Exclusão e medo - Online UNISANTA
Transcrição
Exclusão e medo - Online UNISANTA
JORNAL-LABORATÓRIO DO QUARTO ANO DE JORNALISMO DA FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO DA UNISANTA ANO XVI - N° 124 - JUNHO 2011 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - SANTOS (SP) TABATA TUANY Exclusão e medo CARINA SELES O resultado do crescimento do número de moradores de rua e do consumo de drogas, que antes podia ser observado apenas em pontos específicos, ultrapassou essas barreiras e avança na região. Enquanto isso, a criminalidade e a violência criam um ambiente de insegurança e de preocupação geral na população. EDITORIAL Montanha-russa de contradições Perrenoud acredita que o Brasil perdeu a luta contra as drogas e deve discutir a legalização Ana Flora Toledo Atualmente, marchas a favor da liberação da maconha acontecem por todo o País, gerando a discussão do tema entre autoridades e população. Segundo o secretário de Segurança de Santos, Renato Perrenoud, o debate também precisa acontecer na região para que a liberação controlada da droga possa ajudar na diminuição do tráfico. Em entrevista concedida a estudantes do 4º ano de Jornalismo da Universidade Santa Cecília, Perrenoud afirmou que o Brasil perdeu a luta contra as drogas. “O governo e a polícia já tentaram coibir o uso de entorpecentes, mas hoje sabemos que essa é uma guerra perdida. Na região, temos um grande número de usuários, principalmente de maconha. Por isso, acredito que a liberação controlada é o melhor caminho para resolvermos a questão”, disse. O assunto é polêmico e o debate ganhou força com o lançamento do documentário Quebrando Tabu , em que o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, defende que CARINA SELES Nem todos estão preparados para entender e, muitas vezes, aceitar viciados. A sociedade está fechada para qualquer tipo de comportamento em que o ser humano perde a racionalidade e não consegue mais ter controle. Na mesma proporção em que o tráfico de drogas é um ramo de negócios que só no Brasil movimenta bilhões de reais, é muito difícil que um dependente consiga largar as drogas ou qualquer outro vício sem ajuda. Vencer o poder que o vício exerce é uma tarefa árdua e são necessárias muitas mãos para respaldar o caminho, desde familiares até grupos de apoio. Muitas vezes, quem oferece ajuda são pessoas que já conseguiram se livrar do mesmo problema e compreendem a situação. Mas, para que existam essas pessoas “limpas” e prontas para ajudar, foi necessário que lá atrás alguém que nunca tivesse passado por isso sentisse compaixão e a vontade de ajudar o próximo apenas pela prazer de ver o outro florescer. Algo que chamamos de solidariedade, um sentimento que consegue salvar inúmeras vidas — apoiando dependentes químicos, alcoólatras, quem vive em estado de miséria ou que sofreu algum tipo de violência, como estupro ou agressão física. O vício em entorpecentes é um dos problemas socioeconômicos mais graves que o País enfrenta hoje. Diariamente, reportagens alertam para os perigos do tráfico, a invenção de novas drogas como o oxi e os problemas enfrentados pelos dependentes químicos. Políticas públicas são implantadas a cada ano e nada muda. Os traficantes continuam com os bolsos borbulhando de dinheiro e o número de viciados aumentando na mesma proporção. É a nossa guerra particular e ninguém parece preparado para salvar o dia. Então, como poderemos apontar o dedo acusatoriamente para as pessoas que se referem a “esses drogados de rua”? Mas como virar as costas a quem entrou no mundo do vício como um subterfúgio para os próprios demônios? Estamos diante de um problema muito mais complexo do que parece. Enquanto não se desenvolverem políticas eficazes para ajudar os dependentes e exterminar o tráfico de uma vez por todas, a sociedade estará ao léu Secretário de Segurança de Santos defende liberação controlada da maconha Per renoud: “Na região, temos um grande número de usuários” os governos pensem sobre a questão. Do filme, também participam outras autoridades, como o ex-presidente americano Bill Clinton. Perrenoud alertou para problemas que podem surgir com a legalização completa da maconha. “Muitos países que adotaram a legalização completa estão repensando se isso realmente vale a pena. Precisamos colocar em prática a legalização para saber se teremos algum benefício ou não, para termos noção se a questão vai causar o estrago que muitos imaginam”. Ele explicou ainda como acredita ser o método ideal. “Precisamos receber os usuários e direcioná-los a um local onde possam utilizar os entorpecentes, não podemos permitir que esse uso seja ir- restrito. Sabemos que uma pessoa que faça uso de drogas pode trazer problemas para o sistema de saúde, e o sistema não quer assumir isso”, condenou. Sobre Santos, o secretário afirmou que a Cidade está igualmente tomada pelos usuários. “Não temos um ponto específico de tráfico, percebemos que em vários bairros isso acontece. Não está mais restrito a morros ou periferias, acontece tanto em faculdades, quanto na orla da praia. É de maneira geral e nós não conseguimos combater. O que apreendemos de droga é um número muito inferior ao que chega pelo tráfico”, explicou. Para Perrenoud, o único meio de diminuir o interesse pelas drogas está na escola. “Não temos solução para nós, mas podemos ter para as próximas gerações. As escolas devem resgatar os valores que hoje em dia os jovens não têm mais, tornando-se parte da comunidade e acolhendo também policiais dentro do local de ensino. Assim, com certeza, podemos ter uma melhora nesse quadro futuramente”, finalizou. Análise do professor A questão das drogas - tema tão atual quanto complexo - foi abordada pelos alunos Ana Flora Toledo e Lucas Shiomi, haja vista a gravidade deste verdadeiro flagelo social e que é motivo de preocupação geral. Exatamente por isso, impõe-se um amplo debate acerca de eventual liberação e descriminalização, como defendem lideranças e especialistas. Os textos escolhidos refletem bem esses aspectos. (Francisco La Scala Júnior) Prata da casa, Luiz Fernando Menezes Ser jornalista para mudar de vida “Drogas são o principal Mariana Benjamin Ex-taxista, Luiz Fer nando hoje atua no fotojornalismo esportivo fissional e conheci o pessoal que trabalhava na área. A partir daí, consegui meus primeiros frilas, para jornais da Cidade, como A Tribuna , Jornal da Orla e Boqueirão News”. Desde então, a carreira deste ex-motorista de táxi só floresceu. “Acredito que tudo nesta vida acontece porque uma força superior, Deus, quer que aconteça. É ele quem me dá forças e faz por mim aquilo que não consigo fazer sozinho. É o que me deixa mais tranquilo para enfrentar um dia de cada vez. Para mim, o passado acabou e o presente é o mais importante. Por isso é que leva o nome de pre- CARINA SELES Abandonar o trânsito, as horas incontáveis parado em frente aos semáforos da Cidade e as corridas noturnas era tudo o que o fotojornalista Luiz Fernando Menezes queria quando decidiu cursar Jornalismo na Universidade Santa Cecília, em 2001. “Passaram-se 10 anos desde que escolhi ter a oportunidade de mudar de vida. Antes, eu era motorista de táxi, mas mantinha o desejo de me tornar um profissional da área da comunicação”, contou. E foi exatamente o que aconteceu. Luiz Fernando se apaixonou pela notícia em forma de imagem e hoje cobre diversos jogos de futebol, incluindo da seleção brasileira para a agência Fotoarena, de São Paulo, que distribui o seu trabalho para os principais jornais e revistas do País. “Quando descobri que era de fotojornalismo que eu gostava fiz um curso de especialização, comprei um equipamento semi-pro- sente. E o futuro ainda não chegou”, disse. Luiz Fernando conta que atualmente está focado no futebol, área que cobre para sua agência Fotoarena. Mas trabalhos anteriores também marcaram sua vida, como a importante foto de um suposto OVNI encontrado na Rodovia dos Imigrantes e também da filha de um escravo que encontrou em uma de suas matérias. Além disso, seu nome também foi lembrado em exposição no Conjunto Nacional, em São Paulo, dentro do projeto Respectiva Jornalística 2010, no qual mais de 50 profissionais tiveram suas melhores fotos escolhidas para expôlas. O critério era fazer parte dos acontecimentos mais importantes do País e a única foto escolhida de Santos foi a dele, retratando um praticante do esporte Le Parkour, na Praia do Boqueirão. problema da Cidade” Lucas Shiomi O secretário de Segurança de Santos, Renato Perrenoud, classificou as drogas como um problema grave no município. “Hoje já não existem pontos críticos de consumo de drogas. Toda a Cidade está em estado crítico! E entre esses usuários, há desde crianças de doze anos até idosos”, afirmou. Segundo ele, que já tentou sem sucesso desenvolver projetos de prevenção nas escolas do município, “as maiores concentrações estão nas imediações de escolas e universidades, e também na praia, nas regiões de periferia e nos morros”. Perrenoud se mostrou a favor da legalização da maconha, desde que rigorosamente controlada. “É comprovado que a maconha tem propriedades medicinais. Por isso, concordo com a legalização para esse uso, EXPEDIENTE - Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e Comunicação da UNISANTA - Diretor da FaAC: Prof. Humberto Iafullo Challoub - Coordenador de Jornalismo: Prof. Dr. Robson Bastos – Responsáveis: Prof. Dr. Adelto Gonçalves, Prof. Dr. Fernando De Maria, Prof. Francisco La Scala Júnior e Prof. Marcio Calafiori. Design gráfico e diagramação: Prof. Fernando Cláudio Peel, Fotografia: Prof. Luiz Nascimento – Redação, fotos, edição e diagramação:alunos do 4º ano de Jornalismo – Primeira página: Thaís Cardim – Editora de arte: Joana Ribeiro – Coordenador de Publicidade e Propaganda: Prof. Alex Fernandes - As matérias e artigos contidos neste jornal são de responsabilidade de seus autores. Não representam, portanto, a opinião da instituição mantedora – UNISANTA – UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA – Rua Oswaldo Cruz, nº 266, Boqueirão, Santos (SP). Telefone: (13) 3202-7100, Ramal 191 – CEP 11045101 – E-mail: [email protected] 2 Edição e diagramação: Joana Ribeiro PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 como medicamento controlado, o que é muito diferente de ir até a esquina fumar um baseado e depois sair dirigindo por aí...”, observou. De acordo com o secretário, 90% dos homicídios têm relação com as drogas. “A maioria é resultado de acertos de contas ou disputas por pontos de tráfico. E como a cidade possui muitos pontos, esses assassinatos acabam acontecendo em todo lugar”, disse Perrenoud. “A pessoa vai até a esquina comprar droga e acha que não está fazendo nada demais. Mas, fazendo isso, ela está fortalecendo a figura do traficante, primeiro aquele que anda armado, depois aquele que anda de terno e gravata. Tem muito traficante tomando uísque em cobertura na orla da praia”, acrescentou o secretário. “Não existe lugar em Santos que esteja dominado por traficantes, como acontece no Rio de Janeiro”, garantiu. Existe sensação de segurança na Baixada, diz delegado regional Waldomiro Bueno Filho destaca que Santos tem a melhor estatística do Estado de São Paulo Glenda Poletto O delegado regional da Polícia civil e diretor do Departamento de Polícia Judiciária (Deinter 6), Waldomiro Bueno Filho, diz que existe, sim, a sensação de segurança na Baixada Santista: “Isso eu afirmo com orgulho. Santos tem a melhor estatística em questão de segurança pública do Estado de São Paulo. Ficamos durante três anos no primeiro lugar”. Segundo ele, o índice de crimes investigados com êxito pela Polícia civil na região é de quase 65% em homicídios e cerca de 30% em furtos e roubos. “Há 11 meses que não temos registro de sequestros. Estamos tentando melhorar o índice de furtos e roubos”, acrescenta. Em relação aos homicídios, o delegado se baseia em dados da Organização das Nações Unidas (ONU), que admite como regular dez mortes para cada cem mil habitantes. “Em Santos, temos três mortes para cada cem mil habitantes”, diz. Questionado sobre qual crime é o mais comum na região, Bueno afirma ser o de tráfico de drogas: “assim como em todo o Estado de São Paulo, o tráfico de drogas é o maior problema. É o tráfico que desencadeia todos os outros crimes”. De acordo com o delegado, o índice de roubo e furto de veículos na Baixada é baixo: “Existe, sim, roubo de veículos na região, mas não é uma proporção que ocasiona uma preocupação a mais para nós.” O diretor do Deinter-6 destaca a negligência dos turistas e estudantes como justificativa para a incidência dos furtos de veículos. “No verão, época em que as praias ficam lotadas, os turistas param os carros em qualquer lugar, de qualquer jeito. Não se preocupam em fechar e travar corretamente os veículos, deixando tudo mais à vontade. O mesmo ocorre com os estudantes. “Estes têm a característica de serem mais desligados. Isso facilita a ação do marginal. aqui, o número de estudantes que utilizam veículo próprio é muito grande”, avalia. Sobre as principais dificuldades enfrentadas pela Polícia civil em combater a criminalidade, Bueno critica o que chama de “incompreensão do Judiciário” em autorizar interceptações telefônicas e pedidos de prisão: “alguns juízes exigem coisas que não estão na mão da polícia. além disso, o código Penal dificulta, e muito, as ações policiais”. Ele diz o que mudaria na legislação, se pudesse: “Voltaria com o mandado de busca caRINa SELES ores índices Bueno Filho: Santos tem um dos men lo de violência do Estado de São Pau domiciliar, por exemplo. Era uma ‘arma’ que tínhamos. Hoje, temos que pedir mandado de busca para o juiz. Muitas vezes, isso atrasa o procedimento e o criminoso escapa”. Em casos de furtos, Bueno explica que, muitas vezes, a polícia não recupera o bem da vítima porque não existe uma lei que obrigue o ladrão a falar. “O criminoso foi pego em flagrante, por exemplo. Se ele mente, deveria ser preso com dez anos de cadeia. a lei do perjúrio resolveria isso. Nos Estados Unidos é assim e funciona muito bem. a nossa legislação beneficia o criminoso. as leis deveriam ser modificadas”, diz. Segundo o delegado, a pena de morte é algo que não funcionaria no Brasil: “Jamais funcionaria pelo próprio espírito brasileiro, pois o primeiro condenado, depois de um tempo, seria canonizado. Sou a favor de penas mais ásperas, como a prisão perpétua. O criminoso não teme a morte. Se temesse, não cometeria tantos crimes”, analisa. O diretor também comenta sobre como lida com a corrupção policial: “a corrupção é mal do homem e não da instituição. a corrupção policial aparece mais porque é a única que lava a sua roupa suja em público. a Polícia civil publica os erros que comete. Diferentemente do Ministério Público e da Polícia Militar, que não pu- blicam nada. Por sermos ‘transparentes’, há uma sensação de que a corrupção se alastra. Mas não é uma coisa que assusta a nossa atividade. Há muito mais policiais ordeiros do que corruptos”. Waldomiro Bueno Filho revela-se incomodado com os crimes que envolvem crianças. E desabafa: “Em toda a minha carreira, poucos crimes não esclareci. Dois deles foram com crianças. São dois ‘fantasmas’ que me acompanham até hoje. Muitas vezes, quando os crimes envolvem crianças, o policial não quer ver nem o cenário do crime. Sempre me lembro disso e me questiono se não tive a frieza necessária para solucionar esses crimes”. Roubos e furtos crescem na região Mariana Ayumi Sentir-se seguro nos dias de hoje é um desafio para os moradores da Baixada Santista. Os relatos de roubos, homicídios, apreensões de drogas, entre outros tipos de ocorrências, que aparecem diariamente nos jornais e TVs fazem com que as pessoas tenham receio até mesmo de ir à esquina das ruas onde moram. Os dados da criminalidade na região assustam até os mais precavidos. De acordo com informações da Secretaria de Estado da Segurança Pública, de janeiro a abril deste ano, foram contabilizadas 15.658 ocorrências de roubo (subtração de objeto mediante ameaça ou violência) ou furto (subtração de objeto sem que a vítima perceba), o que daria a proporção de pouco mais de 130 delitos por dia na Baixada Santista. O secretário de Segurança de Santos, Renato Perrenoud, atribuiu o aumento de roubos e furtos ao crescimento do número de moradores de rua e viciados em drogas. “Existe uma parcela da população que pratica estes pequenos tes traz dados alarmantes. Santos encabeça a lista de cidades com maiores apreensões, com 143 ocorrências; seguida de Praia casos de estupro é alto em Guarujá, com 54 casos denunciados; depois, vêm São Vicente, com 45; e Praia Grande, com 41. caRINa SELES na Consumo de drogas: cena que virou roti furtos e a receptação desses objetos está muito solta”, disse Perrenoud. O tráfico de entorpecen- Grande, com 82; e Peruíbe, com 73. as mulheres também temem pela violência na região. O número de Muito visados por ladrões, os carros foram um dos maiores alvos das ações, segundo os índices da Secretaria. Em média, por dia, 19 veículos foram roubados ou furtados na região. Santos continua sendo a cidade com maior incidência de ocorrências, com 733; seguida de Praia Grande, com 542; e São Vicente, com 349. Queda de homicídios Mesmo com o aumento dos índices de roubos e furtos, um dado chama a atenção das autoridades: a queda no número de homicídios dolosos nos últimos dez anos. No Estado, a taxa de homicídios caiu de 35,27 por grupo de 100 mil habitantes, em 1999, para 10,95 por 100 mil habitantes, em 2009. Na Baixada, a redução também é percebida em números expressivos. De 1999 a 2010, Guarujá, São Vicente e cubatão foram as cidades que tiveram maior diminuição da taxa de delitos, passando de 40,71 para 5,81/100 mil habitantes; 40,71 para 7,25/100 mil habitantes; e 51,13 para 20,20/100 mil habitantes, respectivamente. Edição e diagramação: Vanessa Simões PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 3 Santos tem taxa de homicídios de primeiro mundo, diz secretário Renato Perrenoud também aborda as mudanças na Guarda Municipal FERNANDA BARRETO Fernanda Barreto A Guarda Municipal de Santos, agora gerida pela Secretaria Municipal de Segurança, está se reinventando com o objetivo ampliar as suas ações e não só cuidar do patrimônio público. A afirmação é do secretário Renato Penteado Perrenoud: “A proposta de trabalho da Guarda Municipal está mudando. Ela deixou de ser apenas uma guarda patrimonialista, para agora defender também a população, atender a comunidade e prestar serviços públicos em áreas públicas”. A secretaria também engloba os cuidados da segurança civil e a Junta do Serviço Militar, além da corregedoria e o sistema monitorado de segurança. Segundo as estatísticas estaduais, Santos registra taxa de 5.6 homicídios a cada 100 mil habitantes. O número é menor do que as registradas no Estado, de 9.8, e bem abaixo da taxa nacional, de 25 homicídios. “A taxa de homicídios de Santos é pequena e se compara à de cidades de alguns países de primeiro mundo”, destaca Perrenoud. Segundo ele, em grande parte dos crimes que incorporam essa taxa são 90% de acerto de contas entre traficantes. Os outros 10% são de crimes passionais. O secretário assinala que houve uma reestruturação da Guarda Municipal, que teve como meta principal a visão é Per renoud: a maior parte dos crimes tes can trafi e de acerto de contas entr moderna de segurança municipal, com um equilíbrio entre a mão de obra qualificada e a tecnologia aliada ao conhecimento do policial: “Estamos em processo de reestruturação, incluindo propostas de plano de carreira e ingresso na guarda, por concurso publico”. A reestruturação envolveu também equipamentos de uso pessoal. “Os guardas usam colete à prova de bala, algemas, gás de pimenta, uniforme sinalizado e crachá”. De acordo com o secretário, a Guarda Municipal também usará armas. “A guarda vai começar com a pistola Taser, de choque elétrico. Mais adiante teremos armas de fogo. Mas antes de colocar armas de fogo nas mãos dos guardas eles terão treinamento qualificado”, garante o secretário. Para reforçar a segurança municipal, foi criada a forçatarefa que agrega os órgãos policiais e de fiscalização do município. “Com a força tare- fa combatemos a prostituição infantil, a venda de gasolina e combustível adulterado e a receptação de objetos roubados, além de outros casos”, cita. A ação conjunta com a PM ocorre todos os dias: “As Forças Armadas, Polícia Militar, Civil, Federal e Guarda Portuária estão trabalhando com a Guarda Municipal em conjunto”, afirma. Além da Guarda, o secretário revela que tem projetos para ampliar o sistema de monitoramento, as câmeras de vigilância que funcionariam 24 horas por dia por todo o município, inclusive na Área Continental. “Por enquanto, apenas 30 câmeras foram instaladas na Cidade (na orla da praia, em torno do Centro e na Alemoa), mas estamos em processo de ampliação do monitoramento e chegaremos a 250 câmeras até o fim do governo”, adianta. Acrescenta que o ideal para um bom trabalho de segurança no município é o equilíbrio entre o treinamento da polícia e a tecnologia utilizada para o combate ao crime: “A segu- rança não é feita só com homem ou com tecnologia, tem que haver um equilíbrio entre ambos. Temos que ter capacidade de equilibrar bem os dois com inteligência”. Atualmente, todos os locais públicos estão mapeados e lugares como escolas, hospitais e outros equipamentos públicos possuem alarme de segurança. Quanto à ocupação de alguns pontos, como os morros, pelos traficantes, ele adianta: “Esse foco é da polícia, mas a Prefeitura atua apoiando e criando ‘equipamentos’ municipais no local. Com a ocupação do território pela Prefeitura, é fundamental ter policiais por lá; assim, o tráfico é inibido”, disse. Segundo ele, há uma força-tarefa de prevenção ao uso de crack: atuação diária com a Guarda, a PM, Assistência Social e até mesmo a limpeza pública. A intenção é coibir a ocupação do território e oferecer o tratamento aos viciados. Mas o secretário informs que a procura por tratamento é baixíssima e o índice de recuperação também é baixo nas áreas onde há viciados. “Infelizmente, este índice é Serviço Quer denunciar algum caso de uso de drogas perto da sua casa? Denuncie pelo 0800 177766, o telefone da Emergência Social, serviço disponibilizado pela Prefeitura de Santos. Para denunciar um crime que acabou de ocorrer, ligue para a Polícia Militar no 190. Mas se o caso é freqüente e você não sabe para onde ligar, ligue para o Disque Denúncia, o 181. Esse telefone é para casos de crimes que já aconteceram ou acontecem com freqüência e ninguém Guarda Municipal se prepara para usar pistola paralisante Pâmela Isis A Guarda Municipal de Santos foi criada de acordo com a Constituição Federal, artigo 144. Sua principal função é zelar pelo patrimônio público municipal, como escolas e postos de saúde. Mas, com o tempo esse conceito vem sendo gradativamente ampliado. Hoje, cabe à corporação também cuidar da segurança da população em geral. Agora, a corporação está se preparando para receber as pistolas elétricas paralisantes - as chamadas pistolas Taser - que serão usadas como ataque e defesa. Atualmente, a Guarda mantém integrantes fixos em vários pontos da Cidade, além de escolas e postos de saúde. Há guardas também na recéminaugurada Arena Santos e no conjunto Poliesportivo Dale Coutinho e outros pontos da Cidade que merecem atenção diferenciada. É o que garante o comandante Maurício Soares de Novaes: “Antes, cuidávamos do patrimônio público. Hoje, porém, aumentou muito o nosso leque de ações. Não somos mais só guardas municipais, mas sim agentes de segurança em apoio às polícias Civil e Militar. Com esta, fazemos forças- 4 tarefas no combate ao crack. Auxiliamos também a Secretaria de Assistência Social abordando moradores de rua, com os quais muitas vezes achamos drogas. Enfim, temos uma série de atividades que caracterizam o nosso crescimento”. Neste ano, o governo estadual, por intermédio da Secretaria de Segurança Pública, enviou novos equipamentos, como algemas, bastões tonfas (cassetetes) e espargidores de gás pimenta chamados de Equipamento de Proteção Individual (EPI). Tudo isso a fim de equipar e garantir a ação da corporação, que já usa coletes à prova de balas. O comandante explica que cada material recebido tem um padrão de operação específico para saber como utilizá-lo corretamente. “Todas às segundas-feiras à tarde fazemos uma reciclagem com os guardas. Isso inclui o treinamento de abordagem, de revista pessoal, o uso de algemas, dos bastões tonfas e dos espargidores de espuma e de gás pimenta”, diz. Além dos EPIs, está prevista desde o ano passado a chegada das pistolas elétricas paralisantes, da marca Taser, uma arma não-letal cujo tempo de descarga elétrica é de cinco Edição e diagramação: Thaís Cardim PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 segundos, o tempo necessário para que guardas treinados imobilizem e algemem os agressores. Alguns municípios paulistas como Botucatu e Araçariguama receberam o equipamento. Já outras guardas importantes do Estado, como a Metropolitana de São Paulo e a de Guarulhos, optaram por armas de fogo. Para o comandante da Guarda de Santos, a chegada das pistolas Taser representa um grande passo para a corporação, até a implantação das armas de fogo, ainda sem data prevista. “Primeiro, vamos equipar os guardas com as pistolas Taser, para que eles comecem a sentir a responsabilidade sobre o armamento. Não é tão simples armar 400 homens que, em sua maioria, estão há mais de 20 anos na corporação e nunca utilizaram um armamento. Além deste dar certo poder, também acaba deixando o guarda mais visado por marginais. É preciso ter preparo e apoio, não é só armar e colocar na rua. Vamos dar um passo de cada vez”, diz Novaes. A Guarda Municipal de Santos conta também com o Sistema Informatizado de Monitoramento, operado pela Secretaria de Segurança, em PÃMELA ISIS Novaes: pistolas Taser representam um grande passo para a GM conjunto com a Polícia Militar e a CET. Ao todo, são 20 câmeras fixas do José Menino à Ponta da Praia, além de quatro no Centro Histórico, três na Alemoa e uma na base móvel. Os equipamentos funcionam 24 horas. “No SIM, estãoum policial militar, um agente da CET e guardas municipais. Por meio do monitoramento, conseguimos visualizar muitas irregularidades que, dependendo da situação, são atendidas pela PM, pela CET ou pela Guarda Municipal. Após a concretização do acordo firmado com a Petrobras o número de câmeras será duplicado”, garante Novaes. Além de sua base, que fica na Praça Iguatemi Martins, a Guarda Municipal possui mais seis coordenadorias, cada qual equipada com carros, motos, bikes e guardas. “A do Emissário Submarino atende a toda a orla da praia; a da Rua São Paulo atua nos morros; existem também a da Zona Noroeste, da área Continental e a do Centro Histórico”, explica o comandante. Atos seguros podem reduzir ações criminosas Em meio ao crescimento da criminalidade, pequenas ações evitam que pessoas atentas se tornem alvos do crime Michael Gil Como andar, prevenir-se, evitar riscos pelas ruas, sendo que a criminalidade cresceu? Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) apontam que, nos últimos três anos, os índices da violência subiram em Santos. De acordo com a SSP, dois indicadores tiveram crescimento considerável: furtos e roubos Em relação ao primeiro, comparando as ocorrências registra- das em 2008 (6.483 casos) e 2010 (7.106), o aumento de furtos foi de 623 ocorrências notificadas à polícia – aumento de 9,6%. Quanto a roubos, a diferença é ainda maior. Em 2008, foram 3.187, enquanto em 2010, o total chegou a 4.047, ou seja, 860 casos a mais – crescimento de 27%. Segundo o secretário de Segurança de Santos, Renato Perrenoud, estes fatos acontecem por causa de pequenas ações de ladrões e até de moradores de rua, que se utilizam disso para bancar o uso de drogas. Perrenoud classificou as intervenções dos assaltantes como pequenos assaltos, pois os objetos saqueados são aparelhos celulares, carteiras e bolsas. Apesar do crescimento dos índices de criminalidade, evitar a violência pode ser simples, desde que pequenas ações sejam seguidas, como as orientações da Polícia Militar. O primeiro tenente da PM de Santos, Elisário da Costa Chaves Netto, aponta algumas ações bá- sicas para que qualquer cidadão sinta-se seguro. Dentre as recomendações, segundo a Polícia Militar, a atenção é o melhor recurso. No entanto, o tenente pontua alguns procedimentos para cada momento, seja enquanto se anda pela rua, nas compras, durante o uso de caixas eletrônicos e no interior dos veículos. Veja algumas dicas nos quadros abaixo: Nas ruas SóCRAtES PuNtEL SóCRAtES PuNtEL • Evite a ação dos marginais, não ostentando correntinhas, relógios, medalhas, braceletes e outras jóias; • não carregue objetos de valor, grandes quantias em dinheiro ou cartões de crédito, se não houver necessidade; • evite andar por ruas ou praças mal iluminadas; • separe previamente o dinhei- ro necessário para pequenas despesas, como café, cigarro e condução; • se você achar que está sendo seguido, atravesse a rua ou entre em algum estabelecimento movimentado para buscar ajuda; • procure caminhar no centro da calçada e contra o sentido do trânsito. É mais fácil perceber a aproximação de algum veículo suspeito. Nas compras Em caso dE assalto: • Comunique-se e faça movimentos lentos; • responda com calma somente ao que lhe for perguntado ou para avisar sobre qualquer gesto ou movimento a ser realizado; • não discuta. Entregue ao criminoso o que ele exigir. Assim, o tempo do roubo será menor; • faça o que o criminoso mandar; Nos caixas ALiNE DELLA tORRE ALiNE DELLA tORRE • Evite fazer compras sozinho. Leve sempre uma companhia, porque é mais seguro; • prefira pagar com cheque ou cartão. Assim, não é preciso levar grandes quantias em dinheiro, diminuindo os riscos; • não deixe a bolsa, carteira ou objetos comprados em locais que possam ser roubados; • procure fazer compras em • não olhe diretamente para os marginais - isso é visto como uma ameaça; • procure memorizar todos os detalhes possíveis, como fisionomia, modo e frases usadas, roupas, gírias, trajetos e locais visitados, veículos utilizados; • não tente fugir ou reagir. É comum pessoas estarem efetuando cobertura. horários de menor movimento; • não é aconselhável mostrar dinheiro em público, principalmente em bares, restaurantes, lojas, cinemas e carrinhos de pipoca; • bolsas, carteiras ou sacolas de compras devem ser transportadas junto ao corpo, do lado de dentro da calçada; • evite carregar muitos pacotes ou sacolas para não ter as duas mãos ocupadas. • Se houver necessidade de realizar saques à noite, prefira caixas instalados em locais iluminados e com grande movimentação de pessoas; • não se dirija sozinho ao caixa eletrônico. Leve acompanhantes adultos e peça que aguardem fora da cabine, como se estivessem na fila. Completada a operação, guarde o numerário em diferentes bolsos e abandone o local o mais rápido possível; • evite estacionar o carro e andar até o caixa. Caso seja necessário, não deixe ninguém no interior do veículo; • não demore no interior de caixas eletrônicos. Planeje antecipadamente a operação desejada; • não perca tempo. Quando completar a transação, guarde seu cartão e seu dinheiro imediatamente. Confira o dinheiro em local seguro. Outras recomendações no www.policiamilitar.sp.gov.br Edição e diagramação: Michael Gil PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 5 Quem tem medo da Guarda Noturna ? Instituição, que já teve poder de Polícia Militar, atualmente está esquecida pela população Mariana Aquila Antigamente, a população de Santos ficava apreensiva e. logo em seguida, mais tranquila ao ouvir um apito tocar durante a noite. Sabe por quê? Eram os guardas noturnos entrando em ação. “A Guarda Noturna já teve poder e autoridade igual à da Polícia Militar. Podia atender qualquer tipo de ocorrência, prender e levar o detido para o distrito policial. Hoje em dia, nem armamento usamos mais, depois da lei do desarmamento de 1988”, diz o inspetor geral Miguel Dias de Souza, que trabalha na guarda há 40 anos. Em 23 de dezembro de 1940, no governo Adhemar de Barros, a Guarda Noturna foi oficializada, mas existem registros de que já existia há mais tempo. Apesar dessa ligação com o Estado, a única fonte de renda vem agora de quem contrata os serviços. “A SÓCRATES PUNTEL grande diferença que sinto é que, anos atrás, existia uma dependência da população em relação a esses profissionais. O trabalho era de rondar quarteirões e, em uma época, fiscalizar os patrimônios da Cidade. Hoje em dia, isso não acontece mais. Perdeu-se o poder. Eles trabalham em prédios e estabelecimentos, por exemplo: em transportadoras, controlando o acesso”, explica Souza. As atividades atuais se resumem em zelar pela segurança de quem contrata o serviço e das pessoas envolvidas. “Os guardas auxiliam as vítimas. Caso uma viatura esteja por perto, eles relatam o ocorrido; se não, entram em contato com o inspetor geral e encaminham a vítima à delegacia”, conta Renato Soares Prestes, diretor da G.N. há 11 anos. Para se tornar guarda noturno é preciso apresentar um currículo. Os que se encaixam no perfil são chamados para uma entrevista. “Antes, éramos 600 trabalhadores. Agora, somos 120”, lamentou Miguel Souza. São quatro divisões dentro da Guarda Noturna: o diretor, que é eleito pelo secretário de Segurança Pública; o inspetor geral, inspetor plantonista e os guardas. A sede atual fica na Avenida Conselheiro Nébias, 676, mas já passou pela Praça da República e pela Avenida Ana Costa. O guarda Nick Quando estive na sede da Guarda Noturna, fui surpreendida por uma presença canina na sala do inspetor geral. Conheci o Nick, um cachorro que mora lá e usa até roupa de segurança. “Ele está aqui há sete anos. É super dócil e muito companheiro”, define Miguel Dias Souza, de quem o cão é fiel parceiro. za, tem a ajuda de Nick, O guarda noturno, Miguel Dias de Sou roupa de segurança até um cachorro que mora na sede e usa O perigo está em toda a parte SÓCRATES PUNTEL is perigosos, com furtos e roubos, Gonzaga e Boqueirão são bairros ma Santos, Renato Per renoud segundo o secretário de Segurança de 6 Edição e diagramação: Ivan De Stefano PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 Bruna Garcia “Em relação à violência, Santos não tem pontos críticos específicos. Na verdade, ela está espalhada por toda a cidade”. A afirmação é do secretário de Segurança de Santos, Renato Perrenoud. Segundo ele, as drogas estão em todos os lugares. Perto de escolas e faculdades, na praia, na periferia, nos morros, nos diques. “Hoje, você encontra traficantes em qualquer ponto da cidade, inclusive em bairros mais abastados”, diz o coronel reformado da PM. Furtos e roubos acontecem com mais frequência em centros comerciais, como os shoppings, e nos bairros do Boqueirão e do Gonzaga. “A violência doméstica e os homicídios ou acertos são mais na periferia, mas podem ocorrer em qualquer lugar”. Segundo o secretário, existem bairros em que a população é coibida de sair de casa pelos traficantes. A segurança individual é um fator primordial para poder circular tranquilamente por todas as regiões da cidade. Segundo Perrenoud, deve-se tomar cuidado com a maneira de se vestir e tentar não se destacar, para evitar assaltos e outras manifestações violentas, em qualquer parte, principalmente à noite. O secretário disse ainda que existe um projeto para a instalação de 250 câmeras de monitoramento por toda a cidade. Por enquanto, apenas 30 estão em funcionamento. O prefeito João Paulo Tavares Papa assinou recentemente um acordo com a Petrobras que irá ceder mais 18 câmeras. Família é o foco central da Seas, afirma secretário Carlos Teixeira fala sobre as principais demandas de inclusão social no município ALINE DELLA TORRE Mayra Ramos Atendimento social, verbas, adolescentes infratores, vítimas de violência doméstica e cadastramento de candidatos ao BolsaFamília. Estes são alguns dos temas que o secretário de Assistência Social, Carlos Teixeira Filho, abordou nesta entrevista ao Primeira Impressão. Confira detalhes sobre a pasta, cuja demanda social é crescente, e que atende cerca de 12 mil famílias. PI – Quais são as maiores demandas da secretaria? A principal demanda de inclusão social da pasta é o Restaurante Bom Prato, que serve 1.200 refeições diárias ao custo unitário de R$ 1,00. O cardápio é elaborado por nutricionistas, que seguem o nível de calorias preconizado pela Organização Mundial da Saúde. O espaço é cedido pela prefeitura. A administração é da ONG Estrela do Mar e os alimentos são fornecidos pela Secretaria de Abastecimento do Estado de São Paulo. Em seguida, estão os programas de transferência de renda do Bolsa Família — em parceria com o governo federal — e Programa Nossa Família, municipal. Os candidatos ao benefício procuram os Centros de Referência da Assistência Social, a partir de onde são avaliados por operadores sociais que examinam o Danilo Netto Juliana Fernandes Visto como “quartel militar” pelos moradores de rua e abrigo pela população santista, a Sociedade Amiga dos Pobres Albergue Noturno oferece orientação e cursos para os desabrigados. Segundo a assistente social Rosalice Rosário, a entidade promove aulas de artesanato todos os dias, entre outras atividades. O local disponibiliza 60 vagas: 40 são para homens e 20 para mulheres. Muitos, porém, preferem ficar nas ruas e as vagas não são preenchidas na totalidade. Todas as noites, a perua da Prefeitura passa pelas ruas de Cidade para recolher os moradores. Muitos se recusam. “Eles dizem que na rua têm mais liberdade, não têm regras”, diz Rosalice. O morador de rua tem direito de ficar cinco dias no albergue. Se precisar ficar um tempo maior, para esperar, por exemplo, culdades que a Seas enfrenta? A violência doméstica aumentou, principalmente entre crianças e adolescentes. A questão dos moradores de rua também nos preocupa bastante. A sociedade precisa se conscientizar que não pode dar esmolas, nem roupas, nem alimentos ao morador de rua. Isso só vai mantê-lo naquela situação. O que nós percebemos também é que há um aumento no número de moradores de rua na Baixada Santista, coisa que não existia. Geralmente, são pessoas que vêm de outras regiões para procurar emprego e melhorar de vida. ção do SUAS, que Secretário aposta na implanta efícios às famílias oferece ser viços, programas e ben corte de renda e as condições materiais, caso a caso, encaminhando ou não os solicitantes aos programas. Em terceiro, há a demanda do benefício auxílioaluguel (R$ 400,00), direcionado atualmente a 178 famílias. Serve para vítimas de sinistros (incêndios, enchentes, desmoronamentos) e que perderam seus imóveis. O benefício é pago diretamente ao locador. O que mudou desde que o sr. assumiu a secretaria, em 2005? Estamos tentando implantar o Sistema Único de Assistência Social (Suas), que oferece serviços, programas, projetos e benefícios especiais para a família. Hoje nosso foco principal é a família. Nós implantamos o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que tem uma política voltada para as pessoas que estão vivendo em vulnerabilidade social, ou seja, para atender as necessidades do munícipe. O Centro de Referência Especializada da Assistência Social (Creas) atende o cidadão que teve um direito violado. Nós atendemos indivíduos vítimas das diversas formas de violência. O que falta para o SUAS ser aprovado? Está na última comissão no Congresso. Todos os estados estão trabalhando para o Suas se tornar lei. Quando isso acontecer, vai ser possível contratar ou até pagar os recursos humanos com verba do Governo Federal. O orçamento destinado à secretaria de Assistência Social é suficiente? Nós temos uma discussão que também está no Congresso para que a Assistência Social tenha um percentual dentro dos municípios. Assim como a saúde, em torno de 20% e a educação, 25%. A discussão é que a assistência social tenha 5% deste orçamento. Mas acredito que o foco não seja este. Precisamos nos preocupar em como este dinheiro está sendo aproveitado. Não adianta ter uma verba de R$50 milhões e não executar o seu orçamento. Hoje, para suprir as nossas necessidades, o orçamento é suficiente. Claro que sempre pleiteamos mais, afinal nós estamos investindo e implantando as políticas. Mas também temos um convênio com os governos do Estado e o Federal, o que acaba complementando o nosso orçamento. Quais as maiores difi- Moradores de rua rejeitam Albergue Noturno a família mandar a passagem de volta, ou para fazer uma entrevista de trabalho, o caso é analisado separadamente. “Se for caso de emprego, damos “Nessa profis- são, é preciso ser neutro para não se envolver e sofrer ASSISTENTE SOCIAL ROSALICE ROSÁRIO um mês para elas ficarem e conseguir alugar um quarto com o salário. Ou então, quando estão aguardando a passagem para voltarem à cidade natal”. Com 95 anos de história o Albergue recebe pessoas de diversas cidades que vieram almejando um melhor emprego ou encontrar parentes. Nessa jornada, muitos perdem os documentos. “Então eles vêm, ficam dormindo na rua, acabam sem nada e, por esse motivo, começam a beber e se drogam”. Também existem casos de jovens usuários de drogas ou alcoólatras que são expulsos de casa, pois a família já deu auxílio, mas mesmo assim eles continuam com o vício e começam a roubar objetos dentro da própria casa. “Teve um caso, mês passado de um rapaz que pediu para que eu ligasse para a sua mãe. Durante a ligação, a mãe do rapaz me respondeu que já estava cansada de ajudar o filho e que, infelizmente, não ia lhe dar a mão dessa vez e começou a chorar. Isso me deixa muito triste. No começo, eu ia para casa angustiada. Nessa profissão, é preciso ser neutro para não se envolver e sofrer”, desabafa a assistente social. Os albergados entram às 19 horas, vão tomar banho, colocam o pijama, jantam e a seguir vão se deitar. No dia seguinte, acordam às 6 horas, tomam café, são orientados pela assistente social e depois saem para procurar emprego ou retomar outra atividade dentro do albergue. Uma norma imposta é que não cheguem alcoolizados ou drogados. “Todas as noites oferecemos higiene pessoal: pasta de dente, escova, sabonete, desodorante, roupas”, diz Rosalice. O albergue se mantém com verba da Prefeitura e do governo federal. Outra forma de arrecadação é o bazar, um terreno alugado e um estacionamento. A entidade No orçamento para 2010, a secretaria tinha à disposição R$30,1 milhões (2,74% do total da receita). Neste ano, a parte diminuiu para R$29,5 milhões (2,39% do orçamento). Por sua vez, a Câmara aumentou sua participação de R$38,9 milhões para R$50,9 milhões (de 3,5% para 4%). A Câmara tirou dinheiro da secretaria? Não. É um órgão totalmente independente do Executivo. Agora, cada vereador vai receber uma verba para investir dentro da área social. Existe uma norma operacional básica dentro dos recursos humanos que analisa a necessidade da contratação de funcionários e da implantação das políticas. O custo da folha de folha de pagamento desses funcionários absorve quase a metade do nosso orçamento. também participa do Festa Inverno vendendo pizzas. Segundo Rosalice, o albergue aceita qualquer tipo de doação. Elas podem ser entregues no próprio local (Rua Brás Cubas, 289, Vila Mathias). “Se for doar algo maior, é preciso telefonar. Agendamos e vamos buscar em casa. Essas doações são recolhidas às terças e sextas- feiras”. Como começou A quantidade de mendigos e migrantes andando pelas ruas da cidade fez com que a Câmara Municipal e entidades se unissem para criar uma entidade que atendesse aos necessitados. No dia 7 de abril de 1916, na sede da Associação Comercial de Santos, foi realizada a assembleia de fundação da nova entidade. Com representantes de 40 instituições da sociedade santista foi fundada oficialmente a Sociedade Amigo dos Pobres Albergue Noturno. Edição e diagramação: Willian Guerra PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 7 E-drugs, o som que vem da rede Programa de computador produz ondas sonoras que interferem no cérebro GABRIEL MARTINS droga virtual Adolescentes estão usando uma oras que produz “doses” de ondas son Gabriel Martins Deitado no quarto, uma pessoa coloca os fones de ouvido e escuta um som aparentemente inofensivo. Depois de um tempo, o usuário começa a sentir uma sensação fora do comum. Esta é a descrição de como os adolescentes estão usando uma droga virtual, chamada de I-Doser ou E-Drugs, que nada mais é do que um programa de computador que produz “doses” de ondas sonoras. Estas ondas interferem nas ondas cerebrais, simulando o efeito de várias drogas reais em seres humanos. A universitária B.G., 20 anos e usuária por seis meses, conta que usa estas drogas apenas para relaxar. “Gosto delas porque não são pesadas, não vejo ninguém morrendo no Jornal Nacional por causa delas. Minha preferida é a quick happy.” No site da I-Doser Experience, principal marca que disponibiliza esse tipo de arquivo na rede, existem diversos pacotes diferentes, cujo download custa muito menos que as drogas convencionais. Entre as mais famosas pode-se encontrar maconha, cocaína, ópio e peyote. Os criadores do site empregam a técnica binaural beats (batidas bineurais, em português), descoberta pelo físico alemão Heinrich Dove em 1839. A tese afirma que caso duas freqüências semelhantes, mas não iguais, sejam reproduzidas em cada um dos ouvidos, haverá estímulos auditivos ao cérebro. Essas batidas são utilizadas, por exemplo, em sessões de meditação e até em algumas músicas. Na década de 70, foi descoberto que elas poderiam diagnosticar o Mal de Parkinson, pois a maioria dos que sofrem do problema não consegue perceber as batidas. Em resposta por e-mail o Núcleo de Pesquisas em Psicologia e Informática (NPPI) da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) informa que “o I-doser é um programa que procura simular a sensação da ingestão de algumas substâncias.” Segundo o site que o distribui, não existem contra-indicações. Algumas pessoas descrevem como sendo uma auto-sugestão, outras não sentem os sintomas descritos”. Não é difícil encontrar vídeos e relatos de pessoas que usam as E-drugs. Em uma comunidade do Orkut com mais de 28 mil membros há um tópico com as mais variadas experiências. A mais famosa é uma chamada Nitrous, segundo R.P., usuário há pelo menos três anos. “Ela não é forte nem fraca, é moderada. Recomendo, já a usei e fiquei rindo que nem louco por vários minutos”, lembra. Já a mais famosa dentre as doses se chama Gate of Hades, dose da qual B.G. conta que sempre morreu de medo dela, mas tinha curiosidade para ver como era. “Nunca criei coragem para usá-la. Até o dia em que resolvi tentar. No começo, eu não senti muita coisa, apenas uma agonia muito grande e um medo. Mas eu tentava me manter calma, dava trabalho. Eu tentava me concentrar para não sentir tanto medo. Funcionou até chegar aos 23 minutos. A partir daí, a frequência da dose aumenta. Eu tive um ataque de pânico. Senti um medo incontrolável, tirei o fone, dei um grito, joguei longe e saí do quarto procurando um ambiente com luz. Depois disso, fiquei uma hora tremendo e ainda sentindo bastante medo.” Lei busca inserir dependente químico na sociedade Letícia Schumann Reinserir dependentes químicos na sociedade é um dos problemas mais graves que o País enfrenta hoje. Com o objetivo diminuir as consequências sociais que um viciado em drogas enfrenta foi aprovada, em 23 de agosto de 2006, a Lei 11.343, mais conhecida como a Lei do Usuário. 8 A advogada Luciana Rocha Silva explica que a lei tem como objetivo reinserir o dependente químico na sociedade e punir corretamente o traficante. “Atualmente, para a legislação, o usuário é um doente que precisa da ajuda do Estado e não de punição. Não existe uma quantidade ‘x’ que caracterize tráfico ou uso. As circunstâncias do caso é que aju- Edição e diagramação: Ivan De Stefano PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 darão as investigações”, explica. Luciana cita um exemplo segundo o qual a quantidade não seria o determinante para a polícia saber se se trata de dependente ou de traficante: “Um usuário que viaja não tem como buscar a droga todos os dias. Ele então acaba comprando uma quantidade maior para consumir nas férias, por exemplo. Se for pego, e analisado apenas o quesito quantidade, ele seria preso em flagrante por tráfico. Assim, tudo depende do contexto. O vício também é facilmente percebido pelos policiais que acompanham o flagrante. Eles vão em busca de indícios que levem ao tráfico”, diz. Caso um dependente seja detido, não há aplicação de pena. “A Lei 11.343/06 visa a recolocação deste indivíduo na sociedade, ou seja, prevê programas de tratamento e ajuda psicológica”. Luciana explica que só se pune o bandido e não a vítima. “Privar o dependente de sua liberdade não é o remédio. A lei inovou neste ponto. Afinal, quem disse que no sistema prisional não existe tráfico? Os doentes continuariam viciados”. Ela diz que a lei dá a oportunidade aos dependentes químicos de se redimirem e consequentemente a marginalização deles sob o ponto de vista social também diminui. Já os traficantes podem, muitas vezes camuflar situações para se passar por usuários. “Al- guns conseguem driblar a lei”, reconhece a advogada. Para Luciana Rocha Silva, a lei não incentiva o uso de entorpecentes: “O consumo e a venda continuam sendo proibidos. A droga é ilícita, mas dá a chance de verdadeiros doentes e vítimas de traficantes não terem o mesmo destino de criminosos”. A advogada conclui que a droga é um problema a ser combatido, punindo traficantes e não os dependentes. “O aumento ou não do consumo é proporcional ao diálogo com a família, educação, prevenção. Não é pela lei antidrogas. Se tirarmos um retrato atual da sociedade, veremos o oposto do que o País precisa para se livrar deste problema”. Lembrando que há poucos dias houve a marcha para a legalização da maconha, Luciana comenta que tornando esse tipo de droga legal, o tráfico não acabaria. “Existem outros entorpecentes que não possuem nenhuma chance de legalização, como o crack e a cocaína. O tráfico continuará a fazer vítimas com ou sem legalização”, conclui. Consumo de álcool e cigarro pode levar a outras drogas Segundo o presidente do Conselho Municipal Antidrogas, custo baixo dificulta ação das autoridades CARINA SElES Nathalia Pio Bebidas alcoólicas e cigarro podem sim ser uma porta de entrada para o consumo de drogas ilícitas, segundo Eustázio Pereira Filho, presidente do Conselho Municipal Antidrogas (Comad) de Santos. O consumo exagerado desses entorpecentes prejudica não só consumidor, mas a sociedade. Em mortes ocorridas em acidentes de trânsito no Brasil, 70% apresentavam alto teor etílico na necropsia e o tabaco, no ano 2000, foi responsável por 25% dos leitos ocupados no Sistema Único de Saúde (SUS), conforme um estudo realizado pela Unifesp. “Ninguém chega ao crack diretamente. Todo o caso começa pelo cigarro e álcool, cada dia mais precocemente, passa pela maconha, que abre às compulsões, e chega à cocaína, ao crack, etc.”, alerta Pereira Filho. Na Baixada Santista, o álcool também é a droga mais consumida entre adolescentes que frequentam o ensino médio público, 69% ingerem bebidas alcoólicas regularmente, seguida pelo tabaco com 23% tabaco, 15% usam solventes, 12% maconha e 3% cocaína. rro O consumo excessivo do álcool e do ciga tas ilíci gas dro as facilita o contato com Na última pesquisa realizada pela UNISANTA em parceria com o Comad em 2005, ainda não aparecia o crack dentro do ensino sistemático, usado, na época, apenas pela popu- lação em situação de rua. Nos dias atuais a situação está diferente. O crack e o mais recente oxi estão disseminados em todas as classes sociais e faixa etária. Esses entor- pecentes viciam mais rápido e são mais devastadores para o organismo, “A cocaína chega ao cérebro, passando pelo aparelho digestivo, via corrente sanguínea, isto leva cerca de dez minutos. O crack e o oxi levam dez segundos para que surjam os efeitos. Portanto, são drogas altamente compulsivas levando o indivíduo à perda de lucidez parcial”, explica o presidente do Comad. O baixo custo desses entorpecentes dificulta a ação das autoridades, “Não há como evitar o acesso”, admite o Pereira Filho. Porém, há tratamento disponível em Santos para os dependentes. Os consultórios de rua, em Santos chamados de Ruas de Cidadania, prestam atendimento aos usuários que moram nas ruas. O Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas, Senat/Caps. E ainda Grupos de Apoio de Anônimos como Amor Exigente, que oferece orientação aos familiares, Pastoral da Sobriedade, entre outros. Apesar de ser difícil a recuperação de dependentes químicos, Pereira Filho conta que não é impossível, “Felizmente, tenho acompanhado vários casos de recuperação. Trata-se de uma doença crônica e progressiva, mas totalmente controlável, desde que exista a aprendizagem das ‘ferramentas’ para que a pessoa passe a ter controle e se mantenha recuperado”. Núcleo atende dependentes PATRíCIA ROSSETO Patrícia Rosseto O idealizador e fundador do Núcleo Jama, o engenheiro civil José Antônio Marques Almeida, diz que o interesse em ajudar dependentes químicos começou há 20 anos, quando organizou um desfile de modas e cobrou ingressos dos participantes, convertendo a renda completa para o Desafio Jovem, organização cristã que acolhe dependentes químicos que desejam recuperar-se. Durante um tempo, continuou a dar sua contribuição daquela maneira até que decidiu fundar o Núcleo Jama, que ele não gosta de chamar de instituição nem de organização. Prefere que se chame de núcleo mesmo, pois “não existe ligação com nenhuma igreja ou organização”. O apoio financeirao é dado por ele com a ajuda de voluntários, como pessoas dedicadas e até profissionais da área, como psicólogos. Qualquer pessoa pode participar das reuniões do núcleo, ainda que não seja dependente químico. Já conversar com a psicóloga só quem pode fazê-lo é o dependente. Segundo Jama, não existe nenhum tipo de vínculo entre quem decide participar das reuniões e o núcleo. “Não há registros, contribuições, obrigações”, tem Engenheiro diz que a entidade não ligação com igreja ou organização afirma. “O problema que as pessoas enfrentam com as drogas é uma questão existencial e espiritual”, acrescenta. Para ele, as pessoas não podem se limitar ao materialismo. “Devemos acreditar naquilo que não vemos também. A própria questão da morte é um exemplo disso. A busca pela fé e a esperança fortalece a vida e a vida é o caminho”, diz. Na opinião de Jama, qualquer dependente pode se libertar das drogas. “Todos querem largar, sem exceção. A vontade pessoal puxa para fora da situação”, diz, lembrando que a dificuldade é maior para quem não encontra apoio, como a ajuda e compreensão da família, de pessoas especializadas e, principalmente, a “aproximação a Deus, à fé”. Outro detalhe importante que ele ressalta é que o apoio deve ser situado socialmente para que haja uma real mobilização e aproximação dos dependentes, e, acima de tudo “solidariedade”. A história humana se repete, cada um tem sua realidade e suas angústias, diz. “Quem está de pé deve cuidar para que o outro não caia”, recomenda, lembrando que a recaída de um dependente o coloca no mesmo ponto em que parou. A participação da família também é apontada por ele como fator que contribui para a cura. Para Jama, a sociedade está muito alheia à expansão das drogas na sociedade. “A sociedade exige muito do governo, que não é eficaz nem consegue resolver a situação sozinho”, diz. “Em Santos, por exemplo, a questão está praticamente abandonada”, acrescenta, argumentando que a sociedade que não usa droga não produz o tráfico. Para Jama, a população devia ser mais solidária com o dependente. “os religiosos também estão apáticos. Estamos em uma situação de guerra e na guerra todos são convocados. Não é uma tarefa simples, mas também não é impossível”, conclui. Edição e diagramação: Thaís Cardim PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 9 A batalha contra o vício Casas de recuperação investem em terapias de grupo para que usuários consigam largar as drogas 10 Pescaria é uma das atividades de lazer a qual os usuários possuem na clínica de reabilitação Razão de Viver... autorizadas pela família no ato da internação. A reclusão varia de seis meses para casos de álcool e nove para drogadição. O método adotado pela entidade é o de afastamento, que, segundo o coordenador, exige muita dedicação por parte do paciente. “Nos casos mais graves, o usuário tem crises de abstinência com convulsões, sente fortes dores pelo corpo nda Legenda legenda legenda legenda lege e necessita de tratamento legenda legenda legenda legenda médico. Mas o equilíbrio e o esforço são peças fundamentais”. ço proporcionado para o Os internos participam ... que contam também com amplo espa de atividades como labotedescanso e bem estar dos dependentes rapia; terapia ocupacional, em grupo e individual; mú- tou-se da família e se juntou finaliza. sica; reuniões que tratam a outros usuários, passando A Razão de Viver recebe de assuntos pessoais como vários dias sob o efeito das mensalmente o auxílio de partilha de sentimentos e drogas. “Cheguei a ir a uma 20 cestas básicas de uma confronto de ideias e dinâ- festa em que o bolo de ani- entidade de São Paulo e micas de grupo etc. Segun- versário era feito com cem trabalha com a venda simdo o coordenador, a média gramas de cocaína. De tan- bólica (R$ 1,00) de jornais de recuperação da entida- to cheirar, passei três dias informativos da clínica. de está compatível com a com o nariz sangrando e Das vagas disponíveis, da Organização Mundial perdi a consciência”. cinco são para pessoas que se de Saúde (OMS). Neste priDepois de muitas tenta- encontram em situação de meiro trimestre, por exem- tivas, M. conseguiu se recu- rua ou sem condições para plo, foram cinco os casos perar do vício e, então, há arcar com os custos. Do resbem-sucedidos. 11 anos deu início ao projeto tante, o interno paga inicialO coordenador da clíni- Razão de Viver. Hoje, aos mente R$ 300,00 por mês e ca tem uma razão especial 35, espera que sua histó- mais uma cesta básica. para seguir com o projeto. ria sirva de exemplo para A Casa fica à Avenida Ele sabe melhor do que nin- quem acredita que a dro- Itália, 666, no Jardim Coroguém as difiga seja um nel, Itanhaém. Contato: (13) culdades que refúgio da 3594-2683. um depenTratamento Gratuito Quando sabem mente. “A dente tem família é Para quem precisa de das responsabilipara largar quem mais ajuda, mas não tem posdades que terão as drogas. sofre com sibilidade de custear um “Fui usuário de cumprir, alguns essa triste tratamento, em São Vicendesistem antes de de todas as s i t u a ç ã o . te existe o Centro de Apoio substâncias tentar Hoje, o que Psicosocial – Álcool e Drogas possíveis, ANDREZZA GALACHO eu puder (Caps AD). O local atende LOPES, psicóloga menos as mudar na a dependentes químicos e drogas injeforma de oferece várias formas de táveis. Dos 14 pensar das atendimento, como, por aos 21 anos, pessoas eu exemplo, medicação assistipassei muito tempo fora de tento, pois sei o quanto é da; terapia de grupo; oficimim”, explica. triste tal realidade. Só que- nas; atendimento individual Entre altos e baixos, M. ria dizer que foi muito di- e tratamento intensivo diáchegou a morar na rua, co- fícil para mim, aos 14 anos, rio (Hospital Dia) que obrimer lixo para sobreviver e ler no atestado de óbito de ga o paciente a passar o dia se tornar escravo do crack. meu pai que a morte havia todo no local e voltar para Durante esse percurso, afas- sido fruto do alcoolismo”, casa no final da tarde. “ Edição e diagramação: Willian Guerra PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 ALINE PORFíRIO O dependente químico, por vezes, parece não acreditar na possibilidade de largar o vício. Porém, existem entidades que apostam no contrário e trabalham intensivamente com a desintoxicação e reinserção dessas pessoas na sociedade. É o caso da clínica Razão de Viver, situada em Itanhaém, que trabalha com a recuperação para usuários de álcool e drogas. A casa atende a pessoas de 18 a 50 anos, somente do sexo masculino, que possuem algum tipo de transtorno com a dependência química. “A maioria dos casos são de usuários de crack, que é, sem dúvida, uma das piores substâncias”, explica Marcello Nunes de Oliveira, coordenador da clínica. Oliveira conta que até pouco tempo a entidade ficava no bairro Parque das Américas, em Praia Grande. Mas, devido ao rápido crescimento da população na área, teve que se mudar para a zona rural de Itanhaém, em busca de um lugar mais isolado para o tratamento, que é intenso e delicado. “Para se curar, o paciente tem que possuir muita vontade e acreditar em si. E, infelizmente, as zonas urbanas favorecem a desistência devido à facilidade para se encontrar entorpecentes. A terapia interna, entre eles, é um dos pontos mais importantes do tratamento”. Ele explica que das 30 vagas disponíveis, atualmente, 29 estão preenchidas. E a procura cresce cada dia mais, principalmente por menores de 18 anos. O coordenador explica que a casa não comporta esse perfil de pacientes, pois teria que possuir outra área isolada para esse atendimento. “Quando abrimos a casa, há 10 anos, a procura de mulheres em busca de tratamento era de uma a cada dois meses. Hoje, 30% das ligações são para pedido de internação ao sexo feminino”. Para se tratar no Razão de Viver, os usuários passam por uma bateria de exames para a constatação de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose, por exemplo, além de testes psicológicos para que tenham a certeza de que estão dispostos a enfrentar a abstinência. A casa também aceita soropositivo. Na entidade, os pacientes têm o direito de receber a visita da família uma vez por mês e a ligação de um parente ou amigo toda sextas-feiras, desde que este conste de uma lista com seis pessoas ALINE PORFíRIO Aline Porfírio A psicóloga e responsável-técnica do Caps AD, Andrezza Galacho Lopes, explica que, para receber o tratamento, o dependente deve passar por uma triagem, para que sejam identificados os melhores cuidados para ele. “Muitos passam por aqui querendo escolher o seu tratamento, ou seja, achando que só medicação basta. Quando sabem das responsabilidades que terão de cumprir, como comparecer às consultas com psicólogos e psiquiatras, participar de reuniões e atividades da entidade, alguns desistem antes de tentar”, diz Andrezza. O equipamento realiza, em média, 25 triagens por semana e 35 atendimentos de tratamento diários. No local, o paciente não fica internado, mas deve comparecer todos os dias para acompanhamento. Lá também desenvolve uma série de atividades que auxiliam no afastamento do vício e a socialização, principalmente com a família. Para mais informações, o Caps AD fica à Rua Diego Pires de Campos, 35, na Vila São Jorge, em São Vicente, e o telefone para contato é o (13) 3561-1993. Oxi: a mais devastadora das drogas Pior do que o crack e a cocaína, a nova droga se espalha pelo País como um rastro de pólvora CARINA SELES Rafael Cicconi Mais barato que o crack. E, também, mais agressivo. Esse é o oxi, uma nova droga que se espalha pelo Brasil e vem se tornando um problema para a saúde pública. Derivada de uma mistura de cocaína, querosene e cal virgem, ela é utilizada da mesma forma que o crack. Porém, é mais barata, pois para a composição do crack são utilizados, além da cocaína, bicarbonato de sódio e amoníaco. Apesar do mesmo princípio ativo, o oxi causa problemas maiores aos usuários. Segundo a psicóloga Iara Bega de Paiva, responsável pelo Caps-AD, setor da Prefeitura de Guarujá responsável por tratar de pessoas com problemas de álcool e drogas, o preço e seu efeito são mais prejudiciais que o do crack. “O oxi é comprado por um valor baixo (entre R$5,00 e R$10,00) e em maior quantidade. Como é uma droga ingerida pelo sistema respiratório, tem um acesso mais rápido ao organismo”, ressalta a psicóloga. A necessidade do usuário é graças ao tempo de queima da droga. Como o querosene tem uma combustão rápida, o oxi tem um efeito curto no organismo do usuário, sendo de aproximadamente 15 minutos. Por isso, a necessidade da pessoa fumar mais vezes. “Essa quantidade excessiva é que vicia o usuário. Enquanto o efeito do crack tem uma duração de 40 minutos, o oxi tem apenas um terço disso. Centro, é um o túnel Rubens Fer reira Martins, no ça sobreLegenda A praLegenda de drogas dos locais preferidos para o consumo Além do fato de ser mais barata e vir em maior quantidade que a outra”, explica. E com a velocidade que a droga se espalha, ela já chegou à Baixada Santista, inclu- O efeito do crack dura 40 minutos. O oxi, cerca de 15 minutos sive com apreensão em São Vicente. Entretanto, segundo a Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes (Dise), ainda não há casos na região. Porém, o surgimento rápido da nova droga torna o conhecimento de especialistas ainda vago. “Não temos muito conhecimento sobre o oxi. Sabemos de casos na região, porém é difícil saber de usuários, pois eles não chegam até nós para procurar ajuda”, comenta Iara. O agravante desta situação é a forma que os casos chegam aos médicos. “Os usuários apresentam um quadro de tuberculose ou qualquer outro problema respiratório”, aponta Iara. “O uso do oxi deixa a pessoa muito vulnerável e até mesmo uma simples gripe torna-se uma grande doença para o dependente desta droga”, conclui a especialista. Composição Concentração de cocaína Aparência (cor) Efeitos no organismo Santos: pioneira na implantação do Naps Luiz Felipe Lima O Núcleo de Apoio ao Psicossocial (Naps) é órgão da Prefeitura que atende a diversas pessoas que possuem depressão, transtornos psicóticos, neuróticos graves, transtornos persistentes e outras doenças da saúde mental. Ele surgiu logo após a intervenção feita em 1989 pela Prefeitura na Casa de Saúde Anchieta, uma instituição particular de hospital psiquiátrico que atendia a Baixada Santista, mas que, por falta de estrutura, abrigava os pacientes em condições subumanas. O Naps existe no Brasil por causa de um processo histórico da lei nº 10.216, que regulariza o efeito substitutivo da reforma psiquiátrica. Este núcleo atende a três categorias de acordo com o nível de complexidade do atendimento: o de nível 1 é ambulatorial, o de nível 2 é de atendimento hospital-dia que fecha às 18 horas e o de nível 3 que atende 24 horas sete dias por semana e conta com três leitos femininos e três masculinos. Cada Naps atende a uma parte da região em suas proximidades, por exemplo: o Naps 5 fica localizado à Rua Gonçalves Ledo, 29, no Campo Grande, atendendo aos moradores dos bairros do José Menino, Campo Grande, Marapé, Morro do Marapé e Pompéia, desde a divisa até a Rua Joaquim Távora. Este órgão prioritariamente atende a pessoas do nível três, como psicóticos, neuróticos graves e transtornos persistentes. Desde a inauguração, o Naps 5 atendeu a cerca de 3.700 pacientes e, hoje, o número de pessoas em tratamento é de aproximadamente 1.800, sendo que 35 pessoas freqüentam diariamente. O Naps 5 conta com 13 auxiliares de enfermagem, três médicos psiquiátricos, duas assistentes sociais, uma enfermeira, dois acompanhantes terapêuticos, um terapeuta ocupacional, três psicólogos e um farmacêutico. Cláudia Rodrigues Montei- Crack Oxi Pasta-base de cocaína, com amoníaco e bicarbonato de sódio Pasta-base de cocaína, com querosene ou gasolina, e cal virgem 40% 80% Branca Amarela (com mais querosene ou gasolina), branca (com mais cal virgem) ou roxa (quando a composição de querosene e cal virgem é idêntica) Dobro do efeito da Os mesmos do crack, cocaína, aumento da porém, como o efeito da pressão arterial, alto droga passa rapidamenrisco de infarto e AVC. te, o potencial de causar A longo prazo, pode dependência é maior. causar perda de Como o querosene e a cal memória, diminuisão substâncias altamente ção da capacidade tóxicas, os órgãos internos de concentração e são queimados, podendo raciocínio levá-los à falência LuIZ fELIPE LIMA SErviçO Naps 1 – Rua Luiz Gomes Cruz, s/nº - Zona Noroeste. Tel: 3299-4368/ 3299-3524/ 3209-8000 Naps 2 – Avenida Conselheiro Nébias, 325 – Encruzilhada. Tel: 3222-1217 Naps 3 – Avenida Coronel Joaquim Montenegro, 329 – Ponta da Praia. Tel: 3222-1217 Naps 4 – Avenida Pinheiro Machado, 718 – Jabaquara. Tel: 3225-5796 do A cidade conta com cinco unidades Naps, núcleo criado em 1989 ro Bezerra, chefe do Naps 5, comenta que não existem dados a respeito de pessoas curadas. “O que pode acontecer a uma pessoa que possui um transtorno é ter um controle da doença. Muitas vezes, os pacientes abandonam o tratamento no meio por estarem se sentindo bem, mas, depois, acabam voltando”, diz. “Se estivermos falando de depressões mais leves, algu- mas pessoas que vêm aqui são curadas e conseguem sair, mas, entre aquelas que apresentam transtornos mais graves como psicose, só uma paciente nunca mais voltou”. Cláudia recorda apenas de uma paciente que, depois de anos em tratamento na unidade, ficou curada. O Naps e as drogas Em seu primeiro atendi- Naps 5 – Rua Gonçalves Ledo, 29 - Campo Grande. Tel: 3251-2094 mento no Naps, o drogado precisa contar sua história pessoal, antes de ser encaminhado ao órgão que oferece um atendimento específico ao usuário, a Seção Núcleo de Atenção ao Dependente (Senat). Pessoas usuárias de drogas que possuem um nível psicótico alto recebem tratamento diferenciado em relação a pessoas que não possuem distúrbios mentais. Edição e diagramação: Thaís Cardim PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 11 “Dentro da minha casa, a droga” Largar a droga não é difícil. Complicado mesmo é não sofrer uma recaída, que significa a volta de todo um drama já vivido. Na comunidade São Francisco, em Pedro de Toledo, essa luta é diária, como o leitor pode constatar no depoimento da repórter Tábata Tuany, autora também das reportagens que compõem esta e as duas páginas seguintes Tábata Tuany Todo mundo já deve ter escutado casos sobre pessoas que tiveram algum contato com as drogas, tantas são as histórias narradas na TV e tantas as pessoas afetadas por isso. Mas hoje eu vou contar uma história que não passou na televisão, porque ela aconteceu dentro da minha casa, tomando conta da minha família. Foi quando descobri aos 16 anos que o meu padrinho era doente, um doente químico. É domingo, e assim como nas cadeias, este é o dia em que os internos esperam por suas famílias. Algumas aparecem, outras tardam a chegar. M. A. espera ansioso pela chegada dos familiares. Por uma questão de sorte, ele faz parte da pequena porcentagem de dependentes químicos que perderam muitas coisas, menos a família. Todo domingo de visita, seja de chuva ou de sol, ele sempre tem alguém que lhe leva frutas, um punhado de lágrimas e sorrisos. A família vem de muito longe e, assim como M. A., todos estão ansiosos para o reencontro. Às vezes, são três as mulheres que vão, uma amiga, a irmã e a mãe, outras vezes, a cunhada, a irmã, o marido da irmã e novamente a mãe, sempre a mãe, nunca o pai e o irmão. E mais três jovens, os de sempre: uma adolescente, um pré-adolescente e uma criança. Uma vez por mês, era assim: o dia de domingo era diferente, pois alguém em algum lugar estava nos esperando. E o que levar para alguém que chegou ao fundo do poço? O que fazer quando a doença se alastrou por sua cwasa, como reagir à cruel realidade dos dependentes químicos? Quando eu tinha de 9 para 10 anos, percebi que o meu padrinho apresentava alguns comportamentos estranhos. Lembro-me, principalmente, do dia em que ele foi a minha casa e percebi que andava um pouco alterado, mas até aí achei normal, pois boa parte da minha família também tinha problemas de comportamento, especialmente em razão do consumo excessivo de álcool, mas, em relação a drogas, nunca soubera que alguém tão próximo poderia estar nesse mundo tão cruel e avassalador. Algum tempo depois, quando eu e meus pais mudamos para Praia Grande, fomos a uma festa organizada para meu primo, em Pedro de Toledo. A festa era num sitio bem bonito e iluminado. Fazia tempo que eu não via a minha família reunida e fiquei feliz em saber que todos estavam presentes. Combinamos de dormir na casa da minha avó paterna, mãe do meu tio-padrinho. Estava quase tudo certo: assim que a festa terminasse, iríamos para lá. Mas, no meio da festa, chegou o meu padrinho drogado e fazendo escândalo. No momento, não sabia que era o efeito da droga, pois nem sabia o que era droga, só de olhar na televisão. FEIÇÕES DEMONÍACAS Tudo o que eu tinha escutado até ali sobre feições demoníacas vi naquela festa. Como pode uma droga, um cigarrinho de maconha ou uma pedrinha de crack mudar tanto a feição de alguém? Quando eu cursava o Ensino Médio, cerca de cinco anos depois, o meu padrinho pediu para se internar e foi se tratar em uma comunidade em Guarujá. E nós também tivemos que nos tratar. Assim, todas as segundas-feiras a gente revezava para as reuniões temáticas na Comunidade São Francisco de Assis. Antes de terminar o terceiro ano do Ensino Médio, tive que fazer um trabalho de conclusão de curso e o tema de meu trabalho foi sobre dependência química. Convidei um especialista para dar uma palestra e consegui reunir varias casos. Fiz uma boa seleção de vídeos para mostrar o que era as drogas. Muitos dos que estavam presentes ali haviam tido algum contato com a droga. Dois amigos haviam se envolvido com entorpecentes, mas tudo começara quando se reuniam para beber. Talvez seja por isso, ou seja, por todas as coisas que presenciei em razão da bebida, que tenho tanto repúdio ao álcool. Foi aí que percebi que a dependência alcoólica era algo muito mais sério e que havia tantas outras famílias com o mesmo problema. E, principalmente, que o álcool é uma porta aberta para todos os outros vícios. Em toda reunião familiar ou com amigos, eu pedia muito a Deus para que ele não retornasse às drogas. Todas as nossas buscas, todos os nossos sacrifícios até agora, valeram a pena, ainda que ele continue dependente, mas hoje é o que se pode chamar de dependente químico em abstinência. Com todas as pessoas com as quais conversei sobre as drogas, muitas dis- seram que começaram com um simples copo de bebida, uma droga lícita e de acesso muito fácil. Venho de uma família que tem o álcool no sangue e a dependência no organismo. Nunca experimentei drogas, não bebo e não fumo e procuro sempre me afastar desse caminho. Afinal, eu e meus primos temos uma carga genética pesada, ou seja, temos uma tendência maior a sermos dependentes. Mesmo que isso ainda não seja comprovado, sabemos que o nosso organismo pode sofrer influencia genética. Sei que se experimentar, correrei um grande risco, maior do que outras pessoas que não têm essa carga genética, essa propensão em virar doente químico. Como seria, se isso acontecesse? Será que eu poderia me recuperar? Será que eu viveria para depois contar a minha historia? Hoje, é muito fácil falar sobre isso, às vezes dói, mas as pessoas precisam saber que a droga mata, que a droga destrói e que, algumas vezes, é um caminho sem volta. Então, quem tiver a oportunidade de experimentar que tenha também a oportunidade de recusar e dizer não às drogas: “Drogas, nem morto”. TABATA TUANy s o n a 1 3 s o a 8 2 s o d ” só “ te en d Depen a dr og a, fu i at rá s” “N ing ué m m e of er ec eu his tó ria de J. L., de 47 É as sim qu e co m eç a a do s re sp on sá ve is pe la an os , qu e ho je é um ut ica Sã o Fr an cis co de Co m un id ad e Te ra pê led o. J. L. co nt a qu e As sis , em Pe dr o de To s o di fe re nt e da s ou tra su a vid a fo i um po uc as is ele “só ” us ou dr og his tó ria s de vid a, po os . do s 28 an os ao s 31 an er a al co óla tra , m as J. L. co nt a qu e o pa i em su a es co lha “E ra qu e iss o nã o int er fe riu be re m em ca sa , m as co m um as pe sso as be m eu pa i m e inf lu en a vid a pr om ísc ua do 28 an os , ele di z qu e cio u” , re co nh ec e. Co m ce di do , po is tra ba lha er a um tip o be m su sim Hi stó ria , m as , as va e fa zia o cu rso de ele ta m bé m te ve um co m o os ou tro s ca so s, co m eç ar a se dr og ar : pe qu en o m ot ivo pa ra i tin ha 17 an os . Bu sq ue “E m oc ion al m en te , eu cia liz ar ”, ju sti fic a. as dr og as pa ra m e so a m inh a pr ai a, po u“M ac on ha nu nc a fo i s ha ”, di z, ex ib ind o no ca s ve ze s us ei m ac on es co lha qu e fe z. Er a br aç os as m ar ca s da pr im eir o as pi ra da e, us uá rio de co ca ína , de po is, inj et áv el. e no co nv ívi o so As pe rd as no tra ba lho ir e aj ud ar am J. L. a sa cia l fo ra m fa to re s qu sto , ao se u go sto , ele da s dr og as . A co nt ra go ou tro s. “E u nã o qu er ia re ce be u a aj ud a do s gu lho de la do , po is a pa ra r, m as bo te i o or er am pa ra r”, di z. vid a e as do re s m e fiz po nt o de re fe rê n“A fa m ília é o ún ico , ga ra nt e. Se gu nd o ele cia pa ra o do en te ”, ta m bé m pa sse po r é cru cia l qu e a fa m ília se ja , de sd e o m om en um tra ta m en to , ou te es tiv er int er na do , to em qu e o de pe nd en en ta r as re un iõe s te a fa m ília de ve fre qu un id ad e, pa ra po de r m át ica s em ou tra co m . “À s ve ze s, os fa m ilia vis ita r o de pe nd en te e , m as tê m po stu ra s re s nã o us am dr og as en af et am o de pe nd co m po rta m en to s qu e de tra ta m en to ”, re ste qu e es tá no es tá gio sa lta . (T T) . O itinerário de um ex-viciado “Se você não pode ajudar um amigo drogad o, que droga de amigo é você?” É o que diz hoje o estudan te de Serviço Social, M. A., de 43 anos, cinco anos depois daquel es doming os em que se preparava para receber a visita dos familia res. Hoje, sua ocupaç ão é trabalh ar na preven ção do álcool e das drogas, para ajudar depend entes químico s. “Nunca tinha visto maconh a, mesmo quando vi alguns amigos usando , não experim entei, mas, depois de uma semana , comece i a usar, porque eu vi que eles ficavam alegrin hos”. Foi assim que M. A. começo u a usar drogas. Na época, ele tinha 18 anos e acabar a de cumpri r o serviço militar. Foi neste período que M. A. descob riu o efeito da droga e, 12 Edição e diagramação: Joana Ribeiro PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 desde então, tornou- se dependen te químico . Segund o M. A., a maioria dos depend entes químico s usa algum tipo de droga ilícita juntam ente com uma droga lícita. “Chegu ei a ser um depend ente cruzad o, usava maconh a com álcool e, para nós, a primeir a droga sempre é o álcool” . Depois de experim entar a maconh a, passou a usar cocaína e, por último, em 2003, chegou ao estágio avança do da doença : o crack. “Chegu ei ao famoso mescla do, usando crack e maconh a”, diz. Em 2006, M. A. pediu para se interna r: “Quis parar porque estava no fundo do poço e cada um sabe a profund idade do seu poço”. Depois do tratam ento, ele passou a ser membr o ativo da Igreja Nossa Senhor a Sant’An a e, hoje, também particip a do ministé rio de canto. Dois anos depois, M. A. fez um curso de capacit ação de coordenado res e monito res em Campin as, na Federa ção Brasilei ra de Comun idades Terapê uticas (Febra ct). “Não há recupe ração, se não houver convers ão”, diz. “Recup eração é para quem quer”. (TT). A.C:damaconhaaocrack “Hoje, eu tenho que aprender a resolver as coisas sem a droga”. É assim que A. C., de 33 anos, encara a vida depois de ter parado de usar droga há um ano e meio. Ela conta que, quando começou a usar drogas, era muito tímida. Embora não tenha sido rica, levava uma vida confortável, pois os avós paternos tinham boas condições financeiras. “Na escola, muita gente já usava maconha”, lembra. No início, a droga fazia com que ela driblasse a timidez, mas, ao longo do tempo, acabou tirando muitas coisas boas de sua vida. A. C. começou a beber e a usar maconha aos 14 anos e, depois de quatro anos, conheceu a cocaína. Dez anos mais tarde, chegou ao crack: “A única coisa que não usei foi picada”. Em decorrência do uso do crack, chegou a ficar morando três meses na rua. “Acabei ficando sem amigos, revirando lixo na rua. É uma coisa horrível passar fome por causa da droga”. Um fator muito difícil a ser enfrentado por usuários são os relacionamentos entre dependentes químicos. No período de gestação da única filha, de 9 anos, A. C. deixou de usar drogas e estava disposta a continuar “limpa”, porém, ela conta que via o pai de sua filha consumindo e ficava com vontade. Após a separação, ela se afundou mais nas drogas. “Minha mãe sempre dizia que eu ia me arrepender dos meus sumiços porque, algum dia, iria voltar TAbATA TUANy como o doente, pois é fundamental que a família esteja preparada para receber o dependente depois do tratamento. A. C. admite que fez muitas “besteiras” que acabaram magoando muita gente, principalmente a sua família, pois a relação acabou destruída. “Na última vez em que fiquei internada, só a minha mãe vinha me visitar”, conta. Para ela, a conquista da confiança é um trabalho árduo. A. C. conta que até hoje a mãe tem receio de que ela tenha uma recaída; então, vire e mexe, quando ela vai visitá-la, fica trancada dentro de casa. “Não tiro a razão de minha mãe. É um trauma”. je, sem o 14 anos. Ho A C (costas) usou dogras a partir dos vício, tenta dar a volta por cima para casa e ver que alguém já não estava lá”. A. C. tinha o costume de ir à casa da madrinha quando batiam os efeitos do crack: fome e sono. Jamais contou para a madrinha sobre o seu vicio. Em novembro de 2009, após o seu último sumiço, ela foi até a casa da madrinha, como de costume. Foi quando abriu a porta do quarto e viu a madrinha morta: “Chamei-a, mas ela não respondia, devia estar morta havia alguns dias, pois morava sozinha e o corpo estava em estado de decomposição”, conta. “Eu não conseguia chorar, aquilo me travou e, assim que enterrei a minha madrinha, voltei para a Comunidade Terapêutica São Francisco de Assis, em Pedro de Toledo”. A. C. chegou a ser internada seis vezes desde 2006, mas foi depois da sua última internação que resolveu mudar de vida. “Cheguei a ficar internada em clínicas de rico que mais pareciam um spa, chegando a pagar R$ 9 mil. Mas o meu tratamento foi na Comunidade Terapêutica”, diz. A. C. comenta que chegou a ser a única mulher internada na comunidade e ressalta um fator fundamental no tratamento: “É complicado ficar em uma casa onde só há homens: é importante conseguir impor respeito e eu consegui impor esse respeito”. RELACIONAMENTOS “Tudo começou com uma amizade”. Foi na comunidade que A. C. conheceu o atual companheiro. Pelas normas da comunidade, não é permitido manter relacionamentos dentro da casa. “Ele sempre disse que gostava de mim e disse que, assim que a gente terminasse o tratamento, poderíamos ficar juntos”. Seu companheiro saiu um mês antes e, desde então, eles estão juntos. “Todo mundo diz que é impossível um relacionamento de dependentes químicos, mas até agora está dando certo”, garante. Um dos pilares fundamentais de qualquer relacionamento é a reconquista da confiança entre o dependente químico e a família, o que acaba sendo muito difícil devido aos traumas. Por isso, é tão importante que a família também se trate assim O ESPORTE “Às vezes, a vida nos dá uma rasteira”, reconhece A. C., que está há oito anos sem jogar capoeira. Ao final de maio, ela foi convidada a participar de uma papoeira (conversa entre capoeiristas). A capoeira está presente na vida de A. C. desde os 10 anos. “Uma vez, vi um pessoal na praia jogando e decidi que era isso o que eu queria fazer”, diz. “Vou matar um leão todos os dias e correr de dois que vêm atrás”, diz. Antes, tudo era motivo para usar drogas. Hoje, a confiança da família está sendo reconstruída. Desde março, ela é voluntária na Igreja Nossa Senhora Sant’Ana, em Pedro de Toledo, e dá aulas de Informática. A. C. deu a volta por cima. (TT). ’ a ir e o p a p ‘ a d ia c n â t Aimpor TAbA TA TUAN y O cap oei rist a e pro fessor de Edu caç ão Físi ca, Cíc ero Tat u, da Aca demia Cap oei ra Aru and a, cria da no dia 15 de fever eiro de 198 5, diz que a “pa poe ira” sur giu da nec essi dad e de inte gra ção ent re cap oei rist as de seg me nto s afin s ou não . A. C. foi um a con vid ada esp ecia l e pod e vol tar a um a rod a de cap oei ra. Des de os 14 ano s, A. C. já dav a aul a e che gou a ens ina r a art e par a a mã e. A cap oei ra é um a das pai xõe s del a. Cíc ero ress alta a impor tân cia da con ver sa com a “pr ofe ssor a A. C”: “A pap oei ra de hoj e foi mu ito boa . Nó s, cap oeiri sta s, me dim os nos sas açõ es, por me io do axé (en erg ia) que sen tim os ali naq uel e mo me nto ”, diz . “Co nhe ço A. C. des de cria nça , aco mp anh ei o seu des env olv ime nto na desde os 14 anos, hoje A C, que pratica capoeira te a ar orienta jovens a lidar com sab end o cap oei ra e, de lon ge, fica mo s em odo dra ma que ela viv eu. Fiq uei C. ao cio nad o com a cor age m da A. mo . ínti do, abo rda r um tem a del ica ver daSua s pal avr as fluí ram com o um is imma e, dei ro ens ina me nto a tod os oei ra” . por tan te, por inte rmé dio da cap bai rO pro jeto foi des env olv ido no ca de ro do Ma cuc o e ate nde a cer est ava 30 cria nça s – boa par te del as iram pre sen te na “pa poe ira” e inte rag sse “Ne C.. A. mu ito com a pro fess ora dese tem po em que o pro jeto est á dos uns alg os sen vol ven do, já per dem O ape alu nos par a o car a da esq uin a. . Ele s lo é mu ito gra nde , for te me smo pas sam um a hor a, dua s vez es por sem ana , com a gen te, apr ove itam os esse tem po par a util iza rmo s a cap oei ra com o ferr ame nta de inc lusã o soc ial, lev and o noç ões de cid adan ia àqu ela gar ota da. .. Ma s, às vez es, per dem os” , rec onh ece o pro fess or. Cíc ero con ta que per gun tou par a as cria nça s se ela s tinh am gos tad o da rod a e, com o resp ost a, escut ou que tinh am gos tad o ma is do bat e-p apo com a pro fess ora A. C. “El es que rem ouv ir sim , que rem info rma ção e, com o me stre de cap oei ra, isso me dá um a sen saç ão do dev er cum prid o. Só pre cisa m de opo rtu nid ade par a con hec er o lad o bom e as con seq uên cia s das esc olh as err ada s. Alg uns daq uel es me nin os viv em esse dra ma tam bém com os pai s”. (TT ). Edição e diagramação: Joana Ribeiro PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 13 A dor da mãe de uma dependente “Nunca desconfiei de A. C., ela sempre foi uma excelente filha, nunca foi agressiva, desobediente, mas sempre foi retraída”, ressalta a mãe de A. C., M. E., de 50 anos. M. E. conta o drama que a sua única filha passou por causa das drogas e as conseqüências que isso trouxe. M. E. conta que a filha, quando era mais jovem, parecia um menino, porque ela tinha uma tremenda vergonha por ser bem magra, era do tipo de garota retraída a tudo. Aos 16 anos, A. C. começou a mudar, começou a usar biquíni e roupas mais femininas. Na época do Ensino Médio, A. C. começou a ter dificuldade nos estudos, mas M. E. achou que era coisa de adolescente, porque, ao contrário de outras jovens, A. C. sempre cumpria as ordens da mãe. M. E. conta que a filha tinha um hábito comum, o de dormir muito, a que nunca deu muita importância, pois a família paterna de A. C. sempre gostou muito de dormir, mas aí estava o perigo, ressalta ela, lembrando que o efeito da maconha é a sonolência. “Na verdade, ela começou a usar drogas no colégio”. A. C. chegou a cursar seis meses de Publicidade e Propaganda, mas não gostou do curso e parou. Mais tarde, começou a fazer Educação Física. M. E. conta que a avó paterna de A. C. dava o cheque para pagar a faculdade, mas ficou sabendo que A. C. estava há dois meses sem pagar o curso e sem ir às aulas. “A. C. nessa época já namorava e o seu namorado tinha um jipe que sempre quebrava. Foi aí que ela começou a mentir e falava que os cheques haviam sido usados para consertar o jipe”. A mãe de A. C. só descobriu que a filha usava drogas quando uma amiga fotógrafa viu a sua filha em uma situação errada, andando com uma turma estranha, e a avisou. M. E. fala que foi quando ela começou a correr atrás da filha, mas essa loucura, aparentemente, teve fim quando A. C. ficou grávida. Foi quando ela sossegou e ficou “limpa”. Quando a neta de M. E. nasceu, a filha foi morar com a sogra, mas, quando a neta tinha dois anos, A. C. voltou a usar drogas. M. E. conta que a filha chegou a deixar, muitas vezes, a neta sozinha dentro de casa para buscar drogas no morro. “Um belo dia, o ex-marido da minha filha me liga e diz que a A. C. tinha pegado o rádio do serviço dele para vender por causa do crack”, conta, dizendo que, nesse dia, testemunhou uma das piores cenas de sua vida: quando ela entrou na casa, a filha estava atirada ao chão totalmente dopada. “Uma das piores coisas foi ter de ficar cara a cara com um traficante e ter que pagar pela droga”, ressalta. M. E. conta que o casamento de A. C. se desfez, houve a separação e ela voltou para casa. Quando o pai de M. E. faleceu, em 2006, ela, a sua mãe e A. C. foram morar por uns tempos com a irmã e o cunhado. Mas A. C., de uma forma ou de outra, sempre encontrava um jeito de ter acesso a drogas “Ela dava a desculpa de dar uma volta com o cachorro e sempre conseguia pegar droga”. Foi quando a filha tinha 27 anos que M. E. percebeu a gravidade do problema. Nessa época, começaram as internações. A. C. chegou a ficar em um spa em Embu das Artes. Segundo M. E., a clínica deu um deslize, pois os funcionários deixaram a enfermaria aberta. Não deu outra: A. C. conseguiu se dopar. Chegou uma hora que M. E. teve que procurar ajuda e fez laboratório sobre drogas. Foi quando descobriu a comunidade São Francisco de Assis, em Pedro de Toledo. A. C. chegou a cumprir sete meses de reclusão, mas teve nova recaída. M. E. conta que a avó paterna cansou da vida da neta e disse que não ia mais ajudá-la. VIVENDO NAS RUAS M. E. chegou a arrumar as malas para a filha ir morar na rua e, de uma das vezes em que ela sumiu, A. C. só apareceu quando a madrinha já estava morta. Então, M. E. teve que ser dura com A. C. “Vou enterrar a sua madrinha e, se você quiser a minha ajuda, vou ajudála, mas se você não quiser, pode voltar agora para rua”, disse-lhe. M. E. conta que foi um alívio ver que a filha aceitou a condição, porém reconhece que, se A. C. dissesse que não queria, ela iria ter que aceitar a escolha da filha, pois só assim ela deixaria as drogas. “Deus que me perdoe, mas minha tia faleceu para ajudá-la. Foi o susto que a impulsionou a deixar as drogas”, ressalta. “Comi o pão que o diabo amassou”, diz. Houve um dia que M. E. foi a uma festa de aniversario no Juá e fazia três meses que A. C. estava morando na rua. No caminho, M. E. viu a fi- lha com um casacão, uma roupa suja e sozinha. A mãe de A. C. estava com uma amiga que não conhecia a história de sua filha. “Era dez para meianoite, lembro-me bem, e, se eu a parasse, ela iria sair correndo. Essa foi uma das piores visões que tive na vida e não pude fazer nada”, reconhece. “Quem cuida fica louco”, diz M. E., que decidiu reunir as amigas e contar o caso da filha. Hoje, ela se diz cansada: “A gente cansa de lutar porque não é possível que uma pessoa com tanta capacidade possa entrar nesse mundo”, diz, ressaltando que as pessoas próximas acabam ficando dependentes em relação ao usuário químico. Mesmo hoje, M. E. tranca toda a casa quando a filha está, pois a confiança foi quebrada. “Quem está do lado de cá não se acalma, ainda a sigo dentro de casa, pois tenho medo que fuja”. A mãe de A. C. diz que fica mais tranquila por a filha morar em outra cidade, porque assim não tem a necessidade de trancála. “Lá há drogas, mas ela não vai procurá-las. Agora acabou, ela não vai mais fugir”, diz. Hoje, a filha de A. C. mora com a sua avó paterna e a mãe de A. C. vive mais sossegada. (TT) Em vez de remédios, uma palavra de conforto E. R., de 62 anos, hoje é coordenador-geral da Comunidade Terapêutica São Francisco de Assis, em Pedro de Toledo. “Comecei a usar drogas aos 10 anos, pois me deixaram de foguete nessa idade, após me oferecerem cachaça”, diz, admitindo que, aos 12 anos, já usava droga injetável. E. R. fala sobre as marcas das drogas, primeiro por deixar uma família destruída e, depois, porque destruíram outras coisas das quais ele gostava muito. E. R. veio de uma família de dependentes químicos. “Se alguém me chamava para uma festa, tinha que ter bastante droga”, ressalta. Ele conta que gostava da picada, da sensação que a agulha lhe dava e, por isso, o seu maior prazer era injetar droga em suas veias. Foram 23 anos de uso de drogas -- dos 10 anos até os 33 anos. A última droga que largou foi o cigarro há 18 anos. “Por sinal, eu fumava, aproximadamente, 60 cigarros por dia”, diz, com ironia. E. R. chegou a ser farmacêutico em Porto Alegre e cursou três anos de Medicina, mas, por causa da droga, foi “convidado” a se retirar da faculdade. “Na frente havia uma farmácia, mas, no fundo, funcionava um prostíbulo onde rolavam tráfico de droga e sexo. Rasgaram o meu diploma, nem existe mais o meu número de farmacêutico”. E. R. fala pouco, mas conta de seu relacionamento com dois filhos. Depois de 30 anos, há um ano, ele foi visitar um filho no Sul. “Tive que engolir meu filho me apresentando para meu neto como se eu fosse o tio dele: - Cumprimenta o tio, aí, ele não disse cum- primenta o teu avô. Depois de 30 anos, o que eu pude fazer?” E. R. perdeu o pulmão direito aos 12 anos de idade, aos 21 anos chegou a ficar 34 dias numa clinica Pinel e, assim que saiu, bebeu oito copos de cachaça. Ele conta que o irmão também tinha problemas com drogas. TAbATA TUANy A religião serve como apoio espiritual “Meu irmão só usava cartão de crédito, era alcoólatra e só bebia uísque, ele dizia que cachaça era para pobre, e ele era rico”. Um dia, a mãe de E. R. pediu para que ele adivinhasse quem estava internado na clínica. Ele conta que ficou tirando uma onda com a mãe, dizendo o nome dos outros irmãos, mas era o irmão que estava na Pinel. “E ela disse o teu irmão, ela não disse o meu filho. Ele era o meu Deus e o meu mundo caiu”. E. R. conta que já esteve na Califórnia, nos Estados Unidos e na Alemanha e já trabalhou em várias clínicas, mas diz que se rendeu à questão da comunidade terapêutica porque acredita que seja possível tratar um dependente químico sem remédios, oferecendo uma palavra de conforto. “Aqui é possível falar olho no olho”, diz. Faz 29 anos que E. R. não usa mais drogas e, hoje, ele ajuda outros dependentes químicos a superar as perdas que a droga traz. Mais do que isso, ele contribui com todas as suas dores na alma nas reuniões temáticas freqüentadas pelas famílias. “Não perdi nada, joguei tudo fora, estou vivo, sem família. Agora a minha família é aqui”. (TT). “Se o travesseiro falasse...” P. S., de 63 anos, també m é coorde nador da comun idade e conta que quase perde u as perna s devido ao uso das drogas. No meio da conve rsa, ele levant a as barra s da calça e mostr a muita s marca s na perna . P. S. injeta va droga s nas pernas, na virilha e em muito s outros lugares para que ningu ém pudes se descob rir 14 o seu vício. Ele conta que começ ou a usar droga s por volta dos 10 anos, usand o um fortifi cante famos o que estimu lava a crianç a a ter fome. A mãe era alcoól atra e fuman te e, como a avó traba lhava na casa de gente rica, P. S. tinha acesso à residê ncia e, as- Edição e diagramação: Joana Ribeiro PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 sim, encon trava facilid ade para beber vinho e licor. Aos 16 anos, começ ou a usar macon ha e, depoi s, chego u às droga s injetá veis. Com 40 anos, resolv eu fazer tratam ento, já sem um pulmã o e a ponto de perde r as perna s. Desde então , não usa mais droga s. “Só a gente sabe das seqüe las... Ah, se o traves seiro falasse ...”, diz. (TT). Igrejas evangélicas investem na recuperação de dependentes A iniciativa é desenvolvida por ex-dependentes e contribui para a redução da violência social LUCAS SHIOMI Lucas Shiomi Algumas igrejas evangélicas da região desenvolvem trabalhos voltados para a recuperação de viciados em drogas. Apesar de trabalharem individualmente o caso de cada pessoa que procura ajuda, o serviço contribui para a redução da violência de uma forma geral. O presbítero Sílvio Carlos de Brito coordena o projeto Operação Vida, da igreja Cristo é a Resposta. De terça a sexta-feira, das 9h30 às 11 horas, são realizados encontros com debates, músicas de louvor e testemunhos, voltados para a recuperação de dependentes. O trabalho é desenvolvido nos fundos da sede do projeto, que fica à Avenida Conselheiro Nébias, 735, em Santos. “Nós, como igreja, entendemos que o problema de um viciado é de natureza espiritual. A gente entende que cada vida que passa por essa dificuldade possui um vazio existencial, e esse vazio, na nossa visão, é a falta de Deus”, explicou Brito. “Então, nós trabalhamos no íntimo da pessoa para mostrar que o que falta para ela é um relacionamento sério com Deus”. Segundo o presbítero, que trabalha há mais de 20 anos na recuperação de dependentes químicos, a cura para o vício não está na medicina. Para ele, a cura está na própria vontade da pessoa de se libertar, voluntariamente. “Eu costumo dizer que a recuperação de um dependente químico é 100%. Se essa pessoa quiser e levar a sério, ela sai dessa vida e não volta mais”, afirmou. “Digo isso, pois sou um exemplo vivo. Tenho 60 anos, sou recuperado há 32. Usei drogas durante 14 anos da minha vida. Usei cocaína, maconha e vários tipos de drogas injetáveis. O primeiro baseado que eu fumei foi aos 13 anos, quando eu morava em Minas Gerais. Um amigo meu chegou na praça com um e disse ‘Isso aqui é pra homem. Só homem fuma isso aqui!’, e foi assim que eu comecei” contou Brito. “Hoje sou um homem feliz. Meu casamento, que esteve por um fio antes da minha recuperação, hoje está perfeito. Tenho meus filhos formados e trabalhando, bem casados. Hoje saio às ruas de cabeça erguida, tranqüilo. Não devo para traficante, não devo para ninguém”, revelou. O presbítero mostrou duas pastas com cerca de 200 fichas cadastrais, com o registro de cada pessoa que procurou ajuda no programa Operação Vida no ano de 2010. Noventa por cento dos usuários afirmaram ter começado a usar drogas por curiosidade, quase todos na adolescência. No campo reservado ao endereço de muitas dessas fichas está escrito “rua” ou “abrigo”. Segundo o local reúne a ajuda necessária Por meio de histórias e depoimentos, das drogas para que as pessoas vençam e se afastem “Nós, como igreja, entendemos que o problema de um viciado é de natureza espiritual. A gente entende que cada vida que passa por essa dificuldade possui um vazio existencial e esse vazio, na nossa visão, é a falta de Deus PRESBÍTERO SÍLVIO CARLOS DE BRITO Brito, muitas pessoas fichadas ali se recuperaram, mas outras abandonaram o tratamento, e algumas ainda estão em processo de recuperação. “Hoje nós temos 54 pessoas internadas em casas de recuperação, mantidas pela igreja. Temos um convênio com três casas, uma em Itanhaém, outra em Penápolis, e uma feminina em Praia Grande”, contou. “Há também, no momento, outras seis pessoas que saíram da casa de recuperação e que encaminhamos para uma pensão, onde continuamos bancando tudo até que ela arrume emprego e tenha condições de se manter sozinha”. Além das aulas, Brito atende individualmente em sua sala cada participante. “Nosso plano é levar essas pessoas a compreender o valor da vida, e assim recuperar a auto-estima, a dignidade, a saúde, a credibilidade, tudo o que elas perderam lá fora. Aqueles que têm necessidade de uma internação, nós internamos. Pagamos tudo, damos um enxoval, se a pessoa não tem um documento, nós tiramos para ela; se a pessoa não tem dentes, nós pagamos um tratamento dentário. Nós recuperamos a pessoa completamente”. “Caminho da perdição” Trabalho semelhante é desenvolvido pelo mecânico Cristiano Brasil da Silva na Igreja Batista Peniel, que tem sede à Avenida Martins Fontes, 781, em São Vicente. Brasil é o responsável por fazer a triagem dos dependentes químicos que procuram a igreja e encaminhá-los para uma casa de recupera- ção conveniada, que fica em Itanhaém. “Em cerca de quatro anos desenvolvendo esse trabalho, quase 500 pessoas foram recuperadas. Muitas hoje já constituíram família, tem emprego fixo. Algumas que nós tiramos das ruas eram mendigos e hoje estão bem na vida”, disse o mecânico. “Além de contarmos com a ajuda de voluntários e alguns empresários, a igreja também investe nessa iniciativa. Só neste ano, cerca de dez pessoas já foram internadas pela Peniel”. Brasil tem 39 anos e foi usuário de drogas entre os 15 e os 33 anos. Ele é outro exemplo vivo dessa história e justamente por ter vivenciado essa experiência, foi escolhido para desenvolver o trabalho na igreja. “Usei maconha, cocaína, cheirei cola. Cheguei até a ser preso com armas, em um dia em que eu estava com umas ‘ideias de rato’. Eu roubava para alimentar o vício, vendia as coisas da minha casa...” contou o mecânico, que hoje é casado e sonha ser pai. “A droga é o caminho da perdição, de onde muitos não conseguem sair. Por isso, há sempre muitas mães que nos procuram desesperadas, com seus filhos no mundo das drogas. Mas só podemos internar quem realmente quer ir. Na triagem, a gente tem que ter certeza de que o usuário quer mudar de vida mesmo, senão não adianta”, afirmou. Quem ajuda Brasil nesse trabalho é o vendedor Ronald Venâncio dos Santos, de 37 anos, também ex-dependente químico. “Fui usuário dos 16 aos 24 anos. Quando comecei, usava escondido e achava que podia parar quando quisesse, mas uma hora vi que não conseguia. Quando minha família descobriu, foi um abalo. Um dia meu pai virou para mim e ‘me pediu para esquecê-lo’, contou Venâncio. “Eu estava rejeitado pelos meus pais, pelos meus amigos e pela sociedade. Foi quando conheci um missionário e decidi mudar”. O vendedor faz pregações e dá seu testemunho nas ruas, em casas de recuperação e na própria igreja. “A igreja investe nessas vidas por acreditar que só Deus pode libertá-las das drogas. Eu mesmo estou liberto há 13 anos, e hoje sou uma nova criatura”. Seringas descartáveis são aliadas no combate à Aids L.G. Rodrigues As seringas descartáveis são responsáveis por prevenir o contágio de doenças infecciosas como a Aids e sua distribuição é benéfica tanto para usuários de drogas quanto para pessoas que necessitem injetar remédios, como pacientes com diabetes. A lei 1692/07, aprovada em 2008 garante a distribuição de seringas descartáveis a usuários de drogas injetáveis. Chamado de política favorável à redução de danos, o projeto tenta conter o alastramento da Aids transmitida por meio do consumo de drogas injetáveis. Isso se deve à pratica de reutilização constante da seringa e agulha por parte de usuários que chegavam até mesmo a dividir a injeção com um grupo de pessoas que também se utilizam desse tipo de droga. Mas não são só os usuários que se beneficiaram dessa política de distribuição de seringas descartáveis. A enfermeira Geralda Graças trabalha há pouco tempo na profissão, mas também aprova a medida. “Serve tanto para quem usa quanto para nós profissionais da área, pois é bem mais segura e higiênica”, diz. As seringas podem ser coletadas em postos de saúde, sem nenhuma cobrança. O Primeira Impressão esteve no Pronto-socorro da Zona Noroeste e não teve dificuldades para retirar seringas com agulhas. Não foram feitos questionamentos. “Serve tanto para quem usa quanto para nós profissionais da área, pois é bem mais segura e higiênica GERALDA GRAÇAS A medida também acaba por ajudar quem precisa de seringas para manter a própria saúde em dia, sendo mais comum no caso de pacientes diabéticos como o estudante Alexandre Vieira, que precisa de insulina no tratamento contra o diabetes. “Como não tenho dinheiro para a injeção especial para diabéticos, uso as seringas descartáveis, pois são baratas”. O paciente ainda revela preocupação com a higiene. “Não é nem o caso de contrair doenças sexualmente transmissíveis, mas a própria agulha pode ficar contaminada após a utilização, portanto é mais seguro usar uma nova a cada injeção que eu aplico”, finaliza. Edição e diagramação: Willian Guerra PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 15 A luta contra a doença do alcoolismo e das drogas Grupos atuam em igrejas da região para ajudar os dependentes e as famílias a terem uma vida melhor ALINE DELLA TORRE Gabriela Pomponet A aposentada E.M. sofreu por mais de 15 anos com o marido A.C., alcoólatra e viciado em cocaína. “Ele começou a frequentar o bar por lazer com os amigos depois do serviço. Em um ano já tinha se tornado dependente do álcool. Chegava em casa completamente bêbado, muitas vezes desequilibrado. As drogas foram oferecidas por aqueles que ele considrava como amigos. Passou a depender das drogas também”, conta. A.C. era um bom marido, tratava bem os três filhos e tinha um bom emprego — era encarregado em uma siderúrgica. A bebida o transformava em uma pessoa amargurada e agressiva, apesar de nunca ter batido na mulher e nos filhos. O vício fez com que fosse afastado do emprego. A dependência o levou a ingerir qualquer produto que tivesse álcool na composição. Certo dia, chegou a consumir perfume e produto de limpeza no próprio emprego. Ficou internado por dois dias. As drogas e o álcool a cada dia se tornam problemas mais graves, atingindo homens e mulheres, independentemente de cor, raça, credo ou nível social. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o alcoolismo é uma doença incurável, mas pode ser contida. O problema do vício é interno e psicológico, o organismo condicionado a trabalhar com essas substâncias se torna um grande rival no desafio de largar a dependência. Antes de levar à loucura ou morte prematura, a dependência química ou de álcool humilha, maltrata e desgraça com a vida do doente. As ressacas, o remorso, os “apagamentos” e o desconsolo acompanham os usuários. “Levei o meu marido por três vezes aos Alcoólicos Anônimos, pois estava disposto a mudar. Infelizmente, já era tarde e ele veio a falecer por problemas de saúde causados pelo vício. Se tivesse vontade de mudar antes, talvez estivesse vivo até hoje. Esses grupos são bons e podem mudar e até mesmo salvar a vida de uma pessoa”, reconhece a aposentada. Dois grupos que visam o tratamento do alcoolismo se reúnem na Paróquia do Imaculado Coração de Maria, em Santos. Os Alcoólatras Anônimos são uma irmandade que para fazer parte basta ter o desejo de querer parar de beber. Não é preciso fazer qualquer tipo de cadastro. Ninguém pode ser expulso do grupo, não é cobrada nenhuma taxa de seus integrantes, além de a entidade não aceitar doações externas. Mantém-se com a contribuição espontânea dos membros. O Al-Anon é um grupo de autoajuda; homens e mulheres cujas vidas foram afetadas pela maneira de beber de um familiar ou amigo são os integrantes das reuniões. Compartilhar experiências, força e esperança é a forma que utilizam para tentar solucionar seus problemas. Os integrantes do A.A. e Al-Anon não podem declarar o nome completo, só podem aparecer de costas ou com a imagem distorcida na mídia. A regra é se manter no anonimato. É o que explica a voluntária Sueli, cujo marido, já falecido, era alcoólatra. Ela frequenta Al-Anon há 17 anos. “A maior dificuldade que enfrentamos é a negação por parte das famílias, que muitas vezes acabam desistindo de frequentar o grupo. O pensamento das pessoas é de que não foram elas que beberam e nem estão doentes, então não há necessidade de fazer parte das reuniões. Os A.A. começam as reuniões com o lema ‘só por hoje não darei o primeiro gole’”, conta. Sueli diz que muitas famílias chegam destruídas pelas drogas: “Com a nossa experiência, vemos que a maioria dos dependentes químicos começou o vício pelo álcool. O grupo iniciou focado no alcoolismo, mas hoje aceitamos a dependência cruzada que agrega a utilização de drogas também”. O Al-Anon, assim como o A.A., é divulgado por meio de palestras, visita a escolas, folhetos e por indicações e participação da assistência social. “Todos os que estão na sala têm problemas. As reuniões com dez pessoas ocorrem uma vez por semana, às quartas-feiras, a partir das 19h30. Fico contente em ver os resultados positivos. Quem está há mais tempo na reunião se identifica com as novas histórias. Vemos a progressão no decorrer dos encontros. Os integrantes mudam o jeito de falar e até mesmo o modo de se vestir. Tentamos também curar a raiva, os ressentimentos e a culpa que a família carrega”, diz Sueli. sua filha foi o ponto inicial para sua recuperação. “Eu trabalhava em uma boa empresa, tinha esposa e filhos, mas não havia percebido que minha vida estava desmoronando. Estava sempre em bares, festas e jogos de futebol consumindo drogas. Um dia, cheguei em casa, fui abraçar minha filha e ela correu, se escondeu de mim e começou a chorar de medo. Percebi o estado em que estava e procurei ajuda”, conta. As histórias de vida são relatadas pelos ex-usuários nas reuniões que ocorrem de segunda a sábado na sede dos Narcóticos Anônimos e servem de auxílio na recuperação dos participantes. Há dois meses sem consumir drogas, M. era usuário desde os oito anos. A sua internação em uma clínica de recuperação fez com que buscasse auxílio do grupo. “Eu não acreditava em Deus e achava que, se eu morresse, iria para o inferno. Eu usava drogas desenfreadamente para que minha morte fosse mais rápida. Quando eu parava de usar sozinho, depois de duas semanas, voltava a usar drogas cada vez mais pesadas. Hoje me sinto melhor e tenho buscado um rumo em minha vida”, enfatiza. Os participantes dos Nar-cóticos Anônimos seguem 12 passos e 12 tradições, chamadas de literaturas e lidas em todos os encontros. O único requisito para se tornar um membro é ter o desejo de parar de usar drogas. J., usuário há 40 anos, tornou-se um adicto em recuperação há dois meses. Com os olhos fixos no chão, ele relatou sua história. “Sou um adicto em recuperação há dois meses, ficava na ‘fissura’ e, depois que passava o efeito, os problemas vinham junto. Tentava parar e não conseguia. Hoje, estou mais um dia sem usar drogas”, ressalta. Os próprios membros são responsáveis pelas reuniões e pelas atividades realizadas. Não há profissionais da saúde auxiliando na recuperação dos participantes. O processo de recuperação funciona por meio da força de vontade e dos passos seguidos por eles. O Narcóticos Anônimos surgiu em 1953, nos Estados Unidos, e chegou ao Brasil no fim da década de 1980. Entre a Capital, Grande São Paulo e Baixada Santista existem 160 grupos. ento do alcoolismo Dois grupos que visam o tratam ão de Maria se reúnem na Paróquia Coraç Reuniões auxiliam a recuperação Adriele Ramos Quando uma pessoa se torna dependente química seu ambiente familiar e profissional é completamente afetado. A adicção, termo bastante utilizado entre os participantes dos grupos de Narcóticos Anônimos, caracteriza os dependentes como doentes controlados pelo uso da droga. Cada dia que o usuário passa sem consumir drogas é único e considerado uma vitória. Assim, galgando dia após dia, muitos permanecem anos sem consumir drogas. C. é dependente quí-mico e está em tratamento há 18 anos. Segundo ele, uma reação de 16 Contato O telefone para entrar em contato com o Narcóticos Anônimos na Baixada Santista é o (13) 3289-8645, de segunda a sábado, das 20 às 22 horas. Edição e diagramação: Nathalia Pio PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 Senat já tratou JULIA MAGALHAES seis mil dependentes químicos A Seção Núcleo de Atenção ao Toxicodependente, da Prefeitura de Santos, atende atualmente 600 pacientes Soraya Santos A Seção Núcleo de Atenção ao Toxicodependente (Senat) ajuda a recuperar dependentes químicos em Santos. Este é um órgão que existe desde 1995 e já auxiliou mais de 6 mil pessoas. Segundo o chefe administrativo Vlamir Mateus Leite, 600 pessoas recebem tratamento no Senat e só este ano foram atendidos 177 novos casos, em que 136 são dependentes também de álcool, além de entorpecentes variados como, por exemplo, maconha, crack ou cocaína. Os pacientes chegam até ao local por conta própria ou encaminhados por outros órgãos da Prefeitura. Assim que o toxicodependente se apresenta, ele passa pelo primeiro estágio chamado acolhimento. “É construído um plano para cada paciente que irá especificar se ele deve passar por um médico, por um assistente social ou por um psicólogo, de acordo com cada caso”, afirmou Leite. Ainda nessa primeira fase, o atendimento pode ser feito individualmente ou em grupo. Assim que a pessoa consegue se manter, sem utilizar as drogas por aproximadamente quatro meses, ela passa para o grupo de referência, freqüentando atividades que fortalecem a vontade de superar o vício. Por último, se o paciente continua sem usar qualquer substância tóxica, ele passa para o grupo de manutenção, recebendo apenas o acompanhamento da abstinência. “Cada um tem o seu tempo para poder administrar essa abstinência. Não podemos falar em cura, porque essa é uma doença crônica incurável”, explicou o administrador. O tratamento, que abrange desde adolescentes até idosos, não atua apenas na recuperação do dependente químico, mas também na informação sobre os materiais utilizados para o consumo de determinadas drogas, para que não haja contaminação e proliferação de doenças. Hoje, o índice de reincidência é de 50% dos casos, dos que haviam recebido alta. De acordo com Leite, em situações de nervosismo, depressão ou estresse, o dependente procura recursos externos e acaba tendo uma recaída. “A droga para o dependente é como o espinafre do Popeye. Com o espinafre, ele ficava com a Olívia, era respeitado e não apanhava do Brutus. Se o dependente não consegue vencer alguns obstáculos da vida, ele precisa de alguma substância para conseguir se salvar”, ressaltou. Para Leite, a predisposição do toxicodependente para fazer o tratamento é essencial, mas a família tem um papel fundamental para que ele se recupere em menos tempo. “Nós temos o grupo de terapia semanal para as famílias dos nossos pacientes, mas infelizmente a maioria não participa”, afirmou. Ele ainda explicou que o sucesso no tratamento depende do ponto de vista de cada um. Em alguns casos, somente pelo fato de diminuir o consumo das drogas, o paciente já evoluiu. Principal- mente se já estiver retomando a vida normal, apesar de continuar utilizando substâncias químicas. Segundo o administrador, o serviço prestado no Senat ainda precisa ser aperfeiçoado, pois como não existe um modelo de atendimento predefinido, eles vão se adequando aos poucos a um modelo, que eles mesmos criaram e que vem dando certo. “Os casos que chegam aqui no Senat são variados. Alguns pacientes, além de usarem drogas, têm problemas psiquiátricos e não podem participar de debates só nas oficinas de artes. Outros já podem fazer atividades de reflexão. Portanto, nós vamos construindo um modelo de atendimento conforme o caso”, disse. Uma pessoa somente pode ser considerada viciada quando a droga começar a atrapalhar o desenvolvimento das atividades diárias, como trabalho ou estudo, e o convívio com a família e sociedade em geral. CASOS BEm SuCEDiDOS Há um ano, um casal de aproximadamente 40 anos, viciado em álcool, cocaína e crack, procurou o Senat para se recuperar. Porém havia uma dificuldade no processo, pois um atrapalhava o tratamento do outro. Quando um melhorava, o outro chamava para consumir as drogas. Um certo dia, técnicos do Senat convenceram a mulher a se internar. “Quando nós separamos os dois, uma equipe discutiu como faria para sensibilizar a moça de modo a que ela recebesse os cuidados sem que fosse forçada e acabasse desistindo”, contou Leite. A internação foi bem sucedida e JOANA RIBEIRO Senat funciona à Rua Paraíba, 110 na Pompéia os dois conseguiram evoluir. Hoje, eles continuam recebendo cuidados e freqüentando o Senat para manter a abstinência. “Eles venceram o vício e hoje vivem uma vida normal”, disse. Um outro caso é de um adolescente de 17 anos, dependente de crack, que não estava estudando nem trabalhando. Posto para fora de casa, ele procurou o Senat e realizou oito meses de tratamento. Hoje, parou com o crack e apenas utiliza maconha, que, segundo Leite, foi uma evolução, mais ainda continua em tratamento. O adolescente foi encaminhado para o outro projeto da Prefeitura chamado Tô Ligado e faz oficina de teatro junto com outros meninos e meninas que não usam entorpecentes. Leite explicou que ele foi ressocializado e voltou a estudar e trabalhar. “Nós o ajudamos a se afastar da morte e o Tô Ligado o está ajudando a promover a vida”. Para aqueles que necessitarem do tratamento é só procurar pelo Senat, das 8 às 18 h, à rua Paraíba, 110 na Pompéia. Telefone: (13) 3237-2681. Os documentos que devem ser apresentados são RG, cartão do SUS e comprovante de residência. Somente serão atendidos moradores de Santos. com o apoio Cadeirantes contam ove cursos e om da associação, que pr rtes es prática de po Entidades tentam reduzir exclusão Júlia Paiva A inclusão é um importante conjunto de ações que combatem as diferenças e promovem os benefícios em sociedade. Em Guarujá, o Lar Espírita Cristão Elizabeth oferece serviços à população da Vila Baiana e imediações, e é referência no atendimento às famílias, crianças, adolescentes, moradores de rua, idosos, gestantes e deficientes. Atualmente, a entidade conta com mais de duas mil famílias cadastradas em vários projetos gratuitos. “Oferecemos almoço diário para toda a comunidade, com cardápio elaborado por nutricionistas. Aqui, os moradores cortam o cabelo, a barba e tomam banho. Temos atendimento médico com clínico geral, ginecologista, odontologista e pediatra. As gestantes também recebem atenção especial. Elas têm todo o acompanhamento prénatal, recebem orientação sobre cuidados com saúde e higiene, e aprendem a fazer os próprios enxovais”, conta o presidente da entidade, João Elias. Para as coordenadoras que trabalham na casa, os projetos Pés de Cristal e Esperança e Luz são os destaques. O primeiro oferece cursos de balé clássico e dança livre para crianças e adolescentes e, o segundo, capacita adolescentes com até 18 anos com cursos de informática, panificação, garçom, garçonete, teatro e corte e costura, a fim de inseri-los no mercado de trabalho. “Já servimos café da manhã e bufê em eventos empresariais, fazemos uma média de 1.500 atendimentos por mês. Os meninos estão muito felizes”, conta Mônica Maria dos Santos, uma das coordenadoras do projeto Esperança e Luz. O presidente falou também da importância de outros projetos, como o Dignidade e Vida: “Este foi criado para atender moradores de rua e tem por objetivo resgatar a dignidade, reintegrando-os na família, na sociedade e no mercado de trabalho. Oferecemos curso de marcenaria e recuperação de móveis”, diz. Qualquer pessoa pode fazer doações para ajudar esses projetos. Ainda na Vila Baiana, uma iniciativa do estudante de enfermagem Tiago Santos da Silva com a Associação de Moradores do Bairro visa trazer mais qualidade de vida e saúde pra idosos do Bairro, com o projeto Idoso Nota 10. “Eu nasci aqui e sei das necessidades do pessoal da comunidade, por isso fundei esse projeto. Eu faço exames de hipertensão neles, e muitos nem sabem que têm a doença. Então, converso com eles e os encaminho para o trata- mento em postos de saúde. Muitos deles são sedentários também e eu os levo para caminhar na praia”, diz Tiago. O projeto é realizado na própria associação, todos os fins de semana, a partir das oito horas da manhã. Sebastião da Silva, presidente da Associação dos Moradores da Vila Baiana, aproveitou essa ação e, agora, a entidade também oferece cursos de pedreiro e eletricista, além do projeto Caça Talentos, onde jovens aprendem a tocar violão. “Não precisa ser morador só da Vila Baiana, podem vir os das comunidades Pedreira e Canta Galo”, diz Silva. As inscrições são feitas no local. SOBRE RODAS Os deficientes físicos também têm vez na Cidade. A Associação de Deficientes da Ilha de Santo Amaro, a Adisa, promove diversas ações. “Aqui, os assistidos aprendem a ler a escrever, pois o índice de analfabetismo é alto entre eles, já que, por falta de adaptações em escolas e locais públicos, eles foram, de alguma maneira, impedidos de entrar e freqüentar aulas como as outras pessoas. Muitas famílias de deficientes também não têm dinheiro para os cuidados deles, então a associação faz doações de cadeiras de rodas, por exemplo. Por isso, pedimos a colaboração de todos”, diz Valdinei Santos, o presidente da entidade. O projeto Basquete Sobre Rodas vem chamando a atenção da sociedade guarujaense, pois funciona como um incentivo ao esporte para os cadeirantes. “Fazemos competições abertas à população, que comparece sempre e nos ajuda”, conta Santos. Serviços Lar Espírita Cristão Elizabeth Endereço: Rua Vereador Orlando Falcão, 172 - Jardim Praiano - Guarujá/SP Telefone: (13) 3351-5477 e-mail: [email protected] Associação dos Moradores da Vila Baiana Endereço: Rua Argentina, s/ n°, Jardim Praiano, Guarujá/SP. Telefone: (13) 8806-6550 e (13) 9613-6341. Associação dos Deficientes da Ilha de Santo Amaro — Adisa Endereço: Rua Josefa Hermínia Caldas, 205 - Jardim Progresso, Guarujá/SP. Telefone: (13) 3352-6461. Edição e diagramação: Thaís Cardim PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 17 Casa da Criança oferece abrigo temporário para menores abandonados Com 122 anos de existência, a associação é a segunda mais antiga da Cidade ARUCHA FERNANDES Arucha Fernandes O ambiente familiar é o mais adequado para o desenvolvimento de uma criança, mas, por vezes, esse convívio precisa ser reavaliado. Dentro deste contexto, a Associação Casa da Criança de Santos abriga crianças e adolescentes afastados de suas famílias biológicas. “A entidade atende a menores que estejam em situações que coloquem em risco a sua segurança e integridade física”, explica o presidente do conselho diretor da Casa da Criança, Charles Artur Santos de Oliveira. O papel de acompanhar e decidir o encaminhamento para a instituição é da Vara da Infância e da Juventude. As 20 crianças e pré adolescentes, atualmente internadas na associação recebem, além dos cuidados básicos, atendimento pedagógico, psicológico, fonoaudiológico e prática de esportes. “A intenção é preparar esses jovens para a vida em sociedade, nutrindo todas as necessidades que estavam sendo negligenciadas”, afirma Oliveira. Com 122 anos de existência, completados no último dia 13 de maio, a Casa da Criança, situada no bairro do Macuco, ocupa quase um quarteirão inteiro. Isso porque, além do abrigo, a entidade conta com dois salões de festas, quadra poliesportiva e piscina. Para se manter, a instituição recebe ajuda de empresas privadas, escentes Entidade atende a 397 crianças e pré - adol por meio de parcerias e projetos sociais, e também verbas públicas. Fora isso, ainda conta com os recursos da locação dos salões de festas. A associação também mantém a escola de Educação Infantil Treze de Maio e a creche Casa da Criança, ambas gratuitas. No total, são 397 alunos, sendo que ainda estão sobrando vagas para crianças de até 4 anos. “Muitas pessoas ainda acreditam que nossos serviços são exclusivos para a parcela carente da Cidade, mas, na verdade, atendemos crianças de todas as classes sociais”, explica o presidente. O espaço reservado para o abrigo tenta reproduzir ao máximo uma casa comum. Entre os ambientes, estão quatro quartos, berçário, lavanderia, cozinha, refeitório, duas salas de TV, dois banheiros coletivos e sala de estudos. “Os quartos são separados por famílias, para que não ocorra a separação de irmãos. A cada nova turma, a decoração é mudada por conta das próprias crianças, que conseguem dar personalidade e uma sensação mais caseira aos dormitórios”, explica Cléia Aparecida Pinheiro Palma, gerente-geral da Casa. O tempo máximo de permanência no lar é de dois anos. Reintegração familiar A função do abrigo é a de ser uma alternativa provisória. “As crianças recebem semanalmente visitas dos familiares. O objetivo é Vó Benedita: trabalho social Carina Seles “Tia, me dá um beijo?”. Essas, normalmente, são as primeiras palavras ouvidas ao entrar no local, seguidas de olhares curiosos e abraços. Localizada à Rua Carlos Caldeira, 675, próxima à Avenida Nossa Senhora de Fátima, na Zona Noroeste de Santos, a Unidade I da Casa Vó Benedita (CVB) abriga crianças e adolescentes de zero a 18 anos, órfãos, em situação de risco, violência, maus tratos ou abandono. Segundo a coordenadora Cláudia Ribeiro, a entidade foi fundada em 1976 por Benedita de Oliveira e reconhecida oficialmente em 1986, dois anos depois de Vó Benedita falecer. “Ela cuidava das crianças que eram deixadas em sua residência, primeiramente por um período, a trabalho. Porém, ao longo do tempo, algumas mães não voltaram mais e ela continuou cuidando”, conta. A antiga casa, residência da Vó Benedita ficava à Rua Bittencourt, 171, no centro. Atualmente, a entidade é 18 comandada pela guardiãpresidente Elizabeth Rovai de França, que desde o começo era voluntária do local, juntamente com a Vó Benedita. Cláudia conta que o processo básico de acolhimento e adoção ocorre, normalmente, após denúncia ao Conselho Tutelar. “É feita uma investigação. Se confirmada a situação, a criança é trazida para um dos abrigos parceiros da Prefeitura. A criança passa por um estudo familiar, pela assistente social e por profissionais qualificados da entidade que determinam as principais necessidades médicas e psicológicas da criança. As que possuem família recebem visitas às quartasfeiras, das 16 às 18 horas. As que não possuem nenhum familiar ou quando estes não oferecem o apoio necessário e não comparecem às visitas, por exemplo, são encaminhadas para adoção. “Porém, diante de todo esse processo difícil que a criança passa, nossa casa oferece alimentação, acomodações e assistência Edição e diagramação: Nathalia Pio PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 trabalhar individualmente os problemas enfrentados por essas famílias”, afirma Cléia, que completa: “Apesar da associação oferecer todas as condições adequadas para o desenvolvimento da criança, o sonho dela sempre vai ser voltar para casa”. Em casos de abandono ou em que a família biológica esgota os recursos de recuperação, o próximo passo é procurar a família extensiva, ou seja, outros parentes que possam garantir os direitos da criança. “No momento, inclusive, localizamos em Goiânia a avó materna de um bebê de três meses que foi abandonado. A Casa está providenciando a vinda dela para Santos”, revela Cléia. Mas quando todas estas alternativas são exploradas e não há resposta positiva, a opção é encontrar uma família substituta. “Embora a adoção seja sempre o último recurso, contabilizamos muitos casos bem sucedidos de adoções, até mesmo para famílias que moram fora do Brasil”, diz Cléia. Serviço - Para se tornar voluntário da Casa é necessário passar por uma entrevista com um técnico, conhecer a entidade para identificar em que poderá ajudar e, depois, fazer um contrato, de acordo com a lei do voluntariado. Para obter mais informações é só acessar o site www.casadacriancasantos. org.br ou pelo telefone 32224500. O endereço é Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 120, Macuco. CARINA SELES Casa da Vó Benedita atende a 43 crianças e adolescentes educacional, médica, além do carinho e atenção dos voluntários e funcionários”, explica Cláudia. As crianças permanecem no abrigo até que sejam adotadas ou retornem às suas casas, conforme a determinação da Justiça. Creche Noturna A Unidade II localizada na Vila Nova, à Rua Uruguai, 11, funciona como uma creche noturna. Das 19 às 23h30, as crianças podem ficar no local enquanto mães de baixa renda realizam cursos de capacitação ou trabalham. No período da manhã, o local oferece cursos profissionalizantes às mães e atividades lúdicas e culturais às crianças. Outras informações pelo telefone 3223-6659. Doações Mantendo cerca de 43 crianças e adolescentes, além dos funcionários, a entidade necessita constantemente de doações. “Precisamos de fraldas, pomadas contra assaduras, lenços umedecidos, alimentos, produtos de higiene pessoal, roupas, agasalhos e material de limpeza”, ressalta a coordenadora. O abrigo 24 horas se sustenta com a realização de eventos como jantares, bingos e chás beneficentes, bazar, campanhas e doações. Outras informações pelo telefone 3299-5415. Mesa Brasil: mais de sete mil atendidos na região Programa do Sesc arrecada 24 toneladas de alimentos por mês FOTOS: MARIANA BEDA Mariana Beda O Mesa Brasil é um programa nacional do Sesc que combate a fome e o desperdício. O objetivo é coletar alimentos que estão esteticamente fora do padrão para venda, mas que ainda estão próprios para o consumo. Em 2010, o programa arrecadou 325 toneladas de produtos. Coordenadora do programa, a nutricionista Fabíola Freire explica que os alimentos doados ou coletados são primeiramente selecionados. Os que realmente têm condições de ser aproveitados para consumo é que são levados às instituições que fazem parte do programa. O Mesa Brasil só atende entidades que servem as refeições na própria sede. “Precisamos garantir que os alimentos serão bem aproveitados, preparados e servidos, e sempre acompanhamos o processo para assegurar a qualidade do atendimento à comunidade”, diz Fabíola. A nutricionista diz também que as instituições sociais precisam seguir alguns critérios, como ser legalmente constituídas, ter um local adequado para preparar, servir e armazenar os alimentos: “É exatamente por isso que o Mesa Brasil tem esse nome. O símbolo do programa — um prato com faca e garfo — simboliza o resgate da cidadania e a dignidade das pessoas ao sentarem à mesa, com prato e talheres”. Os alimentos que chegam ao Sesc são in natura, ou seja aqueles que não sofrem nenhum processo de manipulação. Noventa por cento das doações são de hortifruti — legumes, verduras e frutas, — que são os que mais as instituições precisam. O programa e o processo de coleta urbana surgiu há 15 anos, no Sesc Carmo, em São Paulo. A partir disso, outras unidades começaram a implantar o programa. Em Santos, já existe há 10 anos. O diferencial da Baixada Santista é que há parceria com o comércio de peixes e feiras livres. O Mesa Brasil atende Cubatão, Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande. O processo educativo é muito importante, pois o programa possui uma equipe de coleta com dois veículos refrigerados, profissionais como nutricionista e administradores de acompanhamento, estagiárias de nutrição. Para a coleta, há um roteiro pré- estabelecido ao longo da semana. O volume de doações é sempre indefinido. “Nunca se sabe quanto será coletado no dia. As instituições cadastradas não são obrigadas a doar, somente se tiverem o alimento disponível”, explica Fabíola. São 70 parcerias, contando com os feirantes, padarias, sacolões, supermercados, feiras livres e o comércio do pescado. Existem 60 instituições cadastradas. As coletas são feitas de segunda a sábado. As atividades e despesas são pagas pelo Sesc, que promove oficinas culinárias que ensinam as entidades a preparar os alimentos e a evitar o desperdício. excedentes, por Programa Mesa Brasil coleta alimentos venda estarem esteticamente fora do padrão para Para a coleta, há um roteiro préestabelecido ao longo da semana Pão de casca de banana INGREDIENTES 6 bananas 1 xícara de água 1 xícara de leite 30 g de fermento fresco ½ xícara de óleo 1 ovo ½ pitada de sal ½ quilo de farinha de trigo MODO DE PREPARO Bater as cascas de bananas e a água no liquidificador. Juntar o óleo, os ovos, o fermento e bater mais um pouco. Acrescentar farinha, sal e o açúcar e misture. Por último, colocar na massa as bananas em rodelas. Colocar a massa em uma forma untada com margarina e farinha de trigo. Deixar crescer até dobrar o volume e levar para assar em forno pré-aquecido. para consumo Alimentos que podem ser aproveitados rama são levados às instituições parceiras do prog Quebra da Bolsa de 29 originou o Prato de Sopa Viviana Ramos Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, a economia santista, intimamente ligada aos negócios do café, mergulhou em grave crise financeira. Os trabalhadores portuários, que moravam no Morro da Nova Cintra, começaram a enfrentar o problema da fome. Passaram então a bater de porta em porta, em busca do que comer. A iniciativa de servir diariamente uma refeição gratuita aos desempregados santistas partiu de um grupo de senhoras. Nascia assim, em 1930, a Associação Prato de Sopa Monsenhor Moreira, em junho de 1930. Com o passar dos anos, a instituição passou a desenvolver projetos direcionados para a inclusão social e o resgate da cidadania. “Muitas instituições estão voltadas apenas à questão assistencialista, alimento e roupas. Queremos ir além da necessidade imediata, queremos reinserir essas pessoas na sociedade”, diz a assistente social do Prato de Sopa, Raquel Nunes de Souza Dias. Por muitos anos, o Prato de Sopa, assim como outras instituições, só ofereceu a alimentação, como destaca Raquel: “Eles vinham às 10 horas, comiam e iam embora, a gente não sabia nem o nome deles”. A ampliação parece que foi bem aceita. “Quando reformamos a cozinha, avisamos que não poderíamos oferecer alimentação por um tempo e eles disseram: a gente não vem aqui só por causa da comida. Assim a sopa, deixou de ser o atrativo maior e deu espaço para às atividades e oficinas”. A casa tem seis funcionários e atende 50 moradores de rua por dia. “Eles chegam às 9 horas e ficam até ao meio-dia. Participam das atividades e em seguida almoçam”, diz Raquel. Às segundas-feiras tem banho e corte de cabelo; às terças, eles recebem atendimento psicológico voltado à capacitação profissional e, no caso dos alcoólicos, auxílio psicológico. As quartasfeiras são preenchidas com a presença de uma poeta que estimula a produção de textos. A psicóloga da casa atende quinta-feira, dia destinado também ao banho. Às sextas-feiras, os moradores de rua participam da oficina de música. Raquel explica que as atividades são mantidas por voluntários. “Procuramos manter parcerias para os projetos da casa e contamos com uma verba anual da prefeitura”. No período da tarde, um projeto em parceira com a Petrobras e o Senac oferece capacitação no trabalho doméstico para mulheres vítimas de violência no lar. “Montamos uma casa completa para que elas aprendam fazendo o trabalho in loco”, diz E se engana quem pensa que os moradores de rua atendidos pela Associação Prato de Sopa são analfabetos. “A maioria é composta por homens e com bom nível de escolaridade. Alguns com ensino superior”, conta Raquel, que destaca os motivos que levam essas pessoas a viverem nas ruas: “As adversidades da vida contribuem para que eles percam o vínculo familiar. Entre os principais responsáveis estão o álcool e as drogas”. De acordo com Raquel, a casa tenta estreitar as distâncias entre os moradores de rua e a sociedade. “Os resultados vêm com o tempo. Pessoas que voltam a trabalhar, a encontrar suas famílias e a terem os seus direitos respeitados. Cabe a nós, assistentes sociais, encurtar essas distâncias”. Em uma das oficinas foram produzidos dois livros, um deles reúne as histórias de vida dos assistidos. “Pretendo equilibrar a minha vida, deixar de ser apenas uma mobília velha na decoração do mundo (...) quero voltar à sociedade e poder desempenhar meus conhecimentos (...) quero voltar a abraçar meu filho e andar ao seu lado como amigo, como aluno, como professor, como pai”, escreveu R. M. J., que há mais de dois anos vive nas ruas de Santos. Para o estagiário de Serviço Social, Bruno Jaar Karam, a maior dificuldade para os moradores de rua é superar o preconceito. “Há várias lacunas nas políticas públicas. Aqueles serviços que dizem ser para todos, na realidade não são. Eles têm dificuldades para recuperar documentos perdidos e arrumar emprego. Sempre olhados com preconceito, principalmente pela falta de higienização”, diz. Na Associação, Karam desenvolve atividade voltada para o emprego. “Perguntei para eles no que poderia ajudá-los na procura por uma vaga no mercado de trabalho. Resolvemos começar pela preparação dos currículos”. Quem quiser ajudar a instituição pode entrar em contato pelo telefone (13) 3232-5468. O endereço é Rua Sete de Setembro, 52, Vila Nova, Santos. Edição e diagramação: Ivan De Stefano PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011 19 CARINA SELE S CARINA SELES LLES CARINA SE A TORRE ALINE DELL CARINA SELES ENSAIO Em 1916, o número excessivo de mendigos e migrantes que perambulavam pelas ruas de Santos levou a Câmara Municipal e outras entidades civis a criarem o Albergue Noturno. Quase um século depois, a entidade continua a cumprir as finalidades para as quais foi criada, com trabalho redobrado ano a ano. Mas as ruas de Santos e cidades vizinhas mostram que os números da exclusão social são cada vez mais dramáticos — seriam mais de 300, segundo dados da Secretaria de Assistência Social. ALINE DELLA TO RRE SÓCRATES PUNTEL 20 Edição e diagramação: Joana Ribeiro PRIMEIRA IMPRESSÃO • Junho de 2011