memoriais de alex randall

Transcrição

memoriais de alex randall
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Dedicado à meu pai, minha família
e ao saudoso livre espírito de
Alessandra de Fátima Troitiño.
***
Texto não adaptado para às novas regras da Gramática.
Contém porém, antigos e inéditos erros da Língua Portuguesa.
Altamente recomendado para quem quer ensinar o que não se deve fazer ao
escrever
***
O modesto trabalho literário que se segue foi produzido para o divertimento
do leitor.
***
Todos os personagens das linhas a seguir são fictícios. Qualquer
semelhança com pessoas ou fatos na vida real, é mera coincidência.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A queda foi inevitável.
Nenhum motociclista, por melhor que fosse, conseguiria se safar dela.
De madrugada, logo após uma curva em forma de cotovelo, que não
permitia a qualquer condutor visibilidade para o que quer que estivesse além dela,
havia bem no meio da pista um fumante apreciando o seu cachimbo enquanto
olhava as estrelas.
Tão compenetrado estava na sua observação que não se dava conta do
perigo pelo qual passava alí naquela estada..
Pior! Sequer se deu conta do barulho crescente de motor, indicando a veloz
aproximação de algum veículo.
Por outro lado, quem conduzia, logo tomou susto quando, depois do
referido “cotovelo cego”, deparou-se com o distraído pedestre no meio do seu
caminho.
Tal susto, tomou-lhe um ou dois preciosos segundos que foram suficientes
para que perdesse o ponto exato de frenagem mais adequado para a velocidade
que se encontrava naquele local...
Tarde demais tentou improvisar, mas, ainda aí deu-se mal, já que, sua moto
escapou do controle da situação e terminou por se espatifar numa parede de
pedra a beira da pista.
Motociclista teve melhor destino já que, apesar de arrastar a bunda e as
costas pelo asfalto durante intermináveis metros, safou-se sem qualquer ferimento
graças ao grosso couro do macacão que usava.
O involuntário causador de toda aquela situação acordou do seu transe e
correu para verificar a extensão dos danos.
-Me desculpe! - Já chegou falando.- Estava tão distraído que nem percebi
a sua aproximação. Deve ser a idade...
-Certamente! Tem que ser um bocado surdo para não ouvir esse motor.
Motociclista ficou de pé e olhou-se da sola do sapato ao último fio de cabelo
a procura de ferimentos.
Ao constatar que o prejuízo, além de financeiro, atingira somente o moral,
caminhou em silêncio até os destroços da sua motocicleta.
Não precisava de perícia para constatar a perda total .
Qualquer fanático por motos choraria vendo tamanho estrago.
-Lamento o prejuízo. – Desculpou-se o fumante..- O importante é que você
está bem.
Motociclista tirou o capacete, as luvas e respirou profundamente.
Apesar da sua aparente tranqüilidade, um turbilhão de emoções o
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atormentava.
Alternava-se ora a sensação de alívio por ter miraculosamente escapado
sem ferimento... Ora a vontade de matar o distraído causador do estrago.
-É... Agora fica a encargo da seguradora. – Lamentou-se pensando no
irrecuperável prejuízo que teve, já que, a moto era um modelo exclusivo de
coleção e ainda pela franquia milionária que teria de desembolsar.
Sacou um celular do bolso e teve o desprazer de constatar que este não
funcionava.
Desgraçadamente, o aparelho também fora danificado no tombo.
Ainda assim, com esforço e muita vontade, se recompôs controlando
melhor suas emoções.
Reavaliou então o momento, as prioridades, e perguntou:
-Pode me emprestar o seu telefone celular?
-Não uso esse negócio não...
Era realmente o fim do mundo mesmo!
Com tantos milhões de celulares sendo diariamente vendidos pelo planeta,
na hora que se precisa da ajuda de alguém, quem aparece é um dos poucos
completamente desconectados da realidade.
Sem contar a pavimentação da estrada e as sinalizações disponíveis: além
de telefones públicos, aquele local também não tinha pelas imediações nada que
vagamente lembrasse a civilização.
Apenas o denso e escuro matagal ao redor...
E, de acordo com o que se recordava do caminho anteriormente percorrido
com a motocicleta, a situação por aquelas bandas não era diferente da que se
encontrava no momento.
-Olha, eu lamento pelo ocorrido. - Disse o distraído fumante. - Se puder
ajudar, fico à sua disposição. - Estendeu a mão e se apresentou: - Meu nome é
Alex Randall.
Motociclista respirou fundo demonstrando serenidade e não recusou o
cumprimento que lhe foi dirigido.
-Sou Mel. Olha, eu preciso de ajuda para telefonar. - Esperando aqui nessa
estrada tenho certeza que não conseguirei.
-Não conheço a região, mas, de qualquer forma devo concordar com você
já que, numa madrugada como essa, os poucos motoristas que passam não
param por desconfiam de tudo.
-E qual seria o lugar mais próximo daqui onde eu poderia obter ajuda?
Alex Randall fez uma careta e disse:
-Mais próximo? Você está sem sorte. Porque, nas imediações mesmo...
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Apontou para uma placa onde se lia:
“MANICOMIO”
-Mas só aí mesmo?
-Que eu saiba, só. - Confirmou Alex Randall.
Mel pensou:
-Bom talvez eu não precise nem de entrar lá. Se este local tiver uma
portaria, peço um celular emprestado para alguém que esteja por alí mesmo.
-Você sabe chegar lá? - Perguntou em seguida.
-Sei sim!
-Pode ir comigo?
Alex Randall mais uma vez fez uma careta e respondeu:
-Olha...Com toda sinceridade...Eu estou justamente fugindo de lá.
Mel engoliu em seco.
Olhou para o caminho que teria de seguir. Era simplesmente pavoroso,
ainda mais com a escuridão que estava.
Nem com aquela lua clara dava para ver alguma coisa.
-Fugindo de lá??? E pretende ir para onde??? E como é que eu fico depois
dessa que você me enfiou?
Alex Randall olhou a direção que seguia rumo ao Manicômio, depois para
Mel e ainda os destroços da motocicleta.
Finalmente fez uma careta, suspirou fundo e disse:
-Tudo bem! Eu te devo essa. Vou te conseguir ajuda. Venha comigo. Na
escuridão, siga a chama do meu cachimbo.
Alex Randall deu fortes tragadas inflamando a chama que ardia no fornilho.
-Vamos em frente.
Seguiu adiante e Mel foi logo atrás.
***
No meio daquela treva cegante Mel se indagava se, depois de passar por
uma aventura só para usar um telefone ainda teria problemas com a seguradora.
Será que ela tentaria inventar algum meio de não pagar o prejuízo que
tivera?
Teria de contratar um advogado só para redigir o pedido de ressarcimento
de danos?
Para quebrar o pessimismo dos problemas que pareciam se prenunciar no
seu horizonte de eventos e o tédio da caminhada naquela escuridão, acabou
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deixando escapar a inevitável a questão:
-Desculpe a pergunta; mas: o que fazia lá no Manicômio?
-Estava internado. Todo mundo lá acha que sou louco e gagá.
-E eles estão enganados?
Alex Randall deu algumas vigorosas tragadas no seu cachimbo e
respondeu com semblante sério:
-Claro que sim! - Disse sorrindo. - Me deram muitos remédios. Me
prenderam e tentaram me deixar maluco, mas eu não estou louco e tenho até
grande resistência a estas drogas que me deram. Pode acreditar!
Mesmo assim, Mel tinha lá suas dúvidas quanto a sanidade daquele
senhor de aparência ruim. O tipo era barbudo, cabeludo e mal cheiroso.
Para não cansar suas vistas olhando para um senhor tão horroroso, Mel
desviava sua visão para cima.
E eventualmente, no meio daquela escuridão, conseguia vislumbrar uma
quantidade impressionante de estrelas no firmamento.
Mel deixou escapar o seguinte comentário...
-A noite bonita. Bem estrelada
- Me lembra até das viagens que eu fazia antes de vir parar aqui...
-Ah é? E costumava ir para onde?
-Não tinha destino fixo. Ia para onde me desse na telha.
-E viajava como? De ônibus? Carona? Ou algum outro meio de transporte?
-Eu viajava numa nave espacial em forma de esfera com cinqüenta e dois
quilômetros de diâmetro, capaz de superar em milhões de vezes a velocidade da
luz...
Mel fez silêncio, era melhor não discordar do velhote.
Depois daquela resposta não havia dúvida que o grau de sanidade do
sujeito não devia ser muito bom mesmo.
Certamente ele tava gagá.
Em todo caso, para não contrariar um maluco possivelmente agressivo ou
violento deu corda para a historinha...
-Hoje em dia ainda não é muito comum se viajar em naves espaciais. Algo
assim, se existir, só pode ser fabricado fora da Terra.... Por acaso, algum
alienígena chegou a te capturar como nessas histórias que a gente escuta por
aí ?
-Tive muitos contatos com seres de outros mundos, mas, a nave que eu
usava era baseada em tecnologia humana mesmo, só que não foi construída
nessa época em que estamos agora.
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-E em que época ela foi construída então?
-Eu venho do futuro.
Era dureza para Mel assimilar tanta abobrinha depois de ter sua moto
estourada por causa de um maluco distraído.
Tentou mudar o assunto. Procurou outro mais próximo à realidade.
-Caramba! Mas você fuma bastante, hein!
-Eu sempre fumei. Mas agora fumo mais ainda porque me ajuda a
recuperar a saúde. Sabe... Lá dentro, me davam muitos remédios e este é um
meio que sempre usei para limpar a cabeça de tanto veneno...
-Mas você sofre de algum mal?
-Que nada! Sou normal. Não sou doente nem louco. Pode acreditar.
-E porquê te deram remédios?
-Para que eu não mentisse e contasse a localização da minha nave
espacial...
-Deve ser por isso que resolveram interna-lo. - Pensou Mel - Com essa
cabeça, só poderia ter futuro num hospício mesmo...
Ainda assim, fez uma cara séria e perguntou:
-E você informou para eles a localização de sua nave espacial?
-Disse, mas não acreditaram. Expliquei que todo o equipamento que me
permitia contato com ela, ficou submerso numa caverna cuja localização
desconheço. Pela localização das estrelas, acho que pode estar até mesmo aqui
nas imediações.
Mel procurou enxergar alguma coisa naquela escuridão que lhe desse a
mínima esperança de que iria encontrar salvação.
Vã tentativa! A treva era tão densa que não conseguia distinguir nada além
da chama do cachimbo.
Para não tê-la como único ponto de referência na sua orientação pela
escuridão, continuou dando trela para que Alex Randall continuasse falando.
Mesmo que fosse aquela historinha que considerava uma ficçãozinha de vigésima
quinta categoria.
-Como aconteceu?
-O quê?
-De você perder o seu equipamento.
-É história meio longa. Começou com a falta de CY7, um componente
essencial para o funcionamento das máquinas do tempo a bordo da minha
astronave.
“O CY7 só pode ser extraído e processado em Marte.”
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“Este não é um trabalho rápido de ser feito. Pelo contrário: sua obtenção é
lenta e trabalhosa.”
“A estimativa que o Cérebro Computadorizado me deu de conseguir a
quantidade necessária para continuar a viagem pelo tempo foi de doze a vinte
anos terrestres.”
“Claro que, eu quis aproveitar o tempo para respirar um ar puro, tomar sol e
fumar meu cachimbo.”
“Nesse ínterim, enquanto os robôs da minha astronave trabalhariam
automaticamente na resolução do problema, resolvi tirar férias aqui na Terra.”
Fez uma pausa em sua narrativa e prosseguiu:
-Achei que o clima tropical da América do Sul era o ideal para as minhas
férias e desci numa praia cheia de cavernas na suas encostas.
“Numa delas, para não chamar a atenção, guardei a poltrona voadora que
juntamente com as roupas e os robôs de segurança eram os meios de
comunicação e transporte que permitiam contato com a minha astronave em
Marte.”
-Sei...
-Casualmente, no mesmo dia dachegada aqui neste planeta, os dois robôs
enguiçaram devido a infiltração de areia e umidade por uma vedação estragada
que causou problemas nos circuitos.
“Em decorrência disso, tive de desligá-los até quando fosse fazer uma
limpeza completa nos mesmos.”
“Guardei tudo junto numa caverna e fui surfar. Quando estava em alto mar,
passou uma onda gigante por mim que simplesmente avançou por sobre a praia
onde estivera antes, submergindo tudo em seu caminho. Inclusive, as cavernas
onde eu havia deixado meus equipamentos.”
“Era um Tsunami!”
“Com as cavernas e os equipamentos de contato desaparecidos entre as
águas, fiquei impossibilitado de estabelecer qualquer comunicação com minha
astronave.”
“O Cérebro Computadorizado desta, por sua vez, entendendo que eu devia
estar desejoso por férias, deixou-me à vontade por aqui enquanto finalizava o
complicado processo de fabricação a ser gerenciado em Marte.”
Mesmo mais descrente a cada momento, Mel procurava externar uma
expressão de seriedade para que o louco não se sentisse ofendido.
-Não tem jeito nenhum de chamá-la de volta?
-Só com meu equipamento. Sem ele, o Cérebro Computadorizado da
astronave vai interpretar minha falta de chamados, como uma intenção de
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prolongar o merecido descanso que não tive.
Ainda sem nenhum ponto de referência, a não ser a voz e a chama do
cachimbo, Mel continuava estimulando Alex Randall a contar a sua historinha de
ficção...
-Bom, e depois? O que aconteceu?
-Ah... Aquela situação já me deixou chateado. Mas, pior fiquei mesmo
quando percebi que nem o cachimbo ou o fumo conseguira salvar. Diante da
constatação dessa calamidade teve uma hora que acabei até desmaiando.
“Mais tarde, entretanto, acordei numa praia que, pela posição das estrelas
talvez não seja longe daqui.”
“Mas o meu despertar naquela hora não foi muito feliz. Assim que abri os
olhos, me vi cercado de militares perguntando a respeito da cadeira voadora...”
“Naturalmente eu fora avistado com uma das poltronas voadoras que
eventualmente uso para transporte fora da astronave e até, em outras atividades.”
“Naturalmente eles não foram muito amáveis comigo. Passei por diversos
interrogatórios, alguns até, com o uso de injeções do soro da verdade.”
“Minha história porém não mudou. Ela é idêntica à esta que te conto.”
“Só que ninguém acreditou em mim.”
“Mas, como o tempo passou, e, o que eu dizia nunca se alterava,
começaram a achar que meu caso era de simples loucura, e então me enfiaram
ainda mais nesse manicômio.”
-Então era por isso que você queria fugir...
-Sim, mas naquele momento do nosso desafortunado encontro eu estava
mais preocupado em me localizar para chegar à praia onde meu equipamento
ficou submerso do que propriamente fugir daqui...
-Ah claro... Compreendo agora! Isso finalmente explica o péssimo lugar,
exatamente no centro da pista, que você escolheu para ficar admirando a noite
estrelada.
De-repente a treva se dissipou e logo adiante, estava o tal manicômio.
Agora, tudo o que Mel queria era apenas telefonar para ter todos os seus
problemas finalmente resolvidos!
***
O estilo arquitetônico daquele prédio não primava pela estética.
Ao contrário! Sua fachada sinistra se assemelhava a um verdadeiro edifício
dos horrores onde almas penadas eram encarceradas aguardando seu cruel
destino para um inferno qualquer.
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Não haviam luzes acesas e o silêncio era ensurdecedor pois causava um
tal medo que Mel sequer ousava revelar em seus movimentos mais singelos.
Os grandes portões de ferro da entrada estavam fechados.
-Daqui nos separamos. - Disse Alex Randall. – Se a segurança colocar as
mãos em mim, vai me enfiar numa cela novamente.
-Ok! Obrigado!
Apertaram-se as mãos. Alex Randall se embrenhou novamente na treva e
Mel foi em direção à portaria.
Diante da entrada abriu um dos portões e obteve como resposta um
guincho indicando que as dobradiças precisavam de lubrificação.
Mel observava tudo ao redor, seus sentidos estavam em total estado de
alerta.
Lá dentro tudo estava em silêncio e a portaria totalmente apagada.
Andando um pouco mais naquele ambiente, sentiu forte cheiro de podre e
ainda ouviu zumbido persistente.
Caminhou alguns metros em direção ao balcão e, no tampo superior deste,
não viu nenhum telefone.
Seguiu então para a parte de trás dele e o que encontrou simplesmente
estarreceu Mel.
No chão estava um cadáver com o ventre completamente estraçalhado,
costelas e órgãos expostos como se tivesse passado pela mesa de um açougueiro
iniciante.
Ao seu redor, insetos faziam vôos acrobáticos disputando os restos mortais
do cadáver.
***
O impacto causado por cena tão horrorosa era capaz de causar paralisia
instantânea em pessoas mais sensíveis.
Mel por exemplo, viu-se completamente sem ação, sabe se lá por quanto
tempo, se minutos ou segundos.
Pelo menos, quando se recobrou daquele susto, logo enxergou um
telefone e procurou fazer bom uso dele.
Não teve problemas com aquele aparelho e logo até, conseguiu contato
com a central da polícia.
Teve a sorte de encontrar o endereço e outros dados daquele local por
perto e, assim, transmitiu ao agente que lhe prestava atendimento, as
informações necessárias a respeito da situação.
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Recebeu uma mensagem tranqüilizadora e instruções de como proceder.
Infelizmente porém, a ajuda mesmo poderia demorar pelo menos quarenta
e cinco minutos...
O lugar em que estava era distante e os policiais que lhe atenderam
insistiram para que ainda assim aguardasse a chegada deles.
-Tem um cadáver na minha frente. – Disse Mel revelando muito desconforto
na sua voz. – O assassino que matou essa pessoa ainda pode estar por aqui.
-Tranque-se num lugar seguro e aguarde a viatura. Dois agentes estão
sendo designados para se encaminharem imediatamente para o local onde está.
Não havia o que fazer, iria esperar.
Ainda assim, tentaria obter ajuda de outro modo.
Imediatamente, ligou para casa. S
Só que, ninguém atendeu a chamada. Como sempre nessas horas, a
secretária eletrônica pediu para deixar recado...
Gravou uma mensagem com breve relato da situação, o endereço e
telefone de onde se encontrava.
Ligou para mais uns dez telefones que lhe vieram à mente naquele
momento, mas, em todos eles, àquela hora só encontrava caixa postal ou
ninguém atendia.
Suas novas chamadas estavam sendo infrutíferas e aquele cadáver tão
próximo estava incomodando a concentração.
Resolveu encerrar as tentativas e afastou-se do balcão.
Ficou imaginando se haveria algum envolvimento de Alex Randall naquela
morte que aparentava ter sido bastante violenta.
De uma certeza não havia dúvidas: aquele sujeito era louco e poderia muito
bem estar sujeito a ter um acesso de incontrolável fúria assassina.
Sem uma idéia definida do que fazer, seguiu para fora da cena do crime e
respirou um ar mais puro.
Fora da edificação o silencio era completo.
Sua mente estava inquieta.
O turbilhão de intermináveis questionamentos bombardeando seu cérebro
deixava seus sentidos em estado de alerta total...
Tal tensão permitiu que percebesse até um movimento estranho no meio do
matagal que circundava a edificação do manicômio.
Uma sombra negra, com altura bem maior que a de um ser humano, se
movimentava rapidamente a distancia aproximada de duzentos metros do ponto
onde Mel se encontrava.
Dalí não podia definir bem o que era aquela criatura tão grande..
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De qualquer forma, julgou prudente não revelar sua posição e escondeu-se
num local encoberto por sombra, de onde faria suas observações sem se fazer
notar.
Rompendo o silêncio da noite, rugidos e gritos animalescos inquietaram-lhe
mais ainda...
Pareciam vir do local de onde vira os estranhos movimentos...
Em seguida, tomou tremendo susto quando uma voz chamou seu nome de
modo abrupto a pouca distância de onde estava!
E pior!!!
Uma mão ensangüentada se apoiou em seu ombro.
Não conteve um grito de susto!
Afinal, observando atentamente as sombras distantes que se moviam pelo
matagal, esquecera-se do que acontecia bem perto de suas costas.
Deparou-se com Alex Randall.
Segurava alguns cadernos velhos. Suas roupas estavam cheias de sangue,
e sua expressão tinha o olhar de um louco varrido.
-Esse manicômio virou um cemitério. – Disse com a voz embargada.
***
Estava visivelmente atordoado e logo deixou claro porquê:
-Encontrei mais de dez mortos! Todos irreconhecíveis. Completamente
estraçalhados!
Mel não disse nada.
Além das frases do velho amalucado, ainda ouvia os gritos medonhos que
assombravam a noite escura.
Com a desconfiança de uma eventual participação de Alex Randall nas
mortes lhe atormentando, mediu silenciosamente o fumante dos pés à cabeça.
Mal sabia o que falar ou fazer...
Alex Randall continuou seu relato...
-Eu resolvi voltar assim que você entrou.
“Observando de longe, percebi que havia algo de errado com a segurança.”
“Normalmente, um guarda armado, acompanhado de um cão farejador, vai
até o portão principal escoltar a visita ou, de vez em quando, prestar informações.”
“No seu caso, não apareceu ninguém. O portão simplesmente estava
destrancado e você foi entrando naturalmente...”
“Quando eu havia escapado do manicômio, pouco tempo antes do nosso
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encontro, pensei que tivesse me aproveitado de uma falha na segurança para
fugir, mas ao te ver entrando com tamanha facilidade, percebi que alguma coisa
alí dentro estava muito estranha...”
“Achei melhor te avisar para que não se metesse por minha causa em outra
fria...”
“Voltei e, assim que cheguei, encontrei um guarda morto sendo devorado
por moscas, vermes, formigas e outros bichos.”
“Quando fui sair daquele ambiente nojento, acabei entrando em outra sala
onde a situação era pior ainda.”
“Alí haviam vários cadáveres de pessoas que estavam completamente
estraçalhadas.”
“No meio dos mortos, encontrei o único sujeito decente que conheci aqui
dentro.”
“O cara estava completamente desfigurado... Só pude reconhece-lo pois,
mesmo depois de morto, ainda segurava os cadernos onde passava o tempo
escrevendo as histórias que eu lhe contava.”
-Outro louco, com certeza. – Pensou Mel, disfarçando o que realmente
pensava. - Certamente era outro idiota. Provavelmente se achasse mais esperto
que a maioria acreditando que poderia faturar algum trocado com aquela
ficçãozinha barata. Mas, quanto a isso, também o pretensioso escritor iria cair na
real cedo ou tarde.
Alex Randall estendeu os cadernos oferecendo-os a Mel que, vendo-se
sem alternativa, os pegou com certa desconfiança.
Deu uma olhada superficial no material e não gostou do que viu: a capa,
suja, engordurada, fedorenta e estragada.
Todas as páginas velhas, amassadas, amareladas e o garrancho ali, quase
que totalmente ilegível.
-Olha! - Disse tentando demonstrar calma. -Acho melhor procurar um lugar
onde possamos esperar a chegada da polícia.
Alex Randall apontou para uma torre que se destacava da edificação do
manicômio.
-Dali poderemos observar toda a região em segurança. Já estive lá uma
vez. Se estiver aberta, poderá nos servir de refúgio.
***
Para Mel não havia outra alternativa além de seguir a orientação proposta
pelo fumante maluco.
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Suspeitava dele, claro!
E mesmo, que eventualmente estivesse incorrendo em engano, sem o
menor remorso ou peso na consciência, confiava desconfiando.
Foram para a tal torre ouvindo os gritos e urros incessantes que cortavam a
escuridão.
Através de uma escada bastante estreita subiram até o topo onde havia
uma sala com grandes janelas e grossas portas que logo foram trancadas.
Mel sentou-se numa poltrona e só depois de relaxar sentiu dores por todo o
corpo.
Até este momento, os reflexos do tombo da moto ainda não haviam se
manifestado completamente.
Mesmo assim, manteve-se alerta e não externou o que sentia.
Por sua vez, Alex Randall refestelou-se noutra poltrona e quase que
imediatamente começou a dormir roncando alto.
Aquela tranqüilidade toda, além da facilidade para dormir depois de tantos
sobressaltos causaram em Mel alguma estranheza.
Somente um assassino muito frio poderia descansar daquele jeito tendo
visto tantas mortes e ainda ouvindo
o som daqueles gritos horríveis.
Se estivesse mentindo, o fazia com grande maestria.
Porém, se a suspeita de Mel com relação a Alex Randall fosse verdadeira,
as grossas paredes e portas dali, mesmo que até inspirassem alguma segurança,
não serviriam de nenhuma proteção.
Alex Randall não parecia porém ser um tipo violento mesmo aparentemente
biruta, a loucura dele era outra. Ademais, a força necessária para realização de
atos tão brutais parecia muito superior às capacidades físicas daquele senhor de
idade avantajada.
Ideal seria aproveitar aquele momento para descansar um pouco.
Mas, temendo um provável instinto assassino do fumante, achou prudente
não entregar-se ao sono.
Teria de arrumar algo para fazer enquanto aguardava a chegada da polícia.
Olhou melhor os tais cadernos e resolveu dar outra folheada neles.
Estava cheio de rabiscos e rasuras.
Depois de algum esforço e gigantesca boa vontade, ao ler com atenção o
texto, viu que ele não chegava a ser tão ruim quanto imaginava.
Compreendendo um pouco melhor o raciocínio do escritor, Mel encontrou o
começo da narrativa conseguindo com isso , não só algo para se distrair, mas
também, um meio para enganar o sono que tentava dominar-lhe.
Logo, envolveu-se de tal maneira com aquelas linhas que não tirava mais
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os olhos das mal conservadas folhas.
O conteúdo do manuscrito se referia a uma história que começava mais ou
menos assim:
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O FUMANTE E O VIAJANTE DAS ESTRELAS
INTRODUÇÃO
O relato contido nas linhas que se seguem tem início num futuro ainda
distante onde será comum ao homem e mulher viverem até os duzentos anos de
idade com bastante saúde aparentando não mais que sessenta.
Nessa era, a sociedade será equilibrada justa e harmoniosa dispondo a
todos, os benefícios de diversos avanços tecnológicos entre os quais, naves
espaciais capazes de cruzar o espaço sideral atingindo lugares tão distantes que
mesmo os melhores telescópios da atualidade sequer seriam capazes de
vislumbra-los da Terra.
O protagonista do texto a essa época está prestes a completar seus
duzentos anos e conforme a regra entre os bicentenários, desfrutando dos
benefícios da medicina que lhe dão a saúde e aparência equivalentes ao padrão
comum dos homens de sessenta anos de idade no final do século XXI.
Além do bom estado físico, também mantinha-se em excelentes condições
psicológicas, o que resultava num bom temperamento, não muito pessimista e
com disposição para o trabalho.
Não desperdiçava seu tempo com qualquer tipo de serviço, mesmo porquê,
felizmente, sua situação financeira seria considerada, para o padrão do seu
tempo, muito mais do que excelente.
Até pela idade e graças a este grande poder aquisitivo, resolveu investir
boa parte do seu capital num empreendimento que seria a coroação de todas as
suas realizações...
A construção da maior astronave até o momento idealizada pela
humanidade.
Entre suas diversas finalidades, além de fazer viagens pelo tempo e por
outras dimensões paralelas, serviria de laboratório de testes no espaço, sendo
capaz ainda de realizar jornadas em uma velocidade-cruzeiro milhões de vezes
superior à da luz..
Além de ser única e fabricada com durabilidade quase eterna, era
praticamente auto-sustentável.
Os pouquíssimos componentes a exigirem manutenção podiam funcionar
ininterruptamente por quase mil anos antes de precisarem ser substituídos.
Um colosso de forma esférica, diâmetro de cinqüenta e dois quilômetros
comandada pelo mais poderoso cérebro computadorizado até então construído.
Seu nome: O VIAJANTE DAS ESTRELAS.
Levava um único ser humano a bordo.
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Este, gerenciaria da melhor maneira possível, os destinos a serem seguidos
por aquela astronave.
Além de criador e produtor principal do projeto, o próprio Alex Randall seria
este viajante.
Era uma grande responsabilidade já que milhares de empresas,
patrocinavam, garantiam e ajudavam naquela fantástica iniciativa.
Para ele porém, aquela oportunidade não significava apenas serviços a
serem realizados.
Sozinho, no espaço, esperava encontrar tranqüilidade enquanto os robôs
da astronave trabalhavam automaticamente na realização dos inúmeros testes.
Além do merecido descanso após tanto trabalho, garantiria uma boa
aposentadoria com os proventos obtidos dos experimentos.
Tiraria férias da humanidade e de todos os seus problemas enquanto
relaxaria sem ser perturbado, fumando incessantemente o cachimbo, não tendo
que ouvir crítica alheia devido aos maus hábitos que prejudicavam a saúde.
Na mente de Alex Randall, um empreendimento como aquele não tinha
como dar prejuízo.
Ainda que a astronave sofresse um horrível acidente, ela estava com
seguro, portanto, o parte principal do investimento, pelo menos não seria perdida.
A realização de tão dispendioso projeto não se deu de um momento para
outro.
Muitos anos foram gastos na criação, nos desenhos e, outro período de
tempo maior ainda, na efetiva materialização da idéia.
A última fase da montagem da astronave se deu num hangar em órbita da
Lua com peças chegando de todos os planetas do sistema solar.
Uma obra de tal porte não poderia ser inaugurada sem uma festividade
onde as maiores autoridades fossem convidadas.
Assim aconteceu, e, até para tão gigantesca celebração, foram gastos
meses de produção.
Cumprida a última formalidade de despedida, o Viajante das Estrelas partiu.
Simplesmente desapareceu de um momento para o outro sem deixar
rastros ou indicar a direção que seguia.
Dentro daquele bólido voador, seu único tripulante humano só queria
relaxar, acompanhar à distancia o trabalho dos robôs, admirar os astros , e fumar
tranqüilamente um cachimbo...
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.1 DE ALEX RANDALL
Sossegado no conforto de sua poltrona, desfrutando os prazeres do fumo,
Alex Randall olhou para as imagens tridimensionais projetadas ao seu redor, que
mostravam um gráfico com os astros que compunham o sistema solar se
afastando depressa até sumirem em meio ao negrume espacial...
Naquele momento despedia-se de uma montanha de problemas...
Tão cedo não teria saudade deles.
Dalí por diante, levaria uma vida até certo ponto solitária, tranqüila e sem
preocupações.
Seu maior objetivo seria monitorar o funcionamento do Viajante das
Estrelas, supervisionar e garantir o bom andamento dos experimentos que alí se
sucediam, manter o cachimbo sempre aceso e escolher caminhos que não o
levassem para o interior de um buraco negro, ou, em rota de colisão com qualquer
corpo errante.
Logo de cara iria pôr para funcionar , um inédito sistema de propulsão
jamais usado em qualquer outra astronave construída pela humanidade, mesmo
até, para aquela época, em que já eram muito populares os motores que
permitiam às espaçonaves, desempenhos muito superiores aos da velocidade da
luz extrapolando assim, os limites impostos por algumas populares Leis da física.
Aquele novo avanço da tecnologia permitia ao Viajante das Estrelas cobrir
enormes distancias com toda a tranqüilidade a velocidades que podiam ser
centenas de milhares de vezes mais rápidas que a luz.
E, justamente, para que tão glorioso feito se realizasse, caracterizando por
si só, um marco da conquista humana, faltava apenas acionar a alavanca
dourada de design antigo e tradicional, instalada na lateral da poltrona que estava
sentado.
Conferiu tudo o que pôde mais uma vez e, com um rápido movimento, o
novo sistema propulsor foi posto em ação.
***
A Central de Comando do Viajante das Estrelas dava uma projeção
interativa tridimensional do que acontecia fora da nave.
Nosso herói parecia estar sentado no meio do espaço sem nada ao redor,
só ele e sua poltrona.
Tudo o que se poderia visualizar estando na parte externa do casco da
astronave, era tridimensionalmente projetado alí naquele recinto.
Tocando ou apontando na direção de uma imagem, por exemplo, logo se
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
obtinha uma análise descritiva do objeto ou fenômeno em análise.
Gráficos, imagens de outros compartimentos, imagens externas e relatórios
da situação também eram projetados como que por magia no próprio espaço ao
redor de Alex Randall dando a qualquer um, a impressão de que ele estava num
imenso cenário de vídeo game.
Tão logo a alavanca dourada foi colocada na posição indicativa de que o
novo sistema de propulsão estava operacional, tudo na astronave passou a ter um
comportamento distinto.
Mostradores flutuantes, relógios e medidores saltaram para marcas jamais
atingidas anteriormente por qualquer outro invento produzido pelo engenho
humano.
Concentrado em todas as verificações daqueles primeiros momentos de
viagem, Alex Randall fumava seu cachimbo com uma voracidade sem
precedentes, muito mal ocultando a própria tensão.
Entretanto, a privilegiada visão que tinha dos acontecimentos exerceu nele
um efeito tranquilizador.
Extasiado com a beleza daquela visão, Alex Randall foi mais e mais se
recostando na poltrona enquanto relaxava a tensão inicial da partida, diante
daquele majestoso espetáculo sem igual.
Sentiu o torpor que a erva do cachimbo causava no seu cérebro.
Parecia até que este ia saltar de dentro da cabeça.
Mais tranquilo com o passar do tempo, mesmo assim não diminuiu a
vigilância nos mostradores e medidores piscando ao seu redor.
Constatando que os resultados obtidos se mantinham dentro dos
parâmetros desejados, Alex Randall sentiu-se bastante satisfeito chegando até a
considerar aquele experimento como um sucesso.
Daí então, pôs-se até a refletir sobre as conseqüências e desdobramentos
que eventual industrialização e popularização de um sistema de propulsão como
aquele traria à humanidade.
Graças à tamanho salto tecnológico, um futuro de novas descobertas em
horizontes ainda mais longínquos além dos já desbravados pelos povos do
sistema solar, certamente se abria...
Num futuro não muito distante, qualquer um poderiam investir poucos
recursos e fazer viagens como a que ele iniciava...
Muito provavelmente se desencadearia um crescimento nas empresas de
turismo fora do sistema solar bem maior do que aquele que já existia.
Pacotes turísticos de visitas de fins de semana em planetas orbitando
estrelas distantes, além e muitas outras atrações divertidas se tornariam
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
populares e amplamente comercializados...
Mesmo com a mente divagando em mundos longínquos, nosso herói não
estava totalmente entorpecido.
Ainda que a quantidade que ele fumasse fosse absurda, seus sentidos se
mantinham alertas.
Tanto que, seus ouvidos altamente treinados assim como os de um
maestro, identificaram sem demora ou dúvida, um barulho estranho ali mesmo na
Central de Comando...
O temor de que aquele som incômodo pudesse representar um mau sinal
fez com que sua tensão voltasse a aumentar.
***
-Alerta de intruso!
Um milésimo de segundo antes do computador do Viajante das Estrelas
soar o alarme, os olhos atentos de Alex Randall já haviam identificado a origem do
problema.
A nave havia sido invadida e a estranha forma de vida que conseguira
tamanha proeza estava agora diante do seu único tripulante humano.
-Como ocorreu a invasão? – Indagou Alex Randall.
-Desconhecido! – Foi a resposta dada pelo cérebro computadorizado que
utilizava uma voz feminina em suas manifestações.
-Desconhecido como?!? Essa coisa simplesmente se materializou aqui
dentro?!?
-Segundo os registros analisados sim!
A criatura à que Alex Randall se referia era uma bola peluda muito brilhante
com dois grandes olhos vermelhos e um longo “nariz” que ia afinando até a
extremidade onde havia um par de pequenos orifícios. Ao seu redor brilhava uma
aura colorida e de beleza encantadora.
Não parecia agressiva.
Ao contrário. Era até bastante amistosa. Tanto que, aproximou-se com
pequenos saltos até os pés de Alex...
-Existem mais formas de vida como esta a bordo?
-Não.
Não queria tocar naquele bicho até ter certeza de que tão simples gesto
não representaria nenhum tipo de ameaça à sua saúde ou mesmo à segurança
da nave.
-Vamos verificar se esta coisa representa perigo imediato... - Ordenou.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Uma esfera preta flutuante, de diâmetro pouco maior que o das tradicionais
bolas de futebol de campo, se aproximou e projetou na estranha forma de vida,
três finos raios de cores distintas: vermelho, amarelo brilhante e azul...
Estes, rapidamente correram por toda a superfície da criatura realizando
uma “leitura” que “colhia” seus dados superficiais mais importantes...
Algumas luzes piscaram e logo, a voz feminina deu o resultado...
-Aparentemente, não oferece qualquer perigo à espécie humana ou mesmo
à integridade da nave...
Apesar disso, Alex Randall ainda estava intrigado com aquela inesperada
visita...
Sua surpresa virou susto quando o pequeno ser peludo saltou
inesperadamente à altura do seu rosto e com o seu longo nariz lhe deu um
carinhoso beijo...
-C-como?
Abaixou-se e observou melhor a curiosa criatura e notou que esta se
locomovia através de uma espécie de “mola” existente na parte inferior do seu
corpo peludo...
Além disso tudo, não parava de emitir um som...
Parecia até estar falando alguma coisa:
-Uorlops.
Sabedor de que naquele momento já seriam completamente inúteis
quaisquer medidas de anti-contaminação, precaução ou segurança que
eventualmente tivessem de ter sido tomadas em situações semelhantes de
encontro com raças desconhecidas, Alex Randall esticou o braço e, com certo
receio, acariciou aquela coisa sentindo de um instante para outro, através dos
dedos e da palma da mão, uma intensa onda de felicidade invadir o seu corpo...
Aproximando a singular criatura do seu peito, sentiu emoções intensamente
agradáveis e relaxantes...
Fumando o seu caximbo a plenos pulmões, e agora, muito mais tranqüilo
do que já estivera em toda a sua vida, ele carregava aquele estranho ser como se
fosse um mascote canino.
O bicho parecia até gostar, e não parava de falar, ou fazer aquele estranho
som:
-Uorlops!
-Acho que me arrumei um acompanhante de aventuras. - Disse em voz alta
o solitário aventureiro que já nem pensava mais direito, de tão sossegado que se
sentia...
Quanto mais acariciava aquele bichinho, maior era o seu relaxamento...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Vou até tomar uma cerveja... Faz muito tempo que não bebo algo com
álcool... Preciso comemorar um importante evento como o de hoje.
Fumando e carregando aquela carinhosa criaturinha, Alex Randall foi até a
geladeira de onde tirou e abriu uma lata de cerveja.
Num balcão próximo, colocou aquele curioso ser peludo e diante deste
encheu um copo .
O bichinho enfiou no copo o seu longo nariz que muito se assemelhava a
uma mini tromba de elefante e sugou o líquido. Em seguida, começou a saltitar
pela sala realizando, diversas piruetas, evoluções, malabarismos aéreos e
acrobacias não parando de falar:
-Uorlops!
Alex Randall se deleitava com as peripécias daquela criaturinha peluda...
-Esta coisa precisa de um nome. Acho que vai ser Uorlops, mesmo...
Deu mais algumas vorazes tragadas no cachimbo, em seguida bebeu um
gole da cerveja e complementou:
-É isso aí! Vai chamar “UORLOPS”.
Alex Randall já ficou tonto com aquele único gole. Não era muito resistente
ao álcool...
Quando passou novamente em frente à geladeira, quis guardar a lata de
cerveja que não havia tomado inteira.
Qual não foi sua surpresa quando, ao abrir a porta, saltou para fora outro
Uorlops similar ao primeiro, com a diferença apenas na cor do campo brilhante
que emanava das criaturinhas. Cada uma tinha a sua.
As duas então se juntaram e começaram a saltitar alegremente ao redor de
Alex Randall.
Este por sua vez, inicialmente se assustou com aquela nova e também
inesperada presença, mas devido acima de tudo, à tranqüilizadora e relaxante
sensação emanada pelos Uorlops, acabou deixando o problema de lado...
Ainda assim, não deixou escapar um questionamento irônico dirigido ao
cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas...
-A astronave precisa de uma revisão. Seus sensores não estão
identificando o caminho de entrada desta invasão a bordo. Como este problema
pode ser explicado?
Se a voz digitalizada de um cérebro computadorizado de última geração
poderia em algum momento emitir sinais de emoção, aquele foi um deles, não
através de gritos, choros, rizadas ou coisas do tipo, mas sim, pelo silêncio...
Depois de um tempo sem se manifestar, veio a resposta:
-Dados insuficientes para concluir qualquer conjectura.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Então faça o possível para descobrir o que está acontecendo... Vou
descansar e tomar um banho, não precisa soar o alarme se aparecer um ou outro
Uorlops por aí, esses bichos parecem ser pacíficos...
Devidamente escoltado pelos seus novos amigos, Alex foi até o banheiro
onde iria começar dando uma boa aliviada nos tubos intestinais...
Levantou a tampa do vaso sanitário especial e inteligente para uso com ou
sem gravidade, e se surpreendeu quando saltou lá de dentro outra bola peluda
brilhante de olhos arregalados.
Os três se juntaram e ficaram saltando como macacos doidos pelo
banheiro.
-Que figurinhas estranhas estes Uorlops...
Aliviado finalmente, limpou-se e entrou na banheira onde foi seguido pelos
seus amiguinhos brincalhões.
Recostou-se num canto e deixou que a água morna relaxante descansasse
seu corpo.
Segurou um Uorlops em cada mão sentindo novamente intensas vibrações
de alegria e prazer emanando dos bichinhos.
Mais tarde iria se preocupar com o porquê das criaturinhas simpáticas
estarem se materializando alí dentro sem explicação plausível...
Naquele momento, estava tão tranqüilo na água que acabou fechando os
olhos e dormindo...
***
Quando acordou, resolveu tomar uma ducha gelada para se restabelecer
fisicamente.
Ao abrir a porta do box, quase não acreditou no que viu: esperando por ele,
estavam sete uorlops peludos, alegres, brilhantes, coloridos e saltitantes...
-Tenho de verificar de onde estes bichos estão saindo.
Vestiu-se e, acompanhado dos seus novos e inseparáveis amigos, foi até a
central de comando do Viajante das Estrelas.
Ao sentar-se na própria poltrona, sentiu algo batendo na bunda...
-Catzo! Já sei o que deve ser...
Olhou para o assento e não se espantou quando deparou-se com outro
daqueles bichinhos de procedência misteriosa.
-Desculpe-me, mas, aqui, sento eu!
Tirou o mais novo bichinho da cadeira sentindo a intensa onda de felicidade
que este irradiava.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Só de pegar na mão aquele Uorlops, veio novamente a sonolenta e
agradável tranqüilidade que estes irradiavam.
-De onde saem estes tipos esquisitos?...Algum palpite?!?
-Por enquanto, nenhuma conjectura – Manifestou-se o cérebro
computadorizado. - As criaturas continuam a materializar-se sem explicação
lógica. Não existem acessos ou entradas que tenham ficado abertas depois da
partida...
Alex colocou o cachimbo no braço da poltrona e continuou a acariciar o
Uorlops que estava mais próximo.
Alguma coisa estava errada, afinal, dificilmente Alex tirava seu cachimbo ou
mesmo, o deixava apagar.
O torpor da sonolência e a tranqüilidade foram tomando novamente conta
do nosso herói, seu raciocínio foi ficando lento...
O problema do misterioso aparecimento dos Uorlops dentro do Viajante das
Estrelas deixava lentamente de ser uma prioridade para Alex Randall resolver e,
mais uma vez, mesmo contra a própria vontade, o sono acabou tomando-o em
seus braços...
***
Despertou mais tarde e, novamente, surpreendeu-se!
Ou melhor, aterrorizou-se!
Os Uorlops empesteavam a central de comando. Eram centenas, talvez
milhares deles.
Os bichinhos estavam alegres, saltitantes e brincalhões. As cores que
irradiavam, além de brilhantes, eram lindas.
Procurando não pisar em nenhum deles, tentou sair da central de comando,
mas esta, parecia ser uma tentativa impossível...
-Existe algum lugar onde eu possa ficar sem ser perturbado pelos Uorlops?
-Não! Eles estão em todos os compartimentos.
Alex Randall viu-se apavorado: O Viajante das Estrelas tinha mais de dez
mil andares, e não havia um só local onde pudesse relaxar e se concentrar.
Logo de cara, tudo degringolara de tal maneira que a missão parecia
definitivamente comprometida.
Até para dar solução a este grave problema estava impossibilitado já que,
era mantido prisioneiro na própria na central de comando.
Não sabia o que fazer ou como a resolver a situação.
Notou que um dos bichinhos, ao realizar seus saltos acrobáticos, acabou
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
desligando os propulsores especiais de alto desempenho da nave quando
acidentalmente esbarrou justamente na alavanca dourada que os acionava e
desligava .
O primeiro reflexo dessa nova situação se fez notar logo nas imagens
projetadas tridimensionalmente ao redor da poltrona onde Alex Randall sentava:
elas mudaram completamente voltando a exibir a infinita escuridão espacial
pontilhada de estrelas, galáxias e mistérios profundos.
Mesmo antes disso porém, nosso herói já havia tomado na testa forte
pancada de um dos bichinhos que saltavam desembestadamente pela central de
comando.
Como conseqüência, foi posto a nocaute com direito a um galo e desmaio
gratuito!!!
***
Quando voltou à conciência, viu-se caído no chão.
Olhou em volta logo depois de acordar e não acreditou!
Todos os UORLOPS haviam desaparecido.
As coisas voltaram ao normal.
Alex Randall sentou-se e perguntou;
-Onde estão os nossos visitantes?
Desta vez, a resposta do cérebro computadorizado não tardou:
-Desapareceram logo que os motores foram desligados.
***
Posteriormente, uma análise mais completa confirmou algumas
desconfianças que o cérebro computadorizado já tinha, ao revelar que os Uorlops
só ganhavam existência quando os novíssimos propulsores especiais de alto
desempenho eram acionados e a astronave alcançava velocidades fenomenais.
Antes disso, o estado natural daquelas criaturas era totalmente distinto:
originalmente, pareciam-se com sementes brancas de dois centímetros cada uma,
que estavam armazenadas em cápsulas transparentes onde eram constantemente
monitoradas.
Nesta condição, nem mesmo em escala atômica aparentavam ter vida.
Nos momentos iniciais da ocorrência daquele evento inesperado, o cérebro
computadorizado, ainda que dispondo de meios de vigilância altamente
sofisticados, não foi capaz de relacionar o desaparecimento das sementes do
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
interior da capsula com a presença dos Uorlops que, apareciam pipocando
aleatoriamente pela astronave.
Por sorte o sistema de propulsão desligado.
Acaso continuasse operando por muito mais tempo, logo a astronave
estaria sem ar até para se respirar.
Assim, o Viajante das Estrelas se manteve a uma velocidade inferior
àquela que poderia desenvolver, tentando com isso, solucionar mais aquele
problema.
***
E não foi necessário muito tempo para que uma solução fosse encontrada.
As sementes foram isoladas no interior de um campo energético onde não
seriam mais estimuladas pelos fatores que ocasionavam sua transformação nos
Uorlops.
Assim, Alex Randall superou seu primeiro imprevisto.
Depois, recuperada a auto confiança, perdeu-se até em reflexões do tipo:
-Essa viagem está apenas começando! Tenho certeza que daqui pra frente,
tudo vai ser diferente e finalmente ficarei livre de aborrecimentos e problemas.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.2 DE ALEX RANDALL
“Este pequeno conto foi escrito no aniversário de 18 anos da minha irmã mais nova e
dedicado a ela.”
“Posteriormente, ainda foi revisado várias vezes.”
“Que Deus a tenha agora ao seu lado”.
Fernando ZÈCA
***
Tendo já planejada as atividades que seriam executadas automaticamente
nas próximas horas, Alex Randall achou por bem tirar um período de descanso
depois de esgotar os seus neurônios conferindo o trabalho realizado pelos robôs
da nave na adaptação que evitaria que os Uorlops pipocassem pela nave
descontroladamente tão logo fossem acionados os novos propulsores ....
Deitou na cama recém arrumada por um dos autômatos de limpeza e, seis
minutos depois de fechar os olhos, os alarmes soaram estrondosamente
assustando-o.
-Alerta! Alerta! Perigo de colisão!
-Perigo de colisão? - Indagava-se o cansado viajante com as pálpebras
ainda cerradas. – Mas... Como? O Viajante das Estrelas está à deriva e, as
últimas análises feitas não indicaram nada capaz de causar problemas no interior
de um raio de pelo menos 30 anos luz...
Num gesto automático e quase acrobático, Alex Randall saltou para fora da
cama, acionou o projetor de imagens tridimensionais e verificou a causa do
alarme.
Por incrível que pudesse parecer, um planeta viajando pelo espaço a uma
velocidade inacreditável estava atraindo o Viajante das Estrelas para o interior da
sua atmosfera...
A colisão com a superfície daquele mundo era eminente...
***
Voltou para a Central de Comando imediatamente.
Alí, poderia analisar a situação com mais clareza e, assim tomar as
melhores decisões, graças a um controle mais apurado que alí a astronave lhe
oferecia.
Deste modo, não tardou muito para que percebesse algo realmente
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
extraordinário:
Aquele era um planeta totalmente artificial!
E algo ainda mais insólito: o relevo de sua superfície parecia lembrar o
rosto humano de um homem com barba , cabelos longos e brancos.
Diante daquela situação extraordinária, Alex Randall concordou com o
Cérebro Computadorizado que a astronave deveria sair do caminho daquele
mundo errante.
Medidas nesse sentido imediatamente foram tomadas a bordo da
astronave, mas, para surpresa do intrépido viajante, ocorreu uma pane
generalizada.
Se apercebendo disso, ele digitou alguns comandos no teclado luminoso
projetado a partir do painel instalado no braço da sua poltrona, mas, logo
percebeu que não tinha mais controle nenhum sobre a astronave.
Alguma coisa estava interferindo no correto funcionamento das coisas lá
dentro...
Mesmo o Cérebro Computadorizado da astronave ficou inoperante.
Nada respondia seus chamados ou comandos de qualquer espécie..
Diante dos fatos, nosso herói constatou que não teria mais que alguns
segundos de vida já que a colisão parecia inevitável.
Sem nunca desistir, numa última e desesperada tentativa, berrou alguns palavrões
e deu fortes pancadas nos painéis e controles afixados no braço de sua poltrona
de comando...
E, então...
Ocorreu algo inesperado!
O temido choque não aconteceu.
O movimento aparentemente incontrolável do Viajante das Estrelas foi
parado.
No meio da central de comando, materializou-se bem ao lado da poltrona
de Alex Randall, um ser humanóide vestindo roupas e capacete preto.
Em silencio, o invasor olhou fixamente para o apavorado viajante em
seguida cada recanto da Central de Comando.
Fez um sinal de reprovação com a cabeça e sacou da cintura, uma espécie
de agenda eletrônica onde começou a fazer anotações.
-Sou o policial responsável por este que é o setor 6. Estou aqui para uma
vistoria na sua documentação e astronave. Se oferecer resistência, irei destruí-lo.
Alex Randall ficou meio abobalhado com o que ouviu, tanto que, o seu
cachimbo quase caiu da boca.
Demorou ainda alguns segundos para se recompor e, finalmente disse:
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Não sei que tipo de documentação o senhor deseja, porém, se quiser,
coloco-me à disposição da justiça para o cumprimento de qualquer formalidade.
A resposta automática veio imediata e sem espaço para pausa no dialogo:
-Não quero saber se você se põe a disposição da Justiça e da Lei. Seu
problema imediato e com a Polícia que está aqui para uma inspeção. Quero
verificar o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo, Seguro obrigatório
para naves categoria Macron-C+, recibo de pagamento do impostos de
autorização de uso de vias públicas espaciais e habilitação para pilotagem...
Alex Randall não entendeu muito bem, aquele falatório todo mas, sabia de
uma coisa:
-Vias públicas espaciais??? Seguro obrigatório??? Infelizmente, não
disponho destes documentos. Sou da Terra e estou em missão exploratória pelo
espaço desconhecido. Só vou fotografar e filmar e estou de passagem. Esse
Setor 6 ao qual o sr. se refere ainda era uma região desconhecida para o nosso
povo...
Nem bem acabou de dar esta justificativa e, em seguida, outro sujeito se
materializou dentro da central de comando da mesma forma que o primeiro e logo
disse:
-Esta nave está equipada com motores ilegais que permitem trafegar em
velocidade superior à da luz.
-Temos de tomar providências. Retrucou o primeiro de volta
-Que providências? Indagou Alex preocupado...
-De acordo com o artigo 699 parágrafo quarto do regimento de tráfego
espacial, nenhuma veículo sem autorização expressa das Forças Armadas
Espaciais podem fazer uso deste tipo de equipamento. Seremos obrigados a
apreender sua nave.
-Mas vocês não podem fazer isso! É uma medida muito drástica. Este é o
primeiro contato entre nossas culturas, venho de muito longe. Eu não conheço
suas Leis...
-Medida drástica neste caso seria a sua prisão. Esta ainda só não ocorreu
porquê o senhor não apresentou nenhum pressuposto que levasse a tal ação.
-Mas senhor! O Viajante das Estrelas está em missão exploradora e foi
construído justamente com o propósito de viajar numa velocidade cruzeiro que
seja no mínimo igual à velocidade da luz. Se não for assim, não dá para fazer
nada...
-Seu equipamento está fora das normas. A Lei é clara...
-Mas eu desconheço completamente esta Lei que o sr. está falando. Venho
de um mundo muito distante que não tem conhecimento da Legislação daqui. Veja
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
bem: não sou procurado e tão pouco represento qualquer tipo de perigo, portanto,
não há porquê me causar este transtorno.
-De acordo com a constituição vigente, artigo 32 parágrafo terceiro,
ninguém pode alegar desconhecimento ou ignorância da lei. – O fato de não ser
procurado pela nossa justiça não quer dizer nada. O que está pesando agora é
justamente o fato da sua nave preencher todos os requisitos necessários para a
apreensão...
Alex Randall deu mais algumas baforadas no cachimbo e ficou olhando
aqueles dois...
-Vocês não podem fazer isso...
Do jeito que as coisas estavam indo, jamais iria realizar o sonho de navegar
tranquilamente pelo espaço sideral sozinho...
Tinha de tentar alguma outra coisa...
Mas... O quê? Observou o painel de controle instalado no braço da sua
poltrona e notou que, apesar dos pesares, aparentemente, pelo menos, o cérebro
computadorizado já não estava totalmente inoperante.
Agora, ele parecia trabalhar intensamente, quem sabe buscando alguma
solução para aquela situação.
Mas aquela breve luz de otimismo apagou-se das suas esperanças quando
olhou a tela panorâmica principal e percebeu que a sua nave estava sendo
puxada em direção a uma miríade de sondas, tentáculos mecânicos de todos os
formatos possíveis e até diversos tipos de agulhas.
Tudo isso, começou a ser ligado e conectado ao casco do Viajante das
Estrelas desesperando ainda mais nosso herói...
-Será que vão desmontar a minha astronave?
Numa última e desesperada tentativa, Alex tentou argumentar repetindo a
ladainha chorosa...
-Minha missão é pacífica e científica. Venhom nome de todos que vivem no
Sistema Solar e principalmente na Terra.
“Por favor: permita que eu continue meu caminho. Toda minha fortuna e o
meu tempo foi gasto na construção dessa astronave...
-Não existe Sistema Solar ou Terra registrado no Catálogo Oficial de
planetas, estrelas e sistemas planetários reconhecidos pelas forças policiais...
Quanto à grana, isto para nós não tem valor. Sua nave será posta fora de
circulação até que a documentação esteja regularizada.
Sem esperanças, Alex deu mais algumas tragadas no cachimbo, encostou
a mão na testa e ficou pensando em todo o trabalho perdido em função da simples
ausência de um maldito documento que seria impossível de ser conseguido por
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
qualquer humano antes dele..
Quisera poder arrancar pedaço por pedaço daqueles estúpidos burocratas
espaciais e despachá-los diretamente para o inferno das máquinas...
Infelizmente, naquele momento, não tinha nem um maldito advogado por
perto para livrá-lo daquela fria...
Sequer, o menor conhecimento da legislação a que estaria submetido.
Uma lágrima furtiva escapou de seus olhos já inchados.
Realmente, não havia mais o que pudesse ser feito.
O desespero então bateu mais forte e uma idéia bateu na sua mente...
Tentou a última cartada: saída à brasileira:
-Seu guarda... Mas será que não tem um jeitinho para essa situação?
-Jeitinho?? Como?
-Ah! Um jeitinho... Sabe como é... Um acertozinho por baixo dos panos...
-Você diz corrupção?
-É... Pode se dizer que sim...
-O sr. está preso por tentativa de suborno a autoridade policial. Prepare-se
para ter um julgamento e condenação adequada. De agora em diante, tem o
direito de ficar calado ou o que quer que diga será usado contra você...
Aquela fora demais!
Agora é que não tinha mais saída mesmo.
Admirava toda a Central de Comando tentando guardar detalhe por detalhe
dela.
Provavelmente nunca mais poria os pés alí novamente...
Quando passou os olhos por uma das telas tridimensionais projetadas ao
redor da sua poltrona, notou algo interessante: cabos que estavam até então
presos ao casco do Viajante das Estrelas amarrando-o àquela imensa estrutura
policial, começaram a se soltar emitindo faíscas...
De-repente, os dois invasores desapareceram. Sumiram do mesmo modo
inesperado que haviam aparecido lá dentro.
Fora do Viajante das Estrelas iniciou-se então, uma anarquia generalizada.
Todas as máquinas do planeta policial que até então trabalhavam com
movimentos sincronizados e harmoniosos começaram a se destruir...
Alex Randall verificou alguns dos mostradores que indicavam a atividade de
trabalho do cérebro computadorizado da astronave...
Eles mostravam intensa atividade...
De-repente, tudo se apagou. O Viajante das Estrelas e aquele mundo
ficaram completamente às escuras...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Dentro da astronave de Alex Randall nem o suporte básico de vida
funcionava direito., o que fez nosso herói sair flutuando com a repentina falta de
gravidade artificial.
Silêncio total.
Impossível saber exatamente o que aquilo significava.
Sua cabeça começou a trabalhar febrilmente em diversas hipóteses.
Tinha que raciocinar e tentar entender o que estava acontecendo alí, afinal,
entre o Viajante das Estrelas, o curioso planeta totalmente automatizado e nosso
herói, somente este último ainda podia pensar...
Tentou relembrar os detalhes que precederam aquele momento...
Logo então, supôs que a provável causa do apagão poderia ser justamente
a reação do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas àquela invasão.
Afinal, se este seguisse o roteiro preparado na própria programação: o
objetivo inicial a se cumprir seria combater e eliminar o foco da invasão.
Por outro lado, os policiais invasores haviam voltado para o próprio mundo.
Teria sido por vontade própria ou não?
O único modo disponível para se obter alguma idéia a respeito da situação
era observando as amplas janelas que permitiam visão para o espaço sideral.
Aproximou-se de uma delas e avaliou os acontecimentos.
Tanto o Viajante das Estrelas como todo o planeta pareciam estar sem
energia.
.
Nenhum dos dois dava sinal de vida.
-Voltariam ambos ao funcionamento normalmente? E se voltassem? Quem
estaria com o controle da situação? A sua astronave ou os policiais?
Nosso heroi tinha de fazer alguma coisa.
Mas... O quê?
Insistentemente, ele apertava, reapertava e desapertava vários botões,
mas, nada funcionava.
De-repente, então: um susto!
Por alguns segundos, tudo voltou ao normal. Tanto na astronave como o
planeta.
Alex Randall caiu no chão com um baque devido à repentina volta da
gravidade.
Aturdido, ele ainda teve tempo de perguntar:
- O que está havendo?
Mas sua indagação não obteve resposta já que a energia acabou
novamente.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
E tudo parou de funcionar voltando à escuridão..
Teria sido algum dos botões que tanto apertara e reapertara?
Meio nervoso, Alex Randall tentou repetir os mesmos movimentos e
comandos que fizera diante do painel de instrumentos onde estivera antes da volta
da energia.
Nada deu certo.
A situação não mudou e permaneceria assim durante um bom tempo.
***
Sem expectativas, Alex Randall depois de tanto esperar dentro da
escuridão, já se resignara com a situação.
Olhando pela vigia enquanto empesteava o ambiente com a fumaça do seu
cachimbo, percebeu que, ao contrário dele, que praticamente havia se conformado
com o triste fim, o movimento no mundo policial parecia intenso.
Com auxílio de um velho telescópio que casualmente trouxera para a
viagem, verificou que os policiais estavam em intensa atividade.
Comportas se abriram para o espaço de onde saíram humanóides com
roupas espaciais negras.
Eram agentes policiais.
Idênticos àqueles primeiros que haviam se teletransportado sem
autorização para o interior da central de comando invadido a astronave
Estes vinham em grupos de seis, voando em fracos e toscos propulsores
de reação química com forma de torpedo que eventualmente soltavam chispas de
fogo para corrigir o curso e a velocidade...
Mas, por-quê estariam se utilizando destes botijões de gás voadores para
se aproximar do Viajante das Estrelas quando poderiam se materializar lá dentro
quando bem entendessem?
Provavelmente, a resposta estaria no fato de nenhum equipamento daquele
imenso mundo mecanizado estar funcionando a contento.
De qualquer forma, assim que eles invadissem novamente o Viajante das
Estrelas, suas chances de liberdade, por mais remotas que já fossem, seriam
ainda menores.
Então... O que fazer já que nada funcionava?
Subitamente o Viajante das Estrelas religou.
***
Voltou a funcionar plenamente e sem rodeios.
32
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Sem entender muito bem o que acontecia, Alex Randall gritou:
-Temos de sair daqui.
Então, lentamente a astronave de Alex Randall começou a se mover
afastando-se daquele mundo policial.
Finalmente, em espaço aberto, longe das cores funestas da atmosfera
daquele mundo sinistro, mais uma vez o Viajante das Estrelas teve acionados os
seus propulsores de altíssima velocidade e se afastou dalí num piscar de olhos.
***
Já com a adrenalina mais baixa, nosso heroi sentia-se como estes jovens
que saem para aprontar nas noites, envolvem-se em confusão e conseguem fugir
da polícia.
-O que aconteceu depois que aqueles policiais do espaço entraram aqui?
O cérebro computadorizado respondeu com a sua conhecida voz feminina...
-A primeira coisa que tentaram fazer depois de dar a ordem de apreensão
foi conectar os próprios computadores ao desta astronave.
-E depois?
-Através do acesso deles, inverti o jogo e consegui entrar no computador
central que gerencia o planeta policial.
Alex Randall ficou curioso... A história estava ficando interessante.
“-O mundo policial é um vasto complexo que funciona ao mesmo tempo
como agente repressor espacial, tribunal e cadeia para os infratores.”
“Assim como a aplicação de justiça deste planeta, os seus computadores
são muito arcaicos”
“Dentro do sistema deles, que é totalmente desprotegido, copiei tudo lá
dentro para o meu banco de dados, em seguida, já com o controle da situação,
mandei de volta os policiais que aqui dentro ainda estavam.”
-Muito bem! Mas, se você estava controlando todo aquele mundo, porquê
desligar tudo? Nem os suportes de vida permaneceram funcionando por aqui...
“-Antes de partirmos, precisava de algumas horas para reorganizar e
acomodar todos os dados obtidos naqueles computadores. Como o volume de
informações a ser armazenado era muito grande, resolvi ganhar tempo com este
“apagão” que, sem dúvida seria a forma melhor de preparar e executar nossa fuga
sem causar mortes desnecessárias...”
-E nessas informações? Vieram coisas interessantes?
-Sim! Os dados disponíveis trazem informações sobre as tecnologias que
os policiais se utilizam, mapas e muitos detalhes sobre diversas raças e habitantes
de outros mundos desconhecidos.
-O supressor que vai impedir o aparecimento dos Uorlops aqui dentro já
33
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
está funcionando bem? - Indagou Alex Randall.
-Sim.
-Então vamos prosseguir viagem.
Dando gostosas baforadas no seu cachimbo, ele relembrou do bíblico
embate entre Davi e Golias:
-Não é sempre que tamanho é documento
O Viajante das Estrelas partiu então, em altíssima velocidade, rumo às
misteriosas profundezas do espaço
.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.2(a) DE ALEX RANDALL
(não registrado)
Alex Randall não deixava de se impressionar com as maravilhas que sua
viagem lhe proporcionava.
Estrelas fantásticas, cometas, super-novas, nebulosas, pulsares e outros
fenômenos maravilhosos que encheriam de beleza mesmo os olhos dos mais
desinteressados...
Extasiado, compenetrado e impressionado com aquela exuberância sem
fim, ficava ainda boquiaberto...
E nestes momentos, ás vezes deixava o cachimbo cair...
Como agora!
Alex Randall apenas ouviu o barulho dele batendo sobre o braço da
poltrona onde estava sentado e, logo a seguir, as coisas começaram a acontecer.
Ou melhor, não aconteceram mais pois, tudo se apagou de-repente.
Os motores do Viajante das Estrelas silenciaram completamente e todos os
instrumentos pararam de funcionar.
Mesmo os sistemas vitais que jamais, em circunstância alguma, deveriam
apresentar qualquer tipo de pane... Sucumbiram!
E aqui, por uma questão de fidelidade aos fatos, serão reproduzidas as
expressões de raiva e angústia emitidas pelo protagonista desta ficção...
-Mas que bosta! –Bradou Alex Randall ligeiramente irritado.
Logo, para completar as desgraças que se prenunciavam, nosso herói
percebeu a típica sensação de falta de peso que indicava a ausência de
funcionamento do sistema de gravidade artifical a bordo da astronave.
-Mais essa ainda! Justo quando tudo parecia se encaminhar às mil
maravilhas...
Apertou alguns botões no braço da poltrona, mas, não obteve resposta
alguma.
A situação era preocupante. Somente as luzes de emergência estavam
acesas.
Em dado momento, mesmo a bateria destas acabariam!
Isso, sem esquecer o ar, que também não estava se renovando...
Afora os problemas que se prenunciavam cada vez piores e mais
catastróficos, nosso herói tentou saber o que teria causado aquela nova situação
de apagão no Viajante das Estrelas...
-Seriam os policiais novamente? Ou algum desconhecido tipo de raça
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
alienígena? Talvez, interferências nos equipamentos da astronave causados por
misteriosos fenômenos desconhecidos... Quem saberia dizer ao certo?
Dúvidas como estas pipocavam na mente de Alex Randall como milho na
panela de pressão em fogo alto.
A maioria das hipóteses, era imediata e logicamente refutada já que, os
equipamentos detectores e demais sensores do Viajante das Estrelas até o último
momento de funcionamento, não indicaram qualquer ameaça ou possível fonte de
problemas num raio de 10 anos luz..
Tentando espantar o mau agouro, nosso herói soltou mais alguns
impropérios...
-Merda! Porra do carálho gordo maldito! Essa porcaria tinha que me
acontecer logo agora?
Depois de proferir novos palavrões, a mente de Alex Randall se anuviou da
raiva e voltou a trabalhar na solução do problema.
Lembrou-se da chave geral instalada justamente embaixo
da sua
poltrona...
Segundo os projetos da Viajante das Estrelas, na ocorrência de panes
como essa, o melhor a se fazer era desliga-la e religa-la novamente.
Alex Randall acionou uma alavanca na parte de trás do assento das costas
e, abaixo deste abriu-se um painel com a chave geral que naquele momento
estava na posição ligada.
Colocou-a na posição desligada e, depois de alguns segundos recolocou-a
na posição original.
Nada!
Repetiu algumas vezes o procedimento mas a situação permaneceu
inalterada.
Desanimado com o fracasso daquela tentativa gritou mais alguns palavrões
para espantar a frustração:
-Maldição! Desgraça do Inferno! Satanás miserável! Demônios fedorentos!
Será que não vou conseguir realizar minha jornada sem que algum problema
sanguinolento venha me atormentar?
Fechou o painel debaixo da poltrona tendo o cuidado de manter ligada a
chave, para o caso da energia voltar subitamente...
O cérebro do nosso herói trabalhava como uma locomotiva a todo vapor...
Remoia insistentemente qual poderia ter sido a causa do transtorno.
Relembrou todos os procedimentos que poderia ter feito errado nas últimas
horas e até toda a lista de prováveis situações problemáticas existentes no manual
que ele mesmo ajudara a escrever, mas, de momento, não lhe ocorria nada que
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
pudesse solucionar o misterioso apagão.
A medida que o tempo passava, nosso herói ia se irritado cada vez mais...
-Pestilências do inferno! Eu não gastei toda a minha grana na construção
de uma nave espacial que sequer tem a capacidade de se dar um maldito autodiagnóstico.
Inconformado com os azares que o perseguiam implacavelmente, nosso
herói sentou-se na poltrona reclamando da própria sorte.
-Maldição! Que mais ainda pode dar errado?
Subitamente, ocorreu uma explosão dentro do banheiro que, naquele
momento estava com a porta aberta...
***
“Desgraça pouca é bobagem”... Célebre e sábia frase!
A plenos pulmões, o infeliz protagonista desse conto fantasioso berrou:
-Maldita boca!! Para quê fui abrir a minha boca?!?
A falta de energia causou dano nos equipamentos de banheiro e, por
alguma razão ocorreu a explosão que pulverizou o ar de mijo, água suja e deixou
flutuando pela central de comando merdas nos formatos mais diversos.
Se já estava difícil fazer alguma coisa sem nada funcionando, com o ar
daquele jeito então, nem pensar...
Mentalmente, Alex Randall revisou todas as opções que lhe restavam,
constatando que as perspectivas não eram nada animadoras.
Aparentemente, não havia o que pudesse fazer.
-Estou ferrado mesmo! Longe de casa, sem a quem recorrer... Situação
miserável essa que me encontro...
Nosso herói já não raciocinava mais!
Sua mente se viu subitamente inundada por uma avalanche de palavrões
que tentavam de alguma forma desafogar a angústia daquele momento...
Mesmo não sendo violento nem tendo o perfil de pessoa que sai quebrando
tudo em momentos de dificuldade, Alex Randall não evitava os palavrões...
Aliás, já tinha até esgotado completamente a quota deles. Sua voz estava
rouca e a garganta arranhada de tanto gritar..
Para completar, os pulmões começaram a chiar com o nervosismo e o
coração deu uma acelerada...
Estava na hora de fumar um pouco para tranquilizar a cabeça...
Alex Randall pegou o cachimbo que estava sobre o braço da poltrona e
notou algumas cinzas que haviam caído fora dele...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Teve então um lampejo luminoso!
***
Definitivamente, tudo estava resolvido!
Deu um forte sopro sobre as cinzas limpando o local no braço da poltrona
onde elas haviam caído.
E então, como que por milagre, o Viajante das Estrelas voltou a funcionar
quase que instantaneamente.
Mentalmente, e apenas assim, só porquê já não tinha mais voz ou fôlego
sequer para dar uma tossida mais forte, Alex Randall se auto ofendia com insultos
não muito elogiosos dos quais, o mais leve era algo como idiota ou imbecil...
Enquanto estivera medindo, fotografando e filmando os eventos fantásticos
com que ia se deparando, nosso herói abriu um painel no braço da sua poltrona.
Ali operavam componentes sensíveis que controlavam tudo na astronave.
Realizou
ajustes de rotina visando melhorar a performance dos
equipamentos e não mexeu em mais nada.
Ocorre que, por pura distração, esqueceu o dito cujo do painel aberto e,
assim, os componentes sensíveis acabaram expostos.
Maravilhado com tantas belezas no Universo, nosso herói ficou boquiaberto
fazendo com que o cachimbo e as cinzas caíssem onde não deviam..
Ainda que temporariamente, foram afetados componentes de importância
fundamental para o funcionamento da astronave e, por muito pouco, nosso herói
não perde a vida encerrando prematuramente sua jornada.
Mesmo assim, depois de muitos berros e palavrões, essa situação serviu a
Alex Randall para relembrar um importante adágio:
-“Se vacilar, o cachimbo cai”
Constrangido e envergonhado consigo mesmo depois de todo o nervosismo
e gritaria desnecessária, fechou o painel visando evitar dissabores no futuro e
esquecer as agruras deste episódio.
Sua viagem prosseguiu...
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.3 DE ALEX RANDALL
Mesmo com toda a fumaceira que o cachimbo fazia não perdia a
concentração em cada informação disponível nos mostradores e projetores
tridimensionais que operavam na central de comando.
Voltou sua atenção para o incomum e raro fenômeno astronômico cuja
presença era assinalada pelos instrumentos: uma estrela invisível.
Invisível para os humanos, aquele corpo celeste também diferenciava-se de
outros do mesmo porte pelas suas temperaturas baixíssimas.
-Vamos chegar mais perto. - Ordenou Alex Randall. - O que sabemos a
respeito desse tipo de astro?.
-Nada detalhado nem específico. - Respondeu o Cérebro Computadorizado
com a sua característica voz feminina. - Muitas fontes dão conta que: passado
algum tempo, elas simplesmente somem. As escolas mais tradicionalistas porém,
sugerem que, esse diferente tipo de estrela já está no fim da vida e, muito
certamente implodirá transformando toda a área ao seu redor num imenso buraco
negro.
-Aproveitaremos essa oportunidade para registrar tudo o que for possível!
Envie sondas para diferentes regiões da superfície dessa estrela.
Segundos depois, as ordens foram cumpridas.
Alex Randall apenas fumava tranqüilamente o seu cachimbo enquanto
novos dados e imagens iam chegando.
Aquele era um dos seus momentos de maior deleite já que, podia relaxar e
visualizar a beleza da natureza de modo como pouquíssimos seres humanos no
universo tiveram chance anteriormente...
Já se julgava até o verdadeiro Cristóvão Colombo do espaço.
Afinal, este tipo de estrela só havia sido concebida teoricamente pelos
cientistas e, em virtude disso, não pôde ser tão detalhadamente registrada ou
analisada anteriormente.
Voltaria para Terra com tanta informações e imagens, que ganharia novas
fortunas.
Também sabia que, chegando em casa, recomeçariam as tão comuns
dores de cabeça e problemas característicos da humanidade para solucionar no
seu dia a dia.
Longe, no espaço, ao menos, os robôs resolviam tudo para ele, e, assim,
sua vida transcorria sem maiores problemas.
Assim, podia transcorrer tranqüilamente com a sua viagem, relaxando, e,
até sonhando com os lucros altos que aquela jornada no futuro lhe proporcionaria.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Mas, não deu mais para seguir filosofando numa linha de pensamentos tão
otimistas já que, o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas apresentou
importantes novidades:
- Detectado cubo gigante se aproximando em baixa velocidade.
-Quanto tempo para chegar até aqui?
-Neste ritmo, chegarão aonde estamos em 4 meses.
-Dá para visualizar?
Em meio do nada, bem ao lado de Alex Randall apareceu como que por
mágica, uma imagem tridimensional do objeto.
O sólido realmente correspondia à descrição feita.
Mas, a surpresa maior logo foi revelada através das lentes superpoderosas que podiam mostrar coisas muito pequenas em pontos realmente
distantes...
O cubo parecia ter suas superfície granulada...
E tudo indicava que cada grão componente da parede daquele objeto tinha
na verdade tamanho maior que o próprio Viajante das Estrelas.
Concluía-se então que as medidas do curioso artefato eram simplesmente
colossais!
A partir de então, as prioridades mudaram...
-Vamos deixar o estudo detalhado da estrela para depois. Ela não vai sair
do lugar. Quero ver esse negócio mais de perto.
A hiper-velocidade que a astronave comandada por Alex Randall podia
alcançar era realmente impressionante, tanto que, logo cobriu a distância que a
separava daquele imenso objeto...
Do seu novo ponto de vista, nosso herói observou mais detalhadamente a
gigantesca estrutura.
-Algum palpite do que quer que seja isso?
-Certamente um artefato construído por raça alienígena inteligente.
Provavelmente até, tripulado.- Foi a resposta com voz feminina dada pelo cérebro
computadorizado.
-Podemos de alguma forma fazer contato com os prováveis tripulantes
dessa nave sem demonstrar hostilidade?
-O banco de dados extraído do mundo policial dispõe de uma meio de
saudação que funciona e é compreendido por quase seiscentos milhões de raças
extra-terrestres e pode também ser adaptado para nossas necessidades.
-Adaptar a saudação dos tiras, para as nossas necessidades... Talvez
possa funcionar!
“Muito bem! Vamos apenas fazer uma mudança na forma de auto
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
apresentação alterando o :-“Parados! É a polícia!”- Passa então a ser: -“Aqui é o
Viajante das Estrelas, em missão de paz solicitando contato”.
A mensagem foi enviada, mas, a resposta foi um total silencio de vários
minutos...
-Nos antigos filmes, estas saudações inter-raciais sempre funcionaram. Comentou Alex Randall em voz alta demonstrando evidente desilusão com o
insucesso da novidade.
O Viajante das Estrelas aguardou pacientemente por longo tempo...
***
A resposta não veio de forma alguma.
Mesmo assim, o tempo esperado não foi gasto inutilmente.
Sondas robotizadas fizeram um excelente trabalho coletando informações a
partir das observações realizadas.
Do ponto de vista de onde aquele cubo fora visto inicialmente, muitos
detalhes reveladores a seu respeito estavam escondidos.
Já não restava dúvida de que era uma nave espacial auto pilotada. Em
diversos pontos de superfície haviam janelas transparentes que permitiam
visibilidade para o seu interior.
Nos cantos do cubo, haviam curiosos propulsores de dimensões
extraordinárias.
O artefato carregava em si marcas de choques e ainda fragmentos das
colisões com asteróides que destruíram completamente quase todos os seus
motores.
O resultado disso era que o cubo seguia em rota de colisão direta com uma
estrela próxima, pois os seus propulsores não tinham poder de manobrabilidade
ou frenagem.
Mantendo tal curso, em poucas semanas, não sobraria nem um parafuso
daquele imenso colosso.
Alex Randall estava muito curioso com a história do cubo, mas, este não
parecia facilitar na tarefa de revelar os seus segredos.
Pouca coisa do interior era visível pelas janelas, mesmo com as luzes dos
robôs. Lá dentro não havia o menor sinal de vida.
Não teletransportaria nada para o interior daquele artefato pois não queria
invadir espaço alheio sem necessidade ou autorização.
Microfones super sensíveis foram encostados na estrutura tentando ouvir
algum som de seu interior, mas, mesmo estes, não revelaram nada.
Lá dentro tudo parecia morto.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Análises na composição química da superfície daquele cubo revelaram que
esta era extremamente resistente; quase inviolável.
Tal fato porém, em nada alteraria o destino do artefato que, dentro do que
tudo indicava, seria a destruição total.
Pela completa ausência de sinais vitais do cubo, aquele poderia até ser
uma espécie de cemitério voador, ou coisa que o valesse.
Nosso herói ficou a pensar se valia a pena prosseguir com os estudos por
ali.
Já estava difícil de obter novidades, talvez, voltar para as proximidades da
estrela invisível rendesse material mais interessante e lucrativo...
Fumando incessantemente o seu cachimbo, Alex Randall finalmente tomou
a decisão.
Ordenou o retorno de todas as sondas robotizadas.
Resolveu deixar o gigantesco artefato à própria sorte pois, já realizara todas
as pesquisas e registros possíveis no momento.
Assim que as sondas voltaram para os seus respectivos hangares de
lançamento, Alex Randall começou a calcular o curso que deveria seguir para
voltar ao setor do espaço onde estava situada a estrela invisível.
No momento que ia dar o comando de partida o cubo se acendeu.
Ficou mais iluminado que árvore de natal.
Compartimentos se abriram próximos aos propulsores danificados pelos
choques com os meteoros errantes de onde saíram ondas de milhares de robôs
das mais variadas formas que logo deram início aos reparos necessários ao cubo.
Robõs do Viajante das Estrelas que haviam ficado nas proximidades para
continuar registrando o que quer que ali acontecesse, chegaram mais perto das
janelas do artefato de modos a transmitir para Alex Randall, imagens de alguns
dos acontecimentos que alí dentro se desenrolavam.
-Aparentemente; nada assim de extraordinário. - Entendeu nosso herói
num primeiro momento. Apenas esferas azuis que movem-se de um lado para
outro.
Pelo movimento delas, deduzia-se que o ambiente ali dentro era desprovido
de gravidade artificial.
Alguns reflexos luminosos ao seu redor revelavam outra curiosidade:
O meio que as suspendia não era gasoso, mas líquido...
De transparência similar à água, aquele fluído enchia o artefato em quase
todos seus compartimentos.
Cada uma bolinhas azuis tinha dois pontos escuros que pareciam olhinhos.
Quando elas se tocavam, estes olhinhos brilhavam.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Vamos repetir a saudação pediu Alex Randall.
-Saudação sendo retransmitida.
O brilho de uma pequena luz vermelha no painel instalado no braço da
poltrona confirmou o envio da mensagem.
Dentro do cubo as janelas revelaram um movimento diferente das bolinhas
azuis no momento da retransmissão da sudação.
Foi algo assim como que, se por um segundo, elas parassem o seu curioso
movimento, olhassem para a direção onde estava o Viajante das Estrelas e então
voltassem à sua rotina.
Pacientemente aguardou novos acontecimentos.
A situação permaneceu inalterada.
Mais duas ou três vezes, enviou a saudação para aquele artefato e, em
todas as tentativas, teve por parte das bolinhas azuis, reação idêntica à primeira
chamada; ou seja, aquela breve parada com a atenção voltada para o Viajante
das estrelas e então, a volta ao que quer que estivessem fazendo.
Quando começava a achar que tanta espera não ia resolver nada, foi
surpreendido por uma mensagem tridimensional escrita diante de sua poltrona:
-Viajante das Estrelas. Aguarde.
Tão súbita quanto veio, a mensagem terminou.
E nosso herói acabou ficando naquele momento com uma única opção: a
de esperar. Até mesmo, para satisfazer sua curiosidade.
***
Encheu o cachimbo novamente e fumou tudo pelo menos umas quatro ou
cinco vezes sem parar...
Aquele tipo de coisa só acontecia com ele mesmo...
Sentia-se quase idiota por perder tempo esperando por uma resposta.
Já haviam se passado bastante tempo e nada...
Aproveitaria o tempo de espera dando uma aliviante cagada...
Sentou-se no vaso, relaxou e, quando a bosta estava na metade do
caminho de sua descida, finalmente chegou o comunicado:
-“Chamando Viajante das Estrelas! Chamando Viajante das Estrelas!
Responda! Vamos logo! Vamos logo! Estamos aguardando! “
Naturalmente nosso herói praguejou pela hora imprópria que determinadas
coisas sempre acabam acontecendo.
Limpou-se xingando e foi para a sua poltrona na central de comando com
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
uma carranca realmente assustadora...
Sentou-se, respirou profundamente e disse:
-Muito bem! O que está acontecendo?
Nas telas e projetores, estava a imagem do interlocutor que representava
tão estranha raça: uma bola azul com expressivos olhos escuros.
Nosso herói mais uma vez viu-se surpreso.
As esferas eram formas de vida inteligentes.
Prova disso era a imagem projetada diante de sua poltrona e o som que
vinha desta.
-Sou CROPRI!
Aquela criatura não tinha boca, entretanto, sua mensagem era claramente
audível e expressa num idioma de fácil compreensão...
-Fui escolhido para estabelecer contato com o Viajante das Estrelas.
-CROPRI! Sou Alex Randall, o gerenciador responsável pelo Viajante das
Estrelas. Venho de um mundo chamado Terra e viajo pelo espaço em busca de
conhecimento. Casualmente encontrei sua nave pelo caminho e me aproximei
para estabelecer contato...”
-Alex Randall, o que você se refere como uma nave, não é uma nave. É
KURPNOTZIS.
-Como?????
-KURPNOTZIS! Ela abriga minha raça enquanto nossos poderes
telepáticos a energizam.
Nosso herói estava meio confuso, o tal nome KURPNOTZIS já era
complicado só de pensar, quanto mais então de engolir cérebro adentro.
O conceito de uma conversa com KURPNOTZIS que, telepaticamente se
“energizava” com um montão de bolinhas azuis brilhantes, era engraçado de
engolir, mas, por uma questão de diplomacia, Alex Randall não expressou o
menor sinal de ironia.
Também resolveu por fé nas informações que recebia, afinal estava numa
viagem espacial onde certamente se depararia com muita novidade que a raça
humana ainda não conhecia e, aquela, seria apenas mais uma delas...
-Percebi que vocês estão com problemas nos propulsores e gostaria de
saber se há alguma coisa que eu possa ser lhes útil.
Dado o avanço da maré de robôs de todos os tipos que naquele momento
consertava o equipamento avariado de KURPNOTZIS, a pergunta de nosso herói
era uma mera questão de formalidade já que, ante as dimensões absurdamente
colossais daquele cubo, mesmo o Viajante das Estrelas nada poderia ajudar
diante de tanto serviço.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Peço que aguarde. Levarei esta questão ao conselho para debate...
A imagem de CROPRI desapareceu no nada quase que igualmente ao jeito
que se desliga um aparelho de TV.
Nosso herói, assim como quem não quer nada acendeu tranqüilamente seu
cachimbo e aguardou...
Tanto fumou que até perdeu a noção de tempo gasto esperando.
***
Mais tarde, CROPRI estabeleceu novo contato.
-Sua ajuda não é necessária, mas gostaríamos de estabelecer um
intercâmbio de informações com a sua cultura.
Alex Randall não podia acreditar. Era uma oportunidade de ouro.
-Fico muito feliz com este convite. E como poderíamos estabelecer esta
troca cultural?
-Se aceitar, colocaremos todo o conteúdo dos nossos bancos de
informações à sua disposição, Alex Randall.
-Claro!
***
Mesmo a razoável distancia que separavam KURPNOTZIS do Viajante das
Estrelas não impediu o tal intercâmbio cultural.
Apesar do tamanho muito menor do Viajante das Estrelas e, por
conseguinte, do cérebro computadorizado que administrava suas tarefas, a
imensa quantidade de informação disponibilizada por KURPNOTZIS foi facilmente
armazenada pelos bancos de dados da astronave cujas capacidades pareciam
não ter fim.
Enquanto se processava a troca de informações, nosso herói ia se
divertindo analisando e estudando a cultura daqueles seres que se auto
denominavam BLUS.
Naturalmente que estes por sua vez, também iam fazendo a mesma coisa
com as informações enviadas pelo Viajante das Estrelas.
Do lado de Alex Randall, ele analisava um pouco do perfil psicológico
daquela raça que praticamente vivia isolada do universo dentro de KURPNOTZIS.
Os Blus eram extremamente disciplinados, coordenados, obedientes e
seguidores das normas.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Seres que em hipótese alguma fugiriam das regras para nada.
Toda e qualquer decisão que tomassem era muito bem medida e calculada
por um sábio conselho de Blus e nunca era desobedecida...
***
Tanta novidade porém acabou mexendo com os pensamentos de muitos
dos Blus.
Analisando
a cultura humana, diversas daquelas criaturinhas azuis
começam a perceber muitas coisas de outras maneiras diferentes daquelas que
viviam no seu dia a dia.
Assim, toda a coesão, disciplina e coordenação dos Blus começou a perder
força.
Num tempo extraordinariamente curto, a unidade física e mental
energicamente mantida por tanta concentração, começou a enfraquecer e uma
revolução rapidamente se espalhou entre os Blus.
A mudança radical que as informações ocasionaram ficou mais evidente
quando uma nova liderança dentro do KURPNOTZIS se apresentou a Alex
Randall como legítimo representante dos Blus.
Nas horas seguintes, mais de cinqüenta grupos também estabeleceram
contato com o Viajante das Estrelas alegando serem os novos líderes da
revolução que acontecia dentro do KURPNOTZIS.
Na verdade, o Sábio Conselho dos Blus era quem liderava e tomava todas
as decisões cujas conseqüências repercutiam na vida dos tripulantes de
KURPNOTZIS.
A contestação da liderança era coisa nova dentro daquela comunidade, e
por isso, para aquele caso, considerada de uma gravidade sem igual.
Esta porém, não foi a repercussão mais grave ou violenta da revolução
involuntariamente causada por uma simples troca de informações entre duas
culturas diferentes.
Uma sangrenta guerra estourou e logo tomou conta do interior
KURPNOTZIS.
Nosso herói só percebeu toda a gravidade da situação quando violentas
explosões aconteceram por todo o imenso cubo.
Instintivamente, nos teclados luminosos tridimensionais projetados a partir
braço da sua poltrona de comando, digitou alguns comandos que fizeram com que
o Viajante das Estrelas se distanciasse de KURPNOTZIS colocando-se num
perímetro de segurança onde as explosões que aconteciam não pudessem lhe
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
causar nenhum dano
Estarrecido com aquele trágico evento, Alex Randall
involuntário responsável pela morte daquela raça.
viu-se como
***
KURPNOTZIS continuou explodindo e incendiando-se continua e
inexoravelmente em meio ao gélido vácuo espacial por muito tempo.
Toda aquela desgraçaria ocorreu de modo tão rápido, brutal e
surpreendente que nem houve tempo para se cogitar em salvamento de alguma
vida a bordo do imenso cubo.
Assistindo àquele fantástico espetáculo pirotécnico de beleza sem igual,
que na verdade estava mesmo causando muita morte e destruição, nosso herói
reorganizava as idéias e fazia uma reflexão dos acontecimentos.
Pensou na boa intenção que terminou em uma guerra suicida.
Sentia-se culpado, claro!
Surpreendeu-lhe o poder que uma informação tinha e a sua velocidade de
repercussão naquela cultura.
Indagava-se o que teria causado tamanha revolução numa raça
aparentemente tão ordeira e disciplinada como a dos Blus.
Inicialmente enviara um pacote de dados extremamente inofensivo.
Não imaginava como é que o conteúdo alí existente pudesse ter causado
todo aquele estrago...
As informações mandadas eram referentes à catálogos de turismo nas
diversas localidades da Terra e até em outros planetas do sistema solar.
Através do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas, Alex Randall
fêz um rastreio do material que mais havia interessado aos Blus e, que
provavelmente teria sido causador de tamanha calamidade.
Acabou descobrindo que o Brasil e o “jeitinho brasileiro” de resolver as
coisas (através das gambiarras, malandragens e outros malabarismos que nem
Deus entende) foi o tema que mais chamou a atenção daquela raça.
A idéia de um povo que conseguia sobreviver em meio a tantas
trambicagens simplesmente acabou com toda a ordem e progresso que até o
momento regulava a vida dos Blus.
Era uma constatação chocante. Mal dava para acreditar.
***
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Por longo tempo ainda permaneceu assistindo à sucessão de explosões e
incêndios que consumiam KURPNOTZIS.
Quando não restou mais nada, Alex Randall encheu seu cachimbo e fumou
todo o seu conteúdo como forma de homenagear os amigos que perdera.
Teve então uma idéia.
Certamente salvaria todas aquelas vidas perdidas.
-Vamos viajar pelo tempo em direção ao passado para salvar
KURPNOTZIS e os BLUS. Nossas máquinas disponíveis a bordo certamente
poderiam nos fazer voltar a um momento onde o intercambio cultural não tenha
ocorrido e...
-Não vai dar certo. - Disse o Cérebro Computadorizado do Viajante das
Estrelas.
-Não entendi. Mas como não vai dar certo?
-Não vai dar certo porquê o intercâmbio não foi a razão principal que
vitimou KURPNOTZIS e os BLUS.
-Não foi? Mas a guerra civil que se iniciou entre eles foi devido á quebra de
sua unidade...
-Exato. Mas a guerra civil entre os BLUS não foi a causa do fim de
KURPNOTZIS.
-Mas as explosões ocorreram durante a guerra...
-KURPNOTIZIS estava morrendo e ia explodir daquele jeito de qualquer
maneira. Ele tinha colocado os BLUS em estado de hibernação para diminuir a dor
do fim.
-E nós despertamos os BLUS do seu sono...
-Provavelmente...
-Agora me sinto mais culpado ainda...
-Talvez não seja o caso. O fim deles já estava certo. Agora, pelo menos a
cultura e história de KURPNOTZIS e os BLUS estará temporariamente preservada
para o futuro.
-Sei...
-E tem mais... Se não houvesse o intercambio, jamais conheceríamos as
verdadeiras causas que deram fim a KURPNOTZIS e os BLUS.
-Verdade... Então, acho que no fim das contas foi melhor assim.
Parcialmente recobrado daquele desastre, Alex Randall resolveu voltar aos
estudos da Estrela invisível.
Veio então nova surpresa na voz feminina do cérebro computadorizado:
-A estrela invisível não se encontra mais no ponto onde anteriormente
estava.
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-Quêêêêêê!?!?!?!?
-Sumiu sem deixar vestígios.
A fim de sufocar o inconformismo diante daquelas situações, que já
estavam passando a ser irritantemente constantes, acendeu o seu cachimbo e
fumou tudo o que podia até concluir que não adiantava chorar o leite derramado.
O negócio era seguir em frente.
***
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MEMORIAL N.4 DE ALEX RANDALL
1994 -TERRA
Domingo à noite, voltando para casa, Jorson entrou na estação de metrô e
pegou o último trem do dia.
No seu caminho de retorno para o lar, percorreria quase toda linha
metroviária parando de estação em estação até finalmente chegar no bairro da
periferia onde morava.
Jorson embarcou no último vagão da composição que saiu no horário
correto.
Estava sozinho alí dentro.
Mesmo depois que o trem partiu e, posteriormente, parou em outras
estações ninguém entrou naquele ou em outros vagões.
Pelo sistema de som, uma voz sinistra anunciava cada uma das paradas.
Chegava a ser tenebroso e assustador em alguns momentos.
Jorson porém, longe de achar sinistra aquela situação encarava tudo como
um fato engraçado, talvez até pitoresco.
A certa altura, já não sabia se ria ou chorava de medo...
Há que se frizar ainda, que os anúncios informativos das estações eram
feitos de modo tão tétrico, que certamente causaria inveja aos melhores locutores,
interpretes e atores profissionais...
Percebendo que ninguém mais entrava na composição onde estava, Jorson
resolveu fumar charutos proibidos por serem de um país revolucionário comunista
cujo líder se perpetuava no poder a quase meio século...
Acendeu-o sem o menor constrangimento e logo estava soltando algumas
baforadas que acabaram por formar uma espessa névoa de fumaça naquele
ambiente.
Relaxado, contemplava através da janela o mundo lá fora que se movia em
alta velocidade.
Estava escuro, não era possível para olhos humanos identificar se o trem
corria por dentro de algum túnel ou se a noite é que se adensava cada vez mais.
Mesmo assim, Jorson se tranqüilizava.
Não seriam as sombras ou a falta de luz que iriam assustá-lo na sua volta
para casa.
Pequenos pontos brancos começaram a aparecer lá fora.
Tinham brilho diferente. Pareciam até estrelas e galáxias no espaço.
Jorson deu algumas tragadas no seu cigarro e cerrou firmemente os olhos.
De vez em quando, depois que ficava meio atordoado com tanto fumo na
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
cabeça, via manchas brilhantes que lhe atrapalhavam a visão.
Voltava a enxergar as coisas normalmente depois que fechava os olhos
com força.
Naquele momento, apesar do esforço, os pontos brilhantes visíveis além
das janelas do vagão insistiam em não querer desaparecer, ao contrário, quanto
mais olhava, o número deles parecia aumentar...
Começou a desconfiar que aquele fumo devia ser bom demais quando, ao
deter com mais atenção os olhos sobre os tais pontos brancos, percebeu que,
estes, eram realmente galáxias com centenas de bilhões de estrelas...
Percebeu também que, de um momento para outro, apareceu a uns
duzentos ou trezentos metros adiante da composição onde estava, uma
gigantesca esfera prateada.
Então a voz sinistra manifestou-se novamente...
-Próxima parada; Viajante das Estrelas.
A temperatura baixou de um momento para outro, o ar, parecia querer sair
dos seus pulmões...
Na superfície da esfera, abriram-se duas comportas e o trem avançou para
o interior de uma delas.
Logo depois, parou...
Dentro do vagão, novamente manifestou-se a voz tenebrosa:
-Desembarque autorizado.
***
Alex Randall fumava seu cachimbo enquanto analisava as prováveis
causas do misterioso sumiço da estrela fria que tentara tão detalhadamente
estudar.
Um corpo celeste com tais proporções simplesmente não some do
firmamento como se alguém o enfiasse no bolso.
Aquilo, de algum modo devia ter explicação lógica.
Porém, nosso herói não conseguia encontrá-la.
Mas, outros motivos para intrigá-lo não faltaram...
Subitamente, de modo inexplicável, a uns duzentos ou trezentos metros de
distância do casco do Viajante das Estrelas, materializou-se uma composição de
metrô que avançava veloz e diretamente para a superfície da astronave.
Não havia tempo para se fazer nada. Sequer até para entender direito o
que estava acontecendo.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Na parte externa do Viajante das Estrelas, abriram-se duas comportas por
onde entrou a composição.
Logo a seguir, o casco da astronave fechou-se ocultando a entrada por
onde passara o trem...
-Com mil diabos! O que está acontecendo aqui?
O cérebro computadorizado da astronave logo se manifestou:
-Há um intruso a bordo!
-Isso eu já sei! Agora me diga como é que este trem conseguiu acionar os
controles de abertura das comportas externas e entrar...
Alex Randall estava realmente mal-humorado.
A despeito das medidas de segurança existentes na astronave, uma
invasão não autorizada sempre era o tipo de coisa que o irritava.
-Bombas! Eu projetei essa bola voadora! EU deveria comandar as coisas
aqui dentro. EU é que deveria autorizar as coisas a acontecerem, e não o
contrário!
Em seguida levantou-se da poltrona e saiu da central de comando.
-Vou verificar pessoalmente que negócio é este que está acontecendo...
***
Jorson não entendia nada!
O trem tocou o chão mas não estivera apoiado em trilho algum.
Depois de abertas, as portas aliviaram daquele vagão a fumaça que o
empesteava.
Olhando para fora, pôde ver que estava num local totalmente diferente
daquele para onde pretendia ir...
Diferente de uma estação de trem era sem a menor sombra de duvida, já
que, tinha maior similaridade com hangares para aviões ou até, naves
espaciais...
As visões de cenários futuristas digna dos filmes de ficção científica deviam
ser causadas pelo excesso de uso de fumo.
Normalmente, o que via quando descia no ponto final situado na periferia,
era um cenário cheio de favelas, ruas esburacadas, esgoto a céu aberto e não
aquela modernidade toda.
Pior de tudo é que Jorson reparou ser o único a estar fazendo a viagem
naquele trem. Não havia ninguém nos outros vagões ...
Bom, pelo menos, um maquinista deveria existir! Não conseguia imaginar
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
um trem andando por aí sem condutor humano.
Jorson saltou para o chão e seguiu até o primeiro vagão onde, em tese,
deveria encontrar um piloto mas, lá não havia ninguém.
A história já era estranha e ficou mais esquisita ainda quando apareceu um
sujeito fumando um cachimbo.
***
-Ei amigo! Você é o condutor do trem?
Alex Randall ficou perplexo frente àquela questão.
Fumando seu cachimbo, respondeu:
-Não. E ao que parece, o sr. é que é o único passageiro nele.
-Mas não tem ninguém pilotando esta composição?
Segurando o cachimbo preso a boca, nosso herói respondeu
negativamente com a cabeça e ainda complementou:
-Tudo indica que o sr. é a única pessoa a bordo além de mim.
Alex Randall não queria transparecer, mas estava simplesmente
abestalhado com o fato de encontrar outro ser humano tão longe da Terra que
falasse em idioma conhecido, e numa circunstância como aquela.
O confuso Jorson coçou a nuca e, com ar um tanto incrédulo disse:
-Está tudo muito esquisito mesmo! Será que eu peguei o trem errado?
Observando atentamente o comportamento do pobre homem que
involuntariamente entrara no Viajante das Estrelas, nosso herói reparou que este
também era fumante.
Sacou outro cachimbo automático do bolso ofereceu-o a Jorson que o
aceitou e logo quis fazer uso.
Estabeleceram assim uma atmosfera de cordialidade, relaxamento e
respeito sendo que, a partir daí o confuso passageiro daquele trem relatou a sua
história com riqueza de detalhes.
Alex Randall estava atento a cada palavra.
Terminada a narrativa, teve uma idéia que explicava com lógica o
acontecimento.
Contou-a para Jorson que, ao se dar conta de que estava dentro de uma
astronave flutuando no meio do nada e longe de tudo, teve até uma sensação de
enjôo.
Ao contrário de Alex Randall, Jorson era um sujeito muito pé no chão em
sua vida e o simples fato de afastar-se da sua cidade sem avisar a família para ele
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
era algo preocupante, quanto mais então, uma viagem fora do sistema solar, ou
até longe da galáxia
Percebendo a aflição do homem, nosso herói tentava habilidosamente
acalmar-lhe falando sobre as infinitas qualidades da sua astronave:
-O Viajante das Estrelas é insuperável na velocidade e pode oferecer todos
os confortos que a vida na Terra tem. A gravidade a bordo é idêntica à do nosso
planeta natal, mas, pode ser alterada de acordo com a vontade do tripulante.
Tenho aqui à minha disposição até um parque aquático com diversos modelos de
piscinas cheias dos mais diversos tipos de águas para relaxamento, práticas
esportivas ou tratamento de enfermidades e moléstias...
As explicações poderiam durar dias seguidos...
Jorson já sentia-se um pouco mais calmo com elas, mas, ainda assim
queria saber como viera parar alí e, principalmente, como voltaria para casa...
Nosso herói então revelou a hipótese que tinha em mente que poderia
explicar aqueles fatos inusitados:
-Acho que viemos parar numa região do espaço com alguns “buracos de
minhoca” escondidos.
-Buracos de minhoca escondidos? - Indagou Jorson.
-É uma teoria que poderia explicar tanto a sua inexplicável chegada a
minha astronave, bem como o sumiço de uma estrela que ando procurando...
-O sr. acha que o meu aparecimento aqui tem algo a ver com o sumiço da
estrela? Caramba! Que história confusa!
-Talvez a causa para os dois fatos possa ser similar. Os tais buracos de
minhoca a que me referi anteriormente.
Jorson deu fortes baforadas no seu cachimbo novo, mesmo complicada,
agora a conversa estava ficando interessante...
Talvez, fosse conseqüência da excelente qualidade do fumo oferecido por
Alex Randall. Sem dúvida, um dos melhores que já experimentara durante toda a
vida.
Alex Randall herói foi deixando então suas idéias mais claras para o
confuso passageiro daquele trem fantasma:
-Ponha uma folhal sobre uma mesa e marque dois pontos distantes um do
outro e próximos às extremidades do papel.
“Mantendo o mesmo esticado na mesa; o modo mais direto de se sair de
um dos pontos da folha e chegar ao outro seria através de uma linha reta.”
“Mas, se curvássemos a folha de papel de modo que, um ponto
“encostasse” no outro, criaríamos a simulação do que seria um “buraco de
minhoca”, ou seja, é uma espécie de “atalho” que interliga diferentes regiões no
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
espaço e até no tempo...”
“-Acho que estamos num lugar onde estes fenômenos surgem de modo
espontâneo e inesperado, abrindo uma ou várias passagens para diversos pontos
no universo.”
A explicação ficara mais ou menos clara para Jorson, mesmo assim, não
estava na sua praia a idéia de viver trancafiado dentro de uma nave espacial por
tempo indeterminado...
Alex Randall sabia se estava certo nas suas teorias com respeito àquela
confusa situação, mas, ficou ainda mais atordoado quando Jorson manifestou o
desejo de partir...
-Partir como, Jorson? Nem sei direito o que está acontecendo. O mais
seguro seria nos afastarmos deste lugar enquanto ainda estamos vivos e com o
controle da situação.
-Sei que para o sr. é muito normal passar todo o tempo aqui dentro tirando
fotos e filmando estrelas, galáxias e o que mais aparecer pela frente, mas, para
mim não.
“Tenho de respirar em lugar aberto e sem paredes. Negócio de viagem
espacial não é comigo.”
-Compreendo seu ponto de vista, Jorson. Se quiser, eu o levo de volta para
a Terra, mas, pelo que disse, acredito que a época que o sr voltará é diferente
daquela que deixou...
-Tenho mulher e família. Não dá para voltar em outra época. Quero mesmo
é iro para casa. Como faço para voltar aonde pertenço?
A surpreendente resposta veio com a voz sinistra novamente se
manifestando de dentro dos vagões da composição...
-Partida após o fechamento das portas. Senhores passageiros, favor
embarcarem agora.
Jorson não perdeu tempo e se despediu de Alex Randall:
-Vou seguir daqui, amigo. Não posso perder este trem.
-Sr. Jorson. Seu destino é incerto, não pode embarcar arriscando sua vida
assim...
-Vou assim mesmo!
Sem perda de tempo, Jorson subiu no último vagão novamente e, as portas
fecharam-se atrás dele logo após o seu embarque.
Nosso herói conformou-se pois, apesar do seu infrutífero esforço, tentara
convencer o confuso viajante a realizar aquela que julgava ser a mais segura
forma de volta para casa.
Alguns minutos depois, sentado de volta na central de comando, Alex
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Randall acompanhava através dos monitores e projetores a partida daquele trem
que se deu do mesmo modo misterioso como chegou.
***
Dentro do trem, fumando seu novo cachimbo e, apavorado com o destino
incerto que poderia ter, se algo desse errado, Jorson observava a imensidão do
espaço cujo infinito chegava a lhe causar vertigens.
O trem corria e internamente fazia até o mesmo barulho que quando
estando apoiado nos trilhos...
Lentamente, a visão de Jorson foi se turvando até que dormiu
profundamente.
***
Acordou com um solavanco!
Chegara à última estação do trajeto que, já desde o início deveria ter feito.
As portas se abriram e o mundo lá fora estava exatamente como sempre
deveria estar.
Jorson saiu na plataforma e dirigiu-se até a cabina de pilotagem no primeiro
vagão onde deveria haver um maquinista e não surpreendeu-se muito quando a
encontrou sem ninguém.
A estação estava completamente vazia.
Não havia lá dentro ninguém que pudesse lhe esclarecer algo a respeito de
tão estranha viagem.
Saiu para a rua onde o movimento das pessoas indicava que a vida seguia,
apesar daquela estranha história que tinha vivido.
Concluiu que tudo talvez não passasse de um sonho que tivera dormindo
no trem; assim, achou melhor esquecer os acontecimentos...
Resolveu fumar e encontrou no bolso o cachimbo cheio daquele fumo
excepcional que ganhara de Alex Randall...
As dúvidas então voltaram e, assim, acabaram definitivamente ficando sem
solução...
***
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MEMORIAL N.5 DE ALEX RANDALL
O sumiço da estrela invisível e o não menos misterioso aparecimento do
trem sem condutor no hangar do Viajante das Estrelas eram fatos que Alex
Randall se esforçava para assimilar.
Analisou inúmeras vezes as imagens gravadas da estrela, e as do trem
mas não chegou a conclusão alguma.
As do trem eram as mais espetaculares.
Este decolava sabe-se lá como de dentro do hangar; subia em direção às
comportas, e estas se abriam sem que o Cérebro Computadorizado da astronave
sequer tomasse conhecimento ou autorizasse.
A composição ia pro meio do nada espacial e simplesmente desaparecia...
Por não ter ainda conseguido elementos que comprovassem uma teoria
que tinha à respeito do assunto, Alex Randall decidiu permanecer mais tempo pela
região.
Entretanto, nenhuma anormalidade ocorria...
-Vamos até o local onde a estrela fria foi registrada pela última vez.
Rapidamente o Viajante das Estrelas transpôs a astronômica distância até
chegar às proximidades de onde deveria estar a Estela Invisível...
Entretanto... Por alí não havia nada!
Sequer um meteorito, resíduo de matéria, ou qualquer coisa que indicasse
que naquele local do espaço, poucos tempo antes, existia uma estrela de
proporções colossais.
Mesmo os instrumentos da astronave nada mostrvam de estranho ou
suspeito.
Foi então que, de um momento para outro, apareceu sem nenhuma
explicação, no meio do espaço um buraco...
Não um buraco comum, mas, um abismo com mais de quinhentos mil
quilômetros de diâmetro e profundidade incalculável.
Seu interior era muito brilhante, chamas eternas e purificadoras pareciam
arder lá dentro...
Nosso herói não teve muito tempo para conjeturar como aquele fenômeno
havia aparecido alí, ou, se ele era um outro atalho para alguma distante região do
universo.
Do mesmo modo repentino que o buraco havia aparecido do meio do nada,
ele sumiu!
E desta vez, engolindo para o seu interior o Viajante das Estrelas!
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***
Dentro da astronave, nosso herói ouviu um barulho estranho por trás de um
dos equipamentos de controle da central de comando.
Foi verificar e surpreendeu-se com a origem dele: uma barata!
Alex Randall imediatamente pensou:
-Onde aparece uma barata, existirão outras, e talvez até ratos.
Além de ter sua astronave levada sabe se lá para que lugar graças àquele
fenômeno estranho em forma de buraco no espaço, nosso herói também tinha
agora a difícil tarefa de adivinhar de onde teria vindo aquele inseto.
Tinha certeza de que o Viajante das Estrelas havia sido completamente
limpo e esterilizado antes da partida.
A presença de um intruso a bordo sem conhecimento do cérebro
computadorizado já era muito estranha.
Mesmo um inseto cem vezes menor que aquele teria sido localizado antes
da partida.
E a situação não parou de surpreender nosso herói...
Assim que foi percebida, a barata apontou as antenas para Alex Randall e
avançou na direção dele subindo pelo seu braço que, naquele momento estava
com as mãos apoiadas no chão.
Então, veio aquela dor insuportável.
Por onde andava, o inseto soltava um forte ácido que queimava a pele.
Antes que, num movimento involuntário dos braços pudesse livrar-se do
bicho que o atormentava, este, entranhou-se mais ainda por dentro da roupa.
E continuou sua caminhada pelo corpo de Alex Randall queimando-o ainda
mais...
Nosso destemido desbravador do espaço tentou esmagar a barata
apoiando a parte do corpo onde ela se encontrava em alguma superfície dura,
mas, nem isso deu certo.
O bichinho a cada momento aumentava mais o castigo com seu passeio.
Rasgou a roupa preta que usava estragando todos os computadores e
acessórios conectados.
Ainda assim, o inseto não desgrudava e a tortura continuava...
Não teve outro jeito senão arrancar o bicho com as próprias mãos. Claro
que, à custa de novos e dolorosos sofrimentos.
Desgraçadamente, quando achou que finalmente teria descanso, percebeu
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
que seus momentos de tormento ainda não haviam se findado.
Diante de Alex Randall estava um ser extremamente assustador com
aparência demoníaca.
Era feio, de cor vermelha, com chifres, asas, dentes e unhas pontiagudas.
Cheirava muito mal e ainda segurava um tridente preto e enferrujado.
O primeiro contato com tal criatura logo de cara foi pouco amistoso.
Nosso herói sequer teve tempo para se recuperar e dizer: “-Olá, como vai?
- quando foi espetado na altura do peito pela arma afiada do estranho.
-Olá Alex Randall! Como vai? Seja bem vindo ao inferno!
***
Aquilo só podia ser brincadeira.
Justamente com Alex Randall que não acreditava no inferno tão pouco no
paraíso..
Era um sujeito completamente ateu que, já em vida, acreditava estar
pagando seus pecados.
-Pode acreditar! - Berrava aquela criatura apavorante. - Mas é verdade! Não
é sonho não! O fato de ser ateu não o livrará do seu sofrimento que, quando tiver
início, fará você acreditar em todos os deuses do Universo implorando a salvação
para cada um deles!
Sentiu a mão daquele ser amaldiçoado mexendo o tridente que, por sua
vez, transmitia diretamente para os seus órgãos a força daqueles movimentos.
Não tardou e, é claro! Alex Randall, que já estava espetado, foi suspenso
no ar pela grotesca criatura que se deleitava com os seus gritos de dor.
-Sou o Xerife do Inferno! Agora, você não terá um segundo de descanso.
Sua agonia durará muito tempo.
O ser infernal realizava peripécias com apenas um braço usando o tridente
onde nosso herói estava espetado.
E Alex Randall, o pobre infeliz, sofria diretamente no próprio corpo, o que
era ser o pão que o diabo amassou.
E sua infelicidade não terminou por aí.
Logo, nosso agonizante herói sentiu que respirava algum tipo de gás
asfixiante que, quase forçava os pulmões a serem expelidos pela boca, tal a
potência da tosse que ocasionava.
E veio a risada infernal que parecia não terminar nunca, além de também,
causar dor nos ouvidos, na cabeça e no próprio cérebro.
Cansado de realizar evoluções acrobáticas com o tridente onde Alex
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Randall estava espetado, o Xerife do Inferno arremessou-o à distância fazendo-o
estatelar-se a uma das paredes da central de comando.
O corpo do nosso herói foi ao chão semi-morto, arrebentado e por alí ficou
agonizando.
-Vamos com isso, rapaz! Você não é tão fraco assim. Pode suportar mais!
Com um estalar de dedos, cujo som seria capaz de ensurdecer qualquer
ouvido humano, o Xerife do Inferno fez surgir na central de comando cães negros
com correntes presas ao pescoço, dentes prateados e olhos vermelhos como
sangue.
-Peguem rapazes! Ainda sobrou um pouco para vocês...
Os animais saltaram sobre o nosso pobre e indefeso herói devorando-lhe
as carnes tomando o cuidado de começar a comilança pelos testículos.
Não havia o que fazer.
Alex Randall estava sentindo cada momento daquela intensa agonia,
mesmo quando já deveria estar morto.
A dor e a violência eram tão grandes que sequer havia tempo de imaginar o
porquê daquela situação...
Os gritos agonizantes do nosso herói não comoviam o Xerife do Inferno.
Tanto que, este começou a falar como se nada demais estivesse acontecendo...
-Meu amigo! Que oportunidade rara! Não é sempre que temos no inferno
gente viva nos visitando... Não quer ficar permanentemente?
A resposta foi um grito pavoroso de dor.
A agonia era interminável...
Do corpo vivo de Alex Randall só restou a sua cabeça que o Xerife do
Inferno pegou pelos cabelos agora já um tanto ensangüentados.
-As coisas aqui ficaram socializadas. Modernizamos o sistema. Todo
mundo tem tratamento igual. O sujeito já chega sofrendo e continua assim até o
fim da eternidade...
E deu outra sonora gargalhada...
-Até o fim da eternidade... Entendeu a piada?
A criatura demoníaca lançou a cabeça de Alex Randall, que, mesmo
separada do resto do corpo continuava agonizando, como se fosse uma bola de
futebol e deu nela alguns chutes contra as paredes da central de comando.
Depois, ensaiou seus privilegiados dotes de jogador de futebol praticando
“embaixadinhas”.
E até que não era ruim...
Conseguiu chutar a cabeça com a mesma perna sem deixar cair no chão
por bastante tempo.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Mesmo assim, a cabeça de Alex Randall não tinha descanso.
A morte não o abraçava aliviando-o de tanta dor.
O Viajante das Estrelas então desapareceu.
A cabeça de nosso herói flutuava em direção a um mar de chamas que
parecia existir em todas as direções e não ter fim...
Caiu então num amontoado de corpos e membros provenientes de bilhões
de outros pecadores de diversas raças inteligentes existentes pelo universo que,
agora eram residentes permanentes do inferno.
Aquela pilha monumental não parava de crescer. A cada segundo centenas
de corpos despencavam do alto alimentando as chamas da fogueira.
Ainda assim, a agonia do nosso herói prosseguia, mesmo que só do
pescoço para cima.
Surgiram várias outras criaturas infernais que também se divertiam bastante
causando sofrimento às almas que involuntariamente alí padeciam.
Do meio do monte de corpos, o Xerife do Inferno retirou a cabeça de Alex
Randall e chutou-a em direção ao grupo de seres medonhos que dividiram-se em
dois times e começaram a jogar futebol.
Nosso herói, ainda assim não morria. Mesmo a partida tendo durado muito
além dos tempos regulamentares.
Terminado o clássico futebolístico, o Xerife do inferno pegou a cabeça de
Alex Randall novamente e, mostrou-lhe o cachimbo que tanto usava e apreciava.
-Vê?!? Isso faz mal à saúde. Mas, quem sou eu para livrá-lo do seu vício?
Com seus dedos sujos e nojentos, a criatura puxou para fora da boca a
língua de Alex Randall e, sobre esta, jogou as cinzas ardentes do fornilho.
Complementando a tortura, quebrou o cachimbo no meio, jogou fora a
piteira e colocou o que sobrou preso aos dentes daquela cabeça...
-Assim, você não reclamará que eu não suavizei o seu sofrimento
permitindo-lhe apreciar o seu prazer de fumar.
E o Xerife do inferno gargalhou alucinadamente.
Só parou no momento que um outro personagem apareceu nesta história...
Era um homem alto, bem vestido, de boa aparência e com voz tranquila que
se aproximou silenciosamente do Xerife do inferno:
-Onde está Alex Randall?
O Xerife do inferno pegou a cabeça do nosso herói, ou o que sobrou dela e
disse:
-Chegou até nós por meio de um dos “buracos de minhoca” que ligam o
inferno à dimensão dos vivos. Achei melhor antecipar um pouco do sofrimento que
ele irá merecer.
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Dizendo isso, o Xerife do inferno entregou a cabeça para aquele homem
que a tomou em suas mãos e encarou firmemente seus olhos.
-Disse bem! Que virá a merecer... Infelizmente, ainda não teve tempo de
cometer o pecado que garantirá seu lugar entre os nossos mais ilustres
hóspedes...
E então, vendo os olhos daquele ser, Alex Randall, mesmo no estado em
que se encontrava, percebeu quem ele era. A suprema força do mal, LÚCIFER, o
manda-chuva do inferno, ao vivo e à cores!
-Não vai escapar do seu destino! Mortal! Veja o que o aguarda!
Alex Randall viu uma imagem onde ele mesmo, aparecia sentado numa
versão atemorizante da poltrona que usava na central de comando do Viajante
das Estrelas. Esta, o prendia e aterrorizava, com diversos instrumentos de tortura.
-Considere-se um privilegiado. Os amantes da dor certamente gostariam de
passar pelos mesmos suplícios que sentiu e depois ainda voltar a viver. Mas eles
não podem! Por isso, não vão tão longe quanto você, ó grande desbravador das
fronteiras espaciais! Por agora, só quero que lembre da sua visita aqui. Vai voltar
a viver porque a sua conta no Inferno ainda não é devedora, mas, no futuro...
Quem sabe os caminhos que te aguardam?
Lúcifer estalou os dedos e a realidade se alterou completamente outra vez.
Alex Randall voltou ao normal dentro da central de comando do Viajante
das Estrelas.
Suas roupas e seu corpo estavam intactos sem um único arranhão.
Quando ia achando que toda aquela experiência macabra poderia ser
apenas fruto da sua imaginação, ouviu a voz de Lúcifer manifestando-se com
bastante eco através do sistema de som da astronave:
-Não se esqueça que esteve no inferno, Alex Randall. Seu lugar aqui está
reservado em caso de necessidade.
Assustado com os acontecimentos, encontrou o cachimbo que o Xerife do
Inferno havia quebrado. Este não fora concertado!
Aquela, era outra prova da medonha viagem em que se metera.
Para esquecer tão horrível experiência, decidiu fazer alguma coisa.
Aquela região do espaço estava povoada de fenômenos invisíveis até para
os sensores mais sofisticados.
Estrelas invisíveis, buracos-de-minhoca e sabe se lá mais o que havia por
alí.
Os incautos viajantes que transitassem pela região tinham de ser avisados
dos perigos que os aguardavam.
Antes de se afastar, deixou em várias zonas seguras, que cercavam aquela
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
região, de modo a poderem ser avistados bem de longe, faróis que emitiriam
sinais, inclusive luminosos informando os perigos nas proximidades.
Alex Randall poderia ficar se lamentando durante diversos dias a respeito
daquela terrível experiência e ainda reclamando a respeito das incertezas que o
futuro lhe reservava já que sabia que o próprio Diabo estava nos seus
calcanhares, mas, resolveu reverter toda aquela dor de forma a ajudar o próximo,
fosse este de que raça este fosse.
Antes de seguir caminho, observaria e analisaria o desempenho dos faróis
por algum tempo, só para ter certeza de que estes resistiriam às condições
ambientais a que seriam submetidos.
***
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MEMORIAL N.6 DE ALEX RANDALL
Daquele novo ponto de vista, os sensores altamente apurados do Viajante
das Estrelas perceberam uma força gravitacional que lhe exercia pequena
influencia e procuraram por sua origem.
Mesmo a uma considerável distância, as poderosas lentes das câmeras da
astronave identificaram um planeta como responsável e, a respeito do mesmo,
fizeram interessantes descobertas.
Alí, o ambiente era viável e favorável a vida humana...
A possibilidade de sobrevivência confortável para o homem num novo
mundo sempre era motivo mais do que justo para pesquisa, tanto que, no
momento seguinte, Alex Randall autorizou o Cérebro Computadorizado a
conduzir a astronave rumo àquele novo mundo.
Depois de cobrir uma distância astronômica em pouquíssimo tempo, O
Viajante das Estrelas circulou o planeta várias vezes analisando detalhadamente
toda a sua superfície procurando por cidades ou resquícios de vida.
Após intensas buscas, sinais indicando a presença de construções e
artefatos tecnológicos foram confirmados.
Tratavam-se de milhares de naves espaciais das mais diversas origens
estacionadas umas ao lado das outras.
Através dos transmissores do Viajante das Estrelas, foi enviada uma
saudação de paz e amizade em todos os idiomas conhecidos pelo cérebro
computadorizado.
Aguardou algum tempo, mas não obteve resposta alguma...
-Vou descer. Tentarei uma abordagem direta.
A resposta do cérebro computadorizado foi imediata.
-Devo aconselhá-lo do contrário, a atmosfera não foi suficientemente
analisada, uma mudança de tempo é possível a qualquer momento. Existe até a
possibilidade de encontro com formas de vida agressivas e perigosas. Os
serviços preliminares podem ser feitos por robôs e sondas exploradoras...
-Não acredito que os construtores dessas naves espaciais possam ser
perigosos ou ignorantes! A possibilidade de risco à minha segurança é mínima.
Mantenho a decisão.
Alex Randall dirigiu-se até o hangar onde estavam disponíveis diversos
tipos de veículos que permitiam variadas missões fora da nave.
Poderia ser teletransportado diretamente para a superfície do planeta, mas,
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
perderia uma das maiores diversões deste tipo de visita: apreciar a vertigem e as
fortes emoções características dos esportes radicais durante a entrada e queda
em alta velocidade em direção à superfície daquele mundo..
No hangar também havia uma poltrona ligeiramente diferente daquela que
usava na central de comando.
Seria nela que apreciaria aquela “pequena viagem”.
Sentou-se, digitou alguns comandos no painel de controles instalado em
seu braço e, ela começou a flutuar.
O cinto de segurança prendeu automaticamente nosso herói ao encosto e
um capacete vedado com amplo visor foi colocado sua cabeça.
Formou-se então pálida esfera branca, semitransparente e brilhante ao
redor da poltrona.
Era um campo de proteção. Tão intransponível, que mesmo no vácuo
espacial não deixaria escapar o ar que eventualmente estivesse em seu interior.
Tudo parecia muito seguro para Alex Randall, mas, o cérebro
computadorizado do Viajante das Estrelas ainda não havia se convencido disso...
Com sua voz feminina digitalizada, tentava ainda uma última vez demover o
nosso herói de seu intento.
-Devo insistir na recomendação de cautela e no pedido para que
permaneça aqui dentro em segurança até a chegada de novas informações.
-Não se preocupe. Pretendo voltar inteiro para a nave...
Seria aquela impetuosidade toda fruto dos momentos agonizantes pelos
quais passara nas mãos dos senhores dos infernos?
Difícil saber.
Com um movimento rápido das mãos sobre o painel instalado no braço da
poltrona, esta voou para fora do hangar.
Do espaço, seguiu em direção aos céus daquele planeta.
Escoltando Alex Randall, seguia um robô de segurança com forma esférica
e diâmetro aproximado de quarenta centímetros.
Penetrou a atmosfera em alta velocidade e, logo viu ao redor do campo de
força que o protegia as chamas arderem.
Não tardou muito diminuiu a velocidade até para poder visualizar melhor
os acontecimentos ao seu redor.
Afora as nuvens do céu e o vento, na superfície daquele mundo nada se
movia em parte alguma.
Bem distante, numa vasta planície deserta, os instrumentos de localização
da poltrona encontraram um veículo terrestre muito similar a um toda estrada de
seis rodas.
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Dirigiu-se para a localidade, pousou ao seu lado, e logo notou que, dentro
dele haviam dois seres de formas humanóides debruçados no painel...
Não se moviam...
Alex imaginou que ambos poderiam estar mortos, mesmo assim, deu um
grito de saudação:
-Ei!!
Continuaram sem se mover...
Alex desativou a esfera protetora ao redor da poltrona e desceu desta, se
aproximando do carro.
Empurrou o ombro de um dos seres, e este caiu duro no chão!
Era humanóide, sem duvida nenhuma. Quase não tinha diferenças com um
terrestre...
O rosto demonstrava um sorriso escancarado mesmo depois da morte.
Uma cena realmente tétrica...
Só para confirmar, Alex Randall olhou também o rosto do outro que também
estava no jipe.
Apresentava as mesmas condições...
-Esses dois não podem me ajudar em mais nada. – Pensou - Vou procurar
vida em outro lugar.
Ao lado de Alex o seu robô de segurança e escolta registrava todos os
detalhes da cena de morte enviando-os ao cérebro computadorizado do Viajante
das Estrelas.
-Algum fator que identifique o porquê dessa morte sorridente? Perguntou
Alex.
-Não. – Foi a resposta vinda da esfera robotizada. - Afora a estranha
mudança nos músculos do rosto, nada de anormal se feita uma comparação com
a anatomia humana terrestre.
-Morte sorridente... Este termo é muito engraçado mesmo...
Alex acabou deixando até escapar uma gargalhada, mesmo diante uma
situação nada risonha...
Voltou novamente para a poltrona e levantou vôo à procura de vida.
Decidiu seguir na direção onde estavam as estranhas naves que havia
identificado anteriormente.
Depois de voar um pouco, encontrou o que procurava.
Pousou ao lado de uma delas.
Uma com forma de torpedo e bastante carcomida pelo tempo.
De pé, começou a procurar por uma porta ou escotilha que desse acesso
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
para o foguete.
Não demorou e logo encontrou o que queria.
Deu alguns gritos e ninguém se manifestou.
Abriu a porta e, um pouco mais cauteloso, disse para o robô.
-Entre aí e verifique a situação.
O robõ entrou e desapareceu na escuridão ali de dentro.
Alguns minutos passaram e então voltou com informações:
-Existem dezenas de formas humanóides aí dentro. Todas sem vida.
Aparentemente, também foram vítimas do mesmo mal que matou os que
encontramos agora a pouco.
Subitamente, Alex Randall começou a gargalhar novamente...
Se contendo um pouco mais, ele parou para respirar e disse:
-Que droga! Eu venho preparado até com discurso decorado para a
eventualidade de encontrar formas desconhecidas de vida e tudo o que encontro é
um cemitério...
Inexplicavelmente, Alex Randall caiu novamente na gargalhada...
-Puxa vida, isto não é tão engraçado assim. Afinal, aqui todos estão
mortos...
E ria mais um pouco.
O robô que o acompanhava deu uma sugestão:
-Recomendo que voltemos ao Viajante das Estrelas para procedimentos
médicos de emergência. Suas atitudes indicam uma aparente contaminação pelo
mesmo mal que matou toda esta gente...
Alex ficou de pé contendo inutilmente as gargalhadas e ainda tentando
apelar para ficar um pouco mais...
-Não é necessário! Já me sinto melhor... Vamos procurar novas formas de
vida. Eu sei que vamos encontrar.
E ria mais ainda.
Logo não conseguia mais conter as gargalhadas e se ajoelhou novamente.
As lágrimas rolavam pelo seu rosto, seus músculos estomacais estavam
estirados de tanta contração e dor, mas, Alex não parava de dar risada.
O rosto começou a desfigurar-se no temido sorriso mortal.
O robô que o acompanhava registrava em detalhes seus momentos de
agonia.
Caiu no chão e contorcia-se com fortes dores no abdômen, mas sem parar
de dar risada.
Acabou perdendo todo o controle do seu corpo quando urinou
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
descontroladamente nas próprias calças enquanto gargalhava sem parar.
Finalmente, ficou sem ar e tombou inerte com o sinistro sorriso cravado nos
músculos faciais.
***
Logo, de maneira inexplicável e surpreendente um forte vento começou a
soprar no local onde estava o corpo de Alex Randall.
Nuvens se adensaram escurecendo tudo.
A velocidade de circulação do ar aumentou drasticamente...
Dos ventos surgiram furacões e tornados que começaram a levantar
arbustos, galhos e outros objetos do chão...
Uma pedra, no meio da confusão, acertou o robô que prestava segurança a
Alex Randall.
Com a pancada, o refinado aparato tecnológico descontrolou seu vôo
espatifando-se no chão.
A poltrona voadora por sua vez, foi sendo lenta e inexoravelmente coberta
pela areia daquela tempestade.
Mais uma vez, a natureza levava a melhor sobre a ciência do homem...
***
No meio de toda barulheira e ventania causada pela tempestade, uma
sombra de forma humanóide coberta com estranhos roupas, agachou-se junto ao
corpo de Alex Randall e o carregou esquivando-se habilidosamente das forças
brutais da natureza.
***
Acordou sentindo uma forte dor no abdômen e nos músculos faciais.
Olhou ao redor e viu-se numa caverna de paredes brilhantes e luminosas.
Ao seu lado havia um ser humanóide, de quase dois metros.
Era um homem muito velho que tinha barba espessa branca e cumprida.
Alex Randall sentou-se bastante cansado.
O corpo parecia ligeiramente endurecido...
-Preciso ir ao banheiro...
Assim que o ouviu, o velho apontou para um túnel que saia dalí daquele
local.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Como dentro da caverna não havia o conforto de uma instalação sanitária
adequada, nosso herói entendeu a mensagem do velho e enfiou-se no túnel
escuro indicado.
Já de cara, assim que adentrou mais aquela penumbra, ao sentir o cheiro
reinante lá dentro percebeu a finalidade do local.
Botou a bunda pra fora e, na escuridão aliviou-se...
Andou alguns metros, pegou areia do chão e usou-a para fazer a melhor
limpeza possível.
Depois, voltou para a luz onde estivera antes.
-Caramba! Agora sinto-me melhor...
-É bom sinal. - Ouviu – O veneno saiu do seu corpo...
Sentou-se diante do dono daquela misteriosa voz...
-Você pode me entender. –Constatou nosso herói meio aliviado.
O sujeito acenou positivamente com um gesto de cabeça...
-O que aconteceu?
-O sr. foi envenenado pelo ar da atmosfera desse mundo e depois, salvo
pelo poder da Água Purificadora...
Dizendo isso, o sujeito apontou para um lago subterrâneo.
-A Água Purificadora cura qualquer doença em seres de todas as espécies.
Observe seu reflexo na superfície e constate a dádiva que lhe foi oferecida...
Afora as dores musculares que ainda sentia, muito parecidas com as de um
atleta depois do treino, Alex Randall percebeu uma melhora nos pulmões.
Agora respirava melhor...
Andou até a beira do lago e olhou seu reflexo que era claramente refletido
naquele líquido...
Ficou chocado com o que viu...
***
Seu rosto aparentemente havia rejuvenescido mais de cento e oitenta anos
anos!
A pele estava muito mais lisa e saudável... As rugas e manchas nela
desapareceram como que por milagre.
Os dentes voltaram à cor original branca e mesmo as gengivas
anteriormente escurecidas pelo excesso de fumo durante décadas estavam mais
vermelhas e tenras...
Até o cabelo e os pelos do corpo voltaram à cor loura dos velhos e bons
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
tempos.
Tinha agora não só a aparência, mas a saúde de um jovem de 19 anos.
Esta era a dádiva a que o misterioso humanóide naquela caverna se
referia...
Sentia um vigor que há muito não experimentava.
Olhava para as próprias mãos e se indagava:
-Como é possível?
-Um milagre de Deus – foi a resposta que ouviu do estranho... – Só ele é
capaz de fazer brotar do meio das pedras desse mundo a Água Purificadora...
Alex ficou em silêncio pois não acreditava em Deus.
Ainda assim, entendeu ser melhor não dizer a seu salvador que era ateu
para não decepciona-lo já que este parecia bastante religioso.
-Não se preocupe, Alex Randall. Não sou um fanático e compreendo a sua
falta de fé. Eu já fui assim um dia...
Nosso herói não podia acreditar. O tal sujeito ainda era telepata!
-Me perdoe. Foi deselegante da minha parte. Não me intrometerei mais em
seus pensamentos.
-Tem uma vantagem sobre mim, senhor. Não sei quem é...
-Sou Lemor. – Fez uma mesura. - Ao seu dispor...
-Aonde estamos, Lemor?
Estavam dentro de uma caverna iluminada com tochas acesas afixadas em
suas paredes de pedra escura e brilhante.
O chão era de areia fofa e permitia que nosso atordoado herói
permanecesse em posição confortável almejando até relaxamento e conforto.
Ouvia um som forte, alto, constante e até incomodava um pouco que vinha
cuja origem aparentemente estava bem distante dalí. Eram o de fortes ventos que
castigavam aquele mundo..
-Estamos em lugar seguro. – Foi a resposta de Lemor. Aqui poderemos
esperar o término dessa tempestade e você então poderá partir em paz...
-E todas aquelas naves lá fora? O que aconteceu com seus tripulantes?
-Mortos. Não tiveram tempo de beneficiar-se dos poderes da Água
Purificadora...
-Você disse que o ar desse planeta está envenenado... Mas os meus
instrumentos indicaram que ele não apresentava perigo...
-Foi o que todos nós achamos antes de chegarmos. Esse povo tinha
intenção de formar uma colônia e continuar o resto de suas vidas aqui. Um
elemento presente no ar, imperceptível aos melhores sensores e purificadores,
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
causou a morte que não poupou ninguém: só a mim.
-Tem idéia do que permitiu a sua sobrevivência?
-Minha fé. Desde que fui abençoado com a visão de Deus, nenhum mal
mais acometeu minha saúde. Por outro lado, as provações que suporto tem sido
imensas, já que dedico-me agora à pregação da palavra do senhor.
Mesmo com a aparência um tanto mais jovem, as expressões de Alex
Randall não deixavam de revelar uma total descrença no que lhe era dito.
Lemor podia perceber isso mesmo sem seus dons telepáticos.
-Me permite contar como foi o momento mais iluminado de minha vida?
Aquele que vi a luz divina de Deus? – Ou, como prefiro dizer : A MÃE
CRIADORA DE TODAS AS COISAS
Não havia muito o que fazer naquela situação.
Nosso herói sacou do bolso um cachimbo, acendeu-o e abriu um amplo
sorriso:
-Como posso negar um pouco de atenção para quem me tirou o peso de
quase duas centenas de anos das costas?
***
A voz de Lemor era pausada e tranqüila.
Transportou seu ouvinte, da caverna, para um período muito anterior àquele
onde o narrador vivera outro momento, neste caso, como um senhor de guerra.
Um período de tempo onde comandara uma grande frota de naves militares
completamente armadas capazes de desintegrar uma estrela.
Estava a serviço de um império governado com mão de ferro por líderes
que não davam o menor valor para a vida alheia.
Lemor era apenas mais um fiel servidor, porém, um de grande poder, que
cumpria suas ordens sem discução.
Porém, ao final de outra batalha onde encontrara a vitória a custa de muitas
mortes inimigas, teve seu momento de iluminação.
Do seu posto de comando, Lemor contemplava o caos causado por mais
aquela guerra.
Milhares de naves espaciais destroçadas incendiando-se no meio da noite
espacial, gritaria geral, disparos de armas, explosões, fumaça, cheiro de
combustível e gases tóxicos no ar...
Tudo aquilo para ele era apenas mais um dia de rotina no trabalho.
Até o momento que o negrume espacial ficou completamente iluminado,
como se, um único raio tivesse aceso todo o infinito...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Ao redor de Lemor, o tempo pareceu congelar.
Ninguém se movia, mesmo a fumaça no ar parecia parada dentro daquele
instante.
Ainda não conseguia entender o que acontecia...
Então, uma jovem apareceu ao seu lado.
Era muito bonita e estava completamente nua.
Tinha olhos negros e profundos, como se todo o cosmo estivesse no interior
deles...
Com uma doce e sensual voz, ela disse:
-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Deste momento em
diante, você deixará de servir ao teu antigo senhor e somente a mim prestará
contas. Deixa de briga e prega o amor entre os irmãos de todas as raças. Este é o
caminho para mim.
A jovem desapareceu diante de seus olhos, mas, suas palavras não.
Elas ainda pareceram ficar escritas em diversas cores ao redor por algum
tempo...
O fenômeno que congelava o tempo ao seu redor permanecia assim como
um encantamento.
Lemor tirou a armadura que vestia, abandonou o posto de comando e
seguiu para o hangar onde estavam diversas naves..
Embarcou num dos caças disponíveis e lançou-se ao espaço.
Afastou-se da cena de guerra e do estilo de vida que até aquele momento
levara.
Depois disso, passou algum tempo isolado meditando e preparando-se para
o futuro que levaria dali em diante.
Quando voltou para o seu povo, descobriu que o império para quem servira
e que antes governava a tudo e todos com tirania e mão de ferro, tombara.
No seu lugar, fora instaurada uma república.
Naquele momento, Lemor entendeu que seu lado marcial agora estava
morto e dali em diante, dedicaria a vida pregando as palavras da MÃE CRIADORA
DE TODAS AS COISAS.
***
Utilizando-se do mesmo poder de oratória que conduzia voluntários para a
luta, o ex-líder militar agora arregimentava as massas para o caminho iluminado.
Seu exército de fieis agora era muito superior àquele que um dia
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
comandara visando somente a morte e destruição do inimigo.
Gente de todas as classes sociais, saudáveis ou não, agradecidos e
desesperados, os oprimidos, doentes, abandonados, etc..
Todos os sofredores tinham lugar no novo exercito de Lemor.
As belas palavras do grande líder calavam a aflição de centenas de milhões
de corações de seres de todos os cantos da galaxia.
O crescimento do movimento se deu de tal maneira que achou-se por bem
que ele fosse levado e sediado num planeta onde os fieis pudessem viver
tranqüilamente sem incomodar ou ser importunado por aqueles que não
compartilhavam ou não eram atingidos pela palavra iluminada.
E o mundo escolhido fora justamente aquele onde Alex Randall quase teve
sua vida ceifada pela morte sorridente.
Destino idêntico não tiveram os seguidores de Lemor que sucumbiram
pouco tempo depois de chegar.
O fim veio inclemente.
Exceto para o ex-líder militar, que, amargurado com tamanha tragédia, quis
viver seus últimos dias isolado do resto do universo.
***
-Aquelas mortes me abateram muito mais que a dos meus companheiros
que tombaram em batalha. Falhei diante da MÃE CRIADORA DE TODAS AS
COISAS e dos meus seguidores. Não sou digno de prosseguir pregando a sua
palavra ...
Não sabia se era o efeito do fumo num corpo ainda jovem, mas, as palavras
de Lemor realmente haviam tocado o coração de Alex Randall.
Por alguns instantes sentiu-se na pele daquele pregador cuja fé estava
abalada.
Era meio como que ficar órfão da noite para o dia ou talvez perder um
amigo...
Tocou-se também com a historinha que lhe fora contada devido às décadas
que lhe foram subtraídas das costas.
Tudo ali era um pouco místico e irreal...
Tal atmosfera relembrou na mente de nosso herói antigas histórias da
Terra:
-Você sabe que não sou muito crente e tão pouco seguidor de qualquer
tipo de fé. Mas lembro-me das histórias de homens santos do meu mundo que
deram a própria vida em defesa daquilo que acreditavam. Se estavam certos ou
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
errados eu ignoro... O fato é que até o fim eles seguiram fortes na sua fé...
Alex fez uma pausa e continuou...
-Tenho certeza que estes também no decorrer de suas caminhadas
cometeram muitos equívocos e acredito até que em alguns casos tenham sido
causadores indiretos de muitas mortes ao pregarem o que acreditavam. A guerra
deles seria pouca coisa diferente daquela que você viveu nos seus dias de
soldado. As armas com certeza eram bem distintas, mas, em alguns casos, o
resultado podia ser o mesmo....
“Sua falha, apesar de causadora de grande tragédia é desculpável, pois,
não foi intencional nem fruto de negligência...”
Alex Randall interrompeu suas reflexões filosóficas e disse:
-Quando sairmos daqui, te deixo em algum mundo civilizado onde poderá
voltar à vida normal...”
Nem Alex Randall acreditou no que disse, já que não era dado a fazer tais
tipos de discurso.
Estranhou até a naturalidade e fluência com que falara tanta coisa...
Mas o efeito em Lemor foi bastante positivo.
Um brilho surgiu em seus olhos e algumas lágrimas até ensaiaram a saída
para o choro.
Respirou fundo e, nesse momento, cessou todo o barulho de ventania que
parecia fustigar o exterior das paredes daquela caverna.
Lemor pegou uma garrafa transparente que estava ao seu lado, encheu-a
com a Água Purificadora que havia naquele tranqüilo lago subterrâneo e entregouo para Alex Randall.
-Leve-a consigo. No seu futuro você vai precisar dela novamente!
Alex Randall deu uma sonora gargalhada.
-Pressinto um pouco de humor em suas palavras, Lemor. Será que você
reencontrou a sua velha força para pregar e lutar?
Lemor abriu um sorriso em meio a tanta barba espessa respondendo...
-As palavras de um infiel trouxeram-me de volta ao caminho de Deus. Os
exemplos dos homens santos a quem você se referiu me comoveram. Vejo
claramente agora o meu destino...
-Que é ser santo? - Indagou ironicamente nosso herói...
-Não! Na verdade é apenas o de pregar. Mas também posso dizer que no
seu futuro, você um dia encontrará a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS ...
Nesse momento um ruído de pedra sendo arrastada ecoou pela caverna,
Nosso herói desviou a sua atenção para a fonte daquele som e viu que se abrira
uma saída onde era possível vislumbrar o céu azulado...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-E então, Lemor. Vem comigo?
Alex Randall olhou para traz e surpreendeu-se...
***
As paredes da caverna não eram mais brilhantes, as tochas estavam
apagadas e o lago onde deveria estar a Água Purificadora completamente seco.
O misterioso eremita tão pouco estava mais lá...
-Lemor..
Alex Randall chamou varias vezes mas não obteve resposta.
Dirigiu-se para a saída da caverna e deparou-se com um dia lindo e
maravilhoso.
A tempestade havia limpado os céus.
Vislumbrou a poltrona voadora semi enterrada no meio de tanta areia e
também os destroços do robô.
Desenterrou a poltrona e conseguiu colocá-la para funcionar.
O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas surpreendeu-se com
a recém adquirida juventude de Alex Randall, mas, após alguns rápidos testes,
convenceu-se de que aquele jovem era realmente quem dizia ser.
Já sentado na poltrona, nosso herói com os recursos dela, tentou localizar
Lemor.
A resposta que obteve foi lacônica...
-Não há o menor indício de sinais de seres humanos vivos num raio de cem
quilômetros dessa posição.
-Ele certamente está escondido nas cavernas subterrâneas desse mundo...
Mal acabou de dizer isso, um forte terremoto começou a abalar aquele
lugar.
Todo o chão desabou.
A poltrona voadora saiu flutuando e o seu campo protetor esférico foi
imediatamente ativado.
As vibrações foram tão intensas que todo o horizonte, até onde a vista
podia alcançar tremia visível e violentamente.
As naves espaciais paradas umas ao lado das outras começaram a tombar
e, no choque com o chão, ou, de umas com as outras, causavam explosões de
violento impacto.
O terremoto era tão forte que, em pouquíssimo tempo soterrou todas não
deixando na superfície do planeta o menor indício da sua anterior existência ali.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Alguns minutos depois, o silêncio total.
Dos céus, flutuando sentado em sua poltrona voadora, Alex Randall não
parava de se impressionar com as surpresas que a cada novo instante
aconteciam..
Olhando também para a garrafa da misteriosa Água Purificadora oferecida
por Lemor, resolveu voltar para a astronave.
Quem sabe, alí obtivesse algum relaxamento...
***
Confortavelmente sentado na central de comando enquanto saboreava seu
cachimbo, Alex Randall não se conformava em não ter encontrado o menor sinal
de Lemor ou mesmo do lago da Água Purificadora que simplesmente sumira
daquele mundo.
Também das espaçonaves soterradas pelo terremoto, não havia mais o
menor sinal.
Mesmo debaixo de terra, onde os sensíveis instrumentos do Viajante das
Estrelas ainda deveriam detectá-las, não apareciam nem davam sinais de
existência em lugar algum.
Com mais indagações do que respostas, Alex Randall resolveu partir rumo
ao profundo e desconhecido espaço.
Quando pensava no que acontecera, seu cérebro simplesmente se negava
a acreditar nessa história, porém, depois que se olhava no espelho, via com
certeza que o seu miraculoso rejuvenescimento era agora um fato.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
RELATÓRIO N.7 DE ALEX RANDALL
Abriu os olhos e quando ia levar o cachimbo à boca percebeu que não era
uma mão humana que o segurava, mas, a pata de inseto.
Deu-se conta ainda, que os seus pensamentos lhe davam razoável
controle daquele membro.
Olhou o resto do corpo e desconcertou-se com o que viu.
Alex Randall se transformara num inseto.
Num primeiro momento, foi impossível saber classificar de que tipo; nem
mesmo, identificar as razões que o levaram a tão estranha transformação.
Num segundo momento, passou a agir instintivamente.
Mordeu o chão rosado e brilhante onde se encontrava e começou a
alimentar-se de um fluído vermelho que passava por debaixo daquela superfície.
Era sangue!
Só terminou a refeição depois de efetivamente matar a fome que o
atormentava.
Desnecessário dizer que depois de ingerir todo aquele desjejum, o que
mais desejava era descansar.
Percebeu alguma coisa aproximando-se da sua direção e deu um salto
quase cento e cinqüenta vezes superior à altura do seu corpo indo cair novamente
noutra região com superfície rosada semelhante àquela onde estivera.
Outra vez, alguma coisa aproximou-se muito rapidamente e o capturou.
Eram dois dedos humanos gigantes que o apertavam.
Felizmente, a pressão que estes exerciam sobre si não eram suficiente para
esmagá-lo e, assim que o aperto foi afrouxado, habilmente desvencilhou-se
saltando novamente...
Percebeu então que a superfície rosada de onde saltava era o corpo de
uma pessoa e, aquela pessoa era ele mesmo: Alex Randall.
Seu último e desgovernado salto levou-o para dentro do cachimbo que o
seu correspondente humano fumava naquele instante.
O inseto caiu bem em cima de uma brasa acesa e queimou-se em menos
de um segundo não restando qualquer resquício de seu corpo...
***
Abriu os olhos após uma rápida soneca..
Coçou o pescoço que estava a arder.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Parecia te sido picado por algum inseto.
Levou a mão ao local da mordida, mas, nada conseguiu pegar.
O inseto, que parecia ser uma pulga, fugiu.
Mas não foi muito longe.
Terminou o salto no seu braço esquerdo.
Com um rápido e preciso movimento, pegou o pequeno chupador de
sangue.
Instintivamente apertou-o entre os dedos e quando foi verificar o resultado
teve o dissabor de ver o bichinho escapar vivo com outro salto.
Não deu para ver onde a pulga foi parar, mas, percebeu alguma coisa
caindo dentro do fornilho do seu cachimbo e, logo em seguida, ardendo num
estalo acompanhado de pequena e rápida labareda de fogo.
Lembrou em seguida do “sonho” que a poucos instantes tivera onde se via
no corpo de uma pulga...
Teria sido apenas um delírio?
Na eventual e muito remota hipótese daquela suposição ser realidade:
-Como é que uma pulga poderia circular solta a bordo do Viajante das Estrelas já
que no seu interior, tudo era meticulosamente limpo e controlado.
Micro-organismos, insetos e outros seres vivos, além do nosso herói, dentro
da astronave, não tinham a mesma liberdade de locomoção que este, já que,
mesmo a menor delas, estava em ambiente controlado onde era constantemente
monitorada.
Mesmo no parque existente a bordo, as condições de segurança eram tão
restritivas que qualquer micróbio alí existente não sairia dalí adentrando outros
compartimentos da astronave.
Teria realmente ocorrido a transferência dos seus pensamentos para o
corpo de um inseto e depois para o seu próprio novamente?
Aquilo só poderia ser sonho!
Certamente, fruto das constantes e intermináveis cachimbadas que
passava o tempo todo dando por aí.
Se continuasse fumando direto, logo, certamente estaria vendo elefantinhos
cor de rosa voando pelo espaço.
Pelo bem da sua saúde, resolveu adotar uma rotina menos prejudicial onde,
ampliaria os intervalos que passaria sem pitar, por um período adicional de trinta
minutos.
Esperaria assim poder prosseguir com suas pesquisas e aventuras pelo
espaço sem passar muito mal...
Melhor ainda...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
“Para não seguir uma rotina excessivamente espartana, a tal ampliação da
pausa seria de apenas vinte e cinco minutos...”
“Mas...”
“Pensando bem, talvez, vinte seria um número mais redondo para ser
usado como referência num esforço pela saúde...”
“E que tal quinze?”
“Melhor dez.”
“Quer saber mesmo? Cinco minutos a mais sem fumar e já é um tremendo
esforço!”
-Aos diabos! Essa história de pulga não passa de um sonho que sequer
merece atenção. Tenho coisas mais importantes para pensar – Concluiu
sabiamente nosso herói. – Na central de comando, mesmo um bichinho desse,
ainda que pequeno, jamais passaria desapercebido pelos monitores do cérebro
computadorizado.
(Só para contrariar, uma coceirinha acompanhada de ligeiro inchaço na
pele, incomodavam exatamente onde se teria ocorrido a hipotética mordida.)
-Vou mais é manter o ritmo com o cachimbo aceso o tempo todo...
...(ALUCINAÇÕES!)...
***
79
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.8 DE ALEX RANDALL
E então os telescópios do Viajante das Estrelas captaram imagens de um
fato extraordinário.
Formas luminosas extremamente brilhantes similares a pingos esticados.
Pelo seu comportamento, davam toda a impressão de serem criaturas vivas
dotadas de inteligência...
E não eram poucas.
Formavam um imenso rio de aproximadamente 7 anos luz de cumprimento
que movimentava-se pelo infinito frio e vazio espacial como um cardume.
Um espetáculo sem igual que compensava os momentos de solidão que
Alex Randall regularmente era obrigado a enfrentar na central de comando de sua
astronave.
Antes mesmo que sequer pensasse em chegar mais perto para registrar
melhor o fato, percebeu a presença de outra nave espacial bem próxima às
criaturas luminosas.
Suas intenções eram claras e cristalinas!
Estavam caçando, capturando e aprisionando os tais
“peixinhos
luminosos”.
***
Apreciando o que se sucedia, nosso herói estava com a cabeça nos mares
da Terra.
Mentalmente comparava a atividade daqueles caçadores espaciais com as
cenas de programas que eventualmente assistia, em que os barcos pescadores
terráqueos saiam atrás de seus pescados em meio à condições inóspitas dos
mares, com redes gigantescas onde, as vidas de milhares de criaturas marinhas
eram arrastadas para a morte...
Mesmo sabendo do risco de extinção que muitas espécies corriam com a
simples presença de um simples barco pesqueiro representava nos mares da
Terra; naquele caso, Alex Randall não pretendia interferir na situação que
presenciava.
Entendia que seu papel não era bancar o herói ou defensor dos fracos
oprimidos..
Deixaria a natureza seguir o seu curso e apenas registraria os fatos sem
meter o nariz onde não era chamado do mesmo modo que um documentarista ao
80
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
registrar a vida animal na selva.
Mesmo assim, para conseguir maior riqueza de detalhes nas imagens que
pretendia capturar, teria de se aproximar daquele cenário.
***
Sem qualquer aviso, o Viajante das Estrelas materializou-se, próximo ao
caminho por onde passava aquele imenso rio de seres luminosos.
O visual alí era simplesmente fantástico e indescritível.
Relaxado e fumando, Alex Randal deleitava-se com tanta beleza.
-Vamos registrar tudo! Em todos os ângulos, espectros de luminosidade e
lentes possíveis.
Diversas câmeras de variados tamanhos começaram a trabalhar
incansavelmente..
Os equipamentos da astronave obtinham dados não só daquelas criaturas e
das características do local onde se encontravam, mas também, da nave
“pescadora”.
Rastreando todos os sinais que esta emitia, obtinha informações sobre sua
tripulação, armamentos e até da arquitetura interna..
Pelos resíduos dos propulsores podia deduzir o tipo de motor.
Naquele caso, os cabos que conduziam os dados internamente não tinham
uma blindagem muito boa e isso, permitia ao equipamento espião do Viajante
das Estrelas, uma leitura de todos os acontecimentos que ali se desenrolavam.
Foram captadas e obtidas até imagens das câmeras e microfones internos
de segurança.
A tripulação usava uma linguagem desconhecida, mas suas atitudes e
expressões corporais tornavam claro o sentimento de apreensão que ali se
generalizou assim que apareceu o Viajante das Estrelas.
Tal era a tensão a bordo que, não passou muito tempo, foi decidida a
retirada sem que fosse feita qualquer identificação ou contato.
Alex Randall não se perturbou com a partida da outra nave, tanto que,
ainda permaneceu atento aos fantásticos movimentos das criaturas luminosas por
longo tempo até o cérebro computadorizado se manifestar com novidades:
-Foi feita a tradução de todas as comunicações naquela nave desde o
momento em que a avistamos, até a sua partida .
-O que deu para descobrir?
-Que se trata do que o mundo policial definiria como uma típica nave de
contrabandistas e criminosos. Veja só:
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Uma grande imagem retangular formou-se do nada meio metro adiante do
nosso herói..
O que se via alí era a vista panorâmica de toda a sala de comando da outra
nave.
Seus tripulantes lembravam os galináceos da Terra. Só que, no lugar das
penas das extremidades das asas, tinham longos dedos móveis, e seus corpos
eram revestidos com uma textura porosa e brilhante.
-Comandante! – Cacarejou um deles. – Temos um intruso no setor.
-Estamos recebendo imagens do interior do artefato intruso...
Nos monitores da nave dos galináceos apareceu não só a imagem do
Viajante das Estrelas, mas também, a de Alex Randall sentado em sua poltrona
enquanto fumava na Central de Comando.
Nosso herói ficou perplexo ao perceber que também pôde ser espionado
pelas criaturas.
Tal fato demonstrava que, a despeito do alto nível de tecnologia envolvido
na segurança do Viajante das Estrelas, ela ainda poderia ser ludibriada...
A invasão dos galináceos no sistema interno de vigilância não foi a única
coisa que surpreendeu o nosso herói:
-Mas que ser horrendo. – Os galináceos comentavam.
-Pavoroso!
-Nunca vi nada tão feio em toda a minha vida.
Eles estavam espantados com a aparência do nosso herói.
-Nem o circo de horrores de Traloxom 7 aceitaria criatura tão asquerosa. Cacarejou um deles para os outros.
Até certo ponto, apesar do exagero daquelas afirmações, os frangos
histéricos não estavam totalmente errados, afinal, Alex Randall já estava a algum
tempo sem passar por um chuveiro e suas feições de marujo dos mares espaciais
estavam assustadoras.
-Senhor! O intruso está pesadamente armado! Num confronto, nossas
chances seriam...
-Vamos dar o fora daqui! - Ordenou aquele que parecia o comandante
para os seus subordinados. - Numa outra oportunidade caçaremos esses bichos...
A tradução das imagens captadas terminou por aí.
Os projetores então mostraram a nave dos galináceos contrabandistas
partindo.
Alex Randall deu mais algumas tragadas no cachimbo e pôs-se a pensar...
-Criminosos e covardes são iguais em qualquer parte do universo! Só
atuam quando estão em superioridade...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
“Mas isso não me interessa, não estou aqui para julgá-los”
Coçou o queixo e ficou olhando os exaustores que, apesar de trabalharem
à plena potência, não davam conta do volume de fumaça que saia do cachimbo.
Muito longe de se preocupar com algumas das saudáveis conseqüências
de tanto fumo; Alex Randall voltou a contemplar a infindável quantidade de
criaturas brilhantes.
Um ser de cor prateada com dois metros de altura muito semelhante a um
marimbondo terrestre separou-se do meio do extenso rio vivo..
Aproximou-se do casco da astronave, e vibrou seu corpo em alta
velocidade até ficar quase invisível aos olhos humanos.
Em seguida, penetrou a blindagem do Viajante das Estrelas como se fosse
um fantasma passando pelas paredes.
Pouco tempo depois, materializou-se bem adiante de Alex Randall...
***
-Sua presença aqui evitou que milhares de vidas fossem exterminadas.
O som daquela voz manifestou-se no interior da cabeça de nosso herói.
Certamente, estava recebendo uma mensagem telepática da misteriosa
forma de vida.
-Os seres brilhantes que você vê, Alex Randall, são meus filhos. Sua
intervenção evitou a morte de muitos deles.
-Não quero mentir. – Disse nosso herói em voz alta. - Mas, a evasão
daqueles que atacaram sua família foi mera casualidade. Eu não vim para cá com
nenhuma intenção de interferir nos fatos e...
-Sua presença nos salvou! Preciso agradecer-lhe!
Dizendo isso, o curioso marimbondo abaixou a sua parte traseira em
direção ao chão e começou a cagar.
-Não faça isso! Reclamou nosso herói.
-Estou lhe agradecendo! Foi a resposta.
O bicho cagava rápido demais. Soltava pelo cú fezes redondas como bolas
de tênis de coloração cinza chumbo.
Em poucos minutos, sabe-se lá como, aquela criatura defecou
aproximadamente umas vinte mil bolinhas idênticas àquela e terminou com um
sonoro peido que respingou um mal cheiroso caldo verde por todo o lugar.
-O odor logo vai passar, amigo! Então, eles estarão prontos para ser
consumidos.
83
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Consumidos?
-Você poderá usá-las. Mas lembre-se: nunca mais do que uma por vez.
-E por acaso tenho eu cara de quem come merda? Perguntou Alex Randall
indignado com o estranho presente.
-Não é uma bosta qualquer. É por causa dela que eu e meus filhos somos
perseguidos. Quem a consome abre portas para outras dimensões...
Nosso herói foi surpreendido por aquela inesperada resposta e não soube o
que fazer...
Terminada a caganeira animal, o estranho inseto agradeceu mais uma vez,
despediu-se vibrando intensamente e voltou para junto dos numerosos filhos em
sua jornada pelas estrelas.
Alguns momentos depois, o brilho daquelas criaturas aumentou de
intensidade, chegando mesmo a um nível extraordinário e então, de modo súbito e
inexplicável todas desapareceram.
Os sensores do Viajante das Estrelas já não as captavam mais em lugar
algum.
Alex Randall estava sozinho com um monte de merda fedorenta para limpar
na central de comando.
***
O cheiro logo não perturbou mais nosso herói, mas sim a sua curiosidade.
Será que eram verdadeiras as afirmações daquele inseto?
Haveria mesmo uma real possibilidade de se conhecer outras dimensões
simplesmente consumindo aquelas bolas cinzentas?
De qualquer forma, a limpeza na central de comando era fundamental e
exigia rapidez.
Logo, diversos tipos de robôs apareceram e deram início a uma faxina lá
dentro.
Os exaustores conseguiram limpar o ar.
-Quero esse material todo guardado para posterior análise. Deve ser
preservado da melhor maneira possível
Os robôs analisaram a consistência daquela bosta e verificaram que as
bolinhas eram suficientemente sólidas para permitir que fossem empilhadas sem
sofrer deformações.
Logo centenas de embalagens plásticas foram trazidas para permitir um
armazenamento adequado.
Ali mesmo, vendo que o manuseio daquele material ocorria sem problemas,
84
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
nosso herói vestiu uma luva e pegou uma das bolinhas.
Aproximou-a do nariz e analisou o seu cheiro.
Parecia alimento cozido... E não tinha odor ruim... Pelo contrário, parecia
até bom.
Será que aquilo era realmente comestível?
Cheirou mais uma vez, apertou a bolinha com os dedos.
Tentado, já que, até estava com um pouco de fome e, seu horário de
refeição estava próximo, tocou rapidamente com a ponta da língua aquele cocô de
inseto...
Pela rápida sensação, o sabor não parecia ser ruim.
Repetiu o feito novamente, dessa vez tocando a bolinha com uma parte
maior da língua...
-Humm... Não é mau.
Olhou corajosamente para a bolinha e tomou uma decisão.
-O que não mata engorda...
Deu uma mordida e mastigou lenta e cautelosamente aquele negócio.
O sabor era bom, ou melhor, ótimo.
Talvez, a melhor iguaria que já tivera o prazer de saborear em sua vida...
Comeu todo o resto da bolinha...
Era uma delícia mesmo, no teste do paladar, já estava aprovada.
Logo porém descobriu que aquela iguaria não tinha como único objetivo
saciar a fome de quem a consumisse...
Olhou para o alto e viu algo inacreditável: tudo ao seu redor começou a
derreter de cima para baixo num movimento contínuo.
A transformação mudou o espaço a sua volta.
Ainda sentia a estranha comida sendo digerida e seu corpo continuava o
mesmo, mas, todo o resto com exceção de suas roupas e, do velho e bom
cachimbo, não!
Agora não estava mais no Viajante das Estrelas.
Disso tinha certeza.
Estava num lugar diferente de qualquer dependência existente dentro de
sua astronave.
Parecia mais ser uma casa.
Haviam duas janelas, uma porta e um cômodo anexo que deveria ser o
banheiro.
Pela mobília existente, tudo indicava que naquele local, deveria ser
realizada alguma atividade ligada à desenho. As mesas estavam cheias de papéis
85
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
rabiscados com diversos tipos de lápis e canetas espalhadas em suas superfícies,
além de réguas e borrachas.
Estantes de livros com as prateleiras forradas por diversos títulos de arte e
fantasia, além de centenas de revistas em quadrinhos reforçavam o caráter do tipo
de trabalho que eventualmente era feito alí.
Não parecia ser um ambiente de alta tecnologia como aquele em que vivia
na sua astronave.
Pelo contrário, alí dentro haviam velharias do século XX tais como: um
velho rádio transistorizado à pilha e até computador da mesma época.
Nosso herói sentia-se num museu holográfico artificial onde podia interagir
com elementos e situações gerados graças aos poderosos recursos da informática
Analisou cada detalhe do local tentando sentir toda textura e aroma
perceptível como que, se desejasse encontrar alguma falha que denunciasse a
inexatidão do que estava vivendo.
Nada disso lhe saltou aos olhos.
Nas paredes, estavam afixados cartazes com algumas das formações
campeãs do Corinthians Futebol Clube.
Com toda certeza, quem quer que alí dentro vivesse ou trabalhasse
aparentava ser um torcedor fanático pois, cadernos, bonés, camisetas e outros
itens com o logotipo deste time podiam ser encontrados espalhados em toda
parte...
Por mera curiosidade, abriu um desses cadernos e espantou-se com o que
encontrou escrito alí dentro.
Entre diversos garranchos, rabiscos e linhas mal feitas, encontrou redigidos
à mão
“MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”.
***
Era simplesmente impressionante!
As narrativas descritas naquelas linhas batiam em todos os detalhes com
os acontecimentos que sucederam-se depois que saíra em viagem a bordo do
Viajante das Estrelas.
Absorto na leitura daquelas mal escritas linhas, tomou um belo susto
quando alguém berrou no seu ouvido:
-Quem é o senhor e o que está fazendo aqui?
Seus tímpanos quase foram furados com aquele grito...
Olhou para o sujeito que lhe fizera a pergunta de modo tão educado.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Era atarracado, baixinho, barrigudo e com pouco cabelo na parte superior
da cabeça. Estava com os olhos vermelhos e tinha um mau hálito terrível...
Diante de uma criatura tão medonha, nosso herói foi logo respondendo:
-Sou Alex Randall, o sujeito sobre quem tratam estas folhas.
Lentamente acendeu o seu cachimbo e fumou soltando volumosas colunas
de fumaça...
-...Fumo cachimbo! Sou eu mesmo! Não há outro igual!
Tomou um soco no queixo que o colocou para dormir.
Antes de apagar completamente teve tempo de ouvir:
-Pateta! Não dei ordem para fumar aqui dentro!
***
-Nome!
-Fernando.
-Profissão!
-Desenhista, fotógrafo e escritor de horas vagas.
-Relate os fatos!
-Eu estava escrevendo uma história de ficção científica quando fui ao
banheiro. Fiz lá o que tinha de fazer e, quando voltei encontrei esse cara fuçando
nas minhas coisas. Pedi para se identificar e ele disse que era um dos
personagens que inventei nos meus romances.
-Como é?
-O sujeito deve ter lido meus manuscritos e veio com essa história idiota. Aí
ele acendeu o cachimbo e começou a fumar sem nem pedir autorização...
-Foi então que o senhor o agrediu!
-Exatamente! Ele estava empesteando o ambiente com toda aquela
fumaceira. Não deu para agüentar! Meti a mão mesmo!
-Meteu a mão e o sujeito está alí prostrado agora!
Nem bem terminou de falar isso e Alex Randall, que estava deitado logo
acordou.
Ainda aparentava estar atordoado com o murro que levara.
-E o senhor quem é?
Um pouco abestalhado, olhou para o sujeito que o interrogava. Tinha pinta
de ser um daqueles delegados ou investigadores dos velhos filmes policiais do
século XX ou XXI...
-Não ouviu o que eu perguntei?
87
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Coçando o queixo, respondeu:
-Meu nome é Alex Randall. Sou viajante e estava de passagem. Fui parar
no lugar errado. Só isso! Peço que me desculpem se causei algum incômodo.
-Olha’í! Não tô falando? Ele está se identificando como o personagem que
criei no meu livro de ficção científica.
Percebendo o sujeito que tinha pinta de autoridade que, talvez aquele caso
não fosse coisa grave, perguntou ao senhor Fernando:
-O indivíduo roubou alguma coisa do seu estúdio?
-Não!
-Ele o atacou ou mesmo, lhe ofendeu?
-Também não!
-Então nada posso fazer... E se ele for mesmo quem diz ser?
O escritor ficou perplexo diante da pergunta.
Naquele momento seu cérebro chegou até a considerar viável tal
possibilidade mesmo porquê, para um autor de ficção científica nada é impossível.
-O senhor vai querer fazer um boletim de ocorrência? Este fato não dá nem
falsidade ideológica.
-Nem isso?
Naquela pergunta havia um certo desapontamento.
Fez um gesto com as mãos como se quisesse afastar o caso.
-Então deixa para lá.
Despediu-se em seguida e partiu.
Alguns instantes de silêncio depois, Alex Randall rompeu o mutismo e
perguntou:
-Posso sair?
-O senhor é mesmo quem diz ser? Um personagem de ficção científica?
-Não me julgo um personagem, sr. Sou uma pessoa como outra qualquer.
Apenas costumo viajar por lugares diferentes do comum... E pode ficar tranqüilo
que não menti com relação à minha identidade...
A autoridade olhou com ar de pouco caso para o nosso herói, apontou com
o dedão a porta de saída para a rua e disse:
-Cai fora! E vê se não me aparece mais aqui! Tenho bandidos para prender
e não fanáticos por novelas de fantasia para aguentar.
Nosso herói saiu rapidamente da sala.
***
88
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Na calçada da rua, os olhos de Alex Randall não suportaram a luz do dia,
afinal, já fazia nem sabia quanto tempo, que não ficava exposto ao ar livre da
atmosfera de algum planeta habitável.
Alguns minutos depois, parecia estar melhor adaptado à claridade diurna.
Foi então que apareceu o escritor novamente...
-Ei cara! Me desculpe pelo nocaute. Acho que na hora fiquei meio nervoso!
Alex Randall esticou a mão para o escritor e cumprimentou-o dizendo:
-Tudo bem! Não me quebrou nenhum dente!
***
À convite do senhor Fernando, os dois foram para um desses tradicionais
botecos de esquina onde ficaram bebendo cachaça com açúcar e limão: a
tradicional caipirinha brasileira.
A conversa e a pinga rolaram alegres e tranqüilas durante várias horas com
o escritor já aceitando sem problemas o homem que estava à sua frente como
verdadeira encarnação do seu personagem de ficção.
-Fico imaginando quantos autores teriam oportunidade idêntica à essa...
Poucos! Só os biógrafos de sorte, já que, tem caso de biografado que, além de
não ajudar no trabalho, atrapalha na hora da publicação.
-Entendo o que diz e sou obrigado a concordar, mas, ainda assim não me
julgo personagem de romance. Minha vida segue como a de qualquer pessoa.
O escritor consentiu com a cabeça, suspirou e tomou alguns goles da sua
bebida...
-Ainda assim, sou um privilegiado entre os escritores. Mas agora me diga:
como você entrou no meu estúdio? Eu sempre deixo as janelas e portas fechadas.
Naquele momento é assim que elas estavam.
Alex Randall sorriu e contou todos os acontecimentos que se desenrolaram
desde que involuntariamente salvara as criaturas luminosas até a sua misteriosa
chegada ao estúdio de desenho.
-Puxa! Manifestou-se o escritor após ouvir tão maluca narrativa. Ainda não
escrevi história assim. Você me deu algumas idéias.
Nosso herói agradeceu, sorriu, bebericou um pouco de seu copo de
caipirinha e acendeu o tradicional cachimbo...
-Não vai me bater agora por fumar, vai?
-Claro que não! É que a minha mãe havia limpado o estúdio pouco tempo
antes da sua chegada e, se ela percebesse cheiro de fumo lá dentro, quem iria
levar porrada seria eu.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Alex Randall deu uma sonora gargalhada.
Sua risada porém não durou muito tempo, pois logo, entraram sem aviso
no boteco, dois garotos de armas em punho gritando:
-Mão na cabeça todo mundo que é assalto!
Com uma rapidez assombrosa, os dois foram revistando todos alí dentro e
tomando seus valores.
Na vez de Alex Randall nada encontraram que pudesse ser levado...
-Num têm nada vai morrê!
Dizendo isso, um deles efetuou três disparos praticamente à queima roupa
contra nosso herói que instintivamente se encolheu fechando os olhos de pavor...
***
Quando os abriu novamente, encontrou-se dentro da central de comando
do Viajante das Estrelas são e salvo.
Lá dentro, aparentemente nada tinha se alterado!
Com um breve relance de olhos verificou a situação percebendo que a
astronave permanecia inerte no mesmo ponto do espaço em que estivera desde
que o misterioso marimbondo prateado a havia invadido.
Passou a mão pelo corpo e percebeu que não havia sido atingido pelos
tiros que foram efetuados contra si.
Ainda estava bem vivo!
Deu algumas furiosas tragadas no inseparável cachimbo, acalmou-se um
pouco e pôs-se a refletir...
Teria viajado realmente para outra dimensão ou aquele seria um efeito
alucinógeno causado por aquela coisa no organismo?
Indagou então em voz alta:
– Eu cheguei a sumir do interior desta nave por alguns instantes?
-Negativo! - Foi a resposta do Cérebro Computadorizado.
Alex Randall reviu a filmagem feita pelas câmeras internas que o
mostravam imóvel, com os olhos fixos em algum lugar distante logo após comer
aquela coisa estranha.
Apesar da comprovação de sua alucinação, ainda tinha a sensação de que
a experiência vivida fora um tanto real para ser assim descartada.
Uma dúvida estava lhe martelando o cérebro:
-Sou apenas um personagem de histórias de ficção científica? Não. Acho
que não. Esse fato só ocorreu mesmo na minha cabeça. Viagens inter-
90
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
dimensionais são possíveis. O Viajante das Estrelas pode realizá-las graças aos
meios tecnológicos de que dispõe. Todavia, por mais que os poderes da mente
humana tenham evoluído nos últimos séculos, a realização de tal tipo de jornada
com base unicamente neste tipo de recurso ainda seria praticamente impossível.
Intrigado devido aos acontecimentos pelos quais tinha passado, nosso herói
pôs-se a pensar em problemas diferentes:
-Vou é ajudar no monitoramento do termino da limpeza da central de
comando. Em outra oportunidade consumirei mais uma bolinha dessas para tirar
a dúvida...
***
ALGUMAS LINHAS ESCRITAS POR UM AUTOR DESTA DIMENSÃO
Conheci um sujeito chamado Alex Randall.
Ele se dizia uma criação minha!
Como num desses casos raros em que se vê nos filmes e contos de
fantasia onde criador e criatura se encontram.
Não é bem um relacionamento entre um pai e filho, mas, de certa forma,
também não deixa de ser.
No início, não acreditei que fosse verdade, mas, o cara estava alí. Real
exatamente como o descrevi.
Claro que o meu bom senso me disse que o sujeito deveria ser apenas um
desconhecido que, de algum modo ficou sabendo e leu meu romance para depois,
por uma birutice qualquer, querer personificar o protagonista dele.
Mas como isso poderia ter acontecido?
Tratava-se de um trabalho ainda inédito, em revisão e que apenas duas ou
três pessoas leram as versões de revisão.
A todo momento me indagava:
-De onde teria saído esse sujeito?
Por isso e pelo fato dele estar empesteando o meu estúdio com aquele
fumo fedorento é que acertei a muca no queixo dele.
[Também quis descontar a namorada (ex-leitora dos meus trabalhos
literários) que perdi anteriormente por conta do fato dele, personagem, ser melhor
que eu, medíocre escritor.]
O problema foi quando o delegado levantou a lebre:
-E se o sujeito realmente fosse quem dizia ser?
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Ora, um delegado aventando a possibilidade do irreal se tornar realidade
era coisa rara e tal fato eu não poderia ignorar.
Comecei a acreditar que o personagem se tornara real e, quando o
reencontrei, convidei-o até para tomar algumas caninhas por minha conta.
A hora que eu estava começando a gostar do cidadão apareceram aqueles
bandidos malditos querendo depenar todo mundo.
Um deles atirou no figura...
Então, as coisas ficaram engraçadas...
Não sei direito pois, assim como os outros freqüentadores do bar, todos
estávamos muito bêbados, portanto, mais para lá do que para cá.
Alex Randall desapareceu no ar! Evaporou! Escafedeu-se!
Os bandidos ficaram assustados e saíram correndo sem nem levar nada
dos pretendidos produtos do roubo.
Restou um bando de bêbados olhando dois buracos de bala na cadeira e
um na parede.
Ninguém compreendeu nada!
Fiquei com um ligeiro entendimento de tudo o que havia ou poderia ter
acontecido, mas, eu estava bêbado demais para concordar com uma teoria tão
fantasiosa saída do meu próprio cérebro.
Ignorava se tudo que havia passado era verdade ou não, mas, tinha certeza
de que aqueles disparos não foram dados para o ar, afinal, os bandidos haviam
atirado justamente porquê o meu personagem não carregava nada de valor.
De qualquer forma, apesar de não ter sido assaltado pelos criminosos,
acabei tendo de pagar duas garrafas de pinga na hora de fechar a conta, uma eu
bebi, a outra quem teria bebido seria Alex Randall. Mas... Será que ele estivera
mesmo alí?
Por fim, novamente me perguntava:
-De onde teria saído tão estranho sujeito? Das páginas do romance?
***
92
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.9 DE ALEX RANDALL
Sentado na confortável e anatômica poltrona, Alex Randall fumava
tranqüilamente seu cachimbo soltando espessa cortina de fumaça que, além de
empestear todo o ambiente forçava os exaustores a trabalharem no máximo de
sua capacidade já que nosso herói poluía mais que as antigas chaminés
industriais do século XIX.
Sob os efeitos da erva que queimava, relaxava ouvindo uma música e
observando as diversas imagens tridimensionais projetadas diante de si que lhe
traziam todo tipo de informação a respeito do que acontecia dentro e fora da
astronave.
As câmeras e os potentes telescópios controlados pelo cérebro
computadorizado do Viajante das Estrelas, focavam suas poderosas lentes em
sóis, estrelas e galáxias distantes.
Com um olhar afiado pouco comum à maioria das pessoas, percebeu
interessantes movimentos e oscilações num setor do espaço onde tudo parecia
calmo e sossegado. E ali colocou sua atenção.
Aproximou a imagem e aumentando os detalhes dela percebeu que nela
aparecia um cometa prateado e seu vôo era um tanto irregular no desenho do
trajeto.
De-repente, como se tivesse percebido que estava sendo observado, o
curioso objeto espacial mudou novamente de rota e, a uma velocidade
assombrosa, veio em direção da astronave.
Se aquela rota fosse mantida, uma colisão certamente ocorreria.
Antes mesmo que qualquer reação pudesse ser esboçada, estacionou a
menos de um metro da superfície externa do Viajante das Estrelas
Era um humanóide careca, seminu, que estava de pé numa prancha de
surf. Ambos tinham superfície espelhada e muito brilhante.
O cara não usava roupa que o ajudasse a sobreviver aos rigores do frio do
espaço, ou mesmo, qualquer outro tipo de aparelho que lhe facilitasse a tarefa
nesse sentido...
Apenas ele e a prancha flutuando no meio do nada.
Por alguns segundos, ou talvez, nem isso, nosso herói ainda se indagou se
os seus miolos estariam lhe pregando algumas peças depois de tantas viagens
solitárias.
-Quem é esse cara? Perguntou Alex Randall...
A voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas
respondeu:
93
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Informação ainda indisponível.
Dando poderosas tragadas no cachimbo, nosso herói observou
atentamente o sujeito misterioso através das câmeras externas.
Tão estranho personagem olhava o Viajante das Estrelas com um certo ar
de arrogância, como que, se dizendo que toda aquela tecnologia não lhe
impressionava.
Assim tão rapidamente como apareceu, aquela figura partiu, sem nada
dizer ou fazer...
Num movimento instintivo, Alex Randall acionou alguns comandos no painel
do braço da sua confortável poltrona pondo a astronave em ação.
-Vamos atrás desse sujeito! Gostaria de conhecê-lo melhor.
De uma momento para outro o Viajante das Estrelas saiu de sua posição
estática no espaço passando para altíssima velocidade tentando se aproximar
daquela criatura.
Coçando o queixo enquanto observava os anéis de fumaça exalados pelo
seu cachimbo, nosso herói se indagava...
-Onde já terei visto tão singular personagem? É como que se o seu nome
me saltasse à língua à qualquer instante.
Em pouco tempo, o Viajante das Estrelas alcançou o sujeito...
Mais uma vez, ele tentou se afastar da astronave, mas, apesar do esforço,
não conseguia superá-la em velocidade.
Na sala de comando, exalando agora através de seu cachimbo, anéis de
fumaça que tornavam o ar cada vez mais espesso, nosso herói se indagava como
poderia fazer contato com aquela criatura da maneira mais cordial possível...
No que perdia tempo com estas divagações mentais, viu-se surpreendido
por um aviso da voz feminina do cérebro computadorizado:
-Violentas perturbações detectadas nos campos gravitacionais da região
para onde está seguindo a criatura.
O cérebro computadorizado fez uma pausa e logo prosseguiu com um tom
de voz que demonstrava maior preocupação:
-Buraco negro localizado! Se mantivermos esta trajetória, em menos de três
minutos estaremos entrando em área de perigo muito próxima à ele...
-Parada total!
De um momento para outro a astronave não se movia mais.
O cérebro computadorizado manisfestou-se novamente:
-A criatura avançou direto rumo ao buraco negro, e, pelo último sinal obtido
dela, não retrocedeu no seu caminho.
Alex Randall ainda olhava para o alto tentando entender como tão estranho
94
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
sujeito poderia sobreviver daquela maneira no espaço inclemente.
Mal terminou de passar este pensamento pela sua cabeça e algo
inacreditável aconteceu.
As câmeras externas da astronave mostraram um raio de luz prateada sair
de dentro da região onde estava indicada a presença do buraco negro.
Pelo estilo e configuração do fenômeno luminoso, só podia ser o sujeito
novamente.
-Mas não é possível! – Exclamou Alex Randall – Ele entra e sai de um
buraco negro como quem vai ao banheiro!
Fisicamente explicável ou não, aquele era um fato.
A criatura parecia não ser afetada pelas imensas forças gravitacionais
capazes de esmigalhar gigantescas estrelas milhares de vezes maiores que o sol
da Terra.
Talvez por isso, o cara fizesse tanta pose de maioral sobre sua prancha.
Voltou para as proximidades e tocou o casco da astronave com as palmas
das mãos e sua voz então foi ouvida lá dentro...
-Não assino autógrafos sem o consentimento dos meus empresários ou
advogados. Não adianta insistir...
Do mesmo modo que veio, aquele estranho personagem partiu.
Seguiu novamente para a região onde estava o buraco negro, e alí sumiu
definitivamente.
A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado manifestou-se:
-Estão disponíveis alguns dados a respeito da provável identidade desse
sujeito...
-Esqueça! Está mais do que claro que trata-se de algum artista famoso.
Assim como eu, ele quer paz e sossego. Sigamos adiante. Não iremos perturbá-lo.
***
95
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RELATÓRIO N.10 DE ALEX RANDALL
A central de comando do Viajante das Estrelas, fora mais uma vez
inexplicavelmente invadida.
-Nós somos os SOIGRÉS.
Incrível! Os invasores falavam até o mesmo idioma que ele...
-M-m-m-mas... C-c-como?
O susto causado fez com que o veterano fumante de centenas de milhares
de cachimbadas acabasse até engasgando com a própria fumaça...
Claro que o resultado disso foi uma sessão de fortíssimas tosses que quase
fizeram os dentes do nosso herói saltarem para fora da boca.
Depois que acalmaram-se os pulmões, Alex Randall, com os olhos
vermelhos tentou se recompor e entender o que acontecia naquele momento.
-Se bem me recordo, você deve ser humano...- Disse um dos invasores. Limitado pelo seu corpo físico como os outros de sua raça...
-Ainda depende de tecnologia para viajar pelo cosmo. – Argüiu outro.
-Não parece ser muito inteligente.- Comentou um terceiro.- Fuma demais!
Parece até que pretende por fim à própria existência...
-Se eu ainda tivesse um corpo físico como ele, me preocuparia em cuidar
da saúde fazendo exercícios em vez de permanecer sentado numa poltrona
fumando todo o tempo...
-Pobre infeliz, ainda precisa evoluir muito.
Dentro da central de comando, nosso herói estava cercado por criaturas de
forma muito estranha.
Aparentemente, não eram sólidas...
Lembravam muito a forma que a água tomava em ambiente de gravidade
zero: uma espécie de bola líquida totalmente desuniforme no meio do ar.
Uma série de dúvidas a respeito da estranha forma, consistência daqueles
seres e o fato de tão surpreendentemente terem invadido a sua astronave, imergia
nosso herói num mar de dúvidas ...
-Será que entende que estamos tentando nos comunicar com ele? –
Indagou um dos invasores.
-Os humanos não são assim tão primitivos... Alguma coisa ele deve
entender, afinal, estamos usando o seu idioma natal.
-Vamos adotar uma forma que lhe seja mais compreensível.
Nosso herói estava tão abestalhado com o aspecto totalmente inconstante
dos invasores que mal conseguia raciocinar ou falar alguma coisa.
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Milésimos de segundo depois, os estranhos seres disformes
transformaram-se em gente!
Quatro homens e mulheres brotaram, como num piscar de olhos, daquelas
“bolas líquidas flutuantes”.
Recomposto, Alex Randall percebeu que estava diante de criaturas
incomuns, aparentemente mais informadas dos fatos do universo do que outros
seres que já encontrara nas suas jornadas.
-E tem razão em pensar assim, somos as formas de vida mais evoluídas de
todos os tempos, universos e dimensões paralelas. Nenhum poder se compara ao
nosso.
-Concordo plenamente, somos os maiorais.
-Estamos fora da escala de medição de forças de seres super-poderosos
utilizada pela sua raça.
-Poderíamos dizer também que somos o melhores em tudo o que fazemos,
que não erramos nunca e nossa perfeição é tão grande que não poderia ser
expressa nas poucas palavras deste idioma.
-Realmente, seu vocabulário é muito pobre para definir nossa grandeza em
toda a sua imensidão.
-Este corpo humanóide realmente é imprestável mesmo! Limita quase todas
a minhas percepções...
-Acho que vi umas dez estrelas nascerem e morrerem desde a última vez
que adquiri uma forma de vida mortal. Já tinha até esquecido como era...
-Digo o mesmo!
-O jeito como o ser humano se relaciona com o meio onde vive até não é
tão ruim. Basta manter um pouco de limpeza e boa higiene que dá para se
aguentar.
-Acho que este sujeito não pensa bem assim, afinal, está cheirando muito
mal. Já não cuida do asseio pessoal a um bom tempo.
-Que fedô! Isso tudo aqui está uma imundície danada.
Dirigindo-se ao nosso herói que estava mudo ouvindo a conversa tão
inteligente, um dos SOIGRÉS perguntou:
-O senhor não toma banho? Quando foi a última vez que escovou os
dentes?
-É! Precisa lavar a boca... O mau hálito está de lascar...
-Muito fumo na cabeça, precisa mudar os hábitos.
-Este lugar precisa de ser limpo de vez em quando. Por-quê não libera os
robôs de limpeza para fazerem uma faxina geral aqui?
-Bem, eu...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A situação surpreendia cada vez mais nosso herói. Ele quase não
conseguia acompanhar tudo o que falavam, ainda assim, tentou colocar um pouco
de ordem no cérebro e responder a algumas perguntas...
-Aqui dentro tomo banho quando bem entendo. Até agora não tive de dar
satisfações a ninguém e não pretendo ,mudar.
-Resposta pouco educada da parte dele...
-Compreensível, a raça humana, apesar dos poucos momentos de
genialidade, na maioria das vezes consegue ser muito violenta e ignorante...
-Pobres infelizes! Ainda precisam evoluir muito!
Aquela conversa toda começava a irritar.
Nada porém, que não pudesse ser controlado com um pouco de paciência.
-Ah! Estes humanos são tão divertidos! Veja só! Constroem naves que além
de reproduzir todas as condições ideais de conforto no ambiente que vivem,
podem ainda, atravessar galáxias em muito pouco tempo...
-Tão dependentes da própria tecnologia...
-Claro! Não conseguem como nós usar apenas a força do pensamento e
se transportar para qualquer lugar deste ou de outros universos no momento que
desejarem.
-Eles não têm nada. Se tivessem, não usariam naves primitivas como esta.
-Vamos lhe dar uma demonstração de nossos poderes...
-Claro! Ele merece...
De um segundo para outro tudo mudou.
O Viajante das Estrelas, com a velocidade do pensamento, foi deslocado
para uma distância que, mesmo no seu melhor desempenho, demoraria um
bilhão de anos terrestres para percorrer!
***
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas se esforçava para
compreender e recalcular a nova localização, mas, a tarefa se mostrava quase
impossível, visto que, onde se encontrava naquele momento, não haviam estrelas
ou pontos luminosos de referência no firmamento que pudessem ser usados como
orientação..
Para melhorar tão interessante situação a voz feminina digitalizada da
astronave deu um aviso:
-Todo o casco da nave está sofrendo pressão externa muito grande. Se
permanecermos aqui mais cinco minutos haverá um irreversível esmagamento e,
por conseguinte, fim de tudo a bordo.
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-Os escudos energéticos protetores estão funcionando? – Perguntou Alex
Randall preocupado
-Plenamente! Mas, não devem resistir mais que cinco minutos.
-Onde estamos? Perguntou Alex Randall visivelmente preocupado.
-Desconhecido. Foi a resposta do cérebro computadorizado.
Com impassível tranquilidade, um dos Soigrés respondeu:
-Muito além de tudo, amigo. Aqui, nem os corpos mais distantes do seu
universo são visíveis.
-É a região das trevas! – Complementou outro.
-Ao seu tempo, tudo virá parar aqui e então será o fim do universo como
você conhece, Alex Randall.
Com o cérebro refeito pelo susto e o raciocínio mais rápido, nosso herói
finalmente compreendeu que os poderes daqueles seres ia muito além do que a
ciência e tecnologia humana ainda podia explicar.
Observando os monitores e projetores da central de comando, não
encontrava o menor ponto de referência onde pudesse localizar-se...
-Não vejo nada! Aqui não é possível detectar qualquer tipo de energia
luminosa.
-Não vê porquê a luz ainda não chegou aqui.
-Estamos muito além do seu universo!
-E minha nave? O que está acontecendo com ela? De onde vem esta
pressão que quer nos esmagar?
-É a energia própria das trevas que é a que domina por aqui.
-É incompreensível para uma raça tão ignorante como a humana. Mesmo
tanta tecnologia é incapaz de descrever o poder das trevas.
-E por-quê me trouxeram aqui? O que os motiva a buscar a minha
destruição? – Perguntava Alex Randall apavorado e vendo que o tempo se
escoava rapidamente.
-Não queremos sua destruição!
-Apenas incrementar seus conhecimentos.
-O mortal teme pela própria segurança e a da nave...
-Sim, é compreensível... Seu corpo é finito igual ao seu veículo de
transporte pelo espaço...
-Aqui ele não perceberá devidamente toda a nossa grandiosidade em sua
plenitude.
-Pior! Ainda correrá inútil risco de vida. Podemos levá-lo a outro sítio menos
distante de onde o encontramos.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Um dos Soigrés estalou os dedos e, novamente o Viajante das Estrelas,
numa fração de segundo, percorreu incalculável distância indo se situar em outro
lugar extraordinário.
***
Muita luz!
Toda a central de comando foi inundada por uma ofuscante e forte luz
branca.
Ainda assim, nosso herói pôde verificar os instrumentos no braço de sua
poltrona e percebeu que, desta vez, naquele lugar, o Viajante das Estrelas não
corria perigo.
-Filtros óticos! - Ordenou.
A intensa luminosidade diminuiu até tornar visível uma imensa bola branca
muito brilhante adiante do Viajante das Estrelas.
Parecia uma estrela gigante, mas, logo, nosso herói percebeu que não era.
Um fenômeno muito brilhante, e gigantesco mas, que ainda assim
encontrava-se bem distante.
Pelos cálculos do cérebro computadorizado, a astronave, a plena
velocidade, ainda levaria uns dez mil anos terrestres de viagem para alcançar a
periferia daquele astro extremamente luminoso.
Essa informação intrigou nosso herói, a tal ponto que resolveu analisar
melhor o fenômeno.
Não precisou muito para então perceber o que era.
Centenas de milhões de galáxias se fundiam numa imensa e tão brilhante
esfera que, de longe tudo parecia ser uma coisa só.
Lendo seus pensamentos, um dos Soigrés procurou acalmá-lo.
-Não se preocupe, este tipo de aglomerado galático é mais comum do que
você pode imaginar.
-Se a tecnologia do seu mundo ainda não conhecia com tanta riqueza de
detalhes tal fenômeno é porquê a distância da localização deste ainda é muito
maior do que o alcance dos seus melhores telescópios.
Alex Randall trabalhava febrilmente.
Digitava num teclado luminoso tridimensional, projetado a partir do braço de
sua poltrona, comandos especificando como registrar aqueles acontecimentos.
Deu algumas tragadas no cachimbo e indagou aos Soigrés:
-Agradeço pela oportunidade que me dão, mas... Por-quê escolheram a
mim?
100
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Tédio! – Foi a resposta.
-Temos tudo o que desejamos.
-Nada nos falta.
-Resolvemos acompanhar de perto as aventuras de um explorador primitivo
cercado por tecnologia arcaica tentando enfrentar as intempéries do espaço.
-Tecnologia arcáica? - Indagou nosso herói ofendido. – Aqui foi gasto um
dinheirão e você me fala que tudo isso não vale nada. Parece papo de comprador
de carro usado...
-Para nós, sua astronave nada mais representa que uma bola de sucata
voadora.
Alex Randall ficou boquiaberto depois de ouvir aquela.
-É! E, como diziamos...- Disse outro dos Soigrés.- Para matar o tédio,
resolvemos acompanhar suas viagens.
-Puxa vida! Que bom! Com seres poderosos como vocês me escoltando,
posso ficar despreocupado... Com certeza poderei enfrentar audaciosamente os
maiores perigos sem pestanejar, já que certamente me darão proteção...
-Na verdade, apesar de sermos as criaturas mais poderosas do universo,
não interferimos nos assuntos de outras raças...
Nosso herói, que achava, que mesmo com aqueles chatos criticando e
perturbando, talvez fosse ter ajuda num monte de problemas retrucou:
-Mas vocês já interferiram no momento que me levaram a lugares que
provavelmente eu nem viesse a encontrar durante uma viagem normal.
Os Soigrés confabularam entre si rapidamente e continuaram...
-Você não está pronto para aprender todos os nossos ensinamentos.
-E nem iremos interferir no seu caminho, seja para beneficiá-lo ou não.
-Não nos intrometemos em assuntos de seres primitivos.
-Muito menos naqueles concernentes a humanos.
-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.
-É verdade! Tudo esta raça aproveita muito mal, incluindo os próprios
recursos e tempo.
-Baseado nisso, tenho certeza que não será bem sucedida a viagem a que
se propôs este humano.
-Se eu me preocupasse com acúmulo de bens materiais apostaria nesse
fato.
A irritação crescia na mente do nosso herói.
-Acho que sei porquê esses caras estão na minha nave... - Pensou. – Para
me encher o saco.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Num estalar de dedos de um dos Soigrés, o Viajante das Estrelas
novamente retornou ao mesmo local onde se encontraram pela primeira vez...
Mesmo irritado com a constante auto-exaltação dos próprios dons a que os
Soigrés o estavam submetendo, tentava manter a calma.
-Que achou desta pequena e breve jornada, Alex Randall?
-Somos poderosos, não?
-O infeliz ainda sequer se recuperou. Não force muito os neurônios dele. A
pobre criatura ainda tem muito que evoluir...
A irritação de Alex Randall cada vez aumentava mais.
-Humanos são muito ignorantes.
-Ainda nem aprenderam a se utilizar de todas as capacidades do próprio
cérebro.
-Perfeitos atrasados!
-Violentos demais! Deixam-se dominar facilmente pelas emoções e desejos.
-Verdadeiramente primitivos.
-Os dois sexos existentes nesta raça não conseguem se fundir
mentalmente! Muito mal e porcamente o fazem fisicamente.
-Pobrezinhos! Ainda têm muito o que evoluir...
Em meio a todos aqueles comentários desabonadores feitos pelos Soigrés,
o infeliz protagonista destas linhas se impacientava cada vez mais.
Deu mais algumas fortes baforadas no cachimbo.
Teria de achar um jeito de botar aqueles tipos para fora.
Caso contrário, iria acabar virando uma espécie de atração televisiva, um
rato de laboratório monitorado constantemente num ambiente à la “big-brother”
pelos palpiteiros de plantão
Restava agora adivinhar o que fazer...
Para encontrar esta resposta, fazia todo tipo de careta enquanto refletia
sobre o problema.
-Pobrezinho... Veja que cara de bobo faz quando fuma este cachimbo...
Pior de tudo era buscar a solução agüentando tantas críticas e
pentelhações.
Tarefa penosa para qualquer um!
Tal momento de divagação levou os Soigrés num primeiro momento a
erroneamente pensarem que o nosso herói estivesse interessado nas suas
habilidades, conhecimentos, ensinamentos e verdades que tanto pregavam.
Logo porém perceberam que o desinteresse de Alex Randall era patente!
-Não presta atenção em nossos poderes!
102
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Esse fumo o deixa muito abestalhado mesmo.
-Parece nada ouvir do que falamos.
-Se soubesse o estado em que se encontra sua saúde, não continuaria
levando esta vida de cachimbeiro.
-Precisa acordar. Está muito disperso.
Dizendo isso, um dos Soigrés aproximou-se de Alex Randall, estendeu a
mão na direção da testa e penetrou com ela na cabeça de nosso herói como se
duas distintas imagens estivessem se fundindo uma a outra graças a algum efeito
especial de computação gráfica.
***
A realidade se transformou novamente.
Estava sentado numa espécie de trono que claramente tentava simular de
um modo tanto precário, a poltrona que usava na central de comando do Viajante
das Estrelas.
Não era a original, claro! Muito menos, tinha a pretensão de ser.
Dançavam ao seu redor, lindíssimas mulheres semi-nuas que rebolavam
exibindo farta gostosura.
Era uma barulheira só.
Porém, que acabava por se transformar numa contagiante música que
comandava toda a bagunça e festividade.
Deu tragadas no cachimbo e, logo, uma coluna de fumaça erguia-se das
chamas do fumo em direção aos céus estrelados daquela noite.
Olhou para frente e viu músicos, bailarinos e festeiros de várias raças se
confraternizando alegremente embalados ela música contagiante.
Mais adiante ainda. Onde se iniciava o alegre cortejo, vinha escrito o com
letras de aproximadamente quatro metros de altura: “Memoriais de Alex Randall.”
Seguindo-o, desfilavam crianças brincando com bolas peludas pintadas
com tinta brilhante e estranhos acessórios costurados que, lembravam os
Uorlops.
Vindo logo atrás do bloco infantil, caracterizados como os policiais espaciais
que quase encarceraram nosso herói no planeta prisão, chegavam os tocadores
de bumbo fazendo diversas evoluções.
Na seqüência, alegremente cantando e dançando, seguiam senhoras
usando largos vestidos claros, lenços que, à moda das cozinheiras baianas lhe
cobriam os cabelos, além de adornos como colares e pulseiras.
Carregavam grandes cestas de cujo interior tiravam e jogavam para o
103
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
público bolinhas azuis com pequenos apetrechos que, muito lembravam os BLUS.
Só, usando terno e chapéu brancos, sambando bastante, aparecia o sujeito
que entrara com metrô e tudo no Viajante das Estrelas.
Logo atrás, um bloco que causou calafrios em nosso herói: o dos demônios
que vinham atormentando alegremente as almas penadas que propositadamente
estavam alí para, durante a celebração desempenharem o papel de sofredores.
Num outro carro, tão alto e imponente quanto aquele em que se encontrava
nosso herói, estava uma loira muito linda.
Seu monumental corpo estava coberto apenas por uma microscópica tanga
dourada e bastante purpurina prateada.
Era uma beleza a forma vigorosa como aquela mulher sambava. Tão
perfeitamente quanto as verdadeiras mulatas.
Ainda havia outra mulher completamente nua flutuando sobre a escola de
samba. Esta tinha olhos profundamente negros que pareciam conter todo o
cosmos.
Segurava um arame com argola em uma de suas extremidades e, soprava
por um líquido negro que aí havia, de onde saiam diversas bolhas negras e
brilhantes contendo universos inteiros.
Sua pele era morena e seu corpo, de uma beleza fantástica.
Bem adiante do carro alegórico onde estava Alex Randall desfilava um
sujeito baixote e meio careca fazendo evoluções para uma bonita porta-bandeira
que ostentava o símbolo do Corinthians Futebol Clube.
Olhando mais atentamente, nosso herói percebeu que aquele cara era o tal
do escritor da outra dimensão que se dizia ser o criador de suas aventuras. Ou
melhor, de suas desventuras.
Virou-se para trás, mas, pouco conseguia vislumbrar.
Aparentemente, fumaça branca, muito similar àquela utilizada como efeito
especial nos shows, encobria sua visão.
Percebia algum movimento, mas, muito mal vislumbrava dois enormes
animais que aparentavam ser dragões...
Nada mais enxergava além disso.
Adiante e cercando o carro alegórico onde estava, só havia música e
empolgação.
Um rapaz de cor negra aproximou-se e sussurrou no seu ouvido:
-Não se esqueça! Você é apenas um ser humano!
O rapaz afastou-se com semblante sério e, de um segundo para outro,
voltou a sambar e cantar alegremente.
Alex Randall parou para pensar e, em seguida deixou-se levar pela
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empolgação daquele carnaval.
Descontraiu-se, deu fortes tragadas no cachimbo e, segurando-o com uma
das mãos, pôs-se de pé tentando ensaiar algumas evoluções sambísticas.
Seus shows e passos acrobáticos pouco ou nada duraram, afinal, sempre
fora um verdadeiro perna de pau.
Despencou do carro alegórico devido a embriagues que tomou conta dele
depois de tanto fumar e se deixar entorpecer pelo espírito festivo.
Sequer teve tempo de estatelar-se no chão...
***
Voltou à realidade de trabalho do Viajante das Estrelas.
Os Soigrés ainda estavam lá, inclusive aquele que lhe tocara de modo tão
estranho.
A mão dele já não estava mais dentro da sua cabeça!
-Compreende agora a vastidão dos nossos poderes? – Perguntou um dos
Soigrés.
-Sim! Plenamente! Respondeu nosso herói demonstrando claramente sua
irritação. – E pediria aos senhores para não me jogarem de um lado para o outro
só para provarem o quanto são bem dotados e superiores. Essa ladainha
repetitiva já me cansou.
Os Soigrés se mostraram perplexos...
-Procuramos demonstrar sua insignificância para que quando lhe dirigirmos
críticas relativas às suas ações você possa compreender que nossas sugestões
devem ser urgentemente aceitas e realizadas como a mais pura e absoluta
verdade.
-Deveria agradecer pelos nossos comentários.
-Somos muito poderosos e sábios.
-Concordo! - Disse Alex Randall. – Mas, vocês estão interferindo... Se o
vosso objetivo não é esse, peço que não se manifestem mais.
-Mas nossas críticas são construtivas...
-Não pretendemos ofendê-lo quando lhe lembramos de como seu modo de
vida é primitivo.
-Você deve ser mais tolerante com o próprio fracasso e aprender com
nossos interesses.
Um dos Soigrés aproximou-se de Alex Randall e disse:
-Alex Randall tem razão.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Sua aparência humana era a de um velho barbudo com chapéu, roupas
largas, surradas e óculos escuro:
-Já interferimos demais na vida dele. Não é este o nosso propósito. Vamos
deixar que prossiga sua jornada solitária.
Outro então se manifestou:
-Vamos então conceder-lhe um favor! Seres inferiores apreciam muito
quando lhe atendemos a realização de um desejo como forma de os
compensarmos por nossos raríssimos enganos.
-Boa idéia! Assim não ficamos com a imagem de “poderosos mas muito
chatos”.
-O problema é tentar descobrir o que poderia desejar uma forma de vida tão
primitiva?
Irritado com a constante exaltação à própria superioridade quase infinita,
sem contar as enervantes críticas nosso herói não pode evitar:
-Parem de me encher as paciências e digam logo algo que eu não saiba.
Chega de ficar repetindo o quanto são melhores que eu...
-Na verdade, Alex Randall, você pediu três coisas, mas, não nos faremos
de rogados e lhe atenderemos em cada uma destas solicitações.
Um dos Soigrés se aproximou e disse:
-Alex Randall, não adianta fugir que os problemas vão sempre te achar....
-Q-q-quê?
Agora, quem estava perplexo era o nosso herói.
Por aquela não esperava...
-Dissemos a você algo que não sabia. Agora, estamos partindo.
Nada de despedidas ou baboseiras melosas. Tão inesperadamente quanto
surgiram, os Soigrés se foram...
Alex Randall sentiu-se aliviado com o sumiço daqueles críticos chatos super
poderosos.
Agora, precisava inventar alguma coisa que impedisse novas invasões não
autorizadas no Viajante das Estrelas.
***
Em algum lugar do Universo, inalcançável para um mero mortal humano, os
Soigrés confabulavam entre si...
-Tão insignificante criatura e menosprezou nossas críticas...
-Não deve melhorar de vida nunca...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Provavelmente vai bater cabeça pelo resto da existência até adquirir uma
considerável experiência.
-É um mal muito comum da raça humana! Detestam ser criticados quando
estão errados.
-Pobres infelizes! Ainda têm muito que evoluir.
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MEMORIAL N.11 DE ALEX RANDALL
Observando a paisagem espacial, sentado em sua poltrona na central de
comando, nosso herói, a olho nu, casualmente notou lá longe nas profundezas
cósmicas um curioso e fugaz brilho amarelo de grande intensidade.
Talvez pelo fato de ter sido notada, a curiosa cintilação logo desapareceu
não tendo, sua aparição, durado mais que cinco segundos.
E não deixou rastros...
É impreciso afirmar corretamente o porquê, mas, tal fenômeno, por mais
insignificante que fosse na escala cósmica universal, ainda despertava a atenção
de um desocupado mortal que viajava pelo espaço numa astronave dotada da
melhor tecnologia já alcançada pela humanidade, sendo capaz de percorrer
distâncias inimagináveis num tempo insignificante.
Quando ia ordenar um estudo mais detalhado da situação, aconteceu algo
inesperado.
De modo súbito e misterioso, alguns quilômetros adiante do Viajante das
Estrelas materializou-se uma imensa massa com aspecto de vômito e, num tom
de cor amarelada, que muito lembrava o do brilho que a pouco chamara a atenção
de Alex Randall.
Não só o aspecto daquela coisa era impressionante, mas também, as suas
dimensões por si só muito superiores às do Viajante das Estrelas.
Se tivesse uma forma perfeitamente esférica, o diâmetro daquele “objeto”,
se é que nestes termos poderia ser colocado, chegaria a uns mil quilômetros.
Fosse lá o que fosse aquilo, avançou na direção do Viajante das Estrelas
envolvendo-lhe rapidamente.
A astronave por fim, acabou desaparecendo no meio daquela massa
assustadora e repugnante.
***
Dentro do Viajante das Estrelas reinava o pesadelo total.
Estava sendo imerso contra a vontade numa substância amarelenta que,
brotava do chão sem explicação física convincente.
Tal fato estava tornando, a situação crítica.
O cheiro era insuportável. Muito azedo! Capaz de derrubar os mais
valentes.
Nos painéis de instrumentos nada funcionava.
108
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Nosso herói tinha de nadar no meio daquela coisa amarela para sair,
porém, tudo indicava que, onde quer que fosse, encontraria as coisas do mesmo
jeito.
Nada mais era possível, fazer, não restava nem espaço para se respirar.
O nariz, a boca e até o estômago foram tomados por aquela substância
que praticamente o afogou no meio daquela desgraça toda.
***
Mesmo assim ainda escapou da morte!
Porém, naquele instante, logo percebeu que estava vivendo uma realidade
totalmente diversa da sua. Talvez, um sonho...
Inexplicavelmente, encontrava-se num ambiente aberto, e distante do
Viajante das Estrelas.
O cheiro que sentia não era desagradável, pelo contrário; lembrava estes
sabonetes naturais com fragrâncias primaveris.
Até onde podia enxergar, toda a paisagem era coberta por uma delicada
espécie de teia branca.
Tocou-a movido pela curiosidade e percebeu que sua consistência, textura
e flexibilidade muito se assemelhavam à dos antigos tecidos terrestres.
Também se deu conta de outro detalhe importante...
Estava diante de uma forma de vida diferente!
***
Apercebeu-se do fato observando como a teia envolvia a sua mão.
Tocando a criatura, imediatamente formaram-se nos seus pensamentos,
imagens e sentimentos diversos dos que normalmente vivia no seu dia a dia.
Era uma forma de vida imensa, simplesmente deveria cobrir todo aquele
mundo.
Conforme o lugar onde a tocava, passava por uma nova emoção, como se
estivesse imerso num um imenso instrumento musical...
Poderia permanecer se divertindo com aquela experiência fantástica
indefinidamente.
Foi porém interrompido quando notou nos céus daquele mundo o súbito
aparecimento de uma frota de naves espaciais que, pela quantidade, mais se
assemelhava a uma imensa nuvem de gafanhotos.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
E então a desgraça!
As naves começaram a jogar bombas incendiárias e jatos de fogo sobre a
criatura que foram queimando e matando-a.
Agora, apercebia-se da situação de um modo diferente.
Alheio às limitações físicas, seu corpo começou a flutuar ao redor daquele
mundo e, de fora da sua atmosfera enxergou o tamanho do estrago que as
chamas faziam na estranha forma de vida.
Seus pensamentos foram invadidos por sentimentos de pavor e imagens da
morte.
Era uma avalancha de agonia que lhe invadia.
A criatura não tinha mais salvação, estava fadada a morrer.
Ainda assim, de um ponto daquela forma de vida que ainda não havia sido
atingido pelo fogo, brotou uma bola amarelada com o aspecto de vômito idêntico
ao da massa que havia tomado o Viajante das Estrelas.
A massa foi crescendo.
Pouco a pouco, foram se externando também os sentimentos de ódio e
desejos de vingança que, existiam e davam vida àquela coisa horrível.
Ela se inflou até alcançar um diâmetro aproximado de mil quilômetros, e
então soltou-se da teia branca.
Momentos depois a imensa criatura que anteriormente cobrira todo aquele
mundo não mais existia.
Agora, ela fora substituída por uma horrenda massa amarelenta.
A essas alturas, a frota de naves responsáveis pelo seu fim já havia partido
e desaparecido no meio do infinito espaço sideral.
A bola de vômito, movida por ódio e desejo de vingança seguiu o mesmo
rumo.
Alex Randall continuava a olhar a terrível transformação que aquele mundo
sofrera e o resultado de todo o incêndio.
Concluiu que talvez aquela história não terminasse por alí.
***
Acordou novamente na central de comando.
Tudo parecia normal.
Nem sequer o mínimo odor que indicasse que a astronave havia sido
totalmente inundada por aquela criatura com aparência de vômito.
Duvidando de sua própria sanidade, nosso herói consultou os registros
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
feitos pelas câmeras internas e constatou que a invasão realmente se verificara e
que ele próprio em nenhum momento havia saído para lugar algum.
As imagens não mentiam.
O Viajante das Estrelas fora realmente inundado por completo pela
criatura, mas, esta, de um momento para outro, simplesmente desapareceu
deixando apenas aquelas imagens como prova de sua visita. Nada mais.
De resto, tudo se mantinha inalterado na astronave.
Todos os controles agora respondiam exatamente como antes da curiosa
invasão.
Então, os instrumentos detectaram a presença de uma frota de naves
espaciais.
Olhando mais atentamente a configuração delas, notou que eram
exatamente aquelas que haviam assassinado a forma de vida do mundo onde
mentalmente imaginara ter visitado
Também deu-se conta de outro fato.
Vislumbrou novamente o mesmo brilho que enxergara pouco antes de estar
diante do gigantesco vômito amarelado pela primeira vez.
***
As potentes câmeras telescópicas do Viajante das Estrelas registraram a
súbita aparição da criatura amarela bem adiante do caminho que seguia a frota
avistada por Alex Radall.
E também o que aconteceu a seguir.
A maior e mais espetacular destruição que um combate no espaço poderia
propiciar.
Ali,só um dos lados na luta desigual sofria revezes.
A criatura se dividiu em milhares de partes que atingiram cada uma das
naves destruindo-as num silencioso e mortífero espetáculo visual.
Após o breve tempo que durou a matança, a bola amarelada aumentou
mais ainda seu diâmetro habitual e absorveu todos os destroços que resultaram
daquela rápida batalha.
Nada mais havia que indicasse tamanho extermínio.
A imensa bola de vômito também desapareceu.
***
111
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Voltou porém a dar as caras.
Novamente, dentro da central de comando.
Estava menor agora.
Tinha a altura e a forma muito semelhante à humana.
Alex Randall não percebia mais nela o quase infindável desejo de vingança
ou o menor resquício de ódio.
Estava diferente agora.
A criatura apontou para um dos diversos projetores de imagens
tridimensionais e, flutuando no meio do nada apareceu a seguinte mensagem:
“Cumpri minha missão”
“E sem satisfação”
“A vingança consumada”
“Minha alma arrasada”
“Sem lugar para voltar”
“Sem amparo e sem lar”
“Tudo chega ao fim.”
“O futuro vem a mim”
“Queimando no inferno”
“Tormento será eterno...”
O misterioso ser mais uma vez desapareceu.
Nosso herói leu aquelas palavras brilhando no ar.
Acendeu seu cachimbo e deu fortes baforadas enquanto refletia a respeito
do texto.
Concluiu que, mesmo tendo alcançado a vingança, a criatura
aparentemente não achou a felicidade.
Diversas questões também invadiram a mente de nosso herói.
Sem a pretensão de encontrar respostas para todas, afinal sabia que
muitas ficariam sem solução, apenas desejou poder terminar sua vida sem jamais
ser escravo do ódio e da vingança.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.12 DE ALEX RANDALL
Quanta coisa engraçada acontece por acaso...
Sem querer, a mão de Alex Randall esbarrou no botão de parada total.
Apertando-o, a qualquer velocidade que estivesse o Viajante das Estrelas,
este seria imediatamente parado.
Estando então imóvel, o cérebro computadorizado faria um auto diagnóstico
completo em toda a astronave e, na eventualidade de não encontrar defeito
algum, já de imediato, realizaria uma varredura externa a procura de eventuais
elementos potencialmente perigosos ao prosseguimento da viagem.
Todo esse procedimento, numa nave esférica de mais de 50 quilômetros de
diâmetro, levava menos de cinco segundos.
E por acaso, não no momento da busca por eventuais problemas internos
mas, sim no seguinte, aquele em que se tenta identificar alguma ameaça externa,
uma curiosidade foi vista flutuando sem rumo no espaço.
-Uma porta com batente e tudo. Só não tem parede para apóia-la.
-Quê?!?!?!? Indagou bastante perplexo nosso herói frente ao relato do
cérebro computadorizado.
As câmeras deram uma imagem clara da tal porta.
Ela se encontrava a menos de cem metros de onde o Viajante das Estrelas
havia feito sua involuntária parada.
Era comum.
Com no máximo dois metros e meio de altura, trincos dourados, bem
conservada e, num dos lados do batente havia um pequeno painel de botões cujas
superfícies continham diversos desenhos que pareciam ser parte de algum
alfabeto desconhecido.
O que estava fazendo ali?
De onde viria?
Não havia mais nada naquele setor do espaço num raio de pelo menos dois
anos luz, portanto, aparentemente não poderia se tratar de destroço de alguma
nave espacial acidentada ou coisa do gênero.
Curioso com a procedência da porta, nosso herói decidiu enviar robôs para
investiga-la.
Alguns minutos depois, três já estavam ao lado dela colhendo informações.
Afora o painel com teclado contendo estranhos caracteres, era uma porta
completamente normal, igualzinha a essas usadas na Terra.
Os próprios robôs apertaram os botões daquele teclado usando as mais
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
diversas combinações, mas, não obtiveram nenhum tipo de resposta.
-Tragam-no para dentro! Veio a ordem de Alex Randall.
Compartimentos embutidos nos bojos dos robôs se abriram e, destes
saíram garras que delicadamente seguraram no batente da porta.
Foram puxar a porta em direção à astronave e...
Surpresa!
Os braços que seguravam as garras se romperam.
Revendo aquela cena no Replay, a impressão que se tinha era a de que a
porta simplesmente não saia do lugar.
Mesmo com as garras impossibilitadas de segura-la, os robôs não
desistiram e tentaram empurra-la em direção ao Viajante das Estrelas.
Ainda assim, o resultado foi o mesmo.
Tentou-se teletransportar a porta para o interior da astronave.
Os resultados desta tentativa também foram infrutíferos.
Aquela porta não parecia mover-se um milésimo de milímetro do lugar.
Pela cabeça de Alex Randall ocorreu até a idéia de tentar fazer com que o
Viajante das Estrelas se aproximasse da porta envolvendo-a num dos seus
hangares para alguns estudos mais precisos.
Imaginou porém se a astronave correria algum risco caso tentasse moverse com a porta no seu interior...
Melhor seria não arriscar...
Como dizia ao célebre ditado...
“Se Maomé não vai à montanha, a montanha iria até Maomé.”
Alex Randall resolveu vestir um dos trajes espaciais e, ele mesmo fazer um
passeio fora do Viajante das Estrelas.
***
Aproximou-se da porta.
Naquele momento usava um dos modelos de roupa mais resistentes para
saídas no espaço.
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas logo manifestou-se
através dos alto-falantes embutidos no capacete:
-Esse objeto incorpora uma tecnologia que ainda nos é desconhecida. A
prudência recomenda uma análise mais detalhada antes de...
Mal teve tempo de completar o que ia dizendo quando Alex Randall
interrompeu com um largo sorriso de desdém ao perigo...
114
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Ora! Que é isso!?!?!? Só pode estar brincando!!! Análise detalhada eu
mesmo vou fazer...
Colocou-se de frente para a porta e tentou abri-la normalmente usando a
maçaneta.
Esta, não se mexeu um milímetro..
Olhou o teclado com os botões e apertou uma seqüência aleatória deles e
casualmente a tranca da porta se destravou na primeira tentativa.
Alex Randall deu um largo sorriso e tirou um sarrinho daquele momento:
-Veja como são as coisas: um cérebro computadorizado capaz de ler,
interpretar, analisar e processar zilhões de textos maiores que a Bíblia em menos
de um décimo de segundo, ficou o maior tempão usando um robô para descobrir a
senha disso aqui, e, venho eu, um simples mortal humano que, na sorte,
consegue acertar de primeira...
-Ainda assim, o melhor procedimento a partir desse passo seria uma
análise detalhada a respeito do que vem a ser essa porta e...
-Que análise detalha, que nada! Eu tive sorte e vou manter o ritmo. Quero
logo abri-la para descobrir que segredo tão interessante ela guarda.
Alex Randall abriu a tal porta e, num primeiro momento tudo o que viu foi o
outro lado com o mesmo espaço cheio de estrelas. Justamente, aquilo que seria
de se esperar...
Mas, essa imagem começou a tremer e, então, um forte sopro vindo do que
seria o “outro lado da porta” arremessou nosso herói contra o casco do Viajante
das Estrelas.
O tal sopro continuou e manchas brancas rápidas e indefinidas passaram a
transpor os umbrais daquela porta a todo instante...
Quando o fôlego do tal sopro terminou, apareceram centenas de naves
espaciais dos mais variados modelos.
Torpedos, discos, esferas e ainda tantos outros tipos das mais estranhas
formas .
Todas porém tinham algo em comum.
Eram transparentes como que se fossem feitas de plástico ou de vidro.
Nosso herói nada sofreu com o choque. Apenas o susto pelo impacto
inesperado.
Choque mesmo, foi quando uma figura horrorosa foi projetada diretamente
nos seus olhos no interior do capacete que usava. Pelo texto explicativo que a
acompanhava, vinha de uma daquelas naves estranhas...
-Sou o almirante TALMODENAS, comandante da frota que o cerca!
Tipo muito feio que, assim como as naves da frota sob seu comando,
115
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
também era transparente.
***
Era algo fantasmagórico.
Apavorante de se ver.
Alex Randall recuperou-se do susto do impacto da feiúra daquele sujeito e
se apresentou:
-Sou Alex Randall...
-Você é o nosso salvador. Libertou-nos do purgatório que sofríamos
Nosso herói sentiu um orgulho crescendo cada vez mais dentro de si, pois
fizera um grande gesto humanitário.
-Puxa vida, que bom! Fico feliz com isso. Principalmente porquê vocês são
em muitos mesmo...
-Realmente! O que temos em comum é que somos todos súditos do Império
do Pai Gordo, mas, procedemos de planetas diferentes. Estamos seguindo para a
sede imperial onde completaremos nossa missão.
No campo inferior do projetor interno do capacete cujas imagens eram
vistas diretamente pelos olhos de Alex Randall, uma luz vermelha começou a
piscar.
Sua alegria com a boa ação realizada era tanta que mal deu-se conta do
fato.
TALMODENAS perguntou:
-Há alguma coisa que possamos fazer pelo sr.?
Por uma questão de educação, nosso herói apenas respondeu.
-Não! Agradeço pela intenção de retribuir o pequeno favor, mas estou bem
e posso me virar sozinho sem problemas.
-Então temos que seguir. Devemos encerrar a nossa missão o mais
brevemente possível.
Meio minuto depois, aquela frota de naves que também contava com
grandes asteróides modificados e adaptados para receber todo tipo de artefato,
como motores, armas, esconderijos para naves menores, etc..., desapareceu
seguindo o seu destino.
Só então Alex Randall deu atenção para a tal luzinha que estava
insistentemente piscando e já chamando atenção para si até com um insistente
sinal sonoro..
116
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
***
-A missão de TALMODENAS é de vingança! Ele vai levar a morte a um
povo que participou de uma guerra a muito tempo terminada. Sua frota vai acabar
com a capital de um império que hoje não existe mais.
Alex Randall então deu-se conta de que libertara uma força de poder
incalculável pronta para causar muita destruição...
Certamente, a porta de algum modo conteve toda aquela frota prisioneira
evitando que a sua missão fosse cumprida.
Agora, graças a ele, vidas poderiam correr risco...
-Essa informação é correta? Não tem erro?
A resposta contida na voz feminina do cérebro computadorizado veio fria e
certeira.
-As histórias da frota comandada por TALMODENAS e do seu destino é
conhecida em lendas e versos por mais da metade da galáxia. Até mesmo os
computadores do mundo policial dispõem de informações a respeito desses fatos.
-É mesmo?!? Pois eu a desconheço. – Disse Alex Randall enquanto voltava
para o interior do Viajante das Estrelas. – Esclareça-me esse ponto.
-O império do Pai Gordo viveu dias de rebelião por todas as suas colônias.
Com muita morte e violência, conseguiu por fim aos conflitos nos mundos sob o
seu jugo. Porém, os movimentos de resistência não cessaram suas atividades.
“Queriam alcançar seus objetivos, mas, com os meios convencionais de
que dispunham, jamais conseguiriam.”
“Foi então arquitetado um plano cujo objetivo seria dar um golpe mortal na
capital do império para esfacelar esse governo.”
“Para tanto, precisariam de uma poderosa frota de naves capazes de
enfrentar máquinas e soldados muito bem treinados.”
“Espaçonaves de diversos mundos colonizados pelo império se juntaram ao
movimento e, aos poucos foi sendo formada a frota de TALMODENAS”
“O quê de indestrutibilidade que faltaria para a realização da missão foi
conseguido através de antigos encantos de bruxaria.”
“Não sem, é claro, o tradicional sacrifício que sempre é feito em ocasiões
assim.”
“Aquela frota seria indestrutível, mas, para isso, as almas de todos que nela
estivessem ,seriam dadas como forma de pagamento ao demônio que lhes
concedeu o pedido.”
-Isso explica a transparência de suas formas. – Pensou Alex Randall. - São
fantasmas!
117
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O cérebro computadorizado prosseguiu o relato:
-O desejo de vingança pelas perdas que o Império do Pai Gordo havia lhes
impingido era tão grande que sacrificariam as próprias vidas para realizar seu
intento.
“Mesmo assim, as intenções de TALMODENAS não passaram
despercebidas.”
“O serviço de espionagem leal ao império conseguiu aprisionar o bruxo que
intermediara a barganha entre o demônio e a frota.”
“Logo ficaram os leais servos do Império sabendo do perigo que ameaçava
a capital e puseram em ação um plano para afastá-lo.”
“O próprio bruxo que ajudara na criação da frota fantasma acabou tendo de
involuntariamente encontrar uma solução para o problema.”
“Com novo encanto que transcendeu tempo e espaço , pôs no caminho de
TALMODENAS e da frota, uma armadilha que os aprisionou no purgatório.”
“Tudo indica que era essa porta que
mantinha a frota fantasma
prisioneira...”
Alex Randall ouviu atentamente toda a explicação...
Deu algumas tragadas no seu cachimbo, refletiu brevemente e perguntou...
-Onde fica a capital desse Império do Pai Gordo?
-O império não existe mais. O planeta que o sediava hoje é capital de uma
república cuja constituição preza a vida e as diferenças entre os governados.”
“Esse estado, encontrou uma rara e bem sucedida forma de governar... “
“É um mundo que mais nada tem do seu passado imperial e opressor.”
Só então, Alex Randall pôde dimensionar melhor os fatos:
-Temos de ir atrás de TALMODENAS e tentar demove-lo do seu intento.
Logo em seguida, o Viajante das Estrelas partiu.
***
Não tardou muito para chegar ao seu objetivo.
Destroços de naves, fragmentos de satélites, pedaços de estações
espaciais e até corpos despedaçados vagando pelo espaço eram os sinais da
presença da frota fantasma por todo aquele sistema planetário.
Resistência era oferecida por alguns poucos que não foram surpreendidos.
Inútil!
Nada podia parar a frota fantasma.
O planeta capital era o mais castigado. Ali se concentrou um ataque tão
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
intenso que praticamente aniquilou todas as formas de vida existentes.
Céus ardiam e praticamente todos os centros urbanos foram consumidos
por um interminável mar de fogo.
Apesar das mortes e da violência, as chamas causadoras de tanta tragédia
eram bonitas de se admirar.
Do espaço, as explosões que consumiam cidades inteiras pareciam apenas
pontinhos brilhantes que se acendiam e apagavam...
Aquela beleza assassina por alguns momentos seduziu nosso herói.
Foram momentos em que ficou imerso, fascinado com o brilho e os fogos
da guerra.
Logo porém voltou a si e chamou por TALMODENAS através das mesmas
freqüências de comunicação que havia usado anteriormente.
A resposta veio imediata.
-O que deseja amigo? O que posso fazer por você?
-Tem que cessar o ataque imediatamente! O povo que você está matando
não é o mesmo dos tempos do império. A sua guerra acabou! A vingança que por
tanto tempo esperou agora está atingindo inocentes!
Nem bem terminou seu discurso eloqüente, a imagem de TALMODENAS
que os projetores mostravam na central de comando tremeu...
As câmeras e demais sensores do Viajante das Estrelas captaram de todos
os planetas habitados do sistema planetário, explosões tão potentes que,
certamente, em cada um deles, a vida foi definitivamente extinta.
A imagem do almirante voltou ao normal e ele enviou sua última
mensagem...
-Lamento que tenha sido assim. Agora esse sistema planetário virou um
imenso cemitério. Se pelo menos tivesse nos avisado logo após termos saído do
purgatório, ou mesmo, alguns poucos momentos atrás, certamente seu pedido
teria sido considerado. A nós que cumprimos a vingança, resta pagar os pecados
no inferno, já que , realizada a missão, os poderes de indestrutibilidade deixam de
dar a proteção que tínhamos! Agora vejo como caímos nas armadilhas do
destino...
A imagem de TALMODENAS desapareceu e o que havia restado da frota
fantasma também.
Ficou o rastro de morte e destruição deixado por esta, que não poupou
ninguém do sistema planetário que um dia fora a capital do império do pai gordo.
Não havia o que salvar.
Tudo fora completamente arrasado.
Permanecer nas imediações, só se fosse para chorar a chacina onde
119
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
somente o demônio saíra com saldo positivo.
Mas Alex Randall ainda sugeriu uma última cartada...
-Temos máquinas do tempo a bordo que podem nos levar de volta ao
passado num momento onde seja possível salvar todas estas vidas perdidas...
-Sim. - Concordou o Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas. Só que não vale a pena...
Alex Randall ficou surpreso com aquela resposta.
-Mas por-quê? - Indagou.
-Ainda que conseguíssemos voltar ao passado e manter a frota de
TALMODENAS encarcerada, outro qualquer que estivesse passando por alí
descobriria o segredo daquela fechadura e abriria a porta novamente. Mesmo no
espaço, ela estava localizada num lugar acessível que faz parte de uma rota por
onde transitam muitas naves. A libertação daqueles fantasmas era apenas
questão de tempo. Neste caso, o destino já estava decidido...
-Quem diria: um Cérebro Computadorizado de última geração sugerindo a
tomada de decisões com base na crença da imutabilidade do destino.
-Não! Apenas na pura lógica mesmo! Com essa porta a solta pelo espaço,
cedo ou tarde alguém iria revelar seus segredos. É mais ou menos como largar
um objeto de valor numa via por onde passam várias pessoas. Em algum
momento, uma delas vai percebê-lo e querer verificar do que se trata. O que está
feito está feito. O resultado será o mesmo.
-Muito bem então. - Concordou Alex Randal...
Com um enorme peso na consciência reduzido graças à explanação do
ponto de vista do Cérebro Computadorizado, nosso herói ordenou a partida para o
espaço profundo.
Quanta desgraça não acontece devido ao acaso...
***
120
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.13 DE ALEX RANDALL
“Quando despertó, el dinossaurio todavia estaba alli.”
Augusto Monterroso
-Pedido de socorro captado!
-De onde vem?
-Das proximidades. Em poucos segundos poderemos alcançar a fonte
emissora.
Imediatamente, logo adiante da poltrona onde estava sentado nosso herói,
apareceu a imagem de uma nave espacial que, na sua configuração era similar
aos velhos torpedos da Terra.
-Já encontramos esta espaçonave antes. Só que, no momento, ainda não
dá para determinar a causa de seus problemas. – Disse a voz feminina do cérebro
computadorizado.
Alex Randall não podia discordar.
Era a mesma espaçonave que em outra ocasião, encontrara caçando os
filhotes dourados do inseto gigante que tivera a diarréia na central de comando.
-Faça contato.
Algum tempo passou mas, não houve resposta aos chamados realizados.
-Não atendem.
-Podem estar em situação difícil. Rapidez agora é essencial. - Pensou Alex
Randall enquanto mordiscava a piteira do seu cachimbo.
-Vamos até lá. - Ordenou.
Imediatamente, a astronave seguiu o seu novo destino.
***
Pouco tempo após a decisão de prestar socorro ser tomada, o Viajante das
Estrelas estacionava suavemente a menos de cem metros da nave em perigo..
Alex Randall estranhou o silencio da nave. Chegara o mais rápido possível
e, a distância que percorrera depois que recebera o pedido de socorro não era tão
longa assim.
Algum sinal de vida ou movimentação ainda deveria haver, entretanto,
reinava uma total quietude que chegava até a ser sinistra.
Nem as luzes externas de sinalização da nave estavam mais acesas.
Estranhando a curiosa situação, nosso herói achou por bem agir rápido.
-Ponha uma equipe robotizada em ação! Temos de saber o que está
121
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
acontecendo. Não vou teletransportar nada lá para dentro sem dar antes uma
verificada.
Logo, comportas se abriram na parte externa do Viajante das Estrelas por
onde passaram vários enxames de robôs das mais diversas formas.
Tão estranho conjunto de artefatos se dividiu em diversos grupos. Alguns,
registrando imagens. Outros, pousando no casco do torpedo tentando contato
com o interior daquela espaçonave.
Da central de comando, Alex Randall acompanhava cada movimento.
Apesar da expressão do seu rosto aparentar desinteresse, nenhum detalhe
escapava à sua aguçada visão.
Os robôs assentados no casco da espaçonave não conseguiam obter
resposta alguma apesar dos insistentes e diversos chamados que realizavam.
Mesmo assim captaram sons que poderiam ser de batimentos cardíacos e
outros tipos de vibrações muito distantes que davam conta de que ali dentro
certamente havia pelo menos uma vida que poderia ser salva.
Não gostava de tomar tal tipo de decisão, mas em virtude do tempo estar
correndo e com a possibilidade de alguém estar prestes a morrer, ordenou a
injeção de micro-robôs naquela espaçonave...
Três “pernilongos arrombadores” robotizados pousaram em diferentes
pontos da parte externa e, conforme o praxe, inseriram nesta superfície, suas
trombas pontiagudas metálicas e brilhantes.
Tais engenhocas, capazes de perfurar paredes grossas e resistentes
injetariam no interior da nave, milhares de micro-robôs exploradores que,
percorriam tudo lá dentro colhendo informações.
Pouca coisa se alterava enquanto a invasão acontecia, já que, os
“pernilongos”
faziam os furos na superfície de modo a não permitir a
descompressão interna.
Em conseqüência desse processo, as novidades logo começaram a chegar
à central de comando do Viajante das Estrelas na forma de imagens e gráficos
tridimensionais que foram projetados ao redor da poltrona de Alex Randall.
A informação mais importante que chegou, dava conta de que: apesar dos
cuidados tomados para a invasão, boa parte dos compartimentos da espaçonave
já estava com os controles de suporte de vida completamente inoperantes.
Pior ainda: Toda a tripulação lá dentro já estava morta.
E eram mesmo os tais contrabandistas que nosso herói encontrara em
outra de suas viagens.
Mas também havia outro importante detalhe.
No centro da espaçonave, havia um grande compartimento blindado por
122
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
onde os robôs ainda não haviam conseguido transitar e nem mesmo penetrar.
Lá de dentro, vinham os sons que o cérebro computadorizado interpretou
como sendo de batimentos cardíacos.
Robôs especializados em arrombamento foram enviados para o local.
Encontraram o acesso que era protegido por uma fechadura que só era
destrancada mediante senha numérica a ser digitada em teclado ali disposto.
Os robôs, com sua rapidez característica, tentaram diversas combinações,
mas, novamente, o tempo corria e os seus esforços não eram recompensados.
Outros, por sua vez, batiam na parede daquele recinto blindado tentando
fazer, com os sons das batidas, algum tipo de contato, com o que quer que
eventualmente estivesse ali dentro.
Não obtiveram resposta, mas uma perceptível alteração no ritmo dos
supostos batimentos cardíacos que os sensores altamente sensíveis captavam
ocorreu.
Enquanto isso, a senha da porta de acesso não se mostrava fácil de
revelar.
Seu mecanismo blindado, estava se mostrando um páreo duro de vencer.
Tanta demora impacientava Alex Randall que naquele momento já
começava a ter algumas de suas novas idéias mirabolantes.
Baseado na sua bem sucedida experiência anterior com a abertura de
portas, mais uma vez resolveu tentar uma intervenção pessoal.
E novamente, o cérebro computadorizado teve que manifestar sua
discordância com a tomada daquela súbita decisão.
-Sua vida pode correr perigo. O que quer que esteja
naquele
compartimento blindado do interior daquela nave é desconhecido e pode até
representar perigo.
-Uma vida pode estar em perigo e, se tenho um talento para abrir portas
devo exercita-lo nesse momento, já que, os robôs não conseguem resolver o
problema.
-Mas que talento é esse? A descoberta da senha que libertou a Frota
Fantasma foi questão de sorte, qualquer outro poderia fazer o mesmo. Não há o
que discutir a respeito desse assunto.
Alex Randall ouviu em silêncio.
Mesmo assim, já estava tomando as providências para fazer mais um de
seus passeios fora do Viajante das Estrelas...
***
123
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O cérebro computadorizado cansou as orelhas do nosso herói de tanto
avisar-lhe dos perigos que passaria entrando na nave desconhecida.
Algum tempo depois, vestindo um avançadíssimo traje para astronautas, e
contrariando todas as advertências, Alex Randall já estava lá.
Percorrendo os corredores, flutuando em gravidade zero, vendo ao vivo
mais de quarenta cadáveres daqueles curiosos galináceos, indagava-se o que
teria causado tantas mortes...
Olhando aquela nave por dentro, percebia que, entre outras funções, ela
também funcionava como instalação industrial onde as criaturas douradas que
salvara numa outra ocasião eram mortas, fatiadas, “limpas”, embaladas e
encaixotadas em grandes geladeiras.
Na outra ocasião que encontrara este finado bando de contrabandistas,
inconscientemente fizera uma associação daquela situação que presenciava, com
as pescarias industrializadas da Terra que, em muitos casos, exterminavam
espécies inteiras além de tirar a vida de muitas criaturas que não eram
aproveitadas para nada.
Era uma associação correta. Aquela nave talvez tivesse um papel bem
parecido, só que em outro plano...
Em meio a estas reflexões, finalmente viu-se diante da porta.
Com a sua chegada, o robô que, realizava as tentativas infrutíferas na
fechadura relatou...
-Tentei 65.738 combinações e não obtive resultado positivo.
-Deixe me tentar pelo menos uma vez...
Numa das teclas havia um desenho que parecia uma bola, nosso herói
pressionou-a várias vezes e apertou outro botão verde logo ao lado...
Disse então como que por brincadeira:
-Abracadabra!
E a porta se abriu como que por encanto.
Alex Randall não pôde evitar:
-Agora o meu potencial para intuir com cem por cento de certeza as senhas
problemáticas terá de ser reconhecido...
***
A porta destrancada revelou pequeno cubículo com uma escotilha fechada
na parede oposta.
Audacioso, nosso herói logo avançou para dentro, antes mesmo dos seus
robôs.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Sabia que o cérebro computadorizado certamente e, com toda razão, iria
lhe passar sermão pelo fato de não resguardar sua segurança de modo correto.
E realmente ouviu...
-Devia deixar o serviço arriscado para os robôs.
Antes que pudesse dar uma resposta irônica àquela advertência, ou mesmo
que os robôs adentrassem o cubículo, a porta se fechou novamente isolando Alex
Randall .
A única iluminação existente era a do seu traje.
De - repente ocorreu um estrondo e então, um chiado que parecia indicar
que alguma espécie de gás estava sendo inserido naquele ambiente.
Sobre a escotilha, uma luz avermelhada acendeu e, depois, outra verde.
Alex Randall girou o volante que ficava nela esta se abriu mostrando um
corredor cujas luzes acenderam automaticamente.
Uma pequena lâmpada azul iluminou o interior do capacete.
Indicava que o ambiente no interior do setor blindado daquela nave tinha ar
respirável para humanos.
Abriu a viseira e deu uma respirada.
Tudo ok!
Avançou pelo corredor e reparou que, nas laterais dele, haviam celas.
Eram comuns, porcas e fechadas com barras cilíndricas de um material
muito parecido com o ferro.
Todas vazias.
No fim do corredor, outra porta.
Nosso audacioso herói dirigiu-se até ela e a abriu.
Acionou a iluminação ambiente antes de entrar.
Era um depósito cheio de caixas feitas com material metálico.
Uma delas, enorme!
Devia medir uns sessenta metros de cumprimento por trinta de altura e
largura.
Uma de suas paredes laterais estava completamente destroçada; alguma
força abriu imenso buraco nela a partir do seu lado interno.
Alex Randall aproximou-se para observar as proporções do estrago.
Tão entretido ficou com suas observações que não percebeu a figura
gigantesca que movia-se ao seu redor.
Quando deu-se conta de que algo acontecia, deparou-se com um dragão
cuja cabeça estava próxima de si .
Seu olhar era perturbador e hipnótico.
125
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Alex Randall ficou imóvel preso aos olhos daquela criatura.
Não era mais dono de sua vontade ou seus pensamentos.
A realidade ao seu redor se alterou colocando-o em um lugar
completamente diferente.
Via-se num mundo primitivo com densa floresta.
Naquele cenário, apareceu um dragão fugindo.
Parecia justamente aquele da nave em que se encontrava.
Era perseguido pelos galináceos contrabandistas armados de bastões
emissores de raios que lhe impingiam dor severa.
A situação alterou-se novamente.
Não se enxergava mais nada.
No meio das trevas, um sentimento de aperto, tanto físico como mental.
Os movimentos estavam completamente tolhidos.
Como conseqüência disso, o pânico também foi tomando seu lugar naquele
cenário de escuridão.
Quando a agonia do aperto parecia ser insuportável, a explosão da própria
força física abriu espaço ao lado do corpo e uma luz de esperança iluminou a
saída...
Seguiu-a e deparou-se com o depósito da nave espacial dos
contrabandistas.
Havia escapado da caixa gigantesca que encontrara arrombada.
Percebera então que, as sensações que tinha certamente eram as
mesmas pelas quais passara o gigantesco dragão.
Um elo mental havia se estabelecido entre Alex Randall e a criatura.
Voltou à realidade vendo-se diante do hipnótico olhar da fera.
Teria mesmo revivido experiências realmente passadas pelo dragão?
Ou talvez, a hipnose fosse uma tática para confundir seus pensamentos
ficando mais vulnerável a um ataque?
Menos de um segundo após esta dúvida ter se manifestado, o dragão
projetou para fora a língua gosmenta que enrolou-se na cintura do nosso herói e
rapidamente o puxou para o interior da boca.
***
Nem mastigado foi.
Desceu goela abaixo pensando na completa razão que tinha o cérebro
computadorizado do Viajante das Estrelas quando lhe dava alguns de seus
126
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
conselhos.
Sentia-se como se estivesse dentro de um saco levando pancada por todos
os lados.
Poucos eram os comandos dos instrumentos que pareciam funcionar
normalmente em sua roupa.
Um deles, era o que acendia os holofotes instalados nos seus ombros e no
topo do capacete. Acendeu-os e não animou-se muito com o que viu em volta.
Depois de muito movimento, parou dentro de um outro órgão que também
parecia um saco visto de dentro, só que este era maior que o anterior por onde
passara.
Assim que chegou ali, as paredes internas começaram a exalar grandes
quantidades de fumaça, ao mesmo tempo que, um líquido branco com cheiro
simplesmente horrível.
Nosso herói inalou um pouco da fumaça.
Mesmo assim, logo fechou a viseira isolando-se hermeticamente de
qualquer agressão ao seu olfato.
O sistema de exaustão da sua roupa limparia o ar interno e poderia oferecer
condições de vida ainda que no interior do dragão.
Mesmo expostos àquela condição extrema, os mecanismos do traje
trabalhavam perfeitamente ao manter a integridade física de Alex Randall.
Porém, a quantidade de fumaça inalada, apesar de pequena, causou-lhe
algum desconforto.
Primeiro começou a piscar incessantemente e, a seguir, vieram as lágrimas
que simplesmente lhe obstruíram completamente a visão tamanha a abundância
com que fruíam.
Quando pôde enxergar normalmente, não estava mais no interior do
dragão.
***
Agora, se encontrava num ambiente totalmente enfumaçado onde via
alguns poucos palmos adiante do nariz.
Vestia roupas comuns e não o traje que até aquele momento estivera
usando.
Pelo chão, em meio à fumaça branca jaziam em decomposição cadáveres
de criaturas das mais variadas espécies.
Encorajado por aquele ambiente aconchegantemente decorado com mortos
e esqueletos, nosso herói conseguiu colocar-se de pé já que não estava mais
127
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
sendo moído de pancada.
Ainda não entendia muito bem como é que seu traje de astronauta
desaparecera e entendeu menos ainda, quando, diante de si, deparou-se com
outra criatura viva.
Não eram insetos e outros tipos de formas de vida que eventualmente se
banqueteariam com a carniça de tantos defuntos.
Era um humanóide de cor negra, semi-nú, de uma só perna, gorro vermelho
e que também fumava cachimbo.
A figura deu diversas tragadas soltando bastante fumaça pelo nariz, o que
instigou o nosso herói à vontade de fumar.
Só que, o seu cachimbo e fumo não estavam consigo naquele momento, e,
justamente por isso; o que era um leve desejo transformou-se numa fissura
desenfreada.
O fumador de uma só perna, apercebendo-se disso disse:
-Te arranjo fumo, mas, terás que me fazer um favorzinho...
-Um favorzinho... – Pensou nosso herói. – Não deve ser lá grande coisa.
Talvez, um servicinho simples.
O sujeito virou-se, e logo apareceu trazendo dois ovos de quarenta
centímetros de altura cada. Um, de cor prateada, outro, dourado.
-Só quero que você tome conta destas belezinhas para mim...
Dito isto, entregou os ovos para Alex Randall que ficou sem saber o que
fazer.
E não teve tempo nem de perguntar, pois, tudo escureceu de tal maneira,
que nada mais se via diante do próprio nariz.
Veio novamente o inexplicável aperto por todo o corpo com grande
intensidade, mas que foi diminuindo até terminar.
Deu-se conta então que estava sendo expelido pelo ânus do dragão
juntamente com algumas centenas de quilos de merda.
Para sua surpresa, agora vestia novamente o traje especial de astronauta e
a superfície deste se encontrava completamente lavada de bosta.
Não havia um único centímetro quadrado da roupa que estivesse limpa.
Curiosamente, notou ainda que, ao seu lado, estavam os dois ovos que lhe
foram entregues pela criatura de pele escura e uma perna só.
O prometido fumo porém... Nada!
Caído, Alex Randall viu o dragão sentar e deitar-se após a caganeira...
Não parecia bem...
Contorcia-se fazendo expressões faciais de dar dó...
128
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A respiração fraquejou e o bicho parou definitivamente de se mexer.
E então, o mais extraordinário!
O corpo da gigantesca criatura emitiu um forte brilho e desapareceu
completamente sem deixar vestígios. Apenas nosso herói um tanto perplexo, os
ovos e os resquícios de fezes pelo chão e pelas roupas.
Com relação ao traje especial, reparou que este se encontrava sem
nenhum dano.
Estava intacto, apesar de ter percorrido todo o sistema digestivo da fera!
Muito provavelmente sua grande resistência deveria justamente ter causado
a morte do dragão por indigestão.
E foi então que a cavalaria apareceu
Como sempre, depois que o herói safou a própria pele do perigo.
Chegaram os robôs enviados pelo cérebro computadorizado que fizeram o
mesmo caminho percorrido por Alex Randall, mas, não tiveram tempo de ver o
dragão.
Nosso herói ao verificar o relógio surpreendeu-se ao dar-se conta de que
seu tour pelas tripas do monstro não durara cinco minutos terrestres.
A sensação que teve porém foi a de ter apanhado durante horas e horas
seguidas lá dentro.
Ainda constatou que não havia nenhum registro da fera feito pelas câmeras
filmadoras embutidas no seu traje. Mesmo quando fora engolido, as únicas
imagens eram de chuviscos.
As provas daquele fato eram os ovos.
Um dos robôs aproximou-se destes, tocou-o e afirmou:
-Os sons que havíamos captado vêm daqui. Mas parece que os cálculos
foram errados, são dois seres vivos ao invés de um
Nosso herói nada disse.
As batidas registradas anteriormente não tinham origem só no interior
daqueles dois ovos, mas também no coração do dragão que desaparecera após
morrer.
-Quero um estudo nos computadores dessa espaçonave . Quem sabe,
existam registros que esclareçam o que aconteceu aqui e matou todos estes
contrabandistas.
Um dos robôs aproximou-se do que parecia ser um terminal de computador
da espaçonave e se conectou a este..
Meia fração de segundo depois, algo curioso ocorreu.
Uma espécie de mancha brilhante saiu de dentro do aparelho tocado pelo
robô.
129
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Movendo-se rapidamente jogou-se sobre Alex Randall.
Sua investida porém foi contida por alguma força invisível.
Dentro do capacete de Alex Randall um alerta avisava.
-Atenção! Perigo de infecção por vírus bio-digital.
***
A estranha criatura que muito mal dava para se ver correu mergulhando de
volta no terminal de onde saíra.
As luzes que iluminavam o compartimento tremularam e então, ouviu-se um
grande estrondo.
Eram os motores da nave sendo acionados.
Ela estava sendo posta em movimento..
O cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas então diagnosticou os
acontecimentos ocorridos explicando pelos fones de ouvido do capacete de Alex
Randall a sua situação:
-O vírus bio-digital é um ser vivo criado artificialmente para invadir qualquer
tipo de órgão ou aparelho destinado a processamento ou armazenamento de
dados, seja biológico ou artificial.
“Ele pode atuar não só em meios de armazenamentos de memórias
artificiais, mas também nos existentes em quaisquer criaturas providas de
inteligência.”
“Foi criado como arma de guerra. O que está aqui certamente foi trazido
como contrabando, afinal, seu valor no mercado negro, segundo os arquivos do
mundo policial, é incalculável.”
A voz feminina digitalizada fez uma pausa e então, deu continuidade às
suas explicações.
-Ainda foi registrada a ocorrência de intensas emissões de partículas
altamente energizadas provenientes de uma estrela existente nesse setor.
-Provavelmente. – Continuou o Cérebro Computadorizado. - Estas
partículas interferiram no bom funcionamento dos computadores quando essa
espaçonave transitava pelas imediações.”
“Em decorrência dos defeitos que então se sucederam pela nave, o vírus
bio-digital escapou da cela virtual onde deveria estivera aprisionado. “
“Solto no ambiente, ele simplesmente seguiu seus instintos básicos que,
normalmente, são programados para causar o máximo possível de danos.”
“Depois de exterminar toda a vida que encontrou pela frente , alojou-se no
sistema de computadores da nave, desligou-o e pôs-se em estado de hibernação
130
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
já que não havia mais para onde seguir.”
Algumas perguntas intranqüilizavam nosso herói, a mais perturbadora delas
se referia ao porquê da mamãe dragão não ter sido perseguida e morta pelo vírus
bio-digital.
Mas, essa questão, não colocaria em pauta junto ao Cérebro
Computadorizado do Viajante das Estrelas justamente pelo fato deste não ter
percebido ou registrado a existência da fera que por algum tempo o mantivera em
seu estômago...
Passou então para a segunda pergunta mais intrigante...
-E por que ele não conseguiu concluir com sucesso o seu ataque contra
mim?
-A roupa, todo o seu sistema computadorizado e também os outros ligados
ao Viajante das Estrelas são protegidas por “vacinas” contra estes perigos
-Muito bem. E o que fazer agora?
-Seu resgate está a caminho. Mantenha-se tranqüilo. O teletransporte não
poderá ser usado, mas, não se preocupe: o vírus não o vê como ameaça, sabe
que somente com os equipamentos disponíveis aqui dentro correrá risco de ser
destruído. Seu objetivo ao reassumir o controle da nave dos contrabandistas é
unicamente o de escapar de um novo encarceramento...
Sabedor dessa notícia, nosso herói não perdeu tempo e tomou rumo de
volta para o ponto onde seria resgatado.
***
O Viajante das Estrelas não deixou que a nave onde Alex Randall e seus
robôs se encontravam escapasse.
Um veículo auxiliar parecido com os velhos aviões da Terra, de asas curtas
e corpo mais robusto saiu de uma das comportas da astronave para efetuar o
resgate.
Era bastante manobrável e veloz.
Aproximou-se da entrada por onde nosso herói e seus robôs acessaram a
nave e, um tubo a partir da parte inferior do veículo auxiliar projetou-se em direção
a esta.
Não muito tempo depois de conectado aquele cilindro ao acesso, Alex
Randall e seus companheiros cibernéticos correram por dentro dele em direção à
segurança.
Terminado o resgate, o veículo voltou ao Viajante das Estrelas que, por sua
vez, desacelerou-se afastando daquela fonte de problemas.
131
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
***
Já tranqüilo, longe da nave e do vírus bio-digital que a infestava, nosso
herói recostou-se na poltrona da Central de Comando, acendeu o cachimbo e
começou a analisar os resultados dos exames feitos nos ovos que trouxera para o
interior do Viajante das Estrelas.
Certamente, as criaturinhas que estavam dentro deles, cresceriam até
alcançarem o tamanho do dragão que o digerira ou mesmo até o superariam.
Isso o levava à triste constatação de que o Viajante das Estrelas não era o
ambiente mais adequado para o desenvolvimento de criaturas tão grandes e até
voadoras.
Seus ovos seriam colocados numa espécie de geladeira que paralisaria
temporariamente o processo de desenvolvimento dos futuros dragõezinhos alí
dentro.
Por algum tempo, o crescimento daqueles bichinhos não lhe constituiria
problema.
Haviam ainda porém, outras questões a serem resolvidas.
Foi interrompido pela voz feminina do cérebro computadorizado da nave
que trazia novidades:
-O vírus bio-digital ainda representa perigo.
-Você ou algum dos robôs sofreu contaminação? Indagou preocupado
nosso herói.
-Não. Trata-se da segurança de um mundo habitado e com razoável
desenvolvimento onde a nave chegou e está prestes a pousar. Alí, certamente o
vírus deverá causar o apocalipse já que a vacina para o mesmo é desconhecida.
Mais uma vez Alex Randall via a sua curiosidade e xeretice causando
problemas para quem não tinha nada a ver com a história.
-O vírus bio-digital teria se reativado sem a nossa intervenção naquela
nave?
-Provavelmente não! – Veio a resposta fria e seca da voz feminina do
cérebro computadorizado. – Esta vírus, depois que vê sua missão cumprida,
procura hibernar até a ocorrência de algo que o faça retornar à atividade. No caso,
a circunstância justamente foi ocasionada pelo robô que foi obter informações no
computador onde a criatura descansava. Daí por diante os acontecimentos são
aqueles que temos conhecimento.
Agora nosso herói percebia que até o pedido de socorro na verdade era
uma arapuca criada pelo próprio vírus dirigida ao primeiro otário que estivesse
132
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
circulando pelas imediações.
Deu-se conta de que perdia tempo com reflexões inúteis.
Alguma coisa deveria fazer para salvar todo aquele mundo em perigo.
Sem desperdiçar mais nenhum instante, instruiu o cérebro computadorizado
para seguir curso ao referido planeta.
***
Tão logo chegou ao destino traçado, a primeira coisa que reparou foi o
rastro de fumaça que indicava que a nave havia penetrado o manto atmosférico
daquele mundo.
Não tardaria muito e logo alcançaria a superfície.
Os sensores do Viajante das Estrelas começaram a receber transmissões
de imagens e sons feitas através das mesmas freqüências utilizadas na Terra
pelos antigos aparelhos de TV dos meados do século XX.
A programação do que seriam suas televisões também não era muito
diferente.
Tinha bons e maus programas que mostravam os habitantes e sua vida
cotidiana na forma de desenhos, novelas e informativos jornalísticos que, naquele
momento, se alvoroçavam cobrindo a nave que rasgava os céus em rota de
colisão com o seu planeta.
O cérebro computadorizado ainda não conseguia traduzir completamente o
conteúdo de todos dos programas, mas, de uma coisa não havia dúvidas: o povo
estava em pânico!
Toda a correria de Alex Randall pareceu ser vã.
Não foi possível fazer muita coisa.
A nave em chamas espatifou-se na superfície daquele mundo!
O impacto teve força destrutiva equivalente ao de várias bombas atômicas
e, uma cidade densamente povoada por questão de apenas dois mil quilômetros
quase foi o alvo do presente do espaço.
Felizmente, onde caiu, nenhuma vida foi perdida pois a área do impacto
fazia parte de um imenso deserto.
Os nativos recuperaram-se do susto e muitos então, movidos pela natural
curiosidade, aproximaram-se até onde podiam da região do choque.
Jornalistas foram os primeiros a chegar e logo iniciaram suas coberturas
sob os mais variados ângulos.
A tranqüilidade do trabalho não durou muito já que o vírus bio-digital
sobrevivera ao impacto, e ainda se movia com grande velocidade.
133
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Não demorou muito para localizar e atacar uma das equipes de imprensa.
O golpe da criatura assassina foi rápido, certeiro e eficiente.
Não matou os nativos.
Fez pior. Colocou-os sob o seu domínio e, tomando posse de suas mentes,
assenhorou-se também dos seus corpos.
Apossou-se dos equipamento de transmissão de reportagens e começou a
fazer uso deles enviando um estranho sinal para diversas emissoras de TV.
Estas o retransmitiram automaticamente para suas estações e satélites de
modos que, em poucos instantes o sinal já percorria todo o planeta.
Quem o recebia apenas via um chiado com curioso som agudo.
Nada mais!
Em seguida, perdia totalmente o domínio de suas ações, fosse forma de
vida, ou aparelho eletrônico controlado por computador.
Com tanto poder, o vírus bio-digital foi ampliando cada vez mais o número
de nativos que estava sob sua vontade até então, conseguir o controle total!
***
Mais tarde, o vírus bio-digital estava destruído e seu domínio sobre aquele
mundo acabado.
Antes que os nativos pudessem sofrer qualquer coisa, a vida voltou à
normalidade.
A equipe de repórteres que anteriormente fora subjugada pelo vírus
novamente estava em pleno comando de suas faculdades, bem como, todo o
planeta onde viviam.
A rápida solução do problema se deu graças à Alex Randall que, de dentro
do Viajante das Estrelas, interferiu na emissão do sinal hipnótico trocando-o por
outro que “vacinava” tudo e todos naquele mundo, destruindo ainda, a fonte das
ameaças.
Tendo evitado prejuízos e perda de vidas causadas pela sua curiosidade,
nosso herói finalmente pôde fumar e refletir sobre os últimos acontecimentos.
Doravante, seguiria com mais atenção as advertências do cérebro
computadorizado a fim de evitar futuras trapalhadas.
***
134
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.14 DE ALEX RANDALL
Um planeta que ofereça condições climáticas e atmosféricas similares às da
Terra sempre é motivo de atenção.
Em alguns casos especiais é digno até, do estabelecimento de uma base
fixa de pesquisa..
Durante suas viagens, Alex Randall encontrou um planeta que, segundo o
critério do primeiro parágrafo logo acima, merecia uma visitinha.
Sem perda de tempo, pôs o Viajante das Estrelas em órbita dele.
Neste mundo, à primeira vista, não haviam sinais de civilização inteligente
ou que, apresentasse indícios de desenvolvimento tecnológico.
Uma raridade de vida selvagem que devia ser observada de perto.
Mais uma vez, contrariando os conselhos dados pelo cérebro
computadorizado que controlava o Viajante das Estrelas, Alex Randall resolveu
sair para uma visita “in loco”.
Embarcou numa das poltronas voadoras e saiu para um vôo panorâmico..
Nos primeiros contatos com a atmosfera, percebeu que o ar ali era mais
limpo que na Terra onde as conseqüências de anos poluindo o meio ambiente
ainda eram presentes.
Sobrevoando as florestas matou um pouco as saudades de sua terra natal.
Durante seu passeio, pôde coletar diversas informações peculiares àquele
lugar e, a mais curiosa delas era que a principal forma de vida ali reinante e
dominante era a dos macacos.
Eram das mais variadas espécies, todos convivendo harmoniosamente e
sem brigas, o que, por si só já era bastante curioso.
Também reparou na abundância de bananas que nascia por qualquer lugar
onde estivesse.
E era justamente delas que a macacada se alimentava.
Durante muito tempo, nosso herói analisou o comportamento de diversos
bandos registrando seus hábitos.
Da mesma forma que os olhava também era visto, afinal, os bichos ficavam
muito curiosos com a poltrona que, sem muito esforço flutuava entre as árvores
carregando uma criatura que soltava mais fumaça que uma chaminé industrial.
A tranqüilidade reinante entre as mais diferentes espécies era
impressionante!
Comparados aos seus primos da Terra, essa macacada seria considerada
tão pacífica quanto os monges budistas.
Não brigavam de jeito nenhum. Sequer gritavam entre si.
135
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Em última análise, pareciam mais evoluídos até mesmo que os seres
humanos.
***
Mesmo o estudo consome calorias, o que leva o estômago a roncar e
causar a conhecida sensação de fome comum aos primatas.
Nosso herói, como também costuma sentir fome, resolveu que já era hora
de comer, e que, faria uma variação no seu cardápio.
Para não ficar só na comida produzida no Viajante das Estrelas, iria colher
do pé algumas bananas e experimenta-las.
***
Pousou a poltrona numa clareira e desceu.
Um bando de macacos das mais variadas espécies imediatamente o cercou
demonstrando clara curiosidade.
Alguns pequenos, chegaram até a subir nos ombros de Alex Randall e
começaram procurar sujeira nos seus cabelos louros e a barba. (E acharam
muita.)
Pegou bananas do pé, descascou e comeu uma delas.
O sabor era um pouco mais azedo que o das suas irmãs na Terra.
E foi justamente esse pequeno detalhe que não conquistou o gosto do
nosso herói já que, o seu paladar, era mais afeito às comidas doces.
Não deixou entretanto, de sentir uma espécie de embriagues e
relaxamento...
Dentro da sua cabeça, começou até a ouvir vozes.
Estavam se manifestando num linguajar diferente, mesmo assim, conseguia
entender o sentido do que estava sendo dito.
Ou como no caso, perguntado...
-De onde vem?
-Quem é?
-Que deseja?
Frente a este questionamento, quase que automaticamente, pensou nas
respostas.
Novas perguntas então lhe bombardearam...
-Por-quê viajar pelo espaço?
136
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Para quê sair do próprio mundo?
-Por quê arriscar a própria vida se aventuras podem ser perigosas?
Alex Randall então percebeu algo extraordinário:
Estava mantendo um contato telepático com aquelas criaturas, muito
provavelmente, graças a alguma substância química da banana que lhe despertou
esse dom no seu cérebro.
Os macacos daquele mundo não eram xeretas nem intrometidos, tão pouco
excessivamente curiosos a ponto de fuçar onde não deviam.
Tal comportamento também poderia ser influência da banana?
Alguns deles chegaram até a sentar nos braços cheios de comandos e
controles da poltrona voadora mas ali nada tocaram. Pareciam compreender que
aquele era um equipamento delicado.
Antes de se aperceber desse detalhe, nosso herói chegou até a pensar em
travar os controles da poltrona para que esta por acaso não saísse voando
desembestadamente por aí.
Novamente porém, uma voz manifestou-se nos seus pensamentos:
-Não se preocupe com a integridade do seu equipamento. Sua tecnologia
nos é de pouco valor. A muito tempo abandonamos esse estágio social evolutivo
de busca pelo conforto através da ciência, e mudamos para um modo de vida
mais simples e sem sofisticação. Desenvolvemos um nível mental onde podemos
compartilhar pensamentos e experiências sem o uso da palavra. Em nossa
sociedade inexiste a mentira e falsidade.
Alex Randall surpreendeu-se por poder compreender tantas coisas através
daquela comida que permitia ao seu cérebro alcançar um nível tão impressionante
do aproveitamento das próprias habilidades.
A todo momento, os macacos ofereciam alguma frutinha para nosso herói
comer.
Este experimentou mais uma ou outra, porém, aquele sabor azedo era
comum em todas elas e este o incomodava tanto que passou a não mais aceitar
as oferendas.
Os macacos porém insistiam...
-Você precisa comer, vai sentir-se vazio depois.
E veio então a vontade de cagar...
Nosso herói não teve dúvidas, abaixou as calças, acocorou-se próximo a
uma árvore e abriu as válvulas intestinais até efetuar uma completa limpeza
interna.
Num mundo selvagem e sem tecnologia como aquele, não estranhou
quando alguns daqueles símios se aproximaram da bosta recém-cagada e a
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
cheiraram...
-Comeu pouco...Logo vai ficar vazio novamente.
Mal ouviu isso dentro da própria cabeça e então, foi-se toda aquela
agradável sensação de tranqüilidade que confortava o seu cérebro
Também não conseguia mais perceber os pensamentos e vozes daquelas
inteligentes criaturas.
Sentia o vazio a que os macacos se referiam...
Alguns deles ainda lhe ofereciam frutinhas.
Nosso herói gentilmente recusou...
-O sabor... – Disse em voz alta apontando para a própria língua como que
tentando se desculpar...
Alex Randall percebeu que era chegado o momento da sua partida pois, no
curto espaço de tempo que permanecera sob o efeito das frutas aprendera tudo o
que precisava saber a respeito daquele mundo.
Os macacos que estavam brincando em sua poltrona saíram dela como que
se tivessem entendido que aquele era o momento da despedida.
Nosso herói tomou o acento, acionou os controles e lentamente foi
flutuando em direção aos céus enquanto via seus amigos acenando em sinal de
despedida.
Sabia que sua partida até certo ponto era um desapontamento para seus
amigos símios, mas todos alí tinham de seguir seus caminhos.
Era ainda, um sinal de que a raça humana tinha muito a evoluir até
alcançar o que aquela sociedade selvagem considerava um ideal de vida.
Para preservar tal cultura da ganância de outras raças, Alex Randall decidiu
não revelar a localização do planeta dos símios inteligentes nos seus relatórios.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.14a DE ALEX RANDALL
(incompletamente registrado)
Uma coisa Alex Randall podia se vangloriar: de ser um fumador de
grandeza extraordinária.
Mesmo os grandes apreciadores do pito jamais conseguiriam alcançar a
quantidade astronômica de fumo que os pulmões do nosso herói ajudavam a
incinerar diariamente.
Sem ninguém para censura-lo com relação a esse péssimo hábito, fumava
tanto que, nem na hora de dormir separava-se do cachimbo.
Mesmo rejuvenescido graças a Água Purificadora que bebera em uma de
suas aventuras, a constante e incessante rotina de combustão de tabaco já
contabilizava seus prejuízo naquele “jovem” corpo.
E ao cobrar o seu preço, a saúde deu um susto no nosso intrépido viajante.
Acordou no meio do sono com uma pontada muito dolorosa na altura do
fígado.
Logo em seguida, veio outra mais forte ainda.
Desta vez, bem no coração. Parecia uma explosão dentro do peito.
Ficou sem ar e tombou inerte na sua cama com a cara atolada no
travesseiro.
***
O tempo pareceu ter parado.
Não conseguia se mover.
Ficou algum tempo naquela posição sem forças para nada.
A situação só se mudou quando uma mão de forma humana e cor clara
tocou o seu ombro.
Mesmo daquele jeito, ainda indagou-se de quem poderia ser aquela mão já
que era o único humano a bordo do Viajante das Estrelas.
-Venha comigo!
Só depois daquele toque e do som das palavras é que conseguiu se mover.
Parecia mais leve.
Virou-se e viu o dono da mão.
Era um sujeito alto de pele e cabelos claros e tinha asas nas costas.
Aparentemente, tratava-se de um anjo.
Seus olhos faiscavam como pequenas labaredas.
139
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Nosso herói não pôde deixar de se surpreender com aquela aparição
inexplicável.
De onde teria saído aquele tipo?
-Deve ser fruto da minha mente. Estou alucinando com o excesso de fumo!
-Não! Você está morto! – Disse o anjo – Eu vim te buscar.
Mal disse isso, o anjo enfiou a mão por debaixo do suvaco do nosso herói e
levantou-o da cama sem aparentemente despender para isso o menor esforço.
Alex Randall olhou ao redor meio assustado e surpreendeu-se com o que
viu: abaixo de si: o seu corpo, que permanecia deitado na cama com a cara
atolada no travesseiro.
Como fantasmas, nosso finado herói e o seu anjo atravessaram as
centenas de paredes da astronave até o seu exterior sem serem afetados pelas
leis da física.
O negrume espacial e estrelado foi lenta e suavemente se desvanecendo,
adquirindo então, tons mais azulados e claros.
A transformação ambiental se deu por completa e, agora, os dois voavam
entre nuvens brancas iluminadas por um lindo céu de verão.
Terminado o passeio por paisagens tão inspiradoras, pousaram os dois no
fim de uma fila de seres de todas as espécies que se dirigia até uma grande porta
encimada por uma placa onde se lia “PARAÍSO”.
Apesar da quantidade de criaturas aguardando a sua vez, o andamento ali
não era lento, tanto que, logo chegou a vez de nosso finado herói ser atendido.
Antes porém, vale a pena mencionar o caso do sujeito que estava bem a
frente de Alex Randall
Batia forte no peito com ares de orgulho e apontava para a placa dizendo:
-Sim! É aí que mereço ficar. Passei toda a minha vida lutando contra a
injustiça sofrida pelo meu povo. Liderei diversas missões contra opressores e levei
o exemplo de coragem aos meus companheiros.
Diante de um balcão onde estavam dois grandes e fortes anjos mais um
homem de barba farta e calva proeminente, chegou a vez do tal grande líder ser
atendido.
O barbudo em meio aos anjos desenrolou um papel que estava dentro de
um tubo e disse com voz grave.
-O senhor também é um conhecido terrorista que enganou muitos jovens do
seu povo levando-os à morte prematura, fomentou a guerra, roubo, seqüestro,
tortura, assassinatos e violência desnecessária entre os seus além de reter
grandes quantidades de recursos financeiros que teriam ajudado à causa que
tanto afirma defender.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O homem adiante de Alex Randall ficou petrificado ao ouvir aquilo.
Toda a sua pompa desapareceu.
Ainda tentou balbuciar alguma coisa como que tentando se defender mas,
ali o ambiente não era de brincadeira.
O barbudo continuou:
-Por estes fatos, por ter enganado e explorado outras pessoas em nome de
falsas verdades, estás condenado a passar o resto da eternidade penando no
inferno.
O barbudo puxou uma alavanca e um alçapão se abriu abaixo dos pés do
sentenciado fazendo-o ser engolido pelo chão com um sonoro, longo e horrendo
grito de terror.
E chegou a vez de Alex Randall.
Nosso herói aproximou-se relutante e colocou-se exatamente no mesmo
lugar onde instantes atrás estivera o condenado...
De trás do balcão de atendimento, sem nem tirar os olhos do papel a sua
frente, o barbudo perguntou:
-Alex Randall você, não?
-S-sim. Gaguejou nosso valente herói.
O barbudo desenrolou outro papel de dentro de um tubo e leu o que ali
estava escrito. Seu ar era sério durante a leitura e seu silencio não durou muito
tempo.
-O senhor já esteve no inferno antes...
Imediatamente, vieram à mente de nosso herói as agruras e torturas que
teve de suportar ali.
-S-s-sim. Repetiu gaguejante.
-As razões de sua presença lá não são claras, mas, aqui não constam
condenações referentes a pecados cometidos. Por-quê esteve lá?
-Transitava com a minha astronave nas proximidades de uma região onde existem
muitos “buracos-de-minhoca” invisíveis com passagens para todo tipo de lugar.
Uma delas me levou diretamente para o inferno. Nem mesmo eu sei explicar
direito, como tudo aconteceu. O que lembro, é que, de um momento para outro fui
acometido pelas piores desgraças que um sujeito poderia esperar encontrar pela
frente.
O barbudo segurava o queixo enquanto observava atentamente o nosso
herói.
-Seu caso não é grave. - Disse então um pouco mais relaxado e menos
sisudo. – É raro mas dá para resolver de modo satisfatório. Como já padeceu no
inferno em vida sem motivo justificável, as penas serão excluídas de sua ficha e
141
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
você poderá passar o resto da eternidade no paraíso.
Diante do nosso herói, aquelas imensas porteiras se abriram e ele adentrou
o espaço reservado aos que trilharam o caminho do bem, da justiça e da ordem.
***
Lá dentro, as cores eram mais brilhantes.
Tudo parecia ser especial.
Veio então uma sensação de bem estar capaz de acalmar qualquer espírito.
Um formigamento acompanhado de intenso torpor tomaram conta dele ali.
Diante de si, uma fonte luminosa irradiava luz ofuscante e relaxante.
Veio então a sensação de sono que parecia querer lhe por para dormir.
Não resistiu.
Logo, os pensamentos fugiram de sua mente e ficou como que
inconsciente.
Percebeu alí então que, todos os mistérios que sempre atormentaram sua
mente com questões irrespondíveis, estavam solucionados.
Sabia tudo!
O universo agora estava integrado à sua mente.
Compreendia todos os desígnios reservados a cada partícula existente.
As limitações físicas que o corpo humano lhe impunha agora não
atrapalhavam mais na percepção total da realidade.
Uma sensação maravilhosa!
Como tudo era simples!
Podia descrever com clareza usando uma ou duas palavras todos os
motivos que impulsionavam a vida e a morte no grande esquema das coisas.
Aquele sim era o paraíso que toda criatura, independentemente de sua
crença, alcançaria após a morte.
Mesmo jamais em toda a sua vida, tendo acreditado em Deus, nosso herói
agora era obrigado a rever seus princípios com a cabeça mais aberta.
Tão aberto estava naquele momento a essa idéia que percebeu perto de si
a presença do(a) TODO(A) PODEROSO(A).
Vinha na forma de uma mulher de beleza extraordinária: morena de pele
cor chocolate com cabelos negros longos, corpo robusto com seios
impressionantemente fartos e belos.
Os olhos eram negros e profundos parecendo conter todo o Universo em
detalhes além de sua história.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Deus na forma de mulher impressionava qualquer um, e é claro, até o
nosso herói.
Diante daquela obra divina, Alex Randall só foi capaz de balbuciar:
-Minha confusão acabou, agora compreendo tudo!
Mas então, teve uma surpresa desagradável.
Sentiu dor!
Aquilo o surpreendeu, afinal estava morto.
A dor cresceu tirando-o daquele estado de tranqüilidade e paz.
Com ela, veio uma inevitável irritação causada pelo infortúnio.
E como num passe de mágica, todo o seu conhecimento a respeito da
realidade, do entendimento do universo e da finalidade das coisas no esquema da
vida desvaneceu-se.
Sons irritantes perturbaram então a música celestial que até poucos
instantes ainda o tranqüilizava.
O barulho agora tinha contornos mais definidos.
Sem dúvida, eram os aparelhos da unidade de tratamento intensivo do
pronto socorro do Viajante das Estrela.
A visão da realidade então voltou.
Acordou entubado por diversos tipos de aparelhos médicos que
controlavam e mediam os seus sinais vitais.
Um robô enfermeiro entrou no seu campo e visão dizendo com voz fria e
mecanizada:
-Por muito pouco a morte não te carregou...
***
Alex Randall foi ressucitado pela tecnologia do Viajante das Estrelas e
realmente esqueceu tudo a respeito da sua estada naquele paraíso de sensações
que, na sua breve morte iluminou o seu espírito.
Sua tradicional descrença com assuntos religiosos voltou a ser norma e
aparentemente, aquela experiência para nosso herói não passou de um nebuloso
sonho que tivera durante o estado de coma.
A única mudança que poderia se dizer que quase ocorreu em decorrência
dessa morte mal sucedida é que, por alguns momentos, o medo fez com que o
cachimbo não ficasse aceso dentro do Viajante das Estrelas.
Bastou porém uma avistadela que os olhos do nosso herói deram no
mesmo, para que a paixão pelo velho vício se reacendesse em seu ressuscitado
143
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
coração.
As advertências incessantes e quase irritantes do cérebro computadorizado
dirigidas ao nosso herói não surtiram efeito e logo a fumaça voltou a empestear o
ambiente daquela astronave.
Talvez mesmo não se lembrando da sua viagem pelo além-vida, aquele
fosse um modo inconsciente de tentar voltar ao estado paradisíaco que antes se
encontrara.
Ou então, apenas o gosto do nosso herói por tabaco um tanto exagerado e
forte demais.
De qualquer forma, essa é uma prova de que tem gente que aconteça o
que acontecer, não aprende mesmo.
***
144
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.15 DE ALEX RANDALL
“Os melhores pintores da atualidade não devem se prender unicamente às
belezas das paisagens terrestres. O negrume espacial (ainda que alguns
estudiosos discordem) também é cheio de cores fantasia e inspiração.”
FERNANDO ZÉCA
Devido às experiências e testes a bordo do Viajante das Estrelas, a rota da
astronave seguia uma programação pré-planejada.
Bem... Às vezes...
Ou melhor...
Nem sempre, pois, a todo momento algum problema ou imprevisto insistia
em perturbar a ordem ocasionando constantes mudanças de planos.
Entretanto, nem toda interrupção ou atraso era ocasionado por problemas
ou imprevistos.
Mesmo a beleza de algumas paisagens espaciais, podia constituir bom
motivo para que o Viajante das Estrelas fizesse alguma parada durante seu
trajeto.
E, sabedor de tal premissa, desta feita, foi o próprio Cérebro
Computadorizado da astronave que localizou o fenômeno digno de nota,
sugerindo assim, uma pausa para observação e coleta de imagens.
Vendo a localidade apontada, Alex Randall não teve dúvidas.
De imediato, aceitou a sugestão ordenando a execução de todos os
procedimentos necessários para a produção de um registro completo que fosse o
mais fiel possível à verdade daquele momento.
Alguns poucos momentos se passaram e a gigantesca astronave
posicionou-se de forma a obter o melhor ângulo de visualização daquela maravilha
cósmica da natureza em toda a sua plenitude.
Naquela perspectiva, tal fenômeno de inigualável grandiosidade, além de
inspirar respeito fazia do Viajante das Estrelas apenas um pequeno ponto
brilhante quase invisível.
-Um berçário estelar classe 43-C. – Dizia Alex Randall em voz baixa.
O melhor modo de explicar tão inusitado visual seria imaginar um conjunto
multicolorido de nuvens no espaço.
Como suas irmãs terrestres de dimensões muito inferiores, e distinta
composição química, ao menor contato entre si soltavam raios e relâmpagos
ofuscantes.
Outro detalhe que diferenciava aquele fenômeno dos demais berçários
estelares anteriormente catalogados, era o fato deste expelir de seu interior, assim
145
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
como quem cospe, os núcleos estelares altamente densos e brilhantes das futuras
estrelas das mais diversas classes e tamanhos.
Aqueles projéteis balísticos de proporções inimagináveis consistiam perigo
para o desavisado que estivesse distraído no seu caminho, ou mesmo nas
proximidades, já que, a força de atração gravitacional que tais bólidos exerciam
sobre tudo que estiva ao seu redor, por onde passavam, era irresistível.
Mesmo a permanência no local onde o Viajante das Estrelas se encontrava,
era um jogo com a sorte, já que, se um núcleo fosse expelido justamente na
direção onde este se encontrava, o tempo de reação, reconhecimento do perigo e
fuga seria extremamente curto.
Nestes momentos nosso herói consolava se relembrando que mesmo na
velha e boa Terra, a maioria das boas fotografias e registros de filmagem exigiam
grandes riscos para a vida dos que as obtinham.
Tais riscos, alí valiam a pena de serem corridos pois, a cada cinco ou dez
minutos, um daqueles gigantescos núcleos estelares era expelido ocasionando um
espetáculo de beleza inigualável.
Mesmo assim, a permanência no local era uma questão de sorte, já que, os
núcleos recém nascidos eram a cada momento atirados numa direção diferente,
mais ou menos como as balas do revolver de um atirador cego maluco.
Outras ocorrências que se davam nas proximidades também chamavam a
atenção do Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas:
-Localizada frota com aproximadamente 500 naves. Aparentemente são de
procedências diferentes já que os modelos são distintos uns dos outros.
As preocupações de nosso herói mudaram então de foco.
De um momento para outro, sua mente desligou-se da grandiosidade
daquele visual e concentrou-se nos motivos que fariam tão numerosa frota
colocar-se numa posição perigosa.
Antes que pudesse adivinhar alguma coisa, pôs em ação os procedimentos
para contato com naves desconhecidas.
***
O tempo passou sem que resposta alguma fosse dada aos insistentes
chamados.
Não só deixaram de contestar todas as tentativas de contato como sequer
esboçaram o menor sinal ou movimento.
-Vamos nos aproximar para ter um melhor entendimento da situação.
Alguns poucos segundos foram necessários para que o Viajante das
146
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Estrelas rapidamente chegasse bem mais perto do silencioso conjunto de naves.
Daquele ponto, a beleza do berçário parecia ser ainda mais extraordinária
do que em qualquer outro, porém, além das possibilidades de levar “tiros” serem
maiores, havia ainda alí, a sensação de que coisas ruins estavam prestes a
acontecer.
Até a atmosfera dentro do Viajante das Estrelas parecia mais pesada.
Alex Randall não era dotado de nenhuma espécie de poder paranormal,
mas, tinha a percepção na sua mente de que, ali realmente não era um lugar bom
para ficar...
Mesmo com sensações tão perturbadoras, ainda tentava adivinhar que
motivo, afora a extraordinária beleza na observação dos eventos que aquele
ângulo proporcionava, teria levado toda aquela numerosa frota a quedar-se
parada ali como se estivesse semi-morta.
Foi então que suas preocupações novamente mudaram de posicionamento.
Dentro do Viajante das Estrelas havia um intruso.
***
Os instrumentos da astronave nada registravam, nem mesmo os monitores
de imagens pois, mesmo as câmeras de filmagem altamente sensíveis
aparentavam estar cegas.
A realidade indicava porém que havia um intruso na astronave e este se
encontrava bem diante do nosso herói.
Tinha forma humanóide, aparência assustadora, trajava roupas negras
escondidas dentro de uma capa preta brilhante, de pele amarelada e olhos negros
emoldurados por veias pavorosas.
A aparência não deixava dúvidas.
Tratava-se de um vampiro.
A criatura aterrorizante deu uma sinistra e pavorosa gargalhada que
arrepiou todos os pelos do corpo do nosso assombrado herói.
Com passos lentos, avançou na direção de Alex Randall com uma
expressão hipnótica e maléfica que não denotava boas intenções.
Quando suas unhas afiadas como navalhas iam tocar a garganta do infeliz
protagonista dessa história, o vampiro foi derrubado por um bando de lobos
ferozes que rapidamente o subjugou e em seguida passou a devorar as carnes de
seu corpo.
O selvagem banquete durou pouco, afinal, a carne do vampiro não foi
suficiente para satisfazer a fome da matilha.
147
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Confuso, Alex Randall tentava entender de onde teriam saído todas aquelas
criaturas.
Os instrumentos do Viajante das Estrelas estavam mudos e nada
indicavam.
A matilha feroz cercou a poltrona onde nosso herói estava sentado e agora
analisava a situação para ver por onde poderia desferir o primeiro golpe que
iniciaria o ataque à próxima vítima.
Antes porém, inexplicavelmente, milhares de aranhas subiram pelas patas
dos lobos esfomeados e colocaram-nos fora de combate mordendo-os
impiedosamente.
A matilha foi pega desprevenida e, após alguns minutos toda ela já estava
envolta numa teia muito fina, brilhante e branca.
Alex Randall assistia à situação abestalhado com todos acontecimentos
absurdos que nos últimos momentos se via envolvido.
Não conseguiria ter tempo para formular uma hipótese que explicasse o
que se passava e, para piorar, nada dentro do Viajante das Estrelas funcionava
satisfatoriamente.
As aranhas ainda não haviam resolvido subir pelas poltronas a fim de
embalsamar mais uma apetitosa vítima em meio às suas teias.
Naquela situação, nosso herói sequer cogitava a possibilidade de aproximar
os pés do chão que se mostrava mais forrado de aranha do que um carpete de
pelos.
E para piorar, as bichinhas pareciam bastante irritadas, sem esquecer é
claro, que boa parte delas com certeza tinha uma mordida pra lá de venenosa.
As perigosas criaturinhas não eram porém os últimos dos horrores que
misteriosamente assolavam a central de comando do Viajante das Estrelas.
Vários demônios entraram ali dentro atravessando suas paredes como se
fossem fantasmas.
Cercaram nosso herói em sua poltrona e deram início a uma impiedosa
sessão de torturas.
***
Alguma coisa estava errada e o cérebro computadorizado do Viajante das
Estrelas se apercebeu do fato.
O comportamento de Alex Randall estava muito estranho nos últimos
momentos.
Não respondia quando chamado, transpirava muito, sua respiração estava
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
ofegante.
Em voz baixa, com os olhos fixos no vazio murmurava:
-Socorro! Socorro! Socorro...
Parecia preso num mundo próprio, distante da realidade.
O cérebro computadorizado avaliou em paralelo a situação das naves
agrupadas que pareciam única e exclusivamente concentradas na tarefa de
observar o fenômeno da natureza que aos olhos tanto agradava.
Nenhuma delas respondeu a qualquer chamado feito pelos diversos meios
de comunicação disponíveis na astronave.
Robôs foram enviados até a frota silenciosa e com os meios disponíveis
deram uma melhor imagem da situação.
O panorama obtido era simplesmente aterrador!
Todas as tripulações daquela frota se encontravam mortas.
Com uma análise breve, porém detalhada da situação, o Cérebro
Computadorizado do Viajante das Estrelas logo descobriu o que acontecia ali.
Em seguida, a gigantesca astronave se afastou definitivamente daquele
local que mais lembrava um cemitério.
***
A primeira coisa que se deu conta ao acordar foi a quantidade de
instrumentos médicos conectados ao seu corpo.
Não viu o menor sinal dos ferimentos que os demônios haviam lhe
impingido durante suas sessões de tortura.
Teclou alguns comandos num painel colocado ao lado do leito em que
estava deitado e percebeu que tudo ali funcionava normalmente.
Em voz alta perguntou:
-O que aconteceu comigo?
A familiar voz feminina do cérebro computadorizado do Viajante das
Estrelas deu a resposta:
-O berçário estelar, mesmo com tanto esplendor e beleza é fonte emissora
de uma forma até o momento desconhecida de radiação que afeta direta e
imperceptivelmente o cérebro de qualquer criatura viva que a ela esteja exposta.
“Computadores dotados de componentes biológicos também podem ser
afetados por essa energia e é o que ocorreu com todos aqueles instalados nas
naves desta frota.”
-E onde estamos agora? Perguntou ainda tentando digerir um pouco da
situação.
149
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-A distância segura onde a radiação não poderá causar mais nenhum tipo
de dano.
-Como concluiu que a radiação desconhecida era a causadora dos
problemas e os outros computadores daquelas naves não?
-Percebi que alguma coisa estava errada quando começou a dizer coisas
sem sentido, não respondeu mais os chamados e parecia paralisado de terror
sentado na poltrona. Paralelamente, continuei analisando os dados que chegavam
através dos robôs enviados até a frota, e ao verifica-los constatei a morte de todas
as tripulações.”
“Os bancos de dados da maioria dos computadores já se encontravam
inutilizados, mas, uns poucos que ainda não haviam sido completamente afetados
pela radiação, ainda indicavam a natureza do motivo que levou toda a frota a
colocar-se em tão curiosa posição: eram todos membros de um grupo de turismo
que também estava ali apreciando a beleza do berçário estelar.
“Analisando as falhas que poderiam ter acometido os computadores das
naves descobri a vulnerabilidade que eles tinham quando expostos à radiação”
“Daí foi fácil verificar que a causa daqueles danos também afetava de modo
diferente os cérebros de criaturas biológicas, paralisando-as e matando-as de
pavor.”
Alex Randall relembrou a sensação de imobilidade e terror por que passara
durante o tempo que se viu assombrado devido as tais radiações.
Imaginou então o tormento que foi, o fim da existência de todas as criaturas
que morreram a bordo da tripulação das naves que apenas admirava as belezas
do universo.
-Ninguém conseguiu perceber o risco a que estavam expostos? Nenhum
computador deixou de ser afetado pela radiação?
-Se a maioria das máquinas não foi afetada direta acabou sendo
indiretamente, tanto que, estavam todas incapazes de responder aos chamados
que fizemos. Das criaturas biológicas, você que teve melhor sorte pois, seu tempo
de exposição à radiação foi mínimo.
Num outro teclado luminoso tridimensional projetado a partir do painel de
controle instalado ao lado do leito onde estava deitado, nosso herói digitou alguns
comandos e, os registros indicativos do seu estado de saúde foram projetados
mostrando que estava bem e não sofrera dano algum.
Mesmo relembrando claramente o sofrimento pelo qual imaginara passar
durante os poucos momentos que esteve exposto à radiação, confortava-se com o
pensamento de que, de certa forma, tudo não passara de um simples pesadelo
povoado por criaturas horripilantes.
Acendeu o cachimbo, deu algumas fortes tragadas e dormiu sem medo.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.16 DE ALEX RANDALL
-Alex Randall do Viajante das Estrelas! Por favor, responda!
Voando pelo cosmo, estando tão longe de casa ou mesmo, de qualquer
estação espacial ou espaçonave humana proveniente do Sistema Solar, a última
coisa que nosso herói esperava ouvir, era alguém chamando-o pelo nome.
Ainda mais, utilizando-se de um idioma que só era falado no seu planeta
natal.
Qual seria a origem daquele chamado? .
O cérebro computadorizado localizou a origem do chamado.
Não era da Terra, o que, por um lado desapontou Alex Randall.
Por outro, surpreendeu-o já que, a mensagem, partia diretamente de um ser
vivo que não se valia de nenhuma tecnologia para transmiti-la.
Mais incrível ainda era que, tal criatura, flutuava em meio ao vácuo sideral
sem nenhum tipo de acessório que lhe desse proteção contra aos rigores do
espaço.
A imagem projetada na Central de Comando mostrava uma lula gigante.
Com alguns comandos, o Viajante das Estrelas das Estrelas diminuiu sua
velocidade e parou.
-Aqui Alex Randall do Viajante das Estrelas. Identifique-se por favor.
-Sou SPLERONCIUS! Podemos nos reunir?
Tal pedido surpreendeu nosso herói, o que, lhe incutiu certa cautela.
-Qual o propósito do seu pedido?
-Preciso de um favor seu...É uma emergência!
-Posso antes perguntar como ficou sabendo a meu respeito e que eu
estaria nas proximidades?
-Deus me colocou no seu caminho.
Só podia ser piada. E feita com um ateu .
-Deus me disse que você não acredita em Sua existência. É verdade?
Alex Randall viu-se surpreendido mais uma vez, afinal: -Como uma
desconhecida forma de vida encontrada sabe-se lá onde nos confins do Universo,
poderia saber que ele era um ateu sendo que, quase ninguém sabia dess sua
condição religiosa.
Sem a menor sombra de dúvida, fosse lá quem fosse, SPLERONCIUS
sabia muito a seu respeito.
Resolveu aceitar o convite para a reunião.
-Tudo bem! Vamos nos encontrar. Foi sua resposta.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
SPLERONCIUS novamente surpreendeu-o.
Saiu da sua posição estacionaria no pôs-se a correr movimentando os seus
múltiplos tentáculos. Em menos de dez segundos alcançou a velocidade da luz.
Era um feito extraordinário.
Para um ser vivo, a realização de tal proeza utilizando-se apenas dos
próprios recursos corporais, era algo que punha para pensar mesmo os mais
reconhecidos físicos e cientistas da época.
Poucos momentos após o primeiro contato, SPLERONCIUS atravessou
uma distancia fenomenal em pouquíssimo tempo chegando a apenas alguns
metros do casco do Viajante das Estrelas...
Em seguida, atravessou e entrou na astronave como se essa fosse apenas
uma imagem projetada no espaço.
Pelas câmeras internas de observação, nosso herói tinha uma rápida
visualização da velocidade que SPLERONCIUS imprimia em seu irrefreável
avanço até a Central de Comando do Viajante das Estrelas.
Logo, como um fantasma, aquela impressionante criatura estava diante do
nosso atônito herói.
Espalhou os tentáculos por toda a sala cercando a poltrona de comando.
Abriu a gigantesca e pavorosa boca diante de Alex Randall revelando um
mau hálito extremamente fedorento.
No espaço de tempo de uma fração de segundo, projetou a língua à
distância de mais ou menos um metro e a recolheu novamente.
Tão rápido que mal se dava para ver...
Alex Randall percebeu o movimento, e também o que ele trouxe de
interessante.
SPLERONCIUS tirou de dentro da sua boca uma espécie de estátua
dourada.
Era a escultura de uma linda mulher nua.
Mesmo quem não gosta do sexo feminino tinha de se render à perfeição da
beleza daquelas formas fantásticas...
Um alo brilhante cercava a obra de arte, como se fosse um objeto divino...
E não deixava de ser, afinal, a riqueza de detalhes da escultura era
impressionante.
A expressão do rosto parecia dar-lhe uma vida que certamente não tinha.
Alex Randall, apreciador das lindas mulheres e profundo estudioso da
matéria não pôde deixar de atentar para aqueles detalhes.
-Quem é esta? –Perguntou atônito diante de tanta beleza...
-Esta é a imagem celestial da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Hã???Mãe de quem?
-Você está diante de uma representação da imagem de DEUS!
***
Sem tirar os olhos daquela formosura sem igual, nosso herói soltou uma
sonora gargalhada.
- SPLERONCIUS. Permita-me chamá-lo pelo primeiro nome. – Soltou em
seguida um pigarro forte mal conseguindo conter-se. – Sem dúvida essa estátua
é dona de um esplendor sem igual, mas, no meu planeta ela simplesmente
representaria uma mulher pelada. Sem querer ofende-lo. É o que penso a
respeito do assunto.
Os tentáculos se aproximaram mais ainda da poltrona do nosso herói e
também, aquela imensa e fedorenta bocarra sinistra.
A voz de SPLERONCIUS era calma e tranqüila:
-Quando tive meu primeiro contato com essa peça, também não acreditei
em seus poderes, mas, agora afirmo com toda convicção que ela é a
representação da imagem que Deus mais utiliza para se manifestar. É a forma
mais adequada para os mortais Lhe compreenderem numa pequena fração de sua
glória.
Alex Randall respeitosamente manteve silêncio. Estava claro que tinha
diante de si alguma forma de fanático religioso.
O importante agora era tentar saber para quê tudo aquilo...
-O que quer de mim?
-Preciso de um favor seu. Pode me ajudar?
SPLERONCIUS tinha uma aparência sinistra, mas, sua voz era tranqüila e
respeitosa. Os movimentos que seus tentáculos faziam pela ponte pareciam até
ameaçadores, mas não haviam causado prejuízo algum.
-E o que seria esse favor?
-Estou morrendo e sem forças para me movimentar, mas tenho que fazer
com que essa estátua chegue ao seu destino.
A extremidade de um dos tentáculos acionou os comandos de um dos
projetores tridimensionais da sala.
Entre nosso herói e SPLERONCIUS apareceu um gigantesco planeta
cercado por dois conjuntos de anéis que se cruzavam perpendicularmente.
Uma operação de “zoom” (aumento de imagem) deu mais evidência a um
dos pontos de cruzamento dos anéis, onde, situava-se imensa cidade flutuante
cercada por uma espécie de esfera brilhante e transparente.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A conformação dessa metrópole se mostrava um tanto singular e muito
lembrava o estilo de arquitetura utilizado nos projetos das antigas estações
espacial terranas dos séculos XXI e XXII, onde a ausência de elementos de
controle artificial de gravidade não determinava orientação de onde era para cima
ou para baixo.
Um dos tentáculos de SPLERONCIUS apontou para a imagem
tridimensional da metrópole...
-Ese é o templo da MÃE DE TODAS AS COISAS. Foi daí que eu roubei a
estátua...
A sinceridade de SPLERONCIUS era desconcertante. E assim continuou
quando fez o seu pedido:
-Gostaria que a levasse de volta para esse lugar.
-Você está sem condições de seguir viagem?
-Dentro de alguns segundos já não estarei mais entre os vivos. Fazendo-me
este favor, você salvará a minha alma do inferno pois, ao roubar a estátua, traí a
confiança dos sacerdotes do templo que me ajudaram num momento de grande
dificuldade pessoal.
Mal terminou de proferir estas palavras SPLERONCIUS subitamente mudou
de cor.
Seu corpo e tentáculos murcharam até desaparecerem completamente sem
deixar vestígios.
Digitando alguns rápidos comandos em um dos teclados luminosos
projetados sobre o braço da poltrona de comando, nosso herói constatou o efetivo
sumiço da misteriosa criatura.
Dentro ou fora da astronave não havia mais nenhum sinal daquela
fantástica lula gigante espacial.
A única coisa, além dos registros visuais e sonoros feitos pelas câmeras do
Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas, que provava a presença
anterior de SPLERONCIUS alí dentro era a estátua que ele deixara.
Alex Randall estava impressionado.
Olhou-a e pôs-se a refletir sobre os últimos acontecimentos:
-Iria SPLERONCIUS sofrer tanto se a obra de arte não fosse entregue no
local indicado?
Relembrando com alguma preocupação os momentos de penúria pelos
quais passou, nosso herói refletia sobre a viabilidade da realização de tal entrega.
Com base nas imagens e informações disponíveis, solicitou ao Cérebro
Computadorizado que realizasse os cálculos necessários para que fosse traçada a
melhor rota rumo ao tal Templo da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A resposta veio rápida, o que até surpreendeu Alex Randall , mas, o
espanto maior ocorreu ao tomar conhecimento do seu destino:
-As coordenadas e a rota que SPLERONCIUS deixou apontam bem para o
setor “zero-zero-zero”.
Nosso herói não parava de se indagar como aquela lula teria conseguido
fazer uma inserção de dados tão complexa no Cérebro Computadorizado sem
utilizar-se de nenhum tipo de conexão mecânica.
Estranhamente, o cérebro computadorizado também não tinha uma
explicação clara a respeito da origem das informações.
Entre tantos mistérios, um dos mais intrigantes era o destino onde a
estátua deveria ser entregue: o setor “zero-zero-zero”.
Localidade considerada entre os astrônomos como a região mais antiga do
universo.
Os teoremas propostos pelos peritos, cientistas e estudiosos, davam conta
de que, a grande explosão iniciadora de todas as coisas teria começado aí.
Tal localidade era cercada de mistérios, já que, mesmo nessa época,
nenhum artefato feito por qualquer forma de vida inteligente conhecida havia
conseguido informação confiável destas paragens.
Uma eventual jornada em busca de tal destino com toda certeza traria
inúmeras complicações, até porquê, mesmo para o Viajante das Estrelas, a
distancia a ser percorrida não era pequena.
Nosso herói não via com bons olhos a realização de uma viagem tão longa
e, provavelmente bastante problemática, tanto que, de imediato, mesmo
imaginando os suplícios que SPLERONCIUS sofreria pelos seus pecados,
resolveu adiar temporariamente a realização do favor.
-Enquanto isso... - Disse em voz alta - Quero essa estátua guardada em
local seguro.
Imediatamente, dois robôs trouxeram um container negro de plástico com
as bordas aredondadas e, logo em seguida, acomodaram a obra de arte dourada
no seu interior.
Fecharam a caixa com todo cuidado e a retiraram da Central de Comando.
Daí por diante, nosso herói resolveu concentrar-se na normalidade dos
seus afazeres intercalando-os com várias
baforadas fumacentas no seu
cachimbo.
***
BLACKOUT!
155
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Não durou mais que vinte segundos!
Certamente causou espanto a Alex Randall já que a ocorrência desse tipo
de situação a bordo do Viajante das Estrelas era raríssima, e, tecnicamente
impossível, devido à grande quantidade de medidas de segurança existentes.
Uma rápida olhada pelos instrumentos revelou que o a astronave não
sofrera nenhum dano, apesar daquela parada total.
Realmente, a situação era bastante incomum.
Nosso herói tentava solucionar o misterioso apagão quando deparou-se
com outro enigma ainda mais incomum.
A estátua que SPLERONCIUS lhe entregara estava bem ao lado de sua
poltrona.
Espantou-se ao dar de cara com ela...
-Eu por acaso já não pedi para guardar essa estátua em local seguro???
-Ela foi guardada. – Respondeu o cérebro computadorizado.
Uma imagem foi projetada adiante de Alex Randall.
Ela mostrava um depósito com vários recipientes hermeticamente selados
similares àquele onde a estátua havia sido guardada anteriormente.
Nosso herói digitou alguns comandos no teclado luminoso projetado
tridimensionalmente ao lado da imagem, e um exame foi feito.
Surpreendentemente, constatou-se que o recipiente onde a estátua fora
colocada, não apresentava sinais de qualquer tipo de violação nem tão pouco
havia saído do local .
Uma falha poderia ter ocorrido, mas, ao analisar as imagens percebeu que
estava diante de um autentico mistério.
Olhando a estátua enquanto coçava o queixo e dava vigorosas tragadas em
seu cachimbo.
Notou então, um pormenor curioso: havia algo diferente no rosto daquela
obra. Talvez a expressão, ou qualquer outro detalhe...
-O que causou o “apagão” que tivemos a bordo? - Perguntou tentando
voltar sua atenção para problemas cuja solução não fossem fora do comum...
-Nenhum “apagão” ocorreu a bordo...
-Nenhuma parada ? – Indagou Alex Randall mais surpreso ainda.
-Nenhuma. – Foi a resposta feminina do cérebro computadorizado.
-E como explica essa estátua aqui de volta à Central de Comando se ela já
havia sido guardada num container do depósito?
-Só por teletransporte...
-Vamos fazer uma análise nessa estátua. Tem algo esquisito nela..
156
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
***
Algumas horas depois vieram os resultados dos testes solicitados.
Não esclareciam nada já que comprovavam unicamente que nenhum
teletransporte fora usado para muda-la de lugar.
As análises visuais tão pouco eram conclusivas já que, curiosamente não
haviam imagens nítidas do rosto dela, que confirmassem a suspeita de Alex
Randall quanto à sua mudança na expressão
Sem achar resposta para tantos enigmas foi descansar por alguns
momentos.
Deitado de costas, com a mãos na barriga, o cachimbo aceso preso aos
dentes, adormeceu...
***
Abriu os olhos.
Mesmo assim não viu nada.
O frio que sentia era de matar.
Seu ar acabou e, de um momento para outro, não conseguiu respirar mais.
No meio de tanta escuridão, uma mão tocou seus lábios.
Não podia ver quem era, mas sabia que pelo menos se tratava de alguém
com forma humana.
Saber aquele fato porém não lhe salvaria a vida já que a ausência de ar
respirável e ainda, aquele frio intenso logo iriam dar fim à sua existência.
Não entendia também como viera parar em tal situação, mas, isso no
momento pouco importava!
Precisava pelo menos de Oxigênio, e logo!
Enquanto suas desesperadas necessidades não eram atendidas ouviu
ainda um som.
Pareciam várias vozes:
AAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMM.....
Veio então outro som: o de um sopro que foi aumentando de volume até
ficar ensurdecedor.
Nesse momento um ponto de luz ofuscante se acendeu no meio do nada
Menos de um segundo após a aparição do pequeno fenômeno, e, graças
até ao seu intenso brilho conseguiu ver de quem era a mão que havia lhe tocado.
E foi aí que veio a surpresa:
157
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Era da tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
Nesse curto tempo, o ponto brilhante expandiu seu tamanho de modo
rápido e ofuscante.
Antes ainda que pudesse piscar fechando os olhos, a fim até. de evitar uma
provável cegueira, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS agarrou-o e se
afastaram voando daquele local em altíssima velocidade..
Aquela explosão parecia não parar nunca
Como num passe de mágica viu-se fora daquele, frio e tenebroso local. Foi
só então que conseguiu respirar.
Encontrava-se agora numa situação completamente distinta da anterior.
Podia até enxergar o lugar de onde fora salvo que aparecia no interior de
uma esfera lisa e brilhante.
Outras explosões decorrentes daquela primeira que ele presenciara de
perto se sucediam intermináveis no interior daquele espécie de bola de cristal.
Se tivesse que descrever a criação do universo segundo a teoria do big
bang, aquelas imagens que via poderiam servir como ilustração de tal evento.
E, para completar tão belas e fantásticas visões, constatou que sua
maravilhosa bem dotada salvadora estava nua diante de si.
Ela segurava um arame com a extremidade em forma de argola tendo esta
um diâmetro aproximado de três centímetros.
No interior desta argola havia um líquido negro e brilhante.
Ela aproximou a argola dos lábios e soprou no seu interior.
Saíram dalí, bolhas negras que cresciam até ficarem iguais àquela onde
assistira os fantásticos eventos.
-Sou a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS. Do seu universo e de
todos os outros.
Em seguida, aproximou-se mais, estendeu as mãos e disse:
-O que eu dou, tiro.
Seus olhos eram completamente negros. Olhando para o interior deles viase parecia ser possível enxergar todo o universo e seus milhões de galáxias...
Com voz grave ela continuou:
-Não deixe de honrar sua promessa a SPLERONCIUS para que ele não
padeça da mesma violência que você foi submetido pelas criaturas do inferno.
Agora, acorde. Por alguns momentos, mesmo desperto, acreditará estar
sonhando. Logo então voltará à sua realidade e se dará conta de que as minhas
palavras são boas de ser ouvidas.
Ela tampou seus olhos com as mãos em seguida desapareceu...
158
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
***
Ao acordar, a primeira coisa que notou é que não estava no seu quarto.
Despertou dentro de um dos tubos de hibernação que só eram usados em
casos de viagens extraordinariamente prolongadas.
Olhou para o painel de instrumentos mais próximo e notou que diversas das
funções do Viajante das Estrelas estavam se reinicializando naquele momento.
De acordo com os relatórios que obtinha, os experimentos e testes que
eram realizados a bordo prosseguiam perfeitamente.
Tudo parecia normal.
Logo porém, notou um detalhe: o calendário estava adiantado em mais de
trinta anos com relação à data em que fora dormir da última vez.
Poderia se tratar de algum defeito causado pela inexplicável reinicialização.
Tentou falar, mas, sua voz saiu bastante arranhada e sem nenhuma
potência.
Digitou alguns comandos no painel do terminal luminoso que se projetava a
sua frente, o esclarecimento não foi nada animador.
Incrédulo, digitou nova seqüência de comandos e, o registro dos
acontecimentos foi lhe então exibido.
Uma imagem tridimensional foi então projetada. Ela mostrava Alex Randall
descansando em seus aposentos.
A data era relativa ao período posterior à última vez que se lembrava de ter
ido dormir. Tudo aparentava a normalidade.
Nosso herói aparecia deitado na cama com seu cachimbo em ação mesmo
durante os momentos de inconsciência. Seu ronco era barulhento como sempre...
Algo porém fez com que ele se levantasse e digitasse alguns comandos no
terminal luminoso mais próximo.
Naquele momento, agia inconsciente pois, se encontrava em estado de
sonambulismo.
Para chegar a tal conclusão, não era necessário ser um perito ou médico.
Os olhos fechados e os movimentos rijos que as imagens mostravam não
deixavam dúvidas: Alex Randall não era dono de si mesmo naquele instante.
Ele seguiu para outro setor da nave bem distante de onde se encontrava e,
instalou-se no interior de um dos tubos de hibernação para longas viagens.
Vendo tais imagens, nosso herói se indagava como o cérebro
computadorizado teria aceitado tais comandos sendo que, no momento que eram
dados, Alex Randall não estava em condições de entender as repercussões que
teriam.
159
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O Cérebro computadorizado foi construído com tecnologia, capaz de
avaliar se ordens que eventualmente recebesse poderiam ou não ser cegamente
atendidas.
Seria de se esperar que o comando recebido de alguém em estado de
sonambulismo não fosse simplesmente aceito sem questionamento.
O caso é que as coisas não seguiam o curso normal que deveriam.
***
Aturdido Alex Randall desvencilhou-se dos aparatos que o monitoravam e
mantinham seu corpo em hibernação.
Apertou um botão no terminal que fez com que o cilindro em cujo interior se
encontrava fosse aberto.
Um robô enfermeiro já estava de prontidão para oferecer-lhe assistência.
Delicadamente, este ajudou nosso herói a se levantar, já que, o seu corpo
ainda estava bastante endurecido e dolorido.
Ao olhar para um espelho, Alex Randall deu-se conta de que seu rosto já
não era mais o de um jovem.
O período que passara desacordado havia cobrado o seu preço...
Seria um sonho tudo pelo qual estava passando?
Lembrou-se então que a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS já havia
previsto que, após despertar, iria se perguntar se estava sonhando ou não...
Sua dúvida terminou quando reparou que a estátua estava na mesma sala
onde se encontrava. A posição dela parecia diferente da que recordava tê-la visto
pela última vez.
Mas, o que fazia alí? Se bem recordava, deixara-a na Central de Comando
logo depois do misterioso e inexplicável blackout pelo qual a astronave passara...
-O que a estátua faz aqui? Indagou Alex Randall com a voz semi-rouca...
Curiosamente, o Cérebro Computadorizado não respondeu de imediato.
Quando o fez, surpreendeu afirmando:
-Não sei!
***
Só podia ser brincadeira mesmo!
Nosso herói seguiu para a Central de comando e lá acendeu o seu
famigerado cachimbo.
160
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Depois de algumas fumacentas tragadas, as forças do corpo foram voltando
e as idéias postas numa ordem mais esclarecedora.
Verificou que o Viajante das Estrelas se encontrava num setor do universo
que os estudiosos de diversas procedências afirmavam ser o mais antigo
existente, portanto então, muito distante de onde encontrara SPLERONCIUS
inicialmente.
Constatou ainda que o destino onde deveria realizar a entrega da estátua
que recebera não estava distante.
Frente ao trajeto que já havia percorrido, era insignificante o período de
tempo que ainda passaria até chegar.
O melhor era prosseguir e torcer para que, depois de completar sua missão,
obtivesse respostas para todos os mistérios que o atormentavam...
***
Mais tarde, imerso nos próprios pensamentos verificou que, mais uma vez,
a Central de Comando fora invadida.
E dessa vez não se surpreendeu quando verificou quem estava lhe fazendo
uma visitinha inesperada...
A estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, que, na verdade,
não parecia mais uma estátua de verdade.
Ela agora se mexia com a naturalidade de um ser vivo.
-Você sabe quem sou. Estive em seus sonhos uma vez. Tenho uma tarefa
que espero que aceite: preciso de um porta-voz.
Qualquer pessoa comum, diante de tantas evidências facilmente se
convenceria da verdade daquelas palavras...
Não Alex Randall...
Em todo o tipo de conversa com religiosos ele sempre era muito tolerante e
respeitador, mas, a determinada altura do papo, sempre dava a mesma saída, e,
neste caso não agiu diferente:
-Não acredito que Deus fosse me escolher para a realização de importantes
missões...
E ela interrompeu a história de sempre, respondendo com voz cortante:
-Nem por uma fração de segundo uma mente mortal como a tua seria
capaz de imaginar o que me preocupa ou que penso... Tenho conhecimento de
tudo!!! E sei que mesmo assim, podes ser capaz de fazer a diferença.
Nosso herói não acreditava na conversa, mas, ouvindo a MÃE CRIADORA
de TODAS AS COISAS dizer aquilo e tendo presenciando todos os poderes
161
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
incríveis que esta demonstrava ter, ia ficando cada vez mais dificil de deixar de
crêr que Ela era quem realmente dizia ser...
-E no que poderia humildemente ajudá-la?
-Primeiro... Terá de fazer em meu tributo, um sacrifício pessoal como prova
de fé...
Nosso herói achou suspeita aquela história de prestar tributo...
-Deverás parar de fumar completamente. Em seguida...
-Em seguida nada! – Protestou irritado. – Já estou de saco cheio das
pessoas falando para eu parar de fumar. Saí da Terra, entre outras coisas, para
me ver livre desse tipo de gente controladora! Me deixem em paz! Só quero
sossego!
“Um pequeno sacrifício pessoal poderia até ser, mas, parar de fumar...
Nunca! Enquanto viver, estarei fumando!”
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS , que agora já não se mostrava
mais como apenas uma estátua, sorriu e fêz um movimento bastante humano
estalando os dedos...
Ela então voltou a transformar-se numa estátua, dessa vez, numa posição
totalmente diferente das outras em que estivera até então. .
Parecia estar fazendo gozação...
Com quem seria?
***
Além de alterar a rotina da astronave, aquela história estava começando a
irritar nosso herói..
Naquele momento tudo que Alex Randall queria era realizar a entrega e
tomar o caminho de casa...
Quando ia dar início aos procedimentos de contato com o tal templo
indicado por SPLERONCIUS, um sinal sonoro tocou nos sistemas de
recebimentos de mensagens da central.
Imediatamente, receptores se abriram à todas as freqüências conhecidas e
disponíveis para comunicação.
Logo, foi projetada adiante do nosso herói, a imagem tridimensional de um
homem que se apresentou:
-Sou Moreira. A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS me informou que
você está trazendo de volta a imagem levada por SPLERONCIUS.
Alex Randall não se espantou. Logo imaginou que uma mensagem do
gênero estivesse para chegar.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Passou então a analisar o tal Moreira...
A imagem que os projetores mostravam dele era a de um homem com pele
morena, barba e cabelos brancos trajando roupas semelhantes às usada pelos
monges franciscanos.
Inúmeras questões acumulavam-se na mente de Alex Randall, mas,
tamanha era a quantidade delas que já achava que não seriam respondidas...
O navegador automático da Central de comando localizou a fonte das
transmissões feitas por Moreira e seguiu a direção de onde partiam até alcançar à
órbita do planeta com duplo sistema de anéis se cruzando ao redor.
Num dos pontos de encontro destes dois anéis, avistava-se a cidade
voadora flutuando imponente como se nada pudesse afetá-la.
-Desculpe a curiosidade, sr. Moreira, mas, o sr. vêm da Terra?
-Sim. Foi a resposta.
-Mas, como?!? Até a minha saída de lá, ainda não havia sido construída
nave tão preparada e avançada para longas viagens como a minha... A
expectativa de construção e desenvolvimento de evoluções desse mesmo modelo
era de pelo menos uns 50 anos terrestres.
Moreira abriu um amplo sorriso.
-Compreendo... Acho que posso dar uma explicação para sua dúvida.
No momento seguinte, dentro da central de comando surgiu uma bola de
luz cujo brilho cresceu em tal intensidade que acabou até obrigando nosso herói a
fechar os olhos.
Quando os reabriu, viu Moreira ao lado de sua poltrona, em carne e osso.
***
Mais uma vez sentiu-se incomodado.
Isso sempre acontecia quando ocorria uma invasão não autorizada e
inesperada a bordo da sua astronave sempre mostrando em todas estas ocasiões
que, mesmo com tanta tecnologia estava vulnerável...
Isso sem mencionar o susto que tais aparições causavam...
-O pensamento pode muitas coisas. – Disse Moreira num tom de voz muito
tranquilo.
De gestos moderados e com um sorriso largo, continuou...
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS concedeu-me algumas
dádivas depois que aceitei o chamado para dedicar minha vida à divulgação de
suas palavras. Quem não recusa seu convite faz sacrifícios, mas, também ganha
bastante...
163
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O tom tranquilizador da voz de Moreira deixou Alex Randall mais calmo.
-Ganha poderes sobre-humanos quem trabalha para a MÃE CRIADORA
DE TODAS AS COISAS? Indagou Alex Randall.
-Na verdade apenas expande um pouco mais os próprios limites quem se
sacrifica... Antes de conhecê-la, minha compreensão de Deus e o entendimento
do meu papel neste universo era limitado pelas religiões que me cercavam.
“Depois que comecei a compreender que a Glória de Deus era muito
maior do que descreviam os falsos sacerdotes, pregadores, suas leis e livros
sagrados, percebi que as dádivas que me foram concedidas de vez em quando
me facilitavam um pouco mais a vida”.
-Um pouco mais? Puxa! Pelo que você demonstrou, esse pouco mais pode
ajudar bastante.
Moreira apenas sorria.
Diante de tantas situações e fatos incompreensíveis Alex Randall resolveu
encaminhar a história para um fim.
-Como sabe, estou trazendo a estátua. É para você que devo fazer a
entregar?
-Sim.
Tudo que Alex Randall queria era entregar da tal estátua e ficar logo livre
das assombrações que a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS o
submetia.
Não queria porém correr o risco de entregá-la ao destinatário errado para
evitar no futuro o risco de passar noites sem dormir.
Quando ia externar essa sua preocupação a Moreira, surpreendeu-se pois
este logo se adiantou dizendo:
-Não se intranqüilize. Ao chegar até aqui, você já concluiu sua missão. A
alma de SPLERONCIUS está salva graças ao seu esforço. Só preciso de sua
autorização para retirar a imagem da astronave.
-Eu lhe dou a autorização, pode levá-la.
Dizendo isso, Alex Randall apontou para o local onde ela deveria estar, ou
pelo menos, até onde com toda certeza estivera até a poucos instantes...
Prá variar, já tinha sumido novamente...
***
-Caramba! Onde diabos foi parar essa ...
Já ia praguejando Alex Randall quando olhou para o sorriso de Moreira e
decidiu evitar a emissão de novos impropérios ou palavras chulas na frente de um
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
homem que se dizia divulgador da palavra de Deus.
Nervosamente, digitou alguns comandos no teclado luminoso tridimensional
projetado a partir do painel da sua poltrona de comando.
O Cérebro computadorizado realizou uma completa varredura na nave em
busca da estátua, mas, o resultado não foi positivo.
Os palavrões que Alex Randall não falava ele pensava, mesmo assim,
Moreira parecia tomar conhecimento destes, ainda que, o rosto de nosso herói
não externasse nenhuma expressão facial que desse idéia do turbilhão de
sentimentos que lhe atormentava a mente
-Sua mente está poluída. Não deixe que as emoções te perturbem. Procure lembrar onde foi o último lugar que a deixou...
Provavelmente, Moreira deveria ser telepata também, mas, dessa vez ele
parecia não ter acertado no seu palpite...
-Não deixei... Essa estátua não se permite ficar esquecida em lugar
nenhum. Não pára quieta. Recusa-se a manter-se onde é colocada.
-Mas é uma simples estátua.
-Simples estátua é que não é. Meus robôs a colocaram dentro de um
container trancado com as melhores fechaduras que disponho. Ainda assim, ela
não parou de andar pela nave me assombrando até quando ia dormir.
-Mas é uma simples estátua...
-Simples estátua ou não... Veja:
Nosso herói digitou novos comandos nos teclados que o cercavam.
A imagem do depósito em que estava o recipiente onde fora inicialmente
armazenada a imagem da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS apareceu
num dos monitores da Central de comando.
Um robô se aproximou daquela caixa onde a estátua fora guardada
primeiramente e a retirou da prateleira em que até o momento estava...
Destrancou as fechaduras e abriu o container...
Nova surpresa...
***
-Com mil milhões de Satanázes! Tem alguém querendo me fazer de idiota.
-Seria algum maluco escritor com manias de grandeza?
Alex Randall olhou bem para Moreira com expressão séria e disse:
-Pode levar sua imagem quando quiser...
-Obrigado. Gostaria de convidá-lo para visitar o Templo. Poderá ter a
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
oportunidade de ver pessoalmente a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS...
-Ver? Pessoalmente?
Alex Randall era meio incrédulo nos assuntos religiosos, mas, depois de
passar por tanta perturbação, não deixaria passar a oportunidade de falar algumas
poucas e boas para a tal MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
-Vamos lá. Não perco essa chance por nada no Universo!
Moreira estendeu a mão tocando no ombro de Alex Randall e, no momento
seguinte, já não estavam mais a bordo do Viajante das Estrelas.
***
Olhou ao redor e viu-se flutuando no meio do nada.
Moreira estava ao seu lado.
E também o recipiente aberto com a imagem da MÃE CRIADORA DE
TODAS AS COISAS.
Ao redor deles, uma gigantesca estrutura fechada com prédios e
construções dos mais diversos tipos, monges, veículos e até alguns robôs
flutuando também...
A estátua, naquele ambiente, parecia irradiar uma luz de cores surreais.
Imediatamente todos que flutuavam alí no interior da monumental
construção se aproximaram ao redor de Moreira e Alex Randall cercando-os e
mantendo-se uma distância de cinco metros.
-Os fieis querem prestar seus votos junto à imagem. – Disse Moreira. –
Vamos dar espaço para eles.
Falou isso e tocou novamente o ombro do nosso herói.
Novamente se deu o estranho fenômeno onde desapareciam de um lugar
quase que imediatamente reparecendo em outro mais distante.
Nesse caso, a referida distância até que não foi muito grande. Apenas o
suficiente para se afastar dos fieis que de todos os lados se avolumavam ao redor
da estátua.
Aturdido com tantas mágicas que, de meros truques ilusórios não tinham
nada, Alex Randall acabou por indagar a Moreira:
-Seus dons são realmente impressionantes, Moreira. Mas, me diga: sendo
da Terra e humano, como conseguiu adquirí-los?
-Depois de passar por uma aventura maluca onde cheguei até a assistir o
BIG BANG...
-O BIG BANG?!?!? – A origem do universo??
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Na verdade, o Universo não tem começo ou fim. O BIG BANG é apenas
uma fase de vida dele. Um momento de explosão, que depois se segue a um de
contração, e depois, uma nova explosão, seguindo assim sucessivamente, sempre
se renovando.
Naquele momento Alex Randall desistiu de novos questionamentos.
Moreira simplesmente continuou contando suas experiencias e conclusões:
-Após essa viagem ao início dos tempos eu comecei a ter sonhos com a
MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, e, por incrível que possa parecer, foi
seguindo e atendendo as mensagens que recebia nessas minhas visões que
cheguei aqui.
-E o que foi te pedido algo em troca?
Moreira fêz uma expressão séria, olhou para o nada e disse:
-Eu era militar na época, tinha um espírito marcial muito forte dentro de
mim. Galguei o mais alto posto que me era permitido dentro da força armada que
eu servia. Também projetei caças espaciais que, por muito tempo mostraram
grande eficiência e alto poder de destruição em todas as operações militares que
participaram...
Uma luz estalou iluminando as lembranças de Alex Randalll, ao que, ele
logo indagou:
-Não seria você o brigadeiro Moreira que a uns tempos atrás já tinham até
dado como perdido, depois reapareceu, mandou escrever uma história fantástica
pela qual tinha passado e então sumiu novamente?
Moreira deu um sorrido e fêz um gesto positivo com a cabeça.
Alex Randall continuou
-O caça que você projetou foi base para muitos projetos de espaçonaves
militares que posteriormente foram construídas. O sr. realmente virou um mito cuja
biografia ainda nos dias de hoje causa assombro e admiração.
-Eu sei! Mas, esses feitos a que você se refere nada significam mais para
mim...
-Também recebi um convite como esse que você mencionou... Mas, não
pude aceitar.
Moreira fez uma cara de espanto e perguntou:
-Verdade?...Mas...Por-quê?
Alex Randall acendeu seu cachimbo...
-Ela queria que eu parasse de fumar...
Moreira deu uma sonora gargalhada ao que, o nosso herói acompanhou-o
até as lágrimas escorrerem.
-Os pequenos vícios são os mais difíceis de serem vencidos. Ela ia me
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
pedir a mesma coisa, mas, como na época eu já estava largando, ela pediu para
largar a vida militar...
-É um consolo, disse Alex enxugando as lágrimas. Acho que ela faz esse
pedido porque o serviço deve exigir muito esforço físico...
***
Algum tempo depois estavam os dois flutuando diante da entrada de um
longo corredor.
Assim que entraram nele, a gravidade foi suavemente voltando ao normal e
os trazendo para o chão.
Caminharam por toda a sua extensão até pararem diante de outros monges
que também se vestiam como Moreira, estes porém, eram bem mais altos, fortes e
ameaçadores.
Moreira dirigiu-lhes um gesto com a mão direita ao que estes responderam
com um aceno de cabeça.
As gigantescas portas que haviam ao final do corredor se abriram dando
acesso a um enorme salão onde no centro, estava um poço muito largo com um
tubo de vidro no seu interior.
Dentro desta peça, flutuava completamente imóvel uma mulher com
aproximadamente doze metros de altura.
-Uma versão maior da estátua da MÃE CRIADORA DE TODAS AS
COISAS pensou Alex Randall.
-Não é uma estátua. – Corrigiu Moreira, demonstrando novamente seus
poderes telepáticos. – É a própria MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, ou,
pelo menos a cópia dela que controla toda a vida neste Universo.
-Neste universo? Cópia? Ela controla tudo daí? Indagou Alex Randall meio
incrédulo...
-Neste aqui sim. Em cada um dos outros existentes e criados por ela há
uma cópia controlando todos os acontecimentos. Se uma delas é destruída,
juntamente se perde todo o seu Universo.
Alex Randall olhou a figura imóvel da MÃE DE TODAS AS COISAS...
-Ela sabe que estou aqui? Indagou ele para Moreira.
-Ela sabe de todas as coisas.
-Se eu disser alguma coisa ela ouvirá?
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS escuta tudo. Até os
pensamentos daqueles que não estão neste local.
Alex Randall aproximou-se do vidro onde estava a beldade gigante e disse
a plenos pulmões:
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Eu já cumpri com muito custo com a minha parte. Agora quero pelo menos
sossego para poder dormir direito sem pesadelos. Também não quero mais
nenhuma assombração pela minha astronave. Vê se agora me dá um pouco de
sossego, pô.
Até mesmo Moreira foi pego de surpresa depois dessa.
Ocorreu então um fato curioso.
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS mexeu a cabeça inclinando-a
em direção a Alex Randall e lançou-lhe um beijo bem libidinoso, daqueles com
direito a língua prá fora da boca e tudo o mais...
Claro que nosso herói ficou abestalhado como que viu.
Virou-se para Moreira que o olhava ainda espantado com o que ouvira sair
de sua boca.
-Você viu?
-O que?
-Esse beijo que ela me lançou.
-Quê?!?!
-Cara! Nem as pervertidas dos puteiros que durante alguns anos frequentei
em Marte conseguiam fazer a boca e a língua se contorcerem do jeito que ela
acabou de fazer agora...
-Como? Indagou Moreira meio incrédulo e espantado com as palavras
inapropriadas proferidas dentro de um ambiente sagrado.
-Você não viu?
-O quê?!?!?!
Moreira não podia ver o que Alex Randall enxergava já que estava de
costas para a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
Aproveitando-se do fato, ela ainda sorriu e piscou com seus olhos que
escondiam universos inteiros cheios de vida.
-Você não está vendo?!? Veja lá! – Disse Alex Randall apontando para a
gigantesca mulher.
Moreira lentamente virou-se de modo a ver do que é que nosso herói
estava falando.
Só que foi tão lerdo, que, quando finalmente o fêz a MÃE CRIADORA DE
TODAS AS COISAS já havia voltado a manter seu rosto na costumeira expressão
natural de relaxamento.
-Você disse que ela mostrou alguma expressão no rosto.
-Expressão?!? Me mandou um beijo daqueles... Se eu fosse censor
mandava prender.
Moreira virou-se para Alex Randall e disse:
169
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Se o que diz realmente aconteceu, você acaba de ver algo que nem os
monges mais antigos e hierarquicamente superiores deste templo presenciaram.
Ao que se sabe, a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS se mantém aqui
imutável desde a aurora dos tempos.
Alex Randall levantou a mão apontando para frente e perguntou:
-Então você não viu?
Moreira fêz cara de desentendido.
-Juro que não. – E continuou: - Acho que já é hora de saírmos...
-Claro. – Concordou Alex Randall com cara meio amarrada. – Mas eu juro o
que vi...
-Certo...
Moreira tocou novamente no ombro de Alex Randall e, no instante seguinte
estavam os dois novamente na Central de Comando a bordo do Viajante das
Estrelas.
Antes de reaparecer de volta a astronave, nosso herói ainda teve a
impressão de ver a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS lhe lançando um
último e lindo sorriso...
De volta para o local de trabalho, mostrou-se mais uma vez espantado com
os fantásticos poderes que Moreira controlava.
-Caramba, Moreira! Estes seus truques de mágica são bons mesmo!
-Mas não são truques...
-Não quis dizer que se tratam de simples truques baratos. Seus dons são
realmente impressionantes mesmo...
-Isso não é nada, Alex Randall. Veja só!
Com um leve estalar de dedos de Moreira, o Viajante das Estrelas
subitamente desapareceu daquela região do Universo indo reaparecer quase que
imediatamente no mesmo lugar onde SPLERONCIUS fora encontrado pela
primeira vez.
Num piscar de olhos, foi superada toda a distância que a astronave, mesmo
com sua incrível velocidade havia levado trinta anos terrestres para realizar.
Tal mudança de lugar era bastante evidente já que, o setor do espaço
sideral até onde então estivera tinha predominância de cores vermelhas e
alaranjadas e, alí não.
Aquela jornada instantânea causou forte impressão em Alex Randall e
novamente não pôde deixar de demonstrar seu espanto.
-Quase me arrependo de não ter aceitado a oferta que tive...
-Você ainda tem tempo...
Alex Randall deu mais algumas forte baforadas no seu cachimbo e disse:
170
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Não sou o cara certo.
Moreira deu um sorriso, ergueu as mãos e disse:
-Preciso voltar para o templo. Desejo-lhe que a MÃE CRIADORA DE
TODAS AS COISAS acompanhe seu caminho trazendo-lhe muitas bençãos.
-Trazer as bençãos eu aceito, agora, acompanhar não precisa, já que,
enquanto esteve aqui me deu bastante dor de cabeça...
Moreira deu uma sonora gargalhada e disse:
-A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS é muito brincalhona mesmo.
Pode acreditar.
Não disse mais nada e sumiu num piscar de olhos deixando sozinho um
atônito Alex Randall...
Por algum tempo, ficou recolocando as idéias em ordem tentando entender
tudo pelo que passara.
171
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.17 DE ALEX RANDALL
Verificando simultaneamente milhares de imagens de situações diversas
que se davam no interior do Viajante das Estrelas, Alex Randall percebia quando
alguma delas era diferente do normal.
Foi o que aconteceu.
Um pequeno ícone entre os tantos que flutuavam ao redor de sua poltrona
na central de comando chamou-lhe a atenção.
Até então estivera apagado sem mostrar nada, subitamente porém,
iluminou-se com um brilho azul claro cheio de chuviscos.
Era um sinal de comunicação cuja fonte de transmissão provinha de fora do
Viajante das Estrelas.
Novas imagens se sucederam à primeira ,onde, até então estivera o
chuvisco.
Eram de criaturas inteligentes que faziam seus testes iniciais com um
modelo de transmissor similar às velhas televisões terráqueas do século XX.
Tomado pela curiosidade, Alex Randall teve um súbito desejo de conhecer
aquela fonte transmissora e, movido por tal ímpeto, indagou ao Cérebro
computadorizado:
-Quanto tempo para alcançarmos o lugar de onde são produzidas essas
imagens?
-Apenas alguns minutos. – Foi a resposta dada pela suave e sedutora voz
feminina artifical.
-Então vamos até lá.
Realmente, não muito tempo após a estimativa, o Viajante das Estrelas
chegava ao setor espacial onde deveria estar o planeta de onde provinham as tais
imagens.
Deveria, mas, não havia o menor sinal da sua existência alí.
-Mas aqui não tem nada. O que houve?
O cérebro computadorizado respondeu:
-O planeta de onde vieram aquelas imagens não existe mais. Foi aniquilado
numa guerra entre os próprios povos. Seus fragmentos se espalharam pela órbita
que realizava ao redor da estrela que os iluminava.
-Como descobriu isso?
-Durante o percurso até aqui chegaram novas transmissões. Algumas
delas, com filmagens, feitas por satélites que conseguiram até registrar o fim deste
povo.
172
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A imagem tridimensional de um planeta de cor cinzenta apareceu.
Relampagos brilhavam por entre as nuvens.
Subitamente pipocaram pontos brancos por aquele globo.
Começavam pequenos e aumentavam de tamanho rapidamente.
Logo, todos juntos, por fim consumiram, e explodiram aquele mundo outrora
habitado por vida inteligente.
Alex Randall passou a olhar para os escombros de modo diferente.
Não estava contemplando simplesmente alguns pedaços de rocha ou
detritos espaciais. Tinha diante de si a história de um mundo que se destruíra.
Estava tudo alí, cada partícula e pedaço de terra com registros da sua
história.
Um espírito de arqueólogo despertou no nosso herói.
Resolveu analisar aquele cenário.
Os restos do planeta constituíam fonte muito rica de materiais, portanto, o
impeto por estudos mostrado por Alex Randall certamente conduziria a um
trabalho que mesmo auxiliado por todos os robôs da astronave demoraria e jamais
seria concluído.
Pensando a melhor forma de realizar seu intento, nosso herói programou
alguns robôs para uma pesquisa inicial.
Mais tarde, cinco robôs foram lançados ao espaço em direção aos
destroços.
Após realizarem busca superficial, apenas um encontrou artefato digno de
atenção.
Era
elemento não rochoso com aproximadamente dois metros de
cumprimento.
Ao seu redor brilhava um campo transparente de cor esverdeada.
Aquele pedaço de matéria aparentava ter composição química constituída
de elementos desconhecidos nas principais tabelas periódicas.
O robô que o localizou, apesar de bem equipado, não conseguia dar
maiores detalhes a respeito do objeto.
Aproximou-se mais e pousou em sua superfície.
O campo esverdeado brilhante do objeto não causou nenhuma avaria no
equipamento.
Raspando e perfurando pequenas porções, obteve amostras para uma
analise direta.
Infelizmente, mesmo aquele procedimento também não revelou novidades,
apenas confirmou o que já se sabia.
173
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Alex Randall resolveu trazer para o interior do Viajante das Estrelas o
curioso pedregulho, ou fosse lá ele o que fosse, para testes mais apurados
serem feitos.
Da central de comando, deu algumas ordens e, instantaneamente o robô
que se encontrava a distância, pôs em ação seus foguetes propulsores
movimentando-se e levando consigo a pedra brilhante.
Logo depois, o artefato já estavam no setor de descontaminação da
astronave.
A pedra foi então examinada mais detalhadamente.
Os resultados obtidos não esclareceram mais do que já se sabia.
Aparentemente a rocha, não representavam grande perigo.
Tudo indicava que não haveria risco para uma análise feita por um ser
humano.
O material foi levado para uma sala monitorada por robôs que estava no
vácuo.
Antes dos novos testes se iniciarem, foi pressurizada.
Tomou-se tal medida já que Alex Randall queria acompanhar pessoalmente
os estudos realizados naquela coisa, e, com ar no compartimento, não precisaria
usar trajes que limitassem seus movimentos.
A pressurização estava terminando quando Alex Randall se aproximava.
Ia entrar na sala, e a porta não se abriu automaticamente como deveria.
-O que houve? Perguntou.
A voz feminina digitalizada do cérebro computadorizado logo respondeu:
-O artefato reagiu ao contato com o Oxigênio.
***
Alex Randall teclou alguns comandos no painel ao lado da porta.
Um pequeno monitor mostrou o que ocorria naquele compartimento.
Não haviam se passado dez minutos e a superfície da estranha rocha já
não apresentava o mesmo aspecto...
A olhos nus cresciam pequenas bolhas brancas e brilhantes no interior do
campo esverdeado.
Depois de alcançarem tamanho similar ao de um punho fechado, se
rompiam e, de seu interior saiam insetos voadores que, logo atingiram tamanho
igual ao de caixas de sapato.
Alguns destes bichos aproximaram-se da única porta que havia alí e
174
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
começaram a cagar nela.
As fezes, pulverizadas da extremidade anterior deles, assim que tocavam a
superfície do que quer que fosse, derretiam-na.
Logo, a porta que separava Alex Randall dos perigosos insetos não mais
existia.
As criaturas destruidoras avançaram para cima dele, mas, foram
interceptadas pelos robôs de segurança que, em massa se mobilizaram para lhe
tirar do perigo.
Seres vivos e mecânicos se degladiavam numa luta mortal.
Pequenos robôs com armas de raios embutidas cortavam ao meio com
grande facilidade os insetos que, para compensar suas perdas se reproduziam
multiplicando-se em quantidade assustadora e ainda, jogando a própria merda no
ventilador para derreter tudo ao redor...
Logo, os robôs disponíveis naquele setor já não eram suficientes para os
insetos.
Alex Randall porém já fora retirado da zona de perigo.
Seguro, acompanhava os acontecimentos através de diversas câmeras que
tudo registravam nos corredores e demais cômodos da nave.
Os insetos estavam em número cada vez maior e logo, tomariam tudo.
Alguma atitude tinha que ser tomada.
Acionou alguns comandos no braço de sua poltrona na central de comando
e, imediatamente, um estrondo se fez ouvir por toda a astronave.
Todas as sessões ocupadas pelos insetos, incluindo aquela onde estava o
artefato misterioso foram ejetadas para fora do conjunto que compunha a
astronave.
Logo depois, flutuando no vazio, já a considerável distância, aqueles
destroços começaram a emitir um brilho verde similar ao da rocha.
Dalí, mais insetos começaram a sair voando pelo espaço vazio e gelado
sem dificuldade ou transtorno.
Por questão de segurança, Alex Randall resolveu se afastar daquele
cenário.
Logo depois, já acompanhava os acontecimentos de um ponto distante e
tranqüilo.
Conforme aumentavam em número, os insetos se amontoavam numa
imensa bola que foi crescendo cada vez mais rapidamente.
Então, um fogo branco desencadeou-se no interior daquela esfera viva.
Em seguida explodiu de modo violento, espalhando os temíveis insetos por
todos os lados.
175
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A bola de fogo originária da explosão foi crescendo cada vez mais,
chegando seu tamanho rapidamente a superar o próprio diâmetro do Viajante das
Estrelas.
E essa expansão porém não parou alí.
Bem mais tarde, o crescimento da bola de fogo não havia terminado.
Alex Randall estava hipnotizado com o que via. Não tirava os olhos das
imagens projetadas diante de si.
A bola de fogo, agora um pouco mais esverdeada, não parava de crescer.
Rapidamente atingira o diâmetro da Terra...
Todos os detritos que compunham o planeta anteriormente destruído,
passaram a ser atraídos pelas poderosas forças gravitacionais que o estranho
fenômeno passou a exercer dentro do sistema planetário.
Fumando incessantemente, Alex Randall não desviava a sua atenção dali.
Longo tempo ficou absorto em tais fatos.
Mal comia ou descansava.
Transcorrido período equivalente a uma semana na Terra, um planeta se
formara dos restos daquele que fora destruído anteriormente.
Este, seguia órbita idêntica à do outro.
Voltaria a ser o quarto planeta do sistema de Antares.
Se a mesma nomenclatura fosse adotada, o nome daquele mundo que
nascia seria ANTARES IV.
Alex Randall passou a utilizar aquele nome ao se referir em seus relatórios
ao mundo que velozmente nascera e se transformara diante dos próprios olhos
cansados.
A gigantesca explosão de fogo agora se transformara numa bola verde de
gases.
Depois, a tonalidade desta cor foi mudando até ficar azulada.
Com isso, grande quantidade dos gases se liqüefez, iniciando a formação
de um oceano.
Passado mais algum tempo, este processo se estabilizou fazendo emergir
dos mares, um grande continente cujo desenho muito se assemelhava ao da
cabeça de uma caveira humana sem maxilar, com longos e grossos caninos
postados na arcada dentária superior.
Em meio à tantas transformações começaram a surgir formas de vida...
***
176
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Tudo aconteceu com extraordinária velocidade: a evolução das espécies,
extinção de diversas criaturas, mudanças geológicas e climáticas, etc...
Dado momento porém chegou, que esse ritmo diminuiu e a situação alí
passou a se processar numa velocidade similar à da Terra na pré-história.
Relemmbrando sua infância, quando ainda gostava de brincar com réplicas
de borracha das grandes feras do passado, nosso herói foi abatido por uma
sensação de nostalgia que o convidava a realizar uma exploração pessoal
naquele novo mundo.
Os temíveis insetos cagalhões já não representavam mais ameaça pois o
seu período de existência entre as criaturas vivas já havia se extinguido.
Daí que, depois de muito observar, Alex Randall resolveu que, já poderia
aproximar o Viajante das Estrelas do planeta recém-nascido.
Logo a astronave entrou em órbita de ANTARES IV.
Ansioso para tomar um “ar fresco”, nosso herói sentou-se em uma das
poltronas voadoras, vestiu o traje espacial e finalizou os últimos preparativos para
a partida.
O campo protetor esférico transparente se iluminou ao redor da poltrona e
esta, lentamente começou a flutuar.
No hangar, abriu-se no teto uma saída para o exterior e Alex Randall rumou
para aquele misterioso mundo.
***
Mais tarde, a poltrona voadora estabilizava seu vôo a pouca altura do solo.
Baseado nas ocorrências de uma aventura anterior, em que fez contato
com uma civilização de macacos inteligentes, Alex Randall acreditava que não
enfrentaria perigos durante sua visita em Antares IV.
As coisas porém não foram assim...
Em pleno ar, um morcego gigante com pelo menos cinqüenta metros de
envergadura atacou repentinamente a poltrona .
Não obteve sucesso na sua investida, pois, a proteção que o campo
esférico oferecia era mais do que suficiente para garantia de segurança.
Outros seres voadores também tentaram diversas formas de ataque.
Também estes não obtiveram resultado que lhes pudesse ser positivo.
Alex Randall percebeu então que as florestas não tinham aparência ou
clima tranqüilizador.
Pelo contrário, tudo alí era amedrontador e sombrio.O vento forte fazia com
que as folhagens das árvores se movimentassem violentamente.
177
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Mesmo à altura em que estava, um deles esticou-se inteiro, lançando e
chocando-se como um poderoso chicote contra a poltrona protegida.
Alguns galhos tentaram até envolver a esfera semi transparente.
Estas tentativas porém, eram repelidas pelo campo defensivo.
Mesmo assim a violência do ataque aumentava.
Algumas plantas se chocavam com tanta força contra a esfera protetora
que esta em alguns momentos chegou a fraquejar quase se apagando...
Finalmente, a poltrona conseguiu desvencilhar-se daquele emaranhado
vegetal.
Distanciou-se da superfície.
Porém, mesmo aumentando a altitude, não ficou livre de formas de vida
agressivas do planeta.
Um enxame de insetos muito similares àqueles que já tivera a infelicidade
de conhecer anteriormente, aproximou-se velozmente da poltrona.
Nosso herói logo entendeu que aquele mundo era violento demais para se
permanecer, mesmo contando com toda a proteção tecnológica que dispunha.
Era chegada a hora de voltar.
A poltrona voadora disparou rumo às alturas perseguida tenazmente pelos
perigosos insetos, que só desistiram quando alcançaram as camadas mais
rarefeitas da atmosfera.
Antes mesmo de entrar no Viajante das Estrelas, novos contratempos se
sucederam ...
A origem destes, ocorreu durante os ataques que Alex Randall sofreu em
Antares IV.
Mais exatamente, quando os escudos protetores por um milésimo de
segundo fraquejaram ante a fenomenal força da vegetação viva.
Neste momento, uma pequena semente conseguiu penetrar o ambiente
onde estava a poltrona e, em contato com o oxigênio próximo à ela começou se
desenvolver.
Sua presença ali só foi detectada quando seu crescimento era irrefreável.
Em pouquíssimos instantes, a vegetação envolveu toda a parte inferior da
poltrona.
Percebendo isso, Alex Randall não vacilou e desligou a esfera protetora
transparente ao redor da mesma, fazendo com que todo o oxigênio no seu interior
se perdesse no espaço.
Esta manobra retardou significativamente o crescimento da agressiva
vegetação.
Mesmo parcialmente encoberta, a poltrona se aproximou bastante de um
178
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
dos hangares da astronave.
Em determinado ponto do trajeto, Alex Randall afastou-se da poltrona
abandonando-a à própria sorte no espaço.
Com auxílio dos micro foguetes instalados no seu traje espacial, aproximouse de um hangar onde além das naves e robôs, só havia o vácuo.
Antes de entrar em ambiente com oxigênio, seus trajes foram verificados.
Assim que os tirou, foram destruídos.
Mais tarde, Alex Randall teria seu corpo examinado para garantir que
qualquer outro resíduo de Antares IV não invadisse a astronave.
Seguro de que nada mais ameaçava o Viajante das Estrelas, voltou a
analisar os acontecimentos daquele planeta por um ângulo mais adequado: a
longa distância!
Os satélites e sondas que sobreviviam à agressiva inospitalidade daquele
mundo enviavam imagens de montanhas e cavernas de ouro puro.
Em Antares IV porém, a guerra entre todas as espécies era violenta e
constante.
Um planeta que, mesmo oferecendo condições de vida para a raça humana
jamais seria conquistado.
Por essas e outras observações Alex Randall tinha plena convicção de que
aquele novo mundo não deveria ser perturbado por ninguém.
Num solitário satélite que à distância orbitava o planeta, instalou uma
pequena estação robotizada programada para transmitir uma mensagem à quem
porventura se deixassem seduzir pelos encantos de Antares IV.
Era curta, grossa e em diversos idiomas.
-Antares IV é um mundo perigosíssimo que deve a todo custo ser evitado.
Só visite ele se não tiver outra opção.
O alcance das transmissões era curto. Só avisaria quem estivesse entrando
nos limites do sistema planetário.
Uma outra mensagem, mais detalhada, partiria em direção à Terra,
seguindo o padrão de outras já enviadas.
Daquela extraordinária situação entendeu que já não havia mais o que
acompanhar...
Já permanecera alí durante bastante tempo registrando tudo que julgava
ser importante. Era hora de mudar de ares...
***
179
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.18 DE ALEX RANDALL
Mesmo tão longe no espaço. Alex Randall não deixava de estar sujeito à
propaganda.
Como dedicava-se à monitoração de imagens e todo tipo de sinais
enquanto transitava velozmente pelas galáxias, sempre captava alguma
novidade.
E desta vez não foi diferente. Chegou pelos sistemas de comunicação, uma
mensagem de ALFALORION.
Não era um mundo qualquer, até no sistema solar, já era conhecida em
lendas que ainda careciam de comprovação, como a capital universal dos
prazeres.
Quem quisesse relaxar com classe, ao menos uma vez na vida deveria ir
para lá.
Esgotado de tanto trabalhar, e influenciado pela propaganda, Alex Randall
resolveu fazer aquela sacrificada peregrinação.
***
O tempo passou e finalmente chegou a ALFALORIOM.
Um dos mundos construídos por diversas culturas alienígenas, pertencente
a um sistema planetário completamente mecanizado.
Até a estrela que alí brilhava, era artificial e controlada.
Assim que o Viajante das Estrelas se aproximou de ALFALORIOM, recebeu
através dos sistemas de comunicação mais propaganda.
Segundo o que afirmavam os tais “panfletos”, alí era o mundo dos prazeres
para todas as raças e paladares do universo.
Outra surpresa já era aguardada antes da chegada.
Logo, aproximou-se do Viajante das Estrelas, um esquadrão com
aproximadamente 150 naves de guerra pertencentes ao corpo de defesa
Alfaloriono.
Na central de comando, Alex Randall recebeu um comunicado do
comandante daquele agrupamento militar, incluindo sua imagem que foi projetada
diante do nosso herói.
A aparência do soldado não era lá muito amistosa, já que tinha a cabeça
muito feia.
De imediato, o Cérebro Computadorizado traduzia o idioma falado pelo
comandante. Daí, a mensagem chegava bastante clara e objetiva...
180
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Para obter o visto de entrada o sr. precisa assinar alguns documentos e
passar por exames ...
-Claro...- Concordou Alex Randall.
-Sua nave deverá ficar num estacionamento especial que é protegido por
seguro.
Alex Randall fez um gesto de concordância com a cabeça...
-Queira então me seguir...
O agrupamento de naves logo se posicionou em formação de ponta de
flexa ao redor do Viajante ds Estrelas.
Tudo que o cérebro computadorizado tinha de fazer era seguir a nave líder,
que estava mais adiante do agrupamento.
Mantiveram baixa velocidade por algum tempo...
Foi então que Alex Randall recebeu ordens para permanecer com o
Viajante das Estrelas estacionado exatamente no lugar onde se encontrava
naquele momento.
-Precisa de transporte? – Indagou o comandante.
-Não.- Respondeu nosso herói e, em seguida agradeceu.
O agrupamento de naves partiu espaço adentro.
Outra mensagem chegou:
-Bem vindo a ALFALORION – Capital universal do relaxamento e prazer.
Esse comunicado veio num idioma falado na Terra acompanhado da
projeção tridimensional da imagem de uma linda mulher.
-Um dos robôs batedores irá brevemente fazer contato com sua nave para
a adoção dos procedimentos necessários para a sua recepção.
O referido robô apareceu flutuando no espaço aproximando-se lentamente
do Viajante das Estrelas.
Entrou e pousou num dos hangares da astronave.
Lá, Alex Randall foi recebê-lo
O robô não perdeu muito tempo com conversa mole e foi direto ao assunto:
-Sua espaçonave deverá ficar estacionada no setor 6-HSC-25964-YKA
durante o período que o sr. estiver em ALFALORION. O custo do estacionamento
por qualquer período de tempo fica em 500, sua estadia mais 30, o que totaliza
530 créditos transgaláticos. O valor inclui um seguro que cobre qualquer dano que
sua nave vier a sofrer...
Quanto a isso, Alex Randall não estava preocupado já que a segurança de
sua astronave quando não errava, acertava.
Não seria qualquer larápio que entraria alí impunemente.
181
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Vai precisar de transporte de sua nave para ALFALORION?
-Não! Muito obrigado!
-Então, as autoridades fiscais procederão uma vistoria na nave que o sr.
utilizar para o seu transporte. Será considerado contrabando a entrada de
qualquer produto não registrado na PORTARIA REGULAMENTADORA DE
ENTRADA E SAÍDA DE PRODUTOS NO DISTRITO ALFALORIANO que o sr.
está recebendo agora.
Dizendo isso o robô entregou um livro para Alex Randall.
-A infração de qualquer destas regulamentações poderá ser até
considerada crime, portanto não deixe de se informar a respeito da norma
vigente.
-Certo...
Alex Randall tirou um cartão do bolso, exibiu-o ao robô e introduziu-o na
fenda existente no corpo deste.
Em seguida retirou-o e um recibo foi expedido juntamente com o
passaporte que lhe dava livre acesso ao território alfaloriono.
-Faça bom proveito de sua estadia e não deixe de conhecer o guia oficial de
atrações turísticas.
-Obrigado.
Momentos depois, o robô saia do Viajante das Estrelas e, nosso herói dava
então início aos preparativos para seu passeio.
***
Horas mais tarde Alex Randall deixava o Viajante das Estrelas a bordo de
uma nave parecida com os antigos aviões de transporte de passageiros dos idos
do século XXI.
Enquanto acompanhava o trabalho de pilotagem automática feita pela rede
de transito local, recebia a programação de eventos de ALFALORION com muita
propaganda.
O menu de opções de lazer e diversões local era interminável.
A primeira coisa que nosso herói procurou foram as máquinas de sexo
virtual.
Nesse ponto ficou desapontado.
Mesmo as mais avançadas alí disponíveis não eram tão tecnologicamente
sofisticadas como as existentes a bordo do Viajante das Estrelas.
Procurou e encontrou um evento diferente:
182
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
GUITARRISTA DESAFIA O DIABO EM SHOW AO VIVO
Blues Dog, o maior guitarrista de todos os tempos
enfrentará o demônio num duelo musical. Se perder, sua
alma vai para o inferno. Vencendo, ganha um apartamento
de cobertura no melhor edifício residencial de
ALFALORION incluindo ainda o pagamento de todas as
suas despesas pelo resto da vida. Não perca este
verdadeiro duelo de morte.
-É esse o programa que vou fazer!
Alex Randall digitou alguns comandos no teclado luminoso do painel e
passou o cartão de créditos na fenda para fazer a compra. Em seguida, uma
impressora vomitou o comprovante de pagamento que já era o ingresso. E
também, um outro papel.
Verificando o que era ficou surpreso:
-Ora, ora, ora... Veja só...
O conteúdo do impresso dizia:
“Você foi sorteado e ganhou um prêmio. Passe pela bilheteria e informe-se.”
-Que legal!
Logo a nave aproximou-se de uma das várias edificações gigantes que
compunham a paisagem daquele mundo e, na lateral de uma delas, abriu-se uma
entrada retangular por onde passou suave e silenciosa até pousar no seu interior.
Na cabine de comando, a poltrona onde Alex Randall estava sentado
começou a flutuar.
Logo, abriu-se no teto uma saída para fora por onde saiu voando.
Três robôs de segurança esféricos com diâmetro aproximado de trinta
centímetros lhe acompanharam..
Logo flutuavam pelo espaço aéreo daquele mundo cheio de torres enormes
e veículos voadores de todas as espécies.
Para não atrasar, seguiram direto à casa de espetáculos.
Depois de chegar, Alex Randall foi até a bilheteria saber do brinde.
-Parabéns! O senhor foi sorteado para ser jurado do desafio. Ao final,
ganha um vale-refeição para duas pessoas no “Alfalorion´s Bistrout.” Por favor,
me acompanhe...
Alex Randall seguiu o alfaloriono que lhe apontou o camarim onde ficaria.
183
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Pousou sua poltrona junto ao espaço reservado aos julgadores.
E, no momento marcado para o início do evento, assim como em toda boa
casa de espetáculos, as luzes diminuíram de intensidade até se apagarem
completamente.
O apresentador entrou no palco e começou o evento dando boas vindas:
-Daqui a pouco presenciaremos um espetáculo único em todo universo.
Temos aqui um mortal que passou longo tempo se preparando para desafiar o
príncipe das trevas num duelo onde as armas são instrumentos musicais.
“E o primeiro a se apresentar neste palco será o temido, famigerado e
odiado Senhor dos Infernos com sua banda diabólica conhecida como SATANÁS
E SUAS ALMAS.”
Um impresso foi entregue aos jurados naquele momento, informando, como
deveria se proceder a escolha: basicamente, ouvindo e apontando quem era
melhor.
O show diabólico começou mostrando que não estava lá para perder
tempo.
Com som pesado, barulhento e cheio de ritmo, conquistou as multidões.
Ficava claro que superar aquela apresentação não seria fácil.
Os demônios que tocavam junto ao príncipe das trevas não tinham rosto.
Suas faces pareciam estar em constante transformação.
A música deles chegou ao final e a plateia aprovou com aplausos gritos e
elogios.
O Satanás, claro, saiu do palco com um sorriso vencedor.
E veio o desafiante.
Apresentado como sendo do distante planeta Terra, se chamando Blues
Dog.
Era músico negro, de idade, alto, vestindo terno escuro com camisa e
meias brancas. Encimado por chapéu preto, carregava um violão da mesma cor.
Começou a tocar sozinho mostrando que estava lá para ganhar.
Era excepcional.
O resultado de tanto treino era visível logo nas primeiras notas.
O som tocado brilhantemente também foi conquistando os ouvintes de
imediato!
Principalmente, Alex Randall, que já normalmente não gostava do diabo por
tudo o que este representava e era, e ainda, devido aos maus bocados que
passara com ele e sua turma injustamente no inferno.
Não demorou muito mais para que o seu voto fosse direto para Blues Dog.
Com categoria de mestre, o músico se manteve até o fim da apresentação
184
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
onde fez um encerramento em grande estilo.
Tiveram início as avaliações dos números musicais apresentados.
Nada tinha que ser muito explicado ou justificado. Era só dar o voto.
Antes de saber o resultado, o diabo já sorria sentindo-se o verdadeiro
vencedor.
O primeiro voto foi justamente ao seu favor.
O segundo, também.
O terceiro e o quarto, foram favoráveis a Blues Dog.
Alex Randall ficou com a missão de dar o veredito final.
Não pensou muito e logo deu o seu parecer.
-Eu fico com Blues Dog.
Seu voto repercutiu por centenas de alto-falantes instalados naquele teatro
em milhares de idiomas e ainda, através de sinais luminosos.
Blues Dog respirou fundo como se um grande peso lhe tivesse sido tirado
dos ombros.
Ficou de pé diante do banquinho onde se sentara para fazer sua
apresentação e levantou os braços acenando para todos.
O aplauso e a saudação em milhares de idiomas e modos diferentes de
cumprimento duraram muito tempo.
Alex Randall mal conseguia conter as lágrimas, não sabia se batia palmas
ou segurava o cachimbo aceso.
O diabo porém não estava com cara de muitos amigos.
Dirigiu-se a um dos microfones que havia no teatro e disse:
-Eu não estou satisfeito.
O aplauso cessou subitamente e teve uma gozação generalizada,
aparentemente, ninguém estava levando o Satanás muito a sério.
-Eu não estou feliz, mesmo assim vou cantar uma nova música para
vocês...
O suspense foi generalizado e a música começou.
Era um antigo ritmo de roque ultra pesado com vocais de voz assustadora.
O próprio diabo cantava e a letra era esta:
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
(Refrão):
É fria com o diabo fazer contrato
Olha lá, hem...
É fria com o diabo fazer contrato
Eu avisei , hem
É fria com o diabo fazer contrato
É fria com o diabo fazer contrato
É convincente e leva no papo
Já promete, e resolve o babado
Mas o que cobra, sai muito caro
Quem assina, termina escravo
(Refrão)
O diabo assina em baixo
O que dá, não vale um trocado
É a alma, que cai no pecado
E um coitado, que paga o pato
(Refrão)
O Diabo não cumpre contrato
Reclamar, redunda em fracasso
No inferno vai sofrer um bocado
E chorando, acabá desgraçado...
(Refrão)
O som acabou pegando e o refrão marcando na cabeça de todo mundo.
Assim que terminou, o Satanás estalou os dedos e Blues Dog foi suspenso
no ar.
Um reflexo translúcido da sua imagem saiu do corpo.
Era a alma de Blues Dog.
Em seguida, o corpo do músico despencou inerte no chão enquanto a
imagem translúcida descia em direção aos infernos...
-Esta alma é minha. – Disse o Satanás. – Não cumpro nenhum contrato.
Quem me desafiar terá o mesmo destino.
Ninguém falou nada.
Todos olhavam o corpo inerte de Blues Dog e entendiam que, se
quisessem se manter vivos, deveriam calar-se e deixar o senso de justiça para
outro dia.
O diabo não havia porém terminado o seu discurso.
Aproximou-se de Alex Randall com um gesto ameaçador...
Os robôs esféricos de segurança dispararam raios azulados que, teriam
cortado qualquer ser vivo ao meio.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Naquele caso porém, não surtiu efeito nenhum.
Com cada uma das mãos, o demônio os pegou e destruiu.
Fez o mesmo com o terceiro segurança mecanizado dando lhe uma forte
cuspida que o derreteu por inteiro.
Aproximou-se ficando frente a frente com o nosso apavorado herói e
colocou a mão aberta bem próxima ao seu rosto.
Disse em seguida:
-Não vou te fazer mal... Não agora! Assim que morrer, vou reclamar sua
alma. Aí sim pagará por essa insolência. Ninguém tira de mim a vitória.
E desapareceram então o Satanás e seus demônios em meio a uma nuvem
amarela de fumaça muito mal cheirosa.
Alex Randall ficou petrificado sentado em sua poltrona olhando o cadáver
de Blues Dog enquanto pensava no tormento que seria sua vida após a morte.
Então, sabe-se lá como, súbita e inexplicavelmente, iniciou-se um indêndio
no teatro.
Para piorar as coisas, os sistemas de combate ao incêndio não
funcionaram.
As saídas de emergência se abriram e todos deixaram o local sem que
nenhuma vida além da do músico fosse perdida.
Sentado em sua poltrona voadora e fumando o cachimbo, da rua o nosso
heroi observava o teatro arder em chamas.
Só bem mais tarde, é que o fogo foi debelado.
Àquelas alturas, porém, Alex Randall encontrou um lugar onde poderia
refletir sem ser perturbado. Numa Tabacaria.
***
187
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MEMORIAL N.19 DE ALEX RANDALL
Não era uma tabacaria muito diferente das existentes na Terra.
Tinha o balcão com vendedor, um projetor de imagens tridimensionais cujo
funcionamento pipocava o tempo todo e até uma prateleira com seleção variadas
revistas e livros digitais.
-Meu nome é Harvey. Posso ajudá-lo?
-Conhece meu idioma?
Harvey apontou para o cartão que Alex trazia preso ao bolso da jaqueta.
-Seu crachá indica o código que devo usar no meu tradutor universal para
manter comunicação no seu idioma.
Alex Randall bateu na testa com a palma da mão...
-Como fui burro... Não pensei nisso antes...
Harvey olhou para o cachimbo de Alex Randall e disse.
-O sr. parece ser um fumante veterano. Aqui encontrará coisas bem
interessantes.
-Meu amigo, era isso que eu queria ouvir.
Harvey começou uma exposição: primeiramente falou sobre a loja,
contando sua história, depois, tratou a respeito dos fumos catalogados que
dispunha.
Ainda que a fachada da loja fosse modesto, seu estoque era gigantesco.
Tal fato, não só comprovou a qualidade dos produtos bem como a
idoneidade do vendedor.
Nosso herói sentiu-se no paraíso não só pelos méritos apontados no
parágrafo anterior mas também, devido à decoração do local.
Alí dentro, eram encontrados elementos de alta tecnologia que se
harmonizavam com objetos, artefatos e jóias antigas relacionados à arte de fumar.
Entre tantas coisas que havia alí dentro, Alex Randall teve sua atenção
chamada pelos ornamentos de um magnífico cachimbo esculpido em um mineral
brilhante e acinzentado.
Harvey deu algumas breves explicações a respeito do objeto, em seguida,
deu uma rápida projetor de imagens.tridimensionais. Viu alí alguma coisa e disse:
-Perda de tempo.
Alex Randall que segurava uma mercadoria virou-se espantado dizendo:
-C-como? Refere-se a este produto? – Perguntou.
O vendedor olhou para Alex Randall, sorriu e disse.
-Ah! Não! Esse aí é ótimo! Estou falando da eleição do novo sacerdote
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
supremo da religião RUIKULKUARQUIANA que segundo dizem, é a que tem
maior número de seguidores. Gente que se proclama porta-vozes exclusivos das
palavras do Criador. São enganadores! Isso sim! Ignoram o desejo da MÃE
CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
Alex Randall já estava ficando um pouco de saco cheio de tanto encontrar
pelo seu caminho tantas menções à Deus e ao Diabo. Queria ter um pouco de
sossego nestes assuntos religiosos, mesmo assim, não foi deselegante:
-Reparei que o sr. usa o termo MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS.
Encontrei por aí alguns sujeitos que também falam assim..
-É uma das formas de você se referir a Deus. Alguns filósofos preferem
assim já que entendem que Deus é feminino por ser gerador de toda a vida do
universo. O primeiro sopro no cosmo foi dado pela MÃE CRIADORA DE TODAS
AS COISAS, uma entidade feminina. Acho que é isso o que dizem.
-E no que o senhor acredita?
-Não acredito em nada disso. Essa conversa de religião é só para enganar
trouxa! O universo existe do jeito que é e pronto! O criador ou criadora não vai ter
tempo de atender as orações de todos os fieis espalhados por bilhões de galáxias.
-Já tive uma posição semelhante à sua. Tenho dúvidas quanto à existência
de um Deus ou MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, mas, com relação ao
diabo... Da existência deste eu não tenho dúvidas.
-É...
“O que se vê de ruindade por aí faz a gente pensar as coisas desse jeito
mesmo. Por outro lado, se não fosse pela força das religiões, muitas sociedades
se auto-destruiriam.”
“Mas... Essas coisas estão muito distantes da nossa compreensão...”
-Verdade...
-Primeira vez que o vejo aqui... Vem de fora?
-Sim. Do sistema solar! Da Terra.
-Ah! A Terra! Tenho fumos aqui que agradam bastante aos raríssimos
humanos que tive o privilégio de encontrar por aí...
-É mesmo? Gostaria de conhecer estes fumos...
O comerciante fez um sinal convidando-o a segui-lo.
Passaram por corredores estreitos com muitas caixas de vários tamanhos
chegando até uma porta que foi aberta..Atrás dela, estava um depósito com
muitas caixas.
-Aqui guardo ervas apreciadas pelos humanos. Gostaria de experimentar
alguma?
-Claro! - Pensou Alex Randall, afinal vendedores com amostra grátis eram
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
raríssimos, em qualquer parte do Universo
O comerciante pegou uma das caixas que estava encostada na parede.
Abriu-a e de dentro dela tirou outra menor.
Esta por sua vez, tinha ao seu redor uma espécie de lacre.
Rompeu-o!
Abriu a caixinha e tirou de dentro dela um pouco de fumo que pôs na mão
de nosso herói.
-Experimente. – Disse.
Alex Randall não se fez de rogado. Sacou seu cachimbo reserva que
estava vazio e abasteceu-o com o presente.
Acendeu-o e calmamente degustou o fumo...
Imediatamente sentiu uma calma e tranqüilidade incomum.
O vendedor por sua vez, também sacou um curioso cachimbo que
carregava e abasteceu-o com aquele fumo.
O ar alí dentro logo ficou densamente enfumaçado.
Ficaram alí conversando, depois voltaram à área de convivência pública da
tabacaria.
Sentaram-se numa mesa e ficaram conversando...
Tão relaxados estavam que a única coisa que queriam naquele momento
era falar...
Assim poderiam ficar exercitando o verbo por muito tempo...
As formalidades foram caindo, Alex Randall também se apresentou e assim
começaram a trocar histórias...
Harvey era um contador de histórias nato:
-Trabalho neste negócio já a bastante tempo, praticamente, desde que
comecei a fumar...
-E isso faz muito tempo?
-Desde meus tempos de menino...
-Como começou ? – Perguntou nosso herói.
-Ah! Isso também foi na infância...Fumava para ficar junto dos mais velhos.
Eram os que tinham fama de durões. Eu tinha facilidade para arrumar fumo pois
morava perto do espaçoporto. Comecei conhecendo os capitães das naves já que
meu pai fazia negócios com eles nos bares que freqüentavam.
“Os caras sempre traziam produtos diversificados e sempre sobrava algum
cigarro, charuto ou tabaco que meu pai armazenava em casa.”
“Passei a comercializar esse material e, depois de algum o tempo, me
estabeleci como comerciante de sólidos contatos e capaz de arrumar qualquer tipo
190
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
de fumo existente no universo.”
-Do universo? - Perguntou Alex Randall impressionado.
-Não apenas desta ou daquela galáxia, mas de todo o universo!
Harvey era bem comunicativo e logo quis que nosso herói também
contasse um pouco de suas histórias.
Foi o que fez. Nos momentos seguintes passou a relatar suas desventuras
a bordo do Viajante das Estrelas.
O comerciante ouvia atentamente.
Só voltou a falar quando as histórias pareciam terminadas, mas não deixou
de formular algumas questões:
-Mas e você? Como iniciou sua carreira de fumador?
-Copiei um tio que admirava e fiquei ainda mais fanático pelo cachimbo que
ele. O fumo me ajuda a trabalhar e colocar as idéias em ordem.
-Incrível!
A conversa estava cada vez mais relaxada, os dois já se entendiam como
se fossem velhos amigos, por conta disso, em dado momento, Harvey disse:
-Vou te trazer um produto especial! Sem igual em todo o universo.
Saiu da sala e logo voltou com um maço de cigarrilhos enrolados.
Imediatamente ofereceu-os a Alex Randall já preparando para este até o isqueiro
aceso.
-Mas o sabor desse fumo não vai ser alterado pelo do que estou
queimando?
-A finalidade desse fumo não é a de se sentir o sabor. Pode acreditar...
Nosso herói deu algumas poucas tragadas e logo percebeu o porquê.
Seu sabor era simplesmente horrível. Mas, acostumou-se.
***
Saindo do meio daquela fumaça Alex Randall viu sua saudosa mãe..
-Meu filho...
Nosso herói naquele momento não podia acreditar...
-Mãe. É a senhora mesmo?
-Sim. Pode confiar
Nosso herói, com seus olhos treinados tentava encontrar alguma evidência
que indicasse qualquer tipo de fraude, mas, não via nada nesse sentido...
-Sou eu mesma, Alex... Não há o que temer. É o efeito deste fumo que o sr.
Harvey te ofereceu. Através você pode falar com quem já não pertence ao seu
191
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
plano de vida.
-E o que existe depois da morte, mãe?
-O descanso eterno, filho...
-Um jogo de palavras! - Pensou Alex Randall, bastante desconfiado. - Não
respondia nada mas enchia os ouvidos.
-A senhora está bem?
-Sim...Tive uma vida correta. Não caí na tentação do mal, posso descansar
em paz.
-E fantástico poder rever a senhora.
-Fico feliz que pense assim. Agora, eu queria te dizer algumas palavras
antes de voltar...
-Claro! Claro!
-Não dê muitos ouvidos a este Cérebro Computadorizado da sua astronave.
-O quê?
-Ele é muito pessimista!
-C-como?
-Para ele, nada nunca vai dar certo! Acredite nas suas idéias. Se você
achar que pode voltar no tempo e mudar fatos passados, não exite!
-Ele é muito convincente, mamãe! Seus argumentos me parecem bastante
lógicos...
-Não é a lógica que domina o Universo, filho. Se assim o fosse, tudo seria
perfeito! Nós é que temos correr atrás da perfeição, ainda assim, sem querer
prejudicar os outros ou fazer uso da violência.
-Como seria bom se todos agissem como a senhora fala...
-Para alcançarmos a perfeição de que falo, meu filho, temos que ser fortes,
às vezes, resistir a vingança e suportar a dor, por pior que seja, até o fim...
-Não é fácil, mamãe...
Alex olhou para o chão para acomodar-se melhor onde estava sentado.
Quando voltou os olhos para onde sua mãe deveria estar, não havia mais
nada alí.
-Mãe...
Chamou mais duas vezes e não obteve resposta...
Deu novas tragadas naquele cigarro mas o efeito já não era o mesmo...
Harvey apareceu do meio da grossa fumaça e disse:
-O efeito dura apenas alguns momentos. Para acontecer de novo o que
você viu, só fumando outro desse daqui a bastante tempo...
-Quanto tempo?
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-O mesmo período que o planeta onde estiver levar para dar uma volta
completa ao redor de sua estrela.
Nosso herói estava perplexo com o ocorrido.
Sua mente ainda parecia um caldeirão borbulhante de emoções.
A voz de Harvey novamente o despertou para a realidade...
-Quem você reviu?
-Minha mãe...
Alex Randall estava meio abobalhado com o ocorrido e não conseguia falar
direito...
-Sabe também vi minha mãe... Antes de voltar para o seu descanso, ela
pediu para que eu lhe desse um recado que a sua mãe deixou.
-O que?
-Ela mandou você parar de fumar, caso contrário vai se juntar a ela.
Alex Randall deu uma sonora gargalhada exibindo os seus dentes
amarelados pelo excesso de fumo:
-Vai ser dificil! Mesmo em vida, ela sempre pedia isso.
-Ainda bem! Assim poderei lhe vender algumas caixas de bons fumos. Você
parece ser um perito no assunto.
-Daqui não saio sem levar nada. E não vai ser pouco não...
***
Chegaram ao balcão na entrada da loja e encontraram outro tipo
alienígena.
Meio humano, de pele vermelha, era careca e usava roupa azul.
Ao seu lado haviam duas grandes malas e mais algumas bolsas...
-Está saindo de viagem, Beni? – Perguntou Harvey.
-Antes disso... Pagando as contas! - Respondeu.
-Pagando as contas? – Indagou Harvey. – Isso só pode ser brincadeira.
Beni puxou um cartão plastificado do bolso e deu-o a Harvey.
-Não é brincadeira não, Harvey. Eu ganhei o primeiro prêmio da Super
Loteria e vim te pagar o que estou devendo pois vou mudar para o Hotel Astúrias
Espaciais.
-Caramba Beni! Isso é que é boa notícia.
Harvey passou o cartão por um leitor ótico, digitou alguns números e
devolveu-o
-Perfeito! Você não me deve mais nada. – Disse em seguida.
193
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Harvey, você não precisa se preocupar. Nunca deixarei de passar aqui
para rever os amigos.
-E para comprar algum tabaco..
-Mas claro... – Concordou Beni que logo deu um caloroso abraço em
Harvey e até em Alex Randall.
-Vai morar no Astúrias Espaciais, hein?
-Vou sim. Agora quero vida nova... Mais espaço, conforto, comida...
-Fumo! – Lembrou Harvey.
-Fumo! – Sem dúvida! – Riu Beni. – E não quero mais saber de trabalhar.
Não quero mais patrão falando o que fazer. Chefe... Nunca mais!
-Agora é liberdade total, hein. Já avisou seus colegas de serviço?
-Claro! E você precisava ver a cara do meu ex-chefe quando saí falando
pelo escritório do prêmio que eu havia ganho. Aquele maldito desgraçado não quis
acreditar que eu consegui me livrar do seu jugo sem ser demitido, dor de cabeça
ou encheção de saco.
Beni pagou alguns charutos e uma dose de conhaque para Alex Randall e
Harvey que não se fizeram de rogados e apreciaram de imediato os presentes
ganhos.
Conversaram animadamente até a partida de Beni que coincidiu com a
chegada de um guitarrista na loja que puxava um carrinho carregado com um
aparelho similar aos antigos amplificadores de som .
O tal guitarrista tinha uma aparência bastante curiosa. Era humanóide,
porém cada uma de suas mãos tinha dezesseis dedos.
Sua guitarra também não era das mais comuns.
Tinha 3 braços.
O sujeito começou a tocar tirando de seu instrumento, um som
extraordinário.
Às vezes, parecia uma banda de rock e de-repente virava algo parecido
com uma orquestra de violões.
De trás do balcão, Harvey sacou uma caixa de cigarros e a arremessou
para o músico que a agarrou no ar com graça, maestria e sem parar de tocar.
Continuou enchendo o ambiente da loja com a sua música por um bom
tempo e também contribuiu com o aumento de fumaça alí dentro...
Todos esqueceram seus problemas durante esse período.
Alí, a vida parecia ser feita apenas para fumar e ouvir boa música...
Assim como entrou, o curioso guitarrista saiu...Tocando!
Alex Randall e Harvey voltaram a falar...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Puxa! Como toca bem esse cara! Ele vêm sempre aqui?
-Todo dia! Ele toca o seu repertório e dou uma caixa para ele se divertir.
Ajuda a mim e aos fregueses relaxarem, para ele diminui os custos com fumo. É o
único que consegue fazer isso...
-O que?
-Não usa dinheiro em ALFALORION. As pessoas pagam as coisas para ele
e obtém sua música. Sua vida é essa. Ele nem quer saber de grana. Diz que não
gosta.
-Puxa! Já ouvi falar de alguns poucos abnegados pelo universo que
conseguem viver completamente sem dinheiro. Mas aqui em ALFALORION?
Onde paga-se para tudo? Essa é novidade!
-Pois é... Mas pode acreditar...
A conversa permaneceu agradável até a entrada na tabacaria de uma
fêmea da mesma espécie que Harvey.
-Harvey. Você está atrasado. Já é hora de fechar e ir para casa...
-Olá querida! É que estou atendendo esse cliente que veio da Terra. É um
verdadeiro conhecedor de fumos.
Certamente, aquela era a esposa de Harvey.
Com um gesto, chamou o comerciante de lado e em voz baixa passou a
dirigir-lhe reprimendas pois ela se sentia sozinha enquanto ele ficava naquela loja
fedorenta fumando o tempo todo...
Não esqueceu de dizer também que não sabia qual seria o próprio destino
caso ele acabasse com a própria saúde depois de tanto fumar.
Dizia não querer herdar a loja pois, alí não iria trabalhar...
Alex Randall mantinha-se alheio à discussão e já pensava até em deixar lá
Harvey sozinho resolvendo seus próprios problemas com a esposa, quem sabe,
voltando em outro momento para fazer as compras.
Não precisou, pois, logo a esposa de Harvey partiu recomendando para que
ele não demorasse muito mais.
***
Momentos depois entrou na loja outro freguês que já foi logo dizendo:
-Vim aqui fumar meu último cigarro.
Harvey pareceu surpreso com aquela história...
-Puxa vida...
-É Harvey. Resolvi vir aqui pois gostaria de viver esse momento histórico
195
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
junto a alguns companheiros de fumo.
-Claro! Claro! Seja bem vindo!
O sujeito pagou uma caixa de charutos, abriu-a, acendeu um deles e
começou a contar a história de como teve o seu início no fumo...
Sua narrativa se desenrolou por todo o tempo que durou o charuto.
Ao final, já com a bituca dando seus últimos suspiros, resolveu registrar o
momento fazendo uma foto tridimensional e foi embora despedindo calorosamente
de todos.
Depois de sua saída, nosso herói dirigiu-se para Harvey observando...
-Agora vem a parte mais dura para o nosso amigo: passar a vontade de
fumar e se conter...
-Esse aí? – Indagou Harvey com certa ironia. – Ele vêm aqui todo dia com a
mesma conversa de fumar o último e sempre leva mais uma caixa para casa.
Você reparou? Não se preocupe que logo ele volta outra vez com o mesmo
papo...
***
Alex Randall esvaziou os bolsos na tabacaria.
Toda a grana que tinha reservada para conhecer os prazeres de
ALFALORION deixou com muito gosto na tabacaria e, depois voltou para o
Viajante das Estrelas para onde sua carga de fumo já havia sido previamente
teletransportada e, naquele momento já deveria estar sendo estocada.
À bordo, e, finalmente sentado na sua poltrona da central de comando,
verificou que havia chegado o momento de partir
Alex Randall pôs em movimento a astronave, logo depois, deixou para trás
o sistema planetário Alfaloriano.
Ainda se afastando, recebeu uma mensagem:
-Você está deixando ALFALORION. Volte sempre que possível para
nova temporada de prazeres.
***
196
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N.20 DE ALEX RANDALL
Nem bem o Viajante das Estrelas saiu da área de proteção jurisdicional do
espaço ALFALORIANO, e foi surpreendido por .centenas de naves que o
cercaram e em seguida dispararam contra este com todo seu arsenal.
Diante de tal ataque, a astronave num primeiro momento não sofreu nada,
pois, seu casco era de constituição tão robusta que podia suportar os disparos.
Logo porém, os campos de proteção foram acionados como medida de
segurança.
Alex Randall analisou o campo de batalha, digitou alguns comandos no
teclado luminoso projetado a partir do painel no braço de sua poltrona e aguardou
os resultados.
Logo depois, como que num toque de mágica todos os agressores
cessaram o ataque quedando inertes e inoperantes.
Contra eles, foi usado um sistema defensivo capaz de inutilizar qualquer
artefato tecnológico.
Era como uma chave geral que desligava e inutilizava todo o armamento do
adversário!
Terminada a breve batalha, quando o Viajante das Estrelas ia seguir seu
caminho , foi surpreendido por um chamado que vinha de outra nave que naquele
momento ainda não se encontrava pelas imediações.
-Atenção nave esférica. Agüente mais um pouco que a ajuda está
chegando...
***
Momentos depois, o autor da mensagem chegou ao campo de batalha.
Já apareceu disparando e destruindo os agressores do Viajante das
Estrelas com grande velocidade e precisão.
Diante do acontecimento, nosso herói gritou pelos sistemas de
comunicação:
-Pare de atirar! O oponente já está dominado!!
Apareceu projetada na central de comando do Viajante das Estrelas a
imagem do tripulante da nave que pretendia prestar salvamento.
Era humano, um homem já na terceira idade com cabelos e cavanhaque
brancos.
-Sou NOSRAC TIK, agente do Comando Espacial de Segurança
197
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Alfaloriono. Fazíamos uma patrulha por este setor e, ao vê-lo em perigo,
resolvemos prestar ajuda.
-Sou Alex Randall da Terra. Agradeço a ajuda, mas, creio que consegui
resolver o problema com o equipamento que disponho!
- Temos que elaborar um relatório para nossos chefes pois vamos prender
toda essa gangue. Antes de partir, poderia nos ajudar com algumas perguntas?
Durante a conversa, o cérebro computadorizado confirmou através dos
sistemas de comunicação e ainda com o Quartel General do Comando Espacial
de Segurança Alfaloriono, as informações passadas pelo tal NOSRAC TIK. Ele e
seus companheiros eram realmente quem diziam ser.
-Claro! Vou liberar um dos hangares, para estacionarem sua espaçonave.
Uma outra imagem foi projetada adiante de Alex Randall, era de outro
tripulante da espaçonave do agente.
-TIK, temos de pegar um dos comandantes desse ataque e tentar obter a
posição de sua base. É a grande oportunidade que temos, já que os larápios ainda
estão vivos.
-Tem razão! – Olhou em seguida para Alex Randall e continuou.- Antes de
embarcar vamos aprisionar alguns destes diabos para uma conversinha...
***
Mais tarde, após prender vários comandantes do ataque contra o Viajante
das Estrelas, a nave de NOSRAC TIK pousou no hangar.
A tripulação da nave desembarcou. Eram quatro homens com aparência
bastante semelhante aos humanos da Terra.
NOLSRAC TIK cumprimentou Alex Randall:
-Pode me chamar de TIK. Estes são meus amigos.
TIK fêz as apresentações começando pelo mais alto e forte:
-Esse é o meu parceiro Relliw Xet. Pode chamá-lo de Xet.
Seguiu para outro de aparência mais jovem e continuou...
-O filho dele, assim como eu, tem Tik no mome. É um bom rapaz.
Especialista em informática. Diz que consegue invadir qualquer sistema.
-Não os do Viajante das Estrelas! - Disse Alex Randall. - O Cérebro
Computadorizado desta Astronave pode resistir a todo tipo de ataque. Os
melhores “Crackers” do Sistema Solar já tentaram todos os tudo que lhes foi
possível, na sua fase de testes e construção. Não obtiveram sucesso! Nesse
ponto, os sistemas de segurança daqui são muito bons. Já em outros casos...
O velho Tik apresentou então o último acompanhante.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Um sujeito de pele mais queimada, cabelos negros e longos.
-Este é o agente Tigrus Jack. Também, de extremada confiança.
-É um prazer recebê-los a bordo. - Cumprimentou Alex Randall. –
Gostariam de descansar?
Xet respondeu:
-Descansar não vai dar. Temos de interrogar esses caras. Não é todo dia
que conseguimos prender toda uma quadrilha sem derramamento de sangue.
Esses tipos são covardes e perigosos. Saqueiam os turistas que saem do espaço
jurisdicional alfaloriono.
-Essa quadrilha é extremamemte perigosa. – Continuou Tik com voz
grave. – Não se deixam capturar. São numerosos e muito bem armados.
-Vivem na periferia do perímetro de vigilância do sistema planetário
Alfaloriono. Se dizem excluídos do sistema. Pregam a igualdade social, mas tem
muitos chefes que mandam o máximo que podem. Com base nessa conversa
mole política, justificam atos como sequestro, roubo, tráfico e assassinatos. Não
são nem um pouco confiáveis. Até entre si procuram levar vantagem.
-Bando de vigaristas! - Disse Tigrus Jack.
-Façam como achar melhor. – Disse Alex Randall. – Eu apenas espero
ajudar a Justiça.
-Gostaria de ver a cara de alguns dos pilantras que te atacou? – Perguntou
Xet.
-Claro! – Por-quê não?
-Vamos entrar então...
Alex Randall acompanhou os quatro agentes para o interior da nave
espacial dos agentes alfalorionos e, com estes, seguiu até as instalações
carcerárias desta.
Ainda que no interior não faltassem armas, computadores, sistemas de
comunicação e instalações de conforto e alta tecnologia, suas celas eram tão
porcas e sujas como a de qualquer cadeia comum.
O ambiente na carceragem era escuro, mal cheiroso e a cara dos tipos
presos ali, as mais assustadoras possíveis...
Realmente, não tinham cara de bonzinhos...
-Esses tipos vêm de todas as partes de universo. São vermes asquerosos
que canibalizam qualquer desprevenido.
Xet desativou a barreira energética que impedia a saída dos presos de uma
das celas, e, com a maior tranqüilidade entrou lá dentro.
Chegou logo dizendo:
-Estou aqui para conversar...
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Um dos detidos dirigiu olhar feroz a Xet e partiu para cima deste intentando
causar-lhe dano físico ou mesmo tomar uma de suas armas.
Seu ataque foi rápido, feroz e certeiro.
Mas não eficaz.
Xet se esquivou do avanço e partiu para o contra ataque.
Começou golpeando duramente com os punhos fechados a infeliz criatura
que teve a idéia idiota de agredir-lhe.
Batia sem dó nem piedade, o que, arrancou um comentário preocupado por
parte do nosso herói...
-Não vai matar o coitado? Me parece que está sendo um pouco violento
demais.
Com ar amenizador, Tik acendeu um cigarro, deu algumas tragadas e
disse tranquilamente:
-Não se preocupe. Esses bandidos têm o couro bem duro. Para a obtenção
de informação confiável tem que bater com vontade!
Xet trabalhava incessantemente com as mãos e os pés. Era uma máquina
de bater...
-Vai falando. Onde é a base da quadrilha?
O bandido tentava se reerguer, mas prontamente era derrubado pela
avalancha de pancadas que recebia.
Xet, incansável e impiedoso, arrastou o infeliz para uma cadeira onde o
sentou.
Pegou um pedaço de fio ligado à rede elétrica da nave e colocou sua ponta
descascada na língua do pirata.
Com a energia elétrica aplicando-lhe choques, o bandido teve imediata
diarreia e só então pediu para que a tortura parasse.
Percebendo o sobressalto de Alex Randall diante daquela cena violenta, Tik
disse:
-Não fique com muita pena desse pobre diabo. É um dos líderes do bando e
pediu pelo que está recebendo. Já fez mal para muita gente e têm centenas de
mortes nas suas costas.
Nesse ínterim, Xet obteve o que queria: a localização do covil dos piratas.
Ficava no cinturão de asteróides que orbitava um planeta desabitado fora,
mas não muito distante do espaço jurisdicional alfaloriano.
-Temos agora que enviar toda essa turma para um presídio de segurança
máxima em seguida, partir para efetuar a prisão do resto do bando.
Tik tirou o comunicador do seu bolso e disse:
-Computador: enviar sinal criptografado para o QG do comando espacial
200
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
solicitando reforços.
Em seguida. Guardou o comunicador de volta e disse:
-Agora teremos de esperar até os reforços chegarem. Dá tempo de comer
alguma coisa...
-Caramba, velho! – Bradou Xet. – Só pensa em comer?
-Não! Também quero tomar alguns litros de cerveja e depois fumar um ou
dois cigarrinhos.
-Tem um restaurante na minha astronave com diversas opções no seu
cardápio. – comentou Alex Randall. – Gostaria de convidá-los para uma refeição e
um bate papo.
Todos se olharam sorridentes.
Nem era necessário dizer que aceitaram o convite...
-Será que vou poder comer uma montanha de batatas fritas?
-E o que mais quiser... – Disse Alex Randall
Seguiam então para o restaurante a bordo do Viajante das Estrelas...
***
Não tiveram porém tempo para apreciar a tão esperada refeição.
Após o chamado, os reforços pedidos ao COMANDO ESPACIAL chegaram.
Eram mais ou menos cem naves de conformação idêntica à dos agentes
alfalorionos.
Uma delas, a capitânia, adentrou no hangar onde foi recebida por nosso
herói e seus convidados.
Dela saíram vários outros agentes alfalorionos e ainda, um homem de
longas barbas brancas e terno preto.
-O Marshall veio pessoalmente acompanhar a operação. – Disse Xet.
-Quem é o Marshall? – Perguntou Alex Randall.
-Brigadeiro Marshall é o nosso chefe. – Disse Tik. – Se ele veio aqui
pessoalmente e de modo tão rápido, é porquê a coisa está quente...
Brigadeiro Marshall foi apresentado a Alex Randall e, o primeiro, não
perdeu tempo com conversa mole, indo direto ao assunto:
-Vim aqui para pedir-lhe um favor...
-Pois não! - Prontificou-se nosso herói.
-O senhor dispõe de tecnologia capaz de desarmar os piratas sem muita
violência ou gasto de energia. Dada a urgência com que precisamos prender estes
delinqüentes, queria pedir para que acompanhasse nossos agentes até a base
201
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
dos marginais a fim de facilitar nosso serviço.
-Claro. Desde que os direitos dos bandidos não sejam violados! Não quero
participar de nenhuma carnificina.
-Compreendo suas preocupações. Sei que o acompanhou um interrogatório
onde o prisioneiro foi tratado com alguma dureza, mas veja: esta foi uma
oportunidade única que nos deu de capturar boa parte do bando viva... Como
precisávamos obter urgentemente informações dos maus elementos, tivemos de
optar por medidas drásticas.
-E quando partimos? – Perguntou Tik.
-Imediatamente. – Ordenou Marshall. – Quero botar na cadeia essa
quadrilha o mais rapidamente possível.
Imediatamente porém foi modo de dizer pois, no final das contas ainda foi
gasto algum tempo com estudos de táticas e estratégias que dessem à operação
o máximo de eficiência possível.
Só depois disso tudo é que finalmente todos partiram.
Cada um para o seu destino pré-definido.
O Viajante das Estrelas com Alex Randall e os quatro agentes para o covil
dos bandidos e o restante da frota assistiria os momentos iniciais dos combates à
distância.
Num momento posterior, ela atacaria o inimigo nos pontos onde este ainda
estivesse oferecendo resistência.
Não foram necessários mais que alguns momentos de viagem até a
chegada ao alvo.
Assim que a distância foi suficiente, os armamentos do Viajante das
Estrelas mostrou sua eficiência.
A expectativa positiva que se havia sobre o sucesso do ataque foi até
superada.
Instaladas em vários asteróides, diversas bases dos piratas subitamente
ficaram sem iluminação ou energia elétrica, seus armamentos também.
O que se seguiu não foi a típica batalha espacial com raios brilhantes
cortando o negrume com explosões assombrosas e barulhentas, assim como se
vê nos tradicionais filmes de ficção científica.
Pelo contrário: valendo-se da súbita escuridão, uma nova fase do ataque
teve início: robôs foram lançados a partir do Viajante das Estrelas contra os
sistemas de ventilação e de suporte de vida das diversas bases nos asteróides.
Silenciosamente, as engenhocas lançaram na atmosfera respirada pelos
bandidos, gases soníferos extremamente potentes colocando para dormir a
grande maioria deles.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
As instalações onde se encontravam os líderes dos piratas foi tomada e
seus ocupantes aprisionados sem uso da violência.
Foram encontrados mapas com a localização de outros esconderijos dos
malfeitores naquele agrupamento de asteróides que também acabaram sendo
dominados posteriormente.
Graças à tecnologia disponível no Viajante das Estrelas, a prisão de toda a
quadrilha se deu de uma só vez e sem maiores problemas, mesmo assim, o fato
acabou chamando a atenção.
Gradualmente, aquela localidade, normalmente inóspita e pouco habitada,
foi ganhando mais movimento com a chegada de diversos representantes de
forças de segurança de mundos e federações planetárias cujos viajantes já
haviam sido vítima dos piratas naquelas ou em outras paragens.
E não tardou muito mais para que a imprensa também desse as caras.
Apesar da infinidade de naves espaciais das mais variadas formas, cores,
classes e procedências, era o Viajante das Estrelas que naquela situação mais se
destacava, dado o seu tamanho que superava o das demais.
Os olhos alí começaram a se impressionar com a nave do nosso herói.
Alex Randall por sua vez, não pretendia ter as atenções muito voltadas para
si, visto que, sempre viajaria sozinho pelo espaço, e, num momento diferente,
quem estivesse interessado em vingança, poderia atacá-lo com superioridade de
armamento e condições de combate.
Pensando nisso, resolveu pedir autorização ao brigadeiro Marshall para
deixar o local.
Explicando os seus motivos, esta lhe foi imediatamente concedida.
Antes de partir porém, resolveu oferecer uma festa aos amigos agentes do
comando espacial alfaloriono:
-Brigadeiro, eu garanto a cerveja aos baldes. montanhas de filés com
batatas fritas e até acesso aos meus simuladores virtuais de sexo.
-Infelizmente teremos de recusar! Agradeço! Sei que os agentes Tik e Xet
ficarão chateados comigo, especialmente Tik que é um velho pervertido, mas, eles
já foram escalados para uma missão urgente em um planeta distante.
Brigadeiro Marshall agradeceu a Alex Randll e despediu-se deste
prometendo para o futuro, um encontro com mais tranqüilidade.
Nosso herói entrou em contato com os agentes através dos comunicadores
do Viajante das Estrelas já que, àquelas alturas estava sozinho na central de
comando de sua astronave.
-Esse Marshall é um chefe dos diabos mesmo. – Praguejou Kit, que na
imagem que se projetava adiante de Alex Randall virou a cabeça para o lado
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
dizendo:
-Viu só, Xet? Ainda não deixou que nós saboreássemos as delícias do
cardápio.
-Do cardápio você só iria querer saber depois que passasse pelos
simuladores de sexo, seu velho carcomido! - Disse Xet.
-Certamente. - Complementou Tigrus Jack. - Mas antes ele iria precisar da
pílula mágica que fiz para ele.
-A tal que você deu para ele namorar aquela gorda gigante? - Indagou o Tik
jovem.
-Exato.
-Ei! Vocês estão acabando com a minha moral por aqui! - Praguejou o velho
Tik.
-Tudo bem, camelo velho! Mas isso é culpa do Marshall. Tanto que,
merece até um pedido de aumento ao encerramento da nossa missão. – Disse
Xet.
-De qualquer forma, no futuro nos encontraremos e vou lembrar desse
convite... - Emendou Tik.
-E disso você pode ter certeza. - Disse Xet. - Esse velho é tão chato que vai
até acabar com as paciências das suas garotas virtuais.
-Santa blasfêmia! Você sabe muito bem que são as mulheres que mudam
do vinho para a água depois que um simples namoro começa. Nisso tenho razão
porquê levo muito mais experiência que todos vocês juntos....
Alex Randall não continha as gargalhadas ao ouvir toda aquela besteirada,
mas, teria que se despedir dos companheiros e seguir seu rumo.
Logo em seguida, sem muito mais conversa mole, o Viajante das Estrelas e
a nave dos agentes se separaram, cada uma seguindo o próprio caminho.
***
204
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N. 21 DE ALEX RANDALL
Alex Randall percebeu que combater o crime é mais ou menos como
enxugar gelo num ambiente com frio abaixo de zero.
O trabalho nunca termina.
Assim que deixou o cinturão de asteróides onde o comando espacial
surpreendera os piratas, encontrou no caminho, uma nave parcialmente destruída,
sendo canibalizada por outra, com a típica configuração daquelas usadas pelos
bandidos espaciais.
Assim que o Viajante das Estrelas foi detectado, a tripulação dos
malfeitores deu início à retirada e, logo que nosso herói chegou ao local, os vilões
já haviam se evadido.
Observando o estrago da nave atacada já dava para perceber o que havia
acontecido.
Os piratas a surpreenderam atingindo seus motores, fazendo com que
fosse obrigada a parar, em seguida, abordaram-na, mataram toda sua tripulação e
saquearam tudo o que foi possível, não poupando peças do motor ou da
carcaça...
Por conseguinte, a nave canibalizada ficou em péssimas condições.
Nada mais havia restado dela em algumas de suas partes, só o esqueleto.
Por questão de consciência, pois, quem sabe àquelas alturas ainda poderia
salvar vidas, e, até para registro, enviou vários robôs aos destroços.
A desolação era total. Aparentemente, não havia nada alí que pudesse ser
salvo.
Os sistemas de suporte de vida do que restou da nave estavam
inoperantes.
Os robôs permaneceram um tempão registrando tudo, até o momento que
Alex Randall decidiu seguir viagem.
No último momento, antes da partida, foi descoberto um cilindro com três
metros de cumprimento flutuando num dos compartimentos da nave.
Tratava-se de uma célula de salvamento e sobrevivência muito comum em
naves de transporte de passageiros.
Foi percebida graças às luzes que piscavam alternadamente em seu bojo.
Alí dentro poderia haver algum ser vivo.
A célula foi levada para o Viajante das Estrelas.
***
205
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A célula de sobrevivência não tinha janelas; era totalmente blindada e
dispunha apenas de alavancas e registros que permitiam sua abertura.
No painel externo afixado ao exterior da célula, haviam indicadores do tipo
de atmosfera e pressão existente no seu interior.
Porém, estes se encontravam quebrados e, sem essa informação, não dava
para sequer tentar uma boa adivinhação de que tipo de criatura sairia dalí.
Alex Randall acompanhou todos os procedimentos a que a célula foi
submetida até a chegada do momento da sua abertura.
A segurança foi reforçada e ela, levada para um ambiente controlado.
Dentro de um espaço de total isolado, braços robotizados acionaram os
mecanismos de destravamento e então a aparência do ocupante do artefato foi
revelada.
Alex Randall esperava tudo, menos aquilo com que se deparou.
***
Era a mulher mais linda que nosso herói já vira em toda a sua vida.
Foi retirada de dentro da célula e colocada numa maca de alta tecnologia
onde imediatamente já monitorada.
Com isso, vieram as novidades.
Mesmo tendo aparência humana, a fêmea tinha distinções que a
diferenciavam ligeiramente no seu complexo biológico da mulher terráquea.
O bom senso recomendava que fosse levada para a central médica do
Viajante das Estrelas onde ficaria em observação.
Assim foi feito.
A biblioteca do Viajante das Estrelas dispunha de pouca informação a
respeito da raça a que pertencia aquela mulher portanto, a pouca que conseguiu,
foi através do computador que havia na própria célula.
Primeiramente dava uma localização muito aproximada do mundo natal
dela.
Depois, informava que ela era uma princesa de um império cuja extensão
eqüivalia aos limites do seu sistema planetário.
Informava ainda que ela fugia de uma violenta revolução que se abatera no
seu mundo e que ainda mortalmente vitimara e tirara seus pais do poder.
Sua nave dirigia-se para Alfalorion.
Além da beldade, também carregava muitos tesouros que garantiriam a ela
durante longo tempo, uma tranquila estadia no capital universal dos prazeres.
206
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Infelizmente, a nave foi interceptada pelos piratas que, só não levaram a
célula onde estava devido à chegada do Viajante das Estrelas.
Nosso herói naquele momento estava preocupado com outros detalhes.
Fascinado com beleza tão estupenda, esperou o despertar dela.
Contemplando-a perdia a noção do tempo.
A formosura do corpo e do rosto era extraordinária, porém, o que mais
chamava a atenção além da altura (algo em torno de um metro e noventa) era o
tamanho dos seios.
Não eram grandes. Eram gigantes! Colossais!
Dos que deixam os desavisados hipnotizados sem piscar...
Os bicos deles... Pareciam chupetas prontas para o uso...
Nosso abestalhado herói lembrou que suas obrigações não se resumiam ao
salvamento de uma única vida.
Os destroços da nave atacada poderiam ter mais alguém aguardando por
socorro.
Já que a beldade não despertou, Alex Randall retornou à central de
comando deixando sua paciente nas hábeis mãos dos médicos e enfermeiros
robotizados, enquanto acompanharia os trabalhos de busca...
***
Os resultados das novas buscas foram negativos.
Dentro dos destroços da nave, em diversos compartimentos desta, os robôs
localizaram apenas os cadáveres.
Nem nos escombros ou mesmo nas imediações, haviam sobreviventes...
As atenções então voltavam-se agora para a maravilha de cabelos claros
que ainda repousava tranqüila na central médica.
Os melhores recursos que a tecnologia médica punha à disposição da raça
humana não eram capazes de trazer à conciência aquela mulher...
Mesmo com sua visitante ainda desacordada, Alex Randall adiantou
procedimentos que facilitariam a comunicação logo que acordasse.
Inseriu na corrente sanguínea dela, nano-robôs construídos a partir de
elementos orgânicos que, aderiram à algumas regiões do seu cérebro.
Enquanto ela estivesse inconsciente, eles lhe ensinariam o idioma de Alex
Randall.
Alguns ajustes eventualmente poderiam ser feitos com o tempo caso se
fizessem necessários.
207
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Mas, para que estes fossem identificados, ainda restava faze-la acordar...
O tempo passava e nosso herói começava a se preocupar.
Até onde os registros do Viajante das Estrelas tinham conhecimento, tanto
sono não era comum às mulheres daquela raça...
Nosso herói já tentara de tudo para fazê-la despertar, até já lhe tascara a
tradicional beijoca da bela adormecida nos lábios, mas, nada funcionou.
Tristemente desiludido, a realidade mostrou-lha a duras penas que não
tinha o poder despertador dos príncipes encantados das fábulas.
Frequentemente passava algum tempo sentado ao lado do leito da
dorminhoca analisando os relatórios médicos, mas, apesar de seus esforços, nada
encontrava que pudesse ajudar a solucionar aquela questão.
Numa dessas ocasiões, nem bem se deitando direito, acabou caindo no
sono depois de tanto ler...
***
Abriu os olhos e notou que o ambiente na central médica estava diferente,
parecia mais escuro.
Reparou também que sobre a cabeça de sua visitante havia um brilho
incomum que se destacava naquela atmosfera turva.
Tentou levantar-se mas o seu corpo parecia pesado demais.
Era como se a ação de várias gravidades impedisse seus movimentos.
O brilho que até então iluminava a cabeça da mulher moveu-se penetrando
no corpo dela pela sua testa.
O ambiente ficou mais escuro, ao que, nosso herói tentou questionar o
Cérebro Computadorizado da astronave, a fim de entender o fenômeno que se
desenvolvia, mas, sua voz se recusava a sair.
O pânico começou a tomar conta do nosso herói pois, a situação que
passava, evidenciava seu inesperado estado de incapacidade total.
O temor porém, durou pouco, já que, outro fato chamou-lhe a atenção: sua
visitante abriu os olhos e sentou-se no leito.
A forma como a via também era digna de nota já que, sua imagem era
translúcida e, ao mesmo tempo que a via sentada, também a via deitada e
inconsciente.
Ouviu então uma voz feminina e suave dizer-lhe:
-Não sou a mulher que você está vendo.
Nosso herói já estava bastante confuso com a situação e ficou ainda mais
depois de ouvir aquilo.
208
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A voz parecia vir de dentro de sua cabeça e ainda, da boca das imagens
das mulheres.
-Não tema! Minhas intenções são pacíficas...
Ainda assim nosso herói sentia-se perturbado...
-Tranqüilize-se...
A voz era calma e acabou por sossegar Alex Randall.
Sua visão porém foi ficando meio desfocada, como se estivesse dentro de
uma piscina...
-Não estou conseguindo enxergar direito. Tudo parece estar escurecendo.
-Você não está me enxergando realmente! O que você via não condiz com
a realidade.
Alex Randall surpreendeu-se com a resposta.
-O que está acontecendo?
-Eu entrei no seu inconsciente para lhe visitar antes de seguir meu
caminho.
-Visita? No meu inconsciente?
-Minha existência não se dá no plano material como a sua. Minha vida só
se dá no pensamento...
Alex Randall estava confuso.
Tentava imaginar o que seria uma criatura viva feita apenas de
pensamentos...
- Até o momento desse encontro eu era uma forma vazia vagando pelo
universo. Um pensamento oco. Tudo via e ouvia, mas, nada assimilava ou
compreendia.
“A partir do salvamento que você realizou, passei a dar mais atenção ao
fluxo do pensamento no seu cérebro, no de sua visitante e até no do Cérebro
Computadorizado da sua astronave.”
“Aprendi com nosso encontro, e agora, penso de modo diferente de antes
de observa-los.”
“Manifestei-me aqui para mostrar um pouco da minha gratidão...”
-Mas agradecimento pelo que?!? Não fiz nada. – Disse Alex Randall.
-O breve tempo que os observei foi suficiente para aprender o que sei.
-Me parece que você fez tudo por conta própria. Não vejo mérito da minha
parte no caso, e acho, que nem sou digno de tanto agradecimento.
-Não é só agradecimento. Sua visitante deve ser despertada e tenho
capacidade para fazer isso com segurança. Estimularei algumas regiões do
cérebro dela que a farão acordar. Fica então a expressão da minha gratidão.
209
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O quadro que nosso herói visualizava naquele momento foi ficando cada
vez mais escuro até se enegrecer totalmente.
Nesse momento, Alex Randall voltava a dormir o sono dos justos sem ser
consciente ou inconscientemente interrompido.
***
Abriu os olhos e notou que o ambiente da central médica havia voltado ao
normal.
As luzes, com seu costumeiro brilho, os paineis de controle dos
instrumentos piscando e a sua visitante dormindo!
Lentamente, nosso herói foi colocando as idéias em ordem.
Relembrou o sonho estranho que tivera.
Teria alguma base na realidade?
Existiria alguma criatura constituída apenas de pensamentos?
Alex Randall refletia longamente.
Sabia que através dos meios que a tecnologia dispunha à sua época, não
conseguiria comprovar a existência de tal ser...
Resolveu debater com o Cérebro Computadorizado aquela questão:
-Sonhei com uma criatura que se dizia feita só de pensamento e que tinha
aprendido o que sabia nos absorvendo...
-Isso talvez explique o fato de que foi registrada a presença de um campo
elétrico invisível de baixa intensidade nesse setor do espaço que permaneceu em
atividade até bem pouco tempo antes do seu despertar. Também foi notada uma
interferência desse campo no funcionamento da central de armazenamento de
dados.
Alex Randall ficou arrepíado!
-Que espécie de interferência?
-Não foi danosa! Durou pouco.
-Acessou alguma coisa?
-Provavelmente nada, foi uma tentativa muito rápida, que, se realmente
houve, de qualquer modo teria sido ineficaz.
Alex Randall ainda não se dava por convencido.
Surpreendeu porém, com o súbito suspiro que aquela fantástica beldade
logo deu .
Que delicioso gemido!
Alex Randall deu um salto digno dos melhores ginastas e, numa fração de
210
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
segundo seu rosto se encontrava colado ao dela.
Então despertou. Abriu os olhos, deu um radiante dizendo:
-Você é Alex Randall? – Ela perguntou.
-Sim.
-Então devo lhe agradecer! Sonhei com alguém me dizendo que você me
salvou da morte certa além de ser um sujeito legal..
Alex Randall foi surpreendido com um delicioso beijo dela.
***
211
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N. 22 DE ALEX RANDALL
Não restava dúvida que os implantes de idioma na visitante foram bem
sucedidos.
-Mas o seu bafo está de matar mesmo, hem... - Ela reclamou logo de cara.
Alex Randall até se afastou constrangido.
Ela tinha razão.
Há um bom tempo não escovava os dentes ou tomava banho e até mijo
estava fedendo.
Tão preocupado vivia com seus afazeres que os cuidados com a aparência
já não eram os mesmos de outros tempos.
Mais parecia um velho lobo do espaço, com pele branca, olheiras
profundas, dentes manchados e cabelos sebosos amarelentos..
Resolveu dar um jeito nisso...
-Queira me perdoar por esta desatenção. – Disse Alex Randall.- Volto daqui
a pouco. Deixo-a temporariamente acompanhada de alguns de meus robôs que
irão atendê-la em todas as suas necessidades.
O daqui a pouco não foi assim tão rápido quanto esperado já que ele quis
fazer uma funilaria completa.
Teve que tomar banho com ácidos especiais para se livrar da crosta e a
sujeira mais dura.
Deu um trato na barba, no cabelo e até nas unhas que a tempos imemoriais
se encontravam horríveis e tenebrosas.
Nunca antes fora tão vaidoso ou cuidadoso com o visual como naquele
momento.
Usaria terno e sapatos pretos, camisa e meias brancas.
Limpo, perfumado, bem vestido e arrumado, Alex Randall até levava pinta
de galã.
Mesmo com toda a fachada bacana, aquela situação o levava a um certo
nervosismo, já que, as únicas companhias femininas não virtuais cuja companhia
tivera o prazer de desfrutar ocorreu a bastante tempo, certamente, pouco antes da
sua partida do sistema solar.
Reencontrou sua visitante que àquelas alturas estava trajada (Os exames
médicos realizados antes da sua liberação, exigiam que ela ficasse nua.) com
roupas negras, brilhantes e justas, que a deixaram ainda mais encantadora...
Finalmente se apresentaram...
-Sou Alex Randall da Terra.
212
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Eu sou Walkíria, mas, pode me chamar de Wal.
E que voz sensual...
Relaxada e tranqüila soava como música para os ouvidos masculinos.
Ouvindo-a, nosso herói ficou abobado por alguns momentos.
Logo então, colocou as ideias em ordem voltando à realidade do
momento.
-Bem vinda a bordo do Viajante das Estrelas. Quero que se sinta em casa.
A mulher abriu um sorriso e nosso herói ficou até ofuscado ao contemplá-lo.
Novamente se recompôs e ofereceu-lhe um vaso com uma variedade floral
que estava cultivando nas plantações do Viajante das Estrelas.
-No meu mundo é hábito o homem presentear uma mulher por quem
simpatiza com flores. Essas aqui são para você.
-Ah! Obrigado! Nem sei como agradecer.
-Não precisa! Basta me acompanhar num passeio. Gostaria de conhece-la!
-Claro! Por-quê não?
Alex Randall e Walkíria perambularam pelo Viajante das Estrelas por um
bom tempo até finalmente resolverem passear pelo parque artificial no interior da
astronave.
Na verdade, não tão artificial assim, já que, suas plantas eram naturais e
muitos outros elementos alí presentes também.
Mas, o quê de tecnologia que valeria ser lembrado alí presente, eram as
câmeras, sensores e robôs posicionados de modo a permitir o melhor estudo
possível da vida daqueles vegetais em ambiente artificial.
Para facilitar a movimentação, havia um pequeno monotrilho de dois
vagões que cortava o gigantesco ambiente pelo alto.
O trem parou em meio às árvores e da sua lateral uma rampa projetou-se
em direção ao chão justamente da parte inferior de onde ficava a porta. Esta, se
abriu com um chiado permitindo ao casal desembarcar próximo à vegetação.
A conversa era animada, e num momento onde o casal só parecia
encontrar afinidades em comum.
Alex Randall sentia-se a cada momento mais apaixonado por ela .
E não só isso, de tanto olhar, quase não conseguia conter sua vontade de
transar com ela.
Fissurado como estava ficando, tentava não dar muito na cara explicando
sobre a música ambiente que era tocada:
-Determinados tipos de sons influenciam mais ou menos no
desenvolvimento das plantas.... Aqui, variamos as seleções musicais para obter
diferentes resultados nos seus crescimentos.
213
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
As tais influencias não se restringiam apenas aos vegetais.
De alguma forma, Walkíria parecia meio que hipnotizada por Alex e toda
aquela verborragia técnica que ele despejava na orelha dela.
***
E então, sem mais nem menos, espontaneamente, sabe se lá por iniciativa
de quem, os dois se beijaram...
Tão grande e intenso foi aquele fogo, que logo se alastrou como incêndio,
que daí se converteu em abraços, agarrões e coisas que tais.
Persistiram as calorosas demonstrações de afeto e carinho que descambou
para a conjunção carnal de fato!
Alí mesmo, transaram em todas as posições possíveis durante horas
seguidas.
Depois de tanta atividade física para um pinto que só se exercitava com as
bucetas geradas virtualmente, nosso herói apagou.
***
Enquanto dormiu, teve sonhos fantásticos, num deles, sentava na garupa
de um cavalo branco conduzido por Walkíria...
Abraçou-a passando a mão pela cinturinha dela, e, finalmente, segurando
os grandes peitões...
Cavalgando num céu zaul entre as nuvens junto àquela beldade, tirou um
cachimbo do bolso, acendeu-o (apesar do vento) e, fortemente agarrado ao corpo
dela, pensou enquanto dava algumas baforadas...
-O que mais um homem poderia querer na vida?
Acordou. Deitado no chão, junto à sua amada, Alex Randall estava
exatamente na mesma posição dos sonhos.
Assim que abriu os olhos, a loura sensual atacou-o com beijos e abraços
tentando aplacar o acesso de fome de sexo que a acudia naquele momento.
Nosso herói mais uma vez não resistiu.
Transaram novamente...
***
E finalmente os estomagos começaram a roncar...
-Traga-nos quatro “xis-tudo” gigantes com batatas fritas... – Ordenou nosso
214
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
herói do espaço.
Não demorou muito e um robô apareceu com as refeições.
Alex Randall pegou uma das caixas de isopor que o robô trazia, abriu-a e
deu para Walkíria.
-Pode comer. No meu mundo esse aqui é um dos mais solicitados.
Era um sanduíche realmente grande, quase do tamanho de uma mini-pizza.
Mal terminara de abrir a embalagem do seu, e Walkíria já havia terminado
de comer o dela inteirinho.
Nem mais três minutos se passaram, e ela devorou também os outros dois,
que não haviam sequer sido tocados.
-Puxa...Você come bastante, hem... Quer mais?
-É você que desperta o meu apetite...Pode pedir mais um seis desse aí que
eu como sem problemas.
Alex fêz o pedido e Walkíria logo complementou:
-Ai...Eu adoro o jeito como você fala... Deixa eu te dar um beijo...
Wal foi rápida e nosso herói não teve como escapar.
Com algum esforço, ele conseguiu se desvencilhar dela dizendo:
-Gata selvagem...Você não dá descanso mesmo...Preciso comer e
descansar se não, vou passar mal...
-Esta bem! Eu também preciso descansar um pouco... Mas... Depois...
Juntos comeram e depois seguiram para a sala de observação do Viajante
das Estrelas onde descansaram.
Por alguns décimos de segundo, um pensamento percorreu a mente do
nosso herói...
-Puxa! Com o fogo que esta mulher tem, logo estarei acabado!
***
Acordou sentindo um toque nos lábios.
Era Wal que, naquele momento o despertava dando um beijo.
-Hmmm... Amorzinho...
Ela já parecia bem quente. Pelo jeito que abraçava, beijava e chupava Alex,
era mais que óbvio o seu objetivo.
-Ei menina! Você precisa me dar descanso. Desse jeito, não vai sobrar
nada de mim.
-Você descansou bastante, gatinho. Agora vem cá!
Sem chances de resistir, Alex viu-se obrigado a atender os desejos daquela
215
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
beldade.
***
Algum tempo depois já havia gozado três ou quatro vezes...
Voltaram para o alojamento onde deram uma rápida folga.
Quando Alex ia para o banheiro percebeu que Walkíria não queria ficar
longe dele por muito tempo...
-Onde vai gatinho?
-Existem coisas que ninguém pode fazer por mim. Ir ao banheiro é uma
delas.
-Ok! Volte logo que eu já estou esperando e com vontade de fazer mais...
No banheiro, depois de uma bela mijada é que Alex Randall percebeu como
estava esgotado daquelas excessivas atividades sexuais
Além do mais, parecia que ficava alguns quilos mais magro após cada
trepada...
-Essa mulher ainda vai acabar comigo, pensou ele dando um sorriso.
Tomou banho, vestiu o seu tradicional uniforme preto e voltou para perto de
Wal.
Deitou-se ao seu lado e ficou contemplando toda aquela beleza.
Logo ela virou de frente para ele, agarrou-o, arrancou toda a sofisticada
roupa que este acabara de vestir e colocou-o para transar novamente.
Mais algumas horas o casal permaneceu naquela atividade frenética até
que nosso herói quedou inconsciente devido ao cansaço.
***
Quando Alex Randall recobrou as forças e acordou, seu primeiro instinto foi
o de acender o cachimbo ainda deitado.
-Bem! Eu não queria que você fumasse na cama. Vai deixar um cheiro ruim
aqui e diminuirá o seu apetite quando transamos. e
Ela fez uma pausa e continuou:
-Você sabe que eu gosto de bastante sexo.
Bastante sexo para Walkíria queria dizer horas ou mesmo dias seguidos de
tesão ininterrupto.
Mesmo no caso de uma beleza estonteante e quase sobrenatural como a
dela, por mais boa vontade que um ser humano normal tivesse seria quase
216
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
impossível ultrapassar determinado limite de atividade física...
Mesmo transando!
Para uma mulher como ela que parecia estar vivendo seus dias de cio e
total fertilidade estando sempre pronta para o acasalamento, todo o incrível
esforço de Alex Randall parecia minúsculo.
-Você está fumando demais! Precisa melhorar a performance! Vai ver só!
Quando eu tiver um tempinho livre, acabarei com toda aquela sua imensa
plantação de fumo que só ocupa espaço dentro desta nave.
Assustado com a eventual realização da ameaça, sentiu uma quase
incontrolável vontade de fumar. Deu uma disfarçada, saiu da cama, pegou os
utensílios necessários, (diga-se aqui, o cachimbo, fumo e fogo) e entrou no
banheiro.
Escondido, daria suas tragadas, assim, quem sabe surgisse algumas idéia
que eventualmente conseguisse aplacar a súbita fúria antitabagista dela.
Logo com as suas primeiras baforadas, a fumaça alí dentro ficou
extremamente densa e quase irrespirável.
Nesse momento então, a porta foi aberta.
Era Walquíria invadindo o banheiro.
-Alex, meu amor! Não pode fumar aqui dentro.
Mal disse isso e desmaiou com a fumaceira.
Não suportou a densidade de todo aquele fumo!
Mesmo com poderosos exaustores funcionando, não foi possível para o
cérebro computadorizado fazer algo por Walkíria a não ser providenciar o envio de
uma equipe médica robotizada para o quarto.
Vendo-a inconsciente, Alex Randall quase não pôde conter uma enxurrada
de palavrões.
Não sabia se, de raiva pela impaciência dela, ou de arrependimento, por ter
se trancado para fumar.
Sabe-se lá quais as conseqüências que a pobre Walkíria sofreria em virtude
disso.
Foi levada com rapidez para a enfermaria e lá passou a receber os
melhores cuidados.
Só restava a Alex Randall aguardar pelo seu despertar já preparando um
arsenal de desculpas...
***
O tempo passava e Walkíria não acordava.
217
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
A cada momento que Alex Randall enfrentava a inconsciência da amada, o
remorso e o arrependimento corroíam sua alma.
Entretanto, o peso dos ombros ele diminuía tentando tudo o que podia para
acorda-la sem causar-lhe mal.
Contudo, haviam limitações que estavam evitando aquela questão de obter
solução.
A principal delas, era o fato ds bibliotecas médicas do Viajante das Estrelas
terem poucas informações que pudessem ajudar no caso de Walquíria. Esse
detalhe influenciava na hora na escolher da medicação a ser aplicada já que os
efeitos nela eram completamente desconhecidos..
Só o que se podia fazer era monitorar os acontecimentos e aguardar
pacientemente o despertar dela.
.
***
O tempo passou e, a certa altura ficava claro que não conseguiria acordar
Walkíria somente com os recursos disponíveis no Viajante das Estrelas..
Através dos sensores e instrumentos da astronave tentou localizar campos
elétricos perdidos no espaço similares àquele que o cérebro computadorizado
identificou como sendo o estranho ser que despertara Walkíria, mas, também aí
não obteve sucesso.
Diante da falta de possibilidades cujos resultados favorecessem o despertar
de sua amada,.Alex Randall resolveu arriscar uma última cartada buscando ajuda
no planeta natal de Walkíria.
Cruzando informações do banco de dados do Cérebro Computadorizado
com outras obtidas nos restos da nave onde a célula de sobrevivência fora
resgatara, foram encontradas as coordenadas para a realização de seu intento.
Ordenou em seguida, a imediata partida do Viajante das Estrelas rumo ao
mundo natal de Walkíria...
Como sempre, o cérebro computadorizado interpôs suas objeções:
-Esta viagem não é recomendável. Walkíria saiu de um sistema planetário
onde ocorria uma revolução política. Ela é uma princesa do sistema deposto...
-Estamos indo pedir ajuda para uma pessoa doente. Não é possível que
essa mulherada não tenha este senso de humanidade para ajudar o próximo.
***
Não passou muito tempo para que a presença do Viajante das Estrelas
218
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
naquela localidade fosse percebida.
Prova disso foram os curiosos artefatos com quarenta metros de
cumprimento cada, similares a pontas de agulha, que apareceram ao redor da
astronave.
Inicialmente eram apenas duas ou três, depois, foram chegando mais.
Na central de comando, pelos comunicadores, chegou uma mensagem no
idioma TRANSGALATIQUÊS 265: (reconhecido e por povos de outras duzentas e
sessenta e cinco galáxias.)
-Sua nave invadiu área reservada. Favor desligar os motores, identificar-se
e informar o seu objetivo. Caso se negue a atender a uma ou todas as ordens,
será abatido. Compreende?
A situação não era para brincadeira!
Aquela turma não facilitava com a segurança.
O Viajante das Estrelas poderia escapar dalí rapidamente, mas, Alex
Randall tinha de pensar na melhora de sua amada e portanto sujeitar-se às
ordens que recebia até mesmo para obter um socorro mais rapido.
-Sou Alex Randall da Terra e estou trazendo uma conterrânea de vocês que
necessita de urgente tratamento médico e ajuda.
Feito o pedido a imagem de outra sanozamense muito parecida e até tão
linda quanto Walkíria foi projetada adiante do nosso herói.
-Sua invasão aos nossos domínios territoriais tem por objetivo a busca por
socorro?
-Exato! – Alex Randall repirou fundo e continuou. – Meus conhecimentos a
respeito da biologia e medicina de vocês é limitado. Achei que se procurasse
ajuda no mundo natal da paciente poderia ter maiores chances de ajudá-la a
encontrar o seu pronto reestabelecimento.
-Que dados dispôe da paciente?
Sem muito pensar, Alex Randall digitou algumas ordens no teclado
luminoso e todos os dados médicos obtidos junto aos exames feitos em Walkíria
foram passados para os computadores da nave sanozamense.
Por alguns instantes, a imagem projetada na central de comando mostrava
aquela mulher analisando os dados que recebia.
-Uma de nossas agentes será teletransportada para sua nave, ela irá
verificar o estado da paciente.
Nem um minuto passou e outra mulher de beleza sem igual, desta vez, uma
morena de cabelos negros, materializou-se bem ao lado de Walkíria.
Ela aproximou-se da paciente e a observou atentamente.
Ergueu o antebraço mais ou menos à altura do queixo e disse:
219
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-É ela mesmo. Não resta dúvida.
-Executá-la agora.
A mulher sacou uma arma do coldre preso à própria cintura, rapidamente
apontou e disparou na cabeça de Walkíria desintegrando-a imediatamente.
-Por Ordem do Tribunal Revolucionário, a última Herdeira do Trono
sobrevivente foi executada pondo fim assim a qualquer tentativa de retorno ao
sistema monarquista.
-Não. - Gritou Alex Randall.
Ele porém nada pôde fazer pois, imediatamente, a mulher se
teletransportou para fora do Viajante das Estrelas.
***
Imediatamente Alex Randall pensou nos milhões de armas que tinha a
bordo do Viajante das Estrelas e poderia usar como retaliação.
O Cérebro Computadorizado da astronave porém, acabou por convencê-lo
a tomar as decisões que aparentavam ser mais razoáveis.
Primeiramente, inutilizou qualquer armamento inimigo que estivesse sendo
usado contra o Viajante das Estrelas.
Várias naves ficaram flutuando sem rumo pelo espaço já que nada nelas
funcionava.
-Não há necessidade de retaliação! - Disse o Cérebro Computadorizado do
Viajante das Estrelas. - Com as máquinas do tempo disponíveis à bordo,
poderemos voltar ao passado num ponto que esse erro possa ser reparado.
Alex Randall respirou fundo e disse:
-Então vamos sair daqui agora antes que eu me enfeze...
O Viajante das Estrelas então sumiu daquele sistema planetário...
***
Longe dalí, Alex Randall já queria voltar no tempo para dar um jeito de
acordar Walkíria.
-Temos que esperar. - Disse o Viajante das Estrelas.
-Mas esperar o quê?
-Temos que descobrir um meio de controlar o estado de inconsciência dela.
Sem isso, a primeira oportunidade que ela dormir, não saberemos se voltará...
-É verdade... - Concordou Alex Randall respirando fundo.
220
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Dando fortes baforadas no seu cachimbo ele decidiu.
-Vamos seguir em frente. No momento que eu souber como ajudar a curar
essa dormência inexplicável, iremos salvá-la. Por hora, ficar nas saudades...
***
221
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N. 23 DE ALEX RANDALL
Desde o fim de sua involuntária viagem ao Templo da MÃE CRIADORA DE
TODAS AS COISAS que Alex Randall já desejava voltar à Terra.
A ocorrência dos últimos fatos acabou por reforçar a intensidade dessa
vontade e a decisão foi tomada.
Estava na hora do Viajante das Estrelas retornar para casa.
Já sem dormir a um tempo considerável, ficava observando os símbolos e
letras exibidos pelos projetores tridimensionais que indicavam o posicionamento
da astronave em meio às referências espaciais.
Estava muito longe da Terra.
A Via Lactea ainda não era visível em meio a todas aquelas galáxias
mostradas ao redor de Alex Randall. Estava muito distante ainda para ser notada,
mesmo como um singelo ponto de luz.
Mas, o tempo passou e, finalmente um pequeno brilho fugaz indicou sua
posição.
Com o contínuo transcorrer da viagem de volta, o ponto foi crescendo cada
vez mais nas telas e projetores do Viajante das Estrelas.
Mesmo despreocupado com o controle da nave e, refletindo mais sobre
seus problemas pessoais, Alex Randall percebeu que a muito, já deveria ter
registrado sinais de orientação de pilotagem em direção ao sistema solar.
E não só estes.
Outros sinais de comunicação também já deveriam estar disponíveis
naquela região.
Curiosamente, a um bom tempo, o Viajante das Estrelas já não conseguia
estabelecer contato com o controle de acompanhamento da missão na Terra.
A velocidade ultra rápida com que a jornada era feita se afastando do
sistema solar podia bem justificar tal falta de comunicação.
O problema era que, essa falha ainda persistia, mesmo com a aproximação
de casa...
O próprio Cérebro Computadorizado, de-repente parecia envolvido em
algum cálculo muito grande.
As luzes que indicavam atividade máxima de trabalho em seus
processadores estava acesa e continuou assim até as proximidades dos limites do
sistema solar.
Transpostas as fronteiras invisíveis deste, outro detalhe importante não
escapou à aguçada observação de Alex Randall: as espaçovias, antes com
movimento intenso de naves, estavam completamente vazias!
222
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
O caminho final para casa estava livre e não havia o menor sinal de transito
ou tráfego.
Tudo completamente vazio!
Ninguém, nenhum cargueiro robotizado, ônibus espacial, robô ou
sinalizador.
Aparentemente, nem mesmo os famigerados detetores de excesso de
velocidade pareciam estar multando ou trabalhando.
Logo então, vieram os tão esperados esclarecimentos.
Os processadores do Cérebro Computadorizado pararam de trabalhar feito
loucos e começaram a explicar aqueles fatos estranhos.
***
Satélites inoperantes...
Robôs que não funcionavam...
Comunicação com o sistema solar inexistente...
O Cérebro Computadorizado do Viajante das Estrelas recebeu informações
do ocorrido assim que adentrou os limites da Via Láctea.
De vários mundos, diversos dados chegaram.
Graças a relatos apurados de quem passou pelo fato e também a partir de
observadores que direta ou indiretamente estiveram presentes nos tais eventos, o
Cérebro Computadorizado chegou à uma conclusão explicando:
-A paz que reinou durante mais de mil anos terrestres nos domínios do
sistema solar foi quebrada!
-Guerra? – Indagou Alex Randall atônito...
-Guerra, massacres, genocídio, terrorismo, exércitos de robôs assassinos...
-Depois de tanto tempo de avanços os desentendimentos voltaram a
perturbar a paz mundial?
-Sim. – Respondeu o cérebro computadorizado do Viajante das Estrelas.
-Mas o que ocasionou isso?
-O relatório enviado com os dados referentes à Antares IV.
-As montanhas e ricas minas de ouro daquele mundo...
-A informação foi mantida em segredo por algum tempo. No começo,
somente as forças armadas tiveram acesso àquele planeta.
“Os militares utilizaram Antares IV como campo de testes para os seus
equipamentos militares.”
“Mas depois, foram para lá os empresários, e então começaram as
disputas.”
223
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
“Gigantescos grupos econômicos se confrontaram detonando hostilidades
armadas e o retorno das guerras...”
“Daí, reapareceram os terroristas, genocidas, e até alguns senhores da
guerra que puseram em ação exércitos de robôs imaginando que resolveriam
todos os problemas da humanidade... “
“Ledo engano;”
“Estas máquinas assassinas foram programadas para o máximo de
extermínio de vida possível.”
“Velhas bombas armadas com ogivas nucleares estouraram em todos os
pontos do sistema solar, acabando com os últimos resquícios do domínio do
homem sobre estas paragens.”
“Nunca antes a frase:
“Velhas armas também fazem boas guerras.”
...foi tão correta!”
“Restaram então, alguns poucos exércitos de robôs que prosseguiriam sua
missão de extermínio até o fim da energia em suas baterias...”
Alex Randall fechou os olhos, suspirou com tristeza e concluiu que
involuntariamente, mais uma vez, ele dera início à uma gigantesca onda de
desgraças.
***
Sua alma estava até anestesiada com tanto horror e desgraça ao redor.
Mesmo diante de todas as evidências de destruição e do fim da
humanidade na Terra, Alex Randall resolveu investigar a possibilidade da
existência de sobreviventes enviando milhares de robôs a todos os possíveis
locais pudessem haver vida pelo sistema solar.
O Viajante das Estrelas permaneceu em órbita da Terra aguardando os
resultados durante quase um mês.
Nesse ínterim, nenhum dos robôs retornou qualquer novidade que
trouxesse esperança.
As imagens das cidades da Terra eram assustadoras.
Das poderosas torres que impressionavam a todos só restavam esqueletos
de aço, concreto e outros materiais carcomidos pelas intempéries da natureza
agora hostil à vida.
Bases espaciais jaziam silenciosas flutuando sem vida com os corpos de
seus ocupantes ainda em seu interior.
Naves semi-destruidas eram arremessadas como lixo espacial pelas forças
224
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
gravitacionais dos planetas e luas do sistema solar.
Os robôs que efetivamente levaram novidades ao Viajante das Estrelas
foram aqueles programados para garantir o extermínio final da raça humana.
Aqueles que ainda funcionavam, e que se reuniram para depois de um
longo tempo organizarem um combate contra o Viajante das Estrelas.
***
O primeiro ataque contava com poucos robôs que foram logo desligados e
inutilizados pelo sistema defensivo do Viajante das Estrelas.
A partir destes acontecimentos, a prudência recomendou que Alex Randall
chamasse do volta para a nave o seu próprio batalhão de robôs que ainda
procurava por eventuais sobreviventes humanos.
O tempo passou e nem bem estes terminaram de chegar, novos ataques
se sucederam...
Dessa vez, um batalhão robotizado hostil com mais ou menos duas mil
peças muito bem armadas se dividiu e sincronizou diversas manobras de alto
poder destrutivo contra o Viajante das Estrelas.
O sistema defensivo tradicionalmente utilizado desta vez não foi tão
eficiente e apenas alguns poucos atacantes sucumbiram inertes.
Outros, já preparados contra o golpe do armamento capaz de desenergizálos, lograram melhor sorte ao intentar seu avanço.
A astronave esférica por sua vez, não era nenhuma mocinha indefesa
perambulando desamparada.
Entre seus diversos experimentos dispunha de todo tipo de armamento
utilizado para as mais variadas ocasiões.
Raios invisíveis foram então disparados a partir do Viajante das Estrelas.
Em poucos minutos o segundo ataque também foi rechaçado.
Dessa vez, porém, alguns danos foram acusados e era imperativo que os
reparos fossem realizados.
Na posição em que se encontrava, a astronave de Alex Randall estava
sujeita a novos ataques.
A saída dalí era imperativa.
Foi o que aconteceu
***
225
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Além dos limites do sistema solar, a astronave tinha tempo para realizar os
concertos e ainda reavaliar a situação.
Sentado na poltrona da central de comando, fumando incessantemente seu
cachimbo, via-se Alex Randall cansado que parecia envelhecer mais e mais...
Não havia para onde ir ou o que fazer.
Alex Randall viu-se pela primeira vez completamente sem rumo.
Ainda que voltasse para suas viagens, elas não teriam mais utilidade já
que ninguém se aproveitaria do seu resultado.
Com a cabeça envolta na fétida fumaça que saia do seu cachimbo, e, com
os olhos fechados refletia.
Tinha que consertar uma série de coisas, para tanto, só realizando uma
viagem pelo tempo.
Cansado da lógica do Cérebro Computadorizado, resolveu ouvir as
palavras de sua mãe e seguir os caminhos do seu próprio coração.
Finalmente assim, resolveria todos os problemas se valendo um velho e
manjado recurso muito utilizado para salvar os roteiros das obras de ficção
científica e até de bruxaria.
***
226
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N. 24 DE ALEX RANDALL
Não havia muito o que pensar.
Diante da nova perspectiva, podia salvar não só a sua amada Walkíria mas
também, muitas outras vidas.
Sem perda de tempo, pôs para funcionar a avançada aparelhagem que
permitiria as viagens pelo tempo.
Foi solicitado a Alex Randall que abrisse um painel no braço de sua
poltrona e ali fizesse alguns ajustes.
Realizados os acertos requeridos, logo, apareceu diante dele uma
mensagem com letras brilhantes tridimensionais dizendo:
MÁQUINA DO TEMPO OPERACIONAL
Em seguida, também surgiu flutuando outro texto:
SELECIONE DIA E HORA PARA ONDE DESEJA IR
Bastava seguir as instruções que eram claras e cristalinas!
Nada podia dar errado, afinal, bastavam apertar alguns botões e tudo
estaria praticamente resolvido.
Qualquer criança poderia operar aquele engenho.
Digitou a data e hora que achava que ainda poderia reparar seus erros do
passado e apertou a conhecidíssima tecla ENTER.
Tanta era a emoção de Alex Randall só de vislumbrar a hipótese de ter
todos os erros daquela viagem corrigidos, que, foi inevitável que naquele
momento, se desenhasse um sorriso no seu rosto.
Tal expressão facial fez o cachimbo se inclinar na boca.
Em conseqüência disso, algumas poucas cinzas caíram, atingindo um dos
painéis no braço da poltrona que naquele momento fora esquecido aberto.
A nave inteira apagou.
A última coisa que nosso herói viu, foi o desaparecimento dos números da
data desejada, antes projetados à sua frente
***
O fato de não estar nervoso fez com que naquele momento de pane, Alex
Randall evitasse o uso de impropérios, palavras xulas ou termos de baixo calão.
Até porquê, alguns décimos de segundo antes da falha geral, os olhos
altamente treinados dele já haviam percebido que algumas cinzas iriam cair sobre
o painel que estava aberto e certamente iriam dar algum probleminha.
227
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Calmo, assoprou as cinzas de modo que elas saíssem de onde se
encontravam depositadas, e assim, toda a astronave voltasse a funcionar
normalmente.
Incluindo aí, a máquina do tempo que imediatamente após o seu
religamento, deu início à viagem...
Porém, novamente, a visão privilegiada de Alex Randall localizou outra
irregularidade: desta feita, os relógios que deveriam estar mostrando o dia e a
hora de destino do Viajante das Estrelas no tempo, nada indicavam!
***
O que aconteceu no instante seguinte, se é que este se sucedeu, mesmo
um viajante experimentado como Alex Randall não poderia facilmente descrever.
Primeiro, a projeção de imagens e sons do exterior da nave dentro da
central de comando desapareceu completamente!!
No interior do Viajante das Estrelas tudo parecia inalterado, exceto para seu
único tripulante humano que foi tomado de súbita sensação de vertigem, como se
estivesse caindo do maior nos precipícios.
E aquele incômodo só aumentava.
Alex Randall tentou desligar tudo, porém, antes que o fizesse, acabou
caindo inconsciente...
***
Acordou com um gosto horrível na boca.
Parecia até que estava de ressaca!
Na central de comando, aparentemente, os projetores de imagens externas
já haviam voltado a funcionar, entretanto, fora da astronave, reinava um absoluto e
assustador negrume.
Mais denso, escuro e impenetrável que qualquer outro ambiente que já
tivesse visto antes.
Mesmo baqueado e com a sensação desagradável de gosto na boca,
digitou alguns comandos nos teclados luminosos projetados a partir do painel do
braço de sua poltrona, pondo em funcionamento, um sistema de holofotes e
sensores que varriam todo o ambiente ao redor da astronave.
Logo constatou que lá fora não havia nada.
Parecia até que o Viajante das Estrelas estava imerso numa massa negra
sem vida de algo que, nem mesmo matéria podia ser considerada.
228
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
E, ainda por cima, parecia ser praticamente intransponível, já que, mesmo
os fachos projetados pelos mais potentes holofotes não conseguiam iluminar mais
que alguns centímetros naquela escuridão toda!
Foi então que Alex Randlll teve a sensação de que não estava só.
Nem precisou olhar ao redor.
Bastou virar o pescoço para o lado e perceber que, junto à poltrona onde
estava sentado, havia uma mulher com pele pálida, delicada, cabelos negros e
expressão severa.
-Você chegou ao final dos tempos! Tudo agora está morto e inativo! Sua
presença está perturbando a situação. Se quer permanecer aqui, você tem de
morrer!
Só de olhar o rosto daquela mulher, Alex Randall tinha a sensação de estar
vendo a própria morte encarnada.
Ela não tinha aparência ameaçadora ou feia.
Parecia apenas uma garota moderninha de pele pálida, roupas e cabelos
negros.
Mas, fitando aqueles olhos adornados com suaves linhas, um pavor
incontrolável foi despertado em Alex Randall.
Seu estômago pareceu encolher e o corpo esfriar.
Mesmo com o pânico aumentando, ainda teve o bom senso de verificar os
instrumentos dos painéis de controle, até para se desviar, por alguns instantes que
fosse, daquele olhar amedrontador.
Com gestos trêmulos, acionou os controles do painel luminoso que
controlava a máquina do tempo e sem olhar direito movimentou uma das chaves.
Deu um tapa nela fazendo com que esta se deslocasse sem controle algum
até a outra extremidade da barra indicadora de tempo.
A menina-morte avançou silenciosa em sua direção com o braço direito
esticado.
Desesperado e louco para sair daquele universo fúnebre, Alex Randall
acionou novamente a máquina do tempo sem nem bem olhar a nova data de
destino.
Veio então a conhecida sensação de enjôo.
A garota pareceu não se importar com o funcionamento daquele engenho.
Parecia imune até mesmo aos efeitos fisiológicos que o corpo humano
ficava suscetível durante a ação da máquina do tempo.
Aproximou o rosto quase encostando o seu nariz com nariz o de Alex
Randall e disse:
-Tentar escapar de mim usando sua ridícula máquina do tempo não vai
229
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
adiantar... Mesmo assim, vou permitir que a vida siga seu destino, mas, essa
ousadia em vir até aqui vai lhe deixar marcas.
Dizendo isso, ela colocou a palma da sua mão direita sobre o ombro
esquerdo de Alex Randall.
Uma chama saiu dalí contato e, ele desmaiou tamanha a dor que sentiu.
***
Despertou com um robô enfermeiro aplicando enxertos em seu ombro.
Havia alí uma queimadura que já estava sendo devidamente medicada.
Ainda ardia um pouco, mas, não era quase nada perto da dor que sentira
no momento do toque daquelas mãos.
O pior já havia passado, restava agora dar o devido tratamento e esperar
pelas melhoras...
Estava na central de comando e a situação era idêntica àquela em que
presenciara na época em que acreditava ser o fim dos tempos.
Um pequeno detalhe porém mudara.
Agora, era a MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS quem estava a
bordo naquele instante.
Prá variar, nua, linda, com seus incríveis olhos indecifráveis e soprando
bolhas negras num pequeno arame com uma rodela na extremidade molhada com
líquido negro e brilhante.
As tais bolhas se espalhavam pela central de comando da astronave.
-A morte não permite que desorganizem o que ela já deixou arrumado. –
Disse. – Nesse ponto é até um pouco chata já que não gosta que se perturbe o
que está ajeitado.
A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS fez uma pausa e continuou:
-Você não tem pinta de ser muito esperto. Em todos os universos que criei,
é o único sujeito que, mesmo diante de tantas evidências, ainda foi burro
suficiente para me confundir com os falsos apóstolos que passam a vida
infernizando os cidadãos de bem.
“Mas, por incrível que pareça, pelo menos conseguiu chegar onde ninguém
jamais esteve.”
“Agora que tem a oportunidade, veja lá se consegue fazer as coisas direito
e concertar o que fez de errado.”
O significado daquelas palavras parecia meio complicado para Alex
Randall.
Este ficava imaginando se havia alí alguma pegadinha ou coisa de gênio.
230
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Olhava aquelas bolhas flutuando e tentava entender o que elas poderiam
ser...
Elas se expandiam e contraíam como se respirassem.
No seu interior, por alguns momentos se iluminavam e, depois esta luz se
fragmentava em inúmeros pontos luminosos que se movimentavam do centro da
esfera para sua extremidade. Logo a seguir, então, o ciclo recomeçava...
-Perdoe minha ignorância, mas o que são todas essas bolhas?
-Devia saber porquê já foi explicado.
Ela deu uma soprada na no seu arame e uma nova bolha saiu flutuando
pelo ar...
-Este aqui é o universo de onde você veio. Em instantes, ele vai nascer.
Alex Randall de-repente diminuiu de tamanho e foi atraído para o interior
daquela esfera negra.
***
Lá dentro, tudo estava escuro.
Nada se via.
Alex Randall não sentia seu corpo, mas sabia que estava vivo.
Pensava, logo existia.
Dentro de sua cabeça, ouviu a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS
COISAS...
-Seu universo está a alguns momentos de nascer. Já te mostrei este evento
antes...
Materializou-se então, naquele ambiente escuro, silencioso e tenebroso,
um anel prateado.
Era outra nave espacial.
Mais um viajante do tempo chegara ao momento do início do Universo.
A nave destes não era tão grande quanto o Viajante das Estrelas.
Do seu interior emanava uma pergunta que parecia ser compreendida em
qualquer idioma:
-O CRIADOR EXISTE OU É TUDO OBRA DO ACASO?
Tal questionamento certamente era feito por alguém com poderosos dons
de projeção de pensamentos já que Alex Randall mesmo não sendo telepata,
pôde percebê-lo.
Na mente deste, nova manifestação, era MÃE CRIADORA DE TODAS AS
COISAS:
231
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-São viajantes do tempo como você, um deles, inclusive é da Terra e até já
te encontrou anteriormente; é o Moreira!
-Um dos seus seguidores...
-É, mas, para ele esta conversa que você teve com ele ainda não
aconteceu.
Veio então um estranho som:
-AUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...
Parecia sair do interior de cavernas.
Era a voz da MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS, diferente. Estava
ensurdecedora e fazia tremer até mesmo aquele negrume ainda sem vida.
-VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESSE LUGAR.
O tal ser que projetava seus pensamentos a partir daquela nave silenciouse. A MÃE CRIADORA DE TODAS AS COISAS entretanto, continuou se
manifestando.
-NENNHUM INDIVÍDUO OU RAÇA É OU SERÁ CAPAZ DE
COMPREENDER-ME NA TOTALIDADE.
FUTURAMENTE ME MANIFESTAREI ATRAVÉS DE MUITOS
INDIVÍDUOS EM DIVERSAS ÉPOCAS E LUGARES.
AGORA VÃO! VOCÊS NÃO PERTENCEM A ESTE MOMENTO!
ESSA ÉPOCA FICARÁ INCACESSÍVEL PARA VOCÊS E OUTROS QUE
AQUI DECIDIREM VOLTAR.
A nave em forma de anel sumiu de volta para o futuro e, instantes depois o
pequeno ponto de luz que mesmo não tendo mais tamanho que uma ponta de
polegar, emanava luminosidade fora do comum.
Então explodiu.
E o vazio começou a se encher.
***
Alex Randall despertou e, a primeira coisa que viu foi o pequeno ponto
luminoso.
Estava na central de comando do Viajante das Estrelas, e este, por sua vez,
se encontrava a poucos instantes da ocorrência do BIG BANG.
Não podia permanecer por mais tempo alí.
Logo, forças indescritíveis seriam liberadas e, se a astronave ainda
permanecesse nas proximidades, certamente seria destruída.
Sem bem olhar direito ajustou o destino da máquina do tempo para
232
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
qualquer lugar no futuro que o afastasse daquele perigo iminente.
Apertou a tecla ENTER do teclado luminoso projetado a partir da poltrona
onde estava sentado e, logo em seguida, a viagem começou.
Sua jornada avançou vários bilhões de anos até alcançar o destino
programado.
O funcionamento da máquina do tempo colocou nosso herói inconsciente, o
que obrigou o Cérebro Computadorizado a aguardar o despertar de Alex Randall
para nova tomada de decisões.
***
233
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL N. 25 DE ALEX RANDALL
Acordou e viu-se sentado na poltrona da central de comando.
Diante de si estava a projeção tridimensional da imagem com a Terra em
primeiro plano, a Lua ao fundo e, lá longe distante, um pequeno ponto brilhante e
de brilho ofuscante: o sol.
Não era a imagem de um planeta carcomido pelas guerras e devastado por
desequilíbrios da matureza.
O azul dos mares era brilhante e definido não havendo nuvens de poluição
de espécie alguma.
Até a camada de ozônio ainda estava intacta.
No fim das contas, Alex Randall voltou no tempo.
Um dos objetivos foi conseguido: , alcançar uma época onde a humanidade
não tivesse sido destruída.
A análise da posição dos astros indicou que a data estimada onde se
encontrava era próxima a 1600 d.C.
-Precisamos avançar muito ainda...- Reclamou.
Para esta insatisfação de Alex Randall, a resposta do cérebro
computadorizado foi:
-No momento se fará necessária uma parada para revisão geral. As longas
viagens pelo tempo que realizamos fizeram alguns equipamentos se desgastarem.
Reparos terão de ser feitos.
-Tudo bem! Proceda com os consertos. Eu aguardarei!
Não se importaria em perder alguns instantes se tinha uma máquina do
tempo à disposição.
Porém, a ansiedade em logo resolver os problemas e corrigir seus erros,
atormentava Alex Randall.
Ansioso por contato com humanos e com a Terra, resolveu matar as
saudades de casa mesmo estando em época completamente distinta daquela em
que pertencia.
Numa das poltronas voadoras, seguiu para a Terra deixando a astronave
em órbita.
A esfera transparente em cujo interior Alex Randall ia confortavelmente
sentado logo avançou para o interior das camadas mais externas da atmosfera e
desceu até a superfície do planeta.
Nesta época, procurou o continente europeu como destino, para um breve
passeio turístico.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Como chegou no verão, uma boa dica era se refrescar e tirar o mofo era
visitar as praias espanholas.
Sobrevoando as maravilhosas paisagens da península Ibérica,
surpreendeu-se com um moinho de vento cujas pás pareciam emitir uma estranha
fluorescência verde.
A curiosidade de Alex Randall aumentou com essa construção que
incrivelmente se situava à beira de um abismo, e ainda porquê, a luminosidade
que ela irradiava não era característica dos aparatos tecnológicos disponíveis
nessa época.
Assim que se aproximou, um acontecimento extraordinário se sucedeu.
O referido moinho transformou-se num monstro gigantesco muito parecida
com as agressivas árvore que se movimentavam de Antares IV.
Um dos grossos galhos acertou com um rápido movimento a poltrona
protegida pela esfera transparente.
O brilho que indicava o funcionamento do escudo invisível se apagou e a
poltrona caiu no chão espatifando-se inteira.
Alex Randall não sofreu ferimento algum já que, o sistema de almofadas
infláveis amorteceu a queda e evitou estragos não só nele como no equipamento.
Nem bem recobrou-se da queda e o infeliz acidentado já teve de lidar com
outro problema: o tal monstro-árvore novamente se metamorfoseou ficando então
com a aparência de um homem.
Não era um sujeito comum.
Bastante alto e forte, com uma só mão e, num único movimento, arrancou o
cinto de segurança que prendia Alex Randall à sua poltrona e com a outra que
estava livre o suspendeu no ar.
-Bem vindo de volta à Terra, Alex Randall.
Dizendo isso, o tal sujeito jogou no chão o assustado protagonista destas
linhas como se este fosse um simples saco de batatas.
Em seguida deu-lhe chutes e socos, mesmo estando totalmente aturdido e
indefeso.
-Antes de morrer é bom que saiba quem vai te matar. Eu sou NIMAX
Alex Randall nunca havia ouvido aquele nome antes. Sequer imaginava
porquê o sujeito queria acabar com ele.
-Não fique confuso. Domino poderosas forças de feitiçaria e magia negra
que sua tecnologia ainda é incapaz de compreender. Inclusive a telepatia. Você já
encontrou outros da minha espécie. Os Soigrés...
NIMAX continuava batendo e falando sem perder o fôlego.
-Somos muito poderosos, mas eu, sou o maioral entre eles. Por isso, e pela
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
inveja que tanto poder despertou neles, fui banido da irmandade dos Soigrés e
deixado sem poderes aqui na Terra.
“Mesmo humano, recuperei parte de meus poderes estudando a magia
negra. Agora, estou a caminho de voltar a ser como era antes e, talvez conseguir
muito mais...”
Para sorte de Alex Randall, seu agressor era daqueles que quando tem a
vítima sob controle, gostam de proferir longos discursos explanando
detalhadamente os motivos que o levaram a cometer tamanha vilania.
-Tenho ambições maiores que a de ser apenas um poderoso feiticeiro...
E continuava batendo...
-Desta época, com minha bola de cristal que tudo vê, acompanhei não só
suas viagens pelo espaço bem como também os acontecimentos deste e de
outros universos.
NIMAX não perdia energia e continuava sentando porrada...
-E aqui até abro um parenteses para dizer que suas aventuras são muito
toscas, paradas, incapazes de arrancar sequer algumas risadas...
NIMAX ergueu-o Alex Randall no ar e jogou-o de volta para o chão com
bastante violência, piorando ainda mais, o sofrimento do pobre coitado.
-Vou acabar com você e tomar para mim o Viajante das Estrelas. Com ele
irei até o início dos tempos e enfrentarei a MÃE CRIADORA DE TODAS AS
COISAS. Depois de vencê-la, vou possuí-la e serei dono deste e de outros
universos.
Com seus discursos grandiloqüentes, o feiticeiro aproveitava a
oportunidade e ia torturando ainda mais o infeliz Alex Randall...
-Então deixarei de ser mortal e me tornarei Deus! Deus! Ninguém me
superará nunca! Vou ser o dono de tudo.
-Herege! Biltre! Poltrão!
Aquele súbito palavrório surpreendeu NIMAX que não parava até o
momento de se regozijar com seus futuros projetos...
-O maldito cavaleiro.- Praguejou o feiticeiro com pura raiva. – Também este
não consigo iludir com meus disfarces de cordeiros ou moinhos.
O dito cavaleiro avançou a todo galope na direção de NIMAX e este já se
preparava para conjurar algum perigoso encanto quando o esquálido cavalo
tropeçou levando sua montaria para o chão.
O feiticeiro que diante de tal situação nem defesa precisaria fazer, acabou
dando um passo em falso para trás, quando foi se distanciar do seu desastrado
atacante, e, sem querer, acabou caindo num penhasco que havia atrás de si.
Não teve sequer tempo de invocar qualquer encanto que o livrasse de tal
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
apuro já que, durante a queda, a primeira batida lhe quebrou o pescoço tirando-lhe
instantaneamente a vida, privando-o assim da concretização de seus grandiosos
projetos.
O tal cavaleiro erguia-se meio acabrunhado do chão e ajudou seu cavalo
também a se restabelecer.
Era um homem magro, esquelético, já com idade avançada para a prática
de combates. Ainda mais, contra um sujeito poderoso como NIMAX que, quando
vivo, era muito maior e mais forte que ele.
-Sempre falei que esse sujeito era perigoso. – Disse. – Mas acham que sou
louco.
Alex Randall ergueu-se com o corpo todo dolorido, cheio de cortes,
manchas e arranhões.
Cuspiu alguns dentes ensangüentados e agradeceu o seu salvador
estendendo-lhe a mão.
Cumprimentaram-se.
-Bem ou mal, o senhor acaba de salvar não só a minha vida, mas, talvez
tenha livrado o universo de um tipo realmente perigoso.
-Salvar e servir o mundo, é obrigação daqueles como eu, que seguem e
louvam o Código de Condutas da Cavalaria.
“Luto pelos fracos, pela justiça e proclamo o meu amor pela musa que me
inspira às andanças e aventuras pelo mundo.”
Por isso, minhas desavenças com este bruxo eram antiga e pouco
conhecidas.”.
“Agora foi finalmente feito o ajuste de contas.”
Aproximou-se então da dupla um terceiro homem.
Este, montado num asno de aparência cansada e esfomeada.
O homem, meio gordo e baixote, aproximou-se do cavaleiro com o aparente
intuito de prestar-lhe alguma ajuda:
-O senhor está bem?
-Não preciso de ajuda. Já, este pobre infeliz, necessita curativo. Veja lá no
que pode ajudá-lo.
O homem, na maior das boas intenções, sacou um cantil que carregava e
molhou um pano velho que carregava no bolso de trás da calça, indo a seguir,
passar nos ferimentos de Alex Randall.
Diante da imundície do pano, nosso herói gentilmente se recusou..
Preferia aguardar a chegada de alguns robôs enfermeiros a passar nos
seus machucados qualquer coisa de procedência desconhecida.
-Muito obrigado, não é necessário. - Agradeceu Alex Randall, ao que, em
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
seguida, inventou uma desculpa. - Minha fé em Deus irá me curar.
O cavalheiro e o homem estranharam a recusa no atendimento, afinal, alí
pelas imediações não havia mais ninguém apto a ajudar.
-Mas o senhor precisa...
-Não se preocupem. Este senhor, - disse Alex Randall apontando para o
magro cavalheiro que a essas alturas já montava novamente seu raquítico cavalo,
- já fez muito pelo universo ao livrá-lo de um grande problema.
“Quanto a mim, o simples fato dele ter me salvo a vida já é uma grande
honra.”
Sem entender o porquê de todos aqueles elogios, o baixote aproximou-se
da orelha de seu asno e murmurou:
-Já não basta um acreditando que é herói, e agora, me aparece outro
confirmando as maluquices do primeiro. O negócio é deixar estes loucos com suas
manias e ver no que vai dar..
O cavalheiro se aproximou do homem dizendo:
-Chega de cochichar besteiras na orelha deste pobre animal. Vamos seguir
caminho, e realizar mais boas ações, pois, o mundo está cheio de apuros a serem
solucionados.
O homenzinho montou seu animal e depois de se despedir de Alex Randall
seguiu o cavalheiro pela estradinha torta e esburacada que havia alí perto.
-Quando estiver pela região da Mancha, - Gritou o cavalheiro lá de longe. Procure-nos para que possamos recordar essa memorável luta.
-Sem dúvida. - Concordou o nosso herói.
Assim que os dois ficaram de costas, Alex Randall correu para a poltrona
que durante todo o tempo estivera atrás de uma grande pedra longe das vistas do
cavaleiro e do seu acompanhante.
Religou-a, e, esta, apesar de ter se espatifado na queda, foi parcialmente
remontada e voltou a funcionar satisfatoriamente.
Sentou-se, deu um suspiro de alívio, acendeu o seu cachimbo, acionou
alguns comandos e subiu rumo aos céus rapidamente e em silêncio.
Lá longe, na estrada o homem que acompanhava o cavalheiro ouviu o
suspiro de Alex Randall e lentamente virou-se para traz a fim de ver alguma coisa.
Não enxergando nada ou ninguém, surpreendeu-se...
-Mas...Ele sumiu!
O cavalheiro de triste aparência e fraca compleição virou-se e disse:
-Não se preocupe. Esse já foi salvo! Vamos seguir adiante pois ainda
realizaremos proezas que no futuro inspirarão grandes escritores e muitos tantos
leitores.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
-Ai ai... É cada uma que eu tenho que ouvir. - Cochichou o baixote na
orelha do seu asno.
***
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
MEMORIAL FINAL DE ALEX RANDALL
Seguiu para a central médica da astronave onde foi tratado e medicado.
Lá mesmo, queria saber quando poderia prosseguir a viagem pelo tempo.
-Imediatamente! – Foi a resposta que obteve. – Mas temos um problema...
-Problema?
-O composto CY7, que é imprescindível para o funcionamento das
máquinas do tempo está acabando. Ele é um dos poucos itens disponíveis que
não podem ser processados a bordo e, cuja durabilidade é limitada. Com o
disponível em nossos estoques, só poderemos avançar uns 400 anos em direção
ao futuro...
-Caramba! Mas lembro que tínhamos um estoque respeitável...
-Que foi quase todo consumido só em duas viagens. Na primeira, até o fim
dos tempos e, em outra para o momento anterior ao nascimento do universo.
Alex Randall acendeu o cachimbo, e sentiu os efeitos da erva queimada
anestesiando a boca.
-Vamos avançar em direção ao futuro no que for possível, depois pensarei
o que fazer. Não percamos tempo...
Momentos depois, o Viajante das Estrelas desapareceu rumo ao futuro...
***
A sensação de ressaca típica dos “saltos temporais” não foi tão grande.
Voltou a si até mais disposto, desta vez.
A primeira coisa que ouviu do Cérebro Computadorizado foi:
-Estamos no século XXI. O CY7 acabou
Aquela data não resolvia nada para o objetivo que Alex queria alcançar.
Agora, tinha que resolver o problema do combustível da máquina do tempo.
-Quanto tempo vamos gastar por aqui?
-De doze a vinte anos terrestres. O CY7 deverá ser extraído e processado
em Marte. Há muito pela frente a ser feito.
Alex Randall sabia da complexidade do trabalho a ser realizado..
A parada era realmente inevitável.
De qualquer forma, poderia aproveitar a oportunidade para descansar
tomando sol em alguma praia, respirando ar puro e ainda sentindo uma briza no
rosto ao fumar o tradicional cachimbo.
Decidiu tirar férias na Terra enquanto aguardava o trabalho ser terminado.
Preparou as bagagens que levaria em sua nova viagem e partiu.
********
240
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Mel
já conhecia o final da história, o próprio Alex Randall havia lhe
contado antes de se depararem com o espetáculo sangrento no interior do
manicômio.
Para lê-la, restavam algumas poucas paginas.
Deu uma passada naquelas linhas e verificou que seu conteúdo apenas
detalhava as agruras sofridas pelo protagonista depois de ter perdido contato com
a astronave que estava em Marte.
Esfregou os olhos cansados depois de toda a leitura e verificou que as
vistas já estavam embaçadas com o esforço realizado...
Era uma história chata, mal escrita, enrolada e cheia de furos.
Só um louco para ter tanta imaginação e escrever aquela porcaria.
Talvez, o excesso de
droga, que, segundo Alex Randall, ali era
abundantemente aplicadas nos pacientes também ajudasse neste processo
criativo.
De qualquer forma relaxara um pouco...
Na cadeira, restaurou as forças do corpo e esqueceu momentaneamente a
gritaria lá fora, que não terminava nunca.
Os berros, urros além de outros sons bestiais estavam cada vez mais
animalescos e apavorantes.
Mel notou que os primeiros raios do sol já brindavam o novo dia que nascia.
Porém, aqueles sons, não davam mostras de diminuir seu ímpeto.
Diante de tanta barulheira, e até devido um pouco, à leitura daquela ficçãocientífica, Mel finalmente acreditava que Alex Randall não estivesse envolvido
naqueles crimes.
Claro que, daí, a crer na remota possibilidade, daquelas besteiradas
literárias, terem algum fundo de realidade, era pedir demais.
Para completar tão agradável e alegre sinfonia matinal, o dorminhoco de
plantão improvisava com os seus sons, peidos e roncos que, variavam de tom ao
alternarem suas saídas ora pela boca, pelo nariz, ou ainda do interior do
estômago mesmo.
Era muito para Mel agüentar naquela manhã que prometia ser ensolarada.
Levantou-se da poltrona e com um rápido movimento arrancou o cachimbo
que, mesmo apagado, ainda estava preso aos dentes da boca de Alex Randall e
também complementava a barulheira emitindo assovios...
O que aconteceu a seguir foi surpreendente...
Alex Randall, mesmo com idade avançada, acordou com um salto, e, num
rápido e inesperado gesto, até então inimaginável para ser realizado por alguém
241
------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
como ele, tomou o cachimbo das mãos de Mel.
-HEY! Esse aqui é meu!
Ao que Mel apontou para o alto e disse sorrindo:
-Que bom que acordou!! Sabe de onde vem estes berros???
-Não! Nunca os ouvi antes. – Respondeu Alex Randall esfregando a cara
amassada pelo sono e pela idade.
Subitamente os gritos e berros aumentaram drasticamente de volume.
O que quer que fosse a fonte da barulheira, estava logo além das portas.
Então, alguma coisa as atingiu com força.
Eram pancadas que, aumentaram de intensidade e potencia até que o
arrombamento foi inevitável.
Dois monstruosos gorilas, um negro e outro branco com quase três metros
de altura cada um, adentraram o recinto e avançaram com grande velocidade na
direção dos únicos seres humanos presentes alí dentro.
***
Eram assombrosas as garras e dentes dos bichos.
Super desenvolvidas e prateadas, poderiam fatiar de uma só vez, qualquer
um.
Mel, em meio àquela apavorante situação, sacou de dentro de suas roupas
de motociclista duas pistolas e encheu as cabeças daqueles gorilas de chumbo
quente, ao que, estes imediatamente quedaram inertes com um sonoro estrondo.
Observando tudo, Alex Randall se indagava onte teria guardado Mel
aqueles dois pistolões tendo um corpinho tão miúdo.
Não pôde centrar suas reflexões aí por mais tempo pois, Mel foi logo
avisando:
-Temos que sair daqui. Esse local não é mais seguro.
E com certeza suas palavras eram cheias de razão.
A gritaria ainda continuava.
Pelas imediações haviam outras criaturas como aquela.
-Siga-me! – Berrou Mel.
Alex Randall não vacilou.
Pegou os cadernos acendeu o cachimbo e obedeceu.
Saíram correndo da construção e deram de cara com uma viatura da polícia
que acabara de chegar.
Era toda preta e parecia até um carro de corridas com sirenes.
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
De seu interior, saíram dois tipos.
Um deles, alto, de cabelo preto penteado e amarrado como um rabo de
cavalo. Vestia ainda um capote escuro além de carregar um fuzil das forças
armadas.
O segundo, mais baixo, com cabelo castanho claro, curto, ao estilo militar,
vestia um capote bege e carregava uma espingarda calibre 12 de dois canos.
Logo os agentes também ouviram os berros monstruosos e um disse para o
outro:
-Esses gritos devem ser das tais feras que o comando avisou pelo rádio.
Mel já chegou falando quase sem fôlego:
-Gorilas com uns três metros de altura! Já matei dois, mas, acho que tem
mais por aqui.
O policial baixote logo confirmou para o outro:
-Os autores da chamada estão aqui mesmo. Informam que dois gorilas já
estão mortos.
-Mas o comando falou sobre seis que escaparam da rinha das bestas...
-O que está acontecendo? - Perguntou Mel.
-Esses monstros são geneticamente modificados e criados com a finalidade
de lutar em combates cujas apostas alcançam valores altíssimos.
O outro policial complementou a história:
-Numa batida que realizamos, autuamos diversos figurões e flagramos
várias lutas em andamento. Na confusão, alguns treinadores soltaram seis dos
animais presentes no evento. Dois deles você já matou.
Nem bem essas palavras foram ditas e, do meio das árvores saltaram três
daquelas feras que avançaram furiosamente na direção do grupo.
Só Alex Randall não fez nada, justamente, por não estar armado.
Mel e os dois policiais sacaram suas armas e mandaram fogo naquelas
bestas.
Todas tombaram
-Não acho seguro continuarmos aqui Max – Disse o policial baixinho.
-Certo, Dredd! Vamos cair fora! Vocês! – Disse apontando par Mel e Alex
Randall. – Entrem no carro
Mal acabaram de entrar na viatura e ouviram:
-Ei! Esperem por mim! Não me deixem aqui!
-Eo Zéca! – Disse Alex Randall – Não acredito que está vivo.
-Vamos logo! Prá dentro! - Berrou Max a plenos pulmões.
-Não acredito! – Dizia Alex Randall para Zéca já no interior do veículo. –
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------------------------------------------MEMORIAIS DE ALEX RANDALL---------------------------------------Fernando ZÉCA Troitiño
Encontrei seus cadernos nas mãos de um cadáver e pensei que fosse você...
-Era um crítico que resolveu dar uma lida nos meus textos. Disse que ia
tocar fogo em tudo. Sem dúvida, mereceu o destino que teve.
A viatura arrancou com o motor urrando e levantou um poeirão atrás de si.
Velozmente avançou pela estradinha que a apenas algumas poucas horas
Mel e Alex Randall percorreram até chegar ao manicômio.
Alcançaram então à rodovia onde Dredd estacionou logo ao lado dos
destroços da moto de Mel.
-Será que aqueles bichos atacaram o dono desta moto? – Indagou Dredd...
-Não! - Respondeu Mel. – Essa moto é minha. Sofri um acidente e fui
buscar ajuda. Por isso, acabei indo parar no manicômio.
-Acho que daqui podemos solicitar reforços para prender a última fera. O
rádio pega bem.
-Muito bom. – Concordou Dredd. – Ótima ideia.
-Será que eu podia descer para dar uma mijada? – Indagou Alex Randall. –
Acordei agora a pouco e ainda não fui ao banheiro.
Todo mundo desceu do carro.
Alex Randall afastou-se do grupo e foi procurar, a alguma distancia dalí,
um lugar tranquilo para se aliviar.
E sem querer achou uma praia...
Começou a urinar e percebeu que já estivera ali antes.
Olhou mais atentamente e notou grandes semelhanças com o local onde
teria muitos anos antes deixado seu equipamento e a poltrona voadora.
As cavernas não estavam mais submersas inclusive eram idênticas...
***
-Estamos precisando de reforços para caçar a última das feras que
sobreviveu à fuga da rinha. Creio que dois helicópteros são suficientes.
Enquanto Max aguardava a resposta do comando pelo radio, Dredd falava
para Mel e Zéca:
-Logo teremos aqui um batalhão de reforços e essa besta vai ser caçada
até a morte.
-Atenção!
Era a resposta do comando via rádio...
-Os reforços solicitados não irão até aí. Repito: os reforços solicitados não
irão até aí.
244
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-O que está acontecendo? – Indagou Max preocupado...
-Todas as unidades estão ocupadas agora. Saiam já de onde estão, pois,
uma onda gigante vem vindo do oceano e vai invadir a costa em poucos minutos.
Vocês estão numa área que está prestes a ser atingida por um TSUNAMI.
***
Aquela era a caverna. Alex Randall tinha certeza.
Não tardou muito e encontrou no fundo dela, em local quase inacessível,
seus equipamentos perdidos a décadas.
Tudo foi arrastado para o fundo dela graças a força das águas que
invadiram a caverna na ocasião.
Sua poltrona estava semi-enterrada.
Escavou bastante e com muito custo conseguiu descobrir o braço dela onde
ficavam os instrumentos de controle principais.
Deu uma limpada no painel e conseguiu por o equipamento para funcionar.
Algumas luzes se acenderam e Alex Randall disse:
-Viajante das Estrelas. Responda! Aqui é Alex Randall! Pode me ouvir?
-Viajante das Estrelas respondendo! Sua mensagem está chegando
claramente. Resolveu encerrar o período de férias na Terra?
***
-Onde aquele velho maluco do espaço foi parar? – Berrou Mel.
-Alex!
-Alex!
-Alex Randall! Responda! Temos de ir embora!
Todos chamavam por Alex Randall insistentemente.
***
Sentiu uma mordida aguda na perna logo acima da meia onde a pele
estava descoberta.
Uma pequena cobra negra havia saído do monte de detritos que Alex
Randall tirara de cima da poltrona
A dor era terrível.
O painel com a caixa de primeiros socorros certamente deveria ter algum
245
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soro que combatesse os efeitos de eventuais venenos presentes na saliva
daquela mordida, mas, ele estava coberto por mais detritos e pedras.
Sozinho, seria impossível retirar o equipamento salvador que precisava.
Não dava para conseguir socorro alí, naquelas condições, jamais
conseguiria tirar a poltrona ou o que quer que fosse dalí.
Tinha de dar um jeito de se salvar até a chegada do Viajante das Estrelas.
***
Apareceu então Alex Randall meio trôpego e nada bem.
Todos logo perceberam que algo de muito errado havia acontecido com ele
e correram para ajudar.
-Mordida de cobra. – Ele balbuciava. – Mordida de cobra...
Iam colocá-lo no interior da viatura quando de-repente o céu escureceu de
vez...
Todos olharam para o alto e viram o que, à primeira vista parecia uma
imensa parede metálica meio “embarrigada” para baixo cobrindo os céus.
Em sua superfície se viam diversos pontos brilhantes e imensas janelas
feitas de um material tão transparente quanto o vidro que mostravam as estruturas
e edificações existentes no seu interior.
Uma comporta se abriu no meio de uma parte da superfície metálica da
astronave e, desta,
saíram diversas esferas metálicas e brilhantes que
rapidamente se aproximaram do grupo na estrada.
Eram robôs .
Um campo brilhante esférico envolveu a todos alí.
Até mesmo o carro policial e as peças da moto destruída.
Tudo desapareceu em seguida.
Até mesmo, o imenso objeto voador não identificado.
Momentos depois, uma onda gigante encheu de água todo aquele lugar...
***
Enquanto subiam rumo àquela coisa misteriosa, mesmo muito mal, Alex
Randall tratou de tranqüilizar a todos.
-Não se preocupem! É a minha astronave. Todos estão seguros agora!
Falou e caiu inconsciente.
Foram todos levados para um hangar da nave onde Alex foi já colocado em
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uma maca e medicado, e seguiu dalí para a central médica.
Todos os demais foram levados para um restaurante.
Dredd tentou contato com o comando através do celular, mas um dos robôs
lhe disse.
-Seu telefone por enquanto não vai funcionar. Estamos fora do alcance dos
celulares na planeta Terra.
-Vocês estão seqüestrando a gente?
-Não! Em absoluto. Se quiserem poderão ser deixados em qualquer ponto
da superfície da Terra onde desejarem.
-Acho que não custa esperar e ver como Alex Randall vai ficar. Depois
podemos voltar. – Ponderou Max.
-Sem problemas!
-Então vamos tomar o café da manhã. – Disse Zéca.- Estou com fome!
Foi o que fizeram.
***
Algum tempo mais tarde, já satisfeitos com a refeição matinal, conheceram
ainda o centro de visitações da astronave onde assistiram a uma apresentação
tridimensional que mostrava em detalhes todos os compartimentos e
equipamentos existentes a bordo do Viajante das Estrelas.
Terminada a apresentação, foram até o parque do Viajante das Estrelas
conhecerem as plantações alí cultivadas.
Quando os visitantes já começavam a se indagar a respeito do paradeiro de
Alex Randall, um robô de metal com formas humanóides e grandes olhos
redondos vermelhos apareceu pilotando uma motocicleta idêntica à de Mel com
um garoto de não mais que doze anos na garupa.
Curiosamente, o menino fumava um cachimbo igual ao de Alex Randall.
Tendo estacionado ao lado de Mel a motocicleta, o robô colocou-a no
pézinho e virou-se para o garoto:
-Algo mais que eu possa fazer, sr?
-Não. Obrigado 2D2R. Por hora é só.
O estranho e feio robô fez uma mesura e se retirou dalí.
O menino fumante tirou a chaves do painel da motocicleta e as entregou
para Mel.
-Reconstruímos ela inteira, pusemos alguns acessórios e ainda lhe demos
alguns “toques” que a deixaram melhor que o modelo original. Faça bom proveito.
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Este modelo é um clássico.
Em seguida, ele desceu da moto.
Todo mundo ficou besta! O garoto era muito parecido com Alex Randall.
-Você é filho de Alex Randall? – Perguntou Mel ao menino.
-Não! Eu sou Alex Randall.
***
Ninguém entendeu nada, mas, logo veio a explicação.
-O veneno da cobra que me mordeu é muito poderoso. Mesmo ao antídotos
disponíveis na central médica desta astronave não foram capazes de me salvar.
“Tomei então alguns goles de uma Água Purificadora que possui
capacidades curativas sobrenaturais. Além de limpar o meu organismo, ela me
rejuvenesceu em décadas!”
Aquela transformação era simplesmente inacreditável.
O garoto fez um gesto e, alí mesmo naquele ambiente, foi projetada uma
cena tridimensional onde aparecia o Alex Randall velho deitado na maca.
Diversos robôs esféricos circulavam ao seu redor.
Vários tubos estavam ligados no seu corpo.
Um monte de aparelhos de todo tipo monitorava tudo o que lhe acontecia.
O local da mordida foi mostrado em detalhes.
Estava horripilantemente inchado.
Os buracos da mordida feitos pelos dentes da cobra soltavam grande
quantidade de pus.
A pele e os tecidos musculares estavam pretos e pôdres.
Tudo mostrava que aquele era um caso de amputação.
Na cena, Alex Randall balbuciou alguma coisa:
-A água purificadora...
Um frasco transparente contendo água foi mostrado sendo levado até a
enfermaria onde ocorria aquela cena.
Ele foi aberto e seu conteúdo despejado diretamente na ferida.
Nas imagens que alí eram exibidas, Alex Randall ainda tomou alguns goles
diretamente do frasco.
Imediatamente ocorreram então incríveis transformações.
Um brilho intenso envolveu o corpo de Alex Randll e este diminuiu de
tamanho ao mesmo tempo que ia rejuvenescendo.
O local da ferida, aos poucos foi desaparecendo.
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No final daquele incrível processo, Alex Randall havia em poucos instantes
se transformado de um velho numa criança e mais uma vez escapado das garras
da morte.
Em seguida, a primeira coisa que o garoto fez, foi pegar o seu cachimbo e
começar a fumar.
Em seguida, pegou o frasco transparente onde a água miraculosa estava e
percebeu que o nível dela não havia se movido. Como que se nenhuma gota dalí
tivesse sido usada.
A cena tridimensional então se apagou e todos ficaram impressionados.
-Uma imagem vale mais do que mil palavras, pessoal. Mesmo na época de
onde venho, esse ditado ainda é muito válido. Imaginem o valor dessa cena. Comentou o jovem Alex Randall.
Dredd, um dos policiais, então disse:
-Olha! Acho melhor você nos deixar em casa. Minha cabeça já não tá mais
conseguindo entender tanta coisa fantástica. Isso, sem mencionar o fato de que
vamos ter muito trabalho para explicar tudo o que aconteceu com a gente.
-Isso, se acreditarem. - Emendou seu parceiro Max. - O melhor mesmo é
ficar de boca fechada para não perder o emprego.
Os visitantes decidiram então retornar à normalidade de suas vidas
naquele momento, até mesmo, para avisar as famílias de que não haviam sido
vitimas dos estragos causados pela onda gigante.
-Que vai fazer daqui por diante? – Perguntou Zéca ao se despedir do seu
biografado.
-Quero voltar para o futuro e consertar tudo o que fiz de errado. Com a
máquina do tempo pronta, não terei problemas em alcançar a época correta desta
vez...
As despedidas não se prolongaram muito. Foram até rápidas.
Todos os visitantes foram teletransportados para um lugar seguro em terra.
Ao olharem para o céu estrelado, ainda viram um ponto brilhar
intensamente por alguns segundos, e então, desaparecer em seguida.
Era o Viajante das Estrelas zarpando rumo ao infinito.
Mel perguntou então para Zéca:
-Pretende publicar seus textos? Acha que vai conseguir emplacar uma
ficção científica em tempos de crise?
-Ficção científica? Está de brincadeira comigo? Se eu não for preso por
mostrar a verdade para o povo, certamente ganharei um prêmio por revelar fatos
que o governo insiste em esconder.
Mel achou melhor não discordar.
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O tal Zéca até que tinha razão. Talvez nem fosse totalmente louco.
Depois que saiu dalí pilotando sua motocicleta, Mel evitaria comentar o
assunto com outras pessoas, assim, não correria o risco de passar o resto da vida
na prisão ou num manicômio.
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***
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”MAKING OFF” de ”MEMORIAIS DE ALEX RANDALL”
Antes de mais nada convém parabenizar à qualquer pessoa que bravamente
tenha transposto as páginas desta obra até chegar a suas derradeiras linhas.
Esse é um feito heróico conseguido por poucos já que, certamente, muitos terão
desistido de tão penosa leitura para dedicar-se a mais úteis afazeres.
Para os finalistas, deixo aqui uma saudação, o sincero agradecimento em
reconhecimento a tanto esforço e as últimas linhas com um pequeno relatório a
respeito do trabalho.
Os primeiros esboços não traçados desta obra nasceram do um desejo de criar
um herói aventureiro do espaço.
Cresci lendo muita literatura fantástica e, para mim, nada mais natural do que ser
um escritor de ficção científica ou desenhista de histórias em quadrinhos.
Com tais objetivos em mente, morando num país que mal sabe ler ou investe na
cultura, e menos ainda, num gênero consumido por poucos, só pude acabar
dando com os burros n’água no que se trata de ficar podre de rico.
Mesmo desiludido com o fim do sonho, na medida do possível, continuei
escrevendo e desenhando.
As histórias de Alex Randall começam quando eu tinha 23 anos.
Sua primeira aparição se deu como personagem secundário numa outra história.
Depois de algum tempo, acabei engavetando tudo.
O tempo foi passando, idéias iam e vinham, mas as exigências do dia a dia
acabavam impedindo a retomada de projetos que não rendessem algum dinheiro.
Ainda assim, continuava lá escrevendo uma e outra histórinha fantástica ou
desenhando quadrinhos até para aliviar um pouco do stress.
Certo momento, percebi que, quase tudo que escrevi antes, teria de ser
reformulado.
.
Para tanto, passei por algumas modificações no que se refere à forma de
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escrever.
A paciência e as constantes revisões ajudam um pouco. A informática também.
Para mim, é uma criação marcante não só pelo tamanho mas também porquê no
decorrer do desenvolvimento dela, ocorreu a morte de uma das suas musas
inspiradoras: a minha irmã Alessandra.
Antes desse triste fato, em 1988, ano em que ela completou dezoito anos, fiz o
segundo conto da primeira versão dos relatórios de Alex Randall dedicado para
ela.
Em 2004, no final do mês de março, ela foi tragicamente assassinada dentro da
própria casa onde morava, e infelizmente, não esta viva para ver o fim da obra
que de maneira indireta deixou sua marca.
Finalizo concluindo que a ficção científica talvez no nosso querido Brasil ainda não
seja um caminho fácil e seguro para se ganhar dinheiro, mas com certeza, em
qualquer parte do universo serve como meio de alívio das tensões e de
desligamento dos problemas do dia a dia.
quinta-feira, 30 de junho de 2005
2:07hs
P.S – Vale aqui lembrar que a primeira história de Alex Randall foi muito
provavelmente escrita num domingo, pois, à época da criação deste personagem,
eram aos fins de semana que eu tinha tempo para poder desenvolver projetos
malucos.
Também não posso deixar de lembrar que a primeira digitação final desta obra se
encerrou num domingo à noite pouco após o meu poderoso TIMÃO vencer um
clássico do campeonato brasileiro contra os nossos maiores arqui-rivais paulistas
no futebol. É um bom sinal e um fechamento com chave de ouro!
Domingo 9 de julho de 2005
20:00hs.
***
P.S(2)- O texto que se segue complementa o anterior.
Foi realizado após a revisão deste trabalho que se findou na data abaixo.
Ela foi feita com o intuito de eliminar alguns buracos e baboseiras do
original dando maior agilidade à sua leitura.
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Aparentemente, se mostrou bem sucedida já que eliminou mais de 10% do
texto anterior sem alterar o conteúdo do trabalho.
Tamanho preciosismo visou oferecer melhor qualidade à uma obra que
pretende aliviar o leitor dos problemas cotidianos.
Entre os deste autor, além das decepções com a administração pública que
o governo dá ao país, tem ainda que suportar o seu timão do coração passando
por maus momentos no futebol, incluindo quase um ano sem vitórias em clássicos
e uma derrota para o seu maior rival que ocorreu no começo deste mês.
São as reviravoltas que o mundo futebolístico dá constantemente. Para o
bem ou para o mal.
Quero finalmente dedicar todos os Relatórios de Alex Randall ao meu pai,
D. PEPE que, também é um apreciador de Ficção Científica.
Certamente, sem ele, estas linhas não teriam sido escritas.
Quinta Feira, 15 de Julho de 2007
22:34hs
***
P.S.(3)-Aqui com estas linhas finalizo os MEMORIAIS DE ALEX RANDALL
definitivamente.
Esta foi a última revisão pelo qual o texto passou, tendo em vistas,
justamente melhorar alguns pontos que não foram acertados na outra anterior e
também, colocar de forma mais lógica fatos cronológicos da história do herói.
Comparativamente aos Relatórios de Alex Randall o texto sofreu muitas
mudanças, incluindo o próprio nome, que, anteriormente se chamavam
RELATÓRIOS DE ALEX RANDALL, mas que, com a nova mudança, se adequa
melhor aos objetivos pretendidos pelo humilde autor destas linhas.
Do coração, espero ter melhorado o trabalho.
Terça Feira, 27 de Janeiro de 2009
17:11hs
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