Cefaléia associada à malformação de Chiari finalizada.p65

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Cefaléia associada à malformação de Chiari finalizada.p65
ARTIGO ORIGINAL
Cefaleia associada à malformação de Chiari do tipo I
Headache associated with the Chiari type I malformation
Hugo André de Lima Martins1,2, Valdenilson Ribeiro Ribas1,3, Marcelo Moraes Valença4
1
Alunos do Doutorado em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), Recife, Brasil; 2Mestre em Neurologia, UFPE; 3Mestre em Neurociência, UFPE
4
Livre-Docente em Neurocirurgia, FMRP, USP, Professor Associado de Neurologia e Neurocirurgia, UFPE
Martins HAL, Ribas VR, Valença MM
Cefaleia associada à malformação de Chiari do tipo I. Migrâneas cefaleias 2008;11(4):238-244
RESUMO
Objetivou-se neste estudo realizar uma revisão de literatura
sobre a cefaleia associada à malformação de Chiari tipo 1
(MC-1). A apresentação clínica da MC-1 é bastante variável, podendo apresentar-se como uma síndrome medular com
comprometimento das vias motoras longas e espasticidade
dos quatro membros, síndrome cerebelar, com incoordenação
motora e desequilíbrio, síndrome bulbar caracterizada pelo
comprometimento dos nervos bulbares com dificuldade de
deglutição, disartria e apneia noturna e pode apresentar-se
como uma síndrome álgica que se caracteriza por cefaleia
que piora com a manobra de Valsalva e esforços físicos. Atualmente, o diagnóstico de MC-1 é efetuado com facilidade
pela ressonância magnética, que mostra a herniação das
tonsilas cerebelares através do forame magno. A cefaleia é
uma queixa frequente entre os pacientes com MC-1. Várias
séries mostraram um porcentual alto de queixa de dor de
cabeça no momento do diagnóstico de MC-1. O espectro de
cefaleia inclui: cefaleia de curta duração associada à tosse,
cefaleia de esforço, cefaleia com hipotensão liquórica, cefaleia
de longa duração com características de cervicogênica e
cefaleia contínua. Nenhum tipo de cefaleia é específico da
MC-1, sendo a mais compreendida no momento a cefaleia
da tosse, que é encontrada em grande porcentual desses
pacientes.
Palavras
alavras-- chave: Cefaleia; malformação de Chiari; tosse;
tonsila cerebelar; Valsalva.
ABSTRACT
The aim of this study was to perform a brief review of the
literature on headache associated with the Chiari type 1
malformation (CM-1). The clinical presentation of CM-1 is
very varied. It may be asymptomatic or progress as a
medullary syndrome affecting the long motor pathways with
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spasticity of all four limbs, cerebellar syndrome, deglutition
difficulty, dysarthria and night apnea. Patients may also
present cervical and head pain characterized by headaches
that are triggered by the Valsalva maneuver and physical
effort. A diagnosis of CM-1 is readily made by the use of
MRI showing the hernia of the cerebellar tonsils through the
foramen magnum. Several series of patients have shown a
high frequency of headache in these with CM-1. The
headache spectrum includes short duration headache
associated with coughing, effort headache, headache
associated with low pressure of the cerebrospinal fluid, longduration headache with the characteristics of cervicogenic
headache, and a continuous type of headache. No specific
headache type is linked to CM-1, although it is the headache
with coughing that is found in the highest percentage of
patients.
Key words: Headache; Chiari's malformation; coughing;
cerebellar tonsil; Valsalva.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade, a cefaleia tem
sido descrita entre os mais diversos povos.1 Entre as várias lendas, estórias e crenças, a mais famosa relacionada com cefaleia foi a de Zeus, que, sentindo fortes dores
de cabeça, ordenou a Hefesto, o Deus das forjas, a lhe
abrir o crânio com um machado.2 A presença da cefaleia
na mitologia grega ressalta a importância desse assunto
no cotidiano das pessoas desde a época mais remota
Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.238-244, out./nov/dez. 2008
CEFALEIA ASSOCIADA À MALFORMAÇÃO DE CHIARI DO TIPO I
até o momento atual, sendo uma das queixas mais comuns na prática clínica diária.1
De maneira geral, aceita-se que a cefaleia pode
ser tanto uma doença primária como também pode representar a expressão de uma enfermidade sistêmica ou
neurológica.3 É nesse grupo que se enquadra a dor de
cabeça associada à malformação da transição occipitocervical.4 Atualmente são conhecidas algumas malformações da transição crânio-vertebral, sendo as de maior ocorrência a malformação de Chiari (MC), a impressão basilar e a siringomielia, apresentando-se de forma
associada ou não.5
A MC foi descrita inicialmente por John Clelland em
1883, que observou em autópsias nove casos de hérnias das estruturas da fossa posterior através do forame
magno, atribuindo o achado, então, à disgenesia primária do cérebro posterior.6 Hans von Chiari, em 1891,
descreveu o caso de um paciente com herniação das
tonsilas cerebelares abaixo do plano do forame magno
e anos depois, estudando anomalias do rombencéfalo
presentes em 63 casos de hidrocefalia, dividiu-as em
quatro grupos, de acordo com as estruturas do tronco
cerebral que apresentavam herniação através do forame
magno.
quente tipo no adulto – Chiari tipo 1 – parece ser consequente de defeito do mesoderma. A possível insuficiência do mesoderma para-axial após o fechamento do
tubo neural poderia levar ao hipodesenvolvimento do
basio condrocrânio, resultando em uma fossa posterior
pequena e rasa, levando como consequência a uma
deformação progressiva do cerebelo e herniação das
tonsilas abaixo do forame magno.10-17
SINTOMATOLOGIA
A apresentação clínica da MC-1 é bastante variável, podendo se apresentar como uma síndrome medular com comprometimento das vias motoras longas
e espasticidade dos quatro membros, síndrome cerebelar, com incoordenação motora e desequilíbrio,
síndrome bulbar caracterizada pelo comprometimento
dos nervos bulbares com dificuldade de deglutição,
disartria e apneia noturna e, finalmente, pode apresentar-se como uma síndrome álgica que se caracteriza
por cefaleia que piora com a manobra de Valsalva e
esforços físicos.18 - 27 Não se sabe ainda por que o paciente só vem a apresentar sinais e sintomas de sofrimento neurológico na segunda ou terceira décadas de
vida.
CLASSIFICAÇÃO DA MALFORMAÇÃO
DE CHIARI
DIAGNÓSTICO
Na classificação proposta por Chiari, o grupo 1
era composto pelos casos de herniação das tonsilas
cerebelares e da parte inferior do bulbo pelo forame
occipital, o grupo 2 apresentava herniação do IV ventrículo somada às alterações presentes no grupo 1. No
grupo 3 havia as alterações já descritas, além de meningocele cervical, e o grupo 4 apresentava hipoplasia do
cerebelo sem a presença de herniações.7 Arnold, em
1894, relatou o caso de um recém-nascido com múltiplas anomalias congênitas similares àquelas apresentadas por Hans Chiari, permanecendo esta entidade
clínica conhecida por muito tempo como malformação
de Arnold-Chiari,8 epônimo que vem gradativamente
sendo substituído pela denominação MC tipo 1 (MC1) e MC tipo 2 ou a expressão herniação das tonsilas
cerebelares.5
A MC-1 constitui uma entidade clínica multifatorial
e heterogênea, apresentando formas congênitas ou com
fundo genético e formas de etiologia adquirida.9 Enquanto a malformação de Chiari dos tipos 2, 3 e 4 são consideradas anomalias do neuroectoderma, o mais fre-
Atualmente, o diagnóstico de MC-1 é efetuado com
facilidade pela ressonância magnética (RM), que mostra
a herniação das tonsilas cerebelares, bem como a associação da MC-1 com outras anomalias, como a siringomielia e a invaginação basilar.28 A RM representa tal resolução na identificação da MC-1 que a descrição da
doença é dividida em era pré- e pós-RM.28
Estudo realizado por RM de crânio identificou com
precisão o posicionamento das tonsilas cerebelares em
população controle (82 pessoas) e em 13 pacientes
com MC-1. A posição das tonsilas na população controle variou de 2,8 mm abaixo até 2 mm acima do
forame magno, enquanto em pacientes com MC-1 as
tonsilas situavam-se entre 5,2 e 17,7 mm abaixo do
forame magno. Em conclusão, as tonsilas normais podem se estender até 3 mm abaixo do forame magno,
porém, na MC-1, as tonsilas se estendem 5 mm ou mais
abaixo do forame magno.29 Estima-se uma incidência
de 0,56% a 0,77% para MC-1 em séries de neuroimagem e autópsias, com uma relação homens/mulheres de 1,3:1.
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A cefaleia é uma queixa frequente entre os pacientes com MC-1.30, 31 Várias séries mostraram um porcentual
alto de queixa de dor de cabeça no momento do diagnóstico de MC-1.32 Em estudo que avaliava cefaleia associada com MC-1, Stovner33 obteve como resultado a
ocorrência de cefaleia como sintoma principal em mais
da metade dos pacientes. Manoel Caetano de Barros e
colaboradores,34 em 1968, em Recife, verificaram uma
prevalência de 53% de cefaleia entre 66 pacientes com
impressão basilar e MC-1; em 28% dos que se queixavam de cefaleia, a dor era precipitada por tosse, espirro, gargalhada e outros esforços. José Alberto da Silva,5
no estado da Paraíba, tem grande série de casos estudados de pacientes com MC-1, na qual avaliou os sintomas clínicos de 249 pacientes com MC-1, encontrando 59,8% de cefaleia, sendo a região occipital a mais
frequentemente acometida, assumindo em algumas vezes as características da migrânea.
O espectro de cefaleia inclui: cefaleia de curta duração associada à tosse, cefaleia de esforço, cefaleia
com hipotensão liquórica, cefaleia de longa duração com
características de cervicogênica e cefaleia contínua.35, 36
Nenhum tipo de cefaleia é específico da MC-1, sendo a
mais compreendida, no momento, a cefaleia da tosse,
que é encontrada em grande porcentual dos pacientes
com MC-1.5,32,34 Outros padrões de dor de cabeça,
240
consistente com migrânea com e sem aura, e cefaleia
da hipotensão liquórica têm ocorrido em conexão com
a MC-1,37 tendo sido também relatada a ocorrência de
migrânea-símile com crises de longa duração em uma
mãe e suas duas filhas gêmeas monozigóticas.34 Stovner33
demonstrou que a cefaleia na MC-1 pode ter duração
curta, geralmente até cinco minutos, ou ser prolongada,
durando de três horas até vários dias. O mecanismo das
crises de cefaleia de curta duração é melhor compreendido.5, 34 Em pacientes com MC-1, a manobra de Valsalva
pode levar a uma dissociação transitória entre os compartimentos intracraniano e intraespinhal, induzindo a
impactação das tonsilas cerebelares no forame magno,
produzindo cefaleia por tração e pressão das estruturas
sensíveis à dor, tais como nervos, meninges e vasos.33
Se, por um lado, o mecanismo causal das cefaleias
de curta duração parece ser bem definido, a relação
entre a MC-1 e a cefaleia de longa duração parece
estar apenas no plano hipotético, sendo confundida
muitas vezes com a patogênese de alguns tipos de
cefaleia primária. Khurana,37 avaliando quatro pacientes com MC-1, encontrou dois casos de migrânea com
aura, um caso de migrânea sem aura e um caso de
cefaleia com hipotensão liquórica; neste último paciente, a cefaleia era precipitada dentro de poucos segundos após levantar-se e desaparecia ao deitar-se. A tosse
e o esforço não precipitavam a dor. Outra paciente apresentava cefaleia com características migranosas que era
precipitada por esforços físicos, era
de intensidade moderada e durava mais de seis horas.
A dor de cabeça associada à
MC-1 não apresenta topografia definida, porém a literatura sugere
maior prevalência na região occipital.5,33,38,39 A localização da cefaleia
na MC-1 foi avaliada através da
correlação entre a dinâmica do fluxo do líquido cerebrospinal (LCE) e
a cefaleia nos pacientes com MC1, sendo demonstrado que a cefaleia occipital era associada à obstrução do fluxo do LCE em nível do
forame magno, sendo diretamente
relacionada à anormalidade da
fossa posterior, enquanto o fluxo de
LCE era geralmente normal nos pacientes com cefaleia frontal e generalizada.38
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CEFALEIA ASSOCIADA À MALFORMAÇÃO DE CHIARI DO TIPO I
Em estudo31 que avaliava série de trinta pacientes
ção de uma craniectomia descompressiva e plástica dural
com cefaleia induzida pela tosse, em todos os casos com
houve resolução imediata do quadro álgico.
cefaleia sintomática havia associação com a MC-1. Nesse
Não concordamos com o item "B" dos critérios 7.7.
grupo, a média da idade de início da cefaleia foi signiNão é necessário haver herniação de ambas as tonsilas
ficativamente mais baixa que na cefaleia primária da
cerebelares através do forame magno para ocorrer
tosse. A duração das crises foi mais longa e, em alguns
cefaleia associada à manobra de Valsalva. Como no
casos, por vários dias. Enquanto a cefaleia primária da
caso exposto, há apenas a ectopia de uma das tonsilas
tosse foi responsiva à indometacina, a craniectomia des(Figuras 1 a 3) e, mesmo assim, praticamente houve precompressiva foi a única terapia efetiva para o grupo com
enchimento de quase todo o espaço intradural do forame
cefaleia da tosse sintomática.31
magno com a medula/bulbo e a tonsila, sobrando muito pouco espaço para a circulação do LCE (ver Figura
Cefaleia associada ao riso no MC-1 também tem
34,36
1). Acreditamos que um dos mecanismos da deflagração
sido bem documentada na literatura,
tendo sido desda cefaleia seria a dificuldade na circulação do LCE atracrito o caso de uma paciente que tinha dez anos de evovés do forame magno. Lembramos que na sístole para
lução de cefaleia de intensidade grave precipitada por
36
que ocorra entrada de sangue no espaço intracraniano
risos. A dor era excruciante, localizada no vértice e cada
tem que haver saída de LCE, em volume semelhante, do
crise durava até 20 segundos. Não havia sintomas associados e a paciente era assintomática entre as crises.36
São escassos os dados da literatura
correlacionando cefaleia na MC-1 com a
atividade sexual. Martins,39 em 2006, estudando 11 pacientes com MC-1 e cefaleia, encontrou seis em que a atividade sexual desencadeou a dor.
A MC-1 também pode se apresentar
como neuralgia do trigêmeo. Foi relatado
o caso de uma paciente com história de
Figura 1. Ressonância magnética da transição craniocervical mostrando a herniação da
29 anos de evolução de neuralgia do tonsila cerebelar esquerda através do forame magno em uma mulher com cefaleia
trigêmeo, tendo sido tratada com três associada ao ato sexual (também referia cefaleia associada à manobra de Valsalva).
termocoagulações sem efeito.37 O diag- Como era uma cefaleia de forte intensidade que ocorria com muita freqüência, apesar
da ausência de sintomas deficitários neurológicos, foi indicado procedimento neuronóstico da MC-1 foi evidenciado através cirúrgico
da RM de crânio, porém sem mostrar a
alça vascular. A craniectomia occipital
medial foi realizada, com alargamento do
forame magno. O tronco encefálico foi
descomprimido por aspiração das tonsilas
cerebelares. A paciente tornou-se assintomática após a cirurgia.
Foi com o objetivo de nortear o diagnóstico e tratamento da cefaleia atribuída
à MC-1 que a Sociedade Internacional de
Cefaleia estabeleceu os critérios diagnósticos que estão descritos no Quadro 1. Porém, temos encontrado pacientes com indiscutível cefaleia de esforço associada à
MC-1 que não preenche tais critérios. Nas
Figuras 1 a 3 apresentamos um caso de Figura 2. A paciente foi submetida a uma pequena craniectomia occipital com abertura
da porção posterior do forame magno, associada com laminectomia de C1 e C2 na
uma mulher que apresentava cefaleia do posição semi-sentada. A imagem mostra a presença da tonsila cerebelar esquerda 9 mm
esforço associada à MC-1. Com a realiza- abaixo do forame magno
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Figura 3. Visão do campo operatório pelo microscópio cirúrgico. A dura-máter e a aracnoide já estão abertas. A imagem à esquerda do leitor
mostra o posicionamento da tonsila esquerda anormalmente dentro do canal vertebral cervical. À direita do leitor podemos ver a artéria
cerebelar póstero-inferior (PICA, seta preta) e a saída do forame de Magendie (*) após a remoção da tonsila. Note que as setas brancas mostram
a posição de uma estrutura vascular medular para que se perceba a quantidade de tonsila cerebelar aspirada/coagulada. Após o procedimento
realizou-se uma plástica da dura-máter e a paciente tornou-se assintomática em relação à cefaleia de esforço ou associada com a relação sexual
Figura 4. Ressonância magnética de um paciente com malformação
de Chiari do tipo 1 e siringomielia associada. Ver informação no texto
sobre linhas de medição da fossa posterior e forame magno. Presença
de cavidade siringomiélica (seta branca). As linhas brancas delimitam: (a) a distância do supraoccipito (protuberância occipital interna
- opisthion), (b) o diâmetro ântero-posterior do forame magno (basion
- opisthion, B-C), (c) o comprimento do clivus (parte mais alta do
dorsum sella-basion, A-B), (d) o diâmetro ântero-posterior da fossa
posterior (parte mais alta do dorsum sella - 1 cm acima da protuberância occipital interna, A-D) e (e) a altura da fossa posterior (linha
que vem do splenium do corpus callosum perpendicular ao plano do
forame magno, E-F)
intradural intracraniano para o saco dural raquiano. Por
sua vez, na diástole ocorre o inverso. Isto se repete aproximadamente 60 vezes por minuto. Durante a execução
da manobra da Valsalva haveria redução do retorno
venoso com aumento da pressão intracraniana sem a
242
possibilidade da saída eficaz do LCE do espaço subaracnóideo intracraniano na direção raquiana, o que
resultaria em dor. Ainda poderia, nessas condições, haver uma maior impactação da(s) tonsila(s) no forame
magno com comprometimento de estruturas relacionadas com o desencadeamento de dor (i.e., nervos, vasos
e dura-máter), em uma maneira semelhante ao que parece ocorrer na cefaleia pós-punção dural.40
Quatro ítens foram enumerados no critério B.2 da
ICHD II, como indicadores de redução do espaço
subaracnóideo na junção craniocervical. Quais são os
critérios, por sua vez, que determinam haver: (a) compressão dos espaços liquóricos posterior e lateral ao
cerebelo; (b) redução da altura da região supraoccipital;
(c) aumento da inclinação do tentório e (d) deformação
do bulbo?
Pacientes com MC-1, na média, têm uma fossa posterior pequena para acomodar as várias estruturas neurais
(i.e., tronco cerebral, cerebelo, entre outras). Em trabalho recente realizado por Aydin e colaboradores,41 usando
RM no corte sagital, houve a comparação da fossa posterior entre sessenta pacientes com MC-1 e trinta controles saudáveis, utilizando-se como parâmetro cinco linhas
de medição na fossa posterior (demonstradas na Figura 4 em um paciente nosso com hérnia da tonsila de
aproximadamente 3-4 mm e siringomielia): (a) a distância do supraoccipito (protuberância occipital interna
– opisthion, D-C; MC-1 42,1±9,3 vs. controle
46,7±4,3 mm), (b) o diâmetro ântero-posterior do
forame magno (basion - opisthion, B-C; MC-1 31,7±6,1
vs. controle 25,2±3,8 mm), (c) o comprimento do clivus
(parte mais alta do dorsum sella - basion, A-B; MC-1
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CEFALEIA ASSOCIADA À MALFORMAÇÃO DE CHIARI DO TIPO I
adverte que os critérios requerem
validação e, inevitavelmente, serão alterados em futuras revisões
e sugerem a realização de estudos prospectivos nesse sentido.
Na tradução da ICHD II
(2004)42 para o português houve
um pequeno equívoco na tradução da palavra oscillopsia no item
C.1, em vez de "osciloscopia" seria "oscilopsia".
CONCLUSÃO
39,0±7,7 vs. controle 48,4±4,9 mm), (d) o diâmetro
ântero-posterior da fossa posterior (parte mais alta do
dorsum sella – 1 cm acima da protuberância occipital
interna, A-D; MC-1 60,4±10,6 vs. controle 74,7±3,5
mm) e (e) a altura da fossa posterior (linha que vem do
splenium do corpus callosum perpendicular ao plano do
forame magno, E-F; MC-1 124,7± 15,7 vs. controle
141,2 ± 6,8 mm). Observando as médias e desviospadrão respectivos percebe-se que, apesar das medidas serem estatisticamente diferentes entre os dois grupos estudados, deve haver sobreposição de medidas nos
indivíduos entre os dois grupos, não havendo um ponto
de corte. Além disso, esse estudo incluiu pessoas de ambos os gêneros e são esperada diferenças anatômicas
entre o sexo masculino e o feminino. Então, ainda não
podemos estabelecer com dados numéricos o diagnóstico de alterações da fossa posterior nos pacientes com
MC-1.
Com o uso mais frequente da RM na prática clínica temos observado que não são poucos os pacientes
com malformação de Chiari assintomáticos. A paciente
apresentada na Figura 1 apenas referia cefaleia de esforço e relacionada com atividade sexual sem, portanto, apresentar disfunção do tronco cerebral ou cerebelo.
Assim, o item "C" dos critérios não é necessário. Por que
a cefaleia só aconteceria em pacientes sintomáticos?
Desta forma, estamos sugerindo algumas modificações
nos critérios 7.7 da ICHD II (2004),4 como demonstrado no Quadro 2. O próprio Subcomitê de Classificação
das Cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleia4
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A cefaleia é um sintoma frequente nos pacientes com MC-1.
A tosse tem sido descrita como o
principal fator desencadeante da
dor, porém o espirro, esforço e até
mesmo o riso foram relacionados com o surgimento da
cefaleia nesses pacientes. Também ainda não sabemos
por que um grupo de pacientes com MC-1 não apresenta cefaleia desencadeada por manobras de Valsalva.
Novos estudos devem ser realizados correlacionando
melhor a topografia e as características da cefaleia com
as alterações na dinâmica do fluxo do LCE e variações
anatômicas da fossa posterior que acontecem na MC-1.
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Endereço para correspondência
Dr
Dr.. Hugo André de Lima Martins
Avenida Armindo Moura, 581 – Quadra D
Bloco 02/ Apto. 201, Boa Viagem
51.130-180 – Recife- PE
Fones: (81) 9906-2699.
[email protected] ou [email protected]
27. Rosetti P, Ben Taib NO, Brotchi J, De Witte O. Arnold Chiari
Type I malformation presenting as a trigeminal neuralgia: case
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Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.238-244, out./nov/dez. 2008

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