sociedade humana Massena
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CRIANÇAS EX-MORADORAS DE RUA: COTIDIANO DE PRECONCEITOS, VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO Helena Cordeiro da Silva1 Fernanda Carla Bandeira da Silva2 Jacqueline Lima da Costa3 Maria de Fátima Massena de Melo 4 RESUMO Este trabalho apresenta resultados da pesquisa realizada durante as atividades do Projeto de Extensão intitulado “Menin@s do Caiara e Educação Cidadã”, desenvolvido com crianças e adolescentes, ex-moradoras de rua e palafitas da cidade do Recife. Estas são assistidas pela Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC) e residem atualmente nas Vilas São Francisco e Nossa Senhora de Fátima e no Conjunto Habitacional do Cordeiro, situados no bairro do Cordeiro, Recife-PE. A pesquisa objetivou identificar a percepção que as crianças e os/as adolescentes assistidos pela ABCC têm sobre suas vidas antes e depois de saírem das ruas e palafitas; diagnosticar a existência de possíveis violências sofridas e analisar o grau de satisfação e/ou insatisfação dos mesmos nas atuais condições de moradia. O procedimento metodológico constou de observação direta, registros de relatos verbais e não verbais anotados em diário de campo e entrevistas com roteiro semi estruturado. O estudo mostrou, entre suas conclusões, que embora estejam em um espaço físico mais estruturado e em condições de vida diferente, a violência, o preconceito e a discriminação ainda fazem parte do cotidiano dessas crianças e adolescentes. PALAVRAS - CHAVE: Cidadania. Direitos. Marginalidade 1 INTRODUÇÃO As comunidades das Vilas São Francisco e Nossa Senhora de Fátima, aqui denominadas CAIARA, fundadas em meados dos anos 2000, são constituídas por famílias que viviam em constante risco social, moradores (as) de rua. Inseridas na mesma realidade, encontram-se as famílias do Conjunto Residencial do Cordeiro. Estas eram residentes das palafitas dos bairros de Casa Forte (Vila Vitém) e Pina. Devido a um Projeto de reurbanização da Prefeitura da Cidade do Recife, esta comunidade foi indenizada com a atual moradia. 1 Graduanda emEconomia Doméstica, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Departamento de Ciências Domésticas (DCD), [email protected] 2 Graduanda em Economia Doméstica,Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Departamento de Ciências Domésticas (DCD), [email protected] 3 Graduanda em Economia Doméstica, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Departamento de Ciências Domésticas (DCD), [email protected] 4 Economista Doméstica, Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Departamento de Ciências Domésticas (DCD), Mestre em Administração rural e Comunicação rural, [email protected] 1 Essas pessoas permaneceram por muitos anos sobrevivendo do que a rua podia oferecer-lhes. Atualmente, algumas famílias ainda vivem do que a rua pode ofertar, como exemplo: a coleta de materiais reciclados e o trabalho informal. A precariedade da vida apresenta-se ainda no fato de não dispor de renda fixa, necessitar de assistência da Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC) e de Programas de Transferência de Renda do Governo Federal, como o Bolsa Família. Números exatos que definam a quantidade de pessoas em situação de rua no Brasil não existem, uma vez que nenhuma política pública era voltada para esta população, mas através dos dados do Censo Nacional da População de Rua, solicitado pelo ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) no ano de 2004. Estima-se que no Brasil há mais de 26.615 pessoas em situação de rua. Esta estimativa é gerada pela sonegação de informações de 43 dos 76 municípios entrevistados. A experiência com crianças e adolescentes durante o Projeto de Extensão intitulado “Menin@s do Caiara e Educação Cidadã”, oportunizou observar dificuldades de convivência em grupo, sinais de agressividade, marcas de possíveis violências, insatisfação com a nova vizinhança e baixa estima. A formação em Economia Doméstica, contempla disciplinas que discutem as relações inter-pessoais, o desenvolvimento da criança, a família e sua função na sociedade, a psicologia aplicada às relações humanas, como também, a família no cenário econômico-social; com a preocupação de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. Diante disso, tivemos a preocupação de identificar a percepção que as crianças e os/as adolescentes assistidos pela ABCC têm sobre suas vidas antes e depois de saírem das ruas e palafitas; diagnosticar a existência de possíveis violências sofridas na atual moradia e analisar o grau de satisfação e/ou insatisfação nas atuais condições de moradia. 2 REVISÃO DE LITERATURA Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (2005) afirmar que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária de toda criança e adolescente de nacionalidade e residência brasileira, não é esta a realidade observada em nosso cotidiano. Diariamente, nos deparamos com 2 crianças em situação de rua sendo obrigadas a trabalhar e esmolar para garantir o próprio sustento e o de sua família. Segundo Oliveira apud Oliveira; Medeiros (2006), a criança e o adolescente em situação de rua vivem uma realidade onde muitas vezes causa a impressão de serem vistas como peças descartáveis de um mundo em processo acelerado de desenvolvimento tecnológico, que exclui, explora e lança sem piedade milhões de famílias para a linha abaixo da pobreza. Isto significa que suas famílias residem nas periferias dos centros urbanos, onde a mãe assume o papel de chefe da casa, tendo como rotina os conflitos pela ausência de dinheiro, trabalho, saúde e educação o que gera na convivência situações de miséria e exclusão. Medeiros (1999), Câmara (2003), Oliveira et al (2004) afirmam que esta situação remete as pessoas a procurarem as ruas para que, por meio de atividades lícitas ou ilícitas, consigam alimentos, roupas, moradia; e nesse espaço se sujeitam à violência implícita no meio. Afirmam ainda que, entre essas pessoas, estão crianças e adolescentes que associados a esses fatores, vivenciam a convivência em um lar desestruturado, com pais ou padrastos e mães alcoólatras, desempregados/as, comprometidos com a justiça, e sem nenhuma estrutura econômica, física e psicológica para educar, como também a ausência de autonomia para gerir a própria vida, encontrando nas ruas um mecanismo de sobrevivência. Discutindo este assunto, Kirts Ferreira (2008) destaca que pesquisa realizada pelo Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) constatou que em 2005, foram localizadas 502 pessoas entre zero e 18 anos de idade (criança/adolescente) morando nas ruas do Recife. Pesquisa realizada por Silva et al (1996) com 39 crianças em situação de rua e 148 crianças estudantes de uma escola particular, com o objetivo de investigar, através do desenho da figura humana, como as crianças de rua e de nível sócio-econômico médio-alto representam a si mesmas e ao outro grupo, revelou muitos aspectos estereotipados. As crianças de rua foram representadas pelas de escola como sujas, negras, mal vestidas e sem sapatos, com roupas rasgadas, carregando drogas nas mãos e pedindo esmolas em esquinas, às vezes sentados ou deitados. As crianças de escola foram representadas pelos de rua como bem vestidas e calçadas, limpas, de pé e carregando sacos de dinheiro nas mãos. Quando desenham a si mesmos, as crianças de ambos os grupos fazem desenhos de figuras humanas alegres, vestidas, limpas, com sapatos, sem objetos nas mãos, de pé e de frente e com acessórios. Estes resultados levam a perceber a discrepância entre como as crianças em situação de rua se vêem ou gostariam de ser vistas e como são vistas pelas crianças das escolas. 3 Segundo Oliveira, apud Maciel, Brito e Camino (1997), na América Latina, a imagem formada sobre crianças em situação de rua é que elas "... são culturalmente despojadas, emocionalmente deficientes, incapazes de sentir amor, compaixão e simpatia, de aprender a se socializar com pessoas, desinteressadas da escola e do trabalho, sujas por opção e amantes dos crimes e das drogas". Continuando, acrescentam que esta imagem bastante propagada, de que elas não têm aspiração cultural, de que mantêm uma conexão com o crime e que vivem para o presente imediato, acaba por lhes atribuir o estereótipo de que a única aspiração que têm é a de se tornarem marginais. A realidade a que estão submetidos/as crianças e adolescentes em situação de rua, revela a violência a qual estão expostos diariamente. Maria Avelina de Carvalho, em seus livros Tô vivu- Histórias de meninos de rua (1991) e Casa de Passagem (1997) denuncia que, em meio aos furtos cometidos, as crianças e adolescentes infratores\as são torturados\as pelos policiais como uma forma de correção e punição aos delitos cometidos. Além da violência provocada por policiais, estas pessoas também são vítimas da violência praticada pela sociedade, violência esta, representada pela restrição do direito à vida, quando lhe são negadas qualquer forma de acesso e uso-fruto aos Direitos Humanos, e quando lhe são agregados preconceitos e discriminação. 3 METODOLOGIA Participaram deste trabalho, crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos de idade, de ambos os sexos, que viveram nas ruas e palafitas da Cidade do Recife e atualmente residem nas Vilas São Francisco, Nossa Senhora de Fátima e no Conjunto Habitacional do Cordeiro. O universo da pesquisa foi determinado aleatoriamente. Inicialmente, foi feita uma revisão de literatura, buscando publicações que relatassem a vivência e os costumes de crianças e adolescentes em situação de rua. Este recurso foi utilizado como forma de conhecer a realidade para compreender o comportamento e hábitos das crianças e adolescentes da ABCC. Esta pesquisa teve natureza qualitativa, “constituindo-se” em um estudo de caso, no qual os dados foram buscados a partir de observação direta e anotações em diário de campo, realizadas durante encontros semanais, por um período de sete meses. Além disto, realizamos entrevistas com roteiro semi-estruturado com perguntas abertas e fechadas que permitiram orientar o diálogo com os sujeitos da pesquisa. 4 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os primeiros contatos com a ABCC possibilitou observar a estrutura física e administrativa da instituição, que poderiam contribuir para a realização da pesquisa. O primeiro contato realizado com as crianças e adolescentes objetivou estabelecer laços de confiança, amizade e convivência para atingir os objetivos. Para tanto, foram utilizadas atividades lúdicas e brincadeiras populares como instrumentos de pesquisa. A rotina das crianças era organizada da seguinte forma: os que estudavam pela amanhã, ao saírem da escola, iam para casa, tomar banho e almoçar, para em seguida, irem à ABCC para as aulas de reforço; e neste momento, era servida uma refeição, uma espécie de merenda. Após as refeições, as crianças eram liberadas para irem às suas casas. As crianças que estudavam à tarde realizavam as mesmas atividades, porém em ordem inversa das que estudavam pela manhã. Durante as entrevistas, todas as crianças e adolescentes alegaram ser violentados/as fisicamente por seus/uas responsáveis quando cometiam algum ato, considerado incorreto. As agressões mencionadas variaram desde apanhar, a permanecer de joelhos em grãos de feijão. Os castigos foram pouco mencionados, mas alternaram-se em; ficar preso/a no banheiro até a hora de dormir, ficar preso/a em casa sem brincar e tomar banho. As agressões são praticadas, em sua maioria, pelas mães, tendo em vista que as mesmas são as principais responsáveis pela sobrevivência e educação das crianças. Os motivos que as levam ser castigadas eram diversos: a desobediência foi a mais citada, sendo seguida por brigas com os irmãos\as e colegas, preguiça e perturbação. Na ABCC, algumas vezes presenciamos algumas situações de ameaças, consideradas com violência, tais como: irem para casa sem comer, e alguns gritos: “Cale a boca! Vá embora pra casa! Desapareça daqui!”. Além dos gritos e ameaças, as crianças ainda eram tratadas como um problema. Por duas vezes fomos procuradas pelas professoras do reforço para realizar atividades com todas as crianças, que as deixassem livres para descansar ou fazer outra atividade. Em outro momento, numa festa dedicada as crianças, um palhaço referiu-se diversas vezes as mesmas de forma discriminatória. Para a conquista dos prêmios as crianças eram submetidas a situações constrangedoras, como participar de um concurso que premiava a criança mais feia, sendo esta, indicada e eleita pelas demais. O palhaço referia-se a algumas meninas e perguntava: “Quem você acha mais feio desses meninos?”. 5 Assim que as meninas indicavam os meninos mais “feios” a seus gostos, eles eram colocados lado a lado e submetidos a uma votação, quem fosse eleito o mais feio, ganhava um pacote de biscoito recheado. Outra atitude discriminatória utilizada pelo palhaço foi apelidar algumas crianças conforme as características físicas, uma criança gordinha fora apelidada de “Dona Barriga e Faustão”, outra criança que usava óculos, foi apelidada de “quatro olhos”, sendo alvo de chacota pelas demais. Em outro momento, este mesmo palhaço, incentivara a sexualidade e o machismo das crianças. Numa brincadeira, sugeria que as meninas rebolassem de forma sensual que agradassem aos meninos, para que desta forma fossem premiadas. Da mesma forma, perguntava aos meninos, se duas adolescentes, que se vestiam de palhaças eram “gostosas”. Dizia: “Essa palhacinha é gostosa, não é!” Aspectos da dificuldade de convivência nas ruas, e de afirmação das experiências foram observadas durante as entrevistas. A omissão de algumas crianças no que diz respeito a vida que levaram nas ruas aparece quando uma criança fora questionada sobre a preferência pela casa atual e a casa que vivia antes de mudarem para a Vila. A mesma deixou transparecer esta vivência de forma indireta, referindo-se a casa em que mora, como uma condição melhor que estar na rua, mas não assumindo (ou afirmando) esta experiência: “Eu prefiro a casa de agora. É bom pra não morar na rua”. J.F.S.N.M. 7 anos. Esta criança deixou perceptível certo receio em ser vista como ex-moradora de rua, este receio pode ser conseqüência do preconceito vivenciado, em outro momento de sua vida. De acordo com Espinheira (1993), esta omissão pode ser compreendida como uma tentativa de afastar a imagem de marginais, agregada a eles. Mas apesar do medo de serem novamente discriminadas, duas assumiram as condições que vivenciaram: “Prefiro morar na casa de agora, porque eu morava na rua com minha mãe, minha avó e meus irmãos”. F. 13 anos. “Eu morava na rua. Prefiro a casa de agora, porque tenho comida dada por Deus e pelo meu pai”. S.F.L.S. 8 anos. Quanto às crianças moradoras do Conjunto Habitacional do Cordeiro, ex- moradoras de palafitas, as opiniões divergiram. Umas afirmaram preferir a vida que levam na atual moradia. “É melhor morar aqui, por causa da casa”. J.F.S. 12 anos. 6 “Prefiro a casa de agora. Porque é mais bonita, mais divertido, porque antes eu morava num barraco”. J.F.S.N.M. 11 anos. “morava em Brasília Teimosa, melhor a casa de agora, é bom morar em prédio e não em barraco”. D.N.M.L. 12 anos. Outras, mesmo admitindo que a casa em que residem atualmente, ser mais estruturada, preferem a forma como viviam nas palafitas. Conforme depoimentos: “Prefiro morar na outra, porque lá era mais divertido, lá não tinha tiroteio”. M.Q.C.13 anos. “Na outra casa, lá podia ser mais feliz, aqui não sou feliz, lá podia brincar e se divertir, aqui o síndico do prédio fica reclamando, ele reclama quando a gente faz barulho”. M.Q.C. 11 anos. “Na de antes, lá era bom, aqui é ruim. Não pode ir pra rua. Tem que ficar trancado em casa, lá tinha um quintal grande”. G. 8 anos A aceitação da casa atual se dá pelas condições físicas oferecidas a estas famílias. Mas mesmo tendo acesso a esta estrutura, algumas crianças preferem a vida que levavam nas palafitas. Uma das crianças deixou transparecer seu desejo de voltar a casa em que morava. Em alguns momentos se contradisse, afirmando que prefere a casa atual, mas se pudesse voltaria para a outra. “A de agora é boa, eu morava numa favela, quando a chuva caía, tinha que colocar as coisas do lado de fora, se não enchia. Era perto do Hiper. O homem da Associação dava biscoito quando a gente tava sem comida em casa, ele chamava a gente pra comer, dava feira básica, eu gostava de lá, se eu pudesse voltava pra lá”. R.J.S.F. 9 anos Os laços de amizade e afetividade construídos por estas crianças foram afetados com a mudança de endereço. A melhoria ocorrida em suas vidas foi apenas material, muitas ainda desejam voltar para o espaço em que viviam, porém em condições melhores. Ao serem consultadas sobre o que as fazem sentir medo, a maioria das crianças relatou ter medo de morrer e serem atingidas por uma bala perdida. Poucas relataram o medo por altura, animais e lobisomem, comum entre crianças. O medo de morrer e de serem atingidos/as por uma bala 7 são conseqüências da vida nas ruas e palafitas, e ainda na nova moradia, as crianças em vários momentos mencionaram a existência de tiroteios na comunidade. Quando questionadas/os sobre o seu ideal de vida, a profissão que gostaria de exercer quando for adulta/o, a maioria das crianças e adolescentes demonstrou que possuem perspectivas de vida e sonhos a serem concretizados futuramente, tendo como as profissões idealizadas: jogador de futebol, goleiro do Sport Clube do Recife, soldado do exército, boxeador, modelo, médica, professora de crianças e advogada. A escolha pela advocacia por uma das meninas deu-se como uma forma de mudar a condição de vida em que se encontra, e como uma fuga a prostituição, imposta a outras adolescentes. “Quando crescer quero ser advogada, porque tem muitas meninas se prostituindo e eu não gosto. Vejo crianças e adultos presos e como advogada poderia dar uma segunda chance para estas pessoas fazerem coisas certas”. J. 12 anos. A fala desta adolescente mostra a compreensão de que o que leva as pessoas agirem de maneira incorreta é a falta de opção, quando a menina diz que daria uma segunda chance, refere-se a dar oportunidades ainda não existentes a estas pessoas, de sobreviverem dignamente. Quando consultadas sobre as lembranças de quando viviam nas ruas e palafitas, poucas aparecem como boas recordações: “Lembro que via as pessoas darem brinquedo nas ruas no Natal”. M.Q. 6 anos. Quanto às lembranças ruins, várias foram as citações: “Lembro que eu comia pouquinho e andava cheio de feridas”. J .F.S.N.M. 7 anos. “Quando eu levei uma mordida de rato na casa em que eu morava”. M.Q. 11 anos. “Quando meu pai foi preso, ele espancou o cunhado dele, deu na minha mãe e depois quis prender ela no guarda roupa, aí ela botou o braço pra fora e prendeu a mão dela, quebrou o braço dela... quando minha mãe pegava reciclagem, eu achava ruim, porque não era isso que ela queria pra ela, eu ia com ela”. M.Q. 13 anos. 8 “Lembro dos meus pais brigando, eles brigavam muito”. A.Q. 14 anos. No que diz respeito às obrigações, as crianças responderam ter obrigações de arrumar a cama, ir à escola, arrumar a casa, o quintal, aprender alguma coisa na escola, tomar conta dos irmãos menores, ajudar os pais, de estudar e tomar banho. Quanto à auto-percepção de vida, a maioria das crianças afirmou ser feliz, os motivos de felicidade estão relacionados ao sentimento de posse, como: “Sou feliz porque tenho família”. A.Q. 14 anos; “Sou feliz porque tenho tudo que peço aos meus pais ... um dia quando cheguei do reforço ele tinha comprado uma bicicleta para mim”. J.F. 12 anos. “Sou feliz da vida, porque moro com minha mãe e ela me dá dinheiro”. C. 7 anos. Outras afirmaram ser felizes, por serem crianças e terem a liberdade de brincar e estar perto de suas famílias: “Porque posso brincar e se divertir”. G. 7 anos. “Porque to perto da minha mãe e dos meus irmãos.” M.Q. 13 anos. “Porque estudo.” J. 12 anos. Mas apesar da maioria das crianças terem se mostrado felizes na condição de criança, uma delas afirmou ser infeliz, alegando a incapacidade de mudar sua condição de vida: “Não sou feliz, porque não sou grande, não posso trabalhar, não posso ter um emprego, ter uma casa, sendo criança não posso melhorar minha vida” M.Q.11 anos. 5 CONCLUSÃO As crianças apresentaram dificuldades para acreditar e aceitar elogios, principalmente de pessoas que demonstram afetividade por elas. As mesmas não se consideram bonitas e inteligentes, revelando baixa estima e auto-preconceito e, embora não residam nas ruas e palafitas, ainda são vítimas de violências e preconceitos. 9 O fato destas crianças e adolescentes estarem atualmente alojadas em casas e apartamentos, não significa que estejam sendo bem tratadas e acolhidas. Garantir uma moradia significa apenas o primeiro passo de uma longa caminhada que visa à efetivação dos direitos previstos em nossa Legislação. Faz-se necessário que as políticas públicas e os projetos sociais dirijam seus olhares para a ressocialização destas pessoas. O fato de não estarem nas ruas e palafitas, não significa que as mesmas não mereçam e precisem de atenção e cuidados. Deve ser garantido, além da moradia o acesso à educação, à saúde, ao lazer, à segurança, a uma alimentação saudável, entre outros. Faz-se necessário também um olhar crítico, criativo e dinâmico na elaboração, realização e avaliação de projetos e Leis voltadas para estas famílias. Programas, Projetos, Instituições e pessoas que desenvolvam trabalhos com essas crianças devem conhecer e compreender a existência dessas características e considerá-las durante a elaboração e implementação de ações sócio- educativas voltadas para elas. REFERÊNCIAS CÂMARA, M. F. B. Aparato de apoio social à juventude: reflexões acerca do discurso intersetorial. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto 2003. Dissertação. 164p. CARVALHO, Maria Avelina de. Tô Vivu - Histórias dos meninos de rua. Editora da UFG. 1991. disponível em: https://literaturadobrasil.websiteseguro.com/livro.php?livro=69 CASA DE PASSAGEM, Meninas de Rua do Recife. Recife, 1997. Censo Nacional de População de rua. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115032.shtml. Acesso em: 09/05/2008. 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