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GERAIS
NUMA BUSCA DRAMÁTICA, PAI SE JUNTA AOS BOMBEIROS E VASCULHA ESCOMBROS PARA
TENTAR ACHAR O GAROTO. CORPORAÇÃO DIZ SER REMOTA A CHANCE DE SOBREVIVENTES
ARQUIVO PESSOAL
EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS
Grupo de resgate chega de helicóptero ao subdistrito de Bento Rodrigues, devastado pela lama: Robertino Damasceno ajuda na identificação dos locais onde o filho, de 7 anos, poderia ser localizado
À PROCURA DE TIAGO
FLÁVIA AYER
Enviada especial
Bento Rodrigues – A vastidão de
lama desafia a crença, embora a esperança se mantenha acesa. São quilômetros e quilômetros de destruição e
barro escondendo o destino de pessoas que continuam desaparecidas em
Bento Rodrigues, devastada pelo rompimento de duas barragens da Samarco (controlada pela Vale e BHP Billiton). Ontem, o foco do Corpo de Bombeiros foi tentar encontrar o menino
Tiago Damasceno dos Santos, de 7
anos. Os pais foram convocados para
essa dolorosa missão, e o Estado de
Minas acompanhou o trabalho, que
foi até o pôr-do-sol.
A rua já não existe mais, as casas foram abaixo e o exercício do pai, Robertino Damasceno dos Santos, de 38 anos,
foi o de refazer o mapa de Bento na cabeça para ajudar na localização do filho.
A criança morava com a avó na comunidade. Vizinhos conseguiram tirar a
senhora de casa, mas o menino não escapou do tsunami de lama.
Ontem,bombeirospassaramacontar
com a ajuda de líderes comunitários e
moradores para mapear o endereço de
residências e comércio para facilitar a
identificação de locais onde podem estar
os desaparecidos. Inconsolável, o pai de
Tiago prefere o silêncio. A mãe, Geovanna Rodrigues, resume as esperanças em
uma só palavra: “Deus”.
“A possibilidade de encontrar pes-
soas vivas é remota, mas os bombeiros
têm sempre que acreditar. Há espaços
vitais isolados, como dentro de armários, debaixo de lajes, que podem oferecer possibilidade de sobrevida”, afirma o capitão do Corpo de Bombeiros
Rafael Consendey, que comanda a
operação. Ontem, 40 homens participavam do trabalho.
Por mais de seis horas, bombeiros ficaram se revezando para quebrar a laje
da casa onde morava o menino Tiago.
Acharam um troféu que os pais reconheceram ser da criança, mas sem sinal
do corpo. Ora sob o sol escaldante, ora
sob a chuva fina, outro grupo se arrasta
na lama numa missão extenuante e
lenta. Primeiro, se enfia a estaca nas camadas de barro – que chegam a até 15
metros –, depois se lança o corpo sob a
superfície movediça e quilométrica.
Após vasculharem a casa, Robertino
foi novamente convocado pela corporação. O helicóptero se aproxima do mar
de lama e o pai pula da aeronave, em
mais um salto de esperança. As horas
voam na árdua tarefa de localizar os desaparecidos. Do alto da montanha, a impressão é de se avistar formigas numa
imensidão de lama. O sol vai embora.
Agora, já são cinco dias sem Tiago.
■ O REENCONTRO COM
O LOCAL DA TRAGÉDIA
O assobio de João Leôncio soa
quase como uma sirene de alerta no
meio da comunidade devastada pela
lama. É a primeira vez que o aposentado retorna a Bento Rodrigues, onde viveu seus 43 anos. Leôncio foi à
procura de dois cachorros, suas paixões, e também da escritura do terreno da casa.
Moradores puderam ir à comunidade para buscar documentos e pertences. A visita foi acompanhada da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. A área é vigiada por policiais para
evitar saques.
A cada olhar de Leôncio no retorno
à comunidade, uma lembrança de
um vilarejo bucólico convertido em
um mar de lama. “Criava mais de 300
passarinhos em cima do meu telhado, mas agora não tem mais nada.
Aqui na frente tinha um paiol, ali, um
bar”, conta. Leôncio conseguiu salvar
a família e três de seus cachorros.
Dois ficaram no Bento.
A boa notícia é que os bombeiros contaram que Fred, um dos
cães, foi resgatado e está em Mariana. Outros animais foram salvos em povoados vizinhos, como
Paracatu de Baixo.
O comerciante Alair Nicolau da
Silva, de 50, também voltou ontem a
Bento Rodrigues. Ele vivia no vilarejo com a família. “Umas 40, 50 pessoas”, conta. Todos estão vivos. O retorno trouxe tristeza. “Estou me
sentindo na guerra do Vietnã. É um
cenário de terror”, afirma Silva, que
perdeu tudo. “Acabou, acabou tudo,
acabou”, repete.
DOUGLAS MAGNO/AFP
No povoado de Paracatu de Baixo, animais foram resgatados por equipes de socorro
ENQUANTO
ISSO...
...TERCEIRO MORTO
Autoridades confirmaram ontem a terceira morte provocada pela tragédia de
Mariana: Valdemar Aparecido Leandro, de 48 anos, funcionário de uma empresa
que prestava serviços à Samarco, a Geocontrole. A primeira foi a de Cláudio Fiúza,
40 anos, também trabalhador de uma empresa terceirizada. Ele teve um mal
súbito no local em que as represas se romperam, em Bento Rodrigues. O
caminhoneiro Sileno de Lima, da Integral Engenharia, que trabalhava na área no
momento do acidente, foi sepultado na manhã de ontem, em João Monlevade,
Região Central de Minas. Há dois corpos encontrados em Bento Rodrigues que
foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte para
passar por exames e processo de identificação. Ambos são de adultos, um deles
do sexo masculino. Na tarde de ontem, uma vítima de sexo feminino teria sido
localizada no município de Barra Longa, mas nem a Polícia Civil nem os
bombeiros se pronunciaram oficialmente quanto à confirmação.
JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS
RENASCIDOS DUAS VEZES
VALQUIRIA LOPES
Enviada especial
Mariana – Depois da agonia de fugir
do mar de lama para salvar a própria vida, pai e filho, moradores do povoado
de Bento Rodrigues, distrito de Mariana,
comemoraram por duas vezes a vitória
de estarem vivos. Joaquim Zifirino Arcanjo, de 72 anos, e Arnaldo Mariano Arcanjo, de 30, fugiram às pressas do distrito devastado pelo rompimento da
Barragem do Fundão, da empresa Samarco, e, mesmo hospedados em um
dos hotéis reservados para os sobreviventes da tragédia, foram dados como
desaparecidos por quase 24 horas. Eles
tiveram os nomes incluídos na lista de
procurados pelos órgãos da força pública empenhados no socorro. E somente
ontem, por volta das 12h, funcionários
da Defesa Civil localizaram a dupla no
Hotel Faísca, no Centro da cidade.
A história que àquele momento au-
mentava o número de desaparecidos para 28 – entre moradores e funcionários –
não passou de um mal-entendido, como
explica Arnaldo, operário desempregado. “Na hora em que a barragem estourou, meu irmão, André, pescava na área
porondealamapassou.Comoeunãosabia onde ele estava, dei o nome dele como desaparecido. Confundiram e incluíram o meu nome, e não o dele. E colocaram também o do meu pai”, contou. Ao
lado do filho, o lavrador Joaquim comenta o ocorrido. “Se estávamos dados como
sumidos, então nascemos duas vezes
porque conseguir sair vivo de Bento foi
um milagre”. O idoso, que mora há 62
anos no povoado, lamenta a saída tão
traumática. “Foi um desastre. Deixamos
tudo para trás. Tudo conquistado em
uma vida toda. Morava lá com sete dos
meus nove filhos. Eram seis casas. Ficou
tudo destruído”, lamenta.
Mas é ao falar dos herdeiros que Joaquim se emociona e as mãos correm aos
olhos para conter as lágrimas. No terreiro
de sua propriedade, o lavrador tinha
plantações, cavalos, tirava leite de duas
dezenas de vacas e criava mais de 100 galinhas. Restrito ao quarto, corredor e sala
do hotel, o sobrevivente diz que a vida ali
não tem graça.
Sobre o momento do acidente, os
dois também se emocionam ao lembrar.
“Foi uma correria danada. Era todo mundo correndo pra se salvar. Eu consegui
salvar sete pessoas, inclusive uma criança que ia ser levada pela lama dentro de
um carro que já descia pela correnteza”,
contou. O pai disse ter conseguido sair de
carro, com a mulher, um dos filhos e um
conhecido.
Por pouco, o aposentando não perdeu dois filhos. Além de André, que estava pescando e teve de correr com a lama
lhe tomando os pés enquanto subia o
morro, Antônio José Arcanjo, de 40, foi
levado pela enxurrada em seu carro, que
boiou na lama por cerca de três quilô-
Dados como desaparecidos, Joaquim e Arnaldo estavam em hotel de desabrigados
metros. “Voltei em casa para pegar meus
documentos e quase perdi a vida. O carro foi arrastado pela água barrenta. Subi
no teto enquanto o carro descia desgovernado. Depois, pulei numa geladeira e,
em seguida, numa janela, até alcançar
um galho e me salvar. Escapei por um
milagre”, conta.
Pai e filhos dividem hoje quartos
do hotel no Centro da cidade e dizem
estar ansiosos sobre o que pode estar
por vir. “Não quero voltar pra Bento,
mas quero ter minha terra de volta,
criar meus animais e viver solto”, comenta o lavrador, que espera uma
solução rápida.