A cidade como uma obra de arte.

Transcrição

A cidade como uma obra de arte.
A cidade como uma obra de arte.
O espaço urbano a partir da idéia de
Monumento de Jorge Oteiza.
EURAU’12
ABSTRACT. The public space is seen as one of the basic elements in the project
action of the architect for the configuration and understanding of reality and its
synthesis in an enclosure receptive full of artistic intention. One possibility is the
use of the work of art not as a separate object and oblivious to his surroundings,
but as an element able to relate and even generate urban space. Will be from the
analysis and use of context not only as a place of execution of the works, but also
as a fundamental part of it, when we extend the concept of public space to get to
examples where the work is based precisely on the manipulation outer space, be it
natural or urban, neglecting therefore the need for the existence of material object
piece of art. In this sense it is purported to study the Basque artist Jorge Oteiza,
which can relate closely with the different concepts of generating spaces, and the
quest for integration of the work of art with architecture and city.
KEYWORDS: city, art, public space, monument, Oteiza
Jorge E. Ramos Jular* _ Fernando Zaparaín Hernández**
* Dpto. de “Teoría de la Arquitectura y Proyectos Arquitectónicos - Universidad de
Valladolid” (Spain)
Dpto. de “Engenharia Civil e Arquitectura – Universidade da Beira Interior”
(Portugal)
C/ Sauco, 1. 47009 Valladolid (Spain). [email protected]
+34 661 541 527
** Dpto. de “Teoría de la Arquitectura y Proyectos Arquitectónicos - Universidad de
Valladolid” (Spain)
Praça Poniente 1. 47003 Valladolid (Spain). [email protected]
+34 983 339 000
1. Arte como criadora de cidade
O espaço público é visto como um dos elementos básicos na ação projectual do
arquitecto para a configuração e compreensão da realidade e sua síntese num local
receptivo carregado de intenção artística. No entanto, não será na arquitectura mas
em outras correntes artísticas onde, desde os primeiros passos da mudança de
pensamento no início do século XX até às novas tendências conceptuais, se tem
vindo a compreender melhor o conceito de espaço público num quadro em que a
materialidade e a finalidade do trabalho artístico deram lugar a experiências nas
quais o importante não é o trabalho em si, mas as diferentes interpretações que se
fazem do espaço dentro do próprio processo de génesis do mesmo. Estas
experimentações artísticas tomaram em muitas ocasiões a ideia de cidade como
tema de análise, onde a capacidade de representação da sua realidade espacial em
uma ou várias superfícies após a passagem por um processo de experimentação
permitirá a percepção dessa realidade de vários pontos de vista.
Uma das possibilidades é a utilização da obra de arte não como um objeto
independente e alheio ao seu ambiente, mas como um elemento capaz de interagir
e até mesmo gerar espaço urbano. Será a partir da análise e da utilização do
contexto não só como lugar de realização da obra, mas também como parte
fundamental da mesma, que poderemos estender o conceito de espaço público até
chegar a exemplos onde a obra se baseia precisamente na manipulação do espaço
exterior, seja este urbano ou natural, excluindo-se, assim, a necessidade da
existência de objeto material como peça artística.
Como culminação do abandono do âmbito dos museus, galerias, etc., aparecerá a
Land-Art, que transferiu as suas obras para o contexto natural onde são
realizadas: nas montanhas, no mar, no deserto e, por vezes, até na mesma cidade.
A Land-Art rompe inicialmente as ligações tradicionais do objeto com o espaço
interior em que se supõe que deve ser colocado, mas continua a apropriar-se do
espaço exterior de um modo estético e artístico, marcando os padrões de cada
artista. O seu campo de ação é a natureza física num sentido amplo, tanto a
natural, como a transformada industrialmente, convertida em material artístico de
configuração. Ou seja, os mesmos espaços naturais, às vezes com modificações,
são objetos de arte por si só. É um retorno à natureza numa acção transformadora
sobre a mesma, através do estabelecimento de novas relações com esta1.
Podemos encontrar exemplos destas obras através de artistas como, entre outros,
Robert Morris, Robert Smithson, Walter de Maria ou Christo & Jeanne-Claude, os
quais trabalharam "para" e "em" um determinado lugar, criando o conceito de site
specific, onde as condições particulares do projecto em relação ao contexto é o
que define as principais características da obra. Outro dos artistas que mais
aprofunda o conceito de site-specific em muitas das suas esculturas é Richard
Serra. Serra afirma que quando lugar e escultura se tornam inseparáveis, a
percepção da obra não nos separa do mundo real, envolve-nos nele (Layuno, 2001.
17). A relação particular que a escultura estabelece com o lugar vai servir para
definir novos limites espaciais, porque para ele será em relação aos limites do lugar
que a escala é estabelecida e, em última análise, as qualidades espaciais da
escultura e da sua envolvente, conseguindo-se dotar à cidade características
artísticas2. Estas obras são determinadas pelas características que nos oferece o
contexto urbano em que são colocadas. Isto não significa que a escultura se
subordine ao estado atual do ambiente mais próximo, mas contradi-lo e redefine-o,
construindo uma nova maneira de perceber a cidade.
Fig.1
Pode parecer que estas obras se convertem em monumentos modernos como
resultado das novas tendências artísticas da época. No entanto, contra a lógica do
monumento tradicional, estas esculturas não adotam uma função decorativa ou
narrativa. A peça modifica com a sua presença o contexto no qual está instalado,
actuando em contradição com o ambiente. O objectivo é "desprender-se do
conteúdo existente no local", adicionando um novo conteúdo por meio da peça
(Layuno, 2001. 79).
Desde outro ponto de vista, a própria peça escultórica como objecto artístico
individual e auto-suficiente pode aprofundar-se em reflexões sobre noções tais
como a escala, a materialidade ou a relação com o lugar (Hernández, 2003. 164),
interesses comuns à arquitectura e urbanismo. Em algumas esculturas de Esther
Pizarro (Madrid, 1967), por exemplo, a artista propõe uma leitura da paisagem
urbana onde a cidade como uma ferramenta é formulada no interior de caixas
através de um processo de dissolução planimétrica no sentido de criar formas não
hierárquicas e onde o vazio resultante, entendido como lugar onde se
desencadeiam experiências, se torna a questão essencial das suas propostas. Na
série "Construir Cidades" algumas placas metálicas dobram-se sobre si mesmas
prendendo um espaço interno definido por um relevo suave, como a textura da
pele, evocando a topografia da cidade e onde a artista nos convida a uma nova
reflexão sobre a espacialidade. Nas suas próprias palavras: "Se a função da
arquitectura é a edificação de lugares para o abrigo, podemos dizer que a finalidade
da escultura é construir espaços para a reflexão" (Pizarro, 2002. 19).
Fig.2
2. Oteiza, monumentalidade como espaço receptivo
Neste sentido pretende-se estudar o trabalho do artista basco Jorge Oteiza (Orio,
1908 - São Sebastião, 2003), com o qual podemos relacionar estreitamente os
diferentes conceitos de geração de espaços. É de notar a profunda investigação,
tanto ao nível teórico como prático, desenvolvida durante parte do seu extenso
trabalho plástico como escultor acerca da relação intrínseca entre o espaço e o
vazio; bem como a procura da integração da obra de arte com a arquitectura e a
cidade. Na sua vertente teórica Oteiza tenta justificar o lado artístico da cidade
relativamente ao âmbito onde a vida do homem transcende a procura da beleza,
conseguindo-se que esta vida seja considerada uma obra de arte 3. De certa forma,
Oteiza remete-nos ao princípio da primazia do trabalho sobre o plano urbano como
base essencial para a actividade futura da arquitectura, mas onde hierarquias
humanas adquirem importância, propondo uma arquitectura e um modelo de
cidade que fossem expressão da comunidade, tal como postulam os arquitectos
organizados no chamado TEAM X, opondo-se a ideais mais racionalistas do
urbanismo da Carta de Atenas (Maderuelo, 2008. 181).
De acordo com Oteiza "O que primeiro foi inventado foi a cidade e, em seguida, a
casa...A cidade foi inventada para reunir os homens contra a natureza, contra o
medo espacial do mundo. O espaço povoado de espaços desconhecidos, quase
todos inimigos. A arquitectura foi criada para libertar o homem da cidade. E
por fim foi inventada a arte para libertar a individualidade do homem
espiritualmente, da arquitectura, da cidade e da natureza"4.
Esta relação entre o homem, a arte e a cidade é desenvolvida em outro texto com
o título Escala humana (Intimidade individual e colectiva)5. Aqui, Oteiza
questiona o novo sentido de monumentalidade que coloca a obra de arte na
cidade dependendo da arquitectura e do urbanismo. Tal como anteriormente
referido, a resposta é encontrada precisamente na "escala espiritual do homem" e
na "intimidade dos espaços receptivos", que é representada nos cromlechs
neolíticos que servem de ideia genérica nos seus experimentos práticos. A escala
monumental não será o elemento diferenciador da obra de arte na cidade, pelo
contrário, esta "deve ignorar completamente a arquitectura e reduzir-se à escala
íntima do indivíduo. Colocar-se-á uma estátua do mesmo modo que se coloca uma
pequena fonte acessível ao cidadão, que será capaz de descobri-la quando a
necessitar…"
Seguindo estas premissas, e ao contrário de Serra, Jorge Oteiza parece desprezar o
local físico em que se encontram as suas esculturas, e mais ainda a sua relação
com o espaço público no qual poderia situar-se. Devido à sua profunda
experimentação no processo de pensamento usado para a configuração das suas
obras, bem como simplesmente devido ao pequeno tamanho das peças e ao
aparente desprezo da materialidade das mesmas, as suas esculturas funcionam
como objectos independentes, criando apenas tensões espaciais na sua ligação
sensorial com o homem. No texto que Oteiza envia como complemento teórico à
série de esculturas que ganharam o prestigioso prémio da IV Bienal de Arte de São
Paulo em 1957, com o título "Propósito Experimental", já adverte quais são as suas
intenções a este respeito:
"Trabalho em formatos muito pequenos e com muitas variantes que não concluo.
Desprezo o material fora da condição formal e luminosa, estritamente espaciais.
Persigo uma Estátua na sua natureza experimental, objectiva, fria, impessoal, livre
de todo o desejo espectacular, de toda a intenção superficial de parecer original e
surpreender"6.
Apesar de desprezar a priori as relações que a peça estabelece com o seu contexto,
podemos encontrar na biografia de Oteiza inúmeros exemplos que se enquadram
num lugar específico, e onde as características deste foram tidas em conta para a
obra. Muitos destes têm o carácter de Monumento, conceito que, como já vimos,
Oteiza analisa exaustivamente para cumprir os requisitos genéricos de procura
interior que compartilham o resto das suas obras de menor tamanho. Para Oteiza,
a consistência monumental será tal que o homem, destinatário final dos seus
propósitos, será forçado a participar activamente, para conseguir compreender a
atmosfera espacial aberta, receptiva, compatível com a sua integridade e a da
comunidade.
Algumas das suas peças "monumentais" são o Monumento a Filipe IV (1949) em
São Sebastião (não realizado), Monumento ao Prisioneiro Desconhecido, única obra
espanhola seleccionada para a Exposição Internacional de Londres de 1953, ou
várias obras de Estelas Funerárias, entre as quais se destaca, pela sua relação com
a paisagem e com o conceito que Oteiza tem do "lugar" em termos de
transcendência metafísica, a Estela Funerária para o Pai Donosti (1958) em Aguiña
(Navarra), onde colaborou com o arquitecto Luis Valler para a construção de um
conjunto monumental formado por uma capela e a própria Estela. Nesta obra,
utiliza-se o círculo para se relacionar totalmente com a forma arquetípica do
cromlech neolítico, que tanto analisou e influenciou os pensamentos de Oteiza.
No entanto, será em algumas das suas obras relacionadas com a arquitectura, onde
o espaço público e a sua ideia sobre o conceito de Monumento vão exercer grande
influência na obra final, transcendendo o carácter meramente escultórico,
conseguindo-se construir espaço urbano com características artísticas. Destacase o concurso internacional ganho por Oteiza e o arquitecto Roberto Puig para o
Monumento a José Batlle y Ordóñez em Montevidéu (1956-64), projecto que
acabou por não ser construído. Na memória descritiva apresentada no concurso
(Oteiza, 1968. 30) os autores expuseram as suas ideias estéticas sobre o conceito
de Monumento, bem como a sua ideia de transcendência que, dentro do panorama
artístico da época, deveria ter uma obra deste tipo. O projecto centra-se na sua
relação com a paisagem graças à sua posição privilegiada sobre uma colina, criando
um novo espaço urbano onde os autores procuram restabelecer o sentido de
monumentalidade do cromlech primitivo. No projecto consegue-se distinguir
claramente as determinações e intenções quer da arquitectura como da escultura
numa simbiose perfeita. Nas palavras de Oteiza: "com a arquitectura, o espaço
urbano; com a estátua, a natureza interior".
Fig. 3
Como já foi referido, nas esculturas de Oteiza toda a sua carga artística não é
influenciada pelo contexto, pois são criadas como entidades individuais com a
capacidade de serem colocadas em lugares diferentes sem perderem o seu
interesse, tal como o artista estabelece: "[...] Uma escultura minha nunca entrará
em contradição com a sua condição portátil, não chegará ao meio metro na sua
máxima dimensão física” (Oteiza, 1973).
Fig. 4
Encontramos, no entanto, nos últimos anos da biografia de Oteiza várias obras
escultóricas que contradizem a citação anteriormente exposta. A contradição
encontra-se no carácter não portátil da obra, mas sobretudo no tamanho da
escultura. Vários anos após ter abandonado a escultura ao ter encontrado a
verdadeira solução para a sua experimentação plástica, retorna à sua actividade
plástica em obras de grande formato que muitas vezes têm um local específico para
a sua colocação7 . Em 1965 realiza uma versão feita em pedra do "Monumento ao
Prisioneiro Desconhecido" para o jardim da casa do seu amigo Jesús Huarte,
famoso projecto dos arquitectos Corrales e Molezun, com quem Oteiza também
colaborou em vários projectos arquitectónicos.
Desta forma consegue realizar uma das suas obras inicialmente concebidas como
"monumentais", embora seja para o desfrute privado dos residentes da moradia, e
na qual se poderiam experimentar as abordagens e intenções da mesma, tal como
explicado na memória descritiva que enviou junto com o projecto para a Exposição
Internacional de Londres de 1953: "Concebemos este monumento como uma
articulação simples e aberta de um sistema formal leve, em que o vazio interior
constitui a sua substância expressiva e trágica. O conjunto é composto por três
linhas divergentes: uma caída no chão e duas elevadas, colunas que se alteram,
que se separam da terra, configurando um vazio interior que é a substância
expressiva e trágica do monumento". Converge na obra o interesse teórico que
para Oteiza devia ter o novo conceito de monumento, expressivo e trágico, com a
procura do desaparecimento da expressividade na escultura pela definição de um
vazio escultórico por fusão de elementos leves.
Em outras das suas obras em grande formato, apesar da designação prévia do local
de colocação, isso não foi motivo para que Oteiza tenha tido em conta as
características do ambiente, mantendo as abordagens estéticas da obra de origem
na sua execução. Isto permitiu que não tenha sido perdida a sua condição portátil,
referida pelo artista, apesar de ter sido ampliada, o que tornou possível encontrar
as esculturas em locais diferentes em exposições temáticas do artista.
Quais foram então as razões que levaram Oteiza a renunciar o manuseio das suas
peças?
A primeira resposta pode ser encontrada na biografia de Oteiza, pois desde o final
dos anos 80 e sobretudo ao longo dos anos 90, e coincidindo com os inúmeros
prémios com que o artista foi recompensado nesses anos, muitas das suas
esculturas foram reproduzidas em grande escala para serem colocadas em locais
públicos. Estela Homenagem a Txabi Etxebarrieta (1993), versão do Par móvel
(1956); Onda (1998) escultura doada à Fundação MACBA de Barcelona e colocada
no acesso ao museu com o mesmo nome; Homenagem a Malevich (1999) situada
no Parque del Norte de Terrassa; várias versões das suas Caixas Metafísicas; ou
Construção Vazia (2002), instalada um ano antes da sua morte no Paseo Nuevo de
São Sebastião e que reproduz uma das suas obras premiadas na Bienal de São
Paulo de 1957; são apenas alguns dos exemplos a este respeito.
Embora a análise biográfica seja suficiente para encontrar respostas concretas à
necessidade de modificar os formatos pequenos para os quais as obras estavam
inicialmente destinadas, é necessário fazer uma análise estética mais profunda para
compreender esta mudança de escala em algumas esculturas em que a essência da
configuração formal e estética não variou relativamente às obras originais. O poder
das obras urbanas que não têm formas representativas e que se apresentam como
figuras abstractas encontra-se na relação que estas são capazes de estabelecer
com o espaço no qual estão ancoradas, razão pela qual as obras devem possuir
uma força interna e uma presença física que sejam capazes de transformar um
determinado lugar (Maderuelo, 2008. 225).
Terão estas esculturas finais de Oteiza suficiente força interna e presença física? As
suas obras que foram idealizadas para a transcendência do homem conseguirão
transformar o lugar?
Deixemos que seja o próprio Jorge Oteiza quem, com as suas palavras
relativamente ao significado de monumento, nos responda. Para ele "Todo o
monumento tem uma função espiritual, uma função comemorativa, uma qualidade
emocional sagrada que permite a sensibilidade emocional e de qualquer ângulo
visual, vivê-lo e habitá-lo esteticamente"8 .
É com esta explicação que podemos justificar o novo formato urbano destas
esculturas e a sua influencia na criação de uma cidade como obra de arte . A escala
destas atribui características monumentais às peças. Ao modificar-se a relação do
espectador com a obra, expande-se a percepção que temos dela. Irá criar-se uma
nova relação activa e dinâmica entre as obras, o espaço e o espectador. A relação
com o corpo do receptor consegue activar a percepção fenomenológica frente à
percepção puramente visual, distante e óptica (Zaparaín, 2011. 83). Tal como o
cubismo propôs, é preciso movermo-nos ao redor da escultura para podermos
compreendê-la na sua totalidade, conseguindo-se fragmentar o objecto em
múltiplas imagens, pelo que adquire importância o ponto de vista no qual o
espectador está situado. Será neste momento que a relativização da percepção e
da experiência consegue introduzir o espaço e o tempo, dissolvendo-se o carácter
objectual da peça.
Mas nestas esculturas do artista basco não só podemos mover-nos à sua volta,
como também, em muitos casos, entrar fisicamente dentro delas, contrariando as
teses de Hildebrand nas quais somente partindo do efeito de uma imagem distante
podemos abstrair corretamente o valor da forma (Hildebrand, 1988. 38). A
escultura como obra de arte não é representativa ou imaginada, mas pode ser
vivida espacialmente. Como na arquitectura, esta existe não só como algo
delimitado desde fora, mas também como algo ativado desde dentro onde valores
como o local como lugar de proteção, o limite ou o vazio como perfuração do
espaço são os que adquirem protagonismo. Neste momento passa-se da
experimentação sintética através da percepção óptica para uma percepção háptica,
próxima, equivalente a uma visão tectônica e tátil (Zaparaín, 2011. 82). A novidade
encontra-se nas sensações que o espectador experimenta no interior da escultura.
Já não estamos "perante" a obra, mas sim "dentro" da obra.
Fig.5
Com este mecanismo colocamo-nos protegidos pela escultura, da mesma forma
que Oteiza na sua infância procurou proteção do ambiente ao aproveitar as crateras
que faziam os carros que transportavam a areia da praia para se esconder e daí ver
apenas o céu recortado pelo círculo que a areia desenhava sobre a sua cabeça
(Pelay, 1978. 63), essas "defesas espontâneas da minha própria privacidade,
defesas que então compreendi que foram de natureza estética" (Pelay, 1978. 36).
Estamos, tal como Oteiza anunciou anteriormente na sua dissertação sobre a
ligação da cidade e arte, na "intimidade de um espaço receptivo", um novo
cromlech contemporâneo, desta vez sim, um verdadeiro refúgio para o homem.
Estaremos dentro do seu vazio, vivendo o seu espaço, habitando-o, esperemos que
como queria Oteiza, esteticamente.
Jorge E. Ramos Jular (Valladolid, 1976) é licenciado em arquitectura pela
Universidade de Valladolid (Espanha) em 2003. Professor Assistente Convidado da
Universidade de Beira Interior (Portugal) desde 2005, onde lecciona nas áreas de
Teoria da Arquitectura e Projectos Arquitectónicos. Diploma de Estudos Avançados
(DEA) e curso de Doutoramento “Modernidade, Contemporaneidade da
Arquitectura” pelo Departamento de Teoria da Arquitectura e Projectos
Arquitectónicos da Universidade de Valladolid (2003 - 2005). Tese de doutoramento
“O Espaço activo de Jorge Oteiza” em desenvolvimento. Investigador do grupo de
investigação subvencionado do projecto “Ensaios de restituição fotogramétrica de
baixo custo com fotografia digital, aplicado ao levantamento de obras de Chillida e
Oteiza”. Como arquitecto tem sido premiado em diferentes concursos nacionais e
internacionais, como exemplo: 1º premio no Concurso para a Casa Cuartel da
Guardia Civil em Malpartida de Plasencia (Cáceres – Espanha); 1º premio no
Concurso para a Casa Cuartel da Guardia Civil em Villarejo de Salvanés (Madrid –
Espanha); 1º premio no Concurso para a Escola de Educação Especial Carrechiquilla
em Palencia (Espanha); Menção Honorífica no Concurso Internacional Um Campus
para o Terceiro Milénio, da Universidade Luigi Bocconi de Milão (Italia). Tem sido
convidado como conferencista em Espanha e Portugal, sendo autor de diversos
trabalhos de investigação publicados em livros e revistas. Como Comissário de
Exposições de pintura y fotografia tem colaborado com o Museu dos Lanifícios da
Universidade de Beira Interior.
Fernando Zaparaín (Burgos, 1964) é licenciado em arquitectura (1989) e doutor
(1995) pela Universidade de Valladolid (Espanha). Tem sido Professor Associado
(1997-2001), Professor Titular Interino (2001-2002) e Professor Titular (desde
2002 até a actualidade) sempre no área de Projectos Arquitectónicos, onde lecciona
no quinto ano e no doutoramento na E.T.S. de Arquitectura de Valladolid, onde tem
sido Subdirector de Relações Internacionais (2002-2008). Tem orientado mais de
sessenta projectos fim de carreira. Tem participado como professor convidado em
intercâmbios com as Universidades de Versalhes, Salerno, Nápoles e Beira Interior.
É autor de livros como Castilla y León, arquitectura de la primera década del siglo
XXI (2011), com o fotógrafo Justino Díez; capítulos em livros como o intitulado
Valladolid, arte y cultura (1998) ou artigos de revistas como Restauración y
Rehabilitación. Tem realizado diversos projectos de habitações, edifícios
assistenciais para fundações como Intras ou Aspaym, além de centros de serviços
como a Escola Desportiva Niara ou a Adega Carraovejas, que têm recebido diversos
prémios como a Medalha de Prata na Trienal Interarch’97, o 2º prémio no Concurso
para a calle Mayor ou o 3º prémio no Concurso para a Ilha dois Aguas, ambos em
Palencia (Espanha). Estes projectos têm sido publicados em revistas como
Conarquitectura e livros como En Blanco ou a Guia de Arquitectura Contemporánea
de León. As suas obras têm se mostrado em exposições como De Arquitectos
Concursos no Museu Patio Herreriano de Valladolid (2011) ou Arquitectura
Zamorana del siglo XXI (2011).
Bibliografia
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AA.VV. Intercambios. Seminarios de Investigación de Arquitectura. Real Academia
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Museus Guggenhein de Bilbao, MNCARS de Madrid e Solomon Guggenhein de Nova
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AA.VV. ¿Qué es la escultura moderna? Del Objeto a la arquitectura. Fundación
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n.1. Madrid, 1968.
OTEIZA, Jorge. Justificación de mi presencia, em Cinco Escultores Vascos. Madrid,
1973.
OTEIZA, Jorge. Propósito Experimental. Ed. Fac-símile do Original Escultura de
Oteiza. Catálogo. IV Bienal de São Paulo, 1957. Ed. Fundação Museu Oteiza.
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PELAY OROZCO, Miguel. Oteiza, Ed. La Gran Enciclopedia Vasca, 1978.
ZAPARAÍN, Fernando. Le Corbusier. Sistemas de Movimiento y Profundidad. Ed.
Colegio Oficial de Arquitectos de Castilla y León Este. Valladolid, 2001.
Notas
1
O problema que o artista tem na Land-Art é mostrar o seu trabalho ao público.
Para tal recorre à fotografia e à televisão e vídeo, sendo estes últimos mais úteis,
pois permitem abranger toda a paisagem, bem como a personificação do tempo no
processo. A utilização destes meios, origina perguntas tais como se a arte
realmente é o mostrado ou as técnicas utilizadas para fazê-la. O tempo também
será incorporado na obra devido à necessidade de usar um percurso ao redor ou
através dela para perceber todas as suas características e compreendê-la na sua
totalidade. Elimina-se, portanto, a visão frontal clássica quanto à relação da obra
com o espectador, propiciando a existência de múltiplos centros e conseguindo-se
fragmentar ainda mais o antigo conceito de obra "fechada” ou delimitada pelo
contorno.
2
Algumas das peças mais representativas da sua faceta pública urbana são Sight
Point - Amesterdão (1975), Terminal - Bochum (1976-77) ou outras onde explora
as formas curvas, como St. John´s Rotary Arc - Nova Iorque (1980) ou Tilted Arc Nova Iorque (1981)
3
Cfr. OTEIZA, Jorge. Texto manuscrito, Arquivo Fundação Museu Oteiza (AFMO),
ref. 8160.
4
Cfr. OTEIZA, Jorge. Texto manuscrito, AFMO, ref. 8171.
5
Cfr. OTEIZA, Jorge. Texto manuscrito, AFMO, ref. 12327.
6
Oteiza irá gradualmente reduzindo e "tirando" massa volumétrica da escultura
truncando os seus contornos naturais, introduzindo perfurações para "libertar" a
sua energia interior, bem como permitir que a energia que está à sua volta passe a
fazer parte da própria obra, além disso, será o seu material mais precioso. Ele irá
esvaziar a massa escultórica totalmente para criar vazios espaciais activos.
7
Estas obras são em grande parte cópias ou desenvolvimento de obras anteriores,
onde se fazem variações das mesmas, e que, portanto, mantêm na sua génese as
mesmas condições das obras de origem, estão somente alteradas na sua escala.
8
OTEIZA, Jorge. Na resposta às observações feitas pelo júri do Concurso à
Monumento a Batlle. Arquivo Fundação Museu Oteiza.
Legendas
(Fig.1) St. John’s Rotaty Arc, Nova Iorque 1980; Tilted Arc, Nova Iorque 1981.
Richard Serra. Fonte: Richard Serra, Ed. Centro Pompidou. Paris 1993.
(Fig.2) Serie Construir Ciudades – Quartieres I-IX. Esther Pizarro. Fonte:
http://estherpizarro.es/_escultura/02_construir_ciudades_(00)/_bilder/escultura_vi
ewer_02_cc/02_construirciudades.html [consultado em Maio, 2012]
(Fig.3) Monumento a José Batlle y Ordóñez em Montevideo. Jorge Oteiza e
Roberto Puig. Fonte: Jorge Oteiza. Pasión y Razón. Ed. Nerea. San Sebastian,
2003.
(Fig.4) Oposición de dos matrices Malevich (1956) 2002. Escultura localizada na
Fundación Canal (Madrid) no âmbito da Exposição “Oteiza/ Los límites de la
transparencia”. Fotografia Jorge Ramos, Abril 2010.
(Fig.5) Mirador Mirando (1958). Jorge Oteiza. Escultura localizada no Museu
Artium (Vitoria) com motivo da Exposição “Diálogos. Chillida, Oteiza, Serra”.
Composição de fotografias Jorge Ramos, Novembro 2009.