um estudo de caso da dc comics

Transcrição

um estudo de caso da dc comics
FACULDADE REGIONAL DA BAHIA
BACHARELADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO
EM JORNALISMO
FABIANA ARAÚJO DA SILVA
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA ADULTOS: UM
ESTUDO DE CASO DA DC COMICS
Salvador
2009
FABIANA ARAÚJO DA SILVA
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA ADULTOS: UM
ESTUDO DE CASO DA DC COMICS
Monografia apresentada ao Curso de
graduação da Universidade Regional da
Bahia. Como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em
Jornalismo.
Orientadora:
Santos
Salvador
2009
Bartira
Telles
Pereira
FABIANA ARAÚJO DA SILVA
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA ADULTOS: UM ESTUDO DE CASO
DA DC COMICS
Monografia submetida à avaliação dos professores integrantes da Banca Examinadora
da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB, como parte dos requisitos parciais para
obtenção do Grau de Bacharel em Jornalismo.
Aprovada em 18 de dezembro de 2009.
Banca Examinadora
___________________________________________________________________
Bartira Telles Pereira Santos – Orientadora
Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação
Universidade Federal da Bahia
___________________________________________________________________
Benedito Carlos Libório Caires Araújo –
Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Catarina.
___________________________________________________________________
Sara de Almeida Borges – Coordenadora Acadêmica
Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito
Universidade Federal da Bahia
Salvador
2009
A Deus que criou o mistério, a meus pais
que me fizeram numa noite inspiradíssima,
a todos os meus ancestrais que se uniram
para que um dia eu existisse, ao meu finado
avô que queria me ver na televisão, a minha
finada tia dos bolinhos de chuva e a todos
os anos de minha infância.
AGRADECIMENTOS
A Deus e a todos os anjos e santos que traçaram um destino vibrante que minha
alma se dispôs a viver. Quero agradecer a tudo de bom que existe no mundo e por
minha vida ser o que é.
A minha “mainha” linda, Célia, fofa e das bochechas rosadas, que sempre
implica comigo por causa de bobagens do dia a dia e me ajuda de todas as formas
possíveis e impossíveis, cuidando inclusive do meu dinheiro e corrigindo meu
português ridículo, indo na minha cama e me dando colo, que deixa eu coçar sua
cabeça, que me protegeu de ser roubada na maternidade do hospital deitando em cima
de mim e quase me sufocando.
Ao meu “painho” Arlindo, um pernambucano arretado, que sacrifica dias e
noites para nos sustentar, costurando ternos belíssimos, que é bem bravo também e já
aprontou poucas e boas, mas que nos ama incondicionalmente. Agradeço a todas as
tardes bêbadas nas quais ele pegava minha irmã e eu, e saía conosco para se aventurar
em algum morro ou só mesmo pra nos comprar um pirulito ou uma Coca-Cola e todas
as manhãs dos dias 2 de novembro no cemitério, limpando e pintando o túmulo de
minha querida avó que nem cheguei a conhecer.
A minha irmã, minha fofinha e grandona Maria Fernanda, a menina mais linda
do mundo, que tem uma habilidade com as mãos e um dom para a vaidade jamais vistos
por mim. Que me chama no meio da noite durante seu sono de pedra, que me
acompanha sempre que a preguiça deixa, que guarda meus segredos e é, e sempre foi
minha companheira de traquinagens, de atear fogo nos papeis higiênicos da lixeira, de
estourar montes de bombas no São João. Minha adorada Bolota!
A meus tios e tias e primos que estiveram presentes durante a minha vida e
aqueles que se importam muito comigo, mas que por força da falta de dinheiro não
estão próximos.
Obrigada Padrinho e Madrinha, Neves e Jordão, que além de tios são
verdadeiros pais pra mim.
Obrigada a meus avós, Cecília e Pedro, por todas as tardes maravilhosas no areal
do bairro do Verde Horizonte.
Obrigada meu Vô Belino, pelas histórias de sua infância na década de 1920, que
tanto me fizeram rir. Sua “Palito” agradece infinitamente todos os dias que passamos
juntos. Você continua vivo em minha mente e meu coração.
Obrigada minha tia Zelina, por todas as tardes na sua casa, admirando seu jardim
no beco, no quarto do meu primo escrevendo naquela máquina velha, olhando sempre
através das janelas de ferro e vidro que davam para o quintal com areia bege e mato.
Obrigada pelos bolinhos de chuva e por se tornar uma das lembranças mais fortes de
minha infância. Um dia a gente se reencontra, nem que seja no dia do Juízo Final.
Obrigada meninas da comunidade Jack Sparrow e Elizabeth Swann do Orkut,
que me divertem e são meu refúgio nos momentos de alegria e tristeza, nossa amizade
transcende o preconceito contra amizades virtuais!
Obrigada a Johnny Depp por me encantar e me fazer descobrir o que realmente
quero fazer na vida.
Obrigada Bárbara Silva, que me fez conhecer as mais belas canções do mundo e
que me alegra o coração. A minha artista preferida!
Obrigada Yasmim Deschain, por partilhar comigo o amor por Watchmen e por
Eddie e Sally!
Obrigada Cristiane Silva, sempre sarcástica e Catarina Xavier sempre doce, suas
doidas!
Obrigada Gustavo Valente, pelas “nerdices” compartilhadas via internet.
Obrigada por todos os desabafos recíprocos e por todos os desejos de sucesso!
Obrigada pessoal da Escola Luis Rogério. Obrigada Pró Mercês, por tudo que
me ensinou e pelo carinho que me dedica. Obrigada Prof. Gabriel, por me repreender
por ter riscado a parede. Obrigada Pró Ionara, por me mostrar que eu podia aprender
Matemática. Obrigada Pró Gina por devolver minhas revistas de Animes Japoneses.
A todos os meus colegas que “pescaram” comigo, que votaram em mim pra
vice-líder da sala pra eu poder esconder nossa bagunça. Por todos os jogos de “bafo” de
cartinhas Pokémon e as discussões e comentários sobre Dragon Ball Z com os meninos.
Por todos os lanches da cantina e empurrões na fila da merenda, por cada feijão voador
que atirávamos em quem quer que cruzasse o pátio!
Obrigada Colégio Polivalente de Camaçari, meu querido Carandiru, que me fez
conhecer as pessoas mais especiais de minha adolescência. Obrigada Elizângela por me
salvar e por me mostrar que eu não era tímida e nem tinha motivos pra ser triste.
Obrigada Professor Luiz Alberto, que me ensinou Matemática de Verdade. Obrigada a
Lucicleide “Creuza” que me divertiu durante um ano inteiro. Obrigada Almir,
Anderson, Jean, Everton e Aidan, por todas as tardes de bagunça, por todas as fugas do
colégio pra ir ao cinema, por tudo, tudo mesmo! Obrigada Rose e Geisiane, duas doidas
que amo!
Obrigada pessoal dos ônibus do transporte universitário da prefeitura de
Camaçari, estudantes, fiscais e motoristas, por todas as tardes e noites desse calvário
que é a faculdade. Obrigada em especial a Maísa, Dil, Leila e Edvânia pela amizade e
ajuda na hora do sufoco no meio da estrada quando o ônibus quebra ou quando me
atraso.
Obrigada pessoal da Oficina de Teatro da Cidade do Saber, por me
proporcionarem fazer o que eu realmente amo, que é atuar. Maick e Tato, obrigada por
me ensinar o valor que o ator tem no mundo. Obrigada Fernanda Crescêncio, minha
irmã Borboleta, por ser parte da minha vida. Jessikona, obrigada por tudo!
Obrigada Jucilene Oliveira, por ter me proporcionado um dos trabalhos mais
legais do mundo: cuidar da gibiteca da Cidade do Saber, cheia de livros infantis e gibis
da Turma da Mônica, dos X-men e Batman.
Obrigada a Reginaldo, Ozana, Leninha, Josafá e todos os funcionários da Cidade
do Saber pelos dias de aprendizado, trabalho e diversão.
Obrigada Fábio Lima, meu “Gordinho Sensual” por todas as manhãs de
discussões sobre a vida na Terra, a morte da bezerra, política, ideologias, a guerra dos
sexos e o amado rock’n’roll.
Obrigada Cléber Almeida, pela atenção que me dispõe e por compartilhar o
amor incondicional ao Corinthians Paulista e ao grunge.
Obrigada Erika, Jordânia, Marcela, Agnaldo, Franco, Diego e todos os colegas
que passaram pela turma de Jornalismo da UNIRB. Eu sempre soube que seríamos os
únicos dos únicos, pois não há no mundo ninguém mais jovem e forte como cada um de
nós. Obrigada por cruzarem meu caminho, por todas as “pescas”, por todos os trabalhos,
todos os xingamentos, todos os estresses, todas as aventuras, todos os jornais e todas as
noites de alegria e agonia na faculdade.
Obrigada a todos do Camaçari Notícias por me proporcionarem um contato tão
intenso com a arte de ser jornalista.
Obrigada aos professores de UNIRB, que suportaram uma turminha tão inquieta
e barulhenta. Obrigada especial a Bartira “Tita” Telles, a pró mais fofa que eu já tive,
Benedito “Beka”Libório, otaku, Moabe Breno e suas teorias lacanianas, Cláudia
Oliveira, Regina Rocha, Herrera, Ricardo, Marta Cardoso, Leila Bárbara, Márcia
Rocha, Claudiane e como esquecer do belo professor Marcelo Gentil.
Obrigada a Kurt Cobain e Heath Ledger, onde quer que estejam. Meus anjos e
minhas inspirações de todos os dias.
Obrigada também aos meus inimigos declarados ou não, por tudo de ruim que
fizeram comigo, pois me ensinaram que a vida não é um mar de rosas e que nem todo
mundo me ama e me quer bem.
Enfim, obrigada mais uma vez Deus, por tudo o que vivi, sorri, chorei e sofri nos
poucos anos de minha vida, pois sei que todas as pessoas que passam por ela, amigos,
inimigos, colegas, têm uma importância incrível, e me ajudaram – mesmo que eu não
me recorde delas por um bom tempo ou que elas saibam disso – e que sempre serão
parte de meu sucesso, do sucesso que desde os seis anos de idade sei que terei.
“Não enfrente monstros sob pena de te tornastes
um deles, e se contemplas o abismo, a ti o abismo
também contempla.”
Friedrich Wilhelm Nietzsche
SILVA, Fabiana Araújo da. Histórias em quadrinhos para adultos: um estudo de caso
da DC Comics. p. 57. 2009. Monografia – Curso de Bacharelado em Jornalismo,
Faculdade Regional da Bahia, Salvador, 2009.
RESUMO
Essa monografia apresenta como objeto de estudo as histórias em quadrinhos para
adultos publicadas pela editora norte-americana DC Comics. A DC é uma das maiores
editoras do mundo e criadora do gênero de super-heróis. Dona de ícones da cultura pop,
como Batman, Superman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Watchmen, Hellblazer e
tantos outros. O estudo de caso dos quadrinhos da DC Comics se torna necessário
porque, além de criar um gênero no qual uma gigante indústria de entretenimento se
alicerça, a DC revolucionou as formas de fazer gibis nos anos de 1980 do século XX,
quando lançou histórias mais maduras que hoje são citadas como obras primas da
literatura mundial, além de inovar e introduzir novas estruturações de narrativas, corres
e temáticas. Suas obras mais importantes são citadas neste trabalho, bem como os
aspectos históricos, psicológicos e sociais da época em que foram concebidos. Um
breve histórico da arte e a censura sofrida durante quase 30 anos também é apresentada
no texto.
Palavras-chave: quadrinhos para adultos, DC Comics, Batman, Watchmen, super-heróis.
SUMÁRIO
2 QUADRINHOS E BALÕES – DAS TIRINHAS ÀS EDIÇÕES DE LUXO
14
2.1 DAS CAVERNAS AO IPOD
14
2.2 [...] 1938, NASCE O FILHO DE KRYPTON
19
2.3 O SURGIMENTO DA DC COMICS
23
3 NONA ARTE – DAS FRALDAS AO MANICÔMIO
26
3.1 A SEDUÇÃO DO INOCENTE E O COMICS CODE – A INFÂNCIA
TRAUMATIZADA, PERVERSÃO E DELINÜÊNCIA
26
3.2 CORPINHO AMERICANO, CABECINHA INGLESA - A INVASÃO BRITÂNICA
E A GUERRA FRIA NOS QUADRINHOS DA DC
34
4 MOCINHOS, BANDIDOS E JUSTIÇEIROS – CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO
DO MITO
35
4.1 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA ADULTOS – HERÓIS
DESCONTRUÍDOS TÃO BRUTALMENTE QUANTO SEUS VILÕES
PERVERSOS
SÃO
SÃO
36
4.2 ANTI-HERÓIS – VILÕES, HERÓIS, UM POUCO DOS DOIS OU NENHUM?
38
4.3 WATCHMEN – A LINHA TÊNUE ENTRE VIGILANTISMO E VILANISMO
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
53
REFERÊNCIAS
55
INTRODUÇÃO
As histórias em quadrinhos, popularmente chamadas pela abreviação “HQ”
começaram a ser publicadas em jornais no final do século XIX.
Os super-heróis, que hoje povoam as HQs, surgiram nas páginas das revistas da DC
Comics e foram publicados com a intenção de serem modelos de bondade, altruísmo, força e
benevolência para com as pessoas de bem, suas narrativas eram simplistas e direcionadas ao
público infantil. Eles eram exemplos da moral pregada na sociedade do início do século XX.
No decorrer de sua breve história, os heróis dos quadrinhos passaram por
transformações, o contexto histórico e político da época em que foram criados mudou com o
passar dos anos e por conta disso vieram as inevitáveis adequações para que se encaixassem
no novo panorama cultural mundial.
Nos anos 80 do século XX, as narrativas dos quadrinhos passaram a mostrar um lado
mais obscuro e cru da sociedade e as histórias ficaram mais sombrias, os super-heróis
começaram a ter sua imagem quase divina sendo desconstruída e se viram paulatinamente
transformados em anti-heróis, personagens que têm algumas atitudes dignas do heroísmo
clássico, mas que agem assim por motivos egoístas ou distorcidos e se negam a serem
chamados de heróis. Também são, na maioria das vezes, vilões que causam empatia no leitor
por tomarem atitudes aparentemente inexplicáveis e dignas dos heróis.
A linha que separa anti-heróis de vilões é tênue, pois um deriva da complexidade de
atitudes do outro, que por sua vez, derivam do modo de agir heróis.
Nos quadrinhos, muitos heróis famosos se tornaram tão imperfeitos quanto quaisquer
seres humanos e passíveis de erros, dos menores aos que poderiam causar catástrofes em
escala mundial, de acordo com a carga de poder da personagem.
A densidade psicológica das personagens, dos heróis e principalmente dos anti-heróis
e vilões passou a ser regra para chamar a atenção do público adulto que cada vez mais se
identificava e era seduzido com essas narrativas mais maduras e complexas, na maioria das
vezes questionadoras de aspectos da vida social. O tratamento de temas polêmicos como
violência em todas as suas formas, sexo, perversões e a densidade das narrativas chamaram a
atenção tanto dos adultos como das crianças “prodígio”, sedentas cada vez mais por temas
obscuros e proibidos para eles, temas estes que antes não eram abordados em quadrinhos.
11
A DC – Detective Comics é responsável por algumas das histórias consideradas
divisoras de águas entre a passagem da fase infantil para adulta dos quadrinhos. Em 1986, a
DC lançou Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons, considerada por críticos, aficionados e
especialistas na área de quadrinhos como a melhor graphic novel (romance gráfico) já escrita
e a que mais se aproxima do que Will Eisner1 (1917-2005) chamou de narração seqüencial.
Watchmen hoje é citada como um exemplo a ser seguido graças a sua qualidade
narrativa, assim reconhecida por ter introduzido uma linguagem e abordagem mais madura,
antes só usada em HQs undergrounds (alternativas). Isso marcou o início das HQs adultas da
DC e de toda a indústria, pois antes de Watchmen, a opinião era de que a história em
quadrinhos era um gênero infantil e também não era considerada literatura.
Com o sucesso de Watchmen, lançado em 12 volumes, entre 1986 e 1987, as graphic
novels passaram a ser um formato amplamente utilizado. Watchmen, juntamente com A
Queda de Murdock e Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Maus, de Art
Spigelman iniciou o interesse dos adultos por histórias em quadrinhos.
A DC foi pioneira em dar espaço para escritores e desenhistas colocarem em prática
seus sonhos de “fazer os quadrinhos crescerem”, para que acompanhassem os que são adultos,
mas que liam gibis quando criança e também para chamar atenção para essa arte por parte dos
que sempre a consideraram diversão infantil.
Os autores viram nesse público mais adulto um modo de tornar a arte mais séria, mais
complexa e envolvente. O resultado dessa visão foi a elevação dos quadrinhos à categoria de
literatura. Logo depois surgiram os prêmios mais famosos, o Kirby Awards e o Will Eisner
Comic Industry Awards (mais conhecido simplesmente por Eisner), que premiam os melhores
dos quadrinhos de narrativa seqüencial.
Hoje, a DC é considerada responsável pelos super-heróis mais sombrios e humanos e
pelos vilões mais loucos dos quadrinhos populares, como por exemplo, John Constantine de
Hellblazer e o idolatrado Curinga, o maior inimigo do Batman.
A editora mantém o selo Vertigo, criado em 1993 e voltado estritamente para o
público adulto, com histórias que expõem sexo, violência, uso de drogas, perversões e
temáticas profundas, polêmicas e controversas.
A relevância desta monografia consiste em lançar uma luz sobre todo o processo de
amadurecimento dos quadrinhos de super-heróis, desde os primeiros anos, os anos da
inocência nas narrativas, até o calvário, com perseguições ideológicas, censura por parte do
1
Um dos maiores e mais importantes artistas, o maior influenciador dos quadrinhos e um dos que mais ajudaram
no desenvolvimento da arte. Credita-se a ele a criação do estilo de graphic novel, quando lançou A Contract with
God (Um Contrato com Deus) em quatro volumes no ano de 1978.
12
governo dos Estados Unidos, de um psiquiatra e dos pais das crianças que os liam, até que,
por fim, a liberdade chega, e primeiramente nas páginas da DC.
O motivo pelo qual o tema foi escolhido para este estudo está no fato de que a DC
Comics é uma das maiores e mais influentes editoras de quadrinhos no mundo inteiro e suas
obras adultas são comprovadamente marcos na história dos quadrinhos e da passagem das
narrativas da fase infantil para a adulta.
Deste modo, esta pesquisa visa analisar suas obras adultas, os mecanismos de
construção das narrativas e de seus personagens, principalmente anti-heróis e vilões, sua
influência nas artes literária, visual e seqüencial, já que a editora foi a primeira a apresentar o
formato de publicações que conhecemos hoje, publicando HQs não somente em tiras
fragmentadas em jornais como eram publicadas no inicio do século XX, mas as compilando
em revistas.
Em 1938, foi a primeira a introduzir os super-heróis nos quadrinhos, quando publicou
a revista Action Comics, que trazia histórias de ação e aventura e apresentou os dois heróis
mais famosos da editora e da história dos quadrinhos, o Superman (ou Super-Homem) que
apareceu em 1938, no primeiro exemplar, e Batman em 1939.
Com as mudanças políticas, culturais e sociais desde sua criação, os heróis passaram
por transformações para se adequarem aos novos padrões da sociedade.
As histórias em quadrinhos hoje movimentam um grande mercado e o
amadurecimento das narrativas se dá com mais força a partir da década de 1980 com a
publicação de Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons.
Publicada entre 1986 e 1987, Watchmen é uma graphic novel que hoje é considerada
muito mais que uma mini-série, de gibis por sua importância na literatura mundial, que
desconstrói o mito dos heróis os retratando como humanos que vestem capa e acham que
podem fazer “justiça”, o que acaba transformando-os em anti-heróis e quase vilões diante de
uma série de infortúnios no auge da Guerra Fria.
O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, um dos maiores roteiristas da atualidade,
humanizou o herói ao ponto dele hoje poder ser considerado quase um anti-herói devido às
suas reações e ações para com bandidos e seus maiores vilões. Nessa história, Miller
transforma o Batman em um homem obsessivo, psicologicamente abalado com a morte de
Robin, aposentado e atormentado por seu maior inimigo, o Coringa.
O processo de renovação das personagens antigos e a inserção de novas personagens e
tramas mais complexas do que o “mamão com açúcar” dos quadrinhos de antes da década de
1980, é um dos principais causadores do fenômeno chamado anti-heróis.
13
Antes disso, a visão patriota e moralista dos Estados Unidos era o principal tema das
histórias, que visavam divulgar boas maneiras, praticar o bem e defender os “fracos e
oprimidos” dos vilões, que nessa época eram abordados de maneira ridícula, pejorativa, mais
digna de pena do que ódio mortal.
Para melhor compreender esse fenômeno, é preciso analisar a natureza das
transformações da sociedade e dos quadrinhos ao longo do século XX e seu impacto na vida
das pessoas, pois os anti-heróis não são nem mocinhos nem vilões, são o meio termo, estão na
beira do abismo, mas algumas vezes cometem atos que os redimem de quaisquer outros que
possam ter sido falhos.
Os anti-heróis hoje são cultuados por sua brutalidade, crueza e rigidez moral e/ou
amoral, moral no sentido de que ninguém os convence de outra coisa que não esteja de acordo
com seus princípios, muitas vezes visões distorcidas da realidade social e da moral pregada
pela sociedade. É imprescindível dissecar os anti-heróis e os vilões das HQs adultas, para
melhor entender o seu papel na história, pois muitas vezes, quando não estão no papel do
herói, eles roubam a cena.
Para o desenvolvimento desde trabalho, foi usada uma pesquisa de natureza
exploratória, foi feita através de revisão de literatura.
Foram utilizados autores consagrados no gênero, como estudiosos, roteiristas e
desenhistas, além de fontes complementares como livros, teses, artigos e dissertações nas
áreas de Comunicação, Filosofia e Arte cujo tema seja quadrinhos, política, cultura, arte,
moral e história.
2 QUADRINHOS E BALÕES – DAS TIRINHAS ÀS EDIÇÕES DE LUXO
Neste primeiro capítulo, trataremos da arte seqüencial2, a arte de contar histórias na
ordem em que as coisas acontecem, arte esta que pode ser notada desde as paredes dos
templos egípcios até as compilações e edições de gibis3 de luxo.
O surgimento dos super-heróis na década de 1930, ocorrido nas páginas da Action
Comics da editora norte-americana DC Comics, um dos primeiros comic books4 a publicar
histórias compiladas numa revista só, ao contrário do que ocorria na época5, também é de total
importância.
Outro dado importante neste capítulo é a relação entre as HQs6 e a Imprensa, já que as
tirinhas e charges são, de certa forma, uma tradição nos jornais desde seu surgimento na
virada do século XIX até os dias de hoje.
2.1 DAS CAVERNAS AO IPOD
Atualmente as histórias em quadrinhos fazem parte da vida de qualquer pessoa que
tenha acesso a jornais, revistas, internet. Elas são publicadas e produzidas em várias partes do
mundo e não só no modelo tradicional de tiras de jornais ou revistas, mas também em sites na
forma de séries, charges ou críticas a um assunto relevante.
Ao longo dos mais de 80 anos de publicações periódicas de gibis, o modo de adquirir e
ler HQs mudou muito.
Quando pensamos em quadrinhos, logo Batman, Superman, Homem-Aranha, X-men e
Turma da Mônica vêm à mente. Para a “geração internet” essa premissa ainda é válida, mas
2
É um termo criado pelo desenhista e escritor Will Eisner em seu livro Quadrinhos e Arte Seqüencial, onde
define a arte seqüencial como “um veículo de expressão criativa, [...] uma forma artística e literária que lida com
a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma idéia.” (EISNER,
1989: 7). O termo também serve para designar as histórias em quadrinhos de um modo geral.
3
No Brasil, gibi é como as revistas onde se publicam histórias em quadrinhos são conhecidas. O Gibi era o nome
de uma revista publicada em 1939. Nesta época, gibi “significava moleque, negrinho, porém, com o tempo a
palavra passou a ser associada a revistas em quadrinhos e, desde então, virou uma espécie de ‘sinônimo’”.
Disponível em: http://www.universohq.com/quadrinhos/museu_gibi.cfm. Acesso em 28 de novembro de 2009.
4
Em inglês significa livro cômico. Os comic books também podem ser conhecidos simplesmente por comics. As
primeiras histórias em quadrinhos publicadas tinham, em sua maioria, teor cômico, irônico e por esta razão os
gibis nos Estados Unidos até hoje são assim conhecidos.
5
Nessa época, na década de 30 do século XX, a forma mais popular de se publicar histórias em quadrinhos era
no formato das tiras – que podem ser entendidas como uma seqüência de cinco ou seis quadros nos quais uma
pequenina história sobre algum personagem falando sobre a mitologia de seu universo ficcional, a realidade do
mundo na época de sua publicação ou uma crítica social geralmente bem humorada, apesar de quase sempre
ácida. Eram publicados em jornais.
6
Abreviação brasileira para histórias em quadrinhos.
15
hoje há uma produção tão grande de histórias que os clássicos não são os únicos a fazer
sucesso entre os fãs de HQs. Mas esse é um assunto para mais adiante. Por agora, comecemos
do princípio.
Segundo René Gomes Rodrigues Jarcem em seu artigo “História das Histórias em
Quadrinhos” para a revista online especializada em HQs, História Imagem e Narrativas, as
primeiras manifestações desse tipo de arte “são no começo do século XX, na busca de novos
meios de comunicação e expressão gráfica e visual. Com o avanço da imprensa, da tecnologia
e dos novos meios de impressão possibilitaram o desenvolvimento desse meio de
comunicação de massa.” (JARCEM, 2007: 2)
Mas pode-se dizer que a arte seqüencial, no seu significado mais primitivo, surgiu
juntamente com os homens das cavernas no período Paleolítico 7. Para embasar este
pensamento, basta observar que os desenhos rupestres dos nossos antepassados das cavernas
contavam a história do seu cotidiano através de cenas que representavam as caças, rituais,
sexo, enfim, tudo da natureza a sua volta. Os homens daquela época ainda não haviam
desenvolvido a escrita e essa forma de contar histórias, de se comunicar através de desenhos
gravados nas pedras pode ser considerada arte seqüencial. (ALVES, 2003: 7)
As paredes dos monumentos egípcios, também nos servem de exemplo, pois a vida
dos faraós, nobres, sacerdotes e seus deuses era contada através de relevos desenhados em
tumbas, pirâmides, palácios, papiros e templos. (McCLOUD, 1995: 13-14)
Outro exemplo vem da Igreja Católica, que através de desenhos em catedrais e vitrais,
contam a vida de anjos, de seus santos e do Cristianismo, prática que vem desde a
Antiguidade e Idade Média, até os dias atuais. (ALVES, 2003: 7-8)
Segundo McCloud (1995: 12), a Bayeux Tapestry do século XII também é um
fantástico exemplo de como a arte seqüencial é mais antiga do que o próprio criador do termo,
o escritor e desenhista Will Eisner.
Não se sabe ao certo quem bordou a tapeçaria, mas esta obra de cerca de 70 metros de
comprimento foi encomendada pelo bispo Odo de Bayeux em homenagem ao seu irmão,
Guilherme, O Conquistador. Ela mostra cenas com a vida dos nobres no final do século XI e a
batalha de Hastings, na qual as forças de Haroldo II, rei da Inglaterra, foram derrotadas por
Guilherme da Normandia, no ano de 1066 da Era Cristã. Com 58 cenas, a tapeçaria é uma
representação histórica nos moldes da arte seqüencial.8
7
Conhecido também como a Idade da Pedra Lascada. Compreende o período que vai de 2,7 milhões de anos
atrás até 10.000 a.C., ou seja, o maior da história humana. Data dessa época os primeiros vestígios de arte
rupestre. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/paleolitico.htm. Acesso em 28 de novembro de
2009.
8
Ver mais em: http://www.ricardocosta.com/textos/bayeux1.htm. Acesso em 5 de outubro de 2009.
16
Mais tarde, no final do século XIX, os jornais começaram a publicar as tirinhas, alguns
quadros contendo histórias que divertiam despretensiosamente ou criticavam de maneira
lúdica, mas muitas vezes ferrenha, algo que incomodava ou era relevante naquela época.
Em 5 de maio 1895 uma tirinha sob o nome de At the Circus in Hogan’s Alley (que
pode ser livremente traduzido como No Circo no Beco Hogan) de Richard Felton Outcault foi
publicada no jornal The New York World, que pertencia a Joseph Pulitzer9, no qual apresentou
a personagem The Yellow Kid (O Menino Amarelo) e que hoje é considerada por muitos
autores e estudiosos da história das HQs como a primeira história em quadrinhos da história
norte-americana. Era uma tirinha semanal que mostrava meninos pobres do Hogan’s Alley
(Beco Hogan). Um deles, o tal Menino Amarelo, era um moleque feio, de cabeça e orelhas
grandes, de aparência oriental e vestido num camisolão amarelo que sempre trazia uma frase,
acabou por chamar a atenção do público.
Em 1896, a tirinha sob o nome de The Yellow Kid, começou a ser publicada
semanalmente no New York Journal, jornal para o qual Outcault se transferiu neste mesmo
ano e pertencente ao rival de Pulitzer, William Randolph Hearst. Mas o World continuou a
publicar a tirinha, com os mesmos elementos e personagens criados por Outcault, o que
originou a primeira batalha judicial envolvendo direitos de um personagem. (LUCCHETTI,
2001)
Mesmo utilizando-se da técnica da época, que unia desenhos e textos, Outcault
acrescentou algo mais que acabou por diferenciar sua arte de tudo o que já tinha sido feito até
então: ele introduziu balões para abrigar as falas das personagens. (JARCEM, 2007: 2)
Por este motivo, The Yellow Kid pode ser considerada a primeira história em
quadrinhos do mundo, nos moldes que hoje conhecemos. A rivalidade entre estes dois jornais
era tão forte que acabou por proporcionar à arte a oportunidade para crescer e influenciar o
modo de se produzir um filme para o cinema.10
Os jornais traziam um novo meio de comunicação, mais acessível ao grande público e
com linguagem simples que pudesse ser facilmente compreendida e os quadrinhos numa feliz
união, conseguiram “pegar o barco” e se popularizaram dessa forma barata.
As Histórias em Quadrinhos (HQ) tornaram-se assim conhecidas a partir de
sua disseminação por jornais e revistas, impulsionadas pela tecnologia da
impressão gráfica, desde o fim do século XIX, alcançando seu apogeu na
9
Foi um jornalista e editor famoso dos Estados Unidos. O Prêmio Pulitzer, que premia jornalistas do mundo todo
é em sua homenagem.
10
Ver mais em ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: o discurso da identidade nacional
nos quadrinhos brasileiros de super-heróis. Universidade Federal de Pernambuco – Centro de Artes e
Comunicação, Programa de Pós-graduação em Comunicação: Recife, 2003. Pág. 9.
17
década de 70, quando a Europa (em especial a França e Bélgica) se curvou à
sua arte, tecendo estudos e sistematizando-as como arte. Apesar disso, a
proto-história dos quadrinhos, se assim se pode dizer, permeou todos os
períodos históricos culturais da raça humana, incluindo a própria préhistória, com as garatujas e pinturas rupestres, passando pelas artes religiosas
nas catedrais e livros santos, em paralelo à formatação das escritas,
inicialmente pictográficas, e posteriormente ideográficas, culminando na arte
madura que influenciou a cinematografia. (ANDRAUS, 2005: 4)
Como resultado desse casamento entre jornais e tirinhas, os HQs se tornaram hábito de
leitura, que diverte, entretém e critica, na forma de charges ou caricaturas de pessoas públicas,
até histórias envolvendo o dia a dia de cada época. Os quadrinhos encontraram a parceira
ideal para tornar a arte conhecida.
Desde a primeira aparição dos quadrinhos na imprensa diária, na virada do
século, essa forma popular de leitura encontrou um público amplo e, em
particular, passou a fazer parte da dieta literária inicial da maioria dos
jovens. As histórias em quadrinhos comunicam uma “linguagem” que se
vale da experiência visual comum ao criador e ao público. (EISNER, 1989:
7)
Uma das características mais marcantes dos quadrinhos, principalmente dos norteamericanos, é se adequar à época em que são produzidos. Sempre há uma referência da
sociedade contemporânea à produção e, muitas vezes, é fatalmente necessária a adequação do
conteúdo à situação em que o mundo vive em dada época.11
As Histórias em Quadrinhos, como todas as formas de arte, fazem parte do
contexto histórico e social que as cercam. Elas não surgem isoladas e isentas
de influências. As ideologias e o momento político e social moldam, de
maneira decisiva, até mesmo o mais descompromissado gibi. (DUTRA,
2002: 8)
Momentos históricos sempre influenciaram enredos dos HQs. Exemplo disso eram as
histórias publicadas no auge da Crise Econômica de 1929, que alguns dizem ter sido o
momento propício para que surgissem os super-heróis, pois o povo americano precisava de
seres quase divinos como modelos de virtude, força e perseverança frente a desafios
fantásticos, pois com uma crise de tal magnitude, até o mais cético precisa de alguma fantasia
como refúgio. A Segunda Guerra Mundial, no final da década de 1930, é outro exemplo, já
que os heróis geralmente estavam lutando contra os inimigos da América e os Nazistas12.
11
Exemplo disso é o Capitão América, da Marvel Comics, que surgiu especialmente para combater o mau na
Segunda Guerra Mundial, tanto que em sua primeira aparição numa revista, ele estava lutando contra Adolf
Hitler. Ver mais em: http://www.mundohq.com.br/site/detalhes.php?tipo=26&id=32. Acessado em 28 de
novembro de 2009
12
São conhecidos como nazistas todos aqueles que lutavam em prol da Alemanha comandada por Adolf Hitler
na Segunda Guerra Mundial, conflito que durou de 1938 a 1945. Ver mais sobre o Nazismo e todo o histórico da
guerra em: http://www.2guerra.com.br/. Acessado em 29 de novembro de 2009.
18
Mesmo antes do ataque japonês à base de Pearl Harbour no estado do Havaí que forçou a
entrada dos Estados Unidos na Grande Guerra, os heróis já haviam começado sua luta contra
os inimigos da “justiça e da moral” norte-americana.
“O período que se abre em 1929 e termina com o início da Segunda Guerra
Mundial constitui uma idade de ouro para o novo meio de expressão devido
em parte à considerável ampliação temática produzida pela introdução da
mitologia aventureira, que implicou uma notável ampliação da esfera dos
seus leitores. Esta mutação processou-se debaixo da influência do
naturalismo da imagem cinematográfica, que constituía então o espetáculorei das massas, e da do realismo próprio da ilustração dos magazines e da
publicidade (cuidado com o pormenor, sombreado tridimensional, etc.). Uma
nova geração de desenhistas, formados nas academias de arte e com prévia
prática de ilustradores, conseguiram distanciar-se do estilo bufo e do
grafismo caricaturesco a que permaneciam agarrados os comics, desligandoos da tradição da anedota gráfica em direção à da novela de aventuras, cujas
dimensões e enredos obrigaram a seriar os episódios” (GUBERN, 1979: 96
apud VIANA, 2004: 3-4).
Há milhares de diferenças, seja na forma de construção da narrativa, dos diálogos ou
das situações nas quais as personagens das histórias estão envolvidas, desde as primeiras
publicações até hoje. A forma de estruturar a narrativa e a abordagem de temas modernos
provavelmente seriam dignas de estranhamento pelos leitores da Era de Ouro dos
Quadrinhos.13 Nessa época a arte ainda estava se desenvolvendo, os desenhos eram simples,
assim como alguns argumentos14 de roteiro.
Atualmente, pode-se ter acesso a quadrinhos não só do modo tradicional, comprando
gibis, mas também acessando sites de HQs independentes ou blogs, redes sociais e HDs
virtuais15 de disponibilizam versões digitais de gibis famosos sem autorização das editoras.
Basta alguém ter em mãos um exemplar do HQ, uma câmera fotográfica digital ou um
aparelho de scanner, arquivar as imagens das páginas num site de hospedagem de arquivos e
compartilhar o link.
13
A história das histórias em quadrinhos é geralmente divida em três eras: a de ouro, a de prata e a de bronze.
Era de Ouro dos Quadrinhos é entendida pelo período de produção, desenvolvimento e popularização dos
quadrinhos norte-americanos, que na maioria das vezes é considerado entre 1938 até o final dos anos de 1950.
A Era de Bronze é considerada entre 1950 e 1970 e a Era de Bronze se estende de 1970 até não se sabe onde,
pois artistas e estudiosos ainda não chegaram a um consenso.
14
O termo “argumento” durante a criação de histórias em quadrinhos pode ser descrito como “alguns parágrafos
delineando o básico da história.” (O’NEIL, 2005: 26)
15
São sites que funcionam como o HD (disco rígido) de um computador normal e guardam os mais diversos
arquivos. O usuário se cadastra e envia ao site seus arquivos que através de um link podem ser compartilhados
com todos os usuários da internet. Os sites mais utilizados são o 4shared, Easyshared, Rapidshare, Megaupload.
19
Recentemente, em 2009, devido à adaptação cinematográfica do clássico HQ
Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons de 1985, uma nova mídia foi lançada: a motion
comic16.
O motion comic consiste em um arquivo digital onde imagens contendo as páginas do
gibi em questão podem ser visualizadas em animação, mas numa animação bem primitiva,
como o storyboard de alguns filmes. Os textos contendo as falas dos personagens podem ser
lidos e ao mesmo tempo ouvidos através do áudio que acompanha cada cena. É como um
desenho animado, mas bem simples em termos de movimento.
O Motion Comic de Watchmen foi lançado pouco depois da estréia do filme nos
cinemas e é vendido em dois discos nos formatos para DVD e Blu-ray17.
O arquivo pode ser executado também em celulares, iPods18 e qualquer plataforma
digital que leia o arquivo. A modernidade realmente chegou aos quadrinhos e a indústria da
nona arte percebeu que o mercado é hoje é grande e muito lucrativo. Aficionados e
colecionadores ficam em polvorosa sempre que uma HQ ganha espaço numa nova mídia,
como um filme, ou é simplesmente lançado acompanhado de bonecos, roupas, assessórios e
tudo o que possa ser fabricado com a marca de sua personagem favorita. As edições de luxo,
vendidas a preços altos, também fazem muito sucesso e são um sinal de status no mundo dos
fanáticos ter uma dessas em casa.
2.2 [...] 1938, NASCE O FILHO DE KRYPTON
O Superman, ou em português, Super Homem, é comprovadamente o primeiro superherói dos quadrinhos. (ALVES, 2003: 11) Apareceu pela primeira vez na Action Comics nº1,
revista considerada revolucionária porque criou o gênero de super-heróis.
Claro que haviam heróis nas tiras diárias dos jornais, como O Fantasma (1936),
Popeye (1929) e tantos outros, mas heróis com super-poderes, que iam além da maior força
física do mais forte ser humano que pudesse existir, era a primeira vez que alguém via.
Criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, Kal-El é um extraterrestre que veio parar na
Terra depois que seus pais o enviaram numa espaçonave para salvá-lo da destruição do seu
planeta natal, Krypton. Quando o planeta explodiu, o efeito aqui na Terra foi uma chuva de
16
Em inglês, numa tradução literal, significa cômico em movimento, ou seja, gibi em movimento.
Blu-ray é um novo formato de mídia que consiste num disco com capacidade de armazenamento de arquivo e
qualidade de áudio e imagem muito superiores ao DVD comum. Ver mais informações em:
http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/2007/03/02/ult4213u43.jhtm. Acessado em 28 de novembro de 2009.
18
É um moderno tocador de arquivos de mp3 (áudio) da marca Apple.
17
20
meteoros e juntamente com estes meteoros veio a nave com o menino, e fragmentos de
Kryptonita, uma pedra verde de suma importância dentro da mitologia do Superman. O
menino foi encontrado por um casal, que acabou o criando e batizando-o como Clark Kent.
Até hoje essa versão de sua origem é a mais utilizada pelos roteiristas na DC Comics.
Superman foi criado originalmente como vilão e publicado em 1933 numa fanzine 19 ()
dos amigos adolescentes Siegel e Shuster chamada Science Fiction: The Advance Guard of
Future Civilization, onde aparecia a primeira história do Superman denominada The Reign of
the Superman. Nesta história, o Superman não era um super-herói, ele nem sequer era herói.
Era um cientista louco com poderes da mente. 20
Este primeiro Superman da fanzine, parece se aproximar mais da origem do próprio
termo Superman derivado do alemão Übermensch21, que se originou no livro Assim falou
Zaratustra22 do filósofo também alemão Friedrich Nietzsche, no qual descrevia os passos que
um homem devia seguir para se tornar um Super Homem, um ser superior justamente por
buscar o poder, se rebelar contra aquilo que lhe desagrada como preceitos morais, religiosos e
de comportamento e procurar criar uma nova ordem, baseada no amor incondicional à terra
onde se vive e a condenação de qualquer tipo de pregação da idéia de que a felicidade só pode
vir após a morte e depois de uma vida de pobreza e resignação.
Ao longo dos anos, o Superman mudou. Não que ele tenha se tornado um anti-herói,
ou coisa parecida. Ele ainda prega bondade e justiça, o público continua sendo atraído por ele,
mas a complexidade da trama foi se moldando ao contexto social e científico da modernidade
de modo que, o personagem ganhou diversos novos super-poderes e a personalidade de Clark
Kent evoluiu consideravelmente, adquirindo uma profundidade e riqueza de detalhes, tanto no
figurino quanto na história e personagens que o rodeiam, que hoje sustentam todo o seu
universo, como explica Dennis O’Neil no Guia Oficial DC Comics – Roteiros:
O Super-Homem que apareceu em Action Comics nº 1, datado de junho de
1938, e o Super-Homem de qualquer outra edição de Action que hoje chega
na sua loja de quadrinhos, são criaturas diferentes. Claro, o uniforme é
similar (embora o traje de hoje em dia seja mais lustroso) e nomes de alguns
personagens de apoio são os mesmos, bem como os nomes de locais (embora
o primeiro Super-Homem operava em Nova York, não em Metrópolis). Mas
o Super-Homem dos anos 1930 era mais duro, mais impetuoso e muito
menos forte. Ele podia saltar no máximo um quilômetro de distância, mal
19
Aglutinação do inglês fanatic magazine, que significa revista de fã.
Ver mais na matéria “Afinal, quem é dono do Superman?” publicada no site especializado Universo HQ
Disponível em: http://www.universohq.com/quadrinhos/2009/superman.cfm. Acessado em 17 de agosto de
2009.
21
Significa Super-Homem em alemão.
22
Publicado originalmente em três partes, entre 1883 e 1898. Sua narrativa se assemelha à narrativa bíblica,
dividida em versos.
20
21
podia ultrapassar uma locomotiva e uma “bomba explosiva” poderia colocálo no chão. Imaginem! O coitado não tinha nem visão de raios-X. (O’NEIL,
2005: 109)
O’Neil (2005: 109) também destaca que o personagem de hoje lembra um deus na
Terra, tanto é que um de seus apelidos é Homem de Aço por conta da força da raça
kryptoniana, mas que não perde o caráter humano que recebeu a partir de sua educação e vida
rodeadas de humanos imperfeitos e sem nenhum poder extraordinário. O ideal do Superman,
como o nome evoca, deveria ser um perfeito, sem as limitações físicas típicas dos seres
humanos. Só que o caráter emocional pode interferir e neutralizar os seus super-poderes, ou
pior, fazê-lo cometer atos impensados que para uma pessoa normal seria ruim e trágico e que
no caso dele, seria catastrófico para todo o mundo.
O caráter humano está intrínseco no Superman, não apenas no seu alter ego23, Clark
Kent, mas também em todas as ações para defender a humanidade. E essa humanidade
significa quase que exclusivamente: povo americano.
Segundo O’NEIL (2005:67), quando se define uma personagem, tem que se definir
também o que ele quer, o que ama, o que teme e o porquê de se envolver nessas situações que
o leva a aventuras fantásticas.
A resposta para o que o Superman faz é bem simples: o Homem de Aço quer
“sustentar os valores que adotou de seus pais adotivos e se integrar na cultura do mundo que
agora é seu lar”, ele ama a “verdade, justiça e o modo americano”, o que ele teme muitas
vezes não está explícito no texto, mas pode ser a kryptonita que o enfraquece, a violência que
seus vilões empregam e a vida que ele, porventura, pode não ter a chance de salvar. Por fim, o
porquê de o Superman se envolver em situações de perigo, é que esse é o seu trabalho como
super-herói e como cidadão americano.
Como o Superman é um personagem clássico, a fórmula é praticamente a mesma
desde a década de 1930: algo extraordinário acontece nos Estados Unidos ou envolvendo os
americanos. Então o Superman se envolve, seja por se sentir obrigado a salvar sua pátria, o
“mundo”, ou alguém muito próximo a ele, como sua mãe, um amigo ou algum interesse
romântico, no caso dele, a jornalista e colega de trabalho Lois Lane.
Uma característica que pode ser observada na maioria dos heróis norte-americanos é
que são extremamente territoriais, raramente saem de suas cidades ou países para lutar pela
justiça ao redor do mundo.
23
Termo derivado do latim e significa “outro eu”. Geralmente o termo é empregado para identificar a identidade
secreta de algum super-herói ou vice-versa.
22
Poucos meses depois de ser lançada a Action Comics nº1, a Segunda Guerra Mundial24
explodiu, e o Superman sofreu com a inevitável associação de seu nome com alguns dos
ideais nazistas, que por sua vez eram associados a distorções do que pregava o filósofo
alemão Friedrich Nietzsche que criou a expressão Super-Homem, além de que o personagem
era o modelo físico pregado por Hitler e seus seguidores como o humano ariano e perfeito:
branco, olhos azuis, porte atlético e rigidez moral – seja ela o que for e de onde for, alemã ou
norte-americana. (JARCEM, 2007: 3)
O Superman enfrentou o fantasma do nazismo e suas comparações durante a Era de
Ouro, mesmo antes dos Estados Unidos entrarem oficialmente na Segunda Guerra. Quando os
americanos entraram na guerra, o que se via nos quadrinhos de super-heróis era a promoção
da guerra através de histórias e desenhos que pregavam a justiça e o american way of life
(modo de vida americano).
Ler Superman hoje, e lembrar-se de como e quando surgiu, a que rumos os roteiristas
o levaram, é muito importante para entender a evolução desse tipo de mídia – os quadrinhos
de super-heróis – sua evolução através dos anos, suas adequações de década a década.
Depois do debut25 do Superman, pode-se dizer que milhares de super-heróis nasceram
e morreram, e que esse ramo de mercado sustenta uma poderosa indústria de entretenimento,
arte e difusão de cultura estadunidense26.
Como ocorre com todos os personagens do Universo DC, o Superman sofreu várias
alterações, não somente as que o fizeram super-herói extraterrestre nos primórdios da Era de
Ouro, mas em toda sua origem. É comum acontecer isso nos Estados Unidos, porque diferente
de outros lugares no mundo (como no Japão, por exemplo), não são sempre as mesmas
pessoas que escrevem os roteiros ou desenham os personagens.
Mesmo com todas as mudanças, o Superman nunca perde sua essência e ainda
continua sendo o expoente máximo na DC Comics de promoção dos ideais dos Estados
Unidos.
O Homem de Aço apareceu no Brasil em 1939 no suplemento infanto-juvenil A
Gazetinha, do jornal A Gazeta do Povo. Mais tarde, foi publicado por 35 anos pela Editora
Brasil-América Limitada, a EBAL, de 1947 a 1983. Quando a EBAL não conseguiu mais
24
A Segunda Guerra Mundial ocorreu de setembro de 1938 a setembro de 1945.
Debut em francês, significa começo. O termo é utilizado para se referir a estréia, apresentação. Por conta desta
palavra francesa existem as festas de debutante, que tem como principal objetivo apresentar a menina que sai da
infância e passa a ser considerada uma moça. É o início da vida social.
26
Ver mais em ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: o discurso da identidade nacional
nos quadrinhos brasileiros de super-heróis. Universidade Federal de Pernambuco – Centro de Artes e
Comunicação, Programa de Pós-graduação em Comunicação: Recife, 2003. Pág. 50.
25
23
segurar os direitos de publicação, estes foram para a Editora Abril até 2002, quando passou
para a editora Panini Comics, que publica atualmente a maioria dos títulos da DC Comics,
além de publicar também os da rival histórica, a Marvel Comics.27
Sendo um dos personagens mais famosos do mundo, o Superman já foi adaptado seis
vezes para o cinema. Seu maior intérprete foi o já falecido ator americano Christopher
Reeves, que deu vida ao Homem de Aço em quatro filmes. O mais recente filme do
Superman, intitulado Superman – O Retorno foi lançado em 2006. Apareceu em vários
desenhos animados, deu origem três séries de TV, a primeira em 1951 sob o título Aventuras
do Superman, que saiu juntamente com o primeiro filme, no mesmo ano, sendo um para
promover o outro, e estrelados por George Reeves. Esta série da década de 1950 só terminou
quando Reeves morreu; a segunda chama-se Lois & Clark – As Novas Aventuras do
Superman, que apresentou as aventuras e o relacionamento dos dois jornalistas, Lois Lane (o
grande amor do Superman) e Clark Kent e que muitas vezes figurou como comédia
romântica. Teve quatro temporadas, de 1993 a 1997; a terceira série é uma visão mais
moderna ainda do mito do Superman, chama-se Smallville, e já conta com nove temporadas.
Conta a história do Superman no nosso presente, desde a chuva de meteoros que o trouxe à
Terra, sua infância e seu período como Superboy, até sua entrada no jornal Planeta Diário,
além de introduzir novos personagens e reinventar outros. 28
2.3 O SURGIMENTO DA DC COMICS
O universo de super-heróis nasceu nas páginas da Detective Comics com a publicação
da revista Action Comics nº1, que trouxe o Superman como personagem de uma trama,
revolucionando o formato de publicações de quadrinhos da época e inserindo pela primeira
vez um super-herói. Também é dela o mérito de reunir histórias de um só tema em uma só
revista e criando novos personagens nessas histórias, ao contrário do que acontecia na época,
pois se publicavam apenas tiras em jornais ou revistas com estas tiras aleatórias.
A DC Comics como a conhecemos atualmente nasceu da fusão entre várias editoras.
Fundada pelo major reformado da Cavalaria dos Estados Unidos, Malcolm Wheeler27
Ver mais sobre as publicações dos gibis norte-americanos no Brasil, desde a década de 1930 em:
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?
Edicao_Id=207&breadcrumb=1&Artigo_ID=3276&IDCategoria=3548&reftype=1. Acessado em 28 de
novembro de 2009.
28
Ver mais informações sobre todos os filmes e séries do Superman no site internacional em inglês Internet
Movie Database – IMDB. Disponível em: http://www.imdb.com/find?s=all&q=superman&x=0&y=0. Acessado
em 7 de outubro de 2009.
24
Nicholson (1890-1968), a New York Company, que antes de lançar sua primeira revista
mudou de nome para National Allied Publications. Essa primeira revista se chama Fun: The
Big Comic Magazine nº1, lançada em fevereiro de 1935, que trazia pela primeira vez histórias
em quadrinhos compiladas numa só revista, com o formato tablóide de 36 páginas. WheelerNicholson era escritor de pulp fictions29 que falavam de ficção cientifica, mistério, terror,
fantasia, tudo o que chamava atenção dos leitores daquela época.
National Allied Publications e a editora Detective Comics de Harry Donenfeld e Jack
Liebowitz se uniram em 1937, fato que ocorreu porque Wheeler-Nicholson não tinha muito
jeito para negócios e começou a contrair dívidas com as gráficas e distribuidoras das revistas e
para não falir, teve que se associar. Essa fusão resultou na National Comics Publications que
era o mesmo que National Periodical Publications, Inc. Em 1938, Wheeler-Nicholson teve
que abandonar a empresa, pois continuava cheio de dívidas. Ele saiu antes de ver os lucros
nas alturas com a primeira publicação da revista de ação Action Comics que trazia o primeiro
super-herói da história dos quadrinhos, o Superman.
Era impresso nas revistas dessa época o logo30 Superman-DC e a empresa se viu
forçada a adotar a sigla DC como nome oficial, pois já era assim conhecida entre os fãs.
Desde o início de sua trajetória, a DC vem adquirindo editoras menores, e
conseqüentemente adotando, reformulando e relançando algumas personagens dessas
editoras. Esse foi o caso, por exemplo, da Carlton Comics e da WildStorm (que pertencia a
Image Comics e hoje é um selo dentro da própria DC).
Finalmente sob o nome de DC Comics, a editora publica mais de 80 títulos por mês e
hoje faz parte da empresas Time Warner Company, do qual também fazem parte os estúdios
Warner Bros. Pictures. É rival histórica da também editora de quadrinhos, Marvel Comics, e
29
As revistas pulp eram geralmente de papel de má qualidade para que fossem baratas. Elas revelaram muitos
heróis que hoje são populares e cultuados no mundo dos adoradores de HQs, como Conan – O Bárbaro, O
Fantasma, Zorro, O Sombra. Ver mais na matéria DC Comics: Sete Décadas de uma Distinta Concorrência no
site Fanboy, especializado em HQ http://fanboy.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=861.
Acessado em 9 de outubro de 2009.
30
A logomarca, o símbolo de uma empresa.
25
essa rivalidade já rendeu episódios históricos como plágios recíprocos 31, crossovers32 e
processos judiciais.
Vários dos maiores e melhores escritores, roteiristas, desenhistas e coloristas do
mundo já passaram pela editora com Frank Miller, Alan Moore, Dick Giordano, Steve Ditko,
Dennys O’Neil, Greg Rucka, Jack Kirby, Bob Kane que junto com Bill Finger criou o
Batman, Gardner Fox que criou o personagem Flash, Neal Adams, Dave Gibbons o
desenhista que contribuiu para a criação de Watchmen, Alex Ross que é considerado pelas
revistas especializadas em HQs como um dos melhores e um dos mais realistas dos
desenhistas e que cuida das ilustrações de vários números do Batman, Superman e Liga da
Justiça, entre outros artistas da nona arte33.
A DC Comics é uma das maiores e mais influentes editoras de quadrinhos no mundo
inteiro e suas obras adultas são marcos na história dos quadrinhos e da passagem das
narrativas da fase infantil para a adulta.
Hoje a DC Comics publica títulos com os selos DC Universe34, Vertigo35, WildStorm,
DC Kids, DC Direct, CMX que republica mangás japoneses, Zuda36, entre outros.
31
As duas editoras já se envolveram em processos judiciais por conta de plágios de personagens de ambas as
partes. Há personagens muito parecidas como a Mulher Gato (DC) e a Gata Negra (Marvel), Arqueiro Verde
(DC) e Gavião Arqueiro (Marvel), e o famoso caso do Capitão Marvel. Este era um personagem criado em 1939
pela editora Fawcett Comics, que foi processada pela DC por plágio, pois o Capitão era muito parecido, de certa
forma, com o Superman. Em 1973 a DC comprou os direitos deste personagem e para republicá-lo teve que
mudar seu nome para Shazan porque a Marvel em 1967 lançou um personagem com uma origem parecida com o
Superman e do Capitão Marvel sob o nome de: Capitão Marvel. Ou seja, cópia da cópia.
Ver mais em: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=408. Acessado em 28 de
novembro de 2009.
32
É a mistura de duas ou mais histórias de universos e/ou editoras diferentes numa só história, num só gibi.
33
Como a arte seqüencial também é conhecida.
34
Conhecido no Brasil como Universo DC.
35
Publica exclusivamente HQs para adultos, como seu maior sucesso Hellblazer, Datrypper dos gêmeos
brasileiros Gabriel Bá e Fábio Moon, 100 Balas, American Virgin, Animal Man, The Swamp Thing, Sandman,
V de Vingança, Y: The Last Man e tantos outros.
36
É uma espécie de rede social criada pela DC onde criadores iniciantes de HQs podem publicar e dar
visibilidade aos seus trabalhos e projetos, há votações, discussões, etc. Ver mais em
http://www.zudacomics.com/. Acessado em 24 de novembro de 2009.
3 NONA ARTE – DAS FRALDAS AO MANICÔMIO
Neste segundo capítulo iremos abordar a evolução na complexidade das narrativas das
histórias em quadrinhos da DC, desde a publicação de Action Comics nº 1, até os dias atuais,
dando atenção especial à chamada “invasão britânica” nos quadrinhos norte-americanos dos
anos 80 e o realismo fantástico de algumas histórias.
A abordagem da biografia dos principais e mais influentes autores e desenhistas de
quadrinhos para adultos faz-se imprescindível neste capítulo, já que trataremos da luta por
parte dos escritores e desenhistas de que sua arte fosse respeitada e vista como tal, e não uma
caricatura infantil ou mal feita, preconceituosa e violentamente doentia com a qual foi descrita
ao redor do mundo desde a publicação do livro Sedução do Inocente37 do psicólogo alemão
naturalizado norte-americano Fredrick Werthan.
No livro, Werthan destila todo o seu ódio e desconfiança com o novo meio de
entretenimento que virou febre entre os jovens de sua época. Graças a este livro, o governo
americano criou uma lei para censurar os quadrinhos38, além de associar a crescente onda de
violência e delinqüência juvenil nos Estados Unidos nos anos de 1950 aos exemplos saídos
das páginas dos comics.
Os aspectos psicológicos e sociológicos das narrativas e personagens também são de
suma importância para o entendimento de como os quadrinhos e seus heróis foram das fraldas
(do jeito infantil e simples) ao manicômio (com vilões cada vez mais complexos, sanguinários
e dignos de ódio) e se tornaram entretenimento adulto e altamente rentável.
3.1 A SEDUÇÃO DO INOCENTE E O COMICS CODE – A INFÂNCIA
TRAUMATIZADA, PERVERSÃO E DELINÜÊNCIA
Concebidos como arte simples e com um ar ingênuo, os quadrinhos sempre foram
vistos como entretenimento puramente infantil, já que com o apelo visual dos gibis e os textos
fáceis de serem entendidos, os HQs chamavam atenção principalmente das crianças pelas
cores, fantasias e diversão, mas isso foi logo quando surgiram, no final do século XIX.
Os quadrinhos eram entendidos como coisa de criança até os meados da década de
1960, que não inspiravam seriedade para grande parte da indústria da comunicação. Se um
37
No original, “Seduction of the Innocent” e ao qual vamos nos referir neste trabalho por seu nome numa
tradução literal para o português, já que o livro não foi publicado no Brasil.
38
O Comics Code.
27
adulto se interessasse por HQ, era automaticamente rotulado como infantil ou alguém que não
tivesse suas faculdades mentais bem desenvolvidas, como comenta Will Eisner em um trecho
do livro Quadrinhos e Arte Seqüencial:
Entre 1940 e o início da década de 1960, a indústria aceitava, comumente, o
perfil do leitor de quadrinhos como o de uma “criança de 10 anos, do
interior. Um adulto ler histórias em quadrinhos era considerado sinal de
pouca inteligência. As editoras não estimulavam nem apoiavam nada além
disso. (EISNER, 1989, p. 138)
Os quadrinhos se utilizam muito de onomatopéias39 para demonstrar sons, algo que
pode soar bem infantil, já que crianças costumam imitar os sons que as coisas fazem para falar
sobre elas. As palavras em negrito são usadas para destacar algo importante na trama e falas
em letras maiúsculas para indicar grito, voz alta ou surpresa.
Compor um desenho utilizando as onomatopéias para que todos os elementos cênicos
funcionem bem aos olhos do leitor é um trabalho minucioso, tratar as letras como desenhos e
não somente palavras é fundamental numa HQ.
É importante salientar que não é tão fácil criar e ler obras em quadrinhos como muitos
ainda podem pensar:
A configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposição
de palavra e imagem, e assim, é preciso que o leitor exerça as suas
habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por
exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por
exemplo, gramática, enredo, sintaxe) sobrepõem-se mutuamente. A leitura
da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço
intelectual. (EISNER, 1989: 8)
No início, na Era de Ouro (1938-1950), os enredos das histórias em quadrinhos eram
simples: o bandido comete um crime, ou vai cometer; então o herói luta para impedi-lo, ou o
capturar e dar-lhe uma lição para que não cometa mais crime nenhum e entregá-lo à justiça.
Essa é a fórmula que quase nunca falha na hora de escrever um roteiro de HQ até hoje,
isso no que se refere a quadrinhos comuns, destinados a crianças e jovens. A eterna dicotomia
entre o bem e o mal sempre funciona no mundo fantástico dos heróis.
Mas alguns personagens desta Era já traziam traços de uma complexidade que só
atingiu sua plenitude nos anos 80 do século passado. Este é o caso do Batman40.
Saído das páginas da Action Comics em 1939 e criado por Bob Kane e Bill Finger
(este que raramente é creditado), o Batman desde o início teve sua origem baseada na morte,
39
Segundo o Mini Dicionário Luft (2001: 490), onomatopéia é um “vocábulo cuja pronúncia imita ou sugere a
voz natural ou o som da coisa significada (tilintar, cicar, etc.)”. Ou seja, quando vemos uma palavra imitar um
som na HQ como um tiro (POW), um soco (SOCK), um choro (SNIFF) e etc.
40
Traduzindo do inglês literalmente, é o Homem-Morcego.
28
no desejo de vingança e nos sentimentos mais obscuros que podem ser despertados em uma
pessoa após sofrer um trauma.
O personagem principal, Bruce Wayne, perde seus pais após um assalto ainda criança
e sobre o corpo deles jura vingar suas mortes e lutar contra a criminalidade de sua cidade, a
fictícia Gotham City. Ele passa sua vida treinando para ficar mais forte em todos os sentidos e
usa sua herança milionária quase inesgotável para disfarçar sua identidade de herói além de
desenvolver as tralhas tecnológicas que utiliza no combate ao crime. Seu único propósito é o
combate ao crime, ele tem quase nenhum amigo, mal dorme, só pensa em lutar e lutar e lutar.
E é violento, tanto nos quadrinhos dos anos de 1940 quanto nos atuais. Batman não brinca em
serviço, mas não é assassino.
Somente com esse início já se pode classificar este personagem como subversivo. Isso
mesmo, subversivo e perigoso para a moral e os bons costumes americanos, de acordo com
um tal psiquiatra.
Mas, assim como numa história de fantasia, pulemos numa máquina do tempo, saindo
de 1939 para chegarmos em 1954, ano do fatídico lançamento do livro Sedução do Inocente
de Fredrick Werthan.
Mas um pouco antes disso, em 1950, um senador norte-americano chamado Joseph R.
McCarthy41, já havia promovido uma onda de terror42 afirmando que no país havia uma legião
de espiões da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e logo vários artistas
foram acusados de comunismo e perseguidos. Segundo René Gomes Rodrigues Jarcem em
seu artigo “História das Histórias em Quadrinhos” para a revista online História, imagem e
narrativas, neste período:
[...] o medo passou a estar em toda parte do mundo. Os soviéticos fizeram a
bomba atômica e os americanos atacavam contra tudo que soasse como
ataque velado e subversivo dessa superpotência ao seu “american way of
life”. Enquanto, na vida real, a população procurava comunistas debaixo da
cama, nas páginas das histórias em quadrinhos, os heróis faziam sua parte.
Com o fim do conflito mundial e a polarização de forças entre EUA e URSS,
o alvo das investidas não era mais os alemães e japoneses. Eram tempos em
que se confundiam marxistas com comedores de criancinha. (JARCEM,
2007: 6)
41
Foi senador do estado norte-americano do Wisconsin de 1947 a 1957 e deu origem ao termo “Machartismo”.
Seus seguidores eram chamados de macartistas e hoje, o termo se refere a qualquer atitude antidemocrática vinda
de um governo.
42
Período também conhecido como o Red Scare, em português Terror Vermelho, ao que tudo indica por conta
da cor da bandeira comunista. Ver mais sobre o macartismo e o Red Scare em:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081116/not_imp278332,0.php. Acessado em 28 de novembro de
2009.
29
A arte ficou abalada, mas o terremoto, seguido de tsunami, veio mesmo com o livro de
Wertham.
Sedução do Inocente foi o responsável por um alvoroço em toda uma indústria e na
criação da censura dos quadrinhos nos Estados Unidos: o Comics Code.
Logo na capa, o livro traz seu assunto principal: A influência dos quadrinhos na
juventude de hoje. Isso, nos anos 50 do século XX, mas seus reflexos e preconceitos pregados
pelo livro podem ser sentidos ainda hoje por parte de alguns pais, de acadêmicos e literatos
quando o assunto é HQ.
Os artistas da nona arte odeiam até que se fale o nome deste livro. Frank Miller
despeja todo o seu ódio em relação a Sedução do Inocente na introdução da edição definitiva
da graphic novel Batman – O Cavaleiro das Trevas em 2006. Ao dissertar sobre o período no
qual o Batman surgiu e da liberdade de expressão dos artistas, Miller se refere ao livro da
seguinte forma:
Não vale a pena citar o nome daquele psiquiatra lunático ou de seu livro
absolutamente desprezível. Há muito o mundo se esqueceu dos dois. No
pequeno mundo dos quadrinhos, entretanto, aquele lixo de livro causou tanto
estrago quanto um ciclope. Ou Galactus. As vendas caíram mais e mais. Por
algum tempo, os artistas de HQs sem sequer revelavam sua profissão. Não
em companhia de pessoas cultas. (MILLER, 2006)
O livro, de fato, é tendencioso e de uma leitura sofrível, além de reforçar preconceitos
e declarar guerra a toda e qualquer manifestação da arte de fazer quadrinhos ou de contos de
ficção científica, terror e fantasia.
Sedução do Inocente não foi publicado no Brasil, mas pode ser lido em inglês num site
que o disponibiliza na íntegra e gratuitamente 43. Por esta razão, todos os trechos do livro
apresentados neste trabalho são traduções da autora.
Os nomes dos capítulos são de uma crueza impressionante. Wertham era curto e
grosso, dissecava os quadrinhos sob seu ponto de vista sem meias palavras.
Segundo a apresentação livro, Wertham conta que o mesmo deriva de sete anos de
estudos científicos, pois era comprovadamente gabaritado para tanto, já que foi psiquiatra
chefe do Departamento de Hospitais da cidade de Nova York de 1932 a 1952, entre outros
cargos de chefia.
Os nomes dos capítulos são um caso à parte. Alguns são dignos de riso, como
“Capítulo 2. Você sempre tem uma bala aí”, ou “Capítulo 7 – Eu quero ser um maníaco
sexual”.
43
Versão digital do livro em inglês disponível em: http://www.goldcomics.com/MLJ/SOTI/index.htm. Acessado
em 15 de outubro de 2009.
30
No primeiro capítulo, algo como “Tais trivialidades como os comics” ele conta casos
médicos que atendeu e sugere que a delinqüência juvenil é culpa das cidades grandes e de
seus problemas, mas que, sobretudo os gibis e suas histórias, têm culpa porque afloram a
agressividade das crianças.
No segundo capítulo, o anteriormente mencionado “Você sempre tem uma bala aí”, o
autor mostra que as HQs são um perigo real, sobretudo os que envolvam casos policiais e que
os pais não tinham noção do quão prejudiciais os quadrinhos são para suas crianças.
Num trecho do terceiro capítulo, ele chega ao ponto de afirmar que os pesadelos,
freqüentes na infância, são culpa exclusivamente dos quadrinhos.
As acusações contra toda a arte seqüencial são muitas, sobretudo contra os crime
comics, os quadrinhos que tratam de crimes, investigações policiais, seqüestros, as histórias
de detetives. Esses quadrinhos podem ser considerados os pais dos quadrinhos adultos, já que
tratavam de temas fortes, violentos e explícitos. E faziam muito sucesso entre os leitores.
Num trecho do sexto capítulo, intitulado de “Desenho da Delinqüência”, Wertham
afirma:
Agora delinqüência é diferente ambos em quantidade e qualidade. Em
virtude destas mudanças, isso se tornou um fenômeno social virtualmente
novo. Foi informado que a delinqüência juvenil aumentou aproximadamente
20 por cento desde que eu falei primeiro sobre crime comics em 1947.
Porém, não é o número deles, mas sim o tipo de delinqüência juvenil que é o
ponto saliente. Crianças, jovens e mais jovens cometem atos mais sérios e
violentos. Até mesmo crianças psicóticas não agiam assim há quinze anos
atrás. (WERTHAM, 1954)44
Logo após essa afirmação, com base em dados que ele não explica de onde tirou,
Wertham apresenta casos onde sugere que presença de um gibi foi crucial para que crianças e
jovens cometessem um crime.
Um menino de onze anos matou uma mulher em um assalto a mão armada.
Quando foi preso, ele foi encontrado cercado por comic books. O irmão dele
de vinte anos de idade disse “Se você quiser a causa de tudo isso, aqui está:
São esses comic books podres. Acabe com eles, e coisas como estas não
aconteceriam”. (claro que, este irmão não era um “perito”; ele somente
conhecia os fatos.). (WERTHAM, 1954)
Pode ser o modo de organizar idéias e escrever dos anos de 1950, mas o livro é de uma
narrativa monótona e sem profundidade. Ele critica ferrenhamente os quadrinhos contra o
hábito e a forma que os pais daquela época encontravam para entreterem seus filhos, fala
também de reformatórios que disponibilizavam HQs para divertir os jovens internados e etc.
44
Traduzido do original em inglês pela autora deste trabalho. Por estar hospedado na internet, não há
especificação das páginas, apenas dos capítulos.
31
O tempo todo ele alerta aos pais sobre os supostos malefícios dos gibis e não é
surpreendente que uma verdadeira “caça às bruxas” tenha começado após o lançamento deste
livro.
Com a ciência psicológica “contra” uma manifestação de arte em desenvolvimento,
ficou difícil fazer quadrinhos nos Estados Unidos, sobretudo de terror, fantasia e investigação,
as bases dos lucros de várias editoras já extintas e também da DC Comics até hoje.
Em outro trecho do sexto capítulo, Wertham diz que, se as crianças forem educadas
com gibis à disposição, logo estarão na prisão e isso foi assustador para os pais norteamericanos naquela época. Wertham ainda completa dizendo que violência são as premissas
dos gibis.
Não há nada nestes “delinqüentes juvenis” que não são descritos ou
parecidos nos comic books. Estes são enredos dos comic books.
Normalmente em comic books, estes crimes permanecem impunes até o
criminoso cometa muitos mais deles. Crianças não têm nenhuma sorte assim.
Eles enfrentam castigos severos sempre que são pegos. Educados em comic
books, eles entram em um longo curso de pós-graduação nas prisões (com o
mesmo assunto de leitura). Cada um destes atos correspondem a dúzias,
centenas de milhares de fantasias. (WERTHAM: 1954)
Com esse conteúdo agressivo, Wertham quis dizer que não havia desculpa plausível
para os pais oferecerem gibis aos filhos porque seria bom para desenvolver o hábito da leitura,
para distraí-los, ou sob qualquer outra alegação.
O livro de Wertham conseguiu criar um pensamento generalizado de que quadrinhos
são coisas de criança, mas ainda assim, extremamente prejudiciais ao intelecto delas por
conterem assuntos perigosos.
Tudo o que Sedução do Inocente fez foi retardar o período de amadurecimento dos
quadrinhos, já que foi criado o Comics Code justamente para manter as histórias “na linha” e
de acordo com o moralismo norteO Comics Code Authority é um selo que pertence a Comics Magazine Association of
America (CMAA)45, e surgiu como um código de ética em 1954, com intuito de auto-censura,
pois graças às afirmações em Sedução do Inocente, os quadrinhos sofreram quedas nas vendas
por conta da desconfiança dos pais das crianças que até então eram seu maior público-alvo.
O Comics Code criou um padrão a ser seguido para que as revistas fossem seguras
para a leitura dos jovens norte-americanos, como cores, linguagem e temas abordados nas
histórias.
45
Associação de Revistas em Quadrinhos da América, numa tradução literal para o português.
32
Mas não havia somente “boas intenções” neste código. Haviam também traços da
intenção das editoras participantes do CMAA contra aquelas que publicavam os crime
comics, como diz Joatan Preis Dutra (2002):
O impacto da obra de Wertham foi tamanho, que, para se protegerem, várias
editoras juntaram esforços e criaram a Comics Code Authority. O objetivo
explícito desta entidade era autocensurar as histórias antes que elas fossem
condenadas pela opinião pública e principalmente pelos distribuidores. Se
estes últimos boicotassem um gibi, ele não chegaria aos pontos de venda e
seria cancelado na certa. Todavia, a intenção não manifesta das empresas
participantes era tirar do caminho a notável editora EC Comics, cujos gibis
repletos de crime, terror e sexo estavam arrasando a concorrência. (DUTRA,
2002: 33)
Alguns termos do Comics Code, se aplicados hoje, acabariam com todo mercado de
quadrinhos, sobretudo para adultos, pois terror, fantasia, mistério, crimes, mulheres e homens
com roupas colantes e corpos esculturais são os tipos mais vistos nos quadrinhos de todas as
editoras atualmente.
O código diz que “em qualquer situação, o bem triunfará sobre o mal e o criminoso
será punido por seus delitos”, e com certeza a graphic novel Watchmen não receberia o selo e
não seria publicado, já que não há heróis e vilões bem definidos.
Outro termo diz que “paixões ou interesses românticos jamais serão tratados de forma
a estimular emoções vis e rasteiras”, ou seja, o gibi especial Batman – Louco Amor jamais
iria para as bancas porque conta a origem do amor destrutivo e obsessivo que a uma jovem
psiquiatra do Asilo Arkham46 nutre pelo seu paciente, ninguém menos, ninguém mais que o
Coringa, o maior e mais violento inimigo do Batman.
As expressões e xingamentos dos quadrinhos adultos também não seriam autorizados
pelo Comics Code, pois indicava que “embora gírias e coloquialismos sejam aceitáveis, o uso
excessivo deve ser desencorajado e, sempre que possível, a boa gramática deve ser
empregada”.
O termo onde é afirmado que “mulheres serão desenhadas de forma realista, sem
ênfase indevida a qualquer qualidade física” cairia por terra, pois o que mais se vê nas HQs
são corpos musculosos, bumbuns esculturais e seios tão grandes, dignos de dar inveja a
qualquer fisiculturista.
Falando sobre crimes nos gibis, o código indica que “se o crime for retratado, deve ser
como uma atividade sórdida e desagradável”. Na maioria das vezes isso acontece nos
46
O manicômio das histórias do Batman. É para este lugar que vão todos os vilões das histórias do HomemMorcego. O hóspede mais ilustre é o Coringa, que já passou longas temporadas por lá várias vezes.
Enlouquecendo cada vez mais e tirando outros do seu juízo perfeito.
33
quadrinhos, mas os vilões não são mais mostrados como bandidos idiotas que cometem
crimes motivados por nada, sempre há um motivo bem grandioso por trás de toda a violência,
seja loucura, revolta ou simplesmente prazer. E isso muitas vezes causa empatia no leitor, o
que também poderia ser considerado perigoso.
Outra indicação altamente destrutiva para muitos gêneros que mais tarde viriam a se
tornar ícones dos HQs adultos dizia que “cenas que abordam – ou instrumentos associados a mortos-vivos, tortura, vampiros e vampirismo, almas penadas, canibalismo e licantropia47, são
proibidos”. Ou seja, Hellblazer, Sandman, e vários outros títulos de imenso sucesso do selo
adulto Vertigo da DC Comics seriam ceifados ou nem chegariam a ser publicados se o código
ainda fosse rigidamente aplicado.
“Ilustração insinuante e obscena ou postura insinuante é inaceitável”, “todas as
ilustrações asquerosas, de mau gosto e violentas serão eliminadas”, “as letras da palavra
‘crime’ jamais deverão aparecer consideravelmente maiores do que as outras palavras
contidas no título. A palavra ‘crime’ jamais aparecerá sozinha numa capa” e “nenhuma revista
em quadrinhos utilizará as palavras “horror” ou “terror” no seu título” são os termos que mais
amedrontariam os autores e desenhistas de quadrinhos adultos, por proibir tudo o que eles
mais fazem.48
Basta observar algumas páginas dos quadrinhos da DC hoje e notar que o se o Comics
Code ainda fosse obrigatório, destruiria não só quadrinhos adultos, como alguns títulos
considerados infantis.
Nas páginas da graphic novel da DC Comics Question – the Five books of blood
(Questão – os cinco livros de sangue), que reúne os cinco gibis chamados The Crime Bible (A
Bíblia do Crime), da heroína Questão há cenas que mostram claramente o sexo entre duas
mulheres, a heroína e uma prostituta. Ato que seria altamente censurado se o Comics Code
ainda fosse obrigatório no mundo dos quadrinhos.
As décadas de 1950 e 1980 podem ser consideradas um período sombrio na história
das histórias em quadrinhos e no qual, sem liberdade criativa, os artistas, ou se submetiam ao
código, ou simplesmente não publicavam suas histórias.
47
É a maldição do lobisomem, uma lenda amplamente utilizada em ficção fantástica, contos sobrenaturais.
Quando um homem se torna lobo por conta de algo fantástico, que ultrapassa o entendimento humano. Na
psiquiatria é um distúrbio que faz com que alguém pense que se tornou um animal, geralmente um lobo, e se
comporte como tal, com grunhidos, fome de carne crua, agressividade. Ver mais em:
http://gballone.sites.uol.com.br/forense/licantropia.html. Acessado em 27 de novembro de 2009.
48
Termos do código disponíveis em: http://fanboy.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=861.
Acessado em 28 de novembro de 2009.
34
3.2 CORPINHO AMERICANO, CABECINHA INGLESA - A INVASÃO BRITÂNICA
E A GUERRA FRIA NOS QUADRINHOS DA DC
A década de 1980 é considerada o auge da Guerra Fria49, e os HQs de heróis, como são
altamente influenciados pela época em que são publicados, participaram e demonstraram
ativamente o terror velado no qual viviam os americanos e o mundo naquela década.
A Primeira e a Segunda Guerra Mundial faziam parte do passado, mas a corrida
espacial e a competição bélica entre os Estados Unidos e a União Soviética ainda estavam
vivas no cotidiano dos americanos.
Uma iminente guerra nuclear entre as duas maiores potências do pós-guerra parecia
uma realidade mais sombria e macabra que qualquer filme ou gibi jamais imaginou.
Foi nesse período que as editoras norte-americanas, na intenção de refrescar e renovar
as histórias em quadrinhos foram buscar inspiração do outro lado do Atlântico Norte.
Os maiores expoentes da chamada “Invasão Britânica”50 nos HQs americanos e,
sobretudo, nos títulos da DC Comics são Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison.
Valdemar de Morais demonstra, em sua matéria publicada no site Fanboy, como estes
três artistas são importantes para os quadrinhos adultos.
Invasão Britânica nos quadrinhos dos Estados Unidos, processo que
desembocaria na evolução das graphic novels e a consolidação dos gibis de
fantasia e horror. Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison remodelaram
esses gêneros com seus trabalhos em séries, minisséries e graphic novels de
sucesso, como a revitalização do Monstro do Pântano – criado por Len Wein
e Bernie Wrightson em 1971–, V de Vingança (1981-1988) e
Watchmen(1985), por Moore; a graphic novel Orquídea Negra (1987) e a
total recriação de Sandman (1989), por Gaiman e a renovação da Patrulha do
Destino (1987) e do Homem-Animal (1989), por Morrison. Essa enxurrada
de produções de alta qualidade textual e artística foi o símbolo do abandono
do Comics Code. O sucesso do Monstro do Pântano de Alan Moore (19831988) e de Sandman (1989-1996) foram as grandes razões para a criação do
selo de quadrinhos adultos da DC, Vertigo, cujo título mais famoso é
Hellblazer (1988), onde são narradas as aventuras do mago anti-herói John
Constantine. Outros autores que chegariam ao estrelato nessa onda seriam
Jamie Delano, Garth Ennis, Mark Millar e Warren Ellis. (MORAIS: 2008)51
49
Era assim chamada porque não havia confronto militar num campo de batalha, mas sim uma guerra intelectual,
de promoção de medo.
50
Esse período é assim chamado na história das HQs porque os mais marcantes gibis dos anos de 1980 e que são
considerados revolucionários do gênero de super-heróis pertencem justamente a roteiristas nascidos na GrãBretanha.
51
Disponível em: http://fanboy.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=861. Acessado em 28 de
novembro de 2009.
35
Estes três homens e suas mentes acabaram por revolucionar toda uma indústria, que há
muito tempo sofria com histórias fracas, beirando o ridículo, além de serem brutalmente
podadas pelo Comics Code.
Quando se fala em quadrinhos adultos, geralmente pode-se pensar em quadrinhos
pornográficos, de teor explícito.
Sim, o teor é explicito, há sexo, violência em todas as suas formas, assassinato, nudez,
sangue, mas isso é abordado de uma forma densa, bem construída e profunda, não apenas uma
história na qual um homem olha uma mulher, ou vice-versa, os dois começam a fazer sexo e o
que se lê são só gemidos e gritos. Isso é coisa de filme pornô, não de HQ adulta.
O que Moore, Gaiman e Morrison conseguiram foi “fazer os quadrinhos crescerem”,
sair da infância, dizer adeus às fraldas e embarcar de vez em aventuras sombrias, densas e
fortes, que pudessem ser interpretadas de diversas formas e não só como diversão boba e
infantil, com heróis socando vilões que não matavam uma mosca, ou que, quando planejavam
matar, revelavam todo o plano aos heróis e davam tempo para que os impedissem.
Nos quadrinhos adultos, os heróis e vilões não tem nada de inocente, suas mentes são
perversas ou duramente traumatizadas por conta dos crimes com o qual convivem ou
cometem, a violência que os rodeia não é representada simplesmente por assaltos ou grandes
planos para governar o mundo.
Nada de vilões loucos e insanos, que são assim porque tem de ser. Nos quadrinhos
adultos tudo tem um porquê, uma mente doentia não é doentia simplesmente porque nasceu
assim. Algo aconteceu, um dia ruim, um tendência genética, um trauma. Podem ser várias as
causas para a loucura dos vilões, que muitas vezes nem são tão loucos assim, são muito
inteligentes e sabem o que querem, mas que seus propósitos são apenas um pouco distorcidos.
Até mesmo os heróis passaram a ser abordados com mais defeitos tipicamente
humanos, e não como seres acima de qualquer perturbação psicológica, dignos de adoração. E
mesmo assim eles são adorados justamente por serem humanos.
4
MOCINHOS,
BANDIDOS
E
DESCONSTRUÇÃO DO MITO
JUSTIÇEIROS
–
CONSTRUÇÃO
E
Neste terceiro e último capítulo iremos abordar mais profundamente as histórias em
quadrinhos para adultos da DC Comics, no que diz respeito aos roteiros, personalidades das
personagens, fazendo um comparativo de como eram e ainda são, tanto nos gibi destinados à
crianças e adolescentes, quanto nas HQs para adultos.
36
O mito que gira em torno dos heróis da DC também serão comentados, bem como que
responsabilidade eles tem para com seus vilões e os crimes que eles cometem, além do
interesse que as obras adultas exercem sobre o seu público.
Faz-se necessário dissecar duas das graphic novels consideradas as mais importantes
para a consolidação do gênero adulto, Watchmen e Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Outro aspecto importante a ser comentado é o modo como os mais importantes heróis
da DC são vistos nos gibis adultos, nas páginas da Vertigo, além de novos personagens e
tramas que afrontam o Comics Code e trazem todo tipo de perversão que se pode imaginar.
O choque entre vigilantismo e vilanismo, a suposta loucura dos vilões e o
reconhecimento literário das HQs adultas são de suma importância para o entendimento do
porque a DC hoje é líder quando se fala em obras de alta qualidade literária e adulta.
4.1 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA ADULTOS – HERÓIS
DESCONTRUÍDOS TÃO BRUTALMENTE QUANTO SEUS VILÕES
PERVERSOS
SÃO
SÃO
A aura de superioridade e divindade dos heróis não tem muito espaço nas histórias em
quadrinhos para adultos.
Uma graphic novel sempre traz algo de mais imperfeito e humano aos heróis. Muitas
vezes a desconstrução de uma imagem construída há décadas é chocante. O realismo
fantástico ou a realidade “nua e crua” também tem seu espaço.
Depois de todas as proibições, as histórias em quadrinhos viram no auge da Guerra
Fria52 a oportunidade de finalmente elevar a arte ao mais alto patamar, tanto em termos de
literatura, quanto de mercado e lucro.
Antes vistos como perigo intelectual ou coisa de criança, hoje, graças ao
amadurecimento das narrativas, muitas obras são consideradas artigos luxuosos e vendidas a
preços altos.
As graphic novels por si só são obras de luxo, com histórias realistas, diálogos
inteligentes, cores e acabamento impecáveis, trabalhos que tem começo, meio e fim, ao
contrário dos gibis comuns, com sagas intermináveis e reviravoltas de deixar os leitores tontos
ou revoltados.
52
A época era propícia a histórias cada vez mais apocalípticas, porque, segundo SANTOS (1995: 53) “a década
de 80 assistiu à falência de ideologias, ao medo paranóico de uma guerra atômica, ao individualismo consumista,
à mistura de conceitos nas teorias e de estilos na arte, à disseminação de doenças fatais, à queda de regimes
políticos autoritários, à emergência de novas potências econômicas, à preocupação com a destruição do meio
ambiente e à volta do conservadorismo político e moral.”
37
Pensando na necessidade de amadurecimento, eis que a Invasão Britânica nos
quadrinhos dos Estados Unidos na década de 1980 proporciona a gênese das melhores
histórias de super-heróis da nona arte.
Segundo Dennis O’Neil (2005: 86), hoje não basta mais criar uma história com
personagens sem profundidade, as histórias tem que ter algo mais para cativar o leitor, os
personagens precisam de uma trama bem escrita, densa e inteligente. O escritor precisa estar
atento a cada detalhe de sua narrativa.
O vilão nas HQs adultas não é apenas mais um cientista maluco que quer dominar o
mundo, um terrorista assassino ou um ladrão de bancos. Os adultos exigem cada vez mais das
histórias, mais credibilidade, mais realismo, mesmo que fantástico.
Os vilões são pervertidos sexuais, sádicos, psicopatas, estupradores, e toda sorte de
criminosos. Obrigatoriamente eles têm de ter uma personalidade marcante para justificar seu
vilanismo, sua inclinação ao crime tem de ser explicada ou amplamente mostrada, de modo
que o leitor perceba que ele está, assim como o herói, lutando por algo, nem que seja algo
horroroso e que vá contra as convenções sociais. Por sua vez, os heróis são obrigados a reagir
de forma cada vez mais violenta às investidas dos vilões, mostrando dessa forma que eles não
são tão bonzinhos quanto imaginávamos.
Todos os exemplos acima citados podem sem comprovados com a simples leitura das
duas obras mais importantes e que deram origem ao gênero, além de novo fôlego ao mercado.
Watchmen (1986) e Batman – O Cavaleiro das Trevas (1986), ambas da DC Comics,
são os maiores exemplos de como os quadrinhos poderiam demonstrar qualidade e
profundidade narrativa.
Nessas duas obras, os heróis não são tão heróis assim, o mundo é feio, cruel e não há
nada de poético em combater o crime. O realismo está sempre presente, como a cobertura da
imprensa em Batman, ou a Guerra Fria em Watchmen.
Em Batman – O Cavaleiro das Trevas, escrita e desenhada pelo americano Frank
Miller em 1986, Batman é um herói aposentado que vê Gotham City cair em desgraça após
uma onda de calor assolar toda a cidade e um grupo de jovens delinqüentes começarem a
promover ataques terroristas para implantar o caos.
Nesta história, Batman está velho, já passou dos 60 anos de idade e se vê obrigado a
retornar à ativa, mesmo com as limitações físicas e psicológicas.53
53
Nessa história, fica implícito que Batman desistiu de combater o crime por se culpar pela morte de Robin, que
foi brutalmente assassinado durante mais uma noite de vigilantismo (qualidade de ser vigilante, de manter a
ordem no anonimato). Batman é apresentado como homem obsessivo, violento, que não aceita derrotas e não
sabe a hora de parar.
38
De uma narrativa rápida, direta e com gírias e palavrões, os adultos se viram diante de
uma obra digna de lugar especial na lista das melhores histórias que já leram.
Mas, sem dúvida alguma, a história que abriu os olhos dos adultos para o mundo das
HQs, definitivamente foi Watchmen em 1986.
Introduzindo cores berrantes, diálogos tão bem construídos que não se parece com os
gibis publicados na época e sim com um roteiro de um filme, com flashbacks dos
personagens, política como pano de fundo para o desenrolar da história e uma conspiração de
amplitude mundial, Watchmen
conseguiu ir mais além, a graphic novel destrói
completamente a aura divina de seus heróis, que em sua maioria não tem super-poder algum a
não ser a coragem de se fantasiar e ir às ruas combater o crime. Mesmo o único super-herói,
um ser radioativo e azul, resultado de um acidente durante uma pesquisa nuclear, mostra-se
um deus, alheio às questões humanas e nem um pouco altruísta, no que diz respeito à sua
condição de super-herói e obrigatoriamente defensor dos Estados Unidos da América.
Os britânicos Alan Moore e Dave Gibbons, responsáveis pela criação de Watchmen,
sentiram a necessidade que o mercado tinha de uma obra realmente bem elaborada e
receberam por parte da DC Comics uma liberdade criativa jamais imaginada pelo mundo das
HQs, até então regido pela censura do Comics Code.
Essa liberdade se deve à crise
intelectual no mundo dos quadrinhos, que vendiam pouco e não faziam mais sucesso, tudo
culpa do Código de Ética.
Watchmen se assemelha às HQs undergrounds, que desde a década de 1960, época da
contracultura54, tratam de temas políticos, sociais, de comportamento, enfim, retratam o
mundo como ele realmente é.
Tratando de preconceitos, sexo, estupro, violência, carnificina, Watchmen foi o
responsável pela criação do gênero adulto nos quadrinhos americanos.
4.2 ANTI-HERÓIS – VILÕES, HERÓIS, UM POUCO DOS DOIS OU NENHUM?
Eles são marcados por sua brutalidade e moral dúbia. Não são tão maus quanto os
vilões, mas também não são tão bonzinhos quanto os heróis. Eles são o meio-termo, o cinza
entre o preto e o branco. Eles são os anti-heróis.
54
É o termo utilizado para designar os movimentos de negação dos valores capitalistas que teve seu auge na
década de 1960 e do surgimento de meios de comunicação alternativos, diferentes dos que circulavam no
mercado tradicional. A contracultura era a manifestação de novos estilos de arte e cultura. Foi nesse período que
circularam os gibis undergrounds, que tratavam de assuntos dos quais o Comics Code tinham proibido.
39
As atitudes dos vilões derivam das atitudes dos heróis e vive-versa, enquanto o antiherói deriva da complexidade dos dois.
Segundo AREAL (2003) citado por COELHO (2008), o anti-herói é o herói pósmoderno, ou seja, o herói de HQs adultas onde não há muitos exemplos de heróis puros, os
“cavaleiros de armadura brilhante”, os bons moços, cuja moral está acima de qualquer coisa.
Ao contrário do modelo de herói clássico, que demonstra o seu caráter
íntegro e benévolo arrastando as adversidades com que o destino o põe à
prova, o herói pós-romântico e moderno assume as suas fraquezas e vive em
conflito interior e em crise de relação com o meio social, sendo por isso
designado de anti-herói. Se o primeiro tende para o ideal, o segundo é mais
realista e promove uma reflexão sobre problemas seus contemporâneos”
(AREAL, 2003 apud COELHO, 2008: 44-45)
Os anti-heróis são figuras que não podem faltar nos quadrinhos adultos. Pois com o
amadurecimento da arte, os heróis se viram mais humanos, mais imperfeitos, mais passíveis
de erros.
Na DC, graças ao selo Vertigo, que publica somente HQs adultas, a maioria das
personagens principais pode ser chamada de heróis, simplesmente porque a trama gira em
torno delas, mas quando se analisa minuciosamente sua personalidade, chega-se à conclusão
de que nada mais são que anti-heróis. E os leitores os veneram por isso.
Para ser aceito na vida real é preciso ser bonzinho o tempo todo, os vilões
acabam possibilitando a imaginação de um ser livre e inconseqüente que
muitas vezes gostaríamos de ser. Uma espécie de válvula de escape.
(NÓRCIO, 2008 apud COELHO, 2008: 118).
Para se ter um exemplo de vilão completo, sem traços de heroísmo, analisemos o
Coringa e seu comportamento.
Em Batman – A Piada Mortal, graphic novel escrita em 1988 por Alan Moore e
publicada em um único volume, o Coringa, que desde a primeira aparição em 1939 é
considerado o maior inimigo do Batman, consegue ser abordado como um homem comum
que teve um dia ruim após várias decisões erradas e que acabou por se tornar um louco sádico
graças a mais uma das peripécias do Homem-Morcego ao defender Gotham City do crime.
É o gibi que mais disseca a personalidade do Coringa e que consegue passar um
realismo em sua forma de estruturação e conteúdo, digna de uma produção cinematográfica.
Não é a toa que venceu dois dos principais prêmios da nona arte em 1989.55
55
Ganhou o Harvey Award de melhor história, desenhista, colorista e graphic novel e o Will Eisner Comic
Industry
Award
de
melhor
escritor,
artista
e
graphic
novel.
Ver
mais
em:
http://www.universohq.com/quadrinhos/2004/review_batman_piada_mortal.cfm. Acessado em 29 de novembro
de 2009.
40
A história começa mostrando Batman indo visitar seu maior inimigo no sanatório de
Gotham, o Asilo Arkham56.
No meio da conversa, enquanto o Coringa joga cartas, Batman pergunta e ao mesmo
tempo afirma que eles vão acabar matando um ao outro algum dia. O Coringa nada responde,
testando a paciência do Homem-Morcego que acaba por agredi-lo.
A trama depois pula para um flashback57 no qual o Coringa nada mais é que um
comediante sem graça e desempregado com uma mulher grávida e sem dinheiro algum. Um
homem absolutamente normal.
Percebe-se então, após uma cena mostrando o Comissário de polícia de Gotham,
James Gordon e sua filha Barbara, que o Coringa escapou de Arkham.
O Coringa se apossa de um parque de diversões abandonado ao matar seu proprietário
de “rir”, e, enquanto relembra fatos de seu passado mais uma vez, vai ao apartamento de
Gordon, atira nos quadris de Barbara, captura o comissário e antes de sair, tira fotos da moça
ensangüentada e nua. (páginas 16 e 17)
O grau de perversão do Coringa toma proporções grotescas. Ele não é mais apenas um
palhaço criminoso, ele é um pervertido sexual.
Ao capturar Gordon, o Coringa o deixa a mercê de um grupo de anões vestidos com
roupas sado masoquistas que o despem, torturam e o fazem de brinquedo. Uma das cenas
mais perturbadoras de todo o gibi.
Enquanto Gordon é torturado física e psicologicamente, Batman visita Barbara no
hospital e ela afirma que, desta vez, o Coringa ultrapassou todos os limites. Batman também
fica sabendo que a moça foi encontrada nua e se revolta com seu estado. Barbara foi atingida
na coluna pelo tiro e não poderá andar. Tudo graças ao Coringa.
Mais alguns flashbacks mostram que o Coringa, antes um homem normal, se envolveu
numa trama para assaltar uma fábrica de baralhos e para isso, os bandidos com os quais o
Coringa está, precisam que ele facilite tudo, já que para chegar ao alvo do assalto, eles
precisam passar por uma indústria química na qual o Coringa trabalhara anteriormente.
O Coringa está disposto a tudo para dar uma vida melhor a sua mulher e seu filho que
está à caminho. Até a se fantasiar de outro bandido, um tal Capuz Vermelho, para despistar a
polícia.
56
É o manicômio das histórias do Batman e para onde todos os psicopatas de Gotham City vão.
57
Termo que se refere a um vislumbre do passado, uma lembrança.
41
Mas a vida é cruel, e a conversa com os bandidos é interrompida por dois policiais que
informam ao Coringa que sua esposa havia morrido eletrocutada quando testava um
aquecedor de mamadeiras.
Arrasado, ele pensa em desistir, mas os bandidos o convencem e praticamente o
obrigam a cometer o crime.
Como não tem mais nada a perder, o futuro palhaço do crime aceita a missão e se
dirige à indústria. Como lhe foi ordenado, ele põe um terno e gravata borboleta. Não por
acaso esse terno é roxo, o que viria a ser seu “uniforme de trabalho”.
Logo após isso, a narrativa pula para o trem fantasma, onde Gordon é obrigado pelo
Coringa a ver fotos de sua filha Barbara, nua e ferida, envolta em sangue. Tudo o que o
Coringa quer é provar que um dia, um único dia ruim na vida do melhor dos homens, pode
levá-lo à loucura. E enquanto tortura, o palhaço canta alegremente uma canção que exalta
como é “bom” ser louco.
Alan Moore é um gênio quando se trata de tramas psicológicas. Os diálogos são tão
fáceis de entender e ao mesmo tempo tão complexos, que não há como negar que a empatia
que ele cria em torno do Coringa é proposital.
Ora, até mesmo o mais cruel e sanguinário assassino pode ter um passado sofrido. Não
é o que pensamos quando nos deparamos com os horrores de seus crimes, mas mesmo assim,
isso nos passa pela cabeça em algum momento.
Uma parte do diálogo merece ser reproduzido aqui, dirigido ao Comissário, sintetiza
todo o sentimento que o Coringa adquiriu pela sociedade desde que caiu em desgraça:
[...] Senhoras e Senhores! Vocês já o conhecem pelas manchetes dos
jornais! Agora tremam ao ver com seus próprios olhos o mais raro e trágico
dos mistérios da natureza! Apresento... o ho-mem co-mum! [...]
Fisicamente ridículo, ele possui, por outro lado, uma deturpada visão de
valores. Observem o seu repugnante senso de humanidade, a disforme
consciência social e o asqueroso otimismo. É mesmo de dar náuseas, não?
O mais repulsivo de tudo são suas frágeis e inúteis noções de ordem e
sanidade. Se for submetido a muita pressão... ele quebra! (Moore, 1999:
36)58
Com estas palavras, percebe-se que o Coringa não é nada idiota, mas que sua visão de
mundo é bem peculiar. O jogo psicológico aqui é: exibir Gordon, o homem comum, para uma
platéia de aberrações, de excluídos da sociedade que por sua vez, consideram Gordon uma
aberração.
58
Palavras mantidas em negrito porque nos quadrinhos, palavras assim apresentadas são dignas de destaque,
palavras que tem importância vital para todo o texto.
42
Percebe-se no Coringa, um ar de niilismo59 típico da filosofia do filósofo alemão
Friedrich Nietzsche60, que em seus livros criticava toda a sociedade, os valores pregados pelo
cristianismo e o comportamento dos homens. O Coringa é um niilista porque sua verdade se
baseia na negação de qualquer outra verdade comum à maioria das pessoas.
Ler as falas do Coringa é quase como ler Assim Falou Zaratustra ou Genealogia da
Moral de Nietzsche. O teor de negar tudo o que existe de ordem e impor uma nova. É isso o
que o Coringa deseja, deseja um mundo a seu modo, mas para isso, ele sente que precisa do
Batman. Pois precisa de um rival com quem lutar, pois se não há luta, o Coringa não vê graça.
O choque de realidades e visões de mundo das personagens, típico das histórias de
Alan Moore, fica,m cada vez mais explícitos. Mas o melhor, ou pior, ainda está por vir.
O final da história é surpreendente.
Descobrimos que, Batman e Coringa tem um passado maior do que se poderia
imaginar.
Noutro flashback, é mostrada a tentativa de assalto, e quando o Coringa tenta passar
pela indústria química, Batman tenta impedi-lo, a polícia chega, mata os cúmplices do
Coringa, o que faz com que apenas ele seja perseguido pelo Batman, que pensa estar no
encalço do Capuz Vermelho.
Ao tentar escapar, o Coringa pula num dos tanques químicos, e nadando, sai da
fábrica. Quando chega nas margens de um rio, ele não é mais aquele comediante sofrido que
acabara de perder a mulher grávida e se meter numa enrascada. Ele percebe que sua pele está
extremamente pálida, com algo por cima que se parece com maquiagem circense, seus
cabelos estão verdes e ele ri loucamente. Agora sim, ele é o Coringa.
De volta ao presente do gibi, após encontrar o Comissário numa jaula e nu, Batman se
depara com seu maior inimigo. Uma luta tem início, onde perguntam quem vai matar quem.
O Coringa consegue escapar e foge para a Casa dos Espelhos, onde fica repetindo que
conseguiu enlouquecer Gordon e que basta um trauma, “um dia ruim” e a loucura aflora.
Mas Batman o encontra e mais uma vez, os dois entram em luta corporal, até que o
Coringa puxa uma arma e atira na direção do Cavaleiro das Trevas. Mas a arma é de
brinquedo e então o vilão pede para que o herói acabe com ele de uma vez já que não
conseguiu provar sua teoria, pois Gordon continua são. O Coringa não quer conviver com a
verdade, a verdade de Gordon que quer, acima de tudo, justiça.
Gordon suplica para que Batman prenda o vilão e mostre que a lei funciona.
59
Segundo o Minidicionário Luft (2001), Niilismo é um “princípio filosófico segundo o qual a negação (da fé,
das hierarquias, das instituições, etc.) é o grau supremo da verdade.”.
60
Aquele mesmo que criou o termo Super-Homem no livro Assim Falou Zaratustra.
43
Mas Batman não é assassino, ele não vai matar o Coringa e ainda oferece ajuda,
reabilitação e mostra que a sociedade não está, de todo, perdida.
Então o Coringa conta uma piada sobre dois loucos que fugiram de um sanatório, e cai
na gargalhada. Em seguida, sem poder se segurar, Batman também gargalha.
De fato, poucos sabem porque o Batman se nega a matar o Coringa, mesmo sabendo
que com isso, evitaria mais mortes e problemas e o porque do Coringa ter uma necessidade
louca de fazer tudo para chamar atenção do Homem-Morcego. Segundo Ron Novy no
capítulo 13 do livro Batman e a filosofia, que trata justamente da relação entre o herói e o
vilão, afirma que:
Batman e o Coringa nasceram da violência; cada um é produto de uma
pessoa comum que, em ‘um dia ruim’, sofreu transformação profunda. A
estranha intimidade deles é a loucura compartilhada por dois anjos da morte
debatendo as condições necessárias para a liberdade humana. (NOVY in
WHITE e ARP, 2008: 162)
Com essa afirmação, pode-se duvidar do caráter heróico do Batman ou do vilanismo
absoluto do Coringa, mas a verdade é que um completa o outro. Eles apenas escolheram
modos de vida diferentes após suas tragédias pessoais.
Bruce Wayne, o alter ego de Batman, perdeu os pais após um assalto quando era uma
criança61 e o Coringa perdeu sua mulher grávida quando estava prestes a cometer um. No caso
da Batman – A Piada Mortal, vemos que eles são irmãos na guerra, que apenas escolheram
lados opostos. Ambos têm consciência da perversidade do mundo, mas o Batman fez uma
promessa a seus pais: combater o crime em Gotham e vingá-los dessa forma. O Coringa não
fez promessa alguma, tudo o que foi e tudo o que tinha de bom morreu com sua mulher e filho
por conta de um acidente doméstico. Nada tira o caráter heróico de Batman, enquanto temos
dúvidas sobre a verdadeira motivação do Coringa para ser vilão.
Drama digna de tragédia grega. Alan Moore conseguiu atenuar a linha entre heroísmo
e vilanismo utilizando dois dos personagens mais famosos e complexos do mundo dos
quadrinhos e mesmo assim, demonstrou exatamente a linha que separa as atitudes de seres tão
parecidos e ao mesmo tempo, tão diferentes.
Sim, porque o Batman se parece com o Coringa, pois para ser o que é Bruce Wayne
precisou aceitar que o Estado era falho e corrupto quando se tratava de combater a violência e
precisava de um vigilante fora-da-lei, mas a favor dela, para ajudar na luta contra o crime.
61
Em todas as histórias do Batman, não importa o autor ou a época, essa é a origem da promessa de vingança e
combate à violência que Bruce Wayne faz ainda criança.
44
Batman encontrou sua própria verdade, mesmo que ela se assemelhe com a verdade da
maioria das pessoas.
Essa graphic novel escrita por Alan Moore tem tanta importância, que desde que foi
lançada, a personalidade do Coringa das edições normais das histórias do Batman se
assemelham muito com Batman – A Piada Mortal, justamente por apresentar uma possível
versão para a origem da loucura do príncipe palhaço do crime62.
Nos quadrinhos adultos, o herói do tipo do “Superman” não tem muito o que fazer a
não ser que esteja como antagonista do herói principal da história, como no caso da graphic
novel Batman – O Cavaleiro das Trevas (1986), onde Batman é o herói imperfeito, falível e
limitado, obsessivo e atormentado, um anti-herói, e o Superman é o mocinho, na verdade, o
soldado número um à serviço do governo norte-americano, que vai a Gotham conter a onda de
violência que assola a cidade e fazer Batman desistir de ser vigilante.
O anti-herói é aquele tipo egoísta, obcecado por alguma coisa (a captura de um
criminoso, ou por poder, fama, por exemplo), que em dado momento de uma trama, adquire
atitudes dignas de herói clássico63, mas quando indagado a respeito de seu heroísmo,
resmunga que apenas agiu assim por vontade própria, para se ajudar e não para ajudar alguém.
Muitos deles não podem ser comparados aos vilões, mas não assumem o papel de herói, por
achá-los limitados.
Um bom exemplo disso é John Constantine, do gibi de horror e ocultimos Hellblazer,
publicado pelo selo Vertigo da DC Comics.
Constantine é um inglês magricela e loiro que foi criado por Alan Moore64 e apareceu
pela primeira vez em 1985 na revista The Swamp Thing65, quando este escrevia os roteiros
dessa revista na DC. John era apenas um coadjuvante que conhecia artes e histórias do
ocultismo.
Com a ascensão dos quadrinhos adultos naquela época, graças a Moore e seus
Watchmen, a DC decidiu lançar uma revista solo para o ocultista inglês. Foi aí que surgiu um
dos maiores expoentes do anti-heroísmo dos quadrinhos.
John Constantine bebe, fuma e não estão nem aí para ninguém, seu trabalho consiste
apenas em manter os demônios do inferno em seu devido lugar e manter o equilíbrio entre o
bem e o mal na Terra.
62
Um dos apelidos do Coringa.
O ser benevolente, condescendente e bom, que salva criancinhas e reluta a usar violência para deter seus
inimigos.
64
Sempre ele. O mestre dos HQs adultos.
65
Conhecida no Brasil como Monstro do Pântano.
63
45
Suas histórias são repletas de satanismo, bruxaria, nudez, carnificina e violência, além
de anjos, seres fantásticos, monstros e demônios assustadores. Tudo o que não poderia ser
publicado caso o Comics Code ainda valesse.
Constantine também deu as caras no segundo número de Sandman66, de Neil Gaiman,
em 1989.
Jamie Delano, um dos ingleses da época da “Invasão Britânica” nos anos de 1980
ficou encarregado de construir o personagem a partir da base criada por Moore pela DC. e
somente pela descrição do começo da vida desse personagem podemos adivinhar que ele
nunca seria o modelo de herói clássico.
Vindo de uma família da classe operária de Liverpool, John havia
estrangulado seu irmão gêmeo no útero e matado sua mãe no parto, o que lhe
rendeu ódio do pai por toda a infância. Aos 17 anos, mudara-se para
Londres. Passou toda década de 70 aprendendo as artes arcanas com um
grupo de dedicados ao misticismo. Havia sido líder de uma banda inspirada
nos Sex Pistols, a Membrana Mucosa, e após uma experiência sobrenatural
malfadada – na qual Constantine acidentalmente mandou uma menina para o
inferno – fora interno do hospício de Ravenscar por dois anos. (ASSIS,
2005)67
Atualmente, Hellblazer é um dos títulos mais importantes do selo Vertigo, e John
Constantine é venerado por fãs ao redor do mundo, tanto que em 2005 ganhou uma versão
cinematográfica com Keanu Reeves68 no papel principal, além de um elenco de estrelas.
Como se pode ver, os anti-heróis nos quadrinhos para adultos são obrigatórios
enquanto os heróis puros são totalmente dispensáveis, uma vez que com tramas maduras, os
vilões se apresentam de uma forma tão poderosa e perigosa que é preciso entender bem e
conviver com a maldade, para lidar com ela e não se deixar vencer.
4.3 WATCHMEN – A LINHA TÊNUE ENTRE VIGILANTISMO E VILANISMO
Como já foi citada anteriormente neste trabalho, a graphic novel Watchmen, de Alan
Moore e Dave Gibbons, lançada entre 1986 e 1987 pela DC Comics é considerada a primeira
66
Outra HQ adulta, cultuada pelos fãs de HQ e roteirizada pelo britânico Neil Gaiman.
Matéria
do
site
Omelete,
site
especializado
entretenimento.
Disponível
em:
http://www.omelete.com.br/quad/100002488.aspx. Acessado em 25 de novembro de 2009.
68
Que a propósito, não se parece em nada com o magrelo loiro e inglês do gibi, pois é americano e moreno. O
filme gerou muitas polemicas por conta das mudanças, mas não há como negar que a personalidade de John está
presente no filme, com todo o seu sarcasmo misturado a uma sabedoria macabra, além de ser considerado um
protegido de Deus e o homem mais odiado por todos os demônios do inferno, inclusive Lúcifer, a quem John
insulta e provoca inúmeras vezes, tanto no gibi quanto no filme. Ver mais sobre o filme em
http://www.imdb.com/title/tt0360486/. Acessado em 27 de novembro de 2009.
67
46
obra realmente adulta de quadrinhos, além de ser considerada a maior e melhor história já
feita.
Com Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons, redefiniram a linguagem dos
quadrinhos produzidos nos Estados Unidos, estabelecendo de vez o início de uma Nova Era
para os super-heróis, (GUEDES, 2008 apud COELHO, 2008: 52).
Watchmen ganhou o prêmio Hugo69, na categoria Others Forms em 1988 o Eisner e o
Kirby, que premiam HQs e obras da arte seqüencial.
Publicada em 12 volumes, essa graphic novel traz como personagens principais
pessoas comuns que à noite se vestem com fantasias de cores berrantes para combater o
crime.
O mundo onde Watchmen se passa é um retrato dos anos 80 do século XX com
algumas modificações no curso verdadeiro da história, e tudo detalhadamente planejado para
que no final, fizesse sentido.
Watchmen superou todas as expectativas e hoje é um clássico do gênero, é muito mais
que um simples gibi, é uma obra prima da literatura mundial. Subverteu dos gibis e moldou o
gênero adulto, abrindo espaço para diversos artistas se livrarem da censura e começarem a
desenvolver tramas mais complexas.
Muitos especialistas acreditam que Watchmen, de Alan Moore e Dave
Gibbons, é o Cidadão Kane70 dos quadrinhos, um trabalho que entretém,
inova, critica e define o gênero. É o que os amantes de quadrinhos
geralmente dão de presente a amigos quem pensam que gibis são
simplesmente diversão para crianças, desprovidos de mérito literário.
Watchmen é uma maxissérie71. (O’NEIL, 2005: 106)
Após escrever roteiros excelentes para Monstro do Pântano, Alan Moore descreve
como surgiu a idéia de fazer Watchmen:
69
O Hugo é um premio voltado a literatura e que concedeu a Watchmen esse prêmio, fazendo com que, pela
primeira vez, uma história em quadrinhos tivesse reconhecimento literário. Ver a lista completa dos ganhadores
em: http://dpsinfo.com/awardweb/hugos/80s.html. Acessado em 29 de novembro de 2009.
70
Cidadão Kane (1941) é um filme cultuado mundialmente por ter sido ousado e inovador para sua época, além
de ser o primeiro filme escrito, dirigido pelo também cultuado Orson Welles, que interpreta o Cidadão Kane da
história. Foi Orson Welles quem leu, numa transmissão pelo rádio na véspera do Halloween (Dia das Bruxas) de
1938 o livro A Guerra Dos Mundos (1898) de H. G. Wells, no qual narrava a invasão de alienígenas marcianos
na Terra como se fosse um noticiário. Como nem todo mundo acompanhou desde o início e nem sabia que se
tratava da leitura de um livro, houve pânico generalizado e até casos de suicídio. Ver sinopse de Cidadão Kane
em: http://br.cinema.yahoo.com/filme/962/sinopse/cidadaokane. Acessado em 29 de novembro de 2009. Ver
mais em Orson Welles e a Guerra dos Mundos: 65 anos de uma farsa, matéria publicada no site Omelete.
Disponível em: http://www.omelete.com.br/game/100001616.aspx. Acessado em 29 de novembro de 2009.
71
Maxissérie, segundo Dennis O’Neil no Guia Oficial DC Comics – Roteiros (2005) é uma série ou mini-série
que ao chegar à sua conclusão, tem as respostas a todas as questões que envolvem os personagens, que une todos
os elementos da narrativa, por mais dispersos que sejam.
47
Pegando de onde George Orwell parou, comecei a trabalhar no que acabou
se tornando WATCHMEN em 1984. Não me lembro ao certo, mas acho que
provavelmente foi alguma idéia ridícula de que o livro sairia no ano seguinte
que me levou a estabelecer a série em 1985. (MOORE, 1988)72
É importante que se explique o porquê de Moore citar o tal livro de George Orwell.
Este livro nada mais é do que 198473, livro aclamado e cultuado onde Orwell conta a história
de um mundo sob o regime totalitário onde todas as pessoas são incessantemente vigiadas
pelo Grande Irmão (Big Brother, no original). O livro é de uma riqueza de detalhes incrível e
trata de política e comportamento, além de experimentos sociais. Há cenas em Watchmen que
fazem alusão ao Grande Irmão, como quando Ozymandias, um dos vigilantes da história,
senta numa cadeira em frente a vários monitores de TV que transmitem imagens do mundo
inteiro.
Não por acaso tanto Watchmen quanto 1984 estão na lista dos 100 Melhores
Romances de Todos os Tempos, eleitos pela revista TIME74.
O enredo, totalmente vívido e de uma riqueza de detalhes impressionante, Watchmen
faz com que a leitura seja irresistível. As cores, geralmente quentes, dão o tom do calor e
agonia que a Guerra Fria e uma possível e iminente guerra nuclear representavam na época
em que se passa a história.
O enredo começa assim: um velho vigilante é brutalmente assassinado, sendo
arremessado de uma janela e caindo no asfalto da cidade de Nova York em 12 de outubro de
1985.
Durante o primeiro capítulo, as primeiras falas de todo o gibi define todo o tom do
pensamento negativo e violento que o rege:
Esta manhã, no beco, havia um cão morto com marcas de pneu no ventre
rasgado. A cidade tem medo tudo de mim. Eu vi o rosto dela. As ruas são
sarjetas dilatadas e essas sarjetas estão cheias de sangue. Quando os bueiros
finalmente transbordarem, todos os ratos irão de afogar. A imundície
acumulada e todo o sexo e matanças que praticaram vai espumar até suas
cinturas e todos os políticos e rameiras olharão para cima, gritando “Salvenos”... e, do alto, eu vou sussurrar: “Não”. (MOORE e GIBBONS, 2009: 1)
Todos os vigilantes tiveram que se aposentar após uma lei entrar em vigor, na década
72
Carta escrita por Alan Moore em sua cidade Natal, Northampton, Inglaterra, em janeiro de 1988 e inserida nas
páginas finais da edição definitiva de Watchmen, lançada pela editora Panini Comics em 2009.
73
Ver mais sobre o livro 1984 em http://www.espacoacademico.com.br/061/61azuma.htm. Acessado em 29 de
novembro de 2009.
74
Veja a lista completa em: http://www.time.com/time/2005/100books/the_complete_list.html. acessado em 29
de novembro de 2009.
48
de 197075. Todos, menos o Doutor Manhattan (um ser radioativo e azul, que surgiu após um
físico do governo americano ficar preso numa câmara com um acelerador de partículas
nucleares), o Comediante, que desde o final da década de 1940 trabalha para o governo. O
único vigilante na ativa e fora-da-lei chama-se Rorschach, pois usa uma mascara feita com um
tecido especial que simula manchas parecidas com os testes de Rorschach76.
Nada é por acaso em Watchmen, e a trama se desenrola como uma rede de intrigas, já
que Rorschach suspeita que alguém está matando vigilantes aposentados, pois não só Edward
Blake é vítima de assassinato. Outro vigilante dos anos de 1940 também é assassinado.
Através de flashbacks dos personagens principais, podemos ter mais detalhes sobre
toda a vida dos heróis, desde que os Minutemen77 surgiram, como a imprensa os elevou ao
estrelato, como a sociedade acaba por criminalizar até mesmo os heróis e como todo o sonho
de união tem fim após alguns infortúnios.
Nenhum herói em Watchmen pode ser considerado modelo de comportamento, moral
ou de vida. Todos eles têm manchas negras no passado, desde tentativas de estupros, a
assassinatos, crimes de guerra, carnificina, e toda sorte de atos atípicos de heróis.
Numa cena de flashback, por exemplo, é mostrada uma cena da heroína aposentada
Sally Jupiter (a primeira Espectral) na qual sofre uma tentativa de estupro do Comediante em
1940, numa reunião dos Minutemen. Ela relembra este fato após comentar com sua filha
sobre o funeral dele. Nos capítulos finais, descobrimos que mesmo com essa mancha no
passado, a Espectral e o Comediante tiveram um romance pouco depois e o resultado desse
amor doentio é Laurie, filha de Sally e a segunda Espectral.
Talvez a razão para tanta humanidade naqueles que deveriam representar uma
superioridade resida no fato de que não é fácil imaginar num mundo real no qual pessoas
comuns saiam por aí, fantasiadas para combater o crime, até porque, em tempos hodiernos, os
bandidos são de uma classe bem mais cruel do que aqueles da época dos Minutemen, por
exemplo.
No grupo dos Minutemen, há gays, uma lésbica, um violento machista e pervertido
sexual, uma estrela de filmes eróticos. Todos eles unidos pelo combate ao crime, ou por
algum desejo egoísta de se aparecer.
75
Na graphic novel essa lei se chama Lei Keene, decretada pelo presidente Nixon, que ao contrario do que
aconteceu de verdade, não sofreu nenhum escândalo e pôde se reeleger duas vezes porque o Comediante matou
os jornalistas que denunciariam o escândalo de Watergate.
76
São aquelas placas cheias de manchas às quais os psicólogos e psiquiatras mostram aos pacientes para que eles
digam o que vêem. Em Watchmen, há uma cena na qual o vigilante Rorschach é examinado dessa forma por um
psiquiatra criminal.
77
Homens Minuto, o grupo formado na década de 1940, deu origem ao vigilantismo publicitário, ou seja, os
heróis se promoviam na imprensa graças a alguns bêbados e ladrões de velhinhas que socavam noite após noite.
49
A primeira Espectral, por exemplo, só entrou para o time dos Minutemen porque seu
empresário achou que seria interessante para sua futura carreira de modelo e atriz.
Os outros queriam caçar bandidos, inocentemente, ou, como no caso do Comediante,
só queriam violência, ter em quem bater com a desculpa de ser por uma causa nobre.
Ao final dos capítulos, há sempre uma frase cujo tema inspirou Moore na hora de
escrevê-lo. São frases famosas, letras de músicas, trechos de livros que valorizam ainda mais
a narrativa e de onde o autor tirou o título do capítulo.
Com uma trama tão bem amarrada, Watchmen mais parece um documentário, pois
além de suas páginas contendo a história em si, outros anexos surgem como peças que ajudam
a entender melhor e apresentam mais detalhes sobre o que foi tratado no dado capítulo, como
trechos de livros, relatórios psiquiátricos, médicos, recortes de jornais, revistas, tudo tão
fictício quando o quadrinho. E ainda há os Contos do Cargueiro Negro, a história em
quadrinhos que um menino lê numa banca de jornal onde o jornaleiro vive a discutir os
problemas do mundo durante toda a história.
Watchmen é de uma profundidade que nem mesmo Moore ou seu desenhista Dave
Gibbons (que também participou do processo de criação dos personagens) imaginou na época
em que foi concebido:
[...] nós queríamos fazer um quadrinho novo e inusitado de super-heróis que
nos permitisse a oportunidade de experimentar algumas novas idéias
narrativas ao longo do caminho. Mas acabamos com algo substancialmente
maior do que isso. Em algum ponto ao longo do caminho, entre o material
com o qual estávamos trabalhando e as novas técnicas narrativas que
estávamos tentando, começou a acontecer uma coisa que não havíamos
esperado. Quanto mais olhávamos para a história, mais profundidade ela
mostrava possuir. Quanto maior nossa compreensão dos detalhes
subliminares de fundo que estávamos usando se tornava, mais esses detalhes
se tornavam interligados com a linha da história, [...] (MOORE, 1988)
Mas o que chama atenção na história é a densidade de seus personagens. Os vigilantes
de Watchmen são todos pessoas absolutamente normais, exceto o já citado Doutor Manhattan.
Outro dado importante é que todos são anti-heróis. Sua maior motivação não é
somente salvar o mundo, mas também atender às necessidades do próprio ego, agir de acordo
com suas convicções.
Como na vida real, cada detalhe e acontecimento do passado dos heróis reverberam
em 1985.
Muitos dramas comuns da humanidade estão presentes no texto, como estupro, traição,
violência contra a mulher, assassinatos, infanticídio, pedofilia, drogas, sexo, política, religião,
etc. Segundo Moore, em sua carta de 1988, não dava para abordar temas assim na vida de um
50
herói sem que fosse explicado o contexto histórico, político e social do mundo em que ele
vivia.
[...] não bastava descrever as circunstâncias particulares da vida de um
Rorschach ou de um Dr. Manhattan sem levar em conta sua política, sua
sexualidade, sua filosofia e todos os fatores em seu mundo que haviam dado
forma a essas coisas. [...] Não podíamos discutir esses personagens sem
discutir o mundo que dera forma a eles, e não podíamos discutir esse mundo
sem de algum modo nos referirmos ao nosso próprio, mesmo que de modo
indireto. (MOORE, 1988)
E é exatamente isso o que acontece quando comparamos Watchmen com os
acontecimentos da época, no caso, 1985.
Quando a história se passa, a referência aos problemas sociais, morais e políticos do
mundo naquele período da história da humanidade é indispensável.
O medo de uma guerra nuclear, tão presentes na Guerra Fria entre as potências,
Estados Unidos e União Soviética, está presente o tempo todo em Watchmen.
Segundo KRAKHECKE (2007), o período em que Watchmen é lançada não poderia
deixar de ser influenciador de seus autores:
A guerra Irã-Iraque, que ocorre entre 1980 e 1988, também pode ser
considerada uma influência. Os Estados Unidos apóiam o Iraque dando
suporte logístico e suprimentos como armamentos, enquanto os soviéticos
observam o conflito com interesse, uma vez que estão em processo de
ocupação do Afeganistão, na fronteira leste do Irã. Assim, as hostilidades
reais ocorridas durante essa fase da Guerra Fria acabam por influenciar os
autores de HQs. Estes irão capturar o ambiente de tensão e o ilustrar em suas
histórias, se fazendo entender por um leitor que vive cercado de notícias
sobre conflitos que podem levar Estados Unidos e União Soviética à guerra.
A conseqüência de uma guerra entre Estados Unidos e União Soviética, para
as pessoas, não poderia ser sem artefatos nucleares. Como já visto, a guerra
nuclear é explorada como tema no cinema, e as HQs não poderiam ser
diferentes. (KRAKHECKE, 2007 :16)
Em seus 12 capítulos, Watchmen consegue fazer jus à sua fama de melhor história em
quadrinhos de todos os tempos.
Ao final de toda a trama, com todos os detalhes devidamente explicados, a pergunta
que não cala é tão inquietante e tão humana que pode ser feita por qualquer ser humano numa
situação extrema: vale a pena sacrificar milhões para salvar bilhões?
É exatamente um dos vigilantes faz nos capítulos finais, porque ele tomou essa atitude, matou
milhões ao simular um ataque alienígena em Nova York para matar e impor medo em todo o
planeta, fazendo assim com que este se una e acabe de uma vez com disputas políticas,
ideológicas ou sociais.
51
Tudo para o bem da humanidade. Mostrando características de vilão e ao mesmo
tempo intenções heróicas.
Quando o herói Rorschach, um moralista violento que faz justiça com as próprias
mãos e não titubeia quando precisa matar um assassino, estuprador ou pedófilo, ameaça
contar tudo ao mundo, pois não acha certo que a paz seja baseada em mortes de mihlares de
inocentes para sustentar uma mentira, o sobre-humano Doutor Manhattan se vê obrigado a
matá-lo, por acreditar que este é o melhor meio de se obter a paz, pelo menos o que eles tem
em mãos no momento.
Após isso, tudo parece ter dado certo em Watchmen, Estados Unidos e Uniao
Sovietica de mãos dadas, pessoas nas ruas cantarolando, festejando sua sobrevivência. Mas
esse clima “neo-hippie” nos anos de 1980 parece estar ameaçado por um diário no qual o
vigilante Rorschach relatou toda a trama sórdida e cruel (de um dos seus companheiros de
vigilantismo) que levou o mundo a esse estado de “paz e amor” e o enviou previamente a um
jornal, talvez imaginando que não sairia vivo de uma conspiração tão grande.
Mas como um final de novela, Watchmen mostra que o jornal não tem mais o que
noticiar já que o que existe é paz e deixa a dúvida se ele publicou ou não o diário do vigilante.
Essa dúvida fica no ar:
Será que mesmo sabendo que a paz foi conseguida através de uma conspiração
assassina, os povos continuariam se amando?
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar este estudo sobre o mundo dos quadrinhos e sobretudo analisar suas obras
adultas, o maior objetivo foi lançar “uma luz às trevas do mero ser”78, no que se refere a toda
a história dos quadrinhos norte-americanos, passando por um breve histórico da arte desde os
seus primórdios, a época da inocência, a das trevas quando o livro A Sedução do Inocente foi
lançado e finalmente, depois da queda da censura, a liberdade criativa tão sonhada e pela qual
tantos artistas lutaram.
Bombardeios de acusações de incentivo à violência, à delinqüência e a toda sorte de
desvios de comportamento sempre estiveram intimamente ligados aos quadrinhos. Mas 1954
“aquele lixo de livro”, como disse Frank Miller, ameaçou destruir toda a liberdade expressiva
e artística e, de fato, podou a arte durante quase 30 anos.
Mas por fim, em 1980, a inteligência triunfou sobre o preconceito e Watchmen foi
lançada.
É inegável a importância da DC em todo esse processo, como foi anteriormente
mencionado. Ela criou o gênero de super-heróis, construiu toda a imagem deles, as
características e como se deveria escrever sobre eles e após muitos anos, ela mesma promoveu
a destruição desde tipo de mito, e criou um novo gênero, tanto de HQs como de super-heróis e
conseguiu dar novo fôlego à industria, transformando novamente os quadrinhos em uma arte
apreciada e rentável.
Percebe-se que HQs para adultos ainda é um tema pouco estudado no meio acadêmico,
sobretudo com um enfoque mais objetivo, segmentado, pois geralmente as dissertações e
artigos, ou estudam uma só obra ou estudam a arte de modo geral, não dando tanta
importância à passagem da infância da arte, para a adolescência reprimida pelo Comics Code
e finalmente para essa fase adulta tão expressiva, rica em detalhes e marcante que os
quadrinhos norte-americanos tem no mundo inteiro.
Como muitas vezes gibi adulto pode ser generalizadamente considerado apenas gibi
com pornografia, orgias, sexo e nada de história bem construída, outro dos vários propósitos
deste estudo foi demonstrar quão interessante e importante pode ser a história das histórias em
quadrinhos, seja do ponto de vista artístico, cultural, histórico ou industrial, já que sua
influência na cultura pop é inegável, vide os ícones mundiais que os personagens da DC
78
“Ao que nos compete discernir, o único propósito da existência humana é lançar uma luz nas trevas do mero
ser”. Frase retirada do Livro Lembranças, Sonhos e Reflexóes de C. G. Jung e que encerra o capítulo 9 de
Watchmen.
54
Comics se tornaram, como o Superman, Batman, Mulher Maravilha, Mulher Gato, Coringa,
Flash, Lex Luthor e tantos outros.
Não se pode deixar de notar que todas as HQs fazem referencia à nosso presente,
nosso contexto histórico, político, cultural e social, e que a aceitação entre crianças e adultos
é impressionante. A prova são os inúmeros gibis vendidos todos os dias, os compartilhados
livremente na internet, os filmes, bonecos, brinquedos, fantasias e todo tipo de quinquilharia
produzida para acompanhar o lançamento ou o sucesso de alguma história.
Ao final da revisão de literatura dos quadrinhos para adultos da DC Comics, pode-se
afirmar que HQ nunca foi uma arte simples, uma coisa fácil de se fazer, de conceber. É um
trabalho cuidadoso, milimetricamente planejado, altamente influenciado pelos acontecimentos
do passado, presente e dos vislumbres de algum possível futuro além de ser extremamente
influenciador, já que prega idéias, ideologias, moda, comportamento e muita emoção, de todas
as naturezas.
Os quadrinhos retratam a vida, a morte, a humanidade como ela é, como gostaria de
ser ou como nunca será e mostram aos leitores um mundo completamente cheio de cores,
gritos, tiros, heroísmo, vilanismo e seres fantásticos ou absolutamente humanos que lutam
pelo que querem, por alguém ou por uma causa, nem que seja por eles mesmos.
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