panorama histórico catalogue
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Volume Vivo: A Água de Dentro Volume Vivo: The Water Within BRASIL, 2015, 29’ DIREÇÃO DIRECTOR O filme expõe as possíveis consequências de uma gestão de recursos hídricos que tem como lógica captar água cada vez mais longe, ao mesmo tempo que negligencia as fontes de água nas proximidades. Essa dinâmica, perpetuada desde o início de sua urbanização, leva São Paulo a recorrer a fontes de água em bacias hidrográficas vizinhas, ignorando os conflitos gerados pelas transposições, enquanto os rios e represas de sua própria bacia sofrem com a poluição. 146 The second episode of the web series Volume Vivo exposes the possible consequences of a hydric management which is based in collecting water from distant sources and, furthermore, neglecting nearby sources. This mentality has been the guideline since the beginning of São Paulo’s urbanization and ignores the conflicts generated by the transpositions. Meanwhile, the rivers and other water sources suffer with pollution. Caio Silva Ferraz ROTEIRO WRITER Anna Carolina Francisco e Caio Ferraz Panorama Histórico FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Paulo Plá EDIÇÃO EDITOR Fred Siviero e Caio Silva Ferraz CONTATO CONTACT volumevivo@ gmail.com Historical Panorama 147 LICIANE MAMEDE Para o panorama histórico deste ano, fomos buscar na rica cinematografia francesa títulos que, das mais variadas maneiras e sob os mais diversos ângulos, tocam em questões que nos concernem. Sem nos impormos quaisquer restrições relacionadas a gêneros, categorias cinematográficas ou períodos específicos, resolvemos apenas nos deixar surpreender pelo nosso rico e imenso corpus e pela aptidão do cinema para (re)inventar formas de refletir sobre o mundo em que vivemos. Assim, nosso ponto de partida foi a década de 1920, com alguns dos filmes realizados pela geração vanguardista – e, certamente, este recorte poderia ter começado ainda mais cedo, não fosse programar também a arte de fazer árduas escolhas. 148 Focus France LICIANE MAMEDE For this year’s historical panorama, we searched the rich French cinematography for films that addressed issues that concern us in the most various ways and from the most different perspectives. With no restriction as to genre, category or period, we let ourselves be surprised by this abundant collection and by the aptitude of cinema to (re)invent forms of reflecting the world we live in. Therefore, our starting point was the 1920s, with a few films produced by the avant-guard generation. Our selection could have included earlier films, but the art of programming is also the art of making hard choices. The avant-guard film movement in France was developed around the film clubs. Young film lovers and artists wanted to make films, but did not have the abundance of means that the dominant film industry had. One of the most distinct traces of these films was location shootings, which implied being on the streets and capturing the common man. On the one hand, there was a restriction of resources, but, on the other hand, part of these young filmmakers strongly identified with realist aesthetics. Films such Alberto Cavalcanti’s Nothing but Time (Rien que les heures, 1926), Jean Vigo’s On the Subject of Nice (À propos de Nice, 1930), and, above all, the later films of Jean Epstein Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France Foco França O movimento cinematográfico vanguardista na França se constitui em grande parte em torno dos cineclubes. Tratavam-se, sobretudo, de jovens cinéfilos e artistas que almejavam fazer filmes e não tinham acesso à abundância dos meios que eram próprios ao cinema dominante. Assim, uma das marcas desses filmes eram as tomadas externas, o que forçosamente implicava em uma maior presença das ruas e uma maior apreensão do homem comum. Mas, se por um lado havia a restrição dos meios, por outro existia ainda a forte identificação por parte de alguns desses jovens realizadores com um cinema que tendia marcadamente para uma estética realista. Filmes como Somente as Horas (Rien que les heures, 1926), de Alberto Cavalcanti, A Propósito de Nice (À propos de Nice, 1930), de Jean Vigo, e sobretudo os filmes tardios de Jean Epstein são obras que estão naturalmente associadas a essa corrente cinematográfica e, portanto, preocupadas em refletir sobre a condição do homem face ao seu meio e sobre as disfunções da sociedade por ele criada. Assim, Somente as Horas é um filme sobre Paris, feito nas ruas de Paris, mas que, no entanto, propõe-se a dar rosto a um lado escondido da cidade, muito menos evidente do que a praça da Concórdia ou os arredores da Torre Eiffel. Também parte dessa geração de vanguardistas, mesmo que com uma proposta claramente diferente (ainda que não menos experimental), é Jean Painlevé. Biólogo 149 Mor-Vran, O Mar dos Corvos The Sea of Ravens 150 da relação entre o macho e a fêmea dessa espécie de peixe na criação da prole; já O Vampiro (Le Vampire, 1939) traz uma crítica alegórica ao nazismo, o qual, na França sob ocupação, Painlevé ajudou a combater. Outro importante expoente da tradição científica no cinema francês é o explorador Jacques-Yves Cousteau, cujo O Mundo do silêncio (Le Monde du silence, 1957), realizado com Louis Malle, também faz parte da seleção deste ano. Ainda que hoje seja um filme polêmico pelo espanto que algumas práticas ali mostradas causam à luz dos esclarecimentos atuais sobre as questões ambientais, não se pode negar que se trata de uma obra extremamente bela por uma série de razões – entre elas, por evidenciar o quanto os paradigmas de uma época podem ficar impressos num filme, permitindo, no limite, que uma linha histórica do pensamento humano ao longo do século 20 possa ser traçada a partir do ponto de vista do cinema. Testemunha de uma época, não tão longínqua, em que a humanidade ainda não havia se dado conta do caráter predatório de suas práticas no planeta, aqui, o homem se crê onipotente, ele entende que o mundo, os recursos do planeta e, neste caso, dos oceanos, são fontes inesgotáveis de riqueza. Cabe ressaltar que este é um filme que poderia ainda se inscrever numa tradição de documentários de exploração, onde normalmente, desafiando a tecnologia disponível em sua época (no caso deste filme de Cousteau-Malle, esta- have been naturally associated to this film school and, therefore, concerned with reflecting the relationship between people and their environment and the dysfunctions of society. Consequently, Nothing but Time is a film about Paris, made in the streets of Paris, but one which, however, makes a hidden part of the city visible — one less evident than the Place de la Concorde or the surroundings of the Eiffel Tower. Although with a clearly different (but not less experimental) proposal, Jean Painlevé is also part of this generation of avant-gardists. Originally a biologist, Painlevé, at first, only used film as a tool for his biological studies. It could be said that he continued the work of the pioneers of chronophotography (a photographic technique created to decompose — and, therefore, allow the study of — the movement of living beings). Thanks to his scientific interests, he became a filmmaker and one of the major names in scientific film, a genre which has a consistent lineage in France (including JacquesYves Cousteau and Jean Rouch). Interested in life cycles, in the habits and the movement of the most absurd and beautiful aquatic creatures, Painlevé created devices that allowed him to film small animals — whether on a fish tank or, later on, directly underwater —, which makes his work experimental. Especially because of his central importance for scientific film, we chose to screen four of his short films. Two films especially point to one of the Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France de formação, Painlevé começa a se interessar pelo cinema em primeiro lugar como instrumento para seus estudos e, nesse sentido, é possível dizer que é um continuador dos pioneiros da cronofotografia (técnica fotográfica inventada para decompor e, assim, permitir o estudo do movimento dos seres vivos). É então, a priori, graças aos seus interesses científicos, que ele se lança como cineasta e, posteriormente, se consagra como um dos principais nomes do cinema científico, este gênero que tem uma consistente linhagem na cinematografia francesa (incluindo figuras como Jacques-Yves Cousteau e Jean Rouch). Interessado nos ciclos de vida, nos hábitos e nos movimentos das criaturas aquáticas mais esdrúxulas e belas, Painlevé inventará dispositivos que lhe permitirão filmar esses pequenos animais, seja num aquário, seja, mais tarde, diretamente debaixo d’água – também nesse sentido sua obra pode ser considerada experimental. Assim, sobretudo devido à sua importância central para a afirmação do cinema científico, escolhemos dedicar um programa à exibição de quatro curtas-metragens de Jean Painlevé. Em particular dois filmes da seleção apontam para uma outra característica do cineasta: sua sensibilidade para as causas urgentes de seu tempo. Assim, em Cavalo-Marinho (L’Hippocampe, 1933), numa época em que as mulheres ainda não tinham nem mesmo direito ao voto na França, ele se interessou por mostrar particularmente a equidade 151 152 mos numa era dominada pela mecânica, como podemos ver pelas engrenagens e equipamentos a bordo do navio Calypso), o homem quer dar um passo além, sempre no sentido da conquista, do domínio. Não nos enganemos; este é um filme muito mais sobre o desejo do triunfo e de façanhas, sobre a ambição e a supremacia da técnica do que sobre o senso de precaução. O Mundo do Silêncio é, assim, a evidência de um mundo perversamente naïf, ingênuo a ponto de mostrar o imostrável (ou aquilo que hoje consideramos como tal) – muitas de suas imagens são estonteantes e, também aqui, é irrefutável o triunfo da técnica na apreensão da natureza. Mesmo que ainda nos dias atuais cientistas se valham de procedimentos polêmicos para realizar suas pesquisas, a grande diferença é que, atualmente, ainda que os executem com muito mais precaução do que em 1957, eles não ousariam mostrá-las, e essa é uma maneira interessante de olhar para este filme, pensando o quanto, nesse sentido, ele é transparente. Tais como os filmes científicos, os filmes de exploração são praticamente tão antigos quanto a própria técnica cinematográfica – seus primeiros exemplares teriam sido, muito provavelmente, as “vistas” captadas pelos cinegrafistas contratados pelos irmãos Lumière para, em diversas partes do mundo, buscar imagens exóticas. O cinema, portanto, parece ter encontrado muito cedo essas duas vias que, juntas, contribuíram para a emergência de um terceiro gênero de filmes que se afirmaria durante as primeiras décadas do século 20: o cinema etnográfico. Microcosmos (Microcosmos: Le Peuple de l’Herbe, 1996), realizado quase quarenta anos depois de O Mundo do Silêncio, pode ser considerado um herdeiro da tradição que aproxima o registro científico da forma cinematográfica. Os biólogos e cineastas Claude Nuridsany e Marie Perrenou adaptaram câmeras e desenvolveram lentes especiais para registrar aquilo que os olhos humanos ainda não conheciam fora de um laboratório: o incrível mundo dos insetos. A ampliação de um universo microscópico e o reconhecimento de sons praticamente inaudíveis aos humanos transportaram o espectador em plenos anos 90 para um espaço praticamente desconhecido. Não apenas o esmero técnico, mas também a dramaturgia imposta à narrativa garantiram o reconhecimento de público e crítica tanto na França quanto nos países por onde passou. A luta de dois besouros, o cômico registro de joaninhas devorando uma folha e o abraço caloroso de caracóis são caminhos que elevaram a atmosfera do filme a um patamar pouco visto até aquele momento no cinema documental científico. Se aos olhos dos espectadores atuais as opções técnicas e a teatralização dos animais parecem um elemento datado, sobretudo pelas incontáveis séries e documentários televisivos que captam o cotidiano de suricatos, lêmures, entre outros pequenos animais, challenging the technology available at the time (in the case of this Cousteau-Malle film, a time dominated by mechanical technology, which can be attested by the gears, cogs and equipment on board of the Calypso), man can go a step beyond, always to conquer, to dominate. Let us not fool ourselves. This is a film about the wish to triumph and achieve, about ambition and the supremacy of technology, not about precaution. The Silent World is thus evidence of a world that is perversely naive and innocent, so much that it shows the unshowable (or that which we, today, consider unshowable). Many images in the film are astonishing and the triumph of technology in recording nature is irrefutable. Although even today scientists still use controversial procedures to carry out research, the difference is that, today, researchers not only are much more cautious, but also would not dare to show their methods. This is an interesting way to look at the film, considering how transparent it is. Like scientific films, exploration films are practically as old as film itself — its first examples, probably, are the scenes captured by the cinematographers hired by the Lumière brothers to seek exotic images throughout the world. Film, thereby, rode along these two paths from a very early beginning. Together both contributed to the emergence of a third genre, which would become prominent in the first decades of the 20th century: ethnographic film. Microcosmos (Microcosmos: Le Peuple de l’Herbe, 1996), was pro- Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France filmmaker’s characteristics, his sensibility to the urgent causes of his time. Therefore, in The Seahorse (L’Hippocampe, 1933), in a time women still did not have the right to vote in France, he was particularly interested in showing the equity between males and females of the species in raising their offspring; in The Vampire (Le Vampire, 1939), he makes an allegorical critique of Nazism, which he helped to combat in occupied France. Another important master of scientific films in France was explorer Jacques-Yves Cousteau, whose The Silent World (Le Monde du silence, 1957), produced with Louis Malle, is also in this year’s selection. Although a few of the practices shown in the film are controversial — given our current knowledge about the environment — the work is undeniably and extremely beautiful, and for a number of reasons, among which the fact that it shows how the paradigms of a time can be printed on film, which ultimately allows for a history of human thinking in the 20th century to be plotted from the perspective of film. The film registers a time — not that long ago — in which humanity had not yet realized how it could be harmful to the planet. In the film, people are all-powerful, understand the world, the planet’s resources and, in this case, the ocean is considered an inextinguishable source of wealth. It should be highlighted that the film could fit into the category of exploration documentaries, in which, usually, 153 duced almost forty years after The Silent World, and may be considered the greatest heir of a tradition that brings scientific record and film form together. Biologists and filmmakers Claude Nuridsany and Marie Perrenou adapted cameras and developed special lenses to record what human eyes had not met outside a laboratory: the incredible world of insects. The magnification of a microscopic world and the recording of sounds that are practically inaudible to human ears took 1990s audiences to a practically unknown universe. Both the technical care and the drama in the narrative caused the film to be acclaimed by the audience and the critics, both in France and in other countries. The fight between two beetles, the fun154 Microcosmos nos parece um filme que ainda se destaca em razão, sobretudo, de sua narração mínima, quase silenciosa, que transformou os quase 150 mil metros de película numa viagem fantástica protagonizada por esses pequenos insetos. O filme etnográfico, assim como o filme de exploração, alinha-se quase que naturalmente a um contexto histórico determinado: o do colonialismo e, mais particularmente, no caso da França, ao colonialismo na África. Inúmeros são os filmes franceses que têm como mote missões exploratórias nessa região do globo. Jean Rouch – um dos grandes cineastas modernos franceses – começa a realizar seus primeiros filmes justamente em um momento de declínio do mundo colonial, assim como de seus ny record of two lady bugs eating a leaf and the warm embrace of two snails take the atmosphere of the film to a point that few scientific documentaries had reached. To the current audience, the technique and the dramatization of animals seem dated, especially considering the uncountable TV series and documentaries that capture the daily lives of meerkats, lemurs and many other animals. However, Microcosmos still stands out, especially because of its minimalistic (almost silent) narration, which turned almost 150 thousand meters of film into a fantastic voyage featuring small insects. Ethnographic films — like exploration films — are almost naturally aligned to a specific historical context: colonialism and, particularly, in the case of France, colonialism in Africa. The theme of numerous French films is the exploration of that region. Jean Rouch — one of the greatest modern French filmmakers — started making films exactly when the colonial world (and its rationale) was in decline; at the same time, film had asserted itself for some time as a legitimate tool in ethnographic studies. This is the context of two of Jean Rouch’s films in our selection: Hippopotamus Hunt (Bataille sur le grand fleuve, 1952) and Mammy Water (1953). These films are from the phase Rouch was being legitimized as a filmmaker, a phase in which his ethnographic interests prevailed. Throughout the 1950s — let us not forget that I, a Negro (Moi, un Noir), a film with an entirely new Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France Microcosmos Microcosmos fundamentos; simultaneamente, o cinema havia, já há algum tempo, se afirmado como um instrumento legítimo para os estudos da etnografia. É esse o contexto de dois dos filmes de Jean Rouch presentes em nossa seleção, Batalha no Rio Grande (Bataille sur le grand fleuve, 1952) e Mammy Water (1953). Estes são, portanto, filmes da fase de legitimação de Rouch enquanto cineasta, em que os interesses etnográficos são preponderantes. Ao longo da década de 1950 – lembremos que Eu, um negro (Moi, un noir), um filme totalmente novo em termos de narrativa, é de 1957 – Rouch se afirma enquanto cineasta de grande interesse e, em particular, a incursão no cinema direto marca a modernidade de sua obra. Crônica de um verão (Chronique d’un été), seu primeiro filme com som direto, é de 1961. A realização de Abidjan, Porto de Pesca (Abidjan, Port de Pêche, 1962), terceiro curta-metragem de nossa seleção, portanto, já tem essa marca. Aqui Rouch já está legitimado enquanto expoente da modernidade cinematográfica francesa e, ao longo dos anos que viriam, realizaria algumas de suas obras-primas: Caça ao leão com arco (Chasse au Lion à l’Arc, 1965), Jaguar (finalizado em 1967) e Petit à Petit (1970). Assim como na década de 20 Somente as Horas se propôs a desvelar uma Paris escondida do olhar, sob condições distintas e num outro momento histórico, este é igualmente o desafio a que Chris Marker se propõe em O Encantador mês de maio 155 156 (Le Joli Mai, 1963). Estamos então em plena revolução do cinema direto, como já fizemos menção. Não basta, portanto, dar rosto, é preciso também dar voz aos parisienses e Marker faz isso em um momento em que uma outra revolução está a pleno vapor na Europa. Os anos de pobreza decorrentes da guerra estão ficando para trás nos países centrais do continente e, como reflexo dos avanços tecnológicos e do fortalecimento do Estado de bem-estar social construído ao longo das décadas anteriores, as condições de vida e o poder aquisitivo das classes trabalhadoras crescem de maneira exponencial. Sobre esse período em particular e sobre a sociedade de consumo que então inocentemente emergia, talvez nenhum outro cineasta tenha elaborado uma crítica tão contundente quanto Jacques Tati em filmes como Meu Tio (Mon Oncle, 1958), que será exibido na Mostra, Playtime - Tempo de diversão (Playtime, 1967) e As aventuras do Sr. Hulot no tráfego louco (Trafic, 1971). Tati fala do homem médio em um contexto de impessoalização das relações devido a uma sociedade cada vez mais asséptica, artificialmente organizada e arquitetonicamente estratificada. Em Meu Tio, ainda vemos a velha França em seu convívio com o novo, o “high-tech”. Em grande parte, é o contraste entre esses dois universos – o microcosmos tecnológico e limpo do lar da família de classe média versus as ruas sujas onde cachorros sem donos e carroças dividem espaço com crianças molambentas brincando livremente – que produz o efeito cômico do filme. Em Playtime, realizado quase uma década mais tarde, esse universo mais “autóctone” desaparece para dar lugar a um espaço urbano friamente planificado pela arquitetura do concreto armado. Uma arquitetura cujo símbolo mais emblemático é o guindaste, máquina monstruosa, “humana e inumana ao mesmo tempo”, que vemos na cena inicial de Meu Tio. A despeito da estranha lógica inerente à sociedade de consumo, da sua insólita inversão de valores, tendemos a considerá-la como embriagada de normalidade, único modo de vida possível. É nesse sentido que personagens como aqueles que aparecem em O Encantador mês de maio nos incomodam, mas não nos chocam; somos capazes de compreendê-los porque seu contexto nos é familiar. Há momentos, entretanto, em que as ferramentas de compreensão nos faltam. Os filmes de Marker e Tati talvez consigam nos dar minimamente a dimensão do choque que um filme como Calcutá (Calcutta, 1969), de Louis Malle, pode causar. “Conseguimos nós acreditar que pessoas morrem de fome, e nas ruas?”, é a pergunta que Sylvie Pierre se faz em um texto sobre o filme publicado na ocasião de seu lançamento. Primeira incursão de Malle no cinema direto, Calcutá é um desafio aos olhos ocidentais. O próprio diretor chegou a afirmar: “A Índia atormenta de tal maneira um espírito ocidental, nós cle (Mon Oncle, 1958), which will be screened at the festival, Playtime (1967) and Traffic (Trafic, 1971). Tati speaks of the average man in a moment of an impersonalization of relations in a society that is increasingly aseptic, artificially organized and architecturally stratified. In My Uncle, we still see the old France and its relationship with “hightech” novelties. In large part, it is the contrast between these two worlds — the technological and clean microcosm of the middle-class family versus the dirty streets where dogs and carts share space with ragged children that play freely — where the comical effect of the film emerges from. In Playtime, produced almost a decade later, this more “autochthonous” universe disappears and gives room to a urban space planned by the architecture of reinforced concrete. An architecture whose most emblematic symbol is the crane, a monstrous machine, “human and inhuman at the same time,” which we see in the first scene of My Uncle. Despite the strange and intrinsic rationale of the consumption society and its bizarre reversal of values, we tend to consider it normal, the only possible lifestyle. That is why characters such as those in The Lovely Month of May bother, but do not shock us; we can understand them because their context is familiar to us. At times, however, we lack the tools to understand. Marker’s and Tati’s films maybe can somewhat help us size up the shock of Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France narrative form, is from 1957 —, Rouch emerged as an important filmmaker and direct cinema printed modernity on his work. Chronicle of a summer (Chronique d’un été), his first movie with direct sound, is from 1961. Abidjan, Fishing Port (Abidjan, Port de Pêche, 1962), his third short in our selection, therefore, already has that mark. In that film, Rouch is already a major figure in French modern film. Throughout the years, he would make a few masterpieces: Hunting the Lion with Bow and Arrow (Chasse au Lion à l’Arc, 1965), Jaguar (finished in 1967) and Little by Little (Petit à Petit, 1970). In the 1920s, Nothing but Time showed a hidden Paris; Chris Marker’s The Lovely Month of May (Le Joli Mai, 1963) has the same challenge, but in different conditions and at a different historical moment. It’s the direct cinema revolution, which we mentioned before. Parisians now need a voice, not just a face, and Marker does that when a revolution is at full blast in Europe. The poor war years were behind in the central countries of the continent and, reflecting technology and the strengthening of the welfare state developed in the previous decades, living conditions and the purchasing power of workers had grown exponentially. On this specific period and about the consumption society that innocently emerged then, maybe no one produced a critique as striking as Jacques Tati in films such as My Un- 157 films such as Louis Malle’s Calcutta (1969). “Can we believe that people starve in the streets?,” Sylvie Pierre asked when the film was launched. Calcutta was Malle’s first experience with direct cinema, a challenge to western eyes. The director then said: “India tortures the western spirit so greatly; we understand so little of it...” This is a crowded city of an underdeveloped world in the late 1960s, what could a western spirit (especially in Western Europe and North America) understand of it? Maybe not that much, at least not then. However, the world is not compartmentalized; the stratification and the excesses of the industrial, capitalist, consumption society inevitably led to a generalized malaise that affected both the whole 158 compreendemos tão pouco...”. Estamos numa grande cidade populosa de um país subdesenvolvido no final dos anos 1960, e o que pode efetivamente um espírito ocidental (e aqui estamos falando sobretudo da Europa Ocidental e América do Norte) entender de tudo isso? Talvez não muita coisa, pelo menos não àquela altura. Contudo, certo é que o mundo não é feito de partes isoladas; a estratificação e o excesso da sociedade industrial, capitalista, de consumo, caminhará inevitavelmente para um mal-estar generalizado que afetará o todo assim como as suas partes. Já na década de 1970, isso foi muito bem traduzido por Bresson em O Diabo, Provavelmente (Le Diable Probablement, 1977). Seu personagem Charles, um jovem deslo- and its parts. That was very well translated in the 1970s by Bresson’s The Devil, Probably (Le Diable Probablement, 1977). Charles, the character, a misfit who, because of his young age, can concentrate in himself all the anguish and emptiness of the society he’s in. He embodies the perception that something is not right, and, at the same time, the lethargy, the lack of drive for dialogue, the self-imposed alienation: is that how Bresson represented what we could call the malaise of the contemporary world? Therefore, what a large part of the films in this selection share is precisely their pessimism: Tati is nostalgic of a vanishing world (giving way to an uncertain world); The Lovely Month of May establishes that, in a consumption rationale, socioeconomic conditions are incompatible with selfless fraternity; and Rohmer mentions our loss of a crucial dimension, our ability to be touched by the world’s beauty, which will ultimately produce irresponsibility and the atrocities made to the environment in the name of progress. But we haven’t spoken of a crucial film, The Wages of Fear (Le Salaire de la Peur, 1951), Henri-George Clouzot’s greatest film. According to Pierre Kast, in a critique published at the time the film was launched, Clouzot had finally been able to “totally express — and, no doubt, voluntarily — his way of apprehending reality.” Clouzot’s work has two parts: the characters are introduced in the Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France O Encantador Mês de Maio The Lovely Month of May cado no mundo que, por ser jovem, talvez seja mais propenso a concentrar em si toda a aflição e o vazio da sociedade em que vive. Nele está a percepção de que algo não vai bem e, ao mesmo tempo, a lassidão, a indisposição para o diálogo, a alienação voluntária: seria essa a representação de Bresson para aquilo que poderíamos chamar de o mal-estar do mundo contemporâneo? Logo, um ponto comum entre grande parte dos filmes desta seleção é justamente seu tom pessimista: em Tati é a nostalgia de um mundo que desaparece (sem que saibamos exatamente a que ele dará lugar); em O Encantador mês de maio, é a constatação de que os avanços das condições socioeconômicas dentro da lógica do consumo são incompatíveis com uma fraternidade desinteressada entre os homens; e, em Rohmer, é a perda desta dimensão essencial do ser humano que é a capacidade de apreciar e de se deixar tocar pela beleza do mundo, o que, no limite, dará origem à irresponsabilidade e às atrocidades cometidas ao meio ambiente em nome do progresso. Mas há ainda uma obra chave sobre a qual ainda não falamos: O Salário do Medo (Le Salaire de la Peur, 1951), filme maior de Henri-George Clouzot. Segundo Pierre Kast, em texto crítico publicado na época do lançamento do longa, Clouzot teria, enfim, conseguido “exprimir totalmente, e sem dúvida voluntariamente, sua maneira de apreender o real”. Esta obra de Clouzot divide-se em duas partes: a primeira hora, em que há a apresentação dos personagens, e a segun- 159 first hour, and the suspense takes place in the second. In sum, there’s the introduction of an apparently simple context (a poor village in the hinterlands of some tropical country) that, little by little, is revealed to be nothing more than camouflage to an essentially more complex and perverse situation. The disproportionality of the relations gradually and cruelly grows to absurd levels. As Pierre Kast said, The Wages of Fear is a drama about failure, and this failure derives from a specific human context. On the one hand, there’s material poverty, ethical and moral misery and unhealthy living conditions, but, on the other hand, there’s the exploration of the region’s only source of wealth (an oil well, no coincidence) by a large mul160 da, que concentra todo seu suspense. Em suma, o que temos é a apresentação de um contexto aparentemente simples (uma vila pobre perdida nas profundezas de algum país tropical), mas que, aos poucos, mostra-se como apenas camuflagem de uma situação essencialmente mais complexa e perversa. A desproporcionalidade das relações ali representadas vai gradualmente e cruelmente emergindo até alcançar os limites do absurdo; como disse Pierre Kast, O Salário do medo é um drama sobre o fracasso, e este fracasso deriva de um contexto humano preciso. Pois, se de um lado temos a pobreza material, a miséria ética e moral e as condições insalubres de vida, de outro, ali ao lado, há a exploração por uma grande empresa multinacional da única fonte de LICIANE MAMEDE é mestre em Som e Imagem pela Universidade Federal de São Carlos e, atualmente, cursa um mestrado profissional em Preservação Cinematográfica na Universidade Paris 8. Faz parte da comissão de seleção de filmes do panorama contemporâneo da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental desde 2012, mesmo momento em que começou a contribuir também para a programação do panorama histórico do festival. tinational company. Finally, Clouzot did not fail to show that the life depicted in the film — and the population of the region — are themselves the other face of exploration. We don’t have to mention the challenge of selecting a few films in one of the most expressive and rich filmographies of the 20th century. Our selection is invariably incomplete, but able to encompass our major issues today. This clearly is one of the most surprising aspects of cinema and of great films: every time we go back to them, we discover new aspects, new ways of relating them to our reality. And seeing such films as a synthesis of decades of Art history and of the 20th century only highlights our belief in the cinema’s ability to ponder the world. LICIANE MAMEDE has a master’s in Sound and Image at the Federal University of São Carlos and is currently studying for a professional master’s degree in Film Preservation at the Paris 8 University. Since 2012, she has been a member of the selection committee for the contemporary panorama and the historical panorama of the Ecofalante Environmental Film Festival. Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France Cavalo Marinho The Seahorse riqueza da região; não por acaso, um poço de petróleo. Finalmente, o que Clouzot não está longe de mostrar é que a vila ali retratada, assim como seus moradores, são em si a outra face dessa exploração. Não é preciso dizer os desafios implicados em selecionar alguns poucos títulos de uma filmografia que está entre as mais expressivas e fecundas do século 20. Construímos um recorte que é invariavelmente incompleto, porém capaz de abranger o conjunto de nossas principais indagações atuais. Esse certamente é um dos aspectos mais surpreendentes do cinema e dos grandes filmes por ele produzidos: cada vez que a eles voltamos, descobrimos novos aspectos, novas maneiras de cotejá-los com a nossa realidade. E ver tais filmes enquanto um conjunto síntese de décadas de história dessa arte e do século 20 só reforça nossa crença na capacidade do cinema de pensar o mundo. 161 O Fazedor de Tempestade PROGRAMA PROGRAM 1 Geração vanguardista The Storm-Tamer / La Tempestaire Avant-garde generation Mor-Vran, O Mar dos Corvos The Sea of Ravens / Mor-Vran, La Mer des Corbeaux FRANÇA, 1930, 25’ Documentário filmado na ilha de Sein em 1930, quatro anos antes de Flaherty filmar “O homem de Aran” a apenas alguns quilômetros dali. O filme capta a estreita relação entre o homem e a natureza nesta pequena ilha com mais de duzentos habitantes e três cemitérios. Esta obra de Epstein foi definida por Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, como “um dos mais belos documentários da história do cinema francês, um verdadeiro poema sobre a Bretanha e o mar”. Epstein cria uma atmosfera sombria e revela as cicatrizes deixadas na costa da Bretanha. 162 Shot at the Île de Sein in 1930, four years before and only a few miles away from Flaherty’s “Man of Aran.” The film captures the close relationship between Man and nature in this small island with little more than 200 people and three cemeteries. Epstein’s film was defined by Henri Langlois, founder of the French Cinematheque, as “one of the most beautiful documentaries in the history of French film, a true poem about Brittany and the sea.” Epstein creates a dark atmosphere and shows the scars left by the coast of Brittany. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Epstein ROTEIRO WRITER Jean Epstein FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Alfred Guichard, Albert Bres e Marcel Rebière CONTATO CONTACT diffusion@ cinematheque.fr Belíssimo filme sobre a mulher de um pescador que vê em alguns fatos sinais de mau agouro. De fato, uma tempestade se aproxima ao mesmo tempo que seu marido parte para o mar. Ela então procura um místico, o mestre das tempestades, que tem o poder de apaziguar as águas. Juntamente com Pescadores de Sargaços, O ouro dos mares e Mor-Vran, O Mar dos Corvos, o filme forma a tetralogia das obras de Epstein dedicados ao mar e aos pescadores. Beautiful film on the wife of a fisherman who sees signs of a bad omen in a few events. A storm approaches as her husband sets off to sea. She visits a mystic, the master of storms, who has the power to calm the waters. Together with End of the Earth, L’Or des Mers and The Sea of Ravens, the film forms Epstein’s tetralogy of films dedicated to the sea and to fishermen. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Epstein CONTATO CONTACT diffusion@ cinematheque.fr Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France FRANÇA, 1947, 22’ 163 Somente as Horas PROGRAMA PROGRAM 2 Jean Painlevé, ou a consolidação do cinema científico enquanto gênero Nothing but Time / Rien que Les Heures FRANÇA, 1926, 45’ With documental and fictional records of a day in the life of Paris, starting at dawn, the story of four characters — an old beggar woman, a flower lady, a prostitute and a pimp – wich culminates with the death of the beggar in the gutter and the killing of the flower lady. Nothing but Time was one of the first “city symphonies,” later followed by Walter Ruttmann’s Berlin: Symphony of a Great City (1927), Dziga Vertov’s Man with a Movie Camera (1929) and Joris Ivens’s Rain. DIREÇÃO DIRECTOR Alberto Cavalcanti PRODUÇÃO PRODUCER Alberto Cavalcanti ROTEIRO WRITER Alberto Cavalcanti FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Jimmy Rogers EDIÇÃO EDITOR Alberto Cavalcanti CavaloMarinho Assassinos de Água Doce The Seahorse / L’Hippocampe Freshwater Assassins / Assassins d’Eau Douce FRANÇA, 1933, 13’ FRANÇA, 1947, 25’ ELENCO CAST Philippe Hériat, Blanche Bernis, Nina Chouvalowa, Clifford McLaglen O Vampiro Ouriços do Mar CONTATO CONTACT The Vampire / Le Vampire Sea Urchins / Oursins FRANÇA, 1939, 9’ FRANÇA, 1954, 11’ difusaodefilmes@ cinemateca.org.br Cineasta e biólogo, Jean Painlevé foi um pioneiro em todos os sentidos. Para filmar debaixo d’água, ele inventou dispositivos inovadores e foi um dos primeiros a captar esse tipo de imagem. Seus documentários frequentavam os cineclubes e salas especializadas avant-gardistas dos anos 1920. Entre as centenas de filmes do diretor, destacamos neste programa quatro curtas-metragens que combinam extrema beleza, inspiração surrealista e narração bem-humorada. 164 Jean Painlevé was a scientist, biologist and a pioneer in every sense of the word. To shoot underwater, he invented innovative devices. He was one of the first people to capture that kind of image. His documentaries were common in film clubs and specialized, avant-guard theaters in the 1920s. Among the filmmaker’s hundreds of films, we highlighted four short films inspired by the surrealist movement with extreme beauty and a funny narration. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Painleve CONTATO CONTACT Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France Em meio a registros, documentais e encenados, de um dia na vida de Paris, desde o amanhecer, desenrola-se o drama de quatro personagens - uma velha mendiga, uma vendedora de flores, uma prostituta e seu rufião – que culmina com a morte da mendiga na sarjeta e o assassinato da florista. Rien que les heures foi um dos primeiros filmes do gênero “sinfonia das cidades”, posteriormente seguido por Berlim, sinfonia da metrópole (1927), de Walter Ruttmann, Um homem com uma câmera (1929), de Dziga Vertov) e Chuva (1929), de Joris Ivens. Jean Painlevé, or the consolidation of scientific film as a genre thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr 165 PROGRAMA PROGRAM 3 Jean Rouch, uma seleção de filmes etnográficos Jean Rouch, a selection of ethnographic films Batalha no Rio Grande Hippopotamus Hunt / Bataille Sur Le Grand Fleuve Abidjan, Porto de Pesca Abidjan, Fishing Port / Abidjan, Port de Pêche FRANÇA / COSTA DO MARFIM, 1962, 24’ Esquete sobre a pesca marítima tradicional e industrial na Costa do Marfim: pescadores locais em suas minúsculas canoas-mosquito, as grandes canoas dos Fanti, e os barcos bretões e portugueses no porto de Abidjan. 166 A collection of accounts on traditional and industrial fishing in Ivory Coast: local fishermen and their minuscule canoes, the large canoes of the Fanti and the British and Portuguese boats of the port of Abidjan. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Rouch CONTATO CONTACT thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr Considerado a primeira obra-prima de Jean Rouch, o documentário conta a história da grande batalha travada no rio Níger em 1951, entre vinte e um pescadores Sorko e os hipopótamos de Yassane, Baria, Tamoulés e Labbezenga. Narrado pelo próprio diretor sobre um fundo de canções e vozes quase ininterruptas dos Sorko, o filme alia a precisão documentária a um agudo senso de dramaticidade. Considered Jean Rouch’s first masterpiece, the film tells the story of a great battle that took place at the Niger river in 1951, between 21 Sorko fishermen and the Yassane, Baria, Tamoules and Labbezenga hippopotamuses. Narrated by the director himself over a background of almost continuous songs and voices of the Sorko, the film brings together documentarian precision and a very acute dramatic sense. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Rouch PRODUÇÃO PRODUCER Jean Rouch, Roger Rosefelder FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Jean Rouch EDIÇÃO EDITOR Jean Rouch CONTATO CONTACT thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France FRANÇA / NÍGER, 1951, 35’ 167 Mammy Water PROGRAMA PROGRAM 4 Henri-Georges Clouzot, o ceticismo no cinema francês Mammy Water Na costa de Gana, na sombra dos antigos fortes portugueses, situa-se o Golfo da Guiné. Este é o lar dos “surf boys”, experientes pescadores que remam no oceano em grandes e pesadas canoas esculpidas em madeira, que permanecem no mar por até duas noites. Em Mammy Water, Jean Rouch retrata os “surf boys” da aldeia costeira de Syama, ao pé do rio Pra. O sucesso da pescaria é resultado da generosidade de Mammy Water, o espírito das águas. Quando a pesca é ruim, os moradores do vilarejo prestam tributos aos espíritos para que sua sorte mude novamente. 168 At the coast of Ghana, at the shadow of the old Portuguese forts, there’s the Gulf of Guinea. That’s the home of the “surf boys,” experienced fishermen that row large and heavy wood-sculpted canoes and stay in the sea for up to two nights. In Mammy Water, Jean Rouch portrays the “surf boys” of the coastal village of Shama, at the mouth of the Pra river. The success of the fishing is the result of the generosity of Mammy Water, the spirit of the waters. When fishing is bad, the villages pay tribute to the spirits so that their luck would turn. DIREÇÃO DIRECTOR Jean Rouch ROTEIRO WRITER Jean Rouch FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Jean Rouch EDIÇÃO EDITOR Philippe Luzuy CONTATO CONTACT thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr O Salário do Medo DIREÇÃO DIRECTOR Henri-Georges Clouzot PRODUÇÃO PRODUCER Raymond Borderie e Henri-Georges Clouzot The Wages of Fear / Le Salaire de la Peur ROTEIRO WRITER Georges Arnaud FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER FRANÇA / ITÁLIA, 1953, 148’ Quatro homens desempregados e miseráveis que vivem em condições quase desumanas em um pequeno vilarejo da Guatemala aceitam uma perigosa e desafiadora missão: transportar uma carga altamente explosiva de nitroglicerina em caminhões sem nenhuma estrutura ao longo de estradas em péssimas condições. Armand Thirard Four unemployed, poor men live in almost inhuman conditions in a small village in Guatemala. They accept a dangerous and challenging mission: to transport a highly-explosive cargo of nitroglycerin in trucks with no proper structure along roads in terrible conditions. EDIÇÃO EDITOR Madeleine Gug, Etiennette Muse e Henri Rust ELENCO CAST Yves Montand, Charles Vanel, Folco Lulli e Peter van Eyck Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France Henri-Georges Clouzot, skepticism in the French cinema FRANÇA / GANA, 1953, 19’ CONTATO CONTACT tamasadistribution@ orange.fr 169 PROGRAMA PROGRAM 5 PROGRAMA PROGRAM 6 Jacques Tati, or the critique of the concrete Chris Marker, the upset of direct cinema Jacques Tati, ou a crítica do concreto Chris Marker, a virada do cinema direto Meu Tio My Uncle / Mon Uncle FRANÇA, 1958, 110’ 170 Mr. and Mrs. Arpel have an incredibly-functional, well-located home. Unfortunately, Mrs. Arpel also has a brother, Mr. Hulot, who not less incredibly keeps her from going forward. Hulot excessively loves dogs, especially street dogs. That wouldn’t be a problem if Arpel’s son, Gerard, did not tend to imitate his uncle, showing, like him, a clear aversion to industrial beauty. After several frustrated attempts to make Hulot get hired by his factory or marry his snobbish neighbor, Mr. Arpel gets jealous and decides to drive him away. DIREÇÃO DIRECTOR Jacques Tati PRODUÇÃO PRODUCER Jacques Tati ROTEIRO WRITER Jacques Tati, Jacques Lagrange e Jean L’Hote FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER O Encantador Mês de Maio Jean Bourgoin The Lovely Month of May / Le Joli Mai EDIÇÃO EDITOR FRANÇA, 1963, 156’ Suzanne Baron ELENCO CAST Jacques Tati, JeanPierre Zola, Adrienne Servantie e Alain Becourt CONTATO CONTACT philippe.gigot@ tativille.com Durante o mês de maio de 1962, momento em que têm lugar os derradeiros sobressaltos do conflito argelino, Marker e seu diretor de fotografia, Pierre Lhomme, saem às ruas de Paris a fim de realizar um retrato da cidade através de seus habitantes. Os franceses, enfim, começam a se readaptar aos tempos de paz. Marker dá voz a personagens saídos de diferentes classes sociais, entretanto, é uma estranha visão aquela que daí emerge: a de um mundo pouco fraterno, egoisticamente fechado em si mesmo, apegado a valores mesquinhos. Um dos marcos do cinema direto francês. In May 1962, at the later stages of the conflict in Algeria, Marker and his cinematography director, Pierre Lhomme, went to the streets of Paris to capture the city through its dwellers. The French had finally started to readapt to times of peace. Marker gives voice to people of different social strata. However, the perspective that emerges is strange: unfriendly, egotistically closed on itself, attached to petty values. One of the landmarks of French direct cinema. DIREÇÃO DIRECTOR Chris Marker e Pierre Lhomme ROTEIRO WRITER Chris Marker e Catherine Varlin FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Pierre Lhomme EDIÇÃO EDITOR Eva Zora, Annie Meunier e Madeleine Lacompère CONTATO CONTACT thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France O senhor e a senhora Arpel têm uma casa incrivelmente funcional em um bairro muito bem localizado. Infelizmente, a sra. Arpel também tem um irmão, o sr. Hulot, que a impede não menos incrivelmente de progredir. Hulot, por outro lado, tem um excessivo amor pelos cães, de preferência os de rua. Isso não seria muito grave se o filho dos Arpel, Gerard, não tendesse a imitar o tio, demonstrando, como ele, uma clara aversão às belezas industriais. Por fim, após tentativas frustradas de fazer Hulot ser contratado em sua fábrica ou se casar com sua vizinha esnobe, o sr. Arpel, com ciúmes, consegue afastá-lo. 171 PROGRAMA PROGRAM 7 Louis Malle, um olhar sobre o outro Louis Malle, a look at the other PROGRAMA PROGRAM 8 Bresson, reflexões sobre a era industrial Besson & Rohmer, reflections on the industrial era The Devil, Probably / Le Diable Probablement Calcutta / Calcutta FRANÇA, 1977, 95’ FRANÇA, 1969, 100’ Em 1967, Louis Malle passa quatro meses na Índia cruzando o território de norte a sul com uma câmera 16mm Éclaire, captando imagens de um país que lhe era completamente desconhecido. “Era um mundo que nos escapava completamente”, diria depois o diretor, “A Índia perturba enormemente o espírito ocidental, compreendemos dela tão pouco…”. O filme é também a primeira experiência de Louis Malle com som direto, levada às últimas consequências ao fazer toda a captação de áudio de maneira sincrônica à captação das imagens. O resultado é uma paisagem sonora tão autêntica quanto tangível e ensurdecedora, parte do retrato de uma cidade terceiro-mundista desordenada e caótica, tão exótica aos olhos europeus. 172 In 1967, Louis Malle spends four months in India, crossing it from North to South with a 16mm Éclair camera, capturing images of a country that was completely unknown to them. “It was a world that we ignored completely,” the director would say, “India unsettles Western spirits very greatly; we understand so little of it...” That was Louis Malle’s first experience with direct sound, which he took to the ultimate level by choosing to capture all the audio synchronically to the images. The result is a sound landscape that is as authentic as it is tangible and deafening, part of a portrait of a disorganized and chaotic thirdworld city, so exotic to European eyes. DIREÇÃO DIRECTOR Louis Malle FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Étienne Becker EDIÇÃO EDITOR Suzanne Baron CONTATO CONTACT [email protected] O penúltimo filme de Robert Bresson aparece num momento extremamente relevante: os anos 70, um período de avanço nos debates sobre a preservação do meio ambiente e de expansão do movimento ambientalista no mundo ocidental. Apesar disso, em 1977 Bresson é um dos primeiros diretores franceses a tratar diretamente do assunto, lançando sobre ele um ponto de vista um tanto pessimista. Charles, o personagem principal, é um jovem deslocado no mundo, que encarna em si todo o ceticismo, descrença e mal-estar que dão o tom do filme. Sua posição é de extrema indolência, mas, ao mesmo tempo, o discurso pró-ecológico “blasé” de seus amigos tão pouco parece capaz de se apresentar como solução ao vazio existencial que paira no ar. Robert Bresson’s second to last film was shot at an extremely relevant moment: the 1970s, when the debate on environmental preservation advanced and the environmental movement expanded in the western world. Despite that, with his 1977 feature, Bresson is one of the first French filmmakers to address the issue directly, with a very pessimistic perspective. Charles, the main character, is a misfit, embodying all of the film’s skepticism, disbelief and malaise. His position is of an extreme indolence, but, at the same time, his friends’ blasé ecological discourse does not seem to be the solution for the existential hollow in the air. DIREÇÃO DIRECTOR Robert Bresson ROTEIRO WRITER Robert Bresson FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Pasqualino De Santis EDIÇÃO EDITOR Germaine Lamy CONTATO CONTACT [email protected] Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France O Diabo, Provavelmente Calcutá 173 PROGRAMA PROGRAM 9 PROGRAMA PROGRAM 10 Os Anos 90: Nicolas Philibert Os anos 90: Jacques Perrin The 90’s: Jacques Perrin Microcosmos Um Animal, Os Animais Microcosmos / Microcosmos: Le Peuple de l’Herbe FRANÇA / SUÍÇA / ITÁLIA, 1996, 80’ Animals and more animals / Un Animal, Des Animaux FRANÇA, 1994, 57’ A galeria de zoologia do Museu Nacional de História Natural esteve fechada ao público desde 1965. Verdadeira arca de Noé, esse museu abrigava exemplos de tudo o que, em nosso planeta, voa, rasteja, nada ou anda. Rodado ao longo de sua renovação, de 1991 a 1994, o filme narra a ressurreição desses estranhos hóspedes e de seu museu. Restaurações de pelagens e plumagens; uma verdadeira renascença. 174 DIREÇÃO DIRECTOR The zoology gallery of the National Museum of Natural History had been closed to the public since 1965. The museum, a true Noah’s Ark, housed specimens of everything that flies, crawls, swims or walks in the planet. Shot throughout the renovation between 1991 and 1994, the film narrates the resurrection of the museum’s strange guests and of the museum itself. The restoration of furs and feathers, a true renaissance. DIREÇÃO DIRECTOR Nicolas Philibert PRODUÇÃO PRODUCER Serge Lalou ROTEIRO WRITER Nicolas Philibert FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Frederic Labourasse EDIÇÃO EDITOR Guy Lecorne CONTATO CONTACT thomas.sparfel@ diplomatie.gouv.fr Um belo registro daquilo que nossos olhos não conseguem ver. Com o uso das tecnologias mais avançadas para a época e dos mais incríveis close-ups, slow motion e fotografia em time-lapse, o espectador é conduzido a uma viagem pela natureza microscópica. Acompanhamos o ciclo da vida de insetos e outros pequenos seres invertebrados na luta pela sobrevivência, por alimento e em sua relação com o meio ambiente. A beautiful record of that which the eye cannot see. Using the most advanced technology available at the time and the most amazing close-up, slow-motion and time-lapse shots, the spectator is taken on a voyage through microscopic nature. We follow the life cycles of insects and other invertebrates, their struggle to survive and to find food, and their relationship with the environment. Claude Nuridsany e Marie Pérennou PRODUÇÃO PRODUCER Christophe Barratier ROTEIRO WRITER Claude Nuridsany e Marie Pérennou FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Thierry Machado Panorama Histórico . Foco França | Historical Panorama . Focus France The 90’s: Nicolas Philibert EDIÇÃO EDITOR Florence Ricard e Marie-Josèphe Yoyotte CONTATO CONTACT jeanluc@ galateefilms.com 175 PROGRAMA PROGRAM 11 Jacques-Yves Cousteau, a conquista dos oceanos Jacques Cousteau, the conquest of the oceans Homenagem Tribute O Mundo do Silêncio The Silent World / Le Monde du Silence FRANÇA, 1956, 86’ Do Mediterrâneo ao oceano Índico, passando pelo Mar Vermelho, o comandante Cousteau e sua equipe nos fazem descobrir, pela primeira vez em cores, as misteriosas belezas do mundo submarino. Exploração de barcos naufragados, de jardins de corais, de bancos de cachalotes e de golfinhos, banhando-se em meio aos tubarões; os mergulhadores da Calipso nos arrastam até um universo espantoso em que a flora arborescente nunca floresce, mas onde a fauna se reveste das mais maravilhosas cores encontradas em nossas flores terrestres. O filme, fruto da colaboração de Cousteau com Louis Malle, marcou para sempre o mundo do documentário com imagens submarinas excepcionais. 176 From the Mediterranean to the Indian Ocean through the Red Sea, commander Cousteau and his crew took us, for the first time, through a discovery of the colors and the mysterious beauty of the underwater world. Exploring sunken ships, coral gardens and schools of sperm whales and dolphins, as well as swimming among sharks, the Calypso divers take us to a surprising universe in which plants never blossom and animals have the amazing colors of terrestrial flowers. The film is the product of Cousteau’s collaboration with Louis Malle and forever marked the documentary world with exceptional submarine images. DIREÇÃO DIRECTOR Jacques-Yves Cousteau e Louis Malle ROTEIRO WRITER Jacques-Yves Cousteau FOTOGRAFIA CINEMATOGRAPHER Edmond Séchan EDIÇÃO EDITOR Georges Alépée CONTATO CONTACT renatobissa@ mplcbrasil.com.br 177