panorama histórico catalogue

Transcrição

panorama histórico catalogue
Volume Vivo: A
Água de Dentro
Volume Vivo: The Water Within
BRASIL, 2015, 29’
DIREÇÃO DIRECTOR
O filme expõe as possíveis consequências de uma gestão de
recursos hídricos que tem como
lógica captar água cada vez
mais longe, ao mesmo tempo
que negligencia as fontes de
água nas proximidades. Essa
dinâmica, perpetuada desde o
início de sua urbanização, leva
São Paulo a recorrer a fontes de
água em bacias hidrográficas
vizinhas, ignorando os conflitos
gerados pelas transposições,
enquanto os rios e represas de
sua própria bacia sofrem com a
poluição.
146
The second episode of the web
series Volume Vivo exposes the
possible consequences of a hydric
management which is based in
collecting water from distant
sources and, furthermore,
neglecting nearby sources. This
mentality has been the guideline
since the beginning of São
Paulo’s urbanization and ignores
the conflicts generated by the
transpositions. Meanwhile, the
rivers and other water sources
suffer with pollution.
Caio Silva Ferraz
ROTEIRO WRITER
Anna Carolina
Francisco e
Caio Ferraz
Panorama
Histórico
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Paulo Plá
EDIÇÃO EDITOR
Fred Siviero e Caio
Silva Ferraz
CONTATO CONTACT
volumevivo@
gmail.com
Historical
Panorama
147
LICIANE MAMEDE
Para o panorama histórico deste ano,
fomos buscar na rica cinematografia
francesa títulos que, das mais variadas maneiras e sob os mais diversos
ângulos, tocam em questões que nos
concernem. Sem nos impormos quaisquer restrições relacionadas a gêneros,
categorias cinematográficas ou períodos específicos, resolvemos apenas nos
deixar surpreender pelo nosso rico e
imenso corpus e pela aptidão do cinema para (re)inventar formas de refletir
sobre o mundo em que vivemos.
Assim, nosso ponto de partida foi a década de 1920,
com alguns dos filmes realizados pela geração vanguardista – e, certamente, este recorte poderia ter começado
ainda mais cedo, não fosse programar também a arte de
fazer árduas escolhas.
148
Focus France
LICIANE MAMEDE
For this year’s historical panorama, we searched the rich French
cinematography for films that addressed issues that concern us in
the most various ways and from the
most different perspectives. With no
restriction as to genre, category or
period, we let ourselves be surprised
by this abundant collection and by
the aptitude of cinema to (re)invent
forms of reflecting the world we
live in. Therefore, our starting point
was the 1920s, with a few films
produced by the avant-guard generation. Our selection could have
included earlier films, but the art of
programming is also the art of making hard choices.
The avant-guard film movement
in France was developed around the
film clubs. Young film lovers and artists wanted to make films, but did
not have the abundance of means
that the dominant film industry
had. One of the most distinct traces
of these films was location shootings, which implied being on the
streets and capturing the common
man. On the one hand, there was a
restriction of resources, but, on the
other hand, part of these young
filmmakers strongly identified with
realist aesthetics. Films such Alberto Cavalcanti’s Nothing but Time
(Rien que les heures, 1926), Jean
Vigo’s On the Subject of Nice (À
propos de Nice, 1930), and, above
all, the later films of Jean Epstein
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
Foco França
O movimento cinematográfico vanguardista na França se constitui em grande parte em torno dos cineclubes. Tratavam-se, sobretudo, de jovens cinéfilos e
artistas que almejavam fazer filmes e não
tinham acesso à abundância dos meios
que eram próprios ao cinema dominante.
Assim, uma das marcas desses filmes eram
as tomadas externas, o que forçosamente
implicava em uma maior presença das
ruas e uma maior apreensão do homem
comum. Mas, se por um lado havia a restrição dos meios, por outro existia ainda
a forte identificação por parte de alguns
desses jovens realizadores com um cinema que tendia marcadamente para uma
estética realista. Filmes como Somente as
Horas (Rien que les heures, 1926), de Alberto Cavalcanti, A Propósito de Nice (À propos
de Nice, 1930), de Jean Vigo, e sobretudo
os filmes tardios de Jean Epstein são obras
que estão naturalmente associadas a essa
corrente cinematográfica e, portanto, preocupadas em refletir sobre a condição do
homem face ao seu meio e sobre as disfunções da sociedade por ele criada. Assim,
Somente as Horas é um filme sobre Paris,
feito nas ruas de Paris, mas que, no entanto, propõe-se a dar rosto a um lado escondido da cidade, muito menos evidente do
que a praça da Concórdia ou os arredores
da Torre Eiffel.
Também parte dessa geração de vanguardistas, mesmo que com uma proposta
claramente diferente (ainda que não menos experimental), é Jean Painlevé. Biólogo
149
Mor-Vran, O Mar dos Corvos
The Sea of Ravens
150
da relação entre o macho e a fêmea dessa
espécie de peixe na criação da prole; já O
Vampiro (Le Vampire, 1939) traz uma crítica alegórica ao nazismo, o qual, na França
sob ocupação, Painlevé ajudou a combater.
Outro importante expoente da tradição científica no cinema francês é o explorador Jacques-Yves Cousteau, cujo O Mundo do silêncio (Le Monde du silence, 1957),
realizado com Louis Malle, também faz
parte da seleção deste ano. Ainda que hoje
seja um filme polêmico pelo espanto que
algumas práticas ali mostradas causam
à luz dos esclarecimentos atuais sobre as
questões ambientais, não se pode negar
que se trata de uma obra extremamente
bela por uma série de razões – entre elas,
por evidenciar o quanto os paradigmas de
uma época podem ficar impressos num filme, permitindo, no limite, que uma linha
histórica do pensamento humano ao longo do século 20 possa ser traçada a partir
do ponto de vista do cinema.
Testemunha de uma época, não tão
longínqua, em que a humanidade ainda
não havia se dado conta do caráter predatório de suas práticas no planeta, aqui, o
homem se crê onipotente, ele entende que
o mundo, os recursos do planeta e, neste
caso, dos oceanos, são fontes inesgotáveis de riqueza. Cabe ressaltar que este é
um filme que poderia ainda se inscrever
numa tradição de documentários de exploração, onde normalmente, desafiando
a tecnologia disponível em sua época (no
caso deste filme de Cousteau-Malle, esta-
have been naturally associated to
this film school and, therefore, concerned with reflecting the relationship between people and their environment and the dysfunctions of
society. Consequently, Nothing but
Time is a film about Paris, made in
the streets of Paris, but one which,
however, makes a hidden part of the
city visible — one less evident than
the Place de la Concorde or the surroundings of the Eiffel Tower.
Although with a clearly different
(but not less experimental) proposal,
Jean Painlevé is also part of this generation of avant-gardists. Originally
a biologist, Painlevé, at first, only
used film as a tool for his biological
studies. It could be said that he continued the work of the pioneers of
chronophotography (a photographic technique created to decompose
— and, therefore, allow the study
of — the movement of living beings). Thanks to his scientific interests, he became a filmmaker and
one of the major names in scientific
film, a genre which has a consistent
lineage in France (including JacquesYves Cousteau and Jean Rouch).
Interested in life cycles, in the
habits and the movement of the
most absurd and beautiful aquatic
creatures, Painlevé created devices that allowed him to film small
animals — whether on a fish tank
or, later on, directly underwater —,
which makes his work experimental.
Especially because of his central importance for scientific film, we chose
to screen four of his short films. Two
films especially point to one of the
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
de formação, Painlevé começa a se interessar pelo cinema em primeiro lugar como
instrumento para seus estudos e, nesse
sentido, é possível dizer que é um continuador dos pioneiros da cronofotografia (técnica fotográfica inventada para decompor
e, assim, permitir o estudo do movimento
dos seres vivos). É então, a priori, graças aos
seus interesses científicos, que ele se lança
como cineasta e, posteriormente, se consagra como um dos principais nomes do cinema científico, este gênero que tem uma
consistente linhagem na cinematografia
francesa (incluindo figuras como Jacques-Yves Cousteau e Jean Rouch).
Interessado nos ciclos de vida, nos
hábitos e nos movimentos das criaturas
aquáticas mais esdrúxulas e belas, Painlevé inventará dispositivos que lhe permitirão filmar esses pequenos animais,
seja num aquário, seja, mais tarde, diretamente debaixo d’água – também nesse sentido sua obra pode ser considerada
experimental. Assim, sobretudo devido à
sua importância central para a afirmação
do cinema científico, escolhemos dedicar
um programa à exibição de quatro curtas-metragens de Jean Painlevé. Em particular
dois filmes da seleção apontam para uma
outra característica do cineasta: sua sensibilidade para as causas urgentes de seu
tempo. Assim, em Cavalo-Marinho (L’Hippocampe, 1933), numa época em que as
mulheres ainda não tinham nem mesmo
direito ao voto na França, ele se interessou
por mostrar particularmente a equidade
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mos numa era dominada pela mecânica,
como podemos ver pelas engrenagens e
equipamentos a bordo do navio Calypso),
o homem quer dar um passo além, sempre
no sentido da conquista, do domínio. Não
nos enganemos; este é um filme muito
mais sobre o desejo do triunfo e de façanhas, sobre a ambição e a supremacia da
técnica do que sobre o senso de precaução.
O Mundo do Silêncio é, assim, a evidência
de um mundo perversamente naïf, ingênuo a ponto de mostrar o imostrável (ou
aquilo que hoje consideramos como tal) –
muitas de suas imagens são estonteantes
e, também aqui, é irrefutável o triunfo da
técnica na apreensão da natureza. Mesmo
que ainda nos dias atuais cientistas se valham de procedimentos polêmicos para
realizar suas pesquisas, a grande diferença
é que, atualmente, ainda que os executem
com muito mais precaução do que em
1957, eles não ousariam mostrá-las, e essa
é uma maneira interessante de olhar para
este filme, pensando o quanto, nesse sentido, ele é transparente.
Tais como os filmes científicos, os filmes de exploração são praticamente tão
antigos quanto a própria técnica cinematográfica – seus primeiros exemplares teriam sido, muito provavelmente, as “vistas”
captadas pelos cinegrafistas contratados
pelos irmãos Lumière para, em diversas
partes do mundo, buscar imagens exóticas. O cinema, portanto, parece ter encontrado muito cedo essas duas vias que,
juntas, contribuíram para a emergência de
um terceiro gênero de filmes que se afirmaria durante as primeiras décadas do século 20: o cinema etnográfico.
Microcosmos (Microcosmos: Le Peuple
de l’Herbe, 1996), realizado quase quarenta anos depois de O Mundo do Silêncio,
pode ser considerado um herdeiro da tradição que aproxima o registro científico
da forma cinematográfica. Os biólogos e
cineastas Claude Nuridsany e Marie Perrenou adaptaram câmeras e desenvolveram
lentes especiais para registrar aquilo que
os olhos humanos ainda não conheciam
fora de um laboratório: o incrível mundo
dos insetos. A ampliação de um universo
microscópico e o reconhecimento de sons
praticamente inaudíveis aos humanos
transportaram o espectador em plenos
anos 90 para um espaço praticamente
desconhecido. Não apenas o esmero técnico, mas também a dramaturgia imposta
à narrativa garantiram o reconhecimento
de público e crítica tanto na França quanto
nos países por onde passou. A luta de dois
besouros, o cômico registro de joaninhas
devorando uma folha e o abraço caloroso
de caracóis são caminhos que elevaram
a atmosfera do filme a um patamar pouco visto até aquele momento no cinema
documental científico. Se aos olhos dos
espectadores atuais as opções técnicas e
a teatralização dos animais parecem um
elemento datado, sobretudo pelas incontáveis séries e documentários televisivos que captam o cotidiano de suricatos,
lêmures, entre outros pequenos animais,
challenging the technology available
at the time (in the case of this Cousteau-Malle film, a time dominated
by mechanical technology, which can
be attested by the gears, cogs and
equipment on board of the Calypso),
man can go a step beyond, always to
conquer, to dominate. Let us not fool
ourselves. This is a film about the wish
to triumph and achieve, about ambition and the supremacy of technology, not about precaution. The Silent
World is thus evidence of a world that
is perversely naive and innocent, so
much that it shows the unshowable
(or that which we, today, consider unshowable). Many images in the film
are astonishing and the triumph of
technology in recording nature is irrefutable. Although even today scientists still use controversial procedures
to carry out research, the difference is
that, today, researchers not only are
much more cautious, but also would
not dare to show their methods. This
is an interesting way to look at the
film, considering how transparent it is.
Like scientific films, exploration
films are practically as old as film
itself — its first examples, probably, are the scenes captured by the
cinematographers hired by the Lumière brothers to seek exotic images
throughout the world. Film, thereby,
rode along these two paths from a
very early beginning. Together both
contributed to the emergence of a
third genre, which would become
prominent in the first decades of the
20th century: ethnographic film.
Microcosmos (Microcosmos: Le
Peuple de l’Herbe, 1996), was pro-
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
filmmaker’s characteristics, his sensibility to the urgent causes of his
time. Therefore, in The Seahorse
(L’Hippocampe, 1933), in a time
women still did not have the right
to vote in France, he was particularly interested in showing the equity
between males and females of the
species in raising their offspring; in
The Vampire (Le Vampire, 1939), he
makes an allegorical critique of Nazism, which he helped to combat in
occupied France.
Another important master of scientific films in France was explorer
Jacques-Yves Cousteau, whose The
Silent World (Le Monde du silence,
1957), produced with Louis Malle, is
also in this year’s selection. Although
a few of the practices shown in the
film are controversial — given our
current knowledge about the environment — the work is undeniably
and extremely beautiful, and for a
number of reasons, among which
the fact that it shows how the paradigms of a time can be printed on
film, which ultimately allows for a
history of human thinking in the
20th century to be plotted from the
perspective of film.
The film registers a time — not
that long ago — in which humanity had not yet realized how it could
be harmful to the planet. In the film,
people are all-powerful, understand
the world, the planet’s resources and,
in this case, the ocean is considered
an inextinguishable source of wealth.
It should be highlighted that the film
could fit into the category of exploration documentaries, in which, usually,
153
duced almost forty years after The
Silent World, and may be considered the greatest heir of a tradition
that brings scientific record and
film form together. Biologists and
filmmakers Claude Nuridsany and
Marie Perrenou adapted cameras
and developed special lenses to record what human eyes had not met
outside a laboratory: the incredible
world of insects. The magnification
of a microscopic world and the recording of sounds that are practically inaudible to human ears took
1990s audiences to a practically unknown universe. Both the technical
care and the drama in the narrative
caused the film to be acclaimed by
the audience and the critics, both in
France and in other countries. The
fight between two beetles, the fun154
Microcosmos nos parece um filme que ainda se destaca em razão, sobretudo, de sua
narração mínima, quase silenciosa, que
transformou os quase 150 mil metros de
película numa viagem fantástica protagonizada por esses pequenos insetos.
O filme etnográfico, assim como o filme
de exploração, alinha-se quase que naturalmente a um contexto histórico determinado: o do colonialismo e, mais particularmente, no caso da França, ao colonialismo
na África. Inúmeros são os filmes franceses
que têm como mote missões exploratórias
nessa região do globo. Jean Rouch – um
dos grandes cineastas modernos franceses
– começa a realizar seus primeiros filmes
justamente em um momento de declínio
do mundo colonial, assim como de seus
ny record of two lady bugs eating a
leaf and the warm embrace of two
snails take the atmosphere of the
film to a point that few scientific
documentaries had reached. To the
current audience, the technique and
the dramatization of animals seem
dated, especially considering the uncountable TV series and documentaries that capture the daily lives of
meerkats, lemurs and many other
animals. However, Microcosmos
still stands out, especially because
of its minimalistic (almost silent)
narration, which turned almost 150
thousand meters of film into a fantastic voyage featuring small insects.
Ethnographic films — like exploration films — are almost naturally
aligned to a specific historical context: colonialism and, particularly,
in the case of France, colonialism
in Africa. The theme of numerous
French films is the exploration of
that region. Jean Rouch — one of the
greatest modern French filmmakers
— started making films exactly when
the colonial world (and its rationale)
was in decline; at the same time, film
had asserted itself for some time as a
legitimate tool in ethnographic studies. This is the context of two of Jean
Rouch’s films in our selection: Hippopotamus Hunt (Bataille sur le grand
fleuve, 1952) and Mammy Water
(1953). These films are from the
phase Rouch was being legitimized
as a filmmaker, a phase in which his
ethnographic interests prevailed.
Throughout the 1950s — let us
not forget that I, a Negro (Moi, un
Noir), a film with an entirely new
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
Microcosmos Microcosmos
fundamentos; simultaneamente, o cinema havia, já há algum tempo, se afirmado
como um instrumento legítimo para os estudos da etnografia. É esse o contexto de
dois dos filmes de Jean Rouch presentes em
nossa seleção, Batalha no Rio Grande (Bataille sur le grand fleuve, 1952) e Mammy
Water (1953). Estes são, portanto, filmes
da fase de legitimação de Rouch enquanto
cineasta, em que os interesses etnográficos
são preponderantes.
Ao longo da década de 1950 – lembremos que Eu, um negro (Moi, un noir),
um filme totalmente novo em termos de
narrativa, é de 1957 – Rouch se afirma
enquanto cineasta de grande interesse e,
em particular, a incursão no cinema direto
marca a modernidade de sua obra. Crônica de um verão (Chronique d’un été), seu
primeiro filme com som direto, é de 1961.
A realização de Abidjan, Porto de Pesca
(Abidjan, Port de Pêche, 1962), terceiro curta-metragem de nossa seleção, portanto,
já tem essa marca. Aqui Rouch já está legitimado enquanto expoente da modernidade cinematográfica francesa e, ao longo
dos anos que viriam, realizaria algumas de
suas obras-primas: Caça ao leão com arco
(Chasse au Lion à l’Arc, 1965), Jaguar (finalizado em 1967) e Petit à Petit (1970).
Assim como na década de 20 Somente
as Horas se propôs a desvelar uma Paris
escondida do olhar, sob condições distintas e num outro momento histórico, este
é igualmente o desafio a que Chris Marker
se propõe em O Encantador mês de maio
155
156
(Le Joli Mai, 1963). Estamos então em plena revolução do cinema direto, como já
fizemos menção. Não basta, portanto, dar
rosto, é preciso também dar voz aos parisienses e Marker faz isso em um momento
em que uma outra revolução está a pleno
vapor na Europa. Os anos de pobreza decorrentes da guerra estão ficando para trás
nos países centrais do continente e, como
reflexo dos avanços tecnológicos e do fortalecimento do Estado de bem-estar social
construído ao longo das décadas anteriores, as condições de vida e o poder aquisitivo das classes trabalhadoras crescem de
maneira exponencial.
Sobre esse período em particular e
sobre a sociedade de consumo que então
inocentemente emergia, talvez nenhum
outro cineasta tenha elaborado uma
crítica tão contundente quanto Jacques
Tati em filmes como Meu Tio (Mon Oncle,
1958), que será exibido na Mostra, Playtime - Tempo de diversão (Playtime, 1967) e
As aventuras do Sr. Hulot no tráfego louco
(Trafic, 1971). Tati fala do homem médio
em um contexto de impessoalização das
relações devido a uma sociedade cada vez
mais asséptica, artificialmente organizada e arquitetonicamente estratificada.
Em Meu Tio, ainda vemos a velha França
em seu convívio com o novo, o “high-tech”.
Em grande parte, é o contraste entre esses
dois universos – o microcosmos tecnológico e limpo do lar da família de classe
média versus as ruas sujas onde cachorros sem donos e carroças dividem espaço
com crianças molambentas brincando livremente – que produz o efeito cômico do
filme. Em Playtime, realizado quase uma
década mais tarde, esse universo mais
“autóctone” desaparece para dar lugar a
um espaço urbano friamente planificado
pela arquitetura do concreto armado.
Uma arquitetura cujo símbolo mais
emblemático é o guindaste, máquina
monstruosa, “humana e inumana ao
mesmo tempo”, que vemos na cena inicial de Meu Tio.
A despeito da estranha lógica inerente
à sociedade de consumo, da sua insólita inversão de valores, tendemos a considerá-la
como embriagada de normalidade, único
modo de vida possível. É nesse sentido que
personagens como aqueles que aparecem
em O Encantador mês de maio nos incomodam, mas não nos chocam; somos capazes
de compreendê-los porque seu contexto
nos é familiar. Há momentos, entretanto,
em que as ferramentas de compreensão
nos faltam. Os filmes de Marker e Tati
talvez consigam nos dar minimamente a
dimensão do choque que um filme como
Calcutá (Calcutta, 1969), de Louis Malle,
pode causar. “Conseguimos nós acreditar
que pessoas morrem de fome, e nas ruas?”,
é a pergunta que Sylvie Pierre se faz em
um texto sobre o filme publicado na ocasião de seu lançamento. Primeira incursão
de Malle no cinema direto, Calcutá é um
desafio aos olhos ocidentais. O próprio diretor chegou a afirmar: “A Índia atormenta
de tal maneira um espírito ocidental, nós
cle (Mon Oncle, 1958), which will
be screened at the festival, Playtime
(1967) and Traffic (Trafic, 1971).
Tati speaks of the average man in a
moment of an impersonalization of
relations in a society that is increasingly aseptic, artificially organized
and architecturally stratified. In My
Uncle, we still see the old France
and its relationship with “hightech” novelties. In large part, it is the
contrast between these two worlds
— the technological and clean microcosm of the middle-class family
versus the dirty streets where dogs
and carts share space with ragged
children that play freely — where
the comical effect of the film emerges from. In Playtime, produced almost a decade later, this more “autochthonous” universe disappears
and gives room to a urban space
planned by the architecture of reinforced concrete.
An architecture whose most
emblematic symbol is the crane, a
monstrous machine, “human and
inhuman at the same time,” which
we see in the first scene of My Uncle.
Despite the strange and intrinsic
rationale of the consumption society and its bizarre reversal of values,
we tend to consider it normal, the
only possible lifestyle. That is why
characters such as those in The
Lovely Month of May bother, but
do not shock us; we can understand
them because their context is familiar to us. At times, however, we lack
the tools to understand. Marker’s
and Tati’s films maybe can somewhat help us size up the shock of
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
narrative form, is from 1957 —,
Rouch emerged as an important
filmmaker and direct cinema printed modernity on his work. Chronicle
of a summer (Chronique d’un été),
his first movie with direct sound, is
from 1961. Abidjan, Fishing Port
(Abidjan, Port de Pêche, 1962), his
third short in our selection, therefore, already has that mark. In that
film, Rouch is already a major figure
in French modern film. Throughout
the years, he would make a few
masterpieces: Hunting the Lion
with Bow and Arrow (Chasse au
Lion à l’Arc, 1965), Jaguar (finished
in 1967) and Little by Little (Petit à
Petit, 1970).
In the 1920s, Nothing but Time
showed a hidden Paris; Chris Marker’s The Lovely Month of May (Le
Joli Mai, 1963) has the same challenge, but in different conditions
and at a different historical moment. It’s the direct cinema revolution, which we mentioned before.
Parisians now need a voice, not
just a face, and Marker does that
when a revolution is at full blast
in Europe. The poor war years were
behind in the central countries of
the continent and, reflecting technology and the strengthening of
the welfare state developed in the
previous decades, living conditions
and the purchasing power of workers had grown exponentially.
On this specific period and about
the consumption society that innocently emerged then, maybe no one
produced a critique as striking as
Jacques Tati in films such as My Un-
157
films such as Louis Malle’s Calcutta
(1969). “Can we believe that people
starve in the streets?,” Sylvie Pierre
asked when the film was launched.
Calcutta was Malle’s first experience with direct cinema, a challenge
to western eyes. The director then
said: “India tortures the western
spirit so greatly; we understand so
little of it...” This is a crowded city of
an underdeveloped world in the late
1960s, what could a western spirit
(especially in Western Europe and
North America) understand of it?
Maybe not that much, at least
not then. However, the world is not
compartmentalized; the stratification and the excesses of the industrial, capitalist, consumption society
inevitably led to a generalized malaise that affected both the whole
158
compreendemos tão pouco...”. Estamos
numa grande cidade populosa de um país
subdesenvolvido no final dos anos 1960, e
o que pode efetivamente um espírito ocidental (e aqui estamos falando sobretudo
da Europa Ocidental e América do Norte)
entender de tudo isso?
Talvez não muita coisa, pelo menos não
àquela altura. Contudo, certo é que o mundo não é feito de partes isoladas; a estratificação e o excesso da sociedade industrial,
capitalista, de consumo, caminhará inevitavelmente para um mal-estar generalizado que afetará o todo assim como as suas
partes. Já na década de 1970, isso foi muito
bem traduzido por Bresson em O Diabo, Provavelmente (Le Diable Probablement, 1977).
Seu personagem Charles, um jovem deslo-
and its parts. That was very well
translated in the 1970s by Bresson’s
The Devil, Probably (Le Diable Probablement, 1977). Charles, the character, a misfit who, because of his
young age, can concentrate in himself all the anguish and emptiness
of the society he’s in. He embodies
the perception that something is
not right, and, at the same time, the
lethargy, the lack of drive for dialogue, the self-imposed alienation:
is that how Bresson represented
what we could call the malaise of
the contemporary world?
Therefore, what a large part of
the films in this selection share is
precisely their pessimism: Tati is
nostalgic of a vanishing world (giving way to an uncertain world); The
Lovely Month of May establishes
that, in a consumption rationale,
socioeconomic conditions are incompatible with selfless fraternity;
and Rohmer mentions our loss of
a crucial dimension, our ability to
be touched by the world’s beauty,
which will ultimately produce irresponsibility and the atrocities made
to the environment in the name of
progress. But we haven’t spoken of
a crucial film, The Wages of Fear
(Le Salaire de la Peur, 1951), Henri-George Clouzot’s greatest film.
According to Pierre Kast, in a critique
published at the time the film was
launched, Clouzot had finally been
able to “totally express — and, no
doubt, voluntarily — his way of apprehending reality.”
Clouzot’s work has two parts:
the characters are introduced in the
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
O Encantador Mês de Maio The Lovely Month of May
cado no mundo que, por ser jovem, talvez
seja mais propenso a concentrar em si toda
a aflição e o vazio da sociedade em que vive.
Nele está a percepção de que algo não vai
bem e, ao mesmo tempo, a lassidão, a indisposição para o diálogo, a alienação voluntária: seria essa a representação de Bresson
para aquilo que poderíamos chamar de o
mal-estar do mundo contemporâneo?
Logo, um ponto comum entre grande
parte dos filmes desta seleção é justamente
seu tom pessimista: em Tati é a nostalgia de
um mundo que desaparece (sem que saibamos exatamente a que ele dará lugar); em
O Encantador mês de maio, é a constatação
de que os avanços das condições socioeconômicas dentro da lógica do consumo são
incompatíveis com uma fraternidade desinteressada entre os homens; e, em Rohmer,
é a perda desta dimensão essencial do ser
humano que é a capacidade de apreciar e
de se deixar tocar pela beleza do mundo, o
que, no limite, dará origem à irresponsabilidade e às atrocidades cometidas ao meio
ambiente em nome do progresso. Mas há
ainda uma obra chave sobre a qual ainda
não falamos: O Salário do Medo (Le Salaire
de la Peur, 1951), filme maior de Henri-George Clouzot. Segundo Pierre Kast, em texto
crítico publicado na época do lançamento
do longa, Clouzot teria, enfim, conseguido
“exprimir totalmente, e sem dúvida voluntariamente, sua maneira de apreender o real”.
Esta obra de Clouzot divide-se em
duas partes: a primeira hora, em que há a
apresentação dos personagens, e a segun-
159
first hour, and the suspense takes
place in the second. In sum, there’s
the introduction of an apparently
simple context (a poor village in the
hinterlands of some tropical country) that, little by little, is revealed to
be nothing more than camouflage
to an essentially more complex and
perverse situation. The disproportionality of the relations gradually
and cruelly grows to absurd levels.
As Pierre Kast said, The Wages of
Fear is a drama about failure, and
this failure derives from a specific
human context. On the one hand,
there’s material poverty, ethical and
moral misery and unhealthy living
conditions, but, on the other hand,
there’s the exploration of the region’s only source of wealth (an oil
well, no coincidence) by a large mul160
da, que concentra todo seu suspense. Em
suma, o que temos é a apresentação de um
contexto aparentemente simples (uma vila
pobre perdida nas profundezas de algum
país tropical), mas que, aos poucos, mostra-se como apenas camuflagem de uma
situação essencialmente mais complexa e
perversa. A desproporcionalidade das relações ali representadas vai gradualmente
e cruelmente emergindo até alcançar os
limites do absurdo; como disse Pierre Kast,
O Salário do medo é um drama sobre o fracasso, e este fracasso deriva de um contexto
humano preciso. Pois, se de um lado temos
a pobreza material, a miséria ética e moral
e as condições insalubres de vida, de outro,
ali ao lado, há a exploração por uma grande
empresa multinacional da única fonte de
LICIANE MAMEDE é mestre em Som e Imagem pela
Universidade Federal de São Carlos e, atualmente,
cursa um mestrado profissional em Preservação
Cinematográfica na Universidade Paris 8. Faz parte da comissão de seleção de filmes do panorama
contemporâneo da Mostra Ecofalante de Cinema
Ambiental desde 2012, mesmo momento em que
começou a contribuir também para a programação
do panorama histórico do festival.
tinational company. Finally, Clouzot
did not fail to show that the life depicted in the film — and the population of the region — are themselves
the other face of exploration.
We don’t have to mention the
challenge of selecting a few films in
one of the most expressive and rich
filmographies of the 20th century.
Our selection is invariably incomplete, but able to encompass our
major issues today. This clearly is
one of the most surprising aspects
of cinema and of great films: every
time we go back to them, we discover new aspects, new ways of relating
them to our reality. And seeing such
films as a synthesis of decades of Art
history and of the 20th century only
highlights our belief in the cinema’s
ability to ponder the world.
LICIANE MAMEDE has a master’s in Sound and
Image at the Federal University of São Carlos
and is currently studying for a professional
master’s degree in Film Preservation at the
Paris 8 University. Since 2012, she has been a
member of the selection committee for the
contemporary panorama and the historical
panorama of the Ecofalante Environmental
Film Festival.
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
Cavalo Marinho The Seahorse
riqueza da região; não por acaso, um poço
de petróleo. Finalmente, o que Clouzot não
está longe de mostrar é que a vila ali retratada, assim como seus moradores, são em
si a outra face dessa exploração.
Não é preciso dizer os desafios implicados em selecionar alguns poucos títulos
de uma filmografia que está entre as mais
expressivas e fecundas do século 20. Construímos um recorte que é invariavelmente
incompleto, porém capaz de abranger o
conjunto de nossas principais indagações
atuais. Esse certamente é um dos aspectos mais surpreendentes do cinema e dos
grandes filmes por ele produzidos: cada
vez que a eles voltamos, descobrimos novos aspectos, novas maneiras de cotejá-los
com a nossa realidade. E ver tais filmes enquanto um conjunto síntese de décadas de
história dessa arte e do século 20 só reforça nossa crença na capacidade do cinema
de pensar o mundo.
161
O Fazedor de Tempestade
PROGRAMA PROGRAM 1
Geração vanguardista
The Storm-Tamer / La Tempestaire
Avant-garde generation
Mor-Vran, O Mar dos Corvos
The Sea of Ravens / Mor-Vran, La Mer des Corbeaux
FRANÇA, 1930, 25’
Documentário filmado na
ilha de Sein em 1930, quatro
anos antes de Flaherty filmar
“O homem de Aran” a apenas
alguns quilômetros dali. O
filme capta a estreita relação
entre o homem e a natureza
nesta pequena ilha com mais
de duzentos habitantes e três
cemitérios. Esta obra de Epstein
foi definida por Henri Langlois,
fundador da Cinemateca Francesa, como “um dos mais belos
documentários da história do
cinema francês, um verdadeiro
poema sobre a Bretanha e o
mar”. Epstein cria uma atmosfera sombria e revela as cicatrizes
deixadas na costa da Bretanha.
162
Shot at the Île de Sein in 1930,
four years before and only a few
miles away from Flaherty’s “Man
of Aran.” The film captures the
close relationship between Man
and nature in this small island
with little more than 200 people
and three cemeteries. Epstein’s
film was defined by Henri
Langlois, founder of the French
Cinematheque, as “one of the
most beautiful documentaries
in the history of French film, a
true poem about Brittany and
the sea.” Epstein creates a dark
atmosphere and shows the scars
left by the coast of Brittany.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Epstein
ROTEIRO WRITER
Jean Epstein
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Alfred Guichard,
Albert Bres e
Marcel Rebière
CONTATO CONTACT
diffusion@
cinematheque.fr
Belíssimo filme sobre a mulher
de um pescador que vê em
alguns fatos sinais de mau
agouro. De fato, uma tempestade se aproxima ao mesmo
tempo que seu marido parte
para o mar. Ela então procura
um místico, o mestre das tempestades, que tem o poder de
apaziguar as águas. Juntamente com Pescadores de Sargaços,
O ouro dos mares e Mor-Vran,
O Mar dos Corvos, o filme
forma a tetralogia das obras de
Epstein dedicados ao mar e aos
pescadores.
Beautiful film on the wife of
a fisherman who sees signs of
a bad omen in a few events.
A storm approaches as her
husband sets off to sea. She
visits a mystic, the master of
storms, who has the power to
calm the waters. Together with
End of the Earth, L’Or des Mers
and The Sea of Ravens, the film
forms Epstein’s tetralogy of films
dedicated to the sea and to
fishermen.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Epstein
CONTATO CONTACT
diffusion@
cinematheque.fr
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
FRANÇA, 1947, 22’
163
Somente as Horas
PROGRAMA PROGRAM 2
Jean Painlevé, ou a consolidação do
cinema científico enquanto gênero
Nothing but Time / Rien que Les Heures
FRANÇA, 1926, 45’
With documental and fictional
records of a day in the life of
Paris, starting at dawn, the
story of four characters — an old
beggar woman, a flower lady,
a prostitute and a pimp – wich
culminates with the death of
the beggar in the gutter and
the killing of the flower lady.
Nothing but Time was one of
the first “city symphonies,” later
followed by Walter Ruttmann’s
Berlin: Symphony of a Great City
(1927), Dziga Vertov’s Man with
a Movie Camera (1929) and Joris
Ivens’s Rain.
DIREÇÃO DIRECTOR
Alberto Cavalcanti
PRODUÇÃO PRODUCER
Alberto Cavalcanti
ROTEIRO WRITER
Alberto Cavalcanti
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Jimmy Rogers
EDIÇÃO EDITOR
Alberto Cavalcanti
CavaloMarinho
Assassinos de
Água Doce
The Seahorse / L’Hippocampe
Freshwater Assassins /
Assassins d’Eau Douce
FRANÇA, 1933, 13’
FRANÇA, 1947, 25’
ELENCO CAST
Philippe Hériat,
Blanche Bernis, Nina
Chouvalowa, Clifford
McLaglen
O Vampiro
Ouriços do Mar
CONTATO CONTACT
The Vampire / Le Vampire
Sea Urchins / Oursins
FRANÇA, 1939, 9’
FRANÇA, 1954, 11’
difusaodefilmes@
cinemateca.org.br
Cineasta e biólogo, Jean Painlevé foi um pioneiro em todos os
sentidos. Para filmar debaixo
d’água, ele inventou dispositivos inovadores e foi um dos
primeiros a captar esse tipo de
imagem. Seus documentários
frequentavam os cineclubes e
salas especializadas avant-gardistas dos anos 1920. Entre as
centenas de filmes do diretor,
destacamos neste programa
quatro curtas-metragens que
combinam extrema beleza,
inspiração surrealista e narração
bem-humorada.
164
Jean Painlevé was a scientist,
biologist and a pioneer in every
sense of the word. To shoot
underwater, he invented innovative devices. He was one of
the first people to capture that
kind of image. His documentaries were common in film clubs
and specialized, avant-guard
theaters in the 1920s. Among
the filmmaker’s hundreds of
films, we highlighted four short
films inspired by the surrealist
movement with extreme beauty
and a funny narration.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Painleve
CONTATO CONTACT
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
Em meio a registros, documentais e encenados, de um dia na
vida de Paris, desde o amanhecer, desenrola-se o drama
de quatro personagens - uma
velha mendiga, uma vendedora de flores, uma prostituta
e seu rufião – que culmina
com a morte da mendiga na
sarjeta e o assassinato da
florista. Rien que les heures foi
um dos primeiros filmes do
gênero “sinfonia das cidades”,
posteriormente seguido por
Berlim, sinfonia da metrópole
(1927), de Walter Ruttmann,
Um homem com uma câmera
(1929), de Dziga Vertov) e Chuva (1929), de Joris Ivens.
Jean Painlevé, or the consolidation of scientific film as a genre
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
165
PROGRAMA PROGRAM 3
Jean Rouch, uma seleção de filmes etnográficos
Jean Rouch, a selection of ethnographic films
Batalha no Rio Grande
Hippopotamus Hunt / Bataille Sur Le Grand Fleuve
Abidjan, Porto de Pesca
Abidjan, Fishing Port / Abidjan, Port de Pêche
FRANÇA / COSTA DO MARFIM, 1962, 24’
Esquete sobre a pesca marítima
tradicional e industrial na Costa
do Marfim: pescadores locais
em suas minúsculas canoas-mosquito, as grandes canoas
dos Fanti, e os barcos bretões
e portugueses no porto de
Abidjan.
166
A collection of accounts on
traditional and industrial fishing
in Ivory Coast: local fishermen
and their minuscule canoes, the
large canoes of the Fanti and the
British and Portuguese boats of
the port of Abidjan.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Rouch
CONTATO CONTACT
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
Considerado a primeira
obra-prima de Jean Rouch, o
documentário conta a história
da grande batalha travada no rio
Níger em 1951, entre vinte e um
pescadores Sorko e os hipopótamos de Yassane, Baria, Tamoulés
e Labbezenga. Narrado pelo
próprio diretor sobre um fundo
de canções e vozes quase ininterruptas dos Sorko, o filme alia
a precisão documentária a um
agudo senso de dramaticidade.
Considered Jean Rouch’s first
masterpiece, the film tells the
story of a great battle that took
place at the Niger river in 1951,
between 21 Sorko fishermen and
the Yassane, Baria, Tamoules and
Labbezenga hippopotamuses.
Narrated by the director himself
over a background of almost
continuous songs and voices of
the Sorko, the film brings together documentarian precision and
a very acute dramatic sense.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Rouch
PRODUÇÃO PRODUCER
Jean Rouch, Roger
Rosefelder
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Jean Rouch
EDIÇÃO EDITOR
Jean Rouch
CONTATO CONTACT
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
FRANÇA / NÍGER, 1951, 35’
167
Mammy Water
PROGRAMA PROGRAM 4
Henri-Georges Clouzot, o ceticismo no cinema francês
Mammy Water
Na costa de Gana, na sombra
dos antigos fortes portugueses,
situa-se o Golfo da Guiné. Este
é o lar dos “surf boys”, experientes pescadores que remam no
oceano em grandes e pesadas
canoas esculpidas em madeira,
que permanecem no mar por
até duas noites. Em Mammy
Water, Jean Rouch retrata os
“surf boys” da aldeia costeira de
Syama, ao pé do rio Pra. O sucesso da pescaria é resultado da generosidade de Mammy Water,
o espírito das águas. Quando a
pesca é ruim, os moradores do
vilarejo prestam tributos aos
espíritos para que sua sorte
mude novamente.
168
At the coast of Ghana, at the
shadow of the old Portuguese
forts, there’s the Gulf of Guinea.
That’s the home of the “surf
boys,” experienced fishermen
that row large and heavy
wood-sculpted canoes and stay
in the sea for up to two nights.
In Mammy Water, Jean Rouch
portrays the “surf boys” of the
coastal village of Shama, at
the mouth of the Pra river. The
success of the fishing is the result
of the generosity of Mammy
Water, the spirit of the waters.
When fishing is bad, the villages
pay tribute to the spirits so that
their luck would turn.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jean Rouch
ROTEIRO WRITER
Jean Rouch
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Jean Rouch
EDIÇÃO EDITOR
Philippe Luzuy
CONTATO CONTACT
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
O Salário
do Medo
DIREÇÃO DIRECTOR
Henri-Georges
Clouzot
PRODUÇÃO PRODUCER
Raymond Borderie
e Henri-Georges
Clouzot
The Wages of Fear /
Le Salaire de la Peur
ROTEIRO WRITER
Georges Arnaud
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
FRANÇA / ITÁLIA, 1953, 148’
Quatro homens desempregados
e miseráveis que vivem em condições quase desumanas em
um pequeno vilarejo da Guatemala aceitam uma perigosa e
desafiadora missão: transportar
uma carga altamente explosiva
de nitroglicerina em caminhões
sem nenhuma estrutura ao
longo de estradas em péssimas
condições.
Armand Thirard
Four unemployed, poor men live
in almost inhuman conditions
in a small village in Guatemala.
They accept a dangerous and
challenging mission: to transport a highly-explosive cargo of
nitroglycerin in trucks with no
proper structure along roads in
terrible conditions.
EDIÇÃO EDITOR
Madeleine Gug,
Etiennette Muse e
Henri Rust
ELENCO CAST
Yves Montand,
Charles Vanel, Folco
Lulli e Peter van Eyck
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
Henri-Georges Clouzot, skepticism in the French cinema
FRANÇA / GANA, 1953, 19’
CONTATO CONTACT
tamasadistribution@
orange.fr
169
PROGRAMA PROGRAM 5
PROGRAMA PROGRAM 6
Jacques Tati, or the critique of the concrete
Chris Marker, the upset of direct cinema
Jacques Tati, ou a crítica do concreto
Chris Marker, a virada do cinema direto
Meu Tio
My Uncle / Mon Uncle
FRANÇA, 1958, 110’
170
Mr. and Mrs. Arpel have an incredibly-functional, well-located
home. Unfortunately, Mrs. Arpel
also has a brother, Mr. Hulot,
who not less incredibly keeps
her from going forward. Hulot
excessively loves dogs, especially
street dogs. That wouldn’t be a
problem if Arpel’s son, Gerard,
did not tend to imitate his
uncle, showing, like him, a clear
aversion to industrial beauty.
After several frustrated attempts
to make Hulot get hired by his
factory or marry his snobbish
neighbor, Mr. Arpel gets jealous
and decides to drive him away.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jacques Tati
PRODUÇÃO PRODUCER
Jacques Tati
ROTEIRO WRITER
Jacques Tati, Jacques
Lagrange e Jean
L’Hote
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
O Encantador
Mês de Maio
Jean Bourgoin
The Lovely Month of May / Le Joli Mai
EDIÇÃO EDITOR
FRANÇA, 1963, 156’
Suzanne Baron
ELENCO CAST
Jacques Tati, JeanPierre Zola, Adrienne
Servantie e Alain
Becourt
CONTATO CONTACT
philippe.gigot@
tativille.com
Durante o mês de maio de
1962, momento em que têm
lugar os derradeiros sobressaltos do conflito argelino, Marker
e seu diretor de fotografia,
Pierre Lhomme, saem às ruas
de Paris a fim de realizar um
retrato da cidade através de
seus habitantes. Os franceses,
enfim, começam a se readaptar
aos tempos de paz. Marker
dá voz a personagens saídos
de diferentes classes sociais,
entretanto, é uma estranha
visão aquela que daí emerge: a
de um mundo pouco fraterno,
egoisticamente fechado em
si mesmo, apegado a valores
mesquinhos. Um dos marcos
do cinema direto francês.
In May 1962, at the later stages
of the conflict in Algeria, Marker
and his cinematography director,
Pierre Lhomme, went to the
streets of Paris to capture the city
through its dwellers. The French
had finally started to readapt
to times of peace. Marker gives
voice to people of different social
strata. However, the perspective that emerges is strange:
unfriendly, egotistically closed on
itself, attached to petty values.
One of the landmarks of French
direct cinema.
DIREÇÃO DIRECTOR
Chris Marker e
Pierre Lhomme
ROTEIRO WRITER
Chris Marker e
Catherine Varlin
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Pierre Lhomme
EDIÇÃO EDITOR
Eva Zora, Annie
Meunier e Madeleine
Lacompère
CONTATO CONTACT
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
O senhor e a senhora Arpel têm
uma casa incrivelmente funcional em um bairro muito bem
localizado. Infelizmente, a sra.
Arpel também tem um irmão,
o sr. Hulot, que a impede não
menos incrivelmente de progredir. Hulot, por outro lado, tem
um excessivo amor pelos cães,
de preferência os de rua. Isso
não seria muito grave se o filho
dos Arpel, Gerard, não tendesse
a imitar o tio, demonstrando,
como ele, uma clara aversão
às belezas industriais. Por fim,
após tentativas frustradas de
fazer Hulot ser contratado em
sua fábrica ou se casar com sua
vizinha esnobe, o sr. Arpel, com
ciúmes, consegue afastá-lo.
171
PROGRAMA PROGRAM 7
Louis Malle, um olhar sobre o outro
Louis Malle, a look at the other
PROGRAMA PROGRAM 8
Bresson, reflexões sobre a era industrial
Besson & Rohmer, reflections on the industrial era
The Devil, Probably / Le Diable Probablement
Calcutta / Calcutta
FRANÇA, 1977, 95’
FRANÇA, 1969, 100’
Em 1967, Louis Malle passa
quatro meses na Índia cruzando
o território de norte a sul com
uma câmera 16mm Éclaire,
captando imagens de um país
que lhe era completamente
desconhecido. “Era um mundo
que nos escapava completamente”, diria depois o diretor, “A
Índia perturba enormemente o
espírito ocidental, compreendemos dela tão pouco…”. O filme é
também a primeira experiência
de Louis Malle com som direto,
levada às últimas consequências ao fazer toda a captação de
áudio de maneira sincrônica à
captação das imagens. O resultado é uma paisagem sonora
tão autêntica quanto tangível e
ensurdecedora, parte do retrato
de uma cidade terceiro-mundista desordenada e caótica, tão
exótica aos olhos europeus.
172
In 1967, Louis Malle spends four
months in India, crossing it from
North to South with a 16mm
Éclair camera, capturing images
of a country that was completely
unknown to them. “It was a
world that we ignored completely,” the director would say,
“India unsettles Western spirits
very greatly; we understand
so little of it...” That was Louis
Malle’s first experience with
direct sound, which he took to
the ultimate level by choosing to
capture all the audio synchronically to the images. The result
is a sound landscape that is as
authentic as it is tangible and
deafening, part of a portrait of a
disorganized and chaotic thirdworld city, so exotic to European
eyes.
DIREÇÃO DIRECTOR
Louis Malle
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Étienne Becker
EDIÇÃO EDITOR
Suzanne Baron
CONTATO CONTACT
[email protected]
O penúltimo filme de Robert
Bresson aparece num momento
extremamente relevante: os
anos 70, um período de avanço
nos debates sobre a preservação do meio ambiente e de
expansão do movimento ambientalista no mundo ocidental.
Apesar disso, em 1977 Bresson
é um dos primeiros diretores
franceses a tratar diretamente
do assunto, lançando sobre ele
um ponto de vista um tanto pessimista. Charles, o personagem
principal, é um jovem deslocado
no mundo, que encarna em si
todo o ceticismo, descrença e
mal-estar que dão o tom do
filme. Sua posição é de extrema
indolência, mas, ao mesmo
tempo, o discurso pró-ecológico
“blasé” de seus amigos tão pouco parece capaz de se apresentar
como solução ao vazio existencial que paira no ar.
Robert Bresson’s second to last
film was shot at an extremely
relevant moment: the 1970s,
when the debate on environmental preservation advanced
and the environmental movement expanded in the western
world. Despite that, with his
1977 feature, Bresson is one of
the first French filmmakers to
address the issue directly, with
a very pessimistic perspective.
Charles, the main character, is
a misfit, embodying all of the
film’s skepticism, disbelief and
malaise. His position is of an
extreme indolence, but, at the
same time, his friends’ blasé
ecological discourse does not
seem to be the solution for the
existential hollow in the air.
DIREÇÃO DIRECTOR
Robert Bresson
ROTEIRO WRITER
Robert Bresson
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Pasqualino De Santis
EDIÇÃO EDITOR
Germaine Lamy
CONTATO CONTACT
[email protected]
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
O Diabo, Provavelmente
Calcutá
173
PROGRAMA PROGRAM 9
PROGRAMA PROGRAM 10
Os Anos 90: Nicolas Philibert
Os anos 90: Jacques Perrin
The 90’s: Jacques Perrin
Microcosmos
Um Animal, Os Animais
Microcosmos / Microcosmos: Le Peuple de l’Herbe
FRANÇA / SUÍÇA / ITÁLIA, 1996, 80’
Animals and more animals /
Un Animal, Des Animaux
FRANÇA, 1994, 57’
A galeria de zoologia do Museu
Nacional de História Natural
esteve fechada ao público desde
1965. Verdadeira arca de Noé,
esse museu abrigava exemplos de tudo o que, em nosso
planeta, voa, rasteja, nada ou
anda. Rodado ao longo de sua
renovação, de 1991 a 1994,
o filme narra a ressurreição
desses estranhos hóspedes e
de seu museu. Restaurações de
pelagens e plumagens; uma
verdadeira renascença.
174
DIREÇÃO DIRECTOR
The zoology gallery of the National Museum of Natural History had been closed to the public
since 1965. The museum, a true
Noah’s Ark, housed specimens
of everything that flies, crawls,
swims or walks in the planet.
Shot throughout the renovation
between 1991 and 1994, the
film narrates the resurrection
of the museum’s strange guests
and of the museum itself. The
restoration of furs and feathers,
a true renaissance.
DIREÇÃO DIRECTOR
Nicolas Philibert
PRODUÇÃO PRODUCER
Serge Lalou
ROTEIRO WRITER
Nicolas Philibert
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Frederic Labourasse
EDIÇÃO EDITOR
Guy Lecorne
CONTATO CONTACT
thomas.sparfel@
diplomatie.gouv.fr
Um belo registro daquilo que
nossos olhos não conseguem
ver. Com o uso das tecnologias
mais avançadas para a época
e dos mais incríveis close-ups,
slow motion e fotografia em
time-lapse, o espectador é
conduzido a uma viagem
pela natureza microscópica.
Acompanhamos o ciclo da vida
de insetos e outros pequenos
seres invertebrados na luta pela
sobrevivência, por alimento
e em sua relação com o meio
ambiente.
A beautiful record of that which
the eye cannot see. Using the
most advanced technology available at the time and the most
amazing close-up, slow-motion and time-lapse shots, the
spectator is taken on a voyage
through microscopic nature. We
follow the life cycles of insects
and other invertebrates, their
struggle to survive and to find
food, and their relationship with
the environment.
Claude Nuridsany e
Marie Pérennou
PRODUÇÃO PRODUCER
Christophe Barratier
ROTEIRO WRITER
Claude Nuridsany e
Marie Pérennou
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Thierry Machado
Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France
The 90’s: Nicolas Philibert
EDIÇÃO EDITOR
Florence Ricard
e Marie-Josèphe
Yoyotte
CONTATO CONTACT
jeanluc@
galateefilms.com
175
PROGRAMA PROGRAM 11
Jacques-Yves Cousteau, a conquista dos oceanos
Jacques Cousteau, the conquest of the oceans
Homenagem
Tribute
O Mundo do Silêncio
The Silent World / Le Monde du Silence
FRANÇA, 1956, 86’
Do Mediterrâneo ao oceano
Índico, passando pelo Mar
Vermelho, o comandante Cousteau e sua equipe nos fazem
descobrir, pela primeira vez em
cores, as misteriosas belezas do
mundo submarino. Exploração
de barcos naufragados, de
jardins de corais, de bancos
de cachalotes e de golfinhos,
banhando-se em meio aos
tubarões; os mergulhadores
da Calipso nos arrastam até
um universo espantoso em
que a flora arborescente nunca
floresce, mas onde a fauna se
reveste das mais maravilhosas
cores encontradas em nossas
flores terrestres. O filme, fruto
da colaboração de Cousteau
com Louis Malle, marcou para
sempre o mundo do documentário com imagens submarinas
excepcionais.
176
From the Mediterranean to the
Indian Ocean through the Red
Sea, commander Cousteau and
his crew took us, for the first
time, through a discovery of the
colors and the mysterious beauty
of the underwater world. Exploring sunken ships, coral gardens
and schools of sperm whales and
dolphins, as well as swimming
among sharks, the Calypso divers
take us to a surprising universe
in which plants never blossom
and animals have the amazing
colors of terrestrial flowers. The
film is the product of Cousteau’s
collaboration with Louis Malle
and forever marked the documentary world with exceptional
submarine images.
DIREÇÃO DIRECTOR
Jacques-Yves
Cousteau e Louis
Malle
ROTEIRO WRITER
Jacques-Yves
Cousteau
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Edmond Séchan
EDIÇÃO EDITOR
Georges Alépée
CONTATO CONTACT
renatobissa@
mplcbrasil.com.br
177

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