Nota Técnica Polímeros

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Nota Técnica Polímeros
NOTA TÉCNICA
Que a tragédia de Santa Maria não se repita!
Aspectos toxicológicos da combustão de polímeros
Esta nota técnica tem por objetivo 1. informar sobre os produtos de termodegradação de
polímeros, 2. auxiliar na identificação de medidas que minimizem as consequências da exposição
aos gases resultantes, especialmente em situações de incêndio, 3. facilitar o acesso a informações
atualizadas àqueles que lidam com a prevenção de incêndios e de acidentes e doenças
ocupacionais no Brasil.
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas observou-se um aumento do uso de polímeros em produtos utilizados
pela indústria da construção e de mobiliário em geral. Conseqüentemente pode-se considerar que a
fumaça produzida em incêndios nos dias de hoje apresenta riscos diferentes daqueles de algumas
décadas atrás. A queima de produtos que têm polímeros em sua composição tem o potencial de
produzir rapidamente fumaça densa (aerossóis de partículas de fuligem), calor intenso (vapor
d’água), líquidos inflamáveis e gases tóxicos. O monóxido de carbono (CO - CAS 630-08-0) é o gás
tóxico mais reconhecido na combustão de polímeros, mas o gás cianídrico ou cianeto de hidrogênio
(HCN - CAS 74-90-8), também produto desse processo, tem sido o mais crítico nas intoxicações
agudas.
SUBPRODUTOS DA COMBUSTÃO DE POLÍMEROS
Nas edificações, em geral, encontram-se polímeros tais como poliuretano, cloreto de polivinila (PVC),
poliestireno, polipropileno, polietileno, resina uréia-formaldeído, entre outros. Exemplos de
produtos que contêm polímeros em sua constituição são: espumas flexíveis (isolamento acústico,
enchimento de sofás/colchões), espumas rígidas (isolamento térmico, inclusive de geladeiras),
tubulações de água, persianas, recipientes de isopor, vernizes de piso/Synteko®, carpetes, capas de
fiação elétrica.
Na análise da informação sobre a termodegradação de cada polímero deve-se considerar a existência
de inúmeras variáveis. Os produtos da decomposição térmica dependem de como os polímeros
foram fabricados, se contêm pigmentos ou outros aditivos (p.ex., agentes plastificantes, de reforço,
estabilizantes, antioxidantes, fungicidas) ou ainda se contêm retardantes de chama, tais como
compostos clorados e fosforados. A termodegradação de produtos tratados com retardantes de
chama clorados, por exemplo, pode formar ácido clorídrico (HCl - CAS 7647-01-0). Esse ácido
também é um importante agente tóxico originado da combustão de PVC. Os produtos de
decomposição térmica também variam em função da temperatura e umidade do ar e da presença de
outras substâncias no ar. Os gases comuns, e mais prevalentes, resultantes da combustão de
polímeros são dióxido de carbono (CO2 - CAS 124-38-9) e monóxido de carbono. Porém, todos os
polímeros que contêm nitrogênio (p.ex., poliuretanos, náilons, poli-acrilonitrilas), na combustão dão
origem também a cianeto de hidrogênio, óxidos de nitrogênio, especialmente o dióxido de
nitrogênio (NO2 - CAS 10102-44-0), e amônia (NH3 CAS 7664-41-7). Estes poluentes também podem
ser produzidos, em menor quantidade, na queima de plásticos que não contêm nitrogênio por
incorporação de nitrogênio da atmosfera. Outras substâncias tóxicas resultantes da
termodegradação de polímeros são nitrilas, benzeno (C6H6 - CAS 71-43-2) , tolueno (C7H8 - CAS 10888-3), isocianatos, negro de fumo e aldeídos.
É interessante notar que certos poluentes ocorrem em maiores quantidades quando da combustão
incompleta. Essa condição é mais comum em incêndios em locais fechados, que apresentam baixas
concentrações de oxigênio.
EFEITOS DA EXPOSIÇÃO À FUMAÇA
As vítimas de incêndios apresentam um ou mais tipos de lesões: traumáticas, térmicas e químicas.
Destes, a maior causa de mortes durante ou após o acidente é a lesão química pela inalação da
fumaça. Os agentes de dano presentes na fumaça são:
1. Materiais particulados, que se depositam em diferentes regiões das vias aéreas de acordo com o
tamanho das partículas.
2. Agentes de intoxicação sistêmica (já foram identificadas cerca de 150 substâncias tóxicas na
fumaça de incêndios).
3. Agentes irritantes respiratórios, que causam reações inflamatórias intensas e prolongadas
decorrentes de ação química, como dióxido de enxofre, amônia, cloreto de hidrogênio, cloro (Cl2
CAS 7782-50-5) e óxidos de nitrogênio.
4. Calor, que pode produzir lesão térmica por queimaduras, predominantemente na orofaringe. O
contato com o ar quente estimula o fechamento da glote. O ar quente úmido é mais perigoso
que o ar quente seco, pois consegue atingir as vias aéreas inferiores sem dissipar o calor.
O processo de combustão também pode produzir privação de oxigênio, devido ao seu consumo pelo
fogo, e conseqüente asfixia. A asfixia pode ocorrer, portanto, pelo edema causado pela lesão
térmica, pela baixa concentração de oxigênio e pela inalação de gases como o monóxido de carbono
e o cianeto de hidrogênio.
MEDIDAS MITIGADORAS DOS EFEITOS DA INTOXICAÇÃO POR INALAÇÃO DE FUMAÇA
Os dois agentes de maior impacto nas intoxicações por inalação de fumaça são o monóxido de
carbono e o cianeto de hidrogênio. O diagnóstico da intoxicação por monóxido de carbono é
facilmente obtido, mas o mesmo não ocorre com o cianeto. Para minimização de sequelas graves e
mortes causadas pela intoxicação por cianeto é necessário o reconhecimento precoce e a
administração do antídoto o mais rapidamente possível. Embora existam vários antídotos
específicos, a hidroxicobalamina apresenta, segundo diferentes autores, vantagens práticas e de
segurança. Assim, um grupo de especialistas europeus desenvolveu dois algoritmos: um préhospitalar e
um hospitalar, publicados pela European Society of Emergency Medicine
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22828651), com o objetivo de melhorar o reconhecimento e
o tratamento da intoxicação por cianeto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As preocupações atuais em relação principalmente ao cianeto de hidrogênio se relacionam com a
presença cada vez maior de materiais sintéticos que geram este gás asfixiante em caso de incêndio
dentro de residências e de locais de trabalho. O reconhecimento e tratamento adequado da
intoxicação por cianeto o mais precocemente possível é um elemento chave para diminuir o número
de mortes e de sequelas graves. Cada situação requer uma avaliação personalizada do melhor
tratamento, mas atualmente, hidroxicobalamina é considerado o antídoto preferencial do ponto de
vista prático e de segurança.
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