Medicina, Saúde e História vol.8

Transcrição

Medicina, Saúde e História vol.8
Racionalidades em Disputa.
Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência, Medicina e
Práticas Médicas do Brasil e América Latina.
Vol. I
Práticas Médicas e de Saúde
nos Municípios paulistas:
a história e suas interfaces
Vol. II
História da Psiquiatria:
Ciência, práticas e tecnologias
de uma especialidade médica
Vol. III
Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica
em São Paulo. A Fundação Rockefeller e
suas Articulações no Ensino, Pesquisa e
Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952)
Vol. IV
Eugenia e História:
Ciência, Educação e Regionalidades
Vol. V
Saúde e História de Migrantes e Imigrantes.
Direitos, Instituições e Circularidades
Vol. VI
Medicina, Saúde e História:
Textos Escolhidos & Outros Ensaios
Vol. VII
As enfermidades e suas metáforas: epidemias,
vacinação e produção de conhecimento
Vol. VIII
Racionalidades em Disputa.
Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência,
Medicina e Práticas Médicas do Brasil e
América Latina.
Coleção Medicina, Saúde & História
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Maria Gabriela S. M. C. Marinho
André Mota
(organizadores)
Cristina de Campos
(organizadora convidada)
Aleidys Hernandez Tasco
Ana Paula Korndörfer
André Mota
Anny Jackeline Torres Silveira
Cristina de Campos
Gustavo Querodia Tarelow
Maria Gabriela S.M.C. Marinho
Maria Terezinha B. Vilarino
Paulo Fernando de Souza Campos
Patrícia Falco Genovez
Rita de Cássia Marques
Vol. VIII
Racionalidades em Disputa.
Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência,
Medicina e Práticas Médicas do Brasil e América Latina.
Coleção Medicina, Saúde & História
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© 2015 by
Prof. Dr. André Mota
Profa. Dra. Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho
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e Extensão Universitária da Faculdade de Medicina da
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E87 Racionalidades em Disputa.Intervenções da Fundação
Rockefeller na Ciência, Medicina e Práticas Médicas do
Brasil e América Latina. / Maria Gabriela S. M. C. Marinho,
André Mota, Cristina de Campos (organizadores). - São
Paulo : USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade
Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2015
304 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Medicina, Saúde e História, 8)
Vários autores
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1. Medicina. 2. Saúde. 3. História. - Antropologia. I. Marinho,
Maria Gabriela S. M. C. II. Mota, André. III. Universidade de São Paulo.
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Telefone/fax: 55 11 3061-7249 – [email protected]
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Sumário
Apresentação.....................................................................................................................................................................7
Prefácio...................................................................................................................................................................................9
Parte 1
A Fundação Rockefeller e as Racionalidades em disputa...........................9
A Fundação Rockefeller e a Institucionalização da Higiene Em São
Paulo. Da Cadeira ao Instituto de Higiene (1918-1922)........................................... 11
Cristina de Campos
Maria Gabriela S. M. C. Marinho
Baeta Vianna, O Laboratório de Bioquímica e a Fundação Rockefeller
na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (1913-1964).................................... 35
Rita de Cássia Marques
Anny Jackeline Torres Silveira
A Fundação Rockefeller Chega ao Brasil: Cooperação no Combate ao
“Mal da Terra” (1916-1923) ............................................................................................................. 53
Ana Paula Korndörfer
Ella Hansenjaeger: Cooperação Norte-Americana e Enfermagem Brasileira
Pós-1930............................................................................................................................................................. 69
Paulo Fernando de Souza Campos
Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Fmusp e as Pesquisas
Sobre a Fundação Rockefeller: Catálogo Seletivo e a Democratização do
Acesso ao Acervo................................................................................................... 97
André Mota
Gustavo Querodia Tarelow
A Guerra e a Cooperação Sanitária No Sertão do Rio Doce/Brasil:
O Cotidiano e a Política Internacional...........................................................121
Patrícia Falco Genovez
Maria Terezinha B. Vilarino
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Parte 2
Limites das Convicções Científicas: As Epidemias no
Rio de Janeiro e em Socorro e o Desencadeamento da
Crise nos Estudos da Febre Amarela (1927-1948).....................................145
Aleidys Hernandez Tasco
sobre os autores...................................................................................................................... 291
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PREFÁCIO
O oitavo volume da Coleção Medicina, Saúde e História reúne um
conjunto de pesquisadores que se debruçam sobre o tema da cooperação
internacional em saúde, mais especificamente, na relação com a Fundação
Rockefeller.
Esta coletânea está dividida em duas partes: a primeira, que agrupa
artigos que têm como temática acordos realizados entre o governo brasileiro
(seja na esfera federal como também a estadual) e a Fundação Rockefeller
e a segunda, com a publicação de Dissertação de Mestrado defendida no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica
da Unicamp, que além dos brasileiros, busca inserir outras nações latinoamericanas e assim compreender esta rede - bilateral, diga-se de passagem
- entre instituição financiadora internacional e governos e cientistas locais.
O artigo que abre este primeiro bloco de artigos, de autoria de Cristina
de Campos e Maria Gabriela Marinho, revisita a criação do Instituto de
Higiene de São Paulo e a participação fulcral que os técnicos norteamericanos tiveram no projeto de implantação deste que deveria atuar
enquanto modelo de ensino e pesquisa em Saúde Pública para o Brasil.
Rita Marques e Anny Torres Silveira analisam a contribuição de uma
figura impar para o desenvolvimento do campo da bioquímica, um bolsista
da Fundação Rockefeller, José Baeta Viana. Este foi importante não só para
a difusão dos métodos e práticas laboratoriais junto ao ensino médico da
Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, mas também para a bioquímica
nacional.
Em seu artigo, Ana Paula Korndörfer examina o tema das campanhas
contra verminoses, o programa inicial da Fundação Rockefeller responsável
pelo desencadeamento de vários convênios estabelecidos com os governos
de muitos países. Korndörfer busca justamente entender os elos por de traz
das duas pontas desta cooperação: o International Health Board e o governo
brasileiro (estado e federação).
Buscando entender a história a partir da contribuição feminina, Paulo
Fernando Campos leva o leitor a observar a cooperação internacional pela
ótica da participação das mulheres, neste caso, sobre Miss Ella Hansenjaeger.
No artigo, o autor enfoca o desenvolvimento do campo da enfermagem
durante o Estado Novo e o papel da consultora da Fundação Rockefeller,
Miss Hansenjaeger, na disseminação do modelo norte-americano da
formação e exercício profissional da Enfermagem.
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No esforço de promover a nova orientação do Museu Histórico “Prof.
Carlos Lacaz”, André Mota e Gustavo Tarelow, organizaram um catálogo
seletivo sobre a Fundação Rockefeller presente nas coleções e outros fundos
do respectivo museu. Sem dúvida, uma dádiva para as pesquisa sobre a
Rockefeller, ao passo em que dá visibilidade ao museu enquanto um espaço
para o desenvolvimento de pesquisas na área da história da saúde e medicina.
O artigo de Patrícia Genovez e Maria Terezinha Vilarino é outra
profícua contribuição para o entendimento dos convênios estabelecidos
que visavam atender regiões fora do circuito sudeste. As autoras analisam
o processo de sanitarização do Sertão do Rio Doce, através do Serviço
Especial de Saúde Pública federal, durante a década de 1940.
O volume é finalizado com a publicação da Dissertação de Mestrado
de Aleidys Hernandéz Tasco, que estudou como a epidemia de febre
amarela desencadeada no final da década de 1920 colocou por terra os
conhecimentos até então estabelecidos sobre esta doença. Trata-se, sem
dúvida, de um grande momento de inflexão que irá redirecionar estudos e
formas de combate as doenças tropicais, sendo o laboratório elevado como
o novo lócus para a produção de conhecimento científico.
A pesquisa também inova ao evidenciar e dar o devido reconhecimento
aos cientistas brasileiros, colombianos e latinoamericanos em geral, em
desvendar os mecanismos da febre amarela, revelando que tais acordos de
cooperação eram bilaterais. Coincidências à parte, a Dissertação de Aleidys
foi realizada junto ao Programa de Política Científica e Tecnológica o
mesmo que acolheu, nos idos da década de 1990, trabalho pioneiro sobre
a Fundação Rockefeller 1 e hoje tem na linha de estudos de cooperação
internacional uma de suas linhas de pesquisa principais.
Cristina de Campos
Maria Gabriela S. M. C. Marinho
André Mota
1 Trata-se da dissertação de mestrado da professora Maria Gabriela Marinho, orientada pela professora
Hebe Vessuri e defendida em 1993 e republicada no volume nº 3 desta mesma Coleção.
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Parte 1
A Fundação Rockefeller e as
Racionalidades em disputa
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A Fundação Rockefeller e a
Institucionalização da Higiene
Em São Paulo. Da Cadeira ao
Instituto de Higiene (1918-1922)
Cristina de Campos
Maria Gabriela S. M. C. Marinho
Introdução
Em 1916, lideranças do campo médico de São Paulo iniciaram as
primeiras tratativas com a Fundação Rockefeller, as quais resultariam na
criação da Cadeira de Higiene da então Faculdade de Medicina e Cirurgia
de São Paulo. Desde o início, os contatos visavam a um propósito mais
ousado, o qual se materializaria mais tarde com a criação do Instituto de
Higiene. Para o International Health Board (IHB), divisão da Fundação
Rockefeller que gerenciava suas ações internacionais, o instituto em São
Paulo deveria se estabelecer segundo os parâmetros de uma nova disciplina,
a Saúde Pública. O referencial seria a Escola de Higiene e Saúde Pública
da Universidade Johns Hopkins, fundada em Baltimore, no estado de
Maryland, e financiada pela própria Fundação Rockefeller exatamente com
este objetivo: tornar-se uma escola-modelo para a difusão dos princípios de
Higiene em escala internacional.
A aproximação com a Fundação Rockefeller em São Paulo foi bastante
facilitada pelas ações que vinham se desenvolvendo desde a década de
1890, com a criação do Serviço Sanitário, responsável pela promulgação do
Código Sanitário e pela administração de instituições de ensino e pesquisa
destinadas a respaldar a política estadual nessa área. Desse modo, a Fundação
Rockefeller encontraria em São Paulo uma estrutura estatal já organizada
que compartilhava concepções e estratégias defendidas pelo IHB, tais como
campanhas de prevenção e manutenção da saúde para populações urbanas e
rurais, tendo em vista a erradicação de endemias, além de intervenções para
saneamento e salubridade das edificações e dos espaços públicos.
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Nesse sentido, pretendemos analisar as interações entre a Fundação
Rockefeller e os grupos locais no processo de institucionalização da
disciplina de Higiene e Saúde Pública em São Paulo, com ênfase na formação
de profissionais, desenvolvimento de pesquisa científica e consolidação do
aparato institucional associado a esse campo de saber. Para tanto, revisamos
a bibliografia sobre a temática no âmbito paulista e a produção sobre a
presença da Fundação Rockefeller no Brasil. Assinalamos, como elemento
central da argumentação, o papel decisivo do International Health Board na
definição dos propósitos do Instituto de Higiene como difusor dos preceitos
da Saúde Pública, como indicado a seguir.
O artigo está dividido em três partes: a primeira parte analisa a estrutura
montada pelo governo estadual com o objetivo de controlar as condições
sanitárias que ameaçavam a poderosa agricultura paulista; a segunda, os
convênios firmados entre o IHB e o governo paulista, com um breve contexto
sobre as atividades da Fundação Rockefeller até a conformação da disciplina de
Saúde Pública, definida no interior do próprio IHB; a terceira, e última parte,
aborda a criação da Cadeira, do Laboratório e do Instituto de Higiene em São
Paulo, anexos à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Procuramos,
neste estudo, esclarecer como essas denominações se confundiram nos ofícios,
nas correspondências e nas manifestações dos envolvidos, resultando, enfim, na
oficialização do Instituto de Higiene em 1925.
A organização sanitária dos
republicanos paulistas
Em fins do século XIX, a saúde pública tornou-se um dos principais
eixos do programa político do grupo paulista que ascendeu ao poder
com a proclamação da República em 1889. Um conjunto significativo de
investimentos resultou na criação de um vistoso aparato sanitário que gerou
queda na taxa de mortalidade e uma percepção instrumental e pragmática
da ciência como instrumento de intervenção social. A eficiência da estrutura
sanitária paulista foi um dos elementos relevantes para que a Comissão
Rockefeller destinasse ao estado os recursos de apoio à pesquisa e ao ensino
no campo biomédico, como se verá mais adiante.
Autores como Ribeiro (1994), Telarolli Júnior (1993) e Merhy (1987)
identificam as preocupações com a saúde pública em São Paulo nos
momentos finais do império, quando a situação sanitária complicava-se
pelo avanço de certas doenças com alto grau de mortalidade. Entretanto,
trabalhos mais recentes (Jorge, 2006; Camargo, 2007; Marinho,
2014, 2015) apontam para diversos aspectos relativos à ação sanitária da
Coroa Portuguesa no território paulista na virada do século XVIII para o
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XIX. Além disso, os trabalhos considerados “clássicos” delineiam o final
da década de 1880 como o momento decisivo para a institucionalização da
saúde pública, quando o governo provincial organizou a Inspetoria Geral de
Higiene, apesar de sua pouca eficácia, em virtude da escassez de recursos
humanos e financeiros (Mascarenhas, 1949; Vieira, 1943).
Assim, a organização mais efetiva da saúde pública ocorreria, de fato,
nos primeiros tempos do governo republicano, que a incorporou como um
dos principais eixos de seu programa político, como aponta Merhy (1987).
Para o autor, a saúde pública tornou-se componente central do poder
oligárquico dos cafeicultores paulistas, contribuindo para a consolidação
da hegemonia do grupo no período da chamada Primeira República, ou
República Velha, e que se dissolveria a partir de 1930. Merhy enfatiza que o
modelo de desenvolvimento econômico e social oligárquico age “[...] como
elemento conciliador dos interesses das frações das classes dominantes e
exclui por completo as classes populares do centro das decisões políticas,
acentuando as diferenças sociais” (Merhy, 1987, p. 62).
O entrelaçamento dos interesses agroexportadores com o governo
estadual paulista resultou na organização da Diretoria do Serviço Sanitário
(Lei nº 43 de 18 de junho de 1892), subordinada à Secretaria dos Negócios
do Interior (RIBEIRO, 1993)1. Contando, ainda, com um Conselho de Saúde
Pública2, “[...] responsável pela emissão de pareceres acerca da higiene e
salubridade pública”, caberia à Diretoria de Higiene o “[...] cumprimento
das normas sanitárias, auxiliadas pelas seções: Laboratório Farmacêutico,
Laboratório de Análises Químicas, Laboratório Bacteriológico e Instituto
Vacinogênic” (Ribeiro, 1993, p. 27).
Junto ao aparato institucional, a Diretoria dispunha de recursos que
correspondiam, entre os anos de 1892 a 1900, a 23% do orçamento estadual
médio (MERHY, 1987, p. 70), objetivando “[...] combate às epidemias,
saneamento do meio físico, polícia de alimentação e fiscalização das
profissões médicas e afins” (MASCARENHAS, 1949, p. 42). Observase, assim, que o saneamento do meio era uma das atividades essenciais,
parte das ações de Saúde Pública, mesmo sob o abrigo de outras repartições
públicas3 (Merhy, 1987, p. 71).
O saneamento tornara-se um dos pontos mais discutidos e requisitados
por políticos e pela opinião pública, demanda vocalizada nos jornais de
1 Segundo Merhy (1987 apud MASCARENHAS, 1949), em 1891 o governo provisório paulista reorganizou a Inspetoria de Higiene, “[...] cujos serviços seriam desempenhados por um conselho de saúde
pública e uma Inspetoria Geral de Higiene”, que seria extinta em 1982 (Merhy, 1987, p. 70).
2 Segundo Mascarenhas (1949, p. 42), este conselho era composto por integrantes do próprio Serviço
Sanitário.
3 As obras de saneamento foram executadas, inicialmente, pela Comissão de Saneamento; depois, repassadas à Secretaria Estadual dos Negócios da Agricultura. Sobre o papel da Secretaria de Agricultura no
saneamento (BERNARDINI, 2007).
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época, como o Correio Paulistano4. O ambiente insalubre era inconveniente
para a população e para os negócios, como indicava a cidade de Santos.
Por ser a sede do principal porto de escoamento da produção cafeeira,
Santos estava infestada pelos agentes da febre amarela, o que amedrontava
o mercado internacional e afastava a chegada de imigrantes, estes essenciais
para manter a agricultura do café. A questão, portanto, assumia um forte
componente econômico; afinal, o saneamento asseguraria a manutenção da
agricultura de exportação.
Então, em 1892, o vice-governador José Alves de Cerqueira César
criou a Comissão de Saneamento do Estado de São Paulo, orientada para o
saneamento de Santos, São Paulo e outras localidades do estado – conforme
a Ata de Criação da Comissão de Saneamento de São Paulo, 1892. De
caráter temporário e emergencial, visava a oferecer apoio e solução às
localidades assoladas pelas epidemias, o que demandava intervenção
urgente. Junto à Comissão de Saneamento, a Comissão Sanitária atuava
de modo complementar e oferecia ajuda à população combalida pela febre
amarela (Campos, 2002).
Vencido o período mais crítico das epidemias, as comissões foram
extintas e os trabalhos voltados para saúde e saneamento prosseguiram no
interior do Serviço Sanitário que vinha estruturando enquanto repartição
pública; assim, em 1894, publicou o Código Sanitário, um conjunto de
normas e diretrizes que delineava as atribuições do órgão e regulamentava
as esferas da vida pública que seriam fiscalizadas pelo Serviço Sanitário.
Desde o início, o Serviço Sanitário nomeou diretores afinados de
perfil mais técnico do que político5 que promoveram sucessivas reformas
sanitárias, alterando ou incluindo novos tópicos no Código Sanitário.
Durante a vigência do Serviço Sanitário6 – em especial nas quatro décadas
iniciais –, as gestões mais significativas, conforme identificadas pela
literatura, estão representadas no quadro a seguir:
4 A análise da imprensa paulistana em fins de século XIX acerca do saneamento do meio encontra-se
no artigo “A cidade salubre e bela: propostas e planos para a capital paulista em fins do século XIX”
(CAMPOS, 2015).
5 A questão política também é um elemento importante a ser considerado para que se possa entender a
nomeação nesse posto diretivo. Muitos dos diretores do Serviço Sanitário tinham laços com a elite oligárquica paulista, como bem ilustra a nomeação de Geraldo Horário de Paula Souza, questão trabalhada
por Faria (2002). Conforme as fontes consultadas, somente Arthur Neiva não seria próximo da elite local.
6 Em 1938, passou a ser denominado como Departamento de Saúde do estado de São Paulo.
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Quadro 1 – Diretores do Serviço Sanitário (1898-1927)
Diretor
Período de gestão
Reformas realizadas
Emílio Ribas
1898-1917*
1896 – Garantiu ao governo estadual intervir nos serviços de
saúde municipais sempre que necessário. O Serviço Sanitário
firmou-se como órgão normativo para todas as atividades de
saúde pública.
1906 – Houve modificação da organização sanitária do estado,
com sua divisão em 14 distritos sanitários. Foram extintas todas
as atividades municipais de saúde pública.
1911 – A Reforma enfatizou os serviços municipais de
saúde, todos subordinados ao diretor do Serviço Sanitário.
Modernização do código no que diz respeito ao saneamento
do meio.
Arthur Neiva
1916-1920
1917-1918 – Inclusão do Código Sanitário Rural junto ao
Código Sanitário do estado. Criação do Serviço de Higiene
Rural.
1922-1927
1925 – Implantação de um novo modelo de organização
sanitária, e o Centro de Saúde era a principal instituição do
Serviço Sanitário. Criação do posto de Educadora Sanitária,
que deveria, por meio da educação, inculcar hábitos de higiene
na população. Postos de Profilaxia da Comissão Rockefeller e
do Serviço Sanitário, de caráter temporário, foram absorvidos e
efetivados como postos permanentes.
Geraldo
Horácio de
Paula Souza
Fonte: Adaptado de Mascarenhas (1949) e de Ribeiro (1993).
* Ausentou-se do Serviço Sanitário a partir de 1913 (MASCARENHAS, 1949).
Em linhas gerais, o Serviço Sanitário tomou para si a responsabilidade
da saúde pública do estado, tornando-se a autoridade sanitária à qual todos
os serviços deveriam reportar-se. Como autoridade sanitária, estabeleceu um
conjunto de normativas gerais obrigatórias para o controle e a manutenção
da salubridade. A unificação dos serviços e a nova legislação sanitária
foram realizadas na gestão de Emílio Ribas. Nas gestões subsequentes,
acrescentaram-se adendos, buscando-se ampliar a atuação do Serviço
Sanitário para as áreas rurais, de modo a alcançar os cafezais. Embora
fosse alvo da atuação do Serviço Sanitário, a zona rural paulista permanecia
fragilizada pelas endemias, o que facilitaria, mais tarde, a inserção da
Comissão Rockefeller nas regiões infestadas.
Os trabalhos no interior do estado ocorreram nas gestões Neiva e
Souza, cabendo a Arthur Neiva a organização das primeiras atividades nas
zonas rurais e também a elaboração do Código Sanitário Rural. Geraldo
Horácio de Paula Souza prosseguiu com a atuação no campo, tornando
permanente o controle de endemias, por meio da parceria entre o Serviço
Sanitário e a Fundação Rockefeller. Os programas rurais foram mantidos até
a transformação do Serviço Sanitário em Secretaria de Saúde na década de
1930, o que permitiu a regressão das epidemias. Ainda assim, as condições
de vida para as camadas mais baixas da população não melhoraram. Ao
longo dos anos 1920, a riqueza concentrou-se, como indica Ribeiro (1993).
A partir de dados relativos à cidade de São Paulo, a autora argumenta
que, se for verdade
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[...] que a mortalidade geral caiu, o mesmo não ocorreu com a
mortalidade por doenças infecto-contagiosas e transmissíveis,
grupo de doenças que reflete, mais do que qualquer outro, as
condições sanitárias encontradas pela população [principalmente
a urbana]. Depois de 1901, a participação dos óbitos por doenças
infecto-contagiosas no total de óbitos ocorridos em São Paulo
caiu de 20% para 17%, chegando, no período de 1901 a 1919, à
porcentagem de 14% sobre o total de óbitos. (RIBEIRO, 1993, p.
239, grifos nossos).
A queda da mortalidade, como demonstra o quadro a seguir, e a
organização de um sistema de saúde pública eficiente repercutiram nacional
e internacionalmente, inclusive junto ao International Health Board, o
qual, em 1916, percorrendo a América do Sul, buscava identificar possíveis
governos e instituições aptos a receberem auxílios da Fundação Rockefeller.
Tabela 1 – Coeficiente de mortalidade geral para ao estado de São Paulo
Período em anos
Coeficiente de Mortalidade Geral (por 1.000 hab.)
1894-1900
23,15
1901-1910
17,90
1911-1920
19,16
1921-1924
18,24
1925-1929
15,48
Fonte: Adaptada de Merhy (1987, p. 84).
As informações a seguir indicam os aspectos pelos quais o Serviço
Sanitário obteve destaque. Como parte do aparelho estatal de saúde, Luz
(1982, p. 19-20) elenca como relevantes os seguintes eixos a partir dos
quais o Serviço Sanitário se estruturou:
• Centralização: unificação e centralização institucional, em oposição ao
regionalismo.
• Higienização: imposição de regras de conduta pessoal, social e espacial.
• Origem social da doença: doença associada a fatores sociais, raciais,
espaciais, econômicos, entre outros aspectos.
• Atenção médica curativa: resposta institucional às condições estruturais
da saúde na sociedade.
• Campanhismo: percepção da dimensão coletiva de epidemias e
endemias que podem ser solucionadas por intervenções institucionais
temporárias maciças planejadas e conduzidas centralmente.
Segundo Merhy (1987), o Serviço Sanitário operou por meio
de campanhas sanitárias, de forte caráter policial e punitivo, as quais
pretendiam, sobretudo, disciplinar as camadas populares, consideradas as
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responsáveis pela precariedade sanitária. Nos tempos iniciais da gestão
de Emílio Ribas, o controle esteve centrado em: “[...] polícia sanitária e
ações autoritárias como a vacinação obrigatória e o isolamento de doentes”
(MERHY, 1987, p. 82). As alterações ocorreram somente na década de
1920, com os movimentos operários e durante a gestão de Geraldo Horácio
de Paula Souza. Naquele contexto, o Estado oligárquico tentou estabelecer
alguns consensos, devido ao acirramento dos conflitos sociais, sem perder,
contudo, o caráter repressivo e autoritário.
Nesse período, os preceitos da microbiologia orientavam a ação do
Serviço Sanitário, o que induziu a montagem de uma estrutura laboratorial
e de coleta de dados para assegurar suporte às campanhas sanitárias. Ainda
assim, em seu arcabouço, coexistia a orientação mesológica, como se pode
observar com a permanência do Serviço de Desinfecção (RIBEIRO, 1993,
p. 30-32). O Quadro 2 identifica os setores que garantiram o funcionamento
do Serviço Sanitário ao longo de sua existência.
Quadro 2 – Aparato institucional do Serviço Sanitário do estado de São Paulo
Instituição
Serviço Geral de
Desinfecção (1892)
Função
Desinfecção por meio de fumigações, como um meio de ataque às moléstias
transmissíveis. “Desinfecção de prédios públicos e privados, ralos, bocas
de lobo, ruas e praças públicas” (p. 30).
Existia serviço especial na Hospedaria dos Imigrantes.
Laboratório
Farmacêutico (1892)
Produção de desinfetantes e remédios, antes importados por firmas
particulares.
Laboratório
Bacteriológico (1892)
Organização da pesquisa científica. Realização de pesquisas sobre as
moléstias que acometiam o estado. Em 1895, foi transformado em Instituto
Bacteriológico.
Instituto Vacinogênico
(1892)
Seção de Estatística
Demografo-Sanitária
(1896)
Laboratório de
Análises Químicas e
Bromatológicas (1892)
Instituto Soroterápico
(1899)
Produção de vacina contra varíola.
Organização de dados sobre mortalidade geral de todo o estado. Divulgação
de dados meteorológicos para explicar o aumento ou decréscimo de
endemias e epidemias. “Coligir informações que servissem para avaliar ou
tomar conhecimento do grau de sanidade da capital e do interior” (p. 43).
“Análises de produtos alimentícios, bebidas, águas minerais e remédios.
Atividade com ligação estreita com a polícia sanitária” (p. 44).
Fabricação de vacinas e soros anti-pestoso.
Depois, foi transformado em Instituto Butantã.
Fonte: Adaptada de Ribeiro (1993, p. 25-51).
Outro fator distintivo no Serviço Sanitário é o empenho da oligarquia
paulista, na organização deste aparato. As tabelas a seguir indicam o total de
investimentos em saúde pública e saneamento, com destaque para os gastos
das secretarias de Interior e da Agricultura, responsáveis, respectivamente,
pelas ações de saúde e saneamento.
17
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Tabela 2 – Despesas das Secretarias Estaduais de São Paulo (1895-1925)
Ano
Secretaria do
Interior
Secretaria da
Agricultura
Secretaria da
Fazenda
Secretaria da Justiça
1895
8.716:374$685
23.787:622$033
8.429:454$458
9.174:206$845
1896
11.659:457$290
23.565:228$890
7.156:707$607
9.067:340$416
1899
9.130:509$222
6.433:259$109
11.360:343$670
9.825:162$189
1905
21.095:167$162*
17.367:141$687
73.398:075$624
-
1910
15.265:868$728
14.572:973$067
21.997:013$600
14.015:845$915
1915
24.404:417$335
21.315:765$411
26.883:414$761
20.052:846$027
1920
35.779:947$444
29.761:818$260
54.372:731$496
32.148:110$282
1925
74.870:737$973
163.791:592$155
406.686:740$474
58.135$326$529
Fonte: Adaptada das informações disponíveis nas Mensagens dos Governadores do Estado de
São Paulo7.
Tabela 3 – Investimentos em saúde pública como parte do orçamento do estado de São Paulo
(1892-1920)
Período
Porcentagem do orçamento
estadual médio, gasto com
saúde pública (%)
Gasto per capita com
saúde pública (mil réis)
Gasto per capita com
uso militar (mil réis)
1892/1900
23
0,87
3,19
1901/1910
15
1,03
3,70
1911/1920
13
1,45
3,33
Fonte: Adaptada de Merhy (1987, p. 70).
Tabela 4 – Despesas do governo paulista com saúde pública (1890-1906)
Período
Participação da despesa da saúde
pública na despesa total do estado
1890-1991
3,48%
Observações
1893
4,84%
Ano de montagem da estrutura do Serviço Sanitário.
1894
6,21%
Lançamento do Código Sanitário.
1896
2,49%
Ano de reforma sanitária.
1906
2,18%
1903
3,38%
Ano de aumento de verbas destinadas ao Instituto
Soroterápico.
1904
3,69%
Ano de aumento de verbas destinadas ao Instituto
Soroterápico.
1905
3,50%
1906
2,18%
Diminuição devido ao descenso das epidemias.
Fonte: Adaptada de Ribeiro (1993, p. 50-51).
7 Os números representam gastos totais das secretarias. Portanto, os valores das Secretarias do Interior e da
Agricultura envolvem também outros gastos, não exclusivamente com a saúde pública e o saneamento.
Na “Mensagem de 1905”, na despesa da Secretaria do Interior, inclui-se, também, a da Justiça. Conferir:
Center for Research Libraries (2015).
18
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Como indicado anteriormente, o aparato paulista facilitou a aproximação
do International Health Board, que investigaram iniciativas em saúde em
vários países latino-americanos8. O duplo propósito das iniciativas de São
Paulo – campanhismo e saneamento – convenceu a Comissão Rockefeller a
apoiar as ações locais (Candeias, 1984; Ribeiro, 1993), entre as quais
a criação da Cadeira de Higiene, como será analisado a seguir.
International Health Board, o
governo paulista e a conformação da
disciplina de Higiene e Saúde Pública
Cabe aqui, ainda que de modo sucinto, um breve relato acerca
da organização da Fundação Rockefeller e o seu direcionamento para
a filantropia em saúde de caráter internacional9. Segundo Marinho, a
Fundação Rockefeller foi organizada em 1913, fruto da reorganização das
ações filantrópicas mantidas pela família desde o final do século XIX. A
partir de Fosdick, analisa a concentração da Fundação nas áreas de educação
e saúde (Marinho, 2001, p. 14-19). Aspectos que já estavam delineados
anteriormente, com a criação do Instituto Rockefeller para Pesquisas Médicas
(1901) e da Junta de Educação Geral (1903), que atuara nos depauperados
estados do sul dos Estados Unidos (Marinho, 2001, p. 22).
A criação do International Health Board resultou dos trabalhos da Junta
de Educação Geral que já havia propiciado o estabelecimento da Comissão
Sanitária para a Erradicação da Ancilostomíase (1909). A Comissão, sob
a direção de Wickliffe Rose, atuara naqueles estados infestados com o
parasita intestinal. O alto grau de incidência do ancilóstomo, conhecido no
Brasil como Amarelão ou Opilação, levou a comissão a organizar
[...] o estabelecimento de uma campanha maciça de combate e
prevenção em onze estados sulistas. Subseqüentemente (sic), a
Comissão montou uma expressiva infraestrutura sanitária em
cooperação com as comunidades locais e respectivos órgãos
públicos, modelo que, posteriormente, seria levado para o
8 Segundo Korndörfer (2013, p. 95-96) e outros estudiosos sobre as relações entre o governo brasileiro e
a Fundação Rockefeller, a escolha do Brasil para início dos trabalhos da IHB deu-se pelas boas relações
diplomáticas existentes entre os dois países, além dos trabalhos que os brasileiros desenvolveram no
campo da saúde pública.
9 Desde a década de 1980, importantes pesquisadores brasileiros têm se dedicado ao estudo da cooperação
entre a Fundação Rockefeller e o governo brasileiro. Entre estes autores, destacamos: Labra (1985),
Castro Santos (1985, 1993) Marinho (2001, 2003, 2012), Ribeiro (1993), Faria (2002), cujos trabalhos
pioneiros trouxeram ao debate a questão da presença dessa fundação filantrópica internacional.
19
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exterior, sob a justificativa de identificação e combate aos
cinturões de enfermidade. (Marinho, 2001, p. 24, grifos
nossos).
O sucesso do programa adotado pela Comissão Sanitária, especialmente
pela eficácia e rapidez na obtenção dos resultados, determinou, lembra
Marinho, “[...] os rumos da filantropia da família Rockefeller, desencadeando
o processo de unificação dos organismos existentes em uma única e grande
fundação” (Marinho, 2001, p. 25)10.
Após trâmites de quatro anos no Congresso norte-americano, a
Fundação Rockefeller foi legalmente instituída em 1913. Desde sua criação,
adotou a premissa da enfermidade como causadora da miséria. Apoiada
nessa concepção, por décadas, empenhou-se no combate a diferentes
doenças, convencida de que suas ações contribuiriam para a erradicação da
pobreza.
A partir daí, a antiga Comissão Rockefeller para Erradicação da
Ancilostomíase foi transformada em Comissão Sanitária Internacional,
existindo entre 1913 e 1916. Depois, assumiu a denominação de
International Health Board (IHB), que prevaleceu até 1927, quando outra
reorganização da Fundação Rockefeller resultou na criação do International
Health Division (IHD) (Marinho, 2001, p. 28). Como indicam os estudos de
Cueto (1996) e Birn (2014), a Fundação Rockefeller assumiu, ao longo do
século XX, uma posição destacada no controle da saúde internacional, mais
tarde denominada saúde global.
Na América Latina, a Comissão Sanitária Internacional formou sua
primeira missão em 1915 com o objetivo de realizar estudos sobre as
“condições gerais de saúde pública e ensino médico da América Latina”
(Marinho, 2003, p. 53). No ano seguinte, constituiu-se o grupo que
deveria identificar “centros de ensino médico que pudessem ser apoiados
em uma perspectiva de complementar o trabalho da primeira comissão”,
(Marinho, 2003, p. 54)11, em contato com as autoridades brasileiras,
resultando daí os primeiros acordos de cooperação. Candeias (1984, p. 5)
assinala que a Fundação Rockefeller decidiu-se pela cooperação com o
Brasil em razão dos trabalhos desenvolvidos no combate à febre amarela e
da expertise na área da saúde pública.
Um trecho do relatório de Wickiliffe Rose, diretor do IHB, indica a
liderança que o país assumia na América do Sul como decisiva para que se
10 Marinho explica, ainda, que a Comissão Sanitária para a Erradicação da Ancilostomíase e o Instituto Rockefeller de Pesquisas Médicas realizaram o registro de várias descobertas científicas, que influenciariam
posteriormente o investimento da família em laboratórios e a formação de cientistas (MARINHO, 2001,
p. 24). Para uma abordagem mais detalhada da criação da Fundação Rockefeller. Conferir Marinho, 2001.
11 Em 1916, a Missão Rockefeller era composta por Richard M. Pearce, da Universidade da Pennsylvania,
Major Bailey Ashford, do Corpo Médico do Exército norte-americano, e por John A. Ferrel, da Fundação
Rockefeller (Candeias, 1984, p. 5).
20
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buscasse um acordo de cooperação com os brasileiros de modo a facilitar
a abertura das fronteiras de outros países para a Fundação Rockefeller
(Marinho, 2003, p. 53). Somam-se a esses fatores os interesses
econômicos. No período, o Brasil já havia se tornado um dos principais
fornecedores de café para os Estados Unidos, que era igualmente o principal
importador do produto brasileiro (SINGER, 1985; PINTO, 1977)12.
No caso paulista, os contatos com a Comissão Rockefeller renderam
dois acordos de cooperação. O primeiro, realizado com o governo estadual,
instituía a colaboração nas campanhas sanitárias no interior. O segundo
acordo promoveu a criação da Cadeira de Higiene junto à Faculdade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo (FMCSP)13. No caso específico da
Faculdade de Medicina, a aproximação ocorreu por meio de Alexandrino
Moraes Pedroso, professor da Cadeira de Histologia, que anos antes havia
sido aluno de Richard Pearce, na Universidade da Pennsylvania (Marinho,
2003, p. 20; MASCARENHAS, 1949, p. 73). Apesar destes indicativos,
a aproximação com o Serviço Sanitário ainda carece, no entanto, de uma
investigação mais apurada.
Segundo o Relatório Anual da Fundação Rockefeller de 1917, o
contato com São Paulo ocorreu no esteio das negociações com o governo
federal e do Rio de Janeiro. O documento registra que São Paulo convidou
o IHB para realizar um survey na cidade de Iguape, litoral sul do estado, em
campanha contra a ancilostomíase, para a qual o governo se comprometia a
custear metade das despesas (The Rockefeller Foundation Annual Report,
1917, p. 162). No final de 1916, segundo o relatório, o diretor do Serviço
Sanitário havia acertado com o IHB a organização de outra campanha para
São Paulo, bancando dois terços das despesas. De acordo com o documento,
o governo estadual comprometeu-se: “[…] to build up a permanent
sanitary, organization and to sanitate all areas in advance of examination
and treatment” (The Rockefeller Foundation Annual Report, 1917, p. 165).
Por outro lado, informações dos relatórios de governo para a Assembleia
Legislativa de São Paulo registram o acordo em 1916 com uma área de
atuação mais expandida em relação ao IHB, indicando provavelmente
avanços na cooperação:
Com o intuito de debelar a ankilostomose, o Governo de São
Paulo entrou em combinação com a Fundação Rockefeller, para
conjuntamente iniciarem uma campanha contra essa verminose,
que tantos estragos ocasionam a nossa população rural. Uma
comissão brasileira e outra norte-americana trabalharão em
12 Marinho (2003) indica que a chegada dos recursos da Fundação Rockefeller coincidiu com a presença
no território brasileiro de indústrias norte-americanas, nos setores farmacêutico, ferroviário e de carnes
enlatadas.
13 Conferir detalhes e especificidades do acordo em Marinho ( 2001, 2003).
21
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pontos diversos do Estado; e o Governo nutre esperanças de que a
Fundação Rockfeller procure resolver a sua benéfica ação em escala
mais ampla, não só no que concerne aos trabalhos de profilaxia,
como principalmente em trabalhos de investigação scientifica, em
colaboração com os institutos officiais de São Paulo. (CENTER
FOR RESEARCH LIBRARIES, 1917, p. 24-25).
A intenção de atuar de forma mais decisiva no interior de São Paulo
fortaleceu-se por volta de 191414. O redirecionamento da política de saúde
para a população rural pode ser identificado nos relatórios apresentados para
a Assembleia Legislativa. Primeiramente, com o lançamento do Código
Sanitário Rural, cujas normas pautariam a atuação dos agentes de saúde.
Em seguida, com o estabelecimento de órgãos responsáveis pelo controle
do espaço rural.
O relatório de 1915 expressa preocupação com o Código Sanitário
Rural:
[...] que encerre disposições relativas à proteção do solo,
dos mananciais, dos cursos d´agua, a correção de acidentes
topográficos geradores de focos de mosquitos, as construções
e a vida do campo, a polícia sanitária dos animais, para
impedir o desenvolvimento das epizootias transmissíveis ao
homem fará desaparecer de todo o impaludismo, a desinteria e
a ancilostomíase, moléstias facilmente evitáveis e, entretanto,
de tratamento longo, difícil e às vezes mesmo improfícuo.
(CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1916, p. 23).
Na Mensagem de 1916, a necessidade de um Código Sanitário Rural
reaparece, dessa vez, apontando para a urgência na erradicação da malária
que havia eclodido e causava transtornos na região de Villa Americana. O
Código Rural facilitaria a profilaxia do impaludismo e, com este instrumento,
“[...] poderiam ser tomadas medidas que facilitassem o combate a certos
males” (CENTER for Research Libraries, 1917, p. 24). O direcionamento
das políticas de saúde pública expressava, também, o desejo de se formar
técnicos para o trabalho na área e a importância da pesquisa científica como
aliada do Serviço Sanitário. O projeto de constituição de um “Instituto de
Higiene” é percebido na Mensagem de 1915, quando o Instituto Pasteur foi
14 Segundo Ribeiro (1993, p. 201), desde a descoberta do vetor da febre amarela, o Serviço Sanitário “[...]
andava a esmo, sem uma definição de que questões sanitárias tratar”, por “falta de rumo da política de
saúde”, mais preocupada com os problemas urbanos da capital, São Paulo, do que com os problemas sanitários rurais. A diretoria do Serviço Sanitário estava “acéfala” com os pedidos de afastamento e a saída
definitiva de Ribas em 1916. A autora ainda explica que Guilherme Álvaro, diretor interino do Serviço
Sanitário, foi o primeiro a constatar a situação da população rural do estado, atacada por verminoses,
tracoma e malária.
22
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incorporado ao Serviço Sanitário. No texto, o governador exprime o desejo
de criar a instituição:
Com a entrada desse novo departamento, ao qual será preciso dar
uma organização definitiva, fica fechado o ciclo da defesa do Estado
contra as moléstias transmissíveis. Pode-se iniciar agora a obra de
confederação dos vários estabelecimentos, para a constituição do
Instituto de Higiene de São Paulo. (CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES, 1917, p. 25, grifos nossos).
Para levar adiante a política de combate às moléstias da zona rural 15,
o governo de São Paulo convidou Arthur Neiva para assumir a direção do
Serviço Sanitário 16. Neiva apresentava as qualificações necessárias para
liderar o direcionamento do Serviço Sanitário, como a participação da
expedição junto com Belisário Penna e os trabalhos voltados ao Noroeste
do Brasil.
Neiva assumiu a direção do Serviço Sanitário em dezembro de 1916
17
, com a tarefa de conceber o Código Sanitário Rural e atuar no combate
às moléstias que afligiam as zonas rurais, especialmente impaludismo e
verminoses. Reorganizou o Serviço Sanitário (Lei nº 1.596, de dezembro
de 1917) e criou a Inspetoria do Serviço de Profilaxia Geral. Segundo
Mascarenhas (1949, p. 72) “[...] a esta repartição foram anexadas todas
as unidades sanitárias especializadas existentes no interior do estado, de
combate à malária e à ancilostomíase”.
Desse modo, na gestão de Neiva, abriram-se duas frentes de atuação
da saúde pública no interior paulista. Uma delas era exercida pelos técnicos
da Fundação Rockefeller e a outra pelo Serviço Sanitário. O acordo firmado
com o IHB previa a atuação no combate à ancilostomíase 18; e, ao final
do contrato, edificações, equipamentos seriam repassados para o Serviço
Sanitário. Já as unidades do próprio Serviço Sanitário atuavam no controle
15 Segundo Castro Santos (1993), o redirecionamento da política de saúde integrava a plataforma do governador Altino Arantes. A proposta baseava-se na criação de um Código Sanitário Rural para auxiliar o controle das endemias rurais e assim resguardar o trabalhador imigrante (Castro Santos, 1993, p. 375).
16 Médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, Neiva dedicou-se à pesquisa, ingressando no
Instituto de Manguinhos. Como pesquisador de Manguinhos, participou da famosa expedição com Belisário Penna, quando ambos tomaram contato com populações rurais do interior da Bahia. O trabalho de
saneamento rural junto à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) foi igualmente decisivo para sua
designação.
17 Arthur Neiva permaneceu na direção do Serviço Sanitário até abril de 1920 (MASCARENHAS, 1949, p. 26).
18 Korndörfer (2013, p. 123) esclarece: “[...] as atividades de combate à ancilostomíase não eram mais entendidas pela Fundação como atividades de demonstração do método intensivo, mas como preliminares
para a instalação de County Health Units. Estas unidades de saúde também eram unidades de combate
à ancilostomíase, porém, permanentes e não apenas para demonstração, e voltavam sua atenção para uma
série de outras doenças e atividades: malária, tracoma, lepra, doenças venéreas, vacinação, educação
sanitária, atividades relativas à saúde escolar, exames laboratoriais, coleta de dados epidemiológicos
e estatísticas vitais, por exemplo” (grifos nossos). As unidades passaram a existir quando os postos da
Rockefeller foram repassados ao Serviço Sanitário durante a gestão de Geraldo Horácio de Paula Souza
e reorganizados segundo o County Health Unit (Campos, 2005).
23
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da malária e do tracoma. Embora com o mesmo objetivo, essas duas frentes
diferiam pelo método de trabalho – e com pouca colaboração, como indicam
as fontes 19.
É possível, portanto, identificar certo desconforto e competição entre a
diretoria do Serviço Sanitário e os técnicos do IHB 20:
A campanha contra a ancilostomose no Estado de São Paulo foi
iniciada pelo Serviço Sanitário após o combate à endemia de
impaludismo que assolava num surto violento, várias zonas do
Estado [...]. Nos postos do Serviço Sanitário de São Paulo, não se
limita apenas à cura da ancilostomose, como procede a Comissão
Rockefeller. São tratados todos os indivíduos atacados de
verminoses. (Gonzaga; Lima, 1918 apud MASCARENHAS,
1949, p. 72).
A Mensagem de 1919 compara os resultados dos postos do Serviço
Sanitário com as do IHB, conforme sintetiza a Tabela 4.
Tabela 4 – Comparação dos resultados dos postos do Serviço Sanitário com as do IHB
Número de pessoas tratadas nos postos
do Serviço Sanitário
27.846, sendo 6.069 curadas da
ancilostomíase e 9.985 curados de outras
verminoses.
Número de pessoas tratadas nos Postos da
Rockefeller (Guarulhos e Atibaia)
3.990 curas de ancilostomíase e outras verminoses sobre
um total de 10.559 pessoas que receberam o tratamento.
Fonte: Adaptada de Center for Research Libraries (1919).
Apesar de resultados diferentes, as duas instituições estavam unidas
por algumas convicções, entre as quais, o saneamento como aliado no
enfrentamento das doenças, e parte da ação de saúde pública. A comissão
do IHB defendia que, junto ao tratamento, o “saneamento” deveria ser
realizado nas áreas atingidas, com a “construção de latrinas”, para evitar
a reinfestação das zonas rurais. “Melhorar o saneamento do campo” era a
saída almejada (BRANNSTROM, 2010, p. 29). O mesmo pode ser atribuído
ao Serviço Sanitário, que preconizava a importância do saneamento no
combate às verminoses e para o controle da malária.
No entanto, reincidência era bastante comum, visto que as campanhas
eram temporárias. Como os serviços eram transferidos para a municipalidade,
19 A Mensagem de 1918 indica que o Serviço Sanitário colaborou efetivamente com os técnicos do IHB:
“Em suas excursões ao interior, foi o pessoal da Fundação acompanhado por uma autoridade sanitária,
posta à sua disposição; e, para sede dos seus trabalhos, foi cedida na Diretoria Geral uma sala com outras
dependências convenientemente mobiliadas, tendo, além disso, o Serviço Sanitário facilitado, por todos
os meios possíveis, a sua humanitária ação entre nós” (CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1918,
p. 24). Além disso, todos os laboratórios do Serviço Sanitário estavam à disposição dos técnicos da
Rockefeller.
20 Em suas memórias, Arthur Neiva sutilmente critica o fato de que muitos brasileiros gostam de “macaquear” os norte-americanos, ou seja, copiá-los ao invés de investir nas ideias próprias (Neiva, 1927).
24
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muitas vezes o trabalho de prevenção não tinha prosseguimento, como
indica a Mensagem de 1919. Nela, o governo estadual espera que “[...]
as municipalidades mantenham as indicações deixadas pelo Serviço de
Profilaxia Geral, sem que obras tão dispendiosas tenham sido executadas
em pura perda”(CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1919, p. 24).
As duas instituições concordavam, também, que tais serviços deveriam
ficar sob o controle de uma instância maior, no caso, o governo do estado.
Sob a responsabilidade do governo estadual, os postos deveriam ainda
ampliar sua atuação para outros itens como vacinação, educação sanitária,
saúde escolar, coleta de dados estatísticos, exames laboratoriais, inspetorias
diversas, entre outros.
A ampliação das atribuições do posto era um dos objetivos do IHB,
como ressalta Korndörfer (2013, p. 123). Segundo Brannstrom (2010), as
unidades de saúde geradas pelo Serviço Sanitário e IHB marcam o início
das instituições voltadas para a administração da saúde municipal que,
na “Reforma Paula Souza” (em 1925), se tornariam Centros de Saúde,
constituindo-se, por sua vez, em novo eixo da organização sanitária do
estado (Ribeiro, 1993; Campos, 2002)21.
O convênio com a Fundação Rockefeller e o direcionamento do Serviço
Sanitário para o atendimento de moléstias e aspectos sanitários até então
desconsideradas representam um marco significativo. Em consonância com
o debate que ocorria também no exterior, como aponta Fee (1987), percebese que há a configuração de um campo do conhecimento na área da saúde
pública, para tal tornava-se necessário formar adequadamente o profissional
para atuar nesse campo e incentivar a produção de conhecimento da
disciplina.
A criação da Cadeira de Higiene em
São Paulo: ensino, pesquisa e formação
de quadros para a Saúde Pública
No início do século XX, São Paulo dispunha de uma estrutura de
laboratórios, fabricação de soros, vacinas e fármacos, recursos humanos,
Código Sanitário e corpo administrativo que articulava esses elementos
em um sistema de saúde, como apontado na primeira parte deste artigo.
Ao mesmo tempo, no âmbito da Fundação Rockefeller, parte de seu staff
discutia ativamente a importância de se estabelecer uma escola voltada
21 Durante a gestão de Geraldo Horácio de Paula Souza no Serviço Sanitário, todos os postos abertos pelo
convênio com o governo do estado passaram a ser de responsabilidade desta repartição estadual. Souza
era, sem dúvida, o homem da Fundação Rockefeller em São Paulo (CAMPOS, 2013).
25
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exclusivamente para a saúde pública, campo do conhecimento estreitamente
ligado ao contexto da Revolução Industrial, que acarretara o crescimento
descontrolado das cidades, acentuando as desigualdades sociais.
No interior dessa discussão, como veremos mais adiante, o grupo
identificava duas áreas aptas para o trabalho em saúde pública: Medicina
e Engenharia. São Paulo, sobretudo a capital, possuía instituições de
ensino superior, entre elas uma escola de Engenharia e uma faculdade de
Medicina, apesar de ainda não existir uma universidade22. Possuía, também,
os atributos necessários – administração sanitária, laboratórios e ensino
superior – que facilitaram sua escolha pela Comissão para a destinação de
recursos. Outros aspectos foram considerados, como indicou Korndörfer a
partir das manifestações de Wickliffe Rose:
[…] In the development of a public health program, the character
of the people upon whose co-operation it depends is fundamental.
The northern boundary of the state of São Paulo divides Brazil into
two sections presenting contrasts, with respect to populations, as
sharp as those between Mexico and the United States. [...] These
southern states [de São Paulo para o sul do Brasil], having the
advantage of a cooler and more variable climate and of a vastly
more virile population, have in their keeping the future of Brazil.
It is the self-reliant white man who is pushing back the frontier
and laying the foundations of a more progressive civilization. The
State of Sao Paulo is the center and soul of this movement, with
Rio Grande do Sul giving promise of becoming a worthy second.
The hope of the North lies in the South´s leadership, and in new
blood from these States and from Europe. (KORNDÖRFER, 2013,
p. 107, grifos nossos).
Além do crivo econômico, manifestava-se o caráter eugênico das
concepções da Fundação Rockefeller. E em outro trecho, Rose reafirmava a
importância dos estados do sul brasileiro: “[...] leadership in Brazil is in the
south, and so far as one can see, will remain there. The State of São Paulo is
at least fifty years ahead of the other states; Rio Grande bids fair to become
a strong competitor” (KORNDÖRFER, 2013, p. 108).
São Paulo reunia, portanto, elementos necessários para receber as
doações da Fundação Rockefeller e a escolha institucional privilegiou a
Faculdade de Medicina e Cirurgia23 e o primeiro acordo foi assinado em
22 Nos documentos do IHB, é comum que sejam encontradas referências à Universidade de São Paulo,
provavelmente referindo-se à Universidade Livre de São Paulo, instituição privada, criada em 1911 e que
manteve até 1917 um curso de Medicina. A atual Universidade de São Paulo foi criada em 1934, a partir
da reunião dessas faculdades e da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
23 Existe uma literatura acadêmica muito significativa sobre a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São
Paulo que é referência para o entendimento da implantação e da própria função social que desempenharia
anos mais tarde, entre os quais, estão Mota e Marinho (2009), Mota (2005), Dantes e Silva (2012).
26
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191824 (Candeias, 1984). Por ele, o IHB comprometeu-se a organizar e
a manter a Cadeira de Higiene por um período de cinco anos fornecendo
equipamentos, dois técnicos estrangeiros para organizar os trabalhos, duas
bolsas de estudo para formar dois brasileiros e uma quantia estimada entre
US$ 15 mil e US$ 20 mil. Em contrapartida, a Faculdade deveria arcar
com as despesas de aluguel e a adequação do prédio, e destinar a quantia
de US$ 3 mil anuais para manutenção. Ao final do contrato, o controle e a
responsabilidade sobre a “Cadeira” seriam integralmente da Faculdade de
Medicina (Marinho, 2003, p. 59).
Como assinalado anteriormente, os membros da Comissão Rockefeller
participavam ativamente de discussões sobre a estruturação do campo
disciplinar da Saúde Pública e estavam empenhados na criação de uma escola
que atendesse às demandas postas pela Higiene e Saúde Pública. Para Fee
(1987), este seleto grupo tencionava criar uma escola que formasse a elite
profissional e de referência na área da Saúde Pública. Para Wickiliffe Rose e
William Henry Welch, o trabalho em Saúde Pública não deveria mais depender
de cargos políticos e de pessoas sem qualificação. Afinal, lembra Fee (1987,
p. 1), a saúde pública nos Estados Unidos havia se institucionalizado junto
a órgãos públicos municipais e estaduais liderados, em muitos casos, por
profissionais sem qualquer treinamento na área. Era comum que as posições
fossem entregues a pessoas sem preparo técnico, mas sustentadas por alianças
políticas. Poucos possuíam habilitação para os cargos, sendo as profissões
d
e médico, engenheiro civil ou sanitarista25 as que mais se encaixavam nos
atributos requeridos. Assim, durante o século XIX,
[…] in that preprofessional period, public health was still largely the
province of amateurs and gentlemen; voluntary groups dedicated
to a wide variety of social and health reforms often goaded
reluctant officials into activity. Thus, the reform commitments of the
voluntary groups and the political interests of appointed officials
shaped public health activities more directly than did scientific
knowledge. (Fee, 1987, p. 2).
Para oferecer uma base de conhecimento mais qualificada, o staff
reunido pelo General Education Board estipulou três metas: “[…] to
remove public health from direct political control, to define the necessary
knowledge base for public health practice, and to outline the educational
24 Como destacado por Marinho (2003), na documentação sobre os acordos entre as duas instituições constam, sucessivamente, “Cadeira de Higiene, Laboratório de Higiene, Departamento de Higiene e Instituto de Higiene”. Este não foi o único acordo realizado entre a Fundação e a Faculdade de Medicina.
Em 1924, a “Reforma Pedro Dias da Silva” reestruturou todo o ensino da escola (MARINHO, 2003).
25 Segundo Fee (1987), nas primeiras décadas do século XX os engenheiros sanitaristas galgaram posições
ao contribuir para a criação de infraestruturas como redes de águas e esgotos, depuração de águas para
abastecimento, soluções para resíduos sólidos. Conferir, também, Melosi, 2000.
27
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system needed to train a new profession” (Fee, 1987, p. 3-4). Na visão
do grupo, o profissional da Saúde Pública deveria dominar um conteúdo
variado, mas essencial para o desenvolvimento da profissão, com noções de
bacteriologia, epidemiologia, engenharia sanitária, estatística, administração
e direito, ciências sociais dentre outras.
Após muitas discussões, inclusive em torno de qual universidade norteamericana deveria abrigar a instituição, decidiu-se que a Fundação Rockefeller
apoiaria financeiramente a criação de uma escola de Higiene e Saúde Pública
junto à Universidade Johns Hopkins, localizada em Baltimore, Maryland.
Fundada em 1916, a escola serviu de modelo para as outras instituições de
ensino em Higiene e Saúde Pública que a própria Fundação Rockefeller
apoiaria em todo mundo, inclusive em São Paulo (FEE, 1987).
Nesse sentido, Rose e Welch estabeleceram os princípios gerais que as
escolas deveriam seguir, entre os quais estavam as premissas que guiaram a
organização da Cadeira de Higiene em São Paulo, como:
[...] - atribuição de um mesmo peso tanto aos aspectos científicos
da Higiene como à tarefa prática de preparar candidatos para
ocupar cargos de Saúde Pública;
- previsão de cursos teóricos e práticos para sanitaristas, em regime
de tempo integral [...] reconhecimento de que o aspecto prático
do preparo do pessoal não deveria obscurecer a concepção da
Higiene como Ciência e Arte, cujo campo se considerava mais
amplo do que sua aplicação à administração da Saúde Pública –
deste modo, a função principal da instituição deveria prender-se
ao desenvolvimento do espírito de investigação e ao processo do
conhecimento;
- coordenação entre a Escola de Saúde Pública e Escolas ou
Departamentos de Ciências Sociais [...] tendo em vista os
numerosos pontos de contato entre problemas sociais e problemas
de saúde pública;
- individualidade própria – embora intimamente relacionada com a
Universidade e a Faculdade [...] deveria manter bases próprias [...]
acentuando sua própria individualidade [...] devotada exclusivamente
a aspectos científicos e práticos da higiene [...] contando com prédio
e corpo docente próprios [...]. (Candeias, 1984, p. 3-4).
É interessante observar como estes objetivos permaneceram na
estrutura do Instituto de Higiene, organizado pelo contrato de 9 de fevereiro
de 1918, e regido pelas seguintes atribuições:
I - realizar o curso de higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia
de São Paulo de acordo com as exigências do ensino dessa
cadeira, e bem assim os cursos de aperfeiçoamento técnico para
28
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os funcionários do Serviço Sanitário de habilitação profissional
para enfermeiras e visitadoras de saúde pública e outros especiais
que venham a ser instituídos por lei, ou que o Governo repute
necessário;
II - efectuar pesquisas científicas de caráter geral ou local e nas
matérias de atribuição e competência, prestar inteira colaboração
com o Serviço Sanitário;
III - verificar os soros e vacinas expostos à venda e estabelecer a
padronagem destes;
IV - orientar o ensino popular de higiene e a propaganda sanitária
em geral. (MASCARENHAS, 1949, p. 87).
Tal como estava no contrato, a Cadeira, depois Instituto de Higiene,
seria dirigida por um técnico norte-americano até que os bolsistas brasileiros
finalizassem seus doutoramentos na Johns Hopkins. O primeiro a dirigir o
órgão foi Samuel Taylor Darling, que contava com o apoio do também norteamericano Wilson George Smillie26. Sob a direção de Darling, o Instituto
avançou significativamente no desenvolvimento de pesquisas em Higiene e
Saúde Pública (Chaves-Carballo, 2007). Ao produzir a biografia de
Darling, Chaves-Carballo, dedicou um capítulo ao período que o pesquisador
esteve em São Paulo. Concentrado em suas atividades no Instituto de
Higiene, enquanto aguardava a chegada do material importado para equipar
o laboratório, Darling realizou pesquisas de campo em São Paulo, seus
arredores e no interior paulista. Nestas localidades, inspecionou sistemas de
abastecimento e tratamento de água, sistemas de disposição de lixo e esgotos,
visitas que o auxiliaram a “[...] se familiarizar com o status da saúde pública
local” (Chaves-Carballo, 2007, p. 113). Darling colocou em prática
a definição de Saúde Pública que o IHB preconizava, como exemplificou
Fee (1987): um campo do conhecimento preocupado com a manutenção
da saúde coletiva, utilizando o repertório técnico de várias disciplinas. Um
exemplo das características do campo pode ser identificado nas atividades do
Laboratório de Higiene com o estudo de doenças recorrentes – por exemplo
“[...] ancilostomíase, malária, febre amarela e dengue – e com análise de água,
exame de leite, higiene industrial, inspeção sanitária, saneamento do meio,
entre outros temas e objetos” (Chaves-Carballo, 2007, p. 115-116). E,
assim como em Johns Hopkins, também em São Paulo médicos e engenheiros
compunham o perfil profissional desejado para receber formação em Higiene
e Saúde Pública (FEE, 1987).
O IHB, por sua vez, tencionava que a escola de São Paulo se
empenhasse, também, na formação de profissionais qualificados a ocupar
26 Sobre estes dois cientistas norte-americanos em São Paulo, ver os trabalhos de Candeias, 1984; Vasconcellos, 1995; Campos, 2002; Marinho, 2012. Recentemente, Darling foi objeto de uma pesquisa detalhada (Chaves-Carballo, 2007).
29
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postos nos serviços de saúde. A Junta pretendia, ainda, transformar a escola
paulista em um centro de referência na formação de profissionais para as
repartições de saúde do Brasil (Chaves-Carballo, 2007, p. 112). A
orientação conferida pelo IHB ao Instituto de Higiene, implementada por
Darling e depois por Smillie, sofreria alterações substanciais em 1922,
quando Geraldo Horácio de Paula Souza assumiu a direção da instituição.
Chaves-Carballo (2007) considera que houve um redirecionamento do
Instituto, alteando-se enfoque com a introdução de novas disciplinas, temas
e questões. Trata-se, contudo, de um uma afirmação complexa, cuja análise
demanda novas investigações.
Considerações finais
Para entender o processo de institucionalização da Higiene e Saúde
Pública em São Paulo, é necessário retroceder, de modo a se observar
como o governo do estado estruturou seu aparato estatal de saúde pública.
Expulsar as doenças epidêmicas que assolavam o estado foi uma tarefa
assumida pelo governo republicano logo após 1889, que temia um recuo
nos negócios da lavoura de exportação. Vultosas somas foram gastas para
a estruturação do Serviço Sanitário, assim como outras despesas relativas
ao saneamento do meio. Os esforços para a construção desse aparato de
saúde pública chamaram a atenção da Fundação Rockefeller, interessada
em apoiar iniciativas dessa natureza.
Inicialmente, o convênio firmado estabelecia parceria com o Serviço
Sanitário para as campanhas de combate à ancilostomíase. Pouco depois,
outro convênio foi firmado para a criação de uma Cadeira de Higiene anexa
à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. O International Health
Board (IHB) da Fundação Rockefeller pretendia desenvolver o campo
profissional e científico da Higiene e Saúde Pública em São Paulo, voltado
para pesquisas na área e também para a formação de quadros qualificados
aos serviços de saúde. Com funcionários especializados em Saúde Pública,
os membros do IHB pretendiam evitar que a administração dos serviços
de saúde fosse realizada por profissionais desqualificados, muitas vezes
empossados por intermédio de conchavos políticos. Tal prática comprometia,
a seu ver, os destinos da saúde pública (FEE, 1987).
A ação do IHB em São Paulo constituiu-se um marco no campo da Saúde
Pública enquanto prática profissional e área disciplinar por meio do Instituto
de Higiene. O órgão se destacou como responsável pelo desenvolvimento de
pesquisas e pela formação de profissionais que atuaram nas esferas públicas
e no âmbito privado. O IHB temia a interferência da política nas práticas
de saúde pública, mas, ironicamente, a política determinou os rumos do
30
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Instituto de Higiene de São Paulo. E, como indica Chaves-Carballo (2007),
eventos inesperados, como o falecimento de Arnaldo de Carvalho e a
ascensão de Geraldo Horácio de Paula Souza, levaram o instituto a certo
distanciamento do modelo inicial proposto.
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Baeta Vianna, O Laboratório
de Bioquímica e a Fundação
Rockefeller na Faculdade
de Medicina de Belo
Horizonte (1913-1964)
Rita de Cássia Marques
Anny Jackeline Torres Silveira
Devo dizer que, quando se escrever a história do desenvolvimento
do ensino médico no Brasil, um grande e merecido capítulo deverá
ser dedicado ao professor Baeta. Dizem que ele foi aos EE.UU,
em 1924, bolsista da Fundação Rockefeller e lá permaneceu em
espírito. Sabemos que ele voltou e se casou com a dona Bioquímica
para criar boa família. Seja como for, é difícil encontrar alguém
no Brasil, no campo da Bioquímica, que não tenha sido, direta ou
indiretamente, seu discípulo. Não é por acaso, mas sim pela atuação
do Prof. Baeta, que o Brasil possui o maior número de bioquímicos
destacados que todo o resto da América Latina, e desde o Rio
grande do norte do México até a Patagônia.
(WATSON, 1961).
Este texto examina o desenvolvimento do campo da Bioquímica
no Brasil, elegendo dois atores e um cenário: os atores são o médico e
pesquisador mineiro Baeta Vianna e a Fundação Rockefeller; o cenário
a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais entre
os anos de 1913 e 1964. Nosso interesse é examinar como a formação e
atuação de Baeta Vianna – entusiasta do laboratório no ensino médico e um
dos primeiros professores da Faculdade de Medicina da UFMG a aprimorar
seus estudos nos EUA, com bolsa concedida pela Fundação Rockefeller – e
a atuação da própria Fundação impactaram na adoção de novas práticas e na
formação dos estudantes da referida faculdade, favorecendo a implantação
de um ethos científico, tanto no âmbito do ensino como da pesquisa.
Professor da então Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, Baeta
Vianna é visto por diversos membros da comunidade acadêmica como um
dos pais da Bioquímica no Brasil, tendo formado diversas gerações de
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bioquímicos e de clínicos, os quais, espalhados por diversas instituições
brasileiras, transformaram o cenário da pesquisa biomédica no país1. Sua
influência sobre gerações de bioquímicos está intimamente ligada ao papel
desempenhado na difusão do recurso aos métodos e práticas laboratoriais no
ensino da medicina brasileira.
Natural da cidade mineira de Bonfim, José Baeta Vianna, ingressou
na terceira turma da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 1913,
formando-se em 1919. Seu envolvimento com o laboratório começou logo
no início do curso médico, quando foi aluno de Alfred Schaeffer, químico
alemão e primeiro diretor do Laboratório de Análises Químicas do Estado de
Minas Gerais. Pioneiro no estado, o laboratório, cuja criação foi prevista já em
1895, foi inaugurado em 1911. Além de funcionar como auxiliar no serviço
sanitário de Belo Horizonte – recém-edificada – o laboratório também tinha
por função potencializar a produção e a exploração das riquezas do Estado. A
disposição do governo mineiro em contratar um profissional com experiência
em química de alimentos se justificava pelo aumento da produção leiteira e as
perspectivas de exportação dos produtos de origem agropastoris. Schaeffer foi
escolhido para dirigir o laboratório, mediante um edital internacional lançado
pelo governo de Minas Gerais, por atender à expectativa, visto que havia
sido responsável pelo Laboratório Químico e Bacteriológico Experimental
da Associação das Fábricas de Laticínios da Alemanha, em Hannover. Além
de sua experiência, a decisão pela sua contratação também refletia o “boom”
alcançado pelo desenvolvimento da pesquisa química na Alemanha no
alvorecer do século XX. Por seu turno, segundo Schaeffer (1994), a geografia
do território mineiro havia contribuído para a decisão do pai, um entusiasta
do montanhismo, em candidatar-se ao posto oferecido pelo governo mineiro.
Vale mencionar que o desenvolvimento da Bioquímica no Brasil no
decorrer do século XX muito deveu à atuação de laboratórios extraescolares.
Conforme afirma Rheinboldt (1994), o estabelecimento de laboratórios
químicos em estruturas civis e não mais militares, como no século XIX,
foi fundamental para o desenvolvimento da disciplina e da realização das
primeiras operações químico-industriais no Brasil, e o Laboratório de
Análises Químicas do governo mineiro enquadrava-se nessa categoria. A
presença de instituições dessa natureza aponta que já nas décadas iniciais do
século XX a capital mineira contava com algumas estruturas que favoreciam
a pesquisa científica, revelando uma dinâmica local no que se refere ao
desenvolvimento científico semelhante àquela que Silva (2014) identifica
em São Paulo para o início do século XX.
1 Entre outros: Wilson Beraldo, Carlos Ribeiro Diniz, Giovanni Gazzinelli, Marcos dos Mares Guia,
Armando Neves, Dagger Moreira da Rocha, Enio Cardillo Vieira, Eurico Alvarenga Figueiredo, Olga
Bohomoltz, Sales Jesuino, Sebastião Baeta Henriques, Aulo Pinto Viegas, Bernardino Ladeira, Geraldo
Siffert de Paula e Silva, João Batista Veiga Sales, José Benjamin Soares, José Leal Prado de Carvalho,
Maria Tofani, Oswaldo Coelho, Salomão Corrêa da Silva e Thales Gonzaga de Barros, Joaquim Romeu
Cançado, José Bartolomeu Grecco, João Galizzi etc.
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A idealização e organização do Laboratório de Análises Clínicas esteve
inicialmente a cargo de Cícero Ferreira, professor da Faculdade de Medicina
e Diretor de Higiene de Belo Horizonte nos primeiros anos da capital. A Lei
nº 579, estabelecendo sua criação, foi sancionada pelo presidente do estado,
Wenceslau Braz, em 22 de setembro de 1909. Nela, definiam-se as atribuições
da nova instituição: “[...] regular o comércio de águas minerais, de laticínios
e conservas, quer de produção do Estado, quer fora dele, e de impedir e
proibir a venda daquelas que forem alteradas, falsificadas ou adicionadas de
matérias estranhas” (BRASIL, 1924, p. 7). Além disso, cabia ao laboratório:
a inspeção/fiscalização constante feita em fábricas, depósitos e casas
comerciais, por agentes do governo; a análise bromatológica dos produtos
apreendidos; a designação, nos invólucros dos produtos, da procedência da
mercadoria, do nome da fábrica ou do fabricante, da análise realizada, da
marca da fábrica e do selo de garantia; regulamentação do comércio de
margarina e de outras substâncias com as quais que se costumava fraudar
produtos puros; a designação de percentagem máxima de tolerância para os
agentes e conservação entre outros. Sancionada a lei, as providências para
implantar o laboratório couberam a Cícero Ferreira, então funcionário da
Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização.
Em carta a ele dirigida e datada de 9 de novembro de 1910, Schaeffer
solicitava autorização para a compra de equipamentos na Alemanha; discutia
a implantação física do laboratório; questionava sobre a possibilidade de
aquisição de produtos químicos na capital mineira ou no Rio de Janeiro;
e sugeria a Cícero Ferreira que sua contratação se desse a partir de 1º de
janeiro de 1911, uma vez que:
[...] a aquisição escrupulosa e a experimentação dos aparelhos do
laboratório, assim como os preparativos de minha viagem tomarão
o meu tempo a partir deste momento, de modo que não me será
possível continuar no meu emprego atual, o qual deverei abandonar
a partir de 1º de janeiro de 1911. [...] Outrossim, seria de grande
conveniência que o governo me autorizasse a comprar a instalação
do laboratório até uma quantia de 25.000M (vinte e cinco mil
marcos), sem prévia remessa de orçamento, pois que neste caso se
ganhariam pelo menos dez semanas.
Na planta do futuro laboratório que lhe pedi, devem ser marcados
os lugares das chaminés, o que é importante para desviar os
gases. Existem na casa onde há de funcionar o laboratório adegas
aproveitáveis? Existe no Rio de Janeiro uma casa de produtos
químicos onde se possam encontrar ácidos concentrados, éter
e álcool puro? Pode-se obter em Belo Horizonte, talvez nas
farmácias, maiores quantidades de água destilada e eventualmente
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a que preço? Se esta fosse demasiadamente cara, devia-se comprar
um aparelho de destilação. Podem-se obter ali armários frigoríficos
de boa construção, assim como gelo artificial? Com que corrente
trabalha a instalação elétrica da prefeitura: corrente contínua ou
corrente alternada, e com que voltagem? (SCHAEFFER, 1910) 2.
Acertadas todas as condições, Alfred Schaeffer começou a exercer suas
atividades no Laboratório de Análises Químicas no dia 1º de maio de 1911.
Nesse laboratório, Schaeffer procedeu inúmeras análises bromatológicas,
especialmente do leite e seus derivados, mas também análises mineralógicas
de terras, águas e produtos industriais, além daquelas de caráter toxicológico
e judiciário, demandadas pela medicina legal e ainda análises demandadas
por particulares (FIGUEIREDO, CHAVES; MARQUES, 2007). Pouco
depois, Schaeffer foi contratado como professor da Faculdade de Medicina
de Belo Horizonte, em 26 de janeiro de 1913. O novo compromisso dava
a ele a missão de reger a cadeira de Química Analítica aos alunos do curso
médico (CAMPOS, 1961, p. 65). Segundo avaliação feita por membros da
Fundação Rockfeller, era um “curso de alta qualidade”, e seu laboratório
era o melhor e mais bem equipado da faculdade (GLICK, 1994, p. 480).
Schaeffer também foi lente da Escola de Engenharia e, segundo Pedro Sales,
suas aulas nas duas instituições “[...] fizeram época em Belo Horizonte”
(SALES, 1997, p. 118). A avaliação positiva das cadeiras ministradas por
Schaeffer era um reflexo do fato de seguir métodos análogos aos das escolas
europeias, mesclando aulas teóricas e práticas, nas quais os alunos repetiam
e desenvolviam as experiências fundamentais da disciplina de forma
individual e fixa nas bancadas do laboratório.
Foi nesse ambiente que o recém-ingresso aluno Baeta Vianna travou contato
com o mestre alemão. Embora curta, a convivência de Baeta Vianna com Alfred
Schaeffer na Faculdade de Medicina foi bastante proveitosa e permanecerem
amigos por toda a vida, conforme registros em cartas e fotografias. Certamente,
o entusiasmo de Baeta pela análise química e a valorização de sua importância
e dos métodos que poderiam ser utilizados para solucionar problemas médicos,
foram gestados a partir dos ensinamentos e da convivência com Schaeffer.
Assim, “[...] essa influência germânica sobre Baeta Vianna contribuiu para que
no Departamento houvesse uma escola rigorosa de respeito aos aparelhos e aos
métodos então utilizados” (PRADO, 1975).
Infelizmente, em 1917, com a entrada do Brasil na Primeira Guerra
Mundial, a situação de Schaeffer se tornou vulnerável, como de resto se daria
com a comunidade de alemães que se achavam radicados no Brasil naquele
período. Schaeffer rescindiu seu contrato com a Faculdade de Medicina e
2 Trata-se de uma tradução para o português feita pelo engenheiro Fr. De Jaegher, que residia em Belo
Horizonte e tinha estado com Alfred Schaeffer em Hamburgo, na Alemanha, tratando da transferência do
químico para o Brasil. De Jaegher intermediou as negociações entre Schaeffer e Cícero Ferreira.
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com o laboratório estadual. Nos dois cargos, Schaeffer foi substituído pelo
farmacêutico Annibal Teotônio Baptista (PIRES, 1927), este que, em seu
primeiro relatório à frente do Laboratório de Análises do Estado, afirmava ser
um honrado discípulo do químico alemão (MINAS GERAIS, 1918, p. 37).
Ao se formar, Baeta Vianna, recebeu o Prêmio Oswaldo Cruz como
melhor aluno e recebeu, das mãos de Lewis Hackett, fellowship da
Fundação Rockefeller, uma bolsa de estudos (BAETA VIANNA, 1961, p.
10); mas, antes de viajar aos EUA, tornou-se preparador de química médica,
encarregando-se das funções que antes eram de Schaeffer: preparação
dos laboratórios e a parte prática da disciplina de Química Médica. Com
o interesse voltado para a química, Baeta preparou a tese “Contribuição
à microquímica dos lipóides e novo processo de microdosagem da
cholesterina”, para concorrer a uma vaga de professor na Faculdade de
Medicina. Esse estudo se desenvolveu no Posto de Observação e Enfermaria
Veterinária.
Criado pelo governo estadual em reposta a uma solicitação de Oswaldo
Cruz, o Posto de Veterinária tinha como objetivo a observação de animais
com suspeita de moléstias que eram investigadas pela filial do Instituto de
Manguinhos instalado em Belo Horizonte e dirigido por Ezequiel Neves,
discípulo de Oswaldo Cruz e também professor da Faculdade de Medicina.
O argumento usado por Oswaldo Cruz para convencer o governo mineiro
foi a Peste da Malqueira. Em carta enviada às autoridades estaduais em
março de 1910, ele planejava a anexação do posto à filial de Manguinhos,
inaugurada em agosto de 1917. A enfermaria veterinária devia instalar-se
na Fazenda do Leitão, onde, segundo Magalhães (1967, p. 195), seriam
examinados os animais suspeitos “[...] e onde se fariam experiências em
grandes métodos profiláticos e terapêuticos”. Assim, caso o projeto fosse
implementado, dizia Cruz: “[...] o estado de Minas poder-se-á ufanar de
ter sido o primeiro a ter uma instalação científica para auxiliar a indústria
pastoril” (MAGALHÃES, 1967, p. 195).
Como o argumento de Oswaldo Cruz foi convincente, em 1911 o Posto
de Veterinária foi inaugurado sob a direção de Henrique Marques Lisboa,
outro discípulo de Cruz, um “Filho espiritual de Manguinhos” e também
professor de História Natural na Faculdade de Medicina (FIGUEIREDO,
CHAVES; MARQUES, 2007).
A tese de Baeta Vianna, foi apresentada à Congregação da Faculdade
de Medicina no dia 2 de outubro de l922, como exigência do concurso para
preenchimento de uma vaga na Cadeira de Química Médica (orgânica e
Biológica). Aprovado, foi empossado em fevereiro de 1923, como professor
substituto. É possível supor que ele tenha sido o primeiro brasileiro a ter
recebido o título de doutor por seu trabalho em Bioquímica (HENRIQUES,
1995), pois o assunto da tese era pouco explorado pelos médicos e estudantes
até aquele período.
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À medida que avançava em sua trajetória profissional, o vínculo
de Baeta Vianna com o laboratório ficava cada vez mais forte. Após sua
formatura, trabalhou no Instituto Radium (atual Borges da Costa), primeiro
hospital para o tratamento do câncer da América Latina, inaugurado em
Belo Horizonte no ano de 1922. Além do atendimento terapêutico, o hospital
havia sido planejado como espaço de pesquisa quer no uso do radium como
de outras substâncias para o tratamento da doença:
O novo Instituto tem como objetivo o estudo do radium e demais
substâncias radioativas, as aplicações terapêuticas do radium e dos
raios X, o estudo, pesquisas científicas e tratamento do câncer,
moléstias afins e afecções pré-cancerosas; o estudo e pesquisas
científicas no sentido do progresso da cirurgia moderna. Como
elemento indispensável à realização desse elevado objetivo,
manterá o Instituto um hospital modelo com uma seção para
doentes pensionistas e enfermarias para os dois sexos. Quanto à
parte científica, haverá no Instituto um Laboratório AnátomoPatológico, um de Microbiologia, um de Química Biológica, um
de Radiologia e o de Radium. (MINAS GERAIS, 1922, p. 24-25).
A atuação de Baeta Vianna no hospital não estava associada à clínica,
mas sim ao laboratório, como chefe do Serviço de Química Biológica. A
nova frente de trabalho abria-lhe, então, a oportunidade da aplicação prática
dos seus conhecimentos de laboratório na clínica médico-cirúrgica. Com a
colaboração de Baeta Vianna e de José Ferola 3, isto é, com base na química e
na radiologia mais aperfeiçoada, que permitiam diagnósticos mais precisos,
Eduardo Borges da Costa, fundador do Instituto Radium começou a praticar
as gastrectomias largas, seguidas de gastro-jejuno-anastomoses.
Assim que assumiu seu posto na Faculdade, iniciando a carreira de
jovem professor, Baeta Vianna seguiu para aos EUA com a Bolsa de estudos
concedida pela Fundação Rockfeller, agência de caráter filantrópico,
dedicada à saúde e à educação, criada em 1913. As relações entre a Faculdade
de Medicina de Belo Horizonte e a Fundação Rockfeller remontam a 1916,
quando essa instituição empreendeu sua primeira expedição ao estado no
combate à ancilostomíase, iniciada no município de Capela Nova (MG).
Naquela ocasião, Baeta Vianna teve seu primeiro contato com a agência
americana ao participar da expedição como acadêmico, provavelmente
envolvido na realização de exames laboratoriais para a detecção da
verminose. O prêmio estava relacionado com o desempenho de melhor
aluno e a seu desempenho ligado aos laboratórios. Baeta correspondia ao
perfil desejado pela Fundação que incentivava a prática científica no ensino
3 José Ferola (1901-1993) é médico e um dos pioneiros da radiologia em Minas Gerais, com atuação no
Hospital São Vicente, atual Hospital das Clínicas da UFMG (Sales, 1997, p. 92).
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médico. Como professor, ele poderia ajudar na implantação do projeto
Rockefeller na Faculdade. E, para isso, foi para os Estados Unidos:
Na Universidade de Harvard, trabalhou com Folin, o conhecido
bioquímico que inventou o clássico método de dosar glicose, o
método de Folin-Wu. Estagiou também na Universidade de Yale,
trabalhando com Mendel, especialista em química dos chamados
processos fisiológicos [...]. Esse estágio na Harvard e Yale deram
ao mestre Baeta Vianna as bases seguras de apoio que resultaram
na criação da Bioquímica em Minas Gerais e no Brasil. [...] Baeta
Vianna recebeu influência de seus mestres em Havard, disciplina de
trabalho, uso dos métodos quantitativos em Bioquímica e o grande
prazer de conviver com os alunos. (BERALDO, 1986, p. 246).
O recurso a métodos quantitativos e o prazer da convivência com os
alunos não eram de todo novidade na vida de Baeta, mas certamente foram
fortalecidos depois da experiência americana. Havia um grande debate
em torno da necessidade de revisão do ensino e de suas práticas naquele
momento, e a Universidade de Harvard foi um importante espaço dessa
renovação, especialmente com a proposição, as novas teorias e os métodos
reunidos no que ficou conhecido como movimento da Escola, protagonizado
por John Dewey e toda uma linhagem de filósofos pragmáticos americanos.
Esse movimento se opunha à escola e ao ensino tradicionais, centrados na
figura autoritária do professor. O aluno passava a ser protagonista; assim,
a democracia era princípio. E a concepção da aprendizagem considerada
como ampliação de uma experiência partilhada, favorecedora da promoção
do capital social e do estabelecimento das bases de uma aprendizagem
permanente (BRANCO, 2014).
A Educação Progressiva teve grande repercussão nos EUA e na
reformulação dos currículos, influenciado fortemente a área médica.
Nos anos de 1920, quando Baeta foi para a América, estavam em curso
as reformulações no ensino médico, implementadas a partir do Relatório
Flexner4. Produto da avaliação realizada por Abraham Flexner em
cerca de 155 escolas médicas nos Estados Unidos e Canadá, o relatório
concluía que apenas 31 delas apresentavam condições suficientes para a
formação de um bom profissional, criticando a qualidade medíocre e os
fins lucrativos da maioria das instituições e dos professores (SANTOS;
NASCIMENTO; BUARQUE, 2013). Para resolver esse problema Flexner,
4 Medical Education in the United States and Canada – A Report to the Carnegie Foundation for the
Advancement of Teaching, [New York: Carnegie Foundation for The Advancement of Teaching; 1910.
(Bulletin, 4)], de autoria do pesquisador social e educador norte-americano Abraham Flexner (18661959). O texto desse Relatório fundou um novo paradigma biomédico que, “[...] estendendo-se a outros
campos de conhecimento, consolidou a arquitetura curricular que hoje predomina na rede universitária
dos países industrializados” (ALMEIDA FILHO, 2010).
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propunha que as escolas médicas deviam enquadrar-se ao rigor científico,
através da imposição das seguintes medidas: integração das escolas médicas
às universidades e hospitais-escolas, favorecendo a aproximação com as
ciências básicas, a experimentação e a prática clínica; estabelecimento de
rigoroso controle de admissão; turmas reduzidas, currículo de quatro anos –
dividido em dois anos de ciclo básico, realizado em laboratório, e mais dois
anos de prática hospitalar, nas chamadas enfermarias de ensino; e dedicação
exclusiva dos professores (ALMEIDA FILHO, 2010; PAGLIOSA; DA
ROS, 2008).
Influenciado pelo Relatório, no seu retorno ao Brasil, Baeta Vianna
insurgiu-se contra o modelo francês de ensino – caracterizado por escolas
isoladas, profissionalizantes, com o ensino dissociado da pesquisa
(PAULA, 2009) e que então vigorava nas escolas médicas brasileiras –,
e passou a enfatizar a necessidade da prática de pesquisa e a competência
nas ciências básicas (Física, Química e Biologia). Verificando a dificuldade
dos recém-formados em utilizar os recursos laboratoriais na clínica pela
pouca experiência na indicação e na interpretação de seus resultados,
fundou o laboratório anexo à cadeira de Química Fisiológica em regime
de estágio facultativo, destinado a melhor preparar estudantes da 4ª à 6ª
série. Como a faculdade dispunha de poucos recursos para investir em
pesquisa, o laboratório era mantido pelo próprio Baeta, com dinheiro que
havia recebido pela descoberta do Iodobisman, medicamento que associava
iodo e bismuto no tratamento da sífilis, este que era um grande problema
de saúde pública do período (RIBEIRO; RIBEIRO, 1995). Na avaliação
de um de seus estudantes, Baeta Vianna não se preocupava com dinheiro,
“[...] aparentemente nem o dele e nem o dos outros. Quem trabalhava com
o Baeta tinha que se preparar para se virar de alguma maneira” (MARES
GUIA, 1994).
O laboratório coordenado por Baeta foi espaço de aprendizagem
e convivência de diversas gerações, repercutindo suas ideias e práticas
em relação ao ensino médico. Segundo Ênio Cardillo Vieira, ex-aluno e
frequentador do laboratório na década de 1950: “[...] daquele laboratório
saiu uma linhagem tão depurada de profissionais que o grupo de jovens
talentosos foi logo apelidado pelos colegas de outros estados de Química
Mineiral” (UFMG Diversa, 2007).
O “modelo Rockfeller” de ensino médico que Baeta buscou imprimir
em sua prática de professor poderia ter se tornado realidade na Faculdade
de Medicina de Belo Horizonte já na década de 1920. Em visita à capital
mineira no ano de 1921, George E. Vincent, primeiro presidente da Fundação
Rockfeller, apresentava a proposta de criação de uma “[...] escola modelar
de Medicina, incorporando a existente, para cuja construção e manutenção
não se regatearia o generoso auxílio financeiro, observadas as condições
mínimas de garantia e sobrevivência do nosso próprio interesse” (BAETA
42
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VIANNA, 1961). A resposta, ao que informa o próprio Baeta Vianna, nunca
veio. E isso fez a proposta ser, então, apresentada a outras instituições, e
ser acolhida pela Universidade de São Paulo. Enquanto as demais escolas
médicas do país seguiam à risca o modelo francês – que segundo a avaliação
de Flexner, não havia sido alterado mesmo após meio século de progressos
na área médica – a Faculdade de Medicina da USP seguia o novo modelo
proposto pelo Relatório Flexner, implantando, a partir de 1925, um projeto de
reorganização da estrutura de ensino e pesquisa (MARINHO, 2013, p. 149).
Apesar da proposta da Fundação Rockffeler de reorganização do ensino
médico não ter se concretizado na Faculdade de Belo Horizonte5, alguns
de seus preceitos acabaram difundidos através de prática de professores
como Baeta Vianna. As atividades desenvolvidas no Laboratório Central de
Pesquisas, criado para atender à demanda de diversos setores da Faculdade
de Medicina é, como já mencionado, um exemplo disso. O laboratório reunia
um grande número de alunos voluntários e todos saíram contaminados pelo
“fazer medicina com pesquisas”.
O cotidiano do laboratório ia muito além da simples aprendizagem das
práticas laboratoriais ou dos ensinamentos da bioquímica, envolvia o fazer
científico, conforme ilustram os trechos a seguir:
Iniciei minha formação científica quando estava no segundo
ano da faculdade de medicina, em Belo Horizonte. Estagiava no
laboratório de química fisiológica da faculdade, sob orientação
do Baeta Vianna. [...] Como pesquisador, o Baeta tinha uma visão
muito clara da importância da bioquímica quantitativa. Tinha um
certo fascínio pela microbureta, que ele próprio construía para levar
adiante seus microensaios. Se alguém dosava alguma coisa com a
precisão de l ml, ele queria dosar com a precisão de 1/10 ml. Além
disso, o Baeta era um ótimo professor. Ele conseguia despertar
o interesse dos alunos pela bioquímica, propondo problemas
fisiológicos e discutindo a parte analítica da disciplina. Suas aulas
eram atualizadíssimas. Em Belo Horizonte, ele buscava melhorar
o estado da análise clínica na própria comunidade. A preocupação
com o aspecto social da pesquisa científica era também um traço
marcante de sua personalidade.
[...] Não há como descrever o Baeta, ele era uma pessoa fascinante.
(GONÇALVES, 1989).
Embora não fosse daqueles que seguem um programa, o Baeta
era um excelente professor. Lembro que durante seu curso, de dois
5 Existe o relato de Ageu Ribeiro, sobre o envio de um laboratório, pela Fundação para presentear Baeta
Vianna, mas que não saiu da alfândega, pois a Faculdade de Medicina não teria pago as taxas devidas e o
material foi devolvido aos EUA (RIBEIRO; RIBEIRO, 1995).
43
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semestres, estudamos apenas as bases físico-químicas do equilíbrio
de ácidos e bases e oxirredução. Passamos um ano batendo nesses
dois pontos, que na época eram fundamentais mesmo para médicos,
que começavam a fazer equilíbrio hidroeletrolítico em pacientes
e a receitar vitaminas. Ele ensinava um pouco de cada coisa e
selecionava algumas para aprofundar. Isso, é claro, favorece muito
o desenvolvimento científico. O curso do Baeta foi importante
porque me deu oportunidade de ler livros de fisiologia que, em vez
de serem descritivos, se baseavam em físico-química: absorção,
difusão, equilíbrio eletrolítico e de membranas etc. Como fui bom
aluno, ele me chamou para o seu laboratório quando eu estava
no terceiro ano. O doutor Baeta, como o chamávamos, tinha uma
espécie de journal club, que reunia as pessoas do laboratório uma
vez por semana para discutir temas científicos. Havia um caderno
de registro das reuniões onde se faziam anotações. Todos que
participavam liam trabalhos de revistas internacionais e sempre
alguém fazia o resumo de um artigo. (DINIZ, 1993).
Cada aluno, depois do aprendizado de Química Orgânica e
Analítica – a começar pela pesagem rigorosíssima das substâncias
e o preparo de soluções tituladas exatas, de ácidos e bases – passava
pela volumetria e as técnicas então correntes no laboratório, para
depois receber um assunto para estudo, de que se esperava saísse sua
tese de doutoramento, no fim do curso. [...] Não pude corresponder
à expectativa do Baeta, não fiz a tese de doutoramento na Química
Fisiológica, mas sai de lá inoculado do terrível vírus da pesquisa.
Consola-me o fato de duas de minhas teses terem se inspirado no
que aprendi no Laboratório de Química Fisiológica. (ROMEU
CANCADO, 1994, p. 2-3).
O tempo que eu perdi no laboratório do Baeta, eu ganhei na
convivência com o Baeta, o Prof. Diniz, o Eurico. Eu vou dizer:
eu queria que todo aluno de medicina tivesse a oportunidade de
ter feito isso. Porque é muito importante aprender a estudar.
(REZENDE, 1995).
Além do papel fundamental do laboratório no ensino médico, a
experiência americana despertou a consciência de Baeta Vianna para outro
importante pilar na formação dos estudantes: a biblioteca. Em Harvard e
Yale, alunos e professores tinham acesso não só a livros, mas também a
um significativo número de periódicos com as últimas novidades da ciência
médica. Quando retornou a Belo Horizonte, em 23 de abril de 1925, Baeta
tomou para si o projeto de organização de uma biblioteca para a Faculdade
de Medicina nos moldes do moderno padrão internacional. O desafio de
implementar uma biblioteca ia além das questões de ordem material – a
44
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cessão de um espaço e a aquisição de mobiliário, livros e a assinatura de
periódicos. Era preciso mudar o comportamento e as ideias de alunos e
professores sobre a aquisição e a circulação do conhecimento.
A primeira biblioteca científica a surgir em Belo Horizonte foi a da
filial do Instituto Oswaldo Cruz (atual Fundação Ezequiel Dias), em 1907.
Formada para atender aos pesquisadores da instituição, logo se tornou
referência para os médicos nos anos 10 e 20. Schaeffer também montou
uma biblioteca no Laboratório de Análises Químicas, mas a instalação da
Faculdade de Medicina em 1911 não incluiu a criação de uma biblioteca.
Assim sendo, os alunos se valiam ora de apostilas com anotações de aula,
ora de velhos manuais de Medicina que passavam de pais para filhos. A
literatura médica utilizada era basicamente escrita em francês, a língua de
Pasteur e de Claude Bernard, que haviam revolucionado a Medicina com
suas contribuições ao método experimental e a bacteriologia. Essas práticas
e o predomínio da tradição francesa são mencionados por Pedro Nava em
suas memórias:
[...] eu estudava os métodos de inclusão, fixação e coloração em um
velho livrinho de meu pai – La techinique histo-bacteriologique
moderne, do Dr. Lefas. Era de 1904, mas naqueles tempos de
marcha lenta da medicina, conservava toda sua atualidade dezenove
anos depois da sua publicação. [...] Oficiosamente estudávamos a
matéria em umas apostilas impressas que eram atribuídas a notas
de aula tomadas pelo nosso colega Mario Mendes Campos, quando
aluno de fisiologia (Nava, 1985, p. 146-152).
Até meados da década de 1920, a Faculdade de Medicina não contava
com uma verdadeira biblioteca. Havia apenas alguns armários de livros
fechados à chave, controlados pelos professores. No entender de Baeta
Vianna, nessas condições seria difícil o desenvolvimento da ciência médica,
uma vez que esta se tornava cada vez mais dependente de um número
maior de conhecimentos que se transformam com uma rapidez enorme. Era
impossível que alunos e professores acompanhassem os avanços da ciência
recorrendo apenas a poucos manuais datados. Era preciso ampliar o conjunto
das fontes de informação e pesquisa – livros e especialmente revistas – e
também diversificar sua origem, em razão de a produção científica na área
médica ter extrapolado há muito tempo as fronteiras francesas.
Para mudar a mentalidade reinante sobre as fontes do saber médico
e a circulação de obras bibliográficas, Baeta Vianna enfrentou a oposição
dos professores mais tradicionais, que temiam a dissipação do acervo pelos
alunos e a chegada da literatura em língua inglesa e alemã, que poucos
dominavam. Porém, mesmo com forte oposição, em 27 de março de 1926
a Congregação da Faculdade de Medicina atendeu à solicitação de Baeta
45
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Vianna para a criação de “[...] uma taxa especial, aplicável a todos os alunos,
professores e auxiliares de ensino, destinada à reorganização e manutenção
da Biblioteca” (CAMPOS, 1961, p. 137). Aluno de Baeta Vianna ainda
na década de 1930, José Bartolomeu Grecco, relatou sobre o episódio da
criação da Biblioteca:
Tem a época pré-Baeta e pós-Baeta. Pré-Baeta, quando não se
assinava revista, não se sabia língua, saber língua era importante,
pois Alemanha, Inglaterra, Canadá e EUA publicavam muita coisa
interessante. Ele estimulava a gente a estudar inglês e alemão, para
poder ler os artigos no original. Não tinha biblioteca, ele que fundou
a biblioteca. Antes a biblioteca, no prédio velho da faculdade, era
uma estante de livros que tinha na secretaria, onde havia alguns
livros em francês de medicina. Ele foi à Congregação mostrar o
plano dele: seria uma biblioteca com publicações de vários países
do mundo e esses livros e revistas seriam emprestados aos alunos.
A Congregação foi em peso contra ele, alegando que os estudantes
iam roubar tudo, seriam emprestados, mas não devolvidos. Baeta
retrucou dizendo que a função dos professores era de formar e
educar. E fundou a biblioteca. Em 1932, quando cheguei à escola,
ela já estava montada no porão. Interessante notar que quem deu
mão forte para ele foi o Hugo Werneck, que era o diretor da Escola
nessa ocasião. Deu o maior apoio para ele, dizendo: pode fundar,
terá o meu apoio (GRECCO, 1995).
A primeira biblioteca criada por Baeta Vianna funcionou no porão
da escola, ao lado do laboratório, e tinha revistas americanas, francesas e
alemãs. Baeta frequentava a biblioteca diariamente, contando com o auxílio
de dois ou três servidores e o apoio de alguns professores e alunos. Isolados
no porão, aos poucos, laboratório e biblioteca foram ganhando prestígio
dentro da Faculdade, no que diz respeito à circulação e produção científica
como também no aspecto físico-espacial. Em 25 de maio de 1935, a despeito
da oposição de muitos professores e alunos que consideravam a taxa
extorsiva, foi inaugurado, ao lado da Faculdade de Medicina, o novo prédio
dedicado exclusivamente à sua biblioteca. A inauguração tornou-se um
verdadeiro evento, contando com a presença do arcebispo, do representante
do governador e de secretários de estado, além de diretores, professores e
alunos da faculdade. O primeiro prédio tinha um único pavimento, o qual
logo se tornou pequeno diante da demanda dos estudantes. Mas um novo
prédio só seria construído na década de 1960. A dedicação e a importância
que Baeta atribuía à disponibilização de conhecimento atualizado aos
estudantes fez com que se envolvesse na construção da nova biblioteca. Seu
projeto, elaborado por um professor da Faculdade de Engenharia, totalizou
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três amplos andares. A construção e a instalação da nova biblioteca contaram
com o apoio da Fundação Rockfeller, na época parceira da Faculdade, que
doou mobiliário e acervo. Em homenagem ao seu fundador, a biblioteca
recebeu então o nome de José Baeta Vianna.
A contínua transformação e modernização do ensino médico nos
moldes do paradigma biomédico ocorrida nos anos seguintes continuou a
contar com a participação ativa tanto de Baeta Vianna como da Fundação
Rockefeller. Em 1954, a Faculdade de Medicina, recebeu a visita de alguns
membros da Rockfeller, então interessada em financiar a aquisição de
material para as cadeiras básicas e a também para a biblioteca. Além disso,
a Fundação também acenava com a possibilidade de suplementação de
salários de professores e auxiliares técnicos, a fim de que se estabelecesse
o regime de integral. A partir disso, aos poucos, foram se instaurando, na
Faculdade, os preceitos que haviam orientado a reforma do ensino médico
proposta por Flexner na década de 1920 e que tanto haviam impactado
Baeta Vianna quando estagiou nas universidades americanas.
A implantação do tempo integral deu-se em torno de 1962, nas
Universidades Federais, e que era desejo de muitos, mas nas
universidades federais, foi um fato muito impulsionado pela FR.
Por exemplo, na Escola de medicina onde nós trabalhávamos, o
plano se realizou em quatro anos. No primeiro ano, a Fundação
pagava 100% do nosso salário de tempo integral dos professores;
no segundo, 75%, no terceiro, 50%; no quarto, 25%; e no quinto,
a Escola assumia. Em BH, em muitas escolas, na Escola Paulista
de medicina, o tempo integral foi implantado por esse modelo
(MARES GUIA, 1994).
O convênio beneficiava especialmente o laboratório de Bioquímica
de Baeta Vianna e o laboratório de Anatomia do Prof. Liberato DiDio6,
o famoso “Centro de Treinamento para Anatomistas na America Latina”,
pioneiro na pós-graduação de anatomistas do Brasil. (SEARA MÉDICA,
1980, p. 151-152). O apoio da Fundação Rockefeller, da ordem de 10 mil
dólares, era bastante expressivo para aquela época. Segundo Mares Guia
(1994) – um dos alunos do laboratório nesse período –, com o dinheiro da
Fundação, foi possível comprar equipamentos, vidrarias, material químico:
“[...] que duraram, acho que até hoje”. Até então, as análises processadas
no laboratório se faziam de forma precária, com equipamentos antigos e
defasados quando comparados ao que de mais novo havia no quesito de
6 Foi um aluno brilhante na Faculdade de Medicina de São Paulo, onde arrebatou todos os prêmios de
melhor aluno. Formado em 1945, tornou-se livre docente em 1952, sendo convidado por Juscelino
Kubitschek para reger a cadeira de anatomia na Faculdade de Ciências Medicina de Minas Gerais.
No ano seguinte, foi aprovado no concurso para professor de Anatomia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais.
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tecnologia. E “[...] a coisa mais sofisticada que existia lá era um medidor
de Ph, a bateria, modelo G, por sinal muito bom”. A experiência de Mares
Guia no Laboratório de Química Fisiológica teve início em 1954, quando o
laboratório ainda funcionava no porão do prédio antigo.
O convênio, contudo, apresentava problemas, especialmente no repasse
para pagar a dedicação exclusiva dos professores, obrigando a Faculdade a
propor, em 1958, que a Fundação concedesse “numerário suficiente para
suplementar os referidos vencimentos”. As bases para a suplementação
seriam de 150% sobre o padrão federal para professores e assistentes
com mais de 10 anos de serviço, 120% para os que tivessem menos de 10
anos, além de suplementar o salário dos técnicos. A suplementação não era
prevista no convênio, mas considerada fundamental para manutenção do
regime de dedicação exclusiva, e o desenvolvimento da prática científica e
tecnológica (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, 1958, p.
189-190).
O trabalho no laboratório era para os estudantes uma verdadeira
experiência de iniciação científica. A atividade acolhia estudantes do
segundo ano do curso médico, momento em que a bioquímica entrava
no programa de disciplinas, podendo durar por todo o resto do curso, ou
seja, cerca de quatro ou cinco anos. A escolha daqueles que iriam integrar
a equipe do laboratório era prioridade do professor um trabalho original
cientificamente, correto e que exigia grande habilidade técnica. Esse
trabalho poderia muito bem estar publicado na Lancet ou New England.
Seus projetos eram de grande amplitude, a exemplo do projeto da tireoide.
Não era de seu feitio contentar-se em resolver um problema pequeno de
cada vez. (DINIZ, 1993).
Como vimos, sua atuação como professor teve implicações importantes
para a implantação e o desenvolvimento do espírito científico dentro da
instituição, as quais, conforme seus discípulos, “ecoam” ainda hoje.
Como profissional, ele era um médico com fortes interesses em
pesquisa. Dedicou-se à formação de pessoal para pesquisa muito
mais do que a própria. Ele tinha uma participação em atividades
produtivas, ele tinha uma vocação clara para a pesquisa aplicada.
Ele não abria mão de incutir, na gente, que conhecimento básico
era fundamental. Como líder de grupo, ele tinha uma cultura ampla,
uma visão de mundo e de ciência muito ampla. Era uma pessoa de
fácil comunicação. Ele tinha vontade de ensinar e de formar. E ele
motivava por estímulo ao conhecimento e à investigação. (MARES
GUIA, 1994).
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A Fundação Rockefeller Chega ao
Brasil: Cooperação no Combate ao
“Mal da Terra” (1916-1923) 1
Ana Paula Korndörfer
Introdução
Segundo Rey (2001), em um artigo sobre doenças tropicais
negligenciadas publicado na revista The Lancet, em 2009, aproximadamente
800 milhões de pessoas, a maioria crianças, sofrem de algum tipo de
verminose transmitida pelo contato com o solo contaminado. Essas
verminoses causam, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS,
cerca de 9 mil mortes todos os anos. Entre estas verminoses, o autor do
artigo destaca a ancilostomíase 2, doença que apresenta, conforme destacam
Hotez et al. (2009), “entre os seus sintomas, a anemia e a fraqueza”.
Atualmente, no Brasil, a ancilostomíase, também conhecida no país
como amarelão, opilação ou mal da terra, entre outras sinonímias, não
figura entre as principais preocupações do governo federal e dos governos
estaduais em matéria de saúde pública; entretanto, no início do século XX,
a doença era entendida, naquele contexto, como uma doença “evitável”
responsável, em parte, pelo “atraso” do Brasil, foi alvo de ações/campanhas
realizadas a partir de cooperações estabelecidas entre governos estaduais,
uma instituição filantrópica norte-americana, a Fundação Rockefeller (FR)
e, em muitos casos, com a participação também do governo federal.
A apresentação de um panorama das atividades de combate à
ancilostomíase realizadas em estados brasileiros a partir da cooperação entre
1 As reflexões aqui apresentadas foram desenvolvidas em Korndörfer (2013).
2 A ancilostomíase ou ancilostomose é uma verminose adquirida, basicamente, por meio do contato da pele
com o solo contaminado. Entre os sintomas da doença, estão: anemia, fraqueza e desânimo. O diagnóstico
é realizado através da análise das fezes do paciente, pois os ovos dos ancilostomídeos são típicos e
costumam ser abundantes na matéria fecal. É possível interromper a transmissão da ancilostomíase da
seguinte maneira: (1) através do tratamento de indivíduos parasitados com anti-helmínticos, reduzindo
ou suprimindo as fontes de infecção; (2) através de saneamento básico, com o uso de fossas sanitárias
e latrinas ligadas a um sistema de esgoto, assegurando assim um destino adequado às fezes humanas e
impedindo a contaminação do solo com os ovos e as larvas dos parasitas; (3) com o uso de calçados,
protegendo, desta maneira, as pessoas contra a penetração das larvas infectantes (REY, 2001)
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estes e a Divisão Internacional de Saúde (FARLEY, 2004) 3 – International
Health Board (IHB) – da Fundação Rockefeller é, em síntese, o objetivo
deste texto.
No Brasil das décadas de 1910 e 1920, em meio ao movimento
pela reforma da saúde e pelo saneamento rural, homens como o médico
sanitarista Belisário Penna (1868-1939) passaram a denunciar o abandono
e as precárias condições de saúde em que viviam grandes parcelas da
população brasileira. A necessidade do combate às endemias rurais, como
a ancilostomíase, aqui enfocada, a malária e a doença de Chagas, foi
constantemente enfatizada. Essas doenças estavam fortemente associadas,
no contexto brasileiro do início do século XX, a questões mais amplas
como a construção da Nação e as possibilidades de progresso do país
através da recuperação de significativas parcelas da população, acometidas
por essas doenças. As propostas e os argumentos dos defensores da
campanha pelo saneamento rural ganharam diversos espaços na sociedade
brasileira, ultrapassando os campos médico e político. O escritor Monteiro
Lobato (1882-1948), por exemplo, foi “convertido” e tornou-se um
grande divulgador das ideias de saneamento, sintetizadas por meio de seu
célebre personagem Jeca Tatu (LOBATO, 1959). Segundo os defensores
do movimento sanitarista, os governos estaduais e municipais não tinham
competência para solucionarem sozinhos e de maneira eficaz os problemas
sanitários. O Estado era conclamado a intervir (HOCHMAN, 1998) 4.
As populações rurais passaram a ser incluídas nas políticas de saúde
do governo federal, com destaque para a criação, em 1918, do Serviço
de Profilaxia Rural e, em 1920, da Diretoria de Saneamento e Profilaxia
Rural do Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP. A partir de
3 A Divisão Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller foi criada em 1913, ano em que foi criada
a própria Fundação, e tinha como objetivo estender o trabalho de combate à ancilostomíase realizado
pelos Rockefeller através da Sanitary Commission for the Eradication of Hookworm Disease nos Estados
Unidos, desde 1909, para outros países. A Divisão chamou-se International Health Commission (IHC)
entre 1913 e 1916, International Health Board (IHB) entre 1916 e 1927 e International Health Division
(IHD) entre 1927 e 1951 e, ao encerrar as suas atividades em 1951, havia estado presente em mais de 80
países do mundo, incluindo todos os países da América do Sul. Entre 1913 e 1951, a International Health
Division havia atuado no combate à ancilostomíase, à febre amarela e à malária e em outras campanhas
de saúde pública no sul dos Estados Unidos e em quase uma centena de outros países ao redor do mundo.
Durante o mesmo período, a International Health Division fundou uma série de escolas de saúde pública
na América do Norte, Europa, Ásia e Brasil e distribuiu milhares de bolsas de estudos para profissionais
da saúde (FARLEY, 2004, p. 2). Neste texto, será abordada a Divisão como “International Health Board
(IHB)”, nomenclatura que possuía durante as atividades de combate à ancilostomíase realizadas no
Brasil.
4 A partir da proclamação da República no Brasil, em 1889, as questões relativas à saúde pública
passaram a ser tratadas de forma descentralizada, obedecendo à Constituição de 1891, que estabelecia a
autonomia dos estados. Encarregados dos serviços sanitários, os estados respondiam pela saúde pública
e repassavam aos municípios as questões relativas à higiene. Apenas o Distrito Federal e a vigilância
dos portos permaneceram sob responsabilidade do governo federal. Os problemas de saúde eram
considerados regionais, e as intervenções federais não previstas nesse campo poderiam ser interpretadas
como questionamento do pacto federativo. A legislação referente à saúde sofreu modificações durante o
período da Primeira República brasileira (1889-1930), mas é importante sublinhar que o cuidado com a
saúde da população coube aos poderes locais durante esse período (HOCHMAN, 1998).
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1918 e, principalmente, a partir de 1920, os estados passaram a contar com
a possibilidade de solicitar o auxílio do governo federal para combater as
endemias rurais com base em acordos de cooperação, mas que envolviam
como contrapartida, entre outros aspectos, perda de autonomia por parte
dos estados (HOCHMAN, 1998). Todavia, além do governo federal, os
estados puderam recorrer, a partir de 1916, a outro recurso para combater
a ancilostomíase, a Fundação Rockefeller, instituição que já possuía
experiência no combate à doença e que se inseria, assim, em um contexto
favorável a acordos para ações de saneamento e de combate a endemias
rurais. Contaram com a cooperação da International Health Board da FR
no combate à doença, entre 1916 e 1923, os estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais, Paraná, Maranhão, Rio Grande do Sul, Espírito Santo,
Bahia, Santa Catarina, Pernambuco e Alagoas, além do Distrito Federal 5.
Primeiros contatos
Cueto (1994, p. 3) destaca que o “Brasil já atraía a atenção da FR há
bastante tempo”, quando, em 1915, como resultado de reuniões do comitê
executivo da IHB, ficou decidido que o país seria o primeiro a ser analisado
em um survey – levantamento preliminar – sobre a situação da saúde e da
medicina a ser realizado nos principais países da América do Sul 6.
A escolha do Brasil estava ligada a diversos fatores, entre os quais
as relações diplomáticas amigáveis entre o Brasil e os Estados Unidos no
período, a posição de liderança no continente sul-americano atribuída ao
país e a profunda impressão que os trabalhos realizados por Oswaldo Cruz
contra a febre amarela e a peste bubônica haviam causado nos membros da
Fundação (CASTRO SANTOS, 1989 apud CASTRO SANTOS; FARIA,
2003, p. 49-50; CUETO, 1994, p. 3). O fato de a ancilostomíase já ser, como
indicamos, uma preocupação entre governantes e médicos também pode ter
contribuído para a escolha do país.
Além disso, Cueto (1994, p. 12), a partir da análise da documentação
5 Dos estados que estabeleceram cooperação com a Fundação, São Paulo e Rio Grande do Sul
estabeleceram cooperação apenas com a Fundação. Os demais estados, por sua vez, estabeleceram
cooperação com a Fundação e com o governo federal.
6 O Brasil havia sido um dos países enfocados no levantamento sobre a incidência da ancilostomíase
ao redor do mundo publicado por Wickliffe Rose, diretor da Sanitary Commission e primeiro diretor
(1913-1923) da International Health Board, alguns anos antes (1911). No país, o questionário enviado
por Rose foi respondido por Oswaldo Cruz e Adolpho Lutz, entre outros. Para Lutz, que realizara
importantes estudos sobre a ancilostomíase ainda no século XIX, a doença era crônica no Brasil e podia
ser encontrada por todo o país. Não havia, segundo ele, medidas gerais oficiais de combate à doença
no Brasil. Baseando-se na reposta de Lutz, entre outros, Rose afirmou que a ancilostomíase podia ser
observada em praticamente todos os estados brasileiros, mas que parecia ser mais grave no norte e no
centro do país (ROSE, 1911).
55
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da Fundação Rockefeller, comenta que a escolha do Brasil sugere que a
Fundação buscou estabelecer programas em países latino-americanos que
apresentassem menos obstáculos à implantação efetiva de novas medidas
de saúde pública e onde os funcionários da Fundação esperavam uma boa
acolhida por parte da burocracia governamental e das elites médicas.
A partir de sinalizações positivas do Departamento de Estado norteamericano e do governo brasileiro, a Fundação enviou uma Comissão que
visitou o país em 1916 7. A Comissão Médica – Medical Commission to Visit
the Republic of Brazil – era composta pelos médicos Richard M. Pearce
(1874-1930), John A. Ferrell (1880-1965) e Bailey K. Ashford (1873-1934)
e tinha como objetivos estudar a educação médica, as doenças prevalentes,
as condições sanitárias e as agências de saúde pública do país.
Durante quase cinco meses, entre 22 de janeiro e 6 de maio de 1916,
os membros da Comissão visitaram faculdades e escolas de medicina,
hospitais e outras instituições, além de departamentos e diretorias de saúde, e
conversaram com médicos, professores e diretores, e também com cidadãos
norte-americanos residentes no país, em diversos estados. Além dessas
visitas e contatos, a Comissão também trouxe consigo um dispensário móvel
– equipado com medicamentos, equipamentos de laboratório e duas casas
portáteis – e que foi estabelecido em Capela Nova de Betim, em Minas Gerais.
No dispensário móvel, foram atendidos casos de ancilostomíase, mas também
de outras doenças; cirurgias e partos foram realizados. Segundo Marques
(2004), durante 22 dias, entre 16 de março e 7 de abril, 1435 pessoas foram
tratadas no dispensário da Comissão Médica da Fundação Rockefeller 8.
Paralelamente às visitas e ao trabalho realizado em Capela Nova,
foram estabelecidos os primeiros contatos entre a Fundação Rockefeller e
o governo de um estado brasileiro para a organização de trabalho conjunto
de combate à ancilostomíase. Em carta enviada ao Presidente do Estado
do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, em 12 de março de 1916 9, a propósito da
possibilidade de cooperação entre a International Health Board e o governo
estadual no combate à doença, John A. Ferrell expunha qual era o plano
mais efetivo de cooperação, elaborado a partir da experiência da Fundação
até aquele momento. Entre os aspectos destacados por Ferrell, destaca-se
que (1) o trabalho deveria ser conduzido em nome do governo do Estado
e em conjunto com agências de saúde já existentes; (2) a área selecionada
7 Uma primeira Comissão veio ao Brasil já em 1915 (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003, p. 68). De acordo
com documentação da Fundação Rockefeller, tanto o governo brasileiro quanto o Instituto Oswaldo Cruz
reagiram positivamente frente à possibilidade da vinda de uma Comissão da Fundação em 1916. (Brazil,
Medical Commission, January 25, 1916 – RAC, RF, RG 1.1 – Projects, Series 305 – Brazil, Sub-Series A
(Medical Sciences), Box 2, Folder 15).
8 Doctor Bailey K. Ashford´s Report of the Medical Expedition to Brazil in 1916, and the official diary kept
during the course of the investigation (RAC, RF, RG 1.1 – Projects, Series 305 – Brazil, Sub-Series A
(Medical Sciences), Box 2, Folder 15). A presença da Fundação Rockefeller em Minas Gerais e o trabalho
da Comissão Médica em Capela Nova são discutidos por Marques (2004).
9 John A. Ferrell to His Excellency, The President of the State of Rio de Janeiro, March 12, 1916 (RAC,
RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432).
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para o trabalho deveria ser avançada em educação, agricultura e ter boas
estradas, entre outros aspectos, pois, nestas áreas, a cooperação da população
poderia ser obtida mais prontamente do que em áreas mais atrasadas; (3) a
força necessária para a realização do trabalho consistiria de dois grupos de
trabalhadores: (a) o grupo dedicado ao tratamento e à cura da ancilostomíase
e (b) o grupo dedicado às medidas profiláticas (Ferrell, 1916).
Ainda segundo Ferrell (1916), o grupo que atuaria no tratamento
das pessoas com ancilostomíase deveria ser composto por um médico
especialista na doença, dois ou três assistentes, dois ou três microscopistas,
e de quatro a dez enfermeiros. O médico seria providenciado pela
International Health Board, que também pagaria seu salário. Ele trabalharia
em nome do governo local e estaria sob sua autoridade. E esse médico (ou
Diretor) treinaria assistentes, microscopistas e enfermeiros. Com a exceção
do Diretor, o pessoal seria local, muitas vezes da vizinhança onde o trabalho
seria realizado. O treinamento poderia ser realizado em curto espaço de
tempo.
Ferrell (1916)explicava, ainda, ao Presidente do Estado do Rio de
Janeiro que, se a International Health Board assumisse o trabalho em
cooperação com o estado, estaria preparada para pagar os salários de
todo o pessoal necessário citado, e todo o trabalho estaria direcionado,
primeiramente, a medidas para curar a ancilostomíase e, possivelmente,
outras doenças causadas por parasitas intestinais. Além de curar os pacientes,
um grande trabalho de educação seria realizado, não apenas com relação à
ancilostomíase, mas também a outras doenças comuns passíveis de serem
prevenidas, como a febre tifoide, a malária e a tuberculose.
Palmer (2010, p. 67-68) comenta que todo o trabalho seria realizado
sobre bases científicas e seguiria os passos do método intensivo 10, o método
de combate à ancilostomíase proposto pela Fundação Rockefeller: (1)
selecionar uma área; (2) realizar um censo completo de todas as pessoas
e de todas as famílias da área e inspecionar a moradia de cada família;
(3) conseguir amostras de fezes de cada pessoa e examinar estas amostras
microscopicamente para averiguar os casos positivos de infecção intestinal;
(4) tratar cada pessoa diagnosticada até a sua cura, e (5) reexaminar, tanto
quanto possível, as pessoas tratadas para verificar se elas foram ou não curadas.
Um registro preciso do trabalho realizado e de seus custos seria mantido, pois
assim seria possível saber o custo per capita de se controlar a doença.
Ainda segundo o representante da Fundação, as medidas profiláticas
seriam de igual ou, até mesmo, de maior importância. A menos que as
medidas de profilaxia fossem realizadas, os resultados alcançados com
o tratamento da ancilostomíase seriam temporários. As medidas profiláticas
deveriam ser tomadas, mas pelo governo do estado. O sucesso do tratamento
10O método intensivo foi elaborado pelo médico G. F. Leonard, a serviço da Sanitary Commission, na ilha
de Knott (Carolina do Norte, Estados Unidos) em 1913 (PALMER, 2010, p. 67-68).
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dependeria da cooperação voluntária da população, mas as medidas profiláticas
requereriam, por parte do governo, a adoção de certas regulamentações
sanitárias e do emprego de pessoal suficiente – inspetores sanitários – para
garantir a execução dessas regulamentações. As regulamentações sanitárias
a serem promulgadas pelo governo deveriam estabelecer, por exemplo, que
latrinas que estivessem de acordo com o estabelecido pelo departamento de
saúde estadual fossem construídas e utilizadas em todas as residências, escolas,
instituições públicas e estabelecimentos comerciais da área onde os trabalhos
estivessem sendo realizados e, se possível, em todos os outros lugares.
Seria esperado, também, que o departamento estadual de saúde
assegurasse, além da necessária legislação sanitária, o emprego e o pagamento
de um corpo adequado de inspetores para garantir o estabelecido por lei. O
pessoal deveria trabalhar sob a direção de um funcionário do departamento
estadual de saúde. Seus assistentes poderiam ser das proximidades do local
onde o trabalho estivesse sendo realizado e poderiam ser facilmente treinados.
O equipamento científico necessário para esse tipo de trabalho conjunto
seria fornecido pela IHB. Seria desejável que o governo local fornecesse
medicamentos, impressões gráficas, material de papelaria, mobília e espaço
para escritórios e laboratórios.
Ao final da carta, Ferrell (ano) se colocava à disposição para um novo
encontro com o Presidente do Estado do Rio de Janeiro, quando poderiam
discutir, e até mesmo modificar, o plano de trabalho exposto pelo membro
da Comissão Médica da Fundação Rockefeller.
Cooperação
Um acordo de cooperação foi estabelecido entre o governo do Estado
do Rio de Janeiro e a IHB, e o trabalho foi iniciado em outubro de 1916.
Durante a realização das atividades no Rio de Janeiro, autoridades de
saúde do Distrito Federal e de São Paulo visitaram o posto e convidaram a
International Health Board a realizar atividades similares.
Em agosto de 1917, a Fundação começou a atuar no Distrito Federal
e, em março de 1918, foram inaugurados os trabalhos em São Paulo.11
Em 1917, com as atividades da IHB se estendendo a outros estados, foi
estabelecido um escritório central, localizado em Niterói, no estado do Rio
de Janeiro.12 O trabalho realizado em um estado brasileiro, no entanto, era
considerado independente.
11No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22,
1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438).
12No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending
December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432).
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Convém lembrar que as questões relativas à saúde eram tratadas de
forma descentralizada durante a Primeira República brasileira, e assim, a
Fundação estabeleceu acordos independentes com estados brasileiros. Até
1923, ano de encerramento das atividades da FR no combate à ancilostomíase
no país, acordos de cooperação haviam sido estabelecidos com os governos
de 11 estados e do Distrito Federal.
QUADRO 1 – Cooperação entre a Fundação Rockefeller e estados brasileiros no combate à
ancilostomíase (1916-1923)
Estado
Ano do
Convite
Período do Survey
Período da
Cooperação
Rio de Janeiro
1916
22 nov. 1916 - 31 mar. 1917
Distrito Federal
1917
Survey não realizado.
São Paulo
1917
1 dez. 1917 - 28 fev. 1918
1917-1928*
Minas Gerais
1917
29 jun. 1918 - 6 fev. 1919
1918-1923
Paraná
1918
4 ago. 1919 - 1 nov. 1919
1919-1920
Maranhão
1918
14 jul. 1919 - 31 jan. 1920
1919-1922
Rio Grande do Sul
1919
21 mar. 1920 - 16 jul. 1920
1920-1923
Espírito Santo
1919
1921
1921-1922
Bahia
1919
6 dez. 1919 - ago. de 1920
1920-1922
Santa Catarina
1919
2 nov. 1919 - 2 mar. 1920
1920-1921
Pernambuco
1920
17 maio 1920 - 31 ago. 1920
1920-1922
Alagoas
-
1921
1921-1922
1916-1922
1917-1920
1922-1923
Fonte: Annual Appropriation and Expenditures of International Health Board in Each State
of Brazil for the Period 1916-1922 Inclusive (COC, Fiocruz, FR, Doc. 014); Brazil – Extent of
Operations (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438); No.
7537, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November
22, 1916, to December 31, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 Brazil, Box 24, Folder
147); No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from
November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil,
Box 112, Folder 1438); No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in
Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil,
Box 111, Folder 1432); No. 7469, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease
in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1918 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series
305 – Brazil, Box 24, Folder 148); Annual Report for Brazil, January 1st to December 31st, 1922
(COC/Fiocruz, FR, Doc. 022); Progress Reports [1923] (COC/Fiocruz, FR, Doc. 037).
*A extensão das atividades de combate à ancilostomíase em São Paulo até 1928 é indicada em
Relatório de 1923 (Progress Reports [1923], COC/Fiocruz, FR, Doc. 037), mas Castro Santos e
Faria (2003, p. 138) afirmam que a responsabilidade sobre os postos passou para o governo do
estado de São Paulo em 1924.
O objetivo das atividades realizadas pela FR em estados brasileiros a
partir de acordos de cooperação foi indicado pelo Diretor da IHB, Wickliffe
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Rose (1862-1931), no início de 1917, em carta de 26 de abril endereçada
a Lewis Hackett (1884-1962), médico diplomado pela Universidade de
Harvard e Diretor da IHB para o Brasil entre 1916 e 1923. O objetivo
das atividades de combate à ancilostomíase da Fundação Rockefeller no
Brasil não era colocar a doença sob controle, mas realizar demonstrações
que estimulariam o interesse público e levariam à participação de agências
estatais e locais no trabalho. Como defendia o Diretor da IHB, as campanhas
seriam “um meio para um fim”, ou seja, visavam a estimular a participação
dos governos em ações de saúde pública (Hackett, 1917) 13.
Os acordos de cooperação com a FR foram estabelecidos a partir dos
convites formulados pelos estados brasileiros interessados, convites estes
que deveriam ser aprovados pelo escritório da IHB em Nova York.
É importante frisar que os acordos de cooperação entre Fundação e
estados foram estabelecidos a partir de decisões locais pela cooperação,
e não por uma imposição da instituição norte-americana. A Fundação era
percebida pelos estados como mais um meio, além do governo federal, à
disposição para realizar atividades de combate à ancilostomíase.
Todavia, nem todos os estados brasileiros que ficaram interessados
contaram com a cooperação da Fundação Rockefeller para o combate à
ancilostomíase e o desenvolvimento de atividades de saneamento rural,
como foram os casos do Pará, de Sergipe e do Mato Grosso. A percepção
dos dirigentes da IHB em relação ao país 14, o porte econômico e a situação
política dos estados parecia ter um peso importante nas decisões da FR,
explicando sua presença em alguns estados e sua ausência em outros.
Quando os convites feitos por estados brasileiros – os quais, muitas
vezes, mencionavam as “nobres e humanitárias” ações que a Fundação
vinha desenvolvendo no Brasil – eram aceitos, um acordo de cooperação era
estabelecido entre a IHB e o governo estadual. Os acordos definiam aspectos
referentes à realização do survey e determinavam aquilo que caberia a cada
uma das partes envolvidas nas atividades a serem realizadas e que seriam,
então, incorporadas aos serviços estaduais de saúde já existentes. Com
exceção de São Paulo, onde as atividades da IHB só passaram a fazer parte
dos serviços públicos de saúde em 1922, nos demais estados em que ocorreu
a cooperação, as atividades da Fundação integrariam, desde o início, as
estruturas estaduais de saúde.
Em linhas bastante gerais, a IHB se responsabilizava pela realização
do survey, pela orientação e organização do trabalho nos postos de
13Rose to Hackett, April 26, 1917 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 133).
14Em meados de 1920, Wickliffe Rose visitou o Brasil. Em relatório sobre esta visita e sobre as atividades
da Fundação no país até aquele momento, Rose estabeleceu uma clara diferenciação valorativa entre
regiões do Brasil: as esperanças de civilização para o Brasil estavam depositadas, na leitura de Rose,
na porção mais ao sul do país (No. 7502, Observation on Public Health Situation and Work of the
International Health Board in Brazil, by Wickliffe Rose, General Director, October 25, 1920 – COC/
Fiocruz, FR, Doc. 018).
60
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demonstração do método intensivo de combate à ancilostomíase que
fossem estabelecidos, pelo fornecimento de medicamentos, equipamentos
e material de trabalho e pelo pagamento de salários. Os estados deveriam
fornecer transporte, impressões gráficas, comunicação telegráfica, espaços
para escritórios/laboratórios e arcar com parte dos salários, além de
estabelecerem a conexão entre a IHB e os municípios onde a instituição
viesse a atuar. O estado ficaria responsável ainda, como Ferrell (1916) havia
indicado ao governante do Rio de Janeiro, pela instituição e aplicação de
legislações sanitárias.
Os acordos, apesar de apresentarem linhas gerais comuns, guardavam
espaço para aspectos específicos da relação entre a Fundação e cada um
dos estados envolvidos. Um exemplo pode ser identificado ao analisarmos
os dados referentes à distribuição aproximada de gastos entre a IHB/FR e
os governos estaduais em atividades de saneamento rural em 1920 e que
indicam que, naquele momento, o governo estadual da Bahia arcava com
50% dos gastos e a Fundação, com os outros 50%. Já no caso do Rio de
Janeiro, o governo estadual se responsabilizava por 67% dos gastos com
atividades de saneamento rural, e a FR, por apenas 33% 15.
A partir dos acordos de cooperação estabelecidos entre a IHB
e os governos estaduais, eram realizadas as atividades de combate à
ancilostomíase e de saneamento rural, compostas por quatro partes: (a) o
survey; (b) a instalação de postos de demonstração do método intensivo de
combate à ancilostomíase; (c) a realização de trabalho de educação sanitária,
e (d) a melhoria das condições sanitárias, a partir do estabelecimento e da
execução de regulamentações que determinassem a instalação de latrinas.
No espaço deste texto, serão abordados apenas alguns apontamentos
gerais sobre as atividades de combate à ancilostomíase e de saneamento
rural realizadas pela IHB em cooperação com governos estaduais brasileiros.
A primeira atividade da IHB no estado era (a) a realização de um
survey para avaliar a distribuição geográfica e a gravidade da ancilostomíase
naquela região do país. À exceção do Distrito Federal, levantamentos
preliminares foram realizados em todos os estados onde a Fundação atuou
em cooperação com os governos. Os surveys, realizados por médicos,
microscopistas e enfermeiros16, apresentavam informações sobre trabalhos
anteriores de combate à ancilostomíase (se houvesse), geografia, solo,
clima, economia, política e história, municípios onde os exames haviam sido
realizados e informações sobre os resultados desses exames. Havia espaço,
nos relatórios dos surveys, para questões específicas de cada estado. A partir
do exame das amostras de fezes da população examinada, algumas vezes
15Brazil, Hookworm Reports, 1920 Annual (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112,
Folder 1438).
16É importante destacar que, no caso do Brasil, os chamados enfermeiros ou guardas não possuíam
formação em enfermagem.
61
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acompanhado do exame do sangue, era possível estabelecer a distribuição
geográfica e os índices da doença no estado. De acordo com os surveys, as
situações mais graves, no Brasil, eram encontradas nos estados da Bahia, do
Maranhão e de Pernambuco.
A partir da realização dos surveys e da identificação dos locais onde
a situação da doença era mais grave, (b) postos para a demonstração do
método intensivo de combate à ancilostomíase eram instalados. A unidade
de atuação da Fundação nos estados era, em princípio, o município
(HACKETT, 1918) 17.
O plano da IHB era que cada estado contasse com um Diretor Estadual
(State Director) norte-americano indicado pelo escritório em Nova Iorque e
assistido por um Diretor Estadual brasileiro, mas as fontes indicam que não
foi o que ocorreu. Em 1919, por exemplo, havia dois Diretores Estaduais
norte-americanos e quatro brasileiros 18. Ocuparam postos de Diretores
Estaduais nas campanhas contra a ancilostomíase no Brasil George Strode,
Alan Gregg, Fred Soper, John Hydrick, Nelson C. Davis, Mário Jansen de
Faria, Renato Studart, Amilcar Pinto, Mário Pernambuco, Samuel Uchôa,
João Thomaz Alves, José Plácido Barbosa da Silva, Eduardo Marques, Décio
Parreira e Samuel Libanio, entre outros (Nome da obra, 1919).19Além dos
Diretores Estaduais, o pessoal que trabalhava nas campanhas de combate
à ancilostomíase nos estados, recrutado localmente, era composto por
Diretores de Campo, microscopistas, enfermeiros e auxiliares, entre outros.
O método intensivo, que consistia de um ciclo de exames e tratamentos
até que a cura do paciente fosse constatada, sofreu modificações no Brasil e
foi alvo de críticas. Ao longo dos anos, o tratamento perdeu a característica
de buscar a confirmação da cura dos doentes. Já no que se refere às críticas,
estas se referiam, principalmente, aos casos de intoxicação relacionados, em
17Hackett to Rose, July 10, 1918 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 134).
O processo de decisão sobre a quantidade e a localização dos postos não fica claro na documentação
consultada, mas havia uma negociação, a partir do resultado do survey, entre a IHB e o governo estadual.
Também não foi possível observar a participação de outros envolvidos nestas negociações, pois a
documentação indica que houve postos instalados em fazendas de café em São Paulo e mantidos, em
parte, com recursos dos proprietários destas fazendas, bem como postos instalados no estado do Rio de
Janeiro e mantidos com recursos de produtores de açúcar e de alguns governos municipais.
18Notes on Organization of the IHB Work in Brazil, April 28, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series
305 – Brazil, Box 24, Folder 144).
19Annual Report for Brazil – January 1st to December 31st, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series
305H – Brazil, Box 112, Folder 1440); Notes on the Work for the Relief and Control of Uncinariasis in
Brazil during the quarter ending June 30, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box
112, Folder 1437); No. 7537, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil
from November 22, 1916, to December 31, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 Brazil, Box
24, Folder 147); No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil
from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil,
Box 112, Folder 1438).
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especial, à utilização do óleo de quenopódio 20, principal vermífugo adotado
pela Fundação Rockefeller (KORNDÖRFER, 2013, p. 130).
Paralelamente ao tratamento da ancilostomíase ocorreria, também, um
trabalho que visava à (c) educação sanitária da população. Este trabalho
educacional envolvia palestras, exibições com projeções luminosas e
cartazes, visitas de casa em casa para explicações sobre medidas sanitárias
e prevenção de doenças, distribuição de literatura e publicação de artigos
em jornais.
No material impresso e distribuído no país, é possível perceber a
preocupação em tornar as explicações sobre a doença, seu tratamento e
meios de evitá-la mais acessíveis à população. No que se referia à causa da
doença, por exemplo, os folhetos ofereciam a seguinte explicação:
É o causador da OPILAÇÃO um pequeno verme denominado
Uncinaria. Este parasita tem o comprimento de um centimetro e a
espessura de um fio de linha. Vive agarrado á parede dos intestinos,
como sanguesuga [sic], sugando-lhes o sangue, e injectando no
organismo do individuo, como fazem as cobras, um veneno que
altera o sangue e o transforma em agua. O doente vae pouco a
pouco perdendo as forças, tornando-se a victima de diversas outras
moléstias 21.
É difícil avaliar o alcance e a efetividade do trabalho de educação
proposto pela IHB. Com relação ao alcance da propaganda impressa, porém,
pode-se inferir que este deveria ser bastante limitado. Carvalho (2005, p.
22) revela que o censo de 1920 calculava a população brasileira em “30,6
milhões, 75,5% dos quais eram analfabetos”, índice possivelmente maior
considerando-se apenas a população rural.
Os resultados alcançados com o tratamento só poderiam ser garantidos
a partir do (d) trabalho de melhoria das condições sanitárias, com a construção
de latrinas, e a utilização de calçados. Em 1917, Hackett observava que a
situação nas regiões agrícolas do Brasil no que se referia a latrinas era de
completa inexistência. Segundo ele (ano, p. 00), o trabalho para garantir a
implementação de regulamentações sanitárias no país seria uma “[...] constante
batalha contra a ignorância, o preconceito e práticas políticas lamentáveis”.22
Alguns estados, como o Rio de Janeiro (1917), aprovaram legislação referente
20O óleo de quenopódio é extraído da planta do quenopódio, conhecida no Brasil como erva-de-santa-maria
(KORNDÖRFER, 2013, p. 130). Discussões sobre as controvérsias envolvendo o tratamento proposto
pela FR podem ser encontradas em: PALMER, 2010; KORNDÖRFER, 2013.
21Folder on hookworm disease for free distribution (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil,
Box 111, Folder 1432). Foi mantida a grafia original do texto, devendo ser desconsiderados os desvios à
norma padrão.
22No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending
December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432).
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à construção de latrinas, mas, em 1920, Hackett afirmava que as melhorias
sanitárias ocorriam lentamente no Brasil. Naquele ano, o progresso no que se
referia à construção de latrinas era considerado satisfatório em apenas quatro
áreas: Jacarepaguá (Distrito Federal), Águas Virtuosas (Minas Gerais), Itajaí
e Florianópolis (ambas em Santa Catarina) 23.
No que se referia à utilização de calçados, Hackett observava que o uso
dos sapatos era “quase universal” em São Paulo e no Distrito Federal, mas
que mesmo nestes estados os trabalhadores rurais tinham o costume de tirálos quando trabalhavam. Já no estado do Rio de Janeiro, a regra era que a
população rural andasse descalça ou usasse sandálias com solas de madeira
que eram muitas vezes carregadas nas mãos 24.
Tanto a construção das latrinas quanto o uso de calçados estavam
ligados, em parte, às raízes econômicas da ancilostomíase, questão que não
era foco de atenção da Fundação; porém, é preciso atentar ao fato de que
a pobreza e a ausência de infraestrutura sanitária são causas subjacentes
da doença. Além dos custos envolvidos na construção das latrinas, os
constrangimentos e os tabus relacionados às fezes e seu destino também
deveriam influenciar as decisões da população na matéria (PALMER, 2010,
p. 136-138). Como apontou Brannstrom (2010, p. 34-35) em seu estudo
sobre a cooperação entre a IHB e o governo do estado de São Paulo no
combate à ancilostomíase, foi muito difícil convencer os habitantes rurais a
participarem dos “curiosos rituais” de coleta de amostras fecais na maioria
dos municípios onde a Fundação atuou naquele estado.
Com o encerramento dos acordos de cooperação entre a IHB e os
governos estaduais, ocasionado, segundo a Fundação, pela crescente
atuação do governo federal em atividades de saneamento rural, os serviços
de combate à ancilostomíase organizados por meio da cooperação eram
repassados aos estados ou ao governo federal, no caso dos estados que
haviam estabelecido acordos também com a União (Hackett, 1921) 25.
À guisa de conclusão
Enfim, é preciso avaliar: quais teriam sido os resultados? Quais as
consequências das campanhas de combate à ancilostomíase realizadas a partir
da cooperação entre a IHB e governos estaduais brasileiros entre 1916 e 1923?
Castro Santos e Faria (2003, p. 170) afirmam que as campanhas
coordenadas pela IHB no país tiveram um “efeito não antecipado” pelas
23No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22,
1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438).
24No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending
December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432).
25Hackett to Penna, June 23, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1439).
64
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correntes nacionalistas, pois, longe de criar um poder paralelo da FR ou
grupos profissionais brasileiros subalternos, essas campanhas acabaram
reforçando a tendência geral de consolidação dos aparelhos institucionais
e das ideias de reforma sanitária, tendência esta que já se esboçava antes
da vinda da Rockefeller ao país em 1916, como se buscou indicar no início
deste texto.
No que se refere à cooperação entre a Fundação e governos estaduais,
os resultados e desdobramentos devem ser analisados caso a caso, uma
vez que a IHB atuou em estados com diferenças importantes em termos
políticos, sociais, econômicos e sanitários.
Ao discutir a cooperação entre a instituição norte-americana e o governo
de Minas Gerais, por exemplo, Marques (2004, p. 186-187) afirma que “[...]
a associação do governo mineiro com a Fundação Rockefeller permitiu à
Diretoria de Higiene e ao estado de Minas Gerais um parceiro para os pesados
investimentos necessários à implantação do Serviço de Profilaxia Rural”.
Minas se integrou, assim, à reforma sanitária brasileira, em particular às
campanhas nacionais de saúde pública e de saneamento rural.
No estado de São Paulo, recorrendo a Castro Santos e Faria (2003, p.
137-138), estes asseveram que o vigor mostrado pelas campanhas sanitárias
e pelo “evangelho” que propagaram ajudou a legitimar, junto às populações
rurais, o trabalho de saúde pública. Além disso, os postos sanitários,
repassados ao governo estadual a partir de 1924, aumentaram o poder
político do governo vis-à-vis às oligarquias rurais (CASTRO SANTOS;
FARIA, 2003).
Sob o ponto de vista ideológico, as elites paulistas, ao se empenharem na
luta para estender as campanhas sanitárias para o interior do estado, participaram
da “cruzada nacional”, do movimento nacional pela “salvação dos sertões”,
reproduzindo-a em âmbito estadual (MARQUES, 2004, p. 141-142).
No caso do Rio Grande do Sul, analisado de maneira mais aprofundada,
a cooperação entre o governo estadual e a IHB também possibilitou a
integração do estado às campanhas nacionais de saneamento rural. Em
termos práticos, a cooperação resultou na criação do Serviço de Profilaxia
Rural, organizado nos moldes do trabalho proposto pela instituição norteamericana. O Serviço, porém, foi encerrado em 1929, uma vez que foi alvo
de severas críticas quanto à sua eficácia (KORNDÖRFER, 2013).
Já no tocante à doença em si, Löwy (2006) afirma, ao avaliar
especificamente os resultados das campanhas de combate à ancilostomíase
realizadas no Brasil, que estes foram mitigados. Ainda que alguns processos
tenham sido registrados, segundo Löwy (2006, p. 140), “[...] isso não levou à
erradicação da doença, nem a uma redução muito importante da prevalência
da ancilostomíase, nem mesmo a uma transformação notável dos costumes
dos camponeses”.
Como foi mencionado no início deste texto, a ancilostomíase não figura,
65
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atualmente, entre as principais preocupações do governo brasileiro e dos
governos estaduais em matéria de saúde pública, mas isto não significa que
a doença tenha deixado de ser um problema a ser combatido. Em fevereiro
de 2012, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou a liberação de R$ 25,9
milhões para ações de combate às doenças negligenciadas, entre as quais as
geo-helmintíases como a ancilostomíase (PORTAL DA SAÚDE, [s. d.]).
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Ella Hansenjaeger: Cooperação
Norte-Americana e Enfermagem
Brasileira Pós-1930
Paulo Fernando de Souza Campos
Perspectivas renovadas da escrita da história decorrem do diálogo
com outras disciplinas. A interdisciplinaridade, forma de produção do
conhecimento que implica geração de novos conceitos e metodologias em
graus crescentes de intersubjetividade, visando a atender a natureza múltipla
de fenômenos complexos, possibilitou fazeres historiográficos novos, os
quais deixaram de privilegiar acontecimentos, estruturados em conceitos
generalistas, para interpretar abordagens e problemas gerados pelas trocas
teóricas e metodológicas. A história não mais respondia às dúvidas existentes
e sua narrativa passou a ser questionada, inclusive, por pautar sua escrita
no masculino. Experiências vividas por homens e mulheres, anônimos ou
não, seus imaginários, suas relações sociais, suas práticas e representações,
problemas mapeados na convergência da história com outros saberes,
ampliaram o ofício do historiador. A interdisciplinaridade reconfigurou
o conhecimento, assim como a relevância dos estudos históricos para a
compreensão e o desenvolvimento das relações humanas (BURKE, 2005;
BARROS, 2013).
O processo de renovação da escrita da história evocou as mulheres e seus
papéis sociais. Experiências vividas no universo feminino desconstruíram
o passado/presente conhecido, fundado na manipulação e dominação
masculina, pois quase nunca mencionadas, consideradas subalternas ou
diminuídas em suas ocupações (DUBY, 1999; DAVES, 1999). O estudo das
mulheres fundou novo domínio e ressignificou o viés unitário recorrente na
escrita da história. A mudança paradigmática revisitou o conceito central
de gênero ao apresentar outras vozes do passado, ao questionar esquemas
historicamente aceitos, ao desvelar fatos a partir de outros documentos e de
outras memórias (DIAS; 1999; MOTT, 1999).
Esse estudo pretende colaborar com a construção da história das
mulheres no Brasil, para o avanço das fronteiras existentes em torno do
tema no âmbito da história da enfermagem. Parte de um projeto maior, de
investigação da história da saúde em São Paulo, a proposta visa a analisar
a cooperação norte-americana no Brasil por intermédio da atuação de
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mulheres, enfermeiras, professoras e consultoras da Fundação Rockefeller,
Estados Unidos, durante o Estado Novo (1930-1945), em específico, Miss
Ella Hansenjaeger. O que se pretende não é legitimar o espaço assumido
ou exaltar atuações de mulheres, tampouco evocar formas nas quais
elas encontraram para se estabelecer politicamente ou fazer valer suas
experiências, mas entender seus comportamentos frente aos imperativos da
administração de serviços de saúde, da formação profissional exigida, das
relações políticas estabelecidas e nas quais tinham poder de decisão.
Mulheres e Enfermagem no “Estado Novo”
Uma das vias de atuação das mulheres no espaço público é
reconhecidamente a Enfermagem. Considerada adequada ao universo
feminino ou apropriada para mulheres, a arte/ciência do cuidado permitiu
ao gênero atuações contrárias aos impostos pela tutela masculina;
pois, se independentes, se aceitas no universo restritivo das profissões,
suas principais personagens, as enfermeiras, teriam outras formas de
ação contra o que impedia e marginalizava as mulheres (PERROT,
1988). Muitas se destacaram na fina arte do cuidar/cuidado, contudo, o
pioneirismo é conferido a Florence Nightingale (1820-1910), precursora
da Enfermagem Profissional ao fundar a Training School for Nursing, em
1860, em Londres, na Inglaterra vitoriana, cuja ação foi alicerçada com
a edição de seu primeiro livro Notes on Nursing, publicado em 1864. Os
impactos da profissionalização alteraram valores atribuídos às antigas
nurses, representadas como mulheres sem valor moral, vulgarizadas por
trabalharem em ambiente hostil, dominado pela Igreja e caracterizado como
morredouro (DONAHUE, 1999; DICKENS, 1999; FOUCAULT, 1999).
O “Sistema Nightingale” tornou-se distintivo do que era e não era
enfermagem, alcançou os continentes e colaborou para a emancipação
feminina em diferentes países. Como enfermeiras, mulheres em todo o
mundo ocuparam espaços importantes na vida pública, foram inseridas no
universo do trabalho em hospitais, na administração de clínicas, serviços
e programas de saúde, na gestão de recursos humanos, financeiros e
organizacionais da vida intra-hospitalar, bem como na esfera da educação
e do ensino como acadêmicas, por assumirem cargos de professoras,
pesquisadoras e consultoras, autoras de livros, teses e outras publicações
– como guias, manuais e artigos. Atuando como enfermeiras, as mulheres
encontraram possibilidades exigidas pela emancipação, projetadas para a
esfera das decisões da administração pública, que no contexto histórico
abordado encontrava-se em consolidação no Brasil.
Durante o Estado Novo (1930-1945), mulheres enfermeiras tiveram
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atuação significativa no desenvolvimento de políticas públicas que
implicaram uma mudança decisiva nos rumos da enfermagem brasileira.
Em diferentes contextos, elas atuaram de modo contundente; contudo, pós1930, as transformações vivenciadas com a aquisição de novas tecnologias
hospitalares, a ampliação da rede hospitalar, a necessidade permanente
de formação de mão de obra especializada e sempre alerta para o caso de
guerra, evocavam a enfermagem como essencial para a manutenção da
vida pública. “A propaganda utilizada para atrair jovens para a careira é
reveladora: apelava-se para a ‘entrega’, a ‘alma altruísta e generosa’, a
‘magnanimidade’ e o espírito de ‘missão feminina’ das mulheres brasileiras”
(Vieira, 2006, p. 228). O papel social das enfermeiras tornou-se palco do
“discurso varguista” na medida em que atingia todo o território brasileiro.
Modernas, salvadoras da pátria, destemidas, elas se relacionavam com
os acontecimentos não como coadjuvantes, mas protagonistas. Imagens
difundidas em jornais e revistas, a publicidade de suas atuações junto
a programas de saúde pública, e o apelo do uniforme como distintivo
legitimador mobilizavam populações otimistas com os avanços da política
pública no governo Vargas, já que o então presidente era considerado o “pai
dos pobres”.
Acrescenta-se que as vicissitudes do período, ainda que incipientes,
foram decisivas para que mudanças ocorressem no campo da história das
mulheres no Brasil, pois o American way of life propiciou usos e costumes
diametralmente opostos aos vividos por mulheres em décadas anteriores. O
cosmopolitismo anunciado alterava destinos, que conduziam as mulheres
ao casamento e à maternidade, em favor de uma vida voltada para o trabalho
urbano e a especialização profissional.
A enfermagem se destacou ao envolver mulheres em ambientes
temidos e fortemente administrados como a guerra e o hospital. A Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) pautou movimentos políticos no Estado
Novo e exigia formação de um exército de pessoas capazes de organizar,
sobretudo, o front interno como destaca Roney Cytrinovicks (1999). A
Cruz Vermelha Brasileira e os cursos rápidos de formação técnica de
padioleiros, samaritanas, enfermeiras auxiliares, auxiliares de saneamento,
visitadoras sanitárias, socorristas, treinamento de voluntários, entre outros
também oferecidos por escolas tradicionais brasileiras, abriam brechas
para a participação política de mulheres em movimentos sociais, algo que
aconteceu em outros momentos da história como a Coluna Prestes, iniciada
em 1922, a Revolução Constitucionalista de 1932 e, significativamente, a
Guerra do Paraguai (1864-1870), nos quais mulheres atuaram identificadas
como enfermeiras. Além disso, a Guerra da Crimeia (1853-1856) celebrizou
o reconhecimento da Enfermagem como prática social e das mulheres
enfermeiras como protagonistas e principais personagens. A participação
de mulheres no cuidar/cuidado durante conflitos armados refletiu ações
71
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também na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual a preparação
rápida em primeiros socorros envolvia treinamento de mulheres, conforme
apresenta Goodnow (1933), ao destacar que os Estados Unidos da América
durante a Primeira Guerra Mundial preparava e encaminhava enfermeiras
para a Europa com apoio da Cruz Vermelha, símbolo do voluntarismo e
humanitarismo.
Com relação à associação mulher/enfermagem/guerra no Brasil,
ressalta-se que perpassa o imaginário social evocado pela memória da
baiana Anna Nery, considerada a “primeira enfermeira” devido à sua
atuação voluntária e patriótica na Guerra do Paraguai, quando salvou feridos
e doentes a exemplo da “dama da lâmpada” – associação que fabricou
discursos erigidos por enfermeiros, forjado em simbolismos heroicos,
representados de modo totalizador, sem considerar antecedentes legados da
antropologia médica e cultura dos cuidados.
De todo modo, no Estado Novo, a atuação profissional da Enfermagem
(essencialmente feminina) abria brechas para a emancipação. Estava
sendo fundado um campo científico que incluía mulheres em universos
tradicionalmente masculinos, sem que perdessem suas virtudes. Mudança
de endereço, saída da casa dos pais, viagens internacionais, missões, contato
com médicos, engenheiros e outros profissionais em ambiente de trabalho
hospitalar, em laboratórios de análises clínicas, em projetos de pesquisa
desenvolvidos por institutos de saúde, inúmeras possibilidades permitiam
a aquisição de novos conhecimentos, interesses e títulos por meio dos quais
as enfermeiras legitimavam suas emancipações. A representação atribuída
ao ato de servir a pátria, independentemente da característica voluntária ou
profissional, ampliava possibilidades de participação dessas mulheres no
espaço político e institucional sem que suas recusas as desabonassem, ao
contrário.
A necessidade prática da Enfermagem abriu possibilidades às mulheres
de atuarem no espaço público, político e institucional. Respaldadas
socialmente, a atuação humanitária em guerras e em hospitais reverberava
o patriotismo e motivava mulheres em todas as classes sociais. Muitas
delas eram abnegadas, religiosas, órfãs; porém, cada uma percebia as
possibilidades que a profissionalização acarretaria em sua trajetória pessoal
e ousou, construindo uma imagem de si mesma, uma cultura profissional na
qual a mulher assumia a liderança.
O presidente Getúlio Vargas, como parte dos jogos da política, instituiu
o “primeiro-damismo” e com Darcy Vargas fundou a Legião Brasileira de
Assistência (LBA), que fortalecia a cooptação de mulheres para o trabalho
no campo da saúde, da assistência social, do cuidado, sem distinção
(SIMILI, 1999). Havia um amálgama entre assistencialismo e voluntariado,
atos de valor supremo, reveladores da abnegação diante da representação
da enfermagem, nesse sentido, identificada como prática comparável ao ato
72
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religioso, ou seja, as enfermeiras eram consideradas freiras sem o hábito,
ainda que, em oposição, as representações da enfermeira evocassem o
imaginário das pinups (liberadas, modernas, donas de si). Não raramente,
as propagandas estampavam anúncios com imagens, desenhos, fotografias
de enfermeiras, e algumas aladas como se fossem anjos, soldados de
cristo, salvadoras da pátria, sempre aptas e prontas para os riscos da ação
benfazeja; mas, também, como mulheres independentes, profissionais. Tais
representações as liberavam das antigas obrigações sem perderem a honra.
Belas e patrióticas, elegantes e sem vulgaridade, a imagem das enfermeiras
pós-1930 desvela um momento particular da identidade profissional.
Independentemente do tempo e espaço, mulheres estampam a Enfermagem
como sua principal personagem.
No período analisado, de algum modo, em algum momento, a condução
das questões relacionadas ao intenso debate sobre os custos econômicos
da guerra, das doenças, dos tratamentos, implicaria participação de
enfermeiras. Elas assumiriam, em alguma etapa do processo, papéis de
comando, controle e gestão dos recursos públicos destinados ao trabalho
de cuidar/cuidado, ou seja, decisões não deixariam de passar pelo crivo das
mulheres.
Os jornais de São Paulo, no contexto, evidenciavam o Governo de
Getúlio Vargas e as relações estabelecidas com os Estados Unidos em
manchetes como a publicada n’A Folha da Noite e que dizia “Estados
Unidos enviam para o Brasil as armas que ainda não fabricamos aqui”. E
essas informações, evidentemente, alarmavam a população e imprimiam um
estado de alerta constante, uma tensão permanente. As páginas dos diários
revelavam, do mesmo modo, movimentos políticos em torno da Campanha
de Guerra, como permite entrever o oferecimento de cursos de rápida
duração, voltados para instrução da sociedade civil em caso de conflito
armado no front interno. Cursos como o de “auxiliares de alimentação”,
noticiado no jornal A Folha da Noite 1, indicavam que 88 técnicas formadas
pela Superintendência do Ensino Profissional estavam aptas a disseminar
novos hábitos alimentares. A prática desportiva, outro segmento que
merecia destaque no período, fabricava valores em torno da compleição
física. Ambos, alimentação e desporto, representavam o dinamismo das
mudanças sociais em curso, a preparação de um exército interno, a condição
física adequada para a guerra, ao mesmo tempo, reverberava a cidade de São
Paulo como metrópole do Brasil, conectada aos movimentos internacionais
em torno da guerra.
Outros cursos eram oferecidos às mulheres, como o de “voluntárias
bombeiras”, ministrado pela Seção de Defesa Passiva Antiaérea, o
que ampliava a inclusão do gênero feminino em domínios restritivos,
considerados próprios do universo masculino. O fragmento do discurso
1 O referido texto foi publicado com a manchete “A população precisa alimentar-se melhor”.
73
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do Capitão Naul Azevedo é indicativo do discurso erigido em torno da
participação feminina na campanha da guerra: “[...] no momento em que
o Brasil toma parte na Segunda Guerra Mundial [...] suas mulheres se
enfileiram para dar, na medida de suas possibilidades, seu auxílio à pátria...”
(A FOLHA DA NOITE, 12.11.1942).
Seja como for, as possibilidades se estendiam para o campo da
formação de contingentes cada vez maiores de mulheres como permitem
entrever a propaganda veiculada no mesmo diário com a seguinte chamada
3
: “O Brasil precisa de Enfermeiras Samaritanas. Inscreva-se hoje mesmo!”
(23.11.1942). No dia primeiro de dezembro, o jornal anunciava: “Mais
uma turma de Samaritanas e Socorristas de emergência. Comemorando
seu aniversário, a Cruz Vermelha promove a entrega de diplomas às jovens
agora formadas”. Um dia depois, o jornal publicou: “Formadas nesse ano
mais de 1.200 voluntárias socorristas” com menção à Associação Brasileira
de Samaritanismo (A FOLHA DA NOITE, 02.12.1942). A visibilidade das
ações da Cruz Vermelha Brasileira – Filial do Estado de São Paulo, em
específico a Escola de Enfermagem, dirigida por Izabel Gomm, fazia com
que esta mulher aparecesse com frequência em jornais paulistanos. Em uma
dessas passagens, Gomm 4 informava:
2
[...] esta escola trabalha em estreita colaboração com a Diretoria da
Cruz Vermelha e ministra três cursos: o de Voluntárias Socorristas,
com duração de um ano; e o de Enfermeiras Profissionais em três
anos. Mantemos para os vários cursos, aulas das 8 as 11, das 14
as 16, das 16 as 18 horas e uma aula noturna com início as 20
horas. Durante esses períodos de aula é mantido, também, um
curso masculino. Já entregamos esse ano mais de 1.200 diplomas
de voluntárias socorristas e cerca de 600 de samaritanas. São
professores atualmente da Escola os Srs. Capitão José Oliveira
Ramos, Tenente Ruy Faria, Ribeiro do Vale, Nelson Planet, C. A.
do Espírito Santo, Avelar Fernandes, P. Aquino e as Sras. d. Elza
Neves, d. Ruth Borges Teixeira e d. Sylvia Coelho. Terminando
o curso teórico encaminhamos nossas alunas para um estágio nos
Hospitais de Indianópolis, da Força Policial, Samaritano e Santa
Casa. (A FOLHA DA NOITE, 02.12.1942).
No dia seguinte, o jornal noticiava:
[...] entre outros serviços e departamentos filiados a (sic) Cruz
Vermelha Brasileira, é digna de menção a Associação Brasileira
2 O discurso foi publicado no jornal “A Folha da Noite” no dia 12 de novembro de 1942.
3 Em.. 23 de novembro de 1942.
4 O trecho expressa a grafia da época; portanto, devem ser desconsiderados desvios à norma padrão.
74
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de Samaritanismo presidida por d. Carminha da Silva Telles.
Não podia ser mais oportuno o aparecimento dessa instituição,
no momento em que o patriotismo e o sentimento das mulheres
brasileiras, as induzem a se alistarem para serviços de guerra. (A
FOLHA DA NOITE, 03.12.1949).
As fotografias que estampam as matérias citadas revelam verdadeiros
batalhões de mulheres a exemplo da divulgada no dia da Cruz Vermelha
Brasileira, “brilhantemente comemorado”, na qual 208 mulheres vestidas
de branco enfileiravam-se com destreza militar no Vale do Anhangabaú,
região central da cidade de São Paulo.
Como analisado por Campos (2006), a influência norte-americana
e os acordos estabelecidos entre os dois países durante o Estado Novo
permitiram a criação do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, agência
norte-americana estabelecida no/anexa ao Ministério da Saúde, do Governo
de Getúlio Vargas com poderes e autonomia de ação e financiamento. Sua
existência data de 1942 como agência bilateral brasileiro-americana e,
até sua extinção, em 1960, foi uma “agência internacional” que moldou
comportamentos e apropriações e que ora exaltava o SESP e os Sespianos,
ora os criticava, tanto por suas condições de atuação e remuneração,
diferenciadas e elevadas diante dos demais servidores públicos, quanto pela
possibilidade de intervenção direta dos Estados Unidos no Brasil; portanto,
dos impactos e interferências norte-americanas na política interna.
Embora fosse fundamental para o estudo do envolvimento dos Estados
Unidos em políticas de saúde do Brasil, com especial atenção para no
norte-nordeste, devido à geografia de guerra ressaltar as regiões como
estrategicamente importantes, São Paulo assumiu o lugar de liderança
de um dos principais projetos de cooperação norte-americana, que levou
à construção de uma nova Escola de Enfermagem no Brasil como novo
núcleo radiador da formação profissional pós-1930, capaz de assumir a
condução política-institucional da formação em enfermagem brasileira
como propunha o efeito demonstração, que regulava programas de saúde
norte-americanos (CASTRO SANTOS, 1999). A construção de uma Escola
de Enfermagem capaz de não somente receber grande contingente, mas
treiná-lo a partir de uma formação renovada em conteúdo e pré-requisitos,
reorganiza a enfermagem brasileira – episódio que implica considerar um
momento de convergência entre medicina, saúde e história. Afinal, “[...] o
estudo das origens do Sesp e de sua história nos ajudam na compreensão
de como as ‘políticas internacionais de saúde’ desenhadas no século XX
interagiram com as políticas nacionais e originaram instituições que
marcaram as ações de saúde no século passado” (Campos, 2006, p. 15).
O processo de americanização do Brasil encontrou na institucionalização
das ciências aplicadas, com especial atenção à formação em Enfermagem,
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campo fértil para a disseminação da “política da boa vizinhança”. A carência
de profissionais, o círculo geográfico, de abrangência do Sesp no Brasil, bem
como a propaganda em torno da profissão, permitiam rápida absorção no
mercado de trabalho, algo suficientemente tentador às mulheres desejosas
por assumirem comportamentos americanizados, retratados em filmes
hollywoodianos, rapidamente disseminados em salas de cinema montadas
em todo o país como estratégia de imposição do novo modelo de vida e
trabalho (Tota, 2000; Meneguello, 1986). Todavia, como ingressar
no conjunto desse sistema, quais os requisitos exigidos e que permitiriam
os acessos? Ainda que propagandas reverberassem o papel social renovado
das mulheres, muitas se recusaram, duvidaram, recuaram, foram recusadas;
porém, muitas outras vivenciaram momentos de controle e negociação,
não somente obediência. As enfermeiras tinham assento reservado à mesa
na resolução de questões vitais para a manutenção e desenvolvimento do
trabalho hospitalar. Organizar um corpo profissional, capacitar um exército
de mulheres, proteger o Brasil, retirá-lo da pobreza, da doença, que o
caracterizavam como Terceiro Mundo, e ampliar a engenharia sanitária
consubstanciavam discursos políticos promovidos por Vargas e justificavam
acordos bilaterais como o Programa de Enfermagem.
A disseminação de valores atribuídos como higiênicos e saudáveis,
a assistência aos trabalhadores consolidadas pela legislação trabalhista, a
mudança organizacional trazida pelo Estado Novo, reinventam o cotidiano
brasileiro. A população passa a receber formação renovada quanto aos
cuidados com higiene, alimentação e esportes, práticas de vida saudável que
deveriam disseminar novos padrões de comportamento público e privado
como proposto pelo Programa de Enfermagem. A Escola de Enfermagem
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, construída para
ser o núcleo das mudanças requeridas, reverberava a modernização da
Enfermagem, simbolicamente, ao rejeitar o ensino anteriormente aceito,
renovando o trabalho da enfermeira. Miss Ella Hasenjaeger, consultora
norte-americana, teve atuação preponderante nesse processo. Apoiada pela
primeira Diretora, Edith de Magalhães Fraenkel, a consultora orientava
a disseminação do novo modelo americano de formação e exercício
profissional orientando alunas e professoras, organizando um grupo de
mulheres brasileiras capazes de desenvolver mudanças requeridas no
contexto e com poder de decisão (CARVALHO, 1980; SECAF; COSTA,
2007).
Ella Hasenjaeger reestruturou perspectivas de trabalho e áreas de
ensino/pesquisa desmerecidas na Reforma Sanitária de 1920. Com a
fundação da Escola de São Paulo, na década de 1940, Hasenjaeger incluiu
a disciplina Enfermagem Psiquiátrica no currículo, ainda que existisse
historicamente. Também apoiou a instalação de serviços de saúde no interior
do estado de São Paulo, desenvolveu projetos votados para a saúde pública,
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vinculados à Santa Casa de Misericórdia de Santos, e estabeleceu estágios
e programas com os quais imprima uma disciplina acadêmica rigorosa,
que instituiu um novo padrão de ensino e pesquisa para a enfermagem
brasileira (Carvalho, 1980). A atuação de Hasenjaeger repercutiu em
todo o Brasil o que permite supor o destaque de sua atuação no Programa
de Enfermagem, algo atestado no conjunto da documentação gerada pelo
envio de relatórios para a Fundação Rockefeller, nos Estados Unidos. Os
relatórios eram assinados por consultoras que aturam em diferentes Escolas
de Enfermagem no Brasil. Contudo, os relatórios de “Miss Ella” são
redigidos como síntese dos acontecimentos nas diferentes escolas apoiadas,
indicando o número de ingressantes nos cursos, os avanços alcançados, os
projetos em desenvolvimento, cujos temas eram discutidos em encontros
por elas promovidos como os que instituíram o Congresso Brasileiro de
Enfermagem, cuja primeira edição, em 1947, resultou da organização de
enfermeiras paulistas sob sua orientação.
Notadamente, a fundação do Curso de Enfermagem da Universidade
de São Paulo foi noticiada nas páginas dos jornais paulistanos com uma
singular formalidade, com o mesmo texto em pequena nota, apresentada
sob o título “Curso de Enfermagem”, na qual indicava: “[...] As pessoas
inscritas para o curso de Enfermagem e que ainda não compareceram a
(sic) sede para escolher as turmas de que professores fazem parte, de acordo
com suas horas disponíveis devem fazê-lo com a maior urgência, de vez
que o curso deverá ser iniciado dentro de poucos dias” (DIÁRIO DE SÃO
PAULO, 31.11.1942; CORREIO PAULISTANO, 31.11.1942). A evidência
reafirmava que a Escola de Enfermagem de São Paulo não tinha o mesmo
apelo que a Enfermagem de guerra, não formava enfermeiras de guerra, cujo
conteúdo se voltasse para a guerra, tampouco oferecia cursos de formação
rápida (ainda que cursos para auxiliares fossem ali ministrados), mas para a
liderança nos espaços públicos, como espaço de ensino e pesquisa voltado
para a formação de vocações, de enfermeiras-chefe, inseridas em um projeto
político maior e instruídas para o trabalho científico, academicamente
formalizado.
Todavia, é preciso destacar que um episódio reverbera a função social
da Escola. Divulgado pela imprensa paulistana, o episódio sinalizava para
a importância das enfermeiras-chefe em um surto epidêmico de meningite
cérebro-espinhal, em 1948, “numa das importantes regiões do Estado
bandeirante”. O potencial intervencionista da enfermagem, a função social
da enfermeira-chefe, bem como os esforços das enfermeiras e alunas para
adequar uma escola primária às capacidades de um hospital em local de
difícil acesso, com poucos recursos, mas em “defesa da saúde do povo
paulista”, enfatizava o potencial de intervenção social que a formação
oferecia. A assinalada vitória do grupo de enfermeiras lideradas por Miss
Ella Hasenjaeger ampliou a visibilidade da Escola e das mulheres que
77
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conduziram a campanha contra outra guerra, naquele momento interna,
voltada para o combate de epidemias, pois, como enfatizava o slogan do
Boletim Sesp “A doença não conhece fronteiras”. Com o título “A eficiência
da Escola de Enfermagem de São Paulo”, o povo paulista começou a “colher
os frutos daquela magnífica realização”, o Boletim do SESP estampava, em
primeira página, a ação das enfermeiras e alunas da escola, afirmando:
São Paulo já esta colhendo os frutos de uma Escola de Enfermagem
modelo dentro da sua Universidade [...]. Hoje, a imprensa e o
rádio paulista trazem as impressões de técnicos e de leigos, todos
unânimes em reconhecer no trabalho dedicado e precioso das
enfermeiras e das alunas da Escola de Enfermagem de São Paulo
um dos fatores mais destacados da vitória contra o mal que lançou
uma onda de terror no interior paulista. Num sábado o Dr. Paulo
Antunes telefonou para a Sra. Edith Fraenkel, Diretora da Escola
de São Paulo apelando para os seus préstimos naquele momento
de mobilização dos instrumentos da Saúde Pública paulista para
debelar o mal que se apresentava cada vez mais ameaçador. E no
dia seguinte, apesar do pedido ter sido formulado à noite, já partiam
para o local da epidemia a Enfermeira Especializada, professora
da Escola e elementos pertencentes ao “staff” do SESP, Miss Ella
Hasenjaeger, com duas enfermeiras e um grupo de alunas da Escola.
Depois de uma viagem cheia de dificuldades, por estradas que
tinham as suas condições precárias pioradas pelas chuvas, o grupo
de enfermagem chegou a Casa Branca e iniciou o seu trabalho [...]
(BOLETIM DO SESP, 1948, capa).
Como indicado, a influência dos Estados Unidos no campo da
Enfermagem foi intermediada pela atuação de consultoras. Miss Ella
Hasenjaeger, atuou na Escola de Enfermagem de São Paulo entre 1942 a
1951, participou ativamente da institucionalização dos espaços de formação
profissional como o Programa de Enfermagem e, também, do movimento
associativo, da inserção da Enfermagem brasileira no cenário mundial, da
proposta política de atuação e intervenção na saúde das populações no Estado
Novo, o que atraiu o olhar estrangeiro a ponto de, não muito tempo depois, o
Brasil sediar o encontro do International Council of Nurses, com aprovação
do primeiro manual de comportamento ético em enfermagem no mundo. A
proposta na qual Miss Ella se empenhava, visava a ampliar a enfermagem na
América Latina. No Brasil, a assistência de enfermagem pouco acontecia,
tendo em vista as restrições do modelo de ensino vigente, que favorecia
o trabalho de visitadoras sanitárias. Conforme destaca Campos (2006), o
Programa de Enfermagem do Sesp “[...] iniciou-se oficialmente em agosto
de 1942, quando o Instituto de Assuntos Interamericanos (Iaia) aprovou
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o projeto Mais Enfermeiras de Saúde Pública para o Brasil. O propósito
era “[...] assegurar padrões uniformes nos serviços de enfermagem no
Hemisfério Ocidental...” (Boletim Sesp, ano apud Campos, 2006, p.
225). A permanência de Miss Ella Hasenjaeger em São Paulo e a construção
da Escola de Enfermagem indicavam o potencial da Faculdade de Medicina
e Saúde Pública no contexto. No Distrito Federal, os símbolos erigidos
pela Escola de Enfermagem Anna Nery, que regiam o lendário padrão
profissional, agiam como impedimento para o pleno desenvolvimento do
Programa de Enfermagem, que anularia princípios norteadores da identidade
profissional nas décadas de 1920 e 1930.
A história permite considerar que a enfermagem brasileira recebeu forte
influência do modelo americano referente à formação e ao aperfeiçoamento.
O Decreto nº 20.109, de 15 de junho de 1931, promulgado durante a
vigência da Reforma Sanitária de 1920, estabeleceu determinado padrão
para funcionamento de escolas de Enfermagem com base em diretrizes
teórico-práticas de escolas americanas do início do século XX. O sistema
anglo-saxão, introduzido no Brasil por um grupo de enfermeiras lideradas
por Ethel Parsons, a convite do governo e com o apoio da Fundação
Rockefeller, era parte das mudanças propostas por Carlos Chagas, médico
sanitarista, que chefiava o Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP
em 1920. Embora a função principal dessas enfermeiras fosse combater
a epidemia de febre amarela, elas fundaram uma escola para formar
enfermeiras como mecanismo para dar continuidade aos trabalhos iniciados
na capital da República, na época no Rio de Janeiro, pela Missão Parsons.
O modelo forjou a identidade profissional da Enfermagem brasileira pela
elitização de suas alunas, ainda que atendesse às necessidades do momento
de cunho epidemiológico, a formação profissional e a atuação direta
eram infinitamente menores do que a demanda, esta sempre crescente.
A formação priorizava cuidados para febre amarela – embora doenças
como tuberculose, hanseníase e outras questões de saúde pública fossem
igualmente privilegiadas no exercício profissional –, mas restringia a
inclusão de mulheres pobres, que poderiam ser bem aceitas, e impedia
o ingresso de mulheres negras, excluídas por associações geradas em
discursos eugênicos, darwinista-sociais, que consideravam os negros como
degenerados, doentes e perigosos.
Salienta-se que esse perfil intolerante assumido pelas elites brasileiras
pode ser observado, ainda, quando Moreira (1999) informa que “não só as
futuras alunas de enfermagem brasileiras foram alvo de ‘vigilância racial’.
Isso aconteceu, também, com as enfermeiras norte-americanas, conforme
mostra uma correspondência de 1922. A vinda de uma enfermeira descrita
como mestiça – half-breed – foi avaliada, na época, como inconveniente ante
a possibilidade de não ser bem aceita no Brasil (Moreira, 1999)”. Não
obstante, esse episódio permite considerar que os impedimentos em relação
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aos negros no Brasil reiteravam a mentalidade nacional, pois nos Estados
Unidos a Fundação Rockefeller já contratava enfermeiras afrodescendentes.
Mary Eliza Mahoney (1845-1926) foi a primeira mulher negra a graduar-se
enfermeira nos Estados Unidos pelo New England Hospital for Women and
Children em 1879. Em 1909, organizou a primeira Convenção da National
Association of Colored Graduate Nurses, descrita como “[...] important
landmark in the development of black nursing” (Donahue, 1996, p. 272).
Em oposição, o Programa de Enfermagem era um amplo projeto
de formação profissional que avançava as fronteiras simbolicamente
construídas pelo “modelo annaneriano” 5 fundado em uma perspectiva
ultrapassada. Seu desenvolvimento envolvia não somente a cidade do Rio de
Janeiro, mas Niterói, São Paulo, Goiânia, Manaus, Belém e Salvador, entre
outras cidades beneficiadas pela ampla expansão dos serviços de saúde em
curso, fomentados pelo SESP em parceria com os Estados Unidos e obtendo
o apoio do Governo brasileiro, visto que este se apropriava politicamente do
Programa, assim projetado:
O planejamento seguia a seguinte estratégia: primeiro, o Iaia
enviaria enfermeiras ao Brasil, encarregadas da reorganização
de escolas já existentes, a começar pelo Distrito Federal e,
posteriormente, cuidando de norte, nordeste e sul do país. Num
segundo movimento, o Sesp fomentaria cursos superiores de
formação profissional, com apoio da Fundação Rockefeller. A
terceira providência envolvia a Fundação Kellog, mediante a
concessão de bolsas de estudo de graduação e pós-graduação para a
formação de enfermeiras brasileiras nos Estados Unidos, enquanto
o Sesp promovia bolsas para a formação nas escolas brasileiras.
Uma última medida compreendeu a instituição de cursos de
curta duração para enfermeiras práticas e visitadoras sanitárias e
de um “projeto especial”: a fundação da Escola de Enfermagem
de Manaus, para preparar enfermeiras para a região amazônica.
(Campos, 2006, p. 227).
O Programa de Enfermagem permitia a Getúlio Vargas tornar real
a política voltada para os pobres como uma guerra interna a ser vencida.
Critérios como nível de pobreza e saúde impactavam na caracterização
do país como pertencente ao Terceiro Mundo, o que alimentava imagens
desabonadoras, que marcaram a história do Brasil como um local cuja
miscigenação degenerou o povo brasileiro, representado como despreparado,
inculto, pobre e doente.
Chalhoub (1996, p. 29), ao tratar o surgimento da ideologia da higiene
no final do século XIX, comenta que as classes pobres “[...] não passaram
5 Modelo adotado pela Escola de Enfermagem Anna Nery.
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a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer
problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública.
Os pobres ofereciam também o perigo do contágio [...]”. A representação do
pobre como doente, degenerado, ao mesmo tempo em que impunha natural
supremacia, balizava rigores impostos ao papel social da enfermeira como
os propostos na Reforma Sanitária de 1920, pois representava negros e
pobres como perigosos. Então, questionava-se como inserir essa população
no âmbito social mais amplo.
Na década de 1920, moças recrutadas e enquadradas no padrão
proposto para a Enfermagem annaneirana raramente sairiam do Distrito
Federal para atuarem no interior do país, longe das garantias que a vida
citadina propiciava. A demanda local era suficiente para impedi-las;
contudo, as recusas ampliavam dificuldades existentes no interior do Brasil,
pouco desenvolvido, mas que era uma região de interesse estratégico norteamericano. O Programa de Enfermagem rompeu com a elitização do antigo
modelo, inseriu homens e mulheres de classes médias e pobres na profissão,
ainda que pré-requisitos como grau de escolaridade restringissem os
acessos. Todavia, ilustres inominadas preenchiam os requisitos a exemplo
de Josephina de Melo, Lydia das Dores Mata, Maria de Lourdes Almeida
que, entre outras, redimensionaram a identidade profissional pós-1930
(Souza Campos; Oguisso, 2006).
De todo modo, a Enfermagem era imperiosa no discurso
desenvolvimentista que emoldurava a política no Estado Novo, pois suas
práticas promoveriam a saúde necessária aos bons trabalhadores, imagens
diametralmente opostas aos critérios que desclassificavam o Brasil. No início
do século XX, as transformações no âmbito da assistência à saúde levaram
à formação de “enfermeiras-chefe”, profissionais capazes de administrar e
liderar equipes em espaços hospitalares, programas políticos e de assistência
pública a partir de um saber especializado no campo da Administração
e das práticas de ensino norteadoras da orientação profissional. Mesmo
considerando que a orientação profissional da Enfermagem brasileira tenha
sofrido influência americana, durante muito tempo o americanismo forjou
uma imagem desabonadora da América Latina como justificativa para a
manutenção de programas que os inseriam diplomática e estrategicamente
nos governos, como o Programa de Enfermagem. Opostas às da realidade
americana, as imagens dos países sul-americanos evocavam atraso econômico
e subdesenvolvimento. Pobreza e falta de assistência médico-hospitalar
caracterizavam a fragilidade de políticas públicas de saúde e classificavam as
populações latino-americanas como inferiores. No caso brasileiro, o interesse
dos Estados Unidos em manter bases aéreas no norte/nordeste se coaduna com
a filantropia populista de Getúlio Vargas, ou seja, o Programa de Enfermagem
permitiria que muitas questões indissociáveis fossem “combatidas” a partir
de uma única estratégia: ampliação significativa do número de enfermeiras.
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Ao modernizar o país, o programa varguista imprimiu uma visibilidade
diferente à nação, desvinculada das faltas existenciais e institucionais que
inferiorizavam os brasileiros. Em São Paulo, no contexto, a construção
do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, bem como a construção da Escola de Enfermagem resultam
da intervenção americana e consubstanciam o Programa de Enfermagem
(MARINHO, 1999; MOTA; MARINHO, 2010). Os discursos políticos e as
representações da sociedade brasileira refletiam o caráter populista assumido
na ascensão política de Getúlio Vargas, que impunha uma nova condução à
sociedade via inclusão das massas na participação social, via assistencialismo
e legislação trabalhista. A historiografia permite considerar que o “pai dos
pobres” pretendia estabelecer o controle o mais eficiente possível sobre
[...] os pobres e a classe trabalhadora do país para usá-los como uma base
essencialmente passiva de apoio político, e também como fonte de mãode-obra (sic) barata e aquiescente para a economia industrial em expansão”
(Andrews, 1998, p. 284). Em todo o Brasil, particularmente no Estado de
São Paulo, a “era Vargas” proporcionou profundas transformações, visto que,
representado pela metáfora da locomotiva, simbolizava a modernização do
país. Com 1,3 milhões de habitantes em 1940, a capital paulistana promovia
o crescimento da classe trabalhadora urbana e concentrava um número
expressivo de indústrias, movimentando grande parte do capital empregado
no Brasil, potencial que atraia uma nova geração de políticas públicas e
de cooperação internacional com países da América Latina, iniciada “[...]
por uma corrente de intelectuais americanos que se formou principalmente
depois da Primeira Guerra Mundial [...] os splendid drunken years”, vale
dizer, momento de grande expansão da economia, intensa mecanização da
produção e um crescimento vertiginoso do mercado, que produzia tudo em
massa (Tota, 2000).
Deste grupo, emerge a figura emblemática de Nelson Aldrich Rockefeller
– segundo filho de John D. Rockefeller Jr., de família multimilionária, dona
da Standard Oil Company, empresa presente em vários países da América
Latina –, graduado em estudos econômicos pelo Darmouth College, em
1930, e educado em preceitos evangélicos de cunho protestante. A biografia
de Nelson Rockefeller indica que a inclinação para os negócios era inferior
à familiaridade e ao interesse que mantinha com as artes (Tota, 2000).
A característica herdada do lado materno, proporcionou, sob influência da
mãe, que ele assumisse a presidência do Museu de Arte Moderna (MOMA)
e fosse conselheiro do Metropolitan Museum, em Nova York. Sua ligação
com o universo das artes plásticas tornou-se relevante, pois foi este aspecto
que o aproximou das manifestações artísticas da América Latina, assim, da
realidade vivida nos países sul-americanos. Da mesma forma, sua atuação
em atividades propriamente econômicas, exercidas junto ao Departamento
de Negócios Estrangeiros, do Chase National Bank, exigia que viajasse
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com frequência pela América Latina. Essas viagens redimensionaram as
ações missionárias, evangélicas e filantrópicas da Fundação Rockefeller
no subcontinente, em especial, propiciaram a criação do Office of the
Coordinator of Inter-American Affairs (Escritório do Coordenador de
Assuntos Interamericanos) – OCIAA, denominado, posteriormente,
Institute of Inter-American Affairs – IIAA. Balizado por acordos bilaterais,
os entrelaçamentos resultantes desse processo permitiram experiências
renovadas para mulheres no Brasil, o que redimensionou a história da
Enfermagem brasileira.
Liderança paulista: As
Enfermeiras-chefe
A profissionalização da Enfermagem proposta pela Escola de
Enfermagem de São Paulo caracterizava a saúde pública como prioritário
ao bem-estar da população e ao desenvolvimento físico e intelectual da
nação – critérios utilizados pela Fundação Rockefeller para aplicação de
investimentos no campo da saúde no Brasil. Intermediado pelo Serviço de
Especial de Saúde Pública (SESP), estabelecido pelo acordo bilateral entre
o governo americano e brasileiro pós-1930, o novo estabelecimento de
ensino foi criado para ser um dos mais bem equipados da América Latina.
Deveria ampliar a visibilidade e as potencialidades da Enfermagem para a
disseminação de padrões de comportamento social, inclusive de consumo,
com a valorização de bens e produtos fabricados nos Estados Unidos. Nelson
Rockefeller, o “amigo americano”, conforme sintetizou Tota “[...] queria
conquistar corações... E bolsos” (2008). Parte de um amplo projeto americano
instalado no Brasil durante o Estado Novo, o ensino da Enfermagem
brasileira imprimia novas possibilidades de atuação da enfermeira como
administradora, por participar da organização da vida médico-hospitalar,
da compra de produtos médico-cirúrgicos, produtos de higiene, ferramentas
de trabalho, uniformes. As enfermeiras assumem o cuidar/cuidado como
objeto de estudo sistematizado, teórico e metodologicamente organizado em
protocolos, que moviam a administração sanitária. O consumo dos produtos
fabricados por americanos em áreas da Farmacologia, da Engenharia, da
Medicina, conferia uma condição diferenciada à participação feminina no
espaço público. Sem querer incorporá-las no interior de uma narrativa pronta
ou em perspectiva essencialista, conforme destaca Maria Isilda S. de Mattos
(2000), as experiências sociais, que se articularam na conjuntura, abriram
possibilidades de atuação feminina pela via da Enfermagem, processo que
colabora para reinventar a totalidade histórica.
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O inexpressivo contingente de enfermeiras existentes no Brasil exigia
rápida formação, treinamento de pessoal, organização de mulheres que
respondessem às necessidades de contratação em serviços públicos de saúde
que estavam instalados em todo o território brasileiro como os liderados
pelo SESP, com especial atenção para Goiás, Amazonas, Pará e Bahia, cujo
círculo desenhado pela geografia dos estados incluía São Paulo e Distrito
Federal, a cidade do Rio de Janeiro e demarcava o interesse americano por
instalação de bases militares passivas antiaéreas em solo brasileiro.
Nota-se, portanto, que a relação estabelecida durante o Estado Novo
entre Brasil e Estados Unidos emergiu de uma aliança estratégica, de guerra,
utilizada por Getúlio Vargas para efetivar seu projeto desenvolvimentista para
o Brasil e extrair benefícios para sua política internacional, pois intercalava
discursos que ora exaltavam o pan-americanismo, ora evidenciavam o
aumento no comércio de compensação com a Alemanha. O ideal era
conquistar financiamento para a construção de uma usina siderúrgica de
controle estatal, reequipar as forças armadas, mas também ampliar a
promoção da saúde pública no Brasil com a formação de profissionais que
ocupassem cargos em instituições públicas criadas para o projeto nacional
desenvolvido na era Vargas. A saúde pública assumiu vital importância
no decurso das políticas no Estado Novo, pois o Brasil não dispunha de
um contingente profissional capaz de desenvolver o projeto nacional, as
ações totalitárias do estadista. Como era representado por uma população
doente, fraca, incapaz, o Brasil alteraria significativamente a visibilidade
frente às demais nações ao se alinhar ao pan-americanismo de origem norteamericana.
A Escola de Enfermagem de São Paulo deveria assumir a condução
da nova profissionalização, da divulgação da enfermagem no Brasil no
pós-1930. Sua existência, enquanto projeto, recuou no tempo histórico e
fez emergir registros e referências acerca da exigência da construção de
uma Escola de Enfermagem como consequência do apoio concedido pela
Fundação Rockefeller à Faculdade de Medicina, em 1916. Contudo, somente
em 1940, após a histórica reunião de Campos do Jordão, composta pelo
Interventor do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, e representante da
Fundação Rockefeller, Mary Tenant e Fred L. Soper, Diretor do Conselho
Sanitário Internacional, foi encaminhado um memorial6 à alta administração
daquela Fundação, no qual se apresentavam pontos essenciais para a criação
da Escola, entre os quais se destacavam:
1) Abandono do licenciamento de enfermeiras práticas; 2)
Abandono do atual curso de enfermeiras do Departamento de Saúde
e outras instituições oficiais; 3) Creação da Escola Universitária
de Enfermeiras com: a) Residência adequada, laboratórios e salas
6 Este é um trecho do texto original; por isso, devem ser desconsiderados quaisquer desvios à norma padrão.
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de aula necessárias nas proximidades da Faculdade de Medicina,
Instituto de Higiene e Hospital de Clínicas; b) Matrícula limitada
às graduadas nas Escolas Normaes (professoras), conforme já é
exigido para as educadoras atuaes; c) Matrícula limitada às solteiras
e viúvas, tendo todas que residir na Escola de Enfermagem; d)
Curso de 3 anos, pelo menos [...] (Carvalho, 1980, p. 29).
As propostas previam a reestruturação do modelo educacional
vigente, bem como dos critérios de inscrição em cursos de Enfermagem.
Pensado como profissão para mulheres, o curso deveria funcionar como
internato, outorgar título universitário e limitar vagas a solteiras e viúvas.
Edith de Magalhães Fraenkel, segundo Porto (2007), ao abordar o tema em
conferência no Primeiro Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em
1947, organizado pela Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas
– ABED, atual Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn e Escola de
Enfermagem de São Paulo, seu discurso não desprezou tradições e reiterou
a importância capital e simbólica das mulheres na profissão, inclusive,
supõem-se, como estratégia para não provocar abalos profissionais maiores
entre as enfermeiras na medida em que alteraria o modelo de formação
vigente. Como reafirma Porto (2007, p. 166):
A Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde
Pública, através do apoio do Estado, durante a reforma sanitária e
apoiada pela Fundação Rockfeller, foi uma instituição que nasceu
em berço esplêndido, logo, nasceu para ter poder e prestígio diante
das demais escolas de enfermeiras daquela época.
A desarticulação do modelo de prestígio construído não foi aceita
passivamente por enfermeiras presas às tradições, que se ocupavam do
campo simbólico presente no imaginário social. De todo modo, a formação
existente não supria a demanda gerada pelo Programa de Enfermagem,
portanto, deveria ser destituída.
Edith de Magalhães Fraenkel foi fundamental para a mudança da
formação profissional ao identificar novos espaços sociais de tratamento e
cura, visitar escolas norte-americanas, inserir a Enfermagem na dinâmica
das transformações exigidas pela nova ordem social. Ao apresentar outras
diretrizes de ensino, pesquisa e extensão que remontavam o discurso
amalgamado em torno do projeto executado pela Reforma Sanitária de 1920,
Fraenkel articulou propostas, executou projetos, redesenhou políticas que,
de algum modo, impactaram no desenvolvimento do tratado internacional
estabelecido. O tema e suas implicações foram alvo de palestras,
apresentação de trabalhos e discussões que fizeram parte do programa do
Segundo Congresso Nacional de Enfermagem, em 1948, no Rio de Janeiro,
85
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com grande repercussão (CARVALHO, 1980; SECAF; COSTA, 2007).
A permanência do tema, os rumores de debates acalorados entre os
núcleos constituídos, iniciados na primeira edição do evento, em 1947,
permitem inferir que a nova formação proposta não se tratava de algo
localizado, nem poderia ser considerada um debate irrelevante. O interesse
no campo da educação profissional objetivava elevar a formação da
Enfermagem brasileira retirando-a dos domínios da prática religiosa (muitas
escolas eram mantidas ou dirigidas por ordens religiosas), do mito fundador
da Enfermagem nacional (que produzia uma Enfermagem restritiva
do ponto de vista do trabalho), para inseri-la no campo das profissões
academicamente instituídas, das políticas públicas
Resultado do acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, o SESP
visava a manter, em cada estado da confederação, polos radiadores do ensino
de Enfermagem, administrados por enfermeiras diplomadas por escolas
atendidas e apoiadas pelo Programa de Enfermagem, sobretudo a Escola de
São Paulo, mas também de Goiás, Amazonas, Pará, Bahia e Rio de Janeiro –
neste caso, Escola Luiza de Marillac, curiosamente de orientação religiosa,
e a escola de Niterói.
Destaca-se que enfermeiras americanas atuavam como consultoras
técnicas em escolas existentes ou criadas pelo SESP, entre elas: Clara
Barton, Clara Curtis, Tessie Willis, Frances Helen Zeigler, Dorothy
Doyle, compunham o quadro de consultoras americanas do Programa de
Enfermagem. E essa última, assim comentou 7:
Miss Dorothy Doyle, enfermeira norte-americana, especializada
em saúde pública, foi designada pelo Instituto de Assuntos InterAmericanos, para servir em Belém do Pará, junto ao “Serviço
Especial de Saúde Pública”, orientando os trabalhos relacionados
com a infância e a maternidade. Miss Doyle, que é de côr e
natural de Nova York, além de seus estudos no Centro Maternal
daquela mesma cidade, fêz o curso na Universidade de Columbia
e na Escola de Enfermeiras do Mercy Hospital, de Philadelphia,
sendo diplomada pelas duas instituições. Entre outras atividades
pertinentes a sua profissão, a enfermeira americana, que em breve
estará a caminho do Brasil, ditará um curso básico de obstetrícia,
além de realizar um programa de visitas aos Centros de Saúde
do Vale do Amazonas, usando para tal barcos fluviais, segundo o
indicado pelas condições locais. Os seus serviços, igualmente,
serão aproveitados pelo Centro de Treinamento de Enfermeiras, no
Rio de Janeiro. Sua experiência internacional como enfermeira de
saúde pública foi adquirida quando em missão desempenhada para o
7 Esse texto – publicado no Boletim do SESP (n. 68, p. 8), em março de 194 – foi mantido sem correções a
fim de preservar a autenticidade do relato.
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Comité de Auxílio e Reabilitação das Nações Unidas, levada a efeito
na China entre 1945 e 1947, onde lecionou em um curso de nutrição
e saúde pública, ministrando, igualmente, conhecimentos modernos
de proteção à malária (BOLETIM DO SESP, n. 68. Mar. 1949, p. 8)
Assim como os boletins publicados periodicamente pelo SESP, os
relatórios apresentados e escritos por essas mulheres constituem fonte
inestimável para o reconhecimento das intervenções americanas no campo
da enfermagem brasileira, pois registram movimentos em torno da formação
de um novo contingente profissional, de construção de uma nova identidade.
A perspectiva apontada em relatórios escritos periodicamente (mensais,
bimestrais, trimestrais e anuais) e encaminhados para a Fundação Rockefeller
revela processos de substituição do modelo de Enfermagem vigente no Brasil,
cujos tentáculos ainda não foram suficientemente explorados.
Após duas décadas de instalação, a formação profissional adotada
encontrava-se distanciada das necessidades políticas, sociais do Brasil, de
mercado e trabalho, cuja demanda ampliava os indicadores de recursos na
área da saúde como financiamentos e aplicações financeiras como resultado
direto da construção de hospitais e clínicas particulares, decorrentes da
urbanização e modernização da sociedade brasileira, da ação do governo
nos estados, das ações que pautavam os acordos bilaterais e que sugeriam
o desenvolvimento da qualidade de vida do povo brasileiro. A oficialização
do ensino de Enfermagem no Brasil revelou sua face discriminatória.
Além de avessa ao ensino de Psiquiatria, historicamente oferecido pela
Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, do Hospício Nacional
de Alienados (Moreira; OGUISSO, 2005), era contrária à inclusão de
homens e mulheres negras na profissão, elitizada demais para que suas
alunas fossem trabalhar no interior do Brasil em estados do norte/nordeste.
O esplendor da formação e orientação profissional restringia os alcances
esperados e projetados pelo Programa de Enfermagem, convém afirmar,
ritos anteriormente aceitos não se coadunavam com a proposta do Sesp,
com a prática assistencialista e popular de Getúlio Vargas.
A carência de enfermeiros ampliava índices de pobreza e doença que
caracterizavam o desenvolvimento social dos países, critérios utilizados
pelas agências de economia norte-americanas para investimentos e
movimentações financeiras. Assim, a reforma dos serviços de saúde, efetivada
com apoio da Fundação Rockfeller, de formação profissional, construção
de hospitais, engenharia sanitária, instalação de bases de atendimento e
pesquisa no interior prenunciavam iniciativas de desenvolvimento cujos
impactos favoreciam o campo. Os emblemas erigidos em torno da Escola
de Enfermeiras do DNSP, identificada como Escola de Enfermagem
Anna Nery, em 1923, que constituiu padrão de ensino ao qual deveriam
se equiparar as demais escolas existentes, que restringia possibilidades de
87
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ingresso na carreira de mulheres tipicamente brasileiras, moças negras,
mulatas e pobres, não se coadunava com o Programa de Enfermagem. Era
imperioso incluir e formar mulheres e homens no campo da enfermagem em
todo território como fator decisivo para o Programa de Enfermagem; deste
modo, tratava-se de reconduzir o modelo anteriormente preconizado como
ideal e simbolicamente disseminado como padrão (Barreira, 1997;
Souza Campos; Oguisso, 2006).
Certamente, os movimentos sociais que levaram à modernização das
tecnologias hospitalares exigiam preparo e aperfeiçoamento de enfermeiras,
bem como a formação de um significativo contingente de mulheres capazes
de desenvolver o “efeito demonstração” (CASTRO SANTOS; FARIA, 2004).
Para tanto, o Programa de Enfermagem do SESP financiou construção e
reformas em escolas, cursos de inglês, e concedeu bolsas de estudos voltadas
para o curso básico de enfermagem, de três anos, no Brasil e nos Estados
Unidos, neste caso, em cooperação com a Fundação Kellog, bem como bolsas
para enfermeiras diplomadas voltadas para a realização de cursos de saúde
pública nos Estados Unidos. O Boletim SESP (1948, p. 31).publicou: “[...] até
1947, 42 moças foram contempladas com bolsas de estudos para o curso de
3 anos nas escolas de enfermagem do Rio de Janeiro, São Paulo e Niterói; 22
haviam sido enviadas para o curso básico de 3 anos nos Estados Unidos e 14
para cursos pós-graduados de 1 ano, também nos Estados Unidos”.
Pós-1930, considerado novo centro irradiador da formação
profissional, a Escola de São Paulo renovava a formação profissional
por intermédio de métodos e técnicas de ensino e pesquisa aos moldes
dos que estruturavam a enfermagem americana como as universidades
da Philadelphia, Boston, Mineapolis, Pittisburg, Chigago e New York. A
Escola de São Paulo iniciou um novo capítulo da história da enfermagem
brasileira ao formar contingentes capazes de gerenciar serviços de
enfermagem em todo o território nacional, incluir moças que viviam no
interior do país, em estados longínquos, por intermédio de concessão de
bolsas de estudo como mecanismo para o alcance dos objetivos propostos.
Diante das possibilidades, é possível afirmar que viagens eram recorrentes,
pois muitas enfermeiras participavam de congressos e eventos que reuniam
representantes de todos os continentes, o que as tornavam cosmopolitas. A
organização política e social de enfermeiras colaborou para a construção de
uma identidade cultural feminina como apontou Julia Hallam (2000, p. 1)
ao indicar: “The theoretical frameworks that shape this analysis of nursing’s
professional image and identity are located in feminist cultural studies, a
practice that has at the centre of its concerns how texts construct knowledge
of the self in relation to the social word” 8.
A primeira turma de diplomadas pela Escola de São Paulo contava com
16 alunas, oito das quais contempladas com bolsas de estudos nos Estados
8 (Hallam, 2000, p. 1, tradução nossa).
88
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Unidos, todas contratadas como professoras da Escola de Enfermagem de São
Paulo. O primeiro grupo docente, composto e dirigido por Edith de Magalhães
Fraenkel, incluía: Zélia Constantino de Carvalho, Ruth Borges Teixeira,
Haydée Guanais Dourado, Yolanda Lindenberg Lima, Maria Rosa Sousa
Pinheiro, Glete de Alcântara e Clarice Della Torre Ferrarini, esta colaboradora
na supervisão das estudantes em estágios no Hospital das Clínicas, para o
qual havia sido contratada (Carvalho, 1980; Secaf; Costa, 2007).
O corpo docente, que havia estudado nos Estados Unidos, disseminava o
modelo americano de assistência de Enfermagem e fazia do ensino na Escola
de São Paulo o mais moderno e atualizado do Brasil. O Jornal do Comércio,
que circulava no Rio de Janeiro na década de 1940, noticiou a formatura da
segunda turma da Escola de Enfermagem de São Paulo como um “auspicioso
acontecimento”. A visibilidade conferida pela publicação na imprensa
carioca, não por acaso, pretendia tornar pública as ações realizadas pelo SESP
no Brasil e a liderança paulistana nesse processo deveria atingir a capital da
República. A segunda turma era composta sintomaticamente por bolsistas de
vários estados como identifica um trecho da seguinte matéria:
As novas graduadas, cujos nomes damos a seguir, pertencem a dez
Estados diferentes do Brasil. Amazonas: Garcilia do Lago Silva,
Josephina de Mello, Lydia das Dores Mata. Pará: Ana Abigail Mota
de Siqueira, Jovina Ferreira Malheiros Prado, Lúcia da Conceição
Costa, Maria de Lourdes Almeida, Minervina Zoghbi. Ceará: Maria
Cleyde Teixeira Barroso, Maria Perales Ayres e Nadyr Corrêa
Vianna. Sergipe: Elze Maria Paes Barreto. Minas Gerais: Feiga
Langfeld. Bahia: Isabel Maria de Mesquita, Jacy de Souza Moraes e
Moema dos Santos Guedes. São Paulo: Antonieta Chiarello, Daisy
Miranda Gifford, Edith Ferraz Coelho, Eliza Pinto, Francisca Piffer
Sarmento, Jandyra Alves Coelho, Jesuína O. Martins Evangelista,
Judith Perez, Laide Marques Leme, Lourdes Pereira, Maria Amélia
Pinto, Maria do Carmo Andrade Bordin, Maria José Braga, Odete
Victoria Rita Mascagni, Olga Verderese, Ophelia de Barros Castro
e Raulina Pereira. Paraná: Ruth Cruz Gentil. Santa Catarina:
Helena Bienhachwski. Rio Grande do Sul: Celina Jaeger Birnfeld
[...]. (Jornal do Comércio, 23/11/1947, p. 5).
A participação de Miss Ella Hasenjaeger, Mestre em Enfermagem
pelo Teacher´s College, Columbia Universit, New York, contribuiu
significativamente para a mudança na Enfermagem brasileira. O
desconhecimento por parte da historiografia dos impactos provocados pela
influência americana na enfermagem brasileira, assim como das ações
realizadas por consultoras americanas, remonta um capítulo significativo
da história da enfermagem, em construção. Contudo, as evidências desse
89
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reconhecimento permitem observar que Miss Ella instituiu no currículo
da Escola de São Paulo estágios em Enfermagem psiquiátrica inexistentes
em Escolas de Enfermagem do país, imprimindo novas perspectivas de
formação e trabalho para as enfermeiras, como afirma Carvalho (1980,
p. 48): “Sob responsabilidade de Miss Ella, como era chamada, a classe
de 1946 fez estágio de enfermagem psiquiátrica no Hospital Central de
Juqueri, iniciando uma prática estendida mais tarde a alunas de outras
escolas pelo sistema de ‘filiação’ à Escola de Enfermagem de São Paulo”.
O sistema de filiação permitia a outras instituições o encaminhamento
de alunas para estágios como os promovidos pela equipe de Miss Ella na
Escola de São Paulo nas áreas de Psiquiatria e Doenças Transmissíveis.
Alunas de diferentes escolas brasileiras e países vizinhos participaram das
atividades desenvolvidas no sistema de filiação, pois como noticiava o
jornal A Gazeta, na manhã de 17 de julho de 1943, “Em São Paulo, a maior
Escola de Enfermagem da América do Sul”.
A construção da Escola de Enfermagem, que recebeu visita de Nelson
Rockefeller ao Brasil – para supostamente “verificar a eficácia do trabalho
de sua agência em setembro de 1942” (Tota, 2008) –, consubstanciava
a ruptura com uma Enfermagem de abrangência local, militarizada, para
uma atuação voltada para o desenvolvimento social, pautada em decisões e
intervenções políticas, cujas primeiras incursões permitem novas indagações
ao campo da história da Enfermagem. As iniciativas preconizadas pela
Escola de Enfermagem de São Paulo, propostas por Miss Ella Hasenjaeger,
repercutiram positivamente em diferentes espaços de formação profissional
organizados em território brasileiro e latino-americano. Elogiado, o trabalho
da enfermeira americana foi recomendado por dirigentes de organismos
públicos de assistência a saúde como fez Isaura Barbosa Lima, chefe da
Seção de Enfermagem, do Departamento de Organização Sanitária, do
Ministério da Educação e Saúde que, em 1946, ao divulgar os trabalhos da
consultora americana entre escolas de enfermagem brasileiras tradicionais
(CARVALHO, 1980). As trocas constantes de correspondência entre as
líderes da enfermagem desfiam tramas existentes, gentilezas exacerbadas:
[...] em carta dirigida em 1946 a Edith Fraenkel, após uma visita
à EE, diz que relatou “à diretora da Escola de Enfermeiras Anna
Nery as maravilhas do que observei relativamente à organização
da Escola de Enfermagem mais a do Hospital das Clínicas e do
trabalho das alunas no Hospital Juqueri. [...] E termina dizendo
do desejo da diretora daquela Escola de mandar suas alunas a
São Paulo para estagiarem no Juqueri, sob a orientação de Miss
Hasenjaeger. (Carvalho, 1980, p. 48).
As questões eram documentadas, havia orientação centrada no registro
das ações, inclusive, como proteção e prova. Os relatórios seguiam um
90
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padrão, eram datilografados em língua inglesa, com tópicos que se seguiam
e demarcavam os pontos de interesse específico, eram técnicos, mas a
enfermeira americana, que atuava como consultora na Escola de São Paulo,
ao redigir o Relatório 111, encaminhado ao Nursing Training Division of
SESP, em 1947, permite analisar que as impressões oferecidas por essas
mulheres, que extrapolavam o número de alunos ingressantes, reuniões,
atas, eram decisórias, reiteravam distinções da geografia local, a carência de
profissionais que suprisse as demandas existentes no Brasil.
Os relatórios das consultoras norte-americanas eram documentos
que mediavam altos investimentos no campo da saúde, mas também de
mobilidade, de interferência.
At present there are about 700 graduate nurses for a population
of about 47 million, distributed over an area of 3.386.000 square
miles. Which means it is 3 times larger than Argentina, and equal
to the United States in size, with an addition of the state of Texas. It
is interesting to note that of the approximate 500 graduate nurses
employed at present, 250 are employed in public health nursing
distributed from the Amazonas to the Rio Grande do Sul, a distance
of about 4.000 miles. The remaining 250 are almost exclusively,
serving in Schools of Nursing (FSESP/COC/FIOCRUZ)
A necessidade premente de enfermeiras para serviços de saúde, que
atingisse a massa da população brasileira, instalados pelo SESP era suficiente
para ampliar investimentos no setor. Nos anos em que atuou no Brasil,
Miss Ella empregou o modelo de organização e administração de escolas
para enfermeiras americanas pautado no Guia Curricular para Escolas de
Enfermagem, originalmente publicado sob a denominação A Curriculum
Guide for Schools of Nursing, editado em 1917, revisado e publicado em
1927, e com a terceira e última revisão realizada em 1937, preparado pela
Comissão de Currículo da Liga Nacional de Educação em Enfermagem, que
publicou a obra. Essa matriz orientava o manual intitulado “Fundamentos
de uma Boa Escola de Enfermagem”, publicado originalmente em 1936
pela Liga Nacional do Ensino de Enfermagem, em Nova York, com a
segunda edição publicada no Brasil, em 1951, pelo SESP. A segunda edição
do manual, revisada pela comissão especial presidida por Stella Goostray,
foi publicada nos Estados Unidos em 1942 e somente em 1951 recebeu
a tradução para o português por Haydée Guanais Dourado, ex-diretora da
Escola de Enfermagem da Universidade da Bahia, em parceria com Celina
Viegas, ex-diretora da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo, de Juiz
de Fora, Minas Gerais.
Além das questões didáticas, de estrutura curricular, a Escola de
Enfermagem de São Paulo mantinha um padrão de gerenciamento
91
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departamental, com reuniões periódicas, nas quais seriam discutidas e
tomadas as decisões institucionais, definidas as estratégias de formação
profissional e os recursos necessários como tradução de textos, a
organização de biblioteca, o acompanhamento em estágios, a publicação de
artigos, além de aulas, eventos, e questões relativas à vida cotidiana em uma
escola/internato. A escolha por São Paulo para abrigar o núcleo irradiador
da formação profissional considerou o relevo da Medicina paulistana, o
lastro da Fundação Rockefeller nas origens da Faculdade de Medicina e
Faculdade de Saúde Pública, bem como a modernização do Hospital de
Clínicas em meados dos anos 1940 para construir o 11º prédio modernista
da cidade, que abrigaria a Escola de Enfermagem de São Paulo, parte de
um processo de criação dos aparatos nacionais de saúde e assistência no
período Vargas. São Paulo assumia destaque no campo da saúde, palco da
formação por excelência que ainda mantém. Em 1951, durante homenagem
por ocasião da cerimônia de despedida da consultora Miss Ella Hasenjaeger,
Edith de Magalhães Fraenkel assim caracterizou a enfermeira no período de
sua atuação no Brasil:
Consultora de enfermagem desta Escola, desde 1944, foi para nós
mais que uma simples representante da política de Boa Vizinhança.
Integrou-se ao grupo que se propunha não a discutir diplomas,
mas a formar verdadeiras enfermeiras. Foi, nesse grupo, sempre
força estimulante, e sua benéfica influência se fez sentir não só
em São Paulo, como em quase todos os Estados do Brasil [...].
(Carvalho, 1980, p. 49).
Autora do livro “Assepsis in Communicable Disease Nursing”,
publicado em 1944 pela editora Lippincott, Philadelphia, organizou estágios
de Psiquiatria no Hospital de Juqueri, legado de referência para estudos do
campo na América Latina, dirigido por médicos ilustres como Francisco
Franco da Rocha e Antonio Carlos Pacheco e Silva, que se afastou das
atividades de direção para organizar a Clínica de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (Souza Campos, 2003).
Miss Ella Hasenjaeger estendeu sua cooperação a todas as entidades que
a solicitavam e com elas estabelecia parcerias, legava auxílios, bolsas de
estudo. Auxiliou o Hospital das Clínicas na organização de enfermarias de
Doenças Contagiosas e Tropicais. Colaborou com o SESP junto aos estudos
e planejamentos para a implantação de Escolas de Enfermagem e hospitais
em diferentes estados do Brasil e atuou poderosamente na reorganização
da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas – ABED como
revela Amália Corrêa de Carvalho, aluna da primeira turma: “[...] à Miss
Hasenjaeger, as enfermeiras devem a atual estrutura da ABEn e as bases
para seu rápido e progressivo desenvolvimento”. As estratégias exercidas
92
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pela consultora são destacadas pela memorialista da Escola de Enfermagem,
aluna e professora, ao indicar que “[...] as diretoras das Escolas Anna
Nery e Luiza de Marillac, do Rio de Janeiro, e São Vicente de Paulo, de
Goiânia, solicitaram a Miss Hasenjaeger que fizesse uma visita ao campo
de estágio de enfermagem em Doenças Transmissíveis por elas utilizado
[...]” (CARVALHO, 1980, p. 49). Nesses episódios, usavam o avião para
se locomoverem a exemplo dos eventos que organizavam e nos quais
disseminavam protocolos debatidos em reuniões, palestras, conferências e
encontros promovidos pela ABED.
A Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, por intermédio
da consultoria de Ella Hasenjager, desenvolveu o modelo de ensino fundado
na pesquisa científica, no estudo acadêmico, na internacionalização. A
formação profissional de uma Enfermagem para o Brasil foi resultado
da cooperação norte-americana de enfermeiras e consultoras, que
desenvolveram novo sistema de ensino, pesquisa e extensão amalgamando
nesse processo uma liderança genuinamente brasileira, cujos relatórios de
Miss Ella permitem entrever:
In conclusion it would seem that the cooperative Governmental
project which through the Serviço Especial de Saúde Pública
constructed this Nursing School and residence added much the
stimulate the interest of highly education young women in to
nursing. If this schools continues to grow and develop its young
graduates into the real value of an intelligent informed nursing
service group, our next report for the International Congress of
Nursing will show great improvement, as will the nursing service
for Brazil be improved. Now, there is in evidence that this is the
best school in Brazil. We hope this will not affect those beginning,
by thinking they are so good, they don’t need more preparation.
This attitude is not in evidence as whole among of graduates of our
school. We want to send a number off for advanced educational
programs to the States and England, since England has offered
some “bolsas”. Respectfully submitted. December, 3rd, 1947.
(FSESP/COC/FIOCRUZ).
As enfermeiras souberam usar o poder de decisão para conquistas no
campo da formação e especialização, que elevou sobremaneira o ensino de
enfermagem no Brasil. A liderança paulistana consubstancia a transferência
da ABED para a cidade de São Paulo, bem como o periódico “Annaes
de Enfermagem”, que teve um aumento significativo da participação de
enfermeiras paulistas em suas publicações e com atuação importante
de Glete de Alcântara. O Primeiro Congresso Brasileiro de Enfermagem
(originalmente Congresso Nacional de Enfermagem) foi realizado em
93
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São Paulo, em 1947, e organizado por enfermeiras professoras da Escola
de Enfermagem de São Paulo como parte dos eventos que marcaram a
fundação do prédio da Escola, entre as quais Maria Rosa Sousa Pinheiro.
Nesse sentido, há evidências historicamente representativas do
lugar assumido por São Paulo no âmbito da Enfermagem, do Programa de
Enfermagem do Sesp, cujo desenvolvimento inseriu mulheres em um campo
de negociações distintivas de políticas públicas de saúde do Estado Novo.
Como indicado, existiam consultoras norte-americanas que desenvolviam
projetos em outros estados do Brasil como o Programa Amazônia e Vale
do Rio Doce, com a participação de enfermeiras como Agnes Chagas e
Sumaia Cury que dirigiram a construção de escolas, formaram contingentes
profissionais, instalaram serviços de saúde e outros programas nacionais
e pan-americanos. Contudo, em São Paulo, com Miss Ella, a enfermagem
brasileira foi redimensionada em suas bases teórico-metodológicas. Seu
campo historicamente legítimo, politicamente interessante e mundialmente
reconhecido consubstancia o viés acadêmico científico da Enfermagem
brasileira. A permanência de Miss Ella Hasenjager na Escola de Enfermagem
de São Paulo é parte de acordos bilaterais, do projeto norte-americano
de ampliação dos serviços de assistência à saúde em diferentes partes do
mundo, bem como da imposição do modelo de assistência que organizava
os serviços de saúde nos Estados Unidos.
No Brasil, o Programa de Enfermagem se coadunava com os
propósitos políticos de Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Os modernos
métodos de ensino, as influências políticas em jogo, a necessidade de
inclusão das mulheres no trabalho urbano mantinham o plano de expansão
da Enfermagem no Brasil como prioritário, ao mesmo tempo refletiram a
atuação da consultora norte-americana, mas não somente ela. As atividades
descritas nos relatórios permitem considerar a posição de Miss Ella no
processo de formação profissional no Brasil pós-1930, mas também das
enfermeiras que marcaram a primeira geração da liderança genuinamente
brasileira, academicamente instruídas, cujo lastro permanece edificado.
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Centro Histórico Cultural da Enfermagem Ibero-Americana. Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo.
Fundo Serviço Especial de Saúde Pública. Arquivo Histórico da Fundação
Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro.
96
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Museu Histórico “Prof. Carlos
da Silva Lacaz” – Fmusp e as
Pesquisas Sobre a Fundação
Rockefeller: Catálogo Seletivo e a
Democratização do Acesso ao Acervo
André Mota
Gustavo Querodia Tarelow
Criada em 1912, a Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP) é referência nacional e internacional no ensino médico
e sedia o maior complexo hospitalar da América Latina, representado
pelo Hospital das Clínicas e seu conjunto de institutos especializados.
Denominada inicialmente Academia de Medicina e Cirurgia de São Paulo, a
FMUSP estruturou-se com sua anuência ao modelo de ensino médico norteamericano a partir de uma série de tratativas firmadas com a Fundação
Rockefeller. Os acordos firmados entre a Faculdade e a Fundação tiveram
início em 1916 e foram mais intensos até 1931 quando a sede da escola
médica, financiada pelos estadunidenses, foi inaugurada 1. Segundo Marinho
e Mota (2012, p. 70),
Entre 1916 e 1931, a Fundação Rockefeller desempenhou um
papel fundamental na organização da vida científica e acadêmica
da Faculdade de Medicina de São Paulo, não só pela definição
do modelo de ensino e pesquisa ali implantado, como em relação
à sua infraestrutura física e laboratorial. Nesse período, a escola
concebeu e executou, com recursos da Fundação e sob sua
orientação, a construção de um dos mais modernos centros de
ensino médico da época. Essa presença possibilitou à Faculdade
estabelecer um diálogo mais efetivo com a produção científica
internacional, ao mesmo tempo em que propiciou à comunidade
acadêmica redesenhar sua identidade e projetar-se como uma
escola de vanguarda.
1 Muito embora as relações entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller tenham se dado de
maneira mais intensa entre 1916 e 1931, os financiamentos a projetos pontuais e a concessão de bolsas de
estudo pela fundação norte-americana se estenderam nas décadas seguintes. Para maiores informações,
ver Marinho, 2001.
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Diversos estudos foram empreendidos nos últimos anos sobre a
influência dos norte-americanos na organização sanitária de São Paulo no
início do século XX e nos primeiros anos de funcionamento da Faculdade
de Medicina. Entre tais estudos, é possível destacar os trabalhos de Marinho
(2001, 2003, 2012), Faria (1994, 2003, 2007), Santos (1980, 1987, 1989),
Silva (2004) e Mota (2005) Mota e Marinho (2007, 2009). Embora tais
análises partam de questões e metodologias diferentes, em seu conjunto,
contribuem para uma melhor compreensão sobre a atuação da Fundação
Rockefeller na FMUSP e na implantação de laboratórios, institutos e
departamentos nas áreas de Medicina Nuclear, Higiene e Anatomia
patológica, por exemplo.
Parte dos estudos mencionados utilizou a documentação depositada
no Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP, que
reúne um amplo acervo sobre a história da Faculdade de Medicina e de
várias instituições de Saúde em São Paulo. O Museu, atualmente, tem
aprimorado a sua política de catalogação, descrição e disponibilização de
informações sobre seu acervo em conformidade com as recomendações do
Conselho Internacional de Arquivos (ICA) e com a Norma Brasileira de
Descrição Arquivística (NOBRADE). Desta forma, gradativamente, novos
documentos, fundos e coleções documentais têm sido identificados e seus
conteúdos estão sendo integrados, facilitando o desenvolvimento de novas
pesquisas temáticas.
Portanto, o presente estudo objetiva apresentar o catálogo seletivo
“Fundação Rockefeller” elaborado a partir da identificação e integração de
diversos fundos pessoais e institucionais, bem como de partes de coleções
de textos reunidos pelo Museu desde sua fundação em 1977. Tendo em
vista que a atividade arquivística está em constante desenvolvimento, o
presente trabalho irá apresentar os conjuntos documentais que possuem
itens referentes às relações estabelecidas entre a Faculdade de Medicina e
a Fundação Rockefeller catalogados até o presente momento. Pretende-se,
assim, contextualizar tal descrição dentro da história e da atual proposta
administrativa e museológica do Museu Histórico e, assim, contribuir com
futuras pesquisas sobre a temática em questão.
Sobre a criação do Museu Histórico
“Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP
Criado em 1977 como “Museu Histórico da Faculdade de Medicina”,
passou a se chamar “Museu Histórico ‘Prof. Carlos da Silva Lacaz’” em
1993, em homenagem a seu fundador e diretor vitalício até 2002, ano
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de falecimento desse médico e pesquisador da área de microbiologia e
micologia médica 2. Ao mesmo tempo em que o alinhou entre as primeiras
experiências de museus dedicados integralmente à preservação da cultura
material e imaterial do campo médico, a criação do Museu Histórico só
poderá ser corretamente compreendida caso se dê relevo às relações vigentes
no interior da Faculdade. Mais especificamente, nosso entendimento da
trajetória do Museu aponta para um projeto que, originalmente, apoiou-se
em uma concepção da história como “sustentáculo de tradições” elaboradas
em conjunturas específicas de afirmação política interna (HOBSBAWM;
RANGER, 1993). Assim, sua criação procurou responder a necessidades
de um grupo de professores que se defrontava com a progressiva perda
de poder e hegemonia decorrente de uma transição geracional, mas
também de um novo modelo de ensino superior instituído no país pela
Reforma Universitária conforme o Decreto Lei nº 5.540, de 1968 (MOTA;
MARINHO, 2007, p. 123-144).
Exemplarmente, sua instalação culmina com o fim da gestão de Carlos
da Silva Lacaz como Diretor da Faculdade de Medicina (1974-1978).
Figura-chave no processo de afirmação de uma história “gloriosa” para a
escola, Lacaz esteve alinhado interna e externamente aos grupos políticos
que deram sustentação ao regime militar instalado em 1964. Secretário
de Higiene e Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo em 1972,
Lacaz contava, entre seus interlocutores, com algumas figuras de grande
visibilidade no período, como o Cel. Erasmo Dias e o então ministro da
Justiça Alfredo Buzaid, entre outros 3 (MAACK, 1991). Nesse sentido, o
projeto museológico instituído se deu em bases privadas, com apoio da elite
médica paulista e de parte significativa dos professores e alunos da própria
Faculdade 4. Dedicou-se, a partir daquele momento, a reunir material que
lograsse traduzir uma “história oficial” médica e institucional no melhor
da tradição da chamada História da Medicina, ou seja, uma narrativa
pautada no ordenamento de “[...] fatos à luz de esquemas evolutivos que
combinavam marcos cronológicos da história política e administrativa
brasileira com marcha ascendente dos conhecimentos rumo a uma história
científica, eficaz, por obra, quase sempre, de vultos de importância nacional
e local” (BENCHIMOL, 2003, p. 108).
A organização do “Grande Salão” foi por muito tempo a expressãosíntese dessa narrativa a partir da qual se configurava o espaço. Tratavase de uma concepção alicerçada em padrões museológicos, ainda relativos
aos museus de História Natural do século XIX (SCHWARCZ, 1993),
2 Carlos da Silva Lacaz nasceu na cidade paulista de Guaratinguetá, em 19 de setembro de 1915. Diplomouse em Medicina no ano de 1940 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da qual veio
a tornar-se professor catedrático de microbiologia e imunologia em 1953.
3 Cf. Correspondência. Arquivo Pessoal: Fundo Carlos Lacaz, Museu Histórico – FMUSP.
4 Nomeada pela Congregação da FMUSP, constituiu-se a seguinte comissão especial para a criação do
Museu Histórico: Dante Nese, Duílio Crispin Farina, Irany Novah Moraes e Waldomiro Siqueira Júnior.
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alicerçados na reunião e no acúmulo de objetos como expressão da riqueza
do acervo, mesmo que sua disposição não propiciasse uma narrativa
própria. O objetivo era inserir objetos no tempo e no espaço, mostrando seu
surgimento, uso e aperfeiçoamento em função das configurações culturais
da época, abrangendo os fundamentos da ciência médica, mas em uma
dimensão progressiva e linear.
Figura 1 – Salão principal do Museu Histórico: entre vultos e heróis da medicina, 1978
Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP.
Nesse sentido, os objetos deveriam ser compreendidos em conjunto:
pinturas, desenhos, diplomas, bustos de bronze, condecorações, fotografias,
esculturas e, finalmente, uma série de aparelhos usados no exercício médico
no século XX. Com o tempo, a riqueza dessa cultura material tornou-se
inestimável, sendo cada vez mais procurada por pesquisadores de diversas
áreas do conhecimento e tornando-se, por isso, uma referência ao patrimônio
de sua Faculdade de Medicina. Ao mesmo tempo, o Museu Histórico logrou
reunir um vasto acervo documental, com prioridade aos primeiros tempos
da institucionalização médica em São Paulo, variando os grupos e as
especialidades segundo critérios exclusivos de seu diretor.
A morte de Carlos Lacaz, em 2002, abriu um hiato nesse espaço de
poder, levando a estrutura administrativa do Museu, até então diretamente
subordinada à Diretoria da FMUSP, para a Comissão de Cultura e Extensão
(CCEx). Somava-se a isso o fato de que as condições de funcionamento do
Museu tornaram-se objeto de uma ação movida pelo Ministério Público em
razão de denúncias que teriam apontado o descaso com o patrimônio da
instituição. Essas pendências só seriam de fato solucionadas em 2007, com
a nova eleição da CCEx, quando se redefiniram papéis e cargos e fizeram
uma revisão conceitual e uma ampla reforma nas instalações do Museu.
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O Museu Histórico sob nova direção:
entre a História e a Medicina
Assim, suas bases constitutivas passaram a exigir que novas formas
de organização do acervo do Museu Histórico viabilizassem estudos e
pesquisas de cultura material e documental, no sentido de aproximá-lo mais
da comunidade científica e expressar melhor suas inúmeras potencialidades
como gerador de conhecimento histórico. Iniciado em 2007, o processo de
revisão conceitual do Museu procurou se articular com essa conjuntura mais
ampla da execução do Projeto de Restauro, cujas implicações certamente
extrapolam muito a reforma física.
Com as condições favorecidas pela renovação dos quadros de direção
e do corpo de funcionários do Museu, tem sido possível propor a ampliação
de sua concepção e dos marcos de atuação. Entre elas, passou a vigorar uma
nova concepção de ciência entre os sujeitos envolvidos na pesquisa, guarda
e comunicação desses objetos e documentos:
[...] a partir dessa orientação, a identificação de diferentes atitudes
(ausências, inclusões, exclusões, permanências) reconhecidas como
representantes do dito e do não dito e que imprimem significados
podem ser mais bem observadas no processo de construção do
movimento museológico então sugerido. Essas dimensões são
observadas sem se perder de vista que o observador traz em si outro
contexto e outro tempo na produção de suas formas de interpretar e
dizer. (VALENTE, 2008, p. 13).
Acresce-se que há que se ter a perspectiva de um museu histórico, isto
é, de uma instituição que precisa operar com problemas históricos relativos
às dinâmicas da vida social, que deve servir-se dos objetos históricos e da
noção de documento histórico; afinal,
[...] o que faz de um objeto documento não é, pois, uma carga
latente, definida de informação que nele encerre, pronta para ser
extraída, como o sumo de um limão. O documento não tem em
si uma identidade própria, provisoriamente indisponível, até que
o ósculo metodológico do historiador resgate a Bela Adormecida
do sono programático. É, pois, uma questão de conhecimento que
cria o sistema documental. O historiador não faz o documento
falar: é o historiador que fala, e a explicitação de seus critérios e
procedimentos é fundamental para definir o alcance de sua fala.
(MENESES, 2005, p. 28).
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Indo além, há que ser um museu histórico também no que concerne a
suas exposições, ou seja, com uma interpretação crítica:
[...] “crítica” no sentido etimológico, que implica competência de
distinguir, filtrar, separar, portanto, possibilidade de opção, escolha.
Se o museu tem responsabilidades na transformação da sociedade
(e a exposição, para tanto, é recurso fecundo), isso se fará não com
procedimentos de exclusão elitista, ou catequese populista, mas na
medida em que contribuir para capacitar nas escolhas todos aqueles
a quem puder envolver. Se o museu se eximir da obrigação de
aguçar a consciência crítica e de criar condições para seu exercício,
estará apenas praticando uma forma mascarada de autoritarismo
[...]. (MENESES, 2005, p. 50).
Finalmente, não há o inescapável trabalho de conservação e restauro do
acervo em tela, ação que se dá pelas entrelinhas da pesquisa, das exposições
e dos materiais educativos, determinantes de uma série de medidas que
devem tomar para receber novos acervos e observar os cuidados técnicos de
preservação e comunicação, acompanhando os regramentos de instituições
museológicas e arquivísticas como o Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM), o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e o Arquivo
do Estado de São Paulo. Nesse sentido, o Museu Histórico tem hoje pleno
controle das condições de seu acervo, monitorando permanentemente
iluminação e ambientação, temperatura e umidade relativa, poeira e
sujidades, higienização, guarda adequada do patrimônio, manuseio correto
do acervo, e desastres (incêndios ou inundações, por exemplo) estritamente
de acordo com as normas das referidas entidades.
Figura 2 – Exposição de reinauguração do Museu Histórico, 2009
Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP.
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Foi com esse pensamento que foram atribuídas atividades internas ao
Museu Histórico da FMUSP no sentido de garantir que o acesso à pesquisa e
que a preservação e o estudo de seus objetos concorressem para a integração
das atividades museológicas e, com isso, enriquecessem as atividades da
própria curadoria. Dentre essas atividades, apresentam-se alguns resultados
atingidos pelo Museu Histórico, tanto no que diz respeito ao acervo quanto
na aproximação desse acervo à pesquisa histórica.
Características do acervo e
das pesquisas desenvolvidas no
Museu Histórico da FMUSP: dados
referenciais e o Guia online
A partir de novembro de 2009, em meio à implantação das novas
diretrizes administrativas e científicas que passaram a pautar seu
funcionamento, o Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” –
FMUSP também iniciou o processo de reformulação de guarda, registro e
disponibilização de seu acervo com base nas recomendações do Conselho
Internacional de Arquivos (ICA) e da Norma Brasileira de Descrição
Arquivística (NOBRADE). Com o trabalho constante de ampliação dos
dados recolhidos sobre o patrimônio depositado em seus arquivos, o Museu
tem procurado democratizar o acesso a tais informações buscando facilitar
as buscas pelos fundos e coleções a partir da reorganização do acervo.
O material reunido pelo Museu Histórico desde 1977, data de sua
inauguração, é vasto e de natureza diversa, incluindo centenas de livros
e de itens tridimensionais, como instrumentos médicos, peças de arte e
condecorações, por exemplo, além de peças de vestuário, medicamentos,
mobiliário pertencente à médicos da FMUSP e pinturas e diplomas
emoldurados. Além disso, o acervo conta com um riquíssimo material
iconográfico, que inclui fotografias e diapositivos de professores, instituições
de saúde e de materiais didáticos utilizados em aulas e campanhas sanitárias.
O Museu possui, ainda, centenas de pastas textuais que contêm documentos
pessoais e institucionais de diversos professores, profissionais da saúde,
hospitais e institutos de saúde, em sua maioria datada na primeira metade
do século XX e circunscrita, regionalmente, ao estado de São Paulo.
Uma das principais características da composição do acervo do Museu
Histórico é a predominância de fundos pessoais, uma vez que o principal
objetivo da instituição ao longo do período que se iniciou na inauguração
do Museu e durou até 2002, era a preservação da cultura médica, em uma
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perspectiva personalista e na exaltação de “grandes feitos” e de “grandes
descobertas”, conforme apresentado anteriormente. Sendo assim, as pastas
organizadas pelo Museu durante os primeiros 25 anos de seu funcionamento
recebiam o nome de seu titular e não possuíam relações temáticas entre
si, não havendo um guia ou catálogo do acervo, o que praticamente
impossibilitava pesquisas temáticas mais amplas. Em um primeiro contato
com o acervo do Museu durante o processo de reorganização da instituição,
o arquivista Carlos Menegozzo (2010, p. 93) afirmou:
Tal como se pôde observar em termos de natureza e nível de
identificação dos conjuntos existentes no Museu, também os estágios
de organização de cada um dos acervos que apresentam diferem
sobremaneira. Os dossiês temáticos, resultantes da acumulação
de itens e conjuntos documentais por iniciativa do próprio
Museu, destacam-se como um dos acervos que maiores desafios
apresenta ao tratamento documental. O potencial de pesquisa ali
contido é subutilizado em função do descontrole de vocabulário
empregado nas categorias de classificação. Categorias duplicadas
com variações de grafia, ausência de critério no relacionamento
entre categorias mais gerais e mais específicas e ausência de
normalização na representação de expressões compostas; foram
alguns dos problemas preliminarmente identificados – além da já
referida diluição dos acervos orgânicos em seu interior – e que em
muito prejudicam a consulta deste que é o acervo mais demandado
dentre os existentes na instituição.
A necessidade de reorganizar, catalogar e criar mecanismos de busca
integrada deste conjunto documental se fez ainda mais urgente diante da
constatação de que 90% das pesquisas desenvolvidas no Museu Histórico
entre 2009 e início de 2014 5, no qual se soma a busca por fundos pessoais
e institucionais e as coleções de fotografias e textos (que faziam parte deste
mesmo conjunto documental), foram realizadas a partir da consulta ao
referidos dossiês temáticos, como é possível verificar na tabela a seguir.
5 Desde a reinauguração do Museu Histórico em dezembro de 2009, a instituição passou a registrar todos
os pesquisadores que acessam seu arquivo em busca de materiais e documentos para desenvolver seus
estudos. Com base nisso, sabe-se que, no mês de fevereiro de 2014, o Museu recebeu seu tricentésimo
pesquisador, o que evidencia a importância da instituição na produção de novos estudos sobre a história
da medicina e da saúde em São Paulo. A análise das fichas de registro dessas 300 pessoas nos forneceu
subsídios para compreender melhor as demandas e o perfil dos pesquisadores que acessam os arquivos da
instituição.
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Museu Histórico – FMUSP
Nível de descrição dos documentos consultados
Fundos pessoais
39%
Fundos institucionais
28%
Coleções de imagens e documentos
23%
Coleção de livros históricos do Museu
10%
Fonte: Elaborada pelos autores.
Neste sentido, outro dado que evidencia o número elevado de pesquisas
empreendidas no conjunto de dossiês temáticos diz respeito aos tipos de
suportes consultados.
Museu Histórico – FMUSP
Suportes consultados
Documentos em papel (textual)
51,0%
Fotografias
29,5%
Livros históricos
10,0%
Tridimensionais
1,5%
Não consta
8,0%
Fonte: Elaborada pelos autores.
Como se vê, os documentos textuais e as fotografias, originalmente
armazenados da maneira citada, são os itens mais consultados pelos
pesquisadores, totalizando 80,5% das solicitações feitas ao Museu. Desta
forma, as pesquisas se davam quase que exclusivamente em forma de buscas
por nomes de professores ou de algumas instituições específicas, limitando
as possibilidades de cruzamento de informações e, consequentemente,
de buscas mais abrangentes no acervo da instituição. Observando este
fenômeno, desde 2010 o Museu tem gradativamente qualificado a sua
política de catalogação objetivando democratizar o acesso ao seu acervo. A
despeito dos conjuntos e itens textuais, vem sendo realizado um minucioso
trabalho de separação entre os acervos orgânicos e os materiais reunidos
ou produzidos pelo Museu, desdobrando na criação de fundos pessoais e
institucionais e de coleções de textos com vocabulário controlado. Até o
presente momento, este trabalho resultou na identificação e descrição de
mais de duas centenas de fundos pessoais e institucionais e a identificação
de 633 dossiês temáticos reunidos na coleção Museu Histórico “Prof.
Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
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Figura 3 – Arquivos do Museu Histórico 6,
Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP.
Tais informações têm sido disponibilizadas ao público desde 2013,
quando foi lançado o Guia online do acervo, hospedado no website do Museu
Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP 7. O Guia está sendo
produzido a partir do software de código aberto ICA-AtoM, que admite a
inserção progressiva de novas informações, bem como o aprofundamento
da descrição de fundos, coleções e itens (FACULDADE DE MEDICINA
DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2009). No Guia, tem sido adotado
um vocabulário controlado e palavras-chave que permitem a progressiva
integração entre os conjuntos e itens documentais que têm sido inseridos
progressivamente na plataforma online.
Com o registro crescente de pesquisadores que consultam seus arquivos,
o Museu Histórico da FMUSP tem procurado ampliar as ferramentas que
franqueiem seu acervo a um público cada vez maior e com interesses
mais diversificados. Assim, conhecer o perfil e as demandas daqueles que
desenvolvem seus estudos a partir da documentação depositada no Museu é
uma necessidade constante para que as ações desenvolvidas pela instituição
democratizem cada vez mais o acesso a seu próprio patrimônio.
Tendo isso em vista, será apresentado, a seguir, o catálogo seletivo
composto por documentos presentes em diversos fundos e coleções e que
fazem menção às relações estabelecidas entre a Fundação Rockefeller
e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A opção pela
composição desse catálogo se deve ao fato de esse tema ser um dos mais
buscados entre os pesquisadores que acessam o acervo do Museu Histórico
e por ser caracterizado pela dispersão de itens documentais relacionados a
6 Na imagem à esquerda, é possível observar a organização do acervo textual do Museu a partir de dossiês
temáticos, arquivados em “pastas suspensas”. À direita, o acervo já está catalogado e devidamente
armazenado, identificado.
7 O Guia Online pode ser acessado no seguinte website: < http://www.pesquisadores.museu.fm.usp.br>.
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ele entre diversos fundos e coleções, com especial destaque para os fundos
pessoais.
Até então, o conjunto documental utilizado pelos pesquisadores
interessados nas relações estabelecidas entre a Fundação e a FMUSP era
a consulta a um dossiê temático intitulado Rockefeller Foundation que,
embora contenha documentos importantes, não abrigava outros tantos
itens presentes que só seriam localizados em outros Fundos e Coleções.
Sendo assim, o catálogo que será apresentado conta com a descrição de 15
conjuntos documentais que possuem documentos relacionados à Fundação
Rockefeller, datados da primeira metade do século XX. Cabe ressaltar que,
conforme a catalogação de novos conjuntos documentais avançar, novos
itens poderão compor o catálogo seletivo que segue, no entanto, da maneira
em que se apresenta, tal catálogo já se constitui como uma importante
ferramenta de pesquisa, a qual certamente poderá contribuir para futuros
estudos.
Catálogo seletivo Fundação Rockefeller e a Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Ernesto de Souza Campos:
Fundo: Ernesto de Souza Campos.
Código de referência: MHFM - ESCM.
Dimensão e suporte: Textual: 20 unid. Tridimensional: 24 medalhas; 5
pratos de porcelana com desenhos e inscrições em japonês.
Âmbito e conteúdo: Provas, relatórios e ofícios que retratam sua atividade
discente, além de folhetos, separatas, cartas, ofícios e diplomas que retratam
sua atividade profissional.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O referido Fundo
é composto, em sua maior parte, pela documentação relacionada ao
Concurso de provas e títulos que permitiu o ingresso do titular na Cátedra
de Histologia, Microbiologia e Anatomia e Histologia patológicas da
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1923. Todavia, é possível
identificar itens documentais que retratam a participação de Ernesto de Souza
Campos na elaboração do projeto e na construção do prédio sede desta mesma
Faculdade, inaugurado em 1931. Entre tais documentos, destacam-se três itens:
- Carta enviada ao titular pelo Oficial de Gabinete da Secretaria do Interior
do Estado de São Paulo, datada em 21 de junho de 1927, solicitando que
sejam enviadas ao Secretário as plantas do futuro prédio da Faculdade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo.
- Publicação “O novo prédio dos laboratórios”, assinada pelo titular em
1931, na qual é detalhado todo o processo de elaboração e construção do
prédio da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo entre os anos de
1928 e 1931.
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- Homenagem a Ernesto de Souza Campos redigida por Carlos da Silva
Lacaz que, entre outras questõess, cita a sua participação ativa na construção
do prédio da Faculdade de Medicina através da parceria da Faculdade com
a Fundação Rockefeller.
Geraldo Horácio de Paula Souza:
Fundo: Geraldo Horácio de Paula Souza.
Código de referência: MHFM - GHPS.
Dimensão e suporte: Textual: 8 unid. Tridimensional: instrumentos
médicos (identificação e contagem em andamento); 1 porta-caneta que
pertenceu ao titular.
Âmbito e conteúdo: Receita médica, separatas e currículos que retratam
as atividades profissionais do titular, além de discurso proferido em sua
homenagem.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O conjunto documental
que compõe o Fundo Geraldo Horácio de Paula Souza possui 8 itens que,
em sua maioria, se referem às ações do titular na organização e na direção
do Instituto de Hygiene (Atual Faculdade de Saúde Pública da USP).
Nesta documentação, é possível identificar resumos curriculares do titular
e um exemplar dos Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública
da Universidade de São Paulo (v. 17, n. 1, jul. 1963) que é dedicado à
homenagem ao fundador daquela instituição. Nesta publicação, há diversos
discursos que mencionam a participação direta de Paula Souza nas
negociações com a Fundação Rockefeller para a implantação do Instituto
de Hygiene e sobre as relações estabelecidas entre os norte-americanos e a
política sanitária paulista.
Luiz Manuel de Rezende Puech:
Fundo: Luiz Manuel de Rezende Puech.
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Códigos de referência: Fundo: MHFM – PUEC; Coleção: MHFM - TEXTPuech, Luiz Rezende.
Dimensão e suporte: Fundo: Textual: 39 unid.; Coleção: Textual: 26 unid.
Âmbito e conteúdo: Fundo: Relatórios, ofícios, diplomas, trechos de
jornal, certificados e cartas que retratam a atividade profissional do titular,
com especial destaque para a sua atuação frente a importantes instituições
de Saúde em São Paulo e no Rio de Janeiro; Coleção: Artigos de jornal,
discursos proferidos, cópias de diplomas, necrológio e pequenas biografias
produzidas sobre Luiz Manuel de Rezende Puech, além de cópias de
trabalhos publicados por ele reunidas pelo Museu Histórico “Prof. Carlos
da Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O Fundo Luiz Manuel
de Rezende Puech retrata a ascensão profissional do seu titular desde seu
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ingresso como médico interno do Hospício Nacional de Alienados em 1904
até sua trajetória como Catedrático na Faculdade de Medicina da USP. O
conjunto documental possui importantes itens referentes à participação de
Puech na comissão responsável pela elaboração do projeto e pela construção
do prédio sede da Faculdade de Medicina entre os anos de 1925 e 1931.
Entre tais itens, destaca-se a carta datada de 1925, enviada pelo então
Diretor da Faculdade de Medicina, Pedro Dias da Silva, na qual Puech é
convidado a integrar a comissão criada para ser responsável pela articulação
com a Fundação Rockefeller tendo em vista a construção do novo prédio da
Faculdade. Além deste item, há no acervo o ofício emitido pela Secretaria
do Interior do Estado de São Paulo autorizando os Professores Luiz Rezende
Puech, Benedicto Montenegro e Ernesto de Souza Campos a viajarem para
alguns países da Europa e América do Norte a fim de obterem subsídios
para a elaboração do projeto para a construção da sede da Faculdade de
Medicina.
Na Coleção Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos há
uma pasta (MHFM - TEXT- Puech, Luiz Rezende) com vários documentos
reunidos após o falecimento de Puech; dentre eles, há um, em especial, que
faz menção sobre sua ampla relação com a Fundação Rockefeller: Trata-se
de uma série de quatro reportagens redigidas por Ernesto de Souza Campos
e publicadas no Jornal “Gazeta” em 1959, com o título “Reminiscências
de Rezende Puech”. As reportagens relatam, com detalhes, a viagem que
Puech, Ernesto Souza Campos e Benedito Montenegro fizeram pelos
Estados Unidos, pelo Canadá e pela Europa, a partir da parceria firmada
entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller, para colherem
informações sobre as escolas médicas destes locais, buscando modelos a
serem seguidos na construção da sede da Faculdade de Medicina de São
Paulo.
Benedicto Augusto de Freitas Montenegro:
Fundo: Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
Código de referência: MHFM - BMNG.
Dimensão e suporte: Textual: 30 unid. Tridimensional: vestuário
(identificação e contagem em andamento) e 71 medalhas.
Âmbito e conteúdo: Folhetos, artigos, pareceres, relatórios, ofícios, cartas,
separatas, certificados, reportagens, fotografias que retratam a trajetória
pessoal e profissional do titular, com especial destaque a sua atuação na
Primeira Guerra Mundial e na Guerra de 1932.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Benedicto Montenegro
publicou, em 1978, uma autobiografia intitulada “Os meus noventa anos”.
Nesse livro, há um extenso capítulo dedicado à relação que Montenegro
teve com a Fundação Rockefeller, especialmente com Richard Pearce, que
contribuiu para a consolidação da parceria entre a Faculdade de Medicina
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e a Fundação, além da construção do Hospital das Clínicas, inaugurado em
1944.
Zeferino Vaz:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT- Vaz, Zeferino.
Dimensão e suporte: Textual: 8 unid.
Âmbito e conteúdo: Artigos de jornal, discursos proferidos, cópias de
diplomas e pequenas biografias produzidas sobre Zeferino Vaz reunidas
pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O documento “A
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e Zeferino Vaz” reproduz
um discurso proferido, em 1964, por Ruy Ferreira Santos em nome da
Congregação da referida faculdade, no qual é mencionada a trajetória
profissional de Zeferino Vaz, seu trabalho frente à Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto, e a parceria que estabeleceu com a Fundação Rockefeller
nos primeiros anos de funcionamento da faculdade.
Antonio Carlos Pacheco e Silva:
Fundo: Antonio Carlos Pacheco e Silva.
Código de referência: MHFM - ACPS.
Dimensão e suporte: Textual: 6m/lineares (aprox.). Bibliográfico:
identificação e contagem em andamento. Iconográfico: fotografias e
diapositivos (identificação e contagem em andamento). Tridimensional: 62
medalhas.
Âmbito e conteúdo: Fotografias que retratam sua trajetória pessoal e
profissional. Folhetos, cartas, separatas, discursos, ofícios, anotações
manuscritas, diapositivos e reportagens que registram suas atividades e
interesses profissionais. Além de reportagens, cartas, anotações, discursos,
entre outros materiais, que refletem os interesses e envolvimentos políticos
do titular em episódios da história do país, tais como Revolução de 1930,
Guerra de 1932, Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e Ditadura civilmilitar (1964-1985).
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Entre o amplo acervo
de Antonio Carlos Pacheco e Silva, Professor de Clínica Psiquiátrica da
FMUSP entre 1936 e 1968, é possível localizar documentos importantes
sobre a viagem que o referido professor fez em 1926 a diversos países da
Europa e América do Norte, sob o financiamento da Fundação Rockefeller,
a fim de conhecer os seus serviços de atendimento às pessoas com doenças
mentais. Além do relatório enviado ao Secretário do Interior do Estado
de São Paulo com diversas propostas de implantação de novos serviços
no Departamento de Assistência aos Psicopatas, no acervo, há diversas
fotografias e documentos institucionais das clínicas visitadas por Pacheco
110
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e Silva e um relato sobre como a viagem foi planejada e articulada em
parceria com a Fundação Rockefeller, publicado em sua autobiografia
intitulada “Reminiscências do Prof. Pacheco e Silva”.
Raul Carlos Briquet:
Fundo: Raul Carlos Briquet.
Código de referência: MHFM – RCBR.
Dimensão e suporte: Textual: 23 unid. Iconográfico: 2 fotografias.
Tridimensional: 17 medalhas, 7 crachás de identificação em Congressos e
seminários, além de 1 faixa do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC).
Âmbito e conteúdo: Tese, artigos, separatas, cartas, reportagens e
fotografias que retratam sua trajetória profissional; além de lista resumida
referente à coleção de autógrafos mantida pelo titular.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Em 1921, Raul Briquet
ocupava o cargo de “Catedrático interino de Clínica Obstétrica” na
Faculdade de Medicina de São Paulo. Tendo em vista a reorganização das
atividades desta Cátedra, Edmundo Xavier – então Diretor da Faculdade –
buscou subsídios junto à Fundação Rockefeller para enviar Raul Briquet
à Europa a fim de conhecer diversas clínicas obstétricas para promover
as mudanças nas perspectivas científicas no ensino desta especialidade
em São Paulo. Sendo assim, no acervo do Fundo Raul Carlos Briquet é
possível encontrar o relatório de viagem enviado por Briquet ao Diretor da
Faculdade de Medicina, com dados extraídos das clínicas visitadas e com
diversas sugestões de atividades científicas e de assistência que sua Cátedra
poderia implantar nos anos seguintes.
Samuel Barnesley Pessôa:
Fundo: Samuel Barnesley Pessôa
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos
Código de referência: Fundo: MHFM – SBPS; Coleção: MHFM – TEXT
- Pessoa, Samuel Barnesley.
Dimensão e suporte: Fundo: Textual: 14 unid.; Coleção: Textual: 14 unid.
Âmbito e conteúdo: Fundo: Reportagens, memorial, currículo, separatas
e discursos que retratam a trajetória profissional do titular; Coleção:
Artigos de jornal, discursos proferidos, homenagens e pequenas biografias
produzidas sobre Samuel Pessôa, além de cópias de trabalhos publicados
por ele reunidas pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Samuel Pessôa teve uma
forte ligação com a Fundação Rockefeller desde sua graduação na Faculdade
de Medicina de São Paulo onde foi assistente do Professor Samuel Darling,
que fora um dos docentes contratados junto àquela Fundação nos primeiros
anos de funcionamento da escola médica. Em 1922, Pessôa recebeu uma
Bolsa da Fundação Rockefeller para estudar “Higiene Rural”; em 1925,
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frequentou um curso de especialização em malária promovido pela
fundação norte-americana; e em 1927, viajou para a Europa, também sob
financiamento da Fundação Rockefeller, para conhecer diversos serviços
de tratamento da malária. Esses eventos são descritos com maiores detalhes
no “Memorial apresentado à Congregação da Faculdade de Medicina de
São Paulo pelo Dr. Samuel Barnesley Pessôa”, depositado em seu fundo
pessoal. Na coleção de textos reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos
da Silva Lacaz” (pasta MHFM – TEXT - Pessoa, Samuel Barnesley), há
diversos textos e discursos proferidos em homenagem a Samuel Pessôa que
fazem menção à sua relação com a Fundação Rockefeller, entre os quais
merece destaque uma publicação na Revista de Medicina, em sua edição de
janeiro de 1943, intitulada “Ao Prof. Samuel B. Pessôa, Diretor do Depto.
de Saúde do Estado, homenagem dos alunos da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo”.
Luiz Carlos Uchôa Junqueira:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT - Junqueira, Luiz Carlos Uchôa.
Dimensão e suporte: Textual: 3 unid.
Âmbito e conteúdo: Curriculum Vitae, pequena biografia produzida sobre
Luiz Junqueira, e um exemplar do livro “Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo” reunidos pelo Museu Histórico
“Prof. Carlos da Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Luiz Carlos Uchôa
Junqueira foi Professor Catedrático de Histologia e Embriologia da
Faculdade de Medicina da USP. A sua relação com a Fundação Rockefeller
se dá em dois momentos de sua vida: Entre 1948 e 1949, quando realizou foi
financiado pela Fundação para desenvolver sua pesquisa de pós-doutorado e
entre 1951 e 1964, quando recebeu investimentos da Rockefeller para fundar
e estruturar o laboratório de Fisiologia Celular da FMUSP. Tais informações
são apresentadas com maiores detalhes em dois documentos que compõem a
pasta MHFM – TEXT – Junqueira, Luiz Carlos Uchôa: “Curriculum Vitae”
e na pequena biografia intitulada “Professor Luiz Carlos Uchôa Junqueira”.
Robert Archibald Lambert:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos
Código de referência: MHFM - TEXT- Lambert, Robert Archibald
Dimensão e suporte: Textual: 2 unid.
Âmbito e conteúdo: Dois registros biográficos de Robert A. Lambert
enviados pela Fundação Rockefeller ao Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Robert Archibald
Lambert ocupou entre 1923 e 1925 a Cátedra de Histologia e Anatomia
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patológicas na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, tendo sido
um dos Professores enviados pela Fundação Rockefeller nos primeiros
anos de funcionamento da referida escola médica. As relações que Robert
A. Lambert manteve com a Faculdade de Medicina são descritas em uma
pequena biografia, produzida em 1993, enviada pela Fundação Rockefeller
ao Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e que está depositada na
pasta MHFM - TEXT- Lambert, Robert Archibald.
Samuel Taylor Darling:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT- Darling, Samuel Taylor.
Dimensão e suporte: Textual: 2 unid.
Âmbito e conteúdo: Dois registros biográficos de Samuel T. Darling.
Um deles foi publicado no jornal “Folha de São Paulo” em 1971; o outro,
enviado pela Fundação Rockefeller ao Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Ambos os documentos
presentes na pasta MHFM - TEXT- Darling, Samuel Taylor traçam um
panorama resumido da trajetória profissional de Darling e destacam sua
atuação à frente do Instituto de Hygiene da Faculdade de Medicina e
Cirurgia de São Paulo entre 1918 e 1920 através da parceria estabelecida
entre a Faculdade e a Fundação Rockefeller.
Oscar Klotz:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT- Klotz, Oscar.
Dimensão e suporte: Textual: 8 unid.
Âmbito e conteúdo: Cartas trocadas entre a coordenação do Museu
Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e a Fundação Rockefeller entre
os anos de 1993 e 1994, além de um pequeno registro biográfico de Oscar
Klotz.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O pequeno registro
biográfico presente na pasta MHFM - TEXT- Klotz, Oscar faz menção à
presença de Klotz na Cátedra de Anatomia patológica da Faculdade de
Medicina e Cirurgia de São Paulo entre 1918 e 1920 mediante acordo
firmado entre a Faculdade e a Fundação Rockefeller.
Alexandrino de Morais Pedroso:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT- Pedroso, Alexandrino de Morais.
Dimensão e suporte: Textual: 11 unid.
Âmbito e conteúdo: Ofícios, cartas, memorial acadêmico, pequenos textos
biográficos e artigos de jornal, que retratam a trajetória profissional de
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Alexandrino M. Pedroso reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da
Silva Lacaz”.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Alexandrino de Morais Pedroso
foi o responsável por articular os primeiros contatos entre a direção da Faculdade
de Medicina e Cirurgia de São Paulo e a Fundação Rockefeller, uma vez que havia
obtido sua formação médica nos Estados Unidos e havia sido aluno de Richard
Pearce, que seria, anos mais tarde, o representante da Fundação para os acordos
vinculados ao ensino médico no Brasil. Segundo Marinho (2001, p. 58),
[...] formado nos Estados Unidos em 1904, pela Universidade
da Pensilvânia, Alexandrino intermediou os primeiros contatos
entre Arnaldo Vieira de Carvalho [então Diretor da Faculdade
de Medicina] e Richard Pearce [representante da Fundação
Rockefeller no Brasil]. Com a vinda, em 1918, de Samuel Taylor
Darling para o Instituto de Higiene, Alexandrino passou a servir de
intérprete nas aulas e exposições. Mais tarde Pedroso foi indicado
membro permanente do Comitê que a Fundação manteve durante
alguns anos em São Paulo.
Neste sentido, dentre a documentação depositada na pasta MHFM - TEXTPedroso, Alexandrino de Morais contém dois documentos que fazem menção
à relação de Alexandrino com a Fundação Rockefeller, especialmente com
Richard Pearce:
- Memorial apresentado à Faculdade de Medicina pelo Prof. Alexandrino
M. Pedroso, em julho de 1919, por ocasião do Concurso para a Cátedra de
Parasitologia. Entre outros detalhes sobre a sua vida acadêmica, Alexandrino
descreve a sua relação com o Prof. Richard Pearce e com os professores
Émile Brumpt e Samuel T. Darling.
- Pequena biografia intitulada “Alexandrino de Morais Pedroso. Alguns
dados sobre a sua vida”, de autoria desconhecida, na qual são descritas,
com maiores detalhes, a relação de Pedroso com a Fundação Rockefeller e a
sua influência para que os acordos firmados entre a Faculdade de Medicina
e os norte-americanos pudessem ser concretizados.
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo:
Fundo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Código de referência: MHFM - FMED.
Dimensão e suporte: Textual: 7 m/lineares. Bibliográfico: 1.500
unid. (aprox.). Iconográfico: fotografias (identificação e contagem em
andamento). Tridimensional: medalhas, quadros, mobiliário e outros objetos
(identificação e contagem em andamento).
Âmbito e conteúdo: Livros, teses, revistas e separatas que tratam de
diferentes especialidades e personalidades do campo da medicina, além de
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fotografias ofícios, folhetos, cartas, currículos e relatórios que retratam as
atividades do órgão titular.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Esse fundo documental
é um dos acervos mais amplos dentre os depositados no Museu Histórico
“Prof. Carlos da Silva Lacaz” e se encontra, neste momento, em processo
de identificação e catalogação. É composto por documentos de origens
diversas, datados desde a inauguração da instituição em 1912 até os dias
atuais e correspondem aos diversos momentos históricos da Faculdade,
com especial destaque para os primeiros anos de funcionamento da escola
médica. Neste sentido, foi possível localizar no processo de catalogação
realizado até o momento, importantes referências aos acordos firmados entre
a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller. Entre tais documentos,
pode-se destacar:
- Nas Atas de Congregação da Faculdade de Medicina, é possível encontrar
os registros das discussões estabelecidas nas reuniões da Congregação da
instituição nas quais os acordos firmados com a Fundação Rockefeller
foram debatidos e aprovados entre 1916 e 1925.
- Reportagens publicadas no Jornal Folha da Noite em 12 e 13 de março de
1931, intituladas “Histórico da evolução do ensino médico em S. Paulo”,
que relatam as viagens que foram feitas pelos professores da Faculdade de
Medicina a outros países, visando a coletar informações para a construção
da sede da Faculdade em parceria com a Fundação Rockefeller.
- Livreto intitulado “Memória histórica da Faculdade de Medicina da
Universidade de S. Paulo”, publicado em comemoração aos 25 anos da
instituição. Esse livro possui um capítulo dedicado à análise da atuação da
Fundação Rockfeller na construção e nos primeiros anos de funcionamento
da Faculdade de Medicina.
- Reportagem publicada na Folha da Manhã em 31 de janeiro de 1954,
intitulada “Faculdade de Medicina, um exemplo da capacidade de
organização, perseverança e idealismo de nossa gente”. Tal publicação
traça um histórico da Faculdade, citando a Fundação Rockfeller como um
dos pilares para a consolidação da instituição.
- “Esboço histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo”,
redigido em 1949 por Goulart de Faria, um texto de dez páginas que apresenta
vários dados sobre a Faculdade e traça o histórico da participação da Fundação
Rockefeller na implantação de algumas cadeiras básicas na Faculdade, além de
sua colaboração no envio de professores e na construção da sede da FMUSP.
- “Opiniões de cientistas estrangeiros e brasileiros sobre a Faculdade de
Medicina de São Paulo”. Esse documento é uma compilação de frases e
trechos de reportagens jornalísticas de 1931 a respeito da inauguração do
prédio da Faculdade de Medicina, com diversas citações sobre a participação
da Fundação Rockefeller nesse processo.
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Rockefeller Foundation:
Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos.
Código de referência: MHFM - TEXT- Rockefeller Foundation.
Dimensão e suporte: Textual: 20 unid.
Âmbito e conteúdo: Diplomas, trechos de reportagens jornalísticas, cartas,
publicações, cópias de trabalhos acadêmicos e textos memorialísticos
reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” que tratam
das relações estabelecidas entre a Faculdade de Medicina e a Fundação
Rockefeller.
Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: A pasta MHFM - TEXTRockefeller Foundation contém alguns documentos que estão reproduzidos
em outros fundos e coleções, como os dos professores Oscar Klotz e Samuel
Taylor Darling. No entanto, essa pasta reúne importantes documentos
que retratam as relações estabelecidas entre a Fundação Rockefeller e a
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, dentre os quais cabe
destacar:
- Diploma produzido pelo artista Augusto Esteves em homenagem à
Fundação Rockefeller por sua cooperação com a instalação dos Laboratórios
da faculdade de Medicina.
- Pequena publicação intitulada “Páginas de saudade de Richard M. Pearce
Jr.”, representante da Fundação Rockefeller no Brasil no início da década de
1920, redigida por Ernesto de Souza Campos em 1931 (com uma fotografia
do homenageado).
- “Laboratório de Isótopos. Primeiro lustro de atividades”. Levantamento
das atividades desenvolvidas pelo Laboratório de Isótopos da USP entre
1949 e 1954. Tal Laboratório foi criado a partir de doações da Fundação
Rockefeller em 1949.
- Reportagem da “Folha da Noite”, intitulada “Histórico da evolução do ensino
médico em São Paulo”, publicada em março de 1931, que trata das doações
efetuadas pela Fundação Rockefeller à Faculdade de Medicina entre 1918 e 1931.
- Reportagem intitulada “USP homenageou ex-diretor da Fundação
Rockefeller” publicada na “Folha de São Paulo”, em abril de 1964, sobre
uma homenagem prestada pela Universidade de São Paulo a Robert Watson,
antigo diretor da Rockefeller Foundation.
- Texto produzido por Carlos da Silva Lacaz, intitulado “Concepção e
destruição de uma faculdade”, no qual o autor apresenta a influência
da Fundação Rockefeller para a pesquisa científica desenvolvida nos
laboratórios da Faculdade de Medicina.
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A Guerra e a Cooperação Sanitária
No Sertão do Rio Doce/Brasil: O
Cotidiano e a Política Internacional
Patrícia Falco Genovez
Maria Terezinha B. Vilarino
Introdução 1
Hermírio Gomes da Silva: Aí, depois que a guerra explodiu, né?
Aí estimulou todas as atividades. Daí dizer: a guerra foi um papel
pra nós. Primeiro trouxe o SESP pra cá: Saneamento básico.
Trouxe o combate ao anofelino, acabou com a leishmaniose, com o
calazar, com o diabo. Tudo através desse programa do SESP, né?
De saneamento básico. E também a assistência médica, porque
ele encampou o Centro de Saúde aqui, depois encampou os outros
aí. E Governador Valadares recebeu o Centro de Saúde Modelar
(SILVA, 1997).
Olmário Francisco Vieira: Esforço de guerra. Então, nós a tivemos
aqui, porque dava muita malária, essas coisas assim. Viemos para
proteger o operário, para ele tirar o minério. E atingia as famílias
deles também. O serviço começou no Amazonas e os americanos
tiravam a borracha, para esforço de guerra também. (VIEIRA,
2008).
Pedro Silveira Nunes: É. Você acha que eles iam filtrar água
naquele tempo? Quando a comissão americana veio para cá, o
Rockefeller mandou abrir aquela unidade do SESP, que criou
aquele sistema para acabar com o verme. Nós não sabíamos o que
era pernilongo. Então, na praça pública, o SESP ia lá e passava
um filme mostrando como era o pernilongo. (NUNES, 2009).
1 Entrevistas realizadas em Governador Valadares/MG com antigos moradores da cidade e/ou antigos
funcionários do SESP na região do Médio Rio Doce. Fazem parte do acervo do Arquivo do Programa de
Memória do Vale do Rio Doce – PMVRD/Univale.
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Farid Salmen: É por causa do poder da mica, da guerra, do minério;
então, teve um progresso enorme aquela época. [...] os americanos
compravam. Acabou a guerra. Aí veio os fazendeiros. Madeira da
serraria, pecuária que foi forte. Transformou o crescimento que
vinha [...]. (SALMEN, 2009).
Ladislau Sales: Cruzava, aquilo [trem] parava porque era tempo
de guerra. Então, havia trens que tinham determinada preferência,
que a gente não sabe o que é. Trem preferencial de carga. Havia
isto, e você ficava parado. O agente dizia “Não sei, eu tenho ordem
para parar o trem”; porque vinha outro em direção contrária. Em
geral, em Governador Valadares o que o outro trem trazia era um
vagão com mica. [...] Então, a comissão americana dispunha de
uma quantidade de máquinas! Foi a primeira vez que Valadares
conheceu uma patrola. Patrola é aquela máquina que aplaina. Nas
ruas de Valadares, foi um sucesso total, quando aquela patrola
passou pelas ruas de Valadares, deixando aquele rastro liso[...]
Mas eles tinham uma quantidade enorme de material de guerra,
porque esforço de guerra[...]. Então, o indivíduo chegava lá e dizia:
“Eu quero construir uma estrada.” Eles diziam: “Perfeitamente;
manda o trator abrir a estrada.” Antes de saber se tinha mica, pra
mostrar serviço perante os superiores. (SALES, 2001).
Os testemunhos apresentados relacionam o esforço sanitário do
Médio Rio Doce à chegada do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).
Vários dos nossos entrevistados demonstram certa consciência de que o
SESP estava atrelado a outro esforço: o da guerra. Neste sentido, podemos
considerar que o processo de sanitarização do Sertão do Rio Doce/MG
ocorreu mediante ação direta do SESP e, como os relatos indicam, teve uma
ação singular que interferiu no cotidiano das pessoas desta região.
Traçando um breve retrospecto da instituição, do ponto de vista
burocrático, percebemos que ela é fruto dos chamados acordos de
Washington, assinados em 1942 entre os EUA e o Brasil no cenário da
Segunda Guerra Mundial (CAMPOS, 2006). Todavia, a atuação médicosanitária do SESP liga-se ao contexto nacional de constituição do aparato
de institucionalização da saúde pública (FONSECA, 2007), pois as áreas
sob sua responsabilidade correspondiam àquelas definidas pelo Ministério
da Educação e Saúde (MES) para expansão dos serviços de saúde pública
em todo o território nacional.
Os acordos de Washington afiançavam-se em negociações diplomáticas
com o objetivo de firmar o apoio dos países da América Latina aos EUA e
seus aliados em um período de pré-guerra contra a Alemanha. Em 1942,
assinaram-se os acordos e o Brasil recebeu a maior parte dos recursos
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para assistência financeira desembolsados para a América Latina nos
anos de guerra; garantiu as vendas da produção de cacau e café, além de
receber dos EUA produtos químicos, implementos agrícolas e produtos
siderúrgicos (DULLES, 1967). Da pauta dos acordos (uma série de trinta
tratados), destacamos a liberação de fundos para a produção da borracha e a
exploração de minérios, o tratado militar e o relacionado à cooperação para
promoção de saúde e saneamento, circunstancialmente inter-relacionados.
Apesar do término da II Guerra, em 1945, o acordo que mantinha o SESP
estendeu-se até 1948.
A partir de fins da década de 1940 o SESP esteve orientado por
duas diretrizes: a primeira, a política desenvolvimentista; a
segunda, as políticas internacionais de saúde que, atreladas aos
conflitos da Guerra Fria, necessitavam demonstrar a superioridade
dos países capitalistas nessa área. Desenvolvimentismo e Guerra
Fria asseguraram sobrevida ao SESP, pelo menos até fins da década
de 1980. (FERREIRA, 2007, p. 1428).
Dois relatórios divulgados pelo Institute of Inter-American Affairs
(IIAA) são exemplares para uma apresentação dos objetivos e ações desse
serviço de saúde pública, no Brasil e em outros países da América Latina:
1) 10 Years of Cooperative Health in Latin America – En Evaluation, e 2)
The Brazil-United Cooperative Health and Sanitation Program 1942-1960 2.
O primeiro relatório, de 1953, 10 Years of Cooperative Health in Latin
America – An Evaluation oferece um balanço sobre as origens e objetivos
do acordo EUA/países da América Latina que pactuaram a organização dos
“Serviços de saúde”; os aportes financeiros alocados pelos envolvidos, “de
acordo com a disponibilidade de matérias-primas, serviços e fundos”; as
atividades realizadas; problemas socioculturais e políticos enfrentados e
resultados auferidos ao final de dez anos de seu estabelecimento. Iniciado
em fevereiro de 1942, o programa coordenado pelo IIAA estendeu-se por
dezenove países.3 O segundo relatório (The Brazil-United Cooperative
Health and Sanitation Program (1942-1960), de 1961)4, foi encomendado
pelo Escritório de Administração de Cooperação Internacional, à Johns
Hopkins University, e este, por sua vez, nomeou quatro professores5 para
2 Ambos foram produzidos a partir de pesquisas que objetivavam a avaliação de programas colaborativos
em saúde pública realizados em países da América Latina. Cada um deles contou com uma equipe
multidisciplinar, que trabalhou a partir de sua qualificação (Tradução livre nos trechos transcritos).
3 Antes do final de 1942, o Dr. George C. Dunham, primeiro diretor do acordo bilateral em saúde do IIAA,
tinha supervisionado a criação de programas em 11 países da América Central e do Sul.
4 O estudo incorporou análises de campo no Brasil e nos Estados Unidos durante os meses de abril a
outubro, de 1960, inclusive.
5 Timothy D. Baker, M. D., médico; Margaret Bright, Ph. D., médica; Mark Perlman, Ph. D., economista;
Abel Wolman, Chairman, engenheiro sanitário. O grupo teve como consultor Dean E. L. Stebbins, M. D.,
médico da Escola de Higiene e Saúde Pública.
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avaliarem as atividades do Programa Cooperativo de Saúde e Saneamento
realizado no Brasil mediante o mesmo acordo apresentado anteriormente. Esse
relatório ofereceu uma avaliação institucional sobre o estado da saúde pública
no Brasil e sobre a atuação do SESP nos seus dezoito anos de existência, de
1942 a 1960, quando a agência foi incorporada ao Ministério da Saúde.
De acordo com o relatório de 1953, o Instituto de Assuntos
Interamericanos tinha objetivos mais precisos durante os anos iniciais
do que aqueles que se seguiam ao pós II Guerra. No momento de seu
estabelecimento, os objetivos eram:
1. Militar: melhorar as condições de saúde em áreas estratégicas,
particularmente com relação às exigências das forças armadas dos
Estados Unidos e dos aliados americanos; 2. Político: cumprir
as obrigações do Governo dos Estados Unidos com relação ao
programa de saúde e saneamento por ele assumidas nos termos
da Resolução 30 adotada pela Conferência do Rio de Janeiro; 3.
Econômico: viabilizar o aumento da produção de materiais críticos
em áreas onde as más condições de saúde existentes o impediam;
4. Moral: demonstrar os benefícios tangíveis da democracia em
ação e ganhar apoio ativo da população civil. (Ten Years..., p. 58)
(PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 4)
Os três primeiros destes objetivos estavam intimamente voltados para
o esforço de guerra. O sucesso de realização pode ser medido objetivamente
pelos excelentes registros de saúde das forças armadas estacionadas nas
repúblicas americanas e pelo aumento da produção de materiais críticos nas
áreas ocupadas. Após a Segunda Guerra Mundial, os objetivos anteriores
foram substituídos por outros. Na Seção 2, da Lei do Congresso Americano
de cinco de agosto de 1947, que autorizou a continuidade do IIAA, afirmouse que os esforços do Instituto deveriam se voltar para
[...] promover o bem-estar geral e para fortalecer o entendimento
entre os povos das repúblicas americanas através da colaboração
com outros governos e agências governamentais das Repúblicas
Americanas no planejamento, implementação, assistência,
financiamento, gestão e execução de programas e projetos
técnicos, especialmente nos campos da saúde pública, saneamento,
agricultura e educação. (Ten Years..., p. 58-59). (PUBLIC HEALTH
SERVICE, p. 58-59)
Temos, portanto, de um lado o desenvolvimentismo e a política
internacional, perspectivas que já tiveram consideráveis e consistentes esforços
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de pesquisa 6. Mas, e quanto ao aspecto do cotidiano da população que sofreu
a ação do SESP? Este será o foco deste estudo. Para melhor dimensionarmos o
impacto da ação sespiana no cotidiano do Sertão do Rio Doce apresentaremos
o contexto nacional em suas articulações com o contexto local para,
posteriormente, trabalharmos os estudos de comunidade que trataram duas
comunidades diretamente atendidas pelo SESP no Médio Rio Doce: o trabalho
de Kalervo Oberg (1956) que avaliou a ação sespiana em Xonin de Cima,
distrito de Governador Valadares/MG, e o trabalho de Fontenelle (1959), que
realizou um levantamento sobre Aimorés. Esses estudos aprofundam os trechos
de testemunhos elencados no início deste texto.
O SESP, a política internacional
e o Sertão do Rio Doce/MG
A agência SESP iniciou suas operações no Brasil em 1942, após
uma reunião dos ministros das Relações Exteriores dos países americanos
em janeiro desse ano. Nessa reunião, fez-se um esboço de uma série de
projetos de cooperação entre os Estados Unidos da América (EUA) e vários
países da América Latina. Mas a real participação dos norte-americanos
na implementação do SESP foi, sem dúvida, ditada pelas necessidades da
Segunda Guerra Mundial, na qual os EUA tinha acabado de entrar. A seleção
dos programas iniciais, na Amazônia e no Vale do Rio Doce/MG, não deixa
dúvida sobre este propósito (The Brazil-United States Cooperative... p.
13)7. (The Johns Hopkins University, 1961, p. 13)
A criação do SESP, portanto, ligou-se a um contexto de interdependência
internacional, levando-se em conta questões do comércio, da diplomacia
política, da aproximação militar e da cooperação sanitária. Bastos (1993)
assim resume a criação do SESP:
Nasceu em um ano de guerra, das necessidades cruéis da 2ª Guerra
Mundial, nos instantes em que as forças totalitárias tentavam
esmagar as forças democráticas do mundo. Em sua infância teve
justamente a tarefa de defender a saúde dos homens que precisavam
de saúde para poder produzir, de homens que necessitavam de saúde
6 Destaca-se o livro de Campos (2006), que, de certa forma, coloca o SESP no centro das discussões
sobre a saúde pública, no Brasil, entre as décadas de 1940 e 1960. Esta obra tem sido referência para as
discussões posteriores. A obra de Bastos (1993) tem uma importância memorialística. Entre as discussões
realizadas sobre o SESP e/ou sobre questões que tangenciam sua atuação colocamos em foco: Peçanha
(1976); Fonseca (1989, 2007); Pinheiro (1992); Vilarino (2008); Lima e Maio (2009); Cardoso (2009);
Oliveira (2010); Figueiredo FIGUEIREDO, (2004, 2009); Renovato (2009).
7 The Johns Hopkins University. Brazil-United States cooperative health – sanitation program, 1942–
1960. Washington: International Cooperation Administration; 1961. Disponível em: <http://pdf.usaid.
gov/pdf_docs/PDACS449.pdf>. Acesso em: dez. 2012.
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para se tornarem capazes de fornecer aos arsenais da democracia, o
material necessário para a luta em defesa do bem-estar dos povos.
(BASTOS, 1993, p. 30-31).
O cenário otimista do Pós-Guerra em relação ao papel positivo que
as ciências poderiam desempenhar como um componente importante no
desenvolvimento dos diversos países também se refletia nas ações do SESP.
A promessa de erradicação das doenças que acometiam as populações pobres
foi uma chave importante para a manutenção do Serviço, o qual, de certa
forma, se ligava ao interesse de barrar o avanço das doutrinas socializantes,
que entre essas populações desatendidas teriam desenvolvimento fácil,
segundo análises correntes. As palavras do Major-General Dr. George C.
Dunham, presidente do Instituto de Assuntos Inter-Americanos, em 1945,
são emblemáticas:
A força crescente da cooperação interamericana manifesta-se
não somente na guerra contra as potências do Eixo, mas também
na coordenação dos recursos em prol do progresso econômico e
científico neste hemisfério. Agora, como em nenhuma ocasião
anterior, os povos da América estão trabalhando juntos para o
aperfeiçoamento do bem comum, pela prevenção das doenças, pelo
prolongamento da vida e pela segurança da saúde e da eficiência,
com o desenvolvimento concomitante das relações comerciais.
(SESP, 1945, p. 1).
Em 1943, para executar o saneamento do Vale do Rio Doce e resolver
os problemas das endemias, o trabalho do SESP, criado um ano antes, para
atuar nas regiões Norte e Nordeste, foi estendido à região. Naquele ano,
tiveram início o Programa do Rio Doce e o Programa da Mica para atender,
respectivamente, as obras de reforma da Estrada de Ferro Vitória a Minas
(incorporada à recém-criada Companhia Vale do Rio Doce) e a implantação
da indústria de produção e beneficiamento da mica 8, entre 1943 e 1950.
A intervenção sanitária do SESP no Vale do Rio Doce (VDR)
organizou-se em duas fases distintas. A primeira, de 1942 a 1945, atendeu
o acordo de “esforço de guerra”; a segunda, entre 1945 a 1960, ocorreu
por interesse do governo brasileiro, mas ainda com o apoio americano. O
SESP atuou em duas frentes: prioritariamente no combate à malária e a
8 Esse mineral tinha importância fundamental para a indústria e o esforço de guerra dos aliados, porém os
alemães conseguiram interromper o fornecimento pela Índia. No início de 1942, era urgente propiciar
uma nova fonte de abastecimento do mineral para os EUA. A principal área produtora e exportadora se
localizava no Vale do Rio Doce. A importância da mica se deve à sua alta rigidez dielétrica e excelente
estabilidade química, ideais para confecção de capacitores para rádio frequência. A propriedade isolante
é ideal em equipamentos de alta-tensão, bem como a resistência ao calor faz da mica um isolante ideal,
sendo utilizado para diversas aplicações industriais e bélicas.
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outras doenças que afetavam os trabalhadores envolvidos na reforma da
Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e na exploração da mica; e,
concomitantemente, no investimento em um programa de saúde pública
permanente a ser organizado nas vilas e nas cidades. Várias localidades
do VRD, especialmente Governador Valadares, Aimorés, Baixo Guandu e
Colatina, receberam a atenção do SESP e constituíram-se como campo de
experimentação de técnicas e metodologias de intervenção, de medicamentos
e pesticidas químicos, como o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT).
As metodologias de intervenção que acompanharam a execução dos
projetos de saneamento e de assistência médica se relacionaram com a
concepção do “círculo vicioso da doença e da pobreza” e com uma pedagogia
sanitária em que a responsabilidade individual sobrepujava a responsabilidade
política. Duas tendências presentes nos relatórios de atividades e nas
publicações do SESP – o tripé “ignorância-pobreza-apatia” como causas do
agravamento do quadro nosológico; e o entendimento da saúde como fator de
desenvolvimento econômico; anunciam, mas não esclarecem as interferências
das condições sociais sobre a propagação de doenças.
O cotidiano e os estudos de comunidade
– o SESP, a Guerra e o dia a dia
Muito embora a documentação nos forneça detalhes sobre o processo
de implantação do serviço, as narrativas sobre todo o processo, disponíveis
no Observatório Interdisciplinar do Território (OBIT/Univale) 9, nos
remetem a um cenário complexo. Apenas a título de ilustração, um dos
depoentes chama a atenção para a dimensão cotidiana, com detalhes que
expressam o despreparo da postura “moderna” dos agentes sespianos
perante a “natureza” que permeava as práticas cotidianas no sertão.
O SESP chegou, chegaram aqueles homens com aqueles chapéus
de cortiça, como se vê na África, não é isso? Um chapéu branco, de
cortiça, calcinha branca etc. Quando viram aquela poeira, passava
uma bicicleta, levantava poeira, carroça e febre malária, malária,
malária, eles não estavam preparados pra isso. Então, eles pediram
socorro: “mande pra aqui um epidemiologista e mande uma pessoa
especializada em doenças tropicais, de países tropicais, porque nós
sabemos por alto, mas isso aí a quantidade é muito grande”. Era
9 Os depoimentos sobre o processo de territorialização do saneamento no Vale do Rio Doce foram
coletados e têm sido analisados em projetos financiados pelo CNPq e FAPEMIG, a partir do Grupo de
Pesquisa Memória e Cultura do Vale do Rio Doce, relacionado ao OBIT/Univale, sob responsabilidade
das professoras Dra. Patrícia Falco Genovez e doutoranda Maria Terezinha Bretas Vilarino.
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malária, leishmaniose, que come nariz, esquistossomose, horrível,
e não havia tratamento muito eficaz. Então, eles comunicaram lá
a superintendência e a superintendência começou como se deve
começar em país civilizado, mas aqui, Figueira do Rio Doce [antigo
nome de Governador Valadares], era diferente, era preciso tratar do
sujeito pra ele não morrer. (Ladislau Sales)
Estudos realizados na década de 1950, por Strauch (1955) 10, Oberg
(1956) e Fontenelle (1959) identificam a população como eminentemente
rural, cujas características principais denotam carências variadas:
desnutrição, ignorância, doenças, apatia, isolamento, anonimato. A descrição
que esses autores fazem da população do Rio Doce pautava-se pela meta da
modernização: o que era antigo, popular, precisava ser modificado em nome
do progresso. É essa moldura regional, e a mesma meta de modernização,
através de modificações de hábitos e costumes sanitários, que o SESP
também oficializa em seus relatórios e nas observações de seus técnicos,
nas notícias do Boletim do SESP e nos artigos divulgados pela Revista do
SESP. O relatório de 1953 (Ten Years...) (PUBLIC HEALTH SERVICE)
também apresenta as mesmas perspectivas.
Desde o início de suas atividades, o SESP teve a preocupação
educativa como apoio às medidas sanitárias emergenciais, mesmo que a
Divisão de Educação Sanitária tivesse sido criada oficialmente apenas em
1944. Nos primeiros anos, o trabalho desenvolvido se limitou ao preparo
e ao aperfeiçoamento de pessoal, e à distribuição do reduzido material de
propaganda sanitária nas áreas de atendimento, ainda assim, de modo
disperso e sem orientação sistematizada (BASTOS; SILVA, 1953, p. 247).
À medida que os projetos de saúde e saneamento se consolidavam, seu
“propósito educativo fixado em cada atuação e em cada serviço, no momento
oportuno” (BASTOS; SILVA, 1953, p. 258) merecia maiores cuidados e
atenção. A contratação de José Arthur Rios e de outros 11 cientistas sociais
define a introdução das ciências sociais na organização e implementação de
programas de educação sanitária e medicina preventiva (CARDOSO, 2009).
Esta reorientação coincide com a divulgação do relatório de 1953 (Ten
Years...), (PUBLIC HEALTH SERVICE) e pode-se compreendê-la como um
reflexo dos apontamentos feitos sobre a necessidade de se considerar os aspectos
culturais inerentes às populações/comunidades receptoras dos programas de
saúde.
A presença de um antropólogo cultural na equipe avaliadora dos dez
10Ney Strauch – Geógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na década de 1950;
realizou um estudo sobre o vale do rio Doce (1951) encomendado pela Companhia Vale do Rio Doce e
publicado em 1955 pelo serviço gráfico do IBGE..
11José Arthur Rios reuniu “[...] em sua equipe o cientista social Carlos Medina e o antropólogo Luiz
Fernando Fontenelle”, além de ter tido a consultoria do antropólogo Kalervo Oberg, ligado a Donald
Piersen (FOSTER, 2000).
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anos de cooperação em saúde – Dr. George M. Foster, diretor do Instituto
de Antropologia Social do Smithsonian Institution – pressupõe, que além
de avaliação quantitativa, fez-se uma avaliação sob perspectiva qualitativa
sobre os programas examinados (FOSTER, 1951). Ao que parece essa
avaliação, escrita por Foster, se relaciona às dificuldades encontradas pelos
técnicos, de um lado, e às das populações receptoras, de outro, em se fazerem
compreendidos (FOSTER, 2000). A abertura da apreciação é reveladora:
O sucesso de um programa de saúde pública depende não só da
excelência técnica, de conhecimento e da prática médica, mas
também do potencial sócio-econômico (sic) de um país, e da
disponibilidade de seu povo em aceitar novas idéias (sic) e hábitos”
(Ten Years... p. 12). (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 12)
Considerando a importância do conhecimento sobre como as pessoas
se posicionam diante de suas culturas, o relatório recomendou que o Instituto
Interamericano realizasse pesquisas sistemáticas sobre a forma e conteúdo
das culturas de cada país em que o trabalho era realizado. Ainda sugeria que
as informações obtidas fossem utilizadas no planejamento e na execução
dos projetos; tanto para avaliar o potencial econômico e social de um país
como para reduzir as barreiras culturais para a aceitação dos programas de
saúde pública. Os questionamentos seguintes dimensionam a problemática:
Como transmitir às populações receptoras a idéia (sic) de que a
medicina científica e a higiene podem assegurar-lhes melhor estado
de saúde, disposição para o trabalho e longevidade? Como explicar
os conceitos científicos das enfermidades a pessoas que consideram
que muitas delas se devem a causas mágicas ou divinas?
Como persuadir estas pessoas a tomar certas precauções ou a
recorrer ao médico ao primeiro sinal de enfermidade? Como
convencê-las a evitar o curandeiro nativo e os recursos da medicina
popular? (Ten Years.. p. 15). (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 15)
A avaliação de 1953 destacou entre os dados obtidos:
1. A qualidade das relações interpessoais. O discurso do avaliador
sobre a necessidade do estabelecimento de boas relações entre
médicos, enfermeiros e outros técnicos e os atendidos sugere que
alguns programas estariam muito aquém de seu potencial por
causa das más relações interpessoais entre os envolvidos.
2. A relação entre medicina curativa e preventiva. O antropólogo
relatou que, em grande parte da América Latina, havia uma
desconfiança profunda sobre os motivos e conhecimentos dos
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médicos. Muitas pessoas achavam que o curandeiro nativo
sabia mais do que um médico. A sugestão, neste caso, seria o
realce da medicina curativa como efeito demonstrativo de que o
médico sabia o que ele estava fazendo. Essa recomendação, de
certa forma, aponta para a necessidade de se reavaliar a validade
da utilização do modelo norte-americano, em que a medicina
preventiva era o padrão, nos programas de cooperação em saúde.
3. A Natureza da medicina popular. O levantamento feito informa
sobre as principais tendências entre os latino-americanos, para
se explicar as enfermidades, tais como: concepção humoral das
enfermidades (Ten Years... p. 19 (PUBLIC HEALTH SERVICE,
p. 19); MINAYO, 1998; MAYNARD, 1961) 12; a ideia de que a
limpeza periódica do estômago e do trato intestinal por meio de
purgativos seria essencial para a saúde; a crença de que a extração
de sangue para exames em geral debilitam o paciente; a crença
em causas sobrenaturais para certas enfermidades é comum em
todos os países e, neste sentido, há uma concepção de existência
de “doenças que não são para médico” e, ao mesmo tempo, a
crença no poder dos curandeiros. Em muitas comunidades, o
médico está em desvantagem, pois o curandeiro tem a confiança
mais irrestrita dos “pacientes”.
4. Fatores culturais que incidem sobre Programas de Saúde Pública.
Sobre esse aspecto, o antropólogo avalia que, se os médicos e
enfermeiras fossem mais tolerantes com as ideias de saúde e
doença dos nativos e reconhecessem alguns dos tratamentos
populares (por exemplo, o isolamento, o banho, a dieta
especializada, os chás de ervas), muito provavelmente haveria
maior aceitação da medicina científica.
No vale do Rio Doce, concomitantemente, dois estudos realizados
sob os auspícios do SESP, contemporâneos ao relatório de 1953 (Ten
Years...), (PUBLIC HEALTH SERVICE) abordam aqueles “aspectos
culturais” apontados por George Foster, no relatório de 1951. O primeiro
estudo, realizado pelo sociólogo Fontenelle (1959), resultou de pesquisa
antropológica empreendida em setembro de 1955 e janeiro de 1956, na
sede do município de Aimorés, estado de Minas Gerais, com a finalidade de
verificar o emprego da medicina popular pela população local, as concepções
acerca da saúde e da doença e a relação entre a Unidade Sanitária mantida
pelo SESP, e a população (FSESP, Cx 24, doc. 55, Projeto RD-LCE-4).
12De acordo com esta concepção, a saúde seria resultado da presença equilibrada de quatro “humores’ no
organismo: sangre, fleuma, bílis amarela e bílis escura. Cada um destes elementos se caracteriza por
qualidades opostas de calor, frio, umidade e secura. Determinados aspectos desta teoria – em particular,
o conceito de calor e frio como qualidades do corpo, de tipos de enfermidades, e dos alimentos e ervas
–converteram-se em componentes da crença popular da maioria dos povos latino-americanos.
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O segundo trabalho, feito por Oberg (1956) 13, sobre o distrito de Xonin
de Cima, pertencente ao município de Governador Valadares, assim como
Fontenelle, faz uma radiografia do distrito de Xonin e avalia um programa
de desenvolvimento de comunidade realizado pelo SESP naquele distrito
(CORRÊA, 1960; 1987; FOSTER, 1951).
Vale ressaltar que os dois trabalhos integram os chamados “estudos de
comunidade”, especialmente realizados nas décadas de 1940 e 1950, e de
acordo com Melatti (1983, p. 00) “[...] fundamentados na observação direta
de pequenas cidades ou vilas com as técnicas desenvolvidas pela Etnologia
no estudo das sociedades tribais”. A orientação geral desses estudos
previa a obtenção de informações sobre a origem e o desenvolvimento
de cada localidade, sua base ecológica14, sua sociedade e sua cultura. Os
dois pesquisadores, tanto quanto possível, esmiuçaram a organização
socioeconômica e cultural das comunidades que estudaram (PIERSON,
1970).
Em Aimorés (análise antropológica de um programa de saúde), além
de traçar o perfil ecológico, econômico e social da cidade, Fontenelle se
deteve, conforme seu objetivo, ao estudo da saúde, das doenças e de seu
tratamento. A sucinta apresentação da cidade trata de sua localização na
zona de fronteira entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e suas
características geográficas em geral. Apresenta um breve histórico da
ocupação e da utilização das terras, que seguem o padrão comum do vale do
Rio Doce: exploração da madeira, agricultura itinerante, esgotamento dos
solos, introdução e incremento da pecuária; tanto a atividade agrícola como
a pecuária com caráter exploratório, determinando modalidades diversas
de relações entre proprietários e trabalhadores, como trabalho assalariado
(comum na pecuária) e meação (comum na agricultura). A sede do
município, parada obrigatória dos trens da EFVM, cresceu e expandiu-se;
um sem-número de comerciantes e especuladores somou-se aos fazendeiros
e criadores já residentes, abriram-se oportunidades para diversos ramos de
atividades urbanas menos ou mais especializadas; definiu-se a posição social
dos habitantes em função da economia e dos recursos financeiros individuais,
e era possível reconhecer nos extremos a classe dominante (representada
pelos fazendeiros, proprietários de imóveis, negociantes, funcionários
públicos graduados) e a classe pobre (trabalhadores braçais, empregados
sem qualificação, biscateiros); entre as duas situam-se funcionários públicos
de menor status, pequenos comerciantes e trabalhadores especializados,
13 Kalervo Oberg ensinou na Escola Livre de Sociologia e Ciências Políticas de São Paulo, fazendo parte do
grupo de trabalho de Donald Pierson. Em 1946, juntou-se a esse grupo como professor visitante, enviado
pelo Smithsonian Institution.
14 De acordo com Pierson (1970) “A ecologia humana, porém, estuda as relações que existem, não
diretamente entre o meio físico e o homem, seja a influência deste sobre aquele, ou daquele sobre este, e
sim as relações entre os próprios homens, na medida em que estas relações são por sua vez influenciadas
pelo habitat”.
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constituindo um arremedo de classe média, aproximando-se ora de um
extremo ora de outro (FONTENELLE, 1959, p. 13-17).
Fontenelle faz um levantamento sobre o emprego da medicina popular
pela população local, constatando diferentes entendimentos, condutas
e procedimentos entre os segmentos daquela sociedade; entretanto,
aproximados pela reação idêntica ao aparecimento da doença: “o que
interessa na população é parar a dor” (FONTENELLE, 1959, p. 17).
Fontenelle (1959) destaca, ainda, que as atitudes e os hábitos sanitários
das camadas econômica e socialmente superiores eram semelhantes aos
modelos dos grandes centros urbanos. Entretanto, apesar da divulgação de
um conjunto de conhecimentos modernos, que facilitavam a criação de uma
mentalidade inclinada à acolhida de ideias renovadoras ou de mudança,
observava-se, entre os mais velhos desse segmento social, a permanência
de vestígios do uso da medicina popular para a cura de certos males ou
o seu uso complementar às prescrições médicas. Nesses casos, os chás
eram reconhecidos como remédios para doenças que se imaginavam sem
gravidade (resfriado, gripe, infecção de garganta, tosse, dor de barriga,
verminose), e os ingredientes de sua preparação estavam ao alcance
do usuário na horta ou na vizinhança. Minayo (1998, p. 367) acrescenta
que permaneciam certos tabus alimentares e de comportamento, como a
classificação de certos alimentos e o cuidado com a ingestão de “misturas”.
Outros traços de distinção desse grupo social referem-se à busca por médicos
em caso de doenças na família (especialmente médicos particulares, a fim
de evitar as filas de espera entre os pobres e indigentes na unidade sanitária
local) e as melhores condições das residências e da higiene.
Enfim, é caracterizada a atitude desse segmento social frente à saúde
e à doença, como o abandono dos preceitos de teor mágico e a lenta, mas
progressiva, renúncia aos valores medicinais dos chás e a determinados
tabus alimentares, mediados por um processo de contato cultural em que
novos elementos e conceitos foram incorporados, em um movimento de
deliberada aceitação do moderno e do progresso que vem dos grandes
centros urbanos (FONTENELLE, 1959).
De outro modo, a caracterização das atitudes e dos hábitos sanitários
da população pobre diverge da anterior em muitos e importantes quesitos; a
começar pela condição higiênica e sanitária das moradias, que se situavam
nos limites da cidade, na vizinhança do rio ou nas encostas dos morros,
alguns já ocupados. O tipo de material utilizado e a construção das casas
desse grupo relacionavam-se geralmente com a sua parca condição
financeira e indicavam mais pobreza do que simplicidade: eram comuns as
casas de barro socado entre a armação de bambu, embora existissem muitas
casas de alvenaria de reduzido tamanho, variando entre um ou dois quartos
e cozinha, às vezes uma sala e pequeno quintal onde estava a fossa sanitária.
O excesso de trabalho para a subsistência era comum, e as possibilidades
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de acesso à informação, fontes de notícias e divulgação de conhecimentos
eram raras: limitavam-se à transmissão verbal de acordo com as concepções
e as interpretações locais, o que diminuía as chances de um movimento
de mudança cultural e aceitação de novas ideias, à semelhança do que
acontecia entre a “gente rica”. No caso da concepção sobre a saúde e a
doença, destacavam-se os conhecimentos e os usos da medicina popular, que
independentemente de variações e particularidades regionais, guardavam
um núcleo permanente e conhecido por todos, especialmente quanto à sua
constituição por elementos sobrenaturais e naturais (FONTENELLE, 1995,
p. 22-25).
O estudo feito por Fontenelle sobre a medicina popular em Aimorés
mostra a existência de um conjunto de ideias e conceitos sobre saúde e
doença que gravitavam em torno de princípios constitutivos comuns. A
centralidade desses princípios não impedia modos distintos de intervenção
ou busca pela cura, embora com a mesma finalidade: existia uma variedade
de chás receitados para os mesmos achaques e benzeções diferentes,
conforme o “rezador” ou curandeiro, para o mesmo incômodo, seja “mau
olhado”, “izipra” 15 ou outros (FONTENELLE, 1959).
De acordo com o autor, o sentido da vida e os valores e as crenças das
pessoas da classe mais pobre aproximam-se daqueles presentes no mundo
rural, e prevalece o sistema antigo de crenças, trabalho e sociabilidades.
Nesse sentido, o estudo realizado por Kalervo Oberg (1956), em Xonin
de Cima (distrito na zona rural de Governador Valadares) é revelador
16
. O trabalho segue a orientação mencionada anteriormente e faz uma
radiografia da comunidade, privilegiando os aspectos ecológicos, a origem
e a formação da comunidade, as características agrárias e das relações
de trabalho existentes; detém-se à descrição do cotidiano dos habitantes
e apresenta o projeto de organização de comunidade desenvolvido pelo
SESP. Diferentemente do trabalho de Fontenelle, o de Oberg (1956) detalha
aspectos ecológicos, demográficos, socioeconômicos e culturais que
considera significativos para a descrição da comunidade em estudo.
Xonin de Cima é descrita por Oberg (1956) – seguindo os pressupostos
de Rios (1987, p. 53-73) –, como uma comunidade rural com limites
definidos, com uma organização social própria, com história e tradição
cultural particular. Em 1895, ainda não existia. Em 1952, tinha concluído
um ciclo do crescimento e experimentava uma etapa da estagnação – tal
como Aimorés, descrita por Fontenelle (1959). A comunidade compunha-
15 Doença de pele, caracterizada por vermelhidão e coceira, acompanhadas, às vezes, de prurido.
16 Tradução livre dos trechos transcritos.
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se de duas partes: (a) a área das fazendas17 e (b) a vila,18 que servia de
centro religioso, educacional, comercial e recreativo (OBERG, 1956, p.
6). Em 1952, a população era de 1.995 habitantes, 635 na vila e 1.360 na
área circundante. A posição social desses moradores é dada em função da
natureza de seus rendimentos, relacionada com a propriedade ou não da
terra. No geral, a população é marcada pela existência de um grupo “rico”,
que é minoria e branco, e por um grupo “pobre”, composto em sua maior
parte por mulatos; e o número de analfabetos acompanha a distribuição da
renda (OBERG, 1956).
O estudo de Oberg faz detalhamento sobre a estrutura legal e funcional
da propriedade agrária local e das relações de trabalho marcadas por lealdades
(apadrinhamentos), e sobre os processos de constituição e características
demográficas da comunidade. Conforme sua observação, as condições de
higiene e saúde eram inadequadas e deficitárias. O levantamento dietético
revela que o padrão alimentício era condicionado pela situação econômica:
a dieta dos mais abastados era mais rica em valores calóricos do que a dos
“pobres”; o trabalhador da roça comia um pouco melhor que o trabalhador
da vila; porém, a deficiência alimentar era um dos motivos de dentes
estragados, fraqueza muscular, falta de energia e apatia, especialmente entre
a população da vila (OBERG, 1956).
A descrição das moradias destaca sua rusticidade tanto na vila quanto
na área rural, exceto as casas dos fazendeiros, que apresentavam melhores
condições. O chão de barro batido e as paredes de adobe eram os traços
comuns das construções. Nas casas da vila, não havia fornecimento de água
tratada (76,2% das casas da vila utilizavam cacimbas; 10,6%, poço com
bomba; 12,04%, água no ribeirão; 0,8%, a água de minas); não existiam
privadas em 90% das casas, e os moradores usavam os matos das imediações
para suas necessidades de excreção. Somente uma casa apresentava um bom
quintal, e 96% não tinham horta nem jardim (OBERG, 1956, p. 37-38). Na
zona rural, a situação não se diferenciava. Para água de beber, moradores de
227 casas ou 96% usavam a água natural; moradores de oito casas usavam
filtro, e os ocupantes de uma casa ferviam a sua água de consumo.
A descrição de Oberg (1956) sobre aspectos da higiene pessoal e
sanitária da população da comunidade de Xonin apresenta indicativos de
precariedade socioeconômica e/ou de caráter cultural. Destacam-se, em sua
apreciação, entre outros, detalhes comuns aos habitantes da vila e da área
das fazendas: o hábito de andar descalço (o uso de calçados relacionavase a ocasiões especiais, principalmente religiosas); o banho de bacia;
17Na área das fazendas, contavam-se os proprietários de terras (entre grandes e pequenos 27,88%); os
parentes dos proprietários (9,90%); os meeiros (45,80%), que cultivavam em terços ou metades; e
trabalhadores de fazenda (16,33%), como vaqueiros e plantadores de café.
18Na vila, 50,40% dos moradores eram assalariados; 14,40%, pequenos comerciantes; 12%, artesãos; 8,8%,
proprietários de terra que ali viviam e 8% eram dependentes destes anteriores; 2,40%, caixeiros; 2,40%,
outros profissionais 1,60 %, prostitutas 2,40%.
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o uso limitado de sabonete, produto caro para as possibilidades locais; a
raridade das escovas de dentes e o uso de talos moles de certas plantas
para escovação; a utilização de um pente comum por homens e crianças (as
mulheres geralmente tinham o seu); o costume de lavar as roupas19 no rio
ou em poços, e o uso do ferro de brasa 20 para passá-las. A falta de privadas
nas casas também é enfatizada. Antes da chegada do SESP, algumas poucas
moradias as possuíam na área externa, mas a maioria da população na vila e
da área de fazendas usava os matos próximos para depósito das necessidades
fisiológicas. As fezes eram deixadas descobertas, e logo eram dispersas por
galinhas, porcos e cães. A maior parte das pessoas usava sabugos de milho
ou sua casca ou folhas de arbustos como função higiênica. O jornal velho era
outro recurso valioso. Os meninos urinavam em qualquer lugar, os homens
escolhiam um lugar discreto. As mulheres e as meninas retiravam-se para
essa finalidade. Os “penicos”(urinóis) eram usados à noite e esvaziados pela
manhã, diretamente em córregos, valas ou sarjetas próximas das moradias.
O conceito moderno da saúde como um estado de bem-estar social e
individual, conforme descreveu Oberg (1956), não existia entre a população
Xonin de Cima. Medidas curativas eram tomadas somente quando a doença
e o infortúnio se manifestavam. Acreditava-se que existiam causas físicas
e espirituais, boas e más, que traziam a saúde ou a doença. Buscava-se o
recurso da magia, da oração e de remédios “do mato”, recorrendo-se aos
peritos nesses campos: os benzedeiros e os curandeiros. Não era incomum a
crença em bruxarias; logo, contra perigos sobrenaturais, muitos moradores
usavam amuletos protetores. Nessa perspectiva, o autor identificou algumas
doenças que somente seriam curadas por fórmulas mágicas, segundo o
costume local: quebranto, cobreiro, hemorroidas, espinhela caída, fogo
selvagem, vento virado, tirar o sol da cabeça, íngua, berugo (OBERG,
1956). O autor observa que algumas dessas doenças não ocorriam na lista
de nenhum médico moderno; portanto, reforça-se a concepção popular
da existência de “doenças que não são pra médico”. Corrobora com essa
afirmação o depoimento de um antigo morador de Xonin de Cima, segundo
o qual a “distância era grande e as estradas ruins”, o que dificultava a vinda
mais amiúde ao médico da cidade (silva, 2008) 21. Assim como em outras
localidades do interior do Brasil (MINAYO, 1961), o recurso ao trabalho
das parteiras era comum na comunidade de Xonin de Cima.
A partir da caracterização levantada, o Oberg (1956) considera que o
isolamento (embora não fosse completo), a pobreza e a ignorância restringiam
19 O autor comenta que as pessoas eram pessoalmente limpas assim como suas roupas; porém, acrescenta
a descrição da pobreza do vestuário: roupas remendadas até que não se podia mais usá-las. Diz que as
roupas são usadas tantas vezes e remendadas que as calças de trabalho dos homens pobres têm tantos
buracos que não se deixa nada à imaginação.
20 Como o carvão vegetal era caro, usava-se o carvão da fornalha.
21Entrevista Sr. Sady da Silva, 77 anos (antigo morador de Chonin de Cima; miqueiro). (31 maio 2008,
acervo NEHT/UNIVALE).
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o desenvolvimento local e a ampliação dos horizontes individuais, porque
limitavam a introdução de equipamentos modernos e novos conceitos sobre
o uso da terra ou sobre a Medicina. Concomitantemente a não existência
de medidas governamentais que quebrassem essas barreiras, adiava-se a
modernização, e o homem rural permanecia desconfiado das mudanças e
desinteressado delas22 (OBERG, 1956, p. 14-18).
A posição do autor sobre a comunidade de Xonin de Cima revela seu
pensamento sobre o interior do Brasil, em geral:
Chonin de Cima representa, em miniatura, a sociedade e a cultura
populares brasileira – uma sociedade ainda não inteiramente
integrada na vida nacional, centrada nas cidades; uma cultura
ligada ao estágio pré-industrial da história brasileira. (OBERG,
1956, p. 9).
Os estudos de Fontenelle (1959) e Oberg (1956) indicam semelhanças
entre a população pobre da zona urbana (Aimorés) e da zona rural (Xonin
de Cima), seus fazeres, saberes e perspectivas, além de aproximar a
população mais abastada nas duas localidades. Considerando os mesmos
aspectos, a população de renda mais alta estaria mais propensa e aberta às
mudanças técnicas e culturais. Tomando-se essas localidades como referência
sociodemográfica no Médio Rio Doce, nas décadas de 1940 e 1950, é possível
delinear o cenário regional encontrado pelo SESP e o contexto de sua atuação.
Simultaneamente, também para a população atendida, tais ações
provocaram alterações nas práticas de saúde, nos costumes e nos valores
culturais e uma (re)organização do espaço. O chamado “esforço de guerra”
e o discurso de ciência em que o SESP se apoiava procuravam sistematizar
uma pedagogia sanitária de intervenção na comunidade e tal pedagogia
se opunha às estratégias que a comunidade utilizava para lidar com as
doenças. Portanto, a atuação evidencia o objetivo de preparar as gerações
mais novas segundo os padrões científicos e simultaneamente combater as
práticas da medicina popular. De um lado, o SESP advogava uma mudança
dos padrões de higiene, da forma de alimentação ou da busca de cura entre
rezadeiras e curadores, da tradição do partejamento feito pelas “curiosas”;
de outro lado, boa parte da população desconfiava das novidades sanitárias,
envergonhava-se diante dos médicos, duvidava da eficácia dos tratamentos
de saúde sugeridos, evidenciando-se também a existência de um subjacente
discurso a esse fazeres e saberes. Entretanto, não há como negar que a
extração da mica e o horizonte que se abria com o desenvolvimento local
lançava a população a uma nova temporalidade: a da modernidade que
exigia mudanças radicais no cotidiano de todos.
22Em outro texto, Oberg (1956)..afirma que o trabalhador rural no Brasil, à margem da economia, “embora
fosse depositário de um rico folclore, era depositário de ignorância, pobreza e doença”.
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As diferenças culturais inerentes à população rural e/ou urbana pobre
foram tomadas como obstáculos, opostas à mentalidade moderna “voltada
para o cosmopolitismo das metrópoles” enunciada por Fontenelle (1959, p.
103). Nos discursos levantados, implícita e explicitamente, estão presentes
as propostas para um determinado projeto de futuro para o Brasil, cujo
remate passava pela modificação de hábitos e costumes tradicionais das
populações pobres, rurais e urbanas.
Considerações finais
A documentação e a historiografia sobre a ação sespiana tratam de um
tempo marcadamente moderno que passa a ser vivenciado no Sertão do
Rio Doce/MG, especialmente, em Governador Valadares/MG. É inegável
que os projetos do SESP tiveram um papel relevante e, em grande medida,
contribuíram para a urbanização da cidade e do entorno, como revelam os
testemunhos elencados no início do capítulo. Contudo, a temporalidade da
modernidade e as redefinições do espaço, remodelaram os espaços urbano
e rural, marcados por práticas tradicionais e cotidianas (CERTEAU, 2011);
além disso, alterou os referenciais e as relações entre os homens e o ambiente,
projetando novos espaços diferentes dos já conhecidos (CLAVAL, 2007). O
corpus documental recorrentemente deixa de fora a população e a cultura
local. As doenças aparecem apartadas da humanidade. Os projetos e as ações
visavam a levantar e a identificar as ocorrências endêmicas e, mesmo quando
o SESP despendia esforços em prol de uma educação sanitária, o fazia sem
levar em consideração as práticas cotidianas, a perspectiva de mundo da
população, suas crenças e tradições; e, por que não dizer, até mesmo suas
redes de poder, já plenamente estabelecidas (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Dessa forma, tempos e espaços delinearam espaços recortados por
relações de socioculturais (territórios) e estratégias de domínio de territórios
que podem ser compreendidas enquanto territorialidades distintas e distantes;
territorialidades se estabeleceram e o cenário fora alterado com base em
uma rede de poder que hierarquicamente elegeu a modernidade e a medicina
científica como a única opção oferecida à população. Contudo, os relatórios,
os estudos realizados por Oberg (1956) e Fontenelle (1959), assim como a
memória (RICOEUR, 1994) e as narrativas (BURKE, 1989) de sespianos e
da população indicam que houve resistência e que o cotidiano se revelava bem
mais complexo do que fora expresso na documentação oficial do SESP. Além
disso, colocam tanto os esforços bélicos da Segunda Guerra quanto a Guerra
Fria entrelaçados, de forma singular, ao cotidiano do Sertão do Rio Doce.
No Brasil, as três primeiras décadas do século XX ainda mostravam um
país profundamente conectado ao mundo rural, especialmente em relações
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econômicas e políticas. O maior desafio era superar e modernizar os traços
coloniais presentes na mentalidade da sociedade interiorana. Para modernizála, o Estado precisou colocar em pauta a reforma agrária e a cultura tradicional
do mundo rural. Sabemos que a elite conservadora produziu a modernização
necessária sem alterar a estrutura fundiária brasileira, mas buscou caminhos
diversos para resolver o segundo problema, a cultura tradicional e os conflitos
sociais e políticos gerados pelo processo modernizador. Dessa forma, o Estado
empreendeu ações que pudessem amenizar as questões sociais e políticas e buscou
mecanismos para melhorar as condições de vida para a população interiorana
e rural. Buscava-se fortalecer o sentimento nacionalista e intensificaram-se as
políticas de saúde pública para a formação de uma população sadia.
Neste esforço de modernização, sobrepunha-se o discurso de uma
sociedade industrial e civilizada frente à sociedade rural e atrasada. Aliás,
não só civilizar, mas, principalmente, modernizar o Brasil agrário era
o grande desafio tanto na Primeira República quanto para os governos
seguintes, até a década de 1960, nos momentos que antecederam a Ditadura
Militar. Em cada época e governo, os modelos eram alterados ou adaptados,
mas permanecia o ideal de se espelhar nos países industrializados e
desenvolvidos, aqueles considerados civilizados e modernos.
Assim, é possível perceber que as propostas de modernização e
desenvolvimento nacional foram mediadas, também, pela execução de
programas e projetos na área de saúde pública. No processo de sanitarização
do Sertão do Rio Doce/MG, o impacto da ação do SESP no cotidiano
dos moradores da localidade evidenciou que a expectativa de progresso
delineava-se para um horizonte próximo.
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de Saúde Pública (SESP) no saneamento do Médio Rio Doce (1942 e
1960). 2008 Dissertação (Mestrado em História) – Programa de PósGraduação em História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
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(Acervo do Arquivo do Programa de Memória do Vale do Rio Doce –
PMVRD/Univale)
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Arquivo.mp3.
SALES, L. Entrevista. [14 dez. 2001]. Governador Valadares, 1997. 1
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VIEIRA, O. F. Entrevista. [30 maio 2008]. Governador Valadares, 1997.
1 arquivo.mp3
SILVA, S. Entrevista. [31 maio 2008]. Governador Valadares, 1997. 1
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NUNES, P. S. Entrevista. [08/12/2009]. Governador Valadares, 2009. 1
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SALMEN, F. Entrevista. [10 out. 2009]. Governador Valadares, 1997. 1
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Aimorés, MG. Projeto; RD-LCE-4).
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by the U.S. Public Health Service for the Institute of Inter-American
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gov/pdf_docs/PCAAA248.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012.
The Johns Hopkins University. Brazil-United States cooperative
health – sanitation program, 1942–1960. Washington: International
Cooperation Administration; 1961. Disponível em: <http://pdf.usaid.
gov/pdf_docs/PDACS449.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012.
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Parte 2
Limites das Convicções
Científicas: As Epidemias no
Rio de Janeiro e em Socorro e o
Desencadeamento da Crise nos
Estudos da Febre Amarela
(1927-1948)
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Limites das Convicções Científicas: As
Epidemias no Rio de Janeiro e em Socorro e
o Desencadeamento da Crise nos Estudos da
Febre Amarela
(1927-1948)
Aleidys Hernandez Tasco
A Marilse e Alvaro por seu amor e apoio;
A Alvaro, Lizeth e Mariajose por serem meus orgulhos;
A Daison por ser meu cúmplice.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer à professora Cristina de Campos
por me dar a oportunidade de ser parte do seu grupo de pesquisa, pela
dedicação e a orientação. Seu rigor e entrega foram muito importantes
durante todo o tempo do desenvolvimento deste livro, fazendo que este
trabalho fosse mais interessante. Também desejo agradecer a aos professores
do Departamento de Política Científica e Tecnológica, especialmente às
professoras; Leda Caira Gitahy, Maria Beatriz Bonacelli e Nanci Stancki
pela atenção, compreensão e sugestões que colaboraram neste trabalho.
Aos professores Marko Monteiro e Maria Gabriela Marinho, que
leram e apontaram valiosíssimas ideias e reflexões para a versão final da
dissertação. Em especial à professora Maria Gabriela Marinho, que junto à
UFABC, possibilitou a publicação desta dissertação em livro. À professora
Silvia Figueirôa por me mostrar a importância da história da ciência na
educação de hoje e a me qualificar enquanto historiadora da ciência. Ao
grupo de pesquisa de História Social do Trabalho e da Tecnologia como
Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo (HSTTFAU) da Universidade
de São Paulo, coordenado pela profa. Maria Lucia Caira Gitahy, que
acompanharam todo o processo dessa pesquisa. A meus colegas de turma,
Jean, Nicole, Renan, Mariana, pela troca de opiniões.
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Por outro lado, gostaria de agradecer ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio
financeiro recebido. Finalmente, quero agradecer à Universidade Estadual
de Campinas por ter me permitido fazer parte de sua alma mater.
A todos vocês meus mais sinceros agradecimentos.
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“History, if viewed as a repository for more
than anecdote or chronology, could produce
a decisive transformation in the image of
science by which we are now possessed”.
Thomas S. Kuhn
The structure of Scientific Revolutions (1962)
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................149
1. A SITUAÇÃO DA FEBRE AMARELA ANTES DOS
SURTOS NO RIO DE JANEIRO E EM SOCORRO.........................155
2. CRISES NOS ESTUDOS DA FEBRE AMARELA:
A EPIDEMIA DO RIO DE JANEIRO 1928-29 E
DO SOCORRO 1929..........................................................................175
3. O DESPERTAR DA CRISE: OS NOVOS ESTUDOS DA FEBRE
AMARELA E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.....................237
4 CONCLUSÃO.......................................................................................267
Lista de Abreviaturas e siglas
ABREVIAÇÕES
FR
Fundação Rockefeller
RJ
Rio de Janeiro
EUA
Estados Unidos de América
SIGLAS
OPAS
Organização Pan-Americana da Saúde
IHB
International Health Board
OSP
Oficina Sanitária Pan-americana
DNSP
Departamento Nacional de Saúde Pública (Brasil)
SPFA
Serviço de Profilaxia de Febre Amarela
DNH
Departamento Nacional de Higiene (Colômbia)
DNS
Departamento Nacional de Saúde
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INTRODUÇÃO
Durante os séculos XIX e XX a febre amarela atacou várias cidades
do continente americano, como Havana, Rio de Janeiro, Montevidéu,
Buenos Aires, Veracruz, Guayaquil, Cartagena, além de todo o Vale do
Mississipi nos Estados Unidos, deixando um rastro de milhares de mortos
(OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 765-766). Essas
ocorrências contribuíram para espalhar ondas de terror entre as populações
dos países, uma vez que os profissionais da saúde e os governantes não
encontravam soluções adequadas para evitar os desastres decorrentes
da epidemia. Não obstante, os esforços das autoridades do continente
americano e, em particular, da Fundação Rockefeller1 resultaram em uma
redução considerável da doença no início do século XX, chegando ao
ponto de declarar que a doença estava sendo finalmente exterminada do
continente (LLOYD, 1928, p. 405). Com o passar do tempo, tal afirmação
foi amplamente questionada e não se sustentou.
No final da segunda década do século XX, a febre amarela apareceu
novamente na cidade do Rio de Janeiro (Brasil), em 1928, e em Socorro
(Colômbia), no ano de 1929. Médicos e cientistas não conseguiram explicar
satisfatoriamente a origem dessas duas epidemias. Ao mesmo tempo em que
ocorriam as epidemias, uma controvérsia instalou-se em torno à descoberta
de Stokes, Bauer e Hudson na África, em 19272, que demonstrou que a febre
amarela era facilmente inoculável no Macacus Rhesus.
Tal descoberta rejeitou a concepção etiológica estabelecida em 1919,
por Noguchi3, que considerava a Leptospira icteroides como o agente causal
1 A Fundação Rockefeller foi organizada em 1913, a partir do reagrupamento das juntas filantrópicas
patrocinadas pela família Rockefeller desde o final do século XIX. Até o início da I Guerra Mundial sua
atuação estava voltada para ações em saúde pública, educação geral, economia e relações industriais.
Com o final da guerra, a Fundação Rockefeller concentrou suas atividades em educação médica e saúde
pública (MARINHO, 2001, p. 14). Foi a febre amarela que deu origem a uma das primeiras intervenções
da Fundação Rockefeller na América Latina (CUETO, 1994, p. 2)
2 O trabalho completo foi publicado na revista Journal of American Medical Association, em 1928, com
o título “The Transmission of Yellow Fever to Macacus Rhesuss”. Este trabalho gerou várias polêmicas
entre os médicos da época, pois marcou uma mudança na concepção do agente etiológico da doença.
3 “Dr. Noguchi was born on November 24, 1876, at Inawashiro, Japan. He studied medicine at the Tokyo
Medical College, receiving the license to practice medicine from the Japanese Government in 1897.
From 1898 to 1900, he was assistant in the Government Institute for Infectious Diseases at Tokyo, and
during this period also held a lectureship in bacteriology at the Tokyo Dental College. Dr. Noguchi came
to the United States in 1900 and joined the pathological staff of the University of Pennsylvania, under Dr.
Simon Flexner. He remained here for three years, during which time he was designated research assistant
of the Carnegie Institution of Washington. He then continued his studies at the State Serum Institute in
Copenhagen, under Dr. Madsen. At the founding of the laboratories of the Rockefeller Institute in New
York, in 1904, Dr. Noguchi became a member o the original staff and one of the original members of
the Institute. The Dr. Noguchi was the recipient of many honors and honorary degrees, among them the
medal of the Society of Japanese, in 1924 as one of the ten greatest Japanese. He was also a member of
many scientific societies in the United States and in foreign countries (ROCKEFELLER FOUNDATION,
1928, p. 4)”. Fragmento dedicado ao Dr. Hideyo Noguchi no Relatório Anual da Fundação Rockefeller
(1928).
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da febre amarela. A nova descoberta dos pesquisadores, as epidemias e a
rejeição da teoria de Noguchi geraram uma enorme desconfiança na época,
dando a sensação de que nada era seguro em assuntos relacionados à febre
amarela, despertando uma crise nos estudos da doença. Logo, novas dúvidas
e questionamentos surgiram e colocaram em dúvida as medidas profiláticas
recomendadas e aplicadas tanto pelos órgãos nacionais de saúde pública
como os da Fundação Rockefeller.
Com efeito, a partir da década de 1930, a Fundação Rockefeller ampliou
sua participação e influência na área governamental de saúde pública na
América Latina, combatendo a febre amarela. Essa doença foi considerada
como o maior desafio para a equipe estadunidense, que buscou estabelecer
acordos com os países latino-americanos com o objetivo de aumentar as
medidas profiláticas (LACERDA, 2002, p. 625). E é nesta mesma década
que, coincidentemente, observa-se que “mudanças” substanciais operavam
na esfera das políticas públicas de ambos os países, Brasil e Colômbia,
que facilitaram a entrada de políticas estrangeiras em assuntos nacionais,
respectivamente, com Getúlio Vargas no Brasil (CAMPOS, 2006) e no
governo liberal de Henrique Olaya Herrera. Inicialmente nestes dois países,
a Fundação começou a realizar projetos de cooperação entre cientistas
latino-americanos e norte-americanos, para a prática de exames sorológicos
e estudos dos surtos de febre amarela (GROOT, 1999, p. 269). Pouco
depois, a Fundação conseguiu ampliar sua esfera de atuação, participando
com mais intensidade nas decisões latino-americanas referentes ao campo
da organização da saúde pública recomendadas pelas Conferências PanAmericanas, com a criação de instituições voltadas para a pesquisa da febre
amarela e da malária. E a descoberta do animal suscetível4 de Stokes, Bauer
e Hudson na África (1927) acabou por facilitar o trabalho com o vírus no
laboratório (MEJIA, 2004, p. 120), o que possibilitou avanços significativos
como o teste de proteção do camundongo (SAWYER; LLOYD, 1931);
a viscerotomia5, a definição da febre amarela silvestre e a vacina 17D
(THEILER, 1937), desencadeando uma nova era de estudos sobre a febre
amarela ao longo da década de 1930.
Assim, esta pesquisa tem dois objetivos principais. Primeiro, analisar
o processo histórico da febre amarela, a fim de entender a crise que
predominou nos estudos da doença entre os anos de 1927 a 1930. Para isso
analisamos os múltiplos atores locais, nacionais e internacionais no domínio
teórico e técnico da doença, durante a epidemia de febre amarela do Rio
de Janeiro (1928-1929) e Socorro (1929). O segundo objetivo é analisar
as manifestações científicas contra o avanço da febre amarela no Brasil
4 É considerado um animal suscetível à febre amarela se após a inoculação extraneural pode ser
demonstrado que o vírus se replica no corpo do animal e circula no sangue.
5 A viscerotomia é uma técnica que permite revelar a presença efetiva do vírus da febre amarela em um
determinado local. O método consistia em extrair pequenas amostras de fígado de um cadáver por meio
do viscerótomo, ferramenta que evitava uma autópsia completa.
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e na Colômbia, a partir também dessas duas últimas grandes epidemias
registradas, através das tensões entre o ideal de uma ciência médica universal,
representada pela Fundação Rockefeller e Conferências Pan-Americanas, e
as práticas de saúde pública, representadas por médicos e pesquisadores,
elaboradas localmente para minimizar o alcance da febre amarela no
período 1930 a 1948. Entretanto, a pesquisa abordará acontecimentos como
a detecção do vírus filtrável em 1927, que permitiu identificar o animal
suscetível à doença facilitando o trabalho com o vírus no laboratório até o
ano de 1948. A intenção é analisar as ações desencadeadas para o controle
desta doença até a retirada da Fundação Rockefeller, em 1940 para o Brasil
e em 1948 para a Colômbia.
A produção historiográfica sobre a febre amarela em nível latinoamericano e europeu mostra a preocupação de distintos cientistas em
esclarecer as implicações dessa enfermidade. O Brasil é um dos países que
mais tem historiado a patologia (FRANCO, 1969; CHALHOUB, 2001;
BENCHIMOL, 1999, 2001, 2010; BASTOS, 1998; LÖWY, 1998, 2006),
Para o caso colombiano, a febre amarela não tem sido historiada como
no Brasil. No entanto, foram produzidos neste país trabalhos importantes
para o conhecimento da História da Febre Amarela na Colômbia (GALVIS,
1982; MEJIA, 2006; MORALES, 2005; QUEVEDO, 2007). Boa parte da
bibliografia teórica presente neste livro está apoiada nos trabalhos que se
debruçam não somente no papel institucional da Fundação Rockefeller,
mas focalizará também esforços e empenhos da ciência nestes países e seus
aportes à luta desta doença febril. Esta pesquisa assume a responsabilidade
de fazer um estudo comparativo a partir da ciência, da política e da técnica
que ambos os países usaram no combate à doença, com o intuito de conhecer
as experiências desenvolvidas no fenômeno da febre amarela.
Espera-se também contribuir para a área de história da ciência, cujos
estudos têm permitido aos cientistas e à sociedade em geral conhecer
suas raízes, a evolução das ideias científicas e os condicionantes sociais,
políticos e econômicos que levaram ao desenvolvimento do conhecimento
científico. E, ainda busca destacar o valor da ciência latino-americana. Neste
livro trabalhamos dentro desta nova abordagem, pois as hipóteses aqui
levantadas foram que os cientistas – tanto colombianos como brasileiros –
desempenharam papel fundamental na luta contra a enfermidade e, mesmo
assim, não foram reconhecidos. Assim, questionou-se até que ponto a saúde
pública estadunidense se infiltrou na Colômbia e no Brasil, pois se sabe
que a Fundação Rockefeller participou das decisões nacionais referentes ao
campo da organização da saúde pública.
Para tal problema foi pertinente compartilhar a ideia da nova
abordagem da história das doenças e da história comparada. A nova história
da medicina, da saúde pública e da história cultural da doença traz como
uma de suas principais premissas a compreensão da medicina como um
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terreno incerto, onde o biomédico é penetrado tanto pela subjetividade
humana como pelos fatos objetivos (ARMUS, 2002, p. 47). Por outro lado,
a análise comparativa presente neste livro parte do pressuposto de Barros
(2007, p. 18), onde cada sociedade tem seu dinamismo próprio, inerente a
um processo de transformações que se estabelece em diacronia. Aplicar o
método comparativo não é fácil, especialmente quando se compara duas
cidades tão diversas como o Rio de Janeiro e Socorro. A intenção não
realizar uma simples análise comparativa entre os países ou as cidades, pois
o objetivo é avaliar as teorias existentes e desenvolver novas generalizações
que substituam aquelas que são refutadas ou inválidas, dado que os aspetos
específicos do fenômeno, no caso da epidemia de febre amarela, ajudam a
compreender mais suas causas e origens, levando a uma visão mais clara
do problema comum, que os países enfrentaram (BARROS, 2007, p. 18).
Para a elaboração da pesquisa a documentação foi analisada a partir de
três eixos: cientistas, políticos e sociedade, que foram os principais atores
que dinamizaram os surtos epidêmicos. No primeiro eixo, destinado à
contribuição dos cientistas, se buscou os artigos publicados entre 1927 e
1948 em jornais e revistas, em especial dos brasileiros e colombianos. Cabe
ressaltar que, na Colômbia, nos anos vinte do século passado era “difícil
sostener un periódico médico, pues no existía organización científica de
parte de los médicos” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929,
p. 1202-1206). Os periódicos existentes se concentravam principalmente na
capital do país. Por isso, decidiu-se fazer uma pesquisa em alguns jornais
locais, especialmente, o Vanguardia Liberal6. Este jornal acompanhou,
passo a passo, o surto de Socorro e em suas páginas os médicos da região
expressavam seus pontos de vista. Neste primeiro eixo foram considerados
também os informes emitidos anualmente pela Fundação Rockefeller e
pelas Atas das Conferências Pan-Americanas produzidas durante o recorte
temporal proposto por este livro. No segundo eixo foram considerados
os seguintes documentos oficiais: atas, relatórios, ofícios, regulamentos e
decretos relativos à criação de instituições e dos órgãos governamentais
brasileiros e colombianos, principalmente os Diários Oficiais. Tal conjunto
revela quais foram as medidas políticas adotadas para minimizar o avanço
da epidemia amarílica. Nesta documentação percebe-se também que os
políticos atuantes no período apoiaram o desenvolvimento de diversas
atividades, como as de saneamento, profilaxia, apoio financeiro e outras
medidas. Finalmente, no terceiro eixo, para se ter uma visão mais ampla
dos problemas ocasionados pela epidemia de febre amarela no Rio de
Janeiro (1928-1929) e em Socorro (1929) foram pesquisados os jornais da
6 Jornal regional colombiano, fundado em setembro de 1919, pelo ex-ministro, governador e embaixador
da Colômbia Alejandro Galvis Galvis, membro importante do Partido Liberal Colombiano, cujos
descendentes são os seus atuais proprietários. É impresso em Bucaramanga, Santander. Sua principal
área de circulação situa-se no este da Colômbia (Santander, sul de Cesar e Boyacá).
152
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época, que publicaram entrevistas, debates, opiniões e controvérsias entre
os cientistas e o público geral.
Esta pesquisa foi originalmente apresentada como dissertação de
mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Política Científica
e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de
Campinas. Sob a orientação da prof. Dra. Cristina de Campos, contou com
o apoio da CAPES e FAPESP para sua realização. O livro foi dividido
em três capítulos. No capítulo 1 historiamos criticamente os antecedentes
da epidemia de febre amarela de 1928 e 1929, retomando dados como: a
origem da doença, a descoberta do vetor transmissor (Aedes aegypti) por
Carlos Finlay e a entrada da Fundação Rockefeller no campo dos estudos da
febre amarela. No capítulo 2 apresentamos as epidemias de Rio de Janeiro
e Socorro, descrevendo os principais acontecimentos que dinamizaram
a doença, como os cenários, os debates, os estudos, a sintomatologia, a
profilaxia e as medidas de controle empregadas em cada uma, para assim
conhecer as raízes e o contexto que levaram ao desencadeamento da crise
nos estudos da febre amarela.
No Capítulo 3 apresentamos a nova direção dos estudos de febre
amarela após da década de 1930, liderada pela Fundação Rockefeller.
Foram igualmente consideradas as recomendações da Oficina Sanitária
Pan-Americana no combate à doença e, finalmente, as políticas de saúde
pública que levaram ambos os países a combater a doença depois da crise
apresentada nos estudos da febre amarela. Por último, advertimos aos
leitores que, a fim de manter a integridade das fontes de pesquisa, se optou
por manter a ortografia original dos documentos transcritos neste livro.
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1
A SITUAÇÃO DA FEBRE AMARELA
ANTES DOS SURTOS NO RIO DE
JANEIRO E EM SOCORRO
Durante o século XIX e início do XX, a febre amarela na América foi
considerada uma das doenças mais terríveis que ameaçavam o continente.
Esta patologia tem sido investigada a partir de diferentes pontos de vista,
que se preocupam em esclarecer as implicações do vírus nas condições
sociais. Assim, o número de publicações que se refere à febre amarela
tem sido significativo, apontando como se tem construído historicamente
os conhecimentos científicos relativos a esta doença. Em um primeiro
momento, o aparecimento das epidemias de febre amarela esteve associado
aos portos marítimos e fluviais. No entanto, a presença de epidemias de
febre amarela em regiões isoladas e sem a existência de portos gerou não
só discussões, mas em alguns casos, ofensas públicas e o desencadeamento
de pesquisas por parte daqueles que queriam conhecer e controlar a doença.
A inserção destes personagens mostra o interesse da comunidade local e
constitui ainda um testemunho vivo da ciência no tempo especificado, seus
problemas, escopo, procedimentos e limitações inseridos na sua execução.
Da mesma forma, nos permite relacionar como o flagelo humano acaba por
afetar o desenvolvimento econômico, mobilizando a política a concretizar
uma série de medidas tanto de resistência, de apropriação de técnicas e
outros processos voltados para a extinção da febre amarela.
No final do século XIX, o Aedes Aegypti – antes conhecido como
Stegomyia – foi identificado como o vetor da doença7. Esta descoberta
desencadeou campanhas intensas que facilitaram, de certo modo, erradicar
as epidemias de febre amarela na América Central. O ano de 1916 é
significativo, pois marca a entrada da Fundação Rockefeller no campo de
estudos sobre a febre amarela, entrada que foi distinguida pela convicção
de que poderiam eliminar totalmente a doença nas Américas. Os cientistas
desta Fundação formularam a teoria dos centros chaves a fim de cumprir
com seus propósitos. De acordo com esta teoria, condensada pelo Henry
7 A descoberta foi feita pelo médico e cubano Carlos Finlay. No ano de 1881, esse médico publicou
na Conferência Sanitária Internacional, reunida em Washington, seu trabalho intitulado “O mosquito
hipoteticamente considerado como o transmissor da febre amarela”. No entanto, “Esta teoría, que
pretendía echar por tierra la explicación miasmática de la enfermedad, no fue aceptada en un principio
ni por los investigadores, con excepción de algunos cubanos, ni por los políticos, y la discusión
bacteriológica con relación a su etiología continuó dándose (QUEVEDO, 2007, p. 6)”.
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Rose Carter e publicada no Relatório Anual da Fundação Rockefeller de
1914, uma elevada densidade de mosquitos só era considerada perigosa em
cidades que abrigavam o reservatório permanente do vírus desta doença.
Quando a densidade de Aedes aegypti nas cidades maiores atingisse um
nível capaz de impossibilitar a transmissão da febre amarela8, o vírus
tenderia a desaparecer nessas cidades e, consequentemente, a febre amarela
se extinguiria espontaneamente (LÖWY, 1996, p. 4).
Este capítulo destina-se a historiar a presença da febre amarela desde as
origens até os surtos de 1928 e 1929. Para cumprir tal tarefa, realizamos uma
discussão sobre as origens da febre amarela na América, seguida por uma seção
que discute o primeiro avanço na epidemiologia da doença, apresentado por
Carlos Finlay e a comissão estadunidense em Havana e, finalmente, evidenciamos
como foi a entrada da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela, a fim de
identificar como a doença foi ganhando impulso através dos anos.
1.1 As origens da febre amarela na América
Discorrer sobre a origem da febre amarela na América desde tempos précolombianos até o século XX é uma atividade complexa por dois motivos:
primeiro, porque não é sabido ao certo qual foi a primeira manifestação da
doença no continente americano e, segundo, porque a febre amarela é fácil
de ser confundida com outras enfermidades febris. Além disso, sua origem
tem sido discutida sob diferentes enfoques por vários autores. Para alguns,
a chegada dos africanos às Américas propiciou o surgimento do vírus da
febre amarela, enquanto para outros, as primeiras manifestações da mesma
foram transmitidas na própria América. A última hipótese é, ainda, muito
controversa. Alguns historiadores acreditam que as noções iniciais sobre a
doença são relatadas depois do encontro entre europeus e nativos americanos.
Outros argumentam que a febre amarela é uma doença endêmica que tem
existido na América muito antes da chegada dos europeus. No entanto,
em 1996, o grupo do National Environment Research Council Institute of
Virology and Environmental Microbiology, sediado na Universidade de
Oxford, publicou um artigo intitulado “Population dynamics of flaviviruses
revealed by molecular phylogenies”, onde discutem os resultados de uma
pesquisa feita com base na análise da sequência genômica do vírus da febre
amarela. Os pesquisadores sugerem que este vírus evoluiu de outros vírus
transmitidos por mosquitos, cerca de 3000 anos atrás na África (ZANOTTO
et al., 1996). Com esta publicação, os estudos históricos recentes sobre a
febre amarela sugerem que o vírus se originou na África.
Outro dado que dificultava a análise histórica da febre amarela era o
difícil diagnóstico da doença, facilmente confundida com outras febres.
8 Considerava-se que isso ocorria quando se obtinha índice abaixo de cinco, isto é, as larvas do Aedes
aegypti eram encontradas em no máximo 5% das casas visitadas.
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Os dados atuais disponíveis sobre a febre amarela no período colonial
latino-americano consistem em descrições sintomáticas do mal. Segundo
o historiador Guillermo Fajardo Ortiz (1996, p. 31), a realização de
diagnósticos posteriores das doenças não é fácil, ainda mais das moléstias
do período colonial. Ortiz destaca que algumas doenças podem ser
diferenciadas (varíola, tifo, sífilis, hanseníase, cólera e sarampo), mas as
doenças febris eram muito confundidas entre si, do mesmo modo as doenças
com manifestações dermatológicas. Além do mais, costumava-se dar
nomes diferentes a uma mesma doença9. Apesar das dúvidas geradas pelos
surtos de febre amarela notificados existe um consenso de que a primeira
epidemia de febre amarela na América Latina ocorreu em Yucatán, no ano
de 1648 (BLAKE, 1968, p. 673). Esta epidemia foi a primeira descrição
documentada da febre amarela feita pelo cronista espanhol Diego López de
Cogolludo, em seu livro História de Yucatán (1688). Mesmo assim é difícil
fazer menção das distintas manifestações desta doença anteriores ao século
XX na América Latina.
As epidemias mais historiadas e reconhecidas, anteriores ao século
XX, foram aquelas situadas na porção central das Américas, em especial, as
que atingiram os Estados Unidos durante os séculos XVI e XIX. Segundo
Pedro Nogueira (1955, p. 3), além da epidemia de Yucatán, no século XVII
a febre amarela atacou as ilhas de Cuba (1649, 1653 e 1667), Barbados
(1647 e 1695) e Santa Lucia (1664). Em 1690, a febre amarela se tornou
uma entidade perigosa para as tropas inglesas e francesas que procuravam
colônias no Caribe. Foi neste ano que a febre amarela atacou Martinica, uma
ilha pertencente à colônia francesa, causando estragos ao exército francês.
Nesta epidemia a doença foi chamada de “mal de Siam”, pois se acreditava
que o vírus havia sido transportado em um navio francês proveniente do
Sião, durante a Guerra da Liga de Augsburgo. Na América do Norte (16881697), a febre amarela esteve presente em Nova York (1688), Boston (1691)
e na Filadélfia (1699) (NOGUEIRA, 1955, p. 3). Com essas ocorrências,
o problema da febre amarela começou a ganhar contornos ainda mais
ameaçadores. A partir do século XVIII, as epidemias de febre amarela
irromperam com mais intensidade em Nova York (1743, 1745, 1748),
Charleston (1706, 1728, 1732, 1739, 1745 e 1748), Filadélfia (1741 e 1747)
e em Cuba (1761), atingindo altas taxas de mortalidade. A doença diminuiu
nos anos seguintes chegando quase a desaparecer nas cidades portuárias
do Atlântico Norte, pelo menos até a década de 1790. Em 1793, no Haiti,
eclodiu uma epidemia que espalhou para São Vicente, Barbados, República
Dominicana e Trinidad e Tobago. No mesmo ano, a febre amarela atingiu
também os Estados Unidos (Filadélfia) suprimindo aproximadamente 10%
da população (BRYAN et al., 2004, p. 279).
9 No caso da febre amarela chamada também como: febre pútrida, mal de Siam, peste americana, febre de
barbados, vômito preto, febre das Antillas, dentre outros.
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No século XIX10, a febre amarela continuou como um dos problemas
mais sérios de toda a América11. O comércio floresceu em várias regiões e
a febre amarela afetou quase todos os grandes portos como Brownsville,
Texas e Portsmouth, além de surtos frequentes em Boston, Nova York,
Filadélfia, Norfolk e Charleston. A Europa também sentiu as consequências
da febre amarela: em 1821 uma epidemia apareceu em Barcelona, com um
saldo de 20.000 pessoas atingidas (CHASTEL, 1999, p. 405). Os eventos
em Barcelona serviram de alerta a franceses, ingleses e espanhóis.
Os casos de febre amarela apresentados durante esses séculos foram
definitivos para que o imaginário coletivo construísse uma imagem
aterrorizante da doença. Segundo Warren Weaver (1951, p. 6), diretor da
Divisão de Ciências Naturais da Fundação Rockefeller (1932-1955), a
febre amarela no final do século XIX tornou-se importante devido ao seu
poder de diminuir notavelmente o contingente populacional de uma nação,
paralisando temporariamente a indústria e o comércio, trazendo grandes
prejuízos econômicos. Não bastassem estes efeitos, a febre fornecia
também um perpétuo estado de medo entre os habitantes das regiões mais
suscetíveis.
Entre os séculos XVII e XIX, inicialmente, a explicação causal da
febre amarela esteve referida à teoria miasmática12, baseada no modelo
neo-hipocrático13. De acordo com essa teoria médica, a água estancada
dos portos era a que propiciava a formação de miasmas, causadores das
doenças. Desse modo, as medidas sanitárias tomadas para impedir o seu
avanço foram todas de caráter ambientalista, a fim de garantir a adequada
circulação das águas estancadas, a drenagem dos pântanos e a mobilidade
do ar contaminado.
Assim, nos séculos XVIII e XIX, o neo-hipocratismo deu origem a duas
posições que alternaram explicação sobre as causas e formas de transmissão
de doenças: a contagionista e a anticontagionista ou infeccionista. Segundo
Lima (2002, p. 30), na concepção contagionista, a doença podia ser
transmitida do indivíduo doente ao indivíduo não só pelo contato físico ou,
10 Este período foi marcado pelas grandes migrações entre a Europa e as Américas, pelas campanhas
militares de grande alcance e o surgimento de novas cidades ao longo das costas, desde Nova Escócia
à Argentina. Além disso, o transporte naval e comercial expandiu-se com grande vigor, afinal, o mundo
vivia as transformações da primeira Revolução Industrial.
11 Tem-se dito que o massacre das tropas de Napoleão em Santo Domingo foi devido à ocorrência de várias
doenças, entre elas a febre amarela. Foi esta doença o que teria influenciado fortemente a decisão de
Napoleão de vender o vasto território da Louisiana aos Estados Unidos (BRYAN et al., 2004, p. 280).
12“Los miasmas eran considerados las partículas pútridas que surgidas del fondo de la tierra putrefacta
y pantanosa infeccionaban el aire y se transmitían a los animales y seres humanos, atacando las partes
liquidas del cuerpo y produciendo la putrefacción corporal” (QUEVEDO, 2000, p. 1).
13 “La higiene hipocrático-galénica de la Antigüedad Clásica y del Imperio Romano estuvo apoyada en un
modelo humoralista que entendía la salud como el resultado del equilibrio de los cuatro humores que
componían el cuerpo (sangre, flema, bílis amarílla, bílis negra) y la enfermedad como la monarquía de
uno de ellos sobre los demás. El equilibrio o armonía dependía de las interacciones entre la estructura
humoral de la persona y las cualidades externas o desencadenantes como el frio, el calor la humedad, y
la sequedad de las cosas del ambiente” (QUEVEDO, 2002, p. 34).
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indiretamente, por objetos contaminados pelo doente ou pela respiração
do ar circundante. A concepção anticontagionista defendia o conceito de
infecção como base explicativa no processo de adoecimento, ou seja, uma
doença era adquirida no local de emanação dos miasmas, sendo impossível
a transmissão por contágio direto. A febre amarela ocupou o centro dos
debates entre essas teorias, sendo que cada uma propôs suas próprias
medidas de controle, das quais se destacam quarentenas, desinfecções,
saneamento, construção de portos entre outras, todas com o propósito de
evitar a propagação da doença. No entanto, estas teorias caíram por terra
com o advento da teoria microbiana, causando mudanças substanciais na
epidemiologia da febre amarela, como veremos a seguir.
1.2Finlay e a Comissão Reed: a descoberta do agente
transmissor da febre amarela (Aedes aegypti)
No final do século XIX, com o surgimento da teoria microbiana das
doenças e o estabelecimento de uma nova concepção para as ciências
biológicas – a microbiológica – cientistas do todo mundo voltaram seus
esforços a fim de isolar e identificar os micróbios causadores das diferentes
doenças conhecidas (BASTOS, 1998, p. 79). Segundo Melosi (2000), nos
Estados Unidos o estudo da bacteriologia ganhou força como a principal
ferramenta no combate as doenças transmissíveis, levando a uma nova
concepção da saúde e doença que considerava o saneamento ambiental
como um papel complementar à bacteriologia na manutenção da saúde das
comunidades. Entretanto, não foi a principal arma na luta contra a doença. O
autor também indica que neste período os estudiosos das doenças infecciosas
pararam de procurar suas origens no ambiente humano, passando a buscar
suas causas no homem (MELOSI, 2000, p. 113). Essa nova visão mudaria a
forma como se concebia a propagação das doenças, refutando as teorias que
foram predominantes no transcurso do século XIX, como exemplificam as
teorias contagionista e a anticontagionista ou infeccionista.
Com a expansão simultânea dos países europeus nas colônias tropicais
e a entrada da microbiologia no final do século XIX, as antigas teorias
associadas ao clima e as condições geográficas se transformaram em uma
nova disciplina ou especialidade médica denominada medicina tropical,
campo que focalizou as doenças que se acreditavam ser específicas dos
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trópicos14, “doenças tropicais” 15 (STEPAN, 2001, p. 27). Más, muitas
das doenças, denominadas tropicais, se distribuiriam nos séculos XVII e
XVIII no norte de Europa e América, como o caso das febres intermitentes
(malária), de peste, de cólera, entre outras doenças, colocando em dúvida a
limitação desta doença em climas tórridos. Segundo alguns historiadores, o
conceito de medicina tropical, é o resultado de uma política imperialista e
das necessidades sociais e econômicas que são então impostas à metrópole
em relação aos seus domínios ultramarinos. De acordo com Valderrama
(2004, p. 473), as doenças tropicais foram formadas em funções ideológicas
associadas a “essas doenças”, com aspetos bio-socioculturais, econômicos e
políticos, consequência da extrapolação do biopoder, exercido pelos países
expansionistas da Europa do século XVIII e XIX em suas colônias. Não
há dúvida de que essa preocupação pelas terras exóticas começou a ser
crucial a partir do momento em que as “metrópoles” decidiram instalarse nessas colônias. O interesse ainda maior centrou-se em cuidar a saúde
dos colonizadores, que a preocupação (quase inexistentes), com a saúde
da população originaria dessas regiões (CAPONI, 2003, p. 119). Boa
parte dos estudos sobre África, a Índia e outras partes do império colonial
europeu relacionou a institucionalização da medicina tropical com a politica
colonizadora daquele período, sendo muito recorrente o uso das expressões
da medicina tropical e medicina colonial como sinônimo (ALMEIDA,
2011, p. 356).
Contudo, a nova disciplina – medicina tropical – forneceu esclarecimento
das doenças tropicais além dos aspetos climáticos, e configurou o modelo
de doença tropical definido por o vínculo de parasito-vector.
Es en el interior de ese horizonte, en el que se mezclaron
preocupaciones nacionalistas, raciales, imperialistas, médicas y
científicas que fue definida la estrategia principal de combate a las
enfermedades tropicales: el control de vectores (Fantini, 1999).
Pero, es em relación a la etiología de las enfermedades tropicales
que los jóvenes médicos ciertamente encontrarán oportunidades
14 O termo “tropical” não diz respeito apenas à geografia, mas inclui a ideia de que climas quentes e úmidos
abrigam diferenças essenciais no tocante a lugares, povos e doenças. A medicina e a saúde pública latinoamericana encaixam-se com bastante naturalidade nesta concepção difusa de medicina tropical. Apesar
disso, os estudos sobre a América Latina guardam certa autonomia em relação aos demais estudos sobre
medicina tropical. Uma das razões disso é a relativa defasagem entre o arcabouço colonial e a América
Latina. De fato, para muitos historiadores da medicina, medicina tropical é medicina colonial. Embora
o conceito de império informal seja encampado pelos estudos latino-americanos, o contexto colonial
derivado de estudos sobre a Índia e a África adequa-se mal aos países com independência na região nos
séculos XIX e XX (STEPAN, 1997, p. 598).
15 “Por enfermedad tropical, debemos entender simplemente las enfermedades infecciosas cuyo agente
específico o el huésped intermediario que posibilita su transmission exigen ciertas condiciones para
propagarse que se encuentran en las regiones tropicales: cierta temperatura y cierta distribución
biogeográfica de las especies” (CAPONI, 2003, p. 126).
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para realizar investigaciones originales y descubrimientos mucho
más novedoso e interesantes que aquellos que son realizados en los
centros de investigación europeos o americanos. (CAPONI, 2003,
p. 126).
Assim, na América Latina, muitos cientistas aderiram a esta
corrente científica e empenharam-se em pesquisar quais eram os agentes
ocasionadores das enfermidades fora dos miasmas e que nada tinham a ver
com a propagação de pessoa a pessoa. Entre as enfermidades estudadas,
a febre amarela teve na figura de Carlos Finlay16 um de seus principais
estudiosos que formulou a teoria de que o mosquito Aedes aegypti17 era o
vetor transmissor da febre amarela. Apoiado provavelmente nas ideias de
Patrick Manson18, médico britânico que trabalhava na China, em estudos
sobre o papel do mosquito na transmissão da filaríase. A teoria de Finlay
foi publicada com o título “El mosquito hipotéticamente considerado como
agente de transmisión de la fiebre amarilla” e lida pelo autor na Academia de
Ciências Médicas, Físicas e Naturais da Havana, na sessão de 14 de agosto
de 1881. A divulgação de seus resultados de pesquisa entre a comunidade
científica internacional não teve repercussão afável, visto que contrariava as
teorias vigentes da época. Somente passados vinte anos é que a equipe de
Walter Reed realizou a demonstração dos experimentos de Finlay em 1900
(NOGUEIRA, 1955, p. 6).
O debate sobre a descoberta do vetor da febre amarela desencadeou
intermináveis discussões na historiografia da doença. Benchimol (1999,
p. 383) em seu livro Dos micróbios aos mosquitos destaca as principais
controvérsias historiográficas sobre a pesquisa e argumenta que existem
duas vertentes: de um lado, os historiadores cubanos e os que valorizam
a ciência periférica que, numa perspectiva anti-imperialista, tendiam a
ressaltar os méritos e a originalidade de Finlay. De outro, os historiadores
que adotaram o ponto de vista etnocentrista e anglo-saxão, que tendem
atribuir todo o método à comissão Reed, menosprezando a contribuição
do cientista cubano. Emilio Quevedo, autoridade nos estudos da história
16 “Carlos J. Finlay was born in Camaguey, Cuba, 1833. His father was a Scottish physician his mother was
French. His early education was by private tutor. At the age of eleven he was sent abroad for schooling in
France and in Germany. The process of education was frequently interrupted by illness but he achieved a
solid foundation in the classics, history, mathematics, geography, physics, and languages. For the latter
he had great facility and insisted upon this all of his life – breakfast was always in Spanish, lunch in
English, and dinner in French. Presumably, he reserved German for certain other periods” (YELLOW
FEVER SYMPOSIUM, 1955, p. 3-4).
17 Conhecido na época como stegomya fascista.
18 De acordo com Delaporte foi Manson que abriu um novo campo de estudos sobre as doenças tropicais e
não Finlay como se acreditava. Finlay teria se inspirado na teoria desenvolvida por Manson para explicar
o ciclo genético e a transmissão da filariosis. Sobre isso, Delaporte afirmou: “se debe acabar con la
leyenda de que Finlay no pudo utilizar la obra de Manson, por desconocerla […] debo decir que Finlay
estaba al corriente de las investigaciones […] esto supone que los trabajos de Manson debieron darse a
conocer mucho antes de 1881” (DELAPORTE: 1989, p. 43).
161
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da febre amarela na Colômbia, argumenta que tal dualidade é devido ao
fato que as descobertas científicas representam o poder de uma determinada
nação ou uma cultura, daí a preocupação por outorgar a vitória aos cientistas
com sentido nacionalista (QUEVEDO, 1997, p. 26). Segundo Nogueira, a
razão pela qual se levou quase vinte anos para a confirmação foi porque
a tese de Finlay introduziu um novo elemento, os insetos vetores, que
transmitiam a doença para uma pessoa saudável (NOGUEIRA, 1955, p. 6).
Esta nova visão ficou registrada na primeira parte de seu artigo:
De aquí que yo me haya convencido de que precisamente ha
de ser insostenible cualquiera teoría que atribuya el origen o
la propagación de esa enfermedad a influencias atmosféricas,
miasmáticas, meteorológicas, ni tampoco al desaseo ni al descuido
de medidas higiénicas generales. He debido, pues, abandonar mis
primitivas creencias; y al manifestarlo aquí, he querido en cierto
modo justificar ese cambio en mis opiniones sometiendo a la
apreciación de mis distinguidos colegas una nueva serie de estudios
experimentales que he emprendido con el fin de descubrir el modo
de propagarse la fiebre amarilla. (FINLAY, 2011, p. 555).
Finlay considerava que a causa da febre amarela não era precisamente
originada pelos miasmas, de modo que se apoiou em novas teorias que
ofereciam maiores possibilidades de explicar a origem da doença. Delaporte
(1989, p. 39) indica a razão pela qual a hipótese de Finlay não ter conduzido
seus experimentos foi devido ao fato de que o próprio não tinha em mente a
noção de agente hospedeiro. Ronald Ross19 foi quem conceituou esta noção
em 1889, quando identificou o modo de infecção da malária, por meio dos
mosquitos que se comportavam como agentes hospedeiros da enfermidade.
Esta nova descoberta permitiu elaborar novas experiências em função do
tempo de incubação do germe no corpo do inseto. Segundo Delaporte (1989,
p. 21), isso explica o enigma pelo qual os experimentos de Finlay não foram
bem-sucedidos, permitindo que, em 1900, a comissão Reed20 levasse a cabo
em menos de dois meses a veracidade do postulado de Finlay. A Comissão
defendia a teoria que o mosquito era o agente hospedeiro do vírus, além de
19 “Hijo de soldado y nacido en la India (1857 - 1932), donde recibiera su educación primaria, Ross
fue a estudiar medicina en el Hospital San Bartolomé, de Londres, donde obtuvo su diploma en 1879,
ingresando en 1881 en el Servicio Médico de la India, a cuyo país volviera el mismo año. Durante una
visita a Inglaterra en 1888, Ross comenzó a interesarse en ciencia sanitaria y bacteriología. A su regreso
a la India, se puso a estudiar las fiebres locales y descubrió la trasmisión anofelina del paludismo.
El 20 de agosto de 1897 publicó sus trabajos, quedando como fecha memorable en las efemérides de
la medicina tropical, conmemorada con el nombre del ‘Día del Mosquito’” (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1932, p. 1202).
20 Denominada assim devido ao nome de seu diretor, o major Walter Reed. Esta comissão estava composta
de quatro médicos militares estadunidenses: Walter Reed, James Carroll, Jesse Lazear e Aristides
Agramonte. Estes cientistas, entre 1901-1902, tinham como objetivo estudar a febre amarela e encontrar
meios de conter a epidemia que atingia duramente os soldados estadunidenses em Cuba.
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apoiar-se na ideia de Ross que indicava ser a febre amarela uma pestilência
causada pelos mosquitos e não pelas imundícias.
Este fato marcou o início da historiografia da febre amarela. Não
obstante, sabe-se da existência de uma história anterior à formulação da
hipótese do mosquito como agente transmissor ao longo do século XIX,
sendo um espaço interessante de reflexão para os historiadores das doenças
tropicais. Bryan e colaboradores (2004, p. 282) apontam que antes de Carlos
Finlay existiram muitos pesquisadores como John Crawford, Josiah Clark
Nott of Mobíle e Luis Daniel Beauperthuy, que tinham observado igualmente
o fenômeno. Por outro lado, seria interessante que estudos futuros da febre
amarela enfatizassem a construção do conceito atual da doença, uma vez que
a medicina da América Latina forneceria elementos substanciais para dita
construção. É preciso apontar que a discussão pode ajustar-se na divulgação
científica dos países que estão fora das culturas hegemônicas. O caso do
médico colombiano Roberto Franco21 é um exemplo do problema. Em
1902, Franco detectou outro tipo de febre amarela que somente depois de
trinta anos foi reconhecido e estudado no âmbito internacional como febre
amarela silvestre. Tal descoberta revolucionou a conceituação da doença, e
será discutida mais profundamente no capítulo três deste livro.
Ao se retornar ao trabalho de Finlay e a Comissão Reed deve-se notar
que, primeiro, o trabalho que imortalizou Finlay (1881) demonstrou que
era preciso três condições para a propagação da febre amarela: na primeira,
a existência prévia de um caso de febre amarela, na segunda, a presença
de um sujeito capaz de adquirir a doença e, finalmente, a presença de
um agente cuja existência é completamente independente da doença e do
doente, mas necessária para transmitir do doente para homem saudável.
Além disso, observou que em locais de baixas temperaturas o mosquito
deixa de existir e a doença desaparece (NOGUEIRA, 1955, p. 6). Por outro
lado, a Comissão Reed comprovou que a propagação da febre amarela é
causada pelos mosquitos, além disso, corroborou que um ataque deste causa
imunidade contra uma nova inoculação de sangue infetado de febre amarela,
deliberando que o agente específico da febre amarela estava presente no
sangue dos doentes, mas que os efeitos não desempenham nenhum papel
na transmissão da febre amarela. No entanto, não foi possível isolar o
organismo causador da doença (WARREN, 1951, p. 10).
Certamente, as obras tanto de Finlay como a Comissão Reed ficaram
perenes como os primeiros “grandes” passos nos estudos da febre amarela,
incentivando uma experiência paradigmática e fundamental da saúde
pública que salientou o triunfo da abordagem da “medicina tropical”.
Essas novas descobertas permitiram que no século XX se conhecesse como
21 Emilio Quevedo e colaboradores (2007) no artigo “Saber y poder: asimetrías entre intereses de los
médicos Colombianos y los de la Fundación Rockefeller en la Construcción del concepto de “fiebre
amarilla selvática”, 1907-1938” estudaram este caso mais profundamente.
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ocorria a propagação da febre amarela. Portanto, demonstrada a hipótese
de Finlay, abriu-se um novo caminho na compreensão do processo da doença
e seu controle, permitindo a implementação de campanhas para eliminação
do mosquito e erradicação da enfermidade. A comissão chefiada por Reed
salientou claramente que a erradicação do mosquito e a proteção dos doentes
contra as picadas eram os métodos mais práticos no combate à febre amarela
(WARREN, 1951, p. 10). As autoridades de saúde de Havana testaram tais
medidas na cidade, a cargo de William Gorgas, Cirurgião Geral do Exército dos
Estados Unidos (1914-1918) e diretor da comissão da febre amarela da Junta
Internacional de Saúde (1918-1920). Gorgas baseou-se em três processos:
polícia de focos, expurgo e isolamento dos doentes22 (LESSA, 1931, p. 1105).
Obtida a vitória em Havana, Gorgas foi chamado três anos mais tarde para
fazer novamente a campanha sanitária no istmo do Panamá, uma vez que os
Estados Unidos estavam empreendendo a construção do Canal do Panamá,
abandonado pelos franceses em 1888, em grande parte pela perda de vidas
humanas devido à malária e febre amarela. O êxito desta campanha chegou ao
Brasil, onde algumas das suas principais cidades foram assoladas pela febre
amarela no final do século XIX. Emílio Marcondes Ribas, então Diretor do
Serviço Sanitário do Estado de São Paulo conhecedor do trabalho de Finlay
e da campanha de Gorgas, resolveu repetir as experiências com sucesso em
Santos, no litoral paulista (ALMEIDA, 1998).
Foi assim que, a partir de janeiro de 1901, a comissão sanitária que
atuava em outras localidades atingidas no interior paulista incorporou
em suas rotinas a supressão de águas estagnadas com larvas de mosquito
(BENCHIMOL, 1999, p. 411). Baseada nestes mesmos princípios, a
campanha vitoriosa feita por Oswaldo Cruz entre os anos de 1903 e 1908
conseguiu que a cidade do Rio de Janeiro ficasse quase vinte anos livre do
flagelo amarílico. Essas campanhas marcaram o início da internacionalização
do conhecimento sobre a saúde. Enquanto o modo de propagação da febre
amarela havia sido determinado pela teoria de Finlay e demonstrado pela
Comissão Reed, a causa específica da doença permaneceu sendo um
mistério. No entanto, o sucesso das medidas sanitárias de Gorgas em Havana
e no Panamá e as de Ribas e Cruz no Brasil mostraram a possibilidade
de limpar as denominadas zonas tropicais das doenças transmissíveis de
uma forma contundente. Isso chamou a atenção da Fundação Rockefeller,
enquanto poderiam empreender uma campanha em toda América que antes
de tudo elevaria seu status de autoridade científica no campo, e segundo
porque calmaria os sentimentos de alerta do continente americano contra
os Estados Unidos, depois das perdas de 1 milhão e 300 mil quilômetros
quadrados, pelo México. Sabe-se que:
22A polícia de focos se baseava no combate aos criadouros do mosquito e aos lugares onde se encontraram
as suas larvas. O expurgo combatia o mosquito alado e o isolamento dos doentes se fazia para evitar que
os enfermos infectassem os mosquitos (LESSA, 1931, p. 1105).
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O Brasil era temeroso de uma intromissão estadunidense em seus
domínios recém-transformados em República, especialmente num
momento em que as questões de demarcação definitiva do território
brasileiro se tornavam uma das pautas centrais da politica externa
do país. A ‘questão do Acre’, eclodida na passagem do século
XIX para o XX, serviu para demostrar qual deveria ser a marcha
empregada pelo governo republicano na lide com aquela nação do
norte. (ATIQUE, 2010, p. 35-36).
Por outro lado, em 1903 a Colômbia perdeu o territorio do atual
Panamá devido ao expansionismo geopolítico e econômico imanente ao
desenvolvimento capitalista dos Estados Unidos, pois durante a guerra com
a Espanha, em 1898, cuja consequência foi a intervenção militar decisiva
em Cuba, seus círculos políticos e econômicos chegaram ao consenso da
necessidade geoestratégica para construir um canal entre o Atlântico e o
Pacífico (FISCHER, 2004, p. 341). Segundo o autor:
El 13 de febrero de 1904 se aprobó la Constitución de Panamá,
en la cual se concedía a EE.UU. el derecho de intervención. El 18
de febrero sem ratificó la Convención del Canal con EE.UU., a
través de la cual el gobierno de la República de Panamá aceptaba
la división geográfica del país y cedía “para siempre” a EE.UU.
el derecho de construir y mantener el canal y los derechos en
la Zona del Canal. En otras palabras, lo que había rechazado el
Congreso colombiano por razones de dignidad nacional, por falta
de definición de la soberanía territorial sobre todo el país y por
la insuficiencia del pago por los derechos, acabaron haciéndolo
quienes habían promovido la secesión del departamento istmeño.
De esta manera obtuvieron la garantía de que se construiría el
Canal, así como algunas ventajas económicas que resultaron de
dicha construcción, pero a cambio de renunciar a la entera soberanía
nacional. (FISCHER, 2004, p. 334).
A Fundação Rockefeller desempenharia um papel essencial para
restaurar a confiança do governo colombiano, além disso, acalmaria os
alarmes do governo brasileiro para os Estados Unidos, pois provavelmente
seria a Fundação que conseguiria acabar com um dos problemas que mais
atingia a imagem internacional dos países, a febre amarela. Em seguida
apresentamos a entrada da Fundação Rockefeller nos estudos de febre
amarela.
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1.3A entrada da Fundação Rockefeller no campo dos
estudos da febre amarela
Ao final do século XIX e início do século XX a febre amarela era
considerada um grande desafio para as políticas sanitárias, especialmente
no que se refere ao comércio entre as nações, pois a implantação de
quarentenas23 afetava a produtividade das empresas coloniais, desde os
tempos de domínio espanhol e português. Alguns países europeus, como a
Inglaterra, Holanda e França empreenderam o estudo da febre amarela em
laboratórios no continente e em vários pontos de suas colônias tropicais.
O líder indiscutível nesse campo foi, sem dúvida, a Fundação Rockefeller
através do seu International Health Board (IHB) que por mais de 30 anos
absorveu a atenção e concentração de uma grande equipe de médicos e
cientistas no estudo da febre amarela (MEJIA, 2004, p. 125). O historiador
oficial da Fundação Rockefeller, Raymond Fosdick (1989, p. 58), atenta
que o trabalho realizado pelos pesquisadores marcou um dos trechos mais
espetaculares para o desenvolvimento da medicina preventiva.
A Fundação Rockefeller foi criada em 14 de maio de 1913, sob as
leis do Estado de Nova York. Conforme o ato de sua constituição, o
propósito da criação da Fundação Rockefeller foi promover o bem-estar da
humanidade (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1915, p. 7). No entanto,
segundo a historiadora Maria Gabriela Marinho (2001, p. 16), a atuação da
Fundação Rockefeller tem sido observada de duas formas: seja como um
meio de expansão dos interesses econômicos dos Estados Unidos por todo o
planeta, sobretudo a partir do final do século XIX, ou como uma instituição
filantrópica, sem fins lucrativos, cujo ideário assinalava o objetivo de
trabalhar em prol da humanidade.
Inicialmente, a Fundação Rockefeller concentrou seu trabalho na
atuação em saúde pública, adotando como princípio a concepção da
enfermidade como origem da miséria (MARINHO, 2001, p. 28). O primeiro
objetivo foi o combate à ancilostomíase24. Não obstante, em 1915 a febre
amarela ingressou no programa da Rockefeller, e isso se deveu, em grande
parte, ao temor que a abertura do Canal do Panamá provocou em 1914.
Temia-se que a febre amarela, que havia aparecido várias vezes na Europa,
23 As quarentenas consistiam na “Detención de personas o animales enfermos, que pueden haberse hallado
expuestos a una enfermedad transmisible durante un periodo suficiente [son tomadas en cuarentena con
el fin de] eliminar el peligro de transmitir la enfermedad; la detención de un vehículo público
u otro medio de transporte (por ejemplo, el buque y su personal), hasta que ya no haya más
riesgo de que dicho medio de transporte, su personal o carga puedan transmitir la enfermedad.”
( LLOYD, 1928, p. 374)
24 Ancylostomiasis ou ancilostomíase é uma infecção parasitária causada pelo nematóide Ancylostoma
duodenale e Necator americanus. Estas infecções são extremamente comuns em países tropicais e em
desenvolvimento. As manifestações clínicas incluem anemia microcítica e hipocrômica, hipoalbuminemia
(proteína do soro baixa) e, em um caso grave, edema. A infecção crônica na infância pode dar origem ao
retardo físico, mental e sexual (MARCOVITCH, 2005, p. 39).
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África e América, poderia agora ser transportada por navios transoceânicos.
Assim, as autoridades britânicas e asiáticas estavam preocupadas com
a possibilidade de a doença invadir o Extremo oriente, a Ásia tropical
mantivera-se livre dela, mas parecia reunir todas as condições para uma
epidemia se fosse conectada ao caribe dada a enorme população e presença
do mosquito vetor (CUETO, 1996, p. 188). O aparecimento da doença em
qualquer ponto do planeta desencadeava pânico entre a população devido
a seus sintomas25 e mortalidade elevada (um em cada três afetado morre).
Outra consequência era a paralisação por completo do comércio por causa
das quarentenas obrigatórias trazendo grandes perdas econômicas (MEJIA,
2004, p. 126).
Teorias e práticas, a começar de Carlos Finlay e sua tese do agente
transmissor, os testes da Comissão liderados por Walter Reed em Cuba, as
obras de saneamento de Havana e do Canal do Panamá realizada por William
Gorgas e as campanhas de Ribas e Oswaldo Cruz no Brasil, fundamentaram
a ideia de que a febre amarela era uma doença suscetível de ser erradicada.
Muitos ficaram convencidos de que o método de destruir o mosquito traria a
vitória final contra a febre amarela. A técnica concebida por Gorgas e Cruz,
que se baseava no controle do Aedes aegypti em uma fase tardia de sua vida,
foi estendida e usada em vários países e cidades, a fumigação, a eliminação
dos focos e a destruição dos recipientes inúteis ou abandonados constituíram
os fundamentos básicos que nortearam tais campanhas. No entanto, este
método prevaleceu até 1915, quando a Fundação Rockefeller interessou-se
pelo problema (PINTO, 1955, p. 47). Assim, Henry Rose Carter sanitarista
da Rockefeller, condensou todos os conhecimentos até então disponíveis
e formulou a “teoria dos centros-chave”, que serviu de base para diversas
campanhas contra a febre amarela em diversos países até 1932, “quando
esse paradigma, já em crise, entrou em colapso” (BENCHIMOL, 2011, p.
214). A teoria baseava-se no pressuposto de que a doença atacava somente
seres humanos, produzindo imunidade em pessoas que sobreviveram
à primeira infecção (transmitida pelo Aedes aegypti). Além disso, a
doença parecia só ser endêmica nos principais portos e cidades do litoral,
denominadas “centros-chave” (ver Figura 1), que mantinham sempre
um número significativo de pessoas não imunes pelo fluxo constante de
migrantes, visitantes e pelo crescimento natural da população. Mas também,
de acordo com esta teoria, os pequenos povoados não traziam maior taxa
de endemicidade para ameaçar as populações maiores, pois se partia da
hipótese de que sempre foram infectadas a partir do exterior. A implicação
prática era de que a febre iria desaparecer automaticamente quando se
realizassem rigorosas campanhas contra o Aedes aegypti – considerado o
25Os sintomas clássicos da febre amarela são: febre alta, vômitos, hiperemia conjuntival, icterícia,
hemorragia, diminuição da urina e presença de albumina na mesma, epistaxe, vômitos negros e, por
vezes infiltração púrpura na pele.
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único vetor – nos “centros-chave” que, segundo a Fundação Rockefeller,
não eram muitos na América Latina (CUETO, 1997, p. 62-63).
Para colocar tal teoria em prática e assim “erradicar a febre amarela”,
a Fundação Rockefeller criou a Comissão de Febre Amarela em 1916,
composta por seis sanitaristas26. O chefe dessa comissão era o majorgeneral William C. Gorgas, que visitou as Repúblicas do Equador, Peru,
Colômbia, Venezuela e Brasil para estudar as condições da doença. Dois
objetivos foram estabelecidos: determinar o status incerto dos centros
endêmicos da infecção, e determinar as medidas necessárias e viáveis para
a erradicação da doença nos centros-chave responsáveis pela disseminação
(ROCKEFELLER FOUNDATION, 1917, p. 54). A comissão iniciou seus
trabalhos em 14 de junho e terminou em dezembro, com uma duração de
aproximadamente seis meses de pesquisa, cujos resultados apontavam que o
único centro endêmico de febre amarela na América do Sul estava na cidade
de Guayaquil (Equador). O relatório apontou também que o Peru estava
livre da infecção e sugeriu manter sob observação Colômbia, Venezuela
e as costas brasileiras. Consequentemente, as conclusões de Gorgas e sua
equipe salientaram que o problema da erradicação da febre amarela se
resolveria com a eliminação da infecção em Guayaquil (Equador) e na costa
do Atlântico, mais precisamente em uma área ao Nordeste do Brasil que se
estendia do sul até a cidade de Salvador (ROCKEFELLER FOUNDATION,
1917, p. 68-70).
Figura 1- Casos notificados de febre amarela
entre 1900 e 1931 nas Américas
Fonte: (SOPER, 1955, p. 80)
26 A comissão era composta pelos seguintes membros: William C. Gorgas, Major-General do Serviço
de Sanidade do Exército dos Estados Unidos, diretor dos trabalhos de obra de saneamento em Cuba
e do Canal do Panamá, cirurgião-principal do Exército dos EUA e presidente da Comissão; Henry
R. Carter, inspetor marítimo de saúde nos Estados Unidos e chefe do serviço de quarentenas; Juan
Guiteras, chefe do departamento de sanidade da Cuba; Theodore V. Lyster, médico militar dos EUA e
segundo chefe sanitário da zona do Canal: Eugene R. Whitmore, distinguido bacteriologista do serviço
de sanidade estadunidense; e William D. Wrightson, engenheiro sanitarista e Secretário da Comissão
(CAMARGO,1936, p. 15).
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A campanha para erradicação foi implantada e o sucesso no controle
da febre amarela em Guayaquil teve como consequência o desaparecimento
da febre amarela na referida cidade, vítima do mal desde o ano de 1750.
Além disso, a Fundação Rockefeller aspirava a dominar por completo a
doença, uma vez que era necessariamente útil encontrar um meio para sua
identificação mais precisa. A febre amarela era muito parecida com outras
doenças, em especial com a icterícia infecciosa (infectious jaundice), o
que dificultava um diagnóstico rápido e preciso para efetuar e desenvolver
medidas saneadoras.
Por outro lado, os especialistas estavam conscientes que se pudessem
isolar o germe da febre amarela um soro poderia ser preparado para
proteger as pessoas e curar a doença. Foi, portanto, necessário considerar
outras pesquisas sobre essa fase do problema, em vez do trabalho prático
(ROCKEFELLER FOUNDATION, 1920, p. 13). Essa nova tarefa de achar
o agente causal da doença foi feita em Guayaquil, centro mais favorável para
a realização da investigação, devido aos surtos recorrentes. O novo desafio
foi conduzido pelo o cientista Hideyo Noguchi que conseguiu isolar uma
spirochaetales27 que produzia as lesões de febre amarela em cobaias animais.
Tal manifestação foi chamada por Noguchi de Leptospira icteroides. Depois
de prolongados estudos, o cientista concluiu que a Leptospira icteroides era
a causadora da febre amarela28. Mas Noguchi estava enganado, pois ele não
tinha descoberto o germe da febre amarela. Em vez disso, ele tinha isolado
o germe da doença de Weil ou Spirochaetosis icterohaemorrhagica29 que era
diagnosticada erroneamente como febre amarela (FOSDICK, 1989, p. 61).
O sucesso no controle da febre amarela em Guayaquil, Peru e Brasil30,
juntamente com o anúncio feito pelo cientista da Rockefeller, Hideyo
Noguchi, que tinha isolado o agente causador, a Leptospira icteroides (de
forma errada como foi demonstrado posteriormente). Este anúncio levou
cientistas e membros do Board da Fundação Rockefeller a acreditarem
que tais medidas eram um bom presságio e acenavam positivamente para
o esforço de erradicação da doença. Em meados dos anos 1920, a febre
amarela foi considerada como uma doença em vias de extinção, com
27 Spirochaetaleso “espiroquetas son bacterias Garm negativas, móviles, enrolladas en forma de muelle
y flexibles. Estos procariótos únicos desde el punto de vista morfológico forman un linaje de Bacteria.
Están ampliamente distribuidos en medios acuáticos y en animales y en algunos casos pueden ser
patógenos incluyendo enfermedades de transmisión sexual en humanos como la sífilis” (MADIGAN et
al, 2003, p. 432).
28 O trabalho completo de Noguchi pode ser encontrado no artigo publicado em 1919 no Journal of
Experimental Medicine, intitulado “Etiology of Yellow Fever: Transmission Experiments on Yellow
Fever”.
29 Também conhecida como doença de Weil, este é o termo aplicado a uma infecção causada pelo Leptospira
icterohaemorrhagiae, que é transmitido aos seres humanos por os ratos. A doença é caracterizada por
febre, icterícia, aumento do fígado, nefrite e sangramento das membranas mucosas (MARCOVITCH,
2005, p. 407).
30 No Brasil, Fred Soper salienta que o sucesso foi devido às campanhas realizadas pelo governo brasileiro
entre 1919 e 1920 (SOPER, 1937, p. 423).
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recursos e especialistas que já não eram mais necessários na América Latina
(ver figura 2). A Fundação Rockefeller abriu, em 1925, uma nova frente na
África Ocidental com objetivos muito específicos, como conhecer se a febre
amarela americana e africana era equivalente e assim avaliar se as condições
eram favoráveis para
​​
o esforço de erradicação semelhante ao empreendido
nas Américas (MEJIA, 2004, p. 128). Durante oito anos se reconheceu o
parasita leptospirose icteroides como o agente causal da febre amarela.
Figura 2 - Mapa Hemisfério Ocidental
mostrando a diminuição contínua da febre
amarela nas áreas infectadas
Fonte: (ROCKEFELLER FOUNDATION,
1925, p. 91).
Não obstante, em 1927, Stokes, Bauer e Hudson, também pesquisadores
da Fundação Rockefeller que trabalhavam nos laboratórios da África
Ocidental, demonstraram que a febre amarela na África era facilmente
inoculável no macaco-rhesus, permitindo o isolamento do vírus filtrável e
o abandono definitivo da teoria de Noguchi, pois a febre amarela não era
causada pela Leptospira icteroides, mas sim por um vírus desconhecido. Esta
descoberta do animal suscetível31 levou a debates e controvérsias em todas
as áreas da comunidade médica internacional, despertando questionamentos
sobre a etiologia da febre amarela. É importante notar que, durante 50 anos
antes da descoberta de Stokes (et al., 1927), apareceram no mundo científico
vários supostos parasitas de febre amarela. De todos estes diferentes tipos,
o Bacillus icteroides de Sanarelli32 e a Leptospirose icteroides de Noguchi,
tinham desfrutado de reconhecimento por um período maior. O Bacillus
icteroides foi prontamente descartado desde a guerra hispano-americana,
31 É considerado como um animal suscetível à febre amarela aquele em que após a inoculação com o vírus
por via extraneural consegue-se comprovar que o vírus se multiplica no corpo do animal e circula em
seu sangue.
32 Bacteriólogo italiano, que trabalhou no Instituto Pasteur, antes de ser contratado pelo governo uruguaio
para implementar a medicina experimental em Montevidéu. Com a ajuda de jovens bacteriologistas do
Rio de Janeiro, decidiu rastrear o germe da febre amarela. De uma conferência lotada na capital do
Uruguai, em junho de 1897, anunciou a descoberta do bacilo icteroide, no entanto esta descoberta foi
rejeitada pela Comissão Reed em Havana, salientando que o bacilo icteroide não é especifico da febre
amarela (BENCHIMOL, 2010).
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pois não havia ligação com a febre amarela. A Leptospirose de Noguchi33
vigorou por aproximadamente oito anos (AGRAMONTE, 1928:930).
Segundo o Diretor do Instituto Oswaldo Cruz da Bahia, Eduardo de
Araújo, muitos pesquisadores procuraram descobrir o agente causal da febre
amarela. Entretanto, de todos os germes descritos, o de Noguchi pareceu, a
princípio e durante algum tempo, ser o verdadeiro agente responsável pela
febre amarela. Isso se deveu, em grande parte, ao respaldo da autoridade
científica da Fundação Rockefeller nas esferas médicas (ARAUJO, 1928, p.
782). Francisco Borges Viera, preparador da cadeira de higiene e medicina
preventiva da Faculdade de Medicina de São Paulo, foi quem refutou pela
primeira vez a teoria de Noguchi no Brasil. Em abril de 1921, se apresentou
ao sul de Salvador, em Jaguaquara, uma epidemia que em principio foi
oficialmente declarada febre palúdico-biliosa34. O diretor do recém-criado
Departamento Nacional de Saúde Pública do Brasil, Carlos Chagas,
convidou ao Borges Viera para ir à Bahia tentar isolar o microrganismo
incriminado – Leptospira icteroides – por Noguchi. Na região era comum
a febre amarela, a malária, a febre remitente e biliosa, febre álgida etc.,
os sintomas principais eram vômito preto e anúria, pelo que Borges Viera
considerou clinicamente como febre amarela, no entanto, examinou dez
doentes e colheu material de sete e nem uma só conseguiu surpreender o
microrganismo descrito por Noguchi (BENCHIMOL, 2011, p. 226-231).
Logo que as pesquisas de Stokes e seus colegas (1927) foram publicadas,
vários cientistas brasileiros começaram a reproduzir os experimentos de
Noguchi (FONSECA, 1928, p. 17). Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão
(Chefe de Serviço do Instituto Oswaldo Cruz) tentou comprovar a eficácia da
teoria de Noguchi. Nos resultados dos seus testes comentou: “A inoculação da
leptospirose icteroides no macaco resultou negativa, o que demonstra, até certo
ponto, que o Macacus Reshus, tão sensível ao vírus amarílico, não o é de igual
modo ao agente causador da febre amarela (ARAGÃO, 1928, p. 219)”. Além
disso, demostrou que o Macacus Reshus era sensível à febre amarela americana
como à africana (ARAGÃO, 1928, p. 219). Esses resultados acabaram com a
teoria de que a febre amarela de América e da África eram diferentes.
Sem dúvida havia uma conjuntura nos conhecimentos etiológicos da
doença, sendo assim necessário encontrar uma solução para a explicação
epidemiológica da doença. Os cientistas tiveram que retornar aos estudos
feitos por Carlos Finlay e pela Comissão Reed no final do século XIX,
visto que desde essa época não havia acontecido um “verdadeiro” avanço
33 Infelizmente o Dr. Hideyo Noguchi morreu no dia 21 de maio de 1928, nos laboratórios da Rockefeller de
Acra (África Ocidental), vítima de febre amarela contraída enquanto investigava a relação entre a febre
amarela da América do Sul e da África.
34 Forma de febre remitente tropical acompanhada de perturbações hepáticas e vômitos biliosos que pode
surgir na malária. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/termos-medicos/febre>. Acesso em: 21 de
março de 2013.
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na epidemiologia da febre amarela. Entretanto, as descobertas de 1927 e
1928 não atenuaram os efeitos da crise. A falta de conhecimentos sobre o
vírus tornava difícil encontrar uma diferença entre a febre amarela e outras
doenças que tinham quadros sintomáticos clínicos muito semelhantes.
Aristides Agramonte,35 professor da Universidade de Havana, membro da
Comissão Reed tinha uma opinião particular sobre Noguchi:
Mi experiencia en varios años con epidemias graves de fiebre
amarilla y mi participación en los trabajos de la comisión del
Ejército [de los Estados Unidos en la Habana] a que antes hice
referencia, me indujeron, desde que conocí los primeros escritos
del Dr. Noguchi, a dudar de la especificidad que reclamaba para
su leptospira; es verdad que el nombre de Noguchi constituya una
excelente marca de fábrica (si se me permite el vocablo), y ofrecía
excepcionales garantías en cuanto a lo irreprochable de la técnica
empleada, exactamente como ocurrió con Sanarelli en el caso de su
bacilo icteroides. (AGRAMONTE, 1928, p. 931).
Agramonte foi uns dos principais oponentes da teoria de
Noguchi e refutou a ideia que a Leptospira icteroides e Spirochaetosis
icterohaemorrhagica (que produz a doença de Weil) fossem os agentes
causadores da febre amarela. Depois de fazer os seus próprios estudos e de
analisar com outros pesquisadores esses novos campos epidemiológicos da
doença, chegou a três conclusões:
1. Que el agente causante de la fiebre amarilla aún no se ha
demostrado.
2. Que la especificidad que reclaman para el L. icteroides, el Dr.
Noguchi y sus discípulos, es completamente inaceptable, porque
el L. icteroides y el L. icterohemorragica presentan reacciones
serológicas cruzadas, indicando así su identidad; (b) porque el
suero de convalecientes de fiebre amarilla no protege contra el
L. icteroides, mientras que el suero de convalecientes de íctero
infeccioso de Weil sí protege contra ambos leptospiras: icteroides
e icterohemorragica; (c) porque el L. icteroides van gradualmente
aumentando en número en la sangre de los animales infectados,
mientras que el germen de la fiebre amarilla desparece de la
circulación al tercero o cuarto día; (d) porque el L. icteroides no
35 Aristides Agramonte Simoni (1868 - 1931), bacteriologista, patologista e médico estadunidense de origem
cubana, foi criado em Nova York, recebendo seu diploma de medicina da Universidade de Columbia.
Em 1898, ele chegou à Havana como um membro da Comissão Reed, com a missão de verificar a base
científica da suposição feita pelo italiano Giuseppe Sanarelli (1865-1939) sobre a ligação com o bacilo
icteroides da febre amarela. Depois de estudo aprofundado sobre o assunto, Agramonte concluiu que não
havia nenhuma relação entre o bacilo de Sanarelli e a febre amarela (ESPINOSA, J. 2006:185).
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logra infectar a los mosquitos para que éstos a su vez y en su debido
tiempo puedan infectar al hombre;(e) porque el L. icteroides es
capaz de penetrar a través de la piel normal y producir infección,
mientras que se ha demostrado que la fiebre amarilla no es
contagiosa aún en presencia de incisiones o erosiones de la piel.
3. Que ninguna vacuna o suero preparado con el L. icteroides puede
tener valor alguno protector o curativo respecto a la fiebre amarilla.
(AGRAMONTE, 1928, p. 934).
A publicação desses resultados agravou ainda mais a controvérsia
suscitada pela situação de incerteza do quadro etiológico, epidemiológico
e profilático da doença. Gustavo Pittaluga (1928, p. 539) médico italiano,
membro do Comitê de Higiene da Sociedade das Nações, salientava que
os meios de tratamento, de imunização e de profilaxia da febre amarela
sofriam também uma crise devido aos problemas etiológicos, pois a situação
tinha mudado desde que se averiguou a identidade da leptospirose, isolada
por Noguchi e do vírus da Leptospira icterohemorragica. No entanto, a
Fundação Rockefeller mantinha a teoria dos centros chaves como principal
profilaxia que aplicava no combate da febre amarela. A opinião dos médicos
a respeito desta teoria estava dividida, como iremos analisar no próximo
capítulo.
Em meio às incertezas, os relatórios da Fundação Rockefeller
anteriores a 1928 expressavam a crença de que não só a febre amarela estava
desaparecendo rapidamente, mas que tinha sido praticamente eliminada
(FOSDICK, 1989, p. 63). Logo a Fundação Rockefeller assegurava o triunfo
da teoria dos centros-chave, utilizada para acabar com o flagelo no Equador,
na Colômbia e na América Central. No entanto, com as duas epidemias
de febre amarela apresentadas no Brasil e na Colômbia, as atividades e as
afirmações da Fundação Rockefeller caíram em descrédito. Os médicos
latino-americanos começaram a manifestar que os esforços deviam estar
mais dirigidos aos estudos do ciclo vital do vírus amarílico (ARAUJO, 1928,
p. 782), uma vez que as campanhas antimosquito lideradas pela Rockefeller
mostravam apenas resultados temporais, sendo um gasto desnecessário que
não revelava resultados satisfatórios.
Um questionamento deve ser feito: por que a febre amarela foi uma
das doenças que mais atenção recebeu da Fundação Rockefeller? Umas
das razões que explicam esta atenção da Fundação Rockefeller sobre a
febre amarela são, principalmente, a proteção do comércio internacional,
o medo de reinfecção dos Estados Unidos, a possibilidade de demonstrar
o sucesso rápido contra a doença, o poder das comunidades científicas
na definição de prioridades filantrópicas e as necessidades e respostas
ao programa de Estados-nação de alguns países emergentes da América
Latina. Segundo Cueto (1997) o programa de febre amarela da Fundação
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Rockefeller pode ser mais bem compreendido como uma preocupação pela
estabilidade do sistema capitalista internacional como um todo, dado que
os Estados Unidos estavam começando a ter um papel cultural e político
importante e mais efetivo. Mas, a abertura do canal de Panamá em 1914
criou a possibilidade da exportação da febre amarela do Caribe à Ásia
tropical, até então livres da doença. Os EUA e o seu Exército tinham tido
responsabilidades nestas regiões desde que os colonos hispano-americanos
passaram a viver nestes países, mas também levantaram o potencial temor
de que essa doença infetaria novamente o sul dos Estados Unidos região
subtropical que tinha sofrido graves epidemias de febre amarela no século
XIX. Marcos Cueto (1994, p. 11; 1997, p. 63) salienta que o programa foi
praticamente desenvolvido a partir de uma preocupação com a segurança
nacional dos Estados Unidos, o que explica parcialmente a ênfase da
Fundação Rockefeller no combate à febre amarela.
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2
CRISES NOS ESTUDOS DA FEBRE
AMARELA: A EPIDEMIA DO
RIO DE JANEIRO (1928-1929)
E DO SOCORRO (1929)
Vino primero el brote en Rio de Janeiro, ciudad está que el vómito
negro había respetado por 20 años, y cuando se daba por acabado el
brote, llegó en enero de este año [1929] una recrudescencia aún más
severa que la del año anterior, y ahora, apenas extinguido el último
empuje en la capital fulmínense, ha estallado de nuevo la fiebre
amarilla, más al norte, esta vez, en el interior de Colombia. Estos
hechos refuerzan una vez más el concepto, tantas veces reiterado en
estas columnas de que la amenaza de la fiebre amarilla continuará
cerniéndose sobre los países devastados por ella. (OFICINA
SANITARIA PAN-AMERICANA, 1929, p. 967).
Em um primeiro olhar são várias as diferenças que separam as duas
cidades: uma capital de uma república federativa (Brasil), a outra, pequena
cidade do departamento de Santander (Colômbia). Contudo, foi nestas duas
cidades – tão diferentes e opostas – que houve a ocorrência de um inesperado
surto epidêmico de febre amarela, em um período que se acreditava ter
conseguido controlar o mal. É neste ponto que as duas cidades convergem.
A reincidência da febre amarela foi um choque para a época, uma vez que
era considerada extinta em ambos os territórios. Esta epidemia confundiu
médicos, políticos, filantropos, mas, por outro lado, suscitou uma série de
pesquisas e conhecimentos que desencadearam uma nova era para a doença.
Houve, assim, uma preocupação da comunidade científica e dos dirigentes
políticos em restituir o bom estado sanitário dos países tropicais (OFICINA
SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 1130-1131). A febre amarela
não era, entretanto, o único mal que atingia os trópicos.
De acordo com Agramonte, o problema sanitário dos trópicos eram
os seguintes: a malária, considerada como a maior preocupação das nações
que por essa época buscavam se expandir; a ancilostomíase, a amebíase
e, por último, a febre amarela que novamente ganhava novos contornos,
devido às evidências colocadas pelos casos apresentados na costa ocidental
de África, nos surtos do Brasil e da Colômbia. Agramonte alertou a respeito
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deste ressurgimento da febre amarela na reunião do Consejo Directivo
de la Oficina Sanitaria Panamericana, celebrada em Havana em 1929.
No evento, o médico salientou que a febre amarela parecia não mostrar
trégua na campanha de prevenção e igualmente alertou para o fato de que
a ausência de casos não significa sua completa extinção, tal como havia
pronunciado a Fundação Rockefeller em 1916 (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1929, p. 1130-1131). A partir destas considerações e
dos eventos que comprovavam as afirmações do médico, a febre amarela
deixou de ser um problema resolvido e assumiu uma nova complexidade.
Dos casos do Brasil e da Colômbia, entre 1928 e 1932, a febre amarela
reapareceu em outros centros urbanos da América do Sul – Venezuela e
Bolívia – manifestações que ficaram sem a devida explicação satisfatória
para sua ocorrência (MEJIA, 2004, p. 133). No entanto, não foram tão
marcantes como nas cidades do Rio de Janeiro e Socorro. Mas, então,
por que tanta atenção e importância dada à febre amarela nestas duas
cidades? A cidade do Rio de Janeiro era um dos portos mais importantes
da época, não só para o Brasil, mas para a América do Sul. Era também
sede do governo brasileiro, o que obriga aos dirigentes do país manter
uma imagem de salubridade pública ante as exigências internacionais. Por
outro lado, a cidade de Socorro estava localizada próxima às cidades de
Barrancabermeja e Puerto Wiches36, locais onde empresas internacionais
exploravam o petróleo. Uma epidemia sem controle em Socorro poderia
constituir-se em séria ameaça à exploração do petróleo, fazendo com que as
autoridades colombianas focassem sua atenção na promulgação de medidas
sanitárias para o controle da doença e assim evitar sua possível propagação
pelo território.
Este capítulo tem como objetivo estudar essas duas epidemias, a fim
de realizar uma analise sobre os principais acontecimentos que cercaram a
reincidência da doença. O capítulo divide-se em duas seções, uma para o Rio
de Janeiro e a outra para Socorro, onde se procurou levantar a relação destas
cidades com a febre amarela desde a época dos tempos coloniais. Nas seções
seguintes, o foco recai no fatídico surto de 1928 e o desencadeamento de
uma série de ações vindas de cientistas, autoridades públicas e da sociedade,
que assistia espantada a ocorrência de mais uma epidemia. A pesquisa
levantou ainda quais foram as medidas corretivas, diagnósticos realizados e
ações profiláticas, enfocando também os pontos controversos que surgiram
logo nas primeiras manifestações do surto. O capítulo é finalizado com o
levantamento das contribuições construídas na sequência da epidemia, pois
se sabe que os médicos e cientistas alimentavam interesse crescente pelo o
entendimento da doença, principalmente os médicos brasileiros.
36 Socorro, Barrancabermeja e Puerto Wiches estão situadas no Departamento de Santander-Colômbia
às margens do Rio Magdalena, importante via fluvial de escoamento de mercadorias e do petróleo
produzidos na região.
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2.1 Epidemia no Rio de Janeiro (1928-1929)
A febre amarela burlando toda a burocracia, zombando de
todos os índices estegomicos tidos e havidos como magníficos,
desmascarando todos os dados epidemiológicos rigorosamente
matemáticos, se apresenta sossegada e manhosamente no Rio,
para nos colocar em situação dolorosamente vergonhosa perante
o mundo, acarrentando-nos, além disso, prejuízos incalculáveis!
(PIZA, 1928)37.
Nas primeiras décadas do século XIX o Brasil ostentava a reputação
de ser um país em boas condições de salubridade, principalmente porque
na aquela época permanecia livre das duas pestes mais aterrorizantes: o
cólera e a febre amarela38. No entanto, ressalta-se que a ausência destas duas
doenças não significava que as condições sanitárias do país em geral eram
favoráveis. Como foi mencionado no capítulo anterior, a febre amarela
tinha atacado de forma decisiva e pouco compassiva o norte e o centro
da América Latina entre os séculos XVII e XVIII. Assim, pelo fato de se
acreditar que no país não existia o vírus amarílico fazia do Brasil um país
livre de epidemias severas.
Contudo, isso não denota que no Brasil não tivesse existido febre
amarela. Placido Barbosa (1929, p. 329-338), inspetor técnico do
Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), salienta em sua história
da febre amarela que esta doença existiu em território brasileiro desde
há muito tempo, pois há notícias de que entre 1685 e 1690 teria assolado
Pernambuco e Bahia. A partir desta data, a febre amarela não retornou,
trazendo certa tranquilidade aos brasileiros, mas em 1849, o vírus amarílico
irrompeu no Rio de Janeiro tornando-se um problema complexo para as
autoridades públicas e comerciantes, que entenderam que a febre amarela
não era uma doença de fácil controle. A preocupação sobre a febre amarela
recaía no fato de que nas últimas décadas do século XIX, algumas cidades
do Brasil haviam se expandido rapidamente, atraindo um grande número
de imigrantes europeus, plenamente suscetíveis à febre amarela. Além
disso, as condições físicas da maioria das cidades brasileiras eram propícias
para a manutenção da doença. O Rio de Janeiro, que teve crescimento
expressivo tinha uma população de aproximadamente 800.000 almas, que
sofreu cruelmente com a doença na virada do século XX. O número de
mortes por febre amarela ascendeu a várias centenas a cada ano, atingindo
gravemente a população do final do século XIX e começo do XX (SMITH,
37 José de Toledo Piza, em discurso pronunciado na Sociedade de medicina e cirurgia de São Paulo, 1928.
38 Uma explicação comum para a ausência de febre amarela “estava na crença generalizada de que tal doença
encontrava um limite claro para a sua propagação na linha equatorial” (CHALHOUB, 2001, p. 61).
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1951, p. 551)39. A última epidemia urbana que alarmou as autoridades foi o
surto de 1928, reaparecendo em 1929, sendo uma surpresa não só para os
médicos do Brasil, mas para todos estudiosos dessa doença no mundo, pois
a patologia era dada como extinta na cidade do Rio de Janeiro, e ninguém
acreditava na possibilidade de um retorno à capital brasileira.
2.1.1
A cidade do Rio de Janeiro e os
precedentes da epidemia de 1928
Para escrevermos sobre a importância da cidade do Rio de Janeiro para
o Brasil é preciso remontar aos tempos coloniais. Nos primeiros séculos
da história do Brasil esta cidade desempenhou as funções de um polo de
poder geopolítico. Desde o período colonial, destacava-se como núcleo
urbano mercantil, com posição estratégica no Atlântico Sul, atuando como
um importante centro de escravos (LESSA, 2005, p. 11). Ao final do século
XVI, o crescimento da população do Rio de Janeiro foi relevante, com
suas zonas de montanha densamente povoadas. Durante os séculos XVII e
XVIII, o Rio de Janeiro se tornou um centro econômico ainda mais vigoroso
devido à descoberta das minas de ouro e o avanço da economia açucareira
(FAUSTO, 2006, p. 25).
Em 1763, a cidade elevou ainda mais seu status político quando tomou
de Salvador a posição de capital da colônia, recebendo nova infraestrutura,
o que permitiu maior crescimento urbano. Segundo Benchimol (2010,
p. 247), isso levou a mudanças importantes na vida da cidade, mas nada
comparável com os efeitos da fuga da corte Portuguesa para sua colônia,
quando os exércitos de Napoleão invadiram Lisboa em novembro de 1807.
A família real se trasladou para a cidade em 1808, transformando-a em
capital do Reino Unido de Portugal. O historiador Boris Fausto salienta
que foi nessa época que o “Rio de Janeiro se tornou o porto de entrada dos
produtos manufaturados ingleses, com destino não só ao Brasil como ao Rio
da Prata e costa do Pacífico” (2006, p. 122). Assim, a cidade desempenharia
um papel importante ao proporcionar uma conexão do comércio inglês com
a América do Sul. O Rio de Janeiro foi, durante o século XIX, não só o porto
de exportação de produtos primários destinados ao mercado mundial, mas
também centro de redistribuição de uma economia rural. A cidade atuava
como principal mercado de consumo dessa mesma economia, de produtos
importados e, finalmente, núcleo das decisões políticas e do movimento
financeiro do país (ROCHA, 1995, p. 118).
Em 1822, com a Independência do Brasil, a cidade tornou-se a
capital do império brasileiro. Como sede da política brasileira atravessou
o 1° Reinado (D. Pedro I), a Regência e o 2° Reinado (D. Pedro II) no
39 A febre amarela esteve presente em várias províncias do Império brasileiro ao final do século XIX,
especialmente em São Paulo. Sobre isso ver os trabalhos de Telarolli Junior (1993) e Ribeiro (1993).
178
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final do século XIX. A cidade assistiu ao ocaso do império, desencadeado
com a Abolição da Escravatura (1888) o que decretou o fim da monarquia
e a Proclamação da República, em 1889. Com a primeira Constituição
republicana promulgada em fevereiro de 188940, o Rio de Janeiro se
tornou a capital da República dos Estados Unidos do Brasil, que, em 1900,
contava com uma população de 700.000 habitantes (LIMA, 2002, p. 36).
Sob a égide da República, a capital federal foi palco de transformações
profundas em suas estruturas físicas com a elaboração de um grande plano
de saneamento e reorganização dos serviços ligados à saúde. Essas obras
foram empreendidas em 1903 sob o governo do presidente Rodrigues
Alves e do prefeito Francisco Pereira Passos, que buscavam fazer do Rio de
Janeiro uma cidade sã, bela e moderna.
No entanto, a situação geográfica da cidade era, ao mesmo tempo,
favorável e comprometedora de seu estado sanitário. Se, por um lado
facilitava a comunicação com todo o país e fomentava o desenvolvimento
econômico, por outro proporcionava a propagação de doenças, em especial
da febre amarela, que acometia a cidade com certa periodicidade, o que
comprometia sua imagem de um ambiente insalubre. As medidas sanitárias
tomadas por Francisco Pereira Passos41 e Oswaldo Cruz42 foram eficazes e
produziram os resultados esperados, condizentes com a capital de um país
moderno e civilizado.
As transformações na cidade, entretanto, não ficaram estanques à
primeira década do século XX. Coincidentemente, às vésperas do surto de
1928, outras propostas de remodelação em suas estruturas urbanas foram
discutidas na gestão do prefeito Antônio Prado Junior que, com base nas
40Segundo Boris Fausto (2006, p. 141) “Esta constituição inspirou-se no modelo norte-americano,
consagrando a República Federativa liberal. Os Estados – designação dada às antigas províncias –
ficaram implicitamente autorizados a exercer atribuições diversas, como as de contrair empréstimos no
exterior e organizar forças militares próprias [...]. A Constituição inaugurou o sistema presidencialista
de governo. O Poder Executivo, que antes coubera ao imperador, seria exercido por um presidente da
República, eleito por um período de quatro anos. Como no império, o Legislativo foi dividido em Câmara
de Deputados e Senado, mas os senadores deixaram de ser vitalícios. Os deputados seriam eleitos em
cada Estado, em número proporcional de habitantes, por um período de três anos. A eleição dos senadores
se dava para um período de nove anos, em um número fixo: três senadores representavam cada Estado, e
três representando o Distrito Federal”.
41“Francisco Pereira Passos nasceu em 29 de agosto de 1836, no Município de Piraí, Estado do Rio de
Janeiro e faleceu em 12 de março de 1913. Passos fez seus primeiros estudos na casa paterna e, ao
completar 14 anos de idade, seguindo o costume da oligarquia rural, foi estudar na Corte, no Colégio São
Pedro de Alcântara, no qual completou seus estudos preparatórios. Foram seus colegas de turma Floriano
Peixoto e Oswaldo Cruz” (PINHEIRO, 2006, p. 1).
42Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em 5 de agosto de 1872 no Estado de São Paulo, na pequena cidade de
São Luiz de Paraitinga, onde seu pai exercia a clinica particular. Em 1877, a família mudou-se de volta
para a casa de seu pai no Estado de Rio de Janeiro. Em 1896 se especializou em microbiologia no Instituto
de Pasteur (França). Esta viagem forneceu para Cruz um momento chave na vida. Em volta ao Brasil em
1899, como microbiologista treinado, estava altamente motivado com a crença de que a ciência devia
fazer parte integrante da cultura nacional. Este novo pensamento foi um fator de grande importância para
o desenvolvimento da ciência no Brasil (STEPAN, 1976, p. 67-101).
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instruções do arquiteto francês Donat Alfred Agache43, propôs um novo
programa de urbanismo para a cidade. Agache publicou em 1930 a monografia
Cidade do Rio de Janeiro: extensão, remodelação e embelezamento, trabalho
que reuniu quantidade considerável de informações históricas, ambientais,
sociais e jurídicas da cidade. Agache salientava que o fator geográfico de
maior importância para o Rio de Janeiro residia na sua posição à beira do
Atlântico, a meio caminho da costa oriental: “Primeiro porto do Brasil, sob
todos os pontos de vista, o porto do Rio de Janeiro aproveita-se largamente
da sua situação privilegiada. Todos os vapores que se dirigem no rumo de
América do Sul fazem aqui escala e a concorrência internacional é aqui
considerável (AGACHE, 1930, p. 85)”.
Sem dúvida, o Rio de Janeiro era uma cidade importante para o país,
não somente por abrigar um grande porto marítimo, mas também por sua
relevância econômica e política como capital da República e centro de
produção, exportação e importação. Qualquer epidemia que na cidade
eclodisse constituía-se em uma séria ameaça ao seu desenvolvimento.
No final do século XIX, o Rio de Janeiro era considerado um “celeiro de
doenças” (LIMA, 2002, p. 38), porém, foi no início do século XX que as crises
sanitárias ali vividas resultaram na intervenção do poder público na cidade, o
que gerou uma época de grandes transformações. As intervenções principais,
conforme citado, foram a Reforma Passos, a campanha de saneamento de
Oswaldo Cruz e, poucas décadas depois, o plano Agache.
O prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos durante seu
período de gestão (1902-1906) comandou um amplo programa de reforma
urbana para a capital, depois denominada “Reforma Passos”. Estava
pautada em três necessidades: primeiro, era imperativo agilizar o processo
de importação e de exportação de mercadorias, que ainda apresentava
características coloniais devido à ausência de um moderno porto, segundo,
era preciso criar uma “nova capital”, um espaço que simbolizasse a
importância do país como principal produtor de café. Terceiro, era preciso
acabar com a noção de que a cidade era sinônimo de febre amarela e de
condições anti-higiênicas, transformando-a num verdadeiro símbolo do
“novo Brasil” republicano e moderno (ABREU, 1987, p. 60). Dessa forma,
a Reforma Passos representava uma organização do espaço urbano que
determinava novas funções à cidade, além de representar um dos primeiros
exemplos de intervenção estatal maciça sobre o urbano, organizado agora
sob novas bases econômicas e ideológicas.
43 “Donat Alfred Agache (1875-1959), arquiteto francês diplomado pela École des Beaux-Arts de Paris em
1905. É fundador da Sociedade Francesa de Urbanistas, tendo sido secretário-geral até o período entre
guerras. Alguns lhe atribuem a criação do vocábulo urbanismo. Em 1927 é convidado para uma série de
conferências sobre urbanismo no Rio de Janeiro, que culminam com sua contratação no ano seguinte para
elaboração de um plano urbanístico para a cidade. A partir de 1939, em seu exílio permanente no Rio
de Janeiro, atua como consultor em matéria de urbanismo e elabora projetos para Porto Alegre, Goiânia,
Curitiba, Campos, Cabo Frio, Araruama, Atafona, São João da Barra, Petrópolis, Vitória, São Paulo e
Araxá”. Disponível em: <http://planourbano.rio.rj.gov.br/>. Acesso em: 26 abr. 2012.
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Mauricio Abreu (1987, p. 67) aponta que o período no qual a Reforma
Passos transcorreu representa, para o Rio de Janeiro, a superação efetiva
da forma e das contradições da cidade colonial-escravista, e o início de sua
transformação em espaço adequado às exigências do modo de produção
capitalista. Pouco anterior à reforma urbana de Passos, o controle sanitário
da capital federal foi entregue ao proeminente médico Oswaldo Cruz,
diretamente nomeado pelo presidente Rodrigues Alves44. O presidente estava
preocupado com as doenças que incidiam sobre a população de maneira
indiscriminada, ameaçando paralisar a estrutura comercial e produtiva da
cidade (BENCHIMOL, 1992, p. 295). Incumbido de controlar o estado
sanitário da cidade, Oswaldo Cruz ganhou plenos poderes do presidente
para saneá-la a qualquer custo.
As medidas antipopulares promulgadas por Oswaldo Cruz conduziram
a um dos episódios mais dramáticos da cidade, a revolta popular que mais
tarde ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Tal revolta começou com
a publicação, no dia 9 de novembro de 1904, do plano de regulamentação
da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola, desencadeando um
debate exaltado que transpôs as dimensões do legislativo para empolgar
as páginas da imprensa e a população da Capital Federal (SEVCENKO,
1993, p. 13). O projeto gerou inúmeras manifestações por toda a cidade.
Embora visasse combater uma peste que, naqueles anos, atingia com força
a população da capital federal, a proposta de regulamento foi prontamente
repudiada por grande parte da população carioca (PEREIRA, 2002, p. 10).
A revolta atribui-se ao choque entre duas mentalidades médico-científicas,
uma tradicionalista e outra moderna e progressista (BENCHIMOL, 1992,
p. 299). Oswaldo Cruz encontrou grande resistência a suas tentativas de
pôr em prática medidas de profilaxia apoiadas na teoria pasteuriana, não
só por parte da população em geral, mas também de seus próprios colegas
de profissão. Poucos anos antes, enfrentara a desconfiança de médicos
renomados no que dizia respeito ao uso e à aplicação de soros curativos.
Segundo Augusto Carreta (2011, p. 681) este debate controverso pode ser
utilizado para compreender as dificuldades e o que estava em jogo naquele
momento, no que concerne à consolidação da ciência médica brasileira.
Contudo, tais acontecimentos não impediram que Cruz levasse à frente
seu programa de controle sanitário da capital federal. A campanha sanitária
conduzida pelo médico entre 1903 e 1907 se concentrou no combate a três
doenças: a peste, a varíola e a febre amarela. Essa última doença era um dos
maiores desafios devido aos efeitos colaterais na economia do país. Os trabalhos
44 “Em 1902 foi indicado candidato oficial à sucessão de Campos Sales na presidência da República o
paulista Rodrigues Alves, grande fazendeiro de café de Guaratinguetá. Presidente do Estado de São
Paulo desde 1900, com uma longa carreira política exercida no império. Sua candidatura assegurava a
permanência da chefia do governo republicano, pela terceira vez, em mãos de um representante da grande
burguesia cafeeira paulista. Estava em vigor a famosa política ‘café com leite’: o vice-presidente era
mineiro” (BENCHIMOL, 1992, p. 210).
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de Cruz enfocaram principalmente a erradicação do mosquito, vetor da febre
amarela. Após quatro anos de campanha de saneamento, a cidade conseguiu,
em 1907, livrar-se da febre amarela. Löwy (2006, p. 101) ressalta que o triunfo
da campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro contribuiu para, tempos
depois, glorificar Oswaldo Cruz como salvador do povo. Além disso, o médico
também colocou a medicina como elemento central para o país, concretizado
mais tarde no movimento sanitarista dos anos de 1916 a 192045.
Benchimol (1992, p. 294) aponta que a política sanitária no transcurso
da renovação urbana respondeu à necessidade e expansão da produção
capitalista, pois a base da política de saneamento implementada pelos
representantes do governo residia no interesse em proporcionar às zonas
produtoras de café uma oferta abundante de força de trabalho, pela
subvenção à imigração estrangeira, acima mesmo de suas necessidades
reais. As ações comandadas por Passos e Cruz surtiram os efeitos desejados,
mas, ao final da década de 1920, a cidade demandava novas intervenções em
suas estruturas urbanas. Para se ter uma ideia de sua dimensão, o arquiteto
Alfred Agache apontou em 1927 que a população da cidade era calculada
em 1.729.799 habitantes. Cabe ressaltar que no último recenseamento oficial
realizado antes da epidemia de 1928 foi a registrada em 1920, a população
do Distrito Federal eram 1.157.873 habitantes (BRASIL-MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMMERCIO, 1927). Isso significava
um desafio para os políticos, pois a grandeza da cidade exigia atenção
redobrada com sua saúde pública.
É claro que as intervenções propiciaram mudanças significativas no
panorama da cidade, o que certamente repercutiu positivamente junto
outros países. Além disso, entre as inúmeras medidas tomadas entre o fim da
década de 1910 e início da década de 1920, três delas podem ser consideradas
fundamentais por lançarem as bases para uma nova forma de atuação
sanitária no país. São elas a criação da especialidade médica de higiene e
saúde pública, o curso de Enfermeiras de Saúde Pública e a implantação dos
primeiros Postos de Profilaxia e Saneamento Rural, vinculados à Inspetoria
dos Serviços de Profilaxia (CAMPOS, 2007, p. 882).
Nesta época, o Rio de Janeiro mostrava melhorias expressivas em
suas condições de saúde. Em 1927, o Presidente Washington Luís, em uma
Mensagem ao Congresso Nacional do Brasil, referia-se à situação da saúde
pública do Distrito Federal com as seguintes palavras:
O bajo índice de mortalidad que puede hombrearse con los de las
más adelantadas ciudades del globo, en las que bien orientadas
medidas higiénicas han alcanzado reducciones acentuadas, revelan
45 A obra Reforma Sanitária no Brasil: ecos da primeira República do sociólogo Luiz Antônio de Castro e
da historiadora Lina Rodrigues Faria publicada em 2003, delineia as instituições e o arcabouço ideológico
que favoreceu e sustentou o sanitarismo como resposta aos problemas que o país buscava superar, a fim
de se enquadrar no rol das nações que, no dizer da época eram modernas e civilizadas.
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comparadas con los coeficientes anteriores, lo mucho que ha
conseguido la administración sanitaria en pro del bienestar y de la
salud de los que habitan en la capital o mantiene relación con ella.
(OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1928, p. 1175).46
O governo do Brasil mostrava-se preocupado com a imagem da cidade no
exterior, pois poderia afetar o livre fluxo do comércio. Ninguém esperava que
a febre amarela aparecesse novamente na cidade, pois a campanha sanitária
de Oswaldo Cruz fornecia certa sensação de segurança sobre a extinção da
febre amarela na cidade, mesmo transcorridos tantos anos após sua execução.
No entanto, em maio de 1928, a febre amarela apareceu na capital federal,
surto que perdurou até o final de outubro do mesmo ano. Quando se pensava
que a febre estava sob controle eis que a moléstia ressurge mais uma vez,
em julho de 1929. Tais ocorrências indicavam que a febre amarela não havia
sido erradicada no Rio de Janeiro como se pensava anteriormente, e que seu
controle era difícil de ser atingido. Assim, como ocorreu no início do século
XX, a febre amarela tornou-se o centro das preocupações do governo, pois,
novamente, era considerada uma ameaça às relações comerciais do país.
Em relação aos precedentes da febre amarela, a primeira notícia que se
tem sobre a confirmação de um diagnóstico no Rio de Janeiro foi publicada
em dezembro de 1849 pelo médico Roberto Cristiano Bertoldo Lallement.
No entanto, o diagnóstico foi considerado imprudente pelos colegas de seu
tempo, porque uma afirmação dessa natureza traria problemas sérios para
o desenvolvimento econômico do país. Somente em fevereiro de 1850,
na sessão da Academia Imperial de Medicina, foi oficialmente admitida a
existência de febre amarela no território do Rio de Janeiro. Com esse anúncio,
o governo submeteu a quarentena todos os navios considerados como foco de
infecção. Estabeleceu-se a inspeção diária feita por dois médicos, proibindose que os doentes fossem levados para os hospitais da cidade, designando-se
que o lazareto na Ilha do Bom Jesus dos Frades recebesse os doentes. Apesar
de todas essas medidas, não foi possível controlar a epidemia (FRANCO,
1969, p. 35-37). Ante o terror da população, o Governo constituiu em 5 de
fevereiro uma comissão central de Saúde Pública, com o intuito de prevenir
e controlar o progresso da febre amarela. A comissão elaborou um plano
detalhado de combate contra a epidemia, estabelecendo rígidas medidas de
controle sobre os indivíduos e a vida da cidade, armando pela primeira vez
um dispositivo disciplinador. E assim em setembro de 1850 a epidemia tinha
sido combatida (BENCHIMOL, 1992, p. 114).
Nas épocas pretéritas da cidade, a ocorrência de uma epidemia de
grande porte poderia ser atribuída a qualquer fenômeno, dado que ainda não
era conhecida a teoria de Finlay. Para termos ideia de sua dimensão, alguns
46 O discurso do presidente brasileiro ficou na língua espanhola devido a que a publicação do boletim da
Oficina Sanitaria Panamericacana era feito nesse idioma.
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médicos locais acreditavam que a causa da epidemia estava relacionada
ao comércio de escravos, o que justificava que a doença resultava da
acumulação dos miasmas que reinavam a bordo dos navios que traziam os
escravos (LÖWY, 2006, p. 95). Outros, como Candido Borges, indicavam
que as causas da febre amarela eram determinadas pelas indigestões, a
supressão de transpiração, exposição à chuva, à umidade, ao sereno da noite
e a insolação. Assim foram aparecendo mais explicações para o fenômeno
amarílico. Pereira Rego foi um dos médicos que começou a se preocupar
com a epidemiologia da doença, associando a febre amarela com as
condições climáticas que precederam à epidemia (FRANCO, 1969, p. 44).
Outro que também chamou a atenção foi o professor de Física da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro (atual UFRJ) Paula Candido, que apresentou
um relatório onde mostrou que a marcha da epidemia decrescia na razão
direta da quantidade de ozônio existente na atmosfera, depois das grandes
trovoadas. Torres Homem, professor de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina, apoiou esta ideia e adicionou que para o desenvolvimento da
febre amarela em qualquer localidade eram necessárias certas condições
topográficas, telúricas e meteorológicas, adotando um ponto de vista
miasmático para a explicação da propagação da doença, argumentando que
era produzida pela decomposição das matérias orgânicas (FRANCO, 1969,
p. 45). Franco reflete a respeito destas teorias, que hoje podem parecer
irrisórias, pois compreendemos melhor a epidemiologia da febre amarela.
Mas essas teorias foram objeto de longos trabalhos e demorados estudos
que evidenciaram a preocupação dos médicos locais a respeito da doença.
Embora a febre amarela houvesse desaparecido ninguém assegurava
que não voltaria a aparecer. Em 1850, o Rio de Janeiro, com uma população
de 166.000 habitantes, era uma cidade suja e malcuidada, onde os mosquitos
proliferavam livremente, ambiente onde a febre amarela encontrou campo
propício para instalar-se. A partir de então, a febre amarela irrompeu ano após ano
na cidade do Rio de Janeiro (ver Tabela 1). O flagelo das epidemias promoveu
uma atmosfera de terror entre as pessoas que ficaram aliviadas com a chegada da
era oswaldiana47, respeito do assunto em uma visão da elite, Barbosa comenta:
Ao Brasil não podia passar despercebida a obra de Finlay e da
Commissão Norte-Americana. Éramos uma vítima multisecular da
peste amarela, que nos flagelava desde 1865, roubando-nos os filhos,
salteando o estrangeiro, desacreditando o nosso nome. Éramos uma
terra maldita, que se julgava. Não havia esforcos que surtissem effeito.
Tudo era baldado. A pestilência voltava sempre inexoravelmente, para
novas e maiores hecatombes. (BARBOSA, 1929, p. 335).
47 Alívio para uns, mas tempos difíceis para outros, principalmente para a população mais pobre. Esta visão
de alívio não era compartilhada por outros setores sociais, inclusive da própria elite. Sobre isso ver o
trabalho de Sevcenko (1984).
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Tabela 1 – Mortalidade pela febre amarela no Rio de Janeiro (1850-1902)
ANO
N° DE
ÓBITOS
ANO
N° DE
ÓBITOS
ANO
N° DE
ÓBITOS
ANO
N° DE
ÓBITOS
2.156
1850
4.160
1863
7
1876
3.476
1889
1851
475
1864
5
1877
282
1890
719
1852
1.943
1865
0
1878
1.176
1891
4.456
4.312
1853
853
1866
0
1879
974
1892
1854
22
1867
0
1880
1.625
1893
825
1855
3
1868
3
1881
257
1894
4.852
1856
101
1869
272
1882
89
1895
812
1857
1.868
1870
1.118
1883
1.608
1896
2.929
1858
1.545
1871
8
1884
863
1897
159
1859
500
1872
102
1885
445
1898
1.078
1860
1.249
1873
3.659
1886
1.449
1899
731
1861
247
1874
829
1887
137
1900
344
1862
12
1875
1.292
1888
747
1901
299
1902
984
TOTAL N° DE ÓBITOS 58.057
Fonte: (FRANCO, 1969, p. 63)
A era de Oswaldo Cruz (1902 a 1907) começou em 1902, quando
Francisco Rodrigues Alves foi eleito presidente da República. Cabe
salientar que Alves era conhecedor dos testes da Comissão Reed na Havana
e pessoalmente permitiu que o médico Adolpho Lutz, diretor do Instituto
Bacteriológico de São Paulo, realizasse experimentos em seres humanos
a fim de confirmar os resultados obtidos pelos norte-americanos em Cuba
(LÖWY, 1990, p. 156). Segundo Stepan (1976, p. 86), a familiaridade do
presidente Rodrigues Alves com os trabalhos dos estadunidenses contribuiu,
sem dúvida, para apoiar a proposta de Oswaldo Cruz de realização de uma
grande campanha no Rio de Janeiro contra o mosquito, Cruz acreditava
firmemente que a febre amarela podia ser eliminada através do extermínio
sistemático do Aedes Aegypti. O médico assinalou também outras medidas,
como o isolamento dos doentes de febre amarela e a vigilância das pessoas
não-imunes (crianças novas e estrangeiros). Essas medidas foram postas
em prática em abril de 1903, com criação do Serviço de Profilaxia de
Febre Amarela (SPFA), encarregado do combate a esta doença. Para
reduzir o número de mosquitos Aedes aegypti na cidade, Cruz recorreu
principalmente à fumigação de gás sulfuroso nas casas, atividade realizada
por trabalhadores recrutados para esta finalidade, os conhecidos “mata
mosquitos”. A cidade foi dividida em dez setores, cada um gerenciado
separadamente e fiscalizado por uma estrutura central, método emprestado
pelos militares e aplicado pela primeira vez em Cuba pelo General Gorgas
(LÖWY, 2006, p. 87). O presidente Alves não negou apoio a Oswaldo Cruz
e a campanha de eliminação começou a dar resultados tangíveis (ver Figura
3). Em 1903, a mortalidade devida à febre amarela no Rio de Janeiro era
185
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de 584 pessoas; em 1904 foi reduzida a 48. Em 1905 aumentou a 289 em
1906 voltou a se reduzir a 42 pessoas, em 1907 a 39 pessoas e em 1908 a
4 pessoas (BRASIL-MEDICO, 24 maio 1930, p. 601). Segundo Stepan, a
“campanha da febre amarela, como é chamada muitas vezes a campanha
sanitária, constituiu uns dos capítulos mais fascinantes da história da
República Velha do Brasil, bem como um episódio muito interessante da
história da saúde pública” (STEPAN, 1976, p. 84).
Figura 3 – Casos de febre amarela no Rio de Janeiro (1903-1908)
Fonte: (BRASIL-MEDICO, 24 maio 1930, p. 605)
Oswaldo Cruz conseguiu acabar em quatro anos com a praga que
assolava a capital brasileira desde 1849 e que já havia sacrificado cerca de
60.000 vidas. A campanha de Cruz foi eficaz também para o saneamento de
outras regiões do Brasil como os portos do Norte do País, de Vitoria, Pará e
Manaus, alcançando os mesmo resultados48. Estas conquistas permitiram ao
governo afirmar que a doença estava sendo reduzida (MONTEIRO, 1928, p.
139). Não obstante, em 1918, a Fundação Rockefeller, por meio de William
Gorgas, Henry Rose Carter e Joseph Hill White assegurava que o problema
da febre amarela como vimos no capítulo anterior, poderia ser solucionado
se fossem extintos os centros chaves de Guayaquil e do norte de Brasil, dado
que essas áreas seguiam como zona endêmica. Por conseguinte, a Fundação
Rockefeller e o governo do Equador organizaram uma campanha em 1918,
que teve como consequência o desaparecimento da febre amarela na referida
cidade. Logo, segundo a Rockefeller, o único centro conhecido de infecção
era o norte do Brasil, para o qual foi elaborada pelo governo brasileiro
uma organização, em 1919, presente em cada Estado com uma comissão,
denominada Comissão Sanitária Federal. Esta comissão trabalhou entre
1919 e 1920, mas apesar dos esforços os objetivos não foram atingidos.
48 São Paulo era um dos estados que possuía um aparato próprio de saúde pública com vistas a exterminar as
principais epidemias que assolavam suas cidades e seu território, muito antes das medidas empreendidas
por Cruz no Rio de Janeiro. Sobre o saneamento das cidades paulistas, ver Bernardini (2007).
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Fred L. Soper (1937), representante da Fundação Rockefeller apontou que,
nessa época, a dificuldade de combater a doença no norte do país constituíase em um sério problema de solução muito mais difícil do que era suposto,
visto que o vírus se expandia por zonas grandes dentro e fora das cidades.
Em 1923, o governo Brasileiro autorizou o DNSP a aceitar a cooperação
da Fundação Rockefeller. O médico designado por Carlos Chagas para
fazer o estudo preliminar junto com White era Sebastiao Barroso chefe do
serviço de saneamento rural na Bahia (BENCHIMOL, 2011, p. 234), que
mais tarde se tornaria um dos principais críticos da Fundação Rockefeller
Portanto, em 1923, a Fundação Rockefeller assina um acordo com o governo
brasileiro (SOPER, 1937, p. 424): onde os especialistas da Fundação seriam
os encarregados da eliminação da febre amarela no nordeste do país:
O objetivo declarado da campanha da Fundação Rockefeller era a
repartição do sucesso obtido em outros países da América Latina e
a continuação da erradicação continental da febre amarela planejada
por Gorgas e Rose em 1914. Esse acordo assinado em 11 de setembro
de 1923 estipula que a Fundação Rockefeller, em colaboração com
o DNSP, se encarregaria da eliminação da febre amarela no norte do
Brasil por meio da destruição dos mosquitos. (LÖWY, 2006, p. 149).
Antes do término do ano, Joseph White, diretor da campanha contra a
febre amarela do Conselho Sanitário da Rockefeller, deu início a esta tarefa.
Investigações e medidas de combate ao mosquito foram efetuadas em todas
as principais cidades do litoral, entre o estado de Rio de Janeiro e o estado
de Ceará, excetuando o Distrito Federal. Os funcionários da Fundação
Rockefeller não conseguiram provar a existência da febre amarela do Ceará
até o Sul. Deste modo, a Fundação concentrou sua atenção para as regiões
compreendidas entre os Estados de Rio de Janeiro e Amazonas. Segundo a
Fundação, o declínio da doença era manifesto, e em 1925 anunciavam como
certa a proximidade da extinção do mal no continente americano (SOPER,
1937, p. 424). Cabe notar que em 1923 apresenta-se uma inesperada
epidemia de febre amarela em Bucaramanga (Colômbia), sem que se
conseguisse determinar a proveniência do respectivo vírus. Mas a falta
absoluta de outros casos no restante do continente, por um período cerca de
dois anos, e dadas às condições cada vez mais favoráveis do norte do Brasil,
a solução final do problema da febre amarela na América do Sul em 1925
era antevista como conquista imediata (SOPER, 1937, p. 424), ressalte-se
que a campanha pelo saneamento rural e a reforma de saúde pública do
Brasil coincidiram com o início das atividades da Fundação Rockefeller
(BENCHIMOL, 2011, p. 243).
Contrariamente, em 1926 ocorreu um surto no interior dos estados do
nordeste do Brasil. De acordo com a Fundação Rockefeller a causa do surto foi
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devido a um movimento de tropas não-imunes neste território. O flagelo ocorreu
na última metade de 1927. Contudo, Soper (1938, p. 299) comenta que neste
mesmo ano o otimismo pelo extermínio da febre amarela voltou aparecer dado
que o mal no norte do Brasil era considerado em via de extinção, não sendo mais
necessários gastos com recursos e técnicos para a América Latina. Foi neste
momento preciso que a Fundação Rockefeller abriu uma nova frente de trabalho
na África Ocidental e se propôs a identificar-se a febre amarela manifestada
na América era a mesma que a africana (MEJÍA, 2004, p. 128). Desta forma,
as campanhas de erradicação introduzidas na América, consideradas eficazes,
poderiam ser implantadas também no continente africano.
Figura 4 – Mapa do Brasil mostrando os estados onde a febre amarela ocorreu em 1928
Fonte: (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1928, p. 33)49.
Não obstante, a febre amarela parecia um problema sem fim. Em meados
de 1928 abalou os estados de Sergipe e Pernambuco, no norte do Brasil,
com 21 casos dos quais 9 foram registrados em Salvador (ROCKEFELLER
FOUNDATION, 1928, p. 33-34). A Fundação Rockefeller combateu
rapidamente estes casos, mas foi em maio de 1928 que o otimismo da
erradicação da febre foi abalado rapidamente pela descoberta de casos na
capital do Brasil, onde a doença não tinha sido vista durante duas décadas
após a memorável campanha de Oswaldo Cruz (ver Figura 4).
Neste momento não existia qualquer explicação satisfatória para
esclarecer como o vírus poderia ter chegado à capital visto que “Rio de
Janeiro estava a quase mil quilômetros do ponto mais próximo em que os
casos haviam sido observados durante os últimos 12 meses” (SOPER, 1938,
p. 299). O episódio ilustrou como essa primeira tentativa de erradicar a febre
amarela no Brasil (1923-1928) havia fracassado. A ocorrência inesperada
49 Casos de febre amarela reportados no Brasil Durante 1928, nas cidades de Rio de Janeiro e nos estados
de Sergipe, Pernambuco e Bahia.
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de uma epidemia no Rio de Janeiro (1928-1929), seguida da reaparição
da doença em várias localidades brasileiras, levou a um questionamento
dos princípios da base da campanha mantida pela Fundação Rockefeller,
prestando maior atenção aos conhecimentos epidemiológicos e patológicos
acumulados pelos médicos brasileiros (LÖWY, 2006, p. 16). Sem dúvida,
o aparecimento de um surto amarílico em uma cidade onde aparentemente
havia sido exterminada marcou um revés não só para o governo brasileiro,
que trabalhou energicamente nesta campanha, mas também para a Fundação
Rockefeller. O surto no Rio de Janeiro evidenciou que o problema não era
tão simples como se acreditava. Era evidente que muito conhecimento ainda
precisava ser produzido sobre a febre amarela nas Américas.
2.1.2 A febre amarela atinge o Rio de Janeiro (1928-1929)
Em 23 de maio de 1928 foi notificado ao Departamento Nacional de
Saúde Pública um óbito suspeito de febre amarela no Hospital Central do
Exército, de um soldado pertencente ao batalhão aquartelado em Campinho.
Inicialmente o diagnóstico foi de gripe, mas o doente apresentou icterícia,
hemorragias intensas, hematêmese negra, albuminúria, sintomas que
conferiram com o diagnóstico clínico de febre amarela. O doente havia
falecido no dia 16 de maio. O diagnóstico foi tão desacreditado que se
realizou duas vezes o exame histopatológico do fígado, para corroborar a
notícia (FRANCO, 1969, p. 97-98). No dia 23 de maio, o Instituto Oswaldo
Cruz enviou a Clementino Fraga50, Diretor Geral do Departamento de Saúde
Pública, a confirmação do diagnóstico de febre amarela no Rio de Janeiro.
No mesmo mês, em 29 de maio, ocorreu o óbito de outro soldado
aquartelado em Santa Cruz, suspeito da mesma doença (FRAGA, 1930, p.
1082). Em 31 de março recebeu o Departamento a notificação do primeiro
caso suspeito entre a população civil, que tinha estado doente desde o dia
27 de maio (FRAGA, 1928, p. 1535) o que alertou as autoridades públicas
e desencadeou uma pesquisa sanitária.
Essa pesquisa começou no quartel de Campinho e no Hospital
50 Clementino Rocha Fraga (Muritiba, 15 de setembro de 1880 – Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1971),
“fez o curso primário em Muritiba, o curso médio em Salvador. Matriculou-se na Faculdade de Medicina
da Bahia, aos 17 anos, diplomando-se em 1903 [...]. Em 1904, foi nomeado assistente da Faculdade
de Medicina da Bahia, Inspetor sanitário, por concurso, em 1906, no Rio de Janeiro [...]. Em 1911 foi
comissionado para fazer a profilaxia da cólera-morbo. Em 1912 foi representante da faculdade no Conselho
Superior de Ensino. Em 1914 foi nomeado professor de cátedra da primeira cadeira de Clinica Médica; foi
Chefe da Comissão Sanitária Federal na Bahia (Combate à febre amarela); em 1918, Diretor do Hospital
Deodoro, durante a epidemia de gripe; Em 1925 foi transferido para a faculdade de Medicina de Rio de
Janeiro; em 1926 foi nomeado Diretor do Departamento Nacional de Saúde Publica, em 1928-1929 dirigiu
a campanha Sanitária contra a febre amarela no Rio; Em 1937-1940 exerceu as funções de Secretario
Geral de Saúde e Assistência do antigo Distrito Federal. [...]. Em 1939 foi eleito para a academia Brasileira
de Letras, na vaga de Alfonso Celso. Faleceu em 8 de janeiro, no Rio, e foi enterrado no mausoléu da
Academia Brasileira de Letras, no Cemitério de São João Batista” (COUTINHO, A. 1980, p. 6-7).
189
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Central do Exército, seguido do expurgo de tais locais, além de ter sido
estabelecida a vigilância de todos os possíveis comunicantes e apresentados
dois isolamentos à prova de mosquitos na caserna e no hospital. Mas os
casos se multiplicaram rapidamente e logo se espalharam para vários pontos
da cidade, chegando a bairros isolados do foco principal, que segundo as
autoridades sanitárias do Brasil era o quartel de Campinho (Figura 5):
“Começava-se a pensar que os novos sorteados (soldados), provenientes dos
Estados do Norte, haviam trazido o gérmen para a Villa Militar, constituindo
foco inicial que era preciso incontinenti abafar (FRAGA, 1930, p. 1082)”.
Figura 5 – Localização
dos casos de febre
amarela em 1928 e 1929
no Rio de Janeiro
Fonte: (SOPER, 1934,
p. 41)
O rápido espalhamento da febre amarela pela cidade desconcertou
os médicos e autoridades sanitárias, pois a relação entre tais casos e o
foco não foi encontrada. Desde o primeiro momento, Clementino Fraga,
baseando-se na teoria dos centros-chave salientou que a febre amarela tinha
sido importada dos estados do Norte, assinalada por pequenos surtos nas
cidades do litoral e, sobretudo, focos disseminados no sertão do norte da
Bahia que teriam sido reativados em seguida aos movimentos de tropas
ali enviadas para abafar revoltas políticas (RICARDO, 1930, p. 651). No
entanto, esta explicação não ficou clara, pois os casos isolados levaram a
muitas perguntas sobre a etiologia que não se enquadravam a os padrões
tradicionais, desencadeando prontamente pontos controversos entre os
médicos.
De acordo com o artigo apresentado na Oficina Sanitária PanAmericana, Clementino Fraga (1928) apontou que, uma vez levantada a
suspeita de febre amarela, as medidas profiláticas foram empregadas. Relata
que 50% dos casos chegaram ao conhecimento das autoridades sanitárias
nos três primeiros dias da doença (fase infectante), o que possibilitou
a prática do isolamento (FRAGA, 1928, p. 1545). Cabe salientar que os
casos de febre amarela ocorridos no Rio de Janeiro foram removidos para
190
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os hospitais de isolamento (São Sebastião, do Departamento de Saúde
Pública, e de Manguinhos, dependência do Instituto Oswaldo Cruz), e os
restantes deixados em domicílio (FRAGA, 1928, p. 1535). Por outro lado, a
marcha epidêmica, tal como é fornecida na Figura 6, permite constatar que
a epidemia começou de maneira moderada até meados de junho. Em agosto,
a amarilosis decresceu até o mês de dezembro, sendo que a partir de janeiro
de 1929 se observa o período de maior crescimento da doença, atingindo
rapidamente o pico mais alto entre março e abril:
Na primeira semana de março e abril [1929] chegaram ao máximo
de 66, caíram, porém, rapidamente em maio, para se reduzirem
a 9 em todo o mês de Junho [...] se (sic) consideramos aqueles
máximos de 66 casos numa semana, o máximo de 241 no mês mais
castigado que foi março, em pleno verão devemos concordar em
ter sido formidável o esforço do Departamento [DNSP]. (BRASIL
MÉDICO, 1929, p. 979-980).
Os últimos casos reportados foram em dezembro de 1929. A maioria
da comunidade médica e o presidente da República, Washington Luiz,
salientaram que o triunfo da campanha se deveu à rápida ação do DNSP.
Figura 6 – Total de casos e óbitos da febre amarela entre 1928 e 1929
Fonte: (BRASIL-MÉDICO, 1930, p. 606)
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Tabela 2 – Distribuição dos casos diagnosticados no Rio de Janeiro em 1928 e em 1929
Distribution of cases diagnosed in Rio de Janeiro in 1928, in 1929 and in
1928 and 1929
Rio 1928
Rio 1929
1928 and 1929
Total cases
125
613
738
Males
100
461
561
Females
25
152
177
Per cent males
80.0 = ± 2.4 75.2 = ± 1.2
76.0= ± 1.1
Brazilians
28
203
231
Foreigners
97
335
432
Unclassified
75
75
Per cent foreigners
77.6 = ± 2.5 62.3 = ± 1.4
65.2 = ± 1.2
Whites
120
485
605
Mulattoes
43
43
Blacks
5
4
9
Yellow
1
1
Unclassified
80
80
Per cent whites classified
In Rio less than 3 years
In Rio more than 3 years
Unclassified
Per cent classified in Rio
Less than 3 years
96.0 = ± 1.2
92
33
73.6 = ± 2.6
91.0 = ± 0.8
268
65
280
80.5 = ± 1.5
91.9 = ± 0.7
360
98
280
78.6 = ± 1.3
Fonte: (SOPER et al., 1932, p. 346)
A epidemia de 1928 e 1929 assim se expressou em números: dos
738 doentes de febre amarela acometidos no biênio de 1928-1929, 436
faleceram, o que dá uma percentagem de 59,07% que, segundo Ricardo
Jorge, médico português interessado no problema da febre amarela no Brasil,
são números relativamente modestos para uma epidemia nesse cenário tão
propício ao seu desenvolvimento (RICARDO, 1930, p. 652). Em relação
aos sexos: homens, 561, 76%; mulheres, 177, 24%; raças: brancas, 605,
82%; parda, 43, 5,8%; preta, 9, 1,2%; amarela, 1, 0,1%; não declarada, 80,
10,8%; nacionalidades: nacionais, 231, 31,3%; estrangeiros, 432, 58,5%
não declarada, 75, 10,2%; residência: até 3 anos, 360, 48,8%; mais de 3
anos, 99, 13,3%; ignorada, 279, 37,9% (ver Tabela 2).
Enfim, a situação sanitária do Rio de Janeiro de acordo com o
presidente da República em 1929 não foi má, apesar do surto epidêmico da
febre amarela. Em uma mensagem ao Congresso da República, o presidente
Washington Luiz comentou que “dadas as proporções da cidade e suas
condições topographicas e sua densa população, não foi assustador o numero
de casos [de febre amarela] (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA.
1930, p. 1389)”. Segundo as cifras anunciadas pelo presidente, em 1929
“ocorreram no Rio de Janeiro 25. 955 óbitos, o que dá um coeficiente de 15
192
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por mil habitantes, contra 25.727 e 14.870, respectivamente, verificados no
ano anterior Pequeno foi, por conseguinte, o aumento da mortalidade geral
(OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 1389)”.
Quanto às cifras emitidas pelos boletins da Oficina Sanitaria
Panamericana, uma vez que não se afastam das emitidas pelo presidente
(ver Tabelas 3 e 4), aprecia-se que a doença que mais causou óbitos no Rio
de Janeiro durante os dois anos não foi a febre amarela. Nesses anos foram
434 óbitos causados pela febre amarela, enquanto que a tuberculose tinha
causado 8.552 mortes.
Tabela 3 – Mortalidade por doenças no Rio de Janeiro 1928
Brasil
Rio de Janeiro, 1° enero al 15 de diciembre de 1928
Enfermedad
Fiebre Amarilla
Viruela
Meningitis cerebroespinal
epidémica
Defunciones Enfermedad
Defunciones
71 Sarampión
423
1 Escarlatina
1
13 Tos ferina
Poliomielitis aguda epidémica
7 Tuberculosis
Encefalitis epidémica
2
Peste
bubónica
(humana)
195
4147
6
Fiebre tifoidea
97 Lepra
54
Fiebres paratíficas
28 Sífilis
677
Influenza o gripe epidémica
957 Bronquitis
Difteria
93 Bronconeumonía
Disentería amibiana
42 Neumonía
Disentería bacteriana
66 Diarrea y enteritis
Paludismo [Malaria]
Otras
355
enfermedades
162
1984
427
3650
13458
TODAS CAUSAS 24,398
Fonte: (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 419)51
51 Considerando os dados desta tabela, a soma total dos dados fornecido na tabela da mortalidade por doenças
no ano de 1928 no Rio de Janeiro é de 26,910, e não de 24,398 como é ministrado pela Oficina Sanitária
Panamericana.
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Tabela 4 – Mortalidade por doenças no Rio de Janeiro 1929
Brasil
Rio de Janeiro, 1° enero al 21 de diciembre de 1929
Enfermedad
Defunciones Enfermedad
Fiebre Amarilla
363 Tos ferina
Meningitis
346 Tuberculosis
Defunciones
443
4405
Poliomielitis aguda
epidémica
8 Lepra
60
Encefalitis epidémica
2 Erisipela
42
Fiebre tifoidea
Fiebre paratíficas
Influenza o gripe epidémica
Difteria
109 Tétano
135
26 Sífilis
645
706 Bronquitis
79 Bronconeumonía
668
1661
Disentería
192 Neumonía
469
Paludismo [Malaria]
322 Diarrea y enteritis
infantil
713
Sarampión
162 Septicemia puerperal
111
Escarlatina
1 Otros accidentes
puerperales
154
TODAS CAUSAS 25,008
Fonte: (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 353)52
Se compararmos as cifras dos óbitos das principais doenças transmissíveis entre 1928 e 1929, verificamos que havia mais doenças que atacaram o
Rio de Janeiro, em vez de febre amarela, tais como: Influenza ou gripe epidêmica, Sífilis, Broncopneumonia, Pneumonia e Malária. Esses dados mostram como a febre amarela era uma patologia importante, e um diagnóstico
de febre amarela era prejudicial para o desenvolvimento do país. Qualquer
coisa era melhor do que ter associada a imagem do país à febre amarela.
2.1.2.1 Diagnóstico e sintomatologia da febre amarela no
Rio de Janeiro (1928-1929)
Durante a epidemia de 1928-1929, um caso curioso ocorreu: o
desconhecimento da febre amarela pelos médicos jovens da cidade. A
maior parte dos clínicos do Rio de Janeiro não conhecia a doença, senão
52 Os dados fornecidos não são precisos. Somando os dados, a totalidade de mortalidade pelas doenças em
1929 é de 11.822, e não de 25.008, provavelmente houve um erro de digitação.
194
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de nome, pois depois de vinte anos nunca tinham presenciado qualquer
manifestação na cidade. A doença se achava extinta e nenhum dos médicos
jovens tinha qualquer interesse sobre a mesma. Tal ignorância constituiuse em um entrave para o diagnóstico clínico da febre amarela. A solução
era apelar a médicos veteranos que vivenciaram epidemias anteriores, e
que foram chamados para o socorro, atuando como “diagnosticadores” e
guias dos médicos jovens. Ricardo Jorge aponta que em ocasiões quando
o diagnóstico era confuso por causa dos casos mais atípicos que por vezes
aconteciam, sendo necessário o prático mais experiente que, em algumas
vezes, também acabava confuso (RICARDO, 1930, p. 651):
O diagnóstico em vida do doente continua, porém, a apresentar
dificuldades; na cliníca, mesmo os mais atilados não o podem, por
vezes, estabelecer com segurança; no laboratório, ao contrário do
que já acontece com outras infecções, nenhum processo biológico
existe ainda capaz de o assentar com exatidão. (MONTEIRO,
1929, p. 514).
No princípio, entre os primeiros casos observados, os sintomas
indicavam que se tratava de outra doença e não da febre amarela. Moncorvo
Filho chegou à conclusão, depois de 24 anos de estudo, de que a febre
amarela era confundida quase sempre com os seguintes males: gripe,
malária, distúrbios digestivos, exauthemas, icterus gravis, ou icterícia grave,
peste bubônica, septicemia e difteria (A FOLHA MÉDICA, 5 nov. 1928,
p. 17). Sinval Lins, médico-chefe do pavilhão de isolamento do Hospital
São Sebastião, foi um dos primeiros a refletir sobre o problema referente
ao diagnóstico clínico da febre amarela por meio de seus sintomas. Nos
primeiros 25 casos de febre amarela, segundo o médico, a impressão era de
tratar-se de uma toxinfeção grave e não febre amarela, pois nos sintomas
de intoxicação estão sempre presentes as mais profundas alterações do
epitélio renal, sintoma que naquela época não se reconhecia como sendo
um sintoma de febre amarela (LINS, 1928, p. 218). Sem dúvida, os médicos
ficaram surpresos com a versatilidade e a falibilidade dos sintomas, uma vez
que além da intoxicação, em alguns casos, também a pneumonia aparecia
como sintoma da febre amarela, o que confundia mais ainda o diagnóstico.
Era necessário que o diagnóstico da febre amarela fosse feito
rapidamente pelo médico, porque a fase infectante da doença ocorria nos
três primeiros dias da moléstia, sendo necessário um método biológico
que fornecesse, por si só, elemento seguro para confirmar o diagnóstico o
mais precocemente possível. Os médicos atuantes na epidemia de 19281929 confiavam na “albuminuria53” que, segundo eles, “mesmo nos casos
53Os dados fornecidos não são precisos. Somando os dados, a totalidade de mortalidade pelas doenças em
1929 é de 11.822, e não de 25.008, provavelmente houve um erro de digitação.
195
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mais benignos não costumava falhar” (FRAGA, 1929, p. 996). No entanto,
este sintoma algumas vezes não aparecia. Cogitou-se, durante a epidemia a
realização do diagnóstico através do exame macroscópico e, em outros casos,
exigia-se a verificação histológica. O fígado era a única víscera que observada
isoladamente permitia um diagnóstico seguro e onde estava presente a lesão
de Rocha Lima54, variando apenas em intensidade (FRAGA, 1928, p. 1545).
Figura 7 – Clementino Fraga, Diretor Geral de Saúde
Pública no Brasil 1930
Fonte: (REVISTA DE HYGIENE E SAÚDE PUBLICA, 1930)
A epidemia do Rio de Janeiro apresentou três fisionomias clínicas:
forma frustra ou renal, forma hepatorrenal e forma hypertoxica:
1.Forma frustra ou renal: o rim é o primeiro a reagir. Albuminuria
precoce, instalando-se bruscamente dos 2” ao 3” dias, quase
sempre acentuada e acompanhando-se, geralmente, de numerosos
cylindros hyalinos e granulosos, substituídos, nos casos graves de
anúria, por algumas raras hematias: tudo isso ocorre sempre e em
todos os casos de febre amarela. Pode parar ali a moléstia: febre
moderada, ligeira icterícia conjuntival, vestígios de hemorragias
nos lábios, gengivas e narinas, de parceria com a nefrose sempre
bem acentuada e albuminuria precoce.
2.A segunda a forma hepatorrenal: a mais comum, caracterizada pela
nefrose, icterícia e hemorragias. A icterícia é pouco pronunciada,
não tendo nunca a intensidade da icterícia catarral, por exemplo,
mistura de amarelo e vermelho vivo nas conjuntivas.
3.Terceira forma hypertoxica ou a forma hepatorrenal maligna,
em que sobrevém a morte antes da generalização da icterícia.
Temperatura elevada, agitação extrema, os olhos fortemente
congestionados (e nos dias subsequentes de urna cor vermelho
viva amarela, de mistura), delírio, discordância shygmothermica,
54 É um processo patológico manifestado pela presença de albumina na urina. A albumina é uma proteína
que é solúvel em água, moderadamente solúvel em soluções salinas, e sofre desnaturação com o calor.
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ansiedade epigástrica, oligúria ou anúria, convulsões,
enterorrhagias, vômito negro, precedendo a morte no 3º ou 4º dia: tudo isso, sempre associado à urna nefrose das mais intensas.
Se resistiam a l ou 2 dias a mais, entravam na forma hepato-renal
maligna (FRAGA, 1928, p. 1537).
As anomalias nos sintomas da febre amarela do Rio de Janeiro, como
as lesões nos rins, as hemorragias gastrointestinais e escarros hemópticos,
sintomas de uma gripe congestiva, entre outros, desconcertaram a
comunidade médica, criando-se uma atmosfera de desconhecimento sobre a
patologia. No entanto, apesar das investigações feitas, em 1931, os médicos
brasileiros reconheceram que não havia nenhum meio para distinguir
certos casos infecciosos despercebidos e atípicos (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1931:69).
2.1.2.2 Ações de higiene e medidas corretivas da epidemia
A recente epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro patenteou
a necessidade imperiosa e inadiável do nosso paiz encarar com
resolução e firmeza o problema amarílico em todo o território
nacional. Esse reaparecimento do mal após ausência completa
durante vinte anos causou grande emoção e, para os que não
conhecem ou não acompanham o assumpto, dolorosa surpresa.
(Barroso, 1930, p. 374).
O verão de 1928 no Rio de Janeiro havia sido excepcionalmente
quente. A população da cidade, depois de 20 anos de ausência da febre
amarela, continha pelo menos dois terços não imunes – cerca de 1.153.000
pessoas enquanto em 1903 não passava de um terço, 250.000, o que tornava
a situação bastante preocupante (FRAGA, 1930, p. 1082). Depois da I
Guerra Mundial, a afluência de estrangeiros de todos os pontos do globo
era cada vez maior, permitindo que a população estivesse menos imune a
enfermidade. Conforme Clementino Fraga (1929), o Rio de Janeiro, em
1928, tinha aproximadamente 1.600.000 habitantes, boa parte composta,
em números precisos, de 21% de estrangeiros e de 79 % de brasileiros
(FRAGA, 1929, p. 1536). Estes dados aterrorizavam as autoridades, pois
poderiam propiciar uma epidemia de grandes dimensões.
A campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro no final da
década de 1920 enfrentou grandes desafios. Mas a população não imune
não foi o único desafio. Os problemas encontrados para o enfrentamento da
doença depois de 20 anos foram grandes. O primeiro foi a invasão do vírus
em pontos diversos em uma cidade de topografia irregular, entrecortada por
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morros, terrenos baldios, vários cursos de água onde se atirava toda sorte de
resíduos, com edificações de todos os gêneros, sendo que algumas estavam
situadas em elevações dificilmente acessíveis. Dos 82.396 prédios, com
83.686 domicílios registrados no recenseamento de 1906 eram em 1928
de 198.738 espalhados em áreas extensas (131.032 na zona urbana, 66.700
na rural e 1.006 na marítima). Além desses dados, as condições biológicas
eram propícias para o mosquito transmissor reproduzir-se e, geralmente,
invadia as casas em número considerável (FRAGA, 1930, p. 1082).
Somava-se também aos problemas do desconhecimento dos sintomas por
parte dos médicos e a falta de mata mosquitos na cidade, decorrente do corte
sucessivo das verbas destinadas à saúde. Todos esses fatores indicavam que
a campanha que viria pela frente não seria fácil.
De acordo com Ricardo Jorge, duas figuras destacaram-se na campanha
contra a febre amarela: Clementino Fraga, diretor do DNSP e Barros Barreto,
assistente do diretor. Estes dois médicos ganharam a confiança do Ministro
do Interior e do Presidente, que liberaram o dinheiro para a campanha sem
nenhum pretexto adicional (RICARDO, 1930, p. 676).
Uma vez levantada a suspeita de febre amarela as medidas profiláticas
foram empregadas. Essas medidas de combate foram desenvolvidas a partir
de um conjunto de serviços (ver Figura 8). Clementino Fraga (1928) relata
que 50% dos casos chegaram ao conhecimento das autoridades sanitárias
nos três primeiros dias da doença, o que possibilitou a prática do isolamento.
As medidas foram tomadas a partir de maio, a começar pelos quartéis e
pelo hospital do Exército, onde se apresentaram os primeiros casos de
febre. Fraga estabeleceu, com raios de 250 ou 200 metros em torno dos
casos conhecidos ou suspeitos, zonas de vigilância, que se prolongavam por
espaços de tempo nunca inferior a 30 dias:
Figura 8 – Meios de combate e seu emprego contra a febre amarela do RJ (1928-1929)
Fonte: Adaptado (FRAGA, 1930, p. 1085)
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Tem-se uma ideia de tal serviço dizendo que de agosto de 1928 a
março de 1929 foram expurgados 183.243 pavimentos. A prática da
nebulização de líquidos tóxicos para o mosquito foi pela primeira
vez realizada em grandes proporções nesta epidemia, e é ilícito
acreditar que sem ela não teria sido possível atender a magnitude
do serviço indispensável (FRAGA, 1930, p. 1085).
Quanto à vigilância médica foram atendidas, em 1928, 175.000
pessoas, ocupando mais de 70 médicos, 30 enfermeiras e 140 estudantes.
Em 1929, aproximadamente 217.000 pessoas estiveram só na zona urbana,
sob as vistas diárias das autoridades sanitárias. Além disso, note-se que a
profilaxia que Fraga aplicou nos doentes de febre amarela surtiu efeitos
efetivos, sendo objeto de importantes publicações. Outros setores também
foram reativados, como os pesticidas desenvolvidos para o controle da
doença, pois com o reaparecimento da epidemia do Rio de Janeiro o DNSP
reconheceu a necessidade de instalar desde o início do surto uma estação
experimental para estudos desses produtos (FRAGA, 1930, p. 1084-1085).
É evidente que uma campanha dessa magnitude exigiu muito dinheiro,
e isso pode ser confirmado a partir dos números apresentados pela contadoria
do Ministério da Fazenda e pela Diretoria de Contabilidade do DNSP. Os
créditos abertos para socorrer as despesas com a febre amarela e outros surtos
epidêmicos em todo o território nacional (de junho de 1928 a novembro de
1930) foram da ordem de cerca de 115 mil contos (A FOLHA MÉDICA,
1931, p. 12-15). Essa quantia não foi utilizada totalmente na luta contra a febre
amarela. A administração sanitária, chefiada por Clementino Fraga aproveitou
a oportunidade para proceder à remodelação de hospitais do Departamento
Nacional de Saúde Pública, e para outros serviços (ver Tabela 5).
Tabela 5 – Orçamento para a febre amarela entre 1928-1929
SERVIÇOS
Serviço contra a Malária no D. F.
Material e pessoal no Estado do Rio de Janeiro.
Material e pessoal no H São Sebastião.
Material e pessoal do H. Paula Candido.
Contribuição para os serviços da Fundação Rockefeller no
norte do País.
Distribuição à delegacia Fiscal de Minas.
Distribuição à Delegacia Fiscal de Alagoas.
Distribuição à Delegacia Fiscal de Amazonas.
Quantia posta à disposição do Senhor Ministro da Justiça.
Total:
Fonte: (A FOLHA MÉDICA, 1931, p. 12-15)
VALORES EM CONTOS
11.400: 000$
2.627:289$
3.166: 048$
674:354$
1.921: 726$
50:000$
60:000$
50:000$
6,250: 000$
26,199: 000$
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No entanto, subtraindo esses 26.199 contos dos 115 mil anteriormente
referidos, restam 88.901 contos, que representam aproximadamente a
quantia investida durante a campanha contra a febre amarela em 28 meses.
Esta quantia significativa 3\4 do orçamento destinado para os surtos
epidêmicos apresentados naquela época. Certamente esses dados salientam
a importância da extinção de febre amarela em todo o território brasileiro.
2.1.2.3 Pontos controversos
Antes de começar a epidemia de febre amarela do Rio de Janeiro,
Sebastião Barroso, diretor do Serviço de Profilaxia Rural do Departamento
de Saúde Pública, destacava os ganhos da Fundação Rockefeller no Brasil
e no mundo inteiro. Barroso estava ciente de que a Fundação Rockefeller
tinha sido uma entidade importante na orientação de estudos e das práticas
de higiene moderna. A Rockefeller mantinha um sistema de organização
que, segundo o médico, era exemplar para a época. Seus objetivos estavam
encorajar e divulgar as pesquisas, ratificar o papel dos médicos nas iniciativas
da higiene, fazer do ensino da medicina um fator vital no desenvolvimento
da higiene pública, dotar os serviços com laboratórios, propiciar o ensino
popular, entre outras tarefas, que faziam dela uma instituição de excelência,
já que seu programa consistia na instrução e educação das realizações
sanitárias (BARROSO, 1928:335). No entanto, apesar de a Fundação
Rockefeller ter conseguido consolidar-se enquanto autoridade científica,
Barroso (1928) afirmava que, em questões de febre amarela, a Fundação
Rockefeller não tinha a última palavra. Benchimol (2011, p. 244) salienta
que as campanhas da Fundação contra a febre amarela foram recebidas com
forte reação nacionalista: “A intenção da Rockefeller de assenhorar-se de
um campo em que os sanitaristas brasileiros julgavam possuir comprovada
expertise” (BENCHIMOL, 2011, p. 244) suscitava desconforto na
comunidade médica brasileira.
Segundo Barroso a eliminação da febre amarela no norte do país
estava demorada, devido aos erros técnicos da Fundação, que se recusou
em usar os modelos brasileiros contra a doença, uma vez que em São Paulo,
Rio de Janeiro, Vitória, Belém e Manaus as campanhas haviam sido um
sucesso, extinguindo-a dos territórios mencionados. Mas a recusa completa
a esta Fundação foi intensificada quando a doença apareceu novamente em
maio de 1928 no Rio de Janeiro. Na sessão de comentários publicada em 9
de junho na Revista Brasil Médico, comentou-se que o principal culpável
pelo reaparecimento da doença eram os poderes públicos, que não tinham
continuado com a campanha clássica contra a febre amarela, além de
permitirem a ingerência de um país estrangeiro:
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De modo a permitir amplamente a ingerência da União nos Estados,
com o patriótico objetivo de libertar o nosso território de um flagelo,
que era um flagelo nacional, que a nós – como imprescritível
questão de honra – competia exclusivamente eliminar, perseverando
nos processos de ação que adotaremos, processos brilhantes,
não igualados em parte alguma, eficientissimos, segundo o
comprovaram as memoráveis conquistas alcançadas por Oswaldo
Cruz nesta Capital, Mauricio de Abreu em Belém, Theophilo Torrre
em Manaus e Vitória. (BRASIL-MÉDICO, 1928, p. 634).
Não era de se esperar outra reação. A Fundação Rockefeller era
considerada líder indiscutível no campo da febre amarela, há mais de 13
anos dedicava-se seu estudo e dispunha de grande equipe de médicos e
cientistas (MEJIA, 2004, p. 125). Mesmo assim, não conseguiam extinguir
a moléstia nos estados do norte de Brasil, mas se mostrava tranquila e
insistente em anunciar que a doença estava sendo erradicada do mundo
inteiro. Esta suposta extinção da febre amarela trouxe consequências às
políticas públicas do Brasil. O diretor do Departamento de Saúde Pública
e o presidente da República, Artur Bernardes (1922-1926), estavam crentes
que o problema da febre amarela havia sido resolvido:
Daí por diante, não haveria necessidade de continuar a Nação a
despender inutilmente o seu dinheiro com o serviço mata mosquitos
no Rio, quando esse dinheiro poderia ser empregado em coisas
mais úteis para o interesse público (PIZA, 1928, p. 950).
A principal crítica dirigida à Fundação Rockefeller foi o abandono
das pequenas cidades do interior brasileiro, concentrando-se nas cidades
grandes do norte do país (MONTEIRO, 1928, p. 141). Conforme vimos
anteriormente, esse modelo correspondia à teoria publicada por Henry Rose
Carter (1914), sanitarista da Rockefeller, que condensou os conhecimentos
acumulados nas campanhas de Havana e do canal de Panamá, formulando
a teoria dos centros chaves, a qual serviu de base para diversas campanhas
contra a febre amarela durante as primeiras décadas do século XX. Com
o surto apresentado no Rio de Janeiro, a teoria ficava em total descrédito,
pois a princípio se acreditava que o mal havia sido importado das cidades
do interior do norte, cidades pequenas que não eram importantes para
a Rockefeller. Emygdio Mattos (1928), subinspetor de profilaxia do
Departamento Nacional de Saúde Pública do Brasil, mencionava que o
método da Fundação Rockefeller que havia suprimido de vários países
da América Latina a febre amarela consistia simplesmente em restringir o
número das stegomyas (Aedes aegypti) em geral, sem atender ao isolamento
dos enfermos, nem à destruição dos mosquitos contaminados, métodos que
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haviam sido usados com sucesso por Oswaldo Cruz na campanha de 1903 a
1908 no Rio de Janeiro (MATTOS, 1928, p. 1017-1018).
Assim, os médicos do Distrito Federal, como Areobaldo Lellis,
sustentaram que a doença estava atacando a Capital Federal e outras cidades
brasileiras porque os sanitaristas tinham abandonado os métodos de Oswaldo
Cruz para orientar os seus trabalhos pelos processos aconselhados pela
Fundação Rockefeller. Porém, se começou uma discussão, pois Pedro Fontes
salientou que os métodos de Oswaldo Cruz não tinham sido uma inovação,
senão a aplicação no Brasil dos processos de profilaxia antiamarílica
estadunidenses, que permitiram a Gorgas sanear Havana e Cuba inteira
em 1901 (MONTEIRO, 1928, p. 142). Esta afirmação poderia ser de certa
forma, verdadeira. Uma vez conhecido o sucesso em Havana, Emílio Ribas
e Oswaldo Cruz seguiram os postulados de Gorgas. Mas por que alguns
médicos salientavam a grandeza de Cruz? Em 25 de agosto de 1928, José
de Toledo Piza publicou um artigo na Revista Brasil Médico ressaltando as
diferenças entre Oswaldo Cruz e Gorgas “para a edificação de muitos dos
nossos patrícios que, ou por ignorância, ou por outro qualquer motivo, tão
amiúde menosprezam a capacidade científica dos nacionais (PIZA, 1928, p.
945)”. No artigo, Piza apontou que a principal diferença é que Gorgas era um
médico do Exército, e Havana estava debaixo das leis marciais, circunstância
que tornaram a aplicação das leis sanitárias uma questão, segundo, Piza, mais
fácil quando executada entre a população civil. Além disso, cidade de Havana
era ainda muito menor quando comparada ao Rio de Janeiro:
A área que requeria medidas prophylacticas no Rio era de 1.116
quilômetros quadrados, ou 430 milhas quadradas, com uma
população de 800.000 habitantes e 82.390 casas. A população
era Hostil55 e em muitos casos se recusava a cooperar com as
autoridades (PIZA, 1928, p. 945).
Oswaldo Cruz havia dedicado especial cuidado, mesmo tendo levado
a cabo experiências para determinar a quantidade média de enxofre a ser
empregada para produzir rapidamente a morte dos mosquitos nas fumigações.
Cruz empenhou-se em destruir os mosquitos infectados antes de decorridos
os 12 dias de evolução do vírus no corpo do inseto, que naquela época se
achavam necessários para que a picada deste se tornasse infectante. Oswaldo
Goulart Monteiro, Diretor de Higiene do Estado do Espírito Santo, notou
que a única diferença entre as práticas de Oswaldo Cruz e a dos americanos
– especialmente a de Gorgas – consistia na maior ou menor extensão do
expurgo. O primeiro estabelecia em suas instruções que o expurgo fosse
feito na casa do doente e no entorno dela, nas casas compreendidas dentro
de um círculo de 50 metros de raio. Os americanos limitaram a prática à
55 Certamente o autor está se referindo à revolta popular ocorrida durante o episódio da vacina obrigatória.
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extinção dos mosquitos alados na casa do doente e casas vizinhas, com
enxofre, pyrethro, fumo ou outros inseticidas (MONTEIRO, 1928, p.
145). Mas o problema na epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro de
1928 não era entre Oswaldo Cruz e Gorgas. O problema era discutir qual
o melhor método para a profilaxia da febre, se o “brasileiro”, lançado por
Oswaldo Cruz (polícia de focos, isolamento e expurgo), ou se o da Fundação
Rockefeller (só polícia de focos). As perguntas centravam-se em “Polícia de
focos? Expurgo? Isolamento dos doentes? Que meios empregar na luta?
Todos os três eram dispendiosos e difíceis. Seria necessário empregá-los
conjuntamente, ou se poderia dispensar alguns deles?” (LESSA, 1931, p.
1105). Mas qual é a razão dos questionamentos, uma vez que se supunha
que as medidas profiláticas tinham a mesma origem? Então, qual era origem
do problema?
As experiências da Comissão Reed em Havana provando que a
febre amarela se transmitia pelo stegomya postulado por Carlos Finlay
terminaram em dezembro de 1900. Dois meses depois, William Gorgas
iniciou na mesma cidade uma enérgica campanha contra a febre amarela,
baseada nos seguintes processos: polícia de focos, que consistia em atacar
os criadouros de mosquitos (larvas); o expurgo consistia em atacar o
mosquito alado e, por último, o isolamento dos doentes que evitava infectar
os mosquitos. Não obstante, quando Gorgas liderou a campanha no istmo
do Panamá (1914), o expurgo e o isolamento enérgico dos doentes foram os
métodos que lhe trouxeram certa decepção. Enquanto Oswaldo Cruz na sua
campanha no Rio, com base nos postulados de Havana, obteve magníficos
êxitos não somente no Rio de Janeiro, mas em outras cidades do país. A
opinião dos médicos, na sua maioria, se inclinou em pensar que esse êxito
tinha sido em decorrência da conjunção das três medidas acima expostas.
Esse pensamento, porém, era tão teórico quanto a opinião de Gorgas sobre
Havana, visto que só a dissociação das medidas poderia ter revelado a sua
indispensabilidade (LESSA, 1931, p. 1106).
Com a entrada da Fundação Rockefeller nos estudos da amarilosis e
apoiada nas experiências de Gorgas no istmo do Panamá, em 1915 a febre
amarela foi aniquilada em duas cidades do Peru e da Colômbia, somente
com a polícia de focos. Em 1918, o fato foi repetido no Equador, salientando
que dita medida era o único meio necessário para acabar com o vírus
amarílico na América. No entanto, parecia que essa medida não tinha sido
exitosa no norte do Brasil. A febre amarela semelhava ser uma enfermidade
endêmica nesta região. Distintos médicos salientavam este fato, como
Silva Lins, que acreditava ser um crime social abandonar a medida do
expurgo (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1931, p. 851). Além
disso, a autoridade científica da Rockefeller estava em xeque. Os médicos
brasileiros apontavam que a lógica implementada pela Fundação “de que os
focos estavam somente nas cidades grandes e litorais” era fantasiosa:
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Nestas condições, como poderia eu dar crédito a aceitar como seguro
o método para a extinção da febre amarela, baseado unicamente na
polícia de focos larvarios nas grandes cidades da costa, deixando
os focos do interior à própria sorte? Por que motivo pensava eu,
não de ser importado o mal do interior, onde grassa impunemente,
se as comunicações são fáceis, se há mosquitos transmissores e
indivíduos receptíveis e se as condições mesológicas são propícias?
Porque o mal havia de ser só litorâneo? (PIZA, 1928, p. 945).
Certamente o problema não tinha uma solução tão rápida como
fazia acreditar a Fundação. Foram os médicos brasileiros os que
compreenderam a complexidade do problema, apontando mais para os
estudos epidemiológicos que os estudos profiláticos da doença. A pressão
econômica e a má imagem que propiciava a doença no exterior levaram
muitos cientistas a se interessarem pelas pesquisas da febre amarela. Entre
1928 e 1929 foram publicados mais de 150 trabalhos, todos referentes à
febre amarela (INSTITUTO DE BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO,
1958, p. 35-51).
É importante notar que a Fundação Rockefeller não teve participação
no controle da febre amarela na epidemia do Rio de Janeiro de 1928. Os
trabalhos da Fundação estavam mais direcionados ao norte do país e a
febre amarela do Rio de Janeiro (1928) estava sob responsabilidade do
Departamento Nacional de Saúde Pública. O relatório da Fundação deste ano
não comenta nenhum dado sobre a epidemia de 1928. Não é de surpreender
que para a época a principal preocupação do governo brasileiro a respeito
da febre amarela era o temor de seu ressurgimento, pois suas consequências
seriam sentidas no desenvolvimento material do país, dificultando a atração
do dinheiro estrangeiro.
2.1.3 Controvérsias nos jornais
Pouco depois que o surto eclodiu, jornais do Rio de Janeiro e de São
Paulo publicaram várias opiniões a respeito da epidemia. Muitas destas
publicações mostraram o descontentamento com o erário público, com o
DNSP e até mesmo com a Fundação Rockefeller. Argumentavam que desde
que foi extinta a febre amarela no Rio de Janeiro por Oswaldo Cruz, os
serviços foram reduzidos somente à polícia de focos – medida recomendada
pela Fundação Rockefeller – como elemento de defesa contra a importação
do mal, independentemente que a doença ainda estava latente nos estados do
norte. Entre o jogo do desejo de melhorar a economia, o passo em que a cidade
crescia, o Erário Público realizava cortes nas verbas de custeio dos serviços da
febre amarela, dado que parecia inútil. Com uma população três vezes maior,
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os serviços passaram a ser três vezes mais reduzidos. A Fundação Rockefeller
não escapou às críticas, o jornal O Paiz comentou a respeito:
A Rockefeller, a quem toda a profilaxia do mal havia sido confiada,
tranquilizava-nos quanto a qualquer reimportação. Por vezes
pensou ela em dar a sua missão por terminada e suprimir os
trabalhos. Pedidos dos nossos representantes sanitários em alguns
Estados fizeram adiar aquela resolução. (O PAIZ, 1928, p. 2).
Em meio à crise, a lembrança de Oswaldo Cruz começou a ser maior.
Os jornais salientavam que Cruz havia contribuído para a reputação de
cidade civilizada e inteiramente livre da mancha da febre amarela, ao
passo que Fraga não realizava o seu trabalho de forma eficiente. Todos se
perguntavam: “A febre amarela reapareceu. De quem é a culpa?” Os jornais
consideravam que a culpa era da organização administrativa, pois lhes
faltava qualidade de previsão (O IMPARCIAL, 1928).
A defesa da administração foi imediata. Em agosto de 1928, o deputado
Roberto Moreira defendeu as providências tomadas pelos poderes públicos
ante a Câmara dos Deputados. Em seu discurso, Moreira salientou que
nenhuma recriminação poderia ser feita à administração dos serviços da saúde
pública da capital pelo aparecimento da febre amarela. Segundo o deputado,
não era possível prever tal aparecimento. Referiu-se também à campanha de
Oswaldo Cruz e ressaltou que a situação era incomparavelmente melhor
para o êxito do combate do que a de Fraga. À época de Cruz, a população
era menor, e se compunha de pessoas imunizadas, portanto, em condições
de pouca receptividade para o mal, ao contrário do combate que tinha que
fazer Fraga, com uma população duplicada e praticamente composta de
pessoas não imunizadas. Moreira não hesitou em afirmar que essa situação
mudaria rapidamente, “toda a legião das nossas autoridades sanitárias se
movimentou iniciando a ofensiva com tal eficácia e proficiência, que desde
já, podemos afirmar desassombradamente, que o insidioso inimigo será
vencido” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1928, p. 9).
No entanto, os jornais voltaram sua atenção para Clementino Fraga
dirigindo críticas aos trabalhos desenvolvidos pelo mesmo. Uma das críticas
foi quanto à utilização de carros na campanha profilática, pois acreditava
que uma boa vigilância era realizada melhor a pé tal como fazia Oswaldo
Cruz, dado que a natureza do serviço consistia em percorrer casa por casa
de uma rua ou de um quarteirão, para indagar a saúde de seus moradores. E o
carro não se justificava:
Quando chegar o dia do Dr. Clementino Fraga de explicar o destino
que está dando aos milhares de contos sumidos na profilaxia
da febre amarela, será bom não se esquecer de mencionar os
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automóveis que comprou, e os respectivos preços, para que seus
afiliados pudessem confortavelmente fazer o serviço de vigilância
e policia de focos [...] o Dr. Fraga terá muito que explicar quanto
à aplicação do dinheiro da febre amarela. Pode ir começando a
fazel-o pelos automóveis comprados com a economia do povo para
uso e gozo do seu estado-maior. (CORREIO DA MANHÃ, 18 ago.
1928, p. 4).
O descontento pelos serviços de saúde pública seguiu evidenciando-se,
pois as campanhas não eram bem-sucedidas. Em Nilópolis, onde já tinham
sido feitos os expurgos, se apresentaram cinco doentes suspeitos de febre
amarela, os enfermos apareceram um a um, demostrando que a ação do
DNSP era ineficaz (CORREIO DA MANHÃ, 4 out. 1928, p. 6).
Os jornais não toleravam qualquer falha, o regresso da febre amarela em
1929 destacava ainda mais que o DNSP não tinha controle sobre a doença
para quem “uma direção capaz e inteligente poderia realmente acabar com os
mosquitos transmissores” (CORREIO DA MANHÃ, 21 abr. 1929, p. 5). Sem
dúvida, o desprezo pela campanha de Fraga era evidente. O editorial de 25 de
maio de 1929 do Correio da manhã publicou que o jornal somente fazia vir à
tona e que não estavam buscando, como apontavam os cientistas americanos
e alguns cientistas brasileiros, alarmar ao país, e levar notícias exageradas
do mal ao estrangeiro (CORREIO DA MANHÃ, 25 maio 1929, p. 3). O
problema, na versão deste jornal, era que Fraga tentava ocultar informações
sobre a epidemia. Sobre este comentário, Fraga fez a seguinte declaração:
O Departamento Nacional de Saúde Publica do Brasil timbra
sempre em não ocultar jamais a verdadeira situação sanitária do
país, qualquer que ela seja, e com o maior zelo de tudo informa
às outras nações, diretamente ou por intermédio dos bureaux de
Genève, Paris e Washington, conforme os convênios internacionais.
É que os interesses da humanidade e da civilização são sagrados
para as autoridades brasileiras, que os consideram muito acima de
qualquer mal avisada vaidade nacional. (FRAGA, 1929, p. 996).
No entanto, as medidas profiláticas desenvolvidas pelo DNSP não
foram capazes de mudar a imagem da febre amarela durante os anos da
epidemia. Países estrangeiros, como Argentina e Uruguai, adotaram
medidas profiláticas como a quarentena contra os navios procedentes de
portos brasileiros. Segundo Odair Franco foi esta a razão principal pela
qual alguns jornais encetaram uma propaganda cruel visando diretamente o
Diretor-Geral (FRANCO, 1969, p. 100).
Certamente a eclosão da epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro não
só serviu para amargar a consciência sanitária do país como afrontou a Revista
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Brasil Médico (23 set. 1933, p. 674), mas também dinamizou a prática da saúde
pública do Rio, o que permitiu que a população conhecesse as decisões do
DNSP e se interessasse em conhecer o real estado sanitário da cidade.
2.1.4 Contribuições da epidemia de Rio de
Janeiro aos estudos da febre amarela
A descoberta de Stokes e os outros pesquisadores (1927) de que a febre
amarela é transmissível ao Macaco Rhesus, tanto por inoculação de sangue
dos doentes como pela picada de Aedes aegypti infectado, criou novas
possibilidades para as pesquisas experimentais dessa moléstia, resultando
em um sem-número de aquisições da mais alta importância teórica e
prática (ARAGÃO, 1929, p. 849). Além disso, os casos de febre amarela
na epidemia do Rio de Janeiro ofereceram aos cientistas a oportunidade de
fazer pesquisas experimentais no assunto. Pode-se dizer que a partir do ano
de 1928 os estudos de febre amarela começaram a clarificar o campo da
epidemiologia que tanto desconcertava aos médicos. É importante ressaltar
que, dentro destas pesquisas, foi notável a contribuição científica a múltiplos
aspetos médico-biológicos da infecção amarílica dada por pesquisadores
brasileiros empenhados na luta contra a epidemia, destacando-se sobremodo
o trabalho da escola de Manguinhos (MADUREIRA, 1958, p. 12).
Naturalmente, o principal centro de pesquisa de febre amarela no
Brasil foi o Instituto Oswaldo Cruz, onde Henrique de Beaurepaire Aragão56
dispunha de equipes e recursos para se dedicar aos trabalhos sobre a febre
amarela experimental (RICARDO, 1930, p. 678). As incursões de Aragão
no estudo do vírus amarílico foram de grande importância, Estabeleceu a
identidade dos vírus africano e americano; imaginou a prova de proteção
nos macacos Reshus para o diagnóstico retrospectivo da amarela, o qual
de início foi empregado em trabalhos epidemiológicos no Brasil; verificase que a transmissão da dolência estava relacionada às condições de vida
dos transmissores, exigindo o Aedes aegypti temperatura mais elevada para
56 Henrique de Beaurepaire Aragão nasceu em 21 de dezembro de 1879, em Niterói (Estado do Rio de Janeiro).
Fez estudos de humanidades no Rio de Janeiro, no Instituto Dr. Joao Kopke e no Externato do Ginásio
Nacional, onde os concluiu em fins de 1898. Diplomou-se em 1904, pela Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Ainda estudante, no 5° ano médico, ingressou em Manguinhos, como estagiário (1903). Lá fora levado
por Waldemar Schiller, seu amigo e colega, que já frequentava o Instituto e o apresentou a Oswaldo Cruz.
Desde essa época, Aragão vinculou-se ao Instituto; nele fazendo sua tese de doutoramento, que defendeu em
1905, entrando, então, oficialmente para a instituição como Assistente. Aragão foi à Europa em fevereiro de
1909, acompanhou-o em viagem de aperfeiçoamento. No velho continente estudou na Alemanha, no Instituto
Zoológico de Munique, dirigido por R. Hertwig e sob a orientação de R. Goldschmidt. Estudou também na
Estação de Hidrobiologia Marinha de Villefranche, dirigida por Davidoff e, de volta ao Brasil, em setembro de
1910, retornou ao seu trabalho de Manguinhos, onde se estabelece pelo resto de sua vida Profissional. Aragão
iniciou sua carreira em Manguinhos, como estagiário, passou a Assistente e a Chefe de Serviço e, mais tarde, a
Biologista com as vantagens de Professor das Universidades Federais. Exerceu o cargo de Diretor do Instituto
(1942-1949). Em 1950 aposentou-se por limite de idade (GUIMARÃES, 1955, p. 144-149).
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permitir a evolução do vírus, ao contrário dos mosquitos silvestres adaptados
às temperaturas mais baixas das matas (GUIMARÃES, 1955, p. 146). Cabe
mencionar que mais de 150 trabalhos científicos foram publicados pelos
brasileiros em decorrência da epidemia de 1928-1929 no Rio de Janeiro,
sendo os temas mais abordados os seguintes:
1. A transmissão da febre amarela aos macacos;
2. Pesquisas do vírus no sangue e órgãos de indivíduos falecidos
da febre amarela;
3. Pesquisas da leptospira icteroides no doente, no cadáver e nos
macacos infectados;
4. Identidade entre febre amarela africana e a sul-americana;
5. Diagnóstico sorológico da febre amarela,
6. Vacinação contra a febre amarela. (ARAGÃO, 1928b, p. 23).
Dentre essas pesquisas, destacamos as seguintes, por ser de grande
impacto para os estudos da febre amarela nessa época:
• TEIXEIRA, J. Castro. Do funcionamento renal na febre amarela,
na convalescença e após a cura. In: Memorias do Instituto
Oswaldo Cruz, 1929.
• CUNHA, Aristides;; MUNIZ, Julio. “Note about experimental
yellow fever”. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929.
• ARAGÃO, H. de; LIMA, A. da Costa. Sobre a infecção do
M. Rhesus pela deposição de fezes de mosquitos infectados
sobre a pele ou na conjunctiva ocular íntegra. In: Memorias do
Instituto Oswaldo Cruz, 1929.
• ARAGÃO, H. Infecção do Aedes Aegypti macho e possibilidade da
propagação da febre amarela de Stegomyia a Stegomyia sem passagem
pelo homem. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929.
• ARAGÃO, H.; LIMA, A. da Costa. “On the contamination of
haemolymph in mosquitoes infected by the yellow fever virus”.
In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929.
Este conjunto de trabalhos, todos feitos no Instituto Oswaldo Cruz,
representa a importância que a febre amarela teve na ciência brasileira
em finais da década de 1920. Segundo Löwy (2006, p. 160-161), para os
especialistas brasileiros a febre amarela era, antes de tudo, um problema
médico complicado que deveria ser estudado por meio de abordagens
próprias ao clínico e ao patologista, com um acompanhamento detalhado
dos casos individuais e o apuramento do diagnóstico diferencial da doença
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a partir dos sinais clínicos e patológicos. Ao contrário dos especialistas da
Fundação Rockefeller que achavam a febre amarela um problema facilmente
solucionável, mas de saúde pública.
2.2
Epidemia em Socorro (1929)
No hay en Colombia actualmente [1928], ni ha habido desde hace ya
varios años, ninguna de las enfermedades incluidas entre las llamadas
pandemias, como son cólera asiático, peste bubónica y fiebre amarilla.
Las dos primeras puede decirse que son desconocidas en Colombia; la
última desapareció hace más de cuatro años, época en que se presentó
en una pequeña circunscripción. La campaña contra el mosquito,
que se ha proseguido científicamente, ha hecho desaparecer casi por
completo el Aedes Aegypti, […] y por tanto es casi imposible que el
país se propague tal enfermedad. (APARICIO, 1928, p. 205).
A febre amarela assumiu graves características epidêmicas repetidas
vezes na história da Colômbia. As primeiras descrições que permitiram
suspeitar da sua existência datam do século XVIII na costa atlântica do país.
O ano de 1729 distingue-se porque foi a primeira vez que se notou a presença
da doença nas cidades de Cartagena e Santa Marta. Durante o século XIX, a
febre amarela permaneceu em Cartagena até 1912, se espalhou pelos portos
do Atlântico atingindo a cidade de Barranquilla, em 1871 (GALVIS, 1982,
p. 18-19), e logo em seguida apareceu no interior do território colombiano.
Entre 1830 e 1889 apareceram relatórios clínicos atestando a existência da
doença no interior do país; primeiro ao longo do Rio Magdalena, depois
na área de Zulia e o Catatumbo, e mais tarde em locais longe das bacias
hidrográficas57 (CAMARGO, 1937, p. 215).
No início do século XX, a febre amarela continua atingindo a
população. Os departamentos58 de Atlántico, Bolívar, Boyacá, Santander,
Norte de Santander e Valle del Cauca sofreram várias epidemias (ver Tabela
6), sendo que mais de 20 epidemias se registraram em todo o território
nacional (GALVIS, 1982; CAMARGO, 1936). Não obstante, a existência
de muitas destas epidemias foram negadas pela Fundação Rockefeller,
como foi o caso de Muzo em 1902, que mais tarde foi confirmada com os
testes de proteção ao Macacus Reshus (KERR; CAMARGO, 1933, p. 340).
57 “Las colecciones de la gaceta médica año de 1866, y la revista médica de Bogotá. son preciosas canteras
de la medicina nacional. proporcionan abundante noticias sobre aquella época. Allí se encuentran
trabajos clínicos de gran sagacidad y precisión, y puede seguirse paso a paso el avance de la fiebre
amarilla en el interior de Colombia” (CAMARGO, 1937, p. 215).
58 Sobre os departamentos consultar nota de rodapé número 56.
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Tabela 6 – Casos reconhecidos de febre amarela na Colômbia (1729-1929)
MUNICÍPIO
Cartagena
Santa Marta
1729 Tolima
ANO MUNICÍPIO
1881; 1886; San Cayetano
1887; 1900
1881 Bucaramanga
San Luis de
Senegal
Ambalema
1768 Cúcuta
1883; 1886 Piedecuesta
Honda
Guaduas
ANO MUNICÍPIO
1729; 1912 Neiva
1830; 1861; Tocaima
1865
1830; 1857; Muzo
1864; 1878;
1885; 1888
1857; 1879; Cumaral-Meta
1880; 1885
Girardot
Peñaliza
Mompóx
Espinal
Barranquilla
1865 Ocaña
1865 El Carmen
1866 Buenaventura
1870; 1872; Anapoima
1879; 1880
1871; 1889; Rioacha
1912
1884 Florida
1910;
1923
1910
Caldas
Cali
Socorro
1910;
1911;
1912
1910;
1911;
1912
1910;
1911;
1912
1915
1915
1929
Guadalupe
1929
1885; 1906; Girón
1907; 1916;
1924
1886 San Vicente de
Chucuri
1888; 1900
1889; 1900
1907,1915;
1920
1900
ANO
1900
1900
FONTE: Adaptado de (GALVIS, 1982; CAMARGO, 1936).
Na virada do século XIX para o século XX, devido à presença
ameaçadora de febre amarela (mais de 30 epidemias no território), e
da necessidade de fortalecer o projeto modernizador da Colômbia, foi
promovida uma série de políticas de saúde, implementadas com diferentes
medidas buscando impedir o avanço das doenças que colocavam em risco a
incursão de produtos nacionais no mercado internacional e o investimento
estrangeiro no país. Segundo Pablo García Medina (1926), diretor do
departamento de higiene da Colômbia, a primeira vez que a saúde pública
foi organizada como um ramo do governo nacional foi em 1887 quando se
criou a Junta Central de Higiene. A junta era composta por três professores
de medicina Nicolás Osorio, Aureliano Posada e Carlos Michelsen e um
secretário, Durán Borda. Simultaneamente em cada um dos departamentos
da nação se criou uma Junta Departamental de Higiene, também composta
por três médicos e um secretário, que trabalhavam sob a dependência da
Junta Central. Esta organização de saúde forneceu bases fundamentais
para colocar a saúde como um serviço dentro do rol dos problemas sociais
nacionais, pois nada igual existia na legislação colombiana. Em 1918, o
Congresso da República simplifica o serviço das Juntas, tanto a central
como as departamentais, para estabelecer uma única direção. Por meio da
Lei n. 32, de 1918, criou-se a figura do Director Nacional de Higiene, chefe
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do serviço de saúde em todo o país (GARCIA, 1926, p. 3-4), sendo esta a
primeira vez que existiu uma autoridade autônoma para regular, gerenciar
e monitorar a higiene pública e privada do país. Esta estrutura da saúde
pública somente foi modificada em 1931, quando se criou o Departamento
Nacional de Higiene y Asistencia Pública, concedido como uma
repartição administrativamente separada (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
CONGRESO DE LA REPÚBLICA, 1945, p. 5-12).
No ano de 1928, o delegado que representava a Colômbia na VIII
Conferência Sanitária Pan-Americana, Julio Aparicio, anunciava que não
existia mais no país ocorrência de febre amarela. Segundo Aparício, o mal
havia sido erradicado há quatro anos, devido em boa parte à campanha
bem-sucedida contra o Aedes aegypti, o que tornava quase impossível o
retorno da febre amarela ao país. Além disso, Aparicio observou que a
campanha contra o mosquito foi devidamente organizada de acordo com os
métodos recomendados por Gorgas e Parker da Rockefeller, que garantiram
o extermínio da febre amarela no país. O anúncio foi enfático ao destacar a
segurança dos portos, pois mais de seis milhões de pesos colombianos foram
investidos na construção de aquedutos, esgotos, pavimentação, destruição
de lixo e nas campanhas contra os ratos e mosquitos (APARICIO, 1928, p.
204). Tudo isso tinha um propósito: mostrar que os portos estavam no nível
classificatório da classe A, a fim de que o mesmo não fosse rebaixado a níveis
inferiores relativos a portos infestados pelo mal, tal como é especificado no
capítulo IV (artigos 29, 30, 31... 34) do Código Sanitário Pan-Americano de
1924 (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1924, p. 109).
No entanto, o anúncio do delegado da Colômbia sobre a febre amarela
não se manteve. Os métodos da Fundação Rockefeller e o dinheiro investido
nos portos onde se acreditava estarem os centros principais da doença não
foram suficientes para proteger a população. Em 1929 a doença reapareceu
em uma cidade do interior da Colômbia, no município de Socorro e se
reafirmou ante as autoridades científicas e de saúde pública da Colômbia
como uma doença complexa e difícil de erradicar.
2.2.1 A cidade de Socorro e a febre amarela
A cidade de Socorro está situada no departamento de Santander,
região nordeste da Colômbia, teve um passado histórico relevante na luta
da Independência contra a coroa espanhola. Foi a primeira província do
Virreinato de la Nueva Granada a organizar uma junta de governo com base
em princípios liberais e republicanos. Foi também a primeira a proclamar
a soberania do povo e em 1810 emitiu a primeira Constituição Provincial
condizente com um Estado-nação republicano (PEREZ, 2011, p. 334).
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A primeira notícia da formação político-administrativa de Socorro data
de 1683, quando foi reconhecida como uma paróquia59. Um ano mais tarde
(1684), os habitantes da paróquia de Socorro apresentaram ante o cabildo60
da cidade de Vélez uma capitulação que solicitava a constituição de uma
Villa dependente desta cidade. As razões deste pedido se justificavam pelo
fato de a paróquia ter atingido o número de quatro mil habitantes e, devido à
distância que a separava da cidade de Vélez, se fazia necessária a existência de
um prefeito próprio para impor a ordem. No entanto, o cabildo não respondeu,
fazendo com que estes habitantes se dirigissem à Real Audiência de Santa
Fé. Em 1711, em resposta aos pedidos, foi outorgada uma licença para a
fundação da cidade de Socorro. Contudo, esta licença foi cancelada porque a
legislação vigente estipulava que somente o Rei tinha o poder de dar título de
cidades. Apesar disso, o espetacular crescimento populacional e econômico
da paróquia de Socorro durante o século XVII tornou possível a fundação de
uma Villa (MARTINEZ et al., 1994, p. 56-57).
Entre os produtos locais produzidos destacavam-se os que resultavam
dos trabalhos artesanais com o algodão (roupas, cobertores, colchas,
bandeiras, tapetes e carpetes), da produção de sapatos de salto alto, tabaco
em pó e em ramo. Os camponeses produziam grandes quantidades de
algodão, índigo e tabaco, além de produtos agrícolas como banana, milho,
mandioca e batata, cujos excedentes eram comercializados nos lugares
circunvizinhos. A diversificação e especialização da produção permitiam aos
socorranos participarem ativamente nos canais de comércio do Nuevo Reino
de Granada, unindo-se às cidades importantes de seu entorno, tais como
Santa Fe, Tunja, Vélez, San Gil, Girón e Pamplona. Em 1763, a paróquia
do Socorro foi considerada a mais importante em toda a arquidiocese, pois
seus quatro mil habitantes deram a sua cura cerca de cinco mil pesos anuais.
É assim que, em 1771, um decreto real confirmou a licença para a fundação
da Villa de Socorro. Em 1795 a real audiência escolheu a Villa de Socorro
como centro do corregimento, que dali em diante levou seu nome. Esta
reforma subordinou os cabildos de San Gil e Vélez à sua proeminência
política e, assim, em poucos anos Socorro passou de paróquia a centro
do corregimento, cuja jurisdição foi definida com o nome de província de
Socorro (MARTINEZ et al., 1994, p. 58-94).
Com a declaração de Independência da Espanha, as províncias de
la Nueva Granada se desmembraram em Estados, que queriam soberania
59 As paróquias eram originalmente “pueblos de Indios”. Estas aldeias indígenas começaram a ser reduzidas
devido a diminuição de sua população, uma vez que a população mestiça aumentava. O resultado é a
incapacidade de pequenos grupos indígenas de manterem-se como párocos. A pressão dos brancos e
mestiços levou ao rápido surgimento de paróquias, muitas vezes motivadas por autoridades coloniais.
Assim, no final do século XVII só existiam apenas algumas aldeias indígenas, e haviam mais paróquias
habitadas por uma variedade de grupos étnicos e sociais.
60 Os cabildos eram corporações municipais instituídas na América colonial espanhola que se encarregavam
da administração geral das cidades coloniais. Além disso, davam representatividade legal à cidade,
através da qual os habitantes resolviam os problemas administrativos, econômicos e políticos.
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local. Cada um desses Estados se sentiu no direito de criar sua própria
Constituição e a nomear seus próprios líderes. Foi assim que os cabildos
de Socorro e San Gil assinaram a 15 de agosto de 1810 a constituição
de um Estado livre e independente que governaria a antiga província de
Socorro, sob a presidência do Dr. Lorenzo Plata. Em 185861, uma nova
Constituição declarava a soberania ao Estado de Santander, sendo a Villa
de Socorro declarada sua capital. Socorro permaneceu nesta condição
até o fim do sistema federal. Com a Constituição de 188662, Socorro
não manteve seu status político na região e foi declarado Município63,
vinculado ao Departamento de Santander. Socorro começou o século XX
como uma cidade em decadência, pois com o traslado da capital à cidade
de Bucaramanga acabou deixando de ser um centro comercial e entreposto
importante, passando todas essas funções a Bucaramanga cidade com
perspectivas de abertura comercial, mais tarde tornando-se um ponto de
hospedagem de várias migrações.
Por outro lado, o que também contribuiu para o recrudescimento
urbano de Socorro foi seu envolvimento em conflitos bélicos. Sua
população foi drasticamente reduzida depois de várias guerras, em especial,
a Guerra dos Mil Dias (1899-1902), que culminou na ruptura do território
colombiano e na formação de um novo país, o Panamá. No que diz respeito
à infraestrutura, os sistemas disponíveis tanto no urbano como em outras
partes de seu território eram ainda muito precários nas primeiras décadas do
século XX. Socorro não dispunha de um sistema de esgotos e abastecimento
de água, e o sistema de transportes não estava plenamente desenvolvido.
Muitas estradas não eram pavimentadas e o meio de transporte utilizado era
o de muares, o que tornava as viagens longas e sujeitas às intempéries. Sobre
sua localização geográfica no território colombiano, abaixo reproduzimos o
seguinte relato de 1929:
The Department of Santander contains two basins, each practically
surrounded by high mountain ranges (paramos), with Socorro the
center of one basin and Bucaramanga the center of the other. The
61 “En 1858, bajo el gobierno del Dr. Mariano Ospina Rodríguez, la nación adopta una nueva constitución,
la cual rige desde el 22 de mayo. El artículo 1° de la nueva constitución decía: “los estados de Antioquia,
Bolívar, Boyacá, Cauca, Cundinamarca, Magdalena y Panamá, Santander, se confederan a perpetuidad,
forman una nación soberana, libre, bajo la denominación de confederación granadina” (MENDOZA,
1988-1989, p. 15).
62 Com a Constituição de 1886 são decretados nove departamentos regidos por uma Constituição centralista.
O território do país estava distribuído administrativamente em Departamentos, que por sua vez, estão
divididos em municípios. Os departamentos correspondem às seções demográfica, econômica e física
mais avançada do país e têm um elevado grau de autonomia administrativa. Os Municípios são territórios
que têm autonomia administrativa e que constituem células sociais, políticas e econômicas que integram
o Departamento.
63 “Con el advenimiento de la República, las ciudades, Villas e parroquias se convierten en Municipios,
término utilizado para uniformar entes políticos de diferentes orígenes, pero de aspiraciones similares”
(GAMBA, 2003, p. 155).
213
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basins are separated from each other by a low divide. They are cut
off from the Cúcuta region and Venezuela on the east and north
by the high Paramo of Cocuy (which contains Snow-capped peaks
and, where the trail crosses, reaches an altitude of 3790 meters
above sea level), and From the Magdalena valley on the West
by another high and extremely rough, unpopulated and partially
unexplored, mountain range. To the south there is a more gradual
rise to the high plateau on whose summit lies Tunja, the capital of
Boyacá. (PEÑA et al., 1930, p. 427). Ver figura 9.
Do exposto percebe-se que as barreiras naturais do terreno favoreceram
ainda mais o isolamento da cidade de Socorro dos outros centros urbanos,
o que certamente dificultou sua integração tanto política como econômica.
Não obstante, os caminhos coloniais que fizeram de Socorro um centro
urbano importante ainda estavam em pleno funcionamento. Apesar das
viagens difíceis, os caminhos pela montanha permitiram a manutenção da
comunicação com San Gil, Piedecuesta e Bucaramanga, mantendo uma
relação constante.
Praticamente toda a população de Santander estava concentrada em
quatro cabeceras de corregimientos (ver figura 9) Bucaramanga, Socorro,
Málaga e Vélez que juntas representavam 405.000 dos 439.000 habitantes
do Departamento de Santander, em 1918. Existiam também dois centros
menores – Puerto Wilches e Barrancabermeja –, que se desenvolveram às
margens desta importante artéria fluvial que é o Rio Magdalena. Foram
nestas duas cidades que as atividades industriais, ligadas ao petróleo, se
desenvolveram com maior intensidade. A população da cidade do Socorro
foi oficialmente contabilizada, em 1918, com 12.616 habitantes. A distribuição
racial, de acordo com o censo de 1918 é a seguinte: 62% são mestiços, 33%
brancos, 4% negros e 1% indígenas. Os médicos presentes na epidemia de
1929 de febre amarela em Socorro ficaram surpresos com a população, pois
tinham características europeias, com poucos indivíduos negros e indígenas.
Os trabalhadores rurais e suas famílias representavam mais de 80% da
população, sendo que a maioria destes trabalhadores cultivava em pequenos
lotes de terra próprios (PEÑA et al., 1930, p. 431). No fim do século XX,
nos Santanderes,64 o café substituiu a economia agrária baseada em fazendas
escravistas que produziram cacau para exportação via Maracaibo, cidade
venezuelana localizado no noroeste do país. O café também substituiu as
plantações de algodão que se reduziram drasticamente, configurando-se
assim uma economia agrária ainda pré-capitalista (ABSALÓN, 2001, p. 80).
64 A palavra “Santanderes” designa a região que fica no oriente da Colômbia, que divide os departamentos
de Santander e Norte de Santander.
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Figura 8 – Mapa do departamento de Santander (população 1929)
Fonte: (PEÑA et al., 1930, p. 428)
Dois eventos marcaram profundamente a história da cidade de
Socorro no início do século XX. O primeiro desses eventos diz respeito
indiretamente à Socorro, mas foi decisivo para a economia do país. Tratase da descoberta de petróleo na cidade de Barrancabermeja, pertencente
ao Departamento de Santander. O segundo evento foi o surgimento de um
inesperado surto de febre amarela em Socorro, no ano de 1929. A epidemia
foi uma surpresa para o governo e as autoridades científicas do país, pois
se acreditava que a febre amarela estava completamente controlada na
Colômbia. Pelos estudos anteriormente efetuados, Socorro não apresentava
qualquer indício ou condição ambiental para que a febre amarela se
desenvolvesse na cidade. A manifestação inesperada da doença preocupou
as autoridades governamentais, porque se o mal se alastrasse por outras
cidades poderia trazer consequências desastrosas para a economia nacional.
A existência de febre amarela no país causava grande apreensão nos países
estrangeiros que mantinham relações comerciais com a Colômbia. Assim
como ocorreu em outros países latino-americanos, a presença da doença
afugentava investidores e se refletia negativamente nas exportações.
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Socorro localiza-se próxima às cidades de Barrancabermeja65 e Puerto
Wiches66, importantes locais onde empresas internacionais como a Tropical
Oil Company, Standard Oil Jersey, International Petroleum Co. Ltd. of
Canada exploravam o petróleo (GARCIA, 2011, p. 95). Uma epidemia sem
controle em Socorro poderia constituir-se em uma séria ameaça à exploração
do petróleo, fazendo com que as autoridades colombianas focassem sua
atenção na promulgação de medidas sanitárias para controlar a doença e
sua possível propagação pelo território colombiano. Na Figura 10 é possível
observar a distância de Socorro a Barrancabermeja e Puerto Wiches, assim
como da capital de Santander, Bucaramanga, centro importante do comércio
que exportava produtos ao interior do país e ao estrangeiro. Contudo, a
distância não impedia a febre amarela de alastrar-se por outras partes do país,
o que deixava as autoridades colombianas temerosas.
A febre amarela era conhecida e temida como uma doença de alta
mortalidade. Na tentativa de compreender e, assim, controlar propagação,
os Estados Unidos se manifestaram de forma mais incisiva contra esta
enfermidade, por meio de leis que estipularam a inspeção dos navios
vindos de portos com sua ocorrência, requerendo que cada navio tivesse um
atestado de saúde para poder atracar em portos estadunidenses (MORALES,
2005, p. 44). Diante destas medidas, a doença passou a ser encarada como
um obstáculo para o comércio de vários países da América. No momento
em que estourava um surto de febre amarela em qualquer país, o mesmo era
estigmatizado e qualquer mercadoria procedente de tal local era dada como
insegura. Por isso, quando ocorreu o surto de febre amarela em Socorro,
os governantes e a Fundação Rockfeller mostraram especial interesse em
combatê-la, uma vez que o território onde o mal havia deflagrado mantinha
contato frequente com os EUA devido à mobilização de pessoal norteamericano na região. A Tropical Oil Company trouxe pessoal não só técnico
para a perfuração, mas carpinteiros, mecânicos, para a construção da
planta petrolífera (GALVIS, 1965:63). Sem dúvida, uma das preocupações
principais dos Estados Unidos era impedir a importação da doença que tinha
atacado o país com severidade nos séculos anteriores.
65“Es el puerto santandereano mejor situados de la orilla del magdalena, pues esta libre de inundaciones,
el Municipio es de reciente creación, y con toda su población no baja de 8000 almas. El distrito es muy
conocido por su riqueza petrolífera, que explota la Tropical Oil Company, la cual tiene establecidos
en el lugar servicios automoviliarios y de ferrocarril para comunicarse con sus oficinas centrales con
todas las extensas dependencias de la empresa, la misma compañía tiene en Barranca un hospital,
con una dotación completa de elementos de laboratorio y radiología. Tanto los médicos americanos
[estadounidenses], como los colombianos que trabajan allí, no han encontrado ningún caso sospechoso
de fiebre amarilla. Sin embargo, existen en Barranca un elevado porcentaje stegomyano y anofelino que
coloca a esta población en peligro de inminencia morbosa en caso de que exista un foco vecino de fiebre
amarilla” (BAUTISTA, 1925, p. 15).
66 “Este puerto sobre el Bajo Magdalena, fue fundado en 1883 y tiene en la actualidad [1925] 3434
habitantes, pero con motivo de los trabajos del ferrocarril de su nombre, con la población flotante, puede
calcularse su número en 7000. Dista de Bucaramanga 130 kilómetros de los cuales 60 están atravesando
por el ferrocarril del mismo nombre” (BAUTISTA, 1925, p. 15).
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Figura 9 – Localização de Socorro no
Mapa da Colômbia67
Por outro lado, a cidade de Socorro não contava com um sistema
regular de saneamento: a rede de esgotos e o sistema de abastecimento de
água eram praticamente inexistentes. A água geralmente era trazida em
garrafas ou barris de qualquer curso de água ou rio, mas a população de
Socorro se servia das águas do Rio Negro. A água obtida era conduzida
a uma fonte central da cidade, transportada em garrafas ou baldes para as
casas, geralmente armazenada para uso doméstico em frascos, barris, vasos
de cerâmica e de pedra (PEÑA et al., 1930, p. 432).
É notório que, no Departamento de Santander, o campo da saúde
pública há muito era negligenciado. A verba especial coletada a cada ano
em todos os municípios não foi suficiente para enfrentar os problemas de
saúde pública de sua população, como a construção de esgotos, hospitais,
postos médicos, postos de distribuição de medicamentos e fiscalização da
higiene pública (SUAREZ, 1929). A presença da febre amarela em Socorro
“sensibilizou” muitos líderes dos municípios de Santander, que começaram
a manifestar sua preocupação com o quadro da saúde em suas cidades.
Ressalte-se que antes de 1929, a cidade de Socorro não teve nenhuma
ocorrência de febre amarela. No entanto, no Departamento de Santander,
a febre amarela já havia aparecido em 1910 no município de Girón e,
em 1911, em Bucaramanga, espalhando-se depois simultaneamente por
67 Observar a distância de Socorro do porto fluvial de Barrancabermeja e Puerto Wiches, e da capital de
Santander, Bucaramanga.
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Florida, Rionegro e Piedecuesta. No ano de 1923, uma manifestação de
febre amarela ocorreu na cidade de Bucaramanga, contudo, a mais notável
destas epidemias foi a de 1923, devido às discussões geradas entre a
comunidade médica e científica, “Ella fue motivo de trabajos dignos
de tenerse en cuenta y que deben figurar en nuestra patología Nacional”
[Colômbia] (BAUTISTA, 1925, p. 7). Além disso, a epidemia manifestouse de maneira diferente das anteriores, devido ao estabelecimento das
medidas de controle dos mosquitos que levaram ao desaparecimento da
doença. Em menos de vinte anos, um último surto de febre amarela atingiu
o Departamento de Santander, mais precisamente na cidade de Socorro, em
1929. Além da difícil definição de sua epidemiologia, este surto de febre
amarela evidenciou a necessidade do governo colombiano em manter uma
vigilância constante do território para evitar ocorrências semelhantes. É
preciso notar que a história da saúde pública dos municípios pertencentes
aos vários Departamentos da Colômbia está por ser contada, pois existem
muitas lacunas que poderiam proporcionar estudos importantes no campo
da saúde, do saneamento e das políticas públicas voltadas para estes setores.
2.2.2
A febre amarela atinge Socorro (1929)
Em abril de 1929, cinco médicos do Município de Socorro: Prospero
Azuero, Luis Eduardo Gómez Ortiz, Pedro Elías Mendoza, Carlos Rangel
Pinzón e J. M. Rodríguez assumiram a tarefa de diagnosticar o quadro
sintomático que foi percebido nos doentes, sugerindo a presença de febre
amarela na cidade. Desconcertados por um número de casos de uma doença
com alta taxa de mortalidade fizeram uma reunião para discutir os sintomas
apresentados. Concordaram em se reunir e comunicar uns com os outros todos
os casos semelhantes e observar as autópsias dos casos fatais (GALVIS, 1982,
p. 46). Somente quando estivessem plenamente convencidos notificariam às
autoridades nacionais de saúde pública sobre a epidemia de febre amarela, já
que não queriam ter uma confrontação ideológica com outros médicos sem
estar totalmente seguros (FLOREZ, 1989, p. 45).
Contudo, a epidemia tornou-se mais forte, de modo que os médicos
de Socorro fizeram o anúncio oficial da doença. Com o intuito de averiguar
essa notícia foram enviados da capital do Departamento de Santander,
Bucaramanga, os médicos Rafael Ordoñez e Roberto Serpa, para pesquisar
e ratificar o grau de certeza que tinham os anúncios dos médicos de Socorro.
Os médicos designados pelo Departamento chegaram dia 24 de junho de
1929 em Socorro e lá permaneceram até 16 de julho, quando a epidemia já
tinha acabado. Além dos médicos bumangueses, no início do mês de agosto
chegaram também à zona epidêmica os médicos George Bevier e Antonio Peña
Echavarria, o primeiro representante da Fundação Rockefeller e o segundo do
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Departamento Nacional de Higiene, ambos acompanhados por dois estudantes
de medicina que realizaram alguns estudos epidemiológicos e coletaram soros
de convalescentes para a realização de testes imunológicos a fim de proporcionar
o diagnóstico de febre amarela de uma forma mais confiável.
O início da epidemia começou no período das chuvas, depois de uma
longa seca. O primeiro caso de febre amarela ocorreu no final de março de
1929. Foi um homem de trinta e cinco anos de idade, morador de Socorro,
que trabalhou como operário no aqueduto municipal de Honda, cerca de
10 quilômetros ao sudeste do Socorro. O homem adoeceu repentinamente
em 30 de março. Durante os cinco primeiros dias da doença teve vômitos,
dores musculares e dores nas costas; no quinto dia o vômito preto apareceu,
morrendo no mesmo dia. No entanto, como o doente desenvolveu anúria68
no terceiro dia da doença e a urina continha albumina, a causa mortal
foi apontada como nefrite aguda. Os médicos visitantes, por sua vez,
diagnosticaram febre amarela. O segundo caso ocorreu na mesma área onde
tinha ocorrido o primeiro óbito. Neste caso foi uma empregada doméstica de
16 anos, que esteve fora da cidade de Socorro durante vários meses, adoeceu
e faleceu no hospital, onde tinha sido diagnosticada de febre tifoide (PEÑA
et al., 1930, p. 436-347). Entretanto, a doença se desenvolveu em menos de
sete dias e os sintomas indicavam que era um caso característico de febre
amarela. Aos poucos, novos casos surgiram geralmente em pequenos grupos,
até a terceira semana de julho quando o surto foi controlado. Depois disso,
nenhum outro caso ocorreu em Socorro. Na maioria dos casos foi possível
determinar uma relação entre os casos, conforme podemos observar na
Figura 11. Um ponto importante destacado pelos médicos é que nas partes
superiores da cidade não houve casos (PEÑA et al., 1930, p. 438)
68 Anuria is a condition in which no urine is voided (MARCOVITCH, 2005, p. 48).
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Figura 10 – Localização dos casos de febre amarela em Socorro em 1929
Fonte: (PEÑA et al., 1930, p. 437).
Por outro lado, em Guadalupe uma cidade do Departamento de Santander
com 6.300 habitantes, a 40 km de Socorro, entre janeiro e março apareceu
um surto epidêmico, que foi diagnosticado pelo padre da paróquia local como
pneumonia. Esta epidemia passou despercebida, visto que não chamou a atenção
das autoridades nacionais de saúde, tanto que não se conseguiu determinar se era o
vírus amarílico, pois a cidade não dispunha de médicos (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1930, p. 939). Os médicos Roberto Serpa e seus colegas
não estiveram seguros para dizer se foi a febre amarela a doença predominante
durante essa epidemia que atacou a cidade de Guadalupe, afirmando que era
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muito provável que alguns casos de febre amarela ocorreram lá, mas era difícil
confirmar um diagnóstico, já que os doentes não tinham sido vistos por um
médico. Outra localidade perto de Socorro onde a febre amarela também esteve
presente durante 1929 foi Simacota, uma pequena cidade de aproximadamente
6.200 pessoas, a uma distância de três horas de viagem a cavalo de Socorro. Ao
contrário da epidemia de Guadalupe, essa ocorreu quando a febre amarela de
Socorro estava sendo dominada (PEÑA et al., 1930, p. 439).
O número em Socorro durante a epidemia esteve provavelmente em
“cerca de 150 casos no total: 50 de um tipo sério, com 34 mortes, e 100 de
uma forma leve” (PEÑA et al., 1930, p. 439). Quanto às cifras de Guadalupe,
não houve números precisos das mortes por febre amarela, mas durante
dezenove meses, com início em 1º de janeiro de 1928, as mortes foram, em
média, 15 por mês, excluindo os meses de epidemia. No entanto, houve um
aumento em Janeiro de 1929, atingindo o ponto mais alto em fevereiro com
61 mortes, seguido por um retorno abrupto ao normal (ver Figura 12).
Figura 11 – Mortes por
febre amarela em Socorro e
Guadalupe 1928
Fonte: (PEÑA et al., 1930,
p. 434)
Aparentemente, a doença não atingiu outras cidades, pelo menos de
forma epidêmica. Os médicos observaram que todos os infectados pela
febre amarela em Simacota tinham estado alguns dias antes de visita em
Socorro, com exceção de dois casos de Guadalupe e outro de Simacota.
Portanto, parecia que todos os casos observados em outras comunidades
ocorreram em pessoas que tinham estado recentemente em Socorro onde,
segundo os médicos contraíram o vírus (PEÑA et al., 1930, p. 441). A
epidemia do Socorro foi a primeira epidemia da Colômbia que conseguiu
ser comprovada experimentalmente por meio dos testes de proteção em
Macaco Rhesus nos laboratórios de Nova York da Fundação Rockefeller.
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Neste laboratório foi possível também concluir que em Bucaramanga houve
febre amarela em anos anteriores, como foi indicado pelos médicos locais
(CAMARGO, 1936, p. 234).
2.2.2.1 Diagnóstico e sintomatologia da epidemia de febre
amarela em Socorro (1929)
No começo da epidemia, o diagnóstico de febre amarela em Socorro
foi clínico. A partir dos sintomas apresentados na epidemia, o médico
Roberto Serpa69 descobriu que a doença era febre amarela, revelação que
marcou sérios debates na comunidade médica, uma vez a febre não estava
de acordo com os parâmetros típicos do desenvolvimento da doença. Em
um segundo momento, após a realização da pesquisa de campo e coleta
de amostras de soro, a Fundação Rockefeller anunciou o diagnóstico de
febre amarela confirmada pelo laboratório, terminando assim com as
controvérsias geradas pelo diagnóstico clínico que Serpa tinha examinado.
Figura 12 – Roberto Serpa Novoa
Fonte: Cortesia de Roberto Serpa Floréz (filho)
O primeiro diagnóstico foi controverso porque, a princípio, acreditavase que a doença tinha sido removida do território. Além disso, ninguém
conseguiu explicar a origem dessa epidemia, o que gerava desconforto
na comunidade médica. A teoria da importação da doença da Fundação
69 Roberto Serpa Novoa (Bucaramanga 1888-1959). Formado em Medicina na Universidad Nacional
de Colombia em 1918. Trabalhou nas companhias de petróleo, nas Ferrovias Nacionais e em outras
instituições do Departamento de Santander. Como membro da Comissão Rockefeller em Santander lutou
contra as epidemias de febre amarela em Bucaramanga (1923) e Socorro (1929). Também trabalhou
no saneamento e erradicação dos mosquitos anofelinos em Socorro, Cúcuta, Bucaramanga, el Chocó
e os Llanos Orientales. Foi fundador e primeiro presidente do Comitê Departamental da Cruz Roja de
Santander. Foi membro da Academia de História do Santander. Em Bogotá atuou como Presidente
do Clube Médico, Diretor Municipal de Saúde de Bogotá e Secretário-Geral do Ministério da Saúde.
Na Faculdade de Medicina da Universidade Nacional participou do ensino por vários anos como
professor de Ginecologia e Obstetrícia. Na arena política, ocupou os cargos de membro da Assembléia do
Departamento de Santander e membro da Cámara de Representantes (FLÓREZ, 1989).
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Rockefeller não conseguiu explicar satisfatoriamente a origem. A distância
entre o Socorro e Bucaramanga, onde se tinha apresentado um surto febril
em 1923, confundia os médicos, pois era incompressível sua infestação,
uma vez que estes estavam concentrados nas teorias tradicionais, assumindo
que o Aedes aegypti tinha sido transportado e levado para Bucaramanga
pouco tempo antes do aparecimento do surto epidêmico (FLOREZ,1989, p.
45). No entanto, isso era impossível porque a distância entre as duas cidades
era de 121 quilômetros, em uma viagem de dois dias de mula (GALVIS,
1982, p. 85). Além disso, a cidade estava localizada 1230m de altura, altura
máxima que tinha se apresentado uma epidemia na Colômbia, fato que
tornou mais difícil sua explicação (FLOREZ, 1989, p. 45), pois desmentia
a teoria de que os surtos se originavam nos grandes centros, sobretudo
localizados nas costas, deles se disseminando o mal para o interior.
A sintomatologia da febre amarela de Socorro apresentou-se como
uma síndrome que correspondia às descrições da febre amarela (icterícia,
febre alta, sangramento, hematêmese, vômito negro etc.). De acordo com a
descrição dos médicos, a epidemia de febre amarela em Socorro, apresentava
duas formas clínicas, uma de tipo leve e outra de tipo sério:
La leve o abortiva iniciada con escalofríos, raquialgia, cefalalgia,
mialgia, artralgia, vómito, fiebre, congestión facial y conjuntival,
taquicardia, y a veces ligera subictericia y trazas de albúmina, síntomas
esos que desaparecieron a las 24 ó 36 horas al entrar el enfermo en
convalecencia; la otra forma comenzó lo mismo, pero con mayor
intensidad e intranquilidad y sensación de angustia, y síntomas
más típicos de fiebre amarilla. En esos casos en el cadáver aparece
rápidamente el característico color amarillo, y la autopsia reveló
lesiones típicas. Las pruebas de protección en el Macacus Rhesus con
suero de convaleciente, confirmaron decisivamente el diagnóstico
(OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 939).
Sem dúvida, os sintomas da febre amarela despertaram grandes medos
na população. Um fator importante para o extermínio da epidemia foi a
organização dos habitantes na campanha sanitária que foi implantado na
cidade (ORDOÑEZ; SERPA, 1929). Por outro lado, na publicação de
Antonio Peña e colegas (1930, p. 443) salienta-se que houve variações nos
sintomas. Em alguns casos, os sintomas predominantes foram hepáticos,
outros renais, e em outros ainda o escarro sanguinolento, sintoma típico
da broncopneumonia. Essas anomalias da febre amarela de Socorro
incentivaram os estudos para conhecer a fundo a doença já que os sintomas
eram muito diferentes, despertando interesse na comunidade científica.
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2.2.2.2 Ações de higiene e medidas corretivas da epidemia
Conforme dito, o surto de 1929 desencadeado em Socorro espantou
tanto as autoridades públicas como a Fundação Rockefeller. A cidade, por
sua vez, constituía-se no ambiente propício para que a epidemia tomasse
proporções catastróficas. O município não dispunha de nenhuma fonte de
água, servindo-se da água coletada em poços que acabavam sendo criadouros
de larvas. A maioria das casas possuía filtros de pedra, onde cada gota de água
era coletada em um recipiente. As casas também abrigavam canais de barris
para os animais que eram depositados permanentemente nos buracos onde o
lixo e esgoto foram depositados (PEÑA et al., 1930, p. 432). Por tudo isso, era
essencial uma campanha antiestegomía em Socorro para acabar com todos os
cultivos de larvas e mosquitos que transmitiam o vírus.
Assim, foi organizada uma campanha contra o mosquito. A cidade foi
dividida em seis setores, cada qual sob a responsabilidade de supervisores e
secretários que através de multas fizeram cumprir sua autoridade nas casas
onde existiam criadouros de mosquitos. A casa que possuísse algum tipo de
larva se considerava infestada. O Aedes aegypti não era o tipo mais comum
de mosquito, e amostras de larvas recolhidas pelos inspetores de saúde
indicaram principalmente variedades de Culex e Psorophora (PEÑA et al.,
1930, p. 435).
A final de junho, 80% das casas estavam infestadas e desde 16 de julho
as medidas intensivas da campanha reduziram a proporção a 8%. Após a
campanha levada a cabo por oito semanas em agosto, os médicos da área
começaram uma busca do Aedes aegypti por dois dias e não encontraram
muitos, apenas dois mosquitos vivos, um adulto morto da mesma espécie
em uma rede e duas larvas. Depois de dois meses da luta antimosquito
os criadouros diminuíram a 90% e o Aedes era quase impossível de ser
encontrado (PEÑA et al.,1930, p. 432). Após a epidemia, muitos dos
inspetores começaram a reclamar de seus baixos salários, o que levou a um
aumento a partir de julho de 1929, de $40 a $50 pesos colombianos devido
ao trabalho eficaz nas campanhas contra o mosquito nos municípios de
San Gil e Socorro (DEPARTAMENTO DE SANTANDER. ASAMBLEA
DEPARTAMENTAL, 1929, p. 231-232).
As primeiras manifestações do governo colombiano na implantação
desse amplo conjunto de medidas de saneamento são tardias quando
comparadas ao caso brasileiro. As ações foram desencadeadas após
a ocorrência da epidemia de febre amarela em 1929, em Socorro. De
acordo com o censo de 1928, a população de Socorro era de 16.791
almas (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, 1929, p. 79). Apreensivos
pela possibilidade da febre amarela espalhar-se a outras regiões do país,
especialmente na região portuária de Barrancabermeja e Puerto Wiches,
uma massa de recursos foram atribuídos à cidade de Socorro. Estes recursos
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deveriam ser empregados na construção das redes de infraestrutura urbana e
nos serviços relativos à higiene e saúde pública da cidade. No Informe Anual
do governo deste mesmo ano (1929) é possível observar que de um total de
$117.397,81, $90.072,74 pesos colombianos estavam destinados às obras
públicas e $5.862,68 foram empregados junto ao setor de “beneficências e
higiene” (VILLAMIZAR, 1929). Observar a Tabela 7.
Tabela 7 – Orçamento Municipal de Socorro, 1929
DEPARTAMENTO
Dep. de Gobierno
Dep. de Hacienda
Dep. de Obras Públicas
Dep. de Justiça
Dep. de beneficencias e higiene
Dep. de vigencias anteriores
Suma
ORÇÃMENTO (COP)
$ 5.237
$3.430.63
$90.072.74
$ 2.536
$5.862.68
730.67
$117397.81
Fonte: (VILLAMIZAR, 1929)
A Gaceta Oficial do Departamento de Santander publicada em
maio de 1929, informava que a Asamblea de Santander havia autorizado
um auxílio de $10.000 à cidade de Socorro para suas obras de esgoto
(DEPARTAMENTO DE SANTANDER, ASAMBLEA DE SANTANDER,
1929, p. 217). Entretanto, o primeiro setor a receber recursos e pessoal
foi o da saúde. A Gaceta de maio do mesmo ano informa que os serviços
de assistência pública à saúde seriam prestados pelo Departamento de
Santander, responsável pela contratação de médicos, nomeados diretamente
pelo governador. Para a zona da província de Socorro, os subsídios mensais
pagos aos médicos seriam da ordem de $150 pesos colombianos, valor
que era inferior somente aos da zona dos municípios de Barrancabermeja
e Puerto Wiches, de $250 pesos colombianos. Os médicos contratados
estariam subordinados aos Diretores Nacionais e ao Departamento de
Higiene e Vigilância e deveriam fazer com que as normas sanitárias fossem
cumpridas em suas respectivas zonas. Neste mesmo documento da Asamblea
Departamental está indicado que era facultado ao diretor do Departamento
de Santander a contratação de um laboratório biológico para execução de
análises clínicas diversas requeridas pelas medidas profiláticas adotadas
em cada zona. Entre as medidas profiláticas autorizadas estava também
a contratação de inspetores de campanhas contra o mosquito transmissor
da febre amarela (DEPARTAMENTO DE SANTANDER. ASAMBLEA
DEPARTAMENTAL, 1929, p. 231-232).
Após a Campanha que exterminou o surto de Socorro, em julho
foi nomeado o médico Carlos Rangel Pinzon para a Assistência Pública
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na zona da cidade, que se encarregaria da saúde da população socorrana
(DEPARTAMENTO DE SANTANDER. SECRETARIA DE FOMENTO Y
OBRAS PÚBLICAS, 1929, p. 339). Os trechos acima são esclarecedores
e permitem averiguar que o Departamento de Santander contava com um
aparato de saúde pública de ação restrita sem dispor de um número razoável
de técnicos e instituições para oferecer suporte às medidas profiláticas e
saneadoras.
Informações sobre as obras de infraestrutura urbanas aparecem nos
documentos oficiais somente em 1930. A Ordenanza número 5 de 1930
informava que a obra dos esgotos da cidade de Socorro era uma necessidade
pública e dispunha do levantamento do respectivo plano. O Governo
Departamental prestaria todo o apoio necessário, pois considerava a obra
como fundamental para o saneamento daquela localidade. A Asamblea
autorizava o levantamento do plano, mas não apontou o profissional que
executaria os estudos e nem indicou se seria o responsável pelo projeto um
funcionário público ou um profissional do mercado (DEPARTAMENTO DE
SANTANDER, ASAMBLEA DE SANTANDER, 1930). Na mensagem do
Governador da Província de Santander de 1930 está assinalado que os estudos
e projetos da rede de esgotos de Socorro haviam sido realizados entre agosto
e setembro de 1930, sendo gasta a quantia de $2.597,92 pesos colombianos
(TORRES, 1929, p. 37). O Anuario Estadístico General, publicado em
1931, apontava os gastos do Departamento de Santander com a cidade de
Socorro, no que diz respeito às obras públicas, em um total de $27.078,32
pesos colombianos, haviam sido gastos $9.852,41 pesos colombianos, ao
passo que o de saúde (Departamento de Beneficencias e Higiene) contava
com um orçamento de $1.442.74 pesos colombianos, (DEPARTAMENTO
DE SANTANDER, DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE ESTADÍSTICA
1931, p. 282). Este programa foi inserido nas políticas de saneamento do
país que começaram a se organizar em apoio a este trabalho.
No entanto, passados alguns anos da ocorrência da febre amarela em
Socorro, a movimentação política para a promoção das medidas saneadoras
do meio ficou mais lenta. Isto é o que nos mostra as mensagens publicadas
alguns anos depois, onde são praticamente nulas as referências às obras
dos esgotos na cidade de Socorro, o que nos leva a supor que foram apenas
parcialmente implantadas. Em 1936 uma notificação foi publicada em
uma mensagem à Assembleia Departamental, texto em que se percebe
que ainda existia uma grande demanda pelos serviços de saúde pública.
Nesta mensagem, Alfredo D´Costa (1936) governador do Departamento de
Santander, aponta para o avanço das enfermidades tropicais e dos parcos
recursos que o sistema público de higiene dispunha para atender a estas
demandas. Não há nenhuma referência ao sistema de abastecimento ou rede
de esgotos, mas a precariedade do estado sanitário sugere que tenham sido
apenas parcialmente construídas. Outro relatório publicado em 1938 (ver
226
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Tabela 8), referente ao Servicio de Acueduto, Luz Eléctrica e Alcantarillado
de Socorro, sob a responsabilidade do ministro J. Vicente Huertas indica
que, de um total de 1278 edificações existentes na cidade, 705 dispunham
de água, 821 de energia eletrica e 661 com esgotos. Os outros 341 não
possuíam nenhum desses serviços (DEPARTAMENTO DE SANTANDER,
DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE ESTADÍSTICA, 1938, p. 17).
Tabela 8 – Serviços públicos em Socorro, 1938
Cabecera
Otros
caseríos
Total
Número
de
edifícios
1278
Con
acueducto
Con
alcantarillado
Con luz
eléctrica
705
661
821
Sin
ningún
servicio
341
1428
43
13
16
1363
2706
748
674
837
1704
Fonte: (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE
ESTADÍSTICA, 1938, p. 17)
Outro documento de 1938 aponta que a questão sanitária ainda gerava
debates nos meandros das políticas públicas. As autoridades responsáveis
pelas cidades exigiam que os Centros de Higiene fossem ampliados a outras
localidades. Tal preocupação é evidenciada com o contrato celebrado entre
o Departamento Nacional de Higiene e o Departamento de Santader del
Sur e o Município de Socorro, para a manutenção de uma unidade sanitária
em Socorro. Ambas as partes comprometiam-se manter esta unidade de
saúde cujos serviços eram, entre eles, os de saneamento das áreas urbana
e rural, a inspeção domiciliar, a campanha antilarvas e os serviços de
proteção infantil. O setor de saneamento da Unidade Sanitária de Socorro
contava com um diretor, quatro inspetores urbanos e dois inspetores rurais
(REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE
HIGIENE, 1938, p. 991). A leitura dos documentos oficiais indica que,
partir da década de 1940, o modelo educacional-assistencialista ganhava
mais adeptos na Colômbia, consequentemente, o Centro de Higiene passa
a ser uma peça fundamental para o saneamento do espaço. Os documentos
públicos deste período enfatizam que os Centros de Higiene têm um papel
importante de controle do meio, como é possível perceber através do
programa de trabalho destes Centros de Higiene: 1) Trabalho Educativo; 2)
Saneamento do solo (reformas sanitárias, construção de latrinas, eliminação
de resíduos, abastecimento de águas potáveis, campanha antilarva e contra
insetos vetores); 3) Higiene das Habitações (MARTINEZ, 1942, p. 123) 70.
70 Tais Centros de Higiene guardam muitas semelhanças com os Centros de Saúde e Postos de Profilaxia
mantidos pelo Serviço Sanitário do estado de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX. Este
modelo de organização sanitária foi amplamente divulgado pela Fundação Rockefeller. Sobre os Centros
de Saúde ver Paula Souza e Vieira (1936) e Campos (2005).
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Mesmo sendo uma instituição reconhecidamente necessária, sua
implantação não ocorreu na mesma intensidade. Passados mais de dez
anos do surto epidêmico de febre amarela, o setor público ligado à saúde
pública ainda padecia com a falta de investimentos e poucas áreas eram
atendidas com os serviços prestados pelos Centros de Higiene. A crítica
das autoridades médicas era dirigida à falta de campanhas específicas ao
combate de moléstias que acometiam sistematicamente a população do
interior de Santander. O mesmo podia ser atribuído ao saneamento básico
das cidades, cujos serviços ainda não haviam sido finalizados. Segundo o
Ejecutivo de Santander, as raízes do problema residiam na falta de uma
repartição pública que se dedicasse, com exclusividade, aos assuntos da
higiene e saúde.
No que diz respeito ao saneamento, informes dos anos de 1944 e
1945 indicam que ações importantes foram tomadas no sentido de prover
determinadas cidades com trabalhos mais efetivos. É dentro deste espírito
que a cidade de Bucaramanga cria a sua primeira Oficina de Ingeniería
Sanitaria, organismo público dependente do que existia em Bogotá, mas com
atribuições próprias. Sua principal função era a de promover o saneamento
do porto desta cidade. Novamente, o que se percebe é que somente as
cidades de destacado papel no cenário econômico do país recebia atenção
e recursos para a melhor das condições sanitárias. Assim como em outros
países da América Latina, incluindo o Brasil, o saneamento básico e outros
aparelhos de saúde pública ficaram restritos a determinados espaços do
território. Quanto à Socorro, seu sistema de abastecimento e rede de esgotos
se completou tardiamente, depois da metade do século XX.
2.2.2.3 Pontos controversos
Os médicos que lutaram com o flagelo da epidemia, Roberto Serpa,
Luís Eduardo Gomez Ortiz, Luís A. Nova, Azuero Próspero e Carlos Rangel
enviaram um telegrama em julho 11 de 1929 a Pablo Garcia Medina (Diretor
do Departamento de Higiene da Colômbia), notificando que a epidemia que
assaltava a comunidade de Socorro era febre amarela. Rafael Ordoñez, que
tinha vindo para Socorro com Roberto Serpa, foi o único que não assinou
o telegrama e, posteriormente, se estabeleceu como um dos principais
adversários ao diagnóstico que emitiu Serpa.
A controvérsia começou com o artigo de Luís Ardila Gomez, médico
reconhecido por ter testemunhado a epidemia da febre amarela em
Bucaramanga em 1923, publicou no jornal Vanguardia Liberal, no dia 23 de
julho de 1929, um artigo onde descreveu a situação dos conhecimentos sobre
a febre amarela naquele período. Ardila Gómez era um homem atualizado
nos avanços da febre amarela, sabia que o Aedes Aegypti não era o único
transmissor da doença e que a teoria de Noguchi estava sendo questionada.
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Da mesma forma, Ardila ficou surpreso sobre a epidemia apresentada em
1928 no Rio de Janeiro e comentou:
Río de Janeiro, después de veinte años de haberse extinguido,
y sin que existiera un foco endémico suficientemente cercano
para explicar el contagio. No siendo posible poner en duda las
características epidemiológicas conocidas desde hace mucho
tiempo, las cuales, como dejamos dicho, forman ya un cuerpo de
doctrina sujeta a rectificación. (ARDILA, 1929, p. 3).
Embora a epidemia do Rio houvesse sido distinta, guardava algumas
semelhanças com a febre do Município de Socorro, visto que em ambas
existiam lacunas na explicação epidemiológica. A origem e como as vítimas
foram infectadas seguiam como questões sem resposta, pois as caraterísticas
apresentadas em ambas às epidemias eram diferentes das caraterísticas
conhecidas. David McCormick, médico colombiano que diagnosticou a
febre amarela de Bucaramanga em 1923, começou a questionar o diagnóstico
feito por Roberto Serpa em Socorro. O argumento centrava-se em salientar
que faltou a Serpa realizar estudos bacteriológicos da doença e apontava
que Rafael Ordoñez, que também esteve na área da epidemia, encontrou
no sangue de todos os casos de febre de Socorro um cocobacilo especial
que matou as cobaias e um coelho que tinha inoculado, produzindo-lhes
diferentes lesões. A partir disso, David McCormick indicou que a febre de
Socorro tratava-se de uma infecção diferente da que produz a verdadeira
febre das Antillas71 (MCCORMICK, 1929, p. 3).
A resposta à publicação de McCormick, por parte do Serpa, foi rápida.
No dia seguinte enviou uma carta ao diretor do jornal Vanguardia Liberal,
Alejandro Galvis Galvis, estabelecendo uma série de questões meramente
pessoais. A sua resposta foi mais focada em refutar as ofensas que sentia por
parte do McCormick do que apresentar sua opinião sobre os descobrimentos
de Rafael Ordoñez em Socorro.
Roberto Serpa enviou outra carta no dia 27 de julho de 1929, mas desta
vez para o diretor do Jornal El Diário, que lhe deu a exclusividade dos
exames do eminente Federico Lleras Acosta, reconhecido bacteriologista
colombiano que examinou o sangue de alguns doentes de Socorro e descobriu
que se tratava da febre amarela. O ditame não só foi baseado no estudo
do sangue, mas foi confirmado pelo exame microscópico das vísceras que
tinham sido enviadas para o respectivo estudo (SERPA, 27 jul. 1929). Além
71 A febre amarela era também conhecida como a febre das Antilhas.
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disso, em 28 de agosto foi confirmado por Wilhelm Hoffmann72, autoridade
mundial em Anatomia patológica, o descobrimento de lesões características
de febre amarela em peças anatômicas das mortes ocorridas em Socorro
(PERALTA, 1929). No entanto, isso não foi o freio para a polêmica.
Em setembro, Rafael Ordoñez, médico da comissão da febre amarela
em Socorro, não concordava com o diagnóstico. Escreveu um artigo
expondo os pontos para discutir o diagnóstico, e entre os seus principais
argumentos para desvincular a febre amarela de Socorro estavam:
• O sangue dos doentes não era contagioso depois do terceiro dia;
os produtos de excreção na urina de doentes eram constantemente
infecciosos como demonstrado por inoculação experimental em
animais de laboratório;
• Era impossível explicar a cadeia amarílica, A estegomía para
infectar requeria uma temperatura atmosférica que variara entre
25ºC e 35 ºC, de modo que a infecção era rara nos terrenos altos,
pois era difícil encontrar temperaturas de 5 ºC nas alturas acima
de 900 metros sobre o nível do mar e Socorro tinha 23 ºC de
temperatura média, abaixo do limite inferior e encontra-se a
1255 metros, ou seja, acima do limite barométrico indicado para
a febre amarela;
• A mortalidade das epidemias de febre amarela ultrapassava
geralmente a 50% e a mortalidade da epidemia não atingiu aos
15 %;
• As lesões pulmonares são bastante excepcionais na doença,
mas nos cadáveres autopsiados em Socorro as lesões do pulmão
foram constantes (ORDOÑEZ, 4 set. 1929, p. 3).
Dessa forma, começou a aparecer outros pontos de vista, Juan Jacobo
Jaimes – médico de Bucaramanga – argumentou que a epidemia de Socorro
era semelhante à presenciada em anos anteriores em Bucaramanga,
considerou que a doença que tinha atacado a Bucaramanga havia sido de
fato febre amarela – posta em dúvida pelos médicos locais da época e pela
própria Fundação Rockefeller –, para o médico não havia nenhuma suspeita
que essa febre de Socorro oferecia um campo completamente novo aos
estudos sobre a epidemiologia da febre amarela. Afirmou ainda que não
se conhecia em Santander um foco de origem para explicar a aparição
72 Wilhelm H. Hoffmann, bacteriologista alemão que chegou a Cuba e permaneceu lá até sua morte.
Hoffmann se interessou principalmente no estudo da febre amarela, demostrou a existência da forma
silvestre da doença na África. Publicou mais de 86 artigos em diversas revistas da Europa e América.
Entre os trabalhos publicados, os de maior destaque são: “¿Hay fiebre amarilla en África?” (1924), “La
anatomía patológica de la fiebre amarilla” (1925), “La fiebre amarilla endémica en África” (1927) y
“La fiebre amarilla africana” (1928) (CUADERNOS DE HISTORIA DE LA SALUD PÚBLICA, 2004).
Disponível em: <http://bvs.sld.cu/revistas/his/his_99/hissu099.htm>. Acesso em: 6 jan. 2013.
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da enfermidade e a sua forma particular de propagação (VANGUARDIA
LIBERAL, 14 ago. 1929).
Sem dúvida, o debate sobre a febre amarela tornou-se uma problemática.
Tanto Ordoñez como Ardila Gomez abriram novas interrogações de
pesquisa e Serpa não se pronunciava. Foi publicado um artigo de Luís
Ardila Gomez, estabelecendo o quadro clínico dos doentes na epidemia que
atacou Bucaramanga em 1923 e a epidemia recente em Socorro, fornecendo
elementos característicos e perfis sintomáticos bem definidos que davam
à doença uma fisionomia própria. Desse modo, Ardila concluiu que se
encontrava frente a um novo tipo de febre amarela ou, em caso negativo,
frente a uma entidade desconhecida de patologia tropical, ainda mais
desconcertante do que a febre amarela mesma, já que se ignoravam por
completo os mecanismos de transmissão e, por conseguinte, as medidas
profiláticas para erradicar totalmente a doença. Portanto, Ardila concordou
mais com a segunda opção do que com a primeira e propôs realizar um
estudo da doença a fim de conhecê-la o suficiente em todas as facetas
fundamentais para poder incorporá-la como uma entidade independente,
dentro da taxonomia patológica (ARDILA, 19 set. 1929, p. 3).
Os esclarecimentos de Serpa foram publicados quatro meses após o
início da polêmica. Em 1° de outubro de 1929, no jornal El Diario, publicou
um artigo que contrariava as conclusões emitidas por Rafael Ordoñez,
mas sua argumentação não era tão convincente para silenciar os fortes
argumentos de Ordoñez. Ambos estavam corretos em certa parte, mas
ignoraram o novo tipo de febre amarela que presenciavam diante dos seus
olhos, que mais tarde veio a ser denominado como a febre amarela silvestre.
A controvérsia só começou a silenciar quando a Fundação Rockefeller
declarou que a epidemia de Socorro era febre amarela. Em 3° de outubro, o jornal
Vanguardia Liberal publicou o telegrama no qual a Direção Nacional de Higiene,
informava a confirmação de febre amarela à Direção Departamental que cujo
responsável era Rafael Uscátegui (VANGUARDIA LIBERAL, 2 out. 1929).
Os médicos de Bucaramanga inicialmente estavam confusos porque
a epidemia, que se dizia ser a febre amarela, mostrava um quadro clínico
distinto dessa doença e achavam que as medidas profiláticas assumidas
eram “precipitadas”. Não obstante, Roberto Serpa ajudou a alimentar essas
polêmicas, já que não anunciou a tempo um diagnóstico com informação
detalhada do quadro clínico da patologia. Provavelmente, o aspecto mais
interessante e que apresentou mais dúvidas na epidemia de Socorro foi a
identificação de sua origem. A região estava isolada por barreiras montanhosas
de modo que a teoria da importação oriunda de qualquer abordagem externa
parecia quase inconcebível. Apesar de ter sido conhecida a partir da teoria
de que o Aedes aegypti não era o único vetor, uma vez que naquela época
ainda não se tinha muito clara a cadeia total da febre amarela. A aceitação
de que existia outro tipo de febre amarela, designada como febre amarela
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silvestre, ainda era desconhecia e por esta razão é que a polêmica instaurou-se
em relação à existência de epidemia de febre amarela em Socorro.
Embora os bacteriologistas estrangeiros e nacionais reconhecidos na
época, como Hoffman de Havana e Federico Lleras Acosta, de Bogotá,
demonstrassem por seus estudos microscópicos que se tratava de febre
amarela em Socorro, suas opiniões não foram suficientes para acabar
com a controvérsia, que durou cerca de quatro meses e só terminou com
a ratificação da Fundação Rockefeller. Do mesmo modo somou-se ao
diagnóstico do laboratório Samper Martinez, que recolheu amostras de
sangue dos convalescentes na epidemia em Socorro, como reação positiva.
Na revista The Journal of Preventive Medicine, em seis de novembro
de 1930 publicou-se o artigo de Antonio Peña Chavarria, Roberto Serpa
e George Bevier sobre o estudo clínico e epidemiológico da epidemia
de Socorro de 1929 (FLOREZ, 1989, p. 46). É importante atentar para o
fato que, embora tivessem feito um trabalho eficiente, Hugh H. Smith73
(1939) assinalou que “esses investigadores não puderam encontrar uma
pista que lhes permitisse inferir a forma de como ocorreu a infestação em
Socorro”, Serpa, Bevier e Peña conseguiram recompilar a informação para
o diagnóstico de febre amarela em Socorro, no entanto, não conseguiram
explicar a origem da epidemia, devido a que os médicos se basearam na
epidemiologia da febre amarela, então aceitada:
Sí bien cuando la epidemia del Socorro no fue posible explicar
adecuadamente la aparición de la fiebre amarilla, debe recordarse
que en Muzo han ocurrido desde 1885 repetidos brotes de
una enfermedad muy similar, que dan cabida a la idea de una
trasplantación del virus. (SMITH, 1939, p. 5).
Jorge Boshell, médico colombiano, explicou essa ideia mais tarde
com a descoberta do Homagogus que esclarecia a cadeia da enfermidade,
comprovando assim um tipo de febre amarela desconhecida que
posteriormente se denominou febre amarela silvestre. A isso também se
somou o desenvolvimento de técnicas como a viscerotomia, empregada
primeiramente por médicos brasileiros, possibilitando confirmar que o surto
se deveu à introdução do vírus a partir de áreas próximas, de endemicidade
silvestre e não por transferência do Aedes aegypti.
73 “Hugh Hollingsworth Smith, (1902) doctor of public health, served as a staff member and assistant
director of the International Health Division (1930-1951), and associate director of the Division
of Medicine and Public Health (1951-1954) of the Rockefeller Foundation” (ARCHIVE CENTER
ROCKEFELLER). Disponível em: <http://www.rockarch.org/collections/individuals/rf/>. Acesso em:
29 jan. 2013.
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2.2.2.4 Controvérsias nos jornais
Tal como explicado acima, em Bucaramanga, capital do Departamento
de Santander, enfrentou-se uma polêmica em torno da febre amarela de
Socorro. Um dia depois de chegar em Socorro, no dia 25 de junho de 1929,
os médicos Rafael Ordoñez e Roberto Serpa notificaram à Secretária de
Fomento de Bucaramanga que “Los síntomas de la epidemia de Socorro
lleva a pensar que es fiebre amarilla” (ORDOÑEZ; SERPA, 1929). Em
seguida, a preocupação do jornal Vanguardia Liberal se tornou mais forte,
sendo um dos espaços que mais acelerou a polêmica entre a comunidade
médica. Sua principal preocupação estava nas consequências negativas que
traria ao comércio local e regional uma epidemia da febre amarela, uma vez
que com o diagnóstico publicado não tardaria a quarentena.
A partir de 17 de julho, a Vanguardia Liberal começou a publicar
uma série de notas sobre a febre amarela em Socorro. Em uma delas,
comemoraram a eliminação da quarentena estabelecida nos portos fluviais
de Santander. No entanto, nessa mesma data se estabeleceu quarentena
para os colombianos em Guayaquil e nos Estados Unidos, tornando-se um
transtorno na marcha das relações comerciais internacionais. De acordo com
Vanguardia Liberal, as medidas eram desnecessárias, pois era uma epidemia
que não causava grande mortalidade e não era de caráter grave. No final,
não se sabia se realmente tratava-se de febre amarela (VANGUARDIA
LIBERAL, 17 jul. 1929, p. 1).
As conclusões de Rafael Ordoñez delinearam uma divisão entre as
opiniões sobre o diagnóstico da febre de Socorro. O jornal Vanguardia
Liberal propôs um espaço de discussão onde as pessoas habilitadas sobre o
tema pudessem comentar e defender os seus pontos de vista (VANGUARDIA
LIBERAL, 4 set. 1929, p. 5). No entanto, nenhuma voz médica se fez ouvir
nos dias seguintes. O jornal começou a publicar anonimamente escritos
sobre a personalidade e o tratamento que Roberto Serpa tinha revelado
a epidemia apresentado em Socorro. Por exemplo, em 5 de setembro é
publicado o artigo intitulado “El doctor Roberto Serpa y la tesis de la fiebre
amarilla para rehuir la discusión se declara víctima de parcialidad y la cierra
sin razones” (VANGUARDIA LIBERAL, 5 set. 1929, p. 1). Provavelmente
uma das críticas de Serpa frente ao jornal era a sua parcialidade. Pode-se
dizer que em suas publicações Serpa mostrava ser um homem orgulhoso e
pouco modesto, cuja pesquisa não havia sido apresentada publicamente, o
que o tornava vulnerável a críticas pessoais.
A quarentena que foi imposta nos Estados Unidos para os colombianos
representou grandes dificuldades para o comércio internacional
colombiano. Tanto assim que o Conselho de Ministros se reuniu para
analisar cuidadosamente a questão da febre amarela na cidade de Socorro,
e autorizou o chanceler Uribe a enviar um telegrama a Olaya Herrera, que
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era então o embaixador da Colômbia em Washington e que posteriormente
ocupou a presidência da República, a fim de desmentir as notícias exageradas
sobre a epidemia (VANGUARDIA LIBERAL, 18 jul. 1929, p. 8). Tais
notícias traziam graves prejuízos ao comércio do país e a interdição dos
portos preocupava A situação tornou-se difícil e os jornais pressionavam
justificando que Socorro não iria infestar outros portos internacionais e os
comerciantes argumentavam que a suposta febre amarela de Socorro não
tinha sido comprovada por métodos científicos. Desse modo, solicitaram
ao governo nacional que explicassem aos governos internacionais que não
se sabia, com certeza, se era a temida febre amarela, a fim de evitar os
prejuízos que levariam ao comércio e aos particulares o estabelecimento da
quarentena, não só nos portos colombianos, mas também nos estrangeiros
(VANGUARDIA LIBERAL, 19 jul. 1929, p. 8).
Por outro lado, o Diretor Nacional de Higiene, Pablo Garcia Medina,
afirmou que a epidemia de Socorro era febre amarela, mas que estava
sendo controlada pelas comissões científicas enviadas pelo Ministério da
Educação para estudar a epidemia e fazer os experimentos bacteriológicos
do caso. E ainda, o diretor salientou que a quarentena estabelecida nos
portos do Equador foi injusta e desnecessária para os barcos procedentes
da Colômbia (VANGUARDIA LIBERAL, 19 jul. 1929, p. 8). No entanto,
apesar da campanha lançada pelo Vanguardia Liberal contra o anúncio da
febre amarela em Socorro, no dia 19 de julho de 1928, o Diretor de Higiene
Nacional, Pablo Garcia Medina, anunciou a extensão da campanha de saúde
de Socorro a Bucaramanga e a outras cidades do departamento de Santander
onde havia reaparecido o stegomía (VANGUARDIA LIBERAL, 20 jul.
1929, p. 1). A febre amarela teve um lugar especial nos espaços do jornal,
denominando-se como a epidemia infinita. Entre as notas ressaltava-se que
havia muitos médicos que asseguravam que não era febre amarela o que
assustou o povo. O contrário comentava que era um alarme falso que só
serviu para causar desconforto e descrédito (VANGUARDIA LIBERAL,
20 jul. 1929, p. 9). A partir dessa publicação, a polêmica tornou-se menos
científica e mais uma discussão pessoal.
As matérias do Vanguardia Liberal continuaram sendo publicadas,
chegando ao ponto de apelidar Serpa como o “El empresario de la fiebre
amarilla en Santander”. De acordo com o jornal, Roberto Serpa assumia
papel de única autoridade no assunto. A campanha do jornal foi pesada
contra o diagnóstico de Serpa, argumentando que não existiam verdades
absolutas. Salientavam que Hoffmann, médico reconhecido de Havana, que
Roberto Serpa citou em seu apoio, “podría ser una gran eminencia. Pero
las eminencias también se equivocan, así como las altas montañas y los
empinados volcanes que a pesar de su elevación también están expuestos a
derrumbarse” (VANGUARDIA LIBERAL, 6 set. 1929, p. 3).
Luis Gomez Ardila, médico colombiano que participou da campanha
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contra a febre amarela em Bucaramanga em 1923, tentou manter um debate
sério na hora de se equilibrar as opiniões manifestadas pela aprovação ou
reprovação do diagnóstico de febre amarela em Socorro. Em um primeiro
momento, comentou que o debate que se havia promovido em torno da epidemia
tinha uma tendência personalista e era contraproducente e prejudicial para os
profissionais envolvidos com ela, devido à perda a autoridade sobre a opinião
pública. Também observou que a regra dos cientistas é a imparcialidade,
impedindo a erosão da paixão individual, sobre isso ele diz: “oscurece la
mente y lleva a conclusiones unilaterales, distanciadas por completo de la
ecuanimidad intelectual, que concisión previa y obligado de todo acierto”
(ARDILA, 19 set. 1929, p. 3). Para Ardila, um pesquisador está acima de
qualquer preconceito e tem boa-fé como objetivo a procura da verdade. Que
está disposto a entrar em controvérsia com a mente aberta, evitando qualquer
viés sistemático. Disposto a aceitar as consequências lógicas de premissas
cuja exatidão tem sido comprovada com recursos críticos (ARDILA, 19 set.
1929, p. 3). A febre amarela em Socorro despertou várias discussões que
demonstraram o problema mantido pelos atores envolvidos na epidemia,
mostrando uma avaliação sombria da cultura científica da Colômbia ao
abordar tais questões controversas relativas a esta epidemia.
2.2.3 Contribuições da epidemia de Socorro
A epidemia de Socorro não só encheu de dúvidas os médicos de
Bucaramanga, mas incentivou-os a novos debates sobre o estudo comparativo
da clínica e do laboratório como elementos a serem considerados em um
diagnóstico. Na época, a clínica foi entendida como o estudo direto dos
doentes, dos quadros sintomáticos, das reações individuais ante a doença
e as diversas formas que assumiram o drama patológico em cada caso
particular. Em contraste, o laboratório era o corpo que se ocupava de aportar
ao estudo das doenças artificiais que o progresso científico aperfeiçoou
cada dia para chegar ao isolamento das causas, à identificação das espécies
microbianas patógenas e à análise bioquímica dos meios orgânicos em suas
relações com a doença (ARDILA, 21 set. 1929, p. 3). Os médicos da época
salientavam que a clínica representava uma tendência sintética, enquanto
que o laboratório levava à colaboração das ciências exatas, física, química,
matemática e à exploração do organismo doente. Contudo, não é possível
negligenciar o fato de que nessa época a medicina norte-americana começou
a crescer na Colômbia, dando autoridade ao laboratório. No entanto,
Ardila Gómez salientou que o laboratório tinha apenas um papel auxiliar
nos processos de investigação patológica. Por outro lado, reconheceu que
graças ao laboratório foram alcançados desenvolvimentos mais modernos
em medicina, mas que a clínica continuava representando a tradição da
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doutrina científica clássica. O problema que surgiu na febre amarela era
uma contradição entre as respostas clínicas e os dados fornecidos pelo
laboratório. A questão que permaneceu foi a qual dos dois devia-se dar
mais importância? Esta pergunta mostra que o surto de febre amarela havia
fornecido uma mobilização por parte dos médicos a fim de entender o
problema que representava a enfermidade.
Por outro lado, a epidemia do final da década de 1920 fez com que
os governantes da Colômbia pensassem mais sobre os problemas de
saúde pública do país. Embora suas políticas e medidas não fossem muito
eficientes, a epidemia mostrou a necessidade urgente de implementação
de medidas para limitar o progresso dessa e de outras doenças e, portanto,
de pensar o problema da saúde pública. Percebe-se também uma grande
dificuldade em implantar medidas de saneamento do meio e o próprio
estabelecimento das infraestruturas de saneamento.
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3
O DESPERTAR DA CRISE: OS NOVOS
ESTUDOS DA FEBRE AMARELA E A
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
A partir da década de 1930, depois dos surtos de febre amarela na
América Latina, as convicções científicas sobre a doença tinham alcançado
o seu limite. Fazia-se necessário estruturar uma nova estratégia de ação para
combater a doença, uma vez que os esforços da Fundação Rockefeller para
“erradicar” a febre amarela foram em vão, devido aos vários questionamentos
e à ineficácia dos métodos empregados. Nos estudos sobre a febre amarela
a FR parecia instável em seu status de autoridade científica, tal fiasco era
prejudicial também aos Estados Unidos no plano internacional. O país havia
ascendido na primeira metade do século XX não somente como nova potência
econômica, mas também científica. Tal posição fez com que a profissão e o
ensino de carreiras como a medicina, a engenharia e outras fossem fortemente
influenciados pelos norte-americanos em toda a América Latina (ATIQUE,
2010; MARINHO, 2001; COSTA, 2005). Entretanto, a entrada dos norteamericanos não ocorreu de forma harmoniosa, pelo contrário, gerou uma série
de debates e conflitos, especialmente entre os médicos.
Muitos profissionais defendiam os ensinamentos e preceitos
divulgados pelos franceses, pois este modelo ainda permeava a tradicional
formação médica, ao passo que a medicina norte-americana conquistava
a passos largos as instituições superiores latino-americanas. Pode-se
afirmar, sem embargo, que no início da década de 1930 os norte-americanos
predominavam nas instituições de ensino superior. A dependência cultural,
social, científica dos EUA foi gradualmente substituindo o domínio das
ideias médicas da Inglaterra e da França. Enquanto o campo da formação
acadêmica atravessava tais transformações, por outro lado, a presença
norte-americana se fazia presente em outros setores, como nas relações
comerciais, indicando que o comércio internacional havia sido ativado, o
que tornava necessário medidas saneadoras para os portos e a incorporação
de novas terras para o desenvolvimento agrícola e produtivo (ROMERO,
1997, p. 305). Foi nesta encruzilhada histórica que a investigação médica
contribuiu com seus resultados para fortalecer os novos ventos nos estudos
da febre amarela.
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No entanto, a presença dos Estados Unidos da América na saúde
latino-americana era um fato consumado. A Fundação Rockefeller
procurou realizar vários acordos com os países da região, inicialmente,
realizando projetos de cooperação entre cientistas latino-americanos e
norte-americanos para fazer alguns exames sorológicos e da mesma forma,
estudar os surtos de febre amarela (GROOT, 1999, p. 269), assim como
promover o ensino dentro do modelo de tempo integral aliado à pesquisa
e o novo modelo de administração sanitária que tinha o Centro de Saúde
como a instituição modelo (MARINHO, 2001; CAMPOS, 2002). Ao que
diz respeito à febre amarela, a Fundação Rockefeller conseguiu influir nas
decisões latino-americanas referentes ao campo da organização da saúde
pública, com a criação de instituições voltadas para a pesquisa da febre
amarela e da malária através dos contratos anuais com os chefes de governo.
Com a descoberta do vírus filtrável (1927) ​​, a Fundação Rockefeller
começou inclinar-se mais para os estudos de laboratório do que pelos
estudos de campo. Consequentemente, houve uma série de inovações de
caráter tecnológico e epidemiológico que favoreceram e desencadearam
novos avanços científicos e tecnológicos sobre este flagelo. Sobre a questão,
Fred Soper, diretor da Fundação Rockefeller na América do Sul, tece os
seguintes comentários:
O programa da Fundação para combater a febre amarela nas
Américas no período de 1918-1928 tinha sido essencialmente
administrativo, em grande parte dedicada a reduzir a reprodução de
mosquitos em centros antes endêmicos e em pequenas comunidades
[...] os excelentes resultados de febre amarela na África intensificou
o interesse da fundação nas pesquisas do laboratório, em poucos
anos deixou de se concentrar apenas em cortar a distância entre
os conhecimentos existentes e sua aplicação para o benefício da
população mundial. (SOPER, 1979, p. 335).
Durante os anos de 1930 a 1940, a Fundação Rockefeller redefiniu seus
campos de atuação e formulou novas diretrizes para o combate da febre
amarela. A concepção epidemiológica da época – Teoria dos Centros Chaves
– base científica dos planos de erradicação da doença, desenvolvidos antes
de 1928, dava sinais de que não era totalmente correta levando cientistas,
técnicos e médicos a fazerem formulações inadequadas para o controle
da doença. Portanto, ao finalizar a crises da década de 1920, os estudos
da febre amarela deram uma virada contundente. A seguir apresentamos
quais foram os avanços mais significativos nos estudos da febre amarela
alcançados na década seguinte que representaram uma revolução para os
estudos da doença.
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3.1 Avanços científicos na febre amarela
Os acontecimentos de 1928 e 1929 forçaram os pesquisadores da febre
amarela a perceber que, embora todas as grandes cidades e portos do Brasil
estivessem saneados74 só era possível uma redução significativa da doença.
O desaparecimento completo das áreas afetadas era uma meta difícil de
ser alcançada. Basta tomar como exemplo outras partes da América onde
medidas semelhantes haviam sido realizadas. Essa incapacidade de fazer
desaparecer completamente a doença era uma premissa nova, sugerida pela
ocorrência dos surtos de 1928-1929, amplamente separadas em pontos
isolados na Colômbia e no Brasil, que não tinham conexão possível entre
si. Essa premissa mostrou que existia um desconhecimento dos fatores
epidemiológicos, o que condenava ao fracasso a tentativa de livrar o
continente americano da febre amarela com base na teoria dos centroschave. O fracasso da erradicação da febre amarela de acordo com as regras
estabelecidas pelos epidemiologistas levou, em 1930, a uma mudança radical
no plano de campanha. Os técnicos da Fundação Rockefeller adicionaram
ao seu trabalho a organização de campanhas contra o vetor – Aedes aegypti –
não somente nas grandes cidades, mas também nas pequenas cidades. Além
disso, consideravam estudar mais detalhadamente o vírus e o ciclo vital do
mosquito. Maria Gabriela Marinho (2001, p. 29-31) salienta que a partir de
1929 a Fundação Rockefeller orientava-se também pelo apoio à produção
de conhecimento científico e foi assim, entre 1930 e 1940, que as ciências
básicas passaram a ocupar o centro dos interesses da Fundação. Note-se que
durante esta década a Fundação Rockefeller concentrou-se principalmente
na pesquisa de febre amarela e malária. A respeito ficou registrado em um
trecho publicado “Nuevas orientaciones de la Fundación Rockefeller” no
Boletim de 1936 da Oficina Sanitaria Panamericana:
La característica dominante del plan recién iniciado consiste
en la investigación en campaña con mira a cohibir ciertas
dolencias especificas no abordando de una vez todas las que
revisten importancia sanitaria, sino concentrando en cierto
número de problemas bien definidos y combinando los estudios
epidemiológicos y de Laboratorio. Fue así que entre las
enfermedades estudiadas en 1935 la fiebre amarilla encabezó
la lista y el paludismo también descolló, si bien se consideraron
otros males como esquistosomiasis, frambesia, tuberculosis, fiebre
ondulante etc. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1936,
p. 910).
74 Historicamente estes eram os principais centros endêmicos da infecção.
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Contudo, a Fundação priorizou o estudo e a identificação da distribuição
da doença, pois era necessário identificar acertadamente os casos de febre
amarela, além de localizar os casos fatais não suspeitos e silenciosos. Em
1930 aparece um engenhoso instrumento chamado viscerótomo75 (Figura
14) que iria ajudar em tal tarefa. A técnica utilizada a partir do uso deste
instrumento consistia em extrair pequenas porções de fígado dos cadáveres
sem recorrer à autópsia completa (CAMARGO, 1936, p. 141). O uso do
viscerótomo permitia um diagnóstico seguro, pois a febre amarela deixa
lesões singulares no fígado das pessoas por ela afetadas, permitindo a
identificação e distribuição sem confundi-la com outras doenças como a
malária, a esquistossomose e a leishmaniose. Esse instrumento tornou-se
o principal meio de reconhecimento de febre amarela nas comunidades
rurais da América do Sul, evitando a formulação de estatísticas nosológicas
erradas.
Figura 13 –Viscerótomo
Fonte: (SOPER; RICKARD e CRAWFORD, 1934, p. 554)
A divulgação desta nova invenção foi feita em maio de 1934 por Fred
Soper, E. E. Rickard e J. Crawford na revista de The American Journal Of
Hygiene, o objetivo do artigo foi dar a conhecer o procedimento para coleta
de amostras de fígado nos casos fatais de febre amarela a fim de identificar
focos silenciosos da doença. Segundo o artigo, cerca de cem amostras
foram examinadas no estado do Rio de Janeiro entre maio e agosto de 1930,
coletadas por pessoal não médico. Além, salienta que durante junho, foram
feitas tentativas para organizar rutinas de autópsia parciais76 no norte do
Brasil, nos Estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco. De acordo com o
relato foi ali onde se deu a concepção do instrumento para a remoção de
tecido do fígado sem fazer autópsia completa.
The attempt to organize a practical service for the interior of the
latter state led one of us (ERR) [E. R. Rickard] to attempt the
design of an instrument for the removal of liver tissue without
75De acordo com a Oficina Sanitária Panamericana, o viscerótomo: “Se trata de un instrumento simple
que, con la hoja cerrada, se introduce en el hígado, a través de la pared del cuerpo; luego la hoja se
retrae aproximadamente media pulgada, se fuerza el instrumento para que penetre más en el hígado y
finalmente, con un tapón de tejido hepático en el canal, se cierra y se retira. En la operación entera se
invierte menos de un minuto” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1954, p. 15).
76 A colheita de amostras de fígado, com o viscerótomo, passou a denominar-se serviço de viscerotomia.
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autopsy. This instrument, later christened the “viscerotome” by Dr.
Mario Biao, reached a practicable stage of development within a
few weeks. (SOPER; RICKARD e CRAWFORD, 1934, p. 553).
No entanto, em 5 de dezembro de 1938, o jornal Folha Médica publica
o artigo de autoria de Décio Parreiras, ex-chefe do Serviço de Febre Amarela
no estado do Rio de Janeiro, anunciando que havia sido ele quem criou o
primeiro viscerótomo e, consequentemente, o serviço de viscerotomía. Seu
texto começa assim:
Chegou o momento de contestar a afirmativa de Wray Lloyd,
da Divisão Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller,
New York, quando na sua conferência – Los últimos cinco años
de investigación sobre la fiebre amarilla (1933) – atribuiu a E.
R. Rickard – El invento de um instrumento con el nombre de
viscerótomo.77 (PARREIRAS, 1938, p. 406).
Mas não era somente Lloyd que acreditava. Na conferência sobre a
febre amarela, realizada na cidade de Washington, em 1954, afirmava-se que
o instrumento tinha sido “proyectado por el ya fallecido Dr. E. R. Rickard,
de la Fundación Rockefeller” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA,
1954, p. 15). Assim, essa descoberta ficou registrada como de E. R. Rickard,
funcionário da Fundação Rockefeller. Segundo Odair Franco (1969, p. 117),
em 19 de julho de 1930, Soper providenciou um advogado para a obtenção
da patente para o aparelho construído por Rickard, pedido que foi feito em
6 de agosto. Como não houvesse nenhum interesse de exploração comercial
por parte da Fundação Rockefeller, a patente foi pedida em nome de João
Tomás Alves, inspetor sanitário do DNSP e antigo colaborador nos trabalhos
da Fundação. Na secção de patentes de invenção do Diário Official da União
(8 ago. 1930, p. 37), consta descrição de tal aparelho “Pontos característicos
da invenção de um extrator de fragmentos de vísceras de cadáveres, para
o qual requer privilégio Dr. João Tomás Alves” (depósito n. 8.836, de 6
de agosto de 1930). Mesmo assim, o viscerótomo tem sido fabricado aos
milhares, no Brasil e em outros países, sem qualquer pagamento de direitos
de patente. O intuito foi, portanto, garantir apenas a livre fabricação do
instrumento (FRANCO, 1969, p. 117). A viscerotomia abriu novos rumos
para a epidemiologia.
Não obstante, Décio Parreiras, ressaltava que o primeiro viscerótomo
tinha sido imaginado por ele, desenhado por Werneck Genofre e fabricado
pela firma Lutz, Ferrando & Cia. Limitada do Rio de Janeiro, tal como consta
no registro da empresa: “como se vê, no livro de fabricação da referida firma,
com o numero 5.779, conforme indicação e desenho do pedido n. 1,822,
77 A transcrição foi mantida com os dois idiomas (Português e Espanhol) utilizados pelo autor.
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do serviço de saúde pública do Estado de Rio de Janeiro” (PARREIRAS,
1938, p. 406). Além disso, Parreiras afirmava que a primeira publicação
sobre o viscerótomo de Rickard só foi feita dez meses depois da realizada
por ele. Porém, reconhecia os trabalhos de Fred Soper e E. Rickard, visto
que o aperfeiçoamento da técnica e a divulgação do processo pelo mundo
inteiro tinha sido devido a eles (PARREIRAS, 1938, p. 407). Da mesma
forma, em setembro de 1939 no boletim da Oficina Sanitaria Panamericana
foi publicada a declaração de Parreiras onde reclamava a liderança na
organização do primeiro serviço para obter tecido de fígado do cadáver, bem
como de ter imaginado o primeiro viscerótomo, “que se halla actualmente
en manos del Dr. Fred Soper. En cambio, el perfeccionamiento de la técnica
y la divulgación del proceso corresponden indiscutiblemente a los Dres.
Fred Soper y E. R. Richard” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA,
1939, p. 862).
Embora, a OSP houvesse reconhecido que Parreiras havia sido o
inventor da ideia, e que Soper e Rickard foram os divulgadores, na história
da febre amarela os registros são outros:
Rickard, while working in Brazil, devised an instrument for the
removal of fragments of liver for histopathology examination without
autopsy. This instrument is called the viscerotome. It can be used by
nonmedical personnel and was employed effectively on a nationwide
scale in Brazil and also in other countries. (WARREN, 1951, p. 26).
Certamente, esta invenção levou a novos desenvolvimentos no campo,
o que permitiu estudos epidemiológicos mais profundos para identificar a
distribuição da doença e sua prevenção e controle. Além disso, isolado o vírus
da febre amarela, o trabalho dos pesquisadores da Fundação Rockefeller
tornou-se mais ativo e eficaz. Max Theiler (1930), então um estudante da
Escola de Medicina Tropical da Universidade de Harvard, descobriu que
os camundongos normalmente imunes à febre amarela eram suscetíveis
ao vírus quando inoculado de forma intracerebral (FOUNDATION
ROCKEFELLER, 1930, p. 43-44). Com base nestas informações, Sawyer
e Lloyd (1931) desenvolveram o “teste de proteção do camundongo78”, que
revelou a presença de anticorpos específicos contra a febre amarela em soro
humano. Este teste permitiu a demarcação de áreas endêmicas, localizando
o momento do surto e observando a distribuição deste e do seu âmbito
territorial. Sobre este método,
78 “La prueba consiste esencialmente en la inoculación intraperitoneal de los ratones con virus amarílico fijo
para los ratones, junto con el suero a comprobar, y la inyección simultánea de solución amilácea en el cerebro,
para localizar el virus. Si el suero carece de facultad protectora, los ratones sucumben a una encefalitis
amarílica. La prueba es muy delicada y, por consiguiente, resulta útil epidemiológicamente para determinar si
los individuos han tenido fiebre amarilla en alguna ocasión, y si los sujetos o los animales vacunados se hallan
en realidad inmunizados” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1932, p. 381).
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El resultado de este método de laboratorio ha hecho posible
descubrir la fiebre amarilla en el pasado, determinar en el presente
con relativa exactitud las épocas de su aparición y localizar y
demarcar las zonas endémicas. La especificidad, exactitud y valor
fundamental de la prueba de protección son postulados científicos
fuera de discusión (CAMARGO, 1936, p. 139).
Com este avanço teve início uma nova fase da luta contra a febre
amarela, muito mais comprometida com a ciência. Evidenciou-se a
importância que os médicos começaram a atribuir ao laboratório, como
precursor de novas formas de combater a doença. O laboratório se tornou o
eixo central que facilitou o exame histopatológico da doença e a precisão do
diagnóstico. Na mesma lógica, a descoberta do vírus no laboratório ajudou
a resolver o problema da vacinação. Sawyer e Kitechen (1931) descobriram
um método de vacinação humana por soro imune e vírus fixo do cérebro
do camundongo. Essa descoberta abriu a era profilática e forneceu uma
prevenção contra a transmissão da doença, no entanto, a vacina era insegura
sem a administração de grandes quantidades de soro.
Mas o avanço mais significativo em matéria epidemiológica foi
a definição da febre amarela silvestre, em 1934. Não há dúvida que
historiadores da ciência e da saúde pública situam o nascimento do conceito
de “febre amarela silvestre” na década de 1930 e outorgam sua formulação
a Fred Soper, então Diretor Regional para América do Sul da International
Health Board da Fundação Rockefeller (SOPER, 1935, p. 7).
La fiebre amarilla selvática, nos dice el Dr. Fred L. Soper (de la
Fundación Rockefeller), su descubridor, ‘puede definirse como
fiebre amarilla que aparece en zonas rurales, selváticas y fluviales
donde no hay Aedes aegypti. Aparece en ausencia de todos
los mosquitos vectores conocidos actualmente, con la posible
excepción del Hamagogus, que cría en los agujeros de los árboles,
a veces en el agua superficial, y que pica sin dificultad de día’.
Observemos aquí que la presencia de ese género de mosquitos ha
sido observada no sólo en Sudamérica, sino también en México,
Costa Rica, Guatemala, Panamá, y Jamaica. ‘La fiebre amarilla de
tipo selvático’, continúa el Dr. Soper, ‘es muy distinta de la fiebre
amarilla urbana y rural transmitida por el Aedes aegypti. La fiebre
amarilla transmitida por el Aedes aegypti es, característicamente,
una enfermedad doméstica, y afecta en general a los no inmunes
que viven en o visitan casas infectadas. Atenida aparentemente
para su mantenimiento al sencillo ciclo hombre-mosquito-hombre,
es propagada de un punto a otro por los movimientos del huésped
humano durante el periodo de incubación, o por el transporte
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accidental de los mosquitos infectados de un sitio a outro’.
(LLOYD, 1938, p. 595).
A descoberta de um novo tipo de febre amarela clarificou a epidemiologia
da doença, no entanto, deve-se notar que o precursor desta descoberta
remonta ao início do século XX. Roberto Franco79, médico colombiano,
identificou em 1906 a “fiebre de los bosque” durante a investigação de um
surto apresentado em uma mina próxima a Muzo80, na Colômbia. Depois
de muitas observações, propôs e defendeu a tese sobre a existência de
duas variedades de febre amarela: uma urbana e uma silvestre (FRANCO;
TORO, 1936, p. 165-227). Segundo Paola Mejia (2004, p. 138), o relatório
que Franco apresentou para as autoridades de saúde pública da Colômbia
descreveu claramente a febre amarela silvestre, mas as descobertas não
foram confirmadas nos anos subsequentes, uma vez que estavam em
desacordo com as teorias que diziam que o Aedes aegypti era o único vetor
da febre amarela. Além disso, a comissão da Fundação Rockefeller chefiada
por William Gorgas, que foi pela primeira vez para a Colômbia em 1916,
concluiu que não havia foco endêmico de febre amarela na região de Muzo,
porque não foi encontrado nenhum Aedes aegypti (CAMARGO, 1936, p.
15). Esta afirmação acabou por colocar esta descoberta em total descrédito a
opinião de médicos locais e, especialmente, de Franco e seus colaboradores.
Emilio Quevedo e seu grupo de pesquisas (2007) demostram que o
processo de construção do conceito de “fiebre amarilla selvática” foi muito
complexo: a discussão do conceito começou em 1907 e consolidou-se em
1938, revolucionando tanto a compreensão da epidemiologia como os
mecanismos de controle da doença (QUEVEDO et al., 2007, p. 2). O relatório
publicado em 1907, apresentado ao sindicato de Muzo pela comissão de
Franco, encarregada de estudar a epidemia observada na mina, e o artigo
publicado em 1910 não parecem ter produzido uma reação imediata entre
a comunidade médica colombiana de seu tempo. E, embora as abordagens
de Franco e seus colegas fossem revolucionárias em relação ao saber
convencional do momento, não deixaram de ser conclusões isoladas de um
grupo de médicos periféricos que não impactaram na comunidade científica
internacional (QUEVEDO et al., 2007, p. 34).
79“Roberto Franco (1874-1958), estudió Medicina desde 1898 hasta 1904 en París. Por la misma época
hizo pasantía en el Instituto Pasteur, para luego encaminarse a una experiencia hospitalaria en el
hospital Sadiki de Túnez. Después de haber terminado sus estudios en Paris, realizó una breve pasantía
en London School of Tropical Medicine. Esta institución inglesa reflejaba el interés por promover la
investigación de la medicina tropical, especialmente en los países pobres de Asia, África y América, los
que podían tener interés económico futuro para el comercio Británico. A su regreso a Bogotá, Franco
ocupó de inmediato la cátedra de enfermedades tropicales de la Facultad de Medicina de la Universidad
Nacional” (ROMERO, 1997, p. 306).
80“Muzo es un pequeño pueblo de unos 350 habitantes (…) más o menos a 150 Kilómetros hacia el Norte
de Bogotá, Según dice el Municipio tiene una población aproximada de 4000 habitantes, de los cuales
un pequeño porcentaje vive y trabaja en las minas, famosas por haber sido durante varias centurias las
productoras de las mejores esmeraldas del mundo” (SOPER, 1935, p. 56).
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Segundo Hansson (1937, p. 1045) as primeiras observações da febre
amarela silvestre foram feitas por Soper e seus colegas em 1932, a partir
de uma epidemia eclodida no Vale de Canaan, situado no Estado do
Espirito Santo (Brasil). Nesta epidemia, a primeira observação indubitável
do fato foi a transmissão da febre amarela, em condições naturais, sem a
responsabilidade do Aedes aegypti (SOPER, 1934, p. 380). Devido aos
avanços epidemiológicos, a doença foi identificada pela observação clínica,
pela autópsia, pelo teste de proteção do camundongo e pela reprodução
da doença nos macacos inoculados com sangue colhido no período inicial
de um caso (SOPER, 1935, p. 205). A partir daí, Soper divulgou os novos
conhecimentos da febre amarela silvestre81 em discursos pronunciados ante
a Academia Nacional de Medicina de Rio de Janeiro, a IX Conferência
Sanitária Pan-Americana e a Faculdade de Medicina de Bogotá, tornandose uns dos mais importantes conhecedores da doença. No entanto, Soper
reconheceu as conclusões anteriores do trabalho de Roberto Franco (1907),
das quais destaca:
1) La epidemia que estudiamos en las Minas de, Muzo en 1907
está compuesta por fiebre amarilla y fiebre espiroquetal, asociadas.
Estas dos entidades existen en la región en el estado endémico,
y producen epidemias que son mantenidas y despertadas por la
frecuente llegada de individuos receptivos de las tierras frías.
2) La fiebre amarilla tiene desde el punto de vista etiológico algunas
particularidades:
a) Es contraída en el bosque y no en la vecindad de las habitaciones.
b) Es transmitida por el estegoma calopus, y probablemente
también por otros culicíneos.
c) La inoculación se hace durante las horas del día, que son las
que los trabajadores pasan en donde predominan los mosquitos
transmisores […]
6) La fiebre espiroquetal de un solo acceso es muy difícil de
distinguir de la amarilla, y hay muchos casos en que el diagnóstico
clínico es imposible. Igual confusión es posible con algunas formas
de paludismo […]
9) Son signos de pronóstico muy grave en la fiebre amarilla
la aceleración del pulso en el segundo período, cuando baja la
temperatura; la presencia y tenacidad del vómito y la presencia
en él de sangre (vómito negro); el hipo, la anuria, el delirio que
81 As publicações de Soper sobre sua descoberta são as seguintes: “Some Notes on the Epidemiology of
Yellow Fever in Brasil” ou “Algumas Notas a respeito de Epidemiologia da Febre Amarella no Brasil,” Rev.
Hyg. Saude Pub., dbre 1933, mzo. 1934. (Veja também. Bol. Of. San. Pan., p. 372, 1934); “El Problema de
la Fiebre Amarilla en América” Bol. Of. San. Pan., mzo. 1936; “Fiebre Amarilla Rural, Fiebre Amarilla de
la Selva, como problema nuevo de Sanidad en Colombia,” Rev. Hig., v. 4, n. 5, 6: “Febre Amarella SilvestreNovo Aspecto Epidemiológico da Doença,” Rev. Hyg. Saude Pub., fbro. 1936, v. 10.
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acompaña al sindroma de la ictericia grave.” (FRANCO; TORO;
MARTINEZ, 1936, p. 193-194).
As conclusões estabelecidas por Franco e seus colegas deixaram Soper
admirado, pois para ele não havia dúvida de que o trabalho realizado em
Muzo concordava com as conclusões feitas no Vale de Canaan. Soper
criticou a tendência das revistas científicas da época, de recusar a publicação
de relatórios detalhados como o que tinha feito Franco, Martinez e Toro, em
1911: “las observaciones que se consignan en el papel tiene un valor perenne,
mientras que las conclusiones basada en tales observaciones pueden sufrir
alteraciones a consecuencia de estudios posteriores” (SOPER, 1935, p.57).
Com essas palavras, Soper afirmou que um dos fatores da ignorância do
trabalho de Franco e seus colegas foram a falta de divulgação científica
das revistas. Se os estudos de Franco e colaboradores fossem examinados
com cuidado e com interesse internacional, o controle da febre amarela
talvez tivesse tido outro desfecho no início do século XX e não somente nos
anos 1930. Esse caso é de interesse para os estudos da ciência, pois permite
imaginar o tamanho e o poder de divulgação da Fundação Rockefeller. Por
outro lado, com o esclarecimento da febre amarela silvestre, começava-se
a entender as recorrências de surtos em áreas urbanas onde a doença era
considerada erradicada. Muitas pessoas infectadas vieram de aldeias perto
de áreas florestais e acabavam por espalhar a doença. Além disso, com essa
nova descoberta se evidencia a dificuldade de erradicar completamente a
doença, que poderia ser controlada nas cidades com pulverização e outras
medidas, mas na selva era mais difícil. Era necessário repensar em medidas
preventivas eficazes para ajudar a controlar a doença em áreas rurais.
Em 1937, nos laboratórios de Nova York foi realizada a descoberta de
uma vacina eficaz, a vacina 17D82 desenvolvida por Max Theiler (1937), em
cooperação com Hugh H. Smith. Tal produto baseado no vírus modificado
chamado 17D da febre amarela foi reproduzido no laboratório de Serviço de
Estudos e Pesquisas sobre a febre amarela localizado no Instituto Oswaldo
Cruz, situado no Rio de Janeiro e, em seguida, no laboratório da Sección de
Estudios Especiales del Ministerio de Trabajo, Higiene y Prevención Social
(Bogotá), que mais tarde se chamou Instituto de estúdios especiales Carlos
Finlay. Estes laboratórios eram mantidos pelo governo e pela Fundação
Rockefeller o que permitiu a prevenção da doença em áreas silvestres
dos países latino-americanos. O desenvolvimento dessa vacina valeu para
Theiler o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1951.
Contudo, em novembro de 1934 a febre amarela foi uma das
doenças que tiveram especial consideração na IX Conferencia Sanitaria
Panamericana. Reunida em Buenos Aires, Argentina, a comissão composta
por 21 representantes dos países latino-americanos desenvolveu um
82 Foi preparada em soro humano normal, utilizando embriões de galinha inoculados com o vírus 17D.
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conjunto de recomendações para o estudo e controle da febre amarela, que
foram dados aos países que padeciam com o flagelo (SOPER, 1938, p. 36).
Assim recomendou-se aos países do continente o seguinte programa de
estudos e profilaxia:
• Realização de pesquisas sistemáticas do poder de proteção
do solo sanitário nas pessoas de todos os países e das regiões
tropicais do continente,
• Estabelecer a coleta de amostras de fígado através da viscerotomia
para o estudo anatomopatológico em todas as regiões endêmicas
e onde a doença tinha existido.
Como medidas profiláticas foram recomendadas:
1. A criação de um serviço antilarval permanente que garantisse
taxa mínima de zero em cada cidade das Américas;
2. Foi sugerida a criação da equivalência de serviços em todas as
localidades das regiões infectadas e nas proximidades;
3. Recomendou-se a adoção de um regulamento para facilitar e
garantir a luta antilarval e a viscerotomia;
4. Como método de prevenção para as pessoas receptivas que
viajavam entre regiões endêmicas e populações rurais onde a
febre amarela existia, recomendou-se a vacina antiamarílica,
porque a luta contra transmissores era difícil ou impossível.
Nessa conferência pediu-se aos países participantes um relatório trimestral
sobre o desenvolvimento da campanha antilarval e os respectivos índices
estegômicos. Do mesmo modo, se recomendou a criação de laboratórios para
o estudo da febre amarela, por outro lado, quatro anos depois da adoção destas
recomendações, a X Conferência reunida em Bogotá, em 1938, enfatizou a
importância da vacina 17D (SOPER, 1938, p. 1).
Mas como foi acolhido este programa? A seguir, analisaremos as
políticas implementadas no Brasil e na Colômbia depois da crise da doença
e das recomendações da Oficina Sanitária Panamericana.
3.2 Políticas no Brasil contra a febre amarela
Com o surto ocorrido em 1928 no Rio de Janeiro, as autoridades
sanitárias se convenceram de a necessidade de ser organizado, em caráter
permanente, o combate à febre amarela. Assim, o Departamento Nacional
de Saúde Pública (DNSP) e a Fundação Rockefeller firmaram um contrato
em 1929, estabelecendo uma cooperação entre as duas entidades a fim de
levar o extermínio da febre amarela em todo o Brasil. Esta parceria foi
relatada e noticiada pela Oficina Pan-Americana:
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Pelo que atual governo do Brasil, convencido de que a febre
amarela constituía um dos principais problemas de saúde pública,
resolveu estabelecer uma campanha de caráter permanente contra
as doenças. Visando essa finalidade, tomou medidas de tal ordem
que ultrapassaram a expectativas. Reconhecida a conveniência de
confiar essa campanha a uma direção única, o governo brasileiro
entrou em entendimento com a benemérita Fundação Rockefeller,
para a realização de tão importante empreendimento [...] o valor
dessa medida foi de tal alcance internacional que vários países sul
americanos seguiram o exemplo brasileiro, o que veio a permitir a
campanha uma atuação técnica única, sob a orientação de Soper.
(OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 730).
Dentro do convênio foi estabelecido que a luta contra a doença
se estenderia por todo o território brasileiro. A fim de sistematizar as
providências foi criado um serviço especial, denominado Serviço de
Prophylaxia da Febre Amarella (SPFA) (A FOLHA MEDICA, 5 fev., 1929,
p. 15). Com este serviço o Brasil ficou divido em dois setores, norte e sul.
O setor sul, a partir do Estado de São Paulo e o setor norte, que abrangia os
estados da Bahia até o Vale do Amazonas, ficando o primeiro sob a direção
do diretor do DNSP, e o último sob a responsabilidade do representante da
Fundação Rockefeller com a designação oficial de Inspetor Geral (OFICINA
SANITARIA PANAMERICANA, 1931, p. 390). Com esse contrato, a
Fundação Rockefeller assumiu o compromisso de fornecer o dinheiro
necessário, a metade das despesas no mesmo setor, além de pagar, por
sua conta, os ordenados e despesas de viagem do pessoal norte-americano
dos seus quadros, o custeio do seu laboratório de febre amarela na Bahia e
qualquer serviço experimental que fosse futuramente criado. Este contrato
foi firmado por Clementino Fraga, então Diretor do Departamento Nacional
de Higiene e Fred Soper, representante da Divisão Sanitária Internacional
da Fundação Rockefeller (A FOLHA MÉDICA, 5 fev. 1929, p. 16). No
entanto, em dezembro de 1929, um novo contrato de maior amplitude foi
firmado entre o Governo e a Fundação Rockefeller, pelo qual esse órgão
internacional faria o combate à febre amarela em todo o país, exceto no
Distrito Federal, que ficava a cargo do DNSP (FRANCO, 1969, p. 106).
Segundo Löwy (2006, p. 131) “os governos de alguns países de América
Latina, preocupados com os estragos provocados pela febre amarela no
comércio, e na imagem da região, manifestaram por inciativa própria,
desejo de receber ajuda da Fundação Rockefeller”.
O DNSP iniciou a nova campanha e publicou instruções para o combate
da febre amarela, ressaltando ser necessário diminuir o máximo possível os
focos de mosquitos, o que acabou por gerar uma série de recomendações
ligadas às edificações, com a intenção de reduzir os locais de criadouros.
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Tais medidas foram as seguintes:
1. Evitar o emprego de calhas em todas as construções novas e
reconstruções;
2. As calhas que não puderem deixar de ser colocadas ou mantidas
de verão ser de cobre, com o declive mínimo de 1 para 100, ter
condutores de vasão de 6 em 6 metros, no máximo, quando livres,
e ser assentadas solidamente de modo a não se desnivelarem;
3. Nas construções já existentes, deverão ser suprimidas todas
as calhas, que o puderem ser, sem prejuízo para a conservação
e segurança do edifício, a juízo das autoridades técnicas do
Departamento Nacional de Saúde Pública;
4. Em qualquer caso de construção, quando as calhas forem julgadas,
indispensáveis, a planta de cobertura devera ser previamente
submetida á aprovação do DNSP;
5. As infracções das disposições serão punidas com as multas de l00$
a 500$. Esgotado o prazo da segunda intimação e não cumprida, será
expedida multa, no dobro da primeira e a obra mandada executarem
pelo DNSP, sendo as despesas cobradas do infrator. (OFICINA
SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 475).
Em 1930, Getúlio Vargas assume o poder e seu governo irá marcar
a história nacional, levando ao poder um regime populista e autoritário,
favorável à ideologia do “progresso” e à colaboração com os Estados
Unidos, no que dizia respeito aos assuntos ligados à saúde. Foi neste ano, no
começo da gestão Fred Soper que se iniciou a nova orientação da luta contra
a febre amarela. Soper estabeleceu uma forte interação com os sanitaristas
brasileiros, além disso, suas atividades, segundo o modelo de ampla
cobertura territorial e vigilância sanitária estrita, apresentavam afinidades
com a centralização da administração pública durante o Governo Vargas
(LIMA, 2002, p. 70-71). Dessa forma, em 1930 foi celebrado um novo
contrato entre a Fundação Rockefeller e o governo brasileiro, que ampliou
ainda mais o controle da Fundação e unificou a campanha do Distrito
Federal, sob a direção dos Serviços Sanitários da capital. No entanto, um
ano mais tarde, o Serviço do Distrito Federal e o Serviço Cooperativo83
foram unificados. Segundo Soper (1934, p. 386) “a união do Serviço do
Distrito Federal com o Serviço Cooperativo, foi um processo de fusão, e
não um processo de substituição”. Soper defendia essa ideia, uma vez que
os técnicos médicos do Departamento Nacional de Saúde Pública, que então
atuavam no combate à febre amarela, permaneceram nos respectivos postos,
sendo que 60 dos 66 médicos que se empenhavam na luta contra a febre
83 Formado pelos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, era a zona de ação do Serviço
Cooperativo.
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amarela no território do país eram brasileiros. Com isso, não resta dúvida
que os especialistas norte-americanos mantiveram o controle exclusivo do
conjunto das operações do serviço de febre amarela (SFA) “o novo serviço
de febre amarela é, portanto, um braço do governo brasileiro, dirigido pelos
especialistas norte-americanos” (LÖWY, 2006, p. 167).
O contrato foi sucessivamente renovado até dezembro de 1939, quando
a Fundação Rockefeller entregou o Serviço de Febre Amarela ao Ministério
de Educação e Saúde. Esta unificação foi registrada por Soper (1934, p.
386) em um relatório entregue à Oficina Sanitaria Panamericana:
O atual programa do Serviço Cooperativo da Febre Amarela no
Brasil é o maior de quantos tem mantido a Fundação Rockefeller
com qualquer Governo, e é provavelmente, a mais importante
campanha organizada sob uma única direção, contra qualquer
doença. O Governo brasileiro deve ser felicitado por haver
reconhecido na febre amarela, um problema nacional, e pela sua
determinação em ajudar, por todos os meios possíveis, a campanha
iniciada. (SOPER, 1934, p. 386).
O forte apoio e autoridade do governo de Getúlio Vargas permitiu à
Fundação Rockefeller obter o apoio jurídico para as medidas antilarvais e a
viscerotomia, novos métodos empregados no estudo e controle da doença.
Em 23 de maio de 1932, com o propósito de fornecer regulamento aos
serviços de profilaxia da febre amarela, o governo provisório da República
dos Estados Unidos do Brasil assina um contrato com a Fundação
Rockefeller e por meio do decreto n. 21.434, lança as bases legais do serviço
cooperativo de febre amarela (BRASIL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO
E SAÚDE PÚBLICA, 1932): “Quem se opuser, embaraçar ou dificultar, de
qualquer forma, a ação sanitária definida neste regulamento incorrerá na
multa de 100$000 a 1:000$000, dobrada nas reincidências, ou na pena de
prisão de 3 a 30 dias” (FRANCO, 1969, p. 184).
A confiança do governo de Vargas na capacidade gestora da
Fundação Rockefeller foi reforçada pela constatação de que os custos de
funcionamento do Serviço da Febre Amarela eram menos elevados sob
a gestão norte-americana do que a gestão do DNSP (LÖWY, 2006, p.
174). No entanto, muitas vezes, as relações entre os pesquisadores norteamericanos e brasileiros não foram amistosas, como exemplifica o caso do
surto de febre amarela no Rio de Janeiro.
Com as recomendações proferidas durante a IX Conferência Sanitária
Pan-Americana, o Brasil tornou-se modelo para as nações sul-americanas. A
coleta sistemática de amostras de fígado para descobrir as regiões em que a
febre amarela existia foi feita pela primeira vez no Brasil, em março de 1930,
pelo Serviço de Febre Amarela no estado do Rio de Janeiro. Os resultados
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imediatos da prática da viscerotomia foram de tal forma importantes que, no
Decreto n. 21.434, de 23 de maio de 1932, Vargas incluiu vários dispositivos
para tornar este serviço efetivo (SOPER, 1934, p. 375). Nos artigos 52 e 53
ficou estabelecido que a prática da viscerotomia e as autópsias sistemáticas
seriam realizadas em casos suspeitos de morte por febre amarela. Assim, o
Serviço de Febre Amarela delegaria poderes aos representantes locais, que
estavam devidamente instruídos para a dita prática, sendo obrigatório notificar
os óbitos que ocorressem com menos de 11 dias de moléstia. Além disso,
nos locais onde houvesse um viscerotomista este serviço era obrigatório,
sendo preciso visto daquele representante para sepultar em cemitério, capela,
igreja ou terrenos particulares. Se ocorresse qualquer tipo de oposição a
estas medidas, uma multa seria aplicada com valor variando entre 50$000
a 1:000$000 contos. Ressalte-se que a atuação da autoridade policial foi
determinante em casos de oposição para a realização imediata da viscerotomia
(BRASIL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA, 1932).
Sobre a viscerotomia no Brasil, a OSP faz a seguinte manifestação:
A viscerotomia foi uma das mais notáveis conquistas do Serviço
Nacional de Febre Amarela, há no país uma vasta rede de postos
de viscerotomia espalhados em 1.278 localidades do território
nacional. No período de 1930 a 1941 foram colhidos 246.157
fragmentos de fígado. Além da identificação de casos de febre
amarela, a viscerotomia tem concorrido para o conhecimento
exato da distribuição de um grande grupo de doenças no Brasil
e já assinalou a existência de novas entidades mórbidas do
país, tais como a leishmaniose visceral e a histoplasmose, pela
primeira vez evidenciada no Brasil. (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1943, p. 732).
Em 1936, Geraldo Paula Souza – diretor do Instituto de Higiene de
São Paulo – ressaltou algumas considerações sobre a luta da febre amarela
no Brasil. Entre os pontos mais relevantes, argumentou que a campanha
sistemática do Brasil obedecia a um plano de combate internacional, em
que a Fundação Rockefeller colaborava com os países interessados da
América do Sul, sendo o centro de operações o Rio de Janeiro84 (PAULA
SOUZA, 1936, p. 339). Paula Souza enfatizou tal ponto, visto que o serviço
de febre amarela no Brasil era parte integrante do DNSP, que contava
com um programa de medidas profiláticas e estudos epidemiológicos da
doença em todo o Brasil, como era indicado no Decreto n. 21.434, de 23 de
maio de 1932. Portanto, a Fundação Rockefeller atuou como uma entidade
84 O Serviço de Febre Amarela no Brasil estava dividido em setores, sob a direção geral do Rio de Janeiro,
que era o centro dos trabalhos em toda a América do sul. (Setor Sul, Setor Bahia, Setor Nordeste e Setor
Amazonas).
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administrativa encarregada de coletar e organizar dados que contribuíram
para controlar a febre amarela.
O pessoal do Serviço de Febre Amarela em 1936 compreendia 3.458
indivíduos sendo apenas 63 médicos, dos quais 60 brasileiros, para todo o
território; 351 guarda-chefes e 1810 guardas. Segundo Paula Souza, com
este pessoal pequeno era possível conseguir um trabalho eficiente:
Consegue-se trabalho útil e perfeito com tão pequeno número de
funcionários, pela verdadeira racionalização do serviço, em que não
permanece nenhum peso morto, como frequentemente observa-se.
Toda campanha antiamarílica no Brasil, faz-se hoje [1936], com
dispêndio anual de 12 mil contos por parte do Tesouro Nacional e
500 mil dollares pela Fundação Rockefeller, ou seja, um total de
18 a 20 mil contos. É mais barato esse trabalho de manutenção de
baixo índice estegômico, através de longos anos, que o custo de
uma só campanha de emergência, em plena eclosão de epidemia,
como foi o caso do Rio de Janeiro em 1928-1929, quando foram
necessários cerca de 100 mil contos, para debelar a doença, em uma
só cidade. (PAULA SOUZA, 1936, p. 339).
Certamente, o serviço de Febre Amarela fornecia resultados ótimos.
Técnicos e médicos do serviço foram para outros países como Paraguai,
Bolívia e Colômbia, estabelecendo sob normas uniformes a campanha
contra a doença (BARRETO, 1938, p. 479). O Serviço de Febre Amarela
do Brasil constituiu-se, sem embargo, uma escola padrão “na qual vieram
fazer aprendizagem vários médicos e outros técnicos, não só dos serviços
federais de saúde dos Estados Unidos, como também dos vários países
americanos assim como europeus e africanos” (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1943, p. 730).
O Governo do Brasil, em 1937, decide dividir o Ministério de Educação
e Saúde Pública do Brasil em dois, criando o Departamento Nacional de
Educação e o Departamento Nacional de Saúde (DNS). Por decreto de
29 de Janeiro de 1937 foi nomeado João de Barros Barreto para chefiar o
sistema nacional de saúde. O novo departamento tinha como atividades: a
saúde pública, a assistência hospitalar, assistência a psicopatas e amparo
à maternidade e a infância. As atividades de saúde pública, onde se
encontrava o Serviço da Febre Amarela foram reunidas no Serviço de Saúde
Pública do Distrito Federal, que compreendia a Inspetoria dos Centros de
Saúde, a Inspetoria de Alimentação, a Inspetoria dos Serviços Especiais,
o Laboratório de Saúde Pública, o Hospital de Isolamento São Sebastião,
o Hospital de Leprosos de Curupaity, o Preventório Paula Candido e os
Abrigos dos Tuberculosos (BARRETO, 1937, p. 611).
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Com a identificação da febre amarela silvestre como forma comum
da doença e não como uma modalidade excepcional, novos rumos e
recomendações ligadas à profilaxia da doença surgiram e a imunização com
a vacina antiamarílica tornou-se a medida de maior eficácia. O emprego da
cepa 17D ​​no Brasil para produção de vacina começou em fevereiro de 1937
e no final do mesmo ano já haviam sido vacinadas 38.387 pessoas. Em 31
de março de 1938, a vacinação chegou a 168.000 pessoas. Cabe salientar
que, uma vez produzida a vacina nos laboratórios da Fundação Rockefeller
em Nova York, H. H. Smith trouxe ao Brasil a cepa 17D em janeiro de 1937,
para realizar estudos posteriores (SOPER, 1938, p. 511). Desde março de
aquele ano, o Instituto Oswaldo Cruz passou a preparar a vacina 17D que
seria utilizada em todo o país. Mais de 2.000.000 pessoas foram vacinadas
entre 1937 e 1944. O ano de 1938 foi um ano fundamental, onde 1.059.328
vacinas foram aplicadas. No entanto, em 1940, este número foi reduzido a
272.702 vacinas (ANTUNES; CASTRO, 1945, p. 978).
Figura 14 – Vacinação antiamarílica no Brasil
Fonte: (OFICINA SANITARIA
PANAMERICANA, 1943, p. 733)
Figura 15 – Vacinações no Brasil Contra a febre
amarela (1937-1944)
Fonte: (ANTUNES; CASTRO, 1945, p. 978)
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O Brasil possuía os melhores institutos microbiológicos e sorológicos
para o preparo de vacinas e soros. Os institutos modelos de microbiologia
para América do Sul eram o Instituto Oswaldo Cruz, fundado por Oswaldo
Cruz, no Rio de Janeiro, em 1901, e o Instituto Butantã, fundado em 1899
por Vital Brasil, em São Paulo (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA,
1930, p. 1419). Estas instituições mostraram que em termos de laboratórios
no campo da saúde faziam do Brasil um centro de pesquisa de referência
no fornecimento de soros e vacinas. Com este aparato, o estudo da febre
amarela não encontrou dificuldades ao seu desenvolvimento85.
Em janeiro de 1940, depois de organizar o quadro do pessoal técnico do
Serviço de Febre Amarela composto por brasileiros, e desenvolver as atividades
desse serviço, a Fundação Rockefeller encerra oficialmente sua participação no
Serviço Nacional da Febre Amarela. Em consequência, o presidente Vargas
baixou o Decreto-lei n. 1.975, que estabelecia o regime administrativo do SNFA,
e pelo decreto-lei n. 3.171, de 2 de abril de 1941, fazendo com que o serviço
voltasse a fazer parte do DNS (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA,
1943, p. 734). Porém, cabe notar que os pesquisadores norte-americanos
continuaram envolvidos principalmente quanto a investigações da febre
amarela, preparação da vacina específica e controle ao A. gambie (tipo de
mosquito) no nordeste brasileiro (BARRETO, 1942, p. 850).
Ressalte-se que entre 1929 e 1950, o trabalho de pesquisa, de estudos e do
controle da febre amarela no Brasil foi um trabalho cooperativo entre a Fundação
e o governo brasileiro. Segundo Madeira, que colaborou na compilação da
bibliografia dos estudos da febre amarela no Brasil, os trabalhos relevantes
feitos pelo grupo da Fundação Rockefeller no Brasil foram os seguintes:
1.A descoberta em 1931 do viscerótomo por Rickard e a implantação
nas zonas endêmicas do Brasil e, posteriormente, em todo o
interior do país, um serviço sistemático de viscerotomia;
2. Os estudos de N. Davis, extensos e originais, sobre a transmissão
do vírus amarílico pelo aegypti, por outros aedeineos e por
carrapatos em grande parte em colaboração com Shannom;
3.A descoberta por N. Davis da suscetibilidade ao vírus amarílico e
ao macaco neotrópico como guaribus, bugios, e micos;
4.A descoberta da febre amarela silvestre em 1932 por Soper e Col. e
os estudos epidemiológicos que se seguiram, a essa comprovação;
5.A evidenciação de mosquito do gênero Haemagogus por
Whitman e Antunes como principais vetores da doença na mata;
6.O emprego em larga escala, para estudos epidemiológicos da
prova de proteção em camundongo, descrita por Sawyer, feito
por Mahaffy, Lloyd e Penna em 1933;
85 Mesmo no âmbito do Instituto de Higiene de São Paulo foram desenvolvidos estudos sobre a febre
amarela, sob a responsabilidade de Francisco Borges Viera.
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7.A comprovação experimental do neurotropismo primitivo do
vírus antrópico por Penna em 1936,
8.E a descrição feita em 1939 por E. Villeto do quadro
histopatológico da febre amarela em casos de morte tardia, ainda
característicos e diagnósticos. (MADUREIRA, 1958).
Sem dúvida, o fato mais marcante dessa parceria foi a divulgação de
um novo modelo de administração sanitária no Brasil, que iria marcar a área
muitos anos após a saída formal da Rockefeller do país. Em 2 de Abril de 1941
o Departamento Nacional de Saúde foi reorganizado, decreto-lei n. 3.171,
passando a ser o conjunto de todos os seguintes órgãos individualizados:
1.Serviço de Administração (Seções de Pessoal, Material,
Orçamento, Comunicações, Biblioteca e Portaria).
2.Divisão de Organização Sanitária (Seções de Administração
Sanitária, doenças Transmissíveis, Engenharia Sanitária,
Nutrição e Enfermagem).
3.Divisão de Organização Hospitalar (Seções de: Edificações, e Instalações,
Organização e Administração e Assistência e Seguro de Saúde).
4.Instituto Oswaldo Cruz (Divisões de: Microbiologia e
Imunologia, Vírus, Zoologia Médica, Fisiologia, Bioquímica e
Farmacologia, Patologia, Estudos das Endemias e Higiene).
5.Serviços Nacionais de Lepra, Tuberculose (ambos com Seções
de Epidemiologia e Organização) Febre Amarela (Seções
de Epidemiologia, Controle Antiesgómico, Viscerotomia e
Vacinação) Malária (seções de Epidemiologia, Organização,
Controle e Pequena Hidráulica), Peste (Seções de Epidemiologia,
Organização, e Controle) estes três últimos serviços tem Seção
de Circunscrições para os trabalhos de campo.
6.Doenças Mentais (Centro Psiquiátrico Gustavo Riedel, Colônia
Juliano Moreira, Manicômio Judiciário, Seção de Cooperação
Estadual e, criado pelo Decreto n. 3.497, de 13 de agosto de
1941, o Hospital da Neuro-Psiquiatria Infantil).
7.Serviço da Fiscalização de Medicina (Seções Médica,
Farmacêutica de Entorpecentes e as Comissões de Biofarmácia e
de Revisão da Farmacopeia).
8.Serviço de Saúde dos Portos (Inspetoria de Saúde do Porto do
Rio e dos Portos dos Estados de Amazonas, Pará, Ceará, Rio
Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Paraná, Rio
Grande do Sul, Mato Grosso).
9.Serviço de Águas e Esgotos (Divisão de Hidráulica, e Hidrologia,
Estabilidade, Tratamento, Economia e Organização de Serviços e
Seção de Coordenação).
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10.Serviço de Bioestatística (Seções de Estatística Sanitária e
Nosocomial, de Pesquisas e Publicações). (BARRETO 1942, p. 849).
Em 1942, dois anos após o final do contrato com a Fundação Rockefeller,
o diretor do Serviço Nacional de Febre Amarela, Waldemar Antunes (1942,
p. 758), afirmava que a febre amarela tinha deixado de ser um problema
quanto à forma urbana, permanecendo o desafio da febre amarela silvestre.
3.3 Políticas na Colômbia contra a febre amarela
A eleição de Enrique Olaya Herrera terminou com a hegemonia
conservadora que governava a Colômbia havia trinta anos. Herrera tomou
posse como Presidente da República de Colômbia em 1930 e iniciou
uma fase decisiva na modernização do país. Entre as principais medidas
estavam a redefinição das funções do governo para resolver os problemas
derivados da administração anterior e da depressão internacional dos anos
1930. Embora não com muito sucesso, tentou dar ao governo um papel
mais ativo na gestão dos assuntos econômicos e sociais. No entanto, as
mudanças fundamentais em matéria de saúde ocorreram no primeiro
governo de Alfonso Lopez Pumarejo (1934-1938) que, em 1934, apoiado
por uma vasta opinião liberal, se tornou presidente da Colômbia. Uma das
marcas de Pumarejo era trazer jovens para cargos do governo, manobra que
tinha como objetivo renovar o Partido Liberal, com líderes políticos jovens
que tinham contato com os acontecimentos internacionais (POSADA, 1982,
p. 142-143). Entre suas preocupações estava encontrar soluções para os
problemas sociais que tanto afligiram a Colômbia nas primeiras décadas do
século XX, como o crescimento expressivo das cidades, que teve impacto
direto no campo da saúde (QUEVEDO et al., 1993, p. 225-234).
A entrada do governo liberal na Colômbia, em 1930, cheio de
expectativas e promessas de renovação atraiu a atenção dos conservadores,
atentos às políticas que o novo governo iria implementar. O governo de
Olaya Herrera começou a governar demonstrando ter uma leve tendência
pela prática de políticas intervencionistas, sobretudo no campo dos
problemas sociais. Em 1931 as mudanças se tornaram evidentes quando
o presidente foi forçado a comprometer-se com a saúde pública, devido
às epidemias e doenças que atingiam o país. O caso da epidemia de febre
amarela, ocorrida no Município de Socorro em 1929, alarmou o governo
colombiano e, em especial, à Fundação Rockefeller, que repetidas vezes,
havia afirmado que a doença tinha sido eliminada da Colômbia.
A Lei n. 1 de 1931, apareceu para cumprir com as promessas do Partido
Liberal junto às políticas de saúde pública, que não eram encaradas como
problemas nacionais, mas tinham se tornado questões fundamentais, caso
o país desejasse participar ativamente do comércio internacional. Esta lei,
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promulgada pelo Congresso, criou o Departamento Nacional de Higiene y
Asistencia Pública, concebido como um departamento administrativamente
autônomo. Sua principal função era dirigir, controlar e regular a higiene
em todos os ramos da assistência pública do país (REPÚBLICA DE
COLOMBIA. CONGRESO DE LA REPÚBLICA, 1945, p. 5-12). Da mesma
forma, a Lei deu autoridade ao Diretor do Departamento Nacional de Higiene
para ditar os atos oficiais necessários que as autoridades deviam cumprir e
fazer cumprir (REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO DE
HIGIENE Y ASISTENCIA PÚBLICA, 1938, p. 94). Assim, foram dados
amplos poderes ao departamento para tomar medidas decisivas a fim de evitar
doenças infecciosas como a febre amarela, a peste bubônica, o cólera, o tifo
e outras que pudessem assumir proporções epidêmicas na época. O objetivo
do governo liberal residia em enfrentar os principais problemas sanitários
e fortalecer a organização de saúde do país. Foi assim que o Departamento
Nacional de Higiene (DNH) tornou-se a autoridade máxima de saúde,
responsável pela direção das campanhas experimentais em coordenação com
a Fundação Rockefeller (POSADA, 1982, p. 143).
Em 1934, o Departamento Nacional de Higiene passou por mudanças;
foram fixados o pessoal e as escalas salariais86 e foram feitas alterações nas
seções do departamento: A seção responsável pela sanidade tornou-se Seção
de Epidemiologia, a Seção de Ancilostomíase desapareceu e criou-se uma
nova seção, a Seção de Engenharia Sanitária, responsável pela implementação
de projetos de aqueduto e esgoto que estavam sendo desenvolvidos na época
(REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p.
34). Essa organização administrativa era típica da Fundação Rockefeller.
A fim de acatar as recomendações emitidas nas conferências PanAmericanas, a Fundação Rockefeller tomou partido junto ao Departamento
Nacional de Higiene e apresentou ao governo um plano para a organização
do Serviço de Febre Amarela que seria parte da Seção de Saneamento
Rural, em substituição à Seção de Uncinarioses. Este plano foi destinado
precisamente para fortalecer o programa de controle de larvas de mosquito
para evitar a propagação da doença (SMITH, 1939, p. 19). O diretor da
Fundação Rockefeller na Colômbia, Hugh Smith (1939, p. 19), observa que,
embora a Fundação tivesse como objetivo combater a febre amarela (pois era
entendida como um problema continental), a campanha promovida não se
limitou apenas ao controle a doença. No entanto, a Fundação não demostrou
muito interesse pelas outras campanhas. Doenças como a dengue, a malária
e a filariose acometiam mais aos colombianos do que a própria febre amarela
que permaneceu sendo um dos problemas sérios para o governo nacional.
Para cumprir suas novas atribuições, em 1934, o Departamento
Nacional de Higiene, emitiu várias medidas de saúde pública, como a
86 O diretor, chefe do departamento, possuía um salário de $450 pesos colombianos, e o codiretor, salário de
$350 pesos colombianos. Os respectivos salários eram substanciais para a época.
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desinfecção e a execução de obras em prédios e casas destinadas à moradia
na cidade. As disposições eram, primeiramente, o embelezamento das
casas por meio da pintura; de igual modo, foi estabelecida a renovação
das paredes, as mudanças de piso, o correto funcionamento dos tubos de
drenagem, das latrinas e da canalização dos esgotos (REPÚBLICA DE
COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE, 1934, p.
720). A partir destas medidas, começou a funcionar a política de salubridade
e engenharia sanitária na Colômbia.
Com a invenção do viscerótomo no Brasil e os excelentes resultados
alcançados, mais as recomendações que haviam sido estabelecidas na
Conferência Pan-Americana, fizeram com que Luis Patiño Camargo,
Diretor do Departamento Nacional de Higiene (1934), introduzisse o
serviço de viscerotomia na Colômbia como um meio para investigar a febre
amarela. Camargo legalizou a punção de cadáveres para coletar amostras
de órgãos e a realização de autópsias sistemáticas em lugares de interesse​​
do Departamento Nacional de Higiene (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761). Os representantes designados
ao serviço de viscerotomia foram obrigados a informar ao departamento
sobre as mortes que ocorreram devido a doenças febris, que duravam menos
de 11 dias. Eles eram os únicos autorizados a aprovar as expedições das
licenças de inumação, feitas por prefeitos e corregedores (REPÚBLICA DE
COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761).
Na época, era difícil conceber a exumação na Colômbia. Em 1930,
boa parte da população acreditava ser pecado não deixar os mortos
tranquilos, ao passo que a exumação de cadáveres constituía-se em um
perigo grave para a saúde pública, porque os resíduos do cadáver poderiam
se infiltrar nas fontes de água e na canalização do aqueduto, permitindo
a propagação de doenças infeciosas (REPÚBLICA DE COLOMBIA,
MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1930). No entanto, estava
claro que este caso tinha fins puramente investigativos. Aqueles que se
recusaram a realizar o serviço foram forçados a pagar multas entre $5 e
$100 pesos colombianos. O pagamento variou de acordo com estipulado
pelo representante do Departamento Nacional de Higiene, o viscerotomista.
Quando existia oposição ao seu trabalho, representante do departamento,
acompanhado das autoridades policiais, efetuava forçosamente a autópsia.
Estas ordens do governo nacional foram enviadas a todas as localidades
que haviam estabelecido o serviço de viscerotomia e também naquelas
onde houve ocorrência de febre amarela (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761).
O estabelecimento dos Postos de Viscerotomia avançou desde 1934. A
obtenção de amostras de fígado foi apoiada pela publicação de um decreto
que proibia o enterro dos mortos falecidos em decorrência de doença febril de
menos de um mês, sem o certificado do representante legal. Em seu ponto mais
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alto, foram estabelecidos em torno de 145 postos no país. Durante os primeiros
16 anos de serviço, foram pagos $3 pesos por amostra e um prêmio adicional
de $15 para o primeiro positivo. Em 1950, o pagamento subiu para $5 pesos
colombianos e, em 1973, foi aumentado para $30 pesos. Em 1979 chegou a $150
pesos por amostra (MEJÍA, 2004, p. 144). Isso reflete como o pessoal do DNH
começou a ter dificuldades em adquirir amostras positivas de casos de febre
amarela. Outro ponto importante é que os postos de viscerotomia permitiram
também obter dados sobre a incidência da malária, da atrofia amarela aguda e
outras entidades patológicas e seus respectivos quadros completos.
Augusto Gast Galvis, líder neste campo, apresentou um relatório sobre
os primeiros cinco mil resultados de amostras coletadas por esta técnica e
indicou que a criação e o desenvolvimento do serviço de viscerotomia no
país foram fornecidos por funcionários da Fundação Rockefeller como: E.
R. Rickard, George Bevier, J. H Paul, J. A. Kerr, Hugh H. Smith, Luis Patiño
Camargo, Jorge Boshell Manrique e Manuel Roca García (GAlVIS, 1941,
p. 19-20). Os últimos três eram médicos colombianos que sobressaíram nas
esferas da ciência e da política da Colômbia87.
Em 1936, o Departamento de Higiene e a Fundação Rockefeller
assinaram um contrato e criam uma nova seção junto ao Departamento de
Higiene, a Seção de Estudos Especiais, voltada para o estudo da febre amarela
e da malária (MEJÍA, 2004, p. 140). Em 1937, o presidente Lopez Pumarejo
voltou a alterar o Departamento de Higiene, estabelecendo oito seções dentro
do departamento88, e criou uma posição, o médico epidemiológico, com
um salário de $250 pesos colombianos (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1937, p. 180).
A Seção de Estudos Especiais do Departamento de Higiene teve como
objetivo determinar a distribuição do passado e presente da febre amarela
no país, por meio dos testes de proteção e do serviço de viscerotomia,
Além disso, o departamento também foi responsável pela epidemiologia
de casos e surtos suspeitos de febre amarela e a identificação de potenciais
vetores da doença (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE
EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540-54). Por outro lado, foram
responsáveis pelas campanhas de vacinação antiamarílica em massa, que só
foram possíveis no final de 1938. O chefe de seção era o representante da
Fundação Rockefeller na Colômbia, que dispunha de autonomia em relação
87 Note-se que muitos médicos colombianos formaram-se em universidades assistidas pela Fundação
Rockefeller. Esses médicos mais tarde ocuparam posições de liderança nas instituições de saúde. Da
mesma forma, vários médicos, que trabalhavam com a febre amarela, tiveram a possibilidade de visitar
outros países, devido às bolsas fornecidas pela Rockefeller (QUEVEDO, 1993, p. 217-219).
88 Com a nova divisão, o Departamento de Higiene ficou com a seguinte estrutura: Seção Primeira, Sanidade;
Sessão Segunda, Assistência Social e Proteção à Criança; Seção Três, Hanseníase; Seção Quatro,
Engenharia Sanitária, Seção Cinco, Doenças Venéreas e Tuberculose, Seção Sexta, Contabilidade; na
Seção Sete estava o Instituto Nacional de Higiene Samper Martinez e na última Seção, a Oitava estava
a Fundação Rockefeller com Epidemiologia e Estudos Especiais (COLOMBIA. MINISTERIO DE
EDUCACIÓN NACIONAL. 1937, p. 180).
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a detalhes da administração. No entanto, ele era subordinado ao diretor
do Departamento Nacional de Higiene, mas a seção desfrutava de todos
os privilégios do Departamento, tais como a exceção da aduana, correios
e telégrafos entre outros. É importante ressaltar que os salários, viagens
e despesas dos funcionários que trabalharam nesta seção foram pagos
integralmente pela Fundação Rockefeller (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540).
Foi também em 1938 que o governo nacional estabeleceu outro
contrato com a Fundação Rockefeller. Naquele contrato ficou evidente
pelo orçamento apresentado que a malária, mesmo sendo uma doença que
vitimava mais, não proporcionou tanto interesse como a febre amarela. O
governo nacional concedia $50.000 pesos colombianos para o estudo e
pesquisa da febre amarela e apenas $9.000 pesos para o estudo e pesquisa
da malária. Nesse contrato, a Fundação despenderia soma igual ao gasto
pelo governo, $50.000 pesos para a febre amarela e $9.000 pesos para
a malária. Além disso, a Fundação Rockefeller comprometeu-se em
apresentar mensalmente ao governo colombiano as contas de gastos,
devidamente verificadas (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO
DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540-554).
No período, as doenças que causavam mais casos fatais na Colômbia
foram a malária, os parasitas intestinais, as infecções transmitidas pela água
e a tuberculose (MARTINEZ, 1942, p. 39). Note-se que o estudo da malária
não era tão profundo como o da febre amarela. O trabalho com a malária
consistia somente na observação sistemática do anofelino e da incidência
da doença, enquanto que para a febre amarela seguiu-se um programa de
prevenção, de estudos epidemiológicos e de tratamento. Cabe notar, que
quanto à febre amarela, as campanhas vitoriosas em Cuba, Panamá e Brasil
mostravam a possibilidade de controlar epidemias de grande repercussão
pública, além disso, o descobrimento da vacina 17D mostrou um quadro
mais otimista. Por outro lado, “a malária foi o terceiro alvo que a Rockefeller
atacou globalmente, não tinha o caráter dramático da febre amarela: muita
gente com ele convivia anos a fio, sua etiologia era incontroversa, mas a
probabilidade de uma vacina nula” (BENCHIMOL, 2011, p. 244).
A fim de cumprir os acordos internacionais voltados ao controle das
doenças epidêmicas, em especial a febre amarela, em meados de 1937 o
Ministério da Agricultura, em conjunto com o Departamento Nacional
de Higiene e a Seção de Estudos Especiais, regularam o Serviço de
Saúde Marítimo, para impedir a disseminação de doenças infecciosas
suscetíveis a tornarem-se epidemias. O objetivo destas medidas era evitar a
propagação de doenças trazidas de outros países e evitar medidas drásticas
e mais dispendiosas como a quarentena (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO. DIARIO OFICIAL Y
DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 242-248).
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As doenças com vigilância nos portos foram o cólera, a peste bubônica
e a febre amarela, sendo que as doenças como a varíola, o tifo, a gripe,
a febre tifóide, a hanseníase, a difteria, a meningite cerebrospinal, a
poliomielite aguda, a escarlatina, o sarampo e a tracoma tiveram apenas
algumas precauções especiais. A febre amarela foi uma das patologias que
mais atenção teve: nos portos foram estabelecidas campanhas contra o
mosquito; a âncora devia estar a uma distância não inferior a 300 metros,
pois em caso de distância mais curta, o barco deveria ter proteção contra os
mosquitos, e a vacinação contra a febre amarela era obrigatória para toda
a tripulação, assim como também o uso de antimosquito, a desinfecção e
fumigação do navio (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE
AGRICULTURA Y COMERCIO, 1937, p. 242-248).
Em 1937, as condições precárias dos esgotos e aquedutos do país
tornaram-se o principal problema enfrentado pelo Departamento de Higiene.
Diante desta situação, foi criada a Resolução n. 394, de 1937, que incentivava
a apresentação de projetos de obras que promovessem ajuda eficaz para
a saúde pública (REPÚBLICA DE COLOMBIA, DEPARTAMENTO
NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 331). De 1938 a 1947, a Fundação
Rockefeller celebrou alguns contratos anuais com o governo nacional, todos
justificados com base nas pesquisas sobre a febre amarela. Na área rural,
foram instaladas comissões rurais (POSADA, 1982, p. 143). Os trabalhadores
das unidades de saúde eram inspetores e agentes sanitários, que tinham um
perfil específico, ter 18 anos e não mais de 40, não sofrer de qualquer doença,
ter uma história honrada, boas referências de comportamento em outros
trabalhos e ser suficientemente treinado para executar suas funções. Antes
do ingresso, deveriam ser submetidos à instrução e treinamento, para que
sua competência pudesse ser comprovada (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1934, p. 448).
Além disso, o Ministério da Agricultura, em conjunto com o
Departamento Nacional de Higiene, estabeleceu normas para a construção
de campamentos89 da indústria petrolífera e de aquedutos (REPÚBLICA
DE COLOMBIA. MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO Y
DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 231). Uma das
preocupações do governo nacional e da Fundação Rockefeller era com
a saúde dos trabalhadores da indústria petrolífera, uma vez que estavam
mais expostos devido ao contato maior com estrangeiros. Enquanto
isso, as normas de construção foram estabelecidas para regular a forma
de construir os campamentos a fim de prevenir doenças infecciosas,
especialmente a febre amarela. Estas moradias deveriam ser construídas
em lugares altos, distantes das inundações, observando-se também as
características do terreno para a construção de esgotos e fossas sépticas.
89 São moradias temporárias instaladas pela indústria do petróleo para os seus trabalhadores, localizados
geralmente perto das áreas de atividade petrolífera.
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Somado a estas normas ainda deveriam realizar a revisão dos criadouros de
mosquitos ao redor das moradias, em águas estagnadas e em pântanos que
necessitavam ser drenados (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO
DE AGRICULTURA Y COMERCIO Y DEPARTAMENTO NACIONAL
DE HIGIENE, 1937, p. 231). As depressões foram preenchidas e drenadas
para evitar os depósitos de água em tempos de inverno e a fim de evitar a
incubação do mosquito, foi utilizado semanalmente petróleo cru nas águas
estanques (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE INDÚSTRIA
Y TRABAJO Y DEPARTAMENTO DE HIGIENE. 1937, p. 462- 463).
Além das diretrizes da higiene em geral, a IX Conferência Pan
Americana deixou claro que os países que não dispunham de laboratórios
ou institutos especializados deveriam estabelecer acordos com institutos de
países vizinhos ou instituições privadas internacionais a fim de promover
estudos mais aprofundados sobre a doença (SOPER, 1935, p. 37). Com esta
premissa, logo a existência dos laboratórios tornou-se outro problema para
o governo nacional, uma vez que o país dispunha de poucos e não eram
especializados. No entanto, como mencionado acima, em 1936 foi criada
a Seção Oito de Estudos Especiais do Departamento Nacional de Higiene,
responsável pelo estudo da febre amarela. Esta seção iniciou as atividades
em Bogotá, em uma casa antiga, empréstimo do Instituto Nacional de
Higiene “Samper Martínez90” (ROMERO, 1997, p. 414). A Fundação
Rockefeller foi a única que trabalhou nestas instalações. Apesar de não
serem adequadas para o desenvolvimento de seus estudos, no início de
1937 o Ministerio de Educación Nacional e a Corporación Colombiana de
Crédito providenciam a compra de um imóvel destinado a alargar o Instituto
Nacional de Higiene Samper-Martinez (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN, 1937, p. 482). Em 1938, o presidente
Alfonso López Pumarejo comprometeu-se a contribuir com a quantia de
$50.000 pesos colombianos e a Fundação Rockefeller com a quantia de
$25.000 pesos para a construção de um prédio em Bogotá que seria utilizado
para edificar o Laboratório de Estudos Especiais. No referido contrato não
só foi especificado o orçamento para a construção como também as verbas
para apoiar as pesquisas. Foi acordado pelo governo e pela Fundação
que cada um deveria contribuir com a quantia de $55.000 pesos para as
pesquisas da seção de Estudos Especiais (REPÚBLICA DE COLOMBIA.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540).
90 Instituição criada em 1900 no governo conservador de Manuel Antonio San Clemente (1898-1900), que
através da Junta Central de Higiene estabeleceu um laboratório municipal bacteriológico que não conseguiu
tomar posse. Em 1914, se estabeleceu um Instituto de Bacteriologia, que também falhou. E apenas até 1919
se fundou o laboratório oficial de higiene. Separado deste, foi fundado em 1917 um laboratório particular
pelos médicos Martínez Santamaría e Bernardo Samper que, no decurso de alguns anos, foi colocado à
frente da investigação no campo das doenças tropicais. Em 1923, a Fundação Rockefeller voltou ao país, a
fim de promover estudos sobre a febre amarela, mas não encontrando nenhum lugar para fazer sua pesquisa,
estabeleceu-se nos laboratórios Samper e Martinez. E em 1926, o governo, juntamente com a Fundação
Rockefeller, decidiu comprar o laboratório (ROMERO, A. 1997, p. 413).
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Consequentemente, em 1939, o presidente Eduardo Santos (1938-1942),
pertencente ao Partido Liberal, inaugurou o Instituto de Estudios Especiales
Carlos Finlay91 localizado em um prédio confortável e adequado para o estudo
das doenças tropicais, mas especialmente contra a febre amarela. Com o tempo
o Instituto Carlos Finlay veio a se tornar “[...] uno de los centros científicos
más destacados del país y su prestigio fue internacionalmente reconocido”
(GALVIS, 1982, p. 93). Outro instituto organizado para promover o estudo
das doenças tropicais foi o Instituto Roberto Franco, fundado após a Segunda
Guerra Mundial. Este, por sua vez, foi apoiado pela Fundação Rockefeller
para sua criação (ROMERO, 1997, p. 414).
A medicina norte-americana começou a ocupar lugar privilegiado na
comunidade médica que, através dos laboratórios, foi sendo gradualmente
introduzida na Colômbia e também na América Latina. A partir de 1927, com
a descoberta do animal suscetível – Macaco Rhesus – da febre amarela, a
importância do laboratório no estudo da febre amarela tornou-se crucial. Médicos
da época destacaram o papel do laboratório como local de experimentação
para conhecer a febre amarela. Por exemplo, Hugh Smith, diretor da Seção de
Estudos Especiais do Departamento Nacional de Higiene, observou que uma
das razões pelas quais a existência da febre amarela silvestre permaneceu tanto
tempo ignorada foi devido à falta de equipamentos e de laboratórios para o
desenvolvimento de um diagnóstico preciso. Também observou que os novos
meios disponibilizados pelo laboratório permitiram revelar com mais precisão
a distribuição da febre amarela (SMITH, 1939, p. 5-7). Paola Mejia afirma que
na Colômbia o programa de febre amarela deu prestígio para as autoridades de
saúde pública: “La disponibilidad de un moderno laboratorio de investigación
que prestaba servicios y suministraba vacunas gratis a los países vecinos era
motivo de orgullo” (MEJÍA, 2004, p. 122).
Por outro lado, a ação mais eficaz para combater a febre amarela foi a vacina
17D. A fim de implementar e produzir a vacina na Colômbia, o contrato de 1938
entre o governo colombiano e a Fundação Rockefeller explicitava que, uma vez
obtida a técnica de preparação, sua elaboração e aplicação em massa seria conduzida
pelo pessoal fornecido pelo Departamento Nacional de Higiene, treinados
primeiramente pelos funcionários da Fundação Rockefeller (REPÚBLICA
DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p.
540). A vacinação em massa na Colômbia foi iniciada em finais de 1938, com
doses fornecidas pelos laboratórios de Nova York e do Rio de Janeiro (MEJÍA,
2004:139-148), depois seria produzido na nova sede do Instituto Carlos Finlay.
Paola Mejia argumenta que, silenciosamente, a Seção de Estudos Especiais fez
algumas vacinações atendendo a pedidos especiais. As primeiras vacinas foram
para o pessoal das companhias petrolíferas. Além disso, tal como afirmado pelo
diretor da Rockefeller na Colômbia, a Seção também forneceu vacinas para os
91 Este nome foi em homenagem ao médico cubano Carlos Finlay, que identificou em 1881 pela primeira
vez o agente transmissor da doença, o Aedes aegypti.
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trabalhadores da construção de estradas e ferrovias (SMITH, 1939, p. 17). Nesse
momento, a vacinação para controle da febre amarela ficou em primeiro lugar
e Hugh Smith apontou que não só protegia aqueles que trabalhavam e viviam
expostos à infecção, mas também ajudava a evitar que o vírus silvestre chegasse
às cidades. No entanto, ressaltou que as campanhas antilarvais não foram
abandonadas em favor da vacinação, exceto sob condições especiais, quando a
campanha antilarval era difícil e cara (SMITH, 1939, p. 19).
A Fundação Rockefeller acreditava que a vacina trouxera à tona outra
dificuldade, pois criou nos governantes a sensação de que o problema da
febre amarela havia sido resolvido e não tinha necessidade de mais pesquisas
para combater a doença. Os funcionários da Fundação estavam convencidos
de que o objetivo não era apenas evitar a infecção em um homem, mas em
todos. Seu plano de metas tinha se expandido além do urbano, argumentando
que era necessário remover o vírus da febre amarela nos distritos rurais,
próximos de locais silvestres. Além disso, a fundação reiteradamente
anunciava que era preciso dar prioridade às medidas antilarvais contra o
Aedes aegypti, a fim de evitar as epidemias de tipo urbano (SMITH, 1939, p.
19). Segundo a Fundação Rockefeller, o governo colombiano só acreditava
que febre amarela oferecia perigo quando se transformava em epidemia.
Tabela 9 – Número de vacinações na Colômbia (1937-1942)
ANO
1934
1935
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
Totais
CASOS DE FEBRE AMARELA
VACINAS
Não vacinados
Vacinados
Totais APLICADAS
Provados
Prováveis
13
66
0
79
0
33
55
0
88
0
101
88
0
189
0
71
34
0
105
1839
18
10
1
29
17517
10
1
0
11
127959
26
0
0
26
152959
54
0
0
54
172462
19
0
0
19
133045
345
254
1
600
605781
Fonte: (BUGHER e GALVIS, 1944, p. 60)
Mais de 600.000 pessoas foram vacinadas no país durante os anos de
1937 a 1942. No início das campanhas de vacinação a aplicação não era
muito alta. O ano de 1941 foi significativo, com mais de 160 mil vacinas
aplicadas, no ano seguinte foi bastante reduzida (BUGHER; GALVIS, 1944,
p. 60). Confirmou-se a eficácia da vacina, a população foi imunizada onde
a febre amarela apareceu, enquanto que na população vacinada somente
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um caso foi registrado. É importante salientar que os laboratórios do Rio
de Janeiro e de Bogotá foram os únicos autorizados em América do Sul a
preparar a vacina 17D. Foi devido a isso que houve uma troca significativa
de médicos e pesquisadores. Segundo Galvis (1982, p. 82): “con el ánimo
de uniformar las técnicas de su elaboración, se invitó en agosto de 1953 al
doctor Enrique Penna experto brasileño en la materia, para que instalara los
mismos equipos brasileños y entrenara al personal”.
Em 1946, a saúde ganhando categoria e importância ministerial,
fundou-se o Ministerio de Higiene y Prevención Social. Sua função era
dirigir, supervisionar e regular a higiene pública e particular, em todos os
seus ramos, e a assistência pública no país. Também foi criada a carreira
de higienista, regida segundo as regras da Organização Mundial de Saúde
(REPÚBLICA DE COLOMBIA. CONGRESO DE LA REPÚBLICA,
1947). Jorge Bejarano, que foi o primeiro ministro da Saúde, disse que:
“El presupuesto que tenía el Departamento Nacional de Higiene era
ridículamente exiguo, y lo que se le asignaba de alguna consideración, era
aplicado a la lepra, y, de esa forma, quedaban exhaustos los recursos para
los demás servicios” (BEJARANO, 1962, p. 533).
Este também foi o caso da febre amarela, deixando-se de lado outras
doenças tropicais como a malária. Por outro lado, em 1946, a Fundação
Rockefeller, juntamente com o Instituto Carlos Finlay, fez contribuições
importantes no campo da ciência na Colômbia, publicando mais de 100
artigos sobre a arte do laboratório e da epidemiologia da febre amarela.
Além disso, o trabalho prático contribuiu para o controle da doença (CRUZ,
1947, p. 113).
Em 1947, a Fundação Rockefeller começou a reduzir a sua
contribuição no custo de manutenção do Instituto Carlos Finlay. Sua
contribuição anual foi sempre de $ 90.000 pesos colombianos, baixando
em 1947 para $35.000 pesos colombianos (HILL, 1948, p. 134-136). Em
1948, a fundação contribuiu com $12.700 pesos colombianos, orçamento
que não se compara a do governo nacional, que alocou $175.000 pesos
colombianos. O orçamento da fundação foi distribuído do seguinte modo:
$6.000 pesos colombianos para pagar anualmente a um médico, que foi
o responsável por liderar o serviço de viscerotomia e vacinação e alocou
$1.200 pesos colombianos para despesas de viagem para o médico, $4.200
pesos colombianos para a manutenção de uma secretária bilíngue e $1.300
pesos colombianos para despesas ocasionais.
O último contrato entre ministro de Saúde e o representante da
Rockefeller foi em 1948 (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO
DE HIGIENE Y LA FUNDACIÓN ROCKEFELLER, 1948, p. 1291).
Nesse contrato, o governo da Colômbia assumiu total responsabilidade
pela administração e operação do Instituto de Estudios Especiales Carlos
Finlay, além disso, ficou acordado que o Instituto seguiria com o serviço de
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viscerotomia e daria prosseguimento no preparo, distribuição e aplicação
da vacina contra as doenças rickettsiosas92. Por último, comprometer-se-ia
a continuar com os estudos epidemiológicos de vírus e doenças produzidos
por vírus filtráveis.
De acordo com a Oficina Sanitária Panamericana (1940, p. 67-69, na
América Latina os avanços mais significativos da década de 1930 foram a
reorganização dos serviços sanitários e a criação do Ministério da Saúde.
Em relação aos ganhos de saúde no Brasil e na Colômbia, a OSP ressalta:
Brasil: Mayor atención a la sanidad rural, construcción de
sanatorios, leprosorios y hospitales, creación de una división de
maternidad e infancia, difusión de centros de salud, activa campaña
contra la tuberculosis. Lepra, peste, fiebre amarilla y paludismo
Colombia: organización de centros de higiene rural, promulgación
de leyes sobre higiene industrial y protección material e infantil;
organización de un servicio de ingeniería sanitaria y de un instituto
de enfermedades tropicales. (OFICINA SANITÁRIA PANAMERICANA, 1940, p. 68).
Sem dúvida a febre amarela foi uma doença que propiciou avanços
significativos nas áreas de saúde em ambos os países. A importância
concedida pelos governantes à saúde foi evidenciada nas leis, que
incorporaram as descobertas e invenções dos cientistas para limitar o
progresso dessa e de outras doenças, como foi o caso da viscerotomia e da
vacina 17D, entre outras.
92 “The general term given to a group of microorganisms which are intermediate between bacteria and
viruses. They are the causal agents of typhus fever and a number of typhus-like diseases, such as rocky
mountain spotted fever, Japanese River fever, and scrub typhus. These micro-organisms are usually
conveyed to man by lice, fleas, ticks, and mites” (MARCOVITCH, 2005, p. 662).
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4
Conclusão
Durante o século XIX a febre amarela atacou várias cidades deixando
um rastro de milhares de mortos, a aparição da enfermidade em qualquer
ponto do planeta desencadeava pânico entre a população devido a seus
sintomas e mortalidade elevada. Os casos apresentados foram definitivos
para que o imaginário coletivo construísse um perfil aterrorizante da doença.
Na virada do século XIX para o XX a febre amarela foi considerada um
desafio para as políticas sanitárias do continente americano, especialmente
no que se refere ao comércio entre as nações. A teoria de Carlos Finlay
do Aedes aegypti como vetor transmissor da febre amarela e os testes da
Comissão Reed que corroboraram a teoria, abriram, no começo do século
XX, um novo caminho na compreensão do processo da doença e seu
controle, permitindo a implementação de campanhas para eliminação do
mosquito e erradicação da enfermidade.
O sucesso das medidas sanitárias a partir dessa descoberta, Gorgas
em Havana e no Panamá e Ribas e Cruz no Brasil, foi contundente para
fundamentar a ideia de que a febre amarela era uma doença suscetível de
ser erradicada. A convicção de que a enfermidade poderia ser eliminada
totalmente das Américas interessou à Fundação Rockefeller, que a partir
das experiências de Gorgas formulou a “Teoria dos centros-chave”, eixo das
campanhas contra a doença, feitas em toda América no período de 1916 a
1927, que forneceram à Fundação status de autoridade científica no mundo.
No final da segunda década do século XX, a Fundação Rockefeller assinalou
ter conseguido reduzir consideravelmente a ocorrência da doença chegando
ao ponto de declarar que a febre amarela estava sendo exterminada do
continente. As epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro em 1928-1929
e em Socorro em 1929 colocaram por terra tal afirmação e quebraram o
status da Fundação Rockefeller como autoridade científica no campo da
febre amarela. Além disso, a rejeição da concepção etiológica estabelecida
em 1919 por Noguchi geraram enorme desconfiança nos conhecimentos da
doença, dando a sensação de que nada era seguro em assuntos relacionados
à febre amarela. O período compreendido entre 1927 e 1930 demarcou
a crise pela qual os estudos da febre amarela atravessaram a história da
doença, sem dúvida, foi o período onde as convicções científicas sobre a
doença tinham alcançado o seu limite, tornando-se necessário estruturar
uma nova estratégia de ação para combater a doença.
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Certamente, entre 1927 e 1930 a situação esteve cheia de incerteza
no domínio teórico da febre amarela, tanto a profilaxia como a etiologia da
enfermidade sofriam uma crise. Porém, apesar de que os médicos de Brasil
e da Colômbia achassem que algo estava errado, a Fundação Rockefeller
manteve a teoria dos centros-chave como principal eixo para o combate da
febre amarela durante esse período. As duas epidemias apresentadas deixaram
as atividades e as afirmações da Fundação Rockefeller em descrédito. Foram
os médicos latino-americanos que compreenderam que os esforços deviam
se dirigir mais aos estudos do ciclo vital do vírus amarílico, uma vez que
as campanhas antimosquito lideradas pela Rockefeller mostravam apenas
resultados temporais, pois certamente o problema não tinha uma solução tão
rápida como fazia acreditar a Fundação. Contudo, a descoberta do Macacus
Reshus como animal suscetível da doença e o aparecimento dos dois surtos
permitiram que médicos brasileiros e colombianos apresentassem novos
pontos de vista que contribuíram posteriormente ao controle da doença,
além da oportunidade de fazer pesquisas experimentais no assunto.
A epidemia de 1928 no Rio de Janeiro foi controlada por médicos e
instituições locais, a Fundação Rockefeller não se fez presente no território do
Rio, o que permitiu aos médicos direcionarem e conduzirem suas pesquisas
a partir de suas próprias ideias para o estudo dessa doença. Note-se que
nessa epidemia o conhecimento do diagnóstico clínico tanto pelos médicos
jovens como veteranos era precário, pois no geral os sintomas indicavam
que se tratava de outra doença, mas quando era feito o diagnóstico no
laboratório o resultado era febre amarela, os médicos ficaram surpresos com
a versatilidade e a falibilidade dos sintomas, tais aspetos demostraram que
em questões de febre amarela nada era seguro. Por outro lado, a campanha
contra a febre amarela no Rio evidenciou a preocupação do governo de
que a doença se tornara uma ameaça às relações comerciais do país. O
orçamento deslocado para a campanha foi significativo, mas o dinheiro
não foi usado totalmente na luta contra a febre amarela. A administração
sanitária, chefiada por Clementino Fraga, aproveitou a oportunidade para
proceder à remodelação de hospitais do Departamento Nacional de Saúde
Pública.
A controvérsia suscitada no surto de Rio de Janeiro foi propiciada
pelos médicos brasileiros que manifestaram seu descontentamento com os
poderes públicos que não tinham continuado com a campanha clássica contra
a febre amarela, além de permitirem a ingerência de um país estrangeiro
que se considerava líder no campo da febre amarela e que mesmo assim
não conseguia extinguir a moléstia nos estados do norte de Brasil, mas
se mostrava tranquilo e insistente em anunciar que a doença estava sendo
erradicada no mundo inteiro. Essa suposta extinção da febre amarela trouxe
consequências às politicas públicas do Brasil. O diretor do Departamento de
Saúde Pública e o presidente da República, Artur Bernardes (1922-1926),
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estavam crentes que o problema da febre amarela havia sido resolvido, o
dinheiro usado para o serviço mata mosquito no Rio poderia ser empregado
em outros assuntos, pois seria em vão gastar dinheiro em uma doença que
parecia extinta.
Com o surto apresentado no Rio de Janeiro, a teoria dos centros-chave
ficou em total descrédito, a principal crítica dirigida à Fundação Rockefeller
foi o abandono das pequenas cidades do interior brasileiro, concentrando-se
nas cidades grandes do norte do país, onde segundo os médicos brasileiros
o mal era latente e difícil de erradicar, outros pontos controversos eram
os métodos profiláticos usados pela Fundação Rockefeller que consistia
simplesmente em restringir o número de Aedes aegypti, sem atender ao
isolamento dos enfermos, nem à destruição dos mosquitos contaminados,
métodos que haviam sido usados com sucesso por Oswaldo Cruz na
campanha de 1903 a 1908 no Rio de Janeiro. A controvérsia suscitada era
de caráter nacionalista que reclamava ao estado poder de controle sobre a
doença. Foram os médicos brasileiros que compreenderam a complexidade
do problema, apontando mais para os estudos epidemiológicos do que para
os estudos profiláticos da doença. Entre 1928 e 1929 foram publicados
aproximadamente mais de 150 trabalhos referentes à febre amarela. Podese dizer que a partir do ano de 1928 os estudos de febre amarela começaram
a clarificar o campo da epidemiologia que tanto desconcertava aos médicos.
É importante ressaltar que dentro destas pesquisas foi notável a contribuição
científica a múltiplos aspetos médico-biológicos da infecção amarílica
dada por pesquisadores brasileiros empenhados na luta contra a epidemia,
destacando-se sobremodo o trabalho da escola de Manguinhos, que mostra
o estado da ciência brasileira em finais da década de 1920.
Por outro lado, o Estado colombiano também acreditava plenamente
no postulado da Fundação Rockefeller que salientava a febre amarela
extinta do território, para o governo colombiano era quase impossível o
retorno da febre amarela ao país. O surto de febre amarela em Socorro, em
1929, despertou várias discussões em torno à epidemiologia da doença. De
certa forma, a Fundação Rockefeller fez presença na zona epidêmica, mas
não foi parte da comissão profiláctica, se encarregou de coletar soros de
convalescentes para o diagnóstico no laboratório, sendo assim a primeira
epidemia de febre amarela na Colômbia que conseguiu ser comprovada
experimentalmente por meio dos testes de proteção em M. Rhesus nos
laboratórios de Nova York da Fundação Rockefeller.
A febre amarela apresentada em Socorro, uma cidade pequena
localizada no centro da Colômbia, marcou sérios debates na comunidade
médica local, uma vez a febre não estava de acordo com os parâmetros
típicos do desenvolvimento da doença. A cidade não apresentava qualquer
indício ou condição ambiental para que a febre amarela se desenvolvesse.
Ninguém conseguiu explicar a origem dessa epidemia, o que gerava
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desconforto na comunidade médica. A teoria da importação da doença
da Fundação Rockefeller condensada na teoria dos centros-chave foi
desmentida pelo surto, pois o suposto que as epidemias se originavam nos
grandes centros, sobretudo localizados nas costas, deles se disseminando
o mal para o interior ficava equívoco para o caso, a região estava isolada
por barreiras montanhosas de modo que a teoria da importação oriunda de
qualquer abordagem externa parecia quase inconcebível.
Outro ponto que causava polêmica era as variações nos sintomas atípicos
do quadro clássico da doença, que levaram a Luis Ardila a se perguntar a
possibilidade de um novo tipo de febre amarela, mas infelizmente essas
deduções ficaram publicadas somente em um artigo de jornal e não tiveram
ampla divulgação. A epidemia de febre amarela no final da década de 1920
fez com que os governantes da Colômbia pensassem mais sobre problemas
de saúde pública do país. Embora suas políticas e medidas não fossem
muito eficientes, a epidemia sensibilizou sobre a necessidade urgente
de implementação de medidas para limitar o avanço dessa e de outras
doenças e, portanto, serem levados a pensar de forma mais consciente o
problema da saúde pública. Percebe-se, também, uma grande dificuldade
em implantar medidas de saneamento do meio e o próprio estabelecimento
das infraestruturas de saneamento.
Embora a epidemia do Rio de Janeiro houvesse sido distinta, guardava
algumas semelhanças com a febre do Município de Socorro, visto que em
ambas existiam lacunas na explicação epidemiológica. A origem e como
as vitimas foram infectadas seguiam como questões sem resposta, pois
as caraterísticas apresentadas em ambas às epidemias eram diferentes das
caraterísticas conhecidas.
Evidencia-se que tanto na febre amarela do Socorro, como na febre
amarela do Rio de Janeiro, os jornais jogaram um papel fundamental na
dinâmica que mobilizou os atores no fenômeno da febre amarela. No Rio
de Janeiro os jornais se mostraram atentos a qualquer acontecimento em
torno da doença. As vesse encetaram uma propaganda cruel ao DNSP, pois,
segundo eles, as medidas profiláticas desenvolvidas pelo departamento não
foram capazes de mudar a imagem da febre amarela durante os anos da
epidemia. Países estrangeiros como Argentina e Uruguai adotaram medidas
profiláticas como a quarentena contra os navios procedentes de portos
brasileiros. Os jornais colombianos mostraram uma resistência diferente,
as instituições de saúde colombiana não foram atacadas, o médico que
diagnosticou a enfermidade na zona foi Roberto Serpa. O Vanguardia
liberal, jornal que mantinha o interesse dos comerciantes locais, achou
prejudicial para o comércio internacional um diagnóstico clínico que
suscitava tanta polêmica dentro da comunidade médica, o jornal serviu
como base fundamental para que os médicos expusessem seus pontos de
vista sobre a febre amarela.
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Note-se que o interesse pelo controle da febre amarela beneficiaria
a todos os involucrados no fenômeno (Fundação Rockefeller, Brasil e
Colômbia), por exemplo, o interesse da Fundação Rockefeller esteve
centrado principalmente em três pontos, primeiro em conseguir um status
de autoridade científica no mundo, visto que a febre amarela fornecia a
possiblidade de demonstrar o sucesso rápido contra a doença; segundo,
porque acalmaria os sentimentos de alerta do continente americano contra os
Estados Unidos, a Fundação Rockefeller desempenharia um papel essencial
para restaurar a confiança do governo colombiano, além disso, acalmaria os
alarmes do governo brasileiro, pois provavelmente seria a que conseguiria
acabar com um dos problemas que mais atingia a imagem internacional dos
países, e o terceiro interesse era a proteção do comércio internacional e o
medo de reinfecção dos Estados Unidos.
Não é de surpreender que para a época, a principal preocupação
do governo brasileiro a respeito da febre amarela era o temor de seu
ressurgimento, pois suas consequências seriam sentidas no desenvolvimento
material do país, dificultando a atração do dinheiro estrangeiro. A atenção
para essa doença tinha que ser essencial, a cidade do Rio de Janeiro era
um dos portos mais importantes da época, não só para o Brasil, mas para
a América do Sul. Era também sede do governo brasileiro, o que obrigava
aos dirigentes do país manter uma imagem de salubridade pública ante
as exigências internacionais, qualquer epidemia que na cidade eclodisse
constituía-se em uma séria ameaça ao seu desenvolvimento. Por outro lado,
na Colômbia, a atenção da febre amarela se tornou centro de preocupações
devido à localização do Socorro que estava próximo às cidades de
Barrancabermeja e Puerto Wiches, importantes locais onde empresas
internacionais petrolíferas atuavam. Uma epidemia sem controle em
Socorro poderia se constituir em uma séria ameaça à exploração do petróleo,
fazendo com que as autoridades colombianas focassem sua atenção na
promulgação de medidas sanitárias para controlar a doença e sua possível
propagação pelo território colombiano. Além disso, Socorro mantinha uma
relação estreita com Bucaramanga, centro importante do comércio que
exportava produtos ao interior do país e ao estrangeiro. Contudo, a distância
não impedia a febre amarela de alastrar-se por outras partes do país, o que
deixava as autoridades colombianas temerosas.
A febre amarela era uma doença que representava um obstáculo para
o comércio de vários países da América. No momento em que estourava
um surto de febre amarela em qualquer país, o mesmo era estigmatizado
e qualquer mercadoria procedente de tal local era dada como insegura. A
presença da doença afugentava investidores e se refletia negativamente nas
exportações.
Esta pesquisa evidencia que com os surtos de febre amarela apresentados
no Brasil e na Colômbia marcaram uma conjuntura nos estudos da febre
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amarela propiciando uma mudança nas convicções estabelecidas para combater
a doença, uma vez que os esforços da Fundação Rockefeller para erradicar a
doença foram em vão devido aos vários questionamentos e a ineficácia dos
métodos empregados. Os cientistas estadunidenses reconheceram que para
controlar a doença tinha que se aliar aos cientistas locais, a troca de saberes
era fundamental para dominar a doença, não somente era necessário trazer
uma teoria feita em outras latitudes sem conhecer as realidades particulares,
precisava se identificar a cadeia da epidemiologia da doença. Houve, assim,
uma preocupação da comunidade científica médica latino-americana por
esclarecer a epidemiologia da febre amarela.
A partir da década de 1930, o Brasil, a Colômbia e a Fundação
Rockefeller unem seus esforços para controlar a febre amarela. A Fundação
Rockefeller procurou realizar vários acordos, inicialmente, realizando
projetos de cooperação entre cientistas latino-americanos e norte-americanos
para a realização de alguns exames sorológicos e, da mesma forma, estudar
os surtos de febre amarela e, posteriormente, contratos que permitiam
trabalhar em conjunto com as instituições nacionais. Foi nesta mesma década
que os estudos da febre amarela deram uma virada contundente, como pode
perceber-se com o teste de proteção do camundongo, o viscerótomo, a
descoberta e definição da febre amarela silvestre e a vacina 17D. Todos
estes avanços ajudaram na epidemiologia e profilaxia da doença, muitos
dos quais contaram com a participação de cientistas e médicos do Brasil
e da Colômbia. Cabe salientar que, o poder de divulgação da fundação
nos avanços era extraordinário, tanto que na história da ciência ainda se
atribui muitos dos descobrimentos da febre amarela aos funcionários da
Fundação Rockefeller, pelo seu poder de divulgação e fomento, esquecendo
os cientistas locais que não contaram com os meios precisos para impulsar
suas descobertas e invenções, como foi o caso do viscerótomo por Décio
Parreiras e a febre amarela silvestre por Roberto Franco.
Com base em fazer um estudo comparativo a partir da ciência,
da política e da técnica que Brasil e Colômbia utilizaram no combate à
doença, concluímos que as experiências desenvolvidas com o fenômeno
da febre amarela em ambos os países são um claro exemplo da importância
da troca de saberes entre países. Mais que uma cooperação internacional
foi um montagem de parcerias entre países em torno à solução de um
problema. Assim, a importância da cooperação como ferramenta para
o desenvolvimento da capacidade científica, resultou benéfica para aos
partícipes dos projetos. A Rockefeller conseguiu a confiança dos países
americanos e se consagro líder nas doenças tropicais, A Colômbia começou
a perceber seriamente o problema da saúde, e no Brasil como fator principal
para a modernização. No entanto, o papel da Fundação Rockefeller foi
decisivo e marcante, pois permitiu a possibilidade de pensar estes temas em
América Latina e produzir junto com ela conhecimento científico.
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Publicações periódicas
Revista Brasil Médico. Rio de Janeiro (1928, 1929, 1930, 1932, 1933,
1934, 1936, 1937, 1939, 1940, 1943, 1944).
A Folha Médica. Rio de Janeiro (1928, 1929, 1934, 1938, 1939, 1940,
1941, 1942, 1945).
Revista de Higiene e Saúde Pública. Rio de janeiro (1928, 1928, 1930,
1934).
Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana. Washington (1928-1950).
Reperotorio de la Facultad de Medicina. Bogotá (1919-1926).
Revista de Higiene. Bogotá (1931-1955).
Revista de la Facultad de Medicina. Bogotá (1938- 1939-1944-1947).
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Bibliotecas e coleções
• Biblioteca Luis Angel Arango (Bogotá, Colômbia).
• Biblioteca da faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(São Paulo, Brasil).
• Biblioteca da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (São
Paulo, Brasil).
• Biblioteca virtual em Saúde (coleções da PAHO).
• Centro de Documentación e Investigación Histórica Regional -CEDHIR(Bucaramanga, Colômbia).
• Archivo General de La Nación (Bogotá, Colômbia).
• Biblioteca particular do médico Roberto Serpa Flórez (Bucaramanga,
Colômbia).
• Archivo Departamental de la Gobernación de Santander (Bucaramanga,
Colômbia).
• Casa Simon Bolívar (Bucaramanga, Colômbia).
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Sobre os autores
Aleidys Hernandez Tasco: Possui graduação em Historia pela - Universidad
Industrial de Santander (2011) e mestrado em Política Científica e
Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (2013). Atualmente
é doutoranda no Programa de Política Científica e Tecnológica, no Instituto
de Geociências, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Ana Paula Korndörfer: Doutora em História pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Pós-Doutoranda (PNPD/
CAPES) junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
André Mota: Historiador, Doutor em História pelo Depto. de História FFLCH-USP. Pós-doutorado em Saúde Coletiva pelo Depto. de Medicina Preventiva - FMUSP. Professor do Depto. de Medicina Preventiva - FMUSP
e Coordenador do Museu Histórico Prof. Carlos da Silva Lacaz - FMUSP.
Anny Jackeline Torres Silveira: Possui Graduação em História pela
Universidade Federal de Minas Gerais (1990), Mestrado em História pela
Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e Doutorado em História
pela Universidade Federal Fluminense (2004) com pós-doutorado pelo
Wellcome Unit for the History of Medicine- University of Oxford (20122013). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Cristina de Campos: Professora colaboradora junto ao Departamento de
Política Cientifica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/IG/UNICAMP). Pesquisadora associada
junto ao Grupo de Pesquisa HSTTFAU/FAUUSP.
Gustavo Querodia Tarelow: Doutorando em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Mestre em História
Social pela FFLCH-USP. É, atualmente, pesquisador do Museu Histórico da
Faculdade de Medicina da USP, onde desenvolve pesquisas sobre a História
da Saúde e das Práticas Médicas, sobretudo, em São Paulo.
Maria Gabriela S.M.C. Marinho: Doutora em História Social pela
Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Política Científica e
Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com
graduação Comunicação Social (UFMG/IMSP). Professora e pesquisadora
no Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências
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Humanas e Sociais (PCHS-UFABC), sua produção tem se concentrado
no campo da história das Elites Científicas e Intelectuais e da Fundação
Rockefeller. Pesquisa também as interfaces entre o Regime Civil-Militar de
1964 e a Produção Cultural e Científica do país. É pesquisadora associada
do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (MH-FMUSP). Maria Terezinha B. Vilarino: Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Vale do Rio Doce (1979), com especialização em História (UNIVALE, 1991) e Mestrado em História (2008) pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História (UFMG). É professora assistente da Universidade Vale
do Rio Doce e atua em projetos de pesquisa com os seguintes temas: história
regional, saneamento, saúde pública, ambiente e educação.
Paulo Fernando de Souza Campos: Doutor em História (UNESP-Assis),
com Pós-Doutorado em História da Enfermagem (EE/USP/FAPESP). Professor/Pesquisador na Graduação em História e Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade de Santo Amaro (PPGICH/UNISA/CAPES). Membro do Grupo de Pesquisa Políticas e
Identidades Ibero-Americanas (POLIBERA/UNISA/CNPq).
Patrícia Falco Genovez: Possui graduação em História pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (1993), mestrado (1996) e doutorado (2003) em
História pela Universidade Federal Fluminense (1996). Professora titular
do curso de História da Universidade Vale do Rio Doce. Áreas de atuação:
História Cultural e História Política, atuando nos seguintes temas: história
de Minas Gerais, relações de poder, análise de redes sociais, memória, narrativa e territorialidades. Pesquisadora do Observatório Interdisciplinar do
Território (OBIT/Univale) e do Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais
da UNIVALE/MG. Professora no Mestrado Interdisciplinar em Gestão Integrada do Território, nas linhas de pesquisa “Território, saúde e sociedade”
e “Formação Histórica do Território”.
Rita de Cássia Marques: Possui Graduação em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1986), Mestrado em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1995) e Doutorado em História pela Universidade
Federal Fluminense (2003). Atualmente é vice-presidente da Sociedade
Brasileira de História da Ciência e professor associado da Universidade
Federal de Minas Gerais.
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Conselho Editorial
Cássio Silveira (FCM-Santa Casa)
Claudio Bertolli Filho (Unesp-Bauru)
Cristina de Campos (DPCT- Unicamp)
Cyro Festa Neto (FMUSP)
Fernando Salla (NEV-USP)
Flavio Edler (COC-Fiocruz)
Gisele Sanglard (COC-Fiocruz)
José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres (FMUSP)
Laura Degaspare Mascaro (Instituto Norberto Bobbio)
Lilia Blima Schraiber (FMUSP)
Lilia Moritz Schwarcz (Depto. de Antropologia FFLCH-USP)
Luiz Antonio de Castro Santos (UERJ)
Mara Helena de Andréa Gomes (Unifesp)
Márcia Tereza Couto (FMUSP)
Marcos Cezar Alvarez (Depto. de Sociologia-FFLCH-USP)
Maria Amélia Dantes (Depto. de História-FFLCH-USP)
Maria Cristina da Costa Marques (FSP-USP)
Márcia Regina Barros da Silva (Depto. de História – FFLCH-USP)
Maurício Antunes Tavares (Fundação Joaquim Nabuco)
Nelson Filice de Barros (FCM-Unicamp)
Nelson Ibañez (FCM-Santa Casa/Instituto Butantã)
Nicolau Sevcenko (Depto. de História FFLCH-USP/Harvard University) – in Memoriam
Ricardo Mendes Antas Jr.(Depto. de Geografia-FFLCH-USP)
Rosa Ballester (Universidade de Alecante-Espanha)
Tania Regina de Luca (Unesp-Assis)
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