Os Vários Jacobs - Músicos do Brasil

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Os Vários Jacobs - Músicos do Brasil
Os Vários Jacobs
Por Sérgio Prata
Ensaio cedido para publicação no projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia,
patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet
www.musicosdobrasil.com.br
“O indivíduo tem que me acertar aqui. Se me acertar na mosca eu não quero saber de que jeito foi,
não quero ver meios para atingir fins. Ele tem que me botar em prantos, ele tem que botar em estado de
enfarte, aí funciona...”
Foi dessa forma que Jacob do Bandolim, em fevereiro de 1967, ao prestar seu depoimento ao
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, definiu a emoção que um bom choro lhe causava, e foi assim
que, quinze dias depois, ao interpretar "Lamentos", de Pixinguinha, no palco do Teatro Casa Grande, se
emocionou além do limite e ali mesmo sofreu seu primeiro enfarte.
Esse fato define com clareza quem foi esse músico que transbordava emoção e deixava a todos em
estado de comoção, quando feria as cordas de seu instrumento.
Filho de Sara Raquel Pick e do farmacêutico Francisco Gomes Bittencourt, Jacob nasceu em
14.02.1918. Morava com a mãe na rua Joaquim Silva, a poucos metros dos imperiais Arcos da Lapa, região
boêmia, freqüentada pelos bambas da malandragem e por artistas. Dois anos antes de Jacob nascer,
Pixinguinha já se apresentava como flautista, na Choperia La Concha, a poucos quarteirões de sua casa. Aos
12 anos, e já tocando gaita, Jacob ouviu um francês cego tocar violino na calçada de sua casa, e pediu um de
presente a sua mãe.
Dona Raquel levava uma vida restrita. Judia, imigrante polonesa, fazia parte do grupo de polacas
que abandonou seu país de origem, recrutada como várias outras "escravas brancas" em pobres cidades do
Leste Europeu. Desembarcavam sem alternativa que não a de se prostituir, sem família, num país
desconhecido. Ela administrava uma “casa de moças” que funcionava no próprio sobrado onde morava, sob a
confortável fachada de uma “pensão”, mas sempre fez questão de preservar Jacob das influências negativas
desse ambiente. Jacob, geralmente, vivia em casa, não tinha parentes, além de pai e mãe, e tinha poucos
amigos.
Perseguidas e descriminadas pela comunidade judaica, as polacas se organizaram e criaram a
Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita, da qual Dona Raquel, muito atuante e religiosa,
ocupou o cargo de primeira secretária, em 1932.
Raquel Pick deu o violino a Jacob. Ela adorava o filho, e além de iniciá-lo na música, fez questão de
lhe dar uma boa educação, Jacob estudou no Colégio Cruzeiro e na British American School, instituições de
ensino dentre as melhores do Rio de Janeiro, à época. É bem verdade, que o pai era quem pagava o colégio e
ajudava na sua manutenção, fato que Jacob só veio saber bem mais tarde.
Mas o violino não durou muito em suas mãos. Sem jeito para manusear o arco, tentava tirar som das
cordas com grampos de cabelo da mãe. Resultado: cordas rompidas, um garoto frustrado e uma mãe irritada
de tanto comprar cordas. Uma amiga da mãe arriscou: “... o que ele quer é tocar bandolim..”. E Jacob ganhou
um bandolim, mesmo sem saber do que se tratava.
Para temperar o cenário, bem próximo a sua casa residia uma diretora da gravadora RCA Victor,
que realizava requintados saraus e foi de lá que Jacob ouviu o primeiro choro, “É do que há”, tocado pelo
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próprio compositor, o clarinetista Luiz Americano. Jacob fazia questão de afirmar, “... nunca mais esqueci a
impressão que aquilo me causou...”
No trajeto entre o colégio e a sua casa ficava a loja de instrumentos musicais, Casa Silva. O menino,
fascinado, observava os clientes experimentando violões, cavaquinhos e bandolins. Aproveitava para também
dedilhá-los. E foi lá que conheceu o próprio Luiz Americano, autor do primeiro choro que ouviu. O coração
bateu acelerado. O músico, um dos mais importantes da época, ao vê-lo de uniforme escolar dedilhando o
bandolim, lhe fez um convite para se apresentar na Rádio Phillips. Dias depois, titubeante, Jacob foi até a
porta da rádio e dali mesmo voltou para casa. Não se achava pronto.
Sua vida até os 15 anos era ir ao colégio, onde foi um aluno mediano, e ficar em casa tocando
bandolim, tirando “de ouvido” os choros que chegavam pelo ar, vindos da casa da diretora da RCA Victor e
outros que ouvia nas ruas. O bandolim era o seu brinquedo predileto, o seu livro de cabeceira e o seu melhor
amigo. Foi autodidata.
E assim foi se construindo o cenário que o moldou culturalmente. Nesse contexto, vários Jacobs
foram se formando.
Começamos pelo Jacob instrumentista que, em 1934, aos 16 anos, derrotou 28 concorrentes e
venceu o concurso do Programa dos Novos, na Rádio Guanabara, recebendo nota máxima de um júri
composto por nomes ilustres como: Benedito Lacerda, Francisco Alves e Orestes Barbosa.
Nos anos seguintes continuou trabalhando em praticamente todas as rádios no Rio de Janeiro,
acompanhando cantores ou calouros, mas sempre manteve outras ocupações paralelas, até que, em 1940, aos
22 anos, conheceu e se casou com Adylia Freitas, jovem católica de classe média, residente em Copacabana.
Em 1941, a convite do amigo Ataulpho Alves, participou como acompanhante em duas gravações
que se tornaram eternos sucessos: "Leva meu samba" (Odeon / nº. 11.955 / fevereiro de 1941) e, meses
depois, "Ai, que saudades da Amélia" (Odeon / nº. 12.134 / abril de 1942), que ficariam registradas como
sendo a estréia artística de Jacob.
Para garantir o sustento da família, já com dois filhos, fez concurso por orientação de Donga, e
tomou posse como serventuário da Justiça, o que lhe propiciou maior liberdade para compor e tocar o choro,
“... sem depender do interesse das gravadoras...”, como gostava de afirmar. Por isso, teve de interromper
temporariamente sua carreira nas rádios, mas continuou tocando e compondo.
Em 1944, a pedido de Adylia, retoma a carreira musical. Em 1947, é contratado pela gravadora
Continental, onde grava seu primeiro disco 78rpm, com o choro "Treme-Treme", de sua autoria, e a valsa
"Glória", de Bonfiglio de Oliveira, iniciando sua carreira como solista profissional (Continental / nº.15. 825 /
outubro de 1947). Esse fato fortaleceu um momento muito especial da música brasileira e, particularmente, do
choro.
Paradoxalmente, naquele momento, o choro não estava em alta, muito ao contrário, pois seu momento
de ouro já havia acontecido há quase duas décadas. Entretanto, em 1946, o gênero ganhara força com a
entrada de Pixinguinha, no sax tenor, no Regional de Benedito Lacerda. O grupo contava ainda com a
genialidade do inigualável trio de cordas: Dino e Meira (violões), e Canhoto (cavaquinho) e era um dos
poucos grupos a fazer sucesso, exclusivamente, com repertório de choro, tendo, inclusive, um programa na
Rádio Tupy.
Em 1947, na esteira desse novo momento e com o sucesso de Jacob como solista, as gravadoras
percebem o ressurgimento de um filão: solistas virtuosos em instrumentos solados com palheta e que também
compunham temas instrumentais de grande aceitação popular.
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Assim, se no campo instrumental a década de 1940 começou destacando os violonistas,
particularmente Garoto, Laurindo de Almeida e Dilermando Reis, ela se encerrou com uma saudável disputa,
como já dissemos, entre os solistas de palheta, estimulada pelas gravadoras e encabeçada por Jacob do
Bandolim que, em 1949, se transferiu da gravadora Continental para a RCA Victor, e por Valdir Azevedo,
cavaquinista que substituiu Jacob na Continental e estreou com o mega sucesso "Brasileirinho", que vendeu
alguns milhões de discos, na estréia.
Também em 1949, Garoto, contratado da gravadora Odeon, e que gravava principalmente com banjo,
violão e guitarra havaiana, aproveitou a onda e passou a tocar mais freqüentemente o bandolim, alternando-o
com o cavaquinho e o violão tenor.
Jacob, Valdir e Garoto, solistas virtuosos e compositores com estilos próprios, elevaram o padrão da
música instrumental brasileira, tanto na interpretação quanto na composição e deram um novo impulso ao
choro por quase uma década.
Seria injusto não falarmos de Luperce Miranda, que chegou ao Rio de Janeiro, em 1928 e foi, até
1945, o principal intérprete de bandolim. Em 1946, Luperce retornou a Recife por questões particulares,
ficando afastado das gravadoras e não participando desse momento especial, só retornando ao Rio em 1956,
quando a disputa virtuosistica havia declinado, Garoto já havia falecido e as gravadoras buscavam outros
nichos de mercado.
Nessa disputa, em termos de vendagem, se destacaram Valdir e Jacob, o primeiro por uma inédita
sonoridade no cavaquinho e pela facilidade de produzir temas de fácil comunicação com o público, que o
transformaram no maior campeão de vendas da década de 1950, e o segundo, por ter combinado padrões de
interpretação e composição no bandolim, ainda não alcançados àquela época.
Tivemos também o Jacob pesquisador, estudioso da história do choro, um dos primeiros a entender
esse gênero musical como um patrimônio cultural do povo brasileiro que devia ser preservado e divulgado. Já
em 1939, Jacob começou a recolher discos de cera e partituras, editadas ou em cadernos manuscritos, para
formar um arquivo pessoal, reunindo a obra de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Candinho Trombone,
Eduardo Souto e Anacleto de Medeiros, dentre outros.
Em 1952 inova e lança o primeiro álbum fonográfico brasileiro, “Jacob revive músicas de Ernesto
Nazaré" (Álbum BP-1; discos: 80.0900, 80.0901, 80.0902, 80.0903; RCA Victor), reunindo quatro 78rpm
numa caixa, recuperando a obra de um dos pioneiros do choro. Quando faleceu, Jacob deixou um acervo
inigualável com cerca de 10.000 itens, dentre discos 78rpm, LPs, fitas magnéticas, livros, catálogos, fotos e
dezenas de cadernos de choros manuscritos dos antigos chorões, que hoje estão sob a guarda do MIS/RJ e do
Instituto Jacob do Bandolim.
Conhecemos também o Jacob inventor de instrumentos, incansável farejador de sonoridades, que
lançou a violinha, uma redução física do violão tenor; inventou o vibraplex, um violão tenor ligado a um
órgão Hammond; o barítono de cordas, um espécie de violão tenor grave; a tuba de cordas, um tipo de violão
baixo, e adorava tocar o bandolim brilhante, apelido que deu a um bandolim-guitarra que ganhou de presente,
idêntico ao instrumento utilizado nos trios elétricos.
Uma importante contribuição nesse campo foi, no início da década de 40, ter encomendado um
instrumento ao Luthier Silva, que produziu um bandolim no formato de uma guitarra portuguesa, mas com
dimensões reduzidas. Até aquele momento, os bandolinistas, dentre eles, o próprio Jacob, utilizavam o modelo
napolitano (cuia) ou o alemão, mas Jacob passou a tocar num instrumento de formato próprio, que se tornou,
com o correr dos anos, o padrão de bandolim utilizado no Brasil. Curiosamente, esse formato surgiu após
Jacob ter acompanhado, como violonista amador, um grupo de fadistas que andou pelo Rio nos anos de 1930.
Chegamos ao Jacob compositor, a nosso ver, o mais refinado dos vários Jacobs que habitaram,
sobrepostos, a complexa personalidade de Jacob Pick Bittencourt.
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Os primeiros registros de suas composições se situam por volta de 1936 e foram reveladas ao público
por Elizeth Cardoso, no lendário show do Teatro João Caetano (RJ), em 19 de fevereiro de 1968, que reuniu,
além de Jacob e Elizeth, o Zimbo Trio e o Época de Ouro.
Nesse show, a “Divina” fugiu do roteiro e surpreendeu Jacob, ao cantar sem ensaio, duas composições
que ele havia composto antes dos 20 anos. "Inocência" (com Luiz Bittencourt) e "Foi numa festa". Jacob, que
não se lembrava mais dessas “obras primas”, riu à beça, mas quem se danou foi Dino Sete Cordas que teve
que acompanhar, de surpresa, músicas que não conhecia.
Nessa mesma noite, Elizeth apresentou o samba "Jamais", parceria de Luiz Bittencourt com Jacob, de
1936, a sua mais importante composição dessa época, e que segundo Déo Rian, foi dedicado a uma prima de
Elizeth Cardoso, namorada de Jacob. Luiz Bittencourt, um dos grandes violonistas de choro, acompanhou
Jacob no início de sua carreira, e integrou durante anos o Regional de Dante Santoro, mas, apesar do
sobrenome, não era parente do mestre do bandolim.
Sobre Jacob, comentamos anteriormente que sua estréia em disco teria se dado em 1941, como
acompanhante em "Leva meu Samba" e, como solista, em 1947, com seu choro "Treme-Treme", mas, aqui
nesse ponto, a história tem que ser recontada, pois Jacob, que deixou sua trajetória artística registrada em
vários depoimentos, nos pregou uma peça.
Na verdade, a estréia artística de Jacob se deu muito antes. Foi em 1938, aos 20 anos, e acreditem,
estreou como compositor gravado por Aracy de Almeida, a grande cantora dos anos de 1930. A composição Si
Alguém Soffreu (Victor, nº 34.309, maio de 1938) tinha letra e música compostas por Jacob, fato que
inexplicavelmente Jacob nunca revelou.
Para termos a dimensão desse feito, basta verificarmos que três meses antes da gravação do samba de
Jacob, Aracy havia gravado a célebre "Último Desejo", de Noel Rosa (Victor, nº 34.296, fevereiro 1938), e
estava no auge da fama. Jacob era ainda um desconhecido do grande público
Existe no arquivo da Editora Irmãos Vitale (SP), um “Contrato de Cessão de Direitos Autores”,
firmado em 1938, em nome de Jacob Pick Bittencourt para essa música. Também o rótulo da gravação e a
partitura editada confirmam a sua autoria. Vale ressaltar que o conjunto Jacob e Sua Gente costumava
acompanhar Aracy de Almeida em suas apresentações na Rádio Guanabara, o que deve ter contribuído para
aproximar Jacob da “Dama do Encantado”.
Curiosamente, em “Si alguém soffreu” a introdução ao clarinete é de Luiz Americano, mas pode-se
também ouvir, em segundo plano, um solo de bandolim em “trêmolo”. Assim, existe uma grande
possibilidade, embora não se possa afirmar, de ser o próprio Jacob estreando também como músico nessa
gravação.
O Jacob compositor transitava entre as composições fiéis à estrutura tradicional do choro, mas
também fazia suas incursões inovadoras. Seu choro de estréia, “Treme –Treme”, composto em três partes,
como a maioria de suas composições, se destacava pelo ritmo marcante e alegre, o que resultou num grande
sucesso de vendas.
O cuidado com a preservação e divulgação dos mestres do choro fez Jacob mesclar, em seus discos,
composições suas e de compositores tradicionais, dentre eles Bonfiglio de Oliveira, Ernesto Nazareth e
Joaquim Callado. Isso lhe custou ser considerado “conservador” por alguns críticos. Resolveu então inovar e
compôs "Remelexo" (Continental, nº 15.957, novembro de 1948), um choro em duas partes, com uma
estrutura harmônica fora dos padrões tradicionais e que continha um inovador solo-improviso de Fernando
Ribeiro, violonista com influências além das fronteiras do choro. O próprio Jacob afirmou: “... comecei a
ouvir insistentes comentários, o Jacob toca quadrado, e resolvi tocar o 'Remelexo' (...) fiz um negócio fugindo
completamente às regras do jogo (...) 'Remelexo' não é choro, é uma malícia ...”.
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Ainda na década de 1950, melodias como "Santa Morena", "Ciumento", "Feia", "Choro de Varanda",
"Bole-Bole", "Noites Cariocas" e "O Vôo da Mosca", este composto em 1962, revelam um Jacob preocupado
em construir um fraseado fora dos padrões tradicionais, muito embora continuasse, também, a compor choros
e valsas ao estilo da “velha guarda”. As primeiras composições eram guardadas na memória, pois Jacob
tocava de ouvido, mas já no início da década de 1950, Jacob registrava sua obra em partituras, tendo
começado pela polca "Mexidinha".
Jacob gravou, como solista, cinqüenta e dois discos em 78rpm, sendo quatro pela Continental e
quarenta e oito pela RCA Victor. Até 2006, haviam sido lançados cerca de 50 LPs/CDs com seus solos,
compreendendo discos inéditos, reedições e relançamentos em coletâneas, totalizando cerca de 700 faixas
lançadas com o seu bandolim.
Compôs toda a gama de gêneros que formam o repertório dos conjuntos de choro: choro, valsa, polca,
frevo, ponteado, samba, partido alto, schottisch, baião, maxixe, coquinhos e mazurcas. Deixou registradas
cerca de 117 composições, algumas incompletas, sendo a predominância de choros, 72, mas, também, cerca
de duas dezenas de valsas. Entretanto, gravou em seus discos apenas 64 das suas composições.
Após seu falecimento, mais de 30 músicas inéditas de sua autoria foram lançadas por Déo Rian,
Avena de Castro, João Vieira, Humberto Araújo e Conjunto Sarau.
O seu processo de composição era muito particular. Compunha em vários lugares, mas preferia a
solidão da madrugada, em seu estúdio-arquivo, em Jacarepaguá. Às vezes, costumava construir a melodia no
bandolim e, para não esquecer, gravava a melodia assobiando, se acompanhando ao violão.
Déo Rian, que conviveu com Jacob de 1962 até o seu falecimento em 1969, conta que, certa vez,
Jacob, enquanto aguardava a troca de óleo do seu carro, foi à casa do amigo João Dormund, também
conhecida como o Retiro da Velha Guarda, e rascunhou no papel uma “idéia musical”. No dia seguinte, “seu
João” ligou para Jacob, perguntando se ele tinha noção do que havia composto. Jacob respondeu que não.
Assim nasceu o choro "Vibrações", em 1964.
Como autêntico chorão, Jacob manteve a tradição de dar nomes inusitados a suas composições. Assim
tivemos: "A ginga do Mané", em homenagem às diabruras de Garrincha na Copa de 1962; "Treme-Treme",
cujo nome era uma referência ao balançar do doce manjar; "Assanhado", que nasceu a partir de uma levada
meio “bossa nova” de seu violonista Carlinhos Leite; "De Limoeiro a Mossoró", um típico ponteado
nordestino; "Doce de Coco", devido à sua tara por esse doce; "Mexidinha", uma autêntica polca ligeira; "Um
bandolim na Escola", quando gravou seu bandolim acompanhado apenas por uma bateria de escola de samba
e um cavaquinho; e "De Coração a Coração", dedicada ao seu cardiologista Dr. Luciano Vieira.
As composições feitas em seus últimos anos de vida confirmam a preocupação com melodias mais
refinadas, fugindo do fraseado tradicional, mas sem descaracterizar os gêneros que sempre defendeu. Foi
assim em "Chuva"; na valsa "De Coração a Coração"; em "Primas e Bordões", e em "Novos Tempos".
A relação de seus sucessos é extensa: "Noites Cariocas", "Santa Morena", "Doce de Coco",
"Assanhado", "Remelexo", "Bole-Bole", "O Vôo da Mosca", "Vibrações", "Receita de Samba", "Bola Preta",
"Feia", "Migalhas de Amor", "Vale Tudo", "Simplicidade", "Nosso Romance" e paramos a lista por aqui.
Curiosamente, uma das maiores frustrações do compositor Jacob se deveu ao fato de não ter sido
gravada a letra que havia escrito, a pedido do cantor Jorge Goulart, em 1956, para o choro "Ingênuo", de
Pixinguinha. A letra gravada foi composta por Paulo César Pinheiro já na década de 1970. Jacob deixou
diversas letras de músicas inéditas, se revelando, além de um refinado melodista, também um produtivo
letrista.
Era um músico antenado nas mudanças. Foi assim ao aceitar o desafio de gravar, em 1964, a "Suíte
Retratos para Bandolim e Orquestra", de Radamés Gnattali, dedicada ao próprio Jacob do Bandolim que, por
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sua vez, tinha verdadeira fascinação por Radamés. Cada um dos movimentos de "Retratos" homenageia um
nome fundamental da música brasileira: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha
Gonzaga.
"Retratos" foi um divisor de águas que, apesar de ter sido um fracasso de vendas na época, preparou o
terreno para uma nova linguagem do gênero que brotaria em meados da década de 1970 com o surgimento de
uma geração de músicos, chorões de novo tipo, dos quais se destacaram a Camerata Carioca, no RJ, e a
Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, cujos integrantes, hoje já amadurecidos, formam novas
gerações de chorões.
Além de todas essas atividades no final da década de 1960, Jacob também era radialista e apresentava
um programa diário na Radio Nacional, “Jacob e seus Discos de Ouro”, no qual analisava lançamentos de
novos compositores da música brasileira. Idolatrava Chico Buarque, Paulinho da Viola e Cartola, elogiou o
surgimento de Joyce e fez, certa ocasião, uma declaração de amor a "Canto Triste", de Edu Lobo, ao afirmar
que “...essa música me traumatiza, me faz chorar, é uma das coisas mais importantes que eu já ouvi...e já
avisei à Elis Regina que vou procurar gravar melhor do que ela...”. Infelizmente, sua morte prematura, em
1969, aos 51 anos, não lhe permitiu cumprir essa promessa.
A obra de um artista popular não pode ser simplesmente avaliada por meras comparações, prêmios,
notas ou títulos. Seu valor deve ser atestado no cenário onde nasceram as suas criações, ou seja, para o que, ou
para quem foram destinadas.
Hoje, a quase totalidade dos bandolinistas brasileiros segue o estilo de Jacob como padrão
interpretativo. Não há roda de choro que se preze em que seus choros não sejam tocados, e graças ao “Arquivo
do Jacob”, sob a guarda do Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro, temos acesso a milhares de
partituras e a informações fundamentais para o desenvolvimento do choro.
Também, graças ao trabalho desenvolvido pelo Instituto Jacob do Bandolim
(www.jacobdobandolim.com.br), boa parte de seu acervo e da sua obra está sendo recuperada e
disponibilizada ao público, como o lançamento do álbum "Tocando com Jacob"; dos CDs "Ao Jacob Seus
Bandolins" e "Inéditos de Jacob do Bandolim Vol. 2"; do seu "Caderno de Composições" completo e a
digitalização de todos os seus discos e de cerca de 200 fitas magnéticas.
Jacob nunca teve pretensões maiores do que tocar bem o seu bandolim, compor o que lhe emocionava
e, principalmente, preservar o choro para as futuras gerações.
E o seu principal temor - de que o choro morreria com ele - confirmou-se como uma previsão
totalmente equivocada, pois, ao contrário, hoje segue firme. Não pode haver um reconhecimento mais
legítimo do que esse.
Por tudo isso, ainda ecoará por muito tempo o grito emocionado de Elizeth Cardoso, no Teatro João
Caetano, em 1968, provocando seu “padrinho musical” quando do início do antológico solo-improviso de
Barracão.
“... Dá-lhe, Jacob...”.
Sergio Prata
Músico e Diretor do Instituto Jacob do Bandolim
Fontes consultadas:
Arquivos do IJB, MIS/RJ, Déo Rian, e do próprio autor
Baile de Máscaras, Mulheres Judias e Prostituição - Beatriz Kushnir / Imago, 1996
Depoimento Jacob do Bandolim ao MIS, gravado em 1967
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Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira - Internet
Discografia Brasileira em 78rpm - Alcino Santos, Gracio Barbalho, Jairo Severiano, M. A. Azevedo / Funarte,
1982
O Choro do Quintal ao Municipal – Henrique Cazes / Editora 34, 1998
Jacob do Bandolim - Ermelinda A. Paz / Funarte, 1997
Luperce Miranda, o Paganini do Bandolim - Marília Barbosa / Da Fonseca Comunicação, 2004
Pixinguinha, Vida e Obra – Sergio Cabral /Funarte, 1977
Tributo a Jacob do Bandolim – Sergio Prata e Maria Vicenzia Pugliese / CECAC, 2002
Colaboradores: Elena Bittencourt, Pedro Aragão, Cláudio Arraes e Américo Esteves
Links
Anexo 1
Gravação original de “Si Alguém soffreu” – MP3
Link em A composição Si Alguém Soffreu
Anexo 2
Letra de “Si alguém soffreu”
Link em letra
Anexo 3
Contrato de Cessão de Direitos de Autores
Link em Contrato de Cessão de Direitos Autores”,
Anexo 4
Rótulo do disco 78 rpm, de “Si Alguém soffreu”
Link em rótulo da gravação
Anexo 5
Partitura editada de “Si Alguém soffreu”
Link em partitura editada
Anexo 6
Relação das composições de Jacob do Bandolim, por gênero musical
Link em Deixou registradas cerca de 117 composições
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