Na urgência de uma educação artística com uma

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Na urgência de uma educação artística com uma
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | Bianual | ISSN 1647-0508
#6
NOVEMBRO
2014
Na urgência de uma educação artística
com uma postura radical perante as
ofensivas do poder
En la urgencia de una educación artística
con una postura radical ante las
ofensivas del poder
FICHA TÉCNICA
PROPRIEDADE E PRODUÇÃO EDITORIAL
Rede Ibero-Americana de Educação Artística
http://educacionartistica.org/riaea/
Juan Carlos Araño, Universidad de Sevilla, España
#6
Leonardo Charréu, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Lia Raquel Oliveira, Universidade do Minho, Portugal
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA
Lorena Sancho Querol, Universidade de Coimbra, Portugal
EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES
NOVEMBRO
2014
Lucia Gouvêa Pimentel, Universidade Federal de Minas Geris, Brasil
Luciana Gruppelli Loponte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
COMITÉ EDITORIAL
Lucília Valente, Universidade de Évora, Portugal
Aldo Passarinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal
Manuelina Duarte, Universidade Federal de Goiás, Brasil
Ana Velhinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal
Maria Céu Melo, Universidade do Minho, Portugal
Jurema Sampaio | Universidade de São Paulo, Brasil
María Dolores Callejón Chinchilla, Universidad de Jaén, España
Olga Olaya Parra | AMBAR Corporación, Colombia
Maria Eduarda Ferreira Coquet, Universidade do Minho, Portugal
Ricardo Reis | Universidade de Barcelona/ i2ADS, Portugal
Maria Helena Leal Vieira, Universidade do Minho, Portugal
EDITORES #6
José Carlos de Paiva
Filipa Martins
EDIÇÃO
APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual
Maria Jesus Agra Pardiñas, Universidade de Santiago de Compostela, España
María Reyes González Vida, Universidad de Granada, España
Marilda Oliveira, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Mônica Medeiros Ribeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
05 | EDITORIAL
Paula Cristina Pina, Instituto Piaget, Portugal
05 | A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA enquanto acção agonística: como um terreno político, epistemológico/ontológico singular, alargado e plural
José Carlos de Paiva e Catarina Martins
Raimundo Martins, Universidade Federal de Goiás, Brasil
Rua Padre António Vieira, 76.
Ricard Huerta, Universidad de Valéncia, España
4300-030 Porto, Portugal
Ricardo Marín Viadel, Universidad de Granada, España
Email: [email protected]
Roberta Puccetti, Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Teresa Torres Eça, APECV/I2ADS, Portugal
ENDEREÇOS ELETRÓNICOS
Teresinha Sueli Franz, Centro de Artes da UDESC, Brasil
Submissão de artigos: http://invisibilidades.apecv.pt
Visualizar e descarregar os números publicados: http://issuu.com/
invisibilidades
ISSN
1647-0508
PERIODICIDADE
Bianual
DATA DE PUBLICAÇÃO
Novembro de 2014
Membros do Conselho Científico Aida Sanchez de Serdio, Universidad de Barcelona, España
Ana Luiza Ruschel Nunes, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, Universidade de São Paulo, Brasil
Ana María Barbero Franco, Professora. Artista. Investigadora, España
António Pereira, Escola Secundária de Peniche, Portugal
Ascensión Moreno González, Universidad de Barcelona, España
Belidson Dias, Universidade de Brasília, Brasil
Carmen Franco-Vázquez, Universidad de Santiago de Compostela, España
Catarina Martins, Universidade do Porto, Portugal
Cláudia Mariza Brandão, Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Elisabete Oliveira, CIEBA-FBAUL, Portugal
Fábio Rodrigues da Costa, Universidade Regional do Cariri, Brasil
Fernando Hernández, Universidad de Barcelona, España
Fernando Miranda, Unviversidad de la Republica, Uruguai
Imanol Aguirre, Universidad Pública de Navarra, España
Isabel Granados Conejo, Fundación San Pablo Andalucía CEU, España
Isabel Maria Gonçalves, Universidade de Évora, Portugal
José Carlos Paiva, Universidade do Porto, Portugal
José Pedro Aznárez López, Universidad de Huelva, España
DESIGN E PAGINAÇÃO
Ana Velhinho
LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do
Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org
09 | ARTIGOS
10 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na
formação docente em Arte
Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim
22 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual
Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández
EDIÇÃO ON-LINE
35 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade
Isabel Bezelga
LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do
Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org
44 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas?
Moema Martins Rebouças
REVISÃO DE TEXTO
60 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome
de Down
Mariana Baruco Machado Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça
Ricardo Reis
Autores
70 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas
Fabiane Pianowski
AUTORES NESTE NÚMERO
Ana Cañete Correas
Mariana Silva Câmara
Ana Emidia Sousa Rocha
Moema Martins Rebouças
Ana Sofia da Cunha Bessa Reis
Mônica M. Ribeiro
Catarina Martins
Mônica Medeiros Ribeiro
Cláudia Mariza Brandão
Raquel Morais
Edite Colares O. Marques
Ricard Huerta
Elisabete Oliveira
Ricard Huerta
Fabiane Pianowski
Roser Juanola
Fernando Hernández-Hernández
Samuel Mendonça
Flávia Pagliusi
Teresa Torres de Eça
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
Isabel Bezelga
Jesus Marmanillo Pereira
José Carlos de Paiva
Magda Silva
Marcia Toscan
Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva
Maria Helena Vieira
Mariana Baruco Machado Andraus
78 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor?
Raquel Morais
99 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica
Edite Colares O. Marques
09 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes 1
visuais: primeiras considerações
Ana Emidia Sousa Rocha
17 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de 1
uma Potência e a construção de subjetividades
Magda Silva
27 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao 1
movimento corporal
Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara
41 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras 1
dos Morros da Mariana
Marcia Toscan
47 | Estar alerta. A construção de uma atitude.
1
Ana Sofia da Cunha Bessa Reis
EDITORIAL
A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
enquanto acção agonística: como
um terreno político, epistemológico/
ontológico singular, alargado e plural
da sua acção pedagógica está imbuída das suas concepções sobre o que é a Educação Artística; sobre o que os seus alunos têm de aprender na sua disciplina; sobre
o que é a Literacia Visual; sobre quem pensa que são os seus alunos..., ainda que
154| ENTREVISTA
155| Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística
Ricard Huerta
disso não esteja totalmente consciente.
RICARDO REIS (2011: 413)
166 | RESENHAS
1. O mundo ocidental no século XXI desvanece-se como cerne do desenvolvi-
167|Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta
Teresa Torres de Eça
mento, e espelho de um sistema político democrático, optimista e irradiante, re-
170|Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários.
Jesus Marmanillo Pereira
sultado de um sistema global onde o ‘mundo financeiro’, escondido e incógnito,
175 | SECÇÃO ESPECIAL: HOMENAGEM A ELLIOT EISNER
medidas-necessárias para superar os cataclismos financeiros criados pelas suas
76 | Evocación de Elliot Eisner
1
Fernando Hernández-Hernández
78 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal
1
Elisabete Oliveira
comanda, move governos e dita políticas, sabendo deslocar para fora de si as
políticas. Os resultados da ganância dos poderosos, medidos na dimensão dos excluídos, dos sem-emprego-e-sem-esperança, dos refugiados sem-espaço-e-semágua, dos resíduos-sem-nome-e-sem-terra, dos novos-remediados, são desespe-
81 | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner
1
Ricard Huerta
rantes para quem desacredita no que é mostrado e constrói a sua percepção
83 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una 1
pedagogía de la interioridad
Roser Juanola
uma prática agonística, e não se cansa de lutar por uma possibilidade de haver
87 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner
1
Maria Helena Vieira
89 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner
1
Mônica M. Ribeiro
91 | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea
1
Cláudia Mariza Brandão
193| CHAMADA DE TRABALHOS
crítica perante as representações dos dominantes hegemónicos e lhes contrapõe
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É bom ter a consciência de que a acção de um professor não é inócua. Cada imagem que escolhe, cada actividade que propõe, cada decisão que toma no decorrer
um aberto no tempo que há-de vir.
A urgência de alterações visíveis, é assumida de modo diferenciado por focos
resilientes, que não ignoram os fracassos de narrativas alternativas, e em geografias onde o percurso histórico é diferente, onde a independência e a autodeterminação dos povos conseguida no século XX não se substituíram por cópias-apressadas das formas de poder do mundo ocidental e, noutro sentido e
em geografias sobrepostas, se procuram caminhos próprios, num percurso que
se entreluza com as posturas agonísticas face aos valores hegemónicos do velhomundo-ocidental.
“Não pretendemos dominar o mundo”, declara um dirigente de uma firma transnacional, “queremos apenas possuí-lo”.
LATOUCHE, Serge (1998: 39)
São tempos complexos e difíceis os deste início do século XXI, tempos múltiplos e
encruzilhados que obrigam a atenção, escuta e paragem, ao encontro de uma acção esclarecedora, à mobilização de uma disponibilidade plena do corpo e do juízo, perante o que parece distante e o que se apresenta como distinto. Onde quer
que se esteja, estaremos em 2014, conhecedores das desgraças longínquas, dos
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políticas geradas, apenas mostra a urgência de se contra-
3. A Educação Artística vive um momento crítico, em primei-
à Educação Artística outras possibilidades de interferência
sos artistas, dos sorrisos-falsos-da-tv, das falsidades e dema-
riarem os caminhos de reprodução deste modelo social, na
ro lugar porque as políticas hegemónicas subtraem as con-
educativa, democrática e propiciadora de posturas críticas
gogias descaradas dos políticos-profissionais do poder, das
procura de um outro, aberto, em aberto.
dições objectivas necessárias para o seu desenvolvimento,
e de materialização das capacidades de produção de inter-
procuras de outros-ares-de-refúgio em Marte, procurando
criando situações escandalosamente desfavoráveis nas es-
venções de natureza artística das crianças, jovens e adultos.
discernir o que nos é escondido, o outro lado do que nos
A pessoa singular não é um início, e as suas relações com
colas, nas universidades, nos museus e centros educativos.
Apela-se a este debate, a uma prática revirada de onde ir-
dizem os ‘especialistas’. Nesta actualidade de tormentos
outras pessoas não têm um início. ELIAS, Norbert (1987:
Embrulhado em narrativas de reconhecimento do valor da
radie a possibilidade de se aprender, ensinar, aprender/en-
abundantes, pretende-se promover o debate, de clarifica-
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cultura nas sociedades, determinam-se políticas que ten-
sinar, sempre, em todo o lado, para se ser, para fazer, para
dem a isolar a arte num reduto fechado, ao mesmo tempo
saber, para não-saber, para viver…
ção agonística de procura de um entendimento crítico e
heterogéneo, busca-se a possibilidade simples de se poder
voltar a ter desejos pessoais e interesses próprios, isolados
dos discursos do ‘mercantilismo do consumo globalizado’,
das ‘economias do saber’, resistentes aos ‘dispositivos de
regulação’, capazes de lidar com o ‘vigiar e punir’, persistentes numa capacidade de resposta ao convite permanente à
resignação e ao dormente conforto.
A organização de este número do (in)visibilidades pelo Núcleo de Educação Artística do Instituto de Investigação em
Arte, Design e Sociedade (i2ADS/FBAUP), inscreve-se na
pertença deste colectivo a um espaço de resistência no interior dos dispositivos de poder onde habita, procurando nas
heterogeneidades existentes uma acção difusora de busca
de possibilidades de intervenção crítica, persistentes na
construção de uma narrativa comprometida apenas aberto,
que a atenção aos tempos possibilita.
2. A inscrição na Educação Artística acarreta uma implicação
crítica na actualidade, por se tratar de uma área de acção
interrelacional, um espaço de produção de realidade, ou
seja, um terreno nunca inócuo de intervenção, que ou se
torna inerte na reprodução das narrativas hegemónicas e
na disciplinação dos jovens e sujeitos, ou então, que persegue a construção de possibilidades críticas de um outro
devir, onde cada cidadã e cada cidadão possam ter os seus
próprios desejos e interferir democráticamente na comunidade. Esta inscrição crítica tem um sentido redobrado por
ser a arte um campo de acção humana comprometida com
o político e a arte contemporânea um lugar particular de
implicação no entendimento das encruzilhadas do tempo,
onde a actualidade configura complexidades que têm de ser
entendidas, numa compreensão que lhe configura o próprio
sentido.
que se retrocede na criação de espaços educativos, onde
a proximidade à arte se torne possível, pela experimenta-
setembro de 2014
ção do seu fazer-saber, pelo envolvimento do corpo na sua
experienciação, pelo entendimento da sua complexidade,
pelo usufruto da sua natureza irradiante de vida.
O presente número da Revista Invisibilidades é um nú-
Mas este momento crítico corresponde também às incapa-
mero especial. Em primeiro lugar representa um trabalho
cidade de se gerarem práticas renovadas correspondentes
colaborativo entre o Núcleo de Educação Artística do i2ADS-
às demandas da actualidade, que se libertem do modelo de-
Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, e o
senvolvido no século passado correspondendo ao fulgor do
corpo editorial desta revista, particularmente representado
modernismo, e se criem outras realidades educativas onde
na figura de Ricardo Reis que, enquanto colaborador tam-
se instale a capacidade de fazer-intervir, a prática da produ-
bém deste Núcleo, propôs a realização colaborativa deste
ção de sentidos e de actos significantes, resultantes de um
número.
entendimento do artístico construído numa proximidade à
Os textos aqui reunidos são, portanto, resposta a um
arte, a seus produtos e discursos, que a reconheça como
desafio que se apresentava como a urgência de um pensa-
um campo de actividade humana inscrita numa particular e
mento e de uma postura radical em educação artística pe-
permanente procura do inalcançável, e não por simulações
rante as ofensivas do poder. Um número que pretendia não
falseadoras do inimitável.
apenas denunciar, mas fazer viver as tensões que borbulham
O conforto, a facilidade, o controle elevam a conversa às
No amplo território que a Educação Artística habita, no-
formas de comunicação impessoal, em que se fala em vol-
meada assim por configurar o campo onde se estabelecem
Isso não é um cachimbo. A pintura mente. Mas ela diz a
ta dos problemas e em que cada um renuncia a si mesmo
relações educativas com a arte, na dimensão dos eventos
aceitamos de frente o desafio de viver agonísticamente. Se
verdade quando diz que mente. De todo o modo, é bom
para deixar falar momentaneamente o discurso geral.
que lhe conferem dimensão social, alojados nos museus de
não confiar muito nela.
os textos conseguem fazer transparecer os conflitos pró-
BLANCHOT, Maurice (1959: 229)
arte e nas instituições culturais, nas escolas de arte e na pre-
CAUQUELIN, Anne (2006: 107)
A visibilidade deste panorama alarga-se pela maior parte da
humanidade, atormentada e numa revoltada imobilização,
deixada adormecer no charme que a sociedade de consumo
exibe, e nas opiniões que a ‘economia do saber’ espalha na
procura da manutenção das regalias que sobram da ganância dos centros financeiros, das simbologias de poder e dos
quando assumimos a intranquilidade do questionamento e
sença do artístico nos currículos escolares, presentes no requer seja em modalidades formais e estruturadas, quer em
4. Este texto inicia a publicação de uma revista que marca
relacionamentos abertos, híbridos ou desmaterializados, a
a presença de uma vontade de na Educação Artística se en-
relação anteriormente referida ao político, tem a mesma
tenderem as possibilidades de ‘um fazer’ renovado e con-
amplitude vinculativa que lhe confere o sentido,
temporâneo, correspondente ao pensamento crítico que se
torna esclarecido, também por uma acção de recusa da ma-
… o poder transformador da colectividade humana sobre
nutenção das rotinas e dos desânimos crescentes, face aos
volta, isolam-se e não adquirem espaços de representação
o seu destino que se funde (no aqui-e-agora) numa tem-
muros sombrios que se vão construindo e que dificultam o
que tornem visíveis e reforçadas as ideias que as alimentam.
poralidade utópica, incompreensível, inimaginável, que o
Esta impotência de presença agonística significativa em prol
pensamento já não pode alcançar.
seu exercício.
de uma democracia radical, resultante da história recente,
JAMESON, Frederic (2001: 77)
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prios da complexidade dos tempos que vivemos, essa é uma
questão a que apenas cada leitor(a) poderá responder. Mas
da sua leitura emergirá a certeza de que estes textos trans-
lacionamento estabelecido por artistas com comunidades,
interesses que os cargos públicos oferecem. As acções de re-
dos contratempos e do esgotamento das representações
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êxitos das estrelas e das façanhas impressionantes de nos-
Assinala-se, assim, numa demanda resiliente e positiva, a
possibilidade de se multiplicarem as acções que conferem
portam diferentes backgrounds e posicionamentos teóricos
claramente diferenciados que revelam políticas de pensamento. O mais interessante será analisar cuidadosamente o
político que cada um inscreve, que é a dimensão necessária
do antagonismo.
Mas o presente número é também especial porque incorpora em sim um outro núcleo de textos que, não sendo resposta à chamada lançada para esta revista, são em si
mesmos reveladores de posicionamentos críticos em educação artística a partir dos contributos de Elliot Eisner, que
recentemente nos deixou. Entender Eisner como uma ‘per-
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
sonagem conceptual’, utilizando aqui a expressão de Gilles
Deleuze e Félix Guattari, que viajou por diferentes geografias e foi também diferentemente apropriado, é talvez uma
maneira justa de lhe prestar homenagem. O interessante
destes textos é que eles são o resultado de encontros que
estes diferentes autores tiveram com Eisner, encontros que
se podem dizer também encontros com ideias e com um
modo de pensar que permitiu a cada um(a) dele(a)s pensar
mais sobre aquilo que já queria pensar. Deste modo, com
a publicação deste número da revista Invisibilidades cumpre-se um duplo objectivo: o de pensar sobre os poderes
que constrangem as actuais práticas em educação artística,
numa dimensão internacional, e a lembrança de um autor
fundamental para uma larga comunidade de pensadores e
educadores na área da educação artística. Que ele seja sobretudo lembrado não como ‘herói’ mas como intercessor
de pensamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLANCHOT, Maurice (1959). Le Livre à Venir. O Livro Por Vir. Martins Fontes,
São Paulo, 2013. tradução de Leyla Perrone-Moisés.
CAUQUELIN, Anne (2006). Fréquenter les incorporels . Frequentar os Incorporais, S. Paulo, Martins Fontes, 2008, tradução Huendel Viana.
ELIAS, Norbert (1987). Die Gesellschaft Der Individuen. A Sociedade do Indivíduos, Lisboa, Publicações D. Quixote (2004), tradução de Mário Matos.
JAMESON, Frederic (2001). A cultura do dinheiro: Ensaios sobre a globalização, Editora Vozes, tradução de Maria Elisa Cevasco e Marcos César de
Paula Soares.
LATOUCHE, Serge (1998). Les Dangers du Marché Planétaire, Os perigos
do Mercado Planetário, Lisboa, Instituto Piaget, 1999, tradução de Nuno
Romano.
RICARDO REIS (2011). A Literacia Visual desde “quem os meus professores
pensam que sou?”: uma análise sobre as imagens que os professores mostram aos seus alunos. in Sara Pereira (org) Congresso Nacional “Literacia,
Media e Cidadania”, Universidade do Minho, 2011.
José Carlos de Paiva
i2ADS — Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
— Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Catarina Silva Martins
Coordenadora do Núcleo de Educação Artística do i2ADS
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ARTIGOS
As políticas governamentais brasileiras e sua influência na
formação docente em Arte
Brasilian government policies and its influence on teaching in Art
Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva
de este artículo buscando comprender la formación del profesor, lo que requiere
[email protected]
un análisis histórico sobre las políticas de Educación Básica, develar las relaciones
Departamento de Pedagogia - EAD - PPGAV UDESC, Brasil
entre el proyecto de educación en el contexto actual y la formación de profesores,
sobre todo en el ámbito de la enseñanza del arte, tanto en su nacimiento como en
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
su desarrollo. A tales efectos, abordaremos por medio de los estudios de Saviani
[email protected]
de 2006, 2009 y 2011, los presupuestos de la Pedagogía Histórico-Crítica a fin de
UNIASELVI - UDESC , Brasil
buscar contribuciones para la formación de profesores de arte.
Tipo de artigo: Original
RESUMO
Participam do projeto bilateral Observatório da Formação de Professores
no âmbito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e Argentina,
professores de três universidades brasileiras e duas universidades argentinas
cujo objetivo é sistematizar estudos relativos à formação de professores nos
dois países sul-americanos nos últimos dez anos. Considerando a diversidade da
coleta de dados realizada no projeto definimos o recorte deste artigo buscando
compreender a formação do professor de Arte, o que requer uma análise histórica
sobre as políticas de Educação Básica, um desnudar das relações entre o projeto
de educação no contexto atual e a formação de professores, sobretudo no âmbito
do ensino de arte, seja no seu nascedouro, seja no seu desenvolvimento. Para
tanto abordaremos por meio dos estudos de Saviani de 2006, 2009 e 2011, os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica a fim de buscar contribuições para a
formação de professores de arte no Brasil. Embora o projeto abarque as reflexões
entre Brasil e Argentina, neste artigo enfatizaremos o contexto brasileiro.
Palabras Clave: Políticas gubernamentales; Formación del docente en arte; Observatorio; Brasil-Argentina.
Abstract
The project Observatory of Arts Teacher Education involves universities from two
countries (Brazil / Argentina). Professors from three brazilian universities and two
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Políticas del gobierno brasileno y su influencia en la enseñanza en el arte
Argentine universities systematize studies relating to teacher training in the both
countries in South American in the past decade. Considering the diversity of data
collection conducted in the project Observatory of Arts Teacher Education, this
paper is framed with the purpose of understand the formation of the teacher.
That requires a historical analysis of the politics of Basic Education, baring
relations between the current education project and actual education especially
in the teaching of art. Whether its initial education or in continuing education.
We will address through studies Saviani 2006, 2009 and 2011, the assumptions of
the Historical-Critical Pedagogy to seek contributions to the training of teachers
of art.
Keywords: Government policies; Teacher training in art; Observatory; Brazil-Argentina.
Palavras-chave: Políticas governamentais; Formação do docente em arte; Observatório; Brasil-Argentina.
RESumen
Participan del proyecto bilateral Observatorio de la Formación de Profesores
de Artes (Brasil/Argentina) profesores de tres universidades brasileras y dos
argentinas cuyo objetivo es sistematizar estudios relativos a la formación de
profesores en los dos países sudamericanos en los últimos diez años. Considerando
la diversidad de la colecta de datos realizada en el proyecto, definimos el recorte
10 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação
docente em Arte | Novembro 2014
Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |11
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na para Ensino de Arte (Parecer CNE/CEB – 22/2005).
professores nos cursos de graduação. Podemos exemplifi-
fessor é pensar também a educação, frisando que ambas
reivindicam uma filosofia da práxis (Vásquez, 1986).
A Educação Artística insere-se como disciplina obri-
No contexto de implementação da lei 5692/71, a
car com os dados apontados em outro estudo gestado no
gatória no currículo do ensino de 1º e 2º graus no Brasil no
política governamental do governo militar é de reordena-
campo do Observatório por (Hillesheim, 2013) que levantou
Assim, tendo como pano de fundo a crise estrutu-
início dos anos de 1970, de acordo com a Lei de Diretrizes e
mento da educação nos moldes do que ocorreu no trabalho
no Banco de Teses da CAPES 400 dissertações com o tema
ral do capital, no contexto atual, é necessário pensar qual
Bases da Educação 5.692/71, e sua identidade é construída
fabril e de acordo com as novas exigências de qualificação
formação de professores em geral, buscando encontrar o
formação, de fato, é articuladora do fazer e do pensar; quais
sob a orientação tecnicista da lei, cuja meta era “[...] inserir
do trabalhador para que este possa atuar competitivamente
contingente de pesquisas sobre a formação nas licenciatu-
os princípios privilegiam as mudanças educacionais no que
a escola nos modelos de racionalização do sistema de pro-
evidenciando o estreito vínculo entre educação e política,
ras em Arte (que totalizaram 31).
tange a formação de professores no Brasil. Vejamos, inicial-
dução capitalista”. Neste sentido, tal como uma empresa
que a escola é uma instância perpassada de ponta a ponta
Do contingente de 31 dissertações, 22 foram des-
privada, a escola deveria ser eficiente (Saviani, 1984: 13).
pelo político, pelo econômico, assim como pelo cultural. É
cartadas por abordarem aspectos da formação continuada
No caso brasileiro, é no período de 1827 até 1890
Em que pese sua gestação no seio de um modelo
com base neste pressuposto que nasce a organização em
ou relatos de experiência de Ensino de Arte nas escolas ou
que a preocupação com a formação do professor se colo-
de desenvolvimento econômico dependente, não se pode
torno de uma Federação de Arte Educadores do Brasil –
ONG`s. Finalmente, sobre a formação de professores nas
ca pela primeira vez; ou seja, é a época da independência,
deixar de reconhecer que a lei 5.692/71 tornou obrigatória
FAEB - em 1987, comprometida com uma educação e uma
licenciaturas em Artes, restaram apenas 9 dissertações,
precisamente em 1827, com a Lei das Escolas de Primeiras
a disciplina Educação Artística na escola, o que é louvável.
atuação no campo do ensino da Arte tanto política quanto
sendo que 8 delas foram desenvolvidas em programas de
Letras – quando “[...] os professores são obrigados a se ins-
No entanto, cabe perguntar: a lei por si só resolveu o proble-
pedagógica.
pós-graduação em Educação e uma delas em programa de
truírem no método do ensino mútuo, às próprias expensas”
Artes Visuais.
–, que se destaca “[...] a exigência de preparo didático” do
1
mente, que propostas de formação ganharam corpo.
ma do acesso à arte no Brasil para a maioria da população?
Concebendo a educação (e a educação em Arte
Ou melhor, a obrigatoriedade vincula-se às lutas dos profes-
também), como uma prática que, longe de ser desinteres-
Já as teses de doutorado, (Hillesheim, 2013) des-
professor, embora, de acordo com (Saviani, 2009: 144), “[...]
sores por uma educação artística voltada aos interesses da
sada e neutra, mas que no modelo de sociedade capitalista
taca que foram coletadas 89 teses entre os anos de 2000 a
não se faça referência propriamente à questão pedagógica”.
maioria? ou a lei apenas recompõe as práticas educativas
é um instrumento de reprodução social, também o é con-
2011, sendo que 13 se referem à formação de professores
Nesta perspectiva foram criadas as Escolas Normais, “[...]
impregnadas de uma mesma concepção liberal de educa-
traditoriamente de emancipação, o que leva o conjunto dos
de Arte. Entre elas só uma, de um programa de pós-gradu-
que visavam à preparação de professores para as escolas
ção e sociedade, cujo ideário sustenta-se na “[...] ideia de
educadores em Arte, sobretudo a partir dos anos de 1980,
ação em Educação, atende ao tema da formação de profes-
primárias”.
que a escola tem por função preparar os indivíduos para o
a colocar no centro de suas preocupações a pesquisa e a
sores de Arte nas licenciaturas.
desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões
reflexão sobre os pressupostos teórico-metodológicos do
individuais” (Libâneo, 1986: 2)? A formação proposta para
ensino de Arte.
Nesta linha de raciocínio, (Saviani, 2006: 145) lem-
Outro aspecto apontado por (Hillesheim, 2013) diz
bra o que argumentavam os reformadores da instrução pú-
respeito ao lugar da formação de professores de Artes quan-
blica do estado de São Paulo, realizada em 1890: “[...] sem
alunos e professores, tem por objetivo reduzir o distancia-
Partindo do entendimento de que a política de
do se trata dos estudos de Pós-graduação. Neste contexto,
professores bem preparados, praticamente instruídos nos
mento entre os “doutos” e os “leigos”, entre a experiência e
educação inerente à Lei 5692/71 também se inscreve na
observa-se que raros estudos são desenvolvidos nos cursos
modernos processos pedagógicos e com cabedal científico
o saber, entre o capital herdado e o capital adquirido? Ob-
história da Educação Artística, disciplina hoje chamada de
de Pós-graduação em Artes Visuais, pois a maioria realiza-se
adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode
serva-se, de fato, uma mudança radical nas práticas político-
Ensino de Arte, observa-se uma crescente oferta de cursos
nos cursos de Pós-graduação em Educação. Nesse processo
ser regenerador e eficaz”.
pedagógicas? O que se supera e o que se propõe?
de Formação de Professores na área e um aumento signifi-
de reflexão, nos perguntamos: qual o lugar da Arte nos estu-
Por último, cabe argumentar que é a partir do sé-
A disciplina Educação Artística torna-se atividade
cativo da Pós-graduação, num total de 39 cursos no país en-
dos sobre a formação de professores de Artes Visuais? Que
culo XIX que se põe a necessidade de universalizar a instru-
obrigatória dentro deste contexto polifônico, desde a práti-
tre mestrados e doutorados, no ano de 2012. Essa oferta de
especificidades permeiam a formação deste profissional?
ção elementar, o que levou à organização dos sistemas na-
ca de academia advinda das Escolas de Belas Artes, do tecni-
formação, no entanto, não é acompanhada pelo crescimen-
Debruçando-nos sobre estas problemáticas, pri-
cismo, até a livre expressão. A designação Educação Artísti-
to de pesquisas sobre a formação nas licenciaturas em Arte.
meiramente cabe lembrar que a formação do professor, em
Estes, concebidos como uns conjuntos amplos
ca que nomeou a disciplina na escola, foi utilizada igualmen-
O que se observa nos levantamentos bibliográficos
especial do educador em Arte, implica uma teoria e uma
constituídos por grande número de escolas or-
te nos cursos de formação de professores polivalentes, nas
em anais de eventos, teses e dissertações, bem como em
prática conectada à luta por uma transformação das rela-
licenciaturas curtas, bem como a partir de meados de 1980
periódicos realizados entre 2000 e 2011, realizados pelo
ções sociais, por uma sociedade igualitária e pela defesa
também nas licenciaturas plenas seguido das habilitações.
projeto Observatório da Formação de Professores no âm-
de uma educação comprometida com o acesso ao conhe-
Pode-se dizer que existe uma convivência com diferentes
bito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e
cimento artístico-cultural cuja finalidade é a formação de
nomenclaturas designando o nome do curso de formação,
Argentina – (OFPEA- Br Ar) – doravante chamado Observa-
homens e mulheres capazes de enfrentar os desafios ine-
nível médio, para formar professores primários
mesmo após a aprovação da mudança do nome da discipli-
tório, é que o foco dos estudos concentra-se muito mais
rentes à relação da tríade capital - trabalho - educação e de
atribuindo-se ao nível superior a tarefa de formar
1 A lei 5692/71 é uma reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB aprovada em 1961 (lei 4024/61). Essa LDB foi reformada
em duas oportunidades. A primeira em 1968, com a reforma do ensino
superior brasileiro e a segunda em 1971 com a reforma da educação
básica (Lei 5692/71).
nas experiências concernentes ao ensino de Arte na escola e
criar um projeto político-educativo comprometido com as
os professores secundários (Saviani, 2006: 146).
nos relatos de formação continuada desenvolvida em redes
transformações sociais, por consequência, com uma nova
de ensino, do que em estudos que abordam a formação de
educação não excludente. Enfim, pensar a formação do pro-
12 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação
docente em Arte | Novembro 2014
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1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO
cionais de ensino.
ganizadas segundo um mesmo padrão, os quais
viram-se diante do problema de formar professores – também em grande escala – para atuar nas
escolas. E o caminho encontrado para equacionar
essa questão foi a criação de Escolas Normais, de
As escolas normais traziam a prática do desenho
como uma abordagem educativa. O desenho pedagógico
Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |13
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§ 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os
de acordo com o diagnóstico realizado. (Saviani, 2011) acre-
na educação básica. A segunda, a resolução CNE/CP 2, de
Conforme (Coutinho, 2008), a tese de Nereu Sampaio in-
Municípios incentivarão a formação de profissio-
dita que essa situação se dá pela pressão que os relatores
19/02/2002, implementa a carga horária obrigatória de es-
dos pareceres sofrem das diferentes posições políticas exis-
tágio e define a prática pedagógica como componente cur-
tentes no meio político/educacional.
ricular com mais de 800 horas de ação e reflexão na escola.
titulada Desenho Espontâneo das Crianças: Considerações
Sobre Sua Metodologia era em 1930 a única produção que
nais do magistério para atuar na educação básica
pública mediante programa institucional de bolsa
de iniciação à docência a estudantes matriculados
A LDB 9394/96, ao garantir o Ensino de Arte como
A prática de estágio curricular como componente
componente curricular, modifica a concepção de ensino por
obrigatório visa proporcionar conhecimento, pesquisa e re-
O PIBID - Programa Institucional de Bolsa a Ini-
atividade que caracterizou a construção da Educação Artís-
flexão sobre a escola ao longo do curso. Também possibilita
No mesmo texto (Coutinho, 2008) apresenta as
ciação Docente é um programa implantado pelo governo
tica e propõe a inserção do Ensino de Arte como disciplina
a imersão da universidade com ferramentas capazes de am-
contribuições do educador Sylvio Rabello, que na condição
federal com a aprovação do Decreto 7.219 de 04/06/2010
obrigatória e conforme a lei objetivando o desenvolvimento
pliar a reflexão a fim de solidificar a formação do licencian-
de professor da Escola Normal em Recife publicou dois li-
que visa criar uma equivalência entre a atuação docente e
cultural dos alunos. No tocante a formação de professores
do, com uma melhor compreensão do contexto para cons-
vros, um sobre Psicologia do Desenho Infantil e, em 1937,
a atuação na iniciação científica. A equivalência dos valores
de Arte, se na concepção da 5692/71 o professor de arte
truir práticas emancipatórias na escola. No modelo anterior,
das bolsas, o tempo de dedicação às ações e a existência
possuía uma formação aligeirada, realizada em curta dura-
o estágio era uma atividade terminal no curso, fato que pro-
espécie de livro didático para a disciplina de “Psicologia
de professores doutores orientando as atividades em parce-
ção, sem muita estrutura nos cursos de formação inicial e
porcionava pouco conhecimento sobre o cenário escolar.
Aplicada à Educação” nas escolas normais e institutos de
ria com os docentes da escola são os fatores de sucesso da
a orientação era focada prioritariamente na atividade e na
Em 2009 foi aprovada a resolução que instituiu as
educação.
proposta. Embora o PIBID apresente consideráveis avanços
técnica, na concepção de formação de professores da LDB
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação
Nosso intento é compreender a formação do pro-
ainda não atingem contingentes satisfatórios de estudantes
9394/96 esse cenário mudou. A concepção de docência se
em Artes Visuais, que orientou as reformas curriculares nos
fessor de arte, as influências dessa história da formação de
em formação, até mesmo porque a maioria dos licenciados
ampliou, pois o professor é responsável na escola por pro-
cursos da área. Esse movimento afetou a formação de pro-
professores no Brasil, e por isso, um exame sobre como as
são formados em cursos privados que não tem acesso a es-
cessos que extrapolam as ações didático pedagógicas. Es-
fessores de Arte porque a legislação proposta e a realidade
políticas para a Educação Básica auxiliam a análise da influ-
sas políticas ou equivalentes.
sas mudanças sociais no modelo de escola e de aluno nos
educacional exigiram novas demandas dos profissionais.
abordava o desenho da criança. O estudo foi apresentado
na Escola Normal do Distrito Federal, quando a capital do
Brasil era o Rio de Janeiro.
publicou o livro Psicologia da Infância, que se tornou uma
em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas
instituições de educação superior.
No contexto da LDB (Lei 9394/96), o artigo 67 afeta
conduzem a uma contradição pois, de um lado, o profes-
As diretrizes evidenciam a formação do bacharel
os professores de Arte no quesito valorização do magistério:
sor de arte se vê diante de um universos de ampliação de
muito mais do que a formação do professor, dicotomia esta
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a
possibilidades de atuação, mais produção artística na área,
também presente nos cursos que possuem as duas habili-
2. AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA E A FORMAÇÃO DE
valorização dos profissionais da educação, assegu-
melhor produção e veiculação da literatura, crescimento da
tações. Podemos aferir duas hipóteses para esse direcio-
PROFESSORES DE ARTES NO BRASIL
rando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e
graduação e pós-graduação e por outro lado, existe uma
namento uma de que, como já havia uma resolução que
formação para a docência que se afasta dos aspectos filo-
inseria os conteúdos pedagógicos na matriz curricular das
sóficos e se aproxima de soluções práticas que minimizem
licenciaturas, bastava propor conteúdos artísticos; outra hi-
os problemas da realidade. Essa mecanização do trabalho
pótese seria de que por trás dessa ênfase no processo e na
clusive com licenciamento periódico remunerado
do professor de arte caracteriza a concepção de formação
teoria da Arte está a concepção de que basta saber o conte-
um projeto, mesmo que inconcluso, de gestão dos recursos
para esse fim;
de professores presente na LDB atual. Essa ampliação das
údo para saber ensinar.
humanos para a educação, a exemplo da Lei de Diretrizes e
III - piso salarial profissional;
ações do professor na escola, da ampliação do tempo de
Outro documento que suscitou demandas para as
Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 - que influencia
IV - progressão funcional baseada na titulação ou
trabalho para reuniões e formações, muitas delas mal ou
licenciaturas em Arte foi o documento das Diretrizes Curri-
não remuneradas, podem colaborar com o aumento da pro-
culares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução
letarização docente.
CNE nº 4, 2010), que propicia uma problematização: o que
ência dos documentos oficiais na formação.
Os últimos 17 anos constituem marco histórico de
mudanças educacionais no que tange à formação de professores no Brasil (Sobreira, 2008). Nesse processo de mudanças nas políticas públicas brasileiras, o país passou a ter
um conjunto de outros documentos. A referida lei estabelece um capítulo intitulado Dos Profissionais da Educação.
Neste capítulo ficam caracterizadas as diferentes atividades
profissionais dos educadores, no que se refere à definição
de princípios que orientam a atuação profissional, sua formação em cursos de graduação (podendo ser oferecidos
em Universidades ou Institutos de Educação), formação em
serviço e continuada, sendo de responsabilidade dos Municípios, Estados e da União a promoção de ações formativas,
segundo a reforma realizada na LDB pela Lei nº 12.796, de
2013:
dos planos de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público
de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, in-
habilitação, e na avaliação do desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e
avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
Para (Saviani, 2011), existe um diagnóstico relativamente
correto, no que diz respeito a análise da situação geradora da normatização (leis, Decretos, Resoluções entre outros
documentos). No entanto, as táticas de implementação das
mudanças necessárias não apresentam soluções satisfatórias. Os documentos apresentam acessórios demais, perdendo o foco daquilo que a lei precisaria propor para estar
14 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação
docente em Arte | Novembro 2014
Duas outras resoluções propostas pelo governo fe-
se propõe para a organização da Educação Básica coaduna-
deral atingem o conjunto das licenciaturas. A primeira, data-
se com as diretrizes para a formação de professores (CNE/
da de 18/02 CNE/CP 1/2002, que define as Diretrizes Curri-
CP 1/2002)? E para as licenciaturas em Artes, há um diálogo
culares para a Formação de Professores da Educação Básica
entre os documentos (CNE/2009)?
em nível superior, curso de licenciatura, de graduação ple-
A Resolução CNE nº 4 de 2010, que orienta a orga-
na. Com o objetivo de harmonizar o modelo de formação
nização da Educação Básica, tem como objetivo organizar
docente presente nas licenciaturas, o documento institui
o funcionamento dos diferentes níveis da educação básica,
princípios, fundamentos e procedimentos a serem observa-
bem como sua gestão, os processos avaliativos e a formação
dos na organização da formação de professores para atuar
de educadores. No documento há um conjunto de questões
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é presente no ideário dos professores até os dias de hoje.
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produzidos culturalmente, expressos nas políticas
ciaturas de Artes Visuais/Plásticas, como apontam (Silva
cola, bem como da coexistência do professor de Arte neste
públicas e gerados nas instituições produtoras do
& Araújo, 2008). Em um segundo estudo, (Silva & Araújo,
O Brasil possui acordos internacionais com a OCDE
2012) apresentam a inexistência de estudos que abordem
por meio do Instituto Anísio Teixeira. (Ferreira, 2012), ana-
“a formação de formadores”. Nossa área necessita estimu-
lisando os documentos da OCDE que tratam da concepção
lar mais estudos que tomem o formador, seja o professor da
e da orientação para a formação docente, ressalta três pre-
cidadania; e nos movimentos sociais (Resolução nº
disciplina de Arte nos cursos de Pedagogia ou nas licenciatu-
missas para a implementação de uma política eficaz e com-
4, 2010).
ras em Arte, como elemento de análise a fim de identificar
petente segundo os princípios neoliberais.
conhecimento científico e tecnológico; no mundo
espaço social. No tópico referente aos objetivos, aparecem
do trabalho; no desenvolvimento das linguagens;
as relações com o campo da cultura.
nas atividades desportivas e corporais; na produ-
Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais espe-
ção artística; nas formas diversas de exercício da
cíficas para as etapas e modalidades da Educação
Básica devem evidenciar o seu papel de indicador
de opções políticas, sociais, culturais, educacio-
também coaduna com essa concepção de eficácia.
É certo que as Diretrizes para as Artes Visuais apon-
as principais questões desse intricado movimento de for-
A primeira das premissas busca atrair os profes-
um projeto de Nação, tendo como referência os
tam para outras demandas profissionais aos professores de
mar os formadores que vão atuar no contexto pedagógico
sores para a educação desde a formação inicial com pro-
objetivos constitucionais, fundamentando-se na
Arte, fato que reitera o que já apontava (Oliveira, 2003), ao
da escola a partir da perspectiva da Arte.
gramas e estímulo de bolsas. Cabe ressaltar que a escassez
cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressu-
abordar as reformas educacionais na América Latina na dé-
(Gatti, 2012) analisou os trabalhos publicados na
de professores no Brasil já é uma realidade e que, segundo
põe igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade,
cada de 1990 que buscavam estimular os países a ampliar a
revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEP - entre os
dados do INEP (2010), faltam professores de Artes habilita-
rentabilidade da educação, inclusive inserindo as empresas
anos de 1998 a 2011, destacando 38 publicações referen-
dos, fato que gera uma necessidade de estimular a carreira
na definição de princípios para a educação.
tes ao tema da formação. Para (Gatti, 2012: 438) é urgente
desde a graduação. Segundo (Neves, 2012) atual coordena-
Embora haja uma diretriz por força do governo
a implementação de “[...] políticas sistêmicas, integradas e
dora da CAPES – DEB,
federal, não há a devida correspondência, na maioria dos
duradouras, bem monitoradas, que possam provocar trans-
Em um contexto de baixa atratividade da profissão,
estados e municípios brasileiros, no amplo cumprimento da
formações efetivas diante das características socioculturais
indicadores educacionais desfavoráveis, assime-
legislação. O pagamento do piso salarial para os professo-
dos estudantes que buscam ingressar nas licenciaturas”,
trias regionais, velozes transformações da ciência
res tem motivado lutas sindicais constantes e as estruturas
preparando-os para compreender os desafios e atuar como
e das tecnologias, demandas crescentes dirigidas
organizativas das escolas não têm atendido as expectativas
sujeitos nesse cenário. A autora ressalta que os estudos
às escolas, novos padrões de comportamento de
nem da legislação em vigor, nem dos profissionais e gesto-
analisados abordam o trabalho dos professores, suas moti-
crianças e jovens, exigências de uma sociedade que
res.
vações, o contexto e as contribuições que esses diagnósticos
demanda equidade, igualdade de oportunidades,
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Profissio-
podem exercer na formação de professores, oxigenando as
justiça e coesão social e outros tantos fatores, a
nais do Ensino Superior – CAPES - recebe, no ano de 2007,
políticas públicas e a organização dos cursos de licenciatura.
complexidade técnico-política da questão reveste-
uma nova tarefa: emprestar o modelo de sucesso de aper-
(Ferreira, 2012) destaca que os documentos brasileiros tra-
se de contornos dramáticos (Neves, 2012: 356).
feiçoamento de profissionais desse segmento em nível de
zem influência das orientações propostas pela Organização
A segunda premissa é desenvolver uma formação
Mestrado e Doutorado para a Educação Básica. Esta ação é
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
2
considerando os novos parâmetros de eficácia4, programas
regulamentada pela Lei nº 11.502 de 2007. A Diretoria de
na regulação 3 da política de formação docente no Brasil a
como o Pró-docência, Novos Talentos desenvolvidos pela
Educação Básica Presencial (DEB), propõe uma série de pro-
partir dos anos 2000. (Ferreira, 2012), por sua vez, ratifica a
CAPES Educação Básica, podem ser considerados exemplos
gramas a fim de estimular mudanças no contexto da Educa-
posição de que estamos num momento de grande investi-
dessa política. Os programas propostos pela CAPES estão
ção Nacional.
mento na formação docente, no entanto, sua análise critica
atrelados a uma visão liberal, baseada na ideia de compe-
As investigações sobre a formação de professores
o modelo de eficácia subjacente aos documentos oficiais.
tência e eficácia. Para a coordenadora da CAPES – DEB:
estão em crescimento, como aponta (Gatti, 2012). As atuais
Essa política de eficácia tem focado a formação nos proce-
O educador Philippe Perrenoud (2000) propõe
políticas públicas colaboram para esse processo, existe uma
dimentos didáticos, na definição de conteúdos ministrados
competências que partem da sala de aula, onde o
demanda estimulada por meio de editais, cresce o número
e na avaliação externa à escola que vão validar, por meio
de pesquisadores analisando os programas, como aborda-
de exames, o processo avaliativo da educação brasileira. Ao
do por (Gatti & Barreto, 2009). Embora as autoras apresen-
mesmo tempo o modelo de formação de professores por
tem um estudo minucioso sobre a realidade da formação
competências presente nos documentos governamentais
nais, e a função da educação, na sua relação com
respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade (Resolução nº 4, 2010).
A articulação com os indicadores nas opções políticas, sociais e culturais permite dimensionar uma integração
com a Arte e seus diferentes cenários, apontando para aspectos relativos à igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade, que dialogam com princípios políticos no campo da Arte.
Consolidam-se, por meio da Lei 10639/2003, a problemática da pluralidade étnica abordada a partir da inserção na
aula de Arte, dos conteúdos de cultura e história da África e
dos afrodescendentes, bem como a Lei nº 11.645, de 10 de
março 2008, que destaca as culturas indígenas. Essa organização temática numa perspectiva de visibilidade de outros
grupos culturais e sua influência na cultura brasileira cria,
também, demandas para a formação inicial e continuada de
professores.
No tópico II da Resolução CNE nº 4 de 2010 fica
definido um conjunto de referências gerais que embasam
conceitualmente a lei e que apontam para a “liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, demarcando uma intencionalidade
no envolvimento do contexto artístico-cultural.
Considerando o desafio de formar profissionais
para atuar na realidade, o documento traz indicações do
envolvimento dos professores, bem como formação continuada, espaço físico e salários adequados, a fim de garantir
o pleno êxito da proposta. Já o capítulo das diretrizes, que
aborda a organização dos sistemas de ensino, assinala que:
Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica
constitui-se de conhecimentos, saberes e valores
no Brasil, seus impasses e desafios, aparecem poucos elementos relativos às licenciaturas e professores de Arte. Nas
produções da área são os anais de eventos que apresentam
estudos embrionários sobre o tema da formação nas licen-
16 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação
docente em Arte | Novembro 2014
2 A OCDE foi criada em 1948 para ajudar os países devastados pela II
Guerra. Tem uma atuação a partir de comitês de educação e possui parcerias com vários organismos internacionais entre eles o Fundo Monetário
Internacional - FMI.
3 Abordamos nessa regulação o conjunto de leis, pareceres e resoluções
apresentadas ao longo do texto.
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que dizem respeito a organização do Ensino de Arte na es-
professor deve utilizar novas linguagens e tecnologias, organizar, dirigir e administrar a progressão
das aprendizagens – cujo plural alerta que é preciso também conceber e fazer evoluir os dispositivos
que identificam os diferentes alunos e os motivam
em suas aprendizagens e no trabalho em equipe.
(Neves, 2012: 359).
Já (Saviani, 2011) apresenta a ideia de competên4 Parâmetros apontados, entre outros, por (Perrenould, 1999).
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dade salarial, da estrutural da escola, da formação proposta
o Norte e Nordeste do país, o número de professores em
Assim, para (Saviani, 2011), aproximar as licenciaturas da
implantação de concepções pedagógicas que previam uma
nas licenciaturas, desencontradas das necessidades do con-
exercício profissional é muito pequeno diante da extensão
escola por meio dos estágios e aprofundar o conhecimen-
qualidade fabril nas escolas. Pode-se estabelecer um vín-
texto da escola.
territorial dessas regiões. O Acre é um exemplo alarmante,
to teórico, reforçando os saberes sistematizados no campo
culo da concepção de competência e eficácia com o viés
pois possui menos de 0,5 professores de Artes atuando na
do conhecimento, auxilia a minimizar os dilemas existentes
pedagógico do tecnicismo, modelo importado da educação
rede escolar pública.
entre domínio do conteúdo e domínio pedagógico. Para os
americana para a realidade brasileira via acordo MEC-Usaid
3. OS ESPAÇOS DE FORMAÇÃO INICIAL: AS LICENCIATURAS
que inspirou a criação da Lei 5692/71.
EM ARTES VISUAIS
Além dos problemas de falta de professores habili-
profissionais do Ensino de Arte, como abordavam (Fusari &
tados, baixa densidade no oferecimento de formação, fato
Ferraz, 2001: 53), o desafio é “[...] saber Arte e saber ser
Advém dessa concepção de competência a ideia da
No campo da formação de professores de Arte,
que gera programas especiais de formação como o PARFOR,
professor de Arte” articulando duas dimensões do ser pro-
formação de um professor técnico estimulada pelas novas
(Araújo, 2010) aborda a história buscando referências na
a UAB entre outros, a formação universitária de professores
fessor.
políticas. O professor técnico é aquele que desenvolve sua
história da formação de professores, tendo como marco a
vive um conflito entre dois modelos de formação confor-
aula de modo pragmático, repetindo uma prática prescri-
Reforma Francisco Campos, no Governo Getúlio Vargas, em
me (Saviani, 2011). Para ele, configuraram-se dois mode-
tiva, já o professor “culto”, como aborda (Saviani, 2011), é
1930. A autora também enfatiza a distribuição geográfica
los de formação de professores: o modelo dos conteúdos
aquele que, a partir de fundamentos científicos e filosófi-
dos cursos de Artes na atualidade. Analisa, igualmente, que
culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático em
Considerando a criação dos cursos de formação de
cos, compreende a realidade social e a partir desse contex-
do ponto de vista do contexto da criação da disciplina o mo-
que situamos o modelo de professor de Arte na atualidade.
professores para o ensino da Educação Artística a partir do
to desenvolve proposta de formação aprofundada de seus
delo do governo civil-militar trouxe entraves para seu pleno
Os modelos que datam do século XIX ainda persistem no
ano de 1971, pode se dizer que, mais do que as contribui-
estudantes.
funcionamento. “No caso da formação de professores de
contexto da formação de professores na universidade, na
ções da disciplina na rede escolar, podemos identificar as
A terceira premissa apontada por (Ferreira, 2012),
Artes, esses acordos resultaram na precariedade de recur-
medida em que esses ideários pedagógicos antigos ressur-
contribuições dos cursos de formação como lugar de pro-
diz respeito à retenção dos professores por mais tempo na
sos humanos e financeiros destinados aos cursos e em polí-
gem revisados e adaptados para a atualidade, ou mesmo
dução de conhecimento, de reflexão no campo da Arte e
carreira, evitando o abandono da profissão precocemente.
ticas educacionais voltadas para uma formação tecnicista e
persistem nas suas concepções mais tradicionais. Aplicados
de produção artística. Podemos elencar também uma vasta
Com ações como o piso nacional, planos de cargos e salá-
reducionista da concepção de docência” (Araújo, 2010: 07).
esses modelos na área de Arte, teríamos uma ênfase na
produção bibliográfica, um conjunto de programas de pós-
rios, formação continuada no contexto do trabalho (espe-
Nos dias de hoje há uma concentração de cursos
formação por conteúdos culturais-cognitivos que ficariam
graduação e o investimento na formação de recursos huma-
cializações e mestrados profissionais) e envolvimento dos
na região Sudeste e na rede privada, que, identificando ni-
concentrados no aprendizado de Arte visando os conteúdos
nos individualmente qualificados para atuar nas escolas e
professores em projetos de pesquisa como o programa
chos de mercado, investiu fortemente na criação de cursos,
da disciplina, a formação de uma cultura artística geral, am-
no cenário da Arte. Mas necessitamos ainda democratizar
OBEDUC – Observatório da Educação -, o governo preten-
garantindo seus ganhos na quantidade de alunos atendidos.
pliando a formação no que diz respeito às teorias artísticas,
o acesso a produção artística, e formar recursos humanos
de implementar sua política de formação docente. Sobre a
(Araújo, 2010) aponta dois movimentos expansionistas para
aos processos artísticos, focando numa formação prope-
aptos a conhecer a Arte, produzi-la, disseminá-la e compre-
permanência dos professores na carreira docente, (Saviani,
os cursos de Licenciatura em Artes Visuais. Um na década
dêutica do educador, entendendo que a partir do domínio
ender seus aspectos políticos, econômicos e sociais a fim de
2011) conclui que se os professores forem valorizados so-
de 1970 como desdobramento da criação da disciplina de
dos conhecimentos o professor de Arte poderia transpô-los
construir um enfrentamento coletivo para a problemática
cialmente, tiverem estrutura adequada, formação e salá-
Educação Artística, e outro na primeira década do século
para a realidade.
do acesso como proposto nas perguntas iniciais do presente
rios dignos, essa permanência será uma consequência, pois
XXI, como ampliação dos cursos de graduação nas IES brasi-
Já o segundo modelo ressalta o caráter pedagó-
atrairão jovens a investirem em sua formação, como outros
leiras. A autora destaca a existência de 126 cursos de artes
gico-didático com a preocupação de enfatizar os fazeres
A dimensão política da formação de professores
o fazem para carreiras mais valorizadas.
plásticas dentre os quais 39 criados no governo civil-militar
artísticos no processo de ensino-aprendizagem na escola.
de Arte com a inserção institucional da área foi minimizada,
entre os anos de 1970 e 1979. Nas tarefas artísticas, os conteúdos sistematizados seriam,
fato que poderia explicar o enfraquecimento das Associa-
Dentre os diferentes programas oferecidos, desta-
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
texto.
camos o Plano Nacional de Formação – PARFOR - que obje-
Dados sistematizados no Projeto Observatório
nessa concepção, pensados para a prática pedagógica, bem
ções de Arte-Educadores nos estados brasileiros. A atuação
tiva propor formação em nível de graduação no modelo pre-
apontam que diante da distribuição geográfica de atendi-
como os conteúdos artísticos pensados para a aplicação em
política associativa foi dando lugar à atuação nos cursos de
sencial para os professores não habilitados que atuam nas
mento às demandas de formação de professores de Arte,
sala de aula, pois a formação do professor de Arte só se con-
graduação e pós-graduação. As lutas pela valorização da
redes escolares públicas. Estes profissionais não habilitados
conforme dados do Censo Educacional de 2007, último dis-
cretizaria com o domínio do como ensinar.
disciplina decresceram a partir da implementação da LDB
existem também na área de Arte, atuam ministrando aulas
ponível para análise pública, o atendimento em algumas re-
Ressaltamos as especificidades da formação nas
9394/96, motivada pela obrigatoriedade como componen-
de outras disciplinas com habilitação e complementam a
giões, como Sul e Sudeste, apresenta equilíbrio. Um exem-
licenciaturas em Arte como a formação do artista e a for-
te curricular. No entanto, os editais de concursos públicos
carga horária ministrando aulas de Arte sem habilitação.
plo é o número de professores de Artes atuando na Educa-
mação do professor, do pesquisador, o currículo e a sele-
para professores de Arte, o modelo de formação continu-
As atuais políticas públicas ainda apresentam ca-
ção Básica no Paraná, que no Censo Educacional soma um
ção de conteúdo, a prática e a práxis. Podemos dizer que
ada disponibilizado pelas redes de ensino aos professores
ráter disperso, muitas vezes não consolidados, atuando de
total de 984, entre todas as linguagens, sendo que destes,
esses dilemas perpassam a temática e, finalmente, as prá-
e a falta de liberação para estudos de pós-graduação são
forma parcial e com dificuldade de transformação: da reali-
127 sem habilitação. No entanto, em outras regiões, como
ticas artísticas e suas relações com as praticas pedagógicas.
alvos de duras críticas pelos professores de Arte que atuam
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docente em Arte | Novembro 2014
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
cia vinculada ao cenário dos anos de 1960, o contexto de
Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |19
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Tendo em vista as reflexões anteriores, muito se
valorização do magistério e a falta de estrutura para ensinar
tem discutido e escrito sobre a formação do professor. No
arte nas escolas. Acreditamos que se houvesse uma política
entanto, ela ainda é pensada no âmbito da dimensão técni-
de fortalecimento das associações estaduais, os professo-
ca ou do como ensinar, esquecendo-se que o como ensinar
res organizados poderiam fazer frente a esses problemas e
nem sempre vem acompanhado de reflexões sobre quem
fortalecer uma visão de sociedade a fim de compreender
ensina, o que se ensina, por que e para que se ensina. Isto
melhor os problemas da escola, o fenômeno da proletari-
significa que as reflexões em torno da formação do profes-
zação do professor, o aumento e a diversificação da carga
sor exigem uma abordagem da teoria e da prática educativa
de trabalho e por consequência o fortalecimento da FAEB.
comprometida com o acesso ao conhecimento artístico-cul-
A compreensão do seu próprio contexto contribuiria para
tural, cuja finalidade é a formação última de homens e mu-
a formação e, por sua vez, para a diminuição da carga de
lheres capazes de enfrentar os desafios inerentes à relação
culpabilização do professor de Arte.
capital, trabalho, educação e de criar um projeto político-
Em relação às políticas públicas, incluindo a legis-
educativo comprometido com as transformações sociais e,
lação e os programas especiais, podemos concluir que pre-
por consequência, com uma nova educação não excludente.
domina um modelo liberal que pressupõe a ação individual
Podemos falar hoje de um modelo específico de
em detrimento da ação coletiva e que valoriza a concepção
formação docente em Arte? Do ponto de vista das análises
de eficácia e competência, inclusive desqualificando os
construídas nos estudos propostos pelo projeto Observa-
professores como educadores, sem considerar o contínuo
tório, não é possível falar de um modelo diferenciado pois
desmonte realizado na escola pública. Um exemplo disso é
vivenciamos um domínio dos pressupostos da educação
a não aplicação, por parte dos governos estaduais e munici-
no campo do Ensino de Arte. Isso acontece porque há uma
pais, do percentual obrigatório nas escolas previsto na LDB.
predominância de formação nos cursos de Pós-Graduação
Os documentos da CAPES/DEB guardam relação
da área da Educação, também há uma escassez de linhas
com as concepções advindas da lei 5692/71, que foi produ-
de Ensino de Arte e nomes congêneres nos cursos de Pós-
zida num contexto polissêmico a partir das contribuições da
Graduação em Artes Visuais. Contamos na atualidade com
Escola Nova e do Tecnicismo no que diz respeito à qualifica-
nove linhas dentre os 39 cursos existentes. Caso seja desejo
ção do professor para a prática e a formação por atividade,
da área propor uma docência em Artes Visuais amalgamada
como no caso da Educação Artística. Vislumbra-se aqui uma
com os saberes específicos é necessário um investimento
ênfase no saber fazer em detrimento do saber filosófico. A
nas linhas de ensino de arte nos cursos da Pós-Graduação
releitura desse pensamento liberal para os dias atuais justi-
da área de artes visuais.
ficam a ênfase numa abordagem “neo-escolanovista” mar-
Outras pesquisas podem ser estimuladas a fim de
cada no modelo de formação de professores advindos das
responder algumas das questões em aberto no presente
políticas públicas atuais. É preciso ressaltar que a própria
texto. Destacamos entre elas duas para compartilhar com
visão sobre o fazer pesquisa volta-se para a pesquisa sobre
o leitor: quais as especificidades de ser professor de Arte?
a prática, como se o universo de atuação docente fosse ex-
Que experiências de formação docente em Artes Visuais fo-
clusivamente a prática, ou mesmo, considerar que a teoria
ram construídas na história recente dos cursos de licencia-
pode existir distanciada da prática ou vice-versa.
tura em Artes Visuais?
Outro aspecto relevante do nosso ponto de vista é
Longe de encerrar as reflexões sobre o tema da for-
que as políticas públicas são afetadas pelos diferentes proje-
mação de professores de Artes Visuais, o projeto Observa-
tos políticos sociais, dado seu caráter polissêmico, apresen-
tório construiu um conjunto de perguntas a ser investigadas
tando inclusive posições internas contraditórias advindas
no contexto dos estados brasileiros com a intenção de co-
do debate entre diferentes forças políticas na sua feitura e
nhecer as especificidades das licenciaturas e suas relações
processo de aprovação.
com seus egressos, uma tarefa ainda inconclusa.
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docente em Arte | Novembro 2014
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Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |21
Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de
la cultura visual
Addressing the ‘ stigma ‘ of difference through the understanding of visual culture
Ana Cañete Correas
[email protected]
Máster Artes Visuales y Educación: un enfoque construccionista. Universidad de Barcelona
Fernando Hernández-Hernández
[email protected]
Sección de Pedagogías Culturales. Facultad de Bellas Artes Universidad de Barcelona
Tipo de artigo: Original
RESumen
Abstract
This article reports on how arts education for understanding visual culture is
linked to the development of inclusive education based on an experience with
high school students as part of the European project Creative Connections. The
particularity of this case is that allows young participants facing the stigma of
being immigrant not as a limitation but as a possibility of visibility, recognition
and emancipation.
Keywords: interculturalism; visual culture for understanding; postmodern education; research with young people; subjectivities in transition.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Encarar o ‘estigma’ da diferença através da compreensão da cultura visual
Este artículo da cuenta de cómo la educación artística para la comprensión de
la cultura visual, que se vincula al desarrollo de una experiencia de educación
inclusiva con estudiantes de secundaria en el marco del proyecto europeo Creative
Connections, permite afrontar la experiencia del estigma de ser emigrante que la
mayoría de los participantes llevan consigo como una posibilidad de visibilización,
reconocimiento y emancipación.
Palabras Clave: interculturalidad; comprensión de la cultura visual; educación
posmoderna; investigar con jóvenes; subjetividades en tránsito.
RESUMO
Este artigo relata como a educação artística para a compreensão da Cultura Visual,
que se vincula ao desenvolvimento de una experiência de educação inclusiva com
estudantes do ensino fundamental dentro das bases do projeto europeu Creative
Connections, permite afrontar a experiência do estigma de ser imigrante que a
maioria dos participantes leva consigo como uma possibilidade de visibilização,
reconhecimento e emancipação.
Palavras-chave: interculturalidade; compreensão da cultura visual; educação
pós-moderna; pesquisa com os jovens; subjetividades em trânsito.
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estos tiempos de marginalización de quienes no participan
Así, la educación cultural ha puesto en entredicho una
cada uno de los puntos de vista que (re)configuran ‘al Otro’.
de los valores de los grupos hegemónicos:
educación artística esencialista que se caracteriza por el
Lo que reclama, en la educación en general y en la artística
¿Cuál es el papel de la voz en el proceso de
estudio único de las grandes obras de arte (Hernández,
en particular, aproximaciones que ayuden a desmitificar
es un proyecto colaborativo que cuenta con la financiación
autorizarse y reconocerse los jóvenes en el
2000; Aguirre, 2000; Freedman, 2006; Bartholeyns et al
cuestiones que vinculan y limitan la cultura a un territorio
de la Comisión Europea dentro del programa Comenius
proyecto?
2010; Touriñán, 2011; Hernández, en prensa). Frente a la
o a la etnicidad.
¿Cómo se constituyen las relaciones pedagógicas
concepción modernista de que una Cultura es sinónimo
para posibilitar que todas las voces sean
de una Sociedad, el acercamiento posmoderno a la(s)
reconocidas?
cultura(s) se focaliza en el doble proceso de aprendizaje
¿En qué medida un proyecto de educación de
vivencial (enculturación) y formalizado (socialización), que
y dos de secundaria) para dar énfasis a la voz de los chicos
las artes y la cultura visual puede contribuir al
además se ramifica de manera dinámica compartiéndose y
Nuestro proceso de indagación en el aula se inició
y chicas, especialmente a través de su relación con el Arte
reconocimiento y la emancipación de los jóvenes?
adaptándose permanentemente (Bullivant, 1993 en Efland,
pidiéndoles a los chicos que se agruparan de acuerdo a sus
¿Cómo aprenden los jóvenes a partir de la
Freedman, Stuhr, 2003).
afinidades y temas de interés: crisis económica, política,
Creative Connections (http://creativeconnexions.eu/es/)
(EACEA-517844). Su principal objetivo es el intercambio
transnacional entre jóvenes y niños/niñas,
•
•
en el que
participan seis países europeos. Una universidad de cada
país del consorcio coordina cuatro centros (dos de primaria
Contemporáneo. El programa ha creado un archivo con
•
•
APRENDER A MIRAR(SE) DESDE OTRO LUGAR
obras de arte de diferentes artistas pertenecientes a los
educación artística -entendida como comprensión
seis países vinculados al proyecto, con la finalidad de que
de la cultura visual- modos de ser y de relación
Pero frente al desafío que plantea la relación entre grupos
Inicialmente empezaron a pensar en realizar algunos
contribuyan a facilitar un proceso de indagación sobre el
que cuestionan las concepciones multiculturales
con diferentes modos culturales de mirar y de mirarse,
apuntes de forma individual para una futura obra conjunta.
significado de la identidad cultural y de lo que puede querer
estigmatizadoras?
otros autores (Zizek, 1997; Barbosa, 1998; Colom, 2013)
Para algunos, estos temas fueron únicamente un punto de
cultura popular, televisión, deportes, medio ambiente...
decir ser “ciudadano europeo”. Los jóvenes comparten sus
Estas cuestiones responden, además de a la finalidad del
nos advierten del peligro de caer en el esencialismo de
partida desde el que se inició un proceso asociativo mucho
reflexiones en forma de producciones artísticas en una
proyecto, a un mantra que sobrevolaba en la práctica
renacimientos identitarios que puedan terminar por añadir
más complejo y con más implicaciones de las que ellos
galería on-line para iniciar así una conversación que busca
educativa del centro: “Aquí tenemos alumnos inmigrantes,
marginación a las situaciones ya precarias de algunos
mismos pensaban, de manera que algunos se reagruparon
favorecer el intercambio y el diálogo entre los participantes.
alumnos que llegan a escolarizarse ya en la ESO, alumnos casi
colectivos sociales, en lugar de llevar a cabo lecturas más
cuando salieron nuevos temas para explorar.
El proceso reflexivo y de intercambio que corre paralelo al
analfabetos, alumnos de bajo nivel cultural”. La presencia
caleidoscópicas que eviten una educación neocolonizadora.
desarrollo del proyecto trata de dar cuenta de cuestiones
de jóvenes inmigrantes era mayoritaria (en torno al 70%),
Esto nos puso en alerta
fetichización que se
Cuando tuvieron claro qué tema querían trabajar, llegó la
que van desde la construcción de la identidad hasta otras
pero lo que llamaba la atención era la estigmatización que
está haciendo de este tipo de práctica educativa, que se
hora de ver cómo podían hacerlo y especialmente, cómo
relacionadas con la propia educación y producción artística.
de esto se hacía. Estigmatización entendida, como señala
presupone inclusiva, pero que en realidad, puede marginar
podían materializar sus ideas a partir del trabajo de los
Delgado (1998: 171), como el fenómeno en que una
a los alumnos supuestamente diferentes por su cultura,
artistas que proporcionaba Creative Connections en forma
El grupo de la Universidad de Barcelona, coordinado
minoría es acusada por la mayoría “de las desgracias que
como si de “discapacitados culturales se tratara” (Delgado,
de archivo. Pero esta exploración les resultó difícil de
por Fernando Hernández, tomó la decisión de incluir
afectan o podrían afectar la sociedad”. Lo que nos llevó
2003: 69).
afrontar. Por ello les planteamos una propuesta que les
en el equipo investigador a una tercera figura, quien
a preguntarnos cómo tener
actuaría como facilitadora y narradora de cada caso. En
Connections la voz de los chicos y chicas a través del arte
Autores como Manuel Delgado (1999),
Rosi Braidotti
su concreción en un proyecto artístico. Como ejemplo les
la experiencia de la que aquí se da cuenta, Ana, como
contemporáneo para cuestionar este estigma con el que
(2011), Zygmunt Baumann (2011) han definido la(s)
mostramos los conceptos principales que se relacionaban
estudiante del máster en Artes Visuales y Educación: un
eran representados.
identidad(es) como una posición de subjetividad en
con los modos de ser artista, que estaban presentes en
enfoque construccionista, fue la encargada de tender un
tránsito. Pero no está de más señalar que no es lo mismo
cada uno de los bloques en que se organizaba el archivo
puente entre la universidad y el IES Torras i Bages de l’
elegir un posicionamiento transitorio de la subjetividad que
que proponía Creative Connections: A: cartógrafos de
ante la
en cuenta desde Creative
ayudara a transitar entre sus ideas, sus temas de interés y
la
Hospitalet de Llobregat (Barcelona). Lo hizo vinculándose
LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES Y LA CULTURA
encontrarse permanentemente en un tránsito impuesto.
identidad cultural; B: intérpretes de la diversidad cultural;
a los dos grupos de la asignatura optativa de Educación
VISUAL EN UN MARCO PLURICULTURAL
Porque los chicos y chicas que llevaron a cabo el proyecto, no
C: reporteros sobre la cultura; D: guías culturales y E:
son solamente inmigrantes, también son estudiantes en un
activistas culturales.
Visual y Plástica de 4rto de la ESO donde desarrollamos
el proyecto junto con su profesora, Marta, siguiendo los
El giro cultural en educación se ha caracterizado por un
contexto con el que no siempre se comparten y reconocen
principios de la investigación-acción. Además de contribuir
anhelo reformista que busca reestructurar y ampliar sus
sus valores. La cuestión del estudiante como el Otro nos
Basados en esos referentes se les propuso que escogieran las
al desarrollo del proyecto nos planteamos explorar cuatro
perspectivas en busca de un modelo educativo mucho más
obliga a situarnos en el entramado relacional y a explicitar
palabras clave que creyeran que tenían que ver con el tema
cuestiones que tenían que ver con las posibilidades que
cercano a la experiencia del alumnado y de su realidad
cuáles son nuestros presupuestos acerca de la cuestión de
que iban a tratar en su obra o en el enfoque que iban a darle.
ofrece la educación de las artes visuales para favorecer que
social y cultural (Banks & McGee Banks, 1989; Greeson,
lo educativo, lo artístico y lo multicultural, aceptando que
Se organizó bastante revuelo. Los miembros de un mismo
los jóvenes encuentren otro lugar para ser y aprender en
2004; Campbell 2010; Boman et al 2012; Ortega, 2013).
es una situación que depende del contexto, y de todos y
grupo comenzaron a debatir sobre la idoneidad o no de las
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
EL MARCO DEL PROYECTO CREATIVE CONNECTIONS
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1. Un ejemplo de aprendizaje asociativo en colaboración
entre los distintos grupos se oían voces que reclamaban la
Pero todavía faltaba darle unidad a la obra que querían
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
palabras que algunos querían escoger (y otros no) y también
crear. En la primera sesión que se organizó para pensar en
propiedad de tal o cual concepto. Estaban así dando a la
Els Solts es el nombre de un grupo que quiso indagar
grupo, además de llevar a cabo una reflexión conceptual
vez sentido a los contextos de producción y observación, al
a partir de los “sentimientos”. Después de explorar
comenzamos a familiarizarnos con las imágenes de Creative
tiempo que actuaban como grupo crítico que validaba sus
temas como el amor, la amistad, la empatía, la envidia,
Connections. La sesión se desarrolló interrogando algunas
propias obras, de manera que sus interpretaciones formaban
la tristeza... como primera actividad realizaron algunos
de estas imágenes, no todas, ya que el tiempo de la clase
parte de la construcción del conocimiento que ellos mismos
esbozos a partir de imágenes de la red que encontraban
-una hora- es limitado para comentar en su totalidad el
estaban generando. Tenían ideas acerca de lo que para ellos
tecleando el sentimiento con el que querían trabajar.
extenso archivo. Para intentar solventarlo, se les pidió que
era la cultura visual que iban proponiendo sus compañeros
Las imágenes comenzaron a desbordar las carpetas
escogieran algunas de las imágenes que les interesaran
y de las imágenes que comenzaban a desbordar las carpetas
virtuales que creaban en los ordenadores del centro para
o les llamaran la atención para comentarlas en el aula.
virtuales de los ordenadores del aula, les hicimos ver que
“inspirarse” en los dibujos que estaban haciendo. Estaban
Conversamos durante la clase y nos fuimos a casa. Al día
en realidad, lo que estaban haciendo, era crear su “propio
creando, en realidad, su propio archivo. Imágenes del tipo
siguiente, Abigail había traído varias fotografías sobre
archivo” en paralelo al del proyecto. Algo que no siempre
“visto en las redes” les sirvieron para, por un lado, hacer
“libros de artista” (figura 4).
ocurrió como habíamos previsto. Hubo desubicaciones,
que su realidad y sus intereses entraran en el proyecto
silencios y extrañamientos. Pero eso era también parte de
y en el aula, y por otro lado, como idea incipiente sobre
Las profesoras (Marta y Ana) no entendieron a qué venía
un proceso con subidas y bajadas del que ahora damos
la que trabajar. Las primeras experimentaciones fueron
todo aquello, pues no le habían explicado en qué consistía
cuenta a partir de tres de los ejemplos que se llevaron a
de tipo formal: variaciones en el tema representado y
hacer un libro de artista, ni habíamos visto ninguno en
cabo.
experimentación técnica en sus propios esbozos a partir de
clase. Al parecer Abigail se había interesado por la obra
editores fotográficos...
de A Butterfly Girl de Berenika Ovčačkova (figura 3). Había
buscado información sobre la artista y había acabado
LOS GRUPOS, LOS PROYECTOS Y SUS PROCESOS
en algunas webs donde se mostraban más obras suyas y
algunos libros de la artista, de donde había sacado la idea
A la hora de decidir cómo dar cuenta del recorrido de los
de realizar el suyo propio.
jóvenes dos cuestiones guiaron nuestras decisiones: la
primera fue que, como dicen Freedman (2006) y Hernández
A los compañeros les pareció una manera idónea
(2007), la(s) identidad(es) cultural(es) se aprenden, cambian
para poder trabajar con las imágenes que ya habían
y varían a lo largo de las experiencias de aprendizaje y de
comenzado a buscar/transformar en la red en relación a
vida. La segunda tiene que ver con el reconocimiento que
los “sentimientos” y además vinculaban con otra artista
Eisner (1988), Sullivan (2004) y Hernández (2008) hacen
del archivo que también les habían llamado la atención,
de la experiencia artística como una forma genuina de
como Ana García Pineda, cuya obra presentaba el proyecto
generar conocimiento. Y así había sido nuestro caso, desde
Máquinas y Maquinaciones (2008) era de hecho, una
el comienzo del proyecto, pasando por las sesiones de
especie de cuaderno de artista (Figura 5).
Figuras 3 y 4. Figura 3 – A Butterfly Girl de Berenika
Ovčačkova. Reproducción cortesía del artista para el proyecto
Creative Connections. Figura 4 – Libro de artista de Berenika
Ovčačkova.
reflexión en las que debatieron cómo las cuestiones sociales
y culturales también pueden presentarse de manera
De esta forma, el grupo se repartió los distintos
artística. Si en Creative Connections los jóvenes “debían
“sentimientos” con los que querían trabajar y decidieron
utilizar el Arte Contemporáneo” como punto de partida
hacer una tarea doble (que se fue multiplicando): la de
desde el cual crear y compartir, las producciones de estos
realizar una escultura en cartón a modo de gran librería
chicos y chicas también constituyen imágenes discursivas,
(figuras 1 y 2) (a la manera de los ejemplos que habían
que a su vez median otros discursos, de manera que su
encontrado a partir de investigar más sobre Berenika
dichos “sentimientos” que fueron autofotografiándose en
Ovčačkova) y realizar cada uno su propio cuaderno de
una performance fotográfica (figuras 6, 7 y 8) en el mismo
artista en relación al sentimiento que iban a trabajar.
instituto y que acabó de dar coherencia a la obra y a todo el
Estos libros contenían además toda una escenificación de
proceso de indagación.
creación/producción artística, se presenta así como una
vía para la comprensión y expresión de estos discursos que
constituyen sus identidades.
Figuras 1 y 2 – “Cada uno ha escogido las palabras
y las hemos ido a representar a través de dibujos
y también en frases” (Josselin Abigail). Fotos Ana
Cañete.
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Figura 5 – Ana García Pineda (2008). Máquina-Lengua.
De la serie Máquinas y Maquinaciones.
Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |27
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algunos integrantes del grupo para decir que están
descontentos con la idea de su trabajo. Que no puede ser
que quieran hacer grafiti si sólo uno o dos saben pintar.
A Marta van con las dudas técnicas y les propone hacer
plantillas en esténcil, de manera que puedan trabajar “sin
ser grandes dibujantes”.
Figuras 6, 7 y 8 – Performativazar y representar los sentimientos. Fuente: Trabajos de los estudiantes.
Los chicos y chicas que desarrollaron este proyecto y el
Hernández (2011: 18) se pregunta ¿Cómo tienen lugar,
proceso de exploración que han llevado a cabo, muestran
desde esta posición, las experiencias de creación de sentido
que esta experiencia ha funcionado como vehículo para
que fijan lo que “son” los jóvenes? Los investigadores y los
la construcción de un significado, de una obra en la que
poseedores del conocimiento disciplinar suministran a los
confluyen los intereses de todos los integrantes del grupo y
responsables de la administración […] una serie de términos
las obras propuestas por Creative Connections.
que definen a los jóvenes como “en riesgo”, “desafiantes”,
“problemáticos”, “fracasados”, “radicales”, “superdotados”
2. De la imitación a la construcción de la identidad cultural.
etc. Con ello se configuran discursos, por lo general cortos
El proceso dialógico entre imagen-contexto.
de mira y con connotaciones negativas, que se hacen
presente en las escuelas, hogares, centros comerciales y en
El grupo de Campions decidió indagar a partir de la
las manifestaciones de los políticos.
fascinación grafitera que les produjo encontrarse con la
obra de Banksy. Tuvieron claro que querían hacer algo
Quizá por eso mismo estábamos infravalorándolos o
parecido. Pero tenían una dificultad: les gustaría hacer un
considerando poco importantes sus propias decisiones o sus
gran mural con un montón de grafitis pero “solo el Jefferson
intereses (porque en el fondo seguíamos relacionándonos
y el Colmenares saben pintar”. Se arma revuelo en el
con ellos como personas “en construcción”). Pero la
grupo porque tienen clara la técnica que querrían utilizar
sorpresa no tardó en llegar. Habían estado trabajando para
pero pocos son duchos en materia de grafiti y en general
la primera puesta en común copiando dibujos de grafitis
en “esto del dibujo”. El tema que quieren tratar es fútbol,
que encontraban en internet y...
fútbol y más fútbol. Este tema no parece muy atractivo a
las profesoras que se preguntan sobre qué implicaciones
Hemos buscado un artista para inspirarnos
puede tener el hooliganismo en las construcciones de
y se llama Banksy y hemos hecho varios
identidad cultural. Aunque pensándolo bien... seguro que
dibujos relacionados con fútbol y grafitis de
son muchas. Marta comenta cómo se les podría ayudar a
su estilo. Las palabras que hemos elegido
enfocar el trabajo para que hicieran algo más “profundo”.
están relacionadas también con el deporte:
Pero lo cierto es que el tema lo han escogido los jóvenes y no,
leyendas, los mitos del fútbol, o sea los
como suele ocurrir en otras experiencias, desde la mirada e
jugadores, los símbolos, cultura popular,
intereses de los investigadores-educadores. En este sentido
cuerpo físico... y nacionalidad. Ésta la hemos
Agirre (en Hernández, 2011: 24) habla de los temas que
elegido porque en muchos países piensan que
pensamos que más van con ellos revelan nuestras visiones
todo el mundo juega al fútbol y no siempre ha
sobre los jóvenes y “sólo en raras ocasiones los temas de
sido así. Hay muchos países que la gente no
la investigación parten de los propios deseos de saber o
conoce y también juegan al fútbol (Felipe y
de las necesidades e intereses de los jóvenes”. Al respecto
Rodrigo, extracto de vídeo).
28 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014
También se habían fijado en la obra de Dexter Dallwood
que se encuentra en el archivo de Creative Connections. Su
elección estaba justificada. “Podemos pintar una cancha
de fútbol y al fondo Barcelona”. Una conexión compositiva.
Un grafiti en la pintura. Un solo elemento... Pensamos que
era una mirada un tanto ingenua, pero en realidad estaban,
como ellos decían, “inspirándose” en una asociación
Figura 9 – “La periferia era ahora el centro, dónde se disputaba el gran
derbi enmarcado por los altos edificios de la Barcelona central” (Ana
Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster).
constante entre las imágenes que ellos mismos encontraban
en la red. El proceso de investigación que llevaron a cabo
Esta cuestión encaja con uno de los presupuestos básicos
muestra una vez más, como en base a sus propios intereses
que apoya la educación artística para la comprensión para
se produjo un aprendizaje mediado por asociaciones de
la cultura visual y es que los jóvenes no crean motivados
significados sugeridos por la experiencia. Habían establecido
únicamente por puros valores técnico-formales, sino que lo
conexiones con las obras de arte que proponía el proyecto,
que buscan es mejorar sus habilidades para desarrollar su
las imágenes de los medios y la prensa deportiva y de su
propio estilo. Entendiendo por estilo una ilustración visual
propio entorno
de la riqueza de matices y referentes que consumen a diario
experiencial para, a su vez, crear sus
propias obras, su propio imaginario. La mistificación del
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Al día siguiente nos encontramos en el aula. Se acercaron
junto con sus intereses y motivaciones personales.
proceso creativo “inspirado” se estaba convirtiendo, sin
haberlo trabajado específicamente en el aula, en un diálogo
Banksy había sido la conexión primera que habían podido
bastante autónomo con su contexto. Y es propiamente de
establecer con el archivo propuesto por el proyecto, como
su contexto la cancha de fútbol que decidieron incorporar
elemento conocido y vinculado a su entorno.
como modelo de su obra: la del propio instituto ¿qué otra
pensaron en crear, en primera instancia un mural-graffiti,
conocían mejor? Le sacaron fotos y realizaron un foto-
pronto se dieron cuenta de la incomodidad que les producía
montaje con la ayuda de Marta, con una panorámica de
tener que trabajar únicamente en base a un presupuesto
Barcelona al fondo vista desde el Torras i Bages. El nombre
formal. Así, el deseo de reconocimiento que habían temido
del instituto en letras escritas en graffiti marcaba el centro
que no llegaría a través de la destreza técnica les había
de la composición, como habían visto en la obra de Dexter
impulsado a re-contextualizar una actividad de ocio y un
Dallwood. En el centro de la pista se encuentran Messi y
contexto urbano que dejaban de ser “tópicos adolescentes”
Cristiano Ronaldo disputándose un balón. Y sobre ellos,
para convertirse en un ejemplo que revela que la identidad
en esténcil, las palabras que interrogaban toda la escena:
cultural y juvenil es tan compleja como cualquier otra y está
los mitos, las leyendas y la nacionalidad de una vista
muy lejos de poder estereotiparla.
Aunque
estratificada y a la vez superpuesta de imágenes que iban
desde su contexto más cercano a la ciudad de Barcelona (y
mucho más allá).
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Al final de la clase ya lo han decidido. Van a pintarse el cuerpo
Aparentemente, la elección de la palabra “estigma” para
de Mona Hatoum (1988) Measures of Distance o Speechless
apropiación cultural.
como L. Tatarová y van a imitar los tatuajes de la banda de
designar de manera generalizada al tipo de marca corporal
(1996) de Shirin Neshat.
los Maras. Marta les dice que antes de pintarse les buscará
ejecutada en Grecia y Roma, como signo de esclavitud,
A los componentes del grupo Sicaris las bandas latinas
algo de información sobre pintura corporal, especialmente
competía tanto al uso frecuente de este vocablo para
Fascinados ante semejante idea no podíamos dejar de ver
les generaban curiosidad y admiración, por eso tuvieron
por cuestiones higiénicas y de salud. Para que no se dañen la
referirse a la técnica de tatuar la piel como a la imposibilidad
en aquellas auténticas performances que el “problema
claro desde el principio cual sería su proyecto. De hecho,
piel. Les da también el nombre de algunos blogs que hablan
de remover la cicatriz; ambas cuestiones ratifican el fin
idiomático”, que es “conflictivo” dentro de la institución,
fue el grupo que antes entregó sus obras. Sí, en plural. En
sobre pintura corporal, por si eso les da ideas, y pide a Ana
estigmático de la marca en el cuerpo y dieron lugar a
era para ellos un campo de batalla en el que poder conjugar
enero habían terminado sus creaciones, frente al parecer
que les escriba una guía sencilla para que obtengan fotos
diferentes interpretaciones etimológicas y asociaciones
y codificar múltiples códigos y múltiples significados. Del
de
algunos profesores descreídos que preguntaban
de calidad. Nos ponemos manos a la obra. Ese mismo día
semánticas de las palabras estigma y tatuaje (Martínez,
mismo modo, que el chador también remite al mismo
sorprendidos “¿pero quieres decir que se puede sacar algo
les enviamos la información y pocos días después una parte
2011: 150).
tiempo a la reclusión y a la libertad de acceder a la vida
de este grupo?”....
del grupo ya ha terminado la tarea ¡y en casa! Además no
En su proceso de aprendizaje y trabajo vemos como pasaron
de sus “votos de silencio” a las foto y vídeo-(re)creaciones
de los procesos de iniciación en algunas bandas latinas y a
la investigación acerca de la articulación de su simbología. El
comienzo fue similar al de los grupos anteriores: definir sus
intereses acerca de lo que querían investigar. Se empaparon
de información y quisieron visionar y presentar algunas
pública, aquellos chicos y chicas se autodenominaban
solo se han fotografiado (figuras 9 y 10), han filmado todo el
De la misma manera, el grupo de “las chicas”, más
inmigrantes, negros o términos similares, que eran a la vez
proceso de realización simulando los procesos de iniciación
interesadas por la dimensión lingüística de los signos maras,
signos de estigma y resistencia. Es interesante ver como
de dichas bandas. En las fotografías podemos ver a Carlitos
las llevó a buscar los equivalentes en letras del abecedario
en todas estas obras, aunque diversas, es el cuerpo el que
posando para la cámara con la piel dibujada con simbología
de los signos que las bandas utilizan. Su encarnación opta
encarna los conflictos sociales (en) del propio sujeto ¿No
mara. En los vídeos se ve el proceso de elaboración de esa
por ser, en lugar de pintura corporal, proyecciones de
es esa una noción muy similar a la que Delgado daba de la
pintura corporal a modo de tatuaje, como si de un rito de
estos signos encima de la piel posteriormente fotografiada
estigmatización? ¿Estaban performando fotográficamente
iniciación se tratara.
(figuras 11 y 12). Estas obras recuerdan a su vez a otras
precisamente eso? (Recordemos también la experiencia
obras, especialmente de artistas mujeres como es el caso
fotográfica que lleva a cabo el grupo de Els Solts).
películas. Su preferida fue la de Óscar González (2010)
Destino Mara. Pero habían otras: de Andrés Lozano Pineda
Los jóvenes se sitúan, actúan, hacen cosas que les permiten
(2008) La Gorra; la de Jorge Franco (2005) Rosario Tijeras.
improvisar y experimentar con imágenes y escenas propias
Ana les recomendó también la de Barbet Schroeder (1999) La
y ajenas. Son ingredientes y recursos distintivos de esa
Virgen de los Sicarios. Hasta aquí todo bien, los “problemas”
performance fotográfica: el control corporal, la sonrisa, la
comenzaron cuando Marta y Ana les preguntan si ya han
seriedad, la posición, la gracia, el movimiento, la suavidad,
visto alguna de las películas... y la respuesta cada día es la
la furia, la dignidad, la juventud, el colorido, entre otros,
misma: no. De pronto nos preguntan si pueden hacer un
y, si se pudiera introducir la expresión de otros elementos
estudio en el barrio sobre la seguridad de la zona. Ahora
sensoriales, habría que añadir, el tono de voz, las risas y
ya no sabemos si están fascinados por las bandas o si les
otros sonidos y resonancias (Buixó, 1998: 183-184).
tienen pavor.
La autoexpresión en el propio cuerpo encarna la
Al preguntarles qué es lo que les interesa realmente de
interpretación que hacen del entorno social y cultural,
trabajar el tema que han elegido dicen que quieren criticar
apropiándoselo. Lo que nos lleva a recordar, en relación
la falta de seguridad que sienten que hay en el barrio.
a la educación para la comprensión de la cultura visual,
¿Realmente lo sienten así? Contestan de manera afirmativa:
que el arte actúa aquí como una vía de expresión de las
esto es lo que es y lo que se dice. Ante la pregunta de si
para
preocupaciones de estos jóvenes. Quienes interpretan su
realizar ese estudio tienen alguna idea de cómo
experiencia de relación de manera metafórica, pero no
presentarán el trabajo, la “obra”, sus caras, su silencio y su
con un objetivo terapéutico, sino social y cultural, ya que
indecisión -que va durando ya varios días- dicen que no.
Se les propone revisar el archivo de Creative Connections
para ver si encuentran alguna idea (así había sido como
habían comenzado a trabajar los otros grupos y había dado
resultado).
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
3. De los procesos de resistencia y auto-expresión a la
sus emociones no son estrictamente personales sino una
Figura 10 y 11 – Tatuaje, estigma y reconocimiento. Fuente: Trabajos
de los estudiantes.
30 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014
Figura 12 y 13 – “La institución es para ellos un campo de batalla
en el que poder conjugar y codificar múltiples códigos y múltiples
significados” (Ana Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster).
Fuente: Trabajos de los estudiantes.
personalización de cuestiones sociales y culturales que
realmente les preocupan.
Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |31
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fernando Hernández (2000) comenta que una de las
Es importante reflexionar aquí también, acerca del papel
Estos procesos pueden reseguirse en todos los casos que
finalidades de la educación artística para la comprensión de
que ha tenido el grupo, como entidad corporeizada de la
hemos expuesto y en los que hemos dejado por cuestiones
la cultura visual es evidenciar el recorrido por las miradas
dimensión relacional que la educación artística para la
de espacio. Primero, buscando las emociones y resonancias
entorno a las representaciones visuales de diferentes
comprensión de la cultura Visual posibilita. Con relacional
que nos suscitan las obras de “Otros” -los artistas en este
culturas. Con la finalidad de confrontar críticamente a
nos referimos a la que se establece, por un lado entre el
caso- e intentando relacionarlas con inquietudes propias,
los estudiantes con ellas, e investigar así, acerca de las
sujeto y las imágenes, dialogando entre éstas y su contexto
que permitan hacer emerger otras imágenes. Una vez
representaciones y exclusiones de la historia visual (y
(el de la propia imagen). Pero por otro, el que nos hace
que establecíamos cuál era la conexión conceptual que
de la visualidad) de occidente, para así
indagar sobre
comprender que al ser parte de distintos momentos
vinculaban las representaciones sobre las que se interesaban
sus propias representaciones y exclusiones. Desde esta
culturales (como algo lábil y no conceptualmente cerrado),
y aquello sobre lo que querían indagar, buscaban una
posición los chicos y chicas del Torras i Bages, a través de la
estamos en disposición de saber cómo nos relacionarnos
manera de representarlo ellos mismos, haciendo que se
observación de imágenes de múltiples ámbitos (no sólo las
con nuestro entorno. Porque en nuestro caso, cabe recordar,
preguntaran acerca de cómo un concepto determinado
procedentes del archivo de Creative Connections) junto con
que las obras no son fruto de un joven en concreto, sino de
se ha narrado o se representa y qué otras formas hay de
las reflexiones colectivas en clase, han podido establecer
unos procesos creativos que son en sí mismos colectivos.
hacerlo.
BOMAN, K.M., Danzig, A.B. y García, D.R. (Eds.) (2012). Education,
democracy and the public good. Review of research in education, 36, 1-316.
asociaciones que les/nos han ayudado a reflexionar sobre
Esto ha fomentado los procesos dialógicos que la propia
el mundo en general y sobre el efecto que tienen sobre
comprensión para la cultura visual propone. De esta manera
La visión que ofrecemos aquí de Creative Connections no
BRAIDOTTI, R. (2011). Nomadic Theory. The Portable Rosi Braidotti. New
York: Columbia University Press.
nosotros mismos las distintas concepciones acerca de “lo
es como pudimos trascender la resistencia inicial ante el
pretende ser, en ningún caso, un resumen de lo que ha sido
cultural”.
proyecto, en la que, por mucho que quisiéramos hablar o
la experiencia del proyecto en general, ni de lo importante
comunicarnos, no estábamos en la misma (pre)disposición
que ha sido participar en él. Lo que nos gustaría compartir
para hacerlo.
es que de las experiencias que hemos presentado y que nos
Pensamos entonces que han podido aprender que la(s)
han hecho reflexionar acerca de las distintas concepciones
cultura(s) y los momentos culturales, son aspectos que
participan de nuestra construcción identitaria, mediando
En el grupo, cada uno se situaba y se recolocaba en función de
sobre la identidad cultural que se manejan en un contexto
nuestras relaciones y a su vez cuestionando y constituyendo
las relaciones que establecía con el Otro y con las imágenes
educativo conceptualizado como multicultural y en el que
nuevas concepciones sobre lo que entendemos que es
(del Otro). De este mismo modo, nos ocurría a nosotros en
las identidades de los jóvenes se encontraban en posiciones
la identidad cultural. Este proceso incide en la forma de
las reuniones del proyecto, cuando proponíamos medidas
de subjetividad en tránsito, el lector, quien quiera que sea,
entender el conocimiento, ya no como algo estanco, sino
de actuación y nos aconsejábamos durante el proceso.
pueda reflexionar también sobre las aportaciones que la
como algo que construimos a través de las experiencias
Como dicen Petry y Hernández (2013) basándose en Lacan,
educación artística para la comprensión de la cultura Visual
visuales que se solapan y se asocian y que ya no obtienen
una investigación se basa en parte en los deseos y en el lugar
puede aportar al debate multicultural, permitiéndonos salir
su forma a través de la presunta existencia de una cualidad
que éstos ocupan dentro de la investigación, así como del
al encuentro con nuestros propios intereses y cuestionarnos
estética inherente. Lo cual nos lleva a preguntarnos: ¿qué
resto de inquietudes y deseos de los demás investigadores
conceptos naturalizados problemáticos como los que
tiene que ver esta imagen conmigo?
del equipo. Por eso, una investigación se constituye
construyen nuestra subjetividad.
también en una red de relaciones. Del mismo modo, en la
Así pues, establecer puentes con la “realidad” dando forma a
Poder contribuir a expandir los sentidos de la cultura visual,
relación que establecieron las profesoras, hubo también
la comprensión que tenemos del mundo y posicionándonos
ha permitido a los jóvenes desarrollar un sentido de autoría
negociaciones y continuas recolocaciones, igual que en las
en éste, nos permite ser conscientes de la capacidad de
en el que la producción artística ha sido un camino para
teníamos ambas con los chicos y chicas y también entre los
la que disponemos para hacer escuchar nuestras voces y
la comprensión y el aprendizaje. Esto ha sido así, porque
propios compañeros participantes en la gestión de Creative
salir de los tránsitos que más que escogidos, nos vienen
durante su proceso han podido experimentar con múltiples
Connections. De hecho, en una de las sesiones finales que
impuestos. Lo que dibuja un camino para vincular la
conexiones –creativas, críticas, formales, emocionales… y
organizamos para conversar acerca de lo que el grupo había
educación a través de las artes y la cultura visual con las
a través de la expresión de sus ideas. Lo que a su vez les
aprendido con el proyecto, todos concluyeron en que se
situaciones, encrucijadas y tensiones a la que los jóvenes
ha hecho conscientes de las motivaciones, intenciones y
había aprendido sobre todo a trabajar en grupo.
(y los adultos) nos enfrentamos en estos tiempos de
capacidades artísticas de los demás compañeros.
32 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014
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Isabel Bezelga
[email protected]
Professora Auxiliar da Universidade de Évora
Tipo de artigo: Original
RESUMO
O estudo sobre as performances tradicionais contemporâneas, ao permitir compreender as motivações das comunidades na relação com as suas vivências culturais e expressões estéticas próprias - atendendo aos processos paródicos, dia-
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educación actual (pp. 57-92). Barcelona: Octaedro.
das práticas teatrais na comunidade. Nesse sentido, o presente artigo reflecte a
transformadora. Salientamos os enfoques educacionais e sociais destas práticas
artísticas através da apresentação de um projecto de formação de dinamizadores
teatrais, em curso na Universidade de Évora.
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
La urgencia de un enfoque artístico e teatral de comunidad de calidad
Palavras-chave: Teatro e comunidade; Performance; Culturas Populares.
RESUMEN
El estudio de las representaciones tradicionales contemporáneas, permiten una
ZIZEK, S. (1997). Multiculturalism, or, the cultural logic of multicultural
capital. New Left Review (225), 28-51.
comprensión de las motivaciones de las comunidades en relación con sus propias
experiencias culturales y expresiones estéticas.Atender a la paródica, los procesos dialógicos y intertextuales, es crucial para la reflexión en torno a las prácticas
teatrales en la comunidad. En este sentido, lo artículo refleja la demanda urgente
de una intervención artística eficaz, logrando aceder a la movilización y la transformación teatral. Hacemos hincapié en los enfoques sociales y educativos de
estas prácticas artísticas mediante la presentación de un proyecto de formación
de facilitadores de teatro, en curso en la Universidad de Évora.
Palabras clave: Teatro y comunidad; Performance, Cultura Popular.
34 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014
Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |35
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Introdução
The study of contemporary cultural performances, allow us to an understanding
of the motivations of communities in relation to their own cultural experiences
and aesthetic expressions. Attending the parodic, the dialogic and intertextual
processes is crucial to understand community theatrical practices. The text reflects the urgent demand of an effective, mobilizing and transforming theatrical
intervention. We emphasize social and educational approaches of these artistic
practices by submitting a draft of theatrical training facilitators, ongoing at the
University of Évora.
Keywords: Theatre and community; Performance, Popular Culture.
Este artigo toma como referência os resultados duma
popular e os códigos de teatralidade que se identificam em
investigação, que partiu da análise de uma performance tra-
diversas fontes do teatro e performances populares. Com-
dicional no sul de Portugal - Brincas Carnavalescas de Évora
preendê-los e respeitá-los constituíram-se como passos
– compreendendo quer os seus sentidos na contemporanei-
decisivos no nosso projecto de formação educacional e ar-
dade, quer os seus contributos para a criação teatral comu-
tística na comunidade já que se traduzem na oportunidade
nitária (Bezelga, 2012).
de aceder aos padrões estéticos que este tipo de manifes-
A metodologia adoptada revelou uma multiplicida-
tações comporta.
de de olhares, como área epistemológica de confluências,
Impõe-se a um tempo, a identificação, utilização e
relevando a pertinência dos processos dialógicos, da incor-
re-apropriação de elementos de diversificada proveniência
poração das vozes dos interlocutores e ainda da dimensão
cultural, não se restringindo apenas aos estritos reportórios
projectual de participação, ao longo de anos, nestas práticas
teatrais, mas igualmente aos provenientes de outras áreas
performativas.
da expressão artística e cultural: dança, música, narração
Efectivamente, os contributos do teatro educação e
oral e escrita, etc. Neste contexto o progressivo interesse
comunidade induzem a abordagens cada vez mais especia-
pelas formas tradicionais e respectivo processo de patri-
lizadas e implicadas, quer referindo-se a especificidades de
monialização (Raposo, 2003), tem correspondido às neces-
grupos e sub-grupos presentes nas sociedades contempo-
sidades das sociedades contemporâneas, de espaços de
râneas, a um mesmo tempo sujeitos e objecto de interven-
encontro com as suas « raízes » e de procura de sentidos
ção, quer no enfoque da dimensão política que prespassa o
de continuidade, num mundo em que tudo é fortemente
processo criativo.
transitório, modulado por fluxos e em constante mudança.
A toda esta multiplicidade de práticas se reconhece
a tónica no desenvolvimento sustentado, na promoção de
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Abstract
Onde até mesmo o conceito de comunidade se encontra
comprometido (Bauman, 2003).
valores e boas práticas, na afirmação dos direitos humanos,
As manifestações performativas populares, caracte-
na superação traumática.
A função social e transformadora do teatro está pre-
rizadas como espaços de celebração comunitária em que
sente em todas essas acepções e por esse facto ela é dese-
simultaneamente todos são actores e espectadores, fre-
jada e urgente!
quentemente desenvolvem nos indíviduos sentimentos de
Para tal, conte-se sobretudo, com a pertinência da
autenticidade e permanência num contexto dinãmico e vi-
visão educacional ampla de Paulo Freire, do poder que a li-
brante. Tem-se vindo a assistir a uma recuperação das for-
teracia confere enquanto promotora da conscientização e
mas tradicionais, ou mesmo à sua invenção (Hobshawn &
exercício de liberdade e cidadania assim como com as pers-
Ranger, 1983) e à adaptação destas manifestações a certos
pectivas emancipadoras do Teatro para todos de Augusto
formatos com maior visibilidade para o que tem contribu-
Boal.
ído a crescente dimensão da vida social como espectáculo presente no mundo contemporâneo. A transformação
que ocorre ao nível das práticas, das funções e significados
Contributos das manifestações performativas que lhes são atribuídos emerge da tensão criativa presente
populares
nestas manifestações, entre a incorporação de elementos
culturais provenientes das referências globais conduzindo
36 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014
A perspectiva aqui apresentada pressupõe a interac-
ao aparecimento de objectos híbridos (Canclini, 2006) e as
ção com 2 sistemas da performance popular que se com-
tendências de cristalização suportadas pelas noções de au-
plementam, o mundo dos reportórios da expressão artística
tenticidade de algumas encenações folclóricas.
Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |37
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personagem’, reforçada por aspectos visuais e discursivos
nhecimento, procedem por habituação e fundem normal-
so, constituem-se como uma espécie de alegoria do mundo
performances populares
equacionando-se a alteridade de eu pessoa, eu performer,
mente as suas expectativas com a estrutura tradicional que
que representam, ao estabelecerem laços particulares com
eu personagem.
lhes é sistematicamente brindada, embora se manifestem
níveis pré-conhecidos de sentido. A sua dimensão estética
A pesquisa transversal que levámos a cabo permitiu
A identificação da personagem é sobretudo realiza-
abertas e livres para atender às novidades, às actualizações
reside nessa capacidade comunitária de reconhecimento e
entender a teatralidade como um território maleável onde
da por signos externos, que caracterizam tipos facilmente
narrativas, aos novos gags (e, portanto, a poderem rir-se de
no domínio autotélico (valor próprio intrínseco) que se tra-
diversas tradições e inovações operam proximidades e in-
reconhecíveis. A tipificação conduz frequentemente a uma
si-próprios com eles).
duz pela partilha criativa enquanto processo, de certo modo
teracções.
especialização tornando-se tácita a distribuição de certos
No entanto, e apesar do seu carácter festivo e multi-
papéis.
expressivo, identificam-se um conjunto de elementos teatrais que as caracterizam.
A figura de Mestre/ Mordomo, relativamente comum nestas manifestações, aparece associada a um proces-
Estes aspectos das performances populares tornam-
ahistórico e tendencialmente ritual.
se particularmente relevantes para a formação artística,
A característica multi expressiva remete-nos não
nomeadamente no que se refere à sistematização dos seus
apenas para os primórdios do teatro mas igualmente para a
contributos para as práticas de teatro e comunidade.
performance artística contemporânea em que se salientam
O espaço da performance passa, numa primeira ins-
so de Iniciação reservada apenas a alguns, nomeadamente
os aspectos de mobilização da individualidade criadora, de
tância, pela criação do território do jogo, onde – com a co-
na senda da continuidade duma determinada linhagem. A
inscrição e da consciência de apresentação para um público
munidade – fica estabelecido o pacto da natureza ficcional
ela cabem diversas funções: liderança, organização, nego-
Teatro e Comunidade – Um projecto de no contexto duma implicação comunitária que lhe confere
da própria performance, sendo a “rua” o locus preferido.
ciação e gestão do grupo, distribuição de papeis, condução
formação
sentido.
A disposição circular ritualizada é percepcionado como mo-
dos ensaios e preparativos.
mento de efectiva sacralização correspondendo a uma rela-
A presença do grotesco e o apelo da comicidade apa-
No teatro contemporâneo assiste-se ao desejo de
Podemos efectivamente detectar um sem número
tivamente comum convenção de passagem do tempo e de
recem ligados à presença de outras figuras características,
transformar a cena num interface de inscrições culturais, de
de exemplos de encontros, interferências e influências mú-
enunciação da viagem.
que tomam diversos nomes. Estas figuras estão associadas a
sonoridades específicas, de pulsões soltas e de corporalida-
tuas, que conferem a estas performances populares uma
O posicionamento dos performers é organizado ten-
diversas funçõe: organização da cena; regulação do espaço
des pluralmente marcadas, o que transforma a teatralidade
interessantíssima actualidade, se comparados com recen-
do em vista um contínuo contacto visual entre todos, es-
e tempo; corte (instituindo a dualidade ordem/desordem);
num horizonte de permanente investigação. Um projecto
tes opções do teatro contemporâneo. Schechner (1982), ao
truturando as suas posições relativas através dum discurso
reactualização crítica dando voz à insatisfação e à possibili-
que se alimenta do projecto e que incorpora a diversidade
reconhecer a existência actual de 4 formas teatrais (oral,
sistémico que articula o posicionamento de uns face aos
dade de leitura das diversas camadas dramaturgicas oriunda
expressiva numa estratégia ‘anarrativa’: como uma espécie
tradicional, moderna e pós-moderna), salienta a influência
outros, ao mesmo tempo que define o ‘de dentro’ e o ‘de
da prolepse das narrativas enunciadas na cena; e ainda pela
de ‘media res’ sem limites nem metas definidas.
das formas tradicionais no teatro pós-moderno: “The post
fora’ do espaço de jogo. ajudando as audiências não fami-
superação desconcertante da narrativa (sobretudo através
liarizadas a (re)conhecer intuitivamente os seus lugares na
de referências escatológicas e excessos de linguagem.
performance.
As práticas performativas são muito diversas da tra-
As práticas teatrais tenderam nas últimas décadas
modern is influenced more by oral and traditional ways of
para a poliexpressividade, para a polissemia oficinal e para
making theatre than any modern ways” (Schechner, 1982,
uma grande variedade de registos não tuteladas
p. 106).
A noção de tempo na relação fábula versus enredo
dição realista europeia. As características multi-expressivas
As desterritorializações foram assim sendo suces-
preconizada por Eco (1983), sendo um dia ou uma vida in-
destas performances, através da incorporação do cortejo,
sivamente animadas por linhas de fuga que curiosamente
dências pós-modernas das performances populares, nome-
teira, pouco interessa. O posicionamento é o da tradição
da música e dança, remetem para uma forma de Teatro To-
misturaram a tradição e a contemporaneidade
adamente no que se refere à multiplicidade de significados,
oral em que uma história se conta começando por “Era uma
tal.
São vários os autores que salientam as ten-
A emergência de novas tendências prende-se com o
temas e processos nos modos de criação, onde se acentu-
vez…” e, nesse contexto de verdadeira ‘atemporalidade’,
Assiste-se à concumitância de diversos géneros no
desejo de um regresso às origens e com o sentimento de
am o carácter ritual na procura de formas “para expressar
as divisões metadiscursivas entre real e ficcional perdem
interior destas performances, o que lhes confere uma es-
perda de referências fundamentais no teatro occidental. A
emoções primárias sufocadas pelas convenções dominan-
efectivamente o sentido (e os saltos e ‘décalages’ de espaço
tétca particular oriunda das múltiplas influências do teatro.
valorização simbólica da dimensão ritual na experiência hu-
tes”, resgatando a “manifestação original de cada sujeito e
tempo e acção deixam de interferir).
Neste sentido, as vivências teatrais destas performances
mana aliada a uma busca de autenticidade são aliás ideias
de reencontros mágicos, com energias perdidas” (Canclini,
Nas performances populares não raramente se re-
vão desde entre as mais enraizadas tradições oitocentistas,
partilhadas por Artaud, Brook, Grotowsky e Barba.
2006, pp. 20/25).
conhece a existência de um conjunto de performers, cujos
aos princípios de multiplicidade do teatro pós-moderno, de
Os registos da teatralidade popular, independente-
Revelaram-se óbvios os contributos das performan-
papéis desempenhados com alguma estabilidade, os defi-
que destacamos a estilização, a economia de meios e mini-
mente das designações colaterais e regionais, denotam vín-
ces populares, tendo a experiência – corpórea e sensível – a
nem como figuras/personagens, muito para além do tem-
malismo.
culos naturais e espontâneos de proximidade e intimidade,
memória e o conhecimento sido distinguidos como desem-
po de realização da performance. Efectivamente, o que
Se existem formas e códigos que são agenciados
definem contextos de partilha e auto-construção, fazem de-
penhando papéis importantíssimos no desenvolvimento
estes “actores” enunciam talvez não se possa chamar de
pelos performers, também existe um sistema de códigos
pender o texto e outros ditames da lógica da própria perfor-
criativo e da apreciação estética.
personagens, mas sim e apenas, figuras. O “actor” destes
convencionados para a sua leitura, enquanto objectos de
mance e existem, no terreno, ao arrepio das dicotomias po-
Muitos dos elementos presentes nas mais diversas
contextos evidencia a separação entre o ‘eu-actor’ e o ‘eu-
fruição co-participada. As audiências, por via de um pré co-
der/não poder com que são amiúde postuláveis. Além dis-
práticas de teatro e comunidade escapam à codificação te-
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Características da teatralidade das Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |39
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atenção; temas recorrentes do teatro tradicional que confe-
e identificação como centrais, Mchoul (1996) postula quase
ência das capacidades expressivas individuais, a exploração
expressivos provenientes não apenas da teatralidade. Estas
rem atemporalidade temática. O que importa são as acções
uma superação da noção de cultura em nome das “commu-
e experimentação em colectivo dos processos de criação.
características diferenciadas traduzem uma preocupação
(simbólicas ou não) que permanecem, atravessando os fios
nities” propiciando o cruzamento de culturas e o apareci-
Retemos algumas condições centrais:
em abranger linhas de força fundamentais, que mapeiem
dos tempos. Vida e Morte, Honra, Traição e Perdão são iso-
mento de novas culturas!
- A ideia de jogo, como actividade primordial de rela-
estas práticas, por natureza disseminadas e diversas nas
topias ahistóricas que estão presentes – hoje e sempre – na
suas géneses, propósitos e formas de dizer e de ser.
vida e nos dilemas contemporâneos.
Passemos a examiná-las:
Nas práticas de Teatro em Comunidade, verifica-se
- A diversidade estética, quer ao nível da complexi-
uma clara tentativa de retorno às formas simples. Como se o
dade dos signos propostos, quer ao nível das incorporações
‘readvento’ do jogo correspondesse a um desejo profundo:
desse material na comunidade que os gera e interpreta, sur-
A simplicidade pressupõe sempre a ideia de um regresso,
ge como a primeira das características. E possivelmente a
embora corresponda a uma estética de experimentação e
mais importante. Com efeito é o sentido ‘desprogramático’
despojamento.
mas, ao mesmo, denso e tangível na sua comunicação, que
O uso das formas populares desempenha um óbvio
enforma – como um dado necessário – a diversidade de pro-
factor de inclusão, já que uma das preocupações deste tipo
postas estéticas que encontramos nas práticas de teatro e
de trabalho teatral se centra no potenciar da co-participa-
comunidade.
ção. Este aspecto é reforçado pelas opções temáticas, de es-
- Co-presença de elementos integrantes da vida da
pacialidade, de linguagem e de recursos técnico-estéticos.
comunidade e da sua cultura. Esta integração de dados do
As abordagens de Teatro e Comunidade assumem-se
dia-a-dia na cadeia ficcional assegura a presença do ima-
metodologicamente como auto-reflexivas, apresentando-se
ginário e do seu reconhecimento na própria manifestação.
como um desafio e uma oportunidade para que os parti-
- Manipulação da multiplicidade de elementos da
cipantes – individualmente e enquanto membros de uma
cultura popular, aspectos que vão desde o uso específico da
dada comunidade – sintam desejo de reflectirem sobre si
língua à morfologia da cena
próprios, sobre as suas vidas, os seus projectos e esperanças
- a presença lúdica e festiva concorrem como mobilizadores potenciando a criatividade e a entrega colectiva.
futuras.
No projecto de formação que temos em curso tem
- Preocupações de eficácia potenciando vínculos co-
especial destaque o conhecimento e experimentação de
municacionais que se estabelecem entre os diversos parti-
formas e códigos presentes nas performances populares,
cipantes.
que sem descurar pressupostos artísticos e estéticos, se re-
A eficácia performativa em teatro e comunidade
decorre de vários factores que confirmam o permanente
velam eficazes na inclusão dos diversos participantes e no
desenvolvimento de processos de co-criação.
diálogo com as performances populares: dimensão multiextivos simples e imediatos (objectos e outros signos); uso do
A urgência de uma perspectiva artística coro e da forma cantada; recurso ao grotesco e non sense;
Intercultural
estratégias de narração e uso de prólogo e epílogo; e ainda
o facto de todos se sentirem ‘espect-actores’ da cena, na
Ao reflectirmos sobre cultura e identidade na con-
consideração de que o espaço ficcional construído decorre
temporaneidade temos que começar por considerar a cul-
de uma realidade de que todos são (personagens e público)
tura como algo dinâmico e em constante evolução e não já
intrinsecamente parte; recurso às formas de cortejo e fó-
assente em identidades fixas e monocentradas.
elemento que permite o contacto visual entre todos, a inclusão das audiências e o estabelecimento de um foco de
logismo proporcionado pelo Teatro como linguagem artística e estética, no espaço de encontro em contextos situados, com diferentes indivíduos e grupos. Para Augusto Boal
(1995) o espaço estético possui qualidades que estimulam a
reflexão, a descoberta e o processo de expansão dos universos íntimos e sociais através da experiência.
Neste sentido, na formação/educação artística e teatral contemporânea, com preocupações sociais engajadas,
deverá ser criado um espaço de questionamento laboratorial, para que de uma forma autónoma e empenhada os alunos investiguem e desenvolvam competências de mediação
entre visões, discursos, projectos, instâncias e grupos sociais identitários, fomentando práticas performativas dialógica e cooperadamente sustentadas. Não se trata, pelo atrás
exposto, de levar objectos construídos previamente segundo critérios paternalistas de adequação e utilidade (Bezelga,
2008). Aliás sobre esta perspectiva refiram-se as posições
de Thompson e Schechner (2004) quando afirmam: “(…)
the act of using theatre in these contexts needs to be understood as a process of meeting and competing performances, not as merely bringing theatre to people and places that
are theatre-less” (Thompson e Schechner, 2004, p.13).
Pretende-se, com esta abordagem, que num ambiente seguro e protegido, os alunos sejam capazes de se
exercitar enquanto dinamizadores de projectos na comunidade, assumindo uma relação horizontal baseada no respei-
pressiva; identificação das personagens através de disposi-
rum. A forma circular é valorizada em termos teatrais como
As bases desta abordagem recaem sobretudo no dia-
A preocupação intercultural advém das necessidades
criadas pelas novas sociedades multiculturais na tentativa
de uma melhor inclusão. Projectando as noções de partilha
40 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014
to recíproco, na criação de afectos e de laços, que promovem a oportunidade de reflexão-acção e a transformação de
práticas e constructos.
Convém ressaltar que não sendo a preparação de
artistas profissionais, vulgo formação de actores, o tema
deste artigo, importa desde já enunciar os princípios pedagógicos do teatro inscritos na formação de educadores,
professores e animadores centrando-os no favorecimento
de um ambiente desafiador e auto-reflexivo, que possibilite
a aquisição das linguagens dramáticas, a tomada de consci-
ção deverá ser tomada como ponto de partida e de retorno.
- A integração no processo criativo das dimensões
rituais, arquetípicas e oníricas das performances populares
pressupõem um reconhecimento e leituras universais.
- A recuperação de temas e formas do teatro tradicional traduz-se numa preocupação pelo ‘não dito’, pela
preferência por um tipo de recriação que evita o óbvio;
aposta na autenticidade - recusando o artifício - e ainda na
reinvenção do espaço e da própria ordem da representação.
- A comicidade e o uso do grotesco, característicos
das performances populares permitem o “espelhamento” e
um olhar crítico imediato.
- A consideração da importância das novas formas de
comunicação, e de interacção com o público (que pressupõe uma comicidade reflexiva) ligam-se, obviamente, a uma
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atral estrita. Cabe neste domínio todo o tipo de elementos
valorização de espaços alternativos de sociabilidade, pelo
fazer artístico e vivência estética. fidelizam os seus participantes como públicos mais críticos e produtores culturais
autónomos.
- O processamento da transmissão de saberes, englobando não apenas os representantes de diversas gerações mas toda uma comunidade, deverá ser realizado de
uma forma intuitiva e natural. Desta forma, valoriza-se a
aprendizagem decorrente do contacto directo e experimentação.
A possibilidade de conversar, observar e partilhar
momentos do quotidiano em contexto, ao invés de ser considerada uma perda de tempo, revela-se uma insubstituível
oportunidade de aceder e compreender as práticas culturais de uma comunidade, actualizando e reformulando concepções construídas.
A narração oral, a implicação da memória e a interpretação subjectiva de acontecimentos e casos - através da
aplicação de metodologias audio-visuais de elicitação, por
exemplo -, revelam-se facilitadores da mobilização intergeracional numa comunidade e oportunidade de construção
identitária. A partilha de histórias (aliando a dimensão da
realidade e da fantasia) constituem-se em momentos de
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A dimensão reflexiva é um imperativo que recai na
A criação de uma relação de confiança e a anulação
análise sobre as próprias práticas. Assim o profissional ao
de níveis hierárquicos é condição do desenvolvimento de
promover o desenvolvimento das competências de análise
um Projecto, permitindo compreender na praxis os princí-
e reflexão individual dentro do grupo, inclui-se a si próprio,
pios que enformam a abordagem teatral intercultural. Esta
já que o trabalho teatral na comunidade é uma co-constru-
constante prática de ‘media res’ que visa a transformação
ção.
social está muito para além de todos os reducionismos e
codificações binárias e/ou esquemáticas.
Interessa levar em conta indicadores de eficácia
provenientes da investigação no âmbito educacional, no-
O desenvolvimento de uma visão ética do mundo –
no respeito de diferentes valores, acepções e perspectivas
– articula-se com as necessárias qualidades de liderança e
pro-actividade do animador/facilitador (Bezelga, 2013).
meadamente os que decorrem de projectos formativos na
O conhecimento fundamentado e experienciado,
concepção das Comunidades de práticas (Wenger, 1998),
numa praxis dialógica, das formas das performances po-
em que a responsabilidade de aprendizagem partilhada e
pulares, torna-se ferramenta necessária ao animador/faci-
a co-construção de conhecimento se espelham sobretudo,
litador. No entanto, tal conhecimento não pressupõe uma
ao nível de um mais rigoroso e adequado planeamento e
fidelização aos conteúdos e temas tradicionais.
avaliação das acções – incorporando as motivações, desco-
A heterogeneidade com que as expressões culturais
bertas e expectativas de todos os participantes -, num “En-
se apresentam e se reinventam, isentas da referência a câ-
contro” a várias VOZES.
nones estéticos, são denominadores comuns na contemporaneidade (Canclini, 2006). O carácter híbrido acompanha a
crescente vitalidade da cultura popular, pelo que se impõe
Considerações Finais
contínua investigação estabelecendo o recurso a formas
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performativas eficazes possibilitando a vivência de procesA partir da análise das práticas e discursos produzi-
sos criativos livres e actualizados.
dos por criadores e estruturas de criação em Portugal, cujo
A construção partilhada de conhecimento é o mo-
programa de acção contempla a intervenção teatral na co-
tor de desenvolvimento e transformação individual, o que
munidade foi possível compreender que frequentemente as
remete para a consideração da abordagem de Teatro e Co-
abordagens de teatro e comunidade servem propósitos so-
munidade como eminentemente processual, no sentido em
cioculturais e artísticos institucionais (nomeadamente aca-
que se promovem no seio do grupo, as competências co-in-
démicos) que não levam em conta as experiências, vivências
vestigativas, co-criativas e co-avaliativas de âmbito artístico,
culturais e motivações dos individuos e comunidades, não
estético e social.
correspondendo por isso às expectativas criadas e fracas-
Os resultados da investigação constituíram um esteio
sando os seus reais impactos. Desta forma, a reflexão sobre
particularmente rico que acabou por ancorar as diversas
a formação do agente teatral com esta responsabilidade
chaves da teatralidade, entendidas como um sistema que
mostra-se decisiva.
resiste ao fechamento e à cristalização conceptuais. O ponto
Saliente-se o papel polivalente do profissional que
de partida e os pontos de chegada da nossa pesquisa reflec-
desenvolve a sua acção teatral na e com a comunidade
tiram este percurso. Por um lado, problematizando os senti-
considerando uma multiplicidade de funções: A um tempo
dos contemporâneos da performance tradicional; por outro
formador; educador; investigador; e artista. Indubitavel-
lado, enunciando os contributos que daqui advém para a
mente apresenta-se como mediador entre visões, mundos
criação teatral contemporânea em contextos de desenvolvi-
e contextos, envolvendo diferentes referências de ordem
mento comunitário e, desta forma, inquirir as relações en-
cultural, social, artística e estética, acentuando o carácter
tre a educação, a comunidade e as práticas performativas e
dialógico da relação.
teatrais.
42 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014
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Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |43
Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas?
Practices of Visual Arts in schools: the usual or resignified ones?
Moema Martins Rebouças
ambiente virtual (AVA). Dividida en dos etapas, en la primera se realizó una
[email protected]
cartografía de la docencia en Artes en todo el estado, y en la segunda se realizó
Universidade Federal do Espírito Santo
una investigación de naturaleza indagadora y también participante a partir
de las interacciones, estudios y proyectos disponibles en el AVA. La finalidad
Tipo de artigo: Original
es comprender los cambios que este estudiante pasó durante el curso. Para
este artículo fueron elegidas las interacciones realizadas a partir de las
asignaturas “Estágio II” (Práctica laboral II/ pasantía) y “Trabajo de Graduación I”
RESUMO
teniendo como referencia estudios cualitativos en el campo de la sociosemiótica
por posibilitar éste el análisis de las diversas producciones textuales
Este artigo faz parte da investigação “A Educação da Arte no Espírito Santo:
de professores a alunos” que teve como objetivo conhecer e acompanhar
o professor no exercício da disciplina de Artes e sua formação como aluno do
Curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade Educação à Distância (EAD),
realizadas por los estudiantes/maestros.
Palabras-clave: practica del arte; formación del maestro en Artes Visuales; artes
visuales.
da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Como corpus analítico foram
utilizados: questionários, narrativas, projetos, planejamentos e outras produções
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6| ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Las prácticas de las Artes Visuales en las escuelas: habituales o resignificadas
ABSTRACT
disponibilizadas no ambiente virtual (AVA) do curso. Dividida em duas etapas na
primeira foi realizado um mapeamento da docência em Artes em todo o estado,
e na segunda foi realizada uma investigação de caráter exploratório e participante
a partir das interações, estudos e projetos disponibilizadas no AVA. O objetivo é
o de compreender as mudanças pela qual esse aluno passou durante o curso.
Para este artigo foram escolhidas as interações realizadas a partir das disciplinas
“Estágio II” e “Trabalho de Graduação I” tendo como referencial os estudos
qualitativos de cunho sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas
produções textuais realizadas por esses alunos.
Palavras-chave: práticas das artes; formação de professor de Artes Visuais; artes
visuais.
This article is part of the research “The Education of Art in Espírito Santo: from
teachers to students”, which aimed to understand and observe the teacher in
the exercise of the Art discipline, so as his/her formation as a student under the
teacher licensing course of Visual Arts of the Federal University of Espírito Santo
(UFES in portuguese), in Distance Education modality (EAD in portuguese). As
analytical corpus were used questionnaires, narratives, projects, class plans and
other productions available in the virtual environment (AVA in portuguese) of
the course. The research was divided into two stages: in the first one, a mapping
of the Art’s teaching throughout all the State was carried; in the second one, an
exploratory and participant investigation was conducted from the interactions,
studies and projects available on the AVA. The goal is to understand the changes
through which the student has passed during the course. For this paper were
RESUMEN
chosen the interactions which resulted from the disciplines “Estágio II” (Work
Placement II) and “Trabalho de Graduação I” (Dissertation I), having as theoretic
Este artículo forma parte de la investigación “La Educación de Arte en Espírito
Santo: de profesores a estudiantes” que tuvo como objetivo identificar y
referential the qualitative studies of social-semiotic character, for they allow the
analysis of the various textual productions undertaken by these students.
acompañar al profesor que enseña Artes y, al mismo tiempo, hace su formación
como estudiante del Curso de Artes Visuales, Licenciatura dentro de la modalidad
Keywords: art pratices; formation of Visual Art teachers; visual arts.
Educación a Distancia (EAD) de la Universidad Federal de Espírito Santo. Como
corpus analítico se utilizaron: cuestionarios, narraciones de su propia historia
docente, proyectos, planificaciones y otras producciones disponibles en el
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a nomenclatura de Pólos de Formação Continuada do
das disciplinas, aquele momento em que os programas são
gerados por trocas estabelecidas, por condições de trabalho
continuada?
Professor e às Universidades a formação dos docentes
pensados, repensados, debatidos pelo grupo de docentes
a que são submetidos, por uma legislação que regula,
em nível superior. Devido à demanda em nosso estado,
responsáveis pelo curso e, enfim, disponibilizados
legitima e hierarquiza as disciplinas por meio das matrizes
A partir de novembro de 2009, o curso de Artes Visuais
o curso foi ofertado em 22 Pólos e possibilitou que tanto
alunos.
curriculares entre outras determinações e coerções a que
- Licenciatura, na modalidade semipresencial (EAD) , é
os alunos de áreas rurais, quanto aqueles que moram em
Todo esse processo foi acompanhado por um colegiado
são submetidas. Do outro lado, está o curso como o lugar de
ofertado pela Universidade Federal do Espírito Santo
cidades localizadas em municípios vizinhos estivessem,
representativo do qual participam: professores das
investimento de valores que lhes possibilitará a conquista
(UFES), com o objetivo de mudar uma realidade que
preferencialmente, a no máximo 50 quilômetros dos Pólos,
instâncias
interdepartamentais
da “sala de Artes” e nela a atualização de uma docência
perdura em nosso estado desde a obrigatoriedade da
e conseguissem deslocarem-se semanalmente para os
compostas por profissionais dos Centro de Artes e do Centro
enriquecida com o vivido nos espaços escolares em que
disciplina de Educação Artística na educação básica (1971),
encontros presenciais que ocorrem, e também submeterem-
de Educação e representantes de coordenação de Pólo, de
atuou, considerando tanto as potências advindas dali como
a da atuação de docentes nos sistemas de Ensino público
se às avaliações de cada disciplina que são obrigatoriamente
tutoria e de alunos. Cada etapa do curso incluiu também
as lacunas.
desde a Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio
presenciais. Esta é uma característica dessa oferta de curso,
uma dinâmica de reuniões com a intencionalidade de
Considerando o exposto acima, o nosso interesse foi o
sem a formação específica em Artes.
a de contar com a presença do aluno no Pólo, e lá eles serem
incluir os sujeitos aos quais o curso engloba, os professores
de acompanhar o trânsito entre esses dois espaços de
A oferta se deu no âmbito da Universidade Aberta do Brasil
mediados por um profissional da educação que recebe o
em formação continuada, e, os demais alunos, ou seja
formação do aluno desse curso que é professor da educação
(UAB), com uma proposta do Centro de Artes (CAR da UFES),
nome de tutor presencial, portanto, ser semipresencial, e
àqueles interessados em uma formação em arte e que por
básica, que nomearemos aqui de aluno/professor: seus
e em atendimento aos Editais lançados pelo Ministério da
não à distância
motivos diversos (tais como a entrada na vida profissional
saberes docentes advindos do cotidiano e aqueles do curso
Educação e Cultura (MEC) e o que moveu esta iniciativa foi
Para confirmar a grande demanda pela formação, no
e/ou moradia distante), não puderam fazer o curso na
numa articulação entre eles e num alcance que se expande
processo seletivo realizado em setembro de 2008, a procura
modalidade presencial, ou seja um público diferenciado
e se estende às escolas e a cada sala de aula em que atuam
pelo curso foi maior que a do processo seletivo para o
daquele que ingressa atualmente no curso de Artes Visuais
como professores.
ensino presencial. Foram ofertadas 30 vagas em cada Pólo
Licenciatura na modalidade presencial (composto de jovens
Municipal, sendo 15 vagas para professor em exercício e 15
que em sua maioria ainda não ingressaram no mercado de
vagas para o público em geral. Ao todo, 3.315 candidatos
trabalho).
2. Como pesquisar e envolver os alunos na fizeram o Vestibular 2008/2 para o curso, destes 958 para
Portanto, esse curso possui para aqueles que já são
pesquisa
aberta e a distância um importante e eficaz instrumento
a categoria de professor no exercício de sua função e 2.357
professores a dimensão de uma formação continuada em
de democratização do acesso à educação e uma opção
para o público em geral.
docência, em nosso caso específico, a formação em Artes.
de qualidade para atender àqueles que lutam por uma
O empenho a este modelo para a oferta UAB, que normalmente
O nosso interesse nessa investigação foi o de acompanhá-
não destina vagas específicas para professores no exercício,
los no processo mesmo dessa formação, para adentrar e
foi condição da UFES para aprovação do curso. O interesse
conhecer como se dá a articulação, ou não, dos saberes
estava em combater práticas instituídas pelas Secretarias
advindos de uma prática construída no cotidiano das salas
de Educação Estadual e Municipais de complementação de
de aula, em confronto, ou não, com outros saberes, como os
carga horária do professor de outras áreas e disciplinas para
que a academia lhes proporcionará.
justificar a permanência do profissional na escola. Desse
Desse modo, na oferta e planejamento das disciplinas,
modo, como a disciplina de Artes3 é a que possui menor
consideramos os dois espaços, tanto o da educação básica,
carga horária semanal, profissionais com graduação em
como o do ensino superior, como espaços instituídos de
Pedagogia, Letras e até Geografia ministram a disciplina nas
formação, num mesmo nível de competências para a
escolas sem, entretanto, possuírem a formação superior
docência, sem hierarquizar um saber advindo da vivência
como garante a legislação.
e da experiência, sobre o outro específico da academia.
Formar os que já atuam na docência e possuem experiências
Se, por um lado, são dois espaços formadores distintos,
e
nos
exigem competências diferenciadas desses sujeitos. No
acompanhou antes do curso iniciar, no processo do desenho
primeiro há um saber-fazer que a todo o momento, se
do currículo4 e, principalmente, no momento das ofertas
modifica, pois advindo da prática, se pauta num saber
1
[...] constatar que ainda hoje grande parte dos professores
de arte em atuação, principalmente no interior do estado
[Espírito Santo], não possui formação acadêmica necessária
para o pleno desenvolvimento de atividades vitais para a
formação sensível, social e cultural de nosso alunado. Essa
constatação [...] o Centro de Artes da Ufes viu na educação
habilitação em nível superior, possibilitando a formação
adequada e sustentável dos atuais e futuros professores de
arte. (Gonçalves, 2010,p. 65).
É importante esclarecer a existência de um único curso de
Licenciatura em Artes Visuais no estado do Espírito Santo
não conseguiu atender à extensa demanda profissional
2
existente.
Para viabilizar este projeto foram criadas parcerias entre
o sistema de ensino federal (MEC e UFES) e os municípios
do estado. Estes seriam responsáveis por disponibilizar e
administrar as unidades em seus municípios que recebem
1 Modalidade semipresencial pois é obrigatória a presença do aluno semanalmente no Pólo de Formação em que ele está inscrito.
2 Dados da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo-SEDU/ES
e de pesquisa realizada por Rebouças (2005) apontaram para um número
de 1.200 profissionais atuando como professores da disciplina Artes e/ou
Educação Artística na educação básica em municípios de nosso estado sem
a formação e a titulação de curso superior em arte. A Educação básica compreende as diferentes etapas da educação, desde o infantil, fundamental
ao médio.
formações
diversificadas?
Essa
inquietação
3 Artes é a nomenclatura atual que substituiu a anterior de Educação
Artística.
4 O currículo do curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade semipresencial (EAD) é diferente do ofertado na modalidade presencial.
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departamentais
e
aos
constituído ali, no cotidiano dessa prática, ou, como alguns
falam, “no chão da escola”. Com os sobressaltos e surpresas
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1. Porque pesquisar o professor em formação A primeira etapa da investigação teve como objetivo
principal a aproximação do aluno do curso com a realidade
mediante um fazer investigativo, para que, desde a formação
envolvêssemos, tanto os que já atuam em sala de aula
(aluno/professor) como os futuros professores. O objetivo
era o de fazer com que o aluno do curso compreendesse a
sua ação docente contextualizada e englobada por todas as
variáveis que possuem uma dimensão que não é individual,
porém, coletiva. Acreditamos que essa aproximação se
dá pela pesquisa, porque é a partir dessa prática que a
realidade escolar é repensada e o seu fazer efetivamente
transformado.
É nesse escopo que o Estágio na modalidade de ensino
aberto e a distância se sustenta, pois respeita-se a realidade,
a cultura, os problemas relativos a cada município ou cidade
a que pertence o aluno ou aluno/professor do curso. E é
em “Estágio I” que esse mapeamento é iniciado, a partir da
imersão desses estudantes no contexto escolar, vivenciando
o seu cotidiano multifacetado.
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este artigo foram escolhidas as interações realizadas a
de suas motivações e razões respectivas, como a partir do
Landowski (2009) propõe a ampliação dos modelos
como é o trajeto até a escola, o que tem ao seu redor, como
partir das disciplinas “Estágio II” e “Trabalho de Graduação
que pensam da competência modal de seus interlocutores,
narrativos de Greimas8 .
a escola é fisicamente, as salas de aula, como se organiza
I” tendo como referencial os estudos qualitativos de cunho
sejam eles os seus adversários ou co-partícipes de seu fazer.
É esse arcabouço teórico, proposto por Landowski (2009),
e se estrutura, enfim, munidos de máquinas fotográficas e
sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas
Portanto, o professor(a), o aluno(a), ou mesmo o(a)
que nos permite refletir sobre as condições de sentido das
do diário de bordo, escreveram e registraram com imagens
produções textuais realizadas por esses alunos.
diretor(a) não são papéis temáticos fechados, nos quais se
práticas instituídas na escola e assumidas, discursivamente,
o que cartografaram. Em seguida, munidos de documentos
“moldam” comportamentos predefinidos. São interações
pelos professores. Sabemos que as relações entre sujeitos,
devidamente autorizados pelas autoridades competentes,
entre sujeitos em que as competências darão motivo às
dependendo de onde elas se dão, os constituem, desse
interpretações e às influências do poder persuasivo, de
modo, na escola, ou em espaços exteriores a ela, numa festa,
os estudantes iniciaram a aplicação dos questionários.
A coleta de dados foi desenvolvida, basicamente, a partir
dos seguintes instrumentos de pesquisa: observação,
incluindo fotografias e/ou filmagens, um questionário
com 16 perguntas e os registros em diário de campo das
cartografias realizadas. A disponibilidade e o empenho
de todos possibilitou o envolvimento de todos os alunos
do curso totalizando 22 municípios pesquisados5nesse
mapeamento.
Ao todo foram entrevistados 612 professores, com idade
entre 26 e 40 anos, sendo mais de 90% do sexo feminino.
O perfil desses docentes, sua escolaridade, sua experiência,
os fatores extras e intracurriculares que influenciam em
seu fazer docente configuram um primeiro retrato dessa
docência no Espírito Santo que essa pesquisa após a
tabulação de todos os dados conseguiu desenhar.
Na segunda etapa da investigação, foi feito um recorte tendo
como parâmetro a abrangência e as diferentes realidades
de nosso estado e de sua docência. Os 22 Pólos em que o
curso foi ofertado estão localizados, em todas as regiões de
nosso estado, do sul ao norte, nas montanhas e no litoral,
com grande diversidade cultural, étnica e social. A nossa
pretensão foi a de nesse recorte englobar essa diversidade
de espaços e culturas em que estes sujeitos atuam,
para melhor qualificar as suas práticas. Para analisá-las
utilizaremos tanto as narrativas elaboradas pelos mesmos
sobre a sua docência, como a análise documental dos
portfólios produzidos no curso, os estudos e investigações
anexados no ambiente virtual de aprendizagem (AVA), e
com este movimento compreender as mudanças pelas
quais esse aluno/professor passou durante o curso. Para
5 Os municípios pesquisados foram: Afonso Cláudio, Alegre, Aracruz, Bom
Jesus do Norte, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Conceição da Barra,
Domingos Martins, Ecoporanga, Guaçuí, Itapemirim, Iúna, Linhares, Mantenópolis, Piúma, Pinheiros, Santa Leopoldina, Santa Teresa, São Mateus,
Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Vila Velha.
3. Práticas habituais ou práticas ressignificadas?
Será que é possível imaginar uma escola cujo funcionamento
se baseie em modos esperados de comportamento dos
sujeitos? Onde cada um desempenha o seu papel, segue
o seu programa, ou cumpre seu plano de atividade diária
previsto, independentemente do que possam estar fazendo
os outros sujeitos (e coisas, e eventos) que o cercam? Que
imite o funcionamento de uma fábrica em seu setor de
produção programando o tempo a partir de sinais sonoros
que anunciam a hora da entrada, dos intervalos entre as aulas,
do recreio e da saída e a sua própria espacialidade, e nesse
espaço-tempo, cada qual desempenha o seu papel temático
de ser professor(a), ser aluno(a), ser pedagogo(a), de ser
diretor(a), de ser bibliotecário(a), entre outros, e cumpre
uma função determinada que tem ainda como característica
a de não comunicarem-se com os demais? Ou, ao contrário,
esse espaço escola, ao não se programar pragmaticamente,
nem filiar-se a um conteúdo predeterminado, possibilitará
que a competência modal, como atributo dos sujeitos,
tenha como efeito unir os actantes6 em lugar de separálos? Assim, todo sujeito nela poderá a partir de sua inserção
nesse espaço que o constitui, ser motivado, a querer, a crer,
a saber, a poder e consequentemente, a querer que o outro
queira (ou não queira), crer que crê, saber que sabe, e assim
fazê-lo saber?
Esse espaço escola, mesmo demarcado espacial e
temporalmente, é constituído e compartilhado pelos sujeitos,
e institui entre todos que ali circulam periodicamente,
como os pais em comparecimento às reuniões, ou os que
o usam cotidianamente, como os profissionais da educação
e os alunos, competências semióticas que os “habilitam” a
comunicarem-se entre si. Entretanto, e ao mesmo tempo,
os fazem manipuláveis, uns aos outros, tanto sobre a base
6 Actante é uma unidade sintáxica formal que designa o que ou quem
realiza ou sofre o ato e participa de um processo.
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um com o outro, ou de um sobre o outro, e essas ocorrem
no ato mesmo em que se fazem, portanto, não garantem
nenhuma certeza “de sua eficácia” sobre o outro.
A escola, que consideramos e exemplificamos aqui, se
constitui como um espaço sócio-cultural7ordenado por
uma dupla dimensão, ou seja, institucionalmente ela possui
normas e regras que tem como objetivo unificar e delimitar
as ações dos seus sujeitos, mas por outro lado é constituída
cotidianamente pela complexa trama advinda das relações
socais nas quais eles se encontram envolvidos, o que inclui
os conflitos que ali se instauram, os posicionamentos
individuais assumidos ou rechaçados pelo coletivo, as
transgressões e os acordos.
Como um espaço social, a escola vive uma vida social onde
as situações interactanciais descritas acima são de práticas
educativas e sociais que envolvem atores e, portanto,
são dotadas de regularidades, de intencionalidades, de
sensibilidades compartilhadas ou rechaçadas, e acima de
tudo por imprevistos. Essas práticas constituem-se como
num supermercado ou mesmo na feira, serão consideradas
as qualidades discursivas instaladas ali, nas interações entre
os atores, naquele momento e lugar.
Assim, os modos de funcionamento de uma escola, com o
qual iniciamos a nossa reflexão nessa etapa de investigação,
constitui fases do regime de programação e de manipulação,
que envolvem relações interactancias movidas por
regularidades e por intencionalidades, produzidas em
interações desenvolvidas em um plano horizontal, exemplo
das programadas, ou em um eixo “vertical”, hierárquico,
como nas manipulações. Nestas, os coparticipantes podem
trocar valores objetivos, e nesta confrontação põem em
jogo o reconhecimento de um dos destinadores pelo outro.
O sociossemioticista alerta que, se, no primeiro caso, as
razões de submeterem-se à vontade do manipulador eram
fundamentalmente de ordem econômica, no segundo caso,
as motivações são de ordem identitária.
Tendo como base as constituições de sujeito manifestadas
em seus discursos e práticas, questionamos, se os papéis
assumidos pelo professor regem as práticas que ele elege:
situações semiotizáveis? Possuindo uma natureza distinta
Como preconiza Landowski (2005), o quanto em nossas
dos “textos” que regem as escolas como os planos, as leis,
práticas cotidianas privilegiamos um poder-fazer e um
os regulamentos, ou que circulam nas mãos dos professores
saber-fazer em detrimento de outros modos de relações
e alunos como os livros e manuais didáticos, como dar conta
possíveis com o nosso entorno. Tal conduta, conforme
das relações entre os sujeitos, das situações e das práticas
aponta o autor, se for eleita pelos sujeitos em suas práticas
que ocorrem ali, ou que chegam a ela e são apropriadas,
ordinárias, objetiva o mundo e, desse modo, nos distancia
vivenciadas e portanto são tão educativas quanto as
dele. Corresponde, assim, a uma visão dualista que separa
originadas e destinadas para ela?
sujeito e objeto, sendo este visto e entendido como
Se são situações semiotizáveis, assim como qualquer texto
exterioridade. O sociossemioticista advoga a existência
(impresso, pictórico, audiovisual, gestual entre outros),
de um outro modo de relação entre o sujeito e o mundo-
podem ser assimiladas e analisadas como tal. Entretanto,
objeto dado pelo encontro estético. Desse encontro entre
a escola e as práticas que nos interessa investigar são
o sujeito e as qualidades sensíveis do mundo, emerge uma
as situações e/ou atos e não os textos enunciados em
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Para cada escola, uma cartografia foi desenhada, ou seja,
experiência que é de uma aprendizagem:
determinado suporte, e para empreender esta tarefa
7 Cf. Dayrell (1996) .
8 Além do regime da programação e da manipulação proposto por Greimas (1970), Landowski (2009) acrescenta o de ajuste e do acidente.
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aluno) que executa os programas sem questioná-los.
a primeira possibilita o repensar a escola, deslocando
graduais de ajuste às qualidades sensíveis dos elementos
A segunda envolve comportamentos relacionados à
esse aluno/professor de seu papel e cenário rotineiro,
educação numa escola de educação básica para
competências modais de sujeitos motivados por uma
de docente no interior de uma sala de aula. A segunda é
propor intervenções educativas com metodologias,
motivação de ordem decisiva, entretanto, questiona tanto
o repensar, de todos os estágios realizados por eles, os
conteúdos e recursos da Arte (projeto de uma
sobre o que desejaria, deveria e poderia fazer, que acaba
vários deslocamentos, e ainda engloba uma proposta que é
oficina de arte).
por não fazer.
autoral, a de um projeto de uma monografia.
com os quais o sujeito interage, quer se trate de obras de
arte, de outros sujeitos, ou ainda das coisas mais ordinárias
que compõem o meio ambiente da vida cotidiana
(Landowski, 2005, p.93).
Portanto,
esta
experiência,
não
se
restringe
a
comportamentos e papéis programados e considera àquelas
que englobam as qualidades das articulações presentes nos
eventos, ou seja, os sujeitos, os contextos e as culturas, e
também reconhecem a pluralidade, e, por conseguinte,
a polissemia de magnitudes de toda ordem com as quais
podemos tratar. Assim, o sentido, ou as condições de
sentido, tal como propõe Landowski (2009, p.32) “não
estão fechadas objetivamente nas coisas, tampouco estarão
completamente submetidas à pura subjetividade de pontos
de vista, depende certamente, da mirada do sujeito”.
Temos, então, conforme o autor, nas narrativas programadas,
tais como as que determinam o tempo na escola (da aula, do
recreio, da entrada, da saída), as baseadas em necessidades
físicas e biológicas (tempo para alimentação, para ir ao
banheiro), regularidades de comportamento de ordem
social e simbólica, duas formas de motivação. Para explicar a
primeira, motivação stricto sensu, Landowski (2009) recorre
a Michel de Certeau (1994) que, ao analisar o cotidiano,
insere o “inventor”, como aquele sujeito questionador, que
redefine o sentido que atribui não só aos objetos que o
rodeia mas às suas próprias práticas, desse modo constrói a
cada dia seu próprio mundo enquanto mundo significante.
Esse é um sujeito crítico.
A outra forma de motivação é aquela em que o sujeito
acompanha
comportamentos socialmente regulados,
explicitando o valor simbólico que é possível associarlhes. Esse é um sujeito consensual, entretanto, possui a
capacidade de reivindicar, se necessário, as pertinências.
Após explanar sobre essas formas de programação e de
motivação, Landowski (2009,p.40) argumenta que delas
se depreendem três figuras fundamentais. A primeira
pautada em regularidades, casualmente determinadas
na programação em que as noções de motivação e
intencionalidade não são pertinentes, ou seja, ela gera um
actante ativo puro (pensando na escola, um professor, ou
E, enfim, as programações motivadas de natureza complexa,
amplamente automatizadas, que geram comportamentos
dessemantizados de práxis praticadas, e ao mesmo tempo
ressemantizáveis, se o sujeito reposicionar-se como
observador de sua própria prática. A esse, Landowski
denomina senhor todo-mundo.
É importante aqui esclarecer que as situações e as
categorizações apresentadas pelo autor, não correspondem
a papéis fixos destes atores, nem tampouco possuem
a pretensão de engessar as situações e as narrativas
produzidas por eles. O objetivo é a proposta de um modelo
analítico que permita articular e extrair as implicações
ideológicas inerentes aos discursos e às práticas tomados
como objetos de descrição semióticas.
Os regimes de sentido e de interação são procedimentos
entre sujeitos e objetos, e entre sujeitos que se articulam,
ou interferem entre si nas práticas e interações concretas,
portanto, não há uma continuidade entre intencionalidade
e regularidade, nem ruptura entre manipulação e
programação, o que há é uma série de passagens graduais
que encadeiam estes dois regimes entre si. Ou, ainda, como
no caso do ajustamento, a existência de uma dinâmica
própria dos atores, desse modo a interação emerge dela
mesma, no co-atuar de seu coparticipante.
Apresentada a base teórica que fundamenta e conduz a
Desse modo, o curso, tal qual um programa narrativo
3.1. A proposta de/para ressignificar a própria prática
Com a intencionalidade de provocar o aluno do curso de
Artes Visuais Licenciatura EAD, e principalmente o aluno/
professor, propomos os Estágios para todos, e a perspectiva
que abraçamos foi a da pesquisa, posicionando-os como
observadores de seu próprio espaço/escola e de sua própria
prática docente.
Apresentaremos, a seguir, os principais objetivos da
disciplina Estágio II, para que se possa acompanhar, como
nós, enunciadores de uma disciplina, promovemos esse
encontro com a realidade, tomando-a como uma totalidade
a ser investigada. Nas performances discursivas, estão
incluídos o plano social (campo de estágio, as escolas
e seus sujeitos) e como na interação com esse campo os
professores/alunos discursivizam e quais práticas propõem.
Para tanto, apresentaremos inicialmente os objetivos
propostos pela disciplina, para depois apresentarmos os
discursos produzidos pelos professores/alunos modelizados
pelo curso. A seguir nos objetivos da disciplina o compromisso
e a responsabilidade de cada um na transformação da arte
na educação escolar:
•
coletivos compartilhados socialmente? Nesse fazer, como
a uma determinada realidade.
•
em projetos específicos de intervenção na escola (como
em uma oficina inter e transdisciplinar tal qual proposta na
disciplina “Estágio II”, ou ainda nos projetos que apresenta
em “Trabalho de Graduação I”? O recorte nessas disciplinas
(“Estágio II” e “Trabalho de Graduação I”), se justifica pois
Conhecer os princípios que fundamentam a
pesquisa de campo e a etnografia para pesquisas
interfere em sua prática, a reorganiza e a re-apresenta em
planejamentos e propostas educativas em seu cotidiano ou
Compreender o estágio como campo de pesquisa
entender e investigar fatos ou princípios relativos
professor? Como ele articula e se apropria dos conteúdos
em educação;
•
Conhecer os instrumentos de coleta de dados para
uma pesquisa de campo;
•
Acompanhar e compreender a dinâmica de uma
escola e a sua estrutura organizacional para que
possa conhecer as propostas e planejamentos
pedagógicos, artísticos e culturais existentes nesse
espaço educativo;
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de base do percurso gerativo de sentido proposto pela
semiótica, pressupõe um sujeito disjunto de “certo saber”,
logicamente, não de todos os saberes, mas daqueles
específicos que compõem o objeto valor almejado por
esses professores ao retornarem a um antigo papel já
desempenhado, o de ser aluno, e, para tanto, tendo de
passar por provas que o qualifiquem, como o vestibular
de ingresso para essa formação. Com o curso, agregamse aos conhecimentos prévios desse sujeito, inserido na
cultura e na educação, um “conhecimento da arte”, com o
reconhecimento que um curso de graduação lhes confere.
Nesse programa narrativo de base do curso, as disciplinas, e
cada uma delas, possui também os seus próprios programas
narrativos com o objetivo de modalizar os sujeitos para
a ação, ou seja, modificar o estado inicial do “não saber”
para junto com eles torná-los sujeitos do querer, do dever,
do poder e do saber. Cada uma dessas disciplinas propõe
o seu próprio programa, como os objetivos citados acima,
que enfatizam o dever, ou seja, o professor/aluno deve:
“conhecer os princípios que fundamentam a pesquisa de
campo e a etnografia para pesquisas”, e ainda “conhecer
os instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa
e esta como uma possibilidade de descobrir,
nossa análise, questionamos: Como é o atuar desse aluno/
e metodologias da Arte e os relaciona com os significados
Conhecer e conviver com alunos e profissionais da
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•
[...] do sentido estésico dos objetos mediante processos
de campo”, ou mesmo o “acompanhamento de uma dada
realidade escolar”, e para avaliarmos se ele cumpriu com
todas as etapas previstas desse programa, ou melhor, se
realizou as ações, poderíamos, como numa concepção de
estágio já apontada aqui, enchê-lo de fichas e questionários,
ou outros programas que têm como base o alcance de
uma dimensão pragmática e funcionalista da educação,
legitimada inclusive pela legislação, como apontam
Guimarães e Oliveira (2009). Os pesquisadores, professores
das disciplinas de Estágio do Curso de Artes Visuais da
modalidade EAD da Universidade Federal de Goiás,
criticam essa perspectiva didática instrumental pautada
na produtividade, eficiência, racionalização e controle dos
resultados padronizados da Lei 11.788, do MEC.
Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |51
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
os atores transformados assumem os seus papéis narrativos
responsivas da questão avaliativa da disciplina “Estágio II”
se demarcadas nas roupas, gestos e músicas que ecoam
as modalidades são as do querer, do poder e do saber e
com diferentes encenações. Assim, o que a princípio poderia
com o seguinte enunciado: O que o motivou na escolha para
dos pátios escolares, ou das quadras de esporte. Esses,
esse conhecimento é formado na experiência concreta do
parecer imutável, se transforma a cada mudança dos atores
a temática da oficina proposta na escola?
como espaços de passagem ou de recreio, permitem outros
sujeito, pois se dá na inserção dele na cultura e em como
nesse mesmo espaço. Portanto, é a partir dessa interação
Apesar de serem pouco representativas quantitativamente ,
modos de interação entre os sujeitos, diferentes dos modos
ele articula os saberes teóricos (do curso) aos das ações
com a escola que a proposta de estágio foi pensada. Quais
tais práticas mantêm um modelo, algo como um papel
“permitidos” e recomendáveis para uma sala de aula;
docentes cotidianas, com as práticas institucionais. Serão
interações ocorrem ali? Constrói-se sujeitos críticos ou o
“decorativo” para a arte, e este modelo, conforme pode
ou, ainda, estão presentes nos hábitos de cada criança e
essas as modalidades que fazem esse professor/aluno
senhor de todo mundo? Nesse atuar investigativo do aluno/
ser constatado nos discursos produzidos nessa avaliação,
adolescente, ou nos eventos que ocorrem na comunidade
competente para a transformação. De sujeito disjunto para
professor, desestabilizam-se os sentidos prévios para uma
está presente na representação do que seja Arte para os
em que a escola se encontra situada.
sujeito conjunto, e essa prática tem como objeto modal a
compreensão da diversidade da qual a escola é constituída,
profissionais que atuam na escola.
Conforme
pesquisa, é ela que possibilitará “ver” a diversidade cultural
abrindo espaço para uma convivência compreensiva e
A adoção de um “modo de fazer” repetitivo, ou de o
numa frequência pequena, a manutenção de práticas
da escola e, como afirma Dayrel (1996, p. 144) constatar
dialógica com os demais profissionais da escola e com os
emprego de um modelo para a educação da arte, tem sido
existentes nas escolas, manifestadas e reiteradas nos
que a escola é polissêmica, possui uma multiplicidade de
demais sujeitos que ali interagem.
superada nas escolas com a entrada, principalmente pelas
discursos produzidos, e nos “modelos” poderia ser “mais
sentidos e, portanto, se distancia do sentido único que a
A partir de nossa própria imersão nesse contexto como
vias de concurso, de professores com formação na área
esperada” numa temporalidade anterior à do curso, época
ela atribui o sistema educacional ou até mesmo alguns
uma das professoras das disciplinas de Estágio, e a
(Artes Visuais, e/ou Educação Artística). Assim, a realização
em que esses profissionais formados em outras áreas e
professores.
partir de um corpus composto de aproximadamente 400
de concurso nos sistemas de ensino, além de legitimar
ocasionalmente responsáveis pela disciplina de Arte na
Outro objetivo presente na disciplina é o de romper com
provas escritas, que compõem uma das etapas avaliativas
esses profissionais e a área, pois não é compreendida mais
escola contassem somente com sua própria “sorte”, ou com
uma prática de estágio curricular obrigatório que se pauta
previstas na disciplina, foi possível apreender as duas
como uma disciplina de complementação de carga-horária
manuais didáticos descontextualizados da realidade em
somente na sala de aula. O que implica toda a escola como
formas de motivação apontadas por Landowski (2009),
docente, cumpre um papel temporal de longo alcance ao
que atuam. Contudo, no quinto módulo do curso (o módulo
campo de estágio, assim, o “esperado” também está em
qual seja, as consensuais, ou seja subjazem à execução
garantir a permanência desse profissional nas unidades do
equivale ao semestre letivo), e como são sete módulos para
observar como a vida social/comunitária circula nesse
de práticas instituídas nesse espaço escolar, ou práticas
sistema de ensino.
integralização do mesmo, a nossa expectativa, ainda mais
espaço.
habituais e a crítica. Estas motivações constituem sujeitos
Assim, os discursos que iniciam com: “o meu foi sobre
numa fase em que como alunos do curso possuem todo o
Há uma cultura escolar muito presente e que se manifesta
questionadores de suas próprias práticas e desse modo
origami ...”, “escolhi o tema...”, ou “o meu projeto...” além
acompanhamento tanto dos professores da UFES, como dos
de diferentes modos, desde na proposição dos tempos
redefinem os sentidos advindos delas. Chamamos aqui de
de trazer as técnicas incluídas neles, são marcas de um
tutores, era a de superação da adoção dos “modelos” para
escolares (hora de entrada, de recreio, de aula, de saída);
práticas ressignificadas.
modo de fazer uma prática disjunta de qualquer interação
as suas propostas de intervenção.
9
como nos espaços (salas de aula, pátio, laboratórios,
11
comentamos
anteriormente,
mesmo
que
com esse outro que são os sujeitos que habitam esse
Os “modelos” aos quais nos referimos são as propostas
espaço escolar e que fazem a sua dinâmica funcionar. Para
de releitura a partir de reprodução de obras de arte
interagir com eles é preciso conhecer desde a estrutura
descontextualizadas, ou “soltas”, sem um encadeamento
organizacional da escola, sua história, sua memória, até
que justifique o estudo daquele artista, ou daquela obra.
o que ainda se encontra confinado entre os muros que a
Se limitada a informação da vida do artista e cópia da
englobam, ou seja, os seus segredos. Ou, ainda, constatar
reprodução, distancia-se da Proposta Triangular de Barbosa
que as fronteiras físicas presentificadas e diariamente
(1991) que tem as vertentes no fazer artístico, leitura da
atualizadas por esses muros, por mais que a instituição
arte e contextualização da arte, e se aproxima do modelo
mais gostei entre outras, foi a de Cor e Laboratório”.
escolar mantenha o controle, têm sido derrubadas, dia após
acadêmico de cópia de “estampas”, presente nas academias
metáfora da mola maluca, nela as posições de hierarquia
“o meu e de x é de trabalhos manuais com sucata, onde
dia, por meio de ações rotineiras que ocorrem nesse espaço.
e nas aulas de arte de meados do século XX12. O origami
e de divisões entre os espaços escolares alternam-se,
envolve CDs velhos, papelão, retalhos, jornais, etc.”
Tais ações são realizadas por cada um dos sujeitos que ali
citado, descontextualizado, restringe-se às “chamadas
intercalam-se, dialogam. Esse espaço, então não possui
circulam, sendo assim, elas podem estar materializadas nas
atividades artísticas”, herdeiras das técnicas, nos moldes
aquela posição verticalizada que ainda pode persistir em
propostas e planejamentos pedagógicos, ou seja, escapam
de “como fazer” presentes nos manuais e livros didáticos,
salas de direção e de professores, refeitório) e, em cada
3.2. Práticas habituais
um deles, um modo de comportamento esperado dos
sujeitos, tal como a obediência a certos papéis narrativos
e às expectativas que eles geram para si e para o outro (
diretor(a), professor(a), aluno(a), merendeira entre outros),
como se a vida social desses sujeitos pudesse ser deixada
lá fora da escola. Será que é assim? Para pensar o espaço
escolar, Guimarães e Oliveira (2009, p.117) propõem a
“o meu será uma releitura de...”10
“o meu foi sobre origami... porém em outros momentos
estaremos trabalhando outros temas como trabalho
com sucatas, modelagem em argila, pintura com cola e
pigmentos do barro/argila e fotografia”
“o meu é sobre produção de tintas, pois a disciplina que
algumas instituições escolares, seja por determinação do
O recorte acima é representativo do que chamamos
sistema que a escola integra, ou, ainda, como Rebouças &
de práticas habituais. São manifestações discursivas e
Magro (2009) apontam, dependendo do turno, matutino,
9 As disciplinas de Estágio do curso foram acompanhadas por duas professoras, Moema Martins Rebouças e Letícia Nassar Mesquita.
10 Os enunciados foram retirados de um corpus composto por 400 provas
realizadas presencialmente nos Pólos e constituem uma das etapas avaliativas obrigatórias da disciplina.
vespertino ou noturno, a mudança dos sujeitos no espaço
impõe um outro atuar nele. A cenografia é a mesma, contudo
52 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014
dos manuais reguladores e homogeneizantes. Encontram-
desvinculadas do pensamento de uma proposta que a
11 Entre as 400 provas dos 22 Pólos que ofertam o curso pela UFES, encontramos aproximadamente em 10% delas a referência à proposta de releitura como cópia a partir da apresentação do professor de uma reprodução de obra, e a aplicação de técnicas descontextualizadas em detrimento
de uma temática da Arte.
Tais modelos são herdeiros também de uma concepção de
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Se o dever fazer não dá conta da apreensão da realidade,
inserção numa temática da Arte Contemporânea exige.
educação pautada na transmissão e aplicação de técnicas,
12 Cf Fusari & Ferraz (1993) e Rebouças&Corassa (2009).
Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |53
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que ali se instauram em seu cotidiano. Contudo, tanto
socialmente.
apreensão dos sujeitos somente como alunos homogeneíza
a arte e seu ensino são atitudes e experiências, investimentos
a si própria. Os alunos deixam de ser crianças, adolescentes,
em processualidades ancoradas e re-operadas pelas
perdem a sua distinção de sexo, idade, origem e experiências
significações. Tais propostas correm o risco de reforçarem
e compõem uma única categoria que é a de aluno.
o pensamento daqueles que atribuem à incumbência do
Assumir esse papel de enunciador coletivo, responsável pela
professor de arte na organização das festas escolares, ou
educação, é o esperado socialmente para esta instituição,
ainda à responsabilidade dele na decoração da escola nos
e até a sua razão de existência, pois é ela que garante os
diversos períodos do ano letivo, principalmente nas datas
comemorativas.
Esclarecemos aqui que compartilhamos com os demais
educadores, tais como Dayrell (1996), que atribuem uma
grande importância às festas promovidas pela escola,
como a de possibilitar momentos de confraternização e de
aproximação da família com a escola, e com isso garantir a
presença nesse espaço de valores considerados universais
em nossa cultura. Paradoxalmente, não concordamos que a
responsabilidade recaia a um profissional, mas oportunizar,
em tais momentos, a promoção das ações compartilhadas
por todos da escola e de fora dela, como a família e a
comunidade.
Como também sou professora do Curso de Artes Visuais na
modalidade presencial, sei que as propostas citadas acima
também se apresentam nos discursos produzidos por esses
alunos presencias, principalmente naqueles que também
são professores da educação básica, o que nos conduz a
pensar na hipótese do espaço escolar como ethos difusor
direitos de acesso à educação. Contudo, por outro lado,
ao se constituir e se estruturar sempre do mesmo modo, a
escola se apresenta como uma instituição única.
Considerando a sua aspectualização13 temporal, a escola
mantém tempos e ritmos desde a sua fundação, tais
como os horários de entrada, de aulas, de recreio e de
saída, comunicados sonoramente ora por sirenes ou outra
sonoridade; e a sua aspectualização espacial conserva uma
mesma arquitetura, cercada entre muros, impondo um
limite físico que, ao mesmo tempo que a segrega, se deixa
penetrar pelo entorno, que é a vida social, e é ela que provoca
espacialmente (a arquitetura escolar conserva as mesmas
características como a organização das salas dispostas em
simetria entre corredores, ou até mesmo a disposição
topológica dos móveis na sala, que remontam à arquitetura
do século XIX); como pedagogicamente, a instituição escolar
dessa representação da educação da arte, considerando
conserva várias práticas e legitima e mantém definidos os
a permanência destas práticas como a perpetuação de
papéis dos sujeitos que nela circulam (direciona sobre o
um estilo de educação da arte tal qual preconizado por
que se espera de um diretor(a), de um professor(a), de um
Discini (2003), que define este conceito pela recorrência
aluno(a) entre outros). Como um enunciador coletivo de uma
vida-escola, é ela que determina qual conhecimento aceito
e acumulado socialmente circulará ali, e de que modo será
de um fazer depreensível de uma totalidade de discursos
enunciados.
A pesquisadora esclarece ainda que o estilo decorre de uma
leitura homogeneizada do mundo, e de uma totalidade
de discursos enunciados, ou seja, de nosso corpus de 400
questões, 10% (dez por cento) deles reiteram um mesmo
fazer, o que produz um efeito de individuação dessa
totalidade, e um papel temático meramente recreativo/
decorativo e, portanto, supérfluo para a educação da arte
na escola.
Para uma melhor compreensão de nossa hipótese,
recorremos a Dayrell (1996, p.139) e a sua reflexão sobre
os modos como a instituição escolar ao modular a sua
realizada essa “transmissão”. Organizados em disciplinas e
estas em grades e currículos, esses conhecimentos, nessa
perspectiva, poderão ser reduzidos a “produtos”, que como
tais possam estar contidos em manuais pedagógicos, tais
como os livros didáticos, ou ainda reiterados em práticas
que se instauram no imaginário do educador como um
estilo de educação aceito e aprovado pela instituição,
como os discursos de nosso corpus, que estão como
numa camada de superfície impermeável, camada do
sem sentido, pois estão descontextualizados dos sujeitos
13 Aspecto em semiótica é a maneira pelo qual o discurso põe em perspectiva seu objeto, ao mesmo tempo no eixo do tempo e em seu ambiente
espacial.
54 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014
3.3.Práticas ressignificadas
Práticas ressignificadas são aquelas que são propostas pelos
“inventores do cotidiano”, como propôs Certeau (1994).
São aqueles que, ao atender a manipulação feita pelos
destinadores sociais (comunidade, escola, coordenadores
do curso, professores da disciplina), repensaram as suas
práticas e as apresentaram em projetos autorais com
possibilidade de as ressignificar. Para melhor visualizá-las,
partiremos de um outro movimento metodológico que essa
pesquisa exigiu, que foi o mapeamento dos projetos da
disciplina “Trabalho de Graduação I”(TG1).
O mapeamento foi realizado a partir de 186 projetos de
TG1, pertencentes a professores/alunos de 18 Pólos de
Formação, conforme constam nas tabelas abaixo. Para a
sistematização dos dados, consideramos primeiramente o
objeto da pesquisa, e quem são os sujeitos e quais práticas
contemplam. Estes dados estão na tabela 1, e nela podemos
ler e acompanhar que as práticas são tanto as que ocorrem
no exterior da escola (envolvem os estudos das poéticas e
14 Modelizar em semiótica é dar uma forma, ou tomar a seu encargo o
“ser vivido” individual e social. Cf Landowski (1992, p.130)
os processos de criação e nelas estão envolvidos artistas e
artesãos), ou ainda ocorrem em seu interior (envolvem as
crianças e adolescentes, alunos das instituições que serão
pesquisadas por eles). Elas ainda podem ser divididas
em práticas inclusivas, por considerarem e atenderem as
políticas de inclusão na escola e as contribuições da arte
nesse processo. Em práticas de formação do educador, pois
contemplam a formação do docente, e buscam investigar
quem é esse professor de arte e como ele se constitui como
tal. E, finalmente, as práticas da educação da arte, em
que estão os projetos que envolvem as metodologias da
educação da arte.
Na segunda tabela, estão os dados relativos a etapa
da investigação que trata dos documentos, e/ou/
corpus utilizado para a investigação. Como documentos
incluímos desde as técnicas de pesquisa que utilizam uma
documentação indireta, ou seja, de fontes primárias e
secundárias. Incluímos aqui as pesquisas que possuem
como corpus analítico determinada produção artística
e/ou artesanal que irão utilizar documentos primários
(entrevistas, diários, auto-biografias, fotografias entre
outros). Os estudos que possuem como meta investigar
determinado estilo, ou estilos, ou artistas, possivelmente
terão de recorrer a documentos retrospectivos, como
objetos, gravuras, pinturas, desenhos, fotografias, livros,
entre outros. Incluem-se aqui as pesquisas dos suportes
midiáticos, somente 5 possuem esse interesse e elas tratam
de estudos sobre as tecnologias digitais e a educação. A
coluna de documentos engloba os estudos pertencentes
aos materiais encontrados em arquivos públicos, legislação,
regulamentações, entre outros.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #5
#6 | ISSN 1647-0508
e modela o desejo dos sujeitos provocadores das dinâmicas
a quem se destinam: a releitura e as atividades artísticas.
Um outro exemplo desta prática de releitura encontramos
desde em projetos propostos, como em uma intervenção a
partir de uma pintura de Tarsila do Amaral, o Abaporu na
fachada da instituição de uma escola (com uma dimensão
aproximada de 3x4 metros) e simulando uma cópia da obra,
dada a obediência das cores e composição e distribuição
das formas. Posicionada no exterior da escola, e junto com
o verbal ARTES, escrito na vertical, designa e qualifica esta
como uma prática aceita ali.
As práticas homogeneizantes, conforme Dayrell (1996,
p.139), pertencem a uma lógica que “desconsidera a
totalidade das dimensões humanas dos sujeitos ─ alunos,
professores e funcionários ─ que dela participam”. Como
também, em nome e em prol da democratização da escola,
defende e concebe um projeto político e pedagógico que,
tal como uma “forma”, é usado para conter algo sempre
com o mesmo formato, ou seja, modeliza14 o conjunto das
ações e práticas que ocorrem em seu interior. Temos, assim,
motivações que constituem sujeitos consensuais, regulados
contudo, a arte não é “transmissível” e nem “aplicável”, pois
Na terceira tabela estão os referenciais utilizados nas
investigações e compreendem: a metodologia triangular
(com referenciais em Barbosa), semiótica (Buoro, Rebouças,
entre outros) teorias de linguagem visual (Dondis, Arnheim,
entre outros), estudos antropológicos/culturais abrangendo
os da cultura visual (Hernandez, Guimarães entre outros),
educação infantil (Cola, Iavelberg, Benjamin entre outros).
Os projetos concentram-se em duas grandes áreas, a dos
estudos antropológicos/culturais, com 46 projetos e os
que incluem a Educação Infantil com 44. Suspeitamos,
com os dados que temos dos sujeitos envolvidos e que já
foram apresentados aqui parcialmente, que esta escolha se
Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |55
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Afonso Claudio
Alegre
Poéticas/Processos de Criação
Artistas/
Artesãos
Crianças/
Adolescentes
5
1
1
6
1
Aracruz
8
1
Bom Jesus
12
2
Cachoeiro de Itapemirim
8
Conceição da Barra
12
1
Domingos Martins
12
1
Ecoporanga
13
2
Linhares
9
3
3
Práticas
Inclusivas
Formação de
Educador
Práticas da
Educação da
Arte
1
1
O resultado foram desenhos da casa, fogão a lenha,
alunos desenvolverem a sua docência na educação infantil
instrumentos de oficina, etc “.
atualmente, e, ainda, em outra época terem atuado ali.
Mas, se essa é uma suspeita que está presente nos dados,
5
1
justifica pelo fato de um grande número desses professores/
qual foi o motivo da escolha pelos estudos antropológicos/
“Meu trabalho vai abranger um pouco da cultura Capixaba,
como a Festa do Congo que ficou muito marcada no
estado e uma oficina referente as máscaras de congo. Essa
1
2
1
3
culturais? A ênfase do curso, não é a dos estudos
oficina terá como principal tema a confecção de pequenas
1
1
antropológicos e culturais, como a do curso de Artes Visuais
máscaras de argilas que são usadas como cordões na dia
Licenciatura ofertado pela UFG. Das disciplinas ofertadas
da festa”.
2
2
2
que possuem essa ênfase podemos incluir a de “Interações
1
Culturais” e a de “Cerâmica”, pois esta promoveu uma
As provocações durante o curso para que considerassem os
Iúna
5
3
investigação em todo o nosso estado sobre essas produções
estágios como oportunidades de refletir sobre as práticas
Itapemirim
20
6
Mantenópolis
12
2
e seus produtores. A começar pelo destaque das Paneleiras,
educativas e as escolas como campo de pesquisa parecem
Nova Venécia
16
1
2
que são patrimônio imaterial tombado pelo Instituto de
que deram certo, no que tange aos projetos contidos neste
Pinheiros
7
1
1
Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN). Por outro lado, os
mapeamento. Os alunos/professores, ao se voltarem para seu
5
seminários interdisciplinares concomitantes a cada módulo
entorno, compreenderam que a Arte está imersa na cultura e
1
de ofertas de disciplinas promoveram e envolveram as
que, motivados, podem abandonar as regularidades seguras
4
comunidades em que estão localizados os Pólos, e estes
das ações programadas e aventurarem-se em investigações
8
com as escolas.
que, ao mesmo tempo que os constituem, constroem
No Fórum Construir saberes da disciplina de “Estágio II”, as
conhecimento. Ressaltamos, aqui, o mérito para adoção da
propostas de intervenção na escola contemplam esse olhar
pesquisa como fundamento da configuração dos estágios,
que abrange o entorno, abaixo alguns destes depoimentos:
e a presença da investigação como opção pedagógica nas
São Mateus
6
Vargem Alta
15
Venda Nova
8
2
Vila Velha
12
3
Total
186
1
1
1
18
1
2
29
16
Tabela 1 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.1
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Polos
Número de
Trabalhos
disciplinas pertencentes aos demais fundamentos teóricos
Polos
Número de
Trabalhos
Documental
Obras
Estilos
1
Artistas
Afonso Claudio
5
Alegre
6
Aracruz
8
1
1
Bom Jesus
12
1
1
Cachoeiro de Itapemirim
8
2
1
1
Conceição da Barra
12
1
1
1
Domingos Martins
12
2
Ecoporanga
13
Linhares
9
Iúna
5
1
1
Suportes
Midiáticos
Documentos
Outros
1
1
2
história. O grupo escolheu esse tema visando resgatar
pesquisa é possível ressignificar as práticas e construir
fatos relevantes que marcaram a nossa história por
conhecimento a respeito das Artes e, nesse movimento, em
continuidade à mesma”.
“[...]é sobre A CULTURA ARTÍSTICA DOS POMERANOS. Para
3
1
crianças e adolescentes ávidos por aprender (e nós, de
pois na cultura pomerana é bastante voltada para estas
aprendermos com eles).
questões como por exemplo os cestos feitos taquara e
Como diz uma aluna:
A escola por muito tempo foi limitada a ser um ambiente
em que os professores transmitiam conhecimentos e
1
1
Oliveira(2009), nos aproximar da realidade dos estudantes,
realizá-lo estamos nos baseando na disciplina de “Fibras”,
cipó”. 3
espiral, tal qual a mola maluca que figurativiza a imersão
pedagógica do trabalho docente proposta por Guimarães e
1
1
1
e metodológicos propostos. Advogamos que somente pela
meio de fotografias e registrar temas atuais que darão
1
1
“O nosso projeto é Fotografias que contam a nossa
5
“Leitura fotográfica do passado ao presente e as mudanças
os alunos assimilavam. O conhecimento era visto como
Itapemirim
20
Mantenópolis
12
7
na sociedade”. É uma complementação de outro grupo
produto sendo enfatizado, portanto os resultados e não
Nova Venécia
16
3
que vai fazer uma saída fotográfica. Nós desenvolvemos na
o processo pelo qual o aluno aprenderia. Além disso, não
Pinheiros
7
1
1
escola EEEFM “Alto Rio Possmoser.”
havia nenhuma articulação entre o conhecimento escolar
São Mateus
6
1
1
Vargem Alta
15
2
Venda Nova
8
3
1
Vila Velha
12
2
1
Total
186
19
5
1
2
11
“[...]dentro do projeto “Um olhar diferente da casa
2
Lambert” foi feito pelo nosso grupo um trabalho
O mapeamento apresenta uma outra configuração de
envolvendo o que aprendemos na disciplina de Fotografia
prática docente, não como um modelo a ser copiado, e
e Cerâmica. O grupo foi muito participativo. Eu e Rosinéia
nela o consensual proposto por um professor que cumpre
utilizamos o bordado para trazer a visão da trama da casa
e acompanha o que já está previsto e programado. Os
1
1
5
29
Tabela 2 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.2
56 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014
e a vida dos alunos.
2
2
Lambert que foi construída com tramas de madeira e barro.
projetos pertencem a sujeitos inventores, questionadores,
Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |57
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Pólos
N. de
T.G.I
Afonso Claudio
5
Alegre
6
Met.
Triang
Semiótica
Aracruz
8
2
12
1
Cachoeiro de Itapemirim
8
1
Conceição da Barra
12
2
1
Domingos Martins
12
1
2
Ecoporanga
13
Linhares
9
Iúna
5
Itapemirim
20
12
Nova Venécia
16
Teorias de
Linguagem
Visual
Estudos
Antropológicos
Culturais
1
Bom Jesus
Mantenópolis
Estudos
antropológicos
/ Formação de
Professor
2
2
1
3
2
1
2
1
1
3
1
2
4
Pinheiros
7
São Mateus
6
1
Vargem Alta
15
6
Venda Nova
8
5
Vila Velha
12
2
Total
186
27
1
1
2
5
2
1
2
3
4
5
3
3
10
2
1
3
3
16
4
1
1
5
6
3
2
6
1
1
5
2
12
46
44
LANDOWSKI, E. (2005). Por uma semiótica sensível. In Educação &
Realidade, V.30, n.2. (93-1006). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
_____________ (2009). Interacciones arriesgadas. Tradução de BLANCO,
D. (32-40). Lima: Universidad de Lima, Fondo Editorial.
3
1
8
1
1
4
1
1
2
4
4
1
Outros
3
5
3
Educação
Infantil
GUIMARAES, L. e OLIVEIRA, R. A. (2009). Estágio Supervisionado 1. In
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Referencial
18
Tabela 3 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.3
que podem propor práticas ressignificadas, pois inclui nelas
o mundo enquanto significante. Como aponta Landowski
(2009) esse é o sujeito crítico. Se ele foi capaz de discursivizálas pode ser capaz de praticá-las, essa é a nossa torcida!
Esperamos um redesenho do estado de nome Espírito Santo,
que tem tantas cores, como as dos mantos dos reisados, das
saias das dançarinas do Congo, da austeridade e elegância
do Ticumbi ao trançado das cestas dos guaranis e das casas
dos pomeranos.
Esperamos a escrita das histórias orais, cantigas e
provérbios que passam de boca em boca, antes que
alcancem a região em que habitam os esquecimentos: O
recontar da densa história de um lugar, que de mata densa
foi Capitania de Vasco Fernandes Coutinho, e ergueu em
1580 construções jesuíticas como a da igreja dos Reis
Magos, e tantos outros patrimônios materiais e imateriais
que constituíram o objeto de investigação desses alunos/
professores.
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Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down
Reflections on dance teaching for students with Down Syndrome
Mariana Baruco Machado Andraus
RESUMEN
[email protected]
Doutora em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-Doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES). Docente do curso de Graduação em Dança e professora
participante no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP).
Flávia Pagliusi
[email protected]
Acadêmica do curso de Graduação em Dança da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduada em Enfermagem pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Samuel Mendonça
[email protected]
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Tipo de artigo: Original
Este artículo se centra en la posibilidad de la inclusión a través de la educación
en la danza. A partir de una breve exposición, sobre la base de la literatura de la
salud, de las características del síndrome de Down, para discutir sobre las posibles
estrategias de inclusión que se aleja de una perspectiva que es eficaz y, al mismo
tiempo de transformación. El estatuto epistemológico de la danza, todavía en
construcción, ha fortalecido esta área como independiente y autónoma. En la
posmodernidad, ya que cada vez más profesionales de la danza a construir no
sólo el diseño escénico de sus espectáculos, sino también, en muchos casos, el
propio lenguaje corporal para ser utilizado, es razonable y conveniente hacerlo
desde una perspectiva inclusiva.
Palabras-clave: Danza inclusiva; Síndrome de Down; Danza y necesidades especiales.
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Reflexiones sobre la enseñanza de la danza para lós estudiantes con Síndrome de Down
ABSTRACT
This article focuses on the possibility of inclusion through dance education. We
RESUMO
start with a brief exposure, based on the literature on healthcare, regarding
Down syndrome features, to argue about possible inclusion strategies that
Este artigo apresenta uma reflexão quanto à possibilidade de inclusão por meio
depart from a perspective that is effective and at the same time transforming.
do ensino de dança. Partiu-se de uma breve exposição, baseada em literatura da
The epistemological status of dance, still under construction, has strengthened
área da saúde, sobre as características da Síndrome de Down, para argumentar
itself as an independent and autonomous area. In postmodernity, since dance
sobre possíveis estratégias de inclusão que partam de uma perspectiva que
professionals are increasingly creating not only the scenic design of their shows,
seja efetiva e, ao mesmo tempo, transformadora. O estatuto epistemológico
but also, in many cases, the body language to be used, it is reasonable and
da dança, ainda em construção, tem-na fortalecido como área independente e
desirable doing so from an inclusive perspective.
autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez mais os profissionais
da dança constroem não somente a concepção cênica de seus espetáculos,
Keywords: Inclusive dance; Down Syndrome; Dance and special needs.
mas, também, em muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é
plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva inclusiva.
Palavras-chave: Dança inclusiva; Síndrome de Down; Dança e necessidades especiais.
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O corpo humano, com seus incontáveis processos
químico-fisiológicos, reserva suas surpresas. Era de
Além disso, também comumente apresentam malformações
é entendido, no trabalho citado, como um exercício
podem ser válidos como um exercício para desenvolver esta
cardíacas, que normalmente precisam ser corrigidas
de liberdade, e “Essa liberdade é o que permite ao
capacidade, sem configurarem, no entanto, um pilar para o
cirurgicamente (Rasore-Quartino, 1999) e que requerer
aluno desenvolver sua capacidade de escolha, requisito
ensino de dança – como ocorre no contexto tradicional de
estratégias especiais no que concerne ao ensino de dança.
fundamental a um improvisador” (Andraus, 2013, p. 809).
ensino de técnicas codificadas como o ballet clássico.
se esperar que, em meio a tantas etapas de altíssima
Enfatiza-se que o emprego de termos como “podem
Em que pese o fato de que não se pretende discorrer
complexidade, algo pudesse, em algum momento, não
manifestar”, “comumente apresentam”, entre outros, neste
sobre o conceito de autonomia, é preciso destacar Kant
determinadas
seguir o curso esperado. E é devido a enganos microscópicos
artigo, é proposital e foi adotado porque não se pode
(1985) como pensador que problematizou esta questão
fundamental no que diz respeito ao grau de profundidade
que, por vezes, um organismo completo se constrói de
generalizar: cada indivíduo é único e a história de vida
em articulação com o tema da liberdade. No contexto do
de cada uma dessas alterações. A intervenção precoce
forma inusitada e surpreendente. A tão conhecida Síndrome
pessoal e os estímulos recebidos desde os primeiros dias de
Iluminismo, evidenciou a importância da saída do estado
e a estimulação da criança desde os primeiros meses de
de Down (SD) nasce, justamente, de um pequeno, mas
vida em função das estratégias de inclusão e acessibilidade
de menoridade pelo homem, por meio da superação da
vida vêm se fazendo cada vez mais presentes, graças à
perceptível, deslize genético.
que se vêm criando e aprimorando nos últimos tempos –
preguiça e da covardia (Kant, 1985). Nota-se que a dimensão
disponibilidade de informações a respeito e a mecanismos
O presente artigo, de cunho teórico, resultado de
em especial desde a assinatura da Convenção Internacional
da conquista da autonomia é individual e depende da
diagnósticos que, ao permitir o diagnóstico pré-natal da
pesquisa qualitativo-bibliográfica, aborda os processos de
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Nova
vontade do indivíduo.
SD, auxiliam a aceitação da família e o planejamento de
inclusão social, especificamente o caso das pessoas com
York, em 30 de março de 2007, promulgado no Brasil pelo
estratégias para estimulação do desenvolvimento.
Síndrome de Down, tendo por objetivo analisar a dança
Decreto no. 6.949 de 25 de agosto de 2009 (Presidência
pode significar um desafio para o educando com SD
Do ponto de vista formal, este artigo está
como possibilidade educativa que promove a inclusão.
da República – Casa Civil, 2009) – fazem grande diferença
porque ele tende a encontrar “dificuldade em exercer
estruturado em três momentos. Parte-se de uma
A Síndrome de Down, reconhecida como uma
no desenvolvimento do indivíduo, sendo este, inclusive,
constantes adaptações” (Casarin, 2007, p. 25), por outro
investigação sobre “As relações familiares: o bebê ideal x o
entidade nosológica somente em 1866 com o trabalho
um objeto de discussão neste texto. Por outro lado, certas
lado um exercício desta natureza, conduzido com firmeza e
bebê real”, em seguida discute-se “O ambiente escolar e a
de Langdon Down, possui registros antigos ao longo da
características, como as citadas (hipotonia muscular e
afetividade pelo professor, sem desqualificar o aluno diante
educação inclusiva” para então se discorrer sobre “A dança
história, incluindo, entre eles, algumas obras de arte de
tendência a alterações cardíacas) são prevalentes e, para se
dos fracassos, mas, ao mesmo tempo, sem se acomodar
na educação inclusiva”.
pintores como Andrea Mantegna (1431-1506) – “Virgem
pensar um ensino de dança efetivamente inclusivo, não se
diante deste aluno com falsas crenças como “ele não irá
e criança” e “Madona e criança” –, Jacobs Jordaens (1539-
pode fechar os olhos para a realidade.
conseguir, então é melhor não cobrar”, pode configurar
1678) – “Sátiro com camponeses” e “Adoração do pastor”
uma estratégia profícua para se pensar a educação artístico-
– e Pieter Porbus (1523-1584) – “Transfiguração” (Pueschel,
regiões do cérebro que acabam por trazer diversas
1993). No entanto, a causa da SD foi descoberta somente
consequências, como “dificuldades nas formas de raciocínio
em 1959, por Jerome Lejeune, Patrícia Jacobs e outros
que exigem entendimento simbólico, captação de relação
colaboradores (Pueschel, 1993), que a classificaram como
temporo-espacial e elaboração de pensamento abstrato”
Existe ainda uma série de alterações em diferentes
Então, se por um lado, o trabalho de improvisação
corporal desses educandos.
Apesar de as características fenotípicas serem
geneticamente,
o
ambiente
é
fator
As relações familiares: o bebê ideal x o bebê real
É
extremamente
difícil
para
a
família,
e
principalmente para a mãe, sufocar a imagem do bebê
Casarin (2007) ainda afirma que
idealizado ao longo dos nove meses de gestação para dar
lugar ao bebê real, muito diferente do primeiro. Sentimentos
(Casarin, 2007, p. 25), sendo todos esses requisitos
(...) a aprendizagem e a elaboração de respostas podem
como raiva, culpa e angústia se misturam em um verdadeiro
mecanismos causadores da SD (Schwartzman, 1999a, apud.
fundamentais à prática artística. A autora menciona, ainda,
ser mais lentas e trabalhosas quando as alterações estão
turbilhão, construindo um estado de luto (Sunelaitis, Arruda
Silva & Dessen, 2002) que resultam em um cromossomo 21
como característica prevalente na SD um desequilíbrio
a mais.
no modo de perceber a realidade em sua diversidade e
genética. Hoje em dia já são conhecidos, basicamente, três
Dentre as principais causas da síndrome figura
dificuldade em exercer constantes adaptações, afirmando
a idade materna avançada. Como a mulher nasce com
que “a adaptação fluida a uma realidade variável decide em
uma determinada quantidade de óvulos que, ao longo
presentes, como na Síndrome de Down. A retenção
de informação pode estar sujeita ao esquecimento,
o processamento das informações podem estar
dificultado e o bloqueio informativo pode atrapalhar
& Marcom, 2007). No entanto, na maioria das vezes, esses
pais passam a buscar ativamente informação a respeito da
síndrome, bem como programas de auxílio do governo, e
a aprendizagem e a dificuldade de habituação pode
mesmo outras pessoas que vivem a experiência de ter um
termos práticos a capacidade e possibilidade do ser humano
levar à dificuldade de desprendimento de um estímulo
familiar próximo com este diagnóstico (Pueschel, 1993).
de sua vida, vão sendo maturados e preparados para a
aproveitar-se da independência e autonomia na vida diária”
para dedicar-se a outro (Casarin, 2007, p. 25).
Além disso, também reconhecem que o estímulo precoce
fecundação, estes sofrem um processo de envelhecimento
(Casarin, 2007, p. 25).
(Schwartzman, 1999b, apud. Silva & Dessen, 2002), podendo
causar desarranjos durante a divisão celular.
Quanto ao fenótipo, a criança com SD apresenta
hipotonia muscular ao nascer, o que acaba por retardar o
desenvolvimento motor. Por causa disso, esses indivíduos
podem manifestar dificuldade para sentar, andar e falar.
é de extrema importância para que a criança se desenvolva
Mais uma vez, um trabalho sistemático de
da melhor maneira possível (Silva & Dessen, 2003). Apesar
qual se afirma que “o ensino sistematizado de improvisação
improvisação pode auxiliar o educando com Síndrome de
disso, as expectativas dos pais com relação ao futuro da
em dança revela-se um conteúdo poderoso para ajudar o
Down na medida em que não se cobra dele que memorize
criança com SD estão, na maioria das vezes, aquém daquilo
educando a desenvolver-se com autonomia” (Andraus,
sequências, como se a ampliação do conhecimento em
que provavelmente esta conseguirá atingir, e é preciso a
2013, p. 809), justamente porque a o exercício de tomada
dança estivesse atrelada à capacidade de memorização.
aceitação desta realidade para se começar a pensar em
de decisões em processos de improvisação em dança
Momentos pontuais de elaboração de pequenas sequências
inclusão, para se trabalhar esta expectativa de modo a
Nesse sentido, cita-se o trabalho de Andraus, no
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Introdução
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de uma maneira incompleta e destrutiva, enquanto
– as reais, não as imaginadas.
20% sentiram indiferença por parte do médico e outros
20%, preocupação, o que pode ter influenciado uma má
De acordo com Voivodic e Storer (2002), “São as
aceitação do filho por parte dos pais (Porto & Baltazar,
primeiras experiências emocionais e de aprendizagem,
2005, p. 32).
vivenciadas nas relações com os pais, que serão
responsáveis pela formação da identidade e, em grande
parte, pelo desenvolvimento da criança” (Voivodic & Storer,
2002, p. 32). No caso específico das crianças com SD, essas
primeiras experiências podem ficar comprometidas devido
ao impacto que a notícia deste diagnóstico produz na
família. Desta forma, para Casarin (2001), a criança com SD
possui, além da condição de anomalia da qual é portadora,
todos os reflexos decorrentes da dificuldade de uma
ligação afetiva entre a mãe e a criança desde os primeiros
momentos de vida, o que pode afetar suas possibilidades
de desenvolvimento. Sentimentos negativos com relação à
criança recém-nascida são extremamente comuns em um
primeiro momento; contudo, aos poucos, estes vão sendo
substituídos por sentimentos de carinho e dedicação (Porto
& Baltazar, 2005).
Desta forma, o acompanhamento de um psicólogo,
muitas vezes, pode fazer a diferença no tocante à reação
imediata dos pais e aos primeiros momentos da vida do
bebê (Porto & Baltazar, 2005).
Vê-se, pelo que precede, que o diagnóstico da SD,
especialmente para os pais, tem potencial desestabilizador
em vários aspectos da vida familiar. Assim, faz-se necessário
o investimento em programas de intervenção que visem a
fornecer atendimento especializado a essas famílias desde o
diagnóstico da SD, o qual deve ser feito, preferencialmente,
ainda durante a gestação. Desta maneira, estes pais
poderão receber o auxílio necessário para que o processo
de adaptação à criança ocorra de forma plena, oferecendo
suporte clínico e psicológico. Com essas medidas,
O ambiente escolar e a educação inclusiva
mais inclusiva. De acordo com o Seminário Internacional
do Consórcio da Deficiência e do Desenvolvimento -
Aos pais resta a dúvida a respeito do que fazer
International Disability and Development Consortium (IDDC)
quando o filho com SD atinge a idade escolar. Qual seria
-, realizado em março de 1998, em Angra, na Índia (Almeida,
o melhor caminho: o ensino regular ou uma escola
2007), a educação inclusiva só existe quando se reconhece
especializada? Como se darão as relações entre os colegas
que todos os alunos podem aprender, respeitando-se suas
de classe, professores e funcionários?
diferenças, e quando o sistema educacional permite que
A resposta a essas perguntas não é simples, e só
estruturas, sistemas e metodologias atendam à demanda
aparece após as primeiras experiências escolares. A criança
do aluno e possibilita estratégias para a promoção de uma
com SD precisa frequentar algum tipo de espaço escolar,
sociedade inclusiva, não oferecendo restrição de materiais
não há dúvidas, uma vez que este oferece uma gama de
e recursos para o trabalho (Almeida, 2007). Além disso, a
estímulos cognitivos e relacionais que impulsionarão o
educação inclusiva tem “(...) como objetivo a construção
desenvolvimento daquele indivíduo. Assim, é necessário
de uma escola acolhedora, onde não existam critérios ou
averiguar como a criança se adapta a determinada escola,
exigências de nenhuma natureza, nem mecanismos de
seja ela especializada ou não.
seleção ou discriminação para o acesso e a permanência
com sucesso de todos os alunos” (Alves & Barbosa, 2006).
Como com qualquer outra criança, não é possível
estipular ou prever quais serão os limites alcançados por
Assim, a educação inclusiva pressupõe que, apesar
aquele determinado indivíduo ao longo de sua vida e, desta
de as crianças com e sem SD – ou outras necessidades
forma, não se pode trabalhar com generalizações quando o
especiais – possuírem objetivos e processos diferentes
assunto é a educação da criança com SD, especialmente a
na escola, elas podem aprender juntas. Isso significa que
O ritmo do desenvolvimento neuropsicomotor na
(...) pais e familiares [conseguiriam] lidar de modo
educação artística. Contudo, é preciso levar em consideração
o processo de desenvolvimento deve ser diversificado
criança com SD é mais lento se comparado a crianças não
mais adequado com a criança com SD, facilitando
que
próprias
e criativo, visando ao atendimento das demandas e
portadoras da síndrome, e este fato “(...) pode prejudicar
o desenvolvimento de todo o seu potencial e
relacionadas às especificidades da síndrome, e que estas
necessidades peculiares de cada indivíduo (Alves & Barbosa,
devem ser investigadas e trabalhadas apropriadamente
2006). Assim, de acordo com Teixeira & Kubo (2008):
contribuindo para a qualidade de vida destas famílias
as expectativas que a família e a sociedade têm da pessoa
e para o estabelecimento de relações familiares mais
com Síndrome de Down” (Ramos, Caetano, Soares & Rolim,
saudáveis (Henn, Piccini & Garcia, 2008, p. 491).
2006, p. 266). Durante certo tempo, isso foi determinante
no que diz respeito à estimulação do bebê, que era deixada
de lado, uma vez que a criança era considerada incapaz
(Ramos et al., 2006). Hoje, no entanto, esta visão vem sendo
modificada, uma vez que a SD está cada vez mais presente
em nosso cotidiano, seja por meio de propagandas, novelas
ou campanhas (Porto & Baltazar, 2005).
Para que seja possível proporcionar um ambiente
favorável a fim de que o desenvolvimento da criança com SD
ocorra da melhor maneira possível, a estimulação precoce
faz-se necessária. O primeiro passo se dá ainda logo após
o parto, no hospital, situação em que a maioria dos pais
recebe a notícia do diagnóstico da SD. De acordo com
estudos de Porto & Baltazar (2005):
Quarenta por cento dos pais relataram que o médico
os informou que seu filho possuía Síndrome de Down
a
Além do atendimento especializado durante
gestação,
intervenções
nos
estágios
iniciais
de
desenvolvimento, com atendimento psicológico, fisioterápico
e fonoaudiológico auxiliarão no desenvolvimento motor
e repercutirão positivamente quando a criança chegar ao
estágio em que começará aprender dança. Na outra via,
a experiência com a dança auxiliará esses atendimentos,
existem
necessidades
educacionais
visando a uma maior compreensão das informações que
estão sendo transmitidas (Bissoto, 2005). Desta forma, é
(...) A educação inclusiva é benéfica para todos os
importante a presença de profissionais capacitados em
alunos e não apenas para aqueles que, aparentemente,
enfrentariam maiores obstáculos para desenvolveram
sala de aula, que detenham um conhecimento básico a
relações de amizade com seus colegas. A inclusão de
respeito da síndrome e do manejo de seu portador. Além do
pessoas com necessidades especiais no sistema regular
conhecimento técnico, condição sine qua non para o êxito do
de ensino é um processo complexo que requer o
trabalho com crianças com SD, parece também fundamental
envolvimento e a participação de todos os integrantes
a sensibilidade do profissional para a compreensão de cada
criança no seu universo, respeitando a singularidade, o
das organizações escolares (Teixeira & Kubo, 2008, p. 91).
potencial e a condição de desenvolvimento no contexto
No Brasil, já está em vigor, desde 2003, o Programa
da aprendizagem. Em princípio, uma boa formação técnica
Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, da Secretaria de
parece suficiente para esta percepção; no entanto, não se
Educação Especial, que busca “(...) promover a educação
trata apenas de diagnosticar a potência da criança por meio
continuada de gestores e educadores das redes estaduais
sentidos e significados para a própria vida, de pertinência
de um padrão, mas, justamente, por meio daquilo que não
e municipais de ensino para que sejam capazes de
à espécie humana – “eu danço como os outros dançam” –,
se repete compreender as nuances de cada um.
oferecer educação especial na perspectiva da educação
favorecendo a construção da autoimagem e desenvolvendo
Apesar de isso ainda não ser uma realidade na
inclusiva” (Ministério da Educação, 2007). O programa está
a autoestima. Passa-se, agora, a discutir aspectos que
grande maioria das escolas em diversos países, existe
funcionando, atualmente, em 162 municípios, oferecendo
envolvem o ambiente escolar e a educação inclusiva.
um esforço atual para que a educação se torne cada dia
cursos de formação de gestores e educadores. Discorre-se,
permitindo que esta criança exercite corpo e mente em
uma atividade que proporciona experiência estética,
que nenhum dos atendimentos clínicos irá proporcionar.
A arte traz ao indivíduo experiências de construção de
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ajudar esses pais a enxergarem as qualidades de seus filhos
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inclusiva.
possível reconhecê-las e estimulá-las nos outros. Para
(...) a relação entre os governos e os cidadãos mudou
Cia Integrada Multidisciplinar (Lisboa, Portugal). A primeira,
tanto, a bailarina utiliza diversos tipos de estímulos para o
em muitos casos de uma relação política para uma
criada em 1996 como parte integrante da Associação
relação econômica: uma relação entre o Estado como
movimento, tais como cores, objetos, música e palavras.
A dança na educação inclusiva
provedor de serviços públicos e o contribuinte como
Dessa forma, o indivíduo apropria-se, aos poucos, de seu
o consumidor de serviços estatais. Value for Money
próprio corpo e seus movimentos. Para Fux,
[bom uso do dinheiro dos impostos] tornou-se um
A arte, de modo geral, abre espaço para a expressão
de sentimentos e ideias, possibilitando o desenvolvimento
O corpo, quando se expressa no espaço, realiza
da imaginação e da criatividade, bem como a vivência
sequências que são seu universo. O homem é um
universo em miniatura. Através daquilo que sente
de experiências estéticas, sendo, desta maneira, uma
e vive, transforma seu ritmo interno em sons – que
importante estratégia formativa, potencializadora da
sensibilidade. Por causa disso, ela figura entre os principais
estímulos utilizados em educação, especialmente nos
primeiros estágios (4 a 6 anos, correspondente à Educação
Infantil, no Brasil, e 6 a 8 anos, correspondente aos dos
primeiros anos do Ensino Fundamental), seja com crianças
portadoras ou não da SD. Suas diversas modalidades – entre
elas a música, o teatro, a dança e as artes visuais – possuem
uma gama de potencialidades que podem ser utilizadas para
A
autora
complementa
seu
seus contribuintes. Essa maneira de pensar está na
vivências e reflexões, propiciando acontecimento de soma
base do surgimento de uma cultura de prestação de
e amplitude dos seres” (Crepúsculo Cia de Dança, 2013). Já
contas que resultou em sistemas rigorosos de inspeção
a segunda, criada em 2005 por Anderson Leão e Roberto
de vales-educação e da ideia de que os pais, como os
medos, suas angústias, suas alegrias (Fux, 1988, p. 95).
consumidores da educação de seus filhos, devem decidir
pensamento
assunto é dança inclusiva; a companhia defende que “(...)
a troca entre as diferenças produz novas consciências,
prescritivos. É também a lógica por trás dos sistemas
com seu corpo, pode expressar aquilo que é, seus
contemporânea e é hoje referência nacional quando o
princípio orientador nas transações entre o Estado e
e controle e em protocolos educacionais cada vez mais
podem ser palavras –, e se o desenvolve no espaço,
Crepúsculo, possui como referência a pesquisa em arte
Morais (Giradança, 2013), ganhou destaque recentemente
na revista portuguesa Mutante, na qual se destaca que
“(...) a diferença é vista como ferramenta de trabalho,
em última análise o que deve ser oferecido nas escolas
como desafio de ir mais além na inclusão social através da
(Biesta, 2013, p. 36).
dança contemporânea e das possibilidades de expressão
corporal que esta oferece” (Capitão, 2013, p. 100). E, por
enfatizando a importância do reconhecimento de um ritmo
interno para a construção da experiência percebida pelo
Pais que decidem o que deve ser oferecido nas
fim, a Cia Integrada Multidisciplinar (CIM), fundada em
sujeito:
escolas e que não tenham sido, eles próprios, conscientizados
2007, que mantém uma parceria com a Associação de
do valor da arte na sociedade, tendem a preferir que seus
Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL), a Associação Vo´Arte
a transposição de dificuldades enfrentadas por portadores
O conhecimento do ritmo interno pode constituir
filhos aprendam os requisitos e informações explicitamente
e o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste
da SD.
uma experiência enriquecedora, que permitiria aos
necessários à formação em profissões mais “rentáveis” e
Gulbenkain (CRPCCG) para a realização de seus trabalhos. A
A dança, por exemplo, exerce grande influência
especialistas reconhecer e interpretar a linguagem
muitas vezes ignoram que as habilidades desenvolvidas em
CIM pretende uma “constante reflexão da arte associada à
física e intelectual na formação do indivíduo, sendo capaz
profunda que têm diante deles: um corpo que está
arte-educação podem auxiliar seus filhos, inclusive, a atingir
pessoa com necessidades especiais, como meio integrador
esses objetivos.
e de desenvolvimento de competências” (CIM, 2013). expressando seu mundo interno, que nos conta como
de produzir melhora considerável no que diz respeito à
está, sem palavras, com a linguagem não-verbal do
coordenação motora, à noção de lateralidade, consciência do
movimento (Fux, 1988, p. 95).
próprio corpo e do espaço, além de trabalhar a expressividade
e a criação de uma linguagem individual e única por meio do
movimento (Flores & Bankoff, 2010). Além disso, trabalha
aspectos imprescindíveis ao desenvolvimento do esquema
corporal que, por sua vez, tem papel importante no que
diz respeito ao domínio psicomotor, ou seja, influencia
diretamente no desenvolvimento de habilidades motoras
(Furlan, Moreira & Rodrigues, 2008).
Existem, ainda, trabalhos que ressaltam o potencial
terapêutico da dança, dentre os quais se pode citar como um
dos mais difundidos no Brasil a dançaterapia, desenvolvida
pela bailarina argentina Maria Fux (1988). Tendo trabalhado
com diversos pacientes, tanto sem necessidades especiais
quanto com deficiência visual, auditiva, SD, autistas, entre
outras, Fux aperfeiçoou cada vez mais seu fazer em sala
de aula e chegou à conclusão de que, na dançaterapia,
é necessário reconhecer, primeiramente, as inúmeras
mudanças que se operam no próprio corpo mediante
diferentes estímulos e experiências, para que, então, seja
Embora a autora se refira à percepção da experiência
pelo especialista, é possível inferir que o reconhecimento do
ritmo interno é, mais do que um recurso técnico para quem
ensina dança, um conteúdo primordial a ser trabalhado
junto ao aluno, em consonância com a própria valorização
da subjetividade preconizada pela pós-modernidade, após
o advento de pesquisas de abordagem fenomenológica
como as de Merleau-Ponty (1999) e Husserl (2006), que
influenciaram e influenciam terminantemente grande parte
da produção em dança contemporânea.
Pouco se discute, ainda, a respeito do potencial
artístico que a dança – ou qualquer outro tipo da arte –
possibilita. Esta discussão está restrita aos próprios circuitos
das artes, mas, ao transpor para a sociedade em geral,
esta ainda entende as relações de ensino de forma muito
pragmática e, no que compete à arte, presa a um paradigma
que a entende como supérflua. Biesta (2013) afirma que
66 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014
No que se refere à produção em dança inclusiva,
Espetáculos de dança que tomam a deficiência
muito do que se produz ainda possui um apelo de caráter
como assunto – ao invés de, ao contrário, incluir a pessoa
filantrópico, que mais expõe a deficiência do que a naturaliza.
com deficiência para tratar de outros assuntos ou conceitos,
Em alguns casos, tragicamente, a deficiência está relacionada
os quais poderiam ser adotados, inclusive, por companhias
à própria mensagem que se deseja transmitir ao público – o
não inclusivas – não perfazem o que seria a verdadeira
que, muitas vezes, acaba por expor o indivíduo, excluindo-o
inclusão de indivíduos portadores de SD ou de qualquer
sob o pretexto de incluir. O bailarino (com deficiência ou
outra deficiência física ou intelectual. Esta se dá quando
não) não é entendido como possuidor de um estilo próprio
os limites da deficiência são transcendidos, passando-se,
de movimentação, capaz de comunicar e expressar, mas sim
assim, a enxergar o portador da síndrome como um ser
como símbolo de superação e alvo de compaixão. Para que
humano com uma expressividade única.
se possa começar a falar em dança inclusiva, este cenário
precisa ser modificado. A deficiência nestes casos, nota-se,
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
no próximo tópico, sobre a dança no contexto da educação
Conclusão
está na própria arte, e não na deficiência em si.
No entanto, já existem trabalhos que são
Este artigo buscou propor uma reflexão sobre o
produzidos por companhias compostas por integrantes
ensino de dança para crianças com Síndrome de Down e
com e sem deficiência, cujos espetáculos têm, em sua
citou exemplos de companhias de dança que vêm realizando
concepção estética, uma proposta inclusiva. Dentre estas
espetáculos efetivamente inclusivos. Para tal, partiu de uma
companhias podemos citar a Crespúsculo Cia de Dança (Belo
breve exposição, baseada em literatura da área da saúde,
Horizonte, MG, Brasil), a Giradança (Natal, RN, Brasil) e a
sobre características da Síndrome de Down, considerando-
Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |67
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
para o público específico da dança e da arte-educação para
proposições de estratégias de ensino de dança que sejam
realistas e, justamente por isso, transformadoras.
É importante que, cada vez mais, o arte-educador
tenha elementos para construir o seu pensar e, também,
estratégias práticas de trabalho em arte e em arteeducação, com fundamentação teórica, de modo que ele
esteja apto a propor estratégias em interlocução com os
profissionais da área de saúde, dado que, cada vez mais, as
equipes multidisciplinares vêm constituindo um modelo de
atendimento em saúde.
O estatuto epistemológico da dança, ainda em
construção, tem se fortalecido como área independente
e autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez
mais os profissionais da dança constroem não somente a
concepção cênica de seus espetáculos, mas, também, em
muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é
plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva
inclusiva.
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Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |69
Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas
Education in Rural Area and Teaching Visual Arts: contextures
Fabiane Pianowski
sea contextualizada y considere las particularidades y necesidades de los
[email protected]
educandos del campo. En este artículo, se establece una discusión respecto del
Universidade Federal do Vale do São Francisco, UNIVASF, Brasil
rol del Arte/Educador del Campo, presentando las orígenes de la Educación del
Campo y como esta se estructura de una manera particular respecto a las formas
Tipo de artigo: Original
tradicionales de enseñanza; y, finalmente, se presenta una reflexión sobre como
los arte/educadores, a través de la Propuesta Triangular, pueden actuar para
conseguir realizar una enseñanza de las artes visuales que respecte el arte y la
RESUMO
A Educação do Campo, nascida das lutas dos movimentos sociais pelo direito à
terra, objetiva antes de tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento de
cultura campesina.
Palabras-clave: Arte/Educación; Educación del Campo; Propuesta Triangular;
Práctica pedagógica.
pertencimento do camponês. Não se trata de uma educação rural que tem como
referência a educação urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra.
ABSTRACT
Como as demais disciplinas, o ensino de arte também deve estar contemplado na
Educação do Campo, e do mesmo modo, a referência para esse ensino não pode
se restringir aos cânones da história da arte ocidental ou aos modelos urbanos,
ao contrário, é necessário que este ensino esteja contextualizado levando em
consideração as particularidades e necessidades dos educandos do campo. Nesse
artigo, estabelece-se uma discussão a respeito do papel do Arte/Educador do
Campo, apresentando as origens da Educação Campo e como se estrutura essa
maneira particular de se pensar a Educação, para finalmente refletir sobre como
os arte/educadores, através da Proposta Triangular, podem atuar para conseguir
realizar um ensino de artes visuais que respeite a arte e a cultura campesina.
Palavras-chave: Arte/educação; Educação do Campo; Proposta Triangular; Prática pedagógica.
RESUMEN
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Educación del Campo y la Enseñanza de las Artes Visuales: contexturas
Education in Rural Area –related with the landless workers movement– aim
recovery and development the rural belonging feeling. It is not a rural education
referenced in an urban education, but an education through and for the earth.
As in other subjects, art education should also be provided in the Education in
Rural Area, and likewise, the reference for this teaching cannot be restricted to
the canons of Western Art History or urban models, unlike it is necessary that
this teaching is contextualized and considers the characteristics and needs of
rural learners. This article provides a discussion about the role of the Rural Art/
Educator, showing the origins of Education in Rural Area and how it is structured
in a particular way compared to traditional forms of education, and finally, is
presented a reflection on how the art/educators, through Triangular Proposition,
can teach Visual Art respecting art and culture of rural area.
Keywords: Art/Education; Education in Rural Area; Triangular Proposition; Pedagogical practice.
La Educación del Campo, nacida de las luchas de los movimientos sociales por
el derecho a tierra, objetiva primeramente la valorización y el desarrollo del
sentimiento de pertenecer del campesino. No tratase de una educación rural que
tiene como referencia la educación urbana, sino que es una educación por y para
la tierra. Como en las demás asignaturas, la enseñanza del arte también debe
estar contemplada en la Educación del Campo, y del mismo modo, la referencia
para esta enseñanza no puede estar restricta a los cánones de la historia del arte
occidental o a los modelos urbanos, al revés, es necesario que esta enseñanza
70 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014
Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |71
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
I Encontro de Educadores e Educadores da Reforma Agrária
possui apenas o nível médio. No entanto, atualmente,
cidadania, da luta pela terra, pelas territorialidades, pelos
- ENERA, no qual os movimentos de luta pela reforma
através dos esforços do governo federal e de suas políticas
direitos, pela cultura e saberes dos sujeitos do campo.
De acordo com o dicionário Houaiss da língua
agrária, especialmente o Movimento dos Sem Terra (MST),
públicas tenta-se sanar essa deficiência com a implantação
portuguesa o termo “contextura” tem várias acepções que
apoiados pelas organizações não governamentais (ONGs) e
de programas educacionais como o Programa de Apoio a
comunidades indígenas, mestiços, população rural dos
podem ser resumidas em contexto, trama e conexões. Essas
pelas universidades, exigem uma maior atenção à formação
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
centros urbanos e todo aquele que se identifique como
três definições do termo serão utilizadas no presente artigo
dos assentados.
Federais – REUNI ou Programa Nacional de Educação da
“sujeito do campo”.
para a apresentação e vinculação da Educação do Campo
Um ano depois, em 1998, acontece a I Conferência
Reforma Agrária - PRONERA, como se tratam de programas
com o Ensino de Artes Visuais.
Nacional por uma Educação Básica do Campo, em Goiás. Esse
bastantes recentes só vislumbraremos realmente seus
movimentos sociais pelo direito à terra, objetiva antes de
Em ‘“Contexto” será traçado o histórico da Educação
encontro será fundamental porque é nesta ocasião quando
resultados em alguns anos.
tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento
do Campo no Brasil e sua situação atual. Em “Trama”
se estabelece o termo “Educação do Campo” em oposição
Outro problema da Educação do Campo, além
de pertencimento do camponês. Por isso ela não é uma
serão abordadas as questões que implicam em uma nova
à conhecida “Educação rural”. A Educação do Campo não é,
da deficiência na formação dos educadores, é a falta de
educação rural que tem como referência a educação
forma de pensar a Educação do Campo. E, finalmente, em
portanto, uma teoria educacional, mas sim uma exigência
instalações adequadas e o fechamento constante de escolas.
urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra. Nesse
“Conexões” serão estabelecidas as relações entre o Ensino
das lutas dos sujeitos do campo e dos movimentos sociais
Além disso, normalmente o ensino oferecido é somente de
sentido, é importante que a formação do educador do
de Arte e a educação não formal como referências para a
associados à terra. A educação rural, por outro lado, foi
primeira a quarta série, de modo que muitos adolescentes e
campo contemple a formação política, em que o histórico
Educação do Campo.
instituída pelos planos educacionais do governo federal, de
jovens têm que se deslocar até a cidade para poder estudar,
de desigualdades e a relação opressores e oprimidos seja
maneira a impor os saberes da cidade aos sujeitos do campo
perdendo a possibilidade de aprender a partir do lugar
estudada.
através de propostas descontextualizadas e desconectadas
onde vivem, ou seja, de sua própria realidade, sem falar que
da realidade do meio rural. De acordo com Roseli Caldart
também perdem o tempo de ser jovem (Cavalcante & Silva,
reconhecimento dos saberes locais e das matrizes culturais
(2012, p. 263), “a educação DO campo não é PARA nem
2010).
dessas populações. É importante considerar o tempo
apenas COM, mas sim, DOS camponeses, expressão legítima
A partir desse breve panorama é possível constatar
do campo para colocá-lo em sintonia com o tempo do
de uma pedagogia DO oprimido”.
que há ainda muita coisa para ser feita em relação à
conhecimento, como nos recorda Miguel Arroyo (Arroyo &
Em 2002, instituem-se as Diretrizes Operacionais
Educação do Campo e que, apesar da mesma estar
Fernandes, 1999, p. 17):
da Educação do Campo (Brasil, 2002), no entanto, será
amparada legalmente, na realidade é necessário e urgente:
Contexto: histórico da Educação do Campo
Para melhor entendermos o panorama da Educação
do Campo é importante pensarmos em quais momentos da
história, quer seja através das políticas públicas, quer seja
através dos movimentos sociais, estabeleceram-se seus
marcos. Nesse sentido, o primeiro marco foi a Declaração
de Direitos Humanos (ONU, 1948), que colocou a educação
como um direito de TODOS.
No Brasil, esse direito nem sempre foi cumprido,
no entanto, após anos de desigualdades econômicas e
exclusão social, com a ajuda de novas políticas públicas e,
principalmente, dos movimentos sociais, esse panorama
vem mudando. Em 1988, a Constituição Federal Brasileira
reafirmou o direito à educação a todos os brasileiros. No
entanto, seria somente em 1996 com a Lei Nacional de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Brasil,
1996) que se garante legalmente a educação básica aos
habitantes da zona rural e se estabelece que os tempos e
modos de ser do sujeito do campo devem ser respeitados.
Não obstante, apesar de estar previsto em lei, as
mudanças reais são lentas e para agilizar esse processo
cabe à população civil organizada pressionar para exigir
seus direitos. Uma das formas encontradas para que
isso acontecesse foi através da realização de Encontros
Nacionais. Sob essa perspectiva, em 1997 aconteceu o
•
somente em 2010 quando a Educação do Campo passa a
ampliar os níveis de formação dos educandos do
ser incluída nas Diretrizes Nacionais da Educação Básica
campo, tanto em relação à Educação Infantil, como
(Brasil, 2010b). Além desse fato, o ano de 2010 é importante
às demais etapas da Educação Básica;
porque também é quando se institucionaliza o Programa
•
investir na formação de educadores do campo;
Nacional de Educação da Reforma Agrária – PRONERA
•
investir em pesquisas na área e na elaboração de
(Brasil, 2010a), criado em 1998. Além disso, esse decreto que
•
institucionaliza o PRONERA torna obrigatório às instituições
•
não só como componente curricular, mas também como
que os municípios e estados estabeleçam suas
próprios da realidade agrícola nas suas ofertas de formação.
locais.
Atualmente, pelo Censo/2010 somente 15% da
população brasileira vive no campo, em 1982 esse índice era
Trama: Educação do Campo como uma nova de 32% e em 2000 de 19%. O êxodo rural é consequência de
perspectiva educativa
campo, 41% tem nível superior, sendo que a maioria (59%)
72 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014
prever
também
o
A escola tem que incorporar o saber, a cultura, o
conhecimento socialmente construído, no entanto, os
currículos das escolas básicas do campo não podem
reproduzir o conjunto de saberes da escola da cidade.
Neste sentido, é preciso incorporar no currículo do
campo os saberes que preparam para a produção e o
trabalho, os saberes que preparam para a emancipação,
separar o tempo da cultura do tempo de conhecimento.
as Diretrizes Nacionais e com as necessidades
de acordo com o Censo/2010, dos 334 mil educadores do
deve
plena do ser humano como humano. [...] Não podemos
entre campo e cidade, sem deixar de respeitar os tempos
desrespeito com a vida no campo. Nesse panorama, também
educação
garantir a existência das escolas do campo,
diretrizes para a Educação do Campo acorde com
uma larga história de desigualdades sociais e de desprezo e
Essa
para a justiça, os saberes que preparam para a realização
formação dos sujeitos do campo, promovendo a interação
A Educação do Campo, nascida das lutas dos
materiais didáticos contextualizados;
impedindo o seu fechamento;
de ensino superior a consideração da Educação do Campo
Os sujeitos do campo são assentados, quilombolas,
O que estou propondo é que os próprios saberes
escolares têm que estar redefinidos, têm que vincularse às matrizes culturais do campo aos novos sujeitos
culturais que o movimento social recria. (grifo nosso)
Nesse sentido, Arroyo não defende apenas que a
Educação do Campo deve ser organizada por ciclos e não
por séries, para que os saberes, interesses e desejos dos
De acordo com diversos autores (Arroyo, 2011;
sujeitos do campo sejam levados em consideração; também
Arroyo & Fernandes, 1999; Caldart, 2012; Oliveira, 2012;
deixa claro que a Escola do Campo não é a mesma escola
entre outros) a Educação do Campo é a educação para a
que temos na cidade e que, portanto, ele deve ser (re)
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Introdução
pensada tendo em vista outros interesses e objetivos.
Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |73
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
•
fortalece a autoestima;
a formação de cidadãos críticos e participativos.
do seu estudo Oliveira encontrou duas situações:
•
desenvolve o sentimento de pertencimento;
a Educação do Campo a cargo dos municípios
•
promove a convivência e o diálogo intercultural;
importante trabalhar as matrizes culturais locais, a
pelos pesquisadores da área como a solução educacional a
é
•
valoriza os saberes dos educandos dando espaço
arte popular, a produção cultural do sujeito do campo,
este contexto, estando prevista nas Diretrizes Curriculares
considerando a relação dessa educação com as
para o diálogo e a participação;
sem negar, no entanto, o direito a conhecer as demais
Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2010b) no que tange à
lutas e movimentos sociais dos sujeitos do campo,
•
promove o desenvolvimento cognitivo;
expressões, produções e ações culturais. O arte/educador
Educação do Campo. Cabe salientar, que essa pedagogia foi
salvo em algumas exceções;
•
possibilita o acesso aos saberes culturais universais;
do campo deve então ter essa flexibilidade, essa sabedoria
a Educação do Campo realizada através ou com
•
ocorre em um espaço flexível, heterogêneo e
da conexão, para ligar os múltiplos pontos de vista em um
participativo.
“rizoma”, essa rede que não tem um núcleo mas é formada
A Pedagogia da Alternância, pedagogia que leva
em consideração a alternância entre o tempo do campo e o
•
tempo da escola, integrando ambos saberes, é considerada
•
criada na França em 1935 e trazida ao Brasil em 1968 pelo
insuficiente
e
descontextualizada,
não
Como focos das atividades de arte/educação é
padre jesuíta Pietrogrande, primeiramente para o Estado do
o apoio de organizações não governamentais
Espírito Santo.
(ONGs) são muito mais efetivas porque levam em
No ensino de arte da Educação do Campo é necessário,
consideração a vida e os saberes dos sujeitos do
portanto, que se busquem essas referências para a prática
conhecimento (Deleuze & Guattari, 1995).
campo.
educativa, uma vez que além de todo o mencionado
Atualmente, no Brasil, as escolas que aplicam a
Pedagogia da Alternância são conhecidas como Escolas
por inúmeros pontos, sem hierarquias, em um fluir do
Com Guattari (1990), também aprendemos a pensar
Famílias Agrícolas (EFAs). Segundo a União Nacional das
Nessa pesquisa, Oliveira coloca que somente o
anteriormente também é fundamental que o espaço de
a educação sob o enfoque das três ecologias: a mental
Escolas Famílias Agrícolas (UNEFAB), existem apenas
município de Valente têm um programa instituído pela
ação do arte/educador esteja contextualizado levando
(humana), a social (coletiva) e a ambiental (ecológica).
duzentas escolas no Brasil que aplicam essa pedagogia. Em
prefeitura que é realmente significativo e que leva em
em consideração as particularidades e necessidades dos
Esses conceitos inspiram a Educação Ambiental e devem
termos nacionais esse valor é muito baixo, no entanto, está
consideração as particularidades e necessidades dos
educandos do campo. Nesse sentido, os arte/educadores
estar presentes também quando pensamos a Educação do
prevista a implementação de mais 40 EFAs ainda para o ano
sujeitos do campo, realizando atividades contextualizadas
do campo devem ter a postura do professor crítico reflexivo
Campo, posto que ambas estão voltadas para a cidadania
de 2013. Esses dados mostram que há um crescimento no
e integradas ao meio ambiente que extrapolam a sala de
(Pimenta & Lima, 2004), ou seja, o professor que busca um
e ambas buscam a formação de sujeitos emancipados,
cenário educativo do campo.
aula e ocupam os espaços significativos desses sujeitos na
processo de ensino-aprendizagem contextualizado, que
críticos e capacitados para promover a transformação
integração dos saberes instituídos e os saberes empíricos.
considera tanto os conhecimentos instituídos como os seus
social. Para ambas, os conceito de sustentabilidade é
esses diferentes tempos, estar em sintonia com as lutas
Nas demais cidades estudadas, somente a
próprios conhecimentos e o conhecimento dos alunos e
também muito relevante e deve ser considerado como
e movimentos sociais dos sujeitos do campo. A escola do
participação de ONGs ou de Associações promovem
que tenha acima de tudo uma postura investigativa, que
elemento da prática educativa. Mas, cabe destacar, que ser
campo deve ser um espaço participativo, dialógico, no qual
um ensino conforme as escolas do campo de Valente,
reflexione sobre a própria prática, porque esta também é
sustentável no âmbito das práticas artísticas não é apenas
as comunidades campesinas tenham voz e vez. Também
sendo que a maioria das escolas são escolas tradicionais
conhecimento.
realizar atividades com material reciclado; ser sustentável é
deve ser um espaço heterogêneo de valorização tanto das
que desconsideram a realidade do campo e trabalham
diferenças como das singularidades. A escola do campo é um
O educador do campo deve, portanto, considerar
Os arte/educadores do campo também necessitam
respeitar a terra, valorizar o lugar em que se vive, respeitar o
apenas com a temática urbana na sala de aula.
atuar com a postura dos mediadores culturais, no sentido
outro e se reconhecer na diferença, ser cidadão consciente
espaço de vivência, de diálogo, de luta; é também um espaço
A arte/educadora Ana Mae Barbosa (2002) afirma que o
do estar entre: “um estar entre atento e observador, no
de seus direitos e deveres, ser ético. Nesse sentido, a arte
de transformação social que vislumbra a emancipação dos
melhor ensino de arte não está na sala de aula, mas sim
olhar e na escuta, para gerar questões que apenas tem
como mobilizadora de pensar, ver e refletir o mundo a
seus alunos através da sua ativa participação e direito a
nas ONGs preocupadas com a reconstrução social de jovens
sentido se provocam a reflexão, a conversação, a troca entre
partir dos enfoques estético e sensível deve ser entendida
decidir.
e adolescentes. Nesse sentido, o pensamento de Barbosa
os parceiros. Um estar entre que precisa ser mais apurado”
como conhecimento e não como mera execução técnica de
Nessa escola, a avaliação tem que ser diagnóstica
em relação à arte/educação corrobora o panorama das
(Martins, 2005, p. 55).
atividades artísticas.
e serve para ver como os educadores e educandos avançam
escolas do campo apresentado por Oliveira (2012). Sob a
no processo de ensino-aprendizagem, como se desenvolve o
mesma perspectiva, Lívia Marques Carvalho, através de sua
uma prática que promove o diálogo e a participação, assim
do campo existem poucas referências em relação ao ensino
olhar crítico, como se fortalece a autoestima e o sentimento
pesquisa de doutorado sobre o ensino de arte nas ONGs
como não busca verdades nem respostas concretas, mas
específico das artes visuais. A maioria dos trabalhos de arte/
de pertencimento. Enfim, essa avaliação possibilita observar
(2008), também coloca que as atividades de arte/educação
incita o pensar, o analisar e o refletir. Nesse sentido, o arte/
educação que encontramos no contexto da educação do
como o sujeito do campo reconhece-se como tal e tem
são fundamentais na reconstrução social de jovens e
educador do campo deve ser um provocador que consiga
campo são trabalhos que estão no âmbito da performance
orgulho de pertencer a cultura campesina, de ser um sujeito
adolescentes.
gerar um diálogo dos saberes entre os saberes do campo e
(música, teatro, dança e circo) e não no âmbito das artes
os saberes instituídos e os seus próprios saberes tanto como
visuais (artes plásticas, artes gráficas etc.).
Através da análise dos estudos mencionados
educador como cidadão. Este último elemento, a cidadania,
podemos concluir que as atividades de educação não
é muito importante que seja ressaltado, posto que na
apresentadas no Segundo Festival de Artes das Escolas de
formal são extremamente profícuas quando pensamos em
Educação do Campo, é fundamental um comprometimento
Assentamento do Paraná (MST/PR, 2013) que foram –em
transformação social e emancipação dos sujeitos, posto que ela:
ético e político do educador, que deve buscar acima de tudo
sua totalidade– performáticas, restando às artes visuais
do campo, de ser um camponês.
Conexões: Arte/Educação do Campo
A professora Lúcia Oliveira (2012) estudou a
situação das escolas do campo no semiárido baiano, em
74 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014
Irene Tourinho (2009) coloca que a mediação cultural é
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
especial nos municípios de Juazeiro, Valente e Uauá. Através
Não obstante, quando discutimos sobre a educação
Nessa perspectiva, estão por exemplo as atividades
Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |75
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
sujeitos; os Critical Studies (Inglaterra) na proposta de
visitação aos museus de arte fazia parte da programação,
leitura e análise da arte através da sua contextualização; e
educação não-formal heterogêneo, flexível e participativo
não havendo, no entanto, nenhuma exposição de artes
a Discipline Based Art Education – DBAE, responsável por
necessita contar com um ensino de arte que promova a
plásticas dos alunos nesse festival. É claro, que essa
pensar nos conteúdos e na organização do ensino de arte. E
reflexão, a autoestima, o pertencimento, o empoderamento
constatação não diminui a enorme importância deste
se estrutura a partir de três vértices, não hierárquicos e não
na perspectiva da interculturalidade, defendida por Ivone
evento no fortalecimento e empoderamento através da
sequenciais: conhecer arte (contextualização), apreciar arte
Richter (2000), de um ensino de arte que promova a
arte e da cultura dos cerca de dois mil estudantes da região
(leitura e análise) e fazer arte (produção).
interação de diferentes culturas, sua vivência e seu diálogo
sul do Brasil que tiveram a oportunidade de conhecer e
sem perder de vista a luta pelos direitos dos sujeitos do
se apresentar no Teatro Guaíra em Curitiba, um espaço
educação do campo temos que pensar:
Adaptando a Proposta Triangular às atividades de arte/
•
A Educação do Campo como um espaço de
campo de terem uma vida digna, de serem valorizados
o conhecer arte através da contextualização não
e respeitados e de terem reconhecida a sua importância
artistas reconhecidos nacional e internacionalmente. Essa
somente das obras de arte universais e canônicas,
para a cultura brasileira. Práticas participativas e dialógicas
constatação apenas alerta para a debilidade do ensino das
mas também das produções/ações culturais
como pode ser a Proposta Triangular no ensino das artes
artes visuais no contexto da Educação do Campo.
dos sujeitos do campo, incentivando a atitude
visuais mostram-se como fundamentais para que os arte/
Carvalho (2008), no seu estudo do ensino de arte
investigativa dos mesmos a fim de que eles
educadores neste contexto sejam verdadeiramente Arte/
em ONGs observou uma predominância de atividades
construam pequenas “histórias da arte” a partir da
Educadores do Campo.
performáticas (67%) em relação às artes visuais (33%) nas
sua própria cultura e estabelecendo relações com
instituições pesquisadas. Para a autora, isso ocorre porque
outras referências culturais;
artístico de grande relevância onde já se apresentaram
as atividades performáticas têm mais potencial para as
•
a análise e a leitura da arte considerando os
apresentações públicas e para a realização de trabalhos
múltiplos pontos de vista, promovendo um
coletivos, e que, por outro lado, corroboram as possíveis
verdadeiro diálogo intercultural, um diálogo de
exigências do apoio financeiro (marketing) necessário ao
saberes, em que os saberes dos sujeitos do campo
funcionamento da maioria das ONGs, uma vez que essas
sejam ouvidos e valorizados a fim de possibilitar a
atividades têm maior visibilidade. Nesse sentido, a autora
esses educandos a sua formação crítica e reflexiva;
alerta para esse fato no sentido de que se ofereça uma
•
o fazer arte não como a reprodução mecânica e
maior diversidade de modalidades artísticas como modo de
descontextualizada de produções artísticas, mas
ampliação do leque das experiências estéticas. No entanto,
pensar um fazer arte como uma prática reflexiva
acredita-se que após a formação da primeira turma em
em que o processo e o produto sejam significativos
Arte/Educação do MST, que aconteceu em julho de 2013
para aqueles que o fazem.
(Percassi, 2013), esse panorama possa mudar dando às
artes visuais o mesmo espaço de importância das artes
performáticas.
A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa (1998),
criada nos anos oitenta e em vigor até os dias de hoje,
tanto na educação não formal, como nos indica o estudo de
Carvalho (2008); como na educação formal, como podemos
constatar analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais
de Arte – PCN/Arte (Brasil, 1997), é uma referência muito
importante para os arte/educadores do campo que
pretendam trabalhar com o ensino das artes visuais.
Essa proposta teve como referências: as Escuelas del
Aire Libre do México e que, portanto, tem como princípios
a valorização da arte local e os conhecimentos dos próprios
Conclusões
O próprio conceito de arte tem que ser revisitado uma
vez que já não podemos mais pensar em arte erudita e arte
popular sob uma distinção de valores, em que a primeira é
mais importante que a segunda. Depois do reconhecimento
da diferença cultural e do estabelecimento de conceitos
como multiculturalismo crítico, interculturalidade, estudos
culturais sabemos que não há culturas puras, mas que
vivemos em um mundo de culturas híbridas (Canclini, 1992)
e nessa diversidade todas as culturas têm uma produção
artística válida, que precisa ser estudada e valorizada.
76 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
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Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |77
Traçado & Stroke - ¿cuál es el lugar del diseño de comunicación en la formación de un joven autor?
Line & Stroke - what role has communication design in a young author training?
Raquel Morais
RESUMEN
[email protected]
Research Institute in Art, Design and Society (i2ADS), School of Fine Arts, University of
Porto, Portugal - www.i2ads.org.
Tipo de artigo: Original
Dentro de la investigación relativa a la tesis doctoral en curso, se pretende con
este artículo contestar a dos cuestiones fundamentales que sirven de caminos a
la reflexión:
- ¿Cómo puede un proyecto de design gráfico y comunicación afectar
RESUMO
el significado y la construcción del mundo de los jóvenes? Teniendo en
cuenta los estudios de casos que van a ser presentados basados en la
acción de la investigación, ¿qué articulaciones establece la investigación
Dentro da investigação relativa à tese de doutoramento em curso, pretendese com este artigo responder a duas questões fundamentais que servem de
caminhos à reflexão:
teórica en educación artística, con la voluntad y la posibilidad de cambio?
En un contexto de escuela profesional, particular y artística, el curso técnico de
Design Gráfico surge con una voluntad de dar a los alumnos herramientas de
- Como pode um projecto de design gráfico e de comunicação afectar
comprensión del mundo. El design gráfico y la comunicación visual son el pretexto
o significado e a construção do mundo dos jovens? Tendo em conta
para analizar y reflexionar sobre la experiencia educacional - cómo puede un
os estudos de caso que irão ser apresentados baseados na acção da
proyecto artístico afectar al significado y la construcción del mundo, y cómo es
investigação, que articulações a investigação teórica em educação
que los jóvenes pueden ser críticos y reflexionar sobre sus propias elecciones y
artística estabelece com a vontade e a possibilidade da mudança?
actitudes.
Num contexto de escola profissional, particular e artística, o curso técnico
Se pretende profundizar en las cuestiones particulares relativas a la Educación
de Design Gráfico surge com uma vontade de dar aos alunos ferramentas de
del Design Gráfico y de la Comunicación, su enseñanza en un sistema profesional
compreensão do mundo. O design gráfico e a comunicação visual são o pretexto
y de nivel pre-universitario, y su relación con una educación responsable para la
para analisar e refletir sobre a experiência educacional - como pode um projecto
ciudadanía y el desarrollo sostenible.
artístico afectar o significado e a construção do mundo, e como é que os jovens
podem ser críticos e refletir sobre as suas próprias escolhas e atitudes.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de
um jovem autor?
Este articulo está dividido en tres grandes bloques: una primera parte de
introducción al tema revelando la posición sobre lo que es el Design y una
Pretende-se aprofundar as questões particulares relativas à Educação do design
educación en Design sirviendo de contextualización de los casos de estudio;
Gráfico e de Comunciação, o seu ensino num sistema profissional e de nível pré-
Una segunda parte relativa a los casos de estudios y reflexiones resultantes de la
universitário, com relação com uma educação responsável para a cidadania e
acciòn-investigaciòn; Una tercera parte de caminos y pistas a la respuesta a las
desenvolvimento sustentável.
cuestiones iniciales.
Este artigo está dividido em três grandes blocos: uma primeira parte de introdução
Palabras-clave: Educación Artística y Del Design; Educación para el Desarrollo
ao tema revelando a posição sobre o que é o Design e uma educação em Design
Sostenible; Acciòn-investigaciòn en Design y Comunicación.
servindo de contextualização dos caso de estudo; Uma segunda parte relativa aos
caso de estudo e reflexões decorrentes da acção-investigação; Uma terceira parte
de caminhos e pistas de resposta às questões iniciais.
Palavras-chave: Educação Artística e do Design; Educação para o Desenvolvimento Sustentável; Acção-investigação em Design e Comunicação.
78 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |79
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
1. O significado de Design no seu lugar na de Design Gráfico na Escola Artística e Profissional Árvore
Educação Artística
(EAPA) no Porto, Portugal . A escola tem uma experiência de
1
ABSTRACT
Within the research for the doctoral thesis in progress, the intention of this article
is to provide an answer to two fundamental questions, which may be considered
paths for a reflection:
- How can a communication and graphic design project affect the
meaning and the construction of the world of youth? Having in mind
that the case study projects that will be presented are based on action,
how can the theoretical research in art education establish connections
to the will as well as to the possibility of changing?
cerca 30 anos de ensino profissional e artístico. É uma escola
O Design gráfico e de comunciação tem um papel ainda
de ensino de nível secundário pré-universitário, privada,
pequeno e secundário dentro do mundo “maior” de
com autonomia pedagógica, onde os cursos profissionais
conhecimento que é a Educação Artística, comparando
aprovados pelo Ministério da Educação são ministrados e
com outras áreas de enfoque, por exemplo, nas áreas
financiados pelo POPH (Programa Operacional Potencial
de conhecimento das questões ligadas às artes plásticas
Humano) . É um lugar onde ainda se tenta a experiência
ou performativas. Prova disso é a pouca investigação
pedagógica, a reflexão crítica e onde os professores e
publicada nesta área, nomeadamente em Portugal. Mais
técnicos tentam um trabalho de equipa em contacto com
pequeno e pouco estudado se torna, quando em particular
o mundo das empresas e instituições da cidade. Todos os
tentamos aprofundar as questões específicas do Design
cursos, de nível secundário, têm a duração de 3 anos e
Gráfico e de Comunicação, ligadas a uma educação de
conferem habilitações ao 12º ano de escolaridade. Em
nível pré-universitário, técnico e profissional. Isto deve-se a
média, os alunos entram na escola com 14 anos e saem
variadas razões, entre as quais: O design é uma disciplina
2
com 17. Cerca de metade tenta prosseguir estudos no
relativamente recente nas escolas portuguesas, mais
In a private vocational artistic school context, a technical graphic design course
ensino superior em áreas artísticas, enquanto que os
recente se torna a um nível de ensino secundário. Só em
comes with a willingness to provide students with tools to understand the
restantes tentam o mercado de trabalho ou outros modelos
2006 é introduzido no sistema nacional o curso profissional
world. Graphic design and visual communication are the pretexts to analyse and
de formação profissional. Mais à frente neste artigo será
e técnico de Design Gráfico que foi feito a partir do curso
to reflect upon educational experience - how can an artistic project affect the
descrita a estrutura do curso técnico de Design Gráfico no
de Desenho Gráfico nascido nos anos 80 com a introdução
meaning and the construction of the world, and how can young people have a
âmbito dos seus projectos e metodologia de ensino aplicado
do sistema de ensino profissional em Portugal; A área
critical approach and thus reflect upon their own choices and attitudes.
aos estudos de caso.
profissional tem muitos requisitos e divisões (vejam-se por
It is intended to deepen the particular issues regarding the education of Graphic
exemplo as várias tipologias da prática do design, desde
Entende-se aqui que uma educação em Design Gráfico
ao design de moda, produto, etc) existindo igualmente
deverá ser uma educação preocupada com as questões
enúmeras saídas profissionais; A disciplina de crítica de
sociais e uma forma de compreensão do mundo numa era
design ou a investigação em design normalmente é feita sob
digital povoada de imagens e ecrãs. As relações com um
o ponto de vista do artefacto e da prática do design, não há
This article is divided into three main blocks: the first part is an introduction
design social e uma reflexão a partir da cultura visual são
uma tradição de estudos críticos específicos do design ou
to the subject’s position on what is Design and Design Education in order to
evidentes e que mais tarde também se exploram.
da teoria do design ligados à prática do ensino e visando
Design and Communication, which is taught in a vocational system and at a pre
- university level, by connecting it to responsible citizenship and sustainable
development education.
contextualize the case study; the second part is about the case studies and the
reflections arising from action-research; the third is about the paths and tracks of
response to the initial questions;
Keywords: Arts and Design Education; Education for Sustainable Development;
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
O contexto dos estudos de caso são vividos no curso técnico
Para melhor definir os campos estudados, torna-se
necessário então definir o termo Design, o campo do Design
Gráfico e de Comunicação nas Artes e na Educação Artística
e colocar no contexto histórico a profissão e o seu ensino.
Action-Research in Design and Communication.
uma educação global. Algumas excepções são, por exemplo,
as teorias nascidas nos anos 70 aliadas ao Design Thinking,
com a sua aplicação nas engenharias, gestão e educação; Em
Portugal, um designer normalmente não é preparado para
ser um professor, não estuda especificamente para essa
profissão enquanto que noutras áreas artísticas existem
estudos e cursos específicos para ser um professor. A cultura
de escola e ensino de um designer que um dia poderá vir
a ser um professor, baseia-se na concepção de “mestre” e
1 Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último
acesso em 31 de Janeiro 2014);
na relação hierárquica que se pode estabelecer entre os
“seguidores” e o “mentor”; Há uma grande diferença de
métodos e perfis entre um designer (ou alguém formado na
2 Mais informações em http://www.poph.qren.pt (último acesso em 31
de Janeiro 2014);
80 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
área artística) e um professor. Um designer essencialmente é
Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |81
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Na tentativa de melhor compreendermos o fenónemo
de Design Português” realizada pelo então Instituto Nacional
que procuram um afastamento das artes tradicionais e a
uma necessidade específica, público-alvo, técnicas e regras
do Design, a sua prática, ensino e profissionais, tentemos
de Investigação Industrial (Fragoso, 2012, pp. 66) e que
defesa de pressupostos universais, científicos e políticos
formais; A existência de uma variedade de nomenclaturas
primeiro duas abordagens: uma no sentido da codificação
confere o nascimento oficial desta actividade. Nas décadas
para a resolução de problemas. É na génese do design que
e alguma confusão em relação aos nomes e papeis
e etimologia da palavra, e outra, num sentido histórico do
seguintes, são criados cursos superiores e escolas de design,
residem as questões centrais da dictomia forma-função, as
desempenhados pelo designer de comunicação fazem com
aparecimento da profissão e da sua legitimização pelas
pelo estado e por alguma iniciativa privada. É então com a
ligadas aos objectos utilitários para todos, à universalidade
que exista mais dificuldade em definir a profissão ou as suas
instituições de ensino.
institucionalização da prática do design e do seu ensino, que
da forma, a uma produção em massa para que os objectos
são criados os primeiro cursos técnicos ou profissionais de
sejam mais acessíveis a todos, a um design para todos e
ligado à democracia e a questões políticas.
funções.
A confusão de significados da palavra Design e como é
design, com o nascimento do ensino profissional no currículo
Mas se no mundo profissional ainda existem tantas
amplamente aplicada provavelmente relaciona-se com
nos anos 80. Na sua génese, o curso de Artes Gráficas lidava
nomeclaturas e “nichos”, essa questão é reflexo ainda da
a origem e o seu duplo significado: quando usado como
com as práticas industriais e artísticas de impressão e tinha
A criação dos primeiros movimentos artísticos e escolas em
recente entrada no mercado da legitimização da profissão
verbo liga-se ao acto de fazer, projectar e planear. Como
como objectivo a formação para a profissão de desenhador
que o design é ensinado, acompanham essa âmbito social
por via das escolas superiores. Desde o “artista” dos anos
substantivo, significa o produto, o artefacto, o resultado
ou artista gráfico. Com a introdução dos meios digitais nos
do design, vejamos:
20 do séc. XX, que arranjava as formas e a composição
e finalidade em si. A origem da palavra inglesa tem como
anos 90 e a consequente evolução das áreas profissionais
No início do século XX na Rússia revolucionária, o
da página, fazia igualmente as ilustrações e decorações
base a palavra latina – “designare -, “de”, e “signum”
ligadas ao design gráfico, sendo a extinção da profissão de
Construtivismo abre portas à união entre a Arte e
da tipografia, até ao designer do início do séc. XXI, a
(marca, sinal) significa desenvolver, conceber”. A palavra
desenhador gráfico uma realidade, o curso é revisto em
Tecnologia ao serviço das necessidades de uma nação.
profissão e tarefas alteraram-se consideralvelmente. Não
“design” surgiu no século XVIII, no Reino Unido, como
2006. Surge assim o actual curso técnico de Design Gráfico,
A ideia fundamental era “construir, educar e comunicar a
só se assistiram a alterações e mudanças radicais ao nível
tradução do termo italiano disegno (desenho), mas só
mais ligado às questões da comunicação visual e à criação
população sobre factos que se desenrolaram na fase inicial
técnico, bem como a introdução do mundo digital veio
com o desenvolvimento da produção industrial e com a
gráfica, tendo em consideração a evolução do mercado e
da implantação do socialismo” (Curtis, 2011, pp. 25). Após
alterar práticas, tempos, aquisição de informação e formas
institucionalização da sua prática, com a criação das escolas
das tecnologias digitais.
1918, os artistas iniciaram um trabalho de organização da
de comunicação em si, a que um designer não pode ficar
dedicadas ao ensino específico do design, é que esta
alheio. Também as preocupações do designer sofreram
expressão passou a caracterizar uma actividade exclusiva
O Design nasce assim da necessidade de regulamentar
propaganda massiva. Em 1920 são criadas importantes
alterações, se no início seria uma profissão para servir
no processo de desenvolvimento de produtos e serviços
objectos do quotidiano, da industrialização massiva e da
escolas em Moscovo: o Inchuck (Instituto de Cultura
quase exclusivamente de apoio ao mundo das vendas e da
(Braga, 2011, pp. 11). Havia que distinguir entre o desenhar
publicidade aos produtos e serviços num mundo em pleno
Artística) e o Vkhutemas (Estudos Artísticos e Técnicos
publicidade, cedo se descobriram as vantagens de dominar
(to draw) e o conceber ou projectar (to design). O produto
desenvolvimento económico e em expansão capitalista.
Superiores), voltadas para uma formação abrangente
a comunicação visual para efeitos sociais, de propaganda
daí resultante adquiria igualmente a característica da sua
Desde os anos 1990, que a disciplina obtêm plena aceitação
em arte, arquitectura e design onde homem, tecnologia,
ou políticos. Em conclusão, o lugar do Design Gráfico ou de
concepção, poderia ter mais ou menos “design”.
e é também nesta década que novas necessidades de
máquina e arte se fundem. Este movimento é percurssor de
comunicação nascem. Os designers gráficos não só são
um design social pelas preocupações perante o colectivo em
Comunicação na Educação Artística é um ponto pequeno
vida cultural e artística do país visando a educação pela
inerente à sua prática e ensino, o Design como disciplina e
O termo inglês design é hoje amplamente utilizado
requisitados por questões publicitárias e de marketing das
deterimento do individual, “pelo pão, pela paz e pela casa”
profissão ainda busca o seu lugar.
em Portugal. Porque usamos design e não desenho, à
empresas, de tratamento da “imagem” da empresa, mas
(Fragoso, 2012, pp. 25-26).
semelhança dos vizinhos espanhois, ou até a palavra
também, são contratados para resolver questões visuais
debuxo, entretanto caída em desuso, seria motivo provável
ligadas a assuntos sociais e políticos. Não estão só ligados,
Em 1919 na Alemanha, a Escola Bauhaus e os movimentos
e válido para um outro artigo. As razões certamente
por vezes num segundo plano, ao comércio e vendas,
modernistas também vão ser influenciados pelos “ventos”
prendem-se com uma certa cultura de importação dos
mas também à informação, instrução e apresentação. A
construtivistas e a acção social que a arte e o design poderão
termos algo-saxónicos ligada à publicidade e marketing,
linguagem visual da persuação volta-se para as questões
ter no quotidiano. O projecto Bauhaus, de vida atribulada,
mas também, devido à educação dos percursores do design
éticas, sociais e pessoais. O Designer sente que também ele
interrompido pelo Führer Hitler e pela 2ª guerra Mundial,
português, que estudaram fora do país e trouxeram para
pode mudar o mundo para um mundo melhor e não tem
vai influenciar toda a educação do design no sentido de uma
Lisboa os primeiros gabinetes e agências de publicidade. A
que estar em exclusivo ao serviço da sociedade por vezes
educação global, técnica e convergente de vários saberes,
palavra design começa então a ser amplamente utilizada em
fútil e onde o único interesse é o lucro.
teórico e prático. Depois do seu fecho definitivo em solo
O interesse deste tema e abordagem, pela via do ensino
pré-universitário, relaciona-se principalmente por incidir
numa fase muito particular no desenvolvimento do jovem e
ainda as escolhas definitivas em relação à sua profissão ou
continuação de estudos não estarem fechadas. Os alunos
que frequentam o curso técnico de Design Gráfico na EAPA,
na sua grande maioria, não serão todos designers. Mas estes
3 anos de formação final no ensino secundário são de grande
importância quanto à construção de valores identitários
e da passagem da adolescência para a juventude, irão ser
cidadãos maiores de idade e de plenos direitos. Como um
curso técnico de Design pode ensinar para além do design
e das técnicas?
alemão, em Berlim de 1933, os principais professores e
Portugal a partir dos finais dos anos 60 do séc. XX, aquando
um grupo de profissionais da área, nomeadamente Sena da
Aliás, já na origem da criação das escolas de ensino do
directores seguem para a Europa aliada ou para os Estados
Silva, Daciano Costa, António Garcia, entre outros, se auto-
Design no início do séc. XX e que deram significado à
Unidos. Em Chicago em 1937, Moholy-Nagy funda a “New
intitulam de designers. Em 1971 tem lugar a “1ª Exposição
especificidade da profissão de Designer, residem ideais
Bauhaus” e Walter Gropius é professor de arquitectura em
82 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
um comunicador visual que é “treinado” para trabalhar para
Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |83
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pela Teoria Crítica, a Escola de Frankfurt e da contra-cultura
permanente alteração em virtude das também constantes
Construtivistas Russos após a revolução de 1917.
Otl Aicher e Inge Aicher-Scholl, fundam a escola privada
própria do ambiente vivido nos anos 60. “First Things First”,
alterações culturais, sociais e económicas, bem como, da
Segundo Whiteley, este modelo possui algumas
“Ulm Hochschule für Gestaltung” (Escola de Design de Ulm)
reuniu contra a cultura consumista e tentou adicionar
necessidade que parte dos “actores do design” de produzir
variantes: o designer “radical” do final da década de
numa tentativa de rejuvenescimento do estilo Bauhausiano
uma dimensão humanista à teoria de design gráfico e de
conceitos em permanente mutação .
1960 deu lugar ao designer “responsável” da década
de ensino. Fechou em 1968 por problemas finaceiros e
comunicação . Mais tarde foi actualizado e republicado com
lutas internas. A escola alemã de Ulm defendia o “design
um novo grupo de signatários como o “First Things First 2000
como elemento de utilidade social e o designer como um
manifesto” na revista Adbusters em 1999. Este manifesto
condutor da informação (e não um artista), cujo trabalho
relaciona-se directamente com a educação do design pois
era o de dar claridade e ordem na organização visual da
uma grande maioria dos designers que o assinaram também
informação” (Braga, 2011, pp. 18). É aliás Otl Aicher, que
desempenham funções como professores ou colaboradores
cunhou o termo “comunicação visual” para englobar todas
de escolas artísticas e de design, passando esta cultura de
as especialidades num único vocábulo. Este termo indica
interesse social aos seus alunos. Este manifesto continua
precisamente o que significa e ainda hoje se utiliza. Refere-
actual e ciclicamente é recuperado quer em conferências
se a especializações que lidam com o aspecto visual da
ou revistas da especialidade, reescrito, analisado ou ainda
mensagem, como ilustração, tipografia, design interativo,
criticado.
4
5
Design,
portanto,
significa
essencialmente
projectar
artefactos ou serviços para determinado grupo ou
Apesar de as vozes pós-modernistas serem muito
necessidade detectada, lida com os seres humanos a um
críticas quanto à aura da escola Bauhaus e da verdadeira
nível direto pois tem sempre como finalidade o Outro e
importância da sua herança deixada na história de arte e do
as suas aspirações. O Design desde a sua origem, foi um
design, não deixa de ser marcante o legado desta escola nos
produto de ambições sociais e de diferentes intenções
domínios da metodologia do design, do Design Thinking, de
políticas, culturais e económicas. “O design nunca é
pedagogias aplicadas às artes e técnicas, do Modernismo e
neutro no cenário social” (Braga, 2011, pp. 18). Em termos
do Estilo Internacional, na combinação interdisciplinar do
latos, o design gráfico é um tipo de linguagem, com os
artesanato, artes aplicadas e a industrialização massiva.
seus códigos próprios, que serve essencialmente para
comunicar de uma forma visual. Serve para comunicar,
Para concluir esta parte referente ao papel social do Design,
mas igualmente para vender, alertar, informar, entreter,
das escolas percursoras e de alguns momentos chave na
educar e interagir. O design gráfico e de comunicação está,
história do design, torna-se obrigatório referir a publicação
deste modo, submerso na nossa vida quotidiana, social,
em 1964 do manifesto “First Things First” , pelo designer
económica e cultural. O que se verifica e igualmente sendo
inglês Ken Garland e apoiado por mais de 400 designers e
mais uma prova que o design é social e dinâmico, é que os
artistas. Este manifesto foi uma importante forma de reacção
diferentes conceitos e abordagens feitas ao design estão em
3
contra a Grã-Bretanha dos “ricos e abastados” da década
de 1960, na tentativa de radicalizar o projecto de design de
comunicação que entretanto se tinha tornado “preguiçoso
e acrítico”. Reafirmou o conceito de que o Design não é algo
isento de valor neutro e baseou-se nas ideias compartilhadas
3 Cópia do manifesto no site de Ken Garland: http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/first%20things%20first/index.
html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter (último acesso em
31 de Janeiro 2014);
Segundo Nigel Whiteley vivemos uma condição pósmoderna em que teoria e prática se fundem existindo
uma “erosão da distinção entre teoria e prática [que] é
sintomática de um desmoronamento maior das fronteiras
que separavam disciplinas, áreas de conhecimento e
metodologias científicas” (Whiteley, 1998, pp. 63). O
conceito de disciplina também ele se alterou em relação
aos anos 60, em que o desejo de autonomia se expunha
na relação entre a prática e a teoria, “Antes conceituadas
como independentes, autónomas e compartimentadas, as
disciplinas tradicionais hoje dão lugar à interdisciplinaridade,
design web, design de embalagem, design de informação,
entre outras.
6
outro sintoma característico da condição pós-moderna.”
(Whiteley, 1998, pp. 63)
5 Mais informação em http://www.eyemagazine.com/feature/article/
first-things-first-manifesto-2000 (último acesso em 31 de Janeiro 2014);
84 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
atenção para as questões ambientais. Este designer
“verde” ou “ecológico” deu lugar ao designer “ético”
da década de 1990, onde passou a perceber o
design como um fenómeno visceralmente ligado ao
consumo, com uma relação íntima com o sistema
político e social. Os partidários desse modelo
possuem uma certa tendência a pressupor que tanto
o processo de design quanto o de consumo são
racionais, onde as pessoas agirão de “forma correta”
e tomarão decisões “sensatas” segundo escolhas
responsáveis baseadas na informação correcta;
- O “designer consumista”; Não é propriamente
aquele que consome, mas sim, aquele que projecta
A interdisciplinaridade surge assim como traço identificador
na adaptação do design às circunstâncias culturais e sociais
do tempo que mora. Whiteley desenvolve uma série de
modelos que se relacionam diretamente com modelos
de escolas e ensino. Para Whiteley existem cinco tipos de
designer, que passo a descrever brevemente.
- o “designer formalizado”; o que busca a
funcionalidade máxima, herança da dictomia formafunção, é criado em instituições que condenam
a parte teórica e até filosófica do design, tendo
princípios enraizados no Modernismo e na escola
Bauhaus;
- o “designer teorizado”; que é o oposto do
formalizado, tem grande formação teórica em
deterimento da prática, sendo incapaz de relacionar
teoria e prática;
4 “...we have reached a saturation point at which the high pitched
scream of consumer selling is no more than sheer noise. We think that
there are other things more worth using our skill and experience on.
There are signs for streets and buildings, books and periodicals, catalogues, instructional manuals, industrial photography, educational aids,
films, television features, scientific and industrial publications and all the
other media through which we promote our trade, our education, our
culture and our greater awareness of the world. ...” Garland, First Things
First.
de 1970, que nos anos de 1980 começou a dar mais
- o “designer politizado”; ligado ao modelo
anterior e com origem nos ideais defendidos pelos
6 Design, then, is not only a process but also a vehicle of ideology and
a means of expressing national, institutional or corporate aspirations, a
point underlined in the 1980s by the importance given to it in many countries. Increased global competition, mostly brought about by those new dynamics in the world economy, was met by increasing government interest
in and promotion of design in many countries. (Julier, 2004, pp.13)
focando sempre o consumo quase em exclusivo.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Harvard até 1952. Em 1950, Max Bill, ex-aluno da Bauhaus,
Não possui grande poder teórico nem preocupações
políticas ou ambientais. Uma crítica e reacção a
esta concepção de designer consumista tem origem
na influência exercida pelo livro “Design para o
mundo real: ecologia humana e troca social”, de
Vitor Papanek, lançado em 1972, que teve como
intenção promover uma nova “agenda social para
os designers” e repercutiu internacionalmente esta
ideia de design atento e crítico. O livro de Papanek e
o manifesto de 64 “First Things First” vieram alterar
consideralvelmente esta noção de designer e o tomar
consciência do designer também como formador de
opinião.
- O “designer tecnológico”; Em que é desenvolvido
um certo fanatismo pelos avanços tecnológicos e
informáticos em deterimento de uma reflexão crítica,
assemelha-se ao modelo consumista com enfoque
na tecnologia.
Para Whitley, todos os modelos possuem limitações.
Surge assim o modelo ideal, o “designer valorizado”
que congrega todas as qualidade dos modelos
anteriores, em equilíbrio.
Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |85
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do Mundo, na preparação de melhores cidadãos através do
com o meio e os seus produtores, insere-se no real e procura
ao trabalho, tendo vários professores responsáveis e guias
ensino, que seja adequado às necessidades da nossa
desenvolvimento da inteligência sensível, da resolução de
o diálogo da multiplicidade dentro da diversidade.
deste percurso. Os tempos de aula são vistos como pontos
sociedade, do nosso mundo e que transforme o estudante
problemas, do estímulo da criatividade e desenvolvimento
de encontro de forma a analisar o decurso do projecto, são
num profissional sofisticado, que deve estar bem informado
cognitivo e da destreza manual. O curso técnico e
feitos pontos de situação semanais, revertidos em avaliação
e capaz de discutir e reflectir de forma crítica, além de ser
profissional insere-se nesta lógica de proporcionar aos
criativo em termos de projecto. O futuro profissional deve
alunos competências técnicas e habilidades que os prepara
ter pleno conhecimento dos valores do design, além de
para uma futura profissão. Na escola em questão, o objectivo
saber conciliar e unir teoria e prática, de forma construtiva.
vai para além da destreza pois como escola exclusivamente
artística há mais de 30 anos acreditamos que as Artes e o
É neste modelo de designer valorizado que se situa o
Design poderão ser um elemento chave de compreensão e
modelo da escola onde os estudos de caso ocorreram.
mudança do mundo.
Com preocupações sociais e culturais, trabalhando
com a comunidade e as instituições vizinhas à escola, o
A arte e uma educação artística poderão tornar-se
curso técnico de Design Gráfico tem como inspiração os
elementos-chave para uma consciência do eu e do outro,
prinicpais temas do programa da UNESCO de Educação
de uma cultura de responsabilidade e afirmação do futuro
para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) de forma a
cidadão autónomo, de julgamento sobre o real. A construção
que os alunos tenham uma consciência e sentido crítico
da educação do olhar sensível, segundo Sílvia Pilloto
daquilo que os rodeia. Desta forma também se pretende
baseada em Paulo Freire, é um dos objectos de pesquisa
que estejam preparados para um futuro incerto mas que
no campo da Educação e Arte e uma das preocupações da
a resolução de problemas e as questões multidisciplinares
escola na actualidade. Trata-se de um olhar que “amplia
e inter-temáticas sejam estruturais a qualquer tarefa ou
as leituras do mundo”, não um olhar exclusivamente
profissão.
unidirecional e centrado na realidade puramente visual, é
7
Interessa então esta dimensão social e preocupada do
design, do seu ensino e do futuro profissional dos jovens.
Pois é esta dimensão “valorizada” ou com outro valor para
além do valor do consumo e das “imagens de marca”, que
se relaciona directamente com a Educação, para o bem e
para a construção de um futuro melhor. Pressupõe a ideia
de uma transformação positiva na pessoa através de uma
actuação ética. Logo, ao educarmos alguém, estamos a
transformar essa pessoa em alguém melhor, estamos a
transcender e a passar uma determinada cultura de valores
para a construção de uma sociedade melhor. Pressupõe
igualmente, pela parte de quem educa, ser um agente de
mudança ética.
A educação para a cidadania respeita e acata os valores
essenciais no ensino artístico de descoberta e exploração
7 Mais informações em http://www.unesco.org/new/en/education/
themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainabledevelopment/education-for-sustainable-development/ (último acesso em
31 de Janeiro 2014);
um olhar aberto a outros sentidos e complexo na sua análise
(Pilloto, 2008, pp. 10). É uma leitura sensível, para além da
descodificação mecânica, que permite uma compreensão
mais profunda do mundo e prepara os futuros cidadãos
para uma interpretação crítica do que os rodeia, implicando
a percepção das relações entre texto e contexto.
As artes, deste modo, podem ser um veículo promotor da
união de diferentes classes e extractos sociais, de diferentes
etnias e de trocas culturais, podem desenvolver capacidades
em outras aprendizagens e saberes, reforçam o diálogo entre
pares e entre educadores e alunos. A educação artística e do
design pode também ser um veículo para o questionamento
da actualidade e consequente construção e compreensão
de uma consciência ética sobre a obra, o objecto e a sua
utilidade e vida. Apresentados tão vastos objectivos e
argumentos para um ensino das artes e do design, a posição
do professor será a de guiar os alunos neste território ao
mesmo tempo consolidando os alicerces para uma futura
profissão. A escola artística deve estar intimamente ligada
86 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
2. Estudos de Caso
à disciplina e auto-avaliação dos alunos e professores.
Os estudos de caso aqui apresentados correspondem a
projectos que têm em comum terem sido realizados na
Escola Artística e Profissional Árvore (EAPA) no curso técnico
de Design Gráfico e a alteração do habitual espaço da aula,
a sua deslocação e consequente estrutura da aula, matérias
leccionadas, ritmos de trabalho e interacção com os colegas,
técnicos e professores.
Como atrás foi referido, os cursos da escola são de nível
de ensino secundário (pré-universitário), profissionais
e artísticos, todos ligados ao design e às artes, a saber:
Animação 2D/3D, Conservação e Restauro, Desenho Digital
3D, Design de Equipamento, Design Gráfico, Design de Moda
e Multimédia. A componente das disciplinas tecnológicas
é comum a todos os cursos, e no caso específico do curso
de Design Gráfico, existem duas disciplinas fundamentais:
Oficina Gráfica onde se leccionam os conteúdos relativos
às ferramentas digitais e não digitais e Design Gráfico, onde
se leccionam questões relativas à criação e ao projecto de
comunicação visual. Estas disciplinas tem grande articulação
e, apesar de serem dadas por professores diferentes, são
coordenadas entre si através das propostas de trabalho e
dos projectos. O trabalho em equipa extende-se também
A escolha dos estudos de caso deveu-se a serem projectos
em que se estavam a experimentar outras formas de
leccionação e deram-se no tempo da investigação, onde um
certo olhar mais atento teve lugar. Interessava entender os
processos e consequências da mudança do habitual espaço
da aula, do contacto e projectos com entidades fora do sítio
seguro que é a escola, as diferentes abordagens do papel do
design gráfico e de comunicação na sociedade digital e da
imagem, bem como, o papel do professor-guia e do alunoautor em paralelo com um percurso escolar. A metodologia
de análise situou-se na observação directa e em entrevistas
abertas, na construção de episódios de vida dos alunos. À
observação seguiu-se a posterior análise, reflexão, diálogo,
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Para isso é necessário desenvolver um novo modelo de
confronto e escrita também com os jovens. Daí por vezes
a escrita adquirir uma forma de “relato” algo pessoal, por
ser vivida pela autora no seu duplo papel de professora e
também investigadora. A sala de aula transforma-se assim
num espaço de acção e reflexão, num “laboratório” de
experiências que não são necessariamente exemplares, são
episódios vividos que valem o seu relato pelas experiências
e reflexões produzidas.
a outras disciplinas, nomeadamente na construção
Os alunos hoje são estimulados por múltiplos aparelhos
de conteúdos, em trabalhos de pesquisa ou na escrita
e interfaces, vivem num mundo mediatizado em que o
da memória descritiva de cada projecto. O curso têm
conhecimento não é construído necessariamente numa
enúmeras parcerias com entidades vizinhas ou empresas,
sala de aula. O clássico isolamento da sala de aula e da
faz regularmente projectos que simulam uma situação
escola, como uma entidade protetora e de alteração per
real de trabalho, são projectos que mais tarde são de facto
si do indivíduo, está distanciada da realidade vivida. “As
aplicados e produzidos. Serve esta contextualização para
formas tradicionais de práticas lectivas e abordagem
melhor se entender a mecânica de trabalho do curso:
curricular estão em exposta discordância, com as actuais
há um pedido de uma entidade, nas várias disciplinas e
dinâmicas do conhecimento e da aprendizagem, num
com um calendário pré-determinado trabalha-se para o
mundo fortemente mediatizado que é o dos nossos alunos.
pedido, entrega-se o projecto e cada disciplina avalia as
Os novos media interactivos, em associação com as vastas
competências inerentes aos conteúdos leccionados, na
bases de dados dos velhos media, suscetíveis de rápida
maioria das vezes adaptando à situação real. Os alunos
digitalização, estão a revolucionar os tradicionais conceitos
têm que fazer todas as diligências e contactos inerentes
sobre educação e tornam possíveis novos contextos sociais
Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |87
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
da professora Sara Lopes para o mestrado em Ensino das
professoras saíram para a zona
O apetecível “mundo lá fora” entra constantemente
Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino
circundante à escola e iniciaram o
na aula, através de múltiplos interfaces e mecanismos.
Secundário da Faculdade de Filosofia da Universidade
passeio pela cidade. Esta proposta
Ao mesmo tempo, o ensino particular do design não se
Católica Portuguesa.
continha também uma componente
faz desfasado da realidade, o design é um exercício de
projectar para o outro, para a necessidade detectada nesse
mundo. Nesta mediação de forças encontra-se o professor
com as obrigações de executar um programa definido,
num calendário estabelecido e uma lista obrigatória de
objectivos e competências. A complexidade, a diversidade,
a interacção e a multiplicidade dos suportes são conceitos
desfasados da estrutura normativa do curriculum. Mas
a realidade vivida na sala de aula coloca a necessidade e
pressão na mudança. Esta mudança torna-se mais urgente
quando falamos de um ensinar preocupado e apaixonado no
sentido de um envolvimento como sujeitos fomentadores
da aprendizagem mas também como autores e parceiros
dos jovens alunos.
o livro “Tipografia em Ambiente Urbano” pretendeu abrir o
debate às questões sobre a cópia, o plágio e a inter-relação
de técncias tradicionais e artísticas de impressão (serigrafia)
com as técnicas digitais de aquisição e tratamento de
imagem, composição de texto e construção de um livro; O
segundo projecto, “Tecer Outras Coisas”, enquadra-se num
espaço de diálogo e construção entre alunos, professores,
artistas, designers e ex-empregados do setor têxtil em regime
de voluntariado; O terceiro projecto, “Raiz” é o resultado de
uma Prova de Aptidão Profissional (PAP) , prova obrigatória
8
e pública que permite a conclusão de um curso profissional
e que deverá ser um projecto demonstrador dos saberes
adquiridos ao longo de todo o percurso escolar;
Livro Tipografia em Ambiente Urbano
Nasce no contexto de ensino profissional do curso técnico
de design gráfico, e igualmente, num contexto de estágio
8 Mais informações em https://dre.pt/pdf1sdip/2013/02/03301/0000200009.pdf ou em http://dre.pt/
pdf1s/2004/05/119B01/00290038.pdf (último acesso em 31 de Janeiro
2014);
intervenientes importante para o
(“Grande C”) promovido a nível nacional pela AGECOP
conhecimento mútuo e de reflexão
(Associação para a Gestão da Cópia Privada)9. Toda a
sobre a cidade que habitamos.
proposta de trabalho segue metodologias e formas de
Cada aluno com a sua máquina
abordar as questões do design gráfico inseridas na lógica do
fotográfica, enquadrava, focava, na
curso e da práctica lectiva.
tentativa da procura de cada letra
A propósito de uma reflexão sobre o plágio, a relação ética e
na sombra ou reflexo do pormenor
deontológica com os direitos de autor e conexos, escolheu-
capturado. Nesta busca, o olhar
se o formato de livro para desenvolver um projecto de
percorria os edifícios e a luz de
design gráfico que uniu alunos, professores e técnicos.
uma cidade marcada pela história
Com pleno domínio de todas as fases, desde a concepção,
e
passando pelo desenvolvimento de conteúdos, montagem
objecto. Alunos, professores e técnicos juntaram-se ladoa-lado num propósito de construção emergente de um
artefacto que aborda as questões técnicas do design gráfico
e artes gráficas, mas também, as questões conceptuais,
clarificadoras do caminho percorrido, da identidade e
dos significados. Pretende-se reflectir sobre um projecto
complexo, original e ambicioso, que encerra em si mesmo
uma ideia completa de ensino artístico contemporâneo,
experimental e transdisciplinar.
O concurso pretendia que as escolas trabalhassem peças
originais executadas por alunos, próprias dos meios de
comunicação a que eles diariamente acedem, ganhando
desta forma uma consciência sobre o plágio, os direitos
de autor e conexos. O desafio era o de criar uma peça
completamente original em que os conteúdos (imagem
e texto) fossem exclusiva responsabilidade dos alunos.
Na disciplina de Design Gráfico os conteúdos a leccionar
seriam precisamente os relativos ao módulo “A Imagem”.
As professoras ao terem conhecimento deste concurso de
imediato formularam um projecto em que a imagem fosse
discutida sob o ponto de vista, primeiro da sua observação,
segundo, da sua aquisição, e por fim, da sua análise e
9 Mais informações em http://www.agecop.pt/ (último acesso em 31 de
Janeiro 2014);
88 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
património.
Desvendavam-se
“coisas que nunca tinha visto”,
e finalizando na produção e acabamentos, este projecto pôs
à prova a capacidade da turma e da escola na produção do
Os casos de estudo têm características diferentes: o primeiro,
lúdica e de envolvimento entre os
Este projecto seria posteriormente alvo de concurso
nas palavras de uma aluna, pela
Imagem 1 – (no sentido dos ponteiros do relógio) Capa, duas páginas e impressão do livro em
serigrafia.
contextualização. Como a escola se situa em pleno centro
histórico da cidade do Porto e património da humanidade10,
a ideia de descobrir pelo olhar atento a cidade sob o
pretexto de uma visita foi encontrada. O formato livro surgiu
na lógica da necessidade de registo de 23 alunos juntos
numa única peça. Seria impresso em serigrafia, cosido e
colado na Oficina Gráfica, numa edição de 50 exemplares.
Chegou-se ao título “Tipografia em Ambiente Urbano” por
tema e conteúdos se basearem na descoberta de formas
tipográficas na malha da cidade, na composição atenta da
tomada da fotografia e na consciência sobre o copyright e
os direitos de autor.
distracção de quem passa por ali
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
e culturais de aprendizagem.” (Rodrigues, 2011, pp.33)
todos os dias.
Já em aula, cada aluno procedeu
à selecção das imagens e ao processo de retoque,
enquadramento e composição nos planos de impressão. De
seguida os alunos escolheram três palavras iniciadas pela
sua letra que relacionassem significados e conceitos com
as imagens captadas. Produziram-se conteúdos textuais
originais ou devidamente identificadas as suas fontes.
Depois de múltiplos testes, correcções e retoques procedeuse à impressão final. Todos os cadernos foram impressos em
serigrafia a uma e três cores. Seguiram-se os acabamentos,
coser os cadernos, montagem, colagem e encadernação do
livro. Assim se realizou um livro de originais em que alunos
Um dos objectivos primordiais seria o de educar o olhar dos
alunos através do uso da máquina fotográfica, do enquadrar
a composição e descobrir o “para lá” do primeiro plano,
do óbvio. A tipografia aqui surge como um pretexto para
esse treino do olhar e da composição, de forma a existir um
objectivo claro na procura dentro da textura da cidade, algo
para descobrir e enquadrar. Ainda na sala de aula, a cada
aluno foi sorteada uma letra do alfabeto. Toda a turma e
10 Mais informações em http://whc.unesco.org/en/list/755 (último
acesso em 31 de Janeiro 2014);
e professoras, se transformam em criadores, autores e
originais.
A complexidade deste projecto reside nas múltiplas
dimensões que detém: a conceptual, a oficinal, a técnica, a
da produção e execução da obra gráfica; esta complexidade
é verificada também por ser uma obra colectiva em que a
contribuição de cada um é primordial, a falta de uma destas
partes poria em risco toda a construção do livro. Só foi
possível a sua concretização se todos os alunos colaborassem
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tornando-se, não só uma obra gráfica per si, mas também
uma obra colaborativa, em que cada indivíduo detém uma
importância para o todo formado pelo grupo-turma. De
referir outra dificuldade, transformada prontamente em
desafio, que foi a circunstância de a proposta congregar
métodos de trabalho digitais, não-digitais e oficinais em
diferentes fases metodológicas. A falha de apenas uma
parte ou fase metodológica poria em risco todo o projecto
final sendo que tal só foi ultrapassado por uma tomada
de consciência do grupo da sua importância, de constante
atenção ao ritmo e dinâmica no trabalho diário.
Ensinar design através da cidade e da tipografia é,
consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos
rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo
da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em
contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos.
A partilha desses valores culturais entre pares, professores
e alunos é de uma enorme riqueza. O ensino assume aqui
um papel aparentemente lúdico, de envolvimento entre
as pessoas e a cidade numa clara relação de respeito e
descoberta.11
Imagem 2 – Encontro em Fevereiro de 2012 entre voluntários, Max
Fernandes e a artista Carla Cruz para a execução do projecto “Rastilho”
a apresentar em Outubro de 2012 em Guimarães, na Capital Europeia
da Cultura.
11 “In order to get citizens to think critically about their environment,
we suggest walking as an aesthetic practice, and the creation of pictures
as a personal artistic intervention. In this sense, calligraphy and typography should be considered an important graphic resource in art education
exercises, and used by teachers to educate.“ (Huerta, 2010, pp. 80)
Tecer Outras Coisas
O projecto Tecer Outras Coisas (TOC) está localizado numa
sala da empresa têxtil Coelima, em Pevidém, Guimarães.
Surgiu da vontade de um artista e também professor na
EAPA, Max Fernandes (imagem 2), de fazer um projecto
assumidamente artístico, um projecto auto-sustentável
apoiado pela Junta de Freguesia e Câmara Municipal, que
aliasse a EAPA (professores e alunos), os voluntários (exempregados da indústria textil e moradores na freguesia) e
artistas ou designers convidados.
seus intervenientes. Todos estão lá por mote próprio e
Imagem 3 – Algum do material gráfico produzido no TOC; (no sentido dos ponteiros do relógio) Identificador visual para o projecto, Identificador
e economato para o projecto “Construir”, material de informação do TOC e cartaz para um desfile da colecção de moda para criança.
com uma enorme vontade de aprender-ensinar o que
que decidir, fazer escolhas e conceptualizar uma ideia,
O que sobressai neste projecto tão original é a premissa
sabem. Os alunos participam neste projecto dentro do
todos juntos. Alunos e voluntários tornam-se por vezes
de uma ideia de sustentabilidade social, do projecto
estágio curricular (ou Formação em Contexto de Trabalho,
professores, quando partilham experiências e saberes uns
comunitário, que junta gerações e indivíduos com
denominada de FCT) a tempo inteiro, durante quatro
com os outros, passando a informação que sabem, numa
variados conhecimentos de diferentes áreas e níveis do
semanas, 8 horas por dia. Vivem e convivem diariamente
partilha constante.
conhecimento. É um projecto assumidamente artístico e de
com os voluntários, professores e artistas. Aos alunos é
Tudo é executado em grupo, decisões e criações. “A
design social, contendo a ligação à comunidade e à escola:
pedido que dialoguem, interajam e construam projectos
não formalidade é uma fragilidade” , segundo Max
pessoas aprendem e ensinam umas com as outras pela
ligados ao design de moda ou ao design gráfico em conjunto
Fernandes. No entanto, penso que esta fragilidade pode
sua experiência com o mundo, pelos seus conhecimentos
com os voluntários e artistas. Os alunos, numa primeira
ser transformada em uma qualidade pois abre a criação ao
adquiridos, vividos. “Urge que designers, não apenas
fase, definem que metodologia e conceito irão implementar
imprevisto, ao casual e até ao erro, está criado um enorme
através do seu trabalho, mas também pela sua vivência,
de forma a chegar a um objectivo previamente traçado.
campo aberto de possibilidades. A rigidez das estruturas leva
exerçam sua cidadania com mais plenitude” (Miyashiro,
Os voluntários também ajudam a definir estratégias e
a uma quebra quase inevitável, esta flexibilidade e tolerância
2011, pp. 83). Acrescento que urge na educação dos futuros
metodologias, dentro da sua área de conhecimento ou
abrem um imenso campo criativo de exploração, de partilha
designers que a componente da cidadania seja incorporada
apenas, dando a sua opinião. Os voluntários são parte
e sobretudo, pronto à transformação e à renovação. Não
no trabalho efectivo e de forma estrutural na formação, que
activa e assumem o papel, por vezes de técnico maquinal
sendo algo rígido, controlado por uma entidade, nem
os alunos tenham uma experiência concreta e responsável
e repetitivo, ou de igualmente, interveniente na acção,
autoral, a presença do colectivo é permanente, fomenta
com o design.
determinantes no fio condutor do projecto. Aqui o papel
uma energia criadora saudável, sem liderança
tradicional do professor adquire outra dimensão. Ele torna-
ou subalternos, sem hierarquias numa vontade
se um “guia” nas pesquisas, alguém que acompanha o
comum de criar, fazer, aprender, aprender-
projecto dos alunos e voluntários, o orienta e que o leva a
fazendo. Promove uma relação afectiva entre
tomar decisões baseadas na responsabilidade individual e
os intervenientes sem compromissos formais,
na ética. Há relações que se constroem e transformam, não
propicia um ambiente de vontade comum, de
por imposição da sua autoridade, mas sim, por descobertas
troca de experiências no domínio profissional
e vontade de percorrer um caminho comum, o do aluno
mas não só, histórias de vida são contadas,
com o professor. Para o professor alteram-se igualmente
dramatizadas e exploradas. Sem a lógica da
as questões de conhecimento e domínio da “sua” matéria
productividade e da reprodução em série,
pois deixa de ser a do campo exclusivo do seu domínio para
foram executadas coleções de moda para
alcançar territórios longíquos. Sem um objecto ou objectivo
crianças e adultos, publicações e obras de arte.
É um projecto apaixonante para o seu criador e para os
12
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para o mesmo, fossem responsáveis na sua individualidade,
definido, sem a meta a atingir, os voluntários e alunos tem
12 Em entrevista concedida a 21 de Dezembro de 2011;
90 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
Imagem 4 – Parte da exposição final do material gráfico produzido no TOC.
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tarde, davam-me conteúdo e margem de manobra para
e professores podem realmente fazer no bairro e na cidade.
poderosa de comunicação, educativa e de união entre as
continuar mais”. A análise do Diogo ao “conteúdo-aula” e
É um espaço amplo para apreciar a aprendizagem baseada
pessoas envolvidas. Surge a invulgar relação que se produz
“conteúdo-fora da aula” afere uma relação afectiva com o
na transmissão de conhecimento, sem as barreiras clássicas
entre os voluntários, alunos e professores/artistas ou
conhecimento e a aquisição de informação. Num ambiente
entre professor (mestre) e aluno (o aprendiz).
designers à volta do artefacto e do que ele quer transmitir.
mais descontraído, sem o rigor do planeamento e do tempo
Torna-se um lugar de experimentação e independência na
a passar, surge um conhecimento tácito, implícito, que
A estrutura principal de cada projecto final do curso de
acção de cada um em atenção, ou como primeiro objectivo,
perdura e ganha acrescida importância a quem aprende.
design gráfico é testada ao longo dos três anos do curso. É um
o colectivo. “Today, professional design practice involves
É quase um aprender sem dar conta disso, pelo diálogo e
projecto multidisciplinar onde é lançado um tema-desafio
advanced multi-disciplinary knowledge that presupposes
interacção com os outros.
incial e estruturador escolhido pelo conjunto de professores
interdisciplinary collaboration and a fundamental change in
design education. This knowledge isn’t simply a higher level
of professional education and practice. It is a qualitatively
different form of professional practice. It is emerging in
response to the demands of the information society and
the knowledge economy to which it gives rise.” (Friedman,
2012, pp 150)
Imagem 5 – Diogo Machado, autor do projecto RAIZ.
ligação, essa forma de estar”13. Acresce-se à atitude das
relações entre corpos docentes e discentes o que o Diogo
entende por conhecimento adquirido. Na sua opinião,
o conhecimento mais interessante e cativante pode ser
transmitido fora do conteúdo da aula “nem o aluno quer
só receber o conteúdo-aula, quer é receber outro que
esteja fora”. Prossegue que era mais interessante os poucos
minutos de intervalo do que propriamente a aula “por vezes,
O projecto RAIZ
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O design gráfico tranaforma-se igualmente numa ferramenta
aqueles 10 minutos (depois da aula acabar) depois de uma
Aos alunos finalistas do curso técnico
de Design Gráfico, foi dado o desafio
de encontrar um problema e tentar
uma solução, dentro do tema geral de
“Educação para o Desenvolvimento
Sustentável” (EDS), segundo a UNESCO.
Diogo Machado (imagem 5) sentiu que
Imagem 7 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ.
a troca e transmissão de conhecimentos
na
comunidade
escolar
(entre
professores, alunos, artistas, designers e
técnicos) poderia ser melhorada. Surgiu
desta forma a ideia de fazer um projecto
que conseguisse unir a comunidade
em torno da arte e do design, vistos
como um todo. A ideia nasceu quase
naturalmente, a partir das experiências
tidas ao longo dos 3 anos de formação.
Segundo
as
palavras
do
Diogo,
“professores, alunos e funcionários
para mim eram todos iguais, na [escola]
Árvore sempre me ensinaram isso, essa
Imagem 6 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ.
13 Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013;
92 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
O espaço RAIZ foi então pensado para desenvolver a
da turma. Os alunos, mediante uma problemática associada
“produção cultural”, uma forma de trazer uma nova energia
à EDS, escolhem o que querem estudar e desenvolver.
às relações dos seus membros. É uma espaço de troca
O grupo de professores transforma-se num grupo de
cultural através da arte e do design, para a “transmissão de
guias e conselheiros do projecto, em fases previamente
experiência e conhecimento”, um espaço para “fomentar
determinadas, professores e alunos apresentam, discutem
sinergias (...) a alunos com ideias inovadoras e geradoras de
e avaliam cada projecto. A metodologia das aulas é uma
efectiva mudança artística e social”, nas palavras do Diogo,
combinação de metodologia de projecto com didáticas
no seu relatório final do projecto.
associadas à prática lectiva. (imagem 7)
RAIZ foi concebido para ser um espaço físico dentro da
Todo o projecto é desenvolvido com diferentes professores
escola, bem como, uma plataforma “digital”, um site e uma
e alguns convidados (ex-alunos, grupos de teste ou público-
página no Facebook. Pretende ser uma forma de promover
alvo, profissionais de áreas específicas, entre outros) que
a escola fora dos seus domínios, para divulgar o que alunos
formulam perguntas, fazem apresentações e reflexões,
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importante da prova, mas sim,
RAIZ levou três meses a ser desenvolvido e finalizado. O
foca-se a importância do projecto
tema-desafio lançado à turma foi “30 anos da Escola” a
no processo de construção e
ser tratado dentro do programa EDS. RAIZ começou com
criação, e ainda nas relações
a sensação de que a comunidade escolar, que integra
produzidas
alunos, professores e técnicos, estava distante, não tinha
aprendizagem. Afinal, aprender é
um local específico para o desenvolvimento de projectos
também um processo, não é um
e conhecimentos fora do currículo escolar. Do problema
produto. O processo de fazer um
detectado, o projecto evoluiu para uma solução, a criação
artefacto é também um caminho
de um espaço, não necessariamente físico, mas também
de construção e reconstrução
uma plataforma digital, e mais importante de tudo, um
do conhecimento, bem como,
lugar conceptual de “transmissão e conhecimento”. RAIZ
o processo de construção de
poderia ter uma sala, um site ou uma página no Facebook,
significados subjectivos que cria
mas o mais importante foi a discussão e reflexão que gerou
limites emocionais e afectivos
no grupo professores-alunos ao longo do caminho da sua
numa turma, numa escola e
criação.
num bairro. RAIZ é um projecto
neste
caminho
de
individual para uma comunidade,
Da entrevista feita ao Diogo a propósito deste projecto, é
um espelho de si, uma forma de
interessante ele salientar, com a distância de 6 meses após
entender e ordenar o mundo em si
a sua finalização, a importância de um ensino artístico, não
mesmo.
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avaliam, tendo um papel interventor e, por vezes, decisivo.
necessariamente feito de técnicas e objectos belos, mas sim,
que serve essencialmente para nos pôr a pensar e a interagir
com os outros: “o ensino artístico vive de seres pensantes,
algo que se transmite e se dá a conhecer, comunica”.14
A
sido
Imagem 8 – Cartaz final do projecto RAIZ.
RAIZ pode ser então uma exposição ou um livro, é
do cartaz. A construção e conceito da imagem principal do
suficientemente flexível para ser transformada ano após ano,
cartaz segue a estrutura de “reconstrução” do elemento
enquanto os alunos e professores assim o quiserem. Diogo
humano formado por partes de professores, alunos e
desenvolveu a sua ideia a partir de duas fontes: o projecto
técnicos, formando um só. É a representação e tradução
educativo da escola Árvore15 e do conceito de coworking.
gráfica do elemento da reciprocidade e transmissão como
As palavras-chave foram: conhecimento, intercâmbio e
solução para o problema inicial.
transmissão. Daí evoluiu para estudar o significado de
educação
vista
em
como
design
um
tem
ensino
eminentemente práctico, baseado
em conceitos universais sobre
a forma, criados por escolas
modernistas, como a Bauhaus ou
Ulm, ou movimentos artísticos
como De Stijl. Esses conceitos
resolveram vários problemas e
Imagem 9 – Páginas do catálogo da exposição Casa Sandeman.
mostram-se
muito
úteis
para
ensinar a composição, a ordem
“professor” e “aluno”, o papel de cada um deles, estudar
Todos os outros elementos foram desenvolvidos seguindo
as diferentes pedagogias e estratégias, realizou entrevistas,
a mesma lógica, a construção de um espaço comum com
chegou ao conceito de Deleuze e Guattari de Rizoma. A fase
a participação dos vários actores. No final do ano lectivo e
O projeto RAIZ também exemplifica como o design de
percepção visual, por exemplo. O que eu posso observar
seguinte foi a de construir o projecto relativo à comunicação
dentro das comemorações oficiais dos 30 anos da escola,
comunicação pode ser uma ferramenta poderosa na
nas minhas aulas é que os alunos podem facilmente
e ao design gráfico, a parte prática após a especulação. A
RAIZ criou uma exposição e um catálogo na Casa Sandeman,
construção do conhecimento, como os alunos ativamente
resolver os exercícios apresentados e comentar os exemplos
abordagem visual foi sendo definida pela pesquisa, onde as
vizinha do edifício da escola, no Jardim da Cordoaria. Todos
podem construir e reconstruir conhecimento, das suas
mostrados, mas é necessário um enorme esforço para fazê-
palavras-chave deram origem a um identificador e à imagem
os projectos executados na escola até ao momento que
experiências no mundo. Como conseguem eles construir
los trabalhar e aplicar num projecto, onde esses conceitos
envolviam a comunidade e a relação da escola com outras
a sua identidade como “seres pensantes” que assumem
são obrigatórios. A universalidade dos métodos modernistas
instituições foram identificados e documentados.
e se identificam. E igualmente como o podem expressar
não se aplica a questões mais profundas e pessoais, que
em productos funcionais e próprios da comunicação
só podem ser respondidas na nossa rotina diária, pois
gráfica. O produto final, que não se assume como o mais
são questões que normalmente estão relacionados com
14 Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013;
15 Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último
acesso em 31 de Janeiro 2014);
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e hierarquia, e compreender a
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Mais do que formalidade e aspecto dos artefactos
pode ser o mundo cá fora, pois a escola cada vez mais se
“It does not matter whether the individual ends up
legado que nos rodeia e faz parte de nós. Por outro lado,
produzidos, a aula de design deverá ser uma reflexão sobre
distanciou da realidade prática do dia-a-dia e já não é o
becoming a professional artist: the important thing is
os alunos tendem a resolver melhor os problemas que lhes
o processo de ensino e de aprendizagem, uma tomada
lugar exclusivo onde se aprende tudo.
são particulares, que questionam a sua posição no mundo
de consciência sobre o mundo que nos rodeia, uma
e a sua individualidade. A universalidade da forma e o rigor
preocupação da posição individual em relação ao colectivo,
O último caso de estudo – projecto Raiz – a relação com a
das grelhas não conseguem dar uma resposta satisfatória.
não esquecendo um olhar para o passado em termos
comunidade que circunda a escola e criar um projecto de
Também aqui são importantes as questões identitárias e
históricos e tecnológicos de forma a abordar o futuro
união entre alunos, professores, funcionários, técnicos e
que confere uma certa originalidade ao artefacto. Torna-se
encarando-o com a naturalidade da aprendizagem de mais
artistas. Um lugar de diálogo que a escola também o deverá
mais empolgante produzir e interagir com públicos-alvo que
uma ferramenta e conceito.
ser. Os alunos tornam-se autores, fazem o seu projecto,
existem e com os quais nos identificamos, do que algo ao
desenham o seu percurso, definem as suas metas, repensam
nível da simulação, do abstracto e pouco tangível. Se por um
sobre a escola onde estiveram 3 anos e o seu futuro. Tornam-
lado os alunos precisam dessa resposta do que os envolve a
3. possibilidade de resposta às questões iniciais
se autónomos no fazer, no falhar e experimentar.
A escola deverá ser um espaço de inovação e criatividade.
um outro nível, o que podemos observar é uma percepção
filtrada pela singularidade da nossa própria cultura e do
Dos diferentes casos de estudo, podemos retirar alguns
As artes e o design são ferramentas poderosas para se
lugar onde podemos interagir.
caminhos
criarem esses espaços, bem como, o desenvolvimento
de
resposta,
algumas
possibilidades
de
that the direct experience of art makes the individual.”
Anthony Gormley (Hickman, 2005, pp. 10)
Referências Bibliográficas
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De Moraes, D. (2010). Metaprojeto, o design do design. SãoPaulo:
Blucher.
caminhada.
da autonomia do aluno. A autonomia será a “arma” para
O Design gráfico e de comunicação, permite-nos enquanto
Do primeiro caso de estudo – Livro Tipografia em Ambiente
o futuro. Numa escola profissional, mais do que bons
profissionais criar, inovar, redesenhar, construir, construindo-
Urbano – os alunos, técnicos e professores trabalharam lado-
técnicos e preparados para o mundo do trabalho, interessa
nos
profissionais,
a-lado na construção de um livro único e completamente
desenvolver a autonomia e a resolução de problemas, pois
encontramo-nos em permanente mutação, pois o trabalho
original. A cooperação e a igualdade provocam uma energia
serão as únicas ferramentas, que poderemos com toda
nunca se repete, não se cria a rotina nem a monotonia
renovadora, ligações afectivas e emocionais que conduzem
certeza, hoje prever em relação ao futuro profissional.
inerente, por isso, “permite a satisfação profunda que
a uma aprendizagem implícita, para além da matéria
Enquanto “alunosautores” podem iniciar essas valências e
provém apenas de levar uma ideia a bom termo e ao seu
abordada. É no trabalho de equipa, na responsabilidade
essas ligações.
desenvolvimento efectivo” (Papanek, 2007, pp. 9).
individual perante o grupo que nascem ensinamentos de
Friedman, K. (2012). Models of Design: Envisioning a Future Design
Education. Visible Language , 46, pp. 132-154.
respeito, igualdade, liberdade e cooperação. Ao mesmo
Os projectos em design são metodológicos, seguem
Quando se unificam o design gráfico, o ensino profissional,
tempo foram abordadas as questões ligadas à construção da
um programa de resolução de problemas definido pelo
a educação artística e a sustentabilidade social, então
imagem, à cópia e plágio, tão constantes numa sociedade
alunoautor. Tem objectivos concretos e passam pela
Garland, K. (n.d.). First Things First. Acedido em Janeiro 31, 2014,
de http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/
first%20things%20first/index.html?utm_source=twitterfeed&utm_
medium=twitter
temos todo o potencial, enquanto professores, de formar
digital da informação.
experimentação de soluções onde criatividade, iniciativa,
igualmente
enquanto
pessoas
e
espontaniedade, imprevisto, o erro e falha acontecem, a
jovens preocupados e interessados em dar o seu contributo
Flusser, V. (2010). Uma Filosofia do Design. Lisboa: Relógio D’Água
Editores.
Fragoso, M. (2012). Design Gráfico em Portugal, formas e expressões da
cultura visual do século XX. Lisboa: Livros Horizonte.
Friedman, K. (1997). Design Science and Design Education. In P.
McGrory, The Challenge of Complexity (pp. 54-72). Helsinki: University of
Art and Design Helsinky UIAH.
Hickman, R. (2005). Why we make Art and why is Taught. Wiltshire: The
Cromwell Press.
enquanto pessoas idóneas e coesas. Ensinar design é,
Do segundo caso de estudo – Tecer Outras Coisas –
resposta na maioria das vezes é uma resposta conceptual e
consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos
onde uma comunidade sem escolariedade luta por uma
criativa à resolução do problema.
Huerta, R. (2010). I Like Cities; Do You Like Letters? Introducing Urban
Typography in Art Education. The Author. Journal compilation , 29 (1), pp.
72-81.
rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo
dignificação do seu trabalho em conjunto com artistas e
da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em
estudantes, podemos verificar uma sala de aula num lugar
A escola do séc.XXI deverá ser então um espaço de diálogo,
Julier, G. (2004). The Thames & Hudson Dictionary of Design since 1900.
London: The Thames & Hudson.
contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos.
“fora do sítio”. Sem o edifício escola e todas as suas regras
de liberdade e de contacto com o mundo, não ser um
É também uma actividade da insatisfação, da resolução de
e horários, um grupo de alunos conseguiu ouvir, perceber
esconderijo protector. Um lugar onde o aluno escolhe o seu
problemas nem sempre com sucesso, feita das tentativas
quais as necessidades e problemas, desenvolver um plano
trajecto, define os seus objectivos, sente a necessidade de
e do percurso, de caminhos percorridos que nem sempre
de resolução e dar resposta de uma forma autónoma. A sala
aprender as ferramentas para concretizar o seu objecto,
deslumbram a meta, da experiência que falha e faz outra
de aula fora do sítio é o mundo “fora da escola”, uma escola
conforme as suas necessidades. Um lugar de ideias,
vez, da tentativa-erro, do acaso e da procura.
dentro do mundo e não um lugar fora, uma escola que cria
conceitos, criatividade, imaginação, um lugar de autores e
É na procura do “designer valorizado” de Whitley, que se
laços emocionais para uma aprendizagem com sentido.
de professores co-autores.
encerram as questões inerentes à aula de design, para um
O lugar da escola, afinal, não deverá ser tão diferente do
“ensino valorizado”.
mundo real fora da escola, afinal o lugar de aprendizagem
96 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
questões culturais locais, pertencendo a um determinado
Miyashiro, R. T. (2011). Com design, além do design: os dois lados de
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Edite Colares O. Marques
[email protected]
Tipo de artigo: Original
Whiteley, N. (Outubro 1998). O designer valorizado. Arcos-design,
cultura material e visualidade , I, pp. 63-75.
RESUMO
O presente artigo discute a inserção das festas tradicionais no ensino de arte,
destacando os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa de pós-doutorado
que busca articular as interfaces das práticas culturais populares encontradas em
Fortaleza-BR e Porto-PT, com a finalidade de que, ao identificar traços análogos,
contribua para fundamentar a compreensão de suas matrizes culturais, influências
mútuas e a descoberta de um contato histórico e dialético, fenômeno que está
prenhe de contradições e sujeito a transformações próprias do tempo no qual
está inserido. Como forma de análise empírica visualizou-se as festas joaninas
dentro da perspectiva de compreendê-las no quadro das manifestações da cultura
popular de maior relevo nas cidades do Porto e de Fortaleza articulando-a ao
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular
no ensino de arte na educação básica
contexto do ensino de arte na escola básica. Como resultado do perfil encontrado
na referida festa popular tradicional faz-se uma reflexão sobre o conceito de
identidade cultural apoiando-se em autores como: Hall, Woodward, Silva, Boas,
Ortiz, dentre outros.
Palavras-chave: Arte; Educação; Cultura Popular.
RESUMEN
Este artículo aborda la integración de fiestas tradicionales en educación artística,
destacando aspectos teórico-metodológicos de una investigación que busca
articular las prácticas culturales populares interfaces en Fortaleza-BR y PortoPT, a fin de que, mediante la identificación de rastros similares, contribuir para
apoyar la comprensión de sus matrices culturales, las influencias mutuas y el
descubrimiento de un dialéctico e histórico contacto, fenómeno que está lleno de
contradicciones y sujeto a las transformaciones de la época en la que se inserta.
Como una forma de análisis empírico se visualizó las fiestas joaninas dentro de
la perspectiva de entenderlas en el contexto de las manifestaciones de la cultura
popular más relevante en las ciudades de Porto y Fortaleza y la articulación con
98 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014
Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |99
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trava em tal fenômeno social em um conjunto que articula
aspectos das interações travadas entre os sujeitos das
A discussão que apresentamos se nos impôs quando nos
defrontamos com a reflexão resultante da pesquisa de campo,
el contexto de la educación artística en la escuela primaria. Como resultado del
realizada ao abordarmos a questão da cultura popular e sua
perfil de esta tradicional fiesta popular hemos por fin uma reflexión sobre el
inserção no ensino fundamental. Tal problemática tem se
concepto de identidade cultural apoyandose em autores como: Hall, Woodward,
mostrado assente na proposição metodológica que toma as
Silva, Boas, Ortiz, entre otros.
práticas culturais de populações que se situam em realidade
Palabras-clave: Art; Education; Cultura Popular.
histórica e social, nas quais o popular e o tradicional são
negados em seu valor de conhecimento acadêmico e
escolar, buscando reconhecer-lhes, então, o estatuto de
saber pertinente aos fundamentos de um ensino escolar de
ABSTRACT
highlighting theoretical-methodological aspects of the postdoctoral trying
articulate the cultural practices popular interfaces found in Fortaleza-BR and
Porto-PT, in order that, by identifying similar traits, contributes to support the
understanding of their cultural matrices, mutual influences and the discovery of
a dialectical and historical contact, phenomenon that is full of contradictions and
subject to transformations of the time in which it is inserted. As a form of empirical
analysis visualized the joaninas holiday inside the perspective to understand
them in the context of manifestations of popular culture more relevant in the
cities of Porto and Fortaleza articulating it to the context of the art education in
elementary school. As a result of the profile found in the said traditional popular
holidays makes a reflection about the concept of cutural identity supporting by
altores as: Hall, Woodward, Boas, Silva, Ortis and others.
Keywords: Art; Education; Popular Culture.
tradições, para mencionar apenas reduzidos aspectos
da grandeza deste fato formativo da cultura de uma
comunidade, impossíveis de ser abordados apenas com
base nas generalizações próprias ao método comparativo.
Assim, como nos ensina Frans Boas, em sua
Antropologia Cultural: “Em suma, antes de se tecerem
comparações mais amplas, é preciso comprovar a
comparabilidade do material”. (Boas, 2004, p. 32).
O objetivo de nossa investigação é descobrir os
ao aprofundamento dos estudos sobre a metodologia
adequada à pesquisa em foco. Ao visualizar as festas
populares como lócus privilegiado do popular e do
tradicional em sua manifestação mais imbuída da vida
comunitária envolto em momentos de celebração, reunião
processos pelos quais as festas populares com seus ritos se
desenvolveram, e as conexões que guardam com a educação
dos mais jovens. Acreditando, com Boas, que “(...) quando
se pode comprovar que há uma conexão histórica entre dois
fenômenos, estes não devem ser aceitos como evidências
independentes” (Boas, 2004, p. 33).
e aprendizagens coletivas, optamos por este elemento
Compreendemos que mesmo ao identificar uma
como enunciado indispensável a um ensino de arte que se
mesma matriz cultural, bem como as influências recíprocas
responsabilize por levar às gerações atuais, uma iniciação
e o contato histórico entre Portugal e Brasil nossa reflexão
ao patrimônio cultural e, às vindouras, uma possibilidade
deve-se pautar por uma fundamentação histórica e dialética
de educação carregada da produção coletiva da arte da
pela qual todo fenômeno está sujeito a contradições e
humanidade em geral e de cada lugar em especial.
transformações próprias do tempo histórico no qual está
Reconhecendo
o
popular
tradicional
como
inserido.
momento de constituição da cultura de uma determinada
Valemo-nos da convicção de que a ação do sujeito
população e como ação-cultural comum a diversos povos,
é fruto em grande parte das aprendizagens do meio no
imaginamos articular as raízes das referidas práticas,
qual está imerso, e dos quais a própria escola é parte
encontradas em Fortaleza-Ceará e em Porto-Portugal,
integrante, e por meio de suas atividades influencia o modo
com a finalidade de observar traços culturais análogos,
de ser e pensar do educando. Novamente chamamos Boas
pressupondo que contribuamos com um olhar mais apurado
para reforçar a ideia de que, “(...) o método que estamos
sobre suas origens e como tais práticas se afirmaram em
tentando desenvolver baseia-se num estudo das mudanças
distintas culturas.
dinâmicas da sociedade que podem ser observadas no
Encarando,
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de transmissão cultural, a renovação e manutenção das
arte que esteja carregado de sentido e significado.
Os primeiros achados da investigação levaram
This article discusses the integration of traditional holidays in art education,
práticas festivas em diferentes contextos, os procedimentos
desta
maneira,
encontraremos
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INTRODUÇÃO
tempo presente” (Boas, 2004, p. 47)
convergências em distintos métodos de pesquisa, ou seja,
É flagrante, então, que este não se restringe a um
ao projetar esta investigação pensamos em metodologia
estudo comparativo, mas compõe-se também de um estudo
comparativa, mas ao nos posicionarmos frente aos dados
etnológico que colocará à disposição um material descritivo
encontrados demo-nos conta da impossibilidade de
e analítico das formas culturais festivas que deitam raízes
alcançarmos as raízes mais profundas das relações, que se
em um passado remoto e que ainda hoje se constituem em
Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |101
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a máxima isenção, motivando o entrevistado à participação
artes tradicionais num projeto formativo que, ao identificar
locus de acesso ao saber erudito, reafirmar, como o fez
dos indivíduos à cultura na qual vivem e às influências das
sem, contudo, influenciar suas colocações, ou utilizando
o tempo destinado a este conteúdo de caráter tradicional
Paulo Freire, que o saber escolar não pode prescindir do
mesmas sobre a sociedade e a educação da sensibilidade.
materiais secundários como recortes de jornal, com
nos currículos escolares nos dois países e a forma como é
universo cultural do educando e, ao mesmo tempo, afirmar
reportagens pertinentes ao tema com o qual se estabelece
ensinado, fomente a interação de saberes e práticas para
a existência de uma cultura popular, reconhecendo sua
um diálogo com outros interlocutores.
um ensino de artes mais criativo e enriquecedor à formação
singularidade e validade no ambiente educacional.
O estatuto epistemológico desta pesquisa encontra
assim desafios que colocam em xeque sua validade enquanto
ciência da educação. Em outras palavras, preocupa-nos não
Ao
falarmos
em
método
de
pesquisa
é
a cultura popular tradicional como um receituário para
importante dizer que mesmo buscando fundamento em
práticas pedagógicas bem intencionadas, mas reconhecer
metodologias distintas de investigação dos fenômenos,
as manifestações festivas como rituais que acompanham
tais metodologias tem uma mesma concepção teórica:
a humanidade desde a mais remota antiguidade incluída
histórico-crítica e dialética, vendo o sujeito como resultado
como parte indispensável à formação sensível e humanística
das relações socioeconômicas e culturais das quais participa
de nossos estudantes.
cotidianamente, mas entendemos que ao mesmo tempo
Lançar mão dos variados recursos metodológicos
de pesquisa qualitativa tornou-se, assim, um imperativo,
digamos categórico. Voltamos nosso olhar para percursos
traçados na antropologia com à metodologia etnológica,
de onde pensamos em organizar uma recolha de práticas
em que sofre a ação da história, através do processo de
conscientização, deve procurar entender suas causas,
de professores e alunos.
Outro aspecto de grande relevância para a escolha
da temática, festejos populares no ensino de arte, para a
realização da presente pesquisa deveu-se à crença de que
ao revestirem-se de padrões multiformes das linguagens
artísticas tornam-se portadores de uma pluralidade cultural,
ainda mais quando comparamos o encontrado em Fortaleza
com o Porto, estratégia escolhida para fundamentação
metodológica dessa investigação.
desvelando as relações e conexões causais que as fazem ser
assim hoje, e reconhecer as possibilidades de transformação
destas mesmas relações em suas causas e efeitos.
Como Helder Pacheco, em Tradições Populares do
Porto “(...) defendemos, sobretudo, que o reencontro vital
com a herança popular significa a subversão necessária à
passividade criativa em que mergulhamos.” (Pacheco, 1985,
p.14)
Dentro da proposta deste trabalho adotaremos,
de aqui em diante, o seguinte roteiro: relataremos festejos
populares de São João em Porto/PT, e faremos algumas
Compreendemos que as expressões culturais
locais, ao mesmo tempo em que, identificam e dão
sentido ao particular, projetam-se e articulam-se ao
reflexões sobre tais manifestações e sua dimensão educativa,
seja no ambiente escolar ou comunitário. É evidente que
os estudos realizados das obras de diversos autores, aqui
mencionados, são o pano de fundo sobre o qual vamos
das festas populares de Fortaleza e do Porto e, para tal, nos
Nossa tarefa primordial deve ser delimitar
universal desde que captemos seus aspectos em comum
utilizamos de meios variados como a fotografia, a filmagem
claramente o objeto de estudo da pesquisa em questão,
e suas diversidades. Existe, assim, nesta variedade de
e a visita a espaços onde tais manifestações se fazem
determinar a ordem dos fatos que a compõe para só aí poder
manifestações,
presentes (praças, parques e praias) e o lugar privilegiado
procurar identificar caracteres comuns entre contextos
só de identidade local (nacional), mas representativo do
da educação (a escola) onde a festa demonstrou-se ainda
suficientemente próximos em suas práticas sociais e
envolvimento espontâneo e social, bem como da dimensão
ausente ou distante, até a recursos do método biográfico,
educativas. Ou seja, inicialmente, agruparemos situações
dialógica que confere à arte uma função de práxis que a
quando ao entrevistar o professor procuramos identificar
sobre a mesma denominação, “festejos populares”, nas
mesma significa. Ou usando das palavras de Elder Pacheco
No Porto e em Fortaleza, os festejos joaninos são
as ligações que o mesmo estabelece entre suas próprias
duas comunidades pesquisadas, a fim de apresentar ao
em Arte e Tradições em Barcelos: “Um dos fatores salientes
considerados pela população em geral o mais tradicional e
vivências culturais e aquelas que realiza em sua prática
leitor um conjunto de fatos sociais capazes de identificar ou
nas artes populares é o da concepção estética como uma
são ansiosamente esperados. Nesta festa, a cidade do Porto
docente.
distinguir este fenômeno, enquanto processo de formação
função socialmente actuante - os objetos intervêm na vida
vê radicado o momento de celebração da vida comunitária,
da sensibilidade e da sociabilidade em contextos educativos.
quotidiana das pessoas.” (Pacheco, 1979, p. 18)
e as ruas da cidade são tomadas por todos. É uma noite,
Ficaria ao leitor, com certeza, uma dúvida sobre os
características
estético-funcionais
compondo esta colcha de retalhos que ora expomos.
não
FESTAS JOANINAS
23 de junho, na qual se mantém vigília, pois o foguetório
possíveis choques que a utilização de metodologias distintas
Só após a descrição de festejos populares em
poderia causar ao resultado desta pesquisa, indagação a
Fortaleza e no Porto é que trataremos de categorias de
qual nos antecipamos em responder afirmando que tal
análises nas quais ambas as situações se identificam ou não,
embaraço foi superado na medida em que as metodologias
para na sequência projetar possíveis viabilidades destas
empregadas confluem ao conceberem uma perspectiva de
festividades em contextos educativos nos quais as mesmas
pesquisa social que não restringe o objeto de conhecimento
possam contribuir de maneira decisiva para o fortalecimento
aos grandes acontecimentos, a história das elites, “(...)
do ensino de arte nas séries iniciais do ensino fundamental.
mas também a história enquanto memória coletiva do
Propomos, assim que a arte-educação deva ser
intervenção criativa no real. Desta maneira, a cultura popular
Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas
trabalhada em contexto escolar, com o propósito de dar
exprime-se como uma arte viva porque é essencialmente
possa pensar, os fundamentos de tal prática popular têm
Dessa maneira, as análises aqui foram elaboradas
sentido às experiências estéticas de professores e alunos,
útil e funcional já que serve ao homem que a produz.
origem naturalística, como afirma Coelho: “(...) os costumes
graças a uma grande variedade de instrumentos de coleta
ampliando suas percepções quanto à riqueza cultural das
de dados, sejam eles oriundos do acesso primário como na
manifestações artístico-populares nacionais, no Brasil e em
entrevista, que exige do pesquisador o cuidado de exercer
Portugal; ou seja, verificar se faz sentido a recorrência às
quotidiano (...)” ( Ferrarotti, 2013, p. 41)
102 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014
Consideramos que situada histórica e socialmente,
a
arte
popular
constitui-se
evidentemente
numa
perspectiva universal, pela ação transformadora que a
mesma desempenha, não só por seu aspecto formal, mas na
medida em que exprime a manifestação cultural da classe
trabalhadora afirmando-se como consciência de classe e
sua condição de produtora de cultura e possibilidade de
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
práticas culturais vivenciadas e transformadas com a reação
Procuramos, com esta investigação, ao questionar
o modelo hegemônico de prática escolar constituída como
não deixa a cidade dormir. Assim, tal manifestação mantém
ainda hoje práticas que estão enraizadas no passado
como fruição coletiva de uma ação cultural que alimenta a
identidade e o patrimônio cultural desse povo. Em Fortaleza
não ocorre mais a mesma participação comunitária e sim
em espaços mais fechados e privados
populares têm suas raízes nos velhos cultos naturalísticos.”
(Coelho, 1993, p. 274) Dessa maneira, práticas como acender
fogueira, que no ano de 2013 ainda se pode assistir, nas
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alho-porro ou martelinhos de plásticos para baterem nas
Como se dá em outros estudos da área, não
ou identidade em crise, todas frutos dos processos de
fogueiras remontam à crença ancestral de que assim se
cabeças uns dos outros. (Hoje, os martelinhos substituem
pretendemos, estabelecer, aqui, afirmações conclusivas,
mobilidade das mais variadas formas, seja pela migração,
obtém influências benéficas sobre a saúde e se afugentam
quase na totalidade os ramos de alho-porro e arruda, que
mas tão somente contribuir para o debate sobre identidade
colonização ou fluidez dos meios de comunicação de massa.
malefícios.
eram usados tipicamente para abençoar ou livrar do mal as
cultural, apresentando elementos que foram elucidados
Porém, o sujeito fala a partir de uma dada situação histórica,
pessoas como que para abençoá-las). Caminham de um lado
no momento da pesquisa sobre as manifestações artístico-
social e cultural específica.
para o outro e muitas churrasqueiras são postas às ruas para
populares em Porto - Portugal e Fortaleza – Ceará no exato
assar sardinhas que também fazem parte da tradição. Em
momento em que tais práticas, para muitos, encontram-se
muitos lugares da cidade as pessoas montam caixas de som
em decadência, mas para a pesquisadora são marcadores
e ouvem música e dançam em grupos de amigos. Também
significativos de identidade cultural e representam para as
são montados palcos em pontos estratégicos da cidade
comunidades envolvidas fortes momentos simbólicos para
onde se apresentam artistas locais, bem como dançam em
a vida coletiva.
Assim, na noite de São João, as pessoas ficam fora
de casa até a madrugada, segundo Coelho: “(...) a fim de
apanhar as orvalhadas, isto é, o orvalho sagrado desta noite
que dá vida para longos anos (...)” (Coelho, 1993, p. 311).
Isso faz parte desse conjunto de tradições que se perde nas
brumas do tempo e dá sentido à vida.
É essencial perceber que as festas, ditas hoje
religiosas, têm origem nas manifestações relativas ao
vínculo do homem à natureza, como no caso das festas
joaninas fica patente a relação com o solstício de verão, pois
que nas chamas da fogueira evidencia-se a íntima relação
que estabelecem com o símbolo de origem representativo
do sol, já presente nos cultos pagãos.
O período joanino no Porto é muito rico em
manifestações do universo tradicional. Ao passar pelas
muitos pontos da cidade ao som de conjuntos musicais.
Ao mesmo festejo a cidade de Fortaleza já se
manifesta de forma privada, pois além de não mais envolver
toda a cidade numa comemoração coletiva, mas em redutos
restritos a grupos fechados, também suas quadrilhas,
danças tradicionais deste período, correspondem hoje
a um grande investimento turístico e comercial, para
aqueles que participam, visto que se transformou em
festivais competitivos e não mais em espaços e tempos de
convivência desinteressada.
ruas encontram-se nas calçadas muitas pessoas vendendo
conhecimento geral que não se deve cheirá-la diretamente
UMA REFLEXÃO INICIAL SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL
perfume através da pele das mãos. São acompanhados de
Qual a importância de se aprofundar o conceito de identidade
uma plaquinha que vem ficada na terra com uma quadra
cultural nesse trabalho? Quando abordamos “identidade
em homenagem a São João. Como exemplo, podemos citar
cultural” já delimitamos aí um quadro de perspectiva
a seguinte:
histórico e socialmente definido, ou seja, pretendemos
Anda o povo contente
nos remeter a um conjunto de condicionantes de ordem
Com o manjerico na mão
histórica e não a um essencialismo biológico ao qual o
É uma imensa alegria
termo também pode remeter. Assim, nessa perspectiva,
Na noite de São João
a identidade vincula-se às condições simbólicas marcadas
montas que ficam nas vitrines das lojas e são miniaturas da
procissão a São João.
Na véspera de São João, a cidade do Porto engalanase toda e espera-se ansiosamente o ponto alto da festa que
são os fogos de artifício. À meia-noite dá-se o foguetório
na ribeira e parece que toda cidade vem assisti-lo. São
inúmeras pessoas caminhando pela ribeira e trazem à mão
pelas práticas e relações sociais de um dado grupo que lhe
confere sentido e os diferencia de outros.
É necessário fazer, preliminarmente, a configuração
de qual identidade estamos falando uma vez que o referido
conceito é, como nos afirma Hall, “(...) demasiadamente
complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco
compreendido na ciência social contemporânea para ser
definitivamente posto à prova.” (Hall, 2011, p. 8)
104 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014
identidade como uma necessidade do sujeito cognoscente
de articular espaços interiores e exteriores, ou seja, entre
o pessoal e o social. O indivíduo em formação estabelece
para si e para o outro uma imagem com a qual se projeta
no mundo e se constrói como parte de uma determinada
comunidade.
a nossas vidas e vamo-nos tornando aquilo que somos. A
Mesmo ao constatar que hoje este perfil construído
vivência cultural dá contornos à nossa identidade na medida
pelo sujeito, sob diversas influências, é cada vez mais
em que dando sentido às experiências coletivas torna
impactado pelas informações das mídias sobre os eventos
possível optarmos entre as várias identidades possíveis.
sociais distantes, que se tornam, pela insistência dos meios
Desta maneira, é correto afirmar que uma identidade se
de comunicação de massa, muitas vezes mais presentes
constrói à medida que somos expostos a crenças, ritos,
do que os eventos da cultura local, acreditamos que a
práticas sociais que pela repetição são reforçadas como
referência das contextualidades locais é indispensável a
pertinentes ou não.
uma estabilização do sujeito quanto ao lugar que ocupa no
universo social e cultural.
pode ser um processo de escolha ou de falta de escolha.
Uma vez que, se a comunidade local se abstiver de
apresentar às novas gerações práticas próprias do lugar de
e sim colocar as mãos nas folhas para então aspirar-lhe o
Também, andando pelas ruas, é comum encontrar
práticas sociais das quais participamos que damos sentidos
Compreendemos então que a identidade cultural
manjericos em pequenos jarrinhos. É uma planta que
tem uma forma arredondada e um suave olor, mas é de
É por meio dos significados engendrados pelas
Nessa perspectiva social e educativa percebemos a
onde o jovem olha o restante do mundo, fornecendo aos
mesmos as referências capazes de identificá-lo à cultura
local, a homogeneidade cultural promovida pela sociedade
de mercado e de consumo o distanciará de tudo o que
representa seus pares e familiares, aqueles que partilham o
mesmo modo de ser e estar no mundo.
É obvio que esta identidade cultural a que nos
É visível que, com as mudanças produzidas
pela “modernidade tardia”, os sistemas de significação
multiplicam-se
confrontando-nos
com
um
número
alucinante de informações e, como resultado, temos que
mesmo as manifestações pertinentes às culturas locais
veem-se invadidas por produtos massificadores de uma
indústria cultural que descaracteriza em proveito próprio,
de maneira desconcertante, os signos dos eventos sociais
locais.
referimos não é algo estático, mas constituída frente
É certo que os interesses da indústria cultural
as mais diversas influências e num mundo globalizado
estão distantes do interesse das populações das aldeias ou
são plurais e diversificadas as influências. Para Kathryn
periferias das cidades do Porto ou de Fortaleza, como de
Woodward, em Identidade e Diferença: “A homogeneidade
tantas outras espalhadas pelo mundo afora. Quando uma
cultural promovida pelo mercado global pode levar ao
comunidade leva seus jovens a participar de ranchos típicos
distanciamento da identidade relativamente à comunidade
ou grupos etnográficos, seus objetivos são diametralmente
e à cultura local.” (Woodward, 2012, p. 21)
opostos ao de uma empresa fonográfica ao levar para
Muitas são as formas de classificação que a
identidade cultural recebe como: pluralidade, diversidade
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
comemorações a São João, bem como o costume de saltar
milhões de lares a música mais recente gravada por ela.
Aquele promove uma vivência cultural enraizada na vida
de uma comunidade que celebra juntos a partilha do
Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |105
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O que nos parece claro é que mesmo as identidades
O que viemos argumentando desde o princípio
vida coletiva, enquanto uma gravadora vende um produto
nacionais vêm se desmistificando enquanto unidade, já que
deste estudo pode parecer utópico demais, mas realmente
desenraizado capaz de agradar a todos exatamente pela
o hibridismo das populações é uma realidade incontestável
agimos no campo da utopia, não como algo, idílico ou
banalidade ou alto teor de vulgaridade do seu produto.
em todos os países. O que faz-nos conscientes de que a
ilusório, mas como um povir, um vir a ser, aliás, muito
identidade nacional hegemônica é representante de uma
apropriado quando refletimos no campo da identidade que
classe que detém o poder e que impõe sua versão da
também se constrói dia a dia. Como nos lembra Kathryn
história e uma representação da nação que não pode ser
Woodward “(...)ao ver a identidade como uma questão de
identificada a todos. Assim, argumentamos que é válido
tornar-se” (Woodward, 2012, p. 29). Estamos conscientes
em contexto educativo reforçar as identidades locais como
da desproporcionalidade que representa nos opormos ao
forma de resistência à homogeneização provocada pela
processo de desenraizamento provocado pelos grandes
globalização.
conglomerados econômicos mundiais, mas não resta outra
Como está amplamente visualizado em teorias
sobre a identidade, este conceito surge no bojo das
transformações sociais ocorridas desde a década de 60 do
século passado em movimentos sociais que se opunham,
segundo Hall, “(...) tanto à política liberal capitalista do
Ocidente quanto à política estalinista do Oriente.” (Hall,
2004, p. 44) Assim surge o que veio a ser conhecido como
política da identidade, uma identidade para cada movimento
social, onde o pessoal é político e o que está em destaque é
a humanidade.
Por outro lado, o conceito de globalização
amplamente usado no campo da cultura é na verdade
originado no âmbito da economia uma vez que buscava
a internalização dos mercados, facilitando as trocas de
produtos aliados a multinacionalização de empresas que
passam a operar em mercados internacionais.
Constatamos assim que a apologia à globalização
opção aos educadores que pensam em formar jovens mais
Concordamos, então, com Hall ao constatar que:
permanecem
É evidente que, como afirma Ortiz, “tanto a escola
fortes, especialmente com respeito a coisas
como as tradições populares têm um âmbito de atuação
como direitos legais e de cidadania, mas as
restrito ao domínio regional ou nacional.” (Ortiz, 2000,
identidades locais, regionais e comunitárias
p. 165) mas temos clareza também que o mundo é um
têm se tornado mais importantes. Colocadas
espaço no qual se confrontam diferentes concepções e
acima do nível da cultura nacional, as
ideários humanos e cabe à escola como instituição voltada
identificações “globais” começam a deslocar
para o interesse comum, mesmo que numa luta desigual,
e, algumas vezes, a apagar, as identidades
travar este combate a bem do desenvolvimento de uma
nacionais. (Hall, 2011, p. 73)
mentalidade a favor da liberdade e da democracia.
As
identidades
nacionais
da cultura, que anda hoje tão presente no discurso corrente
pelo qual não há interesse da juventude sobre a cultura
local, mas antes uma ânsia por conhecer o externo, o
mundialmente difundido, é uma resposta aos apelos da
sociedade de mercado que ao fortalecer uma cultura
homogeneizada vende seus objetos em maior escala.
Em suma, existe uma vasta gama de posições acerca
do conceito de identidade ligadas às noções de etnia, nação,
gênero, espaços geográficos ou contextos históricos, mas
interessa-nos aqui argumentar que diante do fenômeno
educativo as questões relativas à identidade não nos podem
passar despercebidas e que a opção que defendemos é a
de que a escola enquanto partícipe de uma determinada
comunidade busque “(...) recuperar a “verdade” sobre seu
passado na unicidade de uma história e de uma cultura
partilhadas que poderiam, então, ser representadas, por
exemplo, em uma forma cultural como o filme, para reforçar
e reafirmar a identidade (...)” (Woodward, 2012, p. 28).
conscientes.
A própria categoria identidade se constrói a partir
Uma cultura mundializada, portanto, não exige
das diferenças e das simbologias e rituais que se opta como
a extinção das manifestações culturais locais, mas ao
formas elementares pelas quais os sentimentos sociais
contrário se alimenta delas e coabita na medida em que
têm existência. Assim, identidade e diferença resultam de
estas diversidades possam ser transformadas em produtos
relações sociais de poder que, quer queiramos ou não,
comercializáveis pela indústria cultural.
povoam o espaço educativo através do processo de produção
Em nossa pesquisa um bom exemplo deste
fenômeno é facilmente percebido quando nos deparamos
com o uso na cidade do Porto de martelinhos plásticos
que vieram, na noite de São João, a substituir os antigos
alhos que eram tocados nas cabeças dos transeuntes como
forma de oferecer bons fluidos e de espantar o mal em
se procede a uma espécie de benção. Ou seja, à indústria
importa vender martelos plásticos e a população perde aos
poucos os elos com esta tradição.
106 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014
aos dias de hoje em matéria de ensino de arte.
Neste momento nos preocupamos com o campo
das manifestações tradicionais como indispensável à
formação do indivíduo, não dizemos com isso que a cultura
geral da humanidade não seja direito de todos. Reafirmamos
que o patrimônio cultural da humanidade nos pertence, a
todos, que de uma maneira ou de outra contribuímos para
sua construção.
Conhecer, respeitar, interagir com diferentes
culturas é fundamental, bem como a História Geral da
Humanidade ou da Ciências Naturais, mas como efeito
de recorte teórico e metodológico escolhemos destacar o
tradicional e o popular na educação em arte.
Continuamos a afirmar que em arte podemos
partir das manifestações populares para os demais
conhecimentos. Quando pequenos, dos 6 aos 9 anos,
nas séries iniciais do ensino fundamental, os brinquedos
cantados, as danças, os contos e outras manifestações
tradicionais podem introduzir todo o universo que exploram
as diversas linguagens artísticas.
Na cidade do Porto, assim como em Fortaleza, a
escola anda ausente dos festejos populares. Nestes períodos
de maior grandeza das festas, as escolas fecham para férias
e sob esta justificativa não participam dos festejos populares
das cidades.
simbólica e discursiva onde se afirmam identidades que
A maior festa popular, coincidentemente, em
traduzem os desejos e modus vivendi de diferentes grupos
ambas as cidades, Fortaleza e Porto, é o São João, e conta
que se encontram, assimetricamente, situados em relação
com o desprezo da escola em ambos os lugares. Em todos os
ao acesso aos bens culturais criados, desenvolvidos e
dois casos as férias são a justificativa para tal menosprezo.
produzidos pela humanidade para toda humanidade e não
para o lucro e benefício de poucos.
É certo que se se administra a escola e a fábrica da
mesma maneira, então é muito dispendioso pensar numa
escola aberta à participação na festa de São João, na vida de
nome de São João. Hoje quase ninguém mais se lembra
do que representa este ato como forma simbólica na qual
compreensão “global” é o passo metodológico necessário
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quotidiano, a fertilidade da terra ou outros elementos da
CONSIDERAÇÕES FINAIS
seu povo, das comunidades onde está inserida.
É mesmo na contramão da escola que estamos a
O fundamento da expressão artística na escola deve
caminhar, é uma aprendizagem significativa que queremos.
ser a cultura local em articulação à cultura universal.
Pretendemos somente que os contos locais, os ícones de
Assim conhecer o universo local ampliando-o para uma
cada povo, suas festas, suas manifestações e a expressão
Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |107
mais peculiar recebam merecido destaque na formação
em arte. Preocupados com as séries iniciais do ensino
Uma experiencia educativa con el trabajo de mediación en las artes visuales: consideraciones iniciales
An educational experience with the mediation work in the visual arts: initial considerations
fundamental e o ensino de artes propomos que partamos
das histórias locais e demais manifestações comunitárias
como ponto de inicial para um conhecimento das artes e de
suas expressões por nossas crianças nos primeiros anos do
ensino básico.
Ana Emidia Sousa Rocha
[email protected]
Grupo MITA/CNPq/UNIVASF
Então cabe-nos questionar sobre qual contribuição
traria uma maior participação da escola nos festejos da
Tipo de artigo: Original
cidade? Ou seja, como a escola deve se articular a estes
momentos comunitários, sendo ela, como é, responsável
pelo resguardo do patrimônio cultural de diferentes povos?
RESUMO
O texto pretende compartilhar a experiência no trabalho como mediadora em
Referências Bibliográficas
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Etnologia de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
uma exposição realizada entre janeiro e março de 2013 na Galeria Ana das
Carrancas, em Petrolina, Brasil. Apesar de atender o público em geral, o trabalho
pretendeu criar e desenvolver atividades educativas com crianças em idade
escolar, que corresponde à maior parte dos espectadores da exposição. Este
trabalho consiste em um relato de experiência à qual cheguei a partir dos estudos
sobre arte/educação em espaços não-formais. Inicialmente faço uma reflexão
Ferrarotti, Franco (2013). Sobre a Ciência da Incerteza. Portugal:
Edições Pelago Ltda.
teórica sobre o tema. Posteriormente, relato a experiência como mediadora
Hall, Stuart (2011). A identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A.
(2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008).
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Silva, Tomaz Tadeu (2012). Identidade e diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. Stuart Hall, Kathyn Woodward. 12. Ed.- Petrópolis: Vozes.
na exposição, de forma reflexiva. Para tal utilizo-me dos trabalhos de Barbosa
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Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais:
primeiras considerações
Além de haver recebido visitantes espontâneos, a exposição recebeu diversos
grupos de crianças e adolescentes que participaram das atividades educativas.
As atividades foram realizadas em consonância com a faixa etária de cada grupo:
jogos, desenho, bate-papo etc, além da leitura imagética.
Palavras-chave: Arte/educação; Mediação educativa; Educação em espaços nãoformais.
RESUMEN
El texto tiene como objetivo compartir la experiencia en el trabajo como mediador
en una exposición celebrada entre enero y marzo de 2013 en Galeria Ana das
Carrancas, em Petrolina, Brasil. Aunque respondiendo al público en general, la
labor encaminada a crear y desarrollar actividades educativas con los ninõs de
edad escolar, que corresponde a la mayoría de los espectadores De la exposición.
Este trabajo consiste en uma cuenta de relato de experiencia desde estúdios
de arte y educación en espacios no formales. Inicialmente hago uma reflexión
teórica sobre ele tema. Relato posteriormente la experiencia como mediadora
108 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014
Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |109
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O interesse por educação em espaços não-formais
surgiu para mim no início do curso de Licenciatura em
Artes Visuais. Isso porque, a experiência como professora
Olhando a definição para mediação no dicionário
encontrei: “1- Intercessão, intervenção”1. Mediar seria,
então, fazer intervenções para que a obra de arte e
o espectador se aproximem e interajam. Diversos
pesquisadores têm discutido sobre o tema: o que é, como
en la exposición de forma reflexiva. Para ello utilizo las obras de Barbosa (2005;
em escolas públicas e privadas, desde 1998, fez com que
2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) y Pillar (2008). Además de
adquirisse algum conhecimento sobre educação escolar.
haber recibido visitantes espontaneos, la exposición ha recibido vários grupos
No entanto, gostaria de saber como acontece o ensino e a
de niños y adolescentes que participaron en las actividades educativas. Las
aprendizagem em instituições de ensino não-formal.
a mediação em espaços expositivos como um processo
atividades se llevaron a cabo en consonância com la edad de cada grupo: juegos,
dibujar, chatear etc, además de leer las imágenes.
A partir de estudos no Grupo de Estudos Arte na
acontece, para que serve a mediação.
Estudiosa do tema, Martins (2003, p. 56) concebe
rizomático:
[...] num sistema de relações fecundas e complexas
Educação Infantil, o foco do meu interesse pendeu para a
que se irradiam entre o objeto de conhecimento, o
Palabras-clave: Arte y educación; Mediación educativa; Educación em espacios
mediação em espaços expositivos. Também passei a dar
aprendiz, o professor/monitor/mediador, a cultura,
no formales.
mais atenção à ação dos mediadores nas exposições que
a história, o artista, os modos de divulgação, as
visitava.
especificidades dos códigos, materialidades e
ABSTRACT
The text aims to share the experience on the job as a mediator in an exhibition
held between January and march 2013 at Ana das Carrancas Gallery, Petrolina,
Brasil. Although answering to the general public, the work intended to create and
develop educational activities with children of school age, which corresponds to
most of the viewers of the show. This work consists of an account of experience
suportes de cada linguagem artística.
Em 2013 tive a oportunidade de integrar a equipe
de mediadores de três exposições artísticas e uma exposição
histórica, que me proporcionou a experiência prática que
contribuiu para meus estudos com algumas respostas e
inúmeras dúvidas e inquietações. Essas atividades têm
contribuído para minha formação docente e me levado à
reflexão sobre como a educação em instituições culturais
são consideradas diante da arte/educação.
que várias questões se entrelaçam e cada uma pode ser a
inicial, puxando outras.
mediator in the exhibition of reflective form. For this I use the works of Barbosa
(2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008). In
addition to having received spontaneous visitors, the exhibition has received
mediação explícita e a mediação implícita, que são definidas
da seguinte maneira:
A mediação explícita é aquela em que há
da obra [...] na qual o trabalho de mediação é
realizado por arte-educadores que desenvolvem
1. O que vem a ser a mediação
activities. The activities were carried out in line with the age range of each group:
instigar e estimular os sentidos, deixando-os receptíveis a
games, drawing, chat etc, besides reading imagery.
outras formas de organização e apresentação do mundo
spaces.
intencionalidade de subsidiar o sujeito na recepção
Aporte teórico
various groups of children and adolescents who participated in educational
Keywords: Arte/education; Educational mediation; Education in non-formal
metodologias para introduzir o público no universo
da obra e para aplicar atividades após a experiência
Uma das atribuições dadas à Arte é a de provocar,
estética.
[...]
Na mediação implícita, os elementos de mediação
(Canton, 2009, p. 12) durante a experiência estética.
se encontram camuflados, pois a intencionalidade
Essa interação oferece a oportunidade de construção de
de intermediar o acesso a obra não é direta.
significados pelo espectador, que é o principal nessa relação
Entretanto,
esses
elementos
também
são
constituintes e influenciadores da experiência
(Leite, 2004, p. 30).
estética (Nóbrega, p. 3-4).
Nessa atividade cada pessoa parte do seu lugar,
seus conhecimentos, seus referenciais e seu repertório de
significações para entender a imagem que lhe é apresentada.
citados a subjetividade de cada indivíduo e o contexto onde
O papel da mediação é, então, auxiliar nessa interação,
instigando à construção de sentido diante da obra de arte.
110 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014
Em trabalho sobre o tema, Nóbrega (2012)
averigua como a mediação se dá e encontra dois tipos: a
to which I got from art studies education in non-formal spaces. Initially do
a theoretical reflection on the topic. Subsequently report the experience as a
Ou seja, não existe centralidade, é um processo em
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Introdução
Como elementos da mediação implícita, podem ser
1 Melhoramentos: minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997.
Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |111
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3). O ensino de arte contemporâneo formal e não-formal
Social do Comércio – SESC, de Petrolina, Pernambuco,
pode utilizar-se da oralidade ou da ludicidade como meio.
baseia-se neste pressuposto.
Brasil. A galeria foi fundada em 2009 e desde então recebe
reuniões de planejamento, buscando atividades que
exposições de artistas de relevância regional e nacional. O
se adequassem aos grupos recebidos e aos visitantes
espaço consiste num salão grande e retangular e uma sala
isolados. Recebemos material educativo utilizado em
avarandada que serve como recepção. Ambas oferecem
outras exposições que a galeria havia recebido e algumas
lugar para uma conversa e a realização de atividades com os
informações sobre a exposição e o artista. Tivemos uma
visitantes.
conversa com o artista que foi muito salutar para o trabalho
A ação educativa da mediação visa ampliar a
Ser arte/educador implica ter uma clara intenção
sensibilidade estética, ou seja, ali acontece parte do
educativa que esteja presente nas ações de quem educa
processo e não todo ele. O público de uma exposição de
para que o processo ensino/aprendizagem tenha sentido.
arte tem uma experiência estética anterior que acontece
num contexto cultural específico: no quotidiano doméstico,
na escola ou outros.
Ler obras de arte é parte fundamental da
experiência estética. Para operacionalizá-la a criança (ou
o adulto) sentirá a necessidade de buscar informações
Como ação educativa, as atividades de mediação
registradas mentalmente a partir de sua experiência
são planejadas para possibilitar uma experiência de
doméstica, escolar e outras desenvolvidas nos diversos
aprendizagem no espaço expositivo, relacionando os
espaços culturais em que interage.
objetos, o espaço, a temática. O que pode ser feito com um
conjunto de ações que englobam atividades de fruição, de
contextualização e de produção. Esse planejamento é
específico para tal contexto, afinal, os espaços expositivos
não são salas de aula e nem oficinas de arte, eles têm uma
dinâmica própria: são os lugares onde se vê e se pensa sobre
arte (Ott, 2005, p. 114). O contato com as obras de arte e
O exercício do olhar é fundamental para que
se chegue a ver, uma rápida olhada não conduz à
compreensão porque não permite a leitura. Além disso,
a arte contemporânea suscita desafios e dúvidas do
observador (Frange, 2008, p. 36), demandando tempo para
ser experienciada devidamente e produzir conhecimento.
a experimentação oferecida pela mediação visa ampliar o
universo estético e o conhecimento do público.
Leite (2004, p. 30) afirma que “a escuta deveria
ser a base para a mediação”. Apesar de dar as informações
necessárias e solicitadas, o mediador não tem todas as
respostas, pois parte importante do conhecimento sobre
cada trabalho exibido está na interação que o público
Para compreender a imagem é necessário “ver
construtivamente a articulação de seus elementos, suas
tonalidades, suas linhas e volumes” (Rizzi, 2008, p. 81).
Não se trata de adivinhar o que o artista quis dizer, mas
de compreender aqueles elementos presentes na obra
e sua relação com a cultura, com a vida, enfim, é preciso
contextualizá-la.
estabelece com a obra. Por isso é importante escutar. O
mediador não é um explicador, a ele cabe melhor o papel
de emancipador (Rancière, 2002, p. 18; 108-14).
Aprender a olhar de maneira diferente ajuda a ver
a obra de arte e a obter conhecimento. Ensinar não é dar
informações sobre as obras é, sim, ajudar a encontrá-las.
Para aprender é preciso ser agente, ser ator ao invés de ser
receptor.
2. Arte/educação em espaços de educação não-formal
A partir da década de 1980 o ensino de arte passou
a considerar outros aspectos da arte além da expressão, a
arte passou a ser considerada como cultura e conhecimento,
de acordo com as investigações de Barbosa (2005, p. 12-
Geralmente as escolas agendam as visitas de
acordo com o horário das aulas e a conseqüência disso é
uma rápida visita de, no máximo, uma hora. Dessa forma
não há tempo suficiente para se realizar a leitura de um
conjunto de 20 obras, por exemplo. Esse fato reforça a ideia
A mediação foi realizada na Exposição Pneumática
durante os meses de janeiro a março de 2013 pela equipe
formada pelos mediadores Delson Lopes, Ana Emidia e
das obras e realizar uma atividade a partir delas.
Relato de experiência
adquirido na Licenciatura em Artes Visuais foram
Pneumática é uma exposição de esculturas
infláveis de papel de seda inspirados nos balões que o
artista pesquisou no Rio de Janeiro desde os anos 80. As
obras exploram a tecnologia, o lúdico e a tradição dos
Acredito que essas informações e o conhecimento
extremamente importantes para minha atuação como
educadora nessa exposição, saber como o artista trabalhava
fez-me entender como a obra funcionava e ajudou a
elaborar minha abordagem aos visitantes.
balões e recriam elementos dos contextos culturais dos
quais o artista participa, como as pipas e as festas de São
p. 75) afirma que é preciso saber trabalhar com públicos
João.
diversos nesses espaços quando se pretende atender
As esculturas são obras de Paulo Paes, artista
paraense erradicado no Rio de Janeiro. Participou de várias
Sobre atendimento ao público, Iavelberg (2003,
uma larga faixa da população, incluindo crianças, jovens e
adultos. O que pude constatar na prática.
exposições coletivas e individuais e tendo produzido outras
obras inspiradas na pesquisa sobre os balões. foi possível verificar que os adultos sentiam-se mais à
O
público
dessa
exposição
constituiu-se
principalmente de estudantes do ensino fundamental
da cidade de Petrolina, mas também de estudantes da
educação infantil e ensino médio. Sendo a galeria parte
dos serviços que o SESC oferece a seus associados, também
recebíamos comerciantes e suas famílias.
Durante o período de atuação como mediadora,
vontade ao olhar as obras com mais autonomia, ou seja,
sem a proximidade de um mediador. Depois de observar
o conjunto, a maioria dos visitantes recorria ao mediador
para tirar dúvidas sobre o artista, fazer questionamentos
sobre a obra exposta e falar de suas impressões, era nesse
momento que a mediação acontecia com esse público.
Por outro lado, com as turmas de estudantes
a visita sempre começava com a fala do mediador com
2. A mediação na Exposição Pneumática
algum questionamento sobre a exposição. Era possível
Mediar está longe de somente dar informações
ter uma conversa com as turmas antes de entrarmos no
sobre as obras, é como ampliar olhares, permitir
salão, sempre perguntava sobre experiências prévias com
contrapontos. Antes da abertura da exposição li muito sobre
exposições e obras de arte.
o Paulo Paes e sobre o trabalho educativo em galerias e
fosse realmente aquilo que eu acreditava.
112 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014
como educador.
SESC Petrolina André Vitor Brandão.
museus. Também fiquei tentando pensar em atividades que
então relatada é a Galeria Ana das Carrancas, do Serviço
seda desde a década de 1980, sua poética e seu trabalho
1. Contextualizando
O espaço expositivo em que aconteceu a experiência
porque soubemos de seus estudos sobre balões e papel de
Candyce Duarte e pelo instrutor de atividades artísticas do
de que para a experiência ser completa não é necessário ver
todo o conjunto da exposição. É possível selecionar parte
Como preparação para a mediação aconteceram
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ocorre a atividade. Vale ressaltar que a mediação explícita
pudéssemos realizar com as crianças para que o trabalho
No salão deixava que primeiro observassem as
obras, circulassem entre elas. Enquanto isso, ia conversando
com algumas crianças sobre a exposição e aproveitava para
conhecer mais sobre a turma. Depois de algum tempo,
Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |113
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que eles tinham gostado mais e porquê; como poderiam
pela qual passei, tendo participado em mais três exposições
sobre o que elas viram.
recriar uma daquelas obras, que outro material e dimensão
como mediadora na mesma cidade. Citando Iavelberg (2003,
Carrancas contribuiu de forma valiosa para minha formação
poderiam utilizar; qual das esculturas eles gostariam de ter
p. 78), “A identidade do ‘educador de museu’ criador, se
como arte/educadora. em casa.
constrói, como a do artista, ao longo da vida, para alcançar
valiosas é a de que um mediador precisa estar preparado
maturidade e plenitude”.
todos os dias, tanto em conteúdo, quanto em atividade
Percebi que as crianças eram bem expansivas
diante das obras, falavam o que pensavam sobre elas, faziam
perguntas espontaneamente e sempre queriam tocar os
trabalhos. O tato de todos era altamente requisitado
cera, canetinhas e lápis de cor para que cada um pudesse
pelas esculturas translúcidas e agigantadas, de silhueta
fazer um desenho relacionado à exposição. Antes, porém,
exposições, participei também de atividades formativas
sinuosa, mas para as crianças, ainda não conformadas
instigava-os a dizerem o que eram aquelas peças que
para esse trabalho. Percebo que cada ação elaborou
pelo comportamento aceitável socialmente, era mais difícil
estavam ali enchendo o salão, como elas tinham sido feitas,
essas atividades de maneira particular, com objetivos e
resistir. Desta forma, precisava ter cuidado redobrado com
com que objetos ou seres eles poderiam associá-las, qual
metodologia diferentes.
as crianças para que não tocassem as peças.
chamava mais a atenção, perguntava sobre as cores e as
As visitas eram previamente agendadas pelas
Com as turmas menores utilizávamos papel, giz de
formas geométricas presentes nas obras.
Tendo participado como mediadora em algumas
Na primeira experiência, foram realizadas reuniões
para apresentação dos trabalhos a serem expostos, do
professoras, no entanto, muitas turmas não tinham noção
Impressionantemente a maioria das crianças
material educativo (produzido por uma consultoria) e
do que estavam fazendo ali ou o teor da exposição. Refleti
pequenas sentia-se atraídas pela maior obra, que eles
do espaço disponível; tivemos uma tarde com o artista e
muito sobre o que diz Lanier (2005, p. 47), que para
diziam ser “gorda” ou “fofa”, um menino chegou a dizer que
parte da equipe da exposição; por fim, uma reunião para
aproveitar uma experiência estética e aquilo que ela pode
queria abraçá-la. Quanto aos adultos, alguns comentaram
propostas de atividades de mediação a serem utilizadas,
oferecer é necessário que a pessoa tenha noção sobre o
que experimentavam uma sensação de leveza e flutuação
entre as quais: jogos, confecção de objetos, produção de
que está experienciando. Mas também é necessário que os
enquanto estavam no salão. Outras disseram que as obras
desenho.
educadores estejam preparados para fazer essa condução
ficariam melhores se expostas ao ar livre. Da mesma
e a maioria dos professores que foram à galeria com seus
forma, adultos e crianças percebiam e interagiam de forma
alunos não tinham formação em arte.
diferente com as esculturas, o que exigiu de mim atuações
Foi possível utilizar materiais com os estudantes
diferentes e adequadas às possibilidades de cada grupo.
como parte da atividade mediativa. Para as turmas de 5° ao
Grande parte dos adultos estava interessada em
9° ano utilizávamos um jogo de cartas com metade das cartas
receber informações e até explicações sobre as obras.
contendo perguntas e a outra metade as respostas. As cartas
Percebi que as pessoas entravam com os folhetos nas mãos,
podiam ser utilizadas de várias formas: às vezes eu lançava
alguns liam, outros nem abriam. Lembrei de uma fala de
as perguntas e deixava que respondessem livremente;
Barbosa, sobre a opinião de mediadores de um museu
outras pediam que procurassem as cartas com as respostas,
nos Estados Unidos, que as pessoas querem apenas um
ou as usava como um dominó. Esse jogo ultrapassava os
souvenir. Será? Será que a leitura de informações sobre o
aspectos objetivos das obras, contextualizando histórica,
trabalho exposto é considerada supérflua pela maioria?
cultural e cientificamente os objetos apresentados ali.
Vemos somente aquilo que nossa compreensão
permite, além disso, captamos apenas algumas informações
visuais numa imagem, aquelas com as quais estamos
acostumados. Para ver decodificamos signos de uma cultura
e tentamos interpretá-los a partir dos conhecimentos
construídos quotidianamente (Iavelberg, 2003, p.76). Desta
forma, propunha às turmas que observassem a técnica
curso de oito horas, no qual foram apresentadas a biografia
e os trabalhos relevantes de cada um dos artistas com obras
na exposição. Além de cansativo, não foi muito construtivo.
Para a terceira e quarta exposições, recebi, somente, uma
lista de informações sobre os objetos expostos somente.
Não perco de vista que a experiência à qual
me refiro neste texto foi a primeira, sendo assim, tenho
consciência de que o trabalho não teve a perfeição desejada,
mesmo tendo sido desempenhado com a seriedade exigida
pela arte/educação.
empregada pelo artista, as figuras que compunham as obras,
A experiência prática é extremamente necessária
a forma, a textura, a cor, o volume. Procurava perguntar do
na formação docente e essa foi a primeira etapa formativa
114 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014
Algumas destas experiências foram ineficazes para
o desenvolvimento do trabalho. Acredito que o problema
ultrapasse a carga horária reservada para a formação e
atinjam a concepção de mediador que a instituição ofertante
propaga.
O que aprendi como educadora:
Para a segunda exposição foi oferecido um mini-
Devido a insuficiência das atividades formativas,
eu, como outros educadores, procuro outras maneiras de
ampliar meu conhecimento acerca da área de atuação.
Posteriormente, participei de um mini-curso de Mediação
Inclusiva de oito horas, com Andreza Nóbrega, oferecido
pelo SESC, por exemplo. Constato que se faz necessário
ter clareza na construção dos programas de formação para
mediação, considerando que esta é uma forma de educação
em arte também.
Acredito que o trabalho na Galeria Ana das
Uma das aprendizagens mais
para conseguir atender turmas variadas. É necessário haver
um planejamento do que será realizado, saber conduzir
a atividade, mas, ao mesmo tempo, saber escutar, estar
atenta ao conhecimento prévio e às necessidades que cada
grupo traz.
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convidava a turma a sentar em círculo onde conversávamos
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¿Por qué copiar a Leonardo? La Enseñanza del Dibujo como inscripción de una Potencia e la
construcción de las subjetividades
Why copying Leonardo? The Learning of Drawing as the inscription of a Potentiality and the
construction of subjectivities
Magda Silva
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(Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5 ed. pp. 63-70. São
Paulo: Cortez.
Magda Silva
I2ADS, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
Faculdade de Belas Artes – Universidade do Porto
Doutoranda em Educação Artística
Tipo de artigo: Original
Artigo baseado em Tese de Mestrado, Entre desenhos-daninhos: A Inscrição da
Potência, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e à
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2013.
RESUMO
Neste artigo procuramos configurar uma plataforma de discussão com as práticas
letivas privilegiadas no Ensino de Desenho A, na Escola Secundária Portuguesa.
Expondo estas enquanto práticas discursivas que exercem efeitos produtivos
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Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de
uma Potência e a construção de subjetividades
sobre os seus sujeitos, sublinhamos a construção das subjetividades dos alunos,
enquanto aprendizes de desenho. Assim, se as aprendizagens se pontuam pela
predominância de determinados tipos de exercícios, identificamos nas práticas
letivas a convergência por uma potência de Desenho, que não é mais do que o
campo de possibilidades previsto pelo programa da disciplina, e um determinado
estado de desenho a atingir. Neste sentido, o conceito aristotélico de potência, a
leitura contemporânea do mesmo por Agamben (1993, 2006, 2007), e o conceito
de tecnologias do eu de Foucault (1988), articulam-se no problema que aqui se
procura desenvolver: A inscrição de uma racionalidade específica que produz a
forma como os alunos se passam a ver a si mesmos e ao desenho.
Palavras-chave: Potência; Desenho A; sujeito; subjetivação; Escola Secundária.
RESUMEN
En este artículo buscamos configurar una plataforma de discusión con las prácticas
lectivas privilegiadas en la Enseñanza del Dibujo A, en la Escuela Secundaria
Portuguesa. Exponiéndolas en cuanto practicas discursivas que ejercen efectos
productivos sobre sus sujetos, destacamos la construcción de las subjetividades
116 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014
Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |117
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mesmo a tentativa árdua de reproduzir aquele modelo
atendendo aos seus aspetos estético-formais. Querer-seia naquele movimento de desenho pedir de empréstimo
a mão de Leonardo? Se o maior génio de todos os tempos
de los alumnos como aprendices de dibujo. Por lo tanto, si los aprendizajes se
se encontrava ali fotocopiado, era por demais evidente que
puntúan por el predominio de determinados tipos de ejercicios, identificamos
cada aluno se debatia por assemelhar a sua mão e o seu
en las prácticas lectivas una convergencia por una potencia de Dibujo, que no
gesto, à mão e ao gesto de um génio. De alguma forma, a
es más que el campo de posibilidades previsto por el programa de la disciplina
História e o Desenho, estavam ali presentes, e os trabalhos
(que ofrece el plan de estudios), y un determinado nivel de dibujo a alcanzar. En
produzidos eram citações dessa longa e íntima relação…
este sentido, el concepto aristotélico de potencia, la lectura contemporánea del
O aluno que referi, abandonou o desenho de
mismo por Agamben (1993, 2006, 2007), y el concepto de tecnologías del yo de
Leonardo e avançou para outro, seu. Eu afinal não soubera
Foucault (1988), se articulan en el problema que aquí se busca desarrollar : La
inscripción de una racionalidad específica que produce la forma en la cual los
alumnos pasan a verse a sí mismos y al dibujo.
Palabras-clave: Potencia; Dibujo A; sujeto; subjetivación; Escuela Secundaria.
dar-lhe uma resposta ‘motivadora’.
Leonardo da Vinci, Estudo para o Monumento Trivulzio
c.1508-1511
pena e tinta sobre pedra negra
INCITAÇÃO INICIAL
ABSTRACT
O estudo que conduziu a este artigo foi efetuado
no decurso de um estágio pedagógico de um ano letivo
In this paper we seek to configure a platform for discussing the drawing teaching
realizado numa Escola Secundária do Porto, em Portugal.
practices in the Portuguese Secondary School. Exposing them as discursive
Deste, recordo um breve episódio vivido numa aula
practices that produce effects on their subjects, we emphasize the construction
dedicada a um exercício de cópia de um desenho de
of students’ subjectivities as apprentices of drawing. Thus, if the learning is
Leonardo da Vinci. A seu propósito, um aluno perguntou-
punctuated by the predominance of certain types of exercises, we identify,
me o motivo pelo qual teria ele que desenhar aquele cavalo.
within the teaching practices, a kind of potentiality relating to drawing, that is
Pese embora a ironia e a resposta tipificada que lhe ofereci,
no more than the field of possibilities provided by the curricular discourse, and
recordo este como um episódio impactante, perante o
a certain state of drawing to be achieved. In this sense, the Aristotelian concept
qual a tentativa de uma resposta plena, suporia uma longa
of potentiality, its contemporary reading by Agamben (1993, 2006, 2007), and
conversa e um necessário questionamento àquele ato de
the Foucaultian (Foucault, 1988) concept of technologies of the self, articulate
cópia. Será assim tão evidente conceber o lugar da cópia
the problem that is here discussed: the inscription of a specific rationality that
numa aula de desenho?
produces how students come to see themselves and the drawing.
Keywords: Potentiality; Drawing; subject; subjectivation; Secondary School.
Na verdade, a resposta que havia improvisado para
que o aluno prosseguisse com o seu exercício – uma vez que
esse era o meu dever –, levar-me-ia, mais tarde, a pensar
no quão difícil pode ser perceber por que motivo de facto
aquele é um exercício tão natural de se conceber em aula,
se procurarmos pensar um pouco além da sua indicação na
sugestões metodológicas do Programa de Desenho A. Era
porém naquela concreta aula, que tomado pelos alunos
como mera representação de um cavalo, aquele desenho
ocupava no olhar destes a função inerte de uma qualquer
118 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014
A PEDAGOGIA DA POTÊNCIA
O presente artigo não pretende outra coisa senão
a de expor uma reflexão. Esta não se possibilitaria porém
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imagem a copiar. Na verdade, o que importava ali, era
sem ter sido realizada uma investigação ao longo de um ano
letivo, onde observei e participei em aulas de desenho com
uma turma de artes visuais, tendo, por princípio, dedicado
a minha atenção aos processos de ensino e aprendizagem
do desenho, tanto quanto possível a partir das perspetivas
dos alunos (Silva, 2013). Assim, através de diálogos e
de discussões de grupo com os alunos, assim como um
trabalho sistemático de análise documental, não apenas
se produziu um trabalho académico, mas um campo de
possibilidades por onde pensar o ensino de desenho através
do reconhecimento de uma articulação muito sensível entre
o que é a dimensão ontológica inscrita nessa disciplina
e o universo humano a que se destina pedagogicamente.
Deste modo, o que trago neste artigo, é o desejo de tornar
a escrever e pensar alguns recortes dessa experiência. A
teoria é por isso um lançamento necessário onde se busca
nutrir o pensamento.
Assim, o episódio referido atrás não pretende
outra coisa senão incitar a uma reflexão que bem além de
um exemplo como o dado, um exemplo de cópia, pretende
colocar em discussão, não necessariamente a forma como
o ensino do desenho na escola secundária se processa,
mas até que ponto podemos perceber, ao nível do que
Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |119
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entender que tal advém, em primeiro lugar, da potência-de-
de desenho ser objeto de um processo de subjetivação
aquisição de uma imagem contornada por determinadas
aprender que o aluno necessariamente trará consigo, como
enunciado previamente no formato de uma literatura
funções e atributos. Nesse sentido começo por buscar o
o próprio Aristóteles poderia dizer.
curricular que o antecipa em função de uma potência, dita
A POTÊNCIA DE SER-SUJEITO: TECNOLOGIAS DO EU
Se o ponto central da investigação que transporto
conceito de potência, que pela via agambeniana (Agamben,
Assim, entre a escrita ou a não escrita sobre as
2006, 2007), me propicia viajar no tempo para o perceber
tabuinhas dos sujeitos, permitamo-nos imaginar as práticas
Com efeito, na disciplina de Desenho, se o percurso
que os alunos são sujeitos, enquanto alunos de desenho,
na fala de Aristóteles, repensando uma sua metáfora, que, a
escolares, ou disciplinares, como meios de inscrição de
pedagógico do aluno decorre de um processo de aquisição
é-nos requerido olhar o programa e perceber que no
propósito da escola e do desenho permite diversos sentidos.
determinados discursos curriculares, que transportam no
de especificidades e do domínio das potencialidades
mesmo se recorta o perfil de uma determinada figura de
No século IV a.C., Aristóteles utilizou a metáfora
seu íntimo perfis subjetivadores. Neste sentido o conceito
previstas pelo Programa, tal aquisição é, à luz da potência,
aluno, produto necessário dessa herança articulada entre a
de uma tabuinha para se referir à mente humana e à
de subjetividade a que me reporto requer o reconhecimento
semelhante a uma inscrição na tabuinha do sujeito, e dessa
escola, o desenho e a interioridade do sujeito (Penim, 2003;
capacidade que cada um de nós tem, sobretudo, de pensar.
de processos de subjetivação (Foucault, 1988), decorrentes
forma podemos entender o poder inscrito no Programa
Martins, 2012).
Assim, muito embora o conceito tenha viajado através dos
de um poder produtivo, uma vez que as condicionantes da
como produtor da subjetividade do aluno, enquanto
séculos e sofrido a responsabilidade de um determinismo
formação dos indivíduos não são dados necessariamente
aprendiz daquele saber.
largamente condicionador, encontramos a partir da leitura
naturais, mas produzidas por relações de poder, que se
Desta forma, em Desenho, é sobretudo a eficácia
olhar o programa de desenho, partindo de tecnologias
contemporânea de Agamben (2006, 2007), a possibilidade
traduzem na conduta e no pensamento dos indivíduos.
dos desenhos produzidos – maioritariamente desenhos de
de subjetivação (Foucault, 1988). Esse olhar permitir-
de repensar essa mesma tabuinha. Proponho então,
Assim,“O conceito de sujeito, para Foucault, é a encarnação
observação – que coloca os alunos em confronto com essa
nos-á perceber a dimensão ontológica da figura ideal de
através desta metáfora da mente humana, imaginar a
dos efeitos de poder produzidos pela subjectivação, ou seja,
potência, ao que dizer que a pedagogia da disciplina de
aluno que refiro, como presente no programa: Aquele
escrita dos nossos pensamentos e da nossa vontade, afinal,
a agregação ao ser humano de um conjunto de qualidades,
Desenho se organiza em função de produzir determinados
que domina, conhece e comunica com eficácia através do
desenhando-se sobre essa mesma tabuinha.
como se dele fossem inerentes, como se da sua natureza
sujeitos, permite-nos nomear esses sujeitos como potentes
desenho, e que do programa de desenho, se projeta para
Com efeito, se uma ideia de escrita ou inscrição
íntima fizessem parte” (Penim, 2002, p. 30). É precisamente
no desenho.
as práticas letivas prefigurando os contornos da potência
numa tabuinha era, em Aristóteles, uma metáfora da
perante esta conceção de sujeito, que a evocação da tão
Serão então esses sujeitos potentes no desenho,
perante a qual os alunos constroem as suas subjetividades.
construção da mente humana, apenas concebível a partir da
antiga tabuinha de Aristóteles e da potência de nesta se
os alunos que designadamente alcancem os objetivos,
Assim, independentemente das diferentes pessoas que
potência que a possibilitava, era também essa já a potência
inscreverem qualidades tão íntimas, se apresenta neste
finalidades e competências indicadas no Programa: aqueles
são os alunos, preside instalada nas práticas letivas, toda
pura do ser pensante (Agamben, 1993, 2007). Assim, tanto
texto. Porém é também a metáfora aristotélica que nos
que, em última análise, verão o nível das suas aprendizagens
uma linguagem reportada a essa figura, que define o que
quanto podemos imaginar atos de escrita sobre a tabuinha
permitir imaginar um outro devir, pois a inscrição só se
certificado pelas classificações a obter no exame nacional
os alunos devem ser, como devem fazer, como devem
de Aristóteles formando a ‘subjetividade’ de determinado
permite enquanto possibilidade concedida pela potência:
de desenho .
agir. Desta forma concretiza-se um discurso curricular
indivíduo, é por um lado outro, o da potência de não que
Ou seja, o ser humano teria, neste sentido, a possibilidade
Assim se nos referirmos a essa potência macro
normalizador que separa e categoriza as capacidades
podemos compreender o papel desafiante que essa potência
de ser sujeito, assim como a de o não ser (Agamben,1993,
inscrita no Programa, estamos a referir-nos precisamente
individuais dos alunos, que na verdade conduz a que os
pura pode representar perante o saber. Pois uma potência
2007). É por este motivo que os episódios impactantes que
àquilo que, em Desenho, se autoriza como sendo o campo
alunos se sintam representados pelas próprias capacidades
de não, como nos explica Agamben (2007), corresponde
se nos colocam, como o exemplo do aluno que partilhei
de possibilidades no qual os alunos devem formar-se,
(Atkinson, 1998).
precisamente à possibilidade de um sujeito não ser apenas
atrás, nos podem levar a pensar na produtividade específica
adquirindo um conjunto de saberes que não é mais do que
Partindo então do princípio de que os alunos
passivo face à inscrição na sua própria tabuinha. É por esta
que solicitamos quando representamos um programa ou
uma representação de poder que, por ser ali proposto,
se vêem a si mesmos, através do que entendem que
diferença entre ‘ter a potência de ser sujeito’ a algo, e o ‘ter
uma potência. Dessa forma, no concreto espaço da escola,
participa na produção das suas subjetividades enquanto
‘conseguem’ fazer, precisamos compreender antes de mais
a potência de não sujeito’ a algo, que podemos imaginar
não apenas os alunos, mas também os professores são
alunos daquela disciplina.
a aprendizagem como um processo de interiorização de uma
uma subjetivação prometida numa representação macro de
sujeitos da potência que na escola se autorizar, traduzindo-a
racionalidade que leva o aluno a agir sobre si mesmo para
desenho tal como a escola projeta sobre os seus sujeitos.
na linguagem letiva.
se transformar, de acordo com a potência que lhe é pedida
Se entendermos o saber como potência macro,
Neste sentido a ocasião de conceber então que
é por este representar os contornos de escrita que uma
por uma articulação entre uma dimensão macro e uma
instituição como a escola, se proporia inscrever na tabuinha
dimensão micro da potência – aquela que existirá em cada
de cada um dos seus sujeitos. Desse modo, se pensarmos
um –, encontramos na escola uma instituição que persevera
que pela circunstância da mundividência escolar um
na produção de determinados tipos de sujeitos, através da
aluno atravessa o território da sua formação, adquirindo
linguagem que habita as práticas letivas. Permitamo-nos
as características que a escola lhe transmite, precisamos
então indagar longamente a possibilidade de um aluno
120 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014
para este texto, se reporta aos processos de subjetivação de
macro.
1
Assim para que possamos compreender melhor
a que conceito de subjetivação me refiro, precisamos
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estas aprendizagens podem representar para os alunos, a
demonstrar no desenho. Recorramos então a Foucault
1 A disciplina de Desenho A, é em Portugal, a única disciplina trienal obrigatória e de formação específica do Curso Científico-Humanístico de Artes
Visuais. O exame nacional de Desenho A, que refiro no texto, corresponde
a um instrumento de avaliação sumativa externa que certifica a aprendizagem realizada pelo aluno no final do ciclo de estudos. Este exame tem por
referência o Programa de Desenho A, homologado em 2002 e representa na nota final do aluno uma percentagem de 30%. Porém, para efeitos
de média de acesso ao ensino superior, o exame pode funcionar também
como prova de ingresso, nesse caso pode corresponder a uma percentagem entre 35% e 50% da nota de candidatura do aluno.
(1988) para que possamos compreender tais mecanismos,
ou tecnologias do eu, que permitem aos indivíduos:
“…efetuarem sozinhos ou com a ajuda de
outros, um certo número de operações sobre
seus corpos e suas almas, seus pensamentos,
Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |121
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mesmas inscrevem os alunos e as suas subjetividades na
aprendizagem, antes sim, territórios de agitação, dúvida e
dos exercícios, que por força da ‘boa’ execução requer
a transformarem-se de acordo com um certo
direção da potência.
profundas, se não irreversíveis transformações interiores:
uma crescente objetividade. Com efeito, a existência de
ao que os desenhos, elementos visíveis, testemunham o
modelos claros do então ‘bom’ e ‘mau’ desenho, começa
estado de felicidade, de pureza, de sabedoria,
de perfeição ou de imortalidade.” (Foucault,
AS PRÁTICAS LETIVAS: NA OCUPAÇÃO DE UM CAMPO DE
processo de subjetivação à potência, produzindo-se a forma
por implicar a necessidade de que os enunciados dos
1988, p. 18)
POSSIBILIDADES INSTALADAS
como os alunos passam a ver o seu trabalho, a si mesmos,
exercícios sejam o mais objetivos possível, pois a prescrição
e ao Desenho.
clara que se contém num enunciado passa a anunciar um
2
Se encararmos a potência instalada nas práticas letivas
Se a prática de determinados tipos de exercícios
Com efeito, cada aluno se torna sujeito dessa
espaço de segurança para os alunos, visto que dentro dessa
como um determinado estado a atingir, podemos perceber
promove sobre os alunos, a definição de uma imagem
potência – seja por falta manifesta, seja por esforço de
como se possibilita ao próprio aluno tornar-se, pelos seus
sobre o que o desenho é, e sobre o que o desenho
aproximação ou alcance desse ideal, seja até mesmo sob
Compreendamos como o entendimento do
investimentos pessoais no sujeito que domina, conhece e
deve representar para eles, os alunos passam a ocupar
uma recusa, em si mesma, do que aí, na escola, lhe seja
desenho conduzido para um campo restritivo delimita nas
comunica através do desenho. Pelo que, não apenas um
determinadas categorias, enquanto alunos de artes visuais,
proposto – ao que a subjetivação, se torna inegável a partir
práticas letivas um paradigma em que aprender a desenhar
desenho, mas um sujeito que o produz, se corrige e se
e produtores de desenhos.
do momento em um aluno reconheça aquela potência de
significa viver comodamente com a falta de liberdade, por
desenho como o Desenho, e perante este se entenda a si
se supor, dentro desse campo de critérios cuidadosos,
mesmo como um determinado tipo de ‘desenhador’.
ter como não falhar. Assim, os hábitos de disciplina já
objetividade, se assegura um maior controlo do erro.
reeduca, se aperfeiçoa, se melhora, se aplica por aprender,
Tais categorias não se esclarecem contudo, sem
dada a existência de todo um ritual que acompanha e
que consideremos atentamente esse pequeno universo
delimita compromissos de, por exemplo, como dizer, como
que delimita a produção de desenhos nas aulas, por dois
Assim, quando disse atrás que os alunos passam
adquiridos comprometem a possibilidade do desenho ser
ser, como se organizar, como ocupar a folha, de como
motivos primordiais: primeiro porque é nas aulas que
a ocupar determinadas categorias enquanto alunos de
entendido como um instrumento autónomo, uma vez que
utilizar os materiais, ou de como explicar o trabalho que
os dizeres programáticos são, depois de interpretados
artes visuais, é pela correlação direta entre o sujeito que
qualquer indeterminação passa a ser entendida como risco.
produz.
pelos professores, postos em prática, e segundo, porque
desenha e a categoria na qual o seu desenho se inscreve.
Verifiquemos que aquilo que são espaços de
Assim, se nos referirmos a posturas, atitudes, e
é nas aulas e no contacto com os alunos que podemos
Desta forma, o ‘desenhador’ vai-se afinando, cuidando por
desenho prescritivos ou condicionados tendem a tornar-se
sobretudo a uma ‘autocrítica’ – tão valorizada em ambiente
considerar os desenhos produzidos como exercícios claros
não errar, ou cuidando por dominar o perfil pretendido de
lugares mais confortáveis, à medida que se considera o já
letivo enquanto impulsionadora da aprendizagem –,
de subjetivação, pois cada aluno aprende a desenhar pelo
um ‘bom desenho’, categoria essa que necessariamente
aprendido, ou o já disciplinado, como o território dentro do
necessitamos perceber como essas derivam da incorporação
estabelecimento de uma auto regulação que parte do saber
instala o seu oposto: o ‘mau desenho’. Este, por um
qual se possa explorar o desenho. Assim, o desenho passa a
do discurso que modela as práticas letivas, e de como este
que lhe é proposto.
progressivo aperfeiçoamento do desempenho do aluno, vai
ser visto pelos alunos como um território progressivamente
pensável dentro de fronteiras muito claras.
convida os alunos a ocupar o seu lugar dentro daquela
Se nas práticas letivas podemos encontrar a
sendo identificado, criticado, corrigido e repetido, ao jeito
potência particular que se faz representar nas aulas de
tradução dos discursos da potência prevista no programa
de um processo evolutivo, na convergência daquele que
Se a inscrição da potência tem como produto
desenho.
– dizendo-nos o que o desenho deve ser, como deve ser
se entender como o ‘bom’ : aquele desenho em que já se
subjetividades que se resguardam do ‘risco’ habitando
Aprender desenho é passar a habitar o desenho
aprendido, e que tipo de resposta os alunos devem conseguir
sabe o que fazer, como, com que material, dentro de quanto
espaços de autorização específicos do desenho, tal só
num enquadramento racionalmente preciso que não
atingir –, é importante começar por notar a dimensão que os
tempo, no domínio dos conceitos-base de uma linguagem
acontece exatamente por se haver definido o território
dispensa o investimento que o próprio sujeito – que tem
desenhos de observação da realidade adquirem nas aulas.
própria do seu campo discursivo: proporção, volume,
do ‘bom’, aquele cuja qualidade se pretende atingir. Pese
contraste, enquadramento, etc.
então o privilégio do estudante que atinge esse estado
a potência de o ser –, empreende por essa transição para
Seja
por
cópia
de
desenhos
de
mestres
‘desenhador’ em domínio das especificidades discursivas
reconhecidos pela história da arte, seja por composições
Imaginemos então o quanto o discurso do professor
de superação da aprendizagem, na verdade ele lança-se
do saber que lhe é ensinado. Aí se oferece ao sujeito um
de objetos presentes no espaço da sala de aula, seja por
– também ele um sujeito do programa –, vai cultivando o
num movimento de desenho cuja propriedade de ‘bom’, é
território de conforto, mas vejamos: aquele que a potência
observação de elementos arquitetónicos próprios do espaço
caminho dos desenhos dos alunos, ajudando a identificar
sobretudo manifesta no ‘produto final’ da sua execução.
autoriza, campo de possibilidades bem claras, fechadas
escolar, na verdade o desenho é sobretudo praticado como
o erro e a distinguir deste o desenho com qualidade, para
e previsíveis, por onde convergir na direção desse sujeito
exercício de registo, adestrante da mão e potenciador de
conduzir a respostas mais próximas do que se pretende
ideal subentendido no Programa de Desenho.
uma crescente perícia técnica ao nível da representação
atingir na disciplina.
A propósito desta convergência, proponho em
rigorosa da realidade visível.
NOS EFEITOS DA POTÊNCIA: O ELOGIO DO PRODUTO FINAL Assim, se o rigor de uma linguagem delimita a ação
seguida observar as práticas letivas, como território produtor
Na verdade, considerando este Desenho disciplinar
do desenho, na direta proporção entre os investimentos
Se os alunos potentes no desenho são que
dessa mesma convergência, tentando perceber como as
enquanto potência macro, podemos perceber como para os
pessoais do ‘desenhador’ e o cumprimento dessa linguagem
se adaptam comodamente à permanência dentro das
alunos se constitui aquele que se representa como o produto
em prol da potência que se crê ser o ‘bom desenho’, a
fronteiras aprendidas, é também por ser nesse mesmo
ideal do seu trabalho. Neste sentido, os desenhos, realizados
instalação desta representação tornada comum, ordena o
lugar que residem com objetividade os critérios de
na prática letiva, não são para nós inofensivos lugares de
trabalho, subordinando-o ao cumprimento dos enunciados
avaliação e de validação de aprendizagens. É certo, nesse
2 No original: “…effect by their own means or with the help of others a
certain number of operations on their own bodies and souls, thoughts,
conduct, and way of being, so as to transform themselves in order to attain
a certain state of happiness, purity, wisdom, perfection, or immortality.”
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suas condutas, seus modos de ser; de modo
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discutir o desenho, o desenho em si, para além da dureza
ocupa nas subjetividades dos alunos, muito embora essa
da grafite, que perfaz a silhueta da figura a copiar?
A CONCLUIR, UMA PROPOSTA DE IMPOTÊNCIA
Este é um ato de gerar tensões. Nestas tensões não
estaremos já a habitar um espaço de impotência perante os
valorização do produto possa implicar alguma negligência
Articulemos o fundamento desta cópia com a
Circunscrever a aprendizagem do desenho a uma
moldes segundo os quais permanecem inscritas tais normas
do processo que lhe é inerente. Porém, como neste artigo
preponderância que o produto final representa, aqui tão
subjetividade que se compraz na contemplação de um
e padrões nas práticas letivas e nas expectativas que as
o foco tem vindo a ser precisamente a construção subjetiva
claramente ordenado pela semelhança face ao original.
produto final no qual se aplaude a semelhança, por se supor
instituições ordenam para os seus sujeitos? Não estamos na
que os alunos fazem do desenho, entendemos não dever
Por instantes perguntemo-nos por que motivo os alunos
nesta a finalidade do desenho, é perder um ininterrupto
contemporaneidade no direito de discutir com a reprodução
ignorar este estado limite subjetivador do aluno, porque
consideram os ‘produtos finais’ como mais importantes
processo de aprendizagem que não pode barrar-se pelo
passiva de leonardos?
ele é efeito das práticas discursivas que percorrem as aulas,
naquela disciplina e não os processos de pensamento e os
recorte estético de um imaginário a todos os títulos
Parece-nos mais do que urgente colocar um
constituindo um entendimento do desenho cujo foco
exercícios que conduzem a esse mesmo produto final?
destituído de significado na contemporaneidade, que insiste
verdadeiro e comprometido foco sobre qual é realmente
em sobreviver sem plenitude nem compreensão possível.
o sentido desta disciplina no currículo de artes visuais
obedece maioritariamente a esse produto.
Não será por uma subjetividade que se constrói na
Ao realizar o estudo que conduz a este artigo, foi
direção desse estado final de execução, na qual os alunos
Se abordámos a disciplinação de um ato que
no Ensino Secundário. Por esse ato de impotência
notável perceber como para os alunos, aprender a desenhar,
apostam, atribuindo a este produto o valor mais elevado da
não era novo ao aluno, e que necessariamente se vem a
experimentaríamos talvez a emergência de um espaço onde
significa acima de tudo aprender a ver, e tal poderia em
sua experiência, uma vez que sujeitos, se vêem a si mesmos
transformar, não apenas pelos resultados ‘impressos’ na
as aprendizagens se permitam abranger uma experiência
certa medida ser satisfatório, se ver não se encerrasse na
como capazes ou não de atingir esse estado de perfeição?
folha de papel, mas sobretudo pela subjetividade que se
mais ampla, não apenas ao nível dos exercícios, mas
compreensão das partes de um todo, sobretudo quando o
Projetando da fotocópia de Leonardo a missão da cópia, não
constrói como apanágio das relações estabelecidas com o
também daquilo que o desenho é, e daquilo que o desenho
ato de desenhar, é sentido pelos alunos, precisamente como
se ausenta a questão pertinente a colocar ao desenho sobre
desenho tal qual ele é apresentado e requerido nas práticas
permite. Porque o desenho é um lugar de permissão, e só
um espaço no qual barreiras emergem conscientemente
a sua natureza como processo de pensamento?
letivas, e se os próprios alunos se vêem e avaliam a si
o entendendo assim, será ao sujeito que o estuda, possível
Perdida a oportunidade de com o desenho de
mesmos pelo que conseguem fazer, é porque nos é possível
explorá-lo plenamente.
Portanto, se as práticas letivas conduzem os alunos
Leonardo discutir o propósito a que este servira séculos atrás,
discutir este tipo de práticas, concedendo o devido enfoque
a conviver dentro de limites e convenções que obtêm valor
subordinando uma vez mais o pensamento à reprodução e à
à construção das subjetividades dos alunos.
como norma, imbuindo os ‘produtos finais’ de um valor
repetição, é não dar espaço ao necessário debate que possa
soberano, sobre quaisquer outros espaços de significação
conduzir a uma aprendizagem que desejaríamos plena.
enquanto os desenhos são produzidos, (Silva, 2013).
do desenho, fará sentido retomar o episódio que evoquei
no início deste texto.
Permitir copiar Leonardo, atendendo meramente
à dureza da grafite e às proporções entre as partes da
O cavalo de Leonardo que tão desconcertantemente
figura original, é perder a oportunidade de pensar naquele
me traria aqui não é mais do que um pretexto para propor a
desenho como o que realmente aquele desenho é: Um
avidez de uma discussão, que toma este episódio como um
estudo. Um estudo, que entre vários outros, vinha responder
entre outros possíveis. Um pretexto para pensar no próprio
a uma questão.
questionamento só será, também ele, pleno, quando
se permite o questionamento a qualquer ato de escrita na
transportado para o nosso pretexto de escrita: é nas práticas
‘tabuinha’ do sujeito (Agamben, 2007) – pode ser entendido
letivas que precisamos de ser impotentes. Impotentes por
como o ato puro de colocar questões, perguntemo-nos:
pensarmos que não podemos unicamente cumprir um
Por que é o desenho ensinado dentro de fronteiras
tão precisas?
Não está o desenho a ser ensinado como um ato de
programa orientado para resultados. Impotentes porque
precisamos encontrar outra forma de atribuir significado à
aprendizagem.
reprodução de arcaicas, embora continuamente renovadas
A necessária consciência de que o desenho permite
práticas discursivas, que mantêm os seus propósitos
aquela aula de desenho do século XXI, em que todos os
responder a questões é viver a potência pura do próprio
dirigidos para uma convergência resignada à fórmula de um
alunos se encontravam perante a tarefa de reproduzir um
Desenho, é ultrapassar as fronteiras que se estendem ao
‘produto final’ eficaz?
desenho seu. Afinal esse era um desenho de estudo que
pensamento, é aceitar a inevitabilidade fundamental da
De que outra forma poderá o desenho se justificar
havia realizado para o Monumento Trivulzio, entre 1508 e
divergência. Pois pleno é o desenho quando se permite
enquanto disciplina escolar, além das fronteiras que parece
1511. Um desenho de estudo era no século XXI, reduzido a
pensar através dele, quando se permite perceber que
impor às subjetividades dos seus estudantes no ensino
uma imagem cujo lugar em aula era o do exemplo a copiar.
ele é um instrumento único com que aceder àquilo que
secundário?
O seu valor enquanto desenho de pensamento, ou de
não é ainda visível senão na mente. É aceitar e permitir a
Assim, se viemos até aqui falando de potência,
instrumento de resposta a uma questão, era ali inexistente.
convivência da potência pura de cada um que não pode
é por salvaguardar desde o início que nesta se contém a
É certo que a história trouxe Leonardo e o seu
conter-se na subjetividade conjuntamente solicitada nas
própria impotência: essa é também a possibilidade nossa
desenho até uma aula do século XXI, é certo que o Programa
finalidades, objetivos e competências a que os sujeitos –
de questionar nas práticas letivas os efeitos de subjetivação
recomenda este tipo de exercícios, mas perguntemo-
professores e alunos – se subordinam por responder o mais
aí contidos. Pensar com impotência poderá levar-nos
nos: com que sentido? Como não discutir o fantasma de
eficazmente a um exame nacional.
algures além das fronteiras instaladas do desenho, se nos
124 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014
estamos já a ser já impotentes, mas o devir desse
Assim, se estar na impotência – lugar a partir do qual
Leonardo e no que ele poderia dizer se acaso pudesse visitar
Leonardo fotocopiado duas dezenas de vezes, sem se
Na verdade, ao questionar as práticas letivas,
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sentido, que se compreenda o valor que o produto final
permitirmos entendê-las como evidências questionáveis.
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[email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes,
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Mariana Silva Câmara
Universidade Federal de Minas Gerais, Graduação em Letras
Projeto realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnologia/
CNPq-Brasil.
Zollner, F. (2005) Leonardo da Vinci, Vol. II: Desenhos e Esboços. Taschen
Tipo de artigo: Original
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados da pesquisa documental realizada em
cadernos da artista Ione de Medeiros com o objetivo de encontrar índices
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La potencia poietica en cuadernos de artista: del dibujo al movimento del cuerpo
formativos para o artista cênico. Com fundamentação teórica baseada na crítica
genética, foi efetivada pesquisa documental buscando coletar e analisar imagens/
desenhos de movimentos corporais e, posteriormente, efetivar um processo
de criação coreográfica compartilhada na rede. Foram coletados e arquivados
3.211 desenhos, e criada uma sequência de movimentos expressivos por meio da
participação de usuários de uma conta no facebook. Finalmente, consideramos
que os índices que poderiam ser qualificados como formativos eram os que,
portando potência de afecção, promovem desdobramentos poiéticos sob a forma
de novas criações de movimentos.
Palavras-chave: Índices; Movimento; Processo de criação; Compartilhamento;
Desenho.
RESUMEN
En este artículo se presentan los resultados de la investigación documental
realizada en los cuardenos de la artista de teatro Ione de Medeiros, com el
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compreender os caminhos seguidos pelo seu autor, o modo
de pensamento criativo, o processo imaginativo do artista
objetivo índices formativos para artistas escénicos. Sobre la base teórica de la
crítica genética, la investigación documental se llevó a cabo com el objetivo de
recojer y analizar imágenes/ dibujos de movimentos del cuerpo y luego llevar a
cabo un processo de creación compartida em la red. 3.211 dibujos foran recojidos
y arquivados, y se creó uma secuencia de movimentos expressivos por médio de la
participación de usuários de uma cuenta de facebook. Por ultimo, consideramos
los índices que podrian ser cualificados como formativos como aquellos que,
portando potencia de afección, promueven otras craciones artísticas.
Para a feitura da pesquisa em arte realizada, que gerou o
criador. Como surgiu aquele assunto? O que foi estimulante
texto aqui presente, abordamos as tecnologias do corpo
para que tal tema fosse abordado na obra? Como se deu
que possibilitaram articulação de movimentos a partir de
o processo de montagem de uma cena? O escrutínio dos
imagens oriundas de variadas fontes, como visual, sonora,
documentos do processo de criação permite revelar a
auditiva e cinestésica. O corpo associa e implementa
estrutura de pensamento do autor.
técnicas, métodos em processos de construção e criação
de movimentos. Ressaltamos que as tecnologias do corpo
não são compreendidas aqui como cindidas da sociedade
e contexto no qual o sujeito criador se encontra, uma vez
que são desenvolvidas a partir da relação corpo-ambiente.
Consideramos ainda que essas tecnologias poderiam ser
Palabras-clave: Índices; Movimiento; Proceso de creación; Creación compartida;
correlatas a processos de percepção, decisão, inibição,
Dibujo.
coordenação motora, além da atenção e imaginação.
ABSTRACT
This paper presents the results of documental research conducted in artistic’s
notebooks of Ione de Medeiros with the goal of finding formative indices for
scenic artists. Based on genetic critics, documental research was carried out
and later we made a shared choreographic creation process in the network.
Were collected 3.211 drawings, and created an expressive movement sequence
pesquisa, permitiu-nos iniciar o processo de compreensão
do pensamento da artista Ione de Medeiros em relação ao
trabalho corporal dos integrantes de seu grupo1. Por meio
da análise de conteúdo (Bardin, 1977) estudamos registros
das imagens sob a forma de desenhos de movimentos
expressivos. Perseguimos o processo da feitura do corpo
cênico por meio dos índices, que, sendo representação da
ambiente, interessa-nos o registro da experiência corporal
expressão, possibilitam o acesso à gênese do movimento.
efetivado durante o processo de criação de obras cênicas.
Os índices são as características do processo de criação do
A partir do tema da pesquisa documental em cadernos
artista e através deles alguns pontos podem ser esclarecidos
de artista, estudamos os registros do processo de criação
sobre a necessidade que levou o artista a criar a obra de
durante 32 anos de atividades da artista-professora Ione de
arte.
Medeiros e do Grupo Oficcina Multimédia – GOM/ Brasil,
objetivando encontrar índices de processos metodológicos
e formativos corporais para o artista cênico.
A pesquisa documental tem como objetivo analisar
that could be classified as formative, those that carrying poietic potentiality,
documentos que ainda não passaram por processos de
promotes others movement creation forms.
editoração, também chamados documentos primários,
como cadernos de rascunhos, diários, cartas, vídeos, fotos,
desenhos, anotações, imagens, entrevistas etc (Gil, 1999).
Apropriamo-nos da pesquisa documental por meio da
ambiência investigativa da crítica genética que, segundo
Salles (1992, p.19),
[...] analisa o documento autógrafo – documento vindo
da própria mão do criador, não passando por processo de
publicação – para compreender, no próprio movimento
Detalhamento do processo da pesquisa
A pesquisa documental foi aplicada usando primeiramente o
procedimento da leitura skimming - leitura rápida prestando
atenção em pontos específicos - dos 111 cadernos da
artista-professora Ione de Medeiros, fundadora do GOM e,
posteriormente, o estudo para definição de com qual tipo
de índice trabalharíamos, a coleta e arquivamento desses.
A partir das quatro categorias de elementos, previamente
estabelecidas, presentes nos documentos ─ exercícios de
preparação do ator; desenhos de cenas; estudos teóricos
da artista; observações da artista-formadora para seus
da escritura, os mecanismos da produção, elucidar os
atores-bailarinos ─ definimos a categoria de índice com a
caminhos seguidos pelo escritor e entender o processo
qual trabalharíamos: imagens sob a forma de desenhos de
que presidiu o nascimento da obra.
movimentos expressivos registradas nos 111 cadernos.
Desse modo, a crítica genética, oriunda dos estudos
literários, foca nos estudos de processos criativos, buscando
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artístico-corporal de atores e dançarinos, objetivo da
Por meio do exercício da continuidade corpo-mente e
through the participation of facebook account users. Finally, we consider indexes
Keywords: Indices; Movement; Creation Process.
A identificação dos índices formativos para a formação
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Introdução
Os 111 cadernos são correspondentes aos anos de 1973
1 Grupo Oficcina Multimédia: http://oficcinamultimedia.com.br/v2/
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de fala com utilização de sons para cada movimento. Em
em 27 pastas, sendo em média de 3 a 5 cadernos por pasta,
professora Ione de Medeiros e do GOM. O primeiro
seguida, partimos para a composição da sequência que teria
em excelente estado de conservação. Eles estão numerados
procedimento foi a leitura dos cadernos cronologicamente
seu processo de criação compartilhado.
do número 1 ao 113, sendo que os cadernos de número 1
por décadas. Começamos pela década de 1970 e
posteriormente 1980, 1990 e 2010. A coleta desses índices
foi feita a partir de escaneamento dos desenhos/imagens
que compõem os documentos primários. Em cada um dos
cadernos procuramos analisar imagens de desenhos de
movimentos expressivos registrando, através da escrita,
todas as impressões e observações que os desenhos
suscitavam, a partir das indicações da análise de conteúdo
de Bardin (1977). Após essa coleta e análise, os desenhos
foram guardados em arquivos no computador.
A sequência de imagens/desenhos teve sua criação
compartilhada nas redes sociais por meio da plataforma do
A coleta dos índices foi feita a partir de escaneamento
facebook e era modificada a cada postagem que constou
das imagens/ desenhos que compõem os 70 cadernos
de: 1- apresentação do desenho com uma provocação para
de artista – documentos primários do recorte temporal
criação. 2- Acolhimento das proposições dos participantes.
correspondente às décadas de 1980 e 1990. Foram
3- Alteração na base da sequência, que estava paralelamente
coletados 3.211 imagens/desenhos correspondentes às
sendo trabalhada, com a apropriação da proposta mais
décadas de 1980 (395 imagens) e 1990 (2.816 imagens).
votada. 4- Nova postagem mostrando a sequência em vídeo
Essas 3.211 imagens/desenhos estão divididas em 515
após participação dos usuários. A escolha do facebook se
páginas escaneadas de acordo com as décadas estudadas.
deu pelo fato de ser uma ferramenta nova, de fácil acesso
A etapa seguinte pautou-se na definição de Rudolf Laban
tanto para o usuário quanto para o moderador da conta,
sobre ação corporal, citado por Rengel (2005, p.23),
rápida e que atinge todo o público que está inserido na
como sendo “aquela que engloba todo o envolvimento
página do usuário sem restrições.
da pessoa, podendo ser racional, emocional e física”. A
partir dessa definição selecionamos imagens/desenhos
que representassem ações corporais que sugerissem
um movimento cênico. Em seguida, passamos à escolha
feita prioritariamente por meio de nossa percepção
subjetiva, levando em consideração aqueles desenhos
que nos provocassem um desejo de complementá-los com
movimentos, criando um antes e um depois para o instante
registrado. Os desenhos que nos “afectaram” foram
corporificados sob a forma de movimentos expressivos no
corpo em ação. Então, efetivamos uma análise cinestésica
dos índices por meio da execução corporal das imagens.
Colocamos em movimento um momento, uma imagem
que revelava um instante de um movimento. A partir dessa
etapa a pesquisa passou a ser prática e compartilhada nas
redes sociais.
O procedimento metodológico da experiência prática
foi a criação da sequência cronológica dos movimentos
selecionados por via das imagens/desenhos coletados.
Esses movimentos foram primeiramente corporificados, em
seguida, registrados em fotos e vídeo, como uma sequência
única, que foram arquivados no computador. Houve
momentos de experimentos da sequência de movimentos
e de número 106 não estavam em nenhuma das 27 pastas.
A década de 1970 foi descartada na nossa coleta por se
tratar de uma década de poucos registros de criação e
de movimentos expressivos. A primeira década dos anos
2000 também foi descartada por conter cadernos que
Essa etapa compartilhada durou um período de 3 meses.
correspondem apenas à metade da década. O recorte
Criamos e utilizamos um canal específico no site do Youtube
temporal escolhido, portanto, foi referente aos anos 1980 e
onde todos os vídeos postados estão acessíveis para
1990 que, além de terem sidos anos produtivos para o GOM
qualquer usuário do site.
com mais de 13 criações artísticas, foram também anos de
Por meio dessa metodologia, aqui compreendida como
composição de métodos para efetivar o estudo de um
projeção e de estruturação do grupo e de seus treinamentos
corporais.
objeto com demandas singulares, desenhos de movimentos
Os cadernos numerados do 5 ao 22 pertencem a década
expressivos foram transformados em movimentos e,
de 1980 e foi possível observar nesses cadernos, de forma
em seguida, organizados em sequências coreográficas.
geral, desenhos para ilustrar exercícios de movimento,
Desse modo, trabalhamos com tecnologias do corpo
desenhos de improvisação, desenhos de rosto/expressões,
para propor novos agenciamentos criativos por meio do
desenhos de exercícios de pares. Encontramos também
compartilhamento de momentos do processo de criação
registros de coreografias por via de desenhos. Foram
coreográfica
analisados 18 cadernos nos anos 1980, correspondentes
a 7 montagens de espetáculos, oficinas de inverno, aulas,
Do planejamento à ação e seus desdobramentos
Os resultados alcançados foram a coleta e arquivamento
de 3.211 imagens/desenhos dos 70 cadernos do GOM
correspondentes aos anos de 1980 e 1990, uma coreografia
breve, resultado do processo de criação compartilhada e
suas variações, e a proposta da noção de índice formativo
no campo artístico.
com: variação de velocidades, com textos cotidianos, com
Os
música, enumerando movimento por movimento, por via
correspondentes aos anos de 1973 a 2005 e estão divididos
111
cadernos
inicialmente
analisados
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são
treinamentos.2 Seguem alguns exemplos de imagens/
desenhos de movimentos encontrados.
A década de 1990 refere-se aos cadernos numerados do 23
até 75, totalizando assim 52 cadernos. É de fato uma década
muita produtiva na criação artística do GOM, levando em
conta os registros analisados na pesquisa documental via os
cadernos de processo. Foi possível observar também, nos
2 Os espetáculos “Biografia”, “K”, “Domingo de Sol”, “Decifra-me que eu
te devoro”, “Quantum”, “Sétima Lua” e “Navio-noiva e gaivotas”, que deu
início a trilogia Joyce, fazem parte da década de 1980.
Imagem 1 – Desenho, Medeiros, C. 1988, p.84..
Imagem 2 – Desenho, Medeiros, 1989, p.16.
52 cadernos, desenhos de movimento para os processos de
montagens, imagens de possíveis estruturas de cenário e
figurinos, desenhos para processo de iluminação, desenhos
de exercícios de gestos, desenhos de movimentação cênica,
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a 2005 – 32 anos de atividades ininterruptas da artista-
estrutura de exercícios de rítmica corporal, muitos desenhos
de criação artística em prol dos processos de montagem,
treinamento, aulas, viagens do GOM, oficinas de inverno e
workshops. 3
Imagem 3 – Desenho, Medeiros, 1997, p.172.
Dos 3.211 desenhos coletados e analisados, apenas 115
foram selecionados. O critério para esse recorte referiu-se
a imagens/desenhos que representassem ações corporais
que incitassem a execução de movimento. Baseando-nos
na definição de atitude interna da ação corporal, segundo
3 Os espetáculos “Epifanias”, “Alucinações”, “Missisfíli”, “Happy Birthday
to you”, “Babachdalghara”, “A Rose is a rose is a rose” e “Zaac & Zenoel”
pertencem a década de 1990.
Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |131
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Passamos então à etapa de corporificar cada imagem por
relação aos fatores do tempo, espaço, peso e fluxo” (Rengel,
meio da execução corporal do instante de movimento
2005, p.30), escolhemos os desenhos que nos afectavam
registrado nos cadernos. Esses movimentos foram também
diretamente aumentando nossa potência de ação. Assim,
capturados em novos instantes como se pode ver a seguir.
foram selecionados 42 desenhos em ordem cronológica dos
anos 80 e 90.
Imagem/desenho
Desenho Movimento 5, Medeiros, 1989, p.68.
Fotografia da corporificação
Desenho Movimento 6, Medeiros, 1989, p.1.
Desenho Movimento 1, Medeiros, 1981a, p.153.
Desenho Movimento 7, Medeiros, 1989, p.1.
Desenho Movimento 2, Medeiros, 1981 a, p. 153
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Laban, como a “qualidade subjetiva do movimento em
Desenho Movimento 8, Medeiros, 1989, p.12.
Desenho Movimento 9, Medeiros, 1989, p.16.
Desenho Movimento 3, Medeiros, 1981a, p. 162.
Desenho Movimento 10, Medeiros, 1990, p. 85.
Desenho Movimento 4, Medeiros, 1988a, p. 34.
Desenho Movimento 11, Medeiros, 1990a, p.87.
132 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014
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Desenho Movimento 19, Medeiros, 1990g, p.1.
Desenho Movimento 20, Medeiros, 1990g, p.1.
Desenho Movimento 13, Medeiros, 1990b, p.40.
Desenho Movimento 14, Medeiros, 1990b, p.111.
Desenho Movimento 21, Medeiros, 1990g, p.4.
Desenho Movimento 15, Medeiros, 1990b, p.112.
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Desenho Movimento 12, Medeiros, 1990b, p.39.
Desenho Movimento 22, Medeiros, 1990, p.13.
Desenho Movimento 16, Medeiros, 1990d, p.35.
Desenho Movimento 17, Medeiros, 1990d, p.73.
Desenho Movimento 23, Medeiros, 1990g, p.14.
Desenho Movimento 18, Medeiros, 1990d, p.103.
Desenho Movimento 24, Medeiros,1990g, p.18.
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Desenho Movimento 32, Medeiros, 1991b, p.60.
Desenho Movimento 33, Medeiros, 1991b, p.69.
Desenho Movimento 26, Medeiros, 1991a, p.126.
Desenho Movimento 27, Medeiros, 1991 a, p.126.
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Desenho Movimento 25, Medeiros, 1990g, p.21.
Desenho Movimento 34, Medeiros, 1991b, p.70.
Desenho Movimento 28, Medeiros, 1991 a, p.158.
Desenho Movimento 35, Medeiros, 1991b, p.70.
Desenho Movimento 29, Medeiros, 1991 a, p.201.
Desenho Movimento 36, Medeiros, 1991b, p.70.
Desenho Movimento 30, Medeiros, 1991 a, p. 204.
Desenho Movimento 37, Medeiros, 1991c, p.24.
Desenho Movimento 31, Medeiros, 1991b, p.59.
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dos interessados na criação da sequência expressiva.
sequências do processo de criação compartilhada estão
Percebemos também que nas três postagens de votações
disponíveis nos links do Canal específico do youtube.
70% dos que votavam eram os mesmos usuários, que de fato
5
Parece-nos interessante observar também em números
o processo de compartilhamento dessa experiência de
Desenho Movimento 38, Medeiros, 1991c, p.96.
criação.
O processo de criação compartilhada em números
- 19 postagens via plataforma do facebook entre 23 de maio e 09 de
agosto de 2013
Desenho Movimento 39, Medeiros, 1991g, p.11.
de movimentos que foram posteriormente corporificados
constitui-se processo de partilha criativa que envolve não
acadêmica, como também o não acadêmico. Também
Consideramos os resultados obtidos satisfatórios, tendo
uma vez que promoveram novas ações poiéticas. Tal devir
as quais são atualizadas em menos de um minuto na
timeline (linha do tempo) de cada um, nada garante que
um “amigo” comentará sua postagem. As provocações da
Após a corporificação dos desenhos acima apresentados,
a 16 imagens/desenhos já destinadas à composição da
pesquisa poderiam ter passado desapercebidas, o que não
passamos a vinculá-los em uma sequência de movimento.4
sequência coreográfica, que teve, posteriormente, seu
ocorreu. Tivemos uma adesão de 9% do total de “amigos”
No entanto, consideramos a necessidade de verificar quais
processo de criação compartilhado em rede.
da página. Essa percentagem é significativa, tendo em
para conferirmos-lhes uma assinatura nossa, ou seja, espaço
para associarmos nosso modo estético durante a efetivação
corporal do desenho. Buscávamos interferir ativamente na
memória acessada por via dos registros. A intenção foi a de
inventar a partir dos restos propondo uma atualização da
arqueologia do processo.
Redefinindo o recorte a ser trabalhado houve mais uma
etapa de redução dos movimentos que, de 42, passaram
4 Sequência Cronológica de 41 movimentos: http://www.youtube.com/
watch?v=zVgSNSMuIVc
somente o público acadêmico num projeto de pesquisa
Tabela 1 – Resultados do processo de criação compartilhada.
caracterize pela rapidez das visitas que geram postagens,
sendo eles amigos, alunos e familiares da área artística e
Essa tarefa ficou para um momento posterior.
- 70 usuários participativos nas votações e comentários
em relação ao foco de interesse. Ainda que o facebook se
conexão entre eles, assim como nos deixavam “espaço”
a outros assuntos postados e efetivar uma comparação.
criação de uma sequência elaborada a partir de desenhos
e efemeridade nos contatos, que tendem a ser transitórios
Utilizamos uma página do facebook que possui 769 usuários,
âmbito da rede, devemos fazer outras pesquisas em relação
- 20 compartilhamentos das postagens
ser “amigo” do outro. Associam-se desse modo fidelidade
desses movimentos de fato nos provocavam ações de
a quantidade de participantes voluntários foi significativa no
- 145 comentários
rede social de contatos entre aqueles que se dispõem a
Imagem 4 – Desenhos coletados dos anos 1980 e 1990 e fotos reproduzidas das imagens, da sequência cronológica de 41 movimentos.
ao processo de criação. No entanto, para sabermos se de fato
Consideramos que o compartilhamento do processo de
em vista que o facebook é um website que promove uma
Desenho Movimento 41, Medeiros, 1998a, p.102.
novas postagens. Podemos pensar, então, numa fidelização
- 417 opções de “curtir”
- 3 postagens de votações
Desenho movimento 40, Medeiros, 1997, p.172.
estavam acompanhando o processo e revisitando nossas
vista que geralmente essa plataforma social não é utilizada
para processos de criação compartilhada que demandam
reiteramos a potência de afecção dos índices trabalhados
nos leva a considerar a hipótese de que vestígios do processo
de criação portam poiesis, incentivando desdobramentos
para além da análise do que passou, mas sim, promovendo
ações de criação no presente da investigação.
Para os pesquisadores de processos, também chamados
de críticos genéticos, a qualidade do índice é de muita
importância para a pesquisa, pois é a partir desses índices
que ele é capaz de se aproximar do entendimento do
pensamento do autor. A qualidade aqui se refere, então, à
potência de afecção do registro, a qual pode ser percebida
nos desdobramentos teórico-práticos que ele incita.
Após a pesquisa bibliográfica e documental efetivada
consideramos que o aspecto formativo dos índices
encontrados nos cadernos de processos da artista, os
tomadas de decisão nas escolhas estéticas.
registros desenhados, refere-se à capacidade de afecção
do facebook aderiram o processo de compartilhamento
Assim, a princípio, atingimos nosso objetivo de troca e
Associamos desse modo, formação e criação.
opinando e sugerindo suas impressões acerca da composição
compartilhamento da criação da composição coreográfica,
Reiteramos então a necessidade de acercamento a índices
coreográfica, configurando um diálogo sobre o processo de
e transformamos desenhos de movimentos em movimentos
formativos que assim são qualificados também devido
criação com 9% dos usuários.
corporificados no tempo presente com a colaboração
ao contexto em que se encontram. No caso analisado,
5 Sequência original de 16 movimentos: http://www.youtube.com/
watch?v=9qmdwb3Ul98
Sequência modificada de 16 movimentos a partir das 03 etapas de votação nas redes sociais:
http://www.youtube.com/watch?v=rbrdS2xyI2Y
http://www.youtube.com/watch?v=cbPRV31WUw8
não bastaria estudar o desenho fora do caderno, pois a
acadêmica e de outras áreas diversas. Em média 70 usuários
Foram 19 postagens no total de todas as etapas do processo
de compartilhamento e 3 propostas de votação, criação e
modificação da sequência original, que resultou ao final
em outra sequência de 16 imagens/desenhos, diferente
138 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
da sequência original, em um período de 3 meses. As
desses chegando a promover novas ações poiéticas.
qualidade formativa aqui sugerida constitui-se de modo
processual desde o momento que as pesquisadoras elegem
um determinado desenho, a despeito de outro, em função
Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |139
do movimento em direção a sua corporificação. Ou seja,
reforçamos a importância de se efetivar vínculos e afinidades
entre teoria e prática criativa nos procedimentos formativos
em artes cênicas.
[Medeiros, I.], [2000-2005]. Caderno de Artista nº 76 ao 113. Unpublished
manuscript, Belo Horizonte, MG.
Intensificando la Renda de Bilro : o Caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana
Intensifying Bilro Lace : the case of the Lace Makers Association from Morros da Mariana
Rengel, L. (2005). Dicionário Laban. São Paulo: Annablume.
Salles, C. A. (1992). Crítica genética: uma introdução, fundamentos dos
estudos genéticos sobre os manuscritos literários. São Paulo: EDUC.
Considerações finais
Terminado o processo de investigação, podemos considerar
que outras pesquisas poderiam desdobrar-se a partir dessa.
Seguindo as proposições da genética teatral, pode-se
pesquisar outro tipo de índice formativo registrado ao longo
Marcia Toscan
[email protected]
Anhanguera Educacional de Cascavel-PR
Tipo de artigo: Original
RESUMO
de um determinado recorte temporal. Também sugerimos a
investigação da transformação de um tipo de índice ao longo
O artesanato é um modo especial de conhecer comunidades. Pensando assim
de duas décadas de registro contínuo. Correlata à pesquisa
traçamos aqui uma reflexão sobre a produção da renda de bilro dos Morros da
efetivada, indicamos o compartilhamento da percepção
Mariana, Piauí, que após o reconhecimento de estilistas brasileiros e a criação do
e corporificação dos índices encontrados por diferentes
associativismo sustentável passou a ser valorizada ainda mais pela população e
pesquisadores, com intuito de se investigar o processo
deste modo a herança cultural das rendeiras não caírem no esquecimento.
de recepção dos registros do artista. Um índice pode ser
considerado formativo para uns e não para outros, o que
Palavras-chave: Renda de Bilro; Associação dos Morros da Mariana; artesanato.
nos leva à sugestão de que os aspectos afetivos permeiam
a percepção e nossas escolhas antes mesmo de qualquer
RESUMEN
suposição racional.
Constatamos que o trabalho realizado possibilitou a
tomada de consciência da importância de se trabalhar com
documentos primários de artistas cênicos, de promover
ações de criação compartilhada, de apropriar-se de índices
para gerar novos processos.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras
dos Morros da Mariana
El arte es una manera especial de conocer las comunidades. Pensando de esta
manera hemos esbozado una reflexión sobre la producción del encaje de bolillos
de Morros da Mariana, Piaui, que gracias al reconocimiento de los diseñadores
brasileños y la creación de asociaciones sostenibles, aún ha sido más valorado
por la población. De este modo la herencia cultural de las creadoras de dicho
encaje no se pierden en el olvido.
Palabras-clave: Encaje de bolillos; Asociación de Morro da Mariana; artesanía.
Referências bibliográficas
Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Gil, A. C. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas.
[Medeiros, I.], [1973-1977]. Caderno de Artista nº 2 ao 4. Unpublished
manuscript, Belo Horizonte, MG.
[Medeiros, I.], [1980-1989]. Caderno de Artista nº 5 ao 22. Unpublished
manuscript, Belo Horizonte, MG.
[Medeiros, I.], [1990-1999]. Caderno de Artista nº 23 ao 75. Unpublished
manuscript, Belo Horizonte, MG.
140 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014
ABSTRACT
The craft is a special way of knowing communities. So thinking we draw here a
reflection on the production of bobbin lace of the Mariana Hills, Piauí, that after
the recognition of Brazilian designers and the creation of sustainable associations
became even more valued by the population and thus the cultural heritage of the
lace does not fall into oblivion.
Keywords: bobbin lace; the Association of Marian Hills; crafts.
Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |141
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
O artesanato sempre foi presente na história da
é possuidor dos instrumentos de trabalho; participa
Inicialmente a produção tinha um cunho
Tão rápido essa tradição foi-se espalhando para
pessoalmente na elaboração dos bens e serviços que
doméstico, em que as mulheres produziam para a
outras regiões brasileiras e hoje é parte do patrimônio
produz. O artesão exerce uma arte ou um ofício manual por
ornamentação do lar.
imaterial, que é definido pela UNESCO:
humanidade, sendo que os artesãos surgiram em momento
sua conta, sozinho ou auxiliado por membros da sua família
“A origem da palavra renda não é bem conhecida.
de transformação da sociedade, pois eles produziam os seus
e um número restrito de companheiros ou aprendizes. Com
A renda é definida, por Bueno (1988), como lavor
“A UNESCO define como Patrimônio Cultural
próprios instrumentos de trabalho e os artefatos necessários
a ajuda de ferramentas e mecanismos caseiros, visa produzir
de agulhas ou ainda como tecido muito fino e
Imaterial “as práticas, representações, expressões,
nos seus modos de vida.
peças utilitárias, instrumentos de trabalho, artísticas e
aberto. Aparece também como dissimilação do
conhecimentos e técnicas - junto com os
espanhol randa, que veio do provençal randa
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais
– adorno, deverbal de randar, adornar. Já em
que lhes são associados - que as comunidades,
Nascentes (1966), renda é uma palavra aparentada
os grupos e, em alguns casos, os indivíduos
O trabalhador, segundo o sociólogo C. Wright Mills:
recreativas, com ou sem fim comercial.
Hoje podemos ainda encontrar oficinas de artesãos
“[...] imbuído do ofício artesanal se envolve
com essas características o que intensifica o valor que o
do espanhol e do catalão, de origem incerta, talvez
no trabalho em si mesmo e por si mesmo;
reconhecem como parte integrante de seu
artesanato ainda produz na sociedade e para a sociedade.
céltica.” (Zanella, Balbinot & Pereira, 2000, p.237)
patrimônio cultural.”
as satisfações do trabalho são per se uma
recompensa; os detalhes do trabalho cotidianos
Cooperativas e associações são planejadas pelos governos
municipais e estaduais para que essa herança não seja
Os imigrantes portugueses em busca de vida
Assim a renda de bilro – trata-se de uma
abandonada e possa ser passado de pais para filhos dando
melhor trazem nas suas bagagens para o Brasil a cultura
manifestação cultural e, como tal, deve ser entendida
trabalho; a habilidade se desenvolve no processo
continuidade para história cultural de seu país. Pois é a partir
predominante de seu país e as adaptam nas novas moradas
como atividade social realizada por uma determinada
do trabalho; o trabalho está ligado à liberdade de
do trabalho que o homem constrói sua esfera cultural, atua
como alimentação, vestuário, idioma e as modificações
coletividade. Desse modo, ao aprendê-la o sujeito apropria-
experimentar; finalmente, a família, a comunidade
sobre a natureza transformando-a a partir de suas novas
também não foram diferentes na confecção das rendas.
se não somente de um fazer, mas de toda a história e valores
e a política são avaliadas pelos padrões de
necessidades, gerando novas possibilidades e promovendo
O corrente crescimento posterior do turismo fez com que
que o caracterizam, sendo que, ao mesmo tempo, imprime
uma ação.
a produção passasse de algo de essência domestica para
a estes sua marca singular.
são ligados, no espírito do trabalhador, ao produto
final; o trabalhador pode controlar seus atos no
satisfação interior, coerência e experimentação do
trabalho artesanal.”
(apud Sennett, 2009, p.37).
O artesão começou a gerar para sua família renda
financeira e acabou por inserir na sociedade um novo
elemento artístico manual, que não somente agradava
Essa herança de passar o aprendizado de certa
ser comercializada, desde modo, mudando a forma dessas
produção artesanal de avós para filhos e netos é comum em
rendeiras ensinarem a produzir o Bilro, até mesmo porque,
muitas regiões brasileiras, aqui em especial vamos tratar
foram se adaptando as transformações sócias, econômicas
da renda de Bilro, produzida pelas rendeiras dos Morros da
e culturais da onde estavam inseridas. Aos poucos as
AS RENDEIRAS DOS MORROS DA MARIANA - “Olé, muiê
Mariana, Piauí.
mulheres açorianas foram produzindo a renda de bilro para
rendeira, olé muiê rendá, tu me ensina a fazer renda que
ajudar no rendimento financeiro.
te ensino a namorar.”
aos seus vizinhos, mas também a burguesia que passou
a adquirir os objetos produzidos pelos camponeses com
apuro na fabricação com estética que marcaria e marca as
regiões por onde ele é produzido, que na visão de Barros,
Costa e Saldanha (2006)
A RENDA DE BILRO
Há 350 km de Terezina, no
Piauí, está localizada a Associação das
Como muitas heranças européias, a renda de Bilro
Rendeiras dos Morros da Mariana.
chegou ao Brasil em fins do século XV e início do século
Hoje Ilha Grande de Santa Isabel.
importante rede de geração de emprego e renda,
XVI que juntamente com outras manifestações folclóricas
sendo ainda um dos principais elementos da
(cerâmica, cestaria, danças, cantigas...) foi aprendidas e
como Coroa Grande, o nome dado
conservação e tradição da cultura regional e do
transferidas para as gerações futuras. Os açorianos foram
posteriormente dos Morros da Mariana
desenvolvimento turístico de uma região.” (p.3)
responsáveis em trazer e ensinar essa tradição para o Brasil,
foi devido a uma desbravadora e rendeira
em especial no Estado de Santa Catarina.
do local que tinha uma pousada e
“O artesanato se caracteriza como uma grande e
Pensando assim não é difícil reconhecermos um
objeto produzido no Ceará e outro no Rio Grande do Sul,
E segundo Varela, Balbinot e Pereira (2000),
Os principais traços característicos do artesanato
são: a oficina que dirige é pessoal e não societária; nela o
artesão assume uma posição de chefia ou mestre artífice;
No século XVI era conhecido
recebia os recém chegados no povoado.
O local ficou cobiçado devido à riqueza
pois os artesãos incorporam características locais e as
transmitem no objeto produzido.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Introdução
da fauna e flora e a abundancia de
“A renda de bilro chegou ao sul do Brasil por volta
alimentos retirados da água.
de 1748/1749, trazida pelos imigrantes açorianos
vindos em busca de melhores condições de vida.”
(p.543)
142 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014
Imagem 1 – Desenvolvimento de moldes para renda de bilros. À esquerda, moldes antigos
usados pelas artesãs; à direita, moldes geometrizados por Lia Monica e José Marconi; Caiçara, PB
Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |143
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Hoje a cidade é conhecida devido às rendeiras da
“O fato das rendeiras saírem de suas casas
associação que fizeram do ato de tecer rendas o sustento
para a associação, para juntas realizarem o
trabalho,
familiar. Inicialmente, as rendeiras estavam desmotivadas
profissionaliza
e
fortalece
diante
qualquer dificuldade, pois elas têm o suporte da
em continuar o labor, pois se sentiam desvalorizadas e
organização, para realizar qualquer ação. Não
muitas já suscitavam abandonar os bilros.
há muitas interrupções no trabalho, como no lar
“(...) as rendeiras, visto que são pessoas de pouca
educação formal, mas o trabalho oferece a elas
a possibilidade de pensar em grupo, de conviver
A Associação passou a ser
conhecida em todo Brasil depois
das encomendas do estilista Walter
Rodrigues que dedicou uma coleção de
sua criação utilizando as rendas de bilro
devido inúmeras ocupações, daí o rendimento ser
produzidas pelas rendeiras dos Morros
maior.” (2009)
da Mariana. Walter Rodrigues conheceu
A mulher rendeira está em constante mudança,
o trabalho das rendeiras de Ilha Grande
está sempre construindo e desconstruindo, tece peças e
através de um folheto do SEBRAE
conferindo-lhes
transforma suas vidas à medida que o trabalho funciona
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
autonomia e assim resgatando e/ou estimulando
como um vácuo do pensamento, dando espaço para
Pequenas Empresas), onde despertou
sua autoestima”. (Pitta, 2010, p.11)
as transformações subjetivas, inconscientes, tirando
sua curiosidade, então resolveu vir ao
das mentes as banalidades do dia-a-dia e relaxando,
Piauí para conhecer melhor o trabalho. Logo, começou a por
Considerações Finais direcionando a atenção para o que está dentro.
em prática sua ideia de fazer uma coleção confeccionada
alguns órgãos municipais e estatais em 1994 foi fundada a
Não demorou muito para as rendeiras atualizarem-
pelas rendeiras da associação para o desfile de moda mais
Associação dos Morros da Mariana que, inicialmente eram
se com cursos e ensinamentos de design conseguindo assim
importante do Brasil, São Paulo Fashion Week. Desse modo,
particular das regiões em que é produzido e, mesmo com
oito rendeiras que produziam o trabalho em casa e levavam
desenvolver mais ainda a sua produção e entrar para o
o acontecido deu um novo impulso na cultura local, onde
todo o apuro tecnológico do nosso século ele não pode
em um local comum para a venda que na paróquia da
mundo moda brasileira.
foram mostradas ao mundo inteiro a renda peculiar de Ilha
deixar de existir, pois transmite o processo cultural de uma
Grande do Piauí em 2001/2002 na cidade de São Paulo.
nação.
em comunidade, de mesclar sua rotina de dona de
casa às lutas de busca de seus direitos enquanto
trabalhadoras
e
mulheres,
Mas graças a esforços da comunidade e de
cidade eram comercializadas e expostas, aos poucos outras
“No trabalho da rendeira vê-se a liberdade de
rendeiras foram agregando a associação e hoje chegam a
organização deste, uma vez que mais que um
trabalho, é o estilo de vida daquelas mulheres.
Imagem 3 – Artefatos Produzidos pelas rendeiras dos Morros da Mariana – Foto: PROMOART.
O artesanato é uma produção de essência
Desde então elaboram as mais variadas tramas não
mais oferecendo as toalhinhas e outros enfeites para a casa,
mas sim um novo viés comercial, a confecção de rendas
pelas mãos lusitanas recebeu também adaptações das
para a alta costura. Para entrar neste ramo da alta costura
regiões onde foram difundidas, mas não abandonaram a
trabalho que acaba por exigir mais das rendeiras.
as rendeiras introduziram novos materiais na confecção
sua essência do feitio que são as utilizações dos bilros, das
economicamente viável para as rendeiras, sendo que cada
Não possuem seguranças financeiras, nem têm
que gerou um retorno financeiro maior. Utilizaram a crina
almofadas e dos gabaritos produzidos pelas rendeiras com
rendeira é responsável pela confecção do seu produto
horas fixas de trabalho.” (Pitta, 2010, p.33)
de cavalo e cores, desta maneira atualizaram a sua estética
apuro artístico e matemático. O produto final das rendeiras
desde os materiais utilizados para a
na produção dando um aprimoramento e criando um
são confecções de toalhas, apliques e enfeites de modo
confecção, até sua disponibilização
diferencial para a associação.
geral, devido a falta da difusão de tal patrimônio muitas das
180 rendeiras.
A renda do bilro do Morro da Mariana passou
a ser bem mais valorizada, e sua comercialização
melhorou bastante, tornando-se assim uma atividade
Aqui a organização obedece a regras um pouco
frouxas, mas não menos exigentes. Há um misto de
obrigação e displicência, em vista da não rigidez de
No caso da renda de bilro que chegou até nós
para venda na associação. No entanto,
Desta forma, a Associação das Rendeiras de Ilha
rendeiras ficaram desmotivadas em produzir, pois o retorno
para vender a renda na associação
Grande do Piauí, exerce um papel de vital importância
financeiro era e é escasso em algumas regiões em que ainda
não é necessário ser associado,
para a economia local e para o desenvolvimento turístico
o bilro é trabalhado. Deste modo essa herança cultural pode
porém quem não é associado deve
da região, não obstante que a presença da associação na
cair em uma produção solitária em que a rendeira venha
deixar 10% de tudo que vende para
cidade de Ilha Grande, torna o destino com um diferencial
a produzir peças somente para a sua necessidade caseira.
a manutenção da casa. Em 2008 a
que pode vir a atrair turistas e funcionar como um fator que
Na tentativa de não se perder esse processo de ensinar a
associação conseguiu sede própria
pode influenciar na decisão do turista em conhecer o litoral
seus herdeiros a confecção, em especial da renda de bilro,
onde lá conseguem produzir e vender
piauiense, pois apesar de a renda do bilro ser confeccionada
algumas rendeiras dos Morros da Mariana, no Piauí, fizeram
o seu trabalho em situação melhor e
em outras regiões do país, no Piauí a mesma é feita de
um trabalho com a comunidade e com a ajuda de órgãos
promover o associativismo dividindo
forma artesanal, de modo que a renda ilhagrandense é
interessados, para que não se perca essa herança cultural.
as encomendas. Silvia Sasaoka é uma
confeccionada do mesmo jeito que era confeccionada
das colaboradoras que ajudou na
quando chegou ao local trazida pelos portugueses.
onde lá elas possam se organizar, aperfeiçoarem e vender
Essa conscientização criou-se uma associação
as suas rendas. Deste modo formaram um associativismo
organização da associação, declarou
em uma entrevista:
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Imagem 2 – 2001 - Vestidos de Walter Rodrigues, rendas da Associação das Rendeiras de Morros
da Mariana, Piauí - Foto de Ali Karakas.
144 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014
Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |145
Estar alerta. A construção de uma atitude.
sustentável, que foi intensificado com a utilização das rendas
por estilistas brasileiros que assim ajudaram a difundir e a
valorizar o que as nossas comunidades têm a oferecer para
a alta costura.
Conclui-se assim que não podemos deixar de
valorizar o artesanato, pois ele nos conta história, valoriza
o fazer manual e nos mostra a essência da vida simples e
pura de pessoas que não perderam a herança deixada. Em
especial a renda de bilro é um trabalho que exige de seu
http://www.acasa.org.br/instituicao - acessado 08/03/2012
Be alert. The construction of an attitude.
http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/1051/1/tese.pdf
- 14/03/2012
http://www.eumed.net/libros/2008a/372/PRODUCAO%20ARTESANAL.
htm -ANTECEDENTES DO CAPITALISMO, por Carlos Gomes – acessado em
03/03/2012
http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/CA146DA3D21F877B83
2574DC00453EA0/$File/NT00039052.pdf -01/03/2012
feitor uma apuro manual, uma vivência cultural e acima de
tudo uma maestria na sua confecção em que as rendeiras
Ana Sofia da Cunha Bessa Reis
[email protected]
Tipo de artigo: Original
RESUMO
sentem-se orgulhosas de transmitirem esses ensinamentos
as gerações futuras.
Contra a depredação das aprendizagens significativas nas artes visuais através das
alterações que progressivamente vêm sendo introduzidas no sistema de ensino
defende-se a manutenção de um estado de alerta essencial e de construção de
Referências Bibliográficas
uma atitude crítica, evocando dispositivos naturais como mote para a reflexão
acerca das possibilidades de ação e intervenção.
Barros, K.S.; Costa, R.F.C.; Saldanha, M.C.W. (2006): Inserção do
Design na Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra: Instrumento e Inclusão
Social, Preservação Cultural e Turismo Sustentável. Natal: 2006. Disponível
em: <http://www.ivt-rj.net/sapis/2006/pdf/KleberBarros.pdf> Acesso em:
09/08/2013
Beck, A., Costa, C. M., Torrens, J. C. & Lacerda, E. P. (1982): Roça,
pesca, renda: Trabalho feminino e reprodução familiar. Boletim de Ciências
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Pitta,Ludmila Nogueira de Macedo (2010): Trabalho manual: a técnica
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Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 – disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/%0D/es/v21n71/a11v2171.pdf - 01/03/2012
Zanella, Andréa Vieira; Balbinot, Gabriela; Pereira, Renata Susan.
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Universidade Federal de Santa Catarina - Psicologia: Reflexão e Crítica,
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v13n3/v13n3a21.pdf - 05/03/2012
http://www.proparnaiba.com/emfoco/projeto-cultura-e-rendapreservacao-e-difusao-da-renda-de-bilro.html - entrevista com Silvia
Sasaoka em 17/06/2009 – acessado 14/03/2012
Palavras-chave: atitude crítica; cultura visual; aprendizagem significativa.
RESUMEN
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Estar alerta. La construcción de una actitud.
Contra la depredación del aprendizaje significativo en las artes visuales a través
de los cambios que se están introduciendo progresivamente en el sistema de
educación se defiende el mantenimiento de un estado de alerta essencial y la
construcción de una actitud crítica, evocando dispositivos naturales como tema
de reflexión sobre las posibilidades de acción e intervención.
Palabras-clave: actitud crítica; cultura visual; aprendizaje significativo.
ABSTRACT
Against the predatory action over meaningful learning through the changes that
are being progressively introduced in the education system, this article supports
the maintenance of an essential alertness and construction of a critical actitude,
evoking natural devices as theme for reflection on the possibilities of action and
intervention.
Keywords: critical attitude; visual culture; meaningful learning.
http://minhailhagrande.blogspot.com/2010/10/historia-do-povoadomorros-da-mariana.html - acessado em 02/03/2012
http://portal.iphan.gov.br - acessado em 08/03/2012
146 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014
Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |147
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
conformadores, e que incluirá questionamento, resistência
contribuírem para essa produção, têm a possibilidade de
e confrontação.
reinterpretar as relações subjacentes.
Fruição e contemplação
Este artigo propõe uma reflexão acerca da liberdade da
Tomam-se exemplos conhecidos e facilmente identificáveis
Pensemos numa pavoa (Pavo cristatus) que olha para um
insubmissão, inalienável das relações de poder, e, portanto,
da natureza: mecanismos que permitem ver e ser visto
pavão. Podemos imaginar que lhe admira as cores e o
das possibilidades de resistência, escapatória ou fuga
de determinada forma e que asseguram ou prolongam
Alerta sem perigo ou quando as aprendizagens magnífico brilho metálico das penas, mede a dimensão
(Foucault, 1995), através da desconstrução dos dispositivos
a sobrevivência nas relações mantidas dentro dos
nos conformam
da cauda em leque, que se deixa hipnotizar pelos olhos
de poder que configuram a paisagem educativa na
ecossistemas. A perceção produzida, a realidade criada,
atualidade, enquanto “…mecanismos estáveis pelos quais
interpõe-se entre o observador e o observado, dispositivos
Perante uma salamandra com um corpo negro e manchas
executa. E podemos adivinhar que o pavão usa os atributos
um [adversário] (…) pode conduzir de maneira bastante
que conformam e limitam as visões, mas sobre os quais as
amarelas, mesmo tendo pouco conhecimento do mundo
para afirmar a sua presença perante as fêmeas, disputar
constante e com suficiente certeza a conduta dos outros”
mulheres e os homens podem refletir e agir, desconstruindo-
animal, pressentimos que existe perigo. De facto, as
território com outros machos, assegurar descendência.
(Foucault, 1995, p. 248).
os, vendo para lá deles, percebendo-os, usando-os.
salamandras-de-fogo (Salamandra salamandra) têm um
Se, por um lado, podemos imaginar e até partilhar estes
Procurarei aceder a essa desconstrução, tendo em conta a
Enquanto os outros animais dispõem de mecanismos de
sistema de proteção ativo que consiste na libertação
momentos de contemplação em que a pavoa olha o pavão,
teorização conduzida por Foucault, a partir das perspetivas
sobrevivência, defesa ou ataque e são capazes de percebê-
de uma substância tóxica, sendo que as zonas amarelas
por outro, podemos analisar, a partir dos conhecimentos da
propostas pela cultura visual, como forma de possibilitar
los e de reagir de forma instintiva e não refletida, os
correspondem às glândulas que a produzem.
biologia, por exemplo, as relações que se estabelecem entre
um questionamento sobre as verdades estabelecidas e
seres humanos têm a possibilidade de pensar acerca dos
Em que altura e por que motivo é que o preto e amarelo
estes animais e desconstruir os dispositivos de que dispõem
naturalizadas acerca da educação artística, pensando ainda
dispositivos que produzem e determinam formas de ver,
ou o vermelho passaram a ser usados e reconhecidos como
para se perpetuarem.
nas relações possíveis com as aprendizagens significativas,
de compreender e de agir. Assim, perante certos sinais,
sinais de perigo talvez não saibamos, mas aprendemos
a partir do enunciado de Ausubel (1963), o que significa
que podem corresponder a cores e padrões, por exemplo,
culturalmente a reconhecer e a atribuir significados às cores
Desconstrução do observado e projeção de considerar o aluno enquanto agente que estabelece
os animais estarão alerta e reagirão indiferentemente,
e isso permite-nos uma leitura facilitada do contexto em
subjetividades
relações entre os novos conhecimentos potencialmente
quer haja perigo real, quer se trate de um mecanismo de
que nos encontramos.
significativos e os conhecimentos prévios.
simulação. Os seres humanos, embora “aprendam a ver”,
Também a cobra coral verdadeira (Micrurus corallinus),
Da mesma forma, os professores e alunos de artes visuais
Sem pretender responder a qualquer delas, várias questões
devem, na minha opinião, manter-se alerta relativamente
negra, amarela e vermelha, é um animal perigoso e venenoso,
podem admirar e fruir dos produtos artísticos e culturais,
se me colocam que julgo poder encontrar nas interseções
aos dispositivos e procurar analisá-los e desconstruí-los.
mas a cobra coral falsa (Erythrolamprus aesculapii) exibe as
mas também procurar entendê-los no que diz respeito ao
entre educação artística, relações de poder, cultura visual
Os dispositivos são tomados aqui no sentido que lhes
mesmas cores e é perfeitamente inofensiva. As cores e a sua
processo da sua criação, aos efeitos que produziram e que
e aprendizagens significativas. Que sujeitos são produzidos
conferiu Foucault (1997), pelo que se considera que têm
conjugação são interpretadas de acordo com o aprendido
projetaram, aos sistemas de classificação e de atribuição
pelos dispositivos de poder, particularmente no contexto da
uma natureza estratégica no âmbito de relações de poder
e a cobra coral falsa passa por venenosa. Tendo em conta
de valor que os enquadram, e também na relação que
educação artística? Qual o papel do estudo das imagens e
e que produzem certos tipos de saber e por eles são
este exemplo, podemos questionar-nos acerca das leituras
os observadores têm com o que veem, incluindo aqui os
da cultura visual nessa produção e no processo de ensino-
condicionados, ou seja, existem no contexto de redes e são
promovidas pelas aprendizagens, da literacia visual e
aspetos particulares dos sujeitos e dos seus contextos como
aprendizagem? Como pensar as aprendizagens significativas
usados como forma de manipulação, entendida como um
também do aproveitamento que se pode fazer dela para
fatores que determinam visões diferenciadas dos mesmos
na relação com a cultura visual, na produção de identidades
processo de direcionamento das relações que dentro dessas
emitir mensagens, criar sensações ou produzir qualquer
objetos.
e na projeção das subjetividades sobre o observado?
redes se estabelecem. Com base na conceção de dispositivo
outro efeito.
É importante aprender a observar, num sentido de fruição
aqui considerada e que pode “…apparaître tantôt comme
Nas artes visuais, a cor é um elemento visual fundamental e
e de análise, uma projeção das subjetividades sobre o
programme d’une institution, tantôt au contraire comme
é estudado segundo vários pontos de vista, entre os quais o
que é observado e que se traduzirá necessariamente
Estados de alerta
un élément qui permet de justifier et de masquer une
simbólico. Quanto melhor aprendermos a ver e usar cores
em perceções distintas, e também refletir sobre a
No sentido de introduzir a construção de um posicionamento
pratique qui, elle, reste muette, ou fonctionner comme
e as compreendermos no contexto de diferentes culturas,
própria observação e nisto não poderá deixar de haver
crítico e interventivo, parte-se dos “essenciais estados de
réinterprétation seconde de cette pratique, lui donner
mais facilitada a produção e interpretação de imagens e a
envolvimento, participação, reflexão e ação. Daí que, se
alerta” para o “estado de alerta essencial”. Os essenciais
accès à un champ nouveau de rationalité” (Foucault, 1997),
comunicação. Por outro lado, se for adotado um modelo de
vemos e interpretamos de formas diferenciadas ou até
estados de alerta são aqui entendidos enquanto fatores
entende-se que os sujeitos não são simplesmente produtos
interpretação e aplicado acriticamente, provavelmente será
mesmo divergentes, não podemos aceitar e instituir um
biológicos e ecológicos, associados a formas de assegurar a
das relações de poder, mas que eles próprios, para além de
maior a probabilidade de se legitimarem e sedimentarem
ensino homogeneizador com o qual se pretenda dar origem
sobrevivência de animais e plantas e são o mote para o estado
1 “…aparecer às vezes como programa de uma instituição, outras
vezes, pelo contrário, como um elemento que permite justificar e ocultar
uma prática que permanece muda, ou funcionar como reinterpretação
segunda dessa prática, dar-lhe acesso a um campo novo de racionalidade”
– tradução livre
visões estereotipadas e de apenas haver lugar a
a sujeitos cujas respostas são idênticas e atuar de forma
interpretações conformadas.
a eliminar a diferença, amputando as características que
de alerta essencial como atitude das mulheres e dos homens
que lhes permitirá sobreviver aos dispositivos reguladores e
1
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enigmáticos que a preenchem e pelos movimentos que
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Introdução
determinam a individualidade.
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the visual - what we see, what we can’t see, what we are
descodificar, imaginar, criar? O foco em determinadas
que os estudantes se mobilizem a si próprios, podendo usar
not allowed to see, who sees us, how we are seen, and so
atividades
mecanização
as técnicas, gramáticas, linguagens e as formas de expressão
A salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) é um
on…” (Tavin, 2009, p. 2) Determina, portanto a perceção
de gestos, do desenvolvimento de competências, da
para delas se apropriarem e construírem a sua subjetividade.
exemplo de animal que, quando se sente ameaçado por
da realidade, as identidades e as formas como nos vemos e
aquisição de conceitos abstratos, da reprodutibilidade
Neste contexto, parece essencial levantar as questões da
predadores, solta a cauda (autotomia), perdendo assim
vemos os outros, conforma e limita e, consequentemente,
dos conhecimentos, em detrimento da sua apropriação
visualidade entendida como “visão mediada pela cultura”
uma parte de si própria para garantir a sobrevivência. Esta
influencia as relações de poder entre indivíduos e/ou
e reconstrução, sentindo-se assim uma tendência para
(Bryson, 2007, p.114), da interpretação da imagem e dos
salamandra tem ainda a particularidade de poder regenerar
grupos.
a homogeneização e normatividade não só das práticas
seus usos e da forma como a visão e o visível determinam a
a cauda e reconstituir o que perdera.
“Because all complex societies are hierarchically ordered,
docentes, mas dos próprios discursos que perpassam a
construção das identidades.
Não haverá um certo paralelismo entre este processo e
where different groups have different degrees of
instituição.
Para além disso, pelo facto de o estudo da cultura visual
o que muitas crianças ou adolescentes atravessam para
power, images constitute different agendas. All images
Os professores de artes visuais podem criar contextos em que
se fundar nas experiências pessoais dos alunos, poderá
assumirem o papel de aluno: renunciar a partes de si
offer arguments about what the world is like, what it
a informação obtida através do corpo possa ser analisada,
aumentar a relevância das disciplinas artísticas e facilitar as
próprios para poderem sobreviver no seio da escola e ser
should be, or should not be.” (Duncum, 2010, p. 6) Pelo
decomposta, reestruturada, transformada e ativada para
aprendizagens no sentido da construção de significados e
“bem-sucedidos”? Será que os jovens podem recuperar as
que, reconhecendo e compreendendo a existência de
a intervenção. Introduzir momentos para reflexão em que
eventualmente conduzir à introdução de perfurações nas
particularidades de que abdicaram ou serão irrecuperáveis?
dispositivos que participam na definição das relações
se analisem com os alunos as transformações operadas e
formas de conhecimento estabelecidas, ou seja, permitir
Será desejável que recuperem as características ou que se
entre indivíduos, se resgata o poder de agir. Se não se
sentidas nas formas de pensar, de agir e intervir socialmente
que ocorram encontros através dos quais se veja para lá
transformem? Transformarem-se em quê? Que posição têm
tiver perceção das restrições, limitações e barreiras, não
será um meio de estabelecer novas fundações à medida
da realidade forjada. Numa conferência que teve lugar
os sujeitos em relação ao ofício do aluno e à escola bem
se pode rompê-las. Torná-las visíveis é o primeiro passo
que se avança para espaços antes desconhecidos, num
na FBAUP (Faculdade de Belas Artes da Universidade do
como à sua relação com ela?
para poder derrubá-las. Conseguir compreender que se
crescimento idêntico ao do gengibre (Zingiber officinale) ou
Porto) em 2013, Atkinson falou destes encontros em que
pode ver de mais do que uma maneira, deixar de perceber
de outra planta rizomática com a vantagem de que, mesmo
se interrompe o real, afirmando que “when we don’t
o mundo como monossignificante, para passar a ser
separando os rizomas em pedaços, uma nova planta poderá
recognize, we really begin to think”4 para nos remeter para
considerada a plurissignificação e, portanto, dar lugar a um
nascer.
os estados de perturbação que nos põem perante o-que-
alargamento da forma de o entender, poderá constituir-se
No que diz respeito à relação entre professor e alunos e
ainda-está-por-vir e pensarmos a possibilidade de explorar
Qualquer uma destas questões terá várias respostas
como uma aprendizagem significativa, principalmente se
às práticas docentes, parece importante questionar as
o mundo não em termos do que é conhecido, mas do que
diferentes, mas há que permitir que sejam colocadas,
se tomar consciência da transformação da perceção e do
identidades e subjetividades preestabelecidas e introduzir
pode ser criado.
pensadas e exploradas e não assumir que os papéis e as
enquadramento a que está sujeita.
identidades performativas, num sentido em que o performer
“The idea of truth then is related to the idea of being truthful
regras estão predeterminados e que não há lugar para a
é o agente da ação e pretende que algo aconteça, havendo
to something and this truth process denotes a process of
valorização da construção das subjetividades a partir delas
lugar à assunção de papéis, numa tentativa de dissolução das
subjectivization which in other terms can be viewed as a
Cultura visual e aprendizagens significativas
2
3
acentua
a
importância
da
mesmas.
Reinventar as relações pedagógicas
fronteiras naturalizadas; introduzir o risco e ter consciência
‘commitment to’ an idea, an affect, a new practice, a new
Acreditando, a partir de Vygotsky (1979), que a
As políticas educativas que vêm sendo introduzidas são
de que os resultados poderão ser imprevisíveis; eliminar
way of seeing, a new way of making sense, and so on, which
aprendizagem se faz num processo de socialização, ou seja,
formuladas cada vez mais no sentido de regular e conformar
a ideia de erro, diminuindo as suas consequências, para
involves a struggle where we can be carried beyond our
numa interação social dinâmica, recíproca e bidirecional
as práticas educativas e reduzir as disciplinas a verbos como
permitir a experimentação e criar as condições para que a
normal range of responses.”5 (Atkinson, 2012, p. 5)
com envolvimento ativo dos participantes, implicando
desenhar, registar, empregar, utilizar, distinguir, aplicar,
avaliação contribua para o desenvolvimento e não para a
O conceito de ver implica “aquele que vê” e necessariamente
a ação do aprendente na construção do conhecimento,
selecionar, representar, descrever, enumerar, reconhecer,
limitação ou direcionamento das intervenções.
uma grande variedade de interpretações a partir das
atribuição de significado e apropriação, defende-se que a
identificar. Onde ficam outros verbos possíveis como pensar,
A prática pedagógica que reconhece e coloca nos alunos
quais se supõe que terão lugar diferentes ações, já que os
introdução do estudo da cultura visual será fator importante
agir, intervir, criticar, refletir, discutir, colaborar, confrontar,
a responsabilidade pelas suas aprendizagens desestabiliza
observadores “...are not passive receptacles, but active
para a valorização dos contextos particulares de cada sujeito
e para a sua interpretação e participação e, portanto, para
as aprendizagens significativas.
A cultura visual examina as “...relationships between
individuals, societies, images and imagination - how we see
and how we are seen. Visual culture is the characterization
and examination of meaning making primarily through
2 “…relações entre indivíduos, sociedades, imagens e imaginação – como
vemos e como somos vistos. A cultura visual é a caracterização e exame
da construção de significados primariamente através do visual – o que
vemos, o que não conseguimos ver, o que não nos é permitido ver, quem
nos vê, como somos vistos, e por aí fora…” (Tavin, 2009, p.2 – tradução
livre)
3 “Porque todas as sociedades complexas são ordenadas hierarquicamente, em que diferentes grupos têm diferentes graus de poder, as
imagens constituem diferentes agendas. Todas as imagens oferecem
argumentos acerca do que o mundo é, do que devia ser, ou do que não
devia ser.” (Duncum, 2010, p. 6 – tradução livre)
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
A autotomia: sobrevivência ou transformação?
o papel do professor enquanto autoridade e afirma
a importância de “…aprender qualquer coisa e a isso
relacionar tudo o resto, segundo o princípio de que todos os
homens têm igual inteligência” (Rancière, 2002, p. 30). Este
processo pode operar-se em todas as facetas da vida, ser
permanente e representar uma aprendizagem significativa.
A área das artes visuais é provavelmente a que mais implica
4 “quando não reconhecemos, começamos realmente a pensar” (tradução livre)
5 “A ideia de verdade está então relacionada com a ideia de ser verdadeiro a alguma coisa e este processo de verdade denota um processo de
subjectivação que noutros termos pode ser visto como um “compromisso” com uma idena, um afecto, uma nova prática, uma nova forma de
ver, uma nova forma de constuir sentido, e por aí fora, que envolve uma
luta em que podemos ser leveados para lá do nosso espectro habitual de
respostas.” (Atkinson, 2012, p. 5 – tradução livre)
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Concordando com Tavin, considera-se aqui que os objetivos
significa que diferentes sujeitos atribuirão diferentes
da exploração da cultura visual deverão dirigir-se no sentido
valores e significados ao que veem: “Arendt (...) stresses an
de desenvolver um cidadão crítico: “A critical citizen is one
experience of vision as mode of critical reflection. It is an
who has a deep concern for the lives of others and actively
understanding of vision that is much more than a simple,
questions and challenges the social, political and cultural
uncritical perception of the given” (Birmingham, 1997, p.
structures and discourses that comprise everyday life. In
387).
an ever-increasing visual culture, critical citizens need to
Neste processo têm, portanto, especial importância as
be able to actively engage a variety of images, sites, and
experiências vividas que constituem a complexidade das
media that help construct views of the world (Tavin, 2000).”
relações e, por isto, as práticas exploradas com os alunos
(Tavin, 2009, p. 9-10)
deverão fundar-se nas suas experiências, criando situações
Como Freedman (2000, p. 315) refere, a promoção de
em que os alunos possam trazer as suas preocupações,
pensamento e ação democráticas poderão ser fundadas
interesses, perguntas, a partir das quais se poderão indagar
nos seguintes conceitos: “a) a broadening of the domain
influências exercidas sobre o modo de ver, de pensar acerca
of art education, b) a shift in the emphasis of teaching
do que se vê e de agir ou não, promovendo a atitude crítica.
from formalistic concerns to the construction of meaning,
“Quienes nos interesamos por indagar de manera crítica
c) the importance of social contexts to that construction,
en torno a las manifestaciones de la cultura visual,
and d) a new definition of and emphasis on critique.”10 Em
no sólo tratamos de afrontar las repercusiones de las
suma, o ensino das artes visuais, através da inclusão do
representaciones visuales en la subjetividad de los chicos
estudo da cultura visual e do alargamento do seu domínio,
y las chicas y de nosotros mismos, sino que proponemos
fundando-se na construção de significados e promovendo
prácticas de resistencia en las que los individuos se
o agenciamento dos alunos, bem como a aportação de
autoricen y hagan pública sus voces mediante la apropiación
elementos dos diversos contextos em que se movem,
de referencias teóricas y metodológicas procedentes de los
permitirá que seja despoletada uma atitude crítica e de
Estudios de Cultura Visual.”8 (Hernández, 2005, p. 29)
alerta.
7
9
A ideia de “estado de alerta essencial”, tal como aqui
é concebida, consiste neste processo contínuo de
Considerações finais
aprendizagem através do questionamento e da construção
de significados. Jogando com as palavras e os seus sentidos,
Com este artigo não pretendo tirar conclusões sobre a
diz Rita Irwin (2010): “Practitioners are interested in ongoing
introdução da cultura visual no ensino das artes visuais, mas
questioning, a quest for understanding, a questing if you
antes contribuir, como outros o têm feito, para a reflexão
will.”11
acerca desta possibilidade e reforçar a necessidade de
discussão do rumo que o ensino tem vindo a tomar.
6 “…não são recetáculos passivos, mas ativos discriminadores” (Duncum,
2010, p. 7 – tradução livre)
7 “Arendt (…) sublinha uma experiência de visão como modo de reflexão
crítica. É um entendimento da visão que é muito mais do que uma simples, acrítica perceção do dado.” (Birmingham, 1997, p. 387 – tradução
livre)
8 “Quem se interessa em indagar criticamente as manifestações da
cultura visual, não só trata de enfrentar as repercussões das representações visuais na subjetividade dos rapazes e das raparigas e de si próprio,
mas propõe práticas de resistência em que os indivíduos se autorizem
e tornem públicas as suas vozes mediante a apropriação de referências
teóricas e metodológicas procedentes dos Estudos da Cultura Visual”
(Hernández, 2005, p. 29 – tradução livre)
9 “Um cidadão crítico é o que tem uma profunda preocupação pelas
vidas dos outros e ativamente questiona e desafia as estruturas social,
política e cultural e os discursos que compõem a vida quotidiana. Numa
crescente cultura visual, cidadãos críticos precisam de ser capazes de se
envolverem ativamente com uma série de imagens, sítios e meios de comunicação que ajudam a construir visões do mundo (Tavin 2000).” (Tavin,
2009, p. 9-109 – tradução livre)
10 “a) um alargamento do domínio da educação artística, b) uma
mudança na ênfase de ensinar a partir de preocupações formais para a
construção de sentido, c) a importância dos contextos sociais para essa
construção, e d) uma nova definição de e ênfase na crítica “. (Freedman,
2000, p. 315 – tradução livre)
11 Rita Irwin brinca com as palavras conferindo-lhes novos significados,
pelo que não é possível traduzir a expressão.
152 | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Novembro 2014
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Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |153
Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística
Nacho Lavernia : o design da paternidade na educação artística
Nacho Lavernia : the design of fatherhood in art education
[email protected]
Universitat de València
Proyecto de investigación en el que se incluye:
La presente investigación forma parte del Proyecto I+D+i “Educación Patrimonial en
España: Consolidación, evaluación de programas e internacionalización del Observatorio de Educación Patrimonial en España (OEPE)” con referencia EDU2012-37212.
Tipo de artigo: Entrevista
RESUMEN
Planteo el presente trabajo como una reflexión sobre la transmisión de saberes,
teniendo en cuenta un factor determinante como es la paternidad, indagando en
los resortes de la herencia y el patrimonio (Huerta y De la Calle, 2012). Considero
la paternidad como un concepto que evoluciona, y soy partidario de una relación
paterno-filial cercana, porosa y enriquecedora para ambas partes (Huerta, 2013).
En base a estos preceptos, y partiendo de la metodología del estudio de caso, me
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
ENTREVISTA
Ricard Huerta
acerco al colectivo de los diseñadores y del profesorado de diseño entrevistando
a Nacho Lavernia, el padre, y a su hijo Nacho, profesor de la EASD de Valencia.
Analizamos esta relación en tanto que característica de un modelo que responde
a la transmisión de oficios, algo que nos remite a las reflexiones de Richard
Sennett cuando disecciona los valores del trabajo bien realizado (Sennett, 2013).
Si los diseños de Nacho Lavernia (http://lavernia-cienfuegos.com) nos ayudan
a disfrutar de objetos cuidadosamente elaborados (a destacar sus conocidos
envases para los productos de la marca de distribución Mercadona), entendemos
que su papel como maestro ha funcionado del mismo modo al transmitir a su hijo
el amor por el trabajo bien hecho, ya que éste aplicará a su docencia los preceptos
asumidos. De todo ello nos hablan sus protagonistas, padre e hijo, en el marco
incomparable de su estudio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio).
Palabras-clave: educación artística; diseño; arte; paternidad; patrimonio.
RESUMO
não tem resumo em português
Palavras-chave: não tem em português
Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |155
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
educación artística.
Esta es una doble entrevista al diseñador
ABSTRACT
This paper proposes a reflection on the transmission of knowledge, given as a
determining factor as paternity, and investigating issues such as inheritance
and Heritage (Huerta & De la Calle, 2012). I consider parenthood as an evolving
concept, being in favor of a parent-child porous and enriching for both parties
relationship (Huerta, 2013). Based on these requirements, and using the
methodology of case study, we approach the group of designers and design
teachers interviewing Nacho Lavernia, father and son. We analyze this property
relations as a model that takes into account the transmission of trades, which
brings us to the reflections of Richard Sennett when dissects values a job well
done (Sennett, 2013). If Nacho Lavernia designs (http://lavernia-cienfuegos.com)
help us to enjoy carefully crafted objects (include their packaging for products of
Mercadona), we understand that the role also has worked as a teacher to give
her child love for a job well done. His son applies to their teaching the precepts
assumed. From all this, tell us about their characters, father and son, in the
beautiful setting of the studio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). His
son understands the work as a teacher from the precepts transmitted by his
father.
Keywords: Art Education; Design; Art; Parenting; Heritage.
Nacho Lavernia (Premio Nacional de Diseño) y
a su hijo el profesor Nacho Lavernia (profesor
en la EASD Escuela de Arte y Superior de
Diseño de Valencia) realizada el 14 de febrero
2014, en el Estudio de Diseño Lavernia &
Cienfuegos Asociados, situado en una céntrica
Figura 1 – Nacho Lavernia padre e hijo en 1986.
calle de la ciudad de Valencia. Al convencer a ambos para
cambiar de espacio, aunque te encuentres bien. Todos
entrevistarles conjuntamente se intenta conectar los
los momentos creativos tienen un punto de inquietud y
lazos que unen a un padre y a su hijo en la transmisión
nerviosismo, lo cual puede provocar que las cosas salgan
de intereses, saberes y valores. Esta es una cuestión muy
bien o no, aunque sólo sea por el hecho de moverte. Este
cercana a la idea de educación, ya que uno de los significados
espacio que tenemos ahora es muy distinto al taller en el
del término “educere” responde al concepto amplio de
que estábamos antes, que era un espacio absolutamente
conducir, orientar y guiar. La entrevista es semiestructurada
diáfano, donde todos los que trabajábamos juntos nos
y parte de un conjunto de preguntas abiertas, de manera
veíamos constantemente, se oían las conversaciones y la
que los entrevistados intervienen en función de sus propias
relación era muy fluida en ese sentido. Aquí sin embargo
pulsiones, sin un orden prefijado. Se trata de preguntas,
todo ha cambiado, ya que cada uno tiene su despacho.
ideas o sugerencias que se van comentando, para poder
Es más fácil crear y diseñar en condiciones favorables si
dar cabida a los nexos que existen entre padre e hijo al
dispones de un espacio donde te sientas cómodo.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en
abordar determinadas temáticas: los gustos personales, la
influencia del padre, los cambios en el escenario digital,
NLH Si existe un entorno idóneo para el diseño no lo conozco,
el oficio de educar, la importancia de los espacios para la
pero lo cierto es que influye en la manera de hacer las cosas,
creación, o las diferencias generacionales. Al no existir un
sobre todo en el hábito de trabajar. Yo lo veo con mi hijo
orden preestablecido de intervención, las aportaciones de
Marc, que en determinados espacios está acostumbrado
los dos personajes se intercalan y permiten una conexión
a actuar y funcionar de cierta manera, es muy difícil que
de intereses. Se ha marcado con siglas iniciales cada
funcione igual a la hora de estudiar en el sitio donde juega
intervención, de manera que RH es el entrevistador (Ricard
y se divierte.
Huerta), NLP el diseñador (Nacho Lavernia Padre) y NLH el
RH Mi espacio de creación ha sido básicamente el aula, ya
profesor de diseño (Nacho Lavernia Hijo).
que si bien me formé en Bellas Artes, nunca tuve un taller
RH Con esta entrevista nos acercarnos a la idea de
de artista en sentido estricto.
transmisión, al concepto de padre como maestro. Un
diseñador precisa de un espacio para el diseño, su estudio,
NLP Es que en realidad es lo mismo. El espacio adecuado
y un profesor para impartir sus clases, el aula. ¿Existe un
es el mejor taller, ya que allí tienes lo que necesitas, las
espacio idóneo para la creación?
herramientas que vas a usar, los materiales, la mesa, las
superficies adecuadas para tus tareas. Un lugar de trabajo,
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NLP Más que averiguar si existe un espacio idóneo, se trata
taller o despacho, siempre es lo mismo. Yo aquí tengo los
de trabajar en un espacio en el que te sientas bien y estés
libros que suelo manejar, los lápices, el papel, la impresora,
a gusto. A veces parece que incluso necesites precisamente
el ordenador. Vas haciendo las tareas poco a poco, y las
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NLH En ese sentido está muy bien el proyecto de la Nave de
lo mal que lo hacías. Ese es el momento de empezar a
RH Vosotros formáis a la gente. Diseñando, al ofrecer un
estás a gusto.
Música del Centro de Creación Contemporánea Matadero
aprender: tener un criterio de valoración.
producto de calidad. Y en clase, porque es un espacio
perfecto para transmitir sensibilidad por las cosas bien
de Madrid, en el que se han habilitado espacios para los
RH Sin embargo los espacios donde impartimos las clases
creadores, incorporando sillones y muebles, haciendo
RH Las clases de educación artística han sido las únicas
hechas.
nos vienen impuestos.
todo más cálido y acogedor. Desde fuera parece una casa
en las que nunca estuvo mal visto el hecho de copiar. Se
(gesticula con las manos describiendo un tejado a dos
anima al alumnado a compartir sus trabajos, una tradición
NLP Yo les explico a mis alumnos que la materia prima con
aguas). El conjunto es como una pequeña ciudad.
de la educación artística.
la que trabajamos son las imágenes, y sobre todo la cultura
NLH El alumnado hacen suyo el espacio mucho antes de
que tú mismo lo hayas logrado, ya que pasan allí muchas
de esas imágenes, la cultura de lo visual. Es importantísimo
horas compartidas con sus compañeros. El profesor es el
RH El trabajo colaborativo y las propuestas de equipo o la
NLH Lo cierto es que los alumnos aprenden tanto o más de
que conozcan la historia del arte, la historia del diseño, la
que cambia de aula, pero ellos se mantienen en la misma,
implicación de los participantes también han modificado la
sus compañeros como del profesor. En las clases de diseño
arquitectura, que vean cine, todo eso es fundamental. Por
y la hacen suya. De todos modos habría que repensar los
posición del profesor en el aula.
lo habitual es que todos compartan lo que están haciendo.
poner un ejemplo, aquí en el estudio estábamos hace poco
En algunas escuelas del centro de Europa se impuso hace
debatiendo dos propuestas de diseño de caja, y alguien dijo
NLP Cuando he impartido clases, y en general, lo que
años un modelo de enseñanza que era no presencial. El
que le gustaba más ese “Rothko” (Mark) que ese “Mathieu”
NLP El taller de diseño o el aula para impartir clase son cosas
promuevo es que la gente pueda ver el trabajo que están
alumno tenía una tutoría y volvía varios días después.
(Georges), comparando los proyectos y relacionándolos con
diferentes.
haciendo los demás y que participe. Si un alumno expone
Llegamos incluso a tenerles un poco de envidia. Sin embargo
la obra de dos artistas. Esta sería una manera de entenderse
ahora eso está cambiando. Se está volviendo a la enseñanza
rápida y precisa, algo fundamental para nosotros. Cuando
RH Creo que deberíamos plantear los
presencial, porque resulta evidente que el profesor no es
vas a una escuela y detectas que el alumnado no conoce
entornos para la educación en artes
la única instancia de saber, ya que los compañeros son una
a Rothko, entonces te planteas muchas cuestiones. Si estás
como un reto de futuro. Las aulas de
fuente de conocimiento, por tanto conviene tener contacto
estudiando diseño, estas cosas hay que saberlas. El dominio
dibujo de las antiguas escuelas de
con ellos. Algo que se comprueba en la práctica es que si en
de lo visual es fundamental, porque de este modo se
arte eran mucho más atractivas que
un grupo de clase hay alumnos destacados que llevan bien
genera una sensibilidad, que es de lo que se trata. Explicar
las actuales.
su trabajo, están tirando del resto, estimulando el ritmo de
lo subjetivo es arduo, requiere tiempo, el gusto se forma a
la clase. En el otro extremo ocurre igual, si detectas que hay
través del aprendizaje.
espacios para la docencia, ya que suelen ser muy fríos.
NLH Quizá esto se deba al tipo de
cuatro o cinco alumnos que no están avanzando, entonces
herramientas que se utilizan ahora:
ves que el resto tiende a animarles.
el ordenador ocupa un espacio
importante en el aula, aunque no se
RH ¿Un diseñador es más exigente con su entorno
esté usando, lo cual es un problema,
cotidiano?
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cosas las tienes a mano. Tu taller es el espacio en el que
ya que la mesa está copada por el
ordenador.
RH Puede que sigamos con la idea de
NLH Un diseñador es un sufridor nato cuando pasea por la
Figura 2 – Estudio Lavernia & Cienfuegos Asociados, en Valencia.
ciudad.
que la mesa es para dibujar, aunque ahora esté ocupada
su proyecto prefiero que el resto opine y participe, incluso
NLP Nos pasa a todos, pero creo que tampoco hay que
por un ordenador, lo cual en realidad elimina ambos
que se pueda ver la relación que existe entre el alumno que
obsesionarse con esto.
procesos, y de paso nos impone una organización del taller.
está siendo valorado y las opiniones que va aportando su
profesor. Así también se aprende mucho. Me parece que en
NLH Sí, pero la cantidad de mensajes que recibes cuando
NLP Está evolucionando todo lo referido a mobiliario de
todo sistema educativo lo que debe prevalecer es aprender
vas por la calle es abrumadora. Eres más sensible, porque
oficinas, y también está cambiando muchísimo el diseño de
a valorar el trabajo que se está haciendo. En muchas
estás más expuesto y trabajas en ello.
estos espacios, justamente porque ya nadie tiene un lugar
ocasiones el alumno es incapaz de detectar si lo que está
fijo, sino que la gente llega y se instala con sus portátiles, y
haciendo es muy bueno o muy malo. Esto debería ser una
NLP Cuando alguien tiene buen gusto, las cosas de mal
al final toda la comunicación es online.
cuestión prioritaria a abordar. Un profesor de dibujo nos
gusto le hacen daño.
decía que no podías aprender a dibujar hasta que supieses
158 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014
Figura 3 – “Los ciclistas”, un diseño del padre, en el que participó el
hijo, con el que han jugado ambos.
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formación autodidacta era mucho más dura y difícil. Ahora
Si la educación en sí fuese más exigente, puede que hubiese
NLP Y después están las escuelas privadas, lo cual significa
diseñador?
el camino es extremadamente más fácil. Sin embargo, en
menos alumnado, pero estarían más motivados.
que cada año se graduan unos mil diseñadores.
nuestra época era más fácil que ahora encontrar una salida
NLH ¡Uf! Requiere una cierta actitud y predisposición por
profesional cuando terminabas los estudios. Es como
RH En los estudios de Magisterio, que es mi especialidad,
NLH O más, puede que sean 2000 los que se gradúan cada
parte del alumno. Tu labor como docente consiste en poner
si cuando terminan les dijesen: “ahora te vas a enterar,
se ha detectado que si bien no todo el alumnado inicia su
año en España.
encima de la mesa ciertos conocimientos. Quien quiere
ahora es cuando lo tienes duro”. No sé si ese cambio de la
formación de manera vocacional, tras las prácticas se ha
los toma, y quien no, no. Yo lo detecto en mi alumnado.
dificultad laboral antes o después es más positivo o no, ni
consolidado el argumento vocacional.
A las pocas semanas de estar impartiendo clase ya sabes
cómo lo resolverán. En general veo más indolencia entre la
quiénes tienen interés. El alumno que tiene interés saca
gente joven.
RH En Bellas Artes teníamos profesores que se guardaban
mucho de explicarnos sus “secretos” a la hora de pintar o
NLP Cuando la gente empieza a ver que le gusta la carrera
esculpir.
que está estudiando puede que haya una mayor carga
las asignaturas sin problema, de manera que disfrutas tú y
NLH Nosotros en la Escuela hemos detectado que desde
de atracción hacia el oficio, supongo que vocacional. La
NLP Yo creo que eso es malo en diseño, en farmacia y en
hace unos años el alumnado viene con una actitud distinta.
vocación me parece casi un acto de fe, que ya no lo es tanto
cualquier disciplina. Eso debe ser un síntoma de mediocridad
NLP Lo vocacional al final es una actitud. Es una cuestión que
La tradición vocacional que tenían las escuelas se ha perdido.
si llevas dos años estudiando aquello que te gusta.
y de inseguridad. Si ahora Rubens o Leonardo da Vinci
tiene que ver con el tiempo, con el desarrollo de la sociedad.
Ahora viene la gente diciendo “a ver qué hago”.
disfruta él.
El diseño no era algo muy conocido cuando yo empecé
se pusiesen a enseñarte a dibujar ¿qué temor podían
RH En los estudios de Magisterio las prácticas constituyen
tener a que luego tú lo hicieses mejor? Lo importante del
un elemento esencial, supongo que en diseño ocurre igual.
conocimiento es lo que se hace con él. Cuando un profesor
a interesarme por el tema; de hecho aquí en Valencia no
NLP Tener vocación por algo a los 16 años es muy difícil.
había escuela de diseño, lo que había era la Escuela de Artes
Cuando más reglada, más convencional y más conocida
y Oficios, donde podías estudiar decoración o cerámica.
se ha hecho una carrera, menos vocación creo que hay. La
NLH En diseño las prácticas son fundamentales. Incluso hay
Todavía no existía interiorismo. Otros compañeros estaban
vocación se manifiesta cuando lo que vas a hacer es algo
exceso de oferta por parte de las empresas. Son demasiadas
NLH Ahora con Internet se tiene acceso a todo. El profesor
en Bellas Artes, y algunos ni siquiera cursaban una carrera
desconocido, ha de haber un espíritu especial.
las que ofrecen plazas de prácticas para alumnado en
ya no es la única fuente de saber. Lo comprobamos en clase,
especializada, sino que empezaron a trabajar en una
formación. Nosotros estamos muy contentos con los
estamos hablando de algo y el alumnado lo está consultando
agencia de publicidad a los 14 años y
resultados de estas prácticas.
en Internet. Por tanto no tiene sentido quedarse con el
hace su trabajo no veo por qué tiene que ocultar nada.
conocimiento, ya que no lo posees únicamente tú, sino que
siguieron aprendiendo por su cuenta.
Nosotros
estuvimos
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RH ¿Qué se requiere para dar una buena formación al
RH ¿Está reconocida la labor del diseñador?
descubriendo
está al alcance de todo el mundo. Tu labor ahora es guiar,
indicar, aconsejar.
lo que era el mundo del diseño de
una manera autodidacta. Yo estudié
NLP Eso seguro. Desde los años 1980 hasta ahora ha
Diseño Industrial en la Escuela Elisava
cambiado mucho el conocimiento y el reconocimiento
RH ¿Por qué en los países mediterráneos está tan extendida
de Barcelona, cuando ya llevaba años
social de la profesión. Ahora las empresas y las instituciones
la separación entre Bellas Artes y Diseño?
intentando aprender. El aprendizaje
saben de la importancia del diseño.
NLH Debido a nuestro nombre hay gente que cree que
autodidacta es como conocer una
RH ¿Existe competencia entre las escuelas de diseño?
somos de Bellas Artes, y hemos de aclararles que no es así.
va orientando, que te va indicando
NLH No veo que haya competencia. Lo que sí hay es mucho
NLP Entiendo que hay muchos elementos comunes que
las cosas que hay que saber y lo que
diseñador joven que sale al mercado laboral y no encuentra
se comparten en los estudios de Bellas Artes y de Diseño,
hay que ver en la ciudad. Si intentas
un sitio para ubicarse. Hay muchas escuelas formando a
incluso de Arquitectura. Pero considero más próxima la
conocerla siendo autodidacta te dejas
gente.
Arquitectura al Diseño que no a las Bellas Artes. Un elemento
ciudad por ti solo. En la educación
formal dispones de un guía que te
distintivo que se da en Bellas Artes es el no trabajar por
unas lagunas enormes, pero por otro
lado profundizas muchísimo más, ya
que eres tú el que busca. La curiosidad
es fundamental, la exigencia, tu
Figura 4 – Durante cinco años padre e hijo estuvieron trabajando juntos en la empresa “aila” de
creación de páginas web.
NLP ¿Cuánta gente matriculada tenéis aquí en la EASD de
encargo. También hay diseñadores que trabajan en los
Valencia?
límites del mundo del arte y el diseño. Yo diría que una de
las cosas que diferencia al diseñador del artista es que el
propia inquietud, tu motor. Vas buscando aquí y allá, vas
NLH Si la educación es más dura cambia, porque no creo
NLH En las cuatro especialidades de grado tenemos
artista trabaja desde adentro hacia afuera enfrentándose al
recorriendo todo, de repente un libro te lleva a otro. Nuestra
que nadie se plantee estudiar medicina para ver qué pasa.
alrededor de 1300 alumnos.
lienzo en blanco, mientras que el diseñador trabaja con un
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Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |161
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no le interesaban demasiado los cuadros, pero se quedó
RH ¿Ha influido en tu opción por la docencia en diseño el
diseña directamente desde el ordenador, lo cual supone
funcionar con un elemento sustancial que es el proyecto.
entusiasmado con unas maquetas de barcos, con las pistolas
hecho de que tu padre sea diseñador?
hacer muchas cosas en muy poco tiempo, cambiando y
y las espadas.
probando. Se ha perdido escribir y dibujar las cosas a mano,
NLH Sí, creo que sí. Pero nunca de una forma consciente, ya
lo cual requiere mucha reflexión, porque cuando has hecho
que él nunca me presionó al respecto. Fui descartando otras
unas rayas no es tan fácil volver al principio, ya que implica
posibilidades que no me convencían, y finalmente opté por
empezar de nuevo. Tienes que pensar más, reflexionar, ver
RH ¿Puede que sea el entorno industrial el que domina en
el diseño?
RH ¿Solíais ir a los museos cuando Nacho era pequeño?
NLP También la estética al servicio de una comunicación que
NLP Imagino que lo normal. No tengo un recuerdo especial
la formación en Bellas Artes. Pero no me atraía ni la pintura
dónde quieres poner cada cosa, el texto, la imagen, antes
tiene una dimensión muy distinta a lo que sería comunicar
al respecto.
ni la escultura, más bien el dibujo y el grabado.
incluso de hacerlo. De todos modos no creo que una cosa
sea mejor que la otra. Cada cuestión responde al tipo de
en el mundo del arte. Pero todo lo visual es algo que tenemos
en común. Tradicionalmente ha habido una separación muy
NLH Cuando se inauguró el IVAM entonces sí que iba mucho.
NLP Cuando hacías la carrera venías por el estudio, me
sociedad en la que estemos. En la sociedad donde nosotros
grande en los museos de arte y de diseño.
Incluso varias veces a la misma exposición.
ayudabas. Supongo que si yo hubiese sido farmacéutico
nos educamos la profundidad era un valor esencial. Era
también hubieses venido por la farmacia.
importantísimo profundizar en las cosas. En la sociedad
RH ¿Para deleitarse visualmente el diseñador prefiere un
museo o un centro comercial?
actual tiene más interés la superficialidad, la rapidez, los
NLP Cuando íbamos de viaje. Con
desplazamientos constantes. Internet te permite acceder a
niños ya se sabe que con estas cosas
un montón de cosas con una gran rapidez, pero no resulta
tampoco se puede abusar, en un
tan fácil profundizar. Son valores que cambian. La sociedad
museo
aburren
se va auto-justificando. La gente joven que ha nacido con el
bastante (aquí el hijo pone su mano
iPad, el iPhone y el ordenador en la mano, que ha aprendido
izquierda sobre el antebrazo derecho
un proceso mental y creativo en función de todas estas
de su padre).
herramientas, dará unos resultados, y los justificará. No es
normalmente
se
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
encargo, unos requisitos, unos requerimientos, además de
mejor o peor reflexionar o profundizar, pero cada momento
lleva su proceso propio.
NLH Me acuerdo que cuando fuimos
al Museo de la Ciencia me lo pasé en
grande. Y también me acuerdo del
NLH Lo notas con el alumnado. Planteas algún problema
Museo de las Miniaturas de Guadalest,
y no se funciona igual. Antes iniciaban su proceso con la
donde había una edición del Quijote
Figura 6 – Tres generaciones en una imagen reciente.
El más jovencito es Marc.
escrita en un grano de arroz (ríen
Figura 5 – Biblioteca del estudio Lavernia & Cienfuegos. A Nacho Lavernia le gusta trabajar
rodeado de libros.
ambos).
RH Intuyo que desde pequeño ibas por el taller.
mano, el lápiz, el papel, lo cual requería una construcción
mental concreta. Cuando te pones directamente a trabajar
con el ordenador es distinto: hay un espacio de separación
entre el ordenador y lo que hay en tu cabeza, las ideas.
NLP También influyen los temas de los que se habla, lo que
NLP Más que un Centro Comercial, que me pone un poco
RH En las nuevas teorías del artist-teacher o de las a/r/
los pelos de punta, te diría que pasear por la ciudad, viendo
tografías se habla del profesor de educación artística como
tiendas, comercios, y cualquier aliciente visual. Yo en cada
un artista que es al mismo tiempo profesor e investigador,
NLH Yo siento más interés por la arquitectura, algo que me ha
grupo La Nave tuvimos que hacer una reflexión sobre
sitio y en cada momento busco cosas distintas. Tiene que
elaborando procesos artísticos como elemento clave de las
sido inculcado por tu parte (dirigiéndose a su padre), siendo
sobre los diseños desde Bauhaus hasta el año 1980, sobre
ver con las inquietudes, con las cosas que te inspiran, que
clases.
pequeño tú siempre te interesabas por la arquitectura. El
el uso del cartabón y del compás, del sistema diédrico
tema del diseño te lo he tenido que “sacar”.
de representación. Esas herramientas y esos lenguajes
te aportan algo. En ese sentido hay un grado de aporte de
disfrute importante.
NLP La herramienta es fundamental en relación con el
ellos ven desde niños, lo que te interesa.
resultado que vayas a obtener. Cuando estábamos en el
configuraban el resultado final. Ahora son los programas de
NLH En diseño no podemos plantearnos las clases como
algo artístico, porque de ese modo nos salimos del enfoque
RH ¿Qué ganamos y qué perdemos con el nuevo escenario
ordenador los que te llevan. No se puede diseñar lo que no
NLH ¿No te ocurre en ocasiones cuando vas a un museo
correcto. Muchos compañeros han trabajado como
digital?
se sabe expresar. Puedes tener buenas ideas en la cabeza,
que disfrutas del espacio y de la arquitectura pero después
profesionales del diseño y además son profesores, lo cual
prácticamente no te acuerdas de lo que había expuesto?
favorece que planteen las clases desde el ámbito profesional.
NLP (suspira) Ganamos en el terreno de la acción, y
Hace poco visité un museo con mi hijo Marc, comprobé que
No conocía estas corrientes teóricas que comentas.
perdemos en el terreno de la reflexión. Ahora la gente
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pero al final el resultado de esas ideas será lo que seas capaz
de expresar.
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pensando en la pantalla. Están lejos de los escritores del
tres películas a una isla desierta serían tres de
siglo XIX, desde Proust a Galdós, de los grandes novelistas
Billy Wilder (El apartamento, Con faldas y a
como Dickens o Tolstoi.
lo loco, Primera Plana). Me llevaría comedias
de esa época, porque me parece un cine
NLH Yo soy partidario de llegar al máximo de público. En
maravilloso. Y no es lo mismo ver una película
un programa de radio en el que hablaban sobre literatura,
en el ordenador que en pantalla grande.
cuando se les preguntaba qué novela no habían podido
terminar la mayoría apuntaban al Ulises de James Joyce.
NLH Con el tema del cine nos han influido un
¿Entonces qué sentido tiene? ¿Te imaginas diseñar una silla
montón nuestros padres. Cuando tenía siete
en la que no te pudieses sentar?
años, mi hermano y yo nos levantábamos
Figura 7 – Un momento de la entrevista fotografiado por Germán Navarro.
temprano el sábado y veíamos en video Un,
NLP Es imposible juzgar el arte sin tener un conocimiento
dos, tres de Billy Wilder, una y otra vez. Con
bastante profundo de lo que es. Picasso le gusta a la mayoría,
RH Pasando a temas cotidianos ¿Cuáles son vuestros
el tiempo he ido perdiendo esa exigencia que mi padre ha
pero eso no quita valor a Tàpies o a los pintores abstractos.
platos preferidos?
mantenido. Pertenezco a una generación que se ha criado
En el mundo del arte, si no eres un verdadero experto
con Star Wars, Indiana Jones, Los Goonies (aquí discuten
debería resultar difícil exponer una opinión en público, o en
ambos y se interrumpen). Nos han educado en un cine
los medios. Es entonces cuando eres capaz de apreciar las
comercial de entretenimiento, de manera que soy capaz de
cosas. En literatura ocurre lo mismo, ya que esa capacidad
ver cualquier cosa. Algo que ahora me resulta más difícil de
de determinados autores por encontrar formas nuevas para
ver son las historias en las que sufren los niños. Desde que
contar historias es meritoria. Te podrá gustar o no, pero si
NLP A mí me gusta comer. Disfruto de un buen arroz al horno
tuve a Marc estoy más reacio a las películas de acción y a
te metieras de verdad en lo que es la problemática del arte
(uno de los mejores arroces, incluso por encima de la paella),
las series violentas. Sufro mucho. Me acuerdo de la abuela
lo entenderías. Te lo digo yo que he empezado dos veces
y de un cocido o de unos garbanzos. Pero también me gusta
cuando vio Kramer contra Kramer: impidió que yo la viese.
el Ulises de Joyce y nunca he pasado de la página 37. Sin
NLH Unas patatas con huevos fritos. (ríen ambos)
RH ¿Eso significa que no os gusta la cocina sofisticada?
embargo he leído a Proust desde los 18 años.
la cocina de vanguardia. La gastronomía más novedosa le
hace un gran favor a la oferta que tenemos en Valencia,
NLP Una experiencia que no sé si llegó a ser traumática
con una buena oferta de restaurantes, incluso a un precio
para Nacho cuando tenía cinco o seis años fue el día que su
NLH La persona de 18 años que se leyó a Proust porque no
razonable, donde encuentras un ambiente agradable y una
abuelo, mi padre, le llevó a ver 2001 Una odisea del espacio,
había televisión y decidió dedicar su tiempo a esa lectura
comida muy creativa. La cocina tradicional es más factible
pensando que se trataba de una película de aventuras
está lejos de los jóvenes actuales que no dedican su tiempo
para comer en casa, pero las tendencias creativas mejor en
infantiles (ríen ambos).
a ello. Debería haber un entrenamiento, una preparación
los low cost de grandes chefs, como Ricard Camarena. En
para leer una novela medianamente compleja.
El Corte Inglés de Callao, en Madrid, David Muñoz, el chef
NLH El abuelo estaba indignadísimo, y es cierto que me
del restaurante Diverxo, ha montado un low cost donde
quedé muy impactado.
RH ¿Compartís preferencias en películas de cine?
NLP En cualquier manifestación artística lo más fácil de
apreciar es el dibujo, y en narrativa el argumento. Pero
se come de maravilla. (gesticula y explica con emoción los
platos orientales típicos de Singapur que comió)
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
una birria de película. Si tuviese que llevarme
NLP El hecho de ir a ver una película al cine o de comprarte
las aportaciones realmente novedosas han de tener
un libro es en realidad como una apuesta: arriesgas. Cada
originalidad, plantear las cosas de otro modo, algo que
vez hay menos gente que te recomiende, y no hay una
requiere un esfuerzo por parte del lector, pero que resulta
crítica realmente fiable. Tienes que ir buscando y tanteando
fundamental en cultura.
(ríen ambos) NLP Con el cine y con la literatura tengo fama
para comprar un libro. La trilogía del “Milenio” me parece
entre mis amigos de gustarme lo sesudo, en realidad lo
auténtica basura, aunque tenga mucho éxito. Estamos en
que ocurre que me gustan las buenas películas y la buena
la sociedad de la audiencia, y si lo importante es que te
literatura. Cuando decimos que vamos al cine a pasarlo bien
vean dos millones, harás lo que sea necesario. Muchos de
y a disfrutar creo que hablamos de no tener que aguantar
los escritores actuales más que escribir novelas escriben
Referencias
Huerta, R. (2013) Paternidades creativas. Barcelona. Graó.
Huerta, R. y De la Calle, R. (2012) Patrimonios migrantes. Valencia: PUV.
Sennett, R. (2013) El artesano. Barcelona: Anagrama.
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Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |165
RESENHAS
Georges Didi-Huberman, Atlas ou a
Gaia Ciência Inquieta
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
RESENHAS
por Teresa Eça
APECV/I2ADS, Portugal
Ymago é um projeto editorial que possibilita o alargamento dos nossos horizontes de leituras sobre a teoria e a investigação das imagens, sobre as imagens e
com as imagens. Os seus promotores estão a traduzir e a publicar textos chave
para todos os que de um modo ou de outro se interessam por este tema. Já traduziram e publicaram quatro títulos de autores que pensam a imagem em termos
inovadores. Uma dessas obras é ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’ de Georges
Didi- Huberman traduzido por R. C. Botelho e R. P. Cabral. Um livro notável, com
uma excelente tradução.
Didi- Huberman, é um filósofo e historiador de arte, que tem apresentado
uma visão muito crítica e pessoal questionando os pressupostos vasarianos,
panofskianos e neo-kantianos da história da arte. Ele é um autor plurifacetado
que tem assumido posições demarcadas, apoiado em referências teóricas como
Warburg, Benjamin, Freud e Deleuze em relação à interpretação da arte. Para
ele as imagens são complexas e contraditórias e têm dimensões empáticas,
éticas e políticas. Neste livro ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’, Didi- Huberman
retoma o seu texto introdutório do catálogo da exposição Cómo llevar el mundo
a cuestas ? - Atlas. How to Carry the World on One’s Back? que Georges Didi-
Título: Atlas ou a Gaia Ciência
Inquieta
Huberman organizou no Centro de Arte Reina Sofía (Madrid) entre novembro
Autor: Georges Didi-Huberman,
trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral
2010 e fevereiro 2011, mais tarde exposta no ZKM-Zentrum für Kunst und
Ano: 2013
Medientechnologie de Karsrühe e em Sammlung Falckenberg em Hamburgo,
Editora: KKYM+EAUM
entre maio e novembro de 2011.
Local de publicação: Lisboa
O Atlas Mnémosyne é um marco importante na maneira como interrogamos
315 páginas
o papel das imagens. Foi um momento de rutura epistemológica importante,
ISBN: 978-84-8363-984-9
tendo sido composto, decomposto, montado, remontado por Aby Warburg entre
1924 et 1929. O Atlas Mnemosyne é uma obra aberta ao acaso e à partilha,
deixando em aberto interstícios, brechas, continuidades para que outros, como
http://cargocollective.com/
ymago/Didi-Huberman-Txt-10
Didi- Huberman o possam interrogar para, nas palavras de Foulcault, exercitar
uma arqueologia do saber visual. Trata-se de um autêntico processo de pesquisa,
com um método que releva do poder que as imagens e a técnica de montagem
de imagens têm de rondarem o real, de se associarem e de associarem outras
ideias, conceitos e imagens para criar discursos. Ao abordar o Atlas como
qualquer arquivo, incompleto, sujeito a erros e lacunas Didi-Huberman acercanos da impossibilidade de definir o real e das possibilidades da imagem tocar
Novembro 2013 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |167
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maneiras de entender o conhecimento, desde a primeira prancha dedicada à
várias vezes evocados pelos pesquisadores que utilizam investigação baseada
arte divinatória até à última que evoca a sombra do fascismo, é um livro que
nas artes. A montagem no entender de Didi-Huberman não é a criação artificial
recolhe tal como Goya os ‘Disparates’ do mundo visível. Os seus ‘Desastres’
de uma continuidade temporal a partir de “planos” descontínuos organizados
assentam perfeitamente nos paradoxos da erudição e da imaginação relatados
em sequências. É, pelo contrário, um modo de desdobrar visualmente as
por Jorge Luís Borges. Enfim é um livro que nos leva a pensar e questionar ética e
descontinuidades do tempo da obra em toda a sequência da história.
politicamente, através das imagens e da montagem, as loucuras da história.
No Atlas Mnémosyne percorremos um processo arqueológico, numa viagem que
vai desde a Babilónia até ao século XX, do Oriente ao Ocidente, dos ‘astras’ mais
longínquos (constelações de ideias) até aos ‘monstra’ mais próximos (pulsões
viscerais). Das belezas da arte aos horrores da história. Este livro evoca, através
de uma escrita baseada em grandes planos mais do que em descrições contínuas
as metamorfoses de Atlas, o titã condenado pelos deuses do Olimpo a carregar
eternamente o peso do mundo. Recorrendo ao Atlas Mnemosyne, de Aby
Warburg, Didi-Huberman encontra no género atlas, nesta forma visual do saber,
um percurso que aborda o “saber pelo sofrimento” (pathei mathos), de Ésquilo,
passando pela reinvenção warburguiana do género Atlas, onde as imagens se
situam entre “a fantasia vibrante e a razão apaziguadora” até o “sabiamente
caótico” atlas de Jorge Luis Borges. As imagens evocam, transcendem e alteram,
são fantasmas. Ao atender ao ethos e ao pathos de uma única imagem, entra-
Referências
BORGES, J. L. (2010). Atlas. São Paulo: Companhia das Letras.
DIDI-HUBERMAN, G. (2000). Atlas Cómo llevar el mundo a cuestas? Madrid: Reina Sofía.
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
o real através de processos de associação e de montagem, processos esses
se em contacto com a fina película do fantasma primitivo, explorada por Freud.
Inerente à imagem estão os gestos, e expressões próprios de uma corporeidade
que assombra a imagem, seja como “matriz”, seja como “expressão” ou
“encarnação”, termos que fazem parte do vocabulário crítico de Georges DidiHuberman.
No ‘remix’ Warburguiano feito por Didi-Huberman, sentimos algumas forças
complementares que fazem parte de sua tarefa arqueológica. Uma dessas forças,
que apela ao informe, ao sintoma e à metamorfose vem talvez da influência
do filósofo Georges Bataille e do seu pensamento do não-saber. A outra força
poderia vir da influência de Friedrich Nietzsche, com o ‘gai savoir’. Georges DidiHuberman leva em consideração ambos, o não-saber e o saber alegre, como
aqueles que assombram o logos de uma teoria do conhecimento que paira sobre
o sensível. Aqui, encontra-se uma primeira interferência que acontece pelo
assombro, pois o espaço do desejo assombra o espaço do pensamento. Assim a
construção do conhecimento vagueia entre astra e monstra, logos e sensível. É no
conflito entre astra e monstra que o saber na cultura acontece de forma trágica
e perturbadora e a ciência se reivindica como uma profecia, onde se captam as
nuances de intuição do conhecimento e de uma inteligência capaz de adivinhar.
A ciência como profecia inclui outras maneiras de saber (saber pelo sofrimento
tal como o titã Atlas que ao carregar o fardo do mundo acede a uma sabedoria
imensa mas também trágica, o saber alegre ou ainda não-saber), ou seja um
saber que existe nos limites, nos excessos. Compassado assim entre estas três
168 | Teresa Torres de Eça | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Novembro 2014
Novembro 2013 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |169
RESENHAS
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
por Jesus Marmanillo Pereira
Nas primeiras páginas do livro O Poder em Movimento, Sidney Tarrow
Ao falar sobre as condições da luta política, destaca um dos pilares
expõe notícias do Internacional Herald Tribune de 17 de março de 1997 e
fundamentais do livro, que é a noção de estrutura de oportunidades políticas.
chama atenção para os inúmeros registros de protestos e rebeliões ocorridos na
Contrariamente a perspectiva da mobilização de recursos, voltada para explicação
Iugoslávia, Albânia, Sérvia, Bornéu, Zaire oriental e Bélgica. O autor demonstra
dos fatores e condições existentes no interior dos movimentos de reivindicação,
que todas as situações descritas foram marcadas pelo “poder” constante no
a perspectiva da estrutura de oportunidades políticas inseriu o elemento político
confronto político e nos movimentos sociais.
e histórico na analise das ações coletivas de confronto, garantindo assim uma
Nos diferentes exemplos, o autor observa que “pessoas comuns”
irromperam nas ruas e tentaram exercer o poder por meios contenciosos contra
estados nacionais ou opositores mais fortes. Essas situações de confronto
caracterizam, para o autor, um cenário privilegiado de estudos das condições de
Título: O Poder em Movimento:
movimentos sociais e confronto
político
Autor: Sidney Tarrow
Ano: 2009
abordagem mais estrutural. Com esse viés analítico, buscou sintetizar às principais
contribuições dos estudos sobre ação coletiva de confronto, a fim de criar um
modelo analítico que considerasse os condicionantes internos e externos para o
desenvolvimento da mesma.
emergência de movimentos sociais, ou seja, “seqüências do confronto político
Ao discorrer sobre a ação coletiva modular, o autor destaca a dimensão
baseadas em redes sociais de apoio e em vigorosos esquemas de ação coletiva
histórica e cultural dos repertórios de ação, desenvolvendo uma explicação
e que, além disso, desenvolvem capacidade de manter provocações sustentadas
pautada em duas perspectivas: a orientação dos detentores de poder e o âmbito
contra opositores poderosos” (p.18).
da ação (local e nacional). Empiricamente analisa antigos e novos repertórios
Nessa perspectiva, ele compreende a ação coletiva como base dos
movimentos sociais, enfatizando a necessidade de que essa seja estudada de
acordo com um amplo quadro analítico composto de contribuições da história,
sociologia, ciência política e antropologia. Tal abordagem interdisciplinar
foi pensada para contextos caracterizados por situações de “mudanças nas
oportunidades e restrições políticas” capazes de gerar nos participantes, uma série
desenvolvidos na Europa ocidental e na América do Norte, de onde extrai as
noções de repertórios tradicionais e repertório modular. Grosso modo, pensa
os dois tipos de repertórios: 1) em relação à capacidade de utilização em
diferentes contextos, 2) considerando a forma como se desenvolvem tais ações,
por encenações, boicotes, ações violentas, e 3) quanto às características da ação
coletiva- propósitos comuns, solidariedade etc..
Editora: Editora Vozes
de incentivos materiais, ideológicos e partidários. Para tanto, considera fatores
Ao valorizar a dimensão histórica, Sidney Tarrow enfatiza que os
Local de publicação: Petrópolis, RJ
como: os desafios coletivos, as redes sociais ativadas, os quadros interpretativos
movimentos sociais como são conhecidos hoje datam desde os séculos XVIII, com
320 páginas
construídos e a construção de solidariedades associadas a tais ações.
forte influência de mudanças estruturais, como a da imprensa comercial e dos
ISBN: 978-85-326-3828-1
Expondo, inicialmente, estudos teóricos de autores como Karl Marx,
Lenin e Gramsci, Sidney Tarrow observa a relação entre eles e as teorias recentes
sobre ação coletiva. Nesse sentido, aponta como os estudos sobre ação coletiva
foram tornando-se mais aprimorados e complexos, descobrindo a cada tempo,
novos modelos de associação e socialização, relacionadas ao capitalismo. Entre
outras coisas o autor percebe que essas possibilitaram a difusão de informações
entre pessoas de diferentes regiões e processos associativos conhecidos como
coalizões interclasses.
novos fatores e condições para a emergência e permanência dos movimentos
Por meio de um estudo comparativo, o autor demonstra a utilização da
sociais. Para tanto, demonstra uma serie de perspectivas teóricas e formas de
noção de estrutura de oportunidades, tomando como exemplos da França, E.U.A
abordagens desenvolvidas ao longo das quatro últimas décadas, destacando:
e Inglaterra, onde se deteve sobre as diferenças nos padrões de construção do
a teoria da escolha racional, a teoria da mobilização de recursos, a perspectiva
Estado e nas repercussões disto em termos de incentivos e constrangimentos
sócio construtivista e o viés da sociologia histórica.
para a formação de movimentos sociais, ou seja, para entender o que fazia as
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Ações coletivas: Processos e
condicionantes necessários.
Novembro 2013 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Jesus Marmanillo Pereira |171
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
ser seguidas como exemplos, por grupos não relacionados ao confronto, ou ser
não só conhecer fatores sociais e econômicos experimentados por elas, mas
combatidas por grupos antagônicos, gerando assim uma dinâmica caracterizada,
também as oportunidades políticas estruturadas de acordo com as características
tanto pela difusão, por meio de símbolos, ideologias e de um fluxo maior de
dos Estados “fortes” ou “fracos”.
informação - que indica uma ativação maior das redes, quanto pela desmobilização
Para destacar a importância das mudanças nas oportunidades e restrições
relacionada à cooptação e repressão desenvolvidas pelos grupos antagônicos.
políticas em relação ao fomento de mobilizações coletivas, o autor exemplifica os
No decorrer do confronto os custos pessoais inferem nas formas de
diferentes efeitos da crise de 1930 em países com diferentes características de
reivindicação, podendo os líderes optar por formas moderadas ou radicais, de
estados - França, Inglaterra, E.U.A e Alemanha e enfatiza elementos específicos
acordo com a manutenção do “grupo”. Além disso, ele percebe a importância
como o Popular Front Francês e o New Deal, considerando sempre o engajamento
do aspecto polarizador da violência, que pode esclarecer antagonismos e definir
dos trabalhadores precarizados.
posições e das ações de facilitação e repressão, que pode desmobilizar ou
Com mais detalhes, Sidney Tarrow utiliza seu modelo teórico para
interpretar as mudanças ocorridas na U.R.S.S e Sérvia, elencando
pontos
explicativos cruciais como: abertura política, realinhamento político, aliados
extrematizar as ações coletivas de confronto. Para exemplificar, o autor discorre
sobre o que considera o primeiro ciclo moderno, a “primavera dos povos”
ocorrida na Europa.
fortes, divisões no interior das elites, o efeito polarizador da violência, a dinâmica
Finalizando o livro, toca em duas questões que também demonstram
das manifestações e as rupturas pacificas não impositivas - que combinavam
a complexidade dos movimentos sociais. Primeiramente expõe a dificuldade de
confronto e convenção.
estudos pautados nos “resultados” de ações coletivas de confronto (como greves,
Em relação à forma de regime político, destaca as diferentes influências
da democracia e dos regimes repressivos sobre os confrontos. Para o autor, a
primeira possibilita um numero maior de mobilizações pacificas, mas retira dos
passeatas etc.), afirmando que para alguns especialistas, estes dependeram do
poder de produção de rupturas, aberturas nas oportunidades políticas e obtenção
de recursos internos.
mesmos, o elemento da “indignação” - valorizado nas segundas situações onde
Com base em pesquisadores como Charles Tilly (1978), o autor sugere
as ações coletivas são radicalizadas e unificadas em alvos centralizados. Com
que é preciso uma combinação de fatores – internos e externos organizacionais e
a democratização, a associação entre reivindicação e partidos políticos tende
políticos, estruturais e estratégicos - para conduzir os movimentos ao sucesso. No
a aumentar, e com isso, as eleições passam a ter um papel fundamental na
processo em que tais fatores se combinam, o autor percebe que há a formação de
conquista e manutenção de valores, direitos.
um aspecto “politizante” que possibilita aos participantes a aquisição de certas
Apesar das mobilizações serem explicadas, também, por tais
condicionantes, o autor ressalta que nem sempre configuram movimentos
sociais. É necessário que sejam reconhecidos tanto pelos apoiadores como
habilidades e que influência vida pessoal dos mesmos, na estrutura familiar
ou nos custos que causam. Para exemplificar, Sidney Tarrow discorre sobre os
protestos de estudantes na França (1968) e de mulheres nos E.U.A(1960).
pelos oponentes, que ocorram a ativação de redes, coalizões, de um modelo
A outra questão é a da transnacionalidade do confronto. Para explicá-
organizacional, de símbolos e formas de percepção ou enquadramentos
la, o autor interpreta o caso do fechamento da Renault na Bélgica, em 1997, e
interpretativos capazes de constituir pontos de conexão e formar laços identitários
a repercussão disso no mundo dos trabalhadores. Nota como as manifestações
em grupos heterogêneos. Com a utilização dos enquadramentos interpretativos
(Eurostrike) da cidade de Vilvorde (BEL) difundiram-se, alcançando também os
conhecidos também como frames, o autor valoriza as variáveis das análises sócio-
trabalhadores franceses. Para explicar essa difusão transnacional, expõe aspectos
construtivistas relacionadas a autores como Erving Goffman, David A.Snow e
como: a expansão do mercado e globalização, as tecnologias de informação como
Robert D. Benford.
televisão, computador, fax, a força dos estados nacionais. Para o autor todos
Outro tema abordado por Sidney Tarrow é a ampliação do confronto
em ciclos gerais. Por meio de uma analogia entre ciclo de confronto e ciclo
revolucionário, o autor elencar algumas características a respeito da dinâmica
esses aspectos favorecem uma abertura nas oportunidades políticas, ou seja, a
capacidade de mobilização, aquisição de incentivos de contextos transnacionais
fortalecem confrontos locais.
dos ciclos de confronto, por meio de algumas fases como as de “difusão” e
Sem abrir mão das principais contribuições dos estudos sobre
“desmobilização”. Para tanto, destaca que as primeiras reivindicações podem
movimentos sociais, o livro “O Poder em Movimento: movimentos sociais e
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
pessoas arriscassem suas vidas nas ruas para clamar seus direitos é necessário
Novembro 2013 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Jesus Marmanillo Pereira |173
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
confronto político” representa um esforço de traçar uma morfologia complexa
desse fenômeno social.
Dessa forma, os elementos culturais de identidade coletiva, históricos
e políticos recorrem às contribuições de importantes autores europeus e norteamericanos como: Alberto Melucci, Erving Goffman, Karl Max, Barrington Moore
Jr, Eric J.E. Hobsbawm Charles Tilly, Doug McAdam, John D. McCarthy, Mancur
Olson e outros.
Enfim, Sidney Tarrow apresenta empiricamente por meios dos
processos históricos esquema e modelos interpretativos interdisciplinares
que tornam evidente seu bom diálogo entre teoria e prática. Considerando a
multidimensionalidade de tais fenômenos sociais contribui significativamente na
produção de conhecimento e no refinamento epistemológico das ciências sociais.
Referência
TILLY, Charles. From Mobilization to revolution. New York, Ramdom House, 1978.
SECÇÃO
ESPECIAL
Homenagem a
Elliot Eisner
174 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Novembro 2014
Homenagem a
Evocación de Elliot Eisner
por Fernando Hernández-Hernández
Universidad de Barcelona
En 1993 había llegado a Estados Unidos para un sabático que fue clave en mi
no sólo contemplar la ciudad desde un apartamento en lo
En 2002 nos encontramos en Barcelona y en Madrid,
trayectoria personal, pues tomar distancia permite ver la realidad propia desde
alto de uno de los hoteles, sino compartir el ambiente que
durante su estancia sabática en la universidad Complutense,
otros puntos de vista y con menos solemnidad. Pero como he escrito en algún
se respira en una circunstancia como esa.
y proseguimos con nuestras conversaciones. Por entonces,
lugar, me sirvió de manera especial para apreciar que la Educación Artística
necesitaba repensar su sentido e incorporar los conocimientos y propuestas que
emergían de los debates posestructuralistas, los estudios culturales, los estudios
visuales y los estudios de género. También de los cambios que en el sentido
del arte y de la práctica artística se planteaban a raíz del debate que agitó la
postmodernidad. Finalmente, y en la educación, para tener en cuenta un sentido
cultural de la noción de sujeto, que cuestionaba el determinismo de la psicología
sobre la linealidad del desarrollo y replanteaba el aprendizaje reivindicando
Unos meses después nos encontramos de nuevo en el
congreso mundial de InSEA en Montreal. Allí tuvimos
ocasión de conversar con calma en más de una ocasión
y pude escuchar sus comentarios mientras asistíamos a
las presentaciones de algunos de los ponentes invitados.
Todavía guardo los temas de algunas de estas conversaciones
y la agudeza e ironía de sus observaciones.
algunos estábamos tratando de poner en relación la
orientación de la Educación Artística con la Cultura Visual.
Eisner, seguía las aportaciones de colegas como Kerry
Freedman, Paul Duncum y yo mismo, y escribiría su punto
de vista sobre esta perspectiva en “El arte y la creación de
la mente: El papel de las artes visuales en la transformación
de la conciencia” (2012). En aquella ocasión me señaló la
importancia de abrir nuevos caminos, pero sin dejar de lado
poner lo que se aprende en contexto para que tenga sentido. Esto fue una parte
Uno de los días del congreso, mientras comíamos, hablamos
la experiencia que comporta la práctica de las artes. De no
lo que me llevé cuando regresé a Barcelona. Pero en el camino tuve encuentros
de nuestra educación. De lo importe que para él había
convertir la educación artística en un hablar del arte.
que me ayudaron en mi reflexión y que me abrieron a autores y experiencias.
sido participar como niño en las comidas familiares. De
Y, sobre todo, a una manera de pensar la educación y el papel de las artes en
la importancia que en su familia tuvo la participación y la
la educación desde lugares diferentes a los que hasta entonces ocupaban mi
escucha de todos, también de los niños, en la mesa. Algo
interés. En especial fueron importantes las conversaciones con los colegas del
que le hacía sentir a la vez importante y responsable. Me
Departamento de Educación artística de Ohio State University (Michael Parsons,
sorprendió lo fácil y fluida que resultaba la conversación y
Vesta Daniel, Terry Barret, Arthur Efland, Patricia Sthur y Sydney Walker). También
de cómo poco a poco me llevó a explicarle mi trayectoria e
con los encuentros con Kerry Freedman, Graeme Sullivan y,… Elliot Eisner.
intereses, mis impresiones sobre la NAEA e InSEA saltando
A Elliot Eisner lo escuché por vez primera ese mismo año, en una conferencia que
impartió en el congreso de la NAEA en Chicago en la que intentaba evidenciar que
no había estudios que mostraran una correlación entre el desarrollo de actitudes
artísticas y el rendimiento en otras materias del currículo. Lo que me pareció
relevante de su reflexión fue que cuestionaba la manera en cómo se hacían estos
estudios comparativos, tratando de relacionar dominios a los que se evalúa con
de un modo personal de un tema a otro, pero con la extraña
cualidad, supongo que como le sucedía a él en esas comidas
familiares, de hacerme sentir el centro de la conversación.
Recuerdo que me señaló sus esfuerzos para que la
educación artística no fuera sólo un campo de experiencias
sino también de investigación.
criterios diferentes. Una colega de la Universidad de Ohio nos presentó durante
Con el paso de los años coincidimos en varios congresos.
el congreso. Nos saludamos con cordialidad y le conté que iba a estar unos meses
Recuerdo de manera especial su comentario en el congreso
en Estados Unidos.
de NAEA en Huston en 1995, cuando después de la
En Atlanta fue ese año el congreso de la AERA y coincidió con su presidencia
de esta asociación de investigación en educación. Al cruzarnos por los pasillos
entre los dos hoteles en los que se celebraba el evento nos encontramos y
nos invitó al presidential party. Algo que me sorprendió, pues solo habíamos
intercambiado unas palabras en Chicago, pero que le agradecí, pues me permitió
176 | Fernando Hernández-Hernández | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014
presentación que hice en un simposio con Kerry Freedman
y Brent Wilson, se acercó para felicitarme y señalarme que
tener en unas transparencias el texto de mi intervención
había ayuda a hacerla más comprensible. Me pareció una
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Elliot Eisner
La última vez que nos vimos fue en otro congreso de AERA,
de nuevo en Chicago. Me alegró verlo, intentando moverse
entre la multitud con cierta dificultad, debido a los efectos
de su enfermedad. Me conmovió su coraje y entusiasmo.
Su firme voluntad de seguir presente y no recluirse. Pensé
que su presencia había servido para dar otro sentido a la
educación artística. Para que el currículo y la evaluación se
configuraran desde posiciones de diálogo entre campos de
conocimiento. También para que la investigación no fuera
considerado sólo como aplicación del método científico.
Para valorar que el espacio de la experiencia es clave en
la investigación en educación,… y en artes. Recordé su
esfuerzo para que la mirada de las artes se proyectara en la
educación y la investigación.
Esas imágenes, como flashes que se suceden se agolparon
en el momento en el que después de despedirnos me giré,
y le vi dirigiéndose con paso lento hacia alguna sesión en la
que pudiera seguir aprendiendo de los otros y aportando
su saber.
forma amable de decirme que junto a mi entusiasmo era
importante que mejorase mi inglés.
Novembro 2013 | Evocación de Elliot Eisner | Fernando Hernández-Hernández |177
Homenagem a
Elliot Eisner na arte-educação
global e em Portugal
por Elisabete Oliveira
CIEBA-FBAUL. Portugal
Elliot Eisner viveu de 10.03. ’33, em família de Judeus Russos emigrada em
A foto de Pablo Scagliola (Figura 2) espelha o seu rigor
formativa em The Art of Educational Evaluation. A
Chicago, até à morte de Parkinson a 10.01.’14. Com gratidão e saudade
científico; e gosto de brincar, com profundo vislumbre.
personal view (’85): o professor prosseguirá uma
recordo o primeiro encontro com esse meu Professor, na sua Sabática e minha
Numa noite cultural nigeriana, Eisner foi chamado ao
investigação-acção qualitativa cujo criticismo será de
Pós-Graduação no Instituto de Educação da Universidade de Londres, ‘79-80.
palco, em peúgas; disse, no seu modo optimista lúcido:
natureza artística. Em polémica com Howard Gardner,
Se eu não voltar, contem à minha mulher! Aspergiram-
abre caminho a que até uma novela possa ser defendida
lhe a cabeça com sangue de um galo sacrificado
como tese.
Este contacto permitiu, em ’80, termos o privilégio de uma formação de 50
professores e inspectores na FCG - Lisboa, com o Ministério da Educação, por
Eisner, em que o assisti. A sua obra começara a ser conhecida em Portugal
nos anos ’70, por referências nossas e de Alfredo Betâmio de Almeida vinda de Londres a sua obra Educating Artistic Vision (’72) -, nas Bibliografias
dos Programas e nas Acções de Formação de Professores no país, quando
e declararam-no imortal: Agora noutra dimensão,
consumou a imortalidade, pela dádiva de centenas de
artigos e 15 livros estruturantes de Arte-Educação e
Educação.
Em Art in Mind: An Agenda for Research (Stanford
Keynote. ‘00), explicita que a mente é um processo cujo
crescimento é influenciado pelo seu uso, pela cultura
(modo antropológico, de vida partilhada; ou biológico,
do lançamento destes. E pelos anos ’78 – ‘88/’89, no Gabinete de Apoio à
Educating Artistic Vision (’72), com a sua visão curricular
de fazer crescer coisas). As escolas desenvolverão a
Educação Visual do Ministério da Educação, a Inspectora Irene Sam Payo
triangular (dimensões produtiva, critica e cultural), terá
mente para que as pessoas se reinventem ao longo da
traduziu excertos dessa obra, difundidos aos Professores.
fundamentado: (1) Abordagens triangulares, como a de
vida, arquitectas da própria educação. Às artes cabe
Ana Mae Barbosa (eixos produtivo, crítico e histórico-
o pensamento sentido, expressando a descoberta no
cultural) ou a nossa (dimensão, D material – Função, F
curso da acção. O modelo dos meios precedendo os fins
tecnológica; D Social – F comunicativa; D ontológica – F
será útil ao planeamento, mas em situações complexas
de organização-de-vida); (2) A Cultura Visual no currículo
os objectivos podem derivar da aplicação dos meios,
escolar - que em Portugal se afirma nos Programas desde
imprevisivelmente. Com esta visão, converge o nosso
’74-‘75, após a pacífica revolução de 25 Abril ’74, em
uso de referenciais em vez de modelos; e a verificação
interacção com a explosão da imagem em liberdade de
em investigação campo, da necessidade e eficácia
expressão após quatro décadas ditatoriais -, em graffitis,
do processo de auto-eco-compatibilização contínua.
cartazes, cartoons, banda desenhada e fanzines; nas
Investigámos que, até à adolescência, pelo final do 9º
campanhas culturais e de alfabetização do Movimento
ano, os alunos não atingem geralmente a autonomia de
das Forças Armadas nas aldeias; ou no teatro, cinema e
critério crítico; e em diálogo com Michael Parsons, este
circo sem censura.
confirmou não ser frequente encontrá-la antes dessa
Em Portugal, Eisner foi ainda crucial no reconhecimento da APECV –
Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual (’88-), como
RNO – Representative National Organization, secundado por John Steers
que, em ’90, lhe reconheceu uma abrangência e operacionalidade que
ultrapassavam a da anterior, a APEA – Associação Portuguesa de Educação
através da Arte (desde ’57-). Foi Eisner quem impulsionou que propuséssemos
a 3ª Conferência de Investigação/3º Congresso Europeus da INSEA para
Lisboa (‘94); e, ainda, convidou Portugal (três especialistas), à International
Conference on the Future of Arts Education. GlobalPerspectives for the New
Millennium. N. York. 1999.
Desde a Conferência Mundial de Investigação INSEA, Roterdão ’81, (Figura
1) participei com Eisner em numerosas Conferências de Arte-Educação pelo
mundo: ele, Presidente da INSEA (’88-’91), com Vice-Presidência antecedente
e sequente; e eu, Conselheira Mundial (‘88-’97). Constatei como valorizava os
contextos em que intervinha, em empático diálogo: exº, a 1ª Conferência de
Investigação Africana INSEA, Lagos-Nigéria ’88, onde optou por formar para
uma investigação ali enraizada em vez de difundir modelos de investigação
externos. Com comunicabilidade penetrante, conversava com o profundo
empenho de valorizar o arte-educador e chegando, na sua dedicação, a
disponibilizar artigos actualizantes.
178 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014
Uma semelhante liberdade defende Eisner para a
concepção da Educação – ao enunciar os objectivos
expressivos, para além dos de imitação/mestria ou do
2º grau/de transferência ou design, em The Educational
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Elliot Eisner
idade. Nesta base, defendemos que a escolaridade
obrigatória, até ao final do 9º ano, deve incluir a Educação
Visual/criatividade no core-curriculum, seja qual for o
grau de flexibilidade ou autonomia reconhecido à escola.
Imagination. On the Design and Evaluation of School
Eisner presidiu ainda às Associações Profissionais NAEA,
Programs (‘79); e considerando, para lá do currículo
AERA e John Dewey Society; e recebeu numerosos
expresso e do oculto, o nulo – daquilo que se inibe que
Prémios de Professor de Arte e Educação na Stanford
possa ser experimentado ou se faça (não) acontecer.
University e Mundiais/Nacionais de carreira.
E daqui derivando, defende uma arte da avaliação
Novembro 2013 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal | Elisabete Oliveira |179
Homenagem a
El código paterno del maestro
Elliot W. Eisner
Em palavras suas (In: Oliveira E, Educação Estética Visual
Eco-ncessária na Adolescência – Entrevista. ’10.
- Eu quero reter conjuntamente a generalidade do
campo e a sua contribuição para outras áreas da vida
por Ricard Huerta
Universitat de València
e, ao mesmo tempo, reconhecer o que especifica ou
unicamente pertence ao campo da arte-educação.
(Refere: The Enlightened Eye. ‘91)
(…) A energia que tenho alimenta-se na alegria e prazer
em dirimir com ideias com as quais venho lutando
En nuestro recorrido profesional surgen personajes que nos marcan de forma
durante uma vida de trabalho de investigação.
decisiva, del mismo modo que en nuestras vidas acontecen sucesos vinculados
a personas con las cuales descubrimos cuál es el camino a seguir, gracias a las
(…) Sugeriria aos arte-educadores… Criem uma
vivencias que compartimos con ellas y a la confianza que nos transmiten. Esas
consciência na vossa vida entre o que está firmado na
terra e ao mesmo tempo atinge bem alto, acima do chão
para explorar as possibilidades que as artes tornam
possíveis nas vidas daqueles que nelas, se empenham e
se embrenham na sua realização.
Figura 2 – Foto premiada de Eisner, por Paulo Scagliola.
Blog DIDATICA III
personas son capaces de elaborar lo que yo llamaría un código paterno, es
decir, una cercanía que nos inspira y nos anima, incrementando nuestro deseo
de saber y nuestro gozo por transmitir. Nos comunicamos con ellas desde el
respeto que les tenemos, en base al reconocimiento moral que se han ganado
con su ejemplo. Algunas de esas personas se sitúan cerca, en un sentido físico; su
presencia es constante, y sus consejos llegan a nuestros oídos a través de palabras
y de gestos, expresiones que conocemos y valoramos. A otras no las tenemos
geográficamente cerca, y sin embargo nos transmiten sus saberes y consejos a
través de textos, mediante libros que leemos, ofreciéndonos documentos que
disfrutamos y adaptamos a nuestra propia realidad. Uno de esos personajes
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Elliot Eisner
de libro(s) que ha marcado mi trayectoria de manera contundente es sin duda
Elliot Eisner. Al igual que él, mi formación está ligada a las artes, ya que estudié
música en el Conservatorio Superior, y después Bellas Artes en la Facultad de
San Carlos. Pero esa coincidencia la detecté mucho después, gracias a una
conversación que pude tener con el maestro en Madrid. Empecé a leer a Eisner
estimulado por compañeros de la universidad como Jaume Martínez Bonafé y
Fernando Roda, quienes a mi llegada a la Facultad de Magisterio allá por 1990
me recomendaron Procesos cognitivos y curriculum (Martínez Roca, 1987). Este
texto sigue conmoviéndome, por su clarividencia y por la destreza con la que
elabora su discurso pedagógico. También Roser Juanola y Ricardo Marín me
Figura 1 – Conferência de Investigação Mundial da INSEA, Roterdão ’81
Pormenor). (Photo: National Institute for Curriculum Development.
Netherlands). A partir da esqª: 1ª fila, 1º, Irein Wangboje (Nigéria); 2ª
fila, 3ª, Phylis Gluck (NY); 5ª, Andrea Karpati (Hungria); 7º, Brian Allison
(UK); Elisabete Oliveira (Portugal); 3ª fila: 4º, EISNER (Stanford); 4ª fila:
2º, Peter Hon-Chiu (Hong Kong); 3º, Ralph Smith (Illinois); 4º, Diethart
Kerbs (Alemanha) e 9º, Luis Errazurie (Chile),
transmitieron su entusiasmo por el maestro, algo que se afianzó con la edición
en español de Educar la visión artística (Paidós, 1995). Fue la idea eisneriana de
formar a profesorado competente partiendo de cuatro ámbitos la que me animó
a elaborar y publicar el libro Art i Educació (PUV, 1995). Según el maestro, las
cuatro columnas necesarias para preparar a un buen docente en artes visuales
supondrían que este profesional dominase tanto la historia como la crítica de
arte (estética), que por supuesto tuviese una buena preparación pedagógica, y
que además fuese hábil con las técnicas de taller, es decir, que controlase la parte
procedimental de la creación artística. Pudiese parecer que Eisner reclamaba
180 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014
Novembro 2013 | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner | Ricard Huerta |181
Homenagem a
una utopía, pero lo cierto es que su DBAE aspiraba a dotar
de docentes muy capaces a los centros educativos. Era
una aspiración legítima, y coherentemente argumentada.
Con El ojo ilustrado el maestro incidía en la importancia
que pueden ejercer las artes en la formación de la
ciudadanía, del mismo modo que El arte y la creación de
la mente (también publicada por Paidós) respondía de
nuevo a su preocupación por difundir los valores del arte
en la educación. Ahora podemos valorar lo importante
que hubiese sido para nuestra área de conocimiento el
hecho de haber conseguido profesorado especialista en
Educación Primaria cuando tuvimos esa oportunidad al
implantarse la LOGSE al inicio de la década de 1990. Del
hombre recuerdo su sonrisa jovial, y su emoción al contar
anécdotas, que más bien parecían clases magistrales de
sabiduría, contención y humildad. Intuyo que su pasión
por el arte rozaba un permanente síndrome de Stendhal.
Cuando recientemente disfruté viendo la película La Grande
Bellezza volví a recordarle y a valorar su legado. Por tanto,
reitero mi reconocimiento y mi absoluto agradecimiento a
ese gran maestro que ha sido y sigue siendo para nosotros
Elliot Eisner.
Elliot Eisner desde el reconocimiento
a la gratitud de una pedagogía de
la interioridad
por Prfa Dra Roser Juanola
UdG
A diferencia de otras ocasiones, quiero reconocer que no me ha costado decidir
el título que figura en este artículo dedicado al profesor Eisner; tenía previsto
escribirlo y esperaba una buena oportunidad, un destino adecuado, como pienso
que lo es el de figurar junto a un monográfico de textos en su memoria como el
que propone la revista Invisibilidades. ¿Qué publicación mejor para cumplir esta
función que la revista que edita la comunidad de profesores de arte y educación?
¿Qué plataforma sino la presente, es la más indicada en este caso, para romper la
(in)visibilidad y aunar ambos sentimientos: reconocimiento y gratitud?
Sí: creemos que hace falta exteriorizar y reconocer los beneficios que, a muchos
y sin lugar a dudas a todos los profesores del campo de las artes, Eisner, nos ha
facilitado; nos ha indicado el camino a seguir en un período de tránsito entre
el siglo XX y el XXI. El respeto que nuestro profesor, consiguió de sus colegas,
tanto psicólogos como pedagogos o de profesores de otras disciplinas, ha
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Elliot Eisner
abierto expectativas positivas, tanto para el desarrollo de la gestión como para
la investigación y docencia en nuestro campo de conocimiento. Reflexionando
con posterioridad a librar otros artículos encargados a raíz del fallecimiento
de Eisner, teníamos conciencia de que, la prioridad actual, era destacar la
palabra gratitud. Substantivo que, por otro lado, se cita escasamente cuando
hablamos de otras personas; de manera general, nos cuesta hacerlo emerger. Es
frecuente percibir la sensación de gratitud, pero no nos han educado bajo esta
perspectiva, en la tan necesaria Pedagogía de la interioridad- que es la que ayuda
a interrogarse a uno mismo- como para que sepamos comunicarnos con facilidad
cuando hacemos referencia a alguien, en este caso, al profesor Eisner con frases
parecidas a:
(../..) reconozco la importante huella que me ha dejado,
….participo de sus ideas y sin sus aportaciones, no habría avanzado tanto, ni en el
campo de la docencia ni en el de la investigación,
…su prestigio ha hecho que aumentara mi
autoestima como profesora de
Educación artística, afectada, por ser esta una disciplina marginal y desprestigiada
en nuestro contexto
….me he sentido correspondida cuando he necesitado consultas, le he pedido
182 | Ricard Huerta | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner | Novembro 2014
Novembro 2013 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Roser Juanola |183
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Dimensiones abiertas
añadir otro, en coherencia a todo lo que exponemos en
aceptado venir a mi casa o me ha invitado a la suya
O, simplemente
Elliot Eisner, representa
un profesor
muy convencido
de los importantes valores del arte, valores que él elevó
¡! Como nos hemos reído en distintas partes de España,
al mayor nivel Intelectual, a un status que nunca habían
Europa o Estados Unidos!
tenido. Defendió con una gran elocuencia- seguramente
emanada de su firme convicción- las artes dentro de la
educación como un valor cognitivo imprescindible, lo
Gracias pues, Elliot, de manera personal y en nombre de
todos, tanto los que te hemos conocido como los que no, ya
que, valorando los significados implícitos que se encierran
en
las frases
anteriores u otras parecidas, debemos
reconocer que tus intereses no han sido en ningún caso
hizo ante toda la comunidad educativa a través de las
asociaciones en las que ostentó cargos (……..) y dirigiéndose
a numerosas comunidades pluridisciplinares, que tuvieron
que reconocérselo. No se separó nunca de los talleres
de los artistas, ni de las escuelas de todos los niveles
este artículo. Conocedora de la diferencia entre ser alumna
o discípula de un profesor, y usando esta diferencia que se
basa en que, mientras ser alumna es algo que puede venir
asignado por las circunstancias y de manera temporal, lo
segundo, sentirse discípula, es consecuencia de la voluntad,
del convencimiento e incluso de la reivindicación. Me
identifico con lo segundo, en sentirme discípula del profesor
Eisner, consciente de que, el profesor de Stanford tuvo,
además de luces, algunas sombras como todo el mundo las
tiene, pero se manifestó siempre flexible y capaz de aceptar
las críticas que recibía
educativos, la acción y la experiencia conjunta, formaban
Recordamos sus palabras cuando nos decía: en educación
parte de sus intereses básicos. Promocionó artistas jóvenes
siempre todo es revisable, nada puede quedar estático en
Existe además un consenso que proclama que los momentos
desconocidos, reivindicó escuelas anónimas en las que
el tiempo. Haciendo uso de este principio, pensamos que
compartidos con Eisner, están libres sin excepción de la
tenía lugar un trabajo interesante. Su casa era un santuario
no todas las críticas que se le han hecho pueden validarse,
menor manifestación de arrogancia o vanidad; su proximidad
de arte de todas las culturas, especialmente la africana, de la
porque algunas, no atienden o alteran el marco de la situación
y franqueza dejaba a veces desconcertado al profesorado.
que era un gran admirador y conocedor. A pesar de ello tuvo
espacio temporal en las que cabría ubicarlas y, además,
Esto ocurrió en algunas ocasiones ante colectivos demasiado
que soportar abundantes críticas que le achacaban falta
a determinados argumentos les falta el seguimiento de
rígidos que esperaban de él unas lecciones magistrales y al
de visión multicultural, comentarios sin duda fácilmente
posteriores declaraciones del autor, es decir, la autorevisión
encontrarse con la actitud relajada y próxima de Eisner, se
rebatibles, que solo incidieron en determinados sectores.
que el mismo Eisner siempre se aplicaba.
les hizo difícil de entender. Me interesa no obstante que la
Desde su posicionamiento sobre la forma de concebir el arte
palabra gratitud vaya acompañada de reconocimiento, que
en diferentes dimensiones (conceptual, creativa productiva,
este sí que se ha ido acumulando con los años, y en especial,
contextual y crítica y estética), Eisner, no dudó en denunciar
a raíz de su muerte. Tal como se merece, casi siempre se
las tendencias que anulaban o aminoraban la imprescindible
destacan sus méritos y su dilatada trayectoria profesional.
práctica artística que tan bien conocía y defendía. Esto
En la revista Española de Pedagogía (rep, n.258-259) se
último quizás es el mejor legado, y al que dedicó sus últimos
han editado recientemente dos artículos en este sentido,
años. No se nos escapa por lo tanto que, nadie mejor que
un artículo obituario, escrito por el también amigo suyo, el
él, después de destacar por la defensa conceptual del arte
profesor José Antonio Ibáñez Martín y el que he publicado
en base a lo anteriormente expuesto, podía hacer creíble
junto con la profesora Mariona Masgrau en el número
la crítica de la falta de práctica artística, proclamada como
del mes de septiembre. En ambos se explicita el privilegio
innovación por algunos modelos educativos.
individuales, sino enfocados y abiertos a la colectividad.
de participar del amparo, de la amistad y asesoramiento
del profesor Eisner, y para ello se citan ejemplos acerca
de distintas oportunidades y situaciones. Se destaca que
la excelencia del profesor Eisner viniera acompañada de
un carácter divertido, alegre y con ganas de ayudar a las
personas, independientemente de su perfil profesional o
procedencia.
Estoy segura que Elliot se apuntaría y formaría parte
del grupo de profesores que creemos que hace falta
fomentar una Pedagogía de la interioridad y que vería
con clarividencia que, el arte, puede dar respuesta a estos
retos imprescindibles para mejorar el mundo, que puede
aportar y desarrollar capacidades que ayuden a radicar
los fundamentalismos, las intolerancias e, iluminar, guiar
y
flexibilizar a los educadores, en tanto que personas
fundamentales para transformar el mundo. Hemos perdido
un aliado pero releyendo sus textos, podemos adecuar
todavía mucho de lo que nos ha querido decir. Tal como ya
hemos puesto de manifiesto, Eisner no ha escrito para su
Miradas interiores o como unir sentimientos
El artículo obituario que hemos citado, el publicado por el
profesor José Antonio Ibáñez Martin, lleva un título claro
y sencillo, con tres palabras nos decía: Eisner, mi amigo.
La frase que es y quiere ser afectuosa, transpira además de
amistad, admiración y añoranza; podemos sin reservas
identificamos y sumarnos a este titular, pero nos interesa
184 | Roser Juanola | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Novembro 2014
honor y gloria, lo ha hecho des un sentido de “altredad” y
responsabilidad social basada en un gran convencimiento
de los valores educativos de las artes. Lo adecuado es
pues, corresponderle transformando su legado y orientarlo
hacía necesidades presentes y futuras, acciones todas ellas
que no pueden dejar de estar impregnadas de un alto
reconocimiento y una sincera gratitud.
Bibliografía
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de medios y educación, Nº. 2. http://www.sav.us.es/pixelbit/pixelbit/
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Educando a visão artística.
Um agradecimento a Elliot Eisner
por Maria Helena Vieira
[email protected]
Instituto de Educação – Universidade do Minho.
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
Numa conversa recente com uma professora recebi um elogio envenenado à
minha área de trabalho: “que a arte e a música são maravilhosas, e que é muito
GOODMAN, N (1955) Axiomatic Measurement of Simplicity, Journal of
Philosophy.
importante que as crianças também se dediquem a outras actividades, que não
GOODSON,I. F. (1990) Curriculum history:knowledge and
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o sorriso agradecido ao elogio, enquanto cá dentro arrumava a um canto a
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MARÍN VIADEL, R., ROLDÁN RAMÍREZ, J. (2010) Metodologías de
Investigación Educativa basadas en las Artes Visuales (Aljibe, Malaga).
apenas as cognitivas, tais como as emocionais e expressivas”. Consegui manter
concepção de que as artes vivem afastadas do mundo “cognitivo”. Fez-me lembrar
aquele tipo de etiqueta que se costuma colar aos europeus do norte (“que são
muito racionais”) e aos do sul (“muito emotivos” e, há quem diga, “menos fiéis”
e “mais impulsivos”). Como sabemos, todos os artistas nascem no sul da Europa,
e não no norte. Adiante.
A construção “oculta” dos terrenos curriculares (Santomé, 1994) assenta,
paradoxalmente, em ingénuas concepções elogiosas como a descrita. Muitas
dicotomias entre um suposto “privilégio emocional” das áreas artísticas e uma
predominância do “cognitivo” e “racional” nas áreas científicas não passarão
de desvios que a linguagem constrói sobre a realidade, muito mais complexa e
híbrida. E isto é um facto em muitos países. Elliot Eisner revelou-se para mim um
grande aliado no combate a esta “idade das trevas curricular” quando, pela mão
do meu orientador de doutoramento, Professor Varela de Freitas, li o seu livro
“Educating Artistic Vision”. Nele, Eisner afirma logo no prefácio:
As dicotomias que têm sido estabelecidas entre o trabalho da cabeça e
o trabalho da mão são evidentes no papel que é atribuído às artes na
escola. Foi meu desejo neste livro fazer a ponte entre essas dicotomias,
ao mostrar como a experiência de criação e de apreciação da arte
podem ser justamente concebidas como um produto da inteligência.
(Eisner, 1972, p. V – Trad. da autora deste texto).
Eisner prossegue explicando que não considera o desenvolvimento artístico
McFEE, J. K.(1988) Art and Society , In Issues in Discipline-Based Art
Education: Strengthening the Stance, Extending the Horizons, 1 (Los
Angeles: Getty Center for Education in the Arts).
como idêntico ao desenvolvimento científico ou das ferramentas discursivas de
WILSON, B. (1967) Little Julian’s Impure Drawings: Why Children Make
Art, Studies in Art Education, 17, 2 pp. 45-61, W 76.
vai o currículo compartimentado entre cognição e afectos; entre o norte rico e
186 | Roser Juanola | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Novembro 2014
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
Elliot Eisner
pensamento, mas que, não obstante, insere o lado afectivo atribuído às artes
dentro do que chama “qualitative aspects of intelligence” (id., ibid.). E lá se
poderoso das ciências e o sul pobre e menosprezado das artes!
Novembro 2013 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Maria Helena Vieira |187
Homenagem a
Aberta esta porta para este poderoso pensamento curricular
automatização dos instrumentos de organização do sistema
de Eisner, parti, encantada, para a leitura de outras obras
escolar, e à consequente deterioração das formas de
suas. Enquanto música e professora de música, ia crescendo
relacionamento humano.
a admiração por um artista e académico que, não sendo
músico, era aquele autor em cuja obra encontrava mais eco
às preocupações curriculares e de política educativa para o
Não resisto a transcrever as palavras de Eisner sobre as
relações que existem entre a escola e a sociedade. Pelo que
ensino da música.
elas têm de actual pelo que tiveram de visionário. Pelo que
Encurtando a história, Eisner passou a ser um autor sugerido
à necessidade da luta pela democratização das artes na
para leitura aos meus alunos de mestrado e doutoramento
escola:
elas exigem de nós em co-responsabilidade no que respeita
na área da música e continuou a contribuir para acender
Corpo e conhecimento em arte:
contribuições de Elliot W. Eisner
por Mônica M. Ribeiro
[email protected]
Atriz, dançarina, Doutora em Artes e Professora do Departamento de Fotografia
e Teatro da Universidade Federal de Minas Gerais nas Graduações em Teatro,
Dança e da Pós–Graduação em Artes da Escola de Belas Artes.
Como acontece com muitas das inovações
preocupações curriculares e políticas em muitos deles.
tecnológicas,
raramente
compreendemos
na
Há dois anos atrás, no âmbito das minhas funções
altura em que são implementadas quais serão
“The arts are the way of enriching our awareness and expanding our humanity”.
enquanto membro da Comissão Directiva do Programa de
as suas consequências a longo prazo. Poucas
Elliot W. Eisner.
Doutoramento em Estudos da Criança da Universidade do
pessoas gabaram as longas horas longe de
casa e os engarrafamentos de trânsito quando
Minho e Coordenadora do Itinerário de Educação Artística,
contactei por e-mail e por telefone com Eisner, no sentido
de o convidar para fazer uma palestra na nossa série de
Conferências Doutorais. A idade e dificuldades de saúde
as auto-estradas estavam a ser construídas
Entrar em contato com as proposições para o Ensino de Arte de Elliot W. Eisner
e a cortar as terras. Trânsito rápido era o
foi um marco definidor do contínuo processo de construção de minha prática
conceito dominante. É impossível não nos
artístico-pedagógica do movimento expressivo em Artes Cênicas, a saber:
questionarmos se o aumento da quantidade de
impediram-no. No entanto, recordo comovida que ainda
automatização nas escolas contribuirá de facto
me pediu um tempo para pensar e avaliar a possibilidade.
para uma maior humanização do ambiente escolar.
(Eisner, 1972, p. 277 – Trad. da autora deste texto).
Muitas vezes, as pessoas que mais nos marcam e
contribuem para moldar o nosso percurso, não são
aquelas com quem convivemos mais tempo ou com
Fica o desafio. Para a luta pela continuidade e sequencialidade
quem tivemos oportunidade de privar. São, precisamente,
das artes no currículo. E o agradecimento, sentido, a Elliot
aquelas cujo pensamento e acção irradiou na nossa vida
Eisner!
com meridiana clareza, independentemente da distância
artístico; pela valorização dos aspectos produtivo, crítico
conhecimento no movimento, e se o conhecimento cênico do ator e dançarino
poderia estar fundado no corpo em relação ao ambiente foram questões que a
leitura desse educador me proporcionou.
Ao refletir sobre suas lições (Eisner, 2004), fui apresentada a desdobramentos
das propostas de J. Dewey, S. Langer, N. Goodman. Esses pensadores atestaram a
relação intrínseca entre arte e conhecimento. Arte e cognição. Arte, imaginação
e interação. Imaginação como cognição. Incluíram a experiência estética como
qualificativo do conhecimento gerado na Arte. Eles afirmaram o lugar da
(geográfica ou temporal). As “lutas” de Eisner (por um
currículo de “continuidade e sequencialidade” no ensino
Teatro e Dança. Questionar se o corpo em ação pode gerar conhecimento, se há
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Elliot Eisner
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e cultural na aprendizagem; pelo respeito das concepções
Eisner, E. W. (1972). Educating artistic vision. New York: MacMillan.
artísticas da infância; pela acção artística como um “modo
Santomé, J.T. (1994). El currículum oculto. Madrid: Morata.
de inteligência”; pelo desenvolvimento da investigação
sensibilidade, da percepção e da imaginação como fundamentos do que Eisner
chamou de inteligência artística, constituída pela capacidade de atualização,
denominada, a partir de Dewey, de flexibilidade de propósito na qual incluo a
demanda de atenção, de flexibilidade cognitiva, da empatia cinestésica, da
memória, da disponibilidade afetiva, do estado de prontidão.
sobre as pedagogias artísticas e sobre o papel das artes no
Também foi fundamental perceber, com sua ajuda teórica, que o conhecimento
currículo; pelo discernimento sobre avaliação em artes e
não necessariamente depende da linguagem, o que também reforça sua
em educação artística) continuam a ecoar hoje em muitos
proposição de um conhecimento somático não mediado por palavras. Tal
países e constituem um apelo fortíssimo à colaboração
independência da linguagem não implica sua exclusão no processo de construção
na construção de um currículo mais equilibrado e mais
do saber, mas ressalta a presença de sentimentos do corpo em ação, que,
humano. Um currículo em que a beleza e a construção
somados às memórias, às percepções do instante e às associações entre ambas,
(necessariamente lenta, longa, persistente e sequencial) das
podem gerar pensamento e conhecimento do corpo. Um conhecimento somático
diversas linguagens artísticas se oponha, em diálogo criativo,
ou conhecimento corporal é oriundo da ressonância de algumas imagens em
à presente massificação dos objectivos e procedimentos, à
nós, em nossa imaginação (Eisner, 2004). Para ele, tal conhecimento possibilita a
188 | Maria Helena Vieira | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Novembro 2014
Novembro 2013 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner | Mônica M. Ribeiro |189
Homenagem a
sintonia com a obra e, como consequência, a realização de
campo artístico, substituída, muitas vezes, pelo exercício
ajustes de ordem estética. Esses ajustes se dão no domínio
de problematizar, de inventar perguntas sobre o fazer, de
da imagem e são mediados pelos sentimentos, oriundos de
reajustar a experiência por meio do aprimoramento da
um sistema sensório-motor que gera estados emocionais,
conexão sensação-percepção-ação. O processo enfatiza-se
percepções e atos cognitivos.
sobre os resultados, e a contínua renovação do desejo de
Eisner diz ainda que a arte transforma a consciência.
saber é substituída por desejos de experienciar.
Assim, reflito acerca da relação dessa práxis com a afecção
espinosiana. Aproximo ainda palavras de Damásio para
reiterar que se pode pensar que os sentimentos do corpo
geram conhecimento corporificado, corroborando para a
construção de dança-pensamento (Katz, 1994). Trata-se
de movimento com subjetividade, ação proveniente da
experiência estética consciente do corpo no espaço-tempo.
A consciência de Eisner e a subjetividade de Damásio
(2010) estão intrinsecamente associadas promovendo o
testemunho da experiência.
Por outro lado, quando ele considera que a arte pode
transformar a consciência, reitera a continuidade arte e
O ensino de Artes sob a égide da
complexidade contemporânea
por Cláudia Mariza Brandão
attos @vetorial.net
Universidade Federal de Pelotas, UFPel
Referências Bibliográficas
Ao iniciar o exercício da docência no ensino superior no curso de Artes
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Doutorado em Comunicação e Semiótica - Pontifícia Universidade Católica,
São Paulo.
seguinte questão: Se pretendemos desenvolver novas mentalidades, pluralistas e
Sabia que o momento não era para críticas, como costumávamos fazer
quando estudantes, mas, sim, o tempo para colocar em prática anos de estudo.
No entanto, os questionamentos se somavam: Como agir? Como colaborar para
a construção do conhecimento sem repetir os modelos vigentes, ultrapassando
as barreiras da racionalidade cartesiana e adentrando no mundo da sensibilidade
e da poética, da ética e da estética?
vida já proposta por Dewey (2005), uma relação corpo-
Na busca por um rumo a seguir, recorri aos teóricos que trazia na
ambiente. Parece-me fundamental dizer que ele nos
bagagem, assim como Edgar Morin (2002), uma “herança” do mestrado em
lembrou a todo instante que a arte pode transformar a
Educação Ambiental. Morin argumenta que as universidades têm um papel basilar
construção de conhecimento em formas de participação.
no desenvolvimento de sociedades com maior qualidade de vida, defendendo
Mencionou aspectos da empatia na experiência artística
a ideia de que, diferente de separar o conhecimento em “compartimentos”,
que me levaram aos estudos do corpo empático na rítmica
fragmentando-o, devemos pensar em como a complexidade pode levar a uma
e do exercício da empatia na improvisação em Dança.
conexão entre os vários modos de ponderar e ver o mundo ao redor.
Compreendo que a empatia faz parte do processo do
Parti do lugar concreto de minha experiência, num exercício
conhecer como mediadora na relação com os companheiros
autorreflexivo, que me fez perceber o caráter processual da formação. Optei por
durante o fazer artístico coletivo. Eisner considerou a
um projeto educacional que estimulasse a relação dos estudantes com a realidade
experiência empática como característica da práxis artística
imediata, e permitisse que eles adentrassem no reino da sensibilidade simbólica
que leva a ações de compreensão da alteridade, compaixão,
regido pela Arte. E foi nesse momento que Elliot Eisner surgiu em minha vida.
compartilhamento de saberes. Ele também identificou
No entendimento de Eisner (2005), para a compreensão da aprendizagem
capacidades que a experiência (trans)-formativa em arte
em artes é fundamental o entendimento dos modos de criação, e de como
proporciona: capacidade de observação, predisposição
vemos as formas da natureza e conhecemos os aspectos que concorrem para
para tolerar aquilo que é ambíguo, iniciativa de exploração
a compreensão das intrínsecas relações da vida em sociedade. Tal pensamento
do incerto e, acrescento, capacidade de lidar com o erro
expõe a consciência acerca da complexidade de um cotidiano cada vez mais
aproveitando-o em novas associações.
visual. Ou seja, o autor entende que o sujeito faz parte da comunidade, e essa
Eisner ainda afirmou que a pesquisa em arte não vai
promover soluções, respostas. Desse modo, reiterou o
quão problemática é a definição do conhecimento em arte
no âmbito dos estudos epistemológicos. A solução é, no
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508
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Elliot Eisner
faz parte dele por meio de suas normas, linguagens e culturas, agindo ao mesmo
tempo como produtos e produtores da sociedade. Identifiquei aí uma relação
profunda entre o pensamento de Eisner e Morin, pois esse é um dos princípios
da epistemologia da complexidade, para a qual a parte está no todo, assim como
o todo está na parte, que mesmo preservando suas características próprias e
Novembro 2013 | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea | Cláudia Mariza Brandão |191
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individuais, contém a totalidade do real, seja nas vivências
ou em suas representações/interpretações.
ensino-aprendizagem se caracterizam como narrativas
Morin discute sobre a complexidade não apenas
autobiográficas metafóricas que, para além da qualidade
como um conceito, mas como um modo de enxergarmos a
estética, destacam-se como fruto de práticas reflexivas, que
realidade, o que aponta para os desafios que são colocados
acredito serem fundamentais para a formação docente. A
aos sujeitos no momento da ação, uma visão da realidade
importância desses exercícios estético-reflexivos repousa
indispensável ao conhecimento incompleto que possuímos
na potencialidade oferecida para o desenvolvimento de
da mesma. Por sua vez, Eisner entende que a história de
múltiplas aprendizagens decorrentes da ponderação crítica
vida, as experiências, as necessidades e a perspectiva de
sobre o mundo, fragmentado em suas (re)apresentações
abordagem do sujeito face a uma determinada situação
artísticas. Através deles os sujeitos se afirmam pela diferença,
concreta, são “estruturas de referência” que afetam a
dando vazão a um campo polissêmico de sentidos, além de
percepção visual do mundo ao redor.
valorizarem a educação como um espaço relacional.
Sem a pretensão de extrair das práticas uma
Para Eisner o significado não é fruto de uma
teoria sistemática ou um conjunto unificado de teses, eu
descoberta, sim, o resultado de uma construção
estipulei como objetivo dialogar, teórica e poeticamente,
influenciada pelas referências que se tem acerca de
através do poder criativo das linguagens artísticas sobre
determinada situação. Portanto, a participação ativa na vida
a essência do humano. Acima de tudo, busquei/busco
em sociedade, em comunidades de discurso, pressupõe
apresentar/problematizar as marcas comuns que compõem
a partilha de modos de codificação e decodificação dos
a identidade de cada um, tal e qual uma sintaxe visual que
significados, de modo que no processo sejam ampliadas as
expõe a complexidade do todo.
capacidades de sistematização da ação e do pensamento.
Frente ao desafio de (re)formar os futuros (re)
Através dos ensinamentos de Elliot Eisner, entendi
formadores, e por conseqüência a própria estrutura da
que por meio das representações visuais ampliamos nossos
educação básica, acredito que as aprendizagens devem
conhecimentos acerca da complexidade do humano que
contribuir para que os estudantes utilizem as suas
as constrói. Por esse motivo o autor se tornou um dos
diferentes estruturas de referência, como quer Eisner,
meus fiéis companheiros, amparando as minhas ações
na experimentação e compreensão da realidade. E isso
pedagógicas rotineiras.
extrapola a visão racional que temos da vida em sociedade,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
de seus conjuntos de referenciais. Logo, as aprendizagens
estão diretamente relacionadas às experimentações como
possibilidade de ampliação das estruturas de referência.
Contaminada pelas ideias de Morin e Eisner, e
acreditando que “ver é adquirir sentido visual através da
#8
Chamada de trabalhos
Convocatoria de artículos
Número #8
Artes e Educação, Significados Sociais para un Mundo Novo
Artes y Educación, Significados Sociales para un Mundo Nuevo
Data limite para envio de trabalhos:
Fecha límite para el envío de artículos:
30/ 03 / 2015
Editor do nº 8 : Professor Juan Carlos Araño
Usualmente identificamos las Artes con simbolismos basados en iconografías que nos
llevan a reflexionar sobre identidades, conciencias colectivas y otras construcciones
culturales que manifiestan la potencia creadora individual y social.
La importancia de la Educación Artística reside precisamente porque pone de relieve el
valor de las dimensiones intencional y afectiva de las significaciones sociales, incentivando,
a la vez, el valor de la imaginación en la construcción de conocimiento.
A la vez, nuestro tiempo está configurando un mundo complejo y veloz en el que las
construcciones culturales son los modos más eficaces para organizarse y habitar en el.
pois o conhecimento prévio que os indivíduos têm acerca
da arte pode condicionar a percepção daquilo que foge
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | Bianual | ISSN 1647-0508
As obras resultantes de tais processos de
ELLIOT, E. (2005). Educar la Visión Artistica. Barcelona: Paidós Edicador.
MORIN, E. (2002). O método 5: a humanidade da humanidade. Porto
La Revista Invisibilidades pretende contribuir a poner de relieve las aportaciones que
distintos investigadores realizan sobre estos tópicos, además de centrar el debate en
cuestiones que contribuyan a poner de relieve la importancia de las Artes en la Educación
de modo operativo y eficiente.
Alegre, RS: Sulina.
experiência” (Eisner, 2002:9), direcionei minhas práticas
Agradecemos um ampla divulgação desta chamada de trabalhos.
Gracias por una amplia difusión de la llamada de trabajos.
no sentido de instigar aprendizagens teóricas a partir
do exercício das linguagens visuais, da pesquisa estética
Registo, normas e submissão das propostas através da plataforma:
associada à ética das relações. Através do estímulo à razão
Registro, normas y presentación de propuestas a través de la plataforma:
sensível, os docentes em formação não só descobrem
significados ocultos nas estruturas formais que povoam o
cotidiano contemporâneo, mas percebem as imagens em
interação com o seu contexto social e histórico.
192 | Cláudia Mariza Brandão | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea | Novembro 2014
http://invisibilidades.apecv.pt
O/El comité Editorial inVISIBILIDADES
Novembro 2013 | Chamada de Trabalhos |193
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