Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire

Transcrição

Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire
2016
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 3
29/04/2016 08:23:59
CAPÍTULO 4
A duração razoável do processo
e a gestão do tempo no novo
Código de Processo Civil
Antonio do Passo Cabral1
SUMÁRIO: 1. A BUSCA POR CELERIDADE NO PROCESSO. O “DANO MARGINAL” AOS LITIGANTES; 2. O DIREITO A UM PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS NO DIREITO INTERNACIONAL E SUA PREVISÃO NO DIREITO COMPARADO; 3. O DIREITO BRASILEIRO. DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS À CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO. A NECESSIDADE DE EQUILIBRAR RAPIDEZ NA PRESTAÇÃO COM OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DAS PARTES; 4. DOS MECANISMOS PARA A EFETIVAÇÃO E CUMPRIMENTO DO PRECEITO.
DA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ÀS REGRAS PREVISTAS NO NOVO CPC; 4.1. PREVISÕES GERAIS:
INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTOS PROTELATÓRIOS E FIXAÇÃO DE PRAZOS RAZOÁVEIS PARA OS LITIGANTES; 4.2. PRETENSÃO MANDAMENTAL PARA QUE O JULGAMENTO OCORRA EM PRAZO A SER FIXADO
PELA INSTÂNCIA SUPERIOR. A INSUFICIÊNCIA DA ULTRAPASSADA DISTINÇÃO DOS PRAZOS EM PRÓPRIOS E IMPRÓPRIOS; 4.3. APLICAÇÃO DE SANÇÕES PESSOAIS ÀS AUTORIDADES RESPONSÁVEIS. CONTROLE
ADMINISTRATIVO-CORREICIONAL COM REPERCUSSÕES NA ATIVIDADE JURISDICIONAL; 4.4. PRETENSÃO
INDENIZATÓRIA CONTRA O ESTADO; 4.5. TUTELA DE EVIDÊNCIA: TUTELA PROVISÓRIA COMO MEIO DE
GESTÃO DA DURAÇÃO DO PROCESSO; 4.6. CALENDÁRIO DO PROCESSO E A ORDEM CRONOLÓGICA DE CONCLUSÃO COMO CRITÉRIO PARA PROFERIR DECISÕES; 5. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAR A INSUFICIÊNCIA DE
RECURSOS MATERIAIS PARA IMPEDIR A APLICAÇÃO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO; 6. COMO CALCULAR E AFERIR O PRAZO RAZOÁVEL DE DURAÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS?; 7.
CONCLUSÃO; 8. BIBLIOGRAFIA.
1. A BUSCA POR CELERIDADE NO PROCESSO. O “DANO MARGINAL” AOS LITIGANTES
É evidente a alteração dos referenciais temporais nas comunidades humanas a partir do fim do século XX. Desde então, percebeu-se que a sociedade
1.
Professor Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Livre-Docente pela USP. Doutor em Direito Processual pela UERJ, em cooperação com a Universidade de Munique, Alemanha (Ludwig-Maximilians-Universität). Mestre em Direito Público pela UERJ. Pós-doutorando
pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Membro da International Association of Procedural
Law, do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da
Associação de Juristas Brasil-Alemanha (Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung) e da Wissenschaftliche
Vereinigung für Internationales Verfahrensrecht. Procurador da República no Rio de Janeiro.
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 75
29/04/2016 08:24:03
GRANDES TEMAS DO NCPC, v. 8 • NORMAS FUNDAMENTAIS
caminha em ritmo muito mais acelerado do que aquele observado até meados do século passado. E, nesse cenário, as relações jurídicas constituem-se e
se modificam com velocidade não acompanhada pelos procedimentos estatais
que as pretendem conformar. O instantâneo, o presente, o urgente, tornaram-se a normalidade de uma “vida em videoclip”.
A rapidez das mudanças no direito material e o dinamismo da vida contemporânea não tardaram a apresentar um novo problema ao Estado: a sociedade passou a exigir urgência na resposta estatal, o que evidentemente viria
a transbordar no processo, pois muitos dos seus mecanismos para a solução
de controvérsias ainda possuem formato milenar, em descompasso com as necessidades de provimentos céleres e respostas imediatas.2 Por outro lado, as
instituições ligadas a estes palcos de discussão encontram-se desaparelhadas,
apresentando grande deficiência de recursos materiais, o que as impede de
prover em tempo adequado.
Esta procura por soluções mais expeditas começou no início do século
XX com o desenvolvimento de um amplo rol de espécies de tutela de urgência, assecuratórias ou satisfativas (cautelar, antecipada, inibitória). Todavia,
provimentos de urgência, ainda que, em muitas hipóteses, dotados de executividade, são decisões baseadas em cognição sumária, possuem estabilidade
mais fraca (são precárias, revogáveis, modificáveis), e tomadas em juízo de
probabilidade (fumus boni juris, verossimilhança). Assim, enquanto o processo
não é decidido em termos definitivos, as partes continuam com suas vidas
dominadas por um estado de incerteza pernicioso, que as impede de programarem suas atividades, projetando os efeitos que a derrota ou vitória na lide
proporcionaria, algo que nem mesmo pela previsão das tutelas de urgência é
solucionado.
Então, a realidade procedimental e estrutural dos órgãos estatais de processamento e julgamento despertou, no final do século XX, profundo debate
sobre o papel do Estado na resolução de conflitos. E esta constatação fez necessária uma maior reflexão sobre o trâmite adequado dos procedimentos
estatais, que deveria estar amoldado à premência de tempo que a sociedade
exige, sob pena de transformar todos estes procedimentos em instrumentos
inócuos, cuja manutenção, até mesmo financeira, pudesse ser contestada. Ademais, cabe destacar, este não é um privilégio do processo civil: algo similar
pode ser observado também nos processos penal e administrativo. Nas últimas
2.
LOPES JR. Aury. “A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no Processo
Penal”, in Boletim do IBCCrim, Ano 13, n.152, julho de 2005, p.4.
76
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 76
29/04/2016 08:24:03
Cap. 4 • A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E A GESTÃO DO TEMPO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Antonio do Passo Cabral
décadas, a preocupação por celeridade foi fomentada ainda pelo movimento
em busca da efetividade do processo, na certeza de que uma prestação jurisdicional tardia seria uma outra forma de injustiça.
Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes
um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em
relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão
que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi.3 O dano marginal é
aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiências na tramitação dos
processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido.
Claro que, como nota a doutrina, muitas vezes a dilação excessiva do processo interessa a uma das partes;4 e é certo que o efeito deletério da demora no
processo é muito maior para o vencedor (aquele que tem razão e, ao final,
é proclamado como sendo titular do direito até então meramente afirmado)
do que para o vencido. No entanto, também este é atingido pela demora
injustificada.
De fato, ao dormitar pelo Judiciário, a falta de solução torna-se uma “pendência” de vida, gerando incerteza sobre como aquela relação jurídica controversa será desenhada e definida judicialmente, quais os contornos da responsabilidade das partes a respeito, a repercussão patrimonial ou pessoal que
uma solução futura terá, dentre outras considerações que podem influenciar
decisões de vida sobre mudança de domicílio, fazer uma viagem, comprar um
imóvel, pagar uma dívida, etc. Como dizia Carnelutti, se a lide é uma doença
social, tem que ser curada rapidamente. “Quanto menos dura a doença, mais é
vantajoso para a sociedade”.5
Por conseguinte, cabe verificar com que meios o processo pode reduzir,
neutralizar ou compensar este dano marginal.
2. O DIREITO A UM PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS NO DIREITO INTERNACIONAL E SUA PREVISÃO NO DIREITO COMPARADO
A ideia da “duração razoável do processo” já estava prevista em vários
tratados internacionais de direitos humanos, tais como o Pacto de São José da
3.
4.
5.
FINZI, Enrico. “Questioni controverse in tema di esecuzione provvisoria”, in Rivista di Diritto Processuale Civile,
3, parte I, 1926, p.50 ss.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A efetividade do processo de conhecimento”, in Revista de Processo, ano
19, n.74, abr-jun, 1994, p.130.
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, vol.2, 1930, p.356.
77
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 77
29/04/2016 08:24:03
GRANDES TEMAS DO NCPC, v. 8 • NORMAS FUNDAMENTAIS
Costa Rica (arts.7.5 e 8.1)6, a Convenção Europeia de Direitos Humanos (arts.6º,
1)7, e já vinha sido objeto de atenção detida da doutrina por muitos anos.8
E o mesmo se observa no direito comparado. No direito norte-americano,
a 6ª Emenda à Constituição traduz o que a doutrina denomina de speedy trial
clause, a assegurar um julgamento rápido a todos os litigantes.9
No direito lusitano, muitas são as disposições legais a respeito. Sem embargo, a Constituição de Portugal, no art.20, números 4 e 5, consagra o cerne
do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, e afirma que todos têm direito a
uma decisão em prazo razoável. Neste sentido, todos os procedimentos judiciais devem ser caracterizados pela celeridade, para que a tutela aos direitos
seja efetiva e “em tempo útil”.10 Também o Código de Processo Civil português
6.
“Art.7º (...) 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um
juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em
prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade
pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem
demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção
forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida
sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode
ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa”. Já o art.8º, em seu número 1, afirma: “Toda
pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de
caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
7. Artigo 6º, 1. “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente,
num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá,
quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento
de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do
processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade
democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo
o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça”.
8. Já comentando o novo CPC, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de
Processo Civil. São Paulo: RT, vol.1, 2015, p.262 ss; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 17a Ed., 2015, p.93 ss. Lembra a previsão da duração razoável na Convenção Americana de
Direitos Humanos CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentário ao art. 4o in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Org.). Breves comentários ao novo Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p.66. Antes do CPC de 2015, mas com abordagem contemporânea e digna de nota,
Cf. BASTOS, Antonio Adonias. Razoável duração do processo. Salvador: Jus Podivm, 2009, p.39 ss, 44.
9. Diz a emenda: “In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by
an impartial jury of the state and district wherein the crime shall have been committed, which district shall
have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the accusation; to
be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in his favor,
and to have the assistance of counsel for his defense”.
10. Dizem os números 4 e 5 do art.20: “4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja
objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos,
78
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 78
29/04/2016 08:24:04
Cap. 4 • A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E A GESTÃO DO TEMPO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Antonio do Passo Cabral
posiciona como componente do acesso à justiça o direito à proteção jurídica
através dos Tribunais, uma garantia que exige que a decisão seja proferida em
prazo razoável.11
A Constituição espanhola, em seu art.24, dispõe que a todos é assegurado um processo “sem dilações indevidas”.12 No mesmo sentido é o art.17 da
Constituição mexicana, que declara a necessária observância dos prazos legais,
determinando que a resolução dos litígios seja rápida (“pronta”).13
Na Alemanha, a Corte Constitucional já decidiu que o término do litígio em
prazo razoável é componente do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, decorrente do §19.4 da Grundgesetz,14 no que veio acompanhada da doutrina, que
há muito já examinava o tema.15
Nos Principles of Transnational Civil Procedure, elaborados pela UNIDROIT e
pelo American Law Institute, a duração do processo em prazo razoável foi consagrada no princípio de número 7.1.16
Mas a positivação do princípio, no Brasil, que veremos no item seguinte,
certamente foi influenciada pelas alterações sofridas pela Constituição italiana
em 2001, cujo art.111, cerne das garantias processuais individuais, passou a
afirmar que há um direito para os litigantes, decorrente do giusto processo (o
devido processo legal), à sua durata ragionevole.17
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos”.
“Art. 2.º (Garantia de acesso aos tribunais) 1. A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito
de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão
regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
“Art.24 (...) 2.Toda persona tiene derecho a que se le administre justicia por tribunales que estarán expeditos
para impartirla en los plazos y términos que fijen las leyes, emitiendo sus resoluciones de manera pronta,
completa e imparcial. Su servicio será gratuito, quedando, en consecuencia, prohibidas las costas judiciales.
(...)”
“Toda persona tiene derecho a que se le administre justicia por tribunales que estarán expeditos para impartirla en los plazos y términos que fijen las leyes, emitiendo sus resoluciones de manera pronta, completa
e imparcial. Su servicio será gratuito, quedando, en consecuencia, prohibidas las costas judiciales.”
WALTER, Gehard. “I diritti fondamentali nel processo civile tedesco”, in Rivista di Diritto Processuale, Anno
LVI, n.3, julho-setembro, 2001, p.740. Diz o dispositivo: “Artikel 19 (4) Wird jemand durch die öffentliche
Gewalt in seinen Rechten verletzt, so steht ihm der Rechtsweg offen. Soweit eine andere Zuständigkeit nicht
begründet ist, ist der ordentliche Rechtsweg gegeben. Artikel 10 Abs. 2 Satz 2 bleibt unberührt”.
HENKE, Horst-Eberhard. “Judicia perpetua oder: Warum Prozesse so Lange dauern”, in Zeitschrift für Zivilprozeß, n.83, p.125 ss; AMBOS, Kai. “Verfahrensverkürzung zwischen Prozeßökonomie und ´fair trial´”, in Jura,
n.6, 1998; KLOEPFER, Michael. “Verfahrensdauer und Verfassungsrecht”, in Juristische Zeitung, 1979;
“7.1. The court should resolve the dispute within a reasonable time”.
“Art. 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel
contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura
la ragionevole durata”.
79
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 79
29/04/2016 08:24:04
GRANDES TEMAS DO NCPC, v. 8 • NORMAS FUNDAMENTAIS
Isto ocorreu porque o Estado italiano estava sendo constantemente condenado pela Corte Europeia de Direitos Humanos pela demora em seus processos,
prolongamento indevido que causava prejuízos aos litigantes, que, insatisfeitos,
levavam suas reclamações às instâncias supranacionais.18 Aliás, o Judiciário italiano é sabidamente caótico e desorganizado, e o legislador peninsular, pressionado para resolver o problema, constitucionalizou o preceito, talvez apenas
simbolicamente, sem que, na prática, tenham sido observados avanços significativos no trâmite dos processos.19
Em suma, no plano internacional e no direito comparado, é notória a preocupação em enunciar o direito a um processo sem dilações indevidas. E essa
experiência influenciou o legislador brasileiro.
3. O DIREITO BRASILEIRO. DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS À CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO. A NECESSIDADE DE EQUILIBRAR RAPIDEZ NA PRESTAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS PARTES
Não é nova em nosso sistema constitucional uma norma garantindo rapidez de tramitação nos procedimentos estatais. A Constituição de 1934 mencionava, no art.113, n.35, que “a lei assegurará o rápido andamento dos processos
nas repartições públicas”, dispositivo reproduzido na carta de 1946 no art.141
§6º: “a lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições
públicas (...)”. Curiosamente, o texto não se manteve nas Constituições posteriores, embora a doutrina processual tenha chegado a defender que duração
do processo em prazo razoável pudesse ser extraída da Constituição de 1988.20
Já recentemente, a reboque dos diplomas internacionais e do direito comparado, e certamente pela influência das reformas no direito italiano, o anseio
por uma jurisdição justa e célere encontrou eco na Emenda Constitucional n.45
de 2004 (a chamada “Reforma do Judiciário”), e implicou na inserção do inciso
18. Cf. CARPI, Federico. “A responsabilidade do juiz”, in Revista Forense, ano 91, vol. 329, jan-mar, 1995, p.71.
19. HOFFMAN, Paulo, “O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana”, in WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim et alii (Coords.). -kw¢Å™?Ò `¢Ò Ü`‹V‹ēŋ¢\Ò «Å‹™k‹Å?ÊÒ ÅkzkäġkÊÒ Ê¢KÅkÒ ?Ò ™kœ`?Ò ¢œÊԋÔÜV‹¢œ?“Ò
n.45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.574. Posteriormente, ainda na Itália, veio a lume a
Legge Pinto, aprovada em 24 março de 2001, publicada em 03 de abril de 2001, apelidada com o patronímico de um dos senadores que subscreveram o projeto posteriormente convertido em lei. Dentre várias
disposições, esta lei alterou o art.375 do Codice italiano (o qual, com as diferenças de sistema, pode ser
comparado ao art.557 do CPC brasileiro), como forma de desafogar as instâncias recursais. Sobre a Legge
Pinto, Cf.MARTINO, Roberto. “Sul diritto all’equa riparazione in caso di violazione del termine ragionevole del
processo (legge 24 marzo 2001, n.89)”, in Rivista di Diritto Processuale, 4, 2001, p.1068 ss.
20. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. “Garantias fundamentais da nova Constituição”, in Revista de Direito Administrativo, n.184, abr-jun, 1991, p.104.
80
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 80
29/04/2016 08:24:04
Cap. 4 • A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E A GESTÃO DO TEMPO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Antonio do Passo Cabral
LXXVIII ao art.5º da Constituição da República de 1988.21 O dispositivo elevou
ao status constitucional o princípio da duração razoável do processo, assim
dispondo: “aos litigantes em processo judicial ou administrativo é assegurada
a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.
E a mesma tendência foi seguida no Código de Processo Civil de 2015. O
CPC enuncia o princípio da duração razoável do processo logo na parte geral do
Código, mais especificamente nas suas normas fundamentais. De fato, o art.4º
afirma que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral
do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Posteriormente, ao estabelecer os
deveres do juiz, o art.139 dispõe que o magistrado deve velar pela duração
razoável do processo (inciso II).
A questão primeira e mais importante que se põe sobre o novel princípio
diz respeito à própria função do processo e sua forma de desenvolvimento.
Cabe a indagação: os procedimentos estatais de solução de controvérsias devem ser decididos imediatamente? O processo é feito para ser rápido e não
demorar? Algum procedimento de julgamento imediato consegue respeitar direitos fundamentais igualmente basilares, como a ampla defesa, contraditório
e o devido processo legal? Para todas as indagações pensamos ser negativa a
resposta.
A afirmação que se segue não pretende chocar ou causar qualquer tipo
de polêmica; é antes, uma constatação: o processo é feito para demorar! Isso
porque, para julgar adequadamente, o julgador - seja ele juiz ou autoridade
administrativa - deve-se debruçar com cuidado sobre as questões postas para
sua cognição. Além disso, o contato constante e reiterado com as partes é
também essencial para o amadurecimento do processo decisório. O juiz deve,
literalmente, “dormir” o conflito, ler as alegações iniciais naquele primeiro momento da fase postulatória, reunir-se com as partes em audiência, acompanhar
a produção de prova, considerar suas alegações, para somente então, com
sobriedade e reflexão detida, prolatar sua decisão.22
O procedimento tem um valor em si, não apenas por possibilitar a participação e informar a tomada de decisão, algo fundamental no Estado de Direito
21. CARVALHO, Fabiano. “EC n.45: reafirmação da garantia da duração razoável do processo” , in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii (Coords.). Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional
n.45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.215 ss.
22. Especialmente os processos sancionador e disciplinar (p.ex., improbidade administrativa) procuram também evitar juízos imediatos, “sob o calor da emoção”, dados os interesses em jogo, mais sensíveis que
as relações puramente patrimoniais. Cf.LOPES JR. Aury. Op.cit., loc.cit. Lembremos que foi abolido o “princípio da verdade sabida” no processo administrativo disciplinar brasileiro.
81
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 81
29/04/2016 08:24:04
GRANDES TEMAS DO NCPC, v. 8 • NORMAS FUNDAMENTAIS
contemporâneo, mas também por atuar e proteger uma série de relevantes
princípios constitucionais, dentre eles o devido processo legal, o contraditório
e a ampla defesa.
Por exemplo, o devido processo legal exige o respeito ao encadeamento
de atos processuais previsto em lei, uma garantia sem tamanho dos indivíduos
de que todos devem saber aprioristicamente, caso sejam processados para supressão de sua liberdade ou seus bens, que o procedimento a ser seguido será
aquele estabelecido na norma, e não outro escolhido ao talante do julgador do
momento; que o litigante disporá de tais e quais e meios de prova, ou que o
prazo para recorrer será daqueles exatos dias segundo o fixado na legislação,
e não um prazo menor, definido caso a caso.
Por outro lado, a garantia do contraditório, no sentido de que os sujeitos
envolvidos no processo devem ter faculdades e poderes que lhes assegurem a
ampla e efetiva possibilidade de influenciar, condicionar a decisão estatal que
será tomada,23 impõe ao processo uma marcha relativamente lenta, na precisa
medida necessária para conferir dialeticidade ao processo.
Por fim, impende lembrar que a ampla defesa constitui princípio constitucional que garante o uso de instrumentos e mecanismos processuais para
que demonstrem os envolvidos o acerto de seus argumentos e a procedência
de suas teses, bem assim a produção de provas. Nesse cenário, a ampla defesa exige o respeito dos órgãos julgadores às opções estratégicas dos sujeitos
processuais, desde que não firam a boa-fé. Esse respeito gera uma deferência
natural ao prolongamento processual que não pode ser evitada totalmente,
salvo pelo indeferimento de requerimentos impertinentes ou desnecessários e
pela sanção aos atos de má-fé processual.
Visualizando o tempo que deve ser despendido para dar aplicação a estes
e outros princípios processuais, resta mais evidente que a busca pela efetividade do processo não equivale a afirmar que processo efetivo é processo rápido.
O valor celeridade em si próprio, negligenciando a qualidade da prestação
jurisdicional, o produto final do trabalho de julgamento, significa uma visão
distorcida da efetividade com a qual o direito processual contemporâneo, preocupado com resultados, não pode compactuar.24
23. CABRAL, Antonio do Passo. Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di dibattito.
Rivista di Diritto Processuale, Anno LX, Nº2, aprile-giugno, 2005, passim; Idem, Nulidades no processo moderno: contraditório, influência e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Ed.,
2010, especialmente capítulos III e V.. Na doutrina brasileira, destaca-se o trabalho de NUNES, Dierle José
Coelho. “O princípio do contraditório: uma garantia de influência e não surpresa”, in Fredie Didier Jr. e
Eduardo Ferreira Jordão (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm,
2007, p. 152 ss.
24. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. “Efetividade e processo de conhecimento”, in Revista Forense, ano 95,
vol.348, out-dez, 1999, p.68-69.
82
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 82
29/04/2016 08:24:04
Cap. 4 • A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E A GESTÃO DO TEMPO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Antonio do Passo Cabral
Em todo este cenário, queremos destacar que a demora é algo natural
ao processo, cujo procedimento é pleno de garantias processuais inafastáveis,
previstas na Constituição da República em benefício de todos. E a rapidez exacerbada em terminar os processos de qualquer maneira pode gerar um déficit
não apenas de garantias, mas também na qualidade da prestação jurisdicional.25
Portanto, não se pode acelerar a qualquer preço o processo sob pena de forçar
sua conclusão inadequadamente.26 Por isso, já afirmamos que a tramitação do
processo não pode e não deve ser supersônica.27
Um processo apressado, que, a pretexto de servir à celeridade, termine
por violar outros direitos fundamentais (ou reduzir a precisão e correção da
sentença) será tão ou mais deletério que um processo moroso. Deve-se salientar que o processo possui um tempo insuperável, necessário para o respeito às
garantias e para a prestação de tutela jurisdicional adequada e de qualidade.
E desse intervalo temporal não podemos prescindir.
Por outro lado, se o processo é feito para demorar, é também inaceitável
seu prolongamento indefinido e injustificado, para além do ponto exato que
seja necessário para assegurar esses outros direitos fundamentais e permitir
exame detido pelo julgador.28 Não se pode, a pretexto de uma superproteção
dos direitos, permitir o que Giuseppe Tarzia chama de “sono do processo”.29
Faz-se necessário um equilíbrio, até porque a litigância pode ser, pela demora
na sua solução, uma sanção em si mesma.30
Neste sentido, foi feliz a expressão adotada pelo legislador brasileiro, na
esteira do que já se observava no plano do direito comparado. A duração
“razoável” do processo é aquela em que, atendidos os direitos fundamentais,
permita uma tratativa da pretensão e da defesa em tempo adequado, sem
descuidar da qualidade e sem que as formas do processo representem um
fator de prolongamento imotivado do estado de incerteza que a litispendência
impõe às partes.
25. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A efetividade do processo de conhecimento”, Op.cit., p.128.
26. HOFFMAN, Paulo, “O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana”, Op.cit., p.577.
27. Com razão MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Op.
cit., p.264; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Op. cit., p.96; THEODORO JR., Humberto; NUNES,
Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio
de Janeiro: Forense, 2a Ed., 2015, p.164-165.
Veja-se o nosso CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, influência e validade prima facie dos atos processuais. Op.cit., p.266.
28. OLIVEIRA, Fabio Cesar dos Santos. “O art.515§3ºdo CPC e o combate à dilação processual indevida”, in
Revista de Processo, ano 29, n.115, mai-jun, 2004, p.133-134.
29. TARZIA, Giuseppe. “L’art.111 Cost. e le garanzie europee del processo civile”, in Rivista di Diritto Processuale,
Anno LVI, n.1, janeiro-março de 2001, p.18.
30. TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. Uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, p. 27-28.
83
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 83
29/04/2016 08:24:04
GRANDES TEMAS DO NCPC, v. 8 • NORMAS FUNDAMENTAIS
A procura por esse equilíbrio deve ser fruto de trabalho colaborativo, no
contexto do ambiente de cooperação que deve ser o processo. Portanto, temos que não pode haver atribuição recíproca de culpas pela demora entre os
sujeitos que participam da litigância. Judiciário, Ministério Público, advogados,
partes, etc, todos devem procurar otimizar o tempo em que interferem no
processo. Se cada um fizer sua parte e cobrar o cumprimento dos prazos pelos
demais, certamente o processo terá fim em tempo adequado.31
E neste sentido são as previsões do novo CPC. Com efeito, o art.6º reza
que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Posteriormente,
no art.234, dispõe que os advogados públicos ou privados, o defensor público
e o membro do Ministério Público devem restituir os autos no prazo do ato a
ser praticado, sendo permitido a qualquer interessado cobrar a devolução dos
autos ao sujeito que exceder ao prazo legal. São previstas ainda representações disciplinares quando a retenção indevida dos autos for atribuída ao juiz
ou servidores do Judiciário (arts. 233 e 235).32
4. DOS MECANISMOS PARA A EFETIVAÇÃO E CUMPRIMENTO DO PRECEITO.
DA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ÀS REGRAS PREVISTAS NO NOVO
CPC
4.1. Previsões gerais: indeferimento de requerimentos protelatórios e fixação
de prazos razoáveis para os litigantes
Além disso, estão previstos expressamente no novo CPC mecanismos de
atuação do princípio da duração razoável do processo, e que de certa maneira seriam autoevidentes, mas que o legislador quis explicitar.33 Por exemplo,
vários dispositivos dispõem que o juiz poderá fixar prazos “razoáveis” (p.ex.
arts.537, 551 §1º, 772, III, etc) às vezes prazos mais alargados para a prática de
31. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, influência e validade prima facie
dos atos processuais. Op.cit., p.264; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.
Curso de Processo Civil. Op.cit, p.266; TARZIA, Giuseppe. “L’art.111 Cost. e le garanzie europee del processo
civile”, Op.cit., p.21-22.
32. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Op. cit., p.96.
33. A preocupação com a duração razoável do processo levou o legislador a mudar sensivelmente o sistema
do processo civil brasileiro. A introdução de um regime de precedentes judiciais vinculativos (arts. 927)
e de incidentes para a resolução de casos repetitivos (arts.928, 976 e seguintes, 1.046 e seguintes) são
pensados para atribuir ao sistema processual mais coerência, reduzindo por outro lado a litigância repetitiva a respeito das mesmas questões. O efeito reflexo da introdução destes institutos é também o de
imprimir a cada processo, se considerado individualmente, uma tramitação mais célere. Nos itens que se
seguem, todavia, queremos destacar os principais dispositivos da nova lei que possam ser usados para
efetivar diretamente o princípio.
84
Grandes Temas do NCPC - v8 -Nunes-Freire-Normas Fundamentais-1ed.indb 84
29/04/2016 08:24:04