32 notas para uma política de segurança no RS

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32 notas para uma política de segurança no RS
Foto: Lucíola Villela
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32 NOTAS PARA UMA
POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO RS
Marcos Rolim
Dez/2010
O Brasil experimenta, já há algumas décadas, um processo de crise em
seu sistema de segurança pública tornado evidente por inúmeros motivos. Parte
importante desta crise deriva da própria inadequação do sistema de segurança e
dos efeitos induzidos por sua engenharia institucional. Dentro deste sistema, as
Polícias cumprem, por evidente, um papel bastante importante, e mais importante
ainda aos olhos do público. Tradicionalmente concebidas como agências
vocacionadas para o “combate ao crime”, as instituições policiais brasileiras vivem
um período histórico especial que mistura indefinição e esperança.
Cada vez mais, torna-se evidente a necessidade de profundas mudanças
institucionais, políticas e culturais para que nossas Polícias superem os limites
legados pela herança de instrumentalização política e de submissão da atividade
policial à “Razão de Estado”. Muitos dos policiais brasileiros percebem, pela sua
própria experiência, que o autoritarismo, o desrespeito e a violência ainda
encontrados em suas corporações são fenômenos que se associam à
ineficiência, à covardia e à corrupção. Também por isso desejam mudanças e
estão dispostos a lutar por elas1.
1
A novidade significativa foi revelada recentemente pela pesquisa “O que pensam os profissionais
de segurança pública, no Brasil” (RAMOS et al, 2009), é que os policiais brasileiros, tanto civis
quanto militares, desejam - em expressiva maioria - reformas no modelo de polícia. O trabalho
3
O debate não se resume, evidentemente, às reformas institucionais – das
Polícias e das demais agências de segurança -, mas exige uma clara definição
sobre políticas públicas de segurança, além de mudanças radicais no âmbito da
política criminal. Mais do que um equívoco, seria uma injustiça exigir das Polícias
- como de resto do direito penal - a solução para os problemas da segurança
pública no Brasil ou em qualquer outro país. As instituições policiais não são as
únicas agências de controle do delito, nem as mais importantes para o
desenvolvimento e execução de políticas de prevenção à violência. O direito
penal, por seu turno, é apenas um entre muitos dos recursos disponíveis para o
tratamento de conflitos e de responsabilização por atos desruptivos. Assim, seria
importante afastar de vez a noção reducionista segundo a qual a idéia de
“segurança pública” foi traduzida na tradição política brasileira e na própria cultura
policial como o mesmo que “aplicação da lei penal”.
Em verdade, “policializar” a segurança pública ou circunscrever seus
desafios às tarefas de “fazer cumprir a lei” (law enforcement) são, a um só tempo,
as formas mais simples de oferecer ilusões ao público e as maneiras mais
rápidas de fracassar. O Brasil não precisa renovar sua confiança na promessa
dissuasória do direito penal – jamais cumprida; nem demandar dos seus
governantes o reforço de remédios comprovadamente incapazes de curar ou
mesmo minorar os problemas na área, como novos tipos penais, penas mais
longas, execução penal agravada, mais policiais e mais presídios. Afinal, este é o
caminho pelo qual temos trilhado por muitas décadas, sem que se tenha notícia
de resultados significativos, para além dos “efeitos colaterais” que agravam a
situação que se pretendia enfrentar2.
encontrou que, nas Polícias Civis brasileiras, 41% dos agentes e 40,1% dos delegados sustentam
o modelo vigente de polícia no Brasil, contra 56,4% dos delegados e 51,2% dos agentes que
desejam mudança. Para as posições conservadoras frente ao modelo que temos, o estudo
encontrou 40,9% dos policiais civis e 15% dos policiais militares (sem distinção de patente); mas
as pretensões de reformas profundas agregam, independentemente das patentes, 51,9% dos
policiais civis e 77% dos policiais militares.
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Em verdade, a imagem de “guerra contra o crime” é funcional às polícias para que aumentem
seu prestígio junto ao público. Quanto mais carentes de legitimidade forem as instituições policiais,
mais fortemente serão impulsionadas a associar o trabalho que realizam à idéia de “guerra contra
o crime”. Por outro lado, quanto mais este mito estiver ancorado nas expectativas sociais, maiores
4
As instituições policiais modernas, vocacionadas à redução das taxas de
criminalidade e de violência, têm a exata noção da complexidade das tarefas em
segurança pública. Razão pela qual não se apresentam como entidades míticas
capazes de resolver isoladamente problemas que começam muito antes delas e
que se desenvolvem, muitas vezes, longe de suas possibilidades de intervenção.
As Polícias mais eficientes do mundo se tornaram parceiras de muitas outras
instituições, porque o trabalho em rede aumenta suas possibilidades de êxito e
porque a interação com outros saberes permite ultrapassar limites. Entre outras
instituições, as universidades são tratadas com especial consideração. Afinal, as
melhores Polícias do mundo sabem que nenhum desafio em segurança pública
será superado - sequer formulado em seus devidos termos - sem o aporte da
ciência; sem a formulação criativa de hipóteses, sem o rigor da pesquisa empírica
ou sem a avaliação escrupulosa de resultados.
Polícias modernas, por fim,
sabem que é em suas relações com o público que podem constituir seu
patrimônio mais importante. Desta compreensão derivam procedimentos de
cordialidade, respeito e atenção com a cidadania que promovem vínculos e laços
de confiança. Uma conquista decisiva que permitirá aos policiais, nas relações
cotidianas com as comunidades onde prestam serviço, receber as informações
sem as quais nenhuma Polícia pode ser eficiente. Por isso, a descortesia, a
agressividade e a violência policial não são apenas características indesejáveis,
são manifestações claras de falta de profissionalismo e posturas que sabotam as
Polícias.
Não há qualquer maldição que afaste as Polícias brasileiras dos padrões
de excelência e das condutas profissionais que distinguem as Polícias das
nações mais desenvolvidas. Aliás, aquilo que de melhor é realizado pelas nossas
Polícias já insinua uma consciência democrática, um compromisso com o rigor
científico e uma aposta no estabelecimento de laços de confiança com as
comunidades. O que nos cabe é afastar os obstáculos institucionais que
serão as chances de os policiais agirem ilegalmente e com violência desmedida contra os
eventuais suspeitos. Afinal, se os criminosos forem situados para além da “comunidade moral”
(visão que tem sido reproduzida acriticamente no Brasil mais que em outras nações), mais
facilmente o tratamento que receberem dos policiais terá sido “merecido”, qualquer que seja este
tratamento.
5
dificultam a disseminação das melhores práticas policiais, a começar pelo modelo
de Polícia que herdamos.
Estas notas procuram sintetizar alguns dos desafios que me parecem
centrais para a elaboração de um Programa de Segurança Pública no RS. Não
trato aqui, por isso, de temas mais amplos que demandam mudanças no modelo
de polícia – embora me refira a este tema – ou que exigem políticas macroeconômicas ou alterações na legislação criminal.
Encaminho estes apontamentos para o debate como uma contribuição ao
novo Governo, na esperança de que ele consiga produzir as mudanças pelas
quais lutamos há tanto tempo.
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Política de Estado
1) Uma política de segurança pública deve ser concebida como um desafio de
Estado. Isto significa, primeiramente, que ela deve ser formulada por sobre os
limites, contingências e compromissos político-partidários que caracterizam os
diferentes governos, devendo se projetar para um período de algumas décadas muito maior, portanto, do que aqueles pressupostos pelo calendário eleitoral. Em
segundo lugar, isto significa que, tanto o processo de elaboração desta política,
quanto o de sua execução, devem envolver diferentes setores do governo,
rompendo-se, assim, já de início com a ideia equivocada e produtora de
ineficiência responsável pela “guetização” da segurança pública como tarefa de
uma só Secretaria e responsabilidade exclusiva das Polícias.
6
Necessidade de diagnóstico, monitoramento e avaliação sistemática
2) Políticas públicas eficientes exigem diagnósticos sérios, capazes de identificar
os principais desafios a partir do emprego dos modernos recursos de pesquisa
científica. Esta exigência não significa que o gestor público deva permanecer
inerte até a elaboração do diagnóstico. Quando tratamos de temas centrais para
a vida das pessoas, é preciso, sempre, construir os instrumentos de gestão –
ainda que sejam os mais básicos - ao longo do próprio processo de gestão. O
importante é perceber que não se terá a política pública necessária sem a
produção do competente diagnóstico. O Estado do RS nunca produziu um
diagnóstico em Segurança Pública.
Por decorrência, ficamos muito mais
expostos às improvisações e às respostas tipicamente demagógicas em tudo
contrapostas aos objetivos de uma gestão orientada por resultados. As
conseqüências deste amadorismo as temos colhido ao longo dos anos em taxas
crescentes de violência e insegurança e na prolongada crise dos serviços
prestados na área, efeitos que contrastam com os bons resultados obtidos em
outros estados, como, por exemplo, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco.
3) Diagnósticos precisos em segurança pública exigem a realização periódica de
Pesquisas de Vitimização3 (Victimization Surveys), além de outros estudos
técnicos.4 Com a realização continuada das Pesquisas de Vitimização
(preferencialmente uma a cada ano) é possível medir concretamente a evolução
das tendências criminais, coisa que o mero acompanhamento dos dados
derivados dos registros policiais não permite por conta do fenômeno sempre
muito relevante da subnotificação, ou “cifra obscura” (dark rate). A subnotificação
esconde problemas da maior gravidade como, por exemplo, a violência doméstica
que vitima crianças e mulheres, além de muitos outros delitos que, em regra, não
3
No Brasil, temos poucas pesquisas do tipo, a maior parte delas nos estados do Rio, São Paulo e
Minas. No RS, temos só 4 destes estudos (Alvorada, Porto Alegre, Esteio e Canoas). Até hoje não
temos uma só Pesquisa de Vitimização de âmbito estadual e, apesar dos esforços da SENASP, a
primeira pesquisa nacional em andamento debate-se com extraordinários problemas de execução.
4
Destacadamente os “Estudos de Auto-Relato” (Self-Report Studies) e os “Estudos de Perfil de
Homicídios” (Homicide Studies).
7
são comunicados. Muitas vezes, as vítimas simplesmente deixam de registrar a
ocorrência porque não confiam na Polícia e não desejam perder tempo com isso.
Em outras oportunidades, as vítimas temem eventuais represálias e sentem-se
inseguras para efetuar a queixa. Mas há também situações muito comuns onde
as vítimas conhecem os agressores e não desejam o envolvimento da Polícia,
seja porque entendem que podem resolver melhor o problema sozinhas, seja
porque não desejam a punição do agressor com quem mantém algum vínculo.
Por fim, há situações onde o registro policial deixa de ser feito porque as vítimas
sequer possuem as informações necessárias a respeito dos recursos existentes
para a garantia dos seus direitos ou porque não podem se deslocar até uma
Delegacia. A estes motivos devemos acrescentar a realidade dos chamados
“crimes sem vítima”, como o tráfico de drogas e o jogo ilegal, e os crimes que
afetam comunidades inteiras, a médio e longo prazo, mas que não atingem,
individualmente, esta ou aquela pessoa e que, portanto, também não ensejam
queixas policiais. Entre estes últimos, temos, por exemplo, os crimes ambientais,
os delitos de sonegação de impostos, de corrupção, entre outros, não
casualmente crimes praticados mais comumente pelas elites econômicas.
4) Políticas públicas eficientes necessitam de monitoramento constante e de
avaliações sistemáticas; estas realizadas por institutos independentes. Não é
possível que o Estado siga implementando projetos que nunca são avaliados
seriamente. O resultado desta desídia é um desperdício enorme de recursos
públicos, o que é especialmente comum na área da segurança pública, por conta
da ideologização dos temas e do predominância de concepções primárias de
gestão5.
Entretanto,
para
que
estes
procedimentos
sejam
viáveis,
é
imprescindível que a base de dados disponível seja da melhor qualidade.
Especial atenção, por isso, deve ser oferecida à estruturação de um serviço
modelar de estatística e georeferenciamento, a partir de contratação de empresa
5
Os exemplos são inúmeros. Observe-se, a título de ilustração, o absurdo de termos um programa
de prevenção ao consumo de drogas – o PROERD – disseminado em todo o país já há muitos
anos (início em 1992 no RJ e em 1998 no RS) – o que significa expressivos custos de
oportunidade – que jamais recebeu uma avaliação séria por instituição independente. O programa
foi importado dos EUA (do Drug Abuse Resistance Education- D.A.R.E) onde as avaliações têm
demonstrado que as palestras em escola não apenas são ineficientes como, em alguns casos,
8
6
especializada e/ou instituto de padrão internacional . No Brasil, o setor que mais
avançou nesta área e que poderia oferecer os serviços de maior qualidade é o
Centro de Estudos da Criminalidade e da Segurança Pública (CRISP), da UFMG.
O CRISP também pode formar e/ou especializar gestores e policiais no manuseio
dos softwares mais modernos de georeferenciamento e na gestão de
informações.
Foco na redução das taxas de homicídio
5) Na ausência destes estudos preliminares devemos tomar a taxa de homicídios7
como o único dado confiável para se estimar dinâmicas violentas. Isto porque as
taxas de subnotificação para este crime são desprezíveis (o número de
cadáveres não encontrados não produz novidades estatísticas).
No mais, os
homicídios no Brasil são registrados por duas dinâmicas diferenciadas: inquéritos
policiais e atestados de óbito, o que diminui a margem para erros ou para a
8
manipulação de dados . A partir desta decisão, o Governo do Estado deve focar
seus esforços preventivos no objetivo de reduzir significativamente a taxa de
homicídios, concentrando seus maiores esforços nas regiões conflagradas,
nomeadamente em “bolsões de violência” na Capital e na região metropolitana.
Por desinformação, ainda há quem imagine que os crimes dolosos com resultado
morte ocorrem segundo dinâmicas conflitivas que escapam à capacidade de
intervenção das Polícias ou, mais amplamente, do Estado. Trata-se de posição
não apenas equivocada e desprovida de qualquer base científica9, mas
tendem a agravar o problema do consumo de drogas (ver, entre outros: Sherman et al; 1997). O
que ocorre no Brasil? Ninguém sabe.
6
A Brigada Militar montou, recentemente, um razoável programa de georeferenciamento, feito
exclusivamente com o trabalho de alguns poucos policiais. Este serviço – do qual a instituição
ainda não se aproveitou efetivamente - deve ter continuidade para que seja aperfeiçoado e não
desconsiderado.
7
Lembrando que empregamos a expressão “homicídio” aqui de acordo com a criminologia
contemporânea, ou seja: para designar todos os crimes dolosos com resultado morte, o que
agrega também latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.
8
Embora ela siga existindo como o demonstram as inúmeras mortes registradas no Rio de Janeiro
sob a denominação “autos de resistência”.
9
No mais, desinformadas quanto às experiências exitosas em curso no Brasil como a
impressionante redução dos homicídios no estado de São Paulo na última década, ou como os
9
profundamente perigosa pelas conseqüências que acarreta. Também por
opiniões deste tipo temos assistido a uma tendência de crescimento nas taxas de
homicídio no RS, o que pode ser observado no quadro abaixo10:
Rio Grande do Sul –
2004
2005
2006
2007
2008
Homicídios dolosos -
1.808 1.783
1.862
2.055
2.276
17,0
18,5
21,0
Taxas p/100 mil -
17,0
16,4
Fonte: Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública - 2010
O que ocorre é que sucessivos governos em nosso estado nunca definiram
o objetivo central da redução das taxas de homicídios, se abstendo de
desenvolver políticas públicas específicas e eficazes que teriam evitado muitas
mortes. É preciso, finalmente, que as Polícias gaúchas façam parte de um
esforço concentrado e consistente – de natureza interdisciplinar e transversal
entre várias Secretarias de Estado – com foco no objetivo de reduzir o número de
crimes dolosos com resultado morte no RS. Além de uma presença maior da
Brigada Militar em áreas tradicionalmente abandonadas pelo Estado e
contaminadas por dinâmicas especialmente graves de violência, caberá investir
recursos que promovam a) políticas sociais focadas no enfrentamento dos fatores
de risco e nos agenciamentos para o crime e a violência; b) a inteligência e a
capacidade de investigação da Polícia Civil e c) que melhorem substancialmente
as condições necessárias à produção da prova técnica pelos profissionais no
Instituto Geral de Perícias (IGP). Com estas duas últimas providências, assinalese, estaremos oferecendo a mais importante contribuição ao combate à
impunidade, problema grave no Brasil e que – ao contrário do que imagina o
senso comum – não se vincula à legislação penal, mas à qualidade da prova.
efeitos preventivos do Programa “Fica Vivo” em Belo Horizonte e, mais recentemente, a redução
expressiva dos crimes dolosos com resultado morte nas áreas servidas pelas UPPs no Rio.
10
Os dados da SSP/RS sobre homicídios nesta série temporal são inferiores a estes, aparecem
desagregados dos latrocínios e não computam casos de lesões corporais seguidas de morte, entre
outras inconsistências.
10
6) Política de segurança fundada no enfrentamento dos fatores de risco
Na moderna criminologia se trabalha cada vez mais com o “paradigma dos
fatores de risco” (FARRINGTON, 2000). A ideia básica é identificar os fatores-
chave que aumentam as chances para a prática de infrações e desenhar as
iniciativas de prevenção adequadas e específicas. Como na Medicina, isto
pressupõe diagnósticos concretos, o que significa que não há receitas genéricas.
Sabemos que o impacto dos fatores de risco varia muito de acordo com o
estágio de desenvolvimento dos indivíduos e que exposição a múltiplos
fatores de risco geram efeitos cumulativos. Assim, por exemplo, negligência,
abuso sexual e maus tratos sobre crianças são fortes fatores de risco para o
crime e a violência na idade adulta. O que não significa qualquer determinação,
mas apenas uma relação probabilística. O RS possui altíssimos indicadores para
negligência, abusos sexuais e maus-tratos sobre crianças, o que indica a
necessidade de delinear iniciativas de prevenção efetivas. Uma das coisas a
fazer é formar professores para o diagnóstico precoce destes casos em sala de
aula. Os professores capacitados seriam multiplicadores em suas escolas. No
caso de suspeição de negligência, abuso ou maus-tratos, a criança seria
imediatamente referenciada nos serviços de saúde, que providenciariam na visita
domiciliar. Um programa do tipo poderia alcançar quase todas as crianças do RS
e reduzir pela metade o envolvimento com o crime e a violência em 15 anos11. Há
muitos fatores de risco para o crime e a violência de natureza individual – como a
impulsividade, por exemplo –, assim como fatores de risco que operam nas
famílias, nas escolas e nas comunidades. Os gestores devem estimular o
conhecimento destes fatores e pensar quais as respostas a serem oferecidas
pelo Programa de Segurança.12
11
Há muitas referências a respeito, mas a mais conhecida – de onde retiro a projeção no tempo –
é a experiência de Elmira, NY, nos EUA (Olds, D.L.; Henderson, C.R.; Chamberlin, R. e Tatelbaum,
R. (1986), “Preventing Child Abuse and Neglect: A Randomized Trial of Nurse Home Visitation”,
Pediatrics, 78: 65-78. Apud Farrington (2002:683).
12
Uma introdução ao tema pode ser encontrada em Prevenção e Fatores de Risco: o que pode
nos dizer a moderna criminologia in: Rolim (2006)
11
7) Política de segurança fundada na redução dos agenciamentos para o
crime e a violência
Se os fatores de risco são as circunstâncias pretéritas que aumentam as
chances de envolvimento futuro com o crime e a violência, os “agenciamentos”
são as circunstâncias imediatas que tornam o crime e a violência possíveis.
Como se sabe, muitos crimes – especialmente aqueles de natureza patrimonial –
só ocorrem diante de determinada situação percebida como favorável pelo
potencial infrator. Desconstituir estas situações é um dos caminhos mais rápidos
para reduzir as taxas criminais. A principal estratégia nesta área é conhecida
como “prevenção situacional”. Há inúmeras e conhecidas experiências vitoriosas
de prevenção situacional, algumas, inclusive, no Brasil. Nos limites deste texto,
importa apenas destacar a necessidade de um cuidado especial com dois
agenciamentos muito operantes no RS: o abuso no consumo de bebidas
alcoólicas e a considerável disponibilidade de armas de fogo. Uma política de
segurança séria deve tratar destes e outros agenciamentos a partir de iniciativas
específicas. Um bom começo seria retomar com força a fiscalização sobre a
embriaguês ao volante, reabrir o debate sobre a restrição dos horários de venda
de bebidas alcoólicas e introduzir programa de premiação em dinheiro aos
policiais para cada arma apreendida13.
Criar as Áreas Integradas de Segurança
8) É decisivo para a definição de responsabilidades e metas e para que exista
uma racionalidade estruturante nas ações em segurança pública que os serviços
de policiamento ostensivo e judiciário sejam oferecidos concomitantemente nos
mesmos distritos geográficos. Assim, é preciso reformatar e unificar os distritos
policiais, a começar pela Capital e região metropolitana. Em cada um destes
13
A referência mais interessante sobre esta iniciativa vem sendo o programa em vigor no Paraná.
Caso o programa se destine também aos cidadãos que entregarem armas de fogo, deve-se
apenas ter o cuidado para circunscrever esta possibilidade a um período curto de tempo, de forma
a não criar o efeito indesejado da descriminalização – na prática – do porte ilegal.
12
distritos um Oficial da Polícia Militar e um Delegado de Polícia serão os
14
responsáveis pelas ações na área . As Áreas Integradas de Segurança (AIS),
subordinadas ao Gabinete de Gestão Integrada (GGI), devem se reunir
mensalmente para debater as dinâmicas criminais e violentas da região e para a
definição de metas de curto, médio e longo prazo. Participam das reuniões, além
dos dirigentes da área, os policiais com maior conhecimento sobre as dinâmicas
criminais e violentas da região – independente de patente ou cargo – e
representantes das instituições parceiras da sociedade civil e das instituições
afetas ao tema da segurança pública, respeitadas as particularidades regionais.
As reuniões de área, direcionadas para o objetivo de posições consensuais,
serão acompanhadas pelo GGI e pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) e
seus resultados monitorados mensalmente. Uma tendência insatisfatória
persistente quanto aos resultados implicará na substituição dos responsáveis pela
área.
Efetuar a transição de toda a polícia para o modelo comunitário
9) É necessário iniciar uma transição para o modelo de policiamento comunitário
no RS, para além dos rótulos e do uso meramente retórico da expressão. Para
que isso seja possível, precisaremos de um programa especial de formação
sobre este modelo, além de redefinir os critérios de ingresso nas corporações
policiais. O policial comunitário tem, necessariamente, uma margem maior de
discricionariedade em suas ações (o que pressupõe relações hierárquicas de
outro tipo, com maior autonomia para a “ponta”), devendo, por isso mesmo, ser
mais capacitado. Alguns países têm valorizado especialmente a capacidade de
liderança e as habilidades de interação social dos que pretendem ingressar nas
Polícias. A Suécia, por exemplo, exige - como condição preliminar para a seleção
- que os pretendentes comprovem já terem exercido funções relevantes de
natureza
14
comunitária.
Na
maioria
dos
estados
brasileiros,
A experiência de Belo Horizonte, neste particular, é bastante significativa.
os
critérios
13
15
predominantes de recrutamento e, particularmente, o “currículo oculto”
manipulado por gestores reacionários, têm excluído sistematicamente todos os
pretendentes que revelem experiência sindical, política ou comunitária. Todo e
qualquer
sinal de
consciência
crítica,
independência
e
capacidade
de
reivindicação têm sido tomados como um risco pelos recrutadores que se valem,
entre outros recursos, dos exames ditos “psicotécnicos” e das entrevistas para
excluir o que lhes parece constituir um perfil “incômodo”. Além de valorizar a
experiência associativa, a sensibilidade social e as habilidades de interação, os
novos
critérios
de
recrutamento
devem
introduzir
avaliações
técnicas
competentes para a medição do estágio de moralidade dos pretendentes16.
Policiais devem ter um senso moral superior a média da população.
Primeiramente, porque terão ao seu encargo a possibilidade de decidir sobre a
vida e a liberdade. Em segundo lugar, porque a natureza de suas funções os
coloca em contato com infinitas possibilidades de desvios de conduta.
10) Não há policiamento comunitário sem a desvinculação dos policiais do
sistema de atendimento de emergências e sem a fixação destes profissionais em
áreas determinadas para a prestação regular de jornadas diárias de trabalho. É
muito importante que estes policiais efetuem o patrulhamento em duplas, a pé ou
a cavalo, para que possam se relacionar com os residentes, conhecê-los e se
tornarem conhecidos. É aconselhável que estes policiais forneçam o número do
seu celular para que os moradores possam acioná-los sempre que necessário17.
Importante lembrar que o modelo de policiamento comunitário exige que cada
comunidade selecione as suas prioridades de policiamento.
15
O conceito não diz respeito apenas ao tipo de instrução marcada por conteúdos e concepções
pedagógicas não anunciadas, mas abarca, também, os valores reproduzidos culturalmente dentro
da instituição pelos próprios policiais.
16
A metodologia introduzida por Lawrence Kohlberg permite esta medição com o emprego de
dilemas morais e análise das justificativas oferecidas para suas soluções.
17
A base ou unidade de policiamento comunitário deverá dispor, na retaguarda, de uma viatura
para prestação de serviços na região e apenas na região.
14
Assumir posição clara sobre reforma do modelo de Polícia
11) O Governo do Estado deve ter posição definida a respeito da mudança no
atual modelo de Polícia, fonte de inúmeras distorções e limites; até para que
tenha protagonismo no movimento nacional pela reforma na segurança pública.
Esta posição deve assumir a necessidade das instituições policiais terem,
finalmente, o “ciclo completo de policiamento”, como qualquer Polícia no mundo
(o que significa efetuar todas as funções necessárias ao policiamento, do
patrulhamento ostensivo à investigação), colocando um fim ao tensionamento e
às hostilidades entre as corporações que são estimuladas sistemicamente pelo
modelo esquizóide atual. Para que as Polícias estaduais possam agir de forma
complementar, o ideal seria atribuir a cada uma delas a responsabilidade por
tipos penais diferentes, reservando às Polícias Militares alguns dos crimes mais
freqüentes, como os delitos patrimoniais e as lesões corporais e definindo para as
Polícias Civis a responsabilidade do tratamento dos crimes dolosos com resultado
morte, tráfico de drogas e crimes do “colarinho branco”, entre outros. Além disso,
seria decisivo que o novo modelo de Polícia assegurasse em cada instituição
policial uma única carreira (vale dizer: uma única porta de entrada para cada
Polícia), o que equivale a assegurar aos policiais brasileiros o direito a um futuro
em suas corporações. Com a carreira única, toda seleção para as Polícias seria
feita para os postos iniciais de patrulhamento, a partir do quê - por antiguidade e
merecimento - se poderia alcançar a uma progressão contínua até, no limite,
alcançar a chefia/comando de Polícia. Assim, como ocorre em todo o mundo,
todos os chefes/comandantes de Polícia teriam sido, um dia, patrulheiros.
Modificações deste porte, por óbvio, dependem de reforma constitucional, vez
que o modelo de Polícia no Brasil foi inserido na C.F. (art.144). Mas as eventuais
modificações estruturais que podem ser implementadas no âmbito da gestão
estadual devem ser coerentes com o modelo de Polícia que se pretenda alcançar.
15
Qualificar os policiais
12) Orientado pela busca de um modelo alternativo de policiamento, o Governo
deve dar especial atenção à qualificação dos novos policiais. A proposta é a de
que possamos evoluir para a exigência universal de curso superior para o
ingresso
nas
corporações,
buscando
assegurar,
desde
logo,
com
as
universidades do RS, o oferecimento de cursos de graduação em segurança
pública. A inexistência destes cursos no Brasil atesta a desimportância conferida
ao tema. Neste particular, o Governo do Estado poderia assumir a vanguarda dos
esforços pela qualificação dos serviços na área, estimulando seus policiais com
bolsas para a formação superior e para a pós-graduação. Atualmente, nossas
Polícias não incentivam a formação acadêmica. Nos cursos de especialização
que integram a RENAESP no RS, os alunos policiais não são liberados das
escalas de trabalho sequer no horário de suas aulas. O bacharelado em
segurança pública, por seu turno, daria a condição de, pela primeira vez no Brasil,
o Estado passar a recrutar pessoas com formação específica na área18.
Elaborar Manual de Procedimentos Policiais
13) A Secretaria de Segurança Pública deve encomendar os serviços de
consultoria necessários para a elaboração de um “Manual de Procedimentos
Policiais”. Este documento - inexistente no Brasil - integraria o centro da
formação oferecida pelas academias de Polícia trazendo, também, comentários e
18
Nas demais funções públicas o Estado pode recrutar - através dos processos seletivos profissionais de nível superior que precisarão, no máximo, de um período de formação específica.
Na área da segurança pública, a regra é oposta. Grande parte dos nossos policiais e demais
agentes de segurança não possuem formação superior e a concepção ainda hegemônica é a de
que determinadas funções policiais não exigiriam tal qualificação. A ideia remete,
necessariamente, para uma concepção distorcida do mandato policial, um dos mais complexos e
difíceis do mundo contemporâneo. Assinale-se que policiais sem formação superior não são
apenas a grande maioria entre os praças das Polícias Militares. Segundo o “Perfil das
Organizações de Segurança Pública” produzido pela SENASP em 2006, a formação de nível
médio segue sendo, em regra, definida como a escolaridade mínima nas Polícias Civis para as
funções de investigador, agente, papiloscopista e escrivão, ainda que parte destes profissionais já
possua curso superior. Mesmo no caso dos Delegados de Polícia, função para a qual é exigida a
titulação em Direito, não estamos diante de qualificação acadêmica que possa ser considerada
suficiente, vez que o perfil da autoridade policial não se confunde com a formação jurídica.
16
indicações a respeito das leis vigentes que regulam a atividade policial. Além
desta função, o Manual seria amplamente divulgado de forma a permitir que a
cidadania saiba, exatamente, o que se espera que um policial faça em cada
situação concreta. Com este tipo de informação, todos poderão colaborar mais
com os policiais e também fiscalizar melhor seu trabalho.
Criar Corregedoria independente para as Polícias e a Susepe
14) O Governo do Estado deve realizar estudo para a elaboração de projeto de
lei, propondo a criação de uma Corregedoria Independente para os serviços
policiais e penitenciários, com cargos a serem preenchidos por concurso público.
Trata-se de medida imprescindível para a efetiva correição nestas áreas; uma
tarefa que não pode ser desempenhada a contento enquanto os corregedores
forem integrantes dos mesmos quadros funcionais nas Polícias ou na Susepe e
souberem que, em um futuro próximo, poderão ser subordinados daqueles que
hoje devem investigar.
Estruturar as carreiras policiais
15) Seria muito importante abrir uma ampla discussão com as Polícias estaduais
para a construção de planos de carreira que assegurem maiores possibilidades
de
progressão
funcional
e
melhores
remunerações
por
antiguidade
e
merecimento. Uma proposta do tipo, se vitoriosa, poderia contornar a evasão de
policiais; um problema antigo nas Polícias – especialmente na Brigada Militar,
mas que tem alcançado proporções muito preocupantes nos últimos anos. Por
conta dos baixos salários, as Polícias nunca completam seus efetivos. O Estado
investe somas consideráveis na formação de milhares de policiais que, após
curtos períodos nas corporações, migram para oportunidades de emprego mais
vantajosas. Mais recentemente, as Polícias começaram a perder Oficiais e
Delegados por conta do mesmo problema. A segurança oferecida por um bom
17
plano de carreira diminuiria sensivelmente este problema. Igualmente decisiva é
a segurança contra a partidarização das promoções e/ou benefícios funcionais.
Um governo sério deve blindar as Polícias contra este tipo de intervenção nãorepublicana, infelizmente ainda muito comum. Nada disso, é claro, contorna a
necessidade de assegurar melhores salários aos policiais, destacadamente aos
que recebem menos. Uma alternativa interessante para uma resposta rápida é a
concessão de bolsas de formação pelo Estado, na linha do programa
desenvolvido pela SENASP, mas com o cuidado de oferecer material didático
padronizado para os cursos e de avaliar em profundidade o desempenho dos
alunos.
Superar o “bico”
16) O tema das bolsas de estudo e da construção de planos de carreira permitirá
abordar a distorção do segundo emprego (“bico”). Tradicionalmente, sucessivos
governos têm se omitido de enfrentar este problema. Na verdade, a disseminação
do “bico” foi o preço a pagar pela omissão do Estado em assegurar salários
dignos aos seus policiais. Sabedores disto, os gestores fingem que o problema
não é grave enquanto seguem adiando sua solução. Esta conduta, entretanto,
encerra riscos insuportáveis para a segurança pública. Primeiramente, o “bico” é
um perigo para os próprios policiais. Como eles trabalham, quase sempre, em um
segundo emprego na área da segurança privada, terminam se expondo muito
mais exatamente quanto estão “de folga”. Nestes momentos, são muito mais
facilmente alvejados por criminosos o que explica o aparente paradoxo de um
número muito maior de policiais mortos “na folga” que em serviço no Brasil. Em
segundo lugar, o “bico” deprecia a segurança pública e coloca os policiais,
objetivamente, em uma posição de conflito de interesses. Afinal, quanto pior for a
segurança pública, maiores serão as oportunidades de trabalho na segurança
privada. Assim, se os policiais ganham mais prestando serviços privados a lojistas
em uma região central da cidade, por exemplo, por que razões deveriam se
comprometer com o desenvolvimento e a execução de um projeto de segurança
pública que assegure aos lojistas daquela região a necessária proteção contra
18
furtos e roubos? O conflito de interesses alcança seu paroxismo quando alguns
destes policiais estruturam empresas de segurança, administrando-as com o uso
de “laranjas”.
A realidade disseminada do “bico”, por outro lado, começa a
redefinir o cotidiano policial, estruturando jornadas de trabalho irreais e
completamente disfuncionais como os famosos turnos de 24/72h. Não há uma
só instituição pública ou privada no mundo que funcione em turnos de 24 horas
por 72h de folga. Entretanto, tais jornadas têm sido comuns em muitos
departamentos policiais no Brasil e no sistema penitenciário, inclusive no RS.
Implantar o projeto “Delegacia Legal”
17) Nossas delegacias de Polícia são, quase sempre, espaços lúgubres sem as
mínimas condições de trabalho e recepção ao público. Em alguns casos, estão
instaladas em prédios antigos e degradados, com problemas variados de infraestrutura. Como regra, as vítimas não possuem um espaço adequado para serem
atendidas
e
faltam
recursos
básicos
como
salas
espelhadas
para
reconhecimento, ou salas de reunião e planejamento policial. Um programa de
segurança pública no RS deve construir um Plano Diretor para a construção de
novas Delegacias de Polícia referenciado no mais importante projeto do gênero
no Brasil, a “Delegacia Legal”, concebido por Luiz Eduardo Soares no RJ
(SOARES, 2000). Pelo projeto, os novos prédios oferecem as melhores
condições de acesso e trabalho, com projetos arquitetônicos que impedem a
construção de “calabouços” ou celas isoladas de qualquer monitoramento.
Melhor instalados, em espaços modernos, confortáveis, iluminados e arejados e
transparentes, o trabalho policial será também valorizado. As Delegacias Legais
contarão com modernos recursos de informática que se comunicarão entre si e
com os demais bancos de dados em segurança pública, segundo um plano
central de fluxo e gerência de informações. Todo o setor de atendimento ao
público passa a ser efetivado por estagiários universitários, especialmente
capacitados para a tarefa, o que libera os policias civis para as tarefas de
investigação e análise de dados.
19
Reformar o sistema prisional do RS
18) O Estado vive uma crise sem precedentes em seu sistema penitenciário. A
falta de uma política criminal orientada pelo direito penal mínimo no Brasil, a
19
ausência de investimentos na área em sucessivos governos , a disseminação da
violência e da corrupção no sistema e a precariedade do controle sobre a
execução das penas, tornou a realidade penitenciária do RS um dos desafios
mais graves e urgentes para o novo governo. Por óbvio, os termos desta crise –
tais como ela nos foi legada - exigirão a construção de novos estabelecimentos
prisionais. Não há divergências quanto a este ponto. Devemos ter em mente,
entretanto, que a) a ampliação de vagas constitui sempre uma medida tópica,
capaz de distensionar – mais ou menos – a realidade da superlotação prisional,
mas incapaz de construir uma resposta sustentável para este problema e b) que
a construção de novas prisões é sempre a decorrência de uma visão mais ampla
a respeito do tipo de execução penal que desejamos construir. Esta definição é
dependente de um Programa de Segurança Pública. Não se trata, então, como
pressupõe o senso comum de apenas “construir cadeias”.
Não descartar as PPPs
19)
As Parcerias Público Privadas para a construção de novas prisões não
devem ser descartadas e podem oferecer oportunidades relevantes para o
Estado. A decisão sobre este tema deve se dar com base em propostas
concretas – o que inclui custos e qualidade dos serviços para uma boa execução
penal - e não em princípios ideológicos. As PPPs devem ser vistas tão-somente
como um recurso de gestão que deverá ter a preferência do governo se e apenas
se o modelo proposto se justificar como o melhor caminho para resguardar o
interesse público. Neste particular, a experiência internacional evidencia que não
há qualquer receita e que as PPPs podem ser um desastre como na experiência
19
A experiência recente, com o Governo Yeda, foi uma das mais terríveis para o sistema prisional.
Para que se tenha uma ideia, no ano de 2008, o governo gastou 231 milhões no sistema e, em
2009, 126 milhões. Uma diminuição de 45% nos gastos em apenas um ano (!)
20
norte-americana
ou
um
sucesso
como
em
alguns
projetos
britânicos.
Independentemente desta possibilidade, o Estado deve examinar de forma
criteriosa a possibilidade de terceirizar alguns dos serviços prisionais, como o
fornecimento da alimentação e, em alguns casos, o próprio serviço de guarda
interna. Para que providências do tipo possam produzir bons resultados será
necessário construir projetos-piloto com fortes mecanismos de regulação.
Estabelecer novo modelo arquitetônico para as prisões
20) O modelo arquitetônico de uma prisão é a primeira definição que irá impactar
a execução penal. No Brasil, o modelo que temos é a da construção de “caixotes
de concreto” como pavilhões em que celas são alinhadas por galerias
retangulares. Este modelo deve ser abandonado. Ele não é apenas ruim. É caro,
ineficiente, perigoso e extremamente funcional à violência. Primeiramente, é
preciso lembrar que a pena privativa de liberdade não pressupõe que os
condenados permaneçam dentro de celas. A LEP menciona a necessidade de se
observar a “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação” (art. 41, inc. V). Logo, a concepção arquitetônica de um
estabelecimento prisional deve permitir que os presos usufruam em tempo
proporcional do trabalho, do descanso e da recreação. Deveríamos ainda
acrescentar o tempo necessário ao estudo como uma exigência básica para a
execução penal e lembrar que os detentos recebem visitas, precisam de
atendimento médico, se entrevistam com seus defensores e, eventualmente, são
conduzidos para audiências por requisição judicial. Ora, apenas estas situações
já pressupõem um conjunto diário de deslocamentos dos condenados para
espaços distintos dentro de um presídio, necessidade que deve ser viabilizada
por um projeto que torne esta movimentação segura e ágil.
A superlotação
prisional fez com que na grande maioria dos presídios brasileiros, os presos
estejam
isolados
em
galerias,
não
em
celas.
Lidamos,
assim,
com
encarceramentos coletivos – vedados por lei – que viabilizam uma série de
21
constrangimentos e de violações sobre os presos, sejam aquelas produzidas pelo
Estado, sejam aquelas produzidas nas próprias relações entre os internos. Mas
se os projetos arquitetônicos não contassem com galerias, não teríamos chegado
à situação atual. Em vários lugares do mundo, novas arquiteturas têm sido
testadas, com vantagens importantes.
Em diferentes países temos prisões
construídas com o modelo “meia-lua”, com celas superpostas em andares com
todos os corredores voltados para o setor central de vigilância, o que permite um
controle mais efetivo sobre a execução penal20. Ao contrário do “Panopticon”,
entretanto, este modelo não será dirigido pelo objetivo da vigilância, nem contará
com uma torre central (as celas não estarão expostas ao olhar invasivo de quem
quer que seja). A ideia é a de garantir a segurança dos internos e a facilidade do
deslocamento dos presos para atividades diversas. Detalhes do projeto
arquitetônico podem fazer toda a diferença como, por exemplo, o controle
eletrônico sobre todas as portas (o que permite a rápida evacuação em caso de
incêndio), a existência de corredores com telas que permitam o deslocamento
sem contato com os guardas, espaço reservado para as visitas – incluindo a visita
íntima - e a existência de “salas de transição”, para a troca de roupas antes e
depois do contato com as visitas21. No mais, os novos projetos devem oferecer
aos ambientes de trabalho e estudo uma grande importância, o que pressupõe,
também, mudanças importantes de concepção sobre a instituição. De modo
geral, presídios não precisam ser construídos em concreto; especialmente
quando nos referimos aos estabelecimentos destinados à grande maioria dos
presos. Há outras providências em segurança mais efetivas e baratas a serem
implementadas em presídios de segurança média e baixa. Mas o que, de fato,
pode fazer de um estabelecimento prisional um espaço seguro é o conceito de
20
O fato de Foucault (2009) ter tomado o modelo do “Panopticon” concebido por Jeremy Bentham
em 1765 como uma metáfora para sua crítica à “sociedade disciplinar” criou uma resistência à
ideia de vigilância que, possivelmente, impediu que o modelo “meia-lua” se tornasse mais comum.
Ainda assim, prisões importantes nos EUA, no Canadá, na Espanha, Austrália, Inglaterra, México,
Nova Zelândia, Polônia, Hungria, Holanda, África do Sul, Cuba entre outros países, foram
inspiradas no modelo de Bentham.
21
Nestas salas, o preso entra por uma porta e, sob observação de um agente de segurança em
uma sala contígua separada por janela de vidro, se despe e recebe a roupa para o contato com a
visita. No retorno, a operação é repetida em sentido inverso. Este procedimento permite o controle
sobre o preso, sem qualquer contato físico (portanto, sem o risco de abusos) ao invés da
submissão das visitas à rotina humilhante e ilegal das revistas íntimas.
22
execução penal nele vigente. Se o estabelecimento for orientado pelo respeito e
pelos desafios da integração social, seguindo-se o princípio “contenção interna
mínima, contenção externa máxima”, os presos serão os primeiros a responder
22
positivamente .
Definir marco legal para a reforma prisional
21) O RS necessita de um marco legal para a reforma do sistema prisional. Ao
contrário do que comumente se imagina, os estados podem legislar sobre
presídios, desde que respeitados os comandos constitucionais e as definições da
LEP; desafio que não se confunde com matéria penal que só pode ser definida
por legislação federal. Assim, matérias como a proibição das revistas íntimas, a
regulação das visitas, a definição das faltas médias e leves, a definição de
medidas de segurança prisional, o uso de detectores de metal, a proibição do
porte e armazenamento de armas de fogo dentro das unidades prisionais, o
estabelecimento do instituto da representação prisional, entre muitas outras
reformas podem e devem ser objeto de lei estadual.
Resposta aos municípios que colaboram e aos que não colaboram
22) O governo do Estado não deve ser complacente com as posições retrógradas
e oportunistas dos prefeitos e comunidades que se recusam a receber presídios
em seus municípios. É correto assegurar aos municípios que receberão os novos
estabelecimentos prisionais uma série de outros investimentos sociais, mas é
também correto excluir os municípios que se negarem a colaborar com a
construção dos novos estabelecimentos dos investimentos previstos por
determinados programas governamentais. Aliás, o Estado deve exercer as
possibilidades virtuosas da indução de políticas públicas pelos municípios
22
Para a elaboração de novos projetos prisionais, seria interessante levar em conta algumas
experiências promissoras que têm sido implementadas em outros estados como, por exemplo, o
“Projeto Respeito” em Goiás. O “Projeto Povoado” que apresentei ao Ministério da Justiça é outra
possibilidade a ser considerada como um piloto.
23
estabelecendo, por exemplo, critérios de elegibilidade para o acesso aos
investimentos de vários dos seus programas. Trata-se de uma providência
elementar de gestão quando se trabalha com foco em resultados e não na
montagem de dinâmicas de clientela político-eleitoral.
Implantar Programa de Apoio ao Egresso
23) O aprisionamento em massa praticado no Brasil tem alavancado as taxas de
criminalidade e violência. As dinâmicas sociais que explicam o fenômeno são
complexas, mas estão centradas em dois processos: a precipitação dos vínculos
criminais agenciados pelo cárcere (algo como uma socialização no crime) e o
estigma social sobre o egresso do sistema prisional, funcionando como uma
condenação perpétua.
Ora, se os egressos procuram alternativas legais de
sobrevivência - como ocorre em milhares de vezes - e todas as
portas se
fecham, parece lógico que ele seja como que “empurrado” para alternativas
ilegais. Tudo se passa como uma profecia que se auto-cumpre. Não damos
chance aos egressos, sequer possibilitamos oportunidades àqueles que portam
suas cartas de reabilitação, porque, pensamos, são “bandidos”. E porque os
tratamos assim, asseguramos que a sentença se cumpra e que muitos entre eles
retomem, de fato, uma carreira criminal. O mercado não é capaz de resolver este
tipo de problema. Por isso mesmo o processo de agenciamento de novas
dinâmicas criminais por conta da experiência de prisão segue operante em
qualquer circunstância macro-econômica. Sabemos que uma parcela expressiva
dos crimes de rua (furtos e roubos, especialmente) é cometida por exprisioneiros. A pergunta, então, é: por que não investir no apoio aos egressos
como iniciativa eficaz de redução das taxas criminais?
A sugestão – de
prevenção terciária - é a de que o Governo Estadual desenvolva um amplo e
ousado programa de apoio aos egressos, garantindo-lhes por um período
razoável de tempo um salário mínimo mensal, desde que o beneficiário se vincule
a um dos curso de formação profissional que serão oferecidos pelo programa. O
24
programa, para ser eficaz, deverá, além de promover capacitação que habilite o
egresso à inserção no mercado de trabalho, prever incentivos fiscais às empresas
que os empregarem23.
Monitoramento eletrônico apenas como alternativa ao cárcere
24) No mundo inteiro, o uso de monitoramento eletrônico sobre condenados tem
sido um dos recursos mais importantes para que se evite o encarceramento. Na
maioria dos países ocidentais há a previsão da prisão preventiva domiciliar, além
de outras medidas como as penas curtas de restrição de liberdade (com o quê se
pode condenar alguém a não se afastar de um determinado perímetro por alguns
meses, por exemplo: um bairro). No Brasil, o monitoramento eletrônico já foi
apresentado como mais uma medida de controle sobre os condenados às penas
privativas de liberdade, o que assinala absoluta impropriedade e desperdício de
recursos. Houve mesmo quem – entre ingênuos e interessados – anunciasse a
medida como uma iniciativa de prevenção vez que agora seria possível saber
onde os condenados estavam quando em liberdade condicional, trabalho externo
ou saída temporária. Sim, faltou dizer que saber onde as pessoas estão não tem
nada a ver com saber o que as pessoas estão fazendo. O uso de tornozeleiras
eletrônicas não produz qualquer efeito inibitório apreciável e é ridículo empenhar
recursos públicos a partir desta pretensão. No mais, ela deveria pressupor que
cada um dos condenados que está usando o aparelho estará sendo
acompanhado em uma sala de monitoramento por um agente público ou que,
pelo menos, haverá um agente público para acompanhar os deslocamentos de
um pequeno grupo de usuários do equipamento – o que, por si só, já agrega um
enorme “custo de oportunidade”, um custo, aliás, impensável em um país onde
faltam agentes nas prisões e policiais nas ruas24. O emprego desta tecnologia se
23
Assinale-se que um programa do tipo foi implantado pela Secretaria de Justiça do Governo Yeda
com os egressos da FASE com extraordinário êxito. Graças a esta iniciativa – delineada por
Fernando Schüller – o RS tem diminuído em números absolutos os internos na FASE, porque os
beneficiados pelo programa não mais reincidem.
24
Esta é também uma das razões pelas quais a maioria dos países que empregam a tecnologia
definiu o chamado “monitoramento por exclusão” ou seja: o Juiz determina ao sentenciado as
25
justificaria
plenamente,
entretanto,
sempre
que
se
tratar
de
evitar
o
encarceramento. Nestes casos, entretanto, precisaríamos de uma mudança na
legislação penal prevendo, pelo menos, a prisão preventiva domiciliar e as penas
curtas de restrição da liberdade.
Reduzir as prisões preventivas e acelerar a concessão de benefícios legais
25) Será necessário sensibilizar o Poder Judiciário do RS e o Ministério Público
para a necessidade dos Magistrados evitarem a banalização das prisões
preventivas. A prisão cautelar, como se sabe, deve constituir a exceção das
exceções. As regras definidas no CPP, entretanto, são excessivamente
genéricas, permitindo, por exemplo, que um Magistrado determine a prisão
preventiva em casos onde o delito praticado não envolve violência real.
Atualmente, no Brasil, cerca de 45% dos presos estão em prisão preventiva25.
Muitos deles permanecerão muito além do prazo jurisprudencial dos 81 dias. Por
outro lado, será preciso acelerar a concessão dos benefícios legais, sem que se
exija aquilo que a LEP não mais prevê como, por exemplo, os laudos
psicológicos. Neste particular, aliás, convém lembrar que o papel dos psicólogos
que atuam no sistema prisional não é o de elaborar laudos, mas o de
acompanhar a execução penal que deve ser individualizada, como o reconheceu
recentemente o Conselho Federal de Psicologia em Resolução específica que
recebeu contestação do Ministério Público Federal e que está sendo, neste
momento, objeto de debates em todo o País.
áreas que ele não pode freqüentar ou os limites de seu deslocamento. Se um ou outro é violado, o
sinal na sala de monitoramento avisa a polícia de que uma regra judicial foi desrespeitada.
25
A distorção é tamanha que se excluíssemos os presos provisórios do cálculo do déficit de vagas
no sistema prisional, sobrariam vagas em cerca da metade dos estados brasileiros. Em Alagoas e
no Piauí, nesta hipótese, sobrariam mais de 60% das vagas do sistema prisional.
26
Enfrentar a violência nas escolas
26) É preciso conhecer a natureza e a extensão do problema da violência das
escolas e saber mais sobre a realidade concreta vivida pelos alunos para se
delinear as iniciativas adequadas à prevenção. Para isso, seria muito importante
que o Governo providenciasse ampla pesquisa estadual nas escolas públicas e
particulares envolvendo “atmosfera escolar” (DEBARBIEUX e DEUSPIENNE,
2003)26, “bullying”27, “cyberbullying”28 e outras formas de vitimização, além de
sexualidade
e uso de drogas, entre outros temas. Estudo do tipo, com esta
abrangência, ainda não foi realizado no Brasil.
27) Será imprescindível construir um programa estadual de enfrentamento ao
bullying, com base na legislação estadual já existente. Isto pressupõe,
primeiramente, um amplo processo de formação dos professores sobre o tema e
de conscientização entre alunos e pais. As escolas precisarão mudar para o
enfrentamento à violência. As modificações vão desde a introdução das
providências necessárias para o registro dos casos concretos de vitimização,
passando pela realização de campanhas de esclarecimento e pela mobilização
da comunidade escolar, até a disseminação de iniciativas que aproximem as
escolas das comunidades (como o Programa Escola Aberta), a redefinição das
regras disciplinares e a construção de dinâmicas institucionais centradas nas
abordagens alternativas para a resolução de conflitos como, por exemplo, a
Justiça Restaurativa.
28)
Seria importante que o Governo pudesse considerar seriamente a
necessidade de implantar política pública para a obrigatoriedade do uso de
26
O conceito mede a qualidade do ambiente da escola e o nível de bem-estar físico e emocional
de alunos e professores (BLAYA, 2003:39).
27
O conceito dá conta de um tipo específico de violência que se produz entre pares e de forma
repetida. Um estudo mais amplo pode ser encontrado em Rolim (2010).
28
Expressão cunhada por Bill Belsey, presidente da respeitada ONG Bullying org. Canadá, e que
denota o bullying praticado através das novas tecnologias de comunicação (telefonia móvel, redes
sociais, MSN, YouTube, etc.).
27
uniforme nas escolas do RS. A regra facilita a formação de uma identidade
estudantil, em cada escola, promovendo a noção de pertencimento a uma
comunidade onde todos possuem os mesmos direitos e obrigações; por outro
lado, as evidências disponíveis em estudos internacionais sugerem que o uso de
uniformes estimula um clima escolar mais adequado à concentração nas
atividades acadêmicas, à disciplina e à segurança. Os efeitos benignos quanto à
segurança dos alunos se verificariam, em muitos casos, também quando dos
trajetos percorridos pelos alunos uniformizados na ida para a escola e no retorno
para casa (ver, por exemplo: Draa, 2005; Brunsma and Rockquemore, 1998;
Caruso, 1996 e Cohn, 1996).
Construir um sistema de Justiça Comunitária
28) Uma parte expressiva das ocorrências violentas mais graves tem seu início
em conflitos banais que emergem nas relações cotidianas entre vizinhos,
parentes e conhecidos. Encontrar uma forma eficaz de impedir que diferenças
corriqueiras entre as pessoas – mas nem por isso menos importantes – sejam
superadas mediante acordos é decisivo para impedir que elas se desenvolvam e
possam chegar, inclusive, à violência letal.
Em vários países do mundo,
governantes têm desenvolvido com sucesso sistemas de justiça comunitária a
partir da capacitação de lideranças locais que passam a funcionar como “juízes
leigos”, viabilizando acordos ou mesmo arbitrando soluções que superem
divergências que, como regra, dificilmente são encaminhadas ao Poder
Judiciário. Uma providência deste tipo, a ser pensada em conjunto com a
estratégia do policiamento comunitário, é perfeitamente possível no RS e poderia
prevenir milhares de ocorrências graves além de diminuir o sofrimento das
pessoas mais humildes.
28
Disseminar experiências de superação de conflitos com a abordagem da
Justiça Restaurativa
29) Uma das formas mais promissoras nas últimas décadas para a superação de
conflitos é conhecida como “Justiça Restaurativa”. Trata-se de uma abordagem
inovadora, complementar e alternativa ao direito penal, pela qual as partes
envolvidas em um conflito (autor e vítima) concordam em integrar uma reunião
especial – o “círculo restaurativo” -, mediado por alguém capacitado para a tarefa,
com participação de convidados e de membros da comunidade, onde se
procurará chegar a um acordo sobre o que o autor deve fazer para diminuir a dor
e o prejuízo causados à vítima. A ideia é a de responsabilizar o autor pelo mal
causado, mas com o foco na necessidade de extinguir ou diminuir as
conseqüências danosas produzidas sobre a vítima. A abordagem, já introduzida
nas legislações de muitos países democráticos como possibilidade no tratamento
de muitos crimes, mesmo crimes graves, pode ser empregada com êxito em
escolas, nas polícias, nos presídios, nas relações do servidor público com os
cidadãos, nas famílias, etc.
Reduzir drasticamente a violência no trânsito
30) Uma política de segurança séria não pode fazer de conta que as milhares de
mortes a cada ano em acidentes de trânsito e atropelamentos não lhe digam
respeito. Reduzir rapidamente e de forma expressiva o número destas mortes é
um objetivo que pode ser alcançado, o que exigirá maior rigor na aplicação do
Código de Trânsito, maior rigor na formação dos novos motoristas e na
concessão das habilitações, além da realização de campanhas eficientes através
dos meios de comunicação social. Garantir a paz no trânsito e fazer com que a
agressividade e a irresponsabilidade sejam identificadas pela população como
manifestações de incivilidade e ausência de cultura, são objetivos que se
articulam amplamente com o direito à segurança pública e que podem cumprir
um papel estratégico na redefinição dos padrões de convivência nas cidades.
29
Criar o Conselho Estadual de Segurança Pública e Direitos Humanos
31) É preciso criar no RS um Conselho que trate especificamente dos temas da
segurança pública e dos direitos humanos. Nesta estrutura teríamos a
participação paritária do Estado e da Sociedade Civil, o que permitiria reunir
regularmente representações das organizações policiais estaduais e federais, das
guardas municipais, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder
Legislativo e do Poder Judiciário, das Universidades, das ONGs, dos movimentos
sociais,
dos
sindicatos,
das
associações
empresariais, entre muitos outros.
comunitárias,
das
entidades
O Governo encontraria neste Fórum um
espaço qualificado para debater suas iniciativas e aperfeiçoá-las. As entidades,
os especialistas e demais interessados, teriam a chance de influenciar no
processo de decisão e exercer a condição cidadã em sua mais alta expressão:
oferecendo alternativas de políticas públicas.
Formar uma rede pública e atenção e tratamento à dependência química
32) Uma das omissões mais fortes do Estado brasileiro na área da saúde tem
sido a persistente falta de recursos públicos para o tratamento da dependência
química. Esta lacuna, que já era grave, se tornou insuportável com a
disseminação do crack. O Governo do Estado precisará oferecer uma atenção
especial ao tema e construir unidades especializadas com o que de melhor a
ciência pode oferecer no tratamento da drogadição. Isto significa que tais centros
deverão ser necessariamente interdisciplinares. O tratamento da dependência
química exige a especialidade médica, mas não pode prescindir da colaboração
de profissionais das áreas da psicologia, do serviço social, da terapia
ocupacional, entre outros.
30
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europeu. In: Desafios e Alternativas: violências nas escolas, Brasília, UNESCO,
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31
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