Baixar PDF - Faculdade de São Bento
Transcrição
Baixar PDF - Faculdade de São Bento
FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO Daniel Froes de Abreu O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL E A ADMINISTRAÇÃO MODERNA São Paulo 2011 0 FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL E A ADMINISTRAÇÃO MODERNA Daniel Froes de Abreu Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade de São Bento do Mosteiro de São Bento de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia. Área de Concentração: Ética e Política Orientador: Franklin Leopoldo e Silva São Paulo 2011 1 DANIEL FROES DE ABREU O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL E A ADMINISTRAÇÃO MODERNA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade de São Bento do Mosteiro de São Bento de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia. Aprovada em18 de maio de 2011. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Faculdade São Bento Orientador - Presidente ________________________________________ Prof. Dr. Douglas Ferreira Barros Pontifíca Universidade Católica de Campinas Titular ________________________________________ Prof. Dr. Pedro Monticelli Faculdade São Bento Titular 2 “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” Yeshua, O Messias – João 8:32 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a D-us por ter me capacitado e abençoado com pessoas essenciais, que me auxiliaram no crescimento acadêmico, profissional e principalmente pessoal. À minha esposa, pelo amor, paciência e incentivos, companheira em todos os momentos, presente e auxiliadora que nunca me deixa desanimar, me encorajando diante das adversidades e me alertando ao me aproximar do erro. À minha filha, que nasceu durante a época que cursei a pós-graduação, que soube suportar a ausência física do pai nas horas de estudos e que, com seu sorriso me motiva sempre a prosseguir. Ao meu orientador, mestre, amigo e exemplo a ser seguido que com sua imensa sapiência demonstrou humildade e amizade ao levar um neófito chegar até este ponto. Muito obrigado por ter acreditado na minha capacidade e ter tornado o meu caminho muito mais fácil de trilhar. A todos os professores, em especial aos Dr. Djalma Medeiros e Dr. Bruni, professores que transmitiram ensinos e conselhos de forma brilhante e que me apresentaram o mundo encantador da Filosofia. Aos colaboradores da Faculdade São Bento, em especial, os da secretaria, na pessoa da Sra. Nanci, e os da Biblioteca, que foram além das suas obrigações profissionais e demonstraram carinho e realização ao me ajudarem inúmeras vezes que me socorri dos mesmos. A todos os meus colegas da pós-graduação, que tornaram esta fase da minha vida inesquecível e que graças à D-us não citarei os nomes, porque são muitos. 4 RESUMO A eficácia do pensamento de Maquiavel é garantida pela sua atualidade pode ser considerada a mola propulsora de líderes, governantes e administradores no que se refere a nações e corporações, na qual a política e a ética maquiavélicas entram como elementos da manutenção do poder. A presente dissertação busca encontrar uma simetria entre as lições existentes em O Príncipe de Maquiavel e o funcionamento das corporações modernas. Desta forma, os famosos princípios que ajudaram grandes administradores no percorrer da História até os dias atuais, são aplicados nas corporações empresariais, onde os administradores podem aplicá-los, proporcionando crescimento e estabilidade para as mesmas e tendo o benefício do sucesso dos seus “súditos”/colaboradores, retornado para si, garantindo estabilidade e segurança. 5 ABSTRACT The effectiveness of Machiavelli's thought is guaranteed by its actuality can be considered the primary driver of leaders, governors and administrators with regard to nations and corporations, in which politics and ethics come as Machiavellian elements of maintaining power. This work tries to find a symmetry between the existing lessons in Machiavelli's The Prince and the functioning of modern corporations. Thus, the most impotant manager principles that helped the History go on until today, are applied to business corporations, where managers can apply them, providing growth and stability for them and having the benefit of the success of his "subjects"/collaborators returned to you, also guaranteeing stability and security. 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................08 2. A FILOSOFIA POLÍTICA DO PRÍNCIPE..............................................................12 1. Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna.........................................12 2. A Comparação com os espelhos do príncipes............................................. .13 3. A Política de Maquiavel comparada à Antiguidade Clássica......................14 2.4. Maquiavel e a tradição do contratualismo moderno....................................14 2.5. Eficácia e soberania no pensamento político moderno.................................15 2.6. O princípio da eficácia, segundo De Guicciardini e a reforma do governo republicano em Florença.............................................................................................. 16 2.7. O pensamento republicano de Maquiavel ou a difícil refundação moderna da liberdade dos antigos.....................................................................................................17 2.8. Maquiavel e os novos objetos da política...................................................17 2.9. O conceito de Estado, segundo O Príncipe.................................................18 2.10. O Príncipe e o Estado..................................................................................18 2.11. A Razão e a Unidade do Estado em Maquiavel..........................................20 2.12. O caráter performático do poder para Maquiavel......................................22 3. O MANUAL DO PRÍNCIPE....................................……………………….….......24 3.1 O que levou Maquiavel a escrever O Príncipe....................................... .....27 4. O PRÍNCIPE..............................................................................................................28 5. A ATUALIDADE DE O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL.........................................42 6. CONCLUSÃO...........................................................................................................69 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... ....71 Apêndice sobre os Tributos Existentes no Estado Brasileiro no ano de 2010...............76 Apêndice sobre a cronologia do Tempo, da Vida e das Obras de Nicolau Maquiavel...85 7 1. INTRODUÇÃO Um substantivo: maquiavelismo; um adjetivo: maquiavélico; um nome: Maquiavel. Niccolò Di Bernardo Machiavelli, nasceu em Florença, Itália, em 03 de maio de 1469 e morreu, aos 58 anos, na mesma cidade, em 21 de junho de 1527 1. Seu pai foi um advogado estudioso das humanidades, o que certamente influenciou seus pensamentos, que permanecem atuais até os dias de hoje. A eficácia do pensamento de Maquiavel é garantida pela sua atualidade, pode ser considerado como mola propulsora de líderes, governantes e administradores, de corporações a nações, nas quais a política e a ética maquiavélicas podem ser classificadas como elementos da manutenção do poder. Maquiavel inovou a filosofia ético-política, tendo a coragem de sair do pensamento de um mundo idealizado para o mundo real, de forma a garantir o que todo o líder quer, o poder, e ensinando como aplicar a força no limite desejado, “pois a força é justa, quando necessária” (Maquiavel), para conquista e continuidade no poder. A principal obra de Maquiavel que mostra a maneira política e ética do governante agir é seu título mais famoso, “O Príncipe”, sendo que suas outras obras poderiam ser consideradas como um complemento desta. Neste trabalho, como em outros, Maquiavel traz conselhos ao administrador e governante público, o príncipe, porém tais “sugestões” podem ser aplicáveis na administração corporativa, tanto nas grandes quanto nas que pretendem crescer. A ética está entre as primeiras preocupações que motivaram a reflexão desde os primórdios da cultura ocidental. Quando se volta para as primeiras tentativas de ordenação do pensamento em função da explicação do mundo e do lugar que o homem nele ocupa, nota-se, imediatamente, a mescla dos objetivos de compreensão do cosmos, como ordem física, com a preocupação em atingir os princípios de caráter ético que fundamentam e governam a organização do universo.2 1 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Maquiavel: A lógica da força. São Paulo: Moderna, 1993, p. 34. 2 Silva. Franklin Leopoldo. Breve Panorama Histórico da Ética. Revista de Bioética. Conselho Federal de Medicina, v.18, n 3, 2010. 8 Em seu principal texto, Maquiavel diferenciou-se dos filósofos tradicionais, como Aristóteles e Platão; não descuidou da procura por regras universais, mas vinculou-as à História e aos acontecimentos políticos da atualidade. Conforme Fernando Henrique Cardoso apresenta no prefácio de “O Príncipe”, da Editora Companhia das Letras3: “A chave milagrosa para dotar o texto de “eterna juventude” terá sido a capacidade demonstrada por Maquiavel para interpretar uma experiência pessoal, datada, sem descuidar do olhar reflexivo, ampliado pela cultura histórica, para tirar de sua vivência ensinamentos que vão além do seu tempo e do seu espaço? Sem dúvida, estes fatores, além da genialidade do autor, contribuíram para o êxito desta obra”. O príncipe foi escrito na Renascença, época em que os estudos estavam baseados em fontes humanistas e não mais na moral cristã. Neste sentido, o Estado libertou-se da influência do poder papal e frisa-se haver uma separação do sagrado e do profano na política. Assim, o objeto primordial é o Estado fora da área de influência da igreja. “E há de se entender o seguinte: que um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas que são obrigados os homens considerados bons, sendo-lhe frequentemente forçado, para manter o governo, agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião”.4 A obra dos principados não está fundada nem na política grega, com os ideais platônicos e aristotélicos, nem no direito romano ou no cristianismo. Doravante o conhecimento da realidade histórica e a experiência política deverão substituir uma imagem idealizada de soberania passando a realidade a ter prioridade sobre o ideal. 3 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Os pensadores. Tradução: Lívio Xavier. São Paulo: Athena, 1973. Daqui em diante este livro servirá como referência para as citações de número de página. 4 O príncipe, p. 80. 9 A realidade política da época fez com que Maquiavel criasse uma nova forma de pensar a ética e a política, de forma que o príncipe pudesse alcançar o poder e se manter nele. Com Maquiavel, a política alcança uma autonomia que a diferencia da moral. A administração do Estado deve levar em conta motivação e impulsos inerentes ao ser humano; tais como os impulsos das motivações egoístas, a inveja, o interesse próprio, a ambição, a vontade de domínio e demais fatores que de fato condicionam as ações humanas. “É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro...”5. Não se deve interpretar Maquiavel a ter más ações desprovido de qualquer proposito. Conforme ensina o professor Franklin Leopoldo e Silva, “a banalidade do mal provém da impossibilidade de pensar, no sentido da formulação de juízos que possam discernir entre condutas humanas e inumanas, a banalidade da moral no contexto da experiência histórico-política poderia ser entendida como a impossibilidade de refletir sobre a origem, o sentido e o alcance das decisões e das ações” 6. Pode-se entender a obra de Maquiavel também do ponto de vista das estratégias necessárias para buscar e realizar a manutenção do poder e, por isso, atribuir a ela um alcance geral que recobre não apenas a política no seu sentido público, mas também a organização de corporações nas quais deve vigorar uma estrutura de poder. Maquiavel foi uma figura importante da política da república na administração pública florentina, ingressando em 1489, após o fim de Savonarola e exercendo suas funções até o retorno dos Médici em 1512. Após um ano de afastamento de suas atividades políticas, depois de ter colaborado por 14 anos em participação ativa na política de Florença, Maquiavel vive administrando o pequeno patrimônio herdado de seus pais. 5 O príncipe, p. 76. 6 SILVA, Franklin Leopoldo. Conhecimento e Razão Instrumental. São Paulo: USP, v.8, n.1, 1997. 10 Após ser destituído de suas funções foi proibido de deixar o território florentino durante um ano e submetido a uma série de interrogatórios sobre suas atividades, com uma ênfase especial na administração das milícias. Entre as suas funções destacam-se: iniciador, recrutador e depois administrador das milícias de Florença, que deveriam substituir os caros e complicados exércitos de mercenários. Em 1513, após ser torturado, sob a acusação de um complô contra os Médici, do qual supostamente fazia parte, foi liberado pela intervenção de Juliano de Médici, com quem provavelmente viveu a infância. Retira-se para uma modesta casa que herdou de seu pai perto de San Casciano, onde espera ansiosamente seu retorno à política, que ocorreu quando o cardeal Giovanni de Médici subiu ao pontificado. O conteúdo essencial do tratado dos Principados nasce em 1513, como uma série de sugestões que Maquiavel espera chegar aos ouvidos dos Médici, dedicando a obra a Juliano de Médici, com uma série de conselhos e observações sobre a atualidade política, com reflexões sobre obra de pensadores antigos, na esperança de retornar à política7. Maquiavel, na carta a Vettori, propôs investigar “qual a essência dos principados, de quantas espécies podem ser, como adquiri-los, como conservá-los e qual a razão da sua perda”. Além da vontade de voltar ao poder, Maquiavel queria ver a sua Itália livre dos bárbaros, conforme explícito no capítulo XXVI “Exortação a Libertar dos Bárbaros a Itália”, de O Príncipe. 7 O Príncipe, p. 117. 11 2. A FILOSOFIA POLÍTICA DO PRÍNCIPE A sabedoria política de Maquiavel, originária de O Príncipe, além de inovadora, é singular, especialmente com fama controversa e polêmica. Maquiavel inovou tanto com relação à análise política, quanto à redefinição e renovação dos problemas e objetos fundamentais da teoria política. 2.1. Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna 8 Sob o ponto de vista epistemológico, Maquiavel inovou, trazendo novos modos de análise, problemas, objetos e redefinindo o próprio conceito do que é o saber9. Ao analisar O Príncipe e os Discorsi, nota-se a mudança dos padrões tradicionais de análise da política, na medida em que introduzirão novos problemas e novos objetos, ocorrerá a alteração da ontologia do político, revolucionando o sentido tradicional da sabedoria política. Desta forma, observa-se uma alteração dos padrões tradicionais de análise política com relação aos padrões tradicionais da análise de política, referente aos padrões ou estilos tradicionais de análise conceitual da política, havendo, pelo menos, três contraposições a fazer: 1º) A mais imediata, que compara a obra de Maquiavel aos miroirs du prince; 2º) A que avalia a política tomando como referência as grandes obras de Filosofia política da Antiguidade Clássica; 3º) A que a confronta com tratados especulativos que viriam a ser a forma padrão da Filosofia política contratualista nos séculos XVII e XVIII. 8 Este subtítulo e os que virão a seguir significam apenas os assuntos que serão mencionados e de forma alguma a pretensão de esgotar cada um deles. 9 TORRES, João Carlos Brum. Mutações do Conhecimento: Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna. Porto Alegre: Philia & filia, 2010, p. 98. 12 Assim, os dois primeiros itens demonstram-se como Maquiavel se afastou de seus antecessores e como a sua obra inovou, os três pontos permitem reconhecer a sua singularidade de pensamento, também quanto ao seu futuro, vislumbra-se o que nele viria a ser o main stream da Filosofia Política que o sucederia. 2.2. A Comparação com os espelhos do príncipes Conforme Jacques Krynen10,os espelhos dos príncipes, gênero literário típico da Idade Media, tinham como objetivo principal influenciar os governantes, de modo que fossem inclinados na direção da virtude privada, responsabilidade e justiça pública, questões críticas numa época em que o poder monárquico não se encontrava submetido a quaisquer limitações formais. Desta forma, algumas grandes obras políticas que podem ser incluiídas entre os espelhos dos príncipes: o Policraticus, de John de Salisbury ou o De Reginine Principum, de Gilles de Rome, eram complementadas por uma contribuição de caráter teórico, voltada a uma doutrina sistemática do poder real11, porém era indiscutível o caráter moralizador e a função educadora dos espelhos dos príncipes, buscando estabelecer como modelo da imagem de um príncipe perfeito. Nos espelhos dos príncipes, especialmente os escritos pelos humanistas, notase que buscavam associar o exercício do poder às virtudes cristãs e políticas 12, como prudência, temperança, fortaleza de alma, justiça, piedade, humanidade, fé cristã, liberalidade, magnificência, clemência e palavra honrada. Maquiavel rompe com esta tradição, preferindo a realidade ao invés do ideal, não alcançável, de forma mais ampla pode-se considerar “O príncipe” como um espelho inovador, prático e eficaz na “arte da governança”, rompendo com a 10 A despeito de que se lhe possam encontrar antecedentes na Antiguidade clássica. Cf. Jacques Krynen, Idéal du Prince et pouvoir royal em France à la fin du Moyen Age (1380-1440) – Étude de laliterature politique du temps, Éditions A. Et. J. Picard, Paris, 1981, p.52. 11 TORRES, João Carlos Brum. Mutações do Conhecimento: Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna. Porto Alegre: Philia & filia. 2010, pg. 100. 12 SKINNER, Quentin . As funções do pensamento político moderno. Tradução: Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 147. 13 ingenuidade da idéia tradicional de que ao levar uma vida virtuosa o príncipe já realizaria as metas políticas fundamentais. O modo com que “O Príncipe” leva o governante a reconhecer as próprias virtudes rompe com os espelhos dos príncipes elaborados de forma tradicional13. Desta forma, nota-se uma ruptura profunda em relação a O Príncipe e os ensinamentos clássicos dos miroir, pois é evidente que Maquiavel não buscou fazer um resumo da educação virtuosa ou ditar as regras sobre como deveriam organizar-se político-socialmente a partir de princípios organicistas. 2.3. A Política de Maquiavel comparada à Antiguidade Clássica Ao analisar o pensamento de Maquiavel transcrito em O Príncipe observa-se um grande contraste e distância com as obras políticas da Antiguidade Clássica, o que a torna mais uma vez a sua obra inovadora. Não se notam resquícios do projeto platônico de fundar metafisicamente os princípios de uma cidade ideal, nem um exame minucioso dos elementos que compõem a cidade com a preocupação de classificar as formas políticas e avaliá-las normativa e prescritivamente, encontradas na política de Aristóteles 14. Assim, Maquiavel não faz uma teoria da pólis, não traça desenho da polis ideal, nem esclarece os elementos e princípios que devem compor uma cidade que exista conforme os fins essenciais, mas traz a questão específica filosófico-política de como o poder deve ser exercido com vista à preservação de seu controle, por parte de quem o detém. 2.4. Maquiavel e a tradição do contratualismo moderno Mesmo em relação aos seus sucessores, em especial com os tratados contratualistas que viriam a formar o núcleo principal da Filosofia Moderna, a obra O 13 BERLIN, Isaiah. A originalidade de Maquiavel. In: Estudos sobre a humanidade. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 14 TORRES, João Carlos Brum. Mutações do Conhecimento: Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna. Porto Alegre: Philia & filia, 2010, pg. 103. 14 príncipe se distingue porque a questão da legitimação normativa das instituições políticas é inteiramente alheia às preocupações de Maquiavel, sendo foco do seu interesse a questão do puro poder e das condições que concernem a este exercício, ou seja, o poder em si mesmo. 2.5. Eficácia e soberania no pensamento político moderno Maquiavel em Florença no início do século XVI, De Guicciardini na França no fim do século XVI e Bodin e Hobbes na Inglaterra da primeira metade do século XVII foram autores que brilhantemente formularam princípios que deram importância ao nosso conhecimento atual sobre “Estado”, “República” ou “estado civil”. A Filosofia de O Príncipe se desenvolveu após a observação de Maquiavel durante os 14 anos de suas funções a serviço da república florentina. Entre a redação de O Príncipe de Maquiavel, em 1513, e a publicação de Leviatã, de Hobbes, em 1591, é impossível notar o reflexo histórico e filosófico do pensamento e a construção dos princípios políticos da modernidade. Ao estudar o pensamento de Maquiavel, perspectivado com o de Guicciardini, seu contemporâneo e amigo, nota-se que no centro do pensamento republicano florentino está o nascimento do princípio de eficácia política. O pensamento de eficácia política levou Maquiavel a reler de forma extremamente original a história da república de Roma e, da mesma forma, a república florentina, sem minorar a importância do humanismo cívico na sua formação, buscou a “verdade efetiva das coisas”. Existiam posições diferentes entre Maquiavel e Francesco De Guicciardini, também devido às origens, De Guicciardini (1983-1540), que pertencia a uma das famílias mais poderosas da oligarquia florentina e Maquiavel (1469-1527), ao ramo mais novo e empobrecido de uma velha família patrícia. 15 2.6. O princípio da eficácia, segundo De Guicciardini e a reforma do governo republicano em Florença De Guicciardini mostrou-se desde muito cedo interessado em conciliar as instituições republicanas de Florença, que proibiam a confiscação do bem comum para fins pessoais, com uma nova preocupação com a eficácia governamental, que emparelhava, segundo ele, com predominância dos homens competentes. Preconizou a eficácia governamental, alegando que o governo dos assuntos de estados fossem confiados a homens competentes, complementando, assim, o princípio republicano de legitimidade popular. Para Guicciardini, o pensamento político de Maquiavel se ressalta com a verdade efetiva das coisas, onde Maquiavel buscava a verdade real e não uma utopia idealizada, instruindo àquele que tem como único fim a conservação e o aumento da autoridade daquele que o conquistou. Desta forma, Maquiavel se baseia em dois pensamentos, de que é perigoso assumir a responsabilidade de um empreendimento novo que envolve muita gente e que, na política, a opinião que conta é a da maioria. Para se manter no poder, um príncipe que sabe que não pode contar com a fidelidade de seus súditos, deve aprender a não se envolver em compromissos que lhe sejam prejudiciais. No final, a arte de governar irá se assentar na capacidade do príncipe de passar uma imagem favorável de si mesmo e na representação que o povo tem de suas ações. Desta forma, Maquiavel dá ao príncipe um espelho no qual deve contemplar a sua imagem para que ele reflita como deve parecer ao seu povo, conforme as suas ações. 16 2.7. O pensamento republicano de Maquiavel ou a difícil refundação moderna da liberdade dos antigos Consciente de que é mais fácil dizer mal do povo do que dos príncipes, Maquiavel, em seus Discursos, toma partido da virtude política dos povos livres, não se esquecendo dos princípios de eficácia política trazida pelo O Príncipe, não encontrada nos precursores de Maquiavel15. Para os teóricos da soberania, como Jean Bondin, jurista do final do século XVI, o Estado é, em primeiro lugar, uma estrutura jurídica, para Maquiavel, ele é antes de tudo uma organização dinâmica fundada nos costumes dos atos políticos. Desta forma, a preocupação com a eficácia que observamos tanto em O Príncipe como nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, exprimiu-se, principalmente através da teoria da virtude. Enquanto os teóricos entendiam que era preferível por em evidência as condições efetivas como econômicas, demográficas e militares do domínio político de preferência, ao invés de expor as condições jurídicas, teológicas e políticas do exercício de uma soberania. Na releitura dos teóricos do Estado, o princípio de Maquiavel de eficiência já não encontrava onde aplicar uma teoria da virtude, mas sim de um governo eficaz. HOBBES afirma que a necessidade da representação dos soberano visa produzir uma conformidade, evitando, todavia, a subordinação dos fins políticos da cidade, ou seja, a preservação dos direitos do soberano e da segurança dos cidadãos, para fins extrapoliticos, mesmo sob a justificação da procura da eficácia. 2.8. Maquiavel e os novos objetos da política Pelo fato de que, para Maquiavel, o que interessa é o poder considerado em si mesmo, podemos considerá-lo o grande teórico da política pura, do poder dissociado 15 RENAULT, Alain. História da Filosofia Política 2. Nascimentos da Modernidade. Tradução: Felipe Duarte. Lisboa: Calmann Lévy, 1999, p. 186. 17 das considerações normativas, deixando claro que é preciso se afastar das idéias normativas se quiser fazer uma obra útil, capaz de ensinar como deve ser o real poder e o governo16. 2.9. O conceito de Estado, segundo O Príncipe Em nenhum momento Maquiavel chega a formular uma conceituação expressa do Estado, mas é nítido que se refere às mais variadas formas conceito de Estado em sentido estrito. Maquiavel foi o primeiro teorizador dos Estados modernos a analisar a sua verdadeira natureza despida de quaisquer considerações de ordem moral ou religiosa, indo ao cerne da questão e analisando suas possíveis relações com o período histórico de sua gênese, tido como a fase de consolidação dos Estados nacionais, sob forma de organização absolutista. Jean Touchard, afirma que, embora o secretário florentino não tenha em nenhum momento de sua vida formulado uma “teoria geral do Estado, este encontra-se inegavelmente no cerne de todo seu pensamento17. A mensagem básica de O Príncipe é a autonomia da política com a moral, remetendo necessariamente à já comentada primazia da política sobre a moral, em que o Estado, por sua própria natureza, não pode ser impedido por quaisquer considerações de natureza ética. 2.10. O Príncipe e o Estado Maquiavel viveu em uma época em que a Renascença iluminava os pensamentos e influenciava a política da época, como fruto de uma criteriosa 16 Capítulo 15, de O Príncipe. 17 MAQUIAVEL, Nicolau apud CHEVALLIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas: de Maquiavel a Nossos Dias. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1993. p.23. 18 observação das coisas, assim, descreve os fatos observados com um criterioso método de eficácia, indo do mundo idealizado para o real e dando sentido prático a conceitos imaginários. Pode-se notar, claramente, na alusão do centauro, como Maquiavel pretende indicar a própria natureza dúplice do poder político, que embora possa ser exercido por meios pacíficos, em momento algum o homem poderá prescindir totalmente da fraude ou da violência, próprias dos animais na execução de seus fins. “Isso não quer dizer outra coisa, não ter por preceptor um ser meio animal e meio homem, senão que um príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma sem a outra não é durável.18” Maquiavel separa a política da moral, conceitos tidos até então como essenciais ao príncipe, como não matar, não mentir ou até mesmo manutenção da sua palavra, podem ser considerados secundários. “Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desaparecerem as causas que o levaram a empenhá-la.”19 Porém, tais pensamentos não devem ser entendidos como um problema de caráter do autor, mas sim como a metodologia preconizada por ele para aquisição e manutenção do poder. Diferente da tradição medieval, que vinculou o Estado aos valores morais, Maquiavel o vê despido de considerações éticas, possibilitando seu correto entendimento e reconhecendo o fenômeno político distinto do campo da moral. Na sua visão, a política desconhece completamente considerações de natureza ética, só voltando-se para a moral somente quando a mesma puder, de alguma forma, contribuir para a realização dos fins políticos objetivados pelo governante, assim, a arte política não deve ser uma realização da ética como um fim em si mesma. 18 O Príncipe, p. 80. 19 O Príncipe, p. 81. 19 “Não é necessário a um príncipe ter todas as qualidades mencionadas, mas é indispensável que pareça tê-las. Direi, até que, se as possuir, o uso constante delas resultará em detrimento seu, e que, ao contrário, se não as possuir, mas afetar possuí-las, colherá benefícios. Daí a conveniência de parecer clemente, leal, humano, religioso e íntegro, contanto que, em caso de necessidade, saiba tornar-se o inverso.”20 Maquiavel faz um corte radical entre a Ética e a Política. Angel L. Cappelletti afirmou que, não obstante já no tempo de Platão, sofistas como Trasímaco procurarem reduzir a moralidade à força, no sentido de que ético será o governo que se organizar em proveito do mais forte, promovendo uma subordinação da ética à força, é com Maquiavel, no começo da Idade Moderna, que se estabeleceu uma verdadeira antítese conceitual e principiológica entre os termos moral e Estado. Ou no dizer do referido autor: “ Era preciso que transcurriera más de um milenio de Imperio Cristiano para que alguiem pudiera decir en Occidente que Estado y moralidad no sólo son términos diversos, de tal modo que el Estado há de reconocerse en principio como algo a-moral (o sea, ajino a toda ética, como los entes de la naturaleza, astros, plantas o bestias), sino tambiém como algo contrario a ella y, por tanto, como algo in-moral, en cuanto no puede lograr sus fines próprios sin transgredir los más elementales princípios éticos y sin conculcar los más altos valores morales, como la justicia y la libertad.”21 Desta forma, Maquiavel desvincula o estado da moral e traz o sentido real das coisas como são, observando a natureza humana. 2.11. A Razão e a Unidade do Estado em Maquiavel Maquiavel foi o primeiro pensador a formular um dos principais aspectos da Razão de Estado, embora sobre o mesmo não tenha desenvolvido uma teoria completa, sobre o qual Sérgio Pistone afirmou: 20 O Príncipe, p. 80. 21 CAPELLETTI, Angel apud CONDE, Francisco Javier. Lo Saber Político en Maquiavelo. 2. ed. Madrid: Biblioteca de la Revista de Ocidente, 1947, p. 23. 20 “É possível descobrir na história antecipações parciais, às vezes bastante agudas, de tal teoria, mas está fora de dúvida que é só com Maquiavel que se registra um salto qualitativo capaz de constituir o começo de uma nova tradição de pensamento.”22 Em Maquiavel observamos que a doutrina da Razão de Estado, também denominada de doutrina do Estado Potência, preconiza a libertação dos governantes de impedimentos jurídicos, éticos ou religiosos, em favor da conservação do poder, ao reconhecer-se a conservação deste como um valor absoluto. Ele aconselha a emancipação do soberano de todos os impedimentos de natureza ética, entendimento este tradicionalmente chamado, em sentido depreciativo, de maquiavelismo. Com relação às mudanças nos padrões tradicionais de análise política, trazidas por Maquiavel, sobressaía a própria ontologia do político. O príncipe inovou não só em relação aos miroirs Du Prince, Filosofia grega, tradição contratualista, mas também, com o pensamento do político tradicional, formado no recurso heurístico para poder ver com nitidez como o pensamento de Maquiavel muda os próprios objetos da análise política. Assim, faz uma análise ostensiva do realismo, tratando de relações entre o príncipe, a aristocracia e o povo em termos puramente pragmáticos, inteiramente alheios às visões organicistas do corpo político, que haviam sido trazidas para o centro das organizações político-sociais durante a Idade Média, permanecendo até o início da modernidade. Nota-se que as monarquias hereditárias, facilmente compreendidas no contexto da França ou Inglaterra são inovadoras na Itália, onde o conflito entre o Papado e o Império não haviam produzido apenas uma fragmentação nas unidades políticas e na estrutura de autoridade, criando o fenômeno do poder puro, o qual brota 22 TOUCHARD, Jean et all. História das Idéias Políticas. v. 3. Lisboa: Publicações Europa América, 1970, p. 22. 21 no sentido mais estrito da palavra, gerando um pensamento puramente estratégico e técnico. Ao centrar o foco de sua atenção sobre a iniciativa e condução política, que deixa de lado as estruturas ideológicas e institucionais, cria a unidade e identidade política. 2.12. O caráter performático do poder para Maquiavel Ao examinar o processo de tomada do poder e de fundação do Estado, a partir da ação política do príncipe, e colocar-se na situação em que tem lugar toda fundamentação política, por mais oculta, imemorial e mitificada, que em alguns casos podem ser a origem dos Estados. Isto é provado quando Maquiavel enfatiza questões relativas à tomada e preservação do poder, e, por consequência, à sua legitimidade política. Desta forma, Maquiavel propõe não apenas isolar o fenômeno do poder, mas reconhecer um novo fundamento para a unidade política, ou seja, a força fundadora e confrontadora da ação do príncipe, fundação e confrontação não só em um momento inaugural , mas como a abertura de uma nova ordem normativa. Ao se isolar do fenômeno do poder, faz com que a visão da identidade política se constitua de uma ação performática, assim, fazendo com que a entidade política, em última análise, resulte mais da ação política do fundador do Estado do que de inércias sociais. Além disso, propõe que se reconheça um novo fundamento para a unidade da identidade política, ou seja, a força fundadora e conformadora da ação do príncipe, não apenas de forma inaugural, mas como uma nova ordem política. A fortuna como sinal do caráter constitutivo de risco da perfomatividade do poder foi considerada por Maquiavel como categoria da sua política fundacional. 22 Estas idéias podem ser encontradas em O Príncipe (por exemplo nos capítulos VII e XXIV), observando desatentamente, o leitor pode pensar que há coisas que escapam do controle, porém uma leitura mais atenta demonstra que o autor as contrapõe sistematicamente, desvendando fortuna e virtude como um conjunto de capacidades e habilidades de condução política necessárias à conquista do poder, da fundação à manutenção do Estado. 23 3. “O MANUAL” DO PRÍNCIPE A obra estudada poderia ser intitulada: “O Manual do Governante”, entendendo por governo a estrutura política e o procedimento administrativo, por isso os conselhos de Maquiavel ao príncipe podem ser transplantados para a conduta daqueles que desfrutam do poder nas corporações modernas. Neste sentido, este trabalho busca desenvolver a analogia entre o príncipe e o administrador moderno, bem como os súditos e os empregados da empresa. Desta forma, o “manual”, resumidamente, divide os principados em novos e hereditários. Por achar demasiadamente fácil governar um principado hereditário e devido às instabilidades políticas da época na Itália, Maquiavel aconselha que, em sua administração, o príncipe procure “não ultrapassar os limites estabelecidos pelos antepassados e contemporizar com os acontecimentos”. Maquiavel entende que a verdadeira dificuldade para a aquisição e conservação do que está nos principados novos. Dinâmica semelhante pode ser observada no mundo corporativo, onde há relação entre solidez da empresa e sua duração no mercado e onde se observa, também, a fragilidade daquelas que possuem menos tempo de vida. Enquanto alguns principados são absolutamente novos, outros são agregados a um principado hereditário (como o exemplo do Reino de Nápoles e da Espanha), tornando-se misto, o que origina uma série de problemas acerca dos quais Maquiavel propôs uma série de conselhos para anexação. Além disso, também existem os principados eclesiásticos que formam uma categoria à parte. Maquiavel não discute a legitimidade da aquisição dos principados, mas apenas o domínio da força, “pois o triunfo do mais forte é fato essencial da história humana” 23. Esta tese não exclui o discernimento na aplicação da força. Este discernimento consiste na razão e arte da política, por isso a principal função do príncipe está em saber aplicar a força segundo o novo estilo de racionalidade política inaugurada por Maquiavel, que leva em consideração a eficácia deste procedimento. 23 O Príncipe, p. 29. 24 O realismo político proposto nesta eficácia supõe boas leis e boas armas, mas é preciso que os súditos sejam estimulados pelo bem público, o que desaconselha, por exemplo, a formação de exércitos mercenários. A conquista ou maneira de se conservar o poder ou perdê-lo se dá por via de 4 modalidades diferentes, sendo que nas 2 (duas) primeiras Maquiavel dá uma ênfase maior, interessando-se mais fortemente: 1º) Conquista pela própria virtude, isto é, pelas próprias armas; 2º) Conquista pela fortuna e pelas armas alheias; 3º) Por “perversidade” e 4º) Por favor e consentimento dos concidadãos. Sendo que o capítulo XXV é dedicado à discussão da relação entre a fortuna e a virtude. Ao examinar os itens acima percebe-se a coerência do enunciado que diz que a virtude é mais adequada para a conservação do poder do que para a sua conquista. Outra questão importante é como o príncipe deve se manter em relação aos seus súditos, observando os perigos que um novo príncipe enfrentará. Neste sentido, predicados morais tradicionais, como a honestidade, por exemplo, não são necessariamente considerados como virtudes do príncipe. Como a finalidade é manter-se no poder, a virtude pode implicar apenas na imagem pública de tais predicados. “Contudo, o príncipe não precisa possuir todas as qualidades citadas, bastando que aparente possuí-las. Antes, teria eu a audácia de afirmar que, possuindo-as e usando-as todas, essas qualidades seriam prejudiciais, ao passo que, aparentando possuílas, são benéficas; por exemplo: de um lado, parecer ser efetivamente piedoso, fiel, 25 humano, íntegro, religioso, e de outro, ter ânimo de, sendo obrigado pelas circunstâncias, e não o ser, tornar-se o contrário.”24 Desta forma, o príncipe utiliza a opinião pública ao seu favor, que conforme ensina o nobre prof. Franklin Leopoldo e Silva 25, “opinião pública" nada mais é do que a manipulação dos indivíduos pelos dispositivos de poder e pelos meios de comunicação. O príncipe que quer se manter deve aprender a agir de modo assertivo, com firmeza, o que, portanto, vale mais que critérios de bondade ou maldade. Suas ações devem ser guiadas pela percepção da oportunidade, é esta que torna a ação necessária. Mais vale ser amado e temido, ou temido e amado? O ideal é ser amado e temido, mas se isto não for possível é melhor ser temido porque: 1º) “os homens são geralmente ingratos, inconstantes dissimulados, trêmulos em face ao perigo e ávidos de lucro. Enquanto lhe fazem o bem são dedicados; oferecem-vos o sangue, os bens, a vida, os filhos, enquanto o perigo se apresenta remotamente, mas, quando este se aproxima, bem depressa se desviam”; 2º) Além disso, os homens receiam muito menos ofender aquele que se faz amar do que aquele que se faz temer e 3º) Um sábio príncipe deve basear-se no que depende de si e não no que depende de outrem. Ser temido não significa ser odiado e, quanto a isto, o livro dos principados aconselha que para o príncipe não ser odiado deve “abster-se de atentar, seja contra os bens dos súditos, seja contra a honra de suas mulheres”. Quanto à palavra do príncipe, Maquiavel disserta em seu capítulo XVII – Como os príncipes devem cumprir a sua palavra. Maquiavel escolheu os mitos de Aquiles e do centauro, informando que é necessário que o príncipe aja tanto como homem, quanto como animal. É próprio do homem combater pelas leis, 24 O Príncipe, p. 80. 25 SILVA, Leopoldo Franklin. A Banalidade da Política. São Paulo: Cultura. 2007. Disponível em http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia=1610&cod_Canal=41, acesso em 05 de abril de 2011. 26 regulamentação, com lealdade e fidelidade e é próprio do animal combater com força e astúcia. Entre os animais, o príncipe deve “tratar de ser simultaneamente a raposa e o leão, pois se for apenas o leão, não perceberá as armadilhas; se for apenas a raposa, não se defenderá do lobo; portanto, tem igual necessidade de ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para atemorizar os lobos”. Em relação às promessas, ser raposa, não observando as suas promessas quando estas se demonstram inconvenientes. Isto porque nem todos os homens são bons e, como não observam a palavra dada ao príncipe, este não estaria obrigado a respeitar a palavra dada aos outros. 3.1. O que levou Maquiavel a escrever O príncipe Além da vontade de voltar ao poder, encontra-se, principalmente no capítulo XXVI, “Exortação a Libertar dos Bárbaros a Itália”, seu grande segredo de amor e nostalgia à Itália: “Um violento amor da pátria despedaçada, subjugada e devastada, arde no íntimo do coração desse funcionário de espírito tão implacavelmente positivo, de olhos frios, tão abertos sobre a dureza da realidade, sobre a sua selvageria até. O sonho de um libertador, de um redentor da Itália, atormentada”. Assim, Maquiavel irá ensinar de que forma a virtu e a fortuna irão influenciar as decisões do administrador, diferenciando-se de outros espelhos dos príncipes. Conforme ensina HEBECHE26 o significado de a virtu e de fortuna têm origem na cultura clássica, na qual a deusa fortuna simbolizava o inesperado, o acaso, a inconstância, distribuindo o bem e o mal ao seu bem prazer e, por isso, os romanos a tratavam com admiração, mas também com apreensão. Já a virtu representa a fortaleza de ânimo, determinação e solidez. Ou seja, enquanto a fortuna representa a indeterminação, a “sorte”, a virtu é a determinação, o “esforço”. O príncipe se destaca ao elaborar o modelo de homens virtuosos que se distinguem ao enfrentar a fortuna e não depender da sorte, transformando a situação ao seu favor. 26 HEBECHE, Luis Alberto. A guerra de Maquiavel. Ijuí: Unijuí, 1988. 27 4. O PRÍNCIPE Nicolau Maquiavel escreve máximas no seu “manual do príncipe”, demonstrando sua idéia e depois demonstrando a historicidade de seu pensamento. Conforme Fernando Henrique Cardoso apresenta no prefácio que redigiu da obra “O príncipe”27, “A clave milagrosa para dotar o texto de “eterna juventude” terá sido a capacidade demonstrada por Maquiavel para interpretar uma experiência pessoal, datada, sem descuidar do olhar reflexivo, ampliado pela cultura histórica, para tirar de sua vivência ensinamentos que vão além do seu tempo e do espaço? Sem dúvida estes fatores, além da genialidade do autor, contribuíram para o êxito desta obra”. Desta forma, Maquiavel escreveu “O Príncipe”, em 1513, editado a primeira vez em 1532, com seus 26 (vinte e seis capítulos). A carta de Nicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médici, ao apresentar a obra, menciona os assuntos abordados: Quais os gêneros de principados e por que meios são conquistados; Dos principados hereditários; Dos principados mistos; Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste; De que modo se podem administrar cidades ou principados que, antes de conquistados, tinham suas próprias leis; Dos principados novos que são conquistados por virtude e armas próprias; Dos principados novos que são conquistados por armas alheias e pela fortuna; Daqueles que, por atos criminosos, chegaram ao principado; Do Principado civil; 27 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução: Maurício Santana Dias. Prefácio: Fernando Henrique Cardoso. Tradução dos apêndices: Luiz de Araújo. São Paulo: Penguim Classic Companhia das Letras, 2010. 28 De que modo se deve avaliar a força dos principados; Dos principados eclesiásticos; Quais são os tipos de exércitos e de milícias mercenárias; Das milícias auxiliares mistas e próprias; Como o príncipe deve proceder acerca das milícias; Das coisas pelas quais os homens, sobretudo os príncipes são louvados ou vituperados; Da liberdade e da parcimônia; Da crueldade e da piedade; e se é melhor ser amado que temido; Como o príncipe deve honrar sua palavra; De como escapar ao desprezo e ao ódio; Se fortalezas e outros expedientes a que os príncipes frequentemente recorrem são úteis ou não; Como um príncipe deve agir para obter honra; Dos ministros de um príncipe; Como escapar aos aduladores; Por que os príncipes da Itália perderam seus reinos; Em que medida a fortuna controla as coisas humanas e como se pode resistir a ela; Exortação a tomar a Itália e a libertá-la dos bárbaros; Em todos esses capítulos podemos aproveitar lições valiosas, verdadeiras máximas filosóficas e aplicá-las em muitos aspectos das nossas vidas. Já no prefácio, “Carta de Nicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médici”, ao qual o autor dedica seu livro, podemos tirar algumas lições importantes, 29 como “Aqueles que desejam conquistar a graça de um príncipe costumam obsequiá-lo o mais das vezes com o que possuem de mais valioso ou que possa deleitá-lo de modo especial”28, e conclui sua carta “prefácio” com uma grande observação de que para enxergar as coisas temos que olhar de outra perspectiva, “pois os que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes assim também para conhecer bem a natureza dos povos é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo”29. A seguir apresentamos uma descrição dos assuntos tratados em cada capítulo: No capítulo I, aprende-se que os principados podem ser hereditários ou novos, sendo estes últimos inteiramente novos ou membros anexados a um Estado hereditário, além disso a sua forma de conquista se dá por armas alheias ou próprias, por fortuna ou por virtude30. O capítulo II relata que nos principados hereditários há menos dificuldade em conservá-los do que nos novos, pois neles é necessário somente manter a tradição dos antepassados31. No capítulo III surge a figura “Dos principados mistos”, que são facilmente conquistados, porém há uma grande dificuldade de mantê-los. A facilidade de conquista se dá porque os homens, buscando a melhoria de sua vida, levantam-se em armas contra o senhor atual, sendo o povo a chave para o sucesso, “pois mesmo que sejas fortíssimo nos exércitos, necessitas do favor dos habitantes para entrar numa província”32. São, no entanto, difíceis de manter pois, ao perceber que o novo senhor também é um tirano, o povo percebe o erro cometido e levanta-se em armas contra o novo líder. 28 29 30 31 32 O Príncipe, p.09. O Príncipe, p. 10. O Príncipe, p. 11. O Príncipe, p.13. O Príncipe, p. 15. 30 O autor cita o caso de Luís XII da França, que conquistou o reino com facilidade, mas o perdeu da mesma forma. A solução vem através da extinção da família do antigo príncipe ou, para que a insatisfação não seja maior do que a de antes, que não se mudem as leis e impostos, para que o Estado continue parecendo com o antigo; além disso o príncipe conquistador deve habitar ali, para que seu domínio continue mais estável e durável 33, sendo mais fácil conquistar o amor de seus súditos, pois a “sua presença evitará que os prepostos espoliem a província, e seus súditos poderão satisfazer-se recorrendo diretamente ao príncipe”34. No capítulo IV, Maquiavel, o autor, demonstra por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste, pois o império alexandrino era composto por dois tipos de principados. No primeiro tipo de principado, o príncipe possui ministros ou barões, dedicados ao príncipe e que auxiliam o governo, não sendo, por isto, não serão facilmente corrompidos; e mesmo se o fossem, pouco se poderia esperar da parte deles. No segundo, o príncipe poderia ter problemas com seus ministros ou barões que, descontentes ou desejosos de renovação, poderiam facilmente se aliar ao novo príncipe. Desta forma, a conclusão lógica é que os principados com o poder concentrado são mais trabalhosos para a conquista, mas difíceis de manter, com vários poderosos a conquista se torna fácil, mas a possibilidade de perda também se torna maior. No capítulo V, “De que modo se podem administrar cidades ou principados que, antes de conquistados, tinham suas próprias leis”; Maquiavel demonstra que há três modos de governá-las35: 1º) Remexendo na sociedade; 2º) Residindo nesse estado ou 33 O Príncipe, p. 16. 34 O Príncipe, p.16. 35 O Príncipe, p.27. 31 3º) Deixando que vivam sob as leis anteriores, aplicando somente um tributo ao estado anexador e criando um governo de poucos, no qual mais de uma pessoa governa partes do estado e são “amigas” do príncipe, porém alerta que não há modo mais seguro de controlar tais cidades do que destruindo-as, para que não seja arrasado por elas futuramente, “pois sempre se abrigam nas rebeliões o nome da liberdade e suas antigas leis, coisas que nunca se esquecem, nem pela duração do tempo, nem por quaisquer benefícios”36, usando o exemplo de Pisa, após cem anos de submissão aos florentinos. No capítulo VI, “Dos principados novos que são conquistados por virtude e armas próprias”, o autor diz que a facilidade de conquistar e manter um estado dependem da virtude do conquistador. “Portanto afirmo, que, nos principados inteiramente novos, onde há um novo príncipe, a dificuldade em mantê-los varia segundo a maior ou menor virtude de quem o conquista”37. Virtude pode ser descrita como valor. No entanto, para um estado conquistado somente com a virtude, é necessário que haja a ocasião para que a virtu produza efeito. Os exemplos aplicáveis ao caso são de Moisés, Rômulo, Teseu e Ciro. No capítulo VII, “Dos principados novos que são conquistados por armas alheias e pela fortuna”, é dito que neste caso são conquistados facilmente e mantidos dificilmente. Quando o homem privado passa a príncipe por obra da fortuna, consegue-o de forma fácil, mas a manutenção do poder é sobremodo difícil. Se um príncipe ganha um principado através das armas alheias só poderá confiar no poder de quem lhe concedeu o principado, que normalmente é instável e volúvel. “Todos estes se assentam simplesmente na vontade e na fortuna de quem o favoreceu, duas coisas bastante volúveis e instáveis, e não sabem nem podem manter 36 O Príncipe, p.21. 37 O Príncipe, p.22. 32 sua condição”38. Não sabem porque é natural que, por não ter virtude ou engenho, tendo vivido na vida privada, não aprenderam a comandar e não podem fazê-lo, simplesmente porque não dispõem de forças fiéis e amigas. Sendo certo que, pelo fato do Estado crescer rapidamente, não haverá oportunidade para criar raízes de forma que possa sustentá-lo no poder. Quando um estado nasce subitamente há problemas para ser governá-lo, pois como todas as coisas que crescem rapidamente, o príncipe tem que ter virtu o bastante para poder acompanhar o crescimento do principado. No capítulo VIII, “Daqueles que, por atos criminosos, chegaram ao principado”, Maquiavel demonstra outra forma de chegar ao poder, sem que seja atribuído tudo à fortuna e à virtude, portanto podem ser observados dois modos de um homem privado ser elevado a príncipe: “Chegar ao principado pela maldade, por vias celeradas, contrárias a todas as leis humanas e divinas; tornar-se príncipe por mercê do favor de seus conterrâneos”39. Através de atos criminosos ou por favores de seus concidadãos. Após os exemplos, o autor dá uma solução para quando o príncipe precisa realizar uma ofensa. Se, por necessidade de segurança, necessitar fazer o mal, deve fazê-lo de uma só vez e depois deve converter o máximo de benefícios aos seus súditos40. “As injúrias devem ser feitas todas de uma vez, afim de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam-se menos, e os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreados”41. Por fim, o príncipe deve ser estável, convivendo com seus súditos de forma que nenhum imprevisto, bom ou ruim, o faça mudar de atitude, porque em tempos adversos não terá tempo de fazer o mal e mesmo o bem que fez não lhe renderá a gratidão dos seus súditos. 38 39 40 41 O Príncipe, p.36. O Príncipe, p.41. O Príncipe, p.42. O Príncipe, p.44. 33 No capítulo IX, “Do Principado civil”, o autor demonstra um caso em que não há necessidade da sorte da fortuna e nem do esforço da virtu, apenas de uma astúcia afortunada para se conquistar o poder dos principados civis. Este tipo de principado surge por necessidade, na verdade, quando “os grandes” vêem que não estão podendo resistir ao povo, exaltam um deles e o tornam príncipe, para que o povo se sinta confortável e se acalme. Por sua vez, o povo, percebendo que não pode resistir aos grandes, elege um príncipe do povo para que o proteja. Assim, o homem que se eleva à condição de príncipe pelo favor do povo deve manter-se aliado a este, o que é fácil, querem apenas ser poupados da opressão e mesmo aquele que, com o patrocínio dos grandes elevou-se a príncipe, deve buscar a simpatia da população, pois o povo amará mais quem apoiou para chegar ao poder, pois não supõem receber o mal de quem lhes fez o bem42. O grande problema deste principado é quando o príncipe depende exclusivamente da vontade de alheios, como magistrados, correndo perigo quando saem da ordem civil para a absoluta. O príncipe precisa ter o povo ao seu lado, caso contrário não terá o seu apoio na dificuldade43, contrariando o adágio “quem constrói sobre o povo constrói sobre o lodo”44, pois se um príncipe basear-se no povo e o comandar sem amedrontá-lo nas adversidades, mantendo todos animados sob sua ordem e ânimo, nunca será traído pelos seus e observará que seus fundamentos são bons45. No capítulo X, “De que modo se deve avaliar a força dos principados”, aconselha que um príncipe de um Estado muito poderoso deveria, em caso de necessidade, defender-se com as suas próprias forças ou poderia depender de forças externas. 42 43 44 45 O Príncipe, p. 46. O Príncipe, p.46. O Príncipe, p.47. O Príncipe, p.47. 34 Aqui o autor avalia dois tipos de príncipes em relação aos ataques externos. Aquele que tem muito território e pode protegê-lo, pois tem riqueza de homens ou de dinheiro, e por isto não tem nada a temer, pois tem força bastante para entrar na guerra e se defender de quem tente conquistá-lo. Mas há principados que têm muito território, mas que seu príncipe não pode protegê-lo completamente. Neste caso, dependem de outros para defendê-lo, por isso Maquiavel alerta que, neste caso, o principado não deve se preocupar com a conquista de territórios extras, sendo a sua única preocupação externa a proteção da cidade. Assim, hesitarão em atacar esse príncipe, pois saberão que será difícil conquistá-lo, uma vez que este príncipe terá suas terras mais fortificadas e não poderá ser odiado pelo povo. E como o príncipe pode manter o seu poder ao iminente ataque se conseguir manter os súditos firmes ao ataque inimigo. Dando-lhes a esperança de que o mal não é duradouro e incutindo-lhes o medo de que o inimigo é cruel, assim todos unirão a ele 46. No capítulo XI, “Dos principados eclesiásticos”, ao discorrer sobre o poder do príncipe, que advém de uma força inexplicável, porém afirma que, como os problemas destes principados são anteriores à posse do príncipe, não há problemas no mesmo, são os únicos que não precisam se defender, nem governar os seus súditos, por isto, são principados seguros e felizes. No capítulo XII, “Quais são os tipos de exércitos e de milícias mercenárias”, ressalta que “Os principais fundamentos de todos os Estados, tanto dos novos quanto dos antigos ou mistos, são boas leis e boas armas” 47. Segundo ele, existem três tipos armas: A própria, a auxiliar e a mercenária. 46 O Príncipe, p .49. 47 O Príncipe, p. 55. 35 As armas auxiliares e mercenárias são inúteis, pois são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos. Querem ser soldados enquanto não há guerra e fugir quando há, pois estão interessados somente no dinheiro. No capítulo XII, “Das milícias auxiliares mistas e próprias”: “Tais armas podem ser boas e úteis per se, mas quase sempre são prejudiciais a quem as solicita: se perdem, sua derrota será certa; se ganham, se tornará refém delas”48. A milícia auxiliar é outra arma inútil, pode até ser útil e boa para si mesma, mas para quem a chama é nociva, pois se perde, o príncipe perde com ela. Se ganha, é aprisionado por ela. Este tipo de milícia é muito mais perigosa que as mercenárias, pois estas não constituem um corpo uno e são pagas pelo príncipe, enquanto o perigo das milícias auxiliares está na sua obediência totalmente voltada para terceiros. Desta forma, o príncipe prudente deve evitar as milícias auxiliares em favor das próprias. Maquiavel utiliza-se de uma alegoria do Antigo Testamento, para ilustrar esta questão. Quando o futuro rei Davi recusa-se a utilizar a armadura do então rei Saul, para combater Golias, pois “as armas de outros ou lhe caem das mãos ou pesam demasiadamente ou tolhem o movimento”49. Conclui o capítulo, alertando que nenhum príncipe que não possui exércitos próprios viverá livre de ameaças, ficando inteiramente a favor da fortuna e não havendo virtude que o defenda lealmente da adversidade 50. No capítulo XIV, “Como o príncipe deve proceder acerca das milícias”, mostra que o objetivo primário do príncipe é conhecer a arte da guerra. 48 O Príncipe, p. 56. 49 O Príncipe, p. 58. 50 O Príncipe, p. 59. 36 “Assim, um príncipe que não entenda de milícias, além de padecer de outras infelicidades - como foi dito51, não pode ser estimado por seus soldados nem confiar neles”52. O príncipe deve exercitar sua arte, na guerra e na paz. Na paz pode-se exercitar com obras e com a mente; com obras pode organizar seu exército, dedicar-se a caçadas, estudar o terreno ao seu redor. Quanto à mente, o príncipe deve ler obras históricas e refletir sobre as ações dos homens excelentes, ver seu comportamento na guerra, examinar as derrotas e as vitórias e suas causas, para poder escapar das derrotas e imitar as vitórias. No capítulo XV, “Das coisas pelas quais os homens, sobretudo os príncipes são louvados ou vituperados”, o autor descreve como são as relações entre o príncipe e os homens, seus súditos. Alertando sobre distância entre o modo como se vive e como se deveria viver, adverte que quem se deixa levar pelo que faz contribui para sua rápida ruína e compromete a sua preservação, “porque o homem que quiser ser bom em todos os aspectos terminará arruinado entre tantos que não são bons. É preciso que o príncipe aprenda, caso queira se manter no poder, que não será bom valer-se disso, segundo a necessidade”53. Todos os homens são dignos de atenção, mas um príncipe por estar em uma posição mais elevada é julgado pelas suas liberalidades ou pela sua miserabilidade, seus elogios ou reprovações, devendo evitar os vícios que coloquem em risco o seu governo. No capítulo XVI, “Da liberdade e da parcimônia”, um príncipe será considerado liberal por aqueles de quem nada tome e miserável por aqueles de quem tome algo. Apesar de ser vantajoso ser considerado liberal, é perigoso. Para manter esta fama será preciso aumentar os impostos do povo, o que gera descontentamento. Melhor a fama de miserável que a de pródigo. No capítulo XVII, “Da crueldade e da piedade; e se é melhor ser amado que temido”, Maquiavel relata que os príncipes desejam ser chamados de piedosos e não de 51 Perda do Estado. 52 O Príncipe, p. 66. 53 O Príncipe, p. 70. 37 cruéis, no entanto, se a crueldade for moderada, o príncipe será mais piedoso do que se tivesse piedade; um príncipe não deve se preocupar com a fama de cruel, pois às vezes ela ajuda na união de seu povo, como o exemplo usado por César Bórgia 54, “portanto um príncipe não deve preocupar-se com a sua fama de cruel se quiser manter seus súditos unidos e fiéis”55. Um príncipe deve ser poderoso em seus julgamentos e em suas ações, sem medo do poder, tendo equilíbrio entre a prudência e a benevolência, para que não se torne incauto ou intolerável. “Daí nasce a controvérsia, qual seja, “se é melhor ser amado ou temido” 56. O ideal seria ter as duas qualidades, porém, na ausência de uma, é melhor ser temido, pois em geral os homens naturalmente têm maior possibilidade de prejudicar a quem amam do que a quem temem. Sendo possível ser temido sem ser odiado e, ainda, se precisar atentar contra o sangue de alguém, deverá fazê-lo com uma decorosa justificação e uma razão manifesta, abstendo-se dos bens de outrem, porque os homens tardam mais em esquecer a perda de um patrimônio do que a perda de um pai57. No capítulo XVIII, “Como o príncipe deve honrar sua palavra”, apesar de ser louvável um príncipe que honre as suas palavras e viva uma vida íntegra, a experiência mpstra que os príncipes que mais se destacaram não se preocuparam em honrar a sua palavra, mas em ludibriar a opinião pública, envolvendo com astúcia a mente dos homens58. Desta forma, há dois gêneros de combate. Com as leis, natural dos homens, e com a força, natural dos animais, um príncipe deve valer-se dos dois, como a lenda do centauro, meio homem e meio animal. Mesmo em sua natureza animal, Maquiavel aconselha a seguir o exemplo da raposa e do leão59, ou seja, o príncipe não deve se preocupar em cumprir todas as suas promessas, quando as mesmas diluem as próprias razões que o levaram a prometer, pelo simples fato de que nem todos os homens são bons e não mantêm a sua palavra para 54 55 56 57 58 59 O Príncipe, p.75 . Apesar de considerado cruel, uniu e pacificou Roma. O Príncipe, p. 75. O Príncipe, p. 76. O Príncipe, p. 79. O Príncipe, p. 80. O Príncipe, p. 81. 38 com o príncipe, não faltando razões legítimas para a inobservância deste preceito por parte do príncipe. O importante para um príncipe é que ele pareça ser piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso, muito mais do que realmente possuir tais qualidades, sabendo agir conforme a situação: havendo possibilidade, não se apartando do bem, mas, conforme a necessidade, sabendo valer-se do mal60. No capítulo XIX, “De como escapar ao desprezo e ao ódio”, aconselha o príncipe a fugir de tudo que o torne odiado ou desprezado, não atentando contra o patrimônio, nem contra a honra de seus súditos e não buscando o desprezo ao ser tido como leviano, volúvel, fraco, pusilânime e irresoluto, coisas da qual um príncipe deve se afastar. Um príncipe deve ter dois receios: o externo e o interno, compostos, respectivamente, pelas potências estrangeiras e pelos súditos, ambos devendo ser combatidos: o primeiro, com boas armas e o segundo, com bons amigos 61. Quando se põe em risco frente ao estrangeiro, não deve desconsiderar a trama secreta de um conluio, perigo que ele facilmente evita satisfazendo as expectativas do povo, o mais eficaz antídoto contra o conluio e ódio popular. 62. O príncipe deve cuidar de não levar desespero aos grandes para agradar o povo, pois esta é uma das ocupações mais importantes do príncipe: não contrariar os poderosos ao favorecer o povo e não irritar o povo ao beneficiar os poderosos, desta maneira o príncipe encontrará um seguro alicerce para ele e seu reino63. No capítulo XX, „Se fortalezas e outros expedientes a que os príncipes frequentemente recorrem são úteis ou não”, relata que algumas ações dos príncipes são úteis, outras não. O novo príncipe não deve desarmar seus súditos, pelo contrário, deve armá-los, pois armando-os as armas tornam-se suas, tornando fiéis os que eram suspeitos64. Quando desarma seus súditos ele demonstra desconfiança, o que acende o ódio contra ele, algo que deve ser evitado, porém, quando um Estado é anexado a outro, faz- 60 61 62 63 64 O Príncipe, p. 81. O Príncipe, p. 84. O Príncipe, p. 85. O Príncipe, p. 87. O Príncipe, p. 100. 39 se necessário tornar todos os exércitos daquele Estado exércitos do Estado anexador, para se evitar uma revolta. No capítulo XXI: “Como um príncipe deve agir para obter honra”, onde revela que um príncipe é estimado quando realiza grandes campanhas e dá de si exemplos memoráveis65. O príncipe deve também fornecer exemplos raros para a política interna; quando alguém faz um ato extraordinário para o bem ou para o mal, deve ser premiado ou punido de uma forma que seja comentada e lembrada por muito tempo. No caso de guerra entre dois estados vizinhos, o príncipe deve se declarar sem temor algum a favor de um e contra outro. Esse partido é melhor pois, de acordo com o autor, se dois estados vizinhos entram em guerra, quando um deles ganhar, o príncipe virará presa do vencedor, observando que o vencedor não o estimará tanto quanto antes, pois desconfiará de alguém que não o ajudou na adversidade. Por fim, em épocas convenientes o príncipe deve promover festas e espetáculos para o povo, reunir-se a ele, dando exemplo de humanidade, mas sempre mantendo-se firme no seu posto de majestade. No capítulo XXII, “Dos ministros de um príncipe”, descreve a extrema importância da escolha dos ministros dos príncipes, os quais serão bons ou ruins, conforme a sensatez do príncipe. “Quando estes são capazes e fiéis, pode-se considerálo um homem sábio, porque soube reconhecer suas capacidades e sabe mantê-los fiéis; porém se seus homens não tiveram tais qualidades, pode-se fazer mal juízo do príncipe, pois o primeiro erro cometido consiste na má eleição”66. No capítulo XXIII, “Como escapar aos aduladores”, adverte de que eles omitem a verdade ao falar com o príncipe, portanto são um problema para o Estado 67. Maquiavel diz que o correto seria informar os “aduladores” de que a verdade não fará mal a ninguém. No entanto, se todos puderem dizer o que quiserem, faltarão com respeito com o príncipe. Sugere que os príncipes devem agir selecionando os sábios do Estado, sábios que falarão a verdade, somente sobre as coisas que o príncipe lhes perguntar. O príncipe deveria, então, perguntar sobre todas as coisas para saber a 65 O Príncipe, p. 101. 66 O Príncipe, p. 103. 67 O Príncipe, p. 105. 40 verdade, perguntar muito e ouvir pacientemente, demonstrando seu descontentamento com quem omite a verdade. No capítulo XXIV, “Por que os príncipes da Itália perderam seus reinos”, ao observar as recomendações feitas anteriormente, um príncipe novo parecerá antigo, tornando mais seguro e firme.68 Os homens apreciam o bem no presente e, se o encontram, não procuram outra coisa, desse modo, não haverá desordem ou problemas internos, o príncipe alcançará duas glórias: uma por ter fundado um principado novo, e outra, por tê-lo ornado e consolidado com boas leis, boas armas e bons exemplos. Sendo certo que as defesas do Estado dependem exclusivamente do príncipe e de sua virtude69. No capítulo XXV, “Em que medida a fortuna controla as coisas humanas e como se pode resistir a ela”, Maquiavel não ignora que muitos têm a opinião de que as coisas são governadas por Deus e pela fortuna, sem que o homem possa corrigi-las com a sua sensatez, mas para que o livre-arbítrio não seja anulado, alega que a fortuna decide metade de nossas ações70. A fortuna é comparada, pelo autor, a um rio impetuoso que, quando se irrita, alaga casas e florestas, todos fogem dele, mas acabam cedendo ao seu ímpeto, sem poder detê-lo. Os diques que impedem a fortuna são a virtu. Uma virtu ordenada impede que a fortuna venha com seu ímpeto. Duas pessoas agindo diferentemente podem chegar ao mesmo objetivo e duas pessoas agindo da mesma maneira podem chegar a objetivos diferentes. No capítulo XXVI: “Exortação a tomar a Itália e a libertá-la dos bárbaros”, o último capítulo de “O Príncipe”, exorta e estimula a introdução de um novo príncipe na Itália e alerta “Tudo tem concorrido para vossa grandeza. O que resta deve ser feito por vós: Deus não quer fazer todas as coisas, para não tolher o livre-arbítrio e parte daquela glória que nos cabe”71. 68 69 70 71 O Príncipe, p. 107. O Príncipe, p. 108. O Príncipe, p. 110. O Príncipe, p. 115. 41 5. A ATUALIDADE DE O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL Muitos princípios enunciados em O Príncipe de Maquiavel podem ser relacionados com modernos ensinamentos no campo da administração e, por consequência, devem ser considerados atuais 72. Os princípios filosóficos existentes na obra de referência de Maquiavel são tão atuais quanto os mais modernos ensinamentos em administração de empresas. Desta forma, podemos utilizar os ensinamentos do autor e realizar aproximações indiretas com os princípios da administração contemporânea. Assim, este capítulo demonstra probabilidades de aplicabilidade dos princípios maquiavélicos transportados para a atualidade de forma que muito se assemelha com os princípios do livro O príncipe. Até mesmo Peter Drucker73, reconhecido mundialmente por explicar os efeitos da globalização na economia empresarial e reconhecendo a administração como ciência que trata as pessoas, sob grande influência de Sigmund Freud, observando as relações psicológicas, humanas e de poder dentro das empresas, através de uma linguagem simplificada, não deixa de falar de assuntos de extrema relevância para o “príncipe”, administrador, descrevendo as práticas para se chegar à teoria. Ao comparar o príncipe com o administrador percebe-se que eles têm uma tarefa em comum: administrar, mas o que seria o administrar? Conforme Peter Drucker74, há duas respostas bem populares, uma, sem perceber o eufemismo da palavra, diz que é o pessoal superior e outra diz que é o pessoal que faz com que os outros trabalhem, porém elas não definem a função do administrador, mas ajudam a refletir sobre a sua função. 72 Não há dúvida da correspondência entre os capítulos de O príncipe e os aspectos da administração e esta simetria não deve ser levada ao pé da letra, pois visa apenas sistematizar a correspondência. 73 Peter Ferdinand Drucker, o filósofo e economista austríaco, reconhecido como o pai da administração moderna. 74 DRUCKER, P. The practice of management. New York: Random House, 1954. 42 Assim como os principados, as corporações não possuem vida própria, só necessitam de alguém, do príncipe, do administrador, para que tenham vida e para tomar todos os tipos de decisões, para que os objetivos sejam alcançados e ocorra a manutenção das pessoas que dependem deles. Os conceitos de O Príncipe, do prefácio ao último capítulo do livro, podem encontrar guarita nas corporações75 atuais. Maquiavel traz uma grande verdade: o príncipe deve enxergar as coisas sob uma perspectiva mais ampla, como Peter Drucker76, que considera que a primeira tarefa de um administrador é identificar e adiantar-se aos impactos sociais, pois os “impactos sociais que causam, inevitavelmente, ultrapassam a contribuição específica que é a razão de sua existência”. O objetivo de uma metalúrgica não é produzir poluição, porém, para alcançar seu objetivo, inevitavelmente produzirá poluição, o bom príncipe deverá enxergar de maneira mais ampla, de forma a prever os possíveis impactos negativos que o seu objetivo primário causará e, assim, definir estratégias de como minimizá-los. As dificuldades dos principados novos, demonstrados no segundo capítulo, podem ser facilmente transportadas para a atualidade para explicar o que acontece nas novas corporações, que não possuem tradição. A falta de tradição afeta tanto os principados como, também, as empresas e até mesmo a economia emergente do Brasil77, em que o país se destaca do resto do mundo com projeções econômicas favoráveis para micros, pequenas, médias e grandes corporações, em especial na capital nacional do trabalho, São Paulo, onde cerca de 27% das empresas fecham suas portas antes de completar seu primeiro ano de vida, chegando a 64% de mortalidade antes de chegarem aos 6 anos de vida. 78 75 Para os fins da presente dissertação, adota-se o termo “Corporações” para designar a sociedade empresaria, na foma do artigo 983 do Código Civil. 76 DRUCKER, P. Management: Tasks, Responsabilities, Practices. New York: Harper Row, 1974. 77 Em 2010. 78 SEBRAE, consultado em http://martacafeo.wordpress.com/2010/04/06/27-das-empresas-paulistasfecham-antes-de-completar-um-ano/. Assessado em 6 de outubro de 2010. 43 Conforme o SEBRAE do estado de Minas Gerais 79, em entrevista com Marcos Hashimoto80, há inúmeras dificuldades das empresas se estabelecerem em seu primeiro ano de vida, indo de problemas internos, como desconhecimento básico de administração, até o desconhecimento total de como lidar com seus clientes, ou seja, a falta de tradição leva, consequentemente, à falta de conhecimento do setor produtivo da corporação e, por consequência, manter uma nova corporação é muito mais difícil do que manter uma empresa com sua tradição reconhecida no mercado. É claro que não é um único fator que leva a corporação a fechar as portas, mas enquanto as novas empresas não sabem como agir ao enfrentarem um novo problema, as corporações mais experientes já passaram por vários problemas e sabem, através de suas experiências anteriores, qual o melhor método e tradição a seguir frente ao problema. Desta forma, as empresas com mais experiência e, por consequência, com uma sedimentada tradição têm menor dificuldade em se manter do que as novas. No capítulo III, surge a figura “Dos principados mistos”, aquele que é facilmente conquistado, porém há uma grande dificuldade de mantê-lo. Da mesma forma que na antiguidade existiam várias formas de principados, hoje as corporações podem ser novas, familiares ou que se agregaram através de uma das modernas operações de reorganização societária. No mundo globalizado em que vivemos a competitividade entre as corporações alcança níveis extremos que afetam todos os que as cercam, o estímulo crescente à produção ocorre devido ao aumento da concorrência, assim, faz-se necessário a otimização de seus produtos e a racionalização dos custos operacionais, o que, por consequência, aumenta o lucro das corporações empresariais. 79 SEBRAE, consultado em http://sebraemgcomvoce.wordpress.com/2009/04/24/por-que-as-empresasfecham/. Assessado em 6 de outubro de 2010. 80 Coordenador do Centro de Empreendedorismo do IBMEC São Paulo em 2009. 44 Atualmente, verifica-se que um grande número de corporações busca reunir forças com outras, seja para saírem de um crise financeira ou simplesmente para aumentarem seus ganhos e ficarem ainda maiores. A junção de empresas novas com tradicionais fica cada vez em maior evidência no cenário mundial, uma vez que com essa união superam-se concorrências, as corporações se tornam mais competitivas no seu maior campo de atuação e evitam o aumento do passivo e a diminuição do ativo, sendo a forma mais eficaz a reorganização societária. A reorganização societária é uma prerrogativa da pessoa jurídica, corporação empresarial, que possui o direito de alterar a estrutura fundamental, reorganizando-se conforme a necessidade da adequação de mercado em que seu objeto social se faz relevante. Através da operação de reorganização societária, a corporação terá uma nova roupagem através de quatro tipos de operação societária, transformando a antiga corporação em uma corporação “mista”, pelo meio da transformação, incorporação, cisão ou fusão. Com a reorganização societária se dará através de agrupamentos ou divisões de corporações, que além de poder alterar o tipo empresarial, alterará de forma substancial a forma de condução da sociedade, os direitos e deveres das sociedades e terceiros, além de outros aspectos relevantes. Porém não basta apenas se alterar a estrutura fundamental da corporação, para que o sucesso seja atingido, aliás, essa mudança é relativamente fácil, através de conhecimentos jurídico-administrativos pode-se alterá-lo e se conquistar um novo principado misto, porém para manter esta nova corporação é necessário mudar a filosofia da empresa, extinguir antigos hábitos, para que os problemas anteriores não permaneçam e, principalmente, ter a presença do príncipe administrador perto para que os súditos sintam-se seguros e tenham a possibilidade de se socorrer com o “soberano” frente à nova corporação, que se criou através da mistura de duas ou mais corporações anteriores. 45 Hoje seria uma total incoerência o administrador buscar realizar todas as funções de liderança em uma empresa, as corporações assemelham-se a principados em tamanho, poder econômico e alcance de seus atos, da mesma forma Maquiavel valoriza muito os auxiliares, no capítulo IV, de onde é possível concluir que o sucesso de um administrador dependerá muito dos seus auxiliares. Os auxiliares são de suma importância para que o líder alcance o seu objetivo, como escolhê-los? Não basta apenas ter auxiliares, eles têm que estar aptos a alcançar o resultado esperado e isto não quer dizer melhor nível acadêmico ou mais anos de experiência, tudo dependerá do objetivo que se pretende alcançar. Um gerente com mais tempo no principado poderá entender melhor as necessidades de clientes antigos e poderá mantê-los no “principado” da corporação por muito mais tempo do que outro extremamente preparado em níveis técnicos, mas com pouca experiência na corporação; por sua vez, um auxiliar que não conhece muito bem os clientes antigos, mas com sólidas bases acadêmicas poderá alcançar novos clientes, sem praticar os vícios dos antigos auxiliares, que até então dificultaram a entrada destes clientes no principado da corporação. Desta forma, o príncipe terá sucesso ao escolher de forma clara e precisa o melhor auxiliar para o fim desejado, pois seu auxiliar executará sua tarefa com maior facilidade e se dedicará de forma plena, pois estará dentro da sua “área de conforto” e se dedicará ao príncipe, não ficando descontente ou se rebelando contra ele. É certo que quanto maior o poder concentrado dentro de uma corporação tanto difícil será administrá-la, e, ao se delegar poder a muitos auxiliares, a administração ficará mais fácil, porém, de igual modo, a possibilidade de perda também será maior. Ou seja, manter um empregado dentro da corporação para satisfazer clientes antigos pode alcançar o objetivo de melhorar o desenvolvimento da empresa, por outro lado um empregado novo poderia atingir novos clientes. No capítulo V, Maquiavel traz 3 (três) formas de se administrar os estados conquistados e elas podem ser analisadas quando uma corporação adquire uma nova 46 empresa ou quando um novo administrador chega e se depara com corporações virtuosas, porém com vícios existentes em todo sistema composto por pessoas. Uma das opções pode ser remexer na sociedade, ou seja, destruir o pensamento anterior, porém, ao realizar esta mudança radical, ficará claro que junto com a destruição das coisas ruins, como vícios que atrapalham o sistema produtivo, coisas boas serão destruídas, como as virtudes que colaboram com o crescimento de toda corporação. Assim, um novo administrador, ao constatar que os empregados estão passando muito tempo na internet, poderá mudar radicalmente a política da empresa e bloquear o acesso à rede mundial de seus empregados, buscando uma maior produtividade, porém ao realizar esta operação estará, automaticamente, cortando o acesso rápido de seus colaboradores com seus clientes, o acesso a rádio, a informações e até mesmo criando a insatisfação de seus colaboradores, que passarão a produzir menos e com pior qualidade. Desta forma, esta não parece a melhor forma de se administrar uma nova corporação, pelo fato das modernas corporações possuírem colaboradores que podem se revoltar com uma administração oposta à anterior. Outra maneira seria deixar que os colaboradores vivam sob as leis anteriores, porém este ato teria pouco efeito sobre a corporação, não havendo mudança significativa em relação à época anterior. Porém há uma resposta adotada por Maquiavel que pode ser aplicada nos dias atuais, “residindo nesse estado”, ou seja, acompanhando de perto a vida da empresa, pode-se verificar abusos de seus auxiliares, deficiências corporativas e, principalmente, poderá corrigi-las a tempo para que não se transformem em um problema maior. O que melhor poderia ilustrar este antigo princípio, comprovando o fato em todas as corporações, independentemente de seu tamanho, é “o olho do patrão é que faz o boi engordar”81. Maquiavel alega que a forma mais fácil seria destruir o principado, porém alega que, ao se tratar de repúblicas em nome da liberdade, os súditos poderiam se 81 Dito popular, muito conhecido no interior de São Paulo, que significa que os empregados trabalham corretamente quando o superior está por perto. 47 revoltar e dá outra opção que seria o soberano residir no principado, de forma a poder acompanhar a vida dos seus súditos, o que é aplicável e aconselhável nas corporações. No capítulo VI, “Dos principados novos que são conquistados por virtude e armas próprias”, o autor traz que a facilidade de conquistar e manter um estado dependem da virtude do conquistador. Com certeza, a conquista de uma corporação através da virtude pode ser mais difícil do que com a ajuda da fortuna, porém a sua manutenção se tornará mais fácil. A grande barreira da conquista pela virtude se dá porque o administrador terá que administrar mudanças. Conforme Peter Drucker82, a necessidade de informação sobre o ambiente externo vai ser cada vez mais importante, pois dali surgirão as maiores ameaças e, também, as melhores oportunidades. As informações são obtidas facilmente, principalmente com a ajuda da tecnologia e da internet, o que nos facilita a um baixo custo realizar algo que, há alguns anos, seria extremamente dispendioso e trabalhoso, porém a grande chave do sucesso está em como processar estas informações. Isto significa que a ferramenta não é mais importante do que o método, ou seja, o sistema integrado de informação deve possibilitar o diagnóstico e facilitar a estratégia das corporações para que os administradores tomem decisões corretas. Para inovar radicalmente os conceitos, o sistema de informação, deverá ter como objetivo realizar uma medição sobre qual a ação futura e não uma autópsia e um registro daquilo que já aconteceu 83. Desta forma, o administrador que chegou ao poder por seus próprios méritos, poderá utilizar-se de um sistema de informação eficaz, para que tome decisões acertadas e se mantenha no poder. 82 DRUCKER, P. Managing in a time of great change. Tradução: Nivaldo Montigelli Júnior. São Paulo: Pioneira, 1995. 83 DRUCKER, Peter Ferdinand. O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, p. 130. 48 No capítulo VII, “Dos principados novos que são conquistados por armas alheias e pela fortuna” são conquistados facilmente e mantidos dificilmente. A questão das armas alheias já foi discutida ao se tratar dos problemas da terceirização, porém ao enfocar a manutenção do administrador que alcançou sua função ou cargo através da fortuna, pode-se encontrar e/ou esperar verdadeiros desastres. Um desastre pode ocorrer primeiramente pela falta de capacidade técnica ou acadêmica, assim como o administrador tem que saber escolher seus auxiliares, tem que saber administrar, pois dificilmente um barco chegará ao seu destino se o capitão não sabe qual direção deve seguir. Atualmente, o mundo é globalizado e dinâmico, há 30 (trinta) anos seria um absurdo falar que uma máquina poderia substituir 30 (trinta) homens do departamento de contabilidade de uma grande corporação, mas hoje pode-se afirmar que um computador, por mais simples que seja, realiza os cálculos de 30 contadores, com velocidade muito superior aos mesmos. Peter Drucker84, dá outro exemplo interessante da inovação lembrando que o cartão de crédito, criado na década de 60, transformou-se em verdadeira moeda corrente dos dias atuais e demonstra porque algumas empresas do setor financeiro estão passando por imensas dificuldades; a falta de inovação no setor nos últimos 30 anos, ocorrido pelo comodismo da fortuna, as empresas que não tiveram a virtude da inovação ficaram estagnadas e têm que passar por grandes reformulações, demonstrando que realmente a fortuna traz consigo a falta de inovação. No capítulo VIII, Maquiavel ilustra o príncipe que chegou ao poder por meios criminosos, o que inevitavelmente leva a um ponto, a função social do administrador. Antigamente, na época dos pós principados ou mesmo pré- revolução industrial, pouco ou nada se falava da função social do administrador, o que havia era a 84 A obra de resumo bibliográfico de Peter Drucker utilizada neste trabalho foi O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, que contém o artigo escrito para a revista The Economist, de 25 de setembro de 1999. 49 manutenção rígida da disciplina dos administradores, porém, com o passar do tempo foi-se percebendo que o administrador exerce uma função social importantíssima. Na era pré-revolução francesa, até os “administradores” burgueses estavam sujeitos aos caprichos do soberano, pois o príncipe escolhia com quem e de que forma os burgueses poderiam negociar, não existindo liberdade de contratar, igualdade entre as partes e, muito menos, fraternidade e os empregados eram tratados como verdadeiros objetos. Porém, com a revolução francesa, os administradores “burgueses” passaram a ter liberdade de celebrarem os seus contratos com quem considerassem melhor para os seus negócios, houve igualdade entre os burgueses e o príncipe, pois ficaram em pé de igualdade nas transações comerciais e buscavam a fraternidade entre as pessoas, pelo menos entre os burgueses, o que acarretou na revolução industrial com modernas máquinas e, por consequência, aumento dos meios de produção e aumento da mão de obra, porém o administrador ainda não conhecia a real função social da sua posição, sendo o carro chefe de seu cargo a produção de seus subalternos e o lucro para as empresas. Após algumas tragédias, como o conhecido “1º de maio”, na qual um “administrador” mal preparado, não pensou na sua força de trabalho, não forneceu condições de segurança para suas empregadas, não pode controlar um incêndio pequeno que acabou se tornando grande pela inexistência de equipamentos eficazes de controle de acidentes e resultou na morte de mais de 110 mulheres; o desrespeito com empregados, principalmente mulheres e crianças; a fortificação dos sindicatos, com a luta pelos direitos dos trabalhadores e, principalmente, o esclarecimento dos trabalhadores levaram o administrador a reconhecer a verdadeira função social de seu cargo. Conforme Peter Drucker85, “a tarefa fundamental da administração continua a mesma: fazer com que as pessoas funcionem em conjunto por meio de metas comuns, valores comuns da estrutura correta e do treinamento e desenvolvimento necessários 85 DRUCKER , Peter. The new realities in government and politics, in economics and business, in society and world view. Tradução: Arlete Simille Marques. New York, Harper & Row, 1989. 50 para agir e para responder às mudanças”, porém o significado da tarefa mudou, pois os subalternos mudaram de pessoas ignorantes desconhecedoras de seus direitos, para pessoas extremamente cultas, com elevada educação e conhecimento. Desta forma, a administração é a “arte liberal”86, arte porque é a prática e aplicação e liberal por se tratar do conhecimento e autoconhecimento, sabedoria e liderança. Porém, dentro desta “arte liberal”, algumas vezes é necessário se “fazer o mal”, ou o que os súditos/empregados não gostariam, Maquiavel, nos alerta que, caso isso ocorra, deverá ser feito de uma única vez, o que certamente evitará que o terror se espalhe e o mal pareça maior do que é e, logo em seguida, o líder deverá fazer o que for necessário para que o terror do mal não engrandeça ainda mais a realidade, trazendo o máximo de benefícios aos seus subalternos, para que esqueçam do mal anterior ou para que se apazigue. Um exemplo clássico dos tempos modernos, foi o conhecido “Plano Collor”, praticado pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo, que inesperadamente, apreendeu os valores existentes nas poupanças dos brasileiros, podendo sacar apenas CR$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros), o que trouxe grande revolta na época, mas trouxe outros benefícios, como a extinção do temido SNI87, abertura das importações brasileiras e acelerar a tecnologia dos produtos nacionais, ações que ajudaram a mantêlo no cenário político até os dias atuais. Maquiavel demonstra, no capítulo IX, que às vezes o mais importante é ser astucioso e, por sua vez, isso não depende da virtu ou da fortuna. Há casos em que o príncipe não depende do seu conhecimento ou de sua sorte para que alcance o resultado esperado, mas sim da ajuda de seus súditos. Nas corporações, a força trabalhadora é essencial para a saudabilidade de qualquer empresa, mas como conseguir alcançar este objetivo? 86 DRUCKER, Peter Ferdinand. O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, p.30. 87 SNI – Serviço Nacional de Informação, conhecido por torturar pessoas opositoras ao governo. 51 Peter Drucker 88, cita 2 premissas básicas com relação aos empregados, “uma é que as pessoas que trabalham para uma corporação são empregados da organização trabalhando em tempo integral e dependendo dela para ganhar a vida e desenvolver suas carreiras” e a outra é que os trabalhadores são subordinados, porém fica claro que este tipo de “súdito” tem pouca aptidão no que trabalham e fazem apenas o que lhe mandam fazer. Estas teorias poderiam ser válidas durante a Primeira Guerra Mundial quando foram criadas, mas hoje se demonstram com pouca veracidade, seja porque há poucos trabalhadores exclusivos de uma única corporação ou porque até os trabalhadores de ditos níveis mais baixos, possuem conhecimento suficiente para passarem de subordinados para colaboradores, sendo que, pelo fato de saberem realizar a sua função melhor do que muitos encarregados, podem ser definidos desta forma. Os trabalhadores são subordinados e dependem dos seus superiores, quanto à contratação, promoção ou demissão, porém seus superiores dependem de seus empregados para que a produção seja o mais próximo possível da perfeição. Há diferentes tipos de trabalhadores e para cada tipo há uma forma especial de se lidar e uma época especial para isso, uns precisam de elogios, outros de benefícios, porém há uma regra geral, que a cada dia se sedimenta mais, os empregados não podem ser tratados como súditos e sim como parceiros, onde todos são iguais e nenhum recebe ordens de outro, mas se ajudam mutuamente. No capítulo X, Maquiavel demonstra de que forma um príncipe pode avaliar a força de seu principado, demonstrando fatos que mais uma vez podem ser transportados para o mundo corporativo, trazendo para o príncipe a avaliação a ataques externos, os quais as grandes corporações não precisam temer ao entrar em uma guerra por terem força, homens e dinheiro para se defender de quem tenta atacá-las, buscando conquista de mercado. As empresas que têm uma grande projeção de mercado, porém, não podem se defender completamente, neste caso, as corporações não devem buscar alcançar 88 DRUCKER, Peter. Management challenges for 21 century. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1999, p.104. 52 mercados externos, mas se defender para que não percam seu mercado já alcançado e, neste caso, a preocupação maior do administrador deverá ser manter seus colaboradores motivados para que busquem defender a sua corporação e não passem a apoiar um potencial inimigo indo para seu lado. Ao se identificar uma ameaça potencial é muito comum o administrador buscar a administração por impulsos, porém este tipo de administração se tornará ineficaz com o passar do tempo.89 Ao se administrar por “impulsos” ou por “crises”, a solução será apenas por um tempo determinado e não de forma permanente. Apesar de alguns administradores só reagirem à crise com uma medida de impulso frente à ela, esta exceção passa a ser regra, pois é notório que após o resultado alcançado com o impulso a situação status quo costuma retornar ao estado inicial. Desta forma, a ineficiência da administração por impulso se mostra evidente, porque ao se direcionar todos os esforços para um único objetivo, os demais atos importantes à manutenção e crescimento da empresa, negligenciando-se pessoas ou tarefas que devem ser permanentes, com consequentes efeitos futuros negativos. Mesmo os colaboradores que têm ciência das tarefas permanentes, que fogem da tarefa impulsionada, realizarão o impulso desmotivadamente ou sabotarão o administrador, só realizando o impulso na sua frente, para buscar ineficazmente realizar as tarefas cotidianas e importantes e aparentar realizarem o impulso. Por tudo isso, a administração por impulso deve ser uma exceção à regra, o administrador deve motivar seus colaboradores dando esperanças novas, mas sem esquecer das tarefas perenes, dando esperança de dias melhores aos colaboradores. O capítulo XI, discorre sobre os principados eclesiásticos, onde Maquiavel relata que os mesmos possuem uma força inexplicável, Peter Drucker também afirma que as organizações não empresariais possuem um grande poder na sociedade. 90 89 DRUCKER, Peter. The practice of management. New York: Random House, 1954. 90 DRUCKER, Peter, “o homem que inventou a administração”, p. 146. 53 A história das empresas demonstra claramente a “diminuição” do tamanho físico das corporações visualizando-se, ultimamente, no corte de empregados e aumento da produção, isto como próprio reflexo da revolução industrial e inovações tecnológicas. As grandes empresas típicas de hoje são menores do que antigamente e, certamente, daqui a vinte anos terão menos da metade dos níveis gerenciais da sua equivalente atual e não mais que um terço dos gerentes. A grande empresa que se assemelhava às montadoras da década de 50 não será mais encontrada, provavelmente a empresa do futuro se parecerá com organizações às quais nem os gerentes praticantes, nem os estudiosos de administração hoje dão muita atenção: o hospital, a universidade e a orquestra sinfônica. Como elas, a empresa típica será baseada no conhecimento, uma organização composta em grande parte por especialistas que dirigem e disciplinam seu próprio desempenho através do retorno organizado fornecido por colegas, clientes e sede central; por esta razão, será conhecida como organização baseada na informação. Subjacente a isto está o compromisso com o gerenciamento, as instituições sem fins lucrativos aprenderam que necessitam de gerenciamento ainda maior do que uma empresa, precisamente por carecer da disciplina do lucro. É claro que elas ainda se dedicam a "fazer o bem", mas também compreendem que boas intenções não substituem organização, liderança, responsabilidade, desempenho e resultados que exige começam com a missão da organização. De modo geral, as instituições sem fins lucrativos são mais conscientes do dinheiro que as empresas. Elas se preocupam com dinheiro porque é muito difícil levantá-lo e sempre têm muito menos do que necessitam, mas suas estratégias não se baseiam no dinheiro, a primeira lição que as empresas podem aprender com as instituições bem-sucedidas começa com o desempenho da sua missão e seus requisitos. Ela focaliza a organização na ação, define as estratégias específicas necessárias à realização das metas cruciais e cria uma organização disciplinada. Nos capítulos XII e XIII, Maquiavel exporá tipos de armas, forças que irão colaborar com a manutenção do principado. 54 “Os principais fundamentos de todos os Estados, tanto dos novos quanto dos antigos ou mistos, são boas leis e boas armas” 91, sendo que suas armas poderão ser própria, auxiliar e mercenária, porém, Maquiavel afirma que o melhor é possuir armas próprias, pelo fato das armas auxiliares e mercenárias serem inúteis, pois são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos. Querem ser seus soldados enquanto não há guerra e fugir quando há, pois estão interessados somente no dinheiro. Na atualidade, a corporação poderia utilizar-se de forças auxiliares ou mercenárias para conseguir um melhor resultado? Ao observar que o trabalho de um administrador é dirigir os recursos e os esforços da empresa no sentido de oportunidades para resultados economicamente significativos, nota-se nitidamente que o resultado dependerá da força de trabalho. Como alguns príncipes se utilizaram de milícias mercenárias, atualmente, algumas corporações buscam a terceirização de seus exércitos produtores, como se fosse a solução para todos os seus problemas. Maquiavel se preocupou com a falta de fidelidade destes tipos servos, da mesma forma, a atual força mercenária pode se caracterizar através de trabalhadores terceirizados que, além de não vestirem a “camisa da corporação”, pelo simples fato de não fazerem parte dela e estarem interessados apenas na remuneração que esta poderá lhe oferecer, podem passar para o concorrente/inimigo todo o know how da corporação, ainda há problemas jurídico-administrativos que podem levar a grandes perdas financeiras das corporações. A necessidade de trabalhadores especializados a um “custo reduzido”, visando o aumento da competitividade leva inúmeros administradores a optarem por contratar verdadeiros exércitos mercenários, terceirizados, ao invés de buscar uma força produtora própria. As corporações começaram a utilizar-se deste método nos Estados Unidos, antes da Segunda Guerra Mundial, porém no Brasil foi sendo implantado 91 O Príncipe, p. 83. 55 gradativamente92, o que foi ganhando espaço, principalmente, através das grandes montadoras automobilísticas, com a terceirização de peças. Com a terceirização, o administrador busca transferir para terceiros a execução de um serviço através de um custo/benefício vantajoso para ele, hoje podemos ver a terceirização é observada em diversos setores e áreas, do chamado “chão de fábrica” até funções mais técnicas, como médicos, advogados e até administradores. A mais aparente vantagem da terceirização é que, ao contratar este tipo de força, o administrador fugirá dos altos encargos trabalhistas, como horas extras, férias, 13º salários, Previdência, etc. Porém, a terceirização tem seus limites e, por consequência, seus complicadores, pois não basta apenas realizar o “outsourcing”93 e pensar que todos os problemas com este tipo de trabalhador se resolveram. Em primeiro lugar, não se pode terceirizar trabalhadores para se realizar o objeto fim de uma empresa, podendo-se terceirizar apenas o objeto meio daquela empresa. Em uma empresa de alimentação, não se pode terceirizar os trabalhadores da produção do alimento, uma montadora de automóveis, não pode terceirizar os montadores, em uma faculdade, não se pode terceirizar os professores, podendo apenas ocorrer a terceirização de funções que irão colaborar com a melhor execução do objeto final da empresa. Segundo MARTINS (2001, p.23), “consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa”. Se um administrador resolver terceirizar trabalhadores que realizam a atividade fim da empresa ele não terá a proteção legal de considerar o trabalhador terceiro como responsabilidade de uma terceirizadora, uma pessoa jurídica distinta da sua e que é responsável por todos os encargos trabalhistas, previdenciários, cíveis do trabalhador. 92 QUEIROZ (1998, p.63). 93 Outsourcing, que significa terceirização, referenciado sempre pela concepção estratégica de implementação (GIOSA, 1997, p.13). 56 Segundo MARTINS (2001, p.46), as áreas terceirizadas podem ser caracterizadas como: a) atividades acessórias da empresa, como limpeza, segurança, manutenção, alimentação, etc.; b) atividades-meio: departamento pessoal, manutenção de máquinas, contabilidade, etc.; c) atividades fim: produção, vendas, transporte dos produtos, etc. Isto ocorre porque ao se terceirizar um empregado para realizar a atividade fim da empresa automaticamente há o enquadramento obrigatório ao artigo 2 e 3 da CLT 94: Art. 2° da CLT: “considera-se empregadora a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.” Artigo 3° da CLT: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste, mediante salário.” Assim, o empregado que labora com pessoalidade, em caráter não eventual, com dependência hierárquica e recebe remuneração para realizar um serviço intuitu personae, poderá ser condenado em juízo a pagar ao terceiro todos os valores como se este fosse seu empregado. De acordo com ROBORTELLA (1999, p.34), é possível vislumbrar-se, em tese, a diferenciação entre as atividades-fim e as atividades-meio da empresa tomadora dos serviços terceirizados, porém não há critérios absolutamente seguros para realizar esta diferenciação. Desta forma, o administrador poderá estar se condenando a pagar um alto preço por utilizar-se de terceiros, pois, na dinâmica empresarial, em questão de pouco tempo, a atividade-meio pode converter-se em atividade-fim. 94 Consolidações das Leis do Trabalho. 57 A Súmula 331 do TST95 alerta sobre os riscos da terceirização e possíveis encargos que o administrador poderá ocorrer ao contratar este tipo de empregado. “SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).” Além deste possível risco, o administrador poderá contratar empresas inadequadas para realizar o trabalho, sem competência e idoneidade financeira, podendo advir problemas, principalmente de natureza trabalhista. 95 Tribunal Superior do Trabalho. 58 Outro aspecto negativo é o de pensar a terceirização apenas como forma de reduzir custos, se esse objetivo não for alcançado ou, ao final, a terceirização não der certo, implicará no desprestígio de todo o processo, conforme MARTINS (2001, p.46). Até mesmo para o trabalhador a terceirização apresenta seus riscos ao, como diziam os antigos, “trocar o certo pelo duvidoso”, pois, ao aceitar ser terceirizado, estará abrindo mão da sua estabilidade no emprego, verbas trabalhistas e indenizatórias, como Aviso Prévio 96 e FGTS97. Assim, o novo exército mercenário poderá levar as corporações a grandes perdas de qualidade e financeiras. No capítulo XIV, “Como o príncipe deve proceder acerca das milícias”, Maquiavel afirma que o objetivo primário do príncipe é conhecer a arte da guerra e o administrador das corporações também. Todos os administradores devem seguir o conselho de Maquiavel em “O príncipe”, capítulo XIV, o administrador deve ler sobre a história de seus concorrentes, refletir sobre as ações dos homens excelentes, ver seu comportamento na guerra, examinar as derrotas, as vitórias e suas causas para poder escapar das derrotas e imitar as vitórias, a isto Peter Drucker98 dá o nome de judô do empreendedor. A Sony é um exemplo prático disso: Em 1947 o transistor foi inventado pela Bell Laboratories e a troca dos transistores pelas válvulas era eminente, existindo até um plano dos fabricantes líderes de mercado de realizar as conversões em 1970, porém a Sony, empresa desconhecida fora do Japão percebeu o potencial do novo invento, dirigiu-se aos EUA e comprou uma licença para usar o transmissor por apenas US$ 25,000.00 (vinte e cinco mil dólares), dois anos mais tarde lançou um rádio portátil que 96 Direito que todo trabalhador registrado tem de saber 30 dias antes da sua rescisão que será dispensado, sob pena de receber o equivalente a 1 (um) salário, conforme o artigo 457 da CLT. 97 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, equivale a um porcentual da remuneração do trabalhador que é depositado em uma conta para ser utilizado em alguns casos especiais, como na dispensa de suas funções. 98 DRUCKER, P. The pratice of management. New York: Harper & Row, 1954. 59 pesava 1/5 e custava 1/3 dos rádios da época conquistando, por consequência, o mercado de rádios do EUA e do mundo.99 Ao aplicar o judô empreendedor deve-se levar em conta todos os aspectos, estratégias, prós e contras, estudar a história de seus concorrentes e analisar o que pode e o que se torna inviável dentro de uma corporação. O capítulo XV, traz o por quê os homens são louvados, todos os homens são dignos de atenção, mas um príncipe, por estar em uma posição mais elevada, é julgado pelas suas liberalidades ou pela sua miserabilidade, seus elogios ou reprovações, devendo evitar os vícios que coloquem em risco o seu governo. Segundo WICK & LEÓN (1997), pode-se fazer uma comparação entre o administrador do passado e o administrador do futuro, que na realidade pertence a um futuro que já deveria estar presente nas organizações, como mostra o quadro abaixo: OS ADMINISTRADORES DO PASSADO OS ADMINISTRADORES DO TERCEIRO MILÊNIO Aprendiam quando alguém lhes ensinava. Procuram deliberadamente aprender. Achavam que o Reconhecem o poder do aprendizado ocorria principalmente aprendizado decorrente da experiência na sala de aula. de trabalho. Responsabilizavam o chefe pela carreira. Não Sentem-se responsáveis pela sua própria carreira. eram considerados Assumem a responsabilidade 99 A obra de resumo bibliográfico de Peter Drucker utilizada neste trabalho foi O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, que contém o artigo The pratice of management, publicado inicialmente em 1954.Conforme Peter Drucker, no artigo Innovation and entrepreneurship:practice and principles, publicado em 1985. 60 responsáveis pelo próprio pelo seu próprio desenvolvimento. desenvolvimento. Acreditavam que sua educação estava completa ou só precisava de pequenas reciclagens. Não percebiam a ligação entre o que aprendiam e os resultados profissionais. Deixavam o aprendizado a cargo da instituição. Encaram a educação como uma atividade permanente para a vida toda. Percebem como o aprendizado afeta os negócios. Decidem intencionalmente o que aprender. Fonte: WICK & LEÓN (1997)100. No quadro acima, é possível perceber nitidamente que os administradores devem se responsabilizar pelo próprio aprendizado e estar conscientes que seu desenvolvimento pessoal e profissional dependem muito mais das suas ações pessoais na busca de novos conhecimentos. Daí pode-se citar o caso de diferenças etárias nas organizações, o que ainda hoje é visto como um problema. Vêem-se pessoas jovens bem sucedidas e outras, de maior idade, que não conseguem atingir os objetivos que traçaram há anos. Isso pode ser perfeitamente explicado pelo quadro acima, tendo em vista a grande concorrência no mercado de trabalho, onde os jovens estão buscando, cada vez com mais ansiedade, seus objetivos, tendo maior poder de decisão sobre suas atitudes, poder de escolha entre o que fazer ou não, aprender ou não, responsabilizando-se pelos seus próprios atos. Assim, percebe-se que, no mundo corporativo atual, o administrador de destaque não será aquele que esperará a corporação realizar algo por ele, mas aquele que tomará uma atitude pró-ativa. Análise comparativa entre os Administradores do passado e os Administradores modernos. 61 100 Como antigamente os príncipes de destaque eram aqueles que eram reconhecidos pela sua miserabilidade ou suas liberalidades, os administradores de destaque hoje são os pró-ativos, que tomam decisões assertivas, liberais, na medida do possível, mas também miseráveis, para que a saúde da empresa não seja atingida pelas incertezas do futuro. Afinal, o chefe também tem que prestar contas, seja para os proprietários das corporações, conselho, fisco ou outros administradores. De acordo com o capítulo XVI, “Da liberdade e da parcimônia”, um príncipe será considerado liberal de quem nada tome e miserável de quem tome algo. Apesar de ser vantajoso, ser considerado liberal é perigoso. Para se manter a fama de liberal será preciso aumentar os impostos do povo, o que gera descontentamento, por isso, melhor a fama de miserável do que a de pródigo. As corporações também sofrem com o grande número de impostos e alta carga tributária. No Brasil atual, temos a segunda maior carga tributária do mundo sobre os salários dos trabalhadores. O Governo Federal abocanha entre 42% e 82% do salário pago ao trabalhador, conforme um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)101. Ao longo dos últimos 16 anos a carga tributária vem aumentando sistematicamente sobre os trabalhadores. Também os colaboradores sofrem as consequências com a alta incidência de impostos sobre seus salários, existindo várias incidências sobre a folha de pagamento, como INSS, SAT, FGTS, o que reflete na política de pessoal. No Brasil, atualmente, temos entre impostos, taxas e contribuições de melhorias, vários impostos que prejudicam as corporações de uma forma geral102. O aumento ou criação de mais impostos tornará tanto o administrador quanto o trabalhador insatisfeitos, pois ambos sofrerão prejuízos financeiros; este princípio trazido por Maquiavel tem grande abrangência nos dias atuais, refletindo entre os 101 O estudo é do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Disponível em http://www.ibpt.com.br. Acesso em 26 de novembro de 2010. 102 Verificar apêndice sobre os impostos existentes no Estado brasileiro em 2010. 62 príncipes menores, administradores das corporações, como também nos súditos, trabalhadores que recebem cerca de 100 % (cem por cento) a mesmos do que deveriam, em virtude da exorbitante carga tributária. No capítulo XVII, “Da crueldade e da piedade; e se é melhor ser amado que temido”, Maquiavel considera que os homens são essencialmente maus, em geral, são ingratos, volúveis, fingidos, dissimulados, avessos ao perigo e gananciosos, por isto aconselha o príncipe a ter cautela ao lidar com seus colaboradores. Conforme ensina o site merkatus103, em seu boletim semanal, “as pessoas falham, e muito!” Não é por acaso que a forma mais antiga de aprendizado se chama tentativa e erro. Para uma criança aprender que não se deve brincar com fogo, talvez seja necessário se queimar algumas vezes, o erro é inerente Ao ser humano e devemos aprender a conviver com ele. Por isso, ao lidar com homens, é necessário ter cuidado, pois não há como saber o que realmente se passa na cabeça de cada colaborador, aliás, um princípio muito bem aplicado ao se tratar de colaboradores é bíblico, exposto por Yeshua HaMashiach104, em Mateus 3:16 “simples como a pomba e prudentes como a serpente.”, ou seja, ao lidar com pessoas deve-se ser cauteloso para não ser surpreendido. No capítulo XVIII, “Como o príncipe deve honrar sua palavra”, segundo Maquiavel, existem duas “matrizes de combate”: o combate por meio das leis, própria dos homens; e o combate pelo uso da força, própria dos animais. Como nem sempre a primeira matriz basta, é preciso recorrer à segunda. O autor associa a astúcia à raposa e a força ao leão. O Administrador moderno tem que ponderar entre os seus instintos animal e humano, sabendo a hora certa de raciocinar e agir rapidamente, para que não se perca o “time” do negócio, porém sempre evitando escapar do ódio de seus colaboradores, para que seu trabalho se desenvolva de uma forma mais positiva. As decisões têm que ser tomadas de forma rápida, porém levando em consideração os altos riscos dos atos do administrador, não significando, no entanto, que 103 FARIA, Carlos Alberto. Merkatus. Santa Catarina: 2011. Disponível http://www.merkatus.com.br/10_boletim/62.htm. Acesso em 26 de novembro de 2010. 104 Nome aramaico de Jesus, o Cristo. 63 em serão implementadas, por exemplo, ao correr o risco de perder um bom colaborador, pode-se prometer um novo cargo a ele, mas isso não quer dizer que o administrador dará o mesmo logo em seguida. Não há como saber, testar ou prever se o temperamento de uma pessoa irá se adequar a um novo ambiente. Se a passagem de um tipo de trabalho para outro não for bem sucedida, o executivo que tomou a decisão precisa transferir depressa o desajustado. Manter pessoas em um trabalho que elas não conseguem realizar não é bondade, é crueldade, mas também não é motivo para deixá-las ir embora. Tomar decisões certas sobre pessoas é o meio básico de se controlar bem a organização. Essas decisões revelam o quanto a gerência é competente, quais são seus valores e se ela leva a sério suas funções. Não se trata de mentir ou omitir, mas de tomar uma decisão rápida, forte e racional no tempo correto e implementá-la também na época própria. Os executivos que não se esforçam para acertar em suas decisões sobre pessoas estão se arriscando a algo mais que o mau desempenho, arriscam-se a perder o respeito de suas organizações. No capítulo XX, “Se fortalezas e outros expedientes a que os príncipes frequentemente recorrem são úteis ou não”, o autor reflete que algumas ações dos príncipes são úteis outras não. O novo príncipe, não deve desarmar seus súditos, pelo contrário, deve armálos, pois armando-os as armas tornam-se suas, tornando fiéis os que antes eram suspeitos105, quando um príncipe desarma seus súditos demonstra desconfiança, o que ascende o ódio contra o príncipe, o que deve ser evitado. No mundo corporativo, o administrador deve encorajar seus colaboradores a melhorar, fornecendo meios para que suas auxiliares e colaboradores sintam-se motivados. O administrador moderno deve treinar mais do que exigir, todos têm que influenciar o colaborador para que adote o comportamento desejado, assim, os 105 O Príncipe, p. 118 64 administradores precisam criar ambientes de trabalho que sejam positivos e motivadores106. No mundo corporativo é importante respeitar e valorizar seus empregados, conforme alerta Robert Grandal, “nada mais importante do que garantir que cada funcionário se sinta respeitado e valorizado”107, assim o bem feito ao colaborador retornará em benefício para o próprio administrador, “tratar bem seus funcionários fará com que seu negócio melhore. É simples assim”, conforme Julian Richer (Fundador da Richer Sounds)108. Ao tratar bem seus empregados, o administrador terá como retorno o benefício levado aos seus colaboradores, que certamente melhorarão a eficiência da sua força produtiva. No capítulo XXI, “Como um príncipe deve agir para obter honra”, um príncipe é estimado quando realiza grandes campanhas e dá de si exemplos memoráveis 109. O príncipe deve oferecer hospitalidade aos homens virtuosos e aos artistas. Deve encorajar os cidadãos a exercer seus ofícios no comércio, na agricultura e em outras atividades, assegurando o direito à propriedade e incentivando a abertura de novos negócios, sem que os impostos sejam um empecilho à atividade comercial. Deve promover festas e espetáculos populares e periodicamente se reunir com a comunidade, conhecendo as corporações e os bairros, dando exemplo de generosidade sem perder a sua majestade. Por isto, no meio corporativo as confraternizações, “happy hours” 110 e eventos externos tornam-se cada vez mais importantes para a motivação dos cooperados e para que a idéia de trabalho se separe a cada evento de algo massante ou cansativo, porém sem condicionar a participação do empregado a qualquer compensação. O capítulo XXII, “Da escolha dos ministros”, discorre que a escolha dos auxiliares será de extrema importância na administração de um principado ou de uma corporação e esta é uma função que pertence ao soberano. 106 NELSON, Bob. 1001 maneiras de premiar seus colaboradores. Tradução: Antonio Evangelista de Moura Filho. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. p. 10. 107 “Nada mais importante do que garantir que cada funcionário se sinta respeitado e valorizado” Robert Grandal, ex presidente da American Air Lines. 108 NELSON, Bob. 1001 maneiras de premiar seus colaboradores. Tradução: Antonio Evangelista de Moura Filho. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. p. 1154. 109 O Príncipe, p. 122. 110 Happy hours – encontros entre a equipe de trabalho, após o expediente. 65 Exemplos clássicos da escolha dos auxiliares podem ser encontradas ao longo da História, na época de Pearl Harbour, em que o comandante chefe, George Marshall escolheu pessoalmente todos os seus auxiliares que estiveram à frente da guerra, ou o caso de Alfred P. Sloan, que esteve à frente da GM durante anos escolhendo a sua equipe de frente, em ambos os casos o sucesso é notório até os dias de hoje, sendo que o que houve em comum entre estes dois homens é o que Maquiavel aconselhou em seu capítulo XXII de “O Príncipe” e foi o que os levou a serem considerados homens sábios, por acertarem em seus assessores. Havia 4 pontos em comum entre eles111: 1. Se designo uma pessoa para certo trabalho e ele ou ela não corresponde, eu cometi um erro, desta forma, não se pode culpar outra pessoa por um erro de escolha do príncipe. 2. “Todo soldado tem direito a um comandante competente”, sendo dever do príncipe escolher pessoas competentes para exercer a liderança. 3. De todas as decisões que um príncipe toma as mais importantes se referem ao pessoal, porque elas irão definir o desempenho da corporação. 4. Não se deve designar compromissos importantes para os recém chegados, devendo ser passado para pessoas que o príncipe já conhece os hábitos e tenha confiança para que não se tenha surpresas desagradáveis. O recém chegado deve ser colocado em posições que tenham decisões estáveis e fácil ajuda. Como conseguir a ajuda para um recém chegado? Peter Drucker112, alerta sobre um detalhe importante, dificilmente os liderados aceitam ordens de quem eles não respeitam, portanto, ao escolher um líder para um determinado setor é importante que a pessoa conheça e tenha credenciais do setor, ao escolher uma líder para o departamento jurídico é importante que o mesmo seja um advogado com conhecimento, ao escolher um líder de produção é importante escolher alguém que as pessoas respeitem. O gerente também precisa ter a coragem para comprometer recursos – e, em particular, pessoal de primeira classe – para trabalhar para fazer o futuro acontecer. O pessoal necessário para este trabalho deve ser pequeno, mas constituído pelos melhores 111 DRUCKER, Peter Ferdinand. O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, p. 145. 112 DRUCKER, Peter Ferdinand. O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001, p. 147. 66 elementos disponíveis, caso contrário, nada acontecerá. O homem de negócios necessita de uma base de validade e praticabilidade para idéias empreendedoras que fazem o futuro. Uma idéia precisa passar por testes rigorosos de praticabilidade para conseguir tornar um negócio bem-sucedido no futuro. Em primeiro lugar, ela deve ter validade operacional. Pode-se agir com base nela? Ou pode-se apenas falar a seu respeito? Podese realmente fazer algo imediatamente para provocar o tipo de futuro que se deseja? Por outro lado, a idéia também precisa: Ter validade econômica, ou seja, se pudesse ser posta para funcionar imediatamente, ela teria de ser capaz de produzir resultados econômicos; Passar no teste do empenho pessoal – acredita-se, realmente, na idéia? Realmente se quer ser esse tipo de pessoa, fazer esse tipo de trabalho, dirigir esse tipo de negócio? Fazer o futuro requer coragem e trabalho, mas também requer fé. Comprometer-se com o oportuno simplesmente não é prático. Não será suficiente para os esforços que estão à frente, porque nenhuma idéia é perfeitamente segura – nem deve ser. Saber antecipar é o grande segredo; é a característica de um administrador ideal. Uma empresa se compõe de duas partes: uma que atua pelo lado de fora, no movimento, é a parte ativa da empresa; a outra atua nos bastidores, nos controles, nas estatísticas, na vigilância que mantém equilibrados seu ativo e passivo. O administrador ideal tem essa dupla visão de fora e de dentro como resultado daquilo que aplica em si mesmo, de tal modo que sua administração seja a projeção de sua vida pessoal. No capítulo XXIII, “Como escapar aos aduladores antes que seja um respeitado engenheiro e assim por diante”, os aduladores, que omitem a verdade ao falar com o príncipe são problema para o Estado113. A verdade pode ser dura no início, mas produzirá um efeito importante no resultado da corporação. 113 O Príncipe, p. 127. 67 Peter Drucker114, alerta que quando as recompensas vão para os aduladores ou para a mera esperteza, a corporação logo descambará para a falta de desempenho adulação e incerteza. Executivos que não se esforçam para tomar as decisões corretas quanto ao seu pessoal, favorecendo os aduladores irão além de um fraco desempenho, arriscar o respeito da sua corporação. No capítulo XXIV, “Por que os príncipes da Itália perderam seus reinos”, ao observar as recomendações anteriormente feitas, um príncipe novo parecerá antigo, tornando mais seguro e firme, por isto os exemplos passados através de grandes empresários tornam-se cada vez mais eficientes no meio cooperativo atual. No capítulo XXV, “Em que medida a fortuna controla as coisas humanas e como se pode resistir a ela”, lembra que alguns acham que tudo é governado pela fortuna e por D-us, por isso não vale a pena lutar. Maquiavel, não ignora que muitos têm a opinião de que as coisas são governadas por D-us e pela fortuna, sem que o homem possa corrigi-las com a sua sensatez, mas para que o livre-arbítrio não seja anulado, alega que a fortuna decide metade de nossas ações115. Maquiavel discorda desta idéia comparando a fortuna a um rio caudaloso e devastador, que com suas águas enfurecidas alaga planícies, derruba árvores e faz ruir construções. Com isso, a fortuna demonstra toda sua potência, se a virtude não lhe colocar freios,portanto, para Maquiavel, é melhor ser impetuoso que prudente. Portanto, para que um administrador tenha a fortuna ao seu lado, deverá trabalhar virtuosamente, para que a fortuna e a virtude trabalhem para si e seu número de acertos seja o mais alto possível, atingindo seu objetivo, que é o sucesso de sua corporação, traduzido em poder e lucros para si. 114 DRUCKER, Peter. The frontiers of management: where tomorrow's decisions are being shaped today. New York: Truman Talley Books, 1986. 115 O Príncipe, p. 109. 68 6. CONCLUSÃO Após estas análises, é possível concluir que Nicolau Maquiavel foi um italiano de origem humilde que alcançou altos cargos administrativos em Florença devido à sua genialidade e a um pensamento político avançado, com uma ética singular. A eficácia do pensamento de Maquiavel pode ser demonstrada nas ações de líderes, governantes e administradores, seja nas nações ou nas corporações, na qual a política e a ética maquiavélicas entram como elementos da manutenção do poder. Através da sua obra mais conhecida, O Príncipe, inovou em relação aos seus antecessores, contemporâneos e até diferenciou-se dos filósofos posteriores, escrevendo uma obra marcada pela realidade das coisas como são, trazendo conselhos ao administrador e governante público, o príncipe, porém tais conselhos podem ser aplicáveis na administração corporativa, tanto nas grandes empresas quanto nas que pretendem um dia crescer. Maquiavel inovou tanto com relação à análise política, quanto com à redefinição e renovação dos problemas e objetos fundamentais da teoria política. Firmou-se como filósofo da teoria pura, do poder dissociado das considerações normativas, preconizando a libertação dos governantes de impedimentos jurídicos, éticos ou religiosos. A atualidade dos princípios filosóficos existentes em O Príncipe de Maquiavel são tão atuais quanto os mais modernos ensinamentos dos cursos de administração de empresas e nos apresenta um estudo sobre a natureza humana isento de preconceitos e ética tradicional, o que nos obriga a também realizar uma análise sobre estes aspectos para melhor contextualizá-los e utilizá-los de maneira útil para as corporações. A presente dissertação buscou uma correspondência entre os capítulos de O Príncipe e os aspectos da administração. É possível encontrar respostas para problemas atuais das corporações empresariais, como concorrência, perda de mercado, trato com empregados e, principalmente, conquista e manutenção do poder. 69 Nota-se que, como os principados, as corporações têm vida, não sendo “seres” estagnados, onde as decisões de seus líderes influenciam diretamente os resultados almejados. As corporações vizinhas podem representar ameaças, porém com uma liderança forte, que sabe o que faz, somada da ajuda de seus súditos colaboradores, a corporação poderá se tornar cada vez mais forte. As idéias de O Príncipe podem ser utilizadas de maneira eficaz pelos líderes organizacionais, administradores, diretores, executivos, gerentes, supervisores e demais cargos de chefia dentro das organizações, para conseguir uma melhor produtividade de seus colaboradores. Os empregados não são mais súditos sem vontade própria, com o passar do tempo evoluíram e se capacitaram, tornando-se verdadeiros colaboradores dos príncipes administradores. Assim, o administrador deverá motivar a sua equipe para que os resultados almejados sejam alcançados. O administrador moderno deve ponderar entre os seus instintos animal e humano, sabendo a hora certa de agir rapidamente, para que não se perca o “time dos negócios”, porém raciocinando para que suas ações não tragam um futuro ruim para a corporação. Através da escolha correta de auxiliares, o administrador poderá conseguir o fim desejado de maneira mais tranquila e menos trabalhosa. O príncipe deve sempre buscar a verdade, fugindo dos aduladores que omitem a verdade, e ser prudente ao implementar as suas promessas. O príncipe deve ser virtuoso para que a sorte trabalhe ao seu favor, lembrando que D-us deu o livre arbítrio para que o homem possa demonstrar que vale a pena lutar pelos seus ideais. Por fim, que ao realizar o bem para seus súditos e colaboradores este mesmo bem retornará a favor do príncipe administrador e o fará VITORIOSO em todas as suas lutas. 70 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Maquiavel – A lógica da Força. São Paulo: Ed. Moderna, 1993. BERLIN, Isaiah. A originalidade de Maquiavel. In: Estudos sobre a humanidade. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. CAPELLETTI, Angel apud CONDE, Francisco Javier. Lo Saber Político en Maquiavelo. 2.ed. Madrid: Biblioteca de la Revista de Ocidente, 1947. p. 23. CARRION, Valentin. Consolidação das leis do trabalho. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Tradução: Lydia Christina. Rio de Janeiro: PUC/RJ, 1954. CRIFFIN, Gerald R. Maquiavel na Administração. São Paulo: Atlas, 1994. DRUCKER, P. Management Challenges for the 21st century. Oxford: ButterworthHeinemann, 1999. ____________. Management: Tasks, Responsabilities, Practices. New York: Harper Row, 1974. ____________. Managing in a time of great change. Tradução: Nivaldo Montingelli Júnior. São Paulo: Pioneira, 1995. ____________. O melhor de Peter Drucker: a administração. Tradução: Arlete Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001. 71 ______________. The new realities in government and politics, in economics and business, in society and world view. Tradução: Arlete Simille Marques. New York, Harper & Row, 1989. ____________. The effective executive. New York: Harper & Row, 1967. ____________. The Frontiers of Management: Where Tomorrow’s Decisions are Being Shaped Today. New York: Truman Talley Books, 1986. ____________. The new realities in Government and Politics/ in Economics and Business/ in Society and World View. New York: Harper & Row, 1989. ____________. The Practice of Management. New York: Random House, 1954. FARIA, Carlos Alberto. Merkatus. Santa Catarina: 2011. Disponível em http://www.merkatus.com.br/10_boletim/62.htm. Acesso em 26 de novembro de 2010. GIOSA, Lívio Antônio. Terceirização: uma abordagem estratégica. 5. ed São Paulo: Pioneira, 1997. HEBECHE, Luiz Alberto. A Guerra de Maquiavel. Ijuí: Unijuí, 1988. INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO. http://www.ibtp.com.br. Acessado em 26 de novembro de 2010. Disponível em JAY, Antony. Maquiavel e Gerência de Empresas. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel: Florença e Roma. Tradução: Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. LEIRIA, Jerônimo Souto; SARATT, Newton Dornelles. Terceirização: uma alternativa de flexibilidade empresarial. 8. ed. São Paulo: Gente, 1995. 72 MAQUIAVEL, Nicolau apud CHEVALLIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas: de Maquiavel a Nossos Dias. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1993, p.23. MACHIAVELLI, Niccolò. Il Principe. Milão: Rizzoli, 1977. MARTINS, Sérgio Pinto. A Terceirização e o direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2001. MAQUIAVEL, Nicolau. Escritos Políticos a Arte da Guerra. São Paulo: Martin Claret, 2002. ________________. O Príncipe. Os pensadores. Tradução: Lívio Xavier. São Paulo: Athena, 1973. ____________________. O Príncipe. São Paulo: Penguin Companhia das Letras, 2010. ____________________. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 1990. MARKETING & EDUCAÇÃO. Disponível em http://martacafeo.wordpress.com/2010/04/06/27-das-empresas-paulistas-fecham-antes de-completar-um-ano/. Acessado em 6 de outubro de 2010. NELSON, Bob. 1001 maneiras de premiar seus colaboradores. Tradução: Antonio Evangelista de Moura Filho. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. TORRES, João Carlos Brum. Mutações do Conhecimento: Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna. Porto Alegre: Philia & filia. 2010. QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos Soares de. Manual e terceirização. 9. ed. São Paulo: STS, 1998. RENAULT, Alain. História da Filosofia Política 2. Nascimentos da Modernidade. Tradução: Felipe Duarte. Lisboa: Calmann Lévy, 1999. 73 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Terceirização. Tendências em doutrina e jurisprudência. Revista Trabalho & Doutrina. São Paulo: 1999. SEBRAE. Disponível em http://sebraemgcomvoce.wordpress.com/2009/04/24/por-queas-empresas-fecham. Acesso em 26 de novembro de 2010. SFORZA, Conde Carlo. O Pensamento vivo de Maquiavel. Tradução de Rubens Gomes de Souza. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. SILVA, Leopoldo Franklin. A Banalidade da Política. São Paulo: Cultura. 2007. Disponível em http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=1610&cod Canal=41, acesso em 05 de abril de 2011. _______________________. Breve Panorama Histórico da Ética. Revista de Bioética v. 18, n. 3. São Paulo: Conselho Federal de Medicina, 2010. ____________________. CONHECIMENTO E RAZÃO INSTRUMENTAL. e Psicol. USP v. 8, n.1 São Paulo: USP, 1997. SKINNER, Quentin. As funções do pensamento político moderno. Tradução: Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. RENAULT, Alain. História da Filosofia Política 2. Nascimentos da Modernidade. Tradução: Felipe Duarte. Lisboa: Calmann Lévy, 1999. TORRES, João Carlos Brum. Mutações do Conhecimento: Maquiavel e o Nascimento da Política Moderna. Porto Alegre: Philia & filia, 2010. TOUCHARD, Jean et all. História das Idéias Políticas. Lisboa: Publicações Europa América. 1970. v. 3. p. 22. VOCÊ S/A. Disponível em http://vocesa.servicos.ws/historias/?id=175. Acesso em 26 de novembro de 2010. 74 WHITE, Michael. Maquiavel – Um homem incompreendido. Rio de Janeiro: Record, 2007. WICK, C.W.; LEÓN, L.S. O desafio do Aprendizado. Como fazer sua empresa estar sempre à frente do mercado. São Paulo: Nobel, 1999. 75 Apêndice sobre os Tributos116 existentes no Estado Brasileiro no ano de 2010. No Brasil, atualmente, temos entre impostos, taxas e contribuições de melhorias, vários impostos que prejudicam as corporações de uma forma geral, entre eles: - Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante117; - Contribuição à Direção de Portos e Costas 118; - Contribuição ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 119; - Contribuição ao Funrural; - Contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 120; - Contribuição ao Seguro Acidente de Trabalho (SAT); - Contribuição ao Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena Empresa 121; 116 117 Tributos são impostos, taxas e contribuições de melhorias. AFRMM - Lei 10.893/2004. 118 DPC - Lei 5.461/1968. 119 FNDCT - Lei 10.168/2000. 120 INCRA - Lei 2.613/1955. 76 - Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Comercial122; - Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado dos Transportes 123; - Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Industrial 124; - Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizado Rural125; - Contribuição ao Serviço Social da Indústria 126; - Contribuição ao Serviço Social do Comércio 127; - Contribuição ao Serviço Social do Cooperativismo128; - Contribuição ao Serviço Social dos Transportes129; - Contribuição Confederativa Laboral (dos empregados); 121 SEBRAE - Lei 8.029/1990. 122 SENAC – Decreto-Lei 8.621/1946. 123 SENAT - Lei 8.706/1993. 124 SENAI - Lei 4.048/1942. 125 126 127 128 SENAR - Lei 8.315/1991. SESI - Lei 9.403/1946. SESC - Lei 9.853/1946. SESCOOP - art. 9, I, da MP 1.715-2/1998. Lei 8.706/1993. 129 77 - Contribuição Confederativa Patronal (das empresas); - Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico 130; - Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico 131; - Contribuição para a Assistência Social e Educacional aos Atletas Profissionais132; - Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública 133; - Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE134; - Contribuição para o Fomento da Radiodifusão 135; - Contribuição Sindical Laboral (não se confunde com a Contribuição Confederativa Laboral); 130 CIDE Combustíveis - Lei 10.336/2001. 131 Lei 10.168/2000. 132 FAAP - Decreto 6.297/2007. 133 Emenda Constitucional 39/2002. 134 Art. 32 da Medida Provisória 2228-1/2001 e Lei 10.454/2002. Pública - art. 32 da Lei 11.652/2008. 135 78 - Contribuição Sindical Patronal; - Contribuição Social Adicional para Reposição das Perdas Inflacionárias do FGTS; Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); - Contribuições aos Órgãos de Fiscalização Profissional (OAB, CRC, CREA, CRECI, CORE, etc.); - Contribuições de Melhoria: asfalto, calçamento, esgoto, rede de água, rede de esgoto, etc.; - Fundo Aeroviário (FAER)136 - Decreto Lei 1.305/1974; - Fundo de Combate à Pobreza 137; - Fundo de Fiscalização das Telecomunicações138; 136 137 Decreto Lei 1.305/1974 Art. 82 da EC 31/2000. 79 - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações 139; - Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização140; - Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações 141; - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); - Imposto sobre a Exportação (IE); - Imposto sobre a Importação (II); - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); 138 FISTEL - Lei 5.070/1966 com novas disposições da Lei 9.472/1997. 139 FUST - art. 6 da Lei 9.998/2000. 140 FUNDAF - art.6 do Decreto-Lei 1.437/1975 e art. 10 da IN SRF 180/2002. 141 FUNTTEL – Lei 10.052/2000. 80 - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); - Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR - Pessoa Física e Jurídica); - Imposto sobre Operações de Crédito (IOF); - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS); - Imposto sobre Transmissão Bens Inter-Vivos (ITBI); - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD); - INSS Autônomos e Empresários; - INSS Empregados; - INSS Patronal; - IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados); - Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); 81 - Taxa de Autorização do Trabalho Estrangeiro; - Taxa de Avaliação in loco das Instituições de Educação e Cursos de Graduação142; - Taxa de Classificação, Inspeção e Fiscalização de produtos animais e vegetais ou de consumo nas atividades agropecuárias 143; - Taxa de Coleta de Lixo; - Taxa de Combate a Incêndios; - Taxa de Conservação e Limpeza Pública; - Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA144; - Taxa de Controle e Fiscalização de Produtos Químicos145; - Taxa de Emissão de Documentos (níveis municipais, estaduais e federais); 142 Lei 10.870/2004. 143 Decreto-Lei 1.899/1981; 144 Lei 10.165/2000. 145 Lei 10.357/2001, art. 16. 82 - Taxa de Fiscalização da Aviação Civil - TFAC146; - Taxa de Fiscalização da Agência Nacional de Águas – ANA147 - Taxa de Fiscalização CVM (Comissão de Valores Mobiliários) 148; - Taxa de Fiscalização de Sorteios, Brindes ou Concursos149; - Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária 150; - Taxa de Fiscalização dos Produtos Controlados pelo Exército Brasileiro 151; - Taxa de Fiscalização dos Mercados de Seguro e Resseguro, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta 152; - Taxa de Licenciamento Anual de Veículo; - Taxa de Licenciamento, Controle e Fiscalização de Materiais Nucleares 146 Lei 11.292/2006. 147 148 art. 13 e 14 da MP 437/2008. Lei 7.940/1989. 149 150 art. 50 da MP 2.158-35/2001. Lei 9.782/1999, art. 23. 151 Lei 10.834/2003. 152 Art. 48 a 59 da Lei 12.249/2010. 83 e Radioativos e suas instalações153 - Taxa de Licenciamento para Funcionamento e Alvará Municipal; - Taxa de Pesquisa Mineral DNPM 154; - Taxa de Serviços Administrativos – TSA – Zona Franca de Manaus155 - Taxa de Serviços Metrológicos 156; - Taxas ao Conselho Nacional de Petróleo (CNP); - Taxa de Outorga e Fiscalização - Energia Elétrica157; - Taxa de Outorga - Rádios 158; - Taxa de Outorga - Serviços de Transportes Terrestres e Aquaviários 159; - Taxas de Saúde Suplementar - ANS160; - Taxa de Utilização do SISCOMEX 161; - Taxa de Utilização do MERCANTE 162; - Taxas do Registro do Comércio (Juntas Comerciais); - Taxa Processual Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE 163; 153 154 155 156 Lei 9.765/1998; Portaria Ministerial 503/1999 Lei 9.960/2000; Art. 11 da Lei 9.933/1999. 157 Art. 11, inciso I, e artigos 12 e 13, da Lei 9.427/1996. 158 Art. 24 da Lei 9.612/1998 e nos art. 7 e 42 do Decreto 2.615/1998. 159 Art. 77, incisos II e III, a art. 97, IV, da Lei 10.233/2001. 160 161 Lei 9.961/2000, art. 18 Art. 13 da IN 680/2006. 162 Decreto 5.324/2004. 163 Lei 9.718/1998. 84 Apêndice sobre a Cronologia do tempo, da vida e das obras de Nicolau Maquiavel 164 1469. Nasce no dia 3 de maio, em Florença, Nicolau Maquiavel, filho de Bernardo e Bartolomea. Terceiro de quatro filhos, veio ao mundo no mesmo ano em que morre Pedro de Médici, que foi sucedido por seu filho Lourenço, o Magnífico. 1476. Aos sete anos, inicia o estudo da matemática e do latim. 1477. Aos oito anos, começa a estudar na escola de Battista de Poppi. 1478. Conjura dos Pazzi: morre Juliano, irmão de Lourenço. 1481. Aos doze anos, começa a estudar com o latinista Paolo de Ronciglione. 1490. Savonarola, que já tinha pregado em Florença de 1482 a 1487, volta à cidade e retoma suas prédicas. 1492. Morre Lourenço, sucedido pelo filho Pedro (1471-1503). Morre o papa Inocêncio VIII, sucedido por Alexandre VI, da família Bórgia. 164 MACHIAVELLI, Niccolò, Il Príncipe. Milão: Rizzoli, 1977. 85 1494. Carlos VIII, rei da França, invade a Itália e entra em Florença. Pedro de Médici, acusado de ter cedido às suas exigências, é expulso da cidade pelos florentinos, que proclamam a república. Aumenta a influência de Savonarola. 1497. Aos 28 anos, Nicolau Maquiavel viaja para Roma, com uma recomendação para o cardeal Piccolomini (futuro Pio III). 1498. Aos 29 anos, se apresenta em vão como candidato ao cargo de secretário da segunda chancelaria do governo de Florença, responsável pelos assuntos internos e extraordinários, inclusive os relacionados à guerra. Para a função, é nomeado um candidato de Savonarola. Nesse mesmo ano, Savonarola é processado, condenado e morto. Segue-se um expurgo do governo e Nicolau Maquiavel volta a candidatar-se à segunda chancelaria, desta vez, com êxito. Logo em seguida, torna-se secretário dos Dieci di Balia, conselho incumbido de superintender as relações de Florença com outros Estados, exercendo várias missões diplomáticas, uma das quais origina o Discorso fatto ai magistrato dei Dieci sopra le cose di Pisa. 1500. Missão diplomática na França, com Francisco della Casa. 1501. Aos 32 anos, casa-se com Marietta di Luigi Corsim; esse conúbio dar-lhe-á seis filhos. Mas Nicolau Maquiavel parece ter dedicado pouca atenção à família (foi amante, durante muitos anos, da cantora Barbara Salutari). 1502. Missão em Pistóia: Ragguaglio delle cose fatte dalla repubblica fiorentina per quietare le parti di Pistola, e De rebus pistoriensibus. 86 1503. Testemunha os crimes cometidos por César Bórgia, o Duca Valerilino, em Senigállia, e escreve a Descrizione del modo tenuto dai Duca Valentino nello ammazzare Vitellozzo Vitelli, Oliverotto da Fermo, il signor Pagolo e il duca di Gravina Orsini. Escreve também Parole da dirle sopra la provisione del denaio e Del modo di trattare i popolí della Valdichiana ribellati. Morre o papa Alexandre VI (pai de César Bórgia), sucedido por Pio III. Missão em Roma. 1504. Missão na França. Escreve Decennale Primo. Missões em Mântua 1506. Acompanha como observador a expedição de Júlio II contra e Siena. Perúgia e Bolonha. Escreve Ghiribizzi scripti in Perugia ai Soderino e Discorso dell’ ordinare lo stato di Firenze alle armi. 1507. Missão no Tirol. 1508. De volta a Florença, escreve Rapporto delle cose della Magna, texto que reescreveu em 1509 e em 1512. 1509. Missão em Piombino. Os venezianos são derrotados pela Liga de Cambrai. Nicolau Maquiavel adverte contra o perigo representado pelo expansionismo do Estado pontifício. É dessa época (entre 1509 e 1514) o Decennale Secondo. Missão em Verona. 1510. Nicolau Maquiavel atua como mediador entre o papa e o rei da França. Escreve Ritratto delle cose di Francia. 87 1511. Agrava-se o conflito entre o papa e o rei da França, que convoca um concílio de cardeais filo-franceses para depor Júlio II, sob a acusação de simonia. Este proclama a Santa Liga contra a França (incluindo Veneza e a Espanha) e Nicolau Maquiavel é enviado em missão para a França, Milão e Pisa. 1512. Batalha de Ravena: os franceses vencem as tropas pontifícias. Florença é ameaçada pelas forças da Santa Liga. Cai o governo republicano da cidade e os Médici voltam ao poder. Nicolau Maquiavel é exonerado das funções que exerce, multado e proibido de entrar no palácio do governo durante um ano. 1513. Aos 44 anos, é preso e torturado, sob suspeita de participar de uma conjura contra os Médici; reconhecida sua inocência, é liberado e se retira para Sant‟ Andrea in Percussina, onde passa a residir, na vila L‟Albergaccio. Nesse ano morre Júlio II, sucedido por Leão X, da família Médici. Em carta a Francisco Vettori, escrita em dezembro, Nicolau Maquiavel diz ter escrito um “opúsculo”, De Principatibus (Il Principe) dedicado a Lourenço II, da família Médici. 1515. Aos 46 anos, apresenta Il Principe a Lourenço II, que o acolhe com frieza. 1516. À margem da vida política e governamental, Niccolò Machiavelli continua a se dedicar à atividade literária. Começa a escrever L'Asino. 1517. Termina a redação do Discorso sopra la prima deca di Tito Lívio, iniciada em 1513 e interrompida pelo preparo de Il Principe. 1518. Commedia di Callimaco e di Lucrezia (Mandragola) e Belfagor arcidiavolo (Il demonio che prese moglie), bem como Discorso o diálogo intorno alla nostra lingua. 88 1519. Morre Lourenço lI, o que possibilita o retorno de Niccolà Machiavelli à vida política. O cardeal Júlio de Médici, voltando ao governo de Florença, pede sugestões sobre a organização política do Estado, e Nicolau Maquiavel escreve Discursus fiorentinarum rerum Post mortem iunioris Laurentii Medices. Nesse ano, ele começa a escrever o DelI'arte delIa guerra, concluída no ano seguinte. 1520. Missão de Luca. Escreve Vita di Castruccio Castracani e Sonimario delle cose della città di Lucca. A universidade de Florença incumbe Nicolau Maquiavel de escrever a história da cidade, trabalho que o ocupará durante cinco anos (especialmente em 1523-24), mas que ficará incompleto: Istorie fiorentine. 1521. Frustrada a sua tentativa de aproveitamento pleno na vida política de Florença, retorna ao retiro de Sant‟Andrea. Cresce, contudo, seu prestígio como homem de letras e autor teatral. 1522. Morre Leão X, sucedido por Adriano VI. 1523. Morre Adriano VI, sucedido por Clemente VII (Júlio de Médici). 1524. O cardeal Ippolito de Médici, filho natural de Juliano de Nemours, é feito Senhor de Florença. 1525. Aos 56 anos, Nicolau Maquiavel escreve uma segunda comédia. Viaja a Roma para oferecer as Istorie Fiorentine a Clemente VII. Reabilitado pelo governo de Florença, é enviado em missão a Veneza. 89 1526. Liga de Cognac (o papa, a França, Veneza e Milão) contra Carlos V. Missões em Roma e em Urbino. 1527. Tropas de Carlos V saqueiam Roma. Restauração da república em Florença. Nicolau Maquiavel, que tinha viajado a Civitavecchia, retorna à sua cidade, mas é recebido com hostilidade devido à colaboração que havia prestado aos Médici e às interpretações facciosas de Il Principe, agora bastante conhecido. No dia 21 de junho, Nicolau Maquiavel morre, aos 58 anos, sem dinheiro e sem poder, sendo sepultado no cemitério de Santa Croce no dia seguinte. 90