BASE INDUSTRIAL DE DEFESA, BANDEIRA DO CLUBE NAVAL
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BASE INDUSTRIAL DE DEFESA, BANDEIRA DO CLUBE NAVAL
Issn 0102-0382 • ano 121 • Nº 368 • out/nov/dez • 2013 base industrial de defesa, bandeira do clube naval Revista do Clube Naval • 368 1 Nesta edição: cenários prospectivos • Pág. 8 • Dando continuidade às palestras do seminário “Guerra Naval do Futuro: Desafios e Perspectivas”, realizado na Escola de Guerra Naval (EGN), em junho deste ano • Prof. Eduardo Italo Pesce 4 editorial a coluna central da defesa 6 EM PAUTA • Notas sobre eventos e comemorações do CN 8 poder naval (guerra naval do futuro) cenários prospectivos • Prof. Eduardo Italo Pesce. 14 defesa (base industrial de defesa) medidas viabilizadoras • V Alte (Ref-EN) Marcílio Boavista da Cunha a vitória de copenhague • Pág. 30 • A divergência entre Bohr e Einstein quanto à interpretação da Macânica Quântica • CMG (Ref) Paulo Roberto Gotaç 17 defesa (base industrial de defesa) desenvolvimento nacional: a contribuição da Rockwell collins do brasil • Eng. Fernando Ykedo 20 defesa (base industrial de defesa) o líder militar (Vencedor do concurso “Liderança 2013”) • Asp Pedro Henrique de Barros Moraes 22 história naval os submarinos do brasil: dos primórdios até o submarino nuclear (Vencedor do concurso “História 2013”) • Asp João Herbert Pontes Teixeira 26 economia finanças do município do rio: suporte ao novo modelo de gestão • Econ. Marco Aurelio Santos Cardoso barcelona. arte a céu aberto • Pág. 40 • A viagem dessa edição nos mostra a maravilhosa capital da comunidade autônoma da Catalunha • CC (T) Rosa Nair Medeiros 30 física a vitória de copenhague • CMG (Ref) Paulo Roberto Gotaç 37 alocução 71 anos da criação da força naval do nordeste • CMG (RM1) Francisco Eduardo Alves de Almeida 40 viagens barcelona. arte a céu aberto • CC (T) Rosa Nair Medeiros 48 crônica viajar ou não viajar: eis a questão • V Alte (Ref) Luiz Sérgio Silveira Costa Viajar ou não viajar: eis a questão • Pág. 48 • Duas matérias seguidas sobre os prós, os contras e as peripécias, comuns às viagens • V Alte (Ref) Luiz Sérgio Silveira Costa 53 espaço cultural da marinha um passeio pela história • Jorn. Ray dos Anjos 56 conto histórico o poder (minhas pratas!) • C Alte (Ref) Domingos Castello Branco 62 reflexão gentileza gera gentileza • Claudio Fabiano de Barros Sendin 64 marinhagens flagrantes da vida naval • CF (Ref) Celso de Mello Franco 66 serviços da mb sorria. você está sendo identificado • CMG (CD) Harley Pessanha Santos 70 serviços da mb caixa de construções de casas para o pessoal da marinha (cccpm) • CF (S) Orília de Oliveira Silva 73 governos militares você sabia? • CC (Ref-IM) Antônio Tângari Filho 2 Revista do Clube Naval • 368 74 última página opinião do leitor – Cartas dos leitores Revista do Clube Naval • 368 3 o poder (minhas pratas!) • Pág. 56 • Um conto de conteúdo essencialmente verdadeiro, sobre a prepotência do poder • C Alte (Ref) Domingos Castello Branco A COLUNA CENTRAL DA DEFESA A s Forças Armadas não são responsáveis por assegurar a Defesa Nacional. É o que consta no Artigo 21 da Constituição Federal. É chegado o momento histórico de trazer a nação brasileira para o debate acerca da Defesa. Não há Defesa possível sem aviões, navios, foguetes, comunicações, alimentos, transporte, hospitais, tecnologia, procedimentos, estruturas. Tudo isso está muito além das Forças Armadas. Não há Defesa possível sem indústria de Defesa, sem tecnologia, e sobretudo sem vontade nacional. A Defesa Nacional é responsabilidade da União, e toda a Nação Brasileira dela participa. Não há lugar para a ••• ingenuidade nesse campo. O nosso momento histórico é de emergência. Temos imensas vulnerabilidades em todos os aspectos relativos à Defesa. Da indiferença à incompetência, passando pela corrupção. O recente episódio de espionagem sofrido pelo Brasil é um importante alerta para todos. Há, todavia, excelentes iniciativas em andamento no nosso país, e esta revista tem feito um bom trabalho para informá-las com motivação. Temos entusiasmo em documentar os esforços na solidificação da Base Industrial de Defesa, no debate sobre a Guerra Naval do Futuro, e no esforço que a Marinha vem fazendo para desenvolver e gerenciar seus grandes projetos. As Forças Armadas, em verdade, são a coluna central na Defesa do Brasil. Zelemos por elas. Clube Naval Av. Rio Branco, 180 • 5º andar Centro • Rio de Janeiro • RJ Brasil • 20040-003 Tel.: (21) 2112-2425 Presidente V Alte (Ref-FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin Diretor do Departamento Cultural CF (Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Junior ••• Editoria CF (Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Junior CMG (RM1-T) Adão Chagas de Rezende Jornalista Responsável Antônio de Oliveira Pereira (DRT-MT. 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As fotos enviadas através de e-mail devem medir o mínimo de 15cm, em jpg ou tif, com 300dpi. ••• 4 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 5 ALMOÇO ANUAL DE CONFRATERNIZAÇÃO DA AVIAÇÃO NAVAL • Realizado no dia 10 de outubro, no Salão dos Conselheiros da Sede Social, o tradicional almoço anual contou com a presença do mais antigo Aviador Naval, Alte Esq (Ref-FN) Carlos Albuquerque. Prestigiando também o evento, o Alte Esq (Ref) Mauro César Rodrigues Pereira, ex-Ministro da Marinha, o Maj Brig do Ar Wilmar Terroso Freitas, Presidente da ABRAPAT, além de ex-Comandantes da Força Aeronaval, Esquadrões de Helicópteros e representantes de empresas do setor de aviação. O Capitão-de-Fragata Augusto José da Silva Fonseca Júnior, apresentou o programa de modernização das aeronaves A-1, que está sendo realizado pela EMBRAER. eventos e comemorações do clube naval GRUPO DE INTERESSE EM MÚSICA • Com uma exibição em DVD do musical/balé O Quebra Nozes, o CMG (Ref-IM) Haroldo Belém, Coordenador do Grupo de Interesse em música, encerrou as atividades de 2013. Durante o ano, foram realizadas várias palestras: Comemoração de 150 anos de Ernesto Nazareth, O Fantasma da Ópera, 200 anos de Wagner e Giuseppe Verdi, e outras. Programa Cultural • O programa cultural realizado no dia 4 de dezembro no Salão dos Conselheiros, reapresentou os Jovens Há Mais Tempo, com "Natal Cigano", sob a direção de Theca de Castro. Na segunda parte do evento, o diretor e ator Antunino organizou um jogral com convidados. Momento de agradável convívio, com a presença de numeroso público, que dançou, cantou e se encantou com a beleza da Sede Social. Bacalhau do Presidente • Dia 10 de dezembro, o Presidente do Clube Naval V Alte (Ref-FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin, na foto acompanhado do Presidente do Conselho Fiscal, CMG (Ref-IM) Haroldo Rodrigues da Cunha Fonseca e do Presidente do Conselho Diretor, V Alte (Ref) Mario Augusto de Camargo Ozório, celebrou com os sócios a tradicional confraternização de final de ano, o “Bacalhau do Presidente”, brindando a todos com votos de felicidades e de próspero Ano Novo. eventos e comemorações do clube naval Doação de Espadas a aspirantes da Escola Naval • A cerimônia de Doação de Espadas foi realizada dia 25 de novembro, no Salão dos Conselheiros da Sede Social, presidida pelo V Alte (Ref-FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin, Presidente do Clube Naval. Foram entregues espadas aos aspirantes da turma 2013. Almoço GEDA • Contando com as presenças do atual Presidente do Clube Naval, V Alte (Ref-FN) Paulo Frederico Soriano Dobbin e do seu antecessor V Alte (Ref) Ricardo Antonio da Veiga Cabral, foi realizado no dia 25 de novembro, o almoço de confraternização anual pelo 17º aniversário do GEDA (Grupo de Estudos para o Desenvolvimento da Administração), coordenado pelo CMG (Ref) José da Cunha Faria, no Salão Nobre da Sede Social. Encontro de corais natalinos “Clássicos de Natal de todos os tempos” • Dia 12 de dezem- bro aconteceu o I Encontro de Corais Natalinos, no Salão Nobre. Na abertura, apresentou-se a harpista Dharana Marum, logo após o anfritião – o Coral do Clube Naval – regido pela maestrina CMG (RM1-S) Sylvia Orazen, seguido do Coral Feminino de Oficiais da Marinha e do Coral Sagrada Família da paróquia de Nossa Senhora de Copacabana e Santa Rosa de Lima. Fechando a noite, apresentou-se o Coral da Associação de Mantenedores da Petros do Rio de Janeiro – AMBEP-RIO. O encerramento do evento se deu com um parabéns pelo 3° aniversário do Coral do Clube Naval. 66 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 77 FuTuRO poder naval GUERRA GUERRA NAVAL NAVAL DO DO FUTURO FUTURO guerra naval: presente e futuro CENÁRIOS PROSPECTIVOS EDUARDO ITALO PESCE* Este artigo apresenta um resumo da palestra proferida pelo autor no seminário “Guerra Naval do futuro: Desafios e Perspectivas”, realizado na Escola de Guerra Naval (EGN) no dia 7 de junho de 2013, cuja síntese foi recentemente publicada nesta Revista, em artigo do Vice-Almirante (Ref-EN) Marcílio Boavista da Cunha (ver RCN nº 366, abr./jun. 2013, págs. 14-17). O trabalho preparado pelo autor para aquele seminário, que serviu de base a este artigo, encontra-se disponível no sítio oficial da EGN no endereço http://www.egn.mar.mil.br/. C onsidera-se um horizonte de 20 anos no futuro, abrangendo o período que se seguirá ao Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED), que consolida os projetos estratégicos das Forças Armadas para o período 2012-31. O planejamento orçamentário da Marinha do Brasil visa a coordenar os esforços de aplicação de recursos para renovação do Poder Naval, de acordo com perspectivas de curto (até cinco anos), médio (cinco a 20 anos) e longo prazo (20 anos ou mais). Para designar tais perspectivas, empregam-se as denominações “Marinha atual”, “Marinha do amanhã” e “Marinha do futuro”. O escalonamento de prioridades de planejamento, dentro destes três horizontes temporais, não é exclusividade de nossa Marinha. Na Marinha dos Estados Unidos, por exemplo, é empregada metodologia análoga. A figura da página ao lado (mesma usada na RCN nº 366) procura mostrar, de forma ilustrativa, tal metodologia de planejamento, visando ao preparo do Poder Naval. As três curvas no gráfico mostram que os planejamentos de curto, médio e longo prazo devem ser superpostos e integrados, a fim 8 de assegurar a continuidade do processo. No curto prazo (forças de hoje), a ênfase será no aprestamento dos meios disponíveis ou em vias de ser incorporados. No médio prazo (forças do amanhã), será nos programas de obtenção e aquisição de meios. No longo prazo (forças do futuro), terá que ser em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Atualmente existem no mundo dois modelos conceituais de defesa. O primeiro, característico dos Estados Unidos e de seus principais aliados anglo-saxões, baseia-se na supremacia militar sobre quaisquer possíveis adversários. O segundo, que pode ser associado à França e a países sem ambições hegemônicas, baseia-se na dissuasão e visa a desencorajar agressões pelo aumento do patamar de risco, para um possível adversário, de qualquer ação militar. Uma postura estratégica baseada na dissuasão é adequada a uma potência média com interesses de âmbito mundial, como o Brasil. Entretanto, a salvaguarda da soberania e a promoção dos interesses nacionais de um Estado soberano requerem flexibilidade e adaptabilidade. Os interesses do Brasil no mar não estão limitados à área vital, constituída pela “Amazônia Azul”. A área primária de influência do Poder Naval brasileiro abrange Revista do Clube Naval • 368 esforço A Escola de Guerra Naval, acatando assessoria do Conselho do Centro de Estudos Político-Estratégicos (CEPE), decidiu incluir na sua grade de estudos o tema “Guerra naval do futuro”. Nesse sentido, promoveu no dia 7 de junho de 2013, no Auditório Tamandaré, o primeiro seminário sobre o assunto, intitulado “Guerra naval do futuro: desafios e perspectivas”, nomeando o autor deste artigo como moderador. O Clube Naval publica, no interesse do programa do Departamento Cultural para assuntos de cultura profissional, a síntese do que foi tratado no seminário. como em outras áreas marítimas de interesse curto prazo Médio prazo futuro forças atuais Programas de aquisições ciência e tecnologia forças de hoje forças de amanhã forças do futuro se tornarão multidimensionais, podendo nacional, dissuadindo ameaças e atuando na opor os meios navais a simultâneos segurança marítima ou em apoio inimigos de superfície, submarinos, ter- à política externa. Entretanto, a sua verdadeira “razão restres, aéreos e espaciais, disputando de ser” sempre o emprego da o controle do deverá espectro ser eletromagnético. Em linhas o controle da informaforça gerais, em combate. ção se tornará cada vez mais importante, dando margemIMEDIATO à “dissuasão pela FUTURO informação”, a atividade de comando e As tendências da Guerra Naval no futuro controle aumentará em complexidade imediato pelo quadro gee a segurançasão da determinadas logística se tornará opolítico atual, caracterizado complexa e difícil, especialmente pela a incerteza e pela assimetria do poder. proteção dos múltiplos componentesDesde o fim da base industrialFria”, de defesa. da “Guerra a conjuntura estratégica mundial caracteriza-se pela ausência de segunda palestra um antagonismo global dominante e pelo A segunda palestra coube ao Copredomínio dos conflitos regionais, locais mandante Brick, que esclareceu, inicialou irregulares, envolvendo atores estatais e mente, a estreita ligação entre ciência, não estatais. A inexistência de antagonismos tecnologia, inovação (CTI) e capacidade navaisedominantes industrial, alertou que: vem deslocando a ênfase hoje 5 anos 20 anos “Tecnologia suficiente para no empregonão doéPoder Naval da guerra no inovar!!!! Ela necessita do complemento mar para a “guerra litorânea”, em operações de recursos especiais (máquinas, ferrade tipo expedicionário. mentas, instalações) que compõem uma infraestrutura produtiva!!! construção/aquisição; e a guerra do futuro com os recursos ainda O apoio a operações de paz ou a interA finalidade de uma Marinha é o comtodoemoprocesso Atlântico entre a América do Não existe Inovação sem forte capacidade industrial.” de Sul, pesquisa e desenvolvimento. venções “humanitárias” em países conflagrabate,do ainda que os meios operativos que sobre a Sul e aAÁfrica, bem parte dodoOceano A seguir, discorreu a aceleração do desenvolvimento noção de quecomo é preciso cuidar hoje sem descurar amanhã dos, sob os auspícios da Organização das da CTI e a dificuldade/impossibilidade de prever o futuro, citando e do futuro não é nova na MB. Já a incorporamos no planejamento constituem tenham capacidade para atuar Antártico. A área secundária, por sua vez, Nações Unidas (ONU) passou a fazer parte do os fatos de que “em cada oito cientistas que já existiram desde naval há bastante tempo. Antes do hoje, há uma tradição e um passaem situações nas quais o emprego da força inclui o Mar do Caribe e parte do Pacífico Sul, o início da humanidade, sete ainda estão vivos e em atividade” do a ser respeitado, período cuidado pelos historiadores. Nos tempos dia a dia das Marinhas de inúmeros países, não ocorre. Sem prejuízo de sua capacitação nas proximidades do litoral sul-americano. e “a produção científica cresce,ao hoje, a do uma taxa anual de cerca no mar, à de hoje, dominam os operadores e mantenedores; na construção do lado combate ao terrorismo para a Guerra Naval clássica, o Poder Naval É essencial que o Brasil disponha de meios 7%, dobrando a cada 10 anos”. amanhã, os gerentes de projetos e os engenheiros de construção; e pirataria e a ilícitos transnacionais como tráfibrasileiro deve estar apto a atuar confli- tecnológicas diversificados, para exercer a vigilância e a Quanto àsnos tendências com impacto na guerra na preparação do futuro, os cientistas e pesquisadores. co de drogas, armas ou pessoas. O emprego assimétricos XXI, nosprevisão, quais o apontou defesa Sobre da “Amazônia Azul”, além de manter naval, de difícil inicialmente para o acelerado as tendências para a guerra naval num tos futuro de 20 ou do Século elementos do Naval “inimigo” pode não ser um Estado organizaa segurança linhas marítimas de que comudesenvolvimento da robótica,de especialmente emPoder veículos não pode incluir mais anos,das o professor Pesce apontou as operações de combate também a fiscalização da pesca e a proteção do. Nos períodos de paz, deve ainda garantir nicação. Nosso país necessita de uma verRevista do Clube Naval • 366 15 dos recursos naturais e do meio ambiente, a presença do Brasil nas águas jurisdicionais dadeira Marinha oceânica, capaz de operar nas águas jurisdicionais de cada país. que constituem a “Amazônia Azul”, assim em toda a extensão do Atlântico Sul, assim como em outros oceanos. Para justificar a RCN 366 (Arte-final).indd 01.08.13 20:32:18 manutenção de 15 uma Marinha com capaciO Navio-patrulha dade oceânica, é preciso que suas unidades oceânico Araguari, efetivamente operem no exterior, em ações recentemente incorporado de emprego político do Poder Naval. ao 3º Distrito Naval Revista do Clube Naval • 368 9 O predomínio das “novas ameaças” em futuro imediato e dos conflitos assimétricos não elimina a possibilidade de conflitos interestatais, motivados por interesses nacionais em disputa. A escassez cada vez maior de recursos naturais vitais poderá motivar conflitos pela posse de tais recursos, em terra ou em áreas marítimas. No mar, poderão ocorrer ações de emprego de força, em decorrência de controvérsias a respeito de limites de jurisdição sobre a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e a Plataforma Continental, a fim de obter acesso ao petróleo ou a outros recursos naturais aí existentes. As possibilidades e tendências citadas terão que ser consideradas pelo planejamento estratégico de nossa Marinha. As tecnologias, os meios e os sistemas para a Guerra Naval, com aplicação no futuro imediato, já se encontram ou deverão estar em breve disponíveis. Fazendo uso de tais tecnologias, os meios atualmente em fase de obtenção para Marinha do Brasil provavelmente terão índice de nacionalização modesto, incorporando poucas inovações. Ainda assim, a perspectiva de encomendas regulares, durante um período de tempo relativamente longo, deverá facilitar a obtenção de uma economia de escala e contribuir para a capacitação dos diversos segmentos industriais de interesse do Poder Naval. A continuidade dos investimentos em programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de novas tecnologias com aplicação militar permitirá ao Brasil obter a desejada autonomia tecnológica, em setores estratégicos ligados à Defesa Nacional. Tais tecnologias podem ser consideradas críticas, pois delas depende o desenvolvimento de diversas outras. Algumas tecnologias são de duplo emprego (militar e civil), enquanto que outras podem servir de base ao desenvolvimento de aplicações civis, por meio do “arrasto tecnológico”. As indústrias de material de defesa são essenciais à renovação ou manutenção de uma capacidade industrial moderna e diversificada. Uma escolta (acima) e um navio de propósitos múltiplos (NPM), ambos previstos no PAEMB cronogramas e os quantitativos de meios previstos possam sofrer algumas alterações. Tais programas deverão ter continuidade a partir de 2032, quando estiverem disponíveis novas tecnologias aplicadas à Guerra Naval, que afetarão as características e o emprego dos meios operativos. O controle da informação, estando aí incluída a capacidade de Comando, Controle, Comunicações, Computadores e Inteligência (C4I), se tornará cada vez mais importante. Talvez possamos até falar numa “dissuasão pela informação”, do mesmo modo que, durante o período da “Guerra Fria”, se falava em dissuasão nuclear. A capacidade de empregar diferentes meios, para obter informação sobre possíveis adversários e de negar-lhes acesso à informação, poderá levar tais adversários a desistir de ações militares, optando por meios pacíficos para a solução de controvérsias. A capacidade de obtenção e negação de informação, à disposição da superpotência hegemônica, vem sendo amplamente ilustrada pela imprensa internacional. A Tecnologia da Informação (TI) aumenta de modo exponencial com inúmeras aplicações militares a capacidade de atuação de uma força que disponha de superioridade neste setor. O comando e o controle das forças tendem a se tornar mais complexos. Todos os componentes de uma força naval que opere dentro do conceito de “Guerra Centrada em Redes” (Network-Centered Warfare) estão interconectados, sendo capazes de se comunicar entre si em tempo real ou quase real, para trocar dados ou informações. Esta “rede” tanto pode incluir os navios de uma força-tarefa como uma Marinha inteira, ou até o conjunto completo das Forças Armadas de um país ou de uma coalizão. As redes e os sistemas se tornarão alvos compensadores, pois bastará desabilitá-los, por meio de ataques cinéticos (hard kill) ou eletrônicos e cibernéticos (soft kill), para incapacitar uma força. O emprego de redes distribuídas e descentralizadas possibilitará otimizar a estrutura das forças navais, e a ênfase tradicionalmente atribuída às plataformas tenderá a diminuir. Os submarinos, os navios de superfície e as aeronaves, assim como os meios de fuzileiros navais, constituirão “nós” de uma rede de dados integrada. Essa rede deverá ser capaz de continuar operando, mesmo degradada pela perda de um ou mais nós. A segurança da logística tende a se tornar mais complexa e difícil. Isto incluirá a proteção física da cadeia logística, constituída por depósitos de suprimentos; infraestrutura de transporte e distribuição; centros de manutenção e reparos; e fábricas de material. Entretanto, deverá incluir também a proteção da propriedade intelectual e do conhecimento. Os valiosos recursos humanos qualificados também devem ser preservados. poderão ser controlados de forma cooperativa, por diversos tipos de plataformas. Ataques remotos (inclusive empregando meios não tripulados) à distância se tornarão regra. Com a digitalização das forças, a rede de informações do inimigo se tornará alvo. A ênfase nas ações conjuntas e na integração resultará numa reestruturação das forças navais. Alguns componentes (como centros de comando e comunicações) que hoje se localizam em terra poderão funcionar a bordo de navios. Mísseis balísticos ou de cruzeiro de longo alcance, baseados em terra, poderão ser empregados para atacar alvos distantes no mar. O emprego de plataformas de sensoriamento remoto, baseadas no espaço ou no leito marinho, se tornará indispensável. Elementos da Força Aérea e do Exército terão maior participação nas operações em áreas marítimas no futuro. Em decorrência disso, deverão ser aperfeiçoados os mecanismos de integração das forças num Teatro de Operações (TO) marítimo, procurando manter estruturas leves e ágeis. Para triunfar nos combates da “guerra de informação”, haverá necessidade de pessoal altamente qualificado e motivado. Para um país como o Brasil, a formação e o aperfeiçoamento desse pessoal representarão enormes desafios. MEIOS E SISTEMAS DE ARMAS Entre as tecnologias inovadoras, de interesse do Poder Naval, estão incluídas: INFORMAÇÃO NA GUERRA NAVAL DO FUTURO Talvez tenhamos de falar em “controle da informação” no futuro do mesmo modo como falamos em controle de área marítima ou em superioridade aérea. Uma força naval que opere em rede poderá concentrar poder de fogo sem concentrar meios. Seus navios e submarinos poderão estar em pontos distantes de um oceano, ou mesmo em oceanos diferentes. Suas aeronaves sobrevoarão mares e continentes distantes, e seus satélites monitorarão o movimento das forças a partir do espaço. O disparo e a direção de tiro de mísseis e outros armamentos de longo alcance GUERRA NAVAL DO FUTURO As tendências para a evolução da Guerra Naval num futuro de 20 anos ainda não são claras, mas as mudanças que ocorrerão deverão se refletir também no Brasil. Até 2031, os projetos estratégicos de articulação e equipamento de nossa Marinha são aqueles que constam do PAEMB e do PAED, embora os valores gerais estimados, os 10 Revista do Clube Naval • 368 propulsão nuclear de navios e submarinos; sistemas de propulsão por supercavitação; microeletrônica; “frtividade” (stealth); sensoriamento infravermelho; guiagem precisa de mísseis e torpedos; satélites de vigilância e comunicação; supercondutores; novos materiais; e laser de alta energia. Em nosso país, o êxito no desenvolvimento das tecnologias, dos meios e dos sistemas para a Guerra Naval do futuro dependerá do acerto das decisões de curto e médio prazo que vierem a ser tomadas, para viabilizar a continuidade dos investimentos na renovação e ampliação do Poder Naval. Mesmo com restrições orçamentárias, os programas estratégicos de obtenção de meios e de P&D devem ser preservados. É desejável no futuro que os meios flutuantes de nossa Marinha sejam caracterizados pela versatilidade, simplicidade e robustez, assim como por um “custo de vida útil” compatível com a realidade orçamentária. Isto é igualmente válido com relação aos meios aéreos e de fuzileiros navais. Talvez uma maneira de conciliar quantidade e qualidade fosse adotar um “high-low mix”, constituído por um número limitado de meios sofisticados, capazes de desempenhar missões mais exigentes, apoiados por um número maior de meios mais simples, para missões menos exigentes. O papel dos submarinos, especialmente os dotados de propulsão nuclear, será ampliado no futuro. Armadas com mísseis e torpedos capazes de realizar ataques precisos contra alvos no mar ou em terra, tais unidades Revista do Clube Naval • 368 Concepção do submarino nuclear brasileiro e a comparação a um convencional 11 serão complementadas por veículos submarinos não tripulados (Unmanned Underwater Vehicles) para emprego em diversas missões. Operados a partir de navios de contramedidas, tais veículos já vêm sendo usados há algum tempo na remoção de minas. Os navios de casco convencional serão complementados por diferentes meios de superfície não convencionais. Isto incluirá navios multicasco, hidrofólios e embarcações de colchão de ar, além de veículos de superfície não tripulados (Unmanned Surface Vehicles). Além de aviões e helicópteros, os meios aeronavais disponíveis no futuro provavelmente incluirão veículos aéreos não tripulados (Unmanned Air Vehicles), assim como dirigíveis e outras aeronaves não convencionais. Conhecidos em português pela sigla VANT, veículos aéreos não tripulados de asa fixa ou rotativa, baseados em terra ou a bordo de navios, são atualmente empregados na vigilância marítima e em várias outras missões de apoio a forças navais. No futuro, sistemas aéreos de combate não tripulados (Unmanned Combat Air Systems) poderão até mesmo integrar os grupos aéreos embarcados nos navios-aeródromo (NAe) das principais Marinhas. Entre os meios empregados pelos fuzileiros navais já estão incluídos vários tipos de veículos terrestres não tripulados (Unmanned Land Vehicles), que são empregados em diversas missões, inclusive na localização e remoção de artefatos explosivos. O uso de meios não tripulados pelas Forças Armadas, em especial para desempenhar missões demasiadamente perigosas, longas ou cansativas, é uma tendência que tende a se ampliar. Os futuros armamentos e sistemas de armas incorporarão tecnologias de ponta, cujo desenvolvimento requer grande esforço e recursos consideráveis. Não devemos esquecer que o acesso a tais tecnologias, por países que não as possuem, costuma ser negado pelos países detentores desse conhecimento, lançando mão de diversos mecanismos. 12 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 OUTRAS CONSIDERAÇÕES Os investimentos na renovação e ampliação do Poder Naval brasileiro devem enfatizar a área de CT&I, num horizonte temporal de 20 anos ou mais. O êxito dessa iniciativa dependerá do acerto das decisões que vierem a ser tomadas nos próximos anos, para garantir a continuidade dos programas de P&D de longo prazo, assim como dos programas de médio prazo para a obtenção de meios. No futuro imediato, tais meios incorporarão tecnologias disponíveis ou em fase final de desenvolvimento, mas sua construção no país deverá contribuir para a consolidação da BID. A possibilidade de confrontações armadas entre Estados soberanos não desapareceu. A escassez de recursos naturais poderá resultar em conflitos interestatais, em terra ou no mar, pelo controle de tais recursos. No Século XXI, o Poder Marítimo continuará a desempenhar papel fundamental, uma vez que a economia mundial circula basicamente pelo mar. Ao Poder Naval, cuja “razão de ser” continuará a ser o emprego da força em combate, caberá garantir a segurança dos demais componentes do Poder Marítimo. Além dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais tradicionais, no futuro o Poder Naval contará com diversos outros componentes baseados em terra, no leito marinho ou no espaço, e o domínio da informação será cada vez mais determinante. Os meios e sistemas aplicados à Guerra Naval do futuro incorporarão tecnologias inovadoras, cujo desenvolvimento dependerá de recursos humanos qualificados, assim como materiais e financeiros. Para que países como o Brasil sejam capazes de atuar com independência no cenário internacional, será essencial que estes obtenham um grau razoável de autonomia estratégica, em setores de alta tecnologia ligados à Defesa Nacional. Em tal contexto, as tecnologias críticas de interesse naval ocupam lugar de destaque. A renovação do Poder Naval brasileiro, nos dois séculos anteriores foi um processo descontínuo, com períodos de expansão moderada e de encolhimento. Para construir um Poder Naval capaz de atuar em áreas marítimas distantes, na defesa da soberania e dos interesses nacionais no decorrer do século XXI, o Brasil terá que superar barreiras e restrições internas, assim como externas. No campo externo, é dificultado ao máximo o acesso de países ditos periféricos a novas tecnologias. Já no campo interno, o principal “gargalo tecnológico” talvez esteja associado à questão dos recursos humanos. No Brasil, faltam cientistas, engenheiros, técnicos e outros profissionais qualificados. Não apenas no nível superior, mas em todos os níveis, a melhoria da qualidade da educação em nosso país é mais que urgente. n *Pós-graduado em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPUERJ), colaborador permanente do Centro de Estudos Politico-Estratégicos da Escola de Guerra Naval (CEPE/EGN) e colaborador assíduo da Revista Marítima Brasileira, da revista Segurança & Defesa e do jornal Monitor Mercantil. 13 DEFESA BASE INDUSTRIAL DE DEFESA Armadas e subordinada diretamente ao Ministro da Defesa. Na Itália, Alemanha e Inglaterra a logística recebe atenção semelhante. Índia e África do Sul, países que formam conosco o IBAS, dão tratamento similar ao assunto8. A logística de defesa, no Brasil, ainda não é tratada no mesmo nível. Em geral, ficamos limitados ao “apoio logístico”, despendendo tempo e recursos em busca de sobressalentes descontinuados para equipamentos obsoletos, recebidos com os meios de combate obtidos em compras por oportunidade. A ABIMDE propõe, como medida prioritária, a criação de estrutura capaz de coordenar a logística de defesa em nível mais elevado. Tal estrutura centralizará a gestão dos programas estratégicos, integrando as MEDIDAS VIABILIZADORAS O Marcílio Boavista da Cunha* s associados do Clube Naval compreendem a importância da Base Industrial de Defesa (BID) e a necessidade de que ela cresça e assuma seu papel fundamental no desenvolvimento e na defesa do País. Esse entendimento é compartilhado pelo governo, pelo Congresso e pelos executivos das empresas e instituições da BID. Refletindo tal entendimento, o fortalecimento da BID tornou-se um dos objetivos comuns de documentos importantes do País1. Para que esse objetivo seja atingido, entretanto, uma série de medidas viabilizadoras precisa ser tomada pelo governo e pela sociedade em geral. Uma medida viabilizadora importante foi tomada em 2012, com a lei que estabelece normas especiais para compras, contratações e desenvolvimentos e dispõe sobre incentivos à área estratégica de defesa2. Nova medida ocorreu recentemente, com a formalização da Comissão Mista da Indústria de Defesa (CMID)3. Medidas viabilizadoras complementares são necessárias. A Associação Brasileira de desejada da BID e o plano de carga estimado para a indústria nacional. Medidas de menor prioridade abordam a criação de instrumentos e mecanismos para o acompanhamento da BID, sua avaliação e identificação de dificuldades, distorções e problemas. Outras tratam de legislação para correção dos problemas identificados e do apoio aos centros de estudo de defesa e inteligência estratégica. As últimas medidas relacionadas à gestão governamental propõem a criação da carreira profissional de gestão de defesa, com funcionários de alta qualificação e dedicação exclusiva, para atuar junto com os profissionais da carreira militar nos processos de desenvolvimento e obtenção de meios, a priorizarem a produção nacional. A proteção contra a importação “inocente” requer a definição de regras claras a serem incluídas nos contratos de compra de produtos e sistemas do exterior, com exigências de conteúdo nacional, de garantia de manutenção e abastecimento de consumíveis e sobressalentes, por toda a vida útil, e de compensação tecnológica, industrial e comercial, como estabelecido em Lei. É proposta, ainda, a criação de mecanismos e normas governamentais que promovam a exportação e orientem militares, servidores públicos e governantes a participar e contribuir na conquista de clientela estrangeira para os produtos nacionais, como fazem nos países desenvolvidos. A assi- Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) editou um livreto 4 reunindo cerca de sessenta medidas, organizadas em dez temas5. Os principais temas e medidas da proposta da ABIMDE, comentados a seguir, apontam o caminho que está sendo seguido pela BID para assumir, fortalecida com o apoio do Governo, suas responsabilidades. GESTÃO GOVERNAMENTAL O governo investe na reestruturação de sua área de defesa, atendendo às determinações da Constituição e Leis Complementares e às orientações da Estratégia Nacional de Defesa. O próprio Ministério da Defesa está sendo preparado para gerenciar a defesa tanto na área operacional quanto na área logística6. Não é difícil entender que a Defesa requer capacidade operacional equilibrada com a capacidade logística. Esse entendimento é comum nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, fruto, provavelmente, da amarga experiência de guerra que muitos vivenciaram. A logística de defesa, na França, é de responsabilidade da Direção Geral do Armamento (DGA)7, organização fora do controle das Forças 14 capacidades hoje distribuídas entre os Ministérios da Defesa, da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e os Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Recomenda, ainda, a elaboração de um plano integrado de investimentos de longo prazo, que leve em consideração, não só as necessidades em meios, sistemas e produtos (como o atual Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa – PAED), mas também, o orçamento disponível para investimento e custeio, a capacidade 9 Revista do Clube Naval • 368 sistemas e produtos de alta complexidade ou valor. MERCADO INTERNO E MERCADO EXTERNO A Constituição estabelece, em seu Artigo 219, que o mercado interno integra o patrimônio nacional, e que sua exploração deve visar o desenvolvimento, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País. A melhor forma de atender a essa determinação é criando legislação objetiva, tipo “Compre Brasil”, que instrua, oriente e motive os responsáveis Revista do Clube Naval • 368 natura de acordos bilaterais facilitará a venda de governo a governo, atendendo àqueles países desejosos de comprar produtos de defesa e segurança do Brasil que, porém, exigem uma “garantia do Estado”. A promoção comercial por meio de visitas de Estado, com o convite às empresas de defesa para participar das comitivas oficiais do Governo brasileiro em visita ao exterior e da recepção a comitivas estrangeiras em visita ao Brasil, é uma medida eficaz. A compra de material de defesa é assunto de Estado e dificilmente será tratada em visitas 15 de caráter exclusivamente comercial. Uma série de medidas trata de assuntos mais conhecidos, como: o credenciamento das Empresas Estratégicas de Defesa (EED); a participação da União no capital dessas empresas; a blindagem à sua desnacionalização; o aumento da qualidade e da competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional; o apoio ao produto exportado; a estrutura de inteligência capaz de identificar oportunidades e desafios; a proteção às empresas e instituições nacionais frente a contenciosos no comércio internacional; e a extensão, aos setores de segurança pública, da legislação e dos conceitos aplicados aos produtos e às empresas do setor de defesa. ÁREA TRIBUTÁRIA E ÁREA FINANCEIRA A maior prioridade foi atribuída ao desenvolvimento de programa de divulgação das ações em curso destinadas a garantir isonomia fiscal e tributária para os produtos estratégicos de defesa e segurança, como a criação e regulamentação do Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID). Tal isonomia impedirá que os itens de produção nacional, especialmente nas compras feitas pelo Governo brasileiro, continuem sendo inexplicavelmente mais gravados que os itens importados. Desoneração fiscal e tributária, especialmente a relativa à folha de pagamento das empresas, é outro ponto abordado. Com essa desoneração será possível dar maior proteção e competitividade ao setor que depende extraordinariamente de mão-de-obra especializada, aplicada em produtos com longos ciclos de desenvolvimento, e que, em geral, não conta com encomenda regulares. O comprometimento de recursos orçamentários de longa duração, plurianuais e em volumes compatíveis com as necessidades nacionais de investimento em programas de defesa e segurança é o objetivo a alcançar com o aperfeiçoamento da legislação orçamentária10. Medidas complementares propõem: a migração dos programas de investimento do Ministério da Defesa para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); a definição de novas fontes de recursos para financiamento; a criação de linhas especiais de crédito 11; a formulação de processos expeditos de cobertura de garantia do seguro de crédito à exportação, como previsto em lei; e o reconhecimento do acervo defesa tecnológico das empresas de defesa, como um bem a ser oferecido em contragarantia nas operações financeiras do Governo, com a justificativa de que o maior patrimônio dessas empresas é o sofisticado conhecimento por elas acumulado. CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E RECURSOS HUMANOS Medida prioritária aponta a necessidade de ampliação dos esforços de formação, treinamento, especialização e reciclagem de recursos humanos. Cobre os estágios e cursos de nível superior e médio, no país e no exterior, nas especialidades essenciais ao projeto, pesquisa, desenvolvimento, inovação, produção e manutenção de produtos de defesa e segurança. A atualização da Política de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Defesa Nacional, sua aprovação pelo Legislativo federal, e a edição dos instrumentos normativos decorrentes é esperada com ansiedade. Investimentos em capacitação para a defesa não estão sujeitos às regras restritivas da Organização Mundial do Comércio (OMC), e, usados corretamente, podem se tornar importantes e eficazes instrumentos políticos. Medida especial trata dos chamados “Programas Mobilizadores”, aqueles capazes de arregimentar e aglutinar o potencial necessário ao desenvolvimento de novos e sofisticados produtos e tecnologias. Esses programas são, normalmente, compostos por um conjunto articulado de projetos, conduzido cooperativamente por empresas e instituições12. Outras medidas referem-se: • à necessidade de preservação da capacitação científica e tecnológica conquistada e de gerenciamento do conhecimento acumulado no País; • à importância da oferta de estágios, tanto para pessoal das empresas e instituições da BID nas organizações públicas13, quanto para servidores de órgãos públicos e estudantes nas empresas e instituições da BID; e • ao valor da integração entre os órgãos de pesquisa e desenvolvimento14. CADEIA PRODUTIVA, LOGÍSTICA E MOBILIZAÇÃO Os produtos de defesa e segurança utilizam materiais sofisticados, tecnologias modernas e serviços especializados, fornecidos por um grande número de empresas e instituições. É preciso identificar esses participantes da cadeia produtiva, integrá-los, protegê-los e avaliá-los continuadamente, tanto em seus desempenhos quanto em suas competências. A constituição de comitê permanente, com membros experientes e compromissados, destinado a realizar o acompanhamento da cadeia produtiva da BID, estabelecerá bases sólidas para sua integração e para o aperfeiçoamento de políticas públicas para o setor. É importante a criação de mecanismos que garantam, aos componentes da BID, acesso às estruturas destinadas aos testes e avaliações de produtos, à certificação e metrologia oficiais, à catalogação e à homologação e certificação de produtos, com credibilidade no mercado internacional. O fortalecimento do sistema nacional de logística de manutenção, reparo e assistência técnica especializada em produtos de defesa é essencial para que os meios de combate das Forças alcancem a condição de pronto emprego. Assim como o preparo da mobilização de material, serviços e pessoal, respeitando os anseios do Estado brasileiro e as possibilidades e interesses da BID. SALVAGUARDAS E CERCEAMENTO TECNOLÓGICO Países detentores de tecnologias avançadas exercem forte controle sobre o fluxo de conhecimentos, alegando diversas razões. Costumam declarar que agem para prevenir a proliferação de armas de destruição em massa, mas se beneficiam, muito, ao manter supremacia tecnológica e proteger sua própria base industrial. Os países vítimas desse cerceamento são prejudicados em seu desenvolvimento e sofrem incalculáveis prejuízos. Uma das medidas viabilizadoras propõe a criação de estrutura capaz de registrar os casos de cerceamento sofridos pelas instituições e empresas brasileiras, de analisá-los, de estimar os prejuízos causados ao País e de propor eventuais processos de indenização e retaliação aplicáveis. Foram incluídas, por fim, medidas sobre salvaguardas. Em resumo, sugere-se o estabelecimento de responsabilidades para os envolvidos na guarda de informações sensíveis. Propõem-se, também, a criação de estrutura que se encarregue, em nome do Estado brasileiro, da supervisão dos compromissos internacionais no que diz respeito à transferência de tecnologias sensíveis e às suas salvaguardas. n *Vice-Almirante (Ref-EN) • Membro do Conselho Consultivo da ABIMDE. 16 BASE INDUSTRIAL DE NOTAS Como a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END), o Livro Branco da Defesa Nacional (LBDN), o Plano Brasil Maior (PBM) e a Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID). 2 Lei n° 12.598, de março de 2012, regulamentada pelos Decretos n° 7.970 e n° 8.122, de 2013. 3 Pela Portaria n° 2.640-MD, de 10 de setembro de 2013, a CMID tem a finalidade assessorar o Ministro em processos e proposições relacionados à indústria nacional de defesa, e é composta por representantes do MD, do CM, do CEx, do CAer, do MF, do MDIC, do MCTI e do MPOG. 4 Textos disponíveis em http://www.abimde.org.br/ medidas_viabilizadoras.pdf 5 Os temas propostos pela ABIMDE são: Gestão Governamental, Mercado Interno, Mercado Externo, Área Tributária, Área Financeira, Recursos Humanos, Ciência, tecnologia e Inovação, Cadeia Produtiva, Logística e Mobilização, e Salvaguardas e Cerceamento Tecnológico. 6 Lei Complementar n° 97/2009, alterada pela de n° 136/2010, Artigos 11 e 11-A, prevê o “planejamento do emprego conjunto das Forças Armadas” e a “formulação de política e diretrizes referentes aos produtos de defesa empregados nas atividades operacionais”. 7 Com um efetivo de mais de dez mil servidores, a DGA é responsável pela logística de defesa e gestão dos meios e sistemas das Forças Armadas. 8 A Índia tem dois setores na logística de defesa: um cuida da área produtiva e outro, da pesquisa e do desenvolvimento. A África do Sul conta com a organização ARMSCOR (The Armaments Corporation of South Africa), entidade pública responsável por todas as atividades ligadas aos ativos de defesa. 9 Capacidade industrial, científica, tecnológica, de infraestrutura e de apoio logístico. 10 Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Orçamento Plurianual de Investimentos (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). 11 Tanto para ciência, tecnologia e inovação, quanto para desenvolvimento pré-competitivo, investimento produtivo e internacionalização de empresas. 12 Como exemplo, os programas de desenvolvimento da Aeronave de Transporte Militar KC-390, do Sistema de Vigilância da Fronteira (SisFron), do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), além dos programas nuclear e espacial brasileiros. 13 Organizações de pesquisa, desenvolvimento, teste, avaliação, engenharia, estudos estratégicos e gerenciamento de produtos de defesa, especialmente as das Forças Armadas. 14 Promovendo a realização de projetos cooperativos, utilização compartilhada de laboratórios, redução da duplicidade de esforços, disseminação do conhecimento, organização de redes temáticas e objetividade no atendimento às reais necessidades do setor. 1 Revista do Clube Naval • 368 DEFESA DESENVOLVIMENTO NACIONAL: A CONTRIBUIÇÃO DA ROCKWELL COLLINS DO BRASIL O Legacy 500 Fernando Ykedo* A Rockwell Collins do Brasil (RCB) é uma empresa brasileira que muito contribui para o desenvolvimento nacional. Pertence ao grupo Rockwell Collins Inc., pioneira no desenvolvimento e emprego de soluções inovadoras de comunicações e eletrônica, tanto para aplicações comerciais em aviação quanto para emprego militar. A RCB está presente no Brasil desde 1974, ano em que foi criada e iniciou suas operações no Rio de Janeiro. Atualmente está localizada em São José dos Campos, principal polo aeroespacial brasileiro, a partir de onde Revista do Clube Naval • 368 também provê todo o apoio e manutenção dos equipamentos eletrônicos para suportar as operações de seus clientes civis e militares em todo o território nacional através do seu Centro de Serviços, o único em toda a América Latina. A empresa se orgulha de fazer parte da pujante história da indústria aeronáutica brasileira. Afinal, o pioneiro avião Bandeirante, primeiro turboélice desenvolvido pela Embraer, já contava com os rádios da Rockwell Collins, mantidos até hoje pela RCB. E diversas outras aeronaves projetadas e 17 produzidas no Brasil levam os equipamentos e sistemas de navegação e comunicação da empresa, entre os quais o treinador Tucano, o turboélice Brasília e o avião de ataque e treinamento avançado Super Tucano. A Rockwell Collins do Brasil está presente também nos modernos jatos em desenvolvimento pela Embraer, através do seu sofisticado sistema aviônico, o Pro Line Fusion®, que integra os mais avançados sistemas de comunicação, navegação e vigilância. Equipa o jato executivo Legacy 500 (e posteriormente seu derivativo, o Legacy 450) e A Pro Line Fusion® também fará parte da cabine de pilotagem do cargueiro e reabastecedor da Força Aérea Brasileira, o EMBRAER KC-390. Este será o maior avião já projetado pela indústria aeronáutica brasileira e é considerado um dos mais importantes projetos estratégicos de Defesa do país. Não se pode deixar de mencionar a sua presença na Aviação Naval da Marinha do Brasil, bem como nas aeronaves de asas rotativas fabricadas ou modernizadas pela Helibras, incluindo os rádios Talon selecionados recentemente pela Aviação do Exército para ser o sistema de comunicação tática padrão da Aviação, garantindo pela primeira vez a comunicação segura entre seus helicópteros e suas tropas em solo. A estratégia da Rockwell Collins do Brasil é muito simples. Há quatro décadas radicada no Brasil, ela é uma empresa brasileira com o diferencial de ter acesso privilegiado a tecnologias americanas de última geração, produzindo localmente e provendo suporte local aos seus clientes, gerando emprego e renda no Brasil, com corpo técnico e de gestão composto por brasileiros e futuramente realizando atividades de pesquisa e desenvolvimento, bem como atividades mais amplas de engenharia no Brasil. Muito já tem sido feito nesse sentido: a Rockwell Collins do Brasil tem sido presidida por brasileiros desde a década de 1980; apresentou crescimento do seu quadro funcional de 35% nos últimos dois anos, adicionando lideranças e profissionais nas áreas de gerenciamento de projetos, desenvolvimento de negócios , engenharia de municação desenvolvido pela então Collins Radio – atual Rockwell Collins –, que permitiu a transmissão desse histórico feito entre o módulo lunar e a estação terrestre. Como uma inovadora empresa de engenharia e de tecnologia, ela é uma grande incentivadora da educação com foco em ciências exatas nas comunidades em que está inserida. E, recentemente, a Rockwell Collins do Brasil deu as boas-vindas ao estagiário Guilherme Campos Camargo, que se encontra nos Estados Unidos através do Programa Ciência Sem Fronteiras do Governo Federal. Ele está trabalhando com um time de engenheiros da Rockwell Collins e da Rockwell Collins do Brasil, e também com um time da Embraer responsável pelos testes do sistema aviônico do KC-390, onde está aprendendo a disponibilizar ao piloto as informações na também atende à área de Defesa. Dessa forma, esses produtos podem ser customizados e adaptados para atender às necessidades operacionais das Forças Armadas brasileiras, contribuindo para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa através de parcerias, produção e desenvolvimento locais. Soluções de comunicação e eletrônica ambiente favorável à absorção de conhecimento e sua aplicação no desenvolvimento de novos produtos e novas tecnologias. A empresa está chegando a 40 anos de presença no Brasil e iniciando uma nova fase no país, através de forte expansão e investimentos, de forma a fortalecer também a sua presença no mercado de defesa brasileiro. O KC-390 em operação de reabastecimento e sua cabine de pilotagem Por conta de produtos e serviços já contratados em projetos de elevada importância estratégica para o país, e em consonância com as principais diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa, a Rockwell Collins do Brasil reitera seu compromisso de continuar sendo um parceiro de confiança do Ministério da Defesa e das Forças Armadas brasileiras, bem como das principais empresas brasileiras atuantes no setor. Afinal, construir confiança todos os dias é o seu lema. Para mais informações, acesse: www. rockwellcollins.com.br n vendas e engenharia de sistemas – somando atualmente cerca de 40 funcionários; seu Centro de Serviços vem expandindo sua atuação e aumentando as capacidades para reparo de novos equipamentos – hoje são reparados mais de 500 tipos de equipamentos –, através de novos investimentos e de um corpo técnico brasileiro altamente especializado; e a montagem final, teste e reparo de 18 rádios de alta freqüência aeroembarcados, bem como a futura produção dos displays e caixas de controle da aviônica Pro Line Fusion®, tudo no Brasil. Como curiosidade, a célebre frase “um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade” de Neil Armstrong, o primeiro homem a pousar na Lua, foi ouvida na Terra graças a um sistema de coRevista do Clube Naval • 368 cabine de pilotagem necessárias em suas mais diversas fases do voo. A Rockwell Collins do Brasil estabeleceu ao longo desses últimos anos uma sólida reputação e referência no mercado, com serviços de suporte ao cliente e soluções eletrônicas para aviação para o demandante mercado aeronáutico. Seu amplo e rico portfólio de produtos e serviços, no entanto, Revista do Clube Naval • 368 de superfície para atender às forças terrestres e navais, tais como sistemas de guerra eletrônica, sistemas de vigilância marítima e de proteção de fronteiras, além de sistemas de simulação e treinamento, são exemplos de áreas em que a Rockwell Collins do Brasil pode exercer um importante papel de empresa brasileira com acesso a tecnologias de ponta e de última geração, permitindo um 19 *Fernando Ikedo é brasileiro, engenheiro eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), com MBA em gestão de negócios pelo ITA/ESPM, membro do Conselho Consultivo da ABIMDE (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança), e diretor de desenvolvimento de negócios da Rockwell Collins do Brasil. DEFESA BASE INDUSTRIAL DE DEFESA Essa nova estrutura de defesa tem também por motivação capacitar todos os recursos humanos necessários para o bom funcionamento das Forças Armadas, bem como a 13ª Diretriz da END e, para acontecer, se faz necessária a presença de líderes capacitados nos teatros de operações, sejam estes de crise ou não. Antecedentes A lei complementar nº 97, de 9/6/1999 dita regras gerais para organização, preparo e emprego das nossas Forças Armadas, revogou a lei complementar nº 69, de 23/7/1991, sobre as mesmas disposições, e teve como consequência a criação do Ministério da O Líder Militar e a 13ª Diretriz da Principais implicações da Estratégia Nacional de Defesa e da 13ª Diretriz da Estratégia Nacional de Defesa A END foi pautada tendo também por missão o auxílio à política externa do Brasil, principalmente no quesito das Forças Armadas e sua atuação, seja ela em fronteiras nacionais, através do monitoramento/controle, da grande capacidade de mobilidade e da presença das mesmas, ou em missões de peacekeeping, que o Brasil participa atualmente e participou no passado. Tendo também por objetivo auxiliar a garantia da lei e da ordem temos como implicação principal nestas áreas, política externa e interna, o aumento efetivo da segurança nacional e da manutenção da paz em território nacional. A execução da END no tangente ao aumento da mobilidade para responder prontamente qualquer ameaça ou agressão, através da capacidade de se chegar de maneira expedita e com alto nível de destreza no percurso, acaba por implicar num aumento sensível do poder dissuasório da nação brasileira, uma vez que estará os anseios nacionais ao desenvolvimento do país, anseios tais, fortemente atrelados à Estratégia Nacional de Defesa. A liderança militar A liderança muitas vezes é definida por ser o processo de influenciação de pessoas para alcançar um objetivo específico ou diversos. Às vezes sendo indispensável para o funcionamento de vários setores da economia, mas certamente indispensável para as Forças Armadas, vem há tempos sendo estudada e aprimorada em suas teorias, resultando num engrandecimento de conhecimento de extrema utilidade e eficiência na contemporaneidade. O líder militar, no entanto, precisa de características que vão bem além das necessárias em qualquer outro setor, uma vez que esse tipo diferenciado de líder tem que encarar adversidades das quais não bastam apenas conhecer teorias de liderança ou buscar as virtudes necessárias a um líder. É primordial para ele, que haja um comprometimento inabalável com sua instituição e a motivação de tentar se superar periodicamente, e isso é plenamente Conclusão Estratégia Nacional de Defesa A real execução de um plano, estratégia ou mesmo tática impõe o treinamento e o preparo que antecedem a sua prática, e nessa parte o líder se encaixa, sendo o preparador de seus subordinados e de si próprio, para conquistar os objetivos de sua instituição. Ao ser supervisor e incentivador, o líder militar consegue atingir não só as metas prédeterminadas mas também motivar seus homens, o que torna palpável a END por completo. n Trabalho vencedor do concurso do Clube Naval Liderança • 2013 Pedro Henrique de Barros Moraes* A Estratégia Nacional de Defesa (E N D), aprovada em 2008 lei 6703/, de 18/12/2008, para reorganizar, reorientar , determinar os rumos do desenvolvimento militar, político e estratégico nacional. Visa propiciar que o Brasil possa exercer com excelência seu papel no cenário internacional e de constante ascendência no mesmo. Planejado sob a égide das tradições e costumes brasileiros, que se mostram e continuam se mostrando pacíficos desde seus primórdios como nação consolidada, a END tem como objetivo alcançar/cumprir o PDN (Plano de Defesa Nacional), o qual vislumbra a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial¹ e outros objetivos como a estruturação das Forças Armadas. 20 e pela real significância da liderança militar não abrangida por ela, é peça fundamental no cumprimento da Estratégia Nacional de Defesa e sem dúvida importantíssimo para realizar a 13ª Diretriz, uma vez que é exigido por ela um alto nível de dedicação profissional, que somente um líder capaz de motivar suas tropas consegue fazer seu grupo atingir. Sem o supervisionamento e orientações adequadas, também se torna inviável para qualquer fração de homens cumprir objetivos e metas, em especial as que tratam do aprimoramento intelectual e tático de grupos para a defesa da pátria. Um comando inadequado, um estilo de liderança não compatível com a situação conjuntural, ou mesmo qualquer outro fator que possa influir para uma má gestão dos recursos humanos disponíveis, deixa de ter um bom rendimento, visto que o líder não consegue gerir as frustrações do grupo ou mesmo controlar o estresse, para que este último esteja em estado ótimo², quando a eficiência do grupo é máxima. A presença do indivíduo capaz , como chefe militar, é de importância ainda maior quando se tratam de áreas peculiares onde são encontradas dificuldades acima das usuais, lugares como fronteiras ou mesmo regiões de risco de morte, que necessitam da presença militar. Essa necessidade é exaltada na 13ª Diretriz da END. Notas Defesa, em substituição aos ministérios de cada Força Armada. Através dela subordinouse todas as forças a um comando de um ministério único com maior facilidade em auxiliar o Comandante Supremo das Forças Armadas na tomada de decisões atinentes em seu mais alto nível, na Defesa Nacional. Revista do Clube Naval • 368 plenamente preparada para adversidades. É válido ressaltar que uma maior atenção ao setor de produção bélica, seja ele de alta tecnologia e desenvolvimento de projetos estratégicos ou de guerra convencional, estimula o crescimento da economia brasileira e também faz cumprir Revista do Clube Naval • 368 exigido dos líderes militares brasileiros. A influência do líder militar capacitado no cumprimento da 13ª Diretriz da Estratégia Nacional de Defesa O líder militar brasileiro capacitado, isso é, dentro das conformidades exigidas pela lei 21 Referência à Presidência da República, Decreto nº 6703, de 18/12/2008 – Citação parcial do documento. 2 Referência ao Livro “Liderança Militar”, General Belchior Vieira p. 75 1 *Aspirante da Escola Naval. HISTÓRIA NAVAL OS SUBMARINOS DO BRASIL DOS PRIMÓRDIOS ATÉ O SUBMARINO NUCLEAR Trabalho vencedor do concurso do Clube Naval • História • 2013 João Herbert Pontes Teixeira* Dissuasivo por si, um submarino é uma excelente e imprescindível arma de guerra, e com o desenvolvimento tecnológico que toma conta do mundo atual. Essa arma se torna cada vez mais sofisticada e capaz de preservar sua ocultação com sucesso. Novos sensores e armamentos frequentemente ratificam o poder de um submarino, porém, o que está em pauta no momento nas discussões de estrategistas grupo de apenas seis países que dominam m acordo firmado entre Brasil e autoridades civis e militares a tecnologia nuclear em suas marinhas. e França promete a construção Porém, a história dos submarinos na de quatro novos submarinos da área de defesa nacional, Marinha do Brasil remonta a um período convencionais e um submarino é a questão da construção do anterior, e antes de falarmos sobre o primeiro nuclear, todos da classe Skorpéprimeiro submarino nuclear submarino nuclear brasileiro, devemos pasne, além da construção de um brasileiro. Um projeto adorme- estaleiro e uma base naval em Itaguaí, no sar por seus precursores. Rio de Janeiro. Esse acordo, estabelecido cido desde a década de 1970 História dos submarinos através de transferência de tecnologia frandespertou agora com todo na Marinha do Brasil cesa para o Brasil, possibilitará um grande vapor, e o desenvolvimento e qualitativo aperfeiçoamento dos profissioQuem iniciou a discussão sobre aquisinais envolvidos no projeto e a autonomia ção de submarinos pela Marinha do Brasil do submarino nuclear já brasileira no que tange a um futuro desenfoi o então Primeiro-Tenente Felinto Perry é uma realidade nacional. volvimento de novos submarinos e outros que, em 1891, iniciou uma campanha para U meios navais movidos a energia nuclear, além de grande mudança no cenário de defesa nacional, insere o Brasil no seleto aquisição de submarinos para o Brasil. Seus trabalhos, publicados nos periódicos da época, foram motivos de reflexão e de ampla discussão, despertando o interesse público e motivando a alta administração naval. Passados 13 anos, o Ministro dos Negócios da Marinha, Almirante Júlio César de Noronha, incluía três submersíveis no Programa de Construção Naval, em 1904. O início da vida dessa nova categoria de navios na MB se concretizou em 1911, quando o Ministro da Marinha, Vice-Almirante Joaquim Marques Baptista de Leão, criou a Subcomissão Naval na Europa, em La Spezia, Itália, para fiscalizar a construção de três submersíveis encomendados ao Governo Italiano. Foi nomeado para o cargo de Chefe dessa Subcomissão o então Capitão-de-Corveta Felinto Pery. Esses submarinos, de origem americana, eram dotados de equipamentos e sistemas muito mais avançados do que aqueles até então conhecidos pelos nossos submarinistas. A Flotilha de Submarinos passou a ser chamada de Força de Submarinos em 1963. Foram adquiridos nos anos 70, junto aos EUA, sete submarinos da classe Guppy (Greater Underwater Propulsion Power) e o Navio de Salvamento Submarino Gastão Moutinho (K10). Posteriormente foram construídos na Inglaterra, três submarinos da classe Oberon, que eram mais modernos do que os da classe Guppy. S32 Tapajós entrando no dique do AMRJ Foi introduzido no Brasil com os submarinos Guppy o sistema de esnorquel, que permite renovar o ar ambiente, recarregar as baterias e os grupos de ar comprimido com o submarino imerso. O primeiro submarino brasileiro a operar esse sistema foi o Rio Grande do Sul. http://www.naval.com.br/blog/wp-content/ uploads/2009/03/humaita.jpg Foi na década de 80 que ocorreu o início da busca brasileira pela auto-suficiência para projetar e construir submarinos e na capacitação de nossa Marinha para o salvamento de submarinos sinistrados. Ainda nessa década o contrato assinado com o estaleiro alemão HDW iniciou a capacitação técnica brasileira para a construção do primeiro submarino no Brasil. Fruto desse contrato engenheiros e técnicos de diversos setores realizaram estágios no HDW, acompanhando a construção do submarino Tupi (S30), incorporado em 1989. A construção do primeiro submarino totalmente construído no Brasil ocorreu na década de 90, com a construção e incorporação, em 1994, do Submarino Tamoio (S31). Consolidados os conhecimentos e a capacidade para a construção de submarinos, a Marinha do Brasil decidiu incrementar o seu Programa de Reaparelhamento, com a construção dos submarinos da classe Tikuna, selando a independência tecnológica na área de projeto e de construção desse tipo de navio. http://www.naval.com.br/blog/wp-content/ uploads/2009/03/tikuna-s34.jpg O país então pôde pensar em projetar seu submarino de propulsão nuclear para melhor equipar sua Marinha e aumentar seu poder de dissuasão e negação do mar territorial. Assim tiveram origem os programas brasileiros para projetar e construir um submarino de propulsão nuclear, que serão apresentados de forma mais detalhada devido a sua magnitude e importância para o Brasil. Programa Nuclear Brasileiro Recebe o nome de programa nuclear brasileiro o projeto estatal de obtenção 22 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 23 de energia elétrica a partir de usinas cujo combustível que as sustentam é a energia nuclear, obtida a partir da fissão do átomo de urânio ou plutônio. Desde a sua implantação, o projeto esteve envolto em polêmica, tanto pelo fato do combustível atômico ser potencialmente danoso à natureza e ao homem por sua alta radioatividade, mas também pelos atrasos de cronograma, paralisação e certo mistério por parte das autoridades quanto a diversos aspectos dos projetos. O Programa Nuclear Paralelo teve início em 1979, desenvolvido pela Marinha e apoiado pelo IPEN/CNEN-SP com o objetivo de desenvolver um submarino de propulsão nuclear. O objetivo do programa era assegurar ao país o domínio completo do ciclo do combustível nuclear, preferencialmente através do uso de tecnologias desenvolvidas no país. As três armas dedicaram-se a opções diversas, mas só a Marinha pareceu estar em condições de realizar atividades em escala industrial. http://infosurhoy.com/cocoon/saii/ images/2010/05/28/photo1A.jpg PROSUB O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) é um empreendimento naval que, por meio da parceria com a estatal francesa DCNS e a empresa privada brasileira Odebrecht estão tornando possível o sonho de o Brasil projetar submarinos convencionais e nucleares, em território nacional. O reaparelhamento da Marinha do Brasil avançou neste ano com a abertura da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), inaugurada pela presidente Dilma Rousseff, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, em março. A UFEM, que faz parte do PROSUB, é uma das células de fabricação do primeiro submarino brasileiro de propulsão nuclear e de mais quatro submarinos convencionais diesel-elétrico. O PROSUB é o maior contrato militar internacional do Brasil e envolve recursos da ordem de 6,7 bilhões e a geração de cerca de 40 mil empregos diretos e indiretos. A Marinha contratou para execução do PROSUB a francesa Direction des Constructions Navales et Services (DCNS), uma das líderes mundiais na área de construção naval, que, por sua vez, se associou à Odebrecht para formar a Itaguaí Construções Navais (ICN), consórcio responsável pela construção dos submarinos. Atualmente, para proteger o território marítimo nacional, a Marinha conta com cinco submarinos, segundo o Ministério da Defesa. O PROSUB é uma das ações que integram o Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM), que visa adequar os atuais meios operacionais às novas demandas do país. movido a diesel que carregam as baterias que alimentam o navio. Essa energia gerada é responsável por recarregar as baterias do submarino (que compõem a parte da propulsão elétrica). Na ocasião do descarregar das baterias, o submarino necessita ascender à cota periscópica, onde fica numa condição de vulnerabilidade, para poder fazer a troca dos gases, atividade conhecida como esnorquel, onde o submarino coleta ar puro da atmosfera para que este seja utilizado no processo do motor a diesel. Propulsão Nuclear O reator nuclear consiste, basicamente, na transformação da energia térmica em energia cinética. O reator gera diversas reações com o urânio enriquecido e devido à agitação das partículas, a energia térmica formada serve para aquecer a água. Os elementos utilizados nessa parte do processo são: reator, pressurizador, bomba de circulação e gerador de vapor. Depois, o vapor d’água formado é usado para movimentar as turbinas, e assim, é gerada a propulsão ao submarino. Logo após, o vapor é condensado e a água formada (já em estado líquido) volta para dar continuação ao ciclo, os elementos usados para o processo são: turbina auxiliar, gerador auxiliar, condensador, gerador de propulsão, bomba de extração, bomba de resfriamento, painel de propulsão e turbina de propulsão. Esse tipo de processo proporciona que o reator funcione constantemente, sem necessidade de interromper a geração de energia do submarino por um longo período de tempo o que, consequentemente, faz com que o submarino tenha capacidade de permanecer alimentado por muito mais tempo sem necessidade de subir a superfície para recarregar as baterias, como no convencional. Dessa forma, as limitações do submarino nuclear se tornam apenas a fadiga humana e a quantidade de gêneros alimentícios a bordo. Isso o torna mais eficiente do que o submarino convencional. Escolha do Modelo Francês Efetuando o acordo com a França, o Brasil encontrou algumas vantagens para a produção dos novos submarinos convencionais e nuclear. No caso específico dos convencionais, vários de seus elementos, tais como casco e sensores são compatíveis, ou até mesmo derivados, do submarino nuclear. Um dos lados positivos disso será, por exemplo, a familiarização do pessoal com o novo modelo nuclear, que poderá se iniciar mesmo estando a bordo dos novos convencionais. Outro detalhe importante é a certeza do bom desempenho dos submarinos nucleares franceses, que ao longo dos anos foram se mostrando excelentes máquinas de guerra em constante operação. O acordo com a França inclui também parcerias e facilidades na construção do estaleiro e da nova base de submarinos em Itaguaí, no Rio de Janeiro. Porém, a principal vantagem é a disponibilidade da França de transferir para o Brasil a tecnologia necessária para a construção do submarino nuclear, o que provavelmente 24 não aconteceria se o acordo fosse fechado com outro país. Com essa transferência, o Brasil passa a ter autonomia na construção de possíveis outros submarinos nucleares, além de evoluir sobremaneira a capacitação técnica de seus profissionais e gerar milhares de empregos. Diferenças entre submarino nuclear e convencional Podemos destacar entre os submarinos nucleares e convencionais, significativas diferenças que de maneira contundente reafirmam a importância de se investir nesse, que provavelmente é nos dias atuais, o meio bélico mais letal existente. A principal diferença entre os dois tipos de submarino é quanto a sua propulsão. Os submarinos convencionais são caracterizados pela propulsão diesel-elétrica, onde a energia é gerada por meio de um motor Revista do Clube Naval • 368 O tempo de duração até que suas baterias descarreguem é proporcional a alguns fatores como a velocidade, a profundidade e o uso dos diversos sistemas de bordo, como por exemplo, o de detecção. Um submarino classe Tupi descarrega suas baterias em 400 milhas a 4 nós de velocidade em imersão, enquanto um submarino de propulsão nuclear pode percorrer uma distância compatível a 40 circunavegações à 20 nós de velocidade. A propulsão nuclear, derivada de um pequeno reator de urânio enriquecido, possui capacidade de permanecer gerando energia ao submarino por tempo indeterminado, concomitante até mesmo a altas velocidades e profundidades que esse possa assumir. Estima-se que o submarino nuclear possa permanecer até 6 meses em plena atividade, tendo que parar somente pela falta de mantimentos e a preocupação com o confinamento de seus tripulantes. Devido a essa capacidade de permanecer submerso por tempo indeterminado, o submarino Revista do Clube Naval • 368 nuclear torna-se ainda mais imprevisível, menos vulnerável e difícil de ser detectado por outros meios navais, pois ao contrário do convencional, este não necessita ir à superfície para prover energia. A principal vantagem em possuir um submarino nuclear consiste no advento do poder de persuasão. A fim de exemplificar a importância de um país em possuir um submarino nuclear, e o papel crucial que a dissuasão causada por ele tem em combate, vale ressaltar o caso da guerra das Malvinas, onde, o envio do submarino nuclear britânico S-48 HMS Conqueror, ocasionou diversas alterações na tática argentina, que passou a destinar uma grande soma de recursos no intuito de se defender dessa ameaça em potencial, enquanto poderia empregar seus meios em outros fins. Até os dias atuais, o primeiro ataque de um submarino nuclear, foi o que sucedeu o naufrágio do navio argentino ARA General Belgrano, acontecimento este, extremamente relevante nas consequências da Guerra das Malvinas e fundamental para a posterior vitória britânica, revelando assim a imensurável importância desta arma de guerra e todo o seu poder de dissuasão, capaz de alterar os cursos de uma guerra de maneira sem precedentes. Agregando todos esses fatores que tanto diferem os dois tipos de submarinos, podemos concluir o quanto é grandioso esse avanço não só para a Marinha do Brasil, como para todo o país, que projeta para seu futuro um reforço tecnológico jamais visto em sua história e que traz como consequência a reafirmação da soberania de suas águas jurisdicionais, aumentando a capacidade de negar o uso do mar ao inimigo de forma mais contundente, contribuindo assim, sobremaneira, para o cumprimento da estratégia nacional de defesa e o avanço da nação brasileira. 25 http://www.naval.com.br/blog/wp-content/ uploads/2008/07/maquete_submarino_ nuclear-brasileiro.jpg CONCLUSÃO O Brasil é culturalmente um país pacífico em se tratando de relacionamento internacional, ou seja, dificilmente nos envolveremos em conflitos com outras nações. Por este motivo, a postura militar brasileira é apenas de defesa e dissuasão, almejando simplesmente a negação do mar e do território nacional a qualquer força que se apresente hostil a nós. Por adotar esse tipo de comportamento político, a sociedade brasileira muitas vezes questiona e critica o investimento financeiro na área militar. O próprio submarino nuclear não deixou de ser alvo de críticas de diferentes origens, de pessoas comuns ou mesmo de estrategistas. Algumas pessoas ainda julgam certo desperdício investimentos como estes e alegam que os mesmos valores seriam bem mais úteis se injetados em outras esferas da administração pública, tais como saúde e educação. Analisando-se por esse lado, os argumentos possuem consistência, porém se perdem ao vento ao incitarem que um submarino nuclear pode ser supérfluo. A partir do momento que se conhece um pouco mais sobre um submarino nuclear e tudo de positivo que ele pode trazer consigo para um país, fica evidente que investir em desenvolvimento tecnológico militar representa inteligência e visão de futuro. Enriquecimento acadêmico dos especialistas da área, maior respeito ao país pelos olhos de outros países e geração de emprego são só algumas das inúmeras vantagens que acompanham o PROSUB. Fica fácil reconhecer que o Brasil está no caminho certo e em uma marcha muito bem cadenciada para um futuro de excelência em soberania. n BIBLIOGRAFIA Palestras motivacionais ministradas por oficiais da FORSUB. www.ecen.com www.inb.gov.br www.forsub.com.br www.naval.com.br (todos acessados em 14/08/2013). * Aspirante da Escola Naval. economia Financas do Município Suporte do Rio: ao Novo Modelo de Gestão Marco Aurelio Santos Cardoso* E ste artigo tem o propósito de apresentar a experiência do novo modelo de gestão pública implementado na cidade do Rio de Janeiro, sob a ótica da Secretaria Municipal de Fazenda (SMF). Ou seja, será apresentada a contribuição da SMF para a abertura do espaço orçamentário (fiscal) que permitiu à administração iniciada em 2009 implementar sua estratégia para o Município. Destaque-se que esse modelo é inovador para a cidade do Rio de Janeiro, embora algumas experiências tenham sido implementadas nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. Assim, os elementos básicos desse modelo, liderado pela Secretaria Municipal da Casa Civil, são: Planejamento Estratégico e Meritocracia. O Planejamento Estratégico, como ferramenta de gestão, visa pensar a cidade em prazos mais longos para agir no curto prazo. Neste contexto, foram fixadas, pela primeira vez, metas anuais e objetivas para cada área de gestão (saúde, educação, infraestrutura urbana, transportes, etc.), que foram institucionalizadas por meio de Contratos de Gestão/Acordos de Resultados. Os Acordos de Resultados/Contratos de Gestão com órgãos e entidades municipais são ferramentas de gestão usadas na administração pública para: (I) garantir um maior comprometimento de toda a máquina pública municipal com os resultados da Prefeitura; (II) institucionalizar uma nova cultura que privilegie o planejamento com metas claras; (III) motivar a participação dos servidores com um modelo que avalie e premie aqueles que atingirem bons resultados; e (IV) antecipar problemas e apontar soluções através do acompanhamento formal dos resultados obtidos. Valendo mencionar que as metas devem ser, preferencialmente, quantitativas, relevantes, mensuráveis e auditáveis. O outro elemento do modelo de gestão, ao lado do Planejamento Estratégico: a Meritocracia. Conforme mencionado, implementá-la pressupõe avaliação e premiação. Assim, resumidamente, cada acordo de resultados é avaliado conforme as metas pactuadas, recebe uma nota, e, correspondendo a essa nota, recebe uma bonificação. Ou seja, um bônus que varia de acordo com o desempenho – em uma estrutura conceitual totalmente aderente à moderna teoria econômica de incentivos. Dentro desse modelo a Secretaria de Fazenda tem dois objetivos básicos e interconectados: ajudar a melhorar o ambiente de negócios na cidade e otimizar a arrecadação de recursos, tentando impor o mínimo de ônus adicional à sociedade. O primeiro objetivo se relaciona à geração de emprego e renda pelo setor privado e o 26 Fachada da Nave do Conhecimento, no Parque Madureira consequente deterioração do bem-estar da sua população. Finalmente, não se pode deixar de mencionar a importância, fartamente documentada na literatura, dos dispêndios com saúde e educação sobre a produtividade da força de trabalho – condição essencial para um crescimento econômico sustentável. Apresentada a estrutura conceitual que embasa o novo modelo de gestão, serão abordadas nas seções subsequentes: I) o problema do espaço para investimentos; e II) a Parque de Madureira segundo, à elevação da taxa de investimento público – dada a urgência em recuperar a infraestrutura urbana do município e ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos, valendo destacar a influência positiva de uma boa infraestrutura urbana sobre as ações empresariais privadas. É importante lembrar que a deficiência na infraestrutura fez com que a cidade perdesse, consistentemente, espaço para outros municípios como destino de negócios e investimentos, com a Revista do Clube Naval • 368 atuação da SMF no encaminhamento da sua solução. Por uma questão de objetividade, não serão apresentadas todas as ações da SMF, foram escolhidas duas que acreditamos sintetizar bem o trabalho da Secretaria: I) uma na área financeira – a operação de reestruturação da dívida municipal com a União; e II) e outra na administração tributária, cujo emblema é a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica – NFSe, a Nota Carioca. Cabe mencionar que a solução para o problema do pouco espaço para investimento envolveu não só ações do lado tributário e financeiro – áreas de atuação da SMF –, mas também do lado da despesa corrente – abrangendo a racionalização dos gastos de toda a Prefeitura. O ESPAÇO PARA INVESTIMENTO O principal desafio da Secretaria de Fazenda no início da atual administração era ampliar o orçamento disponível para investimentos – que girava no patamar de 8,0% das Receitas Totais – para um patamar mais próximo das necessidades da cidade. A soma dos esforços iniciais – notadamente do lado da despesa corrente – foi Revista do Clube Naval • 368 27 importante suporte para que, já em 2010, os gastos municipais com investimentos atingissem R$ 1,6 bilhão, correspondendo a 10,8% das Receitas Totais daquele ano e a quase o dobro do volume gasto em 2008. Em relação aos dispêndios com investimentos no ano de 2009, vale mencionar que seu baixo volume – R$ 400 milhões ou 3,6% da Receita Total – se relaciona basicamente à necessidade de avaliação inicial da situação da Prefeitura e à preparação para implantação dos projetos. Neste momento, é preciso lembrar que o primeiro ano da nova administração coincidiu com o primeiro e mais agudo ano da grave crise que se abateu sobre a economia mundial, e se constituiu em um momento de particular incerteza sobre a arrecadação municipal – fortemente dependente das condições de sua economia e da economia nacional. Empréstimo de Política de Desenvolvimento (Development Policy Loan - DPL), que elencaria uma série de iniciativas estratégicas a serem desenvolvidas pelo Município como pré-condição para a liberação dos recursos em duas parcelas. O contrato foi assinado em agosto de 2010, e os recursos foram desembolsados nas duas parcelas acordadas: a primeira naquele mesmo mês (US$ 545 milhões ou R$ 958,7 milhões), e a segunda em novembro de 2011 (US$ 500 milhões ou R$ 886 milhões). As iniciativas contidas em seu cunho estratégico no DPL estavam perfeitamente alinhadas aos objetivos definidos no Plane- Vista aérea da região do Porto do Rio REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA MUNICIPAL Observando-se a estrutura de gastos do Município percebia-se que ela destinava um percentual maior ao serviço da dívida do que aos investimentos. De fato, em 2008 as obrigações com endividamento consumiam cerca de 9,0% da Receita Corrente do Município e os investimentos 8,2% de sua Receita Total – um padrão que se mantinha há muitos anos . Mais de 90% da dívida financeira, em 2009 era fruto do acordo de renegociação com o Governo Federal realizado na década de 90, e seguia as regras da Medida Provisória 2185-35. Os encargos pagos correspondiam à indexação pelo IGP-DI mais juros básicos de 9% ao ano – que poderiam ser reduzidos para 7,5% ou 6,0%, caso ocorresse amortização extraordinária de, respectivamente, 10% ou 20% do seu saldo a qualquer tempo. Neste contexto, aparecia o primeiro potencial de economia de gastos. Foi dentro deste quadro que surgiu o Banco Mundial (BIRD), provendo recursos financeiros para estruturar uma operação inédita para um município em todo o mundo – cujo caráter era, a um só tempo, financeiro e estratégico. A estrutura era a seguinte: de um lado, o BIRD proveria um empréstimo de US$ 1,045 bilhão, destinado a amortizar antecipadamente no mínimo 20% da dívida com a União, permitindo o fim do saldo residual e a redução do juro real sobre o saldo remanescente para 6,0%. De outro lado, a transação seria formatada como um atingem metas preestabelecidas e a criação de um marco institucional para parcerias público-privadas. Do ponto de vista financeiro, essa troca de dívida junto à União, por dívida “mais barata” com o BIRD, já proporcionou ao município uma economia de R$ 1,0 bilhão – um valor maior, por exemplo, do que os cerca de R$ 900 milhões gastos na construção do BRT Transoeste. O equacionamento da dívida reduziu o peso do serviço da dívida sobre as Receitas Correntes para 4,7% em 2012, abrindo espaço, em conjunto com as demais medidas do lado da receita e da despesa, para a elevação do investimento para 18,9% da Receita Total – uma mudança radical na estrutura dos gastos públicos. Isso corresponde a um volume total de investimentos, em 2011 e 2012, de mais de R$ 3,3 bilhões por ano, mais de quatro vezes o volume de 2008. GESTÃO FAZENDÁRIA A Via Binária e o túnel da Transoeste jamento Estratégico Municipal, e se beneficiariam da economia fiscal gerada pela operação. Resumidamente, as iniciativas contidas no DPL referiam-se ao: i) aumento do espaço fiscal para investimentos; ii) apoio às transformações nos serviços aos cidadãos, especialmente em Saúde e Educação; e iii) incentivo a práticas modernas de gestão pública – como o estabelecimento da meritocracia, com o pagamento de bônus aos servidores das secretarias que 28 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 Como dito anteriormente, os principais objetivos desta gestão fazendária são ajudar a melhorar o ambiente de negócios na cidade e otimizar a arrecadação de recursos. Em outras palavras: redução da burocracia e elevação da arrecadação em direção ao seu potencial. Concernente à melhoria da gestão fazendária, a Nota Carioca é um exemplo emblemático. Seus objetivos gerais são: i) do ponto de vista do contribuinte, trazer maior justiça fiscal e modernidade ao sistema de administração tributária do município, através da informatização da emissão de notas fiscais sobre serviços; e ii) do ponto de vista da Fazenda Municipal, elevar as receitas do Imposto Sobre Serviços – ISS e otimizar a fiscalização. Uma discussão completa de todo o processo de implantação da Nota Carioca e de todos os seus benefícios (financeiros e não financeiros) pode ser encontrada em uma série de notas técnicas produzidas pela 29 SMF e disponibilizadas em seu site . Porém, não podemos deixar de mencionar que, no tocante à abertura de espaço fiscal via elevação da arrecadação, estudo recém-concluído pela SMF mostra que a introdução da Nota Carioca produziu uma elevação nas receitas com o ISS de quase R$ 700 milhões, entre julho de 2010 e junho de 2013. CONSIDERAÇÕES FINAIS A estratégia financeira adotada pela Prefeitura do Rio e operacionalizada pela Secretaria Municipal de Fazenda tem sido exitosa e mostra como se soube aliar gestão fazendária ativa com um ciclo econômico favorável pelo qual vem passando a cidade. E isso não só do ponto de vista da autoavaliação, mas também do ponto de vista da análise independente realizada pelas três principais agências internacionais de crédito (Fitch, Moody´s e Standard & Poor´s) que continuam classificando o Município do Rio com os mesmos ratings (investment grade) da União (BBB, Baa2 e BBB, respectivamente), fato atualmente único para os governos subnacionais brasileiros (estaduais e municipais). Quanto às perspectivas dos ratings do Município, conforme publicadas pelas agências, o toutelo é estável em todas. Um fato importante é que o Município, ao contrário de vários bancos nacionais e empresas estatais, não teve sua perspectiva rebaixada para negativa pela S&P quando tal movimento foi realizado para a União no início de junho de 2013. Assim, quando da finalização desse artigo, o conjunto completo de ratings do Município, considerando todas as notas e suas perspectivas, encontra-se até superior à própria União, fato bastante raro em todo o mundo. n NOTAS Neste artigo serão utilizadas as Receitas Totais subtraídas das Receitas Intra-orçamentárias. 2 O endividamento é relacionado à Receita Corrente pois a Receita Total inclui valores que não podem ser utilizados para pagamento de dívidas (operações de crédito e transferências de capital). 3 http://www.rio.rj.gov.br/web/smf/ notas-tecnicas 1 *Economista e Secretário de Fazenda do Município do Rio de Janeiro FÍSICA A Vitória de Copenhague Paulo Roberto Gotaç* O Heisenberg e sua incerteza “Deus não joga dados” – Einstein, 1927, Princípio da Incerteza, formulado em 1927 por Werner Heisenberg,1 revolucionou a Física ao estabelecer o fato de que no ambiente microscópico as regras às quais se estava habituado na escala humana, formalizadas pela chamada Física clássica, perdem sua validade. O seu impacto também foi revolucionário nas bases filosóficas, ao questionar o determinismo, caracterizado pela obtenção de resultados precisos das quantidades pertinentes, mediante o emprego das equações clássicas básicas. Estava lançada a semente conceitual segundo a qual o observador, entendido nesse contexto como as condições experimentais da observação, não necessariamente o elemento humano, é parte integrante do processo de medida, ao contrário do que estabelecia a Física da escala humana que previa um absoluto divórcio entre o sistema a ser medido e o esquema experimental utilizado. O que inspirou Heisenberg para a formulação do seu princípio foram as premissas básicas da estrutura teórica por ele criada em 1925, capaz de inserir as tentativas ad hoc de Bohr e Sommerfeld, realizadas entre 1913 e 1916, ligadas ao espectro do hidrogênio, num esquema conceitual consistente. Adotou na sua teoria, como ponto de partida, o fato de que somente grandezas observáveis, como as radiações precisas provenientes dos saltos quânticos entre níveis de energia, deveriam ser consideradas. O resultado da análise foi o aparecimento de uma estranha não comutatividade do produto de grandezas, o que resultou na associação, por meio de trabalho de sua autoria com Pascual contra a visão probabilística da Mecânica Quântica. “Ainda assim, não nos cabe dizer a Deus como Ele deve fazer o mundo funcionar” – resposta de Bohr, no mesmo ano (T.A.)(2) Este artigo apresenta um resumo dos embates sobre as interpretações da Mecânica Quântica ligadas à realidade Física, travados entre Bohr, principal arquiteto da interpretação de Copenhague, probabilística e não determinista, segundo a qual a realidade só se manifesta via processos de medida, e Einstein, partidário da existência de uma realidade objetiva,independente daqueles processos. A exposição se inicia com uma descrição sumária do conteúdo do Princípio da Incerteza, criado por Heisenberg. Em seguida, focaliza as quinta e sexta Conferências de Solvay, principal palco dos duelos entre os dois gigantes, onde se configura o ambiente de vitória relativa do grupo de Bohr, cuja interpretação, muito bem-sucedida experimentalmente, é codificada por um esquema teórico ainda hoje desenvolvido nos cursos introdutórios de Mecânica Quântica em quase todas as universidades do mundo. Citam-se brevemente, ao longo da exposição, aspectos históricos que afetaram o crescimento da Física no fim da década de 20, início da de 30 do século passado. O artigo termina com tinturas sobre recentes tendências de interpretação. 30 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 Segundo essa visualização, um elétron, Jordan e Max Born, com entidades matemáserá tão bem localizado quanto menor for o ticas, também não comutativas, já existentes, comprimento de onda (ou quanto maior for a denominadas matrizes,2 passando todo o frequência) do feixe luminoso usado para tal, esquema a ser designado por mecânica masegundo o ângulo . Em contrapartida, por tricial. Além disso, experimentos realizados com a câmara de Wilson,3 aparentemente ser o fóton mais energético (comprimento de onda pequeno ou frequência grande, pela permitiam a observação de trajetórias de relação, partículas subatômicas, fato inconsistente , onde e são a conscom sua teoria, que negava a existência de tante de Planck e a frequência da radiação,1 tal propriedade. A necessidade de harmonia perturbação da quantidade de movizar essas observações com o recém-criado mento será considerável. Simetricamente, esquema o conduziu ao princípio. aumentando-se o comprimento de onda, Apesar de sempre balizadas pela expeo feixe será menos energético e perturbará riência,4 as formulações criadas a partir da menos a quantidade de movimento, mas sacrificará a precisão da localização do Mecânica Matricial de Heisenberg exibem elétron. Todo esse balanço, quando anauma nova característica que se tornou marlisado por uma matemática bem simples, cante em quase todos os desdobramentos será expresso pela expressão do teóricos posteriores, ou seja, no Princípio da Incerteza.3 domínio quântico, o desenvolvimento conceitual, com consiHeisenberg publicou seu prinderável conteúdo de abstração cípio em 1927,3 mas não enviou matemática, em alguns casos, uma cópia para seu grande tutor antecedeu a observação, que Niels Bohr que, para sua decepera então levada a cabo posção, já estava enamorado pela teriormente, com a respectiva versão ondulatória de Schrödinverificação experimental. ger, 1 fato que estremeceu um Embora toda a inspiração pouco a relação entre os dois. que o conduziu ao princípio O mestre vs. o pupilo tivesse sua origem no abstrato esquema teórico-matemático Heisenberg bateu de frente por ele criado, seu trabalho foi, com seu velho mestre quando pode-se dizer, tentativamente este, apesar de reconhecer como visualizado pelo experimento válidas as relações de incerteza, de pensamento (gedanken) argumentou que elas se origina(aquele que, em princípio, pode vam na verdade no mistério da ser realizado), centrado no chadualidade onda-partícula e que, Figura 1 • Microscópio mado microscópio de Heisen- de Heisenberg portanto, a abordagem devida a berg, representado, em linhas localizando um elétron de Broglie e Schrödinger2 introdusegundo um ângulo gerais, na figura 1. zindo o formalismo ondulatório, 31 repelido com veemência pelo jovem físico, teria que ser levada em consideração. Bohr inclusive apontou erros na interpretação e nas conclusões matemáticas baseadas no funcionamento do hipotético microscópio imaginado por Heisenberg para ilustrar suas relações de incerteza e chegou às mesmas expressões supondo o elétron representado por um pacote de ondas que, quanto mais estreito, melhor representava sua posição. Assim, um pacote de ondas concentrado, como o da letra a da figura 2, semelhante, só para ilustrar, ao que um agente hipotético produziria ao oscilar uma única vez a extremidade de um corda, gerando a propagação do pulso ao longo dela, favorece a precisão da posição, mas torna difícil saber qual o comprimento de onda (distância entre dois pontos de mesma fase), arruinando, portanto, a obtenção, com o mesmo grau de exatidão, da quantidade de movimento, fato deduzido a partir da relação de de Broglie , onde e são a constante de Planck, a quantidade de movimento e o comprimento da onda associada, respectivamente.2 Na letra b da mesma figura, no entanto, onde o agente produz oscilações ininterruptas na extremidade, o comprimento de onda bem determinado facilita a precisão da quantidade de movimento, mas, com a onda mais espalhada, a posição fica comprometida. uma delas se manifestava, dependendo do aparato experimental com o qual o sistema quântico interagia para permitir sua observação e respectiva medida, numa espécie de complementaridade, nome da doutrina mais tarde incorporada ao que se conhece ainda hoje como a Interpretação de Copenhague da Mecânica Quântica, designação à qual o próprio Bohr nunca se referiu, mas que ficou consagrada, face ao prestígio do dinamarquês e de seu instituto de Física teórica, transformado ao longo do tempo, numa espécie de Meca da Mecânica Quântica. Assim, num experimento destinado a medir a interferência da luz, somente o caráter ondulatório se apresentava, enquanto num visando à observação do efeito fotoelétrico, exclusivamente o lado corpuscular era exibido, não havendo possibilidade dos dois estarem simultaneamente presentes. Bohr sustentava que as relações de incerteza descobertas por Heisenberg, embora corretas, eram consequência de um fato mais fundamental da natureza, expresso pela complementaridade. Em setembro de 1927, Heisenberg e Bohr, ânimos já serenados, participaram do Congresso Internacional de Física ocorrido na cidade de Como, Itália, montado para comemorar o centenário da morte de um dos seus mais ilustres filhos, o físico a) b) Figura 2 • a) Pacote de onda estreito mas com comprimento de onda de difícil determinação; b) Pacote com comprimento de onda definido mas espalhada, tornando difícil a obtenção da posição. É bom relembrar que o ponto de vista de Heisenberg não incluía a presença de ondas, pois entendia ele que a representação das entidades do mundo quântico pressupunha a existência de descontinuidades e de partículas cujas trajetórias não podiam ser observadas. Bohr acreditava que as entidades quânticas apresentavam características ondulatórias ou corpusculares e que somente Alessandro Volta (1745-1827),5 inventor da pilha elétrica, um dos mais importantes aparatos experimentais da história do desenvolvimento da Física, na medida em que permitiu a produção de corrente elétrica contínua, possibilitando, em 1820, ao professor de Física Christian Oersted (17771851), durante uma aula na Universidade de Copenhague, mostrar pela primeira vez, que a passagem de uma corrente através de um 32 condutor retilíneo provocava a deflexão da agulha de uma bússola colocada nas proximidades,6 unificando a eletricidade com o magnetismo, até então fenômenos distintos. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento espetacular do eletromagnetismo durante o século XIX, com os trabalhos subsequentes de André-Marie Ampère, Michael Faraday e James C. Maxwell na área. No congresso, Heisenberg apresentou palestra na qual expôs seu princípio e Bohr, com a introdução da descrição ondulatória, lançou a complementaridade que, acrescida da interpretação probabilística proposta por Max Born, viria a formar o escopo da Interpretação de Copenhague, referida acima. Presentes ao encontro, além de Bohr e Heisenberg, os grandes responsáveis pela criação da Mecânica Quântica: Born, de Broglie, Compton, Lorentz, Planck e Sommerfeld, entre outros. Entre as ausências notáveis, destaque para Erwin Schrödinger, ocupado em mudança de domicílio para assumir posto acadêmico e Albert Einstein que se recusou a visitar a Itália fascista sob o controle de Benito Mussolini desde 1922.7 coordenadas que levam seu nome, marcas características da teoria da relatividade restrita de Einstein, exerceu a função de coordenador das Conferências de Solvay desde a primeira, em 1911, até seu falecimento. Nos preparativos para o encontro de 1927, em Bruxelas, obteve uma de suas mais notáveis vitórias no campo diplomático, ao conseguir do então rei belga Alberto I, permissão para convidar sem discriminação os físicos alemães, encerrando o período de boicote que até então ainda vigorava.2 Assim, em 27 de outubro de 1927, teve início a quinta Conferência de Solvay, sob o Piccarc A atividade científica é um empreendimento humano (“a ciência é feita pelos homens” – Heisenberg)8 e, portanto, sujeita às flutuações do ambiente político onde se desenvolve. As Conferências de Solvay,9 já mencionadas num dos trabalhos desta série, iniciadas em 1911 sob os auspícios do rico industrial belga Ernest Solvay (1838-1922), com o objetivo de divulgar e discutir questões ligadas ao desenvolvimento da Física e da Química, perduram até os dias de hoje, com periodicidade média de três anos, interrompidas por força das eclosões das duas guerras mundiais. A de 1921, face ao término recente da Primeira Guerra e do boicote imposto pela comunidade científica, não contou com a participação dos físicos alemães, exceção feita a Einstein que, convidado, por conta de seu posicionamento pacifista, declinou, exatamente por não concordar com a discriminação. O convite para a seguinte, de 1924, com a mesma restrição da anterior, foi também recusado. A ambos os eventos, Bohr, também não compareceu, por motivos diversos. O físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), Prêmio Nobel de Física de 1902, famoso pelas transformações de Revista do Clube Naval • 368 Henriot Ehrenfest Debye Solvay 1927 da conferência aparece na foto abaixo. O ponto de vista defendido por Bohr, probabilístico, sublinhado pela Complementaridade e pelo Princípio da Incerteza, enfatizava com empenho o papel da observação dos sistemas quânticos, afirmando que estes não possuem realidade até que sejam observados, mediante sua interação com um aparato de medida, evidentemente clássico, pois o resultado do ato de observação tem que ser interpretado nos parâmetros da escala humana. Apesar disso, Bohr nunca precisou com exatidão a linha divisória entre o sistema quântico a ser medido e o aparato Langmuir Knudsen Planck Herzen Donder Dirac Kramers Bragg Curie Schrodinger Lorentz Verschaffelt Compton Einstein O ponto de discórdia consistia no fato de que Einstein tinha convicção que cada elemento da teoria, determinista, tinha sua contrapartida no mundo real, enquanto Bohr manipulava entidades matematicamente abstratas, como a função de onda , introduzida por Schrödinger,1 representativa do estado do sistema e tinha como base o estranho comportamento probabilístico. Como ele próprio declarou na ocasião: “É errado pensar que a tarefa da Física é descobrir como a natureza é. A Física diz respeito ao que dizemos sobre a natureza”.2 As argumentações de Einstein foram Pauli Broglle Langevin Fowler Heisenberg Born Guye Brillouin Bohr Wilson Richardson Foto oficial da quinta Conferência de Solvay, 1927 título genérico de Electrons and Photons, com a participação do primeiro time de físicos dedicados à então revolucionária e estranha Física do quantum. Um deles aparecia pela primeira vez sob os holofotes, Paul Dirac, já mencionado em artigo anterior desta série, sobre o qual se falará em trabalhos vindouros. Apesar do título e do fato de que nem Bohr nem Einstein estivessem pautados para apresentar trabalhos das respectivas autorias, a conferência ficou mesmo centrada nas questões de interpretação dos novos conceitos, capitaneadas pelos dois gigantes em posições antagônicas. A fotografia oficial Revista do Clube Naval • 368 destinado a fazê-lo. Uma excelente análise sobre tal fronteira pode ser analisada no livro Quantum theory, publicado anos mais tarde, de autoria do físico David Bohm.10 Do lado oposto ficava Einstein que, também não inscrito, manifestou-se, e, reconhecendo o sucesso da teoria que estava florescendo, rejeitava-a como definitiva, acreditando numa realidade out there, independente dos modos de observação, e na restauração do determinismo, qualificando o aspecto probabilístico de provisório e, portanto, portador de inconsistências lógicas na formulação teórica. 33 expostas sob a forma de experimentos de pensamento (gedanken), nos quais tentava apontar inconsistências no corpo conceitual da Interpretação de Copenhague. Uma das posições defendidas por ele consistia no fato de que a probabilidade, intrínseca, segundo Bohr, em qualquer sistema quântico, mesmo nos individuais (um só elétron, por exemplo), representada pela função de onda de Schrödinger, apresentava inconsistências lógicas. Na ocasião defendeu um tipo de probabilidade tipo clássica, válida para um grande número de sistemas (um feixe de elétrons, por exemplo). A situação pode ser esquematizada pelo experimento de pensamento representado na figura 3 no qual uma placa plana permite a passagem por um orifício, de um feixe de elétrons que vai ser detido por uma placa fotográfica em forma de semiesfera. Supondo que a chegada de uma partícula na placa seja revelada por um clique, é possível saber onde bateu. Pela interpretação de Copenhague, há uma probabilidade, representada pelo módulo da função de onda, do clique ocorrer em qualquer ponto da placa. Uma vez, porém, ocorrendo num ponto A, a probabilidade dele atingir outro ponto B vai instantaneamente a zero, numa espécie de colapso da função de onda, o que contraria a premissa de que há uma probabilidade dele ocorrer em qualquer ponto da placa, já que esta é representada por uma onda abstrata de probabilidade. grupo liderado por Bohr. Einstein, reconheceu as virtudes das novas ideias, mas com reservas, ao declarar, por exemplo, a famosa frase “Deus não joga dados” e iniciando um período de isolamento que iria agravar-se até sua morte. Logo ele, um dos pioneiros dos quanta, com destaque na sua explicação heurística do efeito fotoelétrico, em 1905, que lhe valeu o Nobel de Física em 1921, não saiu convencido e começou a preparar um novo arsenal de experimentos de pensamento que seriam apresentados na próxima, a sexta, conferência, a de 1930. Solvay 1930 Com a morte de Lorentz, em 1928, a coordenação da conferência passou a ser exercida pelo físico francês Paul Lanvegin Dessa vez Einstein veio munido de um experimento gedanken, no qual era questionado o conteúdo de Princípio da Incerteza envolvendo as variáveis conjugadas energia e tempo,1 ao contrário das variáveis posição e quantidade de movimento, focalizadas nas objeções apresentadas durante a conferência de 1927. Sua representação matemática é: onde é a constante de Planck, éa incerteza na medida da energia e o período de tempo durante o qual se mede a energia. O experimento, cujo esquema é apresentado na figura 4, consistia de uma caixa imaginária que continha radiação e, num instante definido de tempo ( ), o que da energia ( ), situação que contraria as limitações impostas pela expressão acima, representativa do Princípio da Incerteza, ao estabelecer que, quando uma das varáveis é medida com certeza absoluta, a indeterminação da outra é infinita. A proposta experimental produziu um estado de tensão nas hostes de Bohr que considerou que a eventualidade, mesmo em princípio, de que a situação imaginada por Einstein pudesse ser concretizada, ficaria demonstrado o fato de que a Mecânica Quântica poderia não ser completa (os elementos da teoria não cobririam todas as situações experimentais realizáveis) e, com isso, toda a Física quântica que estava sendo construída, quase unanimemente aceita àquela altura pela comunidade científica, teria que ser apagada e repensada. Figura 4 • Esquema do experimento de pensamento sugerido por Einstein durante a sexta Conferência de Solvay. escalada do antissemitismo que caracterizou o restante da década de 30 do século passado, Einstein recolheu o arsenal que havia concentrado para combater a possível inconsistência da interpretação de Copenhague e, derrotado mas ainda não subjugado, resolveu investir com mais vigor no aspecto da não completitude da interpretação de Copenhague. Sua reaparição, já com residência permanente em Princeton, EUA, para onde se transferiu em 1933, ano da ascensão ao poder absoluto de Hitler, só viria a acontecer em um trabalho publicado em 1935, em conjunto com mais dois físicos12 no qual era proposto um experimento de pensamento que fez mais uma vez Bohr e seu Estado-maior entrarem em estado de grande agitação. Mas esse novo embate fará parte do próximo artigo desta série. Placa fotográfica A feixe de elétrons B orifício Figura 3 • Experimento de pensamento de Einstein com um orifício Outros experimentos de pensamento foram expostos por Einstein, sempre com o objetivo de detectar alguma brecha de inconsistência na interpretação de Bohr. Todos os argumentos eram rebatidos pelo próprio Bohr ou partidários. O encontro terminou mostrando certa “vitória” da interpretação de Copenhague. Houve até uma conversão, a de de Broglie, que, não encontrando ressonância para o seu modelo de onda piloto, onde onda e partícula, reais, coexistiam, imagem quase 30 anos depois reabilitada por David Bohm, na sua tentativa de restaurar o determinismo na Física, voltou da conferência convencido e passou a aceitar a visão do (1872-1946). A sexta conferência (foto ao lado) contou com a participação de 34 físicos, dos quais 12, já ou futuros laureados com o Nobel de Física. Apesar do título genérico do encontro, magnetismo, ele, na verdade, consistiu numa espécie de segundo round do embate entre Bohr, assessorado pelo seu Estado-maior – Heisenberg, Pauli e Born – do lado da Interpretação de Copenhague e, do outro lado, Einstein, solitário, na sua tentativa de encontrar inconsistências na estrutura teórica, ao rejeitar como definitivos os pilares básicos da nova Física – a probabilidade, a incerteza e a indissolubilidade entre o sistema quântico a ser medido e o aparato experimental usado para tal. 34 Sexta Conferência de Solvay. Einstein está sentado, no centro e Bohr é o segundo sentado da esquerda para a direita. implicaria numa indeterminação infinita na medida da energia, pela expressão acima) deixava escapar um fóton. A caixa seria pesada antes e depois da saída do fóton, o que determinaria, pelo emprego da expressão indiscutivelmente aceita, deduzida da relatividade restrita de Einstein, ligando energia e massa, , o valor exato Revista do Clube Naval • 368 Então aconteceu o inimaginável. Após uma noite mal dormida, refletindo sobre o aparente paradoxo sugerido por Einstein, Bohr encontrou a solução utilizando, é de pasmar, os fundamentos da teoria da relatividade generalizada, a mesma que tornou Einstein, da noite para o dia, mundialmente conhecido. Aproveitando o fato previsto Revista do Clube Naval • 368 por aquela teoria de que a intensidade do campo gravitacional influi na medida do tempo, Bohr conseguiu restabelecer a consistência da expressão de incerteza entre as variáveis conjugadas energia e tempo. Os detalhes matemáticos da demonstração não serão mostrados neste artigo.11 Após a conferência de 1930, já com a 35 Conclusão A interpretação de Copenhague saiu vencedora da disputa e até hoje é aceita, sendo extremamente bem-sucedida no confronto com a experiência e revolucionária na medida em que prevê situações que contrariam o senso comum da escala humana, como o efeito túnel,13 consequência direta da hipótese ALOCUÇÃO probabilística e responsável por enormes avanços tecnológicos ligados à eletrônica do estado sólido, e como a não localidade, segundo a qual os sistemas quânticos, em determinadas condições, estão relacionados por uma espécie de “entrelaçamento” (entanglement, em inglês),14 de tal forma que a interferência num deles repercute instantaneamente no outro, contrariando um dos cânones da relatividade, o de que a velocidade de propagação de sinais não pode ser superior à de propagação da luz. O fato, porém, é que tal particularidade está permitindo aplicações práticas, ainda hoje incipientes, no sentido de se construírem computadores quânticos, com velocidades de processamento muito maiores que as dos convencionais. O esquema teórico que formaliza os aspectos da interpretação de Copenhague ainda é predominante nos conteúdos dos cursos de Mecânica Quântica para os alunos que se iniciam no assunto. É claro que os desenvolvimentos conceituais não se congelaram e desdobramentos importantes ocorreram ainda no final da década de 20 e início da de 30 do século passado, destacando-se o trabalho de P.A.M. Dirac que incorporou a relatividade ao esquema, com consequências notáveis, como o spin do elétron, deduzido teoricamente como resultado do desenvolvimento teórico e não de uma hipótese feita por Pauli, que lhe inspirou a formulação do seu fundamental Princípio da Exclusão.2 Durante a década de 40 do século passado, os trabalhos dos físicos americanos Richard Feynman e Julian Schwinger, juntamente com o japonês Sin-itiro Tomonaga, lhes valeram o Nobel de Física de 1965, pelo desenvolvimento do que se designa hoje como Eletrodinâmica Quântica,15 fundamental para a compreensão do comportamento das partículas carregadas, como o elétron. A década de 50 do século passado assistiu à ressurreição da imagem da onda piloto defendida por Louis de Broglie ainda nos idos de 1927, sendo o principal responsável pela sua retomada o físico americano David Bohm (1917-1992) cujos esforços incluíam o restabelecimento de um determinismo na Física, inerente a um nível mais fundamental que o preconizado pelo Princípio da Incerteza e contando com as chamadas variáveis ocultas, hipotéticas e ainda hoje não detectadas. Apesar de todo o impulso que a Física das partículas elementares experimentou e continua experimentando até os dias de hoje, traduzido pelo desiderato de incluir a gravidade no esquema quântico, resultando no aparecimento de teorias recentes como a das supercordas, a questão da interpretação permanece, de certa forma, em aberto.16 n *Capitão-de-Mar-e-Guerra (Ref) Apesar das divergências, Bohr e Einstein sempre foram amigos 71 ANOS DA CRIAÇÃO DA Referências bibliográficas FORÇA NAVAL DO NORDESTE 1. Griffiths, D.J. Introduction to quantum mechanics. New Jersey: Prentice Hall, 1995. 2. Kumar, M. Quantum. Einstein, Bohr and the great debate about the nature of reality. New York: Norton, 2008. 3. Gotaç, P.R. O Princípio da Incerteza. Revista do Clube Naval, jan/fev/mar, 2013. 4. Born, M. Experiment and theory in physics. Dover Publications, 1956. 5. Biografia disponível em: http://pt. wikipedia.org/wiki/Alessandro_Volta. 6. Purcell, E.M. Electricity and magnetism – Berkeley Physics Course. v. 2 New York: McGraw-Hill, 1963. 7. http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ benito-mussolini/benito-mussolini.php 8. Heisenberg, W. La partie et le tout. Champs/Flammarion, 1972. 9. http://pt.wikipedia.org/wiki/ Confer%C3%AAncia_de_Solvay 10. Bohm, D. Quantum theory. New York: Dover Publications, 1989. 11. Jammer, M. The philosophy of quantum mechanics. New York: John Wiley & Sons, 1974. 12. Einstein, A., Podolsky, B., Rosen, N. Can quantummechanical description of physical reality be considered complete? Physical Review, n. 47, p. 777-780, 1935. Comemorando essa data histórica, em 8 de outubro último, na Base Naval do Rio de Janeiro, o CMG (RM1) Francisco Eduardo Alves de Almeida* proferiu a palestra que reproduzimos a seguir. C riada em 1942, a Força Naval do Nordeste tinha uma função operacional específica, que era o combate às forças submarinas do Eixo, por meio do estabelecimento de comboios na costa brasileira até Trinidad e de grupos de ataque antissubmarino. Entretanto, como historiador naval, reputo a criação dessa força como uma função política bem mais relevante que o aspecto meramente operacional. Ela foi o ponto de inflexão no desenvolvimento de nossa Marinha de combate. Pode-se classificar a Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial como antes e depois da criação da Força Naval do Nordeste. 13. http://www.fing.edu.uy/ if/cursos/fismod/cederj/ aula12.pdf 14. http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S180611172011000400003 15. Feynman, R. QED – The strange theory of light and matter. Princeton: Princeton University Press, 2006. 16. Selleri, F. El debate de la teoria cuántica. Madrid: Alianza Editorial, 1986. 36 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 37 Até o estabelecimento dessa força, em outubro de 1942, a Marinha do Brasil era uma força despreparada, com níveis de adestramento baixos e pouca motivação para o combate. Ao lermos os relatórios dos Ministros da Marinha dos anos 20, 30 e início dos 40, disponíveis no Arquivo da Marinha, pode-se perceber o baixo nível de aprestamento da força, retratado com muita ênfase pelos titulares da pasta. Talvez o mais emblemático seja o relatório do Almirante Protógenes Guimarães, ministro em 1932, que em seu relatório de final de ano para o Presidente da República Getúlio Vargas, afirmou, sem meias palavras, que “estamos deixando morrer a nossa Marinha. A Esquadra agoniza pela idade e perdido com ela o hábito das viagens, substituído pela vida parasitária e burocrática dos portos, morrem todas as tradições... Estamos numa encruzilhada: ou fazemos renascer o Poder Naval sob bases permanentes e voluntariosas ou nos resignamos a ostentar a nossa fraqueza provocadora... Estamos completamente despreparados”. A Força Naval do Nordeste veio mudar esse quadro de pessimismo e descrença. Novos meios foram incorporados e novas técnicas foram apreendidas por jovens oficiais motivados que guarneciam aqueles navios recém-adquiridos. Em essência, essa força foi formada por jovens com idades variando, em sua maioria, entre 22 e 35 anos. Os mais experientes, os capitãesde-corveta, comandantes dos mineiros classe Carioca transformados em corvetas e dos DEs classe Bertioga. Eram poucos os capitães-de-fragata. A Força Naval do Nordeste era realmente formada pela juventude brasileira. Morria a Marinha da descrença e nascia a Marinha da ação de combate. Enquanto escrevia esta alocução imaginei como poderia qualificá-la em poucas linhas, evitando um texto excessivamente laudatório que pregasse a infalibilidade dessa força naval. Por ser um oficial de marinha com formação em História, imaginei abordar esse tema sob dois pontos de vista distintos, que caracterizassem a Força Naval do Nordeste em sua essência. O primeiro ponto de vista se referirá ao aspecto material e o segundo ao aspecto humano dessa unidade naval. No primeiro aspecto, o de material, imaginei apontar que melhor meio de combate poderia qualificar essa força naval no que tinha de mais nobre. Cheguei à conclusão que, embora a Força Naval do Nordeste fosse composta de diversos tipos de meios, o seu mais representativo foi o caça-submarino, o “cacinha” para os seus tripulantes. Navios ágeis, modernos e acolhedores, os cacinhas representavam a essência da combatividade, tão desejada pela nossa Marinha. Eles eram de dois tipos, os caça-pau classe J e os caça-ferro classe G, maiores. Deslocando entre 130 e 280 toneladas, com tripulações variando entre 25 e 60 homens, respectivamente, os das classes J e G, esses navios possuíam uma pletora de sensores e armamentos modernos que afugentavam os adestrados submarinistas alemães. Eles eram empregados em missões antissubmarino, quer em patrulhas regulares quer em escoltas de comboios. Se o comboio passasse incólume, a missão tinha sido cumprida. O amor que as tripulações devotavam a esses navios era extremo. O “espírito de navio” prevalecia acima de qualquer outra característica. O meu grande amigo Almirante Hélio Leôncio Martins, decano de todos nós que trabalhamos com história naval no Brasil e ex-comandante do caça-submarino Juruena foi quem melhor descreveu o que era viver em um cacinha. Disse ele: “Quando se contar a história da Batalha do Atlântico, que se desenrolou junto à nossa costa, tão mortífera, tão rude, tão perigosa, ficará assinalada nessas páginas, em letras de ouro resplandecentes, a epopeia dos caça-submarinos. E lá vai o cacinha para as delícias do porto! Parece uma toninha alegre nos seus pulos. Bom cacinha. Velho caça-pau que veio fazer a guerra de viking nesta era do ferro, do conforto, do grandioso. Não pega nada caça-pau! Caíste em boas mãos... Caça-pau amigo, não tens corsários franceses, holandeses ou ingleses. Agora são alemães... O luso, o índio e o negro ainda estão nas almas dos que te manejam. Esteja descansado, meu caça-pau. Na esteira de teus antepassados, também de pau, que rondavam estas costas, tu, cacinha velho, em rumo certo, navegas para a história.” E digo eu que, por certo, para a História o cacinha navegou. Um segundo ponto de vista diz respeito ao fator humano, ao espírito que guiava aquelas tripulações, irmanadas em torno de um só objetivo: defender o Brasil, juntos, unidos, solidários. Todos compartilhavam a mesma comida e o mesmo desconforto, recompensados pela união espiritual de defender o Brasil. Os oficiais e praças dividiam experiências, dúvidas, temores e alegrias. As praças olhavam os oficiais com um misto de respeito e confiança, enquanto os oficiais os olhavam com um misto de camaradagem e companheirismo. Esse era o espírito do cacinha. A história não se faz só de documentos escritos, mas também de fontes orais que confrontadas com outras fontes, apresenta ao historiador um quadro próximo da realidade. Talvez o mais interessante depoimento sobre o espírito do caça-submarino componente da Força Naval do Nordeste seja o de João Palma Neto, na ocasião, marinheiro, que escreveu um interessante livro sobre suas experiências a bordo do caça-submarino Gurupá. Disse ele sobre o seu navio o seguinte: “Minha impressão do Gurupá foi indescritível. Nada nos faltava. Tínhamos um conforto invejável. O colchão dos nossos beliches era de peninha de papo de ganso, macio, meu Deus, de dar vontade de residir na cama. Nenhum almirante dormira em um igual... Os oficiais tinham um pouco mais de conforto. Um pouco mais apenas...eles eram os mais entusiastas do navio e compreendiam a necessidade de todos aqueles homens que com eles arriscavam a vida, terem o tratamento humano que o navio oferecia... Eis por que os cacinhas eram os navios em que nada pegava; não havia navios na Marinha capazes de competir com os caças naquelas coisas que dependiam da eficiência das guarnições... Havia crença, disciplina, ordem, eficiência, presteza, justiça, compreensão, decência, bondade, desassombro, franqueza, liberdade e tudo... Nada, absolutamente nada quebrava o ritmo dessa cadeia de sentimentos, aspirações e crenças que nos irmanava e que se solidificava a cada dia vivido... Um ambiente sadio, cheio de destemerosos, intrépidos, audazes, competentes, solícitos e humanos marinheiros. Uma escola de homens, de militares conscientes dos seus deveres e direitos fecha sapas. Palma Neto ainda em seu livro não esqueceu os oficiais que lideravam aquele valente cacinha. Sobre esses oficiais Palma Neto disse: ”Os comandantes Helio Ramos de Azevedo Leite, José Paulo de Albuquerque Guilhobel, o imediato Rubem da Costa Figueiroa, os tenentes Noronha, Tertius, Mallet e outros que se alternavam nos diversos postos de direção do Gurupá, foram homens cuja memória ficará para sempre com os seus comandados. Estive diante de tudo isso, quase a crer totalmente ser o homem produto do meio”, finalizou Palma Netto. Esse era o espírito que irmanava os homens dos cacinhas da Força Naval do Nordeste, uma força que transformou a Marinha do Brasil. Para que tenhamos uma ideia dos números alcançados pelos caça-submarinos da Força Naval do Nordeste durante a guerra aponto que os 16 caça-submarinos da força realizaram 4.329 dias de mar, o que dá uma média de 270 dias de mar para cada cacinha. O caça que mais dias de mar realizou na guerra foi o Guaporé, com 426. O comandante de caça que mais viajou foi o CT Oswaldo de Macedo Cortes, com 188 dias de mar. Enfim, realizações notáveis para pequenos navios. Caça-submarinos e homens destemidos, a fusão perfeita de uma nova Marinha que surgiu. Ao comemorarmos, no dia 5 de outubro, os 71 anos de criação da Força Naval do Nordeste, devemos nos lembrar de nossos antepassados que não estão longínquos. Eles estão ainda entre nós, vivos na lembrança e, mais importante, presentes na nossa história naval. A eles, os componentes da Força Naval do Nordeste, que labutaram não só nos pequenos cacinhas, mas nos velhos e honráveis Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, nos contratorpedeiros classe Marcílio Dias, nos inesquecíveis DEs e nos bravos navios mineiros transformados em corvetas classe Carioca. Como oficial de Marinha e historiador naval rendo minhas homenagens a esses bravos que exerceram com dignidade a nobre profissão de homens do mar. Viva a Força Naval do Nordeste!! Viva a Marinha do Brasil!! n *Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1) • Graduado, mestre e doutor em História, pela UFRJ. 38 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 39 Barcelona Barcelona rte VIAGENS A capital da comunidade autônoma da Catalunha é uma cidade vibrante e cosmopolita, com um vasto patrimônio cultural, que integra ruínas romanas, bairros medievais, magníficos edifícios do modernismo catalão e arrojadas construções contemporâneas. Além da riqueza arquitetônica, esculturas espalhadas em diferentes locais tornam a cidade ainda mais encantadora. A sua ampla agenda cultural contempla excelentes museus, galerias de arte e uma diversificada programação de espetáculos musicais e teatrais. Também conhecida pela ótima gastronomia e a animada vida noturna, Barcelona é um roteiro fascinante. ar éu ac o t r abe Texto e fotos: Rosa Nair Medeiros* Músicos se apresentam em uma das estreitas ruas do Barri Gòtic O centro medieval gravita em torno da Catedral de Barcelona Interior da Catedral gótica As delícias gastronômicas do Mercado La Boqueria I niciamos a jornada pela Plaça de Catalunya, o coração da cidade, rodeada de elegantes edifícios. Desse ponto de referência para barceloneses e visitantes, prosseguimos pela famosa La Rambla, um arborizado passeio de pedestres, que se prolonga entre a praça e a região à beira-mar. A movimentada alameda é composta por cinco trechos distintos, sendo também chamada de Las Ramblas (Les Rambles, em catalão). Ao longo do calçadão há bancas de jornais, floriculturas, lojinhas, cafés e restaurantes. Percorrendo a Rambla, podemos acessar o Grand Teatre del Liceu (1847), uma das 40 Um trecho das Ramblas, o arborizado passeio que une a Plaça de Catalunya ao porto antigo Revista do Clube Naval • 368 mais importantes casas de ópera da Europa; e o renomado Mercado La Boqueria, onde se encontra de tudo – frutas, pescados, embutidos, temperos, doces e muitas outras delícias gastronômicas. O boulevard estende-se até o imenso monumento em homenagem a Cristóvão Colombo, no Port Vell (porto antigo). A partir dali outras possibilidades de passeios apresentam-se ao visitante. Atrações da cidade antiga A área da Ciutat Vella (cidade antiga) inclui o Barri Gòtic, La Ribera e El Raval, que guardam importantes monumentos e Revista do Clube Naval • 368 Ao lado da Catedral, encontra-se parte da fortificação romana do século IV 41 construções históricas. O Barri Gòtic (Bairro Gótico), situado à esquerda de quem desce a Rambla rumo ao mar, contém vestígios de quando a cidade era um entreposto romano e belas edificações do período gótico, erguidas entre os séculos XIII e XV, quando Barcelona vivenciou uma época de ouro. O centro medieval gravita em torno da Catedral gótica, localizada na Plaça de la Seu. De quase todos os pontos do bairro avistamse os pináculos da igreja, erguida entre os séculos XIII e XV. O conjunto arquitetônico apresenta-se muito harmonioso e o interior possui detalhes góticos esplêndidos, como o coro lindamente esculpido. O claustro, com palmeiras, um pequeno “lago” e um grupo de gansos, chama a atenção dos visitantes. À direita da fachada principal da igreja, encontrase uma parte da muralha romana da cidade de Barcino, datando do século IV. As charmosas pracinhas também guardam testemunhos das origens da cidade. Na Plaça Ramón Berenguer há um dos maiores fragmentos da muralha romana do século IV. Uma das charmosas ruazinhas do Bairro Gótico No centro, destaca-se a estátua equestre do herói catalão do século XII, que dá nome ao local. Outra joia é a Plaça del Rei, onde está a sede do Museu d’Història de la Ciutat. O passeio na parte subterrânea permite ver as ruínas da antiga Barcino. Dividindo a atenção, ali se encontra o Palau Reial Major, que serviu de residência aos reis da Catalunha e Aragão. A sóbria Plaça Sant Jaume abriga a sede do governo autônomo da Catalunha, que funciona no Palau de la Generalitat, um prédio do século XV. Do outro lado, situa-se a Casa de la Ciutat (Prefeitura), do século XIV. Nessa incursão pelo bairro, a Plaça Reial é um ótimo lugar para fazer uma pausa. Cercada por edifícios do século XIX, possui altas palmeiras e as famosas lâmpadas, projetadas pelo jovem Antoni Gaudí, em volta da Font de Les Tres Gràcies. Circulando pelas estreitas ruas do quarteirão gótico, descobrem-se mais raridades históricas, ótimos bares para saborear tapas e muitas opções de compras, com lojas especializadas desde leques a alpargatas. Born, concentram-se bares, restaurantes e lojas sofisticadas, reunindo moradores e visitantes. O bairro também é famoso pela igreja Santa Maria del Mar, erguida em estilo gótico catalão, no século XIV. Não tem decoração opulenta, mas impressiona pela proporção arquitetônica, pelas amplas colunas e por seus lindos vitrais. Outra atração de La Ribera é o prestigiado Museu Picasso, dedicado aos primeiros anos da carreira do artista andaluz, que passou boa parte de sua juventude em Barcelona. A coleção possui mais de três mil obras, exibidas em cinco elegantes palácios Uma das salas do acervo apresenta seus estudos sobre a obra-prima “As meninas”, de Diego Velázquez. O artista Antoni Tàpies escolheu o bairro para instalar a sua escultura “Homenagem a Picasso” – uma composição ao estilo cubista protegida por um cubo de vidro. A obra está exposta no Passeig Picasso, avenida que acompanha o limite do Parc de La Ciutadella. Esse agradável espaço possui lindos jardins, um lago e abriga o zoológico da cidade. O parque foi erguido onde ficava a fortaleza construída após a Guerra da Sucessão Espanhola. Ela já não existe, o que restou foi a versão catalã do Arco do Triunfo, em frente à entrada principal. O Palácio da Música Catalã, localizado na divisa de La Ribera com o bairro Gótico, é uma das maiores contribuições do movimento modernista. A linda sala de concerto foi projetada pelo arquiteto barcelonês Lluís Domènech i Montaner, contemporâneo de Gaudí, e erguida entre os anos 1905 e 1908. A entrada com pilares de mosaicos coloridos e esculturas é apenas uma mostra da decoração interna, repleta de simbolismo. Os belos vitrais permitem a entrada de luz natural. A Casa Milà é um símbolo da cidade. No teto destacam-se as chaminés inspiradas em cavaleiros medievais El Raval, um mosaico cultural Situado no lado oposto ao Bairro Gótico, El Raval é um mosaico multicultural. Diferentes sotaques, do oriente e de outras partes do mundo, misturam-se nas suas ruas. Nos últimos anos, o bairro tem passado por uma transformação, tornando-se um dos points da moda. A revitalização a partir da década de 1990 fica evidente com a construção de edifícios modernos, praças e grandes avenidas. Mas El Raval preserva suas atrações históricas, como o Palácio Güell (1885-1889), uma das obras do período inicial de Antoni Gaudí, o maior expoente do modernismo catalão. O edifício possui o teto todo trabalhado e chaminés decoradas com azulejos coloridos. Impossível passarem despercebidas as formas e as cores dessa mansão, encomendada por Eusèbi Güell. O Museu Marítimo, instalado nos Reials Drassanes (estaleiro real), onde eram confeccionadas embarcações nos séculos XVIII e XIX, exibe um rico acervo, composto por barcos de pesca antigos, instrumentos náuticos, cartas do período das conquistas marítimas espanholas e uma réplica em tamanho real de um navio do século XVI. Outra visita imperdível é ao Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), um imponente edifício branco concebido pelo arquiteto americano Richard Meyer, onde acontecem diversas exposições temporárias. A coleção permanente contém mais de três mil trabalhos feitos no período posterior à Segunda Guerra, reunindo as mais recentes tendências da arte catalã e de movimentos internacionais que a influenciaram. L’Eixample e o legado de Gaudí A partir da segunda metade do século XIX, Barcelona experimentou um crescimento espetacular na economia com o início da industrialização. Essa riqueza impulsionou a cultura e as artes, que alcançaram o esplendor no modernismo catalão. Os arquitetos Antoni Gaudí, Lluís Domènech i Montaner e Josep Puig i Cadafalch consagraram-se como os principais artistas do movimento. O modernismo encontrou o terreno de experimentação no bairro L’Eixample, que teve origem com a expansão da cidade além das muralhas medievais, em meados do século XIX. No novo bairro combinouse o interesse por um urbanismo racional, destacando-se as largas avenidas, com as mais belas construções modernistas. Diante de tantas possibilidades artísticas, concentramos o roteiro nas realizações de Antoni Gaudí, o grande mestre do estilo. No Passeig de Gràcia, principal boulevard do bairro, está a inusitada Casa Milà (La Pedrera), Na fachada da Casa Batlló, Gaudí combinou diferentes formas e materiais A efervescência de La Ribera Mansões góticas, barrocas, ateliês e galerias de arte conferem uma atmosfera especial ao bairro La Ribera. Na área chamada de El 42 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 construída no início do século XX. As cavidades, relevos e ondulações na fachada conferem a aparência de um penhasco erudido; já a balaustrada de ferro das sacadas assemelha-se a plantas. No terraço, chaminés gigantes, inspiradas em cavaleiros medievais, vigiam a cidade. A casa, encomendada pela família Milà, foi apelidada, na época, de La Pedrera por habitantes da cidade, devido a sua aparência externa. Hoje é um dos símbolos de Barcelona. O primeiro andar é destinado a exposições. A exótica Casa Batlló, na mesma rua, captura a atenção. O prédio foi reformado por Gaudí a pedido do industrial José Batlló. Na fachada, combinou diferentes formas e materiais, usando curvas em ferro, pedra e trencadis (cacos de cerâmica). A fachada, cintilante e colorida, seguindo as curvas das mudanças de mosaico, parece coberta de escamas; o telhado lembra o dorso de um dragão. A parte interna prolonga esse universo de sonhos, com poços de luz, vitrais coloridos, portas e janelas que parecem retorcidas. O edifício, aberto ao público em 2004, também expõe móveis projetados por Gaudí. 43 O trabalho mais emblemático do artista, no entanto, é a igreja La Sagrada Familia, que está em construção desde 1882 e deve levar mais duas décadas para ser concluída. O projeto inicial era de Francisco de Paula del Villar. No final de 1883, Gaudí assumiu a obra com uma majestosa proposta. Das três fachadas projetadas, ele somente pode realizar em vida a do Nascimento (de Jesus), que apresenta detalhes rebuscados e muita presença de elementos naturais, como animais e vegetação. A fachada da Paixão (de Cristo), iniciada em 1952, é mais simples, com figuras de traços geométricos. A terceira, a da Glória, ainda não foi completada. As torres do Templo Expiatório da Sagrada Família podem ser avistadas de longe; ao todo serão 18. Mesmo inacabada, a igreja atrai milhares de visitantes que podem apreciar os detalhes das esculturas de passagens bíblicas que tomam conta das fachadas e das torres. No interior, destacam-se as colunas inclinadas e diversos símbolos. No subsolo, funciona o Museu Gaudí, composto por maquetes, fotos antigas e desenhos originais que retratam a história da igreja, além de material sobre a vida do artista. Outra obra marcante de Gaudí é o Parc Güell, situado no limite de L’Eixample com o bairro de Gràcia. Idealizado pelo empresário As pequenas “portarias” com chaminés em forma de cogumelo na entrada do Parc Güell A fachada do Nascimento apresenta detalhes rebuscados e muita presença de elementos naturais, como animais e plantas Eusèbi Güell para ser um condomínio, nunca foi concluído; e em 1922 tornou-se um parque público. O arquiteto teve a importante contribuição do seu discípulo Josep Maria Jujol, conhecido pelo hábil uso de trencadis. Mas o estilo de Gaudí está presente em todas as construções do parque. Na entrada, destacam-se pequenas “portarias” com chaminés em forma de cogumelos. No caminho principal, encontra-se a famosa salamandra coberta por ladrilhos, estirada na escada que conduz à Sala Hipóstila, sustentada por 86 colunas. Acima está a grande praça e o banco ondulante recoberto de trencadis, que a circunda. Além das obras dos modernistas, L’Eixample possui ousadas construções contemporâneas. Ao visitar o bairro, aproveite para conhecer a futurista Torre Agbar, na esquina da Avenida Diagonal com a Carrer de Badajoz. O edifício, em formato cônico, é o terceiro maior arranha-céu da cidade. À noite ganha iluminação especial, em tons de vermelho e azul. Na torre de design arrojado As torres da fachada da Paixão avistam-se de longe Interior da Sagrada Família 44 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 45 funciona a sede da companhia de água local e um espaço para exposições temporárias. A colina de Montjuïc Próxima ao centro, a colina de Montjuïc apresenta lindas vistas da cidade e do Mediterrâneo. A maior área verde de Barcelona é agradável para caminhar, visitar museus, prédios históricos. Ocupando posição estratégica, tornou-se o local principal de dois eventos internacionais: a Exposição Universal de 1929, da qual muitas estruturas continuam existindo; e os Jogos Olímpicos de 1992, quando passou por uma reforma e ganhou grandes espaços. O Anella Olímpica (Anel Olímpico) é o grupo de instalações desportivas feito para o evento. Montjuïc reúne várias atrações, entre elas o Museu Nacional de Arte da Catalunha (MNAC), sediado no Palácio Nacional – um prédio monumental, construído para a exposição de 1929. O acervo abrange coleções de arte românica (com peças resgatadas de várias igrejas da Catalunha), para ilustrar aos visitantes da Exposição de 1929 a arquitetura e artesanatos da Espanha. Retrata mais de 100 estilos de construção, com reproduções de casas, ruas, igrejas e praças. No local há bares e restaurantes que possibilitam conhecer mais da variada gastronomia do país. O moderno calçadão acompanha a orla, do porto antigo ao Port Olímpic O destaque é o extenso túnel transparente, onde o visitante fica virtualmente rodeado de peixes, enguias, tubarões e outros seres. A praia mais movimentada da cidade, La Barceloneta, fica a pouca distância do Port Vell e está situada no bairro de mesmo nome. Essa antiga área de pescadores também passou por uma revitalização às vésperas das Olimpíadas. Hoje ainda é conhecida pelos chiringuitos, pequenos restaurantes de frutos do mar. Prosseguindo pelo Passeig Marítim chega-se à região do Porto Olímpico e da Vila Olímpica, onde se encontra a imensa escultura em metal dourado, que lembra um peixe, de Frank Gehry. O Porto Olímpico ostenta uma bela marina e várias opções de restaurantes e bares – um convite tentador para saborear pratos típicos e apreciar a brisa do Mediterrâneo. Após uma agradável pausa na orla, continue circulando pela cidade e desvendando os seus encantos, pois Barcelona tem sempre algo a surpreender, a revelar. Um lindo mosaico artístico e cultural, que proporciona recordações inesquecíveis. n A orla de Barcelona O Castelo de Montjuïc, no topo da colina, proporciona belas vistas da cidade e do porto As praias da cidade exibem palmeiras, esculturas inusitadas, ciclovias e agradáveis áreas para pedestres. Ali também se encontram excelentes bares, restaurantes e casas noturnas sofisticadas. A moderna infra-estrutura é resultado das obras para as Olimpíadas de 1992, que proporcionaram reformas na orla e a criação de novas áreas de lazer. Um amplo calçadão, o Passeig Marítim, liga o Port Vell ao Port Olímpic (Porto Olímpico), margeando a praia. Os armazéns antigos foram substituidos por lojas chiques e uma elegante marina. Uma parte do Port Vell tornou-se o Maremàgnum, um grande centro de compras de frente para o mar. Também nessa área foi instalado o aquário de Barcelona, que reproduz diferentes habitats marinhos. *Capitão-de-Corveta (T) gótica, renascentista, barroca e a excelente coleção de arte catalã do século XIX a 1950. A região é também o lar da Fundação Joan Miró, considerada o museu que melhor ilustra a obra do mestre catalão. O espaço expõe esculturas, centenas de telas, além de milhares de desenhos e estudos do artista. O topo da colina é guarnecido pelo Castelo de Montjuïc, erguido no século XVIII sobre as ruínas de um forte. Das suas muralhas tem-se uma linda vista da cidade e do porto antigo. Próximo ao castelo encontra-se o Jardim Botânico da cidade, que apresenta um paisagismo de vanguarda. O Poble Espanyol é outra atração especial em Montjuïc. A vila foi erguida Vista panorâmica do porto antigo, a partir do Castelo de Montjuïc O Poble Espanyol reproduz a arquitetura do país 46 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 47 CRÔNICA EIS A QUESTÃO VIAJAR OU NÃO VIAJAR: malas, quando não violadas, que não aparecem à medida que os demais passageiros vão escasseando.... até que a esteira para, e se toma consciência de que ela não veio! Há, ainda, tormentas, nevascas, vulcões que cobrem o céu de cinzas e atrasam ou impedem voos, greves de funcionários, ou da companhia aérea, ou do aeroporto, terrorismo, vandalismo, engarrafamentos, comandantes irresponsáveis que espetam o navio nas pedras, maquinistas que acham que seus TAV são não de alta, mas de altíssima velocidade e acabam saindo pela tangente nas curvas, seguros de saúde que dificultam atendimento médico... O estresse não para aí; se ultrapassarmos esses obstáculos, aparecem novos: batedores de carteira, especialmente nas atrações e nos metrôs; táxis nos roubando, hotéis Luiz Sérgio Silveira Costa* “As viagens são fatais para o preconceito, o fanatismo e a estreiteza de vistas. Não se alcança um espírito aberto e da terra” Mark Twain 1 OS CONTRAS E OS PRÓS Воистину прекрасное искусство без границ! Мне кажется кавалеры- партнеры. кажется кавал V iajar torna nosso espírito aberto e generoso, já dizia Mark Twain, deixando de lado a sua mordaz ironia. Mas, atualmente, viajar tem nos reservado aborrecimentos, agonias e decepções. Em recente viagem, navegando pelos rios e lagos russos, nosso navio fluvial de borda baixa foi impedido de adentrar o imenso Lago Onega, pois havia uma tormenta por lá e perigo de o navio soçobrar, devido à altura das ondas, o que resultou em continuar a viagem por ônibus, em estradas sofríveis, pois o país, pela sua extensão, é, correta e diferentemente do nosso, ferroviário. O avião de São Petersburgo para Munique, da Lufthansa, quebrou, se atrasou por 15 horas, a companhia aérea lavou as mãos e a operadora é que teve que arcar com o hotel e a reformulação das visitas em Munique, o que, se não nos prejudicou a ponto de demandas judiciais, causou desconforto e cansaço, pois o programa foi cumprido, mas em ritmo mais corrido. Há, hoje, perigos e decepções demais, nas tentativas de afastar o preconceito, o fanatismo e a estreiteza de vistas. São, entre – Capisce? Eu também não! Acho até que já passou a estação de nome esquisito em que eu ia saltar, mas não dá para me mexer!!! Em Munique, só almoçamos em um pavilhão na Octoberfest porque a operadora tinha comprado os lugares na mesa, com meses de antecedência! Percebeu? Não é a mesa do refinado e atapetado La Tour d´Argent, com seus canards numerados e vista para o Sena e a Notre Dame de Paris, mas um assento num banco comunitário, apertado, sem encosto, para comer salsicha com chucrute, e um canecão de chope!!!! Nos hotéis, outras ameaças: é um típico ensaio e erro mexer naquela trapizonga hidráulico-cromada e conseguir-se que, no banho, saia água em cima, e não embaixo do chuveiro, e se obter a temperatura ideal, que não nos queime o corpo cansado, o cabelo arrepiado, os pés inchados, o joelho dilacerado... No hotel que ficamos em Munique, uma novidade high-tech! No frigobar, se você mexer em uma garrafinha ou lata, e tirá-la da posição de descanso, acionará um comando eletrônico direto para a sua conta, debitando o item como se outras: conexões aéreas que se frustram por atrasos nos voos anteriores; Imigrações plenas de cabines, mas parcas de funcionários, resultando em filas imensas e demoradas, deixando agoniados os que têm conexões; Inspeções de segurança aviltantes, à medida em que as máquinas vão apitando e vamos tirando cintos, sapatos, casacos.... e se tem que explicar que o tubo é um desodorante, o metal é de um suvenir... adicionando mais estresse a quem tem a célebre conexão; 48 caríssimos, atrações turísticas sempre cheias, filas para tudo. Certas delas, só comprando o ingresso antecipadamente pela internet, como a Santa Ceia, o afresco de Leonardo da Vinci no refeitório da Igreja Santa Maria delle Grazie, em Milão. Ver o Lago dos Cisnes no Ballet Bolshoi, em Moscou, sem ingresso antecipado? Nem pensar! Um simples passeio em roda-gigante, no London Eye? Só comprando antes! Além disso, é preciso compatibilizar a data do ingresso com a da estada no local, e rezar para que não haja imprevistos nos voos. Em Moscou, nove milhões de pessoas usam, diariamente, o metrô, tudo escrito em cirílico! Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 49 fosse consumido. Assim, nada de afastar as latinhas para colocar aquela banana ou água mineral, pois é confusão na certa, na hora do check out... A vantagem é que a camareira fica dispensada de checar diariamente o frigobar, e inexiste aquele funcionário que vai verificá-lo (e afana a gorjeta que você deixou para a camareira) quando você se vai, mesmo que você diga que não consumiu nada! Moral da história: redução de custos, especialmente da mão de obra! Há um outro ingrediente nesse melting pot: as companhias aéreas. Embora com voos lotados, estão falindo e enxugando custos para sobreviver. A gigante American Airlines foi comprada pela US Airways, que, silenciosamente, construiu um aeroporto novinho, e charmosíssimo, na desconhecida Charlotte, na Carolina do Norte, e lá fez o seu hub; usa aviões antigos, mas conservados, e comissários de bordo aposentados, que aceitam salários menores, como um plus. A comida, a de sempre: “chicken or pasta”. Lembra a história da aeromoça portuguesa, perguntando ao passageiro o que ele desejaria comer. – Quais são as opções – perguntou o sonolento cliente. – Comer ou não comer! –- respondeu a gaja, na sua lógica lusitana! A Alitalia vai falir se não lhe injetarem uma bolada de dinheiro. No Brasil, foi-se o tempo do glamour da Varig; com a TAM, vendida para a LAN, só a Gol voa para o exterior, e apenas para a América do Sul, podendo até vozear que não é por fraqueza financeira, mas para se adequar à política terceiro-mundista-mercosulista deste triste governo petista. Reparem como não há mais lojas de companhias aéreas. No máximo, um escritório pequeno, nem sempre em todas as grandes cidades, geralmente em apenas uma. Há um telefone disponível para informações, mas ações, só pela internet. Agora mesmo, ao voltar, tive que solicitar milhas à Lufthansa, somente pela internet, entrando e deletando, errando e acertando, indo e vindo, pois é o único meio de fazê-lo. As companhias estão cobrando refeições, taxando fortemente alterações em passagens, reduzindo a franquia das malas (breve pagaremos por elas!), reduzindo lugares na classe turística e aumentando na classe executiva (dão mais lucro) e, especialmente, dispensando funcionários. Hoje, você compra as passagens pela internet, faz o check in também pela internet ou pela máquina no aeroporto. Em breve, você retirará da máquina o tíquete da mala, o colocará nela e a despachará em um buraco no balcão da companhia aérea, que não terá nenhum funcionário! O aeroporto Schiphol, em Amsterdam, é o campeão da modernidade tecnológica, um deserto de funcionários. Por falar nos aeroportos, cogita-se que, também breve, só os que forem viajar poderão adentrar neles, o que tem grande vantagem: acabar com apupos ou tietagem a esportistas e celebridades, e afastar os indefectíveis ladrões de carteiras e malas...Os aeroportos serão um mar de tranquilidade, a não ser os velhinhos gritando e batendo com as bengalas nas máquinas, à la black bloc, sem saber como manejá-las, pois os filhos e netos não têm paciência para ensiná-los, considerando-os incapazes de aprender, mas capazes de lhes ajudarem financeiramente! Finalmente, com o desenvolvimento da tecnologia de drones, nossos voos, em breve também, poderão ser sem pilotos, com pousos suaves e perfeitos, sem pancadas ou quiques, como os Fórmula Um ao passarem nas zebras das pistas! Viajar está ficando uma corrida de obstáculos, e fazê-lo vai ser para os que têm saúde, bom humor e paciência, e os que acham que os benefícios são muito maiores do que as dificuldades, e que elas, depois de suplantadas virarão simples historinhas, motivo de gargalhadas nas reuniões familiares e com os amigos. Um benefício é especial e inequívoco: o crescimento pessoal e cultural, que não tem preço, e que está cada vez mais presente nos gastos das pessoas que podem enfrentar seus custos, e que é fundamental para que compreendamos outros povos, seus estilos e as suas duras e difíceis histórias, como a dos russos. Admiremos a sua disciplina, como a dos alemães, nos deliciemos com seus excepcionais e bem cuidados museus, palácios, igrejas e catedrais, parques e monumentos, e nos tornemos melhores indivíduos e cidadãos, crescendo em experiência e sabedoria, intelectual e espiritualmente, neste, embora cada vez mais complexo, radical e antagônico mundo, mas de extraordinárias realizações da humanidade, que muito nos sensibilizam ao conhecê-las de perto! Quem não chora ao colocar as mãos e rosto no Muro das Lamentações, em Jerusalém? Quem não se arrepia ao entrar numa pirâmide no Cairo? Quem não se sente pequenino ao entrar na Igreja de São Pedro, no Vaticano? Quem não fica estático, admirando, ad infinitum, os impressionistas do Musée d´Orsay, em Paris? Quem, mesmo católico, não se descalça e se reverencia ao entrar numa linda mesquita muçulmana em Istambul, ou na ortodoxa São Isaac, a igreja de mais belo interior do mundo, em São Petersburgo? Conselho de amigo: apesar das dificuldades, viaje! E viaje logo, pois a área física das atrações não varia, enquanto que a população aumenta, a mobilidade social cresce e as filas, consequentemente, aumentam. E viaje antes que os chineses o façam, o que já está começando a ocorrer. E aí, meu caro amigo, como eles se multiplicam como coellhos, pois comem com dois pauzinhos, não vai dar para mais ninguém!!! “Colombo partiu para a Índia e foi parar na América. Hoje, voamos para a Índia e pousamos na Índia. Nossas malas é que vão parar na América!” Aldo Cammarota 50 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 51 ESPAÇO CULTURAL DA MARINHA 2 O FLANELINHA DAS MOCHILAS R ecebi, há poucos dias, um email com um filmete sobre uma montanha-russa, em real e impressionante corrida. Lembrei-me que, há longo tempo sem ir aos parques da Flórida, desconhecia as novas atrações, como os da Universal, onde está o Harry Potter. Fui a Orlando, há menos de dois anos, em uma excursão, usando as vantagens de não necessitar alugar e estacionar carro, estudar mapas e GPS, entrar em filas, pagar ingressos.... Ao receber o e-mail procurei, na memória e na internet descobrir qual era e em que parque estava essa roller coaster, como são chamadas por lá. Descobri que é a Sheikra, e fica no parque Busch Garden, em Tampa, a duas horas de ônibus de Orlando, onde também estive. Suas características são: Sheikra (nome de um falcão africano, que mergulha em loops) é uma montanharussa construída entre as ”ruínas” de uma antiga civilização africana, que eleva os participantes a 61m, que descem em queda livre de 90º, a mais de 112km/h. É a primeira montanha-russa de queda livre que tem o loop Immelmann, gira de cabeça para baixo enquanto faz a curva, e tem uma segunda queda de 42m, em 80º, que passa por um túnel subterrâneo. São 1.000m percorridos em pouco mais de 3 minutos!! É só digitar “Sheikra Busch Garden”, no Google e ver os vários arquivos de filmes do You Tube. Viu? É mole? Enquanto a garotada ia e repetia essa loucura na Sheikra e em outras, o titio aqui virou tomador de conta, não remunerado, das mochilas deles, enquanto saboreava tranquilamente, um ice-cream. Essa loucura não era para mim! Como submarinista, não desconheço os efeitos da força centrífuga, pois os submarinos convencionais sofrem uma ação semelhante, mas sem loopings! Quando em esnorquel, se uma onda cobre o mastro de admissão de ar, ou o submarino perde cota mergulhando mais, a válvula do tubo de admissão de ar do esnorquel se fecha (é claro, pois, se não, entra água – e muita – no submarino) e o motor de combustão, que move o gerador que carrega as baterias do navio, não podendo mais puxar ar externo, começa a puxar ar do interior do submarino. Nessa ocasião, a turma põe a mão nos olhos e grita: “pára o motor, pára o motor, vai chupar meu olho”!!! Calma, minha gente, nessa situação, há pressostatos que atuam parando automaticamente o motor, mas, antes de eles atuarem, sentimos inicialmente, nos ouvidos, o ar escassear, o estresse ocorre e a 52 gritaria também (“pára essa m..., vai chupar meu olho”!!), na verdade, mais de tradição marinheira do que de medo. A Sheikra e outras montanhas-russas (por que chamamos de montanha-russa e de roleta-russa?), de exacerbação da força centrífuga, são desse tipo, de “chupar os olhos”, especialmente os duros de catarata, borrar as calças mais demodées, aliviar as fast food mais gordurosas, soltar as obturações menos profissionais (dentaduras, nem pensar em ir!!), deslocar os stents enferrujados pelas veias e pinçar as costas mais arriadas pelo tempo (haja fisioterapia, depois!!!)... É impressionante a quantidade de objetos que caem dos usuários dessas maluquices! É coisa pra gente jovem. Aos velhinhos, a tranquilidade do banco que não torce e nem vira de cabeça para baixo, vigiando as mochilas que não voam... É só não deixar pingar sorvete na camisa! A vida é sábia. Tudo tem o seu tempo, submarinos, montanhas-russas e sensatez. Quem não concordar com isso e desejar enfrentar os desafios, vai se sujeitar ao mico. E deve ter um bom seguro-saúde.... Tô fora!!! Prefiro ser flanelinha das mochilas. n ria ó Hist Um passeio pela Ray dos Anjos* Programe para um dia de sol, uma visita ao Espaço Cultural da Marinha. Não somente pela bela vista que o passeio proporciona, mas sobretudo pela oportunidade de conhecer um pouco do acervo da navegação da Marinha brasileira. *Vice-Almirante (Ref) Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 53 L ocalizado na Praça XV de Novembro, na Avenida Alfred Agache, s/n, privilegiado pela sua posição geográfica, às margens da Bahia de Guanabara, tem muito o que oferecer. Ao chegarmos, logo nos deparamos com o pátio tomado por várias embarcações, que são museus em separados como o Navio-Museu Bauru, que recebeu este nome em homenagem à cidade paulista de Bauru, e o Helicóptero-Museu que faz a alegria das crianças. O Submarino Riachuelo, que é a atração mais concorrida, nos remete aos antigos seriados da TV, como Viagem ao fundo do Mar. No momento, o Submarino Riachuelo está indo para a manutenção, voltando a ser exposto somente em 2014. Interior do S Riachuelo 54 A visita ao Espaço Cultural da Marinha se completa com o momento mais pitoresco que é o passeio marítimo até a Ilha Fiscal. A beleza do mar e a vista de boa parte da cidade se misturam à história e fascinam os visitantes. Ao desembarcar na Ilha, nos deparamos com o belíssimo castelo, estilo neogótico e famoso pelo evento do Último Baile do Império. Ao sermos recebidos por uma guia, somos também agraciados com uma verdadeira aula sobre a história da ilha, que antes tinha o nome de Ilha dos Ratos, e que pela sua beleza mereceu do Imperador Dom Pedro II a seguinte definição: “Um estojo delicado digno de uma brilhante jóia”. São muitas as informações que nos transportam para o Brasil Imperial. As explicações detalhadas da arquitetura rara do Século XIX, e as diversas curiosidades daquela noite em que aconteceu o Último Baile, como por exemplo, o mega “cardápio”, e a queda do monarca Pedro II ao chegar à Ilha para o evento. No momento não é possível apreciar alguns trajes do baile, a sala que os exibiam está em reparo, voltando em breve. Além da visita à Ilha Fiscal, há também o concorrido passeio marítimo a bordo do Rebocador Laurindo Pitta, que também oferece uma guia que acompanha os grupos explicando os locais históricos importantes durante a viagem pela Baía de Guanabara. O Espaço Cultural é integrado ao Complexo Cultural da Marinha, é o mais visitado. Ao sairmos do Espaço, mais adiante encontramos o Museu Naval que surpreende pela modernização. Ao entrarmos no museu, logo nos deparamos com os dois canhões que foram usados na Batalha Naval do Riachuelo. Revista do Clube Naval • 368 São informações valiosas de uma realidade fática, que com um olhar apurado para as exposições, aguça nos adultos a sede de saber, e desperta a curiosidade de crianças e adolescentes, como o menino Guilherme da Costa Freitas, de apenas cinco anos, que ao olhar os canhões, e ao ouvir falar em batalha, perguntou a sua tia “Tia, quando vai ter outra batalha aqui, porque eu quero ver.” Já o adolescente Rodrigo Cardoso, de 13 anos, perguntou: “Eu posso tirar uma foto pegando nesse canhão? Eu vou levar para mostrar aos meus colegas.” Importante o entusiasmo do adolescente que já começa a valorizar produtos culturais de qualidade. A exposição de duração permanente no Museu Naval é a Poder Naval na Formação do Brasil. Não obstante todas as exposições ali exibidas serem importantes, essa é a mais emocionante, por despertar de imediato uma noção de patriotismo, quando lemos o testamento do Almirante Tamandaré. Também é possível assistir aulas com o propósito de aprofundar o conhecimento sobre o assunto. A Biblioteca Central da Marinha é mais uma atração deste Complexo Cultural, e ao mesmo tempo, um acervo à parte, por liderar as bibliotecas volante e rotativa, além de outras integradas. Oferece ao público acesso on line, ou manuseio físico de seus exemplares. Uma ótima oportunidade de ampliar o seu conhecimento. Toda essa riqueza cultural está sob a égide da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. n *Jornalista O passeio a bordo do Rebocador Laurindo Pitta O belíssimo castelo da Ilha Fiscal Revista do Clube Naval • 368 55 conto histórico O PODER ! PRATAS AS H ! MIN PRATAS AS PRATAS! ! PRATAS AS MINH O Criador foi injusto ao limitar a inteligência do homem e não a estupidez. Einstein Domingos Castello BrancO* A enorme mansão vitoriana ficava em uma elevação voltada para a pequena praia de uma reentrância da baía de Narraganset, próximo de Boston. O lindo gramado circundante estendiase até quase a água. Na parte de trás, ele atingia um bosque de grossos carvalhos, compondo uma sólida moldura da casa, para quem vinha pela estrada. O cenário ainda abrangia um cais, onde atracavam uma lancha de grande porte e um veleiro de três mastros. As cavalariças, de um lado, e o pequeno “chalet”, no oposto, completavam o ambiente de luxo e bom gosto, ressaltado pela lua quase cheia. O carro do comandante Gustavo e sua mulher Paula se aproximou do estacionamento, indicado por um impecável fuzileiro naval. Eles chegaram na hora certa, marcada em um belo convite, enviado pelo Coronel MacKay, filho da anfitriã, a famosa e temida socialite, Sra. Jeanette MacKay. Ela era viúva de um grande empreendedor imobiliário, cujos antepassados escoceses fizeram sólida fortuna quando da construção de Washington, no final do século XVIII. Na atualidade, a família tinha grandes plantações de cana de açúcar em Cuba, na fazenda “Aurora”, encampada pelo governo de Castro, havia mais de uma década. Tal fato era objeto permanente de inconformada reação, por parte do clã proprietário. O Coronel MacKay, fuzileiro naval, era o encarregado da turma de Gustavo no Naval War College, em Newport. Os casais fizeram uma boa amizade pelo fato de os americanos terem um filho adolescente, fazendo intercâmbio no Brasil, na fazenda de uma irmã de Gustavo, em Goiás. Por essa notável coincidência, Gustavo, Jack, Liz e Paula se freqüentavam com assiduidade. Jack sempre quisera apresentar os amigos brasileiros à sua mãe. Essa era a ocasião. O final do inverno estava muito frio. Gustavo e Paula atravessaram depressa o estacionamento, notando a presença de vários fuzileiros navais 56 no entorno da grande casa. Além disso, viram muitos carros de alto luxo estacionados. Dois Rols Royce, algumas Ferraris, Mercedes, Cadilaques, Volvos, BMWs etc... Assim que chegarem à mansão, Revista do Clube Naval • 368 foram atendidos em uma antessala por um mordomo que recebeu o convite e lhes entregou um cartão com seus nomes, o posto de Gustavo, e as palavras Brazilian Navy. Uma porta enorme foi aberta e o casal de brasileiros adentrou no grande e ruidoso salão com fundo musical de um quinteto de cordas. Outro mordomo, vestido com um kilt escocês do clã dos anfitriões, recebeu o cartão e anunciou ao microfone: – Senhora e Sr. Capitão-de-Fragata Ferreira, da Marinha do Brasil! O casal se aproximou da pequena fila dos anfitriões, encabeçada pelo Coronel MacKay, também usando o kilt do clã, que os recebeu efusivamente, com abraços e beijinhos bem brasileiros. Em seguida, Jack deixou a fila e levou Gustavo e Paula através do salão, para apresentá-los à sua mãe, Sra. Jeanette MacKay. A matriarca estava sentada, majestosa, em uma grande cadeira de braços, empertigada e dominante, com seu belo cabelo branco. Ao saber quem era o casal, abriu um sorriso carinhoso e beijou efusivamente os amigos do filho e do neto. A troca de amabilidades terminou com uma frase incomum para a velha senhora: – Me chamem de Jeannie... A mansão dos MacKay tinha uma longa história para contar. Construída em meados do século XIX, desde então abrigava a família de longa tradição política, com senadores em todas as gerações. Além disso, o presidente Teddy Roosevelt, grande amigo dos proprietários, costumara hospedar-se com eles para fartas Revista do Clube Naval • 368 pescarias na baía em frente. O afastamento do burburinho urbano e político de Newport trazia-lhe mais tranqüilidade. Os luxuosos aposentos onde ele ficara foram batizados de “Amazon Corner”, após as aventuras, quase fatídicas, de Teddy na Amazônia brasileira, em 1913/14. Na ocasião, acompanhado pelo então Coronel Rondon, ele percorrera, com muitas dificuldades, um afluente “desconhecido” do rio Madeira, chamado de “rio da Dúvida” e que ganhara o nome de rio Roosevelt, em sua homenagem. (1) Assim, a decoração dos cômodos passara a ter motivos florestais, incluindo paredes e tetos verdes, com pinturas alusivas à selva e objetos típicos trazidos de lá pelo incansável caçador, e muitas fotografias da aventura. Havia até um fundo musical com cantos de pássaros gravados na região para maior autenticidade ambiental. Naquela noite Gustavo e Paula iriam conhecer os aposentos, por insistência de Jack. Era o primeiro semestre de 1974. A recepção comemorava os oitenta anos da Sra. MacKay. O presidente Nixon não pudera atender ao convite e se fizera representar pelo secretário de estado, Henry Kissinger. Vivia-se o atoleiro final da guerra do Vietname. Ou Guerra Americana, no dizer dos naturais do país, a qual se seguia à Guerra Francesa, contra seus ex-colonizadores.(2) O secretário viera acompanhado pelo CNO (comandante da Marinha), Almirante Elmo Zumwalt, pelo General Adams (comandante do Teatro de Operações do Sudeste 57 Asiático) e, também, o General Smith, Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais. Pelo menos uma dúzia de conhecidos senadores e deputados estavam presentes. Além deles, havia renomados e populares jornalistas, artistas e intelectuais. A Academia também se fazia representar por doutores das mais afamadas universidades de Boston/Cambridge, incluindo alguns prêmios Nobel. Dentre essa plêiade, destacava-se o escritor e roteirista Gore Vidal, de linhagem senatorial, em rápida ascensão para a fama. Ele inquietava a burguesia americana com atitudes incomuns para a época, tratando de homossexualidade em seus textos, como gay que era. Além disso, já fora alvo do “macartismo”, por alegadas simpatias com o comunismo, sem maiores consequências, devido ao sólido escudo da base familiar e das fortes conexões políticas. Dentre elas, a amizade e admiração recíproca com a Sra. MacKay, a quem ele iria saudar naquela noite. Burr, então seu livro mais recente, descrevia com maestria e língua ferina a sociedade e a política em Washington, logo após a fundação, ao início do século XIX. Segundo o autor, esse livro era o primeiro de uma série, em gestação, abrangendo a vida e a política na capital americana até meados do século XX. O conhecimento desse fato constituía uma ameaça latente para os políticos, residentes, arrivistas e frequentadores da capital da maior potência mundial. (3) Gore Vidal e a Sra. MacKay, sua confidente e principal informante, deliciavam-se com o exercício desse enorme poder. Não era à toa que ele a tratava com tanto carinho, chamando-a, na intimidade, de “Miss Jeanette”. Com isso, o mordaz escritor também aludia a uma devastadora pimenta com o mesmo nome. Oriunda do Suriname e usada na culinária escocesa, era também conhecida como “scotch bonnet” (gorro escocês), por seu tamanho, formato e cor. (4) A organização do requintado evento estava entregue a uma renomada empresa especializada, “La Maison des Templiers”, sediada em Boston desde meados do século XIX. (5) Os proprietários franceses mantinham a matriz em Paris, mas a filial americana, com três estrelas no Guide Michelin, era a jóia da coroa dos negócios. A crème de la crème dos bostonians usava seus serviços com freqüência, e estava muito satisfeita. A Maison escolhera monsieur de Grasse, seu melhor organizador, para a recepção de madame MacKay. Tratava-se de um autêntico metteur em scène, conhecido pela competência e verve nas reuniões mais sofisticadas da alta sociedade da Nova Inglaterra. Ele viera diretamente de Paris, trazendo consigo dois chefs, e um grupo de garçons e garçonettes, com uniformes desenhados pela Maison Dior. O cardápio era em francês e inglês. O mesmo avião trouxera os hors d’oevre e a pâtisserie das desserts, além dos vinhos franceses, com designação de origem controlada, oriundos de afamados terroirs de Bordeaux e da Borgonha. Também fora feita uma concessão aos jovens vinhos americanos do Napa Valey, na Califórnia. O uísque, naturalmente, saíra da sofisticada adega escocesa dos MacKay. Já os pratos principais eram tìpicamente americanos, preparados à francesa: lagosta e camarão. das próprias baías de Rhode Island, salmão das corredeiras do Maine e carnes especiais de rebanhos do Colorado. Era uma reunião tipicamente republicana. Na mesa principal pontificavam a Sra. MacKay, acompanhada pelo filho, coronel e anfitrião, e o secretário Kissinger. O móvel era longo o suficiente para acolher os congressistas, os militares de alta hierarquia e os principais intelectuais e políticos locais. As demais mesas eram redondas, com lugares marcados. Gustavo e Paula estavam na mais próxima à principal, que incluía John MacKay, filho mais velho do coronel, capitão fuzileiro naval, uniformizado. Nela, também havia outro militar fardado, o CapitãoTenente Zumwalt III, filho do CNO.(6) Uma linda jovem destacava-se nesse grupo. Era Margaux, neta de Ernest Hemingway, cuja família se tornara amiga dos MacKay durante o longo período em que o escritor vivera em Cuba. “Finca Vigia”, a propriedade rural dos Hemingway, era próxima da enorme fazenda “Aurora”, dos MacKay, que costumavam passar os invernos em Cuba. Além disso, houvera uma empatia imediata entre eles, devido aos temperamentos de Ernest e Jeanette. Eles celebraram juntos, em 1954, o recebimento do prêmio Nobel pelo escritor, decorrente da belíssima novela O Velho e o Mar escrita em Cuba dois anos antes. Também juntos, viveram o drama da encampação das propriedades pelo governo de Castro. Na realidade, os Hemingway se anteciparam aos fatos, ao saberem da próxima entrada em vigor de uma política de desapropriações. Saíram definitivamente da ilha em 1960 e foram morar em Idaho, EUA, onde Hemingway suicidou-se, em julho de1961. (7) (8) A saída dos MacKay da sua grande fazenda de açúcar fora muito mais traumática. A situação dos americanos em Cuba ficara insustentável após o fiasco da tentativa de invasão na baía dos Porcos bancada pela CIA, em 1961. Jeanette MacKay estava sem o marido quando teve de fugir de lá, às pressas, pela ameaça de invasão tanto por piquetes de campesinos como pelo governo de Castro. Ela mal tivera tempo de arrepanhar algumas roupas, poucos objetos de estimação, documentos e dólares em espécie. A orgulhosa senhora escapara durante a noite, ajudada por empregados fiéis. Usaram duas camionetas abarrotadas para ir até um pequeno cais dentro da propriedade. Lá embarcaram nos mesmos veleiro e lancha ora atracados no píer da mansão de Rhode Island, onde se comemorava o aniversário. Ao se afastarem do cais, ainda ouviram tiros em sua direção disparados pelos invasores da bela e luxuosa fazenda “Aurora”. A Sra. MacKay perdera o marido algum tempo depois. Sozinha, ainda era muito rica, com mansões na Florida e em Washington, além de uma cobertura triplex no Upper East Side, o ponto mais valorizado de Nova York. A Norman MacKay Foundation, criada no século Margaux Hemingway 58 Duke Ellington Lena Horne XIX, continuava atuante em ações educativas e filantrópicas, no Caribe e na América Central. Aliás, a nacionalização dos três colégios mantidos por ela em Cuba fora tão ou mais traumática para a velha senhora quanto a perda da “Aurora”, de “porteira fechada”. Ademais, a família ainda contava com vastas plantações de bananas em diversos países da América Central, em sociedade com os Dulles, cujo maior expoente, John Foster Dulles, também fora secretário de estado. A propósito, ele era muito citado por sua frase emblemática da posição americana no convívio com outros países: “Em política externa não existem amizades, mas somente interesses.” A Sra. MacKay desenvolvera uma fixação por não ter conseguido salvar a baixela de prata, presente do Sr. MacKay, ao completarem bodas de ouro. Era um conjunto raro, de mais de duzentas peças, oferecido pelo rei de Espanha no casamento do príncipe herdeiro da Suécia, ao início do século XVIII. Entretanto, o galeão espanhol Nossa Senhora das Virtudes, que transportava o tesouro para Estocolmo, fora assaltado por um pirata inglês (com carta de corso expedida pelo rei...) em pleno Mar do Norte, e a prataria acabara nas mãos de um nobre da Albion. Da Inglaterra para a Nova Inglaterra, fora um pulo. Jeanette MacKay amava suas pratas. Após a perda para os cubanos, sentia-se Revista do Clube Naval • 368 injustiçada sempre que oferecia uma recepção, sem poder usá-las. E culpava o governo americano por nada fazer para recuperar a nobre tesouro de volta. Ainda pior para ela, constava que a prataria era usada pelo próprio Fidel Castro. À noite, no seu íntimo, ela esperava tratar do assunto com o presidente Nixon. Como viera o secretário de estado em seu lugar, falaria com Kissinger. Aliás, talvez fosse até melhor, pois dizia-se que o secretário mandava mais que o presidente, embaralhado com inúmeros problemas nacionais e internacionais de dificílima solução. A festa, comandada por uma dupla de jovens apresentadores, se iniciara com um desfile de gaitas de foles escocesas e, no momento, estava em pleno desenrolar. Contudo, o ambiente era pesado. Os assuntos dominantes no salão eram os esforços americanos para salvar a face no final caótico da guerra do Vietname, e o recente reatamento das relações com a China, incluindo a aceitação de Taiwan como sua parte integrante. Falavase do consequente realinhamento político e estratégico/militar com a União Soviética no mesmo nível de interesse. Outra grande preocupação era doméstica. Tratava-se da reação agressiva da sociedade americana a todo aquele quadro deformado das políticas externa e interna da grande nação. Para piorar as coisas, o assunto Watergate se impunha, cada vez Revista do Clube Naval • 368 humana de Aspásia, segunda mulher de mais, como fator de grandes tensões para a Péricles. Sua atuação junto ao grande hoadministração Nixon. O gigante americano mem, até a morte dele em 429 a.C. causada estava com febre alta. pela peste, permeara as principais decisões A voz suave de Lena Horne, acompado extraordinário ateniense. Oriunda de nhada pelo notável Duke Ellington, flutuava uma família rica de Mileto, com refinada sobre o burburinho no salão. A chegada da educação, ela fora o protótipo da mulher sobremesa interrompeu esse dueto do melhor liberada em uma sociedade que negava jazz e os famosos astros se retiraram. O nome papéis relevantes ao sexo feminino. de Gore Vidal foi anunciado e ele assumiu o Bela, com sensível faro político, comumicrofone para saudar a grande dama. nicativa, oradora polêmica, amante Sua fala se iniciou cidas artes, reunira ao seu redor tando palavras recentes de os notáveis intelectuais e artistas Kissinger, na imprensa, que atenienses de então. Cultivara comparavam o momento firme amizade com Sócrates, partihistórico vivido pelos Estados cipando de suas aulas nos jardins Unidos, desde a vitória na II da Ágora, no meio de alunos de Guerra Mundial, com o ápice todo o mundo grego, dentre eles da civilização grega, no século V a.C., após as derrotas decisivas dos invasores perPéricles sas nas batalhas de Salamina (no mar), em 480 a.C. e Plateia (em terra), em 479 a.C.. O período de paz seguinte durara até 432 a.C., quando tivera início a guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta. Nesse meio século, florescera a época de ouro da civilização grega, baseada na Atenas democrática, como contraponto ao regime autoritário em Esparta. A analogia feita pelo secretário de estado se respaldara no exemplo da liberdade americana vis-à-vis o regime ditatorial e fechado da URSS. Gore Vidal ressaltou a figura ímpar do estratego Péricles, atuante por mais Gore Vidal de três décadas, como o grande líder dos atenienses, tanto nos campos político um jovem Platão, que registrava, cuidae militar como cultural e administrativo. dosamente, os ensinamentos do mestre. O A reconstrução de Atenas, destruída pela papel daquela mulher singular fora decisivo guerra, era uma síntese agregadora das no florescimento da cultura grega naquela sinergias surgidas naquela coletividade. A época de paz, com forte influência na culAcrópole, saqueada pelos persas em 480 tura ocidental ao longo dos séculos até a a.C., recebera prioridade nesses esforços, modernidade. pela conotação simbólica e religiosa. Gore Vidal assim concluiu: O orador destacou dentre os atores dessas – Aspásia, notável figura de vinte e cintransformações a figura essencial de Fídias, co séculos atrás, teve várias seguidoras na escultor e arquiteto, a quem Péricles delegou formação da sociedade americana, cujo paa sublime tarefa de criar, em mármore, granito pel moldou a construção deste gigantesco e ouro, a mensagem síntese da civilização e poderoso país, hoje líder das nações nos grega para os deuses e para os homens nos mais diversos campos da atividade humana. séculos futuros. Então surgiu o extraordinário É por isso que estamos aqui, homenageanconjunto de obras primas, que Atenas exibe do uma de suas principais representantes, a para o mundo desde sempre, mesmo maltraSra. MacKay, em nome das mulheres ametadas pela insensatez humana. ricanas e por tudo mais que ela representa O outro pilar desse arcabouço incomnesse momento notável de sua vida e da parável, prosseguiu o escritor, fora a figura história dos Estados Unidos. 59 Gen. Vo Nguyen A essa altura, todos os presentes estavam de pé, aplaudindo a figura hierática de Jeanette MacKay, muito emocionada, de pé, apoiada pelos filho e neto, agradecia com meneios da cabeça a consagração de que era objeto. Seguiu-se a entrada do superlativo bolo de aniversário, encimado por uma miniatura da estátua da liberdade. Ainda de pé, os convidados, apoiados pelo quinteto musical, cantaram os merecidos parabéns para a aniversariante. Enquanto o bolo era servido, o secretário Henry Kissinger usou da palavra, em nome do presidente Nixon. Ele fez o elogio a Jeanette MacKay, com as frases de praxe, alegando ser muito difícil acrescentar algo ao dito por Gore Vidal a respeito dela. Em seguida, com ar cansado e em tom de prestação de contas à audiência altamente qualificada, passou a abordar os assuntos que, sabidamente, tinham sido os mais falados naquele salão. Sobre a Guerra do Vietnã, disse que os militares americanos não estavam mais lutando nela, em cumprimento aos acordos de paz de Genebra, e conforme a política de “vietnamização”, adotada pelos EUA. Acrescentou, ainda, que o conflito prosseguia indefinido, entre os exércitos do Norte e do Sul daquele país, com forte apoio logístico americano aos sulistas e soviético aos nortistas. Evitou fazer qualquer previsão sobre o desfecho da guerra, e omitiu fatos importantes, certamente do conhecimento da maioria dos presentes. Assim é que nada disse a respeito Almte Elmo Zumwal das operações secretas da CIA no teatro da guerra, incluindo seu bombardeio contínuo, maior que em toda a II Guerra Mundial; e que isso não estava impedindo o crescente apoio soviético ao vietcong, através da famosa “trilha Ho Chi Minh”, pelo Laos e Cambodja. O secretário ainda citou, como sucessos da administração Nixon, a aproximação dos EUA com a China, as negociações com a União Soviética sobre redução de mísseis nucleares intercontinentais, e a 60 extinção do recrutamento militar obrigatório, substituído pelo serviço voluntário. Obviamente, nada falou sobre a crise do Watergate. Finalmente, convidou os presentes a fazerem um brinde à aniversariante, com todos de pé, exceto a Sra. MacKay, que tentara levantar-se, sem sucesso, mesmo ajudada pelo filho e pela jovem Margot Hemingway. A reunião se aproximava do fim. Jack e Liz MacKay, conforme prometido, convidaram os amigos brasileiros, Gustavo e Paula, para visitarem os aposentos usados pelo ex-presidente Roosevelt, no “Amazon Corner” da mansão. De fato, era uma oportunidade imperdível, e os quatro se dirigiram para o local, não muito distante do salão. Eles já tinham percorrido boa parte dos aposentos, com grande atenção e curiosidade, quando, subitamente, apareceu John MacKay. Visivelmente constrangido, ele disse ao pai que sua presença era necessária no Revista do Clube Naval • 368 salão, com urgência. No breve percurso até lá, Gustavo e Paula, souberam que o problema era causado por Jeanette MacKay. Era patética a cena que encontraram no salão, em total silêncio. A matriarca, visívelmente embriagada, se recusava, em alto e bom som, a passar para a cadeira de rodas que a levaria para fora do ambiente, mesmo ajudada por Margaux e uma outra senhora. A anfitriã repetia um mantra, entre uma frase desconexa e outra: – Eu quero minhas pratas de volta!!!...Eu quero minhas pratas!!! – Esses comunistas roubaram a minha baixela de prata!!! Aqueles barbudos filhos da puta sumiram com minhas pratas!!! Cabrones! Tal cena tinha sido antecedida por uma tentativa de conversa civilizada da velha senhora com Kissinger, em que ela lhe pedira para mandar recuperar seu tesouro à força, usando os Marines... A resposta conciliatória do secretário, alegando as dificuldades do momento no Sudeste asiático, fizeram-na dirigir-se aos militares de alta patente presentes. Encarando os constrangidos General Fuzileiro Naval Smith, Almirante Zumwalt (CNO), e General Adams, do Exército, ela argumentou, elevando a voz e calando os demais convidados no amplo salão: – Eu não entendo por que nossos bravos fuzileiros não podem resolver essa parada! Nós sempre fizemos isso! Eu conheço esses cubanos! Eles são uns frouxos! Henry Kissinger Revista do Clube Naval • 368 Meu filho e meu neto são fuzileiros navais e estão prontos para ir até aquela ilhota e trazer minhas pratas! Os MacKay deram seu sangue em todas as guerras dos Estados Unidos! Nós não somos covardes! Jack e John MacKay, com apoio de Margaux Hemingway, conseguiram suspender Jeanette e colocá-la na cadeira de rodas. Em seguida, a empurraram devagar para a porta dos fundos, entre as mesas, cruzando quase todo o salão. Foi um verdadeiro desfile, com a matriarca brandindo uma bengala e vociferando, entre lágrimas: – Cabrones! Ladrones de cuatro esquinas! Hijos de una gran puta! Mi vajilla de plata! Mis platas!.. Para alívio geral, a Sra. Mac Kay desapareceu em direção a seus aposentos. Um silêncio tumular indicava o constrangimento total dos convidados. Ninguém se mexia, esperando que algo acontecesse. O anfitrião, Coronel Fuzileiro Naval Mac Kay, veio ao microfone e tentou explicar e pedir desculpas pelo ocorrido, em nome de sua mãe. Súbito, alguém iniciou uma salva de palmas, que explodiu em uma verdadeira ovação, com todos de pé, repetindo, em uníssono: – MacKay! U.S.A! MacKay! U.S.A! MacKay! U.S.A! A despedida dos convidados foi demorada e emocionante. Jack MAcKay e família, em fila junto à porta do salão, foram objeto de demonstrações de carinho e apoio de Kissinger e de seus oficiais generais, dos políticos, intelectuais, doutores e professores, e dos vizinhos das mansões mais próximas. Gore Vidal, abraçou-se longamente com Jack MacKay e prometeu-lhe voltar na semana seguinte para visitar a amiga. O Comandante Ferreira e Sra. foram dos últimos a se despedir, com abraços e beijos bem brasileiros. Gustavo e Jack iriam se encontrar no Naval War College, na semana seguinte, quando comentariam o ocorrido. O casal caminhou com dificuldade até o carro devido ao grosso tapete de neve, caído nas últimas horas. O final do inverno ainda prometia muito. O Boston Globe de domingo noticiou, com fotos e detalhes, a festa da Sra. MacKay, mencionando a presença de Kissinger e elogiando os aspectos sociais do encontro. Nada foi mencionado sobre o ocorrido com a anfitriã...(9) Quanto às “suas pratas”, elas continuam bem guardadas em uma despensa no palácio presidencial de Cuba, em Havana. Vai ser meio complicado tentar tirá-las de lá...” n 61 Notas (1) Rondon deu-lhe esse nome por ter dúvidas se o rio era afluente do Madeira, para poder usá-lo como referência na extensão de uma linha telegráfica em direção ao rio Amazonas; Roosevelt aderiu à idéia, de pronto, por tratar-se de um verdadeiro desafio. (2) Em 4/10/13, faleceu o general Vo Nguyen Giap, “a raposa da selva” aos 102 anos; frágil, com pouco mais de 1,50m de estatura, ex-professor secundário, foi um dos maiores estrategistas da História; conduziu os vietnamitas a vitórias definitivas contra franceses (1947/1954), americanos (1964/1975) e chineses (1979-jan/ mar); honra ao mérito deste extraordinário militar e cidadão. (3) A série, de seis livros, foi publicada de 1973 a 1990 e ganhou o nome de “Narrativas do Império”º; mulheres dominadoras estão sempre presentes em suas tramas. (4) A propósito, havia uma competição na TV escocesa, com o desafio de comer uma “jeanette” inteira, sem chorar. (5) ”La Maison des Templiers” – “A Casa dos Templários.” (6) O tenente Elmo Zumwalt III comandou uma lancha-patrulha no rio Mekong, por mais de 2 anos; nesse período, ele foi exposto ao “agente laranja”, desfolhante altamente tóxico; seu emprego nas matas do Vietname, do Laos e do Cambodja, visara a expulsar as populações do campo e expor os vietcongs ao armamento americano; essa prática fora da responsabilidade dos comandante militares dos EUA na área, seu pai dentre eles; os efeitos desse tóxico (dioxina) nas populações e combatentes (dos dois lados) foi devastador, atingindo o meio ambiente e milhões de pessoas, por décadas, em uma das maiores catástrofes provocadas pelo próprio homem; Elmo Zumwalt III morreu de câncer, aos 42 anos, pelos efeitos do veneno; seu filho, Elmo Zumwalt IV, neto do CNO, também foi afetado, sofrendo graves disfunções neurológicas; o mesmo continua ocorrendo até a 4ª geração dos atingidos pela guerra. (7) A “Finca Vigia” foi desapropriada pelo governo cubano, após a morte, do escritor; quase abandonada durante algum tempo, tornou-se um museu que atrai bastante turistas; por ironia do destino, Hemingway atuou como agente da CIA, nas duas décadas em que lá viveu. (8) Houve cinco suicídios, em quatro gerações da família Hemingway, incluindo o pai do escritor e sua neta Margaux, aqui citada. (9) O presidente Nixon renunciou poucos meses depois, em 9 de agosto de 1974, devido ao escândalo do Watergate; Saigon foi ocupada pelos “vietcongs” em 30 de abril de 1975, encerrando a guerra do Vietname; os EUA tinham enviado ao Sudeste Asiático quase três milhões de militares, durante mais de uma década de conflito; terminaram derrotados, com a perda de quase 60.000 vidas, mais de 300.000 feridos e desaparecidos, e outras centenas de milhares de combatentes atingidos pelos efeitos monstruosos do “agente laranja”, durante gerações. *Contra-Almirante (Ref) [email protected] reflexão Gentileza gera gentileza Texto e fotos: H á muitos anos andava pela ruas do Rio de Janeiro um homem que carregava nas mãos, à semelhança do profeta Moisés, duas tábuas cheias de frases religiosas. Algumas eram confusas, mas ele as repetia com insistência a todos que passavam. Esse homem poderia ter sido ignorado, considerado um dos muitos desequilibrados que percorriam as ruas dizendo coisas sem sentido. Porém, acabou se tornando tão conhecido em sua época, que até hoje muita gente se lembra dele. Inicialmente foi conhecido como “Gentileza”, depois o povo lhe deu o título de “Profeta Gentileza”. Após a sua morte, paineis contendo suas frases de paz e amor, pintados nas pilastras do viaduto do Caju, foram restaurados e são conservados. O que teria provocado a sua fama se alastrar tão rapidamente, até mesmo por outros estados do país? Qual o motivo de tanto carisma? A razão desse fato inusitado está contida numa frase, repetida em todos os seus sermões: “Gentileza gera gentileza”. Não é um dogma religioso, nem um princípio moralista, tampouco um jargão político. Somente uma frase, curta e simples, apenas com três palavras. Mas Claudio Fabiano de Barros Sendin* se atentarmos bem, veremos que nessas palavras existe uma profunda verdade. Sem dúvida, foi essa a razão de o Profeta Gentileza ter obtido tanto sucesso. Embora a maioria do povo não tivesse consciência, tais palavras atingiam diretamente o coração de todos. Quem as ouvia uma vez, jamais esquecia. Em pouco tempo, nos quatro cantos da cidade, pessoas que viram ou ouviram falar do Gentileza comentavam umas com as outras, e a frase “gentileza gera gentileza” virou uma expressão popular. 62 Tal fenômeno não aconteceu por acaso. O mundo é formado por sociedades extremamente competitivas, onde os homens, mulheres e até mesmo as crianças tornam-se cada vez mais agressivos e maldosos, cheios de pensamentos e emoções de inveja, rancor, desconfiança e medo, os quais geram novos pensamentos de igual teor. Nem mesmo as religiões, que pregam o amor, a caridade e a paz, conseguiram tornar o ser humano mais altruísta, pois a maioria dos chefes religiosos competem entre si em suas igrejas, cada um reivindicando a supremacia de sua religião, falando em nome de Deus e agindo como empresários ambiciosos. Em alguns países, onde impera a impunidade e se premia os criminosos, costuma-se pensar que, se as leis forem cumpridas, se os criminosos forem punidos, o mal acabará. Para isso, fazem até passeatas clamando por justiça. Ótimo se o problema fosse tão simples. Mas não é bem assim. A árdua tarefa de fazer cumprir as leis é apenas um paliativo. Nunca mudará a tendência das sociedades de se tornarem cada vez mais competitivas. Então, como reverter esse processo que se alastra tão rapidamente? Como tornar os Revista do Clube Naval • 368 seres humanos mais altruístas, honestos, solidários e amorosos uns com os outros? A solução não é simples. Está nas entranhas da capacidade de compreensão humana. Está na vontade de cada indivíduo de transformar sua própria mente, de adotar uma maneira altruísta de viver, cooperando ao invés de competir com o próximo. Uma sociedade mais gentil A educação das crianças, parece ser o único caminho possível para se desenvolver uma outra mentalidade humana, sem os vícios da sociedade competitiva. Qualquer educador sabe que é justamente na primeira infância que as mentes estão mais ávidas de informações, captando e armazenando na memória tudo o que ouve, vê e sente, e que tudo isso irá moldar o seu futuro caráter. Ao invés de continuar a incutir em suas mentes a necessidade de competir e de vencer os coleguinhas, por que não mudar o enfoque e passar a ensinar que vencer na vida é vencer suas próprias dificuldades; é vencer a preguiça de ir à escola e estudar; é vencer o impulso de tomar os brinquedos dos mais fracos e a vaidade de se achar mais inteligente que os outros. Ensinar também a elas o que é o respeito sem submissão. Respeito à opinião dos outros, mesmo que seja diferente da sua. Respeito aos colegas, mesmo aos mais tímidos. Respeito aos idosos. Respeito à cidade. Respeito aos animais. Respeito à natureza. E certamente, na medida em que aprenderem a respeitar, começarão a ter atitudes mais gentis. Ensinemos a elas que todos nós, crianças e adultos, fazemos parte da humanidade. Somos pequenos bichinhos que habitam uma enorme bola feita de terra, de água e de plantas, onde construímos nossas cidades e países. E para nós todos vivermos bem, só depende de nos ajudarmos mutuamente. Aprenderão assim o que é altruísmo. Aprenderão a restringir a competição somente aos esportes, e a viver em colaboração com os outros. A mudança na educação será um grande passo a favor do progresso humano. As crianças finalmente poderão aprender o que significa a frase “gentileza gera gentileza”. A gentileza carrega consigo a solidariedade. E muito mais: o amor. Não o amor paixão, que é atração sexual, cheio de conflitos mentais, com o qual Revista do Clube Naval • 368 é frequentemente confundido. Mas o amor verdadeiro, desinteressado, solidário e altruísta. Quando se faz uma gentileza, junto com ela vai uma vibração mental desse amor, que, de forma consciente ou não, é assimilada e provoca uma sensação de simpatia, “amolecendo” o coração do próximo, tornando-o receptivo. A gentileza é sempre uma atitude altamente positiva e geradora de uma resposta da mesma qualidade. É uma espécie de tratado de paz. É uma discreta O Profeta Gentileza em Ouro Preto, MG 63 e elegante declaração de amor. Por isso esta homenagem ao nosso “Profeta Gentileza”. Ele prestou um real serviço à humanidade, pois suas palavras, de tão verdadeiras, foram capazes de ultrapassar a densa barreira da competição humana e alojar-se em inúmeros corações. É muito bom repeti-la sempre que possível.n *Cartunista e Diretor de arte sendino.claudio.gmail.com sendino-amigos.blogspot.com/br MARINHAGENS FLAGRANTES DA VIDA NAVAL NAVEGANDO NOS“MICOS” Celso de Mello Franco* Mico terceiro A ideia não é nova, até porque a revista Seleções vem publicando algo do mesmo gênero com um sucesso de décadas. A vida de Marinha, porém, é um ambiente de infindáveis histórias. Mande-nos as suas, e vamos nos divertir com elas. (N.R) S empre defendi, com os colegas diretores culturais do clube, que a nossa revista deveria ser muito mais recreativa do que instrutiva, como eram as Galeras do meu tempo de aspirante, com quatro edições e, vendida nas bancas de jornais da Cinelândia e adjacências. Enfatizava que a nossa revista, deveria ser como uma Galera dos sócios, não apenas para ser lida por eles, mas, principalmente, por seus familiares e amigos. Revista para o lazer enfim e, com artigos curtos para não se tornarem enfadonhos. Aproveito para, neste artigo, quebrar um jejum de quase quatro anos, agora que, na diretoria cultural, tenho um amigo, meu ex-aspirante. O título deveria ser: “Coletânea de baixos” mas, coerente com o que proponho, preferi o termo “mico” mais do conhecimento dos não navais. Vamos a eles, todos ocorridos nas nossas viagens ao exterior. Mico primeiro Em Paris, 1950, eu de férias, guarda-marinha, acompanhado de mais três colegas, quando lá passamos os melhores vinte dias de nossas vidas. Afinal, tínhamos 23 anos, 2 mil dólares no bolso e os oficiais do Navio Escola Almirante Saldanha estavam em Barrow in Furnees, lá na Inglaterra. Estávamos jantando, como fazíamos todos as noites, às 20h30min, no restaurante ao lado do nosso hotel,em Montmartre, preparando-nos para curtir a noite parisiense, quando o colega que falava um francês digno da Academia Francesa, sugeriu que, áquela altura, com mais de quinze dias em Paris, o colega que pior francês falava, pedisse manteiga para nós quatro. Alertou-lhe de usar o artigo indefinido “du” antes da palavra “bérre”, a fim de não agredir a gramática. Assim foi feito o pedido e, qual não foi a nossa surpresa, quando alguns minutos depois a garçonete nos traz “deux biérres”, graças à péssima pronúncia do pedinte e, ao ser notificada do engano, involuntário, reagiu no mais puro estilo crítico parisiense: Monsieur, vous ne parle pas français, encore? Mico segundo Ainda durante a minha inesquecível viagem de guarda-marinha, em 1950, local: Portsmouth, sul da Inglaterra. Visitávamos o Porta Aviões Implacable. De repente toda a esquadra inicia uma salva de vinte e um tiros pelo nascimento da princesa Anne. Somos convidados para a praça d`armas para o brinde comemorativo. Por causa disso, um colega que falava mal inglês, perdeu-se do grupo e, ao invés de perguntar a um membro da tripulação:”Were are my friends?”, disse a seguinte barbaridade:”Were are my fathers?”, que motivou a resposta lógica do interrogado: “I don`t know, probably, in Brazil.” 64 Gibraltar, primeiro porto estrangeiro, em 1946, viagem da Escola Naval à Europa a bordo do NE Duque de Caxias: um colega sentase num café local e ordena solenemente: ”I want, please, tea and Petrópolis toasts.” Mico quarto Mesma viagem em Lisboa: Um aspirante pergunta a um local, lisboeta, portanto: “O senhor sabe onde fica a rua tal?”. Resposta mal humorada: “Natural que sei. Moro aqui. E foi embora furioso.” Mico quinto seu andar e ele pergunta ao cabineiro: “O senhor está subindo?” Resposta do cabineiro: “Não, estou parado.” Mico sétimo Eu, em Lisboa, em 1989, no hotel Astória, pergunto ao garçom: “A que horas escurece?.” Resposta lógica: “Nunca, quando escurece acendemos as luzes.” Mico oitavo Eu, ainda em Lisboa, na mesma viagem, numa loja de roupas, pergunto ao atendente: “O senhor tem agasalhos de cashimire irlandesa? Mico nono O oficial mais antigo da MB, levantando um brinde ao final do almoço na base naval Vernon,da Royal Navy, em Portsmouth, na viagem de guardas-marinha do NE Custódio de Mello em fevereiro de 1964: To his Magesty The Queen! Comentário de um oficial inglês, sentado ao meu lado: “I never heard a toast like this.” Mico décimo Já na reserva, meu saudoso amigo, Almirante Max Justo Guedes, num carro alugado,em Lisboa, dentre tantas viagens suas a Portugal, dirigindo-se a Cascais, tem dúvidas, e a certa altura pergunta a um local: “Senhor, eu gostaria de ir para Cascais” Resposta do interrogado, curioso: “E por que não vai?” Um guarda-marinha da turma Beauclair, na viajem de instrução, quando em Londres, ao pisar no pé de um inglês, no Underground, ao invés de dizer: Sorrry, disse à atônita vítima: Thank You, passando certamente, por um tarado em pisar pés. Mico décimo primeiro Mico sexto Na década de 80, o meu não menos amigo, Almirante Henrique Sabóia, Ministro da Marinha, em um hotel de luxo em Lisboa. O elevador para no Revista do Clube Naval • 368 Resposta do empregado: “Não senhor.” Observação de minha mulher bem mais observadora do que eu: “Mas, senhor, eu estou vendo ali adiante um balcão de abrigos de cashimire.” Resposta do empregado: “A loja tem, eu não.” Durante o recebimento do NAel Minas Gerais, nas suas obras de modernização no Estaleiro Verolme, na Holanda, eram frequentes Revista do Clube Naval • 368 65 as reuniões entre uma equipe da Verolme Ship Yard e nós , da Braznavy, para discutir detalhes de instalação de algum item, previsto no contrato. Assim é que, numa reunião para se resolver detalhes da instalação da bancada da “Soda Fountain”, na coberta de rancho da guarnição, presentes três representantes de cada lado, sendo do nosso o mais graduado um capitão-de-fragata e, do lado do Verolme, também três engenheiros seniores, aconteceu o seguinte “mico”, totalmente inusitado, fruto do esforço de se discutir em inglês, língua oficial do contrato: O nosso representante mais graduado, no ardor e entusiasmo de sua argumentação trocou as iniciais das palavras do tema da discussão, a “Soda Fountain”, o que provocou uma estrepitosa gargalhada dos dois brasileiros que completavam o nosso lado e a estupefação dos três pobres holandeses. Mico décimo segundo E, para encerrar com fecho de ouro: Viagem de guarda marinha, 1950, no porto de El Ferrol Del Caudillo, Galicia, Espanha. Almoço de confraternização entre a guarnição do Navio Escola Almirante Saldanha e a da base naval espanhola: Ao término do banquete um sargento nosso, entusiasmado pelo momento e, mais ainda, pelo generoso vinho espanhol, saiu-se com esta pérola, ao se levantar, pedindo que todos presentes lhe acompanhassem: – Num brinde a El Ferrol del Carillo! *Capitão-de-Fragata (Ref) . A I R R SVOOCÊ ESTÁ SENDO serviços da mb O D A C I F I T N E ID A IDENTIFICAÇÃO NA MARINHA DO BRASIL HARLEY PESSANHA SANTOS* A Marinha do Brasil (MB) desde a criação do Gabinete de Identificação da Armada (GIA), em 21 de janeiro 1908 buscou, continuamente, o aprimoramento na área de identificação, por meio da utilização de recursos tecnológicos, para a melhoria dos seus processos. Nesses mais de cem anos de existência, a MB pode orgulhosamente atestar que já faz parte do seleto grupo precursor de organizações que utiliza a captura digital para a identificação do seu pessoal. A evolução nos processos de emissão dos cartões de identidade é relativamente recente. Até 1996, as identidades eram individualmente datilografadas com máquinas de escrever mecânicas ou elétricas e as fotografias coladas manualmente na carteira de identificação. As informações armazenadas nos microcomputadores disponíveis naquela época, não estavam ainda interligadas de forma sistêmica. Foi desenvolvido, entre 1996 e 1998, um módulo de impressão informatizado denominado Sistema Informatizado de Emissão de Identidades (SINEI), que aperfeiçoava a impressão dos cartões de identidade significando um grande avanço, pois a fotografia colorida passou a ser impressa diretamente na cédula da carteira de identidade, enquanto as máquinas de escrever eram definitivamente aposentadas. 66 Somente em 1998 foi criado o Sistema de Gerenciamento de Identificação da Marinha (SISGIM), o qual se pode considerar como o primeiro sistema de identificação, levando-se em conta que, mesmo com a limitação tecnológica dos microcomputadores, a informática já possibilitava os primeiros passos no processamento de diferentes módulos integrados no controle e execução da identificação. Algumas incompatibilizações decorrentes da utilização do SISGIM foram determinantes para o desenvolvimento do novo sistema junto ao Centro de Análises de Sistemas Navais (CASNAV). Em novembro de 2009, com a implantação do SIMWEB, foi obtido um sistema integrado em rede, inteiramente voltado à atividade-fim do Serviço de Identificação da Marinha (SIM). Essa tecnologia permitiu à MB alinhar-se aos requisitos exigidos na implantação do smart card. O SIMWEB entrou em operação simultânea no SIM e em todos os Postos Locais de Identificação da Marinha (PLIM), localizados nos Distritos Navais e na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia, em substituição ao antigo sistema. Também representou um marco na aplicação da tecnologia digital de identificação para a MB, o que o torna singular e especial. Esse sistema utiliza o reconhecimento da impressão digital com o uso de leitor óptico para a coleta das digitais, eliminando o tradicional entintamento Revista do Clube Naval • 368 dos dedos, bem como a desmobilização dos ateliês para fotografias, com a integração das webcams às estações de trabalho dos identificadores datiloscopistas. O atendimento aos usuários passou dessa forma a ser realizado em um único guichê para captura das digitais, fotografia, coleta de dados e pagamento (desconto interno em bilhete de pagamento) com expressiva redução no tempo de atendimento. A partir das informações coletadas nesse leitor biométrico, o SIMWEB poderá se integrar ao Sistema de Identificação Automatizada de Impressões Digitais (AFIS) tornando possível, em pouco tempo de pesquisa e com apenas um fragmento de impressão digital, a identificação de qualquer indivíduo cadastrado. Para a obtenção desse resultado rápido, haverá entretanto, a necessidade de ser estabelecido um Convênio ou um Termo de Cooperação com o Instituto Nacional de Identificação (INI) para utilização de terminais que possibilitem fazer a consulta ao banco de dados daquele órgão. Vale mencionar entre algumas vantagens do SIMWWB, a rapidez, qualidade e modernização nas emissões das carteiras de identidade, além da opção de marcação e consulta dos processos de identificação pela intranet. Atualmente, o SIM aguarda a disponibilização de um servidor na rede do Centro de Dados da MB para ofertar esta nova funcionalidade aos nossos clientes pela internet. A captura eletrônica da impressão digital, fotografias e assinatura, os identificados da MB já fazem parte de um banco de dados com elevados requisitos de segurança, garantia e integridade das informações. O SIMWEB encontra-se hospedado em três servidores de última geração no Centro de Dados da MB. Finalmente, cabe ressaltar que o SIMWEB está, também, em consonância com as exigências estabelecidas para o Registro único de Identificação Civil (RIC). OS SERVIÇOS OFERECIDOS PELO SIM O SIM produz além, dos cartões de identidade, placas de identificação de campanha, folhas de identificação da Caderneta Registro (Folha-001) e fotos para documentos. O SIM dispõe, ainda, de Equipes Volantes de Identificação (EVI), que têm como propósito facilitar a emissão dos cartões de identidade dos usuários nas suas OM, evitando deslocamentos desnecessários, desperdício de tempo, agendamento demorado e solicitação de licença para realizar a identificação no SIM. Verificou-se a necessidade da criação de novas frentes de trabalho para o atendimento à Família Naval. 30 de setembro de 2010 foi inaugurado o Posto Avançado de Identificação do Comando-em-Chefe da Esquadra (PA-COMEMCH), situado nas dependências da Base Naval do Rio de Janeiro; no dia 15 de agosto de 2013 foi inaugurado o Posto Avançado na Casa do Marinheiro (PA-CMN) e no dia 31 de outubro de 2013, o Posto Avançado no Hospital Naval Marcílio Dias (PA-HNMD). Há também a previsão de inauguração de um Posto na Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador (PABFNIG) e um projeto de criação de um Posto em Campo Grande. Entrarão em funcionamento em breve, mais dois Postos Locais de Identificação na Marinha (PLIM) na Capitania dos Portos de Pernambuco (PLIM-CPPE) e na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará (PLIM-EAMCE). A localização desses Postos está diretamente relacionada ao quantitativo de usuários que servem ou residem em área específica, visando facilitar o acesso desse pessoal aos serviços executados pelo SIM. O SIM dispõe de uma Unidade Móvel de Identificação (UMI), que constitui-se de um microônibus adaptado para o atendimento simultâneo de quatro usuários, e que desloca-se para a realização de algumas EVI. Outra facilidade oferecida, é a realização de EVI residencial/hospitalar, destinada a identificar os usuários que não possuem condições de locomoção. O SIM possui por fim, um convênio com o DETRAN/RJ para a emissão de carteiras de identidade civil. O Posto funciona nas dependências da OM, sendo a coleta das digitais feita por leitor biométrico, tal qual na identificação efetuada pelo SIMWEB. O NOVO CARTÃO DE IDENTIFICAÇÃO PARA AS FORÇAS ARMADAS (FFAA) Atualmente, as carteiras de identidade emitidas na MB, nas demais Forças Armadas (FFAA), nos órgãos de identificação dos estados e do Distrito Federal utilizam papel filigranado, conforme prevê a legislação vigente. Em outubro de 2006, com o estabelecimento de um Grupo de Trabalho (GT), no âmbito do Ministério da Defesa (MD), foram iniciados os estudos para propor uma única legislação para as carteiras de identidade (CI) dos militares. Um dos aspectos considerados na criação do GT-MD foi a contínua dificuldade para aceitação das carteiras de identificação emitidas pela Aeronáutica como prova de identidade, em razão da inexistência de um decreto específico para sua validação, Revista do Clube Naval • 368 67 exceto como identidade funcional, tendo em vista a revogação do decreto utilizado pela FAB. Tal fato não ocorreu na Marinha e no Exército, cujas carteiras de identidade emitidas estão ancoradas em decretos distintos que lhes dão fé pública como prova de identidade no território nacional. O entendimento era que deveria ser preparado um Projeto de Lei que respaldasse as carteiras de identidade emitidas pelas FFAA. A tarefa foi cumprida no período em que esse projeto tramitava pelas assessorias. Houve um entendimento que seria mais rápido propor uma alteração na Lei 7.116/83, já vigente, incluindo-se os órgãos de identificação das FFAA, do que propor uma nova lei, especificamente. Diversas visitas foram realizadas ao Instituto Nacional de Identificação (INI), em Brasília, órgão subordinado à Polícia Federal, para verificação da necessidade de adequação dos diversos sistemas de identificação. Naquela oportunidade, havia um grande interesse daquela instituição em utilizar as informações existentes nos bancos de dados de identificação das três Forças, devido à credibilidade que gozam as FFAA junto à sociedade. Em dezembro de 2009, representantes do INI compareceram ao Posto Local de Identificação da Marinha, em Brasília, para constatar a qualidade das individuais datiloscópicas coletadas pelos identificadores da MB, por meio do processo digital, no sistema SIMWEB de identificação. O GT preparou então a minuta de Projeto de Lei que foi encaminhada para análise, e depois de aprovada pelos órgãos de assessoria foi enviada para a Câmara dos Deputados, onde obteve aprovação das diversas comissões. Já como Projeto de Lei, foi encaminhado para o Senado Federal, sendo revisto e aprovado sem alterações, e posteriormente enviado para a sanção presidencial. A presidente da República, em 16 de setembro de 2011, vetou totalmente o projeto após ouvir o Ministério da Justiça (MJ) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR) que justificaram a manifestação contrária, com o argumento de que o Poder Executivo implementou o número único de Registro de Identidade Civil, inclusive com a aprovação do Decreto nº 7.166, de 5 de maio de 2010 que criou o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, com a manutenção dos diversos documentos de identificação distintos, atualmente existentes, e a atribuição da mesma validade ao documento emitido pelas FFAA ao de outras instituições. Buscando uma solução alternativa, foi solicitado ao GT que providenciasse a análise de Minuta de Decreto para a criação de um documento de identificação militar a ser expedido no âmbito do MD. Paulatinamente, durante os estudos, foram sugeridos os dados comuns a serem incorporados buscando-se uma unidade entre as três Forças e elaboradas algumas propostas para o projeto gráfico (lay-out) das novas identidades, a serem submetidas à aprovação oficial do Comando da Marinha. Uma vez adotado o modelo de cartão de identidade, em base de policarbonato, haverá um esforço conjunto do MD e das FFAA no sentido de reduzir os custos para a sua confecção, além do estudo visando verificar a viabilidade de sua terceirização, considerando a implantação simultânea nas FFAA. Foram consideradas características no 68 formato smart card em policarbonato, com chip de contato, e gravação a laser, semelhantes ao RIC. No Projeto foram incorporados itens de segurança, capacidade de gravação dos dados biográficos e biométricos. O novo cartão de identificação militar poderá conter, ainda, o número do RIC. Tendo em vista esse propósito, o MD, por meio de estabelecimento de termo de cooperação com o MJ, definirá a forma de migração dos dados biométricos e biográficos de cada indivíduo identificado na respectiva Força para o Instituto Nacional de Identificação (INI), órgão subordinado à Polícia Federal, para inclusão em seu banco de dados e geração do número do RIC. Atualmente, não há definição sobre a terceirização inicial de parte ou de toda a produção dos futuros cartões de identificação, pois a alteração da plataforma (cédula em papel para o cartão smart card ) implica grandes mudanças para a confecção dos documentos de identificação e a tecnologia disponível para impressão a laser no cartão de policarbonato é inteiramente importada. Devido às diferenças existentes na produção de documentos de cada órgão de identificação, a gestão da produção do cartão de identificação militar Revista do Clube Naval • 368 ficará a cargo de cada Força. Pensando no futuro, estão sendo efetuados os levantamentos das necessidades materiais a fim de possibilitar o planejamento financeiro com a devida solicitação de recursos. Obedecendo às peculiaridades de cada Força e aos sistemas internos a serem apoiados, poderão ser inseridas, no chip das carteiras emitidas pela MB/SIM, as seguintes informações, entre outras: • Inscrição no PIS/Pasep. • Número do passaporte. • Número da Carteira Nacional de Habilitação. • Número do Certificado de Reservista. • Número do Título de Eleitor. • Dados da certidão de casamento ou nascimento, nome do Cartório, número da folha do livro de registro. • Dados de carreira do militar. • Informações da Caderneta de Saúde dos militares ou dados médicos do identificado. Quanto às possibilidades de utilização do novo cartão de identificação militar, vislumbram-se, ainda, as seguintes aplicações na MB, adequando-se previamente aos sistemas existentes, nas áreas especificadas: Revista do Clube Naval • 368 segurança digital (login de computadores); segurança orgânica (acesso físico às instalações, controle e utilização de armamento, controle no guarnecimento de postos de vigilância); saúde (consultas, internação e medicamentos) e intendência (acesso ao rancho, fornecimento de fardamento), entre outras. A substituição dos CI na MB será efetuada de forma gradual, de acordo com a capacidade de identificação do SIM. Quanto aos custos iniciais estimados, há de se considerar a emissão anual de cerca de 65 mil documentos de identificação. O SIM possui em seu cadastro, aproximadamente, 850 mil registros. Poderá, também na área digital, aferir, com segurança, a origem e a integridade de documentos recebidos ou encaminhados com o uso da assinatura digital, integrandose com a Autoridade Certificadora. No mês de setembro de 2013, em Brasília, foi apresentado em um workshop sobre Inovações Tecnológicas na Área de Identificação, organizado pelo Exército Brasileiro, o Projeto AC-DEFESA, o qual pretende criar uma unidade certificadora para as três Forças. Em um futuro próximo, a certificação digital poderá ser inserida no documento. 69 CONCLUSÃO O SIM busca, cada vez mais, prestar o melhor serviço à família naval, com segurança, qualidade, rapidez e conforto, bem como acompanhar a evolução tecnológica na área da identificação humana. A realidade digital para os cartões de identificação em policarbonato já se avizinha, tornando necessário atender às novas demandas de segurança digital e segurança orgânica nas OM, tendo em vista, também, o crescimento da MB com a elevação do quantitativo de pessoal para a Força. Como as futuras identificações farão uso dessa tecnologia de ponta, cujas informações biométricas serão armazenadas em um pequeno cartão de identificação de base plástica, do formato de um cartão de crédito, a MB, juntamente, com as outras Forças, vêm envidando esforços para alinhar-se ao padrão de desenvolvimento tecnológico dos outros órgãos de identificação. n *Capitão-de-Mar-e-Guerra (CD) Diretor do Serviço de Identificação da Marinha SERVIÇOS DA MB CAIXA DE CONSTRUÇÕES DE CASAS PARA O PESSOAL DA MARINHA (CCCPM) A Fortaleza Natal Manaus Belém Recife Orília de Oliveira Silva* CCCPM completou 78 anos de existência no mês de janeiro. Foi criada com a missão de suprir as necessidades de moradia do pessoal da Marinha do Brasil, recrutado para trabalhar na construção do complexo do arsenal de Marinha e em seus navios, na cidade do Rio de Janeiro, e que por esse motivo migrou para a região. Hoje, a CCCPM atua em todos os Distritos Navais, abrangendo o território nacional. Atualmente, a CCCPM oferece diversos produtos para a família naval, como várias modalidades de financiamento imobiliário, desde a compra de imóvel ou de terreno, com a construção simultânea do imóvel; o empréstimo imobiliário para complementar a aquisição ou reforma de imóvel, a compra de material de construção e regularização de documentação imobiliária, com o prazo de até 48 meses, com taxas de juros competitivas que poderão ser consultadas no sítio da autarquia. A assessoria imobiliária é um serviço gratuito oferecido pela CCCPM, para análise de documentação de imóveis, tipos Salvador Aratu Brasília São Pedro da Aldeia de financiamentos, compra, venda, legalização, partilha, sub-rogação de imóveis, entre outros, devendo ser agendado pelo telefone (21) 2105-7438. Visando ampliar a atuação da CCCPM, foi concretizado um acordo de cooperação com a Caixa Econômica Federal, para financiamento ou consórcio de imóveis em condições vantajosas para o pessoal da Marinha, atendendo a todos os militares, com ou sem estabilidade, em financiamentos de até 100% do imóvel. 70 Essa veterana Instituição continua jovem e moderna no seu plano de negócios, encarando o desafio da modernidade nesse novo milênio, mantendo-se atualizada nas conjunturas tecnológica e econômica brasileiras, a fim de se manter competitiva e eficaz e, dessa forma, poder proporcionar à família naval excelência na qualidade de atendimento e de seus produtos, para que os militares, civis e pensionistas da Marinha possam ter facilitadas as aquisições de suas moradias próprias. A Caixa da Marinha existe para auxiliar você a realizar o maior sonho de uma família, a aquisição da casa própria. Sempre que pensar em adquirir um imóvel, lembre-se de nos procurar, seja para fazer um financiamento ou apenas para pedir uma assessoria imobiliária. Quando pensar em realizar um projeto imobiliário, consulte a CCCPM. Revista do Clube Naval • 368 Niterói Ladário Rio de Janeiro • Centro • Sede São Paulo Florianópolis Angra dos Reis Rio Grande Revista do Clube Naval • 368 71 Rio de Janeiro • BAMRJ governos militares A CCCPM disponibiliza diversos produtos e serviços no ramo imobiliário •Produtos: PROMORAR Oferece as melhores condições possíveis à família naval, para compra de imóvel, ampliação e compra de terreno com construção de imóvel simultânea. Antônio Tângari Filho* 1 PROHABITAR É o mais novo produto oferecido pela Caixa de Construções. Trata-se de um financiamento especial com recursos oriundos do FGTS para imóveis em áreas urbanas. Por se tratar de linha de crédito subsidiada pelo Governo Federal, sua taxa de crédito é muito atrativa. (Suspenso Provisóriamente). ERAP (Empréstimo Imobiliário) PREAMAR Programa único nas Forças Armadas, pois visam melhorar as condições de beneficiários que moram em áreas acometidas pela violência urbana ou intempéries da natureza. Criado para reformas, aquisição de materiais de construção, legalização de imóvel e complemento de poupança para compra de imóvel. ACORDO DE COOPERAÇÃO ENTRE A CEF E A MARINHA DO BRASIL Permite o acesso de todos os militares da Marinha, sem exceção, ao financiamento imobiliário de até 100% do montante desejado, ao consórcio de imóveis e ao CONSTRUCARD, para aquisição de material de construção. A Caixa de Construções disponibiliza aos seus beneficiários a Bolsa de Imóveis, onde você poderá divulgar ou pesquisar seu imóvel para venda, aluguel ou transferência de financiamento. Que a aposentadoria rural – Pró Rural foi implantada definitivamente após a Lei Complementar nº 11 de 26/05/1971, no Governo Médici? De acordo com essa Lei, os pagamentos foram iniciados a partir de janeiro de 1972, em parte com as receitas provenientes do desconto na fonte de 2,2% da receita bruta dos Produtores Rurais. Em fevereiro de 2010 o STF julgou em definitivo o recurso contra o seu recolhimento, considerando bitributação. A partir daí, os recursos do Pró Rural passaram a ser complementados pelo Tesouro Nacional. Segundo o sítio da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), o total de despesas da União com as restituições dos recolhimentos feitos nos cinco (5) anos anteriores à decisão, seria cerca de R$ 13 bilhões. Que o Pró Rural é mais perene, custa menos à União, e atinge a um número parecido de famílias? Pro Rural: 860.336 famílias em 2010, considerada a população Rural com idade para se beneficiar (IBGE). Bolsa Família: 800.000 famílias em 2012 dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Controle da Fome (MDS). 3 Com certeza seria muito maior a miséria no campo,sem as transferências de renda do PRO RURAL, iniciadas há mais de 4 décadas! n Que, o Bolsa Família, criado pela Lei 10836 de 9/1/2004, para atender a 800.000 famílias teve um orçamento para 2013 de R$ 23 bilhões ? 2 * Capitão-de-Corveta (Ref-IM). Serviço disponível aos beneficiários da CCCPM, prestado por profissionais com elevada experiência em assuntos envolvendo documentação de imóveis, tipos de financiamento, compra, venda ou legalização. O serviço está disponível para todos os beneficiários da Marinha do Brasil, independentemente da contratação de um dos nossos produtos. Unidade móvel de atendimento Caixa de Construções de Casas para o Pessoal da Marinha: Seu sonho é a nossa missão! *Capitão-de-Fragata (S). 72 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 Fontes: Wikipédia – Sinopse do Censo e Séries Estatísticas IBGE – 2010 Blog do Reynivaldo Brito – Benefício Rural – FUNRURAL Sítio Matheus Lombardi – Êxodo Rural cai pela metade em uma década, diz IBGE FIEC – Informativo Fique em Dia – STF põe fim à cobrança do FUNRURAL Sítios Contas Abertas – Dyelle Menezes e Yun Freitas e JÙS BRASIL ASSESSORIA IMOBILIÁRIA As atividades da CCCPM estão disponíveis no site www.cccpm.mar.mil.br e no periódico trimestral REMMAR – Revista da Moradia da Marinha. Sugestões, elogios ou críticas poderão ser encaminhados para o e-mail do Serviço de Ouvidoria ou realizadas por meio de ligação para a central de atendimento no telefone: (21) 2105-7400. 4 Esta estimativa foi feita com base na distribuição da população brasileira feita pelo IBGE no censo de 2010. Essa distribuição indica que, os homens residentes na área rural, em condições de se aposentar (acima de 60 anos) seriam 784.841 e o total de mulheres (acima de 55 anos) 1.526.385. Para efeitos de cálculo da despesa anual, foram conservadoramente computados 50% da população masculina e 30% da feminina. Que a estimativa de pagamento com as aposentadorias rurais desde 1972, pode ser considerada como sendo de cerca de R$ 6,8 bilhões anuais, com base no Salário Mínimo de R$ 622,00 ? •Serviços: BOLSA DE IMÓVEIS VOCÊ SABIA? 73 última página OPINIÃO Do leitor Será bem-vinda a sua opinião sobre qualquer artigo ou assunto tratado nesta edição. Enderece seu e-mail para [email protected] com o máximo de 1.500 caracteres. A editoria da RCN se reserva o direito de publicar ou não a sua mensagem, na íntegra ou em parte. Não será revelado o seu endereço. P rimeiramente quero manifestar o quanto eu acho importante a publicação da Revista do Clube Naval. Meu Pai é Militar da Marinha, apesar de eu ter enveredado para outra área, permanece o apreço e respeito a tudo relacionado à defesa da pátria. Acho muito legal que vocês disponibilizem as edições anteriores em PDF, torna mais fácil que estudiosos tenham acesso à revista e façam referência a ela em seus trabalhos, em qualquer lugar do Brasil e até quando offline (sem precisar ficar consultando o site, já que há o PDF). Também acho muito importante que os jovens também tenham acesso, para que possam conhecer e ter dimensão da importância de ter Forças Armadas fortes, compatíveis com o valor das nossas riquezas e a força dos nossos interesses. Gostaria de dar duas Sugestões: 1. Que as imagens e esquemas nos arquivos PDF tenham maior qualidade: antigamente era difícil lidar com arquivos grandes por causa da velocidade da internet e quantidade de memória disponível nos computadores, entretanto, hoje já é possível lidar com PDFs maiores. Poderse-ia disponibilizar diferentes arquivos com fotografias e esquemas de resoluções (com 300 dpi ou até mais) e compressões diferentes, maiores ou menores, para que o leitor possa escolher. 2. Que não só a revista inteira seja disponibilizada em PDF, mas também as matérias separadamente. O que poderia dispensar um editor de PDF que separe os artigos. Bernardo Pimenta • Sócio-dependente S olicito a gentileza de transmitir ao Conselho Editorial, à equipe da Revista, bem como ao meu caro amigo, Antônio de Oliveira Pereira, meus cumprimentos pela nova forma de apresentação do MARE NOSTRUM. Bonita, prática, bem editada, e inteligente. Como assíduo leitor, terei ainda o prazer de ter os seus números arquivados no HD do meu computador. Se possível me permitirei solicitar, eventualmente, o recebimento de algum número que tenha interesse em arquivar no original. CC (Ref-IM) Antônio Tângari Filho E nvio meus cumprimentos pela qualida de da Revista do Clube Naval, a qual tem melhorado a cada número. Gostaria, também, de registrar meu comentário sobre a crítica enviada por um leitor no número anterior onde contesta o artigo publicado sobre a falsa ilusão das ideias de Karl Max. O mundo ainda não registrou um regime comunista de sucesso. Ao contrário, frequentemente temos associado a cruel e inútil perda de vidas inocentes na sangrenta luta pelo poder, a consequente incompetência econômica e administrativa. É o que se viu, por exemplo, na chocante diferença de evolução das duas Alemanhas quando foram reunidas após a 2ª Guerra. Algum resultado só aparece quando o regime comunista encontra alguma forma de financiar seu absurdo conceitual na economia capitalista. A Rússia exporta gás e petróleo para a Europa capitalista evoluída. A China criou uma banda capitalista, obtendo sucesso no mercado através da opressão de seus trabalhadores durante décadas. Visivelmente a pretensa sedução das teorias de Marx são um grande engodo, não encontram sucesso ante a realidade histórica. Joel Costa • Advogado Acesse a nossa revista, o Boletim Mensal e o Mare Nostrum pelo site www.clubenaval.org.br 74 Revista do Clube Naval • 368 Revista do Clube Naval • 368 75 76 Revista do Clube Naval • 368