FACULDADE METROPOLITANA DA GRANDE FORTALEZA
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FACULDADE METROPOLITANA DA GRANDE FORTALEZA
FACULDADE METROPOLITANA DA GRANDE FORTALEZA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA CIVIL LIEDEL LIMA FONSECA DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE DE FORTALEZA. FORTALEZA/CE 2010 1 LIEDEL LIMA FONSECA DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE DE FORTALEZA. FORTALEZA/CE 2010 2 LIEDEL LIMA FONSECA DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE DE FORTALEZA. Monografia apresentada ao Núcleo de PósGraduação da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Segurança Pública e Defesa Civil sob orientação do Prof. Ms Luiz Cláudio Araújo Coelho. FORTALEZA/CE 2010 3 F676d Fonseca, Liedel Lima. Desastres naturais de origem hídrica e seus impactos socioambientais na cidade de Fortaleza / Liedel Lima Fonseca – Fortaleza, 2010. 77f. Monografia (trabalho de conclusão do curso de Especialização Segurança Pública e Defesa Civil, 2010.) Orientador (a): Profº Ms. Luis Cláudio Araújo Coelho 1. Desastres Naturais 2. Defesa Civil. 3. Segurança Pública. I. Titulo CDD 363.35 4 Desastres Naturais de Origem Hídrica e seus Impactos Socioambientais na Cidade de Fortaleza. TERMO DE APROVAÇÃO Por LIEDEL LIMA FONSECA Este estudo monográfico foi apresentado no dia 21 do mês de junho de 2010 como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Segurança Pública e Defesa Civil da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza tendo sido aprovado pela banca examinadora composta pelos professores. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof. Luiz Cláudio Araújo Coelho, Ms. Orientador FAMETRO ___________________________________________ Prof. José Ananias Duarte Frota, Ms. Examinador ___________________________________________ Profa. Lise Alcântara Castelo, Ms. Examinadora 5 A todos aqueles que trabalham na área da ajuda humanitária e gastam seu tempo na defesa da integridade física do próximo, sem esperar nada em troca. 6 AGRADECIMENTOS - Ao Senhor Jesus Cristo, autor e consumador da minha fé, pela graça de estar vivendo, por sua eterna misericórdia, a vitória da conclusão deste trabalho. - Ao Prof. Luiz Cláudio, meu orientador, um profissional altamente conhecedor dos assuntos aqui apresentados e que se mostrou sensível em todo o tempo aos meus anseios nesta monografia, uma pessoa que acima de tudo tem amor por aquilo que faz. - A minha Família pela compreensão e apoio em especial minha mãe, meu porto seguro. - Aos professores da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza, por todas as trocas de experiência, vividas em cada momento em sala de aula. - Aos profissionais da Defesa Civil do município de Fortaleza, a qual faço parte, pela disponibilização dos dados, ajuda na confecção dos mapas e pela sensibilidade de compreenderem o propósito desse trabalho e terem muitas vezes me liberado de algumas horas de trabalho. - A banca examinadora, por ter aceitado o convite e ter contribuído com a solidificação desse trabalho. 7 Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. No dia em que as pessoas entenderam o real sentido dessa ordenança o mundo será outro, não haverá desigualdades sociais, não haverá pobreza. Liedel 8 RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar os impactos socioambientais oriundos dos desastres naturais de origem hídrica que acometem o município de Fortaleza. O aquecimento global e os cataclismos climatológicos ganham cada vez mais destaque no processo de percepção das pessoas. Estes fenômenos tornam-se mais evidentes e conhecidos quando são materializados e vem à tona nos desastres. No entanto, o que se pode constatar hoje em dia, é que o crescimento cada vez maior dos desastres naturais de origem hídrica deve-se muito mais ao aumento da vulnerabilidade socioambiental dos grandes centros urbanos, onde a degradação ambiental aumentou significativamente e se espacializou em suas áreas de riscos, do que com os efeitos do aquecimento global, um fenômeno que ainda carece de estudos e comprovações científicas. Para se entender os efeitos dos desastres naturais, precisou-se primeiramente levantar historicamente quais foram estes desastres e que implicações estes geraram para a cidade. Para isso, foi necessária a consulta de periódicos antigos e documentos oficiais nas instituições que lidam com a memória e a história de Fortaleza. Outro procedimento tomado foi a revisão bibliográfica da vasta literatura científica existente, a fim de fomentar a discussão conceitual e teórica sobre o assunto, bem como uma pesquisa nos relatórios e registro de ocorrências dos arquivos da COMDEC Fortaleza. Como resultado, a pesquisa apontou os desastres de origem hídrica como a maior classe de desastres naturais, dentre estes, os do tipo inundações, alagamentos e secas, como os que mais geram prejuízos para a população. Diante dessa realidade, identificou-se uma peculiaridade da cidade Fortaleza, os desastres naturais de origem hídrica estiveram e ainda estão relacionados dicotomicamente entre a escassez ou a abundância de água. As secas (escassez) e as inundações e alagamentos (abundância), ao longo da história da cidade, sempre tiveram repercussões negativas nas condições socioeconômicas da cidade. Ter o domínio sobre onde e quando os desastres irão acontecer é algo impossível de ser mensurado, porém ter a informação sobre as causas e conseqüências no momento certo pode significar a amenização e o controle sobre o sinistro. Palavras-chave: Desastres Naturais. Prevenção. Defesa Civil. 9 RESUMEN Este trabajo tiene como objetivo investigar los impactos sociales y ambientales de los desastres naturales transmitidas por el agua que afectan la ciudad de Fortaleza. El calentamiento global y los cataclismos climáticos son cada vez más ganando importancia en el proceso de percepción de las personas. Estos fenómenos se hacen más evidentes y conocidos cuando se materializan y se le ocurre en los desastres. Sin embargo, lo que puede verse hoy en día, es que el crecimiento de los desastres naturales transmitidas por el agua debe mucho más mediante el aumento de la vulnerabilidad socio-ambiental de los grandes centros urbanos, donde la degradación del medio ambiente ha aumentado de manera significativa y espacializado en sus áreas de riesgo, que con los efectos del calentamiento global, un fenómeno que aún necesita estudios y pruebas científicas. Para entender los efectos de los desastres naturales, primero trató de hacer un estudio histórico de los mismos y que consecuencias han generado para la ciudad. Por lo tanto, era necesario consultar revistas antíguas y documentos oficiales en las instituciones que se ocupan de la memoria y la historia de la ciudad de Fortaleza. Otro procedimiento seguido, consistió en revisar la abundante bibliografía científica existente, con el fin de promover el debate conceptual y teórica sobre el tema, así como una investigación en las narraciones y registro de las incidencias de los Archivos de la COMDEC Fortaleza. Como consecuencia, la investigación señala los desastres del agua como la clase más grande de los desastres naturales, entre ellos el tipo inundaciones, inundaciones de calles y sequías, como los desastres que mas generan pérdidas para la población. Ante esta realidad, se identificó una peculiaridad de la ciudad de Fortaleza, los desastres naturales transmitidas por el agua fueron y siguen siendo diacotomicamente de acompañamiento entre la escasez o abundancia de agua. La sequía (escasez) y las inundaciones e inundaciones de calles(abundancia) a lo largo de la historia de la ciudad, siempre ha tenido un impacto negativo en las condiciones socioeconómicas. Tener dominio sobre cuando y donde los desastres va a pasar es imposible de medir, pero disponer de información sobre las causas y consecuencias en el momento correcto, puede significar la reducción y el control sobre el accidente. Palabras clave: Desastres Naturales. Prevención. Defensa Civil. 10 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Classificação de Riscos segundo Sánches........................................................... 25 FIGURA 2 Classificação de Riscos Cerri e Amaral (1998).................................................. 26 FIGURA 3 Áreas sujeitas a inundação, deslizamento e soterramento em Fortaleza............. 52 FIGURA 4 Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2007................................................................................. 60 FIGURA 5 Rede de drenagem............................................................................................... 61 FIGURA 6 Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2008................................................................................. 62 FIGURA 7 Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2009.................................................................................. 63 FIGURA 8 Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2007.................................................................................. 63 FIGURA 9 Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2008.................................................................................. 64 FIGURA10 Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2009.................................................................................. 65 11 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - População rural, urbana total do Brasil............................................................ 16 TABELA 2 - População e taxa de crescimento das regiões metropolitanas do Brasil......... 17 TABELA 3 - Os dez municípios mais populosos do Brasil.................................................. 18 TABELA 4 - Total pluviometria anual e número de eventos iguais ou superiores a 60 mm diários registrados em Fortaleza. ..................................................... 56 TABELA 5 - Principais ocorrências distribuídas por regionais – quadra chuvosa 2009....... 59 TABELA 6 - Índice de pluviometria mensal........................................................................ 66 12 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Relação das cidades brasileiras com maior número de favelas..................... 31 GRÁFICO 2 – Relação Pluviometria e quantitativo anual de ocorrências............................ 55 13 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Classificação dos hazards – abordagem geográfica...................................... 35 QUADRO 2 – Classificação dos desastre – abordagem sociológica.................................... 36 QUADRO 3 - Paralelo entre a abordagem geográfica e a sociológica................................... 38 14 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS. CEDEC- Coordenadoria Estadual de Defesa Civil CEPED – Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres CIOPS – Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança CODAR – Codificação de Desastres Ameaças e Riscos COMDEC- Coordenação da Municipal de Defesa Civil CONDEC – Conselho Nacional de Defesa Civil DETRAN – Departamento de Trânsito FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos INMET- Instituto Nacional de Meteorologia NEPED – Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres NUDEC- Núcleo Comunitário de Defesa Civil. ONGs – Organizações Não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas PLANDIRF- Plano Diretor da Região Metropolitana de Fortaleza. PNDC – Política Nacional de Defesa Civil SEINFRA – Secretaria de Infra-estrutura SIRGAS – Sistema de Referência geocêntrica para as Américas SUMOV – Superintendência de Obras de Viação UFC – Universidade Federal do Ceará UFSCar- Universidade Federal de São Carlos UGI – União Geográfica Internacional 15 SUMÁRIO Lista de Figuras Lista de Tabelas Lista de Gráficos Lista de Quadros Lista de Abreviaturas e Siglas INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 16 1 RISCO AMBIENTAL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO.................................. 22 1.1 Conceito de Risco................................................... .................................................. 22 1.1.1 Classificação dos Riscos................................................... .......................................... 25 1.1.2 Vulnerabilidade social e risco ambiental.................................................................... 27 1.1.3 Conceito de Área de Risco.......................................................................................... 29 2 DESASTRE: UM CLAMOR SOCIAL................................................................... 34 2.1 Evolução Epistemológica do Conceito de Desastre................................................ 34 2.1.1 Abordagem Geográfica: teoria geral dos hazards........................................................ 34 2.1.2 Abordagem Sociológica: teoria geral dos desastres.................................................... 36 2.2 Desastre: um conceito atual...................................................................................... 39 3. PRINCIPAIS DESASTRES NATURIAS DE ORIGEM HÍDRICA DE FORTALEZA............................................................................................................ 44 3.1 Procedimentos Metodológicos................................................................................. 44 3.2 Tabulação dos dados e análise................................................................................ 46 3.2.1 As secas e seus impactos socioambientais................................................................. 47 3.2 2 Inundações e alagamentos: os desastres atuais........................................................... 51 3.2.3 Defesa Civil em números........................................................................................... 55 3.2.4 Principais tipologias de ocorrências. ......................................................................... 58 3.3 Eventos climatológicos extremos em Fortaleza..................................................... 65 3.3.1 Temporal de 24 de abril de 1997................................................................................ 66 3.3.2 Temporal de 29 de janeiro de 2004............................................................................ 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 69 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 75 INTRODUÇÃO A partir do século XX a população deixa de ser essencialmente rural e passa a ser predominantemente urbana, as cidades ganham maior importância, principalmente as capitais e regiões metropolitanas, fruto do intenso processo de êxodo rural, conforme apresentado na tabela 1. O processo de crescimento dessas cidades, não foi acompanhado de um satisfatório desenvolvimento da sua infra-estrutura e serviços urbanos. Na realidade esse crescimento foi caracterizado pelo agravamento dos problemas de degradação ambiental e da qualidade de vida dos citadinos. Conforme afirma Santana (1997, p. 6), “uma metrópole sem um direcionamento do crescimento, sem parâmetros adequados de ocupação, sem políticas de controle dos usos permitidos, não pode pretender ser um ambiente adequado para a moradia do homem”. TABELA 1 – População Rural, Urbana e Total do Brasil POPULAÇÃO RURAL ANO n. de habitantes % 1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 28.356.133 33.161.506 38.767.423 41.054.053 38.566.297 36.041.633 33.997.406 31.845.211 68,77 63,80 55,30 44,10 32,30 24,50 21,60 18,75 POPULAÇÃO URBANA n. de habitantes 12.280.182 18.782.891 31.303.034 52.084.984 80.936.409 110.875.826 123.082.167 137.953.959 % POPULAÇÃO TOTAL 31,23 36,20 44,7 55,90 67,70 75,50 78,40 81,25 41.236.315 51.944.397 70.070.457 93.139.037 119.502.706 146.917.459 157.079.573 169.799.170 FONTE: Anuários Estatísticos IBGE 1940, 1950, 1960, 1970, 1991 e 2000 / Contagem da População de 1996 Observa-se na tabela 1 que o crescimento vertiginoso da população urbana sob a rural ao longo dos anos, indica como as cidades brasileiras passaram e ainda estão passando por um intenso processo de urbanização. O crescimento desorganizado e exacerbado das metrópoles em todo o mundo, e particularmente as metrópoles nacionais que são o foco de atuação da Defesa Civil brasileira, trouxe consigo desequilíbrios ambientais consideráveis. Inúmeros estudos apontam, por exemplo, que as ilhas de calor, em extrema atuação, as inversões térmicas, relacionadas com o excesso de partículas sólidas e poluentes espalhados na atmosfera, e as chuvas ácidas, como conseqüência de emissão de produtos químicos suspensos e soltos por chaminés de fabricas ou industriais são os sinais desse processo de degradação urbana (MONTEIRO; MENDONÇA, 2003). 17 TABELA 2 – População e Taxa de Crescimento das Regiões Metropolitanas do Brasil REGIÕES METROPOLITANAS Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Vitória Rio de Janeiro São Paulo Curitiba Porto Alegre Total POPULAÇÃO 1991 1.332.840 2.307.017 2.919.979 2.496.521 3.436.060 1.064.919 9.814.574 15.444.941 2.057.578 3.027.941 43.902.370 1996 2000 1.485.569 1.795.536 2.582.820 2.984.689 3.087.967 3.337.565 2.709.084 3.021.572 3.803.249 4.819.288 1.182.354 1.425.587 10.192.097 10.894.156 16.583.234 17.878.703 2.425.361 2.726.556 3.246.869 3.658.376 47.298.604 52.542.028 TAXA DE CRESC. 1991/96 (%) 2,23 2,32 1,14 1,68 2,09 2,15 0,77 1,46 3,40 1,43 1,53 TAXA DE CRESC. 1991/00 (%) 2,82 2,43 1,49 2,15 2,37 2,67 1,15 1,63 3,17 1,69 1,77 FONTE: Anuário Estatístico IBGE 1991 E 2000 / Contagem da População De 1996) É possível observar na tabela 2, as taxa de crescimento percentual de importantes cidades brasileiras onde Fortaleza também se destaca com significativos índices de crescimento. Numa simulação entre 1991 a 1996, ela só perde para Curitiba e entre 1991 a 2000 só perde para Belém e novamente para Curitiba, dessa forma, é notável o grande crescimento populacional da capital cearense. Em contrapartida, enchentes, inundações, alagamentos são termos que se tornaram freqüentes no cotidiano das pessoas e principalmente da cidade de Fortaleza. A falta de estudos sobre esse eixo temático projeta-se num grande desafio para as autoridades e governantes brasileiros. A deficiência pode ser constatada pela falta de centros especializados que pesquisem sobre o problema. A Política Nacional de Defesa Civil previa nas suas diretrizes, a implementação de vários CEPED’s (Centro de Prevenção e Estudos dos Desastres), porém atualmente só contamos com alguns trabalhos pontuais; o CEPED do Estado de Santa Catarina que está atrelado a Universidade Federal de Santa Catarina e o NEPED (Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres) ligado a UFSCar do Estado de São Paulo. A expansão de outros CEPED’s pelo Brasil constitui um desafio para os órgãos de Defesa Civil do país, e este trabalho pode contribuir com essas discussões. Os outros estados ficam totalmente à mercê e totalmente dependentes da Secretaria Nacional de Defesa Civil. O costume de se esperar uns pelos outros, seguido da falta de conhecimento sobre riscos são paradigmas e posturas comuns à população brasileira. Deixar acontecer o fato para só depois tomar iniciativas para resolução do problema sempre foi um hábito nacional, isso 18 pode explicar por que a Defesa Civil brasileira sempre atuou como uma força reativa e quase nunca em uma frente preventiva, proativa. Este trabalho motivou-se na busca por uma reflexão sobre os riscos ambientais e suas implicações no surgimento dos desastres da cidade de Fortaleza, que conforme a tabela 3 apresenta-se como a quinta capital brasileira em contingente populacional. Sendo assim, não está isenta de catástrofes naturais e suas severas conseqüências, como enchentes, inundações, alagamentos e etc. A importância de se estudar esses eventos dá-se pelo fato deles serem velhos conhecidos dos fortalezenses, principalmente os mais desfavorecidos, os quais, residem nas chamadas áreas de riscos e convivem diretamente com o perigo iminente. A prevenção de sinistros torna-se mais eficiente quando nós aceitamos a idéia de que se estão propícios a eles; é nessa perspectiva que vem a tona a importância de se estudar e compreender o senso de percepção de riscos. TABELA 3 - Os dez municípios mais populosos do Brasil. UF SP RJ BA MG CE DF PR PE AM RS 2000 Município São Paulo Rio de Janeiro Salvador Belo Horizonte Fortaleza Brasília Curitiba Recife Manaus Porto Alegre População 10.434.252 5.057.904 2.443.107 2.238.526 2.141.402 2.051.146 1.587.315 1.422.905 1.405.835 1.360.590 30.942.982 UF SP RJ BA DF CE MG PR AM PE RS 2008 Município São Paulo Rio de Janeiro Salvador Brasília Fortaleza Belo Horizonte Curitiba Manaus Recife Porto Alegre População 10.990.249 6.161.047 2.948.733 2.557.158 2.473.614 2.434.642 1.828.092 1.709.010 1.549.980 1.430.220 34.082.745 Fonte: IBGE/ DPE/ COPIS (2000) Nosso objetivo geral consiste em investigar os impactos socioambientais dos desastres naturais, os quais foram identificados e classificados como de origem hídrica. Nesse trabalho será abordado como essas duas dimensões dos desastres de origem hídrica afetam a vida das pessoas que residem na cidade, e de que forma a Defesa Civil tem enfrentado seus efeitos. A Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Fortaleza é muito recente, sua fundação data do ano de 2004, no entanto os problemas relacionados aos desastres naturais são antigos. A etapa metodológica de se realizar um levantamento histórico dos principais desastres que acometeram a cidade no passado foi útil, pois a ausência que se constatou de 19 instituições que lidam com planejamento e socorro as vítimas de desastres forneceu uma compreensão da importância que a defesa civil tem no presente. Diante dessa realidade e pelo que indicou a pesquisa, os principais desastres naturais que geralmente ocorrem em Fortaleza são de origem hídrica, mais precisamente ou com o excesso ou com a escassez de água. Dessa forma, secas e inundações se tornaram uma constate ao longo da história da sociedade fortalezense. As secas, segundo Costa (2001), tiveram um papel impulsionador do processo de urbanização da cidade de Fortaleza, as autoridades se viam obrigados a impor aos novos moradores regras de comportamento já que os mesmo nunca haviam morado em cidade antes. Os retirantes incomodavam por seus hábitos de “matuto”. Por isso foi necessário a aplicação do primeiro código de posturas que ditavam como deveriam ser os espaços das residências, como as pessoas deveriam se vestir e se portar. Esses padrões de comportamentos contribuíram para que a cidade ganhasse ares de modernidade. Os equipamentos urbanos precisavam ser melhorados, adequando-se ao número cada vez maior de residências. É justamente nesse aspecto que se pode dizer que as secas contribuíram com o processo de urbanização de Fortaleza à medida que esta era submetida às adaptações impostas. As enchentes por sua vez, de tempos em tempos provocavam inúmeros estragos à cidade, porém, como a cidade ainda não possuía áreas vulneráveis sob o ponto de vista hídrico estes desastres não afetavam tanto, se comparados com a zona rural, onde se tinha outras implicações, dentre elas, prejuízos para a agricultura através da perca das lavouras. Com isso os eventos climatológicos extremos associados as sistematização metodológica desse trabalho passou primeiro pelas chuvas ganham notoriedade somente depois que Fortaleza se impermeabiliza e ganha as primeiras favelas as quais tem nas secas, a principal contribuição para o surgimento das áreas de riscos. A definição, identificação e caracterização do problema o que compôs a primeira parte da monografia de caráter mais conceitual. O capítulo 1 trabalha o conceito de risco dentro de uma perspectiva histórica, desde sua origem, dentro de uma dimensão mística, até um conceito mais atual e científico. Nessa ocasião, foram discutidas as várias classificações arraigadas ao conceito de risco, dentre estas, duas se destacaram por sua afinidade com as ciências elegidas que permeiam a discussão deste trabalho, a saber: a geografia e a sinistrologia. Como consequência, identificou-se os riscos ambientais como o principal tipo de risco. Dois conceitos também trabalhados foram o de áreas de riscos e vulnerabilidade socioambiental. As áreas de risco, locais fortemente vulneráveis sócio-ambientalmente, 20 foram identificadas como territórios típicos das cidades, sobretudo das metrópoles brasileiras que nada mais são que o palco dos riscos ambientais urbanos. O capítulo 2 aprofunda as discussões mostrando que a junção dos riscos ambientais urbanos e a vulnerabilidade socioambiental das áreas de risco geram os desastres naturais. O conceito de desastres foi teorizado por duas abordagens metodológicas: a teoria geral dos hazards e a teoria geral dos desastres que na realidade mais se complementam do que se divergem. No outro momento, buscou-se a tabulação, avaliação e análises de informação e de dados existentes. Para isso, fez-se um levantamento dos principais desastres naturais de Fortaleza, o que gerou uma explanação sobre o cenário atual das ocorrências e sinistros da cidade, pontuando seus problemas. A dicotômica relação Secas versus Inundações mostrou-se uma constante dentro da historiografia fortalezense e que apesar de possuir causas diferente, possuem uma mesma gênese baseada na hidrologia e que tem em comum o fato de contribuírem para o surgimento das áreas de riscos e da acentuação da vulnerabilidade socioambiental. No entanto, as secas tiveram um papel preponderante no passado desde as primeiras ocupações da província e repercutem até os dias de hoje, ou pelo menos até a década de 90, onde foi registrada a última seca que atingiu a cidade de Fortaleza (1993). Hoje as secas parecem ser um problema adormecido, se elas ainda têm um poder de causar grandes calamidades não se sabe. Em contrapartida, as inundações e alagamentos ocupam a pauta das discussões científicas da atualidade como nunca se viu antes, estes eventos adversos parecem vir à tona cada vez mais fortes, haja vista que a vulnerabilidade socioambiental tem se intensificado, principalmente nas grandes cidades. A partir daí, partiu-se para a formulação de hipóteses que explicam o porquê do problema. No capítulo 3 há um tópico que trata da defesa civil em números, onde foi possível através da consulta ao banco de dados da Defesa Civil de Fortaleza tecer algumas hipóteses e explicações, ampliando as discussões sobre as atividades da COMDEC Fortaleza. Os números indicaram a quadra chuvosa de 2009 como a mais severa na história da Defesa Civil de Fortaleza. Contudo, nas séries históricas da FUNCEME há registros de quadras chuvosas tão intensas como a de 2009, como por exemplo, a de 1974 e 1985, no entanto suas repercussões socioambientais não foram tão devastadoras quanto à de 2009. Essa constatação só ratifica a tese dessa monografia, de que os desastres naturais de origem hídrica têm no aumento da vulnerabilidade socioambiental, cuja gênese está na degradação ambiental dos grandes centros urbanos, sua principal causa. Sendo assim, as mudanças climáticas do aquecimento global, compõem atores coadjuvantes, dentro do processo de repercussão dos desastres naturais de 21 origem hídrica, pois ainda são estudos não conclusivos. Vê-se o que diz Favero e Diesel (2008, p.199). É importante salientar as ponderações que constam no Guia de Informações sobre Mudanças Climáticas (Mudanças Climáticas, 2002), ou seja, de que ainda não é possível quantificar com precisão os prováveis impactos futuros da mudança climática sobre qualquer sistema particular em tal e tal lugar. Isso se deve ao fato de que as projeções de mudança do clima em âmbito regional são incertas e o conhecimento dos atuais processos naturais e socioeconômicos são geralmente limitados, além de que muitos sistemas estão sujeitos a diferentes pressões interdependentes. E por último tirou-se algumas conclusões, orientações e aplicações práticas. Os desastres são o resultado de eventos adversos que associados a vulnerabilidades geram danos e prejuízos, no entanto para se chegar ao entendimento sobre os desastres, aprofundar-se-á as discussões sobres os riscos, sem esquecer uma profunda análise sobre as vulnerabilidades, para que só assim possa se chegar nos desastres. 22 1 RISCO AMBIENTAL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÂO 1.1 Conceitos de Risco Segundo Freitas e Gomez (1996), há registros históricos indicando que a palavra risco é de origem italiana e deriva de riscare. Para eles, o termo teria surgido no final do Renascimento e início das revoluções científicas. O significado original da palavra era navegar entre os rochedos perigosos e foi incorporado ao vocabulário francês por volta de 1660. Contudo, segundo os mesmos autores, o conceito de risco que conhecemos atualmente, advém da teoria das probabilidades e sistema axiomático que por sua vez é oriundo de teoria dos jogos franceses do século XVII. O conceito de risco, como atesta Douglas (1987, apud Freitas e Gomez, 1996, p. 3), mantém vínculo com a probabilidade de ocorrência de acontecimentos futuros: [...] implica a consideração de previsibilidade de determinadas situações ou eventos por meio do conhecimento — ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento — dos parâmetros de uma distribuição de probabilidades de acontecimentos futuros por meio da computação das expectativas matemáticas. No entanto, alguns teóricos como Santos, Roxo e Neves (2009) preferem afirmar que a noção de risco surge bem antes, especificamente na Idade Média. Era um conceito que excluía a idéia de culpa ou responsabilidade humana, sendo compreendido como um ato exclusivamente divino. A origem do nome derivaria do latim resicum e era utilizada muito antes do seu aparecimento dentro do vocabulário alemão, no século XVI, e inglês, na segunda metade do século XVII. Dentro desta perspectiva histórica, a mudança de uma dimensão mística do risco para um conceito mais racional, a priori, veio impulsionada pelo terremoto que acometeu a cidade de Lisboa em 1755. Antes deste evento adverso, prevalecia uma visão catastrófica dos riscos fundamentada em causas divinas, deixando o homem, nesse contexto, desprovido de responsabilidade, ou seja, suas ações em nada influenciavam os eventos naturais, pois era um mero expectador e agente passivo dos riscos. Como consequência desse terremoto, esta visão mística torna-se mais científica, os eventos passam a ser explicadas pelas leis da natureza e não mais pelo divino (SANTOS; ROXO; NEVES, 2009). Na ocasião do terremoto, a comunidade científica passou a ter maior preocupação com a questão dos fenômenos naturais extremos, a humanidade vivia um momento 23 aproximação com a ciência dentro do período do Renascimento. Posteriormente os fenômenos naturais e seus efeitos nocivos ganham maior notoriedade com a Revolução Industrial, no século XVIII onde se tem o início do processo de degradação ambiental (SANTOS; ROXO; NEVES, 2009). Com o advento da Revolução Industrial, as intervenções humanas na natureza passaram a ser mais evidentes. Ciências como a Matemática e a Estatística, através dos procedimentos probabilísticos, deram uma importante contribuição para estas mudanças no campo conceitual dos riscos. O desenvolvimento dos cálculos estatísticos de risco e a expansão da atividade industrial foram ferramentas importantes para um aprimoramento dos estudos. Com isso o conceito de risco passou a ser não mais concentrado unicamente nas leis naturais, mas também no ser humano e em suas relações com o meio. (SANTOS; ROXO; NEVES, 2009 e ROCHA; FERNANDES, 2007). O conceito de risco é muito abrangente. Assim, faz-se necessário delimitá-lo sob o ponto de vista das duas ciências elegidas para dimensionar os trabalhos dessa monografia, a saber: a Sinistrologia na qual a defesa civil se insere, bem como a Geografia. Entende-se por sinistrologia, a ciência que se preocupa em estudar os sinistros (eventos adversos), seus efeitos e evolução para um possível desastre. É uma ciência ainda nova que ainda está incubada nos manuais de defesa civil no Brasil (CASTRO E CALHEIROS, 2007). A escolha da Geografia como dimensionadora desse trabalho deve-se ao fato de ela ser uma ciência cujo objeto de estudo é o espaço geográfico, ou seja, o local onde se desenvolvem as relações entre sociedade e natureza, o que é de fundamental importância para as análises desse trabalho. Os riscos estão em toda parte, nas suas mais variadas formas e possibilidades e é foco de discussão e pesquisa de outras ciências que também se preocupam em estudá-los. A dificuldade de terminologia não está sobreposta apenas no conceito de risco, mas também em outras terminologias como hazards, perigo, ameaça e etc. Essa dificuldade foi percebida por Rocha e Fernandes (2007, p.3), quando afirmam que “termos como evento, acidente, desastre, perigo (hazard), ameaça, suscetibilidade, vulnerabilidade e o próprio perigo, ainda não encontraram definições unânimes entre os usuários”. O risco não é um conceito visto do mesmo modo por todos os campos teóricos. Existem vários tipos de conceitos sobre risco que guardam as especificidades das ciências. Por exemplo, para a epidemiologia o risco é "a probabilidade de um membro de uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo” (ALMEIDA FILHO, 1989 p. 24). Para a Geografia, de acordo com Zanella (2006, p.61), o risco se refere à vulnerabilidade de uma população ante os fenômenos geográficos. 24 [...] O termo está diretamente vinculado às probabilidades das populações serem negativamente afetadas por um fenômeno geográfico, como, por exemplo, o climático. Assim, as regiões ou áreas e populações vulneráveis são aquelas que podem ser atingidas por algum evento geográfico, como inundações, enxurrada e seca. Ainda sob o ponto de vista da Geografia, segundo (SÁNCHEZ 2006, p.318), há uma diferenciação entre risco e perigo. Para esse autor, o “perigo é definido como uma situação ou condição que tem potencial de acarretar conseqüências indesejáveis. O perigo é uma característica intrínseca a uma substância (natural ou sintética), uma instalação ou um artefato [...]”. Já o risco “[...] é constituído como contextualização de uma situação de perigo ou de um evento indesejado ocorrer” (SÁNCHEZ, 2006, p.319). Sanchez (2006, p. 320) cita ainda o conceito de risco da Society for Risk Analisys, segundo o qual risco. [...] é o potencial de realização de conseqüências adversas indesejadas para a saúde ou vida humana, para o ambiente ou par a bens materiais, risco pode ser definido de modo formal como o produto da probabilidade de ocorrência de um determinado evento pela magnitude das conseqüências, ou R = P x C. Os conceitos de risco e perigo se assemelham, por isso levar-se-á em conta os conceitos apresentado pela geografia e pela literatura oficial de defesa civil, indo ao encontro do que se propõe esse trabalho. Segundo o glossário de defesa civil o perigo é visto como “qualquer condição potencial ou real que pode vir a causar morte, ferimento ou dano à propriedade. A tendência moderna é substituir o termo por ameaça” (CASTRO, 1998, p. 123). No mesmo glossário o risco é visto como “relação existente entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou acidente determinado se concretize e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos (CASTRO, 1998, p.147). Como forma de direcionamento deste trabalho, ficar-se-á com o conceito de risco contido no manual de medicina de desastres que diz “o risco como a relação existente entre a probabilidade de que a ameaça de um evento ou acidente determinado se concretize e o grau de vulnerabilidade intrínseca do sistema receptor aos efeitos, medida em termos de intensidade de danos prováveis” (CASTRO; CALHEIRO, 2007, p. 10). Percebe-se, portanto, que o perigo é uma característica intrínseca do organismo que se está trabalhando enquanto o risco é a contextualização desse perigo relacionados com as vulnerabilidades que o cerca, ou seja, o conceito de risco se encontra num patamar mais abrangente que o perigo, pois leva em conta não a penas o individual, mas as circunstâncias em volta. 25 Logo mais a frente, ampliar-se-á as discussões procurando-se entender como estes riscos estão classificados, uma tarefa também não muito simples diante a diversidade de classificações. 1.1.1 Classificação dos Riscos Risco natural, social, ambiental, socioambiental, tecnológico entre outros. Estes são exemplos dos vários tipos de riscos que se pode encontrar na literatura cientifica. Este trabalho privilegiará as dimensões geográficas e sinistrológicas que compõe o campo epistemológico desta monografia a qual elege os riscos ambientais no seu foco de estudo. Sánchez (2006) é um dos teóricos que propôs uma classificação baseada nos chamados riscos ambientais. Segue abaixo a classificação do referido autor. Riscos Ambientais Riscos Naturais Atmosféricos Hidrológicos Geológicos Biológicos Siderais Riscos tecnológicos Agudos Crônicos Figura 1 - Classificação de Riscos Fonte: Sánches (2006) Percebe-se que Sanchez (2006), elege a categoria risco ambiental como a motivação de suas discussões. Esta classificação está divida em dois grupos, a saber: Os riscos naturais e os riscos tecnológicos. Os riscos naturais se apresentam conforme as seguintes tipologias: (i) riscos de origem atmosférica, ou seja, seriam aqueles oriundos de processos e fenômenos meteorológicos e climáticos; (ii) riscos associados aos processos e fenômenos hidrológicos, como inundações, alagamentos e secas; (iii) riscos geológicos, que por sua vez tem sua origem em processos endógenos ou exógena da terra; (iv) riscos biológicos, relativos à 26 situação de agentes vivos, como organismos patogênicos; e, (v) siderais, ou seja, que tem origem cósmica. Os riscos tecnológicos por sua vez são aqueles cuja origem está diretamente ligada à ação humana; subdividem-se em agudos e crônicos. Os riscos agudos seriam aqueles com características mais evidentes e que há uma facilidade em se estabelecer uma relação de causa e efeito sendo, portanto, de efeito imediato; já os agudos são menos evidentes, ou seja, mais sutis, tendo suas características sentidas a médio e longo prazo. A classificação de Cerri e Amaral (1998, apud Oliveira, Robaina e Reckziegel, 2004, p. 250), inclui uma tipologia de risco que Sánchez (2006) não levou em consideração, trata-se dos riscos sociais os quais o autor colocou dentro dos riscos ambientais, conforme se pode perceber na figura 2. Ambientais Naturais Físicos Tecnológicos Sociais Biológicos Atmosféricos Fauna Geológicos Flora Endógeno Exógeno Hidrológicos Figura 2 - Classificação de Riscos Fonte: Cerri e Amaral (1998) O Sistema Nacional de Defesa Civil não possui uma classificação de riscos propriamente dita. Nos seus manuais há apenas a classificação de desastres, que reúne um documento intitulado: codificação de desastres, ameaças e riscos (CODAR). No entanto o CODAR que não compõe uma classificação de risco e sim de desastres em muito se assemelha aos preceitos de Sanches (2006), Cerri e Amaral (1998), na realidade as duas classificação sintetiza-o e analisa-o a partir da visão dos riscos ambientais, onde os desastres tendem a ser classificados pela sua origem. 27 As duas classificações não apresentam diferenças significativas, conforme as figuras 1 e 2 apresentadas anteriormente. Ambas trazem os tipos naturais e tecnológicos, sendo que Cerri e Amaral incluem os riscos sociais em sua análise. A síntese destas duas classificações corresponde aos anseios desta monografia. Os riscos são um dos componentes que somado a outros fatores geram os desastres. Um importante conceito que precisa ser analisado e que compõe um fator determinante numa situação crítica são as vulnerabilidades. A vulnerabilidade socioambiental soma riscos sociais e riscos ambientais e contribuem para o surgimento dos desastres ambientais urbanos. 1.1.2 Vulnerabilidade social e risco ambiental A vulnerabilidade possui um conceito multidimensional, pois atingem diferentes formas e intensidades, indivíduos, grupos e comunidades em planos distintos. É entendida como uma habilidade para adaptar-se a uma determinada situação, uma forma para enfrentar uma combinação de fatores que produzem uma deterioração do nível de bem estar de uma determinada comunidade. Para Kaztman (2007, apud Zanella et al, 2010, p. 3), a vulnerabilidade “[...] é a incapacidade de uma pessoa ou de um domicílio para aproveitar-se das oportunidades, disponíveis em distintos âmbitos socioeconômicos, para melhorar a situação de bem-estar ou impedir sua deterioração”. Já a vulnerabilidade social, um subtipo de vulnerabilidade, é em sua acepção social, a situação de risco que veda ou bloqueia os segmentos mais fragilizados socialmente de adquirirem os recursos necessários à integração plena na sociedade. Segundo (ZANELLA 2006, p.47). [...] “A noção de vulnerabilidade social está estritamente vinculada à pobreza (reflexo da grande quantidade de movimentos de entrada e saída dessa condição) e como componente de crescente importância dentro do complexo de vantagens sociais e demográficas que se delineiam na modernidade tardia. Ainda segundo Zanella (2006, p.47), “A vulnerabilidade social encontra-se diretamente relacionada com grupos vulneráveis, ou seja, indivíduos que, por determinadas características ou contingências, são menos propensas a uma resposta positiva, mediante algum evento adverso”. Para Confalonieri (2003, p.200), “o conceito de vulnerabilidade social 28 [...] tem sido utilizado para a caracterização de grupos sociais que são mais afetados por estresse de natureza ambiental, inclusive aqueles ligados ao clima”. Os riscos naturais por sua vez; devido a sua exacerbada freqüência nos cenários urbanos compondo um dos seus principais personagens, podem ser redefinidos como sendo os riscos ambientais urbanos e, por isso, englobariam uma grande variedade de eventos adversos a que a população, primordialmente de baixa renda, está sujeita. Os riscos naturais urbanos e a questão de uso e ocupação do solo estão intimamente interligados. Giddens (1991), diz que o risco na atualidade é fabricado, pois depende cada vez menos de fatores naturais e ganha mais uma conotação baseada nas intervenções sociais e culturais. Para Lima e Silva (1999, p. 10), os riscos ambientais podem ser classificados como “risco ao ambiente”. No sentido geral, inclui a sociedade humana. Originariamente usado no sentido do risco que substâncias tóxicas presentes no ambiente impunham aos humanos [risco socioambiental]. Alguns fatores corroboram para que o ambiente de risco e vulnerabilidade tornese mais acentuado nas cidades: a desigual distribuição da riqueza, ausência de serviços governamentais de amparo social aos mais carentes, serviços públicos de saúde e educação que funcionam em péssimas condições, descaso para com a prática preventiva e etc. tudo isso prejudica a segurança global da população impossibilitando os indivíduos de responderem eficientemente às situações de desastre. Em Fortaleza, assim como nas principais cidades do Nordeste do País, a vulnerabilidade social amplia-se abruptamente. Além de se ter uma significativa parcela da população vítima da pobreza, fome e altos níveis de desemprego, em Fortaleza, essa mesma população tem ainda que conviver com a dicotômica problemática da água, que pode especializar-se através de sua escassez, que configuraria uma condição de seca, ou por sua abundância, que confirmaria uma condição problemática de excedente hídrico. Em outras palavras, o binômio seca e enchente estabelece uma relação marcada por dois extremos. A correlação urbanização versus precipitação constitui uma relação de causa e efeito. A área urbana padece pelo fato de ser palco de maior atividade dos eventos pluviométricos extremos. O centro urbano, com a presença das ilhas de calor origina as chuvas convectivas, ou seja, chuvas intensas e de curta duração. A rugosidade da superfície urbana força o ar a elevar-se na atmosfera, gerando nebulosidade e conseqüentemente o aumento nas taxas de precipitação. A poluição acaba por favorecer o aumento das chuvas, pelo fato de gerar um maior número de núcleos higroscópicos, fator preponderante para a condensação do vapor d’água, influenciando de forma significativamente no tamanho das 29 gotas. Com isso, é possível constatar o impacto que a urbanização desordenada tem causado ao meio ambiente. (ZANELLA (2006); MONTEIRO; MENDONÇA, 2003; BRANDÃO, 2001). A população urbana está permanentemente exposta a riscos cotidianos tais como incêndios e poluição, entre outros, sendo que estes riscos não são levados em consideração ao passo que os eventos extremos sim. Faz-se necessário, então, apontar a necessidade de se estabelecer escalas de gravidade, uma hierarquia dos riscos constatados ou potenciais, que demandam critérios objetivos e também aspectos socioeconômicos que variam de país para outro. (MENDONÇA, 2004). Neste tópico discutiram-se os fatores que desencadeiam os desastres, essa combinação catastrófica de riscos urbanos ambientais e vulnerabilidade social são as causas imediatas para o surgimento dos riscos sócio-ambientais. No entanto, é preciso saber onde estes riscos e estas vulnerabilidades se desenrolam, ou seja, em que cenários estes vêm à tona na forma de desastres. Pode-se dizer que o teatro dos desastres são as áreas de riscos. Territórios que correspondem ao palco dos desastres de todas as espécies, e hoje mais do que nunca aos do tipo naturais. 1.1.3 Conceito de Área de risco Percebe-se, da mesma forma que se tem a total subjetividade no que tange ao conceito de risco e vulnerabilidade, o conceito de áreas de risco também tem suas diversas facetas. Para a engenharia civil e aqueles que trabalham com produtos perigosos como corpo de bombeiros e outras instituições afins, área de risco é o ambiente externo à edificação que contém armazenamento de produtos inflamáveis, produtos combustíveis e/ ou instalações elétricas e de gás (SÃO PAULO, 2001). Segundo o glossário de Defesa Civil, áreas de risco seriam as “áreas onde existem a possibilidades de eventos adversos” (CASTRO, 1998, p. 18). Para Mota (2007), as áreas de riscos são regiões onde não é recomendada a construção de casas ou instalações, pois tais locais são muito expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações. Geralmente estas áreas estão sob encostas de morros inclinados, canais, lagoas ou à beira de rios, bem como áreas próximas a aeroportos, linhas férreas ou susceptíveis a atividade da maré. Para White (1974, apud ZANELLA, 2006), a existência de um risco natural é entendida somente quando pessoas podem ser por ele afetadas. Por isso, as pesquisas que 30 tratam de riscos naturais, segundo a União Geográfica Internacional (UGI), devem seguir as seguintes normas: estimar a extensão da ocupação humana nas áreas sujeitas aos eventos extremos da natureza; determinar a funcionalidade dos ajustamentos realizados pelos grupos humanos para estes acontecimentos; examinar como as pessoas percebem os eventos extremos e o risco resultante; examinar o processo de escolha de ajustamentos redutores de perigo; estimar quais poderiam ser os efeitos da variação da política pública sobre esta série de respostas humanas. As favelas e as áreas de riscos são a mesma coisa? As áreas de risco compreenderiam todos os aglomerados de casebres de estrutura frágil? As favelas poderiam ser consideradas áreas de riscos? Analisando criteriosamente, ambas, tanto favelas quanto áreas de risco são regiões de ocupação irregular, ambas possuem casas de infra-estrutura bastante precárias, por muitas vezes com risco iminente de desabamento, ambas são habitadas por uma população paupérrima sem opções de escolha de outro local para moradia, ambas estão inseridas num contexto de alta criminalidade e ambas estão imersas em profundos riscos sociais. De fato essas características são comuns tanto as favelas como as áreas de risco, mas o que vai caracterizar, isto é, sob a ótica dos estudos dos eventos adversos e da defesa civil, um determinado aglomerado urbano como área de risco, é a susceptibilidade aos eventos adversos naturais e consequentemente as vulnerabilidades socioambientais. No momento em que uma favela corre risco do tipo ambiental urbano, essa área pode ser considerada uma área de risco, pois o conceito de áreas de riscos está associado à presença humana em áreas com possibilidade de serem atingidas por eventos adversos naturais. Nesse sentido, a existência do risco é uma função do ajustamento humano aos eventos naturais extremos. (BRANDÃO 2001). Mas as favelas são locais onde há riscos? A pergunta é pertinente, apesar de que os riscos presentes em uma favela passariam apenas pela dimensão social. A priori todas as áreas de risco são favelas, mas nem todas as favelas são áreas de risco. Mais uma vez, ressalta-se que essa visão pertence ao campo das ciências que lidam com eventos adversos, 31 pois ao se pensar sociologicamente a respeito de uma área de risco em nada esta difere das favelas, pois ambas estão imersas nos riscos sociais. Contudo, para Hoerning (2005, p.4) “[...] ao contrário da favela, a área de risco não é uma área habitável, enquanto a favela pode ser transformada, através de programas de urbanização, em moradia adequada e digna”. Essa visão de Hoerning (2005), ilustra mais uma diferença entre as duas categorias de aglomerados urbanos: enquanto a favela é um local onde há possibilidade de transformação em áreas habitáveis, as áreas de riscos, por conta das vulnerabilidades ambientais, não teriam esse mesmo tratamento. Enquanto na favela se tem a opção de ação política e de governo de erradicar ou urbanizar, na área de risco tem-se somente a opção de erradicar. Segundo Mota (2007, p. 22), as cidades com maior número de favelas no País, segundo dados do IBGE/censo 2000, são: São Paulo (612), Rio de Janeiro (513), Fortaleza(157), Guarulhos (136), Curitiba (122), Campinas (117), Belo Horizonte (101), Osasco (101), Salvador (99), Belém (93), conforme ilustra o gráfico 1. É importante ressaltar que a PNDC prevê todos os tipos de risco das mais diversas formas e delega a Defesa Civil o dever de ser um órgão diretamente ligado no atendimento as populações afetadas por estes riscos. 700 600 500 400 300 200 100 0 CIDADE São Paulo Rio de Janeiro Fortaleza Guarulhos Curitiba Campinas Belo Horizonte Osasco Salvador Belém Gráfico 1 – Relação das cidades brasileiras com maior número de favelas. Fonte: IBGE (censo 2000). Mota (2007), em seu trabalho sobre as favelas às margens de trilhos em Fortaleza, critica a ação do poder público em especial a defesa civil pela inoperância e apatia no que diz respeito ao atendimento das famílias que residem sob esse tipo de risco (malha ferroviária). Vê-se o que a autora diz: 32 No entanto, tal definição de risco também utilizada nos manuais da Defesa Civil não é colocado em prática no município de Fortaleza, visto que algumas áreas aguardam há muito sua catalogação para que seja feito o mapeamento das áreas possivelmente afetadas e, dessa forma, a prefeitura passe a tomar providencias a fim de conter tais riscos. Até então, populações que habitam margens de trilho, áreas próximas a aeroportos, gasodutos, indústrias que produzem materiais tóxicos ou inflamáveis entre outros vão sendo colocados em segundo plano. (MOTA, 2007, p. 13) Essa constatação e esse problema de fato são perceptíveis. Realmente a Defesa Civil de Fortaleza prioriza em suas ações, os riscos relacionados com o excedente hídrico, no entanto há uma explicação, a questão advém tanto da dificuldade de se precisar o conceito de risco, bem como da falta de estrutura da defesa civil municipal em atender essas outras demandas enumeradas pela autora como: linhas de trem, gasodutos, áreas de aeroportos e etc. Essa divergência ideológica do conceito de áreas de risco, que priorizam as áreas afetadas por eventos de impactos pluviométricos, ou seja, os desastres naturais, exclui uma dezena de áreas que poderiam ser enquadradas como áreas de risco, e que deveria ganhar a mesma atenção do poder público. Por isso pode-se encontrar algumas diferenças referentes ao real quantitativo das áreas de risco existentes na cidade de Fortaleza. Para a Defesa Civil de Fortaleza há 97 áreas de riscos, quanto que para algumas entidades, como a Federação de Bairros e Favelas, a Cáritas Arquidiocesana; entre outras, esse quantitativo poderá ser bem superior. Nesse capítulo foi possível perceber que para se ter uma compreensão dos desastres naturais que permeiam a nossa realidade e que se projeta como nosso objeto de estudo, precisou-se em primeiro lugar passar por uma dimensão conceitual dos elementos que compõem e colaboram com o surgimento de um desastre. Percebe-se que o conceito de risco não é um tema de fácil abordagem pois possui uma dimensão interdisciplinar e portanto fez-se necessário eleger um campo teórico a fim de nortear nossas discussões. Com isso a visão da geografia e da defesa civil ocupou o debate dos riscos. Os riscos, de um modo geral, foram conceituados como condições potenciais, probabilidades para que aconteçam um evento adverso que por sua vez é o pontapé inicial de um desastre. Apresentaram-se e elegeram-se duas classificações que mais se aproximavam do ponto de vista da Defesa Civil e nessa ocasião as classificações de Sánchez (2006) e de Cerri e Amaral (1998) apresentaram-se satisfatórios para fins deste estudo, e a categoria risco ambiental como a mais significativa. As áreas de risco, teatro das ocorrências dos desastres, como foi visto, diferem das favelas, por serem palco dos riscos ambientais. Enquanto nas favelas têm-se essencialmente 33 vulnerabilidades sociais, as áreas de risco possuem além das vulnerabilidades sociais os riscos ambientais. A junção dos dois, compõe uma gama de problemas típicos dos ambientes urbanos que tem no conceito de vulnerabilidade socioambiental como a mais pertinente no surgimento dos desastres naturais de origem hídrica de Fortaleza. 34 2 DESASTRES: UM CLAMOR SOCIAL 2.1 Evolução Epistemológica do Conceito de Desastres: teorias e aplicações 2.1.1 Abordagem Geográfica: teoria geral dos hazards. Devido à dificuldade de se precisar, conceitualmente, a categoria hazard, pois envolve uma ampla gama de fenômenos como avalanches, terremotos, erupções vulcânicas, ciclones, deslizamentos, tornados, enchentes, epidemias, pragas fome e muitos outros, os geógrafos resolveram delimitar sua referência aos eventos geofísicos (climatológicos e geológicos), e ao comportamento dos grupos sociais afetados. (MOURA E SILVA, 2008) Do ponto de vista histórico, os primeiros estudos sobre hazards surgem de um cunho emergencista e foi sistematizado por Gilbert White por volta de 1956, impulsionado pelos eventos adversos das enchentes nos EUA. Os trabalhos nesse contexto histórico advinham de trabalhos de engenheiros preocupados principalmente em reduzir os impactos através da implantação de medidas estruturais, ou seja, melhoramento fluvial e obras de retenção. Estes primeiros estudos inicialmente se concentraram sobre as estratégicas de ajustamento ao problema das enchentes sob o ponto de vista da engenharia e posteriormente os estudos foram estendidos para outros tipos de fenômenos naturais (terremoto, erupções vulcânicas, tornados, furacões, secas e etc.), bem como as contribuições de outras ciências, principalmente a geografia, que deu origem a um novo campo de estudo que ficou conhecido como estudos dos hazards. (MATTEDI; BUTZKE, 2001) Mas o que viria a ser um hazard? As primeiras discussões neste campo epistemológico foram, primeiramente, focadas na tentativa de contornar a dificuldade em caracterizar as relações entre as dimensões físicas e humanas de um evento. Segundo Mattedi e Butzke (2001, p. 4), “os hazards eram descritos como efeitos de processos geofísicos que cercam o mundo humano, ou seja, elementos do ambiente físico prejudiciais ao homem e causados por forças externas”, em outras palavras, hazards são eventos naturais adversos. Dessa afirmação pode-se concluir que a perspectiva física era um fator preponderante para a caracterização dos hazards ou eventos naturais adversos. Assim, “o fator determinante para a caracterização dos hazards era atribuído a perspectiva física dos eventos” (MATTEDI; BUTZKE, 2001, p. 4), e as pessoas afetadas era consideradas desafortunadas e que possuía baixa capacidade reativa. Com isso, segundo Burton e Kates (1971, apud Mattedi e Butzke, 2001, p.4), os hazards eram “elementos do 35 ambiente físico prejudiciais ao homem, os quais surgem do contínuo do processo de ajustamento entre sistema humano e eventos naturais”. Segundo Mattedi e Butzke (2001), os hazards são a resultante do processo de ajustamento/adaptação humana ao ambiente, a relação entre homens e natureza, baseado no método de analise sistêmico da Ecologia Humana. Daí os hazads serem classificados de acordo com seus processos desencadeadores: meteorológicos, hidrológicos e geológicos, conforme mostrado no quadro 1. Sendo assim, a atenção recaia sobre as características do agente físico desencadeador e o enfoque metodológico situava-se no período de pré-impacto. Dessa forma, uma seca, inundação ou evento adverso natural qualquer, ocorreria de forma independente da estrutura social. Outra constatação que se pode fazer sobre a teoria dos hazards, se refere ao fato de que se os eventos extremos geram problemas e os indivíduos se ajustam a esse fenômeno, o caráter ameaçador de um evento geofísico natural somente pode ser dimensionado quando contraposto a um sistema de atividade humana determinado, pois o moderno conceito de eventos naturais adversos só se caracteriza quando este afeta atividades humanas. Geralmente as pessoas que moram nas áreas de risco não possuem esta percepção, pois apesar de perceberem que residem em áreas que são acometidas por desastres, e reconhecerem a ameaça, não associam sua condição ao fato de morarem próximo ao agente causador (rio, canal e etc.), ou seja, a forma de ocupação lhes escapa a compreensão, sendo atribuído o evento somente à força da natureza. Esta errônea percepção decorre do fato de associarem o agente do evento adverso isoladamente, como se este fosse o único princípio explicativo válido, dessa forma falta-lhes considerar não somente as conseqüências, mas também os fatores que antecedem ao problema. (MATTEDI; BUTZKE, 2001). Quadro 1 – Classificação dos hazards por processo físico. Categoria Meteorológicos Geológicos Hidrológicos Tipo de Evento Furacões, tornados, avalanches e nevoeiros Terremotos, vulcões e deslizamento Inundação, secas e incêndios Fonte: MATTEDI; BUTZKE (2001). A partir da década de 70, houve uma mudança paradigmática nos estudos dos desastres. Os hazards antes vistos como a resultante do processo de ajustamento/adaptação humana ao ambiente, agora passam a ser visto como produto da interação entre forças físicas e humanas, que em combinação, determinam a importância e o impacto do evento. Como foi 36 dito anteriormente, os hazards só são considerados como tais quando eventos adversos afetam as atividades humanas (MATTEDI; BUTZKE, 2001). 2.1.2 Abordagem Sociológica: teoria dos desastres Para os sociólogos, os desastres podem ser definidos como um acontecimento ou uma série de acontecimentos que alteram o modo de funcionamento rotineiro de uma sociedade, provocado por umas grandes variedades de agentes naturais ou criado pelo homem. Pode-se perceber que os desastres evocam uma relação específica entre sociedade e a natureza, sendo, portanto uma analise sistemática sobre as causas e efeitos dos desastres, repercutindo sobre as respostas sociais. (MATTEDI; BUTZKE, 2001) Para esta corrente, os desastres dividem-se e classificam-se em dois aspectos: temporalmente, entre instantâneos e progressivos e espacialmente entre focalizados ou difusos (MATTEDI; BUTZKE, 2001), conforme se pode observar no quadro 2. Sob o aspecto temporal, os desastres instantâneos, possuem a mesma conotação que o tipo desastre súbito dentro da Política Nacional de Defesa Civil e os instantâneos com os crônicos consequentemente. Sob o aspecto espacial, os focalizados podem ser considerados aqueles desastres, cujos efeitos têm uma limitada área geográfica, já os difusos possuem uma abrangência maior. Quadro 2 - Classificação dos Desastres – abordagem sociológica Categoria Temporal Espacial Tipo de evento Instantâneos Progressivos Focalizados Difusos Fonte: MATTEDI; BUTZKE (2001). Os desastres são vistos como uma patologia social e sua ocorrência são percebidas como a oportunidade de se estudar a estrutura social de uma comunidade em condições “anormais” e “distorcidas”. Com isso, tem-se a referência aos fatores sociais substituindo os fatores naturais na definição de desastres. Essa substituição caracteriza o período pré-guerra. (MATTEDI; BUTZKE, 2001) O conceito de desastre, sob o ponto de vista sociológico, derivou da produção sociológica norte-americana e que por sua vez veio dos estudos de S.H. Prina sobre respostas sociais frente à explosão de dois navios no porto da cidade de Halifax, em 1915. Segundo os 37 estudos, este desastre não provocou efeitos negativos sobre o desenvolvimento da cidade. (MATTEDI; BUTZKE, 2001). O processo de institucionalização dos desastres como campo de estudo, só vai ocorrer definitivamente após a segunda guerra mundial A primeira tentativa sistemática de codificação do campo de estudos é atribuída a Charles F. Fritz, no início da década de sessenta com seu livro Social Problems. Neste estudo, “os desastres são interpretados como um tipo especial de problemas sociais não rotineiros”. (MATTEDI; BUTZKE, 2001, p. 10). Importante contribuição também veio uma década depois, com os estudos de A.H. Barton, que “promove uma interpretação dos desastres baseados na consideração do comportamento individual em termos de definição, competência e conflitos entre papeis durante a emergência” (MATTEDI; BUTZKE, 2001, p. 10). No final dos anos setenta, pesquisadores como Enrico L. Quarentalelli e Russell R. Dynes contribuíram com a interpretação e análise dos desastres onde se passou a ter sete tendências teóricas e metodológicas principais (MATTEDI; BUTZKE, 2001). ter uma preocupação maior com a organização social do que com psicologia social e consequentemente; a priorização dos grupos em detrimento dos individuais como unidade básica de análise; aumento da utilização de noção de sistema na pesquisa; combinação das abordagens baseadas no comportamento coletivo e organizações complexas no estudo do comportamento coletivo em desastres; aumento de estudos do período pré-impacto como fonte das mudanças estabelecidas nos períodos de pós-impacto; a focalização das conseqüências funcionais e disfuncionais de longo prazo; e a construção de modelos teóricos. Foi nesse momento que surgiu o princípio de continuidade, onde as condições de pré-desastre explicariam a destruição encontrada no período pós-impacto. “Não é possível tratar separadamente a situação de emergência da situação pré-desastres” Mattedi e Butzke (2001, p. 11). Para Enrico L. Quarentalelli e Russell R. Dynes, o objeto de estudo estava centrado da análise das unidades sociais impactadas e nos padrões de respostas empreendidos. Dessa forma, “no contexto do pré-desastre dois fatores determinam o padrão de resposta da comunidade: os tipos de integração e conflito existentes no período de normalidade e a experiência acumulada na confrontação da crise”, Mattedi e Butzke (2001, p. 12). 38 É importante perceber outra mudança de foco neste campo de estudo que se diferencia da teoria dos hazards. Para esta corrente, a importância dos estudos de desastres está não em sua dimensão natural, mas em suas conseqüências sociais num contexto social específico. Há um deslocamento da análise da fase pós-desastre para análise pré-desastre com ênfase nos fatores sociais, ou seja, a análise das condições de normalidade que precede o impacto, as situações encontradas no contexto pós-desastre podem ser entendidas como uma extensão das condições sociais vigentes na fase de pré-desastre. Daí, surge uma hipótese de acordo com Mattedi e Butzke (2001, p. 13): O agente do desastre não pode ser considerado como um fator externo ou independente do contexto social, [...] um desastre exprime, invariavelmente, a materialização da vulnerabilidade social em desastres [...] cada sociedade pode absorver e responder aos desastres a partir das experiências acumulada de convívio com o problema. Quadro 3 - Paralelo entre a abordagem geográfica e a sociológica Abordagem Geográfica Abordagem Sociológica Perdas provocadas por enchentes Explosão de dois navios no nos EUA ponto da cidade de Halifax, em 1915. Ênfase nos fatores sociais do Ênfase nos fatores físicos Fator Histórico Causa Desastre Análise Desastres dos Refere-se aos efeitos potenciais provocados pela interação de fatores físicos e humanos. A dimensão social é pensada como Dimensão uma variável que afeta a dimensão natural. Meteorológicos, Hidrológicos, Classificação Geológicos, dos Desastres Resulta da análise dos efeitos reais provocados pela eclosão do fenômeno. A dimensão social convertese na pré-condição para a dimensão natural. Temporalmente: Instantâneos e progressivos. Espacialmente: focalizados e difusos Fonte: (MATTEDI; BUTZKE, 2001). É importante saber que as duas teorias tentam explicar os desastres com base na relação de interdependência que se constrói quando um evento físico destrutivo (dimensão natural) atinge um contexto vulnerável (dimensão social), contudo, os hazards têm por base os fatores físicos e os desastres declinam em função dos fatores humanos. No entanto, a tendência atual é a confluência e integração explicativa dos domínios físicos e humano que se interagem, contribuindo para uma conceituação multidimensional dos desastres. (MATTEDI; BUTZKE, 2001). Em se tratando dos estudos de impactos ambientais, as duas teorias assumem uma postura metodológica inversa. Enquanto na teoria dos hazards “a análise típica dos problemas 39 ambientais caracteriza-se pela consideração dos impactos provocados pelo sistema humano (econômico e tecnológico) sobre o ambiente natural, ou seja, a dimensão intervém no processo”, a teoria dos desastres examina “os efeitos provocados pelo ambiente físico sobre as atividades humanas” (MATTEDI e BUTZKE, 2001, p. 16). 2.2 Desastres: um conceito atual A preocupação de todas as autoridades tanto públicas quanto ambientais é a de que os desastres se transformem em um clamor público. A Organização das Nações Unidas (ONU) já haviam declarado os anos 90 como o Decênio Internacional para a Redução dos Desastres, tendo em vista o aumento significativo dos desastres. Hoje essa preocupação tornase ainda mais forte. Segundo a previsão de alguns analistas, haverá um clamor não só apenas para o fim da violência, mas também para o fim dos efeitos nocivos de um desastre, oriundo da ausência de ações preventivas. O tema desastre assim como defesa civil são bastante recente no campo das discussões científicas, apesar de já serem conhecidos pelas diversas civilizações que já passaram pela terra. É importante frisar que o fenômeno natural em si não compõe um desastre. Faz-se necessário que este afete as pessoas, ou seja, tenha uma conseqüência antrópica, isto é, partindo-se de uma perspectiva antropológica, pois para o meio ambiente, poderia ser um desastre natural caso este fenômeno cause um desequilíbrio ambiental. É a partir daí que se pode perceber que o conceito de desastre vai adquirir várias concepções, dependendo do ponto de vista ou método cientifico que se adote. (MOURA E SILVA, 2008). É importante não confundir desastre com evento adverso. O desastre é um evento adverso que associado com as vulnerabilidades existentes dentro de um determinado ecossistema gera danos humanos, materiais e ambientais e prejuízos econômicos e sociais. O desastre além de ter um caráter de impacto imediato acumula em si também a função de provocar a deterioração das condições de vida da população, aumento de despesas públicas com atividades de socorro e assistência, sem falar nas perdas humanas. Os desastres têm a capacidade de entropia social, ou seja, traz uma desorganização de estruturas que, no caso, o corpo que entra em entropia é a própria sociedade. Conforme afirma Albuquerque e Cirino (1995, p. 23). Um desastre é a relação extrema entre um fenômeno físico e a estrutura e organização da sociedade, de tal maneira que se constituem conjunturas em que se 40 supera a capacidade de probabilidade para absorver, investigar e evitar os efeitos negativos dos acontecimentos físicos. Em outras palavras, para Albuquerque e Cirino (1995, p.2): Um desastre é entendido quando se altera ou interrompe de alguma maneira a vida cotidiana de uma comunidade devido a um evento de ordem natural, tecnológico ou provocado pelo homem, que produz efeito adverso sobre as pessoas, suas atividades, seus bens e serviços do meio ambiente. Conforme apresentado anteriormente, o conceito elaborado pelas ciências sociais, segundo Mocellin e Rogge (1995, apud Albuquerque e Cirino, 1995, p.2), tem contribuído para o enriquecimento do conceito de desastre ao dizer que este compõe: Todo e qualquer dano causado ao meio ambiente, tanto por causas naturais decorrentes das mudanças a que a própria natureza está sujeita, como também por aquelas provocadas pela ação do homem, que acarretam diretamente danos ao bem estar físico e mental da população, incluindo-se perda de alguns sujeitos e consequentemente a morte de uma parte representativa da população. A integração entre os aspectos probabilísticos e a presença do homem em sua interação com o meio ambiente ficam bem evidentes neste conceito, tendo como referência os efeitos causados à população. Ficaria a cargo da interação entre homem e meio ambiente, através de suas intervenções, o assoreamento dos rios, a devastação de florestas, a exploração inadequada de recursos naturais, as modificações de ecossistemas, quer por empreendimentos gerados pelos avanços da tecnologia, como por exemplo, os desastres com usinas atômicas e etc., o papel de agente propiciador dos desastres. É importante registrar o conceito de desastre, contido no manual de medicina de desastres e, sob qual, este trabalho se baseará. Desastre seria o “resultado de evento adverso, natural ou provocado pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais”. (CASTRO; CALHEIROS, 2007). O campo conceitual dos desastres vem passando por atualizações à medida que se torna urgente entendê-los em sua plenitude, tendo em vista o seu efeito cada vez mais deletério para a qualidade de vida urbana e expondo a populações a situações de riscos. Há uma corrente de pesquisadores que acredita na não existência dos desastres naturais, pois os fenômenos naturais provocam desastres em função das formas de produção, ocupação e uso do espaço urbano. Para teóricos como Moura e Silva (2008, p.59), “os desastres não são naturais, mas decorrentes da ação humana”. E os eventos naturais adversos, “somente se 41 convertem em desastres quando os seres humanos vivem nas áreas onde ocorrem e agravam as causas de seus processos”. A abordagem de negação do conceito dos desastres naturais considera duas situações distintas que poderão explicar a causa de tal posicionamento. Estes teóricos diferenciam as situações de risco dos fenômenos naturais crônicos. No entanto as duas situações convergem para uma mesma conclusão: as populações mais afetadas são as mais pobres, sejam estas situações de risco ou fenômenos naturais crônicos. As situações de risco, decorrentes de fenômenos com intensidades que se caracterizam por terem efeitos vorazes e catastróficos de duração passageira, ou seja, agudos, como por exemplo, os terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas e furacões; só adquirem sentido de desastres quando ocorrem ou se relacionam as áreas ocupadas pelo homem do contrário estes serão denominados eventos naturais. Já os fenômenos naturais de ação crônica (tormentas sucedidas de inundações urbanas ou deslizamentos), são oriundos dos fatores ambientais (vento, chuva) os quais fazem parte da vida cotidiana urbana com seus danos ambientais, que tanto resultam de uma causa física (geológica, climatológica) como de uma ação humana “... sempre relacionados a iniciativas e escolhas humanas, resultantes de interações dos humanos com sistemas naturais físicos e biológicos”. (MOURA e SILVA, 2008, p.60). Os fatores ambientais tornam-se problemáticos, pelo modo de ocupação do solo, pela qualidade construtiva e pela presença ou ausência de infra-estrutura, os quais fomentam os riscos e passam a ser denominados de vulnerabilidades sócio-ambientais. Dessa forma para autores como Moura e Silva (2008) a terminologia desastre natural estaria inadequada, pois estes partem do pressuposto que tudo na natureza está sendo modificada pelo homem e como a terra é um grande ecossistema interligado, os seus efeitos são sentidos por todos. Portanto, não existiriam os desastres naturais. Na verdade, esta concepção tem uma afinidade com a teoria do caos, segundo a qual os efeitos de desmatamento, por exemplo, da Amazônia, podem repercutir do outro lado do planeta através de um desequilíbrio ambiental. Pode-se perceber que estas abordagens que nega os desastres naturais não entra em contradição com conceito de desastre formulado por Castro e Calheiros (2007), para quem os desastres são o resultado de eventos adversos que somados com as vulnerabilidades geram danos e prejuízos, pois os eventos adversos, matéria prima dos desastres, só são considerados como tal quando têm a intervenção humana gerando vulnerabilidades. Na verdade a posição de Castro e Calheiros (2007) diverge da posição de Moreira e Silva (2008) na questão metodológica, pois enquanto estes têm uma influencia na abordagem sociológica, aquele tende a seguir a abordagem geográfica. 42 Para Castro e Calheiros (2007), a existência dos desastres naturais é o resultado de eventos adversos que podem ser agravados pela ação humana (vulnerabilidades), mas também pode ter uma origem exclusivamente natural, advinda das próprias forças da natureza (abordagem geográfica). Com isso, um evento adverso tipicamente natural como aqueles originados da tectônica de placas, que resultam em desastres naturais como terremotos, tsunamis; a ação humana em nada interfere na sua origem e pouco pode fazer para mitigar suas conseqüências. Este fato independe da produção, ocupação e uso do espaço. É claro que a ação humana tem contribuído de forma significativa para o surgimento dos desastres num modo geral, contudo negar os desastres naturais estaria mais relacionado com discordâncias metodológicas da origem e causa dos desastres. O Sistema Nacional de Defesa Civil tende a seguir a linha de raciocínio da teoria dos hazards (abordagem geográfica), que foi comentada no tópico sobre a evolução epistemológica do conceito de desastre, segundo a qual o conceito de desastre primaria muito pela origem do processo desencadeador do evento, pelo agente causador. Estes que negam o conceito de desastres naturais, por outro lado, prefere caracterizá-lo pelos fatores sociais (teoria dos desastres), no caso o homem intervindo e ocupando áreas impróprias. Neste capítulo aprofundaram-se as discussões sobre os desastres. Viu-se que os desastres são trabalhados por pelo menos duas metodologias ou formas de abordagens que parecem mais se completarem do que divergirem entre si. “o estudo dos hazards refere-se à análise dos efeitos potenciais provocados pela interação de fatores físicos e humanos, enquanto a Teoria dos Desastres resulta da análise dos efeitos reais provocados pela eclosão do fenômeno” (MATTEDI & BUTZKE, 2001, p. 15). Percebe-se que a classificação oficial de defesa civil no Brasil, composta pelo Código de Desastres, Ameaças e Riscos (CODAR); tem uma raiz na abordagem geográfica (hazards), por priorizar os estudos dos desastres levando em conta mais pela sua origem e por enfatizar suas causas. No entanto há uma tendência atual na própria Política Nacional de Defesa Civil de se estudar os desastres também pelas suas conseqüências, levando em conta os aspectos sociais, ou seja, a seguir a abordagem sociológica. O objeto desta pesquisa, que consiste no estudo dos desastres naturais de origem hídrica e seus efeitos; também foi trabalhado pela sua negação conceitual, foi possível constatar que há uma corrente de pensadores que negam a existência dos desastres naturais, pois os desastres nada têm de natural haja vista a presença de o homem tornar-se imprescindível no teatro das ocorrências. De fato, um evento adverso, item inicial de um 43 desastre, não pode ser classificado como tal, enquanto este não gerar danos e prejuízos, sobretudo para o homem. Quando se diz e utiliza-se o termo desastre natural, seja nesse trabalho, ou em qualquer outro que utiliza a abordagem geográfica, o que se está querendo dizer é que este desastre tem uma causa natural, apesar de suas implicações na maioria das vezes tem uma conotação social. Diante do exposto, fica clara a diferença entre as duas abordagens (geográfica e sociológica) apresentadas nesse trabalho. Para aqueles que utilizam a metodologia dos hazards (geográfica) na qual preferem classificar os desastres naturais quando estes têm uma origem em um evento adversa natural e para aqueles que seguem a metodologia dos desastres (sociológica) na qual preferem classificar os desastres como humanos, pois compreendem que o homem é ao mesmo tempo causador e sofredor dos desastres. 44 3 PRINCIPAIS DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA DE FORTALEZA 3.1 Procedimentos Metodológicos A pesquisa foi desenvolvida numa perspectiva qualitativa de cunho dedutivo. Segundo Silva e Menezes (2001, p.20) a pesquisa qualitativa é aquela que Considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem. O método dedutivo por sua vez, conforme Lakatos e Marconi (1993) tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega-se a uma conclusão. Seu objeto de investigação é do tipo exploratório-explicativo, pois visa identificar as causas que determinam e/ou contribuem para a ocorrência do fato em estudo. Pesquisa Exploratória conforme Gil (1991, p.42) é aquela que. Visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses. Envolve levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; análise de exemplos que estimulem a compreensão. Assume, em geral, as formas de Pesquisas Bibliográficas e Estudos de Caso. Ainda segundo o mesmo autor, Gil (1991, p.42), a pesquisa explicativa. Visa identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Aprofunda o conhecimento da realidade porque explica a razão, o “porquê” das coisas. Quando realizada nas ciências naturais, requer o uso do método experimental, e nas ciências sociais requer o uso do método observacional. Assume, em geral, a formas de Pesquisa Experimental e Pesquisa Expost-facto. O processo de estudo foi tanto bibliográfico, com a utilização da literatura especializada do assunto, revisando o material analisado por outros pesquisadores; quanto documental, com a utilização de material que não sofreu nenhum tipo de análise. 45 Para se investigar os impactos socioambientais dos desastres naturais de origem hídrica que acometem o município de Fortaleza. primeiramente se fez necessário o esclarecimento dos termos correlatos. Para isso, buscou-se fazer uma revisão bibliográfica dentre os vários autores que trabalham com os conceitos de risco, vulnerabilidade e áreas de risco. Para isso foram utilizados os conceitos de Mota (2007), Zanella (2006), Sánchez (2006), Hoerning (2005), Cerri e Amaral, (1998) e Castro (1998). Após esta abordagem conceitual, precisaram-se delimitar quais os eventos adversos e quais vulnerabilidades presentes em Fortaleza, levando em consideração a visão da Defesa Civil. Por isso, os riscos ambientais foram os mais privilegiados nas discussões. Para efeito de estudo desta monografia consideram-se riscos ambientais e/ou os de origem antrópica, com dimensões e localização geográfica conhecidas no tempo, aqueles que oferecem perigo latente à população ou equipamentos urbanos (JACOBI, 2004). No caso da área em estudo, os principais desastres identificados e escolhidos para este estudo foram as inundações e alagamentos. Devido às cheias freqüentes dos mananciais hídricos da cidade como os rios Maranguapinho, Cocó e da Vertente Marítima, bem como a presença de diversos canais e lagoas na cidade que sofrem por fenômenos de cheia direcionaram o foco desse estudo para as inundações. Os alagamentos foram evidenciados devido à baixa capacidade de carga dos solos como conseqüência da impermeabilização destes, bem como da falta de gerenciamento da destinação final do lixo que entope as bocas de lobo e os bueiros instalados junto aos logradouros urbanos. Realizou-se também uma análise histórica das áreas de risco de Fortaleza, seu nascimento e evolução que por sua vez está associada às condições político-históricas do Estado do Ceará. Foram realizadas visitas aos órgãos responsáveis pela memória das áreas de risco da cidade que se revelaram de fundamental importância para o entendimento do quadro atual. Visitou-se, assim, o Arquivo Público do Estado do Ceará, através dos documentos da Comissão de Socorros Públicos das Secas de 1877 e 1899-99, os jornais antigos do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, bem como da Biblioteca Pública Menezes Pimentel. Os mapas confeccionados foram obtidos a partir da base digital de Fortaleza, desenvolvidos pela Secretaria de Infra-Estrutura do Município (SEINFRA), bem como um modelo digital do terreno, através da utilização das imagens de satélite georreferenciadas e 46 rasterizados pelos softwares de tratamento de imagens no Sistema de Referência Geocêntrica da América do Sul SIRGAS1. Os softwares utilizados foram o AutoCAD2 e Gvsig3. De posse desses mapas se fez uma análise e discussão sobre a problemática das áreas de risco de Fortaleza, que estão fortemente atreladas ao processo de degradação do meio-ambiente e aos problemas estruturais urbanos, como a falta de moradia nos grandes centros, o desmatamento da vegetação ciliar dos mananciais hídricos e que, por sua vez está atrelado à segregação sócio-espacial, genuinamente um mecanismo do capitalismo excludente e discriminatório em que vivemos. 3.2 Tabulação dos dados e análise Conforme apresentado anteriormente, os desastres naturais somam um elenco de possibilidades, podendo ter origens meteorológicas, geológicas e hidrológicas. No caso da cidade de Fortaleza, esses desastres têm nos eventos hidrológicos extremos suas principais causas. Estes por sua vez, ou são ocasionados pela escassez ou pelo excesso de água. Desse modo, pode-se dizer que Fortaleza, ao longo de sua história, sempre foi acometida tanto por inundações como por secas. Este binômio seca versus inundação sempre reaparecia numa escala quase que religiosamente alternada (COSTA, 2001; SOUZA, 1986 e THEOPHILO, 1922). O evento adverso que mais provocou desastres naturais na Fortaleza da época colonial e imperial foram as secas. As inundações nas referidas épocas eram praticamente inexistentes, vindo só a ser um problema para a cidade com o maciço processo de impermeabilização e o surgimento das primeiras áreas de riscos por volta de década de 30 (COSTA, 2001, 2004; SOUZA, 1986 e THEOPHILO, 1922). Fazendo uma breve recapitulação sobre o conceito de desastre, para que este ocorra, faz-se necessário a ocorrência de um evento adverso. Este, por sua vez, é conceitualmente arraigado à presença de riscos. Os riscos são a relação que se estabelece entre ameaça e vulnerabilidade. No caso das secas e inundações, a ameaça é a mesma: as chuvas. Só que na inundação temos uma ameaça por excesso enquanto que na seca a ameaça é por 1 É o novo sistema de referência geodésico para o Sistema Geodésico Brasileiro (SGB) e para as atividades da Cartografia Brasileira. 2 É um software do tipo CAD — computer aided design ou desenho auxiliado por computador, é utilizado principalmente para a elaboração de peças de desenho técnico em duas dimensões (2D) e para criação de modelos tridimensionais (3D) 3 É um software livre de SIG (Sistema de Informação Geográfica). 47 escassez. No entanto, no caso das inundações não havia vulnerabilidades suficientes no período colonial e imperial para a ocorrência do evento adverso inundação, pois não havia áreas de riscos e a estrutura urbana da cidade não permitia a existência de tal vulnerabilidade. As vulnerabilidades das secas eram mais presentes. A história de Fortaleza se confunde com a história da província do Ceará. Fortaleza se desenvolve economicamente com a indústria algodoeira e desponta como capital da província no século XVIII. Desde o seu surgimento como vila até seu status de cidade, Fortaleza conviveu com o binômio chuvas escassas e chuvas intensas, que resultavam, respectivamente, nas secas e inundações (COSTA, 2001; LEMENHE, 1983; PINHEIRO, 1994; SOUZA, 1986 e THEOPHILO, 1922). O impacto socioambiental das inundações não ocorria na cidade na mesma intensidade e características que se tem hoje. Pelo menos até os anos 30, quando Fortaleza ainda não tinha tantas áreas impermeabilizadas e nem tanta rugosidade urbana. Deve-se ressaltar também que a Fortaleza antiga não possuía muitas áreas com vulnerabilidades socioambientais. Os primeiros aglomerados de favelas remontam ao ano de 1930. (COSTA, 2001, 2004) Há quem afirme que “as estatísticas confirmam e os fatos e a experiência multiescolar já apuraram que na Paraíba, no Ceará e no Rio Grande do Norte pelo menos, as inundações correspondem à proporção de 11 anos para três anos das secas rigorosas” (SOUZA, 1986, p. 91). E outra constatação que “por outro lado, por mais paradoxal que pareça, pode-se afirmar, com segurança, que os invernos calamitosos causam danos maiores do que as secas periódicas” (SOUZA, 1986, p. 91). Essa dicotômica relação inundação versus secas torna-se pertinente, pois apesar de terem causas diferentes os seus impactos são semelhantes ao contribuir com o surgimento das áreas de risco, bem como na acentuação da vulnerabilidade socioambiental da nossa sociedade. Pretende-se a seguir aprofundar essas discussões e que impactos estes desastres de origem hídrica geram para a cidade. 3.2.1 As secas e seus impactos sócio-ambientais As secas, conforme mencionado anteriormente, sempre foram uma constante na realidade do Ceará. A cidade de Fortaleza era sempre a mais prejudicada, tanto economicamente quanto socialmente, pois sofria tanto direta como indiretamente com o desastre seca. Diretamente porque como cidade sofria com os efeitos da falta de água e 48 indiretamente porque era um pólo de atração dos vitimados da seca em busca de melhores condições de sobrevivência. Muitas vezes os efeitos indiretos causavam mais impactos sócioeconômicos que os diretamente relacionados com as secas. O primeiro impacto que se pode destacar diz respeito ao esvaziamento das zonas rural e inchaço populacional nas zonas urbanas, isso provocava uma mudança no comportamento das pessoas que residiam em Fortaleza que viam com desdém os flagelados, seguido do poder público que viam nessa “invasão” a possibilidade de propagação de doenças. A seca de 1877 foi a primeira na qual o poder público efetivamente desenvolveu uma política de atendimento dos flagelados. Foram instituídas as Comissões de Socorros Públicos4, que possuíam a finalidade institucional de atender as vítimas da seca. Paralelo a isso, as comissões funcionavam como efetivos órgãos de segurança pública, pois realizavam o controle tanto social, ao alojar os vitimados, evitando seu livre deslocamento pela cidade, como sanitários, a fim de evitar a propagação de doenças como a varíola. A partir de 1877 as secas não eram somente um caso de saúde pública e promoção da assistência emergencial, mas sim um caso de segurança local. As comissões de socorros públicos, as quais nas secas posteriores passam a se denominarem campos de concentração, segundo se entende neste trabalho, seriam os primeiros órgãos cearenses de ajuda humanitária de cunho estatal que se tem notícia. Eram órgãos que por excelência realizavam trabalhos de defesa civil. No entanto, não eram os únicos. As antigas chefaturas de polícia, na ausência de órgãos oficiais, realizavam atividade de defesa civil. Têm-se vários indícios deste fato, ao longo da pesquisa histórica foi possível perceber, através da consulta aos documentos oficiais da província do Ceará (CEARÁ, 1887, 1862 e 1899) que a força policial muitas vezes era requisitada na acolhida dos retirantes, as quais cabiam a chefatura, vigiar e logo em seguida acompanhar os flagelados para as comissarias de socorros. Pode-se encontrar ainda, nestes documentos, registros nas quais cabia a chefatura de polícia a estatística e controle do número de migrantes que deixavam Fortaleza para o norte e sudeste do país. 4 Era uma espécie de abrigo, também chamado de abarracamento que se destinavam a abrigar os flagelados das secas para que estes não transitassem pela cidade a fim de evitar saques e proliferação de doenças. Durantes as secas de 1877, 1899 entre outras, estes locais eram dotados de uma infra-estrutura que fosse possível oferecer aos desvalidos assistência médica, trabalho e alimentação. A partir da seca 1915, estas comissões passam a se chamar campos de concentração, contudo possuíam as mesmas funções que as comissões. 49 Os retirantes perambulando pelas ruas não eram bem vistos nem pelos moradores da cidade nem pelo poder público, que se via na obrigação de tomar um providencia. As levas de retirantes que invadiam os centros urbanos do Ceará tornavam-se tanto um problema de saúde pública, pois junto com estes vinham às doenças como a varíola, quanto um problema de segurança pública, pois eram comuns os saques aos armazéns e estabelecimentos comerciais pelos famintos da seca. (CEARÁ, 1877, 1862 e 1899). Fazia-se então necessário a força policial no controle urbano. Não é toa que nos registros históricos, a polícia, que no caso era a Chefatura de Polícia, desempenhava papel preponderante na mediação da resolução dos problemas da seca. Pode-se afirmar que as comissões de socorros públicos e as chefaturas de policia foram os primeiros órgãos de atendimento de defesa civil. No Jornal Gazeta Oficial é possível se deparar, na coluna Chefatura de Polícia, com vários pedidos direcionados ao engenheiro chefe da Rede de Viação Cearense, requisitando passagem de trem para flagelados que queriam regressar à terra natal. Se era a Chefatura de Polícia que encaminhava esse pedido ao órgão responsável na época pelo transporte público, pode-se perceber que as pessoas procuravam a polícia afim de tal atendimento. (THEOPHILO, 1922) O segundo impacto gerado pelas as secas de modo geral eram a grande mortandade dos flagelados bem como o aumento das migrações internas. O destino dos retirantes já era bem traçado desde a sua origem, ou morriam de fome e/ou de doença ou eram escalados para trabalhar nas frentes de serviços emergenciais do governo. Nessas frentes de obras públicas, havia também a escolha de deportação para outros estados do Brasil que recebiam os flagelados para trabalharem nas lavouras da região centro sul ou norte do Brasil. Conforme Souza (1986, p.75): O inverno de 1916 foi precedido de chuvas que caíram em todo o Estado no solstício de dezembro. A magna questão agora era internar os retirantes uma vez que ia começar o tempo de plantarem os roçados. Assim o governo tratou de fazê-lo regressar, dando-lhe sementes, enxadas e algum dinheiro O Estado do Maranhão, segundo Theophilo (1922), recebia os retirantes com agrado. Dava-lhes terras, agasalhos, pois queriam que estes povoassem as sua terras até então inóspitas. Contudo, o contato com outras doenças, como a febre amarela e malária, provocava a morte de muitos deles. O terceiro impacto tem uma relação direta com os outros dois, na realidade consiste numa resultância de fatores que culminou no surgimento das áreas de risco. As áreas de risco de Fortaleza só vieram a se formar, na década de 30, conforme afirma Silva (1992), devido ao fluxo emigratório originou-se os primeiros aglomerados de favelas. Entre 1930- 50 1960 surgiram as seguintes favelas na cidade: cercado do Zé Pedro (1930), Mucuripe (1933), Lagamar (1933), Morro do Ouro (1940, Varjota (1945), Meireles (1950), Papoquinho (1950), Estrada do Ferro (1954). Sendo que a escolha da cidade pela migrante está vinculada à proximidade de Fortaleza, mas também a ausência de garantia de emprego no Centro-Sul, principal foco de migração das últimas décadas. E por que não se registrou a formação das áreas de riscos antes de 1930, se o fluxo migratório é percebido desde os primeiros registros das secas na historiografia do Ceará? Para se chegar a essa resposta precisa-se analisar alguns aspectos, a política de atendimento aos flagelados sempre se comportou do mesmo modo, ou estes eram literalmente impedidos de chegarem a Fortaleza, ou se chegassem, eram prontamente transferidos para locais propícios como as comissárias, campos de concentração entre outros, onde eram logos recrutados aos serviços públicos. Contudo, ao término da seca, (perceba que aqui se tem o ponto chave da questão), as autoridades tratavam logo de providenciar o retorno dos retirantes para o sertão, havia também a possibilidade de eles serem deportados para outros estados do centro sul ou da região norte. Percebe-se que havia uma preocupação das autoridade para que a cidade de Fortaleza se esvaziasse de retirante para que só assim, a mesma pudesse voltar a normalidade. Esta seria uma hipótese para explicar por que os aglomerados de retirantes não se sustentavam na capital. A permanência dos retirantes em Fortaleza, segundo indicou a pesquisa, só começou a se firmar a partir da década de 30 com a nova configuração urbana no Brasil em que o crescimento das cidades passou a ser inevitável e as metrópoles do Centro Sul já não ofertavam opções de emprego nem para os seus citadinos, quanto mais para os nordestinos vítimas da seca. Esse fluxo migratório para o centro-sul tornou-se inviável, e a permanência em Fortaleza diante dessa nova realidade, inevitável. A última grande seca que trouxe sérios problemas para a cidade de Fortaleza foi a de 1992, na qual o Estado e em especial Fortaleza passou por um sério período de racionamento de água e na ocasião, o Governo do Estado teve que intervir construindo o Canal do Trabalhador, um extenso canal que liga o rio Jaguaribe ao Sistema Pacoti-Gavião, se não fosse essa intervenção teria havido o colapso do sistema de abastecimento de água da capital e região metropolitana. As secas aparentemente deram uma trégua. Foram registrados apenas alguns curtos período de estiagens. Dizer que as secas não compõem mais alvo de preocupação para o poder público hoje em dia, seria uma afirmação precipitada. Se as secas trarão ainda conseqüências desastrosas para nossa sociedade e se estamos preparados para enfrentá-las só 51 o tempo dirá, atualmente os nossos problemas parecem indicar as inundações e alagamentos como os nossos desastres de origem hídrica mais corriqueiros. 3.2.2. Inundações e Alagamentos: os desastres atuais As ações de enfrentamento às inundações e aos alagamentos começaram a ganhar notoriedade mais recentemente. A partir da década de 1970, Fortaleza se consolida como metrópole regional e, como a maioria das metrópoles, sofre de sucessivos impactos ambientais oriundos do próprio processo de crescimento urbano. Há várias alterações feitas em seu sítio urbano que corroboram com os desastres de alagamentos e de inundações. Conforme Loureiro e Farias (2006), essas alterações, por sua vez, geram outras implicações que agravam ainda mais a problemática ambiental urbana, como por exemplo, tem-se a redução das áreas verdes, que implicam no aumento do albedo5 e aumento do desconforto térmico, sem falar no aumento da erosão e a impermeabilização do solo, que diminui a capacidade de infiltração da água e, consequentemente, o aumento da sobrecarga da rede de drenagem ou o aumento da responsabilidade fluvial dos rios, que está diretamente relacionada com a impermeabilização exacerbada do solo. Aliado a este fato, o sistema de escoamento superficial ou sistema de drenagem criado pelo homem, que seria uma alternativa para esta intervenção no escoamento natural, simplesmente não funcionam a contento, uma vez que as galerias pluviais, córregos, canais e rios estão obstruídos por lixo, esgotos domésticos e industriais. Esta realidade vai de encontro o que diz Zanella, Sales e Abreu (2009, p.2): Em pesquisas dessa natureza, faz-se necessário atentar para o sítio urbano da área em estudo, na medida em que os impactos pluviais estão relacionados não somente às condições climáticas, mas também ao funcionamento da rede de drenagem, aos processos de infiltração e escoamento, que por sua vez, estão ligados às variáveis solo, vegetação e relevo Há ainda outro detalhe. A falta de manutenção e limpeza destes mecanismos e o mais importante, a falta de educação ambiental contribui significativamente para que as catástrofes naturais aconteçam. É comum quando se entrevista as pessoas que residem em áreas próximas aos mananciais, declarações do tipo: “O rio invadiu minha casa.”. Isto demonstra o nível de consciência ecológica e como as pessoas percebem os riscos. Elas transferem a culpa para o rio e se eximem como agentes de produção do espaço geográfico 5 É a proporção de radiação incidente refletida pela superfície (AYOADE, 1991) 52 onde estão inseridas. Na realidade, o rio só está cumprindo com a função pelo qual ele foi geomorfologicamente criado: escoamento das águas superficiais. As habitações, localizadas em suas margens, por sua vez, estão dentro de outro contexto que não passa mais pelas questões naturais, mas sim sociais. Alguns fatores contribuem conjuntamente para o agravamento das inundações e alagamentos em Fortaleza: chuvas intensas; ocupação da calha dos rios; obstrução e assoreamentos dos rios; desmatamento nas cabeceiras e ao longo do curso do rio; e, efeitos da maré e ventos do quadrante norte. A Figura 3 indica as áreas sujeitas aos riscos urbanos na cidade de Fortaleza. Cabe salientar que a maioria dessas áreas estão localizadas na Regional II e VI6, daí pode-se afirmar que estas são as áreas mais vulneráveis sob o ponto de vista socioambiental. Figura 3 - Áreas sujeitas a inundações, deslizamentos e soterramentos. Fonte: Zanella et. al (2010. 6 Regionais são subdivisões da cidade em regiões com a finalidade de descentralizar administrativamente o poder executivo. Foi instituída, no caso de Fortaleza, na gestão do Prefeito Juraci Magalhães em janeiro de 1997. Em outros estados como São Paulo estas são denominadas subprefeituras tendo finalidade também semelhante. 53 A destruição das áreas verdes da cidade também colabora sobremaneira para o aumento dos riscos urbanos. Conforme Loureiro e Farias (2006, p. 6): As áreas mais densamente ocupadas são também as que possuem menor cobertura vegetal, o que torna esses espaços os de menor infiltração de água no solo, portanto, as áreas mais impermeáveis da cidade [....]. Este fato remete ao desrespeito à Lei de uso e ocupação do solo, tornando esses ambientes propícios a impactos ambientais. A falta de educação ambiental é outro aspecto importante nessa questão, pois sua ausência colabora para o surgimento das áreas de risco. O fato das pessoas jogarem lixo nas ruas, que serão carregados por uma chuva forte e, conseqüentemente, provocará o entupimento dos bueiros, transformam áreas que não são propícias a alagamentos em uma área com esse problema. Basta apenas que o sistema de drenagem torne-se inoperante devido à presença do lixo para que o problema se apresente. Os limites das áreas de risco se ampliam significativamente devido à má destinação que se dá ao lixo, construindo-se, assim, áreas de risco potenciais. A transformação de áreas de risco potenciais em pontos de alagamento é algo que independente do poder aquisitivo, e passa a estar intimamente ligado ao nível de conscientização ambiental das pessoas. Daí serem comuns nos noticiários de TV as áreas urbanas tanto nobres como mais humildes serem atingidas por uma situação de alagamento. Pode-se, então, concluir que, potencialmente, toda a área urbana pode torna-se numa área de risco se as pessoas que residem nela não tiverem uma consciência ambiental. Ao seu falar em alagamento, faz-se necessário diferenciá-lo do conceito de enchente e inundação. A enchente é um processo e fenômeno natural de todo rio. Em concordância com Castro (1998), a enchente é o fenômeno correspondente ao período do ano em que o rio tem sua capacidade de escoamento totalmente explorado, suas margens passam a ser ocupadas pelas águas pluviais, provocando o seu transbordo. É o que se chama de cheia do rio. A inundação, por sua vez, passa a ocorrer quando as águas pluviais passam a ocupar as margens do rio, ou seja, as margens tornam-se planícies de inundação, podendo vir a atingir tudo aquilo que está nestas margens, sejam elas casas ou plantações. Com isso a inundação seria uma evolução de uma enchente. A situação de alagamento se torna um fenômeno diferenciado dos outro dois tipos porque sua causa não está ligada necessariamente a presença de um rio, lagoa ou canal, mas a ausência e/ou ineficiência de um sistema de drenagem. Os alagamentos estão mais relacionados às chuvas intensas e com problemas de escoamento artificial ineficaz. Destes três, os mais comuns, no caso de Fortaleza são os alagamentos, 54 seguidos pelas inundações. Essa realidade pode ser observada na tabela 9, apresentada logo em seguida e pode ser explicado pelo fato do aumento cada vez maior das vulnerabilidades socioambientais (questão do aumento da camada asfáltica, questão do lixo, entre outros). Os rios possuem uma função primordial na natureza que é de realizar, no ciclo hidrológico, o importante papel de escoamento superficial do excedente hídrico, ficando, ainda, sob sua responsabilidade as funções de transporte de sedimentos, oriundos dos processos areolares das vertentes dos relevos. Além disso, modelam a paisagem com sua ação erosiva linear e cooperam significativamente para o chamado ciclo das rochas. (CHRISTOFOLETTI, 1980a, 1980b; PENTEADO, 1982) A ocorrência de eventos climatológicos extremos pode ocorrer nos eventos máximos (estudos das chuvas) como também nos eventos mínimos (estudo das secas). Estes impactos pluviométricos, de acordo com Brandão (2001), são estudos que na sua maioria podem ser enquadrados como eventos naturais extremos que por sua vez vai depender da sua magnitude e extensão espacial. Já pode se ver que, no caso de Fortaleza, por se tratar de uma cidade litorânea, o foco de preocupação para os órgãos de defesa civil do município fica por conta dos eventos máximos referente às chuvas. As cidades hoje em dia passam por vários problemas ambientais e intervenção artificial como presença de superfícies impermeabilizantes, verticalização, bueiros, geralmente entupidos por lixo, rios poluídos, assoreados com perca da mata ciliar. Esses e outros fatores têm contribuído significativamente para a alteração do clima urbano, gerando aumento de temperatura, poluição atmosférica, chuvas mais intensas e inundações acentuadas. O estudo dos impactos socioambientais, sobretudo dessas precipitações que se concretizam em forma de desastre constitui foco de estudo desse trabalho e uma preocupação para a defesa civil do município. A correlação urbanização e precipitação constituem uma relação de causa-efeito. A área urbana padece pelo fato de ser palco de maior atividade de uma tempestade. Os centros urbanos, com a presença das ilhas de calor, originam as chuvas convectivas (chuvas intensas e de curta duração). A rugosidade da superfície urbana força o ar a ascender para a atmosfera gerando forte nebulosidade e, conseqüentemente, aumentando as taxas de precipitações. A poluição por sua vez, acaba por favorecer ao aumento dos núcleos higroscópicos, fator preponderante para a condensação do vapor de água influenciando e muito no tamanho das gostas da chuva. Vê-se, assim, que um fator demanda por outro. O impacto da urbanização desordenada versus precipitação tem causado grandes problemas ao meio ambiente e aos centros urbanos. (ZANELLA (2006), MONTEIRO e MENDONÇA (2003). 55 Países tropicais, como o Brasil, são costumeiramente acometidos por inundações, alagamentos, enchentes de rios e suas implicações. No entanto, esses eventos não estão dissociados de outros fatores tais como: drenagem, escoamento areolar e fatores fluviais, que estão diretamente ligados ao sítio urbano. Monteiro e Mendonça (2003) apontam possíveis estratégicas a fim de amenizar os problemas urbanos, que seriam executados em dois campos: planejamento e gestão de uso do solo e da infra-estrutura urbana. A pesar das cidades brasileiras hoje em dia crescem em proporção inversa a capacidade dos gestores de planejá-las e dotá-las de infra-estrutura, não se pode perder de vista está estratégias. 3.2.3 Defesa Civil em números A Quadra Chuvosa 2009 foi realmente marcante para a história da COMDEC – Fortaleza. Foi registrado o maior número de ocorrência até então nunca visto. Ao todo foram registradas 1.710 ocorrências. Para tentar entender o número de ocorrências, o Gráfico 02 apresenta, a título de comparação, a relação entre o índice pluviométrico e a quantidade de ocorrências nas quadras chuvosas passadas. 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 Ocorrências Ind.Pluv.(mm) 2005 2006 2007 2008 2009 1.256 1.080 646 847 1.710 1.043,80 1.269,30 1.102,60 1.509,90 2.135,20 Ocorrências Ind.Pluv.(mm) Gráfico 02: Relação pluviometria e quantitativo anual de ocorrências. Fonte: COMDEC, Fortaleza, (2009) A interpretação desses dados precisa ser analisada criteriosa e cautelosamente. Têm-se duas considerações a serem feitas. A primeira diz respeito à queda do quantitativo de ocorrências que vinha acontecendo numa escala decrescente desde o ano de 2005 a 2007, contrastando, às vezes, até com um aumento do índice pluviométrico (caso de 2006). Vê-se 56 que no ano de 2006 o índice pluviométrico foi maior que o de 2005, no entanto, o número de ocorrências foi menor. Há algumas hipóteses para se explicar esse acontecimento, dentre as quais se destaca a irregularidade das chuvas, adoção de medidas preventivas e o aumento da consciência ecológica da população. Nem sempre o fato de uma quadra chuvosa registrar um aumento do acumulado pluviométrico significa dizer em aumento de ocorrência. Isso vai depender de como as chuvas se comportaram e como elas foram distribuídas ao longo dos meses. Há uma estrita relação entre índice pluviométrico e número de ocorrências. É obvio que o aumento de um reflete quase que necessariamente no aumento do outro. No entanto, isso não é uma regra geral. Têm-se duas grandezas proporcionais. A primeira é o acumulado pluviométrico, que pode ser relativo ao dia, ao mês e no caso do gráfico acima, ao ano, frente ao número de ocorrências. Estes são quase sempre diretamente proporcionais; o que significa dizer que o aumento de um reflete quase sempre no aumento do outro. Já a segunda grandeza é o impacto pluviométrico diário igual ou superior a 60 mm/dia. Frente ao número de ocorrências, esses sim, são sempre diretamente proporcionais, ou seja, quanto maior o número de eventos impactantes vai necessariamente refletir em um aumento do número de ocorrência. Essa relação pode facilmente ser percebida na tabela 4. Tabela 4 - Total pluviométrico anual e número de eventos iguais ou superiores a 60 mm diários, registrados em Fortaleza Posto Fortaleza - FUNCEME Ano Total Nº. de eventos pluviométrico intensos 2000 1673,2 1 2001 1554,5 4 2002 1742,0 5 2003 2208,4 5 2004 1991,1 8 2005 1132,4 3 2006 1316,7 2 Total de eventos 28 Fonte: FUNCEME Vê-se que no ano de 2005 foi constatada a ocorrência de três eventos, enquanto que no ano de 2006 se teve apenas dois. O fato de se ter registrado um evento a mais no ano de 2005, é provável que tenha refletido no aumento do número de ocorrências desse ano. É provável também que a queda do número de ocorrências tenha ocorrido pelo efeito de algumas medidas preventivas, como, por exemplo, a ação de limpeza dos rios, canais 57 e lagoas pela Prefeitura. Há em Fortaleza um núcleo inter-setorial denominado Comitê da Quadra Chuvosa que reúne várias instituições que lidam com questões de saneamento ambiental. Todos os anos se faz um levantamento da situação dos mananciais de Fortaleza, isso sob o ponto de vista da poluição, a fim de se nortear os trabalhos de limpeza e desobstrução. Acredita-se que esse trabalho que tem sido feito continuamente, tenha colaborado com a diminuição do número de ocorrências. Quiçá o aumento da consciência ecológico da população, de um modo geral, com as insistentes ações de educação ambiental, principalmente no que diz respeito à destinação final do lixo, tenham também contribuído com esse processo de diminuição do número de ocorrências. A segunda constatação que precisa ser feita na interpretação do gráfico comparativo das ocorrências, refere-se ao aumento das ocorrências da quadra chuvosa de 2008 e, principalmente, a de 2009, que somou um quantitativo de 1.710 ocorrências, um nível até então nunca registrado. Isso permite refletir sobre algumas hipóteses para esse aumento tão abrupto. Para tanto, as seguintes variáveis devem ser observadas: Ampla divulgação do nº 190: como já foi explicado, antes do convênio com o governo do Estado, que começou a funcionar para a Defesa Civil do Município de Fortaleza no ano de 2008, o número de atendimento era um 0800, um número de difícil memorização. Com o 190 ficou mais fácil a população ter acesso aos serviços da Defesa Civil Municipal. O número da CIOPS é um número bem mais familiar, conseqüentemente, houve esse aumento do número de ocorrências. Em outras palavras, as pessoas começaram a ter acesso aos serviços da Defesa Civil Municipal que dantes não existia; Maior nível de conhecimento sobre os trabalhos de defesa civil: até 2005, quando a COMDEC de fato veio a surgir, ninguém sabia nem da existência, muito menos da função da defesa civil municipal. A divulgação midiática de seu papel fez com que as demandas que antes seriam encaminhadas para outros setores da prefeitura migrassem de fato e de direito para as ações da defesa civil; Aumento da impermeabilização: a impermeabilização é um fator preponderante na questão do alagamento e consequentemente pode ter 58 contribuído para o aumento do quantitativo de ocorrências nesse ano de 2009. Nunca se asfaltou tanto uma cidade; e, Aquecimento global e mudanças climáticas: a estação chuvosa de 2009 foi bem atípica. Ocorreram chuvas até meados de julho e as chuvas durante o primeiro período foram consideradas acima da média. Isso faz crer que o aumento do número de ocorrências veio como conseqüência do aquecimento global. As estatísticas e a mensuração das ocorrências de Defesa Civil de Fortaleza só começaram a ser efetivamente apuradas a partir do ano de 2005, haja vista a coordenadoria municipal só ter sido criada em 2004. No ano de 2006, conforme consta no gráfico 2, página 54, registrou-se um aumento do índice pluviométrico acumulado ao longo do ano, que foi de 1.043,8 mm, em 2005, para 1.269,6mm. Contrariamente houve uma diminuição no número de ocorrências. Essa aparente anomalia pode ser explicada pelo comportamento da quadra chuvosa e o impacto gerado por ela. Conforme já foi explanado, se houver um índice histórico onde ocorreram chuvas fortes num curto intervalo de tempo, maior será impacto e, conseqüentemente, maior o número de ocorrências, ao contrário de uma chuva intercalada, onde o sistema de drenagem funcione a contento e as precipitações tenham tempo de escoar sem grandes prejuízos. É provável que no ano de 2005 tenha ocorrido um maior acometimento desse impacto se comparado ao ano de 2006, no qual a chuva foi mais bem distribuída. Outra explicação que poderia contribuir para o esclarecimento dessa disparidade entre uma diminuição de ocorrência se contrapondo ao aumento do número do índice pluviométrico foram os efeitos das ações preventivas realizadas pela Prefeitura de Fortaleza que fez a limpeza dos canais, lagoas e rios com a retirada da vegetação e do lixo. Há ainda uma hipótese mais remota de que os dados não foram manipulados coerentemente, isso se for considerado o quanto a Defesa Civil Municipal é jovem e a pouca intimidade com as categorias de análise e classificação dos desastres e dos riscos serem uma realidade da COMDEC. 3.2.4 Principais tipologias de ocorrências As chuvas torrenciais que acometem Fortaleza, especialmente nos meses de janeiro a junho, geram para a cidade aquilo que se denomina desastre e risco natural típicos de 59 áreas urbanas. Como se pode observar na Tabela 5, que apresenta as principais ocorrências de 2009, revelando uma predominância dos alagamentos e inundações, seja ela na categoria risco, seja ele no fato já consumado, configurando o desastre. No entanto, os desabamentos podem vir acontecer por conta de um alagamento ou inundação, ou seja, uma situação de ventania ou ainda o próprio fato de as casas se situarem próximas ou na encosta de morros. Tabela 5 - Principais ocorrências distribuídas por regionais - Quadra Chuvosa 2009 Nº de Áreas de Risco 12 SER I 14 SER II 18 SER III 05 SER IV 18 SER V 27 SER VI TOTAL ALAGAMENTO INUNDAÇÃO DESABAMENTO RISCO DE DESABAMENTO Total 66 89 69 46 116 223 609 13 19 28 10 24 62 156 31 41 32 19 56 43 222 83 85 58 35 84 145 490 193 234 187 110 280 473 1477 Fonte: Comdec – Fortaleza Tendo ainda por base a quadra chuvosa de 2009, pode-se perceber onde as ocorrências foram mais acentuadas. Esse alto número de ocorrências registradas nas regionais V e VI pode ser explicado pela alta vulnerabilidade socioambiental da mesma, haja vista que em seus territórios estão dois importantes corpos hídricos, a bacia do Cocó e bacia do rio Maranguapinho que banham vasta área de seus territórios altos. No entanto, vê-se que a Regional II superou a V em número de ocorrência. Surge então o seguinte questionamento: Mas não é a regional II a área de Fortaleza onde residem as pessoas de maior poder aquisitivo, sem falar na boa infra-estrutura se comparado aos bairros periféricos? Por que as ocorrências nesse setor da cidade se mostraram tão intensas? Uma hipótese pode ser levantada a de que além de ter seu território ser banhado por significativa área da bacia do Cocó, a regional 2 tem ainda, um vasto campo de dunas, se o leitor observar a tabela 8 poderá ver que a categoria desabamentos e riscos de desabamentos têm na regional 2, um dos principais lócus de ocorrência, justamente devido a intensa rugosidade da área pela presença das dunas. Logo em seguida apresentam-se uns mapas cuja confecção deu-se com o intuito de mostrar a distribuição por bairros do registro de ocorrências de alagamentos e inundações dos anos de 2007, 2008 e 2009. Os dados pertencem ao banco de dados da COMDEC – Fortaleza. 60 Figura 4 – Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2007. Fonte: COMDEC – Fortaleza (2007) No mapa da figura 4, os bairros de Jangurussu, Genibaú, Quintino Cunha, Barra do Ceará, Cristo Redentor, Centro, Aldeota e Mucuripe formam os bairros que mais registraram (entre 8 e 10) ocorrências de alagamentos. O bairro de Jangurussu, que na realidade compõe uma série de sub-bairros (São Cristóvão, Parque Santa Maria, Conjunto Palmeiras, entre outros) é denominado de Grande Jangurussu. Toda essa área, principalmente do conjunto Palmeiras, são áreas com declividade baixa, aliado a esse fato o grande Jangurussu não ser bem servida de sistema de drenagem. Conforme figura 5. A hipótese mais provável é que os bairros de Quintino Cunha, Barra do Ceará, Cristo Redentor, bem como o Centro apesar de terem cobertura de rede de drenagem, estas ocorrências mostram que esse sistema pode não estar funcionando direito, a obstrução de lixo uma reflexo direto da educação ambiental indica uma realidade plausível. 61 Figura 5 - rede de Drenagem. Fonte: Plano diretor Participativo 2006 O bairro Aldeota é o grande destaque dessa análise. Presume-se tratar-se de um bairro elitizado, bem servido de rede de drenagem, com isso, teoricamente livre de alagamentos. Contudo, este bairro possui sérios problemas de alagamentos, refutando a idéia de que só os menos favorecidos sujam as ruas e não e de estes não desenvolveram uma consciência ambiental. É bastante provável que a questão do lixo seja um ponto chave nesse bairro, onde as galerias pluviais podem na maioria das vezes encontra-se totalmente obstruídas de lixo. O bairro Mucuripe tem no sopé do morro Santa Terezinha, a localização dos alagamentos. Essa região é o encontro entre as águas que descem morro a baixo e a Avenida Abolição posicionada num nível mais acima que no sopé, gerando um grande acúmulo de água. A Figura 6 mostra que no ano de 2008, pouca coisa mudou, os problemas praticamente resultaram na repetição dos mesmos bairros, com a inclusão de outros. Perceba que houve um aumento do número de ocorrências saltado da proporção (8-10) em 2007 para (38-54), com destaque para o bairro Parque Dois Irmãos, onde reside a comunidade Rosalina, famosa por sua precária estrutura de rede de drenagem e o bairro Vicente Pinzón. 62 Figura 6 – Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2008. Fonte: COMDEC – Fortaleza O Vicente Pinzón, pertencente ao complexo de dunas de Fortaleza, teve seu destaque nas ocorrências de alagamentos. Muitos poderiam pensar: como uma área extremamente íngreme pode acumular água da chuva a ponto de alagar ruas? Porém, a área guarda uma especificidade interessante. A causa mais provável para tais alagamentos seja por conta da construção dos paredões, pelos moradores e do próprio poder público, a fim de conter a descida de areia. Esses diques de alvenaria represam a água da chuva e como os poucos bueiros existentes ainda podem encontrar-se entupidos o alagamento se instala no local. O Mapa da Figura 7, só ratifica as hipóteses desse trabalho e mostra a perpetuação do problema de ausência e/ou ineficiência do sistema de drenagem de Fortaleza que aliada à questão da falta de educação ambiental agrava ainda mais a situação. 63 Figura 7 – Mapa de registro de ocorrências de alagamento por bairro durante o período chuvoso de 2009. Fonte: COMDEC – Fortaleza Figura 8 – Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2007. Fonte: COMDEC – Fortaleza As ocorrências de inundação, assinalados nos mapas de cor verde; tende a seguir a lógica de proximidade aos mananciais hídricos sejam eles rios, lagoas e canais. Observa-se na 64 figura 8 e 9, correspondendo respectivamente aos anos de 2007 e 2008 que os principais bairros atingidos pelas enchentes são aqueles banhados pelas bacias do rio Cocó, Maranguapinho, Ceará e bacia da Vertente marítima (Pajeú, Maceió). Percebe-se que os bairros a margem esquerda do Rio Maranguapinho (Siqueira, Bom Jardim, Granja Portugal, Conjunto Ceará, Genibaú, Quintino Cunha) devido a sua alta vulnerabilidade social e precárias áreas de estrutura urbana são os mais afetados pelas inundações. A Barra do Ceará devido a sua proximidade com o mar guarda a questão das marés que quando altas não permite grande vazão do Rio Ceará provocando inundações. Figura 9 – Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2008. Fonte: COMDEC - Fortaleza Os bairros de Jangurussu, Barroso, Parque Dois Irmãos tem na bacia do Cocó sua principal causa das inundações. Os demais bairros mais centrais de onde não se vêem bacias hidrográficas nas suas mediações tiveram registradas inundações devido à presença de canais e lagoas. A figura 10 correspondeu ao período chuvoso onde foi registrado o maior numero de ocorrências da COMDEC. Perceba no mapa que houve uma expansão das ocorrências de inundação, além dos bairros banhados pelos Maranguapinho e do Cocó, outros bairros como a Sabiaguaba, Sapiranga, Lagoa Redonda, Parque Manibura, também entraram nas estatísticas dos bairros mais atingidos, isto se deve as lagoas da região (Precabura, Sapiranga) e do 65 próprio Rio Coco. Os bairros, São João do Tauape e Aerolândia (Lagamar) deve-se aos canais aí presentes. Figura 10 – Mapa de registro de ocorrências de inundação por bairro durante o período chuvoso de 2009. Fonte: COMDEC - Fortaleza Esses dados são provenientes de um banco de dados das ocorrências da COMDEC – Fortaleza. Vale ressaltar que esses dados dizem respeito à distribuição espacial das ocorrências, faz-se-ia necessário analisar outras variáveis, como: pontos de lixo da cidade, distribuição geográfica das chuvas, declividade do terreno e etc. a fim de justificar melhor as causas dos problemas de alagamentos. 3.3 Eventos Climatológicos Extremos em Fortaleza A cidade de Fortaleza no ano de 1985, na época com cerca de 1 milhão e 500 mil habitantes, já sofria com as chuvas rigorosas. Segundo dados da FUNCEME já haviam chovido de janeiro a março, na capital, o equivalente a 1 mil 170 mm podendo vir atingir a marca de 1 mil e 400 mm no final do mês. Foi noticiado no Jornal O Povo do dia 05 de maio de 1985. Fortaleza, a quinta maior cidade brasileira em população está literalmente destruída pelas chuvas deste que é o maior inverno dos últimos 30 anos. As autoridades 66 municipais, preocupadas com essa grave situação pediram ao Governo Federal Cr$ 20 bilhões [...]. Ainda segundo a matéria do jornal, um balanço das chuvas até então, segundo dados da SUMOV e da Secretaria de Transporte, dos 450 quilômetros de extensão das estradas de fortaleza 60 encontrava-se em estado crítico. A cidade precisaria de uma grande monta de dinheiro para recuperar emergencialmente estes 60 quilômetros de corredores de tráfego da cidade. A prefeitura encaminhou ao Ministério do Interior e ao Ministério dos Transportes um plano de recuperação das estradas da capital. O mais interessante desse plano era seu caráter inovador para a época. A prefeitura garantiria a substituição da camada asfáltica e do calçamento de pedra tosca por paralelepípedos. A prefeitura alegava que essa era uma reivindicação histórica da cidade, para isso seria utilizado matéria prima local e a intensa mão de obra desqualificada da cidade. Se o plano foi aplicado, não se sabe, o que se pode comprovar é que Fortaleza continua até hoje privilegiando o asfalto de piche ao invés dos prometidos paralelepípedos. A Tabela 6, trás os anos cuja estação chuvosa mostrou-se mais rigorosa em Fortaleza com seus respectivos meses mais chuvosos. Pode-se perceber que a quadra chuvosa de 2009 não foi a mais rigorosa da série histórica. Contudo, as precipitações dos anos de 1974 e 1985 se mostraram tanto quanto ou até mais intensas que as de 2009. No entanto, os efeitos que se sentiu nessa quadra chuvosa denotam um agravamento ainda maior dos problemas ambientais urbanos, sendo que a causa principal para esta perpetuação e agravamento dá-se pela maior vulnerabilidade das pessoas, cada vez mais crescente. Tabela 6 - Índice pluviométrico mensal 7. FEV MAR ABR MAIO 1974 211,7 mm 597,3 mm 608,0 mm 521,6 mm 1985 463,4 mm 546,1 mm 634,1 mm 301,8 mm 2009 304,9 mm 451,0 mm 510,3 mm 302,9 mm Fonte: FUNCEME (2009) 3.3.1 Temporal de 24 de abril de 1997. Foi denominada a chuva do século, onde choveram 270 mm no intervalo de 03h às 13h do dia 24 de abril de 1997, perfazendo uma duração de 10h seguidas. Segundo a FUNCEME, foi a maior chuva nos últimos 20 anos, superando o temporal do dia 02 de junho de 1977, com 168 mm. A Defesa Civil do Estado havia registrado até as 18h do dia, a cifra de 7 Fonte: http://www.funceme.br/areas/monitoramento/download-de-series-historicas. Este site fornece as séries históricas desde 1974 até os dias atuais. Os anos escolhidos se devem ao fato de estes serem considerados os anos mais chuvosos segundos os dados do próprio site. 67 403 desabrigados, 2.830 casa alagadas e 95 desabamentos. Trinta e cinco bairros tiveram problemas de desabamentos, alagamentos e erosão. Vede o que diz o Jornal O Povo de 05 de abril de 1997. Entre três e 13 horas de ontem, choveu 270,6 milímetros (mm) em Fortaleza. Para se ter uma idéia da intensidade da chuva, em quatro horas ininterruptas, a precipitação foi de 108,6 mm. O maior índice pluviométrico registrado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) data de 02 de junho de 1977, onde foram observados 168 mm num período de 24 horas. Falava-se ainda na matéria do Jornal O Povo, sobre o desaparelhamento da Defesa Civil de Fortaleza que contava com um efetivo diminuto e apenas dois carros usados para o atendimento das pessoas. O próprio coordenador de Fortaleza da época reconheceu que pouco podia fazer para socorrer as vítimas. Segue em seguida o trecho da matéria do Jornal O Povo de 05 de abril de 1997. Com poucos funcionários e apenas dois carros usados – uma Kombi e uma camioneta tipo furgão-, a Defesa Civil do Município ontem muito pouco pode fazer para ajudar as pessoas que passaram (pela manhã e início da tarde) ligando em busca de socorro. “Nós também ficamos ilhado devido às chuvas do canal do Jardim América e estamos aqui com várias pessoas desabrigadas dessas redondezas”, disse ao O Povo por telefone... [a chefe da defesa civil municipal]. O trabalho de socorro em si coube mais uma vez ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará, que segundo o jornal, havia atendido 250 chamadas e 50 % do efetivo total havia sido empregado na operação de atendimento, que havia se iniciado às 15 horas do mesmo dia, com 44 viaturas em campo. O número de desabrigados subiu para 535, distribuídos nos 25 bairros mais atingidos. O Secretário de Ação Social do Estado chamou a responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza que se encontrava totalmente apática diante da situação e evidenciou a falta de um planejamento preventivo local. A prefeitura rebateu as críticas e afirmou que a Defesa Civil do Município já havia entregado material assistencial para algumas comunidades e que a mesma continuava em atividade. Como resultado desse evento, a cidade, segundo noticiou o jornal O Povo de 25 de abril de 1997, ficou com o seguinte quadro: 68 Energia: as chuvas danificaram sete das dezesseis subestações da Coelce que abastecem Fortaleza. Por volta das 8h, os bairros da Aldeota, Papicu, Bairro de Fátima, Centro, Praia do Futuro e Beira-Mar, entre outros, ficaram sem energia por várias horas. No resto do dia semáforos foram afetados. A Coelce manteve viaturas nas ruas para garantir a manutenção. Trânsito: até as 11h30 do dia 24 de abril de 1997, a perícia do DETRAN havia registrado nove acidentes de carro e o serviço judiciário móvel, cinco. O número foi considerado normal pelos órgãos. Comércio: segundo o presidente do Sindilojas, apenas 40% das lojas do Centro abriu no período da manhã e destas, a maioria só teve funcionamento interno. Telefones: parte do sistema telefônico de Fortaleza foi prejudicado pelas chuvas. Bueiros: a Superintendência de Obras de Viação (SUMOV) não contabilizou o número de reclamações recebidas durante o dia. O atendimento não foi reforçado e foram atendidas ainda as ocorrências em locais acessivos. Aulas: as universidades e escolas abriram, mas poucas conseguiram professores e alunos suficientes para garantir a naturalidade das aulas. Aeroporto: vários vôos atrasados e outros cancelados. 3.3.2 Temporal de 29/01/2004 Nº de ocorrências: 133 pessoas atingidas: 2.577, Famílias desabrigadas: 189 e 34 desalojadas; 14 casas destruídas, 1.780 parcialmente danificadas. 2.830 casas alagadas. Uma pessoa morta (Aerolândia), dois corpos desaparecidos e centenas de desabrigados. O trânsito ficou caótico, com diversos carros enguiçados. Colégios suspenderam as aulas, engarrafamentos quilométricos foram verificados, sobretudo na zona central de Fortaleza. Uma das vias mais atingidas foi a Avenida Aguanambi. O canal do Jardim América foi outro ponto crítico. Populações de áreas de risco, como Lagoa do Zeza, Morro do Teixeira, Favela do Tijolo e alagadiço foram gravemente atingidas. Das 7h do dia 28, às 7h do dia 29, havia chovido 250 mm, contudo até as 16 h do dia 29 foram acrescentados mais 45,8 mm, totalizando 295,8 mm em 33 horas. 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa indicou que a dicotômica relação secas versus inundações ocupam o cenário de desastres naturais da cidade de Fortaleza. O período de abundância se opõe ao período de escassez de água, alternando-se sazonalmente. No entanto, os dois fenômenos têm muitas coisas em comum principalmente no que tange a acentuação dos problemas socioeconômicos que podem ser ampliados até para um escala estadual. As enchentes hoje em dia já não são um problema exclusivo dos grandes centros urbanos como Fortaleza. As cidades do interior do Estado do Ceará, com grande ênfase as cidades de médio e grande porte, com seus avançados processos de urbanização, acompanhados de degradação ambiental, têm sofrido também com a alta intensidade das precipitações pluviométricas provocando sistematicamente inundações de rios e deslizamentos de encostas, atingindo as populações de baixa renda que vivem nas suas proximidades. Foi possível constatar isso nas enchentes da quadra chuvosa de 2009, na qual predominou no interior do Estado um cenário de destruição, atingindo cidades importantes. E as secas, a grande e tradicional força motriz dos deslocamentos de massas populacionais, têm gerado desequilíbrios econômicos tanto no passado quanto no presente: perda na produção agropecuária, desacerelação da agricultura de subsistência e etc. Ao que tudo indica, Fortaleza sofria mais pela invasão dos flagelados do que com os efeitos diretos da seca propriamente ditos, pois juntos dos flagelados que lotavam a cidade, vinham às doenças e com isso a desestabilização da economia local. O desastre natural que predominou em Fortaleza durante o período imperial e boa parte do período republicano foram as secas. Praticamente não se ouve falar na existência das inundações e alagamentos antes do surgimento das primeiras favelas e áreas de risco, isso por volta da década de 30. Isso faz supor que as inundações e alagamentos só vieram à tona quando Fortaleza passou por um grande processo de urbanização e os problemas ambientais ficaram mais evidentes com a impermeabilização exacerbada, a poluição dos mananciais hídricos e etc. À medida que a cidade foi se desenvolvendo as inundações começaram a aparecer e as secas começam a perder seu poder tanto midiático quanto na formulação de políticas de defesa civil em Fortaleza. Atualmente, os desastres naturais das secas não ocupam mais tanto destaque como foi no passado. Pode-se dizer que as secas na cidade de Fortaleza já não têm tanta intensidade e já não representam uma ameaça constante, isso se comparado aos desastres naturais relacionados às inundações e aos alagamentos. É evidente que não se está querendo dizer que 70 os fortalezenses estão livres das secas, mas sim que a seca já não ocupa tanto destaque na mesma proporção que no passado, pois a conjuntura sócio-econômica atual é outra, os sistemas de abastecimento estão mais sofisticados, obras que estão em funcionamento (açude do Castanhão, canal do trabalhador), bem como as que estão sendo concluídas, como o canal da integração e o projeto do Governo Federal que antes se chamavam transposição das águas do São Francisco agora intitulado como Projeto de interligação de bacias pode estar contribuindo para essa mudança no cenário, onde a escassez de chuva (as secas) perde destaque para o excesso de chuva (as inundações e alagamentos) cada vez mais. As secas que foram no passado um desastre que sempre trouxe consigo problemas de ordem financeiras, salubre, sociais, culturais, desestruturando a família dos sertanejos e desestabilizando a economia da cidade de Fortaleza. É interessante perceber que o fenômeno secas parecem estar adormecido, a cidade de Fortaleza, desde a seca de 1993 não tem sofrido de mais nenhum evento severo. Muito se tem feito para que as secas sejam apenas um fantasma do passado, obras como Castanhão, Canal da Integração, Projeto de interligação de Bacias do São Francisco, podem ser citadas como algumas obras que visam minimizar os problemas das secas e que em tese podem livrar Fortaleza de uma seca. O certo é que não se sabe quais os efeitos de uma seca em Fortaleza na atualidade. Pode-se também concluir que os desastres de origem hídrica mais comuns da cidade de Fortaleza foram as do tipo alagamentos com 609 ocorrências registradas, seguidos das inundações com 159 ocorrências registradas conforme tabela 9 apresentada. Os desabamentos registraram-se 222, o que seria o caso de nomeá-la como a segunda maior tipologia, e de fato é, se for levar em consideração e classificá-lo como categoria de ocorrência e não como desastre propriamente dito. Os desastres, em especial os estudados nessa pesquisa que tratam dos desastres de origem hídrica, são resultados de eventos adversos, ou seja, como conseqüências dos alagamentos e inundações. No entanto o CODAR e de acordo com a metodologia dos Hazards, os desastres são classificados pela origem, ou seja, o desabamento é um desdobramento de um evento adverso natural de origem hídrica: alagamento, inundação. Se no caso de tiver-se-se um desabamento oriundo de deterioração da estrutura de um prédio qualquer, pelo fator tempo, esse desabamento poderá ser classificado como desastre, mas não será de origem hídrica e sim de origem antrópica. Em outras palavras, pode-se dizer que um desabamento, dentro da perspectiva dos naturais hídricos, é um desastre de segunda ordem, podendo ou não ter uma origem hídrica. Os alagamentos e as inundações despontam-se como os principais tipos de desastres naturais de origem hídrica em Fortaleza por que tem uma causa intrinsecamente 71 relacionada com o aumento cada vez maior das vulnerabilidades socioambientais. Os eventos adversos, oriundos das precipitações são praticamente os mesmo registrados no passado, ou seja, sempre houve períodos em que as chuvas foram registradas intensamente. Sendo assim, não há ainda uma sustentação científica dando conta que o aquecimento global já esteja alterando os ambientes urbanos a ponto de se ter um aumento dos desastres naturais e seus impactos. E por que só hoje, esses eventos adversos geram tantos desastres? A resposta parece indicar conforme citado anteriormente que na verdade não se tem um aumento dos eventos adversos e sim, tem-se um aumento cada vez maior das vulnerabilidades representadas pela degradação ambiental dos grandes centros urbanos. Outra importante conclusão que se tem dá-se através da análise dos mapas de registro de ocorrências da COMDEC - Fortaleza. Os desastres alagamentos e inundações foram analisados temporalmente entre os anos de 2007, 2008 e 2009 cada. A distribuição espacial dos alagamentos mostrou que estes tendem a serem maiores nos bairros onde não se tem sistemas de drenagem ou onde sua presença torna-se ineficiente devido à questão do trato do lixo que obstruem a passagem da água pluvial. Foi possível também perceber que bairros ditos de classe alta não constituem necessariamente bairros desprovidos de alagamentos, pois a questão da educação ambiental independe de classe social e se os alagamentos se instalam nesses bairros, na maioria das vezes bem servida de boas estruturas de sistema de drenagem, isso leva a crer que há bueiros entupidos de lixo e este lixo não se instalou ali espontaneamente. Quanto às inundações, os mapas de registro de ocorrência mostraram que sua incidência ocorre quase que obrigatoriamente com a presença de um corpo hídrico (bacia hidrográfica, lagoa ou canal) próximo aos bairros atingidos. Toda a planície de inundação das bacias do rio Maranguapinho e Ceará, bem como do rio Cocó e vertente marítima registraram elevado número de ocorrências do tipo inundação que se mostra reincidente todos os anos. Nada de concreto ainda não se fez para amenizar ou sanar os problemas socioambientais dessas áreas. Enquanto nos alagamentos os problemas estão relacionados com a inexistência ou ineficiência do sistema de drenagem principalmente pela questão do lixo, as inundações passam a ser problemas quando se ocupam desordenadamente as planícies de inundações dos rios e lagoas e se retiram a proteção natural constituída da mata ciliar. Os rios não são as únicas vítimas desse processo, na verdade as lagoas de Fortaleza passam por um intenso processo de degradação ambiental que conforme o mapa de registro de ocorrências de 72 inundação gerou tanto quanto os rios problemas de inundação. Lagoas como: da Precabura, Sapiranga, Maraponga, Parangaba, Mondubim entre outras são o exemplo claro desse processo. Os canais, obras artificiais que tentam canalizar e controlar um riacho ou rio também suas margens não respeitadas e são constantemente ocupados pela população, isso faz com que bairros que não tenham rio ou lagoa próximo sofram também com desastres do tipo inundação conforme é possível perceber no mapa de registro das inundações. Os eventos climatológicos extremos levantados por este trabalho forneceram um leve pincelado dos impactos socioambientais dos desastres naturais hídricos. Pode-se concluir observando a figura 3 da página 51, as particularidades de cada Secretaria Regional8 da cidade, onde é possível contemplar quais as regiões mais problemáticas e propícias a determinados tipos de desastre com seus impactos: SER I _ Segundo levantamento das vulnerabilidades sociais de Fortaleza, feito por Zanella et al, (2009) foi possível perceber que a regional I possui alguns bairros que se enquadram no grupo de alta vulnerabilidade social são os bairros litorâneos da zona norte: Arraial Moura Brasil, Pirambu, Cristo Redentor e Barra do Ceará. Esta regional reúne ainda alguns bairros com áreas susceptíveis a influência do fenômeno das marés que causa erosão acentuada na linha da costa, esta área é representada pelos bairros do: Pirambú, Cristo Redentor e Barra do Ceara. Sem falar também que estes mesmos bairros sofrem constantemente por desastres ocasionados por soterramento, desmoronamento, haja vista tratar-se de ocupações irregulares construídas em cima de dunas. Tem-se ainda o rio Ceará, cujas margens são ocupadas por habitações, que sofrem costumeiramente por inundações. SER II- também possui bairros que estão caracterizados como de alta vulnerabilidade social de Fortaleza. São os bairros da zona leste: Praia do Futuro, com destaque para o Serviluz, na zona portuária, apresentam alta vulnerabilidade tanto social quanto probabilidade de soterramento pela ação eólica sobre as dunas, todo ano, na época de setembro a novembro o bairro do Serviluz tem as suas casas tomadas pelas dunas. Ainda na SER II, o complexo de morros do bairro Vicente Pinzón (Morro de Santa Terezinha, das Placas, do Teixeira, entre outros), e as dunas da praia do Futuro, compõem os campos de dunas de Fortaleza, com altitudes que podem ultrapassar os 30 metros, são as áreas de maiores altitudes de Fortaleza, no entanto, são densamente povoadas e por sua vez representam áreas 8 Regionais são subdivisões da cidade em regiões com a finalidade de descentralizar administrativamente o poder executivo. Foi instituída, no caso de Fortaleza, na gestão do Prefeito Juraci Magalhães em janeiro de 1997. Em outros estados como São Paulo estas são denominadas subprefeituras tendo finalidade também semelhante. 73 de maior ocorrência de desastres de deslizamento seguidos de desabamento e soterramentos, principalmente quando da ocorrência de eventos de chuvas extremos. Esta regional é detentora ainda da lagoa do Papicu, bem como do riacho Maceió e parte do rio Cocó, onde as planícies de inundação estão ocupadas por populações ribeirinhas, sendo assim extremamente vulneráveis a desastres de inundações. SER III- os riscos ficam por conta tanto do trecho do rio Maranguapinho que cortam os bairros dessa regional, como também os inúmeros canais que trazem juntamente com o rio problemas de inundações juntamente com o açude da Agronomia. Bom Sucesso, João XXIII, Henrique Jorge, Autran Nunes, Antonio Bezerra, Quintino Cunha são os bairros que apresentam as principais vulnerabilidades socioambientais. SER IV- É a regional que possui menos vulnerabilidade socioambiental, no entanto é detentora de algumas áreas críticas como: a lagoa da Parangaba, da Taperoaba e do Opaia, onde as populações que habitam tanto o entorno como seu sangradouro sofrem com as inundações freqüente na época chuvosa, sem falar no riacho do Parreão e alguns canais que drenam esses bairros. SER V- Nos limites da cidade estão os bairros mais recentes, pobres e vulneráveis sociais: Granja Lisboa, Siqueira, Canindezinho, Mondubim são os bairros da zona sul e somam populações as quais residem às margens do Rio Maranguapinho sendo classificados como de alta vulnerabilidade social e correspondem às áreas de ocorrências de inundações periódicas. O açude Osmani Machado a lagoa da Libânia também colaboram com esses desastres de inundações. SER VI- Compõe os bairros de alta vulnerabilidade social: Ancuri, Paupina, Jangurussu, Sapiranga, Lagoa Redonda). Das cinco lagoas consideradas como áreas sujeitas a inundação periódica, a regional VI possui quatro: Precabura, Sapiranga, Messejana, da Zeza. A Sabiaguaba, um bairro detentor de uma unidade de conservação, devido o seu campo de dunas móveis e semi-fixas, é cercada por populações extremamente pobres o que justifica a sua inserção como de alta vulnerabilidade socioambiental, mesmo com baixíssima densidade demográfica. Os bairros do Castelão, Passaré, Aerolândia, Alagadiço Novo, Jangurussu, Edson Queiroz, dentre outros, os quais estão às margens do rio Cocó e em alguns de seus afluentes constituem áreas inundáveis e apresentam-se como áreas de alta vulnerabilidade social. As áreas de risco sempre existirão enquanto o homem não cessar sua agressão ao meio ambiente e não oferecer melhores condições de vida às pessoas excluídas do sistema econômico vigente. O problema se perpetuará ainda por um bom tempo, mesmo que se passe 74 a buscar um desenvolvimento sustentável. Partindo-se do pressuposto que o desenvolvimento social prevê um eficaz sistema público de saúde, um ensino de qualidade, bem como melhorias das condições sanitárias e ambientais, pode-se afirmar que certamente estas ações contribuiriam para reduzir as vulnerabilidades e poderiam limitar as perdas humanas e materiais no momento de um desastre. Para isso os governos devem estar sensíveis às necessidades daqueles que estão expostos aos desastres provocados por fenômenos naturais e devem ser capazes de tomar decisões oportunas, justas e estrategicamente coerentes em matéria de mobilização e desembolso de recursos 75 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Francisco José Batista de, CIRINO, Carlos da silva. Percepção de Risco e Vulnerabilidade Social. Disponível em: http://trigramas.bireme.br/cgibin/mx/cgi=@1?collection=LIS.org.TiKwAb&maxrel=10&minsim=0.30&text=Vulnerabilida de 20em%20Sa%FAde. Acesso em: 23 de Fev de 2010. ALMEIDA FILHO, Naomar de. Epidemiologia sem números. 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