Guia para a Securização do Exercício da Relação de Ajuda
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Guia para a Securização do Exercício da Relação de Ajuda
TRANSFERÊNCIA DOS PERFIS DE ACÇÃO – FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO DE AJUDA AOS TRABALHADORES SOCIAIS QUE INTERVÊM JUNTO DE PÚBLICOS EM SITUAÇÃO DE ABANDONO (CRIANÇAS, ADOLESCENTES, IDOSOS) Guia Guia Documento no. 5.2.pt para a Securização do Exercício da Relação de Ajuda Documento redigido por: Le Greta Viva 5 - FRANÇA Guia para a Securização do Exercício da Relação de Ajuda Novembro de 2008 ÍNDICE Introdução .............................................................................................................................. p 5 1. A relação de ajuda ............................................................................................... p 9 1.1. Definição .............................................................................................................. p 11 1.2. A intervenção de ajuda – clarificação conceptual ................................................. p 12 1.3. O contexto da relação de ajuda ............................................................................ p 12 1.4. Atribuições do trabalhador social na relação de ajuda .......................................... p 13 1.4.1. No plano da política social ........................................................................ p 13 1.4.2. No exercício da sua profissão ................................................................... p 15 1.5. Decurso da intervenção social de ajuda à pessoa ................................................ p 16 1.5.1. O acolhimento na relação de ajuda – Tomada de contacto ...................... p 16 1.5.2. Período de investigação ............................................................................ p 17 1.5.3. Período de reflexão ................................................................................... p 17 1.5.4. Período de avaliação ................................................................................ p 18 1.5.5. Termo da relação de ajuda ....................................................................... p 18 2. Eixos de desenvolvimento ................................................................................. p 19 2.1. Profissionalização dos actores ............................................................................. p 22 2.2. Melhoria das condições de trabalho ..................................................................... p 23 2.3. Recursos para a securização do exercício da relação de ajuda ........................... p 24 Conclusão .............................................................................................................................. p 25 3 4 INTRODUÇÃO Introdução 5 6 A sobreexposição do trabalhador social a situações de grande delicadeza, resultantes das complexas dificuldades encontradas pelo utente e da urgência com que é necessário efectuar o seu acolhimento, tornam o exercício da profissão cada vez mais difícil, comprometendo (ou penalizando) assim a relação de ajuda. Ademais, as tensões do sector, as ordens paradoxais, as numerosas contradições entre a acção e as políticas sociais, levam estes profissionais a encarar o seu trabalho exclusivamente sob a perspectiva do stress e a duvidar do sentido da sua profissão. O stress constitui uma ameaça significativa ao ambiente e à eficácia do trabalho. Fala-se de stress laboral quando se verifica um desequilíbrio entre o conhecimento das pressões ambientais por parte do funcionário e a percepção dos recursos de que este dispõe para lhes fazer face. Ainda que o processo de avaliação das pressões e dos recursos seja de ordem psicológica, os efeitos do stress não são unicamente psicológicos. Ele afecta igualmente a saúde física, o bem-estar e a produtividade »1. As situações stressantes que se instalam ao longo do tempo, têm sempre um custo para a saúde dos indivíduos a elas submetidos. E têm igualmente um custo para a estrutura: conflitos, problemas de imagem das pessoas, dos serviços e dos organismos, absentismo, demissões, degradação do clima social, acidentes de trabalho, paragens por doença… O esgotamento e o desgaste profissional associados ao atendimento reiterado de públicos considerados difíceis não radicam unicamente na relação interveniente/utente, mas antes no sistema de acção social. Perante a complexificação das situações e dos sistemas, os assistentes sociais têm de comprometer-se com diversos indicadores e novos referentes, que os levam por vezes a deixar de se poder apoiar nas suas qualificações iniciais e nas competências a que habitualmente recorrem. Nestas circunstâncias, torna-se muito difícil identificarem claramente o seu lugar neste sector e sentirem-se reconhecidos profissionalmente, não obstante a tecnicidade e inventividade de que é necessário dar provas para levar a bom termo os problemas encontrados. A par da insegurança no trabalho, instala-se um ressentimento que se fica a dever ao nível demasiado elevado das competências requeridas e ao desfasamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Coloca-se a questão da formação dos profissionais, da mutualização e da análise das práticas. O guia ora apresentado visa integrar a securização no exercício da relação de ajuda, como dimensão da cultura dos intervenientes sociais, seja qual for a sua função (auxílio ao domicílio, cuidador, animador de juventude, auxiliar de enfermagem, assistente de educador, educador, assistente social, pedagogo, psicólogo…). Securização, para evitar o sofrimento do trabalhador social no exercício desta relação. Assim, o guia foi concebido como ferramenta de análise, de observação, de experimentação e de decisão. Destina-se a limitar as situações de angústia moral em que os próprios intervenientes sociais se encontram por vezes, por não terem sabido ou não terem podido efectuar o necessário recuo. Os utilizadores do guia podem ser os actores envolvidos na relação de ajuda às pessoas em situação de abandono. O papel deste guia é o de constituir um documento e uma ferramenta de referência na (auto)avaliação das situações de risco, que se apresentem de forma pontual ou recorrente no âmbito do exercício da profissão. Quanto aos responsáveis das estruturas ou aos coordenadores das equipas, estes poderão utilizar o guia para avaliarem o risco existente ao nível global da sua instituição (ou organismo) ou ao nível individual das actividades, serviços ou tipos de relação. Neste sentido, o guia pretende constituir um suporte para a adaptação das normas e procedimentos ao grau e tipo de risco identificado, tudo isto de acordo com as normas e a legislação de trabalho aplicáveis ao sector. O guia para securização do exercício da relação de ajuda propõe-se dar resposta aos factores capazes de colocar em perigo a integridade do trabalhador social e o sucesso da relação. Neste aspecto, o guia aplica-se ao exercício da relação de ajuda para todas as categorias de públicos objecto do projecto RELAIS 2: crianças, adolescentes e idosos em situação de abandono. 1 Segundo a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho 7 A redacção do guia apoiou-se em documentos elaborados no quadro dos projectos RELAIS 1 e RELAIS 2 — nomeadamente os referenciais profissionais e de formação — e ainda em documentos como: códigos deontológicos, padrões mínimos de qualidade dos serviços sociais, critérios de avaliação e de acreditação dos serviços sociais, documentos nacionais ou internos (específicos de uma instituição) respeitantes à qualidade dos serviços prestados e as relações desenvolvidas pelos beneficiários, pela respectiva família/grupo, pelos funcionários ou pelo meio organizacional no decurso da relação de ajuda. Os referenciais profissionais e de formação permitiram identificar os pontos a vigiar pelos intervenientes sociais, para que estes possam estar mais bem armados contra os riscos inerentes ao exercício da relação de ajuda. Na primeira parte do guia são apresentados os elementos que definem a relação de ajuda, tanto ao nível do conceito como das particularidades dos públicos-alvo do projecto RELAIS2: pessoas em situação de abandono (crianças, adolescentes e idosos.) A relação de ajuda a estes públicos é assim analisada e apresentada como um direito do beneficiário, enquanto segurado, que lhe é devido por parte do sistema de protecção social. A situação especial da pessoa em risco que solicita auxílio (para uma intervenção social) carece de uma atenção particular com vista à sua protecção. O que pressupõe, por um lado, uma compreensão correcta e justa do papel do interveniente social e um bom conhecimento do contexto no qual se desenrola esta relação e, por outro lado, uma certa vigilância, que se pretende tranquilizadora (ou securizante) para o trabalhador social no exercício desta relação de ajuda. Para tal, os projectos RELAIS1 e RELAIS2 identificaram factores de risco que podem afectar o exercício da relação de ajuda às pessoas em situação de abandono. A maior parte dos riscos referenciados foram identificados no capítulo «PONTOS CRÍTICOS» dos Referenciais profissionais elaborados nos dois projectos. Na segunda parte deste guia, serão abordados eixos de desenvolvimento como a profissionalização individual ou colectiva dos intervenientes sociais, a melhoria das suas condições de trabalho e alguns recursos para a securização do exercício da relação de ajuda. O guia propõe-se oferecer uma resposta aos factores passíveis de colocar em perigo o sucesso da relação e de gerar stress ao nível dos envolvidos no exercício de ajuda. Para alargar a exploração deste guia, o utilizador dispõe no final do documento de alguns anexos, uma bibliografia e uma lista de sites O guia foi elaborado em estreita cooperação com os parceiros sociais citados no projecto RELAIS2. De sublinhar ainda o contributo dos parceiros do projecto para a elaboração da versão final do documento. 8 A RELAÇÃO DE AJUDA 1. A relação de ajuda 9 10 1.1 – Definição A relação de ajuda é uma acção de apoio e de acompanhamento que podemos definir como o conjunto dos comportamentos e atitudes a implementar a fim de permitir ao beneficiário abordar os problemas encontrados e encetar uma reflexão com vista a um reajustamento. Podemos, portanto, falar explicitamente duma relação de ajuda, que L. Auger define do seguinte modo: «a relação de ajuda é uma maneira de proceder, é uma técnica no âmbito de uma relação interpessoal que procura criar na pessoa ajudada a capacidade de viver de forma mais plena do que vivia no momento do contacto». Se a disposição (ou a propensão) para querer ajudar é inegavelmente inata, já o tornar-se cuidador é algo que é necessário aprender. A relação de ajuda assenta na comunicação, na medida em que não é improvisada nem imprevista, mas recorre ao oposto, à utilização de técnicas específicas e de comportamentos definidos. Assim, é uma acção calculada, medida, que o cuidador levará a cabo após uma formação específica, a fim de responder a uma procura de ajuda verbalizada ou não, e isto após um trabalho de escuta e de observação. Esta formação permite assim ao cuidador saber proteger-se e securizar o exercício da relação de ajuda. Há que insistir na importância do verbo intervir, no trabalho social: «tomar parte numa acção iniciada, num assunto em curso e desempenhar um papel activo para o modificar ou para lhe pôr fim.»2 Neste caso preciso, a intenção é influenciar o seu desenrolar. Com efeito, face ao processo de exclusão, de abandono, o trabalhador social procura tomar parte na acção, a fim de modificar o seu curso ou inverter o seu sentido. É por isso que o termo «intervenção» se conjuga bem com o de «ajuda», já que a intervenção do trabalhador social consiste em permitir à pessoa ajudada desenvolver as suas próprias capacidades, ajudá-la no reajustamento da sua situação e encontrar soluções para os problemas que encontra. Esta intervenção deve ser limitada, a fim de não se tornar uma fonte de sofrimento para o trabalhador social. É certo que coloca o beneficiário no centro da relação de ajuda, pois o trabalho social postula que ele tem em si esse potencial e que a intervenção social consiste em actuar sobre as condições da sua implementação e sobre ele próprio. Mas para levar a bom termo a sua acção, o trabalhador social tem de poder contar com o apoio e a atenção da equipa e da instituição em que trabalha. A relação de ajuda junto dos públicos em situação de abandono, decorre das atribuições confiadas aos intervenientes sociais. Ela inscreve-se no âmbito de intervenção do “Serviço social individual” (casework) e visa desenvolver “uma ajuda psicossocial individualizada” à pessoa em crise. O serviço social de casos individuais é um dos métodos utilizados pelos intervenientes sociais, no qual a tónica recai por excelência no plano clínico, o que permite prestar uma ajuda personalizada à pessoa no âmbito de uma relação dual entre o beneficiário e o interveniente social. Mais amplamente, a relação de ajuda inscreve-se também no plano da equipa, no plano institucional e no plano da política social do país. 2 Definição extraída do do dicionário TLFI : Trésor de la langue française informatisée rattaché au CNRS 11 1.2 – A intervenção de ajuda – clarificação conceptual A intervenção de ajuda associa um acto voluntário resultante da iniciativa da pessoa (intervenção) e um acto de participação que requer um consentimento (ajuda). No seio desta associação, a intervenção do profissional consiste, portanto, em permitir à pessoa desenvolver as suas capacidades, em ajudar a pessoa a alterar/modificar a sua situação problemática. Pegando numa citação de A. Touraine (1994) – “uma sociedade democrática é uma sociedade que reconhece o outro, não nas suas diferenças, mas enquanto sujeito no seu trabalho, ou seja, aliando o universal ao particular” – podemos dizer que a pessoa é um sujeito e não um indivíduo, já que, enquanto sujeito, tem vontade de se tornar no seu próprio [falta uma palavra na frase] e de mudar o seu modo de proceder, tornando-se cidadão de pleno direito da sociedade. Na relação de ajuda, o interveniente social é obrigado a adoptar uma conduta que reconheça capacidades ao utente, sabendo que a sua intervenção está mais centrada na pessoa e menos nas condições que permitem a esta colocar as suas capacidades ao seu serviço. Deste modo, para toda a relação de ajuda existem critérios comuns de optimização. Carl R.Rogers enumera 8 características essenciais para toda a relação de ajuda3 : - ser congruente ou estar consciente dos seus próprios sentimentos - experienciar sentimentos positivos para com o outro - demarcar-se ou deixar o outro independente de si - ser empático - aceitar o outro tal como ele é - evitar ser ameaçador para o outro - ver o outro como uma pessoa em evolução - abster-se de avaliar e de julgar. Estas características são essenciais, mas há que não esquecer que se inscrevem num contexto que pode influenciar o seu bom desenrolar. Há igualmente que não perder de vista a importância do «bem-estar» do interveniente nesta relação e, ainda, na estrutura e no sistema social no qual se insere. 1.3 – O contexto da relação de ajuda A expressão do direito social na relação de ajuda junto de públicos em situação de abandono, inscreve-se no quadro dos direitos de protecção social, especialmente a apreensão do risco social manifestado nomeadamente em matéria de saúde, de velhice, das crianças e da família, entre outras. No plano institucional, o direito social ao nível da relação de ajuda, desenvolve-se através de uma diversidade de serviços e de organismos de natureza pública ou privada, e bem assim de organizações não governamentais que propõem um serviço público. Na relação de ajuda, as pessoas podem exigir direitos que, na sua maioria, são satisfeitos através de políticas públicas de acção social, sendo esta obrigada a assumir contrapartidas em termos de responsabilidade social, como por exemplo, o estabelecimento de um contrato com a atribuição do rendimento social de inserção. Esta dimensão ganha presentemente pertinência, pois o actual desafio social não consiste em debater o direito ao emprego como fundamento da dignidade humana, mas sim em estudar o direito das pessoas excluídas pelo trabalho (ou por qualquer outra forma) a obterem uma reparação social. Esta questão leva-nos novamente ao debate sobre a dignidade da pessoa enquanto ser humano e às questões da equidade social, no âmbito de uma reflexão mais global sobre a discriminação positiva. Nesta perspectiva, o interveniente social na relação de ajuda, deve 3 Carl R Rogers, Le développement de la personne, Dunod, 1977 12 ter em conta os princípios constantes na Carta social europeia dos direitos fundamentais, a saber, o ponto III «Igualdade» e o ponto IV «Solidariedade», e estar atento a uma interpretação dos direitos sociais favorável às pessoas em dificuldade. A política social é um elemento importante de protecção do trabalhador social no exercício da sua profissão. Efectivamente, através do enquadramento esclarecido da sua actividade profissional, graças aos dispositivos, ferramentas, formações… colocados à sua disposição, e da regulamentação do segredo profissional, a política social securiza a intervenção e o interveniente. O interveniente social é um dos agentes que permitem à pessoa aceder aos direitos sociais, à sua compreensão e à sua colocação efectiva em prática, uma vez que fornece às populações informações sobre os seus direitos, estimula a sua tomada de consciência e ajuda as pessoas a exercerem o seu direito e/ou a cumprir uma obrigação. O interveniente social deve fornecer à pessoa em dificuldade os meios para conhecer as diversas normas em vigor que lhe permitem melhorar a sua situação, bem como as diferentes estruturas e instituições, a fim de criar uma rede de recursos que lhe permita tornar-se autónomo. A relação de ajuda pode desenvolver-se num contexto institucional, no domicílio e na comunidade. 1.4 – Atribuições do trabalhador social na relação de ajuda 1.4.1 – No plano da política social As atribuições do interveniente social diferenciam-se segundo a natureza do serviço no qual se encontra integrado profissionalmente. O interveniente social desenvolve um papel de interface entre os diversos protagonistas que intervêm na situação do sujeito. O esforço do interveniente social é determinado pelo contexto (social, cultural, económico e político) no qual é exercido, pela missão da instituição em que trabalha, pela natureza do pedido e das necessidades expressas na relação de ajuda, sabendo que convém adaptar a cada situação uma metodologia e uma estratégia no domínio do serviço social (de casos, de grupos, de comunidades, de empresa,…). No seu esforço, o interveniente social estabelece uma correlação estratégica entre, por um lado, as políticas e medidas sociais aplicáveis e, por outro, os recursos internos e as capacidades latentes e manifestas da pessoa, recorrendo aos seus conhecimentos técnicos para dar a resposta adequada ao pedido do sujeito. É possível identificar, além disso, uma concepção de serviço social apoiado em princípios de conhecimento e de saber técnico, reconhecidos como recursos necessários ao desenvolvimento duma intervenção eficaz junto do sujeito. O que nos leva ao debate sobre o método dos casos individuais “casework” (Mary Richmond), muito marcado pela psicanálise, que influenciou a abordagem do interveniente social na dimensão da escuta psicossocial do sujeito, no âmbito da relação de ajuda, sem desvalorizar, no entanto, a dimensão da intervenção colectiva (familiar, de grupo e comunitária). A abordagem do interveniente social não é improvisada, mas bem fundada numa base de conhecimentos tomados de diversas disciplinas, que lhe permitem definir um quadro metodológico próprio, situado na fronteira das ciências sociais e humanas. O interveniente social é um profissional que tem necessidade de uma formação humana que lhe permita estabelecer uma relação com o sujeito; de uma formação teórica que lhe possibilite organizar um plano de intervenção adequado ao problema do sujeito e desenvolver mais facilmente um discurso interdisciplinar com outros actores e saberes que intervêm no problema; 13 finalmente, uma formação técnica que lhe permita utilizar metodologias adequadas e eficazes na resposta a dar, e desenvolver plenamente a sua cidadania através da capacitação e do empowerment das suas competências pessoais, sociais, interpessoais e de trabalho. Ao nível teórico e prático, o interveniente social necessita de uma formação orientada para a intervenção e para a pesquisa, que o prepare para identificar e definir a temática, a problemática e o problema social objecto da sua acção, bem como para utilizar políticas públicas e recursos sociais comunitários que facilitem a reposta social a levar ao sujeito e bem assim a satisfação das suas necessidades. Uma formação voltada também para um eixo ergonómico quanto à neutralidade profissional, ao distanciamento em relação às problemáticas que possam revelar-se afectivamente invasivas, ao domínio dos escolhos da relação de ajuda, à partilha das situações difíceis… Uma outra dimensão importante na formação do interveniente social é a referente ao domínio da ética e da deontologia profissional, enquanto garante dum exercício da profissão desprovido de preconceitos e/ou de juízos de valor em relação ao sujeito. No seu quotidiano profissional, o interveniente social cria as condições necessárias ao diálogo com os sujeitos da sua intervenção. Na relação de ajuda, igualmente denominada abordagem individual, o profissional do serviço social começa por estabelecer com o sujeito uma relação de confiança, considerada como um princípio fundamental no processo de intervenção social. O interveniente social faz assentar o seu plano de intervenção no princípio da autodeterminação da pessoa, assegurando a esta última o respeito e a liberdade nas informações que ela deseja confiar ao profissional. Para estabelecer uma relação de confiança, é necessário que o interveniente social leve o sujeito a compreender a sua missão e as regras éticas às quais está sujeito, nomeadamente o segredo profissional. Trata-se de um processo reflexivo para o interveniente social, para o sujeito e para os dois em conjunto, que permite ao profissional perceber o nível de adesão ou de não adesão do sujeito ao plano de intervenção social definido. Permite, além disso, reflectir e criar uma interacção, uma rede, com os parceiros envolvidos na acção, e compreender permanentemente as alterações operadas no sujeito. Importa igualmente mencionar os fundamentos éticos e teóricos da abordagem do interveniente social na relação de ajuda, sabendo-se que se trata duma relação plural e interactiva entre dois sujeitos humanos. O serviço social, tal como a sociologia, a psicologia, a antropologia, utilizou e utiliza ainda os quadros teóricos das ciências sociais e humanas e, na relação de ajuda, começou por utilizar a ajuda psicossocial personalizada orientada por quatro ordens de valores, a saber: • os valores humanistas que centram a sua atenção no Homem e no respeito por si próprio; • os valores democráticos que criam as condições necessárias ao desenvolvimento da sua personalidade e à sua participação social e cívica na sociedade; • os valores políticos e económicos que se dedicam a promover a subsidiariedade e a igualdade de oportunidades e dos direitos sociais; • os valores educativos sustentados pela dimensão científica do saber na qual o profissional se apoia e funda o seu plano de intervenção. No domínio ético, o interveniente social deve saber respeitar – e aplicar na sua intervenção – os princípios da singularidade, da liberdade e da autodeterminação de cada cidadão, o respeito pela intimidade e pela privacidade do sujeito, a autonomia da pessoa, reconhecendo-lhe competências e capacidades, e a interdependência relativamente aos direitos e deveres reconhecidos a todo o cidadão na sociedade. E isto sem esquecer a ética da responsabilidade social e a ética da comunicação que importa igualmente salientar. O serviço social foi influenciado na sua génese por teorias psicológicas, psiquiátricas e psicanalíticas. Da mesma maneira que o serviço social de casos individuais («case work») se 14 apoiou teoricamente na pedagogia, na biologia e na psicologia social, ele assume actualmente um âmbito teórico interdisciplinar que associa aos saberes anteriores teorias da antropologia, do direito e da economia, e bem assim uma metodologia mais específica e mais orientada para estes princípios; a sua missão começa hoje paulatinamente a ver a luz do dia através do processo progressivo da investigação. A ergonomia é outra disciplina que se impôs face ao diagnóstico de desgaste profissional dos trabalhadores sociais. 1.4.2 – No exercício da sua profissão A intervenção social de ajuda à pessoa é, por conseguinte, um processo dinâmico de trocas, entre o trabalhador social e os utentes, que requer condições específicas para levar a bom termo esta acção e securizar este exercício: - a temporalidade: a intervenção pode centrar-se num problema específico e circunscrito, dependendo neste caso de uma acção a curto prazo (fim da intervenção quando a situação é desbloqueada). A situação pode depender também de uma intervenção a médio ou longo prazo, se for necessário todo um trabalho junto da pessoa, se houver falta de recursos e de meios ou ainda nas situações de grande dependência ou vulnerabilidade. Não obstante, constata-se que actualmente a tendência é para agir na urgência e na imediatez, ainda que a situação necessite de uma intervenção prolongada e mais aprofundada. O critério temporal é um elemento importante no êxito da relação de ajuda, mas a intervenção é muitas vezes difícil de levar a cabo por falta de tempo, o que se fica a dever a diversos factores: pressão das orientações da política social, temporalidade diferente consoante os parceiros sociais, aumento das situações de dificuldades específicas e de exclusão, pedido de satisfação bruto e imediato por parte das pessoas que não querem envolver-se numa relação de ajuda alicerçada e duradoura, etc. Nestas condições, pode faltar ao interveniente social objectividade e distanciamento no decorrer da sua acção de ajuda, pelo que se poderá encontrar numa situação delicada e difícil que lhe trará um sentimento de insatisfação. - a globalidade e a abertura: é importante considerar a pessoa ajudada na sua globalidade e alargar, portanto, as áreas de intervenção do trabalhador social. Orientar-se e trabalhar em rede com um conjunto de parceiros, tanto profissionais como voluntários, instituições de solidariedade locais, famílias… A implementação destas articulações não pode ser improvisada: deve ser preparada a montante, cuidando de envolver activamente o beneficiário na procura duma solução para os seus problemas, orientando-o para os recursos assinalados e múltiplos. O trabalhador social encontra aí igualmente a possibilidade de partilhar as provas por que passa, através de tempos de trabalho em equipa para o desenvolvimento da rede de parcerias dos parceiros. Estes tempos de encontro, formais ou não, permitem-lhe ser reconhecido na sua profissão pela criatividade ditada pela discrepância entre trabalho prescrito e trabalho real, experienciada por outros profissionais como ele (sendo as condições de trabalho em geral comuns às estruturas). - a confidencialidade das informações: a relação de ajuda está centrada na pessoa e passa pelo respeito pelos diversos valores éticos e pelos direitos fundamentais: as liberdades individuais e a vida privada das pessoas ajudadas. A ancoragem da confiança faz-se a partir do elemento fundamental que é o respeito pela intimidade da pessoa na relação de ajuda. 15 Instituindo o segredo profissional, a lei previu assim a preservação da privacidade daquele que se confia, protegendo-o dos profissionais que revelassem aquilo de que tivessem sido depositários numa relação de confiança. Há que estar atento ao respeito desta confidencialidade por parte de todos os actores (voluntários e profissionais que intervêm na relação de ajuda. Ainda que não estejam todos obrigados ao segredo profissional, têm uma obrigação de discrição. É importante para o interveniente detentor de um segredo avaliar se se justifica ou não partilhar certos elementos com a equipa, que é obrigada a respeitar esta confidencialidade. Deverá igualmente avaliar os riscos para a relação de ajuda. Tal como protege o beneficiário, o segredo profissional protege também o trabalhador social que se pode refugiar atrás deste segredo, perante as ofensivas da família, por exemplo. As políticas não podem obrigar os trabalhadores sociais a infringir a regra do segredo profissional (como, por exemplo, denunciar pessoas em situação irregular quando elas vêm pedir ajuda, ….). 1.5 – Desenrolar da intervenção social de ajuda à pessoa A relação de ajuda, tal como descrita, aplica-se a todos os públicos-alvo dos projectos RELAIS 1 e 2 : as crianças, os adolescentes e os idosos em situação de abandono. 1.5.1 – O acolhimento na relação de ajuda – a tomada de contacto O acolhimento designa a maneira de receber uma pessoa e de se comportar perante ela. O acolhimento pode ser encarado na acção social como decorrente de uma ética, duma prática, duma medida organizacional. Por um lado, o acolhimento faz parte de uma atitude ética do interveniente social, uma intervenção que respeita a identidade do percurso da pessoa. Nesta dimensão, está presente uma relação interactiva que permite relativizar a distinção entre o interveniente social e a pessoa, deixando assim um espaço à pessoa como actor social. Trata-se de uma prática reconhecida como o acto de receber pessoas com necessidades psicológicas, sociais e/ou materiais. Enquanto medida organizacional considerada como uma resposta à exclusão, é possível identificar a este nível serviços de acolhimento e orientação, de acolhimento virtual como o atendimento telefónico, etc. Esta primeira etapa é muito importante para o bom desenrolar da relação de ajuda. A capacidade de escutar é primordial. O trabalhador social deve dominar as técnicas relacionais como a empatia, a reformulação e a capacidade de descodificar a comunicação verbal e não verbal. Deve igualmente assegurar-se da boa compreensão do seu interlocutor face às mensagens transmitidas. Para uma tomada de contacto óptima, o trabalhador social deve, para iniciar uma relação de confiança, criar as condições favoráveis a uma boa comunicação e preservar a intimidade a partir desse momento. Esta relação deverá respeitar tanto o beneficiário como o trabalhador social. Esta primeira etapa permite, na maioria das vezes, instaurar uma relação de qualidade onde a escuta, a disponibilidade e a receptividade do cuidador, criam confiança no beneficiário e lhe permitem exprimir-se livremente e transmitir os seus problemas e as suas dificuldades ao profissional. 16 1.5.2 – Período de investigação Durante este período, o beneficiário irá formular as suas necessidades, os seus receios, os seus entraves…permitindo ao trabalhador social conhecê-lo melhor, apreendendo as suas atitudes e comportamentos face à sua situação, e avaliar a natureza e os limites da ajuda que estará em posição de prestar. A investigação faz-se pouco a pouco, em função da cooperação da pessoa; na falta desta, a relação tornar-se-á problemática para ambos (sentimento de insatisfação, de inutilidade, de incompreensão). O interveniente deve tomar o tempo necessário para esta fase. Deve utilizar e adaptar as técnicas de comunicação; respeitar o discurso do outro e delimitar a problemática num contexto sócio-cultural global. 1.5.3 – Período de reflexão É um período importante em que o trabalho pluridisciplinar ganha todo o sentido. Com efeito, esta recolha de informações deve ser feita ao nível de todos os parceiros que participam na elaboração do projecto da pessoa e deve ser analisada a fim de levar em linha de conta todos os elementos de uma situação complexa, bem como as interacções. Isto permite extrair algumas constantes (papel social transversal, problema crónico…) e variáveis (pontos fortes e pontos fracos, os recursos e os entraves). Este projecto é por definição uma projecção para o futuro, construída a partir da experiência do passado. É qualquer coisa de dinâmico, um processo resolutamente construtivo, voluntarista e que faz sentido no reajustamento da problemática social do beneficiário. Este trabalho de clarificação, de explicitação e de negociação do projecto será objecto de um contrato entre o trabalhador social e a pessoa. Esta análise é o suporte necessário ao estabelecimento de um «contrato de trabalho social» entre o cuidador e o beneficiário, no qual a pessoa pode «reconhecer-se», projectar-se e definir uma escolha de prioridades: um plano de acção. Este contrato é transversal a todos os períodos da relação de ajuda. Nasce logo por ocasião do encontro e constrói-se graças à exploração das expectativas, dos papéis desempenhados e da posição de cada um. Deve trazer a ambos a garantia de um diálogo. É negociado entre os diferentes actores, sendo que cada um deles se empenha em objectivos precisos, partilhados e evolutivos em função de novas necessidades e do ritmo da pessoa. Este empenhamento responsabiliza cada uma das partes; é uma abordagem de construção baseada no voluntariado. Acrescente-se que os objectivos não devem ser demasiado ambiciosos, para que a pessoa os possa alcançar facilmente; devem ser avaliáveis e permitir à pessoa orientar-se e definir novas etapas no seu percurso. Garantem, deste modo, a experiência do êxito para a pessoa e, por conseguinte, também a restauração da confiança e da esperança, factores essenciais de motivação e de dinamismo. A estratégia do interveniente social é assim, de alguma forma, a arte de reunir um conjunto de meios para um fim, «uma direcção de percurso», tendo em conta diferentes elementos sócioculturais como a personalidade, os recursos institucionais e materiais, as redes de apoio, as capacidades da pessoa, a pertença, o tempo… o principal obstáculo a este estádio da relação de ajuda é constatar a inadequação do conjunto de ferramentas colocadas à sua disposição pelo sistema de apoio social e pela estrutura de enquadramento, dum lado, e as necessidades da pessoa, do outro. A sua criatividade terá um papel de relevo, ainda que geralmente pouco reconhecido pela hierarquia, mas incontornável, no colmatar do desfasamento entre a missão solicitada e os meios fornecidos; a falta dessa criatividade votaria as suas missões ao fracasso. 17 1.5.4 – Período de avaliação A avaliação da intervenção social é também ela realizada ao longo do percurso e permite referenciar os elementos desencadeadores de mudança ocorridos, a consecução ou não dos objectivos, a fim de fixar novos. O período de avaliação é um momento em que nos interrogamos sobre os resultados positivos ou negativos, as estratégias utilizadas e as modificações da situação. Contribui igualmente para a análise do percurso efectuado e para preparar os ajustamentos necessários. Esta fase obriga a definir novas etapas e, se necessário, a preparar o fim da intervenção, para o qual será sensato criar potenciais substitutos. Para o interveniente, esta etapa apresenta-se, por vezes, crítica, pois revela a dificuldade e, em certos casos, até o fracasso da acção social face a uma situação demasiado complexa relativamente aos meios disponíveis no sistema de apoio social. 1.5.5 – Termo da relação de ajuda A preparação do termo da intervenção permite evitar o escolho da assistência. Deve ser estabelecido e formalizado sem criar espaços desconhecidos junto do beneficiário. Este período ocorre logo que os objectivos são alcançados, logo que se opera o reajustamento esperado. É planificado e preparado «consensualmente» pois constitui fonte de angústia para a pessoa. A escolha da substituição deve, por isso, ser consequente. Estas fases não são forçosamente concebidas de forma linear. Constituem um processo dinâmico, interactivo, que se apoia nas potencialidades da pessoa, com a ajuda do trabalhador social que deve procurar criar todas as condições favoráveis ao desenvolvimento desta dinâmica, sabendo securizar o exercício da sua profissão. 18 EIXOS DE DESENVOLVIMENTO 2. Eixos de desenvolvimento 19 20 Os factores de risco da relação de ajuda são os elementos passíveis de afectar negativamente a relação. Estes factores têm origem nas características pessoais do beneficiário ou do interveniente social (aspecto físico, pertença, experiências, valores, crenças, educação e cultura) ou provêm de um quadro mais alargado: o contexto familiar e o grupo das duas partes na relação, o contexto e o quadro institucional onde se desenrola o processo de ajuda. Para os intervenientes sociais, os factores de risco podem ser considerados como «pontos críticos» da intervenção. Nos projectos RELAIS1 e RELAIS2, a elaboração dos referenciais profissionais e da formação implicou a identificação dos «pontos críticos» definidos como sinais de alerta que podem levar a intervenção a oscilar na direcção contrária à pretendida, a despeito das intenções declaradas, e por vezes mesmo sem que os protagonistas disso se apercebam. Estes pontos críticos têm como propósito a alimentar a formação. Permitem igualmente abrir pistas de recomendação. O nosso guia tem por objectivo responder aos pontos críticos identificados no projecto RELAIS 2 como factores de risco no exercício da relação de ajuda face aos públicos-alvo. Podemos referilos à margem dos dois eixos de desenvolvimento recomendados. Assim, foi identificada: - uma certa «monotonia profissional», - esgotamento profissional, - falta de auto-confiança, - integração da imagem depreciada da profissão, - existência de possíveis conflitos entre as necessidades do serviço e as da pessoa, - existência de preconceitos em relação a certas comunidades, - existência de estereótipos e mitos relativamente aos idosos e ao envelhecimento, - depreciação da dimensão relacional considerada como um dado natural, decorrente de uma dedicação inata que não justificaria qualquer formação, - complexidade dos dispositivos de formação contínua, - organização compartimentada que não permite a aquisição de competências pessoais e colectivas, - insuficiência de qualificação. Para atenuar, deve reunir-se um mínimo de condições para que o processo e a dinâmica da relação de ajuda possam desenrolar-se correctamente e culminar numa intervenção de qualidade. Estas condições situam-se a três níveis: - o primeiro visa a relação de ajuda em si, o seu respeito, o seu fundamento e as suas finalidades - o segundo corresponde aos intervenientes que devem responder às exigências de competência e de profissionalismo - o terceiro é o da organização e dos meios, que devem ser consentâneos com os objectivos. Trata-se da articulação sociedade/sujeito. Para optimizar a securização do exercício da relação de ajuda e intervir nestes três níveis, será necessário profissionalizar os actores e melhorar as condições de trabalho. 21 2.1 – Profissionalização dos actores Desenvolver o profissionalismo é começar por reconhecer a utilidade social das missões cumpridas, do papel de cada interveniente e a importância das competências efectivamente exercidas. É igualmente repensar e redefinir, se for o caso, o profissionalismo, não apenas face à formação inicial, aos diplomas e qualificações existentes, mas também, e sobretudo, a partir das condições reais de intervenção, das suas exigências e da experiência e dos conhecimentos que esta exige. Tal só se pode conceber se o enquadramento técnico e a avaliação das acções, processos e meios forem reforçados, e se os profissionais participarem nas instâncias de decisão para fazer evoluir as práticas, a qualidade, os referenciais de competência, os sistemas de acção e, a um nível mais alargado, a política social. Os trabalhadores sociais devem poder trabalhar com total autonomia e uma livre escolha das ferramentas e dos métodos relativamente aos projectos institucionais. A implementação de uma área profissional no sector social, tendo em conta todas as qualificações, inclusive os diplomas superiores existentes, permite aceder aos mais elevados níveis de decisão, de direcção e de inspecção. A existência de pontes entre profissões, estatutos e áreas, entre o público e o privado, enriquece o profissionalismo. De igual modo, a possibilidade de validar os conhecimentos adquiridos com a experiência contribui para o estabelecimento deste sector coerente e evolutivo em função das necessidades e dos meios de cada um. Constituir uma base de formação em conformidade com as exigências da actual realidade social e com a evolução dos postos de trabalho, a fim de responder às necessidades de profissionalização do pessoal ou da estrutura. Mobilizar a riqueza cultural de cada um em benefício da dimensão intercultural da relação de ajuda. Identificar as competências transversais e transferíveis específicas dos actores para os levar a evoluir na sua área profissional. Permitir às pessoas que tenham uma certa experiência da sua profissão, partilhá-la e transmiti-la aos recém-chegados através de uma espécie de apadrinhamento sénior/júnior. Intercâmbio rico para ambos: transmissão dos saberes da experiência, por um lado, e dos saberes teóricos recentemente adquiridos, por outro; saberes, saber-fazer e saber-estar. Organizar debates profissionais públicos para um verdadeiro intercâmbio ao nível local com os sindicatos, entidades patronais, prescritores, voluntários, decisores, … sobre as missões do serviço social, a política social, o trabalho efectivo, a evolução das práticas, a complexificação das situações dos públicos, o sofrimento no trabalho… tantos assuntos a debater para contribuir para a evolução da securização do exercício da relação de ajuda e do exercício da profissão. O reconhecimento por parte da sociedade da existência dum sector profissional, das dificuldades da profissão, da complexidade dos dispositivos, da complexificação das situações e, paralelamente, das reivindicações sindicais (salários, horários de trabalho, penosidade do trabalho, …) desempenha um papel importante na criação do sentimento de reconhecimento dos actores. Envolver os trabalhadores sociais na elaboração das políticas públicas, dos projectos institucionais e dos dispositivos, na implementação de novas técnicas de informática, comunicação ou organização, na criação de ferramentas, de meios e de dispositivos. Os profissionais devem aproveitar este esforço de envolvimento para melhor darem conta dele e adoptar efectivamente uma postura de avaliação qualitativa da sua prática e dos dispositivos, a fim de desempenharem um papel no desenvolvimento dos processos, dos sectores e das políticas. 22 2.2 – Melhoria das condições de trabalho Os trabalhadores sociais são confrontados com a violência de algumas pessoas, com a sobrecarga de trabalho devido ao aumento das problemáticas sociais actuais, com a urgência dos pedidos… Não basta admitir e tomar em consideração estes elementos, se não formos consequentes nas medidas de segurança a implementar. O stress inerente às profissões deste sector de actividade deve tornar-se uma preocupação para a instituição, organismo ou empresa, quando as queixas de «mal-estar» no trabalho se multipliquem Elas não são, neste caso, reveladoras de fragilidades individuais, mas a manifestação de disfunções mais gerais na empresa. Devem privilegiar-se as acções de prevenção colectiva do stress no trabalho, visto serem mais eficazes a longo prazo. Consistem em reduzir as fontes de stress actuando directamente ao nível da organização, das condições de trabalho, das relações sociais de trabalho, do posto de trabalho... e aqui ao nível da securização do exercício da relação de ajuda. Devem estar mais orientadas para as causas do que para os efeitos. A implementação de uma abordagem deste tipo decorre da vontade própria da direcção. Pode constituir uma resposta a um debate social interno sobre as condições de trabalho ou, mais uma vez, ser iniciada como resposta ao surgimento de situações preocupantes (suspeição de assédio, violência entre colegas, epidemia de problemas músculo-esqueléticos, desmotivação do pessoal, absentismo, suicídios…). Os actores de prevenção externos à empresa (serviços de saúde no trabalho, ergonomistas, sindicatos profissionais,…) podem também, por seu lado, favorecer o aparecimento dum projecto desse tipo, apontando para sinais de alerta não detectados ou negados pela empresa. É importante desenvolver no sector do trabalho social uma cultura de segurança no trabalho, para que haja uma tomada de consciência deste problema e para sejam encaradas soluções que se possam apresentar sob a forma de acções de formação ou de módulos destinados à profissionalização, visando, por exemplo, aumentar a resistência ao stress através de um melhor auto-conhecimento, do domínio das emoções, da identificação dos riscos… Estas soluções só podem ser conhecidas após um diagnóstico preciso dos problemas detectados, da respectiva análise e de recomendações, devendo este processo envolver todos os actores num esforço de melhoramento das condições de trabalho. Outras soluções podem basear-se no reconhecimento da palavra do cuidador: cuidar do pessoal que se encontra em sofrimento, criar espaços de expressão como a análise das práticas, as trocas de ideias dentro da equipa e entre equipas…as associações profissionais, o sindicalismo onde o profissional encontra uma ética partilhada e um certo reconhecimento social da sua utilidade profissional e das suas dificuldades e queixas. Outras ainda colocam a tónica na restauração do sentido da acção para evitar a fragilização e o desgaste profissional, no reconhecimento do trabalho efectuado, nos esforços desenvolvidos em termos de criatividade e na redução da discrepância entre as necessidades do público e os meios disponíveis. O sentimento de pertença do trabalhador a uma equipa, a uma estrutura, a uma rede de actores, e a sua adesão a uma política social nacional e europeia desempenha um papel no reconhecimento profissional do indivíduo que, munido deste, estará menos vulnerável aos riscos de esgotamento e, consequentemente, aos da relação de ajuda. 23 2.3 – Recursos para a securização do exercício da relação de ajuda Em anexo encontraremos as ferramentas para a relação de ajuda, nomeadamente: pôr fim aos comportamentos discriminatórios, optimizar a comunicação não verbal, optimizar a capacidade de escuta e as atitudes a adoptar perante comportamentos específicos. Muitas ferramentas necessitam de formação para uma melhor utilização; este guia não está vocacionado para se substituir a essa formação, mas antes para levar as pessoas a efectuarem uma auto-análise das suas necessidades de profissionalização pessoal ou colectiva, uma tomada de consciência dos eixos de melhoria das condições de trabalho. O instrumento fundamental para securizar o exercício da relação de ajuda é a consulta das diversas publicações e sites da Internet, elaborados por profissionais do sector, universitários, consultores …. O trabalho social está em constante evolução e os progressos para os quais tende o seu exercício só são possíveis com um esforço de evolução profissional em termos de reconhecimento e desenvolvimento de competências dos actores e da sua informação. Este guia propõe uma bibliografia enriquecida e recursos on-line. 24 CONCLUSÃO Conclusão 25 26 O presente guia tem o mérito de oferecer uma perspectiva sobre os aspectos sensíveis, críticos e de risco que podem intervir na relação de ajuda a pessoas em situação de abandono, mas constitui meramente uma primeira abordagem destinada a compreender e encetar uma reflexão sobre o assunto, deixando o debate em aberto Para facilitar a sua transposição para um quadro europeu alargado, há que conferir envergadura, dar matéria a este instrumento; isto é possível graças à cooperação de uma multiplicidade de profissionais, quer intervenientes sociais, quer directores de organismos, investigadores, formadores, outros parceiros sociais capazes de fazer emergir novos elementos de análise sobre a especificidade da intervenção, as obrigações morais e sociais das políticas, a integração das práticas no contexto cultural e nacional, a criação de sistemas de avaliação… Este trabalho de recolha e partilha de conhecimentos, experiências, ferramentas, abordagens diferenciadas poderá não só enriquecer a percepção do trabalho social como também encorajar a adopção de novas referências, comportamentos ou regras, A evolução das práticas de intervenção social é um desafio importante para um país que tenha recentemente aderido à União Europeia (ou que esteja em vias de o fazer) pois cria oportunidades reais de democratização na sociedade – o que constitui inegavelmente um vector de progresso social. No entanto, tal como qualquer outra evolução acompanhada, o seu sucesso depende da coerência entre aquilo para que se tende e as reais possibilidades do país. Não ter em conta os factores endógenos (elementos demográficos, estruturas económicas e sociais…) contribuiria para condenar ao fracasso qualquer tipo de projecto. 27 28 BIBLIOGRAFIA BIBLIOGRAFIA 29 30 ABRIC, Jean-Claude, 2002, Psihologia comunicării. Teorii şi metode. Iaşi, Ed. Polirom. BANCROFT, D.; CARR, R. (eds.), Influencing Children’s Development, Oxford, Blackwell & The Open University, 1995 BARREYRE, Jean-Yves et BOUQUET, Brigitte, Nouveau dictionnaire critique d’action sociale. Édition mise à jour. Travail Social - Bayard, Paris 2006. BERNARD AM, DEMMOU J, GARGAN V, GIRARDET M, JOLICOEUR G et PERIE C, 2003, la relation d’aide en service social, Editions ERES, Pratiques du champs social Aubenas BOUFFANT, Chantal et GUÉLAMINE, Faíza, Guide de l’intervenante sociale. 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As pessoas que utilizam esta estratégia consideram a discriminação como um fenómeno individual, específico de um número restrito de indivíduos, extremistas e irracionais. • OMISSÃO: a dimensão étnica, racial ou outra da interacção social é ignorada. Os indivíduos que adoptam estas concepções não se apercebem de que muitas situações resultam da pertença a um grupo minoritário e fazem a correlação com outros factores, como se os estereótipos, os preconceitos e a discriminação não existissem. • DESCONTEXTUALIZAÇÃO: as pessoas que procedem à descontextualização da discriminação aceitam que esta existe ou existiu, em termos gerais - «naquela situação» e «naquela altura». Recusam-se a acreditar na existência da discriminação nas relações e actividades quotidianas tal como se desenrolam. • ABORDAGEM «LIMITADA»: as minorias são tratadas como maiorias. • ABORDAGEM «ESCAMOTEADA»: a responsabilidade da discriminação e a sua eliminação são atribuídas fundamentalmente às minorias. As pessoas que recorrem a esta estratégia censuram as vítimas pelo que lhes acontece. ABORDAGEM «CONDESCENDENTE»: o modo de vida da maioria é considerado superior e as particularidades das minorias são toleradas. Considera-se que as minorias são autorizadas a manter o seu modo de vida «pitoresco». • EVASÃO : É praticada por aqueles que não aceitam as práticas discriminatórias mas guardam silêncio e não intervêm. Descodificar o modo como estas estratégias afectam as maiorias, é efectuar análises ao nível pessoal, institucional e cultural, correlacionando os elementos individuais, organizacionais e estruturais da interacção social. A capacidade dos intervenientes sociais de se colocarem no seu próprio contexto social é tão importante como a de repor os beneficiários no seu contexto social de origem. Esta contextualização é possível graças ao auto-conhecimento e à compreensão do sistema de valores, dos preconceitos, do estatuto social e dos privilégios associados à pertença a um grupo maioritário. Este esforço de auto-conhecimento e de desenvolvimento pessoal torna possível a eliminação dos comportamentos discriminatórios e dos preconceitos, sejam eles voluntários ou não. 37 ANEXO 2: Optimizar a comunicação não verbal. A comunicação não verbal consiste no envio e recepção de mensagens sem passar pela palavra, mas sim utilizando o corpo, nomeadamente as expressões do rosto, as posturas, os gestos, os diversos ruídos… O vestuário, o penteado, a postura do corpo, a maquilhagem, os piercings, as mímicas constituem elementos de comunicação não verbal. Neste domínio, Ray Birdwhistell criou o conceito de cinesia das «mímicas», que abrange o conjunto de gestos, posturas e movimentos corporais. A título de exemplo, podemos citar atitudes como a piscadela de olho, o aceno de cabeça, os tremores, a ruborização, o riso, o choro…mas também a tatuagem, o piercing, a maquilhagem, o penteado e o vestuário…. Para se afirmar há que: • estar consciente do impacte dos elementos não verbais no sentido da mensagem, • conhecer bem o próprio comportamento não verbal, • observar de que forma se interpreta habitualmente a mensagem dos outros. • dominar os principais elementos da comunicação não verbal: melhorar o contacto visual, a mímica e a voz ou adaptar a postura e a distância interpessoal. 38 ANEXO 3: Optimizar a capacidade de escuta A escuta activa é um conceito desenvolvido por Carl Rogers; é igualmente denominada como «escuta benevolente». Constitui por si só o ponto de partida de toda a intervenção de ajuda. Permite assim captar em que aspecto e de que forma podemos ajudar a pessoa, não adoptando uma atitude redutora, que consistiria numa simples reformulação, mas descodificando a dimensão afectiva, em geral não verbalizada, de toda a comunicação. Princípios para uma escuta activa eficaz : • responder e não resolver, • ajudar a outra pessoa a escutar as suas próprias palavras e a encontrar as suas próprias soluções, • manter a calma e o controlo. Como escutar os outros: • É necessário que haja vontade de escutar. Quase todos os problemas de escuta podem ser encarados através duma atitude adequada. • É preciso demonstrar a boa escuta. A atenção deve ser manifesta; por vezes, é recomendável uma inclinação para a frente e a expressão do rosto deve reflectir interesse; • É necessário escutar para compreender. A escuta não é simplesmente uma escuta; escutamos para obter uma verdadeira compreensão do que é dito. • Colocar questões quando não se compreende qualquer coisa, quando se necessita de explicações, quando é necessário ganhar a confiança e a boa vontade da outra pessoa. Não se colocam questões que possam criar situações delicadas ou levar o interlocutor a calar-se. • A atenção é dirigida para as palavras do interlocutor: as palavras, as ideias ou os sentimentos ligados ao assunto. • A mímica, o movimento dos lábios, dos olhos, das mãos ajudam os interlocutores a comunicar e contribuem simultaneamente para a concentração. • Evitar, na medida do possível, a parasitagem com os seus próprios estados de espírito. • Colocar à parte os elementos susceptíveis de desviar a atenção: jornais, lápis, mensagens, … • Na comunicação, a responsabilidade deve ser partilhada pelos interlocutores. • Não se contradiz directamente a pessoa que está a falar, sob pena de se quebrar a comunicação. • Evitam-se as conclusões fáceis. É aconselhável aguardar a apresentação de todos os elementos antes de formular uma conclusão. 39 Como tornar-se um bom ouvinte? • falar menos do que o habitual e escutar mais; • prestar atenção à pessoa com a qual comunicamos (manter o contacto visual, inclinar o corpo de forma descontraída para a pessoa que está a falar, etc.) ; • utilizar as competências de reflexão por meio da reformulação, do feedback Para ser construtivo, o feedback deve: • ser correcto, • ser dado rapidamente, • incluir a reflexão dos nossos sentimentos, • descrever o comportamento, • manter o respeito pela pessoa e pela relação, • ser positivo. 40 ANEXO 4: Atitudes a adoptar perante determinados comportamentos As categorias que se seguem figuram frequentemente na lista de beneficiários que os intervenientes sociais envolvidos na relação de ajuda indicam como sendo exigentes e difíceis. a. Comportamento não cooperante. Os intervenientes sociais caracterizam como beneficiários difíceis os parceiros da relação de ajuda que dificilmente aceitam a colaboração e o envolvimento na relação, o que gera um comportamento de receio, de desconfiança e uma tendência para o isolamento. De acordo com as particularidades do beneficiário, as estratégias para superar as dificuldades de comunicação exigem muita paciência, calma e calor humano, empatia e/ou firmeza. Para esta categoria de beneficiários é necessário explicar — muitas vezes, passo a passo — cada intenção do interveniente social. Para aumentar a confiança no outro (e muitas vezes em si próprio), é necessário estabelecer uma relação permanente e observar uma atitude permanentemente amável, aberta e encorajadora. Nas situações em que a frequência dos encontros directos diminui, este apoio constante pode ser mantido com o recurso a conversas telefónicas ou mensagens escritas (cartas, SMS, e-mail, chat, etc.) que desempenham um papel desinibidor e tranquilizador para o beneficiário não cooperante. b. Comportamento manipulador. Esta categoria de comportamento dos beneficiários caracteriza-se por utilizar os intervenientes sociais, que os não conseguem identificar, e tirar proveito dos serviços prestados. Alguns deles encontram-se no limite (ou mesmo para lá do limite) da patologia psíquica, frequentemente com diagnóstico de psicopatia, diversas formas de perturbação da personalidade, sociopatia, etc. Determinadas experiências de vida — como a adolescência vivida num centro de reinserção familiar — podem favorecer a mentira e a manipulação como instrumentos utilizados frequentemente na relação com os outros. Impõem-se algumas regras na relação com este tipo de beneficiários: • uma atitude respeitosa mas firme; • o beneficiário que apresenta um comportamento manipulador não deve ser julgado, pois recorre a uma estratégia que muitas vezes desenvolveu como forma de auto-protecção; • as versões que ele apresenta de uma situação devem ser verificadas e aceites com reserva, pois eles podem apresentar-se como vítimas, acusando os outros do seu infortúnio, • a necessidade de se proteger pode incitar os beneficiários que tenham este comportamento a simular timidez, medo, ou, pelo contrário, a adoptar comportamentos agressivos. O interveniente social deve interpretar com prudência expressões como: • «ninguém me compreende como o senhor/a senhora... » • «ninguém me ajudou como o senhor/a senhora... » • «sem si eu não consigo... » • «não sei o que fazer sem si... » Se um beneficiário que apresente este comportamento suscitar suspeitas, e estas se revelarem justificadas, é recomendável informar os outros colegas envolvidos e o superior hierárquico, a fim de decidir qual a atitude a adoptar. No caso de o comportamento agressivo do beneficiário legitimar o uso do qualificativo «perigoso», será necessário prevenir os colegas que têm encontros programados com ele. 41 c. O comportamento agressivo Uma pessoa que tenha necessidade de ajuda dos serviços sociais pode apresentar um risco significativo de desenvolvimento de comportamentos agressivos. Este risco explica-se quer pelos efeitos frustrantes das experiências de vida que o levaram à posição de beneficiário dos serviços sociais, quer pelo meio violento de onde provém e que favoreceu o condicionamento destes comportamentos, quer ainda devido a um fraco nível de educação que penalizou a sua sociabilidade e que ele compensou por meio da agressividade. Nesta situação, os intervenientes sociais, bem como outras categorias de profissionais que intervêm junto destes beneficiários, necessitam de meios eficazes para se adaptarem a situações perigosas. Entre as medidas de protecção mais simples, devemos referir : • Perante beneficiários com comportamentos potencialmente agressivos, peça a um colega que o acompanhe aos encontros que decorram no interior da instituição, e igualmente durante as visitas aos beneficiários, • Deve sentar-se perto da porta. Evite as situações em que o beneficiário esteja posicionado entre si e a porta. • Não deixe transparecer nada que possa ser interpretado pelo beneficiário como uma atitude agressiva e que ele procure retransmitir através da postura do corpo, da linguagem e do tom de voz. • Não tente dominar através da intensidade da voz, não eleve o tom no caso de o beneficiário o fazer. • Se a pessoa ficar nervosa, mantenha a distância e não tente acalmá-la através do contacto físico. Afaste-se um pouco para que a sua presença seja menos invasiva para a pessoa e para que esta não se sinta obrigada a ser agressiva para se proteger de si. • Evite os clichés que possam dar a impressão de complacência relativamente ao beneficiário. Expressões gerais como «sei como se sente» ou «creio que não é fácil para si», através das quais não sugere que compreendeu um certo estado de espírito, podem ser substituídas por outras mais específicas: «estou consciente de que está muito aborrecido». • Quando possível, o beneficiário deve ser prevenido de que não é possível prosseguir a discussão (durante uma entrevista, uma conversa, mas também ao telefone) se ele não retomar um comportamento ou linguagem aceitáveis. Há que evitar pôr repentinamente termo a uma conversa, sem aviso prévio. • Se o beneficiário continuar a ameaçá-lo ou a ser agressivo, deve retirar-se para não se expor a qualquer risco. O abandono de uma conversa potencialmente perigosa não significa um fracasso ou uma vergonha, mas a melhor opção para se precaver a si e ao beneficiário de um descaminho incontrolável. • Os incidentes que impliquem violência ou um elevado risco de violência devem ser imediatamente comunicados aos superiores e ser objecto de discussão com os outros intervenientes sociais envolvidos no caso. Esclarecer-se-á o que se passou, evitando sentimentos de culpabilização do interveniente social, e discutir-se-ão as alternativas para situações idênticas. • O incidente será claramente anotado no processo do utente para que os outros intervenientes sociais que trabalharem com o mesmo beneficiário conheçam o seu potencial agressivo e as condições em que este se manifesta. • As discussões no grupo de especialistas constituem um apoio moral ao membro da equipa que vivenciou a experiência desagradável. 42 d. Beneficiário que participa involuntariamente na relação de ajuda. Nesta categoria inserem-se todos aqueles que, de acordo com o exame do processo, necessitam do acompanhamento de um trabalhador social, por decisão de uma pessoa, instituição ou instância (na qual não participaram), como é o caso dos beneficiários presos, os declarados irresponsáveis, as crianças vítimas de maus tratos, … O carácter imposto, e por vezes forçado, da relação de ajuda pode determinar reacções agressivas e comportamentos hostis. Por vezes, os beneficiários associam a autoridade dos intervenientes sociais à das outras pessoas com quem estiveram em contacto (polícias, guardas, etc.) e ressentem-se dela como de um comportamento intrusivo e abusivo. Por essa razão, a actividade com este tipo de beneficiários exige que se respeitem rigorosamente algumas etapas: • o interveniente social deve preparar-se para este tipo de conversa, assegurando-se de que é capaz de compreender os efeitos da privação de liberdade e as restantes particularidades da situação e do contexto do beneficiário. • Logo no primeiro encontro, informa-se o beneficiário de qual a instituição representada pelo interveniente social e qual a finalidade da sua visita. • As regras a que o interveniente social está sujeito, sejam elas relativas à confidencialidade ou aos limites desta, devem ser claramente mencionadas. • Comunicam-se ao beneficiário as nossas expectativas e a escala das consequências segundo o grau de envolvimento na relação. • O beneficiário é encorajado a exprimir claramente os seus sentimentos, mesmo que estes sejam negativos. • Para reduzir as barreiras iniciais e favorecer a cooperação, transmitem-se ao beneficiário mensagens claras de compreensão e apoio: «Depois de tudo o que se passou, compreendo a sua fúria/descontentamento/tristeza... » • A aceitação por parte do beneficiário em se envolver na relação pode ser obtida após um certo número de encontros, no decorrer dos quais o interveniente social será avaliado de forma atenta e permanente. 43