Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos
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Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO Centro de Pesquisa em Virologia Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada Bioagentes Patogênicos Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens Gilberto Sabino-Santos Jr Ribeirão Preto-SP 2015 GILBERTO SABINO-SANTOS JR Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens Tese apresentada Medicina de Universidade à Faculdade Ribeirão de São Preto Paulo, de da para obtenção do título de Doutor em Ciências. Área de concentração: Imunologia Básica e Aplicada. Opção: Bioagentes Patogênicos Orientador: Prof. Dr. Luiz Tadeu Moraes Figueiredo. Ribeirão Preto-SP 2015 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO DE PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Catalogação na Publicação Serviço de Documentação Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Sabino-Santos Jr, Gilberto Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens. Ribeirão Preto, 2015. 156 f.: il.; 30 cm Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Imunologia Básica e Aplicada. Opção: Bioagentes Patogênicos. Orientador: Figueiredo, Luiz Tadeu Moraes. 1. Hantavírus. 2. ecologia. 3. pequenos mamíferos selvagens. 4. ectoparasitos. Folha de Aprovação Gilberto Sabino-Santos Jr. Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. Área de concentração: Imunologia Básica e Aplicada. Opção: Bioagentes Patogênicos. Aprovado em: ___/___/____ Banca examinadora Prof. Dr.:____________________________________________________________ Instituição:____________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr.:____________________________________________________________ Instituição:____________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr.:____________________________________________________________ Instituição:____________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr.:____________________________________________________________ Instituição:____________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr.:____________________________________________________________ Instituição:____________________________Assinatura:_____________________ ______________________________________________________________________ Dedicatória Dedicatória À minha amiga, companheira, minha linda mãe. “O saber ensoberbece, mas o amor edifica. Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito não aprendeu ainda como convém saber.” (Ap. Paulo) ______________________________________________________________________ Agradecimentos Agradecimentos Ao professor Dr. Tadeu. Passamos uma longa caminhada juntos. Compartilhamos alegrias e tristezas. Creio que posso dizer que és não somente meu orientador, mas um amigo. Muito obrigado pela sua simplicidade, acessibilidade e disponibilidade. Por aceitar as minhas imaturas idéias e sugestões, e com paciência me direcionar para o amadurecimento das mesmas, ou então, por muitas vezes me fazer enxergar um diferente caminho a seguir. Pelas valiosas correções, sugestões, e comentários na primeira versão desta tese, e que ajudaram a amadurecer a versão final da mesma. E agradeço enormemente por me aceitar como seu aluno e fazer parte de minha formação como pessoa e futuro pesquisador. Ao professor Dr. Eurico Arruda por aceitar o convite e solicitamente participar de minha banca. Convivemos, embora, não diretamente como aluno e professor, mas fui felicitado por absorver de seu vasto conhecimento e empolgação pela virologia e ciência. Empolgação esta que sempre me motivou e serviu e serve de exemplo para minha vida. Agradeço também por sempre estar disponível, por se portar acessível e assim sanar algumas de minhas muitas dúvidas com toda simplicidade e humildade. Pelas sugestões e comentários que me ajudaram a concluir a versão final desta tese. E creio que pela amizade e convivência ao longo desses anos que me enriqueceram como pessoa e futuro pesquisador. Ao Dr. Luciano Luna por aceitar participar em minha banca de doutorado. Pelas valiosas sugestões e comentários que me direcionaram em vários experimentos realizados para obtenção dos resultados desta tese. Às suas valiosas e minuciosas sugestões e comentários que ajudaram a concluir a versão final desta tese. Pela convivência e grande amizade, que com seu jeito alegre de viver, me ensinou por demais. Às discussões com fins científicos e filosóficos. E como é que pode... Ao professor Dr. Ricardo Sousa por aceitar prontamente o convite para participar de minha banca de doutorado. Às valiosas sugestões e comentários, que contribuíram imensamente para o meu aprendizado, e foram de grande importância para a conclusão da versão final desta tese. À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo e a CAPES, pelo suporte financeiro concedido. Ao Dr. Miguel Rosalino, Dra. Carla Gheler-Costa, e Dr. Edson Martinez, pela colaboração científica e ajuda nas análises que contribuíram para os resultados dos capítulos 1 e 3. Ao Dr. Patrício Hernaez pela ajuda nas análises dos resultados do capítulo 1 e na redação do mesmo, e pela solicitude em sempre sanar minhas dúvidas, as quais me ajudaram na discussão dos resultados do capítulo 2. Pela amizade, e sábios conselhos. À Renata de Lara Muylaert pela colaboração científica e ajuda nas análises dos resultados e redação que foram fundamentais para a conlusão do capítulo 2. Pela amizade, e aprendizado no tocante a ecologia dos morcegos e identificação. E pela participação em campanhas de campo. Ao amigo Pedro Pedrosa pelas inúmeras discussões científicas e pela imensa colaboração na redação da revisão bibliográfica desta tese. Tese de Doutorado Sabino-Santos Jr, 2015 Agradecimentos À Dra. Talita Gagliardi pela colaboração científica e ajuda imprescindível nos sequenciamentos que resultaram na conclusão desta tese. Pela amizade e convívio. À Thallyta Vieira pela colaboração científica que resultou no capítulo 2 desta tese e no artigo de um dos resultados deste capítulo. Pelas discussões científicas, filosóficas, e por sua amizade. À Thiago Neves por todo suporte dado na cidade de Montes Claros-MG. Por fazer o ambiente, muitas vezes difícil, parecer fácil através sua alegria e otimismo sempre. Ao amigo e colaborador científico Felipe GM Maia, “Big rider”, por me ajudar com as campanhas de campo, e em todo desenho e logística deste projeto. Na triagem dos dados e pelas infindáveis discussões que esclareceram exacerbadamente alguns dos resultados aqui demonstrados. À prof. Dra. Coleen Jonsson e Dr. Douglas Goodin pela colaboração científica e ajuda na redação do capítulo 2, assim como do artigo. Ao coordenador do programa em Imunologia Básica e Aplicada professor Dr. João Santana. Pelo seu empenho à pesquisa e ao programa que sempre foram motivo de exemplo para mim. Ao colega William pela ajuda nas análises filogenéticas e pela convivência. Ao serviço social da USP pela moradia universitária concedida durante 3 anos através da assistente social Marília Equi que em muito me ajudou com seu tratamento humano e distinto. A todos do Centro de Pesquisa em Virologia-FMRP-USP, pelos aprendizados e convívio ao longo desses anos. E a todos que de alguma forma colaboraram para o meu aprendizado tanto pessoal como científico. Tese de Doutorado Sabino-Santos Jr, 2015 ______________________________________________________________________ Resumo Geral ! ! Resumo Geral ! ! Gilberto Sabino-Santos Jr. Ecologia de hantavírus e de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens. Tese de Doutorado. Centro de Pesquisa em Virologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 156 f., 2015. Este trabalho envolve aspectos da virologia, ecologia, zoologia e entomologia. Com o intuito de estudar a ecologia de hantavírus em pequenos mamíferos selvagens e realizar um levantamento de espécies de ectoparasitos desses animais, capturas de pequenos mamíferos selvagens foram realizadas na região sudeste do Brasil. Durante fevereiro de 2012 até abril de 2014 foram capturados 154 pequenos mamíferos terrestres (roedores e marsupiais), 275 morcegos e 3.225 ectoparasitos. Foi detectada presença de anticorpos contra a nucleoproteína recombinante (Nr) do hantavírus Araraquara (ARQV) em 9,7% dos representantes do grupo de mamíferos terrestres, incluindo Necromys lasiurus, e em 17% dos morcegos amostrados. A infecção por hantavírus estaria sendo influenciada diretamente pela degradação ambiental, concorrendo para a pequena diversidade de roedores Sigmodontinae, os quais, contudo, apresentaram-se em grande número na vegetação de capim braquiária. Ademais, a infecção por esse vírus também estaria associada, ainda que indiretamente, à diversidade de espécies dos mamíferos terrestres capturados, corroborando evidências anteriores. Sequências parciais dos segmentos S e M do hantavírus ARQV também foram obtidas dos roedores capturados. Ectoparasitos já descritos como possíveis vetores e reservatórios de hantavírus foram encontrados tanto em roedores Sigmondotinae como em morcegos. Entretanto, os resultados mais relevantes foram observados em morcegos. De forma inédita nas Américas, infecção por hantavírus foi detectada em morcegos, principalmente em áreas com alta fragmentação, pouca diversidade de espécies, e com vegetação de mata ciliar. Nove morcegos apresentaram anticorpos, e o maior número de infectados pertencia a espécie hematófaga Desmodus rotundus. Adicionalmente, fragmento gênico do segmento S de hantavírus foi detectado em dois morcegos (D. rotundus e Carollia perspicillata), sendo as respectivas sequências nucleotídicas obtidas. No estudo filogenético, observou-se o agrupamento dessas sequências com a equivalente do hantavírus ARQV. Este resultado é inédito para o mundo, pois trata-se da primeira vez em que um hantavírus patogênico para o homem é detectado infectando morcegos, abrindo perspectivas para maiores investigações sobre a manutenção e dinâmica de transmissão deste vírus na natureza. Palavras-chaves: Hantavírus, ecologia, pequenos mamíferos selvagens, ectoparasitos. Tese de Doutorado Sabino-Santos Jr, 2015 ______________________________________________________________________ General Abstract ! ! General abstract ! ! Gilberto Sabino-Santos Jr. Ecology of hantavirus and ectoparasites from wild small mammals. PhD Thesis. Center for Virology Research, School of Medicine in Ribeirão Preto, University of São Paulo, Ribeirão Preto, 156 f., 2015. This work combines aspects of virology, ecology, zoology and entomology. In order to study the ecology of hantavirus among wild small mammals and conduct a survey of ectoparasites species from these animals captures were performed in southeastern Brazil. During February 2012 to April 2014, 154 small terrestrial mammals (rodents and marsupials), 275 bats and 3,225 ectoparasites were trapped. It has been detected the presence of antibodies to the recombinant nucleoprotein (Nr) of hantavirus Araraquara (ARQV) in 9.7% of terrestrial mammals, including Necromys lasiurus, and in 17% of sampled bats. Hantavirus infection was found to be directly influenced by environmental degradation, contributing to low diversity of Sigmodontinae rodents, which, however, showed up in large numbers in brachiaria grass vegetation. In addition, infection with this virus was also associated, even indirectly, to the diversity of species of captured terrestrial mammals, confirming previous evidence. Partial sequences of ARQV S and M segments were also obtained from captured rodents. Ectoparasites previously reported as potential vectors and reservoirs of hantavirus have been found in both Sigmondotinae rodents as in bats. However, the most relevant results were observed in bats. In an unprecedented manner in the Americas, hantavirus infection was detected in bats, especially in areas with high fragmentation, low diversity of species, and with riparian vegetation. Nine bats had antibodies against the Nr of ARQV, and the largest number of infected belonged to the hematophagous specie Desmodus rotundus. Additionally, a gene fragment of hantavirus segment S was detected in two bats (D. rotundus and Carollia perspicillata), and their nucleotide sequences were obtained. In the phylogenetic study, there was a group of such sequences in the ARQV clade. Hence, here for the first time we reported a pathogenic hantavirus to humans infecting bats. These findings open perspectives for further investigations on the maintenance and transmission dynamics of this virus in nature. Key-words: Hantavirus, ecology, wild small mammals, ectoparasites. Tese de Doutorado Sabino-Santos Jr, 2015 ______________________________________________________________________ Sumário Sumário 1. Introdução Geral ...................................................................................................... 17 2. Revisão Bibliográfica ................................................................................................ 21 2.1. Perspectiva histórica ...................................................................................................... 22 2.2. Hantavírus no Brasil ...................................................................................................... 23 2.3. Características morfológicas ......................................................................................... 25 2.4. Ciclo de vida.................................................................................................................... 27 2.4.1. Replicação dos hantavírus do Velho Mundo ............................................................ 27 2.4.2 Replicação dos hantavírus do Novo Mundo .............................................................. 29 2.5. Patogênese das infecções por hantavírus ..................................................................... 31 2.5.1. Infecção por hantavírus em roedores ........................................................................ 32 2.6. Reservatórios de hantavírus .......................................................................................... 34 2.6.1. Roedores Sigmondontinae ........................................................................................ 35 2.6.2. Morcegos .................................................................................................................. 40 3. Hipóteses .................................................................................................................... 47 4. Objetivos .................................................................................................................... 49 5. Capítulo 1: Ecologia de hantavírus em pequenos mamíferos terrestres ............. 51 5.1. Introdução ....................................................................................................................... 53 5.2. Material e Métodos ........................................................................................................ 54 5.3. Resultados ....................................................................................................................... 60 5.4. Discussão ......................................................................................................................... 67 6. Capítulo 2: Ecologia de hantavírus em morcegos Neotropicais ........................... 77 6.1. Introdução ....................................................................................................................... 79 6.2. Material e Métodos ........................................................................................................ 80 6.3. Resultados ....................................................................................................................... 85 6.4. Discussão ......................................................................................................................... 93 7. Capítulo 3: Ecologia de ectoparasitos de pequenos mamíferos selvagens associados ou não a infecção por hantavírus............................................................ 102 7.1. Introdução ..................................................................................................................... 104 7.2. Material e Métodos ...................................................................................................... 105 7.3. Resultados ..................................................................................................................... 109 7.4. Discussão ....................................................................................................................... 113 8. Discussão Geral ....................................................................................................... 122 9. Conclusões Gerais ................................................................................................... 127 10. Referências Bibliográficas ................................................................................... 129 11. Anexo ..................................................................................................................... 153 Tese de Doutorado Sabino-Santos Jr, 2015 ______________________________________________________________________ 1. Introdução Geral Introdução Geral Uma mistura complexa de fatores predisponentes em nosso mundo moderno criou novas oportunidades para o surgimento de doenças infecciosas em animais e humanos. Isto está em grande parte relacionado com a globalização e mudanças ambientais como a degradação, o que aumenta a natureza mutável dos contatos entre animais e humanos (Ostfeld e Keesing, 2000, Smits e Osterhaus, 2013). Os vírus são as entidades biológicas mais abundantes no planeta, e a maioria das doenças emergentes em seres humanos é causada por vírus originários de animais. Pequenos mamíferos selvagens, como pequenos roedores, marsupiais e, principalmente, morcegos são importantes animais reservatórios de vírus. Esses vírus, adaptados a seus reservatórios naturais, ocasionalmente se adaptam a novos hospedeiros, incluindo o ser humano, podendo, se espalhar e causar epidemias ou, em casos extremos, pandemias (Woolhouse e Gowtage-Sequeria, 2005). Hantavírus é um gênero da família Bunyaviridae, que inclui vírus zoonóticos emergentes encontrados principalmente em roedores, embora novos hantavírus associados a insetívoros (Ordem: Soricomorpha) e morcegos tenham sido recentemente descritos (Klempa et al., 2007, Araujo et al., 2012, Vaheri et al., 2013). Na América do Sul, hantaviroses são zoonoses de roedores da família Cricetidae, subfamília Sigmodontinae. No Brasil, existem 8 genótipos de hantavírus conhecidos até o momento, sendo seis deles associados a doença humana: Anajatuba (ANAJV), Araraquara (ARQV), Castelo dos Sonhos (CASV), Juquitiba (JUQV), Laguna Negra virus-like (LNV) e Rio Mamoré (RIOMV). O ARQV ocorre nas regiões de Cerrado do sudeste e do planalto central brasileiro e é considerado o mais virulento dos hantavírus do Brasil e possivelmente do mundo, porque causa letalidade em 50% nos pacientes com síndrome pulmonar e cardiovascular por hantavírus. (Rosa et al., 2005, 2010, Figueiredo et al., 2009a, Raboni et al., 2009, Travasso da Rosa et al., 2012, Oliveira et al., 2014a,b). Acredita-se que a emergência da hantavirose no Brasil, observada nos últimos 22 anos, se deva principalmente à intensa degradação ambiental associada à atividade agrícola (agricultura intensiva e crescimento urbano). Isso tem ocorrido, principalmente, com o cultivo de monoculturas de vegetações exóticas, tais como o capim braquiária (Brachiaria decumbens) e a cana de açúcar (Saccharum officinarum) (Sabino-Santos Jr, 2010). A degradação ambiental estaria afugentando animais de seu ambiente natural, como ocorre com algumas espécies de roedores e morcegos, bem como com os seus predadores. Por outro lado, a degradação ambiental estaria incentivando o aumento Tese de Doutorado 18 Sabino-Santos Jr, 2015 Introdução Geral populacional de algumas espécies de pequenos mamíferos selvagens oportunistas (Ostfeld e Keesing, 2000, Ostfled e LoGiudice, 2003, Suzán et al., 2009). Tais espécies, buscando a sobrevivência, procuram alimento e abrigo em paióis, armazéns, silos, ou em outros lugares criados pelo homem, transmitindo a este os seus vírus (Figueiredo et al., 2003, Sabino-Santos Jr, 2010). Na região nordeste do estado de São Paulo, o ARQV tem sido associado aos roedores Necromys lasiurus e também, possivelmente a Calomys tener e Akodon spp., (Figueiredo et al., 2003, 2010). Portanto, para conhecer a epidemiologia e criar algum mecanismo de controle para a hantavirose, faz-se importante entender a ecologia de seus potenciais reservatórios naturais (Suzuki et al., 2004, De Sousa et al., 2008). Nesse sentido, pesquisas devem ser realizadas sobre as variações populacionais desses animais, seus padrões ecológicos, bem como mudanças ambientais que estejam a afetar esses mamíferos reservatórios (Lima et al., 1999, Armién et al., 2009). Este trabalho dá continuidade à pesquisa desenvolvida por nós anteriormente, na qual observamos observamos um pulo inter-espécie de hantavírus entre roedores Sigmodontinae, assinalando que a perda da diversidade biológica influencia indiretamente a ocorrência de infecção por hantavírus entre os roedores, e como consequência, nos seres humanos. Portanto, o entendimento da ecologia desta zoonose pode trazer mais informação sobre nossas observações prévias. Para tanto, pretendemos conhecer sobre ambientes e habitats onde vivem os reservatórios naturais desses vírus e também sobre como esses vírus são mantidos em reservatórios naturais. Buscando trazer ao leitor uma visão geral sobre a hantavirose, fizemos uma revisão bibliográfica focando aspectos históricos, morfológicos, do ciclo de vida do hantavírus e de sua patogênese em roedores-reservatório. Também revisamos a ecologia e a evolução dos principais reservatórios de hantavírus no Brasil (roedores Sigmondontinae e morcegos, uma vez que no Brasil não são encontrados insetívoros da Ordem: Soricomorpha) (Reis et al., 2011). Para apresentar nossas contribuições à ecologia dos hantavírus e à dinâmica de hantaviroses na região sudeste do Brasil, procuramos focar: (i) no capítulo um, sobre a ecologia de hantavírus em pequenos mamíferos terrestres (roedores e marsupiais); (ii) no capítulo dois, sobre o a ecologia de hantavírus em morcegos, ressaltando o potencial desses animais como reservatórios de hantavírus; (iii) e no capítulo três, sobre os ectoparasitos dos pequenos mamíferos, infectados ou não com hantavírus. Ressaltamos que com resultados do capítulo dois, um Tese de Doutorado 19 Sabino-Santos Jr, 2015 Introdução Geral manuscrito já foi aceito para publicação relatando as evidências sorológicas de infecção por hantavírus em morcegos no Brasil (ver anexo). Tese de Doutorado 20 Sabino-Santos Jr, 2015 ______________________________________________________________________ 2. Revisão Bibliográfica Revisão Bibliográfica 2.1. Perspectiva histórica Segundo relatos históricos, a doença humana por hantavírus parece ser mais antiga do que o reconhecimento relativamente recente de sua etiologia (Lee et al., 1978). Segundo Vapalahti et al., (2003), em torno de 960 D.C., os chineses relatavam uma doença que poderia ser a febre hemorrágica com síndrome renal (FHSR). Na I Guerra Mundial, descreveu-se uma nefrite aguda, que foi denominada Nephropatia Epidemica (NE) em 1934. De causa desconhecida, a doença por hantavírus produziu surtos em tropas britânicas e em tropas japonesas que ocupavam a Manchúria durante a II Guerra Mundial (Bradford, 1916, Myhrman, 1951, Johnson, 2001, Sundström, 2013). Entre 1950 e 1953, durante a Guerra da Coréia, 3.000 soldados das Nações Unidas foram acometidos por uma febre hemorrágica aguda com nefrite e choque. O agente etiológico dessa doença, apesar de pesquisado exaustivamente com os recursos disponíveis na época, não foi identificado, e foi apenas apontado como um provável vírus. Apenas em 1975, o coreano Ho Wang Lee detectou em tecidos pulmonares de roedor selvagem Apodemus agrarius, capturado próximo ao rio Han, antígenos específicos de um vírus que foi posteriormente identificado e denominado Hantaan (HTNV). Ho Wang Lee observou que antígenos de HTNV reagiam com soros de pacientes com FHSR (Lee et al., 1978, Jonsson et al., 2010, Sundström, 2013). Portanto, tratava-se de um novo patógeno e este acabou por originar um novo gênero, o Hantavírus, na família Bunyaviridae. Entretanto, o primeiro hantavírus a ser isolado foi o Thottapalayam (TPMV), em 1964,permanecendo sem classificação até 1989 (Zeller et al., 1989, Sundström, 2013). TPMV é considerado um hantavírus diferente por não ser associado a roedores, tendo sido isolado de um musaranho, pequeno mamífero insetívoro. Atualmente, já são conhecidos 22 hantavírus de insetívoros (Guo et al., 2013, Sundström, 2013). Na década de 1980, o agente causador da NE foi descrito e denominado Puumala (PUUV). Em 1982, isolou-se um hantavírus de ratos urbanos (Rattus rattus e R. norvegicus), e este foi associado a casos urbanos de FHSR na capital da Coréia do Sul, o vírus Seoul (SEOV) (Lee et al., 1982, Hepojoki et al., 2012). Em 1992, durante a Guerra da Bósnia, 300 soldados foram acometidos por nefrite aguda e destes foi isolado o hantavírus Dobrava-Belgrade (DOBV) (Avsic-Zupanc et al., 1992, Sudström, 2013). Nas Américas, em 1985 foi isolado do roedor selvagem Microtus pennsylvanicus um hantavírus aparentemente não-patogênico para o homem, o Prospect Tese de Doutorado 22 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Hill (PHV), (Tsai et al., 1985, Yanagihara et al., 1987). Entretanto, os hantavírus só ganharam evidência no continente americano após 1993. Neste ano, ocorreu nos Estados Unidos um surto de pneumonia grave, com alta letalidade, na região de Four Corners, divisa entre os Estados do Arizona, Colorado e Novo Mexico. Nesta ocasião, descobriram tratar-se de uma síndrome pulmonar e cardiovascular associada a hantavírus (SPCVH). Esse patógeno foi identificado por biologia molecular e também foi isolado. O vírus tem como reservatório o roedor silvestre Peromyscus maniculatus (Nichol et al., 1993, Vapalahti et al., 2003, Jonsson et al., 2010). De fato, os avanços na biologia molecular e o conhecimento prévio dos hantavírus causadores da FHSR, contribuiram para que, em 1993, fosse reconhecido o vírus Sin Nombre (SNV), causador da SPCVH nos Estados Unidos (Zeier et al., 2005, Jonsson et al., 2010). Segundo o International Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV), quatro critérios devem ser utilizados para a classificação das espécies de hantavírus: (i) pertencer a um nicho ecológico específico, assim como possuir uma única espécie ou subespécie de roedor como reservatório natural primário; (ii) diferir em pelo menos 7% na sequência aminoacídica das glicoproteínas de superfície (Gn e Gc) ou da nucleoproteína viral; (iii) induzir anticorpos em título 4 vezes mais elevado do que os obtidos com outros hantavírus em teste de neutralização cruzada; e (iv) não formar rearranjos naturais com outras espécies de hantavírus (King et al., 2012). Dos hantavírus descritos em todo o mundo, com base em critério genômico, foram identificadas somente 24 espécies incluindo 80 genótipos (Plyusnin 2002, Oliveira et al., 2014). Entretanto, este número vem aumentando com a descrição de muitos novos vírus em diferentes lugares e hospedeiros, tais como morcegos (Jonsson et al., 2010; Olsson et al., 2010, Guo et al., 2013). 2.2. Hantavírus no Brasil No Brasil e em outros países da América do Sul, a busca por hantavírus começou na década de 80. Capturas de roedores urbanos e peri-urbanos em cidades portuárias permitiram isolar um hantavírus semelhante ao SEOV de um Rattus norvegicus capturado na cidade de Belém (LeDuc et al., 1985). Este vírus não foi associado a doença humana. Foram também detectados anticorpos contra HTNV em roedores urbanos de Recife, Belém e São Paulo (LeDuc et al., 1985). Entre 1986 e 1990, um estudo na região sul e sudeste do Brasil, analisando 1063 soros humanos, detectou Tese de Doutorado 23 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 32 positivos para os hantavírus HTNV, SEOV e PUUV (Iversson et al., 1994). Um estudo de casos humanos suspeitos de leptospirose na cidade de Recife em 1993 detectou pacientes com anticorpos para hantavírus do Velho Mundo (Hindrichsen et al., 1993). Em 1993, após o surto de SPCVH nos Estados Unidos, 3 casos fatais da doença foram diagnosticados no Brasil. Eram moradores de Juquitiba-SP e, por isso, o hantavírus identificado recebeu este nome (JUQV) (Da Silva et al., 1997, Vasconcelos et al., 1997). Em 1999, a partir de amostras clínicas enviadas para os EUA, dois outros hantavírus foram identificados por amplificação parcial de seus genomas por RT-PCR seguida por sequenciamento nucleotídico: em 1995 o Castelo dos Sonhos (CASV), oriundo de um paciente da aldeia do mesmo nome no estado do Pará, e em 1996 o Araraquara (ARQV), oriundo de dois pacientes das cidades de Araraquara e Franca-SP (Johnson et al., 1999). Em seguida, em 1999, foram diagnosticados por ELISA e RTPCR dois casos fatais de SPCVH em agricultores da cidade de Guariba-SP, causados pelo ARQV (Figueiredo et al., 2003). Em 2000, na cidade de Anajatuba, estado do Maranhão, ocorreram 3 casos suspeitos de infecção por hantavirus e, com base em estudo feito com o roedor local Oligoryzomys fornesi, identificou-se o hantavirus Anajatuba (ANAJV), filogeneticamente relacionado ao vírus Rio Mamoré (RIOMV) (Rosa et al., 2005, 2010). Em 2004, divulgou-se como reservatório natural do ARQV o Necromys lasiurus, um roedor da família Cricetidae, subfamília Sigmodontinae (Suzuki et al., 2004). Recentemente foi descrito no município de Careiro da Várzea, estado do do Amazonas, um caso fatal de SPCVH causado por RIOMV (Oliveira et al., 2014b). Atualmente, são conhecidos 8 genótipos de hantavírus no Brasil, 6 deles associados a SPCVH: ANAJV, ARQV, CASV, JUQV, Laguna Negra-like (LNV) e RIOMV (Figura 1). O ARQV ocorre nas regiões de Cerrado do sudeste e do planalto central brasileiro e é considerado o mais virulento dos hantavírus conhecidos, porque, nos pacientes com SPCVH, está associado a letalidade de 50% (Rosa et al., 2005, 2010, Figueiredo et al., 2009a, Raboni et al., 2009, Travassos da Rosa et al., 2012, Oliveira et al., 2014a,b). Tese de Doutorado 24 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Figura 1. Hantavírus descritos no Brasil e seus respectivos hospedeiros naturais. Na legenda, à esquerda e no mapa, cada círculo refere-se a um genótipo de hantavírus e representam 10 casos de SPCVH para hantavírus patogênicos e 10 roedores infectados para hantavírus não patogênicos. 2.3. Características morfológicas O gênero Hantavírus pertence à família Bunyaviridae. Estes vírus são envelopados, pleomórficos, com 80-160 nm de diâmetro. Os hantavírus do Velho Mundo (HTNV) possuem genoma de 11,8 Kb e os do Novo Mundo (SNV), 12,3 kb. Como todos os Bunyaviridae, seus genomas possuem fita simples de RNA trisegmentado e de polaridade negativa, compreendendo os segmentos L (grande), M (médio), e S (pequeno). Nos hantavírus, esses segmentos variam de 1,8 a 2,1 Kb para a região S, que codifica a proteína do nucleocapsídeo N. A proteína N forma, juntamente com o RNA genômico e a polimerase de RNA dependente de RNA (RdRp), o complexo ribonucleoproteico viral (RNP). Para PUUV, vírus Tula (TULV), vírus Andes (ANDV) e outros, uma proteína não estrutural (NS) é codificada, em sobreposição, na mesma ORF (sequência de leitura aberta) da proteína N (Mackow et al., 2009, Firth et al., 2012, Hepojoki et al., 2012, Vera-Otarola et al., 2012). O segmento M, de 3,7 a 3,8 Kb, codifica a poli-glicoproteína GPC que é posteriormente clivada, durante a maturação viral, nas glicoproteínas Gn e Gc, outrora denominadas G1 e G2. O segmento L, com 6,5 a 6,6 Kb, codifica a RNA-polimerase dependente de RNA (RdRp) (Figura 2). Todos Tese de Doutorado 25 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica os segmentos de RNA viral são flanqueados por regiões 3' e 5' não traduzidas (UTR) e que formam uma estrutura secundária do tipo panhandle, que promove a transcrição do mRNA e também a replicação do genoma viral (Hepojoki et al., 2012). A sequência nucleotídica do segmento S é mais conservada que a do M, contendo apenas pequenas variaçõe em sua ORF (Firth et al., 2012). Obeserva-se maior frequência de variações nucleotídicas na ORF de GPC. Apesar de eventos de rearranjo terem sido detectados recentemente, o padrão evolutivo dos genomas de hantavírus pode ser considerado estável (Plyusnin et al., 1996, Rodriguez et al., 1998, Plyusnin, 2002, Klempa et al., 2003, Khaboullina et al., 2005, Black et al., 2009, Razzauti et al., 2009, Elliot e Schmaljohn, 2013, Bennet et al., 2014, Yanagihara et al., 2014). Os rearranjos genômicos dos hantavírus merecem atenção devido a importância deste na na evolução viral. Coinfecções in vitro por SNV e ANDV, hantavírus filogeneticamente distintos, costumam produzir rearranjo com viabilidade viral mantida em 8,9% dos casos para o parental ANDV. Isso pode proporcionar rearranjos genéticos, mesmo entre hantavírus filogeneticamente distantes (Rizvanov et al., 2004). Portanto, provavelmente, a diversidade das populações virais poderia elevar a probabilidade de seleção positiva para certos hantavírus, bem como aumentar suas virulências. Em outro estudo, uma recombinação em 8,5% dos virions foi observada em ensaios de coinfecção com 2 cepas de SNV (Rodriguez et al., 1998). Também, rearranjo foi experimentalmente produzido por coinfecções em cultura celular de SNV e Black Creek Canal (BCCV), 2 espécies de hantavírus geneticamente distantes (Rodriguez et al., 1998; Jonsson et al., 2010). Ainda, foi muito importante constatar que eventos de recombinação genômica ocorrem na natureza, pois foram observados em 10% das amostras de SNV oriundas de pequenos roedores selvagens capturados nos Estados Unidos, entre 1995-2007 (Black et al., 2009). Evento similar foi observado em 32% dos vírus resultantes de coinfecções naturais com 2 linhagens de PUUV. Neste caso, ocorreu um padrão peculiar nos segmentos L e S, que eram derivados de um único ancestral, por um processo evolutivo restrito que ocorre no norte da Finlândia (Razzauti et al., 2009). Finalmente, outro exemplo do fenômeno de rearranjo genômico na natureza foi observado entre 2 linhagens (genótipos) do hantavírus DOBV (DOBV-aa e DOBV-af) (Klempa et al., 2003). Tese de Doutorado 26 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Figura 2. Morfologia dos vírus da família Bunyaviridae em A e esquematizada em B. A. Eletromicrografia mostrando partículas de HTNV onde as glicoproteínas do envelope formam padrão sugerindo vários trilhos juntos. As setas mostram sulcos produzidos, provavelmente, pela conformação das ribonucleoproteínas virais. B. Os três segmentos genômicos de RNA (S, M and L) mostram-se complexados com a nucleoproteína N formando a ribonucleoproteína. O vírus apresenta envelope de bicamada lipídica com espículas das glicoproteínas transmembrana Gn e Gc (Adaptado de Elliot e Schmaljohn, 2013, Vaheri et al., 2013). 2.4. Ciclo de vida 2.4.1. Replicação dos hantavírus do Velho Mundo Para a infecção celular, os hantavírus ligam-se a receptores β1 ou β3 integrina. Contudo, estes receptores não seriam únicos, visto que células sem β3 integrina são permissivas à entrada de alguns hantavírus. Evidências de outros possíveis receptores e coreceptores têm sido divulgadas, sendo o principal dentre eles o fator acelerador do decaimento (DAF/CD55) (Gavrilovskaya et al., 1998, Larson et al., 2005). A endocitose viral é dependente de clatrina. Então, as partículas, após fusão de membranas do envelope viral com as das vesículas, seguem pelo sistema endo-lisossômico em exposição progressiva a acidez (pH 6,0-6,5) (Arikawa et al., 1985, McCaughey et al., 1999, Garry e Garry 2004, Song et al., 2005, Tischler et al., 2005, Mou et al., 2006, Krautkrämer e Zeir 2008, Hepojoki et al., 2010a, Huiskonen et al., 2010, Jonsson et al., Tese de Doutorado 27 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 2010, Strandin, 2011, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). Neste processo, o complexo glicoprotéico se rearranja com a configuração tetramérica de Gn associada a dois dímeros de Gc em uma conformação pós-adsorção. As proteínas Gc são encontradas, supostamente, dissociadas da estrutura quaternária, expondo seus loops de fusão e assim promovendo ligação irreversível à membrana endosomal. Em estágio tardio, essa ligação permite que se formem complexos homo-triméricos de Gc justapostos com o envelope viral e estes promovem a fusão da membrana (Tischler et al., 2005, White et al., 2008, Strandin, 2011, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). A liberação da RNP no citoplasma inicia a transcrição viral com o sequestro das extremidades cap 5’ de mRNA celulares. Esse processo, denominado Cap-snatching, é mediado pela proteína N. As extremidades sequestradas atuam como iniciadores da transcrição viral e são marca fundamental dos hantavírus nesta etapa (Figura 3) (Mir et al., 2008, Cheng et al., 2012, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). A replicação genômica dos hantavírus ainda é pouco entendida, mas tem como marcador a acumulação de formas livres da proteína N, que parece ter função de chaperona ao longo da replicação viral (Jonsson e Schmaljohn, 2001, Walter et al., 2011, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). A transcrição de mRNAs e a replicação de RNAs virais ocorrem justapostas a membranas celulares e são dirigidas pela RdRp. A replicação segue um processo denominado de prime and realign, onde a extremidade 5’-UTR é pareada com a extremidade 3'-UTR, por um pareamento de GTP (guanosina trifosfato) com a terceira base da extremidade 3’, uma citosina (C). Desta forma, ocorre replicação de até 3 nucleotídeos da extremidade 3’. Em seguida, a fita em síntese realinha novamente os 3 nucleotídeos, colocando o par de bases em perfeito alinhamento para a polimerização. Isso resulta em segmento genômico com monofosfato na extremidade 5’ (Garcin et al., 1995, Plyusnin et al., 1996, Strandin, 2011, Sudström, 2013). A transcrição dos mRNAs virais (justapostos a membrana celular) e a síntese das proteínas N e RdRp ocorrem em agrupamentos poliribossomais livres do citoplasma (Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). A concentração de N no retículo endoplasmático (RE) depende de seu transporte pelos microtúbulos (Ramanathan e Jonsson, 2008). A produção e clivagem de GPC ocorrem em ribossomos associados ao RE, gerando glicoproteínas que ancoram em seu lúmen. Em seguida, as glicoproteínas são direcionadas para as cisternas do aparelho de Golgi após interação da cauda transmembrana da porção C-terminal com a proteína N (Hepojoki et al., 2010b, Tese de Doutorado 28 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Strandin, 2011). A glicosilação completa das glicoproteínas virais ocorre, principalmente, por manosilação. Esse processo permite que glicoproteínas agregadas, pela forma trimérica da proteína N, interajam com o RNA viral e com a RdRp. Acompanha este processo, uma oligomerização adicional, que é requerida para a formação das RNPs ancoradas à porção C-terminal das glicoproteínas virais (Gn principalmente). As RNPs não são perfeitamente eficientes e permitem formar partículas virais diplóides (inclusão de ssRNA viral de cadeia positiva) (Hepojoki et al., 2010b, Strandin, 2011, Strandin et al., 2011, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). Acredita-se que a especificidade para cada segmento genômico é determinada por sinais distintos na interação com as glicoproteínas virais justapostas às cisternas do Golgi. Os sinais distintos das três RNPs (dos três segmentos do genoma) ajudam a promover o brotamento viral das cisternas do Golgi (Mackow e Gavrilovskaya, 2009). Esse processo poderia ser semi-randômico (Rodriguez et al., 1998, Strandin 2011, Cheng et al., 2012, Hepojoki et al., 2012, Sudström, 2013). O virion, saído do Complexo de Golgi (CG) ou do Complexo Intermediário do Retículo Endoplasmático-Golgi (ERGIC), emerge da célula dentro de vesícula que é direcionada para a membrana plasmática (Figura 3). Em hantavírus do Velho Mundo, evidências sugerem que a liberação viral seja polarizada para a membrana apical (Jonsson et al., 2010, Hepojoki et al., 2012, Krautkrämer et al., 2012, 2013, Sudström, 2013). 2.4.2 Replicação dos hantavírus do Novo Mundo Os hantavírus do Novo Mundo exibem pequenas, mas importantes, direferenças em seus processos replicativos. Na infecção com ANDV, a entrada na célula não é por endocitose dependente de clatrina (Ramanathan e Jonsson, 2008, Hepojoki et al., 2012). Também se observou que o egresso dos virions ocorre da membrana basolateral da célula (Rowe e Pekosz 2006; Sudström 2013). As diferenças maiores na excreção viral são relatadas para SNV e BCCV, que são montados diretamente da membrana plasmática sem polaridade aparente (Figura 3) (Goldsmith et al., 1995, Ravkov et al., 1997, Spiropoulou et al., 2003, Sudström, 2013). Um estudo sobre utilização do citoesqueleto celular pelos hantavírus demonstrou a utilização de microtúbulos para o transporte das proteínas N de SEOV, HTNV (hantavírus do Velho Mundo) e ANDV e BCCV (do Novo Mundo). O uso de nocodozol (despolimerizador de microtúbulos) e citocalasina D (despolimerizador de actina) Tese de Doutorado 29 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica inibiram a infecção celular por ANDV e BCCV (Ramanathan et al., 2007, Ramanathan e Jonsson, 2008, Hussein et al., 2012, McNulty et al., 2013). Figura 3. Ciclo replicativo dos hantavírus. (1) Inicia-se o processo, com a ligação dos receptores β integrinas e CD55/DAF às glicoproteínas Gc e Gn respectivamente; (2) a entrada viral depende de clatrina para os hantavírus do Velho Mundo, formando-se o endossoma primário que ao ser acidificado (pH ~ 6) como endossoma tardio permite a fusão do envelope viral à membrana endossômica, com internalização e desnudamento do genoma no citoplasma; (3) ocorre captura de sequências Cap dos RNAs mensageiros celulares mediada pela proteína N, formando assim os RNAs mensageiros virais pela RdRp; (4) a tradução dos transcritos dos segmentos S e L ocorre em agrupamentos polirribossomais no citosol e a dos transcritos de segmento M, Gn e Gc, em ribossomos associados ao RE; (5) a replicação do genoma viral é dependente da síntese de N, que emite sinal para a RdRp mudar da síntese de RNAs mensageiros para a de RNAs complentares necessários à síntese dos genomas da progênie; (6) a montagem das novas partículas virais acontece no complexo de Golgi para hantavírus do Velho Mundo e na, membrana plasmática contendo glicoproteínas previamente ancoradas, para os hantavírus do Novo Mundo; (7) o egresso das novas partículas é mediado por microfilamentos de actina e polarizado para a membrana basolateral em hantavírus do Novo Mundo, e para a membrana apical em hantavírus do Velho Mundo (adaptado de Jonsson et al., 2010). Tese de Doutorado 30 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 2.5. Patogênese das infecções por hantavírus Desde 1994, quando descreveu-se a SPCVH como uma nova doença (Duchin et al., 1994), as infecções por hantavírus passaram a ser apresentadas em 2 formas distintas: a FHSR no Velho Mundo e a SPCVH no Novo Mundo. A FHSR tem os rins como órgão alvo, e a SPCVH, os pulmões. Porém, existem diferentes formas de FHSR. Em 1934, descreveu-se uma forma branda e local da FHSR, apropriadamente denominada de nephropathia epidemica (NE) pelo PUUV (Myhrman, 1951). A partir de 1980, vem sendo descritos casos de NE, particularmente os fatais, com envolvimento pulmonar predominando sobre o renal. Por isso, acredita-se hoje que exista sobreposição clínica entre SPCVH e FHSR. Estudos sugerem mecanismos patogenéticos comuns para as 2 síndromes, como a hiperpermeabilidade capilar. Desta forma, nos últimos anos, alguns autores têm sugerido a denominação Doença por Hantavírus em substituição ao nome destas 2 síndromes (Rasmuson et al., 2011, Clement et al., 2014, Connolly-Andersen et al., 2013, Gizzi et al., 2013). Geralmente, a infecção por hantavírus começa com a inalação de aerossóis contendo partículas virais infecciosas e isso deve ocorrer, também, entre os roedores. Chegando ao trato respiratório inferior, o vírus infecta, principalmente, macrófagos e células dendríticas alveolares (CD), sendo drenado até linfonodos locais, onde ocorre intensa replicação viral, o que permite uma viremia primária (Peebles e Graham, 2001, Borges et al., 2006). Os hantavírus também infectam plaquetas utilizando, como receptores, as integrinas αIIaβ3 de superfície, produzindo trombocitopenia. Ainda, os hantavírus infectam células endoteliais, particularmente as do leito vascular pulmonar e estas células passam a apresentar as glicoproteínas virais em suas membranas apicais. Dessa forma, plaquetas circulantes são capturadas por estas glicoproteínas no lúmen vascular, ampliando a trombocitopenia (Mackow e Gavrilovskaya 2009, Strandin, 2011). No entanto, o achado mais importante nas infecções por hantavírus é o aumento da permeabilidade vascular nos órgãos afetados, que é comumente acompanhado de plaquetopenia e leucocitose com células imaturas (bastonetes), incomum em outras febres hemorrágicas virais. (Saggioro et al., 2007, Schönrich et al., 2008). Tese de Doutorado 31 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 2.5.1. Infecção por hantavírus em roedores Embora os roedores-reservatórios de hantavírus sofram infecção crônica persistente, sem sinais patológicos aparentes, é bom salientar que sofrem infecção de células endoteliais, mas sem aumento da permeabilidade vascular, nem trombocitopenia. Entretanto, observou-se diminuição da sobrevida dos hospedeiros Myodes glareolus quando infectados com PUUV comparativamente aos animais nãoinfectados, em períodos de inverno na Finlândia, (Kallio et al., 2007). O reservatório natural do SNV, Peromyscus maniculatus, quando infectado, apresentava infiltrado de células mononucleares no fígado e algum grau de edema pulmonar, com com base em testes imuno-histoquímicos. Assim, a infecção por SNV parece produzir doença em seu reservatório-natural (Netski et al., 1999). Em outro estudo, inoculando BCCV em seu reservatório natural, roedor Sigmodon hispidus, todos juvenis, observou-se o desenvolvimento de pneumonite aguda difusa nos animais inoculados com carga viral mais elevada e por mais tempo (até 18 dias) (Billings et al., 2010). Em Montana, Estados Unidos, um estudo de campo realizado por 15 anos, incluindo a captura e a recaptura de P. maniculatus, reservatório de SNV, observou uma diminuição da sobrevida e da taxa de reprodução destes roedores quando infectados com SNV (Luis et al., 2012). Em suma, todos estes estudos demonstram o desenvolvimento de alguma patologia e de um custo maior de fitness em roedores infectados com hantavírus. Diferente do que comumente se supõe, roedores-reservatório apresentam uma resposta imune celular à infeção por hantavírus com linfócitos T CD8. Camundongos deficientes de células T inoculados com SEOV não exibiram a resposta imune adequada para o controle inicial da infecção. Isso resultou em elevação dos títulos virais, com amplo tropismo dos mesmos, e os animais morreram em até 10 semanas após a inoculação. A fase persistente da infecção parece estar está associada à redução da atividade das células T CD8, como observado com camundongos Balb/c infectados cronicamente com HTNV (Mahmud-Al-Rafat e Taylor-Robinson, 2014). A resposta dos linfócitos T CD4 à infecção parece ser importante no controle deste processo e, na infecção crônica, observa-se uma alta expressão de GATA3 (fator de transcrição que é o marcador do perfil da resposta Th2). Curiosamente, na fase aguda da infecção por hantavírus em roedores ocorre elevação nos níveis de IFN-γ, IL-4, e IL-5, tendo-se um padrão misto (Th1 e Th2), similar ao observado na SPCVH humana. Entretanto, esse Tese de Doutorado 32 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica tipo de resposta imune não permanece durante a fase crônica da infecção nos roedores (Easterbrook e Klein, 2008). A ativação de células T reguladoras (Treg-marcado para FoxP3) ocorre em roedores, com ação inibitória em sítios de replicação viral ativos, inibindo ou mesmo suprimindo a produção de TNF-α, reduzindo a secreção de IL-10 e estimulando a produção de TGF-β. Esta mediação da resposta imune celular é relevante para que os roedores reservatório de SEOV e SNV tenham infecção crônica (Schountz et al., 2007, Easterbrook e Klein, 2008, Li e Klein, 2012). As células T CD4 possuem importante papel no desenvolvimento de populações de células Treg em roedores infectados, como demonstrado na infecção in vitro por SEOV de células do endotélio pulmonar de roedores cocultivadas com linfócitos T CD4. Neste caso, o fenótipo Treg foi altamente induzido com uma expressão marcante de seu marcador FoxP3 (Li e Klein, 2012). Enquanto existe infecção convencional e transmissão de um hantavírus entre indivíduos de sua espécie hospedeira, há também transmissão não convencional entre o seu reservatório e outra espécie de roedor (a princípio, relatado somente de roedor para roedor). Essa transmissão pode gerar infecção produtiva que, por sua vez, pode permitir novos eventos de contágio. Trata-se do fenômeno de spillover interespecífico, quando um dado hantavírus infecta mais de uma espécie de animal-reservatório (Klingström et al., 2002). Originalmente, spillover foi utilizado por Klingström et al., (2002) para denominar o achado de PUUV infectando roedores silvestres Microtus agrestis e Lemmus sibiricus, além de seu reconhecido roedor-reservatório, Myodes glareolus. Este fenômeno pode ocorrer quando há sobreposição dos nichos ecológicos destes animais, propiciando eventualmente a adaptação dos hantavírus a novos animais-reservatório (Allen et al., 2009, Suzán et al., 2009, Dearing e Dizney, 2010). Tal fenômeno foi reproduzido em laboratório por infecção de Peromyscus maniculatus (SNV reservatório) com ANDV. Esta infecção evoluiu de forma crônica e provavelmente assintomática. A distribuição de ANDV foi sistêmica (sangue, pulmões, coração e baço), mas a resposta humoral eficaz foi detectada 21 dias p.i. (pós-infecção) e também, uma forte resposta de linfócitos T CD4 foi demonstrada sem a expressão de citocinas pró-inflamatórias do perfil Th17 (Spengler et al., 2013). Acredita-se que infecções tipo spillover sigam um curso agudo ao invés de crônico e que a resposta via T CD4 pode não ser eficaz devido a uma resposta humoral específica e efetiva. O uso de roedores como modelos de infecção por hantavírus visa a reproduzir os sinais patológicos humanos e estudar a patogênese, sendo uma área promissora de Tese de Doutorado 33 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica investigação. Algum sucesso com modelo que simula SPCVH foi observado em hamsters sírios. Nesse modelo, o desenvolvimento de doença SPCVH-símile após infecção com ANDV manteve-se inalterado após o tratamento dos animais com ciclofosfamida (supressor de linfócitos T) e depleção das células T (Hammerbeck et al., 2011). Tal fato sugere outro mecanismo de patogênese que dispensaria a atuação das células T CD8, permitindo-se especular se a infecção humana por hantavírus poderia ter mecanismo fisiopatológico alternativo, sem papel preponderante das células T CD8. 2.6. Reservatórios de hantavírus Os hantavírus tem sido considerados como roboviroses, vírus transmitidos por roedores. As espécies de roedores-reservatório de hantavírus são incluídas em 2 famílias: a Muridae, subfamília Murinae (ratos e camundongos), que habita o Velho Mundo e Novo Mundo; e a Cricetidae, dividida nas subfamílias Arvicolinae (ratazanas e lêmingues, encontrados na Eurásia e América do Norte), Neotominae e Sigmodontinae do Novo Mundo (Oliveira et al., 2014a). Entretanto, hantavírus também têm sido descritos em hospedeiros não-roedores, como insetívoros e morcegos (Zeller et al., 1989, Sumibcay et al., 2012, Sundström, 2013, Gu et al., 2014). Estudos recentes mostram o potencial de morcegos como reservatórios de hantavírus. Inicialmente, identificou-se em morcegos da espécie Nycteris hispida de Serra Leoa, na África, o hantavírus Magboi (Weiss et al., 2012); posteriormente, também na África, foi identificado o hantavírus Mouyassué em morcegos da espécie Neoromicia nanus (Sumibcay et al., 2012). Mais recentemente, foram identificados três novos hantavírus em morcegos: o Longquan em Rhinolophus das espécies R. affinis, R. sinicus e R. monoceros, o Huangpi em Pipistrellus abramus na China, e o vírus Xuan Son em Hipposideros pomona, no Vietnã (Gu et al., 2014). Ectoparasitas poderiam ser potenciais transmissores de hantavírus entre os animais silvestres (Houck et al., 2001). Os ecotoparasitas estariam influenciando na sazonalidade do reservatório natural do hantavírus Bayou (BAYV), Oryzomys palustris (Carmichael et al., 2007). Plyusnin et al., (2014) sugerem que um pré-bunyavírus, provável ancestral dos hantavírus, tenha sido originado de hospedeiros artrópodes há aproximadamente 150 milhões de anos (MA). Na América do Sul e no Brasil, hantavírus são zoonoses de roedores da subfamília Sigmodontinae. Porém, existe um único relato sobre encontro de anticorpos de hantavírus em morcegos (Sabino-Santos Jr Tese de Doutorado 34 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica et al., 2015), e de detecção parcial do genoma viral em morcegos e marsupiais (Araujo et al., 2012). 2.6.1. Roedores Sigmondontinae Existe grande diversidade entre os Sigmodontinae, com aproximadamente 540 espécies e 84 gêneros distribuídos pelo Continente Americano (D’Elía et al., 2007, 2008, Jonsson et al., 2010,). Isso faz desta subfamília a mais diversa dentre os mamíferos do Novo Mundo e a segunda em escala mundial, perdendo apenas para os roedores do Velho Mundo, da subfamília Murinae (D’Elía et al., 2007). A diversidade de espécies entre os gêneros de Sigmodontinae é irregular, sendo que Akodon e Thamasomys apresentam mais de 40 espécies descritas (D’Elía, 2003a). Trata-se de um desafio estudar a dinâmica destes roedores, quando novas espécies são constantemente descritas, como uma do gênero Juliomys descrita na Floresta Atlântica do Paraguai (De La Sancha et al., 2009). E também, porque estão ocorrendo constantes mudanças nos ecossistemas causadas pelo homem. Tais mudanças favorecem a competição interespecífica com uma das espécies competidoras sobressaindo. Portanto, para estudar a dinâmica desses roedores selvagens é preciso estabelecer padrões definidos com marcadores para captura e recaptura (Mills et al., 1997, Lima et al., 1999). Ainda, flutuações na densidade populacional de roedores são dependentes do clima e habitat dos animais (Lima et al., 1999, Ghizoni et al., 2005). 2.6.1.1. História evolutiva Fósseis encontrados na América do Norte sugerem que os Sigmodontinae da América do Norte e do Sul tenham se originado de um único ancestral comum, o Copemys, gênero de roedores da América do Norte, há 25 MA (Baskin, 1989). Cinco gêneros neotropicais de Sigmodontinae foram observados no Arizona-USA, embora três deles ainda possam ser encontrados: Calomys, Sigmodon e Oryzomys (Baskin, 1989). Quanto à América do Sul, os primeiros fósseis de Sigmodontinae (Auliscomys e Necromys), datam aproximadamente de três MA (Reig, 1987, D’Elía, 2003b). Seguemse os gêneros Akodon, Graomys e Reithrodon, com 2,5 MA. Portanto, com base em fósseis encontrados, não se sabe ao certo como formou-se a especiação da fauna Sigmodontinae encontrada atualmente (Steppan, 1995). Quanto à história natural dos Sigmodontinae, são apectos obscuros a região geográfica de origem e quando linhagens destes roedores teriam invadido a América do Sul. Sabe-se que o ancestral dos Tese de Doutorado 35 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Sigmodontinae viveu na América do Norte e Central. Entretanto, estes roedores poderiam ter migrado da América do Sul para a Central e a do Norte. Estima-se que os Sigmodontinae estejam na América do Sul há aproximadamente 20 MA, porém este também é um tema em debate (D’Elía, 2003a). 2.6.1.2. Distribuição geográfica Os Sigmodontinae habitam desde a Tierra del Fuego (Chile e Argentina), na América do Sul, até os Estados Unidos, na América do Norte. Eles estão também presentes em algumas ilhas, adjacentes ao continente ou mesmo oceânicas, como as do Arquipélago de Galápagos e as de Fernando de Noronha. A maioria dos Sigmodontinae existentes, 61 dos 84 gêneros, encontra-se no continente Sul Americano. O Brasil, maior país da América do Sul, abriga 46 dos 61 gêneros existentes no continente (D’Elía, 2003a, Bonvicino et al., 2008, Reis et al., 2011). Três gêneros de Sigmodontinae habitam as 3 Américas: Oligoryzomys, Sigmodon e Oryzomys, sendo este último, ausente do Brasil (Weksler et al., 2006). Nesoryzomys ocorre nas ilhas Galápagos. Também, sabe-se de gêneros presumivelmente extintos, como Megalomys, Megaoryzomys, e Noronhomys que ocorriam nas Antilhas, Galápagos e Fernando de Noronha, respectivamente. Quanto ao roedores do gênero Rhagomys, pensava-se que ocorressem apenas na costa do estado do Rio de Janeiro, habitando fragmentos de Mata Atlântica; contudo, surgiram relatos destes roedores nos Andes peruanos e, recentemente, na Bolívia (Luna e Patterson, 2003, Villalpando et al., 2006). O gênero Necromys possui nove espécies, dentre elas a N. lasiurus, que é amplamente distribuído no Brasil, ocorrendo desde o leste do estado do Pará até o norte do Rio Grande do Sul e sudoeste de Rondônia. No norte do Brasil há indícios da ocorrência de N. urichi (Musser et al., 2005, Bonvicino et al., 2008). 2.6.1.3. Características físicas Os Sigmodontinae divergem muito quanto a características físicas. São, em geral, de tamanho pequeno, quando comparados aos de outras subfamílias de roedores, variando de 12 a 400 gramas. O espécime de maior porte dentre os Sigmodontinae, Kunsia tomentosus, não ultrapassa 300 mm de comprimento total. A orelha destes roedores varia de ausente ou quase reduzida em Blarinomys breviceps (8 a 10 mm), a moderada em N. lasiurus (Figura 5) e Akodon montensis (12 a 20 mm), e grande em K. tomentosus e Scapteromys tumidus (21 a 32 mm) (Matson et al., 1977, Musser et al., Tese de Doutorado 36 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 2005, Bonvicino et al., 2008). A cauda destes roedores depende do tipo de comportamento de cada espécie. Em geral, é anelada com terminações pontiagudas e pouco pêlo. Em Rhipidomys, roedores de comportamento arborícola e escalador, a cauda é maior que o corpo, assim como em Oligoryzomys. Em roedores terrestres como os Necromys, Akodon e Calomys, a cauda é menor ou do tamanho do corpo (Bonvicino et al., 2008). As patas também dependem do tipo de comportamento dos roedores. Arborícolas possuem patas grandes e fortes. Semi-aquáticos possuem pata grande com membranas interdigitais, e os terrestres e fossoriais (adaptados a cavar) geralmente, possuem patas que não ultrapassam 37 mm na idade adulta, com garras salientes. Como em toda ordem Rodentia, os incisivos são encontrados no maxilar superior e inferior, sendo os caninos e pré-molares ausentes. O número total de dentes é dezesseis. Faz exceção o Neusticomys oyapocki que possui dois molares no maxilar inferior e superior. Observa-se grande variação quanto ao tamanho dos molares, morfologia e número de raízes. Sigmodontinae que se alimentam de animais, sementes, frutas ou fungos possuem coroa molar baixa e distinta daquela presente nos que se alimentam de vegetação abrasiva como pastos e cana-de-açúcar (Reig 1987, D’Elía, 2003a, Luna e Patterson, 2003). 2.6.1.4. Habitat, comportamento e dieta Sigmodontinae habitam praticamente todos os ecossistemas do continente Americano incluindo desertos, florestas equatoriais e tropicais, pântanos, cerrados, campos de altitude, salinas e caatinga. Em sua maioria são terrestres como, por exemplo, Akodon sp., Necromys sp., Calomys sp., Oligoryzomys sp., Juliomys sp. (D’Elía, 2003b, D’Elía et al., 2008, De la Sancha et al., 2009). Porém, existem alguns semifossiriais, como Blarinomys breviceps, Oxymicterus judex, O. dasytrhicus e Juscelinomys sp. (Matson et al., 1977, Emmons 1999, Gonçalves et al., 2004), arborícolas como Rhipidomys sp., Oecomys sp., Phaenomys sp. e Rhagomys sp. (Luna e Patterson, 2003) e semi-aquáticos como Scapteromys tumidus, Nectomys squamipes, Holochilus sciureus (Ernest et al., 1986). Algumas espécies semi-aquáticas habitam florestas como Nectomys squamipes. Outros semi-aquáticos habitam vegetações rasteiras e cerrados como Scapteromys tumidus. Alguns Sigmodontinae possuem mais de um hábitat. Akodon azarae, A. montensis e Necromys lasiurus vivem em diferentes tipos de ambientes abertos: pantanal úmido e seco, nos pampas, e sistemas agrícolas de cana-de-açúcar e braquiária (D’Elía, 2003b, Bonvicino et al., 2008). Enquanto alguns Tese de Doutorado 37 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica Sigmodontinae são altamente sensíveis à destruição de seus habitats, outros se adaptam a esta situação. É o caso do A. azarae, A. montensis, N. lasiurus, Calomys tener e algumas espécies de Oligoryzomys. Ainda, alguns Sigmodontinae vivem como comensais dos seres humanos. Este é o caso do A. reigi, que tem sido coletado em casas rurais no Uruguai (D’Elía, 2003a). Os Sigmodontinae possuem comportamento noturno, contudo, algumas espécies semi-aquáticas, como Holochilus sciureus têm também hábito diurno. Ainda, roedores de espécies semi-aquáticas de Scapteromys sp., Nectomys sp., Oryzomys sp., Holochilus sp., Amphinectomys sp. e Lundomys sp. são excelentes nadadores e mergulhadores, podendo escapar de predadores e também explorar estes ambientes em busca de alimento. Em geral, os Sigmodontinae fazem seus ninhos com 10 a 15 cm de largura e profundidade de 30 cm, podendo ser mais profundos no caso dos fossoriais e semifossoriais. Menos comum, são ninhos entre pedras e em raízes de árvores. Alguns, de hábito semi-aquático, fazem seus ninhos próximos à água. Arborícolas, como Thomasomys aureus e espécies de Oecomys e Rhipidomys, constroem seus ninhos em árvores, podendo até utilizar ninhos de pássaros. Os Sigmodontinae machos têm hábito de andar em torno de seus ninhos, podendo chegar a dois hectares (D’Elía, 2003a, 2003b). Contudo, estudos de ecologia mostraram que Sigmodontinae terrestres tem sazonalidade e dispersão, principalmente no outono como é o caso de espécies de Akodon (Ernest et al., 1986, Cook et al., 2001). Pouco se sabe sobre a comunicação entre os Sigmodontinae. Porém, é conhecido que a dominância é comunicada por estes roedores, principalmente pelo odor das excretas, fezes e urina, e que espécies semiaquáticas, particularmente Nectomys squamipes, emitem sons de alta freqüência (Ernest et al., 1986, D’Elía, 2003a). O conhecimento sobre a dieta dos Sigmodontinae baseia-se, principalmente, em análises do conteúdo estomacal desses animais. Como esperado de roedores tão diversos, os mesmos possuem, também, dietas variadas. Alguns são onívoros, podendo, a depender da disponibilidade, se alimentar tanto de tecidos vegetais como de tecidos animais. Espécies de hábito terrestre, em sua maioria, são granívoros. Arborícolas e semi-fossoriais costumam ser frugívoros e carnívoros, respectivamente (D’Elía, 2003a). A dieta mais estudada foi a do roedor semi-aquático Nectomys squamipes, que se alimenta de insetos e pequenos animais com até 20 cm, além de pequenos peixes (Ernest et al., 1986). Tese de Doutorado 38 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica 2.6.4.5. Ciclo reprodutivo Os Sigmodontinae são, em geral, de vida curta. Atingem a maturidade na mesma estação de nascimento. Vivem por nove meses e chegam à maturidade sexual em 45 dias. A média do número de embriões destes animais é de 4,5. Informações sobre a reprodução dos Sigmodontinae vêm, principalmente, da análise de espécimes capturados, onde são avaliadas as medidas externas, posição dos testículos, membrana na vagina e número de embriões. Desta forma, inferências no tocante à sazonalidade da atividade reprodutiva e tamanho da prole puderam ser realizadas (D’Elía, 2003a). Espécies de Zygodontomys se reproduzem continuamente, mesmo em locais com estações bem definidas (seca e chuvosa). Outras espécies respeitam a sazonalidade, reproduzindo-se, principalmente, na primavera e verão. Em espécies do gênero Calomys, os padrões de comportamento de cópula foram bem descritos. Tanto machos como fêmeas têm comportamento agressivo no momento da cópula e os machos, em sua maioria, não são monogâmicos (Laconi et al., 1998, Lassere et al., 2000). Na espécie A. azarae ocorrem em fêmeas férteis, em 30 a 60%, os cromossomos sexuais XY. Nestes casos, apesar de presentes, ocorre expressão deficiente do cromossomo Y, resultando no desenvolvimento de ovários em vez de testículos (D’Elía, 2003a). Um aspecto marcante na dinâmica populacional dos Sigmodontinae são os freqüentes surtos que tornam suas populações abundantes em curto espaço de tempo. Esse fenômeno é denominado “ratada”. As “ratadas” envolvem, geralmente, o crescimento absurdo de quatro espécies, com sobreposição de seus nichos ecológicos. O fenômeno ocorre por desequilíbrio ecológico causado pelo homem, ou também, é decorrente de fenômenos climáticos naturais como o El niño. Sabe-se que a introdução de animais e vegetações exóticas em uma determinada região leva à extinção de espécies de roedores, como relatado por Mann (1945), ou ao fenômeno de “ratadas” (Lima et al., 1999). 2.6.1.6. Importância dos Sigmodontinae para o homem Sigmodontinae são roedores de grande importância para o homem. Sabe-se que muitas espécies desta subfamília desempenham importante papel em seus ecossistemas naturais. Algumas são importantes na dispersão de sementes, e ainda servem como fonte alimentar para animais vertebrados carnívoros, como corujas e cobras. As espécies terrestres Necromys sp., Akodon sp., e Calomys sp. são verdadeiras pragas em sistemas Tese de Doutorado 39 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica agrícolas, pois roedores dessas espécies quebram as sementes, inviabilizando a germinação, podendo comer até 2 kg de comida por ano. N. lasiurus, Sigmodon hispidus e Zygodontomys brevicauda são pragas da plantação de cana-de-açúcar (D’Elía, 2003a). Também, vários destes animais são reservatórios naturais de agentes etiológicos de várias doenças na América do Sul. Este é o caso dos Oligoryzomys sp., Necromys lasiurus, Calomys sp., Akodon azarae e o rato de algodão Sigmodon alstoni, reservatórios naturais de hantavírus (para o Brasil ver figura 1). De forma similar, Calomys musculinus e o rato da cana Zygodontomys brevicauda são, respectivamente, hospedeiros dos arenavírus Junin, na Argentina, e Guanarito na Venezuela. Os roedores O. nigripes, A. montensis, Thaptomys nigrita, Euryoryzomys russatus (Weksler et al., 2006) abrigam ectoparasitas que, por sua vez, são reservatórios do agente etiológico da doença de Lyme: Borrelia burgdorferi (Chiappero, 2003, Suzuki et al., 2004, Figueiredo et al., 2009a, Salked e Lane, 2010). 2.6.2. Morcegos Taxonomicamente, os morcegos pertencem a ordem Chiroptera (palavra que deriva do grego cheir, mão, e ptero, asa) (Moratelli e Calisher, 2015). Dobson (1875) dividiu os Chiroptera nas subordens: Megachiroptera (também referida como morcegos gigantes, morcegos frugívoros do Velho Mundo ou raposas-voadoras) e Microchiroptera (micro morcegos). Os Megachiroptera incluem apenas os Pteropodidae e os Microchiroptera incluem todas as outras famílias (Koopman, 1994). Os Pteropodidae possuem 42 gêneros compreendendo 166 espécies e os Microchiroptera contém 17 famílias (aproximadamente 135 gêneros com 930 espécies) (Calisher et al., 2006, Reis et al., 2007). Os Megachiroptera estão distribuídos na região tropical da África, Índia, sudeste da Ásia e Austrália. (Fenton, 1983, Reis et al., 2007). No Brasil, são conhecidas 9 famílias de Microchiroptera com 64 gêneros e 167 espécies. Representam a segunda ordem de maior riqueza de espécies no Brasil, perdendo apenas para a ordem Rodentia com 235 espécies (Reis et al., 2007). Esta classificação foi amplamente utilizada, por mais de um século, mas já não é aceita pelos sistematas de morcegos. Atualmente, Yinpterochiroptera (Rhinolophoidea + Pteropodidae) e Yangochiroptera (todas as outras famílias) são as subordens reconhecidas (Springer et al., 2001, Van Den Busshe e Hoofer, 2004). A palavra morcego é derivado do latim muris (rato) e coecus (cego). Também vespertilio, do grego, e nycteris, do latim, são nomes relacionados ao hábito de vida Tese de Doutorado 40 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica noturno (Reis et al., 2007). Popularmente, os morcegos são considerados cegos, ratos alados, ou sugadores de sangue. Esse mito conduziu, em parte, à extinção de populações de morcegos. Entretanto, esses animais, em sua grande maioria, são de grande utilidade para os homens (Calisher et al., 2006, Reis et al., 2007). 2.6.2.1. História evolutiva É difícil encontrar fósseis com informações sobre o período inicial da evolução dos morcegos. Isso deve-se, em grande parte, ao seu delicado, pequeno e leve esqueleto que não se preserva bem. O registro fóssil mais antigo, que remete a alguma característica quiróptera, provém de meados do período Paleocênico (Reis et al., 2007, Moratelli e Calisher, 2015). Esse registro apresentava tanto características de morcegos como de insetívoros (Eulipotyphla, o grupo dos musaranhos). Estudos com dados moleculares permitiram relacionar filogeneticamente esses dois grupos, onde os Eulipotyphla se mantiveram como o grupo irmão do clado onde se encontram os morcegos (Murphy et al., 2001). Mesmo assim, não é possível determinar se esses animais primordiais já apresentavam estruturas alares. Especula-se que os morcegos evoluíram com o início da diversificaçãoo das plantas com flores, o que trouxe, consequentemente, a abundância de insetos. Nesta época, os mamíferos da ordem Insetivora também se estabeleceram e exerceram uma forte pressão predadora contra os ancestrais dos morcegos, pois havia mamíferos dessa ordem que predavam pequenos mamíferos (Reis et al., 2007, Fenton e Simmons, 2015). Presume-se que os ancestrais dos morcegos fossem noturnos, tendo evoluido de um mamífero pequeno e arborícola. Após milhões de anos saltando, de árvore em árvore, atrás de insetos o processo de seleção natural direcionou para o desenvolvimento de membranas que possibilitaram esses ancestrais a planarem, assim como os colugos (ordem Dermoptera), e esquilos voadores (ordem Rodentia). Deste ponto, os ancestrais dos morcegos se lançaram para o vôo, onde menos energia é gasta, do que correr e saltar de árvore em árvore, além de evitar contatos com predadores terrestres (Reis et al., 2007, Fenton e Simmons, 2015). Sendo assim, o fóssil mais antigo completo de um verdadeiro morcego remete a linhagem placentária do Eocênico a 60 MA, coincidindo com um grande aumento da temperatura global (Calisher et al., 2006, Reis et al., 2007). Análises morfológicas desse fóssil evidenciaram um Microchiroptera com hábitos insetívoros e habilidade para ecolocalização. Outro relato de um fóssil encontrado, na Alemanha, também de um Tese de Doutorado 41 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica morcego semelhante aos atuais, remete a 50 MA (Reis et al., 2007, Moratelli e Calisher, 2015). 2.6.2.2. Distribuição geográfica Os morcegos estão distribuídos amplamente no mundo, ocorrendo em todos os continentes, exceto na Antártida. Eles são a segunda ordem mais comum de mamíferos, superada apenas pela Primates, devido à ampla distribuição dos seres humanos. Devido à sua capacidade de voar, eles colonizaram muitas ilhas oceânicas e em algumas são os únicos mamíferos nativos (Koopman, 1994). Entre as famílias reconhecidas atualmente, Emballonuridae, Molossidae e Vespertilionidae ocorrem tanto no Novo como no Velho Mundo. Cistugidae, Craseonycteridae, Hipposideridae, Megadermatidae, Miniopteridae, Mystacinidae, Myzopodidae, Nycteridae, Pteropodidae, Rhinolophidae e Rhinopomatidae são endêmicas do Velho Mundo. Furipteridae, Mormoopidae, Natalidae, Noctilionidae, Phyllostomidae e Thyropteridae ocorrem apenas no Novo Mundo (Fenton e Simmons, 2015). No Brasil, os morcegos, habitam todo o território nacional. As famílias brasileiras com seus respetivos números de espécies são: Emballonuridae (17), Phyllostomidae (90), Mormoopidae (4), Noctilionidae (2), Furipteridae (1), Thyropteridae (4), Natalidae (1), Molossidae (29) e Vespertillionidae (26) (Reis et al., 2013). 2.6.2.3. Características físicas Os morcegos variam muito em tamanho e forma. Suas massas corporais variam de 2g no morcego-abelha, Craseonycteris thonglongyai (Craseonycteridae), o segundo menor mamífero conhecido, para 1Kg em algumas raposas voadoras, Pteropus spp (Pteropodidae), cuja envergadura pode chegar a 2m (Wilson, 1997, Moratelli e Calisher, 2015). No Brasil, o maior morcego é o filostomídeo Vampyrum spectrum, que pode chegar a 190g, 15cm de corpo e 70cm de envergadura (Reis et al., 2007). Como animais noturnos, possuem poucos cones na retina, estrutura relacionada com a percepção de cores. No entanto, não são cegos, e embora todas as famílias brasileiras usem a ecolocalização para se orientar, alguns frugívoros maiores utilizam, também, a visão para se localizarem. Por utilizarem primariamente o sistema de ecolocalização para se orientarem, seus olhos são pequenos, as orelhas são grandes, o “tragus” bem desenvolvido e as ornamentações nasais e faciais muitas vezes estão Tese de Doutorado 42 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica presentes (Reis et al., 2007). Nos morcegos da família Phyllostomidae, a folha nasal é uma marca reconhecida. Esta, por sua vez, toma parte importante no direcionamento dos ultrassons que saem pelas narinas (Neuweiler, 2000). Durante o processo de ecolocalização, os sons de alta frequência são transmitidos pela boca ou pelo nariz, e são refletidos em superfícies do ambiente, indicando, assim, a direção e distância dos objetos (Fenton e Simmons, 2015). No tocante à coloração das pelagens, os morcegos, por serem animais noturnos, apresentam poucas variações entre o preto e o pardo, com algumas poucas espécies ruivas ou amaraledas. Mesmo assim, espécies como Diclidurus apresentam pelagem branca, porém isso não parece ser um componente importante (Reis et al., 2007). Durante a evolução, os morcegos desenvolveram finas e elásticas membranas, denominada de patágio. O patágio vai de entre os dedos alongando-se até a parte distal de suas pernas. Por isso, seus ossos são longos, finos, tubulares e leves, o que favoreceu ainda mais a habilidade de voar para os morcegos (Fenton e Simmons, 2015). As falanges da mão são extremamente longas, sustentadas pelo patágio. As vértebras cervicais são torcidas possibilitando à cabeça permanecer levantada, o que permite, quando pendurados de cabeça para baixo, ver o ambiente normalmente, sem que pareça invertido. As vértebras tóraco-lombares são curvadas para ampliar a caixa torácica, e o esterno apresenta uma crista para inserção de fortes músculos peitorais. As costelas são ligadas parcialmente para tornar o tórax mais resistente, a clavícula é grossa e bem fixada. A bacia sofreu torsão e o joelho é voltado para trás. Como seu patágio possui grande superfície, sofrem muita desidratação e por isso, a necessidade de água é maior em morcegos do que em outros mamíferos de mesmo porte físico (Neuweiler, 2000, Reis et al., 2007). A dentição varia com o modo de alimentação adotado. Os caninos são grandes e os incisivos sempre rudimentares, com exceçãoo dos hematófagos, onde são bem desenvolvidos. Os dentes permanentes variam de 20 nos hematófagos, até 38 nos insetívoros. Nos hematófagos os incisivos são cortantes, os molares são achatados para esmagar frutos nos frugívoros e pontiagudos nos insetívoros, para quebrar a quitina dos insetos (Reis et al., 2007). 2.6.2.4. Habitat, comportamento e dieta Os morcegos são únicos entre os mamíferos devido a sua capacidade de voar. Em busca de comida, os morcegos podem voar até 80 Km por noite. Algumas espécies Tese de Doutorado 43 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica durante períodos de migrações sazonais podem voar até 1290 Km. Isso permitiu aos morcegos viverem em quase todo o tipo de ecossistema (Calisher et al., 2006). No Brasil, os morcegos ocorrem na Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, no árido nordeste e nos pampas gaúchos (Reis et al., 2007). Em áreas preservadas, seus abrigos são as cavernas, tocas de pedras e ocos de árvores, mas também árvores com troncos de coloração similar à sua, ou no meio de folhas de palmeiras, bananeiras, raízes na beira de rios, árvores caídas, cupinzeiros e até nas áreas urbanas devido a intensa degradação ambiental (Reis et al., 2007). Embora os morcegos sejam superados pelos roedores em riqueza de espécies, eles estão em primeiro lugar entre os mamíferos e, provavelmente, entre os vertebrados, em diversidade alimentar (Fenton e Simmons, 2015). Estão adaptados para explorar uma grande variedade de animais e vegetais como itens alimentares (Wilson 1973, 1997, Altringham 1996, 2011). Praticamente todos os grupos tróficos podem ser observados entre os morcegos, com exceção dos saprófagos (Reis et al., 2007). Portanto, o tipo de alimentação permite dividir estes animais em frugívoros, polinívoros e nectarívoros, insetívoros aéreos (aqueles que capturam insetos em vôo, mas algumas espécies capturam os insetos no chão), carnívoros (se alimentam de pequenos vertebrados, incluindo pássaros, sapos e mamíferos), piscívoros (se alimentam de pequenos peixes nas superfícies das águas), hematófagos (se alimentam exclusivamente de sangue de mamíferos, Desmodus rotundus, e aves, Diaemus youngi e Diphylla eucadata) e onívoros (Wilson, 1973, 1997). Uma característica importante dos morcegos das famílias Vespertilionidae e Rhinolophidae é a capacidade de entrar em torpor diário e hibernação sazonal. Isso garante economia de energia nas noites frias e nos meses de inverno (Lyman, 1970). 2.6.2.5. Ciclo reprodutivo A reprodução dos morcegos é semelhante a de outros mamíferos, mas o acasalamento e duração da época de reprodução são fortemente influenciados pela hibernação e migração. Geralmente, produzem 1 filhote por ano, mas podem ter 2 ou 3 e, raramente, 4. Noctilionidae e Phyllostomidae normalmente são poliestros (ciclo contínuo), enquanto Vespertillionidae e Mollossidae são monoestros (ciclo único) (Reis et al., 2007, Moratelli e Calisher, 2015). A gestação dura, em média, dois meses, porém pode também levar até 11 meses. O nascimento dos filhotes se dá em época de maior Tese de Doutorado 44 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica oferta de alimentos e geralmente cuidam de seus filhotes durante três meses (Reis et al., 2007, Moratelli e Calisher, 2015). Entre os mamíferos, a expectativa de vida geralmente aumenta conforme o tamanho do corpo e portanto, animais de maior porte vivem mais tempo. Mas os morcegos são exceção a essa regra. Enquanto um rato de 40g pode viver até dois anos, um morcego de mesmo porte, pode viver até 20 anos na natureza (Wilkinson e South, 2002, Reis et al., 2007). Existem relatos de um morcego da Sibéria, Myotis brandtii, que foi recapturado 41 anos depois de sua primeira captura (Podlutsky et al., 2005). Contudo, registros de morcegos acima de 30 anos com vida livre são conhecidos apenas para 5 espécies: Myotis lucifugus, M. blythii, Plecotus auritus, Rhinolophus furremequinum e o megaquiróptero Pteropus giganteus (Wilkinson e South, 2002). Análises do genoma e transcriptoma dos morcegos revelaram mudanças em genes que aparentam contribuir para o tamanho pequeno do corpo e uma longa vida útil (Seim et al., 2013). 2.6.2.6. Importância dos morcegos para o homem O vôo, a característica mais peculiar dos morcegos e uma das mais importantes para sua ampla distribuição, também teve efeitos sobre a evolução do sistema imune e do metabolismo destes animais, o que lhes permitiu tornarem-se reservatórios naturais de muitos vírus (O'Shea et al., 2014, Brook e Dobson, 2015). A habilidade de voar também facilita a manutenção e o espalhamento desses patógenos. Vírus de várias famílias como Bunyaviridae (hantavírus), Flaviviridae (vírus do Nilo Ocidental), Filoviridae (vírus Ebola), Coronaviridae (coranavírus SARS e MERS) já foram relatados em morcegos e tidos como seus reservatórios naturais (Moratelli e Calisher, 2015). Entretanto, independente da percepção pública negativa, morcegos são elementos críticos de todas as comunidades bióticas terrestres e particularmente para o homem. Servem como material de pesquisa na medicina, em estudos epidemiológicos, farmacológicos, mecanismos de resistência a doenças e no desenvolvimento de vacinas (Calisher et al., 2006, Reis et al., 2007). Suas asas, que são constituídas dos tecidos animais mais transparentes, permitem estudos sobre a circulação sanguínea, efeito de inalação de fumaça e tempo de eliminação de drogas (Reis et al., 2007). Ainda, eles possuem papéis importantes no controle de insetos (Boyles et al., 2011), dispersão de sementes e polinização de plantas que servem como alimento humano e animal (Dirzo Tese de Doutorado 45 Sabino-Santos Jr, 2015 Revisão Bibliográfica et al., 2014). O guano é usado como fertilizante assim como para fabricação de sabonetes e antibióticos. Além disso, a ecolocalização dos morcegos e a radiação infravermelha dos hematófagos (Desmodus rotundus) forneceram modelos para sistemas de sonar e infravermelho, respectivamente (Campbell et al., 2002, Moratelli e Calisher, 2015). Tese de Doutorado 46 Sabino-Santos Jr, 2015 _____________________________________________________________________ 3. Hipóteses Hipóteses 1- (H0) Os hantavírus, no Brasil, são vírus de pequenos roedores Sigmondotinae que: (i) infectam somente esses roedores em ambientes degradados onde a diversidade de espécies é baixa; (ii) na região nordeste do estado de São Paulo, somente o roedor Necromys lasiurus é o reservatório natural do hantavírus ARQV. (capítulo 1). 2- (H0) A viremia entre os morcegos é muito baixa diminuindo a transmissão dos hantavírus e fazendo com que esses animais não possuam papel relevante como reservatórios de hantavírus no Brasil. (capítulo 2). 3- (H0) Existe uma diversidade muito grande de espécies de ectoparasitas em pequenos mamíferos, mas: (i) não se conhece espécies de ectoparasitos nas áreas de estudo que possam ser reservatórios de hantavírus; (ii) há relação entre o número de ectoparasitos encontrado em um hospedeiro com maior risco de infecão por algum patógeno. (capítulo 3). Tese de Doutorado 48 Sabino-Santos Jr, 2015 _____________________________________________________________________ 4. Objetivos Objetivos Realizar um levantamento das espécies de pequenos roedores e marsupiais selvagens, com captura e recaptura, em cinco habitats distintos: Cerrado, Mata Semidecídua, Mata Ciliar, e monoculturas de Capim Braquiária e Cana de Açúcar. (Capítulo 1). Avaliar a diversidade das espécies de pequenos mamíferos terrestres nas estações seca (abril a setembro) e chuvosa (outubro a março) e nos distintos habitats. (Capítulo 1). Estimar o uso do habitat por roedores e marsupiais capturados. (Capítulo 1). Determinar se os padrões ecológicos, incluindo aspectos alométricos (relação de tamanho cabeça-corpo, massa corporal, índice de massa corporal, maturidade sexual), diversidade de espécies, idade, tipo de habitat e sexo influenciam na infecção por hantavírus em roedores e marsupiais selvagens. (Capítulo 1). Caracterizar geneticamente hantavírus detectados em pequenos mamíferos selvagens. (Capítulos 1 e 2). Realizar levantamento das espécies de morcegos no nordeste do Estado de São Paulo e norte do Estado de Minas Gerais, utilizando captura e recaptura, em distintos habitats: Cerrado, Mata Ciliar, Mata Seca (Mata Estacional Decidual), Mata Semidecídua, monoculturas de Capim Braquiária e Cana de Açúcar, e áreas de Cerrado degradado. (Capítulo 2). Avaliar a diversidade das espécies de morcegos nas áreas amostradas. (Capítulo 2). Estimar o uso do habitat pelos morcegos capturados. (Capítulo 2). Avaliar parâmetros ecológicos (diversidade de espécies por habitat, idade e estado reprodutivo) que influenciariam a infecção por hantavírus em morcegos. (Capítulo 2). Realizar um levantamento das espécies de ectoparasitos de pequenos roedores, marsupiais e morcegos no nordeste do estado de São Paulo e norte de Minas Gerais. (Capítulo 3). Avaliar a especifidade ectoparasita-hospedeiro e procurar por relação entre quantidade de ectoparasitos encontrados e infecção por hantavírus nos animais capturados. (Capítulo 3). Tese de Doutorado 50 Sabino-Santos Jr, 2015 ___________________________________________________________________________ 5. Capítulo 1: Ecologia de hantavírus em pequenos mamíferos terrestres Capítulo 1 Ecologia de hantavírus em pequenos mamíferos terrestres Resumo: Na América do Sul, os hantavírus utilizam, como reservatório natural, roedores da subfamília Sigmodontinae. Neste estudo, analisamos a prevalência de infecções por hantavírus em pequenos mamíferos de diferentes habitats, na região nordeste do estado de São Paulo, e a influência destes sobre os animais. Para tanto, capturamos, no período de fevereiro 2012 a junho de 2013, 154 pequenos mamíferos terrestres. Destes, Akodon montensis, Didelphis albiventris, Necromys lasiurus e Oligoryzomys nigripes foram as espécies mais abundantes. N. lasiurus mostrou-se endêmico no capim braquiária. Houve uma tendência sazonal quanto à maior diversidade de espécies na estação chuvosa, porém, sem correlação com a infecção por hantavírus nestes animais. Um total de 15 (9,7% de positividade) pequenos mamíferos apresentaram anticorpos contra hantavírus. A prevalência foi maior entre os N. lasiurus, e identificamos somente o ARAQV a infectar esses roedores. A frequência de roedores infectados com hantavírus foi influenciada pela massa corporal e pelo habitat dos animais. No habitat capim braquiária foi encontrado o maior percentual de pequenos mamíferos infectados. Portanto, este estudo mostra efeitos da paisagem natural influenciando a distribuição dos pequenos mamíferos e também a influência da mudança da paisagem pelo uso humano, reduzindo a diversidade de espécies e alterando a frequência das infecções por hantavírus em pequenos mamíferos terrestres. Estas informações são importantes para o entendermos a dinâminca e transmissão da zoonose por hantavírus na natureza. Palavras-chaves: infecção por hantavírus, degradação ambiental, pequenos mamíferos terrestres. Abstract: In South America hantaviruses have as their natural hosts rodent species of the subfamily Sigmodontinae. Our goal was to analyze the influence of hantavirus prevalence, in different habitats, among wild small terrestrial mammals in northeastern state of São Paulo, southeastern Brazil. One hundred and fifty-four small mammals were captured from February 2012 to June 2013. From these, Akodon montensis, Didelphis albiventris, Necromys lasiurus and Oligoryzomys nigripes were the most common and abundant mammal species in our material. N. lasiurus is endemic in the habitat with introduced grassland Brachiaria decumbens. There was a seasonal trend of species diversity for the rainy season, but not correlated with hantavirus infection. A Tese de Doutorado 52 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 total of 15 (9.7% positive) small mammals had antibodies to hantavirus. The prevalence was higher in N. lasiurus, and we identified only Araraquara hantavirus infecting theses rodents. The prevalence of hantavirus seems to be influenced by body mass and the habitat type. The grassland was brachiaria found with the highest percentage of infected small mammals. Therefore, this study shows effects of natural landscape influencing the distribution of small mammals and also the influence of landscape changes by human use, reducing species diversity and changing frequency of hantavirus infections among small terrestrial mammals. These informations are important to understand hantavirus dynamics and transmission in nature. Key words: Hantavirus infection, environmental degradation, and wild small mammals. 5.1. Introdução Hantavírus (Bunyaviridae) são comumente transmitidos por roedores, embora, recentemente, novos hantavírus tenham sido associados a insetívoros e morcegos (Klempa et al., 2007, Sumibcay et al., 2012). Por muito tempo, pensou-se que os hantavírus não eram patogênicos para seus reservatórios naturais. Entretanto, evidências mais recentes sugerem que essas infecções estejam associadas a um custo para seu fitness ao hospedeiro (Kallio et al., 2007, Luis et al., 2012). Por outro lado, a infecção humana por hantavírus pode produzir quadros graves (Clement et al., 2014). A principal via de transmissão para os humanos é a inalação de partículas virais que atingem o trato respiratório inferior, ou pelo contato direto com sangue ou saliva de animais infectados (Schönrich et al., 2008, Jonsson et al., 2010). Postula-se que ecossistemas da região Neotropical, degradados pelo uso humano, estão associados a maior risco de infecção por hantavírus em roedores e em seres humanos (Koch et al., 2007, Suzán et al., 2009). Um ecossistema mais complexo, que abriga grande diversidade biológica, pode conter a disseminação de doenças humanas e de animais selvagens (Derne et al., 2011). Além disso, uma comunidade altamente diversificada pode reduzir os níveis de pequenos mamíferos, porque estes servem de alimento a diversos predadores, como aves, cobras e jaguares. Da mesma forma, um maior número de espécies em uma comunidade reduz crescimento e sobrevivência das populações de reservatórios dos hantavírus (Ostfeld e Holt, 2004, Derne et al., 2011). Diferentes linhagens de hantavírus circulam em todas as Américas. Roedoresreservatório de hantavírus sul-americanos pertencem à subfamília Sigmodontinae Tese de Doutorado 53 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 (Rodentia: Cricetidae) (Jonsson et al., 2010). Seis linhagens de hantavírus foram associadas a doença humana no Brasil: Castelo dos Sonhos (CASV), Anajatuba (ANAV), Laguna Negra-like (LNLV), Rio Mamoré (RIOMV), Juquitiba (JUQV) and Araraquara (ARQV) (Oliveira et al., 2014). Este último ocorre no Cerrado da região sudeste e central do Brasil. Cerrado trata-se do habitat principal do roedor Necromys lasiurus, o principal reservatório do ARQV, o mais virulento dentre os hantavírus, porque causa doença humana com letalidade de 50% (Figueiredo et al., 2009a). Acredita-se que a emergência da hantavirose na região nordeste do estado de São Paulo se deva, principalmente, à degradação ambiental intensa pela monocultura da cana de açúcar e do campim braquiária, ambas vegetações exóticas à região. Tal mudança na estrutura e diversidade da paisagem é, provavelmente, responsável pela redução na diversidade das espécies de roedores, bem como, pela redução de interações bióticas devidas à extinção dos predadores destes animais. Os roedores das espécies remanescentes procurariam alimento e abrigo em paióis, armazéns, silos ou outros lugares edificados pelo homem, assim, facilitando a ocorrência de doença humana transmitida por estes animais (Figueiredo et al., 2003, De Sousa et al., 2008). Neste estudo, determinamos a prevalência de infecções por hantavírus (número de animais infectados por espécie/número total de capturados por espécie) e sua influência sobre pequenos mamíferos terrestres. Com base nos resultados obtidos: (i) buscamos por padrões ecológicos relacionados à prevalência de hantavírus na área de estudo; (ii) avaliamos a infecção por hantavírus nas populações de pequenos mamíferos terrestres; (iii) e caracterizamos filogeneticamente os hantavírus detectados. 5.2. Material e Métodos Área de estudo e metodologia de captura Os pequenos mamíferos foram capturados na região nordeste do Estado de São Paulo, em 4 campanhas de captura no campo, ocorridas entre fevereiro de 2012 e julho de 2013. Duas ocorreram na estação seca (abril a setembro) e 2 no período chuvoso (outubro a março), com atuação em cinco habitats distintos (Figura 1A). Os sítios de captura escolhidos representam os principais tipos de vegetação e uso do solo na região. - Sítio 1 (EEJ; Estação Ecológica de Jataí), localizada no município de Luis Antônio, com uma altitude de 600 m, abrangendo cerca de 9000 ha. Trata-se da maior área protegida no estado, possuindo vegetação contínua de Cerrado, além de pequenos enclaves de mata semidecídua. O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro (Ratter et al., Tese de Doutorado 54 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 1997), é altamente ameaçado pela invasão humana apesar de ser considerado um dos 25 biomas a serem conservados no mundo (Fonseca et al., 2000). Cercada por plantações de cana-de-açúcar e intensa silvicultura, EEJ mantém alta diversidade de flora e fauna (Talamoni et al., 2000). Foi selecionada como representante de um ecossistema complexo e, também, como controle para outros locais. - Sítio 2; no município de Cajuru, a uma altitude de 775 metros. Neste sítio a maior parte da vegetação original (Cerrado) foi convertida em cultivares mono-específicos de capim braquiária e cana-de-açúcar. O local escolhido foi uma área de cultivo de capim braquiária (Brachiaria decumbens). Esta gramínea, originária da África, é amplamente distribuída em toda a América tropical e utilizada para alimentar o gado (Miles et al., 1996). - Sítio 3; no município de Batatais, situado a uma altitude de 860 m, possuindo grandes plantações de cana-de-açúcar, com pequenas manchas de outros tipos de vegetação como o Cerrado nativo e vegetação secundária. - Sítio 4; no campus da Universidade de São Paulo (USP), município de Ribeirão Preto, situado a uma altitude de 546,8 metros. Os locais de captura na USP foram mata ciliar, Cerrado e área cultivada com capim braquiária. Para a amostragem, armamos armadilhas em uma grade permanente e em um transecto espaçado, a 1000 m da grade (Fig. 1B), onde fizemos capturas por 6 noites consecutivas, totalizando um esforço amostral de 600 armadilhas noite (esforço amostral = número de noites x número de armadilhas por noite) (Mills et al., 1995). Grade e transecto foram compostas por 100 armadilhas (Sherman e Tomahawk 'R' = unidade amostral) dispostas no solo e quando possível, em árvores, para capturar animais de hábito arborícola. Na grade, as armadilhas foram distribuídas em dez colunas e 10 linhas espaçadas 10 m, com duas linhas de armadilhas do tipo Tomahawk, e as outras do tipo Sherman. No transecto, armamos 100 armadilhas tipo Sherman ou Tomahawk intercaladas a 10 m de distância. As iscas adicionadas às armadilhas continham uma mistura de paçoca de amendoim, banana, essência de baunilha, sardinha e aveia em flocos. Mamíferos capturados eram recolhidos das armadilhas e cuidadosamente tratados, segundo as recomendações de Mills et al., (1995) e de acordo com as leis de proteção da vida selvagem e dos regulamentos previamente aprovados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Ministério do Meio Ambiente), sob a licença nº 19838-1. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade de São Paulo (nº 020/2011). Tese de Doutorado 55 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Figura 1. Área de estudo e desenho amostral. (A) Na região nordeste do Estado de São Paulo evidenciamos os municípios dos sítios de captura. (B) Desenho amostral utilizado no estudo incluindo uma grade e um transecto linear. Os animais foram identificados segundo caracteres morfológicos externos(Bonvicino et al., 2008, Reis et al., 2011). Quando necessário, a identificação das espécies foi realizada utilizando métodos moleculares (com base num fragmento de gene do citocromo-b) e seguindo protocolos previamente padronizados (Salazar-Bravo et al., 2013). As espécies dos animais soropositivos para hantavírus foram confirmadas por análise de sequências do gene citocromo-b. Animais soronegativos foram identificados apenas morfologicamente. Os animais foram sexados pela morfologia da genitália (masculino: presença de pênis; feminino: presença de vagina) e as suas idades foram inferidas com base na massa corporal e em caracteres sexuais secundários (presença de testículos no escroto, para machos; e membrana da vagina perfurada, para fêmeas), o que permitu diferenciá-los em 3 classes (juvenis, subadultos e adultos) (ver Tabela 1). Animais capturados nas grades foram marcados com brinco de orelha, para evitar pseudoreplicação e liberados no local da captura. Por fim, uma razão sexual foi estimada, para cada espécie, segundo o quociente entre número de machos por número Tese de Doutorado 56 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 total de machos e fêmeas e os desvios da proporção sexual de 1:1 foram testados utilizando teste binomial (Wilson e Hardy, 2002). Tabela 1. Estágios de vida segundo a massa corporal e caracteres sexuais secundários dos animais capturados (Bonvicino et al., 2008, Reis et al., 2011). Estágios de Vida Espécies Juvenis (g) Sub-Adultos (g) Adultos (g) Necromys lasiurus ≤ 19 20 a 39,9 ≥ 40 Akodon montensis ≤ 15 16 a 29,9 ≥ 30 Calomys tener ≤8 9 a 14,4 ≥ 14,5 Oligoryzomys nigripes ≤8 9 a 15,9 ≥ 16 Didelphis albiventris ≤ 100 101 a 350 ≥ 351 Dasyprocta azarae ≤ 1700 1800 a 2500 ≥ 3000 Marmosops paulensis ≤ 30 31 a 70 ≥ 71 Rattus rattus ≤ 20 21 a 47,9 ≥ 48 Euryoryzomys russatus ≤ 35 36 a 69,9 ≥ 70 Determinação das caractéristicas ecológicas Determinou-se o índice de diversidade que considera número de espécies e a uniformidade com que os indivíduos estão distribuídos (Simpson, 1949). Trata-se de uma relação entre número de espécies e número de indíviduos (Spellerberg e Fedor, 2003). Para analisarmos a diversidade de espécies em cada estação do ano (estação seca: abril a setembro; estação chuvosa: outubro a março) e em cada habitat (cerrado, capim braquiária, cana-de-açúcar, mata ciliar e semidecídua), utilizamos o índice de ShannonWiener (H) (Shannon, 1948). Diferenças na diversidade de espécies foram analisadas usando teste-t, teste de Mann-Whitney, ANOVA e o de Kruskal-Wallis (Zar, 1999). Utilizamos a frequência de captura para conhecer e comparar a preferência de cada espécie por determinado habitat. Consideramos como variáveis ecológicas: mês (altamente correlacionado à estação do ano), vegetação (habitat), sexo, maturidade sexual, idade, local de captura e diversidade de espécies. Também, incluímos a massa corporal, o comprimento cabeça-corpo e o índice de massa corporal (smi) dos animais (Peig e Green, 2009). Tese de Doutorado 57 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Diagnóstico da infecção por hantavírus em pequenos mamíferos terrestres Uma amostra de sangue foi coletada no seio retro-orbital de todos os mamíferos capturados com capilar heparinizado. Amostras de fezes, suabes de saliva e urina (quando presente) também foram coletados. As amostras foram colocadas em criotubos, devidamente identificados, utilizando instrumentos limpos e esterilizados para cada animal. As amostras foram armazenadas em nitrogênio líquido. Dos mamíferos capturados no transecto, tecidos de coração, pulmões, baço, rins e fígado foram colocados em criotubos contendo meio para congelamento viral e armazenados em nitrogênio líquido, para detecção e isolamento de hantavírus. Para imunohistoquímica, os intestinos dos animais foram guardados em solução com 4% de paraformaldeído e livre de nucleases. Os animais foram avaliados quanto à presença de anticorpos específicos, por ensaio imunoenzimático (ELISA) para hantavírus utilizando como antígeno uma proteína recombinante do nucleocapsídeo de ARQV produzida em no laboratório do Centro de Pesquisa em Virologia-FMRP-USP. As amostras de sangue foram diluídas a 1:100. Como anticorpos secundários para roedores, utilizamos uma mistura, na proporção 1:1, de conjugados de peroxidase com anticorpos anti-Rattus rattus (roedores Murinae) e anti-Peromyscus leucopus (roedores Sigmodontinae) (KPL, Maryland, EUA). Para marsupiais (Didelphidae), foram utilizados conjugados de peroxidase com anticorpos anti-Opossum (Alpha Diagnostics Intl. Inc., San Antonio, EUA). Este ELISA, previamente padronizado, mostrou sensibilidade de 97,2%, especificidade de 100%, 100% de valor preditivo positivo e 98,1% de valor preditivo negativo, quando comparado com o método padrão (Figueiredo et al., 2008, 2009b). A prevalência de animais com anticorpos para hantavírus, segundo a espécie, foi calculada dividindo o número de soropositivos pelo número total de analisados. Os animais soropositivos tiveram RNA extraído do plasma com o QIAamp Viral RNA Mini Kit (Qiagen, Alemanha), de acordo com as instruções do fabricante. As quantidades de RNA extraído foram quantificadas com o espectrofotômetro NanoDrop ND1000 (EUA). Para a transcrição reversa utilizamos o High-Capacity cDNA Reverse Transcription Kit (Life Technologies, EUA), seguindo as instruções do fabricante. As PCRs foram realizadas segundo Moreli et al., (2004). Os produtos de PCR foram purificados com ExoSap-TI (Affimetrix, EUA) e, em seguida, utilizados para sequenciamento nucleotídico. As sequências foram utilizadas para análise filogenética. Tese de Doutorado 58 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Análises filogenéticas dos hantavírus detectados Para as análises filogenéticas, coletamos uma base de dados contendo todas as sequências completas dos segmentos S e M de hantavírus disponíveis, até 23 de março de 2015, no GenBank do National Center for Biotechnology Information (NCBI). As sequências nucleotídicas dos segmentos S e M foram alinhadas individualmente com as dos vírus encontradas neste estudo, com o programa MAFFT v7.158b (Katoh & Standley, 2013). Posteriormente, com o programa Geneious v.8.0.1, selecionamos apenas a região de amplificação dirigida pelos primers para o segmento S (na posição nucleotídica: 213-477, sequência protótipo ARQV GenBank: EF571895) e para o segmento M (na posição nucleotídica: 1301-1625, sequência protótipo ARQV GenBank: AF307327) fazendo novos alinhamentos. Em seguida, estes dados foram analisados no programa DAMBE 5.2.6, excluindo-se as sequências idênticas (Xia & Xie, 2001). As sequências foram submetidas ao programa jModelTest para identificar o melhor modelo de substituição de nucleotídeo a ser utilizado na construção de árvores filogenéticas (Posada, 2008). O critério utilizado foi o aLRT e o melhor modelo de substituição de nucleotídeos, o GTR+G+I (General Time Reversible) com correção pela taxa de distribuição gamma (γ) e invariante (I) (Rodríguez et al., 1990). As construções filogenéticas basearam-se em método estatístico probabilístico de máxima verossimilhança (“Maximum Likelihood” - ML), que estima esta verossimilhança dos dados segundo um processo evolutivo. Assim, utilizamos o modelo de substituição, que considera taxas com base nos 3 possíveis tipos reversíveis de substituições entre os nucleotídeos. Para tanto, utilizamos o programa PhyML 3.0, apoiado estatisticamente por bootstrap (porcentagem de vezes em que o mesmo grupamento original foi recuperado nas árvores-réplicas) (Guindon et al., 2010). Também, analisamos a porcentagem de sítios idênticos nos vírus encontrados e nos selecionados, utilizando o programa Geneious v.8.0.1. Parâmetros ecológicos relacionados à infecção por hantavírus em pequenos mamíferos A diversidade de espécies pode afetar, direta ou indiretamente, a presença do vírus em certos ambientes por diluição do vírus (Randolph e Dobson, 2012). Mas o risco da doença, provavelmente, seria fenômeno local, dependente da composição da paisagem onde estão os hospedeiros reservatórios e sua ecologia, sendo pouco influenciada por padrões de diversidade das espécies (Salkeld et al., 2013). Assim, primeiramente, buscamos avaliar variáveis independentes que poderiam estar a Tese de Doutorado 59 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 influenciar a infecção por hantavírus em pequenos mamíferos (a infeção por hantavírus seria a variável dependente). Para sabermos se o padrão obtido dependia da distribuição espacial dos animais amostrados, correlacionamos os dados pelo índice de Moran (I Moran) (Paradis et al., 2004). Em seguida, verificamos se as variáveis independentes eram significantemente correlacionadas entre si e com a infecção por hantavírus, testando a multicolinearidade das variáveis contínuas por correlação de Spearman. Desta forma, para analisar se os parâmetros ecológicos poderiam estar relacionados a prevalência de hantavírus nos pequenos mamíferos terrestres, realizamos modelagem de regressão logística adaptada a eventos raros, na qual obtivemos os 2 melhores modelos, com menor valor pelo critério de informação de Akaike (“Akaike’s information criterion” - AIC) (Burnham, 2002). Estas análises foram realizadas utilizando o programa R versão 1.13.4. pacote “Multi-Model Inference” (Barton, 2015). 5.3. Resultados Diversidade de espécies e uso de habitat Um total de 154 pequenos mamíferos terrestres foram capturados durante o período de estudo. Estes pequenos mamíferos foram classificados em 9 espécies pertencentes a quatro famílias (Didelphimorphia: Didelphidae [duas espécies]; Rodentia: Cricetidae [quatro espécies], Muridae [uma espécie], e Dasyproctidae [uma espécie]; Tabela 2). Akodon montensis, Didelphis albiventris, Necromys lasiurus e Oligoryzomys nigripes foram as espécies mais freqüentes e abundantes, 34,41%, 22,72%, 16,23% e 14,28%, respectivamente (Tabela 2). As demais espécies não ultrapassaram 12% do total de animais capturados (Tabela 2). No total, o número de fêmeas superou o de machos, exceto em 2 espécies. Os desvios da razão sexual, a partir da proporção 1:1 (teste binomial, p > 0,05), foram significantes para todos os animais da ordem Rodentia, com exceção do Murinae Rattus rattus (Tabela 2). Para A. montensis e O. nigripes, o número de fêmeas superou o de machos e para N. lasiurus e Calomys tener ocorreu o inverso. O número de mamíferos capturados por armadilha variou entre 0 e 1, perfazendo um esforço amostral total de 3.600 armadilhas-noite, com um sucesso de captura de 21%. A diversidade de espécies pelo índice de Shannon-Wiener (H), variou de 1,678 (± 0,806) na estação chuvosa para 1,013 (± 0,565) na estação seca. A média da diversidade das espécies de pequenos mamíferos diferiu entre as estações do ano (t 4,5 e p < 0,001) mostrando uma tendência para a diversidade na estação chuvosa. O cerrado e Tese de Doutorado 60 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 a mata semidecídua apresentaram maior diversidade de espécies 1,148 (± 0,713) e 0,881 (± 0,491), respectivamente. A diversidade de espécies foi menor nas áreas de braquiária [0,174 (± 0,158)], cana de açúcar [0,529 (± 0,381), e mata ciliar [0,542 (± 0,782)]. Comparando habitats com média da diversidade de espécies na mata semidecídua e no cerrado observamos diferenças significantes pelo teste t, 3,09 (p < 0,01) para semidecídua e 3,5 (p < 0,001) para Cerrado, com variâncias homogêneas. Tabela 2. Número de indivíduos capturados e razão sexual por espécie. O número em negrito indica desvio da proporção sexual de 1:1 (ni = nenhuma informação). Ordem Família Espécies N Machos Fêmeas Razão Dideplphis albiventris 35 10 25 0,25 Marmosops paulensis 2 1 1 0,50 Akodon montensis 53 21 32 0,39 Calomys tener 6 4 2 0,66 Necromys lasiurus 25 15 10 0,60 Oligoryzomys nigripes 22 8 14 0,36 Dasyproctidae Dasyprocta azarae 10 2 8 0.20 Muridae 1 1 0 n.i. Didelphimorphia Didelphidae Rodentia Cricetidae Rattus rattus Total 154 62 92 Dos 5 habitats estudados, N. lasiurus e A. montensis estiveram presentes em 4. Observamos que N. lasiurus parece ter uso de habitat com frequência de 50% para áreas de braquiária. O A. montensis mostrou-se mais versátil variando entre o Cerrado e a mata semidecídua (Figura 2). Marmosop paulensis foi endêmico na mata semidecídua, e o Muridae Rattus rattus na braquiária. A cana de açúcar foi um ambiente utilizado por todos os Sigmodontinae capturados, porém O. nigripes e C. tener tiveram o uso desse habitat superior a 50%. O marsupial D. albiventris e o roedor Dasyprocta azarae foram mais frequentes na mata ciliar (Figura 2). Prevalência e análise filogenética de hantavírus em roedores e marsupiais Um total de 15 mamíferos (9,7% positivos), apresentaram anticorpos IgG contra a proteína N recombinante (Nr) de ARQV. A soropositividade foi maior em Necromys lasiurus, Akodon montensis, Didelphis albiventris e Oligoryzomys nigripes, como Tese de Doutorado 61 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 mostra a Tabela 3. Entretanto, destes, somente foi possível amplificar o genoma viral de 2 N. Lasiurus, identificados como gsj117 e gsj120 (Tabelas 3 e 4). Figura 2. Estimativa do uso de habitat, das espécies de pequenos mamíferos terrestres capturados, segundo a frequência de captura. Tabela 3. Espécies de pequenos mamíferos terrestres com anticorpos para hantavírus e que tiveram o genoma viral paracialmente amplificado. Espécies No. Animais testados No. Animais infectados Positividade (%) Genoma parcial amplificado Necromys lasiurus 25 5 20,00 2 Akondon montensis 53 6 11,32 0 Didelphis albiventris 35 3 8,57 0 Oligoryzomys nigripes 22 1 4,54 0 Tese de Doutorado 62 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Tabela 4. Percentuais de identidade em genomas parciais dos segmentos S e M de hantavírus das 2 amostras de Necromys lasiurus (gsj117, gsj120), com os mesmos sítios, encontrados em alguns dos principais hantavírus. Amostras gsj117S gsj120S gsj117M gsj120M Araraquara 85,9% 90,9% 90,6% 89,0% Andes 71,5% 74,4% 70,8% 70,1% Rio Mamoré 69,5% 72,0% 71,4% 70,1% Sin Nombre 66,0% 69,7% 66,0% 65,7% Puumala 68,0% 70,5% 66,7% 66,4% Hantaan 60,9% 61,4% 57,2% 56,8% Logquan 54,7% 58,3% 52,8% 54,7% Thottapalayam 53,9% 57,9% 53,8% 53,1% Vírus* * Número de acesso no GenBank das sequências dos vírus utilizados: Araraquara (EF571895), Andes ( AF325966), Rio Mamoré (FJ532244), Sin Nombre (JQ690276), Puumala (GQ339483), Hantaan (AB620031), Logquan (JX465417), Thottapalayam (JF784172). Para as análises filogenéticas, utilizamos dados de 86 sequências com 259 nucleotídeos do segmento S (Figura 3), e 69 com 328 nucleotídeos do segmento M (Figura 4). Excluimos desta análise sequências idênticas ou clones obtidos de hantavírus oriundos de todos os continentes, de 1985 a 2012. Quando comparadas com a sequência de ARQV, a distribuição de nucleotídeos idênticos em nossas 2 amostras variaram de aproximadamente 85% para o segmento S a 90% para o segmento M (Tabela 4). As relações filogenéticas analisadas pelos 2 segmentos demonstraram que gsj117 e gsj120 se agrupam em um mesmo ramo no clado do ARQV. Porém, o segmento S de gsj120 aparenta distância menor com um suposto ancestral comum no ramo da árvore (Figura 3). Quanto ao segmento M, o inverso foi observado (Figura 4). Não houve correlação entre o padrão das amostras e a distribuição espacial dos animais capturados (I Moran = 0,02; p = 0,07). Portanto, a localização das amostras não influenciou a infecção por hantavírus. Também, avaliamos se as variáveis independentes eram siginificativamente correlacionadas entre si. Como seria de esperar a massa corporal e o comprimento cabeça-corpo estão correlacionadas de forma significante e ainda, a massa corporal (r = 0,113; p = 0,53) mostrou-se mais correlacionada com a infecção por hantavírus que o comprimento cabeça-corpo (r = 0,067; p = 0,69). Tese de Doutorado 63 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Figura 3. Relações filogenéticas entre hantavírus detectados neste estudo com base em Máxima Verosimilhança de sequências de fragmento do gene da nucleproteína (259 nt) e do segmento S de 86 outros hantavírus. A barra de escala indica uma divergência de sequência de 3,0. As análises foram suportadas utilizando o teste estatístico de bootstrap de 1000 réplicas e os valores estão indicados nos principias ramos. Ramificações internas foram coloridas de acordo com a subfamília ou ordem de hospedeiro. A seta vermelha indica as sequências referentes ao presente estudo. Os rótulos dos ramos incluem o número de acesso ao GenBank e as espécies ou linhagens virais. Tese de Doutorado 64 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Figura 4. Relações filogenéticas por Máxima Verosimilhança entre os 2 vírus detectados neste estudo com sequências do gene Gn (328 nt) do segmento M de 69 outros hantavírus. A barra de escala indica divergência de sequência de 2,0. As análises foram suportadas por bootstrap de 1000 réplicas e os valores estão indicados nos principais ramos. Ramificações internas foram coloridas de acordo com a subfamília ou ordem de hospedeiro. A seta vermelha indica as sequências referentes ao presente estudo. Os rótulos dos ramos incluem o número de acesso ao GenBank, e as espécies ou linhagens virais. Parâmetros ecológicos relacionados à infecção por hantavírus em pequenos mamíferos Para avaliar a influência da infecção por hantavírus com habitats, idade, sexo, época de coleta (sazonalidade) e maturidade sexual dos animais utilizamos um modelo de regressão logística para eventos raros, no pacote de modelos lineares generelizados mistos (GLMM). Não houve diferença significativa para a idade (0,55 < p < 0,8), sexo (p = 0,33), maturidade sexual (p = 0,62) e diversidade de espécies (0,20 < p < 0,8). Quanto a sazonalidade, verificamos pequena correlação, os coeficientes variaram de 0,05 < p < 0,1 [mês de março (p = 0,09); mês de junho (p = 0,07)]. Porém, isso não significou tendência sazonal para a infecção por hantavírus, uma vez que o mês de março se encontra na estação chuvososa e o de junho, na seca. Portanto, os resultados sugerem que estas variáveis não estariam influenciado significativamente a infecção por hantavírus nos pequenos mamíferos terrestres. Tese de Doutorado 65 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 Analisando a média dos modelos e a dos intervalos de confiança (IC), observamos que para apenas 2 categorias de vegetação os IC não cruzam o zero, Cerrado (p < 0,05; IC 95% -5.3043640 a -0.4840745) e mata ciliar (p < 0,01; IC 95% 6.5173561 a -1.0341294). Assim, podemos afirmar que os animais capturados nestes locais têm probabilidade significantemente menor de se infectarem com hantavírus que os capturados na área de braquiária (Figura 5). Figura 5. Frequência relativa da detecção de hantavírus por ELISA nos distintos ambientes estudados: capim braquiária (Brachiaria), mata ciliar (Ciliar), mata semidecídua (Semidecidua), cerrado (Cerrado) e Cana de açúcar. Por outro lado, as áreas com cana e as de mata semidecídua apresentaram coeficientes (0,05 < p < 0,1), cujo limite superior dos IC é próximo a zero (sendo o inferior muito negativo, bem como a média dos coeficientes). Estes dados parecem indicar, também, que os animais capturados nestas áreas têm baixas probabilidades de Tese de Doutorado 66 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 se infectarem por hantavírus (Figura 5). Resumindo, os resultados sugerem que a massa corporal e as áreas com braquiária influenciam positivamente a infecção por hantavírus em pequenos mamíferos terrestres. 5.4. Discussão Necromys lasiurus, o reservatório natural do ARQV (Suzuki et al., 2004), foi o pequeno mamífero com maior preferência pelo capim braquiária (50%) (Figura 2). N. lasiurus habita ambientes de vegetação abertos, em sua maioria, e usa uma grande variedade de alimentos, dependendo da época: na estação seca 72,6% de sua dieta é composta de material vegetal, e na estação chuvosa, por um alto nível de alimento de origem animal (Talamoni et al., 2008). Este hábito alimentar onívoro explicaria o sucesso desta espécie em habitats modificados para a agricultura. De fato, em outros lugares do Brasil, devido a efeitos antrópicos, a distribuição e abundância de N. lasiurus são melhor explicadas pela disponibilidade de alimentos que pelo tipo de vegetação, ou grau de perturbação do ecossistema (Layme et al., 2004). Nossos dados mostram que em vegetação de Cerrado e em mata semidecídua, N. lasiurus foi menos abundante do que Akodon montensis. A. montensis mostrou-se ser uma espécie comum em áreas abertas de Cerrado e em ambientes antrópicos. Portanto, esse roedor parece ser o mais versátil dos Sigmondontinae capturados em nosso estudo, habitando 4 dos 5 habitats estudados. Por outro lado, na área de cana de açúcar houve predominância de Oligoryzomys nigripes e Calomys tener, porém sem associação com infecção por hantavírus. Gheler-Costa et al., (2013) observaram que N. lasiurus e C. tener predominaram na cana de açúcar, e que C. tener seria o mais adaptado a este ambiente. O marsupial Marmosops paulensis mostrou-se endêmico na mata semidecídua, sugerindo um alto grau de preservação desse habitat, pois segundo Reis et al., (2011) esse marsupial somente habita áreas de florestas primárias ou secundárias. Nosso estudo, pioneiro no sudeste brasileiro, evidenciou que a vegetação de Cerrado abriga a mais alta diversidade de roedores, seguida da mata semidecídua. A diversidade de espécies apresentou tendência sazonal, aumentando na estação chuvosa. Esse achado difere de outros estudos analisando a influência da sazonalidade sobre diversidade dos roedores e de outros pequenos mamíferos terrestres, que referiam aumento na estação seca (D’Andrea et al., 2007, Luis et al., 2010). Tese de Doutorado 67 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 N. lasiurus apresentou alta prevalência de soropositivos para hantavírus e análises filogenéticas dos fragmentos genômicos virais detectados em 2 animais mostraram tratar-se, provavelmente, do ARQV. Estes dados reforçam que N. lasiurus seja o reservatório deste vírus (Suzuki et al., 2004). Análises filogenéticas dos ARQVs encontrados nos 2 animais permitem especular sobre a existência de rearranjo genômico nesta espécie viral. As análises do fragmento do segmento S mostraram uma diferença de aproximadamente 5% para ARQV previamente conhecidos. Processos de rearranjos naturais ocorrem preferencialmente entre vírus estreitamente relacionados, no mesmo habitat e que sejam capazes de infectar o mesmo animal hospedeiro (Kirsanovs et al., 2010, Plyusnina et al., 2012). Em cultura celular, rearranjo genético tem sido mostrado para hantavírus americanos da mesma ou de diferentes espécies (McElroy et al., 2004). Tais rearranjos podem diminuir ou aumentar a patogenicidade do vírus (Kirsanovs et al., 2010). É evidente que mais estudos sejam necessários para verificar tal fato em nosso trabalho. Em nosso estudo, várias espécies apresentaram anticorpos para hantavírus, como A. montensis, O. nigripes e o marsupial Didelphis albiventris; estes animais teriam se infectado com hantavírus e desenvolveram resposta imune humoral. Portanto, o achado de anticorpos não os define como reservatórios de hantavírus, nem como eventos de spillover (Allen et al., 2009, Holsomback et al., 2009, 2013). Em estudos anteriores, verificou-se que os roedores machos eram mais propensos a serem soropositivos para hantavírus do que as fêmeas, o que não foi observado em nosso estudo (Armién et al., 2009, Suzán et al., 2009). Talvez tenhamos aqui um artefato devido ao número relativamente baixo de espécimes capturados, 154 contra 3.450 no estudo de Armién et al., (2009). Mas também, pode indicar que essa observação prévia não seja a realidade para os nossos pequenos mamíferos terrestres, particularmente os roedores Sigmondontinae (Armién et al., 2009). Portanto, mais estudos detalhados no nordeste do estado de São Paulo são necessários para dissecar a natureza complexa desses padrões de infecção, principalmente os do ARQV em N. lasiurus. A perda acelerada da biodiversidade diminui a viabilidade de um ecossistema natural, com grande dano para a sociedade humana (Chan et al., 2006, Dearing et al., 2010). Uma alta diversidade biológica pode proteger os seres humanos de doenças zoonóticas, reduzindo o risco de doenças por patógenos oriundos de reservatórios selvagens (Ostfeld e LoGiudice, 2003, Mills et al., 2006). Suzán et al., (2009) Tese de Doutorado 68 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 1 observaram que, quanto menor for a diversidade de espécies de um ambiente, maior será a taxa de transmissão de hantavírus entre animais selvagens e o risco de doença humana. Da mesma forma, Swaddle et al., (2008) relataram que a alta diversidade de espécies de aves selvagens diminuiu a taxa de transmissão do vírus do Nilo Ocidental para os seres humanos. No presente estudo, observamos que a baixa diversidade de espécies foi associada a uma maior taxa de prevalência de hantavírus, confirmada por soroprevalência, em roedores selvagens. Também, maior taxa de prevalência foi relacionada com a vegetação composta por Brachiaria decumbens. Estudos anteriores, no Panamá, mostraram que a degradação ambiental para agricultura intensiva, aumenta a soroprevalência para hantavírus em roedores. Assim, em nosso estudo, ambientes com capim braquiária parecem estar influenciando positivamente as infecções por hantavírus em roedores e isso poderia representar risco de infecção humana. A prevalência de hantavírus, em nosso estudo, mostrou-se correlacionada à massa corporal dos pequenos mamíferos terrestres. Outros estudos demonstram que a sazonalidade influi na prevalência de hantavírus (Luis et al., 2010, Bagamian et al., 2012). Mas não houve indício disso em nosso estudo, embora tenha ocorrido discreta relação para os meses de março e junho, sugerindo sazonalidade na prevalência de hantavírus em pequenos mamíferos selvagens. Os resultados do presente estudo parecem indicar que a combinação de degradação ambiental com fator relacionado à ecologia dos pequenos mamíferos, possa afetar a dinâmica da infecção por hantavírus. Isto, pelo menos em parte, pode estar sendo impulsionado indiretamente pela redução da diversidade de espécies de pequenos mamíferos terrestres. Para finalizar, ressaltamos que, neste trabalho, evidenciamos fatores de risco para infecção por hantavírus em espécies oportunistas de roedores Sigmodontinae (Necromys lasiurus, Akodon montensis e Oligoryzomys nigripes). Acreditamos que nossos resultados forneçam subsídios relevantes para a compreensão do ciclo e da manutenção da infecção por hantavírus na natureza. Esses resultados devem ter implicações em saúde pública e na conservação ambiental, que é perturbada por degradação resultante da intensa atividade agropecuária. 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Novas espécies de hantavírus foram recentemente identificadas em morcegos e musaranhos, ampliando, assim, o potencial de reservatórios e variedade desses vírus. Visando elucidar se os morcegos no sudeste do Brasil podem ser reservatórios de hantavírus, foram capturados 275 morcegos, entre fevereiro de 2012 a abril de 2014, em distintos habitats, e avaliadas características ecológicas procurando asssociá-las à infecção por hantavírus. Dos morcegos capturados, houve predominância da família Phyllostomidae. Morcegos desta família apresentaram anticorpos IgG contra a proteína N do hantavírus Araraquara (ARQV), com uma soroprevalência de 17%. Foi possível amplificar parcialmente o genoma do segmento S de um espécime de cada uma das seguintes espécies: Carollia perspicillata e Desmodus rotundus. As sequências nucleotídicas obtidas mostraram alta similaridade com o hantavírus ARQV. Foi observado que áreas com baixa diversidade de espécies e alta dominância de espécies (sobreposição de abundância de espécies de morcegos) parecem estar influenciando a infecção por hantavírus em morcegos. A mata ciliar apresentou maior taxa de infecção quando comparado com áreas de Cerrado e Mata semidecídua, onde a diversidade de espécies foi maior. Diante disso, relatamos aqui, pela primeira vez, nas Americas, fatores de risco para infecção de hantavírus em morcegos e fornecemos fortes evidências que eles podem estar desenvolvendo um papel como reservatórios de vírus letais aos seres humanos. Palavras-chaves: Infecção por hantavírus, morcegos, diversidade de espécies. Abstract: Hantaviruses are zoonotic viruses harbored by rodents that can cause severe diseases in humans. New species of hantaviruses have been recently identified in bats and shrews expanding the potential reservoirs and range of these viruses. To elucidate if bats in southeastern Brazil harbor hantaviruses, 275 bats were captured from February 2012 to April 2014, in distinct habitats. From the captured bats there was a predominance of Phyllostomidae family. Bats from this family had IgG antibodies against the N protein of Araraquara hantavirus (ARQV) with an overall seroprevalence of 17%. It was possible to amplify partial genome from segment S of the following species: Carollia perspicillata and Desmodus rotundus. The nucleotide sequences Tese de Doutorado 78 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 obtained showed high similarity with ARQV. There was observed some ecological patterns regarded to hantavirus infection among bats. Areas with low species diversity and high dominance of species (overlapping of bats species abundance) seem to be influencing infection among bats. Riparian vegetation has shown a high infection ratio when compared to Cerrado and Semideciduous forest, where diversity of species was higher. Therefore, here we report for the first time in the Americas, some risk factors for hantavirus infection among bats, and we provide strong evidences that bats may be playing a role of hantavirus reservoir and harboring lethal hantaviruses to humans. Key-words: Hantavirus infection, bats, species diversity. 6.1. Introdução Hantavírus (família Bunyaviridae) são transmitidos a partir de roedores-reservatório para os seres humanos, causando doenças fatais (Weiss et al., 2012). Os morcegos (ordem Chiroptera) são conhecidos por abrigarem uma grande diversidade de patógenos emergentes. A sua capacidade de voar e comportamento social favorecem a manutenção, evolução e disseminação desses patógenos (Sumibcay et al., 2012, Weiss et al., 2012). Kim et al. (1994) descreveram um isolamento de hantavírus em tecidos pulmonares de morcegos. Entretanto, os hantavírus detectados e caracterizados, até 2006, parecem estar relacionados a pequenos roedores e, por isso, acreditava-se que os hantavírus teriam evoluído juntamente com seus roedores-reservatório, ao longo de milhões de anos (Bennett et al., 2014, Plyusnin e Morzunov, 2001). No entanto, recentemente, novas espécies de hantavírus foram identificadas em morcegos na África e Ásia (Gu et al., 2014, Sumibcay et al., 2012, Weiss et al., 2012). Guo et al. (2013) sugeriram que os hantavírus tenham se originado principalmente em morcegos e então dispersos entre outros mamíferos reservatórios. Porém, devido à história evolutiva dos morcegos, é mais provável que insetívoros (musaranhos e toupeiras) tenham sido os reservatórios originais e, a partir destes, o vírus tenha se espalhado para morcegos e roedores (Bennett et al., 2014, Plyusnin e Sironnen, 2014, Yanagihara et al., 2014, Sabino-Santos Jr et al., 2015). Portanto, a presença de novos hantavírus em pequenos mamíferos não roedores desafia o paradigma de que os hantavírus evoluíram com seus roedores e sugere que possam ter um amplo espectro de reservatórios naturais. Quanto à infecção por hantavírus em pequenos roedores selvagens, a diversidade de espécies parece influenciar na infeção desses animais. Dados obtidos no Paraguai e Tese de Doutorado 79 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Panamá sugerem que, para a região Neotropical, a degradação nos ecossistemas esteja associada a um risco aumentado de infecção por hantavírus em roedores e seres humanos (Koch et al., 2007, Suzán et al., 2009). Porém, a participação dos morcegos na manutenção dos hantavírus também precisa ser considerada com base em evidências de que estes poderiam ser novos reservatórios de hantavírus (Yanagihara et al., 2014). Neste sentido, pouco ou quase nada se conhece da ecologia de hantavírus nesses animais. Diante disso, visando elucidar se morcegos realmente podem estar infectados por hantavírus no Brasil e consequentemente terem papel como potenciais reservatórios, realizamos este trabalho buscando: (i) testar sorologicamente os morcegos para hantavírus utilizando como antígeno a proteína recombinante (Nr) do hantavírus Araraquara (ARQV), (ii) identificar e caracterizar por sequenciamento nucleotídico as espécies de hantavírus circulantes nos morcegos e (ii) determinar padrões ecológicos que influenciariam a infecção por hantavírus entre os morcegos Neotropicais. 6.2. Material e Métodos Área de estudo e metodologia de captura Os morcegos foram capturados em cinco locais ecologicamente distintos na região nordeste do estado de São Paulo (sítios 1 a 3) e na região norte do estado de Minas Gerais (sítios 4 e 5), sudeste do Brasil (Figura 1). Sítio 1, Estação Ecológica de Jataí (EEJ): está localizado na cidade de Luis Antônio-SP e abrange uma área de 9.010,70 ha, sendo atualmente a maior área contínua protegida de Cerrado (um bioma tipicamente brasileiro) no estado de São Paulo. A Estação de Jataí também contém pequenos enclaves de mata semidecidual. Sítio 2: localizado na cidade de Cajuru-SP, com a maior parte da vegetação original (Cerrado) convertida em monoculturas e também apresentando manchas de matas ciliares. Sítio 3: localizado na cidade de Batatais-SP, caracterizado por grandes plantações de cana-de-açúcar rodeando pequenas manchas de Cerrado, matas ciliares e florestas secundárias. Sítio 4: localizado no Parque Ecológico de Sapucaia (PES) que, com 37,66 ha de área, possui topografia cárstica. Sítio 5: localizado no Parque Ecológico Lapa Grande (PELG) que com 9.600 ha de área, possui uma alta concentração de cavernas e abrigos. Os sítios 4 e 5 estão localizados no município de Montes Claros-MG e abrigam uma vegetação predominante de Cerrado, com manchas de floresta estacional decidual (mata seca) e trechos de transição para Tese de Doutorado 80 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Caatinga (um bioma desértico brasileiro). As campanhas de campo foram conduzidas de fevereiro de 2012 a abril de 2014. Os locais foram visitados duas vezes: uma na estação seca (abril a setembro) e outra no período chuvoso (outubro a março). Utilizaram-se 12 redes de neblina (modelo 716 / 12P, 12 x 2,5 m; denier 75/2, malha de 16 x 16 mm; Ecotone Inc., Polonia) nos sítios 1, 2 e 3, e 6 redes de neblina nos sítios 4 e 5. Em geral, as redes eram abertas a no mínimo três metros de altura em trilhas, logo após o pôr do sol (por volta das 18 horas) e fechadas por volta da meia noite, nas áreas amostradas. Isto ocorria por 3 noites consecutivas nos sítios 1 a 3, e por 1 noite nos sítios 5 e 6 (Esberard et al., 2005, Martins et al., 2006). Este projeto de pesquisa, incluindo procedimentos e protocolos, está de acordo com as leis de proteção da vida selvagem e foi previamente aprovado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Ministério do Meio Ambiente), conforme os protocolos 19838-1 e 41709-3. O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa Animal da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Minas Gerais (protocolos 020/2011 e 333/2013). Figura 1. Áreas de estudo nos estados de São Paulo e Minas Gerais, sudeste do Brasil. O mapa mostra os municípios onde os morcegos foram capturados. Tese de Doutorado 81 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Os morcegos capturados foram identificados segundo Gardner (2007) e Reis et al. (2013). Quando necessário, a identificação de espécie foi realizada segundo dados moleculares (com base em fragmento de gene do citocromo-b), conforme protocolos padronizados por Salazar-Bravo et al. (2013). A espécie de cada um dos espécimes soropositivos para hantavírus foi confirmada por análise de sequência do gene citocromo-b. Os animais soronegativos foram identificados apenas morfologicamente. Todos os morcegos foram manipulados e amostrados de acordo com Sikes et al. (2011). Os animais tiveram o sexo identificado de acordo com a morfologia da genitália e as idades, estimadas pelo estado de ossificação das epífises, o que permitiu dividí-los em três classes de desenvolvimento (juvenis, sub-adultos e adultos) (Figura 2) (Hutson e Pacey, 2004). Figura 2. Ilustração mostrando a aparência do antebraço de um morcego, sendo: A. juvenil, B. sub-adulto, e C. adulto (modificado de Hutson e Pacey, 2004). Determinação das características ecológicas O índice de diversidade é uma medida quantitativa que reflete quantos tipos diferentes (tais como as espécies) existem em um conjunto de dados e, simultaneamente, leva em conta a forma como as entidades básicas (como os indivíduos) são distribuídas entre os tipos (Simpson, 1949). Desta forma, os índices de diversidade foram gerados para as áreas amostradas, para podermos compará-las entre sí. Para tanto, utilizamos os índices de: Shannon-Wiener (H), Abundância, Dominância de Simpson, Equitabilidade de Gibson e o estimador de Riqueza total Chao 1 (Magurran, 2004). Shannon-Wiener é uma relação entre o número de espécies (riqueza) e o número de indivíduos (abundância) (Spellerberg e Fedor, 2003). A Equitabilidade Tese de Doutorado 82 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 leva em consideração o quão bem distribuídas estão as abundâncias para cada amostra. Uma equitabilidade alta significa que todas as espécies têm abundâncias parecidas em uma determinada área. A dominância indica o quanto uma ou poucas espécies estariam sobrepujando as outras, em abundância, em uma dada área. Chao 1 estima a quantidade total de espécies estimadas para uma área, baseada em quantas espécies foram amostradas somente uma vez (“singletons”) (Mangurran, 2004). Por fim, a razão sexual foi estimada como o quociente entre o número de machos pelo número total de machos e fêmeas para cada espécie, sendo que os desvios da proporção sexual de 1:1 foram testados utilizando o teste binomial (Wilson e Hardy, 2002). As variáveis ecológicas independentes foram: estação (seca e chuvosa), área, tipo de vegetação (habitat), maturidade sexual, idade, município e diversidade de espécies. Diagnóstico da infecção por hantavírus Nos morcegos anestesiados, o sangue foi coletado por punção cardíaca. Em seguida os animais foram sacrificados por aprofundamento da anestesia e tiveram seus órgãos (coração, pulmões, baço, rins, fígado, e duodeno) coletados em meio de congelamento viral visando o posterior isolamento viral. Amostras de fezes e suabe de saliva foram coletados de todos os morcegos capturados. Amostras de urina foram coletadas sempre que presentes. Todas as amostras foram imediatamente colocadas em criotubos, devidademente identificados e armazenadas em nitrogênio líquido. Amostras de intestinos (exceto duodeno) foram colocadas em tubos contendo paraformaldeído a 4% e livre de nucleases para posterior análise por imunohistoquímica. Para a detecção dos morcegos infectados com hantavírus, fez-se triagem por ensaio imunoenzimático (ELISA). As amostras de sangue foram diluídas a 1:100. Como antígeno do ELISA, utilizou-se uma proteína recombinante do nucleocapsídeo de ARQV produzida em nosso laboratório (Centro de Pesquisa em Virologia-FMRP-USP). Como anticorpo secundário, utilizou-se o anti-Bat (Bethyl Laboratories, Inc., EUA), específico para porção Fc de anticorpo IgG de morcegos da ordem Microchiroptera conjugado a peroxidase. Este ELISA quando aplicado para detectação de anticorpos de roedores mostrou sensibilidade de 97,2%, especificidade de 100%, valor preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo de 98,1%, quando comparado ao método padrão (Figueiredo et al., 2008, 2009). A prevalência de positivos para hantavírus foi calculada dividindo o número de animais soropositivos ao número total de animais analisados, por espécie. Tese de Doutorado 83 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Os animais soropositivos tiveram RNA extraído do plasma com o QIAamp Viral RNA Mini Kit (Qiagen, Inc., Alemanha), segundo instruções do fabricante. Após quantificação do RNA nos extratos com o espectrofotômetro NanoDrop ND1000 (EUA), estes foram submetidos a RT-PCR. A transcrição reversa (RT) foi realizada utilizando o High-Capacity cDNA Reverse Transcription Kit (Life Technologies, Inc., EUA), segundo instruções do fabricante. A PCR foi feita de acordo com Moreli et al. (2004). Os produtos da PCR foram purificados com o kit ExoSap-IT (Affimetrix, Inc., EUA), e, em seguida, utilizados para sequenciamento nucleotídico e análise filogenética. Análises filogenéticas dos hantavírus detectados Nestas análises, utilizou-se uma base de dados contendo todas as sequências nucleotídicas completas dos segmentos S e M de hantavírus disponíveis no “GenBank do National Center for Biotechnology Information” (NCBI) até 23 de Março de 2015. As sequências nucleotídicas dos segmentos S e M foram alinhadas individualmente com as dos vírus detectados nos morcegos com o programa MAFFT v7.158b (Katoh & Standley, 2013). Posteriormente, selecionou-se com o programa Geneious v.8.0.1 a região amplificada pelos primers do segmento S (nucleotídios de 213 a 477, sequência protótipo ARQV GenBank: EF571895) e com estes fragmentos fizeram-se novos alinhamentos, que foram analisados com o programa DAMBE 5.2.6, excluindo-se as sequências idênticas (Xia & Xie, 2001). Em continuação, as sequências alinhadas foram submetidas ao programa jModelTest para identificar o melhor modelo de substituição de nucleotídeos para a construção de árvores filogenéticas (Posada, 2008). O critério utilizado para nossas análises filogenéticas foi o aLRT e o melhor modelo de substituição de nucleotídeos foi o GTR+G +I (General Time Reversible), com correção pela taxa de distribuição gamma (γ) mais invariante (I) (Rodríguez et al., 1990). As construções filogenéticas utilizadas basearam-se em método probabilístico de máxima verossimilhança (maximum likelihood). Este método estima a verossimilhança de um conjunto de dados representando um processo evolutivo supostamente ocorrido. Assim, utilizou-se modelo que considera taxas baseadas nos 3 possíveis tipos de substituições entre os nucleotídeos, utilizando o programa PhyML 3.0, apoiado por “bootstrap” (percentual de vezes em que o grupamento original foi recuperado nas árvores-réplicas) (Guindon et al., 2010). Analisaram-se percentuais de sítios idênticos nos conjuntos de dados utilizando o programa Geneious v.8.0.1. Tese de Doutorado 84 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Influência da prevalência de hantavírus Utilizaram-se índices de diversidade de espécies infectadas por hantavírus nos habitats (variável tipo dummy) e pesquisou-se uma associação entre infecção por hantavírus e idade, bem como o estado reprodutivo dos indivíduos testados. As análises foram realizadas por seleção de modelos com múltiplas hipóteses concorrentes, baseada na Teoria da Informação de Akaike (AICc) (Burnham e Anderson, 2002), e estimativas de máxima verossimilhança restrita para o limitado número de amostras. Utilizou-se peso de evidência (wAIC) para avaliar a plausibilidade de cada modelo e para testar o poder de inferência das análises, concorrendo com um modelo nulo incluindo uma variável preditora aleatória. O peso de evidência varia de zero a um, que corresponde ao modelo mais plausível. Utilizaram-se nestas análises o programa R (R Development Core team 2014) e os pacotes bbmle (Bolker, 2014) e vegan. Os modelos utilizados foram lineares generalizados (GLM), com distribuição de probabilidade binomial do tipo logit. As informações sobre tipos de vegetação e área de fragmentos foram retiradas dos planos de manejo dos parques amostrados e de Muylaert et al. (2015). 6.3. Resultados Diversidade e distribuição de espécies Um total de 275 morcegos foram capturados, durante o período de estudo, a partir de um esforço amostral de 56.160 m2h. Estes morcegos foram identificados em 23 espécies pertencentes a três famílias (Molossidae [2 espécies], Phyllostomidae [19 espécies], Vespertiollionidae [2 espécies]; Tabela 1). A espécie de morcego mais capturada foi a Carollia perspicillata, seguida por Artibeus lituratus e A. planirostris (ver Tabela 1). Das 23 espécies capturadas, 10 foram capturadas apenas uma vez (singletons). Observou-se que o número total de machos sobrepôs o de fêmeas, embora sem significado estatístico. Os desvios da razão sexual analisados por teste binomial (p > 0,05), não mostraram-se significativos para nenhuma das espécies capturadas (Tabela 1). Os animais capturados eram, na maioria, adultos (Tabela 2). A área amostrada com maior riqueza de espécies, na estação seca, foi a de Montes Claros, seguida por Cajuru, Luis Antônio e Batatais. Na estação chuvosa, o padrão foi similar, tendo sido amostradas mais espécies em Montes Claros. Luis Antônio e Batatais exibiram maior dominância e menor diversidade de espécies (Tabela 3). Tese de Doutorado 85 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Tabela 1. Número e razão sexual por espécie de morcegos capturados. Família Espécie N Machos Fêmeas Razão sexual Molossidae Molossops neglectus 1 1 0 -- M. temminckii 2 1 1 0,5 Anoura caudifer 2 1 1 0,5 A. geoffroyi 4 3 1 0,75 Artibeus fimbriatus 2 1 1 0,5 A. obscuros 2 2 0 -- A. lituratus 43 22 21 0,51 A. planirostris 43 17 26 0,40 Carollia benkeithi 1 1 0 -- C. perspicillata 57 31 26 0,54 Chrotopterus auritus 1 0 1 -- Chiroderma villosum 1 0 1 -- Desmodus rotundus 11 10 1 0,9 Glossophaga soricina 25 11 14 0,44 Lasiurus blossevillii 1 0 1 -- L. ega 1 1 0 -- Loncophylla spp 1 0 1 -- Micronycteris minuta 1 0 1 -- Phyllostomus hastatus 1 1 0 -- Platyrrhinus lineatus 25 11 14 0,44 Sturnira lilium 33 17 16 0,52 Myotis albescens 1 0 1 -- M. nigricans 16 7 9 0,44 275 138 137 0,50 Phyllostomidae Vespertillionidae Total Tese de Doutorado 86 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Tabela 2. Distribuição da idade em morcegos por sítio e por condição (totais e infectados). Idade/Cidade Luis Antônio Batatais Cajuru Montes Condição Adulto 56 14 32 99 Total Sub-adulto 7 1 1 43 Juvenil 3 0 1 17 Adulto 1 2 0 3 Sub-adulto 1 1 0 1 Juvenil 0 0 0 0 Infectados Tabela 3. Índices da diversidade de espécies de morcegos por cidade em diferentes estações do ano. Cidade Luis Antônio Batatais Cajuru Montes Índice Chuvosa Seca Chuvosa Seca Chuvosa Seca Chuvosa Seca Riqueza 5 6 6 0 9 5 10 14 Abundância 39 27 15 0 28 6 39 121 Dominância 0,3675 0,3635 0,2356 0 0,148 0,2222 0,2018 0,1675 Diversidade de Simpson 0,6325 0,6365 0,7644 0 0,852 0,7778 0,7982 0,8325 Shannon-Wiener (H) 1,213 1,32 0 2,032 1,561 2,056 1,582 1,855 Equitabilidade de Gibson 0,6726 0,6238 0,8109 0 0,8476 0,9524 0,6392 0,558 Chao-1 6,5 0 9,333 8 15,5 5 9 15 Considerando a abundância de morcegos em cada habitat comparado ao tamanho dos fragmentos amostrados, identificaram-se 2 eixos principais que explicam a variação na presença e quantidade das espécies de morcegos (Figura 3). Como as áreas de Cerrado e Mata semidecídua apresentaram os maiores valores de vegetação, consideramos no eixo 1 da PCA (análises de componentes principais) (eixo x) como a quantidade de vegetação e, no eixo 2, a estrutura da vegetação (que influenciou menos na distribuição das espécies menos abundantes). Tese de Doutorado 87 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Figura 3. Distribuição das espécies de morcegos em diferentes tipos de habitats através da análise de componentes principais. Os números nos eixos são resultados das análises de variânica-covariância. O eixo x representa a variação em quantidade florestal nas diferentes áreas, enquanto o eixo y a variação na estrutura florestal. A linha verde indica a contribuição do tipo de vegetação dos diferentes habitats na variação da presença e abundância das espécies de morcego. Nota-se a diferença na composição de espécies influenciadas por Floresta Semidecídua e áreas degradadas. Prevalência e análise filogenética dos hantavírus detectados Dos 275 morcegos capturados, 53 foram eutanasiados e tiveram o sangue coletado. Destes 53, 9 (17% de positividade) apresentaram anticorpos IgG contra a proteína N recombinante (Nr) de ARQV. Os morcegos soropositivos pertenciam a 7 espécies da família Phyllostomidae, sendo que o maior número de positivos ocorreu no morcego vampiro Desmodus rotundus. Porém, o carnívoro Chrotopterus auritus, e o frugívoro Chiroderma villosum tiveram somente 1 espécime testado e este, em ambas as espécies, mostrou-se soropositivo (Tabela 4). Entretanto, foi possível amplificar genoma de hantavírus em somente 2 espécimes, um da espécie Carollia perspicillata (gsj 169) e outro da espécie Desmodus rotundus (gsj 174) (Tabelas 4 e 5), ambos Tese de Doutorado 88 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 capturados na zona rural do município de Batatais e em vegetação de mata ciliar margeando monoculturas de capim braquiária. Tabela 4. Espécies que apresentaram anticorpos IgG contra a proteína Nr ARQV e tiveram genoma viral parcialmente amplificado. Distribuídos pelo sexo e sua principal dieta. Espécies Testados/Positivos Machos Fêmeas Dieta RNA viral Artibeus lituratus 6/1 1 0 Frugívoro 0 Artibeus obscurus 2/1 1 0 Frugívoro 0 Artibeus planirostris 3/1 1 0 Frugívoro 0 Carollia perspicillata 10/1 1 0 Frugívoro 1 Chiroderma villosum 1/1 0 1 Frugívoro 0 Chrotopterus auritus 1/1 0 1 Carnívoro 0 Desmodus rotundus 5/3 3 0 Sanguinívoro 1 Tabela 5. Variação dos sítios nucleotídicos idênticos em sequência parcial do segmento S nos vírus obtidos de Carollia perspicillata, comparado com as dos principais hantavírus. Amostra Vírus* gsj169S Araraquara 90,7% Andes 74,7% Rio Mamoré 72,0% Sin Nombre 70,0% Puumala 69,6% Hantaan 60,3% Logquan 58,4% Thottapalayam 56,4% * Número de acesso no “GenBank” das sequências dos vírus utilizados: Araraquara (EF571895), Andes ( AF325966), Rio Mamoré (FJ532244), Sin Nombre (JQ690276), Puumala (GQ339483), Hantaan (AB620031), Logquan (JX465417), Thottapalayam (JF784172). Tese de Doutorado 89 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Para as análises filogenéticas, utilizaram-se 86 sequências com 259 nucleotídeos para o segmento S oriundas de hantavírus descritos de 1985 a 2012, excluídas sequências idênticas ou clones (Figura 4). Quando as amostras de morcegos foram comparadas ao ARQV observou-se aproximadamente 91% de identidade de nucleotídeos (Tabela 5). Na árvore filogenética, gsj 169 agrupou-se no clado do ARQV, curiosamente, com sequências oriundas de Sigmondontinae (Figura 4). Quanto a gsj 174, sua sequência foi agrupada às do GeneBank, mostrando uma identidade superior a 90% com a do ARQV. Figura 4. Árvore filogenética por Máxima Verosimilhança, gerada a partir de comparações das sequências do gene da nucleproteína (259 nt) incluindo 84 sequências do segmento S de hantavírus e 1 dos vírus detectados nos morcegos. A escala indica divergências de sequências nucleotídicas em 2,0. As análises foram suportadas por bootstrap de 1000 réplicas e seus valores estão indicados nos principias ramos. Ramificações internas foram coloridas segundo a subfamília ou ordem do hospedeiro. A seta vermelha indica a sequência referente ao presente estudo. Os rótulos contêm número de acesso ao GenBank, e as espécies ou linhagens virais. Tese de Doutorado 90 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Influência da prevalência de hantavírus em morcegos Dentre os morcegos infectados por hantavírus, nenhum era juvenil (Tabela 2). O número de machos infectados foi maior que o de fêmeas, porém sem significância (Tabela 4). A distribuição de infectados por habitat (Tabela 6) mostrou que o maior número de testados foi o de animais capturados no Cerrado e o menor número na mata ciliar. Entretanto, o local que apresentou proporcionalmente mais indivíduos infectados foi a mata ciliar (33% do total de indivíduos infectados). Em áreas de mata secundária degradada nenhum morcego, dentre 8 testados, mostrou-se infectado. A distribuição de morcegos infectados se mostra homogênea entre os habitats, com exceção da área degradada (Tabela 6). Tabela 6. Percentual de morcegos capturados e infectados por hantavírus (entre parênteses) nos diferentes habitats amostrados. Tipo de Vegetação Cerrado Mata Ciliar Decídua* Degradado** Semidecídua† Não-infectados 32,26 (10) 9,68 (3) 9,68 (3) 25,81 (8) 22,58 (7) Infectados 22,22 (2) 33,33 (3) 22,22 (2) 0 (0) 22,22 (2) Total 30 (12) 15 (6) 12,50 (5) 20 (8) 22,50 (9) *Mata Seca; **Cerrado degradado, antropizado; †Mata semidecídua Com relação aos modelos concorrentes, observou-se que quanto maior a dominância, encontraram-se mais indivíduos positivos para hantavírus, embora variando com o tipo de vegetação. Dentre os locais de captura, matas ciliares obtiveram maior número de morcegos positivos, sendo que áreas com riqueza e diversidade baixas também tenderam a apresentar maior número de infectados (Tabela 7). Entretanto, os modelos pouco explicaram, como pode-se observar pelo peso de evidência (0,18 para diversidade e 0,14 para dominância), corroborando maior incidência de infecção em áreas de maior dominância (Figura 5). Tese de Doutorado 91 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Tabela 7. Lista de modelos explicando a variação nos resultados de positividade para hantavirus. Modelos plausíveis em itálico e, em negrito, os melhores modelos. Modelo Linear Generalizado Infecção~Shannon dAI Cc Graus de liberdade Peso de evidência (waic) 0 2 0,1837 Infecção~Dominância Infecção~Área de vegetação+Tipo de vegetação 0,5 2 0,1427 0,8 6 0,122 Infecção~Área de vegetação 0,8 2 0,1209 Infecção~Equitabilidade 0,9 2 0,1168 1 2 0,1123 Infecção~Tipo de Vegetação 1,2 5 0,1002 Infecção~Idade Infecção~Dominância e Área de vegetação 2,5 3 0,0525 2,8 3 0,0455 9 6 0,0021 11 11 <0,001 12 12 <0,001 26,3 16 <0,001 Modelo Nulo Infecção~Condição Reprodutiva Infecção~Condição Reprodutiva e Tipo de Vegetação Infecção~Espécie Infecção~Condição Reprodutiva e Riqueza Distrib.* Diagnóstico Plausível Binomial (logit) Não plausível *Distribuição Figura 5. Positividade para hantavirus nos morcegos em função das variáveis mais plausíveis. (A) Diversidade de espécies por Shannon-Wiener, (B) Dominância, (C) Percentagem de floresta. Tese de Doutorado 92 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 6.4. Discussão Os indícios aqui obtidos nos permitiram reconhecer, nas áreas amostradas, que hantavírus estão a infectar e provavelmente, a utilizar os morcegos como possíveis reservatórios naturais. Observamos, também, que a diversidade de espécies, a dominância e o tipo de habitat estão influenciando essa infecção nos morcegos neotropicais. Alterações antrópicas no uso da terra ameaçam a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas (Meyer et al., 2008). A conversão de habitats naturais em áreas modificadas pelo homem, por agricultura intensiva ou moderna, conduzem à fragmentação do habitat criando paisagens em mosaico que, muitas vezes, levam a consequências drásticas para a fauna associada (Ripperger et al., 2015). Pudemos verificar que a diversidade e distribuição das espécies de morcegos capturadas foram maiores em habitats com vegetações nativas de Cerrado e mata semidecídua (Figura 3). Dos locais amostrados, Montes Claros, com maior área de vegetação nativa (Cerrado e machas de mata decídua), mostrou maior diversidade de espécies tanto na estação seca como na chuvosa. Medellin et al. (2000) demonstraram que a diversidade de morcegos phillostomideos é drasticamente reduzida em ambientes onde a vegetação nativa de Floresta Tropical Úmida foi convertida em plantações de algodão. Foi visto que esses morcegos, embora sejam grandes dispersores de sementes em habitats antropizados para agricultura, dependem fortemente de fragmentos naturais para sobreviverem (Ripperger et al., 2015). Em nosso estudo, observamos que em áreas onde a vegetação nativa de Cerrado foi degradada, a diversidade e distribuição de espécies mostrou-se polarizada negativamente, corroborando o estudo prévio. Isto foi observado por Hale et al. (2012), que verificou a urbanização como fator de impacto negativo para a atividade dos morcegos. Os morcegos da família Phyllostomidae foram os mais abundantes em nosso estudo. Destes, Carollia perspicillata foi o mais abundante. Tratase de morcego com hábito frugívoro, mas que pode se alimentar de pequenos insetos (Reis et al., 2007) e possui pico de atividade cerca de 2 horas após o por do sol (Aguiar e Marinho-Filho, 2004). Em estudo realizado no sudeste do Brasil, C. perspicillata foi também a espécie mais abundante (Aguiar e Marinho-Filho, 2004). Em nosso estudo, não observamos diferença entre número de machos e fêmeas, embora, o número total de machos tenha sido maior. Porém, quando comparamos 5 espécies de phillostomideos mais abundantes encontramos padrão distinto pois Artibeus lituratus, A. planirostris, Tese de Doutorado 93 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Platyrrhinus lineatus, e Sturnira lilium, frugívoros da subfamília Sternodermatinae, tiveram número de fêmeas capturadas maior, embora sem significância. Portanto, entre as espécies capturadas, a razão sexual tendeu a zero. Isso, somado à distribuição (Figura 3), pode indicar que as espécies menos abundantes, talvez, tenham sido capturadas no limite de seu nicho ecológico. Por isso, na Figura 3, não foi possível determinar a distribuição exata dos morcegos nos diferentes habitats. Trata-se de uma diferença com relação às espécies mais abundantes, que podem ter sido capturadas no centro de seu nicho ecológico, como verificado para Carollia perspicillata e Sturnira lilium, em Cerrado e mata semidecídua, respectivamente (Brown, 1984, Parmesan et al., 2005). No tocante à idade dos morcegos, observamos número maior de adultos e sub-adultos que de juvenis, o que já era esperado, uma vez que muitos morcegos juvenis são dependentes maternalmente e não possuem completa autonomia (Reis et al., 2007). Vírus originários de morcegos podem tornar-se zoonoses emergentes transmitidas destes para animais domésticos e para seres humanos (Plowright et al., 2014, Brook e Dobson, 2015). Os morcegos são a segunda ordem de mamíferos considerados reservatórios de viroses zoonóticas, perdendo apenas para os roedores. Entretanto, os morcegos podem hospedar mais vírus zoonóticos por espécie do que os roedores (Luis et al, 2013, Brook e Dobson, 2015). Entender como esses patógenos e suas infecções ocorrem nos sistemas ecológicos até causarem doenças em seres humanos é de grande importância em saúde pública. Em nosso estudo, estabelecemos alguns padrões ecológicos da infecção de hantavírus em morcegos neotropicais (phillostomideos). Encontramos 9 morcegos com anticorpos para ARQV, todos pertencentes à família Phyllostomidae. O morcego vampiro, Desmodus rotundus, foi aquele com maior número de infectados (Tabela 4). A análise filogenética de sequências parciais do segmento S mostrou que as sequências nucleotídicas virais derivadas dos espécimes de Desmodus rotundus e Carollia perspicillata se agruparam com o ARQV. Anteriormente, Araujo et al. (2012) observaram que um ARQV-like estava infectando morcegos phillostomideos Diphylla eucadata e Anoura caudifer. Porém, no estudo de Araujo et al. (2012), não houve detectecção de anticorpos para hantavírus, e se baseou apenas em uma sequencia parcial do genoma. Como não existem sequências de hantavírus oriundos de morcegos Neotropicais, a sequência nucleotídica do vírus obtido em nosso estudo se agrupou às de hantavírus oriundos de roedores Sigmodontinae, até por se tratar de um provável ARQV. Evolutivamente, os morcegos formam um clado irmão com os insetívoros (musaranhos e toupeiras) (Yanagihara et al., 2014) e presumeTese de Doutorado 94 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 se que estes animais tenham uma história evolutiva comum. Porém, Guo et al. (2013) sugeriram que hantavírus teriam sua origem em morcegos e depois teriam passado aos insetívoros e roedores. Contudo, é mais provável que os hantavírus tenham se originado em musaranhos e posteriormente se dispersado para os morcegos e roedores (Bennet et al., 2014, Yanagihara et al., 2014). Nosso achado abre margem para futuros estudos focando a evolução dos hantavírus em morcegos Neotropicais, pois, até o momento, pouco se conhece a esse respeito, e existem várias questões em aberto. Dentre os morcegos capturados, a infecção por hantavírus não foi detectada em nenhum juvenil. Isto deve ter ocorrido porque tais infecções têm efeito cumulativo com a idade, assim como observado com os hantavírus em roedores (Sabino-Santos Jr, 2010, Piudo et al., 2012). O número de machos infectados foi maior do que o de fêmeas, porém sem significância (Tabela 4). Em roedores, o sexo parece influenciar a prevalência de infecções por hantavírus, onde mais machos são encontrados infectados, e isso reduziria a taxa de reprodução nesses animais (Luis et al., 2012). Os nossos dados revelam que, em morcegos, o sexo parece não influenciar, porém, mais estudos são necessários para confirmar este achado. A degradação ambiental e a fragmentação continuam, atualmente, em um ritmo acelerado e alarmante (Meyer et al., 2008). Isso põe em risco a vida selvagem, diminuindo a biodiversidade e aumentando o risco de doenças, que podem ser transmitidas de pequenos mamíferos para os seres humanos (Mills et al., 2006, Dirzo et al., 2014). Sabe-se que a diminuição da diversidade de roedores pode aumentar o risco de infecção entre estes animais e consequentemente no ser humano (Suzán et al., 2009). Portanto, a fragmentação pode ser um fator de risco para infecção em roedores selvagens (Armién et al., 2009). Com relação aos morcegos, verificamos que áreas com riqueza e diversidade baixa destes animais também apresentam um maior risco de infecção por hantavírus. A mata ciliar apresentou uma proporção maior de animais infectados, enquanto que no Cerrado degradado, onde esperava-se maior frequência, não observamos infectados dentre 8 morcegos testados. Esses resultados mostram que hantavírus poderiam ter morcegos como reservatórios naturais. Entretanto, a alta variabilidade nos dados de nossos modelos permitiu um baixo poder de inferência. Esse trabalho é pioneiro na detecteção e na ecologia de hantavírus em morcegos, mostrando indícios que podem direcionar estudos futuros. Ainda, fato muito importante, nossos resultados sugerem que ARQV, um hantavírus patogênico para o homem e produtor de grave doença, encontra-se infectando morcegos no Brasil. Tese de Doutorado 95 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 2 Referências Aguiar LMS e Marinho-Filho J, (2004). Activity patterns of nine phyllostomid bats species in a fragment of the Altantic Forest in southeastern Brazil. Rev Bras Zoo. 21(2):385-90. Araujo J, Thomazelli LM, Henriques DA, et al., (2012). Detection of hantavirus in bats from remaining rain forest in São Paulo, Brazil. BMC Res Notes. 5:690. Armién AG, Armién B, Koster F, et al., (2009). Hantavirus infection and habitat associations among rodent populations in agroecosystems of Panama: implications for human disease risk. Am J Trop Med Hyg. 81(1): 59-66. Bennet SN, Gu SH, Arai S, Yanagihara R, (2014). Reconstructing the evolutionary origins and phylogeography of hantaviruses. Trends Microbiol. 22(8):473-82. 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Ectoparasitos já foram encontrados naturalmente infectados com hantavírus, podendo transmitir o vírus de forma transovariana e transestadial. Nosso objetivo aqui foi realizar um levantamento ecológico de espécies da ectoparasitofauna de pequenos mamíferos selvagens associando à (i) especificidade ectoparasito-hospedeiro, (ii) diversidade de espécies dos ectoparasitos, e a (iii) relação da abundância (quantidade) de ectoparasitos com a infecção por hantavírus nas espécies de pequenos mamíferos selvagens. Foram coletados 3.225 ectoparasitos de 154 pequenos mamíferos terrestres e de 181 morcegos, durante fevereiro de 2012 até abril de 2014, nos estados de São Paulo e Minas Gerais, Brasil. Observamos que a diversidade de ectoparasitos foi maior no roedor Necromys lasiurus. A especificidade ectoparasito-hospedeiro foi notada quase em todos os pequenos mamíferos onde o índice de similaridade de Jaccard não excedeu a 0,2. As exceções foram percebidas para os ectoparasitos Amblyomma sculptum, Androlaelaps rotundus, Hoplopleura sp., Laelaps paulistanensis, e Trichobius joblingi, que foram distribuídos em duas ou mais espécies de hospedeiros. Geralmente, quanto a maior abundância de ectoparasitos, maior o risco de infecção e doença nos hospedeiros. Mas em nosso estudo, não houve relação da infecção por hantavírus nem com a quantidade e com a diversidade de ectoparasitos. Espécimens adultos de Akodon montensis parecem ser mais ectoparasitados, enquanto N. lasiurus capturados no capim braquiária tiveram um número de ectoparasitos maior do que em outros ambientes. Palavras-chaves: Ectoparasitos, infecção por hantavírus, mamíferos-hospedeiros. Abstract: Diseases transmitted by arthropods, play an important role in human and/or animal health. Ectoparasites have been found naturally infected with hantavirus, and can transmit the virus by transovarian and transstadial pathways. Our goal here was to conduct a ecological survey of ectoparasites species from wild small mammals by combining (i) ectoparasite-host specificity, (ii) diversity of species of ectoparasites, and (iii) abundance of ectoparasites with the hantavirus infection among small mammals. During Februaray 2012 to April 2014 we collected 3,225 ectoparasites from 154 terretrial small mammals, and 181 bats, in the states of São Paulo and Minas Gerais, Tese de Doutorado 103 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Brazil. We found that the diversity of ectoparasites was higher in the rodent Necromys lasiurus. The ectoparasite-host specificity was noted in almost all small mammals where the Jaccard index of similiarity did not exceed 2.0. The noted exceptions belong to ectoparasites such as: Amblyomma sculptum, Androlaelaps rotundus, Hoplopleura sp., Laelaps paulistanensis, and Trichobius joblingi, that were distributed into two or more host species. Usually, the greater abundance of ectoparasites, the greater is the risk of infection and disease in the host. However, there was no relationship of hantavirus infection with the amount, nor the diversity of ectoparasites. Adults specimens of Akodon montensis seem to have more ectoparasites, while N. lasiurus captured in grassland had a number of ectoparasites higher than in other environments. Key-words: Ectoparasites, hantavirus infection, mammals-hosts. 7.1. Introdução Os artrópodes constituem o maior filo animal. Porém um número relativamente pequeno de espécies encontra-se direta ou indiretamente relacionado com à saúde pública (Fritsche, 2003). Essas espécies podem ser de importância médica por serem vetores biológicos de organismos causadores de doenças (malária, filariose, febre amarela, dengue, peste bubônica, babebiose, tifo, doença de Lyme, doença de Chagas, leishmanioses, e muitas outras) (Mathison e Pritt, 2014). Podem produzir fenômenos inflamatórios, alérgicos ou até espoliação, causando danos aos seus hospedeiros. Acredita-se que quanto maior a abundância de ectoparasitos maior é o risco de danos ao hospedeiro (Wall, 2007). Como vetores biológicos destacam-se os ácaros, carrapatos, pulgas e algumas espécies de moscas. Muitos desses artrópodes não são de vida livre e vivem associados a pequenos mamíferos selvagens, sendo algumas espécies específicas de seus hospedeiros. Esta especificidade pode, inclusive, auxiliar na identificação taxonômica de espécies hospedeiras (Linardi, 1977, Valiente-Moro et al., 2005). Chumakov et al. (1990) sugeriram que ectoparasitos podem manter a infecção por hantavírus apenas entre roedores. Houck et al. (2001) detectaram em ectoparasitos, por métodos moleculares, o hantavírus Bayou, sugerindo que este não tenha sido adquirido originalmente pelos roedores, mas que tenha replicado previamente em ectoparasitos. O vírus Haantan foi detectado em lotes com 3 espécies de ácaros da família Laelapide, gamasideos (Eulaelaps stabularis, Haemolaelaps glasgowi, e Laelaps cynognathus). Estes artrópodes foram coletados em ninhos de roedores Tese de Doutorado 104 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 selvagens Apodemus agrarius. Estes estudos indicaram que ácaros gamasideos possam ser naturalmente infectados com vírus Hantaan, e que poderiam transmitir o vírus de forma transovariana e transestadial (Yu e Tesh 2014). Sabe-se que a transmissão de hantavírus para os seres humanos ocorre por inalação de partículas virais em aerossóis contendo excrementos de pequenos roedores Cricetidae infectados (Jonsson et al., 2010). Guo et al. (2013) sugeriram que os hantavírus tenham se originado principalmente em morcegos e posteriormente dispersos entre outros mamíferos reservatórios. Entretanto, com base na história evolutiva dos morcegos seria possível que os insetívoros (musaranhos e toupeiras) tenham sido os reservatórios originais destes vírus e a partir destes teriam acometido morcegos e roedores (Bennett et al., 2014, Yanagihara et al., 2014). Estas evidências, contestam que Bunyaviridae do gênero Hantavirus, diferentemente dos outros gêneros da família, não seriam transmitidos por artrópodes. Diante disso, realizamos um levantamento ecológico de espécies da fauna de ectoparasitas de pequenos mamíferos selvagens, associando estes resultados a: (i) especificidade ectoparasito-hospedeiro, (ii) diversidade de espécies dos ectoparasitos e (iii) relação da abundância (quantidade) de ectoparasitos com a infecção por hantavírus nos animais. 7.2. Material e Métodos Área de estudo e metodologia de captura de pequenos mamíferos selvagens Os ectoparasitas foram coletados de pequenos mamíferos selvagens em cinco sítios ecologicamente distintos da região nordeste do estado de São Paulo e do norte do estado de Minas Gerais (Figura 1). Sítio 1: Estação Ecológica de Jataí (EEJ), município de Luis Antônio, que abrange uma área de 9.010,70 ha, a maior área contínua protegida de Cerrado (um bioma tipicamente brasileiro) no estado de São Paulo. Ali, observam-se também, pequenos enclaves de mata semidecidual. Sítio 2: no município de Cajuru-SP, local com vegetação original (Cerrado) convertida em monoculturas, mas apresentando manchas de matas ciliares. Sítio 3: no município de Batatais-SP, local com plantações de cana-de-açúcar rodeando pequenas manchas de Cerrado, matas ciliares e florestas secundárias. Sítio 4: Parque Ecológico de Sapucaia (PES), com área de 37,66 ha e topografia cárstica. Sítio 5: Parque Ecológico Lapa Grande (PELG), com 9.600 ha e alta concentração de cavernas e abrigos. Os sítios 4 e 5 estão localizados no município de Montes Claros-MG e abrigam uma vegetação predominante de Cerrado, com manchas Tese de Doutorado 105 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 de floresta estacional decidual (mata seca) e trechos de transição para Caatinga (um bioma desértico brasileiro). Figura 1. Área de estudo nos estados de São Paulo e Minas Gerais, sudeste do Brasil. O mapa mostra os municípios onde ectoparasitos foram coletados dos pequenos mamíferos selvagens. Para a captura de pequenos mamíferos selvagens terrestres (roedores e marsupiais), nos sítios 1 a 3, utilizou-se uma grade permanente e um transecto (ambos compostos de 100 armadilhas do tipo Sherman e Tomahawk) distante 1000 m da grade. Grade e transecto foram mantidos por 6 noites consecutivas, totalizando esforço amostral de 600 armadilhas-noite (Mills et al., 1995). Para a captura de morcegos utilizaram-se 12 redes de neblina (modelo 716/ 12P, 12 x 2,5 m; denier 75/2, malha de 16 x 16 mm; Ecotone Inc., Polônia) nos sítios 1, 2 e 3; e 6 redes de neblina nos sítios 4 e 5. As redes foram abertas em trilhas, com 3 ou mais metros de altura e mantidas por 3 noites consecutivas nos sítios 1 a 4 e por 1 noite, nos sítios 5 e 6. A abertura das redes ocorria por volta das 18 horas e o fechamento, por volta de meia noite (Esberard e Bergallo 2005, Martins et al., 2006). Os pequenos mamíferos terrestres capturados foram marcados com um brinco e os morcegos com um colar, evitando, assim, novas amostragens num mesmo indivíduo. Tese de Doutorado 106 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Os ectoparasitos foram coletados de pequenos mamíferos capturados entre fevereiro de 2012 a abril de 2014. Os procedimentos e protocolos utilizados estão de acordo com as leis de proteção da vida selvagem e dos regulamentos, e foram previamente aprovados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Ministério do Meio Ambiente), protocolos nos. 19838-1 e 41709-3. O projeto de trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Minas Gerais (nos. 020/2011. e 333/2013, respectivamente). Coleta e identificação de ecotoparasitos Para evitar contaminação por ectoparasitas entre os diferentes mamíferoshospedeiros, estes foram anestesiados dentro de um saco de plástico individual comhalotano contido em um pedaço de algodão. Os mamíferos anestesiados foram depositados sobre um saco plástico estéril de cor branca (saco de coleta de ectoparasitos, individual para cada mamífero-hospedeiro) e cuidadosamente escovados, da base da cauda a cabeça, mas, principalmente, no dorso (Bittencourt e Rocha, 2003). Em seguida, pinças estéreis foram utilizadas para coletar todos os ectoparasitos e armazená-los no saco de coleta. Em seguida, estes foram transferidos para criotubos devidamente identificados e contendo 70% de etanol, incluindo os ectoparasitas coletados de cada mamífero. Os criotubos foram armazenados a 4ºC e depois, no laboratório, a -80ºC (Houck et al., 2001, Carmichael et al., 2007, Wójcik-Fatla et al., 2013). A fauna de ectoparasitos foi identificada com base em descrições originais e comparações com exemplares depositados na coleção do Instituto Butantan de São Paulo (IBSP). Porém os laelapideos foram identificados segundo Fonseca (1935/36, 1939, 1957/58), Furman (1972a, b), Gettinger (1992), e Gettinger et al. (2005). Os ácaros da família Macronyssidae foram identificados segundo os critérios de NieriBastos et al. (2011). Diversidade e abundância de ectoparasitos O índice de diversidade é uma medida quantitativa que reflete quantos tipos diferentes (tais como espécies) existem em um conjunto de dados e considera a forma como entidades básicas (como os indivíduos) são distribuídas entre os tipos (Simpson, 1949). Utilizamos, no trabalho, o índice de diversidade de Shannon-Wiener (H), que relaciona número de espécies (riqueza) com número de indíviduos (abundância) (Spellerberg e Fedor, 2003). A abundância foi estimada como o número total de ectoparasitos para cada espécie. Realizou-se o teste de normalidade Shapiro-Wilk para Tese de Doutorado 107 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 verificar se a quantidade de ectoparasitos seguia uma distribuição normal em cada mamífero-hospedeiro, assim como para o sexo (macho e fêmea), idade (adulto, subadulto, e juvenil) e tipo de habitat (Cerrado, Mata Ciliar, Mata Semidecídua, Mata Seca, Cerrado degradado, capim braquiária, e cana de açúcar). Diferenças na quantidade de ectoparasitos foram comparadas, quando possível, para cada mamífero-hospedeiro, segundo sexo, idade e tipo de habitat. Para tanto, utilizou-se o teste de Wilcoxon com correção de continuidade (para o sexo) e o teste de Kruskal-Wallis (para idade e habitat). Especificidade ectoparasito-hospedeiro Para analisar a similaridade dos ectoparasitos associados a diferentes espécies de mamíferos-hospedeiros, utilizou-se o índice de Jaccard (Magurran, 1988, Bittencourt & Rocha, 2003). Os coeficientes de similaridade Jaccard foram calculados nos diversos hospedeiros, tendo por base a comunidade de ectoparasitas em cada um. A fórmula utilizada para calcular o índice Jaccard foi: J=a/(b+c-a), onde J é o índice de similaridade, a é o número de espécies de ectoparasitos comuns em ambas espécies de mamíferos-hospedeiros, b é o número de espécies de ectoparasitos encontradas somente no primeiro hospedeiro, c é o número de espécies de ectoparasitos encontrados somente no segundo hospedeiro a ser comparado. Diagnóstico da infecção por hantavírus em pequenos mamíferos-hospedeiros Anestesiados os pequenos mamíferos, amostras de sangue foram coletadas pela via retro-orbital nos roedores e por punção cardíaca nos morcegos e marsupiais. As amostras de sangue foram imediatamente colocadas em criotubos, devidademente identificadas e armazenadas em nitrogênio líquido. Para pesquisar sobre a infecção por hantavírus nos pequenos mamíferos, utilizou-se um ensaio imunoenzimático (ELISA). As amostras de sangue foram diluídas 1:100. Como antígeno, utilizou-se proteína recombinante do nucleocapsídeo de ARQV produzida em nosso laboratório. Como anticorpos secundários, para morcegos utilizouse um anti-Bat específico para porção Fc de anticorpos IgG de morcegos da ordem Microchiroptera (Bethyl Laboratories, Inc., EUA); para roedores, utilizamos uma mistura na proporção 1:1 de anti-Rattus rattus (roedores Murinae) e anti-Peromyscus leucopus (roedores Sigmodontinae) (KPL, Maryland, EUA). E para marsupiais (Didelphidae) um anti-Opossum (Alpha Diagnostics Intl. Inc., San Antonio, EUA), todos conjugados à peroxidase. Este ELISA quando aplicado para detectação de anticorpos de roedores mostrou sensibilidade de 97,2%, especificidade de 100%, valor Tese de Doutorado 108 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo de 98,1%, quando comparado ao método padrão (Figueiredo et al., 2008, 2009b). Relação abundância de ectoparasitos e infecção por hantavírus Na análise dos resultados, pesquisou-se pela correlação entre quantidade de ectoparasitos e infecção por hantavírus. Para tanto, utilizou-se o índice de Spearman. Realizou-se uma regressão logística com modelos lineares generalizados (GLM) e mistos (GLMM) utilizando a espécie de pequenos mamíferos-hospedeiros como fator randômico para controlar o efeito na infecção por hantavírus e na quantidade de ectoparasitas. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa R versão 1.13.4. pacote “Multi-Model Inference” (Barton, 2015). 7.3. Resultados Diversidade e abundância de ectoparasitos Um total de 3.225 ectoparasitas foram coletados de 335 pequenos mamíferoshospedeiros, sendo 154 pequenos mamíferos terrestres (roedores e marsupiais) e 181 morcegos. A abundância de ectoparasitos foi maior no roedor Dasyprocta azarae (n=2.273) e no marsupial Didelphis albiventris (n=339). Os roedores Sigmondontinae, Oligoryzomys nigripes (n=252), Necromys lasiurus (n=163) e Akodon montensis (n=142) foram os que apresentaram maior abundância de ectoparasitos (Tabela 1). Dos morcegos, Sturnira lilium (n=18) foi o que apresentou maior número de ectoparasitos. Dentre os ectoparasitos, 2.589 foram da espécie Amblyomma sculptum, principalmente em D. azarae e D. albiventris (Tabela 1). Foram encontradas 7 espécies de ectoparasitos da subfamília Laelapinae (Acari: Laelapidae), também conhecidos como ácaros gamasideos, sendo duas mais abundantes: 190 Laelaps paulistanensis e 141 Androlaelaps rotundus (Tabela 1). Dos ectoparasitos da ordem Diptera, os mais abundantes foram Trichobius joblingi e T. angulatus (Tabela 1). Tese de Doutorado 109 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Tabela 1. Distribuição da ectoparasitofauna segundo a espécie de pequeno mamíferohospedeiro. Família Mamífero Phyllostomidae Espécie Mamífero Anoura geoffroyi Artibeus lituratus Ordem Ecto Diptera Diptera Família Ecto Streblidae Streblidae A. planirostris Acari Carollia perspicillata Acari Diptera Spinturnicidae Macronyssidae Spinturnicidae Streblidae Platyrrhinus lineatus Diptera Streblidae Sturnira lilium Acari Diptera Spinturnicidae Streblidae Vespertillionidae Myotis nigricans Acari Macronyssidae Didelphidae Didelphis albiventris Ixodida Ixodidae Cricetidae Marmosops paulensis Akodon montensis Phthiraptera Acari Hoplopleuridae Laelapidae Phthiraptera Calomys tener Acari Gyropidae Hoplopleuridae Laelapidae Necromys lasiurus Acari Laelapidae Oligoryzomys nigripes Dasyproctidae Dasyprocta azarae Tese de Doutorado Phthiraptera Sarcoptiformes Siphonaptera Acari Ixodida Macronyssidae Hoplopleuridae Listrophoridae Rhopanopsyllidae Laelapidae Ixodidae 110 Espécie Ecto Trichobius uniformis Megistopoda aranea Trichobius angulatus Periglischrus sp Ornithonyssus sp Periglischrus sp Speiseria ambigua Strebla wiedemannii Trichobius joblingi Trichobius angulatus T. joblingi T. tiptoni Periglischrus sp n.d. Aspidoptera falcata Megistopoda proxima Ornithonyssus sp O. wernecki Amblyomma sculptum Amlblyoma dubitatum Hoplopleura sp Androlaelaps rotundus Androlaelaps sp Laelaps sp Gyropus sp Hoplopleura sp Laelaps paulistanensis Laelaps sp Androlaelaps fahrenholzi Androlaelaps rotundus Laelaps sp Ornithonyssus sp Hoplopleura sp n.d. Polygenis sp Laelaps sp Laelaps paulistanensis Gigantolaeps wolffsohni Mysolaelaps parvipinosus A. sculptum Amblyomma dubitatum Sabino-Santos Jr, 2015 No. Ectos 1 1 1 1 1 1 1 1 6 5 1 1 2 4 2 10 6 2 317 22 1 84 10 1 3 44 6 2 70 57 1 2 5 1 23 44 184 14 10 2272 1 Capítulo 3 No tocante à diversidade de ectoparasitos, foi possível observar que, dentre todos os pequenos mamíferos-hospedeiros, a diversidade de espécies foi maior em N. lasiurus (H=1,3), Sturnira lilium (H=1,1), Carollia perspicillata (H=1,0) e Akodon montensis (H=0.9) (Figura 2). Figura 2. Diversidade da ectoparasitofauna nos pequenos mamíferos-hospedeiros capturados. Eixo x mostra os valores do índice de Shannon-Wiener comparado às diferentes espécies no eixo y. Quando se comparou diversidade de ectoparasitos com o sexo e a idade dos pequenos mamíferos, não houve relação significante. Porém, aparentemente, quanto maior a idade dos roedores da espécie A. montensis maior é a probabilidade de portarem ectoparasitos (Tabela 2). Em morcegos C. perspicillata e S. Lilium, somente espécimes adultos portavam ectoparasitos. Quanto ao habitat, verificou-se que em N. lasiurus, capturados no capim braquiária, o número de ectoparasitos foi maior, embora sem significância (Tabela 2). Tese de Doutorado 111 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Tabela 2. Análise da significância do número de ectoparasitos segundo sexo, idade e o habitat de cada espécie (n.c. = não foi possível calcular, todos indíviduos adultos). Sexo Idade Tipo de habitat Akodon montensis 0,37 0,06 0,20 Dasyprocta azarae 0,38 0,80 0,12 Oligoryzomys nigripes 0,38 0,67 0,28 Necromys lasiurus 0,93 0,57 0,07 0,56 0,89 0,17 Carollia perspicillata 0,62 n.c. 0,32 Sturnira lilium 0,70 n.c. 0,24 Ordem:Espécies Variáveis Rodentia Didelphimorphia Didelphis albiventris Chiroptera Tabela 3. Valores do índice quantitativo de similaridade Jaccard para espécie de pequeno mamífero-hospedeiro capturado (- = sem estimativa). Espécies 4 13 8 6 7 9 10 11 12 1 0,16 0,20 0,33 0,12 - 2 0,25 0,20 3 4 0,20 0,33 0,13 - 0,13 0,50 - 5 6 1,00 - 0,14 - 7 0,13 - 10 0,10 - 12 0,14 - 1-Akodon montensis; 2-Artibeus lituratus; 3-A. planirostris; 4-Calomys tener; 5-Dasyprocta azarae; 6Marmosops paulensis; 7-Myotis nigricans; 8-Didelphis albiventris; 9-Necromys lasiurus; 10Oligozryzomys nigripes; 11-Platyrrhinus lineatus; 12-Sturnira lilium; 13-Carollia perspicillata. Tese de Doutorado 112 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Especificidade ectoparasito-hospedeiro Quanto ao coeficiente de similaridade Jaccard, este variou de 0 a 1 (Tabela 3). O valor 0 indica não existir semelhança e 1 indica máxima similaridade. Os valores observados em toda a comunidade de ectoparasitas foram relativamente baixos, com poucas exceções. A Tabela 3 resume similaridades nas diferentes espécies de hospedeiros. Relação entre abundância de ectoparasitos e infecção por hantavírus Dos 154 pequenos mamíferos terrestres, 15 pertencentes a 4 espécies, apresentavam anticorpos para hantavírus [Necromys lasiurus (20%), Akodon montensis (11%), Didelphis albiventris (8%) e Oligoryzomys nigripes (4%)]. Entre os morcegos, 9 pertencentes a 8 espécies apresentaram estes anticorpos [Artibeus lituratus (1 positivo /6 testados), A. obscuros (1/2), A. planirostris (1/3), Carollia perspicillata (1/10), Chiroderma villosum (1/1), Chrotopterus auritus (1/1) e Desmodus rotundus (3/5)]. Avaliando se a quantidade de ectoparasitos possuía relação com a variável dependente (infecção por hantavírus) obteve-se r = 0,01 (p = 0,74) e, portanto, não houve tal correlação. Utilizou-se espécie do mamífero-hospedeiro como fator randômico visando a controlar que mamíferos-hospedeiros de uma mesma espécie pudessem ter quantidades similares de ectoparasitas e serem infectados por hantavírus igualmente. Com esse critério, avaliou-se, por GLM e GLMM, a relação entre quantidade de ectoparasitos e animais infectados. Neste caso, os intervalos de confiança cruzaram 0, e a quantidade de ectoparasitos não foi significante (IC 95% -0,004 a 0,0112; p = 0,71). 7.4. Discussão Este levantamento das espécies de ectoparasitos em pequenos mamíferos selvagens (terrestres e morcegos), associados ou não a infecção por hantavírus, é um dos pioneiros e incluiu um número de ectoparasitos considerado elevado, já que estudos similares não analisaram tal montante de artrópodos (Carmichael et al., 2007, WójcikFatla et al., 2013). Os ectoparasitos coletados tiveram seus gêneros determinados, com exceção de alguns espécimes das famílias Listrophoridae e Streblidae, sendo, na última, em decorrência de danos aos exemplares. Necromys lasiurus, reservatório do hantavírus Araraquara (ARQV) (Suziki et al., 2004), foi o que apresentou maior diversidade de ectoparasitos, seguido pelos morcegos Sturnira lilium, Carollia perspicillata, e pelo roedor Akodon montensis. O Tese de Doutorado 113 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 carrapato Amblyomma sculptum foi o ectoparasita mais abundantemente coletado, porém, foi encontrado somente em 2 hospedeiros (Didelphis albiventris, Dasyprocta azarae). A. sculptum infecta-se com a bactéria Rickettsia rickettsii e possui importância reconhecida como seu transmissor (Guedes et al., 2011). Ácaros Laelapidae também foram abundantes, porém, somente nos roedores Sigmondotinae. Estes ácaros já foram citados como vetores e reservatórios de hantavírus (Yu e Tesh 2014). Quanto a morcegos, o percentual de parasitados mostrou-se baixo (35%), resultado semelhante ao observado por Graciolli et al. (2006). Em geral, a ectoparasitofauna de morcegos consiste de artrópodes pertencentes a espécies exclusivas. Entre estas estão dípteros das famílias Streblidae, Nycteribiidae e também ácaros das ordens Mesostigmata, Sarcoptiformes e Trombidiformes. Neste estudo, dípteros da família Streblidae foram encontrados, corroborando o que foi dito acima (Prevedello et al., 2005, Silva e Filho, 2011). Nos morcegos Myotis nigricans, Artibeus planirostris, Carollia perspicillata e Sturnira lilium foram encontrados ácaros da família Macronyssidae e Spinturnicidae, o que acredita-se ser pouco comum (Graciolli et al., 2008, Moras et al., 2013). A análise dos resultados mostrou ausência de relação entre diversidade de espécies com o sexo, idade, ou habitat dos pequenos mamíferos. Porém, entre os roedores Akodon montensis, observou-se, em adultos, maior quantidade de ectoparasitos quando comparados a juvenis e sub-adultos, porém sem significado estatístico. N. lasiurus capturados em capim braquiária apresentaram maior número de ectoparasitos em comparação com os de outros habitats. Foi sugerido que as interações ectoparasito-hospedeiro, tão específicas, poderiam ser utilizadas como ferramenta adicional na identificação taxonômica de hospedeiros (Linardi, 1977) e, ainda, indicarem suas histórias evolutivas comuns (Barker, 1994). Tais interações podem ser obrigatórias ou facultativas, permanentes ou intermitentes, superficiais ou subcutâneas (Bittencourt e Rocha, 2003, Wall, 2007). Os dados aqui mostrados sugerem que várias estratégias de associação estavam sendo utilizados pelos ectoparasitas coletados nas áreas amostradas. Por um lado, há as espécies de ácaros e moscas que ocorreram com alta frequência, mas restritos a apenas uma espécie de hospedeiro. Por outro lado, 5 taxa de ectoparasitos (Amblyomma sculptum, Androlaelaps rotundus, Hoplopleura sp., Laelaps paulistanensis, Trichobius joblingi) foram frequentes em 2 ou mais espécies hospedeiras. O índice de Jaccard mostrou baixa similaridade para toda a comunidade de ectoparasitos. Isso sugere que algumas espécies devam ser hospedeiros-específicas, mas há exceções. Por exemplo, Tese de Doutorado 114 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Amblyomma sculptum parasitou Didelphis albiventris e Dasyprocta azarae, o que mostra seu conhecido ecletismo. Sabe-se que, mesmo na fase adulta, este carrapato tem baixa especificidade por hospedeiros e nesta fase, ocorre a maioria dos relatos de parasitismo humano (Labruna et al., 2004). Androlaelaps rotundus possui mais de um mamífero-hospedeiro o que inclui vários roedores da tribo akondontine, entre eles: Akodon cursor, A. azarae, A. toba, Necromys lasiurus (Gettinger e Owen, 2000). Gettinger e Owen (2000) sugerem que Androlaelaps rotundus possa mostrar-se morfologicamente distinto em hospedeiros que vivem simpatricamente (espécies que ocorrem em uma mesma região geográfica), dificultando a sua identificação taxonômica. Em Akodon montensis, observamos 10 espécimes do gênero Androlaelaps, sobre os quais não logramos distinguir a espécie. Parasitos artrópodes são, em geral, pequenos em relação ao tamanho de seu hospedeiro. Cada ectoparasita consome quantidades relativamente pequenas de alimento, produzindo pouco dano (Poulin, 1996). Entretanto, mesmo em baixas densidades, os ectoparasitos produzem lesões. A maioria das espécies de ectoparasitos têm tempos de geração curtos e produzem grandes quantidades de crias com taxas elevadas de crescimento populacional. Estes artrópodos são capazes de explorar situações em que há superabundância de alimentos (Rehbein et al., 2003, Colebrook e Wall, 2004). O hospedeiro, quando acometido por grande quantidade de ectoparasitos, tem efeitos que passam de subclínicos para clínicos, os quais produzem maior dano. Assim, para a maioria dos ectoparasitos, seu significado clínico seria diretamente associado à sua abundância (Wall, 2007). Neste estudo, não observamos relação entre a quantidade de ectoparasitos e a infecção por hantavírus. Talvez, esta infecção esteja mais relacionada à ecologia do hospedeiro, ou espécie do ectoparasito (Zhang et al., 2001, Yu e Tesh 2014). Portanto, este trabalho mostrou aspectos importantes relacionados à ecologia dos ectoparasitos de pequenos mamíferos selvagens. As espécies de pequenos mamíferos, que se mostraram infectadas por hantavírus, portavam ectoparasitofaunas distintas, com exceção dos roedores Sigmodontinae. Este estudo pioneiro, apesar da baixa associação entre as variáveis analisadas, deve estimular futuras investigações que busquem por ectoparasitos vetores de hantavírus e por suas associações com animais-reservatório. Tese de Doutorado 115 Sabino-Santos Jr, 2015 Capítulo 3 Referências Barker SC, (1994). Phylogeny and classification, origens, and evolution of host associations of lice. Int J Parasitol 24:1285-1291. Barton K, (2015). MuMIn: Multi-Model Inference. 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Tese de Doutorado 120 Sabino-Santos Jr, 2015 “Simplicidade é o caminho para se chegar a humildade, e com isso possuir a paz: para ser menos arrogante e prepotente, combatendo e se livrando da inveja, orgulho e ciúmes. Não seja apenas moral. Esteja acima da moralidade. Não seja apenas bom, seja bom com um propósito.” (Adpatado de Henry David Thoreau) ___________________________________________________________________________ 8. Discussão Geral Discussão Geral Os seres humanos, na história da civilização, vêm gerando profundas mudanças nos ambientes e ecossistemas, o que tem implicações de nível local a mundial (Burney e Flannery, 2005). Alterações ambientais incluem o desmatamento, agricultura e agropecuária intensiva (com fins comerciais e de grande escala), urbanização, suburbanização, desenvolvimento de infra-estruturas (estrada de ferro, estradas, linhas de energia), alteração hidrológica (barragens, irrigação, construção de canal) e extração com exaustão de recursos naturais (mineração, extração de madeira, caça) (Foley et al., 2005). Tais mudanças ambientais podem impactar negativamente a integridade ecológica e biodiversidade, interrompendo a estrutura e função da cadeia alimentar (Foley et al., 2005). Desta forma, ciclos biogeoquímicos terrestres e aquáticos são alterados, desestruturando propriedades dos ecossistemas, favorencendo a introdução de espécies não nativas, excluindo ou extinguindo espécies nativas e incluindo patógenos (Gottdenker et al., 2014). Essas mudanças podem, ainda, alterar a dinâmica de interação entre os patógenos e seus reservatórios naturais levando ao surgimento de doenças infecciosas em humanos, animais domésticos e mesmo nos animais selvagens (Foley et al., 2005, Gottdenker et al., 2014). No presente estudo, foi possível verificar que mudanças de natureza semelhante às citadas acima vêm, provavelmente, alterando a dinâmica do hantavírus Araraquara (ARQV) na região sudeste do Brasil. Verificou-se que a degradação ambiental, no caso pelo capim braquiária, uma vegetação introduzida, está a influenciar positivamente a infecção por hantavírus em roedores Necromys lasiurus. Nestes animais, o aspecto alométrico massa corporal parece ter influído no número de infectados por hantavírus e portanto, maior positividade foi encontrada entre os adultos. No campim braquiária, onde a diversidade de espécies foi baixa, observou-se um maior número de roedores infectados. Além disso, um achado muito importante de nosso estudo foi a infecção de morcegos por hantavírus. Áreas com alta fragmentação e paisagens mosaico, comumente, inflingem consequências drásticas para as faunas locais e isto traz consequências, como a observada em nosso estudo, ali constatou-se que eram as de maior risco para a infecção por hantavírus em morcegos (Ripperger et al., 2015). O primeiro hantavírus conhecido, o Thottapalayam virus (TPMV), foi isolado em 1964, na Índia, de um musaranho da ordem Soricomorpha, família Soricidae (Suncus murinus) (Carey et al., 1971), porém, só foi classificado como um Bunyaviridae em 1989 (Zeller et al., 1989). Desde então, todos os hantavírus conhecidos, até 2006, estariam relacionados com pequenos roedores, e por isso, Tese de Doutorado 123 Sabino-Santos Jr, 2015 Discussão Geral acreditava-se que estes vírus teriam evoluído com seus roedores-reservatórios ao longo de milhões de anos (Morzunov et al., 1998, Hughes et al., 2000, Plyusnin et al., 2014, Yanagihara et al., 2014). Entretanto, a partir de 2006, cerca de 22 espécies de hantavírus foram identificadas em mamíferos insetívoros (Kang et al., 2012). Os hantavírus de insetívoros divergem filogeneticamente dos de roedores, formando um grupo monofilético distante. Ainda, nos últimos 3 anos, novas espécies de hantavírus foram identificadas em morcegos africanos e vietnamitas (Sumibcay et al., 2012, Arai et al., 2013). A presença de hantavírus em insetívoros da ordem Soricomorpha (musaranhos e toupeiras) e em morcegos tem mudado a teoria coevolutiva dos roedores-reservatório com seus hantavírus. Também, o conhecimento de que os hantavírus, vírus de RNA fita simples, teriam, talvez, uma evolução 10000 vezes mais rápida que a dos roedores, prejudica seriamente a idéia coevolutiva (Ramsden et al., 2008, 2009). Esse achados parecem indicar que passagem de vírus entre espécies de hospedeiros possam ter acontecido ao longo da história evolutiva dos hantavírus (Guo et al., 2013) e que a dinâmica da transmissão destes entre os reservatórios-naturais, ainda, é pouco conhecida. Diferente dos outros Bunyaviridae, os do gênero hantavírus não são transmitidos por artrópodes. Entretanto, Houck et al., (2001) detectaram RNA do vírus Bayou em ectoparasitos de roedores negativos tanto na sorologia como no RT-PCR, sugerindo que o vírus detectado nesses artrópodos não tenha sido adquirido dos roedores. Guo et al. (2013) sugeriram que os hantavírus tenham se originado em morcegos e então dispersos entre outros mamíferos reservatórios. Entretanto, devido a história evolutiva aparentemente em comum dos morcegos com os insetívoros, é mais provável que os insetívoros (musaranhos e toupeiras) tenham sido os reservatórios originais, e, a partir destes, o vírus tenha se espalhado para morcegos e roedores (Bennett et al., 2014, Plyusnin e Sironnen, 2014, Yanagihara et al., 2014, Sabino-Santos et al., 2015). No entanto, nenhuma sequência de hantavírus em ectoparasitas foi analisada até o presente momento. E por isso, ainda várias questões a esse respeito ainda permanecem desconhecidas. Em nosso estudo, encontramos sequências de alta similaridade com ARQV, um hantavírus causador de grave doença humana, infectando morcegos. Até o momento, os hantavírus descritos em morcegos não haviam sido relacionados com doença humana e, com base na filogenia, são consideravelmente diferentes dos patogênicos para o homem (Gu et al., 2014). O achado de um provável ARQV infectando morcegos é muito importante porque abre especulações sobre como seria a dinâmica de transmissão e Tese de Doutorado 124 Sabino-Santos Jr, 2015 Discussão Geral manutenção deste vírus na natureza. É importante para o conhecimento da epidemiologia da hantavirose, ou seja, a origem dos hantavírus transmitidos para o homem. Participariam os morcegos como fonte de transmissão? Os fragmentos de mata ciliar onde os morcegos foram encontrados infectados com hantavírus, no município de Batatais, SP, acompanham o achado de roedores infectados pelo vírus no mesmo local e a ocorrência de casos da doença humana por hantavírus no município (capítulo 2). Diante dos resultados encontrados em nosso trabalho, propomos aqui um modelo de dinâmica da transmissão e manutenção do ARQV na natureza (Figura 1). Os roedores Sigmodontinae, como mostrado no capítulo 1, utilizam as plantações de cana de açúcar ou braquiária na alimentação, mas não necessariamente vivem nestas áreas. É mais provável que estes roedores vivam nos fragmentos onde a vegetação está mais preservada, compartilhando assim o mesmo ambiente dos morcegos, que dependem de paisagens naturais para sobreviverem à degradação ambiental (Ripperger et al., 2015). Desta forma, os morcegos infectados poderiam transmitir hantavírus para os roedores através de suas excretas. Entretanto, acredita-se que a viremia em morcegos deva ser baixa (Moratelli e Calisher, 2015). Por outro lado, é possível que os hantavírus, ainda, estejam em fase de adaptação nos roedores, que teriam se infectado a partir de morcegos. Sendo assim, os roedores atuariam como vetores, onde os vírus se replicariam, aumentariam sua carga e então, dos roedores, seriam transmitidos para os seres humanos através de partículas virais em aerossóis de suas excretas, como mostrado na Figura 1. Por fim, apesar da baixa viremia, não se pode afastar completamente que infecções por hantavírus possam ocorrer diretamente dos morcegos já que estes, como os roedores, estão em constante contato com o homem (Moratelli e Calisher, 2015). Nosso trabalho, ainda, suscita especulações relativas ao papel dos ectoparasitas na transmissão de hantavírus. No capítulo três, observamos morcegos compartilhando ectoparasitos da mesma família (Macronyssidae:Ornithonyssus sp.) com os roedores. Apesar de não termos encontrado artrópodos infectados (pois ainda não foram testados) estes poderiam contribuir na manutenção do ARQV na natureza, levando o vírus dos morcegos para o roedor ou menos provável, do roedor para o morcego (Figura 1). Porém, esses ectoparasitos não poderiam transmitir hantavírus para os seres humanos, por serem hospedados especificamente por esses pequenos mamíferos, não parasitarem o homem e não serem de vida livre. Finalizando, poderíamos especular que o hantavírus ARQV possa ter sua origem em morcegos, e estes, por seus ectoparasitos ou, por Tese de Doutorado 125 Sabino-Santos Jr, 2015 Discussão Geral aerossóis de suas excretas, estariam transmitindo o vírus para os roedores e os roedores para os seres humanos. Figura 1. Potenciais reservatórios naturais, dinâmica da transmissão e manutenção do hantavírus Araraquara na natureza. Tese de Doutorado 126 Sabino-Santos Jr, 2015 ___________________________________________________________________________ 9. Conclusões Gerais Conclusões Gerais • A soroprevalência para hantavírus em pequenos mamíferos terrestres foi de 9,7%, e em morcegos, de 17% (capítulo 1 e 2). • O hantavírus Araraquara foi encontrado infectando o roedor Necromys lasiurus e os morcegos Desmodus rotundus e Carollia perspicillata (capítulo 1 e 2). • A degradação ambiental está a influenciar a infecção por hantavírus tanto em morcegos como em pequenos mamíferos terrestres (capítulo 1 e 2). • O capim braquiária, vegetação introduzida, está aumentando as infecções por hantavírus em pequenos mamíferos terrestres (capítulo 1). • A baixa diversidade de espécies e a alta dominância associada à fragmentação ambiental, principalmente em áreas de mata ciliar, influenciaram a infecção por hantavírus em morcegos (capítulo 2). • A massa corporal está a influenciar positivamente a infecção por hantavírus em pequenos mamíferos terrestres (capítulo 1). • Os morcegos e pequenos mamíferos terrestres compartilham ectoparasitos da mesma família Macronyssidae, gênero Ornythonyssus sp. (capítulo 3). • O roedor Necromys lasiurus apresentou a maior diversidade de ectoparasitos dentre os pequenos mamíferos capturados (capítulo 3). • Ectoparasitos Laelapidae, possíveis vetores e reservatórios de hantavírus, foram encontrados em roedores Sigmodontinae (capítulo 3). Tese de Doutorado 128 Sabino-Santos Jr, 2015 ___________________________________________________________________________ 10. Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Alexeyev OA, (1992). Respiratory burst of neutrophils enhances in hemorrhagic fever with renal syndrome (HFRS). Scand J Infect Dis. 24(6): 697-9. Altringham J, (1996). Bats, biology and behavior, Oxford University Press, Oxford, 262 pp. Altringham J, (2011). Bats, from evolution to conservation, 2nd ed., Ox- ford University Press, Oxford, xv 342 pp. Araujo J, Thomazelli LM, Henriques DA et al., (2012). Detection of hantavirus in bats from remaining rain forest in São Paulo, Brazil. BMC Res Notes. 5:690. 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Hyg., 00(0), 2015, pp. 000–000 doi:10.4269/ajtmh.15-0032 Copyright © 2015 by The American Society of Tropical Medicine and Hygiene Evidence of Hantavirus Infection among Bats in Brazil Gilberto Sabino-Santos Jr.,* Felipe Gonçalves Motta Maia, Thallyta Maria Vieira, Renata de Lara Muylaert, Sabrina Miranda Lima, Cristieli Barros Gonçalves, Patricia Doerl Barroso, Maria Norma Melo, Colleen B. Jonsson, Douglas Goodin, Jorge Salazar-Bravo, and Luiz Tadeu Moraes Figueiredo AU1 Center for Virology Research, School of Medicine in Ribeirão Preto, University of São Paulo, Ribeirão Preto, Brazil; Department of Microbiology, Institute of Biomedical Sciences, University of São Paulo, São Paulo, Brazil; Department of Parasitology, Institute of Biological Sciences, Federal University of Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil; Department of Ecology, São Paulo State University, Rio Claro, Brazil; Department of Microbiology and Immunology, University of Louisville Center for Predictive Medicine for Biodefense and Emerging Infectious Diseases, Louisville, Kentucky; Department of Microbiology, National Institute for Mathematical and Biological Synthesis, Knoxville, Tennessee; Department of Geography, Kansas State University, Manhattan, Kansas; Department of Biological Sciences, Texas Tech University, Lubbock, Texas Abstract. Hantaviruses are zoonotic viruses harbored by rodents, bats, and shrews. At present, only rodent-borne hantaviruses are associated with severe illness in humans. New species of hantaviruses have been recently identified in bats and shrews greatly expanding the potential reservoirs and ranges of these viruses. Brazil has one of the highest incidences of hantavirus cardiopulmonary syndrome in South America, hence it is critical to know what is the prevalence of hantaviruses in Brazil. Although much is known about rodent reservoirs, little is known regarding bats. We captured 270 bats from February 2012 to April 2014. Serum was screened for the presence of antibodies against a recombinant nucleoprotein (rN) of Araraquara virus (ARAQV). The prevalence of antibody to hantavirus was 9/53 with an overall seroprevalence of 17%. Previous studies have shown only insectivorous bats to harbor hantavirus; however, in our study, of the nine seropositive bats, five were frugivorous, one was carnivorous, and three were sanguivorous phyllostomid bats. AU2 T1 ; F1 AU3 cryovials and flash-frozen in liquid nitrogen. At sites 4 and 5, five specimens per trap-night were randomly selected for blood collection. All bats were handled and sampled according to Sikes and others10 guidelines. This research project, along with its procedures and protocols, is in accordance with Brazilian environment and wildlife protection laws and regulations, and have been approved by the Chico Mendes Institute of Biodiversity Conservation (Ministry of Environment), protocols nos. 19838-1 and 41709-3. It has also been approved by the Ethics Committee for Animal Research of University of São Paulo and Federal University of Minas Gerais (nos. 020/2011 and 333/2013, respectively). From 270 captured bats, 53 were bled for detection of immunoglobulin G (IgG) antibodies to rN-ARAQV by indirect enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) using anti-bat (Bethyl Laboratories, Inc., Montgomery, TX) secondary antibody. This ELISA, as previously described, showed 97.2% sensitivity, 100% specificity, 100% positive predictive value, and 98.1% negative predictive value when compared with an IgG-ELISA using rN antigen of Andes virus, which is the serological test for hantavirus most used in South America.11,12 Nine bats had IgG antibodies to ARAQV, which represents an overall seroprevalence of 17%. Five of these bats were from São Paulo state and four were from Minas Gerais state. Of these, five were frugivorous, one was carnivorous, and three were sanguivorous (Table 2). From these infected bats, seven were males and two were females. We found more infected bats in the rainy season (N = 6) than in the dry season (N = 3). Bats evolution is dated around 50 million years ago, and they are distributed widely in the world, on all continents, except Antarctica.2,13 Perhaps, because of their ancient origin certain viruses seem to be coevolved with them. Thus, maintenance and transmission of these viruses crossed species barriers to infect wild and domestic mammals and also humans.2,13,14 Antibodies to viruses such as Hendra, Ebola, and severe acute respiratory syndrome (SARS)-like coronavirus (CoV) have been detected in wild bats, demonstrating that these animals are able to mount an antibody response, including IgM, IgE, IgA, and multiple IgG classes.14 Although bats may be persistently Hantaviruses (family Bunyaviridae) are present throughout the globe in rodents, bats, and shrews.1 Humans exposed to rodent excreta from hantaviral reservoirs may develop lifethreatening diseases. However, none of the other reservoirs are associated with human illness presently.1,2 Bats (order Chiroptera) are known to harbor a broad diversity of emerging zoonotic pathogens.2 Their ability to fly and social behavior favors maintenance, evolution, and spread of pathogens.1,2 The prevailing hypothesis has been that hantaviruses have coevolved with their rodent reservoirs over millions of years.1,3 With the recognition of new species of hantavirus in bats in Africa and Asia,4 Guo and others5 hypothesized that hantaviruses originated primarily in bats and then spilled over into rodents and shrews, but it seems that shrews are the original hosts from which the viruses jumped into both rodents and bats.3 To determine if New World bats in Brazil may harbor hantaviruses, we screened bat sera for antibodies that react against the recombinant nucleoprotein (rN) of Araraquara hantavirus (ARAQV). Bats were collected at five ecologically distinct sites in the northeast region of São Paulo state (sites 1–3) and north region of Minas Gerais state (sites 4 and 5), southeastern Brazil (Figure 1 and Table 1). Field collections were conducted from February 2012 to April 2014. Trap sites were visited twice: one in the dry season (April–September) and once in the rainy season (October–March). We used 12 mist nets (model 716/12P, 12 × 2.5 m; denier 75/2, mesh 16 × 16 mm; Ecotone Inc., Gdynia, Poland) in sites 1, 2 and 3; and six mist nets in sites 4 and 5 with a total sampling effort of 56,160 m2h. Captured bats were identified following Gardner,9 and one specimen per species by trap-night was anesthetized to collect blood by cardiac puncture; blood samples were stored in *Address correspondence to Gilberto Sabino-Santos Jr., Center for Virology Research, School of Medicine in Ribeirão Preto, University of São Paulo, Avenida Bandeirantes no. 3900, Monte Alegre, 14049900, Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil. E-mail: [email protected] 1 AU4 T2 2 SABINO-SANTOS JR AND OTHERS FIGURE 1. Study areas, highlighting the states of São Paulo and Minas Gerais in southeastern Brazil. The map shows cities where bats have been captured. infected with many viruses, evidence from experimental and naturally infected bats has shown that they rarely produce an antibody response, probably because they are able to control viral replication via the innate immune antiviral response, and therefore, show a low viremia.13,14 However, here we were capable to show bats with IgG antibodies against the rN-ARAQV. The ELISA essays using rN-ARAQV as antigen have been previously used in hantavirus serologic surveys in rodents.15,16 Previous studies with bats of the Old World showed that only insectivorous bats are infected with hantavirus.5 Our study emphasizes that hantaviruses are infecting bats of several species and of different trophic groups in Brazil (Table 2). We also observed that the hantavirus prevalence in infected bats was higher when compared with that observed in rodent reservoirs from the same region.15,16 Despite, we have found antibodies against hantavirus, our results only support the idea that these bats become infected in some moment of their lifetime. Further studies in bats are necessary to detect the species and genotype of the infecting hantavirus and then determine the viral load in distinct organ tissues of these animals. Therefore, virus isolation followed by infection experiments could provide additional information if bats actually play a role as reservoirs of hantaviruses. Regardless of the negative public impression of bats, they possess important roles on insect control,17 reseeding forests, and pollinate plants that provide human and animal food.18 Bat guano is used as a fertilizer and for manufacturing soaps, gasohol, and antibiotics. Besides, bat echolocation and the infrared radiation of vampire bats (Desmodus rotundus) have provided models for sonar and infrared systems, respectively.13,19 Our study gives insights into ecology, conservational biology, and public health. These data may be useful to understand patterns of hantavirus evolution, in bats and other reservoirs, and to understand the virus dynamics and their potential public health importance. It is also important to preserve the native environment of these animals. Hence, this is the first report of the presence of hantavirus antibodies in phyllostomid bats in southeastern Brazil and also the first report of hantavirus antibodies among bats in the Americas. Received January 14, 2015. Accepted for publication April 26, 2015. Acknowledgments: We thank specially Thiago Neves for all the support in Montes Claros city and field guidance at Sapucaia and Lapa Grande Ecological Parks. We are also grateful to Vinicius Kavagutti, Márcio Schafer, Milene Eigenher, Ariane and Gustavo Crepaldi de AU5 Morais for their help in field collections. We appreciate all the support from the Jatai Ecological Station Manager Edison Montilha, Armando Nascimento who supported us on his farm Santa Gabriela (Batatais city), and José Teotônio (Zezinho) and the Secretary of Health from AU6 Cajuru city through Toninho. We also thank Patricio Hernaez for the help in the map construction and Luciano Luna for the comments in the final version of the manuscript. Financial support: This work was supported by the São Paulo State Research Foundation (FAPESP) grants 2011/06810-9 to Gilberto Sabino-Santos Jr. and 2008/50617-6 to Luiz Tadeu Moraes Figueiredo. TABLE 1 Trap sites general features6 1 2 3 4 5 Trap sites/altitude (m) City/state Main vegetation Secondary vegetation Features JES/600 NEF/775 SGF/860 SEP/872 LGEP/1,009 Luis Antonio/SP Cajuru/SP Batatais/SP Montes Claros/MG Montes Claros/MG Cerrado* Grassland Sugarcane Dry forest†7 Cerrado8 Semideciduous forest Cerrado Cerrado Cerrado Gallery forest Continuous Cerrado Monocultures Monocultures Karst topography Caves and shelters JES = Jatai Ecological Station; LGEP = Lapa Grande Ecological Park; MG = Minas Gerais state; NEF = Nova Esperança Farm; SEP = Sapucai Ecological Park; SGF = Santa Gabriela Farm; SP = Sao Paulo state. *Cerrado = Brazilian savanna-like biome. †Dry forest = deciduous seasonal forest. 3 HANTAVIRUS INFECTION AMONG BATS TABLE 2 Infected and tested bats for antibodies against rN-ARAQV Family Species Captured Infected/tested Main feeding items Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Phyllostomidae Molossidae Molossidae Vespertilionidae Vespertilionidae Phyllostomidae Phyllostomidae Artibeus lituratus A. obscurus A. planirostris Carollia perspicillata Chiroderma villosum Chrotopterus auritus Desmodus rotundus Glossophaga soricina Lonchophylla spp. Micronycteris minuta Molossops neglectus Molossops temminckii Myotis nigricans Myotis albescens Platyrrhinus lineatus Sturnira lilium 41 2 41 43 1 1 11 22 1 1 1 2 13 4 23 38 1/6 1/2 1/3 1/10 1/1 1/1 3/5 0/5 0/1 0/1 0/1 0/1 0/5 0/1 0/4 0/6 Fruits Fruits Fruits Fruits and insects Fruits Small vertebrates Mammals blood Nectar and pollen Nectar and pollen Insects Insects Insects Insects Insects Fruits Fruits rN-ARAQV = recombinant nucleoprotein of Araraquara virus. Main feeding items are shown according to Gardner.9 Authors’ addresses: Gilberto Sabino-Santos Jr. and Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, Center for Virology Research, School of Medicine in Ribeirão Preto, University of São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil, E-mails: [email protected] and [email protected]. Felipe Gonçalves Motta Maia, Department of Microbiology, Institute of Biomedical Sciences, University of São Paulo, São Paulo, Brazil, E-mail: [email protected]. Thallyta Maria Vieira, Sabrina Miranda Lima, Cristieli Barros Gonçalves, Patricia Doerl Barroso, and Maria Norma Melo, Department of Parasitology, Institute of Biological Sciences, Federal University of Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil, E-mails: [email protected], sabrina_mlima@ hotmail.com, [email protected], [email protected], and [email protected]. Renata de Lara Muylaert, Department of Ecology, São Paulo State University, Rio Claro, São Paulo, Brazil, E-mail: [email protected]. Colleen B. Jonsson, Department of Microbiology and Immunology, University of Louisville, Louisville, KY, E-mail: [email protected]. Douglas Goodin, Department of Geography, Kansas State University, Manhattan, KS, E-mail: [email protected]. Jorge Salazar-Bravo, Department of Biological Sciences, Texas Tech University, Lubbock, TX, E-mail: [email protected]. REFERENCES AU7 AU8 1. Holmes EC, Zhang YZ, 2015. The evolution and emergence of hantaviruses. Curr Opi Virol 10: 27–33. 2. Brook CE, Dobson AP, 2015. Bats as ‘special’ reservoirs for emerging zoonotic pathogens. Trends Microbiol 23: 172–180. 3. Bennett SN, Gu SH, Kang HJ, Arai S, Yanagihara R, 2014. Reconstructing the evolutionary origins and phylogeography of hantaviruses. Trends Microbiol 22: 473–482. 4. Gu SH, Lim BK, Kadjo B, Arai S, Kim JA, Nicolas V, Lalis A, Denys C, Cook JA, Dominguez SR, Holmes KV, Urushadze L, Sidamonidze K, Putkaradze D, Kuzmin IV, Kosoy MY, Song J-W, Yanagihara R, 2014. 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