Catálogo da Exposição - Armando Martins Janeira

Transcrição

Catálogo da Exposição - Armando Martins Janeira
Armando Martins Janeira
Peregrino
Armando Martins Janeira
Peregrino
Evocar Armando Martins Janeira
Foi em Cascais, no Estoril, que o embaixador Armando Martins Janeira escolheu
viver nos períodos que mediavam as suas transferências de um posto diplomático
para outro e depois de aposentado. Chegou a esboçar o desejo, na altura em que
era embaixador de Portugal em Itália, na década de 1970, de constituir um pequeno museu-biblioteca de arte japonesa na sua residência na Avenida Portugal.
A sua estima por Cascais foi mais tarde recordada pelos seus herdeiros ao depositarem, em 1993, grande parte do seu arquivo documental no Arquivo Histórico
Municipal, que em breve estará disponível para consulta através da Internet, e ao
doarem ao Município, em 2006, parte significativa da sua biblioteca oriental.
Cascais lembrou Janeira no décimo aniversário da sua morte com uma exaustiva
exposição do seu arquivo e objectos pessoais; dedicou-lhe um ano depois, em
1999, um jardim nas Areias de São João do Estoril; apresentou-o em 2005
como biógrafo de Wenceslau de Moraes, e nome grande da nossa cultura,
numa mostra que se inseria nas comemorações dos 150 anos sobre o nascimento de Moraes; homenageou-o em 2006 com a Medalha de Mérito Cultural.
Vinte anos após a sua morte, continuamos a reconhecer o elevado valor da
obra de Armando Martins Janeira, bem como os fortes laços afectivos que o
ligavam a Cascais, e em seu tributo apresentamos a actual exposição.
Com a tónica no Japão, país onde o Embaixador viveu mais de dez anos e ao
qual dedicou muito estudo, tendo sempre em mente a aproximação cultural e
pacífica dos povos, a mostra Armando Martins Janeira, Peregrino pretende criar
no público, e sobretudo nas gerações mais jovens, essa ideia de que o homem,
independentemente da sua raça, religião, língua ou cultura, é um ser universal.
A Câmara Municipal de Cascais agradece muito particularmente o empenho da
Senhora Embaixatriz Ingrid Bloser Martins na concretização desta iniciativa, e
congratula-se por uma vez mais ter o privilégio de dar voz a um vulto da nossa
História recente, que no Oriente, e no mundo, de facto aumentou Portugal.
Cascais, Setembro de 2008
A Vereadora do Pelouro da Cultura
Ana Clara Justino
Armando Martins Janeira entre nós
Poderíamos considerar que todo e qualquer chamamento comemorativo nasce dos
valores de uma memória sociocultural e de uma comunidade, cuja visão cultural é
fundada na sabedoria histórica. As comemorações destinam-se maioritariamente a
uma representação memorial e a um imaginário colectivo, procurando uma osmose
criativa e didáctica com a temporalidade crítica do historiador.
Cascais evoca Armando Martins Janeira, vinte anos após a sua morte, com esta
exposição na Biblioteca Municipal de Cascais - São Domingos de Rana. A Associação de Amizade Portugal-Japão, no âmbito da Semana do Japão, dedica um dia a
Janeira sob o lema «Vidas que Valem a Pena». São, sem dúvida, homenagens muito
comoventes para mim. Cabe-me pois, antes de mais, agradecer esta iniciativa ao
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Dr. António Capucho, à Senhora Vereadora da Cultura, Dra. Ana Clara Justino, e, em particular, à Dra. Helena
Xavier, Chefe de Divisão de Bibliotecas e Arquivos e responsável pela biblioteca de
São Domingos de Rana, e à Dra. Paula Mateus, pela sua dedicada pesquisa desde
há largos anos.
Em Armando Martins Janeira, Peregrino, procuramos traçar não só a sua trajectória com os factos mais relevantes, mas também, e sobretudo, demonstrar como
Armando Martins Janeira, constante na humildade do saber, com simplicidade e
honestidade, deu universalidade ao modo de encarar a vida.
Foi uma história de amor. Tudo começou quando a ânsia de cultura levou Armando Martins Janeira, desde jovem, a sentir uma grande necessidade de conhecer o
mundo. Nas suas múltiplas facetas como escritor, foi pois um espírito superior, culto,
viajado, homem de muitas leituras e de muitos caminhos de pensar. Atraído pelas
grandes religiões do Ocidente e do Oriente, desenvolveu um exaustivo estudo do
pensamento filosófico das suas semelhanças e diferenças e da influência que elas
tiveram nas várias culturas e civilizações. Relativamente à crítica literária, frisa o Dr.
Daniel Pires que «são certamente dignas de menção as análises percucientes com
que contemplou Camões, Bocage, Fernando Pessoa, Gil Vicente, o teatro Nô e a
literatura japonesa». De facto, o nome de Armando Martins Janeira aparece-nos,
obrigatoriamente, associado aos estudos orientais, e é nesse contexto que nasce
o Instituto com esta designação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, que não existia em Portugal.
A importância de olhar sempre esperançoso para o futuro e de projectar novas correntes de pensamento, decisivas na evolução do homem, integrado na sua história,
era o leitmotiv do seu intelecto. De personalidade multifacetada, o seu universalismo
reflecte-se exuberante na vasta obra que nos deixou.
Entendia Armando Martins Janeira que a alma de um povo reside na sua singularidade e cultura, como na memória histórica e na nobreza das tradições, que de
maneira nenhuma são incompatíveis com o progresso, seja ele social, tecnológico
ou mesmo político. Peregrino pelo mundo, nunca negou a essência da sua alma
transmontana. Num texto em que nos fala dos seus sentimentos face ao seu livro
de contos A Dor de Ser Homem, escrito sob o pseudónimo Mar Talegre, Armando
Martins Janeira dá-nos conta precisamente das suas raízes, que nunca esqueceu, e
que inspiraram todos os seus passos na peregrinação da vida: «O homem da terra
tem raízes na terra como os castanheiros e os carvalhos. Se não fiquei preso ao
chão, como as árvores e os cavadores da minha aldeia, é porque levei as minhas
raízes comigo.» São essas raízes que encontramos aqui simbolizadas numa pedra da
sua serra do Roboredo, que o acompanhou em todos os destinos pelo mundo, como
um tesouro dos mistérios do seu povo.
Ingrid Bloser Martins
| Armando Martins Janeira . Peregrino
Mistério do meu Povo
de Armando Martins Janeira
Aqui em Surabaia em Rangun em Taipei
em Katmandu em Malaca em Saporo em Kabul
em Luang Prabang em Peschauer em Lahore em Seul
por toda a Ásia caminhei
vim procurar meu luso nome
que lá fez quatro séculos deixara
Porquê não mais voltei
e fiquei
à lareira sentado
a roer de lonjura a minha fome?
Voltei agora
com a mesma sede ardente
de ver as terras novas
que fascinaram meus avós outrora
Cá encontrei pegadas indeléveis
– memórias do tempo débeis
que já esquecemos na História
Vim encontrar histórias e lendas de coragem
feitos de estarrecer
romances de amor estranho
dos gigantes de passagem
que por mistério tamanho
tão longe vieram morrer
– Ó Diogo Cão porque deixaste as tuas serras transmontanas
e foste abrir as rotas
do Zaire?
– Por que finta
e inexplicável ambição
Jorge Álvares foste à China e ao Japão
deixando a alma e o coração
no montanhoso teu Freixo de Espada à Cinta?
– Fernão de Magalhães
lá no fundo da tua recatada Sabrosa transmontana
por que anseio profundo
ambição qual
por ti – ó maior dos grandes Capitães –
o Homem quis abraçar pela primeira vez o Mundo?
São mistérios de um Povo
mais profundos que do homem o mistério
mistério do que é passado e do que é novo
que a História inventa
ninguém sabe porquê nem para quê
É o mundo essencial que sempre se renova e não se altera
do Destino a face vera
que no homem se cumpre e se não vê
(in Nova Renascença, n.º 23-24, 1986, pp. 177-178)
Armando Martins Janeira . Peregrino |
Armando Martins Janeira
DA BIOGRAFIA
Virgílio Armando Martins nasceu em Felgueiras, em Trás-os-Montes, a 1 de Setembro de 1914. É filho de José Júlio Martins e Elvira Júlia dos Santos Janeiro.
Concluída a sua licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa, regressa,
com 22 anos, a Moncorvo, onde estagia na Conservatória do Registo Predial e,
simultaneamente, lecciona no Colégio Campos Monteiro.
Em 1939 opta pela carreira diplomática, ficando aprovado para o lugar de adido
de legação. No estrangeiro, inicia a sua carreira como cônsul, de 1943 a 1952,
primeiro em Léopoldville, no antigo Congo Belga, a seguir em Liverpool, na Inglaterra, e depois em Sydney, na Austrália.
Profundamente fascinado pelo Japão, Armando Martins Janeira aí exerce funções diplomáticas em dois períodos: em 1952, é colocado como primeiro-secretário da Legação de Tóquio, e em 1953 é encarregado de Negócios, lugar
que ocupa até 1955; de 1964 a 1971 é embaixador de Portugal em Tóquio.
Deixará o Japão para representar Portugal na Bélgica, de 1955 a 1956, transitando nesse ano para a Delegação Portuguesa junto da Organização do Tratado
do Atlântico Norte, em Paris. Em 1959, ministro plenipotenciário de 2.ª classe,
desempenha funções como inspector diplomático e consular, na Secretaria de
Estado, voltando a representar Portugal, dois anos mais tarde, junto da Organização do Atlântico Norte, em Paris. Em 1964 regressa então ao Japão, com credenciais de embaixador. No ano seguinte é designado ministro plenipotenciário
de 1.ª classe, e mantém-se no Japão. Deixa as terras da Ásia em 1971 para ser
embaixador de Portugal em Itália e em 1977 em Inglaterra. Este é o seu último
cargo diplomático.
Do seu casamento em 1959 com Ingrid Bloser, oriunda de Hanôver, na Alemanha, Armando Martins Janeira tem dois filhos, Pedro Luís e Ana Elsa Beatriz.
Em 1980, após a sua aposentação do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
regressa ao ensino. Lecciona História Contemporânea das Civilizações Orientais
na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Funda o Instituto de Estudos Orientais, ao qual oferece uma biblioteca especializada sobre o Oriente, e a Associação de Amizade Portugal-Japão.
Fixa residência no Estoril, e aí viverá até à sua morte em 19 de Julho de 1988.
| Armando Martins Janeira . Peregrino
DA OBRA LITERÁRIA
Armando Martins Janeira foi diplomata e escritor, sociólogo e ensaísta, dramaturgo
e poeta. A sua primeira obra, Três Poetas Europeus, é editada em 1947. A partir de
então, a par da carreira diplomática, demonstra uma capacidade criativa e ensaística extraordinária, chegando a publicar no mesmo ano mais do que um trabalho.
O reconhecimento público chega-lhe por via dos seus estudos comparativos sobre o Oriente e o Ocidente, consequência de um convívio feliz de mais de dez
anos com o Japão, o seu povo e a sua cultura. A sua obra maior sobre esta matéria será O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, editado em 1970, e
reeditado postumamente em 1988. É também em 1970 que publica em Tóquio
outra das obras mais importantes na sua bibliografia: Japanese and Western
Literature, A Comparative Study, um ensaio que mereceu o elogio da crítica no
Japão e na Europa.
A atracção de Armando Martins Janeira pelo Japão data no entanto da sua infância, quando começou a ler os «livros de costumes» de Wenceslau de Moraes,
o português marinheiro, também diplomata, que abandona a pátria para adoptar o
Dai Nippon – o Grande Japão – como seu paraíso terrestre. Deste homem singular, de sensibilidade rara, Janeira será o maior estudioso e a ele dedicará várias
obras, sendo O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau
de Moraes no Japão a que mais contribui para a compreensão da personalidade
e da alma do escritor.
Janeira escreveu também ensaios sobre o Romance, a Poesia e o Teatro em
Portugal, e ele próprio compôs os seus contos, peças de teatro e poemas. Lançou-se também em estudos sobre Filosofia, Sociologia e Direito, nomeadamente
Direito Consular. Com mais de vinte obras publicadas, Janeira colaborou ainda
durante longos anos com as mais diversas colunas de jornais portugueses e
estrangeiros, e deixou-nos um vastíssimo número de inéditos. Entre eles, contam-se mais de uma vintena de peças de teatro e estudos exaustivos sobre o
Ocidente e o Oriente e a religião como resposta para uma civilização unificada.
Ingrid Bloser Martins tem sido a grande promotora da obra do marido, através
de várias homenagens em publicações e eventos e da reedição da sua obra em
Portugal e no estrangeiro.
As obras principais de Armando Martins Janeira apresentam-se nesta exposição.
Armando Martins Janeira . Peregrino |
ARMANDO MARTINS JANEIRA OU A BUSCA DO HOMEM UNIVERSAL
Para falar de Armando Martins Janeira, tenho de falar primeiro de Ingrid Bloser Martins. Não conheci o embaixador Janeira. Quem me mostrou o seu mundo, a sua obra
édita e inédita, a sua personalidade, foi Ingrid Martins, sua viúva. Lembro-me hoje
perfeitamente do nosso primeiro encontro há quase oito anos, encontro de que adveio
a nossa cumplicidade na divulgação da obra e da sensibilidade de Janeira. Há quatro
anos, no âmbito das comemorações do 150.º aniversário do nascimento de Wenceslau de Moraes, Cascais organizou uma mostra dedicada a este escritor e ao seu
maior biógrafo, Armando Martins Janeira. Na altura, tive a oportunidade, com o apoio
da Câmara Municipal, de apresentar em livro uma pequena viagem pelos caminhos
percorridos por estes dois nomes grandes da nossa cultura. Ficou contudo em mim a
impressão de que tanto continuava por dizer. Porque homens assim não se esgotam.
Foi pois com grande contentamento que recebi o convite da Câmara Municipal de
Cascais para organizar, com a Embaixatriz, a presente exposição. É aliás a Ingrid Bloser Martins que se tem devido a quase totalidade das iniciativas ligadas ao nome do
Embaixador, e esta homenagem de Cascais prova-o uma vez mais: Ingrid Martins é a
alma desta exposição, pois do seu incansável empenho, da sua cedência de objectos
e documentos e das histórias que preciosamente guarda do seu casamento de quase
trinta anos com o embaixador Janeira, se construiu este momento.
Louvo e agradeço à Câmara Municipal de Cascais por ter viabilizado este tributo a
Armando Martins Janeira. Vinte anos após a sua morte, lembramos o seu nome com
uma exposição e um breve ciclo de conferências de 6 de Setembro a 4 de Outubro. Três personalidades da nossa cultura – António Graça de Abreu, António Dias
Farinha e Eugénio Lisboa –, que privaram de perto com Janeira, dar-nos-ão o seu
testemunho e os relatos marcantes dessa convivência.
Agendada para o dia do encerramento da exposição está ainda a reedição do pequeno livro Peregrino, em que Janeira, aproveitando a inauguração em Tokushima,
em 1954, de um monumento em memória de Wenceslau de Moraes, se lança numa
análise filosófica e poética da Morte e da Vida. Foi nesta obra, aliás, que me apoiei
para dar nome à exposição. Se Wenceslau de Moraes foi um peregrino pelo mundo,
embora se venha a fixar no Japão e aí viva mais de 30 anos, Armando Martins Janeira não o foi menos, e por três vezes deu a volta ao mundo. Mas o que interessa
reter é que tanto um como o outro foram peregrinos no sentido de propugnadores
de ideias novas ou grandes. O espírito de ambos desejava ver esse vasto mundo
unificado, pois a chave dos segredos da natureza humana e dos mistérios fundos do
homem só será encontrada quando Oriente e Ocidente se aproximarem. E é com a
acção de homens raros e excepcionais, ou peregrinos, como Wenceslau de Moraes
e Armando Martins Janeira, que toma forma a ponte de união das civilizações e dos
povos. Esta reedição de Peregrino tem a chancela da editora Pássaro de Fogo e o
apoio da Câmara Municipal de Cascais.
Também a Associação de Amizade Portugal-Japão, com o apoio da Sociedade de
Geografia de Lisboa, organizará em Outubro uma exposição e uma mesa-redonda
dedicadas a Janeira. E Moncorvo, sua terra natal, inaugurou no dia 1 de Março o
Centro de Memória e Fundo do Embaixador Armando Martins Janeira onde se exibe
o seu espólio de objectos pessoais e onde a sua biblioteca pessoal, doada pelos
seus herdeiros, está à disposição do público.
Armando Martins Janeira, Peregrino é uma visita à essência da vida e obra do Embaixador, a quem se deve exclusivamente a reactivação das relações luso-japonesas
no séc. XX. Português, mas primeiro transmontano, era, no entanto, a universalidade do homem que Janeira ambicionava – espelho disso é uma vida devotada ao
intercâmbio de ideias e culturas e à divulgação dos sentires do seu Portugal pelos
caminhos do mundo.
Paula Mateus
| Armando Martins Janeira . Peregrino
catálogo
Armando Martins Janeira . Peregrino |
DOCUMENTOS
FOTOGRAFIAS
10 | Armando Martins Janeira . Peregrino
VIDA E CARREIRA
Armando Martins Janeira com os pais,
José Júlio Martins e Elvira Janeiro, a
irmã, Maria do Céu, e uma menina da
aldeia, em Felgueiras, Torre de Moncorvo, no início da década de 1940.
[CIBM]
1953
Em 1953, no Japão, no primeiro período em que ali exerce funções diplomáticas, Janeira sobe até ao topo do
monte Fuji.
Observo os japoneses: todos eles estão imóveis e comovidos. Também eu me
comovo, ao pensar que, duma pequena aldeia do Roboredo, vim aqui, ao cume
sagrado do Japão, à procura de maior comunhão com as suas tradições, a sua
fé lendária, os mitos que alimentam a imaginação e o coração do seu povo. E,
tomado duma exaltação que hoje me não explico, fui ao templo mais perto do
céu japonês, trouxe de lá uma garrafa de sakê, que deitei nas mãos em concha,
e, fitando de frente o Sol, bebi comovido o sagrado vinho.
(in Caminhos da Terra Florida, pp. 25-26)
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |11
1959
20 de Agosto de 1959, Lisboa
Marcello Mathias, ministro dos Negócios
Estrangeiros, envia um telegrama pessoal
para Virgílio Armando Martins, comunicando-lhe que autorizou o seu casamento
com Ingrid Bloser, uma jovem alemã de
Hanôver. Janeira é o segundo diplomata
português a ser autorizado a casar com
uma estrangeira.
[CIBM]
1959
11 de Dezembro de 1959, Hanôver
Janeira casa com Ingrid Bloser.
Na foto, o casal com os pais da noiva.
[CIBM]
12 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1965
12 de Março de 1965, Tóquio
Armando Martins manifesta o seu pesar
pela forma como fora tratado até então
no meio diplomático, em telegrama expedido para o Ministério dos Negócios
Estrangeiros:
Recebi com surpresa, e quase com indiferença, a comunicação de que havia sido
promovido. Vi passar muitos colegas adiante de mim, uns mais novos na carreira mas
mais antigos na categoria, outros mais novos na categoria e mais antigos na carreira,
outros mais recentes em ambas. Tais preterições entristeceram-me de começo e
causaram-me certo abalo moral, minaram a minha confiança na justiça dos homens
e em mim próprio. [...] No meu primeiro posto, Léopoldville, tivera mesmo a satisfação de ver a minha actividade mencionada em Conselho de Ministros, conforme me
comunicava telegrama de S. E. o Presidente do Conselho. Trabalhei em dois postos
diplomáticos (sem contar Bruxelas, pois servi ali efectivamente menos de um ano):
em Paris e em Tóquio. Na Delegação de Portugal à OTAN, encontrei-me, não sei
por que acaso, nas ausências do Embaixador, na chefia em todas as grandes crises:
Suez, Hungria, Berlim, Cuba – e Goa. Durante a crise de Goa, orgulho-me de ter procedido com dignidade e lusitana nobreza; em Tóquio, tenho a satisfação de ver que
Portugal começa a ter uma projecção na vida intelectual japonesa que desde o tempo das descobertas se esvanecera. [...] Afinal o meu trabalho não era tão nulo como
eu receava antes de fazer este exame de consciência. [...] A partir deste momento,
neste sereno estado de espírito, era com indiferença que via outros passar adiante.
À medida que mais me desgostava e desprendia da carreira, mais me entranhava no
amor da minha profissão e no entusiasmo de trabalhar pelo meu País. [...] Quando
voltei a Lisboa, em 1959, a meu pedido e com saudades de Portugal depois de longa ausência, o meu Ministro então encarregou-me de elaborar um projecto de reorganização dos serviços diplomáticos e consulares. Desempenhei-me, sozinho, deste
trabalho que antes houvera sido sempre realizado por comissões. É verdade que
até hoje não recebi uma palavra sobre o mérito ou demérito dele. Soube que havia
sido nomeado Embaixador de Portugal em Tóquio pela notícia levada para Paris por
um secretário de Legação. De forma semelhante tive há semanas conhecimento da
minha promoção [a ministro plenipotenciário de 1.ª classe]. Não se estranhará que
estes factos me dessem o sentimento de ser posto de lado e esquecido. [...]
[CIBM]
1967
Nagasáqui
Descerramento de uma lápide em
homenagem ao missionário e médico
Luís de Almeida. A cerimónia decorreu num templo budista, espaço que
outrora tinha sido ocupado por uma
igreja católica.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |13
1968
Nishino Omote
Janeira na capital de Tanegashima, no
jardim público da cidade, junto ao monumento à introdução da espingarda
no Japão pelos portugueses.
[CIBM]
1968
Outubro de 1968, Nishino Omote
Janeira assistindo ao famoso cortejo
Teppo Monogatari, a História da Espingarda, em Tanegashima, celebrando a chegada dos portugueses. No
carro alegórico, representando um
galeão, os dois figurantes retratam
Fernão Mendes Pinto e a bela jovem
Wakasa, que, na crença do povo de
Tanegashima, hoje, foi a amada de
Mendes Pinto.
[CIBM]
1968
Tóquio
O Natal da família Martins.
[CIBM]
14 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1969
4 de Julho [de 1969], Tóquio
Em aerograma ostensivo expedido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Armando Martins congratula-se pela participação de Portugal na Exposição
Mundial de 1970 em Osaca:
Procurei na devida altura convencer o Governo de que as tradições históricas
de Portugal no Japão impunham a nossa presença. A nossa participação foi
decidida com dignidade e grandeza – o pavilhão de Portugal será um dos mais
importantes, entre os que vêm a seguir aos das grandes potências. E fomos os
primeiros a decidir-nos e o primeiro país a assinar o contrato de construção do
pavilhão. O meu apelo foi atendido e compreendido. [...] Insisto em que esta é a
primeira grande oportunidade – e provavelmente a última grande oportunidade
– para tornarmos aqui conhecidos os produtos portugueses.
Ainda não se realizou em Portugal que o Japão se tornou, pela sua riqueza, nível
de vida e número de população, num dos maiores mercados do mundo. [...]
[AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência diplomática]
1970
O pavilhão de Portugal na Exposição
Mundial de 1970, em Osaca, no Japão.
[CIBM]
1970
Janeiro de 1970, Quioto
Reunião cultural. Da esquerda para a
direita, de pé: José Paulouro das Neves,
primeiro-secretário da embaixada de
Portugal em Tóquio, o escritor Shusaku
Endo, Masuo Yanagi, presidente da Associação de Amizade Luso-Japonesa,
Armando Martins Janeira, a cineasta
Etsuko Takano, o escritor Osaragi Jiro;
sentadas: Kyoko Otani, ex-Miss Universo, a professora de cerâmica de Janeira, Take Hara Han-San, a mais famosa
dançarina clássica japonesa, considerada então Tesouro Nacional Vivo, Ingrid
Bloser Martins e Maria José Paulouro
das Neves.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |15
1971
Hokkaido
O casal Martins na ilha de Hokkaido,
na companhia do chefe do povo aborígene Ainu.
[CIBM]
1971
Tóquio
Janeira recebendo do ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Takeo
Fukuda, em representação do imperador Hirohito, o Grande Cordão da Ordem do Sol Nascente.
[CIBM]
1974
29 de Abril de 1974, Roma
Texto do telegrama enviado por Janeira, enquanto embaixador de Portugal
em Itália, ao general António de Spínola.
[CIBM]
16 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1975
Outubro de 1975, Roma
Armando e Ingrid Martins com o Presidente da República Francisco da
Costa Gomes, durante a sua visita de
Estado a Itália.
[CIBM]
1977
25 de Maio de 1977, Londres
O casal Martins, durante a cerimónia
de entrega das cartas credenciais no
Palácio de Buckingham.
[CIBM]
1978
14 de Novembro de 1978, Londres
No primeiro dia da visita de Estado a Inglaterra do Presidente da República António Ramalho Eanes, foi oferecido ao Presidente e à Senhora Eanes um Banquete de Estado, no Palácio de Buckingham, pela Rainha Isabel II e pelo Duque
de Edimburgo. Estiveram presentes os embaixadores de Portugal, Armando e
Ingrid Martins. Eis alguns passos do discurso da Rainha:
Qualquer estudante de História sabe quão facilmente se quebram alianças,
mesmo as mais solidamente cimentadas; mas a nossa sobreviveu. Isto dever-se-á, sem dúvida, ao facto de, dentro dos padrões inconstantes das relações
internacionais, os nossos povos partilharem os mesmos objectivos e ideais, e o
respeito mútuo. [...] Juntos navegámos e juntos combatemos ao longo de muitos
séculos. Os nossos dois países têm em comum o génio das aventuras e explorações marítimas, que tanto contribuiu para a revelação do mundo, tal como o
conhecemos hoje. Portugal apontou o caminho e a Grã-Bretanha seguiu o seu
exemplo – duas potências marítimas comerciando competitivamente, onde quer
que se encontrassem, e espalhando por toda a parte as suas línguas e culturas.
[...] Foi com admiração e simpatia que observámos o povo português procurando,
em circunstâncias de grandes dificuldades e provações, criar o tipo de sociedade que deseja ter: uma sociedade justa, livre e humanitária.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência diplomática]
Armando Martins Janeira . Peregrino |17
1979
1 de Agosto de 1979, Londres
[CIBM]
1981
Janeira na biblioteca da sua casa na
Avenida Portugal, no Estoril.
[CIBM]
1986
Leiria
Armando e Ingrid Martins na Rua Cidade de Tokushima, cidade japonesa
irmã de Leiria desde 5 de Setembro
de 1969. Esta e várias outras geminações aconteceram sob a acção do
Embaixador.
[CIBM]
18 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Excerto do aerograma ostensivo enviado por Armando Martins para o Ministério
dos Negócios Estrangeiros sobre a audiência de despedida da Rainha:
Começou a Rainha por dizer amavelmente que tinha pena em ver-nos partir
(sad to see you leaving us) e perguntou se eu estava triste por findar a carreira.
Respondi que, ao contrário, estava contente: regressava a Portugal depois de
me sentir durante mais de trinta anos estrangeiro e quase sentia alvoroço em
começar uma nova vida; tinha planos que dariam para muitos anos: ensinar na
Universidade, fundar um instituto oriental, escrever livros, artigos para jornais. E
tinha sido uma enorme recompensa trabalhar com os ingleses – são, de todos
os povos que conheci, os que tomam o trabalho mais a sério e com perfeita
competência –, não era lisonja, já sou velho de mais para lisonjear, mesmo que
fosse uma gentil Rainha.
VIDA LITERÁRIA
1955
23 de Fevereiro de 1955, Porto
M. Seara Cardoso d’O Comércio do Porto escreve a Janeira agradecendo-lhe a
sua colaboração e propondo-lhe que desempenhe a função de «correspondente
artístico» daquele jornal, a partir de Bruxelas. Toma ainda em consideração a proposta de Janeira de publicação, em folhetim, de um livro [O Jardim do Encanto
Perdido] sobre Wenceslau de Moraes, o que viria a concretizar-se a partir de 26
de Novembro daquele ano.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária / CIBM]
1955
25 de Março de 1955, Bruxelas
Em carta ao editor Manuel Barreira, Armando Martins anuncia que a partir desta
data acrescenta ao seu nome literário o nome de sua mãe – Janeiro –, «por razões sentimentais e outras». Confidencia que abandona para sempre os escritos
de direito consular, passando a dedicar-se, dali em diante, a fazer um nome e
uma obra de escritor.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
1965
4 de Março de 1965, Portalegre
Em carta dirigida a Janeira, o escritor José Régio tece considerações sobre a
representação, proposta pelo Embaixador, de Jacob e o Anjo no Japão. A peça
já tinha sido levada ao palco do Studio des Champs-Elysées, em Paris: «Ter uma
peça representada em França e no Japão – e não em Portugal – seria uma boa
represália...»
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
1968
4 de Dezembro de 1968, Coimbra
O poeta Joaquim Namorado, director da Vértice, mostra o maior interesse na
colaboração de Janeira naquela revista com artigos sobre o Japão.
[AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência literária]
1968
Tóquio
Representação da peça de Janeira
Bara to Kamisori, com o título português Jogo de Espelhos, até hoje inédita em Portugal. Originalmente intitulada A Morte das Estátuas, esta peça
e o Auto da Índia de Gil Vicente foram
as primeiras peças portuguesas a ser
representadas no Japão.
[ CIBM / AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
Armando Martins Janeira . Peregrino |19
1969
Karuizawa.
Armando Martins Janeira com Shusaku Endo, o mais famoso escritor católico japonês, que prefaciou Figuras de
Silêncio, editado em 1982.
[CIBM]
1969
19 de Março de 1969, Lisboa
Armando Martins Janeiro passa a assinar os seus trabalhos com o nome Armando Martins Janeira, e a explicação desta mudança é dada pelo próprio na
primeira página do suplemento literário d’A Capital:
No meu nome os japoneses têm constantemente feito em jornais e em livros
uma alteração: escrevem sempre Janeira. A princípio sorri e achei graça; depois
decidi adoptar a modificação. Sigo assim o exemplo dos velhos Portugueses das
Descobertas que regressavam a Portugal com os nomes modificados, quando
não eram de todo novos, pelas influências das novas terras e estranhas línguas.
[CIBM]
1970
23 de Junho de 1970, Lisboa
O escritor Ferreira de Castro dirige carta a Janeira sobre a tradução para japonês
de A Selva.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
1970
9 de Dezembro de 1970, Lisboa
José de Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, escreve a Janeira agradecendo-lhe a oferta de O Impacte Português sobre a Civilização Japonesa:
Na realidade, é difícil compreender como sendo tão poucos, fomos tão longe
e fizemos tanto.
O seu livro veio revelar factos ignorados, ou pouco conhecidos, da nossa acção
no Extremo-Oriente.
É mais um grande serviço que o País lhe fica devendo.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
20 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1971
22 de Fevereiro de 1971, Lisboa
O escritor Fernando Namora elogia a obra de referência de Janeira, O Impacto
Português sobre a Civilização Japonesa: «Não serão muitos os livros deste género com tal poder de cativar. E de ensinar. Uma obra que pedia ser conhecida
de todos os portugueses.»
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
1971
30 de Agosto de 1971, Tóquio/
13 de Setembro de 1971
1971
30 de Agosto de 1971, Tóquio/
27 de Setembro de 1971, Coimbra
1972
13 de Novembro [de 1972], Roma
Armando Martins Janeira e o escritor José Cardoso Pires trocam correspondência sobre a tradução para japonês de O Delfim.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
Armando Martins Janeira e o escritor Miguel Torga trocam correspondência
sobre a tradução para japonês de Bichos.
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
Janeira escreve a Snu Abecassis, fundadora e editora das Publicações Dom
Quixote, a respeito do novo livro em que está a trabalhar, sobre religiões:
Interessantíssimo o que pode descobrir-se de novo num assunto velhíssimo.
Estou a orientar o estudo no sentido de expor as religiões como grandes fontes
de cultura. Expõe-se, claro, o conteúdo fundamental de ideias, crenças e lendas
de cada uma para o leitor ficar a saber o que é o budismo, etc., e conclui-se com
um capítulo sobre aquilo em que as religiões, segundo os cânones de cada uma,
declara fazer para melhorar o mundo.
Este extenso e exaustivo estudo de Janeira, escrito em inglês, tomou o nome de
Religions and Civilization e continua inédito.
[CIBM]
1975
Roma
Janeira com o escritor David Mourão-Ferreira no congresso Portoghese
Contemporanea.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |21
WENCESLAU DE MORAES
1954
1 de Julho de 1954, Tokushima
Inauguração de um monumento a Wenceslau de Moraes. A cerimónia, que começou com um serviço xintoísta em frente ao monumento, é descrita em pormenor
no pequeno livro Peregrino:
Chegou a altura de irmos depor no altar os ramos sagrados de sakaki. Cada um
toma a sua vez, faz uma reverência ao sacerdote e recebe das mãos dele o ramo
sagrado que vai oferecer, com uma vénia recolhida, ao espírito de Moraes. Eu
deponho antes um ramo de flores: crisântemos, jasmins e rosas – rosas como as
de Portugal – para que não faltem ao seu gosto luso das flores e possa consolar
com elas a memória da sua terra distante, com o preito do único português que
lho veio prestar, de coração cheio de afecto e de saudade, a esta terra gentil e
estrangeira. (pp. 15-16)
[CIBM]
1957
20 de Janeiro de 1957, [Lisboa]
Marcelo Caetano, ministro da Presidência do Conselho de Ministros, escreve a
Janeira agradecendo-lhe a oferta de O Jardim do Encanto Perdido, «revelação
de uma faceta da sua actividade e do seu espírito que não conhecia». Adianta
Marcelo Caetano:
Em novo li muito o Wenceslau de Moraes e a reminiscência que me ficou da
sua prosa simples, correntia, macia, corresponde muito à imagem que me pareceu ressaltar do seu tão cuidado e documentado livro: um carácter fraco, em
que a sensibilidade e os sentidos predominavam, com um fundo ingénuo, quase
infantil, donde brotava uma bondade invertebrada. Vê-se que a sua vida no Japão
foi mais de inquietação e de martírio do que, como se julgava, de integração e
alegria espiritual.
[CIBM]
22 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1964
19 de Dezembro de 1964, Kobe
Descerramento por Ingrid Bloser Martins do busto de Wencesalu de Moraes.
[CIBM]
1966
2 de Setembro de 1966, Baía
O filósofo e escritor Agostinho da Silva, no tempo em que residia no Brasil, endereça carta a Janeira elogiando o seu notável trabalho em torno de Wenceslau
de Moraes:
Acho que nunca se escreveu sobre Wenceslau nada de mais inteligente, compreensivo e penetrante; se houvesse alguma coisa a pôr especialmente em relevo seria o que disse sobre o estilo último de Wenceslau; esse é o ponto essencial
de penetração, e por aí se separam definitivamente não só Wenceslau e Hearn
como sobretudo o português plástico e universal e o inglês sempre insular e local, embora por esse caminho, às vezes, possa atingir valores gerais humanos.
[AHMC/APSS-EAMJ - Correspondência literária]
1967
Tokushima
Janeira junto ao túmulo de Wenceslau
de Moraes e Ko-Haru, a sua segunda
mulher japonesa. Na base, há duas pequenas urnas de granito, sobre um suporte, que contêm as cinzas de ambos.
O bloco é rotativo: vira-se conforme é
aniversário dele ou dela.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |23
1967
Tokushima
Pedro Luís e Ana Elsa Beatriz, os dois
filhos do casal Martins, junto ao monumento a Wenceslau de Moraes.
[CIBM]
1967
19 de Agosto de 1967, Tokushima
O casal Martins integrado nos festejos do Bon-odori de Tokushima, que
naquela cidade toma o nome de Awaodori. O livro de «impressões íntimas»
O Bon-Odori em Tokushima é considerado como uma das melhores obras
de Wenceslau de Moraes.
[CIBM]
1968
16 de Setembro de 1968, Lisboa
O escritor Fernando Namora escreve a Janeira elogiando o seu trabalho na
divulgação da obra de Wenceslau de Moraes: «Não é de todos os dias (nem sequer dos dias santos) que diplomatas portugueses associam o prestígio do seu
povo ao prestígio dos seus escritores e artistas – embora por aí se devesse ter
começado e persistentemente prosseguido.»
[AHMC/APSS-EAMJ-Correspondência literária]
1969
19 de Março de 1969, Lisboa
O jornal A Capital destaca Wenceslau de Moraes no seu suplemento literário,
celebrando a publicação em japonês das suas Obras Completas, uma «batalha»,
empreendida por Janeira, com um «fim vitorioso»:
Depois de ter saído uma Antologia, as Obras Completas de Moraes, em japonês, saem, para vergonha nossa, antes das Obras Completas em português. [...]
Wenceslau de Moraes está finalmente lançado no Japão. Depois das Descobertas, a sua Obra é sem dúvida a mais importante presença portuguesa no Japão
– o país, a seguir ao Brasil, onde os portugueses deixaram as mais valiosas e
profundas tradições de cultura.
[CIBM]
24 | Armando Martins Janeira . Peregrino
INSTITUTO DE ESTUDOS ORIENTAIS
1971
14 de Janeiro de 1971, Tóquio
Em aerograma ostensivo expedido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros,
Janeira propõe pela primeira vez a criação de um Instituto de Estudos Orientais
numa Universidade portuguesa:
Apesar de estarmos em Macau há quatro séculos e meio, nunca ali existiu um
instituto ou organismo de estudos luso-sínicos. Em Hong Kong existe uma prestigiosa universidade que tem produzido notáveis estudos comparativos entre as
culturas do Oriente e do Ocidente e publicou uma valiosa colecção de traduções
dos clássicos chineses. Estudos e traduções de autores orientais saem hoje em
todas as línguas. Em português, que eu saiba, foram traduzidas, ao todo, da literatura chinesa, cinco curtas odes por Camilo Pessanha. O famoso Tao Te Ching,
que conta com mais de quarenta diferentes traduções em inglês, não conhece
uma única em português. Da literatura portuguesa, que eu saiba, estão traduzidas em chinês umas dez estâncias d’Os Lusíadas.
Eu creio que existe aqui uma lacuna evidente que ao Governo conviria procurar
remediar.
Dez anos mais tarde, graças à acção de Armando Martins Janeira, António Dias
Farinha e António Augusto Tavares, o Instituto de Estudos Orientais é criado na
Universidade Nova de Lisboa.
[CIBM]
1979
19 de Agosto de 1979, Lisboa
A. H. Oliveira Marques, presidente da comissão instaladora da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, escreve a Janeira aprovando a criação do Instituto de Estudos Orientais e propondo o ano
de 1980/81 para início da sua actividade. Os primeiros cursos teriam contudo
início em Outubro de 1981.
[CIBM]
1979
13 de Setembro de 1979, Lisboa
José de Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, dirige carta a Janeira respondendo a um pedido de apoio ao Instituto de Estudos
Orientais. A Fundação, graças à intervenção de Janeira, acabaria por contribuir
com um subsídio de trezentos mil escudos.
[CIBM]
1979
11 de Outubro de 1979, Lisboa
Helder Macedo, secretário de estado da Cultura, manifesta em carta a Janeira o
seu apoio à criação do Instituto de Estudos Orientais, que vinha preencher «uma
lacuna no nosso panorama cultural.»
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |25
HOMENAGENS
1993
3 de Março de 1993, Londres
Excertos da carta do engenheiro Eugénio Lisboa, adido da Cultura da Embaixada
de Portugal em Londres, respondendo ao pedido de Ingrid Martins para redigir
um depoimento sobre o Embaixador, para publicação em Outubro do mesmo ano
num dossier especial da revista Letras & Letras dedicado a Janeira:
[Armando Martins Janeira] É uma pessoa (e digo é porque, para mim, continua
vivo) que deixou saudades a todos os que o conheceram e com ele privaram de
perto: pela humanidade, pela bondade, pela vivacidade e curiosidade intelectual,
pela energia, pela disponibilidade e pela imensa cultura que possuía mas não
o tornava arrogante. Falamos sempre dele com saudade e infinito afecto. [...]
Minhas filhas nunca esqueceram aquele senhor embaixador tão importante mas
que não hesitava em se sentar com elas num degrau de escada para conversar
de igual para igual!
[CIBM]
1994
7 de Maio de 1994, Torre de Moncorvo
A Associação Cultural e a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo homenageiam Janeira com o descerramento
de um busto, no Largo da Corredoura.
[CIBM]
1998
1 de Outubro - 11 de Dezembro de 1998,
Cascais.
A Câmara Municipal de Cascais realiza a exposição Nova Peregrinação, na
Fundação Pedro Falcão e Yanrub, em
homenagem a Janeira, dez anos após
a sua morte.
[CIBM]
26 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1999
30 de Agosto de 1999, Cascais
Descerramento de placa no Jardim
Embaixador Armando Martins Janeira,
em Areias, em S. João do Estoril, uma
homenagem da Câmara Municipal de
Cascais.
Na foto, Ingrid Bloser Martins e José
Jorge Letria, vereador da Cultura.
[CIBM]
2008
1 de Março de 2008, Torre de Moncorvo
Inauguração do Centro de Memória e
Fundo do Embaixador Armando Martins Janeira em Torre de Moncorvo.
O Centro, na terra natal de Janeira,
engloba o seu espólio de objectos e
a sua biblioteca pessoal, doados pelos
seus herdeiros.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |27
Armando Martins Janeira
28 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1947
Três Poetas Europeus (Camões, Bocage, Pessoa), Livraria Sá da Costa-Editora,
Lisboa, 1947.
Ensaio sobre três nomes maiores da poesia portuguesa, é uma obra fundamental na carreira intelectual de Janeira, uma vez que contém já o germe dos seus
futuros trabalhos.
No Diário Popular de 5 de Maio de 1948, António Quadros escreve que este
Três Poetas Europeus «se lê de ponta a ponta com grande atenção e afirma
reais e sérias qualidades de síntese, de exposição e de cultura. Não é apenas
mais um livro – é um livro que conta e que põe em contacto com o essencial da
poesia destas três figuras da nossa literatura.»
[CIBM]
1948
Esta Dor de Ser Homem, Tipografia Domingos de Oliveira, Porto, 1948; 2.ª ed.
(póstuma), Comissão de Festas de Felgueiras, no Centenário de Torre de Moncorvo, 2004 (inclui as correcções do autor à 1.ª edição).
Sobre estes contos inspirados na serra e nas gentes da sua terra – Moncorvo –,
escreve Janeira muitos anos depois:
Neste livro estão as minhas raízes de homem. Sou um montanhês. O homem
da terra tem raízes na terra como os castanheiros e os carvalhos. Se não fiquei
preso ao chão, como as árvores e os cavadores da minha aldeia, é porque levei
as minhas raízes comigo – a minha paixão pela terra, o meu amor pelos que
trabalham com simplicidade e a minha humildade diante do seu pão, a minha indiferença pelos grandes, a minha independência que me teve sempre de cabeça
direita ao falar aos grandes do mundo – diante de homens e de deuses. [...] Foi
na terra que aprendi as verdades capitais. O que o mundo me ensinou depois
vale menos, muito menos. [...] Nele [neste livro] pus, com um sentimento juvenil
que já não tenho, o mesmo anseio de descobrir e declarar a verdade do homem
que tem sido e será o ideal de todos os livros que escrever.
[CIBM]
1948
Sentidos Fundamentais do Romance Português, Livraria Simões Lopes-Editora,
Porto, 1948.
Ensaio em que Janeira evoca Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e Ferreira
de Castro, entre outros, e acusa os romancistas portugueses de se embrenharem demasiado nas doutrinas estrangeiras, quando estas deveriam funcionar
apenas como fonte inspiradora que lhes permitisse ser mais fiéis ao complexo
psicológico português. Para Janeira, é aqui que reside a grande diferença entre
o romance português, no qual nenhuma grande criação se destacou universalmente, e a poesia portuguesa, que é uma das mais ricas do mundo.
João Gaspar Simões, na coluna Livros & Autores do jornal Sol de 18 de Setembro
de 1948, chama a este livro «um viveiro de ideias» e afirma que Janeira é «um
nome digno de ser retido entre os nomes dos melhores ensaístas portugueses.»
[CIBM]
Janeira assina estas três primeiras obras com o pseudónimo Mar Talegre, fazendo referência ao alto do Talegre, em Felgueiras, de onde a paisagem se assemelha a um ondulante (verde) mar.
Armando Martins Janeira . Peregrino |29
1957 / 2005
Linda Inês, Publicações Europa-América, Lisboa, 1957.
Linda Inês ou O Grande Desvairo, Pássaro de Fogo Editora, Carcavelos, 2005.
Linda Inês, peça de teatro sobre os amores de Pedro e Inês, será mais tarde
completamente reescrita pelo autor e dela se fará uma edição póstuma, em
2005: Linda Inês ou O Grande Desvairo. Para Janeira, o teatro, ao lado do poema
épico, regista as criações mais altas do espírito humano.
Linda Inês foi traduzida para inglês e representada em estreia mundial em
Sydney, na Austrália, em 1952, no Independent Theatre, sob o título Crown the
Dead Queen. Dois anos depois da edição do livro em Portugal, em 1959, a peça
estreia no Teatro Monumental de Lisboa pela companhia do Teatro Experimental do Porto, com encenação do mestre António Pedro. Mais recentemente, em
2000, a peça volta a ser levada à cena pela ACTA, a Companhia de Teatro do
Algarve.
[CIBM]
1967
A Grande Feira do Mundo – Auto, Edições Ática, Lisboa, 1967.
Janeira considera o auto a melhor forma de exprimir certas preocupações e problemas do seu tempo. Texto ousado e mordaz, diferente de tudo o que publicara
até então, é neste A Grande Feira do Mundo que o autor mais se liberta nas suas
críticas à sociedade portuguesa e ao mundo.
[CIBM]
1967
O Teatro de Gil Vicente e o Teatro Clássico Japonês, Portugália Editora, Lisboa,
1967.
Inclui um ensaio que aproxima o teatro de Gil Vicente do teatro clássico japonês
e uma versão alargada e melhorada de Nô, Teatro Lírico Japonês, de 1954:
Ora o grande problema do teatro tem sido sempre o da combinação do real
com o irreal. Encontrar o ponto a partir do qual nos elementos reais se origina um
poder de encantação, o poder mágico de sugerir o mundo poético e maravilhoso
iluminado pela luz dos mitos e dos símbolos. E o que é interessante notar agora é
que o processo seguido por Gil Vicente e o processo adoptado no teatro clássico
japonês, sobretudo no nô, são muito semelhantes. O que mais surpreende nesta
identidade de processos é a sua extrema simplicidade. (p. 95)
Traduzido para inglês e japonês.
[CIBM]
30 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1969
The Epic and the Tragic Sense of Life in Japanese Literature, Charles E. Tuttle
Company, Inc., Tóquio, 1969.
Ensaio comparativo sobre a cultura ocidental e japonesa:
Entre o Japão e o Ocidente encontram-se diferenças acentuadas – principalmente as que derivam do pensamento e do sentimento budista que conferiram
à literatura japonesa toda a sua densidade e profundidade.
Diria que a maior diferença reside naquilo que na cultura japonesa é fluido e
nebuloso e na cultura ocidental é profundo e imenso – o conceito de vida e a
consciência do valor da morte. Não é nos conceitos divergentes de pecado que
assenta uma das maiores diferenças entre Oriente e Ocidente – é em algo mais
profundo, de que depende a extensão do pecado: a reverência pela vida e o valor
da morte. [...] Para um xintoísta é fácil ser feliz – os seus deuses são fáceis de
satisfazer e não exigem muito dele. O deus cristão exige do homem mais do que
ele consegue alcançar. Daí a tensão do homem ocidental, a sua ansiedade para
atingir a perfeição absoluta.
(tradução, pp. 46-47)
[CIBM]
1970
Japanese and Western Literature, A Comparative Study, Charles E. Tuttle Company, Inc., Tóquio, 1970.
Em 20 de Agosto de 1971, o suplemento literário do The Times escreve que
Janeira «traça o panorama da literatura japonesa com uma riqueza de erudição e
percepção extremamente esclarecedora para o leitor europeu [...] e exprime com
clareza numa língua que não é a sua os pontos essenciais que caracterizam a
tradição literária japonesa». Classifica ainda este ensaio como «a obra mais notável jamais publicada sobre as relações entre o Japão e o mundo ocidental».
Este ensaio foi traduzido para japonês: Nihonbungaku to Seiyôbungaku, Shuei
Sha, Tóquio, 1974.
[CIBM]
1985
Japão, Construção de Um País Moderno, Editorial Inquérito, Lisboa, 1985.
Análise histórica e económica do caminho de modernização do Japão, um caminho que Portugal, segundo Janeira, deveria seguir. Este é o último livro que
Janeira publica.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |31
1955
Primeira condecoração, japonesa, com
diploma: Ordem do Tesouro Sagrado Raios de Ouro com Laço.
A mais humilde condecoração de toda
a sua vida, foi também a mais significativa para Janeira, porque a recebeu
quando ainda era muito novo e muito
poucos eram os jovens na sua categoria na vida diplomática que tinham recebido uma condecoração destas pelo
imperador do Japão. A família Martins
guarda-a como uma relíquia muito especial.
[CIBM]
1994
Condecoração póstuma: Grã-Cruz da
Ordem Militar de Cristo.
A Ordem de Cristo pode ser concedida
por destacados serviços prestados ao
País no exercício das funções dos cargos que exprimam a actividade dos órgãos de soberania ou na Administração
Pública, em geral, e na magistratura e
diplomacia, em particular, e que mereçam ser especialmente distinguidos.
[CIBM]
32 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1971
Jizo Bosatsu de madeira, esculpido e
pintado à mão, feito propositadamente
para a família Martins, protege do sofrimento, é guardião das crianças, das
grávidas, dos bombeiros, peregrinos e
viajantes. É uma das divindades japonesas mais adoradas. Foi uma oferta
da abadessa Chiko Komatsu do templo
Jakko-in de Ohara, perto de Quioto, no
Japão, em 1971, quando o embaixador
Janeira e a família se preparavam para
deixar o Oriente e viajar para Roma,
para uma nova embaixada.
[CIBM]
1971
O príncipe herdeiro Akihito e a sua
esposa, a princesa Michiko, os actuais
imperador e imperatriz do Japão.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |33
2004
A casa de Felgueiras, em Torre de
Moncorvo, onde Janeira viveu.
Aguarela de Carlo Maria Bloser.
[CIBM]
1918
Armando Martins aos quatro anos,
com a mãe.
[CIBM]
Uma das três pedras da serra do
Roboredo, em Moncorvo, que acompanharam Janeira por toda a parte,
desde que saíra de Portugal. Levava
sempre consigo igualmente um cântaro de barro de Felgar.
[CIBM]
34 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1947
Janeira, cônsul de Portugal em Léopoldville, no antigo Congo Belga. É o
seu primeiro posto diplomático.
[CIBM]
Pequenos bustos africanos de marfim.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |35
CAMINHOS DA TERRA FLORIDA
36 | Armando Martins Janeira . Peregrino
1956
Caminhos da Terra Florida, Manuel Barreira-Editor, Porto, 1956.
Pela primeira vez, Armando Martins Janeira demonstra a sua paixão pela poesia
japonesa e ele próprio experimenta as suas formas poéticas mais conhecidas: o
haikai e o tanka.
Janeira viria a confessar por diversas vezes que o seu maior sonho era ser poeta.
Curiosamente, n’O Século Ilustrado de 8 de Setembro de 1956 lê-se em artigo não
assinado: «Além de crítico, profundo, há nele [em Janeira], parece-nos, também um
poeta, principalmente pela adoração poética que dedica à Vida e, evidentemente, à
própria Poesia.»
Este livro é ainda o seu primeiro grande estudo sobre o Japão, onde já faz referência
a Wenceslau de Moraes. Alguns dos capítulos foram publicados nos jornais Ler, O
Comércio do Porto, Nippon Times e The Mainichi Daily News.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |37
Prato de madeira revestida a laca
vermelha com decoração relevada a
ouro e prata (taka maki-e), ilustrando
o monte Fuji.
O Fuji é a montanha mais alta da ilha
de Honshu e de todo o Japão. É um
vulcão activo, com baixo risco de erupção. Para os japoneses, é uma montanha sagrada.
[CIBM]
Caixa de madeira revestida a laca negra (urushi) com decoração relevada a
ouro, prata e vermelho (maki-e), para
guardar utensílios de caligrafia.
Já praticada na China por volta do séc.
VI a.C., a requintada arte da laca atingiu
o seu apogeu durante a dinastia Ming,
mas continua a desenvolver-se tanto
em países orientais como ocidentais.
No Japão, esta arte foi assimilada no
séc. VIII, criando-se um verdadeiro estilo nacional, marcado pelos pintores da
escola de Tosa.
A laca é um verniz natural feito a partir da resina que se extrai de certas
árvores, que é sujeita a um espessamento e homogeneização antes de ser
aplicada no objecto, um processo que
envolve a sobreposição de inúmeras e
finas camadas.
[CIBM]
38 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Bonzo dourado, de madeira.
Monge budista, servidor de um templo,
estudioso de teologia e outras ciências
humanas. No Oriente Antigo (séc. V a
XV), a tradução da palavra «bonzo» refere-se a homem religioso, sacerdote
ou não, que pela sua cultura geral serve de conselheiro, psicólogo, curandeiro de males físicos e espirituais, além
de mediador de discussões e desentendimentos na sua comunidade.
[CIBM]
Kokeshi.
As kokeshi são bonecas muito típicas
no Japão. De madeira, feitas num torno, com o corpo longo e sem membros, datam de há cerca de 300 anos,
mas não se conhecem as razões da
sua origem. As mais antigas são altas,
com uma grande cabeça, e muitas são
decoradas com flores e poemas. As
mais modernas apresentam-se muitas
vezes com cabelo com franja, em relevo, como se fosse um chapéu, e muitas
delas têm acessórios.
São bonecas com uma função lúdico-mágica. Além de serem brinquedos para as crianças, eram oferecidas
aos deuses nos templos, para se obter protecção dos antepassados. São
também símbolos de fecundidade, razão por que se davam de presente às
mulheres sem filhos.
Depois da Segunda Guerra Mundial,
estas bonecas eram oferecidas como
embaixadoras da amizade e serviam
para estabelecer relações amigáveis
com outros países.
As kokeshi são muito procuradas e
apreciadas por coleccionadores.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |39
WENCESLAU DE MORAES
40 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Em O Jardim do Encanto Perdido, Janeira transcreve uma carta redigida pelo
escritor Wenceslau de Moraes, em 14 de Fevereiro de 1928, um ano antes de
morrer, a um japonês que lhe tinha solicitado a sua autobiografia:
Sou português. Nasci em Lisboa (a capital do país) no dia 30 de Maio de 1854.
Estudei o curso de marinha e dediquei-me a oficial da marinha de guerra. Em tal
qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas da África, da Ásia, da América, etc. Estive cerca de cinco anos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a
bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasáqui, Kobe e Yokohama.
Em 1893, 1894, 1895 e 1896 voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço
do Governo de Macau, onde eu então estava comissionado na capitania do porto
de Macau. Em 1896 regressei a Macau, demorando-me por pouco tempo e
voltando ao Japão (Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo
e Osaca, lugar que exerci até 1913.
Em tal data, sentindo-me doente e julgando-me incapaz de exercer um cargo
público, pedi ao Governo português a minha exoneração de oficial de marinha e
de cônsul, que obtive, e retirei-me para a cidade de Tokushima, onde até agora
me encontro, por me parecer lugar apropriado para descansar de uma carreira
trabalhosa e com saúde pouco robusta.
Devo acrescentar que, em Kobe e Tokushima, escrevi, como mero passatempo,
alguns livros sobre costumes japoneses, que foram benevolamente recebidos
pelo público de Portugal. (pp. 39-40)
Embora os portugueses tenham sido os primeiros europeus a entrar em contacto
com o Japão, e malgrado o fascínio que o Oriente sempre exerceu sobre os povos ocidentais, há na literatura portuguesa escassos relatos sobre o país do Sol
Nascente. É Wenceslau de Moraes, três séculos após a chegada dos portugueses a Tanegashima, o responsável pelos mais belos textos sobre o Japão, suas
gentes, paisagens e artes.
Moraes deixa dois filhos – José e João – da sua ligação com a chinesa Atchan.
Mas o seu grande amor é a japonesa O-Yoné, uma gueixa que conheceu em
Osaca no tempo em que era diplomata. Depois da morte precoce de O-Yoné,
para estar junto das suas cinzas, vai viver para Tokushima. Ko-Haru, sobrinha
de O-Yoné e quarenta anos mais nova do que Moraes, é a sua segunda mulher
japonesa. Com ela viverá uma relação acidentada, desagradável até. Ko-Haru
também morre jovem, aos 23 anos. Estes seus amores dramáticos ficaram registados num seu livro intitulado O-Yoné e Ko-Haru.
Moraes morre aos 75 anos, na noite de 30 de Junho para 1 de Julho de 1929. Só.
Armando Martins Janeira . Peregrino |41
1956
O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes
no Japão, Manuel Barreira-Editor, Porto, 1956.
Edição de luxo de 300 exemplares impressos em papel de arroz japonês, ilustrados com reproduções de gravuras a cores de notáveis artistas japoneses. É
a primeira obra que Janeira dedica integralmente a Wenceslau de Moraes, e
considera-a o seu melhor livro até então.
Na crítica literária do Diário de Notícias de 14 de Março de 1957, João Gaspar
Simões considera O Jardim do Encanto Perdido como o «retrato que faltava para
que o autor d’Os Serões no Japão viesse a ocupar o lugar que realmente lhe
compete na galeria das nossas figuras literárias do fim do século XIX».
O livro foi escrito em 1954, no centenário do nascimento de Moraes, e constitui
uma das mais importantes fontes de documentação para o estudo da vida e da
obra do «exilado» de Tokushima:
Na opinião de Moraes, [...] o Ocidente perdeu os ideais e a pureza, e só já tem,
para oferecer aos homens, alguns áridos sistemas e teorias sem substância, que
não satisfazem as suas ansiedades. Feito este tremendo julgamento, Moraes
decide abandonar tudo o que até então eram os seus interesses e hábitos, e
como que se despede da sua própria alma, tal como o insecto que deixa para
trás a crisálida e se lança numa nova encarnação. (p.26)
À versão japonesa deste livro, Janeira juntou-lhe um estudo sobre Lafcadio Hearn
e Wenceslau de Moraes e um outro intitulado Bases Ocidentais e Orientais para
um Humanismo Universal. Essa obra, com tradução de Minako Nonoyama, professor da Universidade de Línguas Estrangeiras de Tóquio, teve como título Yoake no
Shirabe (Em Busca da Madrugada), Katsura Shobo, 1968.
[CIBM]
1954
Armando Martins Janeira em Okutama, no Japão, na época em que escrevia O Jardim do Encanto Perdido.
Sobre a mesa, o livro Relance da Alma
Japonesa, de Wenceslau de Moraes.
Foi o primeiro livro de Moraes que Janeira comprou e leu e que o levou a
interessar-se pela vida e obra deste
escritor.
[CIBM]
42 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Bilhetes-postais ilustrados com cenas
da vida e da cultura japonesa, enviados por Wenceslau de Moraes, para
Portugal, à sua irmã Francisca Paúl:
1| «Segue este 7.º bilhete-postal do
chá.»
2| Templo da Lua, em Kobe.
3| Templo dedicado à raposa, em Kobe.
«Quantas vezes, minha boa Chica, eu
tenho subido estas longas escadas
de pedra, para ir tomar o fresco lá em
cima!...»
1|
4| «Para variar de caras, de que tenho
ainda uma boa ninhada para te mandar, segue agora esta menina, que se
entretém a tocar flauta, à sua janela,
em frente do jardim!»
5| «Aproveitando mais um correio,
mando-te esta menina, para te dizer
que estou vivo.»
[CIBM]
3|
2|
4|
5|
Armando Martins Janeira . Peregrino |43
1962
Peregrino, Livraria Portugal, Lisboa, 1962.
Sobre este livro, escreve João Gaspar Simões no suplemento literário do Diário
de Notícias, em 17 de Outubro de 1963:
Armando Martins Janeiro, que a Wenceslau de Moraes tem dedicado uma
bibliografia das mais valiosas e preciosas com que contamos, publicou agora
um pequenino roteiro de uma visita no Japão à terra onde viveu o autor de Dai-Nippon, no dia da inauguração do monumento que lhe mandou erguer a cidade
de Tokushima. [...] Graças a uma excepcional penetração e a um raro sentido
do humano, mais uma vez analisa fundo e sentidamente o caso estranho desse
português que trocou a sua religião pela religião budista, vivendo e morrendo
como um verdadeiro oriental.
Traduzido para japonês.
[CIBM]
1966
Um Intérprete Português do Japão – Wenceslau de Moraes, Imprensa Nacional,
Instituto Luís de Camões, Macau, 1966.
Depois de O Jardim do Encanto Perdido e Peregrino, este é o terceiro livro que
Armando Martins Janeira dedica exclusivamente a Moraes.
Quase vinte anos depois, o tradutor japonês Kazuo Okamoto traz-nos a versão
inglesa deste estudo: A Portuguese Interpreter of Japan: Wenceslau de Moraes,
Ken Kyoiku Insatu Co. Ltd., Tokushima, 1985.
Também traduzido para japonês.
[CIBM]
1971
Wenceslau de Moraes, Antologias Universais, selecção de textos e introdução
de Armando Martins Janeira, Portugália Editora, Lisboa, 1971; 2.ª ed. (póstuma),
prefácio de Daniel Pires, Vega, Lisboa, 1993.
Esta é a última obra que Janeira dedica a Moraes. Inclui uma extensa introdução
sobre a vida e a obra deste escritor.
[CIBM]
44 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Estatueta de Wenceslau de Moraes de
cerâmica esmaltada.
[CIBM]
Peregrina da ilha de Shikoku, no Japão. Nesta ilha faz-se o circuito da peregrinação por oitenta e oito templos.
Tokushima, onde Wenceslau de Moraes
viveu, na ilha de Shikoku, era um ponto
de reunião dos peregrinos.
[MBS]
Armando Martins Janeira . Peregrino |45
Dançarina do Awa-odori de Tokushima, com o traje típico e o seu chapéu
de palha.
Bon significa mortos, e odori, dança.
Bon-odori é o nome geral das danças dos mortos, tendo cada região um
nome para a sua dança. Em Tokushima é o Awa-odori, pois Awa é o antigo nome daquela província. Como
escreveu Wenceslau de Moraes em O
Bon-Odori em Tokushima, «não são só
as gueixas que dançam; dança meia
população da cidade, incluindo também os velhos decrépitos, as velhas
decrépitas, os infantes tenros; todos
os vivos se divertem glorificando os
mortos».
O festival Awa-odori junta milhares de
dançarinos que se movem harmoniosamente ao som de gongos e do compasso cadenciado de tambores, criando uma atmosfera muito especial. É
uma dança famosa em todo o Japão.
[MBS]
Kokeshi de Tokushima, interpretando a
dança do Awa-odori.
[CIBM]
46 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Garrafa e dois copos de sakê, com figuras do Awa-odori.
O sakê é uma bebida alcoólica tipicamente japonesa, obtida pela fermentação do arroz.
[CIBM]
Pentes de gueixa de madeira lacada
pintada.
As gueixas são mulheres dedicadas
às artes, tornando-se, pela sua educação, anfitriãs altamente especializadas.
Cantam, dançam e tocam melodias.
Uma aprendiza de gueixa, a maiko, começa na sua infância a ser treinada no
canto, dança, música, etiqueta, comportamentos, escrita, arranjos florais,
cerimónia do chá e noutros talentos.
Wenceslau de Moraes foi casado com
uma gueixa de nome O-Yoné.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |47
CHA-NO-YU
CERIMÓNIA DO CHÁ
48 | Armando Martins Janeira . Peregrino
O chá foi introduzido no Japão por volta do século VIII, originário da China. Considerado uma bebida muito preciosa, e também medicinal, o hábito de beber chá
ganhou raízes mais profundas entre as classes aristocráticas e os monges do
budismo zen.
O maior de todos os mestres de chá, Sen-no-Rikyu, que viveu no séc. XVI, transformou este hábito num ritual com regras, a que se deu o nome de cerimónia
do chá, ou cha-no-yu, que literalmente significa «água quente de chá». Praticada
em ocasiões festivas ou muito íntimas, a cerimónia do chá tem o objectivo de
purificar a alma do homem através da união com a natureza.
A estética e a mensagem da cha-no-yu fascinaram os jesuítas portugueses, que
conviveram aliás com Sen-no-Rikyu, o qual se deixou influenciar pela liturgia
católica nalguns gestos rituais da cerimónia.
A planta do chá faz parte da família das camélias – camelia sinensis. No Japão,
as plantações florescem desde a Antiguidade e as melhores estavam e ainda
estão localizadas na região de Uji, perto de Quioto. A apanha regular das tenras
folhas dos rebentos garante colheitas em diferentes estações.
LENDA DA ORIGEM DO CHÁ
Daruma é o monge indiano que levou o budismo zen para a China. Pela postura
dos muitos anos de meditação, Daruma perdeu o uso dos membros e por isso é
representado com a forma de uma bola. Conta a lenda que Daruma, ao fim de
dez anos de meditação, fraquejou e adormeceu. Por isso, ao acordar, cortou as
pálpebras, para que tal não voltasse a acontecer, e estas, ao caírem no chão, transformaram-se no arbusto do chá. O chá viria a ser a bebida adoptada pelos monges
budistas zen, para não adormecerem nas suas longas horas de meditação.
Daruma, de madeira.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |49
Natsume. Caixinha de madeira revestida a laca vermelha com decoração
relevada a ouro (taka maki-e), onde é
colocado o chá verde em pó.
[CIBM]
Alguns dos elementos habitualmente presentes numa cerimónia do chá:
- Chashaku. Colher fina de bambu para tirar o chá em pó da natsume.
- Konpeito. Doce típico de Nagasáqui, que teve origem nos confeitos tradicionais
portugueses. O konpeito japonês é mais translúcido do que os confeitos portugueses pois a sua confecção é mais elaborada e demorada.
- Chakin. Pano de linho usado para enxugar a malga do chá.
- Hishaku. Concha de bambu para tirar água quente da panela de ferro (kama)
para a preparação do chá e para tirar água fria de uma pequena tina (mizusashi)
para repor a que se tirou da panela.
- Chasen. Vassourinha de bambu usada para fazer o chá.
- Fukusa. Pano de seda para limpeza simbólica dos utensílios; este pano é dobrado de forma especial durante as diversas fases da cerimónia do chá.
- Fukusa basam. Bolsa de seda para guardar o pano de seda e o papel (o-kaishi)
dos bolos.
- Sensu. Pequeno leque. O leque, uma invenção japonesa, terá aparecido em
Quioto, no início do séc. XIX. Há leques para danças, há-os que servem de objectos de adorno ou para refrescar quem os usa. Além de sensu, o leque também
é chamado de ogi.
- Kashi-ki. Prato para doces.
- Okashi. Bolachas de massa de hóstia pintadas à mão.
- Kuromoji. Palito para bolos.
50 | Armando Martins Janeira . Peregrino
O CHÁ E A CRUZ
De todos os grandes veículos que transportaram ideias e culturas entre países
e continentes, foi a religião que exerceu a maior influência sobre os povos. Na
história da cristianização no Japão relatada por João Rodrigues, num dos capítulos acerca da arte do chá, descobrimos o profundo conhecimento do autor sobre
esta prática. O «passatempo» não tinha nenhum significado religioso e podia ser
praticado por cristãos. Os missionários tinham nas suas casas uma sala especial
destinada ao rito do chá para, por esse meio, desenvolverem relações sociais
com autoridades e notáveis japoneses e, na atmosfera serena da casa do chá, a
chaseki, propagarem a doutrina cristã.
Desde a oração de domingo dos criptocristãos de Quioto, a chamada Chabi, ou dia
do chá, até ao vestuário e aos doces tradicionais, com a forma circular da hóstia
sagrada, notamos a influência ocidental na mais nipónica de todas as artes, o que
dá uma ideia do prestígio que os Portugueses conquistaram no Japão.
Chawan. Malgas de cerâmica para tomar o chá, feitas à mão por Armando
Martins Janeira.
[CIBM]
A história da cerâmica acompanha a história das civilizações desde a descoberta
do fogo. A argila queimada é utilizada em todas as sociedades para a realização
de objectos decorativos, utilitários e outros com fins rituais. Beleza, criatividade e
sofisticação são características associadas à cerâmica japonesa. Os monges zen
foram dos primeiros a exaltar a virtude e beleza da simplicidade e austeridade.
Desde os tempos mais antigos, a cerâmica de cada região do Japão possui uma
característica própria, e ainda hoje as tradicionais regiões produtoras continuam
a prosperar, produzindo obras de arte eternas através da utilização de materiais
e técnicas tradicionais, refinadas por muitos séculos de experiência.
1968
Armando Martins Janeira tomando chá
no templo Sanzen-in, em Sakyo-ku, em
Quioto.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |51
NAMBAN
52 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, em 1543, à
ilha de Tanegashima. As armas de fogo que traziam impressionaram bastante
os japoneses, que logo se aperceberam do seu valor, passando a copiá-las e a
aperfeiçoar-se no seu uso.
Os portugueses foram apelidados de namban-jin – os bárbaros do sul. Daí que,
na arte japonesa, o termo namban se aplique às obras de arte que surgiram dos
contactos entre japoneses e europeus, especialmente portugueses. Também se
chama namban à arte ligada ao cristianismo, bem como aos costumes e usos
portugueses. Os elegantes da época usavam os trajes namban, rosários e cruzes
como ornamentos, e recitavam na rua orações cristãs, não porque fossem católicos mas porque achavam bonito.
Os pintores da escola Kano imortalizaram nos magníficos biombos de papel do
séc. XVI cenas da vida ligadas aos portugueses, à actividade das naus ancoradas, aos trajes exóticos e aos seus costumes estranhos.
1970
O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, Publicações Dom Quixote,
Lisboa, 1970; 2.ª ed. (póstuma, mas inclui ainda a revisão do autor), prefácio de
Pedro Canavarro, 1988. A tradução para japonês, de Takiko Matsuo, foi publicada em 1971.
É a primeira grande investigação de Janeira sobre a presença portuguesa no
Japão:
A chegada dos Portugueses ao Japão não foi planeada nem cientificamente
conduzida, mas deu-se antes por acaso, num junco levado por uma tempestade.
Isto não faz desmerecer da capacidade dos pilotos e marinheiros portugueses,
que então, é por todos reconhecido, eram os melhores do mundo. Apenas mostra que as notícias da existência do Japão eram vagas mesmo para os mercadores Portugueses que desde havia três décadas frequentavam as vizinhas costas
da China. (2.ª ed., p. 25)
[CIBM]
1981
Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, prefácio de
Shusaku Endo, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1981.
Novo estudo sobre a presença portuguesa no Japão, é a continuação natural de O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa. Na foto da capa, o
monumento aos Grandes Portugueses do Japão, em Nagasáqui, da autoria do
escultor Martins Correia. Nos medalhões: Jorge Álvares, Francisco Xavier, Luís
Fróis, João Rodrigues, Luís de Almeida e Wenceslau de Moraes.
No prefácio, assinado por Shusaku Endo, o mais famoso escritor católico japonês, lê-se:
Portugal foi a origem dum choque muito importante na história do Japão.
Infelizmente, poucos portugueses parecem conhecer este facto. Não é conhecido porque, desde o isolamento do Japão, as relações entre Portugal e o Japão
foram completamente cortadas por longo tempo, e passaram muitos anos até
que os dois países pudessem de novo falar como amigos.
Todavia conheço dois portugueses que são profundamente versados no Japão.
Um é o vosso escritor Wenceslau de Moraes, que viveu muitos anos no Japão, e
aqui morreu. Não preciso de vos dizer quem ele é. O outro é o autor deste livro,
Martins Janeira. (p. 12)
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |53
Malga de arroz com tampa e copo de
sakê do séc. XVIII, com figuras e barcos holandeses. Porcelana imari.
Imari, na região noroeste da província de Saga, cresceu como cidade
portuária, onde a sua loiça era carregada e exportada no período Edo.
Nessa época, a loiça era fabricada na
cidade vizinha de Arita, mas exportada
do porto de Imari. Por isso, a cerâmica
de Arita ficou a ser conhecida como
Imari. Estas preciosas peças chegavam à Europa através do entreposto
comercial holandês de Nagasáqui.
[CIBM]
Fumi-e. Cópia moderna. Imagem sagrada, da Virgem ou de Cristo, que os
cristãos deviam pisar como prova final
de que haviam renunciado à sua fé. A
partir de 1628 passou a realizar-se
uma cerimónia anual em Nagasáqui,
em que todos os suspeitos de serem
cristãos deviam calcar o fumi-e. No
norte de Kyushu, ilha onde se situa
Nagasáqui, o costume manteve-se até
1858.
[CIBM]
Polvorinho do séc. XVIII de madeira lacada pintada com figuras namban.
[CIBM]
54 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Namban-jin, «bárbaro do Sul». Porcelana imari moderna.
Em O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, são assim caracterizados os portugueses:
A crónica japonesa Teppo-ki [...] reproduz as observações do chinês que
fez de intérprete dos primeiros portugueses que chegaram a Tanegashima,
observações estas que não deviam
ser diferentes dos comentários feitos
pelos japoneses sobre esse estranho
grupo de aventureiros:
«Estes homens, bárbaros do Sudeste,
são comerciantes. Compreendem até
certo ponto a distinção entre superior
e inferior, mas não sei se existe entre
eles um sistema próprio de etiqueta.
Bebem um copo sem o oferecerem
aos outros; comem com os dedos, e
não com pauzinhos como nós. Mostram os seus sentimentos sem nenhum rebuço. Não compreendem o
significado dos caracteres escritos.
São gente que passa a vida errando
de aqui para além, sem morada certa,
e trocam as coisas que possuem pelas
que não têm, mas no fundo são gente
que não faz mal.» (2.ª ed., p. 31)
Tsuba. Copo de espada em forma de
cruz, que os samurais cristãos usavam
para obter a protecção de Deus. Cópia
moderna.
As tsuba tinham uma função simbólica
e eram muitas vezes decoradas com
um motivo com significado especial
para o seu detentor, reflectindo a sua
força, personalidade e linhagem. As
inscrições na tsuba ofereciam protecção e orientação espiritual a quem a
usava. Hoje são refinadas peças de
arte e apesar de só se usarem em
ocasiões de Estado, a espada japonesa e os seus acessórios permanecem
um símbolo de autoridade e lembram
o passado poderoso e por vezes tumultuoso dos samurais do Japão.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |55
Freiras católicas de Amakusa, no Japão, de papel e tecido. Bonecas do
século XX, que traduzem o espírito
exótico das figuras namban dos sécs.
XVI e XVII.
[MBS]
Freiras, de madeira, do convento trapista de Hakodate, em Hokkaido, no
Japão.
[MBS]
Bola namban de Amakusa. Simboliza a
eterna felicidade.
Um mártir cristão deixou de presente à
sua noiva uma bola que ele fizera com
fios de seda. A noiva começou a fabricá-las em sua memória. Originalmente
foram usadas em jogos na corte. Actualmente oferecem-se de presente às
meninas no dia de Ano Novo. Há vários tipos de bolas, com desenhos diferentes conforme as regiões em que
são fabricadas.
[CIBM]
56 | Armando Martins Janeira . Peregrino
CORTEJO NAMBAN
Cortejo namban de papel. Reproduzido de um biombo namban pela artista japonesa Komako Ishigaki.
Os biombos namban datam do séc. XVI e foram pintados pelos artistas da Escola Kano, fascinados pelas naus e por todo o exotismo das estranhas gentes
e mercadorias que nelas viajavam. Após a descarga da nau, o cortejo, que se
dirige à Casa da Companhia de Jesus, abre com o capitão-mor vestindo ricas
indumentárias, abrigado por um pára-sol que um escravo segura. Seguem-se os
oficiais, mercadores, escravos da costa de África, indianos, malaios e muçulmanos. Estes transportam as oferendas com que era uso no Oriente presentear as
autoridades com quem se fazia negócio. Encontram-se também jesuítas, vestidos de negro, que serviam de intermediários nas negociações, e a partir de 1603
já se vêem franciscanos, vindos de Manila, vestidos de castanho.
[MBS]
Armando Martins Janeira . Peregrino |57
NÔ
58 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Para Armando Martins Janeira, o Nô, a mais antiga forma do teatro tradicional japonês, contém «a mais bela poesia da literatura japonesa, e alguma da mais bela
poesia do mundo.» Os samurais, antes de partirem para a guerra, gostavam de
assistir a estas representações. Os movimentos lentos da peça desenvolviam a
sua presença de espírito e capacidade de concentração. Os actores são sempre
homens, quer as figuras sejam masculinas ou femininas.
Em O Teatro de Gil Vicente e o Teatro Clássico Japonês, Janeira expõe a essência do nô:
O Nô é um drama lírico. De origem religiosa, apareceu nos começos do século
XIV, provavelmente na corte dos últimos xoguns de Kamakura. À semelhança do
primitivo teatro europeu, nasceu das festas religiosas, em que se louvavam os
poderes e as graças dos deuses, e mais tarde os feitos e quedas dos heróis. A sua
origem filia-se nas danças sagradas, nos mimos e nas farsas que se realizavam
por ocasião das festas da sementeira do arroz. No seu desenvolvimento foi buscar
temas às lendas xintoístas e budistas, algumas destas provindas da China, e às
grandes obras da literatura nipónica. Ainda hoje, antes de dançarem certos bailados do Nô, os actores têm de passar por um período de purificação. [...]
A maior parte das peças Nô versa histórias de amor, actos de heróis guerreiros,
de anjos e demónios, de espíritos que penam no outro mundo por injustiças que
fizeram neste. [...]
Os meios técnicos de que o Nô dispõe – a orquestra e o coro, a galeria de
expressivas máscaras, as roupas ricas, a música, a imobilidade estatuária das
figuras e, sobretudo, a dança, que constitui o centro da peça e que está na sua
origem – procuram dar movimento, cor e interesse à declaração do texto, que é
pura poesia lírica. (pp. 158-162)
1954
Nô, Teatro Lírico Japonês, Livraria Maruzen, edição de luxo, Tóquio, 1954.
250 exemplares numerados, impressos em papel de arroz japonês, com ilustrações.
Esta obra consta de três peças japonesas do teatro nô postas em português por
Armando Martins Janeira, que assina o estudo introdutório em que nos apresenta a esta forma de teatro tradicional japonês. Inclui no fim do livro a versão
japonesa das peças.
[CIBM]
Leque de papel pintado com bolsa de brocado da dança do nô.
Uma actuação de nô raramente dispensa o leque. O sinal para o início de uma
dança é dado pelo leque que o protagonista usa. O leque pode também representar objectos – um frasco de sakê, uma taça, uma espada, etc.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |59
Chujo, máscara do teatro nô do séc. XIX.
Conta-se que esta máscara masculina foi moldada a partir do rosto de Ariwara
no Narihira, famoso poeta japonês do período Heian. Apesar das expressões
faciais acentuadas, tem a boca fina e feminina, as sobrancelhas pintadas mais
acima e os dentes negros, que eram características de um nobre daquela época. As duas marcas entre as sobrancelhas dão-lhe um ar melancólico. Chujo
representa geralmente o espírito do príncipe Heike ou um aristocrata ou nobre
respeitável.
[CIBM]
Ono no Komachi, máscara do teatro nô do séc. XIX.
Komachi, uma das maiores poetisas japonesas do período Heian, é um símbolo
da mulher bonita no Japão. Contam-se lendas sobre os amores de Komachi: a
mais conhecida é a história da sua relação com Fukakusa no Shosho, um importante cortesão. Komachi prometera-lhe, se ele a visitasse cem noites seguidas,
que se tornaria sua amante. Fukakusa no Shosho visitou-a noite após noite, mas
faltou à visita numa das últimas noites. Desesperado, adoece e acaba por morrer.
Quando Komachi sabe da sua morte, mergulha numa profunda tristeza.
Komachi surge em cinco peças do teatro nô, que falam do seu talento na poesia e das suas relações amorosas. Esta máscara é usada na representação de
Sotoba Komachi: velha, tendo perdido a sua beleza, Komachi é abandonada
pelos seus amantes e queixa-se agora da sua vida errante, como uma mendiga louca, apesar de continuar a ser apreciada pelos jovens admiradores da
sua poesia. Trata-se de uma ficção influenciada pelo pensamento budista, que
poderá não ter qualquer semelhança com a realidade histórica.
[CIBM]
Miniaturas de madeira de personagens do teatro nô ornamentavam os
chapéus dos monges e dos músicos
durante o festival do santuário de Kasuga, onde nasceu esse teatro. No
séc. XVII, a partir destes pequenos bonecos, criam-se os Nara-ningyo, com
ângulos bem delineados, pintados com
cores vivas. Ningyo traduz-se por figura humana.
[CIBM]
60 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Okina, vestido de brocado.
Da mais antiga peça nô com o mesmo
nome, Okina, o velho, é a figura abençoada de um ancião de cabelos prateados que, com a sua avançada idade,
executa um bailado para atrair paz e
ordem à Terra.
[CIBM]
Shizuka, vestida de brocado.
Bela bailarina, companheira do popular
herói guerreiro Yoshitsune. Ambos são
personagens do teatro nô. O lendário
general Minamoto Yoshitsune, depois
de vencer o clã Taira, é vítima de intrigas e cai em desgraça ante o seu
irmão, Yoritomo, que detinha o poder.
Vê-se assim obrigado a fugir. Shizuka,
escondida nas montanhas, é capturada por Yoritomo, que depois de a ver
dançar lhe restitui a liberdade. Acaba
professando num mosteiro de monjas
budistas.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |61
MOMOTARO
62 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Momotaro
O «menino pêssego», representado
num boneco de barro colorido, a sair
do pêssego.
[MBS]
Um velho lenhador e a mulher viviam numa aldeia remota. Um dia, a mulher, a
lavar roupa no rio, encontrou um enorme pêssego a flutuar na corrente. Levou-o
para casa e quando o cortou saiu do fruto um menino. O casal de idosos, que
não tinha filhos, alegrou-se com a dádiva dos céus e deu ao bebé o nome de
Momotaro. Momo significa pêssego, e taro, rapaz.
O menino cresceu, tornando-se num rapaz muito forte e valente. Um dia, decidiu
ir à Ilha dos Ogres conquistar os tesouros que eles guardavam. Pediu à mãe
umas bolas de arroz para a viagem.
No caminho encontrou sucessivamente um cão, um macaco e um faisão. Todos
lhe pediram uma bola de arroz, que ele generosamente ofereceu, arranjando
assim três companheiros.
Quando chegaram à Ilha dos Ogres, estes já estavam preparados para comer Momotaro e os seus amigos. O faisão sobrevoou as muralhas do castelo, dando indicações dos movimentos dos ogres; o macaco escalou a muralha, abrindo a fechadura
do portão; e Momotaro e o cão forçaram o portão, derrotando os ogres numa dura
batalha. Os ogres acabaram por prestar homenagem a Momotaro, entregando-lhe
um enorme tesouro. Momotaro carregou um carro com as preciosidades e transportou-as para casa, ajudado pelos três companheiros. Foi recebido em triunfo.
Proporcionou aos pais e à aldeia uma vida feliz, com paz e abundância.
Momotaro tornou-se numa figura lendária que faz parte dos contos infantis que
todas as crianças japonesas conhecem e adoram e que Armando Martins Janeira contava repetidamente aos seus filhos, em japonês, abrindo-lhes assim o
caminho para a aprendizagem da língua japonesa.
Caracteres hiragana
Caracteres de madeira, por onde Janeira
começou a aprender a língua japonesa.
O hiragana é um dos alfabetos silábicos da língua japonesa. Com o katakana e o kanji, compõe o sistema
de escrita japonês. O alfabeto latino
também é usado nalguns casos.
[CIBM]
Armando Martins Janeira . Peregrino |63
UKIYO-E e dispersos
64 | Armando Martins Janeira . Peregrino
Ukiyo-e.
O Fuji no Meio da Tempestade, de
Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, de
Katsushika Hokusai (1760-1848).
Ukiyo-e são gravuras feitas a partir de
blocos de madeira, impressas sobre
folhas de papel; técnicas já aplicadas
no séc. XVII, mas que só viriam a ser
conhecidas no Ocidente na segunda
metade do séc. XIX; xilogravuras.
Ukiyo-e.
Actor de kabuki, de Toyokuni III (1786-1864).
O kabuki é uma forma popular de teatro japonês e, como o nô, tem uma origem religiosa. Crê-se que foi criado no
final do séc. XVI, em Quioto, por uma
sacerdotisa do templo xintoísta de
Izumo, chamada Okuni, que desempenhava papéis masculinos e cantava
com o rosto descoberto. As representações por mulheres foram proibidas,
passando todos os papéis femininos
a ser desempenhados por homens e,
ao contrário do nô, não usam máscaras, mas apresentam-se excessivamente maquilhados e vestem-se com
riquíssimos quimonos. Para Armando
Martins Janeira, o kabuki é essencialmente arte cénica, altamente evoluída,
com uma riqueza de meios atingindo
uma beleza plástica deveras estilizada
e combinando com perfeição e harmonia todas as artes que no palco colaboram – a poesia, a mímica, a dança
e a música.
Armando Martins Janeira . Peregrino |65
Cópia de mapa-biombo do porto e da
cidade de Nagasáqui, no Japão, no séc.
XVII. Reprodução de pintura japonesa,
de autor desconhecido, sobre papel
de amoreira, destinada a um biombo
namban. A pintura original encontra-se
no Museu de Marinha, em Lisboa, e foi
oferecida ao Museu por Armando Martins Janeira.
Em 9 de Agosto de 1945, já no fim da
Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos lançaram uma bomba atómica
sobre a cidade de Nagasáqui. Com a
explosão, um terço da cidade transformou-se em cinzas e calcula-se em
74 000 o número de mortos. Depois
da guerra, Nagasáqui construiu o Parque da Paz, um símbolo do desejo da
paz eterna e da extinção das armas
nucleares. Todos os anos, no dia 9 de
Agosto, realiza-se uma cerimónia para
comemorar os mortos.
[MBS]
Uchi-kake. Casaco que se usa por
cima do quimono de noiva. Antigo, de
seda lavrada, ricamente decorado, com
flores de crisântemos e de paulónia e
leques, bordados a ouro.
O crisântemo é um símbolo de longevidade, com propriedades medicinais,
sendo considerado como a mais nobre
das flores. O crisântemo de dezasseis
pétalas é o símbolo da família imperial.
A própria flor simboliza ainda o sol.
[CIBM]
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Abreviaturas
[CIBM] Colecção Ingrid Bloser Martins
[AHMC/APSS-EAMJ] Arquivo Histórico Municipal de Cascais/
Arquivos Pessoais/Embaixador Armando Martins Janeira
[MBS] Museu do Brinquedo de Sintra
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Ficha Técnica
Edição
Câmara Municipal de Cascais
Coordenação
António Carvalho
Helena Xavier
Comissária Executiva
Paula Mateus
Textos
Paula Mateus
Ingrid Bloser Martins
Maria Helena Morais e Castro
Fotografia
Ingrid Bloser Martins
Carlo Maria Bloser
Design e Paginação
Ana Pinheiro
Impressão
DPI Cromotipo
Tiragem
500 exemplares
ISBN
978-972-637-189-2
Agradecimentos
Ingrid Bloser Martins
Carlo Maria Bloser
Maria Helena Morais e Castro
Museu do Brinquedo de Sintra
Galera Modas
Setembro 2008
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