Journal de France, o diário em imagens do fotojornalista Raymond

Transcrição

Journal de France, o diário em imagens do fotojornalista Raymond
ID: 44426787
26-10-2012
Tiragem: 43276
Pág: 31
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 16,51 x 31,33 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
DR
Cineasta documental e fotógrafo, Depardon expõe e as suas origens como “homem da imagem”
Journal de France, o diário
em imagens do fotojornalista
Raymond Depardon
Festa do Cinema Francês
Jorge Mourinha
O percurso de um dos
grandes fotojornalistas
franceses contado na
primeira pessoa — e como
uma história de amor
Ao longo de uma carreira de mais
de 50 anos, o fotógrafo e cineasta
francês Raymond Depardon tornou-se num dos “incontornáveis”
da história das imagens. Primeiro,
enquanto fotojornalista e grande
repórter; depois, enquanto cineasta documental, mas também como fundador da agência fotográfica
Gamma, entendendo o fotógrafo
como senhor de um olhar e de uma
visão específicas sobre o mundo.
Por isso, vindo de alguém como
Raymond Depardon, um título como Journal de France — Diário de
França — projecta uma ideia muito
específica.
“A ideia de partida era um diário
escrito com imagens,” como explica ao PÚBLICO do outro lado do telefone Claudine Nougaret, cúmplice
de Depardon na vida e na obra e
co-autora de Journal de France. Mas
nem tudo o que parece é. E este documentário, estreado no Festival de
Cannes de 2012 e hoje exibido no
Porto, no Rivoli, na Festa do Cinema
Francês, mais do que um simples
“diário” do percurso de Depardon,
vira a câmara para o próprio fotógrafo. Cruza documentos inéditos
do seu arquivo (com excertos das
suas passagens pela República Centro-Africana durante a eleição de
Bokassa, por Praga na invasão russa
da Checoslováquia ou pela guerra
civil nigeriana no Biafra) com uma
reconstituição da sua viagem fotográfica pela França, com o próprio
Depardon a falar do seu método e
da sua técnica face à câmara.
Claudine Nougaret, há 30 anos
com Depardon, explica que o projecto nasceu da vontade do fotógrafo de regressar ao material em
arquivo, mas também do desejo de
explicar o que o levou a ser “um
homem da imagem”. “Era de facto
a nossa intenção explorar o olhar
do autor, a liberdade criativa,” diz.
“A nossa
abordagem
sempre foi estar
o mais próximo
possível do que
vemos e restituílo. A TV deu-nos
tantas horas de
directos que já não
é possível termos o
mesmo olhar”
“Mas começaram a surgir outras
perguntas: como transmitir às novas gerações as nossas técnicas de
fazer filmes? No fundo, tornou-se
um filme de transmissão. Através
do retorno aos arquivos, é como se
o Raymond tivesse decidido mostrar o modo como se formou enquanto fotógrafo.”
Que não se confunda Journal de
France, contudo, com uma master
class filmada. Nougaret ri-se com
a ideia. “Não somos muito dados
às master classes! Trabalhamos melhor através da imagem e do som, à
nossa maneira. É verdade que hoje
a câmara digital mudou muito os
dados: a abordagem já não pode
ser a mesma. Temos a sorte de ter
feito um percurso em comum — ele
à câmara, eu no som — que acaba
por ser bastante original.”
Journal de France evoluiu para um
documentário “de criação”, misturando imagens de arquivo seleccionadas pelo fotógrafo e narradas por
Nougaret, e a recriação da viagem
fotográfica, rodada com uma equipa
de dez pessoas. “Nunca teria sido
possível fazer este filme ao vivo e em
directo,” explica a co-autora, “mas
ao mesmo tempo não podíamos fazer uma ficção. Não queríamos fazer
batota; a nossa abordagem sempre
foi estar o mais próximo possível do
que vemos e restituí-lo. Mas já não é
possível fazer cinema directo como
em filmes como Urgences [1988, sobre o quotidiano dos paramédicos
parisienses]. A TV deu-nos tantas
horas de transmissões em directo
que já não é possível ter o mesmo
olhar enquanto espectadores”.
O que acabou também por ser
uma surpresa foi que Journal de
France tenha acabado por se tornar
num “filme de amor”, como define
Nougaret. O momento em que o fotógrafo e a engenheira de som se conheceram — nas rodagens de O Raio
Verde, de Éric Rohmer, em 1983 — é
a única referência no filme à cumplicidade do casal, através de brevíssimos excertos de filmes caseiros
rodados nesse período (e a única
aparição de Nougaret no filme).
“É um filme de trocas e partilhas,
de momentos raros e de graça. E é
muito raro ver um filme feito deste
modo por um homem e uma mulher, com respeito pelo trabalho do
outro. Costuma haver dois irmãos
ou duas irmãs que filmam juntos,
mas não há muitos casais.”