FRATURA DUCTIL OU FRÁGIL EM UNIÕES SOLDADAS SEM TTPS
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FRATURA DUCTIL OU FRÁGIL EM UNIÕES SOLDADAS SEM TTPS
JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 07-25 FRATURA DUCTIL OU FRÁGIL EM UNIÕES SOLDADAS SEM TTPS Nilceu Novickia, Anderson G. M. Pukasiewiczb , Sérgio L. Henke c, y Walter J. Paucar Casas d a b CEFET/PR, Unidade Medianeira, Coordenação de Eletromecânica, Medianeira–PR, Brasil. [email protected] CEFET/PR, Unidade Ponta Grossa, Coordenação de Mecânica, Ponta Grossa – PR, Brasil. [email protected] c LACTEC Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, Curitiba – PR, Brasil. [email protected] d Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Mecânica, Rua Sarmento Leite 425, CEP 90050-170, Porto Alegre – RS, Brasil. [email protected] O objetivo da pesquisa é analisar o tipo de fratura através da tenacidade à fratura da liga CA6NM temperada e revenida, e em juntas soldadas sem tratamento térmico pós-soldagem (TTPS). A liga CA6NM, classificada como aço inoxidável martensítico macio, apresenta uma tensão de escoamento e tenacidade elevada, boa resistência à corrosão e cavitação, e uma melhor soldabilidade que os aços inoxidáveis martensíticos convencionais, sendo cada vez mais utilizada em rotores de turbinas hidráulicas, bombas e compressores. Com essa finalidade, corpos de prova C(T) foram usinados a partir de tarugos retirados de turbinas hidráulicas após o TTPS; onde pela condição elastoplástica do material, as amostras foram ensaiadas através da integral J, sendo levantada a curva de resistência J-R e avaliada o início de crescimento da trinca JIC. Nas juntas soldadas, sem TTPS, a fragilidade apresentada não permitiu o levantamento da curva J-R, e a tenacidade à fratura foi avaliada através de KIC. Neste ultimo caso, o metal de aporte possui composição química similar, com o procedimento de soldagem associando as condições recomendadas para o material com as apresentadas em um reparo de cavitação ou de trincas, onde o TTPS não é viável. Os resultados evidenciaram a fratura frágil nas juntas soldadas e confirmaram a tenacidade elevada para o metal base, com valores três vezes menores nas juntas soldadas sem TTPS. Palavras-chave: Fratura frágil, fratura dúctil, aço CA6NM, tenacidade à fratura, junta soldada. 1. INTRODUÇÃO A tenacidade à fratura do aço CA6NM, e em juntas soldadas sem tratamento térmico posterior à soldagem (TTPS), com consumível similar à liga, é avaliada em corpos de prova compacto em tração C(T). A utilização de corpos-de-prova soldados em ensaios de tenacidade à fratura requer atenção para o posicionamento da pré-trinca de fadiga na região de interesse da solda, que pela heterogenidade da estrutura e distribuição complexa das tensões residuais, apresenta valores diversos de tenacidade em pequenas distâncias [1]. Assim, para a qualificação de um procedimento de soldagem em relação à tenacidade à fratura, a pré-trinca deve ser posicionada nas diversas regiões, tornando o ensaio extremamente complexo e moroso [2], ou na região crítica, situação desejável mas de difícil controle [3]. O material base para os experimentos foi fornecido pelo LACTEC, a partir de tarugos fundidos com as turbinas, e posteriormente cortados, da Usina Hidroelétrica de Salto Caxias-PR, no rio Iguaçú. Considerando a turbina, a solda é utilizada em duas situações distintas: na união das pás ao eixo da turbina, e no reparo de cavitação. Após a soldagem das pás, está previsto um tratamento térmico para garantir níveis adequados de tenacidade. Na solda executada para reparo de cavitação ou pela presença de trincas, o TTPS não é prático, então é necessário que o mesmo procedimento de soldagem garanta níveis adequados de t enacidade para o uso da turbina. O objetivo do trabalho é caracterizar a tenacidade à fratura do aço CA6NM retirado de uma turbina 691 hidráulica na condição temperado de 1050°C e revenido a 590°C, e em juntas soldadas sem TTPS, reproduzindo assim uma situação de reparo de erosão por cavitação ou trincada. Os resultados avaliam o conjunto consumível e procedimento de soldagem usado nos prováveis reparos em termos de tenacidade. 2. DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL 2.1 Metal base e consumível O metal base, utilizado nas juntas soldadas, aço CA6NM temperado de 1050°C e revenido a 590°C, possui resistência à tração de 799,7 MPa, tensão de escoamento de 666,6 MPa, e dureza HV0,4 de 266, com propriedades químicas segundo a Tabela I. Além disso, as taxas de resfriamento experimentadas durante a soldagem não permitiram a dissolução total da ferrita δ e austenita retida, com a permanência destes constituintes em pequenas quantidades na microestrutura original de martensita revenida. Desenvolvidos por volta dos anos 1960, quando se buscava um novo tipo de aço para a fabricação de rotores de turbinas hidráulicas [4], os aços inoxidáveis martensíticos macios (AIMM) surgiram como alternativa à limitada soldabilidade dos aços inoxidáveis martensíticos convencionais (AIMC), que apresentam alta susceptibilidade à fissuração a frio. Com esse objetivo, chegou-se a um aço com menor teor de C e adição de 4 a 6% de Ni. A formação de trincas à frio, provocadas pela presença de hidrogênio associada à alta dureza junto ao metal de solda e na zona termicamente afetada (ZTA), que JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 comprometem a soldabilidade dos AIMC [5], tornou necessária a redução do teor de C [4], que em aços contendo 13% Cr, provoca a contração do campo austenítico, exigindo a adição de Ni a fim de manter a capacidade de obtenção de uma estrutura martensítica com baixo teor de ferrita δ e austenita retida. Elemento químico Carbono Manganês Cromo Níquel Molibdênio Fósforo Enxofre CA6NM % em peso 0,020 0,64 12,4±0,7 3,7±0,1 0,42 0,008 0,0018 ASTM A743-93 % em peso 0,06 (max) 1,00 (max) 11,5 - 14,0 3,5 - 4,5 0,4 - 1,0 0,04 (max) 0,03 (max) Corrente Tensão Velocidade (A) (V) (cm/min) 300 25,6 25,92 07-25 φ arame (mm) 1,6 Energia (kJ/cm) 18,0 Tabela IV. Parâmetros de soldagem utilizados, com gás argônio a 8% de C02 na vazão de 20 l/min. Os passes para preenchimento do chanfro, no total de onze, foram executados a partir do lingote revestido em direção ao chanfro inclinado, objetivando manter o caráter retilíneo da ZTA. O procedimento mostrou-se adequado, apesar de apresentar falta de fusão em alguns pontos próximos ao chanfro inclinado, sendo necessário refazer os passes, e a ocorrência de escória localizada, junto ao passe de raiz (cordão 6). A Figura 2 mostra a distribuição dos passes durante a soldagem. Tabela I. Composição química do aço CA6NM. O consumível utilizado para confecção das juntas soldadas, AWS E410NiMo T1, permite soldagem em todas as posições. A composição química (similar ao metal base) e propriedades mecânicas, estão apresentadas nas Tabelas II e III. Elemento químico Carbono Manganês Cromo Níquel Molibdênio Silício Obtida % em peso 0,026 0,33 10,20 3,60 0,45 0,38 Fabricante % em peso 0,023 0,30 11,50 4,30 0,59 0,38 Figura 2. Junta soldada mostrando a geometria, revestimento, e distribuição dos passes Tabela II. Composição do arame AWS E410NiMo T1. Propriedades mecânicas Resistência à Tração (MPa) Tensão Escoamento (MPa) Alongamento (%) Dureza (HV 0,4 ) Revenido a 621 ° C/1h 903,2 765,3 21 - Como soldado 1116,26 999,05 20 350 Tabela III. Propriedades do arame AWS E410NiMo T1. 2.2 Soldagem Os lingotes foram cortados nas dimensões de 240x65x27 mm, com posterior usinagem da junta em ½ K com chanfro de 40°, visando obter uma ZTA retilínea, facilitando o posicionamento da pré-trinca por fadiga paralela à solda. As juntas foram soldadas com uma energia equivalente a 18 kJ/cm, com pré-aquecimento e temperatura interpasses de 160°C. A Tabela IV mostra os parâmetros de soldagem com valores de tensão das referências do fabricante do arame para evitar escória. Inicialmente, para obter uma ZTA reta e paralela à solda, o lingote com chanfro perpendicular à superfície foi coberto com três camadas de solda, resultando em um revestimento de quase 8 mm. 692 2.2 Ensaios Os corpos de prova para ensaio de tenacidade à fratura foram usinados por eletroerosão a fio, proporcionando o acabamento necessário sem aquecimento suficiente capaz de alterar as propriedades mecânicas. A usinagem foi executada diretamente no metal base temperado e revenido, e nas juntas soldadas, prevendo o entalhe próximo a linha de fusão perpendicular à superfície, caracterizada por um exame macrográfico. A geometria dos corpos de prova seguiu a norma ASTM E1820:1999, optando-se pelo tipo compacto, C(T), com proporção Bx2B; B=25 mm. Por serem extraídos de uma condição fundida, não houve necessidade de orientação na usinagem. Os ensaios seguiram o método da variação da flexibilidade elástica e foram executados no laboratório do LACTEC, em uma máquina Instron, sob controle do programa Fast Track, se confeccionando a pré-trinca por fadiga e determinando a tenacidade à fratura. O módulo da/dN do programa Fast Track e um extensômetro de 10 mm tipo COD foram utilizados para acompanhar o crescimento da pré-trinca, em uma condição de ∆K constante de 35 MPa√m, R=0,1 e 20 Hz. O crescimento provocado foi de 5 mm, proporcionando um a 0 /w de 0,55, portanto dentro da faixa entre 0,45 e 0,55 permitida pela norma para KIC, e naturalmente dentro da faixa entre 0,45 e 0,70 para JIC. O pré trincamento foi favorecido pelo uso de entalhes laterais de 20% da espessura do corpo de prova, não apresentando desvio durante a propagação. Com a ocorrência da instabilidade no crescimento da trinca dos corpos de prova correspondentes à junta JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 soldada, caracterizando uma condição frágil, foi possível o cálculo direto de KIC nas amostras soldadas. 07-25 curvas Carga x Deslocamento no mesmo ponto para as três amostras, conforme Figura 4, gerando o mesmo valor P5 e consequente PQ . A Tabela VI compara a tenacidade à fratura no metal base e na junta soldada. 3. ANÄLISE DE RESULTADOS Os ensaios realizados no aço inoxidável martensítico macio CA6NM, temperado e revenido, apresentaram valores do parâmetro JIC de iniciação de fratura que confirmam a alta tenacidade nessa condição. De forma análoga, os resultados de KIC encontrados para a condição soldada, com pré-trinca próxima à linha de fusão (LF), comprovam a necessidade do TTPS, ou soluções que possibilitem uma recuperação da tenacidade, como a sugerida em [6] e [7}. KQ = PQ BB NW f (a / W ) (1) MB LFST KIC (MPa√ √ m) 278 89 KIC (N/mm3/2 ) 8784 2820 Tabela VI. Valores de tenacidade à fratura KIC no metal base e na junta soldada. 3.1 Metal base Os valores de JIC da Tabela V foram obtidos em ensaios realizados com os mesmos parâmetros de controle, em quatro corpos de prova, sempre a 23°C. Tenacidade à Fratura JIC (kJ/m2 ) MB1 MB2 MB3 MB4 345,80 338,75 343,70 339,05 Tabela V. Valores JIC para o aço CA6NM na condição temperado de 1050°C e revenido a 590°C. Os valores de JIC, com média 341 kJ/m2 , e equivalência KIC=278 MPa√m (8784 N/mm3/2 ) confirmaram a alta tenacidade dos aços inoxidáveis martensíticos macios temperados e revenidos. A curva J x Crescimento da Trinca, conhecida como curva de resistência J-R, observadas na Figura 3, possibilita a obtenção do parâmetro JIC a partir da interseção da curva J-R com a reta 0,2. Figura 3. Curva J x Crescimento da trinca, metal base. 3.2 Junta soldada Uma das propostas do trabalho é calcular a tenacidade à fratura na junta soldada sem TTPS, simulando assim uma situação de reparo de cavitação ou de trincas. Três amostras foram ensaiadas, LF1ST, LF2ST e LF3ST, e através da equação (1) apresentaram o mesmo valor de tenacidade, KIC=89,26 MPa√m (2820 N/mm3/2 ), fato ocorrido pela secante 5% cortar as 693 Figura 4. Curvas Carga x Deslocamento da Linha de Carga na junta soldada com pré-trinca próxima à LF. 3.3 Análise em microscopia eletrônica As amostras fraturadas do ensaio de tenacidade à fratura com pré-trinca próxima a linha de fusão foram examinados em microscopia eletrônica de varredura. As análises foram desenvolvidas na região da prétrinca, interface entre pré-trinca e início de fratura, e na região de estabilização da fratura. Na Figura 5 pode ser observada a região correspondente à pré-trinca induzida por fadiga. Figura 5. Região de pré-trinca de fadiga na junta soldada, onde se percebe a presença de estrias. O início de fratura pode ser observado na Figura 6, que mostra a região de transição entre pré-trinca e início de fratura. A região da pré-trinca correspondente a junta soldada, apresenta uma granulação refinada em relação a região similar do metal base, Figuras 7 e 8. JORNADAS SAM/ CONAMET/ SIMPOSIO MATERIA 2003 07-25 Figura 9. Região do metal de solda da junta soldada, onde se nota a alta densidade de inclusões. Figura 6. Região de transição entre pré-trinca e superfície de fratura 4-CONCLUSÕES - O aço inoxidável martensítico macio CA6NM, com 0,021 %C, temperado de 1050°C e revenido a 590°C, apresentou valores de tenacidade JIC, na faixa entre 338,75 kJ/m2 e 345,80 kJ/m2 , com JIC médio de 341 kJ/m2 e KIC equivalente de 278 MPa√m. A junta soldada do aço CA6NM com arame de composição química similar e sem TTPS, apresenta KIC=89 MPa√m, revelando uma menor tenacidade na condição soldada de aproximadamente três vezes. - A fratura é dúctil para o aço CA6NM temperado e revenido, mas frágil na junta soldada. - A junta soldada, com parâmetros indicados pelo fabricante do arame, apresenta escória localizada junto ao passe de raiz, indicativos da necessidade de melhora no procedimento de solda. Figura 7. Aspecto da região de pré-trinca posicionada próxima à LF da junta soldada 5. REFERENCIAS Figura 8. Região da pré-trinca, ensaio do metal base. A Figura 9 mostra o aspecto da fratura no metal de solda, região para a qual a fratura desenvolveu-se. A presença de alvéolos sugere micromecanismo de fratura dúctil, mas a propagação instável da trinca, o aspecto macroscópico da superfície fraturada, e os baixos valores de tenacidade observados, contrariam o micromecanismo alveolar. A nucleação de alvéolos e a baixa tenacidade apresentada, pode ser justificada pela alta densidade de inclusões de óxidos contendo silício, titânio e alumínio [7], provenientes da escória do arame tubular utilizado, que não permite que a fratura absorva uma grande quantidade de energia, apresentando um comportamento frágil. A presença de alvéolos ocorre em toda a superfície fraturada, mas com tamanho reduzido se comparado aos alvéolos da fratura na condição temperado e revenido, evidenciando a baixa tenacidade à fratura da junta soldada. 694 [1] T. Moltubakk, “Strength mismatch effects on the cleavage fracture toughness of the heat affected zone of steel welds”, Ph.D. Thesis, Department of Machine Design and Materials Technology, Norway University of Science and Tecnology, Norway, 1999. [2] E. G. Rabello et al., “Simulação de ciclos térmicos de soldagem em corpos-de-prova utilizados em ensaios de tenacidade à fratura”, 56° Congresso da ABM, Belo Horizonte–MG, Brasil, 2001. [3] T.L. Anderson, “Fracture mechanics: fundamentals and applications”, 2nd ed. CRC Press, USA, 1995. [4] H. J. Niederau, “State of development of soft martensitic stainless chromium-nickel steels”, Ed. Kurt H. Miska, Climax Molybdenum Company, 1977. [5] J. M. Ortega, “Soldadura de los aceros inoxidables”, Revista Soldadura, 1985. [6] S. L. Henke, “Desenvolvimento de procedimento de soldagem do aço inoxidável martensítico macio CA6NM sem tratamento térmico posterior”, Dis sertação de Mestrado em Engenharia Mecânica, UFSC, Florianópolis –SC, Brasil 1998. [7] A. S. Pereira, “Desenvolvimento de procedimento de reparo por soldagem em aços inoxidáveis martensíticos, com metal de adição similar sem TTPS”, Dissertação de Mestrado em Engenharia Mecânica, UFSC, Florianópolis –SC, Brasil, 2000.