Dissertação

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Dissertação
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ROSILENE MARIA DO NASCIMENTO
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AS CONTRIBUIÇÕES
DA NEUROCIÊNCIA PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2015
ROSILENE MARIA DO NASCIMENTO
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AS CONTRIBUIÇÕES
DA NEUROCIÊNCIA PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA
Dissertação de Mestrado, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Mestrado
em Educação, Universidade Cidade de
São Paulo, para obtenção do título de
Mestre sob orientação do Prof. Dr. Júlio
Gomes Almeida.
SÃO PAULO
2015
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
N244d
Nascimento, Rosilene Maria do.
Dificuldade de aprendizagem: as contribuições da
neurociência para o ensino da matemática / Rosilene
Maria do Nascimento -- São Paulo, 2015.
169 p.; Anexos
Bibliografia
Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São
Paulo. Orientador Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida.
1. Neurociências. 2. Aprendizagem. 3. Ensino de
Matemática. I. Almeida, Júlio Gomes, orient. II. Título.
CDD 371.9
ROSILENE MARIA DO NASCIMENTO
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AS CONTRIBUIÇÕES
DA NEUROCIÊNCIA PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA
Data da defesa:
16/09/2015
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida – Orientador ___________________________
Universidade Cidade São Paulo
Profª. Dra. Margaréte May Berckenbrok-Rosito ________________________
Universidade Cidade São Paulo
Profª. Dra. Gisele Saviani _________________________________________
AGRADECIMENTOS
A Deus, por minha vida e saúde, pela minha família e por meus amigos.
Ao meu filho pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
Aos meus pais (pai em memorian), em especial a minha mãe, exemplo de
vida, sabedoria, conhecimento e amor. Pelo apoio, para que eu pudesse dar
continuidade aos ensinos e pelo carinho e amor dedicado ao seu neto.
Aos alunos e os professores, tanto aos mestres quanto aos colegas de
trabalho, que foram essenciais nas minhas experiências no magistério.
Ao meu “amigo especial” por me incentivar, me apoiar e acreditar que seria
capaz de conquistar mais uma etapa.
A SEE-SP por oportunizar a minha pesquisa na busca da qualidade de
ensino/aprendizagem.
Aos membros da banca examinadora:
À Profa. Dra. Margaréte, pois em consequências as suas aulas escrevi o
primeiro capítulo desta dissertação “A minha História de Vida”.
À Profa Dra. Gisele, pelas contribuições e correções.
À Unicid, pela oportunidade de fazer o curso.
Ao Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida, meu orientador meu muito obrigado pela
orientação, apoio, paciência e confiança.
RESUMO
Este trabalho apresenta dados de uma pesquisa, cuja motivação foram as
inquietações da pesquisadora diante das dificuldades de aprendizagem em
matemática apresentadas pelos alunos do ensino fundamental de uma escola da
rede estadual, onde assumi aulas desta disciplina. O objetivo da pesquisa foi
compreender as contribuições da Neurociência para a melhoria da aprendizagem
dessa disciplina tida pelos próprios alunos como de aprendizagem difícil. No
desenvolvimento da pesquisa foi adotada abordagem qualitativa e os dados foram
produzidos por meio de revisão de literatura feita a partir de livros, artigos, teses e
dissertações sobre o tema e de reflexão sobre a própria prática uma vez que a
pesquisadora é docente desta disciplina e convive no dia a dia com as próprias
dificuldades e com as dificuldades de colegas que buscam entender essas
dificuldades. Como apoio teórico, recorreu-se a obras de autores reconhecidos na
área da educação e da Neurociências entre os quais destacam-se Lent (2010),
Izquierdo (2011), Cosenza e Guerra (2011), Fiori (2006), Fonseca (1995), Luckesi
(2011), entre outros. A pesquisa confirma a percepção amadurecida na prática da
pesquisadora de que uma tendência majoritária de alunos consideram a Matemática
uma disciplina difícil de aprender. O desempenho dos alunos nas avaliações
externas sugerem essa dificuldade pois nos anos em que os resultados foram
analisados apresentam desempenho abaixo do esperado para o ano/série em que
estão matriculados. Assim a pesquisa sugere um questionamento importante: a
baixa proficiência dos alunos é resultado de uma dificuldade de aprendizagem
inerente à Matemática ou resultado da forma como a escola se organiza e prioriza
no processo de ensino, não apenas de Matemática. Este é um questionamento que
pode ser desenvolvido em trabalhos futuros.
PALAVRAS-CHAVE: Neurociências. Aprendizagem. Ensino da Matemática.
ABSTRACT
This paperwork presents data of a scientific research motivated by the concerns of
the author towards learning disabilities of middle school students whislt teaching
mathematics in a public school in Brazil. The main objective of this research was to
perceive how neuroscience could contribute to improve student's learning in this
subject considered difficult. During the development of this research a qualitative
methodology was used and the data was gathered through literature review on
books, scientific articles, dissertations and the author's own reflection over her
teaching experiences as well as her colleague's. In order to write this dissertation
several well known’s writers in education and neuroscience areas were used as
theoretical background, such as: Lent (2010), Izquierdo (2011), Consenza e Guerra
(2011), Fiori (2006), Fonseca (1995), Luckesi (2011) and many others. The result of
this research confirmed that the majority of the students consider mathematics a
difficult subject to learn; as expected by the researcher. The student's performance in
external evaluations suggests that the difficulty to learn actually exists due to the low
rate of achievement. In conclusion, this research has come to an important question:
is the underachievement the result of maths learning disabilities or an outcome to the
way the school organizes and prioritizes the teaching process, not only mathematics
itself.
Keywords: Neuroscience, Learning, Mathematics Teaching.
LISTA DE SIGLAS
AP
Assistente pedagógica,
ATPC
Aula de trabalho pedagógico coletivo.
CPFP
Centro Público de Formação Profissional
CP
Coordenadora Pedagógica
DA
Dificuldade de aprendizagem
DI
Deficiência Intelectual
DP
Departamento pessoal
EAD
Educação à distância
EF I
Ensino Fundamental I
EF II
Ensino Fundamental II
EI
Educação Infantil
EJA
Educação de Jovens e Adultos
EM
Ensino Médio
EMEI
Escola Municipal de Educação Infantil
EMEIF
Escola Municipal Ensino Infantil e Ensino Fundamental
ENEM
Exame Nacional do Ensino Médio
ETEC
Escola técnica
FIES
Fundo de Financiamento Estudantil
IDESP
IC
Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de
São Paulo
Idade cronológica
IM
Inteligência Múltipla
INEP
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira
LP
Língua Portuguesa
MCP
Memória de curto prazo
MEC
Ministério da educação
OCDE
ONG
Organização para cooperação e o Desenvolvimento
Econômico
Organização não governamental
PE
Pernambuco
PIBID
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Pisa
Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes
PMSP
Prefeitura Municipal de São Paulo
PROUNI
Programa Universidade para Todos
QE
Quociente de inteligência emocional
QI
Quociente de inteligência
RGS
Rio Grande da Serra
RH
Recurso Humanos
RM
Ressonância Magnética
RMf
Ressonância magnética funcional
Saresp
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo
SEE
Secretaria da Educação do Estado
SEE-SP
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
Semasa
Serviço municipal de água e saneamento básico de Santo
André
Sisu
Sistema de Seleção Unificada
SN
Sistema Nervoso
SNC
Sistema Nervoso Central
TA
Transtorno de Aprendizagem
TC
Tomografia computadorizada
TDAH
Transtorno Déficit Atenção e Hiperatividade
TOEFL
Test of English as a Foreign Language
USP
Universidade de São Paulo
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Grade curricular do curso de Licenciatura Plena em Matemática
32
Tabela 2: Características da Memória de Longo Prazo
93
Tabela 3: Áreas de atuação nas dificuldades de aprendizagem
117
Tabela 4: Nível dos alunos por nível de proficiência em Matemática na Prova
Brasil
124
Tabela 5: Desempenho da escola nas edições da Prova Brasil
124
Tabela 6: Desempenho no SARESP
125
Tabela 7: Média de proficiência em LP na rede estadual
125
Tabela 8: Alunos nos níveis de proficiência em LP
125
Tabela 9: Média de proficiência em Matemática na rede estadual
126
Tabela 10: Alunos nos níveis de proficiência em Matemática
126
Tabela 11: Descrição dos níveis de proficiência no SARESP
126
Tabela 12: Resultados comparativos IDESP 2014
128
Tabela 13: Evolução e cumprimento das metas de 2014
128
Tabela 14: Comparativo dos resultados do Brasil no PISA desde 2000
130
Tabela 15: Desempenho dos estados do Brasil no PISA 2012
131
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................. 6
ABSTRACT................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO
12
1 HISTÓRIA DE VIDA: TRAJETÓRIA ESTUDANTIL E PROFISSIONAL
16
1.1 Família e escola: tensões de convergências no processo formativo
17
1.2 A formação profissional: a busca de caminhos
26
1.3 Atuação profissional: a Educação Infantil como lugar de aprendizagem
38
1.4 A docência em Santo André: outra etapa da Educação Básica no Ensino
Fundamental I
44
1.5 Professora de Matemática: o encontro com os alunos
53
1.6 Aulas de geometria: âncoras para o aprendizado em Matemática
62
2. DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM BREVE PANORAMA DOS ESTUDOS
SOBRE INTELIGÊNCIA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
71
2.1 As máquinas de ressonância magnética
73
2.2 O cérebro e as suas interferências
2.2.1 Estímulos (ou sensações) sensoriais
77
79
2.3 Quociente de Inteligência (QI), Quociente de Inteligência Emocional (QE) e
Inteligência Geral
81
2.4 Memória
87
2.5 Requisitos para aprendizagem: atenção, percepção, motivação, concentração e
as emoções
95
2.5.1 Atenção
95
2.5.2 Percepção
99
2.5.3 Motivação
101
2.5.4 Concentração
103
2.5.5 Emoção e cognição
105
2.6 Aprendizagem
2.6.1 Aprendizados explícitos e implícitos
109
111
2.7 Dificuldades de aprendizagem versus transtorno de aprendizagem
2.7.1 Transtorno de aprendizagem: discalculia
114
118
3 O ENSINO DE MATEMÁTICA NA ESCOLA: AS PROFICIÊNCIAS DOS ALUNOS
E OS SEUS APRENDIZADOS
122
3.1 Avaliações externas de Matemática e a proficiência dos alunos quanto ao
conhecimento da Matemática
123
3.1.1 Prova Brasil
123
3.1.2 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(SARESP)
124
3.1.3 Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
128
3.1.4 Programme for International Student Assessment (PISA): avaliação externa
(internacional)
129
3.2 Práticas Institucionais
132
3.2.1 Ensino tradicional: foco no professor que ensina
132
3.2.2 Aluno: centro do ato pedagógico
134
3.3 As dificuldades dos alunos na aprendizagem em Matemática
3.3.1 Dificuldade Aprendizagem e/ou falta de estudo
136
141
3.4 As dificuldades de ensino no Brasil
3.4.1 A falta de investimentos em recursos e ambientes educacionais
144
145
3.5 Aprendizagem em matemática: estímulos, oportunidades e estudo
148
3.5.1 As disciplinas como contribuições para o aprendizado dos sujeitos e as
estratégias de ensino
150
3.6 Ações
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
159
REFERÊNCIAS
164
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa assume como objeto de estudo as dificuldades de
aprendizagem em Matemática dos alunos do Ensino Fundamental II (EF II) em uma
escola da rede pública estadual de São Paulo do município de Santo André.
Os objetivos desta pesquisa são discutir as dificuldades de aprendizagem em
Matemática dos alunos do EF II; discutir índices de desempenho dos alunos na
disciplina de Matemática nas avaliações internas e externas; entender as
contribuições da Neurociência para a aprendizagem da Matemática; identificar ações
que possibilitem a intervenção no processo de aprendizagem, além de buscar
compreender que a história de vida do sujeito, o meio em que está inserido (cultura),
suas oportunidades educacionais, suas experiências, são essenciais para a
formação de sua cognição.
Recorrerei para isso à revisão de literatura sobre o tema e aos documentos
disponíveis nos sites oficiais e ainda à reflexão sobre a própria prática, uma vez que
atuo na rede pública estadual e cotidianamente convivo com as dificuldades dos
alunos e com os discursos da escola e dos alunos.
Para o desenvolvimento da pesquisa foi adotada a abordagem qualitativa e a
produção de dados se deu por meio de revisão de literatura e da observação
participante, já que sou professora de Matemática em uma escola da rede pública
estadual de São Paulo. Nesta perspectiva, recorro também à minha história de vida.
O aporte teórico é composto de estudos desenvolvidos pela Neurociência,
particularmente aqueles desenvolvidos por Robert Lent (2010), Ivan Izquierdo
(2011), Ramon Cosenza e Leonor Guerra (2011). Os dados analisados são os
resultados das avaliações externas em Matemática divulgados no site da Secretaria
da Educação (SEE), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) entre outros.
Neste contexto, também é preciso destacar que o professor da disciplina de
Matemática identifica na voz de alguns alunos que a disciplina é difícil de ser
aprendida, considerada “chata”, assustadora, provoca medo, causando pavor,
pânico, dor de cabeça, de barriga etc. Às vezes, alguns chegam ao cúmulo de
relacionar a disciplina e o professor a uma obra demoníaca, utilizando termos como
“coisa do capiroto” ou “bicho ruim”.
A falta de conhecimentos prévios, bloqueios oriundos de traumas decorrentes
de vivências negativas relacionadas à disciplina, somados à falta interesse, em
consequência de não dominar a linguagem matemática e de muitas vezes não
conseguir entender, faz com que os alunos sintam-se envergonhados por causa da
dificuldade que apresentam e por não conseguir aprender, o que pode gerar um
sentimento de aversão, ódio. Concomitantemente, outros usam o discurso do senso
comum que a matemática é difícil e um percentual dos alunos simplesmente já
desistiu e não quer aprender.
Ouve-se muito das dificuldades dos alunos e há necessidade de compreender
o porquê alguns alunos apresentam dificuldades de compreender e aprender o
conhecimento matemático; pois há ainda alunos que acessam o EF II, com falta de
alguns conhecimentos prévios, dentre os quais podemos citar a tríade: ler, escrever
e calcular, habilidades básicas para aprender a matemática. Outros ainda não
possuem domínio do sistema posicional, da sistematização dos cálculos das quatro
operações, entre tantas dificuldades.
Sendo assim, é importante compreender a participação do aluno no processo
de aprender e as relações que se estabelecem com as disciplinas, particularmente
com a Matemática, cuja aprendizagem faz parte do objeto deste estudo, que emerge
como necessidade fundamental no universo escolar. Deste modo, precisamos
compreender profundamente conceitos como aprendizagem e uso da memória, além
de entendermos paradigmas quanto à memorização e seu papel no processo da
aprendizagem em Matemática.
Contudo,
durante
minha
atuação
como
professora,
foram
surgindo
inquietações, cujo entendimento demandava reflexão mais complexa, o que me
levou a sair da zona de conforto. Deste modo, retomei os estudos e ao fazer esta
pesquisa tenho me mobilizado a buscar conhecimento, referenciais teóricos, a fim de
compreender o processo de ensino e de aprendizagem dos alunos e buscar
estratégias de intervenção que, por um lado, favorecessem as habilidades de uns e,
por outro, ajudassem sanar as dificuldades de outros.
Neste sentido, também foi necessário questionar e compreender o discurso
segundo o qual a Matemática é uma disciplina difícil e que só os mais inteligentes
conseguem aprender. Essa ideia, porém, tem sido questionada por pesquisas que
vem demonstrando que aprender Matemática, como a aprendizagem de qualquer
disciplina, depende mais do ambiente em que acontece o processo de ensino e
aprendizagem que de eventuais níveis de inteligência das pessoas, como podemos
entender do trecho seguinte:
O cérebro tem uma propriedade chamada neuroplasticidade, que é
a capacidade de modificar de forma considerável a sua estrutura e seus
padrões de atividade, não só na infância, mas também durante a vida
adulta. Essa mudança pode resultar das experiências que temos e também
da atividade mental puramente interna, ou seja, de nossos pensamentos.
(DAVIDSON, 2013, p.181)
A citação permite inferir que há certa mitificação em torno da aprendizagem
de matemática, pois evidencia que todo sujeito é capaz de aprendê-la. Sabe-se que
as crianças dispõem de um potencial para aprendizagem, que o desenvolvimento
intelectual é maior na infância e que aprender depende da motivação, querer ou da
necessidade do aprendizado.
Embora estudos, sobretudo aqueles desenvolvidos pela Neurociência,
confirmem que o aprendizado de qualquer disciplina depende de fatores como:
atenção, motivação e estímulos do ambiente, a Matemática ainda é vista como uma
disciplina difícil de ser aprendida. Creio que a partir do estudo deste objeto, será
possível pensar as dificuldades de aprendizagem de Matemática em uma
perspectiva ampliada e que permita perceber que as dificuldades não acontecem
apenas com relação à Matemática e que a aprendizagem bem sucedida depende da
mobilização de diferentes recursos, diferentes capacidades e diferentes sentidos.
Como subsídios teóricos teremos Lent, (2010), com o desenvolvimento da
concepção de atenção; Fiori (2006) e Lent (2010) abordando a motivação (intrínseca
e extrínseca); Cosenza e Guerra (2011) e Davidson (2013) e seus estudos sobre a
influência dos estímulos do ambiente (cultura).
O trabalho está organizado em três capítulos: no primeiro apresento a minha
história de vida buscando enfatizar momentos importantes e identificar nelas
elementos da minha formação. No segundo, pretendo apresentar as contribuições
da Neurociência para compreensão da: atenção, percepção, motivação, estímulos
sensoriais nos processos de aprendizagem e na formação das memórias do sujeito.
O terceiro capítulo busca discutir sobre as dificuldades de aprendizagem em
matemática, a proficiência dos alunos recorrendo aos dados oficiais da Secretaria de
Educação (SEE) do Estado de São Paulo e as dificuldades que o professor encontra
no processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
Com este estudo, pretendo sistematizar conhecimento sobre o processo de
ensino e aprendizagem da matemática e com isso contribuir para a desmistificação
desta disciplina como difícil, cujo aprendizado só é possível para inteligentes e
gênios, que todos podem aprender desde que seja oferecida uma educação com
recursos educacionais apropriados.
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DE VIDA: TRAJETÓRIA ESTUDANTIL E
PROFISSIONAL
Este capítulo tem como objetivo apresentar a minha história de vida,
destacando a convivência familiar, a formação profissional e por fim a atuação como
professora em diferentes etapas da educação básica. Essa apresentação, ainda que
breve, me parece bastante importante para compreender as inquietações que me
levaram a escolher o objeto desta pesquisa e também para compreender a relação
entre os encontros que fiz no meu percurso formativo e a matriz pedagógica que
orienta a minha atuação profissional.
De início vale destacar, que resolvi escrever a minha história de vida, quando
participei no mestrado das aulas da professora Margaréte: “Epistemologia de
Formação” e “Metodologia História de Vida: Colcha de Retalhos”. Na finalização do
trabalho, nós alunos do Mestrado relatando os momentos charneiras de nossa vida.
Este conceito é abordado por Josso (2010) que destaca que os momentos
charneiras fazem parte do processo de formação. Os momentos charneiras podem
ser entendidos como os acontecimentos da vida, que provocam transformações e
divisões na vida das pessoas. Estes episódios constituem e modificam as pessoas,
já que são eventos que provocam uma mudança profunda, uma transformação de
referenciais de vida, alterando o modo de pensar e agir da pessoa.
A autora define experiência formadora como a compreensão dos momentos
charneiras, situações e acontecimentos que alteraram os referenciais de vida do
indivíduo. Deste modo, foi surpreendente, pois fomos levados à reflexão de que
várias ações estão entrelaçadas com a nossa história de vida.
Há vários estudos que trabalham a história de vida, a partir dela o sujeito em
formação e introduzem a escrita das memórias como Bueno (2006), Josso (2004) e
Berkenbrock-Rosito (2007), que permitem aos sujeitos em formação elencarem os
momentos que foram significativos em sua vida e as experiências que
proporcionaram o desenvolvimento.
A história de vida narrada é, assim, uma mediação do conhecimento
de si na sua existencialidade que oferece, para a reflexão do seu autor,
oportunidades de tomada de consciência dos vários registros de expressão
e de representação de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a
sua formação. (JOSSO, 2004, p. 27)
1.1 Família e escola: tensões de convergências no processo
formativo
A vida familiar certamente tem peso muito importante na constituição da
minha identidade como pessoa e professora, porque ela certamente agrega
aprendizagens de outros encontros que fiz no meu trajeto de formação inicial
quando buscava uma habilitação profissional e continuada, além da busca de
estratégias para contribuir com a aprendizagem dos meus alunos.
Sou a primeira filha de uma família de cinco irmãos, filha de pais evangélicos
e com forte tendência conservadora. Além de evangélico, meu pai era
pernambucano e grande defensor das tradições, entre elas, aquela segundo a qual o
papel da mulher era servir ao homem e cuidar da casa e dos filhos. Minha mãe,
embora também defensora de valores tradicionais, se apresentava com maior
sensibilidade e, de vez em quando, intervinha em nosso favor, como foi o caso
quando, contra a vontade do meu pai, decidi continuar estudar.
Neste contexto, fui educada, para obediência sem contestações, aos pais, a
igreja, casar e servir, pois na visão do meu pai, ainda com a sua origem
pernambucana, mulher não precisava estudar, apenas cuidar da casa, do esposo e
dos filhos, tendo o marido como o provedor da casa, exatamente como ele era.
Meu pai nasceu em 1938, em Caruaru, Pernambuco (PE), numa época em
que quanto mais filhos tivessem, seria melhor, pois eram mais pessoas para
trabalhar no sítio. Sua família era composta de dezessete irmãos, sendo quinze
filhos da primeira esposa e dois da segunda. Meu pai era o filho mais velho da
segunda esposa, estudou até a quarta série por ser um dos filhos mais novos, alega
que os seus irmãos mais velhos do primeiro casamento não tiveram essa
oportunidade. Veio para São Paulo com os dezoito anos para procurar trabalho,
quando chegou arrumou “bicos” e instalou-se em uma pensão. Depois foi procurar
um conterrâneo dele, que era tia da minha mãe, vale destacar que as famílias
naquela época se apoiavam. O tio da minha mãe conseguiu emprego para ele no
mesmo lugar que trabalhava no Serviço Municipal de Água e Saneamento Básico
(SEMASA), contudo nesta época, meus pais ainda não se conheciam.
Minha mãe nasceu em 1949, também em Caruaru (PE), sendo a mais velha
de duas irmãs com diferença de um ano. Ficou órfã de mãe aos três anos de idade,
assim seu pai veio a casar novamente e foi criada pela madrasta. Estudou apenas
até segunda série, que era para aprender escrever e assinar o nome. Aos 12 anos,
resolveu vir para Santo André, em São Paulo, para trabalhar, ficou na casa de seus
tios, sendo que a tia era irmã de seu pai. Assim meus pais se conheceram. Minha
mãe arrumou serviço como doméstica e depois de um mês a sua patroa a convidou
para trabalhar na feira na sua barraca de bolacha, ela achava que minha mãe era
esperta demais para ficar somente limpando a casa.
Em 1964, uma área foi destinada a novos loteamentos e foram colocados
terrenos à venda. As famílias que se conheciam e vieram de PE se reuniram e
compram quatro terrenos financiados, compraram em duplas, um terreno para cada
duas famílias, o terreno media 10m de frente por 50m de comprimento, e foi dividido
em dois terrenos 5 x 50m.
Meus pais começaram a namorar, ficaram noivos e decidiram casar-se. A fala
do meu pai era: “O marido deve ser provedor, era homem suficiente para sustentar a
casa.” Assim, mulher sua não trabalhava fora, a função da mulher era cuidar da
casa, do marido e dos filhos. Deste modo, sair do emprego era condição para minha
mãe se casar e ao marcar a data do casamento, minha mãe pediu demissão. O
casamento do sr. Heleno, com 27 anos e da srta. Maria de Lourdes, 16 anos,
aconteceu no dia 02 de Janeiro de 1966, tendo cinco filhos, sendo eu a primogênita.
Já minha vida escolar foi marcada inicialmente com minha entrada na escola
de Ensino Fundamental I (EF I), pois foi a descoberta de um novo mundo, de ideias,
amigos e de liberdade. Não fui uma excelente aluna, mas nunca apresentei
dificuldades de aprendizagem. Essa nova vivência se contrastava com educação
familiar, pois meu pai permitia brincar apenas com os meus irmãos e eu só ia à casa
de parentes acompanhada pelos pais.
No EF II, comecei a ter preferência por duas disciplinas; a primeira era de
Educação Física, participava de todas as atividades. Aproveitava o máximo a aula e
a escola, por permitir várias vivências que não tinha em casa, como fazer amizade,
brincar e jogar. Os momentos eram prazerosos e de liberdade, durante os quais
podíamos interagir e extravasar, participar dos jogos de handebol, basquete,
queimada, eu me realizava. Na época, me identifiquei tanto com o jogo de handebol
que a minha professora de Educação Física conseguiu para mim um teste num time
profissional, contudo meu pai não me permitiu participar do teste, porque jogos não
eram permitidos pela religião.
A Matemática era a segunda disciplina com a qual me identificava, pois me
dava bem, bastava prestar atenção no que o professor ensinava na sala de aula e
colocar em prática, fazendo os exercícios em sala e os para casa, quando havia.
Naquela época, o professor apresentava os conteúdos, explicava o conceito,
demonstrava a resolução do exercício através de exemplos, perguntava se havia
dúvidas e quando necessário explicava novamente. Em seguida, propunha muitos
exercícios para os alunos resolverem sempre tendo o exemplo como referência. A
intenção das listas de exercícios era para praticar e aprender o processo de como se
faz e alguns ficaram arquivados na minha memória de longo prazo (MLP).
Neste período do EF, os alunos se dividiam entre os que sabiam e os que não
sabiam Matemática. Deste modo, os alunos que era bem sucedidos na disciplina,
apresentavam facilidade de manipular os números, resolviam as situações
problemas, eram reconhecidos como: inteligente, esperto, gênio, nerd, e às vezes
com o endosso do próprio professor. Havia os alunos que tinham dificuldade de
aprendizagem (DA), sentiam-se, às vezes ansiosos, amedrontados, nem olhavam
para o professor, tentavam se esconder para não serem requisitados para ir à lousa
resolver exercícios, pois consideravam um castigo. Já para o outro grupo era um
prêmio quando chamado pelo professor e por isso até se candidatavam. Esta prática
ainda pode ser vista nos dias de hoje.
Outro fator importante a ser abordado sobre este período: a memória era
considerada fundamental, por isso os alunos memorizavam, decoravam, sem
denotar significado para aquilo, utilizando aquele conteúdo apenas para realizar as
provas e ser aprovado nos testes escolares, o que não gerava aprendizado. Esta
aplicação da memorização é considerada como um grande erro e este processo
acabou sendo desprezado por alguns, mas não se pode desconsiderar o papel da
memorização no processo de aprendizagem.
Antunes (2012) reforça que “se de um lado, a memorização quantitativa e
descontextualizada é inútil, por outro lado, esquecer e minimizar a importância da
memória para a aprendizagem representa imperdoável tolice” (ANTUNES, 2012, p.
10)
Na sala de aula, ao concluir as lições, sentia-me valorizada quando era
solicitada, às vezes, pelo professor a ajudar os amigos, contudo, de vez em quando,
recebia várias broncas, porque tinha um defeito: ao ensinar, falava demais e
brincava.
Recordo-me da professora M. J., pois ela é a minha referência. Quando
tínhamos dúvidas ela nos ensinava individualmente. Sempre havia uma cadeira ao
lado da sua mesa, na qual sentávamos e ela, com a sua paciência, nos ensinava.
Esta cadeira também servia para apresentarmos a lição de casa e recebermos uma
bronca se a lição não estivesse de acordo.
Acredito que tenho muito a agradecer, pois no EF II e no Ensino Médio (EM)
tive bons professores de Matemática, que explicavam bem a matéria, eram
exigentes e exigiam de nós alunos o aprendizado e o cumprimento das atividades
em sala de aula, da lição de casa e ter a tabuada na “ponta língua”. Tive uma
professora que fazia até chamada oral. O ensino era diferente dos dias atuais, já que
não havia a preocupação com a ação mental, a aplicabilidade e atividades
significativas com o dia a dia do educando.
Freire (1996) classifica como bancário este tipo de ensino, pois se pressupõe
que o aluno nada sabe e deposita as informações transmitidas, considerando que o
educando deve absorver as informações sem questionar, sendo um mero
espectador, passivo, tornando-o um objeto do processo de ensino, educação para
reprodução. Neste processo, não há autonomia, participação e diálogo. O autor
ainda afirma que os aprendizes não são “tábula rasas”, não sendo possível
“despejar” o conhecimento no aluno, mas sim que o sujeito precisa ter o seu
conhecimento de vida considerado.
A maioria dos meus professores de Matemática sempre passava muitos
exercícios, no discurso que se aprende a fazer, fazendo. Luckesi (2011) afirma que
propor exercícios se diferencia da proposta educacional antiga e hoje espera que o
aluno pense, resolva e tome decisões. Nesta perspectiva, temos a contribuição de
Lefrançois (2012), para quem um ser pensante torna-se um aprendiz mais
predisposto a desenvolver hipóteses e refletir sobre os possíveis resultados.
Alguns alunos na época do EF II deixavam evidente que iam à escola porque
eram obrigados, outros não encontravam na escola um ambiente acolhedor e nem
propício para fazer amizades. Outra parcela já enxergava a escola como um lugar
interessante, no qual podiam estabelecer laços de amizade ou até mesmo que o
melhor da escola era aprender. Outros, por fim, acreditavam que a melhor parte da
experiência escolar eram as férias.
Eu gostava da escola, a considerava prazerosa, um lugar de aprender, fazer
amigos, brincar. Foi importante e significativa na minha educação, pois proporcionou
momentos de aprendizagens, amizades e descobertas. A minha principal descoberta
foi o prazer pela leitura, pois aprendi gostar de ler gibis e revistas com os amigos da
sala, já que não tinha acesso em casa, nem tão pouco era permitido pelo meu pai.
Éramos protestantes e na visão de meu pai tudo era pecado. A frase que mais
conheci na minha infância era “não pode, pois a religião não permite”, não podia
jogar bola, andar de bicicleta, ler livros, assistir televisão, cortar cabelo, etc.
Em casa, tínhamos apenas a Bíblia e a revista da escola dominical para
leitura, confesso que não eram tão atraentes para as leituras diárias. Fazia a leitura
da revista no sábado por causa da escola dominical. Já a Bíblia apenas a ouvia, pois
antes de se deitar diariamente meu pai e a minha reunia os cinco filhos ao redor da
cama e, todos ajoelhados, aguardávamos a leitura de um capítulo pelo meu pai.
Depois fazíamos a oração em agradecimento ao dia, as petições e após o término
pedíamos a bênção e íamos para cama dormir.
Na infância, os meus amigos me proporcionavam momentos felizes, durante
os quais descobri o sentido da palavra amizade. Eles traziam gibis e revistas para eu
ler e com um detalhe, sabendo que eu não poderia levá-los para casa por causa das
restrições familiares, levavam de volta e traziam no outro dia para que para que
continuasse. Ler para mim era um prazer e fazia por identificação, pois não tinha
nenhuma cobrança a respeito desse quesito em casa.
O EF II era a última etapa a ser concluída na visão do meu pai, pois já estava
ótimo este nível de estudo para uma mulher, que, segundo ele, não precisava
estudar. Assim, eu podia me considerar privilegiada, pois já tinha avançado além
dos estudos dos meus pais. Meu pai estava decidido que eu não estudaria mais e
afirmava que com este estudo conseguiria viver. Na sua visão, o estudo poderia
afastar-me do caminho certo, dos bons costumes e tirar do convívio da igreja.
Entretanto, eu queria mais e para continuar a estudar pedi à minha mãe ir assinar a
minha matrícula para o colegial, hoje EM, sem conhecimento ou permissão de meu
pai. Assim, viriam as férias e depois haveria um problema a se resolver.
O segundo momento de mudança na minha vida foi ingressar no EM. Ao
iniciar o período das aulas, em 1983, às dezoito horas fui tomar banho e me arrumei.
Meu pai perguntou aonde iria e respondi que à escola. Foi um tumulto, meu pai se
alterou, disse que eu estava desobedecendo e que sua decisão já estava tomada:
eu não iria mais estudar. Apesar disso, peguei o caderno, a bolsa e subi correndo
pela rua da minha casa.
Ao chegar a casa da minha amiga que morava na mesma rua, entrei e relatei
o
acontecido
e
pedi
que
andássemos
depressa.
A
escola
era
longe,
aproximadamente uns dois quilômetros, fomos andando e descendo a avenida,
quando estávamos a uns oitocentos metros perto da escola, meu pai pára do nosso
lado com o seu fusquinha. Ordenou que entrássemos no carro, pensei que fosse
apanhar ali mesmo, sentei-me no banco de trás e a amiga no banco frente do carro.
Meu pai disse quando chegasse em casa conversaríamos. Contudo, sua atitude me
surpreendeu, pois ele não retomou o caminho de casa e me deixou na porta da
escola. Estudei naquela noite amedrontada por imaginar o que me aguardava
quando chegasse em casa. O meu pai me aguardava no portão da saída da escola.
Ao chegar em casa, para meu espanto, apenas escutei um grande sermão,
mas não apanhei, sobrevivi. Deste modo, ficou determinado que iria com minha
amiga à escola e ele iria nos buscar todas as noites. Achei que o milagre estava
acontecendo. A minha irmã disse baixinho, que me contaria a briga no dia seguinte.
No outro dia, assim que meu pai saiu para o trabalho, a minha irmã me contou. O
milagre por eu não ter apanhado foi a atitude de minha mãe. Ela enfrentou meu pai,
e pediu que me deixasse estudar. Durante o diálogo, ela afirmou que nunca havia o
enfrentado ou desafiado, mas que se agredisse sua filha porque ela estava
estudando, seria a primeira vez que ela o enfrentaria e tentaria impedi-lo, colocandose à frente da filha. Agradeço por essa atitude da minha mãe, pois meu pai recuou e
cursei o EM.
Todo adolescente tem sonhos, objetivos, e um dos meus era trabalhar e ter
outras vivências iguais as das minhas amigas, como ir ao cinema, ao teatro, a praia,
andar de bicicleta, assistir televisão, já que nunca tinha experimentado nada disso.
Neste momento, descobri um álibi perfeito: os trabalhos escolares. Alguns
aconteciam na minha casa e outros fictícios eram usados como motivo para eu ir à
casa de alguma colega de escola, eram as oportunidades de assistir TV, de
conversar com as amigas, de ler revistas, de me maquiar, etc.
No término do terceiro ano, em 1985, aconteciam os preparativos dos alunos
para a formatura, mas meu pai não me autorizou a participar. Era um momento de
despedida, pois havíamos convivido durante três anos na mesma turma. Minha
professora de História, sra. L., inconformada, foi até minha casa pedir autorização ao
meu pai, responsabilizando-se por me buscar e me trazer, para que participasse
pelo menos da colação de grau que aconteceria na igreja católica. É possível
imaginar o esforço da professora em convencer meu pai, que enfim autorizou e eu
pude participar da colação de grau e esta foi a primeira vez que entrei em uma igreja
católica.
Ao terminar o EM, um susto: meu pai solicitou que eu e o meu namorado,
marcássemos a data do casamento. Esse não era meu objetivo naquele momento,
pois estava certa de que veria a história de meus pais se repetir, afinal ele era da
mesma religião que nossa família, assim optei pelo término do namoro. Essa minha
decisão, causou espanto e desapontamento tanto para meus pais, quanto para o
rapaz. Minha mãe pedia para que ele aguardasse, porque eu estaria com a cabeça
“quente”. Ao romper o namoro terminei perdendo a amizade e atenção do meu pai
por vários meses, mas depois voltamos ao normal. O casamento seria seguir o
modelo de vida dos meus pais, no qual minha mãe casou-se com dezesseis anos e
com dezessete foi mãe, tendo cinco filhos no período de dezessete anos, que é a
diferença da minha idade para a minha irmã caçula. Agradeço pela minha família
que é maravilhosa, meu pai foi trabalhador, responsável, às vezes trabalhava até
aos nos finais de semana para ajudar no orçamento, para conseguir um extra, num
trabalho temporário. O único defeito de meu pai era ter uma posição machista
perante a vida e de ser fanático em relação aos preceitos de sua religião.
Assim, conversei com o meu pai dizendo que queria trabalhar. No começo
houve resistência à proposta de eu trabalhar. O meu pai culpava minha mãe que
não soube me educar e por eu ser diferente, era considerada rebelde. No final
daquele ano, meu pai saiu para trabalhar e eu saí para procurar emprego. As lojas,
durante este período do ano, admitiam funcionários temporários e consegui um
emprego como balconista, numa loja de departamentos. Aos poucos, meus pais
foram se acostumando, trabalhei por um ano e um mês nessa loja. Queria mudar,
achava que tinha capacidade de outro serviço melhor. Assim, pleiteei a vaga como
caixa em outra loja de departamento e quando a consegui, solicitei a dispensa.
Não consigo evocar na minha memória a época na minha adolescência sobre
a pretensão de cursar uma universidade, por não ter condições de pagá-la ou por
não ter acesso ou conhecimento a respeito das Universidades públicas. Não
consegui resgatar os motivos específicos de nunca ter pretendido cursar o Ensino
Superior, pois todas as vezes que tentei evocar foram inúteis, sem resultados
positivos.
Deste modo, minha vida se resumia ao trabalho, à casa e à presença na
igreja todas as noites. Desejava um emprego melhor, por isso me candidatei a uma
vaga de recepcionista do banco U., em Santo André. Recordo-me que os requisitos
para a vaga era ter cursado o EM e não era preciso ter experiência anterior. Assim,
preenchi a ficha, que naquela época continham perguntas parecidas com a dos
currículos atuais, e foram marcadas as datas das avaliações. Um dia, a prova seria
de Língua Portuguesa (LP), com os conteúdos referentes à interpretação de texto,
ortografia e uma redação.
Em outro dia, seria aplicada a prova de Matemática, que era constituída de
um livreto com 50 situações-problema, com vários conteúdos e propostas, entre
eles: preenchimento de cheques; situações problemas do cotidiano, com
porcentagens, juros; situações de compras com valor x de entrada e o restante do
saldo parcelados em Y prestações, e outros com resolução utilizando as quatro
operações, nada que exigisse grandes elaborações e utilização de fórmulas. Na
prova, não podíamos fazer nenhuma anotação no livreto apenas nas folhas avulsas
com espaço para resolução. Algumas situações problemas vinham com as
respostas de múltipla escolha. Ao entregar a avaliação fui informada que de acordo
com os resultados da avaliação, haveria o retorno telefônico e seria marcado o dia
da entrevista.
Durante este tempo em que fiquei aguardando, enviei currículos, daqueles
comprado na banca de jornal, para o Banco I., cuja vaga era na Av. Celso Garcia,
em São Paulo. Recebi o telegrama convocando a participar do processo seletivo. O
processo foi parecido com a avaliação que fizera no banco anterior, apenas com
uma etapa a mais, uma dinâmica em grupo, porém o processo foi em dias
sequenciais e conquistei a vaga com dia marcado para iniciar.
Aguardava o contato do banco U., que demorou uns quinze dias, quando
ligaram e foi marcada a entrevista. No dia, me recordo que depois da entrevista, o
responsável pelo Recursos Humanos (RH), disse-me: “Quero parabenizá-la você
teve cem por cento de acerto na sua prova de matemática, isso não é muito
comum.” Fiquei muito feliz, estava aprovada e a vaga era minha. Como tinha duas
opções de trabalho, então decidi pelo banco “U” na qual a vaga era aqui na cidade
de Santo André, mas quando fui acertar o horário fui encaminhada a vaga na cidade
de São Bernardo do Campo, num núcleo, com horários das 16 às 22 horas,
responsável pelo fechamento da agência, na compensação de cheques e cobrança.
Gostei muito de trabalhar no departamento, tive oportunidades de mudar para
a agência de Santo André, pois várias vezes foram disponibilizadas vagas, mas
preferi ficar no núcleo em São Bernardo do Campo.
Aos vinte e sete anos, me casei em outubro no mês do meu aniversário, fui
considerada a “tia” na família, por não ter me casado cedo e no dia 21 julho do ano
seguinte em 1994, nasceu o meu filho lindo. Após o término da licença maternidade,
acabei aceitando as chantagens familiares e fiz um acordo com o banco e tornei-me
exclusivamente mãe e dona de casa. Ser mãe é uma dádiva, é o divisor de águas de
sua vida, pois sua visão de mundo é uma antes e outra depois de ser mãe.
Ao resgatar a nossa história, evocar a memória vêm as recordações de
acontecimentos marcantes e felizes, como o nascimento do filho, ao pegá-lo a
primeira vez no colo, o primeiro aniversário, a festa surpresa, a viagem ao exterior, a
compra da casa, etc. Essas memórias parecem nos transportar ao momento vivido.
Há também registros de memórias com emoções infelizes, como por exemplo,
o acidente vascular cerebral (AVC) da minha irmã caçula quando tinha dezenove
anos. Tinha ido ao centro da cidade, retornando para casa sentiu-se mal e estava no
carro com o meu cunhado. Este relata que ela deu um grito dizendo que a cabeça
estava doendo e ao olhá-la percebeu que o braço e boca entortavam, assim levou-a
ao hospital, sorte que estavam apenas a uns trezentos metros de distância. O
socorro foi rápido e primordial a internação e o tratamento. O AVC ocasionou perda
da memória por um mês, não conhecia ninguém, o que demonstrava quando
chamava nossa mãe de irmã e vice-versa, apresentava diálogos desconexos. Foi
uma dor imensa. O tratamento proporcionou uma melhora progressiva e depois de
um mês já estava resgatando as memórias e conhecendo a família.
Durante os seis meses seguintes, houve vários lapsos de memória,
chamados no senso comum “sair de órbita” ou “estar no mundo da lua”, pois não se
lembrava do que estava fazendo. Era difícil para a família estar com uma pessoa
querida completamente despersonalizada e sem conhecer ninguém, pois todos
sofrem muito. Já faz treze anos este ocorrido e ela continua com uma saúde
perfeita. Outra recordação de minha família é o episódio do falecimento do meu pai,
que deixou muito dor e maior ainda a saudade.
Em 2013, ao fazer exames preventivos, obtive o seguinte laudo: possibilidade
de estar com câncer nas mamas e no útero, o que iniciou um processo de
aprendizagens. O encaminhamento ao mastologista, ao cirurgião, a biópsia,
presenciar as pessoas em estágios avançados da doença no Hospital Servidor
Público. Foi extremamente difícil lidar com a incerteza, sentir a impotência, não ter o
controle da situação, ansiedade, provocando inúmeras reflexões sobre a vida, a
escola, a família, os amigos, o futuro. A união da família e dos amigos às orações a
Deus me deixavam mais reconfortada e o laudo da biópsia, me faz sorrir, agradecer
a oportunidade. Em fevereiro 2014, uma amiga de trinta anos, sentindo-se mal fez
endoscopia, biópsia e teve como diagnóstico câncer de esôfago. Acompanhei todo o
processo buscando apoiar, participar, fazer orações, estar próxima mesmo em
momentos mais difíceis no hospital, mas enfim a separação, vindo a falecer em 01
de abril. Entre o diagnóstico e o falecimento o processo se deu num prazo de 45
dias.
Estes são registros de memórias episódicas que ficam armazenadas no
cérebro carregadas de emoções, podendo ser positivas ou negativas. Estes
momentos charneiras, de perdas ou conquistas, proporcionaram novas reflexões,
mudaram alguns valores e referências e ver vida com outras perspectivas.
1.2 A formação profissional: a busca de caminhos
Quando o bebê nasceu cedi à chantagem familiar e fiquei em casa para
cuidar do filho. No começo, o cuidar e crescimento do filho motivam, contudo os
objetivos mudam e necessitamos de novos objetivos, sonhos, horizontes. Duas
opções se apresentavam, voltar a estudar ou trabalhar, mas naquele momento
trabalhar durante oito horas diária, ficando fora de casa todo este tempo com o filho
pequeno era inviável, então a opção foi estudar.
Fiz a inscrição para o meu filho estudar na Educação Infantil (EI) nível II e
fiquei aguardando a vaga. Ao sair a vaga, matriculei-o na Escola Municipal de
Educação Infantil Ensino Fundamental (EMEIEF) perto de casa. Ao ter garantida a
vaga do meu filho na EI, a busca agora seria minha. Pensava bastante em cursar
uma faculdade de Matemática, mas ao tocar no assunto obtive todas as dificuldades
elencadas pelo esposo. Diante das negativas, surgiu a ideia de cursar o magistério e
fui obter informações sobre o curso. Se o caminho principal está impossibilitado,
busquei por atalhos, mas precisava estudar, fazer algo, pois sentia que estava
retrocedendo intelectualmente.
Na escola, fui informada, como já tinha concluído o EM, acessaria direto no 3º
ano do magistério de quatro anos. Fiquei entusiasmada na possibilidade de cursar o
magistério em apenas dois anos, fui para casa busquei os documentos e fiz a
matrícula no período da manhã.
No começo, meu esposo resistiu à ideia, justifiquei que não aguentava mais
aquela vida de cuidar da casa, que estava me sentindo inútil e gostaria de voltar
estudar. Mostrei os benefícios do curso: gratuito, período da manhã no mesmo
horário que o meu filho estudava e que em dois anos estaria concluído. Retornei à
escola em fevereiro de 1999, me apaixonei por aquela dinâmica da escola, novos
aprendizados, novos conhecimentos, novas amizades.
Estava decidida em dar continuidade aos estudos, tinha a intenção de no
próximo ano iniciar o curso superior em Matemática e com isso vieram novos
argumentos e conquista. A desculpa era sempre o cuidado com o filho, pois o
esposo não possuía hora certa para chegar em casa, devido ao seu trabalho.
Entretanto, no final do ano, prestei vestibular para Licenciatura plena em Matemática
e fui aprovada.
A notícia não agradou meu esposo, mas tive que convencê-lo e em fevereiro
de 2000 ingressei no ensino superior, cursava assim, o último ano do magistério no
período da manhã e a noite cursava o primeiro ano de Licenciatura Plena em
Matemática.
Na primeira semana, como de praxe, vários alunos não foram à escola,
inclusive eu, pois estava acontecendo o trote. Na segunda semana, os horários são
afixados na sala de aula conforme as disciplinas, há as apresentações dos
professores e alunos, entre outras atividades. Durante a aula de determinado
professor, o mesmo propôs uma apresentação, e anotou os dados na lousa: nome,
idade, profissão, trabalho, filhos, estado civil (opcional), ano que concluiu o ensino
médio, se havia estudado em escola pública ou privada, há quanto tempo estava
afastado da escola, ou se estava estudando no ano anterior.
Quando chegou a minha vez: casada, mãe de um filho, não trabalhava desde
que meu filho nasceu em 1994. No ano anterior, havia retornado aos estudos, neste
ano, cursava o último ano curso de magistério no período da manhã, havia sido
aluna de escola pública no ensino básico, concluindo EM em 1985.
Ao terminar minha apresentação o professor disse: “você pode descer e
procurar a secretaria e fazer transferência para o curso de Pedagogia, pois você
está no curso errado. Mãe e aluna de magistério: o curso mais indicado para você
cursar é de Pedagogia. Alguns riram, fiquei ruborizada, mas respondi que agradecia
a sugestão, mas tinha certeza da opção escolhida, que ao fazer o vestibular o curso
pretendido e escolhido foi Matemática e não Pedagogia. O professor deu uma
risadinha e mandou que continuasse a apresentação.
Confesso que senti raiva, observei que o professor teve preconceito porque
estava cursando magistério e era mãe, e por isso me indicou o curso de Pedagogia.
A maioria dos alunos nas salas de Matemática é do sexo masculino, uma realidade
que vem mudando no decorrer dos anos. Não me abalei, porque nos momentos de
dificuldades, ter motivação para não desistir, ter coragem, disciplina a estudar e
aprender, para atingir metas para conquistar o sonho, ser professora de Matemática.
É natural que existam diferenças genéticas entre os cérebros das
mulheres e os dos homens, mas a diversidade genética deve ser muito
reduzida, comparada com a cultural. (...) Se alguma vez notei diferenças
intelectuais entre elas e eles, foi a vantagem para as mulheres, que me
parecem mais refletidas e organizadas. (CRATO apud RELVAS, 2010, p.
49).
Esta opinião vem contrariar a ideia de que as mulheres são menos aptas para
as áreas que envolvem Matemática e Ciência. Além desta questão de gênero, a
classe era muito heterogênea com muitos alunos que voltaram a estudar depois de
algum tempo, assim como eu, e outros que tinham terminado de sair do EM ou de
curso profissionalizante.
No decorrer da semana, estávamos conhecendo os professores das
disciplinas conforme o calendário fixado na sala de aula. No dia da aula de “Cálculo
I”, entrou uma quantidade de alunos que não era da mesma sala para assistir aula,
ficamos sabendo que eram os alunos que reprovaram na matéria no ano anterior.
Os alunos não couberam na sala, alguns foram buscar cadeiras em outras salas. O
professor se prontificou dizendo que procuraria a coordenação para se possível,
mudar para uma sala maior, assim, todos alunos ficariam melhor acomodados, e
que na próxima semana deveríamos estar atentos quanto a mudança de sala.
Aos poucos, fomos entendendo o porquê que tantos alunos ficaram retidos
nessa matéria, muito de nós, alunos ingressantes, não conseguíamos acompanhar
as aulas, ficando evidente a deficiência dos alunos vindos da escola pública, pois
eram os que mais apresentavam dificuldades, já que faltavam pré-requisitos para
resolver os exercícios propostos nas aulas.
Na segunda semana, a turma estava completa, com cerca de 100 alunos, o
que deixava a sala cheia. Recordo-me que em aula do professor A., havia um grupo
de adolescentes conversando no fundo da sala e este pediu silêncio, pois a sala era
numerosa e por isso as conversas “paralelas” atrapalhavam. Não deram atenção e
continuaram a conversar. O professor explicava sobre a metodologia, notas,
atividades e novamente solicitou silêncio ao grupo que estava conversando, quando
um dos alunos respondeu: “Continua a aula aí, pagamos o seu salário”.
O professor dirigiu-se a sua pasta, pegou uma calculadora e disse alto:
“Ganho ‘X’ dividido por ‘y’ aulas, divido por 100 alunos, então a sua parte por aula é
‘Z’”. Neste momento, ele abriu a carteira pegou o dinheiro, se dirigiu até o aluno, e
colocou em cima da carteira, na qual o aluno estava sentado e disse: “Esse é o
dinheiro é que você me paga? Peço a gentileza para se retirar, pois quero silêncio
na minha aula. Aqui não é EM e nem escola pública que você estudava. Mude sua
conduta se quiser ser universitário e futuro professor”. Todos os olhares foram
voltados para o aluno. O professor dirigiu-se à frente, subiu no tablado e continuou a
aula. Nesse dia tínhamos cinco aulas com ele e o silêncio imperava na sala.
Concluindo, o aluno abaixou a cabeça e assistiu a aula. Durante o intervalo dirigiu-se
ao professor devolveu o dinheiro e desculpou-se.
A partir desse dia; as demais aulas aconteceram em um ambiente, calmo,
tranquilo, onde o silêncio dominava, na maioria das vezes apenas a fala do
professor com aulas expositivas, exemplos e a lista para resolução dos exercícios.
Nós, alunos da graduação, verificamos na sala de aula que os que
conseguiam acompanhar e se dar bem nas matérias eram os alunos que tinham
cursado tanto o EM ou o profissionalizante nas Escolas Técnicas (Etec), ou na rede
privada. Conclui-se que os alunos que tinham estudado nas Escolas Técnicas já
foram pré-selecionados por Vestibulinho e tinham adquirido o hábito de estudar, por
isso as oportunidades de um ensino qualificado favoreciam os desafios das novas
aprendizagens.
No começo da graduação, foi difícil acompanhar o ritmo das aulas, pois fazia
quinze anos que eu havia concluído o EM. Algumas resoluções de situação
problema ou de cálculos que exigiam: regras, fórmulas, pensamento elaborado,
estratégias de resolução. Conseguia até interpretar, mas faltavam os pré-requisitos
na sistematização da resolução, alguns não conseguiam desenvolver por falta de
propriedades, outros chegavam a resultado errado, outros não conseguindo recordar
o processo do como se resolvia. Quando conseguia o êxito era motivo de
comemoração.
O professor quando corrigia o exercício na lousa, às vezes ficava perdida,
procurando entender ou tentando adivinhar como o professor fez determinada
passagem naquela resolução. O que me consolava é que eu não era a única que
apresentava tais dificuldades, e sim considerável quantidade de alunos. Izquierdo
(2011) afirma que “nossas memórias remotas são às vezes intensas e quase sempre
valiosas; porém, representam somente uma pequena parte de tudo aquilo que
alguma vez aprendemos ou lembramos.” (IZQUIERDO, 2011, p. 40).
Então esquecer é natural, pois deixar de rever determinado conteúdo pode
ser extinto, fazendo com que o indivíduo o esqueça. Cosenza e Guerra (2011)
ratificam “como as novas conexões sinápticas podem ser formadas por meio da
prática, elas podem também ser desfeitas pelo desuso. Logo, muito do que
aprendemos se perde ao longo do tempo.” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 72).
Havia conteúdos que tinha certeza de nunca ter estudado, como logaritmo,
limite, sendo que era necessário aprender. Outros, apesar de tê-los aprendido, não
conseguia trazer a memória o processo da resolução, assim a saída era estudar.
A situação era preocupante, pois a cada dia as dificuldades aumentavam,
então era necessário tomar atitude e buscar ajuda. Como cursava magistério no
período da manhã, procurei pela professora de matemática do EM do curso regular,
conversei, expliquei que estava cursando Matemática no período noturno e
apresentava dificuldades para resolver alguns exercícios da disciplina de cálculo.
Precisava de que me orientasse indicando algum livro para que eu pudesse estudar.
A professora informou-me que possuía alguns livros de matemática do EF II e
do EM e iria trazê-los. Solicitou que a procurasse no dia seguinte, na hora do
intervalo, para pegar os livros. Na manhã, estava lá na sala dos professores e
ganhei as coleções de matemática do EF II e do EM, ambas eram livros do
professor. A professora entregou o pacote de livros e disse: “Você deve estudar, o
conhecimento é construído por você. As coleções são livros do professor, é
essencial para você que vai estudar sozinha, todos os exercícios tem resposta,
assim que terminar de resolver o exercício valide o resultado. Caso não conseguir
chegar aos resultados do livro, separe o exercício com a resolução, para que eu na
correção visualize onde está o erro para que se chegue ao acerto.”
A professora de matemática sugeriu que começasse estudar pelo livro da
quinta série (hoje 6º ano), ler a teoria, fazer os exercícios resolvidos, selecionar
alguns exercícios para aprendizagem. Ela ainda orientou: “Você que vai determinar
o quanto vai precisar estudar determinado conteúdo, pois ao começar estudar vai se
recordar. Ótimo, dê prosseguimento não perca tempo fazendo todos os exercícios
proposto no livro passe à adiante. Você precisa relembrar o que você aprendeu no
seu tempo escolar e aprender aquilo que não aprendeu.”
Segui os conselhos e orientações propostos pela professora e comecei a
estudar o livro da 5ª série, estabeleci uma meta de estudar trinta minutos todos os
dias. Ao ler a teoria e fazer os exercícios resolvidos, ia recordando e identificava o
que havia aprendido, e o resgate era feito pela memória. Já outros conteúdos que
não aprendi tiveram que ser construídos.
Luckesi (2011) esclarece que “não paira dúvida de que o educando progride
de forma sustentada, degrau a degrau, em seu desenvolvimento. Isso, porém, é
construído com dedicação e investimento não é dado pronto.” (LUCKESI, 2011, p.
64).
Algumas vezes a encontrava no corredor da escola, no período da manhã.
Sempre perguntava se estava tudo bem e eu respondia que sim. Serei sempre grata
a esta professora, doou livros para estudar. Não fui sua aluna, mas demonstrava
preocupação comigo. Não precisei importuná-la, pois os livros foram suficientes para
processo de estudo.
Foi um ano de grandes desafios, cursava o magistério no período da manhã,
às vezes a tarde fazia estágio, tinha filho e casa para cuidar e cursava a faculdade
no período da noite. Aos sábados à tarde tinha aula, às vezes levava meu filho
comigo à faculdade, comprava refrigerante e salgadinho. A pastinha dele tinha um
caderno de desenho, lápis de cor e canetinha ele ficava sentado no chão, perto da
minha cadeira enquanto estudava. Contava a generosidade e carinho de minha mãe
para ajudar a cuidar do meu filho, queria-o perto de mim no sábado.
A rotina era intensa, confesso que havia dias que não conseguia estudar, nem
trinta minutos, ou melhor, nenhum minuto, mas quando podia procurava tirar o
atraso e assim revisei vários conteúdos naquele ano.
Conforme grade curricular abaixo, o curso de licenciatura foca mais nos
conhecimentos matemáticos e poucas disciplinas na formação do professor da
práxis teoria e prática, com o foco na aprendizagem do aluno com dificuldade de
aprendizagem, faltou também laboratório de Matemática.
1º ano – 2000
2º ano 2001
Disciplina
Carg
Disciplina
a
C
arga
horá
h
ria h
Geometria
orária h
136
Fundamentos da
Matemática elementar I
Psicologia da Educação
68
136
1
36
Desenho Geométrico
Integral
Geometria Analítica
36
Cálculo Dif. e Integral
II
Cálculo Diferencial e
1
1
36
136
Álgebra II
6
8
Álgebra I
136
Álgebra Linear
6
8
Língua Portuguesa A
72
Processamentos de
Dados
Língua Portuguesa B
72
1
36
Didática
6
8
Complementos da
68
Matemática
3º ano – 2002
4º ano 2003
Disciplina
Carg
Disciplina
C
a
arga
horá
h
ria
Geometria
orária
136
Informática
da
educação
Geometria Descritiva
68
Fundamentos
68
da
Matemática elementar III
Fundamentos
da
68
68
Física Geral II
1
Matemática elementar I
36
Física Geral I
136
Análise Matemática
1
36
Matemática Financeira
68
Estatística
1
36
Cálculo Numérico
Estrutura e Func. do
EF e M
Estatística A
72
Metodologia
68
do
Ensino da Matemática
Estatística B
72
História e Tendências
do Ensino da Matemática
Pratica
de
Ensino
136
68
68
------------
Fundamental e Médio
Tabela 1: Grade curricular do curso de Licenciatura Plena em Matemática
Fonte: Documentação emitida pela instituição: Histórico Escolar
-----
As maiorias das aulas na universidade eram expositivas, com foco no
professor que ensina e na explicação dos conteúdos. Os recursos eram
basicamente giz e lousa, uma lista enorme de exercícios a serem resolvidos através
de modelos e uma enorme lista a fazer. Algumas vezes não entendíamos o
conteúdo, nem conseguíamos perceber seu sentido ou aplicabilidade.
Vários professores daquela instituição, falavam claramente que a maioria dos
alunos que estava na graduação, não possuía pré-requisitos, constituindo uma lista
de saberes e conteúdos sem os quais não seria possível avançar para etapa
seguinte. Já que os alunos apresentavam muitas dificuldades para acompanhar as
aulas de matemática, a saída era oportunizar os alunos com aulas de reforço. Deste
modo, foi disponibilizada pela universidade a monitoria para ajudar os alunos a
aprender os conteúdos do EM.
O monitor era um aluno selecionado, após inscrição, entre os quais
apresentavam melhores resultados na disciplina. Vários alunos podiam se
candidatar à vaga e o professor escolhia apenas um para ser monitor e este recebia
uma bolsa da universidade para apoiar os alunos com dificuldades de
aprendizagem. Somente uma matéria tinha dois monitores para apoiar os alunos.
Assim, se o aluno não tinha entendido o conteúdo, havia um monitor para tirar
as dúvidas. O nome do monitor, matéria, dia, horário e sala que ficavam de plantão
foram anexados na sala de aula. Geralmente era antes do período das aulas ou aos
sábados, conforme a demanda dos alunos.
A aula de um dos nossos professores parecia estar planejada há anos e anos
atrás, e eram transmitidas aos alunos sem interação, como uma explanação. O
professor passava os exercícios na lousa que eram retirados de um caderno em que
as folhas estavam amarelas, que pareciam ter sido tiradas do fundo de um baú de
tão envelhecidas.
Alguns professores faziam questão de deixar claro, que estavam ali para dar
apenas o conteúdo da graduação. Se o aluno não tinha pré-requisitos a culpa não
era dele. O aluno tinha que buscar alternativas, e assistir a aula das monitorias e
tirar dúvidas com o monitor. Então, na maioria das aulas entrávamos mudos e
saíamos calados, porque ninguém tinha coragem de perguntar e tirar nenhuma
dúvida.
Às vezes tínhamos várias dúvidas, e não conseguíamos aprender e dar
sequência ao raciocínio, afinal faltava a compreensão e a dificuldade se acumulava,
pois, às vezes, só iríamos tirar as dúvidas apenas na semana seguinte na monitoria.
Não era possível aprender tudo, por isso restava selecionar o que seria priorizado
para aprender e o que iríamos memorizar para fazer a prova. Então refazíamos
repetidas vezes o mesmo exercício para ativar a memória de curto prazo. Lefrançois
(2011), afirma que: “A recapitulação é o modo mais eficiente de manter a informação
na MCP” (LEFRANÇOIS, 2011, p.331).
Sabemos hoje que a aprendizagem mecânica não conduz à
construção do conhecimento e, portanto, sua exposição arbitrária por parte
do professor jamais permitirá que o aluno possa utilizar seus ensinamentos
do conhecer, fazer, viver e principalmente ser. (ANTUNES, 2011, p.17).
Esse foi o exemplo que tivemos na maioria das aulas, em que o professor fala
e o aluno escuta, não ocorrendo interação entre professor e aluno. Havia um
professor na graduação que tinha excelentes conhecimentos matemáticos, também
lecionava em uma universidade conhecida na área de engenharia, porém falava
sempre em direção à lousa. Claramente, não possuía didática para transmitir seu
conhecimento, que era vasto, contudo não o compreendíamos. As aulas eram
assistidas por obrigação, para garantir os 75% de presença exigidos pela lei. Os
alunos preferiam as monitorias, pois conseguíamos aprender.
Nesta perspectiva, Tardif (2014) salienta que:
Os mestres não possuem mais saberes-mestres (filosofia, ciência
positiva, doutrina religiosa, sistema de normas e de princípios, et.) cuja
posse venha garantir a sua maestria: saber alguma coisa não é mais
suficiente, é preciso também saber ensinar. O saber transmitido não
possui em si mesmo, nenhum valor formador, somente a atividade de
transmissão lhe confere esse valor. Em outras palavras, os mestres
assistem a uma mudança na natureza da sua maestria: ela se desloca dos
saberes para os procedimentos de transmissão dos saberes (TARDIF,
2014, p. 43-44, grifo nosso).
Havia uns poucos professores que propunham um diálogo e proporcionavam
uma interação com os alunos. Um desses que vale ressaltar era o professor de
Física. A maioria das aulas eram no laboratório, estudava-se a teoria e quando
possível, relacionava-se com prática, pois a experiência sempre é fundamental para
o aprendizado.
Os alunos sentiam-se à vontade para perguntar, questionar o professor. Os
alunos pediam ajuda e o professor vinha até ao grupo para sanar as dúvidas. Nunca
alterou a voz com um aluno. Sempre enfatizava que deveríamos perguntar, mesmo
parecendo insignificante, pois é melhor perguntar e sanar a sua dúvida do que
conviver com esta e deixar de construir o conhecimento. Além do que, aquele
conhecimento poderia ser pré-requisito para próximas aprendizagens, também
porque a sua dúvida poderia ser a mesma do colega que não teve coragem para
perguntar. Neste sentido, temos a contribuição de Imbernón (2011):
A formação pretende obter um profissional que deve ser, ao mesmo
tempo, agente de mudança, individual e coletivamente, e embora seja
importante saber o que deve fazer e como, também é importante saber por
que deve fazê-lo. (IMBERNÓN, 2011, p. 40).
Durante a resolução dos exercícios, quando algum aluno não conseguia
entender, o professor procurava explicar para o aluno. Sabemos que os modelos e
os bons exemplos devem ser seguidos, como o deste professor, que ajudou a
melhorar a autoestima dos estudantes. Dialogava com os alunos, era humano,
mostrando que todos eram capazes. A sua monitora era procurada apenas quando o
aluno faltava à aula, pois o professor tirava as dúvidas durante a aula.
No meu caso, o que ajudou foi que no primeiro ano de faculdade eu não
trabalhava, apenas estudava e tive a orientação de uma professora de matemática a
estudar e rever alguns conteúdos anteriores do EF II e do EM. Estudar um pouco por
dia. O que me deu condição para seguir e não ficar retida, diferente de muitos
colegas que trabalhavam o dia inteiro. O tempo era escasso para o estudo, por isso
aconteceram várias reprovações e as turmas no segundo ano começavam a se
fragmentar. Arroyo (2000) também traz seu parecer sobre este contexto dos cursos
de formação de professores:
Uma das características desse encontro de iguais ou próximos é que a
maioria dos aprendizes de magistério, de licenciatura e de pedagogia
trabalha e estuda, tem pouco domínio de seu tempo de estudo, passa o
mínimo de tempo nos centros. O que reduz o tempo e o peso desses
tempos socializadores e de convívio social e cultural. (ARROYO, 2000 p.
130).
Para garantir a aprendizagem e dar conta dos novos desafios, alguns não
conseguiam chegar a tempo às aulas de monitoria e garantir o aprendizado.
Fizemos um grupo de seis pessoas, e começamos a estudar. Às vezes no sábado
de manhã, antes das aulas na universidade ou no domingo de manhã, pois um dos
integrantes trabalhava sábado de manhã. Arroyo (2000) novamente coopera para
esta discussão deste panorama.
Os alunos são frequentadores de disciplina, em tempos espremidos,
corridos, e os professores quase convivem com os futuros mestres apenas
nos tempos formais de aula. O que formaliza o convívio, a socialização e o
aprendizado. O que enfraquece esses tempos são as possibilidades
formadoras. Tudo é pobre na trajetória dos pobres, porque tudo é breve,
provisório. Não tem direito ao tempo. (ARROYO, 2000, p.130).
Alguns alunos reagiam de forma diferente frente às dificuldades que
apresentavam em algumas disciplinas na compreensão dos conteúdos, enquanto
uns gerenciavam o tempo para estudar, outros não conseguiam ter essa motivação
e disciplina para estudar e desistiam.
Em uma da disciplina houve um diálogo para saber por que nós alunos
optamos pela licenciatura? Os relatos de colegas revelavam que optaram a seguir a
carreira do magistério, em consequência da empatia, admiração, competência,
identificação, exemplo e da influência de um dos seus professores que despertava
assim encantamento pela profissão. Três alunos optaram em cursar a Licenciatura
em Matemática por não conseguir ingressar na Universidade de Engenharia e a
matemática era apenas um momento de aprendizado para atingir os seus objetivos.
Na opinião de alguns, ser professor é opção, vocação ou sacerdócio. Esse
assunto gera polêmicas, há discussões, divergências de pontos de vista. Entretanto
nosso foco não é dialogar sobre essa polêmica, mas na profissionalização do sujeito
professor.
Imbernón (2011) defende que “o conceito de profissão não é neutro nem
científico, mas é produto de um determinado conteúdo ideológico e contextual: uma
ideologia que influencia a prática profissional, já que as profissões são legitimadas
pelo contexto”. (IMBERNÓN, 2011, p. 29).
Professor é uma profissão como outra qualquer, que requer primeiramente
gostar do ofício, possuir afinidades, adquirir habilidades, conhecimento e formação
adequada, aprender, pesquisar, obter competência para ensinar, ter empatia, entre
tantas outras coisas.
Freire (1996) deixa claro que ninguém começa a ser professor por acaso
“numa certa terça-feira às 4h da tarde. Ninguém nasce professor ou marcado para
ser professor. A gente se forma como educador permanecente na prática e na
reflexão sobre a prática.” (FREIRE, 1996, p. 32).
Podemos ser professores de uma amiga, ao ensiná-la fazer crochê, tricô, uma
receita de bolo, a tocar teclado, ou outras situações informais. Todavia, porém ser
professor de uma determinada disciplina com determinados alunos dentro de uma
sala de aula requer vários conhecimentos: de uma disciplina (EF II ou EM),
competências, habilidades, conhecimentos de vida, conhecer as teorias de
aprendizagem, inteligências múltiplas, inteligência emocional, memória, aprendizado
e gestão na sala de aula, etc.
Muitos colegas no segundo ano assumiram aulas na rede estadual de ensino.
Sentiram muitas dificuldades para ensinar e lidar com a indisciplina. A reclamação
era que dependendo da escola, os alunos não respeitavam o professor que
substituía a fala de colegas, chamado eventual, situação que não difere atualmente
em algumas salas de aula. Um colega fez um relato: “Cumprimentei os alunos,
perguntei o que estavam estudando, olhei o caderno e sugeri exercícios para
reforço, concordaram, escrevi os exercícios na lousa, muitos viraram para trás
começaram a conversar, outros a ler outras coisas, outros abaixaram a cabeça para
dormir, apenas duas meninas copiaram a matéria, que me fez sentir um verdadeiro
idiota’’.
Deste modo, podemos perceber que, muitas vezes, o profissional se encontra
despreparado para várias situações em sala de aula, pois não foi formado e nem
possui conhecimentos para agir naquela situação. Algumas vezes não tinha perfil
para os embates, indisciplina e nem preparada psicologicamente em alguns casos.
Inicia-se este processo, já que algumas aulas não favoreceram uma reflexão, para
se buscar fazer diferente. O currículo não atendia a demandas com as DAs, as
necessidades educacionais especiais (NEE), não existiam laboratórios de
matemática ou outros recursos educacionais que poderia funcionar como suporte de
aprendizagem, ampliando as condições para o aprendizado de nós futuros
professores, para futura intervenção. As aulas favoreciam para sermos matemáticos
exigia-se estudo. Cursava o 4º ano da graduação, quando prestei concurso para
professor efetivo na rede estadual na disciplina de matemática e fui aprovada.
Vale destacar que se sugere que as universidades façam convênios para
melhor preparar o futuro professor com aulas de regência, pois em geral os estágios
são de observações. Algumas universidades fazem convênios com o Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), pois os alunos de licenciatura
fazem estágio e tem um professor que o acompanha, além de haver o recebimento
de uma bolsa. Como esta estratégias não era na época utilizada pela universidade
que eu cursava, acaba por contar com pouca ou quase nenhuma experiência na
docência em Matemática, tendo apenas a vivência na Educação Infantil (EI).
No ano de 2000, evocando as minhas memórias episódicas, cursava o último
ano do magistério e houve um concurso para professor de EI no município de Rio
Grande da Serra (RGS). Resolvi prestar e passei. Fiquei feliz por não ter sido
chamada naquele ano, pois ainda era estudante.
1.3 Atuação profissional: a Educação Infantil como lugar de
aprendizagem
Fui convocada a apresentar os documentos, diploma, e escolher a vaga de
professor de EI na SEE de RGS. A escola do magistério, não queria liberar o meu
diploma alegando que tinha um tempo estabelecido pela lei. Foi necessário recorrer
à Delegacia de Ensino, sendo orientada pelo supervisor a fazer solicitação por
escrito em duas vias e protocolar, anexar a cópia do telegrama da convocação do
concurso público. Aleguei a urgência para não perder a vaga de professora de
educação infantil, assim, consegui diploma e o histórico e assumi o cargo.
Fiz escolha de escola, o exame médico e entrega dos documentos. O
ingresso na carreira docente foi outro marco em minha história de vida. Na atribuição
estavam disponíveis quatro vagas que foram preenchidas por professoras também
recém-formadas sem nenhuma experiência. Escolhi a sala de EI nível III, porque os
alunos eram maiores e esta seria minha primeira experiência como docente.
Agradeço à pessoa que lançou a ideia da semana de adaptação, pois era
uma sala de EI, com trinta crianças. Estava a primeira vez numa sala sem
experiência, com algumas crianças chorando, a vontade de sair correndo era
enorme, porém resisti, afinal, meu conforto era saber que eram apenas duas horas
de aulas.
Semanalmente, às sextas-feiras, ocorriam reuniões pedagógicas, que
favoreciam para trocas de experiências. Nós, professoras novatas, fomos adotadas
por uma professora, que chamarei aqui de C.. Professora do município e também da
rede estadual no EF I, foi nosso suporte, pois éramos quatro professoras sem
nenhuma experiência. Ela nos orientava, ajudava, dava várias dicas para
intervenção em sala da aula e fazíamos juntas o planejamento semanal. Neste viés,
Tardif (2014), esclarece que:
O saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos
professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade
deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com
as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores
escolares na escola etc. (TARDIF, 2014, p. 11).
A socialização do conhecimento pela professora foi muito importante e
essencial para o nosso aprendizado. A experiência de compartilhamento do saber
para intervir e ter sucesso dentro da sala de aula foi essencial para o meu
crescimento profissional. Há de ressaltar que isto não era função dela, e sim da
coordenação, contudo a coordenadora tinha pouca experiência no cargo, e a
professora nos acompanhou e orientou.
Ao estar na sala de aula, estava aprendendo a ser professora, mesmo com as
dicas e orientações da colega, o controle e ações estavam sob meu domínio, sendo
muito diferente de quando se realiza o estágio de observação. A teoria que
obtivemos no magistério foi excelente, tanto que fomos bem classificadas no
concurso. A respeito desta questão, temos a colocação de Luckesi (2011).
O objetivo é nos convencer-nos de que, para agir necessitamos de
conhecimento. Se não temos, devemos produzi-lo ou então servir-nos dos
conhecimentos dos outros, como ocorre na trama cotidiana de nossa vida.
Permanentemente recorremos aos conhecimentos especializados de
profissionais por não termos a posse de todas as informações e habilidades
necessárias para atender às diversas demandas da vida cotidiana
(LUCKESI, 2011, p. 166).
Sendo assim, aprendia enquanto ensinava, com isso as sugestões dadas pela
colega foram importantes e essenciais, pois como aprendiz ficava mais segura,
porque existe alguém para tirar dúvida, fazer com que você se sinta confiante. Como
no momento de fazer avaliação diagnóstica, em que combinávamos que cada uma
ficava olhando as duas salas e a outra aprendia a diagnosticar a hipótese da escrita
em que a criança estava. C. também contribuiu com o nosso: planejamento,
avaliação, atividades, sondagem, brincadeiras. Assim nos orientava e auxiliava
indiretamente as crianças que estavam sob as nossas responsabilidades.
Percebi que como docente se assimila novas aprendizagens para além do
conteúdo de determinada disciplina, tais como gestão em sala de aula, organização,
atividades, até mesmo conseguindo adaptar o planejamento, pensando em novas
estratégias, pois muitas vezes a aula não acontece como você planejou. Ação,
reflexão, ajustes, a avaliação dos acertos e erros, tudo faz parte da prática docente.
Imbernón (2011) também trata desta importante relação entre os professores.
A competência profissional, necessária em todo o processo
educativo, será formada em última instância na interação que se estabelece
entre os próprios professores, interagindo na prática de sua profissão
(IMBERNÓN, 2011, p. 33, grifo nosso).
A responsabilidade é muito grande, porque uma coisa é você trabalhar com
uma máquina, outra coisa é você trabalhar na formação de seres humanos.
Lembrando que a sua aula vem embutida de grande responsabilidade, afinidade ou
impacto com o vínculo que a criança terá com a escola. Deste modo, Tardif (2014)
aponta que:
O saber dos professores não é “foro íntimo” povoado de
representações mentais, mas um saber sempre ligado a uma situação de
trabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc.), um saber ancorado numa
tarefa complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (sala de aula, a
escola), enraizado numa instituição e numa sociedade. (TARDIF, 2014 p.
15).
Assim, mesmo estando na rede de RGS, fiquei atenta a outros concursos,
pois a cidade era longe e o salário era baixo, apesar de a experiência valer a pena,
por isso fui me inscrevendo e fazendo as provas. No mesmo ano, houve um
concurso para professor no município de Mauá, prestei e passei e fiquei aguardando
a chamada.
Nas férias de julho de 2002, fui convocada para a escolha de vaga do cargo
de professor de EI em Mauá, assumi o cargo e exonerei o de professor em RGS,
pois ambos os cargos eram no período da tarde.
Esta escola, comparada com a do município anterior, era mais estruturada,
com parque, sala de vídeo, brinquedoteca, maior disponibilidade de materiais e
mobiliário adequado. Ingressei em uma escola que ficava perto da estação
ferroviária. Ao ingressar na escola no segundo semestre, tive um pouco de
dificuldade de adaptação com a turma, porque a turma era de nível I, composta de
crianças de quatro anos, faixa etária com a qual eu não possuía afinidade, nem
experiência.
A gestão da sala de aula é fundamental para o sucesso do professor e a falta
de experiência pode prejudicar muito neste processo. Quando iniciei meu trabalho
com esta turma da rede municipal de Mauá, as aulas já haviam retornado e tinha
uma rotina planejada. Eu era nova, mas a escola já estava organizada desde
primeiro semestre. Nesse meu primeiro dia de aula a minha sala tinha na rotina a ida
à brinquedoteca e apesar de nunca ter tido esta experiência e fui lá com os meus
alunos. Um aluno até perdeu o tênis, então pedi ajuda para a coordenadora para
ajudar-me a sair da brinquedoteca.
Neste sentido, Tardif (2014) aponta que nossas ações são relacionadas ao
nosso conhecimento, pois
O ser e o agir, ou melhor, o que Eu sou e o que Eu faço ao ensinar,
devem ser visto aqui não como dois pólos separados, mas como resultados
dinâmicos das próprias transações inseridas no processo de trabalho
escolar. (TARDIF, 2014, p.16, grifo nosso)
Essa vivência foi fundamental e, ao final do período, fui conversar com a
diretora avisando-a que não tinha perfil para trabalhar com crianças daquela faixa
etária, caso não me adaptasse iria largar a sala e exonerar, pois não estava
capacitada e preparada a dar aulas para aquelas crianças dependentes. Neste viés,
Tardif (2014) esclarece como os saberes de um professor são constituídos.
O saber dos professores é plural e também temporal, uma vez que,
como foi dito anteriormente, é adquirido no contexto de uma história de vida
e de uma carreira profissional [...]. Dizer que o saber dos professores é
temporal significa dizer, inicialmente, que ensinar supõe aprender a ensinar,
ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à
realização do trabalho docente (TARDIF, 2014, p. 19-20).
A diretora tentou me acalmar, era a primeira experiência com alunos daquela
faixa etária, além de ser o meu primeiro dia. Solicitou para aguardar um pouco, não
me precipitar, refletir e pensar com carinho que aos poucos me adaptaria. Colocouse a disposição para ajudar-me, e disse: “professora é professora de qualquer idade,
pense nisso”. Pediu para que eu aguardasse um tempo até a reunião pedagógica
coletiva, que não tomasse nenhuma atitude e disse que me adaptaria, pois também
passara por esta fase e que tudo era questão de hábito. Após esse período se
quisesse realmente exonerar teria que me dirigir a SEE de Mauá, mas ela disse que
previa que não seria necessário exonerar e sorriu.
Concomitantemente, continuava estudando Matemática e sabia pelos colegas
da universidade que havia muitas aulas de Matemática disponíveis na rede estadual
que não era necessário estar formada para lecionar naquela rede, pois havia falta de
docentes desta disciplina. Vários colegas já estavam dando aula de substituição, até
aulas livres. Com isso via uma luz no final do túnel, caso exonerasse do cargo do
município de Mauá, poderia lecionar Matemática. Afinal precisava trabalhar, mas
resolvi aguardar um pouco pela solicitação da diretora.
Na reunião pedagógica, a diretora fez abertura desejando um excelente
semestre, relembrou os combinados, entre outros assuntos. Informou que uma das
professoras foi designada para a coordenação de outra escola, que eu assumiria a
sala de nível III da professora que saía e a minha sala de nível I foi enviada para
substituição. Fiquei bastante surpresa e feliz, agradeci e trabalhei por dois anos
nesta escola com o nível III. A diretora estava designada ao cargo, era professora da
escola, possuía uma relação de diálogo, aceitação, além de estar sempre presente e
ajudava os professores.
Na EI, o profissional precisa ter empatia, o que requer mais do profissional,
pois nesta fase as crianças aprendem a gostar e a se identificar com a escola. O
gosto pela escola e pela cultura se desenvolve na EI. Muitas vezes, já ouvi alguns
professores se referirem ao profissional de EI como algo menos qualificado, porque
no senso comum acredita-se que é fácil dar aula na EI, já que seria apenas lazer:
parque, brinquedoteca, sala de vídeo. Assim, o professor não lecionaria, apenas
receberia para se divertir. Confesso que dar aula na EI exige mais do profissional
com relação a: responsabilidade, cuidado, dinâmica, acolhimento, afetividade e
criatividade, pois as crianças aprendem “brincando” e as aulas têm que ser
interativas para prender a atenção da turma, uma vez que se estabelece uma
educação integral e prazerosa.
Nesse intervalo de tempo, havia prestado dois concursos, na Prefeitura
Municipal de São Paulo (PMSP), um de professor adjunto e outro de titular, ambos
efetivos de EI. Tive a felicidade de passar nos dois e recebi a convocação de
professor adjunto, ingressei no mês de setembro de 2002, que foi o semestre das
mudanças. A vaga, que assumi, era para uma creche em Santana, que apresentava
uma estrutura da sala de aula muito diferente da experiência que tinha da EMEI.
Neste havia um número menor de alunos e o professor contava com um auxiliar. Era
o primeiro ano que professores ingressavam nas creches e não éramos bem vindos,
já que antes todos os profissionais eram vinculados à Assistência Social.
Os alunos entravam na parte de manhã, a rotina do dia permanecia afixada
na parede da sala. Eu iniciava meu turno de trabalho às 14h, quando os alunos
estavam acordando e arrumavam espaço, colocavam os calçados, guardavam os
pertences. Enquanto isso, eu recolhia os colchões para propor a atividade do dia,
que era desenvolvida no mesmo espaço onde se dormia, ou tinha a opção de usar a
mesa do refeitório, quando estava disponível. Ao término lanche, escovar dentes,
parque ou sala de vídeo e organizar a mochila para ir embora. Muitas vezes, durante
meu trabalho sentia-me mais como uma cuidadora do que como uma docente. Ao
final da tarde, as mães buscavam conforme saíam do trabalho. Durante este período
de saída, as crianças aguardavam explorando os brinquedos.
Eu saía às 18h e algumas crianças ficavam sob a responsabilidade da
auxiliar. A distância era um fator negativo que pesava muito, pois passava estresse
devido horas no trânsito pela Avenida do Estado e não conseguia chegar a tempo
para as aulas na universidade. Utilizar o transporte público seria o caos, algo não
considerado devido à condição subumana do horário de pico.
As experiências que a vida nos proporciona fazem com que enxerguemos o
mundo através de novas lentes e em vez de reclamar, passamos a agradecer.
Descobri que o dinheiro é essencial para a sua vida: alimentação, saúde, pagar
contas, ter vida confortável etc., mas em contrapartida, o que você faz deve pode
trazer felicidade, realização pessoal e qualidade de vida. Você só irradia felicidade e
paz se você a tiver, ninguém dá o que não tem. Os alunos, principalmente as
crianças, que estão em formação, não são culpados pelas nossas frustrações, pelo
estresse causado pelo trânsito ou pelo nosso mau humor.
Educar é formar pessoas, por isso é primordial fazer aquilo que gostamos.
Isso tem peso, pois educa-se para formação integral, autonomia, cidadania, respeito.
Afinal como se pode ensinar a: respeitar, amar, tolerar, ser cortês e educado se o
profissional docente estiver sempre de mau humor e estressado. Somos exemplos
para os nossos alunos. Deste modo, serenidade, calma, paciência, tolerância são
virtudes importantes. Nesta perspectiva, temos a colaboração de Amorin e
Berckenbrock-Rosito (2012):
É Kohlberg quem possibilita afirmar cientificamente que educação
também tem a ver com empatia, justiça, cuidado pelo outro, exercício da
democracia, em suma, com a formação moral e ética das pessoas, e não só
como um elemento a ser aprendido para o futuro, mas sim que deve ser
vivenciado desde já, para que a aprendizagem ocorra (AMORIN;
BERCKENBROCK-ROSITO, 2012, p. 18).
O percurso da minha residência em Santo André a São Paulo e o retorno para
a Universidade em Santo André, eram de mais ou menos 4h, equivalente ao meu
período em sala de aula em Mauá. Sendo assim, avaliei os pontos favoráveis e
desfavoráveis e acabei optando pela exoneração. Fui criticada por muitos amigos e
colegas de trabalho que diziam: “Você está na PMSP, cargo efetivo, bom salário.”.
Permaneci apenas na rede municipal de Mauá com os alunos maiores que me
identificava.
Concluí o ensino superior em dezembro de 2003, sendo a primeira mulher da
família a cursar uma graduação. Fui exemplo para outras ingressarem na
universidade. Tanto que hoje somos quatro professoras: três de Matemática e uma
de Língua Portuguesa.
1.4 A docência em Santo André: outra etapa da Educação
Básica no Ensino Fundamental I
Em agosto de 2003, ingressei na rede de ensino de Santo André onde atuei
numa Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF). Era
uma escola bem localizada, na região central, com uma clientela de classe média.
Assim, assumi como professora de EF I substituta, mas com uma turma de 2ª série
(hoje 3º ano), que contava com vinte alunos, todos alfabetizados com domínio dos
cálculos das três operações: adição, subtração simples e multiplicação com recurso
da tabuada.
Deste modo, iniciava uma nova jornada, para a qual minha experiência
atuando como professora de EI em três redes municipais, por cerca de dois anos,
contribuíram para esta nova etapa, diferente de quando ingressei em fevereiro de
2001 sem nenhuma experiência. De certa forma, já vinha constituindo minha
identidade docente, como aponta Tardif (2014).
As experiências escolares anteriores e as relações determinantes
com professores contribuem também para modelar a identidade pessoal
dos professores e o seu conhecimento prático. Acrescentam-se também a
isso experiências marcantes com outros adultos, no âmbito de atividades
extraescolares ou outras (atividades coletivas: esporte, teatro etc.).
(TARDIF, 2014, p. 73).
A escola era o sonho de consumo de qualquer professor ou aluno: bem
planejada, organizada, com quadra coberta, salas bem arejadas, claras, pintadas e
ventiladas. Em cada sala havia uma pia, como as de cozinha, mas com a pedra
menor, e filtro para beber água. Um jardim lindo contornava a escola, árvores,
gramado, balanços, mesas e cadeiras de cimento sob a sombra das árvores que os
alunos aproveitavam na hora do intervalo. Tinha uma horta que era projeto de uma
professora da 4ª série.
A escola disponibilizava ambientes e recursos educacionais variados, era um
espaço, limpo, agradável, lugar onde o aluno tinha estímulos parar ir e aprender . As
aulas aconteciam no ateliê; na sala de vídeo; de leitura, que possuía livros de leitura
para os alunos em processo de alfabetização, ricamente ilustrados e com letra
bastão; na informática, com jogos educacionais; no parque; na quadra, etc. O
processo de aprendizagem dos alunos fazia toda a diferença na qualidade da
educação disponibilizada com estímulos, motivação, momentos de aprendizagem
significativos à formação de suas memórias.
No armário de cada professor havia disponibilizado um kit com: caixa de giz
com apagador, grampeador e caixinha de grampos, furador, canetas azul e
vermelha, lápis preto, apontador, borrachas, colas, caixas de lápis de cor e jogos
de canetinhas, um durex pequeno para o professor usar como material coletivo
caso o aluno esquecesse o seu material. Estas experiências agregaram muito à
minha formação como docente. Além disso, o almoxarifado disponibilizava todo tipo
de papel e material pedagógico. O professor selecionava o material que precisava,
anotava e levava para sua sala, pois nada era trancado ou escondido, como em
muitas escolas por onde eu havia passado. Outros materiais pedagógicos ficavam
ao alcance dos professores, como: tangram, material dourado, cusinare, dominó,
dominó temáticos (operações matemáticas: adição, subtração, multiplicação e
divisão; número - quantidade etc.), jogo da memória (formas geométricas, letra
bastão e imprensa), entre outros. Nesta experiência, pude constatar que os recursos
fazem toda a diferença no processo educacional proporcionando uma aula
agradável, diferente e o aluno aprende enquanto joga.
Não havia apenas recursos materiais, mas a escola contava também com
uma série de projetos. Um deles era uma parceira com a faculdade de Educação
Física da região, no qual os alunos de Educação Física faziam os estágios e davam
as aulas com acompanhamento do professor da universidade e do professor da
sala. As aulas eram um sucesso total com as crianças na quadra com jogos e
brincadeiras. Havia também o Projeto de Leitura, as sextas-feiras, as crianças
levavam dois livros para casa, o mais fácil ficava a cargo da criança fazer a leitura
para os pais e o outro mais complexo para os pais lerem para os filhos, e os
devolviam na segunda. Nesta perspectiva, ficava claro que cabia à escola o
conhecimento
sistematizado,
mas também
a família
devia
participar nas
oportunidades de formação do sujeito, como defende Antunes (2012).
Usamos com preferência a palavra “mediador” a “professor” por
acreditar que a ação estimuladora das inteligências jamais dispensa a ação
coerente e paciente do mestre, mas abriga oportunidade para que pais,
mães, avós, amigos possam também atuar como estimuladores, ampliando
de forma inconteste o desabrochar da criatura humana. (ANTUNES, 2012,
p. 13).
Na caracterização da sala de aula, foi constatado que alguns alunos não eram
da comunidade local. Pais que moravam na periferia, porém, com uma condição
financeira melhor, pagavam perua escolar para levarem os seus filhos para estudar
nesta escola. Sabe-se que as oportunidades, experiências e vivências influenciam
na plasticidade neural e na formação da memória. Elas só não são determinantes
para a inteligência do sujeito, mas favorecem. Uma forma de equalizar essas
diferenças, seria grandes investimentos na periferia para que as oportunidades,
recursos educacionais e equipamentos públicos fossem iguais. Cosenza e Guerra
(2011) apontam que “a aprendizagem ou o aparecimento de novos comportamentos
que dela decorrem. Em sua imensa maioria, nossos comportamentos são
aprendidos, e não programados pela natureza”. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 34)
Naquela minha turma, de escola de classe média no município de Santo
André, apenas um aluno era assistido por um projeto de acompanhamento, pois
possuía dificuldade de aprendizagem (DA). O diferencial é que nesta escola o aluno
com DA era atendido pela professora da sala. A substituta ficava com a sala de aula
com atividade e a professora saía duas vezes por semana por um período de uma
hora para dar reforço para o aluno com dificuldade. O grupo de professores e a
assistente pedagógica (AP) entendiam que os alunos que não tinham dificuldades
podiam ser acompanhados por outra professora, pois tinham competência para
seguirem sozinhos, e nada melhor do que a professora do aluno para intervir
pedagogicamente, porque além de conhecer o aluno, conhecia as suas habilidades,
dificuldades, ritmo, potencial e as suas reais necessidades de aprendizado. Neste
sentido, Imbernón (2011) esclarece que:
O conhecimento pedagógico especializado se legitima na prática é,
mais do que no conhecimento das disciplinas, reside nos procedimentos de
transmissão, reunindo características específicas como a complexidade, a
acessibilidade, a observabilidade e a utilidade social. (IMBERNÓN, 2011, p.
36).
Apesar de ter permanecido apenas o segundo semestre nesta EMEIEF, a
experiência foi muito enriquecedora, como referência de padrão de qualidade,
organização e aprendizado. Essa vivência fez-me compreender que o ambiente e os
recursos pedagógicos, as situações de aprendizagem, as intervenções pedagógicas,
a contextualização, entre tantas outras ações, proporcionam um repertório que
favorece a aprendizagem.
Conforme Tardif (2014) “a ideia de temporalidade, porém, não se limita à
história escolar ou familiar dos professores. Ela também se aplica diretamente a sua
carreira.” (TARDIF, 2014, p. 20).
No ano seguinte, 2004, fui obrigada e escolher a sede de trabalho e terminei
indo parar numa escola na periferia, aliás, este é percurso da maioria dos
professores que ingressam e necessitam do período da manhã para o acúmulo de
cargo. A escola era o oposto de tudo aquilo que eu havia presenciado: suja, escura,
pintura descascada, o espaço para brincar era apenas o pátio da escola e uma
quadra para aulas de Educação Física dada pelo professor da sala. As salas eram
pequenas e as carteiras eram dispostas duplas para que coubessem os vinte e seis
alunos na classe. Não havia janelas, a ventilação se dava por tijolos vazados acima
da porta.
A minha turma era terceira série (hoje 4º ano) era também o contrário daquela
na qual havia lecionado no ano anterior. Nesta sala, apenas seis alunos eram
alfabetizados. Os demais alunos estavam ainda em algumas hipóteses da
construção da escrita, como pré-silábicos, silábicos sem/com valor e silábicos
alfabéticos. Os alunos apresentavam várias dificuldades: leitura, escrita e cálculos.
Às vezes surgia uma incógnita inquietante para mim: porque alguns alunos não
conseguem aprender?
As condições oferecidas, espaço físico, recurso pedagógicos e de materiais,
não eram as mesmos que a escola anterior, mesmo sendo da mesma rede, as
diferenças eram evidentes. Segundo Tardif (2014), “os alunos são heterogêneos.
Eles não possuem as mesmas capacidades pessoais nem as mesmas
possibilidades sociais.” (TARDIFF, 2014, p.129).
A maioria dos alunos era de nível econômico desfavorecido, isto é, de famílias
com pouco poder aquisitivo. Moravam num conjunto habitacional ou em
comunidades, áreas de moradia não regulamentada. Assim, não era possível ignorar
a realidade social, cultural em que viviam, pois se tratava de uma área de grande
vulnerabilidade, com poucos recursos públicos no bairro, contando apenas com a
escola e um mercadinho que revendia pão. A respeito desta situação, Cosenza e
Guerra (2011) acreditam que:
Fatores socioeconômicos como a ausência de condições para
adquirir material didático, restrições do acesso a livros, jornais, revista e
outros meios de informações, falta de ambiente e rotina para estudo em
casa podem contribuir para um aprendizado que não reflete o potencial do
aprendiz. Nesses casos, eles não têm acesso às experiências sensoriais,
motoras e sociais que são fundamentais para o adequado funcionamento e
reorganização de seu sistema nervoso. (COSENZA; GUERRA, 2011, p.
131).
Em consonância, Izquierdo (2011) enfatiza que “os estados de ânimo, as
emoções, o nível de alerta, a ansiedade o estresse modulam fortemente a memória”
(IZQUIERDO, 2011, p. 88).
Várias são as recordações desta escola, contudo aqui elencarei apenas três
experiências que jamais consegui esquecê-las. Numa manhã, presenciei as mães
entrando na escola, algumas desesperadas. Queriam seus filhos, pois fora dado o
toque de recolher na comunidade. O toque de recolher é uma expressão popular
para quando há um aviso para que todos da comunidade permaneçam em suas
casas a partir de um determinado horário. Eu nunca tinha presenciado tal cena e
chocou-me bastante perceber que a população estava relegada à sua sorte.
Num dia de inverno, fui trabalhar com bota, calça, blusa, casaco, luva e
cachecol, ou seja, bem agasalhada. A escola era no alto do morro, a porta da sala
dava diretamente para a rua, a ventilação vinha dos tijolos vazados acima da porta,
por isso não se podia evitar a entrada do vento gelado na sala. Ao começar a aula,
cumprimentei os alunos e os meus olhos ao percorrer a sala pararam numa aluna
com uma calça de moletom fina, curta, (parecia pequena para ela), de chinelo e uma
camiseta de manga longa que, de tão pequena, parecia modelo ¾. Fiquei
constrangida ao ver que ela tremia de frio, peguei-a pela mão e disse para me
acompanhar. Levei-a até os achados e perdidos, para procurar uma roupa para
aquela criança vestir. Encontrei uma calça e uma blusa e a aluna vestiu em cima da
sua roupa. Esta situação era desconcertante e me causava muita compaixão.
Em outra ocasião, os alunos estavam fazendo atividades e olhei para uma
aluna, que estava tão pálida que parecia que ia desmaiar. Cheguei perto dela e
perguntei o que tinha. Respondeu que a sua barriga estava doendo de fome.
Peguei-a pela mão e levei-a para diretora para providenciar alguma coisa para a
aluna comer. Fiquei pasma. A mesma disse, para eu ficar calma, estava entrando
agora e tinha sorte de não presenciar aquela cena, que a partir da semana que
entrava a escola serviria uma merenda às crianças antes destas entrarem para aula,
garantindo assim as necessidades da primeira alimentação. Esta escola passou
oferecer duas merendas aos alunos; antes e no meio do período escolar. Sabe-se
através de estudos, que carência ou restrição de alimentação pode afetar
gravemente as condições dos sujeitos.
Segundo Maslow (1970), há dois sistemas principais de necessidades: as
básicas (incluem as fisiológicas, que são necessidade de: alimento, bebida, sexo, de
segurança, pertencimento, amor e autoestima) e as metanecessidades (cognitiva,
estética e autorealização).
A proposta pedagógica era construtivista, assim era orientado que não
utilizássemos o sistema fônico de alfabetização, evitando utilização de fonemas,
grafemas e sílabas sem contextualização. Devíamos aguardar o momento de
aprendizagem de cada aluno. Este foi um momento difícil, pois eu não era
professora alfabetizadora, as minhas experiências eram na EI e um semestre no EF
I (2ª série), contudo quando assumi a sala os alunos já estavam alfabetizados.
Apoiava-me nos meus conhecimentos de estudante, como aprendi. Ao
ensinar, muitas vezes tentava colocar em prática o que eu acreditava ser a maneira
correta, mas sempre buscava refletir sobre meus acertos e erros em sala de aula.
Através de minha experiência nestas três redes, pude constatar que não há
formação específica para o professor novo quando ele inicia seu trabalho na escola.
Muitas vezes, não são destinados nem alguns minutos de conversa com a AP para
apresentar a política pedagógica, partindo-se do pressuposto que o professor sabe e
conhece tudo.
Neste sentido, Tardif (2014) esclarece que “uma boa parte dos professores
sabem sobre o ensino, sobre os papeis do professor e sobre como ensinar provém
de sua própria história de vida, principalmente de sua socialização enquanto alunos”.
(TARDIF, 2014, p. 68).
Ao comparar estes alunos com os do ano anterior, comecei a perceber que
era crítica a situação para uma terceira série. Afinal, os alunos da escola anterior
eram todos alfabetizados e estavam em um ano anterior. O meu filho começou a
ler e escrever na pré-escola. Considerando a proposta pedagógica da escola, não
era permitido adotar um livro didático ou uma apostila. Sendo assim, solicitei um
caderno pequeno e, na primeira hora da aula, eram disponibilizadas atividades
mimeografadas com as letras bastão e imprensa, pois sabia que nessa primeira hora
a AP não entrava na sala para acompanhar a aula. Buscava alternativas tentando
auxiliar os alunos em suas dificuldades, pois, segundo Cosenza e Guerra (2011):
Aprender a ler é uma tarefa complexa que exige habilidades, entre
elas, é claro, o conhecimento dos símbolos da escrita e a sua
correspondência com os sons da linguagem [...] Maus leitores parecem não
ter a habilidade de identificar adequadamente os sons constituintes das
palavras, o que os impedem de fazer a conexão automática da
representação gráfica das letras com os sons. (COSENZA; GUERRA, 2011,
p.104).
A realidade familiar e os estímulos vindos deste círculo também não
contribuíam para a ampliação do repertório das crianças. Conforme os relatos delas,
muitos pais não tinham tempo para ler com os filhos, outros não davam importância,
já outros nem sabiam ler. Havia pais que não tiveram oportunidade de estudar na
idade adequada e queriam que os seus filhos tivessem essa oportunidade,
reconhecendo que o acesso a escola seria uma oportunidade de vida melhor.
Alguns pais ou responsáveis não compareciam nas reuniões de pais no decorrer do
ano, talvez porque alguns não vissem a importância da escola na vida do seu filho
ou por causa de trabalho, pela quantidade de filhos e outros.
Ao comparar as duas turmas, outro questionamento se constituía: os alunos
da escola central seriam mais inteligentes do que os da periferia? O quociente de
inteligência (QI) dos alunos da escola central seria superior? Sabe-se que não. O
que se pode afirmar, é que os alunos são reflexos do meio em que vivem, tanto no
social, econômico e cultural. Os pais, com melhores condições financeiras, podem
investir na educação dos seus filhos proporcionando maximizar o potencial de
aprendizagem do seu filho, mediante as experiências, aprendizagens da língua
materna e língua estrangeira e oportunidades educacionais, cultura, lazer. Os
estímulos, aprendizagens que as crianças com melhor posição social possuíam,
sendo oportunizadas tanto em casa como na escola, favoreciam o desenvolvimento
cognitivo, proporcionando uma situação privilegiada. As crianças aprendem e têm
êxito escolar quando as oportunidades são adequadas de recursos, estímulos,
motivação e ensino.
Fiquei dois anos nesta escola, depois nos mudamos para uma nova escola
que foi construída. Nova, ampla, bonita e com um diferencial das demais, que foi a
construção de um teatro, dentro da escola. Aprendi muito ao trabalhar com EF I,
apesar de demandar grandes intervenções pedagógicas para o aluno aprender, as
dificuldades eram amenizadas pela equipe de professores que se ajudavam, pelas
parcerias construídas, a partir das quais algumas professoras acabaram-se se
tornando amigas pessoais. O ensino, às vezes, era árduo, muitas ações ficavam a
cargo da escola, e às vezes do professor, pela precariedade do bairro, falta de
acesso à cultura, pois a única referência cultural era a escola. A escassez de
equipamentos públicos de lazer e também a baixa escolaridade de muitas famílias
compunham este quadro da comunidade. Assim, muitos alunos não presenciavam
exemplos de pais leitores, alguns nunca tinham ido ao cinema, teatro, outros nem ao
centro da cidade, contando com poucas vivências.
Neste meu percurso docente, pude perceber uma grande diferença entre o
Ensino Fundamental I e o II, pois no do EF II o currículo é garantido mediante aulas
e os professores são especialistas. No EF I os professores são polivalentes e se o
profissional não zelar pela variedade de ações em seu planejamento, pode terminar
abordando mais determinada disciplina, com a qual possui mais afinidade e
habilidade. Assim, acabávamos notando que eu trabalhava mais com a Matemática,
outra professora, com Ciências, outra, com Língua Portuguesa e outra, com artes.
Neste contexto, reunimos os professores do 2º ciclo final e, depois de
algumas
conversas,
resolvemos
trabalhar
por
áreas
de
conhecimento
e
apresentamos a proposta para a gestão, que foi aceita e constituiu-se numa
experiência incrível.
A experiência foi bem sucedida enquanto contávamos com as quatro
professoras e estávamos com a equipe completa. Contudo, às vezes, ficava a
desejar, porque uma das professoras responsável por uma das áreas teve
problemas de saúde e as muitas faltas acabavam comprometendo a qualidade do
trabalho, pois na escola não havia substituta e os alunos tinham de ser
redistribuídos, juntando-se às outras três turmas, formando novos agrupamentos.
Isto aponta um grande problema encontrado na educação é a substituição de
professores, aliás, nas periferias faltam professores titulares e ainda mais
substitutos. Sabe-se que existem diferenças entre trabalhar em classes de bairros
centrais a bairros vulneráveis, pelas vivências e experiências as quais as crianças
são oportunizadas ou não oportunizadas.
Uma nova experiência foi quando ingressei na PMSP no início de 2004, como
professora titular na EI, para isso exonerei o cargo de professor do município de
Mauá. Como já tinha a experiência em creche e não havia gostado, optei por uma
EMEI na zona leste. Escola com três turnos devido à demanda da comunidade,
culminando numa sala com trinta e oito crianças. Acostumada com números
inferiores de alunos, estranhei para conseguir gerir uma sala com tantas crianças.
Em um dia de chuva presenciei crianças chegando muito molhadas. Uma,
especificamente, estava encharcada e a mãe sem guarda chuva. Estranhei, pois
conforme experiências de outros municípios em dia de chuva o número de alunos é
menor. Ao conversar com a mãe que a criança não poderia ficar toda molhada na
escola, que trouxesse outra roupa à criança. Respondeu-me que não tinha guardachuva e a criança não poderia faltar, para não perder o leite, argumento que eu
compreendi, pois sabia que na rede municipal de São Paulo havia uma distribuição
de leite em pó mensalmente que era garantida pela frequência regular da criança à
escola.
Uma sala de aula com trinta e oito alunos na EI demandava atenção e gestão,
já que as oportunidades de aprendizagem, que precisavam ser oferecidas, eram
bem diferentes das propostas para um grupo com vinte alunos 2ª série. A EMEI
possuía dois parques enormes com vários brinquedos, o que em alguns momentos
era de grande auxílio para que as crianças pudessem interagir e explorar um
ambiente maior que o da sala de aula, que chegava a ser opressor. A escola não
contava com ambientes muito variados, porque a demanda por vagas exigia a
utilização de todos os espaços, como quando a sala de vídeo precisou ser
desmontada e transformada em sala de aula.
1.5 Professora de Matemática: o encontro com os alunos
A mudança da rede municipal de São Paulo para a rede estadual, não foi
tranquila. Por um lado trabalhar na rede estadual como professora de Matemática
era a possibilidade de realizar meu sonho, por outro, a diferença salarial e de plano
de carreira era muito grande.
Antes de fazer essa opção avaliei vários fatores: como a distância, desgaste
no trânsito, além dos episódios de violência que presenciei no trajeto, que me
causavam muita apreensão a cada parada em um semáforo. Além disso, trabalhar
perto de casa e estar mais próxima ao meu filho eram questões a serem analisadas.
Depois de muito refletir, optei por exonerar o cargo de professor de El da PMSP e
assumir o cargo de professor através concurso público pela SEE-SP no EF II, na
disciplina de Matemática, no município de Santo André.
Ingressei em fevereiro de 2005 numa escola da periferia da cidade. Na
escola, no momento da atribuição de aulas, acabei ficando com o que havia restado,
pois era a última na classificação por ser ingressante, contudo algumas aulas eram
no período manhã e, outras na tarde. A diretora da escola disse aos professores de
matemática: “A professora ingressante possui acúmulo de cargo com a rede
municipal de Santo André (PMSA), e se algum professor gostaria de mudar de
horário, pois as aulas que sobraram no período da manhã e tarde, não poderá
assumir sendo necessário exonerar o cargo”. Recordo-me com carinho da
professora, que não me conhecia, se prontificou e mudou o seu horário para me
favorecer. Fiquei muito agradecida, e senti-me abençoada. Não conhecia a diretora
e nem a professora que trocou as suas aulas, destacando que esta não teve
nenhuma vantagem, contribuindo apenas para ajudar uma futura colega de trabalho.
Um grande ato de carinho demonstrado por este ser humano.
Começou a minha experiência como professora de Matemática com as
turmas de sétima série (hoje 8º ano), constatando que aproximadamente 85% dos
alunos eram oriundos de uma região recém-urbanizada, onde antes havia uma
favela.
Apresentei-me à classe, os alunos apresentarem-se dizendo idade, time para
o qual torciam e a disciplina preferida. Notei, no discurso, que os alunos
apresentavam amor ou ódio à Matemática. Na fala de muitos, a matemática era a
disciplina mais difícil do currículo escolar. Justificavam que nunca conseguiram
aprender ou entender porque “não eram inteligentes”, demonstrando assim, baixa
autoestima. Alguns alunos enfatizavam a aversão e ódio pela matéria. comparando
a disciplina a “um bicho de sete cabeças”. O que mais me intrigou que um aluno
chegou a dizer que ele era igual a sua mãe: “ela não sabia matemática e ele ‘puxou’
pra ela”. Alguns alunos até riram. Como se aprender matemática fosse apenas uma
questão de DNA e não uma questão de ensino e aprendizagem mediados pela
cultura. Os alunos que gostavam da Matemática eram classificados pelos demais
como inteligentes, crânios ou nerds. Lembrei-me dos meus momentos de aluna
durante as aulas de Matemática, pois gostava e até ajudava os colegas, por isso
sabia que passaria um pouco desta paixão ao ensinar.
No EF I, ao assumirmos uma sala era prática do professor, aplicar uma
avaliação diagnóstica para caracterização da sala, conhecer as habilidades e
dificuldades dos alunos. Assim, conversei com a sala e disse que na próxima aula
eles fariam uma avaliação diagnóstica para conhecer quais eram as habilidades e
dificuldades de cada um deles. Era necessário ser verificado o que sabiam e o que
não sabiam, para fazer o planejamento mediante o conhecimento que apresentavam
e adequar o conteúdo pertinente à série em que estavam.
Expliquei que não valeria nota e que teriam a liberdade na avaliação de
Matemática o que não conseguisse resolver (sistematizar), anotar o motivo porque
não conseguiram resolver a questão: aprenderam e esqueceram, ou não
aprenderam. Ao resolver por cálculo mental anotar como pensaram sendo o mais
sincero possível.
Na avaliação diagnóstica proposta, é usada uma lista de perguntas, com
assuntos variados, como recurso de verificação do domínio da língua materna:
leitura, interpretação e a produção escrita, a fim de verificar se conseguem
responder de acordo com que foi solicitado, buscando articular as ideias.
O objetivo é conhecer um pouco sobre o aluno com várias perguntas como:
idade, data de nascimento, endereço, sexo, time que torce, música preferida, estilo
de música preferido, matéria que mais gosta. Outras perguntas constituíam a
enquete: Com qual matéria não se identifica e por quê? Pratica algum esporte? Qual
o preferido? Qual a brincadeira preferida? Participa de rede social?
Tem
computador em casa? Tem acesso a internet? Tem vídeo game? Gosta de ler? O
que gosta de ler? Quantos livros já leu? Cite o nome dos livros que leu: Qual foi o
preferido? Qual o momento mais feliz? O mais triste? Mora com os pais? Um lugar
que gostaria de conhecer? Um lugar que acha lindo? Qual a brincadeira preferida?
Estas perguntas auxiliavam para que eu pudesse conhecer um pouco mais
sobre o aluno, além de verificar o raciocínio e a capacidade de interpretação,
destacando seu potencial do aluno, sonhos e preferências. Alguns não conseguiam
interpretar o que se pedia com dificuldade na leitura, liam decodificando, um aluno
chegou pedir ajudar para ler, “pois conhecia somente a letra grande (bastão)”.
Antunes (2011) esclarece a importância de ações como esta.
Dessa forma, o professor necessita ser um atento pesquisador dos
saberes que o aluno possui – saberes que obteve na sua vida, suas
emoções, de suas brincadeiras, suas relações com o outro e o mundo –
fazer dos mesmos ganchos para os temas que ensina (ANTUNES, 2011,
p.17).
Na avaliação diagnóstica, outra parte era destinada ao conhecimento
matemático: cálculos com as quatro operações em sentença matemática, verificando
se sabiam o sistema posicional; cálculos com as contas montadas; resolução
situação-problema, com as quatro operações; representação de fração, operações
com números fracionários e decimais; porcentagem e equação do primeiro grau.
Alguns reclamaram dizendo estar difícil, alguns ao olhar a avaliação desistiram e
nem ousavam tentar ou pensar (ou não sabiam) já de posse de um paradigma de
que a matemática é difícil. Sempre de posse do discurso pronto de que, está difícil,
não consigo fazer, não aprendi, apontavam sinais também de baixa autoestima.
Contudo, os alunos simpatizantes da disciplina diziam que eram inteligentes e
saberiam fazer.
Alguns alunos acessam o EF II sem domínio de cálculos de unidades, não
conseguem abstrair, estando ainda na fase concreta de observação dos fenômenos.
Estes alunos apresentam dificuldade para raciocinar, por isso ainda necessitavam
do concreto para subsidiar o pensamento. Neste processo em intervenção com
alguns alunos faz os cálculos juntos utilizando os dedos como âncoras à construção
do conhecimento. Outros alunos ainda utilizam como recurso os “pauzinhos IIIII”,
outros só conseguiam chegar a um resultado se a conta já estivesse montada.
Assim podemos perceber que nestes casos o aprendizado não foi efetivo.
Depois de corrigida, a avaliação foi devolvida aos alunos, pois o aluno precisa
ter claro o que ele sabe e que precisa saber para que possa se motivar a aprender.
A correção é importante no processo de aprendizagem e ela foi utilizada como
objeto de análise e para propor um diálogo sobre as dificuldades apresentadas no
campo da Matemática. Luckesi (2011) deixa claro o papel que a correção de uma
avaliação precisa ter.
Corrigir tudo o que um educando apresentar-nos, mas sem
desqualificar. Errar, todos nós erramos. Importa corrigir para reorientar; até
que consigam aprender. O que importa é aprender. A aprendizagem
depende do investimento de cada educando e também do educador, que
acolhe o resultado de suas atividades e o confronta para que dê um passo à
frente. (LUCKESI, 2011, p. 373).
Em seguida, realizei alguns apontamentos, tabulando os dados obtidos na
avaliação e assinalando os conhecimentos prévios do aluno: adição, adição com
reserva, adição com três parcelas, subtração, subtração com recurso, tabuada,
multiplicação com dois algarismos, divisão e divisão com um, dois algarismos,
representação de fração, decimais etc. Facilitava na caracterização da sala de aula,
por destacar o conhecimento e os saberes dos alunos e do que ainda precisavam
saber, já que compreendendo as dificuldades seria mais fácil decidir onde era
preciso investir para sanar as dificuldades.
Ao corrigir, verifiquei que determinados conteúdos, os alunos sinalizaram que
aprenderam e esqueceram, outros não aprenderam. Na resolução de situação
problema alguns realizaram os cálculos corretos e colocaram a resposta errada, o
que denotava desatenção, outros fizeram apenas os cálculos esquecendo-se das
respostas, alguns colocaram a resposta e escreveram que “fizeram de cabeça” isto
é, calculo mental, justificando que a conta não dava certo, enquanto outros não
conseguiram resolver nenhuma situação problema que foi proposta.
Às vezes é normal o aluno dizer que não aprendeu, pois faltou nesse dia,
estava doente, mas todos os alunos em determinada classe sinalizarem que não
aprenderam, já não é normal. Muitos conhecimentos matemáticos os alunos não
aprenderam no percurso escolar do EF I e II, mediante as dificuldades que
apresentavam em conversas verificou-se que no EF I tiveram mais aulas de LP,
priorizando
a
alfabetização.
Restando
assim
poucas
experiências
que
proporcionassem a construção do conhecimento matemático e o desenvolvimento
do raciocínio lógico. Sabe-se que algumas professoras optavam por fazer Pedagogia
para livrar-se da Matemática.
As dificuldades principais apresentadas foram: subtração com recurso;
multiplicação com dois algarismos; divisão; representação e comparação entre
frações; operações com frações, sabe-se da dificuldade do aluno compreender que
½ é maior que ⅛; números decimais e leitura de horas. Os erros apresentados por
alguns alunos, muitas vezes se davam pela falta do aprendizado de alguns
conteúdos matemáticos, das âncoras da construção e da sistematização.
Quando dado o cálculo em sentença matemática (100+5+15=) alguns erraram
ao sistematizar a conta, sendo que cálculos com números parecidos com a “conta
montada” conseguiram resolver. Assim, apontavam que era algo realizado
mecanicamente, decoraram como se fazia, sem compreensão. A subtração com
recurso (2000-19=), alguns alunos acertaram, uns erraram ao sistematizar a
montagem da conta, outros “fizeram de cabeça”, escreveram que tentaram fazer a
conta e a resposta não “batia”. Alguns responderam que aprenderam e esqueceram
como se faz, ou fizeram e o resultado dava errado.
O que chamou atenção é que uma das turmas concentrava uma quantidade
expressiva de alunos que apresentava DA como se tivessem sido selecionados e
colocados na mesma sala. No primeiro contato com dois alunos, cheguei até
pressupor que possuíam alguma deficiência intelectual (DI). Ao conviver, verifiquei
que o aluno possui DA, quando lida com conteúdos que exigem raciocínios, leituras
e interpretação. Alunos que por algum motivo apresentam falta de conhecimentos
necessários como “âncoras” para novos aprendizados. Tem-se discutido na
literatura sobre a hereditariedade do sujeito e o meio em que vive.
A privação cultural parece envolver uma complexa interação entre
várias
unidades
dialéticas:
cognitividade-aprendizagem,
hereditariedade-meio,
causas
consequências,
social-emocional,
etc.,
que
se
repercutem no desenvolvimento cognitivo e, consequentemente, no
aprendizado escolar. (FONSECA, 1995, p. 117).
As justificativas da rejeição pela matéria, aliadas às várias dificuldades
apresentadas, podem ser verificadas quando o aluno passava de uma fase para
outra com deficiência, o mesmo não entendia o conteúdo anterior, e aí as
dificuldades acumulavam-se e ele vai ficando para trás como consequência da não
aprendizagem. O aluno não compreendia o processo de divisão, dificultando a
operacionalização da fração. Assim, parte para a rejeição da disciplina, até mesmo
como forma para se proteger, pois já que não consegue entender e
consequentemente resolver, então o melhor é negar-se a fazer do que assumir as
suas dificuldades. Ainda é importante destacar que alguns utilizavam a indisciplina
para se defender ou se esconder.
O mesmo discurso que eu usava na sala de aula com os alunos do EF I,
utilizei com a sétima série: de que todos são capazes de aprender. Citava o exemplo
de que para aprender andar de bicicleta tenho que querer, depois treinar com
rodinhas ou com apoio dos pais, irmãos ou amigos segurando a bicicleta.
Alcançando a confiança e o equilíbrio, conquista-se a autonomia e anda-se sozinho
de bicicleta, porque o treino consequentemente leva a habilidade. Assim, sempre
ressaltava que para aprender era necessário querer aprender e que eu estava
disposta a ensiná-los. Esta afirmação de que todos são capazes de aprender é
corroborada por Antunes (2013).
Dessa forma, o ser humano nasce com a habilidade para aprender,
mas a aprendizagem em si somente ocorre com a experiência. Os bebês
aprendem com o que vêem, ouvem, cheiram, provam e tocam avaliando a
linguagem de seus sentidos. Usam seus cérebros para diferenciar
experiências sensoriais (como o som da voz da mãe e de outra pessoa) e
produzir mudanças em seu repertório de comportamentos inatos, como, por
exemplo, mamar. A aprendizagem, portanto, é uma forma de adaptação ao
ambiente e resulta da experiência. (ANTUNES, 2013, p. 43).
Outro exemplo dado, foi o jogo vídeo game, fiz uma analogia com a
Matemática. Ao jogar conforme a habilidade vai passando-se as fases. Ao não
conseguir passar de fase, é preciso recomeçar, treinando a fim de alcançar a
habilidade e avançar. Igualmente se dá com a Matemática, é necessário querer
aprender, revisar o aprendido, dedicar-se, refazer, estudar, entre outras tantas
ações, para alcançar habilidade e raciocínio lógico. Essa prática de estudo faz parte
da vida de poucos de nossos alunos e muitos têm que ser ensinados a aprender a
aprender.
Além do grande número de alunos com DA na turma, sendo que alguns já
haviam sido retidos no EF I, tinham um perfil de alunos indisciplinados, mal
educados e outros apáticos. Qualquer descuido, a turma saia do controle, ou como
muitos colegas diziam: “a sala pegava fogo”. Neste sentido, muitos professores
relatam que a dificuldade principal para o desenvolvimento de um bom trabalho é a
indisciplina e nem sempre as DAs. Assim, era necessário monitorar constantemente,
motivar, incentivar e zelar pelo andamento da aula, o que às vezes ficava cansativo.
Com o passar do tempo, descobri que por trás daqueles alunos altos,
enormes, muitos maiores que eu, escondiam-se alguns adolescentes amedrontados,
frágeis, carentes, que queriam aprender, que não compreendiam, que se
envergonhavam muitas vezes, quando precisavam dizer: “não sei professora”.
Muitas vezes foram rejeitados, julgados, comparados, diminuídos, rotulados que não
tinham capacidade de aprender. Todas estas experiências e vivências negativas
fizeram com que se sentissem incapazes, além de que, muitas vezes, sofreram
humilhações, chamados de incompetentes, burro, o que hoje se conhece como
bulling.
Em determinada ocasião, ocorreu um diálogo com os alunos e estes deviam
experimentar e verificar que eram capazes de aprender e quebrarem os paradigmas
de que eram incapazes e que a Matemática é difícil. Tudo era questão de querer,
prestar atenção, concentrar-se e dedicar-se. Sugeri retornar os conteúdos, a partir
do que sabiam para ampliar os conhecimentos. Por um momento achei que fossem
reclamar, pedi para que quem concordasse levantasse a mão e todos concordaram.
Fiquei surpresa pela adesão, pois acataram sem nenhuma resistência e assim iniciei
um trabalho diferenciado da outras turmas de sétima série.
Para que o aprendizado acontecesse era indispensável retomar alguns
conteúdos das séries anteriores para construir o conhecimento matemático. É válido
salientar que isto não se tratava apenas de uma revisão, mas sim, para alguns, uma
construção de conhecimento. Iniciou-se a sistematização da adição com reserva.
Preparei as atividades e imprimi uma para cada aluno, foi um sucesso, pois todos
fizeram.
Em seguida, apresentei uma proposta com a utilização do material dourado,
sendo distribuído para a turma e recolhido ao final da aula, após o uso, da mesma
forma que fazia no EF I. A adição com três parcelas era dada na sentença
matemática para o aluno sistematizar a conta, pois muitos não compreendiam o
conceito do sistema posicional apenas faziam mecanicamente a conta montada.
Trabalhavam e participavam das atividades, resolviam as questões e solicitavam
ajuda quando necessário. Além disso, se ajudavam, porém mesmo assim alguns
alunos eram resistentes, se sentiam desmotivados ou talvez envergonhados.
Combinamos a subtração simples e depois com recurso, era apenas uma
questão de oportunidade para recordar, relembrar e justificando que conviviam com
a matemática diariamente, pois frequentavam: açougue, mercado, feira, alguns iam
pagar contas na lotérica para as mães. Frequentavam cinema, pagavam ingressos,
pipoca, refrigerantes e tinham que conferir o troco, por isso não havia desculpa.
Antunes (2011) explana sobre esta necessidade da associação do conteúdo às
resoluções de problemas do cotidiano.
Como mostra com lucidez Vygotsky é essencial que se busque a
distância entre o nível de conhecimentos atuais determinado pela
capacidade do aluno em resolver problemas de maneira independente, e o
nível de desenvolvimento desse mesmo aluno e a sua capacidade,
processo esse orientado por um colaborador – professor naturalmente mais
capaz. (ANTUNES, 2011, p. 31).
Nesta perspectiva, verifiquei a disponibilidade de muitos dos alunos
aprenderem e percebia que eles se empenhavam mais a cada dia. O próximo passo
foi abordar mais profundamente a multiplicação, o grande embate se deu quando
sinalizei que não usariam a tabela (tabuada), pois estava trabalhando com conceitos
que faziam sentido para eles, partindo assim do que sabiam para ampliação do
conhecimento. Começou-se pelas multiplicações compreendendo as construções
dos conjuntos a tabuada. Argumentei que no começo iriam demorar mais, pois fazia
parte do o processo de aprendizagem e a formação de suas memórias. Copiar o
resultado de uma tabela não favorecia a aprendizagem. Ao resolver, pensar, buscar
estratégias, fazia com que quando menos se esperava, a tabuada estava
memorizada pelo exercício de resolução e não pela mera repetição decorada. Para
este processo, pedi um voto de confiança aos alunos, que, aos poucos, mudavam a
postura, sendo mais colaboradores, responsáveis, deixando a agressividade verbal
de lado tornando-se mais educados.
Antunes (2013) ressalta que “toda pessoa é produto de comportamentos
inatos e experiências adquiridas, mas que tanto um quanto o outro podem ser
transformados pela educação, gerando mudanças relativamente permanentes no
comportamento”. (ANTUNES, 2013, p. 43)
Respeitar o ritmo de aprendizagem, entender a dificuldade, a necessidade de
cada um e o seu jeito de aprender, foi a ponte para cativá-los. A intervenção para
alguns alunos era individualmente, pois ainda tinham vergonha. Este atendimento
individualizado requeria muito trabalho e entendo porque, às vezes, alguns
professores optavam pela aula padronizada para todos os alunos, ignorando suas
necessidades específicas.
Alguns conhecimentos matemáticos são necessários que o aluno vivencie,
tenha experiências, se proponha a fazer o exercício, pensar, construir, ousar, errar e
aprender com o erro. O erro precisa ser visto como percepção de conhecimento do
processo para novas construções e reflexões, para que ocorra o aprendizado.
O aluno vive num mundo onde a matemática está presente no seu cotidiano,
mas alguns deles não conseguem fazer essa relação, da aprendizagem escolar com
as experiências diárias. Diante deste cenário, faz-se necessário o professor
contextualizar. Em contrapartida, o aluno também precisa ter a consciência de que o
conhecimento matemático é imperativo para vida, cabe a nós professor orientarmos
os alunos a levaram a sério a proposta de aprender.
Se o aluno não tiver oportunidade, não adquirirá experiências significativas
que favoreçam o aprendizado, aprender, compreender e consequentemente gostar
de Matemática. Alguns aprendizados na nossa vida são necessários mesmo que
não gostemos, pois precisamos saber quando nos depararmos numa situação de
uso.
Pode-se constatar-se que os diversos saberes dos professores
estão longe de serem todos produzidos por eles, que vários deles são de
um certo modo “exteriores” ao ofício de ensinar, pois provém de lugares
sociais anteriores à carreira propriamente dita ou situações fora do trabalho
cotidiano. Por exemplo, alguns provêm da família do professor, da escola
que o formou, e de sua cultura pessoal, outros procedem das universidades,
outros são oriundos da Instituição ou do estabelecimento de ensino
(programas, regras, princípios pedagógicos, objetivos, finalidades, etc.),
outros, ainda, provém dos pares, dos cursos de reciclagem etc.(TARDIF,
2014, p. 64).
Confesso que aprendi no exercício de sala de aula, com os adolescentes.
Tive que várias vezes que ser enérgica, exigente e mostrar que a gestão da aula
estava sob minha responsabilidade. Assim, não aceitava conversas paralelas na
hora da explicação, mas em outros momentos, era amorosa, calma, compreensiva,
motivando, mostrando que eram capazes, elogiava quando percebia avanços e
esforços. Criava situações para serem ativos no processo de aprender. Os desafios
foram grandes, porém apesar de algumas vezes desanimar, sabia que precisava
perseverar que o resultado viria. Tardif (2014) aborda como a interação professoraluno é importante.
Percebe-se que o professor precisa mobilizar um vasto cabedal de
saberes e de habilidades, porque a sua ação é orientada por diferentes
objetivos emocionais ligados à motivação dos alunos, objetivos sociais
ligados a disciplina e à gestão da turma, objetivos cognitivos ligados a
aprendizagem da matéria ensinada, objetivos coletivos ligados ao projeto
educacional da escola, etc. (TARDIF, 2014, p. 264).
Um dia ao conferir a resolução do exercício individualmente de um aluno,
sentei ao seu lado e o mesmo disse: “Não tenho jeito professora, sou ‘burro’ todo
mundo fala”. Fui dura com ele, disse que deveria parar de se fazer vítima, mas sim
fazer a sua parte e que não queria vê-lo mais resmungando. Em seguida, perguntei:
“Quer aprender?” e ele disse que queria, respondi que se queria aprender, precisava
se empenhar para conseguir os objetivos.
Noutras palavras, se é verdade que a experiência do trabalho
docente exige um domínio cognitivo e instrumental da função, ela também
exige uma socialização na profissão e uma vivência profissional através das
quais a identidade profissional vai sendo pouco a pouco construída e
experimentada e onde entram em jogo elementos emocionais, relacionais e
simbólicos que permitem que um indivíduo se considere e viva como um
professor e assuma, assim subjetivamente e objetivamente, o fato de fazer
carreira no magistério (TARDIF, 2014, p. 108).
Neste período, acredito que consegui ir construindo minha identidade
docente, como destaca Tardif (2014), também através da interação com os alunos,
de perceber meu papel fundamental não apenas como transmissora do
conhecimento, mas também como alguém que poderia incentivar, estimular e
auxiliar na formação de meus alunos.
1.6 Aulas de geometria: âncoras para o aprendizado em
Matemática
Precisava cativar os alunos, ter uma estratégia e seduzir com aula diferente
para assim chamar atenção. Isso me fez recordar, das aulas que tive no meu tempo
de aluna, quando tivemos geometria, cujas aulas eram bem dinâmicas e me
agradavam muito, apesar de ser suspeita por ter afinidade com Matemática.
Atualmente, este conteúdo está distribuído na grade curricular de Matemática, não
compondo uma disciplina separadamente. Então ocorreu a ideia formatar essa aula
e com isso trabalhar conteúdos da matemática utilizando a geometria de maneira
concreta. Apostei nessa aula, conversei com os alunos e foi estabelecido o dia da
semana em que havia aulas duplas.
Santos e Nacarato (2014) enfatizam que “muitos professores, por também
não terem tido contato maior com a Geometria, desconhecem a importância da
construção do pensamento geométrico para o próprio conhecimento das pessoas.”
(SANTOS; NACARATO, 2014, p. 15)
Foram solicitados aos alunos um caderno de desenho e uma régua que
seriam destinados para as aulas de geometria. Na primeira folha foi solicitado um
desenho livre do aluno, a fim de garantir um espaço para expor sua identidade, já na
folha seguinte a primeira tarefa proposta foi construir a margem de 2 cm. Foi
necessário disponibilizar réguas para alguns alunos que não tinham trazido. A turma
ficou bastante confusa e agitada, apesar das comandas escritas e a proposta
desenhada na lousa. Foi necessário o ensino individualizado a alguns alunos, como
medir e fazer a margem. Alguns alunos surpreenderam ao descobrir que a régua
começava do zero e não do um, então deduzi que muitos alunos não tiveram essa
experiência com a régua. A respeito de experiências vivenciadas enquanto parte do
processo de construção de conhecimento, Tardif (2014) delineia que:
Ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizandoos no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e para o trabalho. A
experiência de trabalho, portanto, é apenas um espaço onde o professor
aplica saberes, sendo ela mesma saber do trabalho sobre saberes, em
suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo que se sabe
naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática profissional
(TARDIF, 2014, p. 21).
A fim de ampliar as possibilidades, comprei um tangram de madeira e com as
mesmas medidas construí trinta oito tangrans de EVA. Disponibilizei um para cada
aluno num saquinho. Dando a sugestão que ao montá-lo formava um quadrado. Um
aluno conseguiu depois foram se ajudando e socializando. A partir dos polígonos,
conheceram as características, comparar os polígonos, observar semelhanças,
diferenças etc. Em outras aulas, passamos a medir os lados dos polígonos com a
régua, fazendo estimativa de cálculo mental do perímetro e depois o cálculo
sistematizado no caderno. A geometria, como estratégia de ensino a partir do objeto,
favorece: pensar, raciocinar e a construção do conhecimento.
O encanto ao trabalhar com a geometria é obtido quando você verifica
momentos de aprendizagem e momentos criativos dos alunos. Verifiquei alunos
traçando estratégias, pensando, trocando, sugerindo, dialogando, colaborando e
trocando opiniões com os amigos, sendo essencial para sua cognição.
A experiência negativa que ocorreu que ao ministrar aula de geometria,
alguns alunos não traziam os materiais para a aula conforme solicitado e isso gerava
desgaste. Nestes casos, o aluno não dispunha do material e ainda queria ficar
conversando, brincando enquanto aguardava o amigo terminar para emprestar o
material. Devido a estas questões, a aula nem sempre acontecia conforme
planejado, consequentemente demorava-se demais até que todos os alunos
concluíssem as atividades. O governo através da SEE–SP, costuma disponibilizar o
material no início de ano para os alunos, porém as justificativas são sempre as
mesmas de não trazerem o material e dizem que esqueceram ou que emprestaram
na aula anterior e não foi devolvido ou que perderam ou o irmão quebrou, entre
tantas desculpas.
O professor, ao planejar a aula, busca que ela aconteça da melhor maneira
possível, a não ser que surja algum fator inusitado, necessitando intervenções ou
mudanças de plano, o que não inclui ficar dependendo dos alunos trazerem material.
Sendo assim, planejei outra atividade para ser proposta aos alunos: construírem
circunferências com compasso com diversos tamanhos de raios, por exemplo: 2, 5
ou 7 cm. Utilizariam um cordão para medir o comprimento de circunferência e
verificar o tamanho encontrado na régua, trena ou a fita métrica e anotar. Na terceira
etapa, deveriam calcular o comprimento da circunferência utilizando a fórmula:
C=2.r.π (comprimento é igual a duas vezes o raio, vezes o número PI), considerando
o valor do número
 3,1415. Deste modo, a partir do processo de construir, medir,
comparar os resultados e encontrar a igualdade. Esta experiência pretendia
favorecer o raciocínio lógico.
Contudo, se metade dos alunos não traz compasso ou régua, o sucesso fica
comprometido. Mediante as ocorrências e as inúmeras justificativas, surgiu a ideia
de montar um kit, que apelidei de “kit sobrevivência”. Os materiais que compunham
o kit eram: régua de 30 cm, régua geométrica, compasso, esquadro, tesoura,
transferidor de 180º, 360º etc.
O kit otimizou a aula, pois todos os alunos tinham os materiais para participar
das propostas, construir, comparar, validar, e trocar ideias com os colegas, enfim
aprender. Às vezes ao guardar os materiais que havia emprestado, na conferência
observava que faltavam alguns itens, então realizei uma nova ação: enumerei os
materiais de um a quarenta e quando o aluno não trazia o material, emprestava
conforme o seu número de chamada e anotava. Isso facilitava assim a minha
organização e o controle dos materiais emprestados.
Falei com a diretora da escola que precisava de sulfite coloridos para
trabalhar com os alunos. Ela falou com a Coordenadora Pedagógica (CP) que pediu
para um aluno avisar-me para buscar na sua sala. A minha surpresa quando ela
abriu as portas do armário, pude observar caixas de sulfite, caixas de materiais
estocados, guardados, trancados a “sete chaves”. Caixas de materiais dos quais
tinha comprado para trabalhar com os alunos. O professor para que a aula ocorra
com êxito, até compra material com recurso próprio, a fim de facilitar a
aprendizagem dos alunos. Fiquei decepcionada, pois percebi, através da ação da
CP, que ela não estava preocupada com o processo educacional ou com as
dificuldades que os estudantes apresentam, nem tão pouco em subsidiar o
professor. Os materiais são importantes recursos que proporcionam a aprendizagem
do aluno. Neste episódio, senti-me abandonada, justamente quando precisaria de
parcerias para conseguir melhores resultados com os alunos. Esta se constituiu
numa experiência extremamente negativa na minha experiência docente, pois foi
marcada pela decepção.
De imediato, comparei com a EMEIEF da rede municipal de Santo André em
que trabalhei. Os professores tinham acesso a todos os recursos pedagógicos, sem
trancas ou entraves para utilização dos materiais. O foco era oportunizar a
aprendizagem dos alunos e não estocar materiais.
A respeito desta questão, Tardif (2014) esclarece que “ensinar é perseguir
fins, finalidades. Em linhas gerais pode-se dizer que ensinar é empregar
determinados meios para atingir certas finalidades” (TARDIF, 2014, p.125).
A finalidade educacional principal é o aprendizado de nossos alunos. Acredito
que se os alunos tivessem mais oportunidades e recursos para o aprendizado, com
certeza seria diferente a motivação, o querer, a relação de ideias, os insights, que
acabam sendo prejudicados devido a uma gama enorme de necessidades diversas.
Confesso que a aula de geometria foi e é um sucesso, pois ainda utilizo essa
estratégia. Muitos alunos que diziam que não gostavam de Matemática começaram
a se identificar, porque passaram a entender os conceitos e verificá-los na prática,
com isso começam a ter uma nova visão sobre essa disciplina. É muito diferente o
aluno ler uma teoria de um determinado conteúdo, entender, abstrair e resolver. Nas
aulas de geometria, os alunos participam do processo de construção, passam a ser
ativos do processo, já que medem, cortam, relacionam, colam, avaliam, comparam,
sempre buscando a resolução de situação-problema. Certamente, o planejamento
das aulas, a gestão da turma e o atendimento individualizado demandam maior
esforço e empenho do professor, mas sempre vale a pena.
Os recursos trazem outro sentido à aula, uma vez que muitos alunos ficavam
mais disponíveis e motivados para aprender, assim a intervenção é imediata. O
interesse era tanto que alguns cuidavam com carinho dos seus materiais que eram
compasso, régua, transferidor, calculadora etc. A utilização do compasso e da
calculadora é importante entre os alunos, como por exemplo na construção da
circunferência, círculo, mandala; e a calculadora faz sucesso na conferência da
divisão e da razão de dois números, como no caso de
1 2 1
,
; na interpretação,
2 4 5
representação, comparação, validação e das operações com números decimais.
A experiência foi ótima, pois com o tempo eles iam aperfeiçoando e as aulas
eram cada vez mais valorizadas. Os conteúdos trabalhados foram: ponto, reta,
plano, segmento, medidas, noções de figuras planas e espaciais, cálculo de
perímetro e área (muito importante para embasar as operações com números
decimais), área e volume (cubo e prisma), circunferências, círculos, ângulos, etc.
Utilizava a estratégia do meu professor de Física na graduação, sempre buscando
estabelecer uma relação dos conteúdos da aula anterior.
É importante ressaltar que as aulas práticas favorecem o processo de
aprendizagem, pois os objetos trabalhados são âncoras à aprendizagem. O aluno
deixava de ser passivo e passava a ser um sujeito ativo no processo de construção
de seu conhecimento. Prestavam atenção, se concentravam, ficavam motivados a
aprender, ativando assim o pensamento e memória durante a aprendizagem.
Construir, imaginar e criar fazem com que a experiência proporcione momentos de
aprendizados com sentimentos positivos.
Foi feita parceria com a professora de Artes, em que os alunos utilizavam o
conhecimento das aulas de Matemática na arte. Demonstrou-se que o conhecimento
é interdisciplinar e que os conteúdos aprendidos na aula de Matemática eram
necessários na: artes, além de apreciar os conteúdos estudados em algumas obras
de artes, na música, entre outros.
Desta maneira, começavam a apreciar a Matemática, viam-na com nova
perspectiva, pois não era apenas aulas de fazer contas, resolver exercícios e aplicar
fórmulas. Eles continuavam a fazer contas, entretanto a diferença era que agora
existia um material concreto para apoiar a sua aprendizagem, contextualizando os
conteúdos. Eles reconheciam que os conhecimentos matemáticos faziam parte de
suas vidas, e que resolver uma situação-problema de Matemática era ter que:
pensar, raciocinar, planejar, deduzir, comparar, tomar decisões, validar e quando
necessário refazer.
É importante ressaltar que nas aulas de Geometria, algumas tarefas iniciavam
em sala e terminavam em casa. Assim a lição de casa era estratégia para
desenvolver responsabilidade, hábitos e estudo. Trabalhou-se algumas obras do
artista andreense Luis Sacilotto, verificando os conteúdos matemáticos aprendidos
na releitura.
Vale também destacar que o ambiente é um fator que contribui para o
aprendizado dos alunos. As aulas de geometria são âncoras, pois o aluno parte do
concreto para o abstrato.
Os relatos dos alunos demonstravam como enxergavam as aulas de
Geometria: “aula gostosa”, “passou rápido”, “nem vi o tempo passar”, “legal,
consegui fazer”, eles salientavam também que assim era mais fácil aprender. Essas
sensações aconteceram porque o aluno participou, foi ativo, usando e manipulando
os recursos pedagógicos. A sua atenção é ativada para o processo de
aprendizagem, no qual se constrói, pensa e cria, também para o estudante ser um
sujeito atuante, que constrói competências e habilidades com o saber matemático.
O prazer de aprender deve ser trabalhado, pois é muito diferente um aluno
copiar da lousa um hexaedro - sólido geométrico conhecido no senso comum como
dado - sendo este um desenho tridimensional e copiá-lo no plano. Alguns alunos não
entendem, por isso não consegue desenhá-lo. A experiência do sólido planificado e
montá-lo ou vice-versa dá subsídios para a compreensão. Outro fator determinante é
pesquisá-lo na internet, ver tridimensionalmente, os movimentos possíveis dos
lados, das arestas e dos vértices a cada clique. Planificar o sólido e fazer a
reversibilidade é partir do concreto para abstrato nas formações das memórias.
Estas ações são corroboradas por Cosenza e Guerra (2011).
Pela mesma razão, é importante e útil aproveitar, sempre que
possível mais de um canal sensorial de acesso ao cérebro. Além do
processamento verbal, usar os processamentos auditivo, tátil, visual ou
mesmo o olfato e a gustação. Além do texto, é bom fazer uso de figuras,
imagens de vídeo, música, práticas que envolvam o corpo. (COSENZA;
GUERRA, 2011, p.63).
Vamos fazer uma analogia com a arte no significado da experiência. O aluno
que pinta com lápis de cor numa folha de papel, difere com relação ao significado da
experiência e na ativação do cérebro, quando ao pintar uma tela com pincéis e
aquarelas em um ateliê. O significado difere para o aluno quando o professor de
Artes sinaliza o círculo cromático e diz que na mistura da cor branca com a vermelha
resulta na cor rosa ou na azul com amarelo resulta na verde. O aluno ao misturar as
quantidades das tintas vermelha e branca tem a tonalidade do rosa. A experiência
permite inferir que a quantidade da tinta influência na tonalidade cor, entre tantos
outros aspectos. Com certeza o aluno nunca mais esquecerá desta experiência, pois
esta foi significativa, e trago na minha memória recordações das minhas aulas de
Artes, que são as memórias semânticas, que são formadas através do aprendizado
consciente. Como não havia ateliê na escola, levávamos para aula de pintura vários
materiais: avental, plástico para forrar a mesa, panos para limpeza, recipientes com
água. Assim, a arte de conhecer e fazer foi proporcionada através da experiência. A
alegria e a euforia dos alunos era visível a cada descoberta de cores e nuances.
É importante destacar que muitas vezes a ausência de espaço específico ou
de materiais pode gerar ações diferentes dos professores. Enquanto uns
encontrarão alternativas, levando materiais para a sala, reorganizando os espaços,
outros ficaram desestimulados e continuaram com suas aulas pouco estimulantes.
Neste sentido, a Neurociência aborda que quando ocorrem atividades prazerosas e
desafiadoras há um disparo entre as células neurais e acontecem mais rapidamente
as sinapses, que se fortalecem e as redes neurais se estabelecem com mais
facilidade, como aponta Lefrançois (2012).
O desenvolvimento humano é um processo de adaptação. E a mais
alta forma de adaptação é a cognição (ou o conhecimento). Se deve haver
progresso no desenvolvimento, é preciso haver mudanças na informação e
no comportamento. Essas mudanças definem a acomodação. Em resumo,
assimilação implica reagir com uma base em aprendizagem e compreensão
prévias; acomodação implica mudança na compreensão. Essa interação
entre assimilação e acomodação leva a adaptação. (LEFRANÇOIS, 2012, p.
244-245).
No final do ano, os alunos participaram da feira de Ciências, em que
expuseram um campo de futebol construído por eles, no qual trabalhou-se com
geometria, formas, medidas, cálculos de perímetro e área e escala. Foi importante a
participação na feira, arrumaram o espaço, construíram o campo, inclusive com
detalhes das pessoas nas arquibancadas e da grama sintética. Sentiram-se
empolgados e importantes, contudo naquela época eu ainda não tinha a
preocupação com os registros, tais como filmagem e foto, ficando apenas o registro
na minha memória. Recebi vários elogios, mas estes não eram meus, eram deles,
pois foram eles que construíram aquele aprendizado, que resultou na exposição.
Neste contexto, é possível notar que alunos antes estigmatizados como
incompetentes e desinteressados passaram a ser atuantes e conseguiam mostrar os
resultados de seu aprendizado. Cosenza e Guerra (2011) abordam esta questão:
A interação com o ambiente é importante porque ela confirmará ou
induzirá a formação de conexões nervosas e, portanto, a aprendizagem ou
o aparecimento de novos comportamentos que dela decorrem. Em sua
imensa
maioria,
nossos
comportamentos
são
aprendidos,
e
não
programados pela natureza. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 34).
Depois de passados dois anos, entrei no processo de remoção e indiquei três
escolas, a primeira opção é a escola em que trabalho atualmente, contudo naquele
momento não consegui e fui atendida na segunda opção, uma escola de período
integral, na qual permaneci durante um ano. Entrei novamente no processo de
remoção e indiquei novamente a escola onde trabalho como primeira opção não
consegui, novamente a segunda opção e fiquei mais um ano. Ao final do ano, fiz
uma nova tentativa e enfim consegui.
No segundo semestre de 2005, na PMSA fui convidada pela diretora do
Centro Público de Formação Profissional (CPFP), na Educação de Jovens e Adultos
(EJA) para lecionar Matemática, pois estavam sem professor. O que achei
importante
no
currículo
tinha
um
diferencial,
cinco
aulas de
informática
(profissionalizante). Era uma oportunidade de conhecer outro segmento educacional.
Foi um ano de experiências múltiplas, uma vez que trabalhava no período da manhã
com EF I, na tarde com EF II e no período noturno na EJA.
Essas passagens pelas escolas me proporcionaram vários aprendizados,
vivências, responsabilidades e trocas. Constatei que a qualidade da educação
disponibilizada aos alunos faz toda a diferença nas oportunidades. Além disso,
também pude perceber que as pessoas quando estão na gestão podem assumir
posturas variadas, exercendo lideranças autoritárias, democráticas e laissez-faire.
Há gestores que ouvem o grupo de professores enquanto outros apenas delegam.
Uns pensam somente nos seus cargos, no poder e outros têm compromisso com a
educação, com o grupo de professores, com os colegas e com o aprendizados dos
alunos.
Venho encerrar a minha história de vida narrando a vida escolar do meu
filho, Diego, nascido em julho de 1994. Aluno da escola pública desde EI, onde fiz
estágio do Magistério. Cursou a 3ª e 4ª série na EMEIEF em que lecionei por seis
meses no segundo semestre de 2003. Cursou o EF II e o 1º bimestre do primeiro
ano do EM na escola da rede estadual onde sou professora atualmente. Em 2009,
teve oportunidade de estudar inglês em Londres, mas não queria ir alegando que
perderia o ano letivo e não queria ficar longe da família e dos amigos. Meu
argumento para convencê-lo é que a experiência que teria em 11 meses em outro
país de conhecimento e cultura, nenhuma escola pública poderia proporcionar.
Quanto a perder o ano letivo, os conhecimentos que iria adquirir eram diferentes.
Sendo que no retorno poderia estudar os conteúdos perdidos. Foi e retornou em
abril de 2010. Matriculou-se para o 1º ano do EM, entretanto solicitei uma prova
junto à secretaria da escola para reclassificação para o 2º ano do EM, na qual ele foi
aprovado. No 3º do EM fez uma prova para a Etec de São Bernardo do Campo
(SBC) para concorrer uma vaga, para a qual foi aprovado e solicitou a transferência.
Fez o curso técnico em Química de agosto 2011 a junho de 2013, no mês seguinte
ingressou na Universidade Federal do ABC (UFABC) no curso de Ciência e
Tecnologia.
Em agosto de 2014, candidatou-se e iniciou o processo seletivo do
Programa Federal Ciências sem Fronteiras. O programa considera a nota do ENEM,
a nota do Test of English as a Foreign Language (TOEFL) mais o histórico do aluno
da Universidade considerando as notas nas disciplinas (coeficiente de rendimento).
O domínio de inglês foi essencial para a prova de TOEFL, um exame de certificação
de proficiência na língua inglesa em leitura, fala e escrita.
Em dezembro de 2014, estava selecionado. A etapa seguinte enviar os
documentos para o parceiro e indicar três Universidades e indicou: San Diego State
of Technology, New York Institute of Technology e Califórnia State Universty Los
Angeles. Em abril saiu a convocação para apresentar-se no dia 31 de agosto deste
ano no New York Institute of Technology. Percebo claramente que para atingir o
objetivo foram essenciais o seu empenho, sua dedicação aos estudos, mas também
as orientações da mãe, da família, dos professores e o papel exercido pela escola.
CAPÍTULO II
DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM BREVE PANORAMA DOS
ESTUDOS SOBRE INTELIGÊNCIA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM
Este capítulo tem como objetivo apresentar um breve panorama dos estudos
sobre a inteligência humana. Assim podem-se identificar as contribuições da
Neurociência nos processos de aprendizagem e formação da memória. Discutir
essas contribuições é essencial em um momento no qual ganha relevância a
necessidade de compreender quais são os fatores envolvidos nos processos de
aprendizagem e como as pessoas aprendem. Na sua elaboração recorri a autores
como: Cosenza e Guerra, Fiori, Gardner, Goleman, Izquierdo, Kandel, Krebs e Lent.
A literatura comprova que os antigos apostavam no coração, por ser um
órgão quente e pulsável e ficar no meio do corpo, como a sede do pensamento e da
alma e não o cérebro. Os ritos mortuários da época demonstram que o cérebro não
era considerado um elemento essencial para o homem, uma vez, que os corpos
(cadáveres) eram embalsamados, preservados para momentos pós vida, depois de
retirado o cérebro (frio, gelatinoso e imóvel), mantinham o coração no tórax. Este
pensamento permanece praticamente inalterado até os tempos de Hipócrates.
Hipócrates (460-379 a.c) considerado pai da medicina ocidental, foi quem
estabeleceu a crença de que o cérebro não apenas estaria envolvido com as
sensações, mas afirmou que o cérebro era a sede da inteligência.
O homem deve saber que, de nenhum outro lugar, se não do
cérebro vem a alegria, o prazer, o risco e a recreação, e a tristeza,
melancolia, pessimismo e as lamentações. E então, de uma maneira
especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, e vemos e ouvimos para
saber o que é justo e o que não é, o que é bom e o que é ruim, o que é
doce e o que é sem sabor... E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos e
delirantes, e sentimos medo e o terror nos assola...Todas essas coisas
provêm do cérebro quando este não está sadio...”Dessa maneira sou da
opinião de que o cérebro exerce um grande poder sobre o homem.
(HIPÓCRATES apud BEAR, CONNORS, PARADISO, 2002, p. 4)
Desde os tempos antigos, os homens já buscavam informações e possuíam
muita curiosidade sobre o cérebro, procurando desvendar o grande mistério que
este despertava também no meio científico. Este interesse é refletido nos meios de
comunicação, livros, filmes, pesquisas, artigos, programas de televisão, destinados a
conhecer um pouco mais sobre o cérebro.
Conforme Kandel (2009), apenas no final do século XIX, com os estudos do
médico italiano Camillo Golgi e do histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal,
(1852-1934), a estrutura das células neurais foi descrita em detalhes. O
neuroanatomista contemporâneo a Freud, foi quem propôs o estudo celular da vida
mental, considerado o mais importante cientista do cérebro que já existiu. Dispomos
hoje de um conhecimento bastante preciso sobre o funcionamento do cérebro, suas
unidades básicas e as reações químicas que nele acontece.
Cajal concebeu o cérebro como um órgão constituído de circuitos
específicos, previsíveis, diferentemente da visão que prevalecia até então,
segundo o qual o cérebro constituía uma rede nervosa difusa na qual todas
as formas imagináveis de interação ocorriam em todos os lugares.
(KANDEL, 2009, p. 82)
O autor ainda aponta que os avanços da tecnologia, do microscópio e de
coloração das células permitiram a Golgi (1835-1909), Ramón y Cajal (1852-1934
histologista espanhol contemporâneo de S. Freud) e Sherrington (1857-1952),
distinguir diversos tipos de células e neurônios pelas suas formas, propriedades,
funções e conexões.
Cajal mostrou que os circuitos neurais no cérebro contêm três classes
principais: sensoriais, motores e interneurônios. Os neurônios sensoriais recebem as
informações captadas pelos estímulos do mundo exterior, através do tato (pressão
mecânica), da visão (luz), audição (ondas sonoras), ou elementos químicos
específicos olfato e paladar. Os neurônios motores e os interneurônios são as
classes mais numerosas de neurônios no cérebro.
Kandel (2009) esclarece que Cajal foi capaz de rastrear o fluxo de neurônios
sensoriais existentes na pele até a medula espinhal, e de lá até os interneurônios e
os neurônios motores que comandam os movimentos das células musculares. Vindo
em 1906 ganhar o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em reconhecimento as
suas descobertas.
Foi Ramón y Cajal que, 1894, avançaram a ideia de que a
aprendizagem poderia facilitar o desenvolvimento e o crescimento das
sinapses (naquela época designadas de protuberâncias) e portanto, abriu
caminho à noção de plasticidade cerebral. (FIORI, 2006, p.137, grifo nosso)
Sabe-se que o cérebro é uma máquina poderosa e complexa, que é capaz de
gerar configurações e arranjos numa velocidade astronômica.
Devemos a Brodman o estabelecimento, em 1909, do primeiro
mapa detalhado do cérebro humano. As 52 áreas identificadas por Brodman
foram delimitadas graças às diferenças arquitetônicas das células nervosas.
A partir daí, a anatomia do cérebro seria apresentada nas suas linhas gerais
(FIORI, 2006, p. 21).
2.1 As máquinas de ressonância magnética
Conforme Kandel (2009), na década de 1980, a Neurociência recebeu um
enorme recurso que foram as máquinas de ressonância magnética (RM) que
permitiram um incontestável avanço, revolucionando o estudo cognitivo dos sujeitos.
As técnicas de neuroimagem têm como objetivo obter e integrar informações
funcionais e estruturais, permitindo um estudo não invasivo in vivo do sistema
nervoso em seu estado normal ou patológico, pois grande parte do conhecimento
era adquirido com o estudo do cérebro pós morte ou em cirurgias. As máquinas de
RM proporcionaram aos cientistas observarem o cérebro e as imagens do cérebro
usadas para estudar a estrutura cerebral e seu funcionamento. Mais recentemente
passou a obter informações dinâmicas pela RM e que passou a se chamar
ressonância magnética funcional (RMf) que fornece aumento local da atividade
neural aos estímulos sensoriais com aumento da atividade sináptica relacionado
com aumentos dos fluxos sanguíneos cerebral regional.
Na década de 1980, a neurociência cognitiva recebeu um enorme
impulso
das
técnicas
de
imageamento
cerebral.
Essas
técnicas
possibilitaram os cientistas realizar o sonho de visualizar o interior do
cérebro humano e observar a atividade das suas várias regiões enquanto as
pessoas realizam atividades que envolvem as funções mentais superiores,
como perceber uma imagem visual, raciocinar sobre um trajeto no espaço
ou iniciar uma ação voluntária. (KANDEL, 2009, p. 22).
Os avanços nas ciências possibilitaram a fusão das disciplinas: Psicologia
behaviorista, Psicologia Cognitiva, Neurociência e a Biologia Molecular, e o
resultado foi uma nova ciência da mente. O termo Neurociência vem sendo usado
há cerca de 30 anos, porém outros escritores já falam de Neurobiologia,
Neurofisiologia, Psicofisiologia e Neuropsicologia. Com o passar do tempo a
investigação se estenderia às células que formam o cérebro humano, o órgão mais
complexo existente no universo.
O funcionamento do cérebro – a capacidade não apenas de
perceber, mas de pensar, aprender e armazenar informação – pode ocorrer
por meio de sinais químicos, e não somente por meio de sinais elétricos, fez
com que o interesse pela neurociência se expandisse desde os anatomistas
e eletrofisiologistas aos bioquímicos. Além do mais, uma vez que a biologia
química é a linguagem universal da biologia, a transmissão sináptica
despertou o interesse de toda a comunidade biológica, para não dizer dos
estudiosos do comportamento e da mente, como eu. (KANDEL, 2009, p.
120-121).
A Neurociência refere-se à ciência dos neurônios, do sistema nervoso. O
funcionamento do cérebro se dá através dos neurônios e as células gliais, que
formam uma rede complexa e um sistema integrado.
O SNC - sistema nervoso central - é a sede de todas as funções
cognitivas superiores. [...] os neurônios são células excitáveis, e estão
organizados em rede e vias que processam toda a informação consciente
ou inconscientemente. (KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013, p. 20).
Segundo Cosenza e Guerra (2011), o cérebro é o componente principal do
sistema nervoso e age na interação do organismo com o meio externo, assim como
coordena suas funções internas.
Nesta perspectiva, Krebs, Weinberg e Akesson (2013) salientam que a
transmissão sináptica pode ocorrer de duas formas tanto a elétrica, junções de dois
neurônios podem ser acoplados eletricamente, como a química é a mais comum no
sistema
nervoso
central
(SNC),
em
que
a
comunicação
se
dá
por
neurotransmissores. Ambas contêm elementos pré e pós-sinápticos.
Podemos tirar conclusões importantes, há neurônios de diferentes
funções: visuais, motores, auditivos, neurônios que produzem emoção,
outros que comanda músculos e órgãos do coração, neurônios da memória,
que produzem pensamentos e vontades, Neurônios pra tudo! (LENT, 2010
p.21).
É possível fazer uma analogia do cérebro com um computador, mas não dá
para se comparar a capacidade de processamento do cérebro ao computador, uma
vez que ele é capaz de reunir potenciais sinápticos de diferentes origens e tipos,
além de associá-los e só elaborar uma resposta, um pacote de informações emitido
por seu axônio. O trabalho dos neurotransmissores consiste na reconversão da
mensagem química em mensagem elétrica.
Neurotransmissores, são moléculas liberadas pelos neurônios présinápticos e são o meio de comunicação de uma sinapse química. Os
neurotransmissores são específicos para o receptor em que se ligam e
provocam uma resposta específica nos neurônios pós-sinápticos, resultando
em um sinal excitatório ou inibitório. (KREBS; WEINBERG; AKESSON,
2013, p.16).
Os
autores
ainda
apresentam
e
destacam
o
papel
de
alguns
neurotransmissores: glutamato, GABA e glicina, acelticolina, aminas biogênicas,
dopamina, responsáveis pelas emoções, motivação e recompensa; noradrenalina é
encarregada da vigília e atenção atua sobre os mesmo receptores a adrenalina; a
histamina opera no SNC e na vigília e serotonina tem a incumbência do humor e
emoção.
Ao converter a realidade num complexo código de sinais elétricos e
bioquímicos, os neurônios traduzem. Na evocação, ao reverter essa
informação para o meio que nos rodeia, os neurônios reconvertem sinais
bioquímicos ou estruturais em elétricos, de maneira que novamente nossos
sentidos e nossa consciência possam interpretá-los como pertencendo ao
mundo real. (IZQUIERDO, 2011, p. 22).
Ainda dentro do útero o feto começa-se a se desenvolver e capta informações
sensoriais, e ao nascer alguns reflexos simples são logo associados e se tornam
complexos. O sistema nervoso se transforma desde o nascimento ao longo da vida.
A capacidade cognitiva do sujeito logo aparece e vai se desenvolvendo mediante os
estímulos do ambiente e a aprendizagem implícita vai adquirindo a linguagem que
permite um grande avanço do nascimento da criança até o envelhecimento.
Não se pode determinar um momento preciso em que o sistema
nervoso se torna adulto, isto é, o ponto final do desenvolvimento. Mesmo
porque
o
sistema
continua
a
transformar-se,
embora
menos
aceleradamente, durante toda a vida adulta. (LENT, 2010, p. 59).
O sistema nervoso é extremamente plástico e a capacidade de novas
sinapses é muito grande nos primeiros anos de vida, e se estende até a
adolescência. Acreditava-se que o cérebro adulto ia perdendo sua capacidade de
aprender quando o sujeito chegasse a velhice a possibilidade de aprendizado era
quase nula, contudo através de muitos estudos este paradigma tem sido discutido e
redimensionado.
A sinapse é a unidade processadora do sistema nervoso. O input sináptico de
um neurônio ocorre principalmente nos dendritos.
É um contato entre duas células neuronais. Os potenciais de ação
codificam a informação, que é processada no sistema nervoso central; e é
por meio das sinapses que cada informação é transmitida de um neurônio
pro outro. (KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013, p. 5).
Uma característica marcante do sistema nervoso é a sua plasticidade,
conforme apontam os autores:
E o que entendemos por plasticidade é a capacidade de fazer e
desfazer ligações entre os neurônios como consequência das interações
constantes com o ambiente externo e interno do corpo [...] O treino e a
aprendizagem podem levar a criação de novas sinapses e a facilitação do
fluxo de informação dentro de um circuito nervoso [...] Por outro lado, o
desuso, ou uma doença podem fazer com que as ligações sejam desfeitas,
empobrecendo
a
comunicação
nos
circuitos
atingidos
(COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 36, grifo nosso).
Os autores esclarecem ainda que o conhecimento que já se constituiu é
possível afirmar que a plasticidade nervosa, mesmo que diminuída, conserva-se
pela vida inteira, deste modo, a capacidade de aprendizagem é mantida.
Neste sentido, Lent (2010) afirma que o sistema nervoso central orquestra
toda a mente e também o comportamento humano. As pesquisas atuais têm
demonstrado que as estimulações do ambiente são fundamentais para o
desenvolvimento do sujeito.
Um patinho recém-eclodido não precisa que lhe ensinem a nadar.
Ele apenas segue a pata mãe e, ao entrar no lago, já executa os
movimentos necessários. Essas capacidades já vêm “embutidas” no seu
sistema nervoso. Não é o caso da nossa espécie, cujo cérebro, embora
planejado para desenvolver certas capacidades bem simples. Contudo,
exatamente por isso a gama de comportamentos e a forma de sua
expressão serão muito mais amplas. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 34).
É importante destacar que nós seres humanos precisamos de cuidados e
aprendizagem. Nesta perspectiva, Kandel (2009) defende que “num sentido amplo, a
aprendizagem e a memória são centrais para a nossa própria identidade. Elas estão
por trás daquilo que somos.” (KANDEL, 2009, p. 135).
Diante do já exposto é possível então afirmar que o nosso cérebro está em
constante atividade. Deste modo, cada indivíduo usa sua capacidade, dependendo
de sua atuação na sociedade, sua atividade profissional, pois em determinadas
situações uma função é mais requisitada que a outra, como por exemplo, um
músico, uma bailarina, um professor, entre outros.
O cérebro é um dispositivo criado ao longo da evolução para
observar o ambiente e aprender o que for mais importante para a
sobrevivência do indivíduo ou da espécie. Ele prestará atenção no que for
julgado relevante ou com significância (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 49).
A neurociência é uma das mais ricas disciplinas e inovadoras da ciência
moderna. Lent (2010) defende que através dela podem-se revelar os mais
complexos mistérios de como o homem pode se tornar capaz de pensar, guardar
recordações do passado (memórias retrospectivas) e planejar o futuro memórias
(prospectivas), intervir no meio ambiente tanto para o bem como para o mal.
2.2 O cérebro e as suas interferências
O cérebro contém dois hemisférios: o esquerdo e o direito, descobertos no
século XIX. Os hemisférios na sua maioria são assimétricos, sendo que cada um
deles tem uma especialidade que o outro não tem, desde então foi dado ao
hemisfério esquerdo como dominante.
Figura
1:
Constituição
do
cérebro
Fonte: RELVAS, 2010, p.100
Fiori (2008) esclarece que o hemisfério esquerdo tem papel fundamental para
a linguagem, a mais lateralizada das funções, visto que 90% dos seres humanos são
destros. Estes são melhores na realização de cálculos matemáticos, escrita e na
compreensão dela através da leitura e identificação precisa de pessoas e objetos, a
avaliação métrica do espaço extra pessoal e participa também no reconhecimento
da face, porém sua especialidade é descobrir quem é o dono da face, sobretudo se
for o próprio sujeito.
É que as cadeias neuronais que constituem as vias sensoriais e
motoras são cruzadas no sistema nervoso, de tal forma que o hemisfério
cerebral esquerdo recebe informações e comanda o lado direito do corpo,
ocorrendo o inverso com o hemisfério direito. (COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 21).
Por isso, verifica-se que pessoas após serem acometidas por um AVC, que
afeta o hemisfério esquerdo, se tornam ao mesmo tempo afásicos e hemiplégicos,
sendo a paralisia menos importante do lado direito.
Já o hemisfério direito é responsável; pela percepção dos sons
musicais, a identificação genérica das pessoas e objetos, nas relações
espaciais entre objetos, além das relações métricas quantificáveis que são
úteis para nosso deslocamento, p. ex. a quantos metros estou do carro da
frente, e outras funções. (em ligação provavelmente com sua função
perceptivo-mnésica), as emoções. Isso não significa que o hemisfério
esquerdo não tenha nenhum papel nessas funções, mas somente que o
hemisfério direito tenha provavelmente um papel preponderante. (FIORI,
2008, p. 174).
As pesquisas recentes dão evidências que o conceito de dominância
hemisférica tornou-se ultrapassado. Sendo que os dois hemisférios são mantidos em
comunicação direta entre si. Fiori (2008) ainda destaca que ambos trabalham em
conjunto utilizando milhões de fibras nervosas, como pontes, que constituem as
comissuras cerebrais e encarregam-se de pô-los em constante interação,
encarregadas de unificar a mente e as funções cerebrais.
Percebeu-se que não há um hemisfério dominante e o outro
dominado, mas os dois hemisférios especializados. Um dos hemisférios se
encarrega de um grupo de funções, o segundo encarrega-se de outro. Às
vezes, são as estratégias funcionais (ou seja, os modos de executar a
mesma função) que diferenciam um hemisfério do outro. Ambos, no
entanto, trabalham em conjunto, utilizando–se de milhões de fibras
nervosas que constituem as comissuras cerebrais e encarregam-se de pôlos em constante interação (LENT, 2010, p. 702).
Os animais também se comunicam, mas apenas os seres são dotados desta
capacidade de raciocínio e linguagem. Sendo esta uma característica humana. A
maioria dos seres humanos aprende a linguagem materna, aprendizagem implícita
desde o nascimento, isto é, desde os primeiros meses de vida, do que foi revelada
por Broca em 1864, mas destacando que o hemisfério esquerdo assume esta
especialidade funcional, salientando as funções laterizadas.
O hemisfério esquerdo é capaz de fazer cálculos, e o direito faz
estimativas, que se aproximam do resultado correto. As operações
matemáticas precisas dependem da maturação das áreas corticais da
linguagem. Ambos os hemisférios são capazes de fazer comparações de
quantidades e de avaliar números (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 116).
No que concerne ao cérebro, em relação à criatividade, não se especifica se é
um lado ou outro, mas sim que envolve o cérebro todo. Entretanto ainda necessita
de muitos estudos para descobrirmos o segredo do cérebro criativo.
As melhores ideias surgem enquanto você está tomando um banho
de chuveiro, fazendo uma caminhada ou de férias. Aqui o autodomínio vem
em saber quando relaxar e em saber que você precisa relaxar. (GOLEMAN,
2012, p. 31).
A Revista Super Interessante (2003) apresentou uma pesquisa realizada
pela Universidade de Melbourne, na Austrália, em que foram separados dois grupos
de estudantes, um grupo bom e outro excelente em Matemática. O grupo bom
resolveu equações utilizando o lado esquerdo do cérebro, e mais rápido do que o
outro grupo, porém para isso temos a calculadora e computador enfatiza a autora,
enquanto que os problemas subjetivos ficavam a cargo do direito. Enquanto o grupo
excelente usava os dois hemisférios para resolver qualquer coisa. Este é o segredo,
estava ali o segredo da genialidade. Os cérebros estão aí para trazer ideias novas e
serem criativos e inovadores.
2.2.1 Estímulos (ou sensações) sensoriais
Fiori (2008) explana que a Neurociência Cognitiva trata as capacidades
mentais mais complexas, geralmente típicas do homem como a linguagem,
autoconsciência, memória etc. compreendemos que o limite entre as disciplinas não
são nítidos, por isso tenta-se compreender o SN. Através dele temos os estímulos
sensoriais, que ajudar conhecer e interpretar o mundo através dos receptores
sensoriais, conhecidos no senso comum como: visão, audição, tato olfato e paladar.
A literatura atual aborda que os estímulos sensoriais são maiores que os
cinco sentidos: todos têm receptores onde a informação é específica a uma região
do cérebro.
Aquilo não prestamos atenção chega mesmo assim no nosso
cérebro, que somos capazes, de uma maneira ou outra, de fazer uma
triagem nas informações que chegam até nós e escolher processar somente
uma parte e, além disso, que podemos deslocar a nossa atenção (FIORI,
2008, p. 153).
Fiori (2006) esclarece a respeito das percepções sensoriais: visão, percebida
através da luz, das formas, das cores e dos movimentos; audição, alcançada por
meio do som, enquanto forma vibratória de energia, tons, timbres; tato, conhecida
também por somestesia, com diferentes formas de energia, mecânica, térmica e
química; paladar, obtido através da gustação, que consiste na química e a
sensibilidade dos cinco sabores doce, salgado, amargo, azedo e temperado; e
olfato, composto das olfaçãos, que são sentidos químicos que podemos perceber
milhares, e alguns difundem pelo ar. Essas modalidades correspondem àquelas que
se transformam em percepção.
Ao recebermos uma informação de nossos sentidos – uma palavra,
um som, um cheiro etc. - ocorre a primeira etapa do processo de
memorização que é a assimilação e através desta operação essa
informação é enviada, simultaneamente, para a memória de curta duração e
para a memória de longo prazo. (ANTUNES, 2012, p. 15).
Conforme Fiori (2006) exemplifica, ao pegarmos uma colher no fogão de inox
sem cabo isolante, e sem percebermos que estava próximo ao fogo, ao tocá-la,
sentimos a alta temperatura e automaticamente largamos a colher, não percebemos
apenas no tato a temperatura, mas também a sensação de pressão e dor. Isso nos
traz a questão como o cérebro executa movimentos voluntários, entrando em cena
os circuitos neuronais. Quando não pensamos no que vamos fazer, o nosso cérebro
recebe o comando e devolve por circuitos nervosos, por esta razão largarmos a
colher imediatamente.
Nesta perspectiva, o mesmo acontece quando retiramos o nosso pé
rapidamente quando estamos descalços e pisamos em algo pontiagudo que fere os
pés. Procuramos visualizar o ambiente para não pisarmos mais em algo que possa
nos
ferir,
e
tiramos
a
perna
bruscamente.
Isso
é
algo
que
fazemos
inconscientemente só depois pensaremos na ação.
Fiori (2008) ainda esclarece que a informação sensorial tem outras utilidades
além da percepção. Esta permite o controle da motricidade, participa da regulação
das funções orgânicas, por exemplo, quando faz calor e suamos, o corpo ajusta a
temperatura, obtida também pelas funções neurais e contribui para a manutenção da
vigília, sendo que o sono vem quando estamos em ambiente sem estimulação
sensorial e escuro.
É por meio das informações sensoriais, conduzidas através de
circuitos
específicos
e
processadas
pelo
cérebro,
que
tomamos
conhecimento no ambiente ao nosso redor e com ele podemos interagir de
forma satisfatória, de modo a garantir a nossa sobrevivência. (COSENZA;
GUERRA, 2011, p.19).
O cérebro através de informações sensoriais, conhecidos como reflexos, ou
por outros autores chamadas de modalidades sensoriais, proporcionam comandos
que garantem a nossa segurança e sobrevivência e usamos essas informações
sensoriais para a aprendizagem que envolvem interação com o ambiente, enfim a
nossa capacidade de perceber luzes, sons, estímulos sobre o nosso corpo e
identificar a origem noção da quantidade e por quanto tempo. A aprendizagem pode
ser facilitada se utilizarmos as estratégias adequadas com as informações
sensoriais.
2.3 Quociente de Inteligência (QI), Quociente de Inteligência
Emocional (QE) e Inteligência Geral
Os testes de QI surgiram na China no século V. As pessoas eram
classificadas mediante os testes de inteligência, entretanto no século passado as
autoridades francesas solicitaram a Binet um instrumento para avaliar quais crianças
teria sucesso nos Liceus de Paris.
Alfred Binet (1857-1911), mediante solicitação do governo, criou o primeiro
teste de inteligência: Stadford-Binet Intelligence Scale. O teste fora criado para
avaliar as capacidades cognitivas. O QI em comparação ao seu grupo etário (idade),
que identificava a capacidade do sujeito em resolver problemas lógicos
matemáticos e aptidões linguísticas, sabe-se que este teste teve maior influência.
Embora Binet tenha declarado que “um único número, derivado da
performance de uma criança em um teste, não poderia retratar uma questão tão
complexa quanto a inteligência humana” (RELVAS, 2010, p. 96).
É bom não esquecer que o QI não mede diretamente a capacidade
Intelectual geneticamente determinada, mas sim avalia as “performances
intelectuais”
definidas
por
uma
cultura
particular.
Os
fatores
do
desenvolvimento humano não são fixos ou imutáveis, pois há neles uma
multiplicidade de interações dinâmicas. (FONSECA, 1995, p. 101).
Na década de 1970, as pessoas eram avaliadas e consideradas inteligentes
mediante a classificação do teste de QI. Era obtido mediante os resultados
verificados por meio das respostas ao conjunto de perguntas e problemas propostos
pelos testes, que acabaram sendo usados de maneira a estigmatizar, pois rotulavam
e classificavam os sujeitos que sabiam e os que não sabiam, ressaltando as
limitações dos sujeitos. Os indivíduos que não obtinham boas avaliações nos testes
escolares eram classificados como atrasados, fracos e pouco inteligentes. Os testes
de QI pareciam sentenciar as pessoas que teriam sucesso ou não, que a inteligência
era inata e hereditária.
O pior foi que esta crença que a inteligência era herdada, ou seja, que a
pessoa nascia com uma quantidade de inteligência. Infelizmente ainda existe entre
nós esse paradigma. Sendo as pessoas classificadas como inteligentes e não
inteligentes, as que sabem e as que não sabem matemática, respectivamente.
Nas últimas décadas, estudos são feitos para observar um fator interessante:
um aumento progressivo nos resultados dos testes de inteligência na população em
geral. Esse fenômeno, conhecido na literatura como o efeito Flynn, recebe esse
nome em homenagem ao pesquisador que o estudou. Estudos em adolescentes
dinamarqueses, demonstraram que houve um aumento de vinte pontos no QI de
1950 para os de 1980.
Como não há motivo para suspeitar de mudanças genéticas em
período tão curto de tempo, concluí-se que o acréscimo é resultados de
fatores ambientais ocorridos nos últimos tempos, como melhor
educação, o saneamento e a exposição a uma sociedade mais
complexa do ponto de vista técnico-científico. (COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 123, grifo nosso).
Os autores ainda esclarecem que existem muitas maneiras de ser inteligente
e que pode sofrer variações dependendo da sociedade, pois a inteligência
considerada num contexto cultural não é o mesmo do que em outro. Em nossa
sociedade a inteligência tem sido conceituada e medida pelos testes psicométricos,
apesar de se saber que ela sofre influência da genética e da cultura. Os fatores
ambientais podem controlar a manifestação e o impacto dos genes, uma vez que
não há um lugar específico no cérebro para a inteligência. As pesquisas, porém,
demonstram que há habilidades que estes testes não conseguem mensurar:
“sabedoria, criatividade, conhecimento prático, habilidades sociais, etc”. (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 120-124).
O fato é que existem muitas maneiras de ser inteligente, por isso o
conceito de inteligência sofre variações, inclusive dependendo do contexto
cultural. Outras culturas valorizam habilidades pouco enfatizadas na nossa,
como a determinação a humildade, a independência de julgamento, o
autoconhecimento e as aptidões que contribuem para a estabilidade das
relações grupais. Portanto, o comportamento inteligente em uma sociedade
não é necessariamente o que é valorizado em outra (COSENZA; GUERRA,
2011 p 123).
O autor destaca também que apesar do conceito de inteligência variar
historicamente e também conforme o espaço, a inteligência pode ser considerada
como a habilidade de adaptação ao ambiente e de aprender com as experiências
vividas.
Howard Gardner, psicólogo norte americano em 1985, revolucionou a maneira
de ver a capacidade Intelectual do sujeito através da teoria das Inteligências
Múltiplas (IM), que são: verbal (linguística), lógico-matemática, espacial, corporalcinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalística. Na visão do
psicólogo, não era correto afirmar que uma pessoa era mais Inteligente que a outra,
pois, existem inteligências diferentes.
Outra inteligência proposta foi a Inteligência pictórica foi definida pelo
professor Nilson Machado na Universidade de São Paulo (USP). Essa inteligência é
caracterizada pela habilidade de expressar ideias por meio do desenho. Essa
habilidade é observada nas crianças desde cedo antes mesmo das competências
linguístico e lógico-matemático.
Embora todos os seres humanos possuam todas as inteligências
em algum grau, certos indivíduos são considerados “promissores”. Eles são
extremamente bem-dotados com as capacidades e habilidades essenciais
daquela inteligência Este fato se torna importante para a cultura como um
todo, uma vez que, em geral, esses indivíduos excepcionalmente talentosos
realizarão
notáveis
avanços
nas
inteligência. (GARDNER, 1995, p. 31).
manifestações
culturais
daquela
A literatura salienta casos raros de genialidade, com várias inteligências
desenvolvidas, como por exemplo, Leonardo da Vinci, na ciência e nas artes, Albert
Einstein, na Matemática, Isaac Newton, na Ciência e na Matemática, entre tantos
outros. Também é possível perceber indivíduos com inteligências específicas, como
no caso de Shakespeare com as palavras e Mozart com a música.
Percebe-se que na maioria das vezes sua capacidade é específica
e não genérica. Einstein foi um gênio matemático com problemas em suas
relações interpessoais, Mozart projetou-se de forma sobre humana na
música, mas não era assim extraordinário na escrita, como provavelmente
foi Shakespeare sabia usar palavras como nenhum outro em seu tempo.
(ANTUNES, 2013, p. 8).
A teoria das inteligências múltiplas dá a possibilidade de olhar o sujeito de
uma forma integral, não apenas um cérebro que pensa apenas no linguístico e
também o lógico-matemático.
A teoria das Inteligências Múltiplas vem desmitificar que o sujeito não pode
ser avaliado apenas pelo teste de QI, pois apresenta inteligência(s) específica(s),
apesar de ser preponderante que o sujeito tenha domínio do conhecimento
linguístico (ler, escrever e interpretar) e o matemático (resolução de problemas), pois
são conhecimentos essenciais na vida tanto pessoal, social e para se desenvolver
bem em outras áreas do conhecimento.
Sabe-se que cada ser é um indivíduo único, não apenas porque possuem
uma impressão de digital única, mas também porque suas experiências são únicas e
apresentam inteligências diferentes.
Consequentemente, uma vez que cada ser humano cresce num
ambiente diferente e têm experiências diferentes, a arquitetura do cérebro
de cada pessoa é única. Mesmo gêmeos idênticos, com seus genes
idênticos, têm cérebros diferentes em razão das diferenças nas suas
experiências de vida (KANDEL, 2009, p. 243).
O conhecimento da Neurociência pode ajudar o professor e indicar algumas
direções, mas não existe resolução imediata para os problemas, como uma espécie
de mágica ou de milagre. Perceber e entender o processo biológico não diminui a
importância da educação, e sim o meio a qual a criança está inserida. O estímulo
que recebe proporciona condições para que a pessoa adquira atitudes, hábitos e
valores.
Não nos formamos sozinhos, mas sim em nossa relação com o
meio e com outras pessoas, especialmente com as que têm um papel
educativo em nossa vida – mãe, pai, parentes próximos, professores,
pastores, administradores, religiosos... Todos eles, de algum modo, nos
acolhem e nos confrontam em algum momento da nossa existência.
(LUCKESI, 2011, p. 75).
Gardner (1995) defende que todos os indivíduos possuem certas capacidades
de cada uma das inteligências e por serem diferentes, as inteligências também se
manifestam de maneira diversa.
Quando se pensa em inteligência logo se associa ao QI, mas desde 1985 há
outra inteligência que revolucionou o mercado de trabalho: a Inteligência Emocional
(QE). Sendo constituída pela avaliação de situações, tomada de decisão, adequação
do comportamento em grupos, autonomia, bom senso, espontaneidade, criatividade,
entre outras. Afinal, de nada adianta o sujeito ter um elevado QI e não possuir
habilidades para trabalhar em equipe, faltar cortesia, empatia e ser individualista e
prepotente.
Por último, nosso nível de inteligência emocional não está fixado
geneticamente nem se desenvolve apenas no começo da infância. Ao
contrário do QI, que pouco se modifica depois dos nossos anos de
adolescência, tudo indica que a inteligência emocional pode ser, em grande
parte, aprendida e continuar a se desenvolver ao transcorrer da vida, com
as experiências que acumulamos. Nossa competência em relação à
inteligência emocional cresce continuamente (GOLEMAN, 2001 p. 20).
Contudo, apesar este paradoxo, hoje se admite a inteligência geral ou
chamada de fator g, conforme Cosenza e Guerra (2011) explanam que “como as
pessoas diferem nas suas habilidades, há propostas para um modelo hierárquico da
inteligência em que o fator g sintetiza o resultado geral”. (COSENZA; GUERRA,
2011, p. 127)
Pesquisadores dividem inteligência geral em fluída e a cristalizada, como
Cosenza e Guerra (2011) esclarecem,
A inteligência fluída seria a capacidade de lidar com problemas
novos que exigem velocidade e flexibilidade. A inteligência cristalizada, por
outro lado, se refere às habilidades já existentes e ao conjunto de
informações acumuladas, que se aplicam para resolver problemas
semelhantes aos que já foram encontrados em outras ocasiões. A
inteligência fluída é prejudicada pelo uso de drogas, a fadiga, o
envelhecimento e a depressão. A inteligência cristalizada tende a aumentar
com a idade. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 120).
Em uma reportagem, disponível no site do UOL vestibulares, em 27 de janeiro
deste ano (2015), noticia que Karina Caciola, de 20 anos, passou em primeiro lugar
no curso de medicina na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na qual a
relação era de 125 candidatos por vaga. Demonstra que a recompensa veio através
do aprendizado, mas para que este acontecesse, teve que ter disponibilidade para
aprender, ter disciplina, dedicação, motivação para estudar, a fim de alcançar o
objetivo ou o sonho a ser realizado. Ela não atingiu os objetivos apenas por questão
de inteligência, mas por dedicação e persistência que se pôs a aprender sendo um
aprendizado explícito, isto é, conscientemente.
Karina encarou dois anos de cursinho, jornadas intermináveis de
estudo e saudades dos pais e dos amigos -- ela se mudou da casa dos pais,
na zona norte de São Paulo, para a casa da tia, na zona sul, para ficar mais
perto do cursinho [...] Karina quase não se encontrava com a tia. Chegava
segunda de manhã no cursinho, vinda direto de casa, colocava a mala de
roupas limpas sob a carteira e começava, às 6h45, sua jornada de estudos
que só acabava às 21h30. Tudo isso, no prédio do cursinho. (VARELLA,
2015).
Neste caso, é possível verificar que a Karina possuía uma motivação para
aprender, dedicou-se, excelente memória de LP, portadora de inteligência
cristalizada.
Compreender a criatividade já é suficientemente difícil; entender o
gênio beira o impossível. Permita simplesmente propor que o gênio é um
indivíduo criativo, capaz de chegar a insights que são novos e, entretanto,
provocam profundas respostas entre as diversas culturas do mundo.
(GARDNER, 1995, p. 58).
É importante que tanto aluno quanto professor compreendam estes requisitos
para a aprendizagem, sem buscar encontrar a genialidade gratuita facilmente, pois
esta característica não compõe a maioria dos indivíduos. Antes de tudo é necessário
perceber o que é essencial para que o processo de aprendizagem se desenvolva
bem.
2.4 Memória
Diz-me e eu esqueço, mostra-me e eu recordo; deixa-me fazer e eu aprendo.
Benjamim Franklin
Aos longos dos anos, um número significativo de metáforas foi utilizado para
se definir a memória.
Draaisma, por exemplo, lista 43 metáforas diferentes para memória.
A memória como asseguram diferentes estudiosos, é um mosteiro com
muitos aposentos, ou talvez um livro com muitas páginas de informações,
tabelas de conteúdos e índice; ou talvez uma biblioteca, ou um espelho, um
tear, um palácio, uma máquina fotográfica, uma bolsa, uma arca do tesouro,
um cofre, uma adega e assim por diante.(LEFRANÇOIS, 2012, p. 303).
O autor destaca também que hoje a metáfora que mais se aproxima para
descrever a memória é o computador; já que tem sistema de armazenagem e de
recuperação, que são duas características essenciais da memória. Mesmo
comparando ao computador, isso não é o suficiente para compararmos a nossa
memória que é tão rica em potencial e complexidade.
Enquanto a aprendizagem abrange os processos de aquisição de
novas informações, a memória corresponde à persistência, à retenção das
informações ou dos conhecimentos adquiridos através da aprendizagem ao
longo da vida. Todavia, não existe apenas uma única forma de
aprendizagem, nem existe uma única forma de memória (FIORI, 2006,
p. 117, grifo nosso).
Izquierdo (2011) diferencia o uso da palavra Memória (com letra maiúscula)
para designar a capacidade geral do cérebro e de outros sistemas para adquirir,
guardar e lembrar informações, e utilizar a palavra memórias para designar a cada
uma ou a cada tipo delas; Memória de Trabalho (ou sensorial), Memória de Curto
Prazo (MCP) e Memória de Longo Prazo (MLP).
Nossas memórias são individuais e cada um tem a sua história que vai
acumulando ao longo da vida, sendo a memória importante no desenvolvimento
cognitivo da criança e do adolescente. Cada um interpreta o mundo de acordo com
as suas vivências, experiências e contexto, com suas emoções, percepções,
hábitos, rotinas e conhecimentos adquiridos através da experiência. Ao longo de
nossa existência vamos armazenado uma série de memórias e faz-se essencial ao
professor conhecer o papel da aprendizagem na formação das memórias.
Ainda segundo Izquierdo (2011), “o acervo de nossas memórias faz com que
cada um de nós seja o que é: um indivíduo, um ser para o qual não existe outro
idêntico”. (IZQUIERDO, 2011, p. 11).
A função da memória intacta é essencial em nossa vida. Usamos a nossa
memória na trajetória para gerenciar nossa vida cotidiana, ao levantar, olhar o
relógio, planejar o dia, ir trabalhar, retornar para casa, ler, viajar, escrever, aprender,
ensinar, cantar, dançar, entre tantas outras ações.
Uma perturbação na capacidade normal de aprender, armazenar e
recuperar memórias pode ter um impacto muito negativo na função normal.
Há múltiplas formas de memórias, cada uma dependendo de diferentes,
mas sobrepostos, conjuntos de estrutura do SNC - sistema nervoso central
(KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013, p. 379).
Imagine
se
não
tivéssemos
nossas
memórias,
existem
doenças
degenerativas que interferem nelas e faz com que as pessoas não conheçam
pessoas próximas ou até mesmo esquecem-se de como se comunicar verbalmente,
como no caso da doença de Alzheimer, por exemplo.
Pode-se evidenciar que muitas de nossas memórias são registradas mediante
a intensidade de nossa emoção (positiva ou negativa) nos momentos felizes e/ou
tristes vivenciados. Sabe-se que as emoções e os estados de ânimos dos sujeitos
influenciam no aprendizado e na formação das memórias.
O estudo da memória esclarece que os eventos podem originar no mundo
externo, através do sistema nervoso ou no interior da pessoa, pensamentos e
emoções, quando evocamos a memória de alguns aspectos marcantes: emoção,
atenção ou por algum critério que desconhecemos.
Os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação
das memórias são justamente as emoções e os estados de ânimo. Nas
experiências que deixam memórias, aos olhos que vêem se somam ao
cérebro – que compara – e o coração que bate acelerado. No momento de
evocar, muitas vezes é o coração quem pede ao cérebro que lembre, e
muitas vezes a lembrança acelera o coração. (IZQUIERDO, 2011 p.14).
Quando se evoca a memória de algum acontecimento marcante e feliz, essas
memórias parecem transportar o individuo ao momento vivido, fazendo com que
reviva as emoções e sensações armazenadas na memória.
Memória é a capacidade que têm os homens e animais de
armazenar
informações que possam
ser recuperadas
e utilizadas
posteriormente, difere de aprendizagem, pois esta é apenas o processo de
aquisições de informações que vão ser armazenadas. (LENT, 2010, p. 644).
Os shoppings e supermercados apresentam placas, nas quais se vê escrito:
“Memorize”. Este artefato é utilizado a fim de para chamar atenção do sujeito, para
que este memorize o setor que estacionará o carro para localizá-lo posteriormente.
Ações como esta são feitas devido a grande quantidade de ocorrência das pessoas
que não sabem onde estacionaram o carro. Deste modo, podemos compreender
que a atenção está interligada com a formação das nossas memórias.
Nesta perspectiva, Izquierdo (2011) contribui, especificando que memória
significa “aquisição, formação, conservação e evocação de informações. A aquisição
é também chamada de aprendizado ou aprendizagem: só se ‘grava’ aquilo que foi
aprendido” (IZQUIERDO, 2011, p.11).
Já Cosenza e Guerra (2011) estabelecem as diferenças entre aprendizagem
e memória, esclarecendo que o primeiro “diz respeito ao processo de aquisição de
informação, enquanto o segundo refere-se à persistência dessa aprendizagem de
uma forma que pode ser evidenciada posteriormente” (COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 61).
Para Lefrançois (2012), a memória, a aprendizagem e a atenção são
indissociáveis.
A aprendizagem é uma mudança no comportamento que
resulta da experiência; a memória é o efeito da experiência, e ambas
são facilitadas pela atenção. Em outras palavras, não haverá
evidência de aprendizagem sem que algo tenha acontecido na
memória, do mesmo modo, o que fica na memória implica
aprendizagem. Estudar a memória é, na verdade, outra forma de
estudar a aprendizagem (LEFRANÇOIS, 2012, p. 303).
Neste viés, é possível entender que memória significa a disponibilidade da
informação e a capacidade de recuperação das habilidades e informações
previamente adquiridas e que a aprendizagem envolve mudança.
Após a aquisição de alguns eventos selecionados, alguns podem ser
armazenados, ou seja, memorizados, por algum tempo, por segundos, minutos, ou
horas, ou por tempos mais longos, como semana, meses e anos. Alguns conteúdos
aprendidos na escola, podem ficar em nossa memória por vários anos, tais como: a
tabuada, o teorema de Pitágoras, sistematização dos cálculos das quatro operações.
Outras informações podem ficar armazenadas pela vida toda em nossa memória,
como os números de documentos importantes (RG, CPF), nome completo, data de
aniversário, nome do filho, dia do nascimento. Todavia outros eventos, com o passar
do tempo, podem desaparecer da memória, isto é, serão esquecido.
Vamos descrever sobre cada uma das memórias e especificá-las. Há
diferentes tipos de memória: Memória Sensorial, Memória de Curto Prazo (MCP),
Memória de Longo Prazo (MLP).
A Memória Sensorial não dura mais que alguns segundos, pois ocorre quando
eventos externos incidem sobre o SN através dos sistemas sensoriais, assim podese dizer que a memória sensorial é pré-consciente. Izquierdo (2011) diferencia a
memória sensorial das demais, pois salienta que esta não produz arquivos, mas
analisa as informações e compara com os demais tipos de memórias, dura de
alguns segundos até no máximo de 1 a 3 minutos.
A Memória de Curto Prazo (MCP) serve para saber onde estamos e o que
estamos fazendo, para o desempenho de nossas rotinas diárias, de estudo e possui
como função principal reter a informação e processar o conteúdo. Conforme
Izquierdo (2011) “O papel da memória de curta duração serve, em si, para ler, para
dar sequência a episódios, e certamente para manter conversas” (IZQUIERDO,
2011, p. 72).
Em consonância, Lent (2010) esclarece que esta memória possibilita que o
indivíduo consiga reter informações durante um tempo mínimo necessário para a
execução das tarefas do cotidiano: “compreensão dos fatos, raciocínio, resolução de
problemas, ação comportamental e muitas outras” (LENT, 2010, p. 658).
Cosenza e Guerra (2011) contribuem para esta discussão apontando que os
sistemas neurais responsáveis pela MCP:
Constituem uma unidade de processamento que lida com vários
tipos de informação, como sons, imagens e pensamentos, mantendo-os
disponíveis para que possa ser utilizados para atividades como a solução
de problemas, o raciocínio e a compreensão (COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 54).
A MCP, chamada também de memória de trabalho ou operacional, diz
respeito à consciência, é contínua, serve para gerenciar a realidade, através dela
armazenamos temporariamente informações que serão úteis, ou durante o tempo
que for útil, isto é, cumprida a finalidade, a importância ou objetivo. Varia dos
primeiros segundos ou minutos seguintes até aos aprendizados até três a seis
horas. É ativa, contínua, o que está se pensando, equivalente a amplitude da
atenção e é mais facilmente perturbada, por objetos distratores, é limitada no que se
refere à capacidade de atenção e consciência imediata. Na velhice, as pessoas
apresentam mais falhas na MCP do que na MLP. A recuperação é imediata,
automática e pode não ocorrer com o passar do tempo.
Ao escrever este capítulo, retomando a leitura da página para verificar o
sentido do que foi escrito, automaticamente a memória de trabalho faz um “scanner”
ao ler o texto e identifica que determinada frase ou citação está repetida, como um
“alerta”. Foca-se a atenção e retoma-se a leitura nas páginas anteriores para
eventuais correções.
Os alunos quando lêem ou estudam para fazer a prova nas últimas horas ou
minutos, estão acessando a MCP. Não gerando a aprendizagem apenas registros,
por isso alguns alunos depois de fazer a prova ou em dias seguintes já não
conseguem lembrar-se das informações lidas. Desta maneira, a função da MCP é “o
de manter o indivíduo em condições de responder através de uma ‘cópia’ efêmera
da memória principal, enquanto esta ainda não tenha sido formada”. (IZQUIERDO,
2011, p. 72).
Fiori (2006) assevera que a MCP tem capacidade finita e parece não
ultrapassar um pequeno número de itens de cada vez. O limite médio de retenção
gira em torno de sete itens. Outros autores abordam que a capacidade de
armazenamento com relação a números de números até nove dígitos (sete dígitos,
mais ou menos dois). Podemos aqui citar um exemplo: um número de telefone, que
para memorizá-lo precisamos recitá-lo se não quisermos esquecê-lo, porém mais do
que esta quantidade já se torna difícil o armazenamento. Por isso treinar a memória
leva a melhoras significativas no processo de armazenamento da informação. A
maioria dos pesquisadores não se preocupou em estudar o esquecimento na MCP,
já que ela retém a informação durante o tempo em que foi útil em seguida é
descartada. Um teste utilizado pelos médicos para verificar se a MCP está intacta é
apontado por Izquierdo (2011):
Mostram-se ou falam-se para o paciente, vários números. Depois de
alguns segundos os sujeitos normais conseguem lembrar sete ou oito
algarismo. Um paciente com a doença de Alzheimer, em estado avançado,
consegue lembrar apenas um, talvez dois. (IZQUIERDO, 2011, p. 26).
A Memória de Longo Prazo, ou memória de longa duração, pode ser
entendida como todas aquelas que duram mais de 6 horas, que em princípio
estabelece engramas, uma unidade física da memória, de natureza ainda
desconhecida, como se fosse o arquivo cerebral correspondente a um fato, pessoa,
objeto, história, ou qualquer outro item memorizado. Esta Memória é de natureza
duradoura, mais estável, podendo durar dias, semanas, anos ou durante a vida toda,
não é facilmente perturbada, sendo ilimitada na sua capacidade. Ela possui um lugar
no sistema nervoso central, durante a construção de nossa biografia especialmente
da memória explícita (arquivo duradouro).
Após 1950, os estudos começam a distinguir a memória de curto prazo e de
longo prazo. Tudo que a pessoa consegue lembrar que não acabou de ocorrer, as
brincadeiras de infância, as experiências educacionais, os amigos da escola, o
conhecimento da linguagem oral e escrita, conhecimento matemática e toda a
informação sobre a pessoa e o mundo está armazenado na memória de Longo
Prazo. Ambas as memórias MCP e MLP dependem do prévio processamento das
informações pela memória de trabalho.
Conforme podemos observar no quadro a seguir, a MLP se divide em
memórias explícita (episódica e semântica) e a memória implícita. A Memória
explícita (recordação consciente, declarativa) possui informações recuperáveis,
requer uma recordação consciente das experiências anteriores, e rememorável, pois
é a memória de fatos e eventos, como: lembrança de datas, fatos históricos,
números de telefone, enfim, são as memórias que temos consciência do processo. A
atenção é importante nesta memória (explícita), já que requer consciência no ato de
aprender. Reúne tudo o que podemos evocar por meio de palavras. Izquierdo (2011)
esclarece que são mais aptas à modulação pelas emoções, pela ansiedade ou pelo
estado de ânimo.
Memória de Longo Prazo
Consiste em todos os efeitos relativamente permanentes da experiência
Memória Implícita (não declarativa)
Memória Explícita (declarativa)
Não conscientemente, efeitos da
Potencialmente conscientemente.
aprendizagem não verbalizáveis, como
Informação recuperável
habilidades motoras.
Episódica
Mais
suscetível á
esquecer.
Eventos da
vida pessoal.
História de
vida do indivíduo.
Autobiográfi
ca que envolve o
Associativa
Semântica
Estável
Fatos e
princípios das coisas
e dos processos que
rodeia.
Conheciment
o abstrato.
Cultura.
Modelos
Memórias de
cognitivos
Procedimentos
Condicionam
Habilidades
ento
do cotidiano
Clássico
Andar de
Operante
bicicleta, nadar,
p. ex.:
pular etc.
Ao vermos o
pavê dá água na
indivíduo num certo
tempo e num certo
espaço.
Quando?
Nascimento
do filho
Quê, como e
por quê?
boca.
Sentir o
Exemplos:
perfume associamos
Cálculo de
a “fulano”
porcentagem do
aumento do salário
Viagem ao
ou de juros da
exterior
prestação vencida.
Tabela 2: Características da Memória de Longo Prazo
Fonte: LEFRANÇOIS (2012, p. 322)
A Memória explícita pode ser subdividida em episódica e semântica. Ela é
episódica quando, segundo Krebs, Weinberg e Akesson (2013), abarca a
capacidade de aprender, registrar e recuperar informações que ocorrem na vida
cotidiana. Quando envolve eventos datados, determinado lugar ou momentos que
diz a respeito a vida do sujeito (história de vida), requer recordação consciente. São
memórias autobiográficas, isto é, ligadas ao tempo e ao espaço vividos pelo sujeito.
Usamos a memória episódica, por exemplo, quando lembramos da viagem de carro
no verão à Salvador indo pelo litoral.
A memória episódica, por exemplo, parece ser bem mais suscetível
à distorção e ao esquecimento do que a memória semântica. Os seres
humanos têm mais dificuldade de lembrar o que comeram no café da
manhã três dias atrás, do que lembrar um poema ou um nome que
aprenderam nos primeiros anos de escola. (LEFRANÇOIS, 2012, p. 320).
Já a semântica pode ser compreendida como o conhecimento sobre as
categorias de objetos e seus nomes, eventos históricos e tabelas matemática ou
químicas, como apontam Krebs, Weinberg e Akesson (2013). Deste modo, percebese que ela se refere à bagagem de conhecimento do mundo do sujeito, ocorre
quando envolve conceitos atemporais. Há memórias específicas, compartilhadas por
muitas pessoas, fazendo parte da cultura. Esta que usamos ao aprender, pois
acessamos “o conhecimento estável do mundo, como o conhecimento abstrato,
aquele necessário para compreender e utilizar a linguagem, o conhecimento dos
princípios, leis, princípios e fatos, e o das estratégias e da heurística.”
(LEFRANÇOIS, 2012, p. 320).
A Memória implícita, também conhecida como não-declarativa ou de
procedimentos, difere-se da explícita, que é declarativa. Não precisa ser verbalizada,
porém requer mais tempo e treinamento para se formar. Consiste nos efeitos não
conscientes, não podem ser recuperadas rapidamente em palavras, pois são
memórias que constituem ações básicas como andar, escrever. É a memória para
procedimentos e usada na aprendizagem de habilidades - motoras. São aquelas que
uma vez adquirida nunca mais nos esquecemos, como por exemplo, andar, jogar
bola, nadar, dirigir um carro. Depois da habilidade adquirida não pensamos no
processo, apenas o executamos. Muitas vezes temos determinadas ações e ao
percebê-la dizemos estávamos “ligados no automático”, ou seja, agíamos
mecanicamente.
As habilidades e hábitos são fundamentais no dia a dia em vários âmbitos,
pois através delas desenvolvemos os movimentos necessários para uma série de
ações, sem que seja preciso descrevê-lo verbalmente, mas que ocorre através do
processo de repetir, reforçar ou aperfeiçoar. O ensaio para uma apresentação de
dança, por exemplo, estará reforçando os conhecimentos já adquiridos para uma
apresentação buscando o belo, êxito, isto é, sem cometer erros.
Neste contexto, temos também os reflexos condicionados que poderiam ser
analisados como um terceiro tipo de memória implícita. “O exemplo mais famoso PE
o cão de Pavlov, que salivava ao ouvir o som de um sino, um estímulo que havia
sido ligado à alimentação”. (KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013, p. 381).
É essencial destacar aqui que a memória pode ser adquirida e evocada por
meio de dicas, ou primings, como apresenta Izquierdo (2011). A Memória de
representação perceptual corresponde à imagem de um evento, preliminar à
compreensão do que ele significa, dependentes dos estímulos usados no
treinamento. Um objeto, por exemplo, pode ser retido nesse tipo de memória
implícita antes que saibamos o que é ou qual sua utilidade.
O priming é utilizado para lembrar-se de dados, como por exemplo, quando o
perfume remete a recordação de determinada pessoa ou quando o músico lembra o
resto da partitura mediante ao tocar as primeiras notas musicais. As primeiras
palavras de uma música nos remete a recordar da música inteira, apesar de estar
muito tempo sem ouvi-la, como no caso de “Ouviram do Ipiranga ás margens”, a
evocação é de imediato para o Hino Nacional. Esta técnica também é muito utilizada
para senhas, nas quais busca-se alguma referência para se remeter depois, como
nome da mãe, data de aniversário, animal de estimação, entre outras.
Além disso, a memória associativa e não-associativa, como destaca Izquierdo
(2011),
estão
estreitamente
relacionadas
a
algum
tipo
de
resposta
ou
comportamento. A memória associativa se baseia na noção de que todos os itens de
informação da memória estão associados de várias formas. Empregamos, por
exemplo, quando chegamos à casa da mãe e sentimos aquele cheiro do bolo no
forno e começamos a salivar (água na boca), bem antes que ele esteja pronto e
disponível ao nosso consumo, porque associamos o cheiro ao objeto. Por outro lado,
usamos a memória não-associativa quando, sem nos darmos conta, aprendemos
que um estímulo não traz riscos para a nossa vida, por exemplo, o latido de um
cãozinho, pois não associamos a nenhuma experiência negativa o que nos faz
relaxar e ignorá-lo.
2.5
Requisitos para aprendizagem: atenção, percepção,
motivação, concentração e as emoções
Para aprender precisa prestar atenção e pode-se aprender a prestar atenção.
Roberto Lent (2010)
2.5.1 Atenção
As diferentes formas de energia do ambiente podem influenciar nossos
receptores sensoriais e conduzir a informação ao SNC. Goleman (2014) afirma que
através da atenção somos capazes de selecionar o que é mais importante em
determinados momentos no ambiente, deixando o que for dispensável. Assim há
várias maneiras de captar a nossa atenção, atenção auditiva e visual.
Intuitivamente, todo mundo sabe o que é atenção. Prestar atenção é
focalizar a consciência, concentrando os processos mentais em uma única
tarefa principal e colocando as demais em segundo plano. É natural intuir
que essa ação focalizadora só se torna possível porque conseguimos
sensibilizar seletivamente um conjunto de neurônios de certas regiões
cerebrais que executam essa tarefa principal, inibindo as demais. (LENT,
2010, p. 631).
Fiori (2006, p. 163-164) explana que possuímos a capacidade de dirigir nossa
atenção a determinados estímulos enquanto ignoramos outros. Também de libertar
de um estímulo sonoro que não nos interessa. Numa festa com som alto,
conseguimos conversar com pessoas a nossa mesa, ignorando o som do ambiente
e acaba ficando este até despercebido por um longo período de tempo. Tudo
depende da atenção que você seleciona como sendo a mais importante.
Segundo Goleman (2014), “a mente precisa lutar para se afastar de todo o
resto, separando o que é importante do que é irrelevante. Isso demanda esforço
cognitivo”. (GOLEMAN, 2014, p. 60).
Os receptores sensoriais captam os estímulos o tempo todo, porém muitos
destes estímulos deixam de ser processados, pois nosso cérebro não tem
capacidade de registrar tudo ao mesmo tempo, tendo a capacidade de selecionar as
informações através da atenção, que é voltada para aquilo que é importante no
momento.
Muito recentemente, a ciência da atenção floresceu para muito além
da vigilância. Essa ciência diz que nossa capacidade de atenção determina
o nível de competência com que realizamos determinada tarefa. Se ela é
ruim, nos saímos mal. Se ela é poderosa, podemos nos sobressair. A
própria destreza na vida depende dessa habilidade sutil. (GOLEMAN, 2014
p.10).
Lent (2010) afirma que há diferentes tipos de atenção: explícita (aberta) e
implícita (oculta).
Na atenção explícita ou aberta, o foco da atenção coincide com a
fixação visual. Os movimentos do foco atencional, neste caso, são atrelados
aos movimentos oculares. Prestamos mais atenção, geralmente, aos
objetos que fixamos o olhar. [...] você está prestando atenção às palavras,
que está lendo isto é está no seu eixo visual. Muitas vezes o foco da
atenção não coincide com o olhar: é a atenção implícita ou oculta. Quer
dizer você pode estar com o olhar focalizado no livro, mas na verdade
prestando atenção na televisão ligada. (LENT, 2010, p. 637).
Quantas vezes como aluno, durante a explicação, tínhamos os olhos fitos no
professor, mas a nossa atenção estava voltada para os amigos ao lado, tentando
descobrir o que conversam baixinho.
Nicole Fiori (2006, p. 165) elucida que a nossa atenção pode ser seletiva,
quando deixa de lado estímulos que não nos interessa, exógena (automática) ou
endógena (voluntária). Os processos atencionais podem ser automáticos ou
voluntários, conscientes e inconscientes. É importante ressaltar que a nossa atenção
pode ser captada e orientada automaticamente por estímulos, é útil que este
processo esteja limitado no tempo.
Já vivenciei esta questão em vários momentos, como num dia estava na sala
dos professores, a maioria dos presentes estava conversando, enquanto eu lia um
livro. Várias professoras me questionaram sobre como conseguia ler com todos
conversando e deixavam claro que não conseguiriam. O que para alguns é difícil,
para outro é questão de hábito, em selecionar o foco na leitura e desligar-se do
ambiente em volta. Neste caso, também é importante salientar o nível de interesse
na leitura.
A atenção seletiva, conforme Fiori (2008) salienta, é uma de nossas
capacidades essenciais, que permite deixar de lado estímulos sonoros que não
interessem e prestar atenção naquilo que é mais importante. Essas dicas devem ser
ensinadas aos nossos alunos.
Fato muito comum durante a aula, num momento de resolução de exercícios,
alguns estudantes dialogando, um outro, se sentindo, incomodado, reclama:
“Professora fulano está conversando e está me atrapalhando pensar”. Nestes
momentos, aproximo-me do dos alunos e peço para que falem mais baixo para não
atrapalhar o colega. Em seguida, dirijo-me ao outro aluno e solicito que tente se
concentrar em seu exercício, buscando desligar-se das conversas paralelas, pois
assim conseguirá desenvolver mais sua concentração.
Neste sentido, temos a contribuição de Cosenza e Guerra (2011) que
explicam que “o cérebro não tem necessidade de processar todas as informações
que chegam a ele. Por meio da atenção ele pode dedicar-se às informações
importantes, ignorando as que são desnecessárias”. (COSENZA; GUERRA, 2011 p.
49).
Fiori (2006, p.163) destaca que experiências deste tipo já foram por muitos de
nós vivenciadas. Numa festa, estamos numa mesa com amigos conversando, a
música tocando, pessoas dançando, então a nossa atenção está direcionada ao
assunto de nossa mesa. Na mesa ao lado, pessoas conversam e não damos a
mínima atenção, mas de repente escutamos o nosso nome na conversa,
automaticamente desviamos a nossa atenção para ouvir a conversa da mesa ao
lado, como se isso fosse possível. Neste contexto, o cérebro passa a fazer uma
triagem das informações sensoriais que recebemos e centralizando toda a atenção
no novo foco a mesa ao lado, por exemplo, buscando descobrir a informação a
razão para nosso nome ter sido citado na conversa.
As experiências em sala de aula nos permitem, ao decorrer dos anos, fazer
combinados com os alunos que na hora da explicação, a atenção deve ser
direcionada para a explicação do professor, para que atenção do aluno esteja
direcionada para o ato da aprendizagem. A estratégia utilizada é solicitar que todos
os alunos coloquem todos os materiais em cima da mesa e foquem a atenção na
explicação. Às vezes os alunos ouvem, mas não escutam, pois a sua atenção está
sendo desviada para algo que ele elencou como prioritário.
A atenção dos alunos sendo solicitada, isto dependerá do processo atencional
para compreensão. Se não fizer a observação e buscar o foco da atenção dos
alunos para explicação, muitos permanecerão distraídos, enquanto outros
continuarão no seu próprio trabalho. Cabe ao aluno ter atenção seletiva, que permite
focar na explicação e ignorar todo o resto ao redor. Direcionar a atenção no que é
importante no momento, a resolução de uma situação problema para sanar a dúvida
de um aluno. Isto não garante que todos estejam prestando a atenção, mas a
atenção foi solicitada e direcionada para a explicação.
Esse foco compartilhado com o professor prepara o cérebro de uma
criança para melhores condições de aprendizagem. Qualquer professor que
tenha se esforçado para fazer uma turma prestar atenção sabe que, uma
vez que todos se acalmam e se concentram, os alunos podem começar a
compreender uma aula de história ou de matemática. (GOLEMAN, 2014, p.
104, grifo nosso).
Quando nós assistimos a uma palestra ou a uma aula, dependendo do tempo,
do assunto e do interesse, a nossa atenção é desviada para outros estímulos.
Começamos a nos dispersar, a prestar atenção no colega, escrever, desenhar ou
até pensar nas preocupações pessoais do dia a dia.
Podemos focalizar a atenção em estímulos sensoriais: um ruído que
vem da porta da sala, alguém que está entrando... Podemos prestar
atenção em um processo mental, como um cálculo de matemático, uma
lembrança ou outro pensamento qualquer. A atenção mental pode ser
chamada cognição seletiva, enquanto a atenção sensorial é chamada de
percepção seletiva. (LENT, 2010, p. 631).
Vive-se em um mundo, em que estamos sujeitos aos mais variados estímulos,
como por exemplo, o telefone celular, ou mais recentemente os smartphones. O ser
humano está tão acostumado a essa adrenalina, a essa interação, tanto que alguns
já não conseguem mais ficar sem o celular ou desconectados da internet.
Neste contexto, o professor certamente se depara com a dúvida de como
manter o foco dos alunos. Contudo não há prescrições específicas, afinal as
distrações só são vencidas pelo esforço e pela disciplina do objetivo traçado. Faz-se
necessário se policiar diariamente para não ficar excessivamente conectado nas
redes sociais, como por exemplo, no WhatsApp ou Facebook.
Para estudar, precisa-se focar para que a atenção seja direcionada aos
objetivos, pois em vários momentos existe a necessidade de parar e se desligar de
tudo o que acontece ao redor e direcionar a atenção em determinada ação ou meta
estabelecida para adquirir determinado aprendizado.
2.5.2 Percepção
Todo conhecimento nosso, origina-se em nossas percepções.
Leonardo da Vinci
Lent (2010) descreve que a percepção é dependente, mas diferente dos
sentidos ou estímulos sensoriais e possui uma estreita ligação com eles. A
percepção proporciona algo a mais, que torna uma experiência mental especial, uma
vez que ela envolve processos complexos ligados a memória e à cognição e ao
comportamento.
Percepção é a capacidade de associar as informações sensoriais à
memória e a cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo sobre
nós mesmos e orientar o nosso comportamento. Tudo que é percebido pela
mente é sentido pelo corpo de algum modo, mas nem tudo que é sentido
pelo corpo atende a percepção. O conceito de percepção é diferente de
sensação. (LENT, 2010, p. 612).
Fiori (2008) cita um exemplo em que uma pessoa pega um garfo sem cabo
isolante que estava perto do fogo, sente este quente e queima a mão,
automaticamente abre a mão deixando o garfo, sem pensar na ação, apenas
reagindo. Numa próxima vez, ao pegá-lo, terá a percepção de avaliá-lo, para não se
queimar, porque o cérebro reconhece a experiência.
Os sinais sensoriais são transformados em “perceptos” integrados e
depois interpretados em entidades significantes. Todas as estimulações que
chegam aos nossos órgãos sensoriais não se transformam em “informações
significantes” Operam-se filtragens a diversos níveis nas quais os processos
atencionais desempenham um papel essencial. (FIORI, 2006, p. 79).
A autora ainda esclarece que os primeiros estágios da percepção se dão no
processamento pelos sistemas sensoriais, como quando ao captarmos o som tocado
de um instrumento escutamos seu timbre, sua localização de onde vem o som,
harmonia, entre tantas outras coisas que observamos. A combinação dessas
características se dá juntamente com SNC, que reconstroem o objeto, no caso o
instrumento musical, como todo para que ele possa ser reconhecido e identificado.
Há também a percepção auditiva, o que pode também despertar o comportamento
motor, quando surge o desejo de acompanhar a melodia da música com as mãos,
ou com os pés e dependendo do momento e o lugar com o corpo.
Neste sentido, temos a contribuição de Lent (2010), para quem a percepção
seria a “capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição,
de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o nosso
comportamento.” (LENT, 2010, p. 613).
Dentre os mecanismos da percepção, é necessário selecionar dentre os
inúmeros estímulos do ambiente aquele que chama mais atenção do sujeito
observador.
O SNC conta com a atenção, um mecanismo de focalização dos
canais sensoriais capaz de facilitar a ativação de certas vias, certas regiões
e até mesmo certos neurônios, de modo a colocar em primeiro plano sua
operação, e em segundo pleno a de outras regiões que processam
aspectos irrelevantes para cada situação. (LENT, 2010, p. 612).
A percepção é uma capacidade seletiva, pois possibilita reconhecer objetos
ou faces em situações inusitadas, como quando se está andando num shopping
lotado e de repente, mesmo com tantas pessoas ao redor, você é capaz de
reconhecer uma amiga. Reconhecer objetos e faces é algo natural em nossa vida,
mas não nos damos conta como acontece esse processo, em que há mecanismos
neurais específicos para realizar essas tarefas tão normais para nossa vida. O
mesmo ocorre com a percepção auditiva, como apontado abaixo.
A percepção auditiva alcança grande sofisticação em muitos
animais, especialmente nos seres humanos. Basta pensar na nossa
capacidade de perceber (e produzir) boa música, bem como habilidade que
temos em identificar e compreender o som da fala de nossos conterrâneos.
(LENT, 2010 p.630)
Fiori (2008) afirma que é resultado de processos de atenção e de processos
mnésicos, pois ao reconhecer alguém supõe que dele tenhamos uma representação
na memória, além de demonstrar que os processos perceptivos estão a ele ligados
ao menos parcialmente. A maioria dos estudos sobre a percepção tem
prioritariamente envolvido a visão e o sistema auditivo.
2.5.3 Motivação
A motivação parece ser resultante de uma atividade cerebral que
processa as informações vindas do meio interno (fome, dor, desejo sexual)
e do ambiente externo (oportunidades e ameaças) e determina o
comportamento a ser exibido. A motivação não se refere a comportamentos
reflexos ou localizados, mas envolve a aprendizagem e outros processos
cognitivos que se encarregam da organização das ações que melhor
garantam a sobrevivência. (COSENZA; GUERRA, 2011, p.81).
A motivação e a atenção são essenciais para aprendizagens explícitas. A
neurociência vem elucidar que o cérebro tem motivação para aprender, contudo é
preciso que seja algo significativo e que o sujeito reconheça como importante. Por
isso evidência na literatura que o aprendizado seja significativo para o aluno e
contextualizado.
Essa é uma boa notícia pra os professores, ao mesmo tempo em
que é, talvez o maior desafio que têm no ambiente escolar. Podemos dizer
que o cérebro tem uma motivação intrínseca para aprender, mas só está
disposto a fazê-lo para aquilo que reconheça como significante. Portanto, a
maneira primordial de capturar a atenção é apresentar o conteúdo a ser
estudado de maneira que os alunos o reconheçam como importante.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 48).
Nesta perspectiva, Lent (2010) identifica três tipos de estados motivacionais.
O primeiro é provocado por força fisiológica bem definida, como para sobreviver ou
se adaptar em novo ambiente ou em nova situação. O segundo conta com uma
força fisiológica regular, mas não tão bem definida, como na escolha de um parceiro
sexual, estratégia para conquistar, garantir a sobrevivência da espécie, já que às
vezes o estado que move o sujeito não é a procriação, mas o estado motivacional
provocado simplesmente pelo prazer.
O terceiro não possui identificação biológica identificável, porque pessoas
estudam pelo conhecimento, trabalham pela ascensão social e melhoria da
qualidade de vida. Os indivíduos também compram livros e revistas para se
atualizar, vai-se ao cinema e ao teatro pela cultura, prazer; ou participam de grupos
sociais conforme suas crenças ou as ações comunitárias, políticas, solidárias etc. A
literatura aborda que se sabe menos sobre este terceiro tipo de estado motivacional
por ser inteiramente de caráter subjetivo.
Duas forças fundamentais atuam em todos os comportamentos
motivados: a homeostasia e a busca do prazer. O prazer é de entendimento
intuitivo; os neuropsicólogos o relacionam a uma recompensa positiva ou
reforço positivo para indicar que os comportamentos correspondentes são
induzidos por um estímulo positivo para o indivíduo (que causa satisfação,
bem-estar). (LENT, 2010, p. 536).
O prazer é um objetivo psicológico tão poderoso, que pode gerar compulsão,
como por exemplo: comer demais, consumir álcool, drogas ao ponto de, caso haja
predisposição, o organismo vir a se tornar dependente. A neurociência traz a
contribuição para entender que a motivação tem um efeito direto sobre o
aprendizado, fazendo que o sujeito se empenhe para conquistar, dedicar e
conseguir.
Nesta perspectiva, Tardif (2014), ressalta que “motivar os alunos é uma
atividade emocional e social que exige mediações complexas da interação humana:
a sedução, a persuasão, a autoridade, a retórica, as recompensas, as punições etc.”
(TARDIF, 2014, p. 268).
A motivação depende de uma necessidade ou de um objetivo a ser
conquistado e propicia o ânimo e o incentivo para perseguir metas para conquistar
os objetivos. A sensação e o sentimento no momento da conquista são ótimos, pois
se sente um alívio ter cumprido um dever ou um sonho conquistado, originando o
prazer. Goleman (2012) defende que “nossas motivações nos dão nossas metas e o
ímpeto de alcançá-las. Qualquer coisa motivadora nos faz sentir bem”. (GOLEMAN,
2012, p. 53).
No contexto educacional, a motivação externa à escola pode proporcionar
um ambiente estimulador que provoque curiosidade, experiências, descobertas,
através dos recursos educacionais que favorecem e otimizam o processo de
aprender, descobrir. Entretanto, muitas pessoas não conseguem motivar-se, ter
força, impulso para começar e finalizar algo. Há pessoas que começam várias
atividades e nunca conseguem terminá-las. Assim, percebemos a importância do
ambiente para propiciar motivação para o aluno aprender, como o uso da sala de
informática, de jogos educacionais, promover pesquisas na internet, experiências
no laboratório, entre outras ações.
A maioria dos comportamentos motivados, direcionados para um
objetivo, é aprendida [...] Nossas motivações nos levam a repetir as ações
que foram capazes de obter recompensa no passado ou a procurar
situações similares, que tenham chance de proporcionar uma satisfação
desejada no futuro. Portanto, ela é muito importante para a aprendizagem
em geral. A liberação de dopamina em algumas regiões cerebrais parece
estar associada a esse tipo de recompensa, que leva à aprendizagem.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p.81).
O aluno deve reconhecer no professor o prazer e encanto no ensino. Se o
professor não estiver motivado para interagir, trocar, dialogar, pode ser que terá o
seu aluno motivado para aprender. Neste sentido, Antunes (2014) alerta que é
essencial que o professor esteja motivado e busque ouvir opiniões, não se pensando
como detentor dos saberes, tendo como função apenas de transmiti-los, mas sim
como alguém que promove estratégias de interação e reflexão.
2.5.4 Concentração
Na contemporaneidade, as crianças a os adolescentes estão crescendo com
acesso total as tecnologias. Estão conectados por celulares, iphones e tablets, às
vezes interagem mais virtualmente e menos pessoalmente, chega-se ao absurdo de
crianças na hora do intervalo estarem perto da amiga e conversarem através de
aplicativos de mensagem. Uma ação necessária neste contexto é ao entrar na sala
de aula, já após o cumprimento habitual solicitar que os telefones permaneçam no
modo silencioso e que os alunos guardem os fones de ouvido.
Sabe-se que a tecnologia tem os seus prós e contra. Estas podem ajudar
adquirir determinadas habilidades cognitivas específicas, mas também horas
intermináveis diante de um aparelho pode gerar prejuízos.
O circuito social e emocional do cérebro de uma criança aprende
através dos contatos e conversas com todos que ela encontra durante o dia.
Essas interações moldam o circuito cerebral. Menos horas passadas com
gente – e mais horas olhando fixamente para uma tela digitalizada - são
prenúncios de déficits [...] de habilidades emocionais, sociais e cognitivas
essenciais. (GOLEMAN, 2014, p. 13 -14).
A concentração é uma das habilidades cognitivas essenciais para que o
aprendizado ocorra, para tanto devem ser criadas condições capazes de promover a
concentração para que não se perca o foco e a atenção no momento da
aprendizagem para que a memória venha a ser consolidada.
Concentração é uma capacidade mental, e toda a capacidade pode
ser intensificada pela prática. Mas como o aumento das distrações que
todos enfrentamos nos dias atuais, essa se torna uma questão essencial no
local de trabalho. Quanto mais distraídos, menos eficazes nos tornamos.
(GOLEMAN, 2012, p. 73, grifo nosso).
Podemos trocar a palavra trabalho na citação acima, pela palavra
aprendizado, porque a concentração é essencial para aprendizagem explícita, isto é
necessita da consciência no processo.
Goleman (2012) afirma que todas as vezes que a sua mente estiver
divagando e você se depara com esta situação, a traz para um estado de
concentração. Com isso estará assim intensificando o músculo da concentração,
provocando um exercício, fortalecendo a atenção. O autor faz uma analogia entre a
atenção e um músculo, destacando que se for pouco usada, acaba por definhar.
Todavia, com um bom treinamento pode ser aprimorada e até mesmo reabilitar
cérebros desacostumados a ter foco.
2.5.5 Emoção e cognição
Realmente, pouco podemos dizer fora daquilo que todos sabem: as emoções e os estados de
ânimo influenciam em muito a formação das memórias.
Izquierdo (2011)
Fiori (2006) defende que por experiência própria sabemos o que é o
sentimento, pois em várias ocasiões ele vem junto com uma série de reações
fisiológicas, que são a resposta do Sistema Nervoso.
A respeito das emoções, posso destacar uma experiência docente. Ao iniciar
o trabalho com os alunos da EJA, como de costume propus aos alunos uma
avaliação diagnóstica. O fato é que a palavra avaliação de Matemática,
desencadeou emoções tão fortes que a aluna até sentiu-se mal. Este ocorrido fezme questionar quais experiências estavam guardadas sua memória para que as
suas emoções ficassem tão abaladas.
Há ainda o relato de um aluno da EJA, quando era adolescente a professora
chamou o seu pai e disse: “Seu filho não tem interesse em aprender, é melhor é tirálo da escola e colocá-lo para trabalhar”. A professora falou o meu pai atendeu,
quem era ele para contestar a fala da professora. A mágoa ainda permanecia, mas
já não doía tanto, pois depois de moço descobriu: “Que não era burro como os
outros falavam e acreditava, pois apesar de pouco estudo conseguiu trabalhar
comprar; casa, carro e agora retornava a estudar, pois iria assumir na empresa um
cargo de chefia e não podia passar vergonha”. Neste sentido, Cosenza e Guerra
(2011) alertam que:
Ameaças ou chacotas vindas de colegas ou do próprio professor,
excessos de disciplinas ou no processo de avaliação, bem como
dificuldades acadêmicas mal resolvidas podem ser fonte de estresse. É bom
estar atento não só as emoções dos alunos, mas também às próprias
emoções. A linguagem emocional ou corporal antes de ser verbal, e muitas
vezes a postura, as atitudes e o comportamento do educador assumem
uma importância da qual não nos damos conta. Por causa desses fatores, o
que é transmitido pode ser bem diferente do que se pretendia ensinar.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 84).
No começo do ano letivo, costumo levar os alunos à sala de informática para
assistirem o filme Cérebro: máquina de aprender, disponível no YouTube com
Suzana Herculano e os alunos começam a ver o aprendizado de forma diferenciada.
Abordo também as Inteligências Múltiplas (IM) e comento cada uma delas, para
então solicitar aos alunos a reflexão e a identificação de suas inteligências. Outro
fator preponderante é a conversa com os alunos, enfatizando que todos são
capazes de aprender. Uns mais rápidos outros menos, mas todos aprendem dentro
do seu ritmo.
Esse momento fortalece o grupo e propicia um novo olhar quanto ao processo
de aprendizagem. Nós professores temos que mediar e ensiná-los a respeitar as
diferenças, intervindo para que os alunos superem as dificuldades, elevem a
autoestima e mudem seus comportamentos para aprenderem sem resistência.
Muitas vezes, em sala de aula, verifica-se que determinado aluno não
consegue manter a atenção e nem se concentrar, pois demonstra irritação e com um
nível alto de estresses. Quando este sente dificuldade em lidar com essas emoções;
agride o amigo verbalmente ou às vezes fisicamente, o que faz com que
percebemos a mudança de comportamento e nos questionemos sobre o que
exatamente ocorreu. Às vezes as respostas são ríspidas, mas existe uma infinidade
de questões envolvidas, como doença na família, desemprego, alcoolismo ou abuso
de droga. Com isso o aluno pode se sentir abandonado, já que relata, muitas vezes,
não ter a atenção e o carinho devido da família, e aponta que esses fatores acabam
interferindo no processo de aprendizagem.
Somos capazes de aprender a controlar algumas de nossas
reações emocionais de acordo com as conveniências sociais. De fato, as
emoções não são, por si mesmas, boas ou más, como muitas vezes nos
querem fazer acreditar, mas a forma como lidamos com elas pode fazer
diferença em nossas relações sociais (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 81).
Conforme Goleman (2012), “se o sujeito está sob situação de alto estresse,
isto diminui a capacidade cognitiva em 50%, tanto em matemática como em
linguagem.” (GOLEMAN, 2012 p. 67). Deste modo, pode se compreender que
situações emocionais interferem na concentração e na qualidade de aprendizagem
do aluno. Trabalhos que atestam uma ligação entre emoção e funções cognitivas
são hoje cada vez mais numerosos, temos a teoria de Goleman em 1995, sobre a
Inteligência Emocional (QE).
Relvas (2010) afirma que “estudantes e educadores envolvidos em emoções:
uma aula bem humorada promove um bem estar-estar físico, psicológico, efetivo,
seguro, liberando neurotransmissores favoráveis a aprendizagem”. (RELVAS, 2010,
p. 148)
Em consonância, Goleman (2012) descreve que se uma criança é dominada
pelo aborrecimento, raiva, angústia, ansiedade, estresses, com certeza terá reduzida
a capacidade para prestar atenção na explicação do professor, pois as suas
emoções influenciam. Se a criança consegue controlar essas perturbações
emocionais, com certeza a sua capacidade de atenção em relação à explicação do
professor melhorará. Já com relação ao bom humor, o autor ainda afirma que
deixam as pessoas mais criativas e melhores na resolução de situações problemas.
Neste sentido, “estar de bom humor são de que somos mais criativos, melhores na
resolução de problemas, temos melhor flexibilidade mental e podemos ser mais
eficientes na tomada de muitas decisões.” (GOLEMAN, 2012, p. 25).
Sabe-se também que a empatia do aluno com o professor colabora para o
processo de aprendizagem, pois alguns alunos, às vezes, se identificam com a
disciplina por causa do professor.
Goleman (2014) salienta que quando o indivíduo se vê dominado por fortes
emoções, ele guia seu foco e fixa sua atenção no que é mais perturbador, o que faz
com que se esqueça do restante. A Neurociência dá dicas ao professor que:
É importante que o ambiente escolar seja planejado de forma a
mobilizar as emoções positivas (entusiasmo, curiosidade, envolvimento,
desafio) enquanto as negativas (ansiedade, apatia, medo, frustração)
devem ser evitadas que não perturbem a aprendizagem. (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 84).
O estresse deve ser identificado para que se possa procurar sua eliminação
durante a aula. O aluno deve querer assistir e prestar atenção à aula, ter motivação,
uma vez que se os alunos sentem-se estressados quando não conseguem entender,
se sentem incapazes para aquele aprendizado, sentem-se inferiores em relação ao
grupo. Conforme Cosenza e Guerra (2011), “emoções negativas intensas, por
exemplo, podem interferir na atenção ao processamento cognitivo” (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 44).
O aluno deve sentir confiança no professor para poder perguntar, tirar as suas
dúvidas, porque caso isso não ocorra se sentirá desamparado e não conseguirá
superar as dificuldades que encontra, com isso passa a rejeitar inconscientemente a
disciplina de Matemática. O ambiente deve ser cooperativo e não competitivo, no
qual todos devem se ajudar, aos outros e a si mesmo, e respeitarem os processos
de cada um dos colegas.
É preciso lembrar que, por lado, as emoções podem ser prejudiciais,
pois a ansiedade e o estresse prolongados têm um efeito contrário na
aprendizagem. A própria atenção pode ser prejudicada por eles, sendo que,
em situações estressantes, os hormônios glicocorticoides secretados pela
suprarrenal atuam nos neurônios do hipocampo, chegando a destruí-los.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 84).
Deste modo, podemos também compreender que as emoções também
influenciam na aprendizagem e no processo de memorização dos sujeitos.
Acontecimentos carregados de emoções, positivas ou negativas, influenciam na
consolidação da memória.
Todos sabemos por experiência própria que os estados de ânimo,
as emoções, nível de alerta, a ansiedade e o estresse modulam fortemente
as memórias. Um aluno estressado ou pouco alerta não forma corretamente
memórias numa sala de aula. Um aluno submetido a um nível alto de
ansiedade depois de uma aula, pode esquecer daquilo que aprendeu. Um
aluno estressado na hora da evocação (numa prova por exemplo) apresenta
dificuldades para evocar (o famoso “branco”) (IZQUIERDO, 2011, p. 87).
Neste momento, propomos uma analogia com a sala de aula. Às vezes a
aprendizagem é tão significativa para o aluno, que quando evoca na memória o
conhecimento parece remeter-se ao momento vivido. Em determinada ocasião,
promovi uma simulação de prova para preparar os alunos para o Sistema de
Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), depois fiz a
correção pontuando alguns aspectos para prestarem a atenção na situação
problema. Avaliamos as respostas de múltipla escolha, preenchimento do gabarito,
atenção para não rasurar, pois estas não são aceitas. No dia determinado, os alunos
fizeram as provas oficiais externas. Depois em conversa sobre como foram ao
participar da avaliação, os depoimentos de alunos: “Professora parecia que estava
ouvindo a senhora falar ‘presta atenção, analisa as respostas’, ‘cuidado com as
rasuras’, até lembrei do que a senhora falou em relação a geometria.”
Nesta perspectiva, Goleman (2014) destaca que atos de atenção perpassam
o tecido da inteligência emocional, já que, cerebralmente, emoção e atenção são
indissociáveis. “Os circuitos neurais da atenção e dos sentimentos se sobrepõem de
muitas maneiras, compartilhando caminhos neurais ou interagindo.” (GOLEMAN,
2014, p. 216).
2.6 Aprendizagem
Todos os animais são capazes de aprender, o que significa que todos
possuem algum tipo de memória. Todos os animais se comunicam, na maioria das
vezes, e os sistemas de comunicação são inatos de diversas formas. A
comunicação tem vários objetivos sendo importante, mas não o único é a
reprodução. Várias aves apresentam gritos, para avisar os filhotes de alimentação,
abrigar-se, esconder ou fugir.
A aprendizagem consiste na aquisição de dados e novas informações e
pressupõe mudanças reais ou potenciais no comportamento de cada sujeito, que
resultam da experiência vivenciada, pois cada um acessa a informação mediante
aos seus saberes, vivências e a sua história de vida. Assim, pode-se afirmar que
houve a aprendizagem a partir do momento em que temos a capacidade de
elaborar, refletir, ressignificar, aplicar ou transferir os conhecimentos para novas
situações. A aprendizagem provoca transformação na cognição e no comportamento
naquele que aprende.
O processo de aquisição das novas informações que vão ser retidas
na memória é chamado de aprendizagem. Através dele nos tornamos
capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória,
diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações,
pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos (LENT, 2010, p. 650).
As pessoas nascem com potencial para aprender. Para que o aprendizado
ocorra o sujeito precisa, modelos, de estímulos, como aponta Luckesi (2011).
Fisiologicamente, nascemos imaturos. É o tempo de vida e de
amadurecimento que nos capacita para nos relacionar com o mundo. E
assim tudo o mais, na vida de cada um, se faz do simples para o complexo,
tais como aprender uma língua, aprender a fazer coisas do cotidiano...
Afinal, tudo o que aprendemos e fazemos caminha nessa direção, assim
como o universo e a vida (LUCKESI, 2011, p. 74).
Estamos sempre aprendendo desde que acordamos até ao adormecermos,
Lent (2010) defende que enquanto dormimos a nossa aprendizagem se solidifica.
A aprendizagem pode ocorrer através da instrução dos pais, na escola, do
professor no ensino público ou particular, do colega de sala de aula, através da
brincadeira, dos jogos, na internet, do amigo no trabalho, do chefe, em um curso na
empresa, através de um software de computador, curso educação a distância (Ead),
um manual, filme, tutorial do YouTube, tutorial de um computador, entre tantas
situações. Enfim, são infinitos os meios e as maneiras que o aprendizado consciente
pode ocorrer.
Sabe-se que a escola não é o único lugar onde o sujeito aprende, mas é o
espaço de aprender o saber culturalmente organizado, sistematizado, além da
socialização. Alguns saberes ensinados relacionam-se com o período histórico,
tendo uma relação direta com as exigências sociais a que os sujeitos ficam
submetidos. Neste sentido, os educadores devem se perguntar que tipo de homem
se quer ou se precisa formar, pensando também nas necessidades do mercado de
trabalho. Além disso, é essencial compreender que há o currículo oficial, e também o
currículo oculto, e na junção desses, a finalidade é de promover que a informação se
transforme em conhecimento.
É delegada à escola a importante responsabilidade de fornecer a todos os
sujeitos
uma
série
de
conhecimentos
considerados
essenciais
para
o
desenvolvimento intelectual, pessoal, pensamento autônomo e ao exercício de sua
vida cidadã. Sendo assim, o saber passa a ser organizado em torno de disciplinas,
que possuem objetivos específicos, como no caso da Matemática, resolver as quatro
operações, desenvolver raciocínio lógico, compreender conceito, entre outros.
Neste viés, é objetivo da escola, proporcionar e assegurar aos alunos uma
educação de qualidade, através das aulas, além de garantir ao aluno um saber
próprio das ciências e da experiência acumulada historicamente pela humanidade.
Uma característica distintiva é que a ação de aprender na escola
envolve uma forma de conhecimento, o sistematizado, e sujeitos que
interagem entre si, constituindo a dinâmica ensino-aprendizagem. Partindose dessa ideia percebe-se que a ação integradora que resulta nessa
dinâmica existe a presença de um sujeito que aprende e de um sujeito que
ensina, revelando-se as figuras do aluno e do professor. (VEIGA, 1996, p.
107).
No século XXI, cada vez mais caracterizado pelo conhecimento, ocorrem a
inclusão e a exclusão, seja no mercado de trabalho, na sociedade e vida. Temos
que o diferencial está na qualidade de educação recebida ou oportunizada.
Desta forma, a Neurociência pode funcionar para reflexão e consequente
elaboração de estratégias de ensino no campo educacional para favorecer o
professor de como direcionar a atenção, oportunizar o aluno a aprender e como se
dão as suas memórias de trabalho, curto prazo e longo prazo. Evidenciando que a
aprendizagem e a memória resultam da mesma espécie de alteração do cérebro.
Aprendizagem
comportamentos
que
pode
ser
viabilizam
vista
os
como
processos
um
conjunto
neurobiológicos
de
e
neuropsicológicos da memória. Como os conceitos embora diferentes, são
muitos próximos, é comum as pessoas usar um como sinônimo do outro,
(LENT, 2010, p. 650).
Aprendizagem e memória são as habilidades de aquisição e manutenção das
informações. A aprendizagem se dá no momento exato em que ocorre a captação
de uma informação pelas vias sensoriais (processamento, aplicação e elaboração de
uma informação ou estímulo capturado), pela sua retenção e fixação pelas áreas da
memória, função executada pelo córtex cerebral. Lent (2010) esclarece que:
Durante a aquisição ocorre uma seleção: como eventos são
geralmente múltiplos e complexos, os sistemas de memória só permitem a
aquisição de alguns aspectos mais relevantes para a cognição, mais
marcantes para a emoção, mais focalizadas pela nossa atenção, mais forte
sensorialmente ou simplesmente priorizados por critérios desconhecidos
(LENT, 2010, p. 647).
A respeito da relação da privação do sono e da aprendizagem, Izquierdo
(2011) descreve que: “A consolidação da aprendizagem se faz durante o sono e
depende do hipocampo. Nela se constroem conexões entre diferentes áreas do
córtex cerebral que armazenam a informação”. (IZQUIERDO, 2011, p.74).
2.6.1 Aprendizados explícitos e implícitos
Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se
arrepende.
Leonardo da Vinci
Sabe-se que os estímulos, percepções e aprendizagens possibilitam as
pessoas associações que ampliam a cognição, e que no ser humano aquisições de
aprender novos saberes propiciam habilidades e competências e se transformam ao
longo da vida.
Há os aprendizados: explícitos (conscientes) e implícitos (inconscientes), e
que os registros na memória se formam ou não, dependendo da atenção, da
concentração, da emoção, da experiência e da disponibilidade do sujeito, naquele
momento do ato de aprender.
Aprendizados implícitos são conhecimentos que podemos assimilar sem o
auxílio da consciência. A aprendizagem de informações complexas sem um
conhecimento verbalizável do que é aprendido, representado por meio de símbolos
conscientes e subordinado a regras. Aprender a língua materna é um exemplo que
não depende do ato consciente de aprender, conforme explicita Lefrançois (2012).
O mesmo acontece quando as crianças aprendem a linguagem. Em
pouco tempo aprendem a dizer uma porção de coisas que são, na maioria,
gramaticalmente corretas. Mesmo assim não conseguem tornar explícito o
conhecimento das regras que lhes permitiram gerar a linguagem correta, ou
reconhecer uma gramática boa ou má. (LEFRANÇOIS, 2012, p. 289).
A aprendizagem implícita independe da idade, não é vinculada ao QI e pode
acontecer em qualquer lugar, pois eles se formam na família, através dos meios de
comunicação, na empresa, nos grupos sociais a que pertencem, etc. Essas
interações com os outros e o ambiente, favorecem experiências e conexões que
“ancoram” aos novos aprendizados.
Ora, sabemos que é extremamente difícil, mesmo para adultos,
explicar muitos conhecimentos que possuem implicitamente. O caso mais
amplamente discutido na literatura com relação a essa questão é a
linguagem: enquanto falamos uma língua, usamos noções gramaticais
implícitas na organização de nossa produção linguística, as quais não
temos condição de explicitar (NUNES, 2011 p. 32).
Aprender a falar e andar são aprendizados implícitos, ou seja, natos.
Aprender Matemática se dá através de conhecimento social, pela cultura, que se
constitui num caso de aprendizado explícito.
As diferenças individuais são menores na aprendizagem implícita do que na
aprendizagem explícita. O sistema implícito é pouco afetado pelos transtornos dos
sistemas explícitos, exemplificando que uma pessoa pode ficar com amnésia, mas
não perde a língua materna. A literatura enfatiza que os pacientes amnésicos
apresentam a aprendizagem implícita intacta, na qual estão incluídas as
aprendizagens de habilidades motoras por meio da experiência, como andar por
exemplo.
“Meu corpo sabe escalar”, gritou ela, e depois esclareceu que muito
do seu conhecimento sobre escaladas está na memória, o que ela não
consegue explicar muito bem em palavras. “É por isso que não consigo
contar a você como se escala ou como se anda de bicicleta”
(LEFRANÇOIS, 2012, p. 301).
Aprendizados explícitos se dão mediante as ações do sujeito, como a
atenção, a concentração, a necessidade, o desejo ou prazer, a dedicação, a
disciplina, por motivação, comprometimento com aquilo que se quer aprender onde
há a participação ativa do aprendiz para alcançar objetivos ou metas.
O aprendizado refere-se a qualquer área, não apenas só a disciplina de
Matemática. Sabe-se que algumas aprendizagens podem ser fáceis ou difíceis
dependendo da idade, do sujeito, das habilidades, das IM, da (QE) e da
disponibilidade em aprender. Sabe-se através da literatura que um sujeito começar
aprender um segundo idioma quando criança, pois ao aprender depois de adulto que
ficará com sotaque.
Através da aquisição de um conhecimento, a aprendizagem e reforço das
informações, por meio da repetição, a elaboração se dá com os disparadores, isto é,
os registros que os alunos já possuem e associam ao conhecimento, contribuindo
para a formação das memórias.
A elaboração acontece mediante os níveis de processamento que se dá ao
aprender uma nova informação com vínculos conhecidos. Exemplo quando o aluno
da EI está em processo de construção da adição com dois dados, o primeiro com o
um e vai-se mudando as faces do segundo e assim, de posse do objeto o aluno vai
se apropriando da soma; (1+1= 2), (1+2= 3), (1+3=4) etc., começa com o dois
(2+1=3), (2+2= 4), (2+3= 5), (2+2= 4), assim sucessivamente as demais somas
automaticamente se fará mediante os “ganchos” construídos através do material
concreto, do material dourado, dos dedos das mãos e outros através de
representação por desenhos.
Goleman (2014) explana que crianças que não são capazes de prestar
atenção não conseguem aprender, além de não conseguirem se controlar.
2.7 Dificuldades de aprendizagem versus transtorno de
aprendizagem
Conforme Fonseca (1995), “a criança que apresenta dificuldade de
aprendizagem caracteriza-se por uma inteligência normal, por uma adequada
acuidade sensorial, quer auditiva, quer visual” (FONSECA, 1995, p. 252).
A dificuldade de aprendizagem (DA) difere-se do transtorno, pois está sujeita
ao processo de aprendizagem, variando conforme as oportunidades, cultura,
estímulos, vivências, recursos oportunizados, atenção, percepção, motivação,
concentração, empenho, identificação, memória, cognitivo, que oportunizam o
desenvolvimento do sujeito.
A criança com DA necessita de atendimento especial, pois não consegue
aprender como os demais, na intervenção do professor com a sala, esta deve ser
direcionada e individualizada. Alguns alunos esforçam-se para aprender, buscam
ajuda, tentam fazer, resolver e às vezes não conseguem, pois faltam alguns prérequisitos.
O fenômeno do fracasso escolar até algum tempo era visto como
um problema individual de cada aluno que não conseguia aprender. Embora
fossem muitas explicações, o foco principal da causa estava no indivíduoaprendiz (VEIGA, 1996, p. 106).
Podemos constatar que alunos que apresentam alguma DA não estão
impedidos de aprender, mas que necessitam de esforço, investimento e dedicação
naquela área, a fim de que a dificuldade seja revertida. No caso escolar, por
exemplo, é necessário contar com a mediação do professor, com o projeto da
escola, com o esforço do próprio aluno estudar, com aulas de reforço, com o
acompanhamento da escola, com a família, entre tantos fatores.
Se o aluno está com dificuldade para aprender, inúmeros fatores podem
influenciar o aluno, como não ter compreendido o conceito, falta leitura fluente,
dificuldade interpretar, não ter compreendido a explicação, a não adaptação à
metodologia do professor, defasagem entre os conhecimentos prévios dos alunos e
nível dos alunos da classe, não possuir domínio básico dos cálculos, não adaptação
à turma devido à agitação ou o número de alunos por sala, a dinâmica da escola,
problemas emocionais, problemas psicológicos, problemas psiquiátricos, doença na
família, o nascimento de um irmão mais novo, falta de pré-requisitos necessários
para aprendizagem de novos conteúdos, etc.
A dificuldade de aprendizagem pode ocorrer devido à criança ou ao
adolescente ao ser ensinado apenas levando-se em consideração os tópicos
estabelecidos pelo currículo, sem se preocupar com o que o aluno sabe, para
promover a construção de aprendizagens. Vygotsky (1998) defende que o
aprendizado precisa partir do que o indivíduo sabe para então poder ampliar seus
conhecimentos, conceito que ele denomina de zona de desenvolvimento proximal.
O desenvolvimento da criança, pelo contrário, a imitação e o
aprendizado desempenham um papel importante. Trazem à tona as
qualidades especificamente humanas da mente e levam a criança a novos
níveis de desenvolvimento. Na aprendizagem da fala, assim como na
aprendizagem de matérias escolares a imitação é indispensável. O que a
criança é capaz de fazer hoje com cooperação, será capaz de fazer
sozinha amanhã. (VYGOSTSKY, 1998, p.129, grifo nosso).
Há também dificuldades de aprendizagem que são de responsabilidade do
aluno, como quando não prestou atenção na explicação do professor, estava
disperso na hora da explicação paquerando a colega da sala ou conversando, não
fez os exercícios, falta pesquisa ou faltou à aula. Enfim, vários podem ser os motivos
que justifiquem a não aprendizagem do aluno que deixou de se dedicar aos estudos,
não fazendo a sua parte no processo de ser ativo.
Problemas de leitura ou carência no universo vocabular. Crianças
que lêem muito mal – ou por não terem sido corretamente alfabetizadas, ou
por conviverem com outra(s) língua(s) em casa possuem um padrão de
compreensão mais reduzido, e que muitas vezes parece ser dificuldade de
memorizar de forma significativa é, na verdade dificuldade de compreender
de maneira abrangente. (ANTUNES, 2012, p. 29).
As defasagens do aluno podem ser ocasionadas por não entender, por não
estudar, por ter falta de pré-requisito, e acabam por gerar uma situação de
dificuldade que aumenta a cada dia. Quando o aluno percebe, não consegue mais
acompanhar as aulas por não dominar conteúdos necessários, para acompanhar o
processo mental no ato de aprender. O que provoca no aluno a falta de interesse, de
dedicação, de motivação para o estudo, principalmente por perceber que deixou de
aprender.
Como salientam Cosenza e Guerra (2011), “os professores podem facilitar o
processo, mas a aprendizagem é um fenômeno individual e privado e vai obedecer
as circunstâncias históricas de cada um de nós”. (CONSENZA; GUERRA, 2011, p.
38)
O professor deve conhecer as habilidades e dificuldades do aluno, o que ele
sabe, o que não sabe e porque não sabe, o que precisa saber, os seus ritmos, para
que, através do planejamento e metas traçadas, possa proporcionar situações de
aprendizagens para que o aluno venha aprender. A intervenção deve acontecer para
que o objetivo seja alcançado o sucesso na aprendizagem do aluno. As habilidades
devem ser ressaltadas, para que tenha autoestima e motivação para aprender. Deve
reforçar o positivo, em vez do que o aluno não sabe, porém o aluno deve querer
aprender. Relvas (2010) ainda alerta que:
Dessa maneira, o olhar do professor (a) em sala de aula precisa ser
direcionado na pluralidade da singularidade, ou seja, o professor precisa
entender que cada estudante é único, e que mesmo seu tempo de
aprendizagem é diferente tanto na elaboração quanto na compreensão das
informações que passam pelos sentidos biológicos e chegam até o cérebro
(RELVAS, 2010, p. 61).
É importante que o aluno, também tenha consciência de suas habilidades e
dificuldades. Ele tem que se disponibilizar aprender. Ser gestor de seu
conhecimento, desenvolver autonomia no processo, disciplina a estudar, para que
venha a aprender e a sanar suas dificuldades, obtendo assim o sucesso.
Sabe-se que a DA nas resoluções de problemas acontece porque o aluno
evoca a memória buscando semelhança, experiências, porém não consegue
entender o que o problema solicita, compreender as prioridades na resolução, pois:
A resolução de problemas é uma atividade onde a experiência
anterior é utilizada para reorganizar os componentes de uma situação
problemática, a fim de atingir um dado objetivo. Compreender a
rememorização, a estratégia e a tática do raciocínio (dedutivo ou indutivo), a
chamada, a seleção e a organização dos dados para formular princípios,
relações e associações que envolvem a própria resolução dos problemas
(FONSECA, 1995, p. 276).
Há alunos que apresentam dificuldade ao aprender devido a um problema
patológico. Estes são portadores de necessidades educacionais especiais (NEE),
como no caso de deficiência intelectual (DI), Síndrome de Down, mas aprendem
dentro de seus ritmos e de suas possibilidades.
Outros fatores também podem influenciar na DA dos alunos, tais como: ser
limítrofe, ser desnutrido, estressado, usuários de drogas, violência doméstica, atraso
no neurodesenvolvimento, Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH),
depressão, ansiedade e estresse, Transtorno Geral de Aprendizagem (TGA), estar
em situação de grande vulnerabilidade, falta de oportunidades, de experiência e de
estímulos, etc.
No quadro abaixo é possível perceber que para cada questão existe uma
mediação diferente a ser feita por um determinado profissional. No caso da DA, o
problema deve ser resolvido na escola, com os profissionais que atuam com a
criança para reabilitá-la, intervir para sanar as dificuldades e inseri-la da melhor
forma possível no meio, às vezes, sendo necessária a parceria dos pais, entre
outras.
O professor ao suspeitar que o aluno seja portador de algum Transtorno
Aprendizagem (TA) deve solicitar à família que o encaminhem ao médico para que o
aluno possa ser avaliado por uma equipe interdisciplinar.
PROFISSI
COMPETÊN
ATUAÇÃO
ONAL
MEDIDAS
CIA
Distúrbio\
Médico
Exames
Consultório
Doença
clínicos medicação
Problema
Especialist
Terapias
diagnóstico
Consultório
a
específicas
específico
Metodologias
Professor /
Dificuldade
estratégias
Orientador
escolar
Escola
recuperação do
(aprendizagem)
aluno.
Tabela 3: Áreas de atuação nas dificuldades de aprendizagem.
Fonte: HASHIMOTO (1997, p. 105)
O TA consiste numa inabilidade específica, independe dos contextos de
aprendizagem, este é intrínseco ao sujeito, por ter disfunção cerebral, como por
exemplo: dislexia, voltada à linguagem, leitura e escrita; discalculia, relacionada ao
conhecimento matemático; disortografia, com problemas observados na grafia das
palavras; afasia, que incide na perda da capacidade de linguagem; disfasia, que
acarreta perturbações na comunicação verbal, dentre outros a gagueira, etc.
Os alunos com TDAH apresentam um nível mínimo de concentração. Sabe-se
através da literatura que este não causa DA, porém alguns alunos por não
conseguirem focar a atenção, pela impulsividade e hiperatividade, não conseguem
se concentrar e a dificuldade de aprender ocorre. Outros alunos portadores de
TDAH são mais ativos o tempo todo, porém apresentam bom rendimento escolar.
Neste contexto, vale destacar uma experiência vivida na docência. Tive um
aluno, com baixa capacidade de concentração, porém ele conseguia captar tudo que
acontecia ao seu redor. Um aluno conversava com o outro no fundo sala de aula e
ele respondia e sentava-se na primeira carteira. As comandas ao aluno eram
individualizadas, mas ele parecia captar tudo a que estivesse exposto e não
conseguia focar em um assunto que prejudicava o seu aprendizado, Já que não
conseguia direcionar a atenção para aprendizagens. Neste viés, temos a
contribuição do autor:
Problemas de hiperatividade, déficits de atenção, estado depressivos
latentes ou distúrbios emocionais que ocasionam grande excitação e um estado de
expectativa pelo desempenho absolutamente anormal. Nesses casos, é tentar
reduzir esses estados de ansiedade, promovendo situações de calma e
tranqüilidade e diminuindo a medos das tarefas que se propõe (ANTUNES, 2012,
p.29).
Ainda é importante destacarmos que a presença de uma dificuldade de
aprendizagem
(DA)
não
implica
necessariamente
em
um
Transtorno
de
Aprendizagem (TA).
2.7.1 Transtorno de aprendizagem: discalculia
É importante ressaltar que os sujeitos portadores de TA são crianças normais,
isto é não possuem nenhuma deficiência intelectual, estão na média ou acima da
média. Os TA compreendem uma inabilidade específica com a leitura, escrita ou
matemática em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do
esperado para o seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade
intelectual. Os transtornos de aprendizagem, como a dislexia, a discalculia, entre
outros, interferem no processo de aquisição e manutenção de informações de uma
forma acentuada provocando perturbações mais acentuadas no aprender da criança
do que as dificuldades de aprendizagem.
Além disso, vale salientar que mesmo na presença dessas dificuldades, os
indivíduos portadores de transtorno das habilidades matemáticas tem inteligência
dentro ou acima da média e não raro apresentam várias potencialidades, tais como:
Transtornos nos quais as modalidades habituais de aprendizado
estão alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento. O
comprometimento não é somente a consequência da falta de oportunidade
de aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um
traumatismo ou doença cerebrais. (CID 10).
Verifica-se que as crianças que possuem discalculia, na maioria das vezes,
apresentam habilidades normais em outras áreas cognitivas, sendo que o transtorno
se dá apenas em relação à matemática. Este quadro pode provocar medo e
ansiedade nos alunos, já que não conseguem lidar com os números e com os
colegas em relação às notas das provas, pois se consideram inaptas.
O cérebro humano tem características programadas geneticamente que o
habilita a lidar com os números. Estudos têm demonstrado que crianças
precocemente conseguem discriminar quantidades e até mesmo realizar cálculos
simples. Conforme Cosenza e Guerra (2011), as pessoas conseguem avaliar com
rapidez qual dos números é maior quando colocados objetos em uma fileira quando
os números não são próximos por exemplo 13 e 5, já o mesmo não acontece
quando a diferença é pequena cita-se o número 6 e o 7.
Os alunos com discalculia demonstram uma inabilidade: ler números,
cardinais, ordinais e o valor com multidígitos; ordenação de espaço, quantificar,
calcular, entender princípios de medida, apresenta inversão em relação à escrita do
número; eliminar passos das operações; dificuldades direcionamento espacial;
leituras de horas em relógio analógico, entre outras. Este transtorno é classificado
no CID 10 como F81.2, ou seja, transtorno específico da habilidade em aritmética.
Transtorno que implica uma alteração específica da habilidade em
aritmética, não atribuível exclusivamente a um retardo mental global ou à
escolarização inadequada. O déficit concerne ao domínio de habilidades
computacionais básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão mais
do que as habilidades matemáticas abstratas envolvidas na álgebra,
trigonometria, geometria ou cálculo [...] A. A capacidade matemática,
medida por testes padronizados, individualmente administrados, está
acentuadamente abaixo
do nível esperado, considerando a idade
cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do
indivíduo. B. A perturbação no Critério A interfere significativamente no
rendimento escolar ou atividades da vida diária que exigem habilidades em
matemática. C. Em presença de um déficit sensorial, as dificuldades na
capacidade matemática excedem aquelas geralmente a este associadas.
(CID 10, F81.2, 315.1)
Pode ocorrer também de a criança saber contar, por apenas repetir uma
sequência numérica e não saber quantificar se maior ou menor, nem tampouco fazer
correspondência com quantidades. Na avaliação diagnóstica em matemática,
geralmente é feita individual o professor com o aluno, com procedimentos como os
seguintes: solicita-se que faça a correspondência de número quantidade, fileira de
número qual é o maior, ou qual fileira tem mais; escrever o número dentro de uma
tabela, faz-se o ditado dos números, a fim de saber se o aluno reconhece os
números ou apenas decorou uma ordem. Já vivenciei esta situação no ano passado,
quando recebi um aluno no EF II, cuja avaliação diagnóstica foi igual a um aluno da
EI, uma vez que o aluno sabia números até o número 50 na ordem.
Os números são processados em três circuitos diferentes, que se
relacionam com: 1) a percepção da magnitude (fileira numérica) 2) a
representação visual dos símbolos numéricos (algarismos arábicos); e 3) a
representação verbal dos números (quatro, sete, vinte e um, etc.), Portanto
as áreas cerebrais diferentes são ativadas para a decodificação dos
numerais arábicos ou dos números apresentados sob a forma verbal.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 112).
Cosenza e Guerra (2011) ainda esclarecem que as crianças possuem
habilidades elementares para lidar com soma e subtrações e começam a aprender a
contar aos dois anos de idade. As operações matemáticas precisas irão depender
da maturação da linguagem que ocorre nessa época.
Nas crianças que sofrem de discalculia, a capacidade de adquirir
habilidades matemáticas está seriamente prejudicada. Elas não conseguem
lidar nem como o conceito de número, e as situações que envolvem
matemática tornam-se um problema não só na escola, mas também nas
atividades cotidianas. Para elas a matemática e os seus conceitos são
como uma língua estrangeira desconhecida. (COSENZA; GUERRA, 2011, p
114).
Deve se observar que a criança que apresenta dificuldades em matemática
não quer dizer que tenha discalculia, pois pode vir acompanhado de outro transtorno
como TDAH. A discalculia é diagnosticada a partir da primeira série em diante, em
que o aluno passa a ter contado com o saber sistematizado. A literatura informa
quando não atrelada a outros TAs, a discalculia está presente em 1% da população.
Diferentemente da DA, quando o professor pode fazer o diagnóstico, a
discalculia tem seu diagnósticos dado por uma equipe disciplinar: neurologista,
psicólogos, psicopedagogo, fonoaudiólogo, mediante exames de ressonância
magnética para verificar se não há lesões e exame otoneurológico, dentre outros.
Algumas crianças têm uma dificuldade inata com a leitura
denominada dislexia. Da mesma forma, existem crianças nas quais a
numeracia não se desenvolve, embora tenha bom nível de inteligência e
treinamento adequado em um ambiente saudável. Essas crianças têm
discalculia do desenvolvimento, um problema que parece resultar de uma
deficiência do senso numérico (a noção de quantidade e as suas relações).
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 113).
Sabe-se que um ambiente empobrecido pode ser pouco estimulante e o aluno
apresentar uma dessas dificuldades. Nestes casos, são sugeridos, aprendizagens,
reforço específicos, pois se pode ajudar as crianças com apoio do material concreto
e o uso da calculadora para apoiar nas realizações de cálculo de operações básicas.
O professor pode auxiliar o aluno permitindo a consulta da tabuada ou através do
uso de jogos, de caderno ou folhas quadriculadas, além de incentivar a visualização
da situação problema com desenhos ou croquis. Outro fator importante seria a
permissão da prova oral, procurando conhecer o processo utilizado ou o tipo de
pensamento que usam para resolver problemas, isto é, como interpretam para poder
auxiliá-las. Por fim, é essencial o professor perceber que o aluno discalcúlico não
compreende as comandas como os demais alunos.
CAPÍTULO III
O ENSINO DE MATEMÁTICA NA ESCOLA:
AS PROFICIÊNCIAS DOS ALUNOS E OS SEUS
APRENDIZADOS
O objetivo deste capítulo é discutir os índices das proficiências dos alunos em
Matemática, dificuldade de aprendizagem, os recursos educacionais. Com esse
objetivo, apresentam-se algumas dificuldades enfrentadas por alunos e professores
da educação básica, com relação às práticas de ensino e à aprendizagem de
matemática. Busquei também refletir sobre alguns conceitos sendo estudados por
autores que vem se dedicando ao estudo da Neurociência para assim entender a
contribuição desta área do conhecimento no processo de ensino e aprendizagem de
Matemática.
Na elaboração deste capítulo foi realizada revisão de literatura por meio de
livros e artigos de autores que vem se dedicando ao aprendizado, memória e
pesquisa sobre os dados das proficiências do aluno na disciplina de matemática.
A Matemática não é uma disciplina pronta, acabada, perfeita. Esta no
processo histórico-social é considerada com uma estrutura formal que busca
soluções na resolução de problemas. A matemática se dispõe a pesquisar e
encontrar soluções para resolver problemas que ocorrem na sociedade e a outras
ciências.
As raízes culturais que compõem a sociedade são as mais variadas.
O que chamamos Matemática é uma forma cultural que tem suas origens
num modo de trabalhar quantidades, medidas, formas e operações, em que
o raciocínio é fundamentado pela lógica formal [...] Manejar quantidades e
consequentemente números, formas e relações geométricas que obedece a
direções muito distintas, ligadas ao meio cultural ao qual o indivíduo
pertence. (BASSANEZI, 2006, p. 207).
A Matemática é apenas uma faceta, tanto na vida como na escola. O que a
distingue são os graus de complexidade para resolver determinadas questões.
Muitas vezes, o aluno não consegue visualizar a aplicação da matemática escolar
em sua vida, pois nem sempre é feita essa contextualização no momento do
aprendizado. Faz-se necessário a escola destacar essa relação da matemática
escolar com a vida cotidiana do aluno, para que possa manejar situações reais que
se apresentam a vida em cada momento.
3.1 Avaliações externas de Matemática e a proficiência dos
alunos quanto ao conhecimento da Matemática
Algumas avaliações externas são realizadas em âmbito nacional a fim de
identificar o nível de proficiência dos alunos nesta área do conhecimento.
Pode-se citar, por exemplo, SARESP, ENEM e a PROVA BRASIL (SAEB),
que são avaliações das quais os alunos da rede estadual de ensino de São Paulo
participam. Estes exames acabam constatando que os alunos apresentam
resultados abaixo do esperado para o nível de escolaridade que estão cursando.
Assim, o aluno não consegue transpor para linguagem matemática comandos
operacionais compatíveis com as séries ou não conseguem interpretar problemas do
cotidiano que envolvem habilidades essenciais para a série. Esta defasagem ocorre
principalmente no EF II e variam conforme a localização da escola ou da rede à qual
ela pertence.
3.1.1 Prova Brasil
Foram divulgados, em 5 de dezembro de 2014, os resultados obtidos com a
avaliação da Prova Brasil de 2013, no site do Inep. A proficiência em Matemática dá
ênfase à resolução de problemas, aplicados aos alunos do 9º ano (antiga 8ª série).
Na tabela abaixo, foram inseridos os dados da escola na qual trabalho e os
dados de escolas similares da região e o comparativo geral, o que pode ser
entendido como um grupo de escolas com características semelhantes ou que
possuem valores do indicador de nível socioeconômico próximos.
35008436 (ESCOLA)
Nível dos Alunos por nível de Proficiência em matemática
A
baixo do
N
ível
nível
E
scola*
1
1
6.11%
N
ível
N
ível
3
2
1
8.96%
N
ível
1
4.95%
4
1
7.96%
N
ível 5
1
9.29%
ível 6
1
0.71%
.02%
N
N
N
ível 7
ível 8
2
0
.00%
.00%
3
1
.16%
.11%
2
0
.89%
.17%
3
1
.09%
.27%
2
0
.93%
.25%
4
2
.06%
.72%
N
ível
9
0
0
.00%
E
scola
1
s
7.20%
1
5.07%
1
8.57%
2
0.64%
1
5.69%
8
.26%
.23%
0
0
.06%
imilares
T
otal
2
M 2.08%
1
5.49%
1
7.36%
1
8.31%
1
4.86%
7
.86%
.95%
0
0
.04%
unicípio
T
otal
1
8.66%
Estado
T
otal
2
0.41%
Brasil
1
5.19%
1
8,25%
1
6.51%
1
9.59%
1
9.19%
1
5.36%
1
8.90%
8
.22%
1
3.77%
.33%
7
.11%
.89%
0
0
.04%
0
0
.04%
T
otal
1
8.16%
Brasil
1
4.90%
1
7.75%
1
8.33%
1
4.51%
8
.84%
.61%
0
.12%
Tabela 4: Nível dos alunos por nível de proficiência em Matemática na Prova Brasil
Fonte: BRASIL (2013)
Desempenho da Escola nas Edições da Prova Brasil
5º Ano
L
Portuguesa
2
011
-----
9º Ano
Matemáti
ca
L
Portuguesa
------
241.77
Matem
ática
244.23
0
2
-----
013
-----
243.52
245.48
Tabela 5: Desempenho da escola nas edições da Prova Brasil
Fonte: BRASIL (2013)
Neste caso, percebemos que ocorreu o aumento percentual do desempenho
em Língua Portuguesa (0,723%) e em Matemática (0,511%) nos alunos dos 9º anos,
contudo ainda não suficiente para acompanhar o que se espera, mesmo em
comparação com escolas similares ou com os dados do Brasil.
3.1.2 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo (SARESP)
Foi divulgado no mês de fevereiro de 2015, na revista Exame, o ranking do
SARESP de 2014. Os dados abaixo demonstram o desempenho dos alunos do
Estado de São Paulo na avaliação de Matemática e LP. Os dados disponíveis na
tabela são referentes ao 9º ano EF II e do 5º ano do EF I.
Estado de São Paulo - Total de municípios no estado 645.
9º ano do Ensino Fundamental
Municípios
Municípios
que
avaliados
atingiram a meta
% que atingiu a meta
Matemática
642
67
10,4%
Português
642
133
20,7%
5º ano do Ensino Fundamental
Municípios
Municípios
que
avaliados
atingiram a meta
% que atingiu a meta
Matemática
629
396
63,0%
Português
629
246
39,0%
Tabela 6: Desempenho no SARESP
Fonte: Revista Exame (2015)
Percebemos aqui que não se trata de um problema observado apenas na
escola em que leciono, mas uma dificuldade que atinge a maior parte da rede de
ensino estadual de São Paulo. Além disso, podemos notar que a questão localiza-se
mais especificamente em Matemática do 9º ano, em que o índice atingido fica muito
aquém do que se espera para atingir a meta.
No site da SEE-SP, em fevereiro de 2015, foram divulgados os resultados do
SARESP de 2014. As médias de proficiências conforme divulgadas, seguem na
tabela abaixo: em LP e Matemática, as médias, e avaliação dos estudantes por nível
de proficiência - Abaixo do Básico, Básico, Adequado e Avançado, cada ciclo de
aprendizagem, nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa.
Saresp - 2014
Média de proficiência da rede estadual em Língua Portuguesa
5º ano do EF
9º ano do EF
3ª série do EM
2013 - 199,4
2013 - 226,3
2013 - 262,7
2014 - 203,7
2014 - 231,4
2014 - 265,6
Tabela 7: Média de proficiência em LP na rede estadual
Fonte: SÃO PAULO, SEE-SP (2015)
Através deste quadro, é possível observar ao comparar os dados uma
melhora na proficiência em LP de 2,15% no 5º ano, no 9º ano aumento de 2,25% e
na 3ª série do EM a melhora menos expressiva de 1,10%.
Saresp - 2014
Alunos nos níveis de proficiência: básico, adequado e avançado LP
5º ano do EF
9º ano do EF
3ª série do EM
2013 – 83,9%
2013 – 70%
2013 – 60,3%
2014 – 86,6%
2014 – 73,9%
2014 – 66,2%
Tabela 8: Alunos nos níveis de proficiência em LP
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2015)
Observando os dados deste modo, percebemos que os avanços são maiores,
já que tivemos no 5º ano houve um aumento de 3,21%; 9º ano, de 5,57%, 3ª série
avançou em 9,78%.
Saresp - 2014
Média de proficiência da rede estadual em Matemática
5º ano do EF
9º ano do EF
3ª série do EM
2013 - 209,6
2013 - 242,6
2013 - 268,7
2014 - 216,5
2014 - 243,1
2014 - 270,4
Tabela 9: Média de proficiência em Matemática na rede estadual
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2015)
Comparativamente é possível perceber um avanço maior no 5º ano, com um
aumento de 3,29%, inclusive maior do que visto anteriormente em LP. Contudo, no
9º ano do EF e no 3º ano do EM, nota-se apenas aumento de 0,20% e de 0,63%,
respectivamente.
Saresp - 2014
Matemática
Alunos nos níveis de proficiência: básico, adequado e avançado
5º ano do EF
9º ano do EF
3ª série do EM
2013 – 74,0%
2013 - 63,6%
2013 - 45,1%
2014 - 78,7%
2014 - 63,0%
2014 - 46,1%
Tabela 10: Alunos nos níveis de proficiência em Matemática
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2015)
Neste comparativo, assim como aconteceu em Língua Portuguesa, é possível
notar que houve avanços maiores no 5º ano, 6,35% e no 3º ano do EM, 2,21%.
Contudo, percebe-se claramente um declínio no 9º ano de 0, 4%, sem nenhuma
contextualização dos dados ou comparativo com a prova aplicada.
NÍVE
DESCRIÇÃO
L
ABAI
Os alunos demonstram domínio insuficiente dos conteúdos,
XO
competências e habilidades requeridos para a série escolar em que
DO
se encontram.
BÁSICO
Os alunos demonstram desenvolvimento parcial dos
BÁSI
conteúdos, competências e habilidades requeridos para a série
CO
escolar em que se encontram.
Os alunos demonstram conhecimentos e domínio dos
ADEQ
conteúdos, competências e habilidades requeridos para a série
UADO
escolar em que se encontram.
Os alunos demonstram conhecimentos e domínio dos
AVAN
conteúdos, competências e habilidades além do requerido para a
ÇADO
série escolar em que se encontram.
Tabela 11: Descrição dos níveis de proficiência no SARESP
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2015)
No dia 9 de fevereiro de 2015, foram divulgados no site da SEE-SP os
resultados das sobre as escolas estaduais de São Paulo que conquistaram uma
marca histórica no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo
(IDESP), pois foi o maior dos últimos cinco anos.
Vale observar que conforme o quadro 9, não houve evolução no EF II em
Matemática, pelo contrário houve um decréscimo de 0,4%. Os dados só foram
disponibilizados no site oficial do IDESP referente ao desempenho das escolas em
cumprimento com as metas. Os dados foram disponibilizados e retirados
rapidamente e somente no final de março ficaram disponíveis, pois houve o
pagamento do bônus às escolas que atingiram as metas. Foi divulgada uma lista no
Facebook, de maneira extraoficial em relação ao cumprimento das metas das
escolas, com isso tinha-se uma noção das escolas que atingiram as metas.
O IDESP tem a finalidade de avaliar a qualidade do ensino nas séries/anos
iniciais (1º a 5º anos) e finais (6º a 9º anos) do EF e no EM, em cada escola estadual
paulista. A metodologia utilizada no cálculo do IDESP permite que a escola
acompanhe sua evolução de ano para ano. O indicador mensura a aprendizagem
dos estudantes e tem como papel fundamental de dialogar com a escola,
fornecendo-lhe ao mesmo tempo um diagnóstico que aponte suas fragilidades,
potencialidades e um norte que permita investimentos para a melhoria constante.
Com as metas de longo prazo até 2030, pretende-se que as escolas públicas
da rede estadual do Estado de São Paulo atinjam índices comparáveis aos dos
países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que são os mais bem colocados do mundo em termos de qualidade da
educação. Embora as metas para 2030 sejam iguais para toda a rede, as metas que
são dadas as escolas, respeitam o ponto de partida que se encontram. Deste modo,
cada escola possui metas considerando o contexto em que a escola se encontra e
sua clientela.
Apresentaremos agora os dados do IDESP 2014 da escola na qual sou
professora no EF II. A meta do EF II conseguiu ser alcançada em 2014 após de
cinco anos. A tabela abaixo traz os índices desta escola em comparação com as
demais escolas da Diretoria.
5º ano EF
9º ano EF
3ª série EM
ESCOLA
----------
2,90
2,02
DIRETORIA
5,11
2,54
1,98
MUNICÍPIO
5,11
2,54
1,98
ESTADO
4,76
2,62
1,93
Tabela 12: Resultados comparativos IDESP 2014
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2014)
Evolução e cumprimento das metas de 2014, por ciclo escolar
I
I
DESP
DESP
2013
2014
M
ETAS
ÍNDICE DE CUMPRIMENTO
2
014
5º ano EF
9º ano EF
3ª série EM
---
---
2
,42
-------
-2
,90
1
,88
--
2,
59
2
,02
2,
01
120,00
107,69
Tabela 13: Evolução e cumprimento das metas de 2014
Fonte: SÃO PAULO, SSE-SP (2014)
3.1.3 Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
Conforme dados extraídos do site do INEP, ENEM é uma avaliação para os
alunos do EM. Atualmente, a nota dos inscritos pode ser utilizada para concorrer
vagas nas universidades federais que integram o Sistema de Seleção Unificada
(SISU), ou ainda para bolsas do Programa Universidade para Todos (PROUNI),
além de financiar os seus estudos mediante ao programa de Financiamento
Estudantil (Fies). A nota do ENEM é também utilizada para participação do
programa de intercâmbio Ciência sem Fronteiras dos alunos que estão na
graduação. Segundo o MEC, o inscrito na prova precisa obter nota mínima de 450
pontos em cada uma das áreas do conhecimento e 500 pontos na redação.
Os alunos que estão no segundo ano do EM, são orientados a fazer o ENEM
como trainee, para conhecer a prova, como funciona e como é a organização. Fazer
a prova é importante, além da verificação de conhecimento em relação ao grupo, é
um recurso para constatar o que sabe e o que precisa saber. Mediante os
resultados, investir nos estudos para se preparar para prova oficial. O aluno aprende
através da experiência. Sendo assim, o aluno se prepara cognitivamente e
emocionalmente para participar do processo.
Alguns ficam satisfeitos, com os resultados e sabem que precisam investir
mais na busca por nota maior. Já outros estudantes ficam desesperados,
reconhecem que falta competência para trabalhar com determinados assuntos,
mudam de atitude e começam investir e dedicar-se mais ao estudo.
3.1.4 Programme for International Student Assessment (PISA): avaliação
externa (internacional)
O site do INEP traz informações sobre o Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes (PISA), uma iniciativa internacional de avaliação aplicada a
estudantes na faixa etária dos 15 anos de idade em que se pressupõe o término da
escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.
O programa foi desenvolvido e é coordenado pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em cada país participante há
uma coordenação nacional, que no Brasil é realizada pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
O objetivo deste programa é produzir indicadores que contribuam para a
discussão da qualidade na educação, nos países participantes, de modo a subsidiar
políticas de melhoria do ensino básico. Sendo assim, procura-se avaliar até que
ponto as escolas de cada país participante, oportuniza a aprendizagem e prepara
seus jovens para exercer o papel de cidadãos com autonomia. Dominar conteúdos,
desenvolver
habilidades,
elaborar,
argumentar
e
aprender
a
aplicar
os
conhecimentos em novas situações.
As avaliações do PISA acontecem a cada três anos e abrangem três áreas
do conhecimento: leitura, Matemática e Ciências. O Pisa 2009 verificou o domínio de
leitura; em 2012 foi a Matemática; em 2015 será Ciências e assim sucessivamente.
Além de observar as competências dos estudantes em leitura, Matemática e
Ciências, o programa coleta informações para a elaboração de indicadores
contextuais, os quais possibilitam relacionar o desempenho dos alunos a variáveis
demográficas, socioeconômicas e educacionais.
Essas informações são coletadas por meio da aplicação de questionários
específicos para os alunos e para as escolas, como faz o SARESP. Os resultados
desse estudo podem ser utilizados pelos governos dos países envolvidos como
instrumento de análise para investimentos em políticas públicas educativas. Além
disso, o programa apresenta um parâmetro de como estamos em relação aos outros
países no processo educacional, pois há uma classificação entre os países
participantes.
O Brasil, apesar de ter conseguido algumas evoluções, ainda se encontra em
um péssimo patamar, estando em posições mais baixas das classificações do Pisa.
Entre os 65 países que participaram, o Brasil ficou em 58º lugar. O PISA é um dos
mais importantes testes internacionais para comparar o nível educacional das várias
regiões do mundo.
Pi
Pi
Pi
Pi
sa 2000
sa 2003
sa 2006
sa
Pi
2
sa 2012
2
1
009
Número de alunos
participantes
4.
893
Leitura
452
3
96
Matemática
Ciências
4.
4
3
93
56
8.589
4
12
3
70
3
90
0.127
3
3
3
75
295
03
34
9.
10
3
86
3
90
4
3
91
4
05
4
05
Tabela 14: Comparativo dos resultados do Brasil no PISA desde 2000
Fonte: BRASIL (2014)
O Brasil apresentou uma evolução, conseguiu ganhos no desempenho em
Matemática, saindo dos 356 pontos naquele ano de 2003 e chegando aos 391
pontos em 2012, um aumento no período de aproximadamente 10%, segundo os
dados divulgados. Considera-se está numa posição ruim no ranking, por se tratar da
sétima economia do mundo.
O quadro apresenta uma evolução de proficiência dos alunos em relação ao
aprendizado da Matemática, ressaltada pelos ganhos obtidos pelo Brasil em
Matemática, que se devem ao desenvolvimento econômico, social e cultural. Apesar
disso, o Brasil ainda está abaixo da média da OCDE, ficando no patamar de países
como Albânia, Jordânia, Argentina e Tunísia. Comparando com América Latina, o
desempenho dos brasileiros está abaixo de países como o Chile, México, Uruguai e
da Costa Rica, saindo-se melhor que Colômbia e o Peru. Fica aqui evidente a
gravidade da aprendizagem em Matemática, mesmo com a nítida evolução.
A tabela abaixo demonstra a classificação dos Estados, mediante os
resultados da avaliação, reflete o conhecimento dos estudantes em Matemática,
com o DF em 1º lugar; leitura, tendo o Rio Grande do Sul como campeão; e
Ciências, vencido pelo Espírito Santo.
P
P
M
P
Estad
osição
P
L
C
osição
AT.
osição
EITURA
IÊNCIA
o
ota
em
Geral
(pontos)
em Mat.
em
(pontos)
(pontos)
Leitura
Espíri
1
to Santo
º
o Federal
do Sul
Catarina
º
do Sul
º
Gerais
º
Paulo
º
á
º
a
º
03
28
º
04
27
º
03
22
º
º
22
º
4
11
º
4
14
7
º
4
12
17
º
16
4
6
4
9
17
º
17
4
3
4
8
19
º
20
4
8
4
7
4
9
º
º
20
º
15
4
5
4
5
4
8
3
º
22
º
18
4
4
4
3
4
6
4
º
23
º
19
4
2
4
6
4
7
4
95
23
º
23
º
1
4
1
4
4
4
Paraíb
9
º
08
Paran
7
º
28
º
33
4
2
4
2
4
São
7
º
15
º
28
geral
Ciências
4
4
5
4
Minas
5
27
º
07
4
1
4
MG
5
º
16
Santa
4
3
4
Rio G
3
º
14
Distrit
2
º
4
N
osição
4
14
9
º
4
06
Rio de
1
Janeiro
0º
89
Piauí
1
1º
3
Sergi
pe
2º
ônia
3º
82
4º
3º
79
Ceará
1
5º
5º
3
78
Rio G
1
Norte
5º
7º
á
8º
1
2
2
0º
1
3
Acre
81
3º
3º
87
9º
3
83
0º
3
75
2
2º
3
80
78
1º
77
3
2
3
2
79
9º
78
3
1
3
1
84
8º
81
3
1
3
2
3
2
4º
1º
87
4º
82
3
1
3
2
3
2
3
59
3
1
3
1
3
87
6º
90
5º
82
9º
60
2
96
8º
66
8º
89
7º
87
3
1
3
1
3
1
3
Pará
88
2º
70
6º
90
2º
86
3
1
3
1
3
2
3
Tocan
tins
0º
1
3
Mato
3
1
3
1
3
92
5º
96
4º
93
7º
60
Grosso
9º
1
3
Amap
3
1
3
1
3
97
3º
89
7º
97
4º
73
1
93
6º
80
2º
99
0º
94
3
1
3
1
3
1
3
Bahia
1
00
1º
03
3º
1
4
1
4
1
01
1º
97
4
1
3
1
3
0º
03
2º
1
4
1
3
Goiás
1
08
1º
84
4
1
3
Rond
1
1
0º
85
1
2º
3
3
75
2
0º
3
74
Amaz
2
onas
3º
56
Rorai
2
Maran
2
43
Alago
2
6º
as
42
BRAS
7º
3
IL
69
91
6º
55
5
8º de 65
países
7º
4
10
5º de 65
países
3
57
2
7º
4
05
71
6º
46
3
2
3
5
71
5º
59
3
2
3
2
71
4º
74
3
2
3
2
3
3º
75
5º
2
3
2
3
2
76
4º
76
3
2
3
2
3
2º
77
0º
2
3
2
3
hão
6º
82
1º
63
3
2
3
mbuco
3º
5º
62
Perna
2
2
3
ma
3º
7º
3
3
48
5
9º de 65
países
Tabela 15: Desempenho dos estados do Brasil no PISA 2012
Fonte: Revista Exame (2013)
3.2 Práticas Institucionais
Sabemos dos inúmeros fatores que estão envolvidos nos índices apontam os
resultados e não podemos deixar de lado a prática pedagógica existente na
atualidade. Afinal, como explana Fonseca (1995) o professor é o responsável por
promover e estruturar o envolvimento educacional para propiciar as capacidades de
aprendizado dos sujeitos, conseguindo provocar, reforçar e otimizar os potenciais de
se adaptar e socializar.
Esta mudança do fazer pedagógico, também é abordado por Tardif (2014)
O contexto em que se trabalha o magistério tornou-se complexo e
diversificado. Hoje, a profissão já não é a transmissão de conhecimento
acadêmico ou a transformação dos conhecimentos comum do aluno em um
conhecimento acadêmico. A profissão exerce outras funções: motivação,
luta contra a exclusão social, participação, animação em grupos, relações
com estruturas sociais, com a comunidade. (TARDIF, 2014 p. 14).
Neste sentido, é fundamental rever sobre a formação docente, que segundo
Imbernón (2011) precisa se constituir num processo que ofereça ao professor
conhecimentos, habilidades e atitudes para que ele reflita sobre sua ação e
investigue possibilidades. Para o autor, o eixo curricular essencial para a formação
do professor é a construção de instrumentos intelectuais para ampliar o poder
reflexivo, que de buscar interpretar, compreender a educação e a realidade social
que a envolve.
Em consonância, Antunes (2011) ressalta que após o incrível avanços
das mídias e do alcance ao conhecimento, associado ao que se sabe sobre o
processo de aprendizagem exige um novo professor que oriente os alunos sobre
como coletar e organizar as informações, de forma a transformá-las em
conhecimento, possibilitando assim a ampliação de suas inteligências.
3.2.1 Ensino tradicional: foco no professor que ensina
O ensino tradicional caminha na direção oposta da necessidade de mudança
para uma educação de qualidade, sendo o ensino meramente expositivo, em que o
foco permanece no professor que ensina, e não no aluno e seu processo de
aprender. Há de ressaltar que o professor conteudista é o provedor da informação.
O processo é informativo, os alunos aprendem passivamente e fazem as atividades
individualmente.
O importante é o professor transmitir o conteúdo, estabelecido conforme o
currículo. Todos os alunos aprendem o mesmo conteúdo que é estabelecido pelo
currículo desconsiderando os conhecimentos prévios dos alunos para aprender
aqueles conceitos. Os exercícios são resolvidos conforme os modelos, depois o
mesmo corrige os exercícios na lousa. O conhecimento é visto apenas sob a sua
ótica.
Não devem existir espaços para sala de aula em cuja porta edificase o simbólico cabide onde, ao entrar, o aluno ali deixa penduradas as suas
emoções e sentimentos, posto que lá dentro valerá apenas pela lição que
faz, atenção que ouve e nota que tira. (ANTUNES, 2014, p. 15).
Independente se o aluno sabe ou não o conteúdo, se está aprendendo ou
não, se tem ou não capacidade cognitiva para acompanhar o raciocínio, a matéria é
disponibilizada, pois ele ensinou e foi o aluno que não aprendeu. O aluno acessa a
série sem conhecimentos, chegou onde está sem saber, o problema não é dele, a
culpa é do sistema. O professor, nestes casos, se vê como o detentor do saber,
afinal ele possui o conhecimento, pois cursou a Universidade, a pós-graduação, etc.
Não existem nessas aulas interações ou trocas e as situações de aprendizagem
ocorrem para assimilar conteúdos, vide exercícios, muitas vezes, sem significado ou
relação com a vida cotidiana.
Há pouco enfoque na aplicação de fatos ou conceitos com uma diversidade
cultural e quase sem preocupações com o desenvolvimento intelectual do aluno. O
aluno faz exercícios para dominar as regras, visando tirar boa nota na prova.
O ensino de matemática se faz, tradicionalmente, sem referência ao
que os alunos já sabem. Apesar de todos reconhecermos que os alunos
podem aprender sem que o façam em sala de aula, tratamos os nossos
poderá alunos como se nada soubessem sobre tópicos ainda não
ensinados [...] A professora de matemática poderá, a partir deles, ficar mais
atenta para as situações diárias em que a matemática intervém. (NUNES,
2011, p. 38).
No processo avaliativo, os alunos são motivados pela nota e não pelo
aprendizado. Há de considerar que houve consideráveis mudanças no perfil dos
professores com mudança de foco do professor ensinar para o aluno aprender.
Nesta perspectiva, Imberón (2011) destaca que até os edifícios não são mais
adequados para a educação neste século, que deixa de promover momentos de
intercâmbio, tendo a comunidade como componente mais importante da educação,
que pode propiciar a formação emocional das pessoas, conquistada nas relações.
3.2.2 Aluno: centro do ato pedagógico
Para Tardif (2014), é o aluno que passa ser o centro do ato pedagógico, para
que a aprendizagem deste aconteça. O foco não está mais no professor que ensina,
mas sim no aluno que aprende.
O saber que o educador deve transmitir deixa de ser o centro da gravidade
do ato pedagógico, é o educando, a criança, essencialmente, que se torna o
modelo e o princípio da aprendizagem. De forma um pouco caricatural,
poder-se-ia dizer que o ato de aprender se torna mais importante que o fato
de saber. O saber dos professores passa, então, para um segundo plano
fica subordinado a uma relação pedagógica centrada nas necessidades da
criança e do educando, podendo até chegar-se a confundir-se totalmente
um saber-fazer, “saber-lidar” e um saber estar com as crianças. (TARDIF,
2014, p. 45).
A aprendizagem centrada no aluno coloca o aluno como protagonista do
processo. Assim, o aprendizado parte daquilo que o aluno sabe, ou seja, seus
conhecimentos prévios. O professor deve conhecer o potencial de cada aluno; suas
habilidades e dificuldades, isto é, do que sabe, o que não sabe e porque não sabe;
para proporcionar aquele conhecimento que o aluno necessita saber. Deve ser
levado em conta, as suas experiências, sua cultura e possibilitar ao aluno ampliar
seus
conhecimentos,
através
da
intervenção
pedagógica,
com
recursos
educacionais. Neste processo, é essencial o professor intervir através de ações que
favoreçam o aluno a aprender, considerando-se o seu ritmo de aprendizagem, sua
história de vida e o seu universo cultural.
Quem ensina precisa ter presente a indagação: por que aprender
isso? E em seguida: qual a melhor forma de apresentar isso aos alunos, de
modo que eles o reconheçam como significante? Terá mais chance de ser
significante aquilo que tenha ligações com o que já é conhecido, que atenda
a expectativas ou que seja estimulante e agradável. Uma explicação prévia
do assunto a ser aprendida, que faça ligações do seu conteúdo com o seu
cotidiano de aprendiz e que crie expectativas adequadas é uma boa forma
de atingir esse objetivo. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 48).
Nesta perspectiva, o aluno deve ser ativo, participar do processo de
aprendizagem individualmente, em parcerias ou no coletivo. Sair do papel de mero
espectador e fazer seu papel de estudante, participar, ler, pensar, interpretar,
raciocinar, colocar seus pontos de vista, confrontar ideias, refletir, decidir
estratégias de resolução, relacionar, comparar, avaliar, tomar decisões, resolver a
situação problema, validar os resultados encontrados, refletir, reconsiderar, pois
tais ações contribuem com o processo de aprendizagem do coletivo da sala de aula
e o seu em particular.
A relação professor entre aluno se estabelece ao ensinar o aluno a aprender,
e o professor somente vai mediar esta ação se compreender como o seu aluno
aprende. O aluno vai respeitar e valorizar o professor quando percebe que este se
preocupa consigo e com o seu aprendizado.
A escola ao assumir, entretanto, um papel “educativo” e portanto, ao
usar a herança cultural a ser transmitida como instrumento para
desenvolver competências, aguçar sensibilidades, ensinar a aprender,
animar inteligências, desenvolver múltiplas linguagens, capacitar para viver,
assim, “transformar” o ser humano; as relações interpessoais passaram a
ganhar dimensão imprescindível. (ANTUNES, 2014, p.14).
A escola é o lugar em que o aluno aprende o saber sistematizado, que na
maioria das vezes esse aprendizado é construído dentro da sala de aula, na troca,
na colaboração com professor e com os colegas, na interação com os conteúdos,
durante a pesquisa, na exploração do ambiente e no uso da tecnologia.
Fonseca (1995) retoma a importância de se compreender o papel dos fatores
socioculturais associados à redução do potencial de aprendizagem, como
vulnerabilidade social, poucos estímulos, fraca interação e mediação entre adultos e
crianças, seja no plano lúdico ou linguístico, o que pode originar códigos restritos e
pouco elaborados. Conhecer o aluno e seu contexto de vida é primordial para
pensar sobre as intervenções adequadas e necessárias para a promoção de uma
educação de qualidade.
3.3
As
dificuldades dos alunos na aprendizagem em
Matemática
Muitos alunos se apropriaram de um discurso pronto, que possuem
dificuldades em aprender Matemática, “não conseguem entender a matéria, pois é
difícil”, “esquecem tudo na hora da prova”, “dá branco” e “não conseguem lembrar
do que aprenderam”, “a cabeça dói”, “não aprendem porque ‘puxou’ para a mãe,
pai”, muitos fazem dessas frases “amuletos” para justificar a não dedicação a
disciplina de matemática ou a DA.
Neste sentido, sabemos que “as dificuldades com a matemática podem trazer
medo e ansiedade, que interferem no funcionamento de outras áreas cognitivas,
ainda que preservadas.” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 114).
As dificuldades de aprendizagem dos alunos, às vezes se tornam uma
equação a ser solucionada. Observam-se as diferenças entre os níveis de
aprendizado dos alunos: uns com domínios dos conteúdos e outros com falta de prérequisito, não tendo domínio das operações básicas.
As porcentagens das DA e do insucesso escolar, como é sabido,
estão mais concentradas nas crianças oriundas de meios sócio-econômicos
desfavoráveis. Tais porcentagens sugerem significativamente que as
influências
sociológicas
fazem
sentir
com
as suas
consequências
devastadoras. (FONSECA, 1995, p.114).
Em determinada aula, a ser trabalhado um conteúdo específico, algumas
vezes atividade não é possível adaptá-lo às NEEs do aluno. Coloca-se, por exemplo,
situações problemas de porcentagem: aumento de salário, da gasolina, gastos
mensais familiares, gasto extra com remédio. Há aluno que não é alfabetizado,
domina apenas adição e subtração simples, e às vezes nega-se ou sente-se
constrangido de fazer atividade diferenciada. Por isso a conquista do aluno não é
fácil, pois este já vem com emoções negativas de processo educativo mal resolvido.
Resolver um problema não se resume em compreender o que foi
proposto e em dar respostas aplicando procedimentos adequados.
Aprender a dar uma resposta correta, que tenha sentido, pode ser suficiente
para ela seja aceita e até seja convincente, mas não é garantia de
apropriação do conhecimento envolvido. Além disso, é necessário
desenvolver habilidades que permitam provar os resultados, testar seus
efeitos, comparar diferentes caminhos para obter as soluções. Nessa forma
de trabalho, a importância da resposta correta cede lugar a importância do
processo de resolução. (BRASIL, 1997, p. 42)
Alguns alunos acessam o EF sem o domínio dos cálculos das operações, não
conseguem abstrair, fazem atividades subsidiadas com material concreto. Faz-se
necessário algumas vezes solicitar que o aluno para sua construção mental se apoie
nos dedos para fazer os cálculos da tabuada, ou até utilizar recursos concertos, ou
outra etapa como a construção com tracinhos de grupos de cinco. Contudo, muitas
vezes, é difícil imaginar que temos na rede alunos que não conseguem contar a
sequência numérica de cinco em cinco.
Na avaliação diagnóstica, quando dado em sentença matemática, (1000 – 19
= ), muitos não conseguem resolver e alguns alunos dão como resposta 1019, não
conseguindo decodificar o sinal de subtração, nem refletir sobre o resultado
encontrado. Outros respondem 981, sem demonstrar o cálculo, pois há crianças que
resolvem mentalmente, pois não conseguiram o resultado de outra forma. Verifica-se
que o que aluno que sabe o conceito da subtração, com dificuldade apenas na
sistematização do cálculo. Os alunos compreendem o processo e domínio do cálculo
mental que é um grande avanço. A maior reclamação dos alunos é quanto à
dificuldade de aprendizagem da divisão.
Ensinar a uma pessoa uma habilidade nova implica maximizar o
potencial de funcionamento de seu cérebro. Isso porque aprender exige
necessariamente
planejar
novas
maneiras
de
solucionar
desafios,
atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais a trabalhar com a
máxima capacidade de eficiência. (RELVAS, 2010, p.15).
Sabe-se que os ritmos de resolução são diferentes, entre os alunos que tem
DAs, daqueles que requer pensar, buscar estratégias. Gasta-se mais tempo e
energia na busca de pensar, elaborar, processar, evocar. Alguns não conseguem
acompanhar o ritmo da turma, criando cada vez mais um grande fosso entre os
alunos, daqueles que possuem o conhecimento automatizado.
Alguns aprendizados na Matemática são interdependentes. Para que o aluno
construa alguns conhecimentos, são necessários conhecimentos prévios, por
exemplo, ao aprender multiplicação requer o conhecimento da adição. Já para a
divisão é necessário compreender os processos de adição, subtração e
multiplicação. A raiz quadrada exige conhecimentos de adição, multiplicação e
potenciação. A porcentagem demanda aprendizagem a respeito de multiplicação,
divisão, subtração e fração centesimal
10
100
~ 10% etc. Se o aluno domina as
operações básicas torna mais favorável a compreensão, resolução, pois ao verificar
os cálculos o fará automaticamente, não precisando pensar, construir ou utilizar
outro recurso. A grande dificuldade ao aluno resolver determinado cálculo, como
8x5, ocorre por não dominar a tabuada na MLP, o aluno para o processo e vai
construir a tabuada para buscar o resultado.
A dificuldade se dá porque o aluno não tem memorizado a tabuada. Verificase a necessidade de o aluno ter o domínio da tabuada ou pelo menos alguns
números chaves para que possa evocar na memória e partir deles fazer a
construção. O tempo gasto no percurso de construir a tabuada, 2x1=2, 2x2=4,
2x3=6, dificulta ainda mais o processo de aprendizagem o aluno começa e não
consegue acompanhar o ritmo dos amigos. As experiências dos alunos fora da sala
de aula com situações de compras, pagamentos é necessário a ação para
desenvolvimento do raciocínio e tomada de decisões.
Muitas vezes, comparamos alguns estudantes e nos perguntamos
por que uns aprendem e outros têm determinadas dificuldades em
compreender a aula. Em algumas situações discriminamos até mesmo suas
inteligências, medindo e mensurando por meio de conceitos e notas, a fim
de utilizar-se como medida da aprendizagem no desempenho escolar.
(RELVAS, 2010, p. 21).
Os alunos precisam aprender Matemática, mas necessitam investir um pouco
mais em situações de aprendizagem e momentos de estudo. Quando são indicados
ao reforço escolar, pois precisam de momentos de estudo, às vezes, não existe a
preocupação em participar e nem a família apoia ou cobra isso deles. Para otimizar
conhecimentos, é essencial ter a tabuada de memória, pois o aluno ao buscar
estratégias de resolução será mediante ao seu repertório de experiências e estudos.
Muitas vezes o aluno que não detém a tabuada na MLP, porque este conhecimento
não foi construído, nem possui significado. Provavelmente, as etapas foram
ignoradas, passando diretamente ao cálculo, já que muitos professores dos anos
iniciais desprezam a necessidade de representação no concreto da tabuada.
Ao ter a tabuada memorizada, pode efetuar resoluções e ao evocar a
memória será mediante: igualdade, semelhança, experiência de resolução, ao não
conseguir identificar será necessário buscar estratégia, pensar, criar, resolver, ou
através de um insight.
O auge do automatismo pode ser visto quando a expertise gera um
bom resultado de atenção sem esforço para uma alta demanda, seja numa
partida de xadrez profissional, numa corrida da Nascar ou na elaboração de
um quadro a óleo. (GOLEMAN, 2014, p. 35).
O aluno no seu cotidiano quando vai à feira, mercado, papelaria, etc., há uma
situação de compra, por ex., o adolescente vai à banca de jornal comprar figurinhas,
revistas, vivencia situações problema: o que comprar, quanto pode gastar, gestão do
dinheiro, o pagamento a conferência do troco, administrar. Essas situações reais
com dinheiro levam ação e algumas consequências pelo ato de não prestar atenção
que são perder dinheiro, passar vergonha em determinada situação por não fazer
estimativas
negativas.
A experiência propicia aprendizados e prevenção a futuras ações
O conhecimento proporciona a autonomia, quando por ex. no cinema ao
avaliar entre comprar: o lanche separado ou o combo fornecido pela empresa, o
chocolate na embalagem leve 3 e pague 2, ou comprá-los individuais? As situações
reais o aluno ao resolver há a ação mental, a compreensão dos valores cobrados e
faz-se necessário interpretar o que sai mais barato e quando possui esse
conhecimento decide-se pelo melhor preço. Na sala de aula às vezes diferem das
situações reais. Os problemas escolares, as vezes o aluno erra, por distração, faltou
atenção, concentração porque não refletiu sobre o processo apenas fez ato
mecânico.
Na aula de matemática, as crianças fazem conta para acertar, para
ganhar boas notas, para agradar a professora, para passar de ano. Na vida
cotidiana, fazem as mesmas contas para pagar, dar troco, convencer o
freguês de que seu preço é razoável. Estarão usando a mesma
matemática? O desempenho nas diferentes situações será o mesmo? Que
papel exerce a motivação da venda? Que explicação existe para que
alguém seja capaz de resolver um problema em uma situação e não em
outra? (NUNES, 2011, p. 35).
O errar tem como consequências, punição e perdas. Com certeza esse sujeito
da próxima vez terá outras ações como: usar uma lista de produtos, fazer estimativa
ou usar calculadora. Quem já não presenciou uma situação constrangedora de
determinado sujeito no caixa do supermercado, com o fiscal autorizando a caixa
debitar objetos, pois o dinheiro foi insuficiente para pagar a compra.
No entanto, a matemática não é apenas uma ciência: é também
uma atividade humana, a construção da matemática não é realizada
necessariamente
pelas
“leis”
da
lógica.
Uma
descoberta
matemática pode na verdade, ocorrer por indução, sendo processo de prova
posterior. A prova teria, para o indivíduo neste caso, não uma função de
criação de novos conhecimentos, mas de demonstração de algo já
descoberto para a comunidade científica, no entanto, a prova mereceria o
status de “novidade” ou “descoberta” (NUNES, 2011, p. 28).
A matemática está presente em ações que praticamos. Alguns alunos
apresentam a dificuldade que se dá no pensamento numérico, em que o aluno
consegue fazer analogia com o concreto, no caso do dinheiro ou medidas.
As estratégias de aprendizagem que têm mais chance de obter
sucesso são aquelas que levam em conta a forma do cérebro aprender. É
importante respeitar os processos de repetição, elaboração e consolidação.
Também faz diferenciação utilizar diferentes canais de acesso ao cérebro e
de processamento da informação. (IZQUIERDO, 2011, p. 74).
Ao começar a aprender o pensamento algébrico, esta dificuldade se amplia.
Alguns conseguem resolver equações simples, as mais elaboradas não alcançam
resolver por falta de raciocínio lógico e domínio dos cálculos das quatro operações,
pois como destaca Vygotsky (1998)
Os conceitos algébricos representam abstrações e generalizações
de certos aspectos dos números, e não dos objetos, indicando assim uma
nova tendência – um plano de pensamento novo e mais elevado. Os
conceitos novos e mais elevados, por sua vez, transformam o significado
dos conceitos inferiores. O adolescente que dominou os conceitos
algébricos atingiu um ponto favorável, a partir do qual vê os conceitos
aritméticos sob uma perspectiva mais ampla. (VYGOTSKY, 1998, p. 143).
São várias justificativas que correspondem ao não aprendizado do aluno, ele
pode ter problemas de frequência e não ter participado da explicação, ou não
entendeu, ou faltou pré-requisitos, também pode acontecer de que ele não tenha
querido aprender, não ter se dedicado ou dedicou-se, mas não conseguiu. As
emoções são significativas quanto ao processo de aprender e de não aprender
gerando sentimentos ruins, emoções negativas, tais como: mágoas, baixa
autoestima, sentindo inferior. Neste sentido, Cosenza e Guerra (2011) alertam para
a importância de o ambiente escolar estar planejado para promover emoções
positivas.
O cérebro se dedica a aprender aquilo que ele percebe como
significante e, portanto, a melhor maneira de envolvê-lo é fazer com que o
conhecimento novo esteja de acordo com suas expectativas e que tenha
ligações com o que já é conhecido e tido como importante para o aprendiz
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 58).
O sujeito que disser que “não gosta de matemática” não deve ser considerado
menos inteligente do que outro, pois são habilidades, afinidades e inteligências
diferentes. Todavia apesar de não gostar, o aluno deve ter consciência de que
aprender alguns conhecimentos da matemática eles básicos para gerenciar a vida
cotidiana e o exercício da cidadania. Faz necessário o domínio da sistematização
dos cálculos das quatro operações; decimais, porcentagens etc., e do manuseio da
calculadora. Resolver situações problemas; ler fração; uma receita de bolo, fazer a
proporção dos convidados a compra no churrasco etc., e hoje mais do que nunca o
domínio das tecnologias smartphones, tablets e notebook. Conhecimentos para
gestão pessoal, administrar o salário ou mesada, pagamentos de água, luz,
supermercado, feira, açougue, farmácia etc. Através do raciocínio matemático obter
sucesso de gerenciamento da administração financeira, pessoal, doméstica e de
forma responsável e sustentável.
Sendo assim, é primordial considerar o aluno a peça chave da engrenagem
no processo de aprendizagem, de forma que ela se inicie de onde o aluno sabe,
considerando seus conhecimentos prévios para então ampliar o grau de dificuldade.
Vygotsky (1998) aponta a necessidade das interações, destacando o que o aluno
consegue fazer hoje através da cooperação dos colegas, conseguirá fazer amanhã
por conta própria.
A discrepância entre a idade mental real de uma criança e o nível
que ela atinge ao resolver problemas com o auxílio de outra pessoa indicam
a zona de seu desenvolvimento proximal; [...] A experiência nos mostrou
que uma criança com a zona de desenvolvimento proximal terá um
aproveitamento muito melhor na escola. Essa medida dá-nos uma pista útil
sobre a dinâmica do progresso intelectual do que aquela que nos é
fornecida pela idade mental (VYGOTSKY, 1998, p. 128).
Ele enfatiza também que a interpretação é influenciada pela interação social,
ressaltando a importância do papel do professor como mediador na transposição da
zona real para o potencial, para o aprendizado da criança.
3.3.1 Dificuldade Aprendizagem e/ou falta de estudo
O desenvolvimento humano é um processo de adaptação e a mais alta forma
de adaptação é a cognição, ou o conhecimento. Como deve haver progresso no
desenvolvimento, é preciso haver mudanças na informação e no comportamento,
essas mudanças definem a acomodação. Em resumo, assimilação implica reagir
com uma base em aprendizagem e compreensão prévias; acomodação implica
mudança na compreensão. Essa interação entre assimilação e acomodação leva à
adaptação, como aponta Lefrançois (2012).
Há de ressaltar que, às vezes, o insucesso dos alunos, e a baixa proficiência
com o conhecimento matemático, de uma parcela significativa dos alunos, não é
porque o aluno tem DA e sim porque não possui hábitos de estudar, de rever em
casa as aprendizagens vivenciadas em sala de aula. Sabe-se através da
Neurociência que o sujeito aprende pela vida inteira, além da importância de se
estudar para que o aprendizado ocorra. Os momentos de revisão ou recapitulação
são necessários para que o aluno venha ativar os conteúdos, pois o cérebro fixa,
ficando o conhecimento armazenado na memória de longo prazo. Os momentos de
reforço, revisão, disciplina, costuma criar hábitos de estudo.
Duhigg (2012) explana que criar um hábito não fácil, nem rápido e apesar de
também não ser simples, não se torna impossível. Nesta perspectiva, é preciso
compreender que os hábitos são preponderantes na formação do sujeito, para que o
conhecimento seja automatizado e seja arquivado na MLP, e sabe-se que durante o
sono se dá a solidificação dos conhecimentos. Também já vimos que por não ser
ativada a memória, pode se acabar esquecendo. Para que os alunos melhorem a
proficiência em matemática não há outro caminho além do estudo e de atividades
aprendizagens significativas, dedicação, disciplina.
Quando a criança aprende alguma operação aritmética ou algum
conceito científico, o desenvolvimento dessa operação ou conceito apenas
começou. O nosso estudo mostra que a curva do desenvolvimento não
coincide com a curva do aprendizado escolar, em geral, o aprendizado
precede o desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1998, p. 127, grifo nosso).
A respeito da melhor forma de estudar, Cosenza e Guerra (2011) defendem
que o aluno ao estudar precisa fazê-lo um pouco por dia, horas ou fração de horas e
adquirir hábitos de estudar, pois será arquivado na MLP. Sugere-se um espaço
calmo, tranquilo, sem estímulos que dispersem a atenção, como celulares, televisão
ou música.
O aluno após o aprendizado de matemática deve chegar a casa e rever os
conteúdos para que o aprendizado se fixe, refazendo o que foi proposto ou mesmo
utras atividades. O importante é pensar, construir, relacionar, ativar a memória e
saber fazer.
Assim se dá com o conhecimento da matemática, às vezes ao tentar refazer
um exercício talvez não consiga executá-lo de memória, é necessário que releia a
teoria, verifique o processo da resolução, entre outras ações. O processo de
aprendizagem, para cada um é diferente, o aluno deve observar como ele aprende.
A atenção focada, a motivação que tem para obter aquele conhecimento, a
concentração, a experiência, a contextualização são fatores que influenciam a
aprendizagem de cada um.
Cosenza e Guerra (2011) salientam que o aluno deve saber estudar, fazendo
períodos fracionados curtos, por exemplo, de duas em duas, ou de quatro em quatro
horas ao invés de um período de 8 horas. Além disso, não se pode esperar o último
dia para estudar todo o conteúdo, pois assim ocorrerá ativação da MCP. Observa
ainda que as revisões, ou reforço favorecem a fixação e os períodos curtos
beneficiam a atenção. “Como a consolidação ocorre durante o sono, os períodos de
descanso ajudam a fixar o que foi aprendido e preparam o cérebro para novas
associações”. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 73).
Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a
pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou
continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não
podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário,
nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito no processo. (FREIRE,
1996, p. 26).
O aluno, seus pais ou responsáveis precisam compreender que cada um é
responsável pelo seu aprendizado, isto é, ser gestor do seu conhecimento. Neste
caso, é necessário que se estabeleça objetivos e sonhos, porque ao tê-los fica mais
fácil constituir metas e estratégias, ter disciplina para alcançá-los para que o sonho
se torne realidade, e uma dessas metas deve constituir-se como ações de estudo.
É importante impulsionar o desenvolvimento das funções executivas por meio
do ensino de estratégias que o favoreçam. Elas devem estar voltadas para que os
estudantes aprendam a planejar suas atividades, sendo capazes de estabelecer
metas dentro de uma perspectiva temporal. “Pretende-se que eles saibam não só
buscar os recursos existentes, mas que saibam, também identificar as questões
relevantes, fazendo inferências e generalizações.” (COSENZA; GUERRA, 2011 p.
98).
3.4 As dificuldades de ensino no Brasil
A mídia questiona tanto a qualidade da educação, a formação dos
professores, entre outros fatores que poderiam ser responsáveis por esta situação.
Há várias discussões e pontos de vista; na sociedade, professores, pais, alunos,
conselho de escola, gestores, SEE, para compreender o baixo desempenho dos
alunos em Matemática.
Todos têm uma contribuição a dar, contudo, por vezes, busca-se um culpado,
já que alguns falam com conhecimento e outros sem nenhum. Infelizmente os que
menos sabem como funciona uma sala de aula são os que mais criticam. De modo
geral, as críticas mais comuns são que a escola não ensina mediante a realidade do
aluno, os conteúdos não são compreensíveis e adequados, estão distantes do seu
cotidiano, as escolas públicas direcionam o saber para o campo do trabalho, as
particulares o enfoque para vestibular.
Se o aluno não aprende, o culpado é o professor, sua formação, seu
conhecimento, sua metodologia, sua empatia, entre outros aspectos. Claramente,
não é algo que deve ser desconsiderado, contudo o professor não pode assumir
esta questão sozinho, é necessário observar a parcela de responsabilidade que
cabe ao sistema, a família, ao aluno (dependendo da idade).
Diante deste quadro, de nada resolve culpar este ou aquele, mas é preciso
rever a formação docente, desde os cursos de graduação à formação continuada,
em horário de trabalho subsidiado pelo poder público, da gestão escolar e do próprio
professor.
Ensinar e aprender faz parte das faces da mesma moeda, assim como
aprendizado e memória. Portanto a ênfase de aprender e deste processo fazem
parte
diferentes
facetas:
professor,
conhecimento
(informação,
conteúdos,
experiência), alunos e o meio cultural no qual o aluno está inserido. Desta maneira,
é preciso considerar que:
Cada um é portador de um código biológico, uma história particular
de vida e um volume imenso de circunstância que evoluíram e evoluem de
forma dinâmica, tornando-o absolutamente incomparável. Dessa maneira,
mesmo que um determinado vocábulo possa, por exemplo, evocar o mesmo
sentido para duas pessoas diferentes, a intensidade com que cada um o
acolhe jamais será absolutamente igual. (ANTUNES, 2014, p.10).
Aprender é algo pessoal, individual e intrínseco, já que não se consegue
aprender pelo outro. O professor pode mediar, mas é ele que aprende, pois posso
ensinar e o aluno não aprender, pois aprender necessita disponibilidade, querer, ter
atenção, compreender, trocar pontos de vista, interagir. Recordo-me um dia em aula
no EF I, numa escola de periferia, numa 3ª série em que a maioria dos alunos estava
em processo de alfabetização, eu inexperiente, nunca tinha alfabetizado falei pra
aluna: “U de uva”. A aluna prontamente me perguntou: “O que é uva professora”?
Quando mediamos o conhecimento fica claro para emissor que as minhas
comandas estão claras e estão sendo compreendidas, mas para o destinatário, o
aluno, cada um interpretará mediante o seu conhecimento, suas experiências e
repertório de vida ou também não interpretará. O professor não pode fazer a simples
transferência dos conhecimentos, uma vez que cada um é detentor de uma história
de vida totalmente diferente. Assim,
O professor precisa ir também se transformando em um analista de
símbolos e linguagens, um descobridor de sentidos nas informações e,
também, o profissional essencial do despertar das relações interpessoais
(ANTUNES, 2011, p. 12).
Neste contexto de buscar compreender as razões para a baixa qualidade da
educação brasileira, é preciso compreender que os salários dos professores é outro
quesito importante, pois os professores são maus remunerados se comparados com
outros países aqui na América do Sul, onde há investimentos no professor. Além
disso, se vê a falta de valorização da escola pública, não se encontra mais na escola
o acesso financeiro e cultural, em algumas escolas, a indisciplina e a quantidade de
alunos em sala de aula impossibilitam qualquer proposta pedagógica.
3.4.1 A falta de investimentos em recursos e ambientes educacionais
Através de minha experiência em várias redes públicas de ensino, pude
perceber que, em algumas escolas, a gestão investe em recursos educacionais para
favorecer a aprendizagem dos alunos, como sala de informática, notebook e data
show por sala, sala de vídeo, leitura, laboratórios, entre outros.
Contudo, na maioria das escolas, a sala de informática ainda não garante um
aluno por micro, pois, às vezes, a manutenção não é realizada constantemente e há
micros que não funcionam. Os professores não podem usar as salas de informática
quando não há estagiários. Neste caso, o ideal seria cada aluno com o seu tablet e o
professor usar recursos educacionais na sua aula. A aprendizagem mais significativa
despertando o interesse, mantendo a concentração dessa geração conectada, pois
giz e lousa são apenas alguns dos recursos, sendo necessário buscar outros, como
aponta Arroyo (2000).
Na alegria de fazer descobertas desde a infância, de descobrir-se criança,
adolescente ou jovem. O aprendizado de métodos de estudo, pesquisa e
trabalho, de dúvida e interrogação do real e de si mesmo, de sua classe e
grupo. A necessidade e capacidade de comunicar o aprendido, de saber os
caminhos, os métodos, os processos, por que se chegou ao conhecimento,
às formas de entender a natureza, de produzir, de sobreviver, de conviver...
Aprender métodos, recursos, processos, lógicas, ferramentas acumuladas
socialmente. Aprender como usá-las para ir além da construção da
sociedade. (ARROYO, 2000, p. 121).
Devem-se garantir espaços exclusivos para aprendizagem, que possam
proporcionar momentos de aprendizagem significativos, contextualizados quando
possível, ou com situações problema demonstrando a aplicabilidade em situações
reais. As bibliotecas os livros, na maioria das vezes, não atendem às necessidades
de leitura dos adolescentes de hoje. Faltam investimentos de livros adequados para
faixa etária dos alunos, ou mesmo para uma quantidade adequada. Neste ano,
foram atribuídas as aulas de leitura na minha escola, estando em processo de
mudança da biblioteca para se tornar uma sala de leitura.
Na maioria das escolas ocidentais, a tarefa de aprender os sistemas
notacionais é executada no ambiente relativamente descontextualizado das
escolas. Muitos alunos não conseguem relacionar o conhecimento de senso
comum com conceitos cognatos apresentados num contexto escolar.
(GARDNER, 1995, p.106).
Neste viés, é essencial que os alunos sejam oportunizados a relacionar a
matemática que faz parte do seu cotidiano com o aprendizado escolar (vice-versa),
como afirma Relvas (2010), “todo processo de formação implica alguma
aprendizagem, indicando simplesmente que alguém veio saber algo que não sabia,
como uma informação, um conceito, uma habilidade, capacidade.” (RELVAS, 2010
p. 25).
Na rede estadual em que atuo, os alunos possuem livros didáticos, cadernos
de exercícios do aluno, as apostilas, mas dependendo da turma são necessários
que outros conhecimentos sejam construídos, porque na maioria das escolas temos
como recurso apenas a lousa e o giz. Outro fator que precisa ser considerado, existe
uma cota para cópias (60 mensais por professor), contudo temos salas com uma
média de 35 alunos e se pensarmos que o professor de EF II trabalha com mais de
uma turma, essa quantidade não garante uma atividade por mês para cada aluno.
Na aula de Matemática o aluno tem que desenvolver o raciocínio lógico, pensar,
criar hipóteses, resolver, comparar, interpretar e construir gráficos. Como professora
o tempo da aula deve ser utilizado para o aluno aprender, construir conhecimento, e
não ficar transcrevendo para o caderno situações problemas.
Existem outros fatores que contribuem para o sucesso na escola,
como a motivação, o ambiente escolar, fatores culturais etc. Além disso, a
intervenção escolar (escolaridade formal) afeta a inteligência, não só
permitindo o aumento da informação, mas modifica positivamente os
resultados dos testes de inteligência (COSENZA; GUERRA, 2011 p. 126,
grifo nosso).
Estudos já efetuados verificaram a eficácia das tecnologias para treinamentos
mentais em atletas através de jogos com situações a favorecer o desenvolvimento
da atenção e concentração dos atletas. Há departamentos de esportes, que utilizam
jogos de vídeo game para melhorarem a concentração de seus atletas. Os policiais
começam o treinamento de tiros por software (jogos), rapidez no saque da arma,
pontaria do disparo, a posição do corpo, assim como pilotos usam software na
simulação de voos.
Os alunos através da internet podem desenvolver tarefas desafiadoras,
através de cálculo mental, que ativem o seu conhecimento no ato de jogar: jogos
educativos, adequados à série e aos conteúdos, favorecem a rapidez do raciocínio
lógico e as associações dos alunos. São vários os jogos dependendo do ano e do
conteúdo a ser trabalhado: frações, potenciações, raiz quadrada, cálculos com as
operações, jogo da memória, tangran, dominó, entre outros. Desta maneira, o aluno
aprende brincando e vai passando de fases, quando ocorre o acerto, o que motiva a
desenvolver o raciocínio de uma maneira prazerosa.
As crianças ou adolescentes devem ter condições de aproveitar os benefícios
tecnológicos para desenvolver habilidades que estes recursos proporcionam neste
século XXI. O que não se pode aceitar que o aluno só faça isso e não pratique
outras atividades cognitivas como ler, pensar, refletir e fazer as atividades escolares,
todos constituintes de momentos de estudo.
Nossa posição é justificar o ensino de matemática nas escolas, não
simplesmente por ser uma ciência muito importante e que será útil mais
tarde, como dizem a maioria dos professores, mas por entender às várias
características, que são essenciais à formação do indivíduo (BASSANEZI,
2006, p. 206).
O autor ainda aponta a necessidade de fazer com que os alunos percebam a
importância da Matemática enquanto ferramenta para a vida e como instrumentador
para o trabalho. Ele ressalta também que ignorar alguns recursos, como o uso da
calculadora, das tecnologias, seria condenar os alunos de baixa renda a uma
subordinação a subempregos. Assim, segundo ele, é essencial prover condições
para que o aluno entenda um fenômeno a fim de atuar em sua transformação.
3.5 Aprendizagem em matemática: estímulos, oportunidades e
estudo
Conforme Fonseca (1995), a aprendizagem da criança se dá através dos
estímulos sensoriais, dos recursos da criança tanto da hereditariedade quanto do
meio. Sabe-se que se a criança não for oportunizada, interferirá no potencial de
aprendizagem da criança.
Neste sentido, Gardner (1995) explana que fatores genéticos estabelecem um
grau de inteligência para ser realizada ou modificada no percurso da vida. Assim,
aprender matemática não é só questão de hereditariedade, mas de motivação,
ambiente escolar, cultura, reforço, estímulos, oportunidades, vivências, pesquisa,
estudo, entre tanto fatores envolvidos no processo.
Portanto, a contribuição genética para a inteligência varia de acordo
com o ambiente e não pode ser considerada como o fator determinante. A
situação pode ser comparada com a altura das pessoas, que tem uma
influência genética, mas pode ser alterada por fatores ambientais, como a
nutrição ou a instalação de doenças. (COSENZA; GUERRA, 2011, p.123).
Então se sabe que através da intervenção escolar o aprendizado do aluno
muda o seu cognitivo. Outros aspectos podem ser determinantes para o sucesso
além do domínio do conhecimento, a empatia, disciplina, interesse, dedicação, QI Coeficiente de inteligência, QE- coeficiente emocional e a relação de amigos, etc.
A memória é uma função fortemente estimulada pelo uso. [...]. A
atividade que mais estimula a memória é a leitura: ela requerer o
emprego simultâneo e em rápida sequência de memórias visuais e de
linguagens,
estimula
paralelamente
as
memórias
virtuais
(quando
pensamos em uma árvore, “vemos” uma árvore), estimula as vias de
sentimentos e emoções (não existem, no humano, as memórias
”emocionais”); em todo momento de nossa vida estamos sob a influência de
alguma emoção; grande ou pequena, e de algum estado de ânimo. Toda
memória quando se faz ou se evoca envolve e requer a ativação das vias
moduladoras dependentes das emoções e dos sentimentos. (IZQUIERDO,
2011 p. 118, grifo nosso).
Em sala de aula, os professores procuram motivar os alunos na resolução de
situações problemas, ao interpretarem, resolverem e dar a resposta, considerando
também o processo daquilo que o aluno fez.
Do ponto de vista neurobiológico a aprendizagem se traduz na
formação e na consolidação das ligações entre as células nervosas. É fruto
de modificações químicas e estruturais no sistema nervoso de cada um, que
exige energia e tempo para se manifestar. (COSENZA; GUERRA, 2011, p.
38).
Os autores ainda defendem que a psicologia cognitiva e a neurobiologia não
apresentam ao professor uma receita para garantir o sucesso do aluno, porém devese considerar que o mesmo assunto seja estudado mais de uma vez para que o
cérebro venha fazer associações, em diferentes contextos. Afinal, existem diferentes
canais de acesso ao cérebro além do verbal, proporcionando tecnologias,
oportunidades de construir o aprendizado. Ressalta também que o estudo em grupo
e a apresentação do que foi estudado e aprendido para os colegas oportunizam a
troca, já que se aprende enquanto se ensina. Contudo sabe-se que as estratégias
eficientes, são aquelas que devem se atentar aos princípios de funcionamento do
cérebro, enfatiza “repetição, elaboração são importantes, ainda mais se combinadas
com a consolidação.” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 73).
3.5.1 As disciplinas como contribuições para o aprendizado dos sujeitos
e as estratégias de ensino
Uma professora de Matemática, apesar de não ter afinidades diretas com os
conteúdos da disciplina de LP, precisa dominar conhecimentos como: ler
fluentemente, interpretar e escrever, pois são pré-requisitos para o sucesso em
outras disciplinas, na vida acadêmica e na vida social.
Conclui-se que todas as matérias escolares básicas atuam como
uma disciplina formal, cada uma facilitando o aprendizado das outras; as
funções psicológicas por elas estimuladas se desenvolvem ao longo de um
processo complexo. (VYGOSTSKY, 1998, p. 128).
Nesta perspectiva, as disciplinas contribuem umas com as outras para o
desenvolvimento cognitivo do aluno, o domínio da Matemática ajuda a tomar
decisões, o domínio da leitura e interpretação nas resoluções de situações
problemas e assim há uma interdependência entre elas. Izquierdo (2011) elucida
que “não há nenhuma atividade nervosa que exige tanto em tão pouco tempo do
cérebro, e particularmente da memória, como a leitura.” (IZQUIERDO, 2011, p.119).
Os filmes são um ótimo recurso pedagógico para aprendizagens de
determinados conteúdos. É um estímulo sensorial à visão, à audição, à memória e
às emoções, já que as imagens favorecem as memórias. Há um site em que o
professor cadastra-se e recebe por e-mail os filmes. Pode-se acessar o plano de
aula, como também pode socializar o seu.
Trabalhar com recursos audiovisuais nas diversas áreas do
conhecimento
tornou-se
uma
imposição
dos
tempos
atuais.
As
possibilidades de uso do cinema na escola são inúmeras, já que ocorrem
muitas conexões com Literatura, História, Artes e Temas Transversais. Não
é novidade que podemos falar das possibilidades de uso de filmes em
qualquer contexto educacional. [...] mas apresentar um filme como forma de
ilustrar um conteúdo de forma tradicional pode se mostrar tão ineficaz
quanto a adoção de alguns livros didáticos. [...] Essa é uma questão urgente
que exige criatividade, ousadia, experimentação, o que, normalmente, nos
deixa inseguros. Como todas as ações em Educação, um trabalho de troca
e reflexão entre educadores (PEREIRA, 2006).
Segundo Izquierdo (2004), “a melhor recomendação possível para o exercício
da prática da memória é ler, ler, ler” (IZQUIERDO, 2004, p. 51). A leitura é um dos
requisitos essenciais para o sucesso do sujeito na escola, trabalho, sociedade, vida,
pois através da leitura se tem acesso a informação, orientação pessoal, estudo de
texto, leitura do livro de seu interesse, leituras formativas, informativas, de um
manual, bula de remédio, receita de bolo, contrato de aquisição de um bem, além de
ser essencial no processo de aprendizagem da disciplina de Matemática.
Ler e escrever, hoje, são competências fundamentais para qualquer
disciplina ou profissão. Ler, entre outras coisas, é interpretar (atribuir sentido
ou significado) e escrever, igualmente, é assumir autoria individual ou
coletiva (tornar-se responsável por uma ação e as suas consequências).
(SÃO PAULO, 2012, p. 15).
A leitura pode ter inúmeras funções, não sendo constituída apenas por prazer,
mas também por aspectos funcionais. Na escola, o diálogo, a leitura, compreensão,
interpretação e a produção de texto são instrumentos preponderantes no processo
de aprendizagem, necessários à aprendizagem matemática ou de outro campo do
saber, além de serem competências que a maioria dos alunos adquire no percurso
escolar e estende-se à sua vida. Ler para alguns alunos é muito difícil e complexo no
processo de aquisição desse saber, pois se sabe das dificuldades apresentadas em
leituras.
Durante o processo de leitura, o aluno movimenta muitos mecanismos que
podem auxiliar nas aulas de Matemática, como interpretar o enunciado do problema
e retirar pistas para estratégias de resolução, raciocinar, resolver, conjecturar. Se o
aluno não for bom leitor não será um bom aluno em Matemática.
“Ler, em situação de educação formal, textos que, no cotidiano, são prescritos
para o ensino-aprendizagem de determinado assunto ou conceito (esfera escolar ou
de divulgação científica)”. (SÃO PAULO, 2012, p. 17).
No ensino fundamental II, há alunos que ainda lêem vagarosamente, não
apresentam fluência na leitura, pois o ato cognitivo do aluno está em ler, decodificar
e não em compreender as comandas. Já outros que conseguem apenas ler e
decodificar apresentam dificuldades em compreender e interpretar o que está sendo
transmitido pelo texto ou em seguir as comanda do enunciado da situação-problema.
Há os que respondem somente a comandos claros e objetivos, pois não conseguem
aprender as questões mais elaboradas e contextualizadas da situação problema.
Sabe-se que o sucesso da leitura depende muito mais de como você lê, isto
é, da capacidade cognitiva do aluno em compreender o que está escrito, do que
propriamente quantas vezes efetua a leitura.
Elder e Paul (2003) apontam cinco níveis de leitura. O primeiro consiste
apenas na decodificação, na leitura e análise oração a oração. O segundo nível se
constitui na explicação do sentido de um parágrafo, quando o leitor indica a ideia
principal presente, podendo exemplificar seu significado através de inúmeros
recursos, como ilustrações, diagramas e gráficos, por exemplo. No terceiro nível, o
leitor já é capaz de questionar e buscar mentalmente respostas sobre propósitos,
opiniões, suposições, inferências, fontes de informação, conceitos básicos do autor
e como estes interferem em sua leitura. O quarto nível traz a possibilidade de o leitor
refletir a respeito da intenção do leitor, da precisão dos detalhes, da profundidade do
tema e da multiplicidade de fontes de informação utilizadas, podendo até mesmo
perceber contradições. No último nível, o quinto, o leitor consegue assumir o papel
do autor e passa a discursar como se fosse este.
Deste modo, conseguimos perceber que compreender o enunciado do
problema exige mais estratégias de leitura do que simplesmente decodificar, é
extrair as informações contidas no texto, comandas, dicas, ou seja, estar no
segundo e no terceiro nível de leitura, como apontado anteriormente, pois a
interpretação se dá com o cognitivo, com o entendimento daquilo que está escrito no
enunciado e nos conhecimentos prévios do aluno, ou seja, no raciocínio lógico. Ler
em Matemática significa:
Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações
representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar
situações-problemas. Ler implica também – além de empregar o
raciocínio hipotético-dedutivo que possibilita a compreensão de
fenômenos – antecipar, de forma comprometida, a ação para intervir
no fenômeno e resolver os problemas decorrentes dele. Escrever, por
sua vez, significa dominar os números formatos que a solução problema
comporta. (SÃO PAULO, 2012, p.19, grifo nosso).
Os conhecimentos em Matemática dos alunos em sala de aula são muito
heterogêneos, por isso o professor precisa considerar os ritmos diferenciados da
aprendizagem e da resolução de cada aluno e propor intervenções pedagógicas
específicas para cada questão.
Em minha experiência docente, tenho como prática oferecer aos alunos que
não possuem em seu cotidiano momentos de leitura. O combinado é que quando os
alunos terminam a atividade individual, dupla ou grupo, depois da tarefa conferida e
se estiver tudo correto, o momento é de leitura. Uns preferem a leitura de livros,
outros revistas, gibis, enquanto outros preferem continuar atividades de Matemática,
ou de outras disciplinas. Percebo que há uns alunos que são resistentes a ler, não
veem esse momento como uma oportunidade de novos aprendizados, enxergando
infelizmente como castigo.
Verifica-se que é um ciclo, o aluno termina a atividade, pois é um bom leitor,
possui rapidez de raciocínio, faz o cálculo rápido, porque determinados
conhecimentos estão automatizados na MLP e inicia sua leitura. A leitura
proporciona atividade mental, agilidade, interpretação e riqueza de vocabulário e
começando o ciclo novamente.
A estratégia de ler após o término das atividades, têm demonstrado avanços
nas leituras dos alunos e nas interpretações das situações problemas e evitam-se as
conversas paralelas de quem termina, contribuindo assim para o aprendizado
daqueles alunos que necessitam de um tempo maior para concluir as atividades,
porque possuem um ritmo diferenciado para aprender e que necessitam da
intervenção
do
professor
individualmente.
Favorecendo
assim
também
a
disponibilidade do professor para acompanhar e intervir.
Em uma cultura letrada como a nossa, a competência de ler e de
escrever é parte integrante da vida das pessoas e está intimamente
associada ao exercício da cidadania. As práticas de leitura e escrita,
segundo as pesquisas que vêm sendo realizadas na área, têm impacto
sobre o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Essas práticas
possibilitam o desenvolvimento da consciência do mundo vivido (ler é
registrar o mundo pela palavra, afirma Paulo Freire), propiciando aos
sujeitos sociais a autonomia na aprendizagem e a contínua transformação
inclusive das relações pessoais e sociais (SÃO PAULO, 2012, p.15, grifo
nosso).
Deste modo, podemos perceber que o incentivo dado à leitura como:
motivação, sugestão de livros, as trocas com os amigos, são essenciais, pois sem
eles sabemos que não ocorrerá a prática da leitura, já que além de encontrarmos
muita resistência dos alunos em ler, sabemos que isso advém de uma condição
sociocultural que pouco estimula a leitura.
3.6 Ações
Várias mudanças já se efetuam em escolas e nas ações em sala de aula e
outras devem ser feitas para que o desempenho na disciplina de Matemática saia
desse estágio que se encontra. Professores verificam que mediar o conhecimento
favorece a aprendizagem dos alunos, desde que oferecido recursos educacionais,
aulas contextualizadas, em que o aluno participa, é ativo e pesquisa.
Neste contexto, alguns alunos descobrem que empenho, dedicação e
disciplina fazem parte do processo de aprender. Além disso, também começam a
perceber o quando aprender pode ser prazeroso e significativo. As experiências, as
descobertas favorecem a aprendizagem e formações das memórias, a cognição, a
autonomia e, por conseguinte a tomada de decisões regida pelas emoções positivas.
Consoante, Cosenza e Guerra (2011) esclarecem que o cérebro sempre estará
pronto para lembrar e processar o que entende como significante e gratificante e
completa:
Existe uma grande plasticidade na estrutura e funcionamento do cérebro,
que se modifica com a experiência [...] Naturalmente, existem outros fatores
que contribuem para o sucesso na escola, como a motivação, o ambiente
escolar, fatores culturais. Além disso, a intervenção escolar (escolaridade
formal) afeta a inteligência não só permitindo o aumento da informação,
mas modificando atitudes e criando habilidades intelectuais (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 126).
Sabe-se que há ainda alunos que devem ser conquistados e oportunizados. E
ações devem ocorrer para que a mudança aconteça e que sejam revertidos esses
índices em relação à proficiência dos alunos em Matemática. O desafio é continuar a
mudança do foco do professor que ensina a Matemática para o aluno que aprende,
como aponta Tardif (2014), o aluno deve ser o centro do ato pedagógico.
Dessa maneira, o olhar do professor (a) em sala de aula precisa ser
direcionado na pluralidade da singularidade, ou seja, o professor precisa
entender que cada estudante é único, e que mesmo seu tempo de
aprendizagem é diferente, tanta na elaboração quanto na compreensão das
informações que passam pelos sentidos biológicos e chegam até o cérebro.
(RELVAS, 2010, p. 61).
O enfoque do ensino/aprendizagem da Matemática deve dar continuidade à
mudança na resolução de problemas contextualizados, significativos, ao invés de
mecanicamente, apenas os cálculos, a conta pela conta, sem uma situação
problema para fazer correlação com o dia a dia do sujeito. Concordo que o aluno
tem de aprender a sistematizar os cálculos para o êxito das resoluções das
situações problemas, mas vivenciá-las sempre sem contextualização é um erro.
Percebe-se que o professor precisa mobilizar um vasto cabedal de
saberes e de habilidades, porque a sua ação é orientada por diferentes
objetivos emocionais ligados à motivação dos alunos, objetivos sociais
ligados a disciplina e à gestão da turma, objetivos cognitivos ligados a
aprendizagem da matéria ensinada, objetivos coletivos ligados ao projeto
educacional da escola, etc. (TARDIF, 2014, p.264).
Sendo assim, é primordial utilizar os recursos educacionais e os estímulos
sensoriais para o aluno aprender. O nosso cérebro capta e aprende através dos
estímulos sensoriais, conhecidos como os cinco sentidos: visão, audição, paladar,
tato e olfato, que podem ser usados em estratégias diversificadas nas aulas. Neste
viés, Bassanezi (2006) explana que
Aprendemos: 1% através do gosto, 1,5% através do tato, 3,5%
através do olfato11% através do ouvido, 83% através da visão. Retemos:
10% do que lemos, 20% do que escutamos, 30% do que vemos, 50% do
que vemos e escutamos, 70% do que ouvimos e logo discutimos.
(BASSANEZI, 2006, p. 179).
Além disso, também é preciso considerar no fazer pedagógico que a atenção,
emoção e a motivação (externa e interna) contribuem com as aprendizagens do
aluno, como explica Relvas (2010).
O processo de aprendizagem é desencadeado a partir da
motivação. Esse processo se dá no interior do sujeito, estando, entretanto,
intimamente ligado as relações de troca que o mesmo estabelece com o
meio, principalmente seus professores e colegas. Nas situações escolares,
o interesse é indispensável para que o estudante tenha motivos de ação
para apropriar-se do conhecimento. (RELVAS, 2010, p. 92).
O processo de aprendizagem deve ser ancorado naquilo que o aluno sabe,
que ele domina, para que o aluno tenha segurança e amplie o conhecimento, para
que assim possa vir a gostar e a se identificar com a Matemática. As intervenções
pedagógicas devem ser proporcionadas com vistas a permitir experiências novas,
situações concretas, desenvolvendo a gestão para aprender a aprender, ou seja,
conhecer, enriquecendo assim o repertório e aquisição de novas capacidades.
O ideal seria que tivéssemos sempre alunos atuantes e as aulas
interessantes, que fossem protagonistas no seu processo de aprendizagem,
sabendo lidar com o erro e descobrindo que para aprender deve-se ter
investimentos, mas que, primordialmente, é interessante aprender.
Neste sentido, temos a contribuição de Cosenza e Guerra (2011), que
explicam que os indivíduos “devem ser capazes de identificar erros, a discrepância e
a ausência de lógica, estando aptos a identificar e corrigir os próprios lapsos nas
diversas matérias acadêmicas.” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 98).
O professor ao apropriar-se dos conhecimentos da Neurociência para
entender como o aluno aprende, consegue obter além de subsídios para
compreender também como auxiliar o aluno, até ensinando-o a estudar, recapitular,
rever, ter disciplina, ter horários de estudo, entre outros, para que tenha domínio de
aprender a fazer, aprender a conhecer e aprender a ser e aprender a viver,
conforme os quatro pilares da educação.
Jacques Delors, que coordenou a reunião, apresentou a proposta
de uma educação direcionada para quatro tipos fundamentais de
aprendizagem e que ficaram conhecidos como “Os quatro pilares da
Educação”: Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver como
os outros e aprender a ser (ANTUNES, 2013, p. 15).
É essencial considerarmos aqui a relação entre professor e aluno, que precisa
estar baseada no diálogo, confiança, empatia, confiança, sabendo que os elogios
surtem efeitos melhores do que as críticas, pois tem como intenção principal a
motivação.
Neste contexto, a tecnologia também deve ser levada em conta, já que os
alunos, em sua maioria, estão submetidos às novas tecnologias e sabe-se que hoje
elas são essenciais na aprendizagem e na vida dos sujeitos. As interações
atualmente ocorrem através das redes sociais, como o whatsApp, através de
computadores, tablets, celulares, smartphone, iphone, etc. As comprar agora
acontecem via internet, assim como acompanhamentos de nutricionista, software
para treinamentos, aprendizados, consulta ao Google, tutorial via youtube, ensino à
distância (EAD), entre tantas opções de serviços e ações disponíveis, contando
também uma diversidade de divertimento através dos jogos, cada dia mais atrativos.
no celular, dentre outros.
Alguns alunos chegam a ter dificuldade para se concentrar na sala de aula
por estarem submetidos a grandes percepções sensoriais que terminam a classificar
a aula como maçante, quando são utilizados apenas recursos como giz e lousa, pois
estão acostumados às várias interações via internet, argumento com o qual não se
pode discordar totalmente, afinal como abordam Cosenza e Guerra (2011),
Outro aspecto importante é a utilização de diferentes canais de
acesso ao cérebro além do verbal. As gerações mais antigas aprendiam
principalmente por meio de textos escritos, mas os mais jovens têm a sua
disposição uma imensa parafernália de material multimídia, principalmente
através da internet, o que é muito bom, uma vez que há oportunidade de se
construir uma rede neuronal mais complexa. (COSENZA; GUERRA, 2011,
p. 73).
Sabe-se que para alguns alunos a escola é a referência em aprendizagens,
oportunidades de acesso à cultura e à tecnologia. Assim, como já apontado por
Bassanezi (2006), não se pode ensinar Matemática sem utilizar recursos disponíveis
na atualidade como computadores e calculadoras, pois assim estaríamos negando a
oportunidade dos alunos com menos condições socioeconômicas de conhecer
equipamentos que serão fundamentais para sua colocação no mercado de trabalho.
Vale destacar que é essencial ainda prezar por um ambiente adequado como
sala ambiente ou laboratório de Matemática, com materiais pedagógicos apropriados
ao ano e ao conteúdo a fim de favorecer e proporcionar a oportunidade do aluno ser
ativo e autônomo em seu processo de aprendizagem, tendo domínio dos cálculos e
desenvolvendo habilidade de solucionar problemas. Desta forma, o aluno conseguirá
ter motivação, registros felizes com as experiências, vivências e os seus significados
e ser um sujeito atuante que pensa, se organiza, compara, conjectura, investiga,
soluciona e valida a solução encontrada, entre outras ações tão importantes para a
Matemática.
Contudo, não podemos pensar apenas fragmentando o conhecimento e
acreditando que os investimentos devem priorizar apenas a Matemática.
Acreditamos ser essencial investir em salas de leitura com profissionais capacitados,
para despertar e motivar o prazer da leitura, assim como numa melhoria do
ambiente da biblioteca e também em títulos adequados, pois há a grande
necessidade de se oportunizar a todos uma educação de qualidade, o que se faz
com diversidade de recursos, como destaca Arroyo (2000).
Aprender com esses recursos e ferramentas, esses conhecimentos, artes
e ciências foram produzidos, selecionados, os interesses em jogo, a
tradição intelectual, cultural, a memória coletiva... Trabalhar a memória
como componente da mente humana, da compreensão e apreensão do
real, de nós mesmos, nossa história e nossa trajetória. Trabalhar o
sentimento, a paixão de ser e conhecer, o desfrute de aprender e
sobretudo de aprender-se, de aprender suas origens, sua identidade de
classe, raça, etnia, gênero e idade. (ARROYO, 2000, p. 121).
Consoante, sabemos que as situações vivenciadas na prática favorecem ao
aprendizado, através de experimentações ou aplicabilidade dos conteúdos
estudados na sociedade, além de proporcionar uma educação de qualidade. As
políticas públicas precisam expandir os investimentos na formação do professores,
inclusive para que os conhecimentos da Neurociência sejam conhecidos e utilizados,
pois são imprescindíveis para a prática dos professores na qualidade do ensino e na
intervenção na aprendizagem dos alunos de como o aluno aprende e como se
formam as suas memórias.
Elementos como os apontados aqui, juntamente com políticas públicas sérias
serão capazes de reverter os índices de proficiência em Matemática e de fazer com
que tenhamos “estudantes e educadores envolvidos em emoções: uma sala bem
humorada promove um bem estar físico, psicológico, afetivo, seguro, liberando
neurotransmissores favoráveis a aprendizagem” (RELVAS, 2010, p. 148).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação que motivou a realização deste trabalho foram as inquietações
diante das dificuldades de aprendizagem em Matemática dos alunos do Ensino
Fundamental II de uma escola da rede estadual, onde assumi aulas desta disciplina.
Chamou-me bastante atenção não só o fato efetivamente de terem dificuldades,
mas, sobretudo, assumirem essas dificuldades como um descritor de suas
capacidades de aprender Matemática. Essas inquietações levaram-me a buscar
alternativas na literatura que discutia as dificuldades de aprendizagem e a busca de
possibilidades para elas. Nesta busca, deparei-me com os estudos de Neurociências
e assumi como objeto de estudo a sua contribuição para a aprendizagem em
Matemática. Para desenvolvimento da pesquisa defini como objetivo discutir as
contribuições das Neurociências para a aprendizagem de Matemática. Para
identificar as dificuldades dos alunos tomei como base os resultados por eles
apresentados nas avaliações internas e externas.
Ao ingressar na rede estadual de São Paulo como professora de Matemática
no EF II tive contato com o discurso dos alunos sobre como aprender Matemática é
difícil, que não conseguiam aprender, muitos com baixa autoestima, outros até
tinham desistido de estudar por não compreender. Assim, ao verificar as dificuldades
e os conhecimentos prévios dos alunos através da avaliação diagnóstica, percebi
que necessitava planejar intervenções para que os alunos apreciassem Matemática,
percebendo suas funções no cotidiano, relacionando a teoria com a prática.
Neste sentido, procurei lastrear os momentos de ensino e aprendizagem em
ações do cotidiano, além de proporcionar situações de aprendizagem significativas,
porém descobri que minha ação é limitada e que pode até motivar o aluno com
estímulos externos de situações de aprendizagens, inserir sonhos, incentivar,
mostrando que são capazes de aprender e melhorarem a autoestima, mas que não
depende apenas da mim, é preciso também que o aluno estude e que a escola
oportunize um aprendizado contextualizado com ambientes e recursos educacionais
adequados, incluindo o uso das tecnologias. Outras questões envolvidas neste
processo são os alunos não conseguem aprender e não conseguem acompanhar o
ritmo da sala, mediante suas limitações, dificuldades e falta de pré-requisitos.
A pesquisa mostra que a aprendizagem do sujeito não se dá apenas na
escola, mas também no meio social em que vive, na família ou na igreja, por
exemplo. Quando se encontram em situação de vulnerabilidade social, muitas
vezes, os alunos necessitariam de uma diversidade de oportunidades e vivências:
educacionais e culturais, pois só as ações na sala de aula são insuficientes para que
o aluno adquira determinados aprendizados. Estas questões parecem inquietar
quem leciona nestas regiões, pois percebe o grande papel da escola neste processo
de formação do sujeito.
Durante minha experiência como docente, atuando em escolas diferentes,
pude constatar, nas escolas localizadas em bairros de classe média, como os alunos
que possuem mais estímulos, geralmente, conseguiam aprender melhor e de
maneira significativa, principalmente devido às condições financeiras das famílias.
Isto aliado às experiências negativas das crianças com relação à Matemática,
fizeram com que eu buscasse respostas para minhas inquietações, buscando
estudar para compreender porque estes alunos possuem aversão à Matemática.
Ao cursar o Mestrado, estudei as disciplinas; Fundamentos da Educação
Estética, Aprendizagem e Memória, Práticas Institucionais de Formação Social,
Formação de Professores: Concepções e práticas etc., que me proporcionaram a
estudar as teorias da aprendizagem como também, à aprendizagem e à memória. A
Neurociência, desde a década de 1990, vem trazendo contribuições à educação
com estudos sobre atenção, motivação, percepção, emoções no processo de
aprendizagem, aprendizagem e memória, etc. Deste modo, envolvi-me com a
pesquisa a respeito destas questões, procurando alternativas para minha ação
docente.
Com esta pesquisa, acreditamos ter conseguido discutir as dificuldades de
aprendizagem em Matemática dos alunos do EF II e como isso reflete nos índices de
desempenho dos alunos na disciplina de Matemática nas avaliações internas e
externa. Em seguida, pudemos apresentar as contribuições da Neurociência para a
aprendizagem da Matemática, bem como identificar ações que possibilitem a
intervenção no processo de aprendizagem. Tudo isso associado à compreensão de
que as vivências do sujeito, as oportunidades educacionais disponibilizadas a ele
interferem em seu processo de aprendizagem.
Para isso, desenvolvemos a pesquisa pela abordagem qualitativa e a
produção de dados foi alcançada através de revisão de literatura e da reflexão sobre
a própria prática. No que se refere ao desempenho dos alunos nas avaliações
internas e externas, os dados da pesquisa indicam que ainda existe um grande
percentual de alunos que não conseguem aprender e melhorar seu desempenho.
Assim, conseguimos demonstrar que a alteração deste quadro passa também por
políticas públicas de investimentos na formação do professor e nos ambientes
educacionais.
É papel das escolas oferecerem oportunidades a todos os alunos, pois alguns
deles só possuem a escola como referência em ensino e cultura. Caso isso não
ocorra, o aluno, que não tenha estas vivências, continuará sendo excluído da
sociedade, aumentando cada vez mais a diferença entre aqueles que detêm
daqueles que não detêm o conhecimento.
Neste trabalho, buscou-se também investigar como os recursos educacionais,
estímulos sensoriais podem auxiliar para captar a atenção dos alunos e propiciar
momentos de concentração visando à aprendizagem. Neste sentido, aulas com
recursos tecnológicos, como jogos, softwares e outros, favorecem uma educação
prazerosa, contextualizada e significativa. Os momentos de aprendizado em
laboratório, sala ambiente, ateliê de artes ou na própria sala de aula, durante os
quais o aluno aprende a pensar, fazer, conhecer, relacionar, comparar, estimar,
argumentar, decidir, validar resultados, entre outras tantas ações, propiciam ao
sujeito o desenvolvimento do raciocínio lógico e de seu protagonismo no processo
de aprendizado.
Contudo, foi possível também apontar neste trabalho, através da minha
experiência docente, que muitas escolas não oportunizam recursos mínimos para
proporcionar uma educação com qualidade, desde materiais até oportunidades de
acesso a tecnologias para os alunos. Sabe-se que estas experiências fazem a
diferença no processo de aprendizagem, na formação das memórias e na educação
integral dos alunos.
É importante ressaltar que não há prescrições prontas para serem utilizadas
em sala de aula e que nenhum indivíduo é igual a outro para que se tenham
prescrições pré-estabelecidas de como lidar com ele. Todavia, o conhecimento a
respeito
dos
princípios
do
funcionamento
do
cérebro
pode
auxiliar
no
aperfeiçoamento da aprendizagem dos alunos, pois este pode ser aplicado a
inúmeras situações, apesar da necessidade de sempre se considerar o contexto no
qual o aluno está inserido.
Neste
sentido,
é
imprescindível
conhecer
também
as
teorias
de
aprendizagens abordadas neste trabalho e desenvolvidas por Vygostsky, por
exemplo, que destaca a cultura, linguagem e zona de desenvolvimento proximal ou
Gardner, que trata sobre as inteligências múltiplas (IM), enquanto Goleman defende
a inteligência emocional (QE). Estas e outras teorias, aliadas a Neurociência, não
fornecerão aos docentes manuais ou listas de ações a serem cumpridas, mas
elucidarão a importância do professor conhecer como o aluno aprende. Assim, o
docente conseguirá compreender que atenção, percepção, concentração, estímulos
sensoriais e as emoções influenciam diretamente o processo de aprendizado,
memorização e o desenvolvimento da inteligência.
Deste modo, é possível perceber que na escola as oportunidades, os
estímulos sensoriais, um ambiente estimulador, agradável, a motivação e a
disciplina para aprender atingir os objetivos, superação os desafios, pesquisa,
realização de leituras, a construção de hábitos de estudo favorecem a
aprendizagem, a formação de suas memórias episódicas e semânticas e contribuem
para a cognição.
Uma
educação
que
pretende
ser
de
qualidade
deve
buscar
o
desenvolvimento integral do aluno, para que ele aprenda a raciocinar, desenvolva
autonomia para a vida em sociedade e exercício da cidadania. Sendo assim, o
professor necessita assumir o seu papel de mediador do conhecimento, propondo
situações em que o aluno venha ser pesquisador, estando no centro do ato
pedagógico. Entretanto, sabemos que esta mudança de paradigma não é tão
simples quanto pode parecer, apesar de tantos estudos a respeito desta questão,
além de muitos fatores não dependerem somente da ação do professor em sala de
aula.
Acreditamos que o presente estudo proporcionou novos conhecimentos em
relação de compreender como o aluno aprende, as intervenções pedagógicas,
considerando como um ser integral que pensa, sente e que as suas emoções e
vivências influenciam no seu processo de aprendizagem. Desta maneira, este
trabalho proporcionou mudanças, instituindo um novo olhar para uma professora de
Matemática tão acostumada a resolução de problemas, cálculos, fórmula e
resoluções exatas. Durante este trabalho, também assumi novas posturas com
relação à leitura, à pesquisa e à escrita, percebendo-me mais como protagonista em
meu processo de aprendizagem, conceito tão abordado nesta pesquisa.
Todavia, o campo da Neurociência associado à educação é tão vasto e
complexo, que mostra como este estudo iniciou um caminho, que me despertou
paixão, oportunizou aprendizados valiosos, que me motivam a buscar novas
perguntas e outras respostas para questões tão importantes, quando se pretende
atuar de forma a garantir uma educação plena.
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