
01
-
08
-
-
08
Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento
da
Educação Condutiva36
37
APAE Itajaí
02
06
APAE Florianópolis
02
05
01
-
08
APAE Porto Belo
01
-
-
-
01
TOTAL PROFISSIONAIS
44
Quadro 03 – Caracterização dos profissionais
Fonte: Organizado pela pesquisadora
3.2 Crítica da realidade
Após a estruturação do “grupo referência” (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
Educação Condutiva), a condutora iniciou sua assessoria nas demais instituições, junto com a
pesquisadora, que já assessorava as instituições desde o mês de fevereiro.
Em seu grupo, a condutora conduziu os programas de segunda a quinta-feira,
destinando a sexta-feira para reunião com os profissionais e com os pais e também para
assessoria às instituições.
Os grupos das demais instituições passaram a contar com a assessoria da condutora no
período da tarde e esporadicamente na sexta-feira pela manhã. Durante a semana, eram
realizadas de três a quatro assessorias. Como, a princípio, eram cinco instituições, a assessoria
nem sempre foi semanal.
A dinâmica inicial da condutora foi a de observar os programas e, ao término,
conversar com o fisioterapeuta responsável pelo grupo. Estas conversas sempre foram muito
36
37
Inicialmente, este grupo ocupou as dependências da APAE de Itajaí e atualmente tem uma sede própria.
Nesta Instituição houve uma rotatividade intencional dos profissionais.
41
claras e pontuais. Segundo a condutora, “se estamos tratando da Educação Condutiva, vamos
fazer o mais próximo da Educação Condutiva”. Ela sempre fazia uma análise do que havia
observado, pontuava os aspectos que precisavam ser qualificados; também esclarecia as
dúvidas dos profissionais38 e demonstrava muitas tarefas na prática. Esses momentos se
constituíam em importantes espaços para a formação.
Também, nos momentos iniciais, a condutora afirmou que era necessário incluir um
programa cognitivo. Qualificar os programas e elaborar programas cognitivos implicava
tempo para estudo, troca entre os profissionais (educação e reabilitação), organização das
atividades, preparação do material e outros procedimentos. Tudo isso exigia uma
reorganização das instituições, principalmente no que dizia respeito ao fator tempo.
Logo de início, a condutora pontuou para todos os profissionais que os atendimentos
que estavam sendo realizados nas instituições “ainda estavam muito distantes de ser Educação
Condutiva” e afirmava que muitos aspectos precisavam ser modificados.
A segurança inicial e a certeza dos profissionais de que estavam desenvolvendo
programas próximos da essência da Educação Condutiva começou a se desfazer. E aí vieram
as crises.
A primeira crise aconteceu em uma das instituições, que tinha destinado apenas o
tempo do programa para desenvolvimento da abordagem e depois, consciente de todos os
fatores envolvidos para qualificar o atendimento (e esta foi a meta da condutora e da
pesquisadora o tempo todo), chamou a pesquisadora para expor suas angústias.
Durante a conversa entre direção, fisioterapeutas (sendo um responsável pelo
programa no período matutino e outro no vespertino) e pesquisadora, a instituição pediu para
se afastar do Projeto. O fisioterapeuta 02 justificou, argumentando: “não estamos saindo pela
negação da proposta, mas muito pelo contrário, pelo reconhecimento de sua complexidade, da
necessidade de muito tempo para estudo, para orientação aos professores, participação no
grupo de estudo e estágios, e não temos este tempo”.
Uma das queixas destes profissionais também foi a de que, ao fazerem um dos cursos
de Educação Condutiva, não sabiam que estavam assumindo o compromisso de desenvolver a
abordagem em sua instituição e que, de certa forma, isto foi imposto a eles.
38
Todos esses momentos de assessoria foram acompanhados pela pesquisadora, inclusive as conversas em
separado com os fisioterapeutas. Grande parte do capítulo teórico sobre a Educação Condutiva teve origem
nesses momentos.
42
Este é um fato muito importante, porque a Educação Condutiva requer um trabalho
muito intensivo e o seu desenvolvimento deve ser uma opção do profissional, pois implica
mudar sua forma de trabalho e assumir funções que vão além da sua formação acadêmica, por
exemplo, a formação dos professores.
Essa instituição já apresentava algumas dificuldades em relação à composição dos
grupos, além da falta de professores e do pouco tempo para os programas, e no momento em
que foram colocadas as exigências para qualificar os programas, todas estas questões vieram à
tona.
Analisando este fato, a pesquisadora considerou um fator negativo para os alunos a
interrupção do atendimento, mas, por outro lado, representava um dado importante para a
análise das implicações para implantar a abordagem em outras instituições especializadas. A
Educação Condutiva não pode ser imposta, deve ser uma opção dos grupos, porque é
complexa, exige muito estudo, tempo, disposição, flexibilidade, ainda mais quando é um
processo em construção, como no caso deste Projeto e, segundo a condutora, “a aprendizagem
é voluntária, não pode ser forçada”.
Como esse grupo estava ainda em fase de estruturação dos atendimentos,
provavelmente, as exigências da condutora para “fazer o mais próximo da Educação
Condutiva” influenciaram na decisão de abandonar o Projeto.
Esse primeiro momento de crise alertou a pesquisadora para outros fatos que também
começavam a ocorrer em outras APAEs. Depois das primeiras assessorias com a condutora,
durante as quais ela foi analisando, com os profissionais (principalmente com os
fisioterapeutas responsáveis pelos programas), aspectos que precisavam ser modificados e na
medida em que eles foram tomando consciência das muitas mudanças que precisariam fazer
em seus grupos, evidenciou-se certa resistência.
Seguiram-se pedidos de adiamento da assessoria por alguns dias e propostas de
somente fazer as alterações no próximo ano. Isso aconteceu em duas APAEs, com apenas um
mês e meio de assessoria.
A pesquisadora ficou preocupada e conversou com os profissionais para entender o
que estava acontecendo. Nesses momentos, sempre houve um consenso de que as análises da
condutora eram pertinentes, com exceção de alguns pequenos detalhes, principalmente em
relação a algumas posturas dos alunos.
43
Assim, ficou evidenciado que não havia uma recusa da teoria39, mas sim interferência
de outros aspectos ligados à formação profissional, como ficou claro na fala da fisioterapeuta
06: “Concordo com as orientações da Raquel, mas preciso de mais tempo para conseguir
promover as mudanças”. Também se constatou que o Projeto da Educação Condutiva estava
restrito aos profissionais já envolvidos com a abordagem e estes sentiam a falta de um
envolvimento maior, principalmente da coordenação pedagógica da instituição.
Atenta a essas questões e preocupada com os rumos do Projeto, a pesquisadora
solicitou uma reunião com as duas instituições (em momentos separados). Estiveram
presentes nas reuniões, a condutora, direção, fisioterapeuta, coordenação pedagógica e a
pesquisadora e foram abordados assuntos pertinentes a cada grupo. A condutora deu seu
parecer real sobre os programas, afirmando que seriam necessárias muitas mudanças para
qualificá-los. A pesquisadora, por sua vez, falou da necessidade de fazer as mudanças ainda
neste ano, pois tais ações iriam nortear os encaminhamentos futuros sobre a Educação
Condutiva.
Depois dessas reuniões, houve uma maior participação da direção e da coordenação
pedagógica nas instituições. A Educação Condutiva, ou o uso de suas estratégias, não pode
somente acontecer em um espaço restrito, é preciso que, nos demais espaços da escola, o
aluno possa aplicar o que aprendeu nos programas. Como o objetivo é que ele se torne mais
independente, espera-se que seja mais ativo em todos os espaços. Neste sentido, a
coordenação pedagógica tem um papel importante.
A postura da condutora e da pesquisadora sempre foi a de fazer uma análise real dos
fatos e todos os envolvidos estavam cientes de que o atendimento que vinha sendo realizado
nas APAEs ainda estava muito distante dos pressupostos da Educação Condutiva.
Então, surgiu a crise da pesquisadora. A questão era: como avaliar as contribuições da
Educação Condutiva para os alunos com paralisia cerebral que participavam dos programas,
se estes programas não ofereciam ainda Educação Condutiva?
Analisando todos os aspectos envolvidos, um tanto surpresa com os acontecimentos,
mas consciente das dificuldades em relação à formação contínua, a pesquisadora reorganizou
seu percurso metodológico e passou a focar mais a formação profissional nos grupos das
39
Aliás, durante toda a pesquisa, não houve uma recusa da teoria. Foi unânime a posição dos profissionais
envolvidos de que ela é muito complexa, mas que contribui para o desenvolvimento do aluno com alterações
motoras. Também é comum haver um certo descrédito da teoria por parte de profissionais que têm apenas um
contato superficial com a Educação Condutiva.
44
instituições (APAEs e FCEE) e a avaliar os alunos do grupo do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento (grupo sob a responsabilidade da condutora), pois estes, pela lógica,
estavam participando de programas reais de Educação Condutiva.
Assim, a formação contínua dos profissionais ficou sendo o coração da pesquisa, pois,
para avaliar resultados, era preciso ter espaços consolidados de prática da Educação
Condutiva. A avaliação dos alunos estava articulada com os benefícios da abordagem, mas
esta era ainda tão incipiente...
3.2.2 Formação contínua
Como a formação em Educação Condutiva é multidisciplinar, importa compreender as
dificuldades dos profissionais envolvidos no Projeto, uma vez que a sua formação é específica
em uma área.
No desenho deste Projeto, o fisioterapeuta40 assume o papel de condutor, responsável
pelo grupo, e os professores, as funções de facilitadores, cada um direcionando a atuação
geralmente para um só aluno. O programa é desenvolvido em grupo, mas cada facilitador
personaliza a tarefa para seu aluno de acordo com suas necessidades. Estas adaptações não
são aleatórias, estão previstas nos programas elaborados pelos condutores.
Em termos gerais, o fisioterapeuta líder tem várias atribuições:
•
Considera as características do seu grupo e de cada aluno para elaborar os programas.
•
Assume a função de ensinar, aos professores, questões de anatomia, ensinando como
mover os alunos, posições, formas de prevenção...
•
Conduz um grupo de maneira dinâmica: fala, canta, mantém um ritmo.
•
Estimula o desenvolvimento dos alunos.
40
A pesquisadora sempre orientou para que os programas que usam as estratégias da Educação Condutiva
fossem conduzidos por um fisioterapeuta, por terem conhecimento de anatomia e por melhor saberem como
mover o aluno com paralisia cerebral.
45
O professor, por sua vez, assume outras funções:
•
Elabora programas cognitivos.
•
Fornece subsídios para pensar em aspectos pedagógicos para vincular com as tarefas.
•
Atua como facilitador com o aluno, mantendo um equilíbrio entre as formas de facilitação.
•
Ensina ao fisioterapeuta as questões da educação.
•
Promove a aprendizagem integral dos alunos.
É preciso pensar que todos estes aspectos devem estar presentes durante o programa,
ao mesmo tempo, para entender a complexidade da Educação Condutiva.
Para melhor compreensão das dificuldades encontradas nos grupos, serão apresentados
os aspectos mais relevantes percebidos durante as assessorias:
1. Cópia dos programas: os programas desenvolvidos não passavam de cópia dos
programas dos cursos anteriores de Educação Condutiva. Não havia diferenciação dos
ritmos para os alunos. Cabe enfatizar que para cada quadro de paralisa (espástica, atáxica,
discinética, hipotonia) há uma intenção rítmica. O uso do ritmo inadequado pode interferir
na funcionalidade do aluno. Existia um fazer, mas sem uma base teórica consistente. Com
a necessidade de elaborar os programas, contemplando todos os aspectos envolvidos,
surgiam as dúvidas.
2. Desarticulação entre objetivo e tarefa: para a elaboração dos programas, primeiro era
pensada a tarefa (que era cópia), para depois pensar nos objetivos. As atividades eram as
mesmas para todos, sem diferenciação, tanto para aqueles que já dominavam o movimento
quanto para os que estavam aprendendo a fazê-lo. Na maioria das vezes, não havia uma
relação entre objetivo e tarefa.
3. Programas unificados: cada programa (deitado, sentado, preparatório para em pé, em
pé, manipulativo, individual) tem características e qualidades próprias. Com exceção de
um fisioterapeuta, que tinha a clareza da diferença entre eles, os demais unificaram todos
estes programas em um só. Infere-se que tal prática é decorrente da rotina do trabalho
desses profissionais, pois uma sessão de fisioterapia tradicional segue este caminho. Por
exemplo, em uma sessão de quarenta e cinco minutos são feitas as transferências desde a
posição deitada até ficar em pé. Este procedimento é apoiado no desenvolvimento físico
46
da criança, que acontece no sentido encéfalo-caudal e próximo-distal, isto é, a criança
desenvolve, em um sentido, o controle do pescoço, depois do tronco, pernas e pés. Em
outro sentido, desenvolve primeiro o controle dos membros superiores, do braço, das
mãos e dos dedos das mãos. A Educação Condutiva também entende desta forma o
desenvolvimento, só que, como investe na aprendizagem destes movimentos, preconiza
que sejam feitos em programas específicos. Então, a orientação da condutora foi para
refazer todos os programas41.
4. Distinção entre exercício e tarefa: investia-se nos exercícios. Existe uma diferença
muito importante entre exercício e tarefa. Exercícios físicos servem para habilitar um
músculo e tarefas são pequenos movimentos naturais que, juntos, formam um movimento
completo. Se o foco é ensinar o aluno a fazer um movimento que não domina, “quebra-se”
este movimento em pequenos movimentos (tarefas) para que ele possa aprender,
obviamente com as facilitações necessárias. Fazer o exercício não possibilita esta
aprendizagem. É a tarefa que caracteriza o pedagógico.
5. Estabelecimento de objetivos: antes de cada programa era preciso estabelecer objetivos
reais para o aluno, que estivessem de acordo com a sua funcionalidade, pois as tarefas
devem levar a um propósito. Em muitos momentos, o objetivo não estava na
funcionalidade do aluno ou não existia.
6. Correção de posturas: Após cada transferência de postura é importante fazer a correção
para manter a simetria corporal. Adota-se a correção de postura para que o aluno tenha
consciência do seu corpo e também para unificar o grupo. Nos grupos, a correção de
postura nem sempre acontecia nos momentos indicados.
7. Massagem: a massagem era igual para todos, entretanto, esta deve contemplar as
necessidades de cada aluno. Por exemplo, um aluno com hipotonia não necessita de uma
massagem relaxante, enquanto que para um aluno com espasticidade, ela é fundamental e,
neste caso, também há necessidade de alongamentos. A condutora solicitou que a
massagem fosse mais orientada pelos fisioterapeutas, pois em muitos momentos era feita
aleatoriamente pelos professores.
8. Rotina de trabalho: a Educação Condutiva exige uma rotina de trabalho muito
organizada. O tempo não pode ser desperdiçado; deve-se ter um cronograma com todas as
41
Para cada grupo são elaborados, em média, três programas e como em algumas instituições são quatro grupos,
os profissionais de cada instituição refizeram doze programas, os quais eram alterados a cada novo campo
(período de mais ou menos quatro semanas).
47
tarefas do dia e segui-lo à risca. Em muitos momentos, esta orientação não era observada
pelas instituições, pois o tempo, geralmente, não era bem aproveitado.
9. Uso dos móveis Petö: como os móveis eram pouco aproveitados, a condutora orientou
para o uso mais constante e de maneira mais intensa. A utilização destes móveis
proporciona mais independência que a facilitação manual. “Usar mais os instrumentos do
que a facilitação manual é um nível superior, é mais complexo”, ressaltou a condutora.
Destaca-se que, no uso dos equipamentos, deve ser considerada a funcionalidade de cada
aluno.
10. Equilíbrio entre as partes pedagógica e motora: no início da assessoria, os programas
focavam mais na parte motora. Depois, com as orientações, eles ficaram excessivamente
pedagógicos, deixando a área motora em segundo plano. Então, foi preciso reorganizar
mais uma vez, a partir do entendimento de que encontrar o equilíbrio entre as duas partes
é algo bastante complexo.
11. Condução dos grupos: é muito difícil encontrar o ritmo certo para conduzir o grupo, dar
o tempo de cada aluno fazer o movimento, mas sem perder a noção do grupo, estar atento
às facilitações dos professores (que também estão em um processo de aprendizagem) para
evitar movimentos incorretos.
12. Usar mais os termos pedagógicos: a condutora afirmou que, como é uma abordagem
pedagógica, os termos usados também precisam ser pedagógicos e orientou para que se
fizessem algumas substituições, como, por exemplo, de coluna para costas e de quadril
para bumbum.
Muitas vezes, as orientações da condutora para um caso específico, eram tomadas
como regra, o que causava alguns equívocos, que eram novamente sinalizados e corrigidos
pela condutora.
Para não falar somente das dificuldades encontradas no processo, pode-se também
mencionar algumas facilidades. Foi importante já ter os grupos constituídos, com o mobiliário
Petö, assim como o fato de muitos profissionais terem noções básicas sobre a Educação
Condutiva. Constatou-se que havia harmonia entre os profissionais de alguns grupos, mas,
principalmente, o desejo de aprender.
Para esses grupos, a assessoria da condutora contemplou três etapas: primeiro, a
observação; depois, a observação para acompanhar as alterações sugeridas por ela; por último,
48
a intervenção na prática, para mostrar como fazer. Após esses momentos, sempre houve a
conversa entre ela, o líder do programa e a pesquisadora, o que proporcionou uma importante
oportunidade de aprendizado.
Entretanto, este aprender foi bastante intenso e exigiu muito dos profissionais,
desencadeando situações de crise. Mas sempre houve a transparência nesse processo e foram
realizadas muitas ações para superar estas crises.
Porém, antes de discutir esta questão, é preciso falar do grupo da FCEE, já com o
grupo de alunos reorganizado. A assessoria da condutora aconteceu de forma diferenciada
neste caso, devido ao quadro de comprometimento mental dos alunos. Após assistir ao
programa, que foi cansativo para os alunos e profissionais, a condutora pontuou alguns
aspectos:
•
Não é necessário fazer a massagem, pois os alunos já estão bem relaxados.
•
O problema dos alunos não é motor, mas cognitivo.
•
O pedagógico deve dar funcionalidade ao movimento.
•
O ritmo precisa ser bem lento e as canções mais suaves.
•
Seria importante realizar um programa sentado, com facilitação firme. Por exemplo:
explorar as partes do corpo (figura e um rosto na mesa), tocando com as mãos, fazendo
movimentos naturais.
Como os profissionais não haviam participado de nenhum dos cursos e o grupo dos
alunos tinha características bem diferentes dos demais grupos das APAEs, no sentido de ter
um maior comprometimento mental, a condutora se prontificou a fazer um modelo de
programa para o grupo. Para isso, solicitou que os profissionais selecionassem os
temas/conceitos a serem trabalhados. A proposta foi aceita.
Assim, a condutora elaborou os programas (um cognitivo e outro motor) e os colocou
em prática junto com os profissionais. Assim, esse grupo somente desenvolveu os programas
prontos, fazendo algumas alterações ao longo do processo, mas sem alterar a essência, e
promovendo também várias adaptações, inclusive com materiais.
Existe uma grande dúvida quanto à indicação da Educação Condutiva para alunos com
alterações motoras e deficiência mental associada. Segundo a condutora, a Educação
49
Condutiva pode beneficiar todas as crianças menores como uma estimulação essencial,
buscando sempre o movimento consciente. Entretanto, com crianças maiores e adolescentes, é
indicada quando estes têm um bom nível de compreensão. Isto porque a Educação Condutiva
tem como objetivo a independência do aluno e estabelece um processo de aprendizagem por
meio do desenvolvimento de tarefas e também objetivando o movimento consciente. Quando
a compreensão é muito limitada, este objetivo se perde e o aluno pode se beneficiar mais de
um atendimento que dê mais ênfase ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Outro fator pontuado pela condutora é que quando não há um bom nível de
compreensão, o aluno colabora menos e precisa haver um esforço muito maior por parte do
facilitador. Por ser intensivo, com o tempo o trabalho pode interferir negativamente na postura
do próprio aluno e também do profissional. Neste caso, é mais indicada a participação em
atendimentos realizados de forma mais passiva.
Uma grande parcela dos alunos participantes dos programas das instituições
especializadas tem diagnóstico de deficiência física e também de deficiência mental e a
maioria apresenta um nível de compreensão que permite aplicação da Educação Condutiva,
com exceção dos alunos da FCEE que desenvolvem um programa adaptado. Fica uma grande
pergunta: o que se entende por deficiência mental, principalmente em relação a estes alunos
que o contexto social limita tanto?
É importante aprofundar esta questão em trabalho futuros que, mais que analisar
diagnósticos de deficiência mental, devem observar o contexto social das pessoas com
diagnóstico qualquer deficiência, dando ênfase às suas relações com o mundo físico e com as
pessoas que as cercam. Nesta perspectiva, é preciso entender que “o defeito em si não é,
contudo, uma tragédia. É somente o pretexto e o motivo para que surja a tragédia”
(VYGOTSKI, 1997, p. 199).
O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva teve uma dinâmica
de trabalho diferente, por se constituir em um espaço legitimado para a aprendizagem da
Educação Condutiva, tanto para os alunos participantes dos programas quanto para os
profissionais que estiveram em contato diário com a condutora.
Fizeram parte desse grupo sete alunos – duas crianças (nove anos) e cinco
adolescentes – com significativa diferença de idade entre eles. Embora a Educação Condutiva
estabeleça que os grupos devem ser constituídos de acordo com a idade, pois a dinâmica de
trabalho é diferenciada para crianças e adolescentes, optou-se, neste caso, por atender a uma
50
demanda voluntária, levando-se em consideração o interesse de alguns pais, que já fazem
parte da Associação Beneficente Pássaros de Luz e estão envolvidos com o Projeto, em
oportunizar a participação do(a) filho(a). Obviamente, este fator deve ser considerado na
análise dos resultados.
Por participar de programas conduzidos pela condutora, esse grupo de alunos passou a
ser acompanhado pela pesquisadora para avaliar as contribuições da Educação Condutiva.
A formação dos profissionais que atuaram como facilitadores nesse grupo teve relação
direta com o processo de aprendizagem dos alunos. Para estes profissionais, o Projeto foi um
grande desafio, principalmente pela oportunidade de participar do trabalho em companhia da
condutora. Convém ressaltar que muitos deles não tinham experiência com a Educação
Especial.
Apenas dois profissionais do grupo haviam participado de cursos sobre Educação
Condutiva; os demais tiveram os primeiros contatos com a abordagem quando da atuação
direta com os alunos.
Infelizmente, com a vinda da condutora somente em julho, não foi possível organizar
momentos prévios de estudos sobre a abordagem, uma vez que os profissionais só foram
contratados com a chegada dela. Então, o grande desafio foi aprender na ação cotidiana.
Os programas foram elaborados pela condutora, que ensinava aos profissionais as
formas de facilitação. Em algumas sextas-feiras – muitas eram destinadas para reuniões com
pais, realização de cursos ou para assessoria nas APAEs –, o grupo tinha um tempo para
conversar com a condutora, esclarecer dúvidas, questionar...
Entretanto, na dinâmica da constituição do grupo (como de qualquer grupo) surgiam
muitas questões que envolviam as relações grupais e grande parte do tempo que seria
destinado para o estudo da teoria (que já era limitado) acabou sendo ocupado pela discussão
destas questões.
A rotina de um dia de Educação Condutiva neste grupo foi assim organizada:
•
Das 09h00min às 09h50min: massagem e alongamento
•
Das 09h50min às 10h05min: programa cognitivo
•
Das 10h05min às 10h50min: programa deitado
•
Das 10h50min às 11h00min: momento para suco/higiene
51
•
Das 11h00min às 11h50min: programa preparatório para em pé (2ª e 4ª) ou programa
sentado (3ª e 5ª feira)
Inicialmente, a condutora elaborou um programa cognitivo e o executou, denominando
este programa de “motivação pedagógica”, e depois solicitou que os professores dessem
continuidade ao processo. Assim, cada mês deveria ter um grande tema e deveria ser
organizado diariamente um programa articulado com este tema. O tempo do programa era de
quinze minutos e deveria incluir uma parte para o grupo e outra para o atendimento
individual, com adaptações/flexibilizações de acordo com cada aluno. Um dos professores
realizava o programa atendendo ao grupo, enquanto cada facilitador fazia a mediação com o
seu aluno. Ao término, realizava-se uma avaliação de cada aluno.
Talvez o nome “motivação pedagógica” tenha influenciado, mas o fato é que esses
programas focalizavam em demasia aspectos lúdicos e concretos. A condutora pontuou que
era necessário investir no desenvolvimento das funções mentais. Mas o grupo teve
dificuldades em relação a esta questão, talvez pela própria trajetória da Educação Especial,
que investe mais na concretude do que no desenvolvimento das funções abstratas, conforme já
pontuado por Vygotsky:
Demonstrou-se que o sistema de ensino baseado somente no concreto – um
sistema que elimina do ensino tudo aquilo que está associado ao pensamento
abstrato – falha em ajudar crianças retardadas a superarem as suas
deficiências inatas, além de reforçar essas deficiências, acostumando as
crianças exclusivamente ao pensamento concreto e suprimindo, assim, os
rudimentos de qualquer pensamento abstrato que essas crianças ainda
possam ter. Precisamente porque as crianças retardadas, quando deixadas a
si mesmas, nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato,
é que a escola deveria fazer todo o esforço para empurrá-las nesta direção,
para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio
desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p. 116).
Ainda segundo o autor, o concreto deve ser visto somente como um ponto de apoio
necessário e inevitável para o desenvolvimento do pensamento abstrato, ou seja, como um
meio e não como um fim em si mesmo.
O grupo foi instigado a buscar estratégias para promover o desenvolvimento das
funções abstratas e teve muitas dificuldades nesse processo. Em um momento de discussão, a
condutora afirmou para o grupo: “Eu não vim ensinar pedagogia, mas Educação Condutiva” e
desafiou os professores a encontrar o caminho.
52
Infelizmente, o sistema educacional brasileiro tem falhado muito em relação à
Educação Especial e o episódio acontecido com esse grupo reflete o cotidiano de muitas
instituições especializadas42.
Como as dificuldades eram muitas, a condutora resolveu atribuir a responsabilidade do
programa somente aos pedagogos, enquanto que os demais profissionais (fonoaudióloga e
professores de Educação Física) assumiram a responsabilidade pelas formas de facilitação.
Aos poucos, os pedagogos qualificaram um pouco mais o programa e os resultados
começaram a ter reflexos positivos na aprendizagem dos alunos.
Segundo a condutora, esse grupo sempre se manteve sob a sua supervisão para
assegurar o correto processo de aprendizagem dos alunos. A aprendizagem dos profissionais
estava dirigida para:
•
Começar o processo de aprendizagem do método da Educação Condutiva, a partir do
conhecimento teórico para beneficiar a aprendizagem e o trabalho como facilitador.
•
Aprender a rotina de trabalho para trabalhar dentro dela.
•
Aprender formas de facilitação, sempre orientadas pela condutora do programa, para
trabalhar diretamente com os alunos.
•
Começar o processo de aprendizagem do programa cognitivo para desenvolvê-lo com a
orientação da condutora.
3.3 Criação coletiva
Este texto se destina a apresentar a “criação coletiva” de cada instituição. Depois de
viver muitos desafios, conflitos e crises, tornou-se instigante acompanhar os movimentos de
cada espaço na busca da qualificação de seus atendimentos.
Inicialmente é preciso apresentar as ações organizadas pela pesquisadora e pela
condutora para dar suporte aos profissionais. Ainda no primeiro semestre, a pesquisadora
42
É importante lembrar que a FCEE e as APAEs vêm desenvolvendo um trabalho para alunos com deficiência
mental, cujo foco é o desenvolvimento/ampliação das funções mentais, mas ainda existem muitas dificuldades na
compreensão deste processo.
53
disponibilizou três artigos traduzidos sobre Educação Condutiva. Nesse mesmo tempo, ela
organizou estágios de observações entre os profissionais das instituições.
Depois, com a vinda da condutora e com seu grupo consolidado, foram organizados,
em parceria com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, momentos
de estágio neste Centro para todos os profissionais envolvidos.
Também foram realizados encontros mensais, na APAE de Itajaí, reunindo todos os
profissionais atuantes no Projeto para estudar a Educação Condutiva. Cada encontro teve a
duração de quatro horas/aula. Os conteúdos desses encontros foram selecionados com base
nas dificuldades observadas pela condutora e pela pesquisadora durante as assessorias. O
quadro 4, a seguir, apresenta a dos conteúdos trabalhados e as respectivas cargas horárias.
ENCONTRO DE ESTUDOS SOBRE EDUCAÇÃO CONDUTIVA
CONTEÚDOS
CARGA HORÁRIA
1 Histórico da Educação Condutiva
02 horas
2 Educação Condutiva:
2.1 Condutor
2.2 Programas
2.3 Ortofunção
2.4 Série de tarefas
2.5 Intenção rítmica
2.6 O grupo
2.7 Motivação
2.8 Observação pedagógica
05 horas
3 Metas da Educação Condutiva
3.1 Ensino de um estilo de vida normal
3.2 Estimula a personalidade integral do indivíduo (áreas motora, cognitiva, social,
atividades de vida diária)
3.3 Método que constrói um novo modelo de funcionamento
Estrutura da Educação Condutiva: princípio de rotina, princípio de facilitação, princípio
de atividade
05 horas
4 Elaboração e execução de um programa
08 horas
Carga horária total
20 horas
Quadro 4 – Conteúdos e cargas horárias dos encontros de estudos sobre Educação Condutiva
Fonte: Organizado pela pesquisadora
A ênfase maior destes encontros foi em relação aos programas, incluindo questões
teóricas e práticas. Os profissionais, em grupo, receberam as tarefas de elaborar programas de
acordo com determinado perfil de alunos e executar na prática. Ao término, a condutora fazia
uma análise com o grupo. Esta foi uma excelente dinâmica, pois permitiu perceber não só as
dificuldades, mas também a forma correta para desenvolver o trabalho.
54
Entretanto, era preciso mais discussão sobre o tema. Assim, por sugestão da
pesquisadora, foi organizado mais um encontro, desta vez somente com os fisioterapeutas das
APAEs, para aprofundar estudos sobre os programas, a partir da análise das produções desses
profissionais.
A fisioterapeuta de uma das APAEs, alegando motivos particulares, não participou dos
Encontros de Estudos sobre Educação Condutiva e do estágio de observação no Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva. Esteve presente apenas no encontro
com os fisioterapeutas. Ela já havia participado dos dois cursos anteriores e, durante o mês de
julho, atuou como facilitadora no Projeto Educação Condutiva com Amor (Florianópolis). O
fato de ter tido contato com vários condutores que, algumas vezes, abordaram a teoria de
modo diferente, fez com que seu trabalho precisasse de um tempo para ser reorganizado.
Aos poucos, as orientações da condutora foram sendo incorporadas e os programas
começaram a ter maior qualidade. Muitos aspectos, antes considerados complexos, tornaramse simples, como pode ser percebido na fala da fisioterapeuta 08, referindo-se ao uso de um
instrumento: “Isso é óbvio! Como eu não havia me dado conta?”
Entretanto, ainda havia muitas dificuldades. A condutora sugeriu aos grupos das
APAEs que fizessem um programa nos moldes da Educação Condutiva, incorporando os
aspectos aprendidos durante o ano. Os profissionais concordam e, no início de dezembro,
cada instituição elaborou e executou um programa, que foi avaliado pela condutora. Para a
FCEE não foi solicitado um programa final, pois os profissionais apenas estavam
desenvolvendo programas elaborados pela condutora por causa do perfil dos alunos.
Na mesma época do programa final, a pesquisadora entrevistou os fisioterapeutas e um
pedagogo de cada grupo para se certificar de que não havia nenhuma incoerência nos
resultados que já vinham se delineando. E não houve novidades, porque todo o processo
sempre foi transparente e altamente dialógico.
Os resultados do programa final e de todo o movimento de cada grupo serão
apresentados na seqüência, porém, antes, algumas considerações se fazem necessárias.
A primeira consideração é que somente pode avaliar um programa quem conhece a
essência da Educação Condutiva. Ao olhar de uma pessoa leiga, um determinado programa
pode ser ótimo, mas na visão um condutor, pode não contemplar nenhuma estratégia da
Educação Condutiva.
55
A pesquisadora, ao se dar conta deste fato, buscou qualificar sua “observação
pedagógica”, estabelecendo critérios para tal prática. A condutora forneceu muitas
informações para auxiliar nesse processo, mas, mesmo assim, a avaliação dos programas
deveria ser feita pela condutora. Desta forma, os resultados de cada grupo foram
profundamente discutidos entre condutora e pesquisadora e também com os grupos, na análise
com cada um deles e no último encontro de estudos para o grande grupo, quando foram
passadas imagens de vídeo dos programas desenvolvidos nas instituições.
A partir da avaliação de todo o processo desencadeado em cada instituição,
verificaram-se algumas características que estão presentes nas três APAEs:
•
Todos compreendem que a Educação Condutiva está dirigida para crianças com paralisia
cerebral com bom nível cognitivo e o porquê.
•
Compreendem as qualidades que cada programa oferece.
•
Estão em processo de aprendizagem para manter um equilíbrio entre programa motriz e
programa cognitivo.
•
Facilitadores estão em processo de aprendizagem para estimular a criança e despertar a
intenção do movimento.
Um grande avanço dos grupos foi a compreensão das qualidades de cada programa.
Inicialmente, os programas eram “misturados” e não havia a clareza dos seus objetivos. Mas
quanto à intenção do movimento – um dos principais focos da Educação Condutiva –, os
profissionais ainda estavam em processo de aprendizagem.
Apesar das similaridades, cada instituição apresentou alguns aspectos diferenciados na
dinâmica de trabalho, condizentes com seu grupo e com a organização interna.
A seguir, descreve-se a avaliação de cada grupo, sem a necessidade de identificar a
instituição:
APAE 01: O fisioterapeuta responsável pela condução dos programas não participou dos
encontros de estudo que ocorreram durante os cinco meses, mas teve cursos com
diferentes condutores, o que provocou nele certa confusão com a teoria e prática. Ele
participou das orientações que a condutora oferecia nas visitas ao grupo. Os facilitadores
56
deste grupo nunca faltaram aos encontros de estudo e participaram efetivamente das
dinâmicas. A condutora sinalizou os seguintes aspectos:
•
A aprendizagem do fisioterapeuta/condutor está num processo entre dirigir um programa e
orientar as facilitações para os facilitadores.
•
Ele está em processo de aprendizagem para a condução do trabalho em grupo.
•
O grupo tem que continuar a estudar as teorias da aprendizagem para elaborar com mais
qualidade os programas cognitivos.
•
O grupo está em processo de aprendizagem para manter uma rotina de trabalho sem
interrupções.
•
Os profissionais estão em processo para aprender a diferença entre tarefa e exercício físico.
O grupo ainda apresenta algumas dificuldades relativas à condução dos programas,
com interrupções desnecessárias que interferem na dinâmica de trabalho. Atenta a este fato e
preocupada com os encaminhamentos futuros, a pesquisadora insistiu com a instituição para
envolver a coordenação pedagógica, mas o envolvimento não aconteceu, sob a alegação de
falta de tempo.
APAE 02: O grupo de profissionais estava bem organizado e sintonizado com as
características
da
Educação
Condutiva,
muito
em
função
da
presença
da
fisioterapeuta/condutora, que participou dos cursos. Um ponto positivo é que os
profissionais trabalharam de forma associativa, mas assumem tarefas específicas: o
fisioterapeuta dirigiu os diferentes programas, o fonoaudiólogo fez um programa
específico para a área da linguagem, o pedagogo dirigiu um programa cognitivo e os
demais se concentraram na facilitação. Isto garantiu maior qualidade aos procedimentos,
sem prejudicar o trabalho coletivo. Este grupo de profissionais está em processo de
aprendizagem e utiliza os princípios da Educação Condutiva. A condutora pontuou as
seguintes características dos componentes do grupo:
•
Compreendem os princípios da Educação Condutiva.
•
Têm compreensão dos princípios da parte cognitiva.
•
Compreendem o princípio da rotina.
57
•
Estão em processo de aprender a dirigir um programa, buscando equilíbrio entre a direção
do programa e a orientação das facilitações.
•
Estão em processo de aprendizagem sobre a diferença entre tarefa e exercício físico e suas
aplicações.
Observou-se um entrosamento muito grande entre os profissionais deste grupo. A
condutora e a pesquisadora foram constantemente solicitadas para esclarecer dúvidas e
compartilhar resultados. Foi o único grupo que compreendeu e elaborou programas cognitivos
de acordo com a abordagem.
APAE 03: O fisioterapeuta responsável pela condução dos programas começou a atuar
sem ter um curso prévio com um condutor. Sua formação aconteceu durante os cinco
meses do Projeto. Este grupo está iniciando o processo de aprendizagem da Educação
Condutiva. Mantém harmonia e união grupal, além de demonstrar criatividade na
elaboração de canções que favorecem os diferentes programas. Os profissionais
apresentam ainda as seguintes características:
•
Compreendem a diferença entre tarefa e exercício físico.
•
Boa aprendizagem em dirigir e orientar os facilitadores.
•
Estão em processo de aprendizagem para manter uma rotina de trabalho.
•
Precisam continuar aprendendo sobre as teorias da aprendizagem para dar maior qualidade
à parte cognitiva.
A grande conquista deste grupo foi a compreensão da diferença entre exercício e
tarefa, evidenciada nos últimos dias da pesquisa, notadamente na ação com os alunos. Os
demais grupos não chegaram a esta compreensão. É importante salientar a participação da
coordenação pedagógica no trabalho, depois de ter sido solicitada pela pesquisadora.
Em relação ao grupo da FCEE, a condutora Raquel pontuou que ele é constituído por
alunos com dificuldades na compreensão, por isso a aprendizagem dos profissionais em
relação à Educação Condutiva nunca foi posta realmente em prática. Segundo ela, o trabalho
que desenvolvem se dirige essencialmente a reabilitar e estimular a parte cognitiva dos
alunos, usando estratégias da Educação Condutiva para despertar a consciência do ser em
todos os âmbitos: social, cognitivo, motriz e emocional.
58
Ao se referir às necessidades dos profissionais da FCEE, a condutora destacou que
eles estão iniciando o processo de aprendizagem e compreendem que a Educação Condutiva
está dirigida para pessoas com bom nível cognitivo, em função de toda a dinâmica prevista no
método pedagógico-terapêutica, pelo qual o aluno aprende a mover seu corpo. O grupo
mostrou disposição e motivação para continuar o trabalho, entendeu a linha de trabalho
voltada às necessidades dos adolescentes e complementou o programa oferecido pela
condutora, conferindo-lhe variedade, sem se afastar da essência da abordagem. Recomenda-se
a estes profissionais, se têm interesse em continuar a aprendizagem da Educação Condutiva,
que busquem um grupo de alunos que pode ser beneficiado diretamente com o método.
A condutora salientou que os profissionais precisam continuar com as pautas de
trabalho recomendadas para otimizar a reabilitação do grupo e dar prosseguimento à sua
aprendizagem, apoiando-se nas premissas da Educação Condutiva. Também sugeriu a eles:
•
Organizar o tempo de trabalho.
•
Dirigir temas cognitivos dentro do esquema de trabalho orientado.
•
Considerar a rotina de trabalho sem interrupções.
A aprendizagem de todos os grupos cresceu muito em relação à Educação Condutiva,
principalmente durante a elaboração do programa final, momento em que todos os
profissionais de cada instituição sentaram, mais uma vez, para discutir e tomar decisões com o
grupo. E aí se manifestou a criação coletiva, tecida por muitas mãos...
Entretanto, ainda há muitos aspectos a serem qualificados. Tem-se a impressão de um
processo interrompido. Os cinco meses foram insuficientes para tantas aprendizagens!
A condutora também avaliou o grupo de profissionais do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação, sob sua orientação, quanto ao processo de aprendizagem.
Segundo ela, o grupo está iniciando um processo de aprendizagem que precisa se consolidar
para atender às demandas do grupo. É preciso considerar que, para ter uma melhor
aprendizagem e poder continuar como facilitador no grupo, é necessário:
•
Ter maior conhecimento teórico para beneficiar o trabalho como facilitador e conhecer as
exigências da Educação Condutiva.
•
Aprender com maior insistência as formas de facilitação e poder estimular o movimento
ativo de cada aluno.
59
•
Ter maior conhecimento sobre as teorias da aprendizagem para beneficiar o programa
cognitivo.
A condutora frisou que, neste caso, a aprendizagem é um processo individual, movido
pela vontade, pela constância e pelo interesse de cada um. Cumpre mencionar que as
divergências entre os membros do grupo criaram dificuldades que se mantiveram ao longo
dos cincos campos43 da Educação Condutiva. Os profissionais receberam todas as orientações
necessárias para manter o foco no grupo de alunos e superar as dificuldades, mas este
processo nem sempre foi tranqüilo.
Segundo a condutora, o trabalho em grupo é difícil porque implica encontrar equilíbrio
entre os participantes, conhecer o papel que cada um tem dentro do grupo e desempenhá-lo
com profissionalismo. É preciso considerar também que a formação de um grupo de
Educação Condutiva tem como regra básica a aprendizagem. O profissional que participa do
programa assume o compromisso inicial de aprender a abordagem, pois ela é estruturada para
se trabalhar diretamente com a complexidade do ser humano.
Este grupo não elaborou programas, uma vez que esta função coube à condutora, mas
os profissionais tiveram uma formação intensiva, atuando como facilitadores durante três
horas diariamente. Conviveram o tempo todo com o duplo desafio: aprender e ensinar.
43
O termo “campo” se refere ao período de desenvolvimento dos programas. Neste grupo, cada campo durou
quatro semanas. Ao término do campo, a condutora elabora novos programas, considerando os avanços do
grupo.
60
4 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO CONDUTIVA: PEQUENOS / GRANDES
AVANÇOS
Este capítulo é reservado para discutir as contribuições da Educação Condutiva para
alunos com paralisia cerebral, participantes do grupo do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Condutiva.
Como já mencionado anteriormente, seria incoerente avaliar as contribuições da
Educação Condutiva com os alunos das demais instituições, pois o trabalho nelas
desenvolvido estava muito distante da essência da abordagem.
Mesmo assim, a pesquisadora ousa falar dos grandes avanços percebidos nos alunos
destes grupos em relação aos atendimentos dos anos anteriores. Eles foram mais significativos
no que diz respeito às aquisições motoras, desenvolvimento da linguagem, compreensão,
atenção e alimentação. As famílias também relataram importantes evoluções.
Interessa, neste momento, enfatizar as contribuições da Educação Condutiva a partir
do “grupo referência” do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Condutiva, que
foi monitorado diretamente da condutora.
O grupo de alunos se beneficiou pela dinâmica positiva e estruturada que oferece a
Educação Condutiva. Todos apresentaram mudanças importantes, representadas por
conquistas motoras, cognitivas e afetivas, associadas na configuração de uma personalidade
ortofuncional que permite a eles uma maior independência no contexto de sua funcionalidade.
Há que se considerar que a maioria dos integrantes deste grupo é adolescente com
sérios comprometimentos motores e muitas posturas erradas. Geralmente, para um grupo com
este perfil, a prioridade é manter uma postura correta, sem deixar de estimular a intenção de
movimentos.
O trabalho com este grupo iniciou com uma avaliação realizada pela condutora e com
a presença de um familiar. A pesquisadora filmou esses momentos.
A rotina de trabalho foi de três horas diárias e envolvia a massagem, programa
cognitivo, programa deitado, programa sentado e programa preparatório para em pé, além
de um momento para tomar um suco e fazer higiene pessoal.
61
A massagem foi muito intensa e tinha a duração de cinqüenta minutos, com o objetivo
de relaxamento e alongamentos, necessários para atender o perfil deste grupo. Um dos alunos,
devido ao quadro de hipotonia, teve a massagem diferenciada, com movimentos mais
dinâmicos e com impacto.
Os programas levaram em conta os objetivos específicos de cada aluno e também os
objetivos grupais, bem como objetivos para curto e longo prazo. A cada novo programa a
complexidade ia aumentando. Durante o trabalho inicial, a preocupação maior foi preparar o
corpo para depois fazer o movimento ativo. Em determinado momento, a condutora afirmou:
“Não buscamos o movimento perfeito, mas a intencionalidade. Quando o aluno tem muitas
dificuldades, eu faço por ele para, no futuro, ele ter uma intenção”.
De forma progressiva no decorrer dos programas, os alunos foram sendo desafiados
para dar respostas ativas. E esta resposta veio principalmente dos alunos com melhor nível de
compreensão.
A seguir, a pesquisadora apresenta alguns resultados observados, que foram discutidos
e analisados com a condutora:
Aluno 01: O aluno alcançou todos os objetivos previstos, inclusive a estabilização da
lordose44, que era um objetivo em longo prazo. A maior relaxação dos membros
superiores e inferiores permitiu que ele fizesse o movimento ativo. Pelo seu bom nível de
compreensão, entendeu a expectativa do grupo e se esforçou para atingir os objetivos.
Começou a realizar todos os movimentos que faziam parte dos programas de maneira
ativa e com pouca facilitação manual. Teve conquistas em todas as trocas de posturas e
transferências. Passou a se comunicar mais e com maior segurança.
Aluno 02: Aluno com bom nível cognitivo, mas com personalidade passiva que o impedia
que mostrasse tudo o que podia fazer tanto na área motora como cognitiva. Era um mero
expectador do seu contexto. Com a mudança de personalidade passiva para ortofuncional,
as conquistas motrizes começaram a surgir e ele passou a ter maior independência motriz
com seus membros superiores e inferiores, evidenciada por troca de postura e manutenção
de postura sentada no solo e em banco com apoio frontal. Começou a produzir sons como
resposta a uma interação de linguagem.
44
Lordose é um termo médico usado para designar o aumento anormal da curvatura lombar ou cervical da
coluna vertebral,
62
Aluno 03: Aluno com grande comprometimento motriz, mas com bom nível cognitivo
que lhe permitiu aprender e se adaptar à rotina de trabalho da Educação Condutiva. Teve
avanços na área motriz: relaxamento corporal, de costas, pescoço, membros superiores e
inferiores. Demonstrou intenção do movimento com seus braços e pernas e também
intenção de troca de posturas. Quanto à linguagem, procurou manter uma comunicação,
por meio de palavras e outros sons, durante os programas.
Aluno 04: Demonstrou ter funcionalidade motriz que lhe permite uma independência,
além de bom nível cognitivo que favoreceu a compreensão e a aprendizagem da rotina de
trabalho. Sua grande evolução foi aprender a mover seu corpo de modo correto e de forma
ativa. Realizou todos os programas de maneira independente, somente ouvindo a
condutora, e manteve a postura em pé por poucos minutos, sem facilitação. Fez
transferência da postura sentada para em pé sem facilitação (manual ou instrumental). Na
linguagem, produziu mais sons.
Aluno 05: Aluno com características autistas, mas com nível cognitivo que lhe permitiu
aprender a rotina do programa. Apresentou melhor adaptação de conduta que favoreceu
sua participação dos programas de forma ativa e com facilitação. Manteve posturas sem
movimentos estereotipados.
Aluno 06: A maior conquista do aluno foi aceitar posturas adequadas em todas as
posições e deixar guiar seu corpo mediante a facilitação manual. Teve maior intenção em
segurar objetos e instrumentos, com diminuição da facilitação. Apesar de seu grande
comprometimento cognitivo, apresentou indícios de melhora na atenção.
Aluno 07: O resultado mais importante foi a adaptação da conduta deste aluno, o que
favoreceu movimentos ativos dentro da rotina de trabalho. Sua dificuldade de pensamento
lógico dificultou a ele encontrar o sentido da tarefa. Seu estado motriz se beneficiou pelas
massagens e alongamentos, mas são mudanças mínimas, pois, conforme se constatou, ele
não relaxa manualmente e precisa de facilitação instrumental.
Estes resultados podem ser analisados a partir de dois ângulos: podem ser
considerados como pequenas conquistas dentro de um contexto maior e como grandes
conquistas em relação à diferença que fazem na vida do aluno. Para exemplificar, a
pesquisadora traz um momento do programa que envolveu o aluno 03: a facilitadora dobrou a
perna do aluno (ele não conseguia fazer isso sozinho) e a condutora pediu que ele esticasse a
63
perna, dando início a um esforço muito grande por parte do aluno, com o corpo todo. A
condutora o incentivou e, minutos depois, em um só impulso, ele esticou a perna. O grupo
comemorou muito.
Esticar a perna não foi a ação mais significativa. O mais importante é que ele teve a
intenção do movimento, fez o movimento consciente. E se ele conseguiu fazer uma vez, é
indício de que poderá continuar fazendo. E aí entra novamente o papel do condutor de ir
aumentando o nível de complexidade.
Por isso a facilitação correta do professor é imprescindível, pois se o aluno tem a
intenção do movimento e o professor faz por ele, rompe o processo. A aprendizagem do aluno
está diretamente ligada à qualidade da facilitação.
Assim, é preciso considerar que os professores deste grupo estavam também em
situação de aprendizagem e, provavelmente, este fato teve reflexos no desempenho dos
alunos. Entretanto, a supervisão constante da condutora foi fundamental para que as
facilitações acontecessem com qualidade cada vez maior.
A partir destes resultados, percebe-se que a Educação Condutiva traz muitas
contribuições para os alunos com paralisia cerebral e se configura como uma abordagem
complexa, mas que pode abrir novas perspectivas para estes alunos. Esta é uma justificativa
mais que suficiente para dar continuidade ao trabalho desenvolvido nesses cinco meses.
64
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desta pesquisa apontam que a Educação Condutiva traz muitas
contribuições para os alunos com paralisia cerebral, pois busca sempre o movimento ativo e
consciente. Entretanto, os resultados são mais evidentes quando o aluno consegue
compreender e aprender a rotina de trabalho.
Em relação ao trabalho desenvolvido nas APAEs, ainda se configurando como uma
abordagem em construção, há muitos resultados significativos com os alunos, principalmente
no que diz respeito às aquisições motoras, desenvolvimento da linguagem, compreensão,
atenção e alimentação. Pelo relato dos profissionais, a qualidade dos atendimentos oferecidos
a estes alunos com base na Educação Condutiva é superior à verificada em propostas de
trabalhos anteriores.
Como nas instituições participantes, os profissionais ainda estão em processo de
aprendizagem, não se estabeleceu relações entre a periodicidade e a duração dos atendimentos
nos grupos com os alunos. Pelo que foi observado, o grande diferencial foi a organização e a
qualidade deste atendimento e não exatamente o fator tempo.
Em relação aos alunos do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação
Condutiva, todos tiveram conquistas importantes, principalmente nos aspectos motores,
cognitivos e afetivos e agora mostram uma personalidade ortofuncional que permite a eles ter
uma maior independência no contexto de sua funcionalidade. São mudanças pequenas, mas
significativas e ocorridas em curto espaço de tempo, ou seja, de julho a dezembro de 2007.
Para que estas aquisições sejam mantidas e ampliadas é necessária a continuidade do trabalho.
A formação do profissional, na perspectiva desta pesquisa, foi um aspecto muito
importante. A Educação Condutiva, que a princípio era entendida como uma abordagem de
fácil compreensão, revelou ao grupo, inclusive à pesquisadora, toda a sua complexidade.
Em um processo muito intenso de aprender e ensinar, muitas crises apareceram, mas
foram amenizando aos poucos, na medida em que aumentou o entendimento sobre a teoria.
Contudo, cabe ponderar que o processo de aprendizagem dos profissionais ainda não está
consolidado, mas em processo de elaboração. Este é um consenso entre os participantes.
65
O término deste Projeto dá a impressão de que se está interrompendo o processo.
Foram poucos meses para um aprendizado tão intenso. O atraso da condutora, devido a
problemas com o visto, prejudicou a organização dos trabalhos, neste sentido.
Há um consenso entre fisioterapeutas, professores e demais profissionais no que se
refere à qualidade desta abordagem. Os fisioterapeutas, que atuaram como líderes dos
programas, compararam seu trabalho anterior à pesquisa com o atual e indicaram preferência
por este. Os professores, por sua vez, mencionaram a importância do aprendizado deste ano.
Em se tratando dos professores, é importante que tenham um papel mais ativo neste
processo, que reflitam sobre a sua prática e que possam contribuir mais com as questões da
Educação. Não se deve negar as teorias da aprendizagem já conhecidas, mas apoiar-se nelas
para entender a Educação Condutiva. Nos contextos onde o professor se fez presente
ativamente, os resultados foram melhores.
A pesquisa demonstrou a relevância da formação profissional e do trabalho coletivo –
cabe lembrar que todas as ações ocorriam nos grupos: os estudos, as discussões, assim como
os desabafos, enfim, todos os momentos vividos...
Contrariando a expectativa inicial, a pesquisa revelou que não é possível implantar a
Educação Condutiva em outros centros educacionais especializados do Estado de Santa
Catarina sem a presença ou assessoria direta de um condutor. Este fato se deve à
complexidade da abordagem. Mesmo os profissionais que participaram dos cursos e deste
Projeto ainda não dominam todos os pressupostos desta abordagem. Esta conclusão é
compartilhada por todos os fisioterapeutas e demais profissionais envolvidos no Projeto.
Até mesmo nas instituições que já desenvolvem estratégias da Educação Condutiva, se
não houver a assessoria de um condutor, o processo de aprendizagem dos profissionais poderá
estabilizar ou, muito provavelmente, retroceder.
Houve um grande investimento de recursos humanos e materiais por parte das
instituições, do Instituto Guga Kuerten e da Fundação Catarinense de Educação Especial.
Hoje se tem a certeza de que estes recursos foram investidos em uma abordagem que
realmente oferece novas possibilidades para os alunos com paralisia cerebral.
Cientes deste fato, todos os profissionais e instituições ficam apreensivos com relação
aos desdobramentos da Educação Condutiva no Estado, pois este Projeto e as demais ações
relacionadas se encerram no término deste ano e, a partir de então, cada instituição se
responsabilizará pelos encaminhamentos em seu espaço. A principal preocupação está
66
concentrada na necessidade de alguma forma de assessoria, uma vez que a aprendizagem dos
profissionais ainda está em construção.
Uma estratégia viável, sugerida pela pesquisadora e discutida nos grupos, é a
consolidação de espaços que desenvolvam a Educação Condutiva em sua essência, com a
presença de condutores, para que, em um futuro próximo, possa se oferecer um curso de
especialização em Educação Condutiva no Estado, buscando estabelecer parcerias com
instituições da Hungria ou da Inglaterra. Este procedimento é necessário, pois a aprendizagem
da Educação Condutiva necessita da prática. Para construir esses espaços com qualidade, é
imprescindível a presença de facilitadores motivados para aprender.
Conscientes de suas necessidades, as APAEs participantes deste Projeto discutem as
possibilidades de contratar um condutor e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
Educação Condutiva já está contratando um condutor para continuar o trabalho.
Diante deste panorama, torna-se fundamental a manutenção do convênio com a FCEE,
a fim de garantir a cedência de professores para atuar como facilitadores, bem como o
empenho de todas as instituições envolvidas com este Projeto no sentido de sua continuidade.
Aliás, até mesmo por uma questão de ética, não se pode interromper um processo que mostrou
tantas possibilidades para os alunos com paralisia cerebral. Foi criada uma expectativa para
eles e esta deve ser mantida.
Para finalizar, pode-se afirmar que a Educação Condutiva surpreendeu pela sua
complexidade, pelas exigências, pelos resultados e também pela intensidade do envolvimento
dos profissionais com estudos, reflexões, discussões, mudanças, crises..., mas, acima de tudo,
pelo grande desejo dos profissionais de desenvolver um trabalho que promovesse o
desenvolvimento pleno do aluno com paralisia cerebral.
67
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2000.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação.
Portugal: Porto Editora, 1994.
CONDUCTIVE EDUCATION AND FEUERSTEIN. Disponível em: <http://andrewsutton.blogspot.com/>. Acesso em: 21 nov. 2007.
HÁRI, Maria. The human principle in conductive education. Budapest: International Petö
Institute, 1988.
LEBEER, Jo. Conductive education and the mediated learning experience theory of
Feuerstein. European Journal of Special Needs Education, v. 10, n. 2, p. 124-137, 1995.
PARALISIA CEREBRAL. Departamento de Informática Médica – Hospital Policlin.
Disponível em: <http://www.policlin.com.br/drpoli/130>. Acesso em: 14 dez. 2007.
PARALISIA CEREBRAL. Disponível em:
<http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm> Acesso em: 10 dez.
2007.
SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafios à teoria e à prática de avaliação e
reformulação de currículo. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
SHEPHERD, Roberta. Fisioterapia em pediatria. Tradução: Hildegard Thiemann Buckup.
3. ed. (em português). São Paulo: Santos Livraria Editora, 1996.
TATLOW, A. Analogias entre a teoria de Vigotski/Luria e a abordagem de Petö. In:
Congresso Internacional de Jerusalém, 1997. Digitado.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. Obras escogidas. Visor: Madrid, 1997.

Documentos relacionados

A educação condutiva como possibilidade de desenvolvimento e

A educação condutiva como possibilidade de desenvolvimento e metodológicos que norteiam a Educação Condutiva, organizando um material em língua portuguesa que possa subsidiar o trabalho de pais, professores ou profissionais da educação, implicados com a para...

Leia mais