A Responsabilidade Civil do Estado no Acidente Aéreo

Transcrição

A Responsabilidade Civil do Estado no Acidente Aéreo
0
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO ACIDENTE AÉREO
André Gustavo Rolim Werutsky
Canoas
2008
1
ANDRÉ GUSTAVO ROLIM WERUTSKY
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO ACIDENTE AÉREO
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à Faculdade de Direito do Centro
Universitário Ritter dos Reis, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. Aragon Érico Dasso Júnior
Canoas
2008
2
W499r
Werutsky, André Gustavo Rolim
A responsabilidade civil do estado no acidente
aéreo / André Gustavo Rolim Werutsky – 2008.
116f.; 29cm.
Monografia
(graduação
em
Direito)
–
Centro
Universitário Ritter dos Reis, Faculdade de Direito, 2008.
Orientação: Prof. Dr. Aragon Érico Dasso Júnior.
1. Direito administrativo. 2. Responsabilidade civil do
estado. 2. Acidente aéreo – Responsabilidade. I. Título
CDU: 347.51:35
Catalogação na fonte por Carolina Fauth Vassão, CRB-10/1758.
3
Aos meus pais, que, além de estarem sempre ao
meu lado, despertaram e estimularam meu
interesse pela aviação, propulsor deste trabalho.
4
Agradeço aos meus pais, à minha namorada
Fernanda e à minha irmã Ana Raquel, pelo
apoio, ao Departamento de Controle do Espaço
Aéreo, pela atenção e colaboração, e ao Prof.
Aragon que me guiou na elaboração deste
trabalho.
5
“Para predizer o que vai acontecer é preciso
saber o que ocorreu antes.” (Maquiavel)
6
RESUMO
Este trabalho busca verificar a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil
do Estado no caso de ocorrência de um acidente aéreo em que uma das causas
tenha sido gerada pelo Estado, ainda que por sua omissão. Para tanto, serão
analisados os preceitos básicos da responsabilidade civil estatal, bem como os
agentes que comprometem o Estado no caso de um acidente aéreo, além das
características específicas do setor aéreo no Brasil, hoje regulado pela Agência
nacional de Aviação Civil. A questão central será verificada através do estudo da
legislação pertinente, bem como normas que regem o setor aéreo e decisões
judiciais acerca do tema.
Palavras-chave:
Acidente aéreo. Agências reguladoras. Agência Nacional de Aviação Civil.
Responsabilidade civil do Estado. Sistema aéreo.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................9
1 A ANAC E O SISTEMA AÉREO NO BRASIL....................................................13
1.1 Considerações iniciais...................................................................................13
1.2 As agências reguladoras no direito brasileiro.............................................17
1.2.1 Natureza jurídica das agências reguladoras..................................................21
1.3 Aparente autonomia das agências reguladoras..........................................22
1.3.1 “Autonomia” administrativa............................................................................24
1.3.2 “Autonomia” orçamentário-financeira............................................................28
1.3.3 “Autonomia” para dirimir conflitos..................................................................30
1.3.4 “Autonomia” normativa..................................................................................32
1.4 A Agência Nacional de Aviação Civil............................................................34
1.4.1 Criação...........................................................................................................34
1.4.2 Servidores......................................................................................................36
1.4.3 Estrutura organizacional................................................................................36
1.4.4 Mecanismos de participação cidadã..............................................................40
1.4.5 Receitas.........................................................................................................41
1.4.6 O Conselho Nacional de Aviação Civil..........................................................42
1.5 Sistema de Controle do Espaço Aéreo.........................................................43
1.5.1 Departamento de Controle do Espaço Aéreo................................................44
1.5.2 Órgãos de controle de tráfego aéreo.............................................................48
1.5.3 Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária.....................................52
1.6 Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.............56
1.6.1 A investigação de acidentes aéreos............................................................58
1.7 Conclusão do capítulo...................................................................................63
2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.......................................................66
2.1 Evolução histórica..........................................................................................66
2.2 Responsabilidade Civil do Estado na Constituição Federal de 1988........69
2.3 Princípios aplicáveis......................................................................................73
2.3.1 Princípio da legalidade...................................................................................74
2.3.2 Princípio da proporcionalidade......................................................................75
2.3.3 Princípio da precaução e princípio da prevenção..........................................78
2.4 Excludentes da responsabilidade civil do Estado.......................................80
2.4.1 Caso fortuito e força maior.............................................................................82
2.4.2 Fato da vítima e fato de terceiro....................................................................84
2.5 Responsabilidade civil do Estado por omissão..........................................87
2.6 Responsabilidade civil do Estado no acidente aéreo.................................90
8
2.6.1 A responsabilidade da ANAC........................................................................91
2.6.2 A responsabilidade da INFRAERO................................................................94
2.6.3 A responsabilidade do Comando da Aeronáutica..........................................99
2.7 Conclusão do capítulo.................................................................................108
CONCLUSÃO.......................................................................................................111
REFERÊNCIAS....................................................................................................114
9
INTRODUÇÃO
Um acidente aéreo sem dúvida é um fato que gera um grande interesse das
pessoas. Talvez devido a uma curiosidade mórbida inerente à própria natureza do
ser humano, ou a possibilidade de se ouvir as últimas palavras dos tripulantes
através das chamadas caixas pretas, ou mesmo por tratar-se de um evento tão
raro, devido aos altos níveis de segurança verificados no transporte aéreo.
As causas de um acidente aéreo são como elos formando a corrente para
tal acontecimento, sendo que, se apenas um desses elos não estivesse presente,
a corrente não se formaria e tal fato não ocorreria.
Por vezes ao se analisar a cadeia de causas que contribuíram para a
ocorrência de um acidente aéreo, tem-se a impressão de que este não poderia ter
sido evitado. É quase como se o universo tivesse conspirado para que tal fato
acontecesse. A ausência de um único fato poderia ter evitado o acidente aéreo, e,
no entanto, diversos acontecimentos somaram-se para que o acidente tivesse
ocorrido.
Costuma se dizer que em aviação apenas o perfeito é aceitável. Ora, tratase de uma atividade complexa. Diversos são os sistemas que se integram tanto
dentro de uma aeronave quanto fora dela para que realize um vôo seguro unindo
dois destinos. Trata-se da relação entre tripulação, aeronave, equipamentos de
terra, manutenção, controle de tráfego aéreo, serviços de meteorologia, entre
diversos outros não menos importantes.
Diante de tal complexidade, por vezes uma peça que custa centavos ou um
procedimento que dura segundos, desencadeiam uma seqüência de fatos que
causam a perda de centenas de vidas e a destruição de um equipamento de
milhares de dólares.
No entanto, diversos são os esforços para se evitar a ocorrência de novos
acidentes aéreos. Em função disso, o avião é tido como um dos meios de
10
transporte mais seguros do mundo justamente pelo sistema de prevenção adotado
mundialmente.
As investigações de acidentes aéreos realizadas em todo o mundo têm
como principal objetivo, trazido pelo Anexo 13 da Convenção de Chicago, a
prevenção de novos acidentes.
Diante de cenários desoladores de grandes tragédias, a investigação dos
acidentes não busca apurar culpados ou punições, mas que não ocorram novos
acidentes pelas mesmas causas. Ou seja, tenta-se quebrar os elos de uma futura
corrente, na analogia já realizada.
O Brasil sempre foi reconhecido pelo alto padrão de segurança nas
operações aéreas. No entanto, com a ocorrência de dois grandes acidentes no
espaço de menos de um ano, tal padrão passou a ser colocado em dúvida.
Tratam-se dos acidentes ocorridos com um Boeing 737 da empresa GOL e
aeronave Embraer Legacy da empresa Excel Air, ocorrido em 29/09/2006, e o
acidente com a aeronave da TAM ocorrida no aeroporto de Congonhas, em
17/07/2007.
Estes acidentes, embora não tenham suas investigações concluídas,
indicam como uma das causas a prestação de um serviço por parte do Estado.
Tais fatos desencadearam o que a mídia passou a chamar de “caos aéreo” ou
“apagão aéreo”.
A ocorrência de acidentes aéreos no Brasil, que até o ano de 2005 se
mantinha numa média de aproximadamente 60 acidentes por ano, saltou para 99
no ano de 2007.1
É claro que deve ser levado em consideração um aumento na demanda no
transporte aéreo, porém esse não pode ser o único motivo e, afinal de contas, o
trabalho de prevenção deve acompanhar essa demanda.
Soma-se a isso a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),
instituída pela lei 11.182/05. Diante da constatação da importância econômica e
1
Disponível
01/11/2008.
em:
<http://www.cenipa.aer.mil.br/estatisticas/aviacao_civil.pdf>.
Acesso
em:
11
estratégica do setor aéreo, criou-se uma agência reguladora para executar o papel
de planejamento e fiscalização do setor.
Diante destes fatos e da atuação do Estado no setor aéreo, o problema
abordado neste trabalho é a aplicação de responsabilidade civil do Estado quando
houver a ocorrência de um acidente aéreo e, de que forma deve ser aplicada esta
responsabilidade.
A hipótese que será analisada é que deve ser aplicada a responsabilidade
civil do Estado quando uma ação ou omissão tenha sido causa de um acidente
aéreo, independentemente de culpa, ou seja, aplicação de responsabilidade
objetiva.
Justifica-se o tema abordado com a constatação de que tenham
contribuído, para a ocorrência de dois grandes acidentes aéreos no Brasil, a
ausência de planejamento no setor aéreo, além da inércia de agentes estatais
para tomar medidas de sua competência, deflagrando uma crise aérea no país,
justamente no período posterior à criação da ANAC, agência reguladora que foi
festejada como um grande avanço do setor, mas que, no entanto, não tem
cumprido as suas funções.
Em face da peculiaridade do tema abordado, a metodologia utilizada será
uma abordagem da aplicação da responsabilidade civil do Estado, trazendo a
discussão sobre este tema, de um contexto geral para o contexto específico do
setor aéreo, através da análise das competências dos órgãos estatais mais
importantes do sistema aéreo brasileiro, que sejam potenciais causas de
acidentes aéreos.
Também será apresentada pesquisa jurisprudencial sobre a ocorrência de
acidentes aéreos em que a atuação do Estado foi fator contribuinte, como forma
de demonstrar o pensamento dos tribunais do país acerca do tema estudado.
Com isso, este estudo busca não só demonstrar que é possível cobrar
ações dos agentes estatais sem, no entanto, conduzir o Estado ao papel de
segurador universal, mas, acima disso, a partir da constatação de que a atuação
estatal seja possível causa de um acidente aéreo, contribuir para que novos
acidentes aéreos sejam evitados.
12
Assim sendo, o presente trabalho é dividido em dois capítulos, inaugurando
com um capítulo que aborda a evolução do Estado, sua transição do paradigma
de Estado intervencionista para Estado regulador e a instituição das agências
reguladoras, o que é de grande relevância para este estudo pelo fato de que uma
agência reguladora, a ANAC, está envolvida no contexto do setor aéreo no Brasil.
Ainda no primeiro capítulo será feita uma abordagem descritiva e objetiva
das agências reguladoras, destacando seus pontos principais e mais relevantes
para o tema desta monografia, culminando com uma análise da ANAC e os
principais órgãos que compõem o sistema aéreo do Brasil. Por fim, como é de
grande importância para o tema, será feito um breve estudo da investigação de
acidentes aéreos realizada no Brasil.
O capítulo dois trata da responsabilidade civil do Estado, iniciando com uma
abordagem sobre sua evolução e aplicação dada pela Constituição Federal de
1988, tratando dos princípios aplicáveis à atuação Estatal e mais especificamente
ao tratamento da responsabilidade civil.
Tal capítulo culmina com uma análise, através de casos concretos e
análises jurisprudenciais, além de investigações de acidentes aéreos ocorridos no
nosso país, para elucidar o tema da aplicação da responsabilidade civil do Estado
no acidente aéreo.
13
1 A ANAC E O SISTEMA AÉREO NO BRASIL
1.1 Considerações iniciais
Para fins deste trabalho, será utilizada uma divisão da evolução do Estado
em três fases distintas: pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade2.
A pré-modernidade ou Estado liberal descrita por Luís Roberto Barroso,
“caracteriza-se por um Estado de funções reduzidas, confinadas à segurança,
justiça e serviços essenciais”.3 Dessa forma, é minimizada a atuação do estado na
esfera particular, tratando-se de um Estado não-intervencionista.
Na segunda fase, a da modernidade, também chamada de “Estado do Bem
Estar Social”, passa a existir uma maior intervenção do Estado, principalmente nos
aspectos sociais e econômicos. Surgem os chamados direitos sociais e o Estado
atua cada vez mais buscando zelar pelas relações contratuais, minimizando as
desigualdades. É a fase do Estado-Empresário, concorrendo diretamente com a
iniciativa privada, através de empresas públicas ou sociedades de economia
mista. Sobre o Estado do “Bem Estar Social”, destaca Lucas de Souza Lehfeld:
O Estado do Bem-Estar-Social surgiu com o propósito de amenizar, de um
lado, os problemas sociais (p. ex. miséria e desemprego) do pós-guerra e
conseqüentemente o fracasso do Estado liberal e, de outro, a falta de
competitividade e eficiência produtiva em razão da apropriação, por parte
2
Faz-se necessário explicar o emprego do termo pós-modernidade: Ele está sendo utilizado como
referência de paradigma, pois a maioria dos autores assim o consolidaram, entendendo que houve
uma superação histórica. Este autor, no entanto, diverge de tal uso, pois entende que todavia
vivemos a modernidade, na medida que, o sistema liberal-capitalista segue vigente como projeto
de dominação e , inclusive, parece atingir perfil hegemônico. Ainda há uma longa jornada para que
a modernidade dê lugar à pós-modernidade.
3
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p.285.
14
do Estado Socialista, dos meios de produção, da propriedade privada e
4
também de seu planejamento econômico burocratizado.
Ainda sobre o tema afirma Maria D’Assunção Costa Menezello:
A remodelagem do papel do Estado vem acompanhada de benefícios
sociais, sem os quais seria muito difícil atingir a democracia prevista nos
textos constitucionais, na tentativa de evitar a continuidade do
5
individualismo tido, a esse tempo, como bem maior do cidadão.
A terceira fase, a pós-modernidade, corresponde à fase do ultraliberalismo
e ocorre no final do século XX. Surge como crítica ao modelo do Estado do Bem
Estar Social que mantinha um Estado cada vez mais burocratizado e que não
conseguia cumprir suas funções de forma efetiva. “O Estado estava densamente
identificado com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade,
burocracia e corrupção”.6 É nesse momento que surgem fenômenos como a
globalização e as privatizações. O Estado passa a controlar setores estratégicos
deixando de ser prestador para ser regulador.
Necessário aqui trazer a justificativa do termo ultraliberalismo, uma vez que
muitos autores denominam essa fase como a fase do neoliberalismo. O termo
ultraliberalismo é utilizado na concepção que bem justifica Francisco Fonseca, que
“revela a radicalidade – no sentido da implementação de uma agenda claramente
determinada e em razão do seu modus operandi – com que os liberais do século
XX atuaram com vistas à obtenção da hegemonia”.7
Tal movimento caracteriza-se pela chamada globalização e o buscado
desaparecimento das fronteiras econômicas, pela redução de barreiras de
mercado e a instituição de um mesmo pensamento econômico em todos os
países. Bem destaca Fonseca que “nesse momento surge um mercado financeiro
4
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
57.
5
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o direito brasileiro. São
Paulo: Atlas, 2002. p. 23.
6
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 286.
7
FONSECA, Francisco. A grande imprensa e a constituição da agenda ultraliberal na “Nova
República”.
Estudos
históricos,
n.
31,
2003/1.
p.
20.
Disponível
em
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista>. Acesso em: 25/09/2008.
15
cada vez menos lastreado na produção. Uma espécie de “capitalismo de cassino”
[...] através de inúmeros novos mercados financeiros”.8
Acrescenta-se a idéia de Christian Guy Caubet que também trata do
ultraliberalismo, refutando o termo neoliberalismo:
[...] pode-se dizer que o liberalismo de hoje não é neoliberalismo, e sim,
ultraliberalismo. Objetiva-se re-suscitar modalidades de um sistema
econômico que foi se tornando obsoleto em função de suas próprias
exigências de eficiência [...]. Apregoa as virtudes do mercado para resolver
todos os problemas.9
No Brasil e demais países da América Latina, a internalização desse
sistema se dá a partir do Consenso de Washington, coordenado pelos Estados
Unidos, principalmente através das figuras do FMI e do BIRD, estabelecendo um
modelo a ser seguido por esses países, cujas principais características são
liberalização financeira, liberdade cambial, liberalização comercial, privatização,
desregulação e disciplina fiscal, por exemplo.
No nosso país, essa mudança no Estado se inicia com o Programa
Nacional de Desestatização, no governo de Fernando Collor de Mello, através da
lei 8031/90. Sobre os objetivos de tal Programa, discorre Paulo Roberto Ferreira
Motta:
Pretendia a reordenação da posição estratégica do Estado na economia,
transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo
setor público, visando reduzir a dívida pública, concorrendo para o
saneamento das finanças do setor público e a retomada de investimentos
nas empresas e atividades que viessem a ser transferidas à iniciativa
privada, com a modernização do parque industrial do país, ampliando a
sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos
setores da economia; permitindo que a Administração Pública
concentrasse seus esforços nas atividades em que a presença do Estado
10
fosse fundamental para a consecução das prioridades nacionais.
Porém, é no governo Fernando Henrique Cardoso, que essa tendência
passa a ganhar força. A lei 8031/90 é revogada pela lei 9491/97 com mudanças
8
FONSECA, Francisco. A grande imprensa e a constituição da agenda ultraliberal na “Nova
República”.
Estudos
históricos,
n.
31,
2003/1.
p.
6.
Disponível
em
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista>. Acesso em: 25/09/2008.
9
CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política... E o meio ambiente?. Curitiba: Juruá, 2004.
p.11.
10
MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003. p.6.
16
pouco significativas. Passam a ser editadas emendas constitucionais quebrando
monopólios estatais como, por exemplo, a EC 5/95 que permitia aos Estadosmembros conceder a empresas privadas a exploração de serviços públicos locais
de distribuição de gás canalizado e a EC 6/95 que passou a permitir a pesquisa e
lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia elétrica por
empresas privadas.
Em 1995, a Câmara de Reforma do Estado aprovou o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado com o objetivo de substituir a Administração
Pública burocrática por uma Administração Pública Gerencial, menos voltada para
os processos e mais voltada para a consecução dos objetivos.
Tal como lembra Lehfeld:
A proposta era readequar as funções estatais e as formas de propriedade
e de gestão, com maior participação da sociedade na execução de
atividades não exclusivas do Estado (função pública não estatal). As
atividades exclusivas do Estado, por outro lado, também deveriam sofrer
mudanças em sua organização, permitindo a separação entre formulação
11
de políticas, regulação, controle e operação dos serviços.
Enfim, a Emenda Constitucional 19 de 1998, dá a plenitude a modelo
proposto pelo Plano da Reforma do Aparelho do Estado. Tal emenda modifica e
dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes
políticos, controle de despesas e finanças públicas. Como exemplos de tais
mudanças temos uma nova disciplina da participação do usuário na Administração
Pública Direta e Indireta; controle rigoroso da despesa pública com pessoal ativo e
inativo; fim do regime jurídico único entre outras.
Deve-se levar em consideração também, assim como destaca Luís Roberto
Barroso, que “passa a haver nesse período uma fecunda produção legislativa em
temas econômicos, incluindo diversos setores”12, tais como telecomunicações,
energia e petróleo.
11
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008.
p.207.
12
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 290.
17
Por fim, cabe tratar da Administração Pública. Como conceitua Tito Prates
da Fonseca, “Administração Pública é toda a atividade do estado para alcançar
seus próprios fins, e que não sejam legislar e julgar contenciosamente”.13 Ou seja,
a partir de tal definição, depreende-se que a Administração Pública diz respeito a
ação executiva do Estado.
Ao tratar dos órgãos da Administração Pública, Álvaro Lazzarini afirma que
“operacionalizam as decisões políticas, inclusive traduzindo para a realidade do
caso concreto o comando das decisões dos órgãos políticos do Estado”.14 Nesse
sentido, Odete Medauar determina que “a Administração Pública integra o
contexto geral do sistema político de um Estado, refletindo e expressando as
características e distorções desse sistema”.15
Sendo assim, é a Administração Pública que materializa a vontade do
Estado através de ações executivas determinadas pelo governo, através de
decisões políticas. Ou seja, a Administração Pública é parte do Estado,
concluindo-se, portanto, que o modelo de Administração Pública será definido em
função do modelo de Estado.
1.2 As agências reguladoras no direito brasileiro
É nesse contexto de um Estado que deixa de ser prestador de serviços
públicos para passar a planejar, regular e fiscalizar que surgem as agências
reguladoras. De acordo com Barroso, “a constatação de que Estado não tem
recursos suficientes para todos os investimentos necessários e que, além disso, é
13
FONSECA apud LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 30.
14
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 28.
15
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 28.
18
geralmente um mau administrador conduziu ao processo de transferência para o
setor privado da execução de ampla gama de serviços públicos”.16
Em se tratando de agências reguladoras, discorre Carlos Ari Sundfeld:
A existência de agências reguladoras resulta da necessidade de o Estado
influir na organização das relações econômicas de modo muito constante
e profundo, com o emprego de instrumentos de autoridade, e do desejo de
conferir às autoridades incumbidas dessa intervenção, boa dose de
17
autonomia frente à estrutura tradicional do poder político.
O surgimento da figura das agências reguladoras se dá na Inglaterra, na
common law, como lembra Alexandre de Moraes, “a partir da criação pelo
Parlamento, em 1834, de diversos órgãos autônomos com a finalidade de
aplicação e concretização dos textos legais”.18
Porém, é nos Estados Unidos, que essas agências ganham força e passam
a se tornar cada vez mais presentes, sendo que para muitos autores foi nos
Estados Unidos que as agências reguladoras passaram a integrar a Administração
Pública, pois, assim como destaca Lehfeld, “a agency, do common law, pressupõe
atuação matéria de determinado sujeito cuja orientação se dá em função da
satisfação do interesse alheio”.19 Nos Estados Unidos, a concepção das agências
é diferente, como poder estatal.
A atuação de tais órgãos foi melhor definida nos Estados Unidos através da
Administrative Procedural ACT (APA), que unificou a forma de agir das agências
reguladoras americanas, e, de acordo com Motta, “foi nesse momento em que as
agências passam a uniformizar seus critérios de atuação e permitir à cidadania
ampla participação na fixação de suas políticas”.20
16
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 293.
17
SUNDFELD apud MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o direito
brasileiro. São Paulo: Atlas, 2002. p.59.
18
MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências
reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 22.
19
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
135.
20
MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003. p. 65.
19
Antes de fazer uma conexão com as agências reguladoras no Brasil,
necessário fazer uma diferenciação quanto à concepção dos serviços públicos nos
Estados Unidos. Conrado Hübner Mendes trata desse assunto ao afirmar:
Não há, e nunca houve, nesse país, com exceção de pouquíssimos casos
isolados, a preocupação estatal de avocar a titularidade de uma dada
atividade econômica, para que depois delegasse a particulares o seu
exercício em regime de Direito Público. [...] O que ocorreu,
gradativamente, foi a necessidade de regulação de atividades que se
mostraram de especial interesse da coletividade.21
A diferença do modelo americano para o brasileiro, no entanto, não diz
respeito apenas à concepção de serviço público, mas do próprio direito
administrativo em si e da organização da Administração Pública, visto que nesse
sentido o Brasil possui forte influência européia, principalmente francesa, baseada
na hierarquia e centralização, enquanto que a Administração Pública americana é
descentralizada.
No Brasil, com o fenômeno da globalização, já citado nesse trabalho e a
influência do ultraliberalismo, passa-se a abrir setores econômicos e quebrar
monopólios estatais. Com o fenômeno cada vez mais acentuado das
privatizações, os serviços de interesse público passam a ser exercidos por entes
privados e faz-se necessária a regulação desses setores, com influência das
agências americanas.
Nas palavras de Aragon Érico Dasso Júnior, “os defensores do modelo
regulatório no Brasil não utilizaram mecanismos de regulação para corrigir falhas
de “mercado”, mas sim para justificar a privatização de empresas públicas”.22
A principal dificuldade, no entanto, é inserir as agências reguladoras no
direito brasileiro, justamente por se tratarem de descentralização administrativa,
gerando problemas principalmente no que tange à autonomia desses entes como
será visto a seguir.
No que tange à regulação em si, Ismael Mata bem define:
21
MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e agências reguladoras: Estabelecendo os
parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico.
São Paulo: Malheiros, 2006. p. 119.
22
DASSO JÚNIOR, Aragon Érico. Reforma do estado com participação cidadã? Déficit
democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 459f. Dissertação (Doutorado em
Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p. 119-120.
20
Uma política pública que consiste em uma restrição, ou interferência, nas
atividades de um sujeito regulado por alguém que não desenvolve ditas
atividades e que estabelece regras restritivas e controla o cumprimento
das mesmas de forma continuada.23
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho faz a seguinte afirmação sobre o
papel do Estado Regulador:
A existência de um Estado Regulador se caracteriza pela eleição da
intervenção regulatória como instrumento político fundamental.[...] O modo
de realizar o bem comum, num Estado Regulador, consiste na atuação
regulatória, o que se traduz basicamente na edição de regras e outras
providências orientadas a influir sobre a atuação das pessoas e
instituições.24
Cabe a uma vontade política do governo se um determinado setor deverá
ser regulado através de uma agência ou não, principalmente pela relevância do
setor econômico em questão, que justifica a criação de um ente específico para
sua regulação, com vistas a corrigir eventuais falhas de mercado do setor,
enquanto que outros setores da economia não possuem tal ente.
O Artigo 174 da Constituição Federal de 1988 já determina que o Estado
deverá atuar, na forma da lei, como agente normativo e regulador da atividade
econômica.
Afirma Menezello que “regular as atividades econômicas na forma da lei, é
um dever Constitucional, ao qual o Estado brasileiro, entenda-se aqui Poder
Executivo e Legislativo está submetido”.25
23
MATA apud MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003.
p. 48.
24
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito regulatório. Fórum administrativo – Direito Público, Belo
Horizonte, ano 6, n. 61, p. 6941-6953, mar. 2006. p. 6944.
25
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o direito brasileiro. São
Paulo: Atlas, 2002. p. 37.
21
1.2.1 Natureza jurídica das agências reguladoras
No Brasil, as agências reguladoras foram estabelecidas como autarquias
sob regime especial e fazem parte da Administração Pública indireta, com
vinculação ao Ministério ao qual compete as atividades por elas exercidas.
O inciso XIX do Artigo 37 da Constituição Federal de 1988, com redação
dada pela Emenda Constitucional 19/98, determina que, somente por lei
específica poderá ser criada autarquia. Esta, segundo esclarece Moraes, “em face
do princípio da especialidade, não poderá afastar-se, no exercício de suas
atividades, das finalidades e dos objetivos determinados na lei de sua criação”.26
De acordo com Lehfeld, “trata-se de entidade administrativa dotada de
personalidade jurídica própria, de Direito Público, com autonomia patrimonial e um
complexo
de
competências
estatais
decorrentes
da
descentralização
administrativa”.27
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “a única particularidade
marcante do tal regime especial é a nomeação pelo Presidente da República, sob
aprovação do Senado, dos dirigentes da autarquia, com garantia, em prol destes,
de mandato a prazo certo”.28
Porém o regime especial é de suma importância para que as agências
reguladoras atinjam seus objetivos. Ora, regular um determinado setor da
economia muitas vezes significa ir contra a vontade política de governantes ou
interesses de grandes corporações que atuam nos diversos setores regulados. É
justamente o regime especial que consagra a autonomia das agências
reguladoras.
Sobre o tema, Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma:
26
MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências
reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 24.
27
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
247.
28
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21.ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 162.
22
A instituição de um regime jurídico especial visa a preservar as agências
reguladoras de ingerências indevidas, inclusive e, sobretudo, como
assinalado, por parte do Estado e seus agentes. Procurou-se demarcar,
por esta razão, um espaço de legítima discricionariedade, com predomínio
29
de juízos técnicos sobre as valorações políticas.
Ainda, com relação à proteção das decisões das agências reguladoras de
tais pressões, determina o Artigo 8º da Lei 9986/00, lei que dispõe sobre os
recursos humanos das agências reguladoras, que os dirigentes, após o término de
seus mandatos, ficam impedidos por um período de quatro meses, de prestar
qualquer tipo de serviço no setor público ou a empresa integrante do setor
regulado pela agência. Via de regra, as leis instituidoras das agências reguladoras
impedem seus dirigentes de prestar serviços de forma direta ou indireta a
empresas reguladas, bem como suas subsidiárias ou outras empresas
pertencentes a um grupo econômico.
Todas essas medidas foram tomadas pelo legislador para garantir maior
autonomia às agências reguladoras e a garantia de tomada de decisões sem
pressões externas.
1.3 Aparente autonomia das agências reguladoras
O fato de ter sido designada como autarquia de regime especial em sua lei
de criação, traz uma certa carga de autonomia às agências reguladoras para que
possam buscar seus objetivos sem influências externas, com decisões
eminentemente técnicas.
29
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar,
2003. p.37.
23
Na verdade, como afirma Dasso Júnior, “para justificar a necessidade de
“independência” ou de “autonomia” das agências reguladoras, busca-se
desqualificar o “político” e supervalorizar o “técnico””.30
O grande problema no tocante a essa autonomia é que ela é relativa sob
diversos aspectos, principalmente no que diz respeito às influências políticas
sobre as agências reguladoras. Acerca do tema, Sundfeld afirma que “como
sempre acontece, as lutas pelo poder também vão alcançar a regulação [...]. Em
uma época certa agência age com toda autonomia, dali a pouco o Executivo
recobra seu poder de influir, e assim segue a luta”.31
Destaca ainda Floriano Azevedo Marques Neto:
Devem as agências desenvolver sua atividade com um grau elevado de
independência em face do poder político, sob pena de se converterem em
mera longa manus do núcleo estratégico estatal.[...] A independência deve
servir para que o órgão regulador seja instrumento de política
32
governamental, e não um instrumento de política de um governo.
Sempre haverá uma relativização dessa autonomia das agências
reguladoras, o que ocorre nas suas diversas facetas. Diante disso, pode-se dizer
que tal autonomia é apenas aparente, visto que na realidade as agências
reguladoras são autarquias componentes da administração pública.
Sobre este tema são os ensinamentos de Eros Roberto Grau:
As agências de regulação, meras autarquias, não passam, na verdade, de
repartições da Administração, no sentido literal do termo. A Administração
é repartida, de modo a obviar-se sua descentralização. As autarquias são
produto dessa repartição, por isso mesmo tendo sido designadas, no
passado, “repartições públicas”.33
30
DASSO JÚNIOR, Aragon Érico. Reforma do estado com participação cidadã? Déficit
democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 459f. Dissertação (Doutorado em
Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p.361.
31
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 25.
32
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. In:
SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 87.
33
GRAU, Eros Roberto. As agências, essas repartições públicas. In: SALOMÃO FILHO, Calixto
(Coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 28.
24
1.3.1 “Autonomia” administrativa
Do fato de terem sido instituídas como autarquias sob regime especial,
decorre a autonomia administrativa das agências reguladoras. É sua natureza
jurídica que gera tal conseqüência.
Segundo Edmir Netto de Araujo, “a autarquia contrata e administra em seu
próprio nome, contrai obrigações e adquire direitos, mas dentro das regras do
ordenamento vigente”.34 No mesmo sentido, Motta afirma que “quanto aos
contratos firmados pelas agências, dúvidas não pode haver de que são contratos
administrativos, regidos pelo estatuto licitatório”.35
Assim, pode-se dizer que essa autonomia é relativa, podendo as agências
reguladoras realizar atos buscando os objetivos da agência para o setor regulado,
não podendo, no entanto, inovar na forma de seus atos, por se tratarem de atos
administrativos, devendo obedecer ao ordenamento jurídico vigente, bem como os
princípios que regem a Administração Pública, tais como o princípio da
impessoalidade e da supremacia do interesse público, ou mesmo do princípio da
eficiência.
Nesse sentido, Lehfeld:
A autonomia na escolha de determinado procedimento administrativo e
regulatório, frente aos agentes sujeitos à sua intervenção, decorrente de
avaliação técnico-operacional, trata-se da manifestação do princípio da
eficiência, cuja observação se faz obrigatória quando da descentralização
administrativa das funções do Estado.36
Em se tratando da autonomia administrativa das agências reguladoras, é de
grande importância desenvolver um pouco mais o tema da estabilidade dos
dirigentes dessas autarquias.
A estabilidade dos dirigentes é inerente às próprias agências reguladoras,
com a finalidade de garantir decisões técnicas sem pressões políticas.
34
ARAUJO, Edmir Netto de. A aparente autonomia das agências reguladoras. In: MORAES,
Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 50.
35
MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003. p. 105.
36
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
253.
25
De acordo com o Artigo 9º da lei 9986/00, os dirigentes somente perderão o
mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de
processo administrativo disciplinar.
A proibição da demissão ad nutum, ou seja, o fato do Chefe do Poder
Executivo não poder exonerar um servidor que foi designado por ele, gera
discussões. Ainda mais grave é a situação de troca de governos, pois um governo
posterior vê-se obrigado a manter na direção de uma determinada agência
reguladora uma pessoa que era de da confiança de outro governante, mas não da
sua.
Sobre esse tema, Celso Bandeira de Mello defende que “a garantia do
mandato dos dirigentes destas entidades só se opera dentro do período
governamental em que foram nomeados”.37
No mesmo sentido afirma Leila Cuéllar:
A impossibilidade de demissão ad nutum dos dirigentes das agências pelo
chefe do Poder Executivo é inconstitucional, porque ainda que
indiretamente, viola o princípio da República ao possibilitar que a pessoa
nomeada por um governante, porque de sua confiança, permaneça nas
funções para as quais foi designado durante o governo posterior. [...] notese que a independência da agência não deriva do ato de nomeação de
seu dirigente, mas das garantias quanto ao exercício das prerrogativas
que são atribuídas à entidade.38
No tocante a essa situação, o Supremo Tribunal Federal, se manifestou,
ainda que em sede de medida liminar, em Ação Direta de Inconstitucionalidade
ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul (ADIN 1949-0).
O Artigo 8º da Lei atacada determinava que os membros do Conselho
Superior da AGERGS somente poderiam ser destituídos, no curso de seus
mandatos, por decisão da Assembléia Legislativa do Estado.
A AGERGS é uma autarquia especial que possui como objetivo de garantir
a continuidade dos serviços públicos delegados a empresas privadas no Estado
do Rio Grande do Sul.
37
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 168.
38
CUÉLLAR apud LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 257.
26
Em sede de liminar, o STF decidiu pela suspensão da eficácia do Artigo 8º
da lei atacada, sem prejuízo das restrições à demissibilidade, pelo Governador do
Estado, sem justo motivo. Assim, pode-se dizer que o STF entende pela
impossibilidade da demissão ad nutum pelo Chefe do Poder Executivo de dirigente
de uma agência reguladora. É claro que a decisão foi tomada em sede de liminar
e deve ser aguardada a decisão final para que se possa fixar o entendimento do
STF.
O grande problema quanto à autonomia dos dirigentes das agências
reguladoras está no vínculo político que estes possuem com o chefe do Poder
Executivo que os nomeou para o cargo. É difícil crer que o dirigente não irá ceder
a pressões exercidas pelo Poder Executivo. Passa-se a uma análise do
pensamento apresentado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao afirmar o seguinte:
A estabilidade outorgada aos dirigentes das agências confere maior
independência, não muito comum na maior parte das entidades da
Administração Indireta, em que os dirigentes, por ocuparem cargos de
confiança do Chefe do Poder Executivo, acabam por curvar-se a
39
interferências, mesmo que ilícitas.
Ora, no entanto, em virtude do vínculo político que possuem, na prática os
dirigentes das agências reguladoras podem sofrer, e eventualmente sofrem, os
mesmos tipos de pressões exercidas sobre outros órgãos integrantes da
Administração Pública Indireta.
Tal fenômeno é definido por Floriano Azevedo Marques Neto como “captura
pelo poder político, traduzida no atrelamento da atividade regulatória aos
interesses conjunturais do bloco do poder, às vicissitudes eleitorais”.40
Outro tema relevante ao tratar da autonomia administrativa das agências
reguladoras diz respeito à possibilidade ou não de recurso hierárquico impróprio
de decisão da agência reguladora. Tal recurso é destinado a outro órgão, não
integrado na mesma estrutura hierárquica da entidade.
39
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 418.
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. In:
SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 90.
40
27
Esse recurso tem sido admitido na esfera federal, com base no Decreto-lei
nº 200/67 que dispõe sobre a organização da Administração Federal. O artigo 19
de tal decreto determina que todo e qualquer órgão da Administração Federal,
direta ou indireta está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, ou,
em alguns casos específicos, do Presidente da República.
Com razão Edmir Netto de Araújo destaca que “a subordinação hierárquica
reduziria as entidades descentralizadas à condição de simples órgãos da estrutura
da Administração direta, à qual se vinculam e não se subordinam”.41
Lembra ainda Lehfeld que, com relação à matéria submetida ao recurso,
por oportuno, “restringe-se à legalidade da decisão recorrida, já que o Poder
Executivo exerce, perante essas entidades da Administração Pública indireta,
somente controle finalístico e de acordo com hipóteses legais”. 42
Sobre o tema, soma-se a idéia de Barroso que afirma que “a subordinação
seria incompatível com a implementação eficiente da regulação de atividades que
mobilizam interesses múltiplos do Estado, como empresário, arrecadador de
tributos ou agente social”.43
Faz-se necessário ressaltar que a discussão de impossibilidade de recurso
de decisão tomada por agência reguladora se dá quando a última instância da
agência reguladora tomou tal decisão e se quer a reforma pelo Ministério
competente. Dessa forma, é pacífico que cabe recurso ao judiciário da decisão
tomada, bem como de instâncias superiores dentro da própria estrutura da
agência quando esta não for a última.
Por fim, esta autonomia sempre será relativa devido ao vínculo político
existente entre o dirigente da agência reguladora e o governo, na figura do Chefe
do Poder Executivo, que lhe indicou para tal cargo. Dessa forma é impossível
acreditar que o governo não irá influir na tomada de decisões dos dirigentes das
agências reguladoras.
41
ARAUJO, Edmir Netto de. A aparente autonomia das agências reguladoras. In: MORAES,
Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 53.
42
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
259.
43
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 302.
28
1.3.2 “Autonomia” orçamentário-financeira
Como autarquias, as agências reguladoras possuem uma certa autonomia
financeira e têm o seu orçamento regido pelo que determina o Artigo 165, § 5º da
Constituição Federal. É preciso lembrar ainda que os bens das agências são
considerados bens públicos. Sendo assim, não podem realizar despesas não
previstas na lei orçamentária do Estado.
A autonomia orçamentário-financeira, no entanto, também deve ser
relativizada. Destaca Araújo que “possuem autonomia orçamentária e financeira,
mas não são dotadas de independência ou soberania, não podem decidir em
quanto monta seu orçamento, quanto podem despender, no que e de que
forma”.44
No mesmo sentido, Lehfeld afirma que, “para autonomia orçamentária, não
significa que podem realizar despesas não descritas na lei geral orçamentária do
Estado”.45
Caberá, às agências reguladoras, portanto, administrar seus recursos e
receitas, receitas estas que podem vir de taxas cobradas pelo exercício da
fiscalização dos agentes regulados instituídas na lei de sua criação, como, por
exemplo, a Taxa de Fiscalização da Aviação Civil (TFAC), cobrada pela ANAC e
instituída pela lei de sua criação (lei 11.182/05). No entanto, não podem inovar nos
gastos de tais receitas e se sujeitam ao instituído pelo Estado.
Essa condição gera uma diminuição da autonomia das agências, como
lembra Lehfeld, “especialmente com relação à liberdade nas escolhas e decisões,
pois, além de dependerem, em boa parte dos recursos orçamentários previstos
pela União, também se vinculam às restrições legais”.46 Novamente a agência
reguladora fica sujeita à política do governo.
44
ARAUJO, Edmir Netto de. A aparente autonomia das agências reguladoras. In: MORAES,
Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46.
45
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
251.
46
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p.
251.
29
Cabe nesse momento uma comparação com as agências reguladoras
americanas trazida por Sebastião Botto de Barros Tojal, “que possuem dever de
resposta ao Congresso e não ao Executivo. Em função dessa última
característica, as agências americanas elaboram seus próprios orçamentos e os
submetem diretamente ao Congresso”.47
O risco causado pelo contingenciamento orçamentário pode ser visualizado
através dos ensinamentos de Marques Neto, que descreve tal fato como “a
possibilidade de captura por insuficiência de meios, ou seja, a inviabilização do
órgão regulador pelo esvaziamento de seus recursos materiais, logísticos,
financeiros e principalmente humanos”.48
Destaca-se que, como entes da Administração Pública, as agências
reguladoras estão sujeitas ao controle exercido pelo Tribunal de Contas, uma vez
que fazem uso de dinheiro público. No entanto, esse é justamente o balizador da
atuação do Tribunal de Contas, pois, como afirma Barroso, “escapa às atribuições
dos Tribunais de Contas o exame das atividades dessas autarquias especiais
quando elas não envolvam dispêndio de recursos públicos”.49
Pelos
fatos
apresentados,
principalmente
o
fenômeno
do
contingenciamento por parte do Estado ao elaborar o orçamento anual, não há
como se falar em autonomia orçamentário-financeira das agências reguladoras,
visto que sempre serão dependentes dos valores a elas destinadas no orçamento
da União.
47
TOJAL, Sebastião Botto de Barros. Controle judicial da atividade normativa das agências
reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p.
156.
48
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação Estatal e as Agências Independentes.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 89.
49
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 304.
30
1.3.3 “Autonomia” para dirimir conflitos
A autonomia abordada nesse tópico deriva do fato de que, para atingir seus
fins regulando determinado setor, faz-se necessário, em muitos casos, que as
agências tenham poder decisório para dirimir conflitos entre os agentes regulados,
bem como entre o consumidor e um desses agentes, cabendo, inclusive a
aplicação de sanções por parte das agências em alguns casos.
Alguns autores chamam tal autonomia de autonomia jurisdicional, o que
não parece ser adequado, visto que dá idéia de poder judiciário. Cabe aqui,
destacar as palavras de Motta ao afirmar que “essa função jurisdicional não opera,
jamais, coisa julgada, devendo por este motivo, mas não só, ser consignado que o
exercício da função jurisdicional por determinada agência reguladora é
substancialmente função administrativa desta”.50
Tal poder é fundamentado na tecnicidade das decisões tomadas pelas
agências reguladoras, bem como na celeridade da resposta a uma determinada
demanda.
Essa atividade se funda no poder de polícia exercido pelas agências
reguladoras. Segundo Di Pietro, “o fundamento do poder de polícia é o princípio
da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração
posição de supremacia sobre os administrados”.51
No mesmo sentido, temos a opinião de Menezello, segundo a qual, “o poder
de fiscalizar está diretamente atrelado ao dever de fiscalizar o fiel cumprimento
das obrigações legais e regulatórias para que os interesses da sociedade sejam
preservados”.52
O poder de polícia é função típica das agências reguladoras, pois seu
objetivo é justamente dar um contorno ao exercício de direitos individuais em
50
MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole, 2003. p.189.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 109.
52
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o direito brasileiro. São
Paulo: Atlas, 2002. p.71.
51
31
benefício do interesse da coletividade, através da fiscalização do mercado
regulado e, se necessário, da aplicação de sanções.
Porém, lembra-se que as decisões das agências reguladoras são passíveis
de análise do Poder Judiciário, pela garantia constitucional do Art 5º, XXXV da
Constituição Federal, que impossibilita que lei exclua da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito.
Para Lehfeld, “o controle judicial deve ser realizado com a finalidade de
resguardar a ordem jurídica e, por conseguinte, evitar abusos e ilegalidades no
processo decisório das agências reguladoras”.53
A principal controvérsia acerca do tema reside no espaço de revisão judicial
dessas decisões. Grande parte da doutrina entende que somente pode ser
apreciado, pelo poder judiciário, a análise da legalidade da decisão tomada pela
agência reguladora, não podendo, no entanto ser atacado o mérito de tal decisão.
Concordo, no entanto, com parte da doutrina que leva em consideração os
princípios seus reflexos no Direito Administrativo, possibilitando que o poder
judiciário ataque o mérito de uma decisão da agência reguladora. Ao elencar
princípios como o da razoabilidade, da moralidade e da eficiência, afirma Barroso:
À luz desses novos elementos, já não é mais possível, afirmar de modo
peremptório, que o mérito do ato administrativo não é passível de
reexame. Isso porque verificar se alguma coisa é, por exemplo, razoável –
ou seja, se há adequação entre meio e fim, necessidade e
54
proporcionalidade – constitui evidentemente, um exame de mérito.
Em virtude do controle de mérito baseado em princípios para que as
decisões das agências não tenham caráter absoluto, não é possível falar-se em
autonomia nesse caso, pois jamais poderá ser afastada do poder judiciário a
revisão de uma decisão da agência reguladora, por força do inciso XXXV do artigo
5º da Constituição Federal. Dessa forma, não parece plausível afirmar que as
agências reguladoras possuem autonomia para dirimir conflitos.
53
LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008.
p.269.
54
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. 2002. p. 305.
32
1.3.4 “Autonomia” normativa
O poder normativo é, com certeza o tema que gera maior discussão ao
tratar-se de agências reguladoras. A criação dessas agências está fundada na sua
especialização e independência na tomada de decisões e na criação de regras
para regular o setor. Como foi visto anteriormente neste trabalho, no período da
pós-modernidade há uma preocupação com a eficiência do Estado, principalmente
na prestação de serviços públicos ou controles destes serviços. Tal eficiência é
discutida na produção legislativa, que não atende às necessidades de diversos
setores da sociedade.
Sob este ponto de vista, busca-se através das agências reguladoras, a
edição de regras com maior celeridade bem como maior compromisso técnico,
com pessoas preparadas e experientes no setor regulado, bem como
independência de compromissos políticos na tomada de decisões.
A grande controvérsia se dá ao questionar se, ao conceder poder normativo
às agências reguladoras, estaria sendo ferido o princípio da reserva legal,
estabelecido no inciso II do Artigo 5º da Constituição Federal, que determina que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
Com vistas a dar uma resposta a tal questionamento, Mello afirma que “as
determinações normativas de tais entidades hão de se cifrar em aspectos
estritamente técnicos”.55 No mesmo sentido temos o ensinamento de Araújo, que
propõe que “as normatizações deverão ser operacionais apenas, regras que, às
vezes aparentemente autônomas prendem-se a disposições legais efetivamente
existentes”.56
Somando-se a esses autores, temos a posição de Di Pietro que resume as
normas que podem ser produzidas pelas agências reguladoras:
55
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 165.
56
ARAUJO, Edmir Netto de. A aparente autonomia das agências reguladoras. In: MORAES,
Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 55.
33
(a) regular a própria atividade da agência por meio de normas de efeitos
internos; (b) conceituar, interpretar, explicitar conceitos jurídicos
indeterminados contidos em lei, sem inovar na ordem jurídica. Essa
segunda função explica-se pela natureza técnica e especializada das
agências. A lei utiliza, muitas vezes, conceitos jurídicos indeterminados,
cujo sentido tem que ser definido por órgãos técnicos especializados.57
Conclui-se a partir dessas ponderações que para que as agências
reguladoras exerçam seu poder normativo em consonância com a Constituição
Federal, deve fazê-lo dentro dos limites de normas gerais criadas pelo legislador,
os chamados standards, não cabendo a elas inovar no ordenamento jurídico. No
entanto, novamente temos uma relativização da autonomia, visto que as agências
reguladoras somente podem atuar dentro de um espaço delimitado pelo legislador.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 264289/CE admitiu a
delegação legislativa, porém com parâmetros legais estabelecidos, ou seja, com a
fixação de standards, não podendo ser, portanto, uma delegação em branco, sob
pena de ferir o princípio da legalidade.
É verdade que parte da doutrina já tem interpretado o princípio da
legalidade buscando uma forma mais sofisticada, tal como o estabelecimento da
reserva absoluta e reserva relativa de lei que é explicada por Barroso:
Fala-se de reserva legal absoluta quando se exige do legislador que
esgote o tratamento da matéria no relato da norma, sem deixar espaço
remanescente para a atuação discricionária dos agentes públicos que vão
aplicá-la. Será relativa a reserva legal quando se admitir a atuação
58
subjetiva do aplicador da norma ao dar-lhe concreção.
Divergindo desses autores citados, temos o posicionamento da doutrina
minoritária, da qual faz parte Sundfeld que sustenta o seguinte:
O exercício de funções normativas por parte das agências reguladoras
deve ser buscado numa nova maneira de se ver o direito nos tempos
atuais, em que, em virtude da globalização econômica, o intérprete deve
57
DI PIETRO apud LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São
Paulo: Atlas, 2008. p. 265.
58
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, constituição e transformação do Estado e
legitimidade democrática. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 229, p. 285-311,
jul./set. p. 306.
34
buscar base doutrinária em outros princípios, fora dos tradicionais, por
59
exemplo, o da Separação dos Poderes e da Legalidade estrita.
Creio que tal entendimento é um tanto temerário, pois desconsidera
princípios que garantem segurança jurídica ao ordenamento bem como a própria
organização do Estado. O princípio da legalidade, por exemplo, é um dos
princípios garantidores das liberdades individuais e de suma importância para a
manutenção do Estado Democrático de Direito.
As agências reguladoras ainda são novidade no nosso país e ainda não há
muitas
decisões
judiciais
acerca
do
tema,
especialmente
sobre
a
constitucionalidade ou não do seu poder normativo, devendo estas atuar dentro
dos limites estabelecidos pelas leis sem violá-las ou distorce-lhes o sentido.
Portanto, mais uma vez não há como se falar em autonomia das agências
reguladoras. A dita autonomia normativa é mitigada justamente por estar adstrita
aos contornos dados pela lei, não podendo haver inovação e dessa forma, não
podendo descrever o fenômeno de criação de normas pelas agências reguladoras
como autonomia normativa.
1.4 A Agência Nacional de Aviação Civil
1.4.1 Criação
A Agência Nacional de Aviação Civil foi criada pela lei 11.182/05, aprovada
em 27 de Setembro de 2005, e trata-se de uma autarquia especial, integrante da
Administração Pública Federal indireta, vinculada ao Ministério da Defesa e com
sede e foro em Brasília/DF. Sua principal função, tal como determina o artigo 2º de
sua lei criadora, é regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária. Ainda, de acordo com o artigo 8º da mesma
59
SUNDFELD apud MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências reguladoras. São Paulo: Manole,
2003. p 162.
35
lei, cabe a ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse
público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, infra-estrutura
aeronáutica e aeroportuária do país, atuando com independência, legalidade,
impessoalidade e publicidade.
Com a criação da ANAC, foi extinto o Departamento de Aviação Civil
(DAC), órgão militar ao qual competia regular o setor até então. A partir da lei
11.182/05, suas atribuições foram transferidas para a ANAC, bem como seu
pessoal que passou a ser substituído por civis gradualmente. Os militares, no
entanto, continuam responsáveis pelo controle de tráfego aéreo, segurança de vôo
e investigação de acidentes aeronáuticos.
Há muito, os diversos segmentos da aviação civil no Brasil lutavam por tal
mudança. É certo que as companhias aéreas cresciam cada vez mais frente ao
aumento da demanda, porém tal crescimento não era acompanhado pela gestão
do sistema aéreo pelo DAC.
A tramitação do projeto de lei que instituiu a ANAC foi longa no Congresso
Nacional, tramitando desde o ano 2000, com a proposição de inúmeras emendas
ao projeto original. A maioria de tais emendas discutia problemas conjunturais, tais
como a ingerência do CADE no setor e prorrogação da validade das concessões
de linhas aéreas. Como bem destacou Giuliano Agmont em reportagem da
Revista Aero Magazine, “os agentes envolvidos no processo de criação da
agência reguladora tentaram usar o projeto para reformar o Código Brasileiro de
Aeronáutica [...] o debate em torno dos problemas conjunturais do segmento será
mais bem encaminhado sob a égide da nova agência”.60
As atribuições da ANAC estão previstas nos quarenta e nove incisos do Art.
8º da lei 11182/05, dentre os quais destaca-se, para fins desse trabalho, regular
horários de pousos e decolagens de aeronaves civis; regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária; expedir normas e estabelecer padrões
mínimos de segurança de vôo, entre outras não menos importantes.
60
AGMONT, Giuliano. ANAC sairá do papel. Revista Aero Magazine, São Paulo, n. 131, p. 44-45,
abr. 2005. p. 44.
36
1.4.2 Servidores
Em se tratando dos recursos de pessoal da ANAC, necessário dizer que
atualmente o quadro de pessoal é composto por um quadro efetivo, a ser provido
por concurso público e um quadro específico, composto por militares do Comando
da Aeronáutica que exerciam atividades remanejadas para a ANAC em
31/12/2004. Porém, estes militares deverão retornar gradativamente ao Comando
da Aeronáutica num prazo de 60 meses.
Sendo assim, os demais servidores da ANAC, os efetivos, são regidos pela
lei 10.871/04 que dispõe sobre a criação de carreiras e cargos efetivos das
agências reguladoras.
A grande mudança instituída com a criação da ANAC foi alteração de um
órgão executivo militar, para uma agência reguladora. Cabe ressaltar que o DAC
era um órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, enquanto que a ANAC é
vinculada ao Ministério da Defesa, gerando uma certa autonomia a tal agência, o
que, no entanto, não se verifica no plano prático, como já abordado.
1.4.3 Estrutura organizacional
A ANAC tem sua estrutura organizacional prevista no Decreto 5731/06, que
é formada por Diretoria; Procuradoria; Ouvidoria; Corregedoria; Auditoria Interna;
Superintendências; e Unidades Regionais.
A Diretoria é o órgão de deliberação máxima, que atua em regime de
colegiado, a qual cabe analisar, discutir e decidir em instância administrativa final,
as matérias de competência da agência. Suas decisões são tomadas pela maioria
absoluta dos votos de seus membros, cabendo ao diretor-presidente o voto de
qualidade. Além disso, cabe à Diretoria o poder normativo da agência; decidir o
seu planejamento estratégico; apreciar em grau de recurso penalidades impostas
37
pela ANAC; bem como estabelecer as diretrizes funcionais, executivas e
administrativas a serem seguidas, zelando pelo seu efetivo cumprimento.
É composta por um diretor-presidente e quatro diretores, com mandato de
cinco anos, devendo ser brasileiros, de reputação ilibada e elevado conceito no
campo da especialidade dos cargos para os quais foram nomeados, de acordo
com Artigo 12 da lei de criação.
Como agência reguladora que é, os diretores da ANAC possuem
estabilidade e só perderão o mandato por renúncia, condenação judicial transitada
em julgado ou pena demissória decorrente de processo administrativo disciplinar.
Talvez o aspecto da especialidade dos diretores da ANAC seja um dos
mais discutidos, visto que, uma vez que a Diretoria é nomeada pelo presidente da
República, com aprovação do Senado, essa nomeação, por vezes deixa de lado a
especialidade dando preferência a um aspecto político.
Outro problema, diz respeito ao tema do vínculo político que os diretores
possuem com o governo. A autonomia e estabilidade dos diretores ficam
comprometidas, uma vez que em virtude do vínculo político que possuem, podem
sofrer pressões políticas de quem os indicou para os cargos. Tal fato pôde ser
observado na própria ANAC, no auge da crise aérea no país, quando membros da
diretoria foram pressionados a renunciar a seus cargos.
Cabe destacar ainda, ao se tratar dos dirigentes, que estão sujeitos à
chamada quarentena, ou seja, por força de lei, não podem atuar no setor regulado
pelo período de quatro meses após deixar a agência, bem como não podem no
mesmo prazo, utilizar em benefício próprio informações privilegiadas obtidas em
decorrência do cargo exercido, sob pena de incorrer em ato de improbidade
administrativa.
A Procuradoria é órgão vinculado à Procuradoria Geral da União e tem
como
principais
competências
executar
as
atividades
de
consultoria
e
assessoramento jurídicos; emitir pareceres jurídicos; exercer a representação
judicial da ANAC; assistir às autoridades da ANAC no controle interno da
legalidade administrativa dos atos a serem praticados; e opinar previamente sobre
a forma de cumprimento de decisões judiciais.
38
A Ouvidoria é o órgão que recebe apura e encaminha à Diretoria as
reclamações críticas e comentários dos cidadãos, usuários e prestadores de
serviços aéreos ou de infra-estrutura aeroportuária e aeronáutica, buscando que
sejam tomadas as providências necessárias ao saneamento de eventuais
irregularidades e ilegalidades constatadas.
Assim, a Ouvidoria é um importante elo entre a sociedade e a agência
reguladora buscando que o cidadão seja ouvido e os problemas sanados e, para
atingir esse objetivo, o § 1º do artigo 29 do decreto 5731/06 garante ao ouvidor
acesso a todos assuntos, documentos e autos da ANAC, com apoio administrativo
adequado ao desempenho de suas funções, mantendo sigilo de tais informações.
Necessário dizer, no entanto, que a Ouvidoria não tem poder para ordenar
mudanças ou determinada conduta, devendo sempre apenas solicitar essas
mudanças. Assim, caberá à Diretoria tomar alguma providência para resolver um
determinado problema. O problema que corriqueiramente acontece é que muitas
vezes, é a própria Diretoria que comete os atos que geram críticas ou
reclamações. Nesses casos, muitas vezes há uma redução da eficácia da
ouvidoria.
A Corregedoria é órgão do sistema de controle interno do poder executivo
federal e tem como principais atribuições fiscalizar as atividades funcionais da
ANAC; dar andamento a representações ou denúncias que receber relativas à
atuação dos servidores; instaurar sindicâncias e processos administrativos; e
realizar correção nos diversos órgãos e unidades, sugerindo mudanças.
De
forma
semelhante,
a
Auditoria
Interna
fiscaliza
as
gestões
orçamentárias, financeiras, administrativas e contábeis além de outros sistemas
administrativos e operacionais da ANAC.
Assim, pode-se dizer que a Corregedoria controla aspectos funcionais da
agência reguladora enquanto que a Auditoria Interna fiscaliza as gestões
administrativas, financeiras e operacionais da ANAC.
Novamente, assim como no que foi dito sobre a ouvidoria, esse órgãos
apenas emitem relatórios e pareceres sobre eventuais irregularidades, cabendo a
39
decisão final sobre eventuais mudanças à Diretoria, a quem esses órgãos devem
encaminhar tais relatórios.
O grande órgão de participação da comunidade da aviação e dos entes
regulados é sem dúvida nenhuma o Conselho Consultivo, previsto no artigo 34 do
decreto 5731/06. Tal órgão é presidido pelo Diretor-Presidente da ANAC, porém, é
composto por representantes dos diversos setores da aviação, tais como
Comando da Aeronáutica; empresas de transporte aéreo; usuários de serviços
aéreos; serviços de infra-estrutura aeroportuária; representantes de aeroclubes e
aviação geral; indústrias de manutenção e construção aeronáutica; trabalhadores
do setor; instituições de formação de pessoal, dentre outras.
Os membros de tal conselho não são remunerados e exercem mandato de
três anos, vedada a recondução. Importante salientar que além dos membros,
poderão ser convidados para participar das reuniões representantes de órgãos e
entidades públicas e privadas, em função da matéria constante da pauta, de
acordo com § 7º do artigo 34 do decreto já citado.
As principais competências do Conselho Consultivo são assessorar a
diretoria da ANAC, emitindo pareceres sobre os assuntos submetidos à sua
análise e apreciar e emitir pareceres sobre os relatórios anuais da diretoria da
ANAC. As despesas de sua instalação e funcionamento correrão à conta da
ANAC.
Mais uma vez, porém, há uma restrição de participação na tomada das
decisões, já que o conselho, como o próprio nome já diz é apenas um órgão de
consulta e as decisões cabem à Diretoria analisando os pareceres emitidos,
podendo, no entanto acatá-los ou não. Assim, não é possível dizer que há uma
participação plena dos membros do conselho na tomada de decisões.
40
1.4.4 Mecanismos de participação cidadã
Além da Ouvidoria e do Conselho Consultivo, já abordados no tópico
anterior, a ANAC, visando à participação dos cidadãos nos processos decisórios
da diretoria, tem como ferramenta a realização de audiências públicas e consultas
públicas.
As audiências públicas realizadas com a participação dos diversos
interessados num determinado assunto relativo à aviação civil são publicadas no
Diário Oficial da União, bem como no site da ANAC na internet. Após tais
audiências, as atas são publicadas no site da ANAC e disponibilizadas para
acesso de todos. As últimas audiências públicas registradas no site da ANAC
tiveram como tema a reforma da pista do aeroporto de Congonhas, e dela
participaram entidades de moradores da região, INFRAERO, DECEA, entre
outros.61
Já as consultas públicas são realizadas através de correio eletrônico a ser
enviado ao órgão determinado na própria consulta, que possui atribuições sobre
um determinado assunto. Também disponíveis na página da ANAC na internet,
normalmente uma proposta é colocada sob consulta pública junto com a
exposição de seus motivos e qualquer cidadão pode preencher um formulário
disponibilizado, sugerindo alterações, supressões ou qualquer tipo de mudança e
enviar ao órgão determinado através de correio eletrônico.
Atualmente, estão sob consulta pública da ANAC, por exemplo,
implementação de área de segurança de fim de pista nos aeroportos brasileiros;
alteração de política tarifária de vôos internacionais que tenham como origem o
Brasil, entre outras.62
61
Disponível em: <http://www.anac.gov.br/transparencia/audienciaspublicas.asp>. Acesso em:
24/09/2008.
62
Disponível em: <http://www.anac.gov.br/transparencia/audienciaspublicas.asp>. Acesso em:
24/09/2008.
41
1.4.5 Receitas
Quanto às receitas da ANAC, são constituídas, tal como determina o artigo
31 de sua lei criadora, por dotações, créditos adicionais e especiais e repasses
que lhe forem consignados no orçamento geral da União; recursos provenientes
de convênios com órgãos ou entidades federais, estaduais e municipais,
empresas
públicas
e
privadas;
recursos
do
fundo
aeroviário;
recursos
provenientes do pagamento de taxas; recursos provenientes da prestação de
serviços de natureza contratual; aluguel ou alienação de bens imóveis; produto de
operações de crédito que contratar; doações, legados e subvenções; e outros
recursos que lhe forem destinados.
Pelo exercício do poder de polícia decorrente das atividades de
fiscalização, homologação e registros, a ANAC cobra taxa de fiscalização de
aviação civil (TFAC), cujo produto é destinado ao seu custeio e funcionamento.
O §1º do artigo 46 do decreto 5731/06, dispõe que tal cobrança recairá
sobre os diversos setores que realizem atividades fiscalizadas pela ANAC, tais
como empresas de transporte aéreo, empresa exploradora de infra-estrutura
aeroportuária; indústria de construção de aeronaves; e empresas de manutenção
de aeronaves, entre outras.
Com a criação da ANAC, o Fundo Aeroviário passou a ser administrado por
tal agência, tendo como gestor o diretor-presidente da ANAC. Tal fundo foi criado
pelo decreto 270/67 e posteriormente alterado pela lei 5989/73 e se trata de um
fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos financeiros para execução
e manutenção do que prevê o sistema aéreo nacional, podendo ser aplicado em
projetos, construção, manutenção, operação e administração de instalações e
serviços de infra-estrutura aeronáutica.
Constituem as principais receitas desse fundo, por exemplo, quota do
imposto único sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos; verbas
orçamentárias créditos adicionais e recursos internacionais; rendimentos líquidos
das operações do próprio Fundo entre outros previstos na lei 5989/73.
42
Cabe a ANAC, no que diz respeito ás suas receitas, submeter ao Ministério
da Defesa, sua proposta orçamentária anual, acompanhada de quadro
demonstrativo do planejamento plurianual das receitas e despesas, visando ao
seu equilíbrio orçamentário e financeiro nos quatro exercícios subseqüentes.
Como já foi citado anteriormente, esse é o principal problema enfrentado no que
tange à autonomia orçamentária e financeira das agências reguladoras, pois, tal
como acontece com as demais agências, a ANAC fica submetida a verbas
previstas pelo governo no orçamento da União. Dessa forma, não há como se
falar em autonomia plena.
1.4.6 O Conselho Nacional de Aviação Civil
Ao tratarmos da ANAC, faz-se necessário fazer uma breve abordagem
sobre o Conselho Nacional de Aviação civil (CONAC), que é o órgão ao qual cabe
estabelecer as linhas gerais (standards) a serem seguidas pelos diversos órgãos
do sistema. Isso fica claro, por exemplo, quando da leitura do Artigo 3º da Lei
11.182/05, que instituiu a ANAC. Tal artigo determina que a ANAC, no exercício
de suas competências, deverá observar e implementar orientações, diretrizes e
políticas estabelecidas pelo CONAC.
O CONAC foi instituído pelo Decreto nº 3564/00, e, por determinação de tal
decreto, é o órgão de assessoramento do Presidente da República para a
formulação da política de aviação civil.
O Conselho é formado pelos Ministros da Defesa; das Relações Exteriores;
da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; do Turismo; da
Casa Civil; do Planejamento e pelo Comandante da Aeronáutica. Participam,
ainda, como convidados permanentes às reuniões do CONAC o DiretorPresidente da ANAC, o presidente da INFRAERO e o diretor-geral do DECEA.
As competências do CONAC estão estabelecidas no Artigo 3º do Decreto
3564/00 e dentre elas destaca-se, para fins deste trabalho, propor modelo de
43
concessão de infra-estrutura aeroportuária; promover a coordenação entre as
atividades de proteção ao vôo e as atividades de regulação aérea; aprovar o plano
geral de outorgas de linhas aéreas; e estabelecer as diretrizes para a
aplicabilidade do instituto da concessão ou permissão na exploração comercial de
linhas aéreas.
1.5 Sistema de Controle do Espaço Aéreo
O Sistema de Controle do Espaço Aéreo (SISCEAB) compreende os
diversos órgãos responsáveis pelo controle de vôo e circulação aérea no Brasil.
Bem define o autor José da Silva Pacheco que “tráfego aéreo refere-se à
movimentação, circulação, trânsito e manobra de aeronaves, no espaço aéreo ou,
em terra, nos aeroportos, com vistas a decolar ou pousar”.63
No país, foi adotada pela aeronáutica uma estrutura integrada e única de
controle de tráfego aéreo e de defesa do espaço aéreo brasileiro. A organização e
gerenciamento desse sistema constituem o SISCEAB. De forma diferente, temos
outros países como os Estados Unidos onde o controle de tráfego aéreo é feito
por um órgão civil, no caso dos Estados Unidos a FAA (Federal Aviation
Administration), e a defesa aérea é operada pelos militares.
Os dois sistemas possuem críticas: o sistema brasileiro, militarizado, tem
como maior crítica o regime militar que deve ser seguido pelos controladores
especialmente no tocante às baixas remunerações. Além disso, devem seguir
certos procedimentos militares como trabalhar na guarda de vilas militares, dentre
outros.
Já ao sistema americano, a principal crítica se dá a possível demora de
uma resposta a um ataque, dificultando a defesa aérea, devido à dificuldade de
coordenação com o órgão civil. Credita-se tal demora no caso dos ataques de 11
63
PACHECO, José da Silva. Comentários ao código brasileiro de aeronáutica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 56.
44
de setembro de 2001, por exemplo, pois os militares não conseguiram coordenar
de forma rápida a defesa com as informações dadas pela FAA.
1.5.1 Departamento de Controle do Espaço Aéreo
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) é o órgão central
desse sistema. É subordinado ao Comando da Aeronáutica e chefiado por um
Tenente-Brigadeiro-do-Ar.
“Compete ao DECEA planejar, gerenciar e controlar as atividades
relacionadas com o controle do espaço aéreo, com a segurança da navegação
aérea e com as telecomunicações aeronáuticas”.64 Assim, pode-se dizer que cabe
ao DECEA garantir a fluidez e segurança do tráfego de aeronaves no espaço
aéreo brasileiro.
A Instrução do Comando da Aeronáutica ICA 100-12, que define as regras
do ar no Brasil, estabelece como competência do DECEA, o estabelecimento,
modificação ou cancelamento de espaços aéreos condicionados; fixação dos
mínimos meteorológicos operacionais, dentre outros.
De suma importância é a competência do DECEA estabelecida no inciso II
do artigo 2º do seu regulamento, o ROCA 20-7, que determina que cabe a esse
órgão, estabelecer a ligação com órgãos externos ao Comando da Aeronáutica,
nos assuntos relativos à sua área de atuação. Ora, para consecução de seus fins,
é de extrema importância a coordenação entre o DECEA e demais órgãos do
SISCEAB. De nada adiantaria, por exemplo, o DECEA zelar pelo controle do
espaço aéreo sem um contato com a empresa de infra-estrutura aeroportuária, ou
com a ANAC.
Além dessas atribuições, ao DECEA cabe criar e implementar as normas de
tráfego aéreo, desenhar as aerovias e as formas de uso das mesmas, bem como
cartas de aproximação e cartas de saída dos aeroportos, criar áreas terminais,
64
Disponível em: <http://www.deca.gov.br/missao.htm>. Acesso em: 10/09/2008.
45
tudo em consonância com as normas internacionais ditadas pela Organização de
Aviação Civil Internacional (OACI).
A OACI foi criada em 1944 com a assinatura da Convenção de Chicago, por
diversos países, dentre eles o Brasil. De acordo com o artigo 37 de tal convenção,
a OACI adota normas internacionais e práticas e processos relativos a sistema de
comunicação e auxílio à navegação aérea; características de aeroportos e áreas
de pouso e regras de tráfego e métodos de controle de tráfego aéreo.
Em matéria da Revista Aero Magazine sobre o sistema brasileiro de
aviação civil, bem destaca Valtécio Alencar, que “caso não queira cumprir alguma
das normas estabelecidas, o país pode fazer uma ressalva, porém precisa garantir
a segurança de suas operações aéreas”.65
O próprio artigo 12 de tal convenção estabelece que cada Estado pode
estabelecer
seus
regulamentos,
tanto
quanto
possível,
semelhantes
ao
estabelecido pela Convenção, devendo, no entanto, se comprometer a tomar as
medidas necessárias para assegurar que todas as aeronaves que voem seu
território observem as regras e regulamentos que regem vôos e manobras de
aeronaves.
A verificação do cumprimento de tais normas se dá através de auditorias
feitas nos países pela OACI. Caso o país seja reprovado nessas auditorias, pode
sofrer sanções que vão desde o congelamento de rotas internacionais,
autorizações de vôo apenas até aeroportos limítrofes de outros países, não
podendo sobrevoar seu espaço aéreo, até a proibição de vôos internacionais de
companhias de um determinado país.
Com a finalidade de alcançar esses objetivos, o DECEA possui um órgão
ao qual cabe a harmonização do gerenciamento do fluxo do tráfego aéreo, o
Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA), que é o principal órgão
executor do DECEA.
O Regulamento do Comando da Aeronáutica ROCA 21-74, que
regulamenta as atividades do CGNA, determina que este órgão, com sede no Rio
65
ALENCAR, Valtécio. Deu pane. Revista Aero Magazine, São Paulo, n. 154, p.48-50, mar. 2007.
p. 50.
46
de Janeiro, é subordinado ao diretor-geral do DECEA. Tem suas principais
competências estabelecidas no artigo 5º de tal regulamento, dentre as quais
destacam-se avaliar o impacto das inoperâncias e/ou limitações operacionais na
capacidade do controle de tráfego aéreo e, em coordenação com o órgão da
Administração Pública federal, na capacidade aeroportuária; adotar medidas
operacionais de coordenação para manter o balanceamento entre a demanda dos
movimentos aéreos e as capacidades implantadas; conduzir o processo de
tomada de decisões colaborativas junto aos provedores e operadores; monitorar a
segurança do espaço aéreo, em conformidade com padrões estabelecidos pela
OACI; e analisar após a solicitação da autoridade de aviação civil, as propostas de
horários de transporte aéreo (HOTRAN), quanto ao impacto na circulação aérea
geral.
Assim, busca-se através das funções do CGNA, garantir uma maior fluidez
do tráfego aéreo, com altos níveis de segurança e otimização das rotas cumpridas
pelas aeronaves, em consonância com a infra-estrutura disponível.
Para compatibilizar a demanda com a infra-estrutura é necessária a
coordenação desse órgão com outros órgãos que compõem o sistema aéreo
como a ANAC e a Infraero.
Dessa forma, para autorizar uma nova rota, por exemplo, a uma
determinada empresa aérea, entre dois aeroportos em um determinado horário, é
necessário que o CGNA aufira em coordenação com a INFRAERO, que cuida da
infra-estrutura aeroportuária no Brasil, se há possibilidade de determinado
aeroporto receber aquele vôo no horário solicitado. Ou seja, é necessário
determinar a capacidade aeroportuária, expressa pelo número máximo de
operações aéreas suportadas em um aeroporto por um período de tempo. Criamse os chamados “slots” que são posições ocupadas por uma aeronave em um
aeroporto num determinado momento. Assim, um determinado aeroporto num
dado momento tem capacidade de X slots, podendo atender naquele momento X
aeronaves.
É necessária ainda, a coordenação com os órgãos de controle de tráfego
aéreo, para compatibilizar a demanda de aeronaves com a capacidade desses
47
órgãos, auferindo a capacidade de controle de tráfego aéreo, expressa pelo
número de aeronaves podendo voar simultaneamente num espaço aéreo, levando
em consideração o tipo de controle exercido naquele espaço aéreo, pessoal e
equipamentos. Nesse caso criam-se os “slots ATC”, que são a possibilidade de
uma aeronave estar sobrevoando certo espaço aéreo num determinado momento.
Não á toa, prevendo a necessidade dessa coordenação entre os órgãos do
SISCEAB, o artigo 8º da lei 11182/05, que instituiu a ANAC, determina que cabe à
essa agência reguladora regular as autorizações de horários de pouso e
decolagem de aeronaves civis, observadas as condicionantes do sistema de
controle do espaço aéreo e da infra-estrutura aeroportuária disponível. Ora,
parece claro que jamais, um órgão poderá dentro da sua esfera conceder uma
autorização a uma empresa, sem levar em consideração o impacto dessa
autorização sobre todo o sistema aéreo nacional.
Talvez, a falta da coordenação entre esses diversos órgãos, ou pelo menos
a omissão em prestar informações uns aos outros, tem sido um dos principais
fatores para a atual crise aérea no Brasil. Cabe lembrar que vivemos um momento
de transição de um controle totalmente militarizado sobre a aviação para um
controle exercido por militares e civis, após a extinção do Departamento de
Aviação Civil (DAC) e a criação da Agência Nacional de Aviação Civil.
Na composição do DECEA, tem-se ainda o Grupo Especial de Inspeção em
Vôo (GEIV), esquadrão da Força Aérea Brasileira, com sede no Rio de Janeiro, e
que tem por finalidade executar as atividades relacionadas com a inspeção em
vôo e com a radiomonitoragem de interesse do SISCEAB.
Compete ao GEIV, de acordo com o artigo 5º de seu regulamento, o ROCA
21-64, dentre outras atividades, executar a vigilância técnico-operacional de todo o
SISCEAB; cumprir o programa anual de inspeção em vôo e monitorar, determinar
e localizar interferências nos auxílios à navegação e aproximação. Compete ainda,
à seção de inspeção em vôo, parte da estrutura do GEIV, planejar, analisar,
controlar supervisionar e divulgar as condições técnicas e operacionais dos
auxílios à navegação aproximação e pouso, inspecionados pelo GEIV.
48
O GEIV é dotado de aeronaves laboratório, modificadas para monitoração
com precisão de diversos auxílios à navegação utilizados pelas aeronaves em
seus vôos. Dentre estes auxílios destacam-se sistema de pouso por instrumentos
(ILS), sistemas de luzes de aproximação (ALS), equipamentos medidores de
distância e indicativos de posição (DME, VOR, NDB), bem como equipamentos de
radar.
Ao GEIV compete assegurar que tais instrumentos estejam funcionando em
perfeitas condições, para garantir a total segurança de vôo e confiança nos
instrumentos. Um equipamento que emite rádio-freqüência mal calibrado, por
exemplo, em uma grande aerovia pode gerar aos poucos um desvio de
quilômetros, tirando uma aeronave de sua rota. O sistema de pouso por
instrumentos, por exemplo, necessita ser constantemente inspecionado, visto que
numa condição de pouca visibilidade, é ele que garante que a aeronave tocará a
pista no momento certo.
O principal problema do GEIV atualmente é o número pequeno de
aeronaves que dispõe em relação a um país continental como o Brasil. Com
poucas aeronaves se torna difícil ao GEIV inspecionar os diversos auxílios à
navegação dispostos no país. Assim, a instalação e homologação de um
equipamento ILS, por exemplo, pode atrasar mesmo com o equipamento instalado
fisicamente, mas por falta de aeronave checadora do GEIV para garantir sua
precisão.
1.5.2 Órgãos de controle de tráfego aéreo
No Brasil, em consonância com as normas gerais editadas pela OACI, o
controle de tráfego aéreo é dividido de acordo com a fase do vôo ou o espaço
aéreo onde se encontra uma determinada aeronave. A ICA 100-12 determina em
seu item 7.8.4 que uma aeronave controlada deverá estar sob o controle de
somente um órgão de controle de tráfego aéreo e somente um órgão terá
49
jurisdição sobre um determinado espaço aéreo. Cabe destacar, que todos estes
órgãos estão subordinados ao DECEA.
São órgãos de controle de tráfego aéreo, o Serviço de Controle de Área
(ACC); o Serviço de Controle de Aproximação (APP); e o Serviço de Controle de
Aeródromo (TWR).
O Serviço de Controle de Área (ACC) tem como finalidade estabelecida no
item 8 da ICA 100-12, a prestação do serviço de controle de tráfego aéreo aos
vôos controlados, nas áreas de controle (aerovias e outras partes do espaço aéreo
assim definidas), a fim de prevenir colisão entre aeronaves e acelerar e manter
ordenado o fluxo de tráfego aéreo.
Esse controle é exercido pelos Centros Integrados de Defesa Aérea e
Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA), que possuem tal definição pelo fato já
abordado neste trabalho, de que controlam sob a mesma estrutura, a aviação civil
e aeronaves militares em missão de defesa aérea.
Os CINDACTA’s estão divididos em quatro áreas compreendendo todo o
espaço aéreo brasileiro: CINDACTA I, II, III e IV, localizados respectivamente em
Brasília, Curitiba, Recife e Manaus.
Cabe aos
CINDACTA’s
o controle das
aeronaves
nas
aerovias,
entendendo-se por aerovia, uma área controlada em forma de corredor. São,
semelhantes à estradas, percorridas pelas aeronaves nos céus. As aerovias têm
largura entre 15 e 80 quilômetros, de acordo com a sua categoria e são balizadas
por auxílios à navegação, tais como VOR ou NDB, que são equipamentos que
emitem sinais de rádio sobre a sua localização, gerando assim uma proa para a
aeronave que capta esse sinal.
Assim, esses centros de controle têm jurisdição para controle de vôo em
aerovias dentro da região compreendida pelo centro, as regiões de informação de
vôo (FIR), regiões estas determinadas pelo DECEA nas cartas aeronáuticas.
Cabe aqui destacar uma mudança ocorrida há pouco tempo nas aerovias
que foi a instituição do RVSM, sigla para Reduced Vertical Separation Minimum, o
que aconteceu no Brasil em 2006.
50
Com a adoção do RVSM, nas aerovias em níveis superiores a 29.000 pés
(FL 290), onde a separação mínima era de 2.000 pés, cerca de 600 metros, essa
separação foi reduzida para 1.000 pés, ou seja, cerca de 300 metros, com a
finalidade de gerar maior fluidez ao tráfego, bem como economia de combustível
às aeronaves, porém necessitando de maior atenção por parte dos envolvidos,
bem como equipamentos modernos.
Por se tratar de procedimentos aplicados em aerovias, cabe, portanto, aos
CINDACTA’s aplicar às regras RVSM no Brasil.
O Serviço de Controle de Aproximação (APP) é o órgão que têm como
atribuição emitir autorizações de tráfego às aeronaves que estiverem voando ou
que se propuserem a voar dentro de uma área de controle terminal (TMA), de
acordo com a ICA 100-12 item 9.1.1. Essa própria instrução define como área de
controle terminal uma área de controle situada, geralmente na confluência de rotas
e nas imediações de um ou mais aeródromos.
É necessário dizer que os serviços de controle de aproximação são
subordinados operacionalmente ao serviço de controle de área responsável pela
FIR na qual estiver situado. No Brasil, as áreas de controle terminal têm
geralmente de cinco a setenta e quatro quilômetros de raio, normalmente ao redor
de um aeródromo e têm seus limites laterais e verticais estabelecidos pelo
DECEA.
Pode-se dizer, portanto, que os serviços de controle de aproximação
possuem uma função bem mais restrita do que os serviços de controle de área,
ficando sob sua responsabilidade, organizar e garantir a fluidez do tráfego
chegando ou saindo de um aeródromo. Tal organização deve ser feita através de
cartas de aproximação e de saída, com procedimentos estabelecidos pelo
DECEA, para a chegada e partida de aeronaves, bem como procedimentos de
espera.
Na organização do tráfego aéreo, têm-se ainda o Serviço de Controle de
Aeródromo (TWR).
É necessário, nesse momento, trazer a definição de aeródromo feita no
Código Brasileiro de Aeronáutica, que em seu artigo 27 determina que aeródromo
51
é toda área destinada a pouso, decolagem e movimentação de aeronaves. Bem
lembra Pacheco que “aeródromo é gênero, de que são espécies o militar e o civil,
o público e o privado, o doméstico e o internacional”.66
O Serviço de Controle de Aeródromo tem sua atribuição definida no item
10.1.1 da ICA 100-12 que é a de transmitir informações e autorizações às
aeronaves sob seu controle, para conseguirem um movimento de tráfego aéreo
seguro, ordenado e rápido no aeródromo e em suas proximidades. Sendo assim,
esse órgão zela pelas aeronaves voando nos circuitos de tráfego do aeródromo,
operando na sua área de manobras e pousando e decolando.
Tal serviço é executado pelas famosas torres de controle, que é o único
órgão na cadeia do controle de tráfego aéreo que possui contato visual com as
aeronaves sob seu controle e não apenas pelos consoles como nos demais
órgãos.
Uma vez que o aeródromo possua esse órgão ele passa a ser definido
como aeródromo controlado. Cabe aqui destacar que nem todos os aeródromos
possuem torres de controle e no caso de inexistência dessas, a coordenação de
manobras, pousos e decolagens deve ser feita pelas próprias aeronaves.
Assim como os serviços de aproximação, as torres de controle são
subordinadas operacionalmente aos serviços de controle de área. Sobre isso,
cabe dizer, por exemplo, que a torre de controle somente pode autorizar uma
decolagem após contato com o serviço de controle de área, para que o fluxo nas
aerovias comporte as aeronaves saindo de diversos aeródromos, fluxo esse que
será determinado pelos CINDACTA’s.
A torre de controle é, no entanto, o principal órgão de controle no
aeródromo, cabendo a ela dar informações sobre as condições do mesmo às
aeronaves. O Serviço de Controle de Aeródromo pode ainda, ser dividido em
controle de solo, que exerce o controle de aeronaves e veículos na área de
manobras do aeródromo e torre de controle, que exerce o controle das aeronaves
em circuito de tráfego e autoriza pousos e decolagens.
66
PACHECO, José da Silva. Comentários ao código brasileiro de aeronáutica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 80.
52
Por fim, para melhor ilustrar as diversas jurisdições dos órgãos de controle
de tráfego aéreo, a evolução do vôo se dá da seguinte maneira: a aeronave entra
em contato com a torre de controle do aeródromo de partida (TWR), que após
consultar o serviço de controle de área (ACC) sobre a decolagem de tal aeronave
para o controle do fluxo nas aerovias, autoriza sua decolagem. Após a decolagem
a aeronave passa a manter contato com o serviço de controle de aproximação
(APP), que o orienta no perfil das cartas de saída editadas pelo DECEA até o
limite da sua área terminal, quando essa aeronave ingressa em uma aerovia
prevista em mapas editados pelo DECEA (cartas aéreas) e passa a manter
contato com o serviço de controle de área, até a proximidade do seu destino, onde
deixa a aerovia, volta ao contato de outro serviço de controle de aproximação e
posteriormente com a torre de controle do aeródromo de destino.
1.5.3 Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária
A Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (INFRAERO) é uma
empresa pública, componente do SISCEAB, que teve sua instituição autorizada
pela lei 5862/72. É dotada de personalidade jurídica de direito privado, patrimônio
próprio, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério da Defesa,
com sede e foro em Brasília-DF. Necessário aqui destacar que em sua criação era
vinculada ao Ministério da Aeronáutica, hoje extinto.
Suas características provêm da própria criação como empresa pública.
Nesse sentido, de acordo com Celso Bandeira de Mello:
Empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por força de
autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de
personalidade jurídica de direito privado, mas submetida a certas regras
especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental.67
67
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 179.
53
É preciso lembrar os ensinamentos de Di Pietro, que destaca que “em se
tratando de entidades de direito privado, a lei não cria a entidade, tal como faz
com a autarquia, mas apenas autoriza a criação, que se processa por atos
constitutivos do Poder Executivo e transcrição no Registro Público”.68
O Estatuto da INFRAERO, em seu artigo 4º determina que tal empresa tem
como
finalidade
implantar,
administrar,
operar
e
explorar
industrial
e
comercialmente a infra-estrutura aeroportuária, e de apoio à navegação aérea,
prestar consultoria e assessoramento em suas áreas de atuação e na construção
de aeroportos, bem como realizar quaisquer atividades correlatas ou afins, que lhe
forem atribuídas pelo Ministério da Defesa.
Destaca-se, o aspecto presente no § 2º desse mesmo artigo que discorre
que no desempenho de suas atividades, a INFRAERO deverá observar as normas
emanadas pelos órgãos normativos do Comando da Aeronáutica: DAC e DECEA.
Necessário aqui fazer nova ressalva, tal como a feita sobre o extinto Ministério da
Aeronáutica, pois o DAC, não mais existe, tendo suas atribuições sendo
transferidas à ANAC. Dessa forma, interpretando sistematicamente tal dispositivo,
deve a INFRAERO observar as normas emitidas por tal órgão. O próprio artigo 2º
da lei 11.182/05 determina que, compete à União, por intermédio da ANAC,
regular e fiscalizar as atividades de infra-estrutura aeroportuária.
É preciso, nesse momento, trazer a definição de aeroporto, constante na
ICA 100-12 que determina que aeroporto é um aeródromo público dotado de
instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque e
desembarque de pessoas e cargas.
De acordo com o artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, os
aeroportos podem ser construídos, mantidos e explorados diretamente pela União;
por empresas especializadas da Administração Federal Indireta; mediante
convênio com os Estados e Municípios, ou até mesmo por pessoa jurídica através
de concessão, autorização ou permissão.
A imensa maioria dos aeroportos no Brasil é administrada pela INFRAERO,
que se enquadra no artigo acima como empresa especializada da Administração
68
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 395.
54
Federal Indireta. Poucos são os aeroportos administrados por municípios ou
Estados, principalmente, como também destaca José da Silva Pacheco, “em face
da perene situação de carência dessas unidades federativas e municipais”.69
Nos dias de hoje fala-se muito na privatização de aeroportos, ou abertura
do seu capital, tal como ocorreu com a Petrobrás, principalmente devido ao fato de
que o Brasil será sede da copa do mundo de futebol de 2014 e constata-se que
serão necessárias inúmeras obras para adequação de alguns aeroportos à grande
demanda esperada para esse evento esportivo.
Tal tendência já teve início, inclusive com a publicação no Diário Oficial da
União do dia 09/10/2008 da recomendação do presidente do Conselho Nacional
de Desestatização (CND) para que o Presidente da República aprove a inclusão
no Programa nacional de desestatização do aeroporto internacional Antônio
Carlos Jobim no Rio de Janeiro e o aeroporto internacional de Viracopos, em
Campinas.70
Creio que esta não seja a melhor saída para a situação dos aeroportos.
Mais uma vez é demonstrada a ausência de planejamento no setor e a tomada de
medidas de curto prazo. Com a regulação já deficiente no nosso país, como se
pôde verificar quando da ocorrência da chamada crise aérea, o risco da criação de
monopólios de grandes empresas é muito maior do que os benefícios trazidos.
Sem contar que eventualmente as empresas privadas buscarão administrar
aeroportos mais rentáveis, deixando de lado aeroportos de menor movimento.
De acordo com o site da INFRAERO, atualmente a empresa administra 67
aeroportos, 80 unidades de apoio à navegação aérea e 32 terminais de logística
de carga. Estes aeroportos, de acordo com dados da empresa concentram 97%
do movimento do transporte aéreo regular no Brasil.71
No que tange ao apoio à navegação aérea, essas unidades estão
distribuídas em serviços de aproximação (APP) e serviços de controle de
aeródromo (TWR), realizando-se, portanto, esse controle, apenas nas imediações
69
PACHECO, José da Silva. Comentários ao código brasileiro de aeronáutica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 83.
70
CONSELHO nacional de desestatização. Diário Oficial da União, Brasília, 9 out. 2008. Seção 1,
p. 11.
71
Disponível em: <http://www.infraero.gov.br>. Acesso em: 05/09/2008.
55
dos aeroportos, e nesse aspecto constituem minoria, visto que a maioria dos
serviços de controle é exercida pelo comando da aeronáutica, através de militares.
A INFRAERO é composta por uma assembléia geral, que é seu órgão
soberano, representada pela reunião dos acionistas, convocada e instalada na
forma da lei e do estatuto, a fim de deliberar sobre matéria de interesse social, tal
como determina o artigo 10º do seu estatuto.
Possui também um conselho de administração, conselho fiscal e diretoria
executiva.
A diretoria executiva é composta pelo presidente da INFRAERO, e cinco
diretores, com mandato de três anos, sendo permitida reeleição, eleitos pelo
conselho de administração entre brasileiros de notória competência técnica e
administrativa para o desempenho de suas funções.
Dentre as principais competências da diretoria, de acordo com seu estatuto,
está a administração geral dos negócios da INFRAERO; submeter à apreciação
do Ministro da Defesa, o planejamento de desenvolvimento aeroportuário dos
aeroportos sob jurisdição da INFRAERO, ouvido o Comando da Aeronáutica e o
Conselho de Administração; e planejamento, coordenação, controle e supervisão
das atividades operacionais de infra-estrutura aeroportuária e navegação aérea.
De acordo com a lei 5862/72, bem como seu estatuto, constituem recursos
da INFRAERO as tarifas aeroportuárias; dotações orçamentárias; rendimentos de
participação em outras empresas; receitas provenientes pelo uso de áreas, de
edifícios, de instalações, de equipamentos, de facilidades e serviços dos
aeroportos, não remuneradas pelas tarifas aeroportuárias e recursos de outras
fontes, dentre outras decorrentes de sua atuação como empresa, como, por
exemplo, receita proveniente de aluguéis ou vendas de bens patrimoniais.
Importante salientar que as tarifas aeroportuárias foram criadas pela lei
6009/73 e regulamentadas pelo decreto 89121/83. São tarifas pagas pelo
passageiro, as tarifas de embarque, doméstico ou internacional; pagas pela
companhia, tarifa de pouso, permanência, uso de comunicações e auxílios de
navegação aérea, auxílios de rádio e visuais; e tarifas pagas por consignatário,
exportador ou importador, por armazenagem e capatazia.
56
É preciso tratar do preceito previsto no inciso IV do artigo 3º da lei 5862/72,
que determina que compete a INFRAERO, promover a capacitação de recursos
em fontes internas e externas, a serem aplicados na administração, operação,
manutenção, expansão e aprimoramento da infra-estrutura aeroportuária. Uma
das principais críticas feitas à administração de aeroportos pela INFRAERO está
no constante investimento em terminais de passageiros, com shoppings, cinemas
e uma série de serviços, em detrimento da infra-estrutura necessária ao vôo, com
pistas esburacadas, asfalto gasto, sinalização problemática dentre outros.
É claro que é necessário propiciar uma maior infra-estrutura aos
passageiros, com bons estacionamentos, terminais climatizados, opções de lazer
e serviços, mas jamais deve ser deixada em segundo plano a segurança das
operações de vôo.
1.6 Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
(CENIPA) é o órgão central do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos (SIPAER). Com a criação do SIPAER, e a nova tendência trazida
pela Convenção de Chicago, a investigação de acidente aéreo deixou de buscar
apurar apenas as responsabilidades, através de inquérito, para ter um enfoque
voltado na prevenção desses acidentes.
Além do CENIPA, constituem o SIPAER, de acordo com norma do então
Ministério da Aeronáutica NSMA 3-2, Divisão de Investigação e Prevenção de
Acidentes
Aeronáuticos
(DIPAA);
Divisão
de
Prevenção
de
Acidentes
Aeronáuticos (DPAA), órgão pertencente à estrutura dos comandos gerais e
departamentos; Seção de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SPAA), órgão
pertencente à estrutura dos comandos aéreos regionais, diretorias e forças
aéreas; Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CNPAA) e
Comissão de Investigação de Acidentes Aeronáuticos (CIAA).
57
O CENIPA foi instituído pelo Decreto 69.565/71, porém, o crescimento da
atividade aérea no país provocou a necessidade de dinamizar as atividades de
segurança de vôo e com o Decreto 87.249/82 o CENIPA passou a ser uma
organização autônoma.72
O artigo 3º do decreto 87.249/82 determina como competências do CENIPA
a orientação normativa do SIPAER; a supervisão técnica do desempenho da
atividade sistêmica; o controle da atividade sistêmica dos órgãos e elementos
executivos; o provimento aos elos do sistema de itens específicos necessários ao
desempenho de sua atividade sistêmica; o planejamento e elaboração de
propostas para os orçamentos plurianuais de investimento e orçamentosprograma anuais; a busca do desenvolvimento e atualizações técnicas; a
elaboração, atualização e distribuição de normas do sistema; e a formação de
pessoal para o exercício da atividade sistêmica.
Necessário lembrar que o CENIPA é órgão subordinado ao Comando da
Aeronáutica e sua chefia é atualmente desempenhada por um Brigadeiro-do-Ar,
sendo que os órgãos executivos do SIPAER, já citados acima, estão distribuídos
na estrutura do Comando da Aeronáutica.
Dentre esses órgãos executivos, destaca-se o CNPAA, Comitê Nacional de
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, previsto no artigo 6º do decreto 87249/82,
que tem direção e coordenação do CENIPA, com a finalidade de reunir
representantes
de entidades nacionais interessadas no conhecimento e
desenvolvimento da segurança de vôo.
Tal órgão é de suma importância, pois é onde se dá a sinergia dentre os
diversos órgãos que compõem o sistema aéreo, tais como ANAC, empresas
aéreas, órgãos de controle, empresas de infra-estrutura, sindicatos do setor,
buscando a discussão para a prevenção dos acidentes aéreos. Todos os setores
buscando contribuir para que seja reduzido o número de acidentes aeronáuticos,
afinal de contas, de acordo com o artigo 87 do Código Brasileiro de Aeronáutica, a
prevenção de acidentes aeronáuticos é da responsabilidade de todas as pessoas,
naturais ou jurídicas, envolvidas com a fabricação, manutenção, operação e
72
Disponível em: <http://www.cenipa.aer.mil.br/paginas/historico.htm>. Acesso em: 05/09/2008.
58
circulação de aeronaves, bem assim como as atividades de apoio da infraestrutura aeronáutica no território brasileiro.
O CENIPA, para muitos surge apenas na hora do acidente, porém a
principal função desse órgão é a prevenção de acidentes e não de sua
investigação. O principal objetivo das investigações é transformar seu resultado
em recomendações para os diversos setores a fim de que seja evitado um novo
acidente. A tal órgão, portanto, não cabe punir os eventuais culpados por um
acidente aéreo, lembrando que um acidente aéreo sempre ocorre com o
desencadeamento de diversos fatores.
Com vistas à prevenção de acidente já citada, o CENIPA mantém cursos,
seminários e palestras sobre os diversos aspectos da segurança de vôo.
Necessário salientar também o trabalho de comissões permanentes em áreas
consideradas de grande importância para a segurança de vôo, como atualmente
têm-se os projetos de perigo aviário, referente ao problema de colisão de
aeronaves com aves; balões de festa juninas e seu perigo para a aviação; Cockpit
Resource
Management
(CRM),
que
diz
respeito
ao
treinamento
para
relacionamento interpessoal de tripulações e tomada de decisões, dentre outros.
Enfim, cabe ao CENIPA adotar todas as medidas possíveis, para aumentar
a segurança dos vôos no Brasil, relacionando-se com os diversos componentes do
sistema aéreo, através de suas comissões e reuniões do CNPAA, ou trazendo
resultados de investigações de acidentes e incidentes, com vistas a prevenir
novos acontecimentos no futuro.
1.6.1 A investigação de acidentes aéreos
Preliminarmente a abordar o tema da investigação de acidente aéreo, é
necessário definir o que é um acidente aéreo, bem como diferenciá-lo de um
incidente aéreo.
59
A OACI define, no anexo 13 da Convenção de Chicago, e tal definição é
apresentada na Instrução da Aeronáutica ICA 63-7, em seu item 2.1, como toda
ocorrência relacionada com a operação de uma aeronave havida entre o período
que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um vôo, até o momento
em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual, qualquer
pessoa sofra lesão grave ou venha a falecer; a aeronave sofra danos de monta;
ou a aeronave seja considerada desaparecida ou o local onde se encontrar for
absolutamente inacessível.
Já incidente aeronáutico é toda ocorrência relacionada com operação de
uma aeronave, que não chega a se caracterizar como acidente, pela ausência de
um dos itens citados anteriormente, mas que afete ou possa afetar a segurança do
vôo. Nesse sentido, Marco Fábio Morsello define incidente aeronáutico como
“anormalidade em vôo, que, sem causar os resultados constitutivos de um
acidente, poderão colocar em risco a segurança da aeronave, ou alterar os planos
estabelecidos para referido vôo”.73
A investigação de acidente aéreo tem suas linhas gerais estabelecidas pelo
anexo 13 da Convenção de Chicago, e no Brasil, como já abordado, é realizada
pelo CENIPA através de uma Comissão de Investigação de Acidente Aéreo
(CIAA).
De acordo com o anexo 13 da Convenção de Chicago, a investigação de
acidente aéreo deve ter como único objetivo a prevenção de novos acidentes.
Logo, é necessário dizer novamente que tal investigação não visa apurar os
culpados e muito menos puni-los, o que deve ser feito pela Justiça. À investigação
de acidente aéreo realizada pelo CENIPA cabe traduzir o resultado em
recomendações para que se evitem novos acidentes.
Cabe, no entanto, destacar a afirmação José da Silva Pacheco:
“Quando houver sérios indícios de que ocorreu ou houve tentativa de ilícito
penal, a autoridade aeronáutica fará comunicação à autoridade policial
competente para a devida apuração, independentemente da investigação
73
MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade civil no transporte aéreo. São Paulo: Atlas,
2006. p. 261.
60
do incidente ou acidente, realizada pela comissão nomeada, no âmbito da
74
aeronáutica”.
Portanto, são duas investigações que ocorrem concomitantemente, e que
como fato em comum têm apenas a ocorrência de acidente aéreo. Pode a Justiça,
no curso do processo, solicitar esclarecimentos da comissão investigadora
estabelecida pelo CENIPA, bem como material utilizado por esta, como gravações
e dados das caixas pretas, por exemplo. Porém, jamais a CIAA emitirá juízo de
culpa sobre um dos agentes envolvidos no acidente.
No Brasil, a norma que estabelece como funciona a investigação de
acidente aéreo é a norma do Comando da Aeronáutica NSCA 3-6. Tal norma é
baseada nas regras gerais estabelecidas na Convenção de Chicago.
De acordo com esta norma, deverá sofrer completa investigação acidente
aeronáutico que envolver aeronave militar do Comando da Aeronáutica; ocorrer
com aeronave de transporte aéreo regular; ocorrer com aeronave estrangeira;
provocar a morte em pessoas embarcadas ou não, ou ainda ter determinado seu
internamento hospitalar por mais de trinta dias; trouxer novos ensinamentos à
prevenção de acidentes aeronáuticos.
Após tomar conhecimento de um acidente com tais características, o
CENIPA define uma Comissão de Investigação de Acidente Aeronáutico, que é o
grupo designado para a investigação de um acidente específico.
A CIAA sempre será presidida por um oficial superior do Comando da
Aeronáutica. No entanto, de acordo com item 2.6.1 da NSCA 3-6, a composição
de tal comissão deve ser adequada às características do acidente. Sendo assim,
pode variar o número de investigadores de uma CIAA para outra, bem como
podem ser dispensados ou convocados investigadores durante a investigação de
acordo com as características do acidente. Tal procedimento pode ser
exemplificado quando durante a investigação surgem indícios de que determinado
material possa ter contribuído para o acidente e convoca-se um engenheiro para
fazer análise.
74
PACHECO, José da Silva. Comentários ao código brasileiro de aeronáutica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 151.
61
As características de um acidente aéreo são analisadas pela CIAA dividindo
os aspectos contribuintes em fator humano, fator material e fator operacional.
Na análise do fator humano são levados em consideração os aspectos
físico, fisiológico, psicológico, psíquico, organizacional e social, das pessoas
envolvidas em vôo bem como a relação desses aspectos com variáveis
ambientais, materiais e operacionais. Leva-se em consideração, portanto, a
influência do complexo biológico do homem no acidente aéreo, razão pela qual, os
membros da CIAA que analisam o fator humano geralmente são da área médica,
qualificados pelo SIPAER.
Como exemplos desse fator que poderiam influenciar na ocorrência de um
acidente aéreo estão a perda de orientação de tripulantes, cansaço, intoxicação
por gás ou alimento, mau súbito decorrente de despressurização, entre diversos
outros. A análise de tais elementos pode ser determinante para a resolução das
causas de um acidente.
Quanto ao fator material, é analisada a aeronave nos seus aspectos de
projeto, fabricação e de manuseio do material, não incluindo os serviços de
manutenção de aeronaves.
Para análise desse fator, por vezes se faz necessário remontar uma
aeronave destruída num acidente em laboratório para se chegar a uma falha
material. No Brasil, este trabalho, quando necessário, é realizado no Centro
Técnico Aeroespacial (CTA) localizado na cidade de São José dos Campos em
São Paulo.
Sem dúvida, a grande dificuldade na análise do fator material é saber se um
dano estrutural foi causa ou conseqüência do acidente, e cabe aos investigadores
descobrir através dos diversos indícios. Um exemplo é saber se o fogo foi gerado
pelo acidente ou se causou o acidente.
Exemplo clássico de análise do fator material e sua utilização na prevenção
de novos acidentes aéreos foi o caso de aeronaves Comet, uma das primeiras
comerciais a jato, que se desintegravam no ar. Após análises, descobriu-se que as
quinas de suas janelas, que eram quadradas, geravam fadiga no material e
62
criavam rachaduras. Hoje, podemos ver que as janelas das aeronaves são
arredondadas, sem quinas.
A análise do fator operacional refere-se ao desempenho do ser humano na
atividade relacionada com o vôo, incluindo serviços de manutenção de aeronave e
os relacionados ao controle de tráfego aéreo.
Esse fator diz respeito aos aspectos da interação do homem com a
máquina. São exemplos de fatores operacionais meteorologia, instrução de
tripulantes, manutenção, infra-estrutura, cultura organizacional da empresa,
coordenação da tripulação, julgamento da tripulação, indisciplina de vôo, dentre
outros.
Em aeronaves mais modernas, principalmente as aeronaves de transporte
de passageiros, estão presentes as chamadas “caixas-pretas”, que contém o
gravador de voz da cabine (CVR) e o gravador de dados do vôo (FDR), que
armazena parâmetros como altitude, potência nos motores, velocidade, entre
outros. Essa é sem dúvida, uma ferramenta de imensa utilidade nas mãos dos
investigadores e que ajuda a elucidar a contribuição dos diversos fatores
analisados na investigação.
Geralmente em um acidente aéreo surgem diversos aspectos ligados ao
fator operacional, principalmente no que tange à tripulação de vôo. Não raros são
os casos onde o comandante incorre em erro e não é questionado por outro
membro da tripulação seja por medo de represália, excesso de respeito ou a
crença de que seu superior não comete erros que possa corrigir. Tanto esse fator
é relevante que o CENIPA mantém comissão permanente com cursos e palestras
sobre CRM (Cockpit Resource Management), ou seja, administração da cabine.
Por vezes o fator operacional se demonstra também por excesso de confiança,
não observância de procedimentos de vôo e de manutenção entre outros.
Cabe à CIAA analisar a influência de tais fatores na ocorrência de um
acidente aéreo.
Após os primeiros indícios das causas de um determinado acidente aéreo,
compete à CIAA emitir, no prazo de dez dias úteis, um relatório preliminar (RP),
que, tal como determina a NSCA 3-6, destina-se exclusivamente à divulgação, em
63
curto prazo, das informações preliminares a respeito de um acidente aeronáutico.
Sua finalidade é justamente a adoção de medidas corretivas de curto prazo
visando a prevenção de novo acidente.
Cabe destacar que tal norma determina inclusive a emissão de relatório
preliminar até dez dias úteis depois da cessação de buscas de aeronave
desaparecida, com os dados conhecidos.
Após noventa dias do conhecimento da ocorrência do acidente aéreo pelo
órgão investigador, determina a NSCA 3-6 que deve ser emitido pela CIAA o
relatório de investigação de acidente aeronáutico (RELIAA), que é o documento
formal resultante da coleta e análise de dados, fatos e circunstâncias do acidente,
encaminhado ao CENIPA e ao Estado Maior da Aeronáutica.
Por fim, a CIAA emite o relatório final (RF), que é o documento destinado a
divulgar a conclusão oficial do Comando da Aeronáutica e as recomendações de
segurança de vôo a fim de prevenir novos acidentes. Não há prazo estabelecido
para emissão do relatório final, cabendo ao Chefe do Estado Maior da Aeronáutica
definir esse prazo de acordo com prioridades estabelecidas pela prevenção de
acidentes aeronáuticos.
Assim, é através do trabalho árduo e meticuloso dos investigadores de
acidentes aeronáuticos, que atuam como detetives que ocorre a prevenção de
novos acidentes e o avião possa ser cada vez mais considerado um dos meios de
transportes mais seguros do mundo. É preciso dizer, que justamente por seu
caráter de prevenção de novos acidentes, que a investigação de acidente
aeronáutico pode ser reaberta a qualquer momento, desde que surja fato
relevante que a justifique.
1.7 Conclusão do capítulo
Com a evolução do Estado capitalista e implementação de políticas
ultraliberais, no Brasil principalmente com o Plano de Reforma do Aparelho do
64
Estado e o modelo gerencial de Administração Pública, iniciou-se uma fase de
privatizações e a constante transferência de serviços públicos, anteriormente
prestados diretamente pelo Estado, para a mão de empresas privadas.
Visando justificar essas privatizações e diante da relevância econômica e
estratégica de determinados setores, o Estado passa a regular as atividades
através das agências reguladoras, instituídas no Brasil como autarquias especiais,
devido a características específicas dessas agências, visando conferir autonomia
a estes entes.
No entanto, não é possível verificar nas agências reguladoras essas
autonomias. Ora, não há como se falar em autonomia administrativa enquanto os
dirigentes são nomeados pelo chefe do Poder Executivo, guardando vínculo
político com este. Diante deste vínculo, não é possível dizer que os dirigentes não
podem ser demitidos a qualquer tempo. Na verdade não são demitidos, mas
sofrem pressões políticas que acabam por fazê-los renunciar.
Caso recorrente o do dirigente da ANAC, Milton Zuanazzi, quando no auge
da crise aérea no Brasil e, com a troca do Ministro da Defesa, foi pressionado a
renunciar ao seu cargo frente à situação do setor aéreo no país.
Neste caso, fica evidenciado que a própria estabilidade dos dirigentes das
agências reguladoras é relativa. A autonomia apenas acontecerá enquanto o
governo não tiver interesse momentâneo no setor.
Não há como se falar em autonomia orçamentário-financeira, devido ao
contingenciamento de verbas por parte do governo, tampouco de autonomia
normativa, em face do princípio da reserva legal ou autonomia para dirimir
conflitos, devido a inafastabilidade de apreciação de lesão ou ameaça de lesão a
direito pelo poder judiciário.
Dessa forma, pode-se dizer que em nosso país, na prática, as agências
reguladoras são como qualquer outra autarquia que seja parte da Administração
Pública Federal e suas autonomias são apenas relativas.
Transportou-se para o direito brasileiro um instituto do direito anglo-saxão,
tão diferente do nosso ordenamento, sem conseguir, portanto, viabilizar a atuação
autônoma das agências reguladoras no Brasil. Citou-se como exemplo e
65
novamente o faço, das agências reguladoras americanas submeterem seus
orçamentos diretamente ao Congresso, diminuindo assim sua dependência do
poder executivo.
Tratando do caso específico da ANAC, esta agência sofre ainda mais uma
restrição em sua autonomia visto que não possui ingerência no controle do espaço
aéreo, por força de determinação da sua própria lei criadora.
Por sua vez, o setor aéreo sofre a atuação constante do Estado. Apesar do
transporte aéreo ser um serviço público delegado, o que por si só já demonstra a
atuação estatal, a infra-estrutura do transporte aéreo e planejamento, é
praticamente toda exercida por entes estatais como empresas públicas, órgãos
militares e a própria ANAC.
O modelo do Estado regulador neste setor mostra-se insatisfatório,
principalmente devido à falta de autonomia da ANAC e o vínculo político dos seus
dirigentes somados à grande quantidade de atores estatais atuando no setor
aéreo de forma isolada, sem comunicação uns com os outros.
66
2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
2.1 Evolução histórica
No estudo da responsabilidade civil do Estado, é preciso fazer uma
abordagem histórica sobre a evolução do pensamento acerca desse tema, visto
que nem sempre foi aplicada ou era entendida de forma diversa do que é nos dias
de hoje. A doutrina define a evolução da responsabilidade civil do Estado em três
fases distintas.
A primeira fase diz respeito ao momento histórico onde vigia o princípio da
irresponsabilidade do Estado. Era baseada na máxima inglesa “the king can do no
wrong” ou na França “le roi ne peut mal faire”, ou seja, o rei não comete erros.
Esse período coincide com os regimes absolutistas europeus.
Yussef Sahid Cahali bem destaca os três postulados básicos desta tese:
A soberania do Estado, que negava a igualdade deste perante seus
súditos; a impossibilidade do Estado, enquanto representante do direito
organizado, de aparecer como seu violador; e, por conseqüência deste
último postulado, a prática de ato ilegal como sendo somente do
funcionário.75
No mesmo sentido tem-se o ensinamento de Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho ao determinar que “tal infalibilidade estatal pressupunha
que o Estado era, por si só, a expressão da lei e do Direito, sendo inadmissível a
idéia de concebê-lo como violador da ordem que teria por dever preservar”.76
75
CAHALI apud FERREIRA, Aparecido Hernani. Responsabilidade do Estado: Reparação por
dano moral e patrimonial. Campinas: Servanda, 2006. p. 279.
76
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 186.
67
Necessário,
no
entanto,
destacar
que
o
funcionário
poderia
ser
responsabilizado por ato lesivo causado por um comportamento seu, porém, como
afirma Mello, “a operatividade da solução, sobre se revelar insuficiente, pela
pequena expressão do patrimônio que deveria responder, era gravemente
comprometida em sua eficácia”.77 Ou seja, dificilmente o patrimônio do funcionário
seria suficiente para arcar com o dano causado.
Sendo assim, fica claro que se destacam como aspectos dessa fase o
conceito de soberania dos Estados, aliados ao despotismo dos reis naquele
determinado período histórico e a responsabilização apenas das pessoas dos
funcionários.
Com a queda do absolutismo e a presença cada vez mais forte o Estado de
Direito, foi sendo deixado de lado o princípio da irresponsabilidade do Estado,
passando-se à sua responsabilização. Num primeiro momento os atos do Estado
foram divididos em atos de império e atos de gestão. De acordo com definição
trazida por João Agnaldo Donizeti Gandini e Diana Paola da Silva Salomão, “atos
de gestão seriam aqueles em que o Estado pratica como se fosse um particular
[...]. Os atos de império [ou atos de mando] seriam os que o Estado pratica no
exercício do poder de polícia”.78
Através desse conceito, o Estado poderia ser responsabilizado, baseado na
culpa, apenas por atos de gestão, mantendo-se o princípio da irresponsabilidade
para os atos de império praticados.
A evolução desse pensamento passa, posteriormente, à responsabilidade
subjetiva do Estado, ou seja, baseada na culpa, trazida do direito civil, iniciando a
segunda fase da evolução da responsabilidade do Estado.
77
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 955.
78
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do
Estado por conduta omissiva. Revista da Ajuris. Porto Alegre, ano XXXI, n. 94, p.137-168, jun.
2004. p. 147.
68
Cabe, no entanto, trazer a idéia de Mello ao dizer, que “em face dos
princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual
para deflagrar-se a responsabilidade do Estado”.79
Tal pensamento é a base para a identificar a culpa através da idéia de faute
du service na França. Não mais é necessário provar a culpa individual do
funcionário, bastando-se que se comprove o dano causado quando o serviço não
funciona ou funciona mal ou atrasado.
Sobre o tema, bem conclui Carolina Zancaner Zockun que “isso quer dizer
que a prestação inadequada dos serviços pelo Estado é condição suficiente para
configurar a responsabilidade por danos dela decorrentes, causados aos
administrados”.80 Claro, deve-se acrescentar, por se tratar de responsabilidade
subjetiva, que é necessária prova de culpa do Estado, através de negligência,
imprudência e imperícia, cabendo, à pessoa que sofreu o dano provar que estão
presentes esses aspectos.
Como bem lembra Aparecido Hernani Ferreira, “a noção de culpa do
serviço pressupõe, no entanto, ato ilícito”.81 Isso traz enormes problemas à
responsabilização do Estado por danos causados da atividade lícita. É importante
dizer que um sujeito não pode suportar ônus maior que os demais membros da
coletividade.
A presença de tal preocupação, além da grande dificuldade, em muitos
casos, de se provar a culpa do Estado, traz à terceira fase da evolução da
responsabilidade civil do Estado, qual seja, a aplicação da responsabilidade
objetiva do mesmo.
Através da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, não era mais
necessário que fosse demonstrada a culpa num determinado ato estatal causador
de dano, sendo preciso apenas demonstrar o nexo causal entre uma conduta
79
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 956.
80
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da responsabilidade do Estado na omissão da fiscalização
ambiental. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 76.
81
FERREIRA, Aparecido Hernani. Responsabilidade do Estado: Reparação por dano moral e
patrimonial. Campinas: Servanda, 2006. p. 283.
69
estatal e o dano sofrido. Com tal evolução, passou-se a abarcar todas as
situações de eventuais danos causados pelo Estado, sejam eles lícitos ou ilícitos.
Traz-se a idéia, nesse momento, de risco administrativo, através do
pensamento de que a própria atividade estatal possui um risco inerente.
Necessário dizer que alguns autores dividem a teoria do risco em risco
administrativo e risco integral, tendo como diferença entre si o fato de que o
primeiro admite excludentes de responsabilidade do Estado enquanto que o
segundo não. No entanto, a teoria do risco integral não é utilizada visto que
conduziria o Estado ao papel de segurador universal.
2.2 Responsabilidade civil do Estado na Constituição Federal de 1988
Preliminarmente, ao se tratar da responsabilidade civil do Estado,
necessário dizer que deriva do próprio princípio do Estado de Direito, e da
igualdade de todos perante a lei, assim como afirma Celso Bandeira de Mello:
Deveras, a partir do instante em que se reconheceu que todas as pessoas,
sejam elas de Direito privado, sejam de Direito Público, encontram-se, por
igual, assujeitadas à ordenação jurídica, ter-se ia que aceitar, a bem da
coerência lógica, o dever de umas e outras – sem distinção – responderem
82
pelos comportamentos violadores do direito alheio em que incorressem.
Deve ser considerado aqui que é a figura do Estado que eventualmente
será responsabilizada, afinal de contas é o Estado que detém personalidade
jurídica, o que a Administração Pública não possui. Ainda que existam órgãos da
Administração Pública que detenham personalidade jurídica, em última instância
são órgãos do Estado, e, dessa forma, deverá o Estado ser responsabilizado por
suas atuações.
A responsabilidade do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da
Constituição Federal de 1988 que determina que “as pessoas jurídicas de direito
82
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 953.
70
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o
direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa”.
Depreende-se da leitura desse dispositivo, que foi adotada no Brasil a teoria
da responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que não se faz necessária a
demonstração de culpa para configurar responsabilidade do Estado. No entanto,
na relação entre o Estado e o agente que causou o dano, adota-se a teoria da
responsabilidade subjetiva, visto que é necessária a comprovação de culpa ou
dolo do agente responsável pelo dano para que possa ser estabelecido o direito
de regresso por parte do Estado. Nesse sentido, afirma Di Pietro: “no dispositivo
constitucional estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva
do Estado e da responsabilidade subjetiva do funcionário”.83
A teoria da responsabilidade objetiva tem como base a própria teoria do
risco administrativo, já abordada neste trabalho, uma vez que a atividade estatal
possui um risco natural de eventualmente causar danos a terceiros devido a suas
inúmeras atividades interventivas. Além disso, tem-se como fundamento o
princípio da igualdade na distribuição dos encargos públicos entre os cidadãos.
Sobre o tema do princípio da igualdade na distribuição dos encargos
públicos entre os cidadãos, bem explica Carlos Edison do Rego Monteiro Filho ao
afirmar que “se dividem por todos, os prejuízos causados pelo Estado, porque, da
mesma forma, por toda a população é repartido o benefício que o Estado
proporciona”.84
Ou seja, uma vez que, por um ato do Estado, a população passará a gozar
de um benefício, observado o interesse público, e esse benefício passa por um
eventual dano causado a um cidadão ou parcela da população, devem, então, ser
indenizados os cidadãos que sofreram dano, compensando-se assim o ônus
suportado por essa parte da população, repartindo-se esse ônus entre os demais,
uma vez que, em última instância o patrimônio do Estado é formado por impostos
ou contribuições de toda a população.
83
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 567.
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Problemas de responsabilidade civil do Estado. In:
FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 46.
84
71
Uma inovação trazida pelo Artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988
foi inclusão de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos ao lado das pessoas jurídicas de direito público.
Como bem salienta José dos Santos Carvalho Filho:
A intenção do Constituinte foi a de igualar, para fins da sujeição à teoria da
responsabilidade objetiva, as pessoas de direito público e aquelas que, embora com
personalidade jurídica de direito privado, executassem funções, que em princípio,
85
caberiam ao Estado.
Ora, uma vez que tais pessoas jurídicas de direito privado exercem funções
públicas por delegação estatal, é necessário que sejam equiparadas a pessoas
jurídicas de direito público para fins de sua responsabilização de forma objetiva,
sob pena de se estar dificultando a reparação de eventuais danos causados por
essas empresas.
Cabe aqui destacar, portanto, que a pessoa jurídica de direito privado pode
ser responsabilizada objetivamente quando for prestadora de serviço público, tal
como determina o dispositivo constitucional.
Di Pietro, por exemplo, afirma que para que seja aplicada responsabilidade
objetiva a pessoas jurídicas de direito privado, é necessário que “essas entidades
prestem serviços públicos, o que exclui entidades da administração direta que
executem atividade econômica de natureza privada”.86
Essa análise, ao diferenciar funções estatais em serviço público e
exploração de atividade econômica, tem como principal fundamento o Artigo 173,
§ 1º, II ao determinar “a sujeição do regime jurídico próprio das empresas
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas
e tributárias”.
Dessa forma, às pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços
públicos deve ser aplicada à responsabilidade civil objetiva, visto que atuam como
o próprio Estado, através de delegação, enquanto que àquelas que exerçam
85
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2005. p. 444.
86
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 568.
72
atividade econômica deve ser aplicada responsabilidade civil subjetiva, nos
moldes do direito civil.
Quanto ao eventual dano causado por essas pessoas jurídicas de direito
privado na prestação de serviço público, responde o Estado subsidiariamente. Não
pode o Estado deixar de responder subsidiariamente, pois, assim como afirma,
Mello, “a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou em mãos o
desempenho da atividade exclusivamente pública geradora de dano”.87
Necessário atentar para o ensinamento trazido por Romeu Felipe Bacellar
Filho ao determinar que “serviço público, enquanto modalidade de atividade
administrativa, é o único que pode ter seu exercício transferido a particulares,
dado seu caráter positivo ou ampliativo de direitos”.88 Assim, não poderia o Estado
delegar a particulares o poder de polícia ou o poder de editar normas, por
exemplo, uma vez que dizem respeito a formas de restrição de liberdades.
Outra inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 foi a utilização do
termo “agentes” ao invés de “servidores”. Mais uma vez, nota-se claramente a
intenção do constituinte de alargar a aplicação da responsabilidade objetiva do
Estado, visto que o termo servidor abarca apenas aquelas pessoas que possuem
vínculo de trabalho com o Estado.
Celso Antônio Bandeira de Mello define as pessoas suscetíveis de serem
consideradas agentes públicos:
São todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões
ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao
desempenho de um mister público (jurídico ou material), isto é, havido pelo
Estado como pertinente a si próprio.89
Traz-se também a definição de agentes abordada por Carvalho Filho ao
determinar que estão incluídas nessa definição “todas as pessoas cuja vontade
seja imputada o Estado, sejam elas do mais altos níveis hierárquicos e tenham
87
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 963.
88
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil da administração pública – aspectos
relevantes. A constituição federal de 1988. A questão da omissão. Uma visão a partir da doutrina e
da jurisprudência brasileiras. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 324.
89
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 962.
73
amplo poder decisório, sejam elas os trabalhadores mais humildes da
Administração”.90
Sendo assim, estão abarcados por este termo os agentes políticos,
servidores do Estado, empresas que exerçam serviços públicos entre outros.
Enfim, todos que estejam representando o Estado ou uma atividade estatal, não
importando seu título ou determinação.
É preciso dizer que, para que seja atribuída responsabilidade objetiva, o
causador do dano deve estar agindo nessa qualidade de agente, como determina
o dispositivo constitucional. Como bem lembra Di Pietro, “não basta ter a
qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a
responsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de
suas funções”.91
Por fim, é importante salientar que o § 6º do artigo 37 da Constituição
Federal é um dos poucos dispositivos do capítulo VII da Carta Magna, que trata da
Administração Pública, que não sofreu alterações, mesmo com a reforma do
aparelho do Estado, através da EC 19/98, o que mais uma vez destaca a
importância desse dispositivo e a conquista que ele representa.
2.3 Princípios aplicáveis
Ao tratar-se da responsabilidade civil do Estado, faz-se necessária uma
breve análise de alguns princípios que regem o próprio funcionamento da
Administração Pública. A utilização destes princípios é de suma importância na
averiguação da responsabilidade civil do Estado, principalmente em se tratando da
responsabilidade civil por omissão, onde tais princípios auxiliam para elucidar
quando o Estado deveria ter agido, ou se deveria ter agido, por exemplo.
90
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2005. p. 447.
91
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 568.
74
Ao serem analisados tais princípios, à luz da responsabilidade objetiva, fica
mais fácil evitar que o estado negligencie as atividades a ele conferidas, causando
danos a terceiros, bem como evitar a condução do Estado à condição de
segurador universal.
A utilização de princípios que norteiam a atuação do Estado tem grande
importância para o tema, principalmente se for levado em consideração que
algumas normas podem mudar de acordo com a política de um determinado
governo, porém, esses princípios, imutáveis, sempre darão margem de segurança
na análise do caso concreto, independentemente da política adotada pelo
governo.
Diante disso, os princípios que serão abordados nesse tópico são os
princípios da legalidade; da proporcionalidade; da prevenção e da precaução.
2.3.1 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é um dos princípios basilares da atividade Estatal,
e deriva da própria noção de Estado de Direito, vinculando sua atuação à lei.
Veda, portanto, que a Administração Pública inove no que está previsto na lei,
garantindo uma maior segurança jurídica, e evitando que a atuação estatal varie
de acordo com quem está no poder numa determinada administração.
Di Pietro afirma que “segundo o princípio da legalidade, a Administração
Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre os
particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade”.92 Dessa forma,
pode-se dizer que aos particulares é permitido fazer tudo o que a lei não veda, e à
Administração Pública é vedado fazer tudo o que a lei não permite.
Tal princípio subordina todos os agentes da Administração Pública, seja ela
direta ou indireta, á lei, estando inclusive tal mandamento previsto no corpo da
Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 37.
92
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 68.
75
Portanto, o princípio da legalidade define os limites da atuação da
Administração Pública, balizando a atuação dos seus agentes, evitando que os
particulares fiquem sujeitos à vontade de uma autoridade.
Acerca do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello define tal princípio como
“a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do
poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue
favoritismos, perseguições ou desmandos”.93
Trazendo para o estudo da responsabilidade civil estatal, no contexto do
direito brasileiro onde é adotada a teoria da responsabilidade civil objetiva do
Estado, para que seja comprovado o dano causado por uma conduta ou omissão
do Estado, a análise de tal princípio se faz bastante útil, visto que é a lei que
determinará como deverá atuar o Estado e quando deverá atuar.
Desta forma, por exemplo, é verificada uma omissão estatal quando a lei
determinava que o Estado deveria agir e esse não agiu. Ora, se essa omissão do
Estado gerou algum dano, deve o Estado indenizar este dano, independentemente
de culpa, admitidas tão somente as excludentes do nexo causal, para afastar a
responsabilidade estatal. Da mesma forma ocorre quando o Estado atua sem que
a lei previsse tal atuação e isso gera um dano.
Portanto, cabe à Administração Pública, na sua atuação, meramente
cumprir os mandamentos previstos em lei e qualquer desvio de tal vínculo pode
ensejar a responsabilidade estatal por eventual dano causado.
2.3.2 Princípio da proporcionalidade
Preliminarmente a uma análise do princípio da proporcionalidade, é preciso
dizer que alguns autores entendem que esse princípio guarda diferença com o
93
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 97.
76
princípio da razoabilidade. Dessa forma, antes de falar do princípio da
proporcionalidade, é preciso falar sobre razoabilidade.
Gabriel Pintaúde, bem elucida o termo razoabilidade, ao determinar que
nela “está ínsita a noção de ”bom senso”, ou “senso comum”, ou “normalidade”, ou
aquilo que normalmente ocorre, segundo as máximas da experiência, ou ainda, o
conducente a presumir-se o que ocorre no dia-dia e não o extravagante”.94
Tal medida é adotada para limitar a atuação da Administração Pública
principalmente na margem de discricionariedade conferida pela lei na tomada de
decisões, afinal de contas, como afirma Mello, “o fato da lei conferir ao
administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o
encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a
providência mais adequada a cada qual delas”.95
Sendo assim, mesmo com a margem de discricionariedade conferida a um
determinado agente da administração pública, não é permitido a este tomar uma
decisão baseada apenas no que melhor lhe convir. É necessário que tome uma
decisão plausível frente à determinada situação, dentro de um padrão razoável.
Ora, pode-se dizer que o que é razoável para uns pode não ser para outros,
porém, para solucionar tal questão, é possível utilizar o ensinamento de Carvalho
Filho, ao afirmar que, mesmo quando haja essa dúvida, “é de reconhecer-se que a
valoração se situou dentro dos standards da aceitabilidade”.96
Mais uma vez se está diante de um limite à atuação do Estado, visando
proteger os particulares. Mesmo numa decisão discricionária, a administração está
vinculada à obrigação de tomar uma decisão aceitável, dentro de padrões
normais. Desta forma, frente a uma decisão de um agente público há que se
perguntar se uma determinada decisão, ou mesmo uma não atuação desse
agente é razoável.
94
PINTAUDE, Gabriel. Proporcionalidade como postulado essencial do Estado de Direito. Revista
Forense. Rio de Janeiro, ano 102, v. 387, p. 95-116, set/out. 2006. p. 108.
95
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 105.
96
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2005. p. 27.
77
Quanto ao princípio da proporcionalidade, é recorrente a definição trazida
por Odete Medauar:
O princípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não
serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou
sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao
atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação
97
dos meios aos fins.
Como bem destaca Juarez Freitas, “o princípio constitucional da
proporcionalidade determina que o Estado não deve agir com demasia, tampouco
de modo insuficiente na consecução de seus objetivos”.98
Na sua atuação, a Administração Pública, sempre buscando realizar as
medidas necessárias ao interesse público, corriqueiramente se depara com
situações onde tem que decidir frente a direitos opostos. Eventualmente haverá
uma colisão de direitos que não poderão ser satisfeitos ao mesmo tempo. Nesse
caso, “faz-se necessário o sopesamento entre os direitos envolvidos no caso
concreto a considerar, e o postulado metodológico da proporcionalidade tem a
pretensão de correção na resolução da colisão”.99
A análise de um
ato administrativo com base no princípio da
proporcionalidade sempre irá depender do caso concreto. É preciso verificar se
um determinado ato é estritamente necessário à realização da finalidade e se tal
finalidade não poderia ser alcançada por meio menos gravoso. É claro que
eventualmente haverá o sacrifício necessário de um direito para se atingir a
finalidade, o que não caracteriza ofensa a tal princípio.
Como bem elucida Juarez Freitas, a ofensa da proporcionalidade “ocorre
quando, na presença de valores legítimos a sopesar, o agente público dá
prioridade a um deles, em detrimento abusivo de outros”.100 No mesmo sentido
afirma Mello que “ninguém deve estar obrigado a suportar contrições em sua
97
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 141.
98
FREITAS, Juarez. Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução. Direito
& Justiça. Porto Alegre, ano XXVII, v.31, n.1, p. 11-41, jul. 2005. p. 14.
99
PINTAUDE, Gabriel. Proporcionalidade como postulado essencial do Estado de Direito. Revista
Forense. Rio de Janeiro, ano 102, v. 387, p. 95-116, set/out. 2006. p. 104.
100
FREITAS, Juarez. Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução. Direito
& Justiça. Porto Alegre, ano XXVII, v.31, n.1, p. 11-41, jul. 2005. p. 15.
78
liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse
público”.101
A
proporcionalidade
possui
uma estrutura trifásica,
composta por
adequação, que significa a adequação entre meios e fins; necessidade, ou seja, a
inexistência
de
meio
menos
gravoso
para
atingir
determinado
fim;
e
proporcionalidade em sentido estrito, que diz respeito ao custo benefício de
determinada conduta, ou seja, vantagens maiores que as desvantagens.
Pelos fatos expostos, concordo, portanto, com a parcela de autores que
determina o princípio da proporcionalidade engloba o princípio da razoabilidade,
visto que uma medida proporcional é uma medida dentro de critérios razoáveis.
Conclui-se com a análise deste princípio, que a Administração Pública
deve ser responsabilizada por danos que cause quando violar direito de forma
desproporcional, ou seja, quando não for estritamente necessário ou quando não
for adequado, mesmo que se esteja buscando o interesse público, que, afinal de
contas é o principal objetivo da Administração Pública.
2.3.3 Princípio da precaução e princípio da prevenção
Tanto o princípio da precaução como o princípio da prevenção são
princípios muito utilizados na esfera do direito ambiental, e têm por objetivo evitar
que omissões do Estado possam ser causas geradoras de danos ao meio
ambiente.
Justamente por este motivo, ambos os princípios podem ser trazidos para o
estudo da responsabilidade civil do Estado, tendo plena aplicabilidade no que
tange a danos causados por omissão estatal.
Nicolao Dino de Castro e Costa Neto bem elucida a utilização do princípio
da precaução no direito ambiental ao determinar que tal princípio “tem como
101
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 107.
79
centro de gravidade a aversão ao risco, no sentido de que a ausência de certeza
quanto à ocorrência de danos ambientais deve apontar para adoção de
providências capazes de impedir o resultado lesivo”.102
Ainda sobre este princípio, Paulo Affonso Leme Machado afirma que “a
precaução visa gerir a espera de informação. Ela nasce da diferença temporal
entre a necessidade imediata de ação e o momento onde nossos conhecimentos
científicos vão modificar-se”.103
Assim, transportando tal princípio para a atuação geral da Administração
Pública, pode-se considerar que o Estado tem o dever de prevenir um evento que
tenha características que fazem crer que possa gerar um dano mesmo que não
exista certeza absoluta de que o dano vá ocorrer.
Este princípio guarda relação principalmente com o poder de polícia,
cabendo ao Estado, através desse poder, impor medidas que reduzam um
potencial risco em uma atividade que possa gerar um dano. É claro, que deve
observar a relação custo-benefício de imposição principalmente quando se tratar
de restrição de direitos, sob pena do Estado também estar causando dano, porém
por excesso de precaução.
Sobre o princípio da precaução afirma Juarez Freitas:
Já o princípio constitucional da precaução, também diretamente aplicável,
traduz-se nas relações administrativas ambientais (mas não só) como o
dever de o Estado motivadamente evitar, nos limites de suas atribuições e
possibilidades orçamentárias, a produção de evento que supõe danoso,
104
em face da fundada convicção.
Depreende-se de tal explicação justamente o fato de que o Estado
necessita demonstrar um risco e interromper a cadeia de causas que irá gerar um
dano, sob pena de estar se omitindo e podendo ser co-responsável pelo dano
causado.
102
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003. p. 68.
103
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 57.
104
FREITAS, Juarez. Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução. Direito
& Justiça. Porto Alegre, ano XXVII, v.31, n.1, p. 11-41, jul. 2005. p. 30-31.
80
O autor Costa Neto traz a diferenciação entre o princípio da precaução e o
princípio da prevenção ao afirmar que “enquanto que sob a estrita ótica da
precaução, a dúvida e a incerteza são elementos determinantes do atuar
preventivo, o princípio da prevenção trabalha com indicativos técnicos de
iminência da produção do dano, certo e definido”.105
Embora ambos os princípios tragam consigo uma característica comum de
um agir antecipado do Estado, o princípio da prevenção é invocado quando há
uma intensa probabilidade de ocorrência do dano. Nesse caso o dano está
praticamente anunciado, necessitando que o Estado tome providências que
quebrem o nexo causal entre uma determinada conduta e esse dano. Como bem
lembra Freitas, a diferença entre os princípios “reside no grau estimado de
probabilidade da ocorrência do dano (certeza versus verossimilhança)”.106
Trazendo a elucidação do princípio da prevenção para o tema deste
trabalho, que é a responsabilidade civil do Estado no acidente aéreo, poderia ser
citado como exemplo repetidos relatórios sobre as más condições de uma pista,
com acidentes anteriores já ocorridos ou mesmo relatórios sobre problemas com
freqüências de rádio num determinado setor, dentre outros. Nesses casos fica
caracterizado um risco iminente que deve ser evitado pelo Estado.
2.4 Excludentes da responsabilidade civil do Estado
Como já abordado, foi adotada no Brasil a teoria da responsabilidade
objetiva do Estado, baseada no risco administrativo, ou seja, não é necessária a
comprovação de culpa por parte do lesado, bastando que comprove o dano e o
nexo de causalidade entre uma conduta ou omissão estatal e esse dano. Ao
Estado, para elidir sua responsabilidade, é necessário comprovar a inexistência do
105
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003. p. 72.
106
FREITAS, Juarez. Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução. Direito
& Justiça. Porto Alegre, ano XXVII, v.31, n.1, p. 11-41, jul. 2005. p. 31.
81
nexo de causalidade. Dessa forma, pode-se dizer que as excludentes que serão
tratadas a seguir são, na verdade, excludentes do nexo de causalidade.
Antes de se tratar das excludentes, necessário fazer uma breve abordagem
sobre os elementos da responsabilidade civil objetiva.
O dano é o ponto central da responsabilidade civil, e configura-se, conforme
Gandini e Salomão, “quando há lesão sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de
valores protegidos pelo direito”.107 No mesmo sentido, Bacellar Filho afirma que
dano ressarcível “é aquele que se mostre especial, anormal e ofensivo a direito ou
interesse legitimamente protegido”.108
Dessa forma, a responsabilidade civil estatal abarca tanto os danos
causados por condutas ilícitas do Estado, quanto por condutas lícitas, porém que
gerem gravame anormal para um determinado cidadão, baseado no princípio da
divisão dos encargos sociais, já tratado neste trabalho.
Já o nexo de causalidade trata-se da ligação entre a conduta ou omissão
estatal e o dano, ou seja, é uma relação entre causa e efeito. Afirma José Cretella
Júnior que “não há efeito sem causa. Do mesmo modo, subtraída a causa, cessa
o efeito”.109
Sérgio Cavalieri Filho afirma que “o nexo causal é um elemento referencial
entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o
causador do dano”.110
No entanto, nem sempre é fácil determinar o nexo de causalidade,
principalmente quando há inúmeras causas (concausas), como é o caso, por
exemplo, de um acidente aéreo, visto que muitos são os fatos que convergiram
para causar o dano.
107
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do
Estado por conduta omissiva. Revista da Ajuris. Porto Alegre, ano XXXI, n. 94, p.137-168, jun.
2004. p. 144.
108
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil da administração pública – aspectos
relevantes. A constituição federal de 1988. A questão da omissão. Uma visão a partir da doutrina e
da jurisprudência brasileiras. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 327.
109
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 131.
110
CAVALIERI FILHO, Sérgio apud SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da
responsabilidade extracontratual do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil
do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 271.
82
Necessário ainda fazer a diferenciação entre causa e condição. Rodrigo
Valgas dos Santos aborda tal diferenciação e define:
Condições como aqueles fatores associados ao dano, ainda que sejam
mera circunstância para que o dano possa ter ocorrido; já causa do dano
seria a condição qualificada a que efetivamente determina o dano,
revestida de relevância jurídica.111
Observados tais aspectos acerca da responsabilidade civil, passa-se a uma
análise das excludentes da responsabilidade civil do Estado, que atuam
justamente para excluir o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano. A
maioria da doutrina define como excludentes o caso fortuito, força maior, fato da
vítima e fato de terceiro.
2.4.1 Caso fortuito e força maior
Uma das principais discussões doutrinárias acerca do tema das
excludentes da responsabilidade civil, diz respeito à diferenciação entre caso
fortuito e força maior. Há por vezes confusão acerca da determinação do que seria
força maior e caso fortuito. Alguns autores, como José dos Santos Carvalho Filho,
nem fazem a diferenciação entre os dois, devido à divergência doutrinária,
definindo ambos como fatos imprevisíveis.112
Ante essa discussão, que mereceria um trabalho próprio, as definições
utilizadas nesse trabalho serão baseadas na maioria da corrente doutrinária do
nosso país.
Gagliano e Pamplona Filho diferenciam caso fortuito e força maior da
seguinte forma:
111
SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual
do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 272.
112
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 450.
83
A característica básica da força maior é sua inevitabilidade, mesmo sendo
a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto
pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota
distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem
113
médio.
Sobre a força maior, temos ainda o ensinamento de Cretella Júnior, que
determina que força maior “pressupõe acidente cuja causa é conhecida, mas o
traço de irresistibilidade com que se apresenta ultrapassa qualquer meio humano
de resistência”.114
Eis o principal motivo pelo qual a maioria dos autores define como força
maior os fatos da natureza, ou seja, devido à sua inevitabilidade.
Já o caso fortuito é atribuído a atos de pessoas, no caso da Administração
Pública, dos seus agentes, visto que sua principal característica é a
imprevisibilidade.
Como já dito anteriormente, tais aspectos atuam diretamente no nexo de
causalidade entre a conduta ou omissão e o dano. O que vale dizer, por exemplo,
que no caso de força maior, o dano não foi causado pelo Estado e não tinha como
ser evitado, dessa forma não pode ser responsabilizado. Da mesma forma no
caso fortuito, onde está presente o aspecto da imprevisibilidade e, ante a tal
aspecto, afirma Carvalho Filho, que “significa dizer que sua ocorrência estava fora
do âmbito da normal prevenção que podem ter as pessoas”.115
As ocorrências de caso fortuito ou força maior aparecem justamente para
evitar que o Estado venha a ser segurador universal e ser responsabilizado por
todos os danos eventualmente causados. Porém, essas ocorrências devem ser
analisadas no caso concreto, para que também não se tenha um Estado omisso
de seus deveres.
No caso de alegação da excludente de força maior, necessária a
comprovação da característica da irresistibilidade. Como bem determina Brandão
Cavalcanti, deverá ser irresistível o dano “quando todas as medidas para evitar o
113
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 111.
114
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 135.
115
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 451.
84
acidente foram tomadas, quando apesar das providências, das precauções, o fato
ocorrer”.116
Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho: “não se aplica a excludente
quando o dano, decorrente diretamente de caso fortuito ou força maior, é
propiciado pela infração ao dever de diligência incidente sobre o Estado”.117
É o que ocorre quando os danos gerados por uma tempestade poderiam
ser minorados ou até mesmo evitados pelo Estado, através de limpeza das ruas,
ou construção de diques próximos a rios que tendem a encher rapidamente, por
exemplo. Nesse caso, não pode o Estado invocar a excludente, visto que sua
omissão foi causa do dano. Note-se que não está presente a inevitabilidade do
dano.
Do mesmo modo, na seara do caso fortuito, não pode o Estado se eximir do
dever de indenizar, quando um poste que há muito se mostrava torto, caia sobre
uma casa, por exemplo. Nesse caso, não está presente a característica da
imprevisibilidade para que o Estado se exima do dever de indenizar.
Portanto, para que caso fortuito e força maior sejam excludentes da
responsabilidade civil do Estado, é necessária a presença de inevitabilidade e
imprevisibilidade, sob pena, de não presentes esses requisitos, a atuação ou
omissão do Estado ser causa e, portanto, gerar dever de reparar o dano, baseado
na responsabilidade civil.
2.4.2 Fato da vítima e fato de terceiro
Assim como no caso fortuito e na força maior, a alegação fato da vítima
atua para exclusão do nexo de causalidade entre o Estado e o dano. Neste caso,
o dano será causado pela própria vítima.
116
CAVALCANTI apud CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. p. 138.
117
JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.).
Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006p. 239.
85
Alguns autores utilizam o termo culpa do lesado ou culpa da vítima, porém,
tal como afirma Rodrigo Valgas dos Santos, é “adequada a expressão fato da
vítima – mais ampla – e não culpa da vítima, mais estrita. Nesta matéria não se
está a perquirir culpabilidade”.118
Sobre o tema, traz-se ainda o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de
Mello, ao afirmar que “culpa do lesado não é relevante por ser culpa, mas sê-lo-á
unicamente na medida em que através dela se pode ressaltar a inexistência de
comportamento estatal produtor do dano”.119
Rodrigo Valgas dos Santos determina ainda que, “na hipótese de fato da
vítima o agente causador do dano é apenas na aparência, porque efetivamente
quem propiciou o evento danoso foi o próprio lesado”.120
Necessário, no entanto, avaliar se apenas o fato da vítima é causa do dano.
A excludente somente poderá ser invocada quando não houver outra causa
concorrente para o acontecimento do dano. Nesse sentido, determina Di Pietro,
que “quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se é culpa exclusiva ou
concorrente”.121
Sendo assim, se o Estado agir de forma concorrente à vítima para a
ocorrência do dano, não haverá exclusão do nexo de causalidade, mas apenas
uma atenuação da sua responsabilidade. Somente haverá a quebra do nexo de
causalidade quando houver fato exclusivo da vítima.
Exemplo clássico de fato da vítima apresentado por diversos autores, é o
suicídio de pessoa que se lança em via pública. Nesse caso não há que se falar
no motorista como causador de dano, visto que o dano foi gerado pela própria
vítima.
118
SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual
do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 285.
119
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 978.
120
SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual
do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 285.
121
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.
569.
86
Mais uma vez deverá ser analisado o caso concreto para se visualizar se
houve causas concorrentes ou apenas fato da vítima, visto que tal aspecto pode
variar de acordo com circunstâncias do caso.
Do mesmo modo, o fato de terceiro atua no nexo de causalidade entre a
conduta e o dano. Outra vez, o Estado não poderá ser responsabilizado por um
dano ao qual não deu causa. É claro, que deve ser observada a ocorrência de
causas concorrentes, assim como no fato da vítima, onde o Estado poderá ter
apenas atenuada sua obrigação de indenizar em função de um fato de terceiro
concorrente à sua própria atuação.
De acordo com Santos, o fato de terceiro é aquele “de pessoa diversa da
vítima e do aparente causador do dano, mas que efetivamente foi o responsável
pela conduta danosa”.122 É necessária uma análise do caso concreto para verificar
se o fato de terceiro quebra o nexo de causalidade entre uma atuação ou omissão
estatal e o dano ocorrido.
Há casos, por exemplo, em que o fato de terceiro não irá quebrar o nexo de
causalidade, garantindo apenas o direito de regresso contra o terceiro. Um
exemplo é o apresentado pela Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal, que
determina que “a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com
passageiro, não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.
Nesse caso, por exemplo, uma empresa concessionária de serviço público
de transporte, mesmo que não tenha dado causa ao dano sofrido pela vítima por
fato de terceiro, não poderá alegar tal excludente para eximir-se de indenizar,
cabendo unicamente direito de regresso contra o terceiro causador do dano.
Pode-se dizer, nesse caso, que é inerente ao próprio risco da atividade que deve
ser suportado por quem executa tal atividade.
Portanto, mesmo no caso de fato de terceiro, deve ser analisado o caso
concreto para verificar a ocorrência de causas concorrentes, bem como o dever de
indenizar independentemente do dano ter sido causado exclusivamente por fato
de terceiro.
122
SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual
do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 286.
87
2.5 Responsabilidade civil do Estado por omissão
A responsabilidade civil por omissão do Estado, gera grande discussão
entre a doutrina, o que justifica um tópico específico sobre este tema. Muitos
autores defendem, que ao contrário da responsabilidade civil do Estado por ato
comissivo, que é objetiva, a responsabilidade civil por omissão é subjetiva,
baseada na culpa do Estado.
Um dos principais autores que defendem essa tese é Celso Antônio
Bandeira de Mello. São palavras do autor:
“De fato na hipótese cogitada o Estado não é autor do dano. Em rigor, não
se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido
condição do dano, e não causa. Causa é o fator que potencialmente gera
um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera
ocorrido, teria impedido o resultado.123
Em sentido oposto, Yussef Sahid Cahali, bem sintetiza o pensamento de
Álvaro Lazzarini sobre o fato de que uma omissão possa ser considerada causa
de um dano: “Causa, nas obrigações jurídicas, é todo fenômeno de
transcendência jurídica capaz de produzir um efeito jurídico pelo qual alguém tem
o direito de exigir de outrem uma prestação”.124
Os autores que defendem a teoria da aplicação da responsabilidade
subjetiva do Estado por omissão determinam que o termo “causarem”, contido no
§ 6º do Artigo 37 da Constituição Federal diz respeito apenas a atos comissivos do
Estado, visto que o Estado não pode causar um dano por omissão. Nesse caso o
dano teria sido causado por outrem e a omissão do Estado foi condição para que
o dano ocorresse, devendo responder apenas se comprovada a culpa.
123
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21.ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 968.
124
CAHALI apud GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A
responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Revista da Ajuris. Porto Alegre, ano XXXI,
n. 94, p. 137-168, jun. 2004. p. 156.
88
Ora, trata-se de uma interpretação bastante restritiva desse dispositivo
constitucional, e nessa discussão é de extrema importância o ensinamento de
Gustavo Tepedino ao afirmar que “não é dado ao intérprete restringir onde o
legislador não restringiu, sobretudo em se tratando de legislador constituinte”.125
É preciso dizer que se o constituinte desejasse fazer tal diferenciação este
a colocaria no texto da Constituição Federal, não deixando margem a este tipo de
interpretação. Dessa forma traz-se o pensamento de Gandini e Salomão para
elucidar o tema:
Note-se que no que concerne ao agente estatal causador do dano o
constituinte avançou, substituindo a expressão “funcionário” por “agente”,
muito mais abrangente. Estendeu também para os particulares
prestadores de serviço público [a chamada desestatização apenas
caminhava]. Ora, por que, então, no que tange à conduta do agente,
aquele teria recuado quase um século, para, a par da responsabilidade
objetiva, fixada para a conduta comissiva, estatuir a responsabilidade
subjetiva em caso de conduta omissiva?126
A pergunta feita pelos autores demonstra justamente a lógica adotada pelo
constituinte de retirar ônus da vítima no que tange à responsabilidade civil do
Estado. Entender que a responsabilidade civil por omissão é subjetiva, é
justamente rechaçar essa lógica.
Os defensores da aplicação de responsabilidade subjetiva por omissão do
Estado afirmam ainda que se fosse aplicada responsabilidade objetiva, o Estado
atuaria como segurador universal, tendo que evitar todo tipo de dano causado aos
membros da sociedade.
De forma alguma deve ser considerado tal argumento, afinal de contas, ao
lhe ter imputado o dever de indenizar um dano, bastará ao Estado que comprove
uma das causas excludentes da responsabilidade, já abordadas no tópico anterior.
Sendo assim, ao Estado será necessário comprovar que não está presente o nexo
de causalidade entre sua omissão e o dano sofrido.
125
TEPEDINO apud MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Problemas de responsabilidade
civil do Estado. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 49.
126
GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do
Estado por conduta omissiva. Revista da Ajuris. Porto Alegre, ano XXXI, n. 94, p. 137-168, jun.
2004. p. 157.
89
Sabe-se o quão é difícil para a vítima de um dano comprovar a existência
de dolo ou culpa num ato comissivo do Estado, tanto maior será essa dificuldade
quando uma omissão do Estado houver dado causa ao dano. Seria um ônus
imposto à vítima e já afastado pela própria Constituição Federal. Não seria
razoável retroceder ao entendimento da aplicação de responsabilidade subjetiva
do Estado.
É preciso trazer novamente nesse momento, o princípio da legalidade, que
norteia a atuação estatal. Ora, este princípio determina que o Estado não pode
fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. Trata-se da legalidade
estrita. Diante de tal princípio, o Estado deverá ser responsabilizado por uma
omissão quando devia atuar de alguma forma, por obrigação legal, e não o fez.
A aplicação de tal princípio mais uma vez vem por afastar a teoria de que o
Estado seria segurador universal se aplicada a responsabilidade civil objetiva nos
atos omissivos, afinal de contas, além das excludentes do nexo de causalidade, o
Estado poderá comprovar que não possuía o dever legal de agir, e por isso não
pode ser responsabilizado.
Além deste princípio, necessário mais uma vez fazer uma abordagem sobre
os princípios da prevenção e da precaução, cuja observância impede que o
Estado se omita, devendo prevenir um dano que se demonstra iminente ou há
razões suficientes para a creditar que esse dano possa ocorrer.
Nesse sentido é o ensinamento de Juarez Freitas:
De fato, nas escolhas intertemporais, se se tratar de mal altamente
provável e irreversível, avaliado com juízo de verossimilhança, o Estado
ostenta o dever de agir, quer dizer, tomar as medidas cabíveis e
provisórias de precaução, sob pena de responder objetivamente pelos
danos injustos, admitidas tão-só as excludentes.127
Creio, pelos argumentos apresentados, que deve ser aplicada a
responsabilidade objetiva, seja no caso de atos comissivos ou omissivos do
Estado. Necessário, no entanto, dizer que a discussão apresentada nesse tópico
ocorre também nos tribunais do nosso país, que, por vezes entendem ser objetiva
127
FREITAS, Juarez. Responsabilidade objetiva do Estado, proporcionalidade e precaução. Direito
& Justiça. Porto Alegre, ano XXVII, v.31, n.1, p. 11-41, jul. 2005. p. 38.
90
a responsabilidade por omissão e em outras entendem que deve ser comprovado
o dolo ou culpa do agente para que haja a responsabilização do Estado, baseada
na falta do serviço.
2.6 Responsabilidade civil do Estado no acidente aéreo
É pacífico que um acidente aéreo jamais tem uma única causa, mas apenas
ocorre com a conjunção de diversas causas refletidas pelos fatores contribuintes
analisados na investigação do acidente aéreo.
Uma dessas causas pode ser a atuação comissiva de um agente estatal ou
até mesmo uma omissão por parte de um determinado agente. Uma vez que não
estivesse presente esse ato comissivo ou omissivo, o acidente não ocorreria,
depreende-se de que se está diante de uma causa e não apenas condição de tal
acidente e, por se tratar de responsabilidade civil estatal, está sujeita a aplicação
da responsabilidade objetiva, consagrada no § 6º do artigo 37 da Constituição
Federal.
É claro que quando for um ato comissivo de um agente estatal que gerou o
dano, é muito mais fácil demonstrar o nexo de causalidade entre tal ato e o dano.
A grande dificuldade, e também será tema desse tópico, é demonstrar o nexo de
causalidade quando o dano for gerado por uma omissão de agente estatal, ainda
que outros fatores estranhos à atuação do agente estatal tenham contribuído para
a ocorrência do acidente.
O serviço de transporte aéreo no Brasil é realizado por algumas empresas
privadas que exercem tal serviço através de uma delegação estatal. Em face das
características próprias do setor, como altos custos de operação, essas poucas
empresas geralmente têm muita força dentro desse mercado, levando a um
oligopólio, e deixando o setor à mercê de suas decisões, sendo esse um dos
motivos pelos quais o Estado criou uma agência para regular o setor.
91
Creio que seria de grande valia a atuação de uma companhia estatal no
setor, que serviria de paradigma para a atuação das demais, um serviço de
referência. Porém, com a utilização de pensamentos ultraliberais e a recorrência
cada vez maior às privatizações, isso não acontece no país. Na verdade acontece
em sentido oposto, visto que hoje já se fala na privatização dos aeroportos.
No entanto, é preciso dizer, que apesar do transporte aéreo ser realizado
por empresas privadas, este fato não exime o Estado de sua responsabilidade,
afinal de contas, em última instância trata-se de um serviço público delegado a
essas empresas.
Diversos são os agentes que podem comprometer o Estado no caso de um
acidente aéreo, porém esse tópico será restrito aos principais agentes estatais do
setor, quais sejam a ANAC, INFRAERO e Comando da Aeronáutica.
Não
se
quer
com
isso,
no
entanto,
apurar
a
responsabilidade
individualizada de cada órgão, mas sim demonstrar a responsabilidade da atuação
estatal no setor e a conseqüente aplicação da responsabilidade civil objetiva do
Estado.
2.6.1 A responsabilidade da ANAC
A ANAC é o órgão responsável por regular e fiscalizar as atividades de
aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária e nessa atuação pode
restar configurada causa de um acidente aeronáutico.
No inciso XVI do artigo 8º da lei 11.182/05, é determinado que cabe à
ANAC fiscalizar aeronaves civis, seus componentes, equipamentos e serviços de
manutenção, com o objetivo de assegurar o cumprimento das normas de
segurança de vôo.
Ora, é claro que é impossível que a ANAC fiscalize cada aeronave que
decola no país, devendo ser levado em consideração o princípio da
92
proporcionalidade para analisar a omissão da ANAC na fiscalização das
aeronaves civis.
Nesse sentido é a decisão do Tribunal Regional Federal da 5a. Região em
apelação cível 123137-AL, que atribui responsabilidade por acidente aéreo ao
Departamento de Aviação Civil (DAC), que executava as funções hoje atribuídas à
ANAC.
Em princípio, não responde a União Federal por todo e qualquer acidente
envolvendo aeronave civil. Entretanto, demonstrada a inação do DAC –
Departamento de Aviação Civil, pela situação lastimável em que se
encontrava a aeronave, pela falta de controle de condições de vôo e pela
ausência do treinamento adequado do pessoal, o liame causal entre o
“não-ato” da Administração e o dano sofrido há de se reconhecer o direito
128
à indenização pelos danos morais e patrimoniais sofridos.
A União Federal recorreu da decisão que lhe imputou a responsabilidade
pelo acidente, porém tal decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal no
Recurso Extraordinário 258726-5 AL e o relator Ministro Sepúlveda Pertence ao
analisar o caso determinou:
No caso, entretanto, nem será necessário enfatizar que o acórdão
recorrido não cogitou de imputar ao DAC a omissão no cumprimento de
um suposto dever de inspecionar todas as aeronaves no momento
antecedente à decolagem de cada vôo, que razoavelmente se afirma de
cumprimento tecnicamente inviável: o que se verificou foi um estado de tal
modo aterrador do aparelho, que bastava a denunciar a omissão culposa
129
dos deveres mínimos de fiscalização.
Ora, fica claro que, no caso do poder de polícia exercido pela ANAC, deve
ser analisado o caso concreto e levada em consideração a possibilidade de agir.
Acerca do tema, Di Pietro afirma que “tem que se tratar de uma conduta que seja
exigível da Administração e que seja possível”.130
128
BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). Apelação Cível n.º 123137-AL. Relator Juiz
Rogério
Fialho
Moreira.
Acórdão
26/12/1997.
Disponível
em:
<http://www.trf5.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 20/10/2008.
129
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 258726-5-AL. Relator Min.
Sepúlveda
Pertence.
Acórdão
14/05/2002.
Disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jursiprudencia/pesquisarjurisprudencia.asp>. Acesso em: 02/11/2008.
130
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Omissões na atividade regulatória do Estado e
responsabilidade civil das agências reguladoras. In: FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade
Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 262.
93
No caso citado acima, fica claro que a aeronave acidentada demonstrava
um estado péssimo e que era dever do órgão fiscalizador impedir que voasse no
transporte de passageiros, evitando assim o acidente.
Para corroborar ainda mais no caso deste acidente específico, estava a
bordo da aeronave um checador do DAC, em serviço, com a obrigação de checar
os procedimentos adotados pela tripulação. Dessa forma é impossível que o órgão
não fosse responsabilizado por tal omissão na fiscalização.
Deve também ser observada a medida a ser aplicada de acordo com o caso
concreto. Sabe-se que, através do exercício do poder de polícia, a ANAC pode
aplicar medidas punitivas ao descumpridor de alguma norma, que vão desde pena
pecuniária até a suspensão dos vôos ou autorização de empresa aérea.
Cabe à ANAC, aplicar a medida cabível a evitar danos sofridos pelos
usuários sob pena de ser responsabilizada. Assim, por exemplo, caso tenha
ciência de práticas reiteradas por parte de um operador que comprometam a
segurança de vôo e dos passageiros, e aplique apenas uma pena pecuniária, a
empresa continue voando e ocorra um acidente em face da situação apresentada,
não há como isentar a ANAC da responsabilidade por ter contribuído na cadeia de
causas do acidente através de sua omissão.
É preciso dizer que o transporte aéreo é uma delegação de serviço público
feita pelo Estado, sendo que este pode inclusive responder subsidiariamente caso
uma empresa aérea se torne insolvente e não possa arcar com os danos
causados por acidente aéreo causado pela mesma.
Já quanto à fiscalização exercida pela agência reguladora, é preciso
destacar as palavras de Yuseff Sahid Cahali, ao afirmar que “se a agência tinha o
dever de fiscalizar e se omitiu, ela está sujeita a responder solidariamente com a
concessionária”.131
Sob a ótica do fator humano que pode causar um acidente aéreo, é preciso
analisar a atuação da ANAC, principalmente no que diz respeito à atribuição que
131
CAHALI, Yuseff Sahid apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Omissões na atividade
regulatória do Estado e responsabilidade civil das agências reguladoras. In: FREITAS, Juarez
(Org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 263.
94
lhe foi conferida pelo inciso XVII do artigo 8º da lei 11.182/05, que determina a
emissão de licenças de tripulantes e certificados de habilitação técnica e de
capacidade física e mental.
Ou seja, em ocorrendo um acidente aéreo que tenha como causa o fator
humano, é necessário averiguar a atuação da ANAC na emissão dos atestados
físicos e licenças técnicas dos tripulantes, mais uma vez, levando em
consideração a análise do caso concreto e a possibilidade da agência dentro do
considerado razoável, devendo a agência reguladora ser responsabilizada quando
houver manifesto descumprimento de sua obrigação legal.
De forma análoga, devem ser consideradas outras atribuições da ANAC
como regular e fiscalizar a infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, expedir
normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de vôo, de desempenho e
eficiência, a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços aéreos e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, dentre inúmeras outras. Sempre que uma
omissão da agência reguladora for causa de um acidente aéreo deverá esta ser
responsabilizada.
2.6.2 A responsabilidade da INFRAERO
A Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (INFRAERO), tem
como função administrar a imensa maioria dos aeroportos brasileiros, garantindo
operação segura de aeronaves e adequando a demanda com a infra-estrutura
presente.
Cabe à INFRAERO analisar a e realizar obras a fim de que seja adequada
a demanda de vôos com a capacidade do aeroporto. É necessária, por exemplo, a
averiguação por parte da empresa do número de slots suportados por um
determinado
aeroporto.
Tanto
está
presente
essa
responsabilidade
da
INFRAERO, que a lei instituidora da ANAC, lei 11.182/05 determina que a agência
95
reguladora regule autorizações de horários de pousos e decolagens, observadas
as condicionantes da infra-estrutura aeroportuária disponível.
Justamente, quando a INFRAERO não puder garantir a operação segura
em um aeroporto sob sua administração, e, falhas na infra-estrutura aeroportuária
forem apontadas como fatores contribuintes em um acidente, deverá esta
empresa ser responsabilizada objetivamente nos termos do artigo 37, § 6º da
Constituição Federal.
Nesse sentido a ementa da decisão do Tribunal Regional Federal da 4a.
Região, quando do acontecimento de acidente que teve como uma das causas o
estado precário da pista:
EMENTA: ACIDENTE AÉREO. RESPONSABILIDADE. SOLIDARIEDADE.
MUNICÍPIO. UNIÃO. RECONHECIMENTO. VIOLAÇÃO À LITERAL
DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA. PERMISSIONÁRIO. AÇÃO
RESCISÓRIA. 1. Reconhecendo-se, como de fato reconheceu o extinto
Tribunal Federal de Recursos, como tendo contribuído para o acidente o
estado precário da pista de aterrissagem, deve-se obrigatoriamente,
reconhecer o compartilhamento da responsabilidade entre a União e o
Município de Chapecó.132
Importa dizer, no caso em tela, que o aeroporto de Chapecó é administrado
pelo município, de forma que deve ser aplicado tal julgamento analogicamente à
INFRAERO.
Mais uma vez, para ser apurada a responsabilidade por omissão, deve ser
levado em consideração o princípio da proporcionalidade, bem como os princípios
da prevenção e da precaução.
Deve ser feita uma análise do caso concreto e verificar se seria
proporcional a “não-ação” da INFRAERO, bem como a análise da excludentes
como caso fortuito e fato de terceiro.
Tais excludentes são recorrentes no caso de um pouso mal sucedido, por
exemplo. A INFRAERO poderia alegar que inúmeras aeronaves realizaram com
sucesso operação de pouso e decolagem em momento anterior ao acidente.
132
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Ação Rescisória n.º 92.04.33594-7-RS. Relator
Des. José Luiz Borges Germano da Silva. Acórdão 10/12/1997. Disponível em:. Acesso em:
<http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/>. Acesso em: 02/11/2008.
96
Estaria alegando, dessa forma, a ocorrência de fato de terceiro, por imperícia do
piloto, ou mesmo caso fortuito, ou seja, imprevisível.
Justamente na previsibilidade do acontecimento de um acidente é que
reside a possível responsabilização da INFRAERO por omissão. Traz-se nesse
momento a aplicação dos princípios da precaução e da prevenção.
Assim, se houverem inúmeros relatórios feitos por pilotos que vão desde
problemas de sinalização a problemas no asfalto da pista e a empresa não tomar
as providências cabíveis, estará arcando com os riscos de um eventual acidente,
por mais que outras aeronaves realizem procedimentos de pouso e decolagem
sem nenhum problema.
Recorrente a reportagem na revista Aero Magazine de maio de 2006 com
um título pertinente: “O perigo está no solo”. Dentre os inúmeros problemas
apontados pelo autor Valtécio Alencar nos aeroportos brasileiros estão os
seguintes:
Congonhas (SP) – Pista principal com asfalto irregular;
Curitiba (PR) – Pista escorregadia e áreas onduladas nas pistas de táxi;
Joinville (SC) – Também fica ruim em dias chuvosos e com nevoeiro; não
tem ILS;
Navegantes (SC) – Pista pequena e escorregadia em dias chuvosos, sem
ILS;
Guarulhos (SP) – Buracos e ondulações nas pistas de táxi e início das
133
cabeceiras.
É claro que diariamente ocorrem vôos para essas localidades que não
enfrentam problema algum, porém, a INFRAERO, ao tomar ciência desses riscos
à segurança de vôo e não tomar providência alguma assume o risco de ser uma
das causas de um acidente.
Caso recente do qual pode ser feita análise genérica foi o acidente com vôo
3054 da empresa TAM em procedimento de pouso no aeroporto de Congonhas
em 17/07/2007. Embora não esteja concluída pelo CENIPA a investigação sobre
as causas deste acidente, há indícios de que o estado da pista seja uma dessas
causas.
133
ALENCAR, Valtécio. O perigo está no solo. Revista Aero Magazine, São Paulo, n. 144, p. 3435, mai. 2006. p. 35.
97
Uma vez concluído na investigação que realmente o estado da pista foi
fator contribuinte do acidente, não há como isentar a INFRAERO de
responsabilidade.
Senão vejamos, em 22/03/2006 um Boeing 737-400 da empresa BRA, teve
problemas no pouso em Congonhas em um dia chuvoso, vindo a parar em um
canteiro, próximo à avenida adjacente ao aeroporto. Em 06/10/2006, um Boeing
737-300 da empresa GOL, também em pouso em Congonhas não conseguiu
parar e avançou sobre a grama. No dia 16/07/2007, um dia antes do acidente com
a aeronave da TAM, um ATR-72 da empresa Pantanal aquaplanou e parou na
grama.
Diante de tantos fatos, afasta-se o caráter da imprevisibilidade do acidente
e, destaco novamente, uma vez concluído que o estado da pista realmente foi
fator contribuinte, a INFRAERO deve ser responsabilizada. A omissão do agente
estatal, nesse caso, fere o princípio da proporcionalidade na atividade da empresa
estatal. Fere ainda o princípio da prevenção, face à certeza do risco apresentado
nas operações de pouso e decolagem em tal aeroporto em dias de chuva,
consoante os diversos incidentes ocorridos anteriormente.
Em análise feita sobre os incidentes ocorridos com as aeronaves da GOL e
BRA citados acima, Elenildes Dantas afirma sobre o fato da não realização de
obras na pista de Congonhas que “a INFRAERO sofreu pressão das companhias
aéreas que não queriam desviar seus vôos de Congonhas.”134 Sendo assim, podese dizer que a INFRAERO optou pelos lucros em detrimento da segurança.
Há muito a INFRAERO recebe críticas sobre sua atuação nos principais
aeroportos do país. Ao visitar esses aeroportos, o viajante se depara com
terminais vistosos, com inúmeras lojas e possibilidades de entretenimento, num
conceito estabelecido pela empresa como “Aeroshopping”.
Diversos são os investimentos da empresa nos terminais, enquanto que
investimentos de segurança e infra-estrutura são deixados de lado. Problemas no
asfalto das pistas, má sinalização, ausência de instrumentos para pousos com
134
DANTAS, Elenildes. Aconteceu de novo. Revista Aero Magazine, São Paulo, n. 150, p. 36-37,
out. 2006. p. 36.
98
baixa visibilidade, entre outros são esquecidos pela empresa. Um exemplo desse
conceito incorreto é o aeroporto de Porto Alegre, que possui um belo terminal de
passageiros, mas que possui um equipamento para pouso por instrumentos antigo
e que gera fechamentos quase que diários no inverno.
Necessário dizer, nesses casos em que os problemas de infra-estrutura são
alarmantes, que cabe à ANAC tomar medidas exercendo o poder de polícia
através da fiscalização e cobrança de medidas concretas, sob pena da
possibilidade de responder solidariamente pela omissão no seu dever de
fiscalização, como visto no item anterior.
É preciso que a INFRAERO tome medidas para evitar acidentes
decorrentes de problemas na infra-estrutura aeroportuária. Usualmente a
INFRAERO informa estes problemas ao DECEA que emite NOTAM’s, sigla de
notice to airmen, que são avisos que devem ser observados pelos pilotos de
aeronaves na elaboração de um plano de vôo.
Em pesquisa na data de 22/10/2008 no site de planejamento de vôo do
DECEA, consta, por exemplo, NOTAM para o aeroporto de Porto Alegre,
informando que o trecho entre os primeiros 300 e 800 metros da pista 11 mostrase escorregadio quando molhado.135 Note-se que o NOTAM possui data de
registro em 16/07/2008, e passados mais de três meses não foram tomadas
medidas concretas para resolver o problema, de forma que a única atuação da
INFRAERO foi a emissão do comunicado. Destaque-se que a imensa maioria dos
aeroportos consultados possuem NOTAM’s com informações semelhantes sobre
problemas na infra-estrutura do aeroporto.
É claro, que a emissão do comunicado pode ser considerada como uma
boa medida na prevenção de acidentes e auxilia os tripulantes das aeronaves no
planejamento da operação num determinado aeroporto, porém sem as medidas
para corrigir o problema de pouco adianta, pois o aeroporto não poderá deixar de
ser usado para movimentação de uma cidade ou mesmo de um Estado.
Recorrente abordar a caótica situação da infra-estrutura aeroportuária no
país. Talvez esse seja o fato relevante pelo qual, mesmo após o acidente ocorrido
135
Disponível em: <http://www.aisweb.era.mil.br/aisweb>. Acesso em: 22/10/2008.
99
com a aeronave da TAM em Congonhas e as inúmeras discussões sobre a
diminuição do tráfego neste aeroporto, que deveria ser usado somente para a
ponte aérea Rio-São Paulo, hoje tal aeroporto continue recebendo grande número
de operações.
Cita-se o NOTAM emitido em 02/09/2008 que determina que aeronaves
com vôos para Viracopos em Campinas ou Congonhas, não podem alternar, ou
seja, em caso de problema mudar de destino, para o aeroporto de Guarulhos
devido à capacidade do pátio.136
Ou seja, em face da pouca estrutura aeroportuária da região, Congonhas
tem que continuar sendo utilizada, mesmo que havendo riscos de um novo
acidente.
A INFRAERO deve agir de acordo com os princípios da prevenção e da
precaução e adotar medidas para garantir a segurança nos aeroportos. Uma vez
configurada omissão no cumprimento desse dever a empresa deve ser
responsabilizada objetivamente, devendo, para se eximir dessa responsabilidade,
alegar uma das excludentes da responsabilidade.
Importa aqui dizer, no entanto, que ainda que haja outro fator contribuinte, e
com certeza haverá, como, por exemplo, a imperícia de um piloto ou problemas
mecânicos na aeronave, a INFRAERO responderá solidariamente se houverem
contribuído para o acidente problemas na infra-estrutura aeroportuária.
2.6.3 A responsabilidade do Comando da Aeronáutica
O Comando da Aeronáutica possui grande participação no setor aéreo
brasileiro, principalmente no que se refere ao exercício do serviço de controle de
tráfego aéreo e manutenção dos auxílios à navegação e radares, além, é claro da
utilização de aeronaves pela Força Aérea Brasileira.
136
Disponível em: <http://www.aisweb.aer.mil.br/aisweb>. Acesso em: 22/10/2008.
100
Preliminarmente, é preciso dizer que o Comando da Aeronáutica não possui
personalidade jurídica própria como a ANAC e a INFRAERO, tratando-se, nesse
caso de responsabilidade direta da União.
Em primeiro lugar, tratando-se da operação de aeronaves por parte do
Comando da Aeronáutica, resta claro que deve ser aplicada responsabilidade
objetiva, pois o comandante de uma aeronave militar é um agente estatal e, em
caso de acidente, cabe à União, para eximir-se da responsabilidade, apresentar
alguma das excludentes de sua responsabilidade já tão tratadas neste trabalho.
Cita-se o exemplo de acidente ocorrido com aeronave P-95 da Força Aérea
Brasileira quando essa voava em formação com outras três aeronaves de mesmo
modelo em missão militar. Duas das aeronaves em vôo de formação ingressaram
em uma nuvem vindo a colidir causando a queda de uma delas e a morte de todos
os seus ocupantes.
Em recurso de apelação de decisão de primeiro grau que responsabilizou
objetivamente a União pelo acidente foi alegada a ocorrência de força maior em
virtude de o acidente ter ocorrido dentro de uma nuvem.
A investigação do acidente aéreo, no entanto, apontou como causas, além
do fato de ter acontecido em condições climáticas adversas, o excesso de
confiança do líder da esquadrilha, insuficiência de comunicação entre as
aeronaves, ausência de treinamento para vôo em formação, preparo inadequado
da missão, bem como não cumprimento, em vôo do que foi previsto no briefing
com relação aos procedimentos em caso de mau tempo.
Ora, diante de tais circunstâncias deve o Estado ser responsabilizado
objetivamente. Nas palavras do relator, Desembargador Federal Paulo Gadelha:
Com efeito, a meu sentir, está caracterizada a responsabilidade civil
objetiva da UNIÃO, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88, uma vez que as
condições meteorológicas não foram a causa determinante do evento
danoso, como bem discorreu o juízo de 1º grau, à fls 132/134, o que afasta
a tese da ocorrência de força maior.137
137
BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). Apelação Cível n.º 311934-RN. Relator Des.
Paulo Gadelha. Acórdão 04/05/2006. Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/>.
Acesso em: 28/10/2008.
101
Uma vez que o comandante de aeronave militar trata-se de servidor federal,
e, portanto, agente estatal, cabe a aplicação da responsabilidade objetiva do
Estado, sempre que houver danos causados por acidente ocorrido com tal
aeronave, ainda que pelo não cumprimento de normas por parte do piloto, caso
relevante apenas para o cabimento de ação regressiva do Estado contra o agente,
onde é necessária a presença de culpa.
Nesse sentido, em decisão acerca de acidente ocorrido por acrobacia em
avião militar, o relator do recurso de apelação 378852/AL, Desembargador Federal
Lázaro Guimarães, afirma:
Irrelevante o descumprimento pelo militar das regras de aviação. O que
importa é, evidenciado o nexo causal, a sua condição de servidor público
federal no exercício de suas funções, o que faz incidir o comando do § 6º
do art. 37 da Constituição Federal. A hipótese, sem dúvida, é de
responsabilidade civil objetiva do Estado.138
Outro aspecto que deve ser considerado no que tange às atribuições do
Comando da Aeronáutica, é a manutenção dos equipamentos de auxílio a
navegação.
Cabe ao DECEA, a manutenção desses equipamentos utilizados pelas
aeronaves em sua rota. O DECEA, órgão do comando da aeronáutica, através do
Grupo de Ensaios em Vôo (GEIV), mantém a confiabilidade dos instrumentos
utilizados pela aviação tais como VOR e NDB. Uma vez que a falha num desses
instrumentos seja causa de um acidente, poderá a União ser responsabilizada por
omissão de cumprimento de um dever.
Mais
uma
vez,
no
entanto,
é
preciso
verificar
o
princípio
da
proporcionalidade na omissão do agente estatal. É claro que, por se tratar de um
equipamento, pode apresentar falhas, o que caracterizaria caso fortuito, porém, tal
excludente não pode ser invocada, por exemplo, quando reiteradamente um
determinado instrumento demonstrar falhas ou incorreções.
138
BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). Apelação Cível n.º 378852-AL. Relator Des.
Lázaro Gumarães. Acórdão 25/04/2006. Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/>.
Acesso em: 28/10/2008.
102
A grande atividade exercida pelo Comando da Aeronáutica, na figura do
DECEA, com certeza é o controle de tráfego aéreo. Importa dizer que esse
serviço, em sua imensa maioria, é exercido por militares vinculados a tal órgão,
restando apenas o controle de aeródromo de alguns aeroportos que é exercido
pela INFRAERO.
Nesse ponto, deve se destacar que não cabe à ANAC a fiscalização dos
serviços de controle do espaço aéreo. De acordo com comando dado pelo inciso
XXI do artigo 8º da lei 11.182/05, cabe a ANAC regular e fiscalizar a infra-estrutura
aeronáutica, com exceção de atividades e procedimentos relacionados com o
sistema de controle do espaço aéreo. Conclui-se, portanto, que não pode a ANAC
ser responsabilizada por omissão na fiscalização do controle do espaço aéreo.
A funções de planejamento, gerenciamento e controle do espaço aéreo,
bem como as comunicações cabem ao DECEA.
O controle de tráfego aéreo sem dúvida é uma das atividades mais
minuciosas exercidas pelo DECEA e necessita de grande atenção e diligência dos
seus agentes além de treinamento contínuo e equipamentos atualizados. Uma vez
que a prestação inadequada deste serviço seja causa de um acidente, caberá a
aplicação de responsabilidade objetiva do Estado.
Freqüentemente no caso de acidente em que resta comprovada a
prestação inadequada do serviço de tráfego aéreo, o Estado aponta como defesa,
a excludente de fato de terceiro, baseada principalmente no que hoje está
disposto na instrução do comando da aeronáutica ICA 100-12, que define as
regras do ar e serviços de tráfego aéreo: a autoridade do comandante a bordo.
De acordo com o item 3.5 de tal instrução, o piloto em comando de uma
aeronave tem autoridade decisória em tudo que com ela se relacionar, enquanto
estiver em comando.
Dessa determinação, depreende-se o fato de que o comandante à bordo,
fazendo uso de seu poder de decisão, pode inclusive não aceitar ordens do
controle de tráfego aéreo que julgue afetar a segurança do vôo, solicitando outra
orientação, bem como solicitar explicação de motivos de uma determinado ordem
ou esclarecimento de ordem confusa.
103
Diante disso, o Estado pode alegar, e eventualmente o faz, que mesmo que
a ordem emitida pelo controle esteja incorreta, caberia ao comandante não aceitar
tal ordem solicitando uma nova.
Caso recorrente foi o acidente ocorrido com Boeing 707 da empresa alemã
Lufthansa no dia 26/07/1979, quando essa colidiu com a Serra dos Macacos no
Rio de Janeiro.
Preliminarmente à análise desse caso, necessário fazer uma breve
abordagem sobre os dois tipos de acompanhamento por radar exercido pelos
controladores de tráfego aéreo: serviço de vigilância radar e serviço de vetoração
radar.
Atualmente ambos estão previstos na ICA 100-12. A diferença básica entre
os dois tipos de serviço é que na vigilância radar, o controlador apenas
acompanha o vôo, sendo que a navegação da aeronave é exercida pelo
comandante. Já a vetoração radar é o serviço de controle mais completo, e, nesse
caso, a navegação da aeronave é realizada pelo controlador de tráfego aéreo,
orientando rumos e mudanças de altitude.
Mesmo no caso de vetoração radar, no entanto, determina a ICA 100-12
que o comandante deverá confirmar as orientações e, se necessário, solicitar
instruções complementares, quando julgar necessário.
No caso do acidente ocorrido com a aeronave da empresa Lufthansa, esta
se encontrava sob vetoração radar, ou seja, sua navegação era ditada pelo
controle de tráfego aéreo.
Tal fato gerou ação da empresa pedindo ressarcimento pelos danos e a
responsabilização da União. Uma vez condenada a União, ingressou com recurso
de apelação 204252/RJ no qual alega como defesa justamente que o comandante
da aeronave detém a soberania a bordo, aduzindo, portanto, que este deveria ser
responsabilizado por sua negligência em ter aceitado alguma informação
incompleta.
Nessa alegação, a própria União admite a falha no serviço prestado. De
acordo com a investigação do acidente, todas as instruções dadas pelos
controladores de vôo foram seguidas pela aeronave, além do que havia número
104
insuficiente de controladores de vôo para monitorar o tráfego existente no
momento do acidente.
Importante destacar que a última frase proferida pelo comandante antes da
colisão com a Serra dos Macacos, demonstrando insegurança com o longo tempo
sem contato com o controlador que estava monitorando, muitas aeronaves ao
mesmo tempo, e ao mesmo tempo confiança no serviço prestado foram “nós
estamos sob controle radar, isto significa que teoricamente nada pode nos
acontecer”.139
Assim, pode-se ver nitidamente que os tripulantes confiavam no controlador
de vôo e não tinham razão para questionar cada ordem dada pelo serviço de
vetoração radar. Sendo assim, resta comprovado o nexo de causalidade entre a
conduta do controlador de tráfego aéreo, e a não configuração de uma excludente
desse nexo, como seria o fato de terceiro. Nesse sentido o relator desembargador
federal Antônio Cruz Netto:
Tenho, pois, como induvidoso que o acidente com a aeronave da autora
ocorreu em razão da falha do serviço do controle de vôo, o que acarreta a
inegável responsabilidade civil da União Federal, pelos danos daí
decorrentes, visto que está sobejamente demonstrado o nexo de
causalidade entre o fato danoso e a ação dos controladores de vôo.140
Exceto nos casos de vetoração radar, como o abordado anteriormente, a
responsabilidade do controle de tráfego aéreo normalmente será por omissão em
evitar uma colisão entre aeronaves, visto que a navegação dessas estará sob
responsabilidade dos seus respectivos comandantes.
É claro que deve ser dito que em alguns casos apesar de haver uma
colisão no ar, o que presumiria falha do controle de tráfego aéreo, o nexo de
causalidade entre a conduta ou omissão do controle e o acidente pode ser
excluído.
139
BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). Apelação Cível n.º 204252-RJ. Relator Des.
Antônio Cruz Netto. Acórdão 17/01/2006. Disponível em: < http://www.trf2.gov.br/jurisprudencia/>.
Acesso em: 26/10/2008.
140
BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). Apelação Cível n.º 204252-RJ. Relator Des.
Antônio Cruz Netto. Acórdão 17/01/2006. Disponível em: < http://www.trf2.gov.br/jurisprudencia/>.
Acesso em: 26/10/2008.
105
Cita-se o caso de acidente aéreo ocorrido no Rio Grande do Sul em que
uma aeronave particular colidiu com aeronave F5 da FAB que voava em formação
com outras aeronaves em corredor designado para vôo exclusivo de aeronaves
militares.
Na data do acidente não estavam em funcionamento os radares do controle
de tráfego aéreo, de forma que o serviço de controle era exercido de forma
convencional, ou seja, as aeronaves ditavam seus rumos, altitudes e posições
para que o controlador desse instruções para organização de tráfego.
Tal acidente gerou ação de indenização alegando responsabilidade da
União. Porém, analisando os autos do recurso de apelação de decisão proferida
em primeira instância nesse caso, foi demonstrado que a aeronave particular
informou posição incorreta, de forma que não restou comprovada a omissão do
controle de tráfego aéreo, visto que não tomou providências para evitar o acidente,
já que pela posição citada pela aeronave particular este não estava em rota de
colisão com aeronaves militares.141
Nesse caso, fica comprovada ocorrência da excludente de responsabilidade
civil do Estado através de verificação do fato exclusivo de terceiro, não restando
presente o nexo de causalidade entre a atuação do controle de tráfego aéreo e a
ocorrência do acidente.
Em se analisando a atividade do controle de tráfego aéreo, é preciso fazer
menção ao acidente ocorrido com aeronave Boeing 737 da empresa GOL e
aeronave Embraer Legacy da empresa Excel Air, em 29/09/2006. Embora as
investigações de tal acidente não tenham sido concluídas pelo CENIPA, há
indícios de que falhas na prestação de serviço de controle de tráfego aéreo
tenham sido fatores contribuintes de tal acidente.
Dentre outros fatores, como o não funcionamento do equipamento de
transponder da aeronave Legacy, não funcionamento do TCAS (traffic collision
avoidance system), equipamento que, como o próprio nome diz, possibilita evitar
141
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Apelação Cível n.º 2000.04.01.146551-RS.
Relatora Des. Maria de Fátima Freitas Labarrere. Acórdão 08/10/2002. Disponível em:
<http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud>. Acesso em: 02/11/2008.
106
colisões, falhas nas freqüências de rádio, não cumprimento do plano de vôo, entre
outros aspectos, está a participação do serviço de controle de tráfego aéreo.
As principais falhas apontadas pela denúncia do Ministério Público Federal
contra os controladores, nos autos do processo 2006.36.03.006394-2 da Justiça
do Mato Grosso, estão a omissão na tomada de procedimentos quanto à falha do
transponder da aeronave Legacy e negligência na comunicação com a
aeronave.142
De acordo com a ICA 100-12, em seu item 14.4.11, quando o transponder
de uma aeronave deixar de apresentar o sinal de resposta desejado, o controlador
deve solicitar ao piloto que proceda a uma verificação do equipamento de
transponder.
Ainda que seja de responsabilidade dos pilotos da aeronave o
funcionamento desse equipamento, deveriam os controladores ter tomado os
procedimentos previstos na ICA 100-12, o que não ocorreu, de acordo com a
denúncia citada.
Ademais, sem conseguir comunicação com a aeronave, não adotaram as
medidas constantes na ICA 100-12, dentre as quais a principal, constante no item
7.14.1, seria manter a separação entre a aeronave com falha de comunicação e
as demais, o que, pela ocorrência da colisão, pode-se concluir que não ocorreu.
É claro que deve ser aguardada a conclusão das investigações por parte do
CENIPA, levando em conta as inúmeras circunstâncias que deram causa ao
acidente, para que seja tomada uma conclusão quanto à responsabilidade pelo
acidente.
Porém, uma vez demonstrado que houve omissão por parte dos
controladores, ainda que tenham contribuído outras causas, como falhas em
equipamentos e participação dos pilotos da aeronave Legacy, deverá o Estado ser
responsabilizado, visto que a omissão do controle de tráfego aéreo guardaria nexo
de causalidade com o acidente.
142
Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/denunciagol.pdf>. Acesso
em: 01/10/2008.
107
Caso semelhante ocorreu na Suíça no dia 01/07/2002. Trata-se de colisão
entre um Boeing 757 da empresa DHL e um Tupolev 154 da empresa Bashkirian
Airlines.
Nesse caso, no entanto, a diferença é que os transponders funcionavam
perfeitamente e com a iminência da colisão indicaram manobras divergentes para
as aeronaves. De acordo com manobras indicadas pelo TCAS, aeronave da DHL
deveria descer e a aeronave russa subir. Porém, o único controlador em serviço
no momento da colisão, sem saber da indicação do TCAS, e na iminência da
colisão, indicou à aeronave russa para descer, orientação que foi seguida pela
aeronave, não sendo possível evitar a colisão.143
Apesar de o manual do TCAS indicar que em caso de divergência entre a
ordem do equipamento e do controle de tráfego aéreo, a ordem do TCAS deverá
ser seguida, a ordem do controle de tráfego aéreo foi seguida pela aeronave
russa.
Restou comprovado o nexo de causalidade entre a atuação do controle de
tráfego aéreo e o acidente, e, embora tenha havido o descumprimento da
indicação do manual do equipamento TCAS pelo piloto russo, os administradores
do tráfego aéreo, que era realizado por uma empresa privada, a Skyguide, foram
condenados pelo acidente, além do fato da causa da própria colisão, como
também pelo fato de no momento do acidente estar operando apenas um
controlador para administrar todo o tráfego presente no momento.144
Diante do exposto, sempre que o controle de tráfego aéreo contribuir para a
ocorrência de um acidente aéreo no Brasil, seja por ato comissivo ou omissivo,
caberá a aplicação da responsabilidade objetiva, por se tratar de serviço público
exercido diretamente pelo Estado, cabendo, para eximir-se da responsabilidade,
unicamente alegar alguma das excludentes de responsabilidade.
143
Disponível em: <http://aviation-safety.net/database/record.php?id=20020701-1>. Acesso em
24/10/2008.
144
Disponível em:<http://noticiasuol.com.br/ultnot/reuters/2007/09/04/ult729u70074.jhtm>. Acesso
em: 24/10/2008.
108
2.7 Conclusão do capítulo
A responsabilidade civil do Estado evoluiu através da história, passando de
uma época da aplicação da teoria da irresponsabilidade do Estado até a aplicação
da responsabilidade civil objetiva do Estado, hoje consagrada na Constituição
Federal do nosso país.
O dispositivo constitucional trouxe grandes inovações que contribuíram para
ampliar a aplicação da responsabilidade civil do Estado, sem, no entanto, conduzir
o Estado ao papel de segurador universal.
Dentre
as
principais
inovações
estão
a
própria
consagração
da
responsabilidade objetiva do Estado, a utilização do termo agente, não sendo
necessário, portanto, o vínculo de emprego com o Estado tal como possui um
servidor; e a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas de direito
privado que exerçam serviços públicos, o que de é grande importância num
Estado que cada vez mais delega suas funções a empresas privadas.
Adota-se no Brasil a teoria do risco administrativo, ou seja, ao ter-lhe
imputada a responsabilidade por um dano, caberá aplicação da responsabilidade
objetiva do Estado, prescindindo da comprovação de culpa, restando ao Estado
alegar uma das excludentes da responsabilidade, quais sejam, caso fortuito; força
maior; fato de terceiro e fato da vítima, elidindo assim o nexo de causalidade entre
a sua conduta e o dano.
Tais evoluções devem ser observadas também no caso de omissões do
Estado. Apesar de divergência na doutrina e na jurisprudência, entendo que deve
ser aplicada a responsabilidade objetiva no caso de omissões, pois pode uma
omissão também ser causa de um dano, e, além disso, ressalva nenhuma foi feita
pela Constituição Federal no que tange ao dano causado por omissão estatal,
razão pela qual deve ser aplicada a regra geral do dispositivo.
De forma alguma o Estado terá o papel de segurador universal, bastando
que sua conduta esteja baseada em princípios como o da proporcionalidade, da
legalidade, da prevenção e da precaução.
109
Analisando a atuação ou omissão estatal através de tais princípios e
admitidas as excludentes de responsabilidade do Estado, é plenamente viável a
aplicação da responsabilidade objetiva no caso de ações e omissões.
No caso específico dos acidentes aéreos, esses nunca têm apenas uma
causa, ocorrendo pelo somatório de diversas causas.
Com a presença nos mais variados setores do sistema aéreo, certamente o
Estado terá responsabilidade na ocorrência de um acidente aéreo, seja pela
atuação do controle de tráfego aéreo, das omissões na infra-estrutura de
aeroportos, radares, auxílios à navegação ou mesmo pelas falhas no poder de
polícia e planejamento do setor. Deve-se inclusive dizer que quando uma empresa
aérea tiver dado causa a um acidente estará presente a responsabilidade do
Estado, já que esta empresa aérea só exerce a atividade de transporte aéreo por
uma delegação do Estado.
Nos casos de acidentes aéreos recentes acontecidos com aeronaves da
empresas GOL e TAM, citados neste trabalho, ainda que as investigações não
tenham sido concluídas, fica clara a atuação estatal no nexo de causalidade
desses acidentes.
Problemas relacionados às péssimas condições da pista de um aeroporto
movimentado, falta de controladores de tráfego aéreo, falhas de cobertura radar,
falta de planejamento no setor, aeroportos e tráfego aéreo saturados, evidenciam
o descaso do Estado no setor.
O Estado certamente deve ser responsabilizado, afinal de contas, uma
atividade onde apenas o perfeito é aceitável e que exige altos níveis de padrões
de segurança, está sendo conduzida por diversos órgãos da Administração
Pública através de improvisações e medidas de curto prazo.
A INFRAERO cada vez mais leva em consideração os lucros de aluguéis de
espaços nos terminais dos seus aeroportos em detrimento da infra-estrutura de
segurança de vôo, o Comando da Aeronáutica demonstra falta de planejamento
por anos e reduzido quadro de controladores de vôo além de infra-estrutura de
radares deficientes em algumas regiões e a ANAC, que deveria regular o setor
assiste tudo sem tomar as medidas necessárias.
110
Diante
de
tantos
problemas
gerados
pelos
diversos
órgãos
da
Administração Pública, não importa personalidade jurídica ou competência destes
órgãos, em ocorrendo um acidente aéreo tendo como uma das causas suas
atuações deficientes, deverá o Estado ser responsabilizado.
111
CONCLUSÃO
Um acidente aéreo é um acontecimento que choca a população do país,
talvez pela morte de centenas de pessoas num dos meios de transporte mais
seguros do mundo ou, ainda, em virtude da grande possibilidade do mesmo ter
sido evitado.
O avião é um meio de transporte tão seguro justamente pelos inúmeros
procedimentos de prevenção que cercam a atividade aérea, partindo da criteriosa
homologação de novas aeronaves, treinamento de pessoal e checklists de
operações, até os resultados de investigações de acidente aéreos para que novos
acidentes sejam evitados.
Entretanto, os dois últimos acidentes de grande repercussão ocorridos no
nosso país, com aeronave da empresa GOL, em 29/09/2006, e aeronave da
empresa TAM, em 17/07/2007, evidenciam o total descumprimento desses
preceitos pelo Estado.
Restou evidenciada a total falta de planejamento do setor aéreo no nosso
país, por parte dos agentes do Estado, e descaso com diversos aspectos
relevantes para a segurança de vôo, que beiram a improvisação.
Não é admissível que um acidente ocorra numa pista em um dia de chuva,
onde outros três outros incidentes já haviam ocorrido nas mesmas condições,
sendo um deles na véspera deste acidente, sem que nenhuma medida tenha sido
tomada.
Tal omissão é completamente reprovável de acordo com o princípio da
legalidade, da prevenção, da precaução e da proporcionalidade. Ora, não é
possível que o Estado não seja responsabilizado nessa situação, e o deve ser de
forma objetiva.
O que agrava a situação é que após o acidente da TAM ocorrido em
Congonhas, foram publicamente discutidas as medidas a serem tomadas para
reduzir o tráfego daquele aeroporto, que inclusive foi fechado, por alguns, dias
112
após o acidente. No entanto, como infelizmente costuma acontecer no nosso país,
após o esquecimento do fato, o aeroporto segue operando com grande
movimentação de pousos e decolagens.
Um dos principais motivos certamente é a falta de estrutura do outro
aeroporto internacional da cidade de São Paulo, o aeroporto de Guarulhos, para
receber maior número de aeronaves, tanto que, como já foi citado neste trabalho,
existe NOTAM emitido impedindo que aeronaves que tenham como destino
Congonhas e Viracopos, em Campinas, alternem por qualquer problema, o
aeroporto de Guarulhos.
Sendo assim, em caso de impossibilidade de pouso no aeroporto de
Congonhas, uma aeronave deverá procurar um aeroporto fora da cidade,
dependendo do porte da aeronave, tendo que voar até Campinas.
Do mesmo modo o acidente com aeronave da empresa GOL, no qual
ocorreu uma colisão aérea, evidencia falhas na infra-estrutura do controle de
espaço aéreo do Brasil.
Falhas no radar, problemas de comunicação, reduzido número de
controladores de tráfego aéreo e não acompanhamento do aumento da demanda
pela infra-estrutura do controle do espaço aéreo foram trazidos à tona com a
ocorrência desse acidente.
Diante destes casos, fica clara a completa falta de planejamento no setor e,
por conseqüência, a contribuição do Estado para a ocorrência de acidentes
aéreos.
Restou comprovado o completo descumprimento de suas atribuições por
vários órgãos da Administração Pública, dentre os quais destaco INFRAERO,
Comando da Aeronáutica e ANAC.
A ANAC, diga-se de passagem, é uma agência reguladora responsável por
fiscalizar o setor e adotar as medidas necessárias de planejamento, o que não tem
sido feito de forma efetiva até então. Preciso dizer ainda que com a crise aérea, a
posse de um novo Ministro da Defesa e a renúncia “forçada” do diretor da ANAC,
cada vez mais fica aparente a ingerência do Estado nessas agências, não sendo
113
observadas na prática as ditas autonomias de tais agências e cada vez mais
evidenciando a responsabilidade estatal nas suas atuações.
O certo é que até agora a ANAC não tomou medidas concretas para que
novos acidentes sejam evitados, atuando como numa “operação tapa-buracos” em
uma estrada, com medidas de curto prazo e de eficácia reduzida.
Nos casos citados, há uma preponderância do interesse econômico sobre a
segurança das operações aéreas, o que é um risco que não deve ser admitido
pelo Estado, ferindo princípios básicos da sua atuação.
Diante de todo o exposto neste trabalho, a análise de diversos acidentes
ocorridos no nosso país e o grande número de atribuições do Estado neste setor,
o Estado sempre deve ser responsabilizado de forma objetiva quando ocorrer um
acidente aéreo, bastando para se eximir de sua responsabilidade, ou tê-la
mitigada, a alegação de alguma das excludentes da responsabilidade civil estatal
ou justificar sua ação ou omissão de acordo com os princípios aplicáveis já
citados: princípio da legalidade; da proporcionalidade; da prevenção e da
precaução.
Dificilmente, no entanto, vai se verificar um desses aspectos na ocorrência
de um acidente aéreo, pois normalmente o Estado terá violado algum dos
princípios citados, através da atuação de algum dos agentes que compõem a
Administração Pública, uma vez que, com os altos níveis de segurança presentes
na aviação civil, um acidente aéreo só pode ocorrer com descumprimento de
diversos deveres.
É preciso dizer, além disso, que mesmo no caso em que o acidente tenha
como causas falhas da empresa prestadora de transporte aéreo, ainda assim o
Estado poderá ser responsabilizado, pois, como já abordado, trata-se de um
serviço público executado por delegação e sobre o qual o Estado deve exercer
constante fiscalização.
Observados tais aspectos, não é admissível que o Estado seja omisso no
cumprimento dos seus deveres, cabendo nesse caso, sua responsabilização de
forma objetiva quando for uma das causas de um acidente aéreo.
114
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