NOTA SOBRE O ACORDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE

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NOTA SOBRE O ACORDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE
NOTA SOBRE O ACORDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA NO
PROCESSO C-112/11
A venda de passagem aérea, quando feita pela internet, não pode incluir o seguro de cancelamento
de voo pré-selecionado por defeito
Como “suplemento opcional”, o seguro de cancelamento de voo deve ser apresentado apenas como
uma opção deliberada (“opt-in basis”) por escolha expressa do passageiro e não por defeito
Em 19 de Julho de 2012, foi proferido Acórdão1 no processo C-112/11 pelo Tribunal de Justiça – 3ª
secção, em pedido de decisão prejudicial2, nos termos do artigo 267.° do TFUE, que opõe a empresa
ebookers.com Deutschland GmbH contra a Bundesverband der Verbraucherzentralen und
Verbraucherverbände – Verbraucherzentrale Bundesverband eV3 (a seguir designada como BVV).
A decisão a título prejudicial teve por objeto a interpretação do artigo 23°, n° 1, do Regulamento (CE)
n° 1008/20084 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Setembro de 2008, relativo a regras
comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade, tendo sido solicitada ao Tribunal de
Justiça pelo Tribunal Alemão (Oberlandesgericht Köln), na sequência de ação interposta pela BVV
para apreciação da legalidade do modo de comercialização das viagens através de portal
disponibilizado pela ebrookers.com.
A ebookers.com comercializa viagens através de portal da Internet que ela própria opera. Quando
um cliente seleciona um determinado voo, no âmbito do processo de reserva disponível através
desse portal, aparece a listagem dos custos referentes a essa reserva na parte superior direita da
1
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?doclang=PT&text=&pageIndex=3&docid=125
213&mode=req&part=1&occ=first&dir=&cid=79549
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Os Tribunais Nacionais dirigem-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que esclareça a
interpretação de um elemento do direito da União Europeia para decisão de questão que foi
submetida à sua jurisdição.
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União Federal das centrais e associações de consumidores
Art.º 23 -Informação e não discriminação
1. As tarifas aéreas de passageiros e de carga ao dispor do público devem incluir as condições
aplicáveis oferecidas ou publicadas sob qualquer forma, inclusive na internet, para serviços aéreos
a partir de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ao qual o Tratado seja
aplicável. O preço final a pagar deve ser sempre indicado e deve incluir a tarifa aérea de
passageiros ou de carga aplicável, bem como todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas
aplicáveis que sejam impreteríveis e previsíveis no momento da publicação. Para além da
indicação do preço final, devem especificar-se pelo menos os seguintes elementos:
a) Tarifa aérea de passageiros ou de carga;
b) Impostos;
c) Taxas de aeroporto; e
d) Outros encargos, sobretaxas e taxas, tais como as relacionadas com a segurança ou o
combustível;
sempre que os elementos enumerados nas alíneas b), c) e d) tenham sido acrescentados à tarifa
aérea de passageiros ou de carga. Os suplementos de preço opcionais devem ser comunicados de
forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer processo de reserva, e a sua aceitação
pelo passageiro deve resultar de uma opção deliberada deste último.
2. Sem prejuízo do nº 1 do artigo 16º, o acesso às tarifas aéreas de passageiros e de carga dos
serviços aéreos a partir de um aeroporto situado no território de um Estado-Membro ao qual o
Tratado seja aplicável, ao dispor do público, é concedido sem discriminações com base na
nacionalidade ou no local de residência do cliente ou no local de estabelecimento do agente da
transportadora aérea ou outro vendedor de bilhetes na Comunidade.
página do sítio Internet da ebookers.com, com a legenda “custos efetivos da viagem”. Para além dos
custos do voo propriamente dito, esta listagem inclui também uma quantia referente a «taxas e
impostos» bem como os custos relativos a um “seguro de cancelamento da viagem”, contabilizados
por defeito (“opt-out basis”).
A soma destes custos representa o “preço total da viagem”. Quando a reserva se torna definitiva o
cliente paga um preço único à empresa, que inclui taxas obrigatórias e o referido seguro de
cancelamento. A empresa, por sua vez, paga à seguradora, entidade jurídica e economicamente
independente desta, o seguro de cancelamento de viagem contratado pelo cliente. De igual modo, a
ebookers.com entrega as taxas e os impostos aos respectivos beneficiários. Se o cliente não
pretender subscrever o seguro de cancelamento da viagem é informado sobre o modo de
procedimento a seguir com vista à sua recusa deliberada (opt-out Basis).
A BVV considera que este processo de comercialização de viagens aéreas é contrário ao art.º 23º nº
1, do Regulamento (CE) n° 1008/2008 e exige que a empresa cesse de prever, no âmbito de reserva
de voos na sua página de Internet, a subscrição por defeito de um seguro de cancelamento de
viagem (opt-out basis), tendo intentado uma acção em 28 de Dezembro de 2009, no Landegericht
Bonn5, que por decisão de 19 de Julho de 2009, foi julgada procedente.
No âmbito dessa decisão, e por recurso interposto em 23 de Agosto de 2010 pela ebookers.com, o
Oberlandesgericht Köln6 tem dúvidas sobre se a oferta da ebookers.co em causa no processo
principal entra no âmbito de aplicação do art.º 23º do citado regulamento CE, sendo que a resolução
do litígio no processo depende da interpretação dessa disposição e entendendo que nem da sua
redacção nem da sua génese indicam de forma inequívoca se a mesma é aplicável a este litígio, pelo
que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:
«O artigo 23°, n°1, do Regulamento n° 1008/2008 – nos termos do qual os suplementos de preço
opcionais devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer
processo de reserva e a sua aceitação pelo passageiro deve resultar da sua opção deliberada
(“opt-in”) – abrange igualmente os custos de prestações de terceiros (in casu: a proposta de um
contrato de seguro de cancelamento de viagem) conexas com a viagem aérea que são incluídos pelo
intermediário da viagem aérea no preço global da passagem a pagar pelo passageiro?»
Assim, quanto à questão prejudicial o órgão de reenvio (Oberlandesgericht Köln) pergunta no
essencial se o conceito de “suplementos de preço opcionais” deve ser interpretado no sentido que
abrange os preços dos serviços relacionados com a viagem aérea, como o seguro de cancelamento
de voo em causa no processo principal, prestados por uma entidade diferente da transportadora
aérea e faturados ao cliente pelo vendedor dessa viagem juntamente com a tarifa do voo, sob a
forma de um preço global.
Importa, ter em conta, que é jurisprudência assente que para interpretar uma disposição do direito
da União se deve ter em conta não só os termos desta mas também o seu contexto e os objectivos
prosseguidos pela regulamentação em que se integra.
5
6
Tribunal Distrital de Bona
Tribunal Regional Superior de Colónia
Nos termos do considerando 16 do Regulamento n° 1008/2008:
«Os clientes deverão poder comparar de forma efetiva os preços dos serviços aéreos das diferentes
companhias aéreas. Por conseguinte, o preço final a pagar pelo cliente pelos serviços aéreos
prestados com partida na Comunidade deverão ser sempre indicados, incluindo todos os impostos,
encargos e taxas. [...]»
O artigo 2°, n° 18, deste regulamento, define «tarifa aérea de passageiros», para efeitos do mesmo,
como sendo:
«[…] o preço, expresso em euros ou na moeda local, a pagar às transportadoras aéreas, aos seus
agentes ou a outros vendedores de bilhetes pelo transporte de passageiros por meio de serviços
aéreos, bem como todas as condições de aplicação desses preços, incluindo a remuneração e as
condições oferecidas às agências e outros serviços auxiliares».
De igual modo, o artigo 2°, n° 19, do referido regulamento define «tarifa aérea de carga», para
efeitos do mesmo, como sendo:
«[…] o preço, expresso em euros ou na moeda local, a pagar pelo transporte de carga, bem como as
condições de aplicação dos referidos preços, incluindo a remuneração e as condições oferecidas às
agências e outros serviços auxiliares».
O disposto no art.º 23º do Regulamento (CE) nº 1008/2008 visa garantir a informação e a
transparência dos preços dos serviços aéreos e, nessa medida, contribuir para assegurar a protecção
do cliente que recorre a estes serviços, ao falar-se que os suplementos de preço opcionais devem ser
comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer reserva e a sua
aceitação deve resultar duma opção deliberada do passageiro, incluirá a proposta de um contrato de
seguro de cancelamento de viagem (no caso) conexa com a viagem aérea que são incluídos pelo
intermediário da viagem aérea no preço global da passagem a pagar pelo passageiro?
Ora, este requisito específico dos suplementos de preço opcionais, na aceção do artigo 23°, n° 1,
último período, do Regulamento n° 1008/2008, visa impedir que o cliente de serviços aéreos seja
incentivado, no âmbito do processo de reserva de um voo, a adquirir serviços complementares ao
voo propriamente dito que não são impreteríveis nem indispensáveis para efeitos desse voo, a
menos que opte expressamente por adquirir esses serviços complementares e pagar o
correspondente suplemento de preço. Este requisito corresponde, de uma maneira geral, no que diz
respeito aos direitos dos consumidores em matéria de pagamentos suplementares, ao disposto em
diversa legislação da UE em conformidade com a qual antes de o consumidor ficar vinculado por uma
oferta, o profissional está obrigado a obter o consentimento expresso do consumidor em relação a
qualquer pagamento suplementar à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual
principal do profissional, não podendo este consentimento ser deduzido pelo profissional a partir de
opções estabelecidas por defeito que o consumidor deva recusar para evitar esse pagamento
suplementar.
Importa referir que por ser contrário aos direitos dos consumidores, essa proteção dada pela
legislação deve abranger não só o prestador principal (neste caso a companhia aérea) bem como
qualquer outro prestador acessório, in casu a seguradora.
Assim, o Tribunal de Justiça (Terceira Seção) declarou o seguinte:
“O conceito de “suplementos de preços opcionais, referido no artº 23, nº 1, último período do
regulamento (CE) nº 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Setembro de 2008,
relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade, deve ser interpretado
no sentido de que abrange os preços dos serviços relacionados com a viagem aérea, como o seguro
de cancelamento de voo em causa no processo principal, prestados por uma entidade diferente da
transportadora aérea e faturados ao cliente pelo vendedor dessa viagem juntamente com a tarifa do
voo, sob a forma de um preço global.”

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