A formulação dos programas de transferências de renda a partir de

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A formulação dos programas de transferências de renda a partir de
A FORMULAÇÃO DO PROGRESA-OPORTUNIDADES A PARTIR
DE UMA ANÁLISE INSTITUCIONALISTA HISTÓRICA
Carla Tomazini1
RESUMO: Esta pesquisa tem como principal objetivo analisar a formulação do
programa mexicano de transferência monetária condicionada ProgresaOportunidades. Valendo-se especialmente dos avanços teóricos apresentados por
Thelen e Mahoney (2010), do “modelo de coalizão” de causas de Sabatier e JenkinsSmith (1988, 1993) e de “agenda setting” de Kingdon (1995) a investigação pretende
avaliar a importância que os fatores endógenos possuem para explicar os processos
de mudanças institucionais que autorizaram a criação desse programa.
PALAVRAS-CHAVE: programas de transferências monetárias condicionadas, análise
de mudança de política pública, México.
Nas últimas décadas, os programas de transferências condicionadas
transformaram os sistemas de proteção social de muitos países no mundo,
especialmente da América Latina. Brasil e México são apontados como os pioneiros
no desenvolvimento desses programas e os campeões da cobertura. No México, o
programa PROGRESA-Oportunidades nasceu em 1997, atingindo 5 milhões de
famílias beneficiárias em 2012 (PNUD, 2013). Mas, quais são as condições e
contextos que tornam as políticas de transferência de renda possíveis?
Podemos buscar suas origens nos seus antecedentes, como nas políticas
anteriores de luta contra a pobreza, nas reformas dos regimes de proteção social, nas
estratégias dos poderes executivos de construção dos Estados de Bem Estar ou na
maior atenção prestada às políticas sociais. As origens também podem ser vistas
como um produto do neoliberalismo, uma transição para sociedades mais inclusivas
ou como uma resposta aos movimentos sociais. Nenhuma resposta seria claramente
errada ou verdadeira. Segundo Page (2006):
Policies may reflect a variety of intentions and ideas: some vague,
some specific, some conflicting, some unarticulated. They can, as we
will see, even be the unintended or undeliberated consequences of
professional practices or bureaucratic routines. Such intentions,
practices, and ideas can in turn be shaped by a vast array of different
environmental circumstances, ranging from an immediate specific cue
or impetus to a more general spirit of the time or even a belief in a
1
1
Universidade de Campinas
[email protected], mestre.
em
co-tutela
com
a
Universidade
Paris
3,
1
self-evident universal truth. How can we talk about the origins of
something as diverse as policy?
Na literatura sobre as origens das políticas, a noção de agenda setting
(Kingdon, 1995) é usualmente utilizada como um primeiro passo para a compreensão
de uma determinada política. Na sua acepção mais simples, esta noção permite
examinar como um conjunto de processos conduzem determinados fatos sociais a
adquirir um status de problema público. Kingdon parte da ideia de que as soluções não
são problem solving, isto é, elas não nascem necessariamente para resolver
problemas (Cf. Modelo “Garbage Can” de Mach e Olsen, 1972). Na realidade, as
soluções podem estar “em busca” de problemas ou eventos aos quais poderiam se
conectar. Assim, a esfera política é dividida em três correntes (dos problemas, das
soluções e da política), cada uma com um desenvolvimento independente e lógica
própria.
As vantagens da noção de agenda setting estão relacionadas à possibilidade
de articular diferentes temporalidades, colocando em perspectiva eventos pontuais e
mudanças originárias de um tempo relativamente longo. Mas, essa vantagem também
se mostra sua principal limitação: ao conciliar diferentes abordagens teóricas podemos
utilizar perspectivas até mesmo contraditórias. Segundo Ravinet (2004), o modelo de
Kingdon (1995) não se trata de um conceito, nem mesmo uma teoria, mas sim uma
estrutura para mobilizar e combinar diferentes conceitos e noções, notadamente das
origens e mudanças de políticas públicas.
Nesse trabalho, primeiramente, apresentamos o quadro teórico sob o qual está
assentada nossa análise, valendo-se especialmente do modelo de “agenda setting”
(Kingdon 1995), do modelo de “coalizões de causa” (Sabatier e Jenkins-Smith, 1993) e
da tipologia sobre mudança institucional gradual (Thelen e Mahoney 2010). Em
seguida, buscamos examinar os fatores domésticos que deram origem ao programa
PROGRESA-Oportunidades.
I. INSTITUCIONALISMO HISTÓRICO COMO ESCOLHA ANALÍTICA
Tratar os programas de transferências monetárias condicionadas dentro de
uma abordagem institucionalista histórica poderá contribuir para compreender os
mecanismos de mudanças que levaram às alterações institucionais.
As pesquisas sobre os impactos das instituições no comportamento dos atores
e de suas decisões têm constituído um subcampo crescente das ciências políticas,
sobretudo nos últimos anos, quando o postulado “as instituições importam” tornaramse quase um lugar-comum (Arretche, 2007). A despeito desta redescoberta, a
2
explicação de fenômenos de mudanças institucionais permanece uma das principais
questões das análises neo-institucionalistas sejam elas ligadas ao institucionalismo
sociológico, da escolha racional ou histórico (Hall e Taylor, 1996).
Em geral, os neo-institucionalistas são estudiosos que colocam ênfase especial
no papel que as instituições desempenham na estruturação de comportamento,
podendo estas ser definidas como regras formais ou informais (Steinmo, 2008). Se
para os institucionalistas da escolha racional, as instituições importam porque
enquadram o comportamento estratégico dos indivíduos; para os institucionalistas
sociológicos, as instituições estruturam os comportamentos porque os indivíduos
buscam satisfazer e se adequar a suas lógicas de funcionamento. Quanto aos
institucionalistas históricos, estes consideram que as três variáveis (indivíduos,
contexto e regras) são relevantes. Assim, um determinado resultado ocorre porque os
comportamentos podem ser tanto guiados pelo auto-interesse, pelo altruísmo ou
mesmo pelo hábito (Steinmo, 2008). É precisamente por isso que os institucionalistas
históricos tecem críticas à teoria dos jogos. Thelen (1999, p. 376) com base em Bates
et al. (1998) argumenta que a teoria dos jogos deveria levar em conta de forma mais
específica e precisa as características do ambiente político-social em que os
indivíduos elaboram e escolhem suas estratégias.
Tendo em consideração esses elementos analíticos, Sanders (2006)
argumenta que o institucionalismo histórico fornece explicações mais claras para
estudar as interações humanas,
(a) in the context of rule structures that are themselves human
creations; and (b) sequentially, as life is lived, rather than to take a
snapshot of those interactions at only one point in time, and in
isolation from the rule structures (institutions) in which they occur’
(Sanders, 2006:39).
A ênfase no seqüenciamento e timing permite entrever padrões de interação e
processos político-econômicos na formação e evolução institucional, uma vez que não
consideram processos isolados, mas sim procuram entender como a ordenação
temporal influencia os resultados (Thelen 1999, p. 388). Segundo Steinmo (2008),
existem pelo menos três aspectos importantes que nos autorizam a pensar que a
história importa: i) os acontecimentos políticos acontecem dentro de um contexto
histórico, exercendo um impacto direto sobre as decisões ou eventos; ii) os atores ou
agentes podem aprender com a experiência, uma vez que as escolhas políticas em
um ponto no tempo afetam as escolhas em pontos subseqüentes; iii) as expectativas
também são moldadas pelo passado.
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O número crescente de estudos que se utilizam dessa abordagem tanto no
Brasil quanto no exterior nos permite dizer que houve uma grande adesão ao retorno
do “histórico” nas ciências sociais (Hochmann 2007). Segundo Pierson (2000, p. 72),
doravante busca-se um mundo de imagens em movimento e não apenas imagens
instantâneas e estáticas. Um elemento central dessa teoria da causalidade histórica
que vem se construindo é o path dependence, dentre outras noções no debate sobre o
fator da temporalidade nas análises de mudança institucional.
A. DE QUAL TIPO DE MUDANÇA INSTITUCIONAL ESTAMOS FALANDO?
Na análise da mudança institucional, predominam os modelos atentos aos
mecanismos de permanência de trajetórias institucionais, por oposição aos
mecanismos exógenos geradores de mudanças.
Por um lado, coloca-se ênfase na forte continuidade, destacando o peso
exercido pelas escolhas passadas (Lindblom, 1979; Rose, 1990; Skocpol, 1992;
Pierson, 2000, entre outros). Ao longo do tempo, as instituições afetam o
comportamento e moldam as preferências, dado que os entraves às mudanças estão
ligados aos seguintes fatores (Steinmo, 2008):
1) qualquer instituição (seja uma instituição formal ou norma) está incorporada
dentro de um conjunto maior de instituições;
2) a mudança traz implicações para muitos atores, notadamente pela
resistência dos favorecidos das instituições do status quo no contexto mais amplo;
3) as instituições podem desencadear mecanismos de lock-in, porque existe
um investimento para aprender as regras; mudá-las pode trazer custos iniciais que
podem ser rejeitados por aqueles que não querem arcar com novos custos.
Na medida em que os arcabouços institucionais se reforçam mutuamente e
produzem ganhos econômicos, estabelece-se o path dependence (Pierson, 1993,
1994, 2000), isto é, a tendência dos atores a seguir na mesma trajetória. North define
o conceito de dependência do caminho como “a way to narrow conceptually the choice
set and link decision-making through time. It is not a story of inevitability in which the
past neatly predicts the future” (North 1990, p. 99). Além dos obstáculos à mudança
atrelados ao conceito de path dependence, existem também aqueles relacionados à
multiplicidade de atores ligados, por exemplo, à noção de incrementalismo (Lindblom,
1959).
Por outro lado, argumenta-se que momentos de rupturas mais radicais na
ordem institucional seriam frutos de “choques externos”, como crises ou grandes
eventos (Kingdon, 1984). A explicação dominante durante muito tempo esteve
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baseada na noção de "equilíbrio pontuado" (Thelen e Steinmo, 1992). Esta ideia se
refere ao processo em que as instituições permanecem essencialmente em equilíbrio,
até que se deparem com um choque externo. Muitos institucionalistas históricos têm
criticado essa lógica, dado que minimizaria o poder da agência em favor de uma
espécie de “destino” (Steinmo, 2008).
Recentemente, o trabalho de Mahoney e Thelen (2010) critica a tendência dos
pesquisadores a considerar mudanças grandes e abruptas mais importantes que as
mudanças
graduais
e
progressivas.
Mantendo-se
dentro
da
perspectiva
institucionalista histórica, Streeck e Thelen (2005) e Mahoney e Thelen (2010)
propuseram uma tipologia de mudança institucional gradual que nos permite ordenar e
comparar casos empíricos em diferentes contextos. São quatro mecanismos de
mudança institucional, a saber:
1. conversão ou conversion (a reconversão estratégica das instituições existentes
para fins novos),
2. deriva ou drift (as mudanças no ambiente da instituição não são
acompanhadas de ajustes institucionais),
3. deslocamento ou displacement (a extinção das velhas instituições e a
introdução de novas) e
4. layering (organização em camadas) ocorre quando “novas regras são
anexadas àquelas existentes, mudando assim as formas pelas quais regras
originais estruturam o comportamento” (Mahoney e Thelen, 2010, p. 16).
Nesta mesma linha, alguns autores têm buscado incorporar à análise
institucional o poder de agência por parte dos atores, suas lógicas de ação e a
maneira pela qual eles testariam os limites impostos pelas instituições (Streeck e
Thelen, 2005; Hall e Thelen, 2009; Mahoney e Thelen 2010). Como consequência, o
foco está na capacidade dos atores de reinterpretar as normas e valores, valendo-se
por vezes das ambigüidades intrínsecas aos arranjos institucionais.
No artigo que segue, esta perspectiva se mostra de grande valia. A nosso ver,
tanto o path dependence como as outras teorias de mudança exógena, não levam em
conta que as instituições estão inseridas em um contexto que está em constante
mudança, sendo a estabilidade sustentada politicamente.
B. QUESTÃO DO PODER
A distribuição de poder nas instituições, elemento central do institucionalismo
histórico, é também importante para a análise da mudança gradual. Os resultados
institucionais não são exatamente uma simples reprodução dos objetivos de um
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determinado ator, grupo ou coalizão. Em outros termos, pensar a origem e a
continuidade das instituições passa por refletir sobre os caminhos da coordenação dos
atores que possuem objetivos às vezes conflitantes e compromissos muitas vezes
ambíguos (Mahoney e Thelen, 2010). Por um lado, aqueles que se beneficiam de
regimes existentes podem preferir a continuidade, procurando mobilizar apoio político
para manter o status quo e evitar os efeitos negativos resultantes das ambigüidades
institucionais. Por outro lado, atores descontentes podem se utilizar de outras
instituições para mudar aquilo que discordam. Para esse fim, é necessário analisar
“the combined effects of institutions and processes rather than
examining just one institution or process at a time” (Mahoney e Thelen
2010, apud Pierson e Skocpol, 2002, p. 696).
Para além da abordagem da distribuição do poder, (Mahoney e Thelen, 2010)
colocam-se questões sobre o grau de cumprimento das regras, pois consideram que
as mudanças institucionais graduais mostram-se possíveis quando ocorrem problemas
de interpretação e aplicação das regras, abrindo uma brecha para que os atores as
reinventem.
C. “BRINGING THE IDEAS BACK IN”: AS IDEIAS COMO PONTO-CHAVE DA
ANÁLISE
À questão da mudança institucional também pode ser agregada uma terceira
dimensão: as ideias como variável importante na transformação de políticas públicas.
Os atores defendem ou contestam certas instituições não somente pelo simples
interesse. A dimensão do conflito pode ser permeada por crenças normativas e
controvérsias técnicas contestadas e mesmo irreconciliáveis. As ideias importam para
a análise dos programas de transferência de renda, na medida em que a temática da
pobreza está diretamente relacionada às convicções morais e crenças religiosas.
Ainda que na tradição institucionalista histórica, as instituições são tidas como
constitutiva das ideias, verifica-se notadamente com Peter Hall (1993) uma maior
inclinação por parte dos investigadores desta abordagem a considerar que as ideias
possam também ser fundamentais para a mudança e parte constitutiva das novas
instituições (Smith, 2006).
Steinmo sustenta que deve-se reavivar o interesse pelas "ideias" na análise
institucional. Segundo ele, o marxismo, a escola da escolha racional, as teorias
pluralistas entre outros supõem que os interesses sejam as forças motrizes da política,
sendo as ideias tratadas como meras justificativas (Steinmo, 2008). Ainda que muitas
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vezes as ideias não sejam levadas em conta por serem difíceis de medir e quantificar,
os institucionalistas históricos que se preocupam com o poder das ideias não estão
atrelados a uma teoria ou metodologia específica (Campbell 2002). Uma vez
incoroporadas, as ideias possuem efeitos de enquadramento, tornando-se modelos
para outras decisões políticas. Ideias são “creative solutions collective action
problems” e apresentam tanto bases racionais quanto emotivas (Steinmo, 2008).
Levando em consideração todos esses aspectos, no caso mexicano,
mudanças graduais ocorreram antes e após a implementação do programa de
transferência de renda federal Progresa em 1997. Em um primeiro momento
representou uma mudança profunda, não envolvendo o "colapso" das instituições
anteriores. Em um segundo momento, outras mudanças significativas ocorreram,
sobretudo, em 2006 com a incorporação de elementos estranhos aos objetivos do
Programa Oportunidades.
II. AS “COALIZOES DE CAUSA” NO MEXICO
De acordo com Thelen (1999) ainda que se considere as instituições como
formatadoras de padrões, não se pode ignorar as outras variáveis: os atores,
interesses, estratégias e, sobretudo a distribuição de poder entre eles. Colocados
esses fatores em causa, é possível mostrar como eles se relacionam entre si e
observar a maneira como as situações políticas são estruturadas. Assim, foi feito um
estudo dos atores, grupos de pessoas e organizações que interagiram em uma base
regular ao longo do período estudado a fim de influenciar a formulação dessas
políticas públicas2.
Além disso, entender o motivo pelo qual uma política pública é adotada, exige a
análise de sua capacidade de agregar
interesses
divergentes e mesmos
contraditórios. Nesse sentido, o papel das ideias na formulação destas políticas
também foi um fator considerado na pesquisa. Ainda que esta dimensão seja muitas
vezes rebatida devido às dificuldades empíricas e teóricas que ela coloca; acreditamos
que as teorias cognitivas possam contribuir para a compreensão do modo como
coalizões se formam e legitimam as escolhas políticas, que não podem ser explicadas
apenas em termos de interesse e cálculos racionais por parte dos atores.
Nesse estudo, utilizamos o modelo de “coalizões de causa” desenvolvido por
Paul Sabatier e Hank Jenkins-Smith (1993). Com este modelo podemos entrever não
2
As entrevistas ocorreram em janeiro e fevereiro de 2010 e fevereiro e março de 2013.
Realizamos 15 entrevistas. Foram entrevistados funcionários e ex-funcionários dos ministérios
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somente as disputas entre os grupos de atores que definem as políticas de
transferências monetárias, mas as ideias que estão em disputa. Em grande medida,
partimos do pressuposto que os atores não se disputam por um programa de ação
somente para defender interesses, mas especialmente para apoiar “causas”.
Os valores e crenças que são compartilhados por cada coalizão se situam em
três níveis: em torno de um núcleo de valores fundamentais (Deep Core); crenças
próprias ao subsistema da política pública (Near Core) e aspectos secundários
relativos aos detalhes programáticos das políticas públicas (Secondary Beliefs). As
mudanças nesse sistema de crença ocorrem mais facilmente nos aspectos
secundários à luz das novas experiências e informações, assim como das mudanças
estratégicas desenvolvidas pelos atores (Sabatier, 1999).
Partindo desses pressupostos, foram identificadas duas coalizões estruturadas
de acordo com valores e percepções do fenômeno da pobreza, cujos instrumentos
privilegiados são as transferências monetárias (Tomazini 2010): ‘renda incondicionada’
e ‘capital humano’ (tabela 1).
Os atores inseridos na coalizão ‘capital humano’ compartilham a crença que a
privação dos conhecimentos escolares e da assistência médica, tornaria os “pobres”
economicamente menos produtivos3. Os valores centrais desta coalizão podem ser
resumidos na máxima: “É melhor ensinar a pescar que fornecer o peixe”. Esta
coalizões é predominantes no México, uma vez que lograram de fato condicionar os
benefícios das transferências a comportamentos determinados dos beneficiários,
como frequência escolar e visitas a centros de saúde.
As coalizões que se referem à causa da ‘renda incondicionada’ partilham a
crença que a pobreza seria o resultado da violação do direito a compartilhar a riqueza
da nação. Os atores desta coalizão defendem políticas universais, em oposição à
focalização e às condicionalidades encerradas nos programas de luta contra a
pobreza. Nesse sentido, as políticas de transferência de renda deveriam dar prioridade
ao direito à renda que satisfaça um padrão de vida modesto, mas "socialmente
aceitável". Segundo as crenças dessa coalizão, o auxílio financeiro deve concedido
para todos os indivíduos sem restrições de idade, sexo, condição socioeconômica, etc
(e não somente para as pessoas vulneráveis, incapazes de trabalhar); sem qualquer
contrapartida solicitada e usado da maneira como as pessoas julgarem necessário.
em questão e de órgãos responsáveis, dois ex-coordenadores do Programa Oportunidades,
pesquisadores da área, técnicos, atores de ONG, entre outros.
3
O conceito “capital humano” foi desenvolvido em 1964 por Gary Becker. Segundo ele, este se
define como um conjunto de capacidades produtivas que o indivíduo adquire por meio da
acumulação de conhecimentos gerais e conhecimentos específicos, de savoir-faire, etc.
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III. PROGRESA: A INSTAURAÇÃO DE UMA POLITICA ORIENTADA AO “CAPITAL
HUMANO”
A formulação e implementação no nível federal do programa PROGRESA em
1997, principal programa social de Ernesto Zedillo e de seus sucessores, pode ser
abordada como uma mudança gradual na medida em que foi produzida por um
mecanismo não completamente exógeno e abrupto. As discussões sobre o programa
de transferência condicionada de renda foram iniciadas durante o governo Salinas,
sendo seus antecedentes essenciais para se compreender como ocorreu a transição
do programa Pronasol (Programa Nacional de Solidariedade) para um programa
apoiado sobre a ideia de “capital humano”, o Progresa.
O primeiro antecedente das políticas de transferências condicionadas de renda
no México é o Programa de Atención de Servicios de Salud para la Población Abierta
(PASSPA) (Levy 1994, Levy e Rodríguez 2005)4. Além de serviços médicos gratuitos e
a distribuição de alimentos, o programa previa ações para promover serviços
comunitários. Como "padrão de compromisso", solicita-se a todos os beneficiários que
se envolvam em tarefas diversas para elevar o nível sanitário, cultural e econômico da
comunidade (Ordóñez Barba, 2002). No entanto, a inspiração mais próxima do
programa Progresa é o programa piloto Alimentación, Nutrición y Salud (PNAS)
colocado em marcha entre setembro de 1991 e junho de 1992. Inserido na estrutura
do Pronasol, este programa interinstitucional e comandado pelo Ministério da Saúde
atingiu 33 mil famílias beneficiárias (Alba, Alagón e Villa 1997, Ordóñez Barba 2002,
Levy 2005).
Antes da implementação do programa PROGRESA, dois grupos rivalizaram ao
longo do governo de Gortari (1988-1994) até meados do governo Zedillo (1994-2000).
Por um lado estavam os “reformadores sociais” que priorizavam a distribuição da
riqueza e possuíam uma vasta experiência de trabalho na luta contra a pobreza,
ocupando cargos em instituições públicas no setor rural e Pronasol. Por outro lado, os
"tecnocratas", economistas provenientes do Banco do México ou dos corredores das
instituições financeiras (Valencia Lomelí e Aguirre Reveles, 1998). De certa forma, o
Pronasol representava um equilíbrio, ainda que impelido por essas duas forças
opostas (Dresser 1997, Valencia Lomelí e Aguirre Reveles, 1998).
4
Os primeiros programas do governo mexicano direcionados à população rural de baixa renda
em áreas rurais surgiram nos anos 60. Podemos citar PINDER (Programa de Inversiones
públicas para o Desarrollo Rural), o COPLAMAR (Coordinadora General del Plan Nacional de
Zonas Deprimidas y Grupos Marginados), o SAM (Sistema Mexicano Alimentario). Este
programa em especial é a extensão de um programa iniciado em 1973 dentro do Instituto
9
Face à crise econômica e política que se instaura ao final do governo Salinas,
somados ao levante do movimento zapatista no estado do Chiapas, o programa
Pronasol se viu completamente desacreditado. Por esses motivos, a transição foi
marcada por uma tentativa do governo Zedillo em se distanciar da imagem deixada
por Salinas, dissolvendo seu principal legado: o Pronasol.
IV. A ABERTURA DE UMA JANELA DE OPORTUNIDADE "PRÓ-CAPITAL
HUMANO"
O tema da transferência condicionada de renda surge na cena política
mexicana em 1991 como proposta de Santiago Levy, mas foi somente implementada
em 1997. Os programas de transferência condicionadas entram na agenda política
como uma clara oposição às políticas de subsídios. Esta mudança é operada a partir
da confluência de três correntes, conforme definido John Kingdon (1995). O paradigma
do capital humano se consolida no subsistema mexicano por meio dessa "janela de
oportunidades".
O fluxo de problemas (Problem Stream) refere-se aos indicadores, metas e
análise das políticas passadas. Em primeiro lugar, os problemas identificados foram: a
persistência da pobreza, o desperdício de recursos, a falta de racionalização e
eficiência, o clientelismo e o risco de uso político da participação "popular". A partir dos
principais indicadores utilizados por Santiago Levy (Levy e Rodríguez 2005) foram
constatados que:
i.
10 milhões de mexicanos não teriam acesso regular a serviços públicos de
saúde,
ii.
1,5 milhões de crianças entre 6 e 14 anos não freqüentavam escola,
iii.
um mexicano em quatro vivia em extrema pobreza, sendo 40% desse total
crianças,
iv.
a taxa de mortalidade infantil na população pobre era duas vezes maior que a
média da população
v.
desnutrição persistia em crianças menores de cinco anos.
Quanto aos efeitos de feedback das políticas de subsídios, verificou-se que em
1996 o governo federal havia iniciado 19 programas de subsídios alimentares (14
focalizados e 5 generalizados). Enquanto 60% dos pobres viviam em áreas rurais,
77% dos recursos eram destinados à área metropolitana do Vale do México e,
conseqüentemente, 60% das famílias rurais não eram recebiam qualquer benefício.
Mexicano del Seguro Social (IMSS), em seguida, retomado pela COPLAMAR e posteriormente
10
A revolta do movimento zapatista em 1994 foi também interpretada como um
símbolo de fracasso das políticas públicas de luta contra a pobreza. Também foram
apontados como produtos desse fracasso a falta de clareza e de definição dos critérios
de seleção das políticas anteriores. Além disso, alguns dos determinantes da pobreza
foram atrelados aos próprios “indivíduos”. Nas comunidades rurais marginalizadas, por
exemplo, constatou-se que a falta de uma "cultura de saúde preventiva" e "hábitos
alimentares e de higiene" [sic], tenderia a agravar o problema da desnutrição e seu
corolário, a mortalidade infantil (Levy e Rodríguez 2005, p. 182). Subsídios alimentares
no México não teriam sido eficazes na luta contra a pobreza (Levy e Rodríguez 2005,
p. 217).
Com relação ao fluxo de políticas públicas, uma gama de recomendações
foram feitas: i) aprofundar os mecanismos de identificação da população-alvo, a fim de
torná-los mais transparentes, objetivos e sistemáticos e de estabelecer um benefício
mais equilibrado entre o âmbito rural e urbano; ii) melhorar o estado nutricional dos
indivíduos mais vulneráveis nas famílias beneficiárias; iii) relacionar o benefício as
ações de saúde e educação, e iv) proporcionar por meio do benefício um aumento da
renda familiar (qualificação profissional, etc).
A viabilidade técnica da associação entre a ajuda alimentar e os serviços de
saúde foi testada por um programa piloto no estado de Campeche, intitulado Programa
de Canasta Básica Alimentaria para el bienestar de la Família. Demonstrou-se que é
possível entregar a ajuda em dinheiro obtendo resultados positivos. A recomendação
foi substituir os subsídios, concentrando os recursos em um programa menor e
condicionando os benefícios ao uso dos serviços de saúde e educação. Esta solução
era coerente com as recomendações das principais organizações internacionais como
o Banco Mundial e o BID.
Finalmente, o fluxo político é marcado pela chegada de Zedillo ao poder em
1995, após um anno horribilis para o México (León e Quezada, 2001). Entre os fatores
exógenos, podemos citar os escândalos políticos que ligavam os membros do PRI aos
casos de assassinatos, o movimento Zapatista e as dificuldades econômicas e a
insegurança crescente.
A definição da agenda foi um processo politicamente custoso. No entanto,
apesar dos custos políticos com o fim dos subsídios, o clima nacional era favorável à
mudança devido à forte rejeição pública do programa Pronasol. Santiago Levy é um
ator chave para a compreensão da formulação do PROGRESA. Ministro da Fazenda e
pelo PRONASOL.
11
Crédito Público, ele é apontado com o principal arquiteto desse programa. Em seu
livro, Santiago Levy escreveu:
À partir de 1996 se promovió un cambio de visión para transitar de
acciones que solo transfieren ingresos a través de diferentes medios
hacia programas que, al mismo tiempo que dan una transferencia de
ingreso, fomenten la inversión en capital humano y en activos
productivos y brinden oportunidades a la población para salir adelante
con su proprio esfuerzo. (Levy e Rodríguez 2005, p. 182).
Figura I. Abertura da"Janela de oportunidade" favorável à criação do programa
de transferência condicionada de renda Progresa-Oportunidades
Descrédito de Salinas e do PRI,
(escândalos de corrupção, ondas de
assassinatos, crise econômica, forte
oposição dos movimentos sociais,
etc.), mudanças na administração,
entrada em vigor do NAFTA…
Persistência da pobreza, desperdício
de recursos por meio de subsídios,
uso político dos programas sociais, o
feedback negativo do PRONASOL, o
privilégio outorgado à população
urbana ...
Incorpoação na agenda do
programa de transferência
condicionada
Agenda do governo
Vida política
Problemas
Alternativas
Remoção dos subsídios de alimentos
e concentração dos recursos nas
familías com extrema pobreza,
atrelando aos serviços de saúde e
educação, de acordo com a teoria do
capital humano. Favorecimento das
populações rurais
Soluções
O futuro do Sedesol e do Pronasol eram um assunto bastante sensível no início
da administração Zedillo (Valencia Lomelí e Aguirre Reveles 1998). As diferenças
entre os "tecnocratas" e "reformadores sociais" cresceram entre as equipes de
Santiago Levy, sub-secretário do Ministério das Finanças e Carlos Rojas, Secretário
do Sedesol. Esse conflito foi resolvido com a tentativa de atrelar as políticas de
combate a pobreza com as reformas econômicas que estavam sendo implementadas
a perspectiva do capital humano (Valencia Lomelí, apud Levy, 2004). A posição
privilegiada de Santiago Levy no Ministério da Fazenda e Crédito Público fez com que
seu projeto – o PROGRESA – prevalecesse no interior do governo (Valencia Lomelí e
Aguirre Reveles 1998). Além disso, os atores que passam a defender os pressupostos
do ‘capital humano’ ocuparam cargos importantes, promovendo uma mudança na
política social em harmonia com o novo modelo de abertura econômica. O presidente
12
era considerado, ele mesmo, um “técnico” e partidário da teoria do capital humano
(Valencia Lomelí e Aguirre Reveles 1998).
Progresa foi lançado em meados do governo Zedillo. Este atraso é explicado
pela crise econômica e pelo debate que ocorreu no seio do governo (Valencia Lomelí
e Aguirre Reveles, 1998). De alguma forma, PROGRESA foi uma decisão do
Ministério das Finanças, que determinou não somente o orçamento dos programas
sociais e a nova conduta em relação aos subsídios generalizados, mas também a sua
orientação rural e a configuração do pacote "saúde, educação, alimentação”. O
lançamento do programa marca então uma mudança profunda nas premissas dos
programas sociais, reorientados para uma política do capital humano.
V. 1997-2006: ACOMODAÇÃO E ARTICULAÇÃO ENTRE AS COALIZÕES
O exame do período que vai de 1997 à 2002 indica um acordo parcial sobre a
definição do problema da pobreza: por meio dos filtros na teoria do capital humano.
Ainda que dominantes nos subsistemas de transferências condicionadas, é inegável a
influência das outras coalizões. Seria demasiado simplista categorizar os atores como
simples vencedores e perdedores. Como descreve Thelen e Mahoney (2010, p. 22)
“The fact that actors are simultaneously embedded in multiple
institutions often leaves them winners in some arenas but losers in
others. (…) We should not, for example, confuse immediate ruleconforming behavior with the overall goal of institutional maintenance.
Actors may, instead, pursue a strategy of short-run conformity in the
service of long-run insurrectionary goals”.
No México, os presidentes recém-eleitos geralmente tendem a eliminar os
programas sociais simbólicos do governo anterior. Entretanto, optou-se por manter o
programa Progresa principalmente devido às avaliações positivas, à sua popularidade
e boa reputação que adquiria no exterior. Por um lado, os novos funcionários estavam
convencidos de seus efeitos positivos. Por outro lado, alguns ex-funcionários
permanecem nos postos-chave (Yaschine e Orozco, 2010).
Em 2000, a eleição de Vicente Fox do Partido Acción Nacional (PAN) encerra
um período de 70 anos, de hegemonia do Partido Revolucionario Institucional (PRI) na
presidência da República. Progresa foi renomeado Oportunidades em março de 2002,
provavelmente, para marcar não só o novo governo, mas também a transição política
histórica. São três as principais alterações: a) a inserção de uma perspectiva dos
direitos político-eleitorais no programa, com o reforço dos mecanismos de
transparência e prestação de contas (Hevia, 2007) b) qualitativa e quantitativa dos
13
beneficiários, produzindo uma série de alterações operacionais no sistema de seleção
e cadastramento (Hevia, 2007) e c) incorporação de novos componentes distoantes da
teoria do capital humano.
VI. CAPITAL HUMANO: COALIZAO “OPORTUNISTA”?
Em 2003, o programa Pensión Universal Ciudadana ou pensão alimentícia para
pessoas idosas independentemente de sua renda foi implementado no Distrito
Federal. A aprovação da lei que instituiu o programa foi objeto de vivas discussões na
Assembleia Legislativa5. Cabe notar que o debate sobre transferências monetárias no
México adquiriu um significado partidário muito claro, sobretudo no que concerne a
clivagem direita-esquerda. No entanto, tendo em vista a popularidade do programa,
governadores de diferentes partidos procuraram replicar este modelo de transferências
de renda para pessoas idosas (Combes 2007).
Em grande medida o programa ‘pensão alimentária’ foi amplamente atrelado à
Andrés Manuel López Obrador, governador do Distrito Federal na época, servindo
para projetá-lo no cenário político nacional (Combes 2005). Inúmeras críticas foram
feitas com relação à universalidade do programa, principalmente acusando-o de ser
uma política pública de caráter populista e clientelista (Combes 2007). O próprio
presidente Vicente Fox, em um discurso seu programa de rádio atacou frontalmente o
programa do Distrito Federal enfatizando a “injustiça” do programa, pois ele seria
financiado com o dinheiro dos que trabalham6.
A despeito dessas críticas expressas à pensão alimentícia para pessoas
idosas, o presidente Fox coloca em marcha uma medida similar em 2006. Trata-se de
uma ajuda financeira destinada às pessoas com mais de 70 anos que vivem nas
cidades com mais de 10 mil habitantes e em famílias beneficiárias do Oportunidades.
De acordo com Hevia (2007), este novo elemento do programa não estava previsto ou
justificado nos objetivos, estratégias e linhas de ação do Oportunidades, também não
sendo resultado de recomendações ou avaliações de agências ou universidades. O
novo componente do Oportunidades (70 y Más) representa uma expansão de uma
categoria da focalização, combinando elementos do programa federal e do Distrito
Federal.
5
“Elevan diputados a rango de ley la ayuda alimentária a ancianos”, La Jornada, 12 de
novembro de 2003.
6
Ramirez, B. T. “López Obrador: con austeridad, viable en todo el país la pensión universal”,
La Jornada, 14 de março de 2005. Boltvinik J. Economia Moral, La Jornada, 18 de março de
2005.
14
Como a coalizão ‘capital humano’ é parte dos “defensores institucionais” dos
programas condicionados de transferência de renda, ela adota uma postura de defesa
modificando estrategicamente as estruturas para preservá-las. Como demonstra Alan
M. Jacobs (2010, p. 96).
In the face of both exogenous dislocations and internal challenge,
institutional defenders must in turn engage in ongoing efforts to
mobilize and maintain political support, at times by strategically
modifying the very structures they seek to preserve.
Concretamente, argumentamos que este novo elemento foi produzido pela
interação com a coalizão ‘renda incondicionada’. Os atores políticos da coalizão
‘capital humano’ modificaram algumas regras do programa Oportunidades, dirigindo-se
aos idosos, mas mantiveram as características de sua matriz cognitiva. A coalizão
‘capital humano’ pode ser vista, nesse período, como uma vertente “oportunista”.
Oportunista no sentido que explorou as ambiguidades e aplicações das regras em
vigor, procurando refazer as regras existentes de forma diferente à intenção dos
formuladores originais do programa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse trabalho foi levantar pistas sobre as fontes endógenas de
mudanças nas políticas de transferência de renda no México. Buscou-se pensar os
resultados institucionais como produto do conflito entre coalizões. Ao longo dos anos
90, a coalizão favorável à consolidação de um sistema condicionado de transferência
de renda ligado, sobretudo à frequência escolar e à agenda de compromissos em
saúde, logrou impor uma série de medidas que redundaram em uma efetiva criação de
programas de transferência condicionadas. Houve um deslocamento dos programas
de subsídios generalizados que foram completamente redirecionados aos programas
de transferência de renda. Para Levy e Rodriguez (2005, p. 189), por exemplo:
“a partir de 1996 se promovió un cambio de visión para transitar de
acciones que sólo transfieren ingresos a través de diferentes medios
(básicamente con subsidios de precios a algunos productos
alimenticios, con dotaciones en especie de diversos productos, o con
subsidios al crédito o al consumo de electricidad o transporte), hacia
programas que, al mismo tiempo que dan una transferencia de
ingreso, fomenten la inversión en capital humano y en activos y
brinden oportunidades a la población para salir adelante con su
propio esfuerzo”
Vistos dessa perspectiva, os programas de luta contra a pobreza anteriores
eram fragmentados e a assistência social não possuía como principal estratégia a
15
política de desenvolvimento de “capital humano”. Utilizando a tipologia de Thelen
podemos definir o tipo de mudança que introduz o programa PROGRESA como um
deslocamento (displacement). A remoção de regras existentes (principalmente o
programa Pronasol e os subsídios alimentários) não se efetua de maneira brusca. De
fato, houve uma competição entre os defensores das novas instituições (os técnicos)
que competiram até meados do governo Zedillo com os defensores das antigas
instituições. Estes se mostraram incapazes de prevenir a derrota das novas regras,
desmantelando paulatinamente a maior parte dos programas de subsídios. De acordo
com a tipologia de Mahoney e Thelen (2010), os agentes da mudança institucional - a
coalizão ‘capital humano’ - poderiam ser entendidos como insurgentes, uma vez que
rejeitam o status quo institucional e as regras em vigência, mobilizando-se para
substituí-las.
Em um segundo momento, após a consolidação institucional do programa, os
atores “pró-capital humano” modificaram algumas regras do programa Oportunidades,
dirigindo-se aos idosos. Ao contrário de outros elementos, esta medida não foi nem
prevista nem justificada em seus objetivos, estratégias e linhas de ação do programa.
Tampouco foi resultado de recomendações a partir das avaliações.
A emergência das políticas de transferências monetárias condicionadas no
México permite duas observações: 1) a revisão das políticas assistenciais anteriores
dependeu especialmente dos seguintes fatores endógenos: do grau de mobilização e
de poder político de grupos e indivíduos defensores da transferência de renda
condicionada como ferramenta de combate à pobreza, 2) o processo de mudança e de
consolidação das políticas de transferência de renda se dá na forma de deslocamento
em um primeiro momento; posteriormente para manter o status quo, os atores
defensores das instituições vão modificá-lo marginalmente de modo a guardar seus
interesses em vista.
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