Contocrônicas, umas Tantas

Transcrição

Contocrônicas, umas Tantas
Jacob B. Goldemberg
Contocrônicas, umas Tantas
Histórias para quem gosta
de histórias. Simples assim.
1ª Edição
POD
Petrópolis
KindleBookBr
2011
Edição e revisão KindleBookBr
Capa e Ilustração Daniel Herz
Copyright © 2011 Jacob B. Goldemberg
Todos os direitos reservados ao autor
ISBN: 978-85-64046-53-5
KindleBookBr Editora Digital Ltda.
www.kindlebook.com.br
[email protected]
24 2222.3491
B869.3 – Ficção e contos brasileiros
Jacob B. Goldemberg é arquiteto, cenógrafo e escritor. Nasceu em Porto Alegre,
em 1936, e vive no Rio de Janeiro. Foi
premiado no 1º Concurso de Crônicas
da UCB e no Concurso CCMA/Moacyr
Scliar de Literatura. Contocrônicas, umas
tantas é seu quarto livro publicado.
E-mail: [email protected]
Blog do autor: www.jbgoldemberg.blogspot.com
Sumário
Prolegômenos
Sobre os textos
Um toque de melancolia
Beniamini
Primeira hosana
Sobre botecos
E histórias del Caribe
Mudança
No Jardim da Luz
Honorina Fashion Show
Sobre artes. Algumas.
Memórias de cinema
Do lar
Pena, tanto futuro pela frente!
A segurança falhou. Graças a Deus!
Frase-chave
Haja!
2 x 1 - Fim do Jogo
Deu no que deu
Cinema de rua
Boa-noite, até logo
Calafrio
Estroboscópio
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Quem diria...
Elementar, meu caro Jung, diria o velho Sig, Sherlock de Almas
Onírico. Ou não.
Numa esplendida tarde de julho (quando mulheres ainda não
jogavam futebol)
... Tal qual Wesley Snipes
Tempos da inteiraça
Cinzas
Viver é preciso...
O espírito do Gastão
Pontos de vista d’África
A arte em vida contemporânea
Paraizo
Quinzão
Twittercontos (até 140 caracteres)
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Prolegômenos
D
o português, a palavra que menos tem a ver com o que signiica, a não ser no dicionário; portanto, não deitemos erudição e sejamos claros:
Introdução
Segundo o AURÉLIO, o respeitado Novo Dicionário da
Língua Portuguesa:
Conto — s.m. — 1. Narração falada ou escrita 2. Narrativa
pouco extensa, concisa, e que contém unidade dramática, concentrando-se a ação num único ponto de interesse.
Crônica — s.f. — 3. Pequeno conto de enredo indeterminado. 4. Texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem
como temas fatos ou ideias da atualidade, de teor artístico, político,
esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana.
Então, CONTOCRÔNICA: um mix dos dois modos de
dizer uma história, onde se conta e comenta toda, tudo e todos;
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Jacob B. Goldemberg
e mais os periféricos - lembranças e comentários que surgem a
partir do tema fulcral (eta palavrinha desenxabida!), às vezes com
ligação estreita, outras, sabe-se lá porque, surgindo na hora; e,
mais: além de neologismos e modismos não acadêmicos e palavras alienígenas, incorporadas ao entendimento contemporâneo,
suscita lembranças afetivas — as reais e as imaginadas —, por
parte do autor e do leitor, também. Ato de leitura participativa,
interativa, não é bom? Ora se é!
A temática, sem restrições. O que der na cabeça ou no coração, o que vem a ser a mesma coisa. Se a diversidade do ser é o
que caracteriza a unidade da raça humana, sejamos! Tudo interessa, porque, se não a nós, a alguém que conhecemos, e se não
conhecemos, imaginamos e almejamos. Para nós e para vós.
A contocrônica é mais ainda: é nutritiva. Não tem gorduras, nem supérluos; só alimenta com o essencial, vitaminas com
todas as letras. Objetiva, vai direto ao ponto, o que, se por um
lado não agrada a quem é chegado a um loreio, a um estiloso
solilóquio, é consciente cerzideira : não dá vez às conhecidas desculpas esfarrapadas, principalmente as “não tenho tempo para
ler”, “minha vida é um turbilhão, não me sobra tempo para nada”;
tem que assumir, só não lê quem não está a im de.
E por que ler o que escrevo? Quem sou? Não importa. O
que vale é o prazer de ler, de contar. O prazer de ser, de trocar, de
viver.
Vivamos!
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Sobre os textos
Todas as histórias são verídicas, como toda icção.
Toda verdade é iccional, como toda versão.
É como é dito nas Minas Gerais:
a versão é mais importante que o fato.
Todos os textos são atos de fé,
escritos por minhas cabeças,
cada qual em seu tempo,
e ao meu modo.
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Um toque de melancolia
D
esde o medieval O nome da rosa, passando pelos versos de
Gertrude Stein — “Uma rosa é uma rosa, é uma rosa...” —,
sabemos que as palavras se bastam, quando têm a força e o impacto necessários para que seus signiicados passem a existir.
Para workaholic — aqui e agora —, por ser em língua estrangeira, pensamos numa tradução signiicativa, tal como “trabalhador inveterado”, ou “tarefeiro compulsivo”, “viciado em trabalho” ou, até, “servidor neurótico”, todas expressões compostas
e nenhuma delas com a força da inglesa, fusão de duas em uma,
com signiicação direta, atual e impactante: diz tudo, tudo o que
se pretende que se entenda. Ora, pois, que me desculpem os puristas e os nacionalistas, mas os personagens e componentes desta
história induzem à conspurcação da língua mãe com expressões
alienígenas já consagradas — técnicas umas, importadas outras
—, deletando o similar nacional, com todo o respeito; isto, porque não existe nada melhor para deinir uma workaholic do que
“workaholic”. Justamente o que ela era.
Seu dinamismo inesgotável, sua simpatia e fácil relacionamento com qualquer pessoa, salvo — por princípio — o marido,
eram completados pela boniteza natural, coisa rara em tempos
atuais, porque isenta de botox e silicones.
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Proissionalmente envolvida com casa e cor, com os mais
importantes e badalados corretores de artefatos de decoração
— explorados vitrinistas das melhores casas do ramo —, era a
preferida pela grande maioria por sua qualidade, pontualidade e
honestidade — coisa rara, também.
Vestia-se bem, elegante sem perder a praticidade, de modo
a viabilizar seu entendimento, assaz particular, do deslocamento físico no espaço urbano, ou seja, cinco minutos o espaço de
tempo gasto para se ir de qualquer lugar a outra parte da cidade.
Complementando a imagem de executiva antenada com a modernidade — que lhe permitia adentrar qualquer ambiente desilando na categoria up to date com o século XXI —, um laptop
de última geração em sua maleta italiana na cor goiaba, compensando a grande bolsa Louis Vuitton: mais ou menos uns quatro
quilos de agenda, caneta Montblanc e apetrechos de maquiagem
Shiseido, nada de similar ou genérico, por favor!
Naquela tarde, telefonaram para o escritório do marido
dando a notícia do falecimento de um amigo, indesejado mas
inevitável, aguardado há muito, devido à doença insidiosa e traiçoeira. Aquela.
— O corpo vai ser cremado amanhã, às onze horas. Vamos
juntos?
— Não, é melhor ir cada um por si, cada qual com seu carro, pois de lá vou a Niterói, depois à Barra e tenho uma reunião
no Centro, depois de pegar o pessoal no escritório para montar
uma obra oi.
— Pegaste uma obra da Oi?
— Não, o oi eu dei para uma cliente que acabou de entrar,
serve um cafezinho e uma água, já falei quantas vezes?! É uma
monga mesmo!
— Quem, a cliente?
— Não, gênio! A secretária, traz aí a proposta!
— Então icamos combinados assim: cada um por si e Deus
contra todos. Até mais! — Desligaram.
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Contocrônicas, umas tantas
Ele chegou meia hora antes, como sempre, encontrando
o salão de estar do Crematório do Caju bastante cheio; muitos
óculos escuros — que é para quem não chora dar a impressão de
que chorou —, pessoas trocando condolências, outros desiando
conidências, mão no ombro, palavras ao pé do ouvido e outros
tantos, não se sabe bem o motivo, às vezes gargalhando: um típico velório. Na sala da capela, palidamente iluminada, um caixão
sobre a esteira rolante que o levaria ao forno, ladeado por coroas
de lores saudosas e algumas pessoas, não muitas, pouca conversa
e mais óculos escuros.
Ela chegou meia hora depois, como sempre, mas tudo estava atrasado mesmo, ela sempre contava com isso: prontos pêsames e solidariedade aos parentes identiicáveis — e aos estranhos
também, quem sabe... — na sala de espera. Viu o marido, abriu
um sorriso, pegou-o pela mão, desmontou o sorriso e o arrastou,
apressada, para a capela. Enquanto ele se dirigia, curioso, à coroa
maior, do lado direito, ela, célere, visava o caixão. Rápido, quase
num pulo, o marido pega-lhe o braço e, delicadamente, mas com
determinação, a arrasta para fora, sussurrando:
— Disfarça que o falecido não é esse. O nosso vem depois.
— Jura?
— Com certeza, vi a coroa. Te salvei de um mico do tamanho de um orangotango, minha cara.
— Tá bem, olha lá a irmã dele, não é? Vamos falar com ela.
— Aquela é a velha babá, mas tudo bem, deve estar mais
triste do que a irmã, uma chata de galocha!
Já estavam estendendo a mão para o ritual de condolências
quando perceberam que o salão se esvaziara, enquanto a capela,
ao contrário, estava cheia de gente, uma grande movimentação:
os presentes à cerimônia haviam mudado — todos, embora não
parecesse, pela postura, murmúrios, prantos e óculos escuros.
— Tenho cinco minutos, não vou poder esperar mais. Você
ica, me representa e a gente se vê à noite.
Ato contínuo, se precipitou para dentro da capela na tentativa de chegar junto ao caixão — coberto com a bandeira do
Flamengo, do qual o morto fora sócio benemérito e torcedor fa| 15 |
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nático —, a família em volta e em prantos. Teve alguma diiculdade em abrir caminho, com a bolsa e o laptop batendo contra uns
e outros; agoniada, viu o caixão começar a se mover em direção
a seu destino inal. Neste momento, o salto agulha se quebrou
— um traje prático mas nem tanto, há limites que a elegância
não permite desconsiderar —, a executiva perdeu o equilíbrio, o
laptop escapou-lhe da mão e, leve, como ela tanto procurara, foi
lançado à frente caindo sobre a esteira; desesperada, ela tentou
pegá-lo se projetando contra a urna funerária e arrastando para
o solo sua elegância, que já nem era tanta, e a bandeira do mais
querido, aos gritos de “ele é meu!”, “parem o caixão!”
Nesta altura da cerimônia, o responsável pelo acionamento
nem tomou conhecimento dos gritos e choros — o equipamento
não para —, acostumado ao desespero do cônjuge sobrevivente,
a cena é sempre a mesma... Dentre as expressões dos circunstantes — espanto, surpresa, susto —, a que tornou o momento mais
constrangedor foi a da esposa do falecido, que nem a conhece e,
certamente, se questiona: “Quem é essa louca? Será que o safado
tinha... e eu não sabia? Ele não valia tanto desespero... E ainda é
vascaína, a safada!”
Em meio à inusitada coreograia, para um evento dito fúnebre, Beethoven atacou de Nona — um dos mistérios da eletrônica de ponta, essa incompatibilidade entre o telefone celular e
a campainha de telefone; só são aceitos toques escalafobéticos,
quanto mais, melhor; e alto, para os devidos psiusss nos locais favoritos: cinema, teatro, hospitais, igrejas e velórios, e agora, também, o crematório.
Bolsa aberta, agenda e tudo o mais espalhados pelo chão
e embolada com o glorioso estandarte rubro-negro, a executiva
tenta, em posição ingrata, recolher os escombros; os mais próximos se recompõem, tentam ajudá-la — os homens, naturalmente! —, uns com olhar reprovador, outros segurando o riso e arriscando um olhar galante.
— Cadê meu celular! Ei, peraí, não pisa! Tira a porra dessa
bandeira daqui!
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