Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma

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Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História.
Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma
história.
Cynthia Liz Yosimoto (Bolsa FAPESP/IC)
(Orientação: Marcos Napolitano)
São Paulo, 2011
1
1. Resultados científicos
O longa-metragem Olga (2004), dirigido por Jayme Monjardim, escrito e
produzido por Rita Buzzar, é uma adaptação da obra homônima (1985) do jornalista
Fernando Morais. Trata da vida da judia Olga Benário (1908-1942), militante comunista
alemã, desde sua militância na adolescência em Munique, até sua morte no campo de
concentração nazista de Bernburg em Abril de 1942 – embora o recorte temporal vá até
1954, ao noticiar a data do suicídio de Getúlio Vargas nos letreiros finais. Sua narrativa
se inicia no último dia de vida de Olga (Camila Morgado) que, em flashback, tem
recordações, as quais se desenrolam nos 141 minutos do longa-metragem. Como se
revisse sua trajetória, sua primeira lembrança é a do assalto à prisão de Moabit, episódio
em que libertou à força seu namorado Otto Braun (Guilherme Weber); acompanhamos
sua participação em manifestações de rua em Munique, e o momento em que deixa a
casa dos pais. Após a libertação de Braun, seguem para Moscou, onde o relacionamento
amoroso se encerra e recebe a missão de escoltar Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler) ao
Brasil, país no qual se planeja fazer a Revolução. Disfarçados de casal lisboeta, se
apaixonam durante a viagem e em terras brasileiras participa do malogrado levante do
Rio de Janeiro de Novembro de 1935. Na prisão, Olga descobre estar grávida e logo é
deportada para a Alemanha, onde tem sua filha Anita Leocádia Prestes. Por meio de
campanha internacional, a família de Prestes recebe a guarda da criança. Em 1942, a
militante comunista é assassinada em uma câmara de gás em um campo de
concentração em Bernburg.
A biografia de Fernando Morais, embora não se caracterize como uma obra de
História, foi escrita com base em uma variada gama de documentos e depoimentos, de
modo que se tornou referência sobre o assunto. Conquanto se concentre nos aspectos da
vida pessoal de Olga, constrói uma narrativa detalhada de sua trajetória de militante
comunista,
citando
seus
cargos
dentro
das
organizações,
descrevendo
seu
desenvolvimento teórico, seus anseios e atuação política de maneira geral. Da mesma
forma, apesar da menor ênfase, traz o histórico político de Prestes, explicitando os
caminhos que o conduziram à adesão ao comunismo. Morais busca apresentar a alemã
em sua plenitude, evidenciando a coerência entre vida pessoal e política, como aspectos
naturalmente interligados. O recorte temporal do livro vai do episódio do assalto à
prisão de Moabit em Abril de 1928, regredindo em alguns momentos para a
2
adolescência de Olga, trazendo a trajetória do líder comunista, até o ano de 1945,
quando Prestes fora libertado da prisão.
A idéia de adaptar a obra do jornalista para o cinema partiu da produtora e
roteirista do filme Rita Buzzar. Formada na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, Buzzar foi autora de minisséries para a televisão como Rosa
dos Rumos (1990, Rede Manchete), A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990, Rede
Manchete) dirigida por Jayme Monjardim, e A Queridinha (Rede Manchete). Escreveu
também os roteiros de Lara e Maria dos Prazeres, produção internacional de Carlos
Ponti, além de dirigir documentários para a televisão, como Carandiru.doc. Em 2009
foi produtora e roteirista de Budapeste (Walter Carvalho, 2009), adaptação da obra
homônima de Chico Buarque. Inicialmente, Olga estava planejado para ser dirigido por
Sérgio Toledo, entretanto, acabou por ser dirigido pelo já conhecido companheiro de
trabalho da roteirista, Jayme Monjardim.
O diretor encabeçou então seu primeiro longa-metragem. Sua experiência com o
cinema esteve restrita a curta-metragens, fez cerca de vinte curtas, o primeiro deles
sobre sua mãe, Maysa, no final da década de 1970. Na televisão dirigiu trabalhos como
Pantanal (1990) na Rede Manchete, e pela TV Globo, Terra Nostra (1999), Aquarela
do Brasil (2000), Chiquinha Gonzaga (1999), O Clone (2001), A Casa das Sete
Mulheres (2003), Páginas da Vida (2006), Maysa, quando fala o coração (2008) e
Viver a Vida (2009).
Para contar a história da militante comunista, Rita Buzzar investiu sete anos de
pesquisa, encontrando dificuldades na captação de recursos pelo alto custo que geraria
devido ao número elevado de atores (por volta de 300), à variedade de locações, bem
como a necessidade de empenho técnico para representar os episódios dos anos 30.
Diante da falta de investidores, a roteirista, que havia comprado os direitos autorais do
livro em 1995, começou a levantar os recursos por conta própria. Em 2002, a Globo
Filmes juntou-se à produtora principal Nexus Cinema, desenvolvendo uma co-produção
em parceria também com a Europa Filmes e a Lumière. As leis de incentivo fiscal
permitiram o apoio financeiro de companhias privadas1, colaborando na viabilização da
produção cinematográfica. Tendo custado R$12 milhões, se constituiu como um grande
1
Credicard, Petrobras Distribuidora, BNDES, White Martins, Furnas Centrais Elétricas, Banco BanespaSantander, Banco BBA-Itaú e Rio Bravo Investimentos.
3
sucesso de público, garantindo mais de três milhões de espectadores e um lucro em
torno de vinte milhões de reais2.
Como fontes de pesquisa, Buzzar “teve acesso a todas as pesquisas realizadas
por Fernando Morais e estudou o contexto histórico mundial, o nazismo, o comunismo e
o Brasil de 1935”3. Recebera uma bolsa do Instituo Goethe que lhe permitiu viajar à
Alemanha para pesquisar os arquivos da Gestapo, além de visitar os campos de
concentração. Obteve o suporte de Anita Leocádia e Lígia Prestes no compartilhamento
de lembranças e memórias de Luiz Carlos Prestes e de sua mãe, Leocádia; além da
permissão de leitura das cartas trocadas entre a família no período de prisão do casal
Prestes.
A recepção do filme pela crítica especializada foi um tanto negativa. Apesar do
reconhecimento do investimento técnológico, a contraposição com a elogiada biografia
do jornalista foi inevitável, resultando em resenhas pouco apreciativas. Sérgio Rizzo,
jornalista e professor da Escola de Comunicação de Artes da Universidade de São
Paulo, em resenha para a revista História Viva4, critica a opção de privilegiar a história
de amor entre a militante comunista e o Cavaleiro da Esperança, em detrimento do
fornecimento de informações fundamentais para a compreensão dos eventos históricos
retratados. Observa que a escolha do idioma em português, embora contribuísse para o
aumento do público potencial, foi um fator de comprometimento de aspectos sutis do
relacionamento entre Olga e Prestes, intermediado por diversos idiomas, como o
alemão, o russo e o francês. Caracteriza o uso exagerado da trilha sonora para provocar
emoções como anabolizantes, já que, em tese, as situações já seriam suficientemente
comoventes. Rizzo destaca ainda o exagero da interpretação dos personagens históricos
que “discursam, em vez de simplesmente falar, como se essa impostação os
autenticasse”. Em resenha para revista de cinema norteamericana Variety5, Deborah
Young satiriza o longa-metragem, ao referir-se à virada melodramática de Olga, como
“Olga’s transformation from ideologue into human being”, tecendo críticas também à
semelhança com o melodrama televisivo e ao excesso de close-ups.
2
PEREIRA, Miguel Serpa. ESTÉTICAS E MERCADO NO CINEMA BRASILEIRO INCENTIVADO. IV
ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 28 a 30 de maio de 2008. Faculdade de
Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.
3
A produtora e roteirista Rita Buzzar. Press-book de Olga (2004), pp. 7-8.
4
RIZZO, Sérgio. Injustiça reconstituída. Acesso: RG(H) - História Viva, v. 1, n. 10, p. 11, ago. 2004.
5
Young, Deborah. Olga. Notas: Ficha técnica; Sinopse. Variety, LOS ANGELES, v.397, n.7, p. 26, 3-9
Jan. 2005.
4
Em artigo publicado em Araucaria - Revista Iberoamericana de Filosofia,
Política y Humanidades6, o historiador argentino Tzvi Tal desenvolve uma análise que
interpreta a representação do personagem Olga no filme de Monjardim, como uma
santificação do personagem histórico. Sua crítica consiste em apontar que tal
santificação seria geradora de uma espécie de idolatria pela revolucionária martirizada,
sem que, no entanto, se explicitasse os princípios ideológicos ou projetos políticos que
impulsionaram sua militância. Conforme o argentino, tal idolatria, além de contribuir
para o esvaziamento da cultura de significado ideológico, ainda permitiria que seus
realizadores desfrutassem economicamente da veiculação dessa figura histórica
esvaziada.
Já em Estéticas e Mercado no Cinema Brasileiro Incentivado7, Miguel Serpa
Pereira chama atenção para a construção de Olga como um exemplo de vida para o
grande público. Reitera a opinião de que a ênfase no romance torna as questões políticas
secundárias, da mesma forma, acrescenta que as viradas melodramáticas não deixam
dúvidas quanto à filiação estética do filme à telenovela, recursos que teriam garantido a
bilheteria de grande sucesso.
A pesquisadora Miranda Shaw afirma que o uso de valores de telenovela pela
produção cinematográfica faz com que caia nas armadilhas que o livro buscou evitar: a
representação da figura política comunista de Olga Benário como incapaz de
harmonizar sua vida pessoal e política. Em seu artigo8, a autora destaca que Olga está
constantemente atormentada e dividida entre ser fria como um soldado ou empenhada
emocionalmente enquanto mulher, o que, sem que o filme ofereça motivos mais
profundos, omitindo seus pensamentos internos, torna o personagem fragmentado e de
representação comprometida. No entanto, seria o estilo de telenovela empregado para
produzir o filme em tempo hábil, dentro de determinado orçamento e garantia de
sucesso comercial, que teriam contribuído para o comprometimento de sua
representação. Termina por completar, que a incapacidade de construir Olga Benário
enquanto personagem multifacetado que foi, é preocupante para a representação da
6
TAL, Tzvi. Santificando a uma judia comunista: La reacomodación de La identidad brasileña en Olga
(Monjardim, Brasil, 2004). Araucária, Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades, n°
15. Abril de 2006.
7
PEREIRA, Miguel Serpa, op. cit.
8
SHAW, Miranda. Fernando Morais’s Olga translated for the screen: a revolutionary in Rio?. Ipotesi,
Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 153 - 167, jan./jul. 2009.
5
mulher no cinema brasileiro novo, particularmente para a representação da mulher
militante que ainda estaria para encontrar uma voz nos filmes da Retomada.
Quanto à recepção do público, temos como fonte somente as opiniões dos
internautas que deixaram mensagens na seção “Fale com o diretor” do website de Jayme
Monjardim. Os comentários são em sua maioria elogios ao diretor, aos atores,
principalmente à Camila Morgado, ao enredo “realista” e emocionante, à qualidade
técnica, entre outros. Há algumas observações, embora sejam raras, que pedem maior
contextualização histórica, fazem perguntas sobre os fatos históricos mal desenvolvidos
no roteiro, questionam certas omissões ou simplesmente dizem que o filme deixa a
desejar. De um modo geral, os espectadores se mostram orgulhosos da qualidade da
produção cinematográfica brasileira, frequentemente sustentando comparações com o
cinema norteamericano ou com produções nacionais que abordam questões como a
miséria e a violência no país. Orgulham-se também dos “heróis brasileiros”, enaltecem
o heroísmo de Olga, comumente confundindo os valores que embasavam sua luta
comunista com valores universais como paz, justiça social, “um futuro melhor”,
igualdade, entre outros.
A primeira biografia sobre a militante comunista foi escrita em 1961 por Ruth
Werner, colega de militância da moça nos tempos em que se dedicou à Juventude
Comunista alemã. Traduzido para o português em 1989, como Olga Benário: a história
de uma mulher corajosa, é um livro que se dedica a ensinar a juventude alemã com o
heroísmo de Olga. Como não há influência no trabalho de Fernando Morais e, por
consequência, no de Rita Buzzar, não abordaremos esta primeira biografia.
Já o documentário alemão de Galip Iyitanir, Olga Benário – uma vida pela
Revolução (2004), pode ser pensado como contraponto à nossa análise da ficção. A obra
de Iyitanir é um semi-documentário, como define, ou documentário-ficção, pois
misturadas aos documentos de arquivo, há sequências de encenações de atores, além da
utilização de intérpretes na leitura das cartas dos personagens históricos. Da mesma
forma, utiliza imagens atuais dos locais onde se passaram os episódios históricos
narrados, contribuindo com a imaginação, a curiosidade e a comoção do espectador. A
encenação presente no filme encaixa-se no que Fernão Ramos chamou de encenaçãolocação, que é aquela desenvolvida no local onde vive ou viveu a pessoa sobre quem se
faz asserções. Segundo Ramos, “a narrativa documentária encenada estabelece
asserções que adquirem densidade pela voz da boca dos corpos que encenam, ou através
6
de vozes sem boca que enunciam em over”9, sendo este o caso das encenações referidas.
O documentário foi criado com base nas duas biografias existentes sobre a militante
comunista, e parece ter sido desenvolvido com a intenção de valorizar Olga como
heroína alemã para os alemães. O que facilmente se percebe na ênfase dada aos
momentos vividos na Alemanha, no relacionamento amoroso com o alemão Otto Braun
– evidente na primeira sequência encenada do filme, no momento do assalto à prisão de
Moabit – em detrimento do relacionamento com Luiz Carlos Prestes – praticamente não
aparece em nenhuma encenação –, e nas encenações (fator de comoção) de maneira
geral que, exceto por uma que ocorre no Brasil, ocorrem Alemanha. O contraponto com
o documentário servirá para enriquecer nossas reflexões sobre a obra fílmica de
Monjardim.
Em 1995, Rita Buzzar publicou o argumento do filme em uma compilação de
artigos sobre mulheres judias, vítimas do regime nazista de Hitler, escritos por vários
autores. O argumento original, escrito para ser dirigido por Sérgio Toledo, faz uma
adaptação que procura manter o referencial mais próximo à biografia de Fernando
Morais, publicada dez anos antes. Conquanto haja acréscimos e questões criadas por
Rita Buzzar que acabaram por se manter no roteiro que ganhou às telas, há maior
contextualização política da Alemanha dos anos 20, dos cargos políticos ocupados por
Olga tanto em seu país quanto na União Soviética, bem como da situação econômica
pela qual passava esta última quando a protagonista lá chegou. A construção do
personagem da militante comunista, ao contrário da versão oficial, é um pouco menos
maniqueísta e, moderadamente, mais complexa. Ao mesmo tempo em que a jovem é
engajada politicamente, disciplinada, corajosa, estudiosa das teorias marxistasleninistas, dos manuais de estratégia militar, é também desenvolta em relação aos
sentimentos pessoais, ao envolvimento amoroso, faz passeios românticos com Otto
Braun pelas montanhas, de quem sente saudades quando está preso, idealiza seus
superiores comunistas, se permite deixar influenciar pelo namorado alemão na forma de
pensar e agir.
Tanto as permanências quanto as rupturas entre o argumento original e o roteiro
oficial, nos revelam informações importantes. Faremos o cotejo entre os dois
documentos de maneira mais detalhada durante a análise do filme, articulando as
questões que dela surgirem aos resultados do balanço entre permanências e rupturas.
9
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário?. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2008. p. 106.
7
I. Olga Benário: a construção melodramática de uma história
A fim de identificar as convenções melodramáticas contidas em Olga de Jayme
Monjardim, bem como de entender de que forma se realizam na obra fílmica, faremos
primeiramente algumas considerações sobre o gênero do melodrama.
O melodrama surgiu no teatro no século XVIII, contudo foi em torno de 1800
que se estabelecera como gênero dramático. Segundo Ismail Xavier, em O Olhar e a
Cena – Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues (2003), o melodrama
pode ser definido como:
a manifestação mais contundente de uma busca de expressividade (psicológica,
moral) em que tudo se quer ver estampado na superfície do mundo, na ênfase do
gesto, no trejeito do rosto, na eloquência da voz. Apanágio do exagero e do
excesso, o melodrama é o gênero afim às grandes revelações, às encenações do
acesso a uma verdade que se desvenda após um sem-número de mistérios,
equívocos, pistas falsas, vilanias. Intenso nas ações e sentimentos, carrega nas
reviravoltas, ansioso pelo efeito e a comunicação, envolvendo toda uma
pedagogia em que nosso olhar é convidado a apreender formas mais imediatas
de reconhecimento da virtude ou do pecado10.
Desde a origem no teatro, a natureza do melodrama reside na tensão crescente,
rapidez de ação, efeitos ilusionistas, enredos complicados. Para tanto, sempre houve
preocupação com o jogo do tempo/espaço, sendo necessário que as mudanças de cena
para cena fossem velozes, o que implicava em grande destreza nas mudanças de
cenários. De acordo com Xavier, a passagem do palco à tela consistiu em um processo
de continuidade, eram os mesmos atrativos, as mesmas histórias, trabalhadas nos
mesmo critérios dramáticos, que atraiam o mesmo público; no entanto, a diferença
estava agora na técnica11.
O rápido deslocamento de cenários é substituído pela montagem paralela
cinematográfica, levando a tensão e o suspense a níveis extremos. A idéia de ilusão de
realidade iniciada no teatro, que visava o efeito emotivo da narração, por meio do
desenvolvimento dinâmico da ação dramática, é então realizada com maestria pelo
cinema. Através da montagem, aperfeiçoa-se o ilusionismo de origem teatral, de tal
modo que se desenvolve uma sintaxe na qual tudo parece ocorrer naturalmente, sem que
10
XAVIER, Ismail. O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, Cinem Novo, Nelson Rodrigues. São
Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 39
11
Ibid, p.64.
8
se perceba sua escritura. Da mesma forma, conforme Xavier, o que antes no teatro era
sugerido pela configuração da cena, o cinema agora oferece, com maior controle, por
meio de enquadramentos variados. Também a mobilidade dos pontos de vista,
provenientes da câmera, ampliou os recursos de expressão, canalizando a interpretação
de sua mensagem moral através da ênfase em determinadas imagens, tornando mais
aparente o sentido dos gestos, proporcionando um envolvimento emocional maior do
espectador.
Segundo Silvia Oroz, em Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina
(1999), o gênero possui uma estrutura tripartida – começo, desenvolvimento e desenlace
– proveniente da tragédia grega, e duas causas naturais de ações: idéias e caráter. Este
último determina as qualidades do personagem em ação, enquanto as primeiras
representam seus pensamentos. E seria através da ação que os personagens adquiririam
o caráter. No que concerne ao conteúdo, o melodrama propõe-se à simplificação formal
e ao apelo direto aos sentidos, concentrando-se nos dramas individuais, acompanhados
de reforços musicais ao texto. Consoante Peter Brooks, em The melodramatic
imagination: Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess, “[o
melodrama] insiste que o comum pode ser o lugar para a instauração da significância.
Nos diz que no espelho certo, com o grau certo de convexidade, nossas vidas
importam”12. Desde o século XVIII, o melodrama já procurava refletir os modelos
morais do público, veiculando forte sentimentalismo conservador e preocupação
moralizante.
De acordo com Xavier, por muito tempo o melodrama cinematográfico se guiou
pelas parábolas morais cristãs, nas quais o sucesso dos personagens provinha do mérito
e da ajuda da Providência, enquanto o fracasso era produto de uma conspiração exterior
ao sujeito vitimizado, isento de culpa. Contudo, conforme os padrões morais foram
mudando ao longo das décadas, o gênero mostrou-se flexível, capaz de se adaptar aos
novos valores da sociedade.
O surgimento da novela de folhetim, conforme Oroz, foi determinante na
evolução do melodrama, bem como o antecedente mais longínquo de uma das
articulações básicas do desenvolvimento da indústria cinematográfica: o valor do
12
“it insists that the ordinary may be the place for the instauration of significance. It tells us that in the
right mirror, with the right degree of convexity, our lives matter”. (BROOKS, Peter. The melodramatic
imagination: Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess. New Haven: Yale University
Press, 1995. p. IX.). Tradução da autora.
9
produto segundo a demanda do mercado13. A novela de folhetim provocou enorme
democratização da literatura e uma nivelação quase absoluta do público leitor14,
determinando o primeiro público interclassista, visto que as estórias expostas permitiam
que leitores de diferentes classes sociais se projetassem psicologicamente. Para Marlyse
Meyer em Folhetim: uma história, o romance-folhetim é um modo particular de
produção estreitamente ligado ao jornal, que possui uma história interna, a qual se
insere na História, que por sua vez acompanharia a das classes populares15. Logo, esse
tipo de produção literária desenvolvera fortes laços afetivos entre o público e as novelas,
devido à identificação pessoal que produzia.
Para Silvia Oroz, um dos grandes motivos do sucesso do melodrama seria o fato
de, através de seus protótipos, contemplar a necessidade de reafirmação dos valores do
espectador, mantendo suas referências em vigor. Embora o gênero tenha se mostrado
maleável às mudanças de valores ao longo das décadas, segundo Ismail Xavier, as
polarizações morais, cujo conteúdo atualmente já não importa mais, foram mantidas
como definidoras dos termos do jogo. O autor afirma que “o gênero, por tradição, abriga
e ao mesmo tempo simplifica as questões em pauta na sociedade, trabalhando a
experiência dos injustiçados em termos de uma diatribe moral dirigida aos homens de
má vontade”16.
Terminadas essas considerações, podemos partir para o exame do filme
propriamente dito, para identificar as convenções do melodrama utilizadas e
compreender a forma como foram aplicadas.
Buscando retratar a intensidade e radicalismo de Olga, temos a construção de um
personagem de olhar severo, expressão facial endurecida, de uma rigidez quase militar,
cuja obstinação pela Revolução não lhe deixa em nenhum momento. Suas convicções
são inquebrantáveis, suas falas são duras, articuladas num tom de exagero, que ganha
contornos de artificialidade. Em Olga não basta a contextualização do personagem para
que se compreenda sua atuação, o radicalismo das idéias extravasa na expressão facial,
no modo de falar; recurso típico do melodrama, que tem na expressão corporal, seja
através da fisionomia ou do gesto, a expressão direta dos sentimentos. Recorre a uma
13
OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Funarte,
1999. p. 23.
14
ARNOLD HAUSSER, 1964 apud OROZ, 1999, p. 23
15
MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 416.
16
XAVIER, op. cit., p. 93.
10
expressividade que estampa tudo que se quer ver na superfície, gerando
reconhecimentos imediatos de valores, através das aparências.
Nesse sentido, o personagem de Getúlio Vargas (Osmar Prado) logo se
assemelha ao vilão: não se espanta com nada, mantém uma atitude sóbria, segura,
irônica, como se fosse inabalável. Ao conversar com Filinto Müller (Floriano Peixoto) e
com o Ministro da Guerra (Zé Carlos Machado), fuma o charuto de lado, nos remetendo
a vilões mafiosos ou a vilões de histórias em quadrinho. Inclusive, vale ressaltar que no
cinema clássico de Hollywood, principalmente na obra do cineasta norteamericano D.
W. Griffith17, identifica-se o vilão pelo vício, seja o dos cigarros ou o da bebida.
O presidente Vargas é o grande vilão do filme que permite que os outros vilões
se manifestem, como o chefe de polícia Filinto Müller, o qual é posto como um homem
estritamente recalcado que confunde trabalho com rancores pessoais – gerando uma
conotação de abuso de poder –, além de ser sádico e provocativo. Quando vem à cela de
seu inimigo Prestes (Caco Ciocler), vemos sua boca com um cigarro aceso nos lábios
(novamente, o destaque para o fumo) no pequeno retângulo da porta da cela. Antes de
iniciar sua tortura emocional falando da deportação de Olga, ironicamente lhe oferece
cigarros. Müller, assim como o alemão Herr Fischer (Oscar Simch), policial torturador
da Gestapo, usa bigodes, que apesar de ser comum à época, é uma característica de
virilidade, usual de vilões no melodrama18. Este último personagem, inclusive, cumpre
com outra característica do gênero, que é a do acaso. É apresentado a nós no episódio do
navio, como um amigo do capitão; conversa com o casal cordialmente, embora
demonstrando forte antissemitismo. Mais adiante, nas sequências das torturas no Brasil,
descobrimos que era na verdade um policial da Gestapo.
Podemos ainda citar o exemplo do personagem de D. Leocádia Prestes. Tanto na
obra homônima de Morais, quanto na literatura historiográfica, é frequente a descrição
da mãe de Prestes, como uma senhora que era ao mesmo tempo forte (“senhora de seu
destino”), mas também doce e terna. Para representá-la, Jayme Monjardim escolhe
Fernanda Montenegro, atriz respeitada que no imaginário nacional carrega esta mesma
aura, pela interpretação de personagens sólidos, pela imagem que construiu ao longo de
17
D. W. Griffith (1875-1948) foi um cineasta norteamericano, que resgatou o melodrama do teatro do
século XIX, atualizando-o a partir de procedimentos específicos do cinema, os quais foram articulados e
mobilizados de maneira pioneira pelo diretor. Foi considerado o “pai da gramática cinematográfica”. Seus
filmes privilegiavam o moralismo puritano, cultivando fortemente o ideal da família burguesa. Mais
informações podem ser encontradas em: XAVIER, Ismail. D. W. Griffith: o nascimento de um cinema.
São Paulo, Brasiliense, 1984.
18
XAVIER, op. cit., p. 94
11
sua carreira19. Ou seja, o caráter do personagem a ser interpretado já se anuncia pela
própria escolha da atriz, o que fica patente na descrição que se faz de Montenegro no
press-book do filme: “Forte ativa, serena. As qualidades de Fernanda Montenegro
parecem se aplicar também a sua personagem no filme Olga, de Jayme Monjardim.”20.
Como se vê, há uma simplificação formal do mundo em Olga (2004), típica do
gênero. Os personagens podem ser julgados certeiramente por suas aparências, há uma
divisão clara e didática entre o Bem e o Mal. Para simplificar o contexto histórico, há
uma despolitização geral dos personagens, assim, apresenta-se um processo histórico
movido por motivações de ordem pessoal. No qual se reduz o contexto político a
questões concernentes à subjetividade – o melodrama conforma a História ao drama
individual. Por exemplo, nos letreiros finais do filme, quando se noticia o que aconteceu
com os personagens, sobre o líder da insurreição de 1935, afirma-se “Prestes foi um dos
primeiros presos libertados pela anistia em 1945, e só então recebeu a notícia de que sua
Olga estava morta”. A informação, presente no livro de Morais, de que o Cavaleiro da
Esperança (como Prestes ficou conhecido após a Coluna Prestes) saiu da prisão
demonstrando apoio público a Getúlio Vargas, em virtude de o presidente ter reatado
relações diplomáticas com a União Soviética, é completamente omitida. Não poderia ser
admitida, pois quebraria a relação maniqueísta imposta pelo melodrama, que constrói a
idéia de Vargas como o mau, o estadista ditador, autoritário, cruel, sedento pelo poder,
em oposição a Prestes como o bom, herói, sensível e, sobretudo, apaixonado.
O caso do personagem de Filinto Müller também é um tanto elucidativo. Tanto
na obra do jornalista quanto na historiografia é consenso que Müller de fato fora
expulso da Coluna Prestes por acusação de roubo; no entanto, a produção
cinematográfica leva o ressentimento do chefe de polícia ao extremo, ignorando todas
as outras razões conjunturais de sua atuação, tornando Filinto Müller em um vilão
puramente sádico e passional. Ao contrário do que mostra o filme, no livro de Morais,
Müller jamais vai à cela de Prestes ou mesmo presencia as torturas; naquele momento
preocupava-se em coligir provas do assassinato de Elza para aumentar o tempo de
prisão de Prestes, o líder comunista. Portanto, a despolitização torna o momento
histórico bastante didático, simplificando-o de maneira que os dramas individuais
ocupem lugar central, com o fim de comover o espectador. Nas palavras do diretor:
19
Fernanda Montenegro estreou em 1950 na peça “Alegres Canções nas Montanhas” de Fernando Torres.
Mais informações no site oficial da atriz: http://www2.uol.com.br/fernandamontenegro/
20
Entrevista Fernanda Montenegro (dona Leocádia Prestes). Press-book de Olga. p. 16.
12
“(...) Consegui fazer exatamente da forma que queria desde o início, um filme de fácil
entendimento e de emoções simples, que toca qualquer tipo de pessoa”21.
Quanto ao apelo direto aos sentidos do melodrama, em Olga predominam os
enquadramentos de primeiro plano e o close-up. Este último é o movimento de direção à
intimidade, capaz de revelar as intenções ocultas, por meio “do pequeno gesto fora dos
alcances dos interlocutores, do movimento facial que trai um sentimento”22. O rosto
isolado na tela, chama a atenção para a importância dos olhos, as “janelas da alma”,
intensificando o envolvimento emocional do espectador. O que se esclarece na
observação de Monjardim “eu queria fazer uma câmera classuda, mas que fizesse com
que o público vivesse aquela história, junto com os personagens (...)”23. Nesta obra
fílmica, os olhos têm papel central, de acordo com o diretor “A linguagem de OLGA é a
linguagem do close, da câmera que foca o olhar e adentra os olhos para desvendar a
alma”24. Como exemplo, podemos citar a alternância de primeiros planos dos rostos de
Olga e Prestes em seu primeiro encontro; ele visivelmente fascinado por ela, a qual
reage tentando manter a compostura, num misto de encanto e constrangimento, na
sequência em que são apresentados por Dimitri Manuilski (Paschoal da Conceição) – na
mesma sequência há outra convenção do melodrama, a do amor à primeira vista.
Os close-ups deste filme são empregados também para ressaltar a todo momento
os olhos azuis de Camila Morgado – acentuando uma das características físicas mais
famosas de Olga Benário – em contraposição com a fotografia quase sem cor e
maquiagem quase sempre neutra. Além dos close-ups nos rostos, há alguns outros
significantes como aquele das mãos suplicantes de Olga pelo envolvimento de seu bebê
logo após o parto na prisão de Barnimstrasse, que traduzem seu estado de espírito. Esse
tipo de close-up dialoga com Griffith, famoso pela sua construção metonímica das mãos
ansiosas no tribunal em Intolerância (1916).
Como reforço ao apelo aos sentidos, temos a fotografia e a trilha sonora. A
fotografia de Ricardo Della Rosa, que é composta praticamente só de cores frias, quase
monocromática (bastante contrastada), tenta retratar, como define Monjardim, “a cor de
uma época sem cor”25. A opção por essas cores contribui para a sensação de tristeza,
21
Reportagem, cinema nacional: Nos campos de concentração. Produção Profissional, n. 33, p. 42, set.
de 2004.
22
XAVIER, op. cit., p. 40.
23
MONJARDIM, Jayme. Olga, muitas paixões numa vida só. Globo Filmes, 2004. Making-of (DVD).
24
MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004.
25
MONJARDIM, Jayme. Olga, muitas paixões numa vida só. Globo Filmes, 2004. Making-of (DVD).
13
bem como de apreensão, objetivo que fica evidente nas palavras de Della Rosa, “(...)
optamos por fazer um Rio de Janeiro na sombra, com muita chuva, muita fumaça, para
manter a tensão da história”26.
O uso da trilha sonora é um recurso típico do melodrama, cumpre papel
essencial ao reforçar a expressão das emoções. Segundo Ismail Xavier, este reforço tem
função de
afetar o espectador, “ganhá-lo” para que ele entre num regime de credulidade
maior diante do inverossímil. O espetáculo ‘enche os olhos’ e ganha a sua
cumplicidade, legitimando um estado de fé consentida na “voz muda do
coração” e na plena espontaneidade do gesto embora este seja produto de
convenções teatrais27.
A trilha sonora de Olga foi toda composta pelo maestro Marcus Viana28, cuja
inspiração baseou-se nas cartas escritas por Olga. Construiu uma trilha clássica,
instrumentada no estilo dos anos 30, composta essencialmente por instrumentos de
cordas, destacando-se os violinos e violoncelos. O maestro afirma que “A trilha teria
que ser melancólica, mas deveria ter também o arroubo daquela alma heróica e, ao
mesmo tempo, ser extremamente terna, essa ternura que as cartas mostram”29. Em
alguns momentos, aos instrumentos de corda se acrescentaram vozes corais. A trilha
sonora caracteriza-se por uma tristeza sublime, reforçando o texto, numa redundância
musical típica do gênero.
O sentimentalismo melodramático tem neste filme grande expressão. Seu início
se dá justamente no campo de concentração, com a protagonista com os cabelos
raspados, abatida, com ferimentos no rosto, situação que já anuncia seu fim (bem como
o final do filme), tornando o desenrolar do longa-metragem, em flashback, em uma
contagem regressiva torturante, fazendo com que o espectador aprecie os momentos de
atuação da militante comunista de maneira intensa, preparando-se para a despedida.
Dessa forma, o romance entre o casal Prestes tem sua intensidade potencializada,
sobretudo devido ao apelo emocional de que no momento em que provavelmente
formariam uma família (já que Olga estava grávida), são separados e a partir de então
Olga caminha para a morte. A tônica do filme, portanto, é o sofrimento e o amor
26
A fotografia – Ricardo Della Rosa. Press-book de Olga. p. 23 (grifos nossos).
XAVIER, op. cit., p. 94.
28
Marcus Viana é filho de Sebastião Viana, que foi assessor de Villa-Lobos. Conhecido por suas
composições para trilhas sonoras de telenovelas como O Clone, Pantanal, A casa das sete mulheres,
acompanha Jayme Monjardim em seus trabalhos. Compôs para o cinema pela primeira vez em Olga
(2004).
29
“A trilha sonora (Marcus Viana)”, press-book de Olga, p. 24.
27
14
perdido, nas palavras de Monjardim “As histórias do coração são as grandes
protagonistas de OLGA”30.
A narrativa do filme em flashback levanta outro fator importante do melodrama
que é o tempo ou a nostalgia. Segundo Pablo Pérez Rubio,
o próprio transcurso do tempo é capaz de engendrar tristeza, mas a memória é,
neste sentido, o processo mental que ativa a dor, esse sofrimento provocado pela
impossibilidade de esquecer, e converte a muitos personagens em seres
ancorados ao passado (...)31.
A escolha de Rita Buzzar em começar o filme pelo último dia de vida da
protagonista, imersa em suas lembranças do passado, é sintomática nesse sentido. E o
uso abundante do flashback é comum ao gênero, conforme Rubio, funcionam como
“memórias do passado, as elipses abruptas que colocam em destaque o sedimento que o
tempo deixa no sujeito”32. Um dos símbolos icônicos mais frequentes relacionados ao
tempo no melodrama é o da janela que, ainda de acordo com o autor, é “um marco
imóvel que permite a visão de um mundo em transformação, como sintoma de uma
ausência na dupla dicotomia interior/exterior e presente/passado”33.
A primeira sequência do filme condensa todos esses elementos. Inicia-se com
uma imagem do céu negro, de onde cai uma neve fina, a câmera vai descendo, ouvimos
crianças cantando a canção infantil “Davi, rei de Israel” em hebreu, vemos a ponta dos
galhos das árvores e Olga, por volta dos 12 anos, olhando para o céu. Tem início a
música tema do filme, tocada por violinos agudos. Através de uma janela quadriculada
vemos Olga diante de uma fogueira em plano geral, ao lado de crianças brincando de
roda e na profundidade de campo um edifício antigo, e um carro estacionado, a frente
do qual está seu pai (Luis Mello), junto a outros adultos. A câmera se aproxima, Olga
olha para o pai que lhe chama pelo nome, como se advertisse, então ela responde que se
cair não vai chorar, pulando a fogueira em seguida.
30
MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004.
“El propio transcurso del tiempo es capaz de engendrar tristeza, pero la memoria es, en este sentido, el
proceso mental que activa el dolor, ese sufrimiento provocado por la imposibilidad de olvidar, y
convierte a muchos personajes en seres anclados en el pasado (...)”. (RUBIO, Pablo Pérez. El melodrama
y lo melodramático: modelos de cine popular. In: El Cine Melodramático. Barcelona, Paidós, 2004, p.
46.). Tradução nossa.
32
“remembranzas del pasado, las elipsis abruptas que ponen de relieve el poso que deja el tiempo en el
sujeto” (RUBIO, op. cit., p. 51). Tradução nossa.
33
“un marco inmóvil que permite la visión de un mundo en transformación, como síntoma de una
ausencia en la doble dicotomía interior/exterior y presente/pasado”. (RUBIO, op. cit., p. 51). Tradução
nossa.
31
15
Pela mesma janela quadriculada, observamos do ponto de vista oposto, Olga
com os cabelos raspados, dentro do barracão do campo de concentração, observando a
neve, tendo aquela lembrança da infância. Temos um plano de conjunto da fachada do
campo de concentração, por onde entra um furgão, e as legendas indicam “Campo de
Concentração de Ravensbrück, Alemanha – 1942”. Há uma alternância de planos de
Olga, em seu último de vida pensando em over, com imagens de presas saindo do
furgão na área externa. Dentro do barracão, termina de escrever sua última carta à
família. Ao olhar para trás, vê uma das presas bordando maçãs em um pano. Dá um
breve sorriso, e o bordado de maçãs nos leva ao flashback do episódio do assalto à
prisão de Moabit. Esta sequência de abertura é capaz de localizar o espectador no
tempo, bem como de levar-lhe a compreensão de que terá acesso justamente às
memórias dos momentos de que Olga sente falta, potencializando sua relação
sentimental com a narrativa.
O gênero melodramático produz histórias ricas em fatos e obstáculos, que
induzem aos sentimentos de piedade ou tristeza34 e, conforme Aristóteles, é por meio
desses sentimentos que se propõe a catarse, o instante de perplexidade no espectador
que possibilita a projeção ou identificação35. Olga (2004) é um filme recheado de fatos
e obstáculos, a militante comunista passa por inúmeros desafios, vai da Alemanha a
Moscou, de lá viaja clandestinamente ao Brasil para escoltar Prestes, aposta na
Revolução de 1935, após a derrota é perseguida, presa, separada de seu amor. Na prisão
descobre que está grávida, entra com processo judicial para permanecer no país e, não
tendo sucesso, é deportada. Tem a criança na prisão, depois de um ano lhe tiram a filha,
fica um tempo longo sem saber o que houve, e assim por diante.
O longa-metragem já se inicia com a sugestão da piedade e da tristeza,
entretanto, do primeiro flashback até a prisão no Brasil – quando começa perder suas
crenças revolucionárias – mantém seu discurso e convicção comunista, não provocando
ainda tanta identificação com o espectador dos anos 2000 (o qual vivencia uma
democracia capitalista, em um tempo desprovido de utopias). À medida que se
delineiam os meandros da trágica história de amor, que Olga passa a questionar a
Revolução, a focar-se no desejo de sobrevivência e de constituição de família com
Prestes, que as sequências passam a ser inundadas em lágrimas, o espectador passa a se
identificar mais intensamente com aquele drama individual de sentimentos universais. O
34
35
OROZ, op. cit., p. 39.
ARISTÓTELES, 1988, apud OROZ, 1999, p. 39.
16
encerramento do filme se dispõe a levar seu público aos prantos junto aos personagens,
diante de tanta dor e dignidade da protagonista.
O que se confere nos depoimentos deixados a Monjardim em seu website, como
o de um internauta de Canoas (RS):
“(...) Eu que normalmente, não choro em filmes no cinema (pois me controlo ao
máximo), não consegui resistir às cenas emocionantes deste filme tão bem
dirigido. Adorei e ao mesmo tempo odiei (odiei tudo o que aconteceu com essa
gente). Ao término do filme não ligaram as luzes do cinema, o que achei ótimo
pois estava chorando e não conseguia parar com tamanha emoção. Fui direto ao
toillete lavar o rosto e para meu consolo 90% das mulheres estavam chorando e
nos corredores do cinema muitos homens tentavam disfarçar a emoção e outros
secavam as lágrimas. (...)”.
Vale ressaltar, que no melodrama “há uma colocação moral das lágrimas”36,
estas limpam os erros, purificam, redimem os personagens. Logo, a partir do momento
em que Olga passa a se livrar dos princípios revolucionários, aproximando-se do ideal
da família burguesa, tudo isso através de muito sofrimento, busca o perdão do
espectador, que passa agora a se identificar mais francamente, deixando-se envolver
sem ressalvas.
Quanto ao exagero e o excesso típicos do gênero, estão presentes em diversos
momentos do filme. Uma das sequências mais exemplares é a da retirada da filha de
Olga de seus braços pelas guardas nazistas, na qual a personagem é golpeada e
derrubada por um guarda, se arrastando em seguida em direção às grades de sua cela,
aos prantos e berros (quebrando toda a rigidez mantida até então). Com o rosto em
close-up por entre as grades, deitada ao chão, alternado com o contracampo da criança
olhando para trás chorando, constrói-se uma verdadeira catarse emocional. O exagero
fica evidente também na sequência em que Olga anuncia aos jornalistas a sua gravidez:
entra no saguão do local onde ocorrerá seu interrogatório, com os braços segurados por
dois seguranças. Ao deparar-se com os jornalistas, se solta dos homens de maneira
brusca, após vários flashes fala alto, de modo exaltado, praticamente gritando: “Preciso
que todos saibam: eu estou grávida! Grávida de Luiz Carlos Prestes [mais flashes]!
Preciso de um advogado e de um médico. Sou esposa de um brasileiro e quero ter o meu
bebê aqui no Brasil!”, ao longo da fala desenvolve-se um campo/contracampo entre seu
rosto em primeiro plano e os fotógrafos em plano americano. Tira então um bilhete
bruscamente de dentro de seu vestido, “Esse bilhete é para meu marido! [Se exalta ainda
36
OROZ, op. cit., p. 13.
17
mais] É meu direito que ele saiba da minha gravidez!”, gesticula empunhando o papel,
então com os olhos marejados prossegue “Peço que entreguem para ele!”. Anda em
direção a Estevan (Murilo Rosa), lhe entrega o bilhete, este faz sinal com a cabeça, logo
os guardas lhe pegam pelos braços novamente e a conduzem.
Em Olga, as convenções do gênero são levadas ao extremo, são utilizadas de
maneira exageradas. A forma de filmar é similar a de telenovelas, os primeiros planos e
close-ups são empregados durante todo o filme, com uma frequência que torna a
experiência claustrofóbica. A constância com que se recorre à trilha sonora também se
excede, tornando qualquer expressão de amor ou romantismo em algo enfadonho e
lamuriante. Unindo os grandes close-ups às sequências de emoção catárticas, embaladas
pelos violinos que buscam gerar tensão ou melancolia, provoca o efeito de
“anabolizantes” – usando o termo de Sérgio Rizzo37 – aos recursos típicos do
melodrama, banalizando-os, de modo que esse exagero do exagero coloca em risco a
própria tensão melodramática, além de estampar os sentimentos em questão com um
tom bastante piegas.
Silvia Oroz afirma que o melodrama foi estruturado sobre quatro mitos da
cultura judaico-cristã: o amor, a paixão, o incesto e a mulher38. Aponta que todo mito é
uma fábula em si mesmo, o qual expressa as regras de conduta de um grupo social. Sua
origem é obscura e não possui autoria, sendo uma expressão anônima de realidades
coletivas. Em Olga constam os dois primeiros e o último dos mitos citados. O amor
seria o meio de alcance do perdão divino e o produtor de uma purificação celestial na
Terra, o que lhe permite ser admitido como um valor universal. Assim, esse sentimento
é colocado pela cultura judaico-cristã de modo a dar sentido à mediocridade da vida do
cidadão comum, fazendo com que se sinta herói em alguma medida.
Oroz destaca que o melodrama trabalha com dois tipos de amor, o amor homemmulher e o amor/sacrifício. Na obra fílmica em questão temos este último tipo, que está
intimamente ligado à renúncia, motivada pela causa altruísta da Revolução. A militante
comunista renuncia à sua família de condição abastada, deixa um mundo de fartura e
pouco trabalho, para viver mais humildemente, correndo toda a sorte de perigos, lutando
ao lado dos pobres pela causa comunista. Essa renúncia fica evidente na sequência em
que deixa a casa dos pais. Chega a sua casa, machucada pelo confronto de uma
37
38
RIZZO, Sérgio. Injustiça reconstituída. Acesso: RG(H) - História Viva, v. 1, n. 10, p. 11, ago. 2004.
OROZ, op.cit., p. 60.
18
manifestação de rua, os cômodos são amplos, seu pai (Luis Mello) veste-se de terno e
gravata, há uma lareira em seu escritório, passa então pelo quarto de sua mãe (Eliane
Giardini), que se arruma em frente à penteadeira, onde há jóias e perfumes, entre outros
elementos cênicos que indicam abastança. Em contraposição a todo esse registro
cenográfico, Olga comunica aos pais sobre sua partida.
O mito da paixão estaria relacionado ao sofrimento na sociedade ocidental, a
qual só lhe aceita desde que resulte em infelicidade e separação, visto que toda paixão
estaria vinculada ao pecado, por estar automaticamente associada ao desejo sexual.
Segundo a autora, “desde a tragédia grega, todo herói que se preze morre depois de
haver amado”39, simbolizando assim a vitória de Tanatos sobre Eros, ou do “princípio
do rendimento” sobre o “princípio do prazer”. No filme há influência desta visão
pecaminosa do desejo, que fica clara no trecho do diálogo da sequência em que Olga
avisa Prestes que pediu permissão para retornar a Moscou:
Prestes: Olga… Ninguém tem culpa de nada. Eu preciso de você.
Olga: Deixe eu ir embora. Eu tento, mas eu não consigo... Não consigo lidar
com essa alegria, com essa dor... Eu mal me reconheço quando estou com você.
Como se percebe, o turbilhão de emoções desta paixão lhe faz sentir que perde o
controle, que sai de seu estado normal. O destino trágico da protagonista cumpre com o
mito da paixão do melodrama.
Já o mito da mulher se expressaria pelo binômio inferioridade/periculosidade,
que rege os seis protótipos femininos básicos do melodrama: a mãe, a irmã, a
namorada, a esposa, a má e/ou prostituta e a amada40. Os quatro primeiros estariam
associados à inferioridade, o quinto à periculosidade e o último se vincularia ao binômio
interligado. Em Olga (2004) há três papéis femininos centrais: Olga, Sabo e Elza. A
primeira identifica-se com o protótipo da amada, une fragilidade e periculosidade,
simbolizando a realização do amor cortesão e romântico sem contradições, com
promessas de felicidade eterna. Sua fragilidade reside no fato de não ter passado e
pertencer à esfera do privado, enquanto sua periculosidade está na instigação da paixão
romântica. Sabo assume o protótipo da irmã, que é uma continuação da mãe; quando
esta se ausenta, assume seu papel, já que será a sacrificada da relação. Por fim, Elza
encarna a má e/ou prostituta, simboliza a mulher fora do espaço privado, por isso
perigosa. Não precisa ser prostituta, todavia relaciona-se à prostituição ao passo que é
39
40
Ibid, p. 70.
Ibid, p. 75.
19
considerada uma “mulher livre”, por não ter marido, ou caso tenha, não respeitar sua
autoridade. Em Olga (2004), Elza (Sabrina Greve) é mulher do secretário-geral do
Partido Comunista Brasileiro, o Miranda (Ranieri Gonzales). Seu desrespeito pelo
marido fica patente quando é presa pela polícia e diz tudo o que sabe nos interrogatórios
sem muita hesitação, acrescentando ainda que seu marido podia confirmar as
informações.
Vale reforçar que o melodrama cinematográfico, enquanto expressão da cultura
de massas, busca sempre contemplar os valores morais do público. Estes variam
conforme o contexto histórico, provocando a necessidade de reformular seu conteúdo
conforme as demandas do mercado, buscando as fórmulas comprovadas e aceitas.
Assim, Olga é um filme de 2004, época em que a mulher já goza de liberdades
profissionais, possui independência e ultrapassa o ambiente privado, ainda que haja
fortes resquícios dos valores patriarcais da cultura judaico-cristã. Logo, o filme possui
uma estrutura melodramática que dialoga com o melodrama clássico, no entanto, já sob
um ponto de vista dos valores do público dos anos 2000. Portanto, embora o filme conte
a história de uma mulher do início do século XX, sua exposição gera bastante aceitação
ao espectador de 2004, acostumado a presenciar o ganho de espaço das mulheres na
sociedade, o que abre campo para estabelecer mais um motivo de identificação e
admiração – Olga Benário como uma mulher a frente de seu tempo.
Antes de passarmos ao exame das questões que a obra fílmica propõe, se faz
necessário esclarecer melhor a estética adotada por Jayme Monjardim. A representação
Naturalista, característica do melodrama cinematográfico, se define, segundo André
Bazin em Evolução da linguagem cinematográfica (1991), pela “constituição da
montagem invisível, (...) na qual todos os cortes e as justaposições dos planos objetivam
reproduzir
certa
lógica
espaço-temporal
capaz
de
tornar
imperceptível
a
41
descontinuidade elementar do cinema” . A utilização da decupagem clássica do cinema
Naturalista produz ilusionismo, buscando identificação com o espectador; os gêneros
narrativos são convencionais, o ritmo homogêneo e a fluência da narrativa é rápida42.
Conforme Ismail Xavier, em O discurso cinematográfico: a opacidade e a
transparência (2008), “tudo neste cinema caminha em direção ao controle total da
41
BAZIN, André. Evolução da linguagem cinematográfica. In: O Cinema – ensaios. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1991. p. 68
42
NAPOLITANO, Marcos. Como usar cinema em sala de aula. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2003. v. 1. p.
75.
20
realidade criada pelas imagens (...). Em todos os níveis, a palavra de ordem é ‘parecer
verdadeiro’; montar um sistema de representação que procura anular a sua presença
como trabalho de representação”43.
Em filmes de tema histórico, este tipo de cinema, segundo Xavier, funciona
como instrumento retórico. O rigor da reconstrução até mesmo nos detalhes simboliza
uma atitude de “respeito à verdade” que tende a ser creditada para o filme todo44. Ou
seja, estende-se a credibilidade, adquirida pela fidelidade da reconstrução cênica, à
versão do diretor/roteirista daquela história – versão esta que se solidifica em memória
sobre o período ou fato histórico representado. Vale ressaltar que a retórica Naturalista
serve de forma eficaz ao melodrama convencional na medida em que faz parecer que
suas fatalidades e maniqueísmos são uma autêntica “imitação da vida”45. Desse modo, a
“confusão” entre memória e história em filmes de representação Naturalista se torna
frequente ao espectador.
O filme com tema histórico de representação Naturalista, através de sua própria
linguagem cinematográfica, induz o espectador a acreditar que o que vê refletido na tela
não é a memória do diretor sobre aquele determinado período histórico, mas a própria
História, “como realmente aconteceu”. O que, inclusive, é possível observar na maioria
dos comentários enviados pelo público ao site de Jayme Monjardim, como nestes que
selecionamos:
“(...) Estão todos de parabéns, pelo excelente filme que nos colocaram a (sic)
disposição para enriquecer nosso conhecimento sobre a história que muitos de
nós ainda não conhecíamos sobre o nosso Brasil (...)”. (Edilice – Braço do
Norte, SC). Grifos nossos.
“Amei o filme e agora estou lendo o livro e pude perceber como a história foi
contada com tanta fidelidade dos fatos. (...)” (Daniela – São Paulo, SP). Grifos
nossos.
“Um dos melhores documentário (sic) que eu já vi, um filme belissimo (sic), de
uma realidade quase inacreditável.” (Demilene – São Paulo, SP). Grifos
nossos.
“Finalmente o Brasil está começando a conhecer sua História e o Cinema será
uma das grandes ferramentas para este aprendizado.” (Anderson– Ponta
Grossa, PR). Grifos nossos.
43
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 4ª edição. São Paulo:
Paz e Terra, 2008. p. 41.
44
Ibid, p. 42.
45
Idem.
21
Essa constatação nos leva a refletir sobre quais seriam os elementos fílmicos
responsáveis por essa leitura documentarizante46.
Segundo Roger Odin, em Film documentaire, lecture documentarisante
(1984), todo filme pode ser lido como documentário, inclusive os de ficção, já que a
leitura documentarizante se dá no nível espectatorial, ou seja, depende da credibilidade
dada pelo espectador ao enunciador. Consoante as noções de Odin, podemos afirmar
que Olga se enquadraria na mescla enunciativa – enunciação documentarizante
articulada à enunciação ficcionalizante – na qual o espectador não alimenta expectativas
de assistir aos personagens históricos verdadeiros, mas sim aos atores edificando uma
construção ficcional da representação de tais personagens. Ao mesmo tempo, o
espectador espera estar diante da verdadeira história desses personagens “num processo
de construção de um enunciador real documentarizante da história”47. Isso não significa
que o filme de fato apresente a verdadeira história dos personagens, mas que o
espectador dirija seu olhar sob esse viés – o que fica claro nos comentários do público,
citados anteriormente. De acordo com Odin, o grau de interrogação variaria conforme o
público: historiadores, por exemplo, mobilizariam julgamentos de maneira mais
imediata do que o público em geral, que conta normalmente somente com vagas
memórias escolares.
Aos elementos fílmicos que induzem o espectador à referida leitura
documentarizante, o autor nomeia de instruções documentarizantes48. Essas noções de
Roger Odin nos auxiliarão a pensar sobre quais seriam as instruções documentarizantes
presentes em Olga e de que modo colaboram para a afirmação das memórias sobre a
vida da militante comunista e da Revolução de 1935 veiculadas pela obra fílmica.
Ressaltamos ainda que no caso dessa produção cinematográfica, a credibilidade
dada pelo espectador ao enunciador se fundamenta nos recursos da própria estética
Naturalista, ou seja, no esforço técnico de reconstrução histórica verificado na
reprodução de cenários (demarcando os lugares onde os episódios ocorreram), objetos,
46
Leitura documentarizante é aquela que o espectador mobiliza para questionar se é verdade ou mentira o
que se coloca diante dele.
47
FERNANDES, Fernando Seliprandy Fernandes. Ficção e documentário, memória e história:
representações da luta armada nos filmes “O que é isso companheiro?” e “Hércules 56”. Relatório de
qualificação de mestrado sob a orientação de Marcos Napolitano, Agosto de 2010. p. 63.
48
Instruções que, diante dos questionamentos de verdade ou mentira, levam o espectador a crer que a
versão da obra fílmica revela a própria história do período abordado.
22
figurino, enfim, em todos esses elementos que demonstram visualmente o “respeito à
verdade”, referido acima por Ismail Xavier. E é exatamente esse esforço de
reconstrução histórica o que leva o espectador a pressupor a pesquisa em arquivos da
parte do enunciador. Em Olga, não se coloca em cena nenhum documento original, os
passaportes, fotografias, entre outros, são todos documentos que imitam os originais,
com as fotos dos próprios atores. Contudo, é perceptível o empenho em reproduzir os
originais na medida em que se imitam os cabeçalhos e molduras dos passaportes, as
cartas são apresentadas escritas em alemão, os jornais de Dona Leocádia, em francês, e
assim por diante, o que acaba por reforçar a pressuposição da pesquisa de arquivo. Tais
elementos se bastam enquanto produtores de credibilidade, tanto ao espectador que
entra em contato com a história da militante comunista pela primeira vez através do
filme, quanto ao espectador conhecedor da obra de Fernando Morais que será remetido
aos documentos originais apresentados pelo jornalista em seu livro. Identificaremos as
referidas instruções ao longo de nossas análises, a fim de complementar o estudo sobre
as memórias construídas por Rita Buzzar e Jayme Monjardim sobre os personagens e
eventos históricos representados no filme.
Olga: da paixão revolucionária à luta pela sobrevivência.
Olga Benário é o grande mártir do filme e seu principal personagem. A narração
da obra fílmica se faz enredada em suas ações e fluxo de consciência, motivo pelo qual
neste primeiro momento faremos uma análise minuciosa das questões ligadas à jovem
alemã que a produção cinematográfica brasileira nos propõe, deixando para a última
parte do relatório os pontos que desenvolvem diálogos com a literatura historiográfica.
A militante comunista passa por três fases distintas: a militância política na Alemanha, a
escolta de Luiz Carlos Prestes e a vivência nas prisões. Embora mantenha sempre
algumas características gerais, como o olhar severo, a postura endurecida, uma atitude
defensiva, obstinada, de muita força, coragem, altivez e paixão, em cada fase há uma
mudança de comportamento, que se traduz em seu olhar, em suas falas e atitudes.
Na primeira fase, temos Olga aos 15 anos (flashback da adolescência, quando
deixa a casa dos pais) e aos 20. É a fase mais radical de sua militância, apesar da
condição abastada, veste-se de maneira simples, usa quase sempre as mesmas roupas –
indicando sua atitude de renúncia –, a maquiagem é neutra, somente as bochechas
rosadas, que juntamente com os cabelos compridos e trançados, caracterizam a
23
adolescência e a juventude. A fisionomia é constantemente sisuda, expressando sua
convicção exacerbada nas crenças políticas, a forma de se portar é enrijecida, quase
militar e, sobretudo, destemida. Mesmo nas situações de risco, como no assalto à prisão
de Moabit, não se altera. Suas falas são duras, secas, diretas, insensíveis, como se
tivesse sofrido uma lavagem cerebral das idéias comunistas e não conseguisse enxergar
mais nada além de seus objetivos revolucionários. Pelas aparências se caracteriza o
radicalismo das idéias, que de tão intenso beira à artificialidade.
Nesta fase se inicia a construção de uma oposição entre amor e engajamento
político, que perdurará durante todo o longa-metragem. Aparece pela primeira vez na
sequência em que Olga e Otto Braun (Guilherme Weber) estão dentro do trem, a
caminho de Moscou, em uma cabine privada. À frente há a janela, os personagens
conversam sentados de perfil para nós e de frente um para o outro, separados por uma
mesa estreita. É noite, chove lá fora, o casal está disfarçado e Otto segura o passaporte
do casal aberto, evidenciando as identidades falsas – surge a primeira instrução
documentarizante, que fornece a informação dos disfarces, que será confirmada na fala
de Olga.
Reprodução do passaporte falso de Olga e Otto.
24
Fonte: MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias).
Ao constatar que estão em território soviético, a jovem tira o chapéu do disfarce
e comenta o alívio em não precisar mais se vestir como sua mãe. À mesa há um
pequeno abajur e um jogo de chá, a mesa chacoalha com o balanço do trem, ouvimos
apenas a chuva e o barulho do veículo nos trilhos. Otto lamenta não ter conhecido a
família da namorada, diz que sentiu saudades suas enquanto esteve preso, ao falar, pega
em suas mãos. Ao ato de carinho, Olga artificialmente impassível dá uma resposta seca
“Filhos, família... Não é para nós Otto”, o namorado diz “Você sabe que pode lutar ao
meu lado”, ela finaliza a conversa afirmando “Eu luto ao lado da Revolução. Não de um
homem”. Amor e atuação política são apresentados então como irreconciliáveis. A fala
de Olga, ao mesmo tempo em que anuncia as convicções que lhe farão entrar em
conflito ao se apaixonar por Prestes, prepara a futura mudança do roteiro, que lhe fará
contrariar essas afirmações.
A jovem então olha pela janela e tem um flashback de uma manifestação de rua
que participou, as legendas notificam: Munique, 1924. Na transição de uma sequência
para a outra já ouvimos as palavras de ordem em alemão dos manifestantes,
introduzindo as próximas imagens. Durante o ato, a militante comunista localiza-se na
dianteira dos manifestantes, ocupando posição central, enfatizando sua posição de força
e liderança. Logo ouvimos a chegada dos oficiais nazistas marchando, vindo de
encontro aos comunistas, enquanto a rua que estava cheia se esvazia. Há um confronto e
a câmera se envolve na ação, fazendo planos fechados na protagonista. Esses planos tem
função de enfatizar a valentia de Olga, mas também de cobrir a falta de volume
25
dramático na representação do conflito, por não dispor de cenários históricos grandiosos
ou de número suficiente de figurantes.
Adiante, nos é apresentada a casa burguesa da família Benário. Olga entra em
casa com o rosto machucado, há um silêncio total, a porta principal é ampla, de madeira
e vazada, nos penduradores próximo à entrada há um cachecol de pele. De um largo
corredor vemos a protagonista vir da sala, onde há um grande vitral decorado com
pinturas, e móveis luxuosos na sala. À medida que vai entrando ouvimos uma conversa
que vem da biblioteca de seu pai49 (Luis Mello). Olga observa a situação da porta: ao
lado da lareira acesa, seu pai está sentado à mesa, rodeado de papéis e livros. Vemos um
segundo ambiente ao fundo deste primeiro, sugerindo uma biblioteca de grandes
dimensões. Em plano de conjunto, seu pai atende a um casal de senhores e a uma
mulher com uma criança de colo. Leo se prepara para lhes dar dinheiro quando percebe
a presença da filha, que se retira.
Temos então um primeiro plano da caixa de enfeites de pérola de Eugénie
Benário50 (Eliane Giardini), ao som de uma ópera, a câmera corre o aparador, passando
por um lenço, uma fotografia preto e branco de Eugénie (da atriz imitando o
personagem histórico), algumas jóias espalhadas, a vitrola, um jogo de chá sobre uma
pequena mesa; o movimento vai ascendendo até que somos apresentados a mãe de Olga
pelo espelho da penteadeira, a qual está forrada de frascos de perfumes, e colares de
pérola pendurados. Arruma-se no espelho, quando a filha pára na porta do quarto; ao
perceber, interrompe o que fazia e se volta para a porta, Olga se retira. Como se
percebe, a caracterização dos pais de Olga como burgueses é bastante clichê: o pai
trabalhando na biblioteca, a mãe se arrumando no quarto, como se fizesse isso o dia
todo.
A jovem entra em seu quarto. À frente vemos a cama de perfil, um criado-mudo
com o retrato da família, ao fundo sua escrivaninha, ao lado e atrás da qual há estantes
de livros. Nas paredes há cartazes soviéticos dos anos 20, o primeiro a aparecer é um de
1924, com o rosto de Lênin e os dizeres em russo “Lênin é o saber. O Leninismo é uma
arma.”, o segundo está colado em um armário (é um cartaz com dizeres em russo, não
49
O personagem de Leo Benário é um advogado social-democrata que nos tempos de crise advogava
gratuitamente para as pessoas que não podiam lhe pagar, dando-lhes dinheiro quando necessário, de
acordo do o livro de Fernando Morais.
50
Eugénie Benário é apresentada como uma mulher frívola, burguesa, seduzida pelos nazistas.
26
encontramos maiores informações), e o terceiro é um cartaz de propaganda que diz
“Moscou, o coração da Revolução Mundial”. Em ordem (primeiro e terceiro):
4 – Fonte: http://wwwusers.rdc.pucrio.br/ednacunhalima/2004_1_2/graf
_russa/index.htm
6 – Fonte:
http://www.sovietposters.com
Ao entrar, pega o retrato da família e o abaixa. Seus pais entram no quarto lhe dando
broncas, Olga explica o motivo dos machucados; quando o pai lhe pergunta se não
pensa nas consequências de seus atos, responde atestando sua renúncia “Não quero mais
importunar ninguém com as consequências do que eu faço... nem com o meu desleixo.
Eu vou embora.”. A mãe lhe pergunta para onde, ela afirma enfaticamente “Vou
trabalhar em Berlim. Pagar o que como, o que visto... Viver sob o meu teto.”, seu tom é
tão altivo que soa como uma adolescente querendo fazer desfeita, sonhando em viver
conforme suas próprias leis. Viver sobre o próprio teto, pagar suas próprias contas
significa acima de tudo se emancipar financeiramente e consequentemente não dever
27
mais satisfações aos pais. Mãe e filha prosseguem discutindo, até que Eugénie diz ao
marido que a culpa é dele, por pretender ser o grande advogado das mazelas do mundo.
Leo Benário espera a esposa se retirar, pega uma bacia com água, molha um pano e vem
limpar os machucados da filha, desenvolvendo o seguinte diálogo (que se dá com uma
alternância de primeiros planos):
Leo: Abandonar a família e ir morar num bairro miserável de Berlim com
pessoas que você pouco conhece. Essa é a vida que você quer ter, filha?
Olga: Esses operários que vêm pedir a tua ajuda. Cresci vendo a miséria me
visitando todos os dias em casa. Eu não consegui ficar imune a isso.
[Leo pega um panfleto de um montante que estava no móvel ao pé da cama e
mostra à Olga]
Leo: Essa maneira de falar, esse teu radicalismo... Os rebeldes raramente dão
bons revolucionários.
Olga: E o senhor? Afinal, de que lado está? Com uma mão distribui esmolas e
com a outra defende o governo e os ricos!
Leo: Frases feitas não vão mudar o mundo. Nem matar a fome de ninguém! A
revolução, a ruptura só traz mais sofrimento... A política infelizmente é a arte
do possível.
Olga: Então, o que propões é isso? Dar mais esmolas? Sentir compaixão? De
que lado você está?
Leo: Do teu, filha. Do teu.
Olga: Pai... Eu ainda não sei o que eu quero ser. Mas eu sei muito bem o que eu
não quero.
Esta conversa entre pai e filha deixa evidente a questão da imaturidade de Olga –
como se a militância política radical comunista se ligasse exclusivamente à rebeldia
adolescente – que o filme quer realçar. A fala social-democrata de seu pai (acrescentada
pela roteirista), acompanhada da falta de contextualização política dos personagens,
acaba por assumir o contraponto do posicionamento radical da filha, o da maturidade
adulta. O desenrolar dos fatos na obra fílmica só virão a comprovar suas afirmações,
reiterando a sua visão política “madura”. A última frase de Olga (também acrescentada
por Rita Buzzar) é recheada de anacronismo, já que o personagem histórico vivia uma
época em que se acreditava piamente que as utopias estavam a poucos passos de se
consolidarem – a existência da União Soviética, “a grande pátria dos trabalhadores”, era
uma constatação disso – contudo, a roteirista coloca uma frase característica da era da
distopia, surgida após os totalitarismos bárbaros do século XX e a queda do Muro de
Berlim, na qual, devido aos fracassos do passado, não se sabe mais no que acreditar,
tendo-se somente certeza daquilo que não se deseja. Este anacronismo é feito para
confirmar a idéia da militância política radical do personagem estar relacionada à
imaturidade adolescente, que sem nem saber o que procura de fato, renuncia à sua
28
condição abastada, arriscando a vida alucinadamente, por simplesmente saber o que não
quer – no caso, a forma burguesa de ser mulher de sua mãe e a miséria alheia.
A idéia da paixão revolucionária alucinada destaca-se também pela atuação de
Camila Morgado. Quando pergunta ao pai “De que lado você está?”, seus olhos se
arregalam de uma maneira, como se lhe acossasse moralmente, fica tomada de uma
raiva tão intensa que não parece estar conversando mais com seu próprio pai,
sentimento que só se dilui quando ele afirma que está do seu lado.
Ainda sobre a questão da imaturidade de Olga, vale destacar esta mesma
passagem da briga com o pai, no argumento original de Rita Buzzar. Neste, após a
discussão, a moça, aos 15 anos, afirma que “já era adulta e que iria para Berlim”51. Sua
argumentação simplista reforça justamente o oposto, a idéia de sua ingenuidade
adolescente. É possível destacar outra passagem, que não entrou para o roteiro oficial,
que também levanta a questão da imaturidade da jovem alemã:
“Após um longo passeio pelas montanhas, onde Otto lhe contou que o partido
havia aprovado a ida dela para Berlim, os dois pararam para repousar em uma
cabana coberta de neve. Olga nunca se sentiu tão feliz. Respondeu que partiria
quando o partido ordenasse. Os dois se beijaram e Olga teve sua primeira noite
com um homem. Porém, depois que Otto adormeceu, chorou solitária. Tinha
receio que ele pensasse que ela era uma burguesinha assustada.”. (BUZZAR,
1995, p. 20), grifos nossos.
As passagens do argumento original reafirmam a constatação de que o filme
busca construir a associação direta entre a militância fervorosa de Olga à sua
imaturidade adolescente, o que, acabará por pesar nas conclusões do filme mais adiante.
Na sequência de despedida, ao som de violinos, pai e filha colocam-se de perfil
para nós e de frente um para o outro, em plano americano. Na profundidade de campo
há uma chuva intensa, que vemos pela porta aberta da casa. Leo Benário pede que tome
cuidado; a filha pega em suas mãos, encosta o rosto em sua testa com expressão de
ternura, afasta-se lentamente, retirando-se em seguida. Desce as escadas do casarão sob
a forte chuva, enquanto seu pai lhe assiste partir. Tendo a chuva como transição, vemos
então o rosto de Olga na janela do trem novamente, retornando do flashback, enquanto
Otto dorme. As legendas noticiam “Moscou, 1928”.
Essa associação da chuva, utilizada como elemento de transição, às lágrimas
contidas do pai e à tristeza da filha, ao relembrar a despedida, é um lugar-comum no que
51
BUZZAR, Rita. Não olhe nos olhos do inimigo: Olga Benário e Anne Frank. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995. p. 20.
29
toca à expressão da melancolia no melodrama. Segundo Pablo Rubio, “as lágrimas
associadas à chuva, sobretudo se esta pinga sobre o vidro da janela, representam a mais
viscosa das performances iconográficas da melancolia”52.
Nas sequências em Moscou predominam as cores frias e são quase todas feitas
em ambientes com o pé direito altíssimo, ocupados por pouco ou nenhum móvel,
procurando trazer a idéia da diminuição do indivíduo frente à coletividade e ao poder do
Estado53. Quando Olga discursa sobre o assalto à prisão de Moabit, o faz para uma
platéia repleta e homogênea, praticamente todos usam boinas e roupas escuras,
sugerindo a idéia da redução da individualidade do homem no regime socialista.
Terminado seu discurso, Otto, que lhe assistia desde o início, sobe ao palco e lhe diz:
“Belas palavras! Entre um discurso e um salto de pára-quedas vai te restar mesmo
pouco tempo para ser mulher...”. Desce do palco e se põe a interagir com outra mulher,
temos então um primeiro plano do olhar enciumado de Olga.
A construção do personagem de Otto Braun como este homem que embora seja
militante comunista, possui valores burgueses e machistas, que cobra de Olga uma
postura de mulher, que reclama de não ter conhecido sua família, e tem papel
secundário em relação à namorada, é algo exclusivo do filme. Na obra de Fernando
Morais, Braun é um professor, agente secreto soviético experiente, o qual orienta as
leituras da jovem, além de indicar os teóricos indispensáveis a sua formação comunista.
É o primeiro amor de Olga, com quem morou e teve um relacionamento de oito anos.
No livro, o relacionamento amoroso termina também pela falta de tempo de Olga,
todavia, a ausência de contextualização política do personagem, e a sua apresentação
como este homem lamuriante, reduz seu peso histórico para lhe encaixar no
maniqueísmo melodramático – Olga só poderia saber o que era o amor de fato ao
relacionar-se com Prestes, Braun seria apenas um relacionamento passageiro, alguém
que lhe atrapalhava com seu romantismo burguês (a forma fria como trata Otto faz com
que a famosa frase sobre o assalto a prisão de Moabit que profere na sequência do
auditório perca o sentido: “Eu gostaria que soubessem... que ali eu cumpri duas tarefas:
uma do partido... e a outra do meu coração”).
52
“Las lágrimas asociadas a la lluvia, sobre todo si ésta gotea sobre el cristal de la ventana, representan
la más viscosa de las escenificaciones iconográficas de la melancolía” (...)”. (RUBIO, Pablo Pérez. El
melodrama y lo melodramático: modelos de cine popular. In: El Cine Melodramático. Barcelona, Paidós,
2004, pp. 95-96.). Tradução nossa.
53
Nas palavras de Monjardim: “As cenas passadas na Rússia, com grandes espaços, contrasta as pessoas,
busca traduzir o sentido de opressão: o homem pequeno diante da coletividade”. MONJARDIM, Jayme.
Olga. São Paulo: Globo, 2004.
30
Na mesma sequência nos é apresentado o personagem Sabo. Interrompe o olhar
enciumado de Olga, vem lhe cumprimentar e se apresentar (o diálogo, criado pela
roteirista, ocorre por meio de uma alternância de primeiros planos):
Sabo: Disciplina, eficiência, dedicação total. Você será a nossa revolucionária perfeita.
Olga: Você tem alguma objeção a fazer?
Sabo: Eu?! Nunca! Meu nome é Elise Ewert. Sabo, para os amigos.
[Estende a mão, cumprimentam-se]
Olga: Na Alemanha ouvi falar muito de você e do teu marido, o ex-deputado Arthur
Ewert. A revolta na China, as atividades nos Estados Unidos. E também as divergências
que ele teve com o Partido.
Sabo: Nenhuma loucura maior do que pretender corrigir o mundo.
Olga: Mas o mundo não precisa ser corrigido?
Sabo: Fazer de conta que o sonho é possível não é uma tarefa fácil, Olga. Só espero que
você tenha sucesso. Pelo menos mais sucesso que a grande maioria.
Durante a conversa, Sabo mantém um ar altivo, seguro. Quando a nova amiga
fala sobre as atividades de seu esposo Arthur, lhe dá um olhar de esguelha, em um misto
de arrogância e defesa. Esta mesma fala é bastante forçada, busca informar brevemente
o histórico do casal de militantes alemães, todavia, de tão didática, soa como uma aula
de telecurso de História. O conteúdo deste diálogo ecoará pelo resto do filme, sobretudo
nos questionamentos que Olga fará da viabilidade da Revolução nos momentos de
sofrimento. A última frase de Sabo é um tanto anacrônica, visto que se coloca uma
militante comunista de longa experiência, cujo currículo Olga apresenta em sua fala,
reduzindo o comunismo à categoria de “sonho”, e este, por sua vez, à de utopia, já que
Olga teria que “fazer de conta” que era possível. O desfecho trágico do personagem de
Sabo mostrará a função deste anacronismo, que se dará no sentido de afirmar a ordem
capitalista de valores individualistas em detrimento dos ideais comunistas, como
veremos mais adiante.
A militante comunista participa de treinamento militar, e certo dia, no refeitório
do local de treinamento ouve alguns colegas comentarem sobre as façanhas da Coluna
Prestes. Não aguenta de curiosidade e pergunta ao camarada se tem certeza do que está
falando. Inicia-se um som suave de violinos em volume baixo, que anunciam sua
fisionomia de admiração, ao ter as informações confirmadas. Maravilhada com o que
ouviu, seus olhos parecem enxergar longe, como se imaginasse as tropas heróicas
comandadas pelo Cavaleiro da Esperança. Este olhar anuncia a paixão por Prestes como
destino, recurso típico do melodrama.
31
Adiante, a jovem alemã vai ao prédio do Comintern, atendendo ao chamado do
chefe da Internacional Comunista (IC), Dimitri Mauilski (Paschoal da Conceição). Seu
gabinete é um salão amplo, do lado esquerdo há uma fileira de colunas cor de marfim
(assim como a fachada do edifício) com candelabros, e praticamente não há móveis no
recinto; na profundidade de campo há uma faixa vertical vermelha com o símbolo da
foice e do martelo em amarelo, vemos Manuilski em pé, entre os bustos de Lênin à
esquerda e Stalin à direita, atrás de sua escrivaninha, e Olga em pé, de costas para nós.
No primeiro plano da conversa são enquadrados em plano de conjunto (ao longo
do diálogo, há uma alternância de planos americanos). A jovem pergunta “Uma
revolução na América Latina, camarada Manuilski?!” ao que ele responde “Em breve o
mundo todo será comunista, camarada Olga. Tenho certeza [Olga lhe observa em com
olhar de admiração e subserviência], o mundo todo... com exceção talvez da Suíça”,
nesta última frase vemos Manuilski em plano americano, ao lado do busto de Lênin, que
prossegue “Em algum lugar a gente tem que descansar do comunismo... não é mesmo?”,
faz a afirmação e dá uma risada cínica. A moça fica constrangida, olha para o lado como
se não compactuasse dessa visão, entretanto, disfarça seus pensamentos – apontando o
temor que sente diante desta autoridade, logo o tom autoritário da organização. Quando
Manuilski diz a jovem ficar feliz por ela ter aceitado a missão, lhe responde “É meu
dever aceitar”, de repente, caricaturalmente, o chefe da Internacional muda para um tom
autoritário e afirma “Você irá ao Brasil. E vai cuidar da segurança pessoal do capitão
Luiz Carlos Prestes”. Olga sorri timidamente, põe-se a olhar de lado, como se
imaginasse o Cavaleiro da Esperança.
Nesta sequência em que Manuilski aparece, percebemos a diferença de
tratamento que o personagem recebe no livro de Fernando Morais, no qual o secretário
do Comintern, embora disperso, não tenha essa característica autoritária estereotipada.
Explica a missão a Olga e lhe dá um dia para pensar se aceita ou não. A maneira como o
filme lhe apresenta, dialoga bastante com a visão de William Waack, em Camaradas
(1993), que lhe retrata como um homem cínico, autoritário, inescrupuloso, de baixo
porte teórico – as duas primeiras características ficam bastante claras na sequência
descrita. Rita Buzzar se apropria de um trecho da obra de Waack para escrever a fala do
personagem:
Seu espírito de humor podia ser considerado perigoso em certas ocasiões.
Durante uma concorrida reunião em Moscou, no começo dos anos 30, alguém
da platéia perguntou-lhe se acreditava mesmo que o mundo inteiro seria em
32
breve comunista. Manuilski respondeu que sim, com uma exceção: a Suíça.
Diante da surpresa geral, soltou a explicação: “Em algum lugar a gente tem de
poder descansar do comunismo”54.
A atuação de Olga no filme também difere do livro. Embora tenha aceitado de
bom grado a missão, ficou decepcionada com o pedido, já que gostaria de ser enviada
para Berlin, para dirigir a luta dos jovens comunistas contra o nazismo de Hitler, agora
no poder (MORAIS, 1985, p. 49). Na obra fílmica parece não ter vontades políticas
próprias, estando sempre à disposição do que for ordenado pela autoritária IC, como um
soldado condicionado a obedecer sem jamais questionar.
Terminada a conversa, Manuilski leva Olga ao encontro de Prestes. Ao se
aproximarem de Prestes o enquadramento é bastante fechado no busto dos personagens,
sem que o cenário seja focado. O secretário do Comintern lhes apresenta um ao outro, e
trocam algumas palavras, Manuilski revela o disfarce que terão de utilizar e prossegue
falando. O som de sua voz vai abaixando, ao passo que vai aumentando um som
romântico e melancólico de violinos agudos, acompanhando a alternância de primeiros
planos dos rostos de Olga e Prestes, ele com olhar terno e apaixonado, ela num misto de
encanto e constrangimento. Na obra de Morais, quando Olga conhece Prestes se
decepciona um pouco, pois baseada no que ouvira sobre o homem, havia lhe imaginado
um gigante latino. Emocionou-se ao cumprimentá-lo, contudo achou-o um pouco
franzino para quem comandara a famosa Coluna. Este contraponto enfatiza a construção
maniqueísta do melodrama, na qual não há possibilidade de relativizar os sentimentos;
para que seja intenso, o amor deve acontecer à primeira vista, e se constituir numa
crescente ao longo da estória.
Após conhecer Prestes, se inicia a segunda fase de Olga, que é momento no qual
entra para a vida adulta, mantém seus ideais revolucionários, contudo entra em contato
com a paixão por Prestes, o que progressivamente desestabiliza sua consciência, na
medida em que lhe leva ao conflito interno entre seus sentimentos pessoais e o modelo
de conduta militante em que acredita. Expressando a passagem para a vida adulta,
abandona os longos cabelos trançados por um corte na altura do ombro (já na sequência
do Comintern), e apesar de manter o mesmo comportamento rígido e severo, adquire
maior delicadeza e certa fragilidade – principalmente pela confusão emocional que
passará a sentir.
54
WAACK, William. Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de
1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 52 (Grifo nosso).
33
Desde o primeiro encontro, por já sentir-se atraída pelo brasileiro, Olga sente-se
incomodada com a sua presença, procurando reafirmar suas convicções. Após Prestes
despedir-se de sua família, encontra a jovem, que já lhe esperava no carro. O Cavaleiro
da Esperança comenta a dificuldade das despedidas, ao que a moça responde “Por isso
prefiro não ter ninguém para me despedir, ou esperando por mim”, pergunta então de
sua família, ao que a jovem retruca com frieza “Há muito tempo não os vejo. Prefiro
assim. Sentimentos e fraquezas não combinam com nenhuma missão”. Ele a observa
com espanto e admiração, ao som de um coral lírico. Surge novamente a oposição entre
amor e política como se fossem irreconciliáveis. As colocações de Olga são tão práticas
que ganham contornos de infantilidade. Tanto o amor quanto a paixão amorosa são
apresentados pelo filme como sentimentos inadministráveis pelo sujeito que se pretende
engajado politicamente, como geradores de descontrole – característico do mito da
paixão referido anteriormente.
As sequências do transatlântico funcionam como uma pausa de tranquilidade
entre as tensões anteriores e os acontecimentos que estão por vir e, por esse motivo,
predominam as cores quentes, apesar de se apresentarem em tom pastel, para não
destoar tanto da idéia de “usar as cores de uma época sem cor”, da unidade de cores do
restante da obra fílmica. Durante todo o episódio temos instalações luxuosas, as pessoas
usam trajes de gala, há lustres requintados, flores, frutas e bebidas espalhadas pelo
quarto do casal.
Uma tomada panorâmica do transatlântico acompanhada do fox trote When I get
Old55 introduz a sequência do baile, o qual ocorre dentro de um grande salão, onde há
diversas mesas ocupadas, uma cantora com alguns músicos, e casais dançando. A
iluminação é feita por luzes de velas e candelabros. Constrói-se toda uma atmosfera de
glamour típica do film-noir dos anos 50 – a cantora, inclusive, se assemelha visualmente
ao perfil de mulher fatal peculiar ao film-noir, usa um vestido de seda, cor de pérola,
com luvas compridas, brincos de brilhantes e batom vermelho – que se espalha em toda
a cenografia, maquiagem e figurinos do episódio do transatlântico. O casal dança junto,
tentando fingir naturalidade. Ao final da primeira música, um dos músicos – o próprio
Marcus Viana – começa a tocar no violino uma melodia similar à música-tema do filme;
Olga está desconfortável, olha para os lados, sabendo que está sendo observada, logo
55
Música composta pelo pai de Marcus Viana, Sebastião Viana, transformada em fox trote para a trilha
sonora deste filme.
34
vemos o capitão e Herr Fisher os observando. Continuam a dançar, mesmo que um
pouco desconjuntados com a maior lentidão dessa última música.
Próximo à meia-noite de Ano Novo, o casal vai para a parte externa do navio. A
cenografia procura imitar de maneira tão real o navio, que se torna algo artificial – os
elementos cenográficos tentam exageradamente convencer que os personagens estão em
um cruzeiro. Prestes, com delicadeza e encanto, diz à Olga que é muito parecida com a
sua mãe, Dona Leocádia. O exagero da aparência endurecida da jovem fica evidente
neste diálogo: enquanto ele a compara com a sua mãe, como se fosse um elogio, ela
pergunta “E os meus defeitos? São parecidos com os de Dona Leocádia?”, ao que
responde “Teus nervos parecem de aço. E, às vezes, você pode ser um pouco...”, antes
de terminar Olga interfere de forma seca “Dura. Meu trabalho exige.” Este excesso é tão
artificial, que longe de parecer uma questão de engajamento radical, faz parecer mais
uma grosseria gratuita. Além do que, é contraditório um militante dizer ao outro que é
“duro, porque o seu trabalho exige”, afinal trabalham pela mesma causa, assim, essa
observação soa um tanto altiva. Entretanto, de alguma maneira, essa sua atitude reforça
a idéia da militância como algo que demanda um comportamento austero e inflexível.
Explodem os fogos de artifício de Ano Novo, os quais são perceptivelmente
efeitos gráficos, ao som de melodia romântica feita por violinos, cumprimentam-se e
entreolham-se longamente até que são interrompidos por Herr Fisher (Oscar Simch),
que lhes traz champanhe por encomenda do capitão, incentivando que o casal se beije
em comemoração. Beijam-se pela primeira vez. Antes de dormir, lêem juntos versos de
Vladimir Maiakovski. Com essa proximidade, Olga fica acuada e o constrangimento
aumenta, até que Prestes confessa que a beijou porque quis, deixando-lhe lisonjeada.
No dia seguinte, sentam-se à mesa para conversar com Herr Fisher e o capitão
(Odilon Wagner), o qual diz à moça que espera que a longa viagem não a tenha cansado
demais, faz uma brincadeira sobre espiões abordo, tentando fazer uma piada, enquanto o
casal sorri discretamente. Ela responde que o mar lhe reconforta, não lhe cansa. Herr
Fisher supõe que goste do mar porque são portugueses; em seguida pede desculpas pela
indelicadeza, a câmera se fecha em seu rosto (aumentando a tensão, levantando a
dúvida: será que serão descobertos?) e então pergunta, em um tom falsamente
despretensioso, “A senhora é judia?”, alternam-se os primeiros planos de Olga em
silêncio e Herr Fisher aguardando a resposta, aumentando a expectativa, até que a
jovem responde “O que o senhor acha?”, ele então complementa, levantando as
35
sobrancelhas “Não, claro que não. Graças a Deus!”. Prestes lhe pergunta se defende o
nazi-fascismo, obtendo a afirmativa:
– Como qualquer alemão de verdade. Foram os banqueiros judeus que acabaram
com a Alemanha. Eles e o Tratado de Paz. A França e a Inglaterra só quiseram
nos humilhar. Mas o fascismo vai nos proteger dos comunistas... e nós
voltaremos a ser uma grande nação.
O personagem Herr Fisher não existe na obra de Fernando Morais. Nesta, há
uma situação semelhante: o capitão convida o casal para um jantar em sua cabine,
entretanto, o homem havia morado em Lisboa e conhecia muito bem a cidade, o que
levou Prestes a passar por apertos. Olga interferia na conversa, dando desculpas; que
eram eficazes, já que o capitão estava muito mais interessado na beleza de Maria Vilar
(MORAIS, 1985, p. 58). Rita Buzzar cria o personagem de Herr Fisher, no qual
centraliza a tensão, acrescentando o fato de ser um partidário do nazismo. Este
personagem parece cumprir algumas funções específicas na trama: é o protótipo do
alemão nazista, é um dos vilões (como se fosse um exemplar de uma vilania maior, a do
nazismo), traz em sua fala os motivos básicos que a História Oficial aponta para o
desencadeamento do nazifascismo na Alemanha, além de cumprir com um dos lugarescomuns do melodrama, que é o do acaso; já que mais adiante descobriremos que é um
policial da Gestapo, que também se encaminhava ao Brasil na mesma época, só que
para lutar do lado oposto dos heróis. Sua fala parece ter fins didáticos, na qual se
condensa a conjuntura histórica da Alemanha, visto que o filme se concentra muito mais
nas questões subjetivas do que na conjuntura histórica.
Terminada esta fala, há um primeiro plano de Olga que disfarça com um leve
sorriso, mas mantém um olhar firme que destaca sua contrariedade e espanto, este
enquadramento é feito para evidenciar a capacidade de autocontrole da militante
comunista, de quem o espectador é cúmplice no disfarce. Temos então em plano médio,
o alemão junto ao capitão, que é chamado na sala de comando, retirando-se em seguida.
A câmera se aproxima novamente de Herr Fisher, que desconfiado observa o casal, ao
som de violinos graves que expressam tensão. Após se retirar, o casal se pergunta se
seria possível que estivessem desconfiados. Quando Prestes responde a Olga sobre o
capitão, dizendo que parecia mais estar querendo parecer interessante para ela, irrita-se
dizendo que o casal Vilar é uma ficção e deixa o salão.
36
Trovejadas introduzem a próxima sequência. Olga está deitada, fingi estar
dormindo56 quando Prestes entra no quarto, encharcado pela chuva. Ele se desculpa pelo
que disse antes, a jovem tenta desviar o assunto, mas o líder comunista persiste e revela
que nunca teve tempo para estar com uma mulher, que devido à sua trajetória nunca
houve ninguém em sua vida, até aquele momento. Completa dizendo “Você é linda. E
eu nem sei... ”, ouvindo a resposta “Não precisa saber. Basta sentir o que eu estou
sentindo.”, beijam-se e tem a primeira noite de amor. Nesta sequência é levada ao
extremo a fragilização do personagem de Prestes. A figura histórica de enorme peso
político na história do Brasil é colocada em sua primeira noite com uma mulher como
um aprendiz, dizendo que não sabe o que fazer, sendo conduzido por Olga o tempo
todo, a qual predomina durante toda a relação. A trilha sonora romântica de violinos
aumenta, e os close-ups são os mais próximos possíveis. Rita Buzzar se apropria da
história real do personagem do Cavaleiro da Esperança e a adapta em sua fala de modo
a endossar a oposição que o filme constrói entre amor e engajamento político, ao
afirmar:
“Eu nunca tive tempo para essas coisas. Eu nunca quis ter tempo. Eu trabalhei,
eu cuidei de minha mãe... das minhas irmãs. Depois veio a revolução, a
política... o exílio.”
Esta sequência é bastante escura, monocromática, há um forte jogo de luz e
sombra, de forma que a pele dos personagens são as únicas cores salientes – essa
iluminação dá um tom sacralizado àquela relação amorosa. Finalizada a primeira noite
de amor, vemos Olga com os cabelos raspados e o rosto machucado em primeiro plano,
no campo de concentração. Ao retornar desse flashback, lágrimas escorrem em seu rosto
– efeito que enfatiza a valorização da contagem regressiva da união do casal.
Ao chegarem ao Brasil, tem início a construção da relação da militante
comunista com o país, criada no sentido de produzir maior identificação do espectador
brasileiro com a protagonista. Já na primeira sequência em território nacional, o casal
sobrevoa o litoral de hidroavião. Olga segura um mapa do mundo, no qual Prestes
aponta todos os lugares por onde passaram até chegar ao Brasil – tem início um som
suave e lento de violinos. Relata que espera que, como eles, os “outros companheiros
enviados de Moscou” tenham conseguido chegar sem pistas. Ao que ela responde: “São
especialistas, como Arthur e Sabo Ewert. Pessoas experimentadas em outras missões.
56
Situação clichê no gênero do melodrama.
37
Com certeza chegaram em segurança.” – essa referências aos demais enviados antecipa
a apresentação desses personagens, facilitando a compreensão de suas funções.
Enquanto conversa, Olga fica mexendo em sua aliança, chamando atenção para a
transformação do disfarce em realidade, agora haviam se tornado de fato marido e
mulher. Prestes chama atenção da esposa para olhar seu país, Olga então se debruça na
janela, a trilha sonora aumenta dando a impressão de grandiosidade (essa música,
inclusive, se chama “Chegada ao Brasil”), há uma tomada panorâmica do mar verdeclaro indo em direção às matas costeiras, vemos o rosto de Olga na janela sorrindo,
retornando à outra panorâmica da praia. O marido pega em sua mão (há um primeiro
plano das mãos, destacando novamente a aliança) e pergunta se ela seria feliz no Brasil,
ouvindo “Parece o paraíso” (os olhos de Prestes brilham). O fato de a protagonista
elogiar a beleza natural do país, junto às panorâmicas e a trilha sonora enaltecedora,
mexe com o que comumente é um dos maiores orgulhos nacionais, favorecendo o
processo de envolvimento e identificação do espectador com a militante comunista. As
legendas mostram então: “Rio de Janeiro, 1935”.
Na sequência da chegada ao Rio, Miranda e Bangu (Thelmo Fernandes) estão de
costas para nós, próximos a um carro típico dos anos 30, de frente para um avião, por
baixo do qual vêm Olga e Prestes de braços dados. A construção do cenário e do
figurino dialoga diretamente com Casablanca (1942) de Michael Curtis, pela
contraposição do carro antigo ao avião (embora utilize planos muito mais fechados), e
pela forma como o casal se veste. Na última sequência de Casablanca, Ilsa Lund (Ingrid
Bergman) está de blazer, por baixo usa uma camisa branca, cuja gola se sobrepõe à
lapela da peça de cima, e um chapéu oblíquo de tonalidade escura. Parte de braços
dados, do lado esquerdo do quadro, em direção ao avião com Victor Laszlo (Paul
Henreid), que está de terno e gravata e um chapéu de tonalidade mais clara que o de
Ilsa. Nesta sequência Olga também está do lado esquerdo, de blazer com uma camisa
branca por baixo, com a gola sobreposta como a de Ilsa. Da mesma maneira, Prestes usa
terno e gravata e um chapéu de cor mais clara que o da companheira.
Olga (2004)
38
Casablanca (1942)
Enquanto Miranda conversa com o casal, Bangu se posiciona atrás do secretáriogeral do PCB, não fala uma palavra, desempenhando um papel secundário, nos
remetendo a imagem do “capanga”, aquele que não participa das decisões, mas sim da
execução das ordens – essa forma de ver os comunistas como uma máfia, se inicia aqui
e ficará mais evidente no episódio do assassinato de Elza Colônio. Miranda lhes fala
sobre os disfarces dos enviados e acaba por se apresentar ao espectador quando diz
“Como secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro... eu lhes garanto uma coisa...
engoliram nossa isca!”. Bangu leva a mala de Prestes, como um subordinado, e todos
entram no carro.
Após esta sequência, teremos o início das tramas paralelas, que se dividirão em
dois núcleos que não se tocam: o dos comunistas e o do âmbito do governo e da polícia.
Este segundo núcleo e as questões referentes ao debate historiográfico sobre os
acontecimentos de Novembro de 1935 deixaremos para analisar no último capítulo. Por
ora manteremos a análise do fluxo de consciência de Olga, bem como nas questões
paralelas que surgirão ao longo do desenvolvimento de suas fases.
Terminado o primeiro encontro entre os enviados de Moscou, Olga vai a praia
nadar, onde encontra o marido. Entramos então na sequência da conversa entre as
amigas Sabo e Olga, na casa do casal Ewert. A sala possui várias mesas sobre as quais
há pilhas de material de propaganda política, pastas e alguns livros. O assoalho é velho,
de madeira, os tapetes desgastados, a iluminação reduzida. Os enquadramentos são
39
fechados, predominando a alternância de close-ups durante o diálogo. Olga está sentada
à mesa, seca o suor do rosto com um lenço, e comenta que nunca pensou que teria
tempo para ir à praia. Sabo, em pé, coloca chá em um copo, leva para a amiga e senta-se
à mesa em uma distância de noventa graus. Segue a conversa:
Sabo: Olga... eu poderia morar aqui. Perto desse sol, desse mar. Eu e meu
Ewert, viver os dias tranquilos, em paz.
Olga: Dias tranquilos? Como se nada tivesse errado? E o nosso dever de mudar
o mundo? Esse é o nosso sonho de felicidade.
Sabo: Eu acredito na Revolução, Olga. Mas, às vezes, eu gostaria de pensar que
vou envelhecer ao lado de Arthur, ter filhos. Eu não quero morrer com uma bala
na cabeça. Por que você não pode ter uma vida inteira ao lado de quem você
ama?
Olga: Meu dever era proteger a vida dele. Com a minha, se fosse preciso.
[O corte abre um plano médio com ambas de perfil, Sabo pega nas mãos da
amiga. Um novo corte retorna à alternância de close-ups]
Sabo: O sol desse país, esse calor... já aqueceu também teu coração, Olga.
Olga: Os sentimentos... eles sempre escapam do nosso controle.
Nesta sequência fica evidente a identificação de Sabo como o protótipo da irmã
mais velha, pela maneira como trata Olga: serve chá, pega em suas mãos para
conversar, lhe aconselha indiretamente. Este trecho inteiro foi acrescentado por Rita
Buzzar, não estando presente na obra de Morais. A invenção da frase de Olga “Nunca
pensei que teria tempo para ir à praia” entra na construção da oposição deleite pessoal57
versus engajamento político, já que no livro há, inclusive, fotos de Olga vestindo trajes
de banho na Alemanha aos 17 anos – enfatizamos que o traje usado na sequência da
praia, provavelmente foi inspirado nesta foto – bem como, nas imediações de Moscou
em um balneário público.
57
A oposição entre amor e engajamento político é a mais evidente em todo o filme, contudo, o amor
também seria uma forma de deleite pessoal, portanto, a oposição construída nesta sequência segue a
mesma linha da primeira.
40
Traje usado no filme
de banho
na uma
Alemanha
Balneáriobuscava
em Moscou
TalTraje
oposição
já era
idéia que a roteirista
trazer desde o argumento
original, no qual, quando Olga e Otto chegam a Moscou, este teve de ser “hospitalizado,
pois a prisão na Alemanha o havia deixado doente”58, enquanto no livro do jornalista,
quando chegam a União Soviética, são oferecidas três semanas de férias no mar Negro
para aproveitarem o verão, devido a forte tensão que passaram na clandestinidade em
Berlim (MORAIS, 1985, p. 39).
As referências de Sabo ao calor e à natureza do Brasil parecem visar o
enaltecimento do espectador brasileiro, ao mesmo tempo em que estabelecem uma
relação de influência do clima na orientação das idéias do indivíduo. Assim, o
radicalismo político, associado frequentemente pelo filme ao estado de espírito de frieza
é vinculado ao clima frio rigoroso da Europa, enquanto o clima tropical do Brasil é
associado ao aquecimento do coração, ou seja, permitiria um despertar para os
sentimentos, consequentemente serviria de motivação para a flexibilização dos ideais
políticos ou o seu abandono. Tais idéias utilizam raciocínio semelhante ao da teoria da
“obnubilação brasílica” de Araripe Júnior, que parte do pressuposto de que o fator meio,
pensado de acordo com uma geografia determinista das zonas climáticas, seria capaz de
influenciar a psique do colonizador, gerando implicações em seu estilo, que
culminariam na originalidade do estilo dos trópicos. Ou seja, “os raios do ardente e
58
BUZZAR, op. cit., p. 22.
41
vivificante sol dos trópicos”59 influiriam de modo decisivo no humor e no
comportamento do indivíduo. Da mesma maneira, a correlação entre o comportamento
dos personagens e o meio climático é um recurso típico do melodrama. De acordo com
Pablo Rubio,
É habitual que o meio em que desenvolvem os heróis melodramáticos, muitas
vezes descrito em termos de oposição (campo/cidade, nômade/sedentário,
deserto/jardim, fogo/água), determine sua configuração psicológica e justifique
seus comportamentos. (...) Mas também a estação do ano em que se desenvolve
a narrativa, os fenômenos atmosféricos (chuva, tempestade, sol ardente) que se
interpõem no estado de animo do personagem ou a temperatura ambiental –
especialmente um calor excessivo – adquirem matizes significantes que
ultrapassam a mera localização temporal e geográfica (...).60
Ainda quanto à fala de Sabo, há uma grande contradição entre a apresentação de
seu personagem, como experiente militante comunista, e a expressão do desejo súbito
(influenciado pelo calor tropical) de viver dias tranquilos, constituir família junto ao
marido. A construção desse diálogo cumpre o papel de endossar ainda mais a oposição
entre sentimentos e engajamento político, ao passo que estes ganham, respectivamente,
o significado de valores individualistas/pessoais e princípios coletivistas/comunistas.
Como veremos adiante, o destino trágico deste personagem fará com que essa reação
combativa de Olga aos desejos mencionados pela amiga exerça uma carga de culpa,
gerando o desencanto final da protagonista com as crenças revolucionárias.
A conversa aguça o conflito interno de Olga. A conduta da amiga faz com que
comece a refletir sobre a sua própria, resultando no desencadeamento da próxima
sequência na casa do casal Prestes. Se inicia com um travelling¸ em plano médio, de
Prestes sentado à escrivaninha escrevendo uma carta, cujo conteúdo temos acesso pela
sua voz em over; enquanto vemos Olga descer as escadas na profundidade de campo. O
ambiente é escuro, possui a iluminação de alguns abajures; sobre a escrivaninha há
livros, papéis, um abajur de leitura e uma cuia de erva-mate. O Cavaleiro da Esperança
escreve “Considero que cada dia se torna mais próximo o momento da luta pelo poder,
59
ARARIPE JÚNIOR,1869 apud VOLPE, Mária Alice. A Teoria da Obnubilação Brasílica na História
da Música Brasileira: Renato de Almeida e “A Sinfonia da Terra”. Música em Perspectiva, v.I, n.1,
Março de 2008. p. 69.
60
“Es habitual que el médio en que se desenvuelven los héroes melodramáticos, muchas veces descrito en
términos de oposición (campo/ciudad, nómada/sedentario, desierto/vergel, fuego/agua), determine su
configuración psicológica y justifique sus comportamientos. (...) Pero también la estación del año en que
se desarrolle el relato, los fenómenos atmosféricos (lluvia, tormenta, sol abrasador) que se interpongan
en el estado de ánimo del personaje o la temperatura ambiental – especialmente un calor desorbitado –
adquieren el rango de plenos significantes mucho más allá de la mera localización temporal y geográfica
de otros ámbitos genéricos”. RUBIO, op. cit., p. 99.
42
entre aqueles que querem verdadeiramente mudar esse país e aqueles que querem
perpetuar essa sociedade desigual e desumana”. O trecho é uma adaptação do excerto
exposto por Morais da resposta de Prestes a Miguel Costa, o qual defendia a luta dentro
da legalidade:
“Quanto ao tempo de que dispomos para a preparação da luta pelo poder,
segundo todas as informações que tenho de diversos pontos do país, é coisa que
se torna cada dia mais próxima (...).” (MORAIS, 1985, p. 93. Grifos nossos.)
Olga desce as escadas e, em pé, atrás do marido, diz que pediu a Ewert que
consultasse Manuilski sobre seu retorno. Faz o comunicado com as mãos para trás e a
cabeça baixa, como um soldado subserviente falando com um superior. Ouvimos
violinos agudos em volume baixo tocando uma melodia melancólica. Levanta-se e se
dirige à esposa; a discussão é feita em alternância de primeiros planos. Surpreso,
questiona seus motivos, argumentando que poderia ser necessária na missão que estava
por vir, até que ela interfere dizendo “E, além do mais, estamos confundindo trabalho
com sentimentos pessoais”, mais adiante complementando: “A culpa foi minha”.
Finaliza afirmando que poderia ser mais útil em outra missão. Enquanto observamos a
moça subir para o quarto, Prestes fala em tom alterado “Eu espero que, desta vez, você
seja capaz ao menos de se despedir”. Vem o corte, a trilha sonora aumenta, e assistimos
Prestes levar à esposa uma cuia de erva-mate na cama, onde conversam, em alternância
de primeiros planos:
Prestes: Olga, ninguém tem culpa de nada. Eu preciso de você.
Olga: Deixe eu ir embora. Eu tento, mas eu não consigo. Não consigo lidar com
essa alegria, com essa dor. Eu mal me reconheço quando estou com você.
[Coloca a mão no rosto da esposa]
Prestes: Eu te amo.
Olga: Eu não consigo lidar com isso.
[Se abraçam]
Prestes: Por você eu faço qualquer coisa. Até renuncio à felicidade em ter você
ao meu lado. [Fica em pé na porta em plano médio] Vou avisar Ewert que estou
de acordo com a tua decisão. E não nos queixemos mais... Eu não me arrependo
de nada [há um grande close-up em Olga, angustiada].
A relação que Olga mantém com a Revolução é praticamente religiosa, o que
fica claro ao falar em “culpa”, quando se refere ao relacionamento. A culpa é colocada
no sentido de que o envolvimento amoroso seria um desvio no caminho da conquista
dos objetivos revolucionários. Aqui se encontra o ápice da oposição entre amor/paixão e
ativismo político. A paixão, enquanto mito da cultura judaico-cristã a ser condenado,
43
por estar relacionado ao pecado, ao desejo sexual, se revela claramente61. Para a
militante comunista, tal sentimento é um motivo de descontrole, diz mal se reconhecer
quando está na presença do amado. Quando afirma que não consegue lidar “com essa
alegria, com essa dor”, se refere respectivamente ao amor e ao compromisso com um
projeto político que estaria ameaçado por aquele sentimento. No livro de Morais, este
pedido de retorno de Olga não existe, Rita Buzzar parece ter recorrido à obra
Camaradas (1993) de William Waack, na qual afirma,
Olga tornou-se, junto com Ewert, a principal referência para Prestes, que em
toda a sua vida tendeu sempre a confiar em mulheres fortes. Evidências
documentais sugerem que o início do trabalho de ambos não foi livre de sérios
desentendimentos e talvez tenha sido prejudicado pela intenção de Olga de
regressar o mais depressa possível à União Soviética. No único telegrama que
enviou a Moscou em toda a sua permanência no Brasil, Olga pediu a Manuilski,
em 22 de junho de 1935, para removê-la de volta. (WAACK, 1993, p. 182.
Grifos nossos).
Assim, a roteirista se apropria de um fato possivelmente gerado por questões
políticas para adaptá-lo à construção da tese do filme de oposição entre amor e política,
ao conflito pessoal da protagonista.
A sequência seguinte parecer definir o tipo de militante que Olga seria, de
acordo com a construção da obra fílmica. Na Câmara dos Deputados, observamos, por
entre os presentes em um travelling, Otávio da Silveira62 em plano de conjunto, fazendo
a leitura do manifesto assinado por Prestes, lido em público no dia 05/07/1935 –
instrução documentarizante que busca seguir os trechos do documento histórico
transcrito pelo jornalista em sua obra, embora acrescente ao final a frase de valores
universais “pela justiça social e o fim da miséria”. No próximo plano temos um close-up
da escrivaninha de Prestes, onde vemos um pequeno rádio (por meio do qual
continuamos a ouvir o manifesto), papéis, canetas, uma organizadora de documentos
repleta, uma lupa e sua mão esquerda com a aliança de casamento. A câmera se afasta,
verificamos que os documentos na organizadora são os passaportes falsos que imitam os
documentos históricos do casal Vilar – este documento, embora não esteja totalmente à
mostra, imita o documento original presente no livro de Morais.
61
62
Como já abordamos no início do capítulo (pp.28-29).
Não consta nas fichas técnicas oficiais nenhuma informação sobre este ator.
44
Instrução documentarizante: passaporte do casal Vilar
Documento original. Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1984.
45
Vemos Prestes em plano médio respirando ansiosamente ao ouvir as palavras
que escreveu; a fim de enfatizar sua exultação há um zoom. Destacamos que na obra de
Fernando Morais, Olga ouve a leitura do manifesto pelo rádio junto ao marido,
enquanto na obra fílmica, apesar de estar preocupada com suas missões políticas, está
no quarto, angustiada com a sua situação amorosa. No livro de fotografias de Jayme
Monjardim, há uma foto em que este quadro está recomposto, entretanto, com a
presença da moça, evidenciando que houve uma escolha pela ausência do personagem
na sequência.
Versão do filme.
Fonte: MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias).
O que possivelmente pode ser interpretado como a associação de Olga somente
ao que toca à ação, não à teoria ou à estratégia. Visão próxima à de Waack, que expõe o
depoimento de Mishka Slavutska, que teria sido a pessoa mais próxima da alemã no
período em que esteve em Moscou, a qual afirma que “Olga era sobretudo uma
aventureira, contava com enorme entusiasmo como aprendera a pilotar aviões e o tempo
que passara na Academia da Força Aérea. Não se interessava muito por leituras ou
46
discussões teóricas (...)”, ainda de acordo com Mishka “Seu negócio era muita ação e
pouca política” (WAACK, 1993, p. 103).
Vale ressaltar ainda, que o fato de Olga ficar no quarto no andar de cima,
pensando em seus conflitos emocionais, enquanto Prestes permanece trabalhando no
escritório no andar térreo, cumpre com mais uma convenção do melodrama. Consoante
Pablo Rubio,
Na representação melodramática, as escadas interiores da casa estabelecem a
fronteira entre o público e o privado, e entre o feminino e o patriarcal. A parte
superior pertence ao território da intimidade da mulher, ali onde ela pode
abrigar seus sentimentos sem ameaças exteriores. (...) o personagem masculino
tem reservado também seu lugar no andar térreo, no âmbito patriarcal da
biblioteca-escritório (onde são diluídos os limites entre o privado e o público)
(...).63
Deflagradas as insurreições do Nordeste, os comunistas deliberam a favor do
levante no Rio de Janeiro. A sequência tem um enquadramento fechado, se inicia com
um som acelerado de violinos estridentes e a legenda nos notifica: “3° Regimento de
Infantaria. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 1935”. Em plano médio,
por baixo de um carro, vemos os coturnos dos militares correndo na rua. Assistimos a
correria agora por cima de um carro típico dos anos 30, do ponto de vista da calçada
para a rua, observando os soldados correndo de costas; alguns saem por trás da câmera.
O movimento de câmera na mão se intensifica, de modo que passamos a acompanhar a
correria paralelamente, por trás das grades de uma casa ou parque, como em uma
reportagem de guerra. Os planos da correria se alternam com a imagem dos militares
parados atirando, finalizando com um plano geral e outro de conjunto com a câmera
parada, os quais mostram os soldados correndo em direção ao 3° Regimento de
Infantaria.
O local onde foi filmada esta ação é similar ao de uma das fotos mais conhecidas
do levante de 1935 no Rio de Janeiro:
63
“En la representación melodramática, las escaleras interiores de la casa estabelecen la frontera entre
lo público y lo privado, y entre lo femenino y lo patriarcal. La parte superior pertence al território de la
intimidad de la mujer, allí donde ella puede cobijar sus sentimientos sin amenazas exteriores. (...) el
personaje masculino tiene reservado también su lugar en la planta baja donde, en el ámbito patriarcal de
la bilioteca-despacho (en la que se diluyen los límites entre lo privado y lo público)”. RUBIO, op. cit., p.
114. Tradução nossa.
47
Levante de 1935. Fonte: Vianna, Marly de Almeida Gomes. Expressão Popular, São Paulo, 2007.
1
2
3
4
Fonte: MONJARDIM, Jayme: Olga, 2004.
Podemos perceber que há um esforço de reconstrução do documento histórico, o
qual verificamos pelas semelhanças da rua arborizada, dos tipos de cerca das casas: na
48
foto, há do lado esquerdo uma cerca baixa e à direita, grades mais altas; no filme, vemos
cercas baixas do outro lado da rua e grades (similares às primeiras) à frente, através das
quais enxergamos. O esforço de reconstrução fica ainda mais evidente pelo ângulo em
que é filmado (1 e 2). Assim como na foto, os militares correm de costas, os vemos
partindo do nosso ponto de vista para a rua. Nas demais imagens (3 e 4) é possível notar
o movimento dinâmico da câmera na mão, que acompanha paralelamente a correria,
pela falta de nitidez do foco e diferença de altura das grades que se interpõem entre nós
e a ação. Essa forma de filmar simula uma filmagem de reportagem, pois tem um
movimento dinâmico, a imagem chacoalha, procura captar toda a movimentação,
deixando perceptível a presença do cinegrafista na ação. A associação com a filmagem
de reportagem também passa maior sensação de realidade ao espectador.
Após a derrota do levante de 1935, iniciam-se as perseguições dos responsáveis
pela insurreição. A casa dos Ewert é invadida, o enquadramento é fechado durante a
confusão em que os policiais prendem o casal, bem como no momento de colocá-los no
camburão, e o movimento é de câmera na mão. Há uma montagem paralela de Olga se
dirigindo ao local; ao chegar próximo a casa dos amigos lhes assiste sendo presos e
foge. Vemos no reflexo de um dos carros da polícia a imagem de Gruber ao lado de
Estevam, indicando sua traição. Dentro do camburão, Ewert se exalta pedindo para falar
com a embaixada americana, em plano médio, o policial sentado ao seu lado vira-se
para nós, é Herr Fisher (completa-se o acaso do melodrama, comentado anteriormente),
que prende o polegar de Arthur em um quebra-nozes e o esmigalha ao som dos gritos e
expressão de desespero de Sabo. Ressaltamos que na obra de Morais o casal seguiu em
camburões separados, além disso, quando o policial da Gestapo lhe apertou o dedo,
apesar da dor, Ewert não emitiu som algum. Esta escolha tem como fim focar o início
do sofrimento do personagem Sabo que se constituirá como uma vítima do comunismo.
Constatada a prisão dos amigos, o casal Prestes se refugia em uma casa no
Méier. O desenvolvimento da identificação do espectador, por meio da relação da
protagonista com o Brasil é retomado neste período de total clandestinidade. No
esconderijo, ao som de uma marchinha, Olga assiste encantada a um desfile de carnaval
de rua pela janela, enquanto Prestes costura um vestido para a esposa, em montagem
paralela – o vestido pode ser considerado uma instrução documentarizante, visto que
procura imitar rigorosamente o vestido original da famosa foto da alemã sendo levada
para depor.
49
Reprodução do vestido que Prestes costurou para Olga
Olga se encaminhado para interrogatório (Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1984)
A moça fica encantada com a festa, há uma alternância de planos dos foliões
alegres com o close-up de seu rosto sorrindo emocionada, quando o som romântico de
violinos passa a se sobrepor à marchinha. A letra da música de carnaval tem papel
importante:
“A lua cheia é dona da madrugada
50
iluminando colombinas e pierrôs
veste a cidade com suas rendas prateadas
pros foliões sambando bêbados de amor
E as estrelas piscam como namoradas
pra mil palhaços que hoje esquecem a sua dor.
É carnaval, o mundo está em festa
aqui não existe guerra, só alegria, a lua e a paz”
(Letra e música: Marcus Viana, Coral Sonhos e Sons)
A letra reforça a idéia do Brasil como um país sem guerra, pleno em paz e
alegria, características que sempre são atribuídas ao país em momentos de frisson
nacionalista, como por exemplo, em eventos esportivos mundiais. O que a letra da
marchinha expressa, no argumento original de Rita Buzzar já estava previsto, quando
afirma que Olga, quando teve a primeira visão do Brasil
“Ela nunca imaginara tanta luz, tantas cores. E chegou a pensar que aqui
pudesse se concretizar todos os seus ideais de uma sociedade perfeita, sem
desigualdades e sofrimento: um paraíso”. (BUZZAR, op. cit., p. 23)
A idéia do país como um paraíso nos remete a Visão do Paraíso de Sérgio
Buarque de Hollanda. A descrição deste mesmo episódio do Carnaval descreve as
sensações que, em parte, se buscou imputar à jovem na obra fílmica:
“Olga se deslumbrava com o sol, as peles amorenadas, o ritmo do batuque.
Encantava-se ao ver homens e mulheres negros, mulatos e brancos dançando
juntos, sensuais e alegres, como nenhum europeu sequer imaginava permitirse”. (BUZZAR, op. cit., p. 24)
A mistura étnica dos foliões segue a descrição previamente traçada no
argumento original, cujo conteúdo nos remete à idéia da democracia racial de Gilberto
Freyre, lugar-comum em ocasiões nas quais se pretende afirmar o nacionalismo
brasileiro. Essa interação emocional entre a alemã e a festa de carnaval reforça
novamente a identificação do espectador com a protagonista, por ser essa festa,
juntamente com a natureza exuberante, mais um dos símbolos nacionais brasileiros.
Embora Morais relate que no carnaval de 1936 tenha sido proibido o uso de fantasias ou
confetes, devido ao estado de sítio, o filme retrata a festa com todos estes elementos, a
fim de intensificar o envolvimento emocional do espectador.
Pouco tempo depois, o casal Prestes é encontrado e levado preso. Com a prisão,
a trama passa a se dividir em cinco núcleos: Ewert; Prestes; Olga; Dona Leocádia e
51
Lígia; e a polícia. Os quatro primeiros alheios uns aos outros e dependentes da atuação
do último, capaz de trafegar pelos núcleos dos presos. Quando Olga conhece a
experiência do cárcere, se inicia a terceira e última fase do personagem, que é quando
passa a questionar a razoabilidade da Revolução.
Chegando ao Centro de Detenção, Olga é encaminhada à cela das mulheres.
Logo que entra, há um grande close-up em sua expressão de medo. Maria (Leona
Cavali) se apresenta e lhe acalma, rapidamente encontra Carmen e Sabo. Esta última
está deitada, com o rosto machucado, abatida – devido às sessões de tortura a que foi
submetida durante os interrogatórios. Olga aproxima-se, encosta a cabeça na da amiga,
há um primeiro plano das duas, no qual Sabo tem alucinações, diz sussurrando, com os
olhos arregalados, que os choques elétricos vão começar, repetindo três vezes “eu,
depois Ewert” – evidenciando a prática sistemática das torturas. Aqui tem início o
processo de sacrifício gradual de Sabo, enquanto o protótipo de irmã mais velha do
melodrama, aquela que será a sacrificada da relação.
A militante comunista descobre estar grávida e pouco depois recebe o
comunicado que passará por um interrogatório no dia seguinte. Chegada a ocasião,
escoltada por quatro homens, entra no local do interrogatório, um edifício antigo, com
pé direito alto, colunas grossas, chão ladrilhado, portas de ferro e sancas ornamentadas.
Em plano médio, se solta bruscamente dos guardas, explodem flashes, vemos os
fotógrafos em plano americano e no segundo pavimento as cabeças de Estevam e Filinto
Müller. Em primeiro plano dá a notícia em voz alta de sua gravidez, em alternância com
os fotógrafos em plano americano; avisa que precisar de um advogado e de um médico,
afirmando que por ser esposa de um brasileiro, quer ter a criança no Brasil. De forma
exacerbada, arranca um bilhete de seu vestido, dizendo que é para seu marido e, com os
olhos marejados, pede que seja entregue a ele. Entrega a Estevam, o qual acena com a
cabeça para os homens que lhe tomam pelo braço e a encaminham para o interrogatório.
O exagero da interpretação é nítido, ficando ainda mais evidente quando contrastado
com o livro de Morais, no qual expõe um trecho da notícia do Correio da Manhã sobre
a conduta da moça nos interrogatórios: “Sorridente ante as perguntas da autoridade,
Olga, no entanto, ficou um tanto perturbada com a presença dos fotógrafos. Nas suas
declarações, sempre calma (...)” (MORAIS, 1985, p. 203).
Com a gravidez, a militante comunista dissolve um pouco sua dureza e passa a
ter momentos de fragilidade. A sequência em que chora copiosamente ao tomar banho,
52
tocando sua barriga é significativa nesse sentido. Mais adiante, em conversa com Maria
(Leona Cavali) verificamos os motivos que lhe conduzem a esta mudança de
comportamento. Enquadradas em plano de conjunto, no andar de baixo do beliche da
prisão, recostadas nas grades, Olga e a amiga brasileira costuram roupinhas para o bebê
sentadas, enquanto Sabo está deitada no colo da alemã. Ao conversar sobre a
maternidade com Maria, diz que nunca havia se imaginado como mãe, nem como
esposa, complementando “São tantos sentimentos que eu não conhecia. Eu que sempre
desconfiei das palavras de amor... às vezes me surpreendo dizendo baixinho o nome
dele. Ele que me fez sentir tão forte e ao mesmo tempo tão frágil”. Nesta sequência fica
claro que Olga só veio a conhecer o amor de verdade quando se apaixonou pelo líder
comunista, bem como que tal sentimento seria inevitável uma vez sendo real.
Passamos para o momento da deportação. Há uma montagem paralela de
Estevam se encaminhando à cela das mulheres, enquanto a militante comunista
conversa com Maria. Olga diz que não adianta resistir, já que os habeas corpus foram
negados e o decreto já estava assinado. Estevam avisa que a polícia quer transferi-la
para um hospital, para evitar um parto prematuro. Maria grita para os outros presos para
que se levantem, começa a bater com a caneca nas grades, os outros lhe ouvem, gerando
um “canecaço”. No andar debaixo, os presos começam a sair das celas, destacando-se o
Padre Leopoldo (Helio Ribeiro) procurando comandar. Em montagem paralela os
soldados se encaminham para conter a rebelião; quando os rebeldes encontram os
soldados há um travelling que lhes mostra cercados. Na cela, Olga está agachada com as
mãos na cabeça de Sabo, abatida na cama, conversando com Maria e Carmen. Revela
que teme que Filinto Müller faça de Prestes seu refém, ou que matem os outros
prisioneiros. Estevam argumenta que daria a sua palavra, que inclusive o chefe de
polícia teria lhe autorizado a permitir que uma pessoa lhe acompanhasse até o hospital.
Enfermeiros se encaminham, enquanto Olga se despede de Sabo; lhe dá um abraço
dizendo “Coragem Sabo, você sempre teve coragem”. A amiga lhe assiste partir com os
olhos marejados. A militante comunista grávida parte em uma maca, na companhia de
Maria, ao som comovente de violinos e do barulho das canecas batendo nas grades. É
importante observar que na obra de Morais, há uma participação dos presos muito maior
na negociação da partida de Olga, de duração de quase vinte e quatro horas. No livro, a
revolta dentro da prisão é generalizada, há apreensão de reféns por parte dos presos e a
jovem alemã não participa das negociações, o que é feito por seus companheiros,
53
gerando momentos de tensão tão intensos que levaram Brandes, o responsável pela
tentativa de acordo (no caso do filme, Estevam), a ficar com o rosto empapado de suor.
No filme, a tentativa de rebelião é tímida e facilmente contida, Estevam enfrenta a
situação calmamente, sem grandes problemas. Revela-se aqui, de um lado, a ênfase na
infalibilidade do pólo da vilania, que uma vez tendo sob sua tutela os prisioneiros,
jamais perde o controle da situação, e de outro, a idéia de um fraco poder de
mobilização dos comunistas, sempre contando com forças que não podem garantir.
Dentro da ambulância, assustada com o seu porvir, Olga passa a questionar suas
crenças na Revolução. Com um enquadramento bastante fechado, suficiente para
vermos Maria ao lado da maca de Olga, as amigas conversam. A alemã pergunta
“Maria, você acha mesmo que o mundo quer ser mudado?”, do primeiro plano em
ambas, há um grande close-up em Olga, que prossegue “Nossas convicções, nossos
sonhos... será mesmo que o mundo quer ser mudado?”, ao que a brasileira responde não
saber, já que conhece somente o Brasil, complementando “E esse povo está tão
embrutecido pela miséria, pelo descaso, pela violência”. O diálogo, inexistente na obra
do jornalista, revela a gradativa perda de esperança e de crença na Revolução por parte
de Olga, que começa a questionar suas posições, como se o encontro com a repressão
truculenta lhe fizesse finalmente começar a emergir de seus sonhos utópicos para a
realidade de fato – ao que tudo indica, o mundo não quer ser mudado. A resposta
pessimista de Maria, adaptada por Rita Buzzar da fala de Graciliano Ramos contida do
livro de Morais, na passagem em que conversa com Ghioldi na prisão, afirmando “Não
sei exatamente qual é a sua história, mas eu sou do Nordeste e conheço bem o meu
povo. E este é um povo que está tão atrasado, tão embrutecido pela miséria, que creio
que não poderá fazer a revolução jamais” (MORAIS, 1985, p. 180), em verdade, acaba
por responder indiretamente que, pelo menos no caso brasileiro, não há grandes
expectativas revolucionárias, visto o embrutecimento geral do povo – veiculando assim,
uma visão elitista do povo brasileiro, um olhar típico da classe média. Ao chegarem ao
hospital, Maria é tirada à força e encaminhada para outro carro, apesar de suas tentativas
de resistência.
Olga, juntamente a Sabo, é então deportada. Após o ocorrido, dos cinco núcleos
que compunham a trama, dois são extintos – o de Ewert e o da polícia, a qual já
cumprira seu papel –, sobrando três: Olga na Alemanha; Prestes no Brasil; Dona
54
Leocádia e Lígia na Europa e posteriormente no México. Os três núcleos se
interpenetram por cartas, estando os dois últimos em função do primeiro.
Assim que as amigas desembarcam são separadas à força. As legendas
anunciam: “Prisão de Barnimstrasse, Berlim, 1936”. Ao som de uma voz que cantarola
uma melodia melancólica, vemos uma fila de mulheres nuas, a câmera prossegue até
chegar a um banheiro todo revestido de azulejo branco, onde há mechas de cabelos
penduradas em um varal e três cadeiras onde se sentam as mulheres para terem seus
cabelos cortados pelas próprias militares nazistas. Olga é uma delas, que tem seus
cabelos cortados sem nenhuma gentileza, mas espera sem se alterar, há um primeiro
plano de suas mãos segurando a barriga já em estágio avançado da gravidez. Esta
sequência é uma citação do filme A lista de Schindler (1993) de Steven Spielberg, na
sequência em que as mulheres escolhidas por Oskar Schindler para trabalhar em sua
fábrica, são destinadas erroneamente à Auschwitz. Ao chegarem são levadas a uma sala
de higienização, onde tem seus cabelos cortados pelas prisioneiras kapos.
Olga (2004)
A lista de Schindler (1993)
55
Após o parto, Olga fica em sua cela relativamente ampla, que se parece uma
enfermaria adaptada a este fim. A Enfermeira-Chefe entra para lhe avisar que receberá
alimentação diferenciada devido à amamentação da criança, diz que conquanto as
normas da prisão sejam a retirada das crianças das mães depois de seis meses, e seu
subsequente envio para um orfanato do Partido Nazista, no seu caso, devido à campanha
que estão fazendo em seu nome, permitirão que fique com a filha enquanto for capaz de
amamentar. A Enfermeira-Chefe assume o protótipo do melodrama da má, tem um
aspecto petrificado, usa os cabelos presos, veste um uniforme militar feminino e chapéu
de enfermagem, sua voz é grave, inalterável, possui uma expressão congelada,
sugerindo total falta de sensibilidade.
Dona Leocádia e Lígia continuam com a sua campanha internacional pela
libertação da nora e de Prestes. Na sequência em que recebe a notícia do nascimento da
neta, surgem novas instruções documentarizantes. Temos um primeiro plano de uma
notícia de jornal escrita em francês sobre o pedido de libertação de Olga, sendo
recortada – no livro de fotografias, lançado no mesmo ano que o filme, há variados
recortes em cima da escrivaninha, potencializando a noção de reprodução da “verdade”
contida no longa-metragem.
Notícia de jornal em francês sobre a prisão de Olga
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Diversos recortes de jornais apresentados no livro de fotografias de Jayme Monjardim. (Fonte:
MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias)
É aberto um plano médio e vemos Dona Leocádia recortando, sentada à sua
escrivaninha onde há um abajur de leitura aceso, vários recortes de jornais espalhados,
um retrato de Prestes e alguns livros – o enquadramento é fechado em toda a sequência.
Lígia entra no recinto e dá a notícia à mãe do nascimento de sua neta, tem início uma
trilha sonora suave e grave de violinos indicando expectativa. Complementa dizendo
que a carta da Cruz Vermelha alertou sobre o prazo da alemã para ficar com a criança,
indicando que procurassem a Gestapo. A filha sugere ainda que procurem a ajuda de
Eugénie Benário, que seria a única pessoa da família da moça a poder auxiliá-las, visto
que Leo Benário já havia morrido e que o governo alemão não reconhecia sua relação
de parentesco com a jovem comunista.
Reprodução da carta da Cruz Vermelha.
57
Leocádia concorda, dizendo que não há tempo a perder. Lígia lhe entrega uma
carta de Olga, a qual vemos em primeiro plano, escrita em alemão.
Carta de Olga para D. Leocádia, escrita em alemão.
Ao iniciar a leitura, logo a voz de Olga assume, nos levando à próxima
sequência. Ao som da voz over de Olga e música cantada por uma voz contralto, vemos
uma sucessão de imagens cotidianas da jovem alemã interagindo com a pequena Anita
em sua cela. A iluminação, à exceção do restante do filme, é de luz natural intensa,
indicando a idéia do nascimento, de “dar à luz”.
É chegada então a sequência da retirada de Anita de sua mãe. Ouvimos o choro
intenso de Anita, Olga tenta lhe amamentar, porém não possuía mais leite. Um rufar de
tambores introduz os passos das três guardas nazistas e da Enfermeira Chefe que vem
retirar a criança, sob a retaguarda de dois soldados. De costas para a porta, Olga está
sentada em uma cadeira segurando a filha no colo, quando ouve o barulho das chaves
abrindo a cela. Assim que adentram o ambiente, a moça se levanta protegendo Anita
com os braços. A Enfermeira ordena que vista a menina e entregue seus pertences, Olga
começa a gritar dizendo que o bebê não tem culpa de nada, que seria um crime. Uma
das guardas nazistas começa a guardar as roupas em uma bolsa e a Enfermeira ordena
que levem a criança. Olga afirma que ainda tem leite, que só levam sua filha se a
matarem. Em plano americano, ao som grave de violinos, duas das guardas lhe pegam
cada uma por um braço enquanto uma terceira vem e toma Anita dos braços da moça,
que começa a se debater. Para intensificar a ação o movimento utilizado é de câmera na
mão. Olga chuta uma mesa, gritando histericamente para lhe soltarem até que um dos
soldados que esperava na porta entra e lhe dá uma pancada com um bastão nas costas,
lhe derrubando de bruços no chão. Vem o corte, vemos a guarda saindo da cela em
plano americano, sob o sinal de anuência da Enfermeira Chefe, carregando Anita, que
chora. Olga se levanta chamando pela filha aos berros, tenta chegar até ela, mas logo é
golpeada por um dos guardas novamente. Em primeiro plano, caída no chão, leva outra
pancada nas costas. Grita guturalmente xingando os nazistas de monstros assassinos. Há
58
uma alternância de primeiros planos da mãe se arrastando no chão em direção à porta da
cela, com Anita virada para trás aos prantos, no colo da guarda andando de costas no
corredor. Em close-up Olga segura nas grades chorando copiosamente. Em plano
americano vemos a Enfermeira do lado direito do quadro, a guarda que carrega Anita à
esquerda e os outros quatro guardas atrás caminhando pelo corredor. Segurando um dos
pés de uma meia de lã de Anita, Olga chora com as mãos nas grades em close-up.
A criança é entregue à Leocádia e Lígia, que tentam deixar um bilhete à Olga,
em vão. Ao som de violinos agudos, em close-up, Olga permanece segurando nas
grades, soluçando de tanto chorar, falando consigo mesma “Eu não quero mais ter
forças... eu não quero mais ter coragem.”, desaba a chorar, complementando “Eu tenho
medo.”.
A forma como essa sequência é montada, dialoga com Intolerância (1916) de D.
W. Griffith64, no episódio contemporâneo, em que Dear One (Mae Marsh), após ficar
sozinha com seu bebê recém-nascido, depois da prisão injusta de seu marido (Robert
Harron), recebe a visita de três solteironas da instituição de caridade da cidade que
querem lhe tomar o bebê, alegando más condições de vida. No momento em que
decidem levar a criança, Dear One lhe pega no colo tentando proteger a criança, cada
solteirona lhe pega pelo braço, enquanto a mãe se debate, sem sucesso. Uma delas leva
o bebê, enquanto as outras lhe batem, derrubando-a no chão. Sozinha, estendida no chão
do quarto, há um primeiro plano de sua mão segurando um dos pés do par de meias de
lã da criança.
Olga (2004)
64
A percepção deste diálogo pela autora foi possibilitada devido às atividades desenvolvidas na disciplina
“História do Audiovisual I”, ministrada pelo professor Eduardo Morettin, no Departamento de Cinema,
Rádio e Televisão da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
59
Intolerância (1916)
60
Vale notar, da mesma maneira, que essa sequência apresenta o único momento
em que Olga desaba por completo, negando sua força, sua coragem, características que
do início ao fim são reforçadas, inclusive, de modo exagerado. A identificação e
envolvimento do espectador são levados a níveis extremos, já que a situação lida com
diversos sentimentos universais – amor, desespero, tristeza –, além de finalmente
alcançar o íntimo da fragilidade humana da militante comunista, que até então, por mais
que sofresse se mantinha altiva, impávida.
Nesta sequência ainda, temos um dos maiores exemplos do excesso
melodramático potencializado em Olga. Como contraponto, podemos citar o mesmo
episódio veiculado pelo documentário de Galip Iyitanir, no qual há uma encenação do
momento da retirada de Anita. A jovem alemã está presa em uma pequena cela comum
e escura, quando sobem as escadas somente uma enfermeira e um guarda no pavimento
em que está presa. Conquanto a moça tente resistir, aos berros, logo é dominada pelo
militar, que a empurra contra a parede, lhe provocando um desmaio. A separação acaba
sendo rápida e sem grandes estardalhaços dentro da prisão. Logo em seguida, a
narradora afirma que precisou de dias para se recuperar, enquanto vemos sua sombra na
parede fazendo exercícios físicos, quando recebe uma carta e a narração informa tê-la
recebido da sogra, lhe contando que a criança estava sob sua guarda. Assim, o
sofrimento da militante comunista não é prolongado dentro da narrativa, é dito que
levou algum tempo para se recuperar, mas não acompanhamos esse período,
diferentemente da ficção em que não só temos o desmantelamento emocional da
protagonista, como o seu sofrimento prolongado, de modo que só vem a ter notícias da
filha em Ravensbrück.
Passado este episódio, há uma elipse temporal, e Olga é transportada de
Lichtenburg, juntamente a outras presas, para Ravensbrück. Na ocasião, conhece Sarah
(Jandira Martini) e Hannah (Milena Toscano). Adiante, através de uma tela de arame
farpado vemos o furgão passar, as legendas notificam: “Campo de concentração de
Ravensbrück, Alemanha, 1939”. Sob a mira de um rifle e neve fina, as presas descem
do veículo. Junto à trilha sonora ouvem-se latidos de cães e oficiais gritando em alemão.
À medida que Olga vai caminhando, a câmera vai se afastando, nos possibilitando ver
vários militares escoltando a fila de presas que se forma. Em plano de conjunto e ângulo
superior vemos uma grande fila de mulheres, enquanto a militante comunista caminha,
procurando entender o que estava acontecendo. O corte nos leva a sua imagem de
61
costas, observando a fila e a presença de crianças do outro lado da tela de arame.
Passando para o ponto de vista das crianças, por entre as pessoas, vemos sua expressão
de indignação em plano médio. Há um primeiro plano das crianças atentas segurando
nas grades. Agora em plano de conjunto vemos as militares sentadas de costas, no início
das filas – supervisionadas por soldados e oficiais superiores indistintamente –,
registrando as presas e distribuindo uniformes. Por meio de um travelling, enquadra-se
Olga atrás de Hannah e Sarah na fila paralela. Ao passo que são chamadas pegam seus
uniformes e se retiram.
Essa sequência, bem como a maneira em geral de Jayme Monjardim representar
o campo de concentração dialoga intensamente com A lista de Shindler (1993) de
Spielberg. Desde os sons dos gritos de ordem e latidos de cães, as filas de alistamento,
até a ênfase nas crianças, as quais, na obra fílmica do cineasta norteamericano, ganham
destaque quando vêm todas ao pátio central, de mãos dadas cantando, enquanto os
adultos terminam seu teste de resistência periódico. Contudo, uma diferença crucial é
que em Olga (2004) a figura do kapo (capataz judeu que trabalha a favor dos nazistas)
praticamente não existe, o pólo repressor é todo composto pelos nazistas. Essa omissão
provavelmente se dá pela intenção de veicular um filme didático, visto que o papel do
kapo não caberia no maniqueísmo excessivo construído pela obra fílmica, já que a
dinâmica entre o Bem e o Mal, ou ainda entre vítimas e algozes, se tornaria
contraditória ao colocar judeus (em teoria, somente vítimas) como algozes de seu
próprio povo.
Em momento posterior, dentro do barracão do campo de concentração, as presas
recebem cartas. Surgem mais instruções documentarizantes. Olga é chamada e então
temos uma alternância de primeiros planos da carta com a emoção da jovem alemã e o
início do som agudo e melancólico de violinos. Recebe uma fotografia de Anita (atriz),
acompanhada de uma carta do marido escrita em alemão, carimbada, com algumas
linhas censuradas. A foto da menina é uma imitação da foto original contida no livro de
Fernando Morais, enviada pela sogra. Há rigor na imitação, o posicionamento do rosto é
bastante parecido, a forma como os cabelos estão presos com laços, a orelha esquerda à
mostra.
62
Reprodução da foto de Anita.
Foto original de Anita (Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1984.)
A carta censurada, escrita em alemão pelo marido, nos remete à passagem da
obra de Morais, na qual conta que a Cruz Vermelha informou a Leocádia que as
correspondências seriam autorizadas, contanto que fossem submetidas à censura da
Gestapo e por esse motivo deveriam ser escritas em alemão (MORAIS, 1985, p. 228).
Esta precisão na reprodução do documento é significativa, já que a carta possui forte
apelo enquanto instrução documentarizante, visto que, o filme todo é falado em
português, por mais que a comunicação entre os personagens tivesse se dado em outros
idiomas, como o francês.
63
Reprodução de carta de Prestes a Olga, escrita em alemão, com linhas censuradas.
Há ainda outro elemento documentarizante que é a braçadeira do uniforme de
Olga. No livro, o jornalista explica que a cor dos triângulos servia para classificar
grupos, e os números, para identificar as pessoas; detalhando em seguida a associação
das cores aos grupos. Na produção cinematográfica, a braçadeira da jovem alemã, assim
como na obra de Morais, se compõe de um triângulo preto, com o vértice apontado para
cima, o que indicava pertencer ao grupo das “indesejáveis” ou “anti-sociais”, sobre o
qual se sobrepõe o triângulo amarelo, por ser judia, com o vértice apontado para baixo,
formando uma estrela de Davi.
Reprodução da braçadeira.
Na sequência seguinte, à noite, vemos a fachada do campo de concentração, uma
cancela protegendo um portão, acima do qual há uma placa ornamentada com os dizeres
em alemão “o trabalho enaltece o homem”. Do lado de dentro vemos uma guarita com
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um guarda ao lado do portão e outra encostada no edifício, na profundidade de campo.
Esse cenário foi inspirado na fachada de Auschwitz e, no cinema, dialoga com Alain
Resnais em seu Noite e Neblina (1955), que evidencia essa fachada frontalmente.
Versão do filme.
Fonte: Noite e Neblina (Alain Resnais, 1955).
Adiante, temos o reencontro de Olga com Sabo. Do ponto de vista da porta,
observamos através de um travelling, uma sala de costura de uniformes, suja,
improvisada, cheias de máquinas, com janelas laterais. A maioria das presas trabalha
sentada à mesa das máquinas de costura, de frente para nós, enquanto algumas outras
trabalham de costas, cortando tecido na profundidade de campo. Olga observa a
chegada de outras presas no recinto, as quais vemos partindo de nosso ponto de vista.
Ao ver Sabo, acompanhada por movimento de câmera na mão, entre as recém-chegadas,
logo Olga se levanta, vindo cumprimentá-la. As amigas se abraçam, Sabo, já com os
65
cabelos raspados e extremamente abatida, diz “estamos vivas!”. Logo são separadas por
soldados, Sabo é pega pelo pescoço e jogada em cima de um monte de tecidos.
Debilitada, sem conseguir reagir, Elise permanece estendida, o soldado lhe ofende e
espanca. Permanece sendo açoitada com uma fisionomia de sofrimento e desespero. A
evidência da debilidade desse personagem reforça seu martírio e anuncia a morte que se
aproxima.
No momento da refeição, na área externa do campo de concentração, formam-se
duas filas paralelas, para as presas receberem sopa. Olga acompanha Sabo, que anda
com dificuldade. Há um plano geral em ângulo superior que nos permite visualizar o
chão forrado de neve, ao centro as duas mesas paralelas, do lado esquerdo há kapos
servindo a sopa, do lado direito, as alemãs nazistas. A figura do kapo aparece nessa
única ocasião durante todo o longa-metragem, de maneira muito tímida e sem grandes
destaques. Ainda que apareça, sua aparição não quebra a lógica didática e maniqueísta
construída pelo filme, já que atuam servindo as presas, e não lhes reprimindo ou
desempenhando qualquer atividade contrária ao seu bem-estar.
À noite, no barracão, Sabo tosse incessantemente. Hannah lhe escuta, desce de
seu beliche e vai vê-la; ao certificar-se de que está passando mal, chama por Olga, que
desperta em um salto. Agachada ao lado da cama, chama pela amiga. Sob o seu ponto
de vista, vemos Sabo em close-up, com os olhos arregalados, lábios inflamados, rosto
ferido, começando a ter delírios com as sessões de tortura que sofrera no Brasil,
chamando por Ewert. Sarah também vem ver o que está acontecendo, Elise diz “Ewert!
Eles estão chegando e vão nos torturar mais uma vez.”. Em grande close-up, Olga tenta
interferir afirmando que não permitirá que ninguém lhe fira, no entanto, Sabo prossegue
delirando, “Os choques elétricos vão começar de novo... Ewert! Ewert!”. Hannah as
observa com compaixão, enquanto Olga tenta tranquilizar a alemã, sem sucesso. Há um
close-up em Sabo que sussurra “Uma bala na cabeça” e coloca a mão no rosto de Olga
que, lhe assistindo desfalecer, esbraveja pedindo que não morra, em vão. Sabo falece,
sua mão cai do rosto de Olga, que chora intensamente, tentando se controlar, sob o olhar
de Sarah e Hannah – tem início o som de vozes de coral. Aos prantos, Olga fecha os
olhos da amiga e em grande close-up afirma “Acabou”.
Assim se conclui o sacrifício de Sabo, personagem que cumpre com o protótipo
da irmã mais velha do melodrama. Na obra de Morais, esse diálogo entre as duas
amigas não existe, embora Sabo faleça tuberculosa, tendo estes mesmos delírios, Olga
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não presencia o momento do falecimento, muito menos vê na morte da amiga o fim de
suas crenças revolucionárias ou de seu engajamento político. Inclusive, toma
conhecimento do ocorrido após três dias, através de colegas que vinham ouvir
justamente suas palestras secretas sobre as questões políticas que tinham levado o
mundo à guerra. No filme, Rita Buzzar adapta este desfecho, de modo que a última frase
de Sabo à amiga, em seu leito de morte seja “Uma bala na cabeça”. Esta frase nos
remete à sequência do Rio de Janeiro, em que confessa a Olga que gostaria de viver dias
tranquilos no Brasil, ao lado do marido. À reação combativa de Benário, que questiona
tal desejo inusitado, reage dizendo que apesar de acreditar na Revolução, às vezes
gostaria de pensar que envelheceria ao lado do marido, que teria filhos,
complementando com a frase: “Eu não quero morrer com uma bala na cabeça”. A
invenção destes diálogos e sua interligação geram três efeitos: o primeiro é a evidência
de uma vítima de uma causa malograda (o comunismo não dá certo); o segundo efeito,
em consequência do primeiro, é a afirmação dos ideais individualistas e da ordem
capitalista em detrimento das causas coletivistas e dos ideais comunistas, já que, se
Sabo tivesse abandonado tudo antes do levante de 1935, provavelmente não sofreria
como sofreu, muito menos morreria daquela forma; o terceiro e último efeito é a
geração de uma carga de culpa em Olga que, frente à morte trágica da amiga, fala para
si mesma “Acabou”, indicando o fim de suas crenças revolucionárias. Assim, os
questionamentos que vinha fazendo a si mesma a respeito da viabilidade da Revolução
são finalizados, frente a uma constatação empírica: a morte de Sabo, como uma vítima
indireta do comunismo. Como desdobramento do envolvimento emocional do
espectador, por meio da identificação pessoal produzida pela veiculação de valores
universais – sofrimento, dor, saudade – é ainda possível cogitar um quarto efeito: o
convencimento do espectador de todas as teses acima mencionadas.
Importa destacar ainda, que a construção do personagem de Sabo na produção
cinematográfica é extremamente contraditória, primeiramente porque Elise Ewert era
uma militante comunista experiente que, chegando ao Rio, subitamente, sente um
desejo de viver tranquilamente, deixando entender que gostaria de abandonar os planos
revolucionários. Em segundo lugar, ao ser presa, é torturada barbaramente sem delatar
ou fornecer qualquer informação, o que entra em contradição com a atitude de quem já
havia se mostrado simpática ao abandono da causa. Por fim, diante do histórico
traumático real deste personagem relatado pelo jornalista, o filme se apropria do seu
estado de fragilidade psíquica, ocultando as torturas a que fora submetida, lhe fazendo
67
parecer assim uma vítima frágil que se deixou levar por uma causa que não era de sua
preferência e posteriormente não teve estrutura emocional para aguentar as
consequências. Enquanto Elise Ewert, como nos mostra Morais, provinha de um longo
histórico de militância, possuía consciência plena de suas missões, tanto que não
fraquejou durante as inúmeras torturas a que foi submetida. Todavia, embora haja
contradição na construção do personagem, como verificamos acima, há um propósito
claro em sua construção, que é a canalização de determinada visão política por parte de
seus realizadores, embora tentem parecer imparciais.
No dia seguinte, ao som de vozes de coral, do ponto de vista de uma cova cheia
de corpos nus, observamos em plano geral, no solo acima, o corpo de Sabo em uma
maca sobre rodas de madeira. Atrás desta, do lado esquerdo do quadro, há três
prisioneiras e um soldado da SS (Schutzstaffel – tropa de elite nazista), e à direita, Sarah,
Olga, outro soldado e Hannah, afastada. Na profundidade de campo há um grande
edifício de aparência industrial, além de uma névoa que se espalha. Os soldados açoitam
as presas para que levem o corpo para a cova, todas ajudam, exceto Olga, que
permanece perplexa olhando para a amiga morta. Há um primeiro plano de Sabo nua,
esquelética, com o rosto sujo, os olhos fundos, a boca machucada, e os seios levemente
ensaguentados, que se contrapõe a Olga aos prantos em primeiro plano lhe observando.
Diante de sua passividade o soldado da SS lhe dá um golpe nas costas que a derruba. A
evidenciação do estado de prostração do cadáver de Sabo e a perplexidade que acomete
à amiga são empregadas a fim de reiterar os sentimentos gerados pela sequência
anterior.
Por não ter ajudado a carregar o corpo, ainda sob as vozes de coral, assistimos
Olga ser punida, amarrada de bruços no Prügelbock – cavalete de madeira com o tampo
côncavo e correias de couro com fivelas nos quatro pés. Por baixo do cavalete vemos
sua cabeça pendurada contando uma sequência numérica, que o torturador lhe manda
falar enquanto lhe açoita. A câmera se aproxima de seu rosto extenuado, até que começa
a declamar um verso de Maiakóvski “Iluminar para sempre, iluminar tudo. Até os
últimos dias da eternidade. Iluminar... iluminar e só. Eis o meu lema e o do sol”, o
mesmo que lera acompanhada de Prestes durante a viagem no cruzeiro. A repetição
desses versos tem como função aumentar o envolvimento emocional do espectador, o
único cúmplice do significado daqueles versos para a protagonista.
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Adiante, descobre junto a Hannah que as presas que se vão de Ravensbrück,
tendo somente suas roupas devolvidas, são encaminhadas a Bernburg. Ficam em dúvida
sobre o que seria este lugar, logo a jovem alemã e Hannah são convocadas. Assim que é
chamada, em fila na área externa, sob a neve, a câmera se aproxima enquanto caminha
em nossa direção, passando pelas demais prisioneiras; tem início um canto melancólico
de coral, e sua voz em over inicia a leitura da última carta ao marido e à filha.
Sua voz, junto ao canto de coral, nos leva à próxima sequência no barracão, onde
as presas guardam seus pertences, choram, se abraçam, até que vemos Olga escrevendo
a carta com um toco de lápis, sentada próximo à janela – dando continuidade à primeira
sequência do filme. Sobre a mesa, somente uma folha branca e a foto de Anita. Em
plano médio, pára de escrever, mas a narração de seus pensamentos prossegue, a
imagem escurece e retorna em um primeiro plano, escurece novamente e retorna em um
grande close-up, como se pudéssemos chegar próximo aos pensamentos da
protagonista. Fecha a carta, que continua sendo narrada, enquanto lhe vemos despedir
das companheiras de dormitório. Já na área externa, caminha de perfil, enquanto vemos
na profundidade de campo pessoas nuas enfileiradas sendo açoitadas, corpos nus
empilhados, outros enforcados pendurados, e militares lhes observando passar junto as
outras presas. Antes de entrar no furgão, retoma-se a abertura do filme e ouvimos vozes
de crianças cantando “Davi, rei de Israel” em hebreu, sobrepostas ao canto melancólico
de coral acompanhado por violinos. Temos então a imagem de Olga aos 12 anos
sorrindo sob a neve, como se neste final de vida pudesse se lembrar de sua infância, de
sua essência corajosa. Entra no furgão e ao bater a porta há uma elipse, que nos leva a
lhe assistir já dentro da câmara de gás, através da janela da porta de metal, impávida,
imóvel, olhando fixo para a câmera, enquanto as outras presas se debatem
desesperadamente. Diante dessas imagens, termina a leitura da carta, se despedindo da
família. A imagem escurece e entram os letreiros finais noticiando o que ocorreu na
vida de alguns dos personagens posteriormente – Dona Leocádia, Eugénie Benário,
Anita, Vargas e Prestes.
Os letreiros finais são as últimas instruções documentarizantes do filme.
Explicitar o que ocorreu depois, na vida real, como se fosse uma continuidade da ficção
apresentada na obra fílmica é uma forma de reiterar a idéia de que se retratou a verdade,
os fatos como realmente aconteceram. O que acaba por reforçar as demais instruções
documentarizantes que, com seu rigor de reconstrução dos documentos históricos,
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convencem o espectador de que assistiu a uma ficção fundamentada em informações
verdadeiras, baseada na pesquisa em arquivo.
A forma como Olga morre é uma morte de mártir, aquele que se sacrifica em
nome de um ideal, deixando um legado – no caso, a força e a coragem, ou seja,
características individuais, para além das causas coletivas fracassadas. A exposição crua
do sofrimento nas sequências do campo de concentração, em certa medida se inspira no
realismo do filme A lista de Schindler (1993) de Spielberg, no que toca à violência
visual dos corpos empilhados ou da maneira truculenta de agir dos soldados, contudo,
como o foco da obra fílmica de Jayme Monjardim reside em sobressaltar a força e a
coragem de Olga, há um esvaziamento do contexto do sofrimento que viveram os
judeus. A violência parece ser somente um pano de fundo daqueles últimos momentos
da vida da militante – o que fica patente principalmente na última sequência, quando lhe
vemos andando de perfil, ao som da leitura de sua última carta em over, enquanto na
profundidade de campo as presas sofrem todo tipo de agressão dos nazistas –, de tal
forma que faz parecer possível que apenas a protagonista, em toda sua bravura, fosse
capaz de passar pelos horrores do Holocausto se mantendo impávida, praticamente sem
se deixar abater. Para que a atuação de Olga se faça admirável, há uma potencialização
do Mal no campo de concentração, que acaba por banalizar o sofrimento dos judeus, por
não conseguir dimensionar a vivência coletiva do horror. Portanto, diante do delicado
dilema sobre o fenômeno concentracionário e o Holocausto, encontrado pelos cineastas
ao longo da história do cinema sobre como dar conta de representar o indizível, sabendo
que nem as palavras nem as imagens conseguiriam fazê-lo, a obra fílmica de Monjardim
acaba por simplificar o horror, colocando-o como pano de fundo do drama pessoal de
Olga, adaptando o extermínio dos judeus a um melodrama de características tipicamente
hollywoodianas65.
Decorremos as três fases do personagem Olga, buscando examinar todas as
questões paralelas importantes que foram surgindo ao longo de sua trajetória.
Acompanhamos a caracterização de sua militância fervorosa, seu período de conflito
interno, baseado na oposição amor/deleite pessoal versus engajamento político e, por
fim, a fase em que passa a questionar suas crenças revolucionárias, de alguma maneira
pondo em cheque a validade de seus esforços até então. Após a deportação, não há mais
comentários sobre a Revolução, o comunismo ou a política nem nas cartas que troca
65
A matriz desse tipo de representação fílmica é a minissérie televisiva Holocausto (Holocaust, dir.
Marvin J. Chomsky, EUA, 1978).
70
com o marido, nem em nenhuma outra sequência. Olga agora se empenha unicamente
em sobreviver, na esperança de poder viver junto de sua família. De todas as mudanças
pelas quais passa, mantém duas características: a força e a paixão. O que muda são os
objetos da paixão (A Revolução, Prestes, sua filha, a vida) e os motivos de sua força –
nas duas primeiras fases luta pela Revolução, e na última luta pela filha, passando, por
fim, a lutar apenas pela sobrevivência.
II. A Revolução de 1935 pela ótica melodramática de Rita Buzzar e Jayme
Monjardim: Olga (2004) e a literatura historiográfica.
Deixamos para este último capítulo a análise dos episódios históricos abordados
em Olga que dialogam mais diretamente com o debate historiográfico a respeito da
Revolução de 1935 e dos seus personagens históricos principais. O cotejo66 da obra
fílmica com a literatura historiográfica nos permitirá examinar as opções feitas por Rita
Buzzar e Jayme Monjardim, verificando a memória que constroem sobre os eventos de
Novembro de 1935.
Inicialmente, começaremos pelo exame do tratamento dado aos personagens
históricos principais, a fim de compreender como a obra fílmica dialoga com a tradição
historiográfica, a partir da conformação de tais personagens às oposições maniqueístas
do melodrama.
Getúlio Vargas e Filinto Müller
Na sequência de apresentação de Getúlio Vargas (Osmar Prado) e Filinto Müller
(Floriano Peixoto), temos a caracterização desses personagens e a primeira referência à
Aliança Nacional Libertadora (ANL). As legendas nos indicam: “Sede do governo”. A
sala em que o chefe de polícia conversa com Getúlio Vargas possui cortinas verdemusgo com detalhes dourados e forro branco nas duas portas de vidro, que são
separadas por uma parede decorada com papel de parede antigo, por um pequeno
66
O cotejo que faremos com a historiografia, se dará no sentido de compreender como o filme dialoga
com o material pré-existente à sua criação, já que a roteirista teve acesso às obras historiográficas sobre o
assunto. Fazemos esse esclarecimento por indicação do parecerista da Fapesp, para que fique claro que
não se trata de confrontar a “realidade” do discurso historiográfico com a “ideologia” do discurso
fílmico, visto que ambos são passíveis de serem discursos ideológicos, mas sim de observar como
constrói seu dialogo com as fontes consultadas. Ressaltamos ainda que, quanto à questão da formação de
memória, damos atenção ao cinema – principalmente no caso de Olga, por sua estética naturalista –, pelo
seu grande potencial de alcance de público, devido tanto ao seu apelo midiático quanto a sua estrutura
narrativa de fácil assimilação, características que não se pode atribuir às obras historiográficas, voltadas a
um público especializado.
71
quadro e uma estátua escura de mulher em cima de um pedestal. Do lado esquerdo há
um jogo de móveis de sala de estar, do qual só vemos claramente uma poltrona antiga
de couro vermelha; no lado oposto há a mesa do presidente, sobre a qual estão alguns
livros, papéis, um pequeno busto de Tiradentes, um globo terrestre e alguns enfeites. A
cenografia nos remete ao palácio do Catete, os tipos das portas, as cortinas luxuosas, a
mobília antiga, são todos elementos que buscam reconstituir o imaginário daquele
Palácio, tão marcado pela figura de Vargas.
A iluminação é natural, vem do forro translúcido das cortinas. Esta conversa nos
permite fazer um exame mais acurado do pólo da vilania, bem como da maneira que são
representados e articulados estes personagens históricos no filme. O diálogo67 se dá
através de uma alternância de primeiros planos dos rostos dos personagens:
Filinto Müller: Como chefe da polícia do Rio de Janeiro, lhe asseguro que não
vai ser difícil impedir o comício, presidente.
Getúlio Vargas: As tais liberdades democráticas nos impedem de cometer
excessos, meu caro Filinto.
Filinto Müller: Eu não estou propondo nenhuma medida violenta, presidente.
Nós não falamos em falta de democracia no país. São eles que falam. Os tais
que inventaram essa Aliança Nacional Libertadora. São todos uns comunistas
dissimulados! Dizem até que Prestes está por trás.
Getúlio Vargas: Ele é esperto. Nunca quis ser coadjuvante. Não se aliou a mim
porque sempre quis o poder. Os serviços secretos estrangeiros estão dizendo que
ele está em Moscou.
Filinto Müller: Presidente, comunismo comigo é uma questão de vida ou de
morte.
Getúlio Vargas: Os anos passaram e não te esquecestes que ele o expulsou da
famosa Coluna. Foi por acusação de roubo, não foi?
Filinto Müller: Uma falsa acusação! Uma calúnia! Presidente, pessoalmente, eu
liquidaria de uma vez com Prestes e com todos esses vermelhos traidores!
Getúlio Vargas: Um homem se julga pela sua ação. E a ação pelo resultado. Seu
acerto de contas terá que esperar.
Ao referir-se às liberdades democráticas como um obstáculo aos excessos, aos
quais não parece ver como algo condenável, temos a apresentação do presidente como
alguém inclinado ao autoritarismo. O chefe de polícia afirma que os “tais” que
inventaram a Aliança Nacional Libertadora são todos uns comunistas dissimulados.
Complementa afirmando que Prestes poderia estar por trás. A resposta de Vargas denota
a visão política desse personagem histórico construída pela obra fílmica, diz que Prestes
nunca quis ser coadjuvante, que não teria se aliado a sua pessoa, por ter sempre querido
67
Sobre a tensão entre o governo e a ANL, veicula-se uma fala didática, procurando fornecer informações
breves sobre o contexto.
72
o poder. Ou seja, a dissensão entre essas duas figuras históricas não teria ocorrido em
virtude de diferenças político-ideológicas, mas de uma questão de egocentrismo, de
simples desejo de ter o poder em suas próprias mãos. A conversa se mantém em tom
sóbrio e contido, até que Filinto Müller se exalta ao dizer que comunismo com ele seria
uma questão de vida ou de morte. Essa fala é apropriada do livro de Morais, dos dizeres
do jovem primeiro-tenente Sílvio Frota, que ao tentar ser convencido por outros
tenentes do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), como Lauro
Fontoura, a aderir ao movimento de esquerda, diz:
Olha, Fontoura, comunismo comigo é questão de vida ou de morte. Aqui no
CPOR, se tentarem fazer baderna, vocês serão recebidos a bala. Enquanto eu
estiver vivo, comunista não entra no CPOR. (MORAIS, 1985, p. 84).
À fala adaptada do chefe de polícia, o presidente responde, com um leve sorriso
nos lábios, dizendo que mesmo com a passagem dos anos, não havia se esquecido de
sua expulsão da Coluna. Portanto, interpreta seu discurso anticomunista como a fachada
por trás da qual se escondia seu puro ressentimento pessoal. Müller se exalta ainda
mais, se defende e afirma que, por ele, liquidaria com Prestes e com os “vermelhos
traidores” de uma vez, ao que obtém a resposta maquiavélica de Vargas, “Um homem
se julga pela sua ação. E a ação pelo resultado. Seu acerto de contas terá que esperar.”.
Assim, seria necessário que primeiro Prestes desse um motivo factível para condená-lo,
para então poder realizar seu acerto de contas.
Como pudemos verificar, a conjuntura política do período histórico não tem
peso algum nas considerações dos personagens. O anticomunismo de Filinto Müller é
interpretado como um pretexto para a sede de vingança contra o Cavaleiro da
Esperança, e as dissensões ideológicas entre Vargas e Prestes são reduzidas a uma
simples questão de disputa egocêntrica pelo poder. O Estadista é apresentado como um
sujeito naturalmente autoritário, irônico, calculista e perverso à medida que sorri ao
perceber o impulso vingativo do chefe de polícia, mantendo uma expressão de
tranquilidade ao informar que o acerto de contas daquele teria de esperar. Fica evidente,
do mesmo modo, que Vargas é a grande força maligna que permite que Müller cometa
todas as suas maldades.
Mais adiante, novamente no palácio do Catete, temos Vargas em primeiro plano
caminhando de perfil, passando por três homens desfocados na profundidade campo,
enquanto ouvimos seus passos cadenciados, e a voz de Filinto Müller lhe informar
73
“Haverá levantes em todo o país! O Serviço Secreto Inglês receia que haja uma tentativa
de Revolução Comunista aqui no Brasil.”. Em plano médio, de perfil, segurando um
charuto, fala calmamente ao Ministro da Guerra (Zé Carlos Machado) e ao chefe de
polícia que não se revolta um país com a força das idéias, bem como que o manifesto
era o pretexto que estavam precisando para a promulgação da Lei de Segurança
Nacional. Agora de frente, em primeiro plano, finaliza dizendo ironicamente,
“Deveríamos estar no mínimo, agradecidos.”. O presidente inclina o charuto pra cima e
fuma de lado ao som de violinos graves que indicam suspense. A caracterização de
Vargas é bastante caricatural, nos remetendo à memória fílmica de vilões de histórias
em quadrinho ou da máfia. A presença dos três homens desfocados na profundidade de
campo, no início da sequência, enfatiza a idéia do comando de forças obscuras, de vilão
mafioso.
Essa memória anti-varguista reiterada pelo filme é bastante comum na literatura
historiográfica filiada à perspectiva liberal. Na obra de Fernando Morais, conquanto não
se omita a atuação de Vargas, há um peso maior na truculência de Filinto Müller,
sobretudo a respeito da crueldade em relação à Olga e Sabo. Por diversas vezes destaca74
se a sua desumanidade, sem tocar no nome do presidente, como quando faz questão de
organizar a deportação de Olga de modo a impedir qualquer chance de fuga durante o
trajeto para a Alemanha de Hitler, conseguindo por sua própria habilidade trazer um
navio cargueiro exclusivamente para levar as duas judias prisioneiras ao caminho do
sofrimento e da morte. Assim como Morais, a tradição historiográfica tributária da
esquerda acabou por “absolver” o Estadista, seja pelo apoios políticos dos comunistas
após 1945, durante o Queremismo, seja pela questão do trabalhismo. Em consequência
disso, temos as memória veiculada pela História Oficial de Getúlio Vargas como o “pai
dos pobres”, aquele que garantiu os direitos trabalhistas, restringiu a carga horária de
trabalho a 8 horas por dia, garantiu às mulheres o direito ao voto, entre outros. As
opiniões dos espectadores registradas no website de Jayme Monjardim aparecem como
indício da memória anti-varguista veiculada pelo filme:
“Nossa esse filme sobre a Vida de olga [sic], tocou [sic] muito...pois antes
pensava que getulio [sic] era bom mais [sic] nao...”. (Marcos Braga – Varginha,
MG)
“Ontem a [sic] noite tive a oportunidade de ir ao cinema para ver este brilhante
trabalho do cinema nacional, com certeza foi o melhor filme brasileiro que já vi,
principalmente por retratar a crueldade nazista para com o [sic] seres humanos e
de evidenciar que Getúlio também era um terrível ditador. Parabéns a todos que
participaram deste grandioso trabalho.” (Diogo Galdino – Passos, MG), grifos
nossos.
"A equipe está de parabéns, pelo trabalho. Além de provar o avanço no cinema
brasileiro, retira o título que Vargas tem de ser o pai dos pobres, o democrata e
a vítima da história." (Simone – Juazeiro do Norte, CE), grifos nossos.
Filinto Müller, por sua vez, além de ser movido pela vingança pelo Cavaleiro da
Esperança, é um vilão infalível, o que fica claro na sequência em que conversa com o
investigador Estevam68 (Murilo Rosa) sobre os possíveis comandantes da insurreição de
Natal. O ambiente é escuro, iluminado por luz natural, há um quadro de Vargas
pendurado na parede, uma escrivaninha e uma bandeira do Brasil – cenografia que
caracteriza um gabinete público da época. O diálogo segue em alternância de planos
médios. O chefe mostra a Estevam o jornal que diz que Prestes está em Moscou, a
manchete é posta em primeiro plano – vemos mais uma instrução documentarizante: a
reprodução do jornal é rigorosa, tomando cuidado inclusive com o uso da ortografia da
época.
68
Este personagem foi aparentemente invetado por Rita Buzzar, é uma extensão de Filinto Müller, na
medida em que é quem recebe suas ordens diretas e as executa.
75
Reprodução do jornal O Globo, manchete sobre os levantes de Natal.
A partir deste momento, o enquadramento muda, o campo/contracampo agora é
feito em primeiro plano, e Müller diz saber que Prestes está no país, apesar das notícias.
Esta mudança de enquadramento se faz no momento exato em que se faz claro o
pressentimento do vilão infalível, como se nos aproximássemos de seus pensamentos.
Há ainda a sequência que concentra o pólo da vilania como um todo, que é a da
deportação de Olga. A alemã, grávida, está desesperada no porto, sem saber ao certo
para onde vão encaminhá-la. Deitada em uma maca, ouve a discussão de Estevam com
o capitão do navio, tendo a notícia de que Sabo a acompanhará na viagem. Avista a
bandeira nazista pendurada no La Coruña, aterrorizada, tenta fugir, em vão. Estevam
vem até sua maca lhe avisar sadicamente que a Lei de Segurança Nacional garantia ao
governo o direito de expulsar os estrangeiros indesejáveis, explicando que o navio
partiria sem escalas para a Alemanha, onde a Gestapo iria lhe esperar. Em plano de
conjunto, por trás da maca de Olga, vemos na profundidade de campo o navio
gigantesco, sua escada já exposta. O cenário procura tanto impressionar com as suas
dimensões que se mostra artificial. Acompanhamos os enfermeiros encaminharem a
alemã ao navio. Pela janela do carro filmada de maneira oblíqua, vemos Filinto Müller
ao som de um coral sombrio ritmado por batidas de bumbo, há então um travelling que
coloca o chefe de polícia de perfil ao lado de Herr Fisher em primeiro plano. A trilha
sonora cessa, como se entendêssemos o ponto de partida de toda aquela ação com a
76
frase sádica “Um presente de Vargas para Hitler...”, a qual Müller profere com um
sorriso nos lábios e brilho nos olhos. O policial da Gestapo olha para a nossa direção,
mirando o chefe de polícia com um leve sorriso. Há então um primeiro plano da jovem
sendo carregada na maca pelas escadas, dizendo “Adeus Carlos, adeus!”. Nesta
sequência temos Estevam, uma extensão de Filinto Müller, que por sua vez age a mando
de Vargas, constituindo os três vilões brasileiros, e Herr Fisher, o protótipo do nazista,
representante do grande vilão da Alemanha, Hitler.
Elza Colônio
A apresentação de Elza ocorre na primeira reunião dos comunistas no Brasil. O
casal Prestes chega do aeroporto junto a Miranda – importante notar a ausência de
Bangu, que por não pertencer à esfera da decisão, não participa da reunião – à casa dos
Ewert. É uma casa antiga, há mesas com pastas, envelopes e pacotes, parecendo
material de propaganda política. Ao entrar, ao som suave de violinos tocando a
Internacional, Olga abraça Sabo enquanto Prestes cumprimenta Gruber (Anderson
Muller), Barron (Bruno Dayrrel) e Vallé (Gilles Gzwidelk) na profundidade de campo
desfocada. As amigas conversam, em plano médio, com as mãos dadas, Sabo faz
elogios a suas vestimentas, diz que a beleza do disfarce não parece estar lhe fazendo
nenhum mal. Arthur Ewert inicia as apresentações. De frente para Léon Vallée, lhe
apresenta como o responsável pelas finanças. Vallée afirma “Algumas remessas de
dinheiro já foram enviadas. Gruber poderá começar, em breve, com o treinamento dos
revolucionários.”.
Quanto a essa função atribuída a Gruber, não consta no livro de Fernando
Morais, no qual este enviado,
“técnico em explosivos, instalaria num pequeno cofre da casa de Prestes e Olga
um violento sistema de alarme, para impedir o acesso de estranhos ao dinheiro e
à documentação ali depositada” (MORAIS, 1985, p. 79).
Seria encarregado, portanto, segundo Morais, somente de “lidar com explosivos
e sabotagem” (MORAIS, 1985, p. 75). A idéia de que Gruber teria treinado
revolucionários provém de William Waack, que apresenta um documento, no qual tal
personagem teria fixado em papel sua missão, por volta de 1937, a pedido de seus
interrogadores em Moscou:
“Minha missão:
77
Treinamento de grupos especiais para sabotagem e treinamento de quadros de
combatentes para lutas de rua.” (WAACK, 1993, p. 83).
Ewert então introduz Victor Barron: “E o camarada americano Barron, já está
instalando uma estação de rádio para que possamos nos comunicar com o resto do país e
com Moscou”. O norteamericano completa: “Estou coletando material em diferentes
lojas. Não atrairemos qualquer suspeita”. O enquadramento tem Barron à esquerda,
Ewert ao centro, e na profundidade de campo, à direita, vemos Elza Colônio sentada
afastada, se arrumando no espelho e observando a movimentação. Temos um
contracampo em close-up de Olga, que nos indica o estranhamento àquela figura, no
entanto tem sua atenção dividida com o que fala Barron. Ao terminar de falar, ouvimos
a voz de Ghioldi, “Además, necessitamos comunicarmos, camaradas!”, o casal se vira
de costas e vê Rodolfo (Raul Serrador) e Carmen Ghioldi (Maria Clara Fernandes),
Prestes dá um abraço no amigo argentino, que diz “Hasta siempre, compañero!
Finalmente, estamos todos reunidos!”, ao que o Cavaleiro da Esperança completa “E
seremos vitoriosos, camarada!”. Há então o corte que nos leva ao plano médio com a
imagem de Elza, uma moça bonita e delicada, mais uma vez arrumando seus cabelos em
um pequeno espelho portátil, levantando os olhos às vezes para observar as
apresentações. Prestes e Ghioldi saem abraçados para o outro lado da sala, Olga se vira
para nós sorrindo, mas logo fica séria, ao som de violinos graves que expressam tensão;
vemos novamente Elza se arrumando, retornamos à Olga já bem séria lhe encarando, até
que Sabo, percebendo a desconfiança da amiga, lhe diz que aquela é a mulher de
Miranda, recebendo a pergunta sobre a sua função na missão. Sabo conclui, “Não sei ao
certo. Ele disse que não precisamos nos preocupar com ela”. Novo corte, Elza, que
agora percebe que está sendo encarada, guarda seu espelho; no contracampo temos um
grande close-up do rosto de Olga, mantendo um olhar firme e desconfiado.
A desconfiança de Elza já é indicada pelos enquadramentos desde o início da
sequência. Primeiro aparece na profundidade de campo se arrumando, destoando do
conjunto dos presentes, tanto porque está isolada, quanto por manter um comportamento
contrastante com o das mulheres no ambiente – enquanto Olga responde a Sabo, um
pouco vexada, que está de batom e bem vestida por causa do disfarce, Elza parece fútil
ao ficar quase o tempo todo se arrumando no espelho, como se nada estivesse
acontecendo, sem praticamente nenhum envolvimento com a ação do grupo. Esse não
envolvimento já caracteriza o protótipo da má e/ou prostituta por já se mostrar fora da
78
esfera privada. A desconfiança, portanto, chega a nós espectadores primeiramente,
passando a ser compartilhada com a protagonista e sua companheira posteriormente.
Destaca-se que nesse primeiro momento, a tensão se estabelece apenas entre as
mulheres, sem que os homens percebam nada, evidenciando o núcleo de tensão típico
do melodrama, o qual gira em torno da esfera feminina.
Adiante, após a derrota dos levantes, temos a sequência em que Elza passa por
interrogatório na prisão e delata os companheiros. Na sede da Polícia Central, em closeup vemos Estevam com o rosto próximo à Elza, lhe interrogando. Segura uma foto de
Ghioldi, pergunta quem seria aquele homem, ela fica em silêncio. O investigador se
levanta gritando que não perguntaria outra vez, lhe pega pelo queixo e fala próximo ao
seu rosto, a garota fica ofegante e logo delata o argentino, complementando que
Miranda poderia confirmar a informação.
Temos então o desfecho do assassinato. No esconderijo do Méier, Olga traz um
bilhete ao marido avisando que Vallée conseguiu fugir, mas que o casal Ghioldi foi
preso. Há um plano-sequência enquanto caminham da sala para o quarto, a esposa
pergunta se já decidiram o que farão com Elza, afirmando que esta nunca deveria tê-los
conhecido ou participado das reuniões, ao que Prestes responde “Elza colocou em
perigo muita gente. Isso vai ter um fim”.
Na próxima sequência, em um sótão escuro, com goteiras e alguns livros
espalhados, em sua maior parte vermelhos, vemos em plano geral dois homens parados
conversando à esquerda, enquanto à direita Elza é trazida por Bangu, acompanhados de
mais dois homens. A garota vem falando desesperada “Eu não queria fazer mal a
ninguém! Não tive culpa! Eu não queria ter sabido de nada!”. Há uma aproximação que
leva a um plano de conjunto; fazem-na sentar em seguida. A câmera é colocada em
ângulo inferior, vemos Elza apavorada com uma postura enrijecida, enquanto Bangu,
em pé, fala próximo ao seu rosto “Não há o que fazer Elza. Você entregou muitos
companheiros.”, há uma mudança que lhe mostra com uma fisionomia prostrada em
close-up por meio de ângulo superior, então ela responde aos gritos “Eles me
forçaram!”. Bangu se retira, voltamos a vê-la em ângulo inferior, quando Cabeção surge
por trás e lhe sufoca com um cinto.
Em Olga de Fernando Morais, Elza é retratada como uma analfabeta,
desequilibrada mental, incoerente, que havia sido presa diversas vezes sem ter deixado
nunca de delatar, tendo retornado todas às vezes à militância novamente. Conta que
79
quando esteve na prisão confessou abertamente à Maria Werneck que certa vez que
buscou dinheiro em sua casa dizendo que era para o partido, na verdade era para
comprar toalhas novas para a sua casa. Quanto à ordem de execução, embora Prestes
tenha votado incisivamente a favor, após uma longa troca de cartas com o partido,
tentando descobrir se Elza estava trabalhando para a polícia ou não, a decisão de
execução da sentença foi decidida pelos dirigentes do PCB. Já no filme, Elza aparece
com uma garota bonita, ingênua, uma vítima sem precedentes com o partido, que teve
de ser executada por acidente de ser mulher do secretário-geral. Nesse sentido, o roteiro
parece dialogar com William Waack, que retrata este personagem como uma jovem
linda, espontânea e simpática, que por ter acompanhado o marido em suas atividades
partidárias acabou tendo que ser eliminada por necessidade de queima de arquivo
(WAACK, 1993, pp. 292-296). Com relação à ordem de execução, a obra fílmica coloca
Prestes como o único responsável pela decisão de seu assassinato.
No livro de Morais, Elza teria sido levada para uma casa em Deodoro, onde
ficou junto a Honório de Freitas Guimarães (Milionário), Eduardo Ribeiro Xavier
(Abóbora), Adelino Deícola dos Santos (Tampinha), Manoel Severino Cavalcanti
(Gaguinho) e Francisco Natividade Lyra (Cabeção). Estavam em uma sala dos fundos
da casa conversando quando este último pegou uma corda de varal e lhe estrangulou
com a ajuda dos outros, exceto de Abóbora que diante da violência se pôs a vomitar em
um canto da sala. Enquanto no filme, os comunistas se concentram em um sótão, uma
instalação aparentemente própria para este tipo de ação, Bangu – àquela época o novo
secretário-geral do PCB, após a queda de Miranda – fala diretamente à garota que não
havia o que fazer, pois havia entregado muita gente, a qual morre estrangulada logo
depois. Portanto, aqui se ressalta o aspecto de máfia ou gangue que se atribui aos
comunistas, pela clandestinidade institucionalizada do local do assassinato, pela frieza
de explicar à vítima o motivo de sua morte, pela naturalidade como os demais
personagens encaram o fato.
Essa maneira de representar os comunistas recorre fortemente ao imaginário
anticomunista, assunto estudado amplamente por Rodrigo Patto Sá Motta em Em
guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964) (2002).
Segundo o autor, o anticomunismo foi consolidados na estrutura social brasileira, na
mesma época em que o Estado Novo se afirmava – em grande parte devido à Revolução
de 1935 – e que, desde então, a identificação do comunismo com as forças do mal se
80
enraizou na sociedade, tendo sido recuperada posteriormente em períodos críticos, nos
quais ressurgiu com alguma força. Motta, ao analisar uma ilustração de uma matéria
jornalística, publicada em 1960 por uma revista anticomunista, alusiva às
comemorações da “Intentona”, na qual se tem a reconstituição em desenho dos
comunistas assassinando os militares que estariam dormindo no momento em que
eclodiu a revolta nos quartéis do Rio, observa que os personagens usam as golas dos
casacos altas, o que simbolizaria “ações camufladas, embuçadas, no limite, malignas”69.
Em outra ocasião, ao examinar notícias de jornal, aponta que as notícias sobre os
comunistas eram publicadas na página policial, e que logo “não eram considerados e
representados na qualidade de grupo político, mas como uma gangue de marginas”70.
Esse tratamento dos comunistas como máfia ou gangue tem início na sequência do
aeroporto (analisada no primeiro capítulo) e continuidade no primeiro encontro dos
enviados de Moscou. Na primeira situação, Bangu é apresentado como um “capanga”,
pelo seu silêncio constante, pelo seu papel secundário e subserviente, e na segunda, por
não participar na reunião, indicando pertencer à esfera da ação, não da decisão,
indicando o caráter mafioso da organização. Caráter que se explicita na sequência do
assassinato de Elza, crime que ocorre em local aparentemente apropriado para este tipo
de serviço. A escolha de colocar Bangu interagindo com Elza minutos antes de sua
morte, dá sentido à sua apresentação como “capanga”, visto que finalmente tomamos
conhecimento do seu campo de ação.
Ao invés de esquadrinhar os personagens de Prestes e Miranda nesse momento,
passaremos às sequências do filme que dialogam mais diretamente com o debate
historiográfico, ao longo das quais poderemos refletir sobre tais personagens e
posteriormente fazer melhor avaliação de suas representações.
Para pensar a Revolução de 1935 utilizaremos o debate historiográfico do início
dos anos 90. Consideraremos três autores, cujos trabalhos representam as discussões
mais atuais sobre o assunto e que, portanto, terão maior peso em nossas reflexões.
Recorremos a algumas outras obras relacionadas ao assunto para refletir sobre questões
mais específicas, como a discussão sobre a memória de determinados personagens
históricos, a corroboração de certas visões políticas, entre outros. Faremos uma breve
69
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil
(1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. p. 114-115.
70
Ibid., p. 213.
81
apresentação das três obras referidas, para em seguida abordar os pontos em comum
tratados pelo filme.
Em Estratégias da Ilusão: a Revolução Mundial e o Brasil (1922-1935) (1991),
o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro apresenta o histórico da III Internacional Comunista
(IC) desde sua fundação até o VII Congresso em 1935, tendo sempre como referência o
posicionamento da IC em relação à América Latina. Através de vários relatórios e
documentos, demonstra como se formaram as ilusões sobre a condição prérevolucionária do Brasil, imaginada pelos comunistas. Da mesma forma, evidencia os
violentos mecanismos de repressão estatal do governo brasileiro (a insurretos,
“marginais” e à população pobre), desde o início da República, constatando as
arbitrariedades cometidas, principalmente nos envios de presos aos “desterros” e
“campos de internamento”.
A historiadora Marly de Almeida Gomes Vianna foi militante do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) por 18 anos, de 1961 a 1979. Em Revolucionário de 1935 –
sonho e realidade (1991), por meio de documentos e depoimentos, a autora apresenta os
antecedentes dos acontecimentos de 35, desde os Congressos da IC até malogro da
insurreição do Rio de Janeiro e as prisões subsequentes. Desenvolve uma minuciosa
reconstituição das rebeliões do Nordeste, esclarecendo pontos até então obscuros sobre
o desencadeamento desses episódios.
O jornalista William Waack em Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história
secreta da revolução brasileira de 1935 (1993) escreve sua obra no momento de
término recente da URSS. Por este motivo, obteve acesso a arquivos secretos, mais
especificamente do acervo do Arquivo do Instituto de Teoria e História do Socialismo
do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, e a alguns outros
documentos secretos sem fontes reveladas, em posse do autor. Obtivera também alguns
depoimentos de espiões soviéticos que até então não podiam se manifestar. O autor
dedica-se a reconstituir a história da Revolução de 1935 a partir desses novos dados,
com forte estigmatização da União Soviética, bem como do comunismo.
O primeiro ponto que se discute é a influência da Internacional Comunista nos
levantes de 1935. Paulo Sérgio Pinheiro pontua que apesar do papel secundário da
América Latina nos esforços pela Revolução Mundial, a IC certamente havia sido
informada da decisão pela insurreição armada, já que as seções internacionais não
possuíam autonomia para fazê-lo por si. Já a historiadora Marly Vianna acredita que a
82
“IC não passou de ator coadjuvante no drama de novembro de 1935” (VIANNA, 2007,
p. 20), que as rebeliões de 1935, tanto nas localidades do Nordeste, quanto no Rio de
Janeiro, seriam manifestações tenentistas, produtos de situações gestadas na própria
conjuntura da sociedade brasileira da época, e não teriam ocorrido por ordens da
Internacional. Para a autora, a IC teria se mostrado apenas conivente com a idéia da
revolução brasileira, já que após a morte de Lenin, em 1924, e principalmente a partir de
1927, a defesa do Estado soviético passou a ser prioridade em detrimento da Revolução
Mundial. William Waack, pelo contrário, afirma ter havido uma influência direta de
Moscou, tanto nos preparativos quanto nas principais decisões referentes ao
desencadeamento das insurreições de 1935. Segundo o jornalista, a Revolução de 35
faria, inclusive, parte de uma grande operação sul-americana, idealizada desde a
segunda metade de 1933, ou seja, desde antes da chegada da delegação brasileira em
1934 para o VII Congresso da Internacional, que seria adiado para 1935. Neste
contexto, aconteceu a III Conferência dos partidos comunistas latino-americanos, na
qual a situação “pré-revolucionária” do Brasil foi colocada pelos comunistas brasileiros
à IC.
Em linhas gerais, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), a quem o PCB se aliou
seguindo a política de Frente Popular, foi uma organização política de âmbito nacional
fundada oficialmente em março de 1935. Constituiu uma frente ampla em que se
reuniram representantes de diferentes correntes políticas e de diferentes setores sociais,
todos atraídos por um programa que propunha a luta contra o fascismo, o imperialismo,
o latifúndio e a miséria. Foi fechada em julho de 1935, continuando a atuar na
clandestinidade até a eclosão da Revolta Comunista, em novembro do mesmo ano71.
Para Pinheiro, a Aliança teria como precursora a malograda Liga de Ação
Revolucionária, criada por Prestes por volta de 1930. Enquanto para Vianna, a ANL
teria sido essencialmente uma continuação do tenentismo. Quanto a sua composição, os
três autores corroboram a opinião de que era composta pelas classes médias e lideranças
tenentistas. Tanto Vianna quanto Waack apontam a impossibilidade dos comunistas
terem qualquer ligação com a criação da ANL, bem como desta se constituir como uma
organização comunista, não obstante tivesse pautas em comum com o PCB e a
participação de comunistas – intensificada após ter sido posta na ilegalidade. A
71
ABREU, Alzira Alves de. CPDOC/GV, www.cpdoc.fgv.br. Verbete “ANL”.
83
historiadora argumenta que esta impossibilidade se justifica pelo próprio caráter de luta
nacional da Aliança, que colocava a luta de classes em segundo plano.
Quanto às motivações locais que levaram ao desencadeamento dos levantes,
Marly Vianna destaca: forte espírito e tradição tenentista; antifascismo; aparência de
fragilidade do governo Vargas no momento; superestimação das forças oposicionistas;
lutas políticas locais; insatisfação dos militares subalternos, devido à redução dos
efetivos do Exército. Os três autores crêem que a causa imediata dos levantes do Rio de
Janeiro foi a eclosão das rebeliões no Nordeste (provocadas por circunstâncias locais),
sendo Luís Carlos Prestes o principal responsável por esta decisão, tendo como intenção
o préstimo de apoio e, consequentemente, a revolução em caráter nacional.
Segundo Pinheiro, um dos grandes motivos do fracasso dos comunistas
brasileiros residiria no fato de que ao invés de fazerem suas próprias análises da
conjuntura brasileira, enviavam suas descrições à IC. Esta fazia uma leitura pautada nos
preceitos da revolução soviética, devolvendo diretrizes gerais que ditavam o que deveria
ser feito no Brasil. Além disso, muitas das informações sobre o país eram expedidas por
emissários estrangeiros da IC, desconhecedores da realidade sócio-política brasileira, o
que suscitava equívocos. Outra fonte de dados irreais foram os próprios militantes
brasileiros que, tomados por sonhos e euforia, fizeram constatações exageradas por
aparentemente enxergar unicamente o que desejavam ver. Esses diagnósticos
equivocados teriam conduzido os comunistas brasileiros à crença de que se vivia uma
situação pré-revolucionária – conclusão com a qual concordam Vianna e Waack. Para o
sociólogo, portanto, delinearam-se perspectivas fundamentadas em conjunturas
ultrapassadas, que pareciam ignorar as mudanças ocorridas entre a Coluna Prestes e o
ano de 1935, além de subestimar-se a concretude do governo Vargas.
William Waack atribui o insucesso da Revolução a diversas razões: precipitação
de Moscou ao lançar a palavra de ordem “todo poder à ANL”, resultando no
fechamento da Aliança e consequente desmobilização; a fragilidade da rede de
comunicações entre os militantes, pois desrespeitavam-se as regras de segurança
frequentemente; Prestes seria o culpado pelas informações exageradas quanto aos
reforços que supostamente existiam; a decisão repentina gerou uma organização
insuficiente e mobilização deficitária. Por fim, assim como Vianna, o jornalista aponta
que devido à negligência da segurança das comunicações, antes mesmo do
84
desencadeamento da insurreição de 27 de Novembro de 1935, o governo já sabia do que
estava por vir.
Sobre a ANL, há somente duas referências no filme, a primeira ocorre na
sequência de apresentação de Filinto Müller e Vargas (analisada acima), na qual
conversam sobre a contenção de um comício que estava por vir. O chefe de polícia
afirma que os membros dessa Aliança “são todos uns comunistas dissimulados”. A
segunda referência ocorre no final do primeiro encontro dos comunistas no Brasil, no
qual Prestes pergunta a Miranda sobre como está a situação no país, obtendo a
afirmativa “Estamos preparando uma grande manifestação contra o governo em
conjunto com a Aliança Nacional Libertadora...”. As referências não são muito
esclarecedoras em relação à natureza da organização, embora Miranda diga que o PCB
agirá em conjunto com a Aliança, como se fossem duas organizações distintas, a
parceria anunciada e a falta de esclarecimento não anulam a acusação inicial do chefe de
polícia. A parceria das duas organizações colocadas nos termos de uma “fachada”
encontra semelhança em O Comunismo no Brasil (1935-1945) – repressão em meio ao
cataclismo mundial (1985) do historiador norteamericano e ex-secretário de Estado
(1953-59) do presidente Dwight D. Eisenhower, John Foster Dulles, que traz a
Revolução de 1935 contada sob o ponto de vista da repressão, sob uma perspectiva
liberal. Para o autor, quando se iniciaram os levantes, os participantes teriam “pintado”
como se fosse uma luta em favor da liberdade popular, e de aspirações nacionalistas da
ANL (DULLES, 1985, p. 13).
Quanto à influência da IC nos levantes, há duas sequências que tratam do tema.
A primeira é a da conversa de Olga com Manuilski no prédio do Comintern (já
analisada no capítulo anterior), na qual recebe a missão de escoltar Luiz Carlos Prestes.
Pergunta ao chefe da Internacional: “Uma revolução na América Latina, camarada
Manuilski?”, ao que responde “Em breve o mundo todo será comunista, camarada Olga.
Tenho certeza, o mundo todo (...)”, fazendo assim referência à Revolução Mundial. A
atuação de Manuilski, enquanto representante da IC, é de comando ativo e consciente, o
que aproxima a versão da obra fílmica à visão de Waack, na medida em que não há
qualquer mostra de atitude de simples conivência em relação ao plano, de importância
secundária ou ainda de mera autorização. Pelo contrário, assim como na obra de Waack,
não deixa dúvidas de que a IC tinha papel central na decisão e no comando da missão.
85
No livro de Fernando Morais, Manuilski diz a jovem alemã que “Ele [Prestes] e
seus companheiros de Partido nos convenceram de que este é o momento de levar a
revolução ao sopé do mundo” (MORAIS, 1985, p. 50), portanto, foi preciso convencer a
IC da plausibilidade desse plano, a qual não teria tido a primeira iniciativa. O fato de
Buzzar ter optado por omitir qualquer iniciativa a priori da parte de Prestes ou dos
membros do partido, acaba por corroborar as teses do jornalista.
A outra sequência é a da deliberação pelos levantes do Rio de Janeiro. Em
reunião na casa dos Prestes, os comunistas decidem se há condições de fazer o levante
no Rio de Janeiro, ao som suave de violinos indicando suspense. O ambiente é
iluminado por abajures, as cortinas estão fechadas (indicando a ilegalidade), sobre a
mesa de centro há louças sujas sugerindo que a reunião já se estendia. Todos são
enquadrados em plano de conjunto, vê-se, dá esquerda para a direita do quadro, Miranda
(em pé) ao lado de Ewert (sentado), ao centro Olga e Prestes de perfil, de costas
sentados no sofá estão Vallée, Barron e Ghioldi.
A câmera se movimenta fazendo um travelling, o casal é mantido ao centro e os
demais agora ficam de perfil. Segue o seguinte diálogo:
Prestes: Nós não podemos esperar mais. Ou trazemos a revolta ao Rio de
Janeiro... ou abandonamos os companheiros de Natal!
Ghioldi: Pode ser uma armadilha do presidente Vargas.
Olga: Mas o povo já aderiu à revolta em Recife!
Barron: Moscou quer saber a nossa decisão.
[o secretário-geral possui expressão de insegurança e inexperiência]
Miranda: Não estamos preparados para levar a Revolução para o Brasil inteiro.
Vallée: Não estamos? Pelo o que sei você afirmou em Moscou... que seria capaz
de organizar greves e manifestações.
Ewert: O relatório falava até que o Partido Comunista... estava infiltrado nos
quartéis...
Prestes: E está! Há várias guarnições militares dispostas à insurreição!
Ewert: Você tem certeza que o exército apoiará a Revolução?
Prestes: Há vários oficiais que foram meus companheiros e que ainda me
apóiam.
Ewert: Se o povo não aderir à revolta, será impossível a vitória.
Miranda: O Partido convocará uma greve geral.
Olga: Se não agirmos, o Governo com certeza começará uma forte repressão.
Acabará com o movimento em Natal e começará a prender todos os militantes
mais ativos no país. Levaremos anos para recuperar um momento como esse, ou
talvez nunca mais.
Ghioldi: Olga, eu voto contra! Tudo isso só existe no papel!
Ewert: Ghioldi pode ter razão. Talvez devêssemos esperar.
[Prestes em primeiro plano exaltado, fala em tom inflamado, com os olhos
brilhando]
Prestes: Esperar? Nós nunca estivemos tão próximos da Revolução. Vamos
mudar esse país, mudar a história! Quando a revolta começar, até a Marinha de
Guerra nos apoiará.
86
Vallée: O que você está afirmando?
Prestes: Eu tenho os meus informantes. A Marinha de Guerra tomará o poder ao
nosso lado!
O filme, em linhas gerais, segue a descrição da obra de Morais da deliberação
pelos levantes do Rio, contudo, há algumas mudanças relevantes que demonstram
diálogo com as obras historiográficas sobre o assunto. No livro, participaram da reunião
somente o casal, Miranda, Ghioldi e Ewert. Olga não teria opinado em nada, o
Cavaleiro da Esperança teria sido o único a defender a insurreição carioca em apoio aos
levantes do Nordeste. Assim como no filme, Ghioldi e Ewert teriam ficado relutantes,
enquanto Miranda seria de fato esse indivíduo inseguro e volúvel, que inicialmente
resiste em aprovar os levantes, mas logo muda de opinião, deixando-se convencer pelo
ânimo de Prestes, afirmando com segurança que convocaria a greve geral. Da mesma
maneira, para Morais, a informação do apoio da Marinha de Guerra teria sido crucial
para a vitória da opção pelos levantes.
Sobre as mudanças e acréscimos de Rita Buzzar, a fala de Ghioldi, que diz
“Pode ser uma armadilha do presidente Vargas”, ausente no livro de Morais, parece ter
sido retirada da obra de Waack, apesar de seu uso ter sido deslocado. Este autor afirma
que Prestes teria sido avisado dos acontecimentos do Nordeste, por telegrama, na noite
do dia 24 de Novembro, e então complementa: “É possível que tivesse recebido até
mesmo algumas horas mais cedo informações do que ocorria desde a véspera, mas tenha
acreditado tratar-se de uma provocação do governo” (WAACK, 1993, p. 217), ou seja,
teria havido uma hesitação antes de tomar alguma decisão, por conta dessa dúvida. O
uso deslocado dessa frase pela roteirista no contexto da deliberação acaba fazendo
parecer que se apostou conscientemente em uma revolução, que já desconfiavam estar
fracassada, concepção que vai ao encontro de outra tese de Waack, que garante que os
chefes da insurreição já possuíam informações suficientes para saber que provavelmente
seus esforços malograriam, visto que estavam cientes de que o governo já tinha
conhecimento de seus planos, que sabiam que a possibilidade de haver greves na cidade
estava minada, que o sistema de comunicações com os militares era falho, além da
derrota dos levantes do Nordeste, mas que mesmo assim insistiram em deflagrar os
levantes do Rio72. Destaca-se que entre os três autores, essa opinião diverge das demais,
72
“À meia-noite de terça-feira, faltando três horas para a insurreição, o levante estava praticamente
derrotado. O adversário sabia dos planos, intenções e movimentos dos conspiradores e já tomara todas as
precauções, colocando em alerta as unidades militares visadas pelos conspiradores e efetuando a prisão de
87
que conquanto possam dizer que o levante já estava solapado antes de começar, não
afirmam que os militantes tivessem plena consciência disso.
A criação da fala de Barron que afirma “Moscou quer saber a nossa decisão”
demonstra, no debate sobre a influência da IC, um alinhamento à posição de Waack, no
que toca às decisões sobre as insurreições, já que é o único autor a apresentar
documentos que evidenciam a comunicação dos comunistas com o Comintern, às
vésperas de 27 de Novembro, dialogando sobre o melhor momento para dar início aos
levantes.
A primeira fala de Miranda na sequência é “Não estamos preparados para levar a
Revolução para o Brasil inteiro”, todavia, na obra de Morais, a discussão girava em
torno dos levantes no Rio de Janeiro. A idéia de Revolução em todo o país parece ter
sido também apropriada de William Waack, que afirma que Prestes, imaginando que o
governo Vargas estava vulnerável, pensou ser possível esmagá-lo e levar a insurreição
para todo o Brasil (WAACK, 1993, p. 161). À afirmação de Miranda, Vallée retruca
“Não estamos? Pelo o que sei você afirmou, em Moscou, que seria capaz de organizar
greves e manifestações”, ao que complementa Ewert, “O relatório falava até que o
Partido Comunista estava infiltrado nos quartéis”. As referências às afirmativas
exageradas de Miranda em Moscou, e aos relatórios, não constam em Morais. O filme
dialoga, sobretudo, com a obra de Paulo Sérgio Pinheiro, na qual, como vimos, constrói
a tese de que a Revolução teria se fundamentado em premissas equivocadas, geradas
inclusive pelos próprios militantes brasileiros que, tomados por sonhos e euforia,
fizeram constatações exageradas por aparentemente enxergar unicamente o que
desejavam ver.
A afirmação de Ewert sobre a importância da participação do povo, conquanto
não tenha sido apresentada por Morais na descrição dessa ocasião, levanta o jargão
comunista largamente examinado nas obras historiográficas73 sobre os levantes de 1935,
de que nenhuma revolução se faz sem a participação popular. A argumentação de Olga,
ativistas sindicais e alguns dos correios de Prestes. Pelo menos no centro da cidade, a direção do PCB
sabia que não haveira greves de apoio, e que as brigadas civis não tinham condições de atuar conforme
planejado. O episódio do Forte do Pico, que ainda não havia sido avisado, mostrava já antes do início do
levante que o sistema de comunicação montado por Prestes no ‘seu’ setor, o militar, não estava
funcionando. Quanto aos levantes do Nordeste, na tarde do dia 26 também já se sabia que tinham sido
derrotados pelo governo. Note-se que essa massa de informações e indícios estava à disposição dos chefes
da insurreição antes do início do levante. Prosseguir nos planos nessas condições não era heroísmo. Era
burrice.” (WAACK, 1993, p. 228).
73
PINHEIRO (1991); VIANNA (1991); WAACK (1993); PRESTES (1998).
88
“Se não agirmos, o governo com certeza começará uma forte repressão. Acabará com o
movimento em Natal e começará a prender todos os militantes mais ativos no país (...)”,
se origina das reflexões de Waack, o qual afirma que “Diante dos acontecimentos no
Nordeste e da quase certeza de que o governo aproveitaria o clima de tensão para
destruir a organização montada também no Rio” todos concordavam na necessidade de
agir (WAACK, 1993, p. 218).
O fato de a obra fílmica ampliar a discussão para todos os enviados em contraste
com Prestes sendo o único a defender fervorosamente a insurreição – Olga vota a favor,
mas sua responsabilidade é secundária em relação ao marido – faz parecer que tanto o
levante quanto as repressões subsequentes ocorreram devido a um devaneio apaixonado
do Cavaleiro da Esperança, mesmo que na própria reunião já houvesse opiniões que
apontavam para estes resultados. Novamente faz-se uso das idéias de Waack que, sobre
o momento da deliberação afirma que “(...) a possibilidade de uma vitória era algo em
que só mesmo ele [Prestes], naquela noite, talvez acreditasse” (WAACK, 1993, p. 219).
A representação de Miranda como esse indivíduo volúvel, de idéias incertas, que
ora diz estar tudo sob o seu controle (como o faz durante o primeiro encontro dos
comunistas no Brasil), ora afirma que não estavam prontos para fazer a Revolução, e
novamente oscila dizendo que convocaria a greve geral, como um dos maiores culpados
pelas informações exageradas fornecidas a Moscou sobre a situação da mobilização no
Brasil, encontra correspondência nas obras de Paulo Sérgio Pinheiro e de Marly Vianna
e na tradição historiográfica de esquerda de um modo geral, que lhe coloca como um
dos maiores responsáveis por interpretar “as lutas que ocorriam no país a partir de seu
desejo do que elas fossem” (VIANNA, 2007, p. 74), de modo que “baseava-se não só
nas lutas organizadas pelos comunistas mas também nas atividades espontâneas que
irrompiam e que os comunistas não estavam ainda liderando” (PINHEIRO, 1991, p.
277). De acordo com Luiz Carlos Prestes, “Era um homem carregado de exagero
subjetivista pequeno-burguês, buscando transformar seus desejos em realidade”74.
Adiante na narrativa, temos então a sequência da notícia do fracasso. Na casa
dos Prestes, Olga lê uma carta, caminha até o marido, o restante do grupo se aproxima.
Avisar que a revolta foi derrotada, Ewert pegunta das demais guarnições, a jovem diz
que nenhuma se levantou, que Vargas mantinha sob controle o Exército, a Marinha e a
74
Entrevista a Elisabeth Carvalho para a revista Afinal de 26/11/1985 (RODRIGUES, Sérgio. Elza, a
Garota: a história da jovem que o partido matou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009).
89
Aeronáutica. Vallée pergunta sobre o povo e a greve geral, ao que Ewert responde
encarando Prestes, “A greve imaginada por nós, nunca conseguiu paralisar ninguém.
Nem uma simples fábrica. Nem uma passeata” – fala anacrônica que reitera a tese de
Pinheiro de que se investiu em estratégias da ilusão. Há um primeiro plano de Prestes
decepcionado; de modo exaltado, começa a se perguntar sobre os apoios, sobre as
promessas; em seguida há um close-up em Olga que lhe observa com piedade. O grupo
se retira, ela se aproxima do esposo e pega em sua mão. Ele diz “Nos preparamos tanto,
pra isso?”, coloca as mãos sobre a mesa, arrasado. Essa maneira ingênua como o
personagem do Cavaleiro da Esperança recebe a notícia do malogro da insurreição, lhe
faz parecer inocente, inexperiente, como se a derrota não fosse um cenário a ser
considerado. Reforça a imagem de líder apaixonado pela idéia de Revolução, sonhador
insensato, bem como de único responsável pela atitude imprudente. Esta forma de
representar o revolucionário de esquerda condiz com a visão liberal que costuma lhes
apresentar ou como “jovens rebeldes” ou como “vilões”75, visão que aparece, por
exemplo, em O que é isso, companheiro? (1997) de Bruno Barreto, no qual se constrói
o personagem do guerrilheiro Jonas, operário comunista, como o “representante da
canalha manipuladora, o verdadeiro vilão do filme”76, em contraste com os jovens
inocentes que, apesar de terem pego em armas, são desculpados por conta de sua
juventude irrefletida, cujo “voluntarismo geralmente leva ao erro”77.
A forma como o episódio da Revolução de 1935 é tratado pelo filme, no caso da
deliberação sobre os levantes do Rio, como uma decisão tomada, mesmo já havendo a
clara desconfiança de que seus esforços poderiam malograr, e para tal, como vimos,
recorrendo ao ponto de vista liberal de William Waack, constrói uma memória dos
comunistas como um grupo político marcado pela insensatez – além de transformar o
erro de avaliação política em puro utopismo vazio e insensato. Recorre, portanto, ao
mesmo imaginário anticomunista que atribuiu às insurreições de 1935 a nomeação de
“Intentona”, que consoante Rodrigo Patto Sá Motta, “significa intento louco, motim
insensato”78, termo que embora não tenha sido criado exclusivamente para a ocasião,
75
Visão que se resume na famosa frase de Winston Churchill: “Não ser comunista aos 20 anos é não ter
coração. Sê-lo aos 30 é não ter cérebro”.
76
FERNANDES, Fernando Seliprandy Fernandes. Ficção e documentário, memória e história:
representações da luta armada nos filmes “O que é isso companheiro?” e “Hércules 56”. Relatório de
qualificação de mestrado sob a orientação de Marcos Napolitano, Agosto de 2010. p. 77.
77
Idem.
78
MOTTA, op. cit., p. 76.
90
visto que já fazia parte do vocabulário político brasileiro, “na memória e na
historiografia oficiais, a única intentona que permaneceu foi a comunista”79.
A visão liberal predomina também na representação da mídia, referenciada na
sequência em que Vargas e Filinto Müller conversam sobre as investigações. A
sequência se inicia com uma forte batida de Getúlio Vargas do fone no gancho do
telefone. Em seu gabinete, grita com o chefe de polícia, com um charuto nos dedos,
dizendo que quer os líderes e Prestes na cadeia. Afirma que o estado de sítio vai
continuar até que as investigações cheguem ao fim. Para caracterizar a vilania, tem
início uma alternância de primeiros planos, nos quais só vemos os rostos, em volta fica
tudo escuro, criando uma atmosfera de obscuridade. Pergunta então dos policiais
alemães, Filinto Müller diz que estão colaborando como podem, embora seja difícil
trabalhar “na surdina”, ao que o presidente responde “Mas é melhor que continuem na
sombra. Não quero jornalistas bisbilhotando”. Müller conta ainda que foram
encontrados indícios de envolvimento de estrangeiros enviados de Moscou na
Revolução. A referência à imprensa aqui encontrada difere do livro de Morais, no qual
revela que na época os jornais brasileiros tinham se transformado em porta-vozes
oficiais do noticiário oficial, tratando sem distinções anticomunismo e antissemitismo,
alimentando o ódio da população contra os estrangeiros em geral (MORAIS, 1985, p.
165). Assim, a imprensa é tratada no filme como inimiga em potencial do governo,
como se fosse constituída por forças imparciais, naturalmente a favor da democracia.
A ingenuidade e culpa do Cavaleiro da Esperança surgem novamente quando, já
no esconderijo do Méier, discute com Olga sobre os desencontros da malograda
Revolução. Olga argumenta que o que não aconteceu também faz parte da história,
podendo ajudar o mundo de alguma forma; ao que o marido responde “Às custas de
tantas prisões, de tantas mortes? Eu fui o responsável político do levante. A culpa foi
minha. Eu tinha certeza de que o Exército apoiaria a revolução”, faz menção nostálgica
aos tempos da Coluna ao que a esposa interfere afirmando “Desde a Revolução Russa
aprendemos a pensar que o impossível é possível. Por que iríamos duvidar que a força
da nossa convicção pudesse mudar esse país? Lutamos pra isso. Estamos dispostos a dar
nossas vidas pela revolução.”. Nos momentos em que Prestes se exalta, temos
alternâncias de close-ups em Olga e planos médios ou americanos do esposo andando
de um lado para o outro, contrastes de enquadramentos que apontam para o
79
Ibid., p. 77.
91
distanciamento das idéias. Levando em conta que nem este diálogo, nem esta
autocondenação constam no livro de Morais, fica finalmente explícito que o filme
culpabiliza unicamente o personagem histórico de Prestes pelo levante e sua
subsequente derrota, desconsiderando toda a questão partidária e conjuntura política. Já
a fala de Olga verbaliza a construção da imagem dos comunistas pela obra fílmica de
que eram todos jovens apaixonados pela idéia de revolução, engajados em um plano
praticamente suicida, já que tinham como embasamento somente a força de suas
convicções. A referência da Revolução Russa como intenso farol luminoso para as suas
ações, faz parecer que lhes ofuscava a visualização das conjunturas políticas
particulares, enxergando unicamente a possibilidade de vitória, sem fazer avaliações
concretas.
Na prisão, reitera-se novamente a culpa de Prestes, em contraste com o
sofrimento de Ewert. A sequência se inicia com rufadas de tambores, que desencadeiam
uma trilha sonora de tensão, enquanto Herr Fisher tortura Ewert por afogamento em um
tonel de água, com as duas mãos presas para o alto e o rosto todo ensanguentado. Filinto
Müller observa a tortura calmamente na profundidade de campo. Há uma montagem
paralela de Prestes em sua solitária, ouvindo as perguntas do policial da Gestapo, o que
lhe faz andar de um lado para outro impacientemente. O chefe de polícia é filmado em
ângulo inferior, de modo que a iluminação se concentra somente em sua testa e seu
nariz, sem que possamos ver seus olhos, reforçando a obscuridade do personagem.
Ouvimos a portinhola da porta da solitária se abrir, há um primeiro plano da boca do
chefe de polícia com um cigarro aceso nos lábios. Em uma alternância de primeiros
planos (enquadrados através da portinhola), os velhos inimigos trocam farpas, Prestes
pergunta exaltado por que torturam Ewert, se foi ele o responsável pelo levante. Irônico,
Filinto Müller lhe comunica que o embaixador da Alemanha já forneceu a ficha de sua
mulher, que estão pensando em deportá-la. A montagem paralela entre o Cavaleiro da
Esperança em sua solitária e a tortura de seu companheiro alemão enfatiza as
consequências de sua decisão irresponsável e insensata. Cabe destacar ainda que, ao
contrário do que mostra o filme, no livro de Morais, Filinto Müller jamais vai à cela de
Prestes ou mesmo presencia as torturas; naquele momento preocupava-se em coligir
provas do assassinato de Elza para aumentar o tempo de prisão de Prestes, o líder
comunista. A escolha por colocar o chefe de polícia indo ao seu encontro demonstra a
opção da produção cinematográfica por reduzir à conjuntura política às questões de
cunho subjetivo, despolitizando os personagens de maneira geral.
92
O filme conquanto construa a memória de Prestes como o culpado pela derrota
dos levantes, não o faz lhe representando como um indivíduo simplesmente
incompetente, como William Waack o faz em larga medida em seu livro. A culpa lhe é
atribuída, todavia não lhe é tirada a dignidade. Durante o longa-metragem temos a
construção de um personagem calmo, gentil, amoroso, sutil e, sobretudo apaixonado.
O fato de ser retratado como esse homem tão gentil e apaixonado, faz com que sua
atuação política também seja vista na chave da paixão, o que pressupõe muitos sonhos,
imediatismo e pouca racionalidade. Quando argumenta durante a reunião sobre o
desencadeamento das insurreições, seus olhos brilham, fica exaltado ao falar “Vamos
mudar esse país, mudar a história!”, logo é esse homem ingênuo, sonhador e
apaixonado pela idéia de mudar a realidade nacional, de mudar o mundo. Assim,
embora seja culpado pelo fracasso da Revolução, teria tido as melhores intenções
possíveis, constituindo-se em um herói, não obstante esvaziado politicamente.
A respeito desse tipo de construção de memória de Prestes, Anita Leocádia
Prestes, em Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora (2008), afirma que
seria a nova imagem do Cavaleiro da Esperança criada pelos “intelectuais orgânicos”,
para descaracterizar sua figura sem recorrer ao ataque direto. Conforme a autora, essa
imagem de Prestes como um homem “puro e ingênuo”, honesto, um bom pai de família,
mas ao mesmo tempo um militar rígido incapaz de compreender as matizes da política,
alguém cuja vida política não teria passado de uma lamentável sucessão de erros e
fracassos, seria uma visão “domesticada” ou “pasteurizada” do líder comunista, a qual
incitaria mais a compaixão do que a admiração. Anita Leocádia afirma que a partir da
construção dessa “caricatura”, seus idealizadores encontram facilmente a justificativa
para explicar os acontecimentos de Novembro de 1935, afinal, se Prestes
revelou-se um “puro e ingênuo” militante desavisado do comunismo
internacional, incompetente do ponto de vista político e desastrado enquanto
dirigente, torna-se facilmente compreensível que tenha caído nas malhas de
Moscou e fosse habilmente utilizado como agente a serviço de seus desígnios.
(PRESTES, 2008, p. 18).
Portanto, Rita Buzzar e Jayme Monjardim constroem essa memória
“pasteurizada” do Cavaleiro da Esperança, o qual cumpre a função no melodrama de ser
o par romântico de Olga e concomitantemente o líder dos levantes; para tal apresenta-se
um homem doce, impulsivo e apaixonado, que no fundo, só pode ser transformado em
herói na narrativa à medida que é feita a sua despolitização, juntamente com a dos
93
demais personagens. Essa despolitização generalizada do contexto histórico, bem como
dos indivíduos envolvidos nos episódios históricos retratados contribui para o didatismo
da obra fílmica, que por sua vez permite a construção de uma interpretação maniqueísta
da História.
III. Considerações finais
Durante a realização desta pesquisa, buscamos fazer análises detalhadas das
sequências, evidenciando como a cenografia e a linguagem cinematográfica se integram
à construção das idéias contidas no roteiro. A predominância dos enquadramentos
fechados, embora sirvam como solução à dificuldade de reconstruir grandes cenários
históricos no Brasil – visto que a produção foi realizada inteiramente no país –, devido à
parca preservação de lugares que foram palco de acontecimentos históricos (como os
edifícios do 3° Regimento de Infantaria na Praia Vermelha do Rio de Janeiro), é
utilizada principalmente para destacar o aspecto central do filme: a subjetividade do
indivíduo – em detrimento da contextualização político-histórica. Os close-ups mais
extremos são utilizados nas sequências de amor entre o casal Prestes, ou ainda para
evidenciar os pontos de inflexão de pensamento e comportamento de Olga, as chamadas
viradas melodramáticas – quando começa a deixar as crenças revolucionárias após
descobrir o amor pleno pelo marido, pela maternidade, bem como após a morte de Sabo
que põe fim ao seu engajamento político.
O personagem histórico da jovem alemã é retratado pela biografia de Fernando
Morais como multifacetado, alguém que iniciou sua militância aos 15 anos na
Juventude Comunista e desde então construiu sua vida pessoal de maneira coerente e
complementar à sua atuação política. Na obra fílmica de Monjardim e Rita Buzzar, é
apresentada de início como uma adolescente que carrega em seu idealismo um aspecto
de rebeldia juvenil contra o status social de seus pais, porém incerta ainda do que deseja
ser, confusa na administração de seus sentimentos pessoais conjugados ao paradigma da
militância política. Através dos questionamentos e dificuldade do personagem em
articular seus sentimentos pessoais ao engajamento político, o filme caminha no sentido
de afirmar esta oposição, como se para o ativista político exercer bem sua função,
necessitasse se pretender emocionalmente estéril. O que obviamente, sendo o
sentimento do amor um valor universal, trabalha na maré contrária do engajamento
político enquanto conduta exemplar.
94
O fator impulsionador das atitudes de Olga é a paixão, tanto em sua militância
política quanto em seu relacionamento com Prestes. O fato de ser movida pela paixão, já
denota certa irracionalidade na adesão à luta comunista, como se fosse uma questão
mais instintiva, própria à rebeldia adolescente ingênua que sonha em mudar o mundo,
mesmo sem saber direito o que deseja. A sequência em que Olga conversa com seu pai
é elucidativa nesse sentido, quando diz a ele que não sabe o que quer ser, mas que sabe
muito bem o que não quer. O próprio Leo Benário, chocado com o discurso radical da
filha, lhe diz que “os rebeldes raramente dão bons revolucionários”, atribuindo a ela a
característica de rebelde, como aquele que parte para a ação sem maiores estratégias em
mente. Essa adesão às idéias comunistas sob a perspectiva da ingenuidade adolescente,
do sonho – que não deixa de ser um valor universal – facilita uma identificação mais
imediata do espectador com a protagonista, ao mesmo tempo em que lhe atribui falta de
consistência ideológica, visto que se tivesse alguma, não teria dúvidas quanto ao que
gostaria de ser. A fragilidade de seus ideais se evidencia quando, correndo o risco de ser
deportada, pergunta na ambulância à Maria se a amiga achava que o mundo gostaria de
ser mudado, pondo em questão suas crenças revolucionárias, como se o contato com a
repressão finalmente lhe fizesse emergir para a realidade, acordar do sonho. A partir do
nascimento de Anita, sua dedicação é estrita à maternidade e as questões políticas já não
ocupam seus pensamentos, não guiam suas ações. Depois de perder sua filha e assistir a
morte de Sabo, põe fim às suas crenças revolucionárias, como se constatasse realmente
que o radicalismo não lhes levou a nada.
A construção de Sabo como vítima indireta do comunismo, a descrença de Olga
na Revolução, bem como a colocação de sua adesão às idéias revolucionárias como
parte de sua rebeldia adolescente imatura, nos leva a ouvir a única saída alternativa
proposta durante o filme, pela voz da maturidade sóbria do solidário social-democrata
Leo Benário, de que “A revolução, a ruptura só traz mais sofrimento... A política
infelizmente é a arte do possível”. Nada mais palatável ao espectador de 2004,
integrante de um regime democrático capitalista, consciente das barbáries cometidas no
século XX, muitas em nome de Revoluções. Entretanto, escolhas com fins comerciais à
parte não deixam de gerar determinadas memórias sobre os levantes de 1935, bem como
de seus personagens históricos.
A memória que se constrói dos levantes de 1935 é esclarecedora para a
compreensão da visão ideológica veiculada pelo filme. Na sequência da deliberação,
95
Rita Buzzar modifica as falas contidas na obra de Fernando Morais, recorrendo a
diversos trechos ou idéias contidas no livro Camaradas (1993) de William Waack para
compor os diálogos, bem como de Estratégias da Ilusão: a Revolução Mundial e o
Brasil (1922-1935) (1991) de Paulo Sérgio Pinheiro. Faz uso das reflexões do sociólogo
o qual tem como tese que os fracassos de 1935 se deram em função de relatórios
equivocados enviados a Moscou, bem como pelos relatos exagerados de militantes
brasileiros que, tomados por sonho e euforia, enxergavam somente o que desejavam ver,
motivo pelo qual teriam trabalhado em estratégias da ilusão. Tais reflexões são
utilizadas de maneira anacrônica no roteiro, de modo que, ao apresentar os militantes
como conscientes de que estavam imprimindo esforços em uma causa que
provavelmente malograria, acaba por assumir a visão liberal, que garante que a
liderança tinha completa ciência de todas as debilidades da mobilização, mas que
mesmo assim insistiu naquele ato de “burrice”. Assim, a Revolução de 1935
representada pelo viés da insensatez, corrobora a memória oficial anticomunista dos
levantes como uma “Intentona Comunista”, ou seja, um “motim insensato”. Termo
adotado pela memória oficial por razões estratégicas da luta anticomunista, que tinha
como fim desqualificar a tentativa revolucionária de 1935, conforme Rodrigo Patto Sá
Motta.
Entretanto, conquanto se desqualifique os episódios de Novembro de 1935, os
comunistas são perdoados e transformados em heróis ou mártires. Perdão que só é
concedido através de sua despolitização, da interpretação de suas atitudes na chave da
paixão, do retrato do radicalismo político como sinônimo de juventude irrefletida. O
que não significa que lhes aprove enquanto organização política, como fica claro na
evocação do imaginário anticomunista para retratar o assassinato de Elza, por exemplo.
Por outro lado, coerentemente, a mesma visão liberal identificada na representação dos
levantes condena Getúlio Vargas, lhe retratando como um homem frio, autoritário,
ambicioso e calculista.
Na introdução do argumento original de Rita Buzzar demonstra a preocupação
em justificar a razão de filmar a vida de Olga Benário, pois segundo algumas opiniões
que ouviu enquanto adaptava cinematograficamente Olga de Fernando Morais, “o
tempo de Olga, seus ideais e todos seus sonhos (...) comprovadamente tinham sido
derrotados, após a Perestróika e a queda do Muro de Berlim”80. Tal preocupação se
80
BUZZAR, op. cit., p. 17.
96
manteve na versão que ganhou as telas, de forma que a trajetória da protagonista é
construída no sentido de progressivamente ir deixando de lado seus ímpetos
revolucionários ao passo que enfrenta a repressão e chega à vida adulta. O que se
expressa nas últimas linhas da introdução do argumento:
“Uma espécie de guerreira bolchevique de ferro que se transformou em mulher
no Brasil. Aquela agente perfeita e destemida que conheceu o medo aqui. A
militante coberta de razões que descobriu como poderiam ser amargos os
chamados ‘erros históricos’. Por mais que críticas e senões possam sempre
colocar em questão a pertinência de lembrar novamente Olga, essa heroína um
tanto oficial do governo comunista alemão, haverá sempre uma palavra em sua
defesa: seus próprios sentimentos e dúvidas, compilados nas cartas que tentou
enviar a seu marido e sua filha.” (BUZZAR, op. cit., p. 18)
Portanto, só faria sentido filmar a vida de Olga se fosse possível sepultar seus
ideais comunistas, enfatizando somente sua força, dignidade, seu ímpeto de luta pela
sobrevivência e seu amor pela família. Assim, a dignidade e a impavidez com que
caminha para a morte na última sequência do filme, se dão mais por ser esta mulher
corajosa e excepcional do que pelas idéias comunistas que um dia lhes fizeram tanto
sentido. Ao passo que o comunismo é dado como ultrapassado, a memória de Olga
Benário passa a carregar então somente o espectro dos valores universais, como a
bravura, a força e o amor, tão importantes para a identificação e aprovação de seus
espectadores. Nesse sentido, críticas estéticas à parte, o filme é um documento histórico
significativo de um mundo pós-utopias, que melodramatiza o real a partir de valores e
atributos individuais e individualistas.
Por fim, buscamos compreender durante essa pesquisa como se desenvolveu o
processo de conformação da história de Olga Benário e da Revolução de 1935 ao
maniqueísmo do melodrama na obra fílmica de Jayme Monjardim e Rita Buzzar,
procurando examinar as adaptações dos personagens históricos aos protótipos do
gênero, entender a reconstrução dos episódios históricos com base na dicotomia entre o
Bem e o Mal, bem como refletir sobre os motivos dessas escolhas. Partindo da premissa
de que os filmes de tema histórico atuam enquanto discurso da memória, buscamos
analisar de que forma Olga (2004), por meio da representação naturalista, do
melodrama e das “instruções documentarizantes” contidas no filme, transformou as
opções feitas pelo diretor e pela roteirista em uma forma de memória histórica sobre a
vida da militante comunista e dos acontecimentos de Novembro de 1935.
97
Ressaltamos ainda a necessidade de aprimorar esses estudos, tendo em vista o
exame da dramaturgia televisiva utilizada no primeiro longa-metragem de Monjardim,
de modo a apreendê-lo como parte de um processo, que tem origem na apropriação do
melodrama cinematográfico pela televisão, a qual lhe adapta e recicla, criando uma
dramaturgia própria que, por sua vez, é posteriormente devolvida ao cinema, com todas
as marcas daquela reciclagem, gerando um estranhamento entre a dramaturgia e o
veículo de exibição – o cinema veicula um filme com uma dramaturgia televisiva.
98
Sequência
Descrição
Materiais
retirados de
documentos
Trilha sonora
Comentários
99
01 - Abertura
(0:01:17)
Olga aos 12
anos brincando
na neve, pula
fogueira. Olga
no campo de
concentração no
dia anterior a
sua morte, olha
uma das presas
bordando maçãs
e tem um
flashback.
- carro antigo
- caminhão
antigo
entrando no
campo de
concentração
- fachada “o
trabalho
enaltece o
homem” em
alemão,
reprodução.
- placa da
cancela
- lápis
pequeno
(indicando
raridade
desse tipo de
material)
- última carta
sendo escrita
a Prestes e
Anita
- foto da atriz
que faz Anita
Música-tema:
som
melancólico de
violinos agudos
02 – Assalto a
prisão de
Moabit
(0:04:19)
Episódio da
prisão de
Moabit
(11/04/1928):
libertando Otto
Braun.
- trajes no
tribunal
Som dinâmico
de violinos
agudos
03 – No trem,
a caminho de
Moscou
(0:06:28)
Indo pra Rússia.
Flashback: Olga
deixa a casa dos
pais em
Munique,
mudando-se
para Berlim
Flashback:
manifestação de
rua na
Alemanha, por
volta dos 15
anos.
- passaporte
falso Otto e
Olga
04 –
Manifestação
de rua
(0:07:58)
- passeata:
uniformes
tropas
nazistas em
33; trajes
comunistas;
faixa do
protesto;
barracas de
- inicia com ponto
de vista de uma
janela
quadriculada
(janela do
passado)
- Olga: Sobretudo
vermelho
- demonstração de
coragem? Paixão
pelo perigo?
Voluntariosidade?
- fecha sequência,
ponto de vista de
fora pra dentro de
janela
quadriculada igual
(janela do
passado), Olga
adulta olhando
pra fora. Como se
olhasse pela
janela, visse a
neve e revisse
suas lembranças
da infância do
lado de fora.
Trilha de
tensão
100
frutas
05 – Deixa a
casa dos pais
(0:08:57)
Volta para casa
e avisa os pais
de sua partida
06 – Discurso
em Moscou
(0:14:02)
Olga relata o
episódio da
prisão de
Moabit em
reunião da
Juventude
Comunista
Internacional
em Moscou.
07 –
Treinamento
militar
(0:17:29)
Treinamento
militar. Nova
missão: fará a
segurança de
Luís Carlos
Prestes em
retorno ao
Brasil para
fazer a
revolução.
- pobres
falando em
alemão; foto
preto e
branco de
Eliane
Giardini;
jóias, vitrola;
- 3 cartazes
comunistas
(na parede,
no armário,
do lado
esquerdo do
armário)
- foto preto e
branco de
atores
simulando
família de
Olga
- quadro
dentro do
armário
(Lênin?)
- panfleto
comunista
- bandeira
Vermelha
- bandeira da
URSS
- faixas
Música-tema:
som
melancólico de
violinos agudos
– ao se despedir
do pai.
- uniformes
soviéticos
Melodia da
Internacional
Comunista
cantada por
vozes coral em
ritmo de
marcha militar.
Música: a
Internacional
Comunista
cantada em
russo.
101
08 – Ouve
falar da
Coluna
Prestes
(0:18:05)
09 – Recebe
mensagem de
Manuilski
(0:18:50)
10 – Nova
missão:
escolta de
Luiz Carlos
Prestes
(0:19:20)
11 – Prestes
se despede da
família
(0:21:04)
12 – A
caminho do
cruzeiro
(0:23:17)
No refeitório,
ouve
revolucionários
falarem sobre a
Coluna Prestes,
fica
maravilhada.
Na recepção do
Hotel Desna,
recebe
mensagem do
secretário geral
da Internacional
Comunista
No edifício do
Comintern
recebe uma
nova missão.
- uniformes
soviéticos
Instrumental da
Internacional
Comunista.
- placa com
nome do
hotel
Idem.
- bustos de
Lênin e
Stalin;
bandeira
vermelha;
estatueta à
mesa
- carro antigo
Instrumental da
Internacional
Comunista
enquanto
conversa com
Manuilski.
Música-tema
durante a troca
de olhares com
Prestes.
Som suave de
violinos
agudos.
Em um hotel,
Prestes se
despede de D.
Leocádia e
Lígia.
Dentro do
carro, a
caminho do
navio
13 – França,
1934
(0:24:01)
Embarcam no
transatlântico
14 – Baile no
navio
(0:25:38)
Olga e Prestes
agora são o rico
casal Vilar em
lua-de-mel.
15 – Ano
Novo
(0:27:22)
O Ano Novo no
navio, beijamse pela primeira
vez, por
sugestão de
Herr Fisher.
transatlântico
- bóias do
navio (United
Kingdom
Lines)
- foto 3x4
Fernanda
Coral lírico
canta a melodia
da
Internacional
Comunista.
Idem.
Fox trote:
When I get old
e música-tema
tocada por
músico no
salão.
Ao explodirem
os fogos, som
romântico de
violinos
agudos. Após o
beijo, canto
102
Montenegro
melancólico de
voz lírica.
16 – Leitura
No quarto, lêem - livro (poesia Canto
de versos de
versos de
de
melancólico de
Maiakovski
Maiakovski.
Maiakovski)
voz lírica;
(0:31:49)
Prestes admite
quando Olga
que quis beijácobre Prestes
la, lhe deixando
dormindo: som
lisonjeada ainda
romântico de
que não admita.
violinos
agudos.
17 – Café da
Em um salão
Som romântico
manhã com o cheio de mesas
de violinos
capitão e Herr e pessoas, o
agudos; música
Fisher
casal conversa
tocada pelo trio
(0:35:34)
com o capitão
de cordas
do navio e Herr
pertencente à
Fisher.
diegese; pouco
antes de Herr
Fisher se
retirar, som de
violinos graves
indicando
suspense.
18 – A
A primeira
Som romântico
primeira noite noite de amor
de violinos
de amor de
de Olga e
agudos.
Olga e Prestes Prestes.
(0:38:39)
19 – Olga
Olga chora no
Idem.
chora ao
campo de
relembrar
concentração ao
(0:42:47)
relembrar do
episódio.
20 –
Conversam
- hidroavião
Música:
Sobrevoam o sobre os demais - mapa mundi “Chegada ao
litoral
enviados, Olga em inglês
Brasil”.
brasileiro
fica
(0:43:05)
maravilhada
com a paisagem
brasileira.
21 – No
O casal
aeroporto
encontra
(0:44:33)
Miranda e
Bangu.
22 – Sede do Filinto Müller
- busto de
governo
conversa com
Tiradentes
(0:45:18)
Getúlio Vargas
sobre a ANL e
Prestes.
- encantando o
espectador:
“parece o paraíso”
103
23 – Encontro
dos enviados
de Moscou
(0:46:24)
24 – Olga vai
à praia
(0:48:18)
25 – Olga e
Sabo
conversam
(0:48:48)
Os comunistas
se encontram
pela primeira
vez no Brasil,
se apresentam,
conversam
sobre os
preparativos do
levante. Olga
estranha a
presença de
Elza.
Olga nada no
mar e encontra
Prestes.
O conflito entre
os sentimentos
pessoais e os
ímpetos da
militância.
26 – Olga
pede seu
retorno
(0:49:58)
Em conflito,
Olga avisa
Prestes que
pediu para
retornar a
Moscou.
27 – Leitura
Prestes ouve
do Manifesto ansioso pelo
de 05/07/1935 rádio a leitura
(0:52:54)
do Manifesto
que escreveu.
28 – Getúlio
Vargas recebe
as
informações
sobre os
levantes
Governo
Vargas prevê o
levante: bom
pretexto para a
implementação
da Lei de
Instrumental:
violinos tocam
a Internacional
Comunista
Som romântico
de violinos
agudos.
- panfletos,
jornais
- Prestes
escreve uma
carta
- ao espectador:
“o calor desse
país já aqueceu
também seu
coração”
- conflito: os dois
eus de Olga, antes
e depois do
verdadeiro amor
(comunismo
versus amor)
Som de
violinos
agudos.
- Fragmento
do Manifesto
da Aliança
Nacional
Libertadora
de Julho de
35.
- cartas,
passaportes
falsos do
casal Vilar.
Após a última
frase de
Vargas, som
crescente de
violinos graves
expressando
104
(0:53:32)
29 – Levantes
de Natal
(0:54:11)
30 – Quem
seriam os
responsáveis
pelos levantes
(0:54:23)
31 –
Instalação de
explosivos no
cofre
(0:54:41)
32 –
Deliberação
pelos levantes
do Rio de
Janeiro
(0:55:07)
33 – Levantes
do Rio de
Janeiro
(0:56:20)
34 – O
governo tem
tudo sob
controle
(0:56:45)
35 – Notícia:
a revolta foi
derrotada
(0:57:05)
Segurança
Nacional.
Estouram as
rebeliões em
Natal (RN).
Filinto Müller e
Estevam
conversam
sobre os
possíveis
responsáveis
pelos levantes
de Natal.
Gruber instala
explosivos no
cofre do casal
Prestes.
tensão.
- soldados
correndo
Som estridente
de violinos
indicando
dinamismo e
tensão.
- retrato
desfocado de
Vargas na
parede.
- jornal O
Globo:
revoluções
em Natal.
Os comunistas
deliberam pelos
levantes.
Contenção dos
- soldados
levantes do Rio. correndo,
muretas e
coloração
parecidas
com as das
fotos
- busto de GV
à esquerda
- carta de
aviso do
fracasso
Ministro da
Guerra e Müller
avisam o
presidente de
que está tudo
sob controle.
Olga dá a
- mapa do
notícia ao grupo Brasil
do fracasso da
revolta. Prestes
fica arrasado.
Som suave de
violinos
agudos,
sugerindo
suspense.
Idem.
Som estridente
de violinos
indicando
dinamismo e
tensão.
Som de
violinos
indicando
suspense.
Som de
suspense
persiste.
Prossegue um
som grave de
violinos.
105
36 – Olga se
lamenta ao
recordar
(0:58:40)
37 – Vargas
quer os
responsáveis
pelos levantes
presos
(0:59:01)
38 – Prisão do
casal Ewert
(0:59:34)
No campo de
concentração,
Olga lamenta a
derrota.
Vargas se irrita,
quer os líderes e
Prestes na
cadeia.
Som agudo e
melancólico de
violinos.
O casal Ewert é
preso, Olga
assiste e foge.
Gruber se
revela traidor.
39 – Olga e
Prestes guarda
Prestes se
todos os papéis
preparam para no cofre antes
mudar de
de partir.
esconderijo
(1:00:32)
Sons de sinos
indicando
perigo. Dentro
do camburão:
vozes coral.
Música de
suspense.
40 – Filinto
Müller
entrega o
endereço do
casal Prestes a
Estevam
(01:01:19)
41 – Estevam
acessa os
arquivos dos
comunistas
(01:01:35)
Na sede da
polícia central,
Müller entrega
a Estevam o
endereço do
casal.
Estevam vai à
casa dos
Prestes, já
vazia, com o
código
fornecido por
Gruber, abre o
cofre e acessa
todos os
documentos dos
comunistas.
42 – Mudança Mudança para o
de
Méier. Olga
esconderijo
recebe
(01:02:33)
permissão para
partir, mas
prefere ficar.
43 –
Prestes recebe
Descoberta:
bilhete dizendo
Gruber era
que o cofre não
um traidor
explodiu,
- cartas e
documentos
do cofre
Som crescente
de suspense.
Som de
violinos
indicando
suspense até
conseguir abrir
o cofre.
Som romântico
de violinos
agudos, quando
diz que
permanecerá no
Brasil.
106
(01:03:35)
44 –
Interrogatório
de Elza
(01:04:34)
45 – Olga e
Prestes
conversam
sobre a
derrota
(01:05:00)
46 – Ghioldi
delata Olga
(01:05:46)
descobre a
traição de
Gruber.
Miranda e Elza
foram presos.
Elza delata
Ghioldi no
interrogatório.
- foto 3x4 do
ator que
interpreta
Ghioldi p/
Elza
O casal
conversa sobre
a derrota.
Prestes se sente
culpado.
Sob tortura,
Ghioldi revela a
Filinto Müller a
existência de
Olga.
47 – O
Olga observa o
Carnaval e a
Carnaval de
última noite
1936,
do casal
encantada.
(1:06:47)
Prestes lhe
costura um
vestido.
Dançam pela
sala e tem sua
última noite de
amor.
48 – A polícia Na sede da
vai fazer
polícia central
buscas no
Filinto Müller
Méier
oferece 100
(1:11:15)
contos de réis a
quem conseguir
pegar Prestes.
Elza é liberada.
49 – Decisão Prestes recebe
pela morte de mais notícias,
Elza
diz que Elza
(01:12:02)
prejudicou a
muitos e que
“isso vai ter um
fim”.
50 –
Os comunistas
Assassinato
assassinam Elza
de Elza
em um sóton.
Som suave e
grave de
violinos.
- fantasias de
carnaval
- vestido
costurado por
Prestes
- Mapa do
Rio,
ortografia
“Meyer”
- Prestes
escreve carta
Depois do
nome revelado,
música
crescente de
tensão.
Marchinha de
carnaval e som
romântico de
violinos.
- enaltecendo o
espectador: o
encanto de Olga
com o carnaval
brasileiro.
Música de
suspense na
saída da polícia
e de Elza.
Som grave de
violinos de
suspense.
Música
crescente de
suspense
107
(01:12:54)
51 – Prisão de Captura do
Prestes e Olga casal Prestes.
(1:13:18)
52 –
Despedida do
casal
(1:15:11)
53 – Olga
chora
relembrando
da despedida
(1:17:28)
54 – Olga é
colocada na
cela das
mulheres
(1:18:04)
55 – Filinto
Müller vai à
solitária de
Prestes
(1:19:43)
56 – Olga
descobre que
está grávida
(1:21:22)
57 – Anuncio
da gravidez
aos jornalistas
(1:22:47)
- Olga lê
carta
(violinos
agudos)
Som grave e
dinâmico de
violinos.
O casal reluta
em soltarem-se
um do outro,
são obrigados a
se despedir.
Olga chora no
campo de
concentração
relembrando da
despedida.
Caminha pelo
barracão com
uma carta do
marido nas
mãos, escrita
em alemão.
Na cela das
mulheres
encontra Maria,
Carmen e Sabo
abatida.
Som romântico
de violinos
agudos.
Ewert é
torturado
enquanto
Prestes ouve
impaciente.
Filinto Müller
vem
pessoalmente
provocar
Prestes,
encarcerado em
solitária.
Olga descobre
que está
grávida.
Sons de sinos
sugerindo
tensão.
Antes do
interrogatório,
Olga anuncia a
todos sobre a
sua gravidez e
Idem.
- prisão em
formato
quadrado
- bilhete da
gravidez
Som de
suspense
crescente.
Violinos
médios
indicando
coragem,
grandiosidade.
108
58 – Prestes
recebe o
bilhete
(1:24:04)
59 –
Campanha
internacional
(1:24:32)
60 – Olga
chora
tomando
banho
(1:25:04)
61 – Conversa
entre as
mulheres
(1:25:48)
62 –
Deportação
confirmada
(1:26:30)
63 – Filinto
Müller
informa
Prestes sobre
a deportação
(1:26:54)
64 – Da
prisão para o
hospital
(1:27:04)
65 –
Ambulância
(1:31:07)
exige que
enviem um
bilhete ao
marido
comunicando a
notícia.
Prestes fica
exultante com a
notícia, conta a
Ewert, na cela
ao lado.
D. Leocádia e
Lígia pedem
socorro à Cruz
Vermelha pela
libertação de
Prestes e Olga.
Olga chora
tomando banho,
com as mãos na
barriga.
Conversa com
Maria sobre o
amor pelo
marido e pela
maternidade,
enquanto fazem
crochê.
Filinto Müller
confirma a
deportação a
Estevam.
Vai à solitária
provocar o
inimigo.
Negociação da
saída de Olga
para o hospital.
Revolta no
presídio.
Olga e Maria
conversam
dentro da
ambulância,
Olga questiona
as idéias
Som romântico
de violinos
agudos.
- broche da
cruz
vermelha
- broche de
Caco Ciocler
Coral de vozes.
- fotos nas
grades
Idem.
Som intenso de
violinos
expressando
tensão.
Som suave de
coral lírico.
109
66 –
Deportação
de Olga
(1:32:29)
67 – Prestes
recebe bilhete
com a notícia
da deportação
(1:34:47)
68 – Sabo
será
deportada
também
(1:35:05)
revolucionárias.
Maria é
removida para
outro carro.
Olga é levada
ao porto,
descobre que
será deportada
para a
Alemanha
nazista.
Prestes chora ao
receber a
notícia.
“Sabo” Ewert é
deportada junto,
viajam no
mesmo navio.
Olga e Sabo, ao
chegarem ao
porto, são
separadas.
70 – Prisão de Com a gravidez
Barnimstrasse avançada, Olga
(1:37:44)
tem os cabelos
cortados pelas
oficias nazistas,
junto a outras
mulheres, para
poder entrar na
prisão.
71 –
Na prisão de
Nascimento
Barminstrasse,
de Anita
Olga dá a luz à
Leocádia
Anita Leocádia.
(1:38:22)
72 – Prazo
A Enfermeira
para ficar com Chefe avisa:
a filha
Olga
(1:40:56)
permanecerá
com a filha
enquanto tiver
leite.
73 –
D. Leocádia
Campanha na prossegue com
Espanha
a campanha
- navio La
Carouña
Música de
tensão e medo.
Coral de vozes
sombrias.
- bilhete pra
Prestes
(deportada)
Música-tema:
som
melancólico de
violinos
agudos.
- placa dentro
do navio
(Sabo
encontra
Olga)
69 – Chegada
à Alemanha
(1:36:25)
Som de sinos
expressando
tensão e latidos
de cachorros.
Canto
melancólico de
voz contralto
(melodia:
música-tema).
Som
comovente de
violinos.
- retratos de
Olga e
Prestes
110
(1:41:58)
74 – Notícias
de Olga
(1:42:35)
pela libertação
do filho e da
nora.
Lígia traz
notícias sobre o
nascimento de
Anita, fala do
prazo que Olga
tem para ficar
com a filha.
Sugere que
procurem a mãe
de Olga.
Durante a
leitura em over
da carta, Olga
interage com a
filha na cela da
prisão.
76 – Prestes
Na prisão,
termina a
Prestes termina
leitura da
a leitura da
carta
carta em voz
(1:45:28)
alta.
77 – Conversa Leocádia e
com Eugénie Lígia vão à casa
Benário
da família
(1:45:50)
Benário pedir
ajuda à mãe de
Olga.
75 – Retirada Leite seca. D.
de Anita
Leocádia
(1:46:39)
consegue a
guarda da
criança.
(1:42:20)
- recortes de
jornal e
retrato de
Prestes
(1:42:42)
- carta da
Cruz
Vermelha
- carta de
Olga à D.
Leocádia
75 – Olga
interagindo
com Anita
(1:44:22)
78 – A
caminho de
Ravensbrück
(1:53:14)
Som grave de
violinos
sugerindo
dúvida,
possíveis
viradas.
Canto
dramático de
voz contralto.
Idem.
- retrato de
Olga
- bilhete para
Olga (rasga)
Som grave de
violinos
enquanto
entram em
conflito. Som
comovente de
violinos
enquanto Olga
chora. Voz
contralto e
violas, quando
Leocádia
finalmente pega
Anita.
Mudança para o
campo de
concentração de
Ravensbrück.
111
79 –
Ravensbrück
(1:53:53)
80 – As
presas
recebem
cartas
(1:56:28)
81 – Carta a
Prestes
(1:57:55)
82 – Casa de
D. Leocádia
no México
No furgão
conhece Sarah e
Hannah.
As presas
chegam a
Ravensbrück,
se alistam,
recebem jatos
de higienização,
nuas.
As presas
recebem cartas
no barracão.
Olga recebe
carta do marido.
Esperançosa,
Olga incentiva
as presas a
limparem o
dormitório.
No barracão,
junto à Hannah
e Sarah,
ouvimos a voz
over de Olga
em carta a
Prestes
Leocádia e
Lígia lêem carta
de Olga para a
- uniformes
soldados
nazistas;
placa no
campo de
concentração
(es wird ohne
Anruf sofort
scharf
geschossen)
“passaporte”
ou carteira de
identificação
- uniformes
das presas
com símbolo
na braçadeira;
carta de
Prestes a
Olga com
foto da atriz
de Anita
- portão do
campo de
concentração.
Som crescente
e comovente de
violinos e
vozes líricas.
Durante a
higienização,
vozes coral.
- carta de
Prestes a
Olga
- foto de
Anita
-fachada do
campo de
concentração
reconstituída
Música-tema:
som
melancólico de
violinos
agudos.
- carta de
Olga a
Prestes
- carta
Música-tema:
som
melancólico de
112
(1:59:27)
83 – Olga a
caminho do
trabalho em
Ravensbrück
(2:00:24)
84 Reencontro
com Sabo
(2:00:37)
85 – Sopa às
prisioneiras
(2:00:48)
86 –
Falecimento
de Sabo
(2:01:02)
87 – Despejo
do corpo
(2:02:09)
88 – Tortura
(2:04:24)
89 – D.
Leocádia sem
notícias
(2:05:02)
pequena Anita,
no México.
Enquanto Olga
se encaminha
ao trabalho a
leitura em over
de Leocádia
prossegue.
Em uma sala de
costura, Olga
reencontra
Sabo, muito
abatida.
As presas
recebem sopa
no pátio
externo.
Sabo passa mal
à noite, tem
delírios e falece
diante da amiga
Olga.
Sarah, Hannah,
Olga e três
outras
prisioneiras são
obrigadas a
jogar o corpo de
Sabo em uma
cova cheia de
corpos nus.
Olga é a única
que não ajuda,
perplexa.
Olga é torturada
em uma sala,
por não ter
ajudado a
despejar o
corpo.
D. Leocádia e
Lígia comentam
a falta de
notícias da nora
e a prisão de
outros amigos
em campos de
concentração.
Leocádia sente
que nunca mais
violinos
agudos.
Idem.
Som grave de
violinos,
expressando
tensão.
Idem.
Após o
falecimento,
coral de vozes.
Idem.
- versos de
Maiakovski
(os mesmos
da sequência
com Prestes)
Idem.
- notícias da
guerra no
rádio, em
espanhol
- retratos de
Olga e
Prestes sobre
um aparador
- carta de
Prestes a
Música
mexicana no
rádio; músicatema ao falar
do
pressentimento.
113
90 – Prestes
escreve carta
a Olga
(2:05:17)
91 – Olga
fazendo
trabalho
braçal em
Ravensbrück
(2:05:31)
92 –
Descoberta do
destino das
presas:
Bernburg
(2:07:00)
93 – O que
seria
Bernburg
(2:07:36)
94 – Seleção
das presas :
Olga é
chamada
(2:08:02)
95 – Escreve
a última cara
à família
(2:09:05)
96 –
Caminhando
verá Prestes ou
Olga.
Em sua
solitária,
Prestes escreve
carta à esposa.
Olga
Música-tema:
som
melancólico de
violinos
agudos.
Idem.
Olga trabalha
enquanto a voz
over do marido
lê a carta.
Através das
roupas que
retornavam a
Ravensbrück,
sem as presas
que as
utilizavam,
Olga descobre o
destino:
Bernburg.
Olga e Hannah
conversam com
Sarah, que
conta que
Bernburg é uma
cidade.
Perguntam-se o
que teria neste
lugar.
No pátio
externo, em
filas as presas
esperam ser
chamadas.
Hannah e Olga
são escolhidas
entre as outras.
No barracão,
Olga escreve a
última carta a
Prestes e Anita,
enquanto as
outras presas
choram, se
despedem.
Olga, junto às
outras
- filas de
presas,
mulheres
soldados nas
máquinas de
escrever
Som grave e
assombroso de
violinos.
Música suave
de suspense.
- última carta
de Olga à
família
- foto de
Anita
- torturas,
maus-tratos
de fundo
Coral de vozes
Idem.
Música
crescente de
114
para a morte
(2:10:21)
97 – Olga
morre na
câmara de gás
(2:12:02)
prisioneiras
caminha para o
furgão,
enquanto outras
pessoas são
agredidas.
Olga morre na
câmara de gás,
impávida,
enquanto as
outras presas se
debatem.
violinos e coral
de vozes
cantando a
música-tema.
Leitura em over
do fim da carta.
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