produção de peixes em tanques

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produção de peixes em tanques
Revista Tecnologia & Inovação Agropecuária
PRODUÇÃO
Junho de 2008
DE PEIXES EM TANQUES-REDE
E A QUALIDADE DE ÁGUA
Margarete Mallasen1, Helenice Pereira de Barros2, Eduardo Yogo Yamashita3
1
Zootecnista, Doutora, Pesquisadora Científica, Instituto de Pesca - APTA, Caixa Postal 1052, CEP 15025-970, São José do Rio Preto SP. [email protected]
2
Bióloga, Doutora, Pesquisadora Científica, Instituto de Pesca – APTA.
3
Zootecnista, Geneseas Aquacultura Ltda.
Apoio: ANPAP-Associação Nacional de Piscicultura em Águas Públicas.
RESUMO
A produção de tilápias em tanques-rede é uma modalidade de piscicultura em expansão no estado
de São Paulo, devido à disponibilidade de grandes áreas alagadas. A criação em tanques-rede libera,
direto no ambiente, resíduos constituídos pelo alimento não ingerido e produtos do metabolismo dos
peixes. Estes resíduos aumentam o aporte de nitrogênio e fósforo na água, eutrofizando o ambiente. A
eutrofização, quando acentuada, causa à deterioração da qualidade da água, comprometendo a
estabilidade do ecossistema aquático. O objetivo do trabalho é avaliar as alterações das variáveis físicas,
químicas e biológicas da água e relacioná-las com o sistema de produção de tilápias em tanques-rede no
reservatório de Nova Avanhandava, no Noroeste paulista, A amostragem da água foi realizada
mensalmente em três pontos, sendo um a montante da área da piscicultura, outro no ponto central e o
último a jusante. De forma geral, os valores médios das variáveis avaliadas, em todos os pontos e em todas
as pisciculturas, permaneceram abaixo dos valores padrões de qualidade de água recomendado pelo
CONAMA resolução nº 357/2005 para corpos de água doce classe II. No entanto, observou-se uma
tendência no aumento da condutividade e a presença de picos eventuais de nutrientes (amônia, nitrato e
fósforo) em todos os pontos amostrados no período do inverno (com menor índice pluviométrico). A
continuidade dos estudos possibilitará verificar os impactos causados por esta atividade no ambiente e a
sua autodepuração.
Palavras-chave: Aqüicultura, tanque-rede, tilápia, reservatório, qualidade de água.
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INTRODUÇÃO
A expansão de empreendimentos de criação de
peixes que se utilizam de tanques-rede tem contribuído
significativamente para o aumento da produção
aqüícola paulista. O interesse por esse sistema de
piscicultura cresce, principalmente, em função da
disponibilidade dos recursos hídricos represados,
oriundos da construção das usinas hidrelétricas, e do
maior volume de produção, garantindo quantidade e
regularidade que o mercado exige.
Os reservatórios artificiais têm sido utilizados
para múltiplas finalidades, dentre elas a produção de
alimento por meio da piscicultura (TUNDISI, 2005),
tornando-os ambientes de grande importância em
termos sociais e econômicos . Nos reservatórios da
região do Noroeste paulista, a criação de tilápia em
tanque-rede encontra-se em pleno desenvolvimento. A
tilápia é o peixe mais utilizado neste sistema de criação
por apresentar crescimento rápido, adaptação
favorável as altas densidades de povoamento, bom
rendimento de filé e ter uma ampla aceitação nos
mercados nacional e internacional.
A criação de peixes em tanques-rede é uma
modalidade de criação intensiva que utiliza elevada
densidade de estocagem e exige constante renovação de
água. Os resíduos gerados, constituídos por alimentos
não ingeridos e produtos do metabolismo dos peixes,
são liberados diretamente no ambiente, aumentando
principalmente a concentração de nitrogênio e de
fósforo na água, que favorecem a proliferação de
organismos vegetais como as algas e plantas aquáticas.
Este processo é chamado de eutrofização artificial.
A eutrofização exagerada leva a uma
deterioração da qualidade da água, podendo ocasionar
profundas modificações na estrutura das comunidades
aquáticas comprometendo, assim, a estabilidade do
ecossistema (FERREIRA et al., 2005).
Ambientes muito eutrofizados são adequados
para o desenvolvimento de um grupo de algas
conhecidas como cianofíceas, popularmente chamadas
de “algas azuis”, ou cianobactérias, muitas das quais
liberam toxinas (SANT'ANNA et al., 2006) prejudiciais à
saúde, e outras que produzem metabólitos como a
geosmina e o 2-metil-isoborneol, identificados como
causadores de sabor ou odor de terra ou mofo na carne
do peixe, conhecido como “off-flavor” (MACEDOVIÉGAS e SOUZA, 2004). A alta concentração dessas
algas prejudica a qualidade da carne do pescado e,
conseqüentemente, o consumo, causando marketing
negativo em relação ao peixe proveniente da criação.
Portanto, o processo acentuado de eutrofização pode
inviabilizar o próprio empreendimento.
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A piscicultura em tanques-rede é uma atividade
relativamente recente no Brasil e poucos são os estudos
sobre os impactos causados nos recursos hídricos. Desta
forma, o Centro de Pesquisa do Pescado Continental do
Instituto de Pesca - APTA vem realizando pesquisas
com o acompanhamento da qualidade da água em áreas
com produção de tilápias em tanques-rede. .
Um destes trabalhos foi realizado em quatro
pisciculturas (Figuras 1 e 2), filiadas à Associação
Nacional de Pisciculturas em Águas Públicas (ANPAP),
e que produzem tilápias em tanques-rede no
reservatório da Usina Hidrelétrica Nova Avanhandava,
na Bacia Hidrográfica do Baixo Tietê. As pisciculturas
possuem de 120 a 400 tanques-rede de 18 m3 (Figura 3), e
adotam densidade de estocagem média de 70 kg de
peixes/m3. O teor protéico da ração varia de acordo com
a fase de desenvolvimento dos peixes, entre 30 a 40% de
proteína bruta (PB), porém a ração mais utilizada
contém 32% de PB.
Figura 1. Localização das pisciculturas com tanques-rede estudadas
no reservatório de Nova Avanhandava (Bacia Hidrográfica do Baixo
Tietê).
Figura 2. Vista aérea da piscicultura 1 com tanques-rede no
reservatório de Nova Avanhandava. Foto cedida pela Empresa
Tilápia do Brasil.
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essenciais para a expansão da aqüicultura de forma
ordenada e ambientalmente sustentável (KUBO, 2005).
DISCUSSÃO
Figura 3. Tanque-rede utilizado nas pisciculturas estudadas com
volume de 18 m3.
Nas pisciculturas, foram estabelecidos três
pontos de coleta, sendo um a montante da área da
piscicultura, outro no ponto central e o último a jusante.
Avaliou-se o comportamento das características físicas,
químicas e biológicas da água coletada mensalmente,
durante um ano. A água dos pontos a montante e a
jusante foram analisadas com o objetivo de comparar os
parâmetros dessa antes e depois do impacto da criação,
indicando a qualidade da água do reservatório e a
capacidade de depuração da mesma após receber os
nutrientes provenientes do processo produtivo.
As amostras de água foram coletadas no período
da manhã, a 1,0m de profundidade com auxílio da
garrafa coletora. As variáveis da água medidas no local
foram: temperatura, oxigênio dissolvido, transparência,
condutividade elétrica e pH. Em laboratório foram
analisados os teores de nitrogênio total, amônia, nitrito,
nitrato, fósforo total, clorofila “a” e material em
suspensão.
A avaliação dos resultados e seu comportamento
no decorrer do período monitorado pode trazer subsídios
para adequação técnica de manejo em tanques-rede a
curto e longo prazo, assegurando boa produtividade
aliada ao baixo impacto ambiental. Além disso, é uma
importante ferramenta para o gerenciamento da
produção, que poderá ser utilizada na determinação da
capacidade de suporte das áreas estudadas e auxiliar na
demarcação dos parques aqüícolas.
A exploração racional e plena do potencial
aqüícola dependerá do desenvolvimento de métodos
de produção mais efetivos do ponto de vista econômico
e ambiental (QUEIROZ e KITAMURA, 2001). Assim, os
resultados desse estudo podem trazer informações para
o desenvolvimento de um plano de ordenamento do
uso racional da água e da criação de peixes em tanquerede em águas públicas, considerada uma das medidas
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Os resultados obtidos estão sendo analisados,
mas de forma geral os valores médios das variáveis
avaliadas em todos os pontos e em todas as
pisciculturas estudadas permaneceram abaixo dos
valores padrões de qualidade de água recomendado
pelo CONAMA resolução nº 357/2005 para corpos de
água doce classe II. No entanto, observou-se uma
tendência no aumento da condutividade e a presença de
picos eventuais de nutrientes (amônia, nitrato e fósforo)
em todos os pontos amostrados no período do inverno
(com menor índice pluviométrico). Durante o período
mais seco do ano, as hidrelétricas fecham algumas
comportas para manter o nível das represas e, portanto,
o tempo de retenção ou residência da água no ambiente
é maior. A diminuição do fluxo de água provavelmente
minimiza a diluição dos nutrientes, podendo ocorrer
picos de concentração dos mesmos em toda área
alagada. Segundo HENRY (2004), as represas
apresentam tempos de residência (volume/vazão da
água) muito distintos nas diferentes épocas do ano.
O fato de terem sido observados teores
elevados de nutrientes em todos os pontos de
amostragem pode indicar que não somente as
pisciculturas em tanques-rede, mas outras atividades
agropecuárias e/ou urbanas ao redor da represa podem
estar influenciando na presença destes nutrientes na
água. Os reservatórios recebem, continuamente, água
de seus tributários e, em conseqüência, sedimento e
nutrientes provenientes de toda bacia de drenagem.
Segundo ROTTA e QUEIROZ (2003), na maioria dos
casos, as alterações dos parâmetros físicos e químicos de
qualidade de água são decorrentes das atividades
desenvolvidas nas áreas adjacentes aos reservatórios,
como por exemplo, a existência de resíduos
agroquímicos provenientes das atividades
agropecuárias e de aporte de matéria orgânica e
resíduos urbanos das cidades localizadas na região.
Durante o ano, em função das alterações de
vazão de água dos tributários, decorrentes do regime de
precipitação nas bacias de drenagem, ocorrem
modificações nos tempos de residência e nas taxas de
renovação de água (HENRY, 2004). Isto pode prejudicar
a diluição dos nutrientes vindos do sistema de
piscicultura em tanques-rede e, conseqüentemente, a
capacidade de suporte ou a máxima biomassa
sustentável dentro de uma unidade de criação pode ser
diferente nas épocas de verão (chuvosa) e inverno (seca).
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Desta forma, torna-se imprescindível o
acompanhamento das variáveis limnológicas durante o
ano para observar possíveis flutuações destas na área de
criação e possibilitar ações para mitigar os impactos
negativos. Dentro destas ações, pode-se destacar a
redução na densidade de estocagem e o monitoramento
do manejo alimentar (controle da quantidade de
alimento fornecido) com acompanhamento diário do
teor de oxigênio dissolvido na água, principalmente
antes do fornecimento de ração. (Figura 4).
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A montante, os intervalos dos valores de
oxigênio dissolvido (6,7 a 8,5 mg/L), nitrogênio total
(0,58 a 0,69 mg/L) e fósforo total (0,01 a 0,04 mg/L)
também ficaram dentro do recomendado pelo
CONAMA. O mesmo foi observado no ponto a jusante
das pisciculturas, onde os resultados obtidos foram de
7,4 a 8,4 mg/L de oxigênio dissolvido, 0,56 a 0,74 mg/L
de nitrogênio total e de 0,01 a 0,04 mg/L de fósforo total.
Dessa forma, podemos ressaltar que, durante o
período de acompanhamento, as pisciculturas não
produziram carga poluidora que pudesse causar algum
problema na qualidade da água do reservatório em
relação a estas variáveis.
No entanto, o acompanhamento freqüente da
qualidade de água e do manejo alimentar,
principalmente na época com menor renovação de água
nas represas, são ações importantes para avaliar o
comportamento do ambiente aquático frente a presença
dos tanques-rede e, assim, evitar impactos
negativos,conduzindo a atividade de forma
ecologicamente correta.
REFERÊNCIAS
Figura 4. Fornecimento de ração no tanque-rede.
Este monitoramento deve ser adotado pois, faz
parte das Boas Práticas deManejo (BPMs) preconizadas
por diversos estudiosos do assunto. A aplicação das
BPMs pelo produtor pode valorizar o produto final,
pois, alem de ter maior facilidade de aceitação de seu
produto no mercado nacional e internacional,
certamente obterão uma matéria prima de maior
qualidade em termos de sabor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto central das áreas das pisciculturas é o
local que recebe diariamente um aporte considerável de
matéria orgânica proveniente de restos de ração e
excretas dos peixes. Durante a degradação desta
matéria orgânica na água há um consumo do oxigênio
dissolvido e a liberação de produtos que favorecem o
processo de eutrofização. No entanto, nesse ponto, o
intervalo dos valores médios de oxigênio dissolvido
obtido no período de um ano (6,0 a 8,1 mg/L) ficou
dentro do recomendado pelo CONAMA resolução nº
357/2005 (acima de 5,0 mg/L) e as faixas dos teores
médios de nitrogênio total (0,59 a 0,75 mg/L) e fósforo
total (0,02 a 0,04 mg/L) ficaram abaixo do indicado pela
resolução (2,18 mg/L e 0,05 mg/L, respectivamente.
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