Catálogo da Exposição - Armando Martins Janeira
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Catálogo da Exposição - Armando Martins Janeira
Armando Martins Janeira Peregrino Armando Martins Janeira Peregrino Evocar Armando Martins Janeira Foi em Cascais, no Estoril, que o embaixador Armando Martins Janeira escolheu viver nos períodos que mediavam as suas transferências de um posto diplomático para outro e depois de aposentado. Chegou a esboçar o desejo, na altura em que era embaixador de Portugal em Itália, na década de 1970, de constituir um pequeno museu-biblioteca de arte japonesa na sua residência na Avenida Portugal. A sua estima por Cascais foi mais tarde recordada pelos seus herdeiros ao depositarem, em 1993, grande parte do seu arquivo documental no Arquivo Histórico Municipal, que em breve estará disponível para consulta através da Internet, e ao doarem ao Município, em 2006, parte significativa da sua biblioteca oriental. Cascais lembrou Janeira no décimo aniversário da sua morte com uma exaustiva exposição do seu arquivo e objectos pessoais; dedicou-lhe um ano depois, em 1999, um jardim nas Areias de São João do Estoril; apresentou-o em 2005 como biógrafo de Wenceslau de Moraes, e nome grande da nossa cultura, numa mostra que se inseria nas comemorações dos 150 anos sobre o nascimento de Moraes; homenageou-o em 2006 com a Medalha de Mérito Cultural. Vinte anos após a sua morte, continuamos a reconhecer o elevado valor da obra de Armando Martins Janeira, bem como os fortes laços afectivos que o ligavam a Cascais, e em seu tributo apresentamos a actual exposição. Com a tónica no Japão, país onde o Embaixador viveu mais de dez anos e ao qual dedicou muito estudo, tendo sempre em mente a aproximação cultural e pacífica dos povos, a mostra Armando Martins Janeira, Peregrino pretende criar no público, e sobretudo nas gerações mais jovens, essa ideia de que o homem, independentemente da sua raça, religião, língua ou cultura, é um ser universal. A Câmara Municipal de Cascais agradece muito particularmente o empenho da Senhora Embaixatriz Ingrid Bloser Martins na concretização desta iniciativa, e congratula-se por uma vez mais ter o privilégio de dar voz a um vulto da nossa História recente, que no Oriente, e no mundo, de facto aumentou Portugal. Cascais, Setembro de 2008 A Vereadora do Pelouro da Cultura Ana Clara Justino Armando Martins Janeira entre nós Poderíamos considerar que todo e qualquer chamamento comemorativo nasce dos valores de uma memória sociocultural e de uma comunidade, cuja visão cultural é fundada na sabedoria histórica. As comemorações destinam-se maioritariamente a uma representação memorial e a um imaginário colectivo, procurando uma osmose criativa e didáctica com a temporalidade crítica do historiador. Cascais evoca Armando Martins Janeira, vinte anos após a sua morte, com esta exposição na Biblioteca Municipal de Cascais - São Domingos de Rana. A Associação de Amizade Portugal-Japão, no âmbito da Semana do Japão, dedica um dia a Janeira sob o lema «Vidas que Valem a Pena». São, sem dúvida, homenagens muito comoventes para mim. Cabe-me pois, antes de mais, agradecer esta iniciativa ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Dr. António Capucho, à Senhora Vereadora da Cultura, Dra. Ana Clara Justino, e, em particular, à Dra. Helena Xavier, Chefe de Divisão de Bibliotecas e Arquivos e responsável pela biblioteca de São Domingos de Rana, e à Dra. Paula Mateus, pela sua dedicada pesquisa desde há largos anos. Em Armando Martins Janeira, Peregrino, procuramos traçar não só a sua trajectória com os factos mais relevantes, mas também, e sobretudo, demonstrar como Armando Martins Janeira, constante na humildade do saber, com simplicidade e honestidade, deu universalidade ao modo de encarar a vida. Foi uma história de amor. Tudo começou quando a ânsia de cultura levou Armando Martins Janeira, desde jovem, a sentir uma grande necessidade de conhecer o mundo. Nas suas múltiplas facetas como escritor, foi pois um espírito superior, culto, viajado, homem de muitas leituras e de muitos caminhos de pensar. Atraído pelas grandes religiões do Ocidente e do Oriente, desenvolveu um exaustivo estudo do pensamento filosófico das suas semelhanças e diferenças e da influência que elas tiveram nas várias culturas e civilizações. Relativamente à crítica literária, frisa o Dr. Daniel Pires que «são certamente dignas de menção as análises percucientes com que contemplou Camões, Bocage, Fernando Pessoa, Gil Vicente, o teatro Nô e a literatura japonesa». De facto, o nome de Armando Martins Janeira aparece-nos, obrigatoriamente, associado aos estudos orientais, e é nesse contexto que nasce o Instituto com esta designação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que não existia em Portugal. A importância de olhar sempre esperançoso para o futuro e de projectar novas correntes de pensamento, decisivas na evolução do homem, integrado na sua história, era o leitmotiv do seu intelecto. De personalidade multifacetada, o seu universalismo reflecte-se exuberante na vasta obra que nos deixou. Entendia Armando Martins Janeira que a alma de um povo reside na sua singularidade e cultura, como na memória histórica e na nobreza das tradições, que de maneira nenhuma são incompatíveis com o progresso, seja ele social, tecnológico ou mesmo político. Peregrino pelo mundo, nunca negou a essência da sua alma transmontana. Num texto em que nos fala dos seus sentimentos face ao seu livro de contos A Dor de Ser Homem, escrito sob o pseudónimo Mar Talegre, Armando Martins Janeira dá-nos conta precisamente das suas raízes, que nunca esqueceu, e que inspiraram todos os seus passos na peregrinação da vida: «O homem da terra tem raízes na terra como os castanheiros e os carvalhos. Se não fiquei preso ao chão, como as árvores e os cavadores da minha aldeia, é porque levei as minhas raízes comigo.» São essas raízes que encontramos aqui simbolizadas numa pedra da sua serra do Roboredo, que o acompanhou em todos os destinos pelo mundo, como um tesouro dos mistérios do seu povo. Ingrid Bloser Martins | Armando Martins Janeira . Peregrino Mistério do meu Povo de Armando Martins Janeira Aqui em Surabaia em Rangun em Taipei em Katmandu em Malaca em Saporo em Kabul em Luang Prabang em Peschauer em Lahore em Seul por toda a Ásia caminhei vim procurar meu luso nome que lá fez quatro séculos deixara Porquê não mais voltei e fiquei à lareira sentado a roer de lonjura a minha fome? Voltei agora com a mesma sede ardente de ver as terras novas que fascinaram meus avós outrora Cá encontrei pegadas indeléveis – memórias do tempo débeis que já esquecemos na História Vim encontrar histórias e lendas de coragem feitos de estarrecer romances de amor estranho dos gigantes de passagem que por mistério tamanho tão longe vieram morrer – Ó Diogo Cão porque deixaste as tuas serras transmontanas e foste abrir as rotas do Zaire? – Por que finta e inexplicável ambição Jorge Álvares foste à China e ao Japão deixando a alma e o coração no montanhoso teu Freixo de Espada à Cinta? – Fernão de Magalhães lá no fundo da tua recatada Sabrosa transmontana por que anseio profundo ambição qual por ti – ó maior dos grandes Capitães – o Homem quis abraçar pela primeira vez o Mundo? São mistérios de um Povo mais profundos que do homem o mistério mistério do que é passado e do que é novo que a História inventa ninguém sabe porquê nem para quê É o mundo essencial que sempre se renova e não se altera do Destino a face vera que no homem se cumpre e se não vê (in Nova Renascença, n.º 23-24, 1986, pp. 177-178) Armando Martins Janeira . Peregrino | Armando Martins Janeira DA BIOGRAFIA Virgílio Armando Martins nasceu em Felgueiras, em Trás-os-Montes, a 1 de Setembro de 1914. É filho de José Júlio Martins e Elvira Júlia dos Santos Janeiro. Concluída a sua licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa, regressa, com 22 anos, a Moncorvo, onde estagia na Conservatória do Registo Predial e, simultaneamente, lecciona no Colégio Campos Monteiro. Em 1939 opta pela carreira diplomática, ficando aprovado para o lugar de adido de legação. No estrangeiro, inicia a sua carreira como cônsul, de 1943 a 1952, primeiro em Léopoldville, no antigo Congo Belga, a seguir em Liverpool, na Inglaterra, e depois em Sydney, na Austrália. Profundamente fascinado pelo Japão, Armando Martins Janeira aí exerce funções diplomáticas em dois períodos: em 1952, é colocado como primeiro-secretário da Legação de Tóquio, e em 1953 é encarregado de Negócios, lugar que ocupa até 1955; de 1964 a 1971 é embaixador de Portugal em Tóquio. Deixará o Japão para representar Portugal na Bélgica, de 1955 a 1956, transitando nesse ano para a Delegação Portuguesa junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em Paris. Em 1959, ministro plenipotenciário de 2.ª classe, desempenha funções como inspector diplomático e consular, na Secretaria de Estado, voltando a representar Portugal, dois anos mais tarde, junto da Organização do Atlântico Norte, em Paris. Em 1964 regressa então ao Japão, com credenciais de embaixador. No ano seguinte é designado ministro plenipotenciário de 1.ª classe, e mantém-se no Japão. Deixa as terras da Ásia em 1971 para ser embaixador de Portugal em Itália e em 1977 em Inglaterra. Este é o seu último cargo diplomático. Do seu casamento em 1959 com Ingrid Bloser, oriunda de Hanôver, na Alemanha, Armando Martins Janeira tem dois filhos, Pedro Luís e Ana Elsa Beatriz. Em 1980, após a sua aposentação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, regressa ao ensino. Lecciona História Contemporânea das Civilizações Orientais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Funda o Instituto de Estudos Orientais, ao qual oferece uma biblioteca especializada sobre o Oriente, e a Associação de Amizade Portugal-Japão. Fixa residência no Estoril, e aí viverá até à sua morte em 19 de Julho de 1988. | Armando Martins Janeira . Peregrino DA OBRA LITERÁRIA Armando Martins Janeira foi diplomata e escritor, sociólogo e ensaísta, dramaturgo e poeta. A sua primeira obra, Três Poetas Europeus, é editada em 1947. A partir de então, a par da carreira diplomática, demonstra uma capacidade criativa e ensaística extraordinária, chegando a publicar no mesmo ano mais do que um trabalho. O reconhecimento público chega-lhe por via dos seus estudos comparativos sobre o Oriente e o Ocidente, consequência de um convívio feliz de mais de dez anos com o Japão, o seu povo e a sua cultura. A sua obra maior sobre esta matéria será O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, editado em 1970, e reeditado postumamente em 1988. É também em 1970 que publica em Tóquio outra das obras mais importantes na sua bibliografia: Japanese and Western Literature, A Comparative Study, um ensaio que mereceu o elogio da crítica no Japão e na Europa. A atracção de Armando Martins Janeira pelo Japão data no entanto da sua infância, quando começou a ler os «livros de costumes» de Wenceslau de Moraes, o português marinheiro, também diplomata, que abandona a pátria para adoptar o Dai Nippon – o Grande Japão – como seu paraíso terrestre. Deste homem singular, de sensibilidade rara, Janeira será o maior estudioso e a ele dedicará várias obras, sendo O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão a que mais contribui para a compreensão da personalidade e da alma do escritor. Janeira escreveu também ensaios sobre o Romance, a Poesia e o Teatro em Portugal, e ele próprio compôs os seus contos, peças de teatro e poemas. Lançou-se também em estudos sobre Filosofia, Sociologia e Direito, nomeadamente Direito Consular. Com mais de vinte obras publicadas, Janeira colaborou ainda durante longos anos com as mais diversas colunas de jornais portugueses e estrangeiros, e deixou-nos um vastíssimo número de inéditos. Entre eles, contam-se mais de uma vintena de peças de teatro e estudos exaustivos sobre o Ocidente e o Oriente e a religião como resposta para uma civilização unificada. Ingrid Bloser Martins tem sido a grande promotora da obra do marido, através de várias homenagens em publicações e eventos e da reedição da sua obra em Portugal e no estrangeiro. As obras principais de Armando Martins Janeira apresentam-se nesta exposição. Armando Martins Janeira . Peregrino | ARMANDO MARTINS JANEIRA OU A BUSCA DO HOMEM UNIVERSAL Para falar de Armando Martins Janeira, tenho de falar primeiro de Ingrid Bloser Martins. Não conheci o embaixador Janeira. Quem me mostrou o seu mundo, a sua obra édita e inédita, a sua personalidade, foi Ingrid Martins, sua viúva. Lembro-me hoje perfeitamente do nosso primeiro encontro há quase oito anos, encontro de que adveio a nossa cumplicidade na divulgação da obra e da sensibilidade de Janeira. Há quatro anos, no âmbito das comemorações do 150.º aniversário do nascimento de Wenceslau de Moraes, Cascais organizou uma mostra dedicada a este escritor e ao seu maior biógrafo, Armando Martins Janeira. Na altura, tive a oportunidade, com o apoio da Câmara Municipal, de apresentar em livro uma pequena viagem pelos caminhos percorridos por estes dois nomes grandes da nossa cultura. Ficou contudo em mim a impressão de que tanto continuava por dizer. Porque homens assim não se esgotam. Foi pois com grande contentamento que recebi o convite da Câmara Municipal de Cascais para organizar, com a Embaixatriz, a presente exposição. É aliás a Ingrid Bloser Martins que se tem devido a quase totalidade das iniciativas ligadas ao nome do Embaixador, e esta homenagem de Cascais prova-o uma vez mais: Ingrid Martins é a alma desta exposição, pois do seu incansável empenho, da sua cedência de objectos e documentos e das histórias que preciosamente guarda do seu casamento de quase trinta anos com o embaixador Janeira, se construiu este momento. Louvo e agradeço à Câmara Municipal de Cascais por ter viabilizado este tributo a Armando Martins Janeira. Vinte anos após a sua morte, lembramos o seu nome com uma exposição e um breve ciclo de conferências de 6 de Setembro a 4 de Outubro. Três personalidades da nossa cultura – António Graça de Abreu, António Dias Farinha e Eugénio Lisboa –, que privaram de perto com Janeira, dar-nos-ão o seu testemunho e os relatos marcantes dessa convivência. Agendada para o dia do encerramento da exposição está ainda a reedição do pequeno livro Peregrino, em que Janeira, aproveitando a inauguração em Tokushima, em 1954, de um monumento em memória de Wenceslau de Moraes, se lança numa análise filosófica e poética da Morte e da Vida. Foi nesta obra, aliás, que me apoiei para dar nome à exposição. Se Wenceslau de Moraes foi um peregrino pelo mundo, embora se venha a fixar no Japão e aí viva mais de 30 anos, Armando Martins Janeira não o foi menos, e por três vezes deu a volta ao mundo. Mas o que interessa reter é que tanto um como o outro foram peregrinos no sentido de propugnadores de ideias novas ou grandes. O espírito de ambos desejava ver esse vasto mundo unificado, pois a chave dos segredos da natureza humana e dos mistérios fundos do homem só será encontrada quando Oriente e Ocidente se aproximarem. E é com a acção de homens raros e excepcionais, ou peregrinos, como Wenceslau de Moraes e Armando Martins Janeira, que toma forma a ponte de união das civilizações e dos povos. Esta reedição de Peregrino tem a chancela da editora Pássaro de Fogo e o apoio da Câmara Municipal de Cascais. Também a Associação de Amizade Portugal-Japão, com o apoio da Sociedade de Geografia de Lisboa, organizará em Outubro uma exposição e uma mesa-redonda dedicadas a Janeira. E Moncorvo, sua terra natal, inaugurou no dia 1 de Março o Centro de Memória e Fundo do Embaixador Armando Martins Janeira onde se exibe o seu espólio de objectos pessoais e onde a sua biblioteca pessoal, doada pelos seus herdeiros, está à disposição do público. Armando Martins Janeira, Peregrino é uma visita à essência da vida e obra do Embaixador, a quem se deve exclusivamente a reactivação das relações luso-japonesas no séc. XX. Português, mas primeiro transmontano, era, no entanto, a universalidade do homem que Janeira ambicionava – espelho disso é uma vida devotada ao intercâmbio de ideias e culturas e à divulgação dos sentires do seu Portugal pelos caminhos do mundo. Paula Mateus | Armando Martins Janeira . Peregrino catálogo Armando Martins Janeira . Peregrino | DOCUMENTOS FOTOGRAFIAS 10 | Armando Martins Janeira . Peregrino VIDA E CARREIRA Armando Martins Janeira com os pais, José Júlio Martins e Elvira Janeiro, a irmã, Maria do Céu, e uma menina da aldeia, em Felgueiras, Torre de Moncorvo, no início da década de 1940. [CIBM] 1953 Em 1953, no Japão, no primeiro período em que ali exerce funções diplomáticas, Janeira sobe até ao topo do monte Fuji. Observo os japoneses: todos eles estão imóveis e comovidos. Também eu me comovo, ao pensar que, duma pequena aldeia do Roboredo, vim aqui, ao cume sagrado do Japão, à procura de maior comunhão com as suas tradições, a sua fé lendária, os mitos que alimentam a imaginação e o coração do seu povo. E, tomado duma exaltação que hoje me não explico, fui ao templo mais perto do céu japonês, trouxe de lá uma garrafa de sakê, que deitei nas mãos em concha, e, fitando de frente o Sol, bebi comovido o sagrado vinho. (in Caminhos da Terra Florida, pp. 25-26) [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |11 1959 20 de Agosto de 1959, Lisboa Marcello Mathias, ministro dos Negócios Estrangeiros, envia um telegrama pessoal para Virgílio Armando Martins, comunicando-lhe que autorizou o seu casamento com Ingrid Bloser, uma jovem alemã de Hanôver. Janeira é o segundo diplomata português a ser autorizado a casar com uma estrangeira. [CIBM] 1959 11 de Dezembro de 1959, Hanôver Janeira casa com Ingrid Bloser. Na foto, o casal com os pais da noiva. [CIBM] 12 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1965 12 de Março de 1965, Tóquio Armando Martins manifesta o seu pesar pela forma como fora tratado até então no meio diplomático, em telegrama expedido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros: Recebi com surpresa, e quase com indiferença, a comunicação de que havia sido promovido. Vi passar muitos colegas adiante de mim, uns mais novos na carreira mas mais antigos na categoria, outros mais novos na categoria e mais antigos na carreira, outros mais recentes em ambas. Tais preterições entristeceram-me de começo e causaram-me certo abalo moral, minaram a minha confiança na justiça dos homens e em mim próprio. [...] No meu primeiro posto, Léopoldville, tivera mesmo a satisfação de ver a minha actividade mencionada em Conselho de Ministros, conforme me comunicava telegrama de S. E. o Presidente do Conselho. Trabalhei em dois postos diplomáticos (sem contar Bruxelas, pois servi ali efectivamente menos de um ano): em Paris e em Tóquio. Na Delegação de Portugal à OTAN, encontrei-me, não sei por que acaso, nas ausências do Embaixador, na chefia em todas as grandes crises: Suez, Hungria, Berlim, Cuba – e Goa. Durante a crise de Goa, orgulho-me de ter procedido com dignidade e lusitana nobreza; em Tóquio, tenho a satisfação de ver que Portugal começa a ter uma projecção na vida intelectual japonesa que desde o tempo das descobertas se esvanecera. [...] Afinal o meu trabalho não era tão nulo como eu receava antes de fazer este exame de consciência. [...] A partir deste momento, neste sereno estado de espírito, era com indiferença que via outros passar adiante. À medida que mais me desgostava e desprendia da carreira, mais me entranhava no amor da minha profissão e no entusiasmo de trabalhar pelo meu País. [...] Quando voltei a Lisboa, em 1959, a meu pedido e com saudades de Portugal depois de longa ausência, o meu Ministro então encarregou-me de elaborar um projecto de reorganização dos serviços diplomáticos e consulares. Desempenhei-me, sozinho, deste trabalho que antes houvera sido sempre realizado por comissões. É verdade que até hoje não recebi uma palavra sobre o mérito ou demérito dele. Soube que havia sido nomeado Embaixador de Portugal em Tóquio pela notícia levada para Paris por um secretário de Legação. De forma semelhante tive há semanas conhecimento da minha promoção [a ministro plenipotenciário de 1.ª classe]. Não se estranhará que estes factos me dessem o sentimento de ser posto de lado e esquecido. [...] [CIBM] 1967 Nagasáqui Descerramento de uma lápide em homenagem ao missionário e médico Luís de Almeida. A cerimónia decorreu num templo budista, espaço que outrora tinha sido ocupado por uma igreja católica. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |13 1968 Nishino Omote Janeira na capital de Tanegashima, no jardim público da cidade, junto ao monumento à introdução da espingarda no Japão pelos portugueses. [CIBM] 1968 Outubro de 1968, Nishino Omote Janeira assistindo ao famoso cortejo Teppo Monogatari, a História da Espingarda, em Tanegashima, celebrando a chegada dos portugueses. No carro alegórico, representando um galeão, os dois figurantes retratam Fernão Mendes Pinto e a bela jovem Wakasa, que, na crença do povo de Tanegashima, hoje, foi a amada de Mendes Pinto. [CIBM] 1968 Tóquio O Natal da família Martins. [CIBM] 14 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1969 4 de Julho [de 1969], Tóquio Em aerograma ostensivo expedido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Armando Martins congratula-se pela participação de Portugal na Exposição Mundial de 1970 em Osaca: Procurei na devida altura convencer o Governo de que as tradições históricas de Portugal no Japão impunham a nossa presença. A nossa participação foi decidida com dignidade e grandeza – o pavilhão de Portugal será um dos mais importantes, entre os que vêm a seguir aos das grandes potências. E fomos os primeiros a decidir-nos e o primeiro país a assinar o contrato de construção do pavilhão. O meu apelo foi atendido e compreendido. [...] Insisto em que esta é a primeira grande oportunidade – e provavelmente a última grande oportunidade – para tornarmos aqui conhecidos os produtos portugueses. Ainda não se realizou em Portugal que o Japão se tornou, pela sua riqueza, nível de vida e número de população, num dos maiores mercados do mundo. [...] [AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência diplomática] 1970 O pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de 1970, em Osaca, no Japão. [CIBM] 1970 Janeiro de 1970, Quioto Reunião cultural. Da esquerda para a direita, de pé: José Paulouro das Neves, primeiro-secretário da embaixada de Portugal em Tóquio, o escritor Shusaku Endo, Masuo Yanagi, presidente da Associação de Amizade Luso-Japonesa, Armando Martins Janeira, a cineasta Etsuko Takano, o escritor Osaragi Jiro; sentadas: Kyoko Otani, ex-Miss Universo, a professora de cerâmica de Janeira, Take Hara Han-San, a mais famosa dançarina clássica japonesa, considerada então Tesouro Nacional Vivo, Ingrid Bloser Martins e Maria José Paulouro das Neves. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |15 1971 Hokkaido O casal Martins na ilha de Hokkaido, na companhia do chefe do povo aborígene Ainu. [CIBM] 1971 Tóquio Janeira recebendo do ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Takeo Fukuda, em representação do imperador Hirohito, o Grande Cordão da Ordem do Sol Nascente. [CIBM] 1974 29 de Abril de 1974, Roma Texto do telegrama enviado por Janeira, enquanto embaixador de Portugal em Itália, ao general António de Spínola. [CIBM] 16 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1975 Outubro de 1975, Roma Armando e Ingrid Martins com o Presidente da República Francisco da Costa Gomes, durante a sua visita de Estado a Itália. [CIBM] 1977 25 de Maio de 1977, Londres O casal Martins, durante a cerimónia de entrega das cartas credenciais no Palácio de Buckingham. [CIBM] 1978 14 de Novembro de 1978, Londres No primeiro dia da visita de Estado a Inglaterra do Presidente da República António Ramalho Eanes, foi oferecido ao Presidente e à Senhora Eanes um Banquete de Estado, no Palácio de Buckingham, pela Rainha Isabel II e pelo Duque de Edimburgo. Estiveram presentes os embaixadores de Portugal, Armando e Ingrid Martins. Eis alguns passos do discurso da Rainha: Qualquer estudante de História sabe quão facilmente se quebram alianças, mesmo as mais solidamente cimentadas; mas a nossa sobreviveu. Isto dever-se-á, sem dúvida, ao facto de, dentro dos padrões inconstantes das relações internacionais, os nossos povos partilharem os mesmos objectivos e ideais, e o respeito mútuo. [...] Juntos navegámos e juntos combatemos ao longo de muitos séculos. Os nossos dois países têm em comum o génio das aventuras e explorações marítimas, que tanto contribuiu para a revelação do mundo, tal como o conhecemos hoje. Portugal apontou o caminho e a Grã-Bretanha seguiu o seu exemplo – duas potências marítimas comerciando competitivamente, onde quer que se encontrassem, e espalhando por toda a parte as suas línguas e culturas. [...] Foi com admiração e simpatia que observámos o povo português procurando, em circunstâncias de grandes dificuldades e provações, criar o tipo de sociedade que deseja ter: uma sociedade justa, livre e humanitária. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência diplomática] Armando Martins Janeira . Peregrino |17 1979 1 de Agosto de 1979, Londres [CIBM] 1981 Janeira na biblioteca da sua casa na Avenida Portugal, no Estoril. [CIBM] 1986 Leiria Armando e Ingrid Martins na Rua Cidade de Tokushima, cidade japonesa irmã de Leiria desde 5 de Setembro de 1969. Esta e várias outras geminações aconteceram sob a acção do Embaixador. [CIBM] 18 | Armando Martins Janeira . Peregrino Excerto do aerograma ostensivo enviado por Armando Martins para o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a audiência de despedida da Rainha: Começou a Rainha por dizer amavelmente que tinha pena em ver-nos partir (sad to see you leaving us) e perguntou se eu estava triste por findar a carreira. Respondi que, ao contrário, estava contente: regressava a Portugal depois de me sentir durante mais de trinta anos estrangeiro e quase sentia alvoroço em começar uma nova vida; tinha planos que dariam para muitos anos: ensinar na Universidade, fundar um instituto oriental, escrever livros, artigos para jornais. E tinha sido uma enorme recompensa trabalhar com os ingleses – são, de todos os povos que conheci, os que tomam o trabalho mais a sério e com perfeita competência –, não era lisonja, já sou velho de mais para lisonjear, mesmo que fosse uma gentil Rainha. VIDA LITERÁRIA 1955 23 de Fevereiro de 1955, Porto M. Seara Cardoso d’O Comércio do Porto escreve a Janeira agradecendo-lhe a sua colaboração e propondo-lhe que desempenhe a função de «correspondente artístico» daquele jornal, a partir de Bruxelas. Toma ainda em consideração a proposta de Janeira de publicação, em folhetim, de um livro [O Jardim do Encanto Perdido] sobre Wenceslau de Moraes, o que viria a concretizar-se a partir de 26 de Novembro daquele ano. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária / CIBM] 1955 25 de Março de 1955, Bruxelas Em carta ao editor Manuel Barreira, Armando Martins anuncia que a partir desta data acrescenta ao seu nome literário o nome de sua mãe – Janeiro –, «por razões sentimentais e outras». Confidencia que abandona para sempre os escritos de direito consular, passando a dedicar-se, dali em diante, a fazer um nome e uma obra de escritor. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 1965 4 de Março de 1965, Portalegre Em carta dirigida a Janeira, o escritor José Régio tece considerações sobre a representação, proposta pelo Embaixador, de Jacob e o Anjo no Japão. A peça já tinha sido levada ao palco do Studio des Champs-Elysées, em Paris: «Ter uma peça representada em França e no Japão – e não em Portugal – seria uma boa represália...» [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 1968 4 de Dezembro de 1968, Coimbra O poeta Joaquim Namorado, director da Vértice, mostra o maior interesse na colaboração de Janeira naquela revista com artigos sobre o Japão. [AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência literária] 1968 Tóquio Representação da peça de Janeira Bara to Kamisori, com o título português Jogo de Espelhos, até hoje inédita em Portugal. Originalmente intitulada A Morte das Estátuas, esta peça e o Auto da Índia de Gil Vicente foram as primeiras peças portuguesas a ser representadas no Japão. [ CIBM / AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] Armando Martins Janeira . Peregrino |19 1969 Karuizawa. Armando Martins Janeira com Shusaku Endo, o mais famoso escritor católico japonês, que prefaciou Figuras de Silêncio, editado em 1982. [CIBM] 1969 19 de Março de 1969, Lisboa Armando Martins Janeiro passa a assinar os seus trabalhos com o nome Armando Martins Janeira, e a explicação desta mudança é dada pelo próprio na primeira página do suplemento literário d’A Capital: No meu nome os japoneses têm constantemente feito em jornais e em livros uma alteração: escrevem sempre Janeira. A princípio sorri e achei graça; depois decidi adoptar a modificação. Sigo assim o exemplo dos velhos Portugueses das Descobertas que regressavam a Portugal com os nomes modificados, quando não eram de todo novos, pelas influências das novas terras e estranhas línguas. [CIBM] 1970 23 de Junho de 1970, Lisboa O escritor Ferreira de Castro dirige carta a Janeira sobre a tradução para japonês de A Selva. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 1970 9 de Dezembro de 1970, Lisboa José de Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, escreve a Janeira agradecendo-lhe a oferta de O Impacte Português sobre a Civilização Japonesa: Na realidade, é difícil compreender como sendo tão poucos, fomos tão longe e fizemos tanto. O seu livro veio revelar factos ignorados, ou pouco conhecidos, da nossa acção no Extremo-Oriente. É mais um grande serviço que o País lhe fica devendo. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 20 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1971 22 de Fevereiro de 1971, Lisboa O escritor Fernando Namora elogia a obra de referência de Janeira, O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa: «Não serão muitos os livros deste género com tal poder de cativar. E de ensinar. Uma obra que pedia ser conhecida de todos os portugueses.» [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 1971 30 de Agosto de 1971, Tóquio/ 13 de Setembro de 1971 1971 30 de Agosto de 1971, Tóquio/ 27 de Setembro de 1971, Coimbra 1972 13 de Novembro [de 1972], Roma Armando Martins Janeira e o escritor José Cardoso Pires trocam correspondência sobre a tradução para japonês de O Delfim. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] Armando Martins Janeira e o escritor Miguel Torga trocam correspondência sobre a tradução para japonês de Bichos. [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] Janeira escreve a Snu Abecassis, fundadora e editora das Publicações Dom Quixote, a respeito do novo livro em que está a trabalhar, sobre religiões: Interessantíssimo o que pode descobrir-se de novo num assunto velhíssimo. Estou a orientar o estudo no sentido de expor as religiões como grandes fontes de cultura. Expõe-se, claro, o conteúdo fundamental de ideias, crenças e lendas de cada uma para o leitor ficar a saber o que é o budismo, etc., e conclui-se com um capítulo sobre aquilo em que as religiões, segundo os cânones de cada uma, declara fazer para melhorar o mundo. Este extenso e exaustivo estudo de Janeira, escrito em inglês, tomou o nome de Religions and Civilization e continua inédito. [CIBM] 1975 Roma Janeira com o escritor David Mourão-Ferreira no congresso Portoghese Contemporanea. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |21 WENCESLAU DE MORAES 1954 1 de Julho de 1954, Tokushima Inauguração de um monumento a Wenceslau de Moraes. A cerimónia, que começou com um serviço xintoísta em frente ao monumento, é descrita em pormenor no pequeno livro Peregrino: Chegou a altura de irmos depor no altar os ramos sagrados de sakaki. Cada um toma a sua vez, faz uma reverência ao sacerdote e recebe das mãos dele o ramo sagrado que vai oferecer, com uma vénia recolhida, ao espírito de Moraes. Eu deponho antes um ramo de flores: crisântemos, jasmins e rosas – rosas como as de Portugal – para que não faltem ao seu gosto luso das flores e possa consolar com elas a memória da sua terra distante, com o preito do único português que lho veio prestar, de coração cheio de afecto e de saudade, a esta terra gentil e estrangeira. (pp. 15-16) [CIBM] 1957 20 de Janeiro de 1957, [Lisboa] Marcelo Caetano, ministro da Presidência do Conselho de Ministros, escreve a Janeira agradecendo-lhe a oferta de O Jardim do Encanto Perdido, «revelação de uma faceta da sua actividade e do seu espírito que não conhecia». Adianta Marcelo Caetano: Em novo li muito o Wenceslau de Moraes e a reminiscência que me ficou da sua prosa simples, correntia, macia, corresponde muito à imagem que me pareceu ressaltar do seu tão cuidado e documentado livro: um carácter fraco, em que a sensibilidade e os sentidos predominavam, com um fundo ingénuo, quase infantil, donde brotava uma bondade invertebrada. Vê-se que a sua vida no Japão foi mais de inquietação e de martírio do que, como se julgava, de integração e alegria espiritual. [CIBM] 22 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1964 19 de Dezembro de 1964, Kobe Descerramento por Ingrid Bloser Martins do busto de Wencesalu de Moraes. [CIBM] 1966 2 de Setembro de 1966, Baía O filósofo e escritor Agostinho da Silva, no tempo em que residia no Brasil, endereça carta a Janeira elogiando o seu notável trabalho em torno de Wenceslau de Moraes: Acho que nunca se escreveu sobre Wenceslau nada de mais inteligente, compreensivo e penetrante; se houvesse alguma coisa a pôr especialmente em relevo seria o que disse sobre o estilo último de Wenceslau; esse é o ponto essencial de penetração, e por aí se separam definitivamente não só Wenceslau e Hearn como sobretudo o português plástico e universal e o inglês sempre insular e local, embora por esse caminho, às vezes, possa atingir valores gerais humanos. [AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência literária] 1967 Tokushima Janeira junto ao túmulo de Wenceslau de Moraes e Ko-Haru, a sua segunda mulher japonesa. Na base, há duas pequenas urnas de granito, sobre um suporte, que contêm as cinzas de ambos. O bloco é rotativo: vira-se conforme é aniversário dele ou dela. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |23 1967 Tokushima Pedro Luís e Ana Elsa Beatriz, os dois filhos do casal Martins, junto ao monumento a Wenceslau de Moraes. [CIBM] 1967 19 de Agosto de 1967, Tokushima O casal Martins integrado nos festejos do Bon-odori de Tokushima, que naquela cidade toma o nome de Awaodori. O livro de «impressões íntimas» O Bon-Odori em Tokushima é considerado como uma das melhores obras de Wenceslau de Moraes. [CIBM] 1968 16 de Setembro de 1968, Lisboa O escritor Fernando Namora escreve a Janeira elogiando o seu trabalho na divulgação da obra de Wenceslau de Moraes: «Não é de todos os dias (nem sequer dos dias santos) que diplomatas portugueses associam o prestígio do seu povo ao prestígio dos seus escritores e artistas – embora por aí se devesse ter começado e persistentemente prosseguido.» [AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária] 1969 19 de Março de 1969, Lisboa O jornal A Capital destaca Wenceslau de Moraes no seu suplemento literário, celebrando a publicação em japonês das suas Obras Completas, uma «batalha», empreendida por Janeira, com um «fim vitorioso»: Depois de ter saído uma Antologia, as Obras Completas de Moraes, em japonês, saem, para vergonha nossa, antes das Obras Completas em português. [...] Wenceslau de Moraes está finalmente lançado no Japão. Depois das Descobertas, a sua Obra é sem dúvida a mais importante presença portuguesa no Japão – o país, a seguir ao Brasil, onde os portugueses deixaram as mais valiosas e profundas tradições de cultura. [CIBM] 24 | Armando Martins Janeira . Peregrino INSTITUTO DE ESTUDOS ORIENTAIS 1971 14 de Janeiro de 1971, Tóquio Em aerograma ostensivo expedido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Janeira propõe pela primeira vez a criação de um Instituto de Estudos Orientais numa Universidade portuguesa: Apesar de estarmos em Macau há quatro séculos e meio, nunca ali existiu um instituto ou organismo de estudos luso-sínicos. Em Hong Kong existe uma prestigiosa universidade que tem produzido notáveis estudos comparativos entre as culturas do Oriente e do Ocidente e publicou uma valiosa colecção de traduções dos clássicos chineses. Estudos e traduções de autores orientais saem hoje em todas as línguas. Em português, que eu saiba, foram traduzidas, ao todo, da literatura chinesa, cinco curtas odes por Camilo Pessanha. O famoso Tao Te Ching, que conta com mais de quarenta diferentes traduções em inglês, não conhece uma única em português. Da literatura portuguesa, que eu saiba, estão traduzidas em chinês umas dez estâncias d’Os Lusíadas. Eu creio que existe aqui uma lacuna evidente que ao Governo conviria procurar remediar. Dez anos mais tarde, graças à acção de Armando Martins Janeira, António Dias Farinha e António Augusto Tavares, o Instituto de Estudos Orientais é criado na Universidade Nova de Lisboa. [CIBM] 1979 19 de Agosto de 1979, Lisboa A. H. Oliveira Marques, presidente da comissão instaladora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, escreve a Janeira aprovando a criação do Instituto de Estudos Orientais e propondo o ano de 1980/81 para início da sua actividade. Os primeiros cursos teriam contudo início em Outubro de 1981. [CIBM] 1979 13 de Setembro de 1979, Lisboa José de Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, dirige carta a Janeira respondendo a um pedido de apoio ao Instituto de Estudos Orientais. A Fundação, graças à intervenção de Janeira, acabaria por contribuir com um subsídio de trezentos mil escudos. [CIBM] 1979 11 de Outubro de 1979, Lisboa Helder Macedo, secretário de estado da Cultura, manifesta em carta a Janeira o seu apoio à criação do Instituto de Estudos Orientais, que vinha preencher «uma lacuna no nosso panorama cultural.» [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |25 HOMENAGENS 1993 3 de Março de 1993, Londres Excertos da carta do engenheiro Eugénio Lisboa, adido da Cultura da Embaixada de Portugal em Londres, respondendo ao pedido de Ingrid Martins para redigir um depoimento sobre o Embaixador, para publicação em Outubro do mesmo ano num dossier especial da revista Letras & Letras dedicado a Janeira: [Armando Martins Janeira] É uma pessoa (e digo é porque, para mim, continua vivo) que deixou saudades a todos os que o conheceram e com ele privaram de perto: pela humanidade, pela bondade, pela vivacidade e curiosidade intelectual, pela energia, pela disponibilidade e pela imensa cultura que possuía mas não o tornava arrogante. Falamos sempre dele com saudade e infinito afecto. [...] Minhas filhas nunca esqueceram aquele senhor embaixador tão importante mas que não hesitava em se sentar com elas num degrau de escada para conversar de igual para igual! [CIBM] 1994 7 de Maio de 1994, Torre de Moncorvo A Associação Cultural e a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo homenageiam Janeira com o descerramento de um busto, no Largo da Corredoura. [CIBM] 1998 1 de Outubro - 11 de Dezembro de 1998, Cascais. A Câmara Municipal de Cascais realiza a exposição Nova Peregrinação, na Fundação Pedro Falcão e Yanrub, em homenagem a Janeira, dez anos após a sua morte. [CIBM] 26 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1999 30 de Agosto de 1999, Cascais Descerramento de placa no Jardim Embaixador Armando Martins Janeira, em Areias, em S. João do Estoril, uma homenagem da Câmara Municipal de Cascais. Na foto, Ingrid Bloser Martins e José Jorge Letria, vereador da Cultura. [CIBM] 2008 1 de Março de 2008, Torre de Moncorvo Inauguração do Centro de Memória e Fundo do Embaixador Armando Martins Janeira em Torre de Moncorvo. O Centro, na terra natal de Janeira, engloba o seu espólio de objectos e a sua biblioteca pessoal, doados pelos seus herdeiros. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |27 Armando Martins Janeira 28 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1947 Três Poetas Europeus (Camões, Bocage, Pessoa), Livraria Sá da Costa-Editora, Lisboa, 1947. Ensaio sobre três nomes maiores da poesia portuguesa, é uma obra fundamental na carreira intelectual de Janeira, uma vez que contém já o germe dos seus futuros trabalhos. No Diário Popular de 5 de Maio de 1948, António Quadros escreve que este Três Poetas Europeus «se lê de ponta a ponta com grande atenção e afirma reais e sérias qualidades de síntese, de exposição e de cultura. Não é apenas mais um livro – é um livro que conta e que põe em contacto com o essencial da poesia destas três figuras da nossa literatura.» [CIBM] 1948 Esta Dor de Ser Homem, Tipografia Domingos de Oliveira, Porto, 1948; 2.ª ed. (póstuma), Comissão de Festas de Felgueiras, no Centenário de Torre de Moncorvo, 2004 (inclui as correcções do autor à 1.ª edição). Sobre estes contos inspirados na serra e nas gentes da sua terra – Moncorvo –, escreve Janeira muitos anos depois: Neste livro estão as minhas raízes de homem. Sou um montanhês. O homem da terra tem raízes na terra como os castanheiros e os carvalhos. Se não fiquei preso ao chão, como as árvores e os cavadores da minha aldeia, é porque levei as minhas raízes comigo – a minha paixão pela terra, o meu amor pelos que trabalham com simplicidade e a minha humildade diante do seu pão, a minha indiferença pelos grandes, a minha independência que me teve sempre de cabeça direita ao falar aos grandes do mundo – diante de homens e de deuses. [...] Foi na terra que aprendi as verdades capitais. O que o mundo me ensinou depois vale menos, muito menos. [...] Nele [neste livro] pus, com um sentimento juvenil que já não tenho, o mesmo anseio de descobrir e declarar a verdade do homem que tem sido e será o ideal de todos os livros que escrever. [CIBM] 1948 Sentidos Fundamentais do Romance Português, Livraria Simões Lopes-Editora, Porto, 1948. Ensaio em que Janeira evoca Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e Ferreira de Castro, entre outros, e acusa os romancistas portugueses de se embrenharem demasiado nas doutrinas estrangeiras, quando estas deveriam funcionar apenas como fonte inspiradora que lhes permitisse ser mais fiéis ao complexo psicológico português. Para Janeira, é aqui que reside a grande diferença entre o romance português, no qual nenhuma grande criação se destacou universalmente, e a poesia portuguesa, que é uma das mais ricas do mundo. João Gaspar Simões, na coluna Livros & Autores do jornal Sol de 18 de Setembro de 1948, chama a este livro «um viveiro de ideias» e afirma que Janeira é «um nome digno de ser retido entre os nomes dos melhores ensaístas portugueses.» [CIBM] Janeira assina estas três primeiras obras com o pseudónimo Mar Talegre, fazendo referência ao alto do Talegre, em Felgueiras, de onde a paisagem se assemelha a um ondulante (verde) mar. Armando Martins Janeira . Peregrino |29 1957 / 2005 Linda Inês, Publicações Europa-América, Lisboa, 1957. Linda Inês ou O Grande Desvairo, Pássaro de Fogo Editora, Carcavelos, 2005. Linda Inês, peça de teatro sobre os amores de Pedro e Inês, será mais tarde completamente reescrita pelo autor e dela se fará uma edição póstuma, em 2005: Linda Inês ou O Grande Desvairo. Para Janeira, o teatro, ao lado do poema épico, regista as criações mais altas do espírito humano. Linda Inês foi traduzida para inglês e representada em estreia mundial em Sydney, na Austrália, em 1952, no Independent Theatre, sob o título Crown the Dead Queen. Dois anos depois da edição do livro em Portugal, em 1959, a peça estreia no Teatro Monumental de Lisboa pela companhia do Teatro Experimental do Porto, com encenação do mestre António Pedro. Mais recentemente, em 2000, a peça volta a ser levada à cena pela ACTA, a Companhia de Teatro do Algarve. [CIBM] 1967 A Grande Feira do Mundo – Auto, Edições Ática, Lisboa, 1967. Janeira considera o auto a melhor forma de exprimir certas preocupações e problemas do seu tempo. Texto ousado e mordaz, diferente de tudo o que publicara até então, é neste A Grande Feira do Mundo que o autor mais se liberta nas suas críticas à sociedade portuguesa e ao mundo. [CIBM] 1967 O Teatro de Gil Vicente e o Teatro Clássico Japonês, Portugália Editora, Lisboa, 1967. Inclui um ensaio que aproxima o teatro de Gil Vicente do teatro clássico japonês e uma versão alargada e melhorada de Nô, Teatro Lírico Japonês, de 1954: Ora o grande problema do teatro tem sido sempre o da combinação do real com o irreal. Encontrar o ponto a partir do qual nos elementos reais se origina um poder de encantação, o poder mágico de sugerir o mundo poético e maravilhoso iluminado pela luz dos mitos e dos símbolos. E o que é interessante notar agora é que o processo seguido por Gil Vicente e o processo adoptado no teatro clássico japonês, sobretudo no nô, são muito semelhantes. O que mais surpreende nesta identidade de processos é a sua extrema simplicidade. (p. 95) Traduzido para inglês e japonês. [CIBM] 30 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1969 The Epic and the Tragic Sense of Life in Japanese Literature, Charles E. Tuttle Company, Inc., Tóquio, 1969. Ensaio comparativo sobre a cultura ocidental e japonesa: Entre o Japão e o Ocidente encontram-se diferenças acentuadas – principalmente as que derivam do pensamento e do sentimento budista que conferiram à literatura japonesa toda a sua densidade e profundidade. Diria que a maior diferença reside naquilo que na cultura japonesa é fluido e nebuloso e na cultura ocidental é profundo e imenso – o conceito de vida e a consciência do valor da morte. Não é nos conceitos divergentes de pecado que assenta uma das maiores diferenças entre Oriente e Ocidente – é em algo mais profundo, de que depende a extensão do pecado: a reverência pela vida e o valor da morte. [...] Para um xintoísta é fácil ser feliz – os seus deuses são fáceis de satisfazer e não exigem muito dele. O deus cristão exige do homem mais do que ele consegue alcançar. Daí a tensão do homem ocidental, a sua ansiedade para atingir a perfeição absoluta. (tradução, pp. 46-47) [CIBM] 1970 Japanese and Western Literature, A Comparative Study, Charles E. Tuttle Company, Inc., Tóquio, 1970. Em 20 de Agosto de 1971, o suplemento literário do The Times escreve que Janeira «traça o panorama da literatura japonesa com uma riqueza de erudição e percepção extremamente esclarecedora para o leitor europeu [...] e exprime com clareza numa língua que não é a sua os pontos essenciais que caracterizam a tradição literária japonesa». Classifica ainda este ensaio como «a obra mais notável jamais publicada sobre as relações entre o Japão e o mundo ocidental». Este ensaio foi traduzido para japonês: Nihonbungaku to Seiyôbungaku, Shuei Sha, Tóquio, 1974. [CIBM] 1985 Japão, Construção de Um País Moderno, Editorial Inquérito, Lisboa, 1985. Análise histórica e económica do caminho de modernização do Japão, um caminho que Portugal, segundo Janeira, deveria seguir. Este é o último livro que Janeira publica. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |31 1955 Primeira condecoração, japonesa, com diploma: Ordem do Tesouro Sagrado Raios de Ouro com Laço. A mais humilde condecoração de toda a sua vida, foi também a mais significativa para Janeira, porque a recebeu quando ainda era muito novo e muito poucos eram os jovens na sua categoria na vida diplomática que tinham recebido uma condecoração destas pelo imperador do Japão. A família Martins guarda-a como uma relíquia muito especial. [CIBM] 1994 Condecoração póstuma: Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. A Ordem de Cristo pode ser concedida por destacados serviços prestados ao País no exercício das funções dos cargos que exprimam a actividade dos órgãos de soberania ou na Administração Pública, em geral, e na magistratura e diplomacia, em particular, e que mereçam ser especialmente distinguidos. [CIBM] 32 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1971 Jizo Bosatsu de madeira, esculpido e pintado à mão, feito propositadamente para a família Martins, protege do sofrimento, é guardião das crianças, das grávidas, dos bombeiros, peregrinos e viajantes. É uma das divindades japonesas mais adoradas. Foi uma oferta da abadessa Chiko Komatsu do templo Jakko-in de Ohara, perto de Quioto, no Japão, em 1971, quando o embaixador Janeira e a família se preparavam para deixar o Oriente e viajar para Roma, para uma nova embaixada. [CIBM] 1971 O príncipe herdeiro Akihito e a sua esposa, a princesa Michiko, os actuais imperador e imperatriz do Japão. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |33 2004 A casa de Felgueiras, em Torre de Moncorvo, onde Janeira viveu. Aguarela de Carlo Maria Bloser. [CIBM] 1918 Armando Martins aos quatro anos, com a mãe. [CIBM] Uma das três pedras da serra do Roboredo, em Moncorvo, que acompanharam Janeira por toda a parte, desde que saíra de Portugal. Levava sempre consigo igualmente um cântaro de barro de Felgar. [CIBM] 34 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1947 Janeira, cônsul de Portugal em Léopoldville, no antigo Congo Belga. É o seu primeiro posto diplomático. [CIBM] Pequenos bustos africanos de marfim. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |35 CAMINHOS DA TERRA FLORIDA 36 | Armando Martins Janeira . Peregrino 1956 Caminhos da Terra Florida, Manuel Barreira-Editor, Porto, 1956. Pela primeira vez, Armando Martins Janeira demonstra a sua paixão pela poesia japonesa e ele próprio experimenta as suas formas poéticas mais conhecidas: o haikai e o tanka. Janeira viria a confessar por diversas vezes que o seu maior sonho era ser poeta. Curiosamente, n’O Século Ilustrado de 8 de Setembro de 1956 lê-se em artigo não assinado: «Além de crítico, profundo, há nele [em Janeira], parece-nos, também um poeta, principalmente pela adoração poética que dedica à Vida e, evidentemente, à própria Poesia.» Este livro é ainda o seu primeiro grande estudo sobre o Japão, onde já faz referência a Wenceslau de Moraes. Alguns dos capítulos foram publicados nos jornais Ler, O Comércio do Porto, Nippon Times e The Mainichi Daily News. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |37 Prato de madeira revestida a laca vermelha com decoração relevada a ouro e prata (taka maki-e), ilustrando o monte Fuji. O Fuji é a montanha mais alta da ilha de Honshu e de todo o Japão. É um vulcão activo, com baixo risco de erupção. Para os japoneses, é uma montanha sagrada. [CIBM] Caixa de madeira revestida a laca negra (urushi) com decoração relevada a ouro, prata e vermelho (maki-e), para guardar utensílios de caligrafia. Já praticada na China por volta do séc. VI a.C., a requintada arte da laca atingiu o seu apogeu durante a dinastia Ming, mas continua a desenvolver-se tanto em países orientais como ocidentais. No Japão, esta arte foi assimilada no séc. VIII, criando-se um verdadeiro estilo nacional, marcado pelos pintores da escola de Tosa. A laca é um verniz natural feito a partir da resina que se extrai de certas árvores, que é sujeita a um espessamento e homogeneização antes de ser aplicada no objecto, um processo que envolve a sobreposição de inúmeras e finas camadas. [CIBM] 38 | Armando Martins Janeira . Peregrino Bonzo dourado, de madeira. Monge budista, servidor de um templo, estudioso de teologia e outras ciências humanas. No Oriente Antigo (séc. V a XV), a tradução da palavra «bonzo» refere-se a homem religioso, sacerdote ou não, que pela sua cultura geral serve de conselheiro, psicólogo, curandeiro de males físicos e espirituais, além de mediador de discussões e desentendimentos na sua comunidade. [CIBM] Kokeshi. As kokeshi são bonecas muito típicas no Japão. De madeira, feitas num torno, com o corpo longo e sem membros, datam de há cerca de 300 anos, mas não se conhecem as razões da sua origem. As mais antigas são altas, com uma grande cabeça, e muitas são decoradas com flores e poemas. As mais modernas apresentam-se muitas vezes com cabelo com franja, em relevo, como se fosse um chapéu, e muitas delas têm acessórios. São bonecas com uma função lúdico-mágica. Além de serem brinquedos para as crianças, eram oferecidas aos deuses nos templos, para se obter protecção dos antepassados. São também símbolos de fecundidade, razão por que se davam de presente às mulheres sem filhos. Depois da Segunda Guerra Mundial, estas bonecas eram oferecidas como embaixadoras da amizade e serviam para estabelecer relações amigáveis com outros países. As kokeshi são muito procuradas e apreciadas por coleccionadores. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |39 WENCESLAU DE MORAES 40 | Armando Martins Janeira . Peregrino Em O Jardim do Encanto Perdido, Janeira transcreve uma carta redigida pelo escritor Wenceslau de Moraes, em 14 de Fevereiro de 1928, um ano antes de morrer, a um japonês que lhe tinha solicitado a sua autobiografia: Sou português. Nasci em Lisboa (a capital do país) no dia 30 de Maio de 1854. Estudei o curso de marinha e dediquei-me a oficial da marinha de guerra. Em tal qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas da África, da Ásia, da América, etc. Estive cerca de cinco anos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasáqui, Kobe e Yokohama. Em 1893, 1894, 1895 e 1896 voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço do Governo de Macau, onde eu então estava comissionado na capitania do porto de Macau. Em 1896 regressei a Macau, demorando-me por pouco tempo e voltando ao Japão (Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo e Osaca, lugar que exerci até 1913. Em tal data, sentindo-me doente e julgando-me incapaz de exercer um cargo público, pedi ao Governo português a minha exoneração de oficial de marinha e de cônsul, que obtive, e retirei-me para a cidade de Tokushima, onde até agora me encontro, por me parecer lugar apropriado para descansar de uma carreira trabalhosa e com saúde pouco robusta. Devo acrescentar que, em Kobe e Tokushima, escrevi, como mero passatempo, alguns livros sobre costumes japoneses, que foram benevolamente recebidos pelo público de Portugal. (pp. 39-40) Embora os portugueses tenham sido os primeiros europeus a entrar em contacto com o Japão, e malgrado o fascínio que o Oriente sempre exerceu sobre os povos ocidentais, há na literatura portuguesa escassos relatos sobre o país do Sol Nascente. É Wenceslau de Moraes, três séculos após a chegada dos portugueses a Tanegashima, o responsável pelos mais belos textos sobre o Japão, suas gentes, paisagens e artes. Moraes deixa dois filhos – José e João – da sua ligação com a chinesa Atchan. Mas o seu grande amor é a japonesa O-Yoné, uma gueixa que conheceu em Osaca no tempo em que era diplomata. Depois da morte precoce de O-Yoné, para estar junto das suas cinzas, vai viver para Tokushima. Ko-Haru, sobrinha de O-Yoné e quarenta anos mais nova do que Moraes, é a sua segunda mulher japonesa. Com ela viverá uma relação acidentada, desagradável até. Ko-Haru também morre jovem, aos 23 anos. Estes seus amores dramáticos ficaram registados num seu livro intitulado O-Yoné e Ko-Haru. Moraes morre aos 75 anos, na noite de 30 de Junho para 1 de Julho de 1929. Só. Armando Martins Janeira . Peregrino |41 1956 O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão, Manuel Barreira-Editor, Porto, 1956. Edição de luxo de 300 exemplares impressos em papel de arroz japonês, ilustrados com reproduções de gravuras a cores de notáveis artistas japoneses. É a primeira obra que Janeira dedica integralmente a Wenceslau de Moraes, e considera-a o seu melhor livro até então. Na crítica literária do Diário de Notícias de 14 de Março de 1957, João Gaspar Simões considera O Jardim do Encanto Perdido como o «retrato que faltava para que o autor d’Os Serões no Japão viesse a ocupar o lugar que realmente lhe compete na galeria das nossas figuras literárias do fim do século XIX». O livro foi escrito em 1954, no centenário do nascimento de Moraes, e constitui uma das mais importantes fontes de documentação para o estudo da vida e da obra do «exilado» de Tokushima: Na opinião de Moraes, [...] o Ocidente perdeu os ideais e a pureza, e só já tem, para oferecer aos homens, alguns áridos sistemas e teorias sem substância, que não satisfazem as suas ansiedades. Feito este tremendo julgamento, Moraes decide abandonar tudo o que até então eram os seus interesses e hábitos, e como que se despede da sua própria alma, tal como o insecto que deixa para trás a crisálida e se lança numa nova encarnação. (p.26) À versão japonesa deste livro, Janeira juntou-lhe um estudo sobre Lafcadio Hearn e Wenceslau de Moraes e um outro intitulado Bases Ocidentais e Orientais para um Humanismo Universal. Essa obra, com tradução de Minako Nonoyama, professor da Universidade de Línguas Estrangeiras de Tóquio, teve como título Yoake no Shirabe (Em Busca da Madrugada), Katsura Shobo, 1968. [CIBM] 1954 Armando Martins Janeira em Okutama, no Japão, na época em que escrevia O Jardim do Encanto Perdido. Sobre a mesa, o livro Relance da Alma Japonesa, de Wenceslau de Moraes. Foi o primeiro livro de Moraes que Janeira comprou e leu e que o levou a interessar-se pela vida e obra deste escritor. [CIBM] 42 | Armando Martins Janeira . Peregrino Bilhetes-postais ilustrados com cenas da vida e da cultura japonesa, enviados por Wenceslau de Moraes, para Portugal, à sua irmã Francisca Paúl: 1| «Segue este 7.º bilhete-postal do chá.» 2| Templo da Lua, em Kobe. 3| Templo dedicado à raposa, em Kobe. «Quantas vezes, minha boa Chica, eu tenho subido estas longas escadas de pedra, para ir tomar o fresco lá em cima!...» 1| 4| «Para variar de caras, de que tenho ainda uma boa ninhada para te mandar, segue agora esta menina, que se entretém a tocar flauta, à sua janela, em frente do jardim!» 5| «Aproveitando mais um correio, mando-te esta menina, para te dizer que estou vivo.» [CIBM] 3| 2| 4| 5| Armando Martins Janeira . Peregrino |43 1962 Peregrino, Livraria Portugal, Lisboa, 1962. Sobre este livro, escreve João Gaspar Simões no suplemento literário do Diário de Notícias, em 17 de Outubro de 1963: Armando Martins Janeiro, que a Wenceslau de Moraes tem dedicado uma bibliografia das mais valiosas e preciosas com que contamos, publicou agora um pequenino roteiro de uma visita no Japão à terra onde viveu o autor de Dai-Nippon, no dia da inauguração do monumento que lhe mandou erguer a cidade de Tokushima. [...] Graças a uma excepcional penetração e a um raro sentido do humano, mais uma vez analisa fundo e sentidamente o caso estranho desse português que trocou a sua religião pela religião budista, vivendo e morrendo como um verdadeiro oriental. Traduzido para japonês. [CIBM] 1966 Um Intérprete Português do Japão – Wenceslau de Moraes, Imprensa Nacional, Instituto Luís de Camões, Macau, 1966. Depois de O Jardim do Encanto Perdido e Peregrino, este é o terceiro livro que Armando Martins Janeira dedica exclusivamente a Moraes. Quase vinte anos depois, o tradutor japonês Kazuo Okamoto traz-nos a versão inglesa deste estudo: A Portuguese Interpreter of Japan: Wenceslau de Moraes, Ken Kyoiku Insatu Co. Ltd., Tokushima, 1985. Também traduzido para japonês. [CIBM] 1971 Wenceslau de Moraes, Antologias Universais, selecção de textos e introdução de Armando Martins Janeira, Portugália Editora, Lisboa, 1971; 2.ª ed. (póstuma), prefácio de Daniel Pires, Vega, Lisboa, 1993. Esta é a última obra que Janeira dedica a Moraes. Inclui uma extensa introdução sobre a vida e a obra deste escritor. [CIBM] 44 | Armando Martins Janeira . Peregrino Estatueta de Wenceslau de Moraes de cerâmica esmaltada. [CIBM] Peregrina da ilha de Shikoku, no Japão. Nesta ilha faz-se o circuito da peregrinação por oitenta e oito templos. Tokushima, onde Wenceslau de Moraes viveu, na ilha de Shikoku, era um ponto de reunião dos peregrinos. [MBS] Armando Martins Janeira . Peregrino |45 Dançarina do Awa-odori de Tokushima, com o traje típico e o seu chapéu de palha. Bon significa mortos, e odori, dança. Bon-odori é o nome geral das danças dos mortos, tendo cada região um nome para a sua dança. Em Tokushima é o Awa-odori, pois Awa é o antigo nome daquela província. Como escreveu Wenceslau de Moraes em O Bon-Odori em Tokushima, «não são só as gueixas que dançam; dança meia população da cidade, incluindo também os velhos decrépitos, as velhas decrépitas, os infantes tenros; todos os vivos se divertem glorificando os mortos». O festival Awa-odori junta milhares de dançarinos que se movem harmoniosamente ao som de gongos e do compasso cadenciado de tambores, criando uma atmosfera muito especial. É uma dança famosa em todo o Japão. [MBS] Kokeshi de Tokushima, interpretando a dança do Awa-odori. [CIBM] 46 | Armando Martins Janeira . Peregrino Garrafa e dois copos de sakê, com figuras do Awa-odori. O sakê é uma bebida alcoólica tipicamente japonesa, obtida pela fermentação do arroz. [CIBM] Pentes de gueixa de madeira lacada pintada. As gueixas são mulheres dedicadas às artes, tornando-se, pela sua educação, anfitriãs altamente especializadas. Cantam, dançam e tocam melodias. Uma aprendiza de gueixa, a maiko, começa na sua infância a ser treinada no canto, dança, música, etiqueta, comportamentos, escrita, arranjos florais, cerimónia do chá e noutros talentos. Wenceslau de Moraes foi casado com uma gueixa de nome O-Yoné. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |47 CHA-NO-YU CERIMÓNIA DO CHÁ 48 | Armando Martins Janeira . Peregrino O chá foi introduzido no Japão por volta do século VIII, originário da China. Considerado uma bebida muito preciosa, e também medicinal, o hábito de beber chá ganhou raízes mais profundas entre as classes aristocráticas e os monges do budismo zen. O maior de todos os mestres de chá, Sen-no-Rikyu, que viveu no séc. XVI, transformou este hábito num ritual com regras, a que se deu o nome de cerimónia do chá, ou cha-no-yu, que literalmente significa «água quente de chá». Praticada em ocasiões festivas ou muito íntimas, a cerimónia do chá tem o objectivo de purificar a alma do homem através da união com a natureza. A estética e a mensagem da cha-no-yu fascinaram os jesuítas portugueses, que conviveram aliás com Sen-no-Rikyu, o qual se deixou influenciar pela liturgia católica nalguns gestos rituais da cerimónia. A planta do chá faz parte da família das camélias – camelia sinensis. No Japão, as plantações florescem desde a Antiguidade e as melhores estavam e ainda estão localizadas na região de Uji, perto de Quioto. A apanha regular das tenras folhas dos rebentos garante colheitas em diferentes estações. LENDA DA ORIGEM DO CHÁ Daruma é o monge indiano que levou o budismo zen para a China. Pela postura dos muitos anos de meditação, Daruma perdeu o uso dos membros e por isso é representado com a forma de uma bola. Conta a lenda que Daruma, ao fim de dez anos de meditação, fraquejou e adormeceu. Por isso, ao acordar, cortou as pálpebras, para que tal não voltasse a acontecer, e estas, ao caírem no chão, transformaram-se no arbusto do chá. O chá viria a ser a bebida adoptada pelos monges budistas zen, para não adormecerem nas suas longas horas de meditação. Daruma, de madeira. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |49 Natsume. Caixinha de madeira revestida a laca vermelha com decoração relevada a ouro (taka maki-e), onde é colocado o chá verde em pó. [CIBM] Alguns dos elementos habitualmente presentes numa cerimónia do chá: - Chashaku. Colher fina de bambu para tirar o chá em pó da natsume. - Konpeito. Doce típico de Nagasáqui, que teve origem nos confeitos tradicionais portugueses. O konpeito japonês é mais translúcido do que os confeitos portugueses pois a sua confecção é mais elaborada e demorada. - Chakin. Pano de linho usado para enxugar a malga do chá. - Hishaku. Concha de bambu para tirar água quente da panela de ferro (kama) para a preparação do chá e para tirar água fria de uma pequena tina (mizusashi) para repor a que se tirou da panela. - Chasen. Vassourinha de bambu usada para fazer o chá. - Fukusa. Pano de seda para limpeza simbólica dos utensílios; este pano é dobrado de forma especial durante as diversas fases da cerimónia do chá. - Fukusa basam. Bolsa de seda para guardar o pano de seda e o papel (o-kaishi) dos bolos. - Sensu. Pequeno leque. O leque, uma invenção japonesa, terá aparecido em Quioto, no início do séc. XIX. Há leques para danças, há-os que servem de objectos de adorno ou para refrescar quem os usa. Além de sensu, o leque também é chamado de ogi. - Kashi-ki. Prato para doces. - Okashi. Bolachas de massa de hóstia pintadas à mão. - Kuromoji. Palito para bolos. 50 | Armando Martins Janeira . Peregrino O CHÁ E A CRUZ De todos os grandes veículos que transportaram ideias e culturas entre países e continentes, foi a religião que exerceu a maior influência sobre os povos. Na história da cristianização no Japão relatada por João Rodrigues, num dos capítulos acerca da arte do chá, descobrimos o profundo conhecimento do autor sobre esta prática. O «passatempo» não tinha nenhum significado religioso e podia ser praticado por cristãos. Os missionários tinham nas suas casas uma sala especial destinada ao rito do chá para, por esse meio, desenvolverem relações sociais com autoridades e notáveis japoneses e, na atmosfera serena da casa do chá, a chaseki, propagarem a doutrina cristã. Desde a oração de domingo dos criptocristãos de Quioto, a chamada Chabi, ou dia do chá, até ao vestuário e aos doces tradicionais, com a forma circular da hóstia sagrada, notamos a influência ocidental na mais nipónica de todas as artes, o que dá uma ideia do prestígio que os Portugueses conquistaram no Japão. Chawan. Malgas de cerâmica para tomar o chá, feitas à mão por Armando Martins Janeira. [CIBM] A história da cerâmica acompanha a história das civilizações desde a descoberta do fogo. A argila queimada é utilizada em todas as sociedades para a realização de objectos decorativos, utilitários e outros com fins rituais. Beleza, criatividade e sofisticação são características associadas à cerâmica japonesa. Os monges zen foram dos primeiros a exaltar a virtude e beleza da simplicidade e austeridade. Desde os tempos mais antigos, a cerâmica de cada região do Japão possui uma característica própria, e ainda hoje as tradicionais regiões produtoras continuam a prosperar, produzindo obras de arte eternas através da utilização de materiais e técnicas tradicionais, refinadas por muitos séculos de experiência. 1968 Armando Martins Janeira tomando chá no templo Sanzen-in, em Sakyo-ku, em Quioto. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |51 NAMBAN 52 | Armando Martins Janeira . Peregrino Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, em 1543, à ilha de Tanegashima. As armas de fogo que traziam impressionaram bastante os japoneses, que logo se aperceberam do seu valor, passando a copiá-las e a aperfeiçoar-se no seu uso. Os portugueses foram apelidados de namban-jin – os bárbaros do sul. Daí que, na arte japonesa, o termo namban se aplique às obras de arte que surgiram dos contactos entre japoneses e europeus, especialmente portugueses. Também se chama namban à arte ligada ao cristianismo, bem como aos costumes e usos portugueses. Os elegantes da época usavam os trajes namban, rosários e cruzes como ornamentos, e recitavam na rua orações cristãs, não porque fossem católicos mas porque achavam bonito. Os pintores da escola Kano imortalizaram nos magníficos biombos de papel do séc. XVI cenas da vida ligadas aos portugueses, à actividade das naus ancoradas, aos trajes exóticos e aos seus costumes estranhos. 1970 O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1970; 2.ª ed. (póstuma, mas inclui ainda a revisão do autor), prefácio de Pedro Canavarro, 1988. A tradução para japonês, de Takiko Matsuo, foi publicada em 1971. É a primeira grande investigação de Janeira sobre a presença portuguesa no Japão: A chegada dos Portugueses ao Japão não foi planeada nem cientificamente conduzida, mas deu-se antes por acaso, num junco levado por uma tempestade. Isto não faz desmerecer da capacidade dos pilotos e marinheiros portugueses, que então, é por todos reconhecido, eram os melhores do mundo. Apenas mostra que as notícias da existência do Japão eram vagas mesmo para os mercadores Portugueses que desde havia três décadas frequentavam as vizinhas costas da China. (2.ª ed., p. 25) [CIBM] 1981 Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, prefácio de Shusaku Endo, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1981. Novo estudo sobre a presença portuguesa no Japão, é a continuação natural de O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa. Na foto da capa, o monumento aos Grandes Portugueses do Japão, em Nagasáqui, da autoria do escultor Martins Correia. Nos medalhões: Jorge Álvares, Francisco Xavier, Luís Fróis, João Rodrigues, Luís de Almeida e Wenceslau de Moraes. No prefácio, assinado por Shusaku Endo, o mais famoso escritor católico japonês, lê-se: Portugal foi a origem dum choque muito importante na história do Japão. Infelizmente, poucos portugueses parecem conhecer este facto. Não é conhecido porque, desde o isolamento do Japão, as relações entre Portugal e o Japão foram completamente cortadas por longo tempo, e passaram muitos anos até que os dois países pudessem de novo falar como amigos. Todavia conheço dois portugueses que são profundamente versados no Japão. Um é o vosso escritor Wenceslau de Moraes, que viveu muitos anos no Japão, e aqui morreu. Não preciso de vos dizer quem ele é. O outro é o autor deste livro, Martins Janeira. (p. 12) [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |53 Malga de arroz com tampa e copo de sakê do séc. XVIII, com figuras e barcos holandeses. Porcelana imari. Imari, na região noroeste da província de Saga, cresceu como cidade portuária, onde a sua loiça era carregada e exportada no período Edo. Nessa época, a loiça era fabricada na cidade vizinha de Arita, mas exportada do porto de Imari. Por isso, a cerâmica de Arita ficou a ser conhecida como Imari. Estas preciosas peças chegavam à Europa através do entreposto comercial holandês de Nagasáqui. [CIBM] Fumi-e. Cópia moderna. Imagem sagrada, da Virgem ou de Cristo, que os cristãos deviam pisar como prova final de que haviam renunciado à sua fé. A partir de 1628 passou a realizar-se uma cerimónia anual em Nagasáqui, em que todos os suspeitos de serem cristãos deviam calcar o fumi-e. No norte de Kyushu, ilha onde se situa Nagasáqui, o costume manteve-se até 1858. [CIBM] Polvorinho do séc. XVIII de madeira lacada pintada com figuras namban. [CIBM] 54 | Armando Martins Janeira . Peregrino Namban-jin, «bárbaro do Sul». Porcelana imari moderna. Em O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, são assim caracterizados os portugueses: A crónica japonesa Teppo-ki [...] reproduz as observações do chinês que fez de intérprete dos primeiros portugueses que chegaram a Tanegashima, observações estas que não deviam ser diferentes dos comentários feitos pelos japoneses sobre esse estranho grupo de aventureiros: «Estes homens, bárbaros do Sudeste, são comerciantes. Compreendem até certo ponto a distinção entre superior e inferior, mas não sei se existe entre eles um sistema próprio de etiqueta. Bebem um copo sem o oferecerem aos outros; comem com os dedos, e não com pauzinhos como nós. Mostram os seus sentimentos sem nenhum rebuço. Não compreendem o significado dos caracteres escritos. São gente que passa a vida errando de aqui para além, sem morada certa, e trocam as coisas que possuem pelas que não têm, mas no fundo são gente que não faz mal.» (2.ª ed., p. 31) Tsuba. Copo de espada em forma de cruz, que os samurais cristãos usavam para obter a protecção de Deus. Cópia moderna. As tsuba tinham uma função simbólica e eram muitas vezes decoradas com um motivo com significado especial para o seu detentor, reflectindo a sua força, personalidade e linhagem. As inscrições na tsuba ofereciam protecção e orientação espiritual a quem a usava. Hoje são refinadas peças de arte e apesar de só se usarem em ocasiões de Estado, a espada japonesa e os seus acessórios permanecem um símbolo de autoridade e lembram o passado poderoso e por vezes tumultuoso dos samurais do Japão. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |55 Freiras católicas de Amakusa, no Japão, de papel e tecido. Bonecas do século XX, que traduzem o espírito exótico das figuras namban dos sécs. XVI e XVII. [MBS] Freiras, de madeira, do convento trapista de Hakodate, em Hokkaido, no Japão. [MBS] Bola namban de Amakusa. Simboliza a eterna felicidade. Um mártir cristão deixou de presente à sua noiva uma bola que ele fizera com fios de seda. A noiva começou a fabricá-las em sua memória. Originalmente foram usadas em jogos na corte. Actualmente oferecem-se de presente às meninas no dia de Ano Novo. Há vários tipos de bolas, com desenhos diferentes conforme as regiões em que são fabricadas. [CIBM] 56 | Armando Martins Janeira . Peregrino CORTEJO NAMBAN Cortejo namban de papel. Reproduzido de um biombo namban pela artista japonesa Komako Ishigaki. Os biombos namban datam do séc. XVI e foram pintados pelos artistas da Escola Kano, fascinados pelas naus e por todo o exotismo das estranhas gentes e mercadorias que nelas viajavam. Após a descarga da nau, o cortejo, que se dirige à Casa da Companhia de Jesus, abre com o capitão-mor vestindo ricas indumentárias, abrigado por um pára-sol que um escravo segura. Seguem-se os oficiais, mercadores, escravos da costa de África, indianos, malaios e muçulmanos. Estes transportam as oferendas com que era uso no Oriente presentear as autoridades com quem se fazia negócio. Encontram-se também jesuítas, vestidos de negro, que serviam de intermediários nas negociações, e a partir de 1603 já se vêem franciscanos, vindos de Manila, vestidos de castanho. [MBS] Armando Martins Janeira . Peregrino |57 NÔ 58 | Armando Martins Janeira . Peregrino Para Armando Martins Janeira, o Nô, a mais antiga forma do teatro tradicional japonês, contém «a mais bela poesia da literatura japonesa, e alguma da mais bela poesia do mundo.» Os samurais, antes de partirem para a guerra, gostavam de assistir a estas representações. Os movimentos lentos da peça desenvolviam a sua presença de espírito e capacidade de concentração. Os actores são sempre homens, quer as figuras sejam masculinas ou femininas. Em O Teatro de Gil Vicente e o Teatro Clássico Japonês, Janeira expõe a essência do nô: O Nô é um drama lírico. De origem religiosa, apareceu nos começos do século XIV, provavelmente na corte dos últimos xoguns de Kamakura. À semelhança do primitivo teatro europeu, nasceu das festas religiosas, em que se louvavam os poderes e as graças dos deuses, e mais tarde os feitos e quedas dos heróis. A sua origem filia-se nas danças sagradas, nos mimos e nas farsas que se realizavam por ocasião das festas da sementeira do arroz. No seu desenvolvimento foi buscar temas às lendas xintoístas e budistas, algumas destas provindas da China, e às grandes obras da literatura nipónica. Ainda hoje, antes de dançarem certos bailados do Nô, os actores têm de passar por um período de purificação. [...] A maior parte das peças Nô versa histórias de amor, actos de heróis guerreiros, de anjos e demónios, de espíritos que penam no outro mundo por injustiças que fizeram neste. [...] Os meios técnicos de que o Nô dispõe – a orquestra e o coro, a galeria de expressivas máscaras, as roupas ricas, a música, a imobilidade estatuária das figuras e, sobretudo, a dança, que constitui o centro da peça e que está na sua origem – procuram dar movimento, cor e interesse à declaração do texto, que é pura poesia lírica. (pp. 158-162) 1954 Nô, Teatro Lírico Japonês, Livraria Maruzen, edição de luxo, Tóquio, 1954. 250 exemplares numerados, impressos em papel de arroz japonês, com ilustrações. Esta obra consta de três peças japonesas do teatro nô postas em português por Armando Martins Janeira, que assina o estudo introdutório em que nos apresenta a esta forma de teatro tradicional japonês. Inclui no fim do livro a versão japonesa das peças. [CIBM] Leque de papel pintado com bolsa de brocado da dança do nô. Uma actuação de nô raramente dispensa o leque. O sinal para o início de uma dança é dado pelo leque que o protagonista usa. O leque pode também representar objectos – um frasco de sakê, uma taça, uma espada, etc. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |59 Chujo, máscara do teatro nô do séc. XIX. Conta-se que esta máscara masculina foi moldada a partir do rosto de Ariwara no Narihira, famoso poeta japonês do período Heian. Apesar das expressões faciais acentuadas, tem a boca fina e feminina, as sobrancelhas pintadas mais acima e os dentes negros, que eram características de um nobre daquela época. As duas marcas entre as sobrancelhas dão-lhe um ar melancólico. Chujo representa geralmente o espírito do príncipe Heike ou um aristocrata ou nobre respeitável. [CIBM] Ono no Komachi, máscara do teatro nô do séc. XIX. Komachi, uma das maiores poetisas japonesas do período Heian, é um símbolo da mulher bonita no Japão. Contam-se lendas sobre os amores de Komachi: a mais conhecida é a história da sua relação com Fukakusa no Shosho, um importante cortesão. Komachi prometera-lhe, se ele a visitasse cem noites seguidas, que se tornaria sua amante. Fukakusa no Shosho visitou-a noite após noite, mas faltou à visita numa das últimas noites. Desesperado, adoece e acaba por morrer. Quando Komachi sabe da sua morte, mergulha numa profunda tristeza. Komachi surge em cinco peças do teatro nô, que falam do seu talento na poesia e das suas relações amorosas. Esta máscara é usada na representação de Sotoba Komachi: velha, tendo perdido a sua beleza, Komachi é abandonada pelos seus amantes e queixa-se agora da sua vida errante, como uma mendiga louca, apesar de continuar a ser apreciada pelos jovens admiradores da sua poesia. Trata-se de uma ficção influenciada pelo pensamento budista, que poderá não ter qualquer semelhança com a realidade histórica. [CIBM] Miniaturas de madeira de personagens do teatro nô ornamentavam os chapéus dos monges e dos músicos durante o festival do santuário de Kasuga, onde nasceu esse teatro. No séc. XVII, a partir destes pequenos bonecos, criam-se os Nara-ningyo, com ângulos bem delineados, pintados com cores vivas. Ningyo traduz-se por figura humana. [CIBM] 60 | Armando Martins Janeira . Peregrino Okina, vestido de brocado. Da mais antiga peça nô com o mesmo nome, Okina, o velho, é a figura abençoada de um ancião de cabelos prateados que, com a sua avançada idade, executa um bailado para atrair paz e ordem à Terra. [CIBM] Shizuka, vestida de brocado. Bela bailarina, companheira do popular herói guerreiro Yoshitsune. Ambos são personagens do teatro nô. O lendário general Minamoto Yoshitsune, depois de vencer o clã Taira, é vítima de intrigas e cai em desgraça ante o seu irmão, Yoritomo, que detinha o poder. Vê-se assim obrigado a fugir. Shizuka, escondida nas montanhas, é capturada por Yoritomo, que depois de a ver dançar lhe restitui a liberdade. Acaba professando num mosteiro de monjas budistas. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |61 MOMOTARO 62 | Armando Martins Janeira . Peregrino Momotaro O «menino pêssego», representado num boneco de barro colorido, a sair do pêssego. [MBS] Um velho lenhador e a mulher viviam numa aldeia remota. Um dia, a mulher, a lavar roupa no rio, encontrou um enorme pêssego a flutuar na corrente. Levou-o para casa e quando o cortou saiu do fruto um menino. O casal de idosos, que não tinha filhos, alegrou-se com a dádiva dos céus e deu ao bebé o nome de Momotaro. Momo significa pêssego, e taro, rapaz. O menino cresceu, tornando-se num rapaz muito forte e valente. Um dia, decidiu ir à Ilha dos Ogres conquistar os tesouros que eles guardavam. Pediu à mãe umas bolas de arroz para a viagem. No caminho encontrou sucessivamente um cão, um macaco e um faisão. Todos lhe pediram uma bola de arroz, que ele generosamente ofereceu, arranjando assim três companheiros. Quando chegaram à Ilha dos Ogres, estes já estavam preparados para comer Momotaro e os seus amigos. O faisão sobrevoou as muralhas do castelo, dando indicações dos movimentos dos ogres; o macaco escalou a muralha, abrindo a fechadura do portão; e Momotaro e o cão forçaram o portão, derrotando os ogres numa dura batalha. Os ogres acabaram por prestar homenagem a Momotaro, entregando-lhe um enorme tesouro. Momotaro carregou um carro com as preciosidades e transportou-as para casa, ajudado pelos três companheiros. Foi recebido em triunfo. Proporcionou aos pais e à aldeia uma vida feliz, com paz e abundância. Momotaro tornou-se numa figura lendária que faz parte dos contos infantis que todas as crianças japonesas conhecem e adoram e que Armando Martins Janeira contava repetidamente aos seus filhos, em japonês, abrindo-lhes assim o caminho para a aprendizagem da língua japonesa. Caracteres hiragana Caracteres de madeira, por onde Janeira começou a aprender a língua japonesa. O hiragana é um dos alfabetos silábicos da língua japonesa. Com o katakana e o kanji, compõe o sistema de escrita japonês. O alfabeto latino também é usado nalguns casos. [CIBM] Armando Martins Janeira . Peregrino |63 UKIYO-E e dispersos 64 | Armando Martins Janeira . Peregrino Ukiyo-e. O Fuji no Meio da Tempestade, de Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, de Katsushika Hokusai (1760-1848). Ukiyo-e são gravuras feitas a partir de blocos de madeira, impressas sobre folhas de papel; técnicas já aplicadas no séc. XVII, mas que só viriam a ser conhecidas no Ocidente na segunda metade do séc. XIX; xilogravuras. Ukiyo-e. Actor de kabuki, de Toyokuni III (1786-1864). O kabuki é uma forma popular de teatro japonês e, como o nô, tem uma origem religiosa. Crê-se que foi criado no final do séc. XVI, em Quioto, por uma sacerdotisa do templo xintoísta de Izumo, chamada Okuni, que desempenhava papéis masculinos e cantava com o rosto descoberto. As representações por mulheres foram proibidas, passando todos os papéis femininos a ser desempenhados por homens e, ao contrário do nô, não usam máscaras, mas apresentam-se excessivamente maquilhados e vestem-se com riquíssimos quimonos. Para Armando Martins Janeira, o kabuki é essencialmente arte cénica, altamente evoluída, com uma riqueza de meios atingindo uma beleza plástica deveras estilizada e combinando com perfeição e harmonia todas as artes que no palco colaboram – a poesia, a mímica, a dança e a música. Armando Martins Janeira . Peregrino |65 Cópia de mapa-biombo do porto e da cidade de Nagasáqui, no Japão, no séc. XVII. Reprodução de pintura japonesa, de autor desconhecido, sobre papel de amoreira, destinada a um biombo namban. A pintura original encontra-se no Museu de Marinha, em Lisboa, e foi oferecida ao Museu por Armando Martins Janeira. Em 9 de Agosto de 1945, já no fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram uma bomba atómica sobre a cidade de Nagasáqui. Com a explosão, um terço da cidade transformou-se em cinzas e calcula-se em 74 000 o número de mortos. Depois da guerra, Nagasáqui construiu o Parque da Paz, um símbolo do desejo da paz eterna e da extinção das armas nucleares. Todos os anos, no dia 9 de Agosto, realiza-se uma cerimónia para comemorar os mortos. [MBS] Uchi-kake. Casaco que se usa por cima do quimono de noiva. Antigo, de seda lavrada, ricamente decorado, com flores de crisântemos e de paulónia e leques, bordados a ouro. O crisântemo é um símbolo de longevidade, com propriedades medicinais, sendo considerado como a mais nobre das flores. O crisântemo de dezasseis pétalas é o símbolo da família imperial. A própria flor simboliza ainda o sol. [CIBM] 66 | Armando Martins Janeira . Peregrino Abreviaturas [CIBM] Colecção Ingrid Bloser Martins [AHMC/APSS-EAMJ] Arquivo Histórico Municipal de Cascais/ Arquivos Pessoais/Embaixador Armando Martins Janeira [MBS] Museu do Brinquedo de Sintra Armando Martins Janeira . Peregrino |67 Ficha Técnica Edição Câmara Municipal de Cascais Coordenação António Carvalho Helena Xavier Comissária Executiva Paula Mateus Textos Paula Mateus Ingrid Bloser Martins Maria Helena Morais e Castro Fotografia Ingrid Bloser Martins Carlo Maria Bloser Design e Paginação Ana Pinheiro Impressão DPI Cromotipo Tiragem 500 exemplares ISBN 978-972-637-189-2 Agradecimentos Ingrid Bloser Martins Carlo Maria Bloser Maria Helena Morais e Castro Museu do Brinquedo de Sintra Galera Modas Setembro 2008 68 | Armando Martins Janeira . Peregrino Armando Martins Janeira . Peregrino |69