Cultura Organizacional Brasileira e Chinesa
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Cultura Organizacional Brasileira e Chinesa
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES MARIANA FLORES PAZ CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES VIÇOSA 2006 MARIANA FLORES PAZ CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES Monografia apresenta ao curso de Secretariado Executivo Trilíngüe, do Departamento de Letras e Artes, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Secretariado Executivo Trilíngüe. Orientadora: Débora Carneiro Zuin. VIÇOSA 2006 I MARIANA FLORES PAZ CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES Monografia apresenta ao curso de Secretariado Executivo Trilíngüe, do Departamento de Letras e Artes, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Secretariado Executivo Trilíngüe. Aprovada em 21 de agosto de 2006. COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________________ Profª Débora Carneiro Zuin Departamento de Letras e Artes Universidade Federal de Viçosa Orientadora _____________________________________________ Prof. Odemir Vieira Baêta Departamento de Letras e Artes Universidade Federal de Viçosa _____________________________________________ Prof. Bruno Tavares Departamento de Administração Universidade Federal de Viçosa Nota:__________ II AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais pelo exemplo. Aos meus irmãos pelo incentivo. Aos antigos e novos amigos pelos momentos de descontração, em especial às minhas amigas de Viçosa com as quais compartilhei os melhores momentos da minha vida universitária. Agradeço aos professores que estiveram presentes durante os anos de minha graduação. De forma especial, agradeço à professora Débora e ao professor Odemir que muito contribuíram para o cumprimento deste trabalho final. Por fim, agradeço à pessoa com a qual divido minhas maiores alegrias, mas que também sempre estará ao meu lado nos momentos difíceis: Tyago, obrigada por tudo. III SUMÁRIO 1. Introdução...........................................................................................................................5 1.1 Justificativa.....................................................................................................................7 1.2 Objetivos.......................................................................................................................10 1.2.1 Objetivo Geral: ............................................................................................................10 1.2.2 Objetivos Específicos: .................................................................................................10 1.3 Metodologia..................................................................................................................11 2. Referencial Teórico ..............................................................................................................12 2.1.1 Organizações ...............................................................................................................17 2.2 Cultura Organizacional.......................................................................................................19 2.2.1 Cultura organizacional e cultura nacional ...................................................................25 2.3 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ......................................................................31 2.3.1 Cultura brasileira: suas raízes e diversificação cultural...............................................31 2.3.2 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ...............................................................37 2.4 Cultura Chinesa e Cultura Organizacional .........................................................................47 2.4.1 Um breve histórico da China .......................................................................................47 2.4.2 China: futura maior potência mundial .........................................................................55 2.4.3 Organizações Chinesas: o capitalismo socialista.........................................................59 2.4.4 Cultura chinesa: respeito à tradição milenar................................................................60 2.4.5 Traços da cultura chinesa nos negócios: dificuldades encontradas pelo Brasil ..........63 2.5 Brasil X China: barreiras culturais superÁveis ..................................................................70 3. Conclusão .............................................................................................................................72 Referências Bibliográficas........................................................................................................76 5 1. INTRODUÇÃO O mundo globalizado gera a necessidade das empresas se lançarem no mercado internacional. Por outro lado, na acirrada competitividade desse mercado, sairá em vantagem sobre as demais aquelas que melhor estiverem preparadas. Nesta preparação exigida das empresas antes de se projetarem num novo ambiente internacional, está a necessidade de identificação das culturas organizacionais. Isso porque cada empresa terá uma espécie de identidade que irá reger toda sua vida corporativa, influenciando até mesmo na tomada de decisões. Ainda quando o intuito é alcançar o mercado global, a identificação da cultura organizacional torna-se imprescindível. Vemos que as empresas têm culturas diferentes quando se localizam em países diferentes, por mais que sejam do mesmo segmento, vendam o mesmo produto, etc. Isso ocorre porque a cultura organizacional possui forte ligação com a cultura do local em que se ambienta. No final das contas, acabam existindo vários aspectos que condicionam essas diferenças culturais entre as empresas. É claro que a cultura de uma empresa será sempre diferente da cultura de uma tribo, e será sempre semelhante à cultura de outra empresa. Porém, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, é a cultura nacional. Os pressupostos básicos, os costumes, as crenças e os valores, bem como os artefatos 6 que caracterizam a cultura de uma empresa, trazem sempre, de alguma forma, a marca de seus correspondentes na cultura nacional. Não há como, portanto, estudar a cultura das empresas que operam em uma sociedade, sem estudar a cultura – ou as culturas – dessa sociedade (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18). O presente trabalho visa compreender como a cultura organizacional de empresas brasileiras e chinesas devem reagir quando são confrontadas. Isso porque, diante do surpreendente crescimento da economia chinesa, a corrida pelo seu grande mercado deverá atingir também as empresas brasileiras. Não que estas negociação ainda não existam. Ainda de forma muito tímida, estas negociações deverão ser intensificadas de forma muito rápida. Sendo assim, se empresas brasileiras têm grande interesse em atingir o mercado chinês, deverão estar atentas às divergências culturais que podem existir. Algumas dessas diferenças são extremamente visíveis como, por exemplo, o fato de um ser capitalista e o outro socialista, um ocidental e outro oriental. Mas as diferenças culturais deverão ir muito além disso. Neste sentido, as empresas brasileiras que almejam obter sucesso nas transações com a China deverão identificar esses traços culturais chineses, de maneira que estes não se transformem em barreiras às possíveis negociações. Desta forma, o presente trabalho está dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo nos remete à importância da cultura na estruturação da sociedade. O segundo capítulo busca demonstrar o processo de formação da cultura organizacional, bem como a sua ligação com a cultura do local na qual a organização se insere. O terceiro capítulo é direcionado ao estudo da cultura brasileira e sua influência na cultura organizacional brasileira. No quarto capítulo, são abordadas questões relativas à China: um pouco de sua história, sua importância para o Brasil, seus principais traços culturais, a maneira chinesa de negociar (possíveis divergências com o Brasil). Para finalizar, o capítulo cinco ressalta como o Brasil deve reagir para impedir que diferenças culturais virem barreiras para suas negociações com a China. 7 1.1 JUSTIFICATIVA Quando se deseja compreender o universo das negociações, que envolve riscos e muita competição, a identificação da influência da cultura local no ambiente empresarial é de extrema importância, uma vez que é ela que servirá de base para formação da verdadeira identidade da organização. Neste sentido, o presente trabalho justifica-se na necessidade cada vez maior de se estudar e compreender a cultura organizacional a fim de utilizá-la como ferramenta indispensável para o êxito nas negociações. No caso deste trabalho específico, que envolve dois países com culturas distintas, este estudo torna-se mais que uma ferramenta, é algo indispensável. O surpreendente crescimento e desenvolvimento da República Popular da China desperta uma corrida entre os países de todo o mundo, que buscam desfrutar de boas negociações com este país. Desta forma, verifica-se que estarão em vantagem sobre os demais os países que estiverem bem preparados para esta acirrada competição. É nesse momento que se verifica a importância das negociações com a China para o Brasil. Conforme vimos anteriormente, os países de todo o mundo deverão estar atentos ao surgimento da nova potência mundial Historicamente, Brasil e China sempre tiveram boas relações comercias, embora estas sempre tenham sido de pouca intensidade. Segundo o Ministério das Relações Exteriores (2004, p. 49), os dois países começaram a estabelecer os primeiros contatos comerciais já em 1949, quando a República Popular da China foi criada. Contudo, devido à grande distância geográfica, o volume de negócios permaneceu reduzido durante um longo tempo. A partir de 1974, quando foram formalizadas as relações diplomáticas entre os dois países, o comércio bilateral foi se desenvolvendo de forma positiva, embora modestamente em relação ao grande potencial dos respectivos mercados; os contatos comerciais entre o Brasil e a China não aumentaram de forma constante ao longo desses quase trinta anos (Ministério das Relações Exteriores, 2004, p. 49). 8 Entretanto, um fato marcante nesta relação comercial com o Brasil, foi o a entrada da China para a OMC, conforme já citado. A partir de então, o mercado chinês seguiu abrindo janelas de oportunidades para os exportadores brasileiros. Segundo a Revista Comércio Exterior (2004, p. 19), a entrada da China na OMC despertou a confiança e aumentou o número de empresas exportadoras e importadoras brasileiras interessadas em comercializar, uma vez que os negócios passaram a se situarem em bases legais e transparentes. Outro ponto que não podemos esquecer foi a própria abertura comercial chinesa para o mundo. Celso Amorim (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.06), Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, destaca que no ano de 2003 a China passou a um dos principais destinos das exportações brasileiras. O Ministro lembra ainda que é de extremo interesse do Brasil consolidar e incrementar cada vez mais os fluxos de comércio bilateral. E o momento de expansão da economia chinesa é considerado por diversos autores um momento muito oportuno para as empresas brasileiras que querem se tornar multinacionais. (...) esse é um momento oportuno, talvez único, para as demais empresas brasileiras adquirirem experiência e proficiência no mercado internacional. Pelos próximos 5 a 10 anos, talvez mais, as empresas brasileiras que puderem entrar na China serão as grandes vencedoras. Com a entrada da China na OMC, as empresas brasileiras têm maior garantia para concorrer com as empresas locais em iguais condições (CHUNG, 2005, p. 36). As negociações entre Brasil e China ocorrem há algum tempo, mas ainda de maneira muito tímida se comparadas ao potencial que podem alcançar. “Apesar de recentes incursões bem-sucedidas em alguns segmentos, há um imenso trabalho a ser feito e um fabuloso potencial a ser explorado (REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p. 21)”. Para citarmos um exemplo de uma grande oportunidade para os brasileiros, Chung (2005, p. 34) levanta o seguinte questionamento: Será que a China consegue alimentar sua população sem depender de fontes externas?”. O mesmo autor responde a este questionamento afirmando que a falta de campos de cultivo aliada à grande poluição e 9 problemas climáticos podem gerar grandes defasagens. Surge então uma ótima oportunidade para países produtores, como o Brasil. “Um mercado de 1,3 bilhão de consumidores potenciais é o sonho de qualquer agricultor do mundo inteiro” (CHUNG, 2005, p. 35). Percebemos então que as empresas brasileiras devem estar cientes da importância das negociações com a China e, para que se alcance o sucesso esperado, é fundamental que estejam devidamente preparadas. As semelhanças com o Brasil estão na extensão territorial, distribuição de renda relativamente ruim e algum desemprego, principalmente, no caso chinês, no campo. As similaridades, porém, não vão muito além disso (REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p. 21). E é neste ponto que o trabalho em questão irá buscar informações, visando que estas tão almejadas negociações possam ocorrer sem que barreiras (em nosso caso, barreiras culturais das organizações) possam impedir esse grande potencial de fluxo de comércio bilateral, Brasil e China. Nesta fase de preparação, um dos pontos mais importantes para aqueles que vislumbram o sucesso nas relações comerciais com os chineses será o bom conhecimento da cultura e formas utilizadas pelos mesmos em suas negociações. Quando nos voltamos para relações comerciais entre Brasil e China, devemos logo prever que estas diferenças culturais poderão gerar impactos de diversas magnitudes. Como a ordem é não perder as oportunidades que possam surgir com este imenso país oriental e socialista, o Brasil deverá estar bastante atento a essas diferenças. Sendo assim, este trabalho justifica-se não apenas pela necessidade de compreendermos as diferentes culturas organizacionais que envolvem os países em questão, como torna-se fundamental o seu estudo para que tais diferenças não signifiquem barreiras ao êxito nas negociações. 10 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 OBJETIVO GERAL: o Identificar os traços culturais brasileiros e chineses que, uma vez refletidos em âmbito organizacional, possam gerar barreiras nas negociações entre os mesmos. 1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS: o Salientar a importância da cultura nacional no processo de formação da cultura organizacional; o Identificar traços da cultura brasileira que se refletem em suas organizações; o Apontar características da cultura chinesa que se refletem no ambiente organizacional; o Identificar o modo como os chineses conduzem suas negociações; o Destacar a importância das negociações com a China; o Traçar um paralelo entre as culturas do Brasil e da China; o Discutir possíveis barreiras culturais que possam surgir entre as negociações de Brasil e China. 11 1.3 METODOLOGIA Com o intuito de alcançar os objetivos propostos, o presente trabalho constitui um trabalho teórico, desenvolvido através de uma revisão bibliográfica, buscando expor os estudos de alguns autores que se dedicaram ao assunto em questão. Primeiramente, buscamos conceituar o termo cultura e cultura organizacional tendo como base três autores principais: Dias, Tavares e Souza. Todos eles buscaram identificar a influência cultural em âmbito organizacional sendo que, para tanto, foram ao encontro de elementos fundamentais nos estudos de grandes antropólogos e sociólogos, tais como Schein e Tylor. Em seguida, quando procuramos identificar os traços da cultura brasileira que se refletem no âmbito de suas organizações, baseamo-nos em estudos de diversos acadêmicos que escreveram importantes artigos sobre o assunto, sendo que estes foram reunidos em uma grande coletânea organizada por Caldas e Motta. Quando enfim buscamos penetrar no ambiente cultural chinês, por se tratar de um assunto muito debatido nos últimos tempos, nos atemos a estudos bastante atuais. Dentre os principais autores aqui citados, Chung aparece com maior destaque. Em seus estudos, além de resgatar os traços da cultura chinesa e seu processo de formação, o autor identifica as principais características chinesas frente às negociações com os demais países. Além de Chung, destacamos também reportagens de algumas revistas que expuseram assuntos referentes à China, assim como também utilizamos alguns catálogos governamentais, tais como o do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Podemos perceber então que no presente trabalho encontramos as mais variadas fontes bibliográficas para atingir os objetivos propostos. 12 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 CULTURA E SEUS CONCEITOS Visto como um ser social, que precisa dos outros indivíduos para enfrentar as adversidades impostas pelo meio em que vive, o ser humano encontra a necessidade de se organizar para viver em grupo. Sendo assim, surgem inúmeros sistemas de símbolos, como crenças, valores, linguagens, tecnologias que, transmitidos de geração em geração, norteiam todo o sentido da coletividade humana. A sobrevivência e evolução da nossa espécie é melhor compreendida, quando pressupomos um processo conjunto de transformações da cultura/ biologia/ meio ambiente. Através do comportamento cultural, a espécie relaciona-se com o meio ambiente, e nesta ação modifica sua biologia, sua cultura e o próprio ambiente (TAVARES, 2002, p. 47). Através da afirmação de Tavares, notamos que a noção de cultura está diretamente relacionada ao sentido de sobrevivência do ser humano. Neste capítulo, explicitaremos o termo “cultura”, buscando demonstrar como funciona este mecanismo de interação do homem enquanto ser social e suas formas de reagir ao meio em que vive. 13 Por se tratar de um assunto que permeia a vida de todos os seres humanos, diversos estudiosos, dentre antropólogos e sociólogos, tentam conceituar o termo “cultura”. Tavares (2002, p. 45) afirma que existe uma dificuldade em se conceituar o termo. Não por falta de um conceito adequado de tal objeto da ciência, mas por excesso: há conceitos demais. Cultura é um conceito antropológico e sociológico que comporta múltiplas definições. Para alguns, a cultura é a forma pela qual uma comunidade satisfaz a suas necessidades materiais e psicossociais. Implícita nessa idéia está a noção de ambiente como fonte de sobrevivência e crescimento. Para outros, cultura é a adaptação em si, é a forma pela qual uma comunidade define seu perfil em função da necessidade de adaptação ao meio ambiente. Nesses dois casos, está presente a idéia de feedback. A adaptação bem sucedida leva à evolução nessa direção. A adaptação malsucedida tende a levar à correção e à evolução em outra direção (CALDAS; MOTTA,. 1997, p. 16). Em seguida, poderemos verificar alguns destes conceitos dados ao termo e verificar que, mesmo contendo várias definições, estudiosos do assunto defendem traços comuns entre elas. Tylor1 (apud DIAS, 2003) afirma que cultura é um todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, direito, costume e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade. Para Malinowsky2 (apud DIAS, 2003) a cultura consiste no conjunto integral dos instrumentos e bens de consumo, nos códigos constitucionais dos vários grupos da sociedade, nas idéias e artes, nas crenças e costumes humanos. Dias (2003, p. 13) afirma que chegamos à cultura através dos atos, procedimentos e criações desenvolvidos pelo homem e não relacionados com o instinto natural. O dicionário de sociologia Globo3 (apud DIAS, 2003) define cultura como um sistema de idéias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma sociedade. 1 TYLORr, Edward B. (1871) MALINOWSKY, BRONISLAW (1997) 3 Dicionário de Sociologia, Globo (1981) 2 14 Poderíamos ainda encontrar outras tantas definições para “cultura”. De fato, esta é uma palavra que pode obter muitos significados, inclusive por ser muito utilizada pelo senso comum e estar muito presente no cotidiano das pessoas. O ser humano está sempre manifestando a cultura, seja através do seu idioma, a maneira como se veste, através da culinária, ou ainda algo mais subjetivo, o modo de pensar, agir, de se posicionar sobre o meio. Dias (2003, p.17), divide esses diferentes tipos de manifestações como materiais e não materiais. Tavares (2002, p.75), prefere adotar outras subdivisões, onde encontramos os aparatos técnicos (artefatos e objetos em geral), sistema de interação (regras de conduta, estruturas de poder) e sistemas simbólicos (linguagem, visões de mundo, cosmologia, teorias científicas, religiões). Mas sobre o que encontramos e concluímos no âmbito acadêmico, percebemos que, após confirmarem suas diferentes definições a respeito do termo em questão, os estudiosos do assunto conseguem definir traços e aspectos comuns da cultura. Dias (2003, p. 16) afirma que todas concordam em três aspectos essenciais: 1º) a cultura é transmitida pela herança social e não pela herança biológica; 2º) compreende a totalidade das criações humanas. Inclui idéias, valores, manifestações artísticas de todo tipo, crenças, instituições sociais, conhecimentos científicos e técnicos, instrumentos de trabalho, tipos de vestuário, alimentação, construções etc; 3º) é uma característica exclusiva das sociedades humanas, quer dizer, os animais são incapazes de criar cultura. Ainda neste processo de definição de aspectos similares, Tavares (2002, p.46) reafirma os pontos ressaltados por Dias e ainda completa com mais algumas conclusões sobre o termo largamente aceitas pelos antropólogos: a) a cultura é parte da biologia do homem; b) a biologia da espécie humana é produto da cultura; c) a cultura não é transmitida geneticamente, mas socialmente através da aprendizagem; d) a capacidade de aprender, desenvolver e criar cultura é transmitida hereditariamente; e) a cultura é o mecanismo 15 adaptativo por excelência da espécie humana, responsável por sua sobrevivência, desenvolvimento e evolução; f) a cultura é socialmente produzida: embora os indivíduos sejam os portadores da cultura, tal comportamento só é possível num processo conjunto, coletivo; g) a interação com o meio ambiente, na espécie humana, é feita através do aparato cultural. Devemos destacar ainda que toda cultura possui alguns elementos básicos em sua formação que, mesmo apresentando conteúdos diferentes, são elementos comuns a toda cultura. Podemos nos apoiar na descrição de Dias (2003, p.20) que define estes elementos: crenças, valores, normas, sanções, símbolos, idioma e tecnologia. Abaixo, seguiremos com uma breve explicação de cada um desses elementos. Toda cultura é fundamentada em um conjunto de crenças, que compartilham conhecimento e idéias sobre a natureza da vida. Dias (2003, p. 20) cita o exemplo do budismo entre os indianos. Estes acreditam que sua alma reencarne em animais e objetos, fato que os levam a cultuar muitos animais que acreditam ser antepassados reencarnados. Já para um cristão ocidental, essa crença não possui nenhum valor. Os valores influenciam o comportamento das pessoas e servem como critério para avaliar as ações de outros. “Valores são concepções coletivas do que é considerado bom, desejável, certo, bonito, gostoso (ou ruim, indesejável, errado e feio) em uma determinada cultura (DIAS, 2003, p.20)”. As normas traduzem crenças e valores em regras específicas para o comportamento. Dias (2003, p.20) afirma que as normas podem ser formais ou informais. São formais quando codificadas no direito, e informais quando ritualizadas nos costumes. As sanções identificam-se através das punições e recompensas utilizadas para seguimento das normas. Também são classificadas por Dias (p.21) como formais ou informais. As formais são recompensas e punições oficiais e públicas. Já as informais 16 constituem as não-oficiais, são sutis, mas provocam reações inconscientes no comportamento cotidiano. Os símbolos constituem qualquer coisa que carrega um significado particular reconhecido pelas pessoas que compartilham uma determinada cultura. Segundo Dias (p.21), um mesmo objeto pode simbolizar sentimentos diferentes em culturas diferentes. O idioma é elemento chave, mecanismo que permite a comunicação entre os membros de uma sociedade. “Considerando que outros animais se comunicam por sinais (sons e gestos cujos significados são fixos), os humanos se comunicam por meio de símbolos (sons e gestos de cujo significado dependem compreensões compartilhadas)” (DIAS, 2003, p. 21). E, fechando a lista dos elementos básicos que compõem a cultura, encontramos a tecnologia, que estabelece parâmetro para cultura, influencia o cotidiano das pessoas, o modo como trabalham, como se socializam e o que pensam sobre o mundo. Dias (p. 22) destaca que toda mudança tecnológica implica mudanças culturais. Após termos definido o termo cultura e apontado seus elementos básicos, outro ponto que precisa ser observado é onde e como a cultura se manifesta. Para Dias (2003, p. 13), o homem, ao se distanciar do instinto biológico, passando a criar novas formas de organização, novos objetos, novos materiais, cria um novo ambiente próprio para sua existência diferente do ambiente natural, o que ele chama de ambiente cultural. O ambiente cultural do homem inclui vilas, aldeias, cidades, animais domésticos, plantações, novos relacionamentos entre os indivíduos, linguagem, crenças, religiões, música, tecnologia, etc. Essa cultura humana, que compreende tudo criado pelo homem, seja tangível ou não, apresenta singularidades que podem variar de região para região, em cada localidade e dentro das cidades mesmo ocorrem variações (DIAS, 2003, p. 13). Através da afirmação acima, vemos então que este ambiente cultural criado pelo homem nada mais é do que a forma encontrada por ele para interagir com o meio e grupo social no qual está inserido. É neste ambiente cultural que encontraremos os elementos básicos que constituem a cultura. 17 Sobre isso, Tavares (2002, p. 50) ainda completa dizendo que cada grupo ou subgrupo seleciona, dentre esse elenco de possibilidades (cultura/ biologia/ ambiente), um número ainda menor de elementos, que são efetivamente concretizados, e é o resultado dessas escolhas que produz as diferenças culturais observáveis no comportamento dos grupos sociais humanos. Diante disso, Dias (2003, p.13) ressalta que esses diferentes agrupamentos humanos, que apresentam diferenças perceptíveis e podem ser hábitos, costumes, linguagem etc., formam um todo composto por diversos indivíduos que se constituem como grupos sociais homogêneos denominados subculturas. Nesse sentido, ainda citando Dias (2003, p. 14), podemos encontrar inúmeras e indeterminadas diferentes culturas dentro de cada subcultura que, na realidade, são culturas que apresentam traços perfeitamente discerníveis dentro de uma cultura mais geral. Nesta busca por divisões e classificações de subculturas, chegamos ao subgrupo das organizações, e é sobre este grupo específico que o presente trabalho irá se desenvolver. Para tanto, torna-se necessário conhecermos algumas descrições elaboradas por autores do assunto acerca do que seria uma organização. 2.1.1 ORGANIZAÇÕES Segundo Dias (2003, p. 14), organizações são grupos sociais formados por pessoas com objetivos perfeitamente definidos e criados para cumprir atividades determinadas. Através desta afirmação de Dias, percebemos claramente a descrição de uma subcultura. Tavares (2002, p. 57) afirma que a organização empresarial é um conjunto delimitado de interações humanas, que podem apresentar as características que conseguimos identificar, como sendo as da cultura. Uma outra definição, que complementaria as duas citadas, seria a de Albano e Lima (2002, p.33) que defendem que organização é um sistema de atividades conscientemente 18 coordenadas de duas ou mais pessoas onde, devido a limitações pessoais, os indivíduos são levados a cooperarem uns com os outros para alcançar certos objetivos que a ação individual isolada não conseguiria. Vemos então que organização parte sempre da idéia da ação de um grupo e, como todo grupo, parte do princípio de que seus membros precisam trabalhar o mesmo foco para alcançarem seus objetivos. Albano e Lima ainda comparam a organização a um organismo vivo: “... as organizações se constituem nessa interação que faz com que elas sejam dinâmicas e complexas, ou seja, um organismo vivo. Assim, pode-se compreender porque a definição etimológica do termo é organom = órgão (ALBANO & LIMA; 2002, p. 33)”. Ainda dentro do contexto do que seria uma organização, Facchinetti (2002), descreve que esta se formaria de forma complexa, a partir da caracterização de sua estrutura e dos impactos do desempenho dos papéis profissionais, bem como das interrelações que se estabelecem entre os indivíduos de uma organização e a sociedade que o cerca. “Qualquer organização ou grupo de pessoas interagindo ordenadamente, na busca de um objetivo comum, tem cultura, uma vez que ela faz parte da história humana e de um contexto muito maior que é em si um repositório de cultura (TAVARES, 2002, p. 57)”. A seguir, tentaremos demonstrar os principais aspectos do que chamamos de cultura organizacional. 19 2.2 CULTURA ORGANIZACIONAL Conforme vimos no capítulo anterior, a cultura geral pode ser subdividida em grupos sociais menores que apresentam traços e perfis comuns, o que chamamos de subculturas. Segundo Dias, “[...] podemos afirmar que a concepção de cultura pressupõe a existência de culturas, pois cada grupo social apresentará diferenças, adquiridas e consolidadas por sua maior convivência, em relação aos demais” (DIAS, 2003, p. 15). É nessa busca por grupos sociais que apresentam traços e perfis comuns que identificamos subculturas, tais como as culturas francesa, indiana, curda, paquistanesa, brasileira, etc. Essas subdivisões dentro de uma cultura geral podem ser feitas de maneira ininterruptas. Assim também identificamos a cultura organizacional, que se enquadra como uma subcultura composta por uma série de outros pequenos grupos formadores de outras subculturas. Dias (2003, p. 14) utiliza-se de um hospital para exemplificar essas subdivisões. Ele afirma que num ambiente hospitalar as pessoas que o integram possuem linguajar, hábitos e costumes próprios e diferentes do restante da sociedade. Desse modo, podemos falar em cultura organizacional hospitalar. Ainda neste contexto, considerando a organização como uma subcultura, Pfiffner e Sherwood4 (apud SOUZA, 1978, p. 10) afirmam que, neste caso, aplica-se simplesmente o modelo da cultura à própria organização. Como instituição, supõe-se que a organização adquira tipos próprios de conduta e de comportamento aprendido, desenvolvidos dentro do contexto do modelo cultural mais amplo. Assim como ocorre com o termo cultura, diversos estudiosos também tentam conceituar o termo cultura organizacional. 4 PFIFFNER, J. e SHERWOOD, F., Organização Admistrativa, S. Paulo, Bestseller 1965, p.254. 20 Não são apenas raças e etnias, ou ainda suas combinações, que produzem culturas. Classes sociais, instituições e organizações também as produzem. Os muitos livros e artigos sobre cultura organizacional e empresarial produzidos desde a década de 80 têm se ocupado em definir e aprofundar essa apropriação das diversas concepções de cultura no âmbito social e organizacional (CALDAS & MOTTA, 1997, página 19). Segundo Burke e Hornstein5 (apud SOUZA, 1978, p.16), a cultura de uma organização é um conjunto de pressupostos e normas, aprendidos e compartilhados, que regulam o comportamento dos membros de uma organização. Schein6 (apud CALDAS & MOTTA, 1997, p. 40) completa a afirmação de Burke e Hornstein ao acrescentar a estes pressupostos básicos, formadores da cultura organizacional, os artefatos visíveis e outros conjuntos simbólicos que criam os valores do cotidiano. Enquanto os pressupostos básicos são pré-conscientes e tidos como certos, os valores são conscientes. Nas organizações, esses valores contribuem para criar parâmetros de como pensar, sentir e agir; por isso, desempenham papel fundamental para o sucesso das organizações (SCHEIN, 1987, apud CALDAS E MOTTA, 1997, p. 40). Para Dias (2003, p.41), a cultura organizacional é o conjunto de valores, crenças e entendimentos importantes que os integrantes de uma organização têm em comum; ela oferece formas definidas de pensamentos, sentimento e reação que guiam as atividades dos participantes de uma organização. Notamos através das três citações acima que os autores têm definições similares ou então que se complementam quando falamos em cultura organizacional. O estudo da cultura organizacional tornou-se um tema de maior interesse a partir dos anos 80 e 90, numa época em que os países de todo mundo e suas economias começam a sentir os efeitos da globalização, as economias se abrem e o mercado torna-se cada vez mais competitivo. Sobre este cenário que se apresenta a partir desta época, Dias (2003, p. 10) aponta este estudo sobre a cultura das organizações como uma forma de conhecer melhor o 5 6 BURKE, W. W., e HORNSTEIN, H. A., The Social Technology of Organization Development (1972) SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1987. 21 comportamento das mesmas, conseqüentemente, elaborar estratégias eficientes que visem a maximizar o desempenho dessas organizações. Ainda neste sentido de manutenção e evolução das organizações, Schein (apud SOUZA, 1978, p. 17) declara que, da mesma forma que as sociedades desenvolvem uma estrutura social, leis, tradições e cultura como uma maneira de se estabilizarem, também as organizações desenvolvem e precisam conservar sua estrutura e cultura. Percebemos então que a grande preocupação das organizações em se adequarem a um novo mundo, agora global, para conseguirem se estabilizar e se manter atuante frente à grande competitividade que passa a imperar. Notamos esta preocupação também em Tavares (2002, p. 58). Para o autor, a sobrevivência ou extinção de uma organização está relacionada ao seu poder de adequação ou não às condições ambientais que a cercam. O agrupamento humano em interação numa organização, ao se relacionar entre si, e com o meio externo, através de sua estruturação interna do poder, faz uma construção social da realidade, que lhe propicia a sobrevivência como unidade, segundo os mesmos princípios pelos quais mutações são preservadas dentro de cadeias ecológicas do mundo vivo (TAVARES, 2002, p. 58). Nesta afirmação de Tavares notamos que a adaptação de uma organização ao meio em que esteja inserida é fundamental para sua sobrevivência e, a seguir, o mesmo autor aponta este mecanismo adaptativo, identificando-o como cultura. Tavares (2002, p. 59) afirma que, quando um grupo social atinge esse nível de criação de uma interpretação própria de sua relação com o meio ambiente externo, passa a usufruir plenamente do mecanismo adaptativo por excelência, ou seja, a cultura. Este mecanismo de adaptação citado por Tavares precisa ser destacado, uma vez que a cultura organizacional precisa estar em constante transformação, principalmente quando percebemos a velocidade com as quais ocorrem as mudanças no mundo a partir da década de 80, como já mencionado. 22 Quando falamos em mudanças na cultura organizacional, alguns autores, como Chiavenato7, Nassar8 e Vergasta9 (apud ALBANO & LIMA, 2002, p.34), afirmam que elas podem ocorrer ao longo do tempo, mesmo que a organização resista a elas. Segundo Vergasta (2001), a cultura organizacional não é algo pronto e acabado, mas está em constante transformação, de acordo com sua história, os seus atores e com a conjuntura. Vemos, então, que as organizações passam a se destacar e se manterem unidas quando desenvolvem uma cultura organizacional forte, que as identifique, mas que também seja flexível, de maneira que consiga se adequar às constantes mudanças. É importante destacar, porém, que toda mudança cultural demanda tempo, mesmo em momentos de profundas transformações como o atual. Segundo Dias (2003, p. 42), uma organização se mantém unida por meio da cultura organizacional, que expressa os valores ou ideais sociais e crenças que os membros da organização chegam a compartilhar, manifestados em elementos simbólicos como mitos, rituais, histórias e uma linguagem específica. Podemos complementar esta afirmação de Dias a respeito do poder de unidade de uma empresa transmitido através da cultura organizacional da mesma, através da afirmação de Tavares (2002, p. 58) que diz que o grupo de pessoas que compreende a organização, ao transacionar com o meio ambiente, e ao criar as estruturas internas, para responder a essa interação externa, estabelecem uma maneira própria de agir e interagir, criando uma identidade reconhecível tanto para o conjunto geral do ambiente de negócios quanto para os que compartilham de seus limites internos. Um outro ponto a ser destacado quando falamos em cultura organizacional, e que também serve como ponto de grandes estudos para escritores do assunto em questão, é o fato 7 CHIAVENATO, Idalberto. Os novos paradigmas: como as mudanças estão mexendo com as empresas. São Paulo: Atlas, 1996. 8 NASSAR, Paulo. História e cultura organizacional. In: Revista Comunicação Empresarial – Nº 36, 2000. 9 VERGASTA, Patrícia Dantas. Cultura e aprendizagem organizacional. 2001. Disponível em: http://www.terravista.pt/enseada/5831/trabalho/t20001310.html. Acesso em: 7 abr. 2002. 23 da recente abertura econômica dos países e os efeitos da globalização levarem ao surgimento de uma cultura organizacional típica das grandes organizações, que transcende as culturas sociais locais. Souza (1978, p. 77) destaca o fato das grandes organizações, espalhadas por diversas partes do mundo, serem mais semelhantes entre si do que as grandes e pequenas empresas situadas no mesmo país. Sem negar a existência de diferenças culturais caracterológicas e ambientais, podese observar uma padronização crescente de técnicas e normas organizacionais a nível internacional. Estamos assistindo ao surgimento de uma cultura das grandes organizações que transcende as fronteiras dos países (Souza, 1978, p.72). Neste momento, podemos perceber o papel importante desempenhado pelo fundador, ou fundadores, de uma organização, pois dele será proveniente todo aparato cultural que servirá de alicerce para a organização em questão. Segundo Tavares (2002, p. 65), quando o fundador cria a empresa, ele agrupa um conjunto de pessoas que chegam com seus conhecimentos, valores e comportamentos, em torno do objetivo de constituir a empresa, produzir um objetivo e colocá-lo no mercado. Schein10 (apud PACHECO; PEREIRA; RODRIGUES; TZECHEM, 2002, p. 4) é outro autor a destacar a importância do fundador da organização no processo de moldar seus padrões culturais. Ele afirma que os primeiros líderes, ao desenvolverem formas próprias para equacionar os problemas organizacionais acabam por imprimir sua visão aos demais. Mas apesar de toda carga cultural trazida pelo fundador de uma empresa, responsável pela base de toda uma organização, não podemos esquecer, conforme já destacamos no capítulo anterior, que a cultura surge das interações do homem com a sociedade e com o meio em que esteja inserido. E, enfatizando o meio no qual uma organização se insere, torna-se necessário destacar um dos efeitos do mundo global, em que cada vez torna-se mais comum o surgimento de 10 SCHEIN, Edgar. Psicologia Organizacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1982. 24 empresas atuantes em diversos países, aparecem as exportadoras, multinacionais, franqueadoras e transnacionais. Por isso, antes de verificarmos a influência das culturas nacionais sobre as organizações em questão, vale ressaltar aqui as definições dadas aos diferentes tipos de atuações das empresas. Segundo Laudon e Laudon11 (apud SOUZA, ano, p.2), as exportadoras são as empresas que possuem alta concentração das funções corporativas no país de origem, servindo-se de escritório de vendas para a distribuição em outros países. Os mesmos autores definem ainda as multinacionais como sendo aquelas que descentralizam as funções de produção, marketing e vendas, de maneira a melhor adaptar seus produtos aos mercados locais. Por outro lado, nessas empresas há uma centralização das funções de finanças, contabilidade, recursos humanos e planejamento estratégico. Esse tipo de empresa é, atualmente, o tipo que predomina quando falamos em empresas internacionais. Ainda segundo Laudon e Laudon, vemos que as empresas franqueadoras são aquelas que concentram as funções de projeto do produto mas, por características específicas destes produtos, dependem em grande parte de esforços locais para a produção, venda e distribuição. Por fim, também seguindo as afirmações dos estudiosos acima, encontramos as transnacionais, que são aquelas cujas funções e atividades verdadeiramente cruzam as fronteiras nacionais, são gerenciadas de forma realmente global e tendem a representar a maior parte dos negócios internacionais no futuro. Segundo os autores, essas empresas são aquelas que encaram os diversos mercados mundiais como apenas um mercado: o mercado global. Antes de darmos seqüência a este raciocínio, devemos ressalvar aqui que não é objetivo do presente trabalho analisar como ocorre a formação da cultura organizacional em cada um dos diferentes tipos de empresa citados acima. Suas inclusões aqui servem apenas 11 LAUDON, K. C. e LAUDON, J. P. (1996). Management information systems: organization and technology (4ª ed.). Prentice Hall, 1996. 25 como forma de demonstrar as diversas maneiras de interação entre diferentes culturas, de diferentes países, seja este contato com o diferente motivado pela venda de mercadorias, como ocorre com as exportadoras, seja através da construção de uma filial da empresa em outro país, como ocorre com as multinacionais e transnacionais. Se voltarmos então para as crescentes transformações mundiais, quando vemos surgir as organizações maiores e mais complexas, aquelas que atuam em mais de um país - as empresas exportadoras, as multinacionais, as franqueadoras e as transnacionais – e, ainda, se considerarmos que, quanto mais uma organização se expande, mais complexa torna-se sua estrutura, com o aparecimento de um maior número de subculturas dentro desta mesma organização, iremos perceber um certo distanciamento da cultura original - dos fundadores – e perceberemos uma maior influência do meio no qual a organização se insere e, até mesmo, a cultura dos ambientes com os quais mantêm relações comerciais. Dias (2003, p.28) ressalta esta confirmação dizendo que, na medida em que as organizações se expandem e diversificam seus produtos, tendem a desenvolver estruturas com multidivisões. E nesta dificuldade de formar uma unidade em organizações cada vez maiores e complexas, formadas por subgrupos diferentes, e, conseqüentemente, o distanciamento do aparato cultural do fundador desta organização, surge a importância de se estudar ainda mais a influência do ambiente cultural no qual ela se insere. A organização não é um sistema fechado, é, portanto, permeável a outras culturas como as nacionais, regionais, etc. Cada organização, embora apresente sua própria cultura organizacional, está sempre sofrendo influência das culturas existentes em seu entorno (DIAS, 2003, p. 34). 2.2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL E CULTURA NACIONAL No final do século XX, o mundo passou por profundas transformações. As inovações tecnológicas, principalmente as que se referem aos meios de comunicação, tornaram-se ferramentas facilitadoras do intercâmbio cultural entre as nações. Este fenômeno, denominado globalização, passou a projetar um mundo sem fronteiras e interligado. 26 Neste sentido, não só o fluxo comercial entre os países cresceu, como também a preocupação das empresas em se tornarem empresas globais. Tal preocupação fez aumentar o número de filiais de empresas espalhadas pelo mundo. Mas apesar de todo esse intercâmbio gerado pela globalização, a diversidade cultural dos povos ainda prevalece. É nesse momento, que a cultura de uma nação, formada por diversos sistemas de símbolos (valores, crenças, linguagem, tecnologia), influencia nas diferenças culturais do ambiente de uma empresa situada em um país, de uma situada em outro. Se as organizações sofrem grande influência do meio, devemos reforçar a necessidade de se estudar a cultura na qual ela se localiza a fim de melhor compreendê-las. No final das contas, acabam existindo vários aspectos que condicionam essas diferenças culturais entre as empresas. É claro que a cultura de uma empresa será sempre diferente da cultura de uma tribo, e será sempre semelhante à cultura de outra empresa. Porém, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, é a cultura nacional (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18). A afirmação de Caldas e Motta transmite à cultura nacional grande importância no processo de formação da cultura organizacional. Através do estudo da cultura de um país, conseguiremos entender, por exemplo, o porquê do sucesso ou fracasso de uma organização situada em determinado país, ou ainda, identificar os motivos que levam ao êxito ou então ao surgimento de barreiras nas possíveis negociações entre organizações provenientes de diferentes localidades. Todas as formas de expressão cultural deverão ser consideradas: política, economia, vida social, culinária, etiqueta, dentre outros. Toda organização se encontra inserida dentro de um entorno formado pela Sociedade, seus membros também fazem parte desta, seus valores fundamentais tem-na como origem. E muitos eventos políticos, econômicos, sociais, ideológicos, culturais e outros afetam as organizações de uma forma ou outra, influenciando sua cultura organizacional (DIAS, 2002, p. 135). Podemos concluir então que os principais valores na constituição de uma organização estarão diretamente ligados à cultura da região na qual a empresa está inserida. Para Dias (2002, p. 136), quando uma empresa surge no território de um país com cultura dominante, os 27 valores deste local predominarão na organização em seu início e prevalecerão em última instância no decorrer de sua existência. Isso ocorre porque seus integrantes pertencem a esta e assumem seus valores fundamentais. Não podemos esquecer que, quando nos voltamos para o discurso de aldeia global, que leva as organizações ao constante confronto com diferentes países, identificamos a tendência de uma certa uniformização na cultura empresarial, conforme citado quando falamos sobre o crescimento de empresas transnacionais. Podemos notar isso também nas afirmação a seguir de Caldas e Motta. Entretanto, mesmo com a potencial diversidade de culturas que podem ser geradas dentro das sociedades, é também verdade que, com a globalização, há tendência para profunda uniformização nas classes dominantes e médias de todo o mundo. Essa uniformização começa nas empresas, onde a ideologia tecnocrática instaurou um modo muito semelhante de racionalidade e de comportamento (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18) No entanto, mesmo com este discurso para uma tendência à uniformidade, ainda conseguimos observar grandes diferenças entre a cultura das organizações de diferentes países. Não se sabe ao certo até que ponto esta tendência à uniformidade das empresas deve chegar, o fato é que, apesar disso estar ocorrendo com as empresas espalhadas pelo mundo, ainda conseguimos identificar muitas barreiras de povos que possuem culturas bem diferentes. Ainda segundo Caldas e Motta (1997, p. 18), toda sociedade, em maior ou menor medida, filtra e adiciona seu próprio “tempero” a idéias e tecnologias globalizantes, criando suas próprias versões. Isso ocorre também com as organizações, que também refiltram e retemperam essas idéias, costumes e valores, globalizados mas já nacionalizados, a sua própria maneira. Assim, o objeto de estudo que trata da cultura organizacional também é constituído por essa mistura de empresa para empresa, bem como o processo de sua formação. Desta forma, destacamos ainda mais a importância de se estudar a cultura na qual se localiza a organização em questão, sendo esta também uma forma de se preparar para a competição vigente neste mesmo sistema global. Neste sentido, quando compreendemos a 28 cultura organizacional de empresas localizadas no Brasil, por exemplo, se estará mais bem preparado para lidar com uma empresa de um país de cultura tão diferente, como a China, outro exemplo. É necessário estudar a cultura nacional na qual se localizam as organizações para que se vislumbre possíveis negociações entre elas. Mesmo com o crescente surgimento das empresas transnacionais, que encaram o mercado como um só, o global, não podemos esquecer, conforme já visto anteriormente, que quando estamos falando de mudanças num âmbito cultural, apesar de serem necessárias e até correntes, estas mudanças culturais demandam tempo e ainda enfrentam grandes barreiras. Sobre as dificuldades que possam surgir nas negociações em âmbito internacional, podemos citar o exemplo dos estudos de Ives e Jarvenpaa12 (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5). Em seus estudos sobre as aplicações globais da tecnologia da informação (TI) declaram que a mesma deve ser desenvolvida para ser utilizada em um ambiente cultural heterogêneo, destacando, então, a necessidade cada vez mais atenuante de se estar ligado a mundo global, porém sem esquecer as particularidades de cada região. Em seguida, Ives e Jarvenpaa destacam algumas dificuldades encontradas no processo de inclusão dessa tecnologia em alguns países. Entre as principais, foram citadas barreiras expressas em frases como “não inventado aqui” ou “o sistema não é adequado para o nosso ambiente”. Essas frases mostram que eventualmente imperam atitudes dos usuários locais que podem dificultar tentativas de adoção de aplicações globais. Em análise do estudo de Ives e Jarvenpaa, Souza e Zwicker (2001, p.5) destacam outras dificuldades encontradas nesse processo, fatores estes relativos a valores pessoais atribuídos, por exemplo, à produtividade de funcionários, à mudança de procedimentos e à responsabilidade pelas qualidades das informações. Os mesmos autores citam ainda que, 12 IVES, B. e JARVENPAA, S. L. (1991). “Applications of global information technology: Key issues for management”. MIS Quarterly, mar/ 1991, pp. 33-49. 29 eventualmente, até aspectos relacionados com a religião podem interferir, como por exemplo, horários específicos de parada para orações ou feriados santos. Continuando com o exemplo das aplicações globais da tecnologia da informação, Stephens13 (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5) encontra mais algumas dificuldades no processo de criação e desenvolvimento da mesma. O autor destaca diferenças de língua, legislação relativa à troca internacional de dados e informações, legislação local e problemas específicos de recursos humanos locais. Outros autores a fazerem sua análise a respeito da internacionalização da TI são Laudon e Laudon (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5). Estes afirmam que diferenças políticas e culturais afetam profundamente os procedimentos operacionais padronizados das empresas. Entre os motivos apresentados estão as diferentes práticas contábeis, as diferentes leis que regem o trânsito de informações, políticas de privacidade, horário comercial, termos utilizados nos negócios e mesmo aspectos culturais extremamente específicos como, por exemplo, o fato de no Japão o uso do fax prevalecer sobre o e-mail. Os mesmos autores destacam ainda o fato dos aspectos culturais e legais também se refletirem nas práticas contábeis. Utilizam o exemplo de na Alemanha os lucros relativos a um determinado investimento só serem contabilizados quando os projetos estão terminados e pagos, enquanto que na Inglaterra esses lucros começam a ser contabilizados no momento em que há uma razoável certeza de que o projeto dará certo. Os autores também destacam que até razões intrínsecas de procedimentos podem intervir, por exemplo, os sistemas contábeis das empresas anglo-saxônicas são focados em mostrar a velocidade com que os lucros da empresa estão crescendo, enquanto que no restante da Europa o foco dos sistemas contábeis é mostrar a adequação da empresa às regras e leis, diminuindo a possibilidade de ser legalmente penalizada. 13 STEPHENS, D. O. (1999). “The globalization of information technology in multinational corporations”. Information Management Journal, jul/ 1999. 30 Vimos então, através do exemplo dos estudos para implementação da tecnologia da informação em diversos países, que as diferentes culturas nacionais muitas vezes impõem dificuldades que podem levar ao insucesso dessas negociações entre os países. Por isso, é importante estar atento às diferenças culturais para se vislumbrar um melhor entendimento dessas transações no âmbito internacional e tudo que ela possa envolver, uma vez que dessas negociações dependerá, cada vez mais, a manutenção e sobrevivência de uma organização. Segundo Freitas (1997, p.38), no mundo gerencial, a influência da cultura nacional sobre a cultura organizacional adquire maior relevância, por exemplo, quando se analisam os modelos de gestão importados que freqüentemente são implementados em nossas organizações ou trazidos pelas multinacionais. Por esses modelos e práticas gerenciais serem concebidos em suas culturas natais, muitas vezes trazem pressupostos e valores culturais diferentes e até conflitantes com os nossos. Como muitos deles pressupõem mudança significativa nas organizações, mexem, por uma reação natural de autodefesa, com valores e pressupostos culturais de indivíduos e de sua organização. Muitos desses modelos e práticas gerenciais, portanto, podem fracassar ou ser tímidos em seus resultados, justamente por não terem respaldo em alguns traços básicos de nossa cultura (FREITAS, 1997, p. 39). A citação acima confirma e justifica o porquê do aparecimento de barreiras como vimos nos estudos de Ives e Jarvenpaa. Uma vez que verificamos que os países ainda encontram barreiras, ou as impõem como mecanismo de auto-defesa de suas culturas nacionais, quando esses buscam lidar com o mercado internacional, partiremos a partir de então à identificação dos traços das culturas de dois países distintos como o Brasil e a China, verificando como seus valores refletem em suas organizações. Feito isso, faremos um paralelo entre estes países, ressaltando os pontos que possam gerar atrito nas negociações entre os mesmos. Neste sentido, iremos abordar a cultura brasileira e sua influência nas organizações situadas no país. Feito isso, buscaremos identificar a cultura chinesa e como seus traços refletem na cultura das organizações na China. 31 2.3 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL Conforme estudado anteriormente, para entendermos o mecanismo de formação da cultura organizacional, torna-se necessário estudar a cultura do local onde esta se insere. Seguindo os objetivos do presente trabalho, neste capítulo passaremos a estudar a cultura brasileira e sua ligação no processo de criação da cultura das organizações situadas no país, bem como toda forma de interação utilizada pelas mesmas para com empresas de outras localidades. Como primeiro passo para estudar a cultura de uma nação, devemos buscar suas raízes históricas. Para tanto, destacamos o fato desse estudo não ser uma tarefa muito simples, uma vez que o Brasil é um país de dimensões continentais e concentra aqui valores de muitos diferentes povos que compõem sua história. Podemos perceber essa afirmação nas palavras de Souza (1978, p. 64) o qual nos diz que analisar a cultura brasileira é tarefa gigantesca e pretensiosa. Sendo assim, iremos nos ater aos traços culturais que possam ter maior relevância para nossos estudos da influência da cultura nacional em suas organizações. 2.3.1 CULTURA BRASILEIRA: SUAS RAÍZES E DIVERSIFICAÇÃO CULTURAL O Brasil é um país extremamente heterogêneo, com diferenças ressaltadas pela sua extensão, pela influência de povos de inúmeros países, pela grande miscigenação, somando ainda as diferenças regionais com suas culturas próprias. Mesmo havendo essas subculturas típicas de cada região, não seria justo pensar a cultura nacional de forma fragmentada, mas sim como a integração de todos esses traços culturais (ALBANO e LIMA, 2002, p. 36). Vimos através da citação acima que a cultura nacional é formada pela integração dos mais variados traços culturais, por isso, iremos abordar os principais povos formadores dessa cultura. Para tanto, vamos nos concentrar no estudo sobre o assunto em questão, realizado por Caldas e Motta (1997). 32 Para os autores acima (p. 16), existe um consenso entre os estudiosos em se apontar sempre três matrizes formadoras da cultura brasileira: a indígena, a portuguesa e a da África negra. Sobre a cultura indígena, os autores afirmam (p.17) que pouco se conhece a respeito de suas origens, mas sabe-se que há uma enorme diferença com relação à portuguesa. Sabemos que os índios brasileiros estavam divididos em inúmeros grupos étnicos e culturais, mas os autores citam os maiores e principais com sendo os tupi-guaranis, tapuias, nu-aruaques e caraíbas. Os tupi-guaranis e os tapuias eram os grupos mais importantes. Os primeiros, com uma cultura mais próxima da portuguesa, habitavam o litoral. Os segundos, considerados mais bárbaros pelos europeus, habitavam o interior. Embora os habitantes das Américas tivessem no milho sua alimentação básica, os índios brasileiros alimentavam-se principalmente de mandioca. Sua agricultura era de subsistência e quem trabalhava nela eram as mulheres. Os homens eram responsáveis pela caça, pela pesca e pela guerra (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17). Diferente do grupo indígena, no qual notamos a forma de vida bem primitiva, no segundo grupo formador da base da cultura brasileira, os autores destacam o fato de serem um povo de comerciantes e navegadores. Devido a isto, os portugueses já estavam acostumados com o contato com povos diferentes e com a prática da escravidão. A constante busca por novos ambientes, os trouxeram ao Brasil não para ocupar território, mas para explorar o paubrasil. Caldas e Motta ainda destacam as origens desses portugueses que chegaram ao Brasil. Tiveram origens muito diversas, entre as quais os romanos, os bárbaros suevos, os árabes, os berberes e os judeus sefaraditas. (...) Com freqüência, eram fidalgos decadentes ou simplesmente degredados. Não vinham para cá com mulheres e filhos, mas sozinhos. Por essa razão, casavam-se ou juntavam-se com índias, sendo essas as verdadeiras primeiras mães dos brasileiros, com seus conhecimentos de plantas medicinais, de preparação de alimentos e de utensílios domésticos (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17) Seguindo a ordem dos povos formadores da base da cultura brasileira, em terceiro lugar, encontramos os negros africanos. Os mesmo autores acima destacam duas origens para estes africanos que chegaram ao país: bantus e sudaneses. Afirmam ainda que a cultura africana era muito mais próxima dos portugueses do que as culturas indígenas. “Com 33 freqüência, eram mulçumanos e alfabetizados, coisa que nem sempre acontecia com os portugueses. Conheciam a mineração do ferro, e a divisão do trabalho entre os sexos era mais próxima da dos portugueses (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17)”. Outro ponto de interesse com relação aos africanos que chegavam ao Brasil era a necessidade que possuíam de aprender a língua portuguesa para se comunicarem. Segundo Caldas e Motta (p. 17), desta forma, os negros africanos se tornaram os principais difusores do português no Brasil. Essas três raças misturaram-se em diversas proporções e deram origem a várias subculturas no Brasil. Híbrida desde o início, a sociedade brasileira logo incorporou o traço português da miscigenação. Sem a existência de restrições de raças e devido à escassez de mulheres brancas, nosso colonizador logo se misturou à índia recém-batizada, transformando-a em mãe e esposa das primeiras famílias brasileiras. Com o início da escravidão, misturou-se ao negro, completando assim o chamado “triângulo racial” (FREITAS14, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 41). Seguindo os estudos de Caldas e Motta (p. 17), identificamos algumas dessas subculturas formadas pela mistura desse “triângulo racial”. Os autores destacam a cultura cabocla (matriz indígena forte) na região Norte, a cultura sertaneja (que equilibra as três matrizes) na região Nordeste e Centro-Oeste, a cultura caipira (predomínio do português) nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Somado a estes, não podemos esquecer dos imigrantes europeus (não portugueses) e orientais que chegaram ao país mais tarde. Estes também foram de grande importância para colonização na região Sudeste e Sul. Vimos que a cultura nacional tem suas principais origens em três raças bem distintas, no entanto, verificamos que os estudiosos do assunto afirmam que devemos sempre dar um destaque à cultura dos portugueses, isso porque estes chegaram ao país impondo seus costumes aos demais, o que resultou numa certa adequação de índios e negros. “Podemos 14 FREITAS, ALEXANDRE BORGES DE. (1997) “Cultura Organizacional e Cultura Brasileira”; Traços brasileiros para uma análise organizacional; Ed. Atlas S.A.; 1997 34 dizer que de lá (Portugal) nos veio a forma atual de nossa cultura, o resto foi matéria que se sujeitou bem ou mal a essa forma” (HOLANDA15, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 42). Não pretendemos, no entanto, minimizar a importância que negros e africanos tiveram na mistura cultural formadora da cultura nacional. No entanto, não há como negar que a influência africana sobreviveu no plano ideológico, nas crenças religiosas, nas práticas mágicas e nos sabores e gostos culinários. De mesmo modo, apesar de nossos índios terem sofrido degradação moral e virtual disseminação cultural, legaram-nos influências nas relações sexuais e de família, na magia e na mítica. Contudo, foi o colonizador português que mais contribuiu para sermos o que somos hoje e, portanto, é justamente nele que precisamos centrar a discussão das raízes formadoras de nossos traços (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.42). Conforme este histórico da colonização brasileira nos demonstra, percebemos que neste imenso país, de vasta extensão territorial, formaram-se culturas regionais bem características que, de certa forma, expõem uma certa dificuldade nos estudos para identificação de uma cultura nacional. Isso implica, por exemplo, no caso do estudo da influência da cultura nacional nas organizações aqui instaladas. Segundo Dias (2001, p. 137), as culturas regionais e locais, do mesmo modo que nacional influenciam a cultura organizacional. Num país de dimensões continentais como o Brasil, a cultura organizacional de uma empresa poderá apresentar profundas diferenças no comportamento de seus empregados, se tiver unidades no Nordeste e Sul do País. Alguns valores da cultura da organização provavelmente sofrerão alterações, conceitos considerados corretos no sul, poderão ser errados no norte ou nordeste e vice-versa (DIAS, 2001, p. 137). Assim como Dias, outros tantos autores já buscaram identificar essas diferenças regionais tão marcantes na cultura nacional. Diegues16 (apud SOUZA, 1978, p. 65) é um autor que estudou diretamente estes traços regionais, inclusive destacando como se deu a formação dessas diferentes regiões. Um ponto interessante é o fato dessa formação de específicas características regionais estar ligada, segundo o mesmo autor, ao tipo de exploração econômica que ocorrera. Desta forma, identifica algumas regiões, como “(...) o nordeste 15 16 HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. DIEGUES JÚNIOR, M. Regiões Culturais do Brasil. Rio. INEP, 1960, p. 6 35 agrário do litoral; o nordeste mediterrâneo pastoril; a Amazônia e a atividade extrativa; a mineração do planalto; o centro-oeste extrativista e pastoril; o extremo-sul pastoril” (p. 66). O autor ainda destaca algumas características psicológicas regionais que, quando analisadas, verificamos que têm origem justamente no modo como foram colonizadas, nos costumes e valores daqueles que protagonizaram esta colonização fazendo com que seus traços fossem mais fortes. (...) o paulista é sempre olhado como homem ativo, empreendedor, dono de riqueza; o carioca é visto, pelos de fora, como o ironista, o malicioso, espírito que traduz, aliás, no seu anedotário, sempre rico, a respeito de tudo e de todos; o mineiro apresenta-se reservado, formação clássica e erudita; o cearense é o imigrante eterno que anda, não só por terras do Brasil, mas por toda parte do mundo, a respeito de quem se contam as histórias mais curiosas (DIEGUES, apud SOUZA, 1978, p. 66). Não vamos nos estender nesta análise individual de cada região, apenas apresentamos algumas principais percepções das localidades brasileiras, a fim de melhor compreendermos estas diferenças e sabermos que elas de fato existem e não podem ser ignoradas. É justamente diante dessa variedade cultural encontrada no Brasil que cabe nos voltarmos para o questionamento deixado por Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 40) de como podemos definir traços nacionais17 em um país que mais parece um caos cultural. De fato, quando analisamos esta cultura tão pluralista, logo devemos imaginar o quão difícil deve ser a identificação de uma cultura única, a cultura nacional. Porém, existe certo consenso entre os estudiosos do assunto, os quais conseguem identificar traços culturais perceptíveis em todo território nacional. (...) parece haver unidade orgânica, um núcleo central, durável ainda que móvel, que pouco ou mais lentamente se modifica. É nesta unidade que se reconhece o gênio da nação, a alma de um povo, explicando suas tendências e aspirações, refletindo tanto suas glórias como suas fraquezas (FREITAS, apud CALDAS E MOTTA, 1997, p. 42). 17 Freitas define “traços nacionais” como as características gerais que podemos dizer serem comuns ou freqüentes na maioria dos brasileiros. Para o autor, “traços” representam aqueles pressupostos básicos que cada indivíduo usa para enxergar a si mesmo como brasileiro. 36 Neste sentido, tentaremos expor algumas dessas percepções comuns a todo território nacional e que é consenso entre diferentes autores. O próprio Diegues, que estudou as diferenças culturais em cada região, também nos fala a respeito dos traços de uma cultura nacional. “(...) o fausto exterior, a bondade, o sentimentalismo, a hospitalidade, a despreocupação com o futuro” (DIEGUES, apud SOUZA, 1978, p. 66). Segundo Azevedo18 (apud SOUZA, 1978, p. 66), outro autor que não descarta a dificuldade em definir um caráter coletivo, podemos dizer certamente e, de modo geral, que o brasileiro é altruísta, sentimental e generoso, capaz de paixões impulsivas, violentas mas pouco tenazes, amando mais a vida do que a ordem, pacífico, hospitaleiro mas desconfiado, tolerante por temperamento e por despreocupação. Continuando com os autores que buscaram estudar os traços brasileiros, podemos citar também Leite19 (apud SOUZA, 1978, p. 68) que, após analisar as ideologias e os estereótipos colhidos entre estudantes, recolheu 62 características psicológicas para o brasileiro e as distribuiu em quatro agrupamentos: individualismo, sentimentalismo ou bondade, indolência e tolerância ou acessibilidade. Antes de buscarmos entender como os traços citados irão refletir na cultura das organizações brasileiras, devemos ressaltar que não foram abordados todos os traços que compõem a cultura nacional. Procuramos estruturá-los de maneira que possam ser facilmente associados e visualizados no cotidiano das organizações no Brasil, desta forma, dirigimos maior atenção ao que parece ser mais determinante no campo organizacional. Passaremos então à identificação dos traços da cultura nacional em suas organizações. 18 19 AZEVEDO, F. de. A Cultura Brasileira, S. Paulo. Melhoramentos, 1964 (4.a Edição). P. 228 LEITE, D. M. Caráter Nacional Brasileiro. S. Paulo. USP, 1954. pp. 222-223. 37 2.3.2 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL Para tentarmos analisar como se dá a influência da cultura nacional no âmbito de suas organizações, iremos nos basear principalmente nas características do povo brasileiro que surgem como destaque para os estudiosos do assunto. Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.44) procura sumarizar os traços brasileiros mais nitidamente influentes no âmbito organizacional. Para tanto, o autor destaca os seguintes traços principais: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro. Buscaremos fazer uma breve explicitação desses traços de maneira a melhor compreender como estes influenciam nas organizações nacionais. 2.3.2.1 Hierarquia Segundo Freitas, a hierarquia tem suas origens no processo de colonização. O sistema agrário, adotado no início de nossa colonização, deu um poder patriarcal aos senhores de engenho. (...) o núcleo do sistema agrário no Brasil foi a família patriarcal. Foi ela a grande colonizadora do Brasil, que estabeleceu um poder aristocrático e virtualmente ilimitado. Centralizando o poder na figura do patriarca (o que sem dúvida ajudou a dar origem a nossos elementos machistas), a família colonial forneceu a idéia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita. Essa organização, compacta e única, representante de uma minoria social, fez prevalecer as preferências por laços afetivos, e não deixa de marcar nossa sociedade, nossa vida pública e todas nossas atividades (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 46). Segundo o autor, foi a família patriarcal quem forneceu o grande modelo moral que regula as relações entre governantes e governados no Brasil. Neste modelo, encontramos a centralização de poder nas mãos dos governantes e a subordinação é resguardada aos governados. Segundo Freitas (p. 46), a hierarquização no país é agravada por se tratar de uma sociedade miscigenada, o que pode implicar diversas possibilidades de classificações. “Podemos, por exemplo, situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro, pelo nome de sua família ou até pelo carro que usam (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.46)”. 38 Freitas afirma que, desta forma, nossos preconceitos raciais ficam quase desapercebidos, uma vez que ficam encobertos por essas múltiplas variações, que pouco se definem. Quando procuramos trazer essa característica, que acaba por concentrar o poder na mão dos dominantes, para um momento mais atual da sociedade brasileira, percebemos que o ditado popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo” reflete bem este ângulo da cultura nacional. Segundo Barros e Prates20 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 59), a sociedade brasileira tem se valido da força militar tradicionalista e do poder racional-legal para o estabelecimento e a manutenção da autoridade, criando, assim, uma cultura de concentração do poder baseada na hierarquia/subordinação. 2.3.2.2 Personalismo A segunda característica identificável nos traços brasileiros, o personalismo, está relacionada ao fato do brasileiro procurar dar valor às relações como forma de manutenção ou ascensão de algum papel ou posição que queira desempenhar. Neste sentido, o brasileiro sempre busca uma figura paternal no meio organizacional, estabelecendo com este relações pessoais, buscando sempre a proximidade e relações de afeto. Segundo Freitas (apud, CALDAS e MOTTA, 1997, p. 46), a idéia de sociedade capitalista na qual vivemos, fundou-se com o propósito de defender que todos são iguais perante a lei, concepção esta que se originou na Inglaterra e foi inaugurada pela Revolução Industrial, utilizou como apoio as ideologias do protestantismo calvinista e puritano. “Nesta sociedade, o indivíduo ou cidadão é aquele que deve ser universal e abandonar suas singularidades: ele deixa de ser um homem que possui determinada profissão ou família”. Vimos que no Brasil a sociedade foi influenciada pelo sistema agrário escravocrata e patriarcal e, apesar dessa influência nos parecer distante se considerarmos os dias de hoje, em 20 BARROS, B. T. & PRATES, M. A. S.. O estilo brasileiro de administrar: sumário de um modelo de ação cultural brasileiro com base na gestão empresarial. 1997. Fundação Dom Cabral-MG 39 que o Brasil possui um parque industrial moderno, com a maior parte da população vivendo em cidades e não em fazendas, não podemos esquecer que nosso desenvolvimento econômico capitalista ocorreu apoiado em nosso passado colonial. Seguindo esta lógica, Freitas (p. 47) afirma que as mudanças de relação com o mercado mundial, que colocaram em cheque o sistema agrário, forçaram a ordem social escravocrata e senhorial, existentes no país, a alimentar um tipo de crescimento econômico que negava as estruturas preexistentes. Houve, de fato, uma revolução dentro da ordem. Os pilares desse novo sistema emergente, a competição e a livre iniciativa, foram rapidamente redefinidos, tanto econômica, quanto social e politicamente, como um fator de distribuição de privilégios e favores. Os processos econômicos deveriam adaptar-se aos interesses e relações pessoais da oligarquia agrária. A coletividade passou a arcar com os custos do uso instrumental da “competição” em prol de privilégios exclusivistas, que pouco consideravam as forças naturais do mercado (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 47). Sendo assim, podemos concluir que a aristocracia rural da época importou o sistema capitalista e o ajustou segundo os seus interesses. “A ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou integralmente entre nós (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.47)”. No Brasil, a relação senhor-escravo e a dominação patriarcal influenciaram a vida moral, política e institucional da sociedade. Ainda segundo Freitas (p. 48), a noção de individualismo nasce a partir da vontade do senhor ou do chefe, impondo-se de cima para baixo. O núcleo familiar centrado na figura do patriarca é dirigido por princípios de laços de sangue e de coração. Como conseqüência, nossa unidade básica não está baseada no indivíduo, mas na relação. O que vale aqui não é a figura do cidadão, mas a malha de relações estabelecidas por pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos. Sobre todo esse paternalismo existente na cultura brasileira, Dias (2001, p. 138) afirma que esse traço forte constrói uma relação social de dependência, em que um poder tradicional é conhecido como legítimo. O autor ainda destaca o fato desse paternalismo possuir uma 40 força tal que constrói um sistema de valores em que o certo é a dependência e o errado a tentativa de se cortarem os laços de dependência. Mais uma vez ganha destaque na cultura local o processo de construção de relações mais intimistas. Outros autores a contribuírem com o estudo dessa característica da cultura nacional são Barros e Prates (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60). Segundo estes autores, o indivíduo ganha destaque na sociedade brasileira por intermédio de seu discurso ou de seu poder de ligações (relações com outras pessoas), e não por sua especialização. A rede de amigos, para não falar de parentes, é o caminho natural pelo qual trafegam as pessoas para resolverem seus problemas e, mais uma vez, obterem os privilégios a que aqueles que não têm uma “família” não podem habilitar-se. Este é o “cidadão” brasileiro, que se diferencia pela hierarquia e pelas relações pessoais. No Brasil, o indivíduo isolado e sem relações é considerado como altamente negativo, um ser marginal em relação aos outros membros da comunidade (BARROS e PRATES, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60). Os autores citados concordam com o fato de que o povo brasileiro possui essa necessidade de formar essa teia de relacionamentos como a melhor forma de ganhar destaque perante a sociedade. Freitas (p.48) ainda vai além e afirma que esta característica ultrapassou a esfera meramente social e contaminou nossa esfera política e jurídica. Mas o personalismo, que gera esta necessidade de relações, acaba levando o brasileiro a desenvolver relacionamentos mais próximos e afetuosos. E as raízes desse comportamento também podem ser explicadas pela influência africana. Segundo Freyre21 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 48), o negro contribui para formar nossos traços tão brasileiros de afetividade e intimismos. E essa característica também faz o brasileiro ser reconhecido internacionalmente por seu “calor humano”. Freitas (p. 48) lembra que ao cumprimentarmos as pessoas, não economizamos beijos e abraços apertados, o que pode parecer totalmente absurdo para outras culturas. 21 FREYRE, G. Casa grande e senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966 41 Essas atitudes confirmam a necessidade do indivíduo produzir relacionamentos cada vez mais intimistas, negando qualquer tipo de formalidade. 2.3.2.3 Malandragem Continuando com nossa busca aos traços que caracterizam os brasileiros, identificamos a malandragem. Já vimos que a sociedade brasileira é hierarquizada, marcada pela desigualdade social. Conseqüentemente, vimos que essa desigualdade possibilita uma tendência dos indivíduos a buscarem nos relacionamentos o principal meio de interação social, caracterizando o personalismo. Em nossa sociedade, o indivíduo é freqüentemente reconhecido e valorizado em função de sua rede de relações interpessoais. Assim, quando deparamos com leis ou situações universais e homogêneas que ignoram nossas pessoalidades, apelamos para relações e para intimidade. Tentamos criar uma saída intermediária para o impasse entre o impessoal e o pessoal (DaMATTA22, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50). O que o autor da citação acima quis dizer é que o brasileiro está sempre tentando adaptar as situações a uma maneira que gere o mínimo de identificação pessoal, uma relação. Freqüentemente, os brasileiros deparam-se com situações onde em qualquer outra sociedade só existiria o certo ou errado, mas, no Brasil, conforme essa cultura da malandragem, encontra-se um ponto intermediário. Para tanto, o indivíduo lança mão de tudo para convencer ao outro. Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), mesmo não conhecendo o outro lado ou a pessoa, tentamos criar uma referência comum a ambos, um elo pessoal que estimule este outro lado a realizar aquilo que desejamos. É por essa característica cultural que o brasileiro ganhou sua fama internacional com relação ao chamado “jeitinho”. DaMatta23(apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), que estudou mais a fundo esse traço brasileiro, afirma que, como um estilo de vida originalmente brasileiro de se relacionar socialmente, o jeitinho é mais que um modo de viver, é uma forma 22 23 DaMATTA, R. Carnaváis, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983 DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocca, 1986. 42 de sobreviver. O autor ainda cita que o “agir com jeitinho” significa agir com sensibilidade, inteligência e simpatia para relacionar o impessoal e o pessoal. Concluímos então que, no Brasil, a cultura do malandro é valorizada. Este se caracteriza pela flexibilidade, de fácil adaptação às mais diferentes situações. O malandro possui a sensibilidade para se relacionar, consegue sair de situações complicadas com sucesso. Parece-nos que o Brasil é uma escola de malandros. Somos conhecidos fora do país por nossa capacidade de adaptação, por buscarmos soluções originais e por sermos dinâmicos e flexíveis. Inconscientemente, cada um de nós adquire um pouco deste caráter, e em diferentes níveis sabemos que a relação é um dos caminhos para o sucesso, seja ele pessoal seja profissional. Sabemos que para tudo há jeitinho, basta um pouco de tato que as coisas se resolvem (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50). 2.3.2.4 Sensualismo Quando falamos em algo que represente o Brasil, uma das primeiras coisas que nos vem à cabeça é a festa do Carnaval. Uma festa pagã, a festa da carne, repleta de sensualidade, mulheres seminuas e coisas do tipo. Mas não é à toa que o Carnaval ganha grande destaque na cultura nacional. Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), podemos explicar essa identificação do povo com o Carnaval através da própria história do país. O autor cita que os portugueses receberam grande influência dos povos árabes que invadiram seu país. Logo ao primeiro contato com esses invasores maometanos, as populações cristãs, não só nas classes populares como também nas elevadas, absorveram forte tendência à poligamia, o que levou a moral maometana a exercer grande influência sobre a moral cristã. Nenhum outro catolicismo na Europa conservou gosto tão forte pela carne e pelo fálico como o catolicismo português (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51). Mas além desta tendência ao sensualismo que possuíam os portugueses, podemos identificar também essa característica nas demais raças responsáveis pela colonização no Brasil. 43 Ocorria então que os portugueses, chegando ao Brasil, deparavam-se com índias nuas e, não podemos esquecer, na própria cultura indígena era comum a poligamia.“O Europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51)”. O mesmo autor ainda destaca a chegada das mulheres africanas neste ambiente de libertinagem sexual, sendo utilizadas como descarga de sentidos e desejos. Não que as negras trouxessem da África, em seus instintos, em seu sangue, maior sensualidade que as portuguesas ou as índias: aqui não era uma questão de desejo, mas de imperativo. O rapaz ou mesmo o menino branco tinha precocemente uma iniciação sexual. Por poderem fazer o que bem entendiam com os escravos, antecipavam-se na vida erótica pela negra ou mulata, quando não pelo companheiro negro de brincadeiras (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51). Neste sentido, misturando-se estas raças num ambiente favorável ao instinto sexual, forma-se na cultura brasileira uma tendência para que as relações interpessoais sejam envoltas num certo sensualismo afetivo. Quando trazemos esse sensualismo para as relações atuais, vemos que, de fato, o brasileiro sempre procura dar um certo toque de sensualidade na fala e na maneira de agir, procurando sempre um contato mais próximo. 2.3.2.5 Aventureiro Passamos agora a outro traço bem característico da sociedade nacional, sua ligação ao espírito de um aventureiro. Mas antes de tentarmos explicar um pouco das raízes desse comportamento, iremos destacar dois conceitos defendidos por um autor que buscou identificar e ordenar estes conjuntos sociais. Segundo Holanda24 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54), nas sociedades rudimentares eram divididas em dois tipos: as de indivíduos caçadores e coletores, e a composta por lavradores. A primeira sociedade, de caçadores e coletores, representaria a figura do aventureiro: o ideal é colher o fruto sem plantar a árvore, seus esforços buscam 24 HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. 44 sempre respostas imediatas. Já a segunda sociedade, representada pelos lavradores, representam a figura do trabalhador: enxerga primeiro a dificuldade a vencer, depois o triunfo que irá alcançar. O grupo dos lavradores acredita que o trabalho disciplinado e sacrificado é o único caminho para se progredir na vida. O autor nos fornece dois grupos bem distintos, porém, é importante ressaltarmos que as sociedades não são formadas somente por “trabalhadores” ou “aventureiros”. O autor busca enfatizar essas características visando um melhor entendimento, mas devemos aceitar que as sociedades reais possuem os dois tipos de figura. A diferença está no grau de participação de cada um desses tipos, quer dizer, podem existir múltiplas combinações entre trabalhadores e aventureiros numa sociedade, umas tendendo mais para uma dessas figuras que outras. A cultura de Portugal despreza o trabalho manual. Isso se dá devido à influência judia que esteve presente naquele país no período de sua formação. Os judeus introduziram o rumo burguês nos portugueses, já que estes, antes da chegada daqueles, baseavam-se na economia agrária. Com isso, os portugueses passaram a admirar o estilo de vida burguês, conforme veremos na citação abaixo. Com aversão à agricultura e certo desprezo pelo trabalho manual, podemos concluir que a ruptura de um estado agrário para uma economia mercantilista e burguesa, tão precocemente tomado pela monarquia portuguesa, teve como articulador principal a influência judia. Fica compreensível que, para o povo português, jamais se tenha naturalizado a moderna religião do trabalho. Uma digna ociosidade sempre pareceu mais interessante do que a luta irrestrita pelo pão de cada dia (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 52). Essa admiração portuguesa pela vida burguesa acabou sendo trazida ao Brasil, tanto que aqui o trabalho manual era tarefa exclusiva dos escravos. Segundo DaMatta (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 53), não é à toa que, no Brasil, o trabalho manual esteve sempre associado a desqualificação social. 45 2.3.2.6 O Reflexo dos Traços Brasileiros na Cultura Organizacional Uma vez que identificamos alguns dos principais traços da cultura brasileira, passaremos a projetá-los em um ambiente organizacional, buscando compreender como a cultura do povo irá influenciar o meio corporativo. Para facilitar o entendimento, destacaremos um quadro produzido por Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 44) que procura fazer justamente este elo de ligação entre a cultura e as atitudes dos brasileiros frente ao ambiente corporativo. Quadro 1 – Traços Brasileiros e Características-chave TRAÇO 1. Hierarquia CARACTERÍSTICAS-CHAVE Tendência à centralização do poder dentro dos grupos sociais Distanciamento nas relações entre diferentes grupos sociais Passividade e aceitação dos grupos inferiores 2. Personalismo Sociedade baseada em relações pessoais Busca de proximidade e afeto nas relações Paternalismo: domínio moral e econômico 3. Malandragem Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social Jeitinho 4. Sensualismo Gosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais 5. Aventureiro Mais sonhador do que disciplinado Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico Fonte: FREITAS (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.44). Conforme o verificado em cada um desses traços da cultura nacional, através das suas origens e influências, o brasileiro traz para o seu ambiente organizacional toda carga 46 envolvida no seu processo de colonização. Sua origem de múltiplas raças o tornou um povo de cultura singular, de traços variados sim, mas com características que lhe são peculiares. Para Schwarks25 (apud, CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54), durante muito tempo essa multiplicidade de raças foi considerada negativa para a formação de nossa identidade, da nossa própria raça. Mas o que podemos verificar é que justamente essa mistura contribui para uma maior adaptabilidade do brasileiro. No entanto, é nesta mistura, neste intermediário, legitimado em nossa própria pele, que se revela a capacidade brasileira de trabalhar o ambíguo como positivo, de transformar problemas em oportunidades, de criar novas soluções para novas situações (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54). Neste novo cenário global, vemos que as organizações brasileiras buscam, assim como as organizações de outros países, a excelência contínua. Fica evidente, através dos traços culturais estudados, que, no Brasil, ainda preserva-se uma cultura que pode esbarrar nas necessidades de mudanças rápidas impostas por esse mundo moderno. Por isso, ganha ainda mais destaque a necessidade de uma auto-análise da cultura nacional, de maneira que sejam identificados os traços culturais que irão impor barreiras às mudanças e aqueles que irão fortalecer este processo. 25 SCHWARKS, Lilia. Espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 47 2.4 CULTURA CHINESA E CULTURA ORGANIZACIONAL Neste capítulo, conforme o proposto por este trabalho, buscaremos identificar os traços culturais chineses procurando verificar como este país reage em âmbito organizacional. Faremos também uma breve explicação sobre o porquê de se estudar a China, esse gigante país ainda cheio de mistérios aos olhos do mundo ocidental, guardião de raízes culturais milenares. Também tentaremos demonstrar como a China passa a um papel de grande destaque mundial, principalmente na esfera econômica, o que acaba lhe dando poder nas demais esferas, política e social. Mas antes de buscarmos a identificação da cultura chinesa e seus traços na cultura organizacional, teremos que resgatar um pouco de sua história. 2.4.1 UM BREVE HISTÓRICO DA CHINA Esse gigante país, situado no lado oriental do mundo, em plena era das comunicações ainda é um país desconhecido, coberto de mistérios que despertam a curiosidade sobre a sua história e origens. Por se tratar de um país milenar, com um histórico governamental repleto de diferentes dinastias, tentaremos fazer um breve relato sobre este histórico, citando todas estas dinastias, porém iremos nos ater somente ao último século, uma vez que este será de maior relevância para nossos estudos. Segundo Oliveira (2002, p. 17), os estudiosos que se dedicaram à recomposição da trajetória da China concordam que o país começou como nação organizada a cerca de 5.000 anos a.C. 48 Abaixo, seguiremos com uma lista de todas as dinastias que fizeram parte desta trajetória de formação deste país, para tanto, iremos nos basear numa linha do tempo elaborada segundo o autor Chung (2005, p. 45). Linha do Tempo: As origens da civilização chinesa: c. 2200 a 221 a.C. i. Xia: c. 2200 a 1750 a.C. ii. Shang: c. 1750 a 1040 a.C. iii. Zhou do Oeste: c. 1100 a 771 a.C. iv. Zhou do Leste, período de primavera e outono, e os Estados Guerreiros: 771 a 221 a.C. Primeiro Império: 221 a.C. a 589 d.C. i. Qin (Chin): 221 a 206 a.C. ii. Han inicial, período de Wang Man, e o Han posterior iii. Os três reinos e as dinastias do Norte e Sul Segundo Império: 589 a 1644 d.C. i. Sui: 589 a 618 ii. Tang: 618 a 907 iii. Sung do Norte e do Sul: 960 a 1279 iv. Yuan (Mongóis): 1279 a 1368 v. Ming: 1368 a 1644 Nascimento da China Moderna: 1644 – até o presente i. Qing (Manchu): 1644 a 1911 ii. República da China: 1911 a 1949 iii. República Popular da China (RPC): 1949 até os dias atuais 49 Através da citação dos governos chineses, podemos perceber que, de fato, a China é um país com uma história muito rica, cheia de reviravoltas governamentais. Buscando atender os objetivos do presente trabalho, não iremos estudar cada uma destas etapas do histórico chinês, iniciaremos a trajetória chinesa a partir da última dinastia e, tão logo, passaremos para o nascimento da China Moderna. 2.4.1.1 Dinastia Ming Anteriormente à dinastia Ming, a China era dominada por um império daqueles considerados bárbaros, os mongóis. “Após uma verdadeira guerra interna de libertação que durou nove anos, finalmente, em 1368, as forças do Sul, comandadas por Zhu Yuanzhang, tomando Khanbalik (Pequim) expulsaram definitivamente os mongóis (OLIVEIRA, 2002, p. 21)”. Pequim, até então denominada Khanbalik, era a capital da China nesta época. Zhu é proclamado imperador, inaugurando a dinastia Ming, e logo transfere a capital chinesa para Nanjing (Nanquim). Segundo China (1999, p.27), após a morte de Zhu Yuznzhang, seu filho Zhu Di subiu ao trono e começou a construir palácios e templos em grande escala na cidade de Beijing, logo a capital retornou para esta cidade. Vale destacar que ao final desta dinastia apareceram sinais do capitalismo e, ao mesmo tempo, os contatos amistosos com outros países asiáticos e africanos tornaram-se cada vez mais freqüentes. 2.4.1.2 Dinastia Qing Após um período de lutas internas, em 1662, inicia-se a última dinastia, a dos Qing, que iriam comandar o país até 1820. Oliveira (2002, p. 21), afirma que nesta época a China passou por uma fase de esplendor, com o elevado crescimento da produção agrícola após a 50 primeira reforma agrária, além também de ocorrer uma explosão demográfica, em que a população passou de 120 milhões de habitantes, em 1680, para 313 milhões em 1974. Toda essa boa fase chinesa acabou despertando o interesse dos estrangeiros sobre suas riquezas. O ocidente despertou o apetite pelas riquezas e potenciais do território chinês, e iniciou os contatos no âmbito governamental, sem muito sucesso. Os chineses da época não tinham interesse nem a percepção do mundo como um conjunto de nações independentes e de igual estatura, porque eles se viam como o centro da Terra, o maior dos impérios, e o resto nada mais era do que povos bárbaros (CHUNG, 2005, p. 55). Através desta citação vimos que para os chineses existiam apenas a China e o resto do mundo. Não à toa, ao final desta dinastia o país passou por diversos conflitos, principalmente com o Japão. Oliveira (2002, p. 21) cita que nos últimos anos da dinastia Qing, a China passou por um período de grandes convulsões internas e externas, particularmente a desastrosa guerra com o Japão (1984/ 95). Outros que aproveitaram este momento difícil da ordem chinesa foram as potências estrangeiras da época: Inglaterra, Alemanha, França, Rússia, Japão e Itália. Neste período, essas potências invadiram o território chinês e ocuparam diversas cidades e regiões. As atitudes das delegações ocidentais na China eram completamente ambivalentes. Por um lado, fizeram todo o possível para sabotar as leis e regulamentações governamentais que consideravam restritivas ao seu comércio. (...) Por outro lado, fizeram alianças consistentes com o governo de Qing para controlar o caos social (...) (CHUNG, 2005, p. 56). O mesmo autor da citação acima destaca o fato dos países ocidentais ajudarem a China, na tentativa de controle dos conflitos que ali existiam, com um interesse comercial muito forte, que visava atender aos seus próprios interesses. Queriam manter a China unida para facilitarem suas transações junto a este país. No entanto, Chung (2005, p. 56) afirma que dois acontecimentos impediram o sucesso dos ocidentais na China. O primeiro fato foi o caos total no qual se estabeleceu a China ao 51 final desta dinastia. O segundo acontecimento foi o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. 2.4.1.3 República da China Segundo China (1999, p. 28), a dinastia Qing acabou com uma revolução democrática burguesa, liderada por Sun Yatsen em 1911. Logo, se estabeleceu no comando do país o Governo Provisório da República da China. Conforme já citado, em 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial. Durante este período, os chineses, ainda com seu governo enfraquecido, estiveram ao lado dos aliados. (...) em compensação, estes prometeram que as concessões alemãs na província de Shangdong seriam devolvidas à China ao final da guerra. A promessa não foi cumprida e, para juntar injustiça com insulto, os aliados fizeram essas concessões ao Japão, por meio do tratado de Versailles (CHUNG, 2005, p.56). Esse insulto ao povo chinês acabou gerando um grande sentimento de revolta. Desta forma, o mesmo autor (p. 56) destaca que, no dia 4 de maio de 1919, aproximadamente 3000 estudantes de várias universidades de Beijing juntaram-se em protesto na Praça de Tiananmen. Esta manifestação gerou o nascimento do “Movimento de 4 de maio”, e foi considerada a primeira manifestação nacionalista na China26. Logo após este acontecimento envolvendo os estudantes, no início de 1920, o ainda líder chinês, Sun Yatsen, aceitou a ajuda dos soviéticos com a intenção de se aproximar do Partido Comunista Chinês (PCC). “Com o apoio dos comunistas, Sun Yatsen estava em condições de forjar uma aliança com o recém-fundado Partido Comunista Chinês (PCC), e começou o esforço de reunificar a China destroçada pelos líderes feudais em guerra (CHUNG, 2005, p. 57)”. 26 Chung (p.56) destaca que este movimento tem servido de inspiração para todos os tipos, cores e ideologias patrióticas. O autor atenta para o fato dos estudantes do movimento da “Primavera de Beijing”, em 1989, tentarem criar um paralelo com o movimento de 4 de maio, ocupando novamente a Praça de Tiananmen. Porém, sabe-se que este dia ficou tragicamente marcado como o dia da infâmia, dia em que os tanques comunistas acabaram massacrando os estudantes da praça. 52 No entanto, Sun Yatsen morre logo em seguida, no ano de 1925, sendo substituído pelo general Chiang Kai-chek. Segundo Chung (2005, p. 57), o general nunca simpatizou com os comunistas e sempre perseguiu os membros do PCC. Entre os que conseguiram escapar dessa perseguição estava Mao Tsé-tung. Neste mesmo período, os japoneses invadiram o norte da China. Esta invasão favoreceu aos comunistas, uma vez que as tropas enviadas para esta região preferiram lutar contra os japoneses e não contra os comunistas. Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial e, inicialmente, não significou muito para modificar a situação deste conflito. Chung (2005, p. 57) afirma que somente quando o Japão entrou na guerra, em 1941, a situação começou a se modificar. Isso porque os japoneses precisaram se redirecionar para lutarem contra os aliados. Desta forma, os comunistas tiveram maior liberdade para, aos poucos, irem conquistando o norte da China. Os conflitos que se seguiram nos próximos anos entre os nacionalistas e os comunistas foram marcados pela organização destes e profunda desorganização daqueles. Segundo Chung (2005, p. 58), em meados de 1949, os nacionalistas estavam atolados pela corrupção e pelos altos débitos, por isso tiveram de imprimir mais moedas, o que acabou gerando uma crise e uma hiperinflação incontrolável. A partir de toda esta desorganização dos nacionalistas, os comunistas, liderados por Mao Tsé-tung, proclamaram a criação da República Popular da China (RPC). 2.4.1.4 República Popular da China A partir da instauração da República Popular da China, em 1949, verificaremos que o presidente Mao Tse-tung irá reunificar o país e também lhe proporcionar diversas modificações. “Sob o pulso firme de Mao, e novamente reunificada, a China inicia nova era de sua história, com um regime socialista, modificando suas estruturas, em particular a econômica, segundo o modelo da União Soviética (OLIVEIRA, 2002, p. 23)”. 53 A partir de então, os chineses passam por um período de duro trabalho em busca do desenvolvimento e melhoria das condições de vida, principalmente no campo, além do crescimento do seu prestígio no exterior. Em China (1999, p. 31) destaca-se os primeiros anos da República Popular como aqueles que procuraram restabelecer a economia nacional. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a produção, a China empreendeu grandes esforços para o estabelecimento gradual da propriedade pública dos meios de produção. De 1953 a 1956, efetuou-se a transformação socialista, anteciparam-se os trabalhos do I Plano Qüinqüenal para o Desenvolvimento da Economia Nacional (1953-1957), construiu-se um grupo de indústrias de base não existentes no passado e imprescindíveis para a industrialização estatal, incluindo a produção de aviões e automóveis, de máquinas pesadas e de precisão, de equipamento de geração de eletricidade, da siderurgia e das instalações para minas, como também de aço de alta qualidade, a fundição de metais não ferrosos, etc (CHINA, 1999, p.31). Paralelamente ao plano citado acima, Mao lança o programa “O Grande Salto à Frente”, que teve o apoio dos soviéticos. Chung (2005, p. 58) afirma que a idéia do programa era mobilizar a massa de camponeses para aumentar a produção de grãos por meio da reforma agrária e da formação de fazendas coletivas, e utilizar o restante da mão-de-obra para a produção de aço. Como podemos perceber, o grande líder da República Popular da China, Mao Tsétung, não media esforços para recuperar o desenvolvimento de seu país. No entanto, iremos verificar abaixo que, apesar de todo este empenho, o início de toda esta corrida para restabelecimento da economia não foi tão simples. Segundo Chung (2005, p. 58), de 1954 a 1964, o planejamento errado do programa, a desmotivação na produção comunitária e uma péssima administração governamental acabaram matando de fome 30 milhões de pessoas na China27. Todos esses problemas que envolveram o programa acabaram gerando atritos entre a China e a União Soviética. Chung (2005, p. 59) afirma que, em 1962, a ruptura com a União 27 Segundo o autor, oficialmente, até hoje o governo culpa ainda as condições climáticas pelo desastre. 54 Soviética foi completa, e a China começou a se posicionar como uma “outra” superpotência, apesar de o povo estar ainda sofrendo das conseqüências desse “Grande Salto”. Mas o líder chinês não desistiu em buscar o desenvolvimento do seu país. De 1966 a 1976, Mao instalou a chamada “Grande Revolução Cultural do Proletariado”. Nesta revolução os jovens estudantes foram convocados a se rebelarem contra todas as formas de autoridade. Segundo Chung (2005, p. 59), os jovens se rebelaram com tanto entusiasmo que criaram os Guardas Vermelhos. A China entrou em anarquia. Escolas foram depredadas, empresas foram fechadas, o transporte e a comunicação interrompidos28. Chung (2005, p. 59) destaca que uma das razões do carisma de Mao em provocar movimentos nacionais, como a Revolução Cultural, era o seu prestígio perante o povo, muito próximo de um imperador. Com a morte de Mao, em 1976, o poder do país é assumido por Deng Xiaoping, que foi perseguido duas vezes durante a revolução. Imediatamente, Xiaoping iniciou sua reforma econômica. Inicialmente dirigidas ao setor agrícola, gradualmente as reformas generalizaram-se pelo resto do país. Pragmático, Xiaoping costumava dizer, “Não importa se o gato é preto ou branco, o que importa é se ele sabe caçar um rato”. Este era o contraste gritante com a ideologia no período de Mao, em que o lema favorito era “Melhor ser Vermelho do que ser bom”, o que significava, na prática, que intelectuais ideológicos totalmente desqualificados e incompetentes eram promovidos à liderança de projetos que precisavam de conhecimento tecnológico especializado (Chung, 2005, p. 60). Conforme a citação acima, vemos que Xiaoping resolve implementar também o seu programa de reformas. Segundo Oliveira (2002, p. 23), o novo líder chinês se preocupou em abranger e alterar as seguintes estruturas fundamentalmente: agricultura, indústria, defesa nacional e ciência e tecnologia. É a partir de então que veremos surgir a abertura da economia chinesa. “Dentro do revolucionário plano, de forma surpreendente, foi preconizada a abertura para a economia de 28 O autor ainda destaca que diversas pessoas morreram acusadas injustamente e, até os dias de hoje grande parte desta história ainda continua censurada e desconhecida pela humanidade. 55 mercado, bem como a entrada de investimentos estrangeiros, quebrando, pela primeira vez na história, antigos dogmas do sistema socialista (OLIVEIRA, 2002, p.24)”. Tentamos aqui citar alguns dos principais acontecimentos que envolveram a formação deste gigante país. De fato, todos os autores concordam que somente com esta abertura econômica não apenas possibilitou um melhor entendimento da economia, como também todo o fluxo de informação a respeito deste país. Como pudemos perceber, ao longo de toda sua trajetória, a China sempre se caracterizou por um sistema extremamente fechado, o que acabou contribuindo para que este país estivesse sempre envolvido em um ambiente de mistérios, despertando a curiosidade de todo mundo. Conforme destaca Oliveira (2002, p. 25), com a irreversível abertura para o exterior, decretada a partir de 1979, a milenar história da China tem sido melhor estudada pelos pesquisadores estrangeiros. O autor também afirma que os resultados desses trabalhos têm sido surpreendentes e podem até modificar a história da Humanidade. Por isso, após este breve histórico, passaremos a destacar os pontos que fazem da China um dos países de maior destaque da atualidade e, assim, compreender porque será tão importante entender os traços culturais desse país tão diferente. 2.4.2 CHINA: FUTURA MAIOR POTÊNCIA MUNDIAL Visando alcançar os pontos que colocam a República Popular da China em grande destaque no mundo, faremos um levantamento de alguns dados desse país que possui números que, de fato, chamam a atenção para tanta grandeza. A China é considerada o maior país em desenvolvimento, possui a maior população e o terceiro maior território do mundo. Conforme vimos em seu histórico, nos últimos vinte anos, o país vem apresentando um forte crescimento econômico. Segundo Oliveira (2002, p.159), o êxito das reformas econômicas processadas na China deveu-se, basicamente, à abertura para os investimentos estrangeiros e à intensificação do comércio com o exterior. 56 Durante décadas, a China viveu sob um regime socialista extremamente fechado. Por isso, ao implantarem, aos poucos e de forma muito habilidosa, medidas econômicas que se apoiavam na abertura para o mercado global, a China surpreendeu o mundo, adaptando pontos conflitantes entre capitalismo e socialismo. O porta-voz do Conselho de Ministros, Yuan Um (apud, OLIVEIRA, 2002, p. 101), afirmou que a alternativa do socialismo era fundamental para a China, mas foram anotados graves defeitos. Segundo o Ministro, a principal falha seria a centralização e excessivos controles praticados durante décadas no país. E essa abertura econômica a partir de 1979, proporcionou um enorme desenvolvimento para o país. Chung (2005, p. 09) afirma que esse sucesso chinês decorre da enormidade de seu mercado consumidor, da grande disponibilidade de mão-de-obra barata, e de sua forte proposta exportadora. Um dos fatos mais marcantes nessa trajetória econômica de sucesso que a China vem trilhando ao longo desses 20 anos foi a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC). Muitos autores, inclusive, chegam a apontar que a China conseguiu uma entrada nesta organização gozando de benefícios que poucos países podem sequer imaginar. Oliveira (2002, p. 208) afirma que a entrada da China na OMC foi considerada uma conquista chinesa na área da diplomacia comercial, uma vez que o país conseguiu impor uma série de condições básicas para seguir as regras da entidade. Situação bem diferente da maioria dos países que buscam penetrar na organização, muitas vezes aceitando de forma incondicional o que é proposto pela mesma. Outro autor a dar destaque a esta entrada da China na OMC é Chung (2005, p. 37). Para o autor, o mercado chinês está mais aberto, e em contrapartida muito mais competitivo que antes. “Essas mudanças têm alterado significativamente os fatores de sucesso e de fracasso nas negociações com a China. O que era considerado essencial, em 1980, por exemplo, já não é mais relevante em 2000 (...) (CHUNG, 2005, p. 37)”. 57 Segundo Studwell29 (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.15), o contínuo desenvolvimento da China é marcado por um espetacular desempenho econômico que vem desde o fim dos anos 70 e pela extraordinária capacidade de sustentar elevadas taxas de crescimento no longo prazo. Todo este espetáculo do desenvolvimento que envolve os chineses acaba gerando uma euforia e onda de otimismo que pode ser percebida nos quatro cantos do globo. Isso pode ser comprovado pela enormidade de matérias de capas de revistas, que estampam cada vez mais essa onda de desenvolvimento que gira em torno da China. Um exemplo do que foi tratado acima é a recente capa de uma das revistas semanais de maior circulação no Brasil, VEJA30. A revista traz uma série de reportagens que abordam desde os novos costumes que vem surgindo no país (provenientes desta nova fusão com o mundo ocidental), até previsões de ordem econômica que apontam a China como a maior potência do futuro. Para Studwell (apud REVISTA COMÉRCIO EXTERIOR, 2004, p.15), esse bom desempenho ao longo de mais de duas décadas pode ser explicado por significativas mudanças estruturais que vão desde melhorias no padrão de vida da população até sua inserção dinâmica e ativa no cenário do comércio mundial. Sobre as afirmações do autor acima, apontaremos alguns dados do ano de 2002, fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil31, que demonstram um pouco da força do país em questão. O PIB da China girava em torno de US$ 1,23 trilhão no ano de 2002, apresentando um crescimento médio anual de 7,7%. No mesmo ano, o comércio exterior da China apresentou 29 STUDWELL, J. The China Dream, Profile Books, 2002. VEJA, São Paulo, Ed. Abril, 9 de agosto de 2006. 31 Dados retirados do catálogo do Ministério das Relações Exteriores. Como Exportar : República Popular da China. Brasília, 2004, p. 07. 30 58 uma taxa anual de crescimento de 15%, as exportações atingiram US$ 325,6 bilhões (o que representou a quinta posição no ranking mundial, cerca de 5,1% das exportações globais). Outro dado importante refere-se à significativa melhora da qualidade de vida da população. A renda per capita da população urbana subiu de US$ 622,4, em 1997, para US$ 930,3, em 2002. Na zona rural estes números passaram de US$ 252,22 para US$ 299,03 no mesmo período. Como podemos perceber, a economia chinesa está se consolidando como uma das mais influentes do mundo. Todo este desenvolvimento gera um enorme otimismo, conforme vimos anteriormente, com relação à possibilidade da China vir a ser a maior potência mundial dentro de alguns anos. A longo prazo é impossível prever o que poderá acontecer. Possivelmente a China pode consolidar-se como a maior nação industrial do mundo pela política e o baixo custo da sua mão-de-obra, suficientes para garantir as próximas décadas de produção (CHUNG, 2005, p. 61). Esta afirmação de Chung nos trás um questionamento levantado por alguns estudiosos. Apesar de toda essa euforia, não se pode prever o que poderá acontecer. A reportagem de Veja (2006, p. 9), citada anteriormente, também chamam a atenção para este fato. Segundo Gryzinski, Jardim, Ribeiro, Vitale e Weinberg (apud VEJA, 2006, p.8), editores dessas matérias especiais, nada com relação à China é de fácil entendimento. Os mesmos levantam, dentre outros, o questionamento: como uma economia capitalista pode progredir em ritmo tão extraordinário em uma sociedade oficialmente ainda comunista? Por tudo isso, é importante destacar que existem autores que descordam de todo este otimismo envolvendo a economia chinesa. Muitos se apóiam ao fato da China ainda não ser um país extremamente aberto ao mercado global, ainda impondo muitas regras àqueles que desejam ali se infiltrar, ainda se valendo das vantagens de um governo socialista. Para esses autores, quando de fato a economia chinesa estiver globalizada, poderão aparecer no país diversos problemas comuns a qualquer outra nação considerada ainda em desenvolvimento. 59 Devemos destacar então que este trabalho estará fundamentado na visão daqueles que apresentam a China como a grande promessa para o futuro, daqueles que acreditam que os negócios com os chineses deverão ser prioridade para os países que querem se manter no topo das relações comerciais, acompanhando o crescimento e desenvolvimento desta nação que deverá estar à frente das principais nações mundiais dentro de alguns anos. 2.4.3 ORGANIZAÇÕES CHINESAS: O CAPITALISMO SOCIALISTA Conforme vimos levantando ao longo do trabalho, Brasil e China possuem diferenças culturais muito marcantes e, como já estudado, diferenças culturais geram culturas organizacionais também diferentes. E, por conseqüência, tem-se grande influência nos negócios entre os países. Antes de abordamos as características da cultura chinesa que influenciam o modo de se fazer negócios na China, é importante ressaltarmos alguns pontos da economia chinesa que ainda são conflitantes. Atualmente, a China passa por um momento de transição econômica. Story (2004, p. 319), ressalta o fato dos negócios privados na China terem sido proibidos durante 50 anos, entre 1949 e 1999. Conforme já vimos anteriormente, a bem-sucedida filiação da China à OMC foi marcante para a grande entrada de investimentos estrangeiros. Como esteve sob a guarda de um regime socialista extremamente fechado durante muito tempo, percebe-se que, mesmo após a sua entrada para a OMC e de ter sido reconhecida como uma economia de mercado32, o país ainda enfrenta uma série de características conflitantes entre socialismo e capitalismo. Mas deve-se ter em mente que a economia chinesa, embora esteja abraçando aceleradamente o capitalismo, sofre ainda forte influência da sua história e política partidária, de forma que é improvável que a China se converta no modelo capitalista pleno. A China molda-se na direção de uma forma de capitalismo socialista: a busca 32 Característico do regime capitalista, o termo “economia de mercado” é definido por Chung (2005, p. 158) como a economia onde os jogadores, vencedores e perdedores, estão sujeitos às forças do mercado livre, e a lei e as instituições são organizadas de forma a torná-la possível. 60 pela riqueza sem abrir mão do controle autoritário, centralizado. Embora as empresas chinesas estejam adotando as práticas gerenciais ocidentais, é improvável, também, crer que a industrialização chinesa venha a ocorrer nos moldes ocidentais, uma vez que a forte influência governamental e os valores culturais sociais continuarão afetando profundamente a cultura organizacional, as estruturas e os processos gerenciais adotados (CHUNG, 2005, p. 31). Verificamos então que a cultura organizacional chinesa está diretamente influenciada pelo regime socialista do governo. Nesta fase transitória, nota-se que, apesar de já existirem grupos privados no país, os mesmo ainda recebem grande interferência governamental. Os próprios políticos chineses reconhecem essa influência. Como destaca Chung (2005, p. 158), “Os próprios políticos chineses referem-se à China como um modelo de economia socialista de mercado”. Uma vez destacada essa forte presença do governo nas empresas chinesas, falta-nos agora apontar os traços culturais chineses que estão por trás da formação da cultura de suas organizações. Por esta razão, passaremos agora à identificação dos principais traços da cultura chinesa, visando sempre um paralelo entre a cultura do povo e sua influência no modo de encarar o ambiente organizacional. 2.4.4 CULTURA CHINESA: RESPEITO À TRADIÇÃO MILENAR Num país tão antigo quanto a China, é natural que o povo tenha o costume de sustentar suas tradições, valores e costumes milenares. E talvez sejam estas as características que mais identificam a cultura chinesa: as tradições milenares. Chung (2005, p. 62) afirma que, embora os tempos tenham mudado e os desafios de hoje sejam diferentes, a capacidade intelectual e as tradições comportamentais mantiveram-se quase inalteradas. Um exemplo do que foi citado acima poderia ser descrito através de textos que descrevem práticas administrativas milenares na sociedade chinesa. Podemos perceber que 61 traços ainda identificados na sociedade atual já foram descritos há 4.000 anos atrás. “Bem antes de 350 a.C. os chineses já diziam que os líderes deveriam comandar pelo exemplo pessoal em vez de dar ordens, e também estimular a lealdade e o apoio dos seus subordinados (CHUNG, 2005, p. 64)”. Também podemos notar essa referência dos chineses aos costumes antigos através da afirmativa extraída da Revista de Comércio Exterior (2004, p.22) que diz que os valores vigentes na contemporânea sociedade consideram como qualidades positivas a obediência, lealdade aos superiores, respeito à hierarquia, fidelidade aos amigos e a procura da harmonia. Estes valores têm como base a moral confuciana. Por mais de 2.400 anos os ensinamentos dele formaram a base da educação chinesa. E durante esses dois milênios, o conhecimento profundo dos textos de Confúcio era requisito essencial para os exames de seleção aos cargos oficiais do Império. Confúcio sustentava que uma sociedade organizada sob um código moral benevolente seria próspera, politicamente estável e forte contra ataques inimigos. Ele ensinava que esse código moral começava pela reverência e respeito aos sábios e aos pais (CHUNG, 2005, p. 86). Verificamos então que Confúcio foi, além de filósofo, um grande professor, incentivando a educação das pessoas através da disciplina. E seus ensinamentos ultrapassaram milênios, uma vez que a sociedade chinesa, com poucas mudanças, ainda tenha como base a moral pregada por ele. Segundo Chung (2005, p. 86), Confúcio centrou-se no estudo da natureza humana, na educação, no desenvolvimento pessoal e nas relações interpessoais. Dentre estes estudos podemos destacar um ensinamento, em que, segundo afirmativa do mesmo autor (p. 86), as pessoas seriam semelhantes ao nascer e se diferenciam com o tempo, através do resultado das experiências pessoais e da moldagem social ou cultural. Através deste ensinamento, podemos notar mais uma vez a forte importância que Confúcio dava à educação no destino de cada um. Ainda dentro dos ensinamentos de Confúcio, Chung (2005, p. 87) destaca os princípios básicos da construção desta moral. O primeiro princípio afirma que a estabilidade da sociedade está baseada num relacionamento desigual entre as pessoas. “Esses 62 relacionamentos são baseados em obrigações mútuas e complementares. A parte mais jovem deve ao mais velho respeito e obediência. O mais velho deve ao mais jovem proteção e consideração (CHUNG, 2005, p. 87)”. O segundo princípio nos remete à importância da família em nossa formação. Chung (2005, p. 87) afirma que, para Confúcio, a família é o protótipo e a célula de toda organização social. Isso quer dizer que a pessoa não é um ser isolado, mas, antes de mais nada, membro de uma família. Por fim, o terceiro princípio diz respeito ao comportamento. Conforme afirmação de Chung (2005, p. 87), Confúcio pregava que o comportamento virtuoso em relação aos outros consiste em não tratá-los do modo como você não gostaria que os outros o tratassem. Apesar de serem considerados os principais formadores da base moral chinesa, os princípios de Confúcio não foram a única base filosófica de toda essa formação. Além dele, outras filosofias têm grande importância na vida chinesa, como o taoísmo e o zen-budismo. O taoísmo ensina a existência de opostos em todas as coisas da natureza (ying e yang) e a importância da sua integração e equilíbrio para trilhar o Caminho. E o zenbudismo ensina a auto-reflexão e o despertar consciente dos recursos inconscientes, conhecido como iluminação (CHUNG, 2005, p. 87) Não iremos nos aprofundar nessas outras bases filosóficas, daremos enfoque aos ensinamentos deixados por Confúcio, uma vez que estes são de maior relevância para o trabalho em questão. Todo esse ensinamento deixado por Confúcio, que centram-se na obediência, lealdade aos superiores, respeito à hierarquia, fidelidade aos amigos e na procura pela harmonia, foram sempre repassados aos chineses por seus ancestrais. Tradicionalmente, os chineses sempre respeitaram e valorizaram essa cultura milenar. Neste sentido, veremos adiante que todos esses traços fizeram com que os chineses desenvolvessem uma forma bem característica de agir e se portar diante de uma negociação. 63 Sendo assim, passaremos agora a apontar os traços dos negociadores chineses, ainda pouco habituados ao mercado externo, mas que, no entanto, têm se saído muito bem nesta arte de negociar. E, seguindo os interesses do objetivo principal deste trabalho, traçaremos um paralelo entre as culturas organizacionais chinesa e brasileira no âmbito dos negócios. 2.4.5 TRAÇOS DA CULTURA CHINESA NOS NEGÓCIOS: DIFICULDADES ENCONTRADAS PELO BRASIL Para ser bem-sucedido na China, ou com os chineses, você precisa aprender mais do que um conjunto de “etiquetas comportamentais” e de como se comportar em situações negociais e sociais. Você precisa reaprender algumas coisas que já sabe e realinhá-las para lidar com outras mentalidades estratégicas (CHUNG, 2005, p. 21). O que o autor quis dizer acima é que, para encarar um universo completamente diferente, como o chinês, você precisa ir além daquilo que já está supostamente universalizado como correto, não basta aplicar as estratégias negociais e sociais já conhecidas. A cultura dos asiáticos é bem diferente da ocidental, podendo apresentar variáveis bem desconhecidas. Segundo Chung (2005, p. 23), “A falta de sensibilidade aos tabus e regras culturais é o fator principal dos fracassos em negociação e de conflitos comerciais e legais entre pessoas de estilos diferentes”. Muitos hábitos e estilos de decisões parecerão estranhos e irritantes aos empresários brasileiros. Conforme já visto anteriormente, os chineses são pessoas com fortes tradições, suas estratégias para o comércio internacional serão baseadas em valores familiares, sistema de crenças, enfim, deverão desenvolver um complexo código de conduta e protocolos sociais. Diante de um estrangeiro, o chinês não expõe seu raciocínio e sentimentos. O que acabamos conhecendo é apenas um “quartinho” desse palácio proibido e, além de tudo, mal iluminado. Quando um ocidental nele entrar, perceberá alguns “móveis” e “objetos”; alguns semelhantes aos nossos, outros muito estranhos, outros muito antigos, e poderá ainda surpreender-se com alguns objetos muito novos. Algumas coisas talvez não sejam percebidas na semi-escuridão, e poderão machucalo bastante (CHUNG, 2005, p. 24). 64 Através deste exemplo metafórico, o autor nos apresenta esta dificuldade ocidental em se entender o que pensam ou sentem os chineses no ato da negociação. Quando nos voltamos para as relações entre Brasil e China, percebemos que os valores e prioridades sociais e comerciais são muito diferentes entre essas duas culturas. Assim também quando lidamos com códigos e etiquetas sociais, que talvez sejam as formas mais visíveis da expressão da cultura de um povo, vemos que a sociedade chinesa se caracteriza por uma série de protocolos de rituais. Passaremos então a destacar alguns pontos dessa regra de conduta chinesa que podem parecer estranhos para os brasileiros. 2.4.5.1 Formalidade nas relações Chung (2005, p. 93) afirma que os chineses têm uma personalidade mais internalizada, são pessoas que obtêm satisfação pessoal com a sua própria existência, e não com relacionamentos calorosos e amigáveis entre várias pessoas. Já nesta primeira característica, podemos notar pontos conflitantes entre a cultura brasileira e chinesa. No Brasil, vimos que os indivíduos tendem a ser mais afetuosos e menos formais. Para Chung (2005, p. 94), a cortesia e educação chinesas não têm o nosso apego humano nem permitem facilmente o nosso estilo de informalidade. 2.4.5.2 Guanxi Esta segunda regra de conduta chinesa está relacionada à influência de uma rede de conexões que os chineses buscam a fim de conseguirem um bom resultado profissional ou social. Mas é importante ressaltarmos que este tipo de conexão para os chineses não significa o mesmo tipo desenvolvido pelos brasileiros quando, por exemplo, estes buscam logo serem 65 “apadrinhados” dentro de uma organização a fim de conquistarem postos de trabalho mais elevados. Segundo a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 24) “O guanxi, uma acepção intraduzível para os ocidentais, é a pessoa encarregada de relacionamentos e conexões, um padrinho, um cidadão influente na China que pode facilitar os entendimentos ou mitigar as dificuldades que surgirem”. O guanxi é uma pessoa influente, com bons relacionamentos na China. Assim como ele poderá abrir oportunidades para negócios, também poderá servir de entrave para a entrada nesta rede de relacionamentos conduzida por ele. Para Chung (2005, p. 99), sem uma boa influência para abrir esta barreira do guanxi, poucas coisas são, ainda, realizadas na China. Chung (2005, p. 99) destaca ainda que, na China, qualidade do Guanxi e competência profissional podem conviver igualmente. Para os brasileiros, essa afirmativa pode não ser muito bem compreendida, uma vez que, no país, nem sempre quando um indivíduo sobe em um posto de trabalho devido a um “apadrinhamento”, significa que ele está devidamente habilitado para o cargo. Outro fator que exige maior compreensão e respeito ao Guanxi é que muitos brasileiros têm dificuldade de entender o conceito de obrigações sociais sem que haja uma ameaça legal implícita. E muitos brasileiros sentem-se irritados com as longas e demoradas atividades sociais em que os chineses se envolvem, discutindo coisas periféricas sem chegar ao ponto essencial do encontro (CHUNG, 2005, p. 99). O que o empresário brasileiro deve ter em mente neste tipo de situação, em que os chineses parecem não ser objetivos o suficiente, é que o relacionamento para eles é criado lentamente e com cautela, conforme já citamos. Porém, uma vez que este relacionamento é firmado, torna-se bem difícil o seu rompimento. Chung (2005, p. 99) afirma que eles possuem uma regra básica de não se envolverem com alguém que não valha a pena. 66 2.4.5.3 Estilos de comunicação Quando falamos em estilo de comunicação, a primeira coisa a se destacar é o idioma utilizado nesse país. A barreira causada pela diferença de idiomas já é de se esperar não apenas entre relações comerciais com a China, mas também entre todos os outros países que falem uma língua não tão disseminada. Segundo a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 23), muitos executivos chineses não falam inglês e recorrem a um intérprete. Isso pode acarretar em equívocos no momento da tradução. Por outro lado também, sabe-se que o principal idioma na China, o mandarim, não está muito difundido entre os empresários brasileiros, logo, os entraves com relação à comunicação já partirão de imediato da questão lingüística. Neste caso, o uso de um bom tradutor será imprescindível. Chung (2005, p. 122) declara que, na cultura chinesa, a presença de um bom tradutor e as atividades estratégicas de um intermediário são essenciais para o desenvolvimento harmônico nas relações. Ainda nesse processo de comunicação, Chung (2005, p. 103) afirma que os chineses tendem a ser passivos e polidos na comunicação com parceiros não-chineses. O autor aponta que eles acompanham as discussões em tom amigável, demonstrando interesse. Neste mesmo sentido, a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 24) ressalta que o executivo chinês pode balançar a cabeça muitas vezes durante a reunião, no entanto, o gesto apenas indica que o interlocutor está prestando atenção, não quer dizer que ele esteja de acordo com o que está sendo dito. Esse comportamento dos executivos chineses pode despertar um sentimento de revolta entre os executivos brasileiros. Chung (2005, p. 103) afirma que os ocidentais costumam encarar essa atitude chinesa como se tivessem sido enganados, uma vez que os chineses pareciam concordar com tudo que estava sendo dito. 67 Os brasileiros de fato tendem a ser bem mais objetivos e articulados em suas negociações, mas precisam estar atentos para o fato dos chineses considerarem esse comportamento ofensivo. 2.4.5.4 Respeito pela autoridade Os chineses procuram cumprir suas obrigações por meio da obediência e do respeito total à autoridade formal. “Eles enfatizam os relacionamentos verticais, submetem-se à hierarquia e não se arriscam a ofender um superior, atropelando a cadeia de comando para resolver seus problemas (CHUNG, 2005, p. 106)”. Esse respeito à hierarquia e à obediência, conforme ressaltamos nos ensinamentos deixados por Confúcio aos chineses, não se trata de uma idéia de submissão, ao contrário, é encarado como uma qualidade positiva, é um sinal de respeito. Conforme destaca Chung (2005, p. 106), “Eles se consideram fiéis defensores dos protocolos corretos de conduta interpessoal, prescritos claramente nos princípios de Confúcio”. Entretanto, todo esse respeito dos chineses aos seus superiores é acompanhado de uma série de expectativas. Os chineses vêem na figura do chefe uma pessoa infalível, dele se esperam sempre a atitude correta. Essa característica chinesa, no entanto, é encarada pelos ocidentais como um excesso de dependência chinesa de figuras autoritárias e também de uma certa incapacidade de agir com iniciativa. Para Chung (2005, p. 106), “Eles encaram a indisposição dos chineses em buscar relacionamentos de igualdade com seus pares da organização como sinal de preocupação excessiva com a burocracia e a hierarquia”. Entre os executivos brasileiros há a tendência a se respeitar as relações hierárquicas verticais, enquanto buscam um relacionamento horizontal com seus funcionários e superiores para troca de informações e de decisões. No entanto, consideram seus superiores pessoas com conhecimento, mas aceitam que elas podem falhar. 68 Segundo Chung (2005, p. 107), os ocidentais buscam um equilíbrio entre o respeito pela posição e a idade com a responsabilidade de dar contribuições relevantes. Mas o autor também afirma que essa liberdade é encarada pelos chineses como sinal de falta de educação e um desrespeito à autoridade. Seria como se estivessem violando a ordem natural das coisas. 2.4.5.5 Modo de lidar com as informações Segundo afirmação de Chung (2005, p. 107), “Os chineses são considerados crentes em estatísticas e outros dados de pesquisas, que são, geralmente, aceitos, sem críticas, como verdades, especialmente se a fonte vier de uma autoridade reconhecida ou do governo”. Nesta norma de conduta chinesa iremos perceber claramente o poder da influência do governo na cultura das organizações chinesas. Para os brasileiros, no entanto, essa aceitação da informação, sem a obrigatoriedade de uma confirmação a respeito da procedência da fonte, pode não ser muito bem compreendida. Segundo Chung (2005, p. 107), os ocidentais consideram seus pares chineses pessoas crentes, pela facilidade com que aceitam informações como válidas, sem buscar antes uma verificação pessoal e independente. Por outro lado, os chineses classificam como paranóica essa descrença ocidental pelas informações e constante busca por confirmações. Para Chung (2005, p. 107), “Os chineses comportam-se como se o melhor julgamento para validar uma informação fosse tudo aquilo que se ajusta à sua experiência do passado e à sua intuição”. Mais uma vez, notamos a forte presença do valor aos conhecimentos do passado, valores como experiência e sabedoria, típicos da sociedade milenar chinesa. Sendo assim, buscamos apontar alguns dos principais traços das normas de conduta chinesa, sempre buscando confrontá-los com os principais traços culturais verificados na cultura brasileira. É importante deixarmos claro também que essa norma de conduta chinesa também irá gerar uma série de normas de etiqueta bem particular dos chineses. Entretanto, 69 todo esse código de etiqueta nada mais é do que o reflexo de todo esse aparato cultural vivenciado na China. Conforme já citado, não bastaria aos ocidentais que apenas decorassem uma série dessas regras de etiqueta chinesa. Quando lidamos com questões culturais, devemos ir bem mais a fundo, buscando sempre compreender o porquê de todo esse comportamento. 70 2.5 BRASIL X CHINA: BARREIRAS CULTURAIS SUPERÁVEIS Vimos que, quando lidamos com esses traços conflitantes entre Brasil e China, alguns pontos deverão ser destacados e estudados de maneira a não impedirem que os mesmos se transformem em barreiras às negociações. (...) a ignorância intercultural nos faz acreditar que outras pessoas pensam como nós. A culpa não é só nossa, por não estudarmos com mais seriedade a cultura chinesa, mas também da China, que, por tradição, sempre se manteve envolta por um véu, através do qual podemos perceber apenas alguns detalhes, suficientes para estimular a nossa imaginação e conduzir-nos mais ao erro do que à sabedoria (CHUNG, 2005, p. 22). Tendo culpa ou não nessa ignorância intercultural definida pelo autor acima, o fato é que será sempre de bom tom que os principais interessados no sucesso da negociação, no caso o Brasil, se encarreguem da identificação e adequação aos traços da outra parte, a China. Para Chung (2005, p. 22) “A recomendação aos negociadores e expatriados é para que não deixem nada à improvisação. Procurem estudar, antecipar, planejar e aprender rapidamente com suas experiências”. Para os brasileiros, fica o recado para não se deixar levar pelo “jeitinho” e tendência ao improviso. Reconhecemos que conflitos, choque cultural e dificuldades da aprendizagem intercultural são percalços comuns no desenvolvimento de empresas que decidirem participar do mercado ou das oportunidades comerciais com a China. É uma jornada dura, que exige boa liderança porque envolve mudanças culturais, estruturais e estratégicas da própria organização (CHUNG, 2005, p. 120). Mas apesar de toda essa dificuldade em se entender os traços da cultura chinesa e seus reflexos no modo de agir nas negociações, é importante ressaltar que essas dificuldades podem ser superadas, basta que os brasileiros demonstrem o conhecimento e respeito pelas normas chinesas. Chung (2005, p. 123) afirma que “Eles entendem que, se um indivíduo não for chinês nem tiver nascido na China, nunca será capaz de agir como tal, independentemente do grau de conhecimento que tenha dessa sociedade ou cultura. Portanto, a preocupação dos brasileiros com o estudo e conhecimento a respeito de todo aparato cultural que envolve a China deverá ser entendido como uma forma de obter 71 vantagem competitiva nesta acirrada corrida dos países pelo mercado chinês. Uma vez que os brasileiros compreendam e respeitem as normas de conduta chinesa, poderão ser estabelecidos elos de negociação difíceis de serem quebrados. Segundo a Revista de Comércio Exterior (2004, p. 23), “Para os chineses a herança cultural é inalienável. O êxito ou fracasso nas negociações fica na dependência da seriedade nas atitudes e respeito pelas tradições e costumes do país”. Isso quer dizer que, se por outro lado, os brasileiros também não se empenharem no estudo das características culturais chinesas, poderão ser ofensivos e criar sérias barreiras para suas negociações. 72 3. CONCLUSÃO Em época de globalização, em que os países estão cada vez em maior contato uns com os outros, as transações internacionais são cada vez mais freqüentes, vimos que o estudo da cultura organizacional tornou-se uma ferramenta estratégica para aqueles que desejam se sobressair diante de tanta concorrência. Isso se dá não apenas pela necessidade das empresas em possuírem uma identidade cultural própria, mas também para entenderem e estarem mais bem preparadas quando o objetivo maior é obter sucesso com organizações detentoras de outras culturas. Vimos que existem diversos elementos que podem ser responsáveis pela cultura organizacional, no entanto, a mais importante quando falamos em âmbito de negociações internacionais é a cultura nacional. A cultura do país onde a empresa se localiza irá prevalecer sobre os demais elementos. Mesmo quando pensamos em uma cultura global das organizações, como é o caso das transnacionais, ainda existem muitas barreiras culturais impostas pela nação que recebe esta empresa estrangeira em seu país. Vimos que isto ocorre muitas vezes como uma forma natural de auto-defesa de um povo. 73 E é justamente neste contexto, no qual deve-se ajustar a necessidade das organizações de se lançarem no mercado internacional a uma possível barreira cultural do país com o qual pretende se infiltrar e manter boas relações comerciais, que buscamos identificar e compreender os principais traços culturais dos países envolvidos, bem como a maneira como todo esse aparato cultural irá influenciá-los no ato de uma negociação. Como o nosso objetivo principal envolvia negociações entre Brasil e China, ressalvamos a importância dos negócios com a China para o Brasil. Verificamos que o imenso país oriental, cheio de contradições em seu regime socialista em fase de transição, apresenta números surpreendentes em sua economia. Fato que acaba gerando um certo consenso de que a China deverá vir a ser a maior potência mundial dentro de alguns anos. E como o nosso foco girava em torno de relações entre esses países tão distintos como a China e o Brasil, era necessário que identificássemos os principais traços de suas culturas organizacionais. Para tanto, fizemos levantamentos de seus históricos, buscando sempre compreender como foram formados os principais traços culturais dos países em questão, sempre buscando projeta-los a um ambiente organizacional. No caso do Brasil, vimos que o país apresenta traços culturais que vêm de sua base colonizadora formada, principalmente, por três raças distintas: a indígena, portuguesa e a negra africana. Vimos que a fusão dessas três raças formaram traços característicos de nossa cultura, dentre eles, destacamos: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro. Quando então nos voltamos para as características da cultura chinesa, primeiramente fizemos um breve levantamento de seu histórico. Vimos que sua cultura milenar passou por séculos sobre o comando de diferentes dinastias. Verificamos que o país sempre esteve muito fechado, o que acabou criando sobre ele um ar misterioso, despertando a curiosidade dos demais países. 74 Percebemos que toda essa cultura milenar está centrada no valor à tradição, em tudo que fora passado por seus ancestrais. Vimos que a moral chinesa está baseada principalmente nos ensinamentos deixados pelo filósofo Confúcio. Verificamos que estes ensinamentos deram aos chineses uma forma peculiar de negociação, baseada em ritos de protocolo. Além disso, destacamos que a identificação de uma cultura organizacional chinesa torna-se um pouco confusa, isso porque esta fase de transição para uma economia de mercado acaba gerando contrastes ainda não muito bem definidos. Vimos que, apesar da economia chinesa já apresentar grandes avanços no sentido de abertura econômica, percebe-se que o governo ainda é a principal influência em suas organizações. No entanto, apesar deste problema em torno da identidade de uma cultura organizacional chinesa, buscamos identificar os principais níveis de comportamento apresentados pelos chineses quando estes são colocados frente a negociadores internacionais. Dentre estes principais níveis, destacamos: a formalidade nas relações, a figura do Guanxi, o estilo de comunicação, o respeito pela autoridade e a forma de lidar com as informações. Ao mesmo tempo em que identificamos este comportamento chinês, traçamos um paralelo entre ele e as possíveis divergências que podem ser enfrentadas pelo brasileiros devido às diferenças culturais tão marcantes. De fato, vimos que diversas barreiras culturais podem atrapalhar os negócios entre o Brasil e a China, no entanto, verificamos que estes entraves culturais podem ser superados, desde que haja o interesse e emprenho brasileiro para compreender a cultura chinesa, identificar seus principais traços e, principalmente, respeitar essas diferenças culturais e seus códigos de conduta. Ressaltamos que os chineses não vislumbram um comportamento ocidental idêntico ao deles. Vimos que eles reconhecem que possuem uma cultura diferente, supõe até mesmo um 75 certo ar de superioridade, e que jamais um ocidental poderá ser como um chinês. No entanto, para os chineses é fundamental que seus valores e tradições sejam respeitados. 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBANO, A. ,G. ,B. & LIMA, S.;,M, B. Um Estudo sobre clima e cultura organizacional na concepção de diferentes autores. Campinas: URCAMP, 2002, p. 33-40. CALDAS, M & MOTTA, F. C. P. (org.). Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. São Paulo: Atlas, 1997. CHINA. Beijing: Nova Estrela, 1999. CHINA. VEJA, São Paulo: Abril, 2006, ano 39, n° 31, ed. 1968, p. 93-197. CHUNG, T. Negócios com a China. Osasco: Novo Século, 2005. COMÉRCIO Exterior, Informe Banco do Brasil, nº 52, marco/abril 2004. DE SOUZA, E., L., P. Clima e Cultura Organizacional: como se manifestam e como se manejam. Porto Alegre: Edgard Blücher, 1978. DIAS, R. Cultura Organizacional. Campinas: Alínea, 2003. FACCHINETTI, C. Cultura Organizacional: estudos introdutórios fundamentais. Disponível em: < http://antropologia.ubbihp.com.br/culturaorganizacional1.htm> MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. 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