Série palavra sem carne # 2

Transcrição

Série palavra sem carne # 2
O corpo como prótese
O corpo como prótese
O implante como órgão
O implante como órgão
Marcelo Peron Pereira
(14/08/2008 – versão 08)
1
Série
Palavra
Sem Carne
#2
72
O pornográfico em nossa sociedade se opõe ao
erótico. Ele não emula ou investe o corpo, mas o
digitaliza. A pornografia corresponde a uma
desensibilização do corpo, que assume formas
metonímicas, convertendo-se em próteses e
implantes para um prazer que é, ao mesmo tempo,
desinvetimento do corpo.
O caráter obsceno que assume, por conseguinte,
nada tem a ver com o sexo ou com a sexualidade. O
pornográfico diz respeito ao fato de que o próprio
corpo deixa de ser fundamento do prazer e da
experimentação erótica, para receber, de fora,
implante de sensações, produzidas industrialmente.
O ignominioso que querem ver na pornografia
não está no sexo, mas na total ausência de sexo.
Decorre, a rigor, da mecanização do corpo que passa
efetivamente, materialmente, à condição de
artefato, máquina. Uma vez perdida, contudo, a
dimensão do prazer que emana do corpo, elimina-se
igualmente o fundamento da dor e, em particular, da
sujeição à dor. O que pretendem chamar de
pornografia é algo de muito distinto, portanto. Tratase mais propriamente da obliteração do outro como
realidade material, concreta, para converter-se em
não mais do que um avatar.
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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008
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foco
Arraial do prazer reúne
atores e atrizes pornôs,
exibicionista e voyeur
Paulo Sampaio
DA REPORTAGEM LOCAL
A noiva seminua responde ao repórter de
TV qual a diferença entre filme erótico e
sacanagem: "Um é trabalho, coisa séria, o
outro é diversão", diz a atriz Márcia
Imperator. O repórter então aponta para
uma foto de Daniel Dantas em uma revista e
pergunta como ela classificaria os episódios
que levaram o banqueiro a ser acusado por
formação de quadrilha, gestão fraudulenta,
evasão e lavagem de dinheiro. "Ah, isso aí é
putaria!"
Márcia está na festa de lançamento da
produtora de filmes eróticos Exxclusive,
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anteontem, em uma boate da Vila Olímpia
(zona sul). Dos 800 convidados do "Arraiá do
Prazer", 200 eram atores pornôs.
Como tudo foi montado nos moldes de
uma festa junina, a produção adaptou o
ambiente com barraquinhas de pescaria,
roleta e jogos de argola.
Na pescaria, os prêmios eram produtos
como camisinhas, lubrificantes e algemas; na
roleta, duas garotas em trajes sumários
giravam uma roda em que se liam nomes de
partes do corpo, como "boca", "pé", "bunda",
"peito": o participante poderia beijá-las no
local apontado, quando a roda parasse de
girar; as argolas eram lançadas na direção de
vários consolos de borracha, de forma a
acertar seu eixo. A ficha custava R$ 2,50.
"Garota de programa tem em qualquer
balada, o legal daqui é que fica claro", afirma
o personal trainer Leandro Gonçalves, 21.
A festa foi freqüentada principalmente por
rapazes pós-adolescentes de boca aberta,
marmanjos estilo "tigrão" e atores seminus com
vasto currículo em filmes pornôs.
Contam-se poucas mulheres à paisana na
fila de entrada. A curitibana Marilise
Hickmann, 22, de passagem por São Paulo,
diz que está ali a convite de uma prima que
organizou a festa. Toda de preto, muito
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vestida para a ocasião, parece meio
deslocada. "Estou tranqüila. Por enquanto não
fui confundida", diz ela, que trabalha na área
financeira.
O cenário apresenta elementos contrastantes. Enquanto o ator Poax, 23, 683 filmes,
alisa descompromissadamente os seios da atriz
Anne Portilla, 20, recém-introduzida no meio
do cine-pornô, um casal de jovens "góticos"
observa tudo sem sobressaltos. Alianças na
mão direita, o técnico em contabilidade Bruno
Penkal, 20, e a noiva, Karen Andrade, 18,
muito brancos com roupas muito escuras,
dizem com um ar meio entediado que "está
tudo bem".
A estudante de rádio e TV Andréa
Carolina, 19, não acha. "Tô perdidaça, não
sabia que a festa era temática", diz ela,
acompanhada de cinco amigas. Elas saem
logo, rumo à boate Vegas, na rua Augusta.
Andréa e as amigas dizem que "até têm uns
bonitinhos aqui, mas quando eles vêm na
nossa direção andando de perna aberta dá
até medo".
André, 17, e Rodrigo, 18, não sentem falta
do grupo de Andréa. "Cara, olha isso", dizem,
às gargalhadas, com latinhas de cerveja na
mão, olhando para a "performance erótica"
de um casal de atores na pista de dança. O
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rapaz suspende a moça só de microssaia, sem
a parte de cima, e a gira no alto.
Do outro lado das barracas eróticas, as de
comida estavam às moscas. "Não vendemos
uma espiga de milho até agora", diz Telma.
O dono da produtora, Salomon Jr., explica
que a idéia é fazer filmes eróticos com
acabamento de cinema.
"Queremos lançar dez títulos por mês",
afirma ele. "O que mais vende é o que as
pessoas chamam de "bizarrice", como uma
senhora de idade transando com um garotão."
Segundo o presidente da Abeme
(Associação Brasileira de Empresas do
Mercado Erótico), Evaldo Shiroma, o Brasil
movimenta por ano R$ 800 milhões em
produtos do gênero, 30% disso em filmes. "Há
cerca de 10 produtoras nacionais, que
realizam por ano, em média, 720 filmes", diz.
***
O equivalente do operário acorrentado é esse cenodrama
vaginal japonês, mais extraordinário que qualquer striptease: moças de coxas abertas à beira de uma estrada, os
proletários japoneses em mangas de camisa (é um
espetáculo popular) autorizados a meter o nariz e os
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olhos até dentro da vagina da moça, para ver melhor, - o
quê? – trepando uns sobre os outros para alcançá-la, a
moça conversando gentilmente com eles o tempo todo ou
ralhando por formalidade. Todo o resto do espetáculo,
flagelações, masturbações recíprocas, strip tradicional
apaga-se diante desse momento de obscenidade absoluta,
de voracidade do olhar que ultrapassa de longe a posse
sexual. Pornô sublime: se pudessem os tipos meter-se-iam
inteiros dentro da jovem – exaltações de morte? Talvez,
mas ao mesmo tempo eles comentam e comparam as
respectivas vaginas sem nunca rir ou gargalhar, numa
seriedade mortal e sem nunca tentar tocá-las, a não ser
por brincadeira. Nada de lúbrico: um ato extremamente
grave e infantil, uma fascinação integral pelo espelho do
órgão feminino, como de Narciso por sua própria
imagem. Muito além do idealismo convencional do striptease (talvez lá dentro houvesse até sedução), no limite
sublime o pornô converte-se numa obscenidade
purificada, aprofundada no domínio visceral – por que
deter-se no nu, no genital? Se o obsceno é da ordem da
representação e não do sexo, deve explorar o próprio
interior do corpo e das vísceras; quem sabe que gozo
profundo de esquartejamento visual, de mucosas e de
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músculos lisos daí pode resultar? Nosso pornô ainda tem
uma definição muito restrita. A obscenidade tem um
futuro ilimitado. (BAUDRILLARD, 1991, p.40)
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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008
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Viva a diferença
O mercado quer enfiar todos no padrão que vai do 36 ao
44, e deixa meio mundo a descoberto. Veja o guia de lojas
que praticam outros pesos e medidas
DANAE
STEPHAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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Se o público-alvo das principais grifes do
mercado fosse uma representação fiel da
população brasileira, todos seriam magros e
altos, com pés, pescoço, peito, pernas e
braços dos mesmos tamanhos. Também não
existiriam canhotos.
Infelizmente, para o mercado, as pessoas
ainda têm tamanhos diversos e características
próprias que impedem tal uniformização. Isso
acaba criando nichos nos quais poucas
empresas investem no Brasil.
Encontrar uma tesoura para canhotos nas
lojas de São Paulo é tarefa inglória, embora
eles representem cerca de 10% da população.
Quem tem pés grandes fica restrito a duas ou
três lojas, enquanto quem tem pés muito
pequenos precisa se contentar com linhas
adolescentes. Lojas de roupa de tamanhos
grandes existem aos montes, mas poucas
fogem do estilo senhorinha. E os sapatos que
têm numeração intermediária, comuns nos
Estados Unidos, por aqui ainda são novidade.
"A gente vive em uma sociedade que
padroniza tudo e não respeita as diferenças",
afirma o psicólogo Marco Antonio de
Tommaso, ligado à Associação Brasileira para
Estudo da Obesidade. "Na Argentina, foi
aprovada uma lei que obriga todas as lojas a
trabalharem com o tamanho até o 46. Nos
Estados Unidos, as lojas montam a roupa de
acordo com a anatomia do cliente. Aqui, quem
manda ainda são os estilistas. Quem foge à
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regra cai no serviço sob medida, muito mais
caro", diz.
Mesmo os considerados "normais" no Brasil
sofrem com a padronização, ou melhor, com a
falta dela. "Existe uma norma para orientar as
empresas com relação à numeração, mas ela
não é obrigatória", afirma Silvio Napoli,
engenheiro têxtil e gerente de tecnologia da
Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil
e de Confecção). "Cada empresa tem sua
própria estrutura de medidas, por isso se usa
38 em uma loja e 40 em outra".
Nesse sentido, dá para prever algum
avanço. Em setembro, o INT (Instituto
Nacional de Tecnologia) iniciará uma pesquisa
que pretende fazer uma medição do corpo do
brasileiro para redefinir os padrões da
indústria. O instituto vai receber scanners
especiais que fazem um mapeamento 3D de
todo o corpo em 20 segundos. "Poderemos
estabelecer padrões de roupa que atendam a
todas as pessoas, ou a pelo menos 90% da
população", diz Maria Cristina Zamberlan,
chefe do Laboratório de Ergonomia do INT.
Se é para seguir um padrão, que ele seja,
pelo menos, mais democrático.
***
A partir de 1936 (...) Benjamin vai reintegrar cada vez
mais o momento romântico em sua crítica marxista
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sui generis das formas capitalistas de alienação. Por
exemplo, em seus escritos dos anos 1936-1938 sobre
Baudelaire, ele retoma a idéia tipicamente romântica,
sugerida em um ensaio de 1930 sobre E. T. A.
Hoffmann, da oposição entre a vida e o autômato. Os
gestos repetitivos, vazios de sentido e mecânicos dos
trabalhadores diante da máquina - aqui Benjamin se
refere diretamente a algumas passagens de O capital
de Marx - são semelhantes os gestos autômatos dos
passantes na multidão descritos pro Poe e Hoffmann.
Tanto uns quanto outros, vítimas da civilização
urbana e industrial, não conhecem mais a experiência
autêntica (Erfahrung), baseada na memória e na
tradição cultural e histórica, mas somente a vivência
imediata (Erlebnis) e, particularmente, o Chokerlebnis
[a experiência do choque] que neles provoca um
comportamento reativo de autômatos “que liquidaram
completamente sua memória”. (LÖWY, 2005, p. 27-28)
***
Houve, durante a época clássica, uma
descoberta do corpo como objeto e alvo
do poder. Encontraríamos facilmente
sinais dessa grande atenção dedicada
então ao corpo – ao corpo que se
manipula, se modela, se treina, que
obedece, responde, se torna hábil ou
cujas forças se multiplicam. O grande
livro do Homem-máquina foi escrito
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simultaneamente em dois registros: no
anátomo-metafísico, cujas primeiras
páginas haviam sido descritas por
Descartes e que os médicos, filósofos
continuaram; o outro, técnico-político,
constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e
por processos empíricos refletidos para
controlar ou corrigir as operações do
corpo. Dois registros bem distintos, pois
tratava-se ora de submissão, ora de
utilização, ora de funcionamento e de
explicação; corpo útil, corpo inteligível.
“O homem-máquina” de La Mettrie é ao
mesmo tempo uma redução materialista
da alma e uma teoria geral do
adestramento, no centro dos quais reina a
noção de “docilidade” que une ao corpo
analisável o corpo manipulável. É dócil
um corpo que pode ser submetido, que
pode ser utilizado, que pode ser
transformado e aperfeiçoado. Os famosos
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autômatos, por seu lado, não eram apenas
uma maneira de ilustrar o organismo;
eram também bonecos políticos, modelos
reduzidos de poder: obsessão de
Frederico II, rei minucioso de pequenas
máquinas, dos regimentos bem treinados,
e dos longos exercícios. (FOUCAULT, 2002, p. 117-118)
***
At a certain point of time, the motif of the doll
acquires a sociocritical significance. For example:
“You have no idea how repulsive these automatons
and dolls can became, and how one breathes at last
on encountering a full-blooded being in this society.
Paul Lindau, Der Abend (Berlin, 1986), p. 17 Apud
(Benjamin, 1999, p. 695)
In his study “La mante religeuse: Recherches sur la
nature et la sgnification du mythe” <The praying
Mantis: Investigations into the Nature and Meaning
of Myth>, Calois refers to striking automatism of
reflexes in the praying mantis (there is hardly a vital
function that it does not also perform decapitated).
He links it, on account of its fateful significance, with
the baneful automatons known to us from myths.
Thus Pandora: “automaton fabricated by blacksmith
god for the ruin of humankind, for that “which all
shall / take to their hearts with delight, an evil to love
and embrace” (Hesiod, Works and Days, line 38).
We encounter something similar in the Indian Kyrtya
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– those dolls, animated by sorcerers, which bring
about death of men who embrace them. Our
literature as well, in the motif of femmes fatales,
possesses the concept of a woman-machine, artificial,
mechanical, at variance with all living creatures, and
above all murderous. No doubt psycho-analysis
would not hesitate to explain this representation in
its own terms by envisaging the relations between
death and sexuality and, more precisely, by finding
each ambiguously intimated in the other”. Roger
Caillois, “La amante religeuse: Recherches sur la
nature et la sgnification du mythe”, Mesures, 3, nº 2
(April 15, 1937). (BENJAMIN, 1999, p. 696)
***
Homem é descoberto em
banheiro com boneca
inflável
Um americano foi detido na cidade de Cesar Rapids,
no Estado de Iowa, ao ser encontrado deitado ao lado
de uma boneca inflável, com as calças abaixadas, em
um banheiro público de prédio de escritórios. Craig S.
McCullough, 47 anos, foi indiciado por exposição
indecente e má conduta.
Nas acusações contra McCullough, consta que ele foi descoberto
em banheiro público por agente da Agência de Imigração e
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Alfândega dos EUA, que funciona no mesmo prédio. McCullough
foi detido e a polícia de Cedar Rapids o levou para a cadeia do
condado de Linn.
A ficha criminal de McCullough inclui também uma condenação,
de 2004, por arrombar loja de noivas. Após o roubo, policiais
encontraram McCullough nas redondezas carregando manequim
com vestido de noiva.
http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI2034089-EI1141,00.html
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Boneca inflável corre o risco de ser
trocada por modelo mais novo
Da Redação
Milla (ai, Milla!) Jovovich
como Leeloo; duvido que
a boneca seja tão
bonita assim
Uma nova geração de
parceira sexual artificial
promete roubar o lugar das
tradicionais
bonecas
infláveis, após ter sido
apresentada
na
10ª
Convenção Erótica de Los
Angeles, a grande feira do
setor na capital mundial da
pornografia.
Trata-se de Leeloo, uma boneca de silicone cujo
protótipo foi apresentado pela californiana "My
party doll".
"É a melhor que já experimentei", disse à agência de
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notícias AFP um "especialista" em bonecas
infláveis. Leeloo recebeu este nome em homenagem
ao personagem de Milla (ai, Milla!) Jovovich no
filme de ficção "O Quinto Elemento" (1997), de Luc
Besson.
"Leeloo não é como as velhas bonecas (infláveis)
que estouram, é tão sólida que até pode servir como
macaco para erguer um carro", acrescentou
Goldman, entusiasmado com a criação, fruto de dois
anos de trabalho do francês Yves Becker.
http://noticias.uol.com.br/tabloide/tabloideanas/2006/06/27/ult1594u837.jhtm
***
Motoristas usam boneca inflável
para escapar de multas
Objetivo é trafegar em faixas da Nova Zelândia que exigem três ocupantes no veículo.
Alguns colocam no carro cães vestidos ou estudantes que cobram pelo serviço.
Da Reuters
entre em contato
Arte G1
A equipe de arte do G1 imaginou o manequim no carro (Foto: Arte G1)
Saiba mais
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Diversos motoristas de Auckland, a
maior cidade da Nova Zelândia,
passaram a colocar bonecas infláveis,
manequins e até cachorros vestidos de
criança no banco de passageiro de seus
carros para burlar leis de trânsito.
A “moda” surgiu entre aqueles que
querem dirigir em faixas restritas a
carros com pelo menos três ocupantes
– os que desobedecerem à lei podem
ser multados em cerca de R$ 180. “Há
pessoas estranhas, que realmente usam
essa
tática”,
afirmou
Andre
Dannhauser, gerente de segurança do
tráfego.
Os fiscais responsáveis por monitorar
essas faixas ouvem os mais diversos
tipos de desculpas quando os
motoristas são fotografados no flagra. A
mais comum, quando não há ninguém
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no banco ao lado, é de que o passageiro
era muito pequeno e, por isso, não foi
capturado pela foto.
Além das desculpas e dos falsos
passageiros, também há estudantes
que cobram uma pequena taxa para
fazer companhia ao motorista durante
o trajeto que exige um número mínimo
de passageiros. “O dinheiro que eles
ganham com isso não é suficiente para
comprar uma cerveja”, afirmou
Dannhauser.
http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,,MUL600563-6091,00.html
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Homem afirma que já fez sexo com
mais de mil carros
Americano já 'namorou' o fusca Herbie e carro do seriado 'Supermáquina'.
Na internet, ele faz parte de fórum com mais de 500 'amantes' de veículos.
Do G1, em São Paulo
entre em contato
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Divulgação
O americano Edwards Smith, ao lado de
'Herbie', um de seus antigos 'amantes'.
(Foto: Divulgação)
"Não sou doente. Sei que já tive mais de
mil namoradas, mas amei cada uma delas".
Aos 57 anos, o americano Edward Smith se
considera, na verdade, um romântico. A
diferença é que, em vez de mulheres, Smith
tem o hábito de namorar carros.
"Eu aprecio a beleza, e tenho uma relação
diferente com a beleza dos automóveis...
Chego a um ponto onde essa apreciação
vira uma expressão de amor", explica
Smith, atualmente 'noivo' de um fusca
branco batizado de 'Baunilha'.
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Em entrevista ao jornal britânico
'Telegraph', ele diz que sua primeira
experiência sexual com um carro foi aos 15
anos. Desde então, ele nunca mais se sentiu
atraído por mulheres ou homens.
Curiosamente, assim como a maioria das
pessoas, Smith tende a ter mais interesse
sexual em celebridades. No caso, ele afirma
já ter transado com 'Herbie', da série 'Se
meu fusca falasse', e 'K.I.T.T.', mais
conhecida como 'Supermáquina'.
Ele não esconde o fato de nunca ter sido
'fiel' aos carros que namora. Afirma,
inclusive, que sua experiência sexual mais
intensa foi com um helicóptero do seriado
'Águia de Fogo', dos anos 80.
Smith diz que não está sozinho em seu
fetiche. Na internet, ele encontrou uma
comunidade que reúne mais de 500
"amantes de carros". "É mais comum do
que a maioria das pessoas imagina", diz.
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Romeno reclama de gemido de
boneca inflável e sex shop é multado
Boneca havia parado de ‘gemer’ e esvaziava muito rápido.
A loja foi multada em 600 libras e o homem recebeu um novo produto.
Do G1, em São Paulo
entre em contato
Arte/G1
Equipe de Arte do G1 imaginou a boneca inflável com defeito (Ilustração:
Arte/G1)
Autoridades de proteção ao consumidor
da Romênia receberam uma reclamação inusitada: um consumidor estava
indignado pois sua boneca inflável
havia ‘perdido o gemido’, noticiou o
site Ananova nesta semana.
Confirmado o defeito na boneca, o sex
shop de Brasov, na Transilvãnia, foi
multado em 600 libras (cerca de R$ 2
mil) e obrigado a dar uma nova boneca
ao comprador.
92
O homem, que segundo o site tinha por
volta de 40 anos, também reclamou
que o produto esvaziava muito rápido.
Iulian Mara, chefe do centro de
proteção ao consumidor, disse que "não
importa o quanto a reclamação pareça
estranha, nós fomos ao sex shop onde o
homem comprou o objeto e vimos que
ele estava certo.”
Segundo Mara, “a boneca estava
perdendo ar rapidamente e devido a
falhas no sistema elétrico não fazia os
sons específicos esperados.”
http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,,MUL293329-6091,00.html
20/05/2008 - 15h53 - Atualizado em 20/05/2008 - 18h17
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Escocês pelado é acusado de
tentar fazer sexo com carro
Segundo a polícia, jovem teria abraçado veículo e
simulado 'movimentos eróticos'.
Acusado diz que não quebrou leis de seu país, e se diz
inocente.
Do G1, em São Paulo
entre em contato
93
Editoria de arte/G1
Tentativa de sexo com carro levou
escocês para a delegacia. (Ilustração:
Editoria de arte/G1)
Um
jovem
morador
da
cidade
de
Kilwinning, na Escócia, foi detido
pela polícia sob a acusação de tentar
fazer sexo com um carro.
O acusado, de 18 anos, teria sido
flagrado correndo pelado pelas ruas da
cidade. Segundo a polícia, o jovem
teria se debruçado sobre a traseira de
um carro, e simulado "movimentos
eróticos".
O caso ocorreu em fevereiro, mas
polícia
divulgou
os
detalhes
detenção apenas na última semana,
acordo com reportagem publicada
diário escocês Irvine Times.
a
da
de
no
Apesar da prisão ter ocorrido em flagrante, o jovem alega ser inocente e
94
nega ter quebrado as leis de seu país.
O acusado, que responderá em líberdade, vai ser julgado pela corte de
Kilmarnock em agosto.
95
(...) É pelo sexo efetivamente, ponto imaginário
fixado pelo dispositivo de sexualidade, que todos
devem passar a ter acesso à sua própria
inteligibilidade (já que ele é, ao mesmo tempo, o
elemento oculto e o princípio produtor de sentido),
à totalidade do seu corpo (pois ele é uma parte real
e ameaçada deste corpo do qual constitui
simbolicamente o todo), à sua identidade (já que
ele alia a força de uma pulsão à singularidade de
uma história). Por uma inversão que começou,
provavelmente, de modo sub-reptício há muito
tempo – e já na época da pastoral cristã da carne –
chegamos
ao
ponto
de
procurar
nossa
inteligibilidade naquilo que foi, durante tantos
séculos, considerado como loucura; a plenitude de
nosso corpo naquilo que, durante muito tempo, foi
um estigma e como que a ferida neste corpo; nossa
identidade, naquilo que se percebia como obscuro
impulso sem nome. Daí a importância que lhe
atribuímos, o temor reverente com que o
revestimos, a preocupação que temos de conhecêlo. Daí o fato de se ter tornado, na escala dos
séculos, mais importante que nossa alma, mais
importante do que nossa vida; e daí todos os
enigmas do mundo nos parecem tão leves
comparados a esse segredo, minúsculo em cada um
de nós, mas cuja densidade o torna o mais grave de
todos. O pacto faustiano cuja tentação o dispositivo
da sexualidade inscreveu em nós é, doravante, o
seguinte: trocar a vida inteira pelo próprio sexo,
pela verdade e soberania do sexo. O sexo bem vale
a morte. É nesse sentido, estritamente histórico,
como se vê, que o sexo hoje em dia é de fato
transpassado pelo instinto de morte. (FOUCAULT,
1988, p. 145-146)
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Por conseguinte a clonagem é o
último estádio da simulação do
corpo, aquela em que, reduzido a
sua fórmula abstrata e genética,
o indivíduo está determinado à
multiplicação em série. Walter
Benjamin disse que o que se
perdeu da obra de arte na era de
sua reprodutibilidade técnica foi
sua
“aura”,
essa
qualidade
singular do aqui e do agora, a
sua forma estética; ela passa de
um destino de sedução para um
de reprodução e, nesse novo
destino, assume uma forma
política. Perdeu-se o original, e só
a nostalgia pode reconstituí-lo
como
“autêntico”.
A
forma
extrema desse processo é a dos
meios de comunicação de massa
contemporâneos; neles o original
114
nunca teve lugar, e as coisas são
de imediato concebidas em função de sua reprodução ilimitada.
É exatamente o que acontece
com o ser humano em relação à
clonagem. É o que acontece ao
corpo quando concebido apenas
como um estoque de informações
e de mensagens, como substância
informática. Nada se opõe então
a sua reprodutibilidade serial,
nos mesmos termos usados por
Benjamin para os objetos industriais e as imagens. Há uma
precessão do modelo genético
sobre todos os corpos possíveis.
É a irrupção da tecnologia que
comanda esta desordem, de uma
tecnologia que Benjamin já descrevia como médium total – gigantesca prótese comandando a
115
geração de objetos e imagens
idênticas, que nada mais podia
diferenciar entre si – mas ainda
sem conceber o aprofundamento
contemporâneo dessa tecnologia,
que torna possível a geração de
seres idênticos sem que se possa
voltar ao original. As próteses
da era industrial ainda são
externas; exotécnicas; as que
conhecemos ramificaram-se e se
interiorizaram: esotécnicas.
Estamos na era das tecnologias
brandas, software genético e
mental. As próteses da indústria,
as máquinas, ainda voltam ao
corpo para modificar-lhe a
imagem, elas mesmas eram
metabolizadas no imaginário, e
esse metabolismo fazia parte da
imagem do corpo. Mas, quando
116
se atinge um ponto sem volta na
simulação, quando as próteses
infiltram-se no coração anônimo
e micromolecular do corpo,
quando se impõe ao próprio
corpo como matriz, queima-se
todos os circuitos simbólicos
ulteriores, sendo qualquer corpo
possível nada mais que sua
imutável repetição, então é o fim
do corpo e de sua história, o
indivíduo não é mais que uma
metástase cancerosa da fórmula
de base. (BAUDRILLARD, 1991, p. 193-194)
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Elegia
(Augusto de Campos - Péricles Cavalcanti)
Deixe que minha mão errante
Adentre atrás, na frente,
Em cima, em baixo, entre
Minha América
Minha terra a vista
Reino de paz se um homem
Só a conquista
Minha mina preciosa
Meu império, feliz
De quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão
Me selo gravo
Nudez total
Todo prazer provém do corpo
Como a alma em seu corpo
Sem vestes, como encadernação cristosa
Feita para iletrados
A mulher se enfeita,
Mas ela é um livro místico
E somente a alguns a que tal graça
Se consente é dado lê-la.
Eu sou um que sabe.
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Genérico, porém único
http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/02/03/ali-1.93.19.20080203.7.1.xml
O corpo sem gorduras tornou-se uma propriedade
aristocrática. Como a riqueza e a fama, pertence apenas
aos sortudos ou esforçados
Mônica Manir
(03/02/2008)
A Mulher Samambaia estendeu seus ramos para a avenida.
Persona do programa Pânico na TV, ela cantou “o meu
carnaval ôôô” da escola paulistana Tom Maior, que
enalteceu as empresas ecologicamente corretas em tudo.
Danielle Souza foi representar a natureza da mulher
brasileira. Paira a dúvida, porém, se não significou mais
uma das fiéis samambaias de tronco malhado, peitudo e
bundudo que dominam os desfiles. Samambaias que
vingam como ideais de beleza. Escultura para copiar nas
mesas de cirurgia plástica. Espécies-modelo. Corpo padrão.
“Quanto mais se impõe o ideal de autonomia, mais
aumenta a exigência de conformidade aos modelos sociais
do corpo”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg,
organizadora do recém-lançado O Corpo como Capital
(Estação das Letras e Cores). Quem investe na “boa
forma”, banalizada pela mídia, é desejado e admirado, mas
não necessariamente feliz. Assume postos reais e por vezes
imaginários. “Quanto vale o corpo na busca pela satisfação
pessoal?”, perguntam-se outros oito especialistas ouvidos
pelo Aliás.
O antropólogo Gilberto Freyre, em seu Modos de Homem,
Modos de Mulher, de 1987, já anunciava: “Pode-se dizer da
mulher que tende a ser, quanto a modas para seus
vestidos, seus sapatos, seus penteados, um tanto mariavai-com-as-outras”. Criticava o desejo generalizado das
senhouras de rejuvenescer à custa de cosméticos. Mas ele
mesmo exaltava um padrão de beleza brasileira: mulher
baixa, pele morena, cabelos negros, longos e crespos,
119
cintura afunilada, bunda grande, peitos pequenos. A Sonia
Braga, portanto. Queria fazer o contraponto com as alvas,
longilíneas e loiras, de cabelos “arianamente lisos”, um
modelo macaqueado da Europa. A Vera Fischer, à época. A
Gisele Bündchen, hoje.
Na planilha de Freyre certamente não constava a massa de
silicones que povoa o carnaval. Lançado na avenida, como
lembra Mirian Goldenberg, ele virou regra. Até quem é “da
comunidade” tem. E, se não tem, parece que tem. “Existe
um corpo ideal que virou uma lente, por meio da qual
enxergamos além da realidade”, explica Mirian. Ela quer
dizer que, de perto, nem todos os peitos, quadris e
bumbuns são esculpidos no molde, mas nossa câmera
interna entende que sim.
A câmera de TV e as revistas de famosidades também dão
seu pitaco ao reprisar o padrão. Para Hans Gumbrecht,
professor de literatura comparada na Universidade de
Stanford, nos EUA, e autor de Elogio da Beleza Atlética
(Companhia das Letras), a mídia iguala os gostos da classe
média. Se bem que, ao gosto dele, “os minibiquínis são
quase antiquados, um ideal dos tempos áureos da
Playboy”.
Aqui, o vestuário do carnaval está mais para alegoria, por
vezes descartada. “O corpo é a verdadeira roupa”, define
Mirian Goldenberg. Adriana Bombom, rainha de bateria da
Tom Maior e também da Portela, veste um biquíni adornado
com pingentes, “para ficar menos vulgar”. Mas também não
vai com tudo tapadinho. Reflete: se está podendo, por que
se cobrir? “É uma hipocrisia no Brasil. Há liberdade para o
corpo na avenida, mas nos 8 mil quilômetros de litoral não
se aceita um topless”, compara a editora de moda Lilian
Pacce. “Será que brasileiro só agüenta a nudez do que
entende como belo?”
Bombom diz que pode porque se sacrifica. Três meses
antes do desfile, ela se impõe uma dieta diária de oito
claras de ovo e 50 gramas de batata cozida de duas em
duas horas, adicionados de suplementos e vitaminas,
120
galões d’água e mais 40 minutos de exercício. Sai vitoriosa
aos olhos de quem vê na banha caída sinal de desleixo
próprio, coisa de preguiçoso, gente fraca. O médico Flávio
Gikovate, um estudioso da felicidade, destaca que,
antigamente, magreza era sinal de pobreza. Quem era de
uma classe social mais baixa encolhia a barriga por falta de
opção. Hoje a pouca gordura corpórea se tornou uma
propriedade aristocrática. Pertence aos sortudos ou
esforçados, como a riqueza e a fama. Assim, os menos
favorecidos perdem, aparentemente, grandes chances de
ascender socialmente. Perdem felicidade.
Mas por que a beleza genérica precisa ser magra? O
sociólogo francês Pierre Bourdieu entende que a dominação
masculina ditou essa condição. A mulher existe primeiro
pelo olhar do homem, que a deseja delicada, submissa,
fina, magra. Não à toa elas criticam as regiões de seu corpo
que percebem como grandes demais, enquanto eles se
irritam com as partes que consideram pequenas além da
conta. Aliás, para quem acha que a vaidade masculina é
fenômeno recente, a psicanalista Maria Rita Kehl avisa: “Os
homens sempre foram vaidosos. A novidade é que estão
tão narcisistas que pouco se interessam pelas mulheres. A
conquista de uma mulher bonita tem como intenção a
confirmação do poder fálico”.
A neura para se encaixar na categoria “fêmea com pouca
gordura” pode explicar, em parte, por que somos líderes
mundiais em uso de medicamentos para emagrecer. No
Relatório Anual da Junta Internacional de Fiscalização de
Entorpecentes, órgão da ONU, divulgado há um ano e
referente a 2005, 98,6% do fenproporex e 89,5% da
anfepramona, duas das substâncias inibidoras de apetite
mais usadas no globo, foram produzidos no Brasil e a maior
parte consumida aqui. Confirmando a estatística, estudo
divulgado pela Secretaria Nacional Antidrogas em
novembro de 2007 revelou que o brasileiro engole quase
90% dos medicamentos para emagrecer feitos no mundo.
‘Preciso ver Cristina’
121
Para contrabalançar, a bunda. Não aquela murcha, mas a
avantajada, de tanajura. Em um questionário aplicado a
444 homens, Mirian Goldenberg confirmou o que Tim Maia
cantou pelos sete mares: os homens precisam ver Cristina.
A Cristina de Tim Maia era uma mulata voluptuosa,
empregada doméstica de uma amiga, que tinha (a mulata)
uma super retaguarda. O compositor saía disparado do
Grajaú até a cobertura da amiga em Copacabana, aonde
chegava trôpego e cantarolando safadamente: “Preciso ver
Cristina”.
Pois então, o bumbum está no topo da pesquisa de Mirian.
Abaixo vêm o corpo como um todo e então os seios. Tudo
liso, sem marcas indesejáveis como os sulcos das estrias ou
o efeito casca de laranja da celulite. A antropóloga recorre
a Bordieu para explicar a tara pelo traseiro das mulheres.
Segundo o francês, a parte é sinal preponderante de
natureza, sexualidade, animalidade, inferioridade.
Do lado oposto, as mulheres apontam o tórax como
distintivo de maior atração nos homens, seguido do corpo
como um todo e do olhar. O único até então rei de bateria,
Daniel Manzioni, que seguiu à frente dos ritmistas da
Acadêmicos de São Paulo, malhou bastante o peitoral e mal
comeu carboidrato para manter os músculos em dia. Mais
do que proteção, ao eleger essa parte do corpo, as
mulheres falam de hemisfério norte, de cabeça, de
inteligência. “Assim como no caso da magreza”, completa
Mirian, “é como se a cultura inscrevesse no corpo as
posições que homens e mulheres ocupam na sociedade.”
Quando a gordura não cede ao medicamento, nem as coxas
à malhação, nem as rugas aos cosméticos, a brasileira e o
brasileiro entram na faca. Ou entram na faca direto
mesmo, sem pudores. A última pesquisa da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica foi divulgada em 2004 e
relata o seguinte: 70% das operações estéticas foram feitas
em mulheres. De 2002 a 2003, aumentou em 43% o
número de jovens que se submetem à plástica, 15% deles
com menos de 18 anos. Quanto à categoria, 54% são
122
lipoaspiração, 32% contornam as mamas e 27% a face.
Nos últimos 12 anos, o implante de prótese de silicone
cresceu 360%, perdendo apenas para a lipo. Nos últimos
dez, o número de cirurgias nos seios entre adolescentes
aumentou 300%. No geral, perdemos apenas para os EUA,
considerando que as americanas ganham 14 vezes mais
dinheiro que as brasileiras.
Em Making the Body Beautiful (Tornando o Corpo Bonito), o
americano Sander Gilman marca a origem da cirurgia
estética na epidemia de sífilis do século 16, quando se
inventaram técnicas de enxerto de pele para reparar a
degeneração do nariz dos sifilíticos. Três séculos depois,
cirurgiões criaram procedimentos para mascarar o nariz
novamente, mas o nariz amassado dos irlandeses, visto
como marca inerente à raça. Daí Gilman associar as
cirurgias plásticas à impostura, ao se fazer passar pelo que
não se é.
No centenário da imigração japonesa, a modelo Ângela
Bismarchi quer se passar pela gueixa Madame Butterfly na
função de rainha da bateria da Porto da Pedra. Desfila de
hoje para amanhã com olhos puxados no bisturi. Até lá, seu
nariz restaurado duas vezes apoiará uma máscara ocular de
cristais, para manter o suspense. Essa é a 42ª cirurgia
estética de Ângela. Entre as incisões, aumentou as mamas
cinco vezes, o bumbum duas, furou o queixo mais duas e
alterou a intimidade outra dupla de vezes. Ela quer tirar o
recorde da americana Cindy Jackson, que passou por 47
intervenções.
A modelo, detida pelas autoridades em 2000 por ter
desfilado nua com a bandeira brasileira estampada no
corpo e em 2002 por ter “homenageado” o presidente Lula
com as bochechas e o bigode dele desenhadas em si
mesma, também nua em pêlo, foi objeto de comentário de
sites estrangeiros pelos olhos puxados. O blog Dlisted
disse, sem piedade, que a última cirurgia foi “a mais idiota
que ela fez”.
Guinness à parte, o psicanalista Jorge Forbes usa o caso
123
para tratar de identidade e da reação do povo às mudanças
radicais. Para Forbes, a identidade atual é múltipla. “Foi-se
a época em que era relacionada a um único valor.” Hoje as
pessoas se transformam e se reafirmam mudando roupa,
cabelo, leituras, vocabulário. Quando, entretanto, alguém
intervém sobre o corpo por um aspecto “leviano”, pequeno
no tempo e na importância, quebra o pacto social.
Até pouco tempo, lembra Forbes, existiam limites naturais
à manipulação. Se mexesse demais no corpo, a pessoa
poderia morrer. Mas a tecnologia se superou. E, se a
natureza não bota freio nisso, o homem o faz. Ainda que
Ângela Bismarchi diga que o corpo é dela, o povo rebate
que ele pertence à humanidade. “Submeter-se a riscos de
infecção e afins para modificar a aparência por motivo
temporário, que a priori duraria até a quarta de cinzas, é
arriscar em grande potência a sobrevivência do ser
humano”, afirma.
Ivo Pitanguy, o cirurgião dos cirurgiões plásticos brasileiros,
classifica a operação estética como ramo nobre da cirurgia
geral, “pois busca restituir ao corpo em sofrimento sua
função e dignidade”. Aos que passam por sua clínica
implorando o queixo de uma celebridade acoplado à barriga
de outra, ele vê o que pode fazer. Dependendo do caso,
não opera, mas encaminha para tratamento psicológico. Em
novembro, no lançamento de sua autobiografia, Aprendiz
do Tempo (Nova Fronteira), Pitanguy disse que a última
moda é a boca à Angelina Jolie. Mas confidenciou: “A
Angelina é uma mulher bonita, mas da boca eu não gosto.
Fazer boca grande com enchimento fica feio”.
O gosto mediano vai na mão contrária. A atriz lidera a
preferência das mulheres que querem fazer plástica nos
lábios. Se o nariz não agrada, dá-lhe Nicole Kidman. A
bunda dos sonhos é a de Jennifer Lopez, mas Juliana Paes
também ganha 10 nesse quesito. Essas referências
constam de pesquisa da Sociedade Internacional de
Cirurgia Plástica Estética com 20 mil cirurgiões plásticos de
84 países, entre eles o Brasil, divulgada nessa semana.
124
Ninguém cogitou o nome de Preta Gil, a bocuda da vez na
reclamação contra a tirania dos corpos esbeltos. Preta
levou um caldo dia desses no mar. “Disseram que eu sou
uma baleia e fizeram uma montagem na internet com um
trator amarrado a mim, me puxando da areia.” Ela vai
processar o autor da montagem. “Quando era jovem,
queria ser magra, muitas vezes indo contra a minha
natureza. Nem todo mundo tem estrutura para viver esse
massacre. Não sou gorda, sou uma referência.”
Fica para os especialistas o dilema da samambaia. Até onde
buscar um corpo perfeito é eficaz para o sucesso no
ambiente que se quer conquistar? Para Forbes, o corpo
padrão vale pouco sem o charme. “Hoje em dia, ou a
pessoa oferece um efeito-surpresa, ou é genérica.” Quem
deseja fugir da cultura do rebanho precisa saber quem é,
requisita a filósofa Marcia Tiburi. O fotógrafo J. R. Duran
resgata São Tomás de Aquino para dizer que tudo está na
intenção, “não só de quem se expõe mas também de quem
observa”. No carnaval, duas pessoas podem estar despidas,
mas uma é vulgar e outra, não. O que torna uma mais
cativante, ainda que ambas tenham as medidas parecidas,
é a linguagem do corpo. Autônoma, exclusiva, única.
***
'O corpo tornou-se um
simples acessório'
http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/02/03/ali-1.93.19.20080203.9.1.xml?
Design não é mais exclusividade de objetos e o
consumismo torna obsoleta a sacralidade física, diz
antropólogo
Flávia Tavares
(03/02/2008)
125
O antropólogo francês David Le Breton é conhecido como o
maior especialista do mundo em corporeidade - a análise
do corpo no contexto social. Para ele, o corpo não pode ser
visto apenas como um suporte da alma. “Corpo e ser são
indissociáveis. Tanto que não dizemos ‘olha, ali vai aquele
corpo’. Dizemos ‘ali vai aquele homem, aquela mulher,
aquela pessoa’.” Autor de Adeus ao Corpo (Ed. Papirus) e A
Sociologia do Corpo (Ed. Vozes), Le Breton é professor de
sociologia na Universidade Marc Bloch, em Estrasburgo, na
França, e é membro do Institut Universitaire de France.
Confira trechos da entrevista que ele concedeu ao Aliás.
O que é o corpo e o que ele representa nas interações
sociais?
A condição humana é corporal. O corpo não é apenas um
suporte. Ele é a raiz identificadora do homem ou da
mulher, o vetor de toda a relação com o mundo, não só
pelo que o corpo decifra através das percepções sensoriais
ou da sua afetividade, mas também pela maneira como os
outros nos interpretam diante dos diferentes significados
que lhes enviamos: sexo, idade, aparência, movimentos,
mímicas, etc. Por meio do corpo, o indivíduo assimila a
substância da sua vida e a traduz para os outros por meio
de sistemas simbólicos que ele divide com os membros de
sua comunidade.
O corpo é a expressão máxima de raça, origem e
ancestralidade?
Hoje, num contexto de individualização do sentido e de
mercantilização do mundo, o corpo tornou-se um simples
acessório. Sua antiga sacralidade ficou obsoleta, ele não é
mais o suporte inquebrantável de uma história pessoal,
mas uma forma que se recompõe incansavelmente ao
gosto do momento. O consumismo em que estão
mergulhadas as sociedades, e particularmente as jovens
gerações, fez do corpo um objeto de investimento pessoal.
Agora, o que importa é ter um corpo seu, assinado. O
design não é mais exclusividade dos objetos.
126
O que mudou na nossa relação com o corpo ao longo
da história?
Durante muito tempo, o corpo não foi muito questionado,
ele não representava nenhuma preocupação. Numa frase
famosa, Freud fala da anatomia como um destino. As
pessoas assumiam a forma de seu corpo e ninguém era
julgado pela sua aparência, porque ninguém tinha
realmente influência sobre ela. Agora, o importante é
modificar as partes essenciais do corpo, para deixá-las
conforme a idéia que a pessoa tem de si própria. O corpo
se tornou um alter ego, uma duplicata, uma projeção de si
mesmo, um pouco decepcionante, mas pronta para
modificações. Sem isso, seu corpo seria uma forma incapaz
de abrigar suas aspirações.
Que uso fazemos do nosso corpo socialmente?
O corpo é modelado por um contexto social e cultural. É o
primeiro objeto de comunicação porque, antes de começar
a falar com o outro, nós o olhamos e prestamos atenção a
uma infinidade de dados físicos e de vestuário que, por um
lado, condicionam o tom da conversa.
Quem não se
desvalorizado?
cuida
ou
se
deixa
envelhecer
é
O culto ao corpo atinge as categorias sociais de maneira
desigual. Os homens, por meio do culturismo por exemplo,
valorizam o seu “sobrecorpo” , mas eles nada têm a perder.
Não é o caso das mulheres, que têm a obrigação social de
manter sua sedução, e consideram o envelhecimento uma
deformação. A cirurgia estética atinge uma população
feminina composta cada vez mais de jovens. A mulher é
julgada impiedosamente com base em sua aparência.
A busca por um padrão de beleza é conseqüência de
uma sociedade em que somos interessantes mais
pelo que parecemos ser do que pelo que somos?
127
É preciso se colocar fora de si para se tornar você mesmo,
tornar mais significativa sua presença no mundo. A
interioridade é um trabalho de exterioridade, que exige
retrabalhar ininterruptamente seu corpo para aderir a uma
identidade efêmera, mas essencial num momento do
ambiente social. Assim, a tirania da aparência força os
indivíduos a uma disciplina constante, a um trabalho sobre
si mesmo. Uma atitude paradoxalmente puritana. As
disciplinas outrora exteriores aos indivíduos, segundo a
famosa análise de Michel Foucault, hoje estão nas mãos de
pessoas que as impõem a si próprias. As disciplinas estão
sob a égide do marketing. Mas é claro que o culto do corpo
é, em primeiro lugar, um desprezo pelo corpo de origem.
Quem faz intervenções extremas no próprio corpo
deve ser visto como um caso patológico?
Nem o corpo, nem o sexo, nem a orientação sexual são
vistos hoje como essências, mas como construções
pessoais e revogáveis. Decorrem de uma decisão própria e
de uma prática cosmética adaptada. Alguns indivíduos vão,
portanto, longe demais na vontade de se transformar e
possuir um corpo que pertença apenas a eles. Não há nada
de patológico nisso, simplesmente o desejo de uma pessoa
de criar uma identidade, uma aparência, tornando-se enfim
dona de si mesma.
***
A apoteose de corpos
insubmissos
http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/02/03/ali-1.93.19.20080203.8.1.xml
O carnaval é um acerto de contas. O momento do físico
contra o espírito, do desejo contra a continência. Ele
desveste o que os poderes vestiram
José de Souza Martins*
128
(03/02/2008)
Sempre houve uma certa expectativa quanto a quem será
desancado ou quem será bajulado na relativa surpresa dos
nossos desfiles carnavalescos e na ordem invertida que
representam. O carnaval nos chegou de Portugal, como
entrudo. Trouxe-nos a medieval cultura das inversões
simbólicas das identidades e dos poderes nos três dias da
festa. Na cultura do avesso, assimilou manifestações
centradas na tensão do corpo com sua dominação social e
política, vindas de grupos negros e indígenas.
O carnaval tornou-se o momento da pública exposição dos
acontecimentos do ano e de suas figuras à mordacidade da
crítica popular ou à sua bajulação. É o momento da
manifestação do corpo insubmisso, como instrumento de
um discurso gestual da contrariedade. Momento em que os
grandes pagam pelos desaforos feitos aos pequenos. Mas,
também, hora em que o puxa-saquismo se torna
monumental, na visibilidade de uma gratidão material ou
política carregada de malícia. É a hora do troco, em que a
força subversiva do imaginário do povo se dá a ver nos
enredos dos sambas, nas cores e nas alegorias de carros e
fantasias, nos desfiles de cordões e escolas de samba, no
Rei Momo, monarca do faz-de-conta, o antipoder de três
dias. É o momento dos fracos contra os fortes, da
sociedade contra o Estado, da rua contra as instituições. O
carnaval é um acerto de contas anual, o intervalo de um
corrosivo tempo de deboche.
Não é só o presente que cai na pancadaria simbólica dos
carnavalescos. O passado inteiro está sujeito a apreciações
sem cerimônia, em que nunca se sabe se a narrativa dos
sambas-enredo são irônicas por intenção ou por
desinformação. De qualquer modo, é sempre prudente
recomendar aos estudantes que a melhor fonte do
conhecimento histórico ainda é o livro.
Mas é também o momento do corpo contra o espírito, do
desejo contra a continência e a repressão, do proibido
contra o permitido. Não é apenas feliz acaso que o nome da
129
primeira escola de samba do Rio de Janeiro tenha sido
Deixa Falar, uma insurgência contra a língua comprida e a
dominante sociedade dos linguarudos, da polícia e dos
comentadores da vida alheia, da “decência” oficial contra a
“indecência” popular, da repartição pública contra a rua e o
povo. Não é à-toa que, em carnavais de outros tempos, e
hoje menos, as pessoas se fantasiassem, ou se fantasiem,
de seus contrários, homem vestido de mulher, mulher
vestida de homem, adultos vestidos de bebês, de “mamãeeu-quero-mamar”, mascarados vestidos de demônio nesse
tempo ritual de anjos decaídos. É o embaralhamento das
identidades, no vestuário e nas máscaras carnavalescas em
que traços do antagônico são ressaltados para expor as
fisionomias reais, do perverso, do sovina, do corrupto, do
oportunista, que se ocultam nas dissimuladas fisionomias
cotidianas. É a personificação crítica das alteridades que
demarcam repressivamente nossa nem sempre fácil vida de
todo dia. É a máscara que permite transgredir sem ser
reconhecido nem ser punido. A transfiguração de cada um
naquele que ele não é. É, sobretudo, o duplo sentido do
dizer oculto.
O carnaval é o momento mais forte e significativo de
exposição da centralidade do corpo na nossa cultura, como
referência problemática da realidade social. O corpo nu e
natural é apenas adjetivo, apenas ponto de reparo e
referência da construção do corpo imaginário e social, o
corpo que pode ser “lido”, situado e compreendido. Desde o
nascimento, as crianças são trajadas de maneira a
adquirirem a identidade que as situará no mundo, a cor da
roupa, o brinco da menina, os brinquedos. Os ritos de
casamento são, basicamente, ritos de fecundidade,
sacralização da troca biológica de sangue entre os esposos,
modo de assegurar a antecipação cultural e social dos
corpos que serão gerados, simbolicamente concebidos
desde antes de existirem. Nesses processos, o corpo é
situado nas tensões da vida e da morte, do transitório e do
eterno, do mortal e do imortal. O carnaval desveste o que
os poderes vestiram.
Ele é bem mais do que crítica social e política. Nele se
130
expressam essas tensões constitutivas do humano, no
pouco caso das fantasias de caveira e de demônio, na
exorcização do medo e da morte, na negação do
sobrenatural no corpo liberto, até mesmo no extremo da
nudez em desfiles de escolas de samba. No fundo, o
carnaval é um contra-rito religioso. Inscrito na véspera da
Quaresma e do tempo do luto e da dor, é o tempo do
desejo e da euforia, que precede um tempo de jejum e de
punição ritual do corpo, um tempo de purgação da
pecaminosa
carnalidade
do
homem.
Antes
desse
recolhimento litúrgico, a licença do carnal, não só o da
sexualidade, mas também o do apetite, sujeitos às
interdições rituais e à fria temperança da Quaresma. O
carnaval é um intervalo cíclico de transgressão consentida,
que no temporário da festa liberta o corpo desordenador e
a desordem consentida que dele resulta. Não por acaso, o
carnaval é o tempo da folia, da loucura e da multidão.
Embora seja um intervalo no tempo herdado da liturgia
religiosa, da qual muitos estão cada vez mais distantes, é
no carnaval que a crise social e as mudanças de longa
duração, quase imperceptíveis, se manifestam no curto
tempo do desabafo. Na perspectiva desse tempo longo é
possível notar que, na sua substância, o carnaval está
acabando
lentamente.
Não
só
porque
se
torna
progressivamente um empreendimento comercial sujeito a
regras empresariais, que em tudo negam a insurreição livre
do corpo e do desejo. Mas, também, porque no cotidiano
elementos de identificação carnavalesca do corpo estão
agora presentes e não só entre jovens. É muito significativo
quando
tatuagens
e
piercings,
adornos
corporais
permanentes, se tornam cada vez mais complementos de
uma nudez semi-oculta, mas proclamada. Uma negação
explícita da transitoriedade ritual do carnaval e uma
desconstrução do corpo submisso, uma forma de dizer que
a insurreição de três dias se torna a insurreição visual de
um ano inteiro - e se esvazia.
* José de Souza Martins é professor titular de Sociologia da
Faculdade de Filosofia da USP
131
'Pátina de juventude' é
mais um êxito do universo
da reciclagem
http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/02/03/ali-1.93.19.20080203.10.1.xml
Aceitar um corpo recosturado ou com partes postiças
tem menos a ver com o mundo da cirurgia do que
com o da ecologia
Vicente Verdú*
(03/02/2008)
Uma nova cosmética somada ao dinheiro proporcionou a
imagem da reciclagem ideal. Essa cosmética se revelou tão
assombrosa que não só devolve à pessoa a imagem de sua
foto guardada carinhosamente, mas faz ressurgir essa
imagem como procedente de um ser que durante anos se
manteve ausente ou mascarado numa injusta enfermidade
facial. A referência não se esgota nos diferentes casos de
Ana Rosa Quintana, Lola Herrera, Isabel Preysler ou
Victoria Abril (celebridades espanholas). Os efeitos dessa
fórmula, introduzida magicamente na pele, vão reajustando
a cútis do nascimento do cabelo à linha do decote, do fulgor
dos peitos à consistência do braço. Uma pátina de
juventude, da Rua Serrano de Madri ao passeio barcelonês
de San Gervasio, está transformando a relação entre idade
e aparência, entre a vida e seu desgaste, entre beleza e
extinção. Ou seria preciso, conforme a lenda, que a idade
fosse matando o brilho, e a morte não fosse outra coisa
senão a encarnação do horror?
Cadáveres jovens e formosos contribuíram para melhorar o
prestígio de morrer, enquanto qualquer despedida com a
cara maltratada piora a consideração de existir. Então, por
que não estender integralmente esse bem do mundo do
espetáculo e da alta burguesia a qualquer cotista da
previdência social?
Neste momento, entre um número crescente de amigas
132
que não pertencem aos estúdios, vai se percebendo uma
súbita transformação que as faz voltar, como por encanto,
a seu porte de 20 anos atrás. Ante o reino da palavra e dos
escritos, contra o cortejo oral e epistolar, o triunfo imediato
da imagem. Uma imagem com tratamento, é claro, mas o
que é ela senão tratamento de estresse, depressão, câncer,
agressão do clima ou desilusão? Os receios com a
cosmética se justificavam quando ela era tão imperfeita
que a manipulação artificial transparecia. Mas como não se
render aos resultados dessa nova escola que atua na
intangibilidade do natural?
Mulheres que haviam ingressado na temida casa dos 50
retornam dessa região para uma plataforma radiante e lisa.
Não se trata de garotas imaturas de 20 anos, mas
exatamente desse sujeito feminino que brilha no auge de
sua constituição, já que a atinada combinação de fatores
bioquímicos produz mulheres com uma aparência que lhes
permite se aproximar com critério e sensibilidade do
profissionalismo, da sexualidade, do viço ou da
maternidade.
Esse novo tipo feminino continua sem ser computado nos
quadros demográficos, mas vai gerando uma nova
subespécie reciclada que, de imediato, encontrará sua
contrapartida na recuperação do homem. Um número
restrito, mas suficiente, de clínicas especializadas, cuidados
especiais, moléculas e líquidos selecionados vão fazendo
seu trabalho na gestação dessa tendência, que vai além do
modismo e cujo desenvolvimento se reflete na ascendência
de
uma
população
seguidora
dos
ditames
da
sustentabilidade.
Além disso, não será preciso muito tempo para que essa
notável transformação cidadã ocupe as calçadas, se é que
não as está ocupando, já que dezenas de seres reciclados e
sem marcas cosméticas são habilitados em menos de 24
horas. Aceitar esteticamente um ser recosturado ou com
partes postiças não é fácil para todos, mas o novo
fenômeno tem menos a ver com o mundo da cirurgia que
133
com o da ecologia, menos com a reparação que com a
recuperação.
São rostos (corpos inteiros?) que retornam puros dos
espelhos, intactos e transportados até o presente como
uma declaração inquestionável de que a atualidade é tudo.
É tudo e no ponto exato que não desejaríamos ter perdido
jamais. O passado sempre despertou pavor, mas, agora,
reelaborado, volta com os frutos de sua melhor época,
perfumados, firmes, aromáticos, alardeando o êxito de uma
tecnologia de reciclagem que, ao se personalizar, obtém,
como um amante perfeito, a máxima excelência da matéria
carnal.
*Vicente Verdú, escritor e jornalista espanhol, é autor,
entre outros, de El Estilo del Mundo. Este artigo foi
publicado originalmente no jornal El País
134

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