Cultura Organizacional Brasileira e Chinesa

Transcrição

Cultura Organizacional Brasileira e Chinesa
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MARIANA FLORES PAZ
CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO
PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR
BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES
VIÇOSA
2006
MARIANA FLORES PAZ
CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO
PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR
BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES
Monografia apresenta ao curso de Secretariado
Executivo Trilíngüe, do Departamento de
Letras e Artes, do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Secretariado Executivo Trilíngüe.
Orientadora: Débora Carneiro Zuin.
VIÇOSA
2006
I
MARIANA FLORES PAZ
CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO
PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR
BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES
Monografia apresenta ao curso de Secretariado Executivo Trilíngüe, do Departamento de Letras e Artes, do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em
Secretariado Executivo Trilíngüe.
Aprovada em 21 de agosto de 2006.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Profª Débora Carneiro Zuin
Departamento de Letras e Artes
Universidade Federal de Viçosa
Orientadora
_____________________________________________
Prof. Odemir Vieira Baêta
Departamento de Letras e Artes
Universidade Federal de Viçosa
_____________________________________________
Prof. Bruno Tavares
Departamento de Administração
Universidade Federal de Viçosa
Nota:__________
II
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais pelo exemplo. Aos meus irmãos pelo incentivo.
Aos antigos e novos amigos pelos momentos de descontração, em especial às minhas
amigas de Viçosa com as quais compartilhei os melhores momentos da minha vida
universitária.
Agradeço aos professores que estiveram presentes durante os anos de minha
graduação. De forma especial, agradeço à professora Débora e ao professor Odemir que muito
contribuíram para o cumprimento deste trabalho final.
Por fim, agradeço à pessoa com a qual divido minhas maiores alegrias, mas que
também sempre estará ao meu lado nos momentos difíceis: Tyago, obrigada por tudo.
III
SUMÁRIO
1. Introdução...........................................................................................................................5
1.1
Justificativa.....................................................................................................................7
1.2
Objetivos.......................................................................................................................10
1.2.1 Objetivo Geral: ............................................................................................................10
1.2.2 Objetivos Específicos: .................................................................................................10
1.3
Metodologia..................................................................................................................11
2. Referencial Teórico ..............................................................................................................12
2.1.1 Organizações ...............................................................................................................17
2.2 Cultura Organizacional.......................................................................................................19
2.2.1 Cultura organizacional e cultura nacional ...................................................................25
2.3 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ......................................................................31
2.3.1 Cultura brasileira: suas raízes e diversificação cultural...............................................31
2.3.2 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ...............................................................37
2.4 Cultura Chinesa e Cultura Organizacional .........................................................................47
2.4.1 Um breve histórico da China .......................................................................................47
2.4.2 China: futura maior potência mundial .........................................................................55
2.4.3 Organizações Chinesas: o capitalismo socialista.........................................................59
2.4.4 Cultura chinesa: respeito à tradição milenar................................................................60
2.4.5 Traços da cultura chinesa nos negócios: dificuldades encontradas pelo Brasil ..........63
2.5 Brasil X China: barreiras culturais superÁveis ..................................................................70
3. Conclusão .............................................................................................................................72
Referências Bibliográficas........................................................................................................76
5
1. INTRODUÇÃO
O mundo globalizado gera a necessidade das empresas se lançarem no mercado
internacional. Por outro lado, na acirrada competitividade desse mercado, sairá em vantagem
sobre as demais aquelas que melhor estiverem preparadas.
Nesta preparação exigida das empresas antes de se projetarem num novo ambiente
internacional, está a necessidade de identificação das culturas organizacionais. Isso porque
cada empresa terá uma espécie de identidade que irá reger toda sua vida corporativa,
influenciando até mesmo na tomada de decisões.
Ainda quando o intuito é alcançar o mercado global, a identificação da cultura
organizacional torna-se imprescindível. Vemos que as empresas têm culturas diferentes
quando se localizam em países diferentes, por mais que sejam do mesmo segmento, vendam o
mesmo produto, etc. Isso ocorre porque a cultura organizacional possui forte ligação com a
cultura do local em que se ambienta.
No final das contas, acabam existindo vários aspectos que condicionam essas
diferenças culturais entre as empresas. É claro que a cultura de uma empresa será
sempre diferente da cultura de uma tribo, e será sempre semelhante à cultura de
outra empresa. Porém, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de
uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, é a cultura nacional. Os
pressupostos básicos, os costumes, as crenças e os valores, bem como os artefatos
6
que caracterizam a cultura de uma empresa, trazem sempre, de alguma forma, a
marca de seus correspondentes na cultura nacional. Não há como, portanto, estudar a
cultura das empresas que operam em uma sociedade, sem estudar a cultura – ou as
culturas – dessa sociedade (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18).
O presente trabalho visa compreender como a cultura organizacional de empresas
brasileiras e chinesas devem reagir quando são confrontadas. Isso porque, diante do
surpreendente crescimento da economia chinesa, a corrida pelo seu grande mercado deverá
atingir também as empresas brasileiras. Não que estas negociação ainda não existam. Ainda
de forma muito tímida, estas negociações deverão ser intensificadas de forma muito rápida.
Sendo assim, se empresas brasileiras têm grande interesse em atingir o mercado
chinês, deverão estar atentas às divergências culturais que podem existir. Algumas dessas
diferenças são extremamente visíveis como, por exemplo, o fato de um ser capitalista e o
outro socialista, um ocidental e outro oriental. Mas as diferenças culturais deverão ir muito
além disso.
Neste sentido, as empresas brasileiras que almejam obter sucesso nas transações com a
China deverão identificar esses traços culturais chineses, de maneira que estes não se
transformem em barreiras às possíveis negociações.
Desta forma, o presente trabalho está dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo
nos remete à importância da cultura na estruturação da sociedade. O segundo capítulo busca
demonstrar o processo de formação da cultura organizacional, bem como a sua ligação com a
cultura do local na qual a organização se insere. O terceiro capítulo é direcionado ao estudo da
cultura brasileira e sua influência na cultura organizacional brasileira. No quarto capítulo, são
abordadas questões relativas à China: um pouco de sua história, sua importância para o Brasil,
seus principais traços culturais, a maneira chinesa de negociar (possíveis divergências com o
Brasil). Para finalizar, o capítulo cinco ressalta como o Brasil deve reagir para impedir que
diferenças culturais virem barreiras para suas negociações com a China.
7
1.1 JUSTIFICATIVA
Quando se deseja compreender o universo das negociações, que envolve riscos e muita
competição, a identificação da influência da cultura local no ambiente empresarial é de
extrema importância, uma vez que é ela que servirá de base para formação da verdadeira
identidade da organização.
Neste sentido, o presente trabalho justifica-se na necessidade cada vez maior de se
estudar e compreender a cultura organizacional a fim de utilizá-la como ferramenta
indispensável para o êxito nas negociações. No caso deste trabalho específico, que envolve
dois países com culturas distintas, este estudo torna-se mais que uma ferramenta, é algo
indispensável.
O surpreendente crescimento e desenvolvimento da República Popular da China
desperta uma corrida entre os países de todo o mundo, que buscam desfrutar de boas
negociações com este país. Desta forma, verifica-se que estarão em vantagem sobre os demais
os países que estiverem bem preparados para esta acirrada competição.
É nesse momento que se verifica a importância das negociações com a China para o
Brasil. Conforme vimos anteriormente, os países de todo o mundo deverão estar atentos ao
surgimento da nova potência mundial
Historicamente, Brasil e China sempre tiveram boas relações comercias, embora estas
sempre tenham sido de pouca intensidade. Segundo o Ministério das Relações Exteriores
(2004, p. 49), os dois países começaram a estabelecer os primeiros contatos comerciais já em
1949, quando a República Popular da China foi criada. Contudo, devido à grande distância
geográfica, o volume de negócios permaneceu reduzido durante um longo tempo.
A partir de 1974, quando foram formalizadas as relações diplomáticas entre os dois
países, o comércio bilateral foi se desenvolvendo de forma positiva, embora
modestamente em relação ao grande potencial dos respectivos mercados; os contatos
comerciais entre o Brasil e a China não aumentaram de forma constante ao longo
desses quase trinta anos (Ministério das Relações Exteriores, 2004, p. 49).
8
Entretanto, um fato marcante nesta relação comercial com o Brasil, foi o a entrada da
China para a OMC, conforme já citado. A partir de então, o mercado chinês seguiu abrindo
janelas de oportunidades para os exportadores brasileiros. Segundo a Revista Comércio
Exterior (2004, p. 19), a entrada da China na OMC despertou a confiança e aumentou o
número de empresas exportadoras e importadoras brasileiras interessadas em comercializar,
uma vez que os negócios passaram a se situarem em bases legais e transparentes. Outro ponto
que não podemos esquecer foi a própria abertura comercial chinesa para o mundo.
Celso Amorim (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.06), Ministro de
Estado das Relações Exteriores do Brasil, destaca que no ano de 2003 a China passou a um
dos principais destinos das exportações brasileiras.
O Ministro lembra ainda que é de
extremo interesse do Brasil consolidar e incrementar cada vez mais os fluxos de comércio
bilateral.
E o momento de expansão da economia chinesa é considerado por diversos autores um
momento muito oportuno para as empresas brasileiras que querem se tornar multinacionais.
(...) esse é um momento oportuno, talvez único, para as demais empresas brasileiras
adquirirem experiência e proficiência no mercado internacional. Pelos próximos 5 a
10 anos, talvez mais, as empresas brasileiras que puderem entrar na China serão as
grandes vencedoras. Com a entrada da China na OMC, as empresas brasileiras têm
maior garantia para concorrer com as empresas locais em iguais condições
(CHUNG, 2005, p. 36).
As negociações entre Brasil e China ocorrem há algum tempo, mas ainda de maneira
muito tímida se comparadas ao potencial que podem alcançar. “Apesar de recentes incursões
bem-sucedidas em alguns segmentos, há um imenso trabalho a ser feito e um fabuloso
potencial a ser explorado (REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p. 21)”.
Para citarmos um exemplo de uma grande oportunidade para os brasileiros, Chung
(2005, p. 34) levanta o seguinte questionamento: Será que a China consegue alimentar sua
população sem depender de fontes externas?”. O mesmo autor responde a este
questionamento afirmando que a falta de campos de cultivo aliada à grande poluição e
9
problemas climáticos podem gerar grandes defasagens. Surge então uma ótima oportunidade
para países produtores, como o Brasil. “Um mercado de 1,3 bilhão de consumidores
potenciais é o sonho de qualquer agricultor do mundo inteiro” (CHUNG, 2005, p. 35).
Percebemos então que as empresas brasileiras devem estar cientes da importância das
negociações com a China e, para que se alcance o sucesso esperado, é fundamental que
estejam devidamente preparadas.
As semelhanças com o Brasil estão na extensão territorial, distribuição de renda
relativamente ruim e algum desemprego, principalmente, no caso chinês, no campo.
As similaridades, porém, não vão muito além disso (REVISTA COMÉRCIO
EXTERIOR, 2004, p. 21).
E é neste ponto que o trabalho em questão irá buscar informações, visando que estas
tão almejadas negociações possam ocorrer sem que barreiras (em nosso caso, barreiras
culturais das organizações) possam impedir esse grande potencial de fluxo de comércio
bilateral, Brasil e China.
Nesta fase de preparação, um dos pontos mais importantes para aqueles que
vislumbram o sucesso nas relações comerciais com os chineses será o bom conhecimento da
cultura e formas utilizadas pelos mesmos em suas negociações.
Quando nos voltamos para relações comerciais entre Brasil e China, devemos logo
prever que estas diferenças culturais poderão gerar impactos de diversas magnitudes. Como a
ordem é não perder as oportunidades que possam surgir com este imenso país oriental e
socialista, o Brasil deverá estar bastante atento a essas diferenças.
Sendo
assim,
este
trabalho
justifica-se
não
apenas
pela
necessidade de
compreendermos as diferentes culturas organizacionais que envolvem os países em questão,
como torna-se fundamental o seu estudo para que tais diferenças não signifiquem barreiras ao
êxito nas negociações.
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1.2 OBJETIVOS
1.2.1 OBJETIVO GERAL:
o Identificar os traços culturais brasileiros e chineses que, uma vez refletidos em âmbito
organizacional, possam gerar barreiras nas negociações entre os mesmos.
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
o Salientar a importância da cultura nacional no processo de formação da cultura
organizacional;
o Identificar traços da cultura brasileira que se refletem em suas organizações;
o Apontar características da cultura chinesa que se refletem no ambiente organizacional;
o Identificar o modo como os chineses conduzem suas negociações;
o Destacar a importância das negociações com a China;
o Traçar um paralelo entre as culturas do Brasil e da China;
o Discutir possíveis barreiras culturais que possam surgir entre as negociações de Brasil
e China.
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1.3 METODOLOGIA
Com o intuito de alcançar os objetivos propostos, o presente trabalho constitui um
trabalho teórico, desenvolvido através de uma revisão bibliográfica, buscando expor os
estudos de alguns autores que se dedicaram ao assunto em questão.
Primeiramente, buscamos conceituar o termo cultura e cultura organizacional tendo
como base três autores principais: Dias, Tavares e Souza. Todos eles buscaram identificar a
influência cultural em âmbito organizacional sendo que, para tanto, foram ao encontro de
elementos fundamentais nos estudos de grandes antropólogos e sociólogos, tais como Schein
e Tylor.
Em seguida, quando procuramos identificar os traços da cultura brasileira que se
refletem no âmbito de suas organizações, baseamo-nos em estudos de diversos acadêmicos
que escreveram importantes artigos sobre o assunto, sendo que estes foram reunidos em uma
grande coletânea organizada por Caldas e Motta.
Quando enfim buscamos penetrar no ambiente cultural chinês, por se tratar de um
assunto muito debatido nos últimos tempos, nos atemos a estudos bastante atuais. Dentre os
principais autores aqui citados, Chung aparece com maior destaque. Em seus estudos, além de
resgatar os traços da cultura chinesa e seu processo de formação, o autor identifica as
principais características chinesas frente às negociações com os demais países. Além de
Chung, destacamos também reportagens de algumas revistas que expuseram assuntos
referentes à China, assim como também utilizamos alguns catálogos governamentais, tais
como o do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Podemos perceber então que no presente trabalho encontramos as mais variadas fontes
bibliográficas para atingir os objetivos propostos.
12
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 CULTURA E SEUS CONCEITOS
Visto como um ser social, que precisa dos outros indivíduos para enfrentar as
adversidades impostas pelo meio em que vive, o ser humano encontra a necessidade de se
organizar para viver em grupo. Sendo assim, surgem inúmeros sistemas de símbolos, como
crenças, valores, linguagens, tecnologias que, transmitidos de geração em geração, norteiam
todo o sentido da coletividade humana.
A sobrevivência e evolução da nossa espécie é melhor compreendida, quando
pressupomos um processo conjunto de transformações da cultura/ biologia/ meio
ambiente. Através do comportamento cultural, a espécie relaciona-se com o meio
ambiente, e nesta ação modifica sua biologia, sua cultura e o próprio ambiente
(TAVARES, 2002, p. 47).
Através da afirmação de Tavares, notamos que a noção de cultura está diretamente
relacionada ao sentido de sobrevivência do ser humano. Neste capítulo, explicitaremos o
termo “cultura”, buscando demonstrar como funciona este mecanismo de interação do homem
enquanto ser social e suas formas de reagir ao meio em que vive.
13
Por se tratar de um assunto que permeia a vida de todos os seres humanos, diversos
estudiosos, dentre antropólogos e sociólogos, tentam conceituar o termo “cultura”. Tavares
(2002, p. 45) afirma que existe uma dificuldade em se conceituar o termo. Não por falta de
um conceito adequado de tal objeto da ciência, mas por excesso: há conceitos demais.
Cultura é um conceito antropológico e sociológico que comporta múltiplas
definições. Para alguns, a cultura é a forma pela qual uma comunidade satisfaz a
suas necessidades materiais e psicossociais. Implícita nessa idéia está a noção de
ambiente como fonte de sobrevivência e crescimento. Para outros, cultura é a
adaptação em si, é a forma pela qual uma comunidade define seu perfil em função
da necessidade de adaptação ao meio ambiente. Nesses dois casos, está presente a
idéia de feedback. A adaptação bem sucedida leva à evolução nessa direção. A
adaptação malsucedida tende a levar à correção e à evolução em outra direção
(CALDAS; MOTTA,. 1997, p. 16).
Em seguida, poderemos verificar alguns destes conceitos dados ao termo e verificar
que, mesmo contendo várias definições, estudiosos do assunto defendem traços comuns entre
elas.
Tylor1 (apud DIAS, 2003) afirma que cultura é um todo complexo que inclui
conhecimento, crença, arte, moral, direito, costume e outras capacidades e hábitos adquiridos
pelo homem como membro da sociedade.
Para Malinowsky2 (apud DIAS, 2003) a cultura consiste no conjunto integral dos
instrumentos e bens de consumo, nos códigos constitucionais dos vários grupos da sociedade,
nas idéias e artes, nas crenças e costumes humanos.
Dias (2003, p. 13) afirma que chegamos à cultura através dos atos, procedimentos e
criações desenvolvidos pelo homem e não relacionados com o instinto natural.
O dicionário de sociologia Globo3 (apud DIAS, 2003) define cultura como um sistema
de idéias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que
caracteriza uma sociedade.
1
TYLORr, Edward B. (1871)
MALINOWSKY, BRONISLAW (1997)
3
Dicionário de Sociologia, Globo (1981)
2
14
Poderíamos ainda encontrar outras tantas definições para “cultura”. De fato, esta é
uma palavra que pode obter muitos significados, inclusive por ser muito utilizada pelo senso
comum e estar muito presente no cotidiano das pessoas. O ser humano está sempre
manifestando a cultura, seja através do seu idioma, a maneira como se veste, através da
culinária, ou ainda algo mais subjetivo, o modo de pensar, agir, de se posicionar sobre o meio.
Dias (2003, p.17), divide esses diferentes tipos de manifestações como materiais e não
materiais. Tavares (2002, p.75), prefere adotar outras subdivisões, onde encontramos os
aparatos técnicos (artefatos e objetos em geral), sistema de interação (regras de conduta,
estruturas de poder) e sistemas simbólicos (linguagem, visões de mundo, cosmologia, teorias
científicas, religiões).
Mas sobre o que encontramos e concluímos no âmbito acadêmico, percebemos que,
após confirmarem suas diferentes definições a respeito do termo em questão, os estudiosos do
assunto conseguem definir traços e aspectos comuns da cultura. Dias (2003, p. 16) afirma que
todas concordam em três aspectos essenciais: 1º) a cultura é transmitida pela herança social e
não pela herança biológica; 2º) compreende a totalidade das criações humanas. Inclui idéias,
valores, manifestações artísticas de todo tipo, crenças, instituições sociais, conhecimentos
científicos e técnicos, instrumentos de trabalho, tipos de vestuário, alimentação, construções
etc; 3º) é uma característica exclusiva das sociedades humanas, quer dizer, os animais são
incapazes de criar cultura.
Ainda neste processo de definição de aspectos similares, Tavares (2002, p.46)
reafirma os pontos ressaltados por Dias e ainda completa com mais algumas conclusões sobre
o termo largamente aceitas pelos antropólogos: a) a cultura é parte da biologia do homem; b)
a biologia da espécie humana é produto da cultura; c) a cultura não é transmitida
geneticamente, mas socialmente através da aprendizagem; d) a capacidade de aprender,
desenvolver e criar cultura é transmitida hereditariamente; e) a cultura é o mecanismo
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adaptativo por excelência da espécie humana, responsável por sua sobrevivência,
desenvolvimento e evolução; f) a cultura é socialmente produzida: embora os indivíduos
sejam os portadores da cultura, tal comportamento só é possível num processo conjunto,
coletivo; g) a interação com o meio ambiente, na espécie humana, é feita através do aparato
cultural.
Devemos destacar ainda que toda cultura possui alguns elementos básicos em sua
formação que, mesmo apresentando conteúdos diferentes, são elementos comuns a toda
cultura. Podemos nos apoiar na descrição de Dias (2003, p.20) que define estes elementos:
crenças, valores, normas, sanções, símbolos, idioma e tecnologia. Abaixo, seguiremos com
uma breve explicação de cada um desses elementos.
Toda cultura é fundamentada em um conjunto de crenças, que compartilham
conhecimento e idéias sobre a natureza da vida. Dias (2003, p. 20) cita o exemplo do budismo
entre os indianos. Estes acreditam que sua alma reencarne em animais e objetos, fato que os
levam a cultuar muitos animais que acreditam ser antepassados reencarnados. Já para um
cristão ocidental, essa crença não possui nenhum valor.
Os valores influenciam o comportamento das pessoas e servem como critério para
avaliar as ações de outros. “Valores são concepções coletivas do que é considerado bom,
desejável, certo, bonito, gostoso (ou ruim, indesejável, errado e feio) em uma determinada
cultura (DIAS, 2003, p.20)”.
As normas traduzem crenças e valores em regras específicas para o comportamento.
Dias (2003, p.20) afirma que as normas podem ser formais ou informais. São formais quando
codificadas no direito, e informais quando ritualizadas nos costumes.
As sanções identificam-se através das punições e recompensas utilizadas para
seguimento das normas. Também são classificadas por Dias (p.21) como formais ou
informais. As formais são recompensas e punições oficiais e públicas. Já as informais
16
constituem as não-oficiais, são sutis, mas provocam reações inconscientes no comportamento
cotidiano.
Os símbolos constituem qualquer coisa que carrega um significado particular
reconhecido pelas pessoas que compartilham uma determinada cultura. Segundo Dias (p.21),
um mesmo objeto pode simbolizar sentimentos diferentes em culturas diferentes.
O idioma é elemento chave, mecanismo que permite a comunicação entre os membros
de uma sociedade. “Considerando que outros animais se comunicam por sinais (sons e gestos
cujos significados são fixos), os humanos se comunicam por meio de símbolos (sons e gestos
de cujo significado dependem compreensões compartilhadas)” (DIAS, 2003, p. 21).
E, fechando a lista dos elementos básicos que compõem a cultura, encontramos a
tecnologia, que estabelece parâmetro para cultura, influencia o cotidiano das pessoas, o modo
como trabalham, como se socializam e o que pensam sobre o mundo. Dias (p. 22) destaca que
toda mudança tecnológica implica mudanças culturais.
Após termos definido o termo cultura e apontado seus elementos básicos, outro ponto
que precisa ser observado é onde e como a cultura se manifesta. Para Dias (2003, p. 13), o
homem, ao se distanciar do instinto biológico, passando a criar novas formas de organização,
novos objetos, novos materiais, cria um novo ambiente próprio para sua existência diferente
do ambiente natural, o que ele chama de ambiente cultural.
O ambiente cultural do homem inclui vilas, aldeias, cidades, animais domésticos,
plantações, novos relacionamentos entre os indivíduos, linguagem, crenças,
religiões, música, tecnologia, etc. Essa cultura humana, que compreende tudo criado
pelo homem, seja tangível ou não, apresenta singularidades que podem variar de
região para região, em cada localidade e dentro das cidades mesmo ocorrem
variações (DIAS, 2003, p. 13).
Através da afirmação acima, vemos então que este ambiente cultural criado pelo
homem nada mais é do que a forma encontrada por ele para interagir com o meio e grupo
social no qual está inserido. É neste ambiente cultural que encontraremos os elementos
básicos que constituem a cultura.
17
Sobre isso, Tavares (2002, p. 50) ainda completa dizendo que cada grupo ou subgrupo
seleciona, dentre esse elenco de possibilidades (cultura/ biologia/ ambiente), um número
ainda menor de elementos, que são efetivamente concretizados, e é o resultado dessas
escolhas que produz as diferenças culturais observáveis no comportamento dos grupos sociais
humanos.
Diante disso, Dias (2003, p.13) ressalta que esses diferentes agrupamentos humanos,
que apresentam diferenças perceptíveis e podem ser hábitos, costumes, linguagem etc.,
formam um todo composto por diversos indivíduos que se constituem como grupos sociais
homogêneos denominados subculturas.
Nesse sentido, ainda citando Dias (2003, p. 14), podemos encontrar inúmeras e
indeterminadas diferentes culturas dentro de cada subcultura que, na realidade, são culturas
que apresentam traços perfeitamente discerníveis dentro de uma cultura mais geral.
Nesta busca por divisões e classificações de subculturas, chegamos ao subgrupo das
organizações, e é sobre este grupo específico que o presente trabalho irá se desenvolver. Para
tanto, torna-se necessário conhecermos algumas descrições elaboradas por autores do assunto
acerca do que seria uma organização.
2.1.1 ORGANIZAÇÕES
Segundo Dias (2003, p. 14), organizações são grupos sociais formados por pessoas
com objetivos perfeitamente definidos e criados para cumprir atividades determinadas.
Através desta afirmação de Dias, percebemos claramente a descrição de uma subcultura.
Tavares (2002, p. 57) afirma que a organização empresarial é um conjunto delimitado
de interações humanas, que podem apresentar as características que conseguimos identificar,
como sendo as da cultura.
Uma outra definição, que complementaria as duas citadas, seria a de Albano e Lima
(2002, p.33) que defendem que organização é um sistema de atividades conscientemente
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coordenadas de duas ou mais pessoas onde, devido a limitações pessoais, os indivíduos são
levados a cooperarem uns com os outros para alcançar certos objetivos que a ação individual
isolada não conseguiria. Vemos então que organização parte sempre da idéia da ação de um
grupo e, como todo grupo, parte do princípio de que seus membros precisam trabalhar o
mesmo foco para alcançarem seus objetivos. Albano e Lima ainda comparam a organização a
um organismo vivo: “... as organizações se constituem nessa interação que faz com que elas
sejam dinâmicas e complexas, ou seja, um organismo vivo. Assim, pode-se compreender
porque a definição etimológica do termo é organom = órgão (ALBANO & LIMA; 2002, p.
33)”.
Ainda dentro do contexto do que seria uma organização, Facchinetti (2002), descreve
que esta se formaria de forma complexa, a partir da caracterização de sua estrutura e dos
impactos do desempenho dos papéis profissionais, bem como das interrelações que se
estabelecem entre os indivíduos de uma organização e a sociedade que o cerca.
“Qualquer organização ou grupo de pessoas interagindo ordenadamente, na busca de
um objetivo comum, tem cultura, uma vez que ela faz parte da história humana e de um
contexto muito maior que é em si um repositório de cultura (TAVARES, 2002, p. 57)”.
A seguir, tentaremos demonstrar os principais aspectos do que chamamos de cultura
organizacional.
19
2.2 CULTURA ORGANIZACIONAL
Conforme vimos no capítulo anterior, a cultura geral pode ser subdividida em grupos
sociais menores que apresentam traços e perfis comuns, o que chamamos de subculturas.
Segundo Dias, “[...] podemos afirmar que a concepção de cultura pressupõe a
existência de culturas, pois cada grupo social apresentará diferenças, adquiridas e
consolidadas por sua maior convivência, em relação aos demais” (DIAS, 2003, p. 15).
É nessa busca por grupos sociais que apresentam traços e perfis comuns que
identificamos subculturas, tais como as culturas francesa, indiana, curda, paquistanesa,
brasileira, etc.
Essas subdivisões dentro de uma cultura geral podem ser feitas de maneira
ininterruptas. Assim também identificamos a cultura organizacional, que se enquadra como
uma subcultura composta por uma série de outros pequenos grupos formadores de outras
subculturas. Dias (2003, p. 14) utiliza-se de um hospital para exemplificar essas subdivisões.
Ele afirma que num ambiente hospitalar as pessoas que o integram possuem linguajar, hábitos
e costumes próprios e diferentes do restante da sociedade. Desse modo, podemos falar em
cultura organizacional hospitalar.
Ainda neste contexto, considerando a organização como uma subcultura, Pfiffner e
Sherwood4 (apud SOUZA, 1978, p. 10) afirmam que, neste caso, aplica-se simplesmente o
modelo da cultura à própria organização. Como instituição, supõe-se que a organização
adquira tipos próprios de conduta e de comportamento aprendido, desenvolvidos dentro do
contexto do modelo cultural mais amplo.
Assim como ocorre com o termo cultura, diversos estudiosos também tentam
conceituar o termo cultura organizacional.
4
PFIFFNER, J. e SHERWOOD, F., Organização Admistrativa, S. Paulo, Bestseller 1965, p.254.
20
Não são apenas raças e etnias, ou ainda suas combinações, que produzem culturas.
Classes sociais, instituições e organizações também as produzem. Os muitos livros e
artigos sobre cultura organizacional e empresarial produzidos desde a década de 80
têm se ocupado em definir e aprofundar essa apropriação das diversas concepções de
cultura no âmbito social e organizacional (CALDAS & MOTTA, 1997, página 19).
Segundo Burke e Hornstein5 (apud SOUZA, 1978, p.16), a cultura de uma organização
é um conjunto de pressupostos e normas, aprendidos e compartilhados, que regulam o
comportamento dos membros de uma organização.
Schein6 (apud CALDAS & MOTTA, 1997, p. 40) completa a afirmação de Burke e
Hornstein ao acrescentar a estes pressupostos básicos, formadores da cultura organizacional,
os artefatos visíveis e outros conjuntos simbólicos que criam os valores do cotidiano.
Enquanto os pressupostos básicos são pré-conscientes e tidos como certos, os
valores são conscientes. Nas organizações, esses valores contribuem para criar
parâmetros de como pensar, sentir e agir; por isso, desempenham papel fundamental
para o sucesso das organizações (SCHEIN, 1987, apud CALDAS E MOTTA, 1997,
p. 40).
Para Dias (2003, p.41), a cultura organizacional é o conjunto de valores, crenças e
entendimentos importantes que os integrantes de uma organização têm em comum; ela
oferece formas definidas de pensamentos, sentimento e reação que guiam as atividades dos
participantes de uma organização.
Notamos através das três citações acima que os autores têm definições similares ou
então que se complementam quando falamos em cultura organizacional.
O estudo da cultura organizacional tornou-se um tema de maior interesse a partir dos
anos 80 e 90, numa época em que os países de todo mundo e suas economias começam a
sentir os efeitos da globalização, as economias se abrem e o mercado torna-se cada vez mais
competitivo.
Sobre este cenário que se apresenta a partir desta época, Dias (2003, p. 10) aponta este
estudo sobre a cultura das organizações como uma forma de conhecer melhor o
5
6
BURKE, W. W., e HORNSTEIN, H. A., The Social Technology of Organization Development (1972)
SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1987.
21
comportamento das mesmas, conseqüentemente, elaborar estratégias eficientes que visem a
maximizar o desempenho dessas organizações.
Ainda neste sentido de manutenção e evolução das organizações, Schein (apud
SOUZA, 1978, p. 17) declara que, da mesma forma que as sociedades desenvolvem uma
estrutura social, leis, tradições e cultura como uma maneira de se estabilizarem, também as
organizações desenvolvem e precisam conservar sua estrutura e cultura. Percebemos então
que a grande preocupação das organizações em se adequarem a um novo mundo, agora
global, para conseguirem se estabilizar e se manter atuante frente à grande competitividade
que passa a imperar.
Notamos esta preocupação também em Tavares (2002, p. 58). Para o autor, a
sobrevivência ou extinção de uma organização está relacionada ao seu poder de adequação ou
não às condições ambientais que a cercam.
O agrupamento humano em interação numa organização, ao se relacionar entre si, e
com o meio externo, através de sua estruturação interna do poder, faz uma
construção social da realidade, que lhe propicia a sobrevivência como unidade,
segundo os mesmos princípios pelos quais mutações são preservadas dentro de
cadeias ecológicas do mundo vivo (TAVARES, 2002, p. 58).
Nesta afirmação de Tavares notamos que a adaptação de uma organização ao meio em
que esteja inserida é fundamental para sua sobrevivência e, a seguir, o mesmo autor aponta
este mecanismo adaptativo, identificando-o como cultura.
Tavares (2002, p. 59) afirma que, quando um grupo social atinge esse nível de criação
de uma interpretação própria de sua relação com o meio ambiente externo, passa a usufruir
plenamente do mecanismo adaptativo por excelência, ou seja, a cultura.
Este mecanismo de adaptação citado por Tavares precisa ser destacado, uma vez que a
cultura organizacional precisa estar em constante transformação, principalmente quando
percebemos a velocidade com as quais ocorrem as mudanças no mundo a partir da década de
80, como já mencionado.
22
Quando falamos em mudanças na cultura organizacional, alguns autores, como
Chiavenato7, Nassar8 e Vergasta9 (apud ALBANO & LIMA, 2002, p.34), afirmam que elas
podem ocorrer ao longo do tempo, mesmo que a organização resista a elas.
Segundo
Vergasta (2001), a cultura organizacional não é algo pronto e acabado, mas está em constante
transformação, de acordo com sua história, os seus atores e com a conjuntura.
Vemos, então, que as organizações passam a se destacar e se manterem unidas quando
desenvolvem uma cultura organizacional forte, que as identifique, mas que também seja
flexível, de maneira que consiga se adequar às constantes mudanças. É importante destacar,
porém, que toda mudança cultural demanda tempo, mesmo em momentos de profundas
transformações como o atual.
Segundo Dias (2003, p. 42), uma organização se mantém unida por meio da cultura
organizacional, que expressa os valores ou ideais sociais e crenças que os membros da
organização chegam a compartilhar, manifestados em elementos simbólicos como mitos,
rituais, histórias e uma linguagem específica.
Podemos complementar esta afirmação de Dias a respeito do poder de unidade de uma
empresa transmitido através da cultura organizacional da mesma, através da afirmação de
Tavares (2002, p. 58) que diz que o grupo de pessoas que compreende a organização, ao
transacionar com o meio ambiente, e ao criar as estruturas internas, para responder a essa
interação externa, estabelecem uma maneira própria de agir e interagir, criando uma
identidade reconhecível tanto para o conjunto geral do ambiente de negócios quanto para os
que compartilham de seus limites internos.
Um outro ponto a ser destacado quando falamos em cultura organizacional, e que
também serve como ponto de grandes estudos para escritores do assunto em questão, é o fato
7
CHIAVENATO, Idalberto. Os novos paradigmas: como as mudanças estão mexendo com as empresas. São
Paulo: Atlas, 1996.
8
NASSAR, Paulo. História e cultura organizacional. In: Revista Comunicação Empresarial – Nº 36, 2000.
9
VERGASTA, Patrícia Dantas. Cultura e aprendizagem organizacional. 2001. Disponível em:
http://www.terravista.pt/enseada/5831/trabalho/t20001310.html. Acesso em: 7 abr. 2002.
23
da recente abertura econômica dos países e os efeitos da globalização levarem ao surgimento
de uma cultura organizacional típica das grandes organizações, que transcende as culturas
sociais locais.
Souza (1978, p. 77) destaca o fato das grandes organizações, espalhadas por diversas
partes do mundo, serem mais semelhantes entre si do que as grandes e pequenas empresas
situadas no mesmo país.
Sem negar a existência de diferenças culturais caracterológicas e ambientais, podese observar uma padronização crescente de técnicas e normas organizacionais a
nível internacional. Estamos assistindo ao surgimento de uma cultura das grandes
organizações que transcende as fronteiras dos países (Souza, 1978, p.72).
Neste momento, podemos perceber o papel importante desempenhado pelo fundador,
ou fundadores, de uma organização, pois dele será proveniente todo aparato cultural que
servirá de alicerce para a organização em questão.
Segundo Tavares (2002, p. 65), quando o fundador cria a empresa, ele agrupa um
conjunto de pessoas que chegam com seus conhecimentos, valores e comportamentos, em
torno do objetivo de constituir a empresa, produzir um objetivo e colocá-lo no mercado.
Schein10 (apud PACHECO; PEREIRA; RODRIGUES; TZECHEM, 2002, p. 4) é
outro autor a destacar a importância do fundador da organização no processo de moldar seus
padrões culturais. Ele afirma que os primeiros líderes, ao desenvolverem formas próprias para
equacionar os problemas organizacionais acabam por imprimir sua visão aos demais.
Mas apesar de toda carga cultural trazida pelo fundador de uma empresa, responsável
pela base de toda uma organização, não podemos esquecer, conforme já destacamos no
capítulo anterior, que a cultura surge das interações do homem com a sociedade e com o meio
em que esteja inserido.
E, enfatizando o meio no qual uma organização se insere, torna-se necessário destacar
um dos efeitos do mundo global, em que cada vez torna-se mais comum o surgimento de
10
SCHEIN, Edgar. Psicologia Organizacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1982.
24
empresas atuantes em diversos países, aparecem as exportadoras, multinacionais,
franqueadoras e transnacionais. Por isso, antes de verificarmos a influência das culturas
nacionais sobre as organizações em questão, vale ressaltar aqui as definições dadas aos
diferentes tipos de atuações das empresas.
Segundo Laudon e Laudon11 (apud SOUZA, ano, p.2), as exportadoras são as
empresas que possuem alta concentração das funções corporativas no país de origem,
servindo-se de escritório de vendas para a distribuição em outros países.
Os mesmos autores definem ainda as multinacionais como sendo aquelas que
descentralizam as funções de produção, marketing e vendas, de maneira a melhor adaptar seus
produtos aos mercados locais. Por outro lado, nessas empresas há uma centralização das
funções de finanças, contabilidade, recursos humanos e planejamento estratégico. Esse tipo de
empresa é, atualmente, o tipo que predomina quando falamos em empresas internacionais.
Ainda segundo Laudon e Laudon, vemos que as empresas franqueadoras são aquelas
que concentram as funções de projeto do produto mas, por características específicas destes
produtos, dependem em grande parte de esforços locais para a produção, venda e distribuição.
Por fim, também seguindo as afirmações dos estudiosos acima, encontramos as
transnacionais, que são aquelas cujas funções e atividades verdadeiramente cruzam as
fronteiras nacionais, são gerenciadas de forma realmente global e tendem a representar a
maior parte dos negócios internacionais no futuro. Segundo os autores, essas empresas são
aquelas que encaram os diversos mercados mundiais como apenas um mercado: o mercado
global.
Antes de darmos seqüência a este raciocínio, devemos ressalvar aqui que não é
objetivo do presente trabalho analisar como ocorre a formação da cultura organizacional em
cada um dos diferentes tipos de empresa citados acima. Suas inclusões aqui servem apenas
11
LAUDON, K. C. e LAUDON, J. P. (1996). Management information systems: organization and technology (4ª
ed.). Prentice Hall, 1996.
25
como forma de demonstrar as diversas maneiras de interação entre diferentes culturas, de
diferentes países, seja este contato com o diferente motivado pela venda de mercadorias,
como ocorre com as exportadoras, seja através da construção de uma filial da empresa em
outro país, como ocorre com as multinacionais e transnacionais.
Se voltarmos então para as crescentes transformações mundiais, quando vemos surgir
as organizações maiores e mais complexas, aquelas que atuam em mais de um país - as
empresas exportadoras, as multinacionais, as franqueadoras e as transnacionais – e, ainda, se
considerarmos que, quanto mais uma organização se expande, mais complexa torna-se sua
estrutura, com o aparecimento de um maior número de subculturas dentro desta mesma
organização, iremos perceber um certo distanciamento da cultura original - dos fundadores – e
perceberemos uma maior influência do meio no qual a organização se insere e, até mesmo, a
cultura dos ambientes com os quais mantêm relações comerciais. Dias (2003, p.28) ressalta
esta confirmação dizendo que, na medida em que as organizações se expandem e diversificam
seus produtos, tendem a desenvolver estruturas com multidivisões.
E nesta dificuldade de formar uma unidade em organizações cada vez maiores e
complexas, formadas por subgrupos diferentes, e, conseqüentemente, o distanciamento do
aparato cultural do fundador desta organização, surge a importância de se estudar ainda mais a
influência do ambiente cultural no qual ela se insere.
A organização não é um sistema fechado, é, portanto, permeável a outras culturas
como as nacionais, regionais, etc. Cada organização, embora apresente sua própria
cultura organizacional, está sempre sofrendo influência das culturas existentes em
seu entorno (DIAS, 2003, p. 34).
2.2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL E CULTURA NACIONAL
No final do século XX, o mundo passou por profundas transformações. As inovações
tecnológicas, principalmente as que se referem aos meios de comunicação, tornaram-se
ferramentas facilitadoras do intercâmbio cultural entre as nações. Este fenômeno, denominado
globalização, passou a projetar um mundo sem fronteiras e interligado.
26
Neste sentido, não só o fluxo comercial entre os países cresceu, como também a
preocupação das empresas em se tornarem empresas globais. Tal preocupação fez aumentar o
número de filiais de empresas espalhadas pelo mundo. Mas apesar de todo esse intercâmbio
gerado pela globalização, a diversidade cultural dos povos ainda prevalece. É nesse momento,
que a cultura de uma nação, formada por diversos sistemas de símbolos (valores, crenças,
linguagem, tecnologia), influencia nas diferenças culturais do ambiente de uma empresa
situada em um país, de uma situada em outro.
Se as organizações sofrem grande influência do meio, devemos reforçar a necessidade
de se estudar a cultura na qual ela se localiza a fim de melhor compreendê-las.
No final das contas, acabam existindo vários aspectos que condicionam essas
diferenças culturais entre as empresas. É claro que a cultura de uma empresa será
sempre diferente da cultura de uma tribo, e será sempre semelhante à cultura de
outra empresa. Porém, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de
uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, é a cultura nacional
(CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18).
A afirmação de Caldas e Motta transmite à cultura nacional grande importância no
processo de formação da cultura organizacional. Através do estudo da cultura de um país,
conseguiremos entender, por exemplo, o porquê do sucesso ou fracasso de uma organização
situada em determinado país, ou ainda, identificar os motivos que levam ao êxito ou então ao
surgimento de barreiras nas possíveis negociações entre organizações provenientes de
diferentes localidades. Todas as formas de expressão cultural deverão ser consideradas:
política, economia, vida social, culinária, etiqueta, dentre outros.
Toda organização se encontra inserida dentro de um entorno formado pela
Sociedade, seus membros também fazem parte desta, seus valores fundamentais
tem-na como origem. E muitos eventos políticos, econômicos, sociais, ideológicos,
culturais e outros afetam as organizações de uma forma ou outra, influenciando sua
cultura organizacional (DIAS, 2002, p. 135).
Podemos concluir então que os principais valores na constituição de uma organização
estarão diretamente ligados à cultura da região na qual a empresa está inserida. Para Dias
(2002, p. 136), quando uma empresa surge no território de um país com cultura dominante, os
27
valores deste local predominarão na organização em seu início e prevalecerão em última
instância no decorrer de sua existência. Isso ocorre porque seus integrantes pertencem a esta e
assumem seus valores fundamentais.
Não podemos esquecer que, quando nos voltamos para o discurso de aldeia global, que
leva as organizações ao constante confronto com diferentes países, identificamos a tendência
de uma certa uniformização na cultura empresarial, conforme citado quando falamos sobre o
crescimento de empresas transnacionais. Podemos notar isso também nas afirmação a seguir
de Caldas e Motta.
Entretanto, mesmo com a potencial diversidade de culturas que podem ser geradas
dentro das sociedades, é também verdade que, com a globalização, há tendência para
profunda uniformização nas classes dominantes e médias de todo o mundo. Essa
uniformização começa nas empresas, onde a ideologia tecnocrática instaurou um
modo muito semelhante de racionalidade e de comportamento (CALDAS e
MOTTA, 1997, p. 18)
No entanto, mesmo com este discurso para uma tendência à uniformidade, ainda
conseguimos observar grandes diferenças entre a cultura das organizações de diferentes
países. Não se sabe ao certo até que ponto esta tendência à uniformidade das empresas deve
chegar, o fato é que, apesar disso estar ocorrendo com as empresas espalhadas pelo mundo,
ainda conseguimos identificar muitas barreiras de povos que possuem culturas bem diferentes.
Ainda segundo Caldas e Motta (1997, p. 18), toda sociedade, em maior ou menor medida,
filtra e adiciona seu próprio “tempero” a idéias e tecnologias globalizantes, criando suas
próprias versões. Isso ocorre também com as organizações, que também refiltram e
retemperam essas idéias, costumes e valores, globalizados mas já nacionalizados, a sua
própria maneira. Assim, o objeto de estudo que trata da cultura organizacional também é
constituído por essa mistura de empresa para empresa, bem como o processo de sua formação.
Desta forma, destacamos ainda mais a importância de se estudar a cultura na qual se
localiza a organização em questão, sendo esta também uma forma de se preparar para a
competição vigente neste mesmo sistema global. Neste sentido, quando compreendemos a
28
cultura organizacional de empresas localizadas no Brasil, por exemplo, se estará mais bem
preparado para lidar com uma empresa de um país de cultura tão diferente, como a China,
outro exemplo. É necessário estudar a cultura nacional na qual se localizam as organizações
para que se vislumbre possíveis negociações entre elas.
Mesmo com o crescente surgimento das empresas transnacionais, que encaram o
mercado como um só, o global, não podemos esquecer, conforme já visto anteriormente, que
quando estamos falando de mudanças num âmbito cultural, apesar de serem necessárias e até
correntes, estas mudanças culturais demandam tempo e ainda enfrentam grandes barreiras.
Sobre as dificuldades que possam surgir nas negociações em âmbito internacional,
podemos citar o exemplo dos estudos de Ives e Jarvenpaa12 (apud SOUZA e ZWICKER,
2001, p. 5). Em seus estudos sobre as aplicações globais da tecnologia da informação (TI)
declaram que a mesma deve ser desenvolvida para ser utilizada em um ambiente cultural
heterogêneo, destacando, então, a necessidade cada vez mais atenuante de se estar ligado a
mundo global, porém sem esquecer as particularidades de cada região. Em seguida, Ives e
Jarvenpaa destacam algumas dificuldades encontradas no processo de inclusão dessa
tecnologia em alguns países. Entre as principais, foram citadas barreiras expressas em frases
como “não inventado aqui” ou “o sistema não é adequado para o nosso ambiente”. Essas
frases mostram que eventualmente imperam atitudes dos usuários locais que podem dificultar
tentativas de adoção de aplicações globais.
Em análise do estudo de Ives e Jarvenpaa, Souza e Zwicker (2001, p.5) destacam
outras dificuldades encontradas nesse processo, fatores estes relativos a valores pessoais
atribuídos, por exemplo, à produtividade de funcionários, à mudança de procedimentos e à
responsabilidade pelas qualidades das informações. Os mesmos autores citam ainda que,
12
IVES, B. e JARVENPAA, S. L. (1991). “Applications of global information technology: Key issues for
management”. MIS Quarterly, mar/ 1991, pp. 33-49.
29
eventualmente, até aspectos relacionados com a religião podem interferir, como por exemplo,
horários específicos de parada para orações ou feriados santos.
Continuando com o exemplo das aplicações globais da tecnologia da informação,
Stephens13 (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5) encontra mais algumas dificuldades no
processo de criação e desenvolvimento da mesma. O autor destaca diferenças de língua,
legislação relativa à troca internacional de dados e informações, legislação local e problemas
específicos de recursos humanos locais.
Outros autores a fazerem sua análise a respeito da internacionalização da TI são
Laudon e Laudon (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5). Estes afirmam que diferenças
políticas e culturais afetam profundamente os procedimentos operacionais padronizados das
empresas. Entre os motivos apresentados estão as diferentes práticas contábeis, as diferentes
leis que regem o trânsito de informações, políticas de privacidade, horário comercial, termos
utilizados nos negócios e mesmo aspectos culturais extremamente específicos como, por
exemplo, o fato de no Japão o uso do fax prevalecer sobre o e-mail.
Os mesmos autores destacam ainda o fato dos aspectos culturais e legais também se
refletirem nas práticas contábeis. Utilizam o exemplo de na Alemanha os lucros relativos a
um determinado investimento só serem contabilizados quando os projetos estão terminados e
pagos, enquanto que na Inglaterra esses lucros começam a ser contabilizados no momento em
que há uma razoável certeza de que o projeto dará certo. Os autores também destacam que até
razões intrínsecas de procedimentos podem intervir, por exemplo, os sistemas contábeis das
empresas anglo-saxônicas são focados em mostrar a velocidade com que os lucros da empresa
estão crescendo, enquanto que no restante da Europa o foco dos sistemas contábeis é mostrar
a adequação da empresa às regras e leis, diminuindo a possibilidade de ser legalmente
penalizada.
13
STEPHENS, D. O. (1999). “The globalization of information technology in multinational corporations”.
Information Management Journal, jul/ 1999.
30
Vimos então, através do exemplo dos estudos para implementação da tecnologia da
informação em diversos países, que as diferentes culturas nacionais muitas vezes impõem
dificuldades que podem levar ao insucesso dessas negociações entre os países. Por isso, é
importante estar atento às diferenças culturais para se vislumbrar um melhor entendimento
dessas transações no âmbito internacional e tudo que ela possa envolver, uma vez que dessas
negociações dependerá, cada vez mais, a manutenção e sobrevivência de uma organização.
Segundo Freitas (1997, p.38), no mundo gerencial, a influência da cultura nacional
sobre a cultura organizacional adquire maior relevância, por exemplo, quando se analisam os
modelos de gestão importados que freqüentemente são implementados em nossas
organizações ou trazidos pelas multinacionais.
Por esses modelos e práticas gerenciais serem concebidos em suas culturas natais,
muitas vezes trazem pressupostos e valores culturais diferentes e até conflitantes
com os nossos. Como muitos deles pressupõem mudança significativa nas
organizações, mexem, por uma reação natural de autodefesa, com valores e
pressupostos culturais de indivíduos e de sua organização. Muitos desses modelos e
práticas gerenciais, portanto, podem fracassar ou ser tímidos em seus resultados,
justamente por não terem respaldo em alguns traços básicos de nossa cultura
(FREITAS, 1997, p. 39).
A citação acima confirma e justifica o porquê do aparecimento de barreiras como
vimos nos estudos de Ives e Jarvenpaa.
Uma vez que verificamos que os países ainda encontram barreiras, ou as impõem
como mecanismo de auto-defesa de suas culturas nacionais, quando esses buscam lidar com o
mercado internacional, partiremos a partir de então à identificação dos traços das culturas de
dois países distintos como o Brasil e a China, verificando como seus valores refletem em suas
organizações. Feito isso, faremos um paralelo entre estes países, ressaltando os pontos que
possam gerar atrito nas negociações entre os mesmos.
Neste sentido, iremos abordar a cultura brasileira e sua influência nas organizações
situadas no país. Feito isso, buscaremos identificar a cultura chinesa e como seus traços
refletem na cultura das organizações na China.
31
2.3 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL
Conforme estudado anteriormente, para entendermos o mecanismo de formação da
cultura organizacional, torna-se necessário estudar a cultura do local onde esta se insere.
Seguindo os objetivos do presente trabalho, neste capítulo passaremos a estudar a
cultura brasileira e sua ligação no processo de criação da cultura das organizações situadas no
país, bem como toda forma de interação utilizada pelas mesmas para com empresas de outras
localidades.
Como primeiro passo para estudar a cultura de uma nação, devemos buscar suas raízes
históricas. Para tanto, destacamos o fato desse estudo não ser uma tarefa muito simples, uma
vez que o Brasil é um país de dimensões continentais e concentra aqui valores de muitos
diferentes povos que compõem sua história. Podemos perceber essa afirmação nas palavras de
Souza (1978, p. 64) o qual nos diz que analisar a cultura brasileira é tarefa gigantesca e
pretensiosa. Sendo assim, iremos nos ater aos traços culturais que possam ter maior relevância
para nossos estudos da influência da cultura nacional em suas organizações.
2.3.1 CULTURA BRASILEIRA: SUAS RAÍZES E DIVERSIFICAÇÃO CULTURAL
O Brasil é um país extremamente heterogêneo, com diferenças ressaltadas pela sua
extensão, pela influência de povos de inúmeros países, pela grande miscigenação,
somando ainda as diferenças regionais com suas culturas próprias. Mesmo havendo
essas subculturas típicas de cada região, não seria justo pensar a cultura nacional de
forma fragmentada, mas sim como a integração de todos esses traços culturais
(ALBANO e LIMA, 2002, p. 36).
Vimos através da citação acima que a cultura nacional é formada pela integração dos
mais variados traços culturais, por isso, iremos abordar os principais povos formadores dessa
cultura. Para tanto, vamos nos concentrar no estudo sobre o assunto em questão, realizado por
Caldas e Motta (1997).
32
Para os autores acima (p. 16), existe um consenso entre os estudiosos em se apontar
sempre três matrizes formadoras da cultura brasileira: a indígena, a portuguesa e a da África
negra.
Sobre a cultura indígena, os autores afirmam (p.17) que pouco se conhece a respeito
de suas origens, mas sabe-se que há uma enorme diferença com relação à portuguesa.
Sabemos que os índios brasileiros estavam divididos em inúmeros grupos étnicos e culturais,
mas os autores citam os maiores e principais com sendo os tupi-guaranis, tapuias, nu-aruaques
e caraíbas.
Os tupi-guaranis e os tapuias eram os grupos mais importantes. Os primeiros, com
uma cultura mais próxima da portuguesa, habitavam o litoral. Os segundos,
considerados mais bárbaros pelos europeus, habitavam o interior. Embora os
habitantes das Américas tivessem no milho sua alimentação básica, os índios
brasileiros alimentavam-se principalmente de mandioca. Sua agricultura era de
subsistência e quem trabalhava nela eram as mulheres. Os homens eram
responsáveis pela caça, pela pesca e pela guerra (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17).
Diferente do grupo indígena, no qual notamos a forma de vida bem primitiva, no
segundo grupo formador da base da cultura brasileira, os autores destacam o fato de serem um
povo de comerciantes e navegadores. Devido a isto, os portugueses já estavam acostumados
com o contato com povos diferentes e com a prática da escravidão. A constante busca por
novos ambientes, os trouxeram ao Brasil não para ocupar território, mas para explorar o paubrasil. Caldas e Motta ainda destacam as origens desses portugueses que chegaram ao Brasil.
Tiveram origens muito diversas, entre as quais os romanos, os bárbaros suevos, os
árabes, os berberes e os judeus sefaraditas. (...) Com freqüência, eram fidalgos
decadentes ou simplesmente degredados. Não vinham para cá com mulheres e
filhos, mas sozinhos. Por essa razão, casavam-se ou juntavam-se com índias, sendo
essas as verdadeiras primeiras mães dos brasileiros, com seus conhecimentos de
plantas medicinais, de preparação de alimentos e de utensílios domésticos
(CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17)
Seguindo a ordem dos povos formadores da base da cultura brasileira, em terceiro
lugar, encontramos os negros africanos. Os mesmo autores acima destacam duas origens para
estes africanos que chegaram ao país: bantus e sudaneses. Afirmam ainda que a cultura
africana era muito mais próxima dos portugueses do que as culturas indígenas. “Com
33
freqüência, eram mulçumanos e alfabetizados, coisa que nem sempre acontecia com os
portugueses. Conheciam a mineração do ferro, e a divisão do trabalho entre os sexos era mais
próxima da dos portugueses (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17)”.
Outro ponto de interesse com relação aos africanos que chegavam ao Brasil era a
necessidade que possuíam de aprender a língua portuguesa para se comunicarem. Segundo
Caldas e Motta (p. 17), desta forma, os negros africanos se tornaram os principais difusores
do português no Brasil.
Essas três raças misturaram-se em diversas proporções e deram origem a várias
subculturas no Brasil.
Híbrida desde o início, a sociedade brasileira logo incorporou o traço português da
miscigenação. Sem a existência de restrições de raças e devido à escassez de
mulheres brancas, nosso colonizador logo se misturou à índia recém-batizada,
transformando-a em mãe e esposa das primeiras famílias brasileiras. Com o início da
escravidão, misturou-se ao negro, completando assim o chamado “triângulo racial”
(FREITAS14, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 41).
Seguindo os estudos de Caldas e Motta (p. 17), identificamos algumas dessas
subculturas formadas pela mistura desse “triângulo racial”. Os autores destacam a cultura
cabocla (matriz indígena forte) na região Norte, a cultura sertaneja (que equilibra as três
matrizes) na região Nordeste e Centro-Oeste, a cultura caipira (predomínio do português) nos
estados de Minas Gerais e São Paulo. Somado a estes, não podemos esquecer dos imigrantes
europeus (não portugueses) e orientais que chegaram ao país mais tarde. Estes também foram
de grande importância para colonização na região Sudeste e Sul.
Vimos que a cultura nacional tem suas principais origens em três raças bem distintas,
no entanto, verificamos que os estudiosos do assunto afirmam que devemos sempre dar um
destaque à cultura dos portugueses, isso porque estes chegaram ao país impondo seus
costumes aos demais, o que resultou numa certa adequação de índios e negros. “Podemos
14
FREITAS, ALEXANDRE BORGES DE. (1997) “Cultura Organizacional e Cultura Brasileira”; Traços
brasileiros para uma análise organizacional; Ed. Atlas S.A.; 1997
34
dizer que de lá (Portugal) nos veio a forma atual de nossa cultura, o resto foi matéria que se
sujeitou bem ou mal a essa forma” (HOLANDA15, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 42).
Não pretendemos, no entanto, minimizar a importância que negros e africanos tiveram
na mistura cultural formadora da cultura nacional.
No entanto, não há como negar que a influência africana sobreviveu no plano
ideológico, nas crenças religiosas, nas práticas mágicas e nos sabores e gostos
culinários. De mesmo modo, apesar de nossos índios terem sofrido degradação
moral e virtual disseminação cultural, legaram-nos influências nas relações sexuais e
de família, na magia e na mítica. Contudo, foi o colonizador português que mais
contribuiu para sermos o que somos hoje e, portanto, é justamente nele que
precisamos centrar a discussão das raízes formadoras de nossos traços (FREITAS,
apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.42).
Conforme este histórico da colonização brasileira nos demonstra, percebemos que
neste imenso país, de vasta extensão territorial, formaram-se culturas regionais bem
características que, de certa forma, expõem uma certa dificuldade nos estudos para
identificação de uma cultura nacional. Isso implica, por exemplo, no caso do estudo da
influência da cultura nacional nas organizações aqui instaladas. Segundo Dias (2001, p. 137),
as culturas regionais e locais, do mesmo modo que nacional influenciam a cultura
organizacional.
Num país de dimensões continentais como o Brasil, a cultura organizacional de uma
empresa poderá apresentar profundas diferenças no comportamento de seus
empregados, se tiver unidades no Nordeste e Sul do País. Alguns valores da cultura
da organização provavelmente sofrerão alterações, conceitos considerados corretos
no sul, poderão ser errados no norte ou nordeste e vice-versa (DIAS, 2001, p. 137).
Assim como Dias, outros tantos autores já buscaram identificar essas diferenças
regionais tão marcantes na cultura nacional. Diegues16 (apud SOUZA, 1978, p. 65) é um autor
que estudou diretamente estes traços regionais, inclusive destacando como se deu a formação
dessas diferentes regiões. Um ponto interessante é o fato dessa formação de específicas
características regionais estar ligada, segundo o mesmo autor, ao tipo de exploração
econômica que ocorrera. Desta forma, identifica algumas regiões, como “(...) o nordeste
15
16
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.
DIEGUES JÚNIOR, M. Regiões Culturais do Brasil. Rio. INEP, 1960, p. 6
35
agrário do litoral; o nordeste mediterrâneo pastoril; a Amazônia e a atividade extrativa; a
mineração do planalto; o centro-oeste extrativista e pastoril; o extremo-sul pastoril” (p. 66).
O autor ainda destaca algumas características psicológicas regionais que, quando
analisadas, verificamos que têm origem justamente no modo como foram colonizadas, nos
costumes e valores daqueles que protagonizaram esta colonização fazendo com que seus
traços fossem mais fortes.
(...) o paulista é sempre olhado como homem ativo, empreendedor, dono de riqueza;
o carioca é visto, pelos de fora, como o ironista, o malicioso, espírito que traduz,
aliás, no seu anedotário, sempre rico, a respeito de tudo e de todos; o mineiro
apresenta-se reservado, formação clássica e erudita; o cearense é o imigrante eterno
que anda, não só por terras do Brasil, mas por toda parte do mundo, a respeito de
quem se contam as histórias mais curiosas (DIEGUES, apud SOUZA, 1978, p. 66).
Não vamos nos estender nesta análise individual de cada região, apenas apresentamos
algumas principais percepções das localidades brasileiras, a fim de melhor compreendermos
estas diferenças e sabermos que elas de fato existem e não podem ser ignoradas.
É justamente diante dessa variedade cultural encontrada no Brasil que cabe nos
voltarmos para o questionamento deixado por Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.
40) de como podemos definir traços nacionais17 em um país que mais parece um caos cultural.
De fato, quando analisamos esta cultura tão pluralista, logo devemos imaginar o quão
difícil deve ser a identificação de uma cultura única, a cultura nacional. Porém, existe certo
consenso entre os estudiosos do assunto, os quais conseguem identificar traços culturais
perceptíveis em todo território nacional.
(...) parece haver unidade orgânica, um núcleo central, durável ainda que móvel,
que pouco ou mais lentamente se modifica. É nesta unidade que se reconhece o
gênio da nação, a alma de um povo, explicando suas tendências e aspirações,
refletindo tanto suas glórias como suas fraquezas (FREITAS, apud CALDAS E
MOTTA, 1997, p. 42).
17
Freitas define “traços nacionais” como as características gerais que podemos dizer serem comuns ou freqüentes
na maioria dos brasileiros. Para o autor, “traços” representam aqueles pressupostos básicos que cada indivíduo
usa para enxergar a si mesmo como brasileiro.
36
Neste sentido, tentaremos expor algumas dessas percepções comuns a todo território
nacional e que é consenso entre diferentes autores.
O próprio Diegues, que estudou as diferenças culturais em cada região, também nos
fala a respeito dos traços de uma cultura nacional. “(...) o fausto exterior, a bondade, o
sentimentalismo, a hospitalidade, a despreocupação com o futuro” (DIEGUES, apud SOUZA,
1978, p. 66).
Segundo Azevedo18 (apud SOUZA, 1978, p. 66), outro autor que não descarta a
dificuldade em definir um caráter coletivo, podemos dizer certamente e, de modo geral, que o
brasileiro é altruísta, sentimental e generoso, capaz de paixões impulsivas, violentas mas
pouco tenazes, amando mais a vida do que a ordem, pacífico, hospitaleiro mas desconfiado,
tolerante por temperamento e por despreocupação.
Continuando com os autores que buscaram estudar os traços brasileiros, podemos citar
também Leite19 (apud SOUZA, 1978, p. 68) que, após analisar as ideologias e os estereótipos
colhidos entre estudantes, recolheu 62 características psicológicas para o brasileiro e as
distribuiu em quatro agrupamentos: individualismo, sentimentalismo ou bondade, indolência
e tolerância ou acessibilidade.
Antes de buscarmos entender como os traços citados irão refletir na cultura das
organizações brasileiras, devemos ressaltar que não foram abordados todos os traços que
compõem a cultura nacional. Procuramos estruturá-los de maneira que possam ser facilmente
associados e visualizados no cotidiano das organizações no Brasil, desta forma, dirigimos
maior atenção ao que parece ser mais determinante no campo organizacional.
Passaremos então à identificação dos traços da cultura nacional em suas organizações.
18
19
AZEVEDO, F. de. A Cultura Brasileira, S. Paulo. Melhoramentos, 1964 (4.a Edição). P. 228
LEITE, D. M. Caráter Nacional Brasileiro. S. Paulo. USP, 1954. pp. 222-223.
37
2.3.2 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL
Para tentarmos analisar como se dá a influência da cultura nacional no âmbito de suas
organizações, iremos nos basear principalmente nas características do povo brasileiro que
surgem como destaque para os estudiosos do assunto.
Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.44) procura sumarizar os traços brasileiros
mais nitidamente influentes no âmbito organizacional. Para tanto, o autor destaca os seguintes
traços principais: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro.
Buscaremos fazer uma breve explicitação desses traços de maneira a melhor compreender
como estes influenciam nas organizações nacionais.
2.3.2.1 Hierarquia
Segundo Freitas, a hierarquia tem suas origens no processo de colonização. O sistema
agrário, adotado no início de nossa colonização, deu um poder patriarcal aos senhores de
engenho.
(...) o núcleo do sistema agrário no Brasil foi a família patriarcal. Foi ela a grande
colonizadora do Brasil, que estabeleceu um poder aristocrático e virtualmente
ilimitado. Centralizando o poder na figura do patriarca (o que sem dúvida ajudou a
dar origem a nossos elementos machistas), a família colonial forneceu a idéia da
normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita. Essa
organização, compacta e única, representante de uma minoria social, fez prevalecer
as preferências por laços afetivos, e não deixa de marcar nossa sociedade, nossa vida
pública e todas nossas atividades (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.
46).
Segundo o autor, foi a família patriarcal quem forneceu o grande modelo moral que
regula as relações entre governantes e governados no Brasil. Neste modelo, encontramos a
centralização de poder nas mãos dos governantes e a subordinação é resguardada aos
governados. Segundo Freitas (p. 46), a hierarquização no país é agravada por se tratar de uma
sociedade miscigenada, o que pode implicar diversas possibilidades de classificações.
“Podemos, por exemplo, situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro, pelo nome de sua
família ou até pelo carro que usam (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.46)”.
38
Freitas afirma que, desta forma, nossos preconceitos raciais ficam quase desapercebidos, uma
vez que ficam encobertos por essas múltiplas variações, que pouco se definem.
Quando procuramos trazer essa característica, que acaba por concentrar o poder na
mão dos dominantes, para um momento mais atual da sociedade brasileira, percebemos que o
ditado popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo” reflete bem este ângulo da
cultura nacional. Segundo Barros e Prates20 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 59), a
sociedade brasileira tem se valido da força militar tradicionalista e do poder racional-legal
para o estabelecimento e a manutenção da autoridade, criando, assim, uma cultura de
concentração do poder baseada na hierarquia/subordinação.
2.3.2.2 Personalismo
A segunda característica identificável nos traços brasileiros, o personalismo, está
relacionada ao fato do brasileiro procurar dar valor às relações como forma de manutenção ou
ascensão de algum papel ou posição que queira desempenhar. Neste sentido, o brasileiro
sempre busca uma figura paternal no meio organizacional, estabelecendo com este relações
pessoais, buscando sempre a proximidade e relações de afeto.
Segundo Freitas (apud, CALDAS e MOTTA, 1997, p. 46), a idéia de sociedade
capitalista na qual vivemos, fundou-se com o propósito de defender que todos são iguais
perante a lei, concepção esta que se originou na Inglaterra e foi inaugurada pela Revolução
Industrial, utilizou como apoio as ideologias do protestantismo calvinista e puritano. “Nesta
sociedade, o indivíduo ou cidadão é aquele que deve ser universal e abandonar suas
singularidades: ele deixa de ser um homem que possui determinada profissão ou família”.
Vimos que no Brasil a sociedade foi influenciada pelo sistema agrário escravocrata e
patriarcal e, apesar dessa influência nos parecer distante se considerarmos os dias de hoje, em
20
BARROS, B. T. & PRATES, M. A. S.. O estilo brasileiro de administrar: sumário de um modelo de ação
cultural brasileiro com base na gestão empresarial. 1997. Fundação Dom Cabral-MG
39
que o Brasil possui um parque industrial moderno, com a maior parte da população vivendo
em cidades e não em fazendas, não podemos esquecer que nosso desenvolvimento econômico
capitalista ocorreu apoiado em nosso passado colonial.
Seguindo esta lógica, Freitas (p. 47) afirma que as mudanças de relação com o
mercado mundial, que colocaram em cheque o sistema agrário, forçaram a ordem social
escravocrata e senhorial, existentes no país, a alimentar um tipo de crescimento econômico
que negava as estruturas preexistentes.
Houve, de fato, uma revolução dentro da ordem. Os pilares desse novo sistema
emergente, a competição e a livre iniciativa, foram rapidamente redefinidos, tanto
econômica, quanto social e politicamente, como um fator de distribuição de
privilégios e favores. Os processos econômicos deveriam adaptar-se aos interesses e
relações pessoais da oligarquia agrária. A coletividade passou a arcar com os custos
do uso instrumental da “competição” em prol de privilégios exclusivistas, que pouco
consideravam as forças naturais do mercado (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA,
1997, p. 47).
Sendo assim, podemos concluir que a aristocracia rural da época importou o sistema
capitalista e o ajustou segundo os seus interesses. “A ideologia impessoal do liberalismo
democrático jamais se naturalizou integralmente entre nós (FREITAS, apud CALDAS e
MOTTA, 1997, p.47)”. No Brasil, a relação senhor-escravo e a dominação patriarcal
influenciaram a vida moral, política e institucional da sociedade.
Ainda segundo Freitas (p. 48), a noção de individualismo nasce a partir da vontade do
senhor ou do chefe, impondo-se de cima para baixo. O núcleo familiar centrado na figura do
patriarca é dirigido por princípios de laços de sangue e de coração. Como conseqüência, nossa
unidade básica não está baseada no indivíduo, mas na relação. O que vale aqui não é a figura
do cidadão, mas a malha de relações estabelecidas por pessoas, famílias e grupos de parentes
e amigos.
Sobre todo esse paternalismo existente na cultura brasileira, Dias (2001, p. 138) afirma
que esse traço forte constrói uma relação social de dependência, em que um poder tradicional
é conhecido como legítimo. O autor ainda destaca o fato desse paternalismo possuir uma
40
força tal que constrói um sistema de valores em que o certo é a dependência e o errado a
tentativa de se cortarem os laços de dependência. Mais uma vez ganha destaque na cultura
local o processo de construção de relações mais intimistas.
Outros autores a contribuírem com o estudo dessa característica da cultura nacional
são Barros e Prates (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60). Segundo estes autores, o
indivíduo ganha destaque na sociedade brasileira por intermédio de seu discurso ou de seu
poder de ligações (relações com outras pessoas), e não por sua especialização.
A rede de amigos, para não falar de parentes, é o caminho natural pelo qual trafegam
as pessoas para resolverem seus problemas e, mais uma vez, obterem os privilégios
a que aqueles que não têm uma “família” não podem habilitar-se. Este é o “cidadão”
brasileiro, que se diferencia pela hierarquia e pelas relações pessoais. No Brasil, o
indivíduo isolado e sem relações é considerado como altamente negativo, um ser
marginal em relação aos outros membros da comunidade (BARROS e PRATES,
apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60).
Os autores citados concordam com o fato de que o povo brasileiro possui essa
necessidade de formar essa teia de relacionamentos como a melhor forma de ganhar destaque
perante a sociedade. Freitas (p.48) ainda vai além e afirma que esta característica ultrapassou
a esfera meramente social e contaminou nossa esfera política e jurídica.
Mas o personalismo, que gera esta necessidade de relações, acaba levando o brasileiro
a desenvolver relacionamentos mais próximos e afetuosos. E as raízes desse comportamento
também podem ser explicadas pela influência africana. Segundo Freyre21 (apud CALDAS e
MOTTA, 1997, p. 48), o negro contribui para formar nossos traços tão brasileiros de
afetividade e intimismos.
E essa característica também faz o brasileiro ser reconhecido internacionalmente por
seu “calor humano”. Freitas (p. 48) lembra que ao cumprimentarmos as pessoas, não
economizamos beijos e abraços apertados, o que pode parecer totalmente absurdo para outras
culturas.
21
FREYRE, G. Casa grande e senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966
41
Essas atitudes confirmam a necessidade do indivíduo produzir relacionamentos cada
vez mais intimistas, negando qualquer tipo de formalidade.
2.3.2.3 Malandragem
Continuando com nossa busca aos traços que caracterizam os brasileiros,
identificamos a malandragem. Já vimos que a sociedade brasileira é hierarquizada, marcada
pela desigualdade social. Conseqüentemente, vimos que essa desigualdade possibilita uma
tendência dos indivíduos a buscarem nos relacionamentos o principal meio de interação
social, caracterizando o personalismo.
Em nossa sociedade, o indivíduo é freqüentemente reconhecido e valorizado em
função de sua rede de relações interpessoais. Assim, quando deparamos com leis ou
situações universais e homogêneas que ignoram nossas pessoalidades, apelamos
para relações e para intimidade. Tentamos criar uma saída intermediária para o
impasse entre o impessoal e o pessoal (DaMATTA22, apud CALDAS e MOTTA,
1997, p. 50).
O que o autor da citação acima quis dizer é que o brasileiro está sempre tentando
adaptar as situações a uma maneira que gere o mínimo de identificação pessoal, uma relação.
Freqüentemente, os brasileiros deparam-se com situações onde em qualquer outra sociedade
só existiria o certo ou errado, mas, no Brasil, conforme essa cultura da malandragem,
encontra-se um ponto intermediário. Para tanto, o indivíduo lança mão de tudo para
convencer ao outro. Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), mesmo não
conhecendo o outro lado ou a pessoa, tentamos criar uma referência comum a ambos, um elo
pessoal que estimule este outro lado a realizar aquilo que desejamos.
É por essa característica cultural que o brasileiro ganhou sua fama internacional com
relação ao chamado “jeitinho”. DaMatta23(apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), que
estudou mais a fundo esse traço brasileiro, afirma que, como um estilo de vida originalmente
brasileiro de se relacionar socialmente, o jeitinho é mais que um modo de viver, é uma forma
22
23
DaMATTA, R. Carnaváis, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983
DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocca, 1986.
42
de sobreviver. O autor ainda cita que o “agir com jeitinho” significa agir com sensibilidade,
inteligência e simpatia para relacionar o impessoal e o pessoal.
Concluímos então que, no Brasil, a cultura do malandro é valorizada. Este se
caracteriza pela flexibilidade, de fácil adaptação às mais diferentes situações. O malandro
possui a sensibilidade para se relacionar, consegue sair de situações complicadas com
sucesso.
Parece-nos que o Brasil é uma escola de malandros. Somos conhecidos fora do país
por nossa capacidade de adaptação, por buscarmos soluções originais e por sermos
dinâmicos e flexíveis. Inconscientemente, cada um de nós adquire um pouco deste
caráter, e em diferentes níveis sabemos que a relação é um dos caminhos para o
sucesso, seja ele pessoal seja profissional. Sabemos que para tudo há jeitinho, basta
um pouco de tato que as coisas se resolvem (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA,
1997, p. 50).
2.3.2.4 Sensualismo
Quando falamos em algo que represente o Brasil, uma das primeiras coisas que nos
vem à cabeça é a festa do Carnaval. Uma festa pagã, a festa da carne, repleta de sensualidade,
mulheres seminuas e coisas do tipo. Mas não é à toa que o Carnaval ganha grande destaque na
cultura nacional.
Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), podemos explicar essa
identificação do povo com o Carnaval através da própria história do país. O autor cita que os
portugueses receberam grande influência dos povos árabes que invadiram seu país.
Logo ao primeiro contato com esses invasores maometanos, as populações cristãs,
não só nas classes populares como também nas elevadas, absorveram forte tendência
à poligamia, o que levou a moral maometana a exercer grande influência sobre a
moral cristã. Nenhum outro catolicismo na Europa conservou gosto tão forte pela
carne e pelo fálico como o catolicismo português (FREITAS, apud CALDAS e
MOTTA, 1997, p. 51).
Mas além desta tendência ao sensualismo que possuíam os portugueses, podemos
identificar também essa característica nas demais raças responsáveis pela colonização no
Brasil.
43
Ocorria então que os portugueses, chegando ao Brasil, deparavam-se com índias nuas
e, não podemos esquecer, na própria cultura indígena era comum a poligamia.“O Europeu
saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam
descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA,
1997, p. 51)”.
O mesmo autor ainda destaca a chegada das mulheres africanas neste ambiente de
libertinagem sexual, sendo utilizadas como descarga de sentidos e desejos.
Não que as negras trouxessem da África, em seus instintos, em seu sangue, maior
sensualidade que as portuguesas ou as índias: aqui não era uma questão de desejo,
mas de imperativo. O rapaz ou mesmo o menino branco tinha precocemente uma
iniciação sexual. Por poderem fazer o que bem entendiam com os escravos,
antecipavam-se na vida erótica pela negra ou mulata, quando não pelo companheiro
negro de brincadeiras (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51).
Neste sentido, misturando-se estas raças num ambiente favorável ao instinto sexual,
forma-se na cultura brasileira uma tendência para que as relações interpessoais sejam envoltas
num certo sensualismo afetivo. Quando trazemos esse sensualismo para as relações atuais,
vemos que, de fato, o brasileiro sempre procura dar um certo toque de sensualidade na fala e
na maneira de agir, procurando sempre um contato mais próximo.
2.3.2.5 Aventureiro
Passamos agora a outro traço bem característico da sociedade nacional, sua ligação ao
espírito de um aventureiro. Mas antes de tentarmos explicar um pouco das raízes desse
comportamento, iremos destacar dois conceitos defendidos por um autor que buscou
identificar e ordenar estes conjuntos sociais.
Segundo Holanda24 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54), nas sociedades
rudimentares eram divididas em dois tipos: as de indivíduos caçadores e coletores, e a
composta por lavradores. A primeira sociedade, de caçadores e coletores, representaria a
figura do aventureiro: o ideal é colher o fruto sem plantar a árvore, seus esforços buscam
24
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.
44
sempre respostas imediatas. Já a segunda sociedade, representada pelos lavradores,
representam a figura do trabalhador: enxerga primeiro a dificuldade a vencer, depois o triunfo
que irá alcançar. O grupo dos lavradores acredita que o trabalho disciplinado e sacrificado é o
único caminho para se progredir na vida.
O autor nos fornece dois grupos bem distintos, porém, é importante ressaltarmos que
as sociedades não são formadas somente por “trabalhadores” ou “aventureiros”. O autor busca
enfatizar essas características visando um melhor entendimento, mas devemos aceitar que as
sociedades reais possuem os dois tipos de figura. A diferença está no grau de participação de
cada um desses tipos, quer dizer, podem existir múltiplas combinações entre trabalhadores e
aventureiros numa sociedade, umas tendendo mais para uma dessas figuras que outras.
A cultura de Portugal despreza o trabalho manual. Isso se dá devido à influência judia
que esteve presente naquele país no período de sua formação. Os judeus introduziram o rumo
burguês nos portugueses, já que estes, antes da chegada daqueles, baseavam-se na economia
agrária. Com isso, os portugueses passaram a admirar o estilo de vida burguês, conforme
veremos na citação abaixo.
Com aversão à agricultura e certo desprezo pelo trabalho manual, podemos concluir
que a ruptura de um estado agrário para uma economia mercantilista e burguesa, tão
precocemente tomado pela monarquia portuguesa, teve como articulador principal a
influência judia. Fica compreensível que, para o povo português, jamais se tenha
naturalizado a moderna religião do trabalho. Uma digna ociosidade sempre pareceu
mais interessante do que a luta irrestrita pelo pão de cada dia (FREITAS, apud
CALDAS e MOTTA, 1997, p. 52).
Essa admiração portuguesa pela vida burguesa acabou sendo trazida ao Brasil, tanto
que aqui o trabalho manual era tarefa exclusiva dos escravos. Segundo DaMatta (apud
CALDAS e MOTTA, 1997, p. 53), não é à toa que, no Brasil, o trabalho manual esteve
sempre associado a desqualificação social.
45
2.3.2.6 O Reflexo dos Traços Brasileiros na Cultura Organizacional
Uma vez que identificamos alguns dos principais traços da cultura brasileira,
passaremos a projetá-los em um ambiente organizacional, buscando compreender como a
cultura do povo irá influenciar o meio corporativo.
Para facilitar o entendimento, destacaremos um quadro produzido por Freitas (apud
CALDAS e MOTTA, 1997, p. 44) que procura fazer justamente este elo de ligação entre a
cultura e as atitudes dos brasileiros frente ao ambiente corporativo.
Quadro 1 – Traços Brasileiros e Características-chave
TRAÇO
1. Hierarquia
CARACTERÍSTICAS-CHAVE
Tendência à centralização do poder dentro dos grupos sociais
Distanciamento nas relações entre diferentes grupos sociais
Passividade e aceitação dos grupos inferiores
2. Personalismo
Sociedade baseada em relações pessoais
Busca de proximidade e afeto nas relações
Paternalismo: domínio moral e econômico
3. Malandragem
Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social
Jeitinho
4. Sensualismo
Gosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais
5. Aventureiro
Mais sonhador do que disciplinado
Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico
Fonte: FREITAS (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.44).
Conforme o verificado em cada um desses traços da cultura nacional, através das suas
origens e influências, o brasileiro traz para o seu ambiente organizacional toda carga
46
envolvida no seu processo de colonização. Sua origem de múltiplas raças o tornou um povo
de cultura singular, de traços variados sim, mas com características que lhe são peculiares.
Para Schwarks25 (apud, CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54), durante muito tempo essa
multiplicidade de raças foi considerada negativa para a formação de nossa identidade, da
nossa própria raça. Mas o que podemos verificar é que justamente essa mistura contribui para
uma maior adaptabilidade do brasileiro.
No entanto, é nesta mistura, neste intermediário, legitimado em nossa própria pele,
que se revela a capacidade brasileira de trabalhar o ambíguo como positivo, de
transformar problemas em oportunidades, de criar novas soluções para novas
situações (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54).
Neste novo cenário global, vemos que as organizações brasileiras buscam, assim como
as organizações de outros países, a excelência contínua. Fica evidente, através dos traços
culturais estudados, que, no Brasil, ainda preserva-se uma cultura que pode esbarrar nas
necessidades de mudanças rápidas impostas por esse mundo moderno. Por isso, ganha ainda
mais destaque a necessidade de uma auto-análise da cultura nacional, de maneira que sejam
identificados os traços culturais que irão impor barreiras às mudanças e aqueles que irão
fortalecer este processo.
25
SCHWARKS, Lilia. Espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
47
2.4 CULTURA CHINESA E CULTURA ORGANIZACIONAL
Neste capítulo, conforme o proposto por este trabalho, buscaremos identificar os
traços culturais chineses procurando verificar como este país reage em âmbito organizacional.
Faremos também uma breve explicação sobre o porquê de se estudar a China, esse gigante
país ainda cheio de mistérios aos olhos do mundo ocidental, guardião de raízes culturais
milenares.
Também tentaremos demonstrar como a China passa a um papel de grande destaque
mundial, principalmente na esfera econômica, o que acaba lhe dando poder nas demais
esferas, política e social.
Mas antes de buscarmos a identificação da cultura chinesa e seus traços na cultura
organizacional, teremos que resgatar um pouco de sua história.
2.4.1 UM BREVE HISTÓRICO DA CHINA
Esse gigante país, situado no lado oriental do mundo, em plena era das comunicações
ainda é um país desconhecido, coberto de mistérios que despertam a curiosidade sobre a sua
história e origens.
Por se tratar de um país milenar, com um histórico governamental repleto de diferentes
dinastias, tentaremos fazer um breve relato sobre este histórico, citando todas estas dinastias,
porém iremos nos ater somente ao último século, uma vez que este será de maior relevância
para nossos estudos.
Segundo Oliveira (2002, p. 17), os estudiosos que se dedicaram à recomposição da
trajetória da China concordam que o país começou como nação organizada a cerca de 5.000
anos a.C.
48
Abaixo, seguiremos com uma lista de todas as dinastias que fizeram parte desta
trajetória de formação deste país, para tanto, iremos nos basear numa linha do tempo
elaborada segundo o autor Chung (2005, p. 45).
Linha do Tempo:
As origens da civilização chinesa: c. 2200 a 221 a.C.
i.
Xia: c. 2200 a 1750 a.C.
ii.
Shang: c. 1750 a 1040 a.C.
iii.
Zhou do Oeste: c. 1100 a 771 a.C.
iv.
Zhou do Leste, período de primavera e outono, e os Estados Guerreiros: 771 a 221
a.C.
Primeiro Império: 221 a.C. a 589 d.C.
i.
Qin (Chin): 221 a 206 a.C.
ii.
Han inicial, período de Wang Man, e o Han posterior
iii.
Os três reinos e as dinastias do Norte e Sul
Segundo Império: 589 a 1644 d.C.
i.
Sui: 589 a 618
ii.
Tang: 618 a 907
iii.
Sung do Norte e do Sul: 960 a 1279
iv.
Yuan (Mongóis): 1279 a 1368
v.
Ming: 1368 a 1644
Nascimento da China Moderna: 1644 – até o presente
i.
Qing (Manchu): 1644 a 1911
ii.
República da China: 1911 a 1949
iii.
República Popular da China (RPC): 1949 até os dias atuais
49
Através da citação dos governos chineses, podemos perceber que, de fato, a China é
um país com uma história muito rica, cheia de reviravoltas governamentais. Buscando atender
os objetivos do presente trabalho, não iremos estudar cada uma destas etapas do histórico
chinês, iniciaremos a trajetória chinesa a partir da última dinastia e, tão logo, passaremos para
o nascimento da China Moderna.
2.4.1.1 Dinastia Ming
Anteriormente à dinastia Ming, a China era dominada por um império daqueles
considerados bárbaros, os mongóis. “Após uma verdadeira guerra interna de libertação que
durou nove anos, finalmente, em 1368, as forças do Sul, comandadas por Zhu Yuanzhang,
tomando Khanbalik (Pequim) expulsaram definitivamente os mongóis (OLIVEIRA, 2002, p.
21)”.
Pequim, até então denominada Khanbalik, era a capital da China nesta época. Zhu é
proclamado imperador, inaugurando a dinastia Ming, e logo transfere a capital chinesa para
Nanjing (Nanquim).
Segundo China (1999, p.27), após a morte de Zhu Yuznzhang, seu filho Zhu Di subiu
ao trono e começou a construir palácios e templos em grande escala na cidade de Beijing,
logo a capital retornou para esta cidade. Vale destacar que ao final desta dinastia apareceram
sinais do capitalismo e, ao mesmo tempo, os contatos amistosos com outros países asiáticos e
africanos tornaram-se cada vez mais freqüentes.
2.4.1.2 Dinastia Qing
Após um período de lutas internas, em 1662, inicia-se a última dinastia, a dos Qing,
que iriam comandar o país até 1820. Oliveira (2002, p. 21), afirma que nesta época a China
passou por uma fase de esplendor, com o elevado crescimento da produção agrícola após a
50
primeira reforma agrária, além também de ocorrer uma explosão demográfica, em que a
população passou de 120 milhões de habitantes, em 1680, para 313 milhões em 1974.
Toda essa boa fase chinesa acabou despertando o interesse dos estrangeiros sobre suas
riquezas.
O ocidente despertou o apetite pelas riquezas e potenciais do território chinês, e
iniciou os contatos no âmbito governamental, sem muito sucesso. Os chineses da
época não tinham interesse nem a percepção do mundo como um conjunto de nações
independentes e de igual estatura, porque eles se viam como o centro da Terra, o
maior dos impérios, e o resto nada mais era do que povos bárbaros (CHUNG, 2005,
p. 55).
Através desta citação vimos que para os chineses existiam apenas a China e o resto do
mundo. Não à toa, ao final desta dinastia o país passou por diversos conflitos, principalmente
com o Japão. Oliveira (2002, p. 21) cita que nos últimos anos da dinastia Qing, a China
passou por um período de grandes convulsões internas e externas, particularmente a
desastrosa guerra com o Japão (1984/ 95).
Outros que aproveitaram este momento difícil da ordem chinesa foram as potências
estrangeiras da época: Inglaterra, Alemanha, França, Rússia, Japão e Itália. Neste período,
essas potências invadiram o território chinês e ocuparam diversas cidades e regiões.
As atitudes das delegações ocidentais na China eram completamente ambivalentes.
Por um lado, fizeram todo o possível para sabotar as leis e regulamentações
governamentais que consideravam restritivas ao seu comércio. (...) Por outro lado,
fizeram alianças consistentes com o governo de Qing para controlar o caos social
(...) (CHUNG, 2005, p. 56).
O mesmo autor da citação acima destaca o fato dos países ocidentais ajudarem a
China, na tentativa de controle dos conflitos que ali existiam, com um interesse comercial
muito forte, que visava atender aos seus próprios interesses. Queriam manter a China unida
para facilitarem suas transações junto a este país.
No entanto, Chung (2005, p. 56) afirma que dois acontecimentos impediram o sucesso
dos ocidentais na China. O primeiro fato foi o caos total no qual se estabeleceu a China ao
51
final desta dinastia. O segundo acontecimento foi o início da Primeira Guerra Mundial, em
1914.
2.4.1.3 República da China
Segundo China (1999, p. 28), a dinastia Qing acabou com uma revolução democrática
burguesa, liderada por Sun Yatsen em 1911. Logo, se estabeleceu no comando do país o
Governo Provisório da República da China.
Conforme já citado, em 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial. Durante este
período, os chineses, ainda com seu governo enfraquecido, estiveram ao lado dos aliados.
(...) em compensação, estes prometeram que as concessões alemãs na província de
Shangdong seriam devolvidas à China ao final da guerra. A promessa não foi
cumprida e, para juntar injustiça com insulto, os aliados fizeram essas concessões ao
Japão, por meio do tratado de Versailles (CHUNG, 2005, p.56).
Esse insulto ao povo chinês acabou gerando um grande sentimento de revolta. Desta
forma, o mesmo autor (p. 56) destaca que, no dia 4 de maio de 1919, aproximadamente 3000
estudantes de várias universidades de Beijing juntaram-se em protesto na Praça de
Tiananmen. Esta manifestação gerou o nascimento do “Movimento de 4 de maio”, e foi
considerada a primeira manifestação nacionalista na China26.
Logo após este acontecimento envolvendo os estudantes, no início de 1920, o ainda
líder chinês, Sun Yatsen, aceitou a ajuda dos soviéticos com a intenção de se aproximar do
Partido Comunista Chinês (PCC). “Com o apoio dos comunistas, Sun Yatsen estava em
condições de forjar uma aliança com o recém-fundado Partido Comunista Chinês (PCC), e
começou o esforço de reunificar a China destroçada pelos líderes feudais em guerra
(CHUNG, 2005, p. 57)”.
26
Chung (p.56) destaca que este movimento tem servido de inspiração para todos os tipos, cores e ideologias
patrióticas. O autor atenta para o fato dos estudantes do movimento da “Primavera de Beijing”, em 1989,
tentarem criar um paralelo com o movimento de 4 de maio, ocupando novamente a Praça de Tiananmen. Porém,
sabe-se que este dia ficou tragicamente marcado como o dia da infâmia, dia em que os tanques comunistas
acabaram massacrando os estudantes da praça.
52
No entanto, Sun Yatsen morre logo em seguida, no ano de 1925, sendo substituído
pelo general Chiang Kai-chek. Segundo Chung (2005, p. 57), o general nunca simpatizou com
os comunistas e sempre perseguiu os membros do PCC. Entre os que conseguiram escapar
dessa perseguição estava Mao Tsé-tung.
Neste mesmo período, os japoneses invadiram o norte da China. Esta invasão
favoreceu aos comunistas, uma vez que as tropas enviadas para esta região preferiram lutar
contra os japoneses e não contra os comunistas.
Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial e, inicialmente, não significou muito
para modificar a situação deste conflito. Chung (2005, p. 57) afirma que somente quando o
Japão entrou na guerra, em 1941, a situação começou a se modificar. Isso porque os japoneses
precisaram se redirecionar para lutarem contra os aliados. Desta forma, os comunistas tiveram
maior liberdade para, aos poucos, irem conquistando o norte da China.
Os conflitos que se seguiram nos próximos anos entre os nacionalistas e os comunistas
foram marcados pela organização destes e profunda desorganização daqueles. Segundo Chung
(2005, p. 58), em meados de 1949, os nacionalistas estavam atolados pela corrupção e pelos
altos débitos, por isso tiveram de imprimir mais moedas, o que acabou gerando uma crise e
uma hiperinflação incontrolável.
A partir de toda esta desorganização dos nacionalistas, os comunistas, liderados por
Mao Tsé-tung, proclamaram a criação da República Popular da China (RPC).
2.4.1.4 República Popular da China
A partir da instauração da República Popular da China, em 1949, verificaremos que o
presidente Mao Tse-tung irá reunificar o país e também lhe proporcionar diversas
modificações. “Sob o pulso firme de Mao, e novamente reunificada, a China inicia nova era
de sua história, com um regime socialista, modificando suas estruturas, em particular a
econômica, segundo o modelo da União Soviética (OLIVEIRA, 2002, p. 23)”.
53
A partir de então, os chineses passam por um período de duro trabalho em busca do
desenvolvimento e melhoria das condições de vida, principalmente no campo, além do
crescimento do seu prestígio no exterior.
Em China (1999, p. 31) destaca-se os primeiros anos da República Popular como
aqueles que procuraram restabelecer a economia nacional. Ao mesmo tempo em que se
desenvolvia a produção, a China empreendeu grandes esforços para o estabelecimento gradual
da propriedade pública dos meios de produção.
De 1953 a 1956, efetuou-se a transformação socialista, anteciparam-se os trabalhos
do I Plano Qüinqüenal para o Desenvolvimento da Economia Nacional (1953-1957),
construiu-se um grupo de indústrias de base não existentes no passado e
imprescindíveis para a industrialização estatal, incluindo a produção de aviões e
automóveis, de máquinas pesadas e de precisão, de equipamento de geração de
eletricidade, da siderurgia e das instalações para minas, como também de aço de alta
qualidade, a fundição de metais não ferrosos, etc (CHINA, 1999, p.31).
Paralelamente ao plano citado acima, Mao lança o programa “O Grande Salto à
Frente”, que teve o apoio dos soviéticos. Chung (2005, p. 58) afirma que a idéia do programa
era mobilizar a massa de camponeses para aumentar a produção de grãos por meio da reforma
agrária e da formação de fazendas coletivas, e utilizar o restante da mão-de-obra para a
produção de aço.
Como podemos perceber, o grande líder da República Popular da China, Mao Tsétung, não media esforços para recuperar o desenvolvimento de seu país. No entanto, iremos
verificar abaixo que, apesar de todo este empenho, o início de toda esta corrida para
restabelecimento da economia não foi tão simples.
Segundo Chung (2005, p. 58), de 1954 a 1964, o planejamento errado do programa, a
desmotivação na produção comunitária e uma péssima administração governamental
acabaram matando de fome 30 milhões de pessoas na China27.
Todos esses problemas que envolveram o programa acabaram gerando atritos entre a
China e a União Soviética. Chung (2005, p. 59) afirma que, em 1962, a ruptura com a União
27
Segundo o autor, oficialmente, até hoje o governo culpa ainda as condições climáticas pelo desastre.
54
Soviética foi completa, e a China começou a se posicionar como uma “outra” superpotência,
apesar de o povo estar ainda sofrendo das conseqüências desse “Grande Salto”.
Mas o líder chinês não desistiu em buscar o desenvolvimento do seu país. De 1966 a
1976, Mao instalou a chamada “Grande Revolução Cultural do Proletariado”. Nesta revolução
os jovens estudantes foram convocados a se rebelarem contra todas as formas de autoridade.
Segundo Chung (2005, p. 59), os jovens se rebelaram com tanto entusiasmo que criaram os
Guardas Vermelhos. A China entrou em anarquia. Escolas foram depredadas, empresas foram
fechadas, o transporte e a comunicação interrompidos28.
Chung (2005, p. 59) destaca que uma das razões do carisma de Mao em provocar
movimentos nacionais, como a Revolução Cultural, era o seu prestígio perante o povo, muito
próximo de um imperador.
Com a morte de Mao, em 1976, o poder do país é assumido por Deng Xiaoping, que
foi perseguido duas vezes durante a revolução. Imediatamente, Xiaoping iniciou sua reforma
econômica.
Inicialmente dirigidas ao setor agrícola, gradualmente as reformas generalizaram-se
pelo resto do país. Pragmático, Xiaoping costumava dizer, “Não importa se o gato é
preto ou branco, o que importa é se ele sabe caçar um rato”. Este era o contraste
gritante com a ideologia no período de Mao, em que o lema favorito era “Melhor ser
Vermelho do que ser bom”, o que significava, na prática, que intelectuais
ideológicos totalmente desqualificados e incompetentes eram promovidos à
liderança de projetos que precisavam de conhecimento tecnológico especializado
(Chung, 2005, p. 60).
Conforme a citação acima, vemos que Xiaoping resolve implementar também o seu
programa de reformas. Segundo Oliveira (2002, p. 23), o novo líder chinês se preocupou em
abranger e alterar as seguintes estruturas fundamentalmente: agricultura, indústria, defesa
nacional e ciência e tecnologia.
É a partir de então que veremos surgir a abertura da economia chinesa. “Dentro do
revolucionário plano, de forma surpreendente, foi preconizada a abertura para a economia de
28
O autor ainda destaca que diversas pessoas morreram acusadas injustamente e, até os dias de hoje grande parte
desta história ainda continua censurada e desconhecida pela humanidade.
55
mercado, bem como a entrada de investimentos estrangeiros, quebrando, pela primeira vez na
história, antigos dogmas do sistema socialista (OLIVEIRA, 2002, p.24)”.
Tentamos aqui citar alguns dos principais acontecimentos que envolveram a formação
deste gigante país. De fato, todos os autores concordam que somente com esta abertura
econômica não apenas possibilitou um melhor entendimento da economia, como também todo
o fluxo de informação a respeito deste país. Como pudemos perceber, ao longo de toda sua
trajetória, a China sempre se caracterizou por um sistema extremamente fechado, o que
acabou contribuindo para que este país estivesse sempre envolvido em um ambiente de
mistérios, despertando a curiosidade de todo mundo. Conforme destaca Oliveira (2002, p. 25),
com a irreversível abertura para o exterior, decretada a partir de 1979, a milenar história da
China tem sido melhor estudada pelos pesquisadores estrangeiros. O autor também afirma que
os resultados desses trabalhos têm sido surpreendentes e podem até modificar a história da
Humanidade.
Por isso, após este breve histórico, passaremos a destacar os pontos que fazem da
China um dos países de maior destaque da atualidade e, assim, compreender porque será tão
importante entender os traços culturais desse país tão diferente.
2.4.2 CHINA: FUTURA MAIOR POTÊNCIA MUNDIAL
Visando alcançar os pontos que colocam a República Popular da China em grande
destaque no mundo, faremos um levantamento de alguns dados desse país que possui números
que, de fato, chamam a atenção para tanta grandeza.
A China é considerada o maior país em desenvolvimento, possui a maior população e
o terceiro maior território do mundo. Conforme vimos em seu histórico, nos últimos vinte
anos, o país vem apresentando um forte crescimento econômico. Segundo Oliveira (2002,
p.159), o êxito das reformas econômicas processadas na China deveu-se, basicamente, à
abertura para os investimentos estrangeiros e à intensificação do comércio com o exterior.
56
Durante décadas, a China viveu sob um regime socialista extremamente fechado. Por
isso, ao implantarem, aos poucos e de forma muito habilidosa, medidas econômicas que se
apoiavam na abertura para o mercado global, a China surpreendeu o mundo, adaptando
pontos conflitantes entre capitalismo e socialismo. O porta-voz do Conselho de Ministros,
Yuan Um (apud, OLIVEIRA, 2002, p. 101), afirmou que a alternativa do socialismo era
fundamental para a China, mas foram anotados graves defeitos. Segundo o Ministro, a
principal falha seria a centralização e excessivos controles praticados durante décadas no país.
E essa abertura econômica a partir de 1979, proporcionou um enorme
desenvolvimento para o país. Chung (2005, p. 09) afirma que esse sucesso chinês decorre da
enormidade de seu mercado consumidor, da grande disponibilidade de mão-de-obra barata, e
de sua forte proposta exportadora.
Um dos fatos mais marcantes nessa trajetória econômica de sucesso que a China vem
trilhando ao longo desses 20 anos foi a entrada do país na Organização Mundial do Comércio
(OMC). Muitos autores, inclusive, chegam a apontar que a China conseguiu uma entrada
nesta organização gozando de benefícios que poucos países podem sequer imaginar. Oliveira
(2002, p. 208) afirma que a entrada da China na OMC foi considerada uma conquista chinesa
na área da diplomacia comercial, uma vez que o país conseguiu impor uma série de condições
básicas para seguir as regras da entidade. Situação bem diferente da maioria dos países que
buscam penetrar na organização, muitas vezes aceitando de forma incondicional o que é
proposto pela mesma.
Outro autor a dar destaque a esta entrada da China na OMC é Chung (2005, p. 37).
Para o autor, o mercado chinês está mais aberto, e em contrapartida muito mais competitivo
que antes. “Essas mudanças têm alterado significativamente os fatores de sucesso e de
fracasso nas negociações com a China. O que era considerado essencial, em 1980, por
exemplo, já não é mais relevante em 2000 (...) (CHUNG, 2005, p. 37)”.
57
Segundo Studwell29 (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.15), o
contínuo desenvolvimento da China é marcado por um espetacular desempenho econômico
que vem desde o fim dos anos 70 e pela extraordinária capacidade de sustentar elevadas taxas
de crescimento no longo prazo.
Todo este espetáculo do desenvolvimento que envolve os chineses acaba gerando uma
euforia e onda de otimismo que pode ser percebida nos quatro cantos do globo. Isso pode ser
comprovado pela enormidade de matérias de capas de revistas, que estampam cada vez mais
essa onda de desenvolvimento que gira em torno da China.
Um exemplo do que foi tratado acima é a recente capa de uma das revistas semanais
de maior circulação no Brasil, VEJA30. A revista traz uma série de reportagens que abordam
desde os novos costumes que vem surgindo no país (provenientes desta nova fusão com o
mundo ocidental), até previsões de ordem econômica que apontam a China como a maior
potência do futuro.
Para Studwell (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.15), esse bom
desempenho ao longo de mais de duas décadas pode ser explicado por significativas
mudanças estruturais que vão desde melhorias no padrão de vida da população até sua
inserção dinâmica e ativa no cenário do comércio mundial.
Sobre as afirmações do autor acima, apontaremos alguns dados do ano de 2002,
fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil31, que demonstram um pouco da
força do país em questão.
O PIB da China girava em torno de US$ 1,23 trilhão no ano de 2002, apresentando um
crescimento médio anual de 7,7%. No mesmo ano, o comércio exterior da China apresentou
29
STUDWELL, J. The China Dream, Profile Books, 2002.
VEJA, São Paulo, Ed. Abril, 9 de agosto de 2006.
31
Dados retirados do catálogo do Ministério das Relações Exteriores. Como Exportar : República Popular da
China. Brasília, 2004, p. 07.
30
58
uma taxa anual de crescimento de 15%, as exportações atingiram US$ 325,6 bilhões (o que
representou a quinta posição no ranking mundial, cerca de 5,1% das exportações globais).
Outro dado importante refere-se à significativa melhora da qualidade de vida da
população. A renda per capita da população urbana subiu de US$ 622,4, em 1997, para US$
930,3, em 2002. Na zona rural estes números passaram de US$ 252,22 para US$ 299,03 no
mesmo período.
Como podemos perceber, a economia chinesa está se consolidando como uma das
mais influentes do mundo. Todo este desenvolvimento gera um enorme otimismo, conforme
vimos anteriormente, com relação à possibilidade da China vir a ser a maior potência mundial
dentro de alguns anos.
A longo prazo é impossível prever o que poderá acontecer. Possivelmente a China
pode consolidar-se como a maior nação industrial do mundo pela política e o baixo
custo da sua mão-de-obra, suficientes para garantir as próximas décadas de produção
(CHUNG, 2005, p. 61).
Esta afirmação de Chung nos trás um questionamento levantado por alguns estudiosos.
Apesar de toda essa euforia, não se pode prever o que poderá acontecer. A reportagem de
Veja (2006, p. 9), citada anteriormente, também chamam a atenção para este fato. Segundo
Gryzinski, Jardim, Ribeiro, Vitale e Weinberg (apud VEJA, 2006, p.8), editores dessas
matérias especiais, nada com relação à China é de fácil entendimento. Os mesmos levantam,
dentre outros, o questionamento: como uma economia capitalista pode progredir em ritmo tão
extraordinário em uma sociedade oficialmente ainda comunista?
Por tudo isso, é importante destacar que existem autores que descordam de todo este
otimismo envolvendo a economia chinesa. Muitos se apóiam ao fato da China ainda não ser
um país extremamente aberto ao mercado global, ainda impondo muitas regras àqueles que
desejam ali se infiltrar, ainda se valendo das vantagens de um governo socialista. Para esses
autores, quando de fato a economia chinesa estiver globalizada, poderão aparecer no país
diversos problemas comuns a qualquer outra nação considerada ainda em desenvolvimento.
59
Devemos destacar então que este trabalho estará fundamentado na visão daqueles que
apresentam a China como a grande promessa para o futuro, daqueles que acreditam que os
negócios com os chineses deverão ser prioridade para os países que querem se manter no topo
das relações comerciais, acompanhando o crescimento e desenvolvimento desta nação que
deverá estar à frente das principais nações mundiais dentro de alguns anos.
2.4.3 ORGANIZAÇÕES CHINESAS: O CAPITALISMO SOCIALISTA
Conforme vimos levantando ao longo do trabalho, Brasil e China possuem diferenças
culturais muito marcantes e, como já estudado, diferenças culturais geram culturas
organizacionais também diferentes.
E, por conseqüência, tem-se grande influência nos
negócios entre os países.
Antes de abordamos as características da cultura chinesa que influenciam o modo de
se fazer negócios na China, é importante ressaltarmos alguns pontos da economia chinesa que
ainda são conflitantes.
Atualmente, a China passa por um momento de transição econômica. Story (2004, p.
319), ressalta o fato dos negócios privados na China terem sido proibidos durante 50 anos,
entre 1949 e 1999. Conforme já vimos anteriormente, a bem-sucedida filiação da China à
OMC foi marcante para a grande entrada de investimentos estrangeiros.
Como esteve sob a guarda de um regime socialista extremamente fechado durante
muito tempo, percebe-se que, mesmo após a sua entrada para a OMC e de ter sido
reconhecida como uma economia de mercado32, o país ainda enfrenta uma série de
características conflitantes entre socialismo e capitalismo.
Mas deve-se ter em mente que a economia chinesa, embora esteja abraçando
aceleradamente o capitalismo, sofre ainda forte influência da sua história e política
partidária, de forma que é improvável que a China se converta no modelo capitalista
pleno. A China molda-se na direção de uma forma de capitalismo socialista: a busca
32
Característico do regime capitalista, o termo “economia de mercado” é definido por Chung (2005, p. 158)
como a economia onde os jogadores, vencedores e perdedores, estão sujeitos às forças do mercado livre, e a lei e
as instituições são organizadas de forma a torná-la possível.
60
pela riqueza sem abrir mão do controle autoritário, centralizado. Embora as
empresas chinesas estejam adotando as práticas gerenciais ocidentais, é improvável,
também, crer que a industrialização chinesa venha a ocorrer nos moldes ocidentais,
uma vez que a forte influência governamental e os valores culturais sociais
continuarão afetando profundamente a cultura organizacional, as estruturas e os
processos gerenciais adotados (CHUNG, 2005, p. 31).
Verificamos então que a cultura organizacional chinesa está diretamente influenciada
pelo regime socialista do governo. Nesta fase transitória, nota-se que, apesar de já existirem
grupos privados no país, os mesmo ainda recebem grande interferência governamental. Os
próprios políticos chineses reconhecem essa influência. Como destaca Chung (2005, p. 158),
“Os próprios políticos chineses referem-se à China como um modelo de economia socialista
de mercado”.
Uma vez destacada essa forte presença do governo nas empresas chinesas, falta-nos
agora apontar os traços culturais chineses que estão por trás da formação da cultura de suas
organizações.
Por esta razão, passaremos agora à identificação dos principais traços da cultura
chinesa, visando sempre um paralelo entre a cultura do povo e sua influência no modo de
encarar o ambiente organizacional.
2.4.4 CULTURA CHINESA: RESPEITO À TRADIÇÃO MILENAR
Num país tão antigo quanto a China, é natural que o povo tenha o costume de sustentar
suas tradições, valores e costumes milenares. E talvez sejam estas as características que mais
identificam a cultura chinesa: as tradições milenares.
Chung (2005, p. 62) afirma que, embora os tempos tenham mudado e os desafios de
hoje sejam diferentes, a capacidade intelectual e as tradições comportamentais mantiveram-se
quase inalteradas.
Um exemplo do que foi citado acima poderia ser descrito através de textos que
descrevem práticas administrativas milenares na sociedade chinesa. Podemos perceber que
61
traços ainda identificados na sociedade atual já foram descritos há 4.000 anos atrás. “Bem
antes de 350 a.C. os chineses já diziam que os líderes deveriam comandar pelo exemplo
pessoal em vez de dar ordens, e também estimular a lealdade e o apoio dos seus subordinados
(CHUNG, 2005, p. 64)”.
Também podemos notar essa referência dos chineses aos costumes antigos através da
afirmativa extraída da Revista de Comércio Exterior (2004, p.22) que diz que os valores
vigentes na contemporânea sociedade consideram como qualidades positivas a obediência,
lealdade aos superiores, respeito à hierarquia, fidelidade aos amigos e a procura da harmonia.
Estes valores têm como base a moral confuciana.
Por mais de 2.400 anos os ensinamentos dele formaram a base da educação chinesa.
E durante esses dois milênios, o conhecimento profundo dos textos de Confúcio era
requisito essencial para os exames de seleção aos cargos oficiais do Império.
Confúcio sustentava que uma sociedade organizada sob um código moral
benevolente seria próspera, politicamente estável e forte contra ataques inimigos.
Ele ensinava que esse código moral começava pela reverência e respeito aos sábios e
aos pais (CHUNG, 2005, p. 86).
Verificamos então que Confúcio foi, além de filósofo, um grande professor,
incentivando a educação das pessoas através da disciplina. E seus ensinamentos ultrapassaram
milênios, uma vez que a sociedade chinesa, com poucas mudanças, ainda tenha como base a
moral pregada por ele. Segundo Chung (2005, p. 86), Confúcio centrou-se no estudo da
natureza humana, na educação, no desenvolvimento pessoal e nas relações interpessoais.
Dentre estes estudos podemos destacar um ensinamento, em que, segundo afirmativa
do mesmo autor (p. 86), as pessoas seriam semelhantes ao nascer e se diferenciam com o
tempo, através do resultado das experiências pessoais e da moldagem social ou cultural.
Através deste ensinamento, podemos notar mais uma vez a forte importância que Confúcio
dava à educação no destino de cada um.
Ainda dentro dos ensinamentos de Confúcio, Chung (2005, p. 87) destaca os
princípios básicos da construção desta moral. O primeiro princípio afirma que a estabilidade
da sociedade está baseada num relacionamento desigual entre as pessoas. “Esses
62
relacionamentos são baseados em obrigações mútuas e complementares. A parte mais jovem
deve ao mais velho respeito e obediência. O mais velho deve ao mais jovem proteção e
consideração (CHUNG, 2005, p. 87)”.
O segundo princípio nos remete à importância da família em nossa formação. Chung
(2005, p. 87) afirma que, para Confúcio, a família é o protótipo e a célula de toda organização
social. Isso quer dizer que a pessoa não é um ser isolado, mas, antes de mais nada, membro de
uma família.
Por fim, o terceiro princípio diz respeito ao comportamento. Conforme afirmação de
Chung (2005, p. 87), Confúcio pregava que o comportamento virtuoso em relação aos outros
consiste em não tratá-los do modo como você não gostaria que os outros o tratassem.
Apesar de serem considerados os principais formadores da base moral chinesa, os
princípios de Confúcio não foram a única base filosófica de toda essa formação. Além dele,
outras filosofias têm grande importância na vida chinesa, como o taoísmo e o zen-budismo.
O taoísmo ensina a existência de opostos em todas as coisas da natureza (ying e
yang) e a importância da sua integração e equilíbrio para trilhar o Caminho. E o zenbudismo ensina a auto-reflexão e o despertar consciente dos recursos inconscientes,
conhecido como iluminação (CHUNG, 2005, p. 87)
Não iremos nos aprofundar nessas outras bases filosóficas, daremos enfoque aos
ensinamentos deixados por Confúcio, uma vez que estes são de maior relevância para o
trabalho em questão.
Todo esse ensinamento deixado por Confúcio, que centram-se na obediência, lealdade
aos superiores, respeito à hierarquia, fidelidade aos amigos e na procura pela harmonia, foram
sempre repassados aos chineses por seus ancestrais. Tradicionalmente, os chineses sempre
respeitaram e valorizaram essa cultura milenar.
Neste sentido, veremos adiante que todos esses traços fizeram com que os chineses
desenvolvessem uma forma bem característica de agir e se portar diante de uma negociação.
63
Sendo assim, passaremos agora a apontar os traços dos negociadores chineses, ainda
pouco habituados ao mercado externo, mas que, no entanto, têm se saído muito bem nesta arte
de negociar. E, seguindo os interesses do objetivo principal deste trabalho, traçaremos um
paralelo entre as culturas organizacionais chinesa e brasileira no âmbito dos negócios.
2.4.5 TRAÇOS DA CULTURA CHINESA NOS NEGÓCIOS: DIFICULDADES
ENCONTRADAS PELO BRASIL
Para ser bem-sucedido na China, ou com os chineses, você precisa aprender mais do
que um conjunto de “etiquetas comportamentais” e de como se comportar em
situações negociais e sociais. Você precisa reaprender algumas coisas que já sabe e
realinhá-las para lidar com outras mentalidades estratégicas (CHUNG, 2005, p. 21).
O que o autor quis dizer acima é que, para encarar um universo completamente
diferente, como o chinês, você precisa ir além daquilo que já está supostamente
universalizado como correto, não basta aplicar as estratégias negociais e sociais já conhecidas.
A cultura dos asiáticos é bem diferente da ocidental, podendo apresentar variáveis bem
desconhecidas.
Segundo Chung (2005, p. 23), “A falta de sensibilidade aos tabus e regras culturais é o
fator principal dos fracassos em negociação e de conflitos comerciais e legais entre pessoas de
estilos diferentes”.
Muitos hábitos e estilos de decisões parecerão estranhos e irritantes aos empresários
brasileiros. Conforme já visto anteriormente, os chineses são pessoas com fortes tradições,
suas estratégias para o comércio internacional serão baseadas em valores familiares, sistema
de crenças, enfim, deverão desenvolver um complexo código de conduta e protocolos sociais.
Diante de um estrangeiro, o chinês não expõe seu raciocínio e sentimentos.
O que acabamos conhecendo é apenas um “quartinho” desse palácio proibido e,
além de tudo, mal iluminado. Quando um ocidental nele entrar, perceberá alguns
“móveis” e “objetos”; alguns semelhantes aos nossos, outros muito estranhos, outros
muito antigos, e poderá ainda surpreender-se com alguns objetos muito novos.
Algumas coisas talvez não sejam percebidas na semi-escuridão, e poderão machucalo bastante (CHUNG, 2005, p. 24).
64
Através deste exemplo metafórico, o autor nos apresenta esta dificuldade ocidental em
se entender o que pensam ou sentem os chineses no ato da negociação. Quando nos voltamos
para as relações entre Brasil e China, percebemos que os valores e prioridades sociais e
comerciais são muito diferentes entre essas duas culturas.
Assim também quando lidamos com códigos e etiquetas sociais, que talvez sejam as
formas mais visíveis da expressão da cultura de um povo, vemos que a sociedade chinesa se
caracteriza por uma série de protocolos de rituais.
Passaremos então a destacar alguns pontos dessa regra de conduta chinesa que podem
parecer estranhos para os brasileiros.
2.4.5.1 Formalidade nas relações
Chung (2005, p. 93) afirma que os chineses têm uma personalidade mais internalizada,
são pessoas que obtêm satisfação pessoal com a sua própria existência, e não com
relacionamentos calorosos e amigáveis entre várias pessoas.
Já nesta primeira característica, podemos notar pontos conflitantes entre a cultura
brasileira e chinesa. No Brasil, vimos que os indivíduos tendem a ser mais afetuosos e menos
formais. Para Chung (2005, p. 94), a cortesia e educação chinesas não têm o nosso apego
humano nem permitem facilmente o nosso estilo de informalidade.
2.4.5.2 Guanxi
Esta segunda regra de conduta chinesa está relacionada à influência de uma rede de
conexões que os chineses buscam a fim de conseguirem um bom resultado profissional ou
social.
Mas é importante ressaltarmos que este tipo de conexão para os chineses não significa
o mesmo tipo desenvolvido pelos brasileiros quando, por exemplo, estes buscam logo serem
65
“apadrinhados” dentro de uma organização a fim de conquistarem postos de trabalho mais
elevados.
Segundo a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 24) “O guanxi, uma acepção
intraduzível para os ocidentais, é a pessoa encarregada de relacionamentos e conexões, um
padrinho, um cidadão influente na China que pode facilitar os entendimentos ou mitigar as
dificuldades que surgirem”.
O guanxi é uma pessoa influente, com bons relacionamentos na China. Assim como
ele poderá abrir oportunidades para negócios, também poderá servir de entrave para a entrada
nesta rede de relacionamentos conduzida por ele. Para Chung (2005, p. 99), sem uma boa
influência para abrir esta barreira do guanxi, poucas coisas são, ainda, realizadas na China.
Chung (2005, p. 99) destaca ainda que, na China, qualidade do Guanxi e competência
profissional podem conviver igualmente. Para os brasileiros, essa afirmativa pode não ser
muito bem compreendida, uma vez que, no país, nem sempre quando um indivíduo sobe em
um posto de trabalho devido a um “apadrinhamento”, significa que ele está devidamente
habilitado para o cargo.
Outro fator que exige maior compreensão e respeito ao Guanxi é que muitos
brasileiros têm dificuldade de entender o conceito de obrigações sociais sem que
haja uma ameaça legal implícita. E muitos brasileiros sentem-se irritados com as
longas e demoradas atividades sociais em que os chineses se envolvem, discutindo
coisas periféricas sem chegar ao ponto essencial do encontro (CHUNG, 2005, p. 99).
O que o empresário brasileiro deve ter em mente neste tipo de situação, em que os
chineses parecem não ser objetivos o suficiente, é que o relacionamento para eles é criado
lentamente e com cautela, conforme já citamos. Porém, uma vez que este relacionamento é
firmado, torna-se bem difícil o seu rompimento. Chung (2005, p. 99) afirma que eles possuem
uma regra básica de não se envolverem com alguém que não valha a pena.
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2.4.5.3 Estilos de comunicação
Quando falamos em estilo de comunicação, a primeira coisa a se destacar é o idioma
utilizado nesse país. A barreira causada pela diferença de idiomas já é de se esperar não
apenas entre relações comerciais com a China, mas também entre todos os outros países que
falem uma língua não tão disseminada.
Segundo a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 23), muitos executivos chineses
não falam inglês e recorrem a um intérprete. Isso pode acarretar em equívocos no momento da
tradução.
Por outro lado também, sabe-se que o principal idioma na China, o mandarim, não está
muito difundido entre os empresários brasileiros, logo, os entraves com relação à
comunicação já partirão de imediato da questão lingüística. Neste caso, o uso de um bom
tradutor será imprescindível. Chung (2005, p. 122) declara que, na cultura chinesa, a presença
de um bom tradutor e as atividades estratégicas de um intermediário são essenciais para o
desenvolvimento harmônico nas relações.
Ainda nesse processo de comunicação, Chung (2005, p. 103) afirma que os chineses
tendem a ser passivos e polidos na comunicação com parceiros não-chineses. O autor aponta
que eles acompanham as discussões em tom amigável, demonstrando interesse.
Neste mesmo sentido, a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 24) ressalta que o
executivo chinês pode balançar a cabeça muitas vezes durante a reunião, no entanto, o gesto
apenas indica que o interlocutor está prestando atenção, não quer dizer que ele esteja de
acordo com o que está sendo dito.
Esse comportamento dos executivos chineses pode despertar um sentimento de revolta
entre os executivos brasileiros. Chung (2005, p. 103) afirma que os ocidentais costumam
encarar essa atitude chinesa como se tivessem sido enganados, uma vez que os chineses
pareciam concordar com tudo que estava sendo dito.
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Os brasileiros de fato tendem a ser bem mais objetivos e articulados em suas
negociações, mas precisam estar atentos para o fato dos chineses considerarem esse
comportamento ofensivo.
2.4.5.4 Respeito pela autoridade
Os chineses procuram cumprir suas obrigações por meio da obediência e do respeito
total à autoridade formal. “Eles enfatizam os relacionamentos verticais, submetem-se à
hierarquia e não se arriscam a ofender um superior, atropelando a cadeia de comando para
resolver seus problemas (CHUNG, 2005, p. 106)”.
Esse respeito à hierarquia e à obediência, conforme ressaltamos nos ensinamentos
deixados por Confúcio aos chineses, não se trata de uma idéia de submissão, ao contrário, é
encarado como uma qualidade positiva, é um sinal de respeito. Conforme destaca Chung
(2005, p. 106), “Eles se consideram fiéis defensores dos protocolos corretos de conduta
interpessoal, prescritos claramente nos princípios de Confúcio”.
Entretanto, todo esse respeito dos chineses aos seus superiores é acompanhado de uma
série de expectativas. Os chineses vêem na figura do chefe uma pessoa infalível, dele se
esperam sempre a atitude correta.
Essa característica chinesa, no entanto, é encarada pelos ocidentais como um excesso
de dependência chinesa de figuras autoritárias e também de uma certa incapacidade de agir
com iniciativa. Para Chung (2005, p. 106), “Eles encaram a indisposição dos chineses em
buscar relacionamentos de igualdade com seus pares da organização como sinal de
preocupação excessiva com a burocracia e a hierarquia”.
Entre os executivos brasileiros há a tendência a se respeitar as relações hierárquicas
verticais, enquanto buscam um relacionamento horizontal com seus funcionários e superiores
para troca de informações e de decisões. No entanto, consideram seus superiores pessoas com
conhecimento, mas aceitam que elas podem falhar.
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Segundo Chung (2005, p. 107), os ocidentais buscam um equilíbrio entre o respeito
pela posição e a idade com a responsabilidade de dar contribuições relevantes. Mas o autor
também afirma que essa liberdade é encarada pelos chineses como sinal de falta de educação
e um desrespeito à autoridade. Seria como se estivessem violando a ordem natural das coisas.
2.4.5.5 Modo de lidar com as informações
Segundo afirmação de Chung (2005, p. 107), “Os chineses são considerados crentes
em estatísticas e outros dados de pesquisas, que são, geralmente, aceitos, sem críticas, como
verdades, especialmente se a fonte vier de uma autoridade reconhecida ou do governo”. Nesta
norma de conduta chinesa iremos perceber claramente o poder da influência do governo na
cultura das organizações chinesas.
Para os brasileiros, no entanto, essa aceitação da informação, sem a obrigatoriedade de
uma confirmação a respeito da procedência da fonte, pode não ser muito bem compreendida.
Segundo Chung (2005, p. 107), os ocidentais consideram seus pares chineses pessoas crentes,
pela facilidade com que aceitam informações como válidas, sem buscar antes uma verificação
pessoal e independente.
Por outro lado, os chineses classificam como paranóica essa descrença ocidental pelas
informações e constante busca por confirmações. Para Chung (2005, p. 107), “Os chineses
comportam-se como se o melhor julgamento para validar uma informação fosse tudo aquilo
que se ajusta à sua experiência do passado e à sua intuição”. Mais uma vez, notamos a forte
presença do valor aos conhecimentos do passado, valores como experiência e sabedoria,
típicos da sociedade milenar chinesa.
Sendo assim, buscamos apontar alguns dos principais traços das normas de conduta
chinesa, sempre buscando confrontá-los com os principais traços culturais verificados na
cultura brasileira. É importante deixarmos claro também que essa norma de conduta chinesa
também irá gerar uma série de normas de etiqueta bem particular dos chineses. Entretanto,
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todo esse código de etiqueta nada mais é do que o reflexo de todo esse aparato cultural
vivenciado na China. Conforme já citado, não bastaria aos ocidentais que apenas decorassem
uma série dessas regras de etiqueta chinesa. Quando lidamos com questões culturais, devemos
ir bem mais a fundo, buscando sempre compreender o porquê de todo esse comportamento.
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2.5 BRASIL X CHINA: BARREIRAS CULTURAIS SUPERÁVEIS
Vimos que, quando lidamos com esses traços conflitantes entre Brasil e China, alguns
pontos deverão ser destacados e estudados de maneira a não impedirem que os mesmos se
transformem em barreiras às negociações.
(...) a ignorância intercultural nos faz acreditar que outras pessoas pensam como nós.
A culpa não é só nossa, por não estudarmos com mais seriedade a cultura chinesa,
mas também da China, que, por tradição, sempre se manteve envolta por um véu,
através do qual podemos perceber apenas alguns detalhes, suficientes para estimular
a nossa imaginação e conduzir-nos mais ao erro do que à sabedoria (CHUNG, 2005,
p. 22).
Tendo culpa ou não nessa ignorância intercultural definida pelo autor acima, o fato é
que será sempre de bom tom que os principais interessados no sucesso da negociação, no caso
o Brasil, se encarreguem da identificação e adequação aos traços da outra parte, a China.
Para Chung (2005, p. 22) “A recomendação aos negociadores e expatriados é para que
não deixem nada à improvisação. Procurem estudar, antecipar, planejar e aprender
rapidamente com suas experiências”. Para os brasileiros, fica o recado para não se deixar
levar pelo “jeitinho” e tendência ao improviso.
Reconhecemos que conflitos, choque cultural e dificuldades da aprendizagem
intercultural são percalços comuns no desenvolvimento de empresas que decidirem
participar do mercado ou das oportunidades comerciais com a China. É uma jornada
dura, que exige boa liderança porque envolve mudanças culturais, estruturais e
estratégicas da própria organização (CHUNG, 2005, p. 120).
Mas apesar de toda essa dificuldade em se entender os traços da cultura chinesa e seus
reflexos no modo de agir nas negociações, é importante ressaltar que essas dificuldades
podem ser superadas, basta que os brasileiros demonstrem o conhecimento e respeito pelas
normas chinesas. Chung (2005, p. 123) afirma que “Eles entendem que, se um indivíduo não
for chinês nem tiver nascido na China, nunca será capaz de agir como tal, independentemente
do grau de conhecimento que tenha dessa sociedade ou cultura.
Portanto, a preocupação dos brasileiros com o estudo e conhecimento a respeito de
todo aparato cultural que envolve a China deverá ser entendido como uma forma de obter
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vantagem competitiva nesta acirrada corrida dos países pelo mercado chinês. Uma vez que os
brasileiros compreendam e respeitem as normas de conduta chinesa, poderão ser estabelecidos
elos de negociação difíceis de serem quebrados. Segundo a Revista de Comércio Exterior
(2004, p. 23), “Para os chineses a herança cultural é inalienável. O êxito ou fracasso nas
negociações fica na dependência da seriedade nas atitudes e respeito pelas tradições e
costumes do país”.
Isso quer dizer que, se por outro lado, os brasileiros também não se empenharem no
estudo das características culturais chinesas, poderão ser ofensivos e criar sérias barreiras para
suas negociações.
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3. CONCLUSÃO
Em época de globalização, em que os países estão cada vez em maior contato uns com
os outros, as transações internacionais são cada vez mais freqüentes, vimos que o estudo da
cultura organizacional tornou-se uma ferramenta estratégica para aqueles que desejam se
sobressair diante de tanta concorrência.
Isso se dá não apenas pela necessidade das empresas em possuírem uma identidade
cultural própria, mas também para entenderem e estarem mais bem preparadas quando o
objetivo maior é obter sucesso com organizações detentoras de outras culturas.
Vimos que existem diversos elementos que podem ser responsáveis pela cultura
organizacional, no entanto, a mais importante quando falamos em âmbito de negociações
internacionais é a cultura nacional. A cultura do país onde a empresa se localiza irá prevalecer
sobre os demais elementos. Mesmo quando pensamos em uma cultura global das
organizações, como é o caso das transnacionais, ainda existem muitas barreiras culturais
impostas pela nação que recebe esta empresa estrangeira em seu país. Vimos que isto ocorre
muitas vezes como uma forma natural de auto-defesa de um povo.
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E é justamente neste contexto, no qual deve-se ajustar a necessidade das organizações
de se lançarem no mercado internacional a uma possível barreira cultural do país com o qual
pretende se infiltrar e manter boas relações comerciais, que buscamos identificar e
compreender os principais traços culturais dos países envolvidos, bem como a maneira como
todo esse aparato cultural irá influenciá-los no ato de uma negociação.
Como o nosso objetivo principal envolvia negociações entre Brasil e China,
ressalvamos a importância dos negócios com a China para o Brasil. Verificamos que o imenso
país oriental, cheio de contradições em seu regime socialista em fase de transição, apresenta
números surpreendentes em sua economia. Fato que acaba gerando um certo consenso de que
a China deverá vir a ser a maior potência mundial dentro de alguns anos.
E como o nosso foco girava em torno de relações entre esses países tão distintos como
a China e o Brasil, era necessário que identificássemos os principais traços de suas culturas
organizacionais. Para tanto, fizemos levantamentos de seus históricos, buscando sempre
compreender como foram formados os principais traços culturais dos países em questão,
sempre buscando projeta-los a um ambiente organizacional.
No caso do Brasil, vimos que o país apresenta traços culturais que vêm de sua base
colonizadora formada, principalmente, por três raças distintas: a indígena, portuguesa e a
negra africana. Vimos que a fusão dessas três raças formaram traços característicos de nossa
cultura, dentre eles, destacamos: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e
aventureiro.
Quando então nos voltamos para as características da cultura chinesa, primeiramente
fizemos um breve levantamento de seu histórico. Vimos que sua cultura milenar passou por
séculos sobre o comando de diferentes dinastias. Verificamos que o país sempre esteve muito
fechado, o que acabou criando sobre ele um ar misterioso, despertando a curiosidade dos
demais países.
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Percebemos que toda essa cultura milenar está centrada no valor à tradição, em tudo
que fora passado por seus ancestrais. Vimos que a moral chinesa está baseada principalmente
nos ensinamentos deixados pelo filósofo Confúcio. Verificamos que estes ensinamentos
deram aos chineses uma forma peculiar de negociação, baseada em ritos de protocolo.
Além disso, destacamos que a identificação de uma cultura organizacional chinesa
torna-se um pouco confusa, isso porque esta fase de transição para uma economia de mercado
acaba gerando contrastes ainda não muito bem definidos. Vimos que, apesar da economia
chinesa já apresentar grandes avanços no sentido de abertura econômica, percebe-se que o
governo ainda é a principal influência em suas organizações.
No entanto, apesar deste problema em torno da identidade de uma cultura
organizacional chinesa, buscamos identificar os principais níveis de comportamento
apresentados pelos chineses quando estes são colocados frente a negociadores internacionais.
Dentre estes principais níveis, destacamos: a formalidade nas relações, a figura do
Guanxi, o estilo de comunicação, o respeito pela autoridade e a forma de lidar com as
informações.
Ao mesmo tempo em que identificamos este comportamento chinês, traçamos um
paralelo entre ele e as possíveis divergências que podem ser enfrentadas pelo brasileiros
devido às diferenças culturais tão marcantes.
De fato, vimos que diversas barreiras culturais podem atrapalhar os negócios entre o
Brasil e a China, no entanto, verificamos que estes entraves culturais podem ser superados,
desde que haja o interesse e emprenho brasileiro para compreender a cultura chinesa,
identificar seus principais traços e, principalmente, respeitar essas diferenças culturais e seus
códigos de conduta.
Ressaltamos que os chineses não vislumbram um comportamento ocidental idêntico ao
deles. Vimos que eles reconhecem que possuem uma cultura diferente, supõe até mesmo um
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certo ar de superioridade, e que jamais um ocidental poderá ser como um chinês. No entanto,
para os chineses é fundamental que seus valores e tradições sejam respeitados.
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