RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E CIDADANIA EMPRESARIAL

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RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E CIDADANIA EMPRESARIAL
Coleção CONPEDI/UNICURITIBA
Vol. 34
Organizadores
Prof. Dr. Orides Mezzaroba
Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa
Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira
Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr
Coordenadores
Profª. Drª. Ana Cláudia Farranha Santana
Profª. Dr.ª Danielle Anne Pamplona
Profª. Drª. Terezinha de Oliveira Domingos
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E
CIDADANIA EMPRESARIAL
2014
2014
Curitiba
Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
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R429
Responsabilidade da empresa e cidadania empresarial.
Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Ana Cláudia Farranha Santana
/Danielle Anne Pamplona/ Terezinha de Oliveira
Domingos.
Título independente - Curitiba - PR . : vol.34 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
279p. :
ISBN 978-85-8433-022-5
1. Responsabilidade social da empresa.
I. Título.
EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira
Alexandre Walmott Borges
Daniel Ferreira
Elizabeth Accioly
Everton Gonçalves
Fernando Knoerr
Francisco Cardozo de Oliveira
Francisval Mendes
Ilton Garcia da Costa
Ivan Motta
Ivo Dantas
Jonathan Barros Vita
José Edmilson Lima
Juliana Cristina Busnardo de Araujo
Lafayete Pozzoli
Leonardo Rabelo
Lívia Gaigher Bósio Campello
Lucimeiry Galvão
Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Capa: Editora Clássica
Luiz Eduardo Gunther
Luisa Moura
Mara Darcanchy
Massako Shirai
Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Nilson Araújo de Souza
Norma Padilha
Paulo Ricardo Opuszka
Roberto Genofre
Salim Reis
Valesca Raizer Borges Moschen
Vanessa Caporlingua
Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Vladmir Silveira
Wagner Ginotti
Wagner Menezes
Willians Franklin Lira dos Santos
CDD 300
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
Sumário
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................
10
EMPRESA: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS DIRECIONADAS À RESPONSABILIDADE SOCIAL (Castro,
Aldo Aranha de e Genovez, Simone) ...........................................................................................................
13
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
14
ASPECTOS GERAIS DA EMPRESA .............................................................................................................
14
FUNÇÃO SOCIAL EMPRESARIAL ...............................................................................................................
20
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ...........................................................................................
21
RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA NA DIMENSÃO AMBIENTAL ..............................................
36
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
38
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................
39
ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO NA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (Luize Mazeto) ........................................................................................................
42
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
43
EIRELI .........................................................................................................................................................
43
RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO ...................................................................................................
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
61
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
62
BENEFÍCIOS SOCIAIS DE PARCERIAS E ESTRUTURAS JURÍDICAS NO DESENVOLVIMENTO DE
ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE HIDROCARBONETOS: O CONTEÚDO LOCAL
(Alexandre Ferreira de Assumpção Alves e Fernando Gregio Lüdke) ..........................................................
65
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
66
DESAFIOS E BENEFÍCIOS DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO UPSTREAM ....................................................
69
A JOINT VENTURE COMO ESTRUTURA JURÍDICA ADEQUADA PARA FORMAÇÃO DE PARCERIAS NO
UPSTREAM ................................................................................................................................................
75
CONTEÚDO LOCAL E OS BENEFÍCIOS PARA A SOCIEDADE .....................................................................
80
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
87
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
88
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MARKETING SOCIAL (Juliana Falci Sousa Rocha Cunha) ...
90
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
91
RESPONSABILIDADE SOCIAL ....................................................................................................................
91
MARKETING SOCIAL .................................................................................................................................
105
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
117
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
117
EMPRESA E CONTRATO DE EMPREGO COM PESSOA INFECTADA PELO VÍRUS HIV: A PROMOÇÃO DA
CIDADANIA NO AMBIENTE DO TRABALHO (Renato de Almeida Oliveira Muçouçah) ..............................
120
AIDS, A “METÁFORA DO MAL” ..................................................................................................................
121
O ESTADO DO MAL-ESTAR SOCIAL E A AIDS? DIREITO À VIDA E À SAÚDE PELO DIREITO AO
TRABALHO .................................................................................................................................................
127
AÇÕES AFIRMATIVAS PARA SOROPOSITIVOS E O PAPEL DA CIDADANIA NA EMPRESA ...........................
135
CONCLUSÕES ............................................................................................................................................
141
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
142
PROTEÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA FISICA EM FACE DA PESSOA JURIDICA COM A
REPERSONALIZAÇÃO (Marco Antonio de Souza) .....................................................................................
145
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
146
VISÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DA PERSONALIDADE .................................................................
148
SURGIMENTO E PROTEÇÃO DAS PERSONALIDADES ..............................................................................
149
DESIGUALDADES .......................................................................................................................................
157
REPERSONALIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO ..................................................................................................
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
163
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
166
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABERTURA DE CAPITAL NA SOCIEDADE ANÔNIMA (Rodrigo de Oliveira
Botelho Corrêa) ..........................................................................................................................................
168
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
169
SISTEMA FINANCEIRO ..............................................................................................................................
170
OFERTA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS ..........................................................
173
UNDERWRITING .......................................................................................................................................
180
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
185
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
186
O ADMINISTRADOR, A SOCIEDADE ANÔNIMA E A SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL E COLETIVA
(Gabriel Russi Vianna e Sandro Mansur Gibran) .........................................................................................
188
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
189
RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADMINISTRADORES ....................................................................................
191
AÇÃO DE RESPONSABILIDADE .................................................................................................................
195
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
204
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
206
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: BASES CONSTITUCIONAIS DA CRIMINALIZAÇÃO DA
OMISSÃO DE REPASSE E A QUESTÃO DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO
PELA SITUAÇÃO FINANCEIRA PRECÁRIA DA EMPRESA (Janaína Elias Chiaradia e Fábio André
Guaragni) ...................................................................................................................................................
208
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
209
DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO RECOLHIMENTO PREVIDENCIÁRIO ..........................
212
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E A ESTRUTURA DO TIPO .................................................
215
O ART. 168-A E A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO PELA SITUAÇÃO
FINANCEIRA PRECÁRIA DA EMPRESA NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA
4ª REGIÃO ..................................................................................................................................................
217
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
221
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
228
OS EFEITOS DECORRENTES DA APLICAÇÃO JUDICIAL DA TEORIA MENOR (Deilton Ribeiro Brasil) ....
230
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
231
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA QUESTÃO REFERENTE AOS EFEITOS DA APLICAÇÃO JUDICIAL
DA TEORIA MENOR DA DISREGARD DOCTRINE .....................................................................................
234
PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA .................................................................
239
VISÃO DA JURISPRUDÊNCIA .....................................................................................................................
247
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
250
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
252
FUNÇÃO PROFILÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONSUMERISTA E A INDÚSTRIA DO DANO
MORAL: CIDADANIA EMPRESARIAL NA SOCIEDADE DE RISCO (Ana Cecília Parodi) ...............................
254
CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A SOCIEDADE DE RISCO E DE CONSUMO ...................................................
255
A FUNÇÃO PROFILÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................................
265
O SUPORTE DA RACIONALIDADE TEÓRICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E DA TEORIA
DOS JOGOS ................................................................................................................................................
272
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
280
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
281
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Caríssimo(a) Associado(a),
Apresento o livro do Grupo de Trabalho Responsabilidade da Empresa e Cidadania
Empresarial, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação
em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR),
entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013.
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,
tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiramnos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
Futuramente,
o
INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os
programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.
Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de
programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
Curitiba, inverno de 2013.
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente do CONPEDI
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Apresentação
O tema responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial suscita uma série de
questões que interpelam não somente o Direito, mas a Administração, as Ciências Sociais e,
principalmente os estudos a Justiça e da Responsabilidade Social. Assinalando as lições de P.
Ricouer, Cappelin & Giffoni ( 2007) afirmam que
O sentido da responsabilidade das instituições, alimenta uma relação. Conecta a
preocupação de imputar (atribuir obrigações e limitações) a quem exerce um poder
(econômico, como no caso aqui tratado) com o esforço de atribuir proteção a quem
é mais fraco. Podemos, assim, interrogar as empresas, averiguando de que forma
incluem, em suas responsabilidades, as metas que a sociedade contemporânea lhes
atribui, como a produção de riqueza, o desenvolvimento e o emprego. (p.419)
Partilhando dessa perspectiva esse tema foi tratado no GT Responsabilidade da
Empresa e Cidadania Empresarial, realizado no XXII Encontro Nacional do CONPEDI, na
UNICURITIBA. Os textos apresentados colocam-se na esteira da multiplicidade apontada no
parágrafo anterior e trazendo importantes reflexões sobre o tema.
Assim, essa publicação reflete aspectos do debate e foi organizada considerando, na
primeira parte da discussão, os aspectos que mais gerais abordados pelos autores. Nesse
sentido, o primeiro texto “Empresa: Perspectivas e Mudanças Direcionadas à Responsabilidade
Social”, de autoria de Aldo Aranha de Castro e Simone Genovez, busca “analisar o papel da
empresa moderna sob o enfoque econômico, social e ambiental” . Os autores destacam
aspectos éticos e morais que podem nortear a ação das empresas, tomando por base o art. 170,
da Constituição Federal.
Na seqüência o texto 2 “Aspectos da Responsabilidade Do Empresário na Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada”, a autora Luize Mazeto discute os principais
aspectos da lei n. 12.441/2011 (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI),
destacando as novidades que o diploma legal coloca no ordenamento nacional e suas
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
implicações para pequenos empresários. O texto 3 “Benefícios Sociais de Parcerias e
Estruturas Jurídicas no Desenvolvimento de Atividades de Exploração e Produção de
Hidrocarbonetos: O Conteúdo Local”, de autoria de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves e
Fernando Gregio Lüdke, discute aspectos da função social da livre iniciativa, considerando a
experiência das empresas que exploram e produzem hidrocarbonetos. O eixo orientador do
artigo é a definição de conteúdo local, destacando os desafios que essa atuação traz para o
setor.
Fechando o bloco, apresenta-se o texto 4 “Responsabilidade Social Empresarial e
Marketing Social”, de autoria Juliana Falci Sousa Rocha Cunha, onde a autora analisa as
relações entre marketing e responsabilidade social, destacando como as empresas vêm fazendo
uso dessas ferramentas. E, por fim, nessa primeira parte, o texto 5 “Função Profilática da
Responsabilidade Civil Consumerista e A Indústria do Dano Moral: Cidadania Empresarial Na
Sociedade De Risco”, de autoria de Ana Cecília Parodi, aponta como a ação das empresas pode
ser preventiva no que concerne a minimização de riscos oriundos de sua atuação e, como esses
procedimentos relacionam-se com o tema em questão.
A segunda parte apresenta a análise de casos específicos que envolvem as dimensões
mais diretamente ligadas à aplicação do Direito. Esse bloco é aberto com o texto 6 “Empresa e
Contrato de Emprego com Pessoa Infectada Pelo Vírus HIV: A Promoção da Cidadania no
Ambiente do Trabalho”, de autoria de Renato de Almeida Oliveira Muçouçah, cujo foco é o
exame das relações entre pessoas vivendo com HIV/AIDS e as medidas que podem ser
desenvolvidas pelas empresas no sentido de efetivar a dignidade desses trabalhadores/as,
cumprindo os preceitos constitucionais.
O texto 7 “Proteção da Personalidade da Pessoa Física em face da Pessoa Jurídica com
a Repersonalização, de autoria de Marco Antonio de Souza e o texto 8 “Os Efeitos Decorrentes
da Aplicação Judicial da Teoria Menor da Disregard Doctrine: Uma Análise Econômica Do
Direito”, de autoria de Deilton Ribeiro Brasil, tratam do instituto da “despersonalização”
(disregrad doctrine), analisando suas implicações em relação ao tema proposto.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
As discussões relativas à abertura de capital nas sociedades anônimas são tratadas no
texto 9 “Considerações sobre a abertura de capital na Sociedade Anônima”, de autoria de
Rodrigo de Oliveira Botelho Corrêa, destacando essa possibilidade como forma de “ampliar as
opções de financiamento da atividade negocial e produtiva”. O texto 10, “O Administrador, a
Sociedade Anônima e a sua Responsabilidade Social e Coletiva”, de autoria de Gabriel Russi
Vianna e Sandro Mansur Gibran, discute aspectos que envolvem as complexas relações das
S.A., bem como seus administradores, destacando o impacto social dos atos oriundos deste
universo.
E, por fim, encerrando a discussão, o texto 11, “Apropriação Indébita Previdenciária:
Bases Constitucionais da Criminalização da Omissão de Repasse e A Questão da
Inexigibilidade de Conduta conforme o Direito pela situação financeira precária da Empresa”,
de autoria de Janaína Elias Chiaradia e Fábio André Guaragni, discute a questão previdenciária
e seus impactos, problematizando preceitos e princípios legais relativos ao tema.
Com esse conjunto de trabalhos espera-se estar oferecendo ao leitor uma diversidade de
possibilidades e situações que envolvem o tema relacionado ao livro, demonstrando que
práticas relacionadas à responsabilidade e cidadania empresarial ensejam diferentes situações
às quais merecem ser compreendidas à luz do equilíbrio legal e dos constitucionais princípios
da dignidade humana e da justiça social.
Boa leitura!!!!
Coordenadoras do Grupo de Trabalho
Professora Doutora Ana Cláudia Farranha Santana – UnB
Professora Doutora Danielle Anne Pamplona – PUC PR
Professora Doutora Terezinha de Oliveira Domingos – UNINOVE
Referência Bibliográfica:
CAPELLIN, P & GIFFONI, R. As Empresas em Sociedades Contemporâneas: a responsabilidade social no Norte
e no Sul. Cadernos CRH. Salvador, v. 20, n. 51, p. 419-434, Set./Dez. 2007.
12
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
EMPRESA: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS DIRECIONADAS À
RESPONSABILIDADE SOCIAL
COMPANY: CHANGE'S PROSPECTS DIRECTED TO SOCIAL RESPONSIBILITY
Castro, Aldo Aranha de*
Genovez, Simone*
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Aspectos gerais da empresa 2.1 A empresa sob a perspectiva pósmoderna 3 Função Social Empresarial 4 Responsabilidade Social Empresarial 4.1 Partes
Interessadas – Stakeholders 4.1.1 Acionistas ou Investidores 4.1.2 Funcionários ou
Empregados 4.1.3 Clientes e Consumidores 4.1.4 Fornecedores 4.1.5 Comunidade 4.1.6 Meio
Ambiente 4.1.7 Governo e Sociedade 5 Responsabilidade Social da Empresa na dimensão
Ambiental 6 Conclusão 7 Bibliografia
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar o papel da empresa moderna sob o
enfoque econômico, social e ambiental. Toda investigação tem por base o princípio
constitucional da função social da empresa (Art. 170, III, da Constituição Federal), princípio
indispensável para atingir a responsabilidade social. A atividade empresarial deve ser
desenvolvida visando o bem-estar de todas as partes interessadas, trabalhadores,
consumidores, fornecedores, comunidade, Estado e meio ambiente. A empresa que busca
tornar-se responsável socialmente deve adotar uma postura ética e transparente, cumprir as
leis existentes, e mais, buscar conciliar seus interesses particulares com os sociais e
ambientais. O diferencial da empresa moderna é trabalhar o econômico, o social e o ambiental
juntos, a fim de possibilitar a todos, existência digna e Justiça social, princípios básicos
almejados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Empresa; Função Social; Responsabilidade Social.
ABSTRACT: The present study aims to examine the role of the modern corporation with a
focus economic, social and environmental. All research is based on the constitutional
principle of the social function of the company (Art. 170, III of the Federal Constitution), a
principle essential to achieve social responsibility. The business activity shall be developed
for the well-being of all stakeholders, employees, customers, suppliers, community, state and
environment. The company seeks to become socially responsible should adopt an ethical and
transparent manner, enforce existing laws and seek more reconcile their interests with social
and environmental. The spread of modern business is to work the economic, social and
environmental together in order to facilitate everyone, dignified and social justice, basic
principles pursued by Brazilian law.
KEYWORDS: Company; Social Function; Social Responsibility.
*
Advogado atuante na cidade de Marília/SP. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UEL/PR.
Mestrando do curso de Mestrado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR.
*
Mestre em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR e professora da Graduação em Direito da
Faculdade de Sinop - Fasip.
13
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
INTRODUÇÃO
A empresa vem assumindo papel de destaque no cenário socioeconômico e jurídico,
razão pela qual pretende-se demonstrar se ela é sujeito ou objeto de direito.
É neste contexto, que se possibilita à empresa analisar as mudanças que vem
acontecendo no mercado local e global e adequar suas atividades de acordo com as
necessidades atuais e os preceitos do ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição Federal, ao colocar o princípio da função social da propriedade dentro
do capítulo da ordem econômica, estendeu esta obrigação à iniciativa privada, razão pela qual
faz-se necessário abordar o novo perfil da atividade empresarial, a fim de esclarecer os
aspectos da função social empresarial para atingir a responsabilidade social da empresa.
A presente investigação, ao tratar a responsabilidade social pontuando todas as partes
interessadas – Stakeholders e a dimensão ambiental, procurará demonstrar que a empresa de
hoje, no exercício de suas atividades, assume compromissos sociais, ambientais e jurídicos,
diante da nova tendência mercadológica e do ordenamento jurídico vigente.
A presente pesquisa tem por objetivo demonstrar que a empresa não é um sistema
fechado, voltado aos seus interesses particulares, ela faz parte da sociedade, razão pela qual
deve interagir com os sistemas social, ambiental e jurídico, a fim de alcançar a
responsabilidade social.
Neste contexto, a empresa é capaz de desenvolver suas atividades particulares,
cumprir as leis existentes, ser competitiva no mercado e ainda tornar-se responsável
socialmente?
Assim, delimitado os principais pontos da pesquisa, pretende-se esclarecer,
contextualizar e demonstrar que o novo perfil empresarial é conseguir desenvolver suas
atividades à luz das leis vigentes, dos interesses sociais e ambientais e, ainda, de todos os
públicos com os quais ela se relaciona.
1 ASPECTOS GERAIS DA EMPRESA
A empresa faz parte da realidade contemporânea, aparentemente simples de
compreender, porém com uma complexidade ímpar, com atribuições internas e externas, com
direitos e obrigações que deverão ser ponderadas para permanecer no mercado atual.
14
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O papel econômico das empresas nas últimas décadas está em ascensão de modo que,
para compreendê-las, fazem-se necessários estudos aprofundados e específicos de suas
funções, bem como a necessidade de regulamentá-las através de normas jurídicas.
A norma jurídica é o resultado da realidade social, dos objetivos dos seres humanos,
sua conduta, concretizados em dispositivo de lei. No entanto, não seria prudente conceituar
empresa analisando somente os aspectos jurídicos, apartando os econômicos. “Essencial é que
não percam de vista o fato econômico empresa, regulando-o juridicamente para que sua
atuação possa ajustar-se aos interesses sociais”.1
Apesar de existir corrente doutrinária contrária no sentido de separar os conceitos
econômico e jurídico de empresa, somente a junção desses conceitos abordando aspectos
sociais, políticos, dentre outros, é que permite compreender a empresa diante de sua
complexidade.
A palavra ‘empresa’ oferece tão variados sentidos, que se torna temerário
empregá-la apenas em significado jurídico, ou econômico, como de hábito, e
desprezando, dentre outras, as preocupações sociológicas, políticas,
antropológicas que a envolvem.2
É diante desse cenário complexo que se analisa o direito empresarial frente às
modificações trazidas pelo Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002, que a unificou com o
direito das obrigações, revigorando a discussão em torno da natureza jurídica da empresa.
Muito embora o legislador tenha definido o que é empresário em dispositivo de lei,
assim não o fez em relação à empresa, cabendo à doutrina defini-la. Atualmente empresa,
empresário e estabelecimento são elementos distintos na composição da organização
econômica.
Para Hentz “A empresa é o ente responsável pela satisfação das necessidades
coletivas, mediante o exercício de atividades de produção, intermediação e prestação de
serviços”.3
A empresa é uma instituição organizada para produzir e distribuir bens e serviços no
mercado, gerar riqueza, empregar e relacionar com fornecedores e consumidores de forma
1
KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e
os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 27.
2
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conceito de empresa: Um desafio que persiste?. Revista Jurídica
Consulex, Ano VIII, n. 171, 29 fev. 2004, p. 58.
3
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito Empresarial: Bases do direito empresarial, empresa e estabelecimento,
empresário: direitos e deveres, sociedades empresariais. Ed. rev. e atual. São Paulo: Editora de Direito, 1998, p.
55.
15
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ética e transparente para, além de ganhar confiança e credibilidade, ser propulsora do
desenvolvimento econômico do país, fundamento da Ordem Econômica Constitucional.
Assevera Rachel Sztajn que:
Empresas são instituição econômica que, visando ao desenvolvimento das
atividades de produção e distribuição de bens e serviços nos mercados,
criação de riquezas ou utilidades, interessam a operadores do direito e a
economistas. São criação da iniciativa econômica em que meios patrimoniais
se aliam a outros pessoais, e, portanto, são uma fattispecie originária, devem
ter suporte fático próprio não derivado da noção de empresário.4 (grifo autor)
O que permite aduzir que a atividade empresarial, enquanto instituição, é distinta
daquela exercida pelo empresário.
O Art. 966 do Código Civil considera empresário “quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”.5 Esta
atividade deve ser entendida como de gestão, administração do empresário na produção e
distribuição dos bens e serviços de modo a garantir maior produção, no menor custo, com
bom rendimento, tudo de conformidade com a legislação brasileira e em benefício da
sociedade.
Ao passo que estabelecimento é composto pelo conjunto de bens corpóreos e
incorpóreos que compõe a empresa, inclusive pode ter vários estabelecimentos uma empresa.
Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne
para exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens
indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as
mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais
distintivos, tecnologia etc. Trata-se de elemento indissociável à empresa.
Não existe como dar início à exploração de qualquer atividade empresarial,
sem a organização de um estabelecimento.6
Nota-se, com isso, que ambos se complementam, porém cada um deles exerce uma
função específica para a concretização do resultado final, razão pela qual a empresa deve ser
vista como figura autônoma, dissociada do empresário e dos bens utilizados para exploração
de suas atividades, entendida como sujeito de direito com personalidade jurídica e não como
objeto da atividade econômica empresarial.
4
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. 2º ed. São Paulo: Atlas,
2010, p. 150.
5
CIVIL, Código. Art. 966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 18 out. 2012.
6
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 10 ed. rev. e atual. de acordo com a nova Lei de
Falências. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 96.
16
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As mudanças no campo jurídico acontecem lentamente, não acompanham as sociais,
sendo infundado para muitos doutrinadores olhar a empresa separada do empresário, que
sempre foi o sujeito de direito, o personagem central, responsável pelos atos empresariais.
Não resta a menor dúvida de que ainda reinam as mais intensas dissensões
sobre a “personalidade jurídica”, de modo geral, e sobre a “natureza jurídica
da “empresa”, em especial. Quanto a esta última, porém, apesar do
conservadorismo de alguns que insistem em tomá-la como sinônimo de
“atividade” exercida pelo “empresário”, o próprio emprego do termo na
literatura jurídica já de há muito a consagrou como “sujeito” de Direito.7
Doutrinadores franceses já tinham suscitado a necessidade da empresa nascer como
sujeito apartado da pessoa física do empresário e/ou comerciante, dentre eles, Michel Despax
em 1957 já afirmava que “o fenômeno da dissociação entre empresa e empresário nada mais
era do que uma manifestação de ascensão à vida jurídica de um novo sujeito de direito, que
tomava lugar ao lado do sujeito de direito tradicional, o empresário”.8
Apesar de existir posicionamento neste sentido, desde a segunda metade do século
XX, grande parte da doutrina posicionava-se contrário a personalização jurídica da empresa, o
que justifica ter que romper o tradicional para dar espaço a uma nova situação fática – um
novo sujeito de direito.
Ademais, o direito de propriedade confundia-se com o do empresário, que era quem
exercia todas as funções administrativas, jurídicas (contratos para relacionar-se com os
empregados, fornecedores, clientes), bem como respondia pelas obrigações empresariais
assumidas, surgindo daí, a ideia de que a empresa pertence ao seu proprietário, o empresário,
sujeito de direito este, objeto aquela.
Com o fenômeno da globalização,
mudanças socioeconômicas ocorreram,
transformando empresas individuais em coletivas, cujos sócios não administram, mas
delegam essa tarefa a um terceiro, o administrador, a função de decidir o futuro da empresa.
“[...] o acionista, salvas situações excepcionais, não é interessado na administração dos
negócios da firma. Seu interesse é mais financeiro do que administrativo”.9
Neste passo, o administrador, além de buscar atingir os objetivos empresariais e
cumprir a função social determinada pela Constituição Federal, tem novas responsabilidades
7
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo:
LTr, 1994, p. 225.
8
DESPAX, Michel. p. 414 apud KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade
jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 2002, p. 42.
9
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Conceito de empresa: Um desafio que persiste?. Revista Jurídica
Consulex, Ano VIII, n. 171, 29 fev. 2004, p. 59.
17
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sociais a alcançar para garantir a sustentabilidade da própria empresa no mercado e o lucro
almejado pelos acionistas.
Fato este que demonstra ser a organização um ente que complementa a atividade do
empresário e não um instrumento para a realização dessa atividade, razão de ser considerada
atualmente como sujeito de direito, vale dizer, com competência para participar das relações
jurídicas, assumir obrigações e ver garantido seus direitos.
Vários são os exemplos em que a legislação brasileira tem a empresa como sujeito de
direitos: a) na nova Lei de Falência, no caso da recuperação da empresa; b) da sociedade
anônima; c) o Art. 173, § 5º da Constituição Federal que responsabiliza a empresa, nos atos
praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular; d) imputação
criminal a empresas por crimes ambientais, o que demonstra ter a empresa personalidade, pois
responde pelos danos que causar.
Sendo assim, é imperioso mencionar o caso Abecitrus, em que o Superior Tribunal de
Justiça concedeu segredo de justiça em processo administrativo, sob pena de violação ao
direito de privacidade da empresa, o que foi confirmado pelo Tribunal Superior, ante a
prevalência do direito à privacidade da empresa sobre o interesse público dos dados do
processo.10
Percebe-se que a empresa foi tratada em igualdade de condições com os sujeitos de
direito, descartando a possibilidade de ser ela considerada objeto numa relação jurídica, o que
de fato efetiva sua independência e autonomia para reavaliar as novas necessidades humanas,
contextualizadas no âmbito da responsabilidade social.
Assim, está em foco a empresa e qual a posição que ocupa no cenário econômico
contemporâneo, sendo certo que rompeu barreiras e superou dogmas tradicionais, adequandoa às necessidades e valores da sociedade moderna, contribuindo para o avanço tecnológico,
econômico e social, este último com ajuda de dispositivos legais que acabou com a
individualidade empresarial de outrora sem compromisso com o bem-estar social.
2.1 A EMPRESA SOB A PERSPECTIVA PÓS-MODERNA
As transformações ocorridas no mundo nas últimas décadas, nos âmbitos econômico,
social, jurídico e político, impactaram diretamente no perfil da empresa contemporânea.
Outrora, ela exercia suas funções em total desarmonia com o interesse social, valorizava
10
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar 13.103/SP. Disponível em: <http//:WWW.stj.jus.br>.
Acesso em: 11 out. 2012.
18
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apenas o ter, desconsiderava por completo o ser, ou seja, as relações trabalhistas,
consumeristas, ambientais, entre outras.
Com o crescimento das cidades, o avanço tecnológico e das telecomunicações,
desapareceram as barreiras geográficas, o que facilitou as interações e as transações entre as
empresas num curto espaço de tempo, assim como acirrou a concorrência entre elas, que
procuraram expandir seus investimentos em regiões onde o custo para produzir é mínimo, as
isenções fiscais são melhores, mão-de-obra barata e matéria-prima suficiente para instalar sua
indústria, dentre outros benefícios. Em outras palavras, a preocupação maior era reduzir os
custos na produção e aumentar o lucro no produto final a ser colocado no mercado.
A visão empresarial sempre foi produzir e obter lucro, sem preocupação com poluição
do meio ambiente, qualidade de vida dos trabalhadores, da sociedade, dos consumidores e o
impacto que essas ações poderiam causar para as gerações vindouras.
E, quando pressionadas pela sociedade a mudar a forma de produzir, muitas
acreditavam serem manifestações passageiras, outras diziam que sempre fizeram daquela
forma, e mais, que “os problemas sociais e ambientais dos processos de produção eram um
preço a se pagar pela modernidade”.11 Esta é a visão capitalista do sistema capitalista.
Contemporaneamente, mudanças vêm ocorrendo na postura das empresas, elas estão
adotando políticas voltadas a questões sociais e ambientais que até pouco tempo não
entendiam ser de sua responsabilidade, contribuindo para o avanço responsável e sustentável
do país e do mundo.
Empresas do setor privado, ou estatais no setor produtivo, têm englobado
diversas preocupações com a esfera pública, como ações ambientais e
sociais, que até pouco tempo não eram encaradas como responsabilidades
das empresas. Na iniciativa privada, muitas das reações contrárias e
conflituosas às iniciativas ambientais existentes no passado estão dando
lugar a uma crescente associação de melhoria ambiental com empresa
eficiente e responsável, refletindo, em muitos casos, diretamente na imagem
e capacidade de produção da empresa.12
A empresa vem moldando seu perfil às mudanças exigidas pela sociedade para
produção, circulação e permanência de bens e serviços no mercado, voltada para a valorização
dos interesses sociais, econômicos e ambientais, concomitantemente com o lucro que lhe é
inerente, ultrapassando a individualidade de outrora, numa simples percepção da realidade.
11
OLIVEIRA, José Antônio Puppim de. Empresas na sociedade: sustentabilidade e responsabilidade social. 3ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 114.
12
OLIVEIRA, José Antônio Puppim de. Empresas na sociedade: sustentabilidade e responsabilidade social. 3ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 114.
19
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Deste modo, oportuno analisar a função e a responsabilidade social da empresa e seus
aspectos jurídicos.
3 FUNÇÃO SOCIAL EMPRESARIAL
A Constituição Federal, no Art. 170, inciso III, ao estipular a função social da
propriedade, estendeu esta obrigação à iniciativa privada, limitando suas atividades aos fins
da ordem econômica, existência digna de todos e justiça social.
O princípio da função social não retirou do titular a propriedade, apenas a condicionou
a imperativos outrora não observados pelos proprietários, relativizando-a, eis que, para
desempenhar suas funções, fabricar produtos, os interesses individuais devem estar em
consonância com os interesses da sociedade.
Deste modo, a empresa passa a produzir visando seus interesses particulares e sociais,
de acordo com a ordem jurídica vigente, leis trabalhistas, ambientais, tributárias, do
consumidor, de modo que toda atividade econômica desempenhada pela organização seja
livre de qualquer irregularidade, abuso ou ilicitude e traga benefício à coletividade,
transparecendo a boa-fé e o compromisso que possui com todos que com ela se relaciona,
sendo estes os diferenciais exigidos atualmente para permanecer no mercado globalizado.
A adoção de um modelo social empresarial desponta como decorrência da
busca do equilíbrio do livre mercado, somado aos interesses sociais. A
sociedade de consumo atual, o novo contorno das atividades empresariais
fazem despertar, na empresa moderna, a necessidade de reflexão acerca de
suas ações e funções em um mundo globalizado, onde diferenciais passam a
ser imperiosos como forma de estar no mercado.13
Deste modo, a função social da empresa privada é direcionar suas ações, traçar
diretrizes que a levem a bons resultados na fabricação de seus produtos, observando os
imperativos legais e os anseios da sociedade local e global.
A função social da empresa é um instrumento para dar efetividade à lei, garantia aos
cidadãos, melhoria na qualidade de vida da população, além de reprimir condutas contrárias à
ordem econômica, preservar a livre concorrência e controle dos meios privados de produção.
13
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da
Unifil, Ano II, n. 2. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.
Acesso em 20/07/2011.
20
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O princípio da função social da propriedade ganha substancialidade
precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja,
na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob
compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual os efeitos do
princípio são refletidos com maior grau de intensidade é justamente a
propriedade, em dinamismo, dos bens de produção. Na verdade, ao nos
referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a
aludir à função social da empresa.14
Muito embora este princípio sirva de norte para todas as espécies de propriedade, o
fato de a Constituição contemplá-lo entre os da atividade econômica, reforça a escolha pelo
sistema capitalista, cujos bens de produção são dinâmicos quando utilizados para gerar outros
produtos a serem disponibilizados no mercado, contribuindo na geração de riquezas e
desenvolvimento socioeconômico do Estado.
Assim, pois, a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no
sistema da constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na
atuação empresarial e esta se subordina ao princípio da função social, para
realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional e assegurar a
existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê que
a liberdade de iniciativa só se legitima, quando voltada à efetiva consecução
desses fundamentos, fins e valores da ordem econômica.15
A atividade empresarial só será funcional e legítima quando os gestores
proporcionarem empregos condizentes com a dignidade da pessoa humana, colocar produtos
de qualidade com bom preço no mercado, ter bom relacionamento com o público externo,
cumprir as leis e pagar os impostos relativos com sua atividade.
Com isso, tem-se que a função social econômica deu abertura para as empresas
reorganizarem seu modo de agir transcendendo interesses individuais para alcançar a
responsabilidade social, eixo de sustentação econômica para permanência no mercado, bem
assim contribuir com o desenvolvimento da nação.
4. RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
Atualmente muito se escreve sobre responsabilidade social empresarial e suas
implicações no campo econômico, social, ambiental e jurídico, mas pouco se escreve sobre
seu surgimento, o que engloba, conceito e partes interessadas.
14
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Malheiros, 2010, p. 243.
15
SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 220.
21
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Cristiane de Oliveira Silva Duarte e Juliana de Queiroz Ribeiro Torres pontuam as
dimensões históricas do surgimento da responsabilidade social empresarial:
As primeiras manifestações sobre esse tema surgiram, no início do século,
em trabalhos de Charles Eliot (1906), Arthur Hakley (1907) e John Clark
(1916). No entanto, tais manifestações não receberam apoio, pois foram
consideradas de cunho socialista. Foi somente em 1953, nos Estados Unidos,
com o livro Social responsabilities of the businessman, de Howard Bowen,
que o tema recebeu atenção e ganhou espaço. Na década de 70, surgem
associações de profissionais interessados em estudar o tema: American
Accouting Association e American Institute of Certified Public Accountants.
É a partir daí que a responsabilidade social deixa de ser simples curiosidade
e se transforma em um novo campo de estudo.16
No Brasil o movimento de responsabilidade social surgiu de uma série de iniciativas e
movimentos empresariais. Na década de 60 um grupo de empresários fundou em São Paulo a
Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE) que, por meio de ensinamentos, os
cristãos estudavam as atividades econômicas e sociais do meio empresarial. Nas décadas de
70 e 80 surgiram: a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (Fides),
criada com base no ADCE; o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Na década de 90, o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), criado em 1995, foi o
primeiro a transformar o interesse empresarial em investimento social privado; em 1997 surge
o modelo de balanço social; em 1998 surge o Instituto Ethos de Empresa e Responsabilidade
Social.17
Todos estes institutos criados tiveram como objetivo orientar as empresas em suas
atividades, com base na ética, transparência e, também, como se relacionar com seus diversos
públicos.
No entanto, foi com a criação do Instituto Ethos, que as empresas brasileiras passaram
a incorporar o conceito de responsabilidade social, bem como buscaram meios de implantar
este novo sistema, voltando suas práticas não só aos seus interesses particulares, mas em
parceria com a comunidade na qual estão inseridas.
A questão da responsabilidade social abrange muito mais do que simples doações
financeiras ou materiais, campanhas de arrecadação de bens e objetos que, apesar de ser ato
importante por parte da instituição, não significa que a mesma tenha responsabilidade social,
16
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 22-23.
17
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 25.
22
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pois amenizar os problemas pontuais não os solucionam, ponto este que diferencia a empresa
responsável daquela que apenas pratica filantropia.
Segundo o Instituto Ethos, a diferença entre filantropia e responsabilidade social
consiste basicamente em:
A filantropia é basicamente uma ação social externa à empresa, que tem
como beneficiária principal a comunidade em suas diversas formas
(conselhos comunitários, organizações não-governamentais, associações
comunitárias) e organizações. A responsabilidade social é focada na cadeia
de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior
(acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores,
consumidores, comunidade, governo e meio ambiente), cuja demanda e
necessidade a empresa deve buscar entender e incorporar nos negócios.
Assim, a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa
e de como ela os conduz.18
Assim, ações empresariais que não tem continuidade, que são usadas esporadicamente
para se autopromover, acabam se tornando um paliativo para a grave conjuntura social. Ao
passo que nas ações socialmente responsáveis existe um envolvimento, um comprometimento
da empresa com seus diversos públicos, a fim de solucionar e satisfazer tantos os seus
interesses particulares quanto o bem-estar social.
O setor empresarial, com a globalização e os avanços tecnológicos, vem sendo testado
na medida em que devem atingir níveis cada vez maiores e melhores de competitividade e
produtividade, tendo hoje que se preocupar com ações sociais contínuas e permanentes, diante
das desigualdades sociais, o que forçam a repensar os sistemas econômicos, sociais e
ambientais.
Ainda para o Instituto Ethos, responsabilidade social é:
[...] a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da
empresa com todos os públicos com os quais se relaciona. Também se
caracteriza por estabelecer metas empresariais compatíveis com o
desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais
e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo
a redução das desigualdades sociais.19
18
ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Perguntas frequentes: o que é responsabilidade
social
empresarial.
Disponível
em:
<
http://www1.ethos.org.br//EthosWeb/pt/93/servicos_do_portal/perguntas_frequentes/perguntas_frequentes.aspx>
. Acesso em: 19 out. 2012.
19 19
ETHOS, Instituto de Empresas e Responsabilidade Social. Perguntas frequentes: o que é responsabilidade
social
empresarial.
Disponível
em:
<
http://www1.ethos.org.br//EthosWeb/pt/93/servicos_do_portal/perguntas_frequentes/perguntas_frequentes.aspx>
. Acesso em: 19 out. 2012.
23
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Neste sentido, a empresa, para atingir a responsabilidade social, deve atentar para suas
atividades, o que significa que suas ações devem estar em conformidade com os interesses dos
consumidores, trabalhadores, fornecedores, meio ambiente, estudando meios que diminuam o
impacto de suas ações e, consequentemente, valorizem as atividades que buscam uma gestão
social mais humana.
No entanto, para que isso se torne efetivo, é necessário que o Estado atue em parceria
com o setor empresarial, conceda incentivos às empresas públicas e privadas, no sentido de
estimulá-las a concretizar esta teoria que traz benefícios tanto à sociedade quanto ao Estado,
que terá ajuda do setor privado na busca de realizar os princípios constitucionais da dignidade,
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, reduzir as desigualdades sociais, promover
o desenvolvimento nacional, conforme dispõem os Art. 1º e incisos, Art. 3º e incisos e Art.
170 e incisos, todos da Constituição Federal.
Luís Roberto Barroso entende que “a efetividade significa, portanto, a realização do
Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização dos
fatos e dos preceitos legais, e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre
dever-ser normativo e o ser da realidade social.”20
Deste modo, para que os princípios básicos da Constituição Federal sejam
concretizados no exercício das empresas e tenha a efetividade almejada, as práticas
empresariais devem ser éticas, transparentes e coerentes, pois não adianta a empresa
desenvolver programas sociais se, no dia-a-dia desrespeita seus funcionários, clientes,
consumidores, polui o meio ambiente, paga propina aos fiscais do governo para não ser
multada frente às suas irregularidades. O conjunto de valores normativos devem ser
observados para que, de fato, consiga efetivar a responsabilidade social empresarial e,
consequentemente, materializar os direitos sociais, econômicos e ambientais em suas
atividades em parceria com os interesses da sociedade ao seu redor.
Neste sentido, faz-se necessário mencionar, a título de exemplo, o comportamento
responsável dos postos Ipiranga no Brasil, que desenvolveram um projeto chamado Posto
Ecoeficiente Ipiranga, com o objetivo de adequar as instalações do posto de abastecimento,
preservando os recursos naturais, sem comprometer o resultado econômico. O posto que
adequar todas as ações voltadas aos recursos naturais com destinação dos resíduos, água,
20
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da constituição brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 79.
24
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energia e material de acordo com as normas especificadas no projeto recebe o selo de Posto
Ecoeficiente Ipiranga.21
Com esta iniciativa, os postos Ipiranga tem por objetivo demonstrar que a atividade
em conjunto com seus diversos público,s além de preservar o meio ambiente e agregar valor
aos seus produtos, consegue demonstrar que é possível trabalhar visando o interesse
econômico nos termos do sistema capitalista, sem comprometer os interesses sociais e
ambientais. Este é um exemplo de empresa que trabalha visando ser reconhecida com
responsabilidade social, pois desenvolvem suas atividades com ética e transparência,
diferenciando-se dos concorrentes no mesmo setor.
Sendo assim, é imperioso mencionar os diversos públicos de interesse para, de fato,
conseguir demonstrar a importância deste novo sujeito, a empresa, frente às suas negociações,
seus interesses econômicos, sociais, ambientais e jurídicos e, ainda, que suas ações não estão
dissociadas da sociedade na qual esta inserida, pelo contrário, dela faz parte como sujeito de
direito e de obrigações frente aos seus stakeholders e ao ordenamento jurídico brasileiro.
4.1 PARTES INTERESSADAS – STAKEHOLDERS
A organização para atingir esse modelo de gestão socialmente responsável deve
estabelecer um bom relacionamento com seus parceiros ou partes interessadas – stakeholders
– pessoas ou grupos que tem interesse e influencia na atividade empresarial. E para isso
alguns princípios devem observados:
- abrir canais de comunicação de mão dupla, para um diálogo efetivo entre
as partes;
- possuir engajamento de longo prazo com as questões propostas e
assumidas;
- ganhar credibilidade por meio de parceiras diversificadas;
- assegurar a coerência e a continuidade das ações, legitimando as ações
sociais;
- falar a linguagem de cada stakeholder, evitando ruídos de comunicação que
possam trazer desentendimentos aos relacionamentos.22
Deste modo, a produção, a tecnologia, a informação, o lucro são tão importantes
quanto a relação aberta, participativa, ética, transparente e com o cumprimento das leis
21
IPIRANGA, Posto. Posto Ecoeficiente. Disponível em: <http://www.ipiranga.com.br>. Acesso em: 22 out.
2012.
22
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 36.
25
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existentes para cada parte interessada – trabalhadores, consumidores, meio ambiente, dentre
outros.
Neste passo, serão traçadas algumas das responsabilidades sociais que devem ser
analisadas numa gestão empresarial socialmente responsável em relação aos seus
stakeholders.
4.1.1 Acionistas ou Investidores
Toda empresa deve empreender esforços para obter retorno financeiro para os seus
acionistas, porém trabalhar apenas com este objetivo revela-se insuficiente diante do novo
contexto social.
Os acionistas e investidores apresentam grande relação de confiança com a
organização, uma vez que assumem enormes riscos ao prover consideráveis
valores para alavancar os negócios. Por isso, ao efetuarem suas aplicações
financeiras, preocupam-se em fazê-lo em empresas sólidas e coerentes, que
respeitem o meio ambiente, as condições humanas e sociais de seus
empregados e zelem pela qualidade de suas relações.23
Deste modo, a atividade empresarial deve respeitar o meio ambiente, dignidade do
homem, a comunidade, e os acionistas, antes de investir seu capital, deverão procurar por
empresas responsáveis socialmente que já estão se antecipando diante das variações do
mercado e melhorando o sistema sócio-operacional em prol da coletividade.
Assim, atitudes socialmente responsáveis das organizações também dependem da
parceria de investidores conscientes e atualizados, preocupados com a sustentabilidade dos
negócios, tanto nesta quanto nas próximas décadas, e não apenas com o retorno imediato sem
perspectivas de futuro.
4.1.2 Funcionários ou Empregados
Os funcionários ou empregados são os responsáveis pelo desenvolvimento da
empresa, são os trabalhadores diretos que necessitam receber tratamento diferenciado, serem
protegidos, motivados e preparados para exercer suas atividades.
23
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 37.
26
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Tanto que a Constituição Federal de 1988 inseriu como um dos princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direito, a valorização do trabalho (Art. 1º, inciso
IV), procurou descriminar uma série de direitos aos trabalhadores (Art. 7º e incisos), destacou
a importância do trabalho no capítulo da ordem social (Art. 193) e ainda colocou que a ordem
econômica explicita o trabalho humano como um de seus fundamentos (Art. 170, caput).
Estes dispositivos normativos demonstram a importância dos trabalhadores, e que seus
direitos estão garantidos por norma constitucional, razão pela qual o empregador deve
respeitá-los e buscar meio de incluí-los em sua cadeia de negócios, valorizando-os
dignamente.
No entanto, a empresa responsável socialmente não é aquela que resume em cumprir
as leis trabalhistas, valorizar o trabalho humano, oferecer segurança e condições dignas e
salubres para o funcionário exercer suas funções, ela ultrapassa esses objetivos, quando
interage com eles, tem uma política de comunicação eficiente, desenvolve atividades para
aperfeiçoá-los e educá-los, permite a participação deles, ou seja, é uma empresa transparente
que divide com seus empregados todas as ações e planejamentos em busca de melhores
resultados.
Para melhor compreender o papel da empresa com responsabilidade social essas ações
práticas elucidam a amplitude do valor do trabalhador.
É importante ter um canal de comunicação aberto com os funcionários. Crie
um ambiente de trabalho que incentive os funcionários a trazer novas ideias
e opiniões sobre a empresa.
Valorize também um ambiente de trabalho adequado e higiênico.
Contrate e promova pessoas com experiências e perspectivas diferentes.
Além disso, diversifique na seleção de funcionários. Inclua no quadro de
pessoas grupos minoritários, como portadores de deficiência, ex-detentos,
afrodescendentes e pessoas com mais de 45 anos.
Ofereça treinamento, incentive e recompense o desenvolvimento de talentos.
Estabeleça diretriz contra o abuso sexual.
Informe aos funcionários o desempenho da empresa. Crie um programa de
participação nos lucros.
Evite demissões. Antes de demitir um funcionário identifique outras
alternativas. Mas, quando necessário, reduza o pessoal com dignidade e crie
programas de recolocação e requalificação profissional.
Preserve a saúde e o bem-estar dos funcionários e dos seus familiares. Planos
de saúde, estímulo a práticas esportivas, programas de combate ao fumo e
ajuda a dependentes químicos são algumas iniciativas.
27
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Apoie a educação dos empregados e de seus familiares. Crie programas de
alfabetização, qualificação e ajude a colocar os filhos de seus funcionários
na escola.24
Assim, a organização com responsabilidade social deve criar um ambiente de trabalho
sadio onde o empregado possa participar com sugestões e opiniões, além de ser valorado pelas
suas atitudes, sem qualquer tipo de preconceito e discriminação, melhorando a produtividade
e o compromisso dos funcionários com a empresa, e desta com a sociedade.
4.1.3 Clientes e Consumidores
O vínculo entre empresa, clientes e consumidores vai além da venda e compra do
produto ou serviço, requer competência, transparência e responsabilidades em relação aos
bens disponibilizados no mercado para comercialização ou consumo.
A Constituição Federal colocou a defesa do consumidor entre os direitos fundamentais
(Art. 5º, inciso XXXII) e, ainda, como um dos princípios da ordem econômica e financeira
(Art. 170, inciso V), ressaltando sua importância em norma superior. Ainda foi criado o
Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), que regula as relações de consumo,
destacando que, dentre elas, que deve existir equilíbrio e harmonia entre consumidor e
fornecedor.
A atividade empresarial socialmente responsável em relação aos clientes e
consumidores é muito abrangente e minuciosa, pois o gestor desde a fabricação até a
disponibilidade dos bens e serviços deve se preocupar com segurança, eficiência, qualidade,
riscos, possível dano à saúde e à sociedade, oferecer informações claras e corretas, além de
atendê-los antes, durante e depois de efetuada a venda, evitando possíveis desconfortos e
constrangimentos com o uso e o consumo do produto.25
A norma ISO/DIS 26000 estabelece parâmetros a serem seguidos pela organização
tanto em relação aos clientes e consumidores, quanto ao marketing e práticas contratuais
justas.
O marketing justo requer que a empresa forneça informações baseadas em fatos de
fácil entendimento e não sejam tendenciosas, possibilitando aos consumidores tomar decisões
24
SILVA, Rafaela Cristina da; VITTI, Aline; BOTEON, Margarete. Diretrizes da responsabilidade social
empresarial no setor de hortifrutícola. Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/6/459.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2011.
25
LOURENÇO, Alex Guimarães; SCHÖDER, Deborah de Souza. Vale investir em responsabilidade social
empresarial? Stakeholders, ganhos e perdas. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 2. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2003, p. 96.
28
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
quanto às suas compras e comparar as características dos diferentes produtos e serviços. Deve
estabelecer relações contratuais equilibradas entre as partes. E, ainda, informar sobre os
impactos socioambientais em todo o ciclo de vida e ao longo da cadeia de valor, bem como
evitar informações injustas, incompletas ou enganosas prejudiciais ao consumidor e ao meio
ambiente.26
Em relação à proteção à saúde e segurança do consumidor, a empresa deve oferecer
produtos e serviços seguros, com instruções claras de como usar ou utilizar estes, a fim de
minimizar riscos quando usados e consumidos de acordo com as indicações.
A ISO/DIS 26000 recomenda algumas medidas a serem adotadas pela empresa para
garantir a saúde e segurança do consumidor, dentre elas:
- forneça produtos e serviços que, sob condições de uso normais e
razoavelmente previsíveis, sejam seguros para os usuários, outras pessoas,
suas propriedades, e para o meio ambiente;
- avalie leis, regulamentos, normas e outras especificações de saúde e
segurança para contemplar todos os aspectos de saúde e segurança.
Recomenda-se que a organização exceda essas exigências mínimas de
segurança quando houver evidência que a superação dessas exigências
atingiria uma proteção significativamente melhor, como demonstrado pela
ocorrência de acidentes envolvendo produtos ou serviços que estão em
conformidade com exigências mínimas, ou a disponibilidade de produtos ou
designs de produtos que possam reduzir o número ou a gravidade dos
acidentes;
- minimize os riscos no design dos produtos: reduzindo o risco usando a
seguinte ordem de prioridade: design inerentemente seguro, dispositivos de
proteção e informações para usuários;
- quando um produto, após ter sido lançado no mercado, apresentar um
perigo imprevisto, tiver um defeito grave ou contiver informações enganosas
ou falsas, retire todos os produtos que estiverem ainda na rede de
distribuição e faça um recall dos produtos usando medidas e meios
apropriados para atingir o público que comprou o produto. Medidas de
rastreabilidade poderão ser relevantes e úteis. Dentre outras medidas.27
Neste contexto, a empresa deve promover a educação dos clientes e consumidores
quanto ao consumo consciente, quais os efeitos que suas escolhas podem ocasionar no meio
26
MINUTA DE NORMA INTERNACIONAL ISO/DIS 26000. Diretrizes sobre responsabilidade social.
Disponível
em:
<
http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/ISO_DIS_26000_port_rev0.pdf>. Acesso em: 23
nov. 2011, p. 01.
27
MINUTA DE NORMA INTERNACIONAL ISO/DIS 26000. Diretrizes sobre responsabilidade social.
Disponível
em:
<
http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/ISO_DIS_26000_port_rev0.pdf>. Acesso em: 23
nov. 2011, p. 01.
29
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ambiente e na sociedade, conscientizando-os do papel decisivo que desempenham na
promoção do desenvolvimento sustentável.28
Diante de todos estes aspectos, tão importante quanto colocar produtos e serviços no
mercado, é sensibilizar os clientes e consumidores sobre o que de fato estão adquirindo,
envolvendo-os e de certa forma conscientizando de que também tem deveres, não é só
comprar, mas seguir também as instruções da embalagem. Suas obrigações se estendem a
adquirir bens produzidos de empresas que desenvolvam produtos pensando no bem-estar da
sociedade, do meio natural, ou seja, consumir produtos que minimizam riscos à saúde, à
comunidade e ao ambiente em geral.
Neste sentido, Antônio Carlos Efing expõe sobre a importância do consumidor
consciente:
O consumidor só poderá tornar-se agente capaz de interagir com o mercado
de consumo a ponto de influenciar somente a manutenção de empresas
socioambientalmente corretas, se for corretamente informado e educado. A
conscientização crítica do consumidor demanda informações e sua educação
para a adoção dos valores socioambientais tais como os norteadores de suas
decisões. Para isso a atuação do Estado é necessária, na medida de sua
responsabilidade por tais atos (educação e informação). Além do Estado, a
sociedade também é responsável pela propagação das práticas de consumo
consciente, visto que a própria preservação do planeta depende desta nova
cultura.29
Deste modo, não somente a organização tem deveres e obrigações, mas também os
clientes e consumidores em parceria podem cooperar para ajudar a concretizar a
responsabilidade social empresarial, quando procuram comprar produtos de empresas que
vem buscando tornar-se responsáveis socialmente, ou seja, aquelas que tem compromissos
condizentes com bem-estar de todos.
4.1.4 Fornecedores
Os fornecedores são os parceiros diretos da empresa, podendo ser chamados de
auxiliares da atividade produtiva, cuja relação entre eles envolve muito mais que qualidade,
28
MINUTA DE NORMA INTERNACIONAL ISSO/DIS 26000. Diretrizes sobre responsabilidade social.
Disponível
em:
<
http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/ISO_DIS_26000_port_rev0.pdf>. Acesso em: 23
nov. 2011, p. 01.
29
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo: Consumo e Sustentabilidade.
3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011, p. 125-126.
30
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
confiança e bons preços, envolvem diálogo, cooperação, transparência, preservação de valores
e regras para negociar com responsabilidade social.
Nesta perspectiva, os fornecedores devem ter os mesmos objetivos que a parceira
empresa, objetivos estes que devem estar delimitados em um código de conduta, contrato e
até mesmo no relacionamento que a organização tem com todos que com ela se relaciona. “Os
fornecedores são de certa forma uma extensão da empresa, por isso devem compartilhar dos
mesmos valores e estabelecer uma relação de parceria e confiabilidade”.30
A organização, ao estabelecer contato com o fornecedor, deverá verificar se este
partilha da mesma postura: condições dignas de trabalho aos funcionários, não estar ligado a
trabalho infantil, trabalho escravo, poluição do meio ambiente, se tem bom relacionamento
com a sociedade, isto é, deve verificar o efetivo envolvimento dos fornecedores no
cumprimento da legislação vigente: trabalhista, ambiental, previdenciário, civil, penal, fiscal,
dentre outras.31
A empresa socialmente responsável “é aquela que aceita a responsabilidade de lidar
com os impactos de suas decisões e atividades por meio de um comportamento transparente e
ético integrado em toda a organização e praticado em suas relações [...] 32, ou seja, é aquela
que adota uma conduta e assume as consequências independentemente do impacto que pode
causar entre os fornecedores, empresas e sociedade.
O item “Envolva parceiros e fornecedores” faz uma clara relação entre
responsabilidade social e aos membros da cadeia produtiva no processo de
aquisição. A interface na gestão de compras e na logística da organização
com as demais organizações da cadeia, revela que na relação entre empresa
fornecedora e empresa compradora, o elo de ligação na cadeia deve ser
fortalecido, com ações colaborativas e trocas de informações que beneficiem
ambas as partes.33
30
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 40.
31
OLIVEIRA, José Antonio Puppim de. Empresas na sociedade: sustentabilidade e responsabilidade social.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 161-162.
32
MINUTA DE NORMA INTERNACIONAL ISO/DIS 26000. Diretrizes sobre responsabilidade social.
Disponível
em:
<
http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/ISO_DIS_26000_port_rev0.pdf>. Acesso em: 23
nov. 2011, p. 01.
33
LELIS, Eliacy Cavalcanti. Processo de aquisição com responsabilidade social. XIII SIMPEP – Bauru, SP.
Brasil,
6
a
8
de
Novembro
2006.
Disponível
em:
<
http://www.simpep.feb.unesp.br/anais/anais_13/artigos/900.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2011, p. 03.
31
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Observa-se que as empresas, na relação comercial, deverão expor claramente seus
objetivos, cumprir o que ficou pactuado no ato da transação e que, em um gesto de
complementaridade, ambas comprometam-se a participar ativamente das ações propostas.
Com os concorrentes, a empresa deve evitar a concorrência desleal e valorizar práticas
que conduzam à liberdade de concorrer no mercado, de modo que:
A empresa não deve, portanto, realizar nenhuma ação ilícita e imoral para a
obtenção
de
vantagem
competitiva
ou
que
vise
ao
enfraquecimento/destruição de concorrentes, devendo manter com eles um
relacionamento orientado por padrões éticos, de forma a não conflitar com
os interesses das demais partes interessadas, em especial com os dos clientes
e consumidores finais.34
Portanto, a empresa de fato responsável socialmente necessita da colaboração e
parceria dos demais fornecedores que, além das leis, devem cumprir com o estabelecido nos
códigos de conduta, contrato e, ainda, valorizar a livre concorrência.
4.1.5 Comunidade
A empresa deve promover o bem-estar da comunidade na qual está inserida e, para
isso, precisa se envolver diretamente com ela para detectar as necessidades básicas, bem como
os problemas existentes, e procurar meios de solucioná-los através de projetos sociais que
atendam de forma efetiva aquele ponto crítico da sociedade.
No entanto, a organização, antes de tomar qualquer atitude, deve analisar esses
problemas sociais, verificar qual deles a instituição apresenta melhores condições de enfrentar
para, na sequência, estabelecer e definir critérios, e investir, seja através de dinheiro,
infraestrutura, educação, enfim, “[...] organizações que tomam a decisão certa e montam
iniciativas sociais focadas, proativas e integradas com o cerne de suas estratégias vão se
distanciar progressivamente da multidão”.35
A empresa apenas deve contribuir com o Estado na solução de problemas sociais,
afinal não dispõe de recursos financeiros para solucionar todos os problemas que o cercam,
34
LOURENÇO, Alex Guimarães; SCHÖDER, Deborah de Souza. Vale investir em responsabilidade social
empresarial? Stakeholders, ganhos e perdas. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 2. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2003, p. 99.
35
PORTER, Michel E.; KRAMER, Mark R. Estratégia e sociedade: O elo entre vantagem competitiva e
responsabilidade
social
empresarial.
Disponível
em:
<
http://www.hbrbr.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=91>. Acesso em: 24 nov. 2011, p. 66.
32
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
apenas deve ter o compromisso de dar continuidade nas ações que der início, melhorando a
qualidade de vida da comunidade local.
A empresa pode fazer o aporte de recursos direcionado para a resolução de
problemas sociais específicos para os quais se voltem entidades comunitárias
e ONGs ou desenvolver projetos próprios, mobilizando suas competências
para o fortalecimento da ação social e envolvendo seus funcionários e
parceiros na execução e apoio a projetos sociais da comunidade. [...] Um
aspecto relevante é a garantia de continuidade das ações, que pode ser
reforçada pela constituição de instituto, fundação ou fundo social.36
Esta argumentação pode ficar mais clara quando a empresa analisa os problemas
sociais ao seu redor e constata que a comunidade próxima não dispõe de saneamento básico,
então busca meios de solucionar este problema social, seja em parceria com o Estado, através
de incentivos, como por exemplo isenção de impostos, seja em parceria com outras empresas
ou até mesmo individualmente, quando internaliza esta questão social e desenvolve projeto a
fim de solucionar esta situação fática e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida da
população ao seu redor.
Isto não significa que a empresa tem o dever de solucionar todos os problemas sociais
ao seu redor, apenas que busque solucionar aquele problema específico, até porque a empresa
não tem condições financeiras de resolver todas os impasses sociais, mas tem condições de
ajudar o Estado nas questões sociais.
Assim, a empresa socialmente responsável, além de se envolver em projetos sociais
específicos ou estabelecer parcerias com o Estado ou instituições que já desenvolvem esses
projetos ajudando financeiramente, faz com objetivo de obter resultados positivos para a
comunidade ganhando, com isso, vantagem competitiva em relação a suas concorrentes, razão
pela qual a divulgação para conscientizar a todos de suas atividades é um passo importante e
decisivo para mudar a postura dos trabalhadores, consumidores, ou seja, da sociedade em
geral, para consumir produtos da empresa que busca ser responsável socialmente.
4.1.6 Meio Ambiente
A Constituição Federal, além de inserir o meio ambiente como um dos princípios da
ordem econômica e financeira (Art. 170), ampliou esta tutela ao Art. 225, que prevê que o
36
LOURENÇO, Alex Guimarães; SCHÖDER, Deborah de Souza. Vale investir em responsabilidade social
empresarial? Stakeholders, ganhos e perdas. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 2. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2003, p. 97.
33
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e necessário para se ter
qualidade de vida e, ainda, que é dever do poder público e da coletividade defender e
preservá-lo para a presente e as futuras gerações.
Nesta direção, a atividade econômica deve ser desenvolvida visando equilíbrio
ecológico da natureza, vez que se trata de um bem jurídico de interesse de toda a coletividade,
eis que se trata de direito difuso por pertencer a todos.
A organização socialmente responsável se preocupa com os impactos ambientais que
suas atividades podem causar ao meio ambiente, somado a isto, ela se antecipa aos danos
ambientais, age proativamente na tentativa de minimizar ou acabar com as ações agressivas a
natureza.
O comportamento empresarial em relação ao meio ambiente reflete a política externa
da empresa, bem como se realmente tem responsabilidade social e comprometimento com o
desenvolvimento sustentável.
Uma empresa ambientalmente responsável está sempre atenta às ações de
manutenção e melhoria das condições ambientais, minimizando riscos e
ações agressivas à natureza. Para isso, investe em tecnologias antipoluentes,
recicla produtos e o lixo gerado, implanta “auditoria verde”, mantém
relacionamento estreito com órgãos de fiscalização ambiental, limita o uso
de recursos naturais e de descargas nocivas, constrói estações de tratamento
de efluentes para reciclar a água utilizada e é responsável pelo ciclo de vida
de seus produtos.37
Neste contexto, a organização responsável com o meio ambiente não realiza ações
esparsas, pontuais, para solucionar uma situação ambiental grave, ela simplesmente incorpora
políticas ambientais interna e externamente, treina seus funcionários, conscientiza a
população através de campanhas, seja em escolas, por panfletos ou através da mídia sobre a
necessidade de preservação da natureza, ou seja, suas ações ultrapassam as obrigações legais.
Afinal, a empresa é uma extensão da sociedade e, por isso, em conjunto, todos devem agir
minimamente para no futuro atingir o grande desafio, a responsabilidade social.
Neste sentido, uma empresa ecologicamente responsável deve orientar suas ações, sob
os seguintes aspectos:
37
DUARTE, Cristiani de Oliveira Silva; TORRES, Juliana de Queiroz Ribeiro. Responsabilidade social
empresarial: Dimensões históricas e conceituais. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 4. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2005, p. 39.
34
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
a) definição de uma política ambiental, com objetivos claros e concretos,
para reduzir ou evitar os impactos gerados por sua atividade, de forma
que sua atitude, diante da problemática ecológica, fique clara;
b) configuração de um sistema de gestão ambiental, como desenho e
execução dos programas (conjunto de ações) com os quais pretende
alcançar os objetivos propostos;
c) realização de auditorias ambientais, encarregadas da avaliação
sistemática, periódica e objetiva do funcionamento da empresa com
relação ao meio ambiente.38
O compromisso empresarial com o meio ambiente deve ser transparente perante todos
os interessados, além de ser bem estruturado, de modo que, diante de uma crise, consiga
transparecer perante a sociedade que suas ações tem fundamento e responsabilidade, não se
resume em mera publicidade de atos infundados e irresponsáveis ambientalmente.
A norma ISO 14001:2004 – Sistema de Gestão Ambiental (SGA), de âmbito
internacional, prevê estratégias e diretrizes genéricas de como as empresas devem gerenciar
suas atividades voltadas às questões ambientais, tendo em consideração a proteção do meio
natural, prevenção da poluição, cumprimento legal e necessidades socioeconômicas.39
Essa norma auxilia e direciona as organizações quanto à forma de desenvolver
programas e projetos ambientais conciliando-os com interesses sociais e econômicos, visto
que, por menor que seja a atividade a ser desempenhada, ela pode impactar no meio ambiente,
de modo que a empresa deve trabalhar com o objetivo de reduzir esses impactos.
A norma ISO/26000 recomenda que a empresa se responsabilize pelos danos
ambientais, arque com os custos da poluição que der causa, implante programas para evitar,
avaliar e reduzir os impactos ambientais de atividades, produtos e serviços, bem como riscos à
saúde e a segurança no trabalho, use tecnologias e práticas ambientalmente sólidas, e outras.40
Contudo, nota-se que a norma 14001 de gestão ambiental e as recomendações da
ISO/DIS 26000, conferem à empresa parâmetros para desenvolver suas atividades de acordo
com o novo viés, qual seja, produzir sem prejudicar o meio ambiente, e consequentemente,
preservar a vida na terra.
Assim, a empresa socialmente responsável tem por escopo evitar e paralisar os danos à
natureza ou utilizá-la de forma menos agressiva e mais racional, além de contribuir para o
38
GARCÍA-MARZÁ, Domingos. Ética Empresarial: Do diálogo à confiança da empresa. Rio Grande do Sul:
Unisinos, 2008, p. 224.
39
CERTIFICAÇÃO DE SISTEMAS E SERVIÇOS. ISO 14001:2004 – Sistema de Gestão Ambiental.
Disponível em: < http://www.pt.sgs.com/pt/iso_14001_2004?serviceId=10957&lobId=24178>. Acesso em: 25
nov. 2011, p. 01.
40
MINUTA DE NORMA INTERNACIONAL ISO/DIS 26000. Diretrizes sobre responsabilidade social.
Disponível
em:
<
http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/ISO_DIS_26000_port_rev0.pdf>. Acesso em: 23
nov. 2011, p. 01.
35
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
progresso econômico, social e ambiental da sociedade, com uma gestão voltada para o
desenvolvimento sustentável.
4.1.7 Governo e Sociedade
A empresa deve apresentar bom relacionamento com os órgãos governamentais,
cumprir as leis e contribuir de forma ética e responsável com melhorias para a sociedade, bem
assim, com as questões políticas do Estado.
É importante que o empresariado seja transparente ao realizar doações em campanhas
políticas, bem como viabilize espaço para realizar debates eleitorais que atendam interesses de
seus funcionários e de toda comunidade, assuma compromisso de combater a corrupção e
propina, e práticas ilegais dos parceiros empresariais ou representantes do governo e, ainda,
participem de políticas públicas na área social.41
Deste modo, a relação do empresariado brasileiro com o governo deve ser em
benefício da sociedade, vez que atitudes honestas geram impactos sociais positivos o que,
consequentemente, resulta em mais empresas querendo se filiar ao grupo das empresas com
responsabilidade social, para não perder competitividade e prestígio em relação às
concorrentes e parceiras do governo.
Assim, diante de todas estas colocações envolvendo os stakeholders, nota-se que não é
uma ação esparsa da empresa que a define como responsável socialmente, pois para atingir
esta, a organização deve apresentar uma estrutura organizacional, planejamento,
comprometimento, transparência, ética e, principalmente, interesse em crescer sem aumentar
os problemas sociais e ambientais que atinge toda a população, pelo contrário, crescer
diminuindo-os.
5. RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA NA DIMENSÃO AMBIENTAL
A atividade empresarial despreocupada com o meio ambiente acarretou sérios
problemas de contaminação do ar, rios, solos, muitos deles irreversíveis, o que prejudicou
sobremaneira a coletividade, além de ser a grande causadora da escassez dos recursos naturais
na atualidade.
41
LOURENÇO, Alex Guimarães; SCHÖDER, Deborah de Souza. Vale investir em responsabilidade social
empresarial? Stakeholders, ganhos e perdas. In: Responsabilidade social das empresas: a contribuição das
universidades. v. 2. São Paulo: Peirópolis: Instituto Ethos, 2003, p. 98.
36
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
É sabido que a cultura empresarial sempre foi usar a matéria-prima disponível no meio
ambiente e descartar os resíduos sólidos na natureza para que ela se encarregue de regenerálos, vale dizer, individualizar os lucros e socializar os problemas ambientais.
Neste sentido expõe Paulo Roberto Pereira Souza que:
A maximização do bem-estar no regime de mercado competitivo não
incorpora a deterioração ambiental e o esgotamento dos recursos, pois estes
são de propriedade coletiva. Assim, a otimização econômica convencional
implica na maximização dos lucros privados e na socialização dos problemas
ecológicos e sociais.42
É justamente pela irresponsabilidade do setor empresarial quanto à questão ambiental
que a Constituição Federal reforçou a importância do meio ambiente dentro do capítulo da
ordem econômica, no Art. 170, inciso VI e no Art. 225, na qual diz que é direito de todos a
um ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever do poder público e da coletividade
defender e preservá-lo para a presente e futura geração.
Desta feita, a atividade empresarial só se justifica e só será considerada válida
constitucionalmente enquanto cumprir os preceitos estabelecidos no capítulo do meio
ambiente. Isto quer dizer que toda atividade econômica que não respeitar e proteger os
recursos naturais é ilegítima e inconstitucional.
Assim, a responsabilidade social e jurídica da empresa não consiste apenas em fabricar
e distribuir os produtos no mercado, mas em evitar a contaminação do solo, da água, do ar, ou
seja, preocupando-se em dar a destinação correta dos resíduos sólidos de sua produção (Lei
12.305/2010), seja através da reciclagem, armazenamento ou mesmo reutilizando o
excedente.
Exemplificando, empresa que trabalha com defensivos agrícolas, vem exercendo a
técnica da logística reversa, para recuperar os recipientes plásticos, isso requer o
envolvimento dos fabricantes, importadores, distribuidores e agricultores, para que estes
recipientes sejam entregues ao fabricante e recebam a destinação final correta de reciclagem
ou incineração.
Neste sentido, esclarece Paulo Roberto Leite que:
O agricultor deve realizar uma lavagem tríplice nas embalagens, inutilizá-las
evitando o reaproveitamento, armazená-las temporariamente em sua
42
SOUZA, Paulo Roberto Pereira. Tutela Jurisdicional do Meio Ambiente e seus reflexos na Atividade
Empresarial. In: FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Atividade
Empresarial e Mudança Social. São Paulo: Arte & Ciência; Marília: Unimar, 2009, p. 159.
37
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
propriedade, entregá-las na unidade de recebimento dentro do prazo de um
ano e manter comprovantes de entrega por mais um ano. Ao distribuidor
cabe indicar o local de entrega das embalagens vazias na própria nota fiscal,
disponibilizar e gerenciar o local de recebimento, emitir comprovante de
entrega, orientar e conscientizar o agricultor. Ao fabricante cabe recolher as
embalagens vazias das unidades de recebimento, dar a destinação final
correta de reciclagem e incineração, orientar e conscientizar o agricultor.43
Segundo, o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias – InpEV, é
expressivo o retorno de embalagens vazias no Brasil, tendo atingido o nível de 91,6%
(noventa e um vírgula seis por cento) em 2007, sendo 50% (cinquenta por cento) de plástico
PEAD.44
Estes dados demonstram que o trabalho conjunto dos fabricantes, e até do agricultor,
vem contribuindo para diminuir a contaminação ambiental e que, apesar de ainda ser
incipiente, o setor empresarial vem rompendo velhas tradições de socializar os problemas
ambientais, trazendo para si responsabilidades sociais.
Portanto, toda atividade empresarial deve ser desenvolvida visando resultados
econômicos, sem destruir o meio ambiente, que é um bem de todos, garantido
constitucionalmente.
Deste modo, para a empresa alcançar a responsabilidade social, além de conquistar o
mercado competitivo, tem o dever de desenvolver suas atividades voltadas às questões
sociais, econômicas, ambientais e jurídicas, observando-as todas ao mesmo tempo. Daí a
necessidade de eliminar velhas tradições e acompanhar as mudanças, mudanças rápidas que
requer compromisso e competência do empresariado brasileiro para, de fato, efetivar a
responsabilidade social em suas diversas dimensões.
6 CONCLUSÃO
As empresas contemporâneas, sujeitos de direitos, são autônomas. Portanto, possuem
direitos e obrigações perante o Estado e a sociedade, estando aptas a realizar toda e qualquer
atividade que não contrarie o ordenamento jurídico brasileiro e contribua para o crescimento e
desenvolvimento socioeconômico do país.
A mudança que se percebe em relação ao exercício das atividades empresariais
particulares é que elas vem cedendo espaço, ainda que timidamente, às questões sociais e
43
LEITE, Paulo Roberto. Logística reversa: meio ambiente e competitividade. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2009, p. 147.
44
LEITE, Paulo Roberto. Logística reversa: meio ambiente e competitividade. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2009, p. 149.
38
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ambientais junto com seus interesses econômicos, comportamento esperado da empresa pósmoderna.
O princípio constitucional que fez romper antigas tradições e proporcionou mudança
nos padrões de produção e circulação de bens e serviços no mercado, foi o princípio da função
social, uma vez que ele socializou as atividades econômicas no país, humanizando-as, o que
impulsionou transformações no meio industrial e abriu precedente para a responsabilidade
social.
A empresa que busca tornar-se responsável socialmente, primeiramente deve cumprir
com sua função social, trabalhar com ética e transparência no mercado, e respeitar todos os
públicos com os quais ela se relaciona. Tal fato evidencia-se na fundamentação legal e
doutrinária apresentada para cada uma das partes interessadas – Stakeholders.
Constatou que a empresa que possui responsabilidade social desenvolve suas
atividades de um modo diferente, não preocupada apenas com o lucro e aumento da
produtividade, mas também com as questões sociais e ambientais ao seu redor. Assim, o
diferencial destas empresas é que elas visualizam os problemas ao seu redor, desenvolvem
projetos e parcerias com o Estado e a própria comunidade, a fim de solucioná-los.
Desta feita, somente empresas responsáveis socialmente são capazes de transformar a
realidade social, cumprir as leis existentes e, ainda, serem competitivas no mercado. Para isso,
precisam da participação Estatal e da conscientização da população para, de fato, efetivar os
imperativos constitucionais da existência digna de todos e Justiça Social.
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41
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO NA EMPRESA
INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
ASPECTS OF THE ENTREPRENEUR’S LIABILITY IN THE INDIVIDUAL
LIMITED LIABILITY COMPANY
LUIZE MAZETO1
RESUMO:
O trabalho em pauta objetiva esclarecer os principais aspectos da lei n. 12.441/2011, que instituiu no
ordenamento jurídico brasileiro a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Nesse sentido,
são abordados temas relacionados às pessoas autorizadas a constituí-la, valor de capital social, limitações de seu
uso, entre outras características. Além de serem pesquisados os limites definidos pela nova lei, são expostos
também estudos concernentes à responsabilidade do empresário, abrangendo conceitos de responsabilidade civil
e teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O tema se revela expressivo em razão de tratar de uma
nova modalidade empresária que promete alterar o cenário empresarial nacional, visto que incentiva pequenos
empresários a formalizar as atividades empresariais, ao passo que possibilita a limitação de responsabilidade
destes frente às obrigações sociais, sem a necessidade de um sócio para tal benefício.
Palavras-chave: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI); Empresário Individual;
Responsabilidade limitada; Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Abstract:
The work at hand aims to clarify the main aspects of the Law n. 12.441/2011, which established the Individual
Limited Liability Company (EIRELI) in the Brazilian legal system. In this sense, issues regarding the individuals
authorized to constitute the referred Company, the amount of joint stock, limitations in its use, among other
characteristics will be addressed in this work. Besides studying the limits imposed by the new Law, other issues
will also be tackled such as the entrepreneur's liability, including the concepts of civil liability and the disregard
of the legal entity doctrine. The theme is significant due to the fact that the Law is expected to change the
national corporate reality, encouraging small entrepreneurs to formalize its activities and, at the meantime,
enabling them to limit its liability towards corporate obligations, exempting the existence of another partner for
the individual entrepreneur to make use of such benefits.
Keywords: Individual Limited Liability Company; Individual Entrepreneur; Limited liability; Disregard of the
Legal Entity Doctrine.
1
Acadêmica de direito do Centro Universitário Curitiba.
42
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Sumário: 1. Introdução; 2. EIRELI; 2.1. Aspectos Gerais; 2.1.1. Da Constituição; 2.1.2. Do Capital Social;
2.1.3. Do Nome Empresarial; 2.1.4. Do Titular; 2.1.5. Do Objeto; 2.1.6. Dos Dispositivos Aplicáveis da
Sociedade Limitada; 3. Responsabilidade do Empresário; 3.1. Responsabilidade Civil; 3.1.1. Responsabilidade
Civil Subjetiva e Objetiva; 3.2. Desconsideração da Personalidade Jurídica; 3.2.1. Aspectos Gerais; 3.2.2.
Objetivo; 3.2.3.Desconsideração da Personalidade Jurídica na EIRELI; 3.2.4. Consequências; 4. Considerações
Finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O escopo do presente estudo consiste em conceituar e esclarecer os limites e
controvérsias concernentes à EIRELI – empresa individual de responsabilidade limitada,
recentemente criada no ordenamento jurídico brasileiro pela lei n. 12.441/2011, bem como
expor acerca da responsabilidade do empresário individual titular dessa modalidade
empresária.
Nota-se a relevância do tema por sua atualidade, visto que, em razão do pequeno
tempo em que a lei encontra-se em vigência, foi pouco debatido e aprofundado pelos juristas e
tribunais brasileiros.
Outrossim, o assunto também envolve o cenário jurídico empresarial do país, eis que
existem diversos empresários individuais atuantes na informalidade, além de sociedades
limitadas de “fachada”, compostas por um sócio figurativo sem poder de deliberação, situação
que visa ser modificada com a possibilidade de adesão à EIRELI.
Para compor o trabalho, serão inseridas as noções atribuídas ao empresário
individual de responsabilidade limitada (EIRELI), levando em pauta seu conceito, requisitos e
controvérsias verificadas.
Além disso, a responsabilidade do empresário será estudada. Neste tópico, pretendese estudar acerca da responsabilidade civil e a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica.
2. EIRELI
2.1. ASPECTOS GERAIS
A limitação da responsabilidade de um sócio diante das atividades empresariais e
obrigações contraídas com terceiros é um grande chamariz para empresários, uma vez que o
seu patrimônio pessoal permanece resguardado. São os recursos de titularidade da sociedade
que são atingidos.
43
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Todavia, ao constituir uma sociedade, para que houvesse essa limitação de
responsabilidade do sócio, verificava-se na legislação um requisito essencial para sua criação,
qual seja a pluralidade de sócios. A unipessoalidade, antes encontrada apenas na empresa
individual ou firma individual – e na subsidiária integral, mas esta não será objeto do trabalho
em apreço-, não detinha a prerrogativa de limitação de responsabilidade, uma vez que o
patrimônio da pessoa física se confundia com o da pessoa jurídica, não havendo proteção aos
bens pessoais do titular.
Por conseguinte, para assegurar a responsabilidade limitada, originaram-se
sociedades limitadas ditas de fachada, nas quais eram observadas a existência de um sócio
majoritário, detentor da maioria absoluta do capital social, e um sócio minoritário, presente
apenas formalmente, sem possuir nenhum poder de deliberação dentro da sociedade.
Além dessas, passaram a existir diversos empresários individuais de menor porte
atuantes na informalidade, visto o alto risco patrimonial assumido quando adotada uma
modalidade de sociedade unipessoal que, até a promulgação da lei 12.441/2011, não permitia
a limitação de responsabilidade.
Ante essa situação, constatou-se a necessidade de criação de uma lei que admitisse a
responsabilidade limitada para empresários individuais.
Destarte, concebeu-se a lei 12.441/2011, que disciplina acerca da EIRELI – Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada, sendo, a partir de então, admitido no sistema
jurídico brasileiro a possibilidade de restringir a responsabilidade de um empresário
individual frente às obrigações decorrentes da atividade empresarial.
Com a promulgação da lei, o Código Civil foi alterado em alguns artigos, que serão
objeto de estudo mais adiante. Entre os dispositivos, oportuno destacar a inclusão do inciso VI
no art. 44, que inclui a EIRELI no rol de pessoas jurídicas admitidas no ordenamento jurídico
brasileiro.
Neste ponto, discute-se se a lei criou um novo tipo societário ou apenas adicionou
uma qualidade ao empresário individual já existente. Para o doutrinador Rubens Requião
(2012, p.113), a EIRELI consiste apenas em um novo atributo ao empresário individual:
[A EIRELI] Não se trata [...] de um novo tipo societário [...]. Mas apenas se imputa
à pessoa natural empresária um novo atributo, qualificado pela responsabilidade
limitada ao capital que destacar para sua atividade, no que se distingue do
empresário individual, que sofre responsabilidade ilimitada pelas suas obrigações.
44
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 411) também compartilha deste entendimento. Em
contrapartida, Alfredo Assis Gonçalves Neto (2012, p. 157) defende que a lei 12.441/2011
regulou uma nova figura jurídica para atuar nos moldes do empresário individual já previsto
em lei, mas distinto deste e da sociedade empresária.
Outro dispositivo adicionado ao diploma é o art. 980-A, que disciplina as
características do novo tipo societário:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por
uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado,
que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
(Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência); § 1º O nome empresarial deverá
ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação
social da empresa individual de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº
12.441, de 2011) (Vigência); § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual
de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa
modalidade. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência); § 3º A empresa
individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das
quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das
razões que motivaram tal concentração. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)
(Vigência); § 4º ( VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência); § 5º
Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída
para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da
cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que
seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
(Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência); § 6º Aplicam-se à empresa
individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as
sociedades limitadas. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência).
Dentro destes requisitos e limitações, que serão estudados a seguir, rodeiam várias
controvérsias que, em razão de consistir um tema ainda novo, não há posicionamentos
jurisprudenciais, além de haver poucos estudos doutrinários aprofundados sobre o tema.
2.1.1
Da Constituição
Inicialmente, sobre a constituição de uma EIRELI, Gonçalves (2012, p. 163) entende
tratar-se de uma declaração unilateral de vontade expressada pelo empresário individual que a
compõe. Para o autor, a lei autoriza sua constituição de duas maneiras, quais sejam a
originária ou direta e a derivada ou indireta.
Enquanto a primeira consiste na criação de uma EIRELI sem a existência de
qualquer ente anterior, a segunda decorre da transmutação de uma sociedade unipessoal para
uma EIRELI.
45
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Esta conversão é permitida pelo art. 1.033, parágrafo único do Código Civil,
adicionado pela lei em questão, que possibilita, em caso de falta de pluralidade de sócios
superveniente, não reconstituídos em 180 dias, a transformação2 da sociedade em EIRELI,
não operando neste caso a extinção da pessoa jurídica.
Posto isto, Gonçalves (2012, p. 159) reflete que:
Constituída por qualquer dessas vias, a empresa individual de responsabilidade
limitada desponta como um novo ente personificado (art. 44º IV do CC/2002), um
novo agente econômico regulado pela lei para atuar no mercado e exercer uma
atividade econômica organizada própria de empresário, distinto deste e da sociedade
empresária. Sua criação concretiza-se sempre por ato unilateral de uma pessoa: no
primeiro caso, do empresário ou de quem pretenda dar início ao seu comércio
individual; no segundo, do único sócio – ambos alcançando-se à condição de
titulares exclusivos do seu capital.
Portanto, tanto de forma originária como secundária, a EIRELI foi concebida não
somente para possibilitar aos inúmeros empresários individuais a sua organização em pessoa
jurídica limitada, mas também para poder regularizar as sociedades de fachada e aquelas ditas
irregulares, pendentes de pluralidade de sócios a mais de 180 dias.
2.1.2
Do Capital Social
No que tange ao capital social da EIRELI, o caput do art. 980-A impõe a condição de
que o capital social mínimo no ato da constituição da EIRELI não seja inferior a 100 (cem)
vezes o salário mínimo vigente no país, que, hodiernamente, perfaz o montante de R$
67.800,00, de acordo com o decreto n. 7.872, de 26 de dezembro de 2012.
Sobre o assunto, Requião (2012, p. 115) reflete que a imposição legal de um valor
mínimo para a constituição de uma EIRELI é uma medida positiva:
O capital assume nos tipos societários regulados no Brasil importância essencial,
justificando as técnicas utilizadas pelo legislador para avaliá-lo e fixá-lo e protegêlo[...]. Na empresa individual de responsabilidade limitada terá importância ainda
maior, pois trará uma segregação de patrimônio do empresário, identificando aquele
destinado a suportar a operação da empresa e separando-o do patrimônio
propriamente “privado” do empresário, bem como os seus bens “particulares” não
vinculados à empresa, que não poderão ser afetados pela operação desta.
2
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 515) ensina que “transformação é a mudança do tipo da sociedade empresária.
Por essa operação, por exemplo, a limitada se torna anônima ou vice-versa. Na transformação, permanece a
mesma pessoa jurídica, submetida, porém, ao novo regime adotado”.
46
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Seguindo o mesmo entendimento, Rizzardo (2012, p. 73) constata que “o capital
mínimo visa evitar a criação de empresas fantasmas”.
Em contrapartida, Gonçalves (2012, p. 176) pondera que este requisito pode
dificultar ou impossibilitar a adesão de microempresários individuais nesta modalidade
societária, visto que a renda bruta anual destes não deve ultrapassar de R$ 60.000,00,
conforme art. 18-A, § 1o da LC 123/2006.
A inconstitucionalidade deste requisito legal foi questionada pelo PPS (Partido
Popular Socialista) por meio da ADIn n. 4637, com os fundamentos (ADI ..., 2011) de que tal
exigência impede a eventual criação da EIRELI por pequenos empreendedores, ofende a livre
iniciativa, além de erroneamente utilizar o salário mínimo como parâmetro de indexação do
capital mínimo.
Além desta manifestação contra esta condição, o deputado Carlos Bezerra, do
PMDB-MT, propôs através do projeto de lei n. 2468/11 a redução do capital mínimo exigido
de 100 para 50 salários mínimos.
2.1.3
Do Nome Empresarial
O segundo requisito elencado no dispositivo consiste na necessidade de que o nome
empresarial seja precedido da expressão EIRELI. Sobre o assunto, Rizzardo (2012, p. 73)
leciona que:
A colocação da sigla “EIRELI” é necessária não só para diferenciar a empresa
individual de responsabilidade limitada das outras, como para se apresentar perante
aqueles com quem contrata, dando-lhes ciência do regime jurídico a que está sujeita.
Destaca-se que o nome pode ser tanto uma firma como uma denominação. Na firma,
tem-se o nome composto pelo nome civil do titular do capital, enquanto na denominação o
nome é formado por expressões de fantasia. Em ambos, a nomenclatura deverá ser precedida
da sigla “EIRELI” para identificar o tipo jurídico da empresa.
Gonçalves (2012, p. 171) adverte que, ausente a expressão EIRELI na firma ou
denominação, o benefício da limitação de responsabilidade é afastado.
47
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2.1.4
Do Titular
Referente ao titular da empresa, o § 2º do art. 980 A condiciona que uma pessoa
natural somente poderá ser detentora de uma EIRELI, ou seja, é vedado que uma pessoa física
detenha simultaneamente duas empresas dessa modalidade.
Salienta-se que o dispositivo não dispõe sobre a viabilidade de uma pessoa jurídica
constituir uma EIRELI. Diante desta lacuna, repousa a questão: quem pode ser titular de uma
EIRELI?
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 409) aborda em sua obra de maneira sintética que a
EIRELI pode ser criada tanto por pessoa física, como jurídica.
Diversamente do entendimento do jurista, a Instrução Normativa no. 117, de 22 de
novembro de 2011, baixada pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC),
regula no item 1.2.10, que quem tem capacidade para ser titular de uma EIRELI é a pessoa
natural, maior de 18 anos ou emancipado, brasileiro(a) ou estrangeiro(a).
Gonçalves (2012, p. 165), que bem observa sobre o assunto, demonstra convergir
com este entendimento de que somente pessoas físicas devem ser titulares de uma empresa
dessa modalidade. O doutrinador defende inicialmente que a instituição da EIRELI teve como
escopo regularizar a situação de empreendedores individuais, reduzindo o risco inerente à
atividade empresarial exercida. Logo, se este era o fim almejado, a lei deve ser aplicada com
esta interpretação.
O jurista (GONÇALVES NETO, 2012, p. 165) ainda reflete que a única justificativa
para que uma pessoa jurídica seja detentora de outra sociedade empresária, no caso a EIRELI,
seria a possibilidade de descentralização da estrutura ou de constituição de grupos
econômicos para haver gerenciamento de forma alternativa, o que pode ser solucionado com a
constituição de subsidiária integral.
Ainda, de acordo com o autor (GONÇALVES NETO, 2012, p. 167-168), se vingasse
o entendimento contrário de que pessoas jurídicas pudessem ser detentoras de uma EIRELI,
poderiam ocorrer as seguintes consequências:
a) ficaria permitido o surgimento de cadeias de Eireli(s), uma dando nascimento as
outras; b) as sociedades brasileiras poderiam não mais se responsabilizar pelos atos
de suas filiais (substituindo-as por Eireli(s); e c) as sociedades estrangeiras
adotariam conduta idêntica, deixando de abrir filiais para operar no Brasil (o que
tornará letra morta o conjunto de disposições que tratam da autorização para o
funcionamento de sociedades estrangeiras e, bem assim, a norma que só permite a
constituição da subsidiária integral por sociedade brasileira).
48
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Portanto, verifica-se que não há unanimidade entre os estudiosos quanto a quem pode
ser titular de uma EIRELI.
2.1.5
Do Objeto
Questiona-se a partir da leitura do § 5º do art. 980-A quanto ao objeto social de uma
EIRELI. Além das atividades próprias de empresário, pode também o objeto ser uma
atividade de cunho intelectual?
De acordo com o art. 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços”. Consoante o parágrafo único do mesmo dispositivo, excetuam-se desse conceito
aqueles que exercem atividade profissional com caráter intelectual de natureza científica,
literária ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Neste
sentido, ressalta-se que “[...] a sociedade cujo objeto social compreenda a realização de um
trabalho de caráter intelectual será sempre e necessariamente uma sociedade simples, afora
tão somente as situações em que o trabalho intelectual represente um elemento de empresa”
(BORBA, Edwaldo Tavares, 2008, p. 18, grifei). Frisa-se que sociedades simples não são
empresárias (art. 982, CC).
Neste diapasão, compreende Gonçalves (2012, p. 172) que a EIRELI somente pode ser
encartada como sociedade empresária, vejamos:
Do ponto de vista de sua origem, evidencia-se que a Eireli foi criada
indubitavelmente para limitar a responsabilidade do empresário (individual), sendo
inscrita, inclusive, no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 1.033, parágrafo
único, do CC/2002); e, no que concerne ao seu regime jurídico, é pautado nas
normas da sociedade limitada (art. 980-A, § 6º, do CC/2002), que é encartada entre
os tipos de sociedade empresária (art. 983 do CC/2002).
O jurista (GONÇALVES NETO, 2012, p. 172-173) ainda defende que a previsão
legal do artigo em pauta de que a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais
de autor ou de imagem, nome, marca ou voz, de que seja detentor o titular da pessoa jurídica,
vinculados à atividade profissional, não significa que a EIRELI possa ter por objeto o
exercício de atividade intelectual:
Remuneração não é atividade e uma regra desse jaez não tem o condão de destruir o
sistema, o que conduz à certeza de que as atividades de qualquer natureza a que se
49
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
refere seu texto são aquelas próprias de empresário, não abrangendo a exceção do
parágrafo único do art. 966 do CC/2002. Portanto, malgrado os equívocos
terminológicos, a norma há de ser interpretada dentro do contexto em que está
inserida.
Em contrapartida a esse entendimento, Frederico Pinheiro (2011, p. 17-18) defende
que há possibilidade de registro de uma EIRELI na Junta Comercial quando se tratar de
atividade intelectual, independentemente do elemento de empresa:
[...] quem exerce atividade intelectual, seja de natureza científica, artística ou
literária, incluindo atividades relacionadas à exploração econômica de direitos
autorais regulados pela Lei 9.601/1998, pode se registrar na Junta Comercial como
empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI, independentemente da
demonstração do que se trata de “elemento de empresa”. A única exceção feita a
essa regra é quanto ao exercício da advocacia, em razão da vedação legal extraída de
diversos dispositivos da Lei 8.906/1994 (Estatuto de Advocacia da OAB)”.
Nota-se divergência de entendimentos sobre o assunto.
Porém, imprescindível
avaliação meticulosa da matéria quanto à possibilidade de uma EIRELI ter por objeto uma
atividade de cunho intelectual. A partir do momento em que se permite tal medida,
vislumbram-se novas questões complexas como, por exemplo, como se enfrentaria a
reparação de dano decorrente de erro profissional se o sujeito for amparado pela
responsabilidade limitada.
2.1.6
Dos Dispositivos Aplicáveis da Sociedade Limitada
De acordo com o § 6º do art. 980-A, as regras pertinentes às sociedades limitadas
serão aplicadas à EIRELI no que for cabível, visto que muitos dispositivos são incompatíveis.
Evidentemente que, como leciona Gonçalves (2012, p. 179), os dispositivos
referentes às sociedades limitadas em que a pluralidade de sócios é imprescindível para a
aplicação da norma não serão ajustados à EIRELI.
É incompatível também com a EIRELI a norma que trata da possibilidade de
aplicação das normas da sociedade anônima supletivamente, isso porque, nas palavras de
Gonçalves (2012, p. 179):
[...] a disposição contida no parágrafo único do art. 1.053 do CC/2002 tem natureza
de exceção, que não pode ser aplicada extensivamente a outras figuras jurídicas,
senão àquela para a qual se dirige. Além disso, a anônima é uma sociedade de
50
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
capitais, ao passo que a Eireli deve ser classificada como sociedade de pessoas,
porque indissociável do titular de seu capital.
No tocante às normas dedicadas às quotas sociais das sociedades limitadas passíveis
de aplicação à EIRELI, para Alfredo Augusto Gonçalves (2012, p. 179-180), são apenas duas,
quais sejam a do art. 1.055, § 1º e do art. 1.059, ambas do Código Civil.
Além dessas, o doutrinador (GONÇALVES NETO, 2012, p. 180) diz parecer
possível a extensão à EIRELI dos artigos referentes à administração, “exceto aqueles que
dispõem a respeito de deliberações, desde que o ato constitutivo contemple a hipótese,
porquanto se deve entender [...] que, na omissão, o administrador da Eireli é o titular de seu
capital”.
É passível também de adaptação à EIRELI a norma que autoriza a modificação do
capital, para mais ou para menos, desde que seja respeitado o mínimo legal de 100 salários
mínimos.
Ainda, poderá ser aplicado à EIRELI o dispositivo que trata da dissolução da
sociedade limitada (art. 1.087, CC), e, supletivamente, em caso de omissões do regime
jurídico da sociedade limitada, as normas das sociedades simples.
3.
RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO
Inicialmente, destaca-se, conforme preceitua Marcelo Bertoldi (2009, p. 177), que a
responsabilidade da sociedade perante terceiros é ilimitada, inexistindo algum benefício que a
exclua desta regra. Por conseguinte, a classificação das sociedades em responsabilidade
limitada, ilimitada e mista trata-se de um critério relativo à pessoa do sócio.
A responsabilidade do sócio, de acordo com o art. 1.024 do Código Civil, bem como
o art. 596 do Código de Processo Civil, é, em regra, subsidiária, isto é, devido à
personalização da sociedade, o patrimônio do sócio será atingido somente após exaurido o da
pessoa jurídica. Neste sentido, Rubens Requião (2012, p. 520):
Essa responsabilidade [dos sócios], não mais se discute, é subsidiária, no sentido de
que somente se efetiva quando faltarem bens suficientes para a sociedade cumprir
integralmente suas obrigações.
Além desta característica, a responsabilidade dos sócios também pode ser
classificada em limitada ou ilimitada. Esta (ilimitada) consiste na inexistência de limites
51
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
frente às obrigações da sociedade, isto é, o sócio poderá suportar todos os encargos sociais.
Em contrapartida, aquela (limitada), funda-se na restrição da responsabilidade dos sócios ao
montante de suas contribuições. Sobre responsabilidade limitada, Fábio Ulhoa Coelho (2012,
p. 435) preceitua que:
A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre
os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Tratase de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime
capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em
empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita
a redução do preço de bens e serviços oferecidos no mercado.
Oportuno para o trabalho em apreço destacar apenas a responsabilidade limitada,
presente nas sociedades limitadas “quando o contrato social restringe a responsabilidade dos
sócios ao valor de suas contribuições ou à soma do capital social” (REQUIÃO, 2012, p. 441).
A EIRELI – frise-se seu significado - empresa individual de responsabilidade
limitada, tem o espírito justamente de limitar a responsabilidade do empresário que a
constitui ante as atividades empresariais e seus consequentes efeitos sobre terceiros.
3.1
RESPONSABILIDADE CIVIL
O objetivo basilar do Direito consiste em salvaguardar as ações lícitas e coibir as que
violam a lei. Portanto, quando praticadas ações que ocasionam danos a terceiros, existe o
dever legal de reparar o prejuízo causado.
Neste ponto, insere-se a concepção de responsabilidade civil, a qual é conceituada
por Sergio Cavalieri Filho (2007, p. 2):
Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação,
encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia.
Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um
outro dever jurídico.
O doutrinador (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 2) leciona que há um dever jurídico
originário, também denominado de primário, que consiste no dever de observar a lei. Do
descumprimento da lei, prática que usualmente gera danos a terceiros, surge o dever sucessivo
ou secundário, consistente no dever de reparação do dano causado.
52
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A partir desta noção, observa-se a distinção entre os termos obrigação e
responsabilidade. A primeira (obrigação) consiste em um dever jurídico originário, enquanto a
segunda (responsabilidade) é um dever jurídico sucessivo. Portanto, apenas quando uma
obrigação é descumprida, é que surge a responsabilidade de compensar o prejuízo ocasionado.
O próprio Código Civil, em seu art. 927, demonstra esta estrutura:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.
Importa dizer que ao violar a lei e causar um dano a outrem, a relação de equilíbrio
antes existente entre o agente da conduta danosa e a vítima é rompida. Por este motivo,
aplica-se o princípio da restitutio in integrum, objetivando assim que o statu quo ante do
prejudicado seja alcançado na medida do possível, reestabelecendo assim o equilíbrio da
relação.
Acerca da classificação da responsabilidade, esta pode ser subjetiva ou objetiva,
como será estudado a seguir, sendo que a distinção entre elas se encontra na concepção de
culpa3. A culpa, conforme aponta Cavalieri (2007, p. 16), deve ser compreendida em seu
sentido lato sensu, abarcando também a ideia de dolo.
3.1.1.
Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva
A responsabilidade subjetiva, que foi desenvolvida no Direito Romano e consagrada
no Código Civil Francês de 1804, é a concepção clássica de responsabilidade e caracteriza-se
pela necessidade de existência de culpa na conduta do ofensor.
Sobre seus pressupostos, Cavalieri (2007, p. 17) leciona:
3
Sobre a distinção entre dolo e culpa, Cavalieri (2007, p. 30-31) leciona: “tanto no dolo quanto na culpa há
conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à
concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante -,
enquanto que no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões
socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde a sua origem; na culpa,
incide apenas sobre o resultado. Em suma, no dolo o agente quer a ação e o resultado, ao passo que na culpa ele
só quer a ação, vindo a atingir o resultado por desvio acidental de conduta decorrente de falta de cuidado”.
53
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico
mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa;
e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de
causalidade.
Esses elementos são claramente identificados no art. 186 do Código Civil Brasileiro:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Estando-se diante de um ato ilícito, nasce o dever de reparar o dano causado,
conforme art. 927 do diploma supracitado.
Esta responsabilidade funda-se no dever de cuidado que as pessoas devem almejar,
isto é, como vivemos em sociedade, todos os atos praticados, mesmo que lícitos, precisam
observar um dever de cautela para que os bens jurídicos alheios não sejam atingidos. Assim,
Cavalieri (2007, p. 32) reflete:
A inobservância desse dever de cuidado torna a conduta culposa – o que evidencia
que a culpa é, na verdade, uma conduta deficiente, quer decorrente de uma
deficiência da vontade, quer de inaptidões ou deficiências próprias ou naturais.
Exprime um juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, por ter violado o
dever de cuidado quando, em face de circunstâncias específicas do caso, devia e
podia ter agido de outro modo.
Portanto, haverá responsabilidade subjetiva quando o ofensor, mesmo que não
possuindo intenção de causar um dano, o ocasiona por não ter praticado a conduta
adequadamente e, consequentemente, pratica um ato ilícito, caracterizando a culpa do agente.
A não realização da conduta de forma apropriada pode ser exteriorizada de três
modos: na imprudência, na negligência e na imperícia. A primeira consiste na falta de
precaução por conduta comissiva, por ação, enquanto a segunda decorre falta de cautela por
omissão. Já a terceira é verificada quando houver falta de habilidade no exercício de atividade
técnica.
Frise-se que o evento danoso que ocorre involuntariamente deve ser previsto ou
previsível, ou seja, é necessário que haja a possibilidade de previsão para que o resultado
pudesse ser evitado. Se não for possível antever o evento, a culpa resta descaracterizada, já
estando, nesta hipótese, no campo do caso fortuito ou da força maior, uma vez que o resultado
carece de nexo causal.
54
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Por sua vez, a responsabilidade objetiva, desenvolvida contemporaneamente,
dispensa a existência de culpa. De acordo com Oliveira (1987, p. 90), funda-se em um
princípio de equidade: “quem aufere vantagem com determinada situação, deve responder
pelo risco, ou desvantagens dela advindas”.
Por este motivo, também é denominada de “teoria do risco”, visto que quando o risco
é inerente à atividade, o agente fica obrigado a reparar o dano causado, independentemente da
existência de culpa.
Nas palavras de Cavalieri (2007, p. 128), a responsabilidade objetiva é baseada no
fato de que:
Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou,
independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na
relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do
responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.
Quanto às teorias do risco, cita-se aqui o risco-proveito, o risco-profissional, o riscocriado e o risco-integral, no entanto não serão abordadas no presente trabalho, visto que o
foco é outro.
3.2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.2.1.
Aspectos Gerais
A teoria da desconsideração da pessoa jurídica, de acordo com Susy Elizabeth
Cavalcante Koury (1997, p. 63-4), se desenvolveu no campo da common law, especialmente
nos Estados Unidos. Conforme a jurista, a primeira jurisprudência firmada sobre o tema foi no
caso Bank of United States v. Deveaux, julgado no ano de 1809.
Outro caso famoso, que é considerado por muitos juristas como o primeiro caso
sobre o tema, é o caso inglês Salomon v. Salmon & Co, julgado em 1897.
Na Alemanha, a tese surgiu com o jurista Rolf Serick, que defendeu o tema em sua
tese de doutorado perante a Universidade de Tubigen, em 1953. Para Coelho (2012, p. 59),
apesar de o tema já ter sido objeto de estudo de outros doutrinadores, como, por exemplo,
Maurice Wormser, nos anos 1910 e 1920, o professor alemão é o precursor deste instituto.
No direito brasileiro, o precursor da teoria foi Rubens Requião ao proferir, em 1969,
a palestra com o tema “Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica
55
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
(Disregard Doctrine)”, em conferência realizada na Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Paraná.
Sobre a teoria, inicialmente importa dizer que o instituto da pessoa jurídica objetiva a
constituição de um ente de direitos e deveres com autonomia patrimonial, isto é, com a
separação da responsabilidade entre a sociedade e os sócios.
No entanto, como leciona Rubens Requião (1969, p. 15), a autonomia patrimonial
conferida a este ente é relativa, permitindo, quando houver o uso inadequado do instituto, a
retirada do véu que o encobre para alcançar os membros que o compõe. É neste cenário em que
se insere a teoria da desconsideração (disregard doctrine).
Dos ensinamentos do jurista, entende-se que a personalidade jurídica pode vir a ser
utilizada com abuso de direito ou fraude. Referente ao primeiro conceito (abuso de direito), o
doutrinador (REQUIÃO, 1969, p. 16) reflete que o exercício do direito deve cumprir com uma
finalidade social, mesmo que o interesse seja privado. Logo, quando esta finalidade é desviada,
ainda que conforme a lei, está diante de um abuso de direito. Frise-se que “nem tudo que é
conforme a lei é legítimo” (REQUIÃO, 1969, p. 16). A segunda máxima (fraude) denota a
prática de um negócio jurídico com a finalidade de prejudicar os credores.
Defronte estas hipóteses, haverá a desconsideração da personalidade jurídica. Nas
palavras da jurista Susy Elizabeth Cavalcante Koury (1997, p. 69), “a Disregard Doctrine
surgiria, então, como um recurso jurídico contra essa utilização indireta das sociedades
comerciais”.
Assim, a doutrinadora (KOURY, 1997, p. 68) reflete:
Um dos meios mais frequentes utilizados pelo ordenamento jurídico para reagir
contra o desvio de função deste instituto é exatamente a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, através da qual se supera a forma da
pessoa jurídica, desvalorizando-se a distinção entre ela e os seus componentes, no
caso particular, ou seja, sem negar sua personalidade de maneira geral.
Evidentemente, porém, que a aplicação da teoria é restringida aos casos em que a
responsabilidade não pode ser diretamente atribuída ao sócio da pessoa jurídica, pois, se não
existir esta proteção do patrimônio da pessoa física perante o da sociedade, não há razão para
cogitar o superamento de sua autonomia.
Salienta-se, conforme leciona Coelho (2012, p. 66-67), que a teoria da
desconsideração adotou uma formulação subjetiva, isto é, considera-se o intuito do sócio ou
administrador, se este objetiva ou não fraudar o credor. Verifica-se nesta hipótese a
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
complexidade probatória que envolve a matéria. Quanto à teoria objetiva, o pressuposto
avaliado é a existência de confusão patrimonial, o que pode ser facilmente comprovado pelo
credor prejudicado4.
Realça-se que esse princípio será utilizado tão somente para os atos específicos
definidos pelo juiz naquele momento, permanecendo a desvinculação patrimonial do sócio e
da sociedade em todas as outras situações, como leciona Requião (1969, p. 17):
Com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da
personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua
ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo
da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou
para prejudicar credores ou violar a lei (fraude).
No mesmo sentido, Coelho (2012, p. 63):
[...] a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não
desfaz o seu ato constitutivo, não o invalida, nem importa a sua dissolução. Trata,
apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a
constituição da pessoa jurídica não produz efeito apenas no caso em julgamento,
permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros fins.
Além disso, tendo em vista a constante evolução da sociedade, a aplicabilidade do
instituto não está restrita às hipóteses previstas em lei. É muito importante que o magistrado
interprete o texto normativo sempre buscando as necessidades concretas encontradas. Neste
aspecto, Koury (1997, p. 76):
[...] a lei escrita é incapaz de resolver todos os problemas suscitados pelas relações
sociais, de tal modo que, mesmo nos casos que pareçam enquadrar-se perfeitamente
na hipótese prevista na lei, faz-se necessário investigar as realidades sociais
concretas, a fim de que a aplicação da lei a elas produza os resultados intentados
pelo legislador.
No mesmo viés, Coelho (2012, p. 77):
4
As teorias objetiva e subjetiva pertencem à chamada “teoria maior”, na qual, conforme Itamar Gaino,(2012, p.
162) o instituto da desconsideração da personalidade jurídica será aplicado ser houver abuso de direito. Já a
“teoria menor” consiste nas hipóteses legais que imputam a responsabilidade dos sócios com base em fatos
objetivo, abstraindo-se a necessidade de abuso de direito. No entanto, Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 70) diz que
esta classificação da desconsideração em teoria maior e menor já está ultrapassada.
57
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A aplicação da teoria jurídica independe de previsão legal. Em qualquer hipótese,
mesmo naquelas não abrangidas pelos dispositivos das leis que se reportam ao tema
(Código Civil, Lei do Meio Ambiente, Lei Antitruste ou Código de Defesa do
Consumidor), está o juiz autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa
jurídica sempre que ela for fraudulentamente manipulada para frustrar interesse
legítimo do credor.
No entanto, atenta-se que “a desconsideração não pode ser usada como panaceia para
a solução de todos os casos de inadimplência da sociedade ou do sócio” (GAINO, 2012, p.
150). Ainda, Coelho (2012, p. 77-78) destaca que “[...] não pode o juiz afastar-se da
formulação doutrinária da teoria, isto é, não pode desprezar o instituto da pessoa jurídica
apenas em função do desentendimento de um ou mais credores sociais”.
Quanto à possibilidade de esta prática afetar o princípio da segurança jurídica, Koury
(1977, p. 141) defende que:
[...] não nos parece comprometer a segurança e a justiça o fato de deixar-se a cargo
dos juízes e tribunais o exame das circunstâncias do caso concreto para a aplicação
da desconsideração. Ao contrário. A jurisprudência é elemento de formação e
aperfeiçoamento do direito, ao demonstrar que a lei não pode mais adaptar-se às
exigências sociais do presente e, desse modo, prepara as reformas legislativas, mas
sempre inspirada por aquilo que é previsto no ordenamento jurídico.
Mister observar, ainda, que a desconsideração da personalidade jurídica poderá
ocorrer tão somente por ato judicial, pois “o juiz é a única autoridade competente para
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade. Nem o particular nem a autoridade
administrativa podem imiscuir-se nessa matéria” (GAINO, 2012, p. 217).
Finalmente, importa dizer que, como já visto, a responsabilidade do sócio é sempre
subsidiária. Portanto, este pode valer-se do benefício de ordem previsto no art. 1.024 do
diploma Civil, sendo os bens da pessoa jurídica executados anteriormente. Portanto, o
patrimônio pessoal do titular será atingido somente quando exaurido o da sociedade,
conforme aponta Gaino (2012, p. 217).
Por fim, relevante abordar também, que os bens do empresário/sócio poderão ser
perquiridos, além das hipóteses previstas no diploma civil, quando da existência de créditos a
favor de trabalhadores, consumidores e de natureza fiscal e ambiental.
3.2.2
Objetivo
Inicialmente, mister colocar as palavras de Requião (1969, p. 14):
58
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre pessoa jurídica e os
membros que a compõem, se coloca o problema de verificar como se há de enfrentar
aqueles casos em que essa radical separação conduz resultados completamente
injustos e contrários ao direito.
Entende-se que o escopo direito é proporcionar justiça. Para que esta finalidade seja
concretizada, devem ser reprimidos os atos contra a lei e ao bom desenvolvimento social.
Tendo em vista a prerrogativa de autonomia patrimonial conferida à pessoa jurídica,
diversificando assim a responsabilidade do sócio e da empresa, sempre há a possibilidade de
utilização do ente de maneira inadequada para prejudicar terceiros credores. Logo, dentro da
lógica do direito, estes atos devem ser coibidos, justificando, portanto, a aplicação da teoria da
desconsideração.
O desembargador Itamar Gaino (2012, p. 148) expõe em sua obra sintética e
devidamente o escopo da aplicação deste instituto:
A finalidade da teoria é de permitir ao juiz a coibição de abuso e de fraude praticada
pelos sócios por meio da pessoa jurídica. Levanta-se o véu protetor de sua
autonomia patrimonial, apreendendo os bens que compõem o seu acervo com a
finalidade de satisfazer o crédito ostentado por terceiro perante o sócio; ou, em
situação inversa, afasta-se a pessoa jurídica, que figura como responsável pelo
cumprimento da obrigação, imputando a responsabilidade ao sócio, em caráter
subsidiário.
Sustenta-se ainda que o objetivo não é ferir a autonomia da pessoa jurídica,
anulando-a em toda sua extensão, mas sim coibir as fraudes decorrentes desta no caso
específico definido pelo julgador.
3.2.3
Desconsideração da Personalidade Jurídica na EIRELI
Conforme já estudado, o art. 980-A § 6º do Código Civil, criado pela lei
12.441/2011, estabelece que aplicam-se à EIRELI, no que cabível, as regras relativas às
sociedades limitadas. Logo, conforme constata Pinheiro (2011, p. 11):
[...] verificados os pressupostos do art. 50 do Código Civil ou de outros permissivos
legais, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada à EIRELI e,
eventualmente, responsabilizar e atingir o patrimônio pessoal de seu administrador
ou criador, mormente porque “Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade
limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas” (§ 6º do
art. 980-A do Código Civil).
Frisando a existência de restrição da limitação da responsabilidade na EIRELI, fora
vetado o § 4º do art. 980 – A inserido no Código Civil pela nova lei, que determinava que
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
“somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de
responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da
pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao
órgão competente " (grifei).
A justificativa para tal veto (BRASIL, Mensagem 259, de 11 de julho de 2011)5 é
pautada na possível interpretação equivocada do texto da lei no sentido de conferir absoluta
limitação do patrimônio pessoal do empresário, não excedendo nem mesmo nas hipóteses de
atuação fora das demarcações legais e contratuais. Neste sentido, Frederico Garcia Pinheiro
(2011, p. 10):
O veto se deu em razão da provável confusão interpretativa que daria ensejo à
impossibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando
verificados seus pressupostos.
Por fim, reflete-se que é essencial a aplicabilidade do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica à EIRELI com fundamento em seu próprio objetivo, qual seja inibir
práticas fraudulentas por parte do titular da empresa. Caso fosse incompatível com a
modalidade societária, sua constituição poderia ter a finalidade de tão somente fraudar
credores e terceiros prejudicados.
3.2.4
Consequências
A empresa não se resume apenas à relação privada, visto que atinge uma gama maior
da sociedade, na medida em que gera empregos, paga tributos, oferece bens e produtos, enfim,
movimenta a comunidade atingindo, portanto, o seu fim social. Em razão disto, sua
preservação é de fundamental importância para a população. Neste viés, Wilges Bruscato
(2011, p. 581):
[...] o exercício da empresa agrega valores sociais imprescindíveis ao homem
moderno: o trabalho, a incidência tributária, o avanço tecnológico, o
desenvolvimento para o lugar e o entorno onde se instalam iniciativas empresariais e
a facilitação do acesso da população bens e serviços. Em nome de tais agregados
5
Razões do veto: Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que
pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica,
previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras
da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.
60
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
sociais é que a empresa merece ser preservada, pois através deles cumpre sua função
social.
Destarte, consoante frisa Coelho (2012, p. 61), a teoria da desconsideração tem por
objetivo a proteção deste ente:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à
personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios.
Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e
abusivas que dele se utilizam.
Com tal característica, o instituto evita o desvio comportamental dos sócios, ao passo
que legitima a perquirição de seus bens particulares nas hipóteses em que atuarem com abuso
de poder ou fraude.
Em consequência a esta sanção destinada aos sócios, o credor é salvaguardado em
suas relações jurídicas pactuadas com a empresa. Esta proteção é efetivada não somente na
prevenção de danos, uma vez que o empresário tem consciência dos efeitos de seus atos, mas
também nas hipóteses em que o prejuízo é verificado, pois o patrimônio do sujeito poderá
também ser atingido para o pagamento das dívidas.
Portanto, o instituto é essencial para o bom funcionamento das relações jurídicas
envolvendo empresas, e portanto deve ser aplicado também à EIRELI.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim do presente trabalho, constatou-se que a lei n. 12.441/2011 que implantou a
EIRELI no sistema jurídico brasileiro apresentou-se um tanto adequada para ordenar e
legalizar a situação existente no cenário empresarial nacional. É bem verdade que o nosso
direito carecia de uma modalidade societária que admitisse a limitação de responsabilidade de
um empresário individual.
Esta característica imputada pela lei é um grande estimulador para a constituição de
novas empresas e regularização de outras já existentes como empreendedores individuais
informais e aparentes sociedades empresárias limitadas. Uma vez regularizadas estas
situações e criados novos entes, vê-se um motor propulsor do palco econômico, uma vez que
gera empregos, arrecada riquezas para o Estado a título de tributos, fomenta o comércio e,
enfim, assegura o desenvolvimento da sociedade brasileira.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Corroborando a eficiência e conveniência da lei, aponta-se que a Junta Comercial do
Paraná divulgou, em uma estatística realizada até julho de 2012, que, até este período do ano,
somente no Estado do Paraná foram constituídas 1.255 (mil duzentos e cinquenta e cinco)
empresas do tipo societário EIRELI (PARANÁ, 2012). Portanto, vê-se a aceitação dos
empresários em relação à modalidade empresarial.
Frisa-se, no entanto, que a responsabilidade limitada não é absoluta. Os bens
particulares do empresário poderão ser perquiridos com fundamento na teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, a ser utilizada quando atuar com abuso de poder
ou fraude. Ressalta-se que o instituto pode ser aplicado à EIRELI, uma vez que são aplicáveis
as regras das sociedades limitadas quando compatíveis.
Esta exceção não visa ofender a autonomia da personalidade jurídica, mas sim punir
os empreendedores que utilizam deste ente para atingir uma finalidade alheia ao seu fim
social, além de salvaguardar os credores prejudicados.
Verifica-se, deste modo, que haverá uma comunhão de interesses passíveis de serem
efetivados com a EIRELI, isto é, não somente a preocupação de limitação da responsabilidade
por parte do empresário será garantida quando da atuação correta e da boa-fé, como também a
dos credores, que, apesar do fato de que, em regra, somente a empresa arcará com as
obrigações sociais, quando houver este comportamento desviado do empreendedor, o seu
patrimônio pessoal será atingido para sanar os danos causados.
Enfim, este novo tipo societário poderá trazer enormes benefícios à sociedade
brasileira, sendo certo que muito ainda será desenvolvido para que o modelo seja utilizado
para regularização de muitos empreendedores anônimos e a regularização das sociedades
empresárias limitadas de fachada.
REFERÊNCIAS
ADI questiona lei que permite criação de empresa individual de responsabilidade limitada.
Notícias STF. Brasília, 12 ago. 2011. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=186488>. Acesso em:
23 set. 2012.
BERTOLDI, Marcelo M. e RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito
Comercial. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
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pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de
2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5
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64
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
BENEFÍCIOS SOCIAIS DE PARCERIAS E ESTRUTURAS JURÍDICAS NO
DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE
HIDROCARBONETOS: O CONTEÚDO LOCAL
SOCIAL BENEFITS FROM PARTNERSHIPS AND LEGAL STRUCTURES IN THE
DEVELOPMENT OF HYDROCARBONS EXPLORATION AND PRODUCTION
ACTIVITIES: THE LOCAL CONTENT
Alexandre Ferreira de Assumpção Alves
Fernando Gregio Lüdke
RESUMO: O trabalho expõe os desafios que os empreendedores enfrentam na empresa de
exploração e produção de hidrocarbonetos, desde problemas de ordem técnica até a
necessidade permanente de aporte de recursos. Esta indústria, potencialmente capaz de causar
danos severos ao meio ambiente e à coletividade, diretos ou por via reflexa, é também
responsável por elevado desenvolvimento tecnológico e benefícios sociais, como o conteúdo
local. Consoante definição legal, conteúdo local é a proporção entre o valor dos bens
produzidos e dos serviços prestados no País para execução do contrato e o valor total dos bens
utilizados e dos serviços prestados para essa finalidade. Ao lado do conceito eminentemente
técnico e próprio do jargão petrolífero, a proposta é expor como o empresário poderá
contribuir para a efetividade da função social da livre iniciativa, um dos fundamentos da
República brasileira. Com a observância deste requisito presente nos contratos para a
exploração de jazidas de petróleo e gás natural possibilita-se o incremento da indústria
nacional, o aumento da taxa de ocupação, a formação de novos profissionais para o mercado e
investimentos diretos e indiretos em P&D. Dentro da proposta de cidadania empresarial e
função social da empresa, ambas despidas de conteúdo sancionatório, salvo diante de decisão
judicial condenatória, o descumprimento do conteúdo local impõe ao empresário multas e
outras sanções aplicáveis pelo órgão regulador, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP).
Palavras-chave: Indústria do petróleo; função social da empresa; responsabilidade
empresarial; conteúdo local
ABSTRACT: This work exposes the challenges faced by entrepreneurs on the activities of
exploration and production of hydrocarbons, from technical issues to a permanent demand for
the injection of resources. This industry, potentially capable of causing severe damages to the
environment and collectivity, either direct or as a reflex, it is also responsible for the high
technological development and social benefits, as the local content. It is defined as the
proportion between the value of the assets produced and the services provided in the Country
65
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
for the performance of the contract, and the total value of the goods used and the services
provided for this purpose, pursuant to the legal definition. Along with the concept, eminently
technical and proper to the oil market, the proposal is to expose how the entrepreneurs can
contribute for the effectiveness of the social function of the free enterprise, one of the
principles of the Brazilian Republic. The compliance with this requirement present in the
contracts for the exploration of oil and natural gas deposits, it becomes possible the increment
of the national industry, an increase in the employment index, the formation of new
professionals for the market and direct and indirect investments in R&D. Within the proposal
of business citizenship and social function of the company, both despised of sanctioning
content, except for a conditioning judicial decision, the non-compliance with the local content
imposes to the entrepreneur fines and other penalties that may be applied by the regulatory
agency, the National Petroleum, Natural Gas and Biofuels Agency (ANP, acronym in
Portuguese).
Keywords: Oil industry; company social function; corporate responsibility; local content
INTRODUÇÃO
A importância do petróleo para a economia mundial, como preciosa fonte de energia,
faz dele um bem muito cobiçado por países e pessoas. Apesar de ser um recurso natural não
renovável, o petróleo tem altíssimo nível de demanda na esfera global, sendo uma importante
matriz energética, representando por volta de um terço das necessidades mundiais.1
A produção de petróleo cresceu no mundo 1,3%, de 2010 para 2011, mesmo com a
queda de 71% devido à ocorrência dos eventos da chamada primavera árabe 2 na Líbia,3
seguindo também o crescimento da demanda por fontes de energia primária.4
No passado, o petróleo fora utilizado até mesmo como remédio, acreditando-se no
poder curativo para doenças como escorbuto, gota, dor de dente, reumatismo e, ainda, unhas
1
2
3
4
BP Statistical Review of World Energy June 2012, p. 3. Disponível em:
<http://www.bp.com/assets/bp_internet/globalbp/globalbp_uk_english/reports_and_publications/statistical_e
nergy_review_2011/STAGING/local_assets/pdf/statistical_review_of_world_energy_full_report_2012.pdf>.
Acesso em 28 jan. 2013.
Primavera árabe é o nome convencionado para a série de greves e manifestações populares em prol da
democracia em países do norte da África e Oriente Médio. “Tempestades no pós-Primavera Árabe”. O Globo
online. Rio de Janeiro, 13 jan. 2013. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/mundo/tempestades-no-posprimavera-arabe-7280410>. Acesso em 20 jan. 2013.
BP Statistical Review of World Energy June 2012, op. cit., p. 3 e 8.
O consumo de energia primária no mundo cresceu 2,5% em 2012, segundo o BP Statistical Review of World
Energy June 2012, p. 3. No mesmo sentido, o jornal Valor Econômico publicou notícia onde, segundo a
Agência Internacional de Energia, a demanda mundial de petróleo em 2013 será de 90,8 milhões de barris
por dia. Demonstra, diga-se de passagem, que a demanda se dá em um cenário de baixa da produção da
Opep. Cf. Jornal Valor Econômico online (http://www.valor.com.br). Acesso em 18 de jan. 2013.
66
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
encravadas5. Passando pela fase em que era tido como lama pesada e viscosa utilizada para
impermeabilização de navios para evitar que afundassem, o petróleo teve uma nova fase
inaugurada com o surgimento da lamparina.
No século XIX, com o advento da eletricidade e utilização das lâmpadas elétricas, ao
invés de cair em desuso, o petróleo passou a ganhar mais destaque no início do século
seguinte com o crescimento da indústria automobilística e a consequente necessidade de
combustível6. Hoje, ainda é impossível prescindir dele e sua importância não se limita à
utilização de combustível, produto do refino desse recurso, abrangendo vários derivados que
servem de matéria prima para a fabricação de muitos produtos.
Para satisfazer toda essa demanda, as sociedades empresárias voltam suas atividades,
inicialmente, à exploração, visando manter o ciclo de renovação das jazidas ou aumento do
portfólio de ativos em produção.7
As atividades exploratórias, caso tenham sucesso, levarão ao desenvolvimento do
eventual campo e posterior entrada em fase de produção. Estas empresas pertencem ao
chamado upstream do petróleo ou atividades de exploração e produção (E&P).8
As atividades de upstream, no seu todo, não são tão simples. Elas desencadeiam uma
série de análises e decisões para os participantes9, que são tomadas baseadas na ponderação
dos riscos da atividade. A incerteza geológica da região a ser desbravada é um fator também
relevante, porque só se sabe se um projeto pode ter ou não sucesso quando a avaliação é
concluída após a perfuração do poço.
Dentre alguns destes riscos, pode-se destacar: (i) o do poço eventualmente resultar em
seco, (ii) a falta de comercialidade da descoberta, ou seja, a reserva pode não possuir
quantidade de hidrocarbonetos ou qualidade suficiente para justificar o desenvolvimento e sua
colocação em produção, (iii) o preço futuro do petróleo e do gás natural, como commodity,
5
6
7
8
9
BRET-ROUZAUT, Nadine; FAVENNEC, Jean-Pierre (Coord.). Petróleo e Gás Natural: como produzir e
a que custo. Rio de Janeiro: Synergia, 2011, p. 1-3.
Ibidem.
É importante destacar que a vida econômica de um campo é limitada. O tempo durante o qual o campo será
produtivo dependerá do volume de petróleo nele contido, da taxa de recuperação possível (considerados
técnicas de retirada do produto para otimização da produção) e do tempo que os concessionários têm para a
exploração da jazida, de acordo com as regras contratadas com o país hospedeiro, que, no caso do Brasil,
poderá variar de 25 a 30 anos. Cf. AMUI, Sandoval. Petróleo e gás para executivos: exploração de áreas,
perfuração e completação de poços e produção de hidrocarbonetos. Rio de Janeiro: Interciência, 2010.
“Upstream”, segundo o Dicionário do Petróleo em Língua Portuguesa, corresponde às atividades de “E&P” –
conjunto de operações destinadas à exploração e produção de petróleo e/ou gás natural”. FERNÁNDEZ Y
FERNÁNDEZ, Eloi; PEDROSA JUNIOR, Oswaldo A., PINHO, António Correia de (Org.). Dicionário do
petróleo em língua portuguesa: exploração e produção de petróleo e gás: uma colaboração Brasil,
Portugal e Angola. Rio de Janeiro: Lexikon: PUC-Rio, 2009. p. 500. Midstream e downstream são termos,
respectivamente, relacionados ao transporte e distribuição.
Adotou-se a denominação “participantes” por mera conveniência. A palavra equivale a “player”, que é um
jargão popularmente referido na indústria às sociedades que implementam as atividades de upstream.
67
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
(iv) os riscos ambientais, e (v) o risco regulatório, isto é, quanto à volatibilidade do marco
jurídico para exploração do recurso em um determinado país hospedeiro.10
O cenário exposto, considerando os riscos e exigências da indústria petrolífera11,
principalmente a de upstream, voltada para a exploração e produção dos hidrocarbonetos,
explica o porquê da formação de estruturas jurídicas de parceria para o desenvolvimento dos
projetos correlatos. Através delas torna-se mais viável a exploração conjunta de reservas pelos
participantes.
A simples exploração de petróleo e gás natural não é de todo predatória. Com a
participação de grandes petrolíferas atuando em conjunto, aumenta-se a arrecadação de
participações governamentais, tributação, investimentos sociais, geração de empregos diretos
e indiretos e da produtividade da indústria nacional para o fornecimento de bens e serviços
para o upstream. Esta última decorre das obrigações de conteúdo local contidas nos contratos
de concessão celebrados pela União, representada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP), e os concessionários.
De acordo com a cláusula de conteúdo local, as concessionárias devem assegurar
preferência à contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentem
condições de preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a
apresentar propostas. O dispositivo contratual tem o objetivo de incrementar a participação da
indústria nacional de bens e serviços, em bases competitivas, nos projetos de exploração e
desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural. O resultado esperado da aplicação da
cláusula é um impulso ao desenvolvimento tecnológico, à capacitação de recursos humanos e
à geração de emprego e renda neste segmento.
Com base em pesquisa documental e bibliográfica e no método dedutivo, são objetivos
do trabalho: a) expor os riscos inerentes à empresa de produção e exploração de petróleo; b)
destacar a importância da formação de parcerias entre particulares e destes com o Estado; c)
examinar, em linhas gerais, a joint venture como a principal estrutura jurídica para atividades
do upstream; d) demonstrar a importância do conteúdo local na indústria do petróleo como
instrumento para o desenvolvimento sustentável em prol da sociedade brasileira e da
realização da cidadania empresarial. O tema é desenvolvido em três capítulos: o primeiro
10
11
“País hospedeiro” é comumente referido na indústria como aquele onde os investimentos são/estão sendo
feitos, i.e., o país que concedeu a área onde as operações estão sendo conduzidas.
“Indústria de petróleo”, de acordo com a definição contida no art. 6º, XIX da Lei n. 9.478/97, é “o conjunto
de atividades econômicas com exploração, desenvolvimento, produção, refino, processamento, transporte,
importação e exportação de petróleo, gás natural, outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados”. No
mesmo sentido, FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ, Eloi; PEDROSA JUNIOR, Oswaldo A., PINHO, António
Correia de (Org.). Op.cit., p. 164.
68
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
dedicado aos desafios e benefícios da indústria do petróleo, o segundo, às joint ventures como
modelo típico associativo para esta empresa e o último ao conteúdo local e os benefícios
advindos para a sociedade.
1. DESAFIOS E BENEFÍCIOS DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO UPSTREAM
As grandes sociedades frequentemente abrem mão de sua participação e do controle
total sobre determinados ativos e projetos em favor de outras entidades, obtendo com essa
prática benefícios econômicos e, muitas vezes, também, políticos. Nessa seara, dificilmente
operações de upstream são conduzidas por uma só sociedade, levando-se em conta a
vultuosidade dos riscos, das despesas e dos investimentos necessários para a implementação
do projeto.
Bill Manning destaca que:
This combination of high costs and high risk has forced most resource
companies to spread the risk as much as possible. Most petroleum
exploration companies take the view that it is far preferable to have a
smaller interest in many wells than a larger interest in one well. The use of a
joint venture where the costs and risks are spread amongst a number of coventures can assist smaller cash-starved companies to survive.12
Através de parcerias as sociedades empresárias conseguem a pulverização de seus
riscos e a partilha das obrigações de custeio dos programas exploratórios. Como contrapartida
e em consequência do desenvolvimento das atividades de E&P, a comunidade local é
favorecida com a arrecadação das participações governamentais, arrecadação de tributos e
pelo desenvolvimento da indústria para-petrolífera (construção de embarcações, fabricação de
equipamentos para a perfuração de poços, logística, entre outras).
12
“Essa combinação de altos custos e altos riscos forçou a maioria das empresas que exploram recursos a
dividir o risco tanto quanto possível. A maioria das petrolíferas adota a postura de que é de longe preferível
ter uma participação menor em vários poços do que uma participação maior em um poço só. O uso de uma
joint venture onde os custos e riscos são divididos entre um dado número de parceiros pode ajudar pequenas
empresas sedentas por capital a sobreviver.” (tradução livre). MANNING, Bill. Some Practical Aspects of
Resources Joint Ventures. In: DUNCAN, W.D (Org.). Joint Ventures Law in Australia. 2.ed. Sidney: The
Federation Press, 2005, p. 321.
69
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
1.1 O risco exploratório
A exploração das reservas antecederá toda e qualquer etapa no desenvolvimento de um
projeto e posterior extração dos recursos naturais.
O petróleo, como outros hidrocarbonetos, é fruto da deposição no fundo de bacias13 de
restos animais e vegetais, em sua maioria microrganismos mortos ao longo de milhões de
anos. Conjugados com condições de temperatura e pressão específicas favoráveis ao evento,
propiciam ao final do processo a transformação do material orgânico acumulado em
hidrocarbonetos – em regra, petróleo e gás natural.
Os hidrocarbonetos se formam no interior da rocha geradora, na maioria das
vezes o folhelho, pelos processos físicos e químicos atuantes, migrando
posteriormente para as rochas armazenadoras ou rochas-reservatório, como
os arenitos, onde poderão ficar aprisionados por um arranjo particular das
formações conhecido por trapa ou armadilha. Essa movimentação de
hidrocarbonetos se deve à ação de temperatura e pressão elevadas, reinantes
no interior da rocha geradora.14
As reservas de petróleo originam-se, assim, de reações complexas e peculiares,
advindas de fatores variados, como (i) a deposição de material orgânico, (ii) necessidade de
formações rochosas específicas (rochas geradoras, reservatórios e selantes), (iii) temperatura e
pressão favoráveis e (iv) o fator tempo. Milhões de anos são necessários para que aquele
material orgânico, uma vez depositado, transforme-se no “óleo de pedra”.15
Ao decidir participar de um projeto, as sociedades possuem poucos e incertos dados
sobre a área a ser explorada, sendo o risco geológico uma característica predominante no
segmento de upstream. Por conseguinte, os investimentos realizados nesta etapa são
considerados capital de risco.
Apesar da disponibilidade de diversos aparatos e tecnologia suficientes para se
dimensionar e estipular a localização de reservas de petróleo e gás natural, não se pode inferir
com certeza a sua existência sem a perfuração de um poço. Nesse sentido, sustenta Sandoval
Amui:
13
14
15
No passado, tais bacias sedimentares foram, em sua maioria, lagos, lagoas e mares.
Sandoval Amui explica o processo de formação dos hidrocarbonetos e suas principais características. Op.cit.
p. 2.
A origem da palavra “petróleo” é latina– petroleu (petra + oleum) – significa, no sentido literal, “óleo de
pedra”.
70
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Não obstante a evolução dos levantamentos sísmicos, a perfuração de poços
é o mais eficiente recurso exploratório, pois somente com ela se comprova
ou não a tese de existência de estruturas geológicas e de acumulação de
hidrocarbonetos proposta em função dos estudos geológicos e geofísicos.
Isso não significa que, existindo hidrocarbonetos numa certa área, a
perfuração de poços irá garantir a descoberta das acumulações. O que se
afirma é que, sem a perfuração, não se poderá garantir a presença de
acumulações de petróleo e gás natural, ainda que existam.16
O segmento de upstream caracteriza-se como um grande jogo de acertos e perdas.
Nesta ótica, poderá um poço proporcionar uma descoberta comercial (que poderá valer muitas
vezes o capital investido e, diga-se, arriscado) ou resultar em um poço seco17. Assim, todo o
investimento será perdido. Se um poço é indiscutivelmente seco, as operações usualmente
terminam com o seu permanente abandono.
Colocando as probabilidades de sucesso em perspectiva, um poço de exploração
comum tem entre 1/5 (um quinto) e 1/6 (um sexto) de chances de encontrar um reservatório
potencialmente comercial. Tem-se uma chance, portanto, de 80% (oitenta por cento) ou mais
de que todo o investimento realizado seja perdido.
É importante ressaltar, considerando as chances de sucesso da campanha exploratória,
que, em razão da complexidade das operações envolvidas, o custo de um poço pode variar na
faixa de muitos milhões de dólares, alguns atingindo ou ultrapassando US$ 100 milhões na
exploração em águas profundas, por exemplo. Tais custos envolvem todo o aparato necessário
para a perfuração, como o afretamento da sonda de perfuração, equipamentos e materiais
usados no poço, serviços de terceiros e apoio logístico.
Segundo Peter Roberts, a parceria entre petrolíferas permite às partes deter somente
uma porção de um projeto, possibilitando a utilização do restante de seus recursos para
participar em um número maior de empreendimentos. Logo, é possível a diversificação de
projetos, ao invés da execução de somente um deles não obstante atingir-se o mesmo
objetivo.18
O que pode ser retirado do exemplo acima é o valor obtido na hipótese de êxito da
descoberta. Uma grande descoberta em águas profundas pode atribuir um valor líquido de
US$ 15 bilhões; até mesmo descobertas menores podem facilmente atingir US$ 1 bilhão.
Detendo 20% (vinte por cento) de participação em tais descobertas, pode gerar a uma
16
17
18
Loc. cit.
“Poço seco” é a definição de uma campanha sem sucesso, onde os resultados esperados não são atingidos,
seja por falta de hidrocarbonetos conforme previsto nos estudos seja pelas características do eventual
reservatório encontrado.
ROBERTS, Peter. Joint Operating Agreements: a practical guide. 2.ed. Londres: Global Law and
Business, 2010, p. 16.
71
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
petrolífera um retorno de várias vezes o valor dos investimentos que arriscou – até mesmo
levando em conta o capital perdido por conta de eventuais poços terem resultado secos. 19
Este tipo de desafio leva uma sociedade considerar, na avaliação de um projeto, o
compartilhamento dos riscos exploratórios com outros diferentes participantes. Fazendo isso,
ela e os investidores diminuem a entrada de receita, já que o lucro será repartido, mas, por
outro lado diminui também, substancialmente, a possibilidade de perda completa do capital
empregado, considerando que ele estará diluído em outros projetos.
1.2 Altos dispêndios no upstream do petróleo
O segundo fator que leva os participantes da indústria a formarem parcerias, além da
possibilidade da divisão dos riscos, é a divisão dos gastos e investimentos. A indústria
petrolífera demanda grandes aportes de capital. Por conta de seu papel na matriz energética
mundial, é uma commodity muito importante. O montante de capital investido em negócios de
petróleo pode chegar a US$ 2,34 trilhões por ano; os investimentos demandados pela área de
upstream chegam a mais de US$ 200 bilhões por ano.20
Segundo Bill Manning, que aborda a problemática na exploração de recursos naturais
na Austrália:
these resources have a tendency to be found in remote and inhospitable
parts of the continent. Access to these areas is both difficult and expensive.
Consequently, the costs of exploration and development are inflated by
substantial transportation costs. Roads, railways and airports have to be
constructed. Energy has to be provided. Personnel have to be housed in new
towns or, as has been trend more recently, work on a fly in/fly out basis from
the nearest population centre.21
19
GAILLE, Scott. International Energy Development. Lexington: s.n., 2012, p. 80-81.
BRET-ROUZAUT, Nadine; FAVENNEC, Jean-Pierre (Coord.). Op. cit., p. 32.
21
“Estes recursos têm uma tendência de serem encontrados em partes remotas e inóspitas. O acesso a essas áreas
é difícil e caro. Consequentemente, os custos de exploração e desenvolvimento são inflacionados pelos custos
de transporte substanciais. Rodovias, ferrovias e aeroportos precisam ser construídos. Energia precisa ser
fornecida. Pessoal precisa ser alojado em novas cidades ou, como tem sido a tendência recentemente, ir e
voltar do ponto populoso mais próximo.” (tradução livre). MANNING, Bill. Op. cit, p. 321.
20
72
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Os custos concernentes a um projeto da indústria primária do petróleo estão divididos
em quatro grandes grupos de custos: de exploração, de investimentos, de desenvolvimento e
operacionais.22
Além da formação de parcerias para compartilhar os riscos e eventuais perdas, é
importante salientar que, para mitigar o risco, as sociedades procuram ter seus ativos
espalhados geograficamente e sob regimes políticos diversos, ao invés de concentrá-los em
um só país ou área. Dessa forma, beneficiada pelo sistema de parcerias, uma sociedade pode
preferir deter 20% (vinte por cento) de cinco campos de petróleo diferentes espalhados pelo
mundo do que 100% (cem por cento) em uma determinada área e sob um regime político
instável.
Mesmo se uma sociedade desejasse possuir participação integral em um projeto
internacional, o país hospedeiro pode forçá-la a partilhá-lo com outras sociedades. O então
chamado “casamento-forçado” em projetos de petróleo é comum em países em
desenvolvimento e com a indústria do petróleo nascente. Nestes países, os governos poderão
oferecer as mais atrativas áreas de petróleo de forma a persuadir os grandes participantes a
investir no seu setor petrolífero.
O objetivo dos países em desenvolvimento, neste caso, é favorecer sociedades
específicas, por sua reputação ou capacidade técnica, ou outras por conta dos respectivos
países de origem – visando, neste último caso, facilitar e/ou consolidar relações entre
governos.
Vale destacar que os investimentos iniciais em potenciais blocos são, também,
realizados pela própria ANP, de forma a disponibilizar dados com vista a despertar interesse
de eventuais participantes. O Plano Plurianual de Estudos Geológicos e Geofísicos (PPA) da
ANP, que recebe recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), já aplicou R$ 500
milhões em levantamentos em diversas bacias sedimentares, de um total de R$ 1,8 bilhão
aprovados para o período compreendido entre 2007 a 201423.
22
(i) custos com exploração, principalmente antes da descoberta de uma reserva, incluindo levantamento
sísmico, interpretação geofísica e geológica, perfuração de exploração e testes de poços; (ii) custos de
investimentos na fase de delineação e avaliação, para análise do reservatório; (iii) custos de desenvolvimento,
incluindo perfuração de poços de produção e/ou injeção, construção de instalações na superfície, tais como
rede coletora, unidade de separação e tratamento, tanques de armazenagem, unidades de bombeamento e
unidade de medição, construção de instalações de transporte, como oleodutos e terminais de carregamento; e
(iv) custos operacionais, incluindo o apoio geral fornecido por contratados, manutenção, logística e transporte.
Loc. cit.
23
Conforme informação do site Geofísica Brasil (http://www.geofisicabrasil.com/noticias/204-clipping/4269anp-investe-r-18-bilhao-em-bacias-de-novas-fronteiras.html). Acesso em 10.03.2013
73
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
1.3 BENEFÍCIOS PARA OS PAÍSES HOSPEDEIROS
Assim como uma sociedade empresária pode sofrer com a concentração de todos os
seus investimentos em um único país, este pode estar exposto ao risco de concentração se os
investimentos na sua indústria petrolífera forem primordialmente detidos por uma única
sociedade internacional. E se essa sociedade decidir encerrar suas atividades na região ou no
país, ou se ela vier a falir?
Este cenário de incertezas pode ser prejudicial à economia do país ou a seus planos de
desenvolvimento, além dos reflexos contidos no direito concorrencial. A petroleira estatal
pode não ter capacidade técnica suficiente para conduzir as operações existentes, sendo muito
pouco provável que tenha acesso aos mesmos níveis de capital para financiar a exploração e o
desenvolvimento dos recursos.
Da mesma forma, é importante a pluralidade de participantes, pois a introdução de
várias sociedades petrolíferas internacionais no setor de energia de um determinado país
aumenta a competição para áreas não concedidas. Uma vez que uma sociedade participa de
um projeto, muito provavelmente ela irá considerar atuar em outros. Isto pode permitir ao país
hospedeiro manter relações contratuais com múltiplas sociedades para obter maiores bônus e
melhores ofertas comerciais em futuras concessões de petróleo e gás.
Há uma leve tendência de países hospedeiros em não confiar nos compromissos de
uma única sociedade estrangeira. A introdução de diversas petrolíferas estrangeiras como
parceiras num projeto pode permitir que o país hospedeiro solicite e receba diferentes pontos
de vista de como o projeto deverá ser implementado e operado.
A competição de propostas pode fazer com que um governo mais dificilmente faça
uma escolha ruim, uma vez que a presença de várias sociedades serve como uma política de
“freios e contrapesos” no processo de seleção.
Muitos países instituem, ainda, a parceria entre os participantes e uma entidade
governamental para aumentar o controle sobre a exploração dos recursos sob sua jurisdição.
É importante destacar que o país onde é realizada a exploração e produção de
hidrocarbonetos também é beneficiado com a arrecadação das participações governamentais,
74
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
que podem incluir o pagamento de bônus de assinatura24, participação nos resultados da
produção e/ou royalties pagos com base nos volumes produzidos.
Além disso, há a arrecadação de tributos pelos diversos entes federativos, conforme
devidos em relação às atividades principais e às acessórias (indústria de bens e serviços) e,
ainda, os investimentos sociais, resultado de programas empresariais de desenvolvimento
socioeconômico. Adicionalmente, e como parte de uma política maior de desenvolvimento
industrial, o aumento da produção da indústria para-petrolífera nacional, com o crescimento
da demanda por produtos e serviços pelos participantes concessionários.
Como todo este arcabouço de benefícios, é possível a manutenção de Estados e
Municípios mais ricos, assim como, também, o desenvolvimento de municípios menos
privilegiados, seja com o repasse das participações governamentais, com a arrecadação de
tributos ou com a consequente geração de empregos causada pela instalação de parques e
indústrias para-petrolíferas.
2- A JOINT VENTURE COMO ESTRUTURA JURÍDICA ADEQUADA PARA
FORMAÇÃO DE PARCERIAS NO UPSTREAM
Não obstante sua utilidade comercial, não existe uma definição de joint venture, seja
em lei ou prática negocial, Contudo, pode-se defini-la como sendo uma associação de dois ou
mais participantes independentes, que combinam recursos para desenvolvimento de atividades
para atingir um fim comum de natureza empresarial. A joint venture decorre de um acordo ou
arranjo de cooperação e, como tal, tem por base um contrato.25
A joint venture é um veículo amplamente utilizado para a realização de operações no
âmbito do comércio e investimentos internacionais. Elas têm aparecido em quase todas as
atividades, incluindo fabricação e produção industrial, exploração de petróleo, gás natural e
minérios, agricultura, distribuição, transporte, bancos e financiamentos, comunicações, mídia,
projetos de pesquisa e desenvolvimento, e turismo e entretenimento, dentre outras.26
24
Bônus de assinatura é uma participação governamental prevista na legislação petrolífera (Leis n. 9.478/1997 e
12.351/2010). Trata-se de um valor fixo devido à União pelo contratado, a ser pago no ato da celebração do
contrato de concessão ou de partilha de produção.
25
FISHER Geoffrey, International joint venture contracts: choice of law. In: DUNCAN, W.D (Org.). Joint
Ventures Law in Australia. 2.ed. Sidney: The Federation Press, 2005, p. 345.
26
Idem, p. 344.
75
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Convém mencionar que a amplitude da definição do termo joint venture leva a
delinear que a formação de parcerias deste tipo poderá adotar diversas formas de constituição,
não existindo limitação. De todo modo, é importante destacar que elas poderão se constituir
através de um contrato associativo (consórcio), como sociedades não personificadas (em
comum ou em conta de participação) ou personificadas (notadamente as sociedades do tipo
anônima ou limitada).
Alternativamente, uma joint venture pode ser de duas formas: contratual (sem
personalidade jurídica – non corporate joint venture) ou societária (com personalidade
jurídica – corporate joint venture). A forma mais comum é a contratual, por delimitar menos a
autonomia de seus participantes e estabelecer menos obrigações.
Luiz Olavo Baptista, com base na experiência jurisprudencial norte-americana,
conseguiu identificar as joint ventures pela presença de quatro requisitos: (i) origem ou caráter
contratual; (ii) natureza associativa; (iii) direito dos participantes à gestão conjunta; e (v)
objetivo e duração limitados.27
Uma joint venture societária envolve a criação de uma entidade jurídica separada, que
deterá os ativos e conduzirá as operações. Em uma associação desta natureza, os participantes
se tornarão sócios na sociedade criada, a qual será uma entidade com personalidade jurídica
distinta da de seus participantes. O documento básico de constituição de uma joint venture
societária é o contrato ou estatuto, que expressa a intenção das partes para estabelecer a joint
venture em uma forma societária. Adicionalmente, poderão ser assinados memorandos de
intenções, acordos de quotistas ou acionistas ou pactos para regular aspectos específicos do
empreendimento.
É importante destacar que as joint ventures societárias constituem uma forma mais
sofisticada de parceria e atrai uma gama maior de obrigações legais. Em alguns países, a
exploração de recursos naturais pode ser, por lei, outorgada a somente uma entidade, que
exercerá o monopólio estatal. Neste caso, os parceiros em uma joint venture deverão,
necessariamente, criar um novo veículo para conduzir as operações. De todo modo, não sendo
este o caso, os participantes devem estar convencidos na hora de optarem por esta estrutura de
que as vantagens superam as desvantagens, principalmente em razão do fato de a parceria
restar regulada pelas exigências e normas vigentes de direito societário.28
27
28
BAPTISTA, Luiz Olavo; DURAND-BARTHEZ, Pascal. Les Associations d’Entrerprises dans Le Commerce
International. Paris: FEDUCI, 1986, p. 19, Apud RIBEIRO, Marilda Rosado Sá. Direito do Petróleo – As
Joint Ventures na Indústria do Petróleo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 105.
FISHER, Simon. Formation and Structure. In: DUNCAN, W.D (Org.). Op. cit., p. 144 et seq.
76
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Já a joint venture contratual é formada a partir da relação contratual direta das partes e
não envolve a formação de entidade societária para operar a parceria. É importante observar
que, apesar de uma joint venture contratual ser um tipo flexível, permitindo a facilidade de
criação, operação e término – o que leva à sua maior popularidade em relação às de natureza
societária – as partes precisam se preocupar em definir precisamente os limites e extensão da
sua relação no contrato ou em uma série de contratos acessórios.
A ausência de uma estrutura societária significa que os documentos contratuais podem
se tornar muito extensos, pois eles precisariam regular toda a administração da parceria.29 De
toda sorte, garantem uma maior flexibilidade aos participantes, já que, em grande parte, os
direitos e obrigações entre as partes são fixadas unicamente pelos termos do contrato
alcançado e não são sujeitos a disposições legais supervenientes, como é o caso na utilização
de uma estrutura societária.
Para melhor exemplificar os aspectos descritos acima, o quadro a seguir, inspirado no
que foi proposto por Bill Manning, resume os principais pontos nos quais uma joint venture
contratual se diferencia de uma societária.
Quadro 1: Principais diferenças entre as estruturas contratual e societária
Disposição
Estrutura societária
Veículo utilizado
Contrato associativo ou de Contrato
de
sociedade
consórcio
devidamente arquivado
Qualidade das
partes
Contratantes ou partes
Sócios
Propósito
Definido variavelmente pelo
escopo, itens excluídos e
compromissos associados no
ato de constituição.
Nenhum
compromisso
exclusivo em relação ao
propósito da associação, mas
sujeito a deveres de lealdade.
Definido pelo objeto social da
sociedade e por uma lista
definida
de
questões
aplicáveis.
Pode existir obrigação dos
sócios de dar preferência ao
propósito da sociedade e
podem
existir
certos
compromissos
de
exclusividade.
Compromisso dos
participantes
29
Estrutura contratual
AG Greenwood. International Joint Venture Arragements. In: LEW, JDM; STANBROK, C (Org.).
International Trade: Law and Practice. 2ª ed. Londres: Euromoney Publications, 1990, p.157. Apud
FISHER, Geoffrey. op. cit., p. 344.
77
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Financiamento
Gerenciamento e
controle
operacional
Contratação
As partes financiam suas A sociedade é financiada por
contribuições individuais.
fluxos de caixa e contribuições
sociais.
Uma única parte operadora, Diretoria ou Conselho de
sujeita ao envolvimento do administração,
sujeito
a
comitê operacional.
votação dos sócios para
questões reservadas.
O operador contrata como A sociedade contrata em nome
agente das partes.
próprio.
No direito brasileiro do petróleo, as joint ventures passaram a assumir importância
capital com o marco regulatório introduzido pela Lei n. 9.478/97 (Lei do Petróleo), após a
extinção do exercício em caráter exclusivo, pela Petrobras, do monopólio da União sobre as
atividades previstas nos incisos I a IV do art. 177, em razão da Emenda Constitucional n.
9/1995.
É importante salientar que as joint ventures constituídas seguirão o que preconiza o
artigo 38 da Lei nº 9.478/97, o qual institui a figura dos consórcios para a condução das
atividades objeto da concessão30:
Art. 38. Quando permitida a participação de empresas em consórcio, o edital
conterá as seguintes exigências:
I - comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição do
consórcio, subscrito pelas consorciadas;
II - indicação da empresa líder, responsável pelo consórcio e pela condução
das operações, sem prejuízo da responsabilidade solidária das demais
consorciadas;
III - apresentação, por parte de cada uma das empresas consorciadas, dos
documentos exigidos para efeito de avaliação da qualificação técnica e
econômico-financeira do consórcio;
IV - proibição de participação de uma mesma empresa em outro consórcio,
ou isoladamente, na licitação de um mesmo bloco;
V - outorga de concessão ao consórcio vencedor da licitação condicionada
ao registro do instrumento constitutivo do consórcio, na forma do disposto
no parágrafo único do art. 279 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Os participantes, quando em parceria, utilizam o contrato de consórcio somente para
as formalidades exigidas pela lei e edital de licitações respectivo. O contrato deve ser
arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais, e
30
Além da formação de consórcios para atividades de E&P, é possível também a constituição dessa figura
contratual para a construção e operação de refinarias e de unidades de processamento, de liquefação, de
regaseificação e de estocagem de gás natural, bem como para a ampliação de sua capacidade; construção de
instalações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para
importação e exportação, importação e exportação de petróleo, derivados e gás natural e atividades econômicas
da indústria de biocombustíveis (arts. 53, 56, 60 e 68-A da Lei n. 9.478/1997).
78
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
publicada a certidão do arquivamento, a ser apresentada posteriormente a ANP. Sem
embargo, para efeito inter pars pode existir outro contrato para operacionalização da joint
venture.
Alexandre Santos de Aragão sustenta que as joint ventures no direito do petróleo
brasileiro representam mais do que um simples consórcio31. De todo modo, em termos
operacionais, elas acabam por se assemelhar a essa figura.
Vale destacar, ainda, o novo modelo regulatório instituído pela Lei nº 12.351, de 21 de
dezembro de 2010 (dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de
outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e
em áreas estratégicas), como principal norma reguladora das atividades concernentes à área
do pré-sal. Neste novo modelo, a União poderá contratar diretamente com a Petrobras as
atividades de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluidos, ou, alternativamente, abrir licitação na modalidade leilão para oferta de blocos
(conhecida como “rodada”). Caso isto ocorra e a Petrobras não seja vencedora isolada, o
vencedor deverá constituir consórcio com ela.
Esta exigência decorre do fato de a Petrobras ser a operadora de todos os blocos
contratados sob o regime de partilha de produção, sendo-lhe assegurada, a este título,
participação mínima de 30% (trinta por cento) no consórcio (arts. 2º, VII, 4º e 20 da Lei n.
12.351/2010).
O edital de licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e
indicará, obrigatoriamente, a formação do consórcio e a respectiva participação mínima da
Petrobras.
Um novo “ator” neste cenário é a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e
Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA), empresa pública cuja autorização para
criação decorre da Lei n. 12.304/2010. Ela será parte obrigatória no consórcio com a
finalidade de gerir os contratos, seja a Petrobras contratada diretamente ou na condição de
consorciada operadora. Tal determinação, contida nos arts.19 e 20 da Lei n. 12.351/2010, tem
por objetivo proteger os interesses da União no contrato de partilha, eis que o produto da lavra
pertence a ela, mas será partilhado de acordo com as disposições legais e contratuais.
Quando permitida a participação conjunta de sociedades empresárias na licitação, o
edital conterá a comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição do
consórcio pelos vencedores.
31
ARAGÃO, Alexandre Santos de (Org.). Direito do petróleo e de outras fontes de energia. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 21 et seq.
79
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Percebe-se nitidamente uma forte regulação no setor petrolífero, onde as sociedades
empresárias, consorciadas ou não, devem cumprir fielmente as obrigações contidas no
contrato de concessão e as normas regulamentares da ANP, dentre elas as referentes ao
conteúdo local, que será o tema do próximo capítulo.
3- CONTEÚDO LOCAL E OS BENEFÍCIOS PARA A SOCIEDADE
Para Luiz Cesar Pazos Quintans, conteúdo local não teria uma definição exata. Seria,
na verdade,
um processo de estímulo, uma orientação política, com o intuito de ampliar a
capacidade de fornecimento brasileiro, para o desenvolvimento da indústria
local de bens e serviços, a ponto de gerar competitividade a níveis
internacionais, renda, emprego, novos insumos e tecnologias no Brasil.32
Sem embargo da noção apresentada, a legislação sobre o novo marco regulatório da
indústria do petróleo apresenta um conceito de conteúdo local, que não se distancia do
formulado pelo autor. Nos termos do art. 2º, VIII, da Lei n. 12.351/2010, conteúdo local é a
“proporção entre o valor dos bens produzidos e dos serviços prestados no País para execução
do contrato e o valor total dos bens utilizados e dos serviços prestados para essa finalidade”.
A guisa de ilustração, uma sociedade petrolífera estrangeira, em geral, contrata
empregados ou prestadores de serviços estrangeiros mais qualificados para trabalhar no país
hospedeiro, bem como máquinas, equipamentos, enfim bens e serviços importados. Tudo é
expresso numa cifra, ou seja, constitui um valor a ser despendido pelo contratante. Parte deste
valor, em termos proporcionais, deverá ser gasto em contratação de bens e serviços
produzidos no Brasil, tanto na fase de exploração quanto de desenvolvimento da produção.
A ANP, a partir da sua Primeira Rodada de Licitações de blocos para exploração e
produção de hidrocarbonetos, realizada em 1999, instituiu a obrigação de investimentos
mínimos de conteúdo local em diferentes fases dos contratos assinados 33. Como já exposto,
QUINTANS, Luiz Cesar Pazos. Direito do Petróleo – Conteúdo Local: a evolução dos modelos de contrato
e o conteúdo local nas atividades de E&P no Brasil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2010, p. 4.
33
Ao discorrer sobre o julgamento das ofertas dos concorrentes habilitados à Primeira Rodada de Licitações, o
Capítulo 8 do Edital inseriu como critério para atribuição de pontos e pesos o conteúdo local, então definido
como “Compromisso com Aquisição Local de Bens e Serviços nas Fases de Exploração e Desenvolvimento”
(itens 8.2 e 8.3). Com isto, as licitantes que viessem a ser habilitadas se comprometiam a adquirir bens e
serviços locais, prestados por sociedades constituídas segundo a definição do Contrato de Concessão.
32
80
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
esse compromisso faz parte de uma política governamental para estimular o desenvolvimento
da indústria nacional.
Em um primeiro momento, nas licitações, a oferta pelas petrolíferas interessadas era
livre, ou seja, cada sociedade participante na licitação poderia ofertar a porcentagem de
conteúdo local mínima com a qual se comprometeria, recebendo a pontuação designada de
acordo com o pertinente edital de licitações. Este modelo de compromisso permaneceu
vigente até a Quarta Rodada de Licitações (2001/2002).
Na Quinta (2003) e Sexta Rodadas (2004), a cláusula de conteúdo local nos contratos
de concessão foi modificada e passou-se a exigir percentuais mínimos e diferenciados para a
aquisição de bens e serviços brasileiros destinados a blocos terrestres, a blocos localizados em
águas rasas e a blocos em águas profundas 34.
Na Sétima Rodada de Licitações (2005), outras mudanças foram introduzidas na
referida cláusula, que passou a limitar as ofertas de conteúdo local a faixas percentuais
situadas entre valores mínimos e máximos. As regras estabelecidas na Sétima Rodada ainda
continuam em vigor.
Foi também estabelecida uma planilha contendo itens e subitens, tanto para fase
exploratória quanto para a etapa de desenvolvimento, onde se permitia que o ofertante
alocasse pesos e percentuais de conteúdo local em cada um dos itens. Outra inovação foi a
publicação da Cartilha de Conteúdo Local de Bens, Sistemas e Serviços Relacionados ao
Setor de Petróleo e Gás, como ferramenta de medição do conteúdo local contratual.
Esta cartilha contém as definições, métodos e critérios para cálculo do conteúdo local.
Embora não se pretenda discorrer sobre tais critérios, deve-se mencionar um aspecto
importante ao escopo do trabalho: a responsabilidade social da empresa como fator de
inclusão social em relação à empregabilidade de mão de obra nacional, um dos aspectos mais
importantes do conteúdo local.
O empresário necessitará contratar mão de obra para a realização das operações nas
fases de exploração e desenvolvimento. Isto representará para ele um “custo total de mão de
obra”, ou seja, decorrente da utilização de mão-de-obra diretamente relacionada à realização
de um serviço, sob a forma de salários e encargos. Dentro deste “custo total”, deverá estar
incluído em percentuais mínimos uma proporção de “custo total da mão de obra local”, que
representa “mão-de-obra local diretamente relacionada à realização de um serviço sob a forma
34
Tal limitação se justifica, dentre outras coisas, pelo fato de as pretendentes concessionárias ofertarem, muitas
vezes, porcentagens de conteúdo local inexequíveis a fim de conseguir uma maior pontuação na licitação.
Contudo, esta análise não é objeto do presente trabalho.
81
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
de salários e encargos”. Entende-se por mão de obra local aquela proveniente do emprego de
cidadãos brasileiros ou estrangeiros com visto permanente, empregados nos estabelecimentos
prestadores de serviços, em seus subcontratados (que deverão estar inscritos no CNPJ), ou
proveniente de mão-de-obra autônoma.
Não será considerado como “local” a mão-de-obra de indivíduos estrangeiros, ainda
que com visto temporário ou autorização de trabalho a estrangeiros, bem como aquela
proveniente de empregos não legalizados no país.
Nota-se que há uma obrigação do concessionário de empregar brasileiros ou
estrangeiros que tenham permanência estável no Brasil, permitindo especialmente aos
nacionais acesso ao trabalho e renda, fatores de elevada inclusão social.
O Quadro abaixo sintetiza as alterações quanto às exigências de conteúdo local:
Quadro 2: Exigências de Conteúdo Local pela ANP nos Contratos de Concessão
Rodada
Zero
1a4
(1999
a 2002)
5e6
(2003 e
2004)
7, 9 e
10
(2005 a
2008)
Exploração
Sem exigência de conteúdo local
Limite máximo
0<CL<=50%
Desenvolvimento
Limite mínimo por tipo de bloco
Águas profundas – 30%
Águas rasas – 50%
Terra – 70%
Limites mínimos e máximos por
tipo de bloco
Mín. Máx.
Terra
70% 80%
Águas rasas (< 100m)
51% 60%
Águas rasas (100-400m) 37% 55%
Águas profundas
37% 55%
Limite mínimo por tipo de bloco
Águas profundas – 30%
Águas rasas – 60%
Terra – 70%
Limites mínimos e máximos por
tipo de bloco
Mín. Máx.
Terra
77% 85%
Águas rasas(< 100m) 51% 60%
Águas rasas(100-400m) 37% 55%
Águas profundas
37% 55%
Limite máximo
0<CL<=70%
Medição
----Declaração
de origem
Declaração
de origem
Cartilha de
Conteúdo
Local
(Certificação)
A sociedade ou consórcio vencedor da licitação precisará investir a porcentagem
mínima ofertada em bens e serviços de origem nacional. Na hipótese de não atingir tal
mínimo, haverá a aplicação de multas e outras penalidades a serem impostas pela ANP, além
do prejuízo da própria imagem das petrolíferas perante a comunidade por conta do não
cumprimento de uma obrigação35.
35
No sitio institucional da ANP (www.anp.gov.br) são relacionados os blocos licitados e as concessionárias
fiscalizadas em relação ao cumprimento da cláusula de conteúdo local. Em alguns deles a ANP constatou o
descumprimento do compromisso, como ocorreu com o Bloco REC-T-192, cuja fiscalização de conteúdo local,
encerrada em 5/1/2012, concluiu que: “Da análise dos Relatórios de Gasto Trimestrais, da Planilha de
Conteúdo Local preenchida pela supracitada operadora e dos demais documentos apresentados, se verificou
82
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
De acordo com a própria Agência, entre 2011 e 2012 foram aplicadas multas relativas
a não cumprimento de conteúdo local no valor total aproximado de R$ 36 milhões.36
Percebe-se nitidamente que o investimento a ser feito pelos empresários em prol do
desenvolvimento da sociedade e das regiões onde serão realizadas as atividades de E&P está
acompanhando de uma sanção negativa, relevando a importância do conteúdo local para o
direito brasileiro do petróleo e sua necessária vinculação ao princípio da função social de
empresa, consectário da função social da propriedade (art. 170, III da Constituição de 1988)37.
Não se trata de uma exortação ao empresário, cujo atendimento viria acompanhado de
sanções positivas ou prêmios. Trata-se de um dever jurídico patrimonial emanado de cláusula
contratual compulsória para implementar efetivamente fundamentos constitucionais previstos
no art. 1º, incisos II, III e IV da Constituição – a cidadania (melhoria da qualidade de vida,
instalação de novos empreendimentos na área petrolífera e para-petrolífera, estímulo à
pesquisa e inovação), a dignidade da pessoa humana (geração de empregos, investimentos em
infraestrutura e parcerias com municípios, estados e entidades privadas), os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa.
A responsabilidade do empresário concessionário em assegurar o mínimo de conteúdo
local revela uma preocupação com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em
assegurar melhores condições de vida para os trabalhadores, valorizando-os e dando-lhes
dignidade e cidadania, em consonância com o caput do art. 170 da Constituição.
Note-se que o conteúdo local, além de estímulo à formação e capacitação profissional,
bem como a investimentos em tecnologia para os empreendedores, impõe também deveres a
terceiros não empresários, inclusive ao Estado. De nada valeria a legislação impor um
percentual mínimo de aquisição de bens e serviços nacionais se os beneficiados, notadamente
a indústria nacional, estiverem incapacitados para atender às exigências do setor de E&P.
Portanto, o fomento à cidadania empresarial, notadamente nos aspectos da produção e
educação continuada, traz também uma ação conjunta do poder público com o empresariado
com o fito de propiciar condições materiais e humanas (v. g. novos centros de formação
que não foi atingido na Fase de Exploração o cumprimento do percentual de conteúdo local mínimo para a
Atividade Global e para as Atividades Específicas I (Operações de aquisição de dados de geologia e geofísica),
II (Operações de processamento de dados geofísicos, estudos e interpretação de dados de geologia e geofísica)
e III (Perfuração, completação e avaliação de poços) constantes no ANEXO III do referido Contrato de
Concessão 48610.008016/2004. Foi aplicada multa pecuniária pelo não cumprimento dos compromissos.
36
BRASIL. Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP. Disponível em
<http://www.anp.gov.br/?id=2734>. Acesso em 16 mar 2013.
37
Cf. PEREZ, Viviane. Função Social da Empresa: uma proposta de sistematização do conceito. In: ALVES,
Alexandre Ferreira de Assumpção; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Temas de direito civilempresarial, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 197-221.
83
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
tecnológica ou universitária, incentivos fiscais, novas linhas de crédito à produção industrial),
para que existam condições efetivas de suprir as demandas do setor petrolífero e, por ilação,
cumprir a cláusula de conteúdo local.
De acordo com pesquisa apresentada pela PricewaterhouseCoopers, 61% (sessenta e
um por cento) dos participantes entrevistados afirmaram que as obrigações de conteúdo local
aumentam em mais de 10% (dez por cento) os custos da exploração de hidrocarbonetos. Tais
investimentos são expressivos, conforme indicado na pesquisa foram certificados
investimentos concernentes à indústria nacional na órbita dos R$ 3,2 bilhões, no período entre
o 4º trimestre de 2008 e o 2º trimestre de 2011.38
Portanto, além dos riscos inerentes à própria atividade em si, os participantes
precisam, ainda, levar em conta a possibilidade de conseguir cumprir as obrigações do
contrato, incluindo a obrigação de investimentos mínimos em conteúdo local.
Segundo a Lei n. 12.351/2010, no modelo de partilha de produção caberá ao
Ministério de Minas e Energia propor ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o
conteúdo local mínimo e outros critérios relacionados ao desenvolvimento da indústria
nacional. Igualmente, o edital de licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo
contrato e indicará, obrigatoriamente, o conteúdo local mínimo.
3.1 O Sistema de Certificação de Conteúdo Local
Com o objetivo de estabelecer as condições legais para a realização das rotinas
relacionadas às exigências da cláusula de conteúdo local, instauradas a partir da Sétima
Rodada, a ANP criou o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, cuja regulamentação foi
publicada em 16 de novembro de 2007, depois de concluído o processo de consultas públicas.
Esse Sistema estabelece a metodologia para a certificação e as regras para o credenciamento
de entidades certificadoras junto à ANP39. As entidades credenciadas serão responsáveis por
38
PricewaterhouseCoopers. O conteúdo local nos empreendimentos de petróleo e gás natural. Disponível em:
<http://www.pwc.com.br/pt_BR/br/publicacoes/setores-atividade/assets/oil-gas/pesq-pwc-conteudonacional12.pdf>. Acesso em 15 mar 2013.
39
No sítio institucional da ANP
(http://www.anp.gov.br/?pg=65118&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=1363830732312) são
listadas as sociedade credenciadas para as atividades de certificação de conteúdo local. Acesso em 13/3/2013.
84
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
medir e informar à ANP o conteúdo local de bens e serviços contratados pelas concessionárias
para as atividades de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural.
O Sistema de Certificação de Conteúdo Local compreende um conjunto de quatro
Resoluções:

Resolução ANP n° 36 de 13.11.2007 – define os critérios e procedimentos para
execução das atividades de certificação de conteúdo local.

Resolução ANP n° 37 de 13.11.2007 – define os critérios e procedimentos para
cadastramento e credenciamento de entidades para exercer a atividade de certificação de
conteúdo local.

Resolução ANP n° 38/2007 de 13.11.2007 – define os critérios e procedimentos de
auditoria nas empresas de autorizadas ao exercício da atividade de certificação de conteúdo
local.

Resolução ANP n° 39/2007 de 13.11.2007 – define os relatórios de investimentos
locais em exploração e desenvolvimento da produção em contratos de concessão a partir da
Sétima Rodada de Licitações.
Nota-se, portanto, um conjunto coordenado de ações sob a fiscalização e normatização
da ANP para assegurar vários princípios e fundamentos constitucionais, já citados, em prol da
atuação empresarial positiva na indústria do petróleo. A regulamentação acima tem papel
fundamental para apresentar ao concessionário suas obrigações em relação ao conteúdo local
e o acompanhamento da evolução dos investimentos nessa seara. Com isto, o upstream
poderá oferecer ao Brasil, importante país hospedeiro que recebeu e receberá nos próximos
anos bilhões em investimentos nas áreas já licitadas e nas do pré-sal, maiores oportunidades
de empregabilidade, geração de conhecimentos e desenvolvimento tecnológico pelo próprio
povo brasileiro.
3.2 A Preocupação com o Conteúdo Local pelas Companhias Petrolíferas – caso Petrobras
As companhias petrolíferas que operam no Brasil demonstram empenho no
cumprimento dos percentuais de conteúdo local. Tal constatação demonstra a importância da
política governamental e regulatória, além de frisar o papel da ANP na fiscalização da
aplicação da Cartilha e do Sistema de Certificação.
85
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Dentro das limitações do presente trabalho, mas com o intuito de apresentar dados de
gestão da política de E&P de uma petrolífera em matéria de conteúdo local, optou-se pela
Petrobras, não só pelo fato de ser a maior companhia de petróleo que atua no país, mas em
especial pelo fato de ser uma sociedade de economia mista. Por esta razão, com o controle
acionário titularizado pela União e sendo integrante da administração pública indireta, é
importante verificar os objetivos e metas que a companhia adota no cumprimento da cláusula
dos contratos de concessão.
A Petrobras tem como objetivos de gestão de conteúdo local:
- o aumento do parque fabril;
- obtenção de maior valor agregado do que é produzido no país;
- realizar investimento em infra-estrutura e tecnologia;
- aumentar a arrecadação de impostos;
- aumento do nível de emprego e renda;
- ampliar as exportações e reduzir as importações.
Percebe-se uma consonância com o que se espera da atuação empresarial consentânea
com os princípios da atividade econômica insculpidos na Constituição, para promover um
desenvolvimento sustentável a longo prazo e com vistas à inclusão social.
Segundo o plano de gestão apresentado pela Petrobras, os potenciais ganhos são:
redução de custos (representação, imposto de importação, custo de manutenção); maior
garantia de fornecimento de produtos e serviços sem dependência do exterior; maiores ações
no pós venda. Ademais, a preferência por bens e serviços nacionais viabiliza a redução de
estoques; mitigação das barreiras de idiomas; redução de riscos e aumento da capacidade de
inovação dos fornecedores.
As metas a serem atingidas são: maximizar conteúdo local em base competitiva e
sustentável; impulsionar o desenvolvimento dos mercados locais de forma sustentável;
incentivos para instalação de empresas internacionais no Brasil; incentivar novos entrantes
nacionais; incentivar associação entre companhias nacionais e internacionais; desenvolver
concorrência em setores de média competição; ampliar capacidade produtiva setores
altamente competitivos40.
40
O documento institucional encontra-se disponível em
http://www.conselhos.org.br/Arquivos/Html/Documentos/Docs%20COG/Vis%C3%A3o%20da%20Operadora%
20Petrobras.pdf. Acesso em 11/3/2013.
86
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
CONCLUSÃO
Verificou-se ao longo do trabalho que a exploração de petróleo, seja offshore ou
inshore, é cercada de desafios e grandes dificuldades, não só em termos técnicos como
financeiros, sociais e políticos.
As responsabilidades que os empresários assumem, seja por disposições contratuais
seja por legais, e os altos dispêndios demandam a necessidade de formação de parcerias para
diluição dos riscos e exploração de vários campos, bem como viabilizar um lucro maior pelas
atividades de exploração e produção, já que a maioria absoluta das petrolíferas é composta por
grandes companhias, com ações e títulos negociados no mercado de valores mobiliários.
Por envolverem várias sociedades no empreendimento, além de participantes da
atividade para-petrolífera, formam-se cadeias produtivas desde as fases de exploração e
produção (upstream), transporte (midstream), refino e distribuição (downstream). Com esta
gama de relações contratuais e negócios complexos múltiplos benefícios são gerados para a
sociedade e o poder público, como analisado no capítulo 1.
A principal forma de associação utilizada na indústria do petróleo é a joint venture,
seja contratual – viabilizada através da formação de consórcios para operação de blocos ou
mesmo participação na fase de licitação – ou societária. A Lei do Petróleo, tanto no antigo
quanto no atual marco regulatório, dispõem sobre a formação dos consórcios e as
responsabilidades das partes contratantes, inclusive quanto à proporção mínima de utilização
de bens e serviços produzidos no Brasil (conteúdo local). Nas áreas situadas no polígono do
pré-sal e outras estratégicas, a serem licitadas, a Petrobras será a operadora de todos os
campos e líder nos consórcios, caso não receba diretamente da União a outorga para a
exploração.
O conteúdo local tem importância fundamental na efetivação de direitos fundamentais
(ao pleno emprego, cidadania, geração de renda, de conhecimento, entre outros) e na
concreção do princípio da função social da empresa. Ao contrário de ser uma exortação ao
empresário, cujo atendimento seria acompanhado de sanções positivas ou prêmios, é uma
obrigação emanado de cláusula contratual compulsória para implementar fundamentos,
objetivos e princípios previstos em vários dispositivos constitucionais para promoção de
melhorias na qualidade de vida, instalação de novos empreendimentos na área petrolífera e
para-petrolífera, estímulo à pesquisa e inovação, geração de empregos, investimentos em
infraestrutura e parcerias com Municípios, Estados e entidades privadas.
87
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A responsabilidade do empresário concessionário em assegurar o mínimo de conteúdo
local e a atuação da ANP na regulamentação e fiscalização, aplicando eventualmente sanções,
revela uma preocupação com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em assegurar
melhores condições de vida para os trabalhadores, valorizando-os e dando-lhes dignidade e
cidadania, em consonância com o caput do art. 170 da Constituição.
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89
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MARKETING SOCIAL
Juliana Falci Sousa Rocha Cunha*
RESUMO:
A responsabilidade social empresarial tem sido constantemente abordada, o que se deve em
grande parte à pressão social e à transferência de responsabilidades do Estado para empresas
privadas, cujo maior objetivo é a obtenção de lucro.
Neste contexto, o presente artigo pretende estudar a responsabilidade social empresarial e sua
relação com o marketing. No que tange à responsabilidade social serão analisadas as suas
diretrizes, as suas demais responsabilidades, questões relacionadas ao direito brasileiro,
justificativas para a sua adoção etc. Em seguida, será abordado o marketing social e alguns
dos instrumentos utilizados por ele para implementação da responsabilidade social
corporativa.
Assim sendo, pretende-se demonstrar que muitas empresas brasileiras estão se valendo da
responsabilidade social como ferramenta de marketing social para atingirem o seu objetivo
maior que é a maximização de lucro.
PALAVRAS-CHAVES: responsabilidade; empresarial; marketing.
CORPORATE SOCIAL RESPONSIBILITY AND SOCIAL MARKETING
ABSTRACT:
The corporate social responsibilityhasbeenveryoftengottogrip, mainlyduetothe big social
pressionandthetransferoftheresponsibilitiesfromtheStatetotheprivatecompanies,
whosemaingoalistogetprofits.
In
thiscontext,
thisarticleplanstostudythecorporatesocial
responsibilityand
its
relashionshiptothe social marketing. The social responsibilitywillbeanalysed in its guidelines,
issuesrelatedtotheBrazilianlaw, justificationsto its adoptionandsoone. Afterthat, the social
marketing and some toolsusedtoimplementwillbediscussed.
Therefore,
theintentionofthisstudyistodemonstratethatmanyBraziliancompanies
are
takingadvantageofthe social responsibility as a tool of social marketing toachieve its
maingoal, thatisto maximize theirprofits.
KEYWORKS: responsibility; corporate; marketing.
* Mestranda em Direito Empresarial - Faculdade Milton Campos. Especializada em Direito Empresarial Faculdade Milton Campos, Direito Civil - Faculdade Milton Campos e Marketing – Fundação Getúlio Vargas.
Graduada em Direito - Faculdade Milton Campos, Administração de Empresas – Centro Universitário UNA e
Tecnologia em Processamento de Dados – Centro Universitário UNA.
90
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
1 INTRODUÇÃO
O tema responsabilidade sócio empresarial tem sido recorrente nas
discussões jurídico-empresariais nas últimas décadas. Essa discussão se deve à pressão da
sociedade civil e do Governo em repassar para as empresas as responsabilidades que são do
poder público, mas que infelizmente este não as tem assumido.
A Constituição da República prevê no artigo 6o os direitos sociais,
entretanto, ao verificarmos a real situação, a grande maioria desses direito sociais não têm
sido assegurados.
Exemplo de responsabilidade do Estado assumida pelas empresas é a
educação, a qual tem sido promovida em diversas empresas brasileiras, desde a educação
básica até a pós-graduação.
Mas, muitas empresas que têm iniciativas no âmbito da responsabilidade
social não as fazem por iniciativa desinteressada, mas sim objetivando que sejam
reconhecidas e respeitadas pela sociedade e consequentemente aumentem o lucro, que é o
principal foco das organizações.
Enfim, nota-se que muitas empresas brasileiras estão utilizando a
responsabilidade social empresarial como ferramenta de marketing social, utilizando
certificações, selos e balanço social para atingir o seu maior objetivo, que é a maximizaçãodo
seu retorno financeiro.
2 RESPONSABILIDADE SOCIAL
Para iniciar o presente estudo é essencial definir o que é responsabilidade
social. Segundo MELO NETO e FROES (2001):
A responsabilidade social busca estimular o
desenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadania
individual e coletiva. Sua ética social é centrada no dever
cívico (...). As ações de responsabilidade social são
extensivas a todos os que participam da vida em
sociedade – indivíduos, governo, empresas, grupos
91
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
sociais, movimentos sociais, igreja, partidos políticos e
outras instituições.
Já
ASHELEY
(2002),
de
modo
simplista
e
direto
conceitua
responsabilidade social como
(...)toda e qualquer ação que possa contribuir para a
melhoria da qualidade de vida da sociedade.
O Instituto Ethos, organização não governamental que tem como foco
apoiar as organizações na gestão socialmente responsável dos seus negócios, afirma que a
responsabilidade social é uma “(...) forma de gestão que se define pela relação ética e
transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da
sociedade”.
De acordo com REIS e MEDEIROS (2007):
(...) a responsabilidade social das empresas é discutida
mais pela perspectiva de atendimento a interesses
privados e econômicos – muito relacionados à imagem
pública da empresa, que precisa ser preservada – do que
aos interesses sociais mais amplos e relacionados ao
bem-estar da sociedade, enquanto atitude altruísta,
embora algumas discussões apontem uma harmonia entre
as responsabilidades econômicas e sociais, dentre outras
(...).
Assim sendo, em síntese, pode-se definir a responsabilidade sócio
empresarial como a responsabilidade assumida pelas empresas, que contribui para a melhoria
da qualidade de vida da sociedade.
Neste contexto, nota-se que os teóricos tem afirmado que a responsabilidade
social empresarial possui três pressupostos básicos: (a) o maior alcance da responsabilidade
empresarial para além dos interesses dos seus proprietários/acionistas; (b) a mudança da
responsabilidade sob a ótima legal, que passa a envolver obrigações morais; (c) atendimento
às demandas sociais.
Isto posto, pode-se dizer que a responsabilidade social adotada pelas
empresas não deve ser encarada como uma caridade, filantropia isolada ou uma ação
unilateral e isolada do empresário. Elasempre deve estar alinhada com os objetivos
organizacionais.
92
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2.1 HISTÓRICO DA IDÉIA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL
Ao
analisar
os
últimos
séculos,
encontram-se
referências
à
“responsabilidade social” desde o século XVI. Todavia, desde então muito se evoluiu,
passando pela filantropia, voluntariado, cidadania corporativa e também desenvolvimento
sustentável.
No século XVI, já se falava no termo “responsabilidade social” nos Estados
Unidos. Nesta ocasião, as dívidas que o empresário adquiria ao longo da vida, por ocasião de
seu falecimento eram herdadas pelos seus descendentes. Ou seja, não podendo o empresário
honrar com os compromissos assumidos pela sua empresa em caso de falecimento, os seus
descendentes deveriam assumir tal ônus.
No século XVIII, imperava o liberalismo, com a busca pelo lucro. A
responsabilidade social significava manter a empresa maximizando os lucros, gerando
empregos e pagamento os impostos públicos. A sociedade não se importava com questões
relacionadas ao meio ambiente ou trabalhistas, o que acarretou o aumento da poluição e a
piora das condições precárias de trabalho.
Ademais, no referido século os governos determinaram que as dívidas
comerciais de uma organização seriam de responsabilidade dos investidores e que para que
uma empresa pudesse funcionar era preciso autorização pública, o que só era concedido e
mantido com relação as organizações que se comprometiam e cumpriam ações sociais.
No século XIX, mesmos as empresas americanas que estavam sendo
privatizadas tinham as suas ações controladas pelo Estado. Todavia, a guerra norte-americana
(1861 a 1865), segundo REIS e MEDEIROS (2007) “marcou mudanças na legislação das
empresas, possibilitando que realizassem também serviços de interesse privado, além
daqueles de interesse público”. Assim, com o passar dos anos as empresas foram
enriquecendo e conseguiram controlar os órgãos legislativos, o que possibilitou com que
fossem aprovadas leis de interesse particular das companhias, como a isenção em caso de
danos ao trabalhador.
93
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Já no século XX, em 1919 ocorreu um caso emblemático em termos de
responsabilidade social, que é constantemente lembrado pelos teóricos que estudam a
responsabilidade social, dentre eles REIS e MEDEIROS (2007):
(...) a questão da responsabilidade das empresas tornou-se
de conhecimento público no julgamento do caso Dodge
“versus” Ford, no qual os irmãos Dodge processaram a
Companhia Ford porque o então presidente e acionista
majoritário da empresa, Henry Ford, em 1916,
comunicou aos demais acionistas que os lucros da
companhia seriam reinvestidos para fins de expansão da
empresa e diminuição nos preços dos automóveis.
(...)
A Suprema Corte de Michigan negou o pedido de Ford,
justificando que “uma empresa comercial é organizada e
principalmente visa o lucro dos acionistas”. A utilização
de dividendos da empresa que não fossem a otimização
de lucros não foi acatada, e a decisão da Corte foi
favorável aos demais acionistas em detrimento dos
objetivos sociais propostos.
Após esta decisão, muitas outras decisões da alta corte americana foram
favoráveisà doação de empresas, como por exemplo, o caso A. P. Smith Manufacturing
Company versus Barlow.
Naquele século tambémocorreu a quebra da Bolsa de Nova Iorque (1929), o
que fez com que o Estado passasse a interferir diretamente na economia. Paralelamente, as
empresas notaram que deveriam buscar outros objetivos além do lucro, como uma relativa
valorização dos seus trabalhadores, o que perdurou até a década de 1970.
A partir de então houve grande evolução nas discussões relacionadas à
responsabilidade social das empresas, fazendo assim com que os executivos fossem
sensibilizados para questões sociais.
Com o desenvolvimento da economia e o acesso as informações, os
cidadãos tornaram-se mais exigentes, inclusive cobrando das organizações posturas
socialmente corretas, como o respeito ao meio ambiente, à sociedade e aos seus trabalhadores.
Com isto, os consumidores passaram a prestar mais atenção às atividades exercidas pelas
empresas, sempre tendo em mente a sua responsabilidade social.
94
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Atualmente, a responsabilidade social das empresas tem sido considerada
como um investimento e não mais como um custo. A tendência é de que as empresas que
desejem continuar competitivas no mercado, obrigatoriamente devem investir em
responsabilidade social, sendo que caso não o façam poderão ser desconsideradas pelos
clientes, fornecedores, concorrentes, comunidade etc e consequentemente desaparecerem do
ambiente empresarial.
2.2 RESPONSABILIDADE SOCIAL: ALGUMAS VANTAGENS E DESVANTAGENS
As empresas que adotam a responsabilidade social e consequentemente
realizam a divulgação de tais ações beneficiam-se de vantagens, mas também de algumas
desvantagens.
Dentre as vantagens, pode-se citar o fortalecimento da marca e da imagem
da empresa, a diferenciação perante as demais empresas e em especial aos seus concorrentes,
a geração de mídia espontânea (visibilidade), a fidelização de clientes, a atração e retenção de
profissionais, a atração de investimentos, o aumento de produtividade,o aumento das vendas e
o crescimento da credibilidade.
Exemplos de atração e retenção de talentos foi citado por ASHELEY
(2002). Segundo uma pesquisa realizada pela empresa IBM, 75% dos profissionais
entrevistados acreditam que tanto a responsabilidade social quanto um plano de trabalho
voluntário atraem e retêm talentos na organização. Outra pesquisa interessante foi realizada
pela “You & Company” com alunos de MBA, dos quais 83% daqueles que procuram por
emprego escolhem empresas que adotam práticas de maior responsabilidade social. Além
disto, 50% destes alunos afirmam que preferem trabalhar em empresas éticas, mesmo que lhes
seja oferecida menor remuneração.
2.3 DIRETRIZES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
De acordo com o Instituto Ethos, a responsabilidade social da empresa é
dividida em seisdiretrizes/indicadores:
Valores, transparência e governança;
Público interno;
95
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Meio ambiente;
Fornecedores;
Consumidores e clientes;
Governo.
A primeira diretriz citada acima está relacionada à atuação das empresas de
acordo com os valores e princípios éticos, sendo estes a base para o exercício das atividades
empresariais, envolvimento, por exemplo, a segurança da utilização de seus produtos e/ou
serviços pelos consumidores.
Os valores e a transparência da empresa devem permear todo o ambiente
interno, que serve como “espelho” da organização para o mercado consumidor, fornecedores,
clientes, governo e comunidade. Quando os empregados agem em concordância com os
valores da organização e de maneira transparente, a companhia é reconhecida e valorizada
frente as demais empresas, concorrentes ou não. Para isto, é essencial que a comunicação
interna atue fortemente na divulgação destes valores, que devem sempre ser promovidos pela
alta administração e pelas gerências, sob o risco de não serem reconhecidos pelos seus
trabalhadores.
Ademais, mesmo estando os empregados comprometidos com os valores e a
transparência da empresa é necessário que também sejam envolvidos os parceiros e
fornecedores, que fazem parte da cadeia de produção da organização.
A segunda diretriz, o público interno, está relacionada, segundo BARBOSA
et al (2007):
(...) a atuação interna da empresa não restringindo ao
respeito aos direitos dos trabalhadores decorrentes da
legislação trabalhista e dos padrões da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), alcançando as áreas de
investimento em desenvolvimento pessoal e profissional
dos funcionários, a melhoria das condições de trabalho, o
estreitamento da relação empresa – empregados, bem
como às culturas locais, sobretudo às minorias.
Quanto ao meio ambiente, o terceiro indicador, a empresa deve estar atenta
aos impactos que a sua atividade gera no meio ambiente, procurando sempre minimizá-los,
96
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
inclusive divulgando os casos de sucesso alcançados para outras empresas, para que estas
também possam adotar tais iniciativas.
A quarta diretriz refere-se aos fornecedores. As corporações devem sempre
manter um bom relacionamento com os seus fornecedores e demais parceiros, bem como
cumprir todos os contratos acordados.
Os clientes e consumidores, quinta diretriz, devem ser acompanhados pelas
empresas socialmente responsáveis não somente no momento da pré-venda, mas também no
pós-venda. As organizações também devem realizar investimento em pesquisa e
desenvolvimento de produtos/serviços, buscando satisfazer as necessidades dos seus
consumidores, mas também procurando aprimorá-los de tal modo a evitar o menor impacto
negativo possível, como por exemplo, danos à saúde.
O sexto e último indicador é o governo, o qual deve apresentar
relacionamento ético, transparente e responsável com as empresas, sendo que elas devem
cumprir as leis sempre em busca do desenvolvimento social e político do país.
Assim sendo, trabalhando com estes indicadores, pode-se disseminar a
importância da responsabilidade social para toda a sociedade.
2.4 RESPONSABILIDADE SOCIAL E OUTRAS RESPONSABILIDADES
Para muitos teóricos a responsabilidade social inclui responsabilidades de
natureza econômica, legal, ética e filantrópica.
Segundo REIS e MEDEIROS (2007), “(...) há quatro tipos de
responsabilidade sociais, os quais resultam em condutas específicas, que poderão ser
avaliadas pela sociedade e que definem uma área determinada sobre a qual a empresa toma
decisões. São elas: a legal, a ética, a econômica e a filantrópica”.
Segundo o referido autor a área filantrópica está relacionada à devolução à
sociedade daquilo que foi por ela recebido. No que tange à área econômica, busca-se
“maximizar para o steakholder a riqueza e/ou o valor.” A ética refere-se à condutas aceitáveis
97
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
que são realizadas de acordo com os padrões estabelecidos pelos steakholder. A última área,
mas não menos importante, é a legal, que está relacionada ao cumprimento de leis e
regulamentos do governo por parte das companhias.
Com relação ao abordado pelo referido autor é importante recordar que
anteriormente foram criadas quatro dimensões da responsabilidade social empresarial por
CARROLL (1979), sendo que tempo depois ele elaborou a pirâmide da responsabilidade
social, conforme mostrado na Figura 1:
Figura 1 – Dimensões da Responsabilidade Social Empresarial
Responsabilidades
filantrópicas
EMPRESA
CIDADÃ
Responsabilidades
éticas
FAZER O CERTO E
EVITAR DANOS
Responsabilidades legais
Responsabilidades econômicas
OBEDECER
ÀS LEIS
SER
LUCRATIVA
Fonte: BARBIERE e CAJAZEIRA (2012)
Segundo CARROLL (1979), as responsabilidades econômicas, que se
encontram na base da pirâmide, estão relacionadas à lucratividade. O autor lembra que esta é
a principal responsabilidade social da companhia. Já as responsabilidades legais, que se
assentam sobre as responsabilidades econômicas, estão relacionadas à obtenção do referido
lucro, mas dentro de certos limites legais. As responsabilidades éticas, como afirma
BARBIERE e CAJAZEIRA (2012) estão relacionadas “há comportamentos e atividades não
cobertos por leis ou aspectos econômicos do negócio, mas que representam expectativas dos
membros da sociedade”. Ademais, o autores afirmam que “enquanto a responsabilidade legal
refere-se à expectativa de atuar conforme a lei, a ética se refere à obrigação de fazer o que é
98
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
certo e justo, evitando ou minimizando danos às pessoas. No quarto nível da pirâmide se
encontram as responsabilidades filantrópicas, que envolvem ações da empresa em busca do
bem estar dos cidadãos.
Qualquer que seja o teórico analisado a empresa deve atuar nos quatro
níveis simultaneamente e não em apenas um ou alguns. Ou seja, ela deve ser ao mesmo tempo
lucrativa, obedecer a legislação, atender as expectativas éticas da sociedade e ser uma boa
cidadã.
2.5 PÚBLICOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
São muitos os públicos alvo da responsabilidade social empresarial, o que
gera grande esforço das empresas para atender aos diversos interesses. Dentre elesestão os
empregados da companhia, a comunidade, os fornecedores, os acionistas, os clientes e os
parceiros.
Estes públicos são direta ou indiretamente afetados pelas decisões da
empresa no que tange à responsabilidade social. Assim sendo, impactos negativos na
responsabilidade social influem diretamente nos ambientes internos e externos da empresa,
gerando consequências que demandam muito esforço e investimento para serem revertidos.
Ocorrendo a deterioração do clima interno, por exemplo, nota-se
imediatamente o crescimento da desmotivação dos funcionários, o surgimento ou aumento
dos conflitos internos e a redução da produtividade laboral, o que pode refletir diretamente no
aumento de acidentes de trabalho.
Já no âmbito externo, os consumidores podem se recusar a adquirir o
produto/serviço ofertado pela empresa, bem como aumentar as reclamação de fornecedores e
reduzir as vendas.
2.6 RESPONSABILIDADE SOCIAL E ENDOMARKETING
Como tratado anteriormente, um dos públicos alvo da responsabilidade
social empresarial são os empregados das organizações, as quais devem sempre estar
99
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
motivados. Assim sendo, podemos considera-los como o público interno da responsabilidade
social.
Objetivando atingir este público as empresas tem adotado o endomarketing,
que segundo CERQUEIRA (1994) “melhora a comunicação, o relacionamento e estabelece
uma base motivacional para o comportamento entre as pessoas e das pessoas com o sistema
organizacional.”
Assim sendo, o endomarketing pode ser utilizado pelas empresas como elo
fortalecedor dos seus empregados com o cliente externo (consumidor) e com o seu
produto/serviço.
Ao adotar a responsabilidade social a empresa precisa envolver os seus
clientes internos nesta nova realidade, sendo que através da utilização do endomarketing elas
têm conseguido promover mudança de valores internos e adequar-se ao cenário de empresa
socialmente responsável.
2.7 RESPONSABILIDADE SOCIAL E O DIREITO BRASILEIRO
Na legislação brasileira não se encontra a devida definição dotermo
“responsabilidade social”.Entretanto, existem normas que tratam de práticas sociais
relacionadas à responsabilidade social corporativa, como por exemplo a Lei 8.213/91, que
aborda a questão da contratação de pessoas portadoras de deficiência.
Também existe a Lei de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91), mais conhecida
como Lei Rouanet. Ela fornece incentivos fiscais para as empresas ecidadãos que aplicarem
uma parte do seu imposto de renda em ações culturais. Desta maneira, as pessoas jurídicas
que realizarem o referido “investimento” acabam sendo valorizados pela comunidade.
Todavia, existem crítica constante à referida lei no sentido de que o governo, ao invés de
investir diretamente em cultura, repassa aos referidos “investidores” a escolha do que deve ser
patrocinado.
Nota-se também iniciativas de outras entidades, como a Bolsa de Valores de
São Paulo que adota a responsabilidade social, dispondo de instrumentos de governança
100
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
corporativa. Acredita-se que esta iniciativa foi adotada visando atrair investimentos e
valorizar empresas comprometidas com a governança corporativa.
Ademais,
o
Supremo
Tribunal
Federal
em
ação
direita
de
inconstitucionalidade abordou o reajuste das mensalidades escolares e afirmou que “a ordem
econômica, também fundada na livre iniciativa, deve conformar-se aos ditames de justiça
social”. Ademais, o referido tribunal afirmou que a livre iniciativa não poderá ser considerada
legítima se for exercida com o objetivo de lucro e de realização do empresário, sendo
essencial propiciar justiça social, inclusive no seu aspecto distributivo. (BRASÍLIA, STF.
ADI. QO319, Relator Min. Moreira Alves, 1993).
2.8 JUSTIFICATIVAS PARA A ADOÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
O investimento empresarial em responsabilidade social pode ser justificado
por pressão interna ou externa à organização.
Alguns exemplos de pressão externa para a adoção e implantação de
responsabilidade social corporativa são citados por TENÓRIO (2012): “legislações
ambientais, aos movimentos dos consumidores, à atuação dos sindicatos em busca da
elevação dos padrões trabalhistas, às exigências dos consumidores e às reinvindicações das
comunidades afetadas pelas atividades industriais”. Ademais, o referido autor acrescenta:
organismos internacionais como a Organização Mundial
do Comércio (OMC) e a própria Organização das Nações
Unidas (ONU), através do programa chamado Global
Compact, estão incentivando empresas de todo o mundo
a adotar códigos de conduta e princípios básicos
relacionados à preservação do meio ambiente.
Outro motivo que justifica a adoção de medidas relacionadas à
responsabilidade social de uma empresa é o seu benefício ou vantagem. Não se fala somente
em vantagem econômica, que é o principal enfoque de uma companhia, mas também em
ganho de imagem, competitividade e preferência do consumidor, por exemplo.
Ademais, não se pode olvidar dos incentivos fiscais oferecidos pelos
governos. Conforme previsto no art. 151, inciso I, da Constituição da República, tais
101
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
incentivos visam o “equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes
regiões do país”. Exemplo comumente citado é o da Lei Rouanet, já abordada.
Uma justificativa que também pode ser adotada pelas companhias para
realizarem investimentos em responsabilidade social é que aquela iniciativa encontra-se
intrínseca na cultura organizacional. Neste caso, dificilmente ocorre a descontinuidade na
realização do investimento
Mas, qualquer que seja a justificativa que uma empresa apresente para
realizar investimentos na área social não se deve esquecer que o seu principal objetivo é o
“lucro” e que a responsabilidade social é uma das maneiras de incrementar o seu retorno
financeiro, seja direta ou indiretamente.
2.9 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
O IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada realizaa Pesquisa Ação
Social das Empresas, que “é um mapeamento da participação do setor empresarial em
atividades sociais voltadas para as comunidades mais pobres”.
Segundo o instituto, entre 2000 e 2004, a participação social das empresas
passou de 59% para 69%. No ano de 2004, elas aplicaram cerca de 0,27% do PIB brasileiro
daquele ano em responsabilidade social. Em tal ocasião eram cerca de 600 mil empresas que,
de alguma formal, atuavam voluntariamente no campo da responsabilidade social, sendo que
50% delas estavam localizadas no Sudeste e 29% no Sul do Brasil.
Quanto
aos
incentivos
fiscais
disponibilizados
pelo
governo,
é
impressionante como são poucas as empresas por eles influenciadas. A proporção de
empresários que utilizou os benefícios tributários em 2000 era de apenas 6%, sendo que em
2004 o percentual apresentou contração, atingindo 2% das empresas. Sobre os motivos pelos
quais as companhias não utilizam os incentivos fiscais, destaca-se no Gráfico 1.
102
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Gráfico 1 – Brasil:Por Que Motivos Não Utilizaram Incentivos Fiscais?
O valor do incentivo era muito
pequeno, não compensava
40%
35%
Ação social realizada não estava
prevista na legislação
16%
22%
Não sabia que a legislação
autoriza essas deduções
Não tinha imposto a pagar
Outros motivos
15%
17%
6%
7%
9%
9%
2004
2000
Fonte: Pesquisa Ação Social das Empresas no Brasil - IPEA (2006)
Quanto à expectativa de crescimento da atuação social, verificou-se na
pesquisa que 43% do empresariado nacional pesquisado em 2004 declarou possuirplanos de
aumentar os recursos e o atendimento à comunidade, sendo que no ano 2000 um quinto das
empresas revelou não pretender ampliar o investimento nesta área.
O foco do investimento das empresas entrevistadas na última pesquisa
foram alimentação e abastecimento, além de assistência social, o que pode ser comprovado no
Gráfico 2.
103
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Gráfico 2 – Brasil:Quais as Principais Ações Desenvolvidas pelas Empresas
em 2000 e 2004?
Alimentação e Abastecimento
41%
Assistência Social
41%
Saúde
17%
Lazer e Recreação
18%
19%
15%
17%
Esporte
14%
2%
13%
14%
Cultura
Meio Ambiente
24%
19%
7%
Desenv. Comunitário e Mobil. Social
Segurança
54%
23%
19%
Educação/Alfabetização
Qualificação Profissional
52%
7%
13%
7%
9%
2004
2000
Fonte: Pesquisa Ação Social das Empresas no Brasil - IPEA (2006)
No que se refere ao público atendido pelas ações sociais das empresas, notase que o público infantil é o mais privilegiado, seguido pelos idosos, conforme demonstrado
no Gráfico 3.
104
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Gráfico 3 – Brasil: Para Quem as Empresas Voltaram a Atenção em 2000 e 2004?
62%
62%
Criança
Idoso
31%
27%
Comunidade em Geral
Jovem
25%
20%
17%
Adulto
7%
17%
15%
Família
Mulher
30%
26%
25%
Portador de Deficiência
Portador de doenças graves
39%
23%
6%
40%
13%
2004
2000
Fonte: Pesquisa Ação Social das Empresas no Brasil - IPEA (2006)
Todavia, infelizmente não existe resultado recente da referida pesquisa, mas
acredita-se que com a crescente pressão da comunidade pela adoção da responsabilidade
social pelas empresas, os indicadores devem ter melhorado.
3 MARKETING SOCIAL
Inicialmente é essencial definir o que é marketing. Em um primeiro
momento o termo marketing era relacionado à vendas. Entretanto, ele não ficou adstrito
somente à área de vendas e tem sofrido modificações significativas nos últimos anos.
Segundo KOTLER (2000), “marketing é um processo social por meio do
qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo que necessitam e/ou desejam com a criação,
oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com os outros”.
105
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Neste contexto, em 1970 surgiu o termo “marketing social”, tendo o seu
significado sido relacionado ao uso dos princípios e técnicas de marketing visando a
promoção de comportamentos sociais.
Assim sendo, o que é marketing social ou marketing para as causas sociais
na atualidade?
Segundo KOTLER (2000): “(...) é um processo social por meio do qual as
pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejem com a criação, oferta e livre
negociação de produtos e serviços de valor com os outros”.
De acordo com COBRA (1986) o marketing social é uma troca de valores
que podem ser sociais, morais ou políticos, que são utilizados para vender ideias, objetivando
o bem estar de toda ou parte da comunicada que o cerca.
LEWIS e LITTLER (2001) afirmam que o:
marketing social trata do desenvolvimento de programas
destinados a influenciar a aceitação de ideias sociais, e
pode ser definido como um conjunto de atividades para
criar manter e/ou alterar atitudes e/ou comportamentos
em relação à ideia ou causa social, independentemente de
uma organização ou pessoa patrocinada.
Assim sendo, pode-se dizer que o marketing social é uma estratégia de
marketing adotada por determinadas empresas que objetivam associar a imagem da
companhia ou de uma determinada marca a determinadas questões sociais consideradas
relevantes para o seu público alvo.
Ademais, acrescenta-se que, segundo NASCIMENTO (2002):
As premissas da base do conceito social do marketing são
as seguintes: (1) a principal missão da empresa é criar
clientes satisfeitos e saudáveis, e contribuir para a
qualidade de vida; (2) a empresa pesquisa de forma
constante produtos melhores para atrair e promover
vantagens que vão ao encontro do interesse dos
consumidores, mesmo se estes últimos ainda não tiverem
consciência disso; (3) a empresa foge dos produtos que,
de qualquer forma, não correspondam ao interesse dos
consumidores; (4) os consumidores irão descobrir e
106
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
encorajar as empresas que demonstram preocupação com
a satisfação e o bem-estar.
Ao se observar a adoção do marketing social pelas empresas brasileiras,
nota-se que são muitas as formas de executá-lo, dentre elas a filantropia, o patrocínio de
projetos sociais, as campanhas sociais, a promoção social da marca ou de um produto/serviço
e o relacionamento baseado em ações sociais.
A filantropia é aquela doação realizada pela corporação à uma ou mais
entidades sociais, como creches de comunidades carentes e asilo de pessoas desamparadas.
Nesta modalidade, NASCIMENTO (2002) afirma que geralmente ocorre “a promoção da
imagem do empresário como o grande benfeitor e alguém dotado de grande sensibilidade para
problemas sociais”.
O patrocínio de projetos pode ocorrer em parceria com o governo, com
outras empresas ou ser realizado de maneira individual pela companhia. Segundo
NASCIMENTO (2002), “nessa modalidade a empresa busca não somente alavancar, mas
também desenvolver seu negócio em outras frentes”, o que gera retorno positivo tanto de
vendas quanto de imagem. Exemplos comuns são os patrocínios de times esportivos (ex. vôlei
Usiminas-Minas) e a construção ou ampliação de estradas que beneficiam a comunidade
próxima à empresa.
As campanhas sociais são a divulgação de mensagens de interesse público,
proporcionando visibilidade e publicidade para a empresa fomentadora desta modalidade de
marketing social. Em muitas destas campanhas o próprio empregado da empresa é
mobilizado, o que acaba sendo uma poderosa ferramenta de endomarketing. Exemplo deste
tipo de ação é realizada por uma empresa que vende sanduíchese que pretende destinar parte
das vendas de um determinado produto em um dia do ano para entidades que cuidam de
crianças com câncer (ex. “McLanche Feliz”) ou até mesmo a empresa que deseja veicular
informações sobre primeiros socorros em embalagens de pão.
A promoção social da marca ou do produto/serviço se verifica quando uma
empresa vincula a sua marca ou de um determinado produto/serviço à uma entidade sem fins
lucrativos. Exemplos podem ser notados constantemente com companhias que imprimem nos
seus produtos a marca da Fundação Abrinq, a qual trabalha para que os direitos de crianças e
107
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
adolescentes sejam respeitados. Ou seja, esta empresa quer mostrar que executa ações em
busca de tais direitos, seja diretamente ou indiretamente.
Já o marketing de relacionado com base em ações sociais é aquele em que a
equipe comercial da empresa orienta o seu público quanto à realização de serviços sociais.
Exemplo que se pode notar em algumas companhias é o desenvolvimento de partidas
esportivas entre os fornecedores externos e compradores da empresa, com venda de ingressos
com valores simbólicos, objetivando arrecadar renda para realização de ação social definida
por eles.
Ressalta-se que muitas vezes as empresas adotam uma ou outra forma de
marketing social dentre as citadas anteriormente, mas nada impede que sejam adotadas duas
ou mais formas combinadas.
Para realizar o investimento em ação social as companhias devem realizar
um detalhado estudo sobre em qualtipo de ação pretendem investir, sempre tendo em vista os
valores importantes tanto para a empresa quanto para os seus consumidores, posto que muitos
destes podem não se identificar com esta “causa” e se recusarem a adquirir o produto e/ou
serviço da empresa. Exemplo famoso que deu muito certo foi o “McLanche Feliz”, que no dia
da realização da ação grande parte dos consumidores, clientes ou não, vão até os seus
estabelecimentos para contribuir coma iniciativa da companhia.
Quanto à realização do referido estudo, é interessante que seja realizada
uma análise segmentada dos clientes, detalhando qual deles a empresa pretende atingir. Com
base nesta segmentação, deverá ser realizado um estudo dos costumes, modos de vida,
interesses e opiniões. Com base nestas informações será possível formular os objetivos do
marketing social e as melhores estratégias a serem utilizadas.
Quando se fala em objetivos do marketing social não se pode esquecer que
o lucro é o principal, mas quais seriam os objetivos secundários que levariam à obtenção
daquele? A empresa pode, por exemplo, querer tornar-se mais conhecida no seu mercado de
atuação e consequentemente vender mais. Ou ela pode almejar que os clientes se orgulhem
das suas ações e consequentemente optem por adquirir os seus produtos/serviços, em
detrimento de outras companhias que não focam em responsabilidade social. A empresa
108
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
também pode querer que os seus empregados sintam-se motivados por terem a oportunidade
de trabalharem em uma empresa socialmente responsável. Ou quem sabe a corporação busque
encantar os seus fornecedores, para que obtenham parcerias construtivas e mais competitivas.
Outro foco da empresa pode ser os concorrentes, que tenderão a ser “menosprezados” pelos
clientes tendo em vista não terem atingidos o nível de responsabilidade social alcançado pela
empresa. Finalmente, a empresa não pode esquecer de ter em mente o governo e a sociedade
civil, que podem atuar como fortes parceiros em diversos empreendimentos sociais, o que
impacta diretamente na imagem da empresa e dos seus produtos/serviços. Assim sendo,
estabelecidos os objetivos, dentre os quais alguns foram citados acima, o crescimento das
vendas e consequentemente o aumento dos lucros será uma consequência da atuação
responsável da organização,os quais se mantidos tenderão a assegurar a sua preservação no
longo prazo.
Mas, apesar de todo o trabalho desenvolvido pelo marketing social, para que
uma organização obtenha sucesso com esta iniciativa é essencial que o programas de
marketing social apresente benefícios diretos, além de forte ligação com a venda de produtos
e/ou serviços.
Ademais, existem desafios quanto à utilização do marketing social. Um
deles é a dificuldade em lhe dar com o retorno recebido pelos atores intermediários do
processo, que realizam “feedback” para a empresa e aguardam um retorno ou ação, o que
muitas vezes não lhes é repassado.Em seguida, pode-se citar como desafio a análise de
mercado, que precisa de dados confiáveis e de qualidade, o que muitas vezes não é possível
devido ao despreparo do profissional que atua na área. Outro desafio refere-se à estratégia do
produto, que muitas vezes não apresenta produtos flexíveis como demandado pelo mercado
ou encontra dificuldade tanto na implantação quanto na elaboração da estratégia de
posicionamento de produto/serviço. Um quarto desafio que deve ser citado é a estratégia de
preço, principalmente em empresas sem fins lucrativos, que apresentam dificuldade em
implantá-la, tendo em vista não trabalharem
habitualmente com mensuração e
acompanhamento de preços. Finalmente, não poderia deixar de ser citada a dificuldade de
mensuração da contribuição do marketing social para os objetivos organizacionais, o que
alguns profissionais de marketing alegam não ser possível, mas que é importantíssimo, tendo
em vista a necessidade de alinhamento com os objetivos estratégicos.
109
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Apesar dos pontos positivos da implantação do marketing social pelas
empresas, a grande maioria delas visa atrair consumidores, aumentando assim o seu potencial
de vendas e consequentemente maximizando os seus lucros, objetivo principal das
organizações, com exceção daquelas sem fins lucrativos que se dedicam à causas específicas,
como o apoio ao menor carente.
E qual seria a distinção entre marketing social e responsabilidade social?
Segundo MORCERF e ALMEIDA (2006), “o marketing social tem como objetivo a mudança
de comportamento da sociedade com o bem-social, utilizando ferramentas mercadológicas e
técnicas de Marketing. A responsabilidade social (...) é a preocupação que as empresas,
pessoas e governo têm pelo social”.
Assim sendo, nota-se que o marketing social deve estar atrelado à estratégia
empresarial, a qual tem como objetivo a maximização dos lucros da empresa e
consequentemente a sua sobrevivência no mercado competitivo. Neste contexto, nota-se que a
sociedade tem exigido que as empresas atuem mais fortemente no campo da responsabilidade
social, sob pena de não conseguirem comercializar os seus produtos/serviços.
Não se pode esquecer que o Estado é o ente originalmente responsável pela
responsabilidade social. Entretanto, ele tem-se furtado de atuar nesta área e tem incentivando
as empresas privadas a assumirem açõesnesta área. Para isto, o Estado tem fornecido
incentivo fiscal para que as companhiasprivadas possam investir na área social semque os
seus recursos sejam diretamente afetados.
3.1 ETAPAS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL E DO MARKETING
De acordo com DICKSON (2001), a responsabilidade e o marketing social
devem ser divididos em três etapas, sempre tendo em vista a ética.
A primeira etapa é aquela relacionada a fazer com que o profissional que
atua na área de marketing das empresas realizem os seus trabalhos (criação de mercado,
inovação de produtos/serviços etc) de maneira responsável, atendendo com agilidade as
demandas do mercado e dando retorno para a organização em que atua.
110
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A segunda etapa é a utilização da responsabilidade social de maneira ética,
tendo comportamento responsável frente aos produtos e/ou serviços oferecidos ao mercado e
também respeitando os limites dos clientes, tendo sempre em vista o consumo consciente.
Já a terceira etapa visa encorajar as demais pessoas da organização a agirem
de forma consciente, buscando sempre a responsabilidade social empresarial.
3.2 ADOÇÃO E IMPLANTAÇÃO DE MARKETING SOCIAL
É cada vez maior a pressão social para que as empresas reconheçam e
assumam suas responsabilidades sociais. Além disso, a demanda por maior “transparência” é
latente na sociedade.
Como muito bem nos relembra NASCIMENTO (2002), “inúmeras são as
razões que justificam a adoção e implementação de políticas e programas de marketing social
pelas empresas, entre elas a atração e retenção de melhores valores profissionais, além da
valorização da marca e simpatia da mídia”.
Assim sendo, ao elaborar um planejamento de marketing, a empresa deve
estar atenta aos 4P’s do marketing tradicional: preço, praça (distribuição), produto e
promoção. Já quando se fala em marketing social, NASCIMENTO (2002) afirma que devem
ser adicionados outros 4 P’s: “público, parceria, política e pagamento”.
Desta maneira, o ideal é que esse planejamento seja realizado por equipe
independente daquela que se dedica ao marketing tradicional, sendo que já existem muitos
profissionais brasileiros especializados em marketing social.
Frente ao exposto, nota-se que o marketing social tornou-se um ponto
estratégico para as organizações, gerando impacto direto na sua competitividade
mercadológica.
111
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
3.3 INSTRUMENTOS DO MARKETING SOCIAL
Diversos tem sido os instrumentos utilizados pelas empresas visando a
disseminação das suas ações no âmbito da responsabilidade social, dentre eles certificações,
selos, além da divulgação pública das ações sociais empreendidas pela corporação.
Visando divulgar as principais ações realizadas pelas empresas, foi
desenvolvido o Balanço Social, que permite que as empresas divulguem o que realizaram no
campo social com relação aos seus empregados, os acionistas, potenciais investidores,
fornecedores e concorrentes.
Trata-se de um relatório publicado anualmente pelas empresas, no qual são
abordados os projetos e as ações sociais implementadas pela organização no ano anterior. O
seu público alvo são principalmente os investidores, analistas de mercado e acionistas.
Todavia, existem teóricos que acreditam que o referido relatório é um instrumento de gestão e
não uma ferramenta de marketing social.
De acordo com HIGUCHI e VIEIRA (2012):
os ganhos em termos sociais gerados pelos programas em
responsabilidade social corporativa são contabilizados
pelas organizações por meio do balanço social, que
descreve os valores financeiros investidos e os benefícios
ofertados para a sociedade por estes investimentos.
Muitas empresas utilizam o Balanço Social como forma de marketing
social, ou seja, buscam através da sua publicidade seduzir a comunidade como um todo e em
especial os consumidores.
No Brasil existe o Balanço Social IBASE, que é um modelo de
demonstrativo numérico a ser publicado anualmente pela empresa, que trata das suas
atividades, sendo de fácil preenchimento e que possibilita que os seus dados sejam
comparados comos dados de outras companhias. Ele foi criado em 1997 pelo sociólogo
Herbert de Souza, conhecido como “Betinho”. Em tal publicação são tratados, por exemplo,
indicadores sociais internos e externos, ambientais, do corpo funcional e informações sobre o
exercício da cidadania.
112
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
À nível internacional existe a norma AS - Social Accountability 8000,
criada pelo “The Council on Economic Accountability” em 1997 e coordenada pelo “Social
Accountabilty International” (EUA), cujo objetivo é a melhora tanto do bem estar quanto das
condições laborais.
Também é importante fazer referência à norma internacional ISO 26.000,
que foi publicada pela primeira vez em 2010. Segundo ela:
(...) a responsabilidade social se expressa pelo desejo e
pelo propósito das organizações em incorporarem
considerações socioambientais em seus processos
decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos de suas
decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente.
Isso implica um comportamento ético e transparente que
contribua para o desenvolvimento sustentável, que esteja
em conformidade com as leis aplicáveis e seja consistente
com as normas internacionais de comportamento.
Também implica que a responsabilidade social esteja
integrada em toda a organização, seja praticada em suas
relações e leve em conta os interesses das partes
interessadas.
Neste contexto o INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade
e Tecnologia (2013) afirmou que “a ISO 26000:2010 é uma norma de diretrizes e de uso
voluntário; não visa nem é apropriada a fins de certificação”.
Quanto à normatização nacional, existe a ABNT NBR 16.000, publicada em
2004 e que teve a sua segunda versão publicada em 2012, baseada na diretriz internacional
ISO 26.000 publicada em 2010. Para esta norma brasileira (2012), a responsabilidade social é:
(...) responsabilidade de uma organização pelos impactos
de suas decisões e atividades na sociedade e no meio
ambiente, por meio de um comportamento ético e
transparente que:
contribua para o desenvolvimento sustentável,
inclusive a saúde e o bem estar da sociedade;
leve em consideração as expectativas das partes
interessadas;
esteja em conformidade com a legislação aplicável e
seja consistente com as normas internacionais de
comportamentoe
esteja integrada em toda a organização e seja
praticada em suas relações.
Muitas empresas brasileiras, de diversos segmentos, já foram certificadas de
acordo com a referida norma, dentre elas Serasa SA, Campos Advogados S/C, Construções e
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Comércio Camargo Corrêa S/A, Associação Comercial de São Paulo, Setha Indústria
Eletrônica Ltda, Líder Táxi Aéreo e Anglogold Ashanti Córrego do Sítio Mineração SA.
Outro instrumento utilizado pelas empresas visando a divulgação de suas
ações sociais são os selos, que transmitem um valor simbólico para o compromisso de uma
companhia.
No que tange aos selos de responsabilidade social, vale retornar ao exemplo
já citado no presente estudo, que é o selo ABRINQ – Associação Brasileira dos Fabricantes
de Brinquedos, que é de responsabilidade da Fundação Abrinq.
Figura 1 – Selo Fundação Abrinq
Fonte: Fundação ABRINQ
Através do referido selo a Fundação Abrinq reconhece as empresas que
realizam ações em benefício de crianças e adolescentes brasileiros. A fundação foca em
quatro eixos: educação, saúde, proteção e emergência, conforme Figura 2.
114
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Figura 2 – Fundação ABRINQ: eixos de atuação
Fonte: Fundação ABRINQ
Destaca-se que o selo ABRINQ é exemplo de um selo bastante difundido no
mercado, mas existem muitos outros, sendo que algumas empresas ou grupos empresariais
chegam até mesmo a criar seus próprios selos, como é o caso de algumas unidades regionais
da UNIMED, empresa do ramo de saúde – vide Figura 3.
Figura 3 – Selos diversos
Fonte: Programa de Ação
Social da Unimed Cuiabá
Fonte: INMETRO - Instituto
Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia
Fonte: UNICEF – Fundo
das Nações Unidas para
para a Infância
Outro instrumento de marketing social que tem sido muito utilizado pelas
empresas brasileiras é a participação em prêmios de entidades nacionais que revelam as
melhores práticas em determinadas áreas da responsabilidade social, como a inclusão de
pessoas com deficiências no mercado de trabalho. As empresas que são agraciadas com tais
premiações obtém projeção, muitas vezes até mesmo nacionalmente e realizam divulgação da
115
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
premiação para os seus consumidores, acionista, comunidade etc, o que gera maior lucro, que
é o principal objetivo empresarial.
A CBIC - Câmara Brasil da Indústria da Construção Civil, por exemplo,
realiza o “Prêmio CBIC de Responsabilidade Social”, nas categorias Entidade, Empresa e
Destaque Social.Segundo a entidade, o objetivo do prêmio é “fortalecer e estimular o
desenvolvimento de ações socialmente responsáveis no setor”. Algumas das empresas
contempladas com este prêmio no ano de 2012 foram a Construtora Camargo Corrêa –
categoria empresa, Sinduscon Blumenau/SC – categoria entidade e Seconci-MG – categoria
destaque social.
Outra iniciativa
interessante é o prêmio
“Varejo
Sustentável
–
Responsabilidade Social e Sustentabilidade no Varejo” (Figura 4), que é realizado a cada dois
anos, tendo como objetivo “reconhecer e incentivar projetos sustentáveis desenvolvidos por
empresas e entidades varejistas de todo o Brasil”. Algumas das empresas que já receberam
este prêmio são: Center Vale Shopping (São José dos Campos/SP), DPaschoal e Grupo Pão
de Açúcar.
Figura 4 – Prêmio
“Varejo Sustentável – Responsabilidade Social e Sustentabilidade do Varejo”
Fonte: Varejo Sustentável – Responsabilidade Social e Sustentabilidade no Varejo
Isto posto, conclui-se que as empresas brasileiras possuem diversos
instrumentos de marketing social que visam a divulgação de suas ações no campo da
responsabilidade social. Alguns destes possuem foco regional e outros nacional, mas sempre
visam divulgar a marca e/ou produto/serviço da empresa relacionada as iniciativas de
responsabilidade social.
116
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
4 CONCLUSÃO
O ambiente organizacional sofre constantes e significativas transformações,
tendo o governo transferido grande parte da sua responsabilidade social para as empresas, as
quais por sua vez são pressionadas pela sociedade a agirem de acordo com as premissas
sociais, sob pena de não serem competitivas.
Desta feita, as empresasestão trabalhando com uma visão mais ampla do
negócio, tendo notado a necessidade de ultrapassar o objetivo de busca da maximização dos
lucros e agir com responsabilidade social, não somente com relação ao seu cliente, mas
também com os fornecedores, parceiros, acionistas, comunidade etc.
Neste contexto, verifica-se o desenvolvimento cada vez maior da
responsabilidade social e o crescimento da utilização do marketing social nas organizações, o
qual tem se destacado como uma estratégia competitiva e oportunidade de geração de novos
negócios.
Muitos instrumentos de marketing social podem ser utilizados pelas
empresas que adotam ações de responsabilidade social, dentre elas a realização do balanço
social e a utilização de selos e certificações nacionais e internacionais.
Desta maneira, não há dúvidas de que a responsabilidade e o marketing
social devem estar sempre relacionados, proporcionando, por exemplo, diferencial e
agregação de valor a uma empresa, marca e produto/serviço.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
EMPRESA E CONTRATO DE EMPREGO COM PESSOA INFECTADA
PELO VÍRUS HIV: A PROMOÇÃO DA CIDADANIA NO AMBIENTE
DO TRABALHO
Renato de Almeida Oliveira Muçouçah•
RESUMO
O presente artigo tem por escopo analisar o direito fundamental ao trabalho propiciado pela
participação social na empresa, com particular enfoque no labor desenvolvido por pessoas
soropositivas e as formas diversas pelas quais a empresa empregadora poderá contribuir para
a afirmação da cidadania da pessoa portadora do vírus HIV. Desta forma, é no ambiente do
trabalho que se poderá desconstruir, aos poucos, todo o imaginário social criado a partir das
representações sociais da década de 1.980 acerca da doença e da pessoa do doente, o qual
poderá encontrar-se em plenas condições para o trabalho. Desta feita, o trabalhador e a
empresa poderão auxiliar no processo de reconstrução do verdadeiro significado que a doença
traz, qual seja: ser uma doença como outra qualquer, que em nada afeta a qualidade dos
serviços prestados, recebendo o empregado apoio empresarial para a afirmação de sua
cidadania.
Palavras-chave: HIV; garantia de emprego para soropositivos; ações afirmativas;
participação empresarial no processo de cidadania.
COMPANY AND EMPLOYMENT AGREEMENT WITH PEOPLE
INFECTED BY HIV VIRUS: THE PROMOTION OF CITIZENSHIP IN
THE WORK ENVIRONMENT
ABSTRACT
The scope of this article is to analyze the fundamental right to work provided by the
shareholding in the company, with particular focus on the work developed by people with
HIV and the various ways by which the employer can contribute to the affirmation of
citizenship of the person with HIV virus. Therefore, it is in the workplace that can deconstruct
gradually throughout the social imagination created from the social representations of the
1980’s decade about the disease and the person of the HIV infected, who may find himself in
•
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestre e Doutor em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
a position fully to work. Thereby, the worker and the company will assist in the reconstruction
of the true meaning that the disease brings, namely, it is: a disease like any other, and in any
case does not affect the quality of services performed, deserving the employee receiving
business support for claim his citizenship.
Keywords: HIV; stability for seropositive employee; affirmative action; participation in
corporate citizenship process.
1. AIDS, A “METÁFORA DO MAL”
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, doença cujas letras iniciais na língua
inglesa (Adquired Immuno Deficiency Syndrome) batizaram-na AIDS, desde os tempos de sua
descoberta possuía todo o aparato necessário para ser o que sempre foi e até hoje é: uma
doença. Uma doença de altos índices letais, como câncer. Sabidamente uma doença causada
por vírus, tal como febre amarela. Ou, ainda, uma doença crônica, sem qualquer previsão
técnica ou tecnológica de terapias destinadas à sua cura, como diabetes. Não tivesse a
enfermidade em epígrafe se tornado uma epidemia mundial justamente no crepúsculo do
século XX, a era da dita “sociedade da informação”, ter-se-ia tornado apenas uma dentre
várias outras já diagnosticadas, sem qualquer necessidade de atenção especial.
Os caminhos da AIDS, no entanto, nem mesmo de longe encontraram seu
desaguadouro natural. Reconhecida em 1981, nos Estados Unidos, pela identificação em um
grande número de pacientes homossexuais do sexo masculino que apresentavam o raro
sarcoma de Kaposi, assim como severo comprometimento do sistema imunológico, a
síndrome logo iniciou suas dramáticas veredas. Inicialmente conhecida por “GRID” (Gay
Related Immune Deficiency, ou, em português, Deficiência Imunológica Relacionada a
Homossexuais), após identificação também em homens e mulheres cujas relações eram
exclusiva ou preponderantemente heterossexuais, teve como nomenclatura a famosa “Doença
dos Cinco H”: homossexuais, haitianos, hemofílicos, heroinômanos (usuários de heroína
injetável) e hookers (em português, profissionais do sexo).
Doença inédita e desafiadora, a qual se alastrou pelo mundo numa voracidade poucas
vezes vista, qualquer possível indício de sua causa era acompanhado de perto pelos meios de
comunicação, propiciando em larga escala, pela primeira vez na história humana, a construção
mediatizada de uma enfermidade. Infectologistas, sexólogos, biologistas, religiosos, filósofos,
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
televisão, jornais, políticos de todos os matizes e a sociedade em geral, todos ao mesmo
tempo num confuso amálgama, tomavam conhecimento idêntico de informações que, por
serem inéditas, mostravam-se contraditórias, indefinidas, num diálogo tragicamente irônico e
infecundo qual seria uma hipotética celeuma entre Voltaire e Olavo Bilac. A repressão, no
entanto, ao verdadeiro e único algoz da pandemia - o vírus da imunodeficiência humana,
popularizado como “HIV” - muito tardou em ocorrer.
1.1. Vírus “humano”, doença “divina”
O reconhecimento do retrovírus HIV, em 1986, como único responsável pela doença
da AIDS, não logrou revelar-se concomitantemente o encerramento das discussões acerca da
enfermidade; já à época a doença e seus doentes ocuparam o signo da indignidade humana
presentificada, numa violência simbólica sem paralelos em toda a História.
Por muitos séculos, desde a Antigüidade, a lepra foi considerada a doença mais
estigmatizante do globo; tinha-se a enfermidade como o desqualificar moral divino pela
indignidade intrínseca ao doente (e por isto mesmo ensejando-lhe, também, punição jurídica e
política). Durante a Idade Média, por exemplo, a conduta escorreita a ser seguida pelas boas
gentes era a de excluir o leproso do seio social, de forma draconiana, por meio de uma espécie
de cerimônia fúnebre. Nesta, a pessoa doente de lepra seria declarada morta (e seus bens,
portanto, transmissíveis), e, em seguida, enviada a um mundo exterior e estrangeiro
(FOUCAULT, 2002).
Certas pandemias, em paralelo ou em outros períodos, também foram tidas em parte
como castigos divinos: a peste negra que assolou a Europa medieval ou a gripe espanhola do
início do século XX disto são bons exemplos. No entanto, não conseguindo a ciência desvelar
a natureza de tais fenômenos, a explicação destes somente poderia radicar-se numa punição
transcendente, dotada, assim, ora de individual e forte, ora de pulverizado conteúdo moral. Os
homens, em verdade, excluíam-se uns aos outros por desconhecerem tanto as verdadeiras
formas de contágio e de transmissão quanto os legítimos responsáveis pelo adoecimento.
Bem diferente era a sífilis (ou Lues), doença sexualmente transmissível e de carregado
conteúdo moral, cuja causa poderia ser explicada, aí sim, pelo contato sexualmente
desenvolvido. No entanto, as discussões sobre sífilis pautaram-se pelo deslocamento para o
eixo da culpabilidade palpável e alheia: para os parisienses era a morbus germanicus, e, no
entanto, os ingleses consideravam-na justamente a mancha francesa. Os habitantes de
122
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Florença culpavam os napolitanos pela enfermidade, enquanto os japoneses acusavam, como
terríveis disseminadores, seus vizinhos chineses (SONTAG, 1989), num doloroso tergiversar
inquisitorial que teve seu sepultamento quando a ciência pôde aniquilar, em definitivo, a
verdadeira “culpada”: a bactéria Treponema pallidum.
A conceituação de AIDS, patrocinada pela mídia, lançou-se numa construção
científica e social ao mesmo tempo, de forma a provocar, ainda em pleno século XXI, reações
semelhantes e diferentes às doenças anteriormente citadas, num amálgama assustador de
representações cuja violência torna-se incompreensível para o atual estágio científico e ético
da humanidade. A AIDS, frisemos, representou-se também em semelhanças com outras
enfermidades: assim como a sífilis, tratava-se da doença alheia. Ela foi buscada no exterior,
identificada como originária do continente africano, (JOFFE, 1994), tomando a condição
estrangeira como fundamental para explicar sua existência - por isto, nos Estados Unidos,
também considerada a doença dos “haitianos”. Em igual medida, por ligar-se ao grupo
externo dos homossexuais, permitiu ao interno, não adepto de tais práticas, o sentir-se
irresponsável.
No entanto, ao contrário da lepra, foi justamente o conhecimento científico paulatino
da causa e das formas de transmissão da enfermidade que propiciaram, também, a construção
de atitudes altamente excludentes e persecutórias1 não apenas da síndrome, mas também de
suas vítimas.
O princípio da ciência epidemiológica, em ligar doenças a “grupos de risco”, marcaria
de forma indelével o trajeto social da AIDS, como jamais houvera marcado qualquer outra
doença: num primeiro momento, a enfermidade parecia insidiosamente selecionar um
segmento assaz perseguido por certa conduta, tida por muitos como intrinsecamente
desordenada e imoral, a homossexualidade, e em especialíssimo relevo a masculina. E, após a
descoberta do vírus e de suas formas de transmissão por meio de sangue e secreções sexuais,
não necessariamente ligados à “pederastia”, verificou-se a inclusão de outros “grupos de
risco”, dos quais o único considerado “inocente” seria o dos hemofílicos. Neste particular,
tomando a sociedade o condão de valorar quem seria condenado ou absolvido por infectar-se
com uma moléstia, iniciou-se um verdadeiro negar de dignidade não apenas ligado aos grupos
1
Sua Santidade o Papa João Paulo II (2013), então líder espiritual da maior religião da humanidade, embora
reiteradas vezes manifestasse sua preocupação com o combate à AIDS e ao preconceito em torno dela, não
deixava de sempre citá-la como uma “patologia do espírito”. E o fez até mesmo no ano de 2004, dirigindo-se a
uma miserável África assolada pela pandemia. Suas razões, se por um lado compreensíveis pela ortodoxia da
doutrina moral da Igreja, não deixam também de embasar o conceito médio que geralmente se faz dos portadores
do vírus HIV e dos doentes de AIDS.
123
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ou, posteriormente, às práticas de risco, mas aos próprios seres humanos, personificados e
punidos eternamente por suas condutas - sem direito, sequer, a um hipotético perdão.
A AIDS, por seu desenvolvimento ligado à decomposição física, dores abjetas e
fatalidade repentina, provocou um verdadeiro pavor social - e conseqüente repressão a quem
trazia a peste à humanidade. As técnicas de exclusão da sociedade, utilizadas à época dos
leprosos - de cortar do “corpo social” sadio os corpos infectados - foram substituídas por
técnicas que poderíamos denominar panópticas2. Trata-se da inserção social perenemente
controlada dos “pestilentos”. Fala-se, efetivamente, em “luta” contra a AIDS. É lugar-comum
conceber-se metáforas belicosas na relação existente entre corpo e doença: o corpo é
considerado uma “fortaleza”, mas o HIV “ataca” as “defesas” imunológicas, necessitando,
assim, de uma terapia “agressiva”. Se no passado o médico era o responsável pela bellum
contra morbum, agora é toda a sociedade quem procede à guerra contra a AIDS. Numa
guerra, como se sabe, há vítimas e algozes. E, assim, “a idéia de vítima sugere inocência. E
inocência, pela lógica inexorável que rege todos os termos relacionais, sugere culpa”
(SONTAG, 1989, p. 16). Individualizaram-se os grupos (por isto mesmo de risco) aptos a
transmitir o HIV a toda a sociedade, os possíveis algozes: dever-se-ia, portanto, proceder à
exclusão social de todos os seus integrantes. Não sendo mais possível fazê-lo juridicamente, a
exclusão dá-se no campo da moral. E esta vigilância panóptica dos considerados seres
desviantes das corretas condutas, como os já aludidos homossexuais, os usuários de drogas
injetáveis, as pessoas de vida sexual com múltiplos parceiros, etc., permitiu a disseminação de
que o reprimir do vírus deveria centrar-se no condenar a quem, ao menos em tese, estivesse
apto a transmiti-lo.
2
O Panóptico (pan + óptico), idealizado por Bentham como o método perfeito de vigilância, é muito bem
analisado por Foucault (2004). Trata-se, em suma, da vigilância totalizante de alguém ou de um grupo, findandose o binômio ver/ser-visto. O observador vigilante, pela estrutura montada para dar vazão ao funcionamento do
poder, detém a possibilidade de vigiar sem ser visto, instaurando, nos vigiados, o temor da observância absoluta,
indolor e invisível, sempre com vistas à punição em face das condutas assumidas e imediatamente verificadas.
Segundo Foucault, “o princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é
vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas,
cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado,
um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a
claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que
cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza
unidades especiais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra
é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e
suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente
protegia. A visibilidade é uma armadilha [...] O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos
mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder” (p. 165-167).
124
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A difusão do vírus, cuja insidiosa denominação é a de ser o vírus da imunodeficiência
humana, iniciava, assim, a enfermidade da deficiência dos valores tidos como divinos. O
sagrado e o profano encontraram-se frente a frente numa doença, embora desconheçamos
qualquer processo biológico de enfermidade que tenha, em sua gênese, um fundamento moral.
1.2. A doença fetichizada
A representação social da AIDS, tal como se deu, não poderia encontrar novo
significado num curto espaço de tempo. Iniciou-se então o divórcio entre ciência e sociedade,
tendo em vista que o ato sexual, forma preponderante de transmissão do HIV e, ao mesmo
tempo, grande responsável pela interação e perpetuação humanas, pôde ser desvinculado da
transmissão do vírus. Bastaria para tanto, disse a ciência (por finalmente compreender a
dinâmica do vírus), utilizar-se das chamadas camisas-de-vênus, método contraceptivo já
existente há muitos séculos. No caso dos usuários de drogas injetáveis, seria recomendável
que utilizassem seringas e agulhas descartáveis, tão-só. Nas transfusões de sangue deveria
haver, por parte dos hemocentros, uma fiscalização rígida acerca da segurança do material
utilizado.
No entanto, a apresentação da síndrome à sociedade, propiciada pela mídia, retratava
ingredientes fortíssimos de contágio pelo sexo, de morte, de figuras decrépitas, que não
seriam simplesmente apagadas da representação popular da doença com fórmulas simples
como as acima citadas e, por isto mesmo, desproporcionais à propagada gravidade do tema.
Eclodiram-se as mais variadas representações na mesma proporção epidêmica da AIDS, que,
então, já havia ganhado vida própria no imaginário social, personificada pelos próprios seres
humanos ligados aos “grupos de risco” (PAULILO, 1999).
Os resultados desta construção coletiva, em várias partes da Terra, foram os mais
lamentáveis possíveis. Uma década após o registro da doença, 50% dos entrevistados para
pesquisa específica sobre o tema (HEREK e CAPITANO, 1993), todos homossexuais norteamericanos do sexo masculino, acreditavam que seriam capazes de transmitir HIV uns aos os
outros durante uma relação sexual, ainda que não fossem portadores do vírus. Acreditavam,
portanto, que o ato sexual entre dois homens, de per si, seria capaz de produzir o vírus. Tratase de uma reflexo próprio da negação da cidadania, internalizada mesmo nas vítimas do
preconceito. Fora dos acolhedores sítios existentes dentro dos “muros da cidade” estão todos
os não-aceitos: todos aqueles que, supostamente, não se atêm aos padrões e códigos
125
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
compartilhados pela maioria (PAIVA, 1992). Ter AIDS significa estar para sempre manchado
por uma tonalidade que distingue o soropositivo dos soronegativos e desloca, ambos, a uma
comunidade de párias: os primeiros para além dos muros da cidade, e os últimos para dentro
desta.
Até mesmo profissionais de saúde demonstram grande dificuldade em lidar com
pacientes. Estes são por aqueles vistos como doentes terminais (sendo que muitas vezes são
apenas portadores assintomáticos do vírus), como pessoas rejeitadas pela sociedade por não se
aterem às suas regras elementares, e, enfim, como homens e mulheres culpados por serem
portadores do HIV - na lógica de que deliberadamente procuraram a infecção, como se
efetivamente pegassem o vírus em suas mãos e o introduzissem na corrente sangüínea, à
exceção dos hemofílicos. Assim, recebem uma espécie de sentença de morte fictícia, dada
mesmo por estes profissionais de saúde: o paciente “não é visto como pessoa, mas tãosomente ele encarna a doença AIDS” (SADALA, 1999, p. 99).
Em igual orientação, um dos elementos da doença que também muito afetou os
avanços em termos de combate à segregação dos soropositivos foi o fato de o HIV ser
transmitido através de sangue e secreções sexuais; tal fato propiciou a visão inicial, já
desmentida, de que outros líquidos do corpo humano (como saliva e suor) também fossem
capazes de contagiar. Isto explicaria, mesmo em pleno século XXI - vinte anos após a
descoberta das formas de transmissão do vírus - reações espantosas por parte de alguns
legisladores, os quais deveriam pautar-se pela busca integral de proteção aos direitos mais
elementares dos soropositivos, como adiante veremos.
É sabido que todas estas concepções norteadoras da citada doença provocaram um
atraso criminoso, por parte do Estado, no lançamento de políticas de saúde pública adequadas
para combater a exposição ao vírus. Como conseqüência, no Brasil, pudemos observar quanto
ao contágio pelo vírus exatamente o inverso do que inicialmente se propôs combater: aumento
do número de infectados entre pessoas de orientação heterossexual, dentre os quais destacamse as mulheres3, além de ser difundida a pandemia também para as camadas mais pobres da
sociedade, bem como aos habitantes de municípios de médio e pequeno porte (GALVÃO,
2002).
3
Neste aspecto específico o tema é demasiadamente espinhoso. Com efeito, no que concerne às mulheres
casadas, as campanhas contra o HIV até hoje não conseguem tocar em certos temas, como a assimetria nas
relações de gênero. Seria preciso para tanto, segundo recente estudo, reescrever uma “gramática moral” dos
casais a questionar os poderes em jogo no casamento, já que determinadas campanhas acabavam até mesmo por
colocar a mulher como responsável pelo controle do contágio, transferindo-lhe a responsabilidade pela exigência
do uso do preservativo (GONÇALVES E GUILHEM, 2003).
126
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2. O ESTADO DO MAL-ESTAR SOCIAL E A AIDS? DIREITO À VIDA E À SAÚDE
PELO DIREITO AO TRABALHO
Em 1996, após a edição da Lei 9313, de autoria do Senador José Sarney, o Brasil
passou finalmente a cumprir em parte sua obrigação constitucional: determinou que o
Ministério da Saúde deve adquirir os medicamentos anti-retrovirais existentes contra o HIV,
todos de alto custo, e os distribuir através da rede pública de saúde. As drogas combinadas,
conhecidas como “coquetel”, passaram então a ser distribuídas entre todos os soropositivos
que delas necessitassem, o que reduziu de forma espetacular os casos de adoecimento de
AIDS e, mais ainda, a mortalidade em decorrência das complicações desta enfermidade.
Por muitos especialistas a infecção pelo HIV passou a ser considerada como uma
patologia crônica, porém controlável em virtude da ação potente do coquetel. O Brasil, país
famoso por suas heranças coronelistas e seu passado escravocrata, ganhou credibilidade no
cenário internacional pela excelência de sua política no combate à AIDS, tida como exemplar.
Com esta nova inspiração, também iniciou campanhas verdadeiramente educativas destinadas
a todo o povo, orientando-o no sentido da prevenção geral contra as variadas formas de
infecção pelo retrovírus.
Aos poucos, e até os dias atuais, a síndrome deixou de ser o espetáculo da morte. Não
é mais noticiada com a mesma freqüência, tampouco é facilmente percebida pelas ruas; o
Estado prossegue em insistir nas políticas de prevenção infecciosa e, por outro lado, distribuir
os medicamentos necessários à manutenção da vida daqueles já tocados pelo signo da
soropositividade.
No entanto, um dos vários aspectos que o estudo da doença suscita parece ter sido
ignorado ao longo dos anos. Trata-se do direito à vida, mas da vida com dignidade. A garantia
do direito à vida e à saúde em tempos de AIDS, num primeiro momento, resumia-se à própria
guerra da vida física contra a iminente morte; hoje, no entanto, os soropositivos vivem, e
vivem por muito tempo. Celebram todos, pois, a vida, descobrindo como novidade
alvissareira que o vírus não era mortal, e sim os homens.
Não houve, a par de toda esta garantia do direito à saúde que propiciou a continuidade
existencial dos soropositivos, um enfoque que transcendesse as fronteiras do palpável. Os
mitos relacionados à doença, ainda dispersos pela população, geram agora uma dor que não é
mais física: ter HIV ou AIDS ainda está associado, pelo processo já descrito de representações
127
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
sociais, a vergonha, humilhação ou culpa, tornando impossível uma comunicação social entre
soropositivos e soronegativos que não seja pautada pela desigualdade (SILVA, 2004).
Ora, é evidente que o direito à vida não se resume apenas à existência e saúde físicas.
Mas, caso queiramos estabelecer-nos apenas neste ponto, também ele ainda não é plenamente
garantido aos soropositivos: tendo eles o direito de receber os medicamentos gratuitamente do
Estado, não encontram, por outro lado, proteção adequada de respeito à sua condição. A
lógica é muito simples: como estas pessoas, consideradas a encarnação da indignidade em
face das representações sociais da AIDS, conseguirão em igualdade de condições um
trabalho, a fim de prover a subsistência própria ou de sua família? Numa economia
agressivamente capitalista - que produz e reproduz o trabalho sem qualquer critério ético,
como se nota pela exposição de Paul Singer (1979) - como propiciar a manutenção da própria
existência material sem a garantia do direito fundamental ao trabalho, mormente a um
segmento tão marginalizado como ainda é o dos portadores do vírus HIV?
Caso consideremos, no entanto, que a manutenção da vida em condições razoáveis de
dignidade englobe, além do direito ao trabalho e à saúde física, também o ensejar de uma
saúde global – no exato sentido que lhe dá o artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado e em vigor no Brasil – teremos obrigatoriamente
de refazer nossos percursos de combate à AIDS, agora voltados à demolição de seu atual
signo, bem como posterior reconstrução deste, dotada de novos valores humanos.
Consoante o artigo 7º da Constituição Federal, bem como após a edição da Lei
9029/95, não há como cogitar da possibilidade de exigência, por parte de empregador, de
testes anti-HIV para admissão de trabalhador ao emprego ou durante o cumprimento do
contrato individual de trabalho. Não há necessidade, igualmente, de que a empresa seja
notificada ou comunicada pelo empregado após a descoberta do vírus.
Para os empregados conhecida ou assumidamente soropositivos, a discriminação, em
termos gerais, é reprimida em face dos objetivos fundamentais da República, conforme se
observa pelo artigo 3º, IV, da Carta Magna. Em matéria de trabalho, além da lei ordinária
citada no parágrafo anterior, tal prática também é proibida pela Convenção 111 da OIT, em
vigor no Brasil desde 1996: cuidando de atos discriminatórios em questões de emprego e
ocupação, veda qualquer prática neste sentido.
Embora não exista qualquer proteção específica aos soropositivos, é óbvio que eles
podem valer-se das prerrogativas acima firmadas. No entanto, nota-se com clareza a
inexistência, no Brasil, do verdadeiro antídoto à verdadeira peste causada pelo HIV: políticas
públicas para o combate radical da mentalidade formada sobre a pessoa soropositiva, dádiva
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
alcançável por um único caminho possível - a educação em direitos humanos, percurso por
sua vez alcançável através da promoção do direito ao trabalho.
2.1. Saúde e trabalho em tempos de AIDS
Curioso notar que pela primeira vez, em 1988, um texto constitucional brasileiro
afirmou o direito à saúde como fundamental. Ora, o espanto se deve ao fato de este bem ser
imprescindível à vida e com esta se relacionar numa interpenetração óbvia; e se sabe, aliás,
que saúde não engloba apenas um conceito de estado físico relacionado à ausência de
enfermidades: é também um estado de completo bem-estar mental e social, conforme
preceitua a Organização Mundial da Saúde. Ter direito à saúde significa, portanto, exigir do
Estado e de particulares não apenas que estes se abstenham de prejudicá-la, mas também
exigir do Estado certas medidas e prestações que tornem possível assegurá-la (SILVA, 1999).
Em termos bem claros, a AIDS é uma síndrome de deficiência imunológica; com o
organismo debilitado e sem defesas naturais, certos cuidados são indispensáveis para que o
soropositivo não seja atacado por doenças oportunistas. Medicamentos anti-retrovirais contra
o HIV são apenas parte de um tratamento que deve envolver, também, uma boa alimentação,
uma moradia digna, condições de aceitação por parte de outros indivíduos, etc. Frise-se
também que saúde não é apenas promoção, mas também prevenção, individual ou coletiva,
tanto aos grupos humanos quanto aos seus contornos sócio-ambientais (SCHRAMM E
KOTTOW, 2001). A fruição da maioria destes direitos, negados sistematicamente a grande
parte de toda a população brasileira, passa em grande escala pelo direito ao trabalho, já que
este é o meio encontrado por nossa cultura para a obtenção dos recursos bastantes a fim de
que sejam concretizados tais misteres.
No entanto, a histórica visão do trabalho como algo opressivo e degradante contribuiu
para que a ciência buscasse desenvolver, no trabalho, especializações funcionais e técnicas de
aumento produtivo, investindo, todavia, “muito pouco na busca de uma harmonização do
homem no seu trabalho” (BORGES, 1997, pp. 88-89) com o fito de tornar tal atividade um
processo de humanização do indivíduo e das coletividades. E, no entanto, o trabalho faz reunir
seres humanos e, em seu ambiente executivo, obriga-os à interação solidária, tornando-se por
tal razão um ingrediente duplamente elementar para qualquer política preventiva ou de
promoção da saúde: além de fornecer mediante remuneração o instrumental necessário para
seus cuidados elementares, trata da necessária sociabilidade humana.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
No caso específico dos soropositivos, o trabalho adquire esta dupla função com grande
intensidade. Via de regra o compreender da infecção pelo infectado induz à auto-imputação
de uma identidade negativa, de forma fazê-lo sentir-se inferior aos demais da sociedade
(SILVA, 2004). Neste sentido é que opera o poder simbólico (BOURDIEU, 2005) da
socialmente construída AIDS: até hoje com uma certa vigilância panóptica, a cultura social
procura a integração verdadeira apenas dos dominantes, e apregoa a fictícia da sociedade
como um todo, ocasionando a desmobilização de grupos vulneráveis como o ora relatado. A
igualdade torna-se, assim, uma quimera.
No entanto, se podemos considerar nossa sociedade como igualitária, isto ocorre
justamente em razão de ser uma sociedade de trabalhadores, já que é da essência do trabalho
nivelar os homens (ARENDT, 1981). Por isto a sociabilização do soropositivo alcançada pelo
trabalho, por lograr tanto desconstruir a representação social que se faz do portador ou doente,
quanto por reconstruir a auto-identidade, torna-se tão vital quanto a função de gerir a própria
sobrevivência física. É o real, único e possível conceito de saúde.
A realidade trabalhista, entretanto, fornece-nos o indício bastante de que a sociedade
como um todo ainda tem se portado de forma cruelmente lancinante contra os soropositivos:
dispensados do emprego logo após a descoberta de sua condição, o índice de processos na
Justiça do Trabalho demonstra a impossibilidade, sobretudo por meio das políticas recentes,
de identificar em curso um processo eficaz de educação em direitos humanos.
2.2. Tentativas brasileiras de afirmação da dignidade humana do soropositivo:
descaminhos, acertos e contradições
Embora não existam tutelas legais específicas para a promoção da exacerbadamente
aviltada dignidade humana do soropositivo, deve-se ressaltar que houve algumas tentativas de
promovê-la como um todo. Uma das mais recentes, que tragicamente acabou resultando em
um dentre tantos outros escândalos em termos de desvalorização da dignidade humana,
ocorreu justamente quando da apreciação do Projeto de Lei 5448/01, de autoria do Deputado
Nelson Pellegrino. Era pretendido alterar o artigo 1º da Lei 7716/89, que define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor, para estender a proteção também à discriminação
em face de doença de qualquer natureza. Na justificativa, o autor salientava textualmente que
doenças estigmatizantes como a AIDS engendram, freqüentemente, práticas preconceituosas
130
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e que, por esta razão, deveriam ser
reprimidas na esfera criminal.
Designada como relatora a Deputada Denise Frossard, em setembro de 2004 a
parlamentar votou pela rejeição do projeto por entender que
(...) a repulsa à doença é instintiva no ser humano. Poucas pessoas sentem
prazer em apertar a mão de uma pessoa portadora de lepra ou de AIDS.
Algumas dessas poucas pessoas fazem-no sinceramente, outras,
hipocritamente. De um modo geral, as pessoas não se sentem confortáveis
na companhia de pessoas doentes, ainda mais quando se trata de doença
letal ou deformadora. A discriminação é válida quando se trata de doença
contagiosa ou de epidemia que coloca em risco a vida e a saúde da
comunidade. A deformidade física fere o senso estético do ser humano. A
exposição em público de chagas e aleijões produz asco no espírito dos
outros, uma rejeição natural ao que é disforme e repugnante, ainda que o
suporte seja uma criatura humana. Portadores de doenças e deformidades
costumam freqüentar locais públicos exibindo as partes afetadas do corpo,
não só com o intuito de provocar comiseração, como também, com o
propósito de afrontar a sensibilidade dos outros para o que é normal,
saudável e simétrico. Ninguém é obrigado a ser herói, dizia Nelson
Hungria. Ninguém pode ser obrigado a suportar a doença e a deformidade
alheia, contrariando a sua própria natureza. (BRASIL, 2013).
As razões de rejeição ao projeto apresentadas interessam-nos justamente por
explicarem, de per si, as dificuldades em se estabelecer uma política voltada à valorização da
dignidade humana dos soropositivos. E, com efeito, a necessidade desta lei se fazia sentir. O
estigma em relação ao portador do vírus não se limita apenas a ele próprio, mas se estende
também à sua família, bem como ao seu grupo étnico ou social. A afirmação é corroborada
pela Lei estadual 11199/02, do Estado de São Paulo, quando veda a divulgação de
informações ou boatos que denigram a imagem social de qualquer dos acima citados, em
razão da presença do HIV em meio a tais pessoas ou grupos.
Ainda no âmbito repressivo, houve o Projeto de Lei 6124/05, que define o crime de
discriminação aos portadores do vírus HIV e doentes de AIDS. Designada como relatora
novamente a Deputada Denise Frossard, após pressão política dos ativistas de direitos
humanos em face de sua rejeição ao Projeto anteriormente citado, o atual recebeu relatório
favorável e se encontra em fase de tramitação na Câmara dos Deputados. Mais de vinte e
cinco anos após o surgimento da AIDS e de toda a construção da “metáfora do mal”
encarnada nos seus portadores, o Brasil caminha para ter sua primeira Lei federal
especificamente destinada a regulamentar não um projeto de educação em direitos humanos, à
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
re-significação do estar soropositivo, mas à simples repressão do aviltamento da dignidade
humana em sua forma mais elementar.
Notemos que o Brasil caminha para ter a sua primeira Lei sobre a tutela da dignidade
dos soropositivos porque houve o Projeto 1.856/99, do Senado Federal, o qual tornar-se-ia lei
não fosse vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Senado houve por bem
considerar que a patente dificuldade de um soropositivo ter respeitado seu direito ao trabalho
pela discriminação sofrida (e, assim, propiciar a subsistência própria e da família),
engendraria um problema solucionável apenas pela estabilidade no emprego.
A estabilidade no emprego é uma “vantagem jurídica de caráter permanente deferida
ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral”, a fim de
assegurar-lhe “manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício” (DELGADO, 2004,
p. 1241), a não ser que uma causa considerada justa venha a dar-lhe rompimento (previstas
sobretudo, mas não somente, no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho). Desta
feita, o empregado portador do vírus HIV não poderia sofrer uma denúncia vazia do contrato
de trabalho, a não ser por motivo de força maior devidamente comprovada, até a data de seu
afastamento pela Previdência Social.
Aprovado o Projeto, o veto presidencial mostrou-se absolutamente equivocado.
Sustentou que a estabilidade já existia apenas para determinados casos, não havendo, porém,
qualquer inconstitucionalidade em prever-lhe novas formas visto que, embora a estabilidade
via de regra seja definida por norma heterônoma estatal, é admissível, em princípio, até
mesmo aquela advinda de ato empresarial (DELGADO, 2013). Ademais, argumentava já
existir a proteção constitucional contra despedida arbitrária, revelando-se esta somente na
multa a ser paga pelo empregador em caso de dispensa sem justa causa do empregado. O
modelo constitucional entretanto é genérico, e admitiria - como efetivamente admite, posto
ser norma constitucional expressa - qualquer outra forma de proteção neste sentido.
Seria um equívoco, entretanto, afirmar que não há progresso algum em relação aos
direitos dos soropositivos. Embora inespecíficas à questão, o Direito e os juristas vêm dando
formas a uma série de construções para o respaldo e afirmação da dignidade do portador.
A dispensa do empregado é direito potestativo do empregador, inexistindo qualquer
estabilidade para o trabalhador portador do vírus. No entanto, com base na Lei 9029/95, a
dispensa do empregado soropositivo ou o impedimento de seu acesso ao trabalho têm sido
considerados discriminatórios pelos Tribunais, com base na situação análoga à da
discriminação sexual. Embora a forma de discriminação em exame não esteja tipificada
132
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
literalmente neste instrumento, a proibição de qualquer forma de suas formas negativas é um
dos objetivos fundamentais da República.
A vontade da Lei, neste específico caso, foi a de proteger a mulher quanto à prática
discriminatória de exigência de exames relativos ao estado de gravidez e à esterilização, mas
pode ser utilizada, como utilizada tem sido, também para se compreender que a infecção por
HIV não reduz a capacidade laborativa, não sendo impedimento, pois, que justifique obrigar o
trabalhador em cessar suas atividades (SANTIAGO, 2003), de modo a tal ato configurar
conduta discriminatória.
Desta feita, conforme a explanação lúcida de Elisa Maria Brant de Carvalho Malta e
Vera Lúcia Carlos
(...) no que concerne aos trabalhadores soropositivos desligados pelo
empregador sem justa causa, por discriminação ou preconceito, sem razão
objetiva, socialmente injustificada, arbitrária, obstativa à aquisição do
auxílio-doença pela Previdência Social, torna o ato patronal passível de
anulação perante a Justiça do Trabalho, podendo o empregado postular a
anulação da dispensa e sua conseqüente reintegração no emprego, inclusive
com pedido de concessão de tutela antecipada. Pode-se afirmar que a atitude
discriminatória realizada pelo empregador, eivada de nulidade, não encontra
ressonância no ordenamento jurídico (2001, p. 82).
Não sendo confundida com o instituto da estabilidade, a reintegração ao emprego é
uma garantia no sentido de não obstar que o trabalhador tocado pelo HIV interrompa suas
atividades e continue a perceber sua remuneração, a conviver em sociedade, enquanto tiver
condições físicas para fazê-lo. Assim garante-se também a continuidade da contribuição à
Previdência Social, para que, no momento em que não seja mais possível ao doente de AIDS
prosseguir, seja-lhe garantido o direito à aposentadoria. E, frise-se, este limite ao direito
potestativo do empregador vem sendo considerado uma presunção discriminatória, quando
não comprovado motivo justo para dispensa.
Recentemente, em setembro de 2.012, o Tribunal Superior do Trabalho resolveu
pacificar a questão por meio da Súmula 443, na qual se presume a despedida discriminatória
do empregado por este possuir moléstia grave que o estigmatize, ressaltando-se, de forma
expressa, a questão de estar infectado pelo vírus HIV. Dessa forma, buscou o Tribunal forçar
algumas empresas que discriminatoriamente agem a reintegrarem o empregado soropositivo
ao emprego, de forma tal a, na prática, conferir-lhe garantia provisória de emprego.
Pensamos, pois, que a presunção discriminatória não é absoluta, podendo ser elidida com
prova em contrário. De qualquer forma, é um esforço do Tribunal em promover a cidadania
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
no ambiente do trabalho. Este papel, porém, caberá também às empresas cientes de sua função
social, como adiante se verá.
Notemos que a Súmula foi baseada dos princípios constitucionais da dignidade
humana, do valor social do trabalho, nos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, no
artigo 7º, I, da Constituição Federal, e do art. 170 também do texto magno. Nota-se ainda que
estas duas regras jurídicas extraídas, mesmo não sendo derivadas de leis ordinárias federais,
possuem validade definida pela teoria dos princípios, pois se demonstram como a
concretização de mandamentos constitucionais (BRANCO, COELHO e MENDES, 2009, p.
144). Nosso sistema admite, sem dúvidas, a criação de certos comandos por parte da
jurisprudência (ou, mais especificamente, Súmulas), pois é a criação de espécie de norma
concreta oriunda de princípios jurídicos. Tem-se, pois, a função integradora dos princípios,
vez que ambos os valores mencionados – valorização social do trabalho e livre iniciativa –
podem participar diretamente da questão.
Nesse mesmo sentido discriminatório, o valor da intimidade é uma questão pungente.
Celso Lafer (2006), recordando que tal direito tem como objeto a integridade moral do ser
humano, aduz ao estar só, à possibilidade de não dar ao conhecimento de terceiros aquilo que
se refere somente ao indivíduo, ao seu modo de ser na vida privada. Tal direito, cujo valor
tem sua origem no cristianismo, representa “um fugir do mundo para o interior da
subjetividade” (p. 263), sendo um alto valor para o soropositivo em suas várias relações
interpessoais e, sobretudo, naquelas de trabalho, nas quais ganha relevo ainda maior. Afinal,
se há o direito à intimidade do empregado quanto a não divulgar sua condição, também há o
direito da comunidade trabalhista à saúde.
Dada a patente impossibilidade de se transmitir o HIV na absoluta maioria dos ofícios,
profissões e das situações laborais, como aliás explicita a Declaração da Reunião Consultiva
sobre a AIDS e o Local de Trabalho, formulada em conjunto pela OMS e OIT, é certo que no
desenvolvimento das relações empregatícias não há qualquer risco de contaminação ou
transmissão do vírus HIV (BARROS, 1997). Desta feita, podemos concluir pela absoluta
impossibilidade tanto de se investigar por via direta (exame de sangue) quanto por indireta
(pesquisa de hábitos, atitudes, condutas do trabalhador) a possibilidade de o trabalhador estar
ou não soropositivo, seja quando de sua admissão ao emprego, seja quando do
desenvolvimento da relação pactuada, seja em seu ocaso. Assim, poderá o empregado
resguardar sua condição do conhecimento de seu empregador e dos colegas de trabalho, bem
como de qualquer outro da sociedade.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O conformismo, ao elidir da heterogeneidade de que fala Celso Lafer (2006), que
pretende massificar, nivelar todos em pé de igualdade - porém nivelar todos em termos
fictícios, e apenas os dominantes em termos reais, como explica o já citado Pierre Bourdieu
(2005) - é a quem o direito à intimidade pretende calar. Todos são iguais, mas na esfera da
vida privada é que o indivíduo poderá ser diferente, não ser uniforme à maioria, não perder
sua especificidade. Para que ele seja um igual, nas relações de trabalho, o soropositivo
precisará manter a ciência de seu vírus (que o torna “diferente” da maioria) no âmbito estrito
de sua vida privada, encontrando muitas vezes como única confidente a sua própria
consciência. A proteção a este bem se dá de forma tal que, mesmo em o empregador sabendo,
por qualquer razão, do estado de infecção por HIV de seu empregado, deverá manter sigilo a
respeito, sob pena de facultar ao trabalhador indenização por danos morais, inclusive
cumulada com eventuais danos materiais sofridos (SOUZA, 2003).
Os efeitos práticos da Súmula, de decisões judiciais e da doutrina podem ser
considerados como socialmente muito relevantes. Os Tribunais e o Direito brasileiros têm
realizado uma plêiade de serviços em prol da inclusão social deste grupo social vulnerável,
porém de maneira pontual, em casos individualizados, evidenciando - por parte de todas as
funções que representam o Estado e a sociedade civil - o quão longe ainda se está de uma
política de educação em direitos humanos, a única solução possível para um completo
“coquetel”.
3. AÇÕES AFIRMATIVAS PARA SOROPOSITIVOS E O PAPEL DA CIDADANIA
NA EMPRESA
Num texto surpreendente e emocionante, o sociólogo Herbert de Souza (2013), doente
de AIDS falecido em 1997, descreve o que ele chamou de “dia da cura”, o sonhado ocaso da
dor aos seres humanos infectados pelo vírus HIV. No dia da cura, seria preciso enfrentar
novamente a felicidade, posta de lado há tanto tempo: a iminência da morte e sua
personificação em vida eram tão verdadeiras que impediam o próprio viver. Com a cura, os
soropositivos não teriam mais vergonha de sua condição e, assim, poderiam um dia morrer
como todos os outros mortais. Se antes não tinham o direito de viver em paz, agora não
precisariam mais ficar reclamando pelo de morrer em paz. E, no entanto, a cura para a AIDS
sempre existira, sem contudo jamais ser notada. Era, pois, a vida.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Ora, toda a nossa discussão proposta refere-se à valorização da cura da AIDS, nos
moldes propostos pelo sociólogo. Não se trata de negar a relevância de tudo quanto já foi feito
ou proposto em prol dos portadores do vírus HIV e doentes de AIDS - que representam
conquistas de toda a sociedade - e sim de formar uma cultura de valorização da pessoa
humana do soropositivo, em toda a extensão de seus legítimos valores morais, face às
múltiplas maneiras de existência em sociedade, seja individual, seja coletivamente. Trata-se
de erigir uma nova concepção, uma mudança profunda de todas as já apresentadas
representações sociais do que é estar soropositivo, de re-significar o conteúdo da doença tãosó por ela mesma, separando-a, ainda assim, de seu doente.
Tal processo seria possível, no caso específico, por meio de uma política duplamente
garantista: a promoção da saúde, conforme conceito já aludido, através do direito fundamental
ao trabalho. Este, no entanto, é cada vez mais negado ao soropositivo. O número assombroso
de processos trabalhistas solicitando reintegração do portador ao seu emprego em razão de
dispensa discriminatória corrobora a afirmação. No entanto, é natural que caiba o
questionamento já em 1993 proposto pelo jurista e então Diretor para o Cone Sul da OIT,
Oscar Ermida Uriarte:
podría aplicarse (...) mecanismos para favorecer el acceso al empleo de los
seropositivos? En todo caso, parece existir cierto grado de incompatibilidad
entre, por un lado, la proscripción del examen obligatorio y la
confidencialidad de los resultados, y por otro, el establecimiento de um
régimen de promoción del empleo de los afectados por el VIH, que supone
la identificación de éstos (1993, p. 51).
Como já afirmamos, a necessidade de se sublinhar o direito à intimidade do
soropositivo em abster-se de informar (ou mesmo negar sua condição perante outros) decorre
da necessidade de fazerem-se iguais. Do contrário, materialmente, seriam considerados
desiguais. O reconhecimento do princípio da igualdade jurídica, construção segundo a qual a
lei, genérica e abstrata, deve ser idêntica para todos, foi durante muito tempo a certeza de que
tal representava, por si só, a garantia da concretização da liberdade. No entanto, a cantilena
liberal começou a ser desmentida por experiências e estudos de direito e política comparada:
pela constatação de que os indivíduos socialmente desfavorecidos não teriam, com base na
igualdade formal de direitos, as mesmas oportunidades oferecidas àqueles socialmente
privilegiados (GOMES, 2001).
136
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
As ações afirmativas, um fenômeno norte-americano4, são medidas que visam
beneficiar determinados segmentos da sociedade, pela razão de inexistirem iguais condições
de competição em face de discriminação ou injustiças históricas. Este instrumento, cada vez
mais utilizado na promoção de políticas em relação às comunidades negras e pessoas
portadoras de necessidades especiais, traduz-se num instrumento altamente significativo para
a educação em direitos humanos ora proposta. Diferentemente das políticas antidiscriminatórias repressivas, “que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão
somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto”
(GOMES, 2001, p. 1142), ações afirmativas em relação aos soropositivos evitariam a
discriminação em sua forma já exposta.
No caso, cuida-se também de discriminar, mas no sentido da chamada discriminação
positiva, socialmente justificada, com vistas a atingir a verdadeira igualdade entre os pares
sociais. Assim, para colocá-los frente a frente, soropositivos e soronegativos, favorecem-se os
primeiros em detrimento dos últimos na competição francamente desigual existente entre
ambos pelo acesso a determinado bem - no caso específico dos soropositivos, o direito
integral à saúde, por meio de condições diferenciadas de acesso ao trabalho.
Em se tratando dos portadores do vírus HIV, as representações sociais sobre o
infectado e a infecção, ainda muito presentes na realidade histórica deste grupo social,
justificam a adoção da medida proposta. Não basta apenas a repressão pura e simples à
discriminação para fazer valer o direito que toda pessoa soropositiva tem em ver respeitada
sua dignidade. Desta forma, o que antes era um princípio jurídico passivo, “agora é um
conceito jurídico ativo, vale dizer, de um conceito negativo de condutas discriminatórias
vedadas mudou-se para um conceito positivo de condutas promotoras de igualação jurídica”
(ATCHABAHIAN, 2004, p. 150).
Em sendo os direitos humanos englobados num todo indivisível, a violação de um
deles equivale à violação de todos: por isto ao lado do direito à intimidade, de quem quiser
fazê-lo valer, poderá existir concomitantemente o acesso facilitado ao emprego por
soropositivos que desejem utilizar-se de tal condição. Não se trata, em absoluto, de
incompatibilidade, vez que ninguém é obrigado em valer-se das condições mais favoráveis. A
novidade da ação afirmativa estaria no propiciar trabalho a quem não o tem ou ainda teve, e
não deseja valer-se, como parâmetro de vida, da omissão de algo que lhe é intrínseco: o
4
Aliás, no direito norte-americando, segundo relata Rands (1998), o soropositivo já é protegido por ações
afirmativas, posto ser considerado deficiente físico. Embora não seja objeto da presente reflexão, no Brasil os
soropositivos, embora idealmente pudessem ser considerados portadores de necessidades especiais, encontram
barreiras nas especificações técnicas da legislação a respeito, a qual não permite este enquadramento.
137
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direito do soropositivo em resguardar de terceiros sua condição, se por um lado propiciador da
igualdade fática, por outro limita-se a resolver questões pontuais e individualizadas de grande
valor, mas que não configuram um processo de educação em direitos humanos, com vistas à
garantia de efetiva e plena cidadania para todos.
Por isto o HIV/AIDS, segundo a OIT uma doença cuja prevenção necessariamente
passa pelo ambiente do trabalho, deve ter seus doentes e infectados como representantes em
cada ambiente do trabalho, por meio de ações afirmativas compulsórias, facultativas ou
voluntárias da empresa. Esta, por sua vez, cumprirá com sua função social em empregar a
pessoa soropositiva, tanto de modo a integrá-la à sociedade e aos direitos trabalhistas e
previdenciários básicos, quanto por auxiliar em desconstruir, dentro de seus espaços para
execução dos trabalhos, a imagem que ordinariamente se tem acerca do soropositivo, por darlhe a necessária visibilidade.
Projetos que venham a ser propostos pelas empresas em geral – qual seja, contratar
empregador assumidamente soropositivos – poderão contribuir em larga medida com o
combate ao preconceito, justamente por dar voz e rosto a pessoas que sejam vítimas da
infecção por HIV. Será um passo importante rumo à plena cidadania da população
soropositiva, por promover um verdadeiro processo de educação prática em direitos humanos.
A atitude da empresa que isto fizesse significaria, num primeiro instante, assumir que
existe, no corpo social, a perenidade da prática discriminatória e da necessidade de sua
eliminação, constituindo-se no primeiro passo para a educação proposta.
O efeito cultural da medida, que é o verdadeiramente desejado processo pedagógico,
possibilitaria dar história de vida, face, endereço, sentimentos e troca interpessoal de
experiências a quem, ainda hoje, é considerado uma presença na ausência. Os soropositivos
não existem. E não existem porque eles não têm identidade, endereço ou rosto. No entanto
sabemos, paradoxalmente, que os soropositivos existem. Eles existem no imaginário social,
surgidos como representações sociais falseadas, que remetem ainda aos conceitos
estigmatizantes da década de 1980. São presenças fluídas, vagas e sabidas numa sociedade
que insiste em ignorar sua condição, presentes de forma não palpável. Qualquer luta eficaz
contra o signo da AIDS requer mais que um simples coquetel; requer a convivência diária,
próxima e solidária com os soropositivos. E isto os empregadores, por iniciativa própria,
poderão promover, até mesmo como forma de valorização do trabalho humano, e não de seu
aviltamento.
Aproveitando a lúcida explanação de Norberto Bobbio sobre a intolerância - embora
em sentido diverso da que empregamos aqui, mas que reflete, em boa medida, a atuação
138
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pedagógica proposta - “a antítese indiferença-fanatismo não remete exatamente à antítese
tolerância-intolerância, que é essencialmente prática” (2004, p. 208). Reprimir o preconceito
resguardando-se o direito à intimidade do portador, com reparação a posteriori do ato ilícito,
certamente não conduz, de forma automática, a um processo de revalorização humana do
soropositivo.
Para a resolução efetiva e verdadeira do problema, trata-se de conciliar as garantias já
existentes com um processo de educação prática em direitos humanos, a qual poderá iniciarse por iniciativa da própria empresa, e não de maneira forçada, como propõe a Súmula 443 do
TST. Esta educação prática em direitos humanos, formada na vivência do dia-a-dia no
interior dos ambientes do trabalho existentes na empresa, permite uma concepção humanista,
molde a recuperar e afirmar a dignidade da pessoa do infectado ou doente, bem como o
respeito à sua dignidade. Neste processo, em que os atores principais são o Estado e a
sociedade civil (DÍAZ, 2002), a pedagogia empresarial liga-se à marcha pela conquista de
uma prática e defesa dos direitos humanos, assim como na proposta de convivência
democrática de diferentes estilos de vida que, afinal, compreendem a diversidade humana
(MUJICA, 2002).
Neste sentido, aliás, foi o Projeto de Lei 3.021/00, de autoria do deputado Benedito
Dias. Pretendia o projeto estabelecer um desconto de 50% na contribuição previdenciária
efetuada pelo empregador, desconto este possível à empresa apenas quando empregar um
trabalhador portador do vírus HIV. O Projeto previa a contratação de soropositivos tornada
obrigatória, por meio de alteração no artigo 93 da Lei 8.213/91, a qual trata dos percentuais
mínimos para contratação de pessoas portadoras de necessidades especiais.
No entanto, o referido Projeto foi rejeitado em 2.007 pela Coordenação de Comissões
Permanentes da Câmara dos Deputados pela simples razão de retirar receitas destinadas na
União e não prever alternativas para reposição deste valor aos cofres públicos, motivação que
é de todo rechaçável: em sendo possível e necessária a contratação de pessoas portadoras do
vírus HIV, seria interessante propor tais benefícios às empresas que desejam promover, em
seu seio, a cidadania dos soropositivos por meio do já citado processo de educação em
direitos humanos.
No entanto, por ato próprio, a empresa poderá – cumprindo, pois, sua função social –
promover uma campanha de contratação de pessoas soropositivas, por evidente intenção
patronal na feitura e participação deste processo pedagógico de cidadania. Afinal, isto
salientaria a necessidade de sociabilidade democrática entre indivíduos dentro da empresa, no
rompimento com a tristeza e o isolamento aos quais a identidade da doença encaminha.
139
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Ademais, possibilitaria os citados acessos à remuneração e, por conseguinte, à realização
material da vida, mas não só. Isto seria alcançado por meio da garantia de emprego, por
exemplo, aos portadores já empregados, conforme se depreende da Súmula 443 do TST.
A empresa, levando a AIDS aos seus locais de trabalho, também tornará possível
destruir todos os signos relacionados à doença, já que esta pode ser encontrada em todos os
gêneros, etnias, faixas etárias, orientações sexuais e classes sociais; ademais, pelos reflexos
que os ambientes do trabalho produzem na comunidade a ele vinculada, seria possível
construir, aos poucos, uma nova formação social para a enfermidade.
Por meio de ações afirmativas específicas a soropositivos, conjugadas com ações
repressoras da discriminação, conseguiremos instaurar a completa pedagogia da vivência
fática dos direitos humanos. A educação neste caso, enquanto um transformar de valores, é
um processo não de fora para dentro (como o Estado impondo determinados valores aos seus
cidadãos por meio de leis ou mesmo pela citada Súmula, por exemplo), mas algo que se
fundamenta no indivíduo, sendo este o responsável pela construção de seu próprio
aprendizado.
A imposição legal, por exemplo, de percentuais mínimos para contratação de
soropositivos, como no citado Projeto de Lei já arquivado, ou a presunção discriminatória
albergada pela Súmula em comento, seriam apenas a pedra de toque neste processo que é
individual e interior, não se confundindo, jamais, com a própria pedagogia. No específico
tema, lograria formar uma nova representação do que é ser pessoa portadora do HIV a quem
não é, por permitir dar uma identidade ao portador: a aprendizagem de um novo conteúdo é
uma atividade de construção, pela qual a pessoa incorpora à sua experiência os signos de um
novo conhecer (MUJICA, 2002).
Recebendo orientações da empresa, dos representantes dos empregados e, por fim, dos
próprios soropositivos, a comunidade empregatícia fatalmente desconstruirá, pela necessária
sociabilidade ambiental do trabalho, as funestas representações sociais construídas e
difundidas acerca dos soropositivos e de sua enfermidade. Aqui entramos no segundo passo
da aprendizagem: reconhecendo a empresa a pessoa humana em sua dignidade, bem como o
fato de que o homem é um ser social, esta educação só encontra sentido na interação de seres
humanos com outros seres, em experiências individualizadas ou coletivamente tratadas.
140
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
CONCLUSÕES
Cabe ressalvar que qualquer processo de educação assumido enquanto transformador
(como o presente) deve ser, necessariamente, dotado de uma ética absolutamente
transformadora. Com efeito, a visão puramente mercadológica, pautada pelo lucro obsessivo,
jamais seria complacente com uma educação voltada à cidadania (Bittar, 2004). A ideia de
inclusão social, neste sentido, chocar-se-ia frontalmente com princípios elementares do
mercado irresponsável e, assim, tornar-se-ia polêmica.
De qualquer forma, ressaltemos que as ações afirmativas não necessariamente
precisam ser propiciadas pelo Estado. Os empregadores conscientes da função social de seus
empreendimentos devem buscar promover, certamente, a contratação de pessoas soropositivas
com o fito de iniciar, aos poucos, um novo processo de construção coletiva de valores,
voltado à afirmação da dignidade humana da pessoa portadora do vírus HIV.
A imposição para percentuais de contratação de portadores, por via de regulamento de
empresa, ou de simples política também empresarial, não encontra nenhum obstáculo; aliás,
trata-se de um espírito muito inovador e em consonância com todas as recomendações para
promoção dos direitos mais elementares do ser humano, já que a discriminação, neste caso, é
positiva e socialmente muito bem justificada. Os sindicatos de trabalhadores neste mister
também são convidados a participar, sobretudo para firmar acordos e convenções coletivos
que garantam o acesso ao trabalho aos soropositivos que desejem valer-se de tal condição, de
maneira a auxiliar as empresas a administrar este mister. De qualquer forma, alguém terá de
dar o primeiro passo.
É, portanto, o escopo desta proposta criar condições para que os soropositivos possam
vivenciar seus direitos e obter uma vida integralmente saudável, pela eliminação das barreiras
sociais que desejam ou cortá-los draconianamente da sociedade como numa “medida
sanitária”, ou deixá-los vigiados sob modelos panópticos. Trata-se do educar a todos para um
novo valor, o da solidariedade, pela prática cotidianamente solidária que o ambiente do
trabalho inequivocamente requer. E esta poderá ser, sem dúvidas, uma prática cidadã
empresarial. E sendo as comunidades locais umbilicalmente vinculadas à empresa e aos seus
ambientes do trabalho, a novidade pedagógica também se fará aos poucos sentir e, com a
eliminação paulatina de tudo quanto se construiu em torno da AIDS, talvez um dia o tão
defendido direito de cada portador de reservar sua condição à intimidade acabe esquecido.
Esquecido por tornar-se socialmente irrelevante.
141
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144
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
PROTEÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA FISICA EM FACE DA PESSOA
JURIDICA COM A REPERSONALIZAÇÃO
PROTECTION OF PERSONALITY OF PERSON IN PHYSICS OF FACE LEGAL
PERSON WITH REPERSONALIZATION
Mestrando: Marco Antonio de Souza1
http://lattes.cnpq.br/3711564192706435
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Visão Constitucional do Direito da Personalidade; 3.
Surgimento e Proteção das Personalidade; 3.1 Síntese Histórica da desconsideração da Pessoa
Jurídica;
3.2 Chegada ao Brasil; 4. Desigualdade; 5. Repersonalização e Constituição; 5.1
Eficácia da Repersonalização; 6. Considerações finais; 7. Referências.
RESUMO: Embora os direitos da personalidade, surgiu já alguns séculos, surgindo também
a “disregard doctrine” (desconsideração da pessoa jurídica), que é fruto de construção
jurisprudencial, considerando que as questões patrimoniais era o que predominava, pois o
Código Civil de 1916, durou décadas, refutando garantir direitos da personalidade,
predominando o “ter e não o ser”. Finalmente ocorreu profunda transformação no Direito
Civil contemporâneo, em face do neoconstitucionalismo, trazendo para o interior da Carta
Magda valores que devem ser considerados na análise dos conflitos oriundos das relações
jurídicas privadas. Neste sentido, a evolução histórica superou a dicotomia público-privado,
sendo que em seguida passou a analisar as conseqüências desta transformação, fazendo com
que surgisse nova teoria das fontes, na qual a Constituição passa a ser uma fonte normativa,
uma nova teoria das normas, que impõe que a interpretação e aplicação pelo jurista seja
adequada as regras e princípios, objetivando a garantia da pessoa humana no atual Estado
democrático de direito.
PALAVRAS-CHAVE: 1 Personalidade da pessoa física; 2 Personalidade da pessoa jurídica;
3 Repersonalização.
1
Aluno do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (CESUMAR), Maringá
– Paraná; E-mail: [email protected]
145
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
SUMMARY: Although personality rights, has appeared a few centuries, and also had a
"disregard doctrine" (disregard the legal entity), which is the result of judicial construction,
whereas heritage issues was predominant, because the Civil Code of 1916, lasted for decades,
refuting securing rights of personality, for the prevailing "have and not being." Finally there
was a major transformation in contemporary civil law, in the face of neoconstitutionalism,
bringing into the Charter Magda values that should be considered in the analysis of conflicts
arising from private legal relationships. In this sense the historical evolution exceeded the
public-private dichotomy, and then went on to analyze the consequences of this
transformation, making new theory arose from sources in which the Constitution becomes a
source of rules, a new theory of norms, which requires the interpretation and application by
the jurist is suitable rules and principles aimed at ensuring the human person in the current
democratic rule of law.
KEYWORDS: Personality of a person, 2 person's legal personality; Repersonalization 3.
INTRODUÇÃO
Os direitos da personalidade que tiveram sua origem no direito romano,
onde qualificavam de injúria tudo aquilo que ferisse algum atributo pessoal do homem, como
a liberdade e as esferas física e moral. Para cada direito ferido, atribuía-se uma ação.
No século XIII, direitos da pessoa humana foram assegurados pela Carta
Magna da Inglaterra, editada para fazer frente ao absolutismo dos detentores do poder.
Em 1776, nos Estados Unidos, com a Declaração de Direitos do Bom Povo
de Virgínia, protegeu alguns direitos da personalidade. Seguida da Declaração da Revolução
Francesa que também reconheceu em 1871 certos direitos da personalidade.
Já o Código Civil da Alemanha (1900) e da Suíça (1907) são apontados
como os primeiros a tratar, expressamente, dos direitos da personalidade. A Alemanha
consagrou, em seu Código Civil, os direitos à vida, ao corpo e à saúde. Após sendo ampliado
com direito à honra, ao nome, à imagem, à voz, a intimidade, dentre outros.
Mas autores como Savigny, Ravà, Orgaz e Von Tuhr “são opositores do
reconhecimento do direito da personalidade, pois reconhecer eles, segundo os escritores,
significaria aceitar a justificação do suicídio2”, fato esse que coaduna com os civilista de
2
BARRETO, Wanderlei de Paula. In: ALVIM, Arruda e ALVIM, Thereza (coords.). Comentários ao código
civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 1, p. 100.
146
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
época passada, pois o
Código Civil Brasileiro de 1916 não demonstrava grandes
preocupações com a matéria, dando ênfase então somente a questão patrimonial,
diferentemente do que ocorreu com o advento do Código Civil de 2002, que trata nos artigos
11 ao 21, sendo que em comunhão com o texto constitucional tratou de “repersonalizar3”
esses institutos.
Em razão disso o princípio da autonomia patrimonial das sociedades
empresárias que antes eram absolutos, passaram a serem relativizados, eram utilizadas como
instrumentos para a realização de fraudes contra os credores ou mesmo abuso de direito.
Na medida em que é a sociedade o sujeito titular do direito e devedor das
obrigações, e não o seu sócio. Muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são
indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração
dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias,
como as de incorporação, fusão, cisão. Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de
sofisticação jurídica em que a consideração da autonomia da pessoa jurídica importa a
impossibilidade de correção da fraude ou do abuso.
Quer dizer, em determinadas situações, ao prestigiar o principio da
autonomia privada das pessoas jurídicas, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto,
resguardado pela licitude da conduta da sociedade empresária.
Somente se revela a irregularidade se o juiz nessas situações (quer dizer,
especificamente no julgamento do caso), afastar esse princípio, ou seja desconsiderá-lo. Desse
modo, como pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, com vista ao principio da
dignidade da pessoa humana, sob a ótica da repersonalização.
3
Repersonalização: Representa a perspectiva da pessoa humana como centro do direito civil, e do direito como
um todo, compreendendo que ela está acima da dimensão patrimonial, em razão de dignidade essencial. Assim,
ela está intimamente conectada com o princípio da dignidade da pessoa humana. A ideia costuma ser também
referida como repersonalização do direito privado, remetendo à perspectiva da pessoa, no direito romano, como
centro da experiência jurídica na esfera privada.
147
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2. VISÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DA PERSONALIDADE
O constitucionalista Zulmar Fachin esclarece que o vinculo entre “Direito
Constitucional e Direito Civil são cada vez mais estreito. Havendo forte doutrina civilista no
Brasil que, inspirada em doutrinadores Italianos, tem se dedicando ao estudo do direito Civil,
tomando a Constituição como sua fonte legitimadora4” visando a proteção dos direitos da
personalidade inseridos nos artigos 11 a 21 e 52 do Código Civil de 2002. Enfatiza ainda
FACHIN em sua obra outros direitos5:
[...] de propriedade desde que exerça a função social (art. 5º inciso XXII da
CF), herança (art. 5º inciso XXIII da CF), estabelecendo família com base
da sociedade (art. 226 da CF), protegendo ainda união estável (art. 226,
parágrafo 3º da CF), a família monoparental (art. 226, parágrafo 4º da CF),
prevê o usucapião urbano, rural ((art. 183 da CF), a desapropriação de terras
rurais para reforma agraria (art. 184 da CF) [...].
Neste contexto, esclarece o autor que o Direito Civil Constitucionalizando,
“a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º inciso III) assume posição de
centralidade
axiológica no desenvolvimento das relações jurídicas entre particulares6”. O que significa
dizer que o individuo passou a ser valorado nessa circunstâncias.
Comungando também desse entendimento decisão do Tribunal do Distrito
Federal relata que “antigamente predominava a visão que o Direito Civil seria um ramo
distanciado do Direito Constitucional7”.
No bojo do acórdão a “complexidade e a dinâmica do mundo moderno,
desta concepção tornou-se ultrapassada, sendo imperativa a análise da constitucionalização e
da publicização no âmbito civil8”. Com isto, a jurisprudência assinala que tal mudança se
justificou em virtude da necessidade de acompanhar os novos valores e os novos direitos
salvaguardados pela Constituição Federal de 1988, sendo fundamental a percepção ética que o
Operador do Direito deve obter na interpretação e aplicação do Novo Código Civil à luz da
Constituição.
4
FACHIN, Zulmar, Curso de Direito Constitucional: 3ª ed. São Paulo: Método, 2008. p. 23.
Ibid.: p. 23.
6
Ibid.: p. 23-24.
7
Disponível em http://www.tjdft.jus.br Acesso em 18 de março de 2013.
8
Disponível em http://www.tjdft.jus.br Acesso em 18 de março de 2013.
5
148
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Não é demais salientar que a “Constitucionalização é o processo que
submete o direito positivo aos fundamentos de validade estabelecidos na Constituição e a
publicização9”
e o processo de intervenção no setor legislativo infraconstitucional que
objetiva reduzir o campo da autonomia privada com o escopo de tutelar a parte mais
vulnerável da relação jurídica.
Portanto esclarece à autora Roxana Cardoso Brasileiro Borges que esse é o
caminho correto para a interpretação das normas: “ler o Código Civil de acordo com o que a
Constituição Federal dispõe. Se o Código Civil e a Constituição Federal trazem regras
distintas para, por exemplo, o direito de família, a regra que prevalecerá é a da Constituição
Federal10”. Significa dizer que o Código pode ser aplicado naquilo em que não divergir do
conteúdo constitucional.
3. SURGIMENTO E PROTEÇÃO DAS PERSONALIDADE
Em tema de monografia apresentado no 21º Curso na Escola da
Magistratura
Núcleo
de
Maringá
–
EMAP/2012,
cujo
titulo
foi
TIPOS
DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURIDICA, expõe, “o que venha ser personalidade
da pessoa física e da pessoa jurídica11”. Nesse sentido, ressalta-se que um tema coaduna com
outro em seu surgimento e desaparecimento do ordenamento jurídico. Para tanto, visando o
devido entendimento, verifica-se como surge antes a personalidade da pessoa física, para
então depois tratar da personalidade jurídica. Assim, prescreve o Código Civil de 2002:
Art. 2 A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas
a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro12”.
Em contrapartida, finda a personalidade com a morte da pessoa física,
conforme demonstra o diploma legal, mas ainda sobejam direitos e deveres aos respectivos
herdeiros:
9
Disponível em http://www.tjdft.jus.br Acesso em 18 de março de 2013.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileira, Direitos de personalidade e autonomia privada: 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 85
11
SOUZA, Marco Antonio. Tipos de desconsideração da pessoa jurídica: 2012. p. 10-11. Pós Graduação lato
sensu, Escola da Magistratura Núcleo de Maringá.
12
Vade Mecum Saraiva – 11. ed. amplamente atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 157.
10
149
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Art. 6 A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta,
quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão
definitiva13”.
“Todo ser humano é dotado de personalidade, assim como a pessoa jurídica,
desde o início de sua existência. Não se confunde, porém, a personalidade com a pessoa, uma
vez que aquela é o atributo desta.”, é o que esclarece o autor Roberto Senise Lisboa14”.
Entende-se que o objeto do direito é a personalidade humana, englobando o
aspecto físico, psíquico e moral. São excluídos do âmbito de incidência dos direitos da
personalidade elementos externos à pessoa (materiais ou imateriais) e qualquer
comportamento não incidente sobre a pessoa ou seus atributos.
Por fim, as definições ressaltam o caráter inato e essencial destes direitos,
inerentes à condição humana e sem os quais a pessoa não subsiste.
Nesta mesma perspectiva ainda acrescenta o autor15”:
Personalidade, na acepção clássica, é a capacidade de direito ou de gozo da
pessoa de ser titular de direitos e obrigações, independentemente de seu grau
de discernimento, em razão de direitos que inerentes à natureza humana e
sua projeção para o mundo exterior. Os direitos de personalidade são direitos
intrínsecos ao ser humano, considerado em si mesmo e em suas projeções ou
exteriorizações para o mundo exterior.
Corroborando com o exposto, o professor Dr. José Sebastião de Oliveira e a
mestre Regina Cristina da Silva Menoia, referenciam-se que “os direitos da personalidade
são os direitos mínimos para resguardar a dignidade da pessoa humana, direitos essenciais do
ser humano para garantir o gozo e o respeito ao seu próprio ser16”.
13
Vade Mecum Saraiva – 11. ed. amplamente atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 159.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo, SP: Revista dos
Tribunais, 2003. v. 1. p. 245.
15
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo, SP: Revista dos
Tribunais, 2003. v. 1. p. 245.
16
Disponível em http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/ Acesso em 18 de março
de 2013.
14
150
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Por outro lado, em que pese a personalidade jurídica ser figura não palpável,
também surge no ordenamento jurídico e também por diversas conseqüências desaparece,
resguardando direitos e deveres sucessórios.
Assim, o conceito de pessoas jurídica começou a desenvolver-se somente
durante o Império, “e quando da constituição dos municipia, nessa época, às cidades itálicas
que eram conquistadas e atraídas à órbita do Estado Romano, outorgavam-se Estatutos e se
lhes concedia uma espécie de autonomia segundo a autora FREITAS17”.
Dessa forma, a pessoa jurídica teve como nascedouro, ao menos que tange a
sua estrutura característica, no Império Romano.
Também com o advento do Código Civil de 2002, juridicamente demonstra
como nasce essa personalidade jurídica, atualmente no ordenamento jurídico pátrio, ou seja,
com a vontade humana daqueles que a representam, denominado empresário, conforme
dispositivo legal que adiante segue:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços18.
Posto isto, significa dizer que há duas situações distintas, no que tange a
pessoa jurídica, sendo o empresário e o ente público, conforme demonstra o diploma legal:
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de
Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade19”.
Dessa feita, conforme os artigos abaixo do Código Civil, pessoas jurídicas
segundo Fábio Ulhoa Coelho são:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de
direito privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
17
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 26.
18
Vade Mecum Saraiva – 11. ed. amplamente atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 235.
19
Vade Mecum Saraiva – 11. ed. amplamente atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 235.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas.
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados
estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional
público.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos20.
Demonstrado como surge no ordenamento jurídico, as personalidade tanto
da pessoa física, bem como da jurídica, aspectos jurídicos devem serem observados desses
sujeitos de direito, conforme se vê adiante no Código Civil de 2002 e Súmula do STJ:
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção os direitos
da personalidade21”.
STJ Súmula nº 227 - 08/09/1999 - DJ 20.10.1999
Pessoa Jurídica - Dano Moral A pessoa jurídica pode sofrer dano moral22”.
Discorre ainda o professor Dr. José Sebastião de Oliveira e a mestre Regina
Cristina da Silva Menoia, que, “a morte determina o fim dos direitos da personalidade, mas a
recordação daquele constitui um prolongamento de sua personalidade, que se projeta em
outras pessoas, que deve ser tutelado pelos seus parentes em nome da família, merecendo total
proteção do direito23”. Significa dizer que ambos tenham direitos personalíssimos garantidos,
mesmo depois que passam não mais existirem no ordenamento jurídico.
20
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, 1999. p. 35.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em 18 de março de 2013.
22
Disponível em <http://www.stj.gov.br/> Acesso em 18 de março de 2013.
23
Disponível em <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/> Acesso em 18 de
março de 2013.
21
152
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
3.1 SÍNTESE HISTÓRICA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
André Luiz Santa Cruz Ramos, historicamente conta em sua obra a respeito
da
“disregard doctrine” que é fruto
de construção jurisprudencial, notadamente a
jurisprudência inglesa e norte-americana, com efeito, a doutrina comercialista aponta que o
caso pioneiro acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ocorreu na
Inglaterra, em 189724”. Trata-se do caso “Salomon versus Salomon & Co. Ltda25”, cuja
transcrição mais detalhada, no Brasil, consta na obra de Rubens Requião, no caso em
referência, “a sentença de 1º grau entendeu pela possibilidade de desconsideração da pessoa
jurídica da Salomon & Co. Ltda., após reconhecer que Mr. Salomon tinha, na verdade, o total
controle societário sobre a sociedade não se justificando a separação patrimonial entre ele e a
pessoa jurídica26”. Essa decisão é considerada, pois, a grande precursora da teoria da
desconsideração, não obstante tenha sido posteriormente reformada pela “Casa dos Lords, a
qual entendeu pela impossibilidade de desconsideração, fazendo prevalecer a separação entre
patrimônios de Mr. Salomon e de sua sociedade e, consequentemente, sua irresponsabilidade
pessoal pelas dívidas sócias27”.
A Casa dos Lordes reformou, unanimemente, esse entendimento pela
desconsideração, “julgando que a company havia sido validamente constituída, mas a tese das
decisões reformadas dos juízos a quo repercutiu, dando origem a doutrina do disregard of
legal entity28”, sobretudo nos Estados Unidos
onde se formou larga jurisprudência,
“expandindo-se mais recentemente na Alemanha e em outros países europeus, firmando,
portanto, a partir dos precedentes mencionados, a possibilidade de afastamento dos efeitos da
personalização, autonomia e separação patrimonial nos casos em que a personalidade jurídica
fosse utilizada de forma abusiva, em prejuízo aos interesses dos credores29”.
24
CRUZ RAMOS, Andre Luiz Santa, Curso de Direito Empresarial: – 4ª ed. – Salvador BA: Editora
JusPodivw, 2010. p. 335.
25
Ibid.: p. 335.
26
CRUZ RAMOS, Andre Luiz Santa, Curso de Direito Empresarial: – 4ª ed. – Salvador BA: Editora
JusPodivw, 2010. p. 335.
27
Ibid.: p. 335.
28
CRUZ RAMOS, Andre Luiz Santa, Curso de Direito Empresarial: – 4ª ed. – Salvador BA: Editora
JusPodivw, 2010. p. 335.
29
Ibid.: p. 335.
153
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Nesses casos, poderia “o juiz ou tribunal desconsiderar os efeitos da
personalidade jurídica, permitindo-se, assim, a execução do patrimônio pessoal dos sócios por
dívidas da sociedade30”, sob enfoque de violar direitos da personalidade, mas em outrora o
patrimônio se sobressaia em face das pessoas, pois valorizava o ter e não o ser, fatos que
levavam a não desconsiderar a pessoa jurídica.
3.2 CHEGADA AO BRASIL
Embora o Procurador André Luiz Santa Cruz Ramos faça referência de
outro doutrinador, logo tratou também de inserir em sua obra, a forma que essa teoria da
desconsideração chegou ao Brasil, como adiante se pode ver:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica chegou ao Brasil pelas
mãos de Rubens Requião, na década de 60, quando o autor já defendia a sua
aplicação no Pais, a despeito da ausência de previsão legislativa. Nas
palavras do renomado jurista se diz o seguinte: ora, diante do abuso de
direito e fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o
direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude
ou abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade, para, penetrando
em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para
fins ilícitos ou abusivos31.
Portanto, diversos doutrinadores apontam que a teoria da desconsideração
vem sendo aplicada no Brasil há bastante tempo pela jurisprudência nos casos em que
caracteriza o desvio de finalidade das sociedades, mas com muita resistência, somente
tomando corpo com a repersonalização.
Com isto, a desconsideração da pessoa jurídica é objeto do caput e do § 5º
do artigo 28 do CDC, pois os parágrafos 2º, 3º e 4º atingem a matéria da responsabilidade
subsidiária ou solidária que a própria lei define, sendo dispensável a intercessão judicial no
sentido de apregoar a desconsideração.
A prima proposição da desconsideração elencada pelo artigo 28 do CDC é o
abuso de direito, que importa no exercício não regular de um direito.
30
Ibid.: p. 335.
REQUIÃO, Rubens, apud, CRUZ RAMOS, Andre Luiz Santa, Curso de Direito Empresarial: – 4ª ed. –
Salvador BA: Editora JusPodivw, 2010 339.
31
154
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Entretanto, a personalidade jurídica é aplicada visando determinada
finalidade social. Se qualquer ato é praticado em desavença com tal finalidade originando
prejuízos a outrem, tal ato é abusivo e, de imediato, atentatório ao direito, sendo a
desconsideração um meio eficaz de coibição a tais práticas.
Na mesma teia, o Código alude ao excesso de poder, que diz respeito aos
administradores que cometem atos para os quais não tem poder. Tais poderes são acentuados
pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, cuja violação também é apontada como hipótese
de desconsideração.
Esta interpretação segue o raciocínio da teoria menor da desconsideração.
De acordo com tal teoria, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso
basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. Contrariando, deste modo, os
fundamentos teóricos da desconsideração e representando a negação da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica.
Neste diapasão, deve-se entender o parágrafo em questão como conexo
somente às sanções impostas ao empresário, por inadimplemento de norma protetiva dos
consumidores, de caráter não pecuniário.
Com efeito, a distinção entre a pessoa jurídica e a pessoa dos sócios, contida
no “art. 46 do Código Civil32”, deve ser relativizada, quando a pessoa jurídica é constituída no
sentido de fugir às suas finalidades, em fraude à lei ou em prejuízo de terceiros, e com base no
“art. 50 do mesmo diploma legal33”, deve ser desconsiderada a personalidade da sociedade de
modo que os atos praticados em nome desta sejam diretamente atrelados aos seus sócios.
32
Art. 46 CC. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
33
Art. 50 CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
155
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Posteriormente a Lei nº 8884/94 que dispõe sobre a prevenção e repreensão
às infrações à ordem econômica também regulamentou a aplicação da teoria, estatuindo em
seu artigo 18 que:
“a personalidade jurídica do responsável por infração a ordem econômica
poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos
ou contrato social, a desconsideração também será afetiva quando houver
falência, estado insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração34”.
Traz ainda essa Lei, em um de seus dispositivos que “aplica-se às pessoas
físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de
entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou
sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal 35”,
com isto visa com que os abusos sejam suprimidos e/ou diminuídos por parte de fraudadores.
Outra iniciativa mencionada foi a da edição da Lei nº 9605/98, que regula os
crimes ambientais, mais uma vez o legislador regulamentou o tema da desconsideração da
personalidade jurídica, conforme adiante prescreve o dispositivo legal.
O artigo 4º desta Lei prevê que “poderá ser desconsiderado a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente36”.
Neste entendimento, o ambientalista Frederico Augusto Di Trindade Amado
menciona em sua obra que em que pese se “tratar da lei criminal, cuida-se de uma hipótese
que desconsideração da personalidade jurídica37”, em que se poderá declarar a ineficácia da
personalidade notadamente nas ações indenizatórias por danos ambientais, entende que é uma
modalidade de:
“disregard of legal entity norteada pela teoria menor não se exigindo do
abuso da personalidade jurídica, bastando por exemplo a simples
34
Disponível em<http://www.leidireto.com.br>Acesso em 18 março de 2013.
Disponível em <http://www.leidireto.com.br>Acesso em 18 de março 2013.
36
Disponível em <http://www.senado.gov.br/> Acesso em 18 de março 2013.
37
AMADO, Frederico Augusto Di Trindade, Direito Ambiental Sistematizado. Rio de Janeiro. Ed. Metodo,
2009. p. 252/253.
35
156
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
impossibilidade de a pessoa jurídica arcar com a reparação ambiental,
podendo atingir os sócios e os gestores do ente de inexistência moral38”.
O relato é exemplo do ocorre no código do consumidor.
No estudo, observou-se uniformidade com os dispositivos de Lei, pois que
a previsão normativa constante do CDC os dois textos legais posteriores que também
cuidaram da aplicação da teoria da desconsideração, enquanto a Lei nº 8884, em seu artigo 18
repetiu a redação do artigo 28 caput, do CDC, a lei nº 9605/98 repetiu, em seu artigo 4º
redação do artigo 28, parágrafo 5º do diploma consumerista.
Nesta mesma linha, a CLT
(CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO
TRABALHO) em seu “art. 2º39” possibilita a desconsideração da pessoa jurídica, nos casos
de violação aos direitos dos trabalhadores, o mesmo ocorrendo conforme estipula o 135 do
Código Tributários Nacional, em caso de má administração, destaca-se ainda o artigo 1676 do
Código Civil de 2002, quando a meação do cônjuge não são respeitada.
Com os desideratos apresentados, percebe-se a preocupação do Legislador
em inserir normas no ordenamento jurídico visando preservar direitos da personalidade, com
vista a garantia e proteção da dignidade da pessoa humana.
4. DESIGULDADES
A personalidade tanto física como jurídica existiam no Estado Liberal, mas
quando o direito da pessoa física era violado por empresas (pessoa jurídica), sob a proteção
patrimonialista pouca coisa se podia fazer. Mas hoje tudo esta mudado, neste sentido
38
Ibid.: p. 252/253..
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais,
as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria,
estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de
qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a
empresa principal e cada uma das subordinadas.
39
157
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
esclarece o professor Dr. José Sebastião de Oliveira e à mestre Regina Cristina da Silva
Menoia:
“Fatores tais como as duas grandes guerras mundiais, a transformação do
Estado liberal em Estado social, o fim das ditaduras totalitaristas, e o
surgimento de uma nova ordem econômica social, resultaram no fato de que
o sistema jurídico desenvolvido pelo direito civil clássico principalmente no
tocante aos anseios sociais e necessidades do homem encontrava-se
defasado, contribuindo para a exclusão do direito civil do núcleo da ordem
jurídica dos povos, vindo a ocupar seu lugar a Constituição, com seus
princípios e regras que constituem e regulamenta relações sociais40”.
Significa dizer que as empresas como sujeito de direito e obrigações,
geridas por pessoas, tem o condão de respeitar a dignidade da pessoa humana, sob o prisma,
de violar o principio da dignidade da pessoa humana, que se apresente no “núcleo do
ordenamento jurídico”.
A atual Carta Magna reconhece em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da
pessoa humana, bem como o Art. 5º, inciso XXII, o direito de propriedade. O que fazer
quando duas garantias asseguradas pela constituição se chocam? Há de se ponderar se o
direito individual de ser proprietário livre prevalecerá sobre a dignidade humana e o
cumprimento da função social da propriedade.
Atualmente existe uma grande tendência, trazida inclusive pela Constituição
de 1988, em despatrimonializar o Direito e torná-lo mais solidário e democrático, com o
espírito de solidariedade. Tal mudança pode ser observada até mesmo no Código Civil de
2002, que modificou diversas normas neste sentido.
Entretanto, para dirimir melhor o tema, deve ser adotado a tese da
ponderação de bens juridicamente tutelados como método adequado para solução de colisão
de direitos fundamentais, “onde o intérprete poderá, através da razoabilidade, checar as áreas
pertencentes ao âmbito normativo dos bens envolvidos no conflito41”.
40
Disponível em <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/> Acesso em
18 de março de 2013.
41
GRAU, Eros Roberto e Sérgio Sérvulo da Cunha. Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 242.
158
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O método de ponderação de bens pode sugerir a existência de uma
hierarquia axiológica e dinâmica entre os princípios em tensão. Uma hierarquia axiologia eis
que confere, em justa medida, maior ou menor peso ou valor aos princípios colidentes.
Dinâmica, por se estar diante de relação axiológica mutável que outorga primazia axiológica a
uma relação específica, podendo inverter-se em situação diversa.
Então, ao analisar o instituto do direito de propriedade contraposto ao da
dignidade humana, ambos albergados pela Constituição Federal de 1988 como norma
fundamental, conclui-se que não existem elementos específicos para atestar qual direito se
sobrepõem ao outro. O que deve ser feito é análise do caso concreto quando tais normas
vierem, porventura, a se chocar. Lembrando-se sempre que a dignidade humana é epicentro
axiológico de nosso ordenamento jurídico. Portanto, deve a pessoa jurídica ser submissa as
normas impostas, pois o fundamental é o respeito a dignidade humana, com enfoque ao
direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos.
Neste sentido esclarece o professor Dr. Zenni, em uma de suas obras:
“O desenvolvimento é uma premência humana, e deve ser encarada de uma
forma coletiva, não se lhe tratando como fenômeno isolado, sem
comunicação e influxos nos diversos recantos do globo. Não se Poe em
discussão que grande parte da humanidade esta privada de bens e serviços, e
a distribuição de riquezas é macroscopicamente desigual, denunciando um
abalo à ordem moral42.
Por isto, a Constituição Federal de 1988, resguardou a dignidade da pessoa
humana como valor central do ordenamento jurídico, valor que passou a integrar todos os
ramos do direito é que pode se dizer que houve a repersonalização do direito.
Fazendo com que o patrimônio deixasse de ter seu valor prioritário
colocando esta primazia diante da pessoa, o que leva a crer que as empresas embora deva
exercer seu papel social, jamais devem violar direitos personalíssimos, sob pena de serem
desconsideradas.
42
ZENNI, Alessandro Severino Valler. A crise do direito na pós-modernidade: Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 2006. p. 63
159
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Quanto ao estudo do direito de propriedade, de acordo com a Constituição
de 1988, envolve duas vertentes, uma de caráter individual e outra de caráter social. A
primeira diz respeito a garantir o direito de propriedade (Art. 5.º, XXII) e outra diz respeito a
atribuir a propriedade o atendimento à sua função social (Art. 5.º, XXIII).
Além de reafirmar a instituição da propriedade privada e a sua função social
como princípios da ordem econômica (Art. 170, II e III), relativizando o seu significado.
Verifica-se, portanto, que a inovação trazida pela Constituição de 1988 se dá com a função
social da propriedade ter sido incorporada ao Capítulo de Direitos e Garantias, bem como o
próprio direito de propriedade ter sido destacado.
Por outro lado, os direitos de personalidade, tidos como a expressão do
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana nas relações interprivadas, são
considerados a base fundante de todo o ordenamento jusprivatista e a razão de ser do direito
civil contemporâneo; apontados como uma das maiores inovações na codificação civil de
2002, suscitaram uma série de estudos dos mais representativos expoentes do direito civil, no
sentido de compreender-lhes o significado, identificar suas características e dimensionar seus
limites, caso a função social da propriedade privada deixe de ser estabelecida.
5. REPERSONALIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO
Continua esclarecendo, a douta Srª Juíza Oriana Piske do Tribunal Federal
que a “promulgação da Constituição Federal de 1988, fez com que todo o ordenamento
infraconstitucional precisasse ser adaptado à nova moldura imposta pelas normas superiores,
ou seja43”, assim o Código deve curvar-se ante o manto Constitucional dos valores que
ofuscam a ideologia que o inspirou, e a abertura do sistema lhe dá uma convergência social
irresistível.
Delineia-se aí a expressão Constitucionalização do Direito Privado. Nesta
toada, há uma mudança substancial, ou seja, deve o jurista interpretar o Código Civil segundo
a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com freqüência.
43
Disponível em http://www.tjdft.jus.br Acesso em 18 de março de 2013.
160
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Assim, a repersonalização do Direito Civil está relacionada com a
emancipação da pessoa humana, colocando-a como centro do Direito Civil, passando o
patrimônio ao papel coadjuvante.
Com isto, propõe que quando diz que uma coisa é ler o Código naquela
ótica produtivista, outra é relê-lo à luz da opção ideológico-jurídica constitucional, na qual a
produção encontra limites insuperáveis no respeito aos direitos fundamentais da pessoa
humana.
Neste contexto, o compromisso transformador, inerente à ideia de Estado
Social e Democrático de Direito, publiciza o Direito Civil com vistas à sua repersonalização,
através dos mecanismos normativos do sistema, ampliando o interesse recebido nas
titularidades, visando, assim, sua funcionalização, na condição de meio de concretização dos
valores solidarísticos constitucionalizados.
Em síntese, que a discussão dos princípios e valores que o sistema jurídico
colocou em seu centro e em sua periferia é o que se chama de repersonalização do Direito
Privado.
A partir da constitucionalização do Direito Civil, é necessário que os
civilistas assumam o desafio de perceber a pessoa em toda a sua dimensão ontológica e,
através dela, seu patrimônio. Devem ser levados em consideração os princípios
constitucionais nas relações do Direito Privado, reconhecendo o caráter normativo de
princípios como o da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da função social da
propriedade, pois através deles é possível assegurar eficácia imediata a tais relações, caso seja
necessário, desconsiderar a pessoa jurídica, com vista à proteção ao principio da dignidade da
pessoa humana.
5.1 EFICACIA DA REPERSONZALIÇÃO
Conceitua CANTALI que com a “eleição da dignidade da pessoa humana
como valor fundante “de toda a ordem jurídica, a pessoa passou a ser o centro referencial do
ordenamento, e os direitos ligados à sua personalidade tomaram posição de destaque”. A
pessoa não é mais tida apenas "como sujeito de direitos, categoria abstrata, elemento da
161
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
relação jurídica", mas passa a ser considerada "como bem jurídico tutelável, não como objeto
de direito, mas como valor expresso na tutela das situações subjetivas existenciais". A pessoa
vale pelo que é, e não apenas pelo que tem.
Continua discorrendo a autora (CANTALLI), que o “responsável por esta
mudança de perspectiva é o processo de repersonalização do Direito Civil, seara onde os
interesses patrimoniais (empresas e outros), perderam a posição de destaque outrora
garantido, já que funcionalizados aos interesses existenciais da pessoa humana44”.
Orlando de Carvalho, justamente se referindo ao fenômeno da
repersonalização, identifica o “Direito Civil com uma zona de composição espontânea de
interesses, na qual se reconhece o poder de autodeterminação ou de autogestão do indivíduo,
que assim se eleva necessariamente a pressuposto número um do próprio modo de
regulamentação civilístico45”.
Percebe-se, que com a repersonalização, a pessoa passa a ser a finalidade e
a função do Direito e, nessa medida, não há como não levar em consideração a sua
capacidade interna de tomada de decisão, ou a sua própria vontade, e o seu poder de autoregulamentação dos interesses segundo a sua vontade, que é a própria autonomia, inclusive,
quando os interesses e bens em questão são extrapatrimoniais. Assim, para CANTALLI pode
se afirmar o seguinte46:
que a autonomia privada ampliou seu campo de atuação para além das
tradicionais situações patrimoniais. Há autores que, com esta mudança de
entendimento, entendem que a teoria da autonomia da vontade, onde esta
reinava sem limites e sem intervenção estatal, foi superada, dando lugar à
teoria da autonomia privada, onde a vontade não é capaz de criar direito por
si só, sendo fonte normativa apenas quando a conduta do particular estiver
legitimada pela ordem jurídica, ou seja, quando praticada dentro dos limites
estabelecidos e em consonância com os valores constitucionais.
Este cenário perdurou por muito tempo, até a Constituição Federal de 1988
que, atendendo aos anseios sociais, alterou radicalmente todo o Direito Civil com a
44
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.
204.
45
CARVALHO, Orlando de. A teoria Geral da Relação Jurídica. Coimbra: Centrelha,1981. p. 90-92
46
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.
204.
162
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
consagração, no inciso III do artigo 1º, do princípio da dignidade da pessoa humana como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Onde diversas violações a esse direito
são reprimidas, no caso em especifico com a desconsideração da personalidade jurídica,
inclusive a inversa, ou seja possibilitando ao órgão judicante, retirar o véu da pessoa jurídica,
para satisfazer o direito quando violado por fraudadores.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que o Estado brasileiro, após a Constituição de 1988, deixou de
lado o modelo liberal e passou a um paradigma social, consagrando direitos individuais
homogêneos, coletivos e difusos que alcançam várias dimensões da cidadania. O Código
Civil e brasileiro de 1916 possuía uma ideologia liberal oitocentista, impregnada por um
marcante individualismo. Assim, evidenciou-se o grande abismo entre os princípios e valores
do Código Civil de 1916 e os princípios e valores presentes na sociedade pós-industrial,
revelando a necessidade de romper com os padrões éticos e ideológicos estabelecidos após a
Carta Constitucional brasileira de 1988, não recomendando a continuidade daquele Código,
seja pela emersão de novos direitos que passaram a exigir tratamento multidisciplinar e para
os quais aquela codificação se mostrou inadequada, seja pelo fato de a patrimonialização das
relações ali presentes contrastar com o princípio da dignidade da pessoa humana e da
valorização da cidadania, ambos consagrados na Constituição de 1988.
Dessas acepções, considerando que a personalidade tanto da pessoa física,
bem como da jurídica deve ser respeitada, Os Tipos de Desconsiderações da Pessoa
Jurídica se mostram eficazes, apesar de existirem críticas e dúvidas quanto a sua efetiva
contribuição. No art. 50 do Código Civil, diz que a incorporação da teoria do disregard
douctrine no direito pátrio, eliminando às incertezas relacionadas à interpretação de elementos
essenciais para sua configuração, como o abuso de direito.
Posto isto, o grande desafio da atualidade é a repersonalização efetiva no
Direito Civil, ou seja, o reposicionamento da pessoa humana como elemento central,
passando o patrimônio, no caso em mesa, a empresa e seu respectivo patrimônio, a papel
secundário. Outro desafio importante está na eficácia privada dos direitos fundamentais. Para
163
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
tanto, é necessário efetivar concretamente os direitos humanos e de cidadania. Trata-se,
portanto, de um desafio ético.
No Novo Código Civil observa-se a presença de valores como, afetividade,
essencial valor da família; a função social, como ente autônomo para o exercício normal das
atividades econômicas, isto é, para o tráfego jurídico de boa-fé e fins sociais.
Diante dessas considerações, destaca-se a Desconsideração Inversa da
Personalidade Jurídica para o direito atual superficialmente em todos os aspectos, além de
confirmar sua aplicabilidade pela Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, nos casos em que fique evidenciada fraude e/ou abuso de direito
por parte do sócio que transfere os seus bens de raiz para a sociedade visando fraudar
credores, dentre tantas outras questões tributária, trabalhistas e de sócio casado que transfere
para uma sociedade os bens conjugais, esvaziando assim, todo o patrimônio e prejudicando a
meação da esposa, esclarecendo que estes são apenas uns dos diversos exemplos aceitos pela
Jurisprudência no que diz respeito à aplicação da
teoria da Desconsideração Inversa,
objetivando com isto, colocar as respectivas personalidade em pé de igualdade, visando
garantir a dignidade da pessoa humana, haja vista que nessa relação entre personalidade da
pessoa física e jurídica, uma não pode violar o direito da outra, como ocorre com a pessoa
jurídica.
Como conteúdo merecedor de destaque, e não apenas como limite da
propriedade, nas suas diversas perspectivas e facetas; o princípio da equivalência material das
prestações e a defesa da pessoa física em face da pessoa jurídica, motivado pela
hipossuficiência. Todos esses valores e princípios fazem parte de uma nova pauta ética que
devem ser considerados pelo aplicador do Direito, uma vez que foram convolados a princípios
e regras de índole constitucional, devendo nortear a realização do Direito Civil. Assim, o
Novo Código Civil evoluiu rumo a concretização de todos os Direitos Fundamentais das
pessoas, a fim de construir uma sociedade mais justa e cada vez menos excludente.
Como pode ser observado, não há outra conclusão sem que seja a de que a
pessoa jurídica vem sendo utilizado de forma desvirtuada e maliciosa por sócios da pessoa
jurídica que visam o proveito próprio, mas por outro lado, o poder judiciário vem atuando
firmemente no intuito de coibir as atitudes dos devedores que tentam se esquivar do
pagamento de suas dívidas utilizando da pessoa jurídica de forma fraudulenta.
164
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O Código de Defesa do Consumidor compilou as hipóteses em que é
cabível a desconsideração, sendo que depois surgiu na Lei de ordem econômica nº 8884/94,
Lei ambiental nº 9605/98 e por derradeiro no Código Civil de 2002 em seu artigo 50 que trata
tanto de desconsideração inversa como a pura, onde essa última desconsidera o ente jurídico,
chegando aos bens da pessoa física, para satisfazer o direito.
Posto isto, significa dizer que o art. 5º LXXVIII, da CF, vem se
consolidando, mormente quanto ao princípio da razoável duração do processo que é o
norteador do direito à luz da Constituição Federal de 1988 em favor daqueles que buscam por
justiça, pois o véu está sendo retirado pelo órgão jurisdicional, fazendo com que de fato a
pessoa jurídica exerça seu verdadeiro papel social em prol dos jurisdicionados.
Neste quadrante percebe-se que é de interesse da sociedade que o Poder
Judiciário, além de regular as relações jurídicas com o Estado e entre particulares, também
distribua Justiça. Portanto, do acima exposto é inevitável a judicialização dos direitos sociais
para sua real efetivação, ainda que este ente (poder judiciário) possa agir somente quando
provocado, mas por hora é somente desta maneira que o homem terá o exercício pleno de sua
dignidade.
Esse é o papel social que, historicamente, lhe é reservado. Em decorrência,
há uma função social a ser realizada nos atos, nos contratos, nas relações jurídicas, na
propriedade, no contexto familiar, com a importância da lealdade, da boa-fé, da honestidade,
da confiança, da dignidade nas relações privadas, tudo com vista no principio da dignidade
humana, o que por sua vez teve sua dignidade restabelecida por intermédio do fenômeno
denominado REPERSONALIZAÇÃO.
165
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
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167
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABERTURA DE CAPITAL NA SOCIEDADE
ANÔNIMA
CONSIDERATIONS ON THE PUBLIC OFFER
Rodrigo de Oliveira Botelho Corrêa
Mestrando em Direito pela UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado
RESUMO
Uma questão essencial para o exercício e desenvolvimento da atividade empresarial é
a busca por capital. Existem algumas alternativas para se obter o capital necessário para
empreitadas mercantis. Uma delas, e muito provavelmente a mais eficiente, sobretudo para
negócios de grande valor agregado, é o recurso ao mercado de capitais. Este trabalho retrata a
importância da abertura de capital das companhias, como forma de ampliar as opções de
financiamento da atividade negocial e produtiva. Estuda-se a legislação aplicada ao processo
de abertura de capital, com foco nos aspectos mais sensíveis e relevantes da oferta pública de
valores mobiliários, como o underwriting.
ABSTRACT
A key issue for the performance and development of business activity is the search
for capital. There are some alternatives to obtain the necessary capital for commercial
ventures. One, and probably the most efficient, especially for high value-added business, is
recourse to the capital market. This work shows the importance of IPO companies as a way to
expand financing options and negotiating productive activity. We study the legislation applied
to the process of going public, with a focus on the most sensitive and relevant public offering
of securities, such as underwriting. Thus, we present the conclusion and our impression about
the issue.
Palavras-chave: Sociedade anônima – abertura de capital – mercado de capitais.
Key-words: Public company – Initial Public Offer (IPO) – securities exchange
168
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Introdução
O final do século XVIII trouxe mudanças conspícuas, as quais repercutem até hoje.
Conquanto já existissem vozes defendendo valores como o racionalismo, o cientificismo e,
sobretudo, a ideia de um regime político calcado na liberdade, naquele período ocorreram
episódios que finalmente romperam com o regime anterior e promoveram a implantação do
sistema de mercado ou de autonomia.
Fábio Nusdeo1 destaca quatro acontecimentos notáveis, todos ocorridos no ano de
1776, nos campos da Política, da Economia, do Direito e da Tecnologia, que ajudaram a
vitória do sistema de mercado.
No campo da Política, o referido autor destaca a declaração de independência dos
EUA, que foi a primeira nação a ser fundada com base em institutos eminentemente liberais,
conquanto ainda houvesse algumas reminiscências do regime anterior, como a escravidão.
Na Economia, a edição do livro A Riqueza das Nações de Adam Smith, no qual o
autor apresenta o conceito de liberdade sob o prisma econômico. Aos indivíduos deveria ser
assegurada a tomada de decisões quanto à aplicação dos recursos escassos, afinal o homem
vivencia no dia a dia de sua existência a tarefa de administrar os recursos escassos que estão à
sua disposição. Assim, a organização da Economia deveria ficar a cargo dos indivíduos. Esses
indivíduos, conduzidos por um sentimento hedonista, decidiriam de forma a aplicar os
recursos escassos da maneira mais eficiente e ótima possível, fato que levou Smith a cunhar a
expressão “mão invisível” do mercado. Surge aí a noção de sistema de mercado ou de
autonomia.
No Direito, Fábio Nusdeo menciona a edição do Décret d´Allarde, de obra do
ministro Turgot, que pôs fim às corporações de ofício, dando liberdade a todo cidadão de
exercer a profissão de sua escolha. Esse decreto foi revogado posteriormente, mas
represtinado por meio da Lei Le Chapelier, de 1791.
Também merecem destaque o movimento constitucionalista, por se constituir em um
modelo liberal de limitação do poder, e a codificação do Direito Privado, que não só conferiu
maior segurança às relações jurídicas, como rompeu com o Direito medieval, calcado em
preceitos do Direito Romano e do Direito Canônico.
1
NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução do Direito Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 126
169
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Por fim, na área da tecnologia, o referido professor da Universidade de São Paulo
indica a aplicação da máquina a vapor ao processo produtivo, feito de Robert Fulton, que se
valeu da descoberta de Watt.
Essa sucessão de acontecimentos históricos, que não se limitam a esses, e que
culminaram com a Revolução Francesa, levou a implantação definitiva do sistema de
mercado.
Conquanto desde o renascimento comercial a atividade econômica tivesse
recrudescido, inclusive por meio de sociedades de capitais, é certo que somente com o
liberalismo e o seu sistema de mercado ela se fortaleceu a ponto de dar origem ao mais
propalado sistema de organização social-econômica: o capitalismo.
A circulação de capital, calcada nas decisões descentralizadas dos agentes
econômicos, é a mola propulsora e a principal característica do sistema capitalista. Dentre os
seus inúmeros setores, o sistema financeiro tem papel de inegável destaque, justamente por
permitir trocas entre agentes deficitários e superavitários. Esse sistema será o tema do
próximo tópico.
1.
Sistema financeiro
Como destacado no item anterior, a liberdade econômica proporciona a circulação da
riqueza entre os agentes econômicos. Esses agentes exercem essa liberdade mediante a
tomada diuturnamente de decisões sobre se eles gastarão seus recursos imediatamente ou se
adiarão esse gasto, poupando os recursos para gastá-los depois. Esse dispêndio, por sua vez,
poderá se dar por meio do consumo ou do investimento.
Nem sempre, contudo, o agente econômico dispõe de recursos suficientes para fazer
valer a sua decisão. Nesse caso, ele terá de procurar no mercado recursos para suprir essa
necessidade. Da mesma forma, aquele que acumula recursos, não deseja que seu patrimônio
fique sem uma destinação econômica efetiva, o que acabaria por diminuir o seu valor.
A função do sistema de financeiro é justamente a de prover os canais adequados
mediantes os quais os agentes econômicos deficitários obtêm os recursos de que necessitam
para os seus projetos de investimento ou para consumirem, em troca do pagamento de uma
remuneração aos poupadores.
170
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O sistema financeiro é segmentado nos seguintes subsistemas2:
a)
Mercado de crédito: operações bancárias típicas (intermediação
financeira por meio da captação de recursos dos agentes econômicos superavitários
e empréstimo desses recursos aos agentes econômicos deficitários)
b)
Mercado monetário (open market): operações de curto prazo com
títulos públicos. Usado como instrumento de política pública para dar maior ou
menor liquidez à economia.
c)
Mercado cambial: operações de curto prazo envolvendo a compra
e venda de moeda estrangeira
d)
Mercado de capitais ou de valores mobiliários: operações que
visam à captação pelos agentes econômicos deficitários da poupança dos agentes
econômicos superavitários por meio da emissão de valores mobiliários.
As companhias podem financiar suas atividades por meio de recursos próprios ou de
terceiros. Os recursos de terceiros podem ser obtidos junto ao mercado de crédito, através de
empréstimos junto a instituições financeira (que praticam intermediação financeira) ou pela
emissão de valores mobiliários (mercado de capitais).
Portanto, a grande diferença entre os outros mercados e o mercado de capitais reside
na ausência da intermediação financeira. O fato de na emissão pública de valores mobiliários
ser obrigatória a presença de uma instituição financeira underwriter, não caracteriza
intermediação financeira. Isto porque o underwriting não importa em intermediação
financeira, mas sim em participação, ainda que com garantia firme de subscrição dos títulos,
no processo de colocação pública de títulos3.
No mercado de capitais podem ser distinguidos dois segmentos: o mercado primário e
o mercado secundário. No mercado primário ocorrem as emissões públicas de novos valores
mobiliários, mediante a mobilização da poupança popular. É no mercado primário que se
atende à finalidade principal do mercado de capitais, que é a de permitir a captação de
recursos do público. Já no mercado secundário, não há o ingresso de recursos para as
companhias emissoras, inexistindo a emissão de novos títulos. A função essencial do mercado
secundário é a de conferir liquidez aos valores mobiliários, permitindo que os seus
2
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime
jurídico, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 6-7.
3
EIRIK et al, op. cit., p. 9
171
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
adquirentes possam vendê-los rapidamente. Sem a existência de um mercado secundário
ativo, ficariam muito prejudicadas as operações de captação de novos recursos no mercado
primário, uma vez que os poupadores teriam dificuldade para alienar os valores mobiliários
por eles adquiridos4.
Como salientam EIZIRIK et al,
Para as companhias emissoras é importante que suas ações tenham
liquidez no mercado secundário, pois lhes será mais fácil colocarem no
mercado novos títulos, uma vez que os investidores normalmente preferem
adquirir valores mobiliários que possam mais rapidamente alienar. A cotação
das ações de uma companhia no mercado secundário, isto é, o valor pelo
qual são negociadas, constitui um parâmetro fundamental para que se calcule
o preço de emissão das novas ações no mercado primário, nos termos do
artigo 170, parágrafo único, da Lei das S/A5. Com efeito, quando as ações
apresentam índices razoáveis de liquidez no mercado secundário, o critério
mais importante para fixação do preço de emissão de novas ações será o da
sua cotação no mercado6 (EIZIRIK et al., 2008, p. 10-11).
As operações no mercado secundário podem ocorrer em bolsa de valores ou de
futuros e mercadorias ou então no mercado de balcão. Nada impede, porém, que os
investidores comprem e vendam diretamente os valores mobiliários, fora das bolsas ou do
mercado de balcão, sem a participação de qualquer intermediário financeiro. Essas operações
são realizadas foram do mercado de capitais.
4
Idem, p. 10
Art. 170. Depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a companhia pode aumentá-lo mediante
subscrição pública ou particular de ações.
§ 1º O preço de emissão deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que
tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente:
I - a perspectiva de rentabilidade da companhia;
II - o valor do patrimônio líquido da ação;
III - a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em
função das condições do mercado.
§ 2º A assembléia-geral, quando for de sua competência deliberar sobre o aumento, poderá delegar ao conselho de
administração a fixação do preço de emissão de ações a serem distribuídas no mercado.
§ 3º A subscrição de ações para realização em bens será sempre procedida com observância do disposto no artigo 8º, e a ela
se aplicará o disposto nos §§ 2º e 3º do artigo 98.
§ 4º As entradas e as prestações da realização das ações poderão ser recebidas pela companhia independentemente de
depósito bancário.
§ 5º No aumento de capital observar-se-á, se mediante subscrição pública, o disposto no artigo 82, e se mediante subscrição
particular, o que a respeito for deliberado pela assembléia-geral ou pelo conselho de administração, conforme dispuser o
estatuto.
§ 6º Ao aumento de capital aplica-se, no que couber, o disposto sobre a constituição da companhia, exceto na parte final do §
2º do artigo 82.
§ 7º A proposta de aumento do capital deverá esclarecer qual o critério adotado, nos termos do § 1º deste artigo, justificando
pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a sua escolha.
6
Op. cit., p. 10-11
5
172
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2.
Oferta pública de distribuição de valores mobiliários
“A oferta pública de distribuição de valores mobiliários constitui a operação pela
qual a companhia ou titulares de valores mobiliários de sua emissão promovem, mediante
apelo ao público, a colocação de ações ou outros valores mobiliários no mercado de
capitais”.7
Existem duas modalidades de ofertas públicas de distribuição: ofertas públicas
primárias e ofertas públicas secundárias. “Nas ofertas públicas primárias, a companhia emite
novos valores mobiliários, com o objetivo de proceder à sua colocação perante investidores e
os recursos obtidos são revertidos para a própria companhia emissora, a fim de financiar seus
projetos de desenvolvimento ou suas necessidades de caixa”.8 Já as ofertas secundárias são
aquelas em que os acionistas da companhia ou titulares de outros valores mobiliários de sua
emissão vendem ao mercado, também mediante apelo ao público, os títulos de sua
propriedade já emitidos pela companhia. Nesse caso, os recursos pagos pelos investidores
para adquirir as ações ou os outros valores mobiliários ofertados não são destinados à
companhia emissora, mas aos próprios ofertantes. Existem ainda ofertas mistas, que envolvem
tanto valores mobiliários provenientes de uma nova emissão quanto de títulos já emitidos.
Tanto a Lei 6385/76 quanto a Instrução CVM 400/2003 tratam essas duas
modalidades de oferta pública igualmente, sem distingui-las.
Existem dois registros: 1) registro inicial de companhia aberta (Lei 6385/76, art. 21;
LSA, art. 4º, § 1º9; Instrução CVM 202/1993); 2) registro da oferta propriamente dita (Lei
6385/76, art. 19, caput; LSA art. 4º, § 2º10; Instrução CVM 400/2003 alterada pela Instrução
CVM 429/2006). Os registros, embora distintos, caracterizam-se pela complementaridade das
informações que contêm (Voto n. 426, do CMN, de 21 de dezembro de 1978, apud EIZIRIK
et al., 2008, p. 136).
O registro não tem um fim em si mesmo. Ele se constitui em um meio para dar
transparência e disseminar informações relevantes para o mercado. Ele visa a proteger o
interesse difuso do mercado.
7
EIZIRIK et al, op. cit., p. 133.
Ibidem, p. 133.
9
Art. 4o Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam
ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
§ 1o Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser
negociados no mercado de valores mobiliários.
10
§ 2o Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de
Valores Mobiliários.
8
173
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
É importante destacar que a companhia pode ser constituída por subscrição privada e,
posteriormente, abrir o seu capital ou a constituição da sociedade anônima pode se dar por
meio de subscrição pública de ações. Essa última hipótese é tratada pela LSA nos artigos 82 a
87.
Portanto, a oferta pode ser privada ou pública. A doutrina se vale de três elementos
ou critérios para identificar se uma oferta de distribuição de valores mobiliários é pública ou
privada, quais sejam: a) a qualificação dos ofertados; b) o acesso deles às informações sobre o
valor mobiliário que está sendo oferecido; c) a maneira pela qual é efetuada a colocação11.
A Lei 6.385/76 não conceitua a oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
A referida lei apenas elenca algumas hipóteses que devem ser consideradas como tal. Nesse
sentido, o § 3º, do artigo 19 do referido diploma legal dispõe que
Caracterizam a emissão pública:
I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos,
prospectos ou anúncios destinados ao público;
II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio
de empregados, agentes ou corretores;
III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto
ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
Esse artigo 19 da Lei 6.385/76 foi regulamentado pelo artigo 3º, da Instrução CVM
400/2003, que também deixou de conceituar a oferta pública de distribuição de valores
mobiliários, limitando-se a trazer, além das já enumeradas no referido § 3º, do artigo 19, da
Lei 6.385/76, mais algumas outras hipóteses em que ela estaria configurada. Veja a propósito
a sua redação:
Art. 3º São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda,
oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou
subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes
elementos:
I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos,
prospectos ou anúncios, destinados ao público, por qualquer meio ou forma;
II - a procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes
indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que realizada através de
comunicações padronizadas endereçadas a destinatários individualmente
identificados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer
pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição
de valores mobiliários, ou, ainda, se em desconformidade com o previsto
nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de
intenções de investimento junto a subscritores ou adquirentes
indeterminados;
11
EIZIRIK, et. al., op. cit., p. 139
174
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto
ao público destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes
indeterminados; ou
IV - a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios,
avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou
eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas
de computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer
forma de comunicação dirigida ao público em geral com o fim de promover,
diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da
emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários.
§1º Para efeito desta Instrução, considera-se como público em geral
uma classe, categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta
qualidade, ressalvados aqueles que tenham prévia relação comercial,
creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora.
§ 2º A distribuição pública de valores mobiliários somente pode ser
efetuada com intermediação das instituições integrantes do sistema de
distribuição de valores mobiliários (“Instituições Intermediárias”),
ressalvadas as hipóteses de dispensa específica deste requisito, concedidas
nos termos do art. 4º.
Para que a oferta pública seja caracterizada como privada, ela deverá ser direcionada
diretamente aos ofertados pelo próprio ofertante ou por seus representantes. Em contrapartida,
quaisquer instrumentos de apelo à poupança popular, desde que não individualizados os
destinatários da oferta, podem também ser considerados como caracterizadores da distribuição
pública12, mesmo se não forem utilizados materiais de publicidade.
Além desse critério relativo à forma como os valores mobiliários são oferecidos,
deve-se considerar também a qualificação dos ofertados. EIZIRIK et al.13 sustentam que a
exigência do registro perante a CVM não deve ser aplicada às hipóteses em que os
investidores não necessitam de atuação estatal para proteger seus interesses. Os professores
chegam a esta conclusão por meio da interpretação dada à exposição de motivos da Lei
6.385/76, notadamente ao seguinte trecho:
20. Apenas a emissão pública (isto é, a emissão oferecida
publicamente) está sujeita a registro. Não se aplica essa norma à emissão
particular, como é o caso da emissão negociada com um grupo reduzido de
investidores, que tenham acesso ao tipo de informação que o registro visa a
divulgar. Se estes, porém, adquirem a emissão com o fim de a colocar no
mercado, mediante oferta pública, estão sujeitos às mesmas restrições que a
companhia emissora.
Esses mesmos autores defendem que a Instrução CVM 400/2003, ao dispensar o
registro de oferta pública, quando esta for dirigida a grupo de pessoas que mantenha prévia
12
13
EIZIRIK et. al., op. cit., p. 145
Ibidem, p. 145-146.
175
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora,
consagra o segundo elemento acima mencionado, qual seja: a disponibilidade de informações.
Se a oferta é dirigida a um grupo de pessoas que tem amplo acesso às informações
relativas à emissão, ela não seria pública. São os casos do exercício do direito de preferência
ou de oferta direcionada apenas a pessoas que já são acionistas da companhia.
Por fim, destaca-se que o artigo 5º da referida Instrução CVM 400/2003 dispensa o
registro de oferta pública, independentemente do deferimento de pedido, em algumas
hipóteses. Existe ainda a possibilidade de o ofertante requerer a dispensa integral ou apenas
do cumprimento de algum requisito, mas isto deverá ser apreciado pela CVM.
2.1.
A obtenção do registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários
A Instrução CVM 400/2003 estabelece as regras para a obtenção do registro de oferta
pública de distribuição de valores mobiliários. Deve-se, todavia, destacar que, como preceitua
o § 3º, do artigo 4º, da Lei 6.404/76, a CVM pode estabelecer uma classificação para as
companhias abertas, com vistas a simplificação dos procedimentos de registro. Nesse sentido,
a CVM já expediu algumas normas reguladoras, estabelecendo procedimentos mais simples
para o registro de determinadas emissões. Citam-se a Instrução 265/97, que trata do registro
simplificado de sociedades incentivadas, a Instrução 404/2004, que dispõe sobre as
debêntures padronizadas, e, sobretudo, a Instrução CVM 471/2008, que prevê procedimento
simplificado para registro de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários.
O pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários deve ser
apresentado pelo ofertante emissor em conjunto com a instituição financeira intermediária da
oferta.
Prospecto. O principal documento da oferta pública de distribuição de valores
mobiliários é o prospecto. O artigo 38 da referida Instrução CVM 400/2003 o conceitua da
seguinte forma:
Art. 38. Prospecto é o documento elaborado pelo ofertante em
conjunto com a instituição líder da distribuição, obrigatório nas ofertas
públicas de distribuição de que trata esta Instrução, e que contém informação
completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em
linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar
criteriosamente a sua decisão de investimento.
176
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O Prospecto deverá, de maneira que não omita fatos de relevo, nem contenha
informações que possam induzir em erro os investidores, conter os dados e informações
sobre: (i) a oferta; (ii) os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos que lhes são
inerentes; (iii) o ofertante; (iv) a companhia emissora e sua situação patrimonial, econômica e
financeira; (v) terceiros garantidores de obrigações relacionadas com os valores mobiliários
objeto da oferta; e (vi) terceiros que venham a ser destinatários dos recursos captados com a
oferta (Instrução CVM 400/2003, art. 39).
A CVM poderá exigir do ofertante e da emissora, inclusive com vistas à inclusão no
Prospecto, as informações adicionais que julgar adequadas, além de advertências e
considerações que entender cabíveis para a análise e compreensão do Prospecto pelos
investidores (Instrução CVM 400/2003, art. 39, § 2º).
No caso de ofertas públicas que envolvam a emissão de valores mobiliários para os
quais não estejam previstos procedimentos, informações e documentos específicos, a CVM
poderá, a pedido dos interessados, estabelecer o conteúdo para o respectivo Prospecto
(Instrução CVM 400/2003, art. 39, § 3º).
Prospecto preliminar. Como não existe proibição para que o ofertante adote esforços
de venda antes da concessão do registro pela CVM, a Instrução CVM 400/2003 prevê a figura
do prospecto preliminar (artigo 4614). Nesse caso, os investidores poderão efetuar reservas de
subscrição ou aquisição com base no prospecto preliminar, mas estas somente poderão ser
confirmadas após o registro da oferta, quando o prospecto definitivo deve ser disponibilizado
aos investidores.
Estudo de viabilidade econômica. É exigido apenas em alguns casos, como na
subscrição pública de ações para a constituição de companhia (LSA, artigo 82, § 1º, “a”). O
14
Art. 46. O Prospecto Preliminar conterá as mesmas informações mencionadas no art. 40, sem revisão ou apreciação pela
CVM.
§1º Os seguintes dizeres devem constar da capa do Prospecto Preliminar, com destaque:
I - “Prospecto Preliminar” e a respectiva data de edição;
II - “As informações contidas neste prospecto preliminar estão sob análise da Comissão de Valores Mobiliários, a qual ainda
não se manifestou a seu respeito”;
III - “O presente prospecto preliminar está sujeito a complementação e correção”; e
IV - “O prospecto definitivo será entregue aos investidores durante o período de distribuição”.
§2º Na hipótese de estar previsto o recebimento de reservas para subscrição ou aquisição, deverá ainda ser incluído no
conteúdo do Prospecto Preliminar o seguinte texto: “É admissível o recebimento de reservas, a partir da data a ser indicada
em aviso ao mercado, para subscrição (ou aquisição, conforme o caso), as quais somente serão confirmadas pelo subscritor
(ou adquirente) após o início do período de distribuição.”
§3º Caso a fixação da quantidade de valores mobiliários, do preço de emissão ou, no caso de valores mobiliários
representativos de dívida, da taxa de juros, tenha sido delegada ao Conselho de Administração e este ainda não tenha
deliberado sobre o assunto, tal informação deverá constar do Prospecto Preliminar, esclarecendo-se, inclusive, a faixa de
preços, preço máximo ou mínimo ou outros critérios estabelecidos para tal fixação.
§ 4º Aplica-se ao Prospecto Preliminar o disposto no art. 40 desta Instrução.
177
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
artigo 32 da Instrução CVM 400/2003 elenca as hipóteses nas quais a apresentação desse
estudo se faz necessária15.
Discricionariedade da CVM para o deferimento do registro. “Não cabe à CVM
realizar qualquer exame sobre a qualidade dos títulos ofertados, sobre a (...) emissora, ou
mesmo sobre a conveniência do momento escolhido para a realização da distribuição
pública”16. Na esteira do que dispõe o § 2º, do artigo 82 da LSA, “[a] Comissão de Valores
Mobiliários poderá condicionar o registro a modificações no estatuto ou no prospecto e
denegá-lo por inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade dos
fundadores”.
O registro pode ser denegado: (i) pela não apresentação pela companhia das
informações consideradas necessárias para a avaliação, pelos investidores, do mérito do
empreendimento; (ii) se o estatuto social ou algum ato societário estiver com alguma
irregularidade.
O registro perante a CVM não constituiu uma chancela estatal ao negócio. Este é um
negócio de risco e o Estado não pode assegurar nenhum resultado. Contudo, se aquela
autarquia deixar de cumprir o seu mister de forma regular e adequar, cometendo alguma falha
no registro, em princípio, ela poderá responder judicialmente por danos causados em razão da
falha do serviço.
A CVM pode, a qualquer tempo, cancelar ou suspender o registro de oferta pública,
desde que o faça de forma fundamentada.
A oferta deverá ser irrevogável, mas poderá ser sujeita a condições que correspondam
a um interesse legítimo do ofertante, que não afetem o funcionamento normal do mercado e
cujo implemento não dependa de atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele
vinculadas.
O preço da oferta é único, mas a CVM poderá autorizar, em operações específicas, a
possibilidade de preços e condições diversos consoante tipo, espécie, classe e quantidade de
valores mobiliários ou de destinatários, fixados em termos objetivos e em função de interesses
legítimos do ofertante, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado.
O ofertante poderá estabelecer que o preço e, tratando-se de valores mobiliários
representativos de dívida, também a taxa de juros, sejam determinados no dia da apuração do
15
Art. 32. O pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários deve ser instruído com estudo de
viabilidade econômico-financeira da emissora quando:
I - a oferta tenha por objeto a constituição da emissora;
II - a emissora esteja em fase pré-operacional; ou
III - os recursos captados na oferta sejam preponderantemente destinados a investimentos em atividades ainda não
desenvolvidas pela emissora.
16
EIZIRIK et. al., op. cit., p. 155
178
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
resultado da coleta de intenções de investimento, desde que sejam indicados os critérios
objetivos que presidem à sua fixação no Prospecto Preliminar e no aviso eventualmente
publicado anteriormente ao Anúncio de Início de Distribuição.
Caso se utilize da faculdade acima, o preço e a taxa de juros definitivos deverão ser
divulgados ao público nos mesmos termos do Anúncio de Início de Distribuição e do
Prospecto, e comunicados à CVM e à bolsa de valores ou mercado de balcão onde são
negociados os valores mobiliários da emissora no próprio dia em que forem fixados.
Poderá haver contratos de estabilização de preços, os quais deverão ser previamente
aprovados pela CVM.
Havendo, a juízo da CVM, alteração substancial, posterior e imprevisível nas
circunstâncias de fato existentes quando da apresentação do pedido de registro de distribuição,
ou que o fundamentem, acarretando aumento relevante dos riscos assumidos pelo ofertante e
inerentes à própria oferta, a aventada autarquia federal poderá acolher pleito de modificação
ou revogação da oferta. A CVM teria 10 (dez) dias para se manifestar sobre esse pedido de
modificação da oferta; presumir-se-á deferido esse pedido, caso não haja manifestação em
sentido contrário no referido prazo.
Em caso de deferimento da modificação, a CVM poderá, por sua própria iniciativa ou
a requerimento do ofertante, prorrogar o prazo da oferta por até 90 (noventa) dias.
É sempre permitida a modificação da oferta para melhorá-la em favor dos investidores
ou para renúncia a condição da oferta estabelecida pelo ofertante.
É possível revogar a oferta. Essa revogação torna ineficazes a oferta e os atos de
aceitação anteriores ou posteriores, devendo ser restituídos integralmente aos aceitantes os
valores, bens ou direitos dados em contrapartida aos valores mobiliários ofertados, na forma e
condições previstas no Prospecto.
A modificação deverá ser divulgada imediatamente através de meios ao menos iguais
aos utilizados para a divulgação da oferta e as entidades integrantes do consórcio de
distribuição deverão se acautelar e se certificar, no momento do recebimento das aceitações
da oferta, de que o manifestante está ciente de que a oferta original foi alterada e de que tem
conhecimento das novas condições. Nesse caso, os investidores que já tiverem aderido à
oferta deverão ser comunicados diretamente a respeito da modificação efetuada, para que
confirmem, no prazo de 5 (cinco) dias úteis do recebimento da comunicação, o interesse em
manter a declaração de aceitação, presumida a manutenção em caso de silêncio.
A aceitação da oferta também poderá ser objeto de revogação. Mas esta somente será
ocorrer se tal hipótese estiver expressamente prevista no Prospecto, na forma e condições ali
179
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
definidas, ressalvadas as hipóteses previstas nos parágrafos únicos dos arts. 20 e 27 da
instrução CVM 400, as quais são inafastáveis.
3. Underwriting
Além da prévia autorização da CVM, a emissão pública de valores mobiliários
deverá contar com a intermediação de uma instituição financeira (Lei 6.385/76, art. 19, § 3º e
Instrução CVM 400/2003, art. 3º). A emissão sem essa participação de uma instituição
financeira é tratada como infração grave, de acordo com o disposto no art. 59 da Instrução
CVM 400/2003 e sujeita as penalidades previstas no art. 11 da Lei 6.385/76.
As companhias não possuem estrutura para realizarem por conta própria todo o
processo de emissão de valores mobiliários. Essa operação implica em riscos. Por isso elas
precisam da assessoria de uma instituição financeira. Basicamente, três são os riscos
envolvidos: a) risco de espera; b) risco proveniente da fixação do preço de lançamento dos
títulos; c) risco de distribuição dos títulos.
O risco de espera (waiting risk) decorre das mudanças havidas no cenário econômico
durante o lapso temporal transcorrido entre o momento em que a companhia verifica a
necessidade de captação de recursos e a efetiva colocação dos valores mobiliários no
mercado. Não raro, essas mudanças do cenário econômico tornam inviável a emissão.
Nas ofertas públicas primárias, como os papéis não possuem cotação no mercado, é
verdadeiramente difícil fixar o preço de emissão dos títulos. Por um lado, a companhia deseja
emiti-lo pelo maior preço possível, com vistas a captar a maior quantidade de recursos que
puder. Por outro lado, o preço não pode ser tão alto, que afaste os interessados, frustrando a
operação. Existe, assim, o risco pela fixação do preço de emissão (pricing risk).
Por fim, existe ainda o risco de distribuição dos títulos (marketing risk). As
companhias não possuem estrutura para oferecer os títulos ao público alvo. Assim como
qualquer outro produto, é necessário uma verdadeira estrutura comercial para que os títulos
possam ser distribuídos com sucesso, alcançando o seu público alvo.
Desses três riscos, o underwriter assume profissionalmente, via de regra, por meio do
recebimento de comissões, os dois últimos, princing risk e marketing risk. Ele funciona como
um elo entre as companhias emissoras e o poupador.
180
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
3.1.
Etapas do underwriting
Em primeiro lugar, realiza-se um estudo de viabilidade econômica da distribuição
pública. Se constatada a sua viabilidade, monta-se a operação. Em seguida, promove-se o seu
desenvolvimento por meio da convocação e realização da assembleia geral ou de reunião do
conselho de administração, da obtenção dos registros perante a CVM, da elaboração do
prospecto de venda e de outros documentos publicitários distribuídos ao público. Por fim,
colocam-se os títulos no mercado (via de regra, essa etapa é realizada exclusivamente pelo
underwritter)
3.2.
Modalidades de underwriting
O underwriting pode ser firme ou straight ou com garantia de subscrição, ou ainda
de melhor esforço ou best efford ou sem garantia de subscrição, ou ainda residual ou stand by.
No underwriting straight ou com garantia de subscrição, a instituição financeira
assume o compromisso de subscrever a totalidade dos valores mobiliários para posterior
revenda ao público. Neste caso, o underwritter assume o risco integral pela colocação,
tornando-se titular dos valores mobiliários. Ele não poderá devolvê-los à companhia nem
receber compensação para o caso de insucesso da colocação pública. Assim, a instituição
pagará à companhia o preço da emissão para depois revender os títulos adquiridos no
mercado.
No underwriting de melhor esforço ou best efford ou sem garantia de subscrição, o
underwriter se compromete apenas a realizar seus melhores esforços para colocar os títulos.
Ele não se obriga a adquiri-los na hipótese de insucesso da distribuição pública. Cuida-se, a
rigor, de um simples contrato de distribuição de valores mobiliários, sem garantia.
Já no underwriting residual ou stand by ou com garantia de sobras, o underwriter
assume a obrigação de adquirir as eventuais sobras na distribuição. Ele se inicia como um
underwriting de melhor esforço, mas com garantia firme de aquisição das eventuais sobras.
Nada impede que sejam combinadas as modalidades de underwriting em uma mesma
distribuição. Nesse caso, por exemplo, a companhia por acordar com a instituição financeira,
181
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
que parte dos títulos será distribuído por meio de underwriting firme e outra parte através de
underwriting de melhor esforço.
3.2.1.
Consórcio de underwriters
A operação de underwriting pode ser efetuada por uma única instituição financeira
ou por um conjunto delas. Neste último caso, elas atuarão como um consórcio (Instrução
CVM 400/2003, art. 3417). A formação de consórcio se justifica quando a colocação pública
de valores mobiliários envolver montante expressivo. A duração desse consórcio ficará
condicionada à execução da operação de underwriting.
As cláusulas relativas ao consórcio deverão ser formalizadas no próprio contrato de
underwriting firmado entre as instituições intermediárias e o ofertante dos valores mobiliários
que serão publicamente colocados, de acordo com o artigo 34, § 1º da Instrução CVM
400/2003. “Não há, portanto, um instrumento contratual de consórcio celebrado
exclusivamente pelas consorciadas, apartado do contrato de underwriting”.18
Não há necessariamente solidariedade entre os underwriters consorciados. O
instrumento de constituição do consórcio deverá prever se eles obrigam-se solidariamente. Na
falta dessa previsão, ela não haverá.
No contrato de distribuição deve ser indicada a instituição financeira que ocupará o
papel de líder do consórcio. As obrigações da instituição líder estão prevista no artigo 37 da
Instrução CVM 400/2003:
Art. 37 - Ao líder da distribuição cabem as seguintes obrigações:
I. avaliar, em conjunto com o ofertante, a viabilidade da distribuição,
suas condições e o tipo de contrato de distribuição a ser celebrado;
II. solicitar, juntamente com o ofertante, o registro de distribuição
devidamente instruído, assessorando-o em todas as etapas da distribuição
(art. 7º);
17
Art. 34 - As Instituições Intermediárias poderão se organizar sob a forma de consórcio com o fim específico de distribuir os
valores mobiliários no mercado e/ou garantir a subscrição da emissão.
§ 1º As cláusulas relativas ao consórcio deverão ser formalizadas no mesmo instrumento do contrato de distribuição, onde
deverá constar a outorga de poderes de representação das Instituições Intermediárias consorciadas ao líder da distribuição e,
se for o caso, as condições e os limites de coobrigação de cada instituição participante.
§ 2º À instituição que não celebrou o instrumento referido no "caput" será permitida a adesão através da celebração, com o
líder da distribuição, do respectivo termo, até a data da obtenção do registro.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a obrigação de cada uma das Instituições Intermediárias consorciadas de garantir a
distribuição dos valores mobiliários no mercado, nos termos deste artigo, ficará, no mínimo, limitada ao montante do risco
assumido no contrato, observadas as disposições do parágrafo único do art. 36.
18
EIZIRIK at. al., 2008, p. 169
182
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
III. formar o consórcio de distribuição, se for o caso;
IV. informar à CVM, até a obtenção do registro, os participantes do
consórcio, discriminando por tipo, espécie e classe a quantidade de valores
mobiliários inicialmente atribuída a cada um;
V. comunicar imediatamente à CVM qualquer eventual alteração no
contrato de distribuição, ou a sua rescisão;
VI. remeter mensalmente à CVM, no prazo de 15 (quinze) dias após
o encerramento do mês, a partir da publicação do Anúncio de Início de
Distribuição, relatório indicativo do movimento consolidado de distribuição
de valores mobiliários, conforme modelo do Anexo VI;
VII. participar ativamente, em conjunto com o ofertante, na
elaboração do Prospecto (art. 38) e na verificação da consistência, qualidade
e suficiência das informações dele constantes, ficando responsável pelas
informações prestadas nos termos do art. 56, § 1º;
VIII. publicar, quando exigido por esta Instrução, os avisos nela
previstos;
IX. acompanhar e controlar o plano de distribuição da oferta;
X. controlar os boletins de subscrição ou os recibos de aquisição,
devendo devolver ao ofertante os boletins ou os recibos não utilizados, se
houver, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o encerramento da
distribuição;
XI. suspender a distribuição na ocorrência de qualquer fato ou
irregularidade, inclusive após a obtenção do registro, que venha a justificar a
suspensão ou o cancelamento do registro;
XII. sem prejuízo do disposto no inciso XI, comunicar
imediatamente a ocorrência do ato ou irregularidade ali mencionados à
CVM, que verificará se a ocorrência do fato ou da irregularidade são
sanáveis, nos termos do art. 19; e
XIII. guardar, por 5 (cinco) anos, à disposição da CVM, toda a
documentação relativa ao processo de registro de distribuição pública e de
elaboração do Prospecto.
3.3.
Consulta sobre a viabilidade da oferta e coleta de intenções de investimento
(bookbuilding)
Com vistas a reduzir os riscos da oferta pública, notadamente o princing risk e o
marketing risk, a Instrução CVM 400/2003 regulamentou o procedimento de consulta sobre a
viabilidade da oferta e o de coleta de intenções de investimento ou bookbuilding. A consulta
sobre a viabilidade da oferta destina-se apenas a auxiliar o ofertante e o coordenador líder a
analisarem a viabilidade da oferta, não se confundindo com o processo denominado de
bookbuilding, o qual tem por finalidade servir de base para a fixação do preço da oferta.
Destaca-se, a propósito, o que dispõem os artigos 43 e 44 da Instrução CVM 400/2003:
183
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Art. 43 - É permitida a consulta a potenciais investidores pelo
ofertante e pela instituição líder da distribuição para apurar a viabilidade ou
o interesse de uma eventual oferta pública de distribuição, devendo esta
consulta não exceder de 20 investidores e ter critérios razoáveis para o
controle da confidencialidade e do sigilo, caso já tenha havido a contratação
prévia de instituição intermediária pelo ofertante.
§ 1º A consulta a potenciais investidores não poderá vincular as
partes, sob pena de caracterizar distribuição irregular de valores mobiliários,
sendo vedada a realização ou aceitação de ofertas, bem como o pagamento
ou o recebimento de quaisquer valores, bens ou direitos de parte a parte.
§ 2º Durante a consulta a potenciais investidores, o ofertante e a
instituição líder da distribuição deverão se acautelar com seus interlocutores,
de que a intenção de realizar distribuição pública de valores mobiliários seja
mantida em sigilo até a sua regular e ampla divulgação ao mercado, nos
termos da Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002.
§ 3º O ofertante e a instituição líder da distribuição deverão manter
lista detalhada com informações sobre as pessoas consultadas, a data e hora
em que foram consultadas, bem como a sua resposta quanto à consulta.
§ 4º Caso seja efetivamente protocolado pedido de registro à CVM,
o ofertante deverá apresentar, juntamente com os documentos listados no
Anexo II, a lista mencionada no § 3º.
Art. 44 - É permitida a coleta de intenções de investimento, com ou
sem o recebimento de reservas, a partir da divulgação de Prospecto
Preliminar e do protocolo do pedido de registro de distribuição na CVM.
Parágrafo único. A intenção de realizar coleta de intenções de
investimento deverá ser comunicada à CVM juntamente com o pedido de
registro de distribuição realizado nos termos do art. 7º.
Portanto, no primeiro caso – na coleta de intenções de investimento – o ofertante e o
underwriter buscam descobrir se os títulos que seriam alvo de oferta pública teriam aceitação
pelo mercado. Eles, então, consultam potenciais investidores para saber se eles teriam
interesse em adquirir aquele título.
Somente 20 (vinte) potenciais investidores poderão ser consultados. Além disso, nem
a oferta apresentada, nem a opinião informada acerca dessa oferta vincularão as partes, sob
pena de vir a ser caracterizada distribuição irregular de valores mobiliários. Como visto, essa
consulta é uma simples pesquisa e nada mais.
Pelo bookbuilding, procura-se fixar o preço de lançamento do valor mobiliário. Já foi
visto que existe o risco de que o preço de lançamento do valor mobiliário ou seja alto demais,
afastando os potenciais interessados, ou baixo de mais, o que não interessaria ao emissor. Para
reduzir esse risco, a CVM permite que consultem-se investidores para saber não só se eles
têm interesse naquela oferta, como também quanto eles aceitariam pagar por aquele título.
Como durante esse processo, o underwriter poderá receber propostas de compra, e
como o seu resultado poderá ser utilizado como critério para a fixação do preço de emissão, é
184
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
absolutamente indispensável que ele seja muito transparente. Isto porque como não existem
parâmetros objetivos para a fixação do preço de emissão, esse processo está sujeito a
manipulações. Por isso mesmo que o preço encontrado no processo poderá ser contestado.
Além disso, o underwriter poderá ser responsabilizado por eventual manipulação ou falha na
condução e conclusão desse processo de consulta.
Conclusão
É absolutamente necessário, para viabilizar a atividade econômica, o capital. O apelo
à poupança dos agentes superavitários é, sobretudo para grandes empreitadas, o principal
instrumento para a formação do capital necessário à empresa.
Além de ser um importante instrumento de financiamento para a atividade negocial,
o mercado de capitais também permite a circulação de riqueza e a participação das famílias no
processo de produção. Em outras palavras, o público pode ter acesso à formação do capital
que redundará em um grande empreendimento empresarial, sem que, para isso, o Estado tenha
de intervir diretamente.
Como a atividade econômica possui riscos, a oferta de valores mobiliários, cujos
subscritores assumirão ao menos parte desse risco, deve ser cercada de alguns cuidados. Daí a
existência de normas que disciplinam esse processo de oferta pública de valores mobiliários.
O prospecto é o principal documento dessa oferta pública. É por meio dele que a
companhia se apresenta ao mercado e indica as características não só de sua atividade, como
dos valores mobiliários oferecidos. Evidentemente, esse prospecto deve ser elaborado com
bastante atenção, observados todos os requisitos legais.
Além da elaboração cuidadosa do prospecto, a companhia ofertante deve ser
auxiliada por uma instituição financeira, o underwriter. Essa instituição financeira além de
auxiliar a sociedade que oferta valores mobiliários ao público, também poderá assumir certos
riscos inerentes a essa operação. Daí a existência de modalidades de underwriting.
Em razão do grande risco envolvido, poderá haver mais de um underwriter. Nesse
caso, eles se organizarão em consórcio. O contrato de underwriting tratará das obrigações de
cada consorciado, podendo, inclusive, prever solidariedade entre eles.
185
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A CVM disciplinou processos de consulta sobre a viabilidade da oferta e de coleta de
intenções de investimento (bookbuilding). O primeiro visa a prevenir o ofertante sobre o risco
de o valor mobiliário não ter aceitação pelo mercado. Consultam-se alguns potenciais
investidores – no máximo 20 (vinte) investidores poderão ser consultados – para saber se eles
subscreveriam o valor mobiliário a ser ofertado. Já o segundo, tem por finalidade descobrir o
preço que o mercado pagaria pelo valor mobiliários, prevenindo o ofertante do pricing risk.
A par dessas considerações, o processo de oferta pública de valores mobiliários é um
grande instrumento de crescimento da atividade econômica e também, é possível dizer, de
melhoria das condições sociais, notadamente porque permite, sem nenhum outro requisito
social, a não ser a existência de recursos poupados, a participação de todas as famílias na
formação do capital de grandes empreendimentos empresariais.
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NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico, 5ª edição, São Paulo:
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PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliário, 4ª edição, São
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SANTANA, Maria Helena dos Santos Fernandes; GUIMARÃES, Juliana Paiva. Marcado de
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capitais, v. 8, Arnoldo Wald (organizador), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
187
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O ADMINISTRADOR, A SOCIEDADE ANÔNIMA E A SUA RESPONSABILIDADE
SOCIAL E COLETIVA
L’ADMINISTRATEUR, LA SOCIÉTÉ ANONYME ET SA RESPONSABILITÉ
SOCIALE ET COLLECTIVE
Gabriel Russi Vianna1
Sandro Mansur Gibran2
RESUMO
As sociedades anônimas, frequentemente constituídas como de grande porte, são de inegável
importância econômica não apenas aos por elas diretamente beneficiados como os seus acionistas, empregados, consumidores etc. mas também para a comunidade onde elas se inserem.
Depreende-se, portanto, que as sociedades anônimas são também responsáveis por uma coletividade, ou seja; são responsáveis pela sociedade civil na qual e da qual elas também são parte.
As diretrizes das sociedades anônimas estão centradas na figura de seu administrador, cuja
responsabilidade é o objeto do presente estudo. Para tanto, é imprescindível entender um pouco mais sobre a complexa estrutura deste tipo societário e os tantos interesses na sociedade
anônima agregados como metas a serem cumpridas por seu gestor. Ao mesmo tempo, a completa análise dos deveres demonstra a responsabilidade institucional daquele que assume este
cargo. Também por este motivo e por sua hegemonia é mister a imposição de limites ao administrador na medida em que as suas atribuições e atitudes frente à companhia podem ou não
trazer bons resultados à coletividade. A partir destas premissas, analisar-se-ão casos nos quais
a responsabilidade pelo prejuízo poderá ser atribuída também ao administrador, extrapolando
a figura da sociedade anônima empregadora.
PALAVRAS-CHAVE: sociedade anônima, administradores, responsabilidade social, coletividade
ABSTRACT
1
2
Bacharel em Direito – 2007 – 2012 – UNICURITIBA; Advogado inscrito na OAB/PR sob n.º 63.463;
Mestrando em Direito Internacional Privado – 2012 – 2014 – Université Panthéon-Assas (Paris II) – Paris,
França.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1996); Especialista em Direito Empresarial pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná; mestre em Direito Social e Econômico pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná; Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná; Professor do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário
Curitiba – UniCuritiba; Professor Titular de Direito Empresarial e de Direito do Consumidor da Faculdade de
Direito do Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba; Professor de Direito Empresarial do Centro de
Estudos Jurídicos do Paraná; professor de Direito Empresarial da Escola da Magistratura Federal ESMAFE" e Coordenador da Pós-Graduação de Direito Empresarial do Centro Universitário Curitiba –
UniCuritiba. http://lattes.cnpq.br/3242304285536069
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Les sociétés anonymes aussi connus comme entreprises de grand puissance, sont d'une
indéniable importance économique, et non seulement pour leurs actionnaires, salariés et
consommateurs, mais aussi pour l'environnement où elles se trouvent. Il faut aussi marquer
que les sociétés anonymes sont responsables pour une collectivité, c'est-à-dire, la société civil.
Les lignes directrices de la société anonyme sont centrée sur l'administrateur, dont la
responsabilité est objet du présent étude. Alors, il faut bien comprendre la structure de la
société anonyme et aussi les tâches de son administrateur. Au même temps l'analyse complète
nous montre la responsabilité institutionnaliste de celui qui prend cette position. C'est
également pour cette raison et pour sa hégémonie, qu'il faut imposer des limites au
administrateur, parce que ses tâches et activités peuvent ou non résulter positivement à la
collectivité. À partir de ces prémisses, l'étude analysera les cas où l'administrateur peut être
responsabilisé pour les préjudices causés à la société, c'est-à-dire, une responsabilisation
personnelle.
MOTS-CLÉS: société anonyme, administrateurs, responsabilité social, collectivité
1. INTRODUÇÃO
A capitalização das sociedades anônimas como melhor alternativa de investimento é
uma realidade crescente. No Brasil, a quinta economia mundial, país em progressivo
desenvolvimento e de enriquecimento de sua população, oportuniza-se que cada vez mais
brasileiros se aventurem na bolsa de valores, ou seja; nas sociedades de capital aberto,
objetivando rendimentos maiores do que aqueles encontrados em fundos econômicos mais
conservadores que, por apresentarem menor risco, naturalmente, acabam representando menor
lucratividade.
As sociedades anônimas são reguladas pela Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976,
o regramento mais completo sobre o assunto presente no ordenamento jurídico brasileiro. Por
conta de sua natureza jurídica e, consequentemente, pelos impactos que pode causar aos
particulares investidores, ao mercado e à coletividade, a análise da administração, atrelada aos
aspectos principais dessas sociedades, adquire fundamental importância.
Tal gênero de sociedade é composto por uma vasta estrutura, dotada de diversos
órgãos, dentro dos quais, especificamente na diretoria e no conselho de administração,
encontram-se os seus administradores. Nem todos os diretores e conselheiros serão
administradores, porém, apenas membros destes órgãos podem ocupar tal cargo.
São os administradores que guiam e decidem os rumos da companhia. São eles os
189
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responsáveis pela condução do negócio e pelas decisões comerciais que visam atingir os
objetivos empresariais, aumentando então o seu capital e adquirindo espaço cada vez maior
no mercado, na sociedade onde ela se insere. Nota-se a natureza basilar do administrador à
sociedade, seu cargo estratégico gera grande número de responsabilidades que definirão os
caminhos seguidos pela empresa. Suas estratégias e políticas de mercado estão diretamente
relacionadas ao futuro da companhia.
Caso o administrador incorra em erro na administração empresarial, é bastante
provável que a companhia venha a sofrer prejuízos de toda sorte e, por consequência, o
universo de acionistas a ela atrelados poderá vislumbrar perdas significativas. É nesse ponto
da relação entre acionistas e empresa que se faz os seguintes questionamentos: quem arcará
com o prejuízo dos acionistas ou de terceiros? Seria a própria companhia ou poderá, em
algumas hipóteses, o administrador ser responsabilizado pessoalmente pelos seus atos?
Ambas as hipóteses podem ocorrer. Nem sempre o administrador será passível de
responsabilização pelos seus atos – para que o seja, deverá restar provado que agiu com máfé, tendo descumprido os deveres incumbidos. Em outros casos, não poderá ser o responsável
pelos danos causados.
Existe uma linha bastante tênue e aberta a discussões sobre o tema da
responsabilização do administrador de sociedade anônima: ao mesmo tempo em que não pode
um administrador que tenha cometido maus atos de gestão sair ileso, igualmente, não poderá
ser responsabilizado o aquele que tenha agido de acordo com as suas atribuições e deveres,
objetivando, a partir de uma decisão negocial, o crescimento da companhia.
Este último exemplo de administrador probo e íntegro necessita de uma concreta
proteção legal para poder exercer as suas funções, garantindo a ele a certeza de que se agir
conforme a lei, nos moldes do estatuto da companhia e dos ditames da boa-fé, não será alvo
de uma eventual ação de responsabilidade. Caso contrário, nenhuma pessoa almejaria ou
deveria ser incumbida ao cargo de administrador, tendo em vista seu risco iminente. Nesse
sentido, a Lei nº 6.404/76 protege o administrador responsável e diligente, ampliando sua
segurança na tomada de decisões e na projeção e definição de novos rumos mais benéficos à
atividade empresarial por ele gerida.
A ampla normatização empresarial tem ferramentas suficientes para garantir o
cumprimento de deveres e a aplicação de direitos das pessoas, físicas ou jurídicas,
relacionadas a uma sociedade anônima. Deste modo, os administradores dispõem de meios
efetivos de proteção contra eventuais prejuízos causados à companhia ou à coletividade, caso
estejam agindo segundo as diretrizes a si orientadas por seus superiores, os acionistas
190
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
controladores.
2. RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADMINISTRADORES
Pode-se verificar por meio do art. 158 da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), que
existem duas possibilidades de responsabilização civil dos administradores. A primeira delas
diz respeito aos eventuais prejuízos que possam ser causados por culpa ou dolo do
administrador, mesmo na hipótese de não ter havido a extrapolação de suas atribuições e
poderes, cabendo à empresa empregadora comprovar a atitude culposa de seu gestor. A
segunda delas se configura na violação de lei ou mesmo do estatuto da companhia. Em
resumo, “em relação à primeira, é unânime a doutrina ao afirmar que a previsão legal é, ao
demandante cabe a prova do procedimento culposo do demandado. Quanto à segunda, no
entanto, predomina largamente o entendimento de que cuida a hipótese legal de
responsabilidade subjetiva com presunção de culpa, havendo também quem a considere
objetiva.”(COELHO, 2007, p.253).
Todavia, a ressalva de Marcelo M. Bertoldi é válida ao mencionar que “o
administrador, incumbido de seu cargo, tem o dever e a prerrogativa de agir em nome da
companhia, portanto, todos os atos que venham a ser praticados em virtude desta função
seriam de responsabilidade exclusiva da própria companhia.”(BERTOLDI, 2003, p. 371). Esta
ideia é concretizada no mencionado corpo normativo, em seu art. 158, que prevê que o
administrador não poderá ser pessoalmente responsável pelas obrigações contraídas em nome
da companhia e em virtude de ato regular de gestão.
O termo “ato regular de gestão” adquire extrema importância na definição da
responsabilidade. O termo, por si, evidencia sua subjetividade. Faz-se necessário, portanto,
ampla avaliação do caso concreto para que se possa concluir acerca da necessidade de
responsabilização subjetiva.
Assim, propiciando mais abrangente análise da responsabilização, é preciso trazer à
tona os institutos da negligência, imprudência e imperícia. Ainda, é preciso vislumbrar as
reais consequências e dimensões do ato praticado, e se é dotado de manifesta vontade em
causar prejuízo à companhia. Porém, em algumas situações, mesmo que o administrador
respeite a lei, e o estatuto, poderá ele ficar obrigado à reparação de danos, caso tenha agido
com alguma das formas dolosas.
Segundo importante doutrina, a responsabilidade do administrador em três tipos:
administrativa, civil e penal. A responsabilidade administrativa, talvez a mais simples delas,
191
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
decorre apenas da má gestão do cargo. Tratando-se tão somente de um problema
administrativo, não há qualquer formalidade para que ocorra a destituição de um
administrador ou o retorno a seu cargo de origem. Sequer é necessário que tenha ocorrido
uma falta por parte do administrador. Lembra o autor que é possível que haja fiscalização,
mesmo nesta seara administrativa, por parte de órgãos como a Comissão de Valores
Mobiliários – CVM, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, ou até
mesmo por parte do Banco Central do Brasil. No caso da CVM, esta é competente para
aplicação de advertências, multas, suspensão do exercício do cargo de administrador ou
inabilitação para seu exercício. O Banco do Brasil tem legitimidade para propor as mesmas
medidas que a CVM quando as infrações estiverem interferindo nos interesses da Instituição
Financeira.
Quanto à responsabilidade civil, o autor acrescenta, ao comentar o § 6º do art. 159 da
LSA, que está prevista a exclusão da responsabilidade do administrador caso tenha ele agido
de boa-fé, visando os interesses e objeto social da companhia. Lembra que, apesar de ser
papel do juiz estatal a apreciação da ação de responsabilidade proposta em face do
administrador, poderá também a assembleia geral apreciar a matéria.
Por fim, analisa a possível responsabilização criminal do administrador, que ocorrerá
apenas nos casos em que houver um tipo penal diretamente relacionado àquela conduta. No
capítulo dos crimes contra o patrimônio, existem diversas previsões legais inseridas no art.
177 do Código Penal, típicas de administradores de sociedades anônimas. A título
exemplificativo traz-se algumas ações que caracterizam crime, como, afirmação falsa ou
omissão fraudulenta de fato relevante em qualquer documento que se destine ao público;
apresentação de falsa cotação de valores mobiliários; realização de empréstimo em favor da
sociedade sem a devida consulta aos órgãos pertinentes; negociação das próprias ações da
companhia, quando não abarcadas pelas previsões legais; distribuição de lucros sem
levantamento do balanço, ou ainda se realizado mediante balanço falso; aprovação irregular
de contas. “Existe, também, a possibilidade do cometimento de crimes contra a ordem
tributária, contra o sistema financeiro nacional e ainda os chamados crimes falimentares
previstos na Lei de Falências – Lei n.º 11.101/05.” (BORBA, 2008, p.418-423) que, porém,
não são objetos do presente estudo.
Ainda quanto à responsabilização criminal, “por muitas vezes, o dano causado a
terceiros pode ser tamanho, que o patrimônio particular do administrador violador, não seria
suficiente para reparar todos os danos. Exatamente em um caso como esse, pode-se verificar a
importância da responsabilização criminal que, com sua função repressiva e preventiva, irá de
192
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
certa forma, coagir aquele que provocou o dano ao pagamento.”(CARVALHOSA, 2009, p.
353).
2.1. NATUREZA DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
As responsabilidades elencadas no art. 158 da LSA “são 'interdefinívieis': não há
conduta que se enquadre num deles que não se possa enquadrar também no outro. Não é
correto, portanto, considerar que cada dispositivo expressa um sistema diferente de
responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima.”(COELHO, 2007, p. 261).
Como exemplo, o autor apresenta a hipótese em que o administrador deixa de aplicar
a disponibilidade financeira da sociedade, agindo, portanto, com negligência, ou até mesmo
imperícia. A omissão aqui praticada é de natureza culposa, mas ao mesmo tempo, este
comportamento caracteriza a violação aos deveres legais de lealdade e diligência. A conclusão
é de que: quando o administrador age com culpa, pode estar ao mesmo tempo violando
expressa disposição legal e, paralelamente o não cumprimento do estatuto ou da lei, é também
configurada uma conduta culposa ou dolosa.
Com efeito, é exatamente neste ponto que o autor discorda de grande parte da
doutrina nacional. Para Coelho, não pode prevalecer o entendimento de que somente o inciso
I do art. 158 consagra a modalidade subjetiva de responsabilização, enquanto o inciso II do
mesmo artigo consagraria apenas a responsabilidade objetiva.3
Com base neste entendimento, a análise para verificar se o administrador deve ou
não ser responsabilizado seria suficiente na medida em que se descobre ou verifica que o dano
foi causado por algum ato em descompasso legal. Com razão, a meritória doutrina afirma que,
ao descumprir uma lei, caberia ao administrador o dever de indenizar. Sintetizando o exposto
pelo autor, “as hipóteses de responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima
– não obstante distinguidas pelo art. 158 da LSA – são redutíveis, em síntese, a uma apenas: a
decorrente de descumprimento de dever legal.” (COELHO, 2007, p. 261).
No mesmo sentido, Modesto Carvalhosa critica o texto de lei. Para o autor, o
legislador teria insistido em dois tipos distintos de natureza por desconhecer a evolução do
instituto e ainda por ser desatento e repetitivo. Em sua opinião, “para as duas condutas não há
distinção. Para ambos os casos aplica-se a moderna teoria da responsabilidade presumida, em
que se conciliam o elemento moral subjetivo – a imputabilidade moral – com a teoria objetiva
da conduta.” (CARVALHOSA, 2009, p.362).
3
COELHO, 2007, p. 260.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2.2. SOLIDARIEDADE DOS ADMINISTRADORES
A redação do § 2º do art. 158 da Lei nº 6.404/76 prevê que os administradores
respondem solidariamente por prejuízos que decorram do não cumprimento dos deveres
legais. O fato de o estatuto da companhia não atribuir todas as responsabilidades a todos os
administradores não exime um administrador de responder solidariamente por algum dever
não cumprido que, contudo, não seja expressamente seu. Entretanto, deve-se ter cautela nas
hipóteses em que há manifesta prática de ato ilícito, em tais casos, não pode um administrador
responder solidariamente pelo ato praticado por um de seus colegas. Se esse fato ocorresse,
criar-se-ia demasiada injustiça, gerando insegurança jurídica a ponto de que ser incumbido a
um cargo de administrador seria resumido à assunção de riscos próprios e alheios, não se
podendo vislumbrar qualquer vantagem efetiva na ocupação desta função.
Por outro lado, caso o administrador tenha conhecimento dos fatos de terceiros,
contrários aos deveres legais, e não tome nenhuma medida para impedir o ilícito, responderá
solidariamente. Da mesma forma responderá caso seja conivente com os atos praticados por
outro administrador, ou então ser negligente ao descobrir os fatos já praticados ou na
iminência de acontecer.
Faz-se possível que, mesmo que o administrador venha a ter conhecimento de fatos
desvantajosos ou contrários à empresa, para que possa se eximir de qualquer
responsabilidade, registre uma objeção em reunião do órgão de administração competente,
levando o fato a conhecimento do conselho fiscal da assembleia geral, conforme previsto no §
1º do artigo anteriormente mencionado.
Por fim, aquele, mesmo que estranho à administração da sociedade, que venha em
conjunto com um administrador, beneficiar-se, seja para si ou para outrem, praticando ato que
viole a lei ou o estatuto, responderá solidariamente ao administrador. Esta situação está
prevista no §5º do art. 158 da LSA.
Pode-se, portanto, depreender do exposto que a Lei oferece ferramentas efetivas para
a autoproteção dos administradores. Além disso, o legislador infraconstitucional atentou-se ao
risco inerente a esse ofício e criou ampla normatização para além da autoproteção desses
funcionários, conferindo a eles maior segurança na tomada de decisões e na assunção do
cargo e das funções.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
2.3. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
Os efeitos decorrentes do descumprimento ou violação dos deveres de um
administrador podem refletir de diversas maneiras: tanto podem ser afetados aqueles que
investem o seu patrimônio em valores mobiliários, quanto parceiros comerciais que dependam
da atividade da companhia. Além disso, as consequências da má administração irão, por
óbvio, afetar a própria companhia e a coletividade na qual se insere a companhia.
A participação em sociedade anônima tem como objetivo primordial o lucro. Essa
modalidade de investimento está diretamente relacionada à injeção de capital em determinada
sociedade anônima, sendo que, na maior parte das vezes a participação dos investidores não
ultrapassa os limites da aplicação de capital. Naturalmente existe um risco inerente a estes
investimentos. Contudo, se porventura houver diminuição de patrimônio como resultado de
infrações praticadas pelos administradores, o acionista poderá requerer ressarcimento.
Em sendo constatado prejuízo para a companhia, devem-se apurar os danos ocorridos
por meio da assembleia geral. Este é o órgão dotado de competência para deliberar sobre o
assunto pois nele será discutida a possibilidade da propositura de ação de responsabilidade
perante o administrador.
3. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE
A ação de responsabilidade é o meio legal a partir do qual poder-se-á atribuir ao
comportamento do administrador, sua parcela de prejuízo causada à empresa. Tal instituto está
previsto na LSA, em seu art. 159, que dispõe: “Compete à companhia mediante prévia
deliberação da assembleia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos
prejuízos causados ao seu patrimônio”. Esta é a regra geral da ação que traz as suas
peculiaridades em seus sete parágrafos, a seguir analisados.
Primeiramente cabe lembrar a lição de Modesto Carvalhosa sobre a forma pela qual
o sistema jurídico brasileiro trata a matéria. Pelo ordenamento jurídico pátrio, mostra-se
possível a multiplicidade de pretensões de natureza individual e social, envolvendo, para
tanto, os acionistas; a própria companhia, bem como terceiros.
“Ainda, o ordenamento permite a cumulação de pedidos de responsabilidade com
nulidade, conforme previsão do art. 292 do Código de Processo Civil. Esses pedidos são
independentes.”(CARVALHOSA, 2009, p. 380). Para o autor, ter-se-ia, então, duas espécies
de ações: a primeira delas seria aquela em que a companhia tem prioridade e, somente caso
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
não exerça esta prioridade, ela poderá ser substituída por qualquer acionista. Tal ação é
chamada de “ação social”, e neste caso, é permitida a substituição pelos acionistas tendo em
vista que é de interesse deles a manutenção da sociedade. É o patrimônio dos acionistas que
ali está incluso e pode, eventualmente, sofrer toda sorte de diminuição em virtude de um
desvio de função do administrador.
Já a segunda espécie de ação teria características de ação individual, passível de
interposição pelos acionistas. Esta seria o que Miranda Valverde chama de ação para
reparação dos prejuízos diretos.4
Alfredo de Assis Gonçalves Neto, a partir dos estudos de Joseph Hamel e Gaston
Lagarde, divide a ação de responsabilidade em quatro espécies:
a) a ação social, promovida pela companhia por danos a ela causados
(actio uti universi);
b) a ação social, promovida pelo acionista em proveito da companhia
(actio uti singuli);
c) a ação individual do acionista, exercida por este na busca da
reparação de um prejuízo pessoal;
d) a ação individual de terceiro, também por um prejuízo pessoal.5
É claro que a ação social promovida pelo acionista em favor da companhia, citada no
item b acima, é a mesma ação em que o acionista vem a substituir a companhia quando ela é
inerte. Conforme a classificação de Modesto Carvalhosa considera-se a ação proposta pelo
substituto como a mesma que seria proposta pela companhia. De fato, o objeto da ação e as
prerrogativas são as mesmas, alterando-se apenas a parte autora.
Em sentido oposto, a doutrina francesa trazida por Gonçalves Neto, preferiu
classificá-la como uma espécie diferente de ação. A inclusão da ação proposta
individualmente por um terceiro prejudicado, disposto no item d acima, é a previsão expressa
da segunda parte do § 7º do art. 159.
A propositura da ação de responsabilidade em face de um ou mais administradores de
uma determinada companhia tem como objetivo restabelecer o seu bom funcionamento,
voltando então a buscar os fins para os quais ela foi constituída.
Uma vez recobrada a normalidade das atividades, a “saúde da companhia” deve ser
recuperada e, por consequência, seus acionistas e até mesmo os terceiros que dela dependam,
poderão reaver os danos sofridos.
4
5
MIRANDA VALVERDE, 1953, apud CARVALHOSA, 2009, p. 380.
JOSEPH HAMEL e GASTON LAGARDE, 1954, apud GONÇALVES NETO, 2005, p. 214.
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Para que a ação de responsabilidade seja proposta, conforme a regra do caput do
citado artigo, deve ter havido prévia deliberação da assembleia geral nesse sentido. O § 1º do
artigo vem para especificar qual o tipo de assembleia em que esta decisão pode ser tomada.
Na realidade tanto a assembleia geral ordinária como a extraordinária, podem apreciar tal
matéria, contudo, para que a apreciação ocorra em assembleia geral extraordinária, ela deve
ter sido prevista na ordem do dia ou então ter sido consequência direta de algum assunto
incluído na assembleia.
Uma vez deliberado o assunto, caso haja a confirmação da necessidade de
propositura da ação de responsabilidade, o administrador ou administradores que figurarão no
polo passivo da demanda ficarão impedidos do exercício de seus cargos, devendo então
ocorrer as suas substituições imediatas por outros administradores, ainda na mesma
assembleia. Como consequência da destituição do administrador, logicamente, seu poder de
mando, atribuições e prerrogativas inerentes ao cargo serão tolhidos. Ao mesmo passo, faz-se
necessária a nomeação de outro administrador para ocupar o cargo daquele ou daqueles em
face de quem será proposta a ação. Como se trata de um cargo estratégico, a sua vacância
pode representar ainda mais perdas para a companhia, e por este motivo, a substituição deve
ocorrer de forma imediata.
A destituição se faz necessária pelo fato de que não há mais possibilidade de
confiança naquele administrador, uma vez que o desvio das funções as quais lhe foram
incumbidas é configurada como falta grave.
Os acionistas, por sua vez, não desejam que o administrador, tendo praticado atitudes
contrárias aos interesses da empresa, ocupe um cargo estratégico na companhia em que ele
investe o seu patrimônio, pois, naturalmente os riscos do investimento seriam insustentáveis.
Para se ilustrar a previsão legal mencionada, traz-se a exame um julgado do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal. A empresa BRASIL TELECOM S.A., em assembleia geral
extraordinária realizada em 12.04.2001, decidiu pela propositura de ação de responsabilidade
em face de dois administradores. Em decorrência da decisão da assembleia, os
administradores propuseram uma Ação Cautelar com pedido liminar, para que fossem
suspensos os efeitos das decisões tomadas na assembleia realizada em 12.04.2011. Quando o
juiz da vara de origem apreciou a ação, decidiu pela não concessão do pedido liminar.
Todavia, através de um pedido de reconsideração, os administradores obtiveram
sucesso no pedido liminar. Então, contra esta decisão, insurgiu-se a empresa, propondo
Agravo de Instrumento. Quanto ao mérito, o principal argumento utilizado pela BRASIL
TELECOM S.A. foi o de que, com o deferimento do pedido liminar, foram mantidos nos
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
cargos de administradores aqueles que foram reputados como inidôneos pela assembleia
soberana de seus acionistas, violando, portanto, o § 2º do art. 159 da LSA.
Ainda, mesmo que não fosse proposta a ação de responsabilidade, que culmina na
destituição, os administradores poderiam ser destituídos com base no art. 122, inciso II, vez
que não possuem direito próprio a manutenção no cargo. Ou seja, se independentemente da
ação, eles poderiam ser destituídos do cargo. Não se justifica, portanto, o deferimento da
liminar. Para finalizar, a empresa BRASIL TELECOM S.A. ressaltou o fato de que a decisão
de primeiro grau suspendeu os efeitos da assembleia geral extraordinária, sem que fosse
indicada qualquer irregularidade deste ato societário.
Com base nestes e outros argumentos, o Desembargador Edson Alfredo Smaniotto
houve por bem afastar os efeitos da liminar concedida. “Não há previsão de provimento
acautelatório contra disposição literal de lei. O periculum in mora deve, obrigatoriamente,
decorrer de uma quaestio facti, jamais do comando normativo que goza de eficácia jurídica.
No mais, tudo é questão de mérito das decisões assembleares e do conselho
administrativo, que envolve o conflito de interesse pars inter pares. Vícios administrativos
decorrentes da manifestação de vontade dos conselheiros, diante da indesejável vinculação de
alguns aos interesses menores dos acionistas, é tema a ser dirimido mais tarde, se possível, na
ação que permita cognição mais ampliada, onde o próprio direito e não o resguardo
processual, se verossímil, eventualmente poderá ser antecipado.
Por ora, concedo o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, reconhecendo na
pretensão recursal ora deduzida a razoabilidade do pedido, diante da literalidade da Lei
6.404/76, e da soberania das decisões assembleares, notadamente quanto ao mérito das
deliberações, além do perigo da demora na mantença da liminar concedida pelo douto Juízo a
quo, na medida em que as deliberações da Assembleia ficariam sujeitas, ad nutum, ao controle
do Poder Judiciário, acarretando sensível prejuízo às estratégias a serem adotadas
diuturnamente para a prosperidade da Companhia.
Casso a r. reconsideração agravada de fls. 536, afastando, até a manifestação
Turmária, os efeitos da douta liminar concedida na Ação Cautelar.
Feita a transcrição, insta assinalar que, após profunda reflexão acerca da questão,
mantenho-me firme no posicionamento antes externado, devendo a r. decisão agravada ser
definitivamente cassada, em homenagem à literalidade do dispositivo inserto no artigo 159 da
Lei das Sociedades Anônimas, que expressamente atribui à Assembleia-Geral a competência
para deliberar acerca da propositura de ação de responsabilidade civil contra o administrador,
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.”6
Esse julgado afirma sua importância no sentido de ilustrar e corroborar os conceitos
abrangidos pelo presente estudo. Pela análise de caso é possível mostrar a efetividade legal
em face dos litígios empresariais internos. Do caso concreto, percebe-se que nem sempre a
destituição e a consequente substituição do administrador que desvia alguma de suas funções
ocorre de forma pacífica. No presente caso houve recusa dos administradores em face de
quem foi proposta a ação, fato esse que os levou à busca da tutela judicial para que se
reconhecesse a ineficácia da deliberação assemblear. Contudo, o Desembargador Relator
decidiu reconhecer a literalidade da lei e cassar a decisão de primeiro grau, mencionando a
violação direta ao disposto no § 2º do art. 159.
Vale lembrar que a destituição do administrador é definitiva, não sendo possível a
retomada de seu cargo. No direito brasileiro, mesmo que a ação de responsabilidade seja
julgada improcedente, não pode o administrador voltar a ocupar o cargo.
Retomando a análise dos parágrafos do art. 159 da LSA, é justamente no seu § 3º que
se encontra a previsão da substituição da companhia por qualquer acionista para a propositura
da ação de responsabilidade contra o administrador. A regra diz que se no prazo de três meses
após a deliberação da assembleia, a companhia não tomar as providências para que a ação seja
proposta, poderá então qualquer acionista formulá-la visando a garantia de seus direitos.
Pouco importa a porcentagem do capital social que detêm este acionista. Como interessado na
responsabilização do administrador, a Lei permitiu que esta substituição ocorresse caso a
companhia se mostrasse inerte.
Importante ressaltar que esta substituição não transfere a titularidade do direito ao
acionista, porém, tão somente a legitimidade ativa para a propositura. Isso implica em dizer
que a companhia continuará sendo a beneficiária primária do resultado da demanda, pois caso
haja ganhos por parte da companhia, ganham também os seus acionistas. Todos os gastos
havidos pelo acionista para a defesa dos interesses da companhia serão ressarcidos por esta,
até o limite do valor da condenação recebida. Quanto à substituição, lembra ainda Carvalhosa
que “em ação social ut universi, o acionista, ao ingressar em juízo, declara não ser titular do
direito material da ação, indicando como titular da pretensão a companhia.”(CARVALHOSA,
1992, p. 382).
No § 4º está prevista outra forma de propositura da ação de responsabilidade em face
do administrador. É o caso em que a assembleia delibera negativamente acerca do pedido de
6
Agravo de Instrumento n.º 2001002002291-5, rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto, 2ª Turma Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, julgado em 25.02.2002.
199
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ação. Nesse caso, apesar de a assembleia ser o órgão deliberativo de grau máximo, ainda
podem formulá-la, em nome da companhia, os acionistas que representem ao menos 5% do
capital social. Caso um acionista individualmente não detenha esta porcentagem mínima de
ações da companhia, poderá ele em conjunto com outros acionistas compor um litisconsórcio
para que os 5% necessários sejam atingidos. Esta é a chamada ação social ut singuli.
Existe ainda outra hipótese em que poderá um acionista ou um conjunto que
represente ao menos 5% do capital formular o pedido de ação.
“Será legitimado, ainda, o acionista individualmente a propor a ação de
responsabilidade civil, no caso de recusarem os administradores a fazer constar da
ordem do dia a deliberação sobre a matéria, ou se, embora sendo consequência
direta do assunto nela incluído, negar-se a mesa a reconhecê-lo, trancando a
discussão e deliberação a respeito.” 7
O § 5º do artigo regula, então, o direito do acionista de ser ressarcido dos gastos
decorrentes da defesa da companhia. Nesse caso, a companhia deverá efetuar o pagamento
dos valores inclusive com correção monetária e juros aplicáveis.
Como o § 6º do art. 159 muito interessa a este trabalho, discorrer-se-á acerca dele
com maior profundidade após algumas observações sobre a previsão do § 7º. Este último
parágrafo garante àqueles diretamente prejudicados (acionistas ou terceiros), o direito de
propor ação individual, independente da ação de responsabilidade que venha a ser iniciada
pela companhia. Ou seja, mesmo que a companhia exerça o seu direito de ação de
responsabilidade em face do administrador, ainda assim, poderá o terceiro ou acionista propor
a ação que couber também em face do administrador.
Esta ação prevista no § 7º visa reparar os danos sofridos diretamente por um
acionista ou terceiro, diferentemente da actio ut universi e actio ut singuli, em que os danos
foram sofridos diretamente pela companhia. Modesto Carvalhosa apresenta uma peculiaridade
desta ação ao dizer que “ao propor a ação individual, o acionista tem em vista o seu próprio
interesse, embora o resultado de seu procedimento judicial possa coincidir com os interesses
de outros acionistas”.8 Diferentemente das ações que podem ser intentadas pela companhia,
esta ação não visa o restabelecimento do normal funcionamento da companhia, mas, tão
somente, a recuperação de eventuais prejuízos individuais ou particulares que um acionista ou
terceiro possa ter sofrido.
Pode parecer complexo vislumbrar situações em que poderia o acionista sofrer um
7
8
MIRANDA VALVERDE, 1953, apud CARVALHOSA, 2009, p. 387.
CARVALHOSA, 2009, p. 390.
200
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dano direto, sem que a companhia também o sofresse. Sobre esse tópico, Modesto Carvalhosa
traz três hipóteses:
“1) A primeira hipótese seria quando do uso de informações confidenciais por parte
dos administradores. Neste caso, a companhia não seria prejudicada, pois, de qualquer forma,
estaria aportando capital. Para o funcionamento e sucesso dela basta que ocorra a venda de
suas ações, contudo, a utilização de informações confidenciais, ou privilegiadas, que
configuram o chamado insider trading, geram sim prejuízos diretos aos acionistas”
(CARVALHOSA, 1992, p. 390).
A manipulação do mercado por parte dos administradores irá sem dúvida prejudicar
os acionistas que poderiam exercer o seu direito a compra de novas ações. Imagine-se que a
companhia esteja prestes a adquirir o controle acionário de uma outra grande companhia, no
intuito de realizar uma fusão para potencializar a sua participação no mercado. É muito
provável que o valor das ações aumente significativamente e que ainda novas ações sejam
pulverizadas no mercado. Neste cenário, poderiam então os acionistas adquirir novas ações.
Porém, se os administradores tiverem utilizado de informações as quais apenas eles poderiam
ter acesso em decorrência do cargo exercido, para adquirirem para si, ações da companhia, ou
ainda favorecer terceiros, restariam então prejudicados os acionistas. Não poderiam terceiros,
ou como são chamados, outsiders, ter preferência na compra de ações em prejuízo dos
acionistas da companhia. Esta é a primeira hipótese apresentada pelo autor.
2) A segunda hipótese é o chamado dano personalizado. “Será o caso, por exemplo,
de recusa do fornecimento de certidões, de que trata o art. 100, a determinado acionista. Da
mesma forma, a protelação no pagamento de dividendos, pela criação de formalidades
inadmissíveis ou abusivas. Assim, todos os atos ilegais, antiestatutários e como abuso do
desvio de poder, discriminadamente dirigido a determinado acionista, ensejam ação
individual” (CARVALHOSA, 1992, p. 390).
Mais uma vez, vislumbra-se, nas hipóteses narradas acima que não haverá qualquer
dano direto à companhia, mas tão somente ao seu acionista. Por este motivo é permitida a
propositura de ação individual, onde não se confundem os interesses do acionista com os
interesses da empresa.
3) A última hipótese é configurada nos casos em que há relação contratual direta
entre o acionista e o administrador. Havendo esta relação, diversas são as possibilidades que
ensejarão a propositura de uma ação individual. Os exemplos no mesmo sentido são “de
abuso na utilização de procuração outorgada pelo acionista (art. 126), ou seja, o ato ilícito do
administrador não prejudica a companhia, mas, sim, o acionista pessoalmente. Também
201
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ocorre a hipótese de danos causados aos acionistas, na avaliação dos patrimônios líquidos das
companhias envolvidas em incorporação, fusão e cisão. Havendo supervalorização, em tais
avaliações, em detrimento do acionista, o cabimento da ação individual será inquestionável.”
(CARVALHOSA, 1992, p. 390).
Consoante a redação do artigo em questão, pode ainda propor ação individual
obstando reparar os danos sofridos os terceiros estranhos à companhia. No caso dos terceiros,
a regra é de que a companhia responda em nome dos administradores. Essa substituição se dá
em nome do princípio da segurança das relações jurídicas e na teoria da organicidade da
representação social. Todavia, existem hipóteses em que os terceiros poderão buscar
diretamente junto ao administrador a sua responsabilização. O exemplo trazido por Modesto
Carvalhosa discorre sobre a utilização de informações confidenciais, que podem então, criar
condições artificiais de negociação de valores mobiliários no mercado. Neste caso poderiam
os investidores, intermediários de mercado e suas instituições, propor diretamente ação de
responsabilidade em face do administrador.9
É reconhecido que a sociedade anônima, como qualquer outra empresa, exerce
função social, a par de se tratar de modo de organização patrimonial. Embora seja instrumento
de atividade dirigida a certo fim - o lucro -, não se divorcia das relações com a comunidade
onde está integrada.
Entenda-se por função social da propriedade o poder que o titular tem de dar ao bem
determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social orienta a propriedade ao
interesse coletivo e não àquele do próprio titular do bem: está-se diante de um poder-dever do
proprietário, sancionável pela ordem jurídica.
A ideia de função social da propriedade passou a ser positivada com a promulgação
da primeira Constituição Republicana Alemã, em Weimar, em 191910, impondo deveres ao
proprietário. Esclareça-se que função social da propriedade não se confunde com restrições
legais ao uso e gozo dos próprios bens. Em se tratando de bens de produção, o poder-dever do
proprietário é entendido como o poder-dever do titular do controle dirigir a empresa para a
realização dos interesses coletivos. Destaque-se, novamente, que poder de controle não se
confunde com propriedade: não se trata de direito real, incidindo sobre determinado bem, mas
de poder de organização e direção, que envolve pessoas e coisas.11
A Lei nº 6404/76, conforme anteriormente explanado, atribuiu à sociedade anônima
9
CARVALHOSA, 2009, p. 395.
10
O art. 153 da Constituição de Weimar foi mantido, ipsis verbis, pela Constituição da República Federal
Alemã, de 1949, em seu art. 14, 2ª alínea: “A propriedade obriga. Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o
interesse da coletividade”.
202
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
função social. O art. 116, parágrafo único, estabelece que “o acionista controlador deve usar o
poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e têm
deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham
e para com a comunidade em que atua, cujos diretos e interesses deve lealmente respeitar e
atender”. O art. 117, § 1º, ‘a’, arrola como modalidade de exercício abusivo de poder do
acionista controlador a orientação da companhia “para fim lesivo ao interesse nacional, ou
levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos
acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional”.
O idealismo dos dispositivos acima transcritos permanece ineficaz, porque a
legislação e o próprio sistema empresarial não viabilizam a aplicação de sanções adequadas
ao acionista infrator.
O abuso de não-utilização de bens produtivos, ou de sua utilização imprópria,
deveria ser sancionado adequadamente, mas não em prejuízo ou comprometendo a
propriedade destinada à coletividade, visto que não se pode desprezar a força produtiva
daqueles que ali, na empresa, trabalham e, muito menos, o interesse daqueles que nela
investiram.
O poderio que adquiriram as sociedades anônimas, sua eficiência no processo de
desenvolvimento econômico, explica e justifica o interesse geral em fiscalizá-las e protegêlas, em educar o empresário e induzi-lo à melhor utilização de sua propriedade/empresa, em
incentivar e garantir ao investidor o retorno do capital aplicado em ações da companhia,
permitindo ao administrador a gestão imparcial aos interesses da empresa e da coletividade.
Diante desta premissa, mais do que inerente à própria companhia, a responsabilidade do
administrador e/ou do acionista controlador é de ordem pública, posto que o reconhecimento
de culpabilidade é de interesse de toda a sociedade política.
É essencial para a sociedade anônima conjugar estreitamente o interesse social com o
interesse privado, de forma a assegurar a prosperidade da sociedade com a satisfação dos
interesses razoáveis e naturais de seus acionistas.
A má gestão de uma grande companhia pode produzir reflexos na economia de um
país, dando causa às crises12, e repercutindo intensamente em muitos outros setores
11
A confusão entre poder de controle e propriedade é próprio do Capitalismo, pois o poder de controle
empresarial funda-se na propriedade do capital ou dos títulos-valores representativos do capital da empresa
(COMPARATO, Fábio Konder. Função social dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 63, p. 71-79, jul/set. 1986, p. 77).
12
Crise econômica e financeira, crise política e institucional, crise de investimento e de confiança.
203
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
essenciais.13
Dessa forma, as facilidades abertas para o levantamento de recursos – desde o apelo
ao mercado de capitais até o progressivo autofinanciamento da companhia – exigem, então,
fiscalização pública e impõe o dever de intensa publicidade dos atos de gestão em favor dos
sócios e da coletividade.
4. CONCLUSÃO
Por todo o exposto no presente trabalho pode-se concluir que a empresa adequada no
molde das sociedades anônimas é com certeza a mais complexa de todas, não apenas pela sua
ampla estrutura, mas também pelo impacto que causa no mercado nacional e internacional.
Trata-se de um tipo de companhia em que investidores depositam nela a sua confiança e
propriedades, buscando aumentar o seu patrimônio.
Todos os investimentos são realizados com parâmetros delimitados e estudados a
fundo. Aquele que ali aplica seu dinheiro deseja obter retorno de seu capital, vislumbrando
ganhos futuros. É por meio dos investidores que as companhias conseguem efetivamente
potencializar suas atividades. Sua injeção de capital é fundamental para o rápido e constante
crescimento empresarial, realizando esta forte e ampla capitalização, as companhias desse
gênero ganharam espaço e formas bastante particulares.
Como a necessidade de crescimento perene é natural à forma com a qual as empresas
definem seus objetivos, faz-se necessária maior quantidade de recursos e capital, assim, a
melhor e mais efetiva maneira de arrecadar tais recursos é a venda de quotas de participação
na companhia. Portanto, com o auxílio fundamental dos investimentos em ações, as
companhias têm, cada vez mais, grandes oportunidades de aumentar sua atuação nos
mercados, promovendo maiores ganhos para subsídio da própria atividade, bem como para a
satisfação de lucro dos investidores.
Ao mesmo passo em que a estrutura da companhia é complexa, sua gestão também o
é. Para administrar esta complexa estrutura, são eleitos administradores que serão os
principais responsáveis pela condução dos negócios e para o atendimento dos fins para os
quais a companhia foi criada. Estes administradores estão sempre trabalhando em um
ambiente de muita pressão, onde devem tomar diversas decisões estratégicas, sempre visando
13
O crescimento das sociedades anônimas justifica o interesse público; haja vista que esta instituição
alberga infinidade de pessoas: acionistas, fornecedores, consumidores, credores, empregados, revendedores,
distribuidores, financiadores etc., grupos de significado excepcional para a ordem e a tranqüilidade social.
204
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
atender os interesses das companhias, e, além disso, suas responsabilidades aumentam à
medida que aumentam os investimentos.
A doutrina traz uma série de deveres, os quais devem ser respeitados e seguidos por
estes profissionais, para que se garanta uma boa gestão da companhia. Mas, por mais correto e
diligente que o administrador seja, não está ele isento de tomar alguma decisão que venha a
trazer prejuízos para a companhia. Naturalmente, todos os administradores estão sujeitos a
esta situação. Portanto, pode-se afirmar a existência de certo risco ao se dirigir uma sociedade
anônima.
Não obstante, até mesmo decisões conscientes, tomadas de boa-fé, podem causar
prejuízos à companhia. Estas são as chamadas decisões de negócios, onde não existe um juízo
de certeza. Contudo, tais decisões fazem parte do risco inerente à atividade empresarial e,
portanto, não são de responsabilidade dos administradores.
Então, com o objetivo de conferir proteção ao administrador de sociedades anônimas,
e o legislador incluiu o § 6º do artigo 159 da LSA. Tal artigo afirma a isenção de
responsabilidade por parte do administrador caso suas decisões de boa fé e conformes a
política da empresa causarem prejuízos à atividade e aos investidores. Este é o elemento
essencial para que a companhia seja bem gerida, por um simples motivo: se não houvesse tal
previsão dificilmente encontrar-se-ia alguém disposto a ocupar um cargo desta natureza.
Os profissionais, por mais qualificados que sejam, estão sujeitos ao cometimento de
erros, portanto, invariavelmente, teriam que arcar com prejuízos da sociedade. E em se
tratando de sociedades anônimas, sabe-se que prejuízos são quase sempre muito significativos
para a companhia.
Portanto, a importância basilar da criação desse este instituto reside no fato de
permitir ao administrador exercer suas funções com certa tranquilidade, sabendo que seu
patrimônio pessoal e sua carreira não serão lesados pelos reflexos de seus atos em
conformidade com a política empresarial. Esta normatização permite atitudes mais agressivas
por parte dos administradores, afinal, para crescer e dar o retorno que seus acionistas esperam,
a empresa deve adotar uma política menos passivas em relação ao mercado.
Importante ressaltar que o instituto não visa proteger o administrador que faltou com
os seus deveres e que não agiu de boa-fé. Assim, a completa estruturação legal não redime
erros pessoais, irresponsáveis e dolosos na administração da empresa, tais fatos fazem com
que o assunto ora debatido tenha importância fundamental na sociedade atual, ao passo que
seus reflexos trazem ganhos extraordinários aos sujeitos de direito e afirmam a
obrigatoriedade e importância do dever de tutela por parte da administração pública, também
205
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
no direito empresarial, que auxilia extraordinariamente o fomento econômico e a proteção
individual de todos aqueles que, direta ou indiretamente estão inseridos em uma relação
empresarial.
5. REFERÊNCIAS
BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial: Teoria geral
do direito comercial, direito societário. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003. v.1.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008
Brasil, Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 31 dez. 1940.
Brasil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo
Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973
Brasil, Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades
por Ações. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17
dezembro 1976.
Brasil, Lei nº 9.457, de 05 de maio de 1997. Altera dispositivos da Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações e da
Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores
mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 maio 1997.
Brasil, Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. Altera e acrescenta
dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as
Sociedades por Ações e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe
sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários..
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 nov. 2001.
Brasil, Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação
judicial a extrajudicial. e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 fev. 2005.
Brasil, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravo de Instrumento n.º
2001002002291-5. Brasil Telecom S/A e Stet International Netherlands N.V. e outros.
Relator: Desembargador Edson Alfredo Smaniotto. DJ 15 maio 2002
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v.3.
206
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 10.
ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v.2.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de direito societário:
sociedade anônima. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. v.2.
207
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: BASES CONSTITUCIONAIS DA
CRIMINALIZAÇÃO
DA
OMISSÃO
DE
REPASSE
E
A
QUESTÃO
DA
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO PELA SITUAÇÃO
FINANCEIRA PRECÁRIA DA EMPRESA
MISAPPROPRIATION SOCIAL SECURITY: THE CONSTITUTIONAL BASES OF
OMISSION CRIMINALIZATION TRANSFER AND THE QUESTION OF CONDUCT
UNENFORCEABILITY OF AS LAW BY COMPANY FINANCIAL PRECARIOUS
JANAÍNA ELIAS CHIARADIA1
FÁBIO ANDRÉ GUARAGNI2
1.
Introdução. 2. Da responsabilidade do empregador pelo recolhimento previdenciário. 3.
Apropriação indébita previdenciária e a estrutura do tipo. 4. O art. 168-A e a inexigibilidade
de conduta conforme o direito pela situação financeira precária da empresa na jurisprudência
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 5. Considerações finais.
RESUMO: Nos preceitos explicitamente contidos na Constituição Federal e no Código Penal,
há normas e princípios para regular a sociedade em geral, elencando concepções e enunciados
que impulsionam a produtividade e o crescimento do setor financeiro, mediante o princípio da
livre iniciativa, limitado por ditames de justiça social, da qual deriva a base dos crimes
praticados em detrimento da ordem previdenciária. Dentre eles, o estudo concentra-se na
1Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Graduada
em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) tendo estagiado no Ministério Público
de Santa Catarina. Especialista MBA em Direito Empresarial e Processual Civil no Centro Universitário de
Jaraguá do Sul (UNERJ) e Pós-Graduanda em Didática do Ensino Superior pela Faculdade do SENAC.
Integrante da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Advogada no ramo empresarial e professora
universitária no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e na Faculdade do SENAC. Autora de obras
jurídicas, capítulos e artigos científicos.
2
Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Pós-Doutorado na Università degli Studi di Milano, Doutor e Mestre
em Direito das Relações Sociais (UFPR). Professor de Direito Penal Econômico do Programa de Mestrado em
Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Professor de Direito Penal
do UNICURITIBA, FEMPAR, ESMAE, CEJUR e LFG.
208
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
apropriação indébita previdenciária, art. 168-A, CP, analisando a estrutura do tipo e contornos
dos bens jurídicos protegidos. Envereda, por fim, pela análise da incidência da inexigibilidade
de conduta conforme o direito, derivada da precária situação financeira da empresa, como
exculpante supralegal em relação à figura típica, diante da jurisprudência do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região.
PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade do empregador; recolhimento previdenciário;
apropriação indébita previdenciária; culpabilidade; inexigibilidade; exculpante; Tribunal
Regional Federal da 4ª Região.
ABSTRACT: In the precepts explicitly contained in the Constitution and the Penal Code,
there are rules and principles to govern society in general, listing conceptions and utterances
that drive productivity and growth in the financial sector, through the principle of free
enterprise, limited by the dictates of social justice, which derives the basis of crimes
committed at the expense of social security order. Among them, the study focuses on
misappropriation pension, art. 168-A, CP, analyzing the type of structure and outlines the
legal interests protected. Is appealing Finally, by analyzing the incidence of unenforceability
of conduct under the law, derived from the precarious financial situation of the company, as
exculpante supralegal regarding typical figure, given the case law of the Federal Regional
Court of the 4th Region.
KEYWORDS: employer's liability, pension payment, pension embezzlement; guilt;
unenforceability; exculpante; Federal Regional Court of the 4th Region.
1. INTRODUÇÃO
As cartas constitucionais estampam modelos variados de contratos sociais, conforme
identificados na literatura de Bobbio (1997, p. 31-48). Para tanto, fixam a estrutura, a
distribuição do poder estatal e marcos mediante os quais este poder se relaciona com o
indivíduo. Todos estes aspectos, a seu turno, dependem de opções políticas e econômicas,
variáveis no tempo e no espaço.
Nos países associados a modelos capitalistas de produção – em que o proprietário
dos meios de produção paga pela força laboral de terceiros, empregando-a sobre aqueles
meios “a atividade empresarial é protegida e fomentada pelo ordenamento jurídico, inclusive
209
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
constitucional. A Constituição brasileira serve como exemplo, ao adotar princípios como o da
livre-iniciativa (art. 170, caput) e livre-concorrência (art. 170, IV). Ambos são vinculantes
para o ordenamento jurídico infraconstitucional” (GIDDENS, 1991, p. 61).
Note-se, todavia, que o modelo brasileiro não se pauta por um liberalismo pleno, em
moldes que retrocedem aos séculos XVIII e XIX. Afinal, da experiência dos últimos duzentos
anos, herda-se a síntese produzida a partir de um estado liberal (protetor e garantidor de
liberdades), como tese, e de um estado interventor como antítese, preocupado com igualdades:
como síntese de ambos, surge o estado social de direito. Daí o ensinamento de Bonavides
(2011, p. 183):
(...) o Estado Social representa efetivamente uma transformação superestrutural por
que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas
algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletariado, que o
socialismo marxista intente implantar; é que ele conserva sua adesão à ordem
capitalista, princípio cardeal a que não renuncia.
De fato, tem-se uma ordem econômica capitalista, inclinada ao liberalismo e ao
privatismo. Destaca Ulhoa Coelho (2008, p. 26) que:
(...) ao atribuir à iniciativa privada papel de (...) monta, a Constituição torna
possível, do ponto de vista jurídico, a previsão de um regime específico pertinente às
obrigações do empreendedor privado. Não poderia, em outros termos, a ordem
jurídica conferir uma obrigação a alguém, sem, concomitantemente, prover os meios
necessários para integral e satisfatório cumprimento dessa obrigação.
Todavia, tal modelo liberal encontra limites na necessidade estatal de intervir na
ordem social e promover a compensação de desigualdades históricas. Desta forma Eros
Roberto Grau (2008, p. 190) elucida que:
(...) a norma econômica na Constituição Federal de 1988 consagra um regime de
mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos de ordem
pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico,
que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre
concorrência de quaisquer interferência.
210
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O próprio caput do art. 170, na Constituição brasileira, deixa gizado este esforço
conciliatório, quando exalta a necessidade de valorizar-se a livre iniciativa, porém respeitado
o trabalho humano para a “existência digna” de todos, “conforme os ditames de justiça
social”. Por outro lado, se são princípios da ordem econômica as liberdades acima destacadas,
igualmente o são, para o legislador originário, a função social da propriedade, a defesa do
consumidor, do meio ambiente, a meta de redução de desigualdades regionais e sociais, etc,
conforme se extrai dos incisos do art. 170. Todas limitam a livre iniciativa e guiam
parâmetros para a livre concorrência.
Assim, as liberdades constitucionalmente asseguradas, tangentes à livre iniciativa e
livre concorrência, demarcam-se por um liberalismo certamente diverso daquele vivenciado
em tempos anteriores, eis que, “o liberalismo de nossos dias, enquanto liberalismo realmente
democrático, já não poderá ser, como vimos, o tradicional liberalismo da revolução francesa,
mas este acrescido de todos os elementos de reforma e humanismo com que se enriquecem as
conquistas doutrinárias de liberdade” (BONAVIDES, 2011, p. 163). Portanto, as normas
infraconstitucionais, embebidas dos princípios constitucionais, retratam a valorização das
atividades
empresariais
em
moldes
sustentáveis
e exaltam
o cumprimento das
responsabilidades advindas das relações patrão-empregado.
Ao ser firmado um contrato individual de trabalho, empregados e empregadores
adquirem direitos e responsabilidades, sendo que as duas partes devem cumprir integralmente
com suas obrigações. Ao empregador é imposto o fiel respeito e garantia aos direitos dos
trabalhadores. Ao empregado, são confiadas atribuições, as quais deverão ser cumpridas da
melhor maneira possível, sem que sejam ocasionados, conscientemente, danos ao
empregador. Neste contexto, e dentre as responsabilidade assumidas, assumem destaque
aquelas relacionadas com o custeio da Previdência Social, em parte derivado do cumprimento
das obrigações contratuais laborais. A Previdência Social serve à ordem econômica
justamente por viabilizar a realização de justiça social e a existência digna, aos moldes do
caput do art. 170 c.c art. 193, ambos da CR.
Desta forma, em face das normas constitucionais regentes da ordem econômica e
social, há de ser analisado o crime de apropriação indébita, diante da responsabilidade do
empregador pelo recolhimento previdenciário e suas consequências para sociedade atual, em
especial para a sustentabilidade empresarial. Para tanto – e antes – impende refinar os
211
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
fundamentos principiológico-constitucionais da responsabilidade do empregador pelo repasse
previdenciário.
2.
DA
RESPONSABILIDADE
DO
EMPREGADOR
PELO
RECOLHIMENTO
PREVIDENCIÁRIO
Como dito, os princípios constitucionais que norteiam a ordem econômica e a ordem
social, inseridos na atual Constituição da República, são de suma importância para a
compreensão das diretrizes que sustentam a atividade empresarial, em especial quanto às
responsabilidades assumidas perante os empregados e a previdência social.
Na base essencial da Constituição Federal de 1988, princípios gerais convertem-se
em constitucionais e, “uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema
normativo” (BONAVIDES, 2011, p. 258). Desta forma, para que o operador do direito e
todos os demais cidadãos possam atuar em consonância com os preceitos legais, visando à
busca por uma sociedade justa, devem ser respeitados os princípios fundamentais e “se os
princípios constitucionais são mandamentos de otimização, que devem ser realizados na
maior medida possível dentro das condições fáticas e jurídicas existentes, ao legislador e aos
outros ramos do direito sobraria apenas uma tarefa: a de otimizador de direitos fundamentais e
da constituição” (SILVA, 2011, p. 118).
Dentre os princípios constitucionais que exsurgem como mandamentos de
otimização, avulta o da “livre iniciativa”: refere-se à liberdade concedida pelo constituinte
para que qualquer cidadão possa exercer profissão ou empreender atividade econômica,
independentemente de autorização do Estado, desde que norteado pela legislação vigente,
salvo hipóteses previstas em lei. É a letra expressa do art. 170, parágrafo único, CR. Trata-se
de uma faculdade para que os entes privados, ou qualquer cidadão, possam contribuir e
proporcionar o desenvolvimento econômico, social e político de si e da sociedade como um
todo.
A liberdade inserida em tal princípio não significa a possibilidade de que cada
cidadão possa fazer o que bem entender, mas o de poder exercer atividade lícita, com as
qualificações pertinentes, objetivando lucratividade, usufruindo de incentivos e benefícios,
desde que a legislação específica seja respeitada, conforme esclarece Martins (2011, p. 167):
212
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O que interessa em termos de primeira acepção, é que, mesmo sob restrições
legalmente estabelecidas, num regime de livre-iniciativa, é a partir do exercício da
atividade profissional ou da atuação econômica que os indivíduos retiram sustento
diário, adquirindo patrimônio capaz de garantir sua dignidade. […] Os benefícios de
um regime que garanta e verdadeiramente estimule a livre-iniciativa não se resumem
apenas à esfera individual. É que a sua dinâmica, pelas infindáveis transações e
melhoria presumida de bem-estar em cada uma delas, acaba por gerar relevante
riqueza social, uma vez que a livre-iniciativa em ação transforma parcela da
propriedade estática em propriedade dinâmica.
Assim, no sistema constitucional, o princípio da livre-iniciativa limita-se pelo
respeito à legislação vigente, inclusive infraconstitucional, nela avultando os mecanismos que
visam coibir práticas empresariais contrárias à ordem econômica, conforme se verifica no art.
173, § 4º, da Carga Magna, que torna defesas práticas abusivas do poder econômico que
visem à “dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos
lucros”. Afinal, as garantias de liberdade ofertadas aos empresários devem ser exercidas sem
lesar interesses individuais ou coletivos, a fim de que a justiça social e o bem-estar coletivo
sejam respeitados. Neste contexto, tem-se os comentários de Maria Helena Diniz (2011, p. 42)
ao especificar que:
(...) a livre concorrência, oriunda da atuação profissional, é a liberdade dada aos
empresários para exercerem suas atividades segundo seus interesses, limitados
somente pelas leis econômicas, porém norteadas pelo princípio da boa-fé objetiva.
Trata-se da opção de uma forma de competição (leal e lícita) com os demais fatores
econômicos dos que exercem a mesma atividade de mercado.
Assim, as normas que incentivam a livre concorrência, em especial através da
liberdade dos agentes econômicos, estratégias de publicidade, ofertas especiais, circulação de
capitais e pagamentos, por outro lado, proíbem e sancionam a concorrência desleal, buscando
a conservação da boa-fé objetiva no ramo empresarial. Tamanha a importância da boa-fé nas
atividades empresariais que Popp et al. (2008, p. 23) enfatiza a questão ao mencionar que:
(...) deixam de ter tanta relevância as disposições contratuais escritas, na medida em
que se gerou maior severidade às obrigações e deveres de conduta próprios à
formação, bem como estabeleceu-se um amplo rol e seguro critério de determinação
e reconhecimento das chamadas cláusulas abusivas. Um das consequências
principais desta situação foi a revisão dos chamados princípios contratuais. Assim,
213
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
atualmente, estão neste patamar a autonomia privada, a justiça contratual e a boa-fé
objetiva.
A autonomia privada está representada pela liberdade concedida ao setor privado,
enquanto que a boa-fé objetiva acaba se interligando com a responsabilidade assumida através
das atividades empresariais.
Com relação aos princípios ora abordados, tanto da livre iniciativa, quanto da livre
concorrência, tem-se que “as relações empresariais sofrerão grande influência do princípio da
boa-fé objetiva. Não há motivos, porém, para preocupações, pois a aplicação de tal princípio é
mera concretização no âmbito infraconstitucional dos parâmetros descritos nos arts. 1º, 3º e
170 da Carta Magna” (POPP et al., 2008, p. 23).
Em sociedades economicamente organizadas, a empresa tem como objetivos
primordiais o lucro, a geração de empregos, o recolhimento e correta destinação de tributos, a
fim de que venha a contribuir para a sustentabilidade social. Tudo viabiliza o construir de
uma sociedade livre, justa e solidária, bem como garante o desenvolvimento nacional, a fim
de promover o bem de todos, enquanto objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º,
CR).
Portanto, ao mesmo tempo em que ao setor empresarial se impõe a observação dos
preceitos constitucionais, em especial aqueles vinculados aos direitos trabalhistas, é-lhe
assegurada a condição de livre administração, desde que através de condutas investidas de
boa-fé e ética profissional. Desta forma, é do empresário a faculdade de escolher o ramo que
deseja empreender, os maquinários que serão necessários, bem como os critérios que devem
ser observados para contratação de seus funcionários, visto que é dele também, a
responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações assumidas através das relações
laborais, diante dos preceitos constitucionais anteriormente mencionados, a fim de que a
economia possa ter seu crescimento garantido e a sustentabilidade social seja uma realidade
efetiva.
Consequentemente, tem-se que a relação de trabalho é o gênero do qual deriva a
espécie relativa à relação de emprego, abrangendo o contrato individual de trabalho,
vinculante de empregado e empregador. Assinala Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 546)
que “o contrato de trabalho impõe-se tanto como uma necessidade subjetivista de afirmação
da liberdade de trabalho como também de uma afirmação de justiça social sob cujos
214
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
princípios deve-se enquadrar”. A questão previdenciária coliga-se com o ditame de justiça
social referido. Daí ressaltarem das responsabilidades consequentes do contrato de trabalho,
aquelas relativas ao recolhimento previdenciário.
De fato, nos contratos individuais de trabalho firmados entre empregados e
empregadores, uma das responsabilidades oriundas de tal vinculação remete ao recolhimento
da parcela destinada a Previdência Social à sua efetiva destinação a esse órgão, uma vez que
os fins pretendidos refletem consequências para toda sociedade. O maior interessado é o
empregado, que teve a parcela destinada a Previdência Social descontada de seus rendimentos
mensais, visando garantir os benefícios resultantes de tal contribuição, essências para sua
sobrevivência. Por outro lado, a apropriação indébita dos valores correspondentes às verbas
destinadas pelo empregado à previdência social, por parte do empregador, viola todos os
preceitos constitucionais anteriormente mencionados, demonstrando má-fé (com violação do
princípio da boa fé objetiva), favorecendo a concorrência desleal (em franca colisão com o
bem jurídico penal concernente à ordem econômica), e prejudicando o crescimento social
necessário para a continuidade das atividades econômicas.
A classe empresarial é a grande impulsionadora da econômica nacional, razão pela
qual deve observar os direitos constitucionais e as responsabilidades vinculadas ao contrato
individual de trabalho, em especial quanto ao recolhimento e destinação da contribuição
previdenciária, diante de aplicações de atitudes éticas, respaldadas no princípio da boa-fé,
visando à sustentabilidade de seu ramo e as consequências para toda a sociedade.
Enfim, a tutela penal do repasse à previdência dos valores descontados ao empregado
justifica-se com força na letra do art. 170, CR, em especial nos limites à livre-iniciativa, bem
como na principiologia jurídico-empresarial, como dá mostra o princípio da boa-fé objetiva.
3. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E A ESTRUTURA DO TIPO
A atual redação do Código Penal rege crimes contra a ordem previdenciária, com os
contornos que lhe foram dados pela Lei 9.983/2000. Fá-lo de modo esparso: enquanto a
apropriação indébita previdenciária está contida no art. 168-A, dentre os crimes contra o
patrimônio, a sonegação de contribuição previdenciária está no art. 337-A. A opção do
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
legislador não foi no sentido de agrupar os tipos penais em torno da ordem previdenciária,
enquanto parte da ordem econômica, como meta de proteção penal. Isto, sem embargo, não
impede o intérprete de visualizá-la como bem jurídico, ainda que acumulada com outros bens
jurídicos. Afinal, a legislação penal é farta de crimes pluriofensivos (voltados à tutela penal de
mais de um bem de modo simultâneo).
O antedito art. 168-A, CP, criminaliza “deixar de repassar à Previdência Social
contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”,
vinculando à omissão em tela pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Consta nos incisos do parágrafo 1º do artigo em destaque que as mesmas penas são
aplicadas a quem deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância
destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados,
a terceiros ou arrecadada do público (inciso I); recolher contribuições devidas à Previdência
Social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à
prestação de serviços (inciso II); e ainda pagar benefício devido a segurado, quando as
respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela Previdência Social
(inciso III). Todavia, o texto em mesa cinge-se ao caput.
O bem jurídico protegido é, além do patrimônio da Previdência Social, cuja
expectativa de acréscimo foi desatendida, o patrimônio do empregado, que teve o desconto
em sua folha de pagamento efetivado, sem a destinação apropriada do valor respectivo.
Ainda, consoante afirmado, protege-se a ordem previdenciária como um todo, fundada na
ideia de solidariedade, a partir da qual se dão “as prestações públicas no âmbito social”,
igualmente tuteladas através do tipo penal” (PRADO, 2007, p. 606). Sujeito ativo do crime
em destaque é o responsável tributário, amoldando-se o tipo como crime próprio; sujeitos
passivos, a Previdência Social e o próprio empregado.
Compõe o tipo objetivo do crime, como núcleo, a locução deixar de repassar.
Evidencia-se um tipo omissivo próprio, de mera inatividade (a partir do célebre princípio da
inversão, em relação aos crimes ativos, que podem ser materiais ou de mera atividade),
gerador de dano para o bem jurídico. O crime é de consumação instantânea, operando no
exato momento em que se esgota o prazo legal ou convencional destinado ao repasse dos
valores para o órgão previdenciário. O tipo subjetivo contenta-se com o dolo genérico, sem
que incidam elementos subjetivos diversos do dolo.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Para extinção da punibilidade, conforme expressado no § 2º, do art. 168-A, do CP,
exige-se que o agente, espontaneamente, declare, confesse e efetue o pagamento das
contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social,
na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. Segue-se, aqui, toada
tradicional no âmbito penal fiscal. O art. 34 da Lei n. 9.249/95 estatuiu extinguir-se a
punibilidade em crimes contra a ordem tributária “quando o agente promover o pagamento do
tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Por
outro lado, os artigos 15, da Lei n. 9.964/2000 (respectiva ao Programa de Recuperação Fiscal
– Refis) e o 9º, da Lei n. 10.684/2003 (alterou a legislação tributária, dispondo sobre
parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social), estabeleceram hipóteses de
suspensão da pretensão punitiva do Estado, bem como, a extinção da punibilidade de tais
crimes mediante o pagamento.
Assim, ao empregador é devido o recolhimento das contribuições previdenciárias e a
efetivação da destinação ao órgão responsável, pena de suportar os ônus pela tipificação do
crime de apropriação indébita.
Neste contexto, ganha destaque a tese defensiva respectiva à inexigibilidade de
conduta conforme o direito, enquanto exculpante supralegal. Ela foi invocada em casos penais
de apropriações indébitas previdenciárias realizadas por empresários motivados por
dificuldades severas relativas à condução das atividades negociais. As apropriações ocorriam
para sanear fluxos de caixa negativos nas empresas. Este contexto tornaria incensuráveis as
apropriações, consoante a argumentação em prol dos réus. Os precedentes do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região servem como referências para a análise.
4. O ART. 168-A E A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO
PELA SITUAÇÃO FINANCEIRA PRECÁRIA DA EMPRESA NA JURISPRUDÊNCIA
DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
A jurisprudência expressada nos julgados proferidos pelo Tribunal Regional Federal
da 4ª Região tem sido exigente para a admissão da precária condição financeira da empresa
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
como causa supralegal de exclusão de culpabilidade da omissão de recolhimento
previdenciário (art. 168-A, CP). Embora assinale a possibilidade em tese de admitir a
exculpante, cerca-a de requisitos. Assim, a precariedade financeira deve ser devidamente
comprovada, acompanhada da evidência de não haver alternativa menos danosa para a
sociedade, composta, dentre outras pessoas, dos próprios trabalhadores lesados, bem como
dos também lesados dependentes dos préstimos previdenciários.
Conforme anteriormente exposto, o elemento nuclear do crime elencado no artigo em
destaque é “deixar de repassar” os valores devidos à Previdência Social recolhidos dos
empregados como contribuições, no prazo legal e convencional. Sem o citado recolhimento
prévio junto aos empregados – em regra, por desconto em folha -, não haverá a tipificação
como apropriação indébita.
Os precedentes do citado tribunal determinam que, para configurar a excludente de
culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, se faz necessário que as graves
dificuldades financeiras alegadas estejam sobejamente comprovadas, a ponto de terem afetado
não só a empresa, mas também o patrimônio pessoal do denunciado. Assim, segundo destaca
o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com amparo em julgados proferidos pelo Supremo
Tribunal Federal:
(...) comprovados a materialidade, a autoria e o dolo no cometimento do delito de
omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, mantém-se a condenação.
Salientando que basta a comprovação do dolo genérico (...) a exclusão de
culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, em face da alegação de
dificuldades financeiras, pressupõe a demonstração de situação invencível que tenha
impossibilitado, transitoriamente, o recolhimento à Previdência Social das
contribuições descontadas dos empregados. (TRF4, ACR 002656344.2008.404.7100, Sétima Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E.
18/10/2012).
Ressaltaram os julgadores que a “omissão no recolhimento de contribuições
previdenciárias por longo período de tempo, caracterizando incorporação dos valores
tributários às receitas da empresa, revela opção de gerenciamento que não se coaduna com a
alegação de dificuldades financeiras transitórias e, consequentemente, não enseja o
reconhecimento de causa excludente da culpabilidade”.
O TRF da 4ª Região, em julgado diverso (TRF4, ACR 0002574-04.2007.404.7113,
Sétima Turma, Relator Artur César de Souza, D.E. 17/09/2012), evidenciou que “a materialidade
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
do delito se consuma pela simples ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias
descontadas dos empregados, no prazo legal”. Adicionou que o elemento volitivo do delito de
apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP), classificado como crime omissivo
puro ou próprio – conforme acima classificado -, prescinde de resultado material para sua
consumação, bastando a simples vontade livre e consciente do autor de deixar de recolher os
valores descontados dos empregados a título de contribuições previdenciárias ao INSS.
No mesmo julgado, restou ressaltado que, para configurar a “excludente de
culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é necessário que a grave dificuldade
financeira alegada esteja sobejamente comprovada documentalmente a ponto de ter afetado
não só a empresa, mas também o patrimônio pessoal do denunciado”. Desta forma,
“configurada a opção gerencial do réu pelo não recolhimento das contribuições
previdenciárias, resta afastada a excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de
conduta diversa em decorrência da alegada dificuldade financeira”, uma vez que não
comprovadas as particularidades exigidas para tal situação.
Outros precedentes de suma importância reforçam esta orientação:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO
PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DIFICULDADES
FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ÔNUS DA
PROVA. CONTINUIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Autoria
restou demonstrada pela confissão espontânea da acusada que admite a prática dos
atos na gestão da empresa familiar. 2. A materialidade do delito se consuma pela
simples ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos
empregados, no prazo legal, fato comprovado no Procedimento Administrativo
Fiscal - PAF, instaurado pela Autarquia Previdenciária. 3. O elemento volitivo do
delito de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP), classificado como
crime omissivo puro, prescinde de resultado material para sua consumação, bastando
a simples vontade livre e consciente do autor de deixar de recolher os valores
descontados dos empregados a título de contribuições previdenciárias ao INSS. A
sanção é imposta àquele que, após recolher os valores dos empregados, deixa de
repassá-los à autarquia previdenciária no prazo legal. 4. Para configurar a excludente
de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é necessário que a grave
dificuldade financeira alegada esteja sobejamente comprovada documentalmente a
ponto de ter afetado não só a empresa, mas também o patrimônio pessoal do
denunciado. 5. Configurada a opção gerencial da ré pelo não recolhimento das
contribuições previdenciárias, resta afastada a excludente de culpabilidade
consistente na inexigibilidade de conduta diversa. 6. Tratando-se de crime de
apropriação indébita previdenciária, a pena privativa de liberdade deve ser fixada a
partir do mínimo legal e não do termo médio, elevada em 1/4, diante do número de
infrações verificadas no curso da cadeia delitiva (31 condutas). 7. Tratando-se de
crime continuado, a unificação deve alcançar, também, a pena de multa, restando
inaplicável o disposto no art. 72 do CP. 8. A pena privativa de liberdade, observados
os requisitos do art. 44 do CP, pode ser substituída por duas penas restritivas de
direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade,
quando a condenação for superior a um ano de reclusão. 9. A pena pecuniária
substitutiva deve guardar simetria com a pena privativa de liberdade e o seu valor
deve levar em consideração as condições econômicas do acusado e dispensar
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
especial consideração ao montante do prejuízo e às condições econômicas do
acusado. (TRF4, ACR 0017302-89.2007.404.7100, Sétima Turma, Relator Artur
César de Souza, D.E. 11/09/2012).
ARTS. 168-A E 337-A DO CP. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA DA MESMA NATUREZA.
MATERIALIDADE, AUTORIA COMPROVADAS. CONDUTA DOLOSA
EVIDENCIADA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE
DE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE
PROVAS OBJETIVAS. CONTINUIDADE DELITIVA. TUTELA DO MESMO
BEM JURÍDICO. ART. 71 DO CP. APLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO
PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. REDUÇÃO DAS PENAS.
SANÇÃO PECUNIÁRIA. VALORAÇÃO PROPORCIONAL. 1. Materialidade e
autoria sobejamente comprovadas no caso sub judice. 2. A natureza dolosa da
conduta incriminada ressai incontroversa dos autos, tendo em vista o depoimento da
própria ré e os testemunhos ofertados em juízo. 3. Para configurar a excludente de
culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é necessário que as graves
dificuldades financeiras alegadas estejam sobejamente comprovadas a ponto de
terem afetado não só a empresa, mas também o patrimônio pessoal do denunciado.
Precedentes deste Tribunal. 4. Hipótese na qual não foram trazidos aos autos
documentos aptos à demonstração do impacto desta na gestão do empreendimento e
no patrimônio pessoal do acusado, circunstâncias imprescindíveis para o
acolhimento da correspondente exculpante. 5. Ocorre parcial prescrição da pretensão
punitiva do Estado se, entre a data da omissão isoladamente considerada e a do
recebimento da denúncia, houve o transcurso do prazo aplicável à espécie segundo o
que dispõem os incisos do artigo 109 do Código Penal. 6. Consoante reiterada
jurisprudência desta Corte tem entendido, embora sejam tipos penais distintos,
possuindo características próprias, mostra-se cabível a aplicação do crime
continuado para as condutas tipificadas nos artigos 168-A, § 1º, inc. I e 337-A, inc.
III, ambos do CP, tendo em vista que tutelam o mesmo bem jurídico. Precedentes. 7.
Além de se mostrar razoável o arbitramento das reprimendas de caráter econômico,
eventual dificuldade em cumprir-se a imposição condenatória poderá ser analisada
pelo Juízo de Execução, pois, conforme o regramento disposto na Lei nº 7.210/84, a
ele compete analisar se o pagamento deverá operar-se integralmente ou, ante as
alegações e documentos apresentados na ocasião oportuna, parceladamente, a fim de
preservar o sustento dos condenados e de seus dependentes. (TRF4, ACR
2008.71.08.004452-1, Oitava Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, D.E.
23/08/2012).
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A C/C ART. 71,
AMBOS
DO
CÓDIGO
PENAL.
DIFICULDADES
FINANCEIRAS.
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. EXCLUDENTE DE
CULPABILIDADE NÃO COMPROVADA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA.
Tratando-se de delito omissivo-formal a caracterização do tipo subjetivo nos crimes
de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias independe da intenção
específica de auferir proveito (animus rem sibi habendi), pois o que se tutela não é a
apropriação das importâncias, mas o seu regular repasse ao INSS. É imprescindível,
para que as dificuldades financeiras possam configurar inexigibilidade de conduta
diversa, que a defesa apresente provas contundentes da insolvência do
empreendimento. Reconhece-se a prescrição parcial da pretensão punitiva do
Estado, se a pena foi fixada em 02 anos e se transcorreu o lapso temporal de mais de
04 anos entre os fatos e o recebimento da denúncia. (TRF4, ACR 000342168.2009.404.7005, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E.
07/08/2012)
220
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Ressaltando novamente as premissas constitucionais evidenciadas, a partir da
efetivação do contrato individual de trabalho, vinculante para as partes nele envolvidas, é
dever do empregador promover o desconto em folha de pagamento de seus funcionários no
tocante as verbas destinadas a contribuição à Previdência Social, e consequentemente,
transmitir tais valores a esse órgão, sob pena de restar identificado o crime de apropriação
indébita e ser obrigado a suportar os ônus especificados na legislação pertinente.
Por isso, o reconhecimento da causa supralegal de exclusão de culpabilidade por
nossos tribunais pátrios, tomando-se o TRF da 4ª Região como referência, dá-se em casos
excepcionais. Mais: é cercado de exigências. Faz-se necessário que estejam caracterizadas
situações de precárias condições financeiras da empresa. Nestes termos, impede-se a
exculpante quando a apropriação: a) derivar de uma opção gerencial pura e simples; b)
ocorrer como mecânica integrante das rotinas de gestão, tendo como tônica a nota da
habitualidade. Os precedentes parecem assinalar, ao revés, que a situação financeira precária
deve ser anômala, inesperada, derivada de contingências externas, e não das más escolhas de
gerenciamento. Para enfrentá-la, a apropriação indébita deve ser episódica, consistindo na
alternativa menos danosa socialmente, pressupondo o esgotamento de outras. Dentre as
outras, elenca-se o esgotamento do patrimônio pessoal do sócio/empresário. Do contrário,
compromete-se toda a ideia de sustentabilidade social da atividade empresarial.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento econômico e social, alicerçado na identificação de direitos subjetivos
juridicamente protegidos, aliado às necessidades de sustentabilidade (social, ambiental,
concorrencial), determinou significativo aumento de limitações voltadas aos aspectos liberais
da Constituição. Tais limitações são derivadas de uma ordem social justa e solidária.
Vislumbrando a integração entre capital e trabalho, Paulo Bonavides (2011, 189) destacou
que:
Com a reconciliação entre o capital e o trabalho, por via democrática, todos lucram.
Lucra o trabalhador, que vê suas reinvindicações mais imediatas e prementes
atendidas satisfatoriamente, numa fórmula de contenção de egoísmo e de avanço
para formas moderadas do socialismo fundado sobre o consentimento.
221
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
E lucram também os capitalistas, cuja sobrevivência fica afiançada no ato de sua
humanização, embora despojados daqueles privilégios de exploração impune, que
constituíam a índole sombria do capitalismo, nos primeiros tempos em que se
implantou.
O respeito às regras constitucionais sociais envolve todos os que estão diretamente
inseridos nas várias modalidades de relações contratuais. Por outro lado, igualmente, as
normas constitucionais de cunho liberal, que alavancam as iniciativas do ramo empresarial,
em prol do desenvolvimento econômico, devem ser garantidas e observadas.
O dualismo existente na Constituição Federal vigente, ora elencando direitos sociais,
ora liberais, visa estimular a garantia dos direitos fundamentais e sociais quando da
formalização dos contratos entre particulares. Necessariamente com estes contornos, os
princípios da livre-iniciativa e livre-concorrência dão suporte para atos empresariais de boa-fé
e ética profissional, em prol da sustentabilidade econômica.
Os crimes contra a Previdência Social - dentre os quais a apropriação indébita
previdenciária prevista no art. 168-A, do Código Penal - protegem tanto a livre iniciativa
como a liberdade concorrencial, com os limites de justiça social que os emolduram. Há ofensa
à ordem previdenciária quando da omissão de repasse à Previdência de verbas recolhidas,
com tal fim, mediante descontos dos salários dos trabalhadores. Quebra-se a expectativa de
arrecadação previdenciária, derivada do regular desenvolvimento das relações laborais, com
consequente violação de todos os préstimos sociais dela dependentes. Para além, a omissão de
repasse incriminada no art. 168-A ofende diretamente os patrimônios dos assalariados. Daí
deriva, inclusive, a opção legislativa por alocar o crime no título dos crimes contra o
patrimônio.
Resultam destas violações à ordem previdenciária, de modo mediato, prejuízos à
ordem econômica, enquanto regularidade jurídica da produção, distribuição e consumo de
bens e serviços (PÉREZ, 1998, p. 35). Afinal, o empresário que torna habitual a omissão de
repasse dos valores à Previdência, deles se apropriando, angaria vantagens comparativas em
relação aos agentes concorrentes do setor empresarial em que atua. Tais vantagens podem
conduzir à quebra concorrencial, com produção de monopólios ou oligopólios, tudo
afrontando a boa fé objetiva imanente à livre iniciativa. Noutros termos, viola-se o conjunto
de contenções à livre iniciativa pela qual, constitucionalmente, pretende-se conciliá-la com os
imperativos de justiça social.
222
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A seu turno, a livre concorrência, também limitada pelos mesmos imperativos
constitucionais, não logra desenvolver-se. Ao revés, não há possibilidade de livreconcorrência, dentro de marcos legais de atuação, quando agentes empresariais, competidores
no mesmo ramo, atuam mediante vantagens comparativas ilícitas, penais ou extrapenais. Bem
assinala Bajo Fernandez (1982, p. 591):
(...) a delinquência econômica requer uma especial atenção pela gravidade de um de
seus efeitos característicos: o de ressaca ou espiral (sog-und spiralwirkung) cuja
descrição é a seguinte: em um mercado de forte concorrência a deslealdade na
concorrência se produz quando se esgotaram as possibilidade legais de luta. Nesta
situação, quem primeiro delinque pressiona o resto à comissão de novos fatos
delitivos (efeito de ressaca), e cada participante se converte assim em um eixo de
uma nova ressaca (efeito de espiral). Este efeito de especial contágio
(ansteckuungswirküng) se vê facilitado, além de tudo, porque o autor potencial é
consciente do número enorme de delitos econômicos, da relevância da cifra negra e
da benignidade das penas previstas nas leis suscitando uma imagem amável e
positiva do delinquente.
No caso, o agente empresarial competidor, para manter-se no setor da vida
econômica em que atua, deverá replicar a omissão de repasse de verbas previdenciárias do
concorrente que por primeiro praticou o crime. Este pressiona aquele (efeito de ressaca). Criase um ambiente de reprodução do crime de apropriação indébita previdenciária, já que se
mostra a única forma de todos os concorrentes igualarem-se (efeito de espiral). Instala-se,
assim, um quadro crônico de ofensa à ordem econômica.
Este cenário não escapa à jurisprudência selecionada, centralizada no TRF da 4ª.
Região, quando assinala a aceitabilidade de exculpantes supralegais do crime de apropriação
indébita previdenciária sob um rígido cerco de exigências.
De um lado, a Corte enaltece a ideia chave da culpabilidade penal, no sentido de que
traduz reprovação a todo aquele que poderia ter agido conforme o direito e não agiu, sendo
incensurável o agente cuja atuação não podia operar segundo a lei, dentro das circunstâncias
em que estava.
A exigibilidade de conduta conforme o direito, de fato, é um elemento da
culpabilidade que deita raiz no giro normativo experimentado por todo o direito penal na
etapa neokantiana, própria da primeira metade do século passado. Aliás, foi em 1907 que
Frank escreveu célebre opúsculo acerca da culpabilidade, estabelecendo bases que iriam
223
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
desembocar no elemento correspondente à exigibilidade de conduta. Escreveu que “não se
pode reprovar o autor por algumas ações realizadas sob circunstâncias de certa anormalidade”
(FRANK, 2004, p. 42). Sugeria, assim, que a afirmação da culpabilidade dependeria da
verificação da (a)normalidade das circunstâncias. É certo que cingia a definição de tais
circunstâncias ao legislador. Todavia, no Brasil é comum atualmente a compreensão da
exigibilidade de conduta conforme o direito como verdadeiro princípio reitor da culpabilidade
penal, de maneira que o julgador pode evocar a inexigibilidade em face de circunstâncias que,
embora não contempladas pelo legislador como exculpantes, permitam efetiva conclusão de
que não havia, por parte do agente, outra possibilidade de agir (FRANK, loc. cit.).
No caso do CP brasileiro, o artigo 22 elenca exculpantes legais, fundadas na
inexigibilidade de conduta vislumbrada pelo legislador: são as hipóteses de coação moral
irresistível e obediência hierárquica. Esta referência legal dá contornos indicativos daquelas
situações que podem configurar, de maneira supralegal, ocorrências equiparáveis às
codificadas e, pois, conducentes à ausência de censura penal. Afinal conforme pondera
Fernando Galvão (2013, p. 421):
(...) embora a exigibilidade de conduta diversa seja princípio geral de direito, é
adequado que o Código Penal estabeleça parâmetros objetivos para o
reconhecimento da situação exculpante, delineando critérios para a averiguação da
inexigibilidade (...) A demasiada amplitude da noção de inexigibilidade pode
proporcionar a burla à finalidade protetiva do ordenamento jurídico-penal.
Sensível a tudo isto, a jurisprudência admite exculpantes supralegais e, na quadra do
art. 168-A, CP, também as maneja: no particular, compreende que a situação financeira
precária da empresa pode conduzir à exculpação dos gestores quando motiva a apropriação
indébita previdenciária. Assim atua o TRF da 4ª Região. Porém – e aqui vem a mesma
sensibilidade – a Corte constrói um conjunto de obstáculos para a aceitação da exculpante que
demonstram tratar-se, para os julgadores, de figura de exceção, de circunstância efetivamente
anômala e incomum. Assim, a admissão da exculpante depende:
a) de demonstração documental da situação financeira precária, o que se evidencia
por balanços, perícia contábil e fluxo financeiro (sendo bastante importante a abertura do
sigilo de movimentações bancárias, sobretudo pela prática cotidiana, conquanto ilegal, de
caixa dois);
224
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
b) comprometimento pessoal do patrimônio dos sujeitos ativos: o empenho do
patrimônio pessoal do sócio para dar alento à situação financeira combalida ou precária da
empresa é certamente exigível como comportamento anterior e pressuposto à apropriação de
valores retidos dos trabalhadores. Afinal, a legitimidade da obtenção de lucro dentro de uma
ordem econômica capitalista dá-se pelo fato de que ele remunera o risco da atividade
empresarial. A contrario sensu, o prejuízo faz parte do arco de possibilidades com que se
defronta o empresário. Não devesse arcar com o prejuízo, não lhe seria legítimo obter o
lucro.O fundamento da retenção deste é o risco de ocorrer aquele. Um é contraponto do outro.
Nestes termos, a situação empresarial precária deve ser enfrentada pelo
empreendedor, enquanto considera viável fazê-lo, com patrimônio pessoal, e não alheio. Não
estaríamos diante de uma ordem econômica autenticamente capitalista se o prejuízo
empresarial fosse debelado mediante a frustração das políticas sociais do Estado – inclusive
previdenciárias – ou fosse afastado com a incursão do capitalista sobre o patrimônio dos
trabalhadores (!). Assim, é plenamente justificável que a jurisprudência exija evidência de que
até o patrimônio pessoal do sócio sujeito ativo do art. 168-A foi atingido, de modo que a via
de enfrentamento da crise financeira da unidade empresarial pelas próprias forças foi
esgotada.
Em relação a esta exigência, um reparo deve ser efetuado quato aos precedentes do
TRF da 4ª Região: não se pode exigir a prova documental ou do empenho pessoal do
patrimônio, como onus probandi da defesa, mas a argumentação apoiada em fundamentos –
documentais ou não – que conduzam à dúvida razoável de que tudo isto ocorre. Do contrário,
dar-se-ia uma espécie de inversão do ônus da prova, todo incumbido à acusação no processo
penal.
c) da transitoriedade da apropriação indébita previdenciária. Pelos julgados, a
incorporação da omissão dos repasses à previdência como opção gerencial, com forma de
habitualidade e recorrência, enquanto expediente destinado a fazer caixa em favor da unidade
empresarial, afasta a exculpante. Trata-se de exigência coerente com o caráter anômalo da não
censurabilidade por inexigibilidade de conduta. De fato, a própria incriminação do
comportamento em um tipo penal evidencia que, dentro de uma ordem jurídica normal, o
repasse das verbas previdenciárias descontadas ao trabalhador é conduta exigível
cotidianamente, junto ao empresariado. Ora, a opção gerencial pelo ilícito justamente conduz
aos efeitos em cascata e em espiral, antecitados, típicos dos crimes econômicos, com o que se
225
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
inviabiliza qualquer espécie de livre-concorrência, pelas vantagens concorrências dos agentes
que atuam de modo ilícito. A atividade empresarial perde sustentabilidade, tanto quanto o
vigor de uma ordem econômica liberal, todavia preocupada com uma ordem social justa e
promotora da dignidade de tantos quantos dela dependem.
Enfim, o TRF da 4ª Região somente aceita a exculpante da situação financeira
precária da empresa, como causa de inexigibilidade de conduta conforme o direito, quando
demonstrada por via documental, associada ao comprometimento pessoal do patrimônio dos
sócios, à transitoriedade da omissão de repasses e à evidência de que não se tratou de opção
gerencial.
Há de se acrescentar outra exigência, plausível diante do caráter excepcional da
exculpante: se o lucro ou o prejuízo derivam da condução cotidiana dos negócios, boa ou
ruim, sendo culminâncias da maneira como a atividade empresarial foi conduzida, são
circunstâncias normais, ou seja, circunstâncias em que a norma deve ser observada e as
condutas devem submeter-se a elas.
A inexigibilidade de conduta conforme o direito não se caracteriza, pois, com a pura
e simples situação precária das finanças da empresa. Se esta precariedade resultou da maneira
de condução do empreendimento, das escolhas do empresário, a superveniência de
dificuldades financeiras não pode ser enfrentada mediante injustos penais. Não se trata de
circunstância anômala; antes, faz parte do jogo. Assim, se a fonte da situação financeira
precária reside nos próprios atos de gestão, a omissão de repasses previdenciários pelo
empresário para o respectivo saneamento é merecedor de reprovação penal.
A excepcionalidade da exculpante exige situação anômala: por exemplo, através de
um plano macroeconômico repentino, ficam vedados os saques de valores depositados em
bancos, tal qual ocorrido no Brasil no início do governo Collor, ou na Argentina, com o
“corralito”. O caráter surpreendente da mudança macroeconômica, aliada à falta de caixa para
fazer frente aos salários, tudo associado à iminência da data para o pagamento dos
trabalhadores, forma um conjunto de circunstâncias anormais. Observadas as demais
condições para o reconhecimento da exculpante, não é censurável o empresário que,
excepcional e transitoriamente, naquele momento, omitiu os repasses para fazer volume
financeiro bastante para os pagamentos dos próprios salários. O exemplo de admissão da
exculpante, carregado de exigências, é consentâneo com a origem dogmática da
supralegalidade das exculpantes por inexigibilidade de conduta. Segundo o primeiro de seus
226
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
defensores, Freudenthal (2002, p. 541), toda sua teoria “não é mais que a realização do
princípio ‘impossibilium nulla est obligatio’”. Em termos simples: somente quando for
impossível ao empresário fazer coisa diferente da omissão dos repasses dos valores à
Previdência para reagir à precariedade financeira da empresa, não poderá ser censurado.
Possuindo outros caminhos para debelar a crise do empreendimento, a apropriação indébita
previdenciária é censurável.
Por fim: sem que haja um cerco de condições para a admissão da exculpante,
tornando-a excepcional, mitiga-se a tal ponto a força preventiva do comando contido no art.
168-A, CP, que a tutela penal da ordem previdenciária perece. Este é o argumento central pelo
qual setores importantes da doutrina não aceitam exculpantes supralegais. Veja-se a
ponderação de Jescheck (2002, p. 542):
Uma causa de exculpação supralegal como a da inexigibilidade, entendida tanto
objetiva como subjetivamente, debilitaria o efeito preventivo geral do direito penal e
conduziria à desiguladade na aplicação do direito, pois a inexigibilidade não é um
critério idôneo. Ademais, de acordo com a clara sistemática da lei, as causas de
exculpação constituem disposições excepcionais que não são suscetíveis de
aplicação extensiva. Também em situações difíceis da vida a comunidade deve
poder exigir obediência jurídica, embora isto implique para o afetado um importante
sacrifício.
Quando a jurisprudência opta por aceitar exculpantes supralegais, deve se acautelar,
pois as advertências para assim proceder são consistentes. Daí a elogiável parcimônia no
reconhecimento da exculpante registrada nos julgados selecionados no correr deste trabalho.
Bem pontua Paolo Grossi (2003, p. 115) que “a minha pretensão em relação ao Poder Público
e em relação aos outros se legitima somente graças ao dever que simultaneamente venho a
possuir frente ao Poder Público e frente aos outros”. O indivíduo possui direitos à medida que
se desincumbe dos seus deveres, máxima que vale para a atividade empresarial: assim, o
assegurar constitucional da livre-iniciativa e da livre-concorrência gera ambiente propício à
legítima aferição de lucro mediante empreendimentos e negócios. De outro lado, os deveres
de recolhimentos previdenciários servem à realização de uma ordem econômica conforme aos
“ditames da justiça social” (art. 170, CR), e nada permite que o respectivo descumprimento
seja banalizado, mediante sistemática exculpação, fundada em precariedade financeira do
empreendimento.
227
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
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229
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
OS EFEITOS DECORRENTES DA APLICAÇÃO JUDICIAL DA TEORIA MENOR
DA DISREGARD DOCTRINE: UMA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
THE EFFECTS OF THE JUDICIAL APPLICATION OF THE MINOR THEORY OF
DISREGARD DOCTRINE: AN ECONOMIC ANALYSIS OF LAW
Deilton Ribeiro Brasil ∗
Sumário. Introdução. Capítulo I –Análise econômica do Direito na questão referente
aos efeitos da aplicação judicial da teoria menor da disregard doctrine. Capítulo II –Princípio
da preservação da sociedade empresária. Capítulo III –Visão da jurisprudência. Considerações
finais. Referências.
Resumo
Ao longo dos tempos, a atividade econômica da sociedade empresária vem passando por
evoluções, passando da marcante fase da teoria dos atos de comércio, vista como instrumento
de objetivação do tratamento jurídico da atividade mercantil. Isto é, com ela, o Direito de
Empresa deixou de ser apenas o Direito de certa categoria de profissionais, organizados em
corporações próprias, para se tornar a disciplina de um conjunto de atos, que, em princípio,
poderiam ser praticados por qualquer cidadão; para a fase da teoria da sociedade empresária
que possui o acento tônico da comercialidade, em consequência do progresso da técnica e da
economia de massa, deslocando-se da noção de ato para a noção de atividade. O exercício
profissional da atividade intermediária entre a produção e o consumo de bens impõe uma
crescente especialização e a criação de organismos econômicos cada vez mais complexos.
Depreende-se, portanto, que o princípio da preservação da sociedade empresária tem se
constituído a principal preocupação do Direito de Empresa contemporâneo, diante do inegável
abalo social produzido uma tendência de generalizar, inadvertidamente, a aplicação da teoria
da desconsideração da pessoa jurídica. Deve-se verificar atentamente, se estão presentes os
pressupostos reconhecidos pela doutrina como ensejadores de sua aplicação, para, somente
depois, em caso de resposta afirmativa, proceder-se à sua efetiva aplicação tendo-se como
premissa fundamental a ideia de que o Direito envolve necessariamente uma racionalidade
econômica, que, por sua vez, confere grande destaque à lógica da eficiência econômica.
Palavras-Chave: Teoria menor da Disregard doctrine; Preservação da sociedade empresária;
Análise econômica do Direito; Constituição Federal; Código Civil de 2002.
∗ Pós-Doutorando pela Universidade de Coimbra, Portugal. Doutor em Estado e Direito: internacionalização e
regulação pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro/RJ. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito
Milton Campos de Belo Horizonte/MG. Membro do IAMG. Professor da Faculdade de Direito de Conselheiro
Lafaiete - FDCL. E-mail: [email protected]
230
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Abstract
Over time, the economic activity of the business company is going through changes, through
a remarkable phase of the theory of acts of trade, seen as a mean of objectifying the legal
treatment of financial activity.That is, with it, the Company is no longer just the jurisprudence
of a group of professionals, organized themselves into corporations, to become the subject of
a series of acts which, in principle, could be committed by any citizen; to the stage theory of
the company that has the stress of marketability, as a result of technical progress and
economics of mass, moving from the notion of an act for the notion of activity. The
professional activity intermediate between production and consumption of goods imposes na
increasing specialization and the creation of economic organizations increasingly complex. It
appears therefore that the principle of the company maintenance has been the main concern of
contemporary business jurisprudence in the face of undeniable social shock produced a
tendency to generalize, inadvertently, the application of the theory of disregard of legal entity.
It is necessary to check carefully whether the conditions are present according to the doctrine
as recognized by the opportunity of its application, for only then if the answer is affirmative it
will be necessary to proceed to its effective implementation taking as a fundamental premise
the ideat hat the law necessarily involves na economic rationality, which, in turn, places great
emphasis on the logic of economic efficiency.
Keywords: Minor theory of the Disregard doctrine; Maintenance of the company; Economic
analysis of Law; The Federal Constitution; Civil Code of 2002.
Introdução.
Para COELHO (2005, p. 266) a teoria menor da desconsideração da personalidade da
pessoa jurídica é, por evidente, bem menos elaborada que a maior. Ela reflete, na verdade, a
crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. Parte
de premissas distintas da teoria maior: para a incidência da desconsideração com base na
teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas
obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão
patrimonial. 1
A teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui patrimônio, mas o
sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação
menor não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem
indaga se houve ou não abuso de forma. Por outro lado, é de todo irrelevante a natureza
negocial do Direito creditício oponível à sociedade empresária. Equivale, em outros termos, à
1
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n° 279.273/SP (2000/0097184-7). Recorrentes: B
Sete Participações S/A e outros; Recorrente: Marcelo Marinho Andrade Zanotto e outros, Recorrido: Ministério
Público do Estado de São Paulo, 3ª Turma, Min. Rel. Ari Pargendler; Rel. p/ acórdão Nancy Andrighi, D.J. de
29.3.04, j. não conhecer de ambos os recursos especiais – v.v.
231
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
simples eliminação do princípio da separação entre pessoa jurídica e seus integrantes
(COELHO 2005, p. 266).
Para POSNER (1976), o instituto da limitação da responsabilidade dos sócios
representaria uma externalização dos custos para os credores das sociedades empresárias, que,
no entanto, poderiam negociá-los com a própria sociedade empresária, de forma a buscar a
compensação ex ante desses custos que lhe foram transferidos. Para tanto, seria necessário
que se garantisse aos agentes econômicos um amplo acesso às informações referentes à
sociedade empresária bem como um ambiente no qual os credores possuíssem reais condições
de negociar com a sociedade empresária.
Ainda de acordo com POSNER (1976) a standard contract theory, se os
empreendedores, para resguardar seus patrimônios particulares dos riscos inerentes à
atividade econômica, não dispusessem do mecanismo de constituição de uma sociedade
empresária, como pessoa jurídica autônoma, teriam de negociar, pontual e renovadamente, a
limitação de suas responsabilidades com cada credor. Isso aumentaria os custos de transação e
poderia comprometer a eficiência econômica. Ao preceituar a irresponsabilidade dos sócios
pelas obrigações da sociedade (ou a sua limitação), o Direito estaria, segundo essa visão,
como que criando uma cláusula geral de contrato, inerente às negociações entabuladas com a
pessoa jurídica. Se não fosse a vontade do credor de pactuá-la, ele deveria condicionar a
concessão do crédito ao aval ou fiança dos sócios.
Claro está que, desse modo de ver a personalização das sociedades empresárias, não
se pode afastar a responsabilidade dos sócios, perante credores, por obrigações não
negociáveis (involuntary creditors), como, por exemplo, os titulares de direito à indenização
por ato ilícito. De fato, se a personificação das sociedades comerciais é uma cláusula geral de
contrato, credores que não tiveram a oportunidade de negociar a extensão do crédito não
manifestaram nenhuma anuência em relação a ela.
Desse modo, para se compreender o segundo fator de desprestígio do princípio da
autonomia patrimonial, cabe distinguir as obrigações da sociedade empresária em dois tipos:
as negociáveis e as não negociáveis.
No primeiro tipo, encontram-se as dívidas sociais originadas de tratativas
desenvolvidas, com maior ou menor liberdade, entre as partes de um negócio jurídico.
Alcança, grosso modo, os créditos disciplinados pelo direito civil e comercial, como são os
documentados em títulos cambiais ou em contratos mercantis (COELHO, 2005, p. 270).
Ainda no segmento das obrigações negociais – normalmente decorrentes de um contrato –, há
diferente significados da importância e do papel desempenhados pelo processo obrigacional.
232
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Quanto aos créditos negociais no ordenamento alemão existe dispositivo
2
que proteção aos
credores que avaliam o risco negocial, a redução do capital social original deve observar
necessário requisito de publicação, por três vezes, da resolução de decréscimo do capital
social. Simultaneamente, os credores devem ser convidados a se manifestar expressamente.
Os credores que não consentirem com a redução do capital deverão ter suas obrigações
satisfeitas ou garantidas. Trata-se de medida para proteção do credor negocial da empresa,
especialmente porque, em raciocínio de proporção invertida, a redução do capital social
implica em aumento do risco oferecido por aquela sociedade empresária (DINIZ, 2003, p.
114).
Em decorrência da inexistência de regra similar no Brasil SALOMÃO FILHO (1998,
p. 910) preleciona que se o legislador não impõe obrigação de capital mínimo, é difícil exigir
do sócio que faça a previsão correta no momento de constituição de sociedade. O mais correto
parece ser considerar a fixação do montante do capital como componente da business
judgment rule do sócio e admitir a desconsideração somente nos casos em que a
subcapitalização for extremamente evidente.
As obrigações não negociáveis têm a sua existência e extensão definidas na lei, ou
não são, por outros motivos, objeto de ampla e livre pactuação entre o credor e a sociedade
devedora. Não se deve analisar o Direito das Obrigações exclusivamente sob o ponto de vista
dos negócios de tráfico jurídico na sua missão de distribuição de bens, pois, além dos
negócios que se referem apenas à cessão temporária do uso ou do proveito de determinada
coisa, ou exclusivamente à prestação de uma determinada atividade, há fatos jurídicos que
geram obrigações não em razão de uma vontade dirigida à sua produção, ou seja, aqueles que
fazem nascer obrigações não negociais.
Para HAMILTON (1991, pp. 83-89) incluem-se neste último grupo as obrigações
tributárias e as derivadas de ato ilícito ou aqueles que não têm meios de formar seus preços,
agregando-lhe qualquer taxa de risco, como por exemplo, o Fisco, o INSS, trabalhadores e
titulares de direito de indenização (inclusive consumidor). Para essa categoria de credores
sociais, a limitação da responsabilidade dos sócios representa, normalmente, prejuízo, porque
eles não dispõem dos mesmos instrumentos de negociação dos credores negociais para se
preservarem da insolvência da sociedade empresária (COELHO, 2005, p. 398).
A limitação da responsabilidade do empreendedor ao montante investido na empresa
é condição jurídica indispensável, na ordem capitalista, à disciplina da atividade de produção
2
§ 58 da GmbH-Gesetz.
233
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
e circulação de bens e serviços. Nesse sentido, quem negocia com uma sociedade limitada,
concedendo-lhe crédito, deve calcular o seu risco e as correspondentes taxas remuneratórias,
levando em conta que a garantia de recuperação é representada, em princípio, apenas pelo
patrimônio da sociedade. Se considerar muito elevado o risco, o concedente do crédito poderá
condicioná-lo ao reforço das garantias, que se viabiliza, pela coobrigação dos sócios,
mediante fiança ou aval, dados em favor da sociedade (COELHO, 2005, pp. 396-397).
A responsabilidade limitada é, portanto, uma distribuição de riscos, forçada, mas
necessária, feita pelo legislador, sendo a desconsideração da personalidade jurídica uma regra
geral de repressão ao empresário que usa a responsabilidade limitada não passivamente, como
um meio de salvação no caso extremo de falência, mas ativamente, como elemento estratégico
para externalização dos riscos em maneira diversa daquela prevista no ordenamento consoante
SALOMÃO FILHO (1998, p. 115).
Capítulo I - Análise econômica do Direito na questão referente aos efeitos da
aplicação judicial da teoria menor da disregard doctrine.
No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada
excepcionalmente, por exemplo, no Direito ambiental (lei n° 9.605/98, art. 4°) e no Direito do
consumidor (CDC, art. 28, § 5°). O referido dispositivo do CDC, quanto à sua aplicação,
sugere uma circunstância objetiva. Da exegese do § 5° deflui, expressamente, a possibilidade
de desconsideração da personalidade jurídica pela mera prova da insolvência da pessoa
jurídica, fato este suficiente a causar obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores. 3
A tese de que a teoria menor da desconsideração aplica-se às relações de consumo,
está calcada, como dito, na exegese autônoma do § 5° do art. 28, do CDC, isto é, afasta-se,
aqui, a exegese que subordina a incidência do § 5° à demonstração dos requisitos previstos no
caput do art. 28 do CDC. E isto porque o caput do art. 28 do CDC acolhe a teoria maior
subjetiva da desconsideração da personalidade jurídica, enquanto que o § 5° do referido
3
Como bem salienta a Min. Nancy Andrighi em seu voto o TJSP bem constatou o obstáculo ao ressarcimento
dos danos causados aos consumidores: São 40 mortos e mais de 300 feridos e o dano foi de natureza patrimonial
e também de ordem moral. Verifica-se, de imediato ‘ictu oculi’, que a liquidação vai encontrar valor vultoso. O
capital social da B-7 é de R$3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais), para outubro de 1995 (fl. 171 da pasta 1
do Inquérito Civil). O capital social da Administradora Osasco Plaza é de R$10.000,00 (dez mil reais), como se
lê à fls. 74 do mesmo volume do referido inquérito. E o valor real da empresa sempre estará na dependência de
sua operação regular.
234
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
dispositivo acolhe a teoria menor da disregard doctrine, em especial se considerado for a
expressão também poderá ser desconsiderada, o que representa, de forma inegável, a adoção
de pressupostos autônomos à incidência da desestimação da personalidade jurídica. 4
A desconsideração pode, excepcionalmente, representar um instrumento de
redistribuição do risco empresarial entre a sociedade e seus credores, fazendo com que os
sócios nas situações concretas sejam pessoalmente responsáveis pelos danos provocados pela
sociedade. Essa visão da desconsideração segundo NEGRI (2008, pp. 185-6), mesmo que
tenha um espaço reduzido dentro do ordenamento pátrio, já foi desenvolvida em outros países
sob o influxo da análise econômica do Direito, de forma que se mostra imprescindível o
exame da disregard doctrine sob esse novo olhar, que procura analisar o Direito de acordo
com critérios econômicos.
Para CEOLIN (2002, p. 100) concluir pela plausibilidade de se promover a
flexibilização do princípio da autonomia da pessoa jurídica em face das obrigações
decorrentes de atos ilícitos, é mister primeiramente refletir sobre o instituto da
responsabilidade civil em face das sociedades empresárias.
Os homens que, durante muito tempo, adotaram em determinadas situações, atitude
conformista perante o dano, hodiernamente, não toleram qualquer espécie de ofensa à sua
pessoa ou ao seu patrimônio. Todo e qualquer ato causador de danos à esfera patrimonial ou à
moral alheia é enfaticamente censurado e passa a ser objeto de demandas judiciais
franqueadas às vítimas, para que elas possam obter o devido ressarcimento. Assim é que se
tornou um hábito da sociedade contemporânea a busca por um culpado, alguém a quem se
possa imputar determinado ato danoso e cobrar-lhe a respectiva restituição (VILLELA, 1994,
p. 14).
Da culpa ao risco, a responsabilidade civil transformou-se em um dos institutos
jurídicos mais debatidos e aplicados do ordenamento, criando-se uma verdadeira indústria do
dano impulsionada pelas vultosas indenizações concedidas pelos magistrados. Em meio a toda
essa euforia ao redor da responsabilidade civil, vozes levantaram-se na tentativa de conter seu
incessante avanço, principalmente no que diz respeito à adoção generalizada de teorias que
lhe imprimem caráter objetivo, denominadas objetivas ou do risco. Suscitou-se a necessidade
de se repensar o papel desempenhado pelo risco para a concretização de atividades
4
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n° 279.273/SP (2000/0097184-7). Recorrentes: B Sete
Participações S/A e outros; Recorrente: Marcelo Marinho Andrade Zanotto e outros, Recorrido: Ministério
Público do Estado de São Paulo, 3ª Turma, Min. Rel. Ari Pargendler; Rel. p/ acórdão Nancy Andrighi, D.J. de
29.3.04, j. não conhecer de ambos os recursos especiais – v.v.
235
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
propulsoras do desenvolvimento de inúmeros setores da comunidade (VILLELA, 1997, pp.
15-16).
Concebeu-se, assim para MELLO (2001, p. 78), a teoria da socialização do risco
segundo o qual os riscos, por serem inerentes a muitas atividades industriais e econômicas,
são indispensáveis ao progresso humano. Nessa ordem de pensamento, não corresponde à
absoluta verdade a afirmação de que a atividade de risco só beneficie aquele que se arvora a
promovê-la. As indústrias químicas, metalúrgicas, petroleiras, farmacêuticas etc., por
exemplo, promovem lucro e satisfação de inúmeros interesses das mais variadas classes de
indivíduos. Se o empresário busca nelas recompensa pecuniária, são os demais integrantes da
sociedade que se beneficiam com o progresso e o bem-estar social que aquelas geram através
do desenvolvimento de novos materiais, remédios, meios de transporte rápidos e seguros de
pessoas e bens, além da oferta de empregos e da arrecadação enorme de impostos que
financiam inúmeras ações de ordem social.
Sendo a comunidade diretamente beneficiada com as técnicas desenvolvidas pelas
atividades de risco, ela também deverá suportar os eventuais prejuízos delas decorrentes ou,
ao menos, criar mecanismos compensadores da assunção dos riscos pelos seus agentes.
Responsabilizar apenas aqueles que se dedicam a essas atividades, investindo recursos ou
gerindo-as, pelos danos causados por atos ordinários de gestão, significa ignorar os resultados
socialmente úteis proporcionados, ainda que indiretamente, a todos os demais integrantes da
comunidade (CEOLIN, 2002, p. 101).
Sob esse aspecto, VILLELA (1991, passim) comenta que não parece teoricamente
absurda a hipótese de que do risco, além de lucros e danos imediatos, possam advir resultados
sociais úteis, concluindo que para essa eventualidade cabe ao Direito desenvolver respostas
que neutralizem ou reduzam a responsabilidade civil dos agentes que puseram em marcha a
atividade arriscada.
Deve-se, portanto, levar em consideração, quando se cogita da responsabilidade civil
dos agentes causadores de danos, que as atividades de risco são também fonte de progresso.
Essa questão tem bastante relevância para o campo societário, na medida em que se constata
que muitas atividades de risco são concretizadas por entes personificados, mais precisamente
pelas sociedades. Aliás, a conjugação de esforços e de patrimônios individuais, de modo a
constituir um novo ser, fez-se necessária, inicialmente, para fazer face aos riscos decorrentes
das grandes expedições marítimas que não podiam ser suportados por um único indivíduo.
Nessa ordem de ideias, desprestigiar a autonomia da pessoa jurídica, para alcançar o
patrimônio pessoal de seus membros, constitui resposta diametralmente adversa ao atual rumo
236
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
que se pretende imprimir à responsabilidade civil, que procura criar mecanismos
compensatórios àqueles que se aventuram em atividades de risco propiciadoras do progresso.
Por isso, aduz-se que não apenas aqueles que, em vez de aplicarem seus recursos na poupança
ou no mercado imobiliário (atividades nada produtivas socialmente), impulsionam a economia
e propiciam o desenvolvimento de novas técnicas através da criação de sociedades devem
arcar com os prejuízos ou danos causados a terceiros. Esses devem ser contabilizados pela
comunidade como um todo, pois pretender alcançar de maneira generalizada o patrimônio dos
sócios, que cumpriram com seus deveres perante a sociedade e a terceiros, seria desprestigiar
o princípio da autonomia da pessoa jurídica e, com ele, toda uma gama de fatores essenciais
às relações negociais (CEOLIN 2002, pp. 103-104).
Para que os sócios possam ser pessoalmente responsabilizados por atos ilícitos
praticados pela sociedade empresária através de seus prepostos, é preciso demonstrar que, de
algum modo, eles contribuíram para a ocorrência do dano sofrido pela vítima. Não se pode
imputar aos sócios a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pela sociedade, ainda
que decorrentes de imprudência, negligência ou imperícia de seus prepostos e ainda que o
patrimônio social seja insuficiente para satisfazer a indenização a que ela foi condenada.
Somente a sociedade é responsável por tais obrigações, salvo se restar demonstrado o nexo de
causalidade entre a conduta direta e pessoal do sócio e o dano causado a terceiro (CEOLIN
2002, p. 104).
É certo que as vítimas de atos ilícitos encontram-se em posição desfavorável perante
os demais credores, seja porque não lhes é dado negociar com a sociedade antes da
constituição do vínculo obrigacional, seja porque não têm preferência entre os créditos a
serem satisfeitos na hipótese de falência. Porém, não se pode pretender reverter essa situação
mediante a flexibilização do princípio da autonomia da pessoa jurídica, de sorte a torná-lo
inoponível às vítimas de atos ilícitos (CEOLIN 2002, p. 105).
As obrigações decorrentes de atos ilícitos, bem como as trabalhistas e tributárias, têm
forte apelo social, porque traduzem uma preocupação com interesses públicos e indisponíveis.
O equívoco, no entanto, de posições extremistas é analisar o problema sob um único enfoque,
deixando de lado as reflexões acerca da relevância social das pessoas jurídicas. Elas são
socialmente úteis, porque promovem a agregação de bens e esforços, empregam enorme
contingente populacional e, sobretudo, porque contribuem para o desenvolvimento de
atividades que propiciam o avanço tecnológico, cultural e social da humanidade (CEOLIN
2002, p. 105).
237
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Deve-se ter em vista também que as obrigações não-negociáveis representam, tanto
quanto as negociáveis, fator de risco aos empreendedores que não pode ser simplesmente
olvidado pelos juristas. Para muitas atividades econômicas, a limitação de responsabilidade só
se revela um Direito jurídico e socialmente útil, na medida em que tutela o patrimônio pessoal
dos sócios contra a eventual ocorrência de dificuldades e transtornos econômicos e de
infortúnios, dos quais nem o mais cauteloso dos homens está a salvo (CEOLIN 2002, p. 105) .
Destaca-se, ademais, que o Direito à limitação da responsabilidade é uno, não
comportando restrições que levem em conta o tipo obrigacional. A autonomia da pessoa
jurídica e a limitação da responsabilidade dos sócios são estranhas a dita diferenciação, pois
são igualmente oponíveis aos credores trabalhistas, tributários e às vítimas de atos ilícitos.
Uma vez que as leis societárias, ao estipularem a responsabilidade limitada dos sócios, não
fizeram qualquer ressalva quanto ao caráter das obrigações, não compete aos doutrinadores ou
aos magistrados criarem restrições a esse Direito (CEOLIN 2002, pp. 105-106).
No plano da análise econômica do tema, POSNER (1977, p. 3) chegou a afirmar que
se afigura implícito na definição de homem moderno sua tendência de maximização racional
do próprio interesse, a ponto de, caso o ambiente em que se encontra mude de modo tal que
possa aumentar sua satisfação, isto opera mudanças no comportamento pessoal deste homem.
Com base em tais premissas, o direito construído pela decisão judicial, por exemplo,
deve maximizar o valor dos títulos jurídicos tomando como medida seus equivalentes
monetários, razão pela qual a melhor interpretação judicial é aquela que maximiza o
rendimento e o lucro, tendo na eficiência de mercado o critério normativo para avaliar o
direito legítimo e o processo decisional jurídico efetivo. Ou seja, o direito deve ser eficiente.
Significa dizer, em outras palavras, que devem os juristas colocar atenção em questões
atinentes à regularidade das relações materiais envolvendo os sujeitos de mercado, para
garantir-lhes segurança, certeza, previsibilidade e cumprimento de expectativas, do que se
preocupar com problemas de justiça.
238
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Capítulo II - Princípio da preservação da sociedade empresária
Para BASTOS (2000, p. 115) na busca da concretização da livre iniciativa como um
dos fins de nossa estrutura política, é dizer, um dos fundamentos do próprio Estado
Democrático de Direito, desde que valorizado o trabalho humano, a Constituição Federal,
também, elege como princípios da ordem econômica, dentre outros, a função social da
propriedade, a livre concorrência, a busca do pleno emprego (CASTRO, 2007, p. 43).
Postular a livre iniciativa quer dizer precisamente que a Constituição Federal
consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um
princípio básico da ordem capitalista (SILVA, 2004, p. 742). Significa também dizer que a
consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem econômica e social,
traduz que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam livremente os indivíduos,
segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça social e, portanto, do bem
estar social (FERREIRA FILHO, 1995, p. 3).
A busca do pleno emprego está relacionada estritamente com o princípio da
preservação da sociedade empresária, que, por sua vez, interessa ao Direito e à Economia,
pela proteção que oferece à continuidade dos negócios sociais (FACHIN, 2001, p. 199).
Afinal, o exercício da atividade empresária é a fonte de tributos e empregos. Ou seja, sem
preservação da atividade empresária inexiste emprego, razão pela qual não há como se
valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte fica reservada ao
seu imaginário (CASTRO, 2007, p. 43).
O princípio da busca do pleno emprego corresponde ao da preservação da sociedade
empresária (de que é corolário o da recuperação da sociedade empresária), segundo o qual,
diante das opções legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a
paralisação da atividade empresária e outra que possa também prestar-se à solução da mesma
questão ou situação jurídica sem tal consequência, deve ser aplicada essa última, ainda que
implique sacrifício de outros Direitos também dignos de tutela jurídica (GONÇALVES
NETO, 1998, p. 99).
A preservação da sociedade empresária como princípio constitucional, porém, não
deriva exclusivamente do princípio da busca do pleno emprego (CF/88, art. 170, VIII), mas
também, do fato de que a Constituição Federal, dentre os princípios gerais da atividade
econômica, estabelece a função social da propriedade (CF/88, art. 170, III), o que não tolera a
extinção de sociedades empresárias produtivas, sob pena de não atender aos interesses
239
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
coletivos, mas, tão-somente, aos individuais e patrimoniais dos seus titulares (CASTRO,
2007, p. 43).
A preservação da sociedade empresária como princípio constitucional, também, pode
ser visualizada a partir da desmaterialização da riqueza, consequência da função social da
propriedade. Dessa forma, se a sociedade empresária consubstancia a noção contemporânea
da propriedade, ela, por força de princípio constitucional, deve atender a uma função social,
isto é, gerar benefícios não só aos seus titulares, mas também a terceiros, isto é, a
trabalhadores, fornecedores, consumidores e ao próprio Estado em razão do interesse de
recolher tributos do exercício daquela atividade econômica organizada (CASTRO, 2007, p.
45). Assim procedendo, a Constituição Federal levou em conta a propriedade, considerada sob
o aspecto econômico, mas com evidentes reflexos sociais, que abrangem, primordialmente, a
sociedade empresária, como atividade organizadora que é da propriedade em fase dinâmica,
nesta reconhecida como meio de produção (SOUSA, 2006, p. 176).
Depreende-se, dessa maneira, que o legislador constituinte defende a preservação da
sociedade empresária; em caso contrário, não existirá função social concreta e, muito menos,
haverá o desenvolvimento de atividade produtiva, com reflexos sociais, como a geração de
empregos. Aliás, impossível esquecer-se de que a Constituição Federal eleva a função social
da propriedade e a busca do pleno emprego à condição de princípios da atividade econômica
(art. 170, III e VIII), e não será destruindo centros de produção que essas normas serão
observadas (TEPEDINO, 2002, p. 167).
A ordem econômica, portanto, também se funda no princípio da preservação da
sociedade empresária, que, por sua vez, contribui para a concretização dos demais Direitos
Fundamentais, vez que eventuais Direitos Fundamentais não enumerados abrangem Direitos
de qualquer natureza: tanto direitos, liberdades, garantias como direitos econômicos, sociais e
culturais (QUEIROZ, 2002, p. 89). Não se quer com essa assertiva, no entanto, erigir o
princípio da preservação da sociedade empresária a Direito Fundamental, mesmo porque é
impossível fazê-lo dada a natureza dos Direitos Fundamentais, os quais, na essência, são os
Direitos do homem livre e isolado, sem prejuízo de que a distinção entre Direitos
Fundamentais ou não radica na própria Constituição Federal. Os Direitos do art. 5º são
enunciados, como Direitos e Garantias Fundamentais (CF/88, art. 5º, caput e itens I a
LXXVII). Outros há que a fundamentalidade não os reveste. Dentre os Direitos
constitucionalmente assegurados, só os Direitos Fundamentais estão sintaticamente ao abrigo
das cláusulas pétreas (CF/88, art. 60, § 4º, IV) conforme (BORGES, 2004, pp. 217-218). O
que se pretende é demonstrar que a defesa da preservação da sociedade empresária, como
240
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
princípio constitucional não escrito e integrante da ordem econômica nacional, auxilia a
concretização dos Direitos Fundamentais, notadamente o da dignidade da pessoa humana.
Quer dizer, sua preservação está em conformidade com os postulados do atual sistema
constitucional, cuja preocupação primeira é atender e preservar os interesses sociais do
homem, em sua plenitude (SOUSA, 2006, p. 205).
Analisando a questão da sociedade empresária em dificuldade econômico-financeira
transitória, a doutrina sustenta que para sua recuperação e preservação, naquele momento
exclusivamente, há que se privilegiar a preservação da sociedade empresária em detrimento
de outros princípios, como por exemplo, os Direitos Trabalhistas (CASTRO, 2007, p. 47). No
caso de recuperação judicial, a assembleia geral de credor e o juiz da causa deverão entregarse à ponderação de fins - salvar a sociedade empresária, manter os empregos e garantir os
créditos -, pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, quando, então, talvez,
venham a concluir que o caso concreto exige o sacrifício, verbi gratia: a) do interesse da
sociedade empresária e de seus sócios e acionistas em benefício de empregados e credores ou
b) dos Direitos de empregados e credores em prol da sociedade empresária (LOBO, 2005, p.
110).
A preservação da sociedade empresária como princípio constitucional, ainda que não
escrito, é necessário para se evitar que a eficácia da recuperação judicial venha a ser abalada,
vez que não se reconhece ao sócio de sociedade empresária em recuperação judicial o Direito
de recorrer ao recesso, uma vez que nessas condições o instituto do direito de recesso é
contrário ao sistema e, portanto, inaceitável. Melhor explicando, não há como reconhecer ao
sócio de sociedade empresária em recuperação judicial o direito de recorrer ao recesso, pois a
admissão desta possibilidade afetaria a eficácia da recuperação almejada não somente pelos
credores, mas pelos empregados, pelos demais sócios e pela comunidade em geral na qual
determinada sociedade empresária atua. De um lado estaria um indivíduo ou um grupo de
pessoas objetivando um benefício particular, de outro, uma comunidade diferenciada a ser
negativamente afetada pelo insucesso definitivo da sociedade empresária (VERÇOSA, 2006,
pp. 106-107).
Nesse caso, o Direito Individual de propriedade (patrimonial) do titular cede (ainda
que temporariamente) diante da necessidade do exercício e exploração da propriedade
(CASTRO, 2007, p. 47). Portanto, a defesa da preservação da sociedade empresária não
autoriza sua aplicação generalizada, isto é, padronizada, com sacrifício habitual dos credores.
Há que se efetuar uma análise específica do caso concreto e, por conseguinte, dos interesses
envolvidos, de modo a decidir se naquela situação prepondera a manutenção da unidade
241
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
produtiva em detrimento dos seus credores (crédito) ou a liquidação imediata, evitando que
seu estado de insolvência permaneça indefinido, abalando não só a comunidade envolvida,
mas também a credibilidade do mercado, essencial para o seu funcionamento.
Compete, pois, ao juiz a análise do caso concreto, com base nos princípios
norteadores da ordem econômica, decidir se determinada sociedade empresária merece
guarida judicial no sentido de ser preservada; ou, caso contrário, liquidada imediatamente, de
modo que as demais sociedades empresárias que integram o mercado não sofram nenhum
abalo, continuando o exercício de suas atividades. Não resta outra opção ao juiz, uma vez que
seria ingênuo legislar sobre critérios eminentemente econômicos (CASTRO, 2007, p. 49).
Importante, também, a função desenvolvida pela jurisprudência, com o intuito de
harmonizar textos de lei que em tese resultam contraditórios, como também de desenvolver e
concretizar a norma jurídica. Entre o ideal da certeza e da estabilidade das normas para que a
segurança no tráfico jurídico não fique comprometida, e o ideal de que o Direito se aproxime
da Justiça, a jurisprudência realiza sua altíssima função de harmonizar o que aparentemente
resulta contraditório: harmonizar aquela certeza e estabilidade da norma com o fluente e
variável que nos apresente a vida do Direito. A jurisprudência, como fonte subsidiária do
Direito, evitando sua cristalização, constitui a prova de como já não procede inclinar-se ante o
dogma da onipotência legislativa e, assim, permanecer indiferente ou impassível frente a uma
norma que se separa da ideia da maior humanização (SPOTA, 2005, p. 5).
O princípio da preservação da sociedade empresária, portanto, é um princípio
constitucional, porém o modo de sua aplicação, isto é, a preservação propriamente dita ou
liquidação imediata, deve ser analisada caso a caso pelo juiz. A sua transparência e
viabilidade serão elementos absolutamente decisivos para que o instituto tenha êxito
(CASTRO, 2007, pp. 51-51) e (LUCCA, 1999, p. 48).
Desse modo, evidente que a concretização dos Direitos Fundamentais sociais exige
não só uma nova política orçamentária com fiscalização efetiva do Judiciário, mas também,
uma dogmática constitucional emancipatória, que interprete não só o texto constitucional, mas
igualmente o Código Civil e legislação extravagante de modo solidário, aberto e evolutivo,
como, por exemplo, na defesa responsável do princípio constitucional da preservação da
sociedade empresária (CASTRO, 2007, p. 52).
O Código Civil de 2002 demonstra a importância em propiciar meios para a
preservação e continuidade da atividade exercida pela sociedade empresária, uma vez que é
fonte de tributos, empregos e divisas, propiciando, pois, benefícios à sociedade em geral.
242
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Exemplo disso deriva da norma positivada no art. 974
5
do mesmo diploma que trata da
pessoa do incapaz. Com efeito, o Código Civil de 2002 permite que o incapaz, devidamente
assistido por meio de representante, possa continuar o exercício da atividade empresária (até
então administrada sozinha por ele enquanto capaz), ainda que mediante autorização judicial,
admitindo dessa forma que o incapaz continue a atividade empresária, ainda que sujeito a
restrições.
Em outras palavras, antes do advento do Código Civil de 2002 caso o sócio
administrador de uma sociedade empresária viesse a se tornar incapaz (como, por exemplo,
em decorrência de acidente de trânsito ou mesmo sério abalo emocional), inexoravelmente, a
sociedade empresária era dissolvida, com o encerramento de suas atividades, causando, pois,
consequências nefastas a toda a coletividade envolvida. Afinal, os funcionários ficavam
desempregados. O Estado deixava de recolher tributos derivados daquela atividade econômica
organizada. Os fornecedores ficavam impossibilitados de fornecer matéria-prima e assim
sucessivamente ocorria com os demais envolvidos na cadeia empresária.
Depreende-se, pois, que do texto do art. 974 do Código Civil de 2002 extrai-se o
princípio da preservação da sociedade empresária, uma vez que o legislador optou pela
separação da sorte da sociedade empresária e da do empresário, sem, contudo, olvidar de
continuar tutelando o patrimônio particular do incapaz, uma vez que esse patrimônio
específico não se sujeita aos riscos inerentes do exercício da atividade empresária,
6
ou seja,
não serve como garantia ao pagamento de eventuais débitos (CASTRO, 2007, pp. 112-113).
A preservação da sociedade empresária, na verdade, impregna todo o Título II do
Livro II do Direito de Empresa, denominado Da Sociedade. Para sustentar essa alegação,
basta se socorrer à regra positivada no art. 1.033, inciso IV: dissolve-se a sociedade quando
ocorrer: (...) a falta da pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta
dias, sepultando em definitivo a possibilidade de extinção de sociedade empresária composta
por apenas dois sócios, na hipótese de afastamento de um deles (CASTRO, 2007, p. 113).
Outro exemplo que enfatiza o princípio da preservação da sociedade empresária
como fio condutor do Código Civil de 2002, reside na regra positivada no art. 1.085, que
permite a exclusão do sócio que está pondo em risco a continuidade da sociedade empresária,
5
CC/2002, art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa
antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.
6
CC/2002, art. 974, § 2º. Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía ao tempo
da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que
conceder a autorização.
243
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
ainda que observado previamente o exercício do Direito de defesa em assembleia. 7 O próprio
art. 1.029 8 do mesmo diploma estabelece a faculdade de que qualquer sócio pode retirar-se da
sociedade, sem prejuízo de sua continuidade. Reflete, também, a função social dos contratos,
corolário da função social da propriedade, sendo que para compreender o desenvolvimento
desse novo paradigma, basta ver a construção do princípio da preservação da sociedade
empresária (FORGIONI, 2003, p. 34).
A preservação da sociedade empresária como princípio estruturante do Código Civil
de 2002,
9
também, ficou revelada na influência que exerceu no relator do Projeto de lei n°
71/03, externada no Parecer 534, de 2004, que resultou na posterior lei n° 11.101/05,
denominada Lei de Recuperação de Empresas e Falência, que, ao tratar da noção de
empresário, registrou sua preocupação em evitar interpretações equivocadas e aproveitar do
Código Civil de 2002. Reforça esse entendimento, a redação dos arts. 1º e 47 da lei n°
11.101/05 que dispõe:
Art. 1º. Esta lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a
falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente
como devedor.
[...]
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de
crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo,
assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica.
O legislador ao erigir o princípio da preservação da sociedade empresária como
fundamento estruturante do Livro II do Código Civil de 2002, gerou repercussões, dentre as
quais, destaque-se a sua manifesta incompatibilidade com o abuso na utilização do instituto da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, que, por seu turno, era para se constituir
em situação excepcional, embora a realidade do cotidiano forense demonstre exatamente o
7
CC/2002, art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais
da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa,
em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,
desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada
em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir
seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
8
CC/2002, ar. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se
de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo
determinado, provando judicialmente justa causa.
9
Entendemos, portanto, que, se a legislação extravagante que trata exclusivamente da recuperação (preservação)
de sociedades empresárias utilizou como instrumental teórico o Código Civil de 2002, inexoravelmente, o
princípio da preservação da sociedade empresária foi alçado à linha mestra do próprio Código Civil.
244
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
inverso, isto é, desvirtuamento, quando não, aplicação exagerada do instituto da disregard
doctrine.
Em outras palavras, o desenvolvimento da teoria da desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica está solidificando uma tendência de generalizá-la,
inadvertidamente. Em razão disso, a prática forense mormente no âmbito das relações de
consumo e do trabalho (até mesmo em ações falimentares) demonstra uma nítida
despreocupação com os parâmetros estabelecidos na doutrina.
Nesse mesmo sentido, (VERÇOSA, 2006, p. 105) também defende que o abuso do
instituto da disregard doctrine desestimula a atividade empresária, causando insegurança aos
agentes econômicos e eventualmente os afastando da opção pelo exercício daquela, com
prejuízo para a economia como um todo. Da desconsideração generalizada da personalidade
da pessoa jurídica, tal como se tem verificado em diversas áreas do Direito, deve-se passar à
sua reconsideração, com o fortalecimento da atividade empresária.
Nesse sentido é o Enunciado 51 aprovado pela Jornada de Direito Civil, promovida
pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a
13.9.2002, sob a coordenação de Ruy Rosado de Aguiar, na ocasião, Ministro do Superior
Tribunal de Justiça:
Enunciado 51. Art. 50. a teoria da desconsideração da personalidade jurídica –
disregard doctrine– fica positivada no Código Civil, mantidos os parâmetros
existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.
Portanto, para ALVIM (1997, pp. 211 et seq.) ao aplicar-se a teoria da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, deve-se verificar atentamente, se estão
presentes os pressupostos reconhecidos pela doutrina como ensejadores de sua aplicação,
para, somente depois, em caso de resposta afirmativa, proceder-se à sua efetiva aplicação,
garantindo-se a ampla defesa e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV).
Depreende-se, portanto, que o princípio da preservação da sociedade empresária tem
se constituído a principal preocupação do Direito de Empresa contemporâneo, diante do
inegável abalo social produzido por uma quebra. No caso, ausente prejuízo a qualquer dos
interessados, não há razão para declarar a nulidade de arrematação que não seguiu os estritos
comandos do Código de Processo Civil. Valorização, no caso, da preservação da atividade
empresária em detrimento do formalismo procedimental.
10
A melhor interpretação da lei é a
10
RIO GRANDE DO SUL – Ag. Inst. n° 70004703112 - 2ª Câmara Especial Cível - Relator Des. Ícaro Carvalho
de Bem Osório – v. u. – j. em 30.10.2002.
245
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o rigorismo
na exegese dos textos legais pode levar a injustiças. 11
A atividade judicial, portanto, não se exaure em desvendar o significado da lei ou
mesmo a intenção do legislador, com cunho meramente declaratório. Na verdade, possui
caráter constitutivo, ou seja, o juiz ao decidir, cria uma norma jurídica renovando o sistema
jurídico. Desta forma, na medida em que se busca demonstrar que o princípio da preservação
da sociedade empresária se constitui no pilar do Direito de Empresa no Código Civil de 2002,
há que se esclarecer que esse pensamento implica visualizar o Código como um sistema
aberto que integra a unidade do sistema jurídico, cuja leitura deve ser feita a partir da
Constituição Federal, cuja concretização dos valores e princípios constitucionais não se
exaure com a promulgação da Constituição Federal e, muito menos, com o advento da
vigência do Código Civil de 2002 (CASTRO, 2007, pp. 131-133).
Dentro dessa ótica, deve-se, pois, proceder à releitura do Livro II do Código Civil,
que trata do Direito de Empresa à luz da Constituição Federal, cuja perspectiva indica para
arco evolutivo que migra da relação jurídica fundada acentuadamente na garantia do crédito
para trânsito jurídico que dá relevo destacado à proteção da pessoa (FACHIN, 2001, p. 175).
A teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica possui um estreito
liame com o princípio da preservação da sociedade empresária. A teoria da disregard doctrine
of legal entity não postula a invalidade, irregularidade ou dissolução da sociedade empresária.
Ao contrário, por desconsideração da autonomia patrimonial se entende tomar por
episodicamente ineficaz o ato constitutivo da pessoa jurídica, ou seja, a sociedade empresária
será ignorada apenas no julgamento da conduta fraudulenta ou abusiva da pessoa que a
utilizou indevidamente, permanecendo existente, válida e eficaz em relação a todos os demais
aspectos no plano de sua existência jurídica. Em outros termos, os demais negócios jurídicos
celebrados pela pessoa jurídica, que não se encontrarem diretamente relacionados com a
fraude ou abuso a coibir, são preservados em sua validade e eficácia. Isto significa que a
teoria da disregard doctrine possibilita a coibição da fraude ou do abuso sem o
comprometimento dos interesses que visam o desenvolvimento da atividade empresária, que
nenhuma relação guardam com a conduta fraudulenta ou abusiva justificadora da aplicação da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica; e possibilita a preservação da sociedade
empresária porque não se põe em questão a validade ou regularidade do ato constitutivo ou
dos negócios e demais atos jurídicos praticados pela sociedade empresária. Naquele episódio,
11
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma – Resp. 299/RJ – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – v. u. – j.
em 28.8.1989. RSTJ 4/1.555.
246
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
e somente nele, em que a autonomia patrimonial foi instrumento de fraude ou abuso, a
sociedade empresária não será considerada, mas ignorada. Para as demais relações jurídicas
ela continua sendo pessoa jurídica sujeita de direitos e obrigações no âmbito do ordenamento
jurídico.
Capítulo III - Visão da jurisprudência.
O Recurso Especial n° 279.273/SP12 enfrenta a questão relacionada ao desabamento
de um Shopping Center em Osasco-SP a Min. Nancy Andrighi confirmou o entendimento de
que o parágrafo 5º do art. 28 da lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990 estaria relacionado à
teoria menor da disregard doctrine com fundamento nas razões a seguir descritas:
A relatora inicia seu raciocínio para caracterizar a incidência do CDC e a
equiparação dos transeuntes em shopping center à noção de consumidor. Reconhece a
doutrina que o art. 2º do CDC
13
é insuficiente para abranger como consumidor somente
aquele que adquire o produto como destinatário final, porque a interpretação teleológica do
parágrafo único do art. 2º, combinado com o art. 17 do CDC, 14 conduz à compreensão de que
também são considerados consumidores, ainda que não participem diretamente da relação de
consumo, os denominados pela doutrina e jurisprudência norte-americana de bystander.
Abrange o conceito de bystander aquelas pessoas físicas ou jurídicas que foram atingidos em
sua integridade física ou segurança, em virtude do defeito do produto, não obstante não serem
partícipes diretos da relação de consumo.
O shopping center oferece à sociedade um serviço determinado, distinto dos serviços
e bens ofertados pelas lojas, consistente na oferta de segurança, lazer e conforto àqueles que
pretendem ou adquirir bens e serviços dos lojistas instalados no local, ou simplesmente
transitar pelas galerias como forma de distração e lazer, sendo equiparados pela abrangência
do estabelecido no art. 17 que os equipara a consumidores.
Para a Min. Nancy Andrighi pode-se afirmar que todo e qualquer frequentador de
shopping, tenha ou não interesse em adquirir bens ou serviços é consumidor nos termos do
12
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n° 279.273/SP (2000/0097184-7), 3ª Turma, Min.
Rel. Ari Pargendler; Rel. p/ acórdão Nancy Andrighi, D.J. de 29.3.04, j. não conhecer de ambos os recursos
especiais – v.v.
13
Relembre-se o art. 2º CDC. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
14
Art. 17 CDC. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
247
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
art. 2º do CDC, porque adquire como destinatário final, o serviço de segurança, lazer e
conforto ofertado pelo shopping center.
Por sua vez, o fato de o administrador do shopping não cobrar dos frequentadores
preço pelo ingresso em suas dependências não conduz à conclusão de que o serviço ofertado
pelo shopping center seja de natureza gratuita, porquanto o intuito oneroso, ainda que
indireto, é evidente, dada a relação existente entre o conforto e a segurança do shopping, de
um lado, e a promoção de vendas de bens e serviços dos lojistas instalados ao longo das
galerias, de outro.
E, ainda que não se considerasse o frequentador como destinatário final do serviço
prestado pelo shopping center, deve-se observar o art. 17 do CDC, o qual equipara à noção de
consumidor todas as vítimas do fato do serviço.
Feitas essas considerações, logo a seguir a Ministra Nancy Andrighi passa a enfrentar
o tema da responsabilidade dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa
jurídica, em especial no que respeita aos contornos atuais do instituto da desconsideração e a
disciplina adotada pelo CDC a respeito.
Em seu voto que prevaleceu sobre o entendimento do Min. Relator que ficou vencido
nessa parte ficou evidenciado que a teoria da desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica quanto aos pressupostos de suas incidências, subdivide-se em duas categorias: teoria
maior e teoria menor da disregard doctrine.
Para ela, a teoria maior não pode ser aplicada com mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além
da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de
confusão patrimonial.
A prova de desvio de finalidade faz incidir a teoria (maior) subjetiva da
desconsideração. O desvio de finalidade é caracterizado pelo ato intencional dos sócios em
fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica.
A demonstração da confusão patrimonial, por sua vez, faz incidir a teoria (maior)
objetiva da desconsideração. A confusão patrimonial caracteriza-se pela inexistência, no
campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica e do de seus
sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas. A teoria maior da
desconsideração, seja a subjetiva, seja a objetiva, constitui a regra geral no sistema jurídico
brasileiro, positivada no art. 50 do Código Civil de 2002.
A teoria menor da disregard doctrine, por sua vez, parte de premissas distintas da
teoria maior: para a incidência da doutrina com base na teoria menor, basta a prova de
248
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da
existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Para esta teoria, o risco empresário normal às atividades econômicas não pode ser
suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou
administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é,
mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por
parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada
excepcionalmente, por exemplo, no Direito ambiental (lei n° 9.605/98, art. 4°) e no Direito do
consumidor (CDC, art. 28, § 5°). O referido dispositivo do CDC, quanto à sua aplicação,
sugere uma circunstância objetiva. Da exegese do § 5° deflui, expressamente, a possibilidade
de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica pela mera prova da insolvência da
pessoa jurídica, fato este suficiente a causar obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores.
É certo que a doutrina pátria se divide entre aqueles que aplaudem a inovação e
aqueles outros que entendem que as razões do veto do § 1° do art. 28 do CDC deveriam ser
destinadas ao § 5°, esse sim, sob a ótica de parte representativa de vozes autorizadas, sem
razão de ser porque a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica está associada ao
ilícito, ao desvirtuamento e abuso da forma social.
Existem argumentos também no sentido de que a topografia do § 5° do art. 28
significaria a dependência do seu preceito ao reconhecimento de abuso, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, e à novel
disposição de má administração causadora de falência, estado de insolvência, encerramento
ou inatividade da pessoa jurídica.
Fato é que o § 5° do art. 28 do CDC não guarda relação de dependência com o caput
do seu artigo, o que, por si só, não gera incompatibilidade legal, constitucional ou com os
postulados da ordem jurídica. Não são válidos os argumentos de que as razões de veto
deveriam ser dirigidas ao § 5° e de que não se conceberia sua existência autônoma dissociada
do preceito veiculado no caput do art. 28 da lei n° 8.078/90.
A tese de que a teoria menor da disregard doctrine aplica-se às relações de consumo,
está calcada, como dito, na exegese autônoma do § 5° do art. 28, do CDC, isto é, afasta-se,
aqui, a exegese que subordina a incidência do § 5° à demonstração dos requisitos previstos no
caput do art. 28 do CDC. E isto porque o caput do art. 28 do CDC acolhe a teoria maior
subjetiva da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, enquanto que o § 5° do
249
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
referido dispositivo acolhe a teoria menor da disregard doctrine, em especial se considerado
for a expressão também poderá ser desconsiderada, o que representa, de forma inegável, a
adoção de pressupostos autônomos à incidência da disregard doctrine.
Considerações finais
É certo que a parte final de uma investigação científica não deve se limitar a repetir
todas as conclusões consignadas no desenvolvimento dos capítulos. Na verdade, busca
ressaltar as principais conclusões com o escopo de destacar a premissa geral e, por
conseguinte, demonstrar que o resultado final alcançou sua meta desejada. Ainda que a
proposta defendida continue em sua evolução doutrinária, mesmo porque a conclusão da
investigação não implica obrigatoriamente o seu destino final.
Dentro desse contexto, extraem-se as seguintes conclusões:
1. A construção teórica da personalidade jurídica às pessoas jurídicas foi motivada
devido à necessidade verificada na realidade subjacente e, assim, a autonomia patrimonial foi
um dos aspectos considerados de maior relevo. A limitação da responsabilidade patrimonial
dos sócios e administradores se consolidou como fator de segurança e tranquilidade, servindo
como estímulo à atividade empresária.
2. A teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica surge exatamente
como o modo de coibir e reprimir os abusos e fraudes praticadas através da pessoa jurídica,
permitindo, devido à sua aplicação, a relativização da autonomia patrimonial da pessoa
jurídica, afastando episodicamente a eficácia da independência de patrimônios sempre que
haja obstáculo ao ressarcimento a terceiros prejudicados pela fraude ou abuso perpetrado
pelos sócios ou administradores.
3. O legislador, ao erigir o princípio da preservação da sociedade empresária como
fundamento estruturante do Livro II do Código Civil de 2002, gerou repercussões, dentre as
quais, destaque-se a sua manifesta incompatibilidade com o abuso na utilização do instituto da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, que, por seu turno, era para se constituir
em situação excepcional, embora a realidade do cotidiano forense demonstre exatamente o
inverso, isto é, desvirtuamento, quando não, aplicação exagerada do instituto da disregard
doctrine.
4. O desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica está solidificando uma tendência de generalizá-la, inadvertidamente. Em razão disso,
250
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
a prática forense no âmbito das relações de consumo e do trabalho (até mesmo em ações
falimentares) demonstra não guardar qualquer relação com as premissas clássicas que sempre
nortearam a teoria da desconsideração.
5. O abuso na utilização do instituto da disregard doctrine desestimula a atividade
empresária, causando insegurança aos agentes econômicos e eventualmente os afastando da
opção pelo exercício daquela, com prejuízo para a economia como um todo. A concessão da
teoria da desconsideração através de um modelo universalizante, capaz de envolver todos os
tipos de sociedades empresárias, tal como se tem verificado em diversas áreas do Direito,
deve passar à sua reconsideração, para se adaptar a diferentes contingências econômicas,
políticas e culturais.
6. Não é a simples existência de dano sofrido pelo credor ou terceiro que autoriza a
aplicação da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. O princípio da autonomia
patrimonial é importante mecanismo jurídico de motivação da iniciativa privada no âmbito da
economia de mercado. Em outras palavras, a menos que se demonstre a ocorrência de
fraudulento ou abusivo uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ela não poderá ser
desconsiderada. O segundo princípio dos quatro formulados por Rolf Serick, ao sintetizar os
fundamentos da disregard doctrine, consigna que não cabe desconhecer a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica, apenas porque não se realizou o objetivo de norma jurídica ou
a causa objetiva de negócio jurídico.
7. Isto significa, é certo, o reforço ao entendimento da validade da separação
patrimonial da pessoa jurídica, vez que se condena apenas o seu eventual uso indevido. Se se
encontrar a pessoa jurídica dentro dos limites delineados pelo legislador infraconstitucional,
merece a sociedade empresária, os seus sócios e administradores a tutela emanada do
ordenamento jurídico, que consagra o princípio da separação patrimonial.
8. Ainda quanto à natureza do abuso ou da fraude que autorizam a aplicação da
disregard doctrine, não é qualquer expediente fraudulento ou abusivo causador de dano a
terceiro que possibilita ao magistrado afastar a incidência da regra da separação patrimonial.
Deve o ilícito caracterizar-se pela manipulação indevida da autonomia patrimonial. Do
mesmo modo, ocorrendo ocultação de pessoa atrás da personalização da pessoa jurídica, para
se furtar ao cumprimento de obrigação legal ou contratual dela própria, é que se pode cogitar
na invocação da disregard doctrine.
9. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa possui um estreito
liame com o princípio da preservação da sociedade empresária. A teoria da disregard doctrine
of legal entity não postula a invalidade, irregularidade ou dissolução da sociedade empresária.
251
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Ao contrário, por desconsideração da autonomia patrimonial se entende tomar por
episodicamente ineficaz o ato constitutivo da pessoa jurídica, ou seja, a sociedade empresária
será ignorada apenas no julgamento da conduta fraudulenta ou abusiva da pessoa que a
utilizou indevidamente, permanecendo existente, válida e eficaz em relação a todos os demais
aspectos no plano de sua existência jurídica. Em outros termos, os demais negócios jurídicos
celebrados pela pessoa jurídica, que não se encontrarem diretamente relacionados com a
fraude ou abuso a coibir, são preservados em sua validade e eficácia. Isto significa, que a
teoria da disregard doctrine possibilita a coibição do abuso ou da fraude sem o
comprometimento dos interesses que visam o desenvolvimento da atividade empresária, que
nenhuma relação guardam com a conduta fraudulenta ou abusiva justificadora da aplicação da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica; e possibilita a preservação da sociedade
empresária porque não se põe em questão a validade ou regularidade do ato constitutivo ou
dos negócios e demais atos jurídicos praticados pela sociedade empresária. Naquele episódio,
e somente nele, em que a autonomia patrimonial foi instrumento de abuso ou fraude, a
sociedade empresária não será considerada, mas ignorada. Para as demais relações jurídicas
ela continua sendo pessoa jurídica sujeita de direitos e obrigações no âmbito do ordenamento
jurídico.
10. Os métodos e critérios da análise econômica do Direito são de extrema
importância para o exame da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica vez
que a distinção entre os vários credores das sociedades empresárias na aplicação da disregard
doctrine se mostra de grande relevância, tendo em vista que os credores que tiveram a
possibilidade de internalizar, ex ante, o risco relativo à limitação da responsabilidade, não
podem ser tratados da forma com que são aqueles que não tiveram essa oportunidade, sob
pena de reduzir a sociedade empresária a uma “caixa vazia”, incapaz de retratar, na sua
essência, todos os matizes que envolvem a complexa atuação dos agentes econômicos.
Referências
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n° 279.273/SP (2000/0097184-7).
Recorrentes: B Sete Participações S/A e outros; Recorrente: Marcelo Marinho Andrade
Zanotto e outros, Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo, 3ª Turma, Min. Rel.
Ari Pargendler; Rel. p/ acórdão Nancy Andrighi, D.J. de 29.3.04, j. não conhecer de ambos os
recursos especiais – v.v.
252
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253
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
FUNÇÃO PROFILÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONSUMERISTA E A
INDÚSTRIA DO DANO MORAL: CIDADANIA EMPRESARIAL NA SOCIEDADE
DE RISCO
PROPHYLACTIC FUNCTION OF CONSUMERIST CIVIL LIABILITY AND
MORAL DAMAGE INDUSTRY: CORPORATE CITIZENSHIP IN RISK SOCIETY
Ana Cecília Parodi1
RESUMO
Função profilática da responsabilidade civil consumerista e a indústria do dano moral: cidadania empresarial na
sociedade de risco. Quando o empresário decide não prevenir os eventos lesivos, ainda que não atue com dolo,
esse fornecedor deixa os resultados potenciais à sorte, decidindo assumir para si os riscos legais de responder
pelas consequências de suas condutas. Essa decisão empresarial, optando entre prevenir o dano ou assumir os
riscos legais, em regra, já é uma consequência da anterior aplicação da função profilática da responsabilidade
civil no sistema jurídico brasileiro e, via de consequência, um fator determinante para a realização – ou não – do
exercício da responsabilidade social e ambiental e para o estabelecimento do desenvolvimento sustentável,
elidindo, ou ao menos mitigando, os efeitos deletérios naturais do capitalismo contemporâneo e da sociedade de
consumo industrializada e globalizada. A racionalidade teórica da Análise Econômica do Direito e, mais
precisamente, da Teoria dos Jogos, são instrumentos virtuosos para explicar a correlação entre a influência da
jurisprudência e o processo de tomada de decisão empresarial, desmistificando a mera possibilidade do
estabelecimento jurídico de uma alegada “indústria do dano moral”.
PALAVRAS-CHAVE: Empresa; Livre Iniciativa; Função Profilática da Responsabilidade Civil; Constituição
Federal; Desenvolvimento Sustentável; Responsabilidade Social Empresarial; Poder Judiciário e Economia;
Análise Econômica do Direito; Teoria dos Jogos.
ABSTRACT
Prophylactic function of consumerist civil liability and moral damage industry: corporate citizenship in risk
society. When the entrepreneur decides not to prevent harmful events, although he not act with intent,
that vendor leaves the potential outcomes to luck, deciding to take legal risks for himself to answer for the
consequences of his behavior. This business decision, choosing between preventing harm or take the legal risks,
as a rule, it is a consequence of the previous application of prophylactic function of civil liability in the Brazilian
legal system and, as a consequence, a determining factor for the realization - or not - the exercise of social and
environmental responsibility and the establishment of sustainable development, supressing, or at least mitigating
the deleterious effects of natural contemporary capitalism and the consumer society industrialized and
globalized. The theoretical justification of Economic Analysis of Law and, more precisely, Game Theory, are
both virtuous instruments to explain the correlation between the influence of the case law and the process of
corporate decision making, demystifying the mere possibility of the legal establishment of an alleged "industry
of moral damages.
KEYWORDS: Company; Free Enterprise; Prophylactic Role of Liability; Federal Constitution; Sustainable
Development; Corporate Social Responsibility; Judiciary and Economics; Economic Analysis of Law; Game
Theory.
1
Doutoranda em Direito Civil (USP). Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). Especialista em Direito
Civil e Empresarial (PUCPR) e em Direito Aplicado (EMAP-PR). Diretora Jurídica da gestora patrimonial
Decisão
Investimentos.
Autora
de
obras
jurídicas.
Palestrante
e
Conferencista.
Blog:
http://atualidadesdodireito.com.br/anaceciliaparodi.
254
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A SOCIEDADE DE RISCO E DE CONSUMO
O consumidor é indiscutivelmente a parte mais vulnerável das relações econômicas de
consumo e a necessidade de sua proteção é reconhecida, demandando proteção expressa e
transparente da lei, sendo que desde os tempos de Hamurabi2 já se ouvia da vocação legislativa
em favor da proteção das obrigações decorrentes do fornecimento e da prestação de serviço.
Com a evolução dos séculos e dos modos de produção, o consumidor variou de posição
legislativa, atingindo, finalmente, o reconhecimento legal de sua relevantíssima posição na
cadeia produtiva, a saber, a de destinatário final (ressalvados aqueles que são “aos consumidores
equiparados por lei”), após as transformações do industrialismo, valendo menção ao artigo 1, da
Resolução no 39/2483 (Organização das Nações Unidas, 1985), o qual embasa o artigo 4º, do
Código de Defesa do Consumidor brasileiro.
É notório que todo contrato de consumo nasce eivado de potencial desequilíbrio, porque
o mais forte impõe condições, tantas vezes injustas, sem possibilidade de oposição (LACERDA
MARTINS, 2002, p.8). Claudia Lima Marques (2006, p. XVII) afirma que o Direito pode ser
instrumento de Justiça, de equilíbrio contratual e de vinculação social, “instrumento de proteção
de determinados grupos na sociedade, de combate ao abuso do poder econômico e combate a
toda a atuação que seja contrária à boa-fé no tráfico social e no mercado”. Porém, para que o
Ordenamento tenha essa utilidade, ou seja, para alçar à efetividade seu status funcional, é mister
que as leis sejam transparentes e diretas em suas pretensões, sanções e recompensas, bem como,
que a sua aplicação pelo Poder Judiciário – ou Administrativo, quando a este competir – seja
eficiente, de forma a, nas palavras de Lima Marques, vincular a sociedade e combater abusos,
reprimindo as condutas ilícitas, – as quais hoje, por virtude do Código Civil de 2002, englobam
em gênero, ao abuso de direito.
Quanto à responsabilização objetiva, esta modalidade de imputação obrigacional decorre,
no direito brasileiro, da teoria do risco da atividade, conquanto haja divergência doutrinária
acerca das possíveis classificações deste risco. Contudo, interessa trazer à baila duas outras
espécies de risco: o primeiro, bem tratado pela doutrina, o risco do desenvolvimento; e o
2
“Art. 229 Se um pedreiro edificou uma casa para um homem mas não a fortificou e a casa caiu e matou o seu dono,
esse pedreiro será morto”. [...] No mesmo sentido, estabelece o Código de Hamurabi: “Art. 233 Se um pedreiro
construiu uma casa para um homem e não executou o trabalho adequadamente e o muro ruiu, esse pedreiro
fortificará o muro às suas custas”. Conforme Plínio Lacerda Martins (2002, p. 2).
3
A 106ª Sessão plenária da ONU editou, em 9 de abril de 1985, a Resolução no 39/248, que retrata no art. 1 que o
consumidor é parte mais fraca nas relações de consumo (MARTINS, 2002, p. 1).
255
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
segundo, tratado de maneira mais generalista, está ligado a uma outra perspectiva do risco da
atividade, a saber, o risco a que o exercício da atividade expõe o consumidor, de sofrer
danos, visto a partir da disposição do fornecedor em evitar tais lesões ou deliberadamente
optar por se conduzir descuidadamente ou cometendo atos diretamente nocivos.
De toda forma, ao não prevenir os eventos lesivos, antes, se não atuando com dolo, o
fornecedor deixa os resultados potenciais à sorte, decidindo assumir para si os riscos legais de
responder pelo resultado de suas condutas. Essa decisão empresarial, optando entre prevenir o
dano ou assumir os riscos legais, em regra, já é uma consequência da anterior aplicação da
função profilática da responsabilidade civil no sistema jurídico brasileiro e, via de consequência,
um fator determinante para a realização – ou não – do exercício da responsabilidade social e
ambiental e para o estabelecimento do desenvolvimento sustentável, elidindo, ou ao menos
mitigando, os efeitos deletérios naturais do capitalismo contemporâneo e da sociedade de
consumo industrializada e globalizada. A racionalidade teórica da Análise Econômica do Direito
e, mais precisamente, da Teoria dos Jogos, são instrumentos virtuosos para explicar a correlação
entre a influência da jurisprudência e o processo de tomada de decisão empresarial,
desmistificando a mera possibilidade do estabelecimento jurídico de uma alegada “indústria do
dano moral”.
Concomitante à sociedade de consumo coexiste a sociedade de risco, lugar social onde
ganha relevo a figura do risco de desenvolvimento. Fabiana Maria Martins Gomes de Castro
(2002, p. 126) oferta um conceito4:
4
Fabiana Maria Martins Gomes de Castro (2002, p. 124/125) demonstra a evolução histórica da sociedade de risco,
desde o aparecimento da sociedade industrial e indo até a contemporaneidade. Vale a leitura: “A sociedade de risco
representa um estágio avançado da sociedade industrial e historicamente pode ser distinguido em três momentos. O
primeiro momento corresponde ao surgimento da idade moderna, que coincidiu com o aparecimento da sociedade
industrial. Os riscos inerentes à sociedade industrial eram incipientes e controláveis, pois apesar do decurso
integrado dos progressos técnicos, científicos e econômicos sob a égide da racionalidade, as suas potencialidades
estavam longe do auge e seus efeitos sobre a vida das pessoas eram perfeitamente controláveis. A sociedade
industrial primigénia dos séculos XVIII e XIX é denominada por Ulrich Beck como sociedade de riscos residuais. O
segundo momento, compreendido entre o final do século XIX até a primeira metade do século XX, traduziu a
atitude coletiva e voluntarista de conter e domesticar entre riscos mensuráveis e controláveis, tendo em vista a
redução de sua ocorrência e gravidade. O risco deixou de ser visto como um golpe de azar e adquiriu a forma de
acontecimento estatisticamente objetivado pelo cálculo da probabilidade e socialmente suportado pela mutualização
dos prejuízos. O direito absorveu os prejuízos pelas atividades de risco, em termos de responsabilidade objetiva. O
terceiro momento da história do risco é a nossa atual realidade, que assiste à crise do Estado de bem-estar social, à
expansão em escala planetária da lógica do mercado e da racionalidade que a comanda. O desenvolvimento é
desmedido na busca intensiva e exaustiva do esgotamento das possibilidades das formas de progresso, provocado
pelo crescente desenvolvimento técnico, científico, econômico, burocrático e jurídico do mundo da vida, conduzindo
ao surgimento de um novo gênero de riscos”.
256
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
O conceito de sociedade de risco prende-se com a emergência de novos e grandes
riscos, gerados pelo lado obscuro do progresso, sem pensar o futuro das gerações que
estão por vir. Estes novos riscos, embora resultantes de decisões humanas, surgem de
um modo involuntário e independente do pensamento humano. A relevância em abordar
esses novos riscos consiste no fato de que ele se forma no seio do próprio processo de
modernização e apresentam-se à consciência social nos seus efeitos secundários, muitas
vezes catastróficos, a longo prazo e não delimitáveis pelas coordenadas do tempo e
espaço, tornando-se transgeracional e transfronteiriço. Esses riscos, ainda, não podem
ser cobertos por um seguro privado, como sucedia com o risco empresarial da sociedade
industrial nascente.
Fabiana Castro (2002, p. 126) também comenta que a diferença entre a sociedade
industrial e a sociedade de risco consiste no fato de que enquanto a primeira pressupõe o
“domínio da lógica da riqueza e a admite como compatível à distribuição do risco, a segunda
considera incompatível a distribuição da riqueza e de risco e aceita a rivalidade entre suas
lógicas”. E explica sua intersecção com a sociedade de consumo (CASTRO, 2002, p. 123/126):
Assim, a sociedade de consumo cruza-se com a sociedade de risco, uma vez que a
primeira é organizada para a satisfação das necessidades da oferta e da procura de
produtos e a segunda, representa um estágio avançado da sociedade industrial
decorrente do processo de modernização e conscientiza-se de seus efeitos catastróficos
secundários a longo prazo. Surge, então, a preocupação com os direitos básicos e com a
proteção dos consumidores, bem como, a responsabilidade do fornecedor,
principalmente no que tange aos chamados riscos de desenvolvimento, ou seja, aqueles
que não podem ser cientificamente conhecidos no momento do lançamento do produto
no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso, podendo
causar danos morais, materiais e patrimoniais. [...] em virtude de que também na área de
consumo irrompem novos riscos, pois o consumo em massa, característica da sociedade
moderna, registra a presença de riscos incalculáveis e incontroláveis.
Gustavo Passarelli da Silva (2002, p. 123) comenta que a evolução do risco coincide com
as mudanças sociais e, via de consequência, afetou a tutela legal, na evolução das relações
sociais: “notadamente a revolução industrial, o modelo até então utilizado não mais era
satisfatório, razão pela qual se fez necessária a intervenção do Estado (Lei Aquilia), que avocou
para si o direito de punir os infratores da Lei.”
A sociedade de consumo, portanto, é uma sociedade de risco, em razão dos perigos
inerente às utilidades colocadas no mercado, ou seja, o “risco de desenvolvimento”.
Como bem ensina Marcelo Kokke Gomes (2001, p. 217-219), gravita na esfera da
responsabilidade civil do consumidor – e de suas parcas hipóteses excludentes5 – o
5
Nessa esteira – ensina COSTA (1999, p. 314) –, a exoneração baseada no risco de desenvolvimento elide a
responsabilidade civil do produtor que coloca no mercado produto novo com defeito que não é cientificamente e
tecnicamente detectável, mas que existe e que se revelará mais tarde, como o caso da carne contaminada com vaca
257
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interrrelacionamento “entre o potencial científico e os riscos desconhecidos que determinado
produto ou serviço possui [...] a expressão risco de desenvolvimento é uso abreviado de ‘riscos
que o desenvolvimento técnico e científico permite descobrir’”.
Conceituando, ensina Zelmo Denari (2007, p. 194) que se trata daqueles riscos que
correm “os fornecedores por defeitos que somente se tornam conhecidos em decorrências de
avanços científicos posteriores à colocação do produto e do serviço no mercado de consumo6”.
James Marins (1993, p. 128), por seu turno, pontua o risco de desenvolvimento como a:
louca, a talidomida, o amianto, sangue contaminado, etc. Acerca do sistema de excludentes do CDC, comenta
Denari (2007, p. 195): “A nosso aviso, a dicção normativa do inc. III do art. 12, § 1º, do Código de Defesa do
Consumidor, está muito distante de significar a adoção da teoria dos riscos de desenvolvimento, em nível legislativo,
como propôs a Comunidade Econômica Européia. De resto, o exemplo da nocividade de certas drogas como a
talidomida, e da comoção social causada em todo o mundo em decorrência de seu poder de mutilação do gênero
humano, nos dá a exata medida da inconsistência dos postulados dessa teoria para a aferição da responsabilidade dos
fabricantes. Quando estão em causa vidas humanas, as eximentes de responsabilidade devem ser recebidas pelo
aplicador da norma com muita reserva e parcimônia”. E continua, acerca das inovações tecnológicas e do § 2º, do
art. 12 (2007, p. 195-196): “Se o Código de Defesa do Consumidor acolhesse presunção desse jaez – ainda que
relativa – seria responsabilizado por condenar ao obsoletismo nosso parque industrial, pois estaria tolhendo todos os
avanços tecnológicos próprios de uma saudável econômica de mercado. [...] Entre as inovações que causaram maior
impacto, podemos lembrar os equipamentos de segurança de última geração acoplados aos novos veículos, tais
como sistema de freios ABS [...]; o sistema air bag [...]; bem como o avanço tecnológico decorrente da adoção do
sistema de injeção direta, em substituição ao velho carburador.”
6
Para a compreensão do risco de desenvolvimento e a comparação do tratamento que recebe na União Européia,
encontra-se excelente contribuição nas lições de Geraldo de Faria Martins da Costa – Risco de Desenvolvimento:
uma exoneração contestável, onde faz virtuosa resenha da obra “Le risque de développement: une exonération
contestable”, do destacadíssimo autor francês, Jean Calais-Auloy, que faz apologia da imposição da
responsabilidade pelo risco de desenvolvimento, sobre os produtores, apesar da Loi du 19 mai 1998 ter transposto
para o direito francês a diretiva da União Européia, de 15.07.1985, introduzindo a exoneração pelo risco de
desenvolvimento. A diretiva – em que pese ser aplicada pela Corte de Justiça sob condições estritas – possui
argumento de justificativa baseado na ruína econômica do produtor que é exposto a excessiva exigência, sendo-lhe
quase impossível o asseguramento dessa espécie de risco, levando a desemprego e/ou desacelaração econômica pelo
demorado período de testes, cessando as inovações. O autor argumenta que são alegações exageradas e divorciadas
de suporte estatístico rigoroso. Justamente, a jurisprudência francesa sempre foi implacável na aplicação da
responsabilidade pelo risco de desenvolvimento, sem contemplar desacelerações ou subdesenvolvimentos
setorizados – do seguro à inovação científica. Contudo, a imposição à França decorreu do fato de que a maioria dos
países membros à época já adotavam a exoneração. O princípio da equidade não socorre ao Fornecedor, vez que
imputa o risco às vítimas. Eis a lição (COSTA, 1999, p. 314): “A eqüidade pede que se faça pesar o risco de
desenvolvimento, não sobre as pessoas que sofreram um dano pelo fato do produto, mas sobre aquela que tomou a
iniciativa de dele obter um lucro”. Ora, conhecer científica e tecnicamente um produto é parte da rotina dos
laboratórios, em todos os setores. E continua: “Exonerar os produtores quando o estado de conhecimentos científicos
e técnicos não lhes tenha permitido detectar a existência do defeito significaria dissuadi-los de ir mais longe em suas
investidas prévias à colocação do produto no mercado, ou, pior, seria incitá-los a guardar em segredo o resultado de
suas investigações. Significaria de certa maneira uma permissão para uma prévia organização da exoneração”.
Queira ou não, eis presente o caráter indutor de comportamento, da norma. É como conclui Costa, em opinião
pessoal, dizendo que a responsabilidade pelo fato do produto defeituoso é uma responsabilidade independente de
culpa, e, além de obrigar os produtores a se tornarem mais vigilantes, tem a função principal de permitir a
indenização das vítimas (COSTA, 1999, p. 316): “Ela conduz, de uma certa maneira, à coletivização dos riscos: o
risco incorrido por cada produtor é por ele incorporado em seus preços, e se repercute sobre a massa dos
compradores”.
258
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem
que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de
conhecimento científico disponível na época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que,
posteriormente, decorrido determinado momento de sua circulação no mercado de
consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios
técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores.
João Batista de Almeida (2006, p. 83/84) trata da figura do “risco criado”:
A inevitabilidade dessas falhas no sistema de produção seriada e a impossibilidade
prática de sua completa eliminação conduziram à idéia de criação dos mecanismos
legais de ressarcimento de danos pelo simples fato da colocação no mercado de
produtos e serviços potencialmente danosos, atribuindo ao fornecedor a
responsabilidade pelos danos nessa condição causados à vítima e a terceiros, dentro do
princípio de que aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas
desvantagens dela decorrentes. Daí o surgimento da teoria do risco criado, que tem o
sentido de atribuir ao fornecedor o dever de reparar danos causados aos consumidores
pelo fato de desenvolver determinada atividade potencialmente danosa. Ou seja, faz
com que o agente fornecedor assuma todos os riscos de sua atividade. Imbuído desse
espírito, o legislador acolheu integralmente a teoria do risco criado como apta e
suficiente para garantir o consumidor em relação aos danos que viesse a sofrer pelo fato
da colocação no mercado de produtos e serviços.
Contudo, o espírito da proteção é ainda mais extensivo e engloba a prevenção e reparação
em sentido amplo, inclusive aqueles danos causados indiretamente, pela dinâmica da sociedade
de consumo, notadamente nas relações empresariais. Existe amparo legal para a função
preventiva que socorra à responsabilidade civil no sistema das relações consumeristas? Ou, nas
palavras de Aurisvaldo Mello Sampaio7 (2004, p. 156-157):
Melhor dizendo, prevê, a Lei Protetiva, instrumento para salvaguardar a saúde e a
segurança do consumidor [...]? A resposta certamente será afirmativa. A ferramenta a
ser utilizada é o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor, ou, se preferir,
aferrando-se à letra da lei, ‘direito básico à efetiva prevenção de danos’, previsto em
norma de ordem pública e interesse social, o art. 6º, VI, do CDC, in expressis: ‘Art. 6.º
São direitos básicos do consumidor: (omissis) VI – a efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Na justa sequência, o autor ainda afirma: “Nada há, aliás, a impor deva o princípio da
efetiva prevenção de danos ao consumidor ser invocado somente nas hipóteses de haver certeza
da periculosidade ou danosidade do produto”.
O artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, preceitua que é direito básico do
consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
7
Há de se fazer um merecido elogio a Aurisvaldo Mello Sampaio, por sua paixão ao construir suas indignadas e
combativas linhas, justamente no enfrentamento de poder econômico de grande e grave magnitude, a exemplo
daquele detido por empresas como a Monsanto, notadamente pelo perigo coletivo que seus interesses econômicos –
traduzidos em lobby político e resoluções de agências sanitárias – acarretam para a humanidade e para todo o meio
ambiente, agravando a crise ecológica e a emergência socioambiental.
259
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
coletivos e difusos”. E assim, via de regra, quando a doutrina trata dessa prevenção, associa-a as
questões ligadas ao risco de desenvolvimento, a exemplo do autor supracitado. Contudo, é de se
propor uma interpretação extensiva e ampliativa ao instituto legal, considerando que
teleologicamente pretendeu o legislador englobar, nessa prevenção, toda espécie de risco de
acometimento de danos, assim como a ordem de reparação abrange a todas as pessoas e
instituições, órgãos e poderes delegados competentes para efetuar essa reparação.
Retomando as lições de Sampaio (2004, p. 156-157), ao tratar do artigo 6º, VI, ele fala
sobre a efetiva prevenção e reparação de danos, imposta pela Lex Fundamentallis e, ainda que se
refira à questão do risco de desenvolvimento, traduz importante afirmação imperativa: “É preciso
– o quanto possível – preservar o homem dos riscos que a sociedade de consumo lhe impõe, a
fim de que não sacrifiquemos magnos valores humanos em prol de interesses materiais.”
Se, como afirma Sampaio, o artigo 6º, VI, merece interpretação teleológica e extensiva,
ampliando a proteção sobre o consumidor, em razão da sua finalidade social e caráter de natureza
pública, também é possível – e necessário – invocar o artigo 6º, VI, em favor da ideologia da
prevenção de danos em geral, e não apenas daqueles que potencialmente venham a ser causados
pelo risco de desenvolvimento, assim compreendido na esfera da incerteza científica acerca de
possível periculosidade do produto ou serviço.
Na mesma esteira, Agostinho Oli Koppe Pereira (2007, p. 18), afirma que, quando o
“legislador do CDC, no título do Capítulo IV, expressamente fala ‘[...] da prevenção [...]’, mostra
nitidamente sua preocupação com a intenção de não esperar o acontecimento do dano, mas evitálo através de medidas que impeçam seu surgimento”.
Logo, acerca da dimensão coletiva, proposta por Garcia, inclusive para a apreciação do
dano pontual, nas lides individuais, mister se faz, e isto por força de lei, que à responsabilização
civil dos fornecedores seja conferido tratamento judicial especializado também pela ideologia
proposta na política nacional de consumo, consistente com a função preventiva e pedagógica –
que se materializa, especialmente, na dimensão coletiva das relações consumeristas – e,
notadamente, com a efetiva reparação dos danos. Ideologia esta que se revela verdadeira
norteadora de política pública, assim como corrobora Sampaio (2004, p.157): “... o art. 4º, II
[CDC], estabelece como princípio da política nacional de consumo a efetividade da proteção ao
260
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
consumidor, mediante ação governamental. Efetividade que remete ao princípio da prevenção”.
E efetividade que também remete às ações do Estado-Juiz8.
Os riscos, na sociedade de consumo atual, são múltiplos e não apenas decorrentes de
desconhecimento acerca de inerente vício de natureza. Ilustrativamente, relata-se um caso
verídico, ocorrido na segunda semana de janeiro de 2009. Na condição de consumidora, a
presente pesquisadora se dirigiu à sede de um jornal da capital do estado, a fim de publicar um
anúncio de comercialização. Contudo, nesta data foi surpreendida pela existência, no sistema do
jornal, de duplicidade de cadastro, tendo o último sido aberto em seu nome, apenas um dia antes,
a partir de cidade da região metropolitana, conforme acusava o sistema e inclusive fornecendo
endereço de correspondência situado em tal cidade, local absolutamente desconhecido para a
consumidora. Notoriamente se tratava de uso fraudulento de seus dados, que foram aceitos
regularmente pela empresa midiática e, maior desvelo não houve, dado que o cadastro foi aberto,
contudo, nenhum anúncio tinha ainda sido contratado. Ora, é uma evidente falha na prestação do
serviço, ao aceitar a abertura de cadastro baseado em dados de terceiros, sem que se peça
qualquer comprovação de veracidade do alegado. Contudo, como o crédito da consumidora não
chegou a ser utilizado – a gerar cobranças e eventual inadimplência em seu nome –, então, se
levado ao conhecimento judicial a (justa, diga-se) reclamação pela ocorrência, dificilmente
haveria reconhecimento da lesão moral sofrida pela consumidora, provavelmente com base na
teoria do “fato da vida”, “mero aborrecimento” e “dano moral não verificado”. A consumidora
sairia do tribunal ainda mais indignada, sentindo que perdera energia e tempo precioso de vida,
duplamente ressentida pelo descaso que lhe foi dedicado, tanto pela empresa, quanto pela Justiça.
Ainda que, in casu, não tenha havido dano material comprovado, ou seja, não houve
diminuição direta do patrimônio econômico da consumidora, esta foi prejudicada em seu tempo
8
Face das limitações espaciais, não se abordará no corpo do texto o princípio da precaução, teoria que emerge do
Direito Ambiental. Contudo, para que o tema não passe desapercebido, vez que tem sido associado ao Direito do
Consumidor por autores consagrados, a exemplo de Ada Pellegrini Grinover (2007, p. 549), anotem-se as lições de
Sampaio (2004, p. 159), fazendo referência, também, à ausência de pacificidade na denominação do princípio, na
seara ambiental: “Com absoluta precisão, Cristiane Derani considera que o princípio da precaução – assim prefere
denominá-lo a autora – objetiva afastar não apenas o surgimento de danos, mas, sobretudo, o perigo da ocorrência de
tais danos. Através dele, procura-se afastar o próprio risco que determinadas atividades representam para a
existência humana, vale dizer, em caso de certeza do dano, deve-se agir prevenindo, em caso de dúvida – incerteza
quanto ao potencial danoso da atividade –, também é de rigor a atuação preventiva, pois in dubio pro securitate.
Essa foi, saliente-se, a opção ostensiva do legislador do CDC, tanto que arrola, dentre os direitos básicos do
consumidor, a proteção da sua vida, saúde e segurança contra os riscos de fornecimento (art. 6º, I).”. Ora, é lícito
que se estenda o escopo do princípio da precaução também à função preventivo-pedagógica, tanto da própria
responsabilidade civil no trato consumerista, quanto à símile função extraída da natureza dos processos e das
sentenças de cunho indenizatório.
261
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
remunerado, antes destinado a registro de boletim de ocorrência de diligências apropriadas; e, o
fornecedor beneficiou-se economicamente da “flexibilidade prestacional”, dado que perceberia o
preço pelo anúncio efetuado pelo cidadão fraudulento, sem se preocupar com a defesa dos
direitos básicos da consumidora. Assim, é de se perguntar: em qual casa passou a residir o
enriquecimento sem causa?
Em boa conclusão de Ênio Santarelli Zuliani (2006, p. 55/68), somam-se as cumuladas e
dinâmicas necessidades da sociedade de consumo, provocando modificações nas formas do risco
e congraçando as benesses funcionalizadas da responsabilidade civil.
O modelo existencial das pessoas não obedecesse a um padrão rígido; varia de acordo
com as necessidades, ambições, interesses, iniciativas e demais ingredientes filosóficos
e sociológicos que nunca explicam o espírito indomável do homem contemporâneo. [...]
uma coisa, no entanto, é absolutamente certa, isto é, a sua incessante vontade de encarar
desafios, de superar metas e conseguir vantagens patrimoniais [...] o que,
invariavelmente, conduz o homem a envolver-se, direta ou indiretamente, na prática de
uma seqüência de atos e atividades que, aos milhões, agitam a forma de viver em grupo.
As conseqüências inevitáveis dessa intensidade de atos, [...] representam o aumento do
risco de se concretizar dano injusto. O prejuízo espreita [...] aumentando o clima de
insegurança que perturba a todos, indistintamente. A sociedade espera que o sistema
jurídico proteja os homens das ações antijurídicas cometidas por aqueles que são
considerados desagregadores e confia nisso. [...] Ora, se o homem não tem o poder de
evitar que o dano se materialize [...] que providencie, então, medidas que
viabilizem a reconstrução do que foi destruído ou deteriorado, por falha
comportamental. A sociedade festeja a responsabilidade civil, por ela constituir a
fórmula jurídica destinada a remediar o mal que está feito. Ser responsável constitui
uma conseqüência do desígnio de viver, sendo certo que o instituto da responsabilidade
civil exerce, no plano das relações privadas, a função do controle da conduta humana
regular. (g.n.)
Preocupa, portanto, já que ainda se está a falar em riscos – além de se protestar pela
compreensão extensiva do artigo 6º, VI –, que a Teoria do Risco, originalmente o negocial, tem
sido revertida, judicialmente, contra os consumidores. Cabem algumas considerações acerca
dessa inversão do risco, em termos teóricos.
1.1 A INVERSÃO DO RISCO
Romances e transações de consumo nada guardam – espera-se – de comum entre si,
como espécies relacionais, exceto que são atos jurídicos compostos por ao menos dois polos
subjetivos e que provocam naturalmente reflexos jurídicos, ainda que tais efeitos não sejam
diretamente desejados, ou seja, ainda que as partes se relacionem com uma expectativa imediata
diversa da “consciência de provocar um efeito jurídico”.
262
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Contudo, em tais espécies relacionais típicas, podem-se encontrar mais dois pontos
jurídicos em comum, infelizmente de natureza negativa: ambas são relações que trabalham com
os elementos risco e vulnerabilidade, ainda que estes possuem características diversas, sendo, no
consumo, o risco da atividade e, nos romances, o “risco de amor”; bem ainda, justamente a
inversão do risco no tratamento jurisprudencial, para lançá-lo sobre as vítimas dos danos
oriundos do consumo e dos “danos de amor9”.
Muito brevemente, é possível afirmar que o “risco de amor” é uma criação doutrinária de
Ana Cecília Parodi (2007) para designar o típico risco inerente às relações amorosas, o qual se
concretiza na chance do relacionamento não prosperar, na chance de algum dos parceiros sair
magoado, etc; mas, interessa especialmente ao mundo jurídico, ilustrativamente, a chance de
algum dos parceiros ser economicamente lesionado pelo outro, em razão do abuso de confiança
ou os danos à saúde, resultantes do abuso do parceiro no exercício de seu legítimo direito de
romper.
Ainda que extremamente mal quantificado, o dano moral de natureza trabalhista, em tese,
é bem recepcionado pela jurisprudência, não havendo dúvida – novamente, a priori – de que a
lesão emocional provocada por uma demissão abusiva – nem tanto do ponto de vista das justas
causas rescisórias, mas a partir do comportamento do empregador demitente – gera obrigação de
indenizar, imputada sobre a empresa em face do ato do funcionário, em razão do risco da
atividade.
Mas até pouco tempo, a jurisprudência majoritária defendia, sem maior acuidade técnica,
que o dano emocional provocado pelo rompimento abusivo de um relacionamento afetivo não
causava dano indenizável, em razão da “teoria do risco”. E assim, a dita teoria do risco restava
estampada nas ementas judiciais, sem qualquer apreciação mais profunda, no bojo decisório, a
justificar o porquê de se invocar uma teoria de responsabilização objetiva do titular de um
negócio potencialmente perigoso, para, no caso das relações afetivas, imputar o risco contra as
vítimas, fazendo com que estas arcassem com a totalidade da chance de erro e prejuízo da
relação.
Desta sorte, primeiro se faz preciso definir o que venha a ser exatamente esse risco
típico, ou seja, o “risco de amor”, distinguindo-o do risco negocial ou da atividade e, então,
9
O abuso ou violência nas relações amorosas produz as lesões denominadas de danos de amor, especialização
necessária, consideradas as características especialíssimas da sede relacional em que operam.
263
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
questionando a jurisprudência desavisada que “culpava” as vítimas por sofrerem danos
excessivos, os quais iam muito além do “risco suportável” ou dos fatos da vida.
Eram movidos, tais julgadores, certamente pelo preconceito, não cabendo aprofundar,
agora, tal análise. O problema é que o preconceito se repete – em gênero e também em espécie,
no tocante à figura do dano moral – nas indenizações consumeristas, quando se invoca nas
decisões, o perigo do surgimento de uma “indústria do dano moral”, motivada pelo suposto
estímulo que decorreria de uma “quantificação generosa” no arbitramento do quantum
debeatur das lesões não materiais.
Destaque-se, não se trata de problema social aventado nas decisões que condenam os
consumidores por litigância de má-fé, sendo antes uma questão ligada a consumidores a quem
se reconhece razão na procedência do pedido, mas a quem não se pretende estimular (pelo
tempero monetário) a sofrer outros danos ou a se expor ao acometimento destes.
Eis uma equação curiosa: resta reconhecido que o consumidor sofreu a lesão, logo o
fornecedor é responsabilizado, mas a teoria do risco, na verdade, é invertida contra o
consumidor, este “vil ator econômico” que sofreu o dano com a “exclusiva finalidade” de se
locupletar financeiramente da indenização. E eis revertida também a presunção da boa-fé.
É de se repudiar a grave violação do espírito da política nacional de consumo, pretendida
pelo legislador do Código de Defesa do Consumidor, revelando problemática de efetividade
judicial. Sobre a importância da teoria do risco da atividade, ensina José Augusto Garcia (1998,
p. 99):
É dizer: os riscos do negócio de consumo, deixando de recair sobre os ombros do
consumidor, passam a onerar o fornecedor o que inclui, evidentemente, o risco de
indenizações mais substanciais. Além disso, quaisquer dúvidas, inclusive quanto ao
valor da indenização, devem favorecer o consumidor. A parte mais fraca, a vítima, não
pode ser duplamente prejudicada. O próprio Código Civil [1916], a propósito, já dispõe
[dispunha] em seu art. 948 (infelizmente não muito explorado): “Nas indenizações por
ato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado”.
A racionalidade jurídica e econômica, que fornece parâmetros científicos para que se
compreendam parte das razões que levam os fornecedores a optarem por escolhas empresariais
eficientes, do ponto de vista econômico, mas altamente prejudiciais, do ponto de vista social e
ambiental, pode ser extraída a partir dos pressupostos da Análise Econômica do Direito em
diálogo com a Teoria dos Jogos, demonstrando a importância dos principais instrumentos
impositivos que, em sua parcela de atuação, cooperam para esse processo de tomada de decisão,
264
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
a saber, a lei, a norma autorregulada e as sentenças judiciais, todas relevantes fontes
informativas, no “jogo legal e empresarial”10.
2 A FUNÇÃO PROFILÁTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Considerando o tema proposto à investigação, para que o Direito, ou mais especialmente,
a Responsabilidade Civil, exerça sua função preventiva e caráter pedagógico, na sociedade de
consumo, é vital que os instrumentos de informação normativa sejam claros, transparentes e
expressos, acerca dos ilícitos, em descrição, punição e, quiçá, dosimetrias e recompensas (a
exemplo das sentenças penais, que são um virtuoso mecanismo de informação social da efetiva
punição e recompensa das condutas), e que este sistema seja efetivamente reconhecido e
valorizado pelo Poder Judiciário, concretizando-se na boa aplicação dos preceitos, a ponto de
enviarem satisfatória mensagem à sociedade, não apenas de reparação dos casos concretos, mas
de efetiva repressão dos ilícitos em potencial, desestimulando, os cidadãos, de errarem.
Em suma: não apenas a autorregulação do mercado e as leis, mas as sentenças judiciais,
notadamente as do campo indenizatório, são hábeis indutoras de comportamento, cada qual com
sua parcela de atuação e próprias consequências em face de suas violações.
Conforme ensinamento de Ricardo Luis Lorenzetti11 (2003, p. 74-75), em livre tradução
da pesquisadora: são objetivos da responsabilidade civil: a prevenção [...] o ressarcimento [...] [e]
a punição. Acerca da função preventiva, resume Lorenzetti (2003, p. 74)12:
10
Convém registrar uma explicação do que vem a significar a expressão “socialização do dano”, também
identificada na doutrina por “socialização do risco”, considerando que tal expressão será adotada por alguns autores
citados adiante. Emprestando a lição da autora lusitana Paula Lourenço (2006, p. 15): “A socialização do dano
corresponde à assunção do escopo reparatório do dano por sistemas que garantam o pagamento da indemnização ao
lesado, quer se trate de sistemas estaduais, de segurança social, da criação de Fundos de Garantia ou da celebração
de contratos de seguro por entidades privadas (cfr. GENEVIÉVE VINEY, Le déclin de la responsabilité
individuelle, Paris, L.G.D.J., 1965., Títulos I e II, e Traité de Droit Civil – Introduction à la responsabilité (sous la
direction de Jacques Ghestin), 2ª ed., Paris, L.G.D.J., E.J.A., 1995, pp 23 e ss., maxime pp. 57-80 e 94-111)”.
11
No original: “son objetivos de la responsabilidad: La prevención […] El resarcimiento […] [e] La punición”.
12
No original: Esta denominada “Tutela inhibitoria” consiste em uma seria de acciones (medidas cautelares
inhibitorias, daños punitivos etc.) destinadas a actuar antes que el daño se produzca. Modifican el elemento central
de la responsabilidad, que está basada en el daño, para actuar con anterioridad, ante la mera amenaza, lo cual
importa reconstruir uno de los principios básicos del sistema: “no hay responsabilidad sin daño”. O se considera que
la tutela es una rama diferente, o bien se la considera incluida dentro de la responsabilidad, que no será solamente
por daños, sino genérica: responsabilidad civil. […] Actualmente proponemos proveer de instrumentos inhibitorios,
para la defensa de los derechos fundamentales, dentro de los que encuentra la protección del consumidor, del
ambiente, de la persona. Essa tutela preventiva, es ampliamente reconocida y aplicada em la jurisprudencia en
Argentina y en Brasil. La tutela inhibitoria tiene finalidad preventiva, ya que el elemento activante es la posibilidad
de un ilícito futuro; es la amenaza de violación.
265
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Esta denominada ‘tutela inibitória’ consiste em uma série de ações (medidas cautelares
inibitórias, danos punitivos, etc.) destinadas a atuarem antes que o dano se produza.
Modificam o elemento central da responsabilidade, que está baseada no dano, para atuar
com anterioridade, perante a mera ameaça, o qual importa em reconstruir um dos
princípios básicos do sistema: ‘não há responsabilidade sem dano’. Ou se considera que
a tutela é um ramo diferente, ou bem se considera incluída dentro da responsabilidade
civil, que não será somente por danos, sendo genérica: responsabilidade civil. [...]
Atualmente, propomos prover de instrumentos inibitórios, para a defesa dos direitos
fundamentais, dentro dos quais se encontra a proteção do consumidor, do ambiente, da
pessoa. Essa tutela preventiva é amplamente reconhecida e aplicada na jurisprudência
da Argentina e no Brasil. A tutela inibitória tem finalidade preventiva, já que o elemento
atiço é a possibilidade de um ilícito futuro; é a ameaça de violação.
Lorenzetti (2003, p. 75) continua sua exposição, dizendo que esse dado normativo lhe
confere algumas características especiais, dentre elas13, especialmente, que prescinde da
verificação do dano, sendo suficiente, a mera ameaça; bem ainda, que a culpa não ganha maior
relevância, dada a impossibilidade de avaliação do elemento subjetivo. Informa, ainda, que tem
ganhado relevo a tutela do dano moral – campo onde o tema, segundo o autor, tem obtido maior
desenvolvimento – e que se refira a bens infungíveis, por serem estes os que mais carecem,
intrinsecamente, da necessidade de prevenção.
E na sequência, expõe as funções ressarcitória e punitiva (LORENZETTI, 2003, p. 75),
informando, sobre a primeira, que consiste em uma “série de dispositivos” voltados a efetivar o
ressarcimento da lesão, mediante um feito imputável ao agente. E, acerca da função punitiva,
remete às origens do instituto responsabilizatório, cuja finalidade era de sancionar a culpa de ato
moralmente censurável, tendo ganhado pouco relevo ao longo dos anos, mas voltando à cena,
nos últimos tempos, especialmente naqueles âmbitos em que a ideia de “pena civil” serve para,
em livre tradução da pesquisadora: “censurar condutas repreensíveis, como os danos ambientais,
os causados por produtos elaborados [na perspectiva do risco de desenvolvimento] e em geral, os
danos em massa”14.
É possível afirmar que a função social da Responsabilidade Civil reside no
apaziguamento social e no estabelecimento de freios inibitórios às condutas humanas ilícitas –
13
Vital citar, ainda, as seguintes características: “b) El acto ilícito se caracteriza normalmente por una actividad
continuativa, o bien por uma pluralidad de actos susceptibles de repetición, o bien por la inminencia de un acto
ilícito. Este elemento es necesario porque hace a la posibilidad de prevenir; c) La acción ilícita debe ser susceptible
de ser detenida en sus efectos futuros, ya sea evitando que se produzcan nuevos daños o disminuyendo el ya
producido”.
14
No original: “censurar conductas represensibles, como em los daños ambientales, los causados por productos
elaborados, y em general, em los daños massivos”
266
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ideologia distante da novidade. O caráter de pedagogia da indenização tem sido amplamente
reconhecido pelos Tribunais Superiores, atuando tanto na coibição dos danos atuais pela
apreciação do caso concreto, quanto na prevenção de danos futuros, através do exemplo
noticiado à sociedade, haja vista que o cidadão, antes de cometer o abuso, resta bem alertado das
consequências jurídicas de seus atos. Ora, uma vez praticados os ilícitos, estes não apenas violam
o direito da vítima, mas colocam em risco a estabilidade de toda a sociedade15; assim, a função
social da Responsabilidade Civil é composta, casuisticamente, pela reparação das relações, e
panoramicamente, tanto por este reequilíbrio, que é percebido por toda a sociedade, quanto pelo
evitamento dos danos, na prevenção de ilícitos, o que se realiza pela boa construção legislativa e
transparência das leis (e dos instrumentos autorregulatórios), bem como pela efetividade da
resposta judicial ao descumprimento do preceito, atuando segundo o caráter pedagógico – e logo,
também profilática – da obrigação de indenizar16.
Certamente que a função profilática da Responsabilidade Civil e o caráter pedagógico das
sentenças existe e é de vital importância para todo e qualquer tipo de demanda indenizatória,
independentemente da natureza do vínculo que una aos demandantes. Mas, no tocante à seara
consumerista, e notadamente no trato dos danos morais – porque estes não toleram tabelamento e
nem sempre comportam prova cabal –, seus efeitos são mais facilmente visualizados e sua
importância mais facilmente compreensível.
A evidenciar a correlação entre a função social da Responsabilidade Civil, seu caráter
profilático e a indução comportamental dos agentes em potencial, no afunilamento investigativo,
o empresário, equiparado a fornecedor, no exercício da relação de consumo também será afetado
pelo sistema de responsabilização civil, e será em razão da possível – e previsível – recompensa
ou sanção, que tomará suas decisões negociais, escolhendo logicamente aquilo que lhe viabilize
maior lucro, ou seja, melhor eficiência econômica, denotando, desta forma, que os instrumentos
regulatórios e autorregulatórios exercem direta influência econômica sobre o desenvolvimento da
sociedade. Afinal, o empresário exerce seu direito à livre iniciativa motivado pela obtenção de
lucros; bem ainda, tendo pessoa física e jurídica suas ações reguladas por lei, deverá – ou
idealmente deveria – coordenar tal obtenção de lucros segundo os limites de lei.
15
A qual, conforme visto em capítulos anteriores, é codependente e interligada, ainda que tal sentido tenha se
desvanecido em parte, na contemporaneidade globalizada.
16
Bem como, das próprias sentenças judiciais, em gênero.
267
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Porém, na prática, a teoria econômica comprova que o empresário, via de regra, atuará
não conforme ideais éticos ou morais e sim de acordo com a melhor vantagem financeira
obtenível in casu; e isto mesmo que sua conduta esteja em desacordo com a legislação ou com os
parâmetros
do mercado, desde que a potencial repercussão
financeira do ilícito
proporcionalmente compense a assunção do risco legal ou mercadológico. Em palavras simples,
equivale a pagar não “pelo erro”, mas “para errar”, elidindo, assim, qualquer efeito pedagógico
implícito na correção estatal ou dos órgãos administrativos17.
Assim, a função social da responsabilidade civil afeta à parte e ao todo, pois, como ensina
Bobbio (2007, p. 104), o próprio direito possui função para com o sujeito e para com a
sociedade.
Paula Meira Lourenço (2006, p. 15-16), autora lusitana da relevante obra “a função
punitiva da responsabilidade civil”, afirma:
Indagar da função punitiva da responsabilidade civil, numa época em que se assiste à
objectivação da responsabilidade civil, à socialização do dano, sendo maior a
preocupação com o ressarcimento do lesado, e colocando-se num plano secundário a
responsabilização do lesante, pode parecer um “anacronismo”, ou uma idéia retrógrada.
No entanto, parece-nos que a socialização do dano agudiza o interesse pela investigação
de outras funções da responsabilidade civil, pois a absorção da função reparatória deste
instituto de Direito civil por sistemas de garantia acaba por colocar em risco a sua
subsistência, caso se entenda que a responsabilidade civil depende, em exclusivo, do
escopo ressarcitório. A reflexão acerca da ilicitude e da culpa do agente e,
consequentemente, acerca do escopo preventivo e punitivo da responsabilidade civil,
não deve ser entendida como o renascimento do sistema de vingança privada. Este
precipitado pré-entendimento poderá, eventualmente, ter sido o responsável pela actual
hipertrofia e ineficácia do Direito Penal e do Direito contra-ordenacional, no seio dos
quais se tenta enquadrar novos ilícitos e “ilícitos mistos”, respectivamente, sem antes se
esgotarem todas as potencialidades do instituto da responsabilidade civil, maxime a sua
função punitiva. Ao supra exposto acresce a insuficiência da obrigação de indemnizar
no seio do Direito Civil, pois sendo limitada pelo dano, a indemnização não
desincentiva a violação do direito, a prática da conduta ilícita e culposa, nem pelo
próprio, nem por terceiros. Assim, importa verificar se o comportamento especialmente
grave do lesante, ou a racionalidade puramente económica que subjaz à sua actuação,
não permitirá a adoção de medidas com uma finalidade preventivo-sancionatória, como
seja o aumento do montante a atribuir ao lesado, ultrapassando-se o limite do dano
causado imposto pela visão clássica da obrigação de indemnizar (partindo do princípio
que conseguimos “quantificar” o dano). Talvez tenha chegado o momento de abandonar
o dogma da limitação do montante pecuniário a atribuir ao lesado, ao dano sofrido, que
surgiu com o desenvolvimento do Direito canónico na Idade Média, e a proibição da
usura, ou seja, um contexto que foi actualmente ultrapassado pelos novos desafios que a
Ciência do Direito enfrenta.
17
Aqui considerados mesmo aqueles de natureza não-estatal, tais como organizações, associações, federações, da
indústria e comércio, aonde, eventualmente, o empresário pudesse ser “condenado” ética e/ou administrativamente,
por seus pares e/ou consumidores.
268
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Monteiro Filho (2000, p. 153-154) reafirma a ideia da função pedagógica, contudo anota
que, acerca da função punitiva, esta entraria em cena, segundo o autor, quando o caso não se
tratar de responsabilidade objetiva, a qual não exclui o dano moral, contudo não aprecia a
malignidade de conduta.
Por outro lado, se ilícita a conduta causadora do dano, ganha lugar a punição; de
maneira que quanto maior o grau de culpa, ou mais forte a intensidade do dolo, maior
deverá ser a sanção correspondente. É da própria essência da reparação do dano moral
essa flexibilidade. E, completando o raciocínio, em busca da eficiência da punição,
perquire-se a capacidade econômica do agressor: o valor da condenação deve,
igualmente, servir de desestímulo a repetições de atos do gênero; cumpre função
pedagógica não somente em relação ao próprio como também a toda a coletividade, que
se torna sabedora das conseqüências de eventual violação das normas, podendo adequar
sua conduta aos objetivos. Resta o caráter punitivo, destarte, situado no plano da
quantificação e indissoluvelmente associado à idéia de culpa.
Em que pese a consideração ao doutrinador, é discutível seu posicionamento, porque,
afinal, as demandas por responsabilidade objetiva também não apreciam a culpabilidade, mas
não que tal elemento inexista, sendo apenas não apreciado. Mas, esse mesmo ilícito pode
decorrer de um ato ao extremo malévolo e de dolo deliberadíssimo, o qual, contudo, por força da
desnecessidade, deixou de ser analisado pelo julgador. Mais uma vez se percebe a importância de
que os julgadores sejam diligentes e aplicados ao prolatar suas sentenças, bem apreciando o caso
concreto e construindo com verdadeira tecnicidade suas apreciações acerca da conduta do réu e
bem correlacionando com o quantum arbitrado, a demonstrar de que forma a primeira induziu ao
segundo, se importando em atenuantes ou agravantes, a exemplo do que se opera em sentenças
criminais, nas dosimetrias de pena. Inclusive, em linha semelhante, afirma Ugo Mattei 18 (1999,
p. 378), após comentar que o dano punitivo é figura recorrente da common law e tratando da
efetiva possibilidade de sua aplicação no direito românico, sem excluí-la, contudo, das hipóteses
objetivas, em livre tradução da pesquisadora:
Tais danos punitivos são, de fato, reservados à linha do princípio dos casos de dolo:
quando o réu agiu intencionalmente [deliberadamente] para prejudicar a vítima:
violência, fraude, etc. Em algumas hipóteses, na América, estes danos punitivos são
também concedidos pela culpa grave com que o réu seu para com a segurança pessoal
da vítima.19.
18
E coautores.
No original: Tali danni punitivi sono, infatti, reservati in línea do principio a casi di dolo: quando cioè il
convenuto ha agito intenzionalmente per recare danno alla vittima: violenza, frode, ecc. In alcune ipotesi in
America questi danni punitivi sono concessi anche per la colpa grave com cui il convenuto abbia trattao la
sicurezza personale della vittima.
19
269
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
Ora, é apenas questão de ser apontada a dolosidade da conduta, processualmente e na
peça vestibular, pelo patrono da causa.
Paula Lourenço tratou da “função punitiva”, mas justamente por ter em vista o impacto
social, comunitário, produzido pela Responsabilidade Civil, e mais especificamente pelos danos
morais, é que José Augusto Garcia, focado no princípio da dimensão coletiva das relações de
consumo, questiona a genuinidade desse qualitativo, preferindo “falar, mais apropriadamente, em
uma função preventivo-pedagógica para os danos morais, a qual se mostra intimamente
conectada ao tema da coletivização jurídica”. Aliás, vale registrar o posicionamento do autor:
(GARCIA, 1998, p. 95)
De fato, em conflitos meramente intersubjetivos, a aludida função preventivopedagógica pouco tem a brilhar, mormente porque se trata, em regra, de lides
individuais, não habituais, não profissionais. Tudo muda de figura, entretanto, quando
estamos diante de conflitos carregados de dimensão coletiva (o que abarca, logicamente,
aquelas disputas que, apesar de aparentemente individuais, são, recobertas por uma
infalível sombra coletiva). E são exatamente essas as pendências inerentes à sociedade
de massa, que povoam o reino das relações de consumo.
Respeitando-se a opinião do douto jurista, é de se dizer que, conquanto a função
profilática seja mais visível nos aspectos coletivos das relações – e por isso é associada à
realização da responsabilidade social e ambiental e do desenvolvimento da inteira comunidade –
mas é também percebida nas relações individuais, se considerado o potencial de reincidência da
conduta danosa, ocorrendo entre as mesmas partes, notadamente nas relações consumeristas de
prestação continuada de fornecimento, a exemplo do setor de telefonia e serviços essenciais,
supermercados e farmácias (especialmente aqueles que abastecem aos bairros), dentre outros.
Não havendo estímulo à prevenção ou mesmo um compelimento à correção comportamental, é
bastante provável que o mesmo fornecedor reclamado lesione o mesmo consumidor
anteriormente reclamante, e talvez pela mesma causa de pedir, em novo fato lesivo. Ora, qual é a
esperança, afinal, de um usuário da telefonia celular, que já reclamou da péssima cobertura de
sua operadora, de ver, em curto prazo, a melhoria na prestação do serviço? Ou de ver maior
transparência na descrição de sua utilização dos créditos pré-pagos? E para aquele cidadão de
classe média com pouco poder de escolha, consumidor da grande rede de hipermercados, que
toda semana depende do fornecimento de tal abastecedor para seu suprimento de carnes, mas que
adquire, por exemplo, um frango de péssima qualidade e ainda que reclame, constantemente,
270
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
para a gerência da loja, quais as chances de que a rede altere sua política de compras e/ou
armazenamento? E que condições pessoais possui de alterar seu hábito de consumo, para passar
a comprar em um estabelecimento de maior preço e melhor qualidade?
A injustiça social é impactante!
Ênio Zuliani (2006, p. 70), magistrado que é, demonstra, com apoio em Fernando de
Noronha (2003, p. 442), alguma descrença acerca do caráter pedagógico das sentenças, citandose o seu posicionamento, contudo, registrando que a doutrina majoritária favorece à função
educativa, o que a própria notoriedade empírica é capaz de comprovar.
Todas essas virtudes que dotam a sentença bem executada contribuem, de maneira
decisiva, para prevenir a ilicitude. Escrevi anteriormente que as sentenças são armas de
conscientização social porque combatem a cultura da transgressão, reprimindo essa
onda perigosa fundada na idéia de que tudo é permitido para lucrar, para alcançar
celebridade, para ser visto, notado e admirado (não necessariamente, respeitado). A essa
função sublime das sentenças, como se fossem vocacionadas para despertar noções de
cidadania produtiva, do viver de maneira honesta, sem lesar a outrem, conceitua a
doutrina como de natureza “preventiva ou dissuasora”, que “às vezes também é
chamada de “educativa”, mas parece que, com ela, o que se pretende não é propriamente
ensinar o homem a comportar-se melhor; é simplesmente coibir comportamentos
danosos”.
Contudo, o mesmo autor (ZULIANI, 2006, p. 72) se mostra mais otimista, ao colacionar
a posição do ex-ministro do STF, Djaci Alves Falcão (1959, p. 313):
A responsabilidade civil não se prende exclusivamente à concepção material da
reparação, visto que também está vinculada a fins sociais, às exigências do bem comum.
Ela se afirma como necessidade de controle de conduta, a fim de que o homem não se
desligue das formas normativas do Direito. Por isso mesmo, nos entrechoques dos
textos legais, o seu aplicador não deve e nem pode abandonar aquele que melhor atende
à solidariedade social. Esse valor jurídico, entre nós, já se incorporou à codificação. Está
expresso no art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil: ‘na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’.
Em suas conclusões, Zuliani (2006, p. 69) trata dos efeitos da sentença sobre o agente
lesionador, revelando, ainda que não se afilie diretamente, simpatia pela função pedagógica:
Há um outro resultado prático que se concretiza ao se encerrar o conflito. O autor da
reclamação indenizatória se satisfaz com a justiça aplicada, enquanto o ofensor, mesmo
inconformado com a coisa julgada executada, absorve, de boa ou má-vontade a lição
que o conteúdo normativo do julgado propaga na comunidade. Poderá ser dito que um
agente penalizado pela ordem civil nunca será igual, após cumprir a sentença
condenatória, pois o efeito do pagamento forçado que o Estado lhe impôs, como
resposta pela transgressão, ativa-lhe o cérebro, como se fosse um tônico contra perda de
271
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
memória, de efeito prolongado. Errar sempre é um ultraje à inteligência 20, pelo que se
acredita que a condenação integra a cartilha da escola que prepara o cidadão para uma
atuação diligente, um crédito para a difícil arte de convivência entre os iguais, que são
incrivelmente diferentes.
Retomando a questão da aplicação da função profilática nas relações de consumo, locus
jurídico que certamente lhe aumentam o relevo em razão de sua dimensão coletiva, é
fundamental manter em vista que, nas palavras de Garcia (1998, p. 98), “as atenções devem
recair sobre a conduta do ofensor e os danos por ele causados, ou ameaçados” – em privilégio à
prevenção. Ada Pellegrini Grinover preceitua (2007, p. 549):
Nos termos do art. 95, porém, a condenação será genérica: isso porque, declarada a
responsabilidade civil do réu, em face dos danos apurados por amostragem e perícia, e o
dever de indenizar, sua condenação versará sobre o ressarcimento dos danos causados e
não dos prejuízos sofridos. Trata-se de um novo enfoque da responsabilidade civil, que
foi apontado como revolucionário e que pode levar a uma considerável ampliação dos
poderes do juiz, não mais limitado à reparação do dano sofrido pelo autor, mas investido
de poderes para perquirir do prejuízo provocado.
A pertinência do estudo das funções da Responsabilidade Civil, a exemplo das lições de
Lorenzetti supracitadas, ganha maior relevo em razão do crescimento da demanda por danos de
natureza irreparável21, importando, para a presente investigação, especialmente os danos morais,
cuja satisfação judicial também possui função social específica.
3 O SUPORTE DA RACIONALIDADE TEÓRICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO E DA TEORIA DOS JOGOS
Como diz Fabiana Castro (2002, p. 132), “a consciência dos efeitos nefastos de uma
escolha implica na comparação entre as vantagens da ação ou da abstenção e seus
inconvenientes”. O referido padrão comportamental do empresário22, bem como a influência
econômica das sentenças judiciais e dos instrumentos autorregulatórios23, encontram explicação
teórica na Análise Econômica do Direito, mais especialmente no campo da Teoria dos Jogos,
20
Ainda que se admire a noção de perfeição do magistrado, quer parecer que melhor caberia o uso da expressão
“causar dano”, em lugar do vocábulo “errar”, haja vista que, literalmente, errar é humano, inerente à condição da
existência humana, não estando, infelizmente, pessoa alguma, livre dos tropeços.
21
Neste sentido, Paula Meira Lourenço: A função punitiva da responsabilidade civil. Coimbra, 2006.
22
Ora se trata do empresário, mas, em verdade, toda pessoa, física ou jurídica, tende a agir de acordo com aquilo que
possa lhe trazer maior benefício, ainda que a recompensa não seja necessariamente financeira, mas intangível, seja
no campo negocial ou relacional.
23
Sendo estes, efetivamente, o objeto de investigação desta dissertação, pontuadamente, não se analisando,
diretamente, a qualidade da letra da lei e a atuação dos órgãos administrativos.
272
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
notadamente considerando que se tratam de fontes de informação vigorosas para o deslinde da
“etapa do jogo”, as quais também serão afetadas pela necessidade de transparência, de tal sorte
que todas as partes envolvidas tenham efetiva ciência das informações que influenciam a rodada.
Corroborando a importância não apenas da sanção ao ilícito, mas da premiação ao
comportamento socialmente desejável, registrem-se as palavras de Norberto Bobbio (2007, p.
XII), acerca da função promocional do Direito:
Entendo por ‘função promocional’ a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das
‘sanções positivas’, isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de
‘incentivos’, os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim precípuo
das penas, multas, indenizações, etc., assim, a ‘promover’ a realização de atos
socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve e
continua a ter no Estado contemporâneo: uma extensão em contínua ampliação, a ponto
de fazer parecer completamente inadequada, e, de qualquer modo, lacunosa, uma teoria
do direito que continue a considerar o ordenamento jurídico do ponto de vista de sua
função tradicional puramente protetora (dos interesses considerados essenciais por
aqueles que fazem as leis) e repressiva (das ações a que eles se opõem). A percepção
dessa mudança obrigou-me a voltar o olhar para um problema que fora um tanto
negligenciado pela teoria tradicional, qual seja, o problema da função do direito [...]
Luciano Timm24 (2006, p. 204-209) – após expor, em breves linhas, os modelos de ordem
econômica constitucional liberal e social –, analisa, a partir da regulação da economia pelo
Direito, em qual contexto a importante Função Social do Direito “melhor se perfectibiliza”. E
para isso, o autor propõe a escolha de um método, que também será de utilidade para esta
investigação. Extrai-se (TIMM, 2006, p. 204-205):
Ao nosso ver, a melhor ferramenta de análise das instituições jurídicas é a escola do
Direito e Economia (em qualquer uma das suas matizes, seja fundada no ‘eficientismo’
de Posner, seja no ‘institucionalismo’ de North e Williamson). Isso porque, como já foi
dito aqui, aproveita-se do referencial teórico da Ciência Econômica, que tem se
mostrado mais evoluída do que outras ciências sociais, ao menos do ponto de vista da
comprovação teórica e empírica de seus modelos.
A respeito da Análise Econômica do Direito e sua relevância para a compreensão dos
processos decisórios e estratégicos empresariais, extrai-se:
As teorias ou, com entendem alguns, o movimento de Direito e Economia proporciona
um novo olhar sobre as relações entre estruturas, instituições, teorias e práticas
24
Desde já, compete assinalar que, com o maior respeito às brilhantes produções científicas de Luciano Benetti
Timm, adotam-se as suas conclusões com parcimônia, e isto não por crítica à sua metodologia ou capacidade
intelectual, mas, antes, por não se poder aprofundar diferenças fundamentais de seu pensamento em comparação
com o de outros juristas privatísticos humanistas. Por isso, vale dizer que o empréstimo de linhas doutrinárias de
Timm não importa em concordância integral com seu ponto de vista.
273
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
econômicas, jurídicas e de gestão empresarial, sinalizando para novas abordagens e
soluções para a promoção do desenvolvimento sustentável, uma vez que trazem à tona a
necessidade de compreensão de cada uma destas ciências para uma atuação mais
efetiva, uma vez que leva em conta a realidade e os valores que motivam os atores
econômicos, jurídicos e os gestores de empresas [...] Como preceitua Elizabeth Farina:
No entanto, a compreensão das relações entre justiça e eficiência vai se tornando cada
vez mais premente. O arcabouço legal e seus instrumentos de enforcement fornecem um
conjunto de incentivos aos tomadores de decisão econômica, definem estratégias e têm
efeitos não triviais sobre a eficiência econômica. Arranjos institucionais não são neutros
em relação ao uso dos recursos econômicos, como gostariam os economistas para
justificar modelos que não contemplam tais especificidades. Decisões judiciais que
buscam fazer justiça desdobram-se em efeitos sobre a eficiência econômica.
(BORTOLI, 2008, p. 1885)
Pinheiro e Saddi (2005, p. 88-89) auxiliam na tarefa de reunir as três principais
premissas, pacificamente definidas doutrinariamente, que servem de base para que se opere o
silogismo e obtenção das conclusões jurídicas de acordo com os parâmetros econômicos.
Prima facie, o homem age racionalmente, em prol da maximização de suas vantagens; ele
empregará esforços para conseguir mais satisfação ao menor custo. Dopo, no processo da
escolha racional, levará em conta o “sistema de preços”, comparando incentivos para a conduta
comissiva e o potencial de sanção da violação do preceito, sopesando se esta última é superior ou
inferior ao potencial de resultado esperado. Ou seja, o homem se questiona se vale a pena violar
a norma, agindo conforme o melhor resultado econômico, e não moral. Por fim, as regras legais
funcionam como incentivos ou inibidores sociais das condutas25.
Em razão da primordial relevância científica, serão vistos, agora, alguns conceitos
fundamentais para a compreensão da Análise Econômica do Direito (AED), a saber: a escolha
racional, a eficiência, as falhas de mercado e os custos de transação.
A escolha racional se refere ao “atuar racionalmente”, maximizar o fruto das decisões. A
eficiência, por sua vez, está intimamente ligada à escolha racional e maximização, parte do
pressuposto de que as demandas são maiores do que a existência de bens apreciáveis, dada a sua
escassez, tornando-se imprescindível a melhor alocação dos bens para suprir a maior quantidade
possível de demandas racionais.
25
A Análise Econômica do Direito não é o fio condutor científico deste artigo, sendo antes trazida à baila com a
finalidade de marco teórico racional, para justificação jurídico-econômico-científica do comportamento empresarial,
diante do sistema de ônus e bônus propostos pelo Estado (Lei e Juiz). Assim, até mesmo por limitação espacial,
apenas os tópicos específicos essenciais estão sendo consignados, e exclusivamente com a finalidade de
proporcionar melhor compreensão da temática exposta e, naturalmente, das conclusões investigativas pretendidas.
Contudo, não se trata de apresentar uma “análise econômica” do tema pesquisado, pois, parafraseando as lições
dadas em aula pelo Prof. PhD Alexandre Ditzel Faraco, “nada foi calculado, nada foi mensurado, portanto, nada foi
analisado economicamente”.
274
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
A respeito da eficiência das escolhas, trata o autor lusitano Vasco Rodrigues (2007, p.
26):
Saber o que é melhor é, evidentemente, uma questão controversa: todos podemos ter
opiniões pessoais sobre aqueles assuntos. A Economia tem procurado instrumentos
teóricos que lhe permitam responder a estas questões formais de forma positiva, sem
que os valores pessoais de quem aprecia a situação interfiram no julgamento efectuado.
Os conceitos que mais se aproximam deste ambicioso propósito são os de melhoria de
Pareto e óptimo de Pareto.
Conquanto os pressupostos econômicos e as diversas definições academicamente
alinhadas não sejam o objeto central do presente estudo, também é relevante fazer menção ao
princípio do Ótimo de Pareto, com o auxílio de Richard Posner (2000, p. 21) e Rachel Sztajn
(2005, p. 76). Diz o primeiro que, uma transação superior, no sentido de Pareto, é aquela que
melhora a situação de ao menos uma das pessoas envolvidas na relação econômica, sem piorar a
situação da outra. Rachel Sztajn registra a crítica que se faz ao critério, porque depende da
alocação inicial da riqueza (a ser transferida para quem lhe dá maior valor) e porque não induz as
pessoas a revelarem suas preferências qualitativas. Rachel Sztajn também alude à concepção de
Kaldor e Hicks, quem, partindo de modelos de utilidade, sugerem que as normas devem ser
desenhadas de maneira a gerarem o máximo de bem-estar para o maior número de pessoas. Mas,
como a realidade da vida é um jogo de ganha-perde e perde-ganha – o Universo oscila entre o
caos e a ordem, independente dos postulados das Ciências Sociais Aplicadas – surge de aluvião a
necessidade de compensação entre os entes. Portanto, em sua concepção, a disputa pela alocação
de recursos resulta em que o proveito para os vencedores lhes permita compensar os perdedores,
a despeito de que realmente assim o façam.
Por lógico, a ratio da eficiência – a qual possui cunho econômico e não se pretende a se
preencher de racionalidade ética ou moral –, aplicada à tomada de decisão empresarial, pode
levar ao cometimento de injustiças sociais e econômicas, se praticada divorciadamente da
proteção dos objetivos republicanos. Na práxis jurídica, temas como a justiça distributiva ou
comutativa virão à baila. Daí a importância crescente de nortes imutáveis, como o art. 170, CF
c/c 3º e 5º, CF, que impõem a promoção da dignidade da pessoa humana como valor fundante – e
não periférico – do exercício da livre iniciativa.
As falhas de mercado são os impedientes de que todas as relações econômicas possam
alcançar a melhor eficiência apenas pela transação entre os agentes. Classificáveis como
275
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
assimetria de informações, existência de poder econômico, bens públicos e externalidades 26. Sua
consideração e dirimência pela norma impendem em intervenção estatal, dividindo os pensadores
quanto à oportunidade de tal participação do Estado, sobre o que, posiciona-se o presente
trabalho, na Escola Moderada. As falhas serão tratadas juntamente com a Teoria dos Jogos.
Por fim, os custos de transação27 são fricções típicas da práxis das relações contratuais.
Emprestando a classificação de Cooter e Ulen (2010, p. 120-124), são os custos para o
intercâmbio e se dividem em custos de busca (prospecção do parceiro de troca, seja um
consumidor ou fornecedor), custos de arranjo e acordo (despesas da negociação e formalização
instrumental, inclusive advogados e cartórios, informações de mercado – sobre o público
consumidor, fornecedor e, até mesmo, sobre o comportamento legislativo e jurisprudencial) e
custos de execução (regular, a exemplo do financiamento bancário e correlatas taxas, ou forçosa,
a exemplo das custas processuais). Outros autores fornecem diferentes classificações 28, mas a
fórmula apresentada é suficiente para o embasamento teórico proposto.
Conclui-se, preliminarmente, que a negociação de bens e serviços depende do sistema de
preços, mas também do sistema legal, cujo ambiente causa impacto direto nos custos de
transação e, consequentemente, no processo decisório dos agentes econômicos, dado que a
empresa é gerida sob o prisma da engenharia dos custos de transação.
Guido Calabresi, professor da Universidade de Yale, no artigo Some toughts on risk
distribution and the law of torts, estabeleceu marco teórico da Análise Econômica do Direito em
diálogo com a Responsabilidade Civil.
Este cotejo surte efeito direto nos custos de transação, por variadas formas, notadamente no
custeio judicial dos danos provocados e pela prevenção dos acidentes, constituindo-se em objeto
de estudo da eficiência, a ponderação entre prevenir ou assumir o risco legal. Assim, pela teoria
da Law and Economics, viabilizar o incentivo à prévia diligência, ou seja, tornar eficiente a
precaução sobre o lesionamento, compete a quem dita as cifras do sistema de sanção e
26
Registre-se a lição de Mankiw (2010, p. 208): “uma externalidade é o impacto das ações de uma pessoa sobre o
bem-estar de outras que não participam da ação. Se o impacto for adverso, é chamada externalidade negativa, se for
benéfico, é chamado externalidade positiva”.
27
Reputados como objeto de estudo da Escola Neo-Institucionalista.
28
Os custos de transação são peça-chave do Teorema de Coase, segundo qual, se os direitos de propriedade foram
devidamente assinalados e se o custo de transação for igual a zero, as partes vão sempre negociar até obter um
resultado eficiente, a despeito da forma como os direitos de propriedade forem estabelecidos a princípio
(PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 91).
276
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 34 - Responsabilidade da Empresa e Cidadania Empresarial
recompensa. Verdade é – aquém a finalidade econômica – que a política legislativa é aliada
da prevenção e repudia o dano. Dependesse exclusivamente, portanto, da vontade do
legislador, danificar seria economicamente desinteressante. Mas o comportamento
jurisprudencial desequilibra a política legislativa, como se verá na investigação da Teoria dos
Jogos aplicada à quantificação do dano moral nas relações de consumo, no próximo item.
3.1 TEORIA DOS JOGOS NO COTEJO COM AS NORMAS
Ab initio, o profícuo desenvolvimento da Teoria dos Jogos era focado, em ratio e
utilidade, no campo bélico, provocando sua associação ao obscurantismo, como a usos nazi,
contudo os ingleses se valeram do paradigma para otimizar suas chances navais, corroborando a
premissa de que a teoria, em si, não pode ser caracterizada por boa ou má, antes devendo recair,
o juízo de valor, sobre os objetivos de seus operadores.
Em rápidas linhas, a Teoria dos Jogos é uma expressão dialógica, que visa a estudar o
comportamento estratégico das pessoas, em situações de disputa, baseando suas deduções,
precipuamente, na ciência matemática, também com suporte na Sociologia, Psicologia e, até
mesmo, da Zootecnia, dentre outros. No Direito29, o marco teórico é creditado a Douglas G.
Baird, Robert H. Gertner e Randal C. Picker, professores de Chicago (1994, p. 7).
Suas conclusões teóricas têm sido reputadas de valor para variados campos do saber,
contribuindo para a compreensão e elucidação do processo racional de tomada de decisão de
agentes em conflito, relevando que há outros, concomitantemente, em mesmo processo, com
interesses próprios, divergentes ou não, sendo esta, parafraseadamente, a concepção de Von
Neumann (1992), para “jogo”, interessando, presentemente, a investigação do chamado “jogo
legal”.
Em uma leitura de Platão, Arthur Jacobson (2000) diz que segundo a Teoria dos Jogos de
Direito, os cidadãos colaboram apenas diante de conflito e a única ordem que a lei pode atingir é
29
Credita-se a primeira formulação formal ao matemático húngaro Jancsi Von Neumann (“Zur Theorie der
Gesellschaftspiele”, 1928), quem desenvolveu o conceito de interdependência estratégica e, posteriormente,
associado ao economista da U. de Princeton, Oskar Morgenstern, publicou o primeiro trabalho acadêmico sobre o
tema (Teoria dos Jogos e comportamento econômico, 1944). Diversas personalidades se exponenciaram no estudo
da Teoria dos Jogos, rendendo, inclusive, um Prêmio Nobel a John Nash. E ainda John Harsanyi, pela construção
dos jogos de informação incompleta e análise das soluções ótimas frente à disparidade informacional dos jogadores,
ou desconhecimento dos recíprocos; responsável pela introdução da Teoria na “Economia da Informação”.
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um acordo sobre as regras com as quais o conflito é conduzido. Em verdade, pode-se afirmar
que, contrariando ao Princípio da Legalidade, na Teoria dos Jogos, os comportamentos não são
ditados, antes influenciados pela norma legal, pois, em certas circunstâncias, pode ser racional
infringir a lei, afora casos em que o ambiente normativo contempla permissividade de escolha
entre tipos diversos de conduta.
O regulamentador normativo atua perseguindo a consecução do interesse coletivo.
Adotando parâmetros da Teoria dos Jogos, resta-lhe possível coadunar pretensões comuns e
individuais, ao analisar, em exercício de alteridade e diante de um conjunto de possibilidades de
regulação, in casu, as melhores estratégias disponíveis ao agente. Consequentemente, deverá
editar normas que, uma vez respeitadas, tanto maximizem os lucros, quanto estabeleçam a ordem
social desejada, estimulando, assim, o empresário, a cooperar para o atingimento do interesse
público.
São elementos do “jogo legal”, os jogadores – via de regra, agentes econômicos – e as
estratégias disponíveis a estes, bem como os resultados possíveis para cada jogador, em termos
das vantagens e/ou desvantagens de cada combinação de estratégias, considerando todas as
alternativas restantes. Materializando-se em uma ou mais rodadas, o jogo será simultâneo ou
sequencial, de acordo com o momento da tomada de decisão, de cada participante30.
O processo estratégico é governado por informações perfeitas ou imperfeitas, obtidas em
dois tempos – antes do início e durante a rodada – bem como pela estratégia adotada pelo
adversário, definindo movimentos, sempre com vistas à obtenção de recompensas ou
evitamento da desvantagem31. Sucintamente, o espaço estratégico do jogo, portanto, é delimitado
por uma escolha binária entre a omissão ou a conduta comissiva, ou, na hipótese geral deste
estudo, acatar a norma ou violá-la, correr o risco deliberado da imprudência/negligência, ou
acautelar-se.
Entende a doutrina que o papel do sistema legal é impedir o pior cenário, no qual ambos
os jogadores escolheriam a imprudência ou violação da norma, com consequente aparecimento
da desvantagem máxima. A Economia avaliará a estratégia mais eficiente, considerando o custo
30
Ensinam PINHEIRO e SADDI (2005, p. 160) que a ordem em que os jogadores fazem seus lances é fator
importante para o jogo. Se apresentam suas propostas ao mesmo tempo – caso de leilão por lance lacrado – diz-se
que o jogo é simultâneo. Contudo, se a primeira empresa lança sua oferta, havendo oportunidade para o concorrente
apresentar suas condições em seguida, então se diz que o jogo é sequencial.
31
O denominado Equilíbrio de Nash, que é atingindo quando, após todos os jogadores “darem os seus lances”,
nenhum deles manifestar arrependimento.
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da prudência em comparação com os riscos e perdas decorrentes do cenário aparentemente
desfavorável. Ao Direito, incumbe, por sua vez, definir as penalidades do ilícito, com vistas a
incentivar o jogador, com menor custo de esforço, a ser prudente (PINHEIRO, 2005, p. 165)32.
Para a Teoria dos Jogos em cotejo com o Direito, o sistema normativo é lido de maneira integral,
considerando-se a letra da lei como uma informação – aprioristicamente – completa e disponível,
ilação esta deveras relativa.
Em viés opinativo desta pesquisadora, ainda que se parta da premissa da completude
informativa da lei, é lícito estabelecer algumas digressões conclusivas: via de regra, o legislador
fornece informações, mas não é jogador; as decisões – inclusive de cunho administrativo ou
arbitral – também são fonte informativa; aquele que decide, possui o mesmo status daquele que
regula – apenas informante, não jogador, desejavelmente.
Nesta senda, comparando-se fonte lei e fonte decisão jurisdicional, há diferença de
natureza informativa entre ambas. Enquanto a primeira é reputada completa e disponível, a
segunda importa em execução aplicativa da primeira, contudo permeada por uma teórica
imparcial imprevisibilidade decisória.
Esta alea imposta aos jogadores, concernente à recompensa de suas ações, será mitigada,
no caso concreto, pela relativa previsibilidade do comportamento jurisprudencial.
Considerando que a escolha racional33 do jogador visa à maximização dos ganhos,
recaindo sua opção pela conduta que lhe proporcione melhor recompensa – ou afastamento da
desvantagem –, revela-se insuficiente, para a consecução do interesse público ambicionado, que
a letra da lei ofereça ônus ou bônus, sendo mister, do ponto de vista dogmático-regulamentador,
que o aplicador jurisdicional lhe confira a devida força executória, perseguindo a função social
da norma.
Portanto, o Judiciário tem poder para modificar a informação da lei,
desequilibrando o jogo a favor de um dos participantes, ainda que o espírito do ordenamento
32
Aliás, tal entendimento generalista bem coaduna com a tendência especializada responsabilizatória norteamericana, conhecida como last and best chance, que orienta o magistrado, face de dificuldade em apurar culpa –
caso, por exemplo, de acidentes automobilísticos – a imputar a obrigação sobre o motorista que tinha a última
chance e/ou a melhor oportunidade, de evitar o evento lesivo.
33
Pinheiro (2005, p. 168) informa que a inexistência da racionalidade absoluta no processo de decisão configura
uma dificuldade, pois os comportamentos humanos também são guiados pela emoção e percepção. Daí a expressão
irracionalidade imperfeita, indicando o resultado da ausência de informações num ambiente não de todo racional, a
exemplo das quedas nas Bolsas, ocasionadas pela retirada abrupta de algum grande investidor.
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pretendesse outra finalidade econômica ou social, não cabendo, nesta etapa, debater as razões
político-ideológicas, motivadoras da atuação judiciária, tomando-se, apenas, a legitimidade da
independência dos Poderes.
Na esteira da conclusão, até mesmo os mecanismos autorregulatórios, ou seja, próprios
da métrica das normas de mercado (normas ISO, ABNT, Guias de Balanço Social da
Responsabilidade Social Corporativa, dentre outros) também podem ser analisados à luz da
Teoria dos Jogos, considerando, notadamente, os benefícios concorrenciais e de marketing, que
vêm embutidos, por exemplo, nos processos de certificação, ou na elaboração e divulgação de
balanços contábeis e sociais.
Com a crescente adesão das grandes corporações aos processos próprios da gestão da
responsabilidade social e ambiental e produção sustentável, esta informação é computada no
mercado de inúmeras formas, destacando-se: a) a conscientização atinge aos consumidores, que
prestigiam a iniciativa da empresa, estimulando o processo concorrencial e levando as outras
corporações a se identificarem com os mesmos padrões comportamentais; b) os fornecedores (da
corporação) são chamados a participar da implementação dos processos produtivos
socioambientalmente responsáveis, podendo vir a ensejar a exclusão de cadastro, em alguns
casos, do fornecedor que não adequar sua empresa aos parâmetros de conformidade; desta forma,
mesmo sem a eventual provocação de uma corporação-cliente, os prestadores de serviço ou de
produtos já procuram entrar no mercado dentro dos padrões de conformidade, ou logo se
adaptando, para prospectar clientes que exigem tal adequação; c) ainda que os processos de
certificação ou de elaboração de balanços sociais ainda se relacionem em maior proporção
participativa com as grandes corporações, a indução comportamental tem atingido as pequenas e
médias empresas, mesmo aquelas que não dependem necessariamente da certificação, por
exemplo para fins de exportação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As decisões judiciais assumem papel crucial no comportamento da Empresa, norteando,
para o bem ou para o mal social, as tomadas de decisão do gestor, que andarão conforme os
ditames regulatórios da Responsabilidade Social Empresarial (RSE), se o Poder Judiciário
oferecer a justa recompensa jurisprudencial para essa conduta, ou, por via reversa, punindo com
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severidade, a irresponsabilidade social, que é atentatória para a sustentabilidade, para o bem
comum e para o estabelecimento de uma sociedade livre, justa e solidária.
A alegada “indústria do dano moral” é um fenômeno mal interpretado da sociedade de
risco e de consumo. A autolesão não é fato indenizável no Direito brasileiro, e ainda
considerando que sentenças no importe de um salário mínimo, por um lado seria capaz de
“enriquecer a vítima”, assim considerada como a grande parte da população nacional, e, por
outra mão, nenhum efeito prático pedagógico surtiria sobre os “agressores empresariais”.
Portanto, a “indústria do dano” nada mais é do que uma “lenda jurídica urbana”. O que existe, de
fato, é uma “indústria do risco”, tratando-se, de uma estimulação ao não evitamento, um combate
pernicioso à prevenção dos danos, artificializada pela influencia econômica da jurisprudência
dominante, cujo papel deveria ser o de “fonte informativa” e nunca o de “jogador desleal”.
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