A Relação entre TIC, Utentes, Profissionais e Redes Tecnológicas
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A Relação entre TIC, Utentes, Profissionais e Redes Tecnológicas
A Relação entre TIC, Utentes, Profissionais e Redes Tecnológicas de Gestão de Informação em Saúde (Relatório Científico Final) Abril 2011 Este relatório constitui uma das componentes de investigação do projecto SER – A Saúde em Rede –, desenvolvido no Centro de Investigação e Estudos em Sociologia (CIES – Instituto Universitário de Lisboa), com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian. Da equipa de investigação fazem parte: Rita Espanha (Coord.) Rita Veloso Mendes Rui Brito Fonseca Tiago Correia Outras informações relativas ao projecto podem ser acedidas em: http://ser.cies.iscte.pt/ ii ÍNDICE 0. Sumário Executivo 1 1. Caracterização da amostra 3 2. Perfis sociográficos na utilização de internet 7 3. A presença das TIC na saúde 3.1. Delimitando o lugar e função das pesquisas na internet em saúde 12 4. O papel das TIC na medicina e na saúde 4.1. Formas de relação em saúde e fontes de referenciação 27 4.2. Práticas entre a diversidade de fontes de informação em saúde 40 4.3. TIC e outras formas de aprendizagens em saúde 43 5. As TIC, os utentes e os profissionais de saúde 5.1. As TIC na relação médico/doente 50 5.2. Que espaço para novos recursos de informação em saúde? 54 6. Bibliografia 61 iii 0. SUMÁRIO EXECUTIVO 1. Parte significativa da população residente em Portugal continua a não ter acesso às novas tecnologias, ou a não saber lidar com as suas potencialidades; 2. Encontram-se inequívocas regularidades sociais entre a utilização de novas tecnologias de informação, em particular da internet, e a posse de recursos educacionais, profissionais e financeiros. Não são apenas os mais velhos, iletrados e com recursos financeiros mais baixos que estão alheados do acesso às TIC. Esta situação também se verifica nas pessoas a partir dos 45 anos, com níveis elementares de escolaridade e uma média de rendimentos pouco acima da registada entre as pessoas mais velhas. No conjunto destes dois grupos está incluída mais de 50% da população residente em Portugal; 3. Mesmo sabendo que o acesso a estes recursos está cada vez mais democratizado, estes dados permitem ilustrar um Portugal a diferentes ritmos. Por conseguinte, e considerando que a internet tem vindo a assumir uma progressiva centralidade na vida em sociedade, incluindo na relação com as instituições públicas, torna-se visível a produção de mais uma forma de desigualdade social; 4. As pessoas que têm uma relação mais próxima com a internet para pesquisas sobre temas de saúde, estética e bem-estar não são as pessoas mais escolarizadas, mais novas, com mais rendimentos e com a maior recorrência no uso da internet. São as pessoas de estratos sociais intermédios e de idades compreendidas entre os 25 e os 44 anos que manifestam mais confiança nesta fonte de informação e que apresentam formas mais autonomizadas de relação com a sua saúde e com a própria medicina; 5. Contudo, a função e o alcance da internet sobre a relação das pessoas com a sua saúde, estética e bem-estar estão claramente demarcados. A pesquisa assume uma natureza contingencial, pouco estruturada e sobre temas diversificados que não apenas os problemas de saúde as pessoas têm ou suspeitam ter; 6. Importa então perceber que, apesar de um peso crescente, as aprendizagens em saúde por intermédio das novas tecnologias não têm conduzido a uma reconfiguração das fontes de informação já instituídas, nem da relação que os indivíduos estabelecem com os sistemas de saúde. Mesmo entre os que mais dependem da internet, a autonomia deste recurso não substitui nem concorre com os conhecimentos transmitidos pelos profissionais de saúde ou pelas pessoas mais próximas; 7. Independentemente da fonte de informação em causa – internet, rádio, revistas, televisão, ou outras – parece clara a necessidade de uma atitude crítica na absorção dos seus conteúdos. Daqui decorre que não basta pôr ao dispor das 1 pessoas melhores acessos à informação se não houver um investimento nas suas aprendizagens e formas de lidar criticamente com esses recursos; 8. Já ao nível dos sistemas de saúde, faz-se sentir os benefícios da prestação pública de cuidados consolidada nas últimas décadas. Em caso de problemas de saúde percepcionados como urgentes, como não urgentes, as pessoas tendem a recorrer ao sector público, não só porque foram habituadas, mas porque confiam nos seus resultados. Na realidade, o peso do sector privado é ainda bastante residual nas preferências para lidar com problemas de saúde; 9. Num contexto dominante de pressão sobre os sistemas públicos de saúde ganha expressão o lugar das prestações de cuidados não institucionalizados, como o caso concreto dos grupos de auto-ajuda. No entanto, como o seu acesso tende a ser facilitado por intermédio do recurso a novas tecnologias, parte significativa da população que, por ventura, mais beneficiaria dos apoios prestados (população idosa e tendencialmente mais doente) é a que mais está alheada desses meios; 10. Sendo conhecido o problema de esgotamento de algumas valências do SNS devido a uma procura excessiva em relação à capacidade instituída, entre as várias possibilidades tecnológicas actualmente existentes para descongestionar a procura física por serviços médicos, o atendimento médico/especializado por telefone é aquele que tem mais utilização. Entre as possibilidades de reforço do conceito de e-health, são os serviços disponibilizados por SMS aqueles que reúnem mais interesse. Apesar da relevância destas conclusões, importa uma vez mais equacionar efeitos perversos sobre aquela franja da população em condição de exclusão, a qual cumulativamente evidencia uma excessiva dependência do atendimento presencial nas instituições de saúde; 11. Os decisores políticos e os intervenientes nos sistemas de saúde devem equacionar que qualquer alteração dos comportamentos dos utentes tem de envolver estratégias de aprendizagem de longa duração. Pensar nestas questões apenas do ponto de vista jurídico e normativo ignora que o sucesso ou insucesso das medidas políticas depende da sua efectiva incorporação por parte dos indivíduos. Deste ponto de vista, apenas as gerações mais novas demonstram ter uma socialização preparada para lidar e para necessitar destas transformações tecnológicas em saúde. Por isso, a intenção de prosseguir este investimento tecnológico deve apostar na aquisição de literacias tecnológicas e de saúde, sob pena das suas potencialidades não produzirem as alterações de comportamentos esperadas. 2 1. CARACTERIZAÇÃO AMOSTRA A realização deste estudo teve por base uma amostra representativa da população residente em Portugal Continental com idade igual ou superior a 15 anos (n=808) 1. Como se pode observar pela tabela 1, existe uma relativa convergência na composição etária e de sexo entre as pessoas inquiridas e os dados oficiais disponíveis para a população residente em Portugal Continental em 2009. Apenas é de salientar que, relativamente à distribuição nacional, tanto para homens como para mulheres, a amostra tem um peso ligeiramente superior de jovens por conta de um decréscimo da população mais velha.2 Cerca de 47% dos inquiridos são do sexo masculino e, no seu conjunto, cerca de 15% dos inquiridos têm uma idade compreendida entre os 15 -24 anos, 65% entre os 25-64 anos e 18% mais de 65 anos, sendo neste último escalão que se encontram as maiores diferenças entre homens e mulheres. Quanto à distribuição pela dimensão dos agregados habitacionais, tabela 2, comprova-se que a amostra é composta, maioritariamente, por uma população residente em pequenos agregados habitacionais de até 2000 habitantes (40% da amostra), seguido por 29% de inquiridos que habitam em agregados urbanos de média/grande dimensão (de 10.000 a 99.999). Apesar de, também, a este nível a configuração da amostragem seguir a tendência identificada para a população residente em Portugal continental em 2001 (Cf. Censos, 2001), acaba por haver um peso superior de indivíduos localizados nesses espaços de média/grande dimensão, sobretudo por conta de um menor peso de indivíduos em pequenos agregados de até 2.000 habitantes. Sem querer entrar pela discussão da distribuição geográfica da população portuguesa, estes dados comprovam uma certa dicotomia na organização territorial em Portugal. Sabendo que existem pequenas manchas urbanas que concentram grandes núcleos populacionais, que Ferr~o (2003) designa por “cratera urbana”, por oposiç~o a uma grande parte do território definido enquanto “freguesias regressivas” ou “(eventualmente) em coma”, est| em causa um duplo processo, de concentraç~o e de difusão, na organização das pessoas pelo espaço. É decorrente desta configuração que a maior parcela de indivíduos localizada em pequenos lugares co-existe com um A delimitação da faixa etária converge com outros estudos realizados sobre a utilização de novas tecnologias (e.g. INE, 2008 - Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias IUTIC/F; Espanha, 2009). No sentido de se assegurar uma representatividade de utilizadores de internet seguiu-se dados recentes que situam nos 45% a proporção de utilizadores em Portugal (cf. LINI, UMIC Agência para a Sociedade do Conhecimento, 2010). Depois de cumpridas as fases preliminares necessárias à consolidação do instrumento de recolha de informação (nomeadamente o pré-teste), a sua aplicação teve lugar entre Novembro e Dezembro de 2010 pela GfK Métris. De referir que, no sentido de serem acautelados os cuidados metodológicos imprescindíveis em estudos desta natureza, o decorrer do processo de recolha de informação teve um acompanhamento próximo por parte da equipa de investigação, nomeadamente na formação dos entrevistados. 1 Cf. Estimativas anuais da população residente, INE 2011. Dado que a amostra inclui apenas a população a partir dos 15 anos, seguiu-se a mesma delimitação para as contagens nacionais. 2 3 peso crescente de pessoas em grandes aglomerações concentradas em pequenos pontos geográficos. Tabela 1 – Distribuição etária por sexo: amostra e população (%) 15-24 25-64 65 + anos anos anos Tabela 2 – Dimensão dos agregados habitacionais (%) H, INE 13,7 67,6 18,7 47,9 H, amostra 16,3 67,8 15,8 47,2 M, INE M, amostra 12,1 14,2 64,1 65,5 23,8 20,2 Censos 2001 Amostra Menos de 2.000 45,2 39,9 2.000 a 9.999 17,1 19,0 10.000 a 99.999 24,9 28,7 100.000 e mais 12,8 12,4 Total 100,0 100,0 total 52,1 52,8 Na procura de fornecer uma imagem da amostra em estudo o mais rigorosa possível, tendo por referência as dinâmicas gerais da população portuguesa, analisou-se a distribuição da escolaridade pelos escalões etários. Como se pode observar na tabela 3, e comparando com dados fornecidos pelo Inquérito ao Emprego para o 2º trimestre de 2010 (INE, 2010), a amostra tem um peso mais elevado de indivíduos pouco ou nada escolarizados, principalmente por conta de um menor número de indivíduos com formação superior. Entre os mais jovens (15-24 anos), a amostra tem um peso mais elevado de indivíduos com o 3º ciclo concluído mas um peso menos elevado de indivíduos com formação secundária e superior. Essa tendência ganha maior expressão entre os indivíduos situados entre a faixa dos 25 aos 44 anos, em que a amostra apresenta um peso superior entre níveis mais baixos e intermédios de escolaridade do que a média nacional, por contraposição a uma quebra significativa entre os que concluíram a sua formação superior. Esta tendência de menores níveis de escolaridade da amostra em relação aos valores médios do país inverte-se apenas entre os inquiridos com mais de 65 anos. Neste caso, a grande diferença encontra-se ao nível de um menor peso de indivíduos sem escolaridade ou apenas com o 1º ciclo concluído, com valores superiores nos restantes níveis de ensino. 4 Tabela 3 – Nível de escolaridade concluído por escalões etários (%) Nenhum 1º ciclo 2º ciclo 15 - 24 anos Nacional 0,2 2,6 14,5 37,8 35,8 9,2 100,0 Amostra 0,9 1,6 12,4 44,9 34,8 5,4 100,0 25 - 34 anos Nacional 0,9 3,6 15,9 25,2 28,4 26,0 100,0 Amostra 1,6 7,3 18,6 22,2 34,1 16,2 100,0 35 - 44 anos Nacional 1,4 14,9 24,4 22,5 19,2 17,5 100,0 Amostra 2,3 15,6 26,8 21,5 20,6 13,3 100,0 45 - 64 anos Nacional 4,2 42,6 14,8 16,7 10,8 10,8 100,0 Amostra 4,5 44,5 17,4 18,2 9,7 5,7 100,0 65 e mais anos Nacional 32,0 56,1 2,1 3,8 2,4 3,7 100,0 Amostra 26,2 52,4 6,5 7,3 3,0 4,7 100,0 Nacional 3,9 23,3 16,9 21,2 18,8 15,9 100,0 Amostra 6,9 27,6 16,5 21,7 18,6 8,9 100,0 Total 3º ciclo Secundário Superior Total Não obstante a maior representatividade de níveis de escolaridade mais baixos na composição da amostra em relação aos valores médios do país, as tendências entre os escalões etários são relativamente semelhantes. Em primeiro lugar, uma relação directa entre o aumento da idade e o aumento do peso de indivíduos sem escolaridade ou apenas com o 1º ciclo do ensino básico. Em segundo lugar, é no ensino secundário que se comprova a relação contrária, isto é, a diminuição do peso de indivíduos à medida que aumenta a idade. Em terceiro lugar, os indivíduos mais escolarizados situam-se na faixa dos 25-34 anos, logo seguida pela faixa dos 35 – 44 anos. Por intermédio do indicador socioprofissional, tabela 4, este maior peso de indivíduos com níveis inferiores de qualificação na amostra acaba por ganhar outra evidência.3 De acordo com dados referentes ao Inquérito do Emprego para Portugal em 1997 (op. Cit Costa, et al, 2000: 23), a amostra em estudo tem um peso excessivamente significativo daquilo que se define por empregados executantes (EE). Esta categoria diz respeito a trabalhadores administrativos e empregados do comércio, além de empregados de serviços pessoais e domésticos (Costa, 1999). Por outro lado, a amostra está sub-representada na categoria dos empresários, dirigentes e profissionais liberais (EDL), que inclui cargos como a direcção de topo de organizações, a actividade profissional liberal ou a propriedade de empreendimentos, ou seja, representa a categoria habitualmente descrita por “burguesia”, “classe dominante” ou “classe alta” (Id., Ibid.). Um olhar sobre outros valores discrepantes da amostra relativamente aos valores nacionais permitem perceber a existência de um peso menor de agricultores independentes (AI) e de operários (OO). Entre os profissionais técnicos e de Num ponto mais adiante procede-se a uma discussão mais atenta sobre a construção deste indicador e a sua relevância para a análise sociológica. 3 5 enquadramento (PTE), trabalhadores independentes (TI) e assalariados agrícolas (AA), as distribuições da amostra são tendencialmente convergentes com valores nacionais. Tabela 4 – Indicador socioprofissional (%) Portugal 1997 Amostra 2010 EDL 11,5 4,6 PTE 14,6 13,1 TI 6,9 6,7 AI 11,1 3,0 EE 28,1 50,0 OO 25,9 19,3 AA 1,9 3,3 100,0 100,0 Total Procedendo a uma interpretação geral sobre as características sociodemográficas da amostra em estudo no panorama da população nacional, encontram-se pontos convergentes com as tendências gerais em aspectos como a composição etária e de sexo embora a amostra tenha um peso superior de indivíduos localizados em espaços de média, média/alta concentração populacional. Quanto ao nível de escolaridade, há um peso mais elevado de indivíduos em idade activa com níveis mais baixos de escolaridade, que contrasta com um nível mais elevado de escolaridade entre a população idosa. Por último, quanto ao indicador socioprofissional, as diferenças mais significativas situam-se ao nível do peso preponderante de trabalhadores executantes e uma significativa subrepresentatividade da designada “classe alta”. 6 2. PERFIS SOCIOGRÁFICOS NA UTILIZAÇÃO DE INTERNET Tendo em conta a necessidade de um entendimento claro sobre o modo como a população portuguesa se relaciona com a internet, procedeu-se à definição tipológica de alguns perfis reveladores.4 As variáveis incluídas na análise foram: (I) condição perante o trabalho (trabalha, reformado, doméstica, estudante, desempregado)5; (II) domínio de língua estrangeira (tenho um domínio fluente, compreendo com alguma dificuldade, os meus conhecimentos não chegam para ler, não sei nenhuma língua estrangeira); (III) frequência de utilização da internet (-1x/mês, 1x/semana, 2 a 3x/semana, diariamente); (IV) idade (15-24 anos, 25-34 anos, 35-44 anos, 45-54 anos, 55-64 anos, +65 anos); (V) indicador socioprofissional (EDL, PTE, TI, AI, EE, OO, AA); (VI) nível de instrução concluído (nenhum, 1º ciclo, 2º ciclo, 3º ciclo, secundário, superior); (VII) relação com o uso da internet (tenho em casa e consulto sem auxílio, não tenho em casa e consulto sem auxílio, tenho em casa mas preciso de ajuda para consultar, tenho em casa mas não sei usar, não tenho em casa e não sei usar); (VIII) rendimento mensal líquido do agregado familiar (até 500€, 501 a 1000€, 1001 a 1500€, 1501 a 2000, 2001€ ou mais). Procedendo a uma breve discussão sobre a escolha das variáveis incluídas nesta análise, está em equação a diferenciação dos indivíduos no espaço social e relacional. Tema por excelência na reflexão sociológica, com origem já nos escritos originais de Sedas Nunes (1979), faz hoje parte do domínio científico, mas também cada vez mais entre o domínio social, que as desiguais posições que os indivíduos ocupam no acesso a determinados recursos são responsáveis por inegáveis processos de estruturação e distinção entre o espaço social. Um dos indicadores imprescindíveis para essa compreensão diz respeito à condição socioprofissional. Sem que interesse ao tema aqui em debate os aspectos teóricos que envolvem a construção das suas categorias (apresentadas na tabela 4), a opção escolhida foi pela tipologia ACM, tanto pela sua adequação às características da composição dos estratos sociais típicos da sociedade portuguesa, como pela sua ampla consolidação empírica (e.g. Almeida, Costa e O elemento técnico usado foi a aplicação de clusters após a identificação das correspondências múltiplas entre as variáveis (Homals, ou análise de homogeneidade) (Cf. Carvalho, 2004). De salientar que a solução final encontrada de 4 perfis foi consistentemente comprovada por intermédio de dois métodos estatísticos distintos (método ward e método furthest neighbor). Como habitual neste procedimento, a solução final que se apresenta decorreu de diversas tentativas para encontrar a distribuição que melhor satisfizesse os propósitos da análise. Igual motivo explica a solução pelas categorias das variáveis que sofreram as recodificações necessárias para aumentar a qualidade da técnica estatística. De referir que a não inclusão da variável sexo resulta de uma quase total ausência de relação com as restantes variáveis analisadas. 4 5 O facto da referência a doméstica estar no feminino decorre de se ter comprovado que essa é uma condição comum à totalidade dessas pessoas. 7 Machado, 1988; Costa, 1999; Costa, et al, 2000, Nunes e Carmo, 2010; Antunes, 2010).6 Por outro lado, a idade constitui o segundo grande elemento explicativo da desigual detenção de recursos. Sabendo que as sociedades modernas são pautadas por uma crescente valorização das qualificações formais em detrimento da vulgarmente chamada “experiência de vida” (Riley e Riley, 1991), a idade deve ser tomada sob uma leitura muito mais profunda e complexa do que a sua condição biológica transmite. Aliás, como Costa (1999) atenta, a idade não vale por si enquanto condição essencialista, dado estar impregnada de significados e atributos sociais, papéis e condições sobre os quais se definem lugares, comportamentos e representações. A sociedade portuguesa é particularmente ilustrativa do fosso existente entre novos e velhos quanto à posse de recursos escolares, redes de sociabilidade, recursos financeiros e, consequentemente, de status. Por exemplo, Mauritti (2004: 353 – 355), num estudo sobre os padrões de vida na velhice em Portugal, situa na ordem dos 24% o peso dos idosos em condição de pobreza, nos 33% a velhice precária e nos 28% a velhice remediada, por oposição a 11,5% que estão numa condição de velhice autónoma, e apenas 3% na velhice distintiva.7 Por conseguinte, em conjugação com outros indicadores, como o domínio da língua estrangeira ou mesmo o rendimento do agregado familiar, a expectativa é encontrar diferenças significativas produzidas por essas duas variáveis na relação com a utilização da internet. Como se observa no plano abaixo apresentado, foram definidos quatro perfis sociográficos reveladores quanto à utilização da internet: gráfico 1.8 Um dos argumentos que legitima a sua utilização diz respeito ao facto de articular duas dimensões fulcrais na estruturação do espaço social: situação na profissão e profissão. Enquanto o primeiro permite aferir a relação com os meios de produção (sinteticamente, sobre a sua posse ou não posse), o segundo permite incluir os recursos escolares e o status envolvido num desempenho de uma determinada profissão. Para um debate mais aprofundado vd. Almeida, Costa e Machado (1988) ou Costa (1999). 6 Perfis definidos em função de um conjunto de indicadores relativos à escolaridade, redes de sociabilidade, profissão, e consumos (vestuário, electrodomésticos, novas tecnologias e práticas culturais). 7 Apenas de referir que o posicionamento relativo das categorias no plano descreve de forma praticamente linear o efeito de Guttman (Oliveira e Carvalho, 2002), o qual traduz uma sequência ordenada e a uma distância relativamente próxima entre as categorias. Os extremos da distribuição encontram-se nos quadrantes 3 e 4, enquanto as associações privilegiadas entre as categorias dos quadrantes 1 e 2 traduzem situações intermédias. 8 8 Gráfico 1 – Espaço topológico e tipologias em relação à utilização da internet em Portugal Relação habitual Não-relação 2 -1x/mês Internet em casa mas precisa de ajuda 1x/semana Conhecimentos insuficientes de lingual estrangeira desempregado 45-54 anos Internet em casa e não 2º ciclo sabe usar 501 a 1000€ doméstica 55-64 anos TI 1º ciclo 1 1001 a 1500€ 35-44 anos Compreende com dificuldade trabalha 2 a 3x/semana 3º ciclo EE 25-34 anos 0 O/AA não sabe lingua estrangeira ensino secundário Consulta internet e tem em casa Domínio fluente lingual estrangeira Diariamente 1501 a 2000€ PTE 15-24 anos >= 2001€ não tem e não sabe usar internet AI reformado -1 Utilização de internet >= 65 anos ensino Superior <= 500€ EDL estudante sem ensino -2 Relação diária Info-exclusão -2 -1 0 1 2 Condição socioeconomica - Perfil “n~o relaç~o com internet” (33,7%): representando a situaç~o mais recorrente em Portugal, este perfil é composto maioritariamente por indivíduos dos 45 aos 64 anos, indivíduos com baixos níveis de escolaridade completa (até 2º ciclo do ensino básico), com conhecimentos insuficientes de línguas estrangeiras e com rendimentos entre os 501€ e os 1000€. Encontram-se pessoas desempregadas, domésticas e trabalhadores independentes, sobretudo pequenos comerciantes. A designação deste perfil responde ao facto de tanto existir internet em casa sem que se saiba usar, como ter a internet em casa e precisar de ajuda na sua utilização, o que tende a acontecer de forma muito esporádica (menos de uma vez por mês ou uma vez por semana). Por conseguinte, tanto um caso como o outro apontam para situações em que a existência da internet responde à necessidade de utilização por parte de outros elementos do agregado familiar. - Perfil “relaç~o habitual com internet” (29,2%): tratando-se do segundo caso mais representativo, diz respeito a utilizadores que consultam a internet de 2 a 3 vezes por semana. Com idades compreendidas entre os 25 e os 44 anos, são pessoas que concluíram a escolaridade mínima obrigatória (3º ciclo) e que trabalham, sobretudo na área administrativa, empregados do comércio e 9 empregados de serviços pessoais e domésticos, com rendimentos do agregado familiar entre os 1001 e os 1500€. - Perfil “info-exclus~o” (21,6%): representa um dos dois perfis extremos da distribuição. Composto por operários ou assalariados agrícolas ou agricultores independentes, não há qualquer contacto com a internet nem é um recurso que se saiba usar. São as pessoas mais velhas, consequentemente reformadas, que não frequentaram nenhum nível de ensino e apresentam os menores rendimentos do agregado familiar. - Perfil “relaç~o di|ria com internet” (15,5%): sendo o outro extremo da distribuiç~o, é um dado de grande relevância constatar que apenas a menor parte da população nacional tem uma relação diária com a internet. De um modo semelhante ao perfil anterior, encontra-se uma correspondência quase linear entre os vários indicadores de caracterização sociodemográficos contemplados na análise, o que traduz, por si só, o carácter cumulativo existente entre a posse, ou não, de determinados recursos. Neste caso, o perfil é definido pelas classes sociais mais elevadas, com os níveis mais elevados de recursos financeiros e de escolaridade completos, bem como pelas pessoas mais jovens. Parte significativa deste perfil é então composta por estudantes. A utilização da internet é feita em casa e há um domínio fluente de línguas estrangeiras. Importa reflectir um pouco sobre esta distribuição dos perfis quanto à relação com a utilização da internet e o peso relativo de cada um deles. Hoje em dia, tornou-se praticamente inquestionável o papel das tecnologias na produção e acesso à informação. Castells (2002) designa esta dependência das sociedades ocidentais modernas na difusão e circulação de informaç~o por “sociedade em rede”. N~o é somente uma transformação tecnológica mas, principalmente, uma alteração das estruturas sociais decorrente dessa transformação. Também em Portugal o acesso à informação e utilização da internet para esse fim tornou-se massificado e, nesse sentido, democratizado. Avanços tecnológicos, a que se associa uma conjuntura política favorável às novas tecnologias de forma a torná-las mais acessíveis aos cidadãos, permitiram melhorias na cobertura nacional no acesso à internet, além da diminuição dos seus custos (ANACOM, 2009; OberCom, 2009). Não obstante a isso, os dados acima apresentados comprovam que apenas uma pequena parcela da população nacional faz uma utilização diária da internet. Mais significativo é a uniformidade social e geracional envolta nesse perfil. Em causa não está necessariamente o custo efectivo da internet para a generalidade das famílias portuguesas – mesmo não esquecendo que Portugal apresenta uma incidência da pobreza superior à média europeia e valores crescentes do desemprego (Alves, 2010) –, nem tão pouco significa que, a prazo, a parcela de utilizadores de internet possa vir 10 a engrossar para valores mais representativos. Aliás, dados de estudos anteriores dão conta que cerca de 1/3 da população que não usava a internet em Portugal em 2006 ponderava vir a fazê-lo (Cardoso, et al, 2005). Mesmo assim, sabendo pelos perfis definidos que o grupo que faz uma utilização diária da internet em Portugal é restritivo – no sentido do seu número mas também em termos da sua composição social e etária –, importa equacionar a presença de novas, e outras, formas de desigualdades sociais produzidas pelo próprio interior da sociedade em rede. O presente estudo não incide especificamente sobre esta questão, mas estes dados apontam para a necessidade de estudos concentrados em perceber as consequências que o não acesso às novas tecnologias representa para o reforço da periferização de determinados grupos sociais. O perfil da população mais velha, menos escolarizada e com menos rendimentos numa situação de info-exclusão é o rosto mais visível desse lado da moeda. Neste caso em concreto percebe-se que a marginalização social presente nesta franja da população, principalmente pelo espaço que não ocupam nas sociedades industriais, acentua-se na era da tecnologia. Importa veicular desde já que o argumento que está a ser defendido é que a não utilização de internet não se fica apenas a dever a um não acesso a tecnologias. Quando perguntado {s pessoas incluídas no perfil “info-exclus~o” o motivo por n~o ter internet em casa, 53% afirmou que não sabia mexer num computador, mas 41% afirmavam que não necessitavam desse recurso. Esta distribuição comprova que, se por um lado, parte dessa população excluída da utilização tecnológica não tem acesso a esses recursos, por outro, outra parte igualmente significativa vive à margem das necessidades produzidas pela vida “tecnologizada”. Sobre esta questão importa convocar a forte dimensão rural da sociedade portuguesa que, embora em declínio, mantém vivas estruturas de sociabilidade e de partilha exteriores à vida institucional pública e privada (Santos, 1987). Isto traduz que a sociedade em rede co-existe com formas ainda muito enraizadas de estruturas sociais e lógicas relacionais prévias à sua emergência. No decorrer das análises que se apresentam o leitor poderá ir comprovando este argumento, sobretudo no que diz respeito ao acesso a informações relativas à saúde e bem-estar, formas de participação cívica e relacionamento dos indivíduos com o sistema de saúde quando dele precisam. 11 3. A PRESENÇA DAS TIC NA SAÚDE 3.1. DELIMITANDO O LUGAR E FUNÇÃO DAS PESQUISAS NA INTERNET EM SAÚDE A saúde representa uma dimensão central na vida individual e colectiva. Não é, assim, possível pensar as decisões individuais sobre a saúde ignorando normatividades e vigilâncias produzidas a níveis estruturais (Foucault, 1976). Por conseguinte, aspectos como o tipo de alimentação, a preocupação com o corpo ou a adopção de estilos de vida saudáveis não são mais do que formas vivas desses mecanismos de regulação bio-médico, hoje em dia articulados com uma crescente transferência de competências dos níveis sociais e políticos para a esfera individual e pessoal (Petersen, 1997). De facto, uma das consequências da modernidade foi uma crescente consciência individual e, nesse sentido reflexiva, da necessidade de escolha (Giddens, 1990). Estamos, portanto, em presença de uma relação aparentemente paradoxal, mas cuja articulação tem sido uma tónica crescente na relação dos indivíduos com a sua saúde: se por um lado, influências de dinâmicas sociais impelem para categorias cada vez mais restritas sobre o que é considerado como ‘normal’ e ‘patológico’ (Abdelmalek, 1999), por outro, há um espaço crescente permitido à definição individual no interior do campo das possibilidades. Resulta de níveis crescentes de educação e de disseminação da informação, mas também da incapacidade da espera colectiva em assegurar todas as necessidades individuais. Assim se explica o crescente envolvimento dos indivíduos na promoção da sua saúde, sendo responsabilizados por aspectos como a correcta utilização dos serviços de saúde, a correcta informação aos profissionais acerca dos seus problemas e por uma correcta gestão quotidiana da sua saúde e doença. A utilização da internet para pesquisas sobre saúde é um dos expoentes máximos dessa síntese de constrangimentos e possibilidades hoje em dia existentes. Proceder a pesquisas na internet sobre temas de saúde, estética e bem-estar9 pressupõe uma preocupação prévia ou, simplesmente, um estado de consciência do indivíduo relativo ao seu bem-estar e/ou ao seu corpo. Afinal, como Herzlich e Pierret (1984) referem, o ser-se saudável e a consequente escolha por aquilo que se entende como estilos de vida saudáveis traduzem um reforço de mecanismos de responsabilização e de atenção por parte dos indivíduos. Sabendo que a proporção de indivíduos que consulta a internet foi situada nos 45%, a percentagem total de pessoas que já procurou ou pediu para procurar informações sobre saúde, estética e bem-estar situou-se nos 25,7%. Expectavelmente, a grande maioria destas pesquisas são efectuadas por utilizadores de internet (96,6% dos não A escolha por uma categoria tão ampla não foi fortuita. Sabendo que as representações sociais sobre saúde e doença não são coincidentes entre os diferentes lugares sociais (Calnan and Williams, 1991; Hellman, 1984), o objectivo foi procurar introduzir a menor filtragem possível no entendimento dos inquiridos sobre a sua definição de saúde. 9 12 utilizadores de internet não fazem pesquisas sobre saúde, estética e bem-estar). De acordo com dados de 2006 do Inquérito Sociedade em Rede em Portugal (Cardoso, Espanha e Gomes, 2006), este valor representa um aumento em cerca de 5% dessas consultas. Quanto à distribuição por sexo, identifica-se uma percentagem superior de mulheres que efectuam estas pesquisas comparativamente aos homens: 29,1% e 21,9%. Gráfico 2 – Procurou ou pediu para procurar informação sobre saúde, estética e bem-estar na internet (%) 70 60 50 40 30 20 10 0 59,4 45,5 25,7 7,4 3,4 relação diária relação habitual com internet com internet % global não relação com info-exclusão internet Uma análise por intermédio dos perfis anteriormente definidos permite perceber que tende a haver uma relação linear entre a utilização da internet e a necessidade de efectuar pesquisas sobre estes temas. Se por um lado, praticamente 60% da população que tem uma relação diária com a internet pesquisa temas relacionados com saúde, estética e bem-estar, por outro, as pessoas que têm internet em casa mas não a usam ou as pessoas que simplesmente não têm relação com as novas tecnologias, tendencialmente não pesquisam nem pedem para pesquisar sobre estes temas. Uma vez mais, e reiterando um dos argumentos já referidos, estes dados devem ser interpretados num duplo sentido: tanto comprovam um não acesso a estas fontes de informação, como o não interesse em fazê-lo. De forma consistente e independentemente destes vários perfis, o modo de pesquisa de informação é efectuado por intermédio de motores de pesquisa, seguido por sites recomendados por outras pessoas e sites referenciados noutros meios de informação (jornais, revistas ou livros). Em casos residuais, a pesquisa decorre de informações disponibilizadas em redes sociais ou por intermédio de publicidade/propaganda. A relevância assumida pelas pesquisas efectuadas através de motores de busca aponta para uma relação aberta, contingente e pouco estruturada com esta forma de recolha de informação. A questão é que a pesquisa poderia resultar de informações previamente adquiridas, por intermédio de recomendações de outras pessoas ou disponibilizadas noutros espaços de informação, que orientassem para uma 13 determinada fonte. Isso pressuporia uma utilização da internet mais fechada e para um fim concreto onde, à partida, se saberia o que procurar. De facto, estes dados demonstram que a pesquisa sobre saúde, estética e bem-estar tem inicio numa pesquisa aberta e indeterminada sobre um tema específico que suscita um interesse momentâneo e diversificado, o que aliás se pode comprovar na tabela seguinte. Percebe-se que o tipo de site mais consultado diz respeito a informações generalistas sobre saúde, sendo a utilização dos restantes bastante residual.10 Tabela 5 – Tipos de sites consultados sobre saúde (valores médios) valores médios desvio padrão Sites generalistas sobre saúde 2,34 0,76 Sites de informação sobre saúde pública Sites de associações de doentes ou grupos de doentes com uma doença específica 1,80 0,77 1,54 0,75 Sites hospitalares 1,48 0,72 Sites de sistemas de seguros de saúde 1,47 0,74 Sites de jornais e publicações científicas on-line 1,43 0,70 Sites governamentais 1,41 0,70 Sites de subsistemas de saúde 1,39 0,66 Sites de jornais e publicações não científicas on-line 1,37 0,64 Sites de empresas farmacêuticas 1,31 0,62 Sites de organizações de profissionais de saúde 1,30 0,63 Casa de saúde ou outra instituição que preste cuidados de saúde 1,28 0,54 Sites de venda de medicamentos 1,25 0,57 Sites de organizações ligadas a medicinas alternativas 1,25 0,57 Lares ou residências de 3ª idade 1,18 0,50 O gráfico abaixo apresentado permite uma compreensão mais pormenorizada e precisa sobre esta questão. Como se observa entre os perfis que mais utilizam a internet – “relaç~o di|ria” e “relaç~o habitual” – as pesquisas sobre saúde, estética e bem-estar tendem a privilegiar assuntos sobre doenças em geral. Neste caso, a utilização por intermédio dos motores de busca permite o propósito de uma utilização ampla e com poucas restrições, explorando, aliás, as potencialidades da internet enquanto recurso onde a produção de informação acontece a ritmos não partilhados por outras fontes de informação. 10 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca” e 4 “sempre”. Portanto, os valores apresentados traduzem uma total ausência ou utilização bastante esporádica de todo o tipo de sites à excepção dos sites generalistas. 14 Gráfico 3 – Assuntos pesquisados sobre saúde, estética e bem-estar (valores médios)11 3 2,8 2,6 relação diária com internet 2,4 relação habitual com internet 2,2 não relação com internet 2 info-exclusão 1,8 doenças diagnosticadas doenças que suspeita ter doenças em geral Por outro lado, a situação muda para as pessoas sem relação com a internet. Neste caso, não serão as próprias que fazem as pesquisas na medida em que não detêm o conhecimento necessário para a utilização desta tecnologia. A pertinência nestes casos é que a pesquisa é feita com o propósito de obter informações sobre problemas de saúde diagnosticados. Comprove-se que s~o as pessoas inseridas no perfil “n~o relaç~o com internet” que mais utilizam esse recurso com esse fim, e as próprias pessoas em situação de “info-exclus~o” têm pesquisas médias superiores aos utilizadores diários de internet para pesquisas sobre doenças diagnosticadas e doenças que suspeita ter. Uma ressalva é necessária sobre a interpretação destes valores, dado que os perfis de relação com a internet traduzem também faixas etárias marcadas. Neste sentido, não será de estranhar que pessoas mais velhas peçam para pesquisar mais sobre os seus problemas de saúde, na medida em que, por norma, a condição de doença acompanha o avanço da idade biológica. Na tabela seguinte obtém-se uma outra leitura sobre estes resultados. Percebe-se que entre as pessoas que mais utilizam a internet, os assuntos pesquisados estão relacionados com temas gerais sobre saúde, como questões relativas à boa forma e exercício físico, seguido por questões relativas à nutrição e problemas alimentares. A preponderância destes temas inverte-se nas pessoas que menos se relacionam com a internet – e que são mais velhas –, comprovando que os dados anteriores sobre a utilização da internet para doenças diagnosticadas dizem respeito a esclarecimentos sobre problemas alimentares e nutrição. Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca” e 4 “frequentemente”. 11 15 Tabela 6 – Assuntos pesquisados na internet sobre saúde, estética e bem-estar (valores médios)12 Média global Relação diária com internet Valores médios Desvio padrão boa forma e exercício físico 2,08 1,003 nutrição e problemas alimentares 1,83 0,998 beleza e bem-estar 1,65 0,897 doenças sexualmente transmissíveis 1,54 0,778 métodos anticoncepcionais 1,53 0,81 fertilidade e gravidez 1,47 0,811 Toxicodependências 1,42 0,747 desempenho e performance sexual 1,31 0,672 boa forma e exercício físico 2,3 0,984 nutrição e problemas alimentares 1,9 1,008 beleza e bem-estar 1,78 0,974 métodos anticoncepcionais 1,66 0,884 doenças sexualmente transmissíveis 1,63 0,798 fertilidade e gravidez 1,45 0,776 Toxicodependências 1,44 0,794 desempenho e performance sexual 1,36 0,728 boa forma e exercício físico 2,05 1,012 nutrição e problemas alimentares 1,81 1,016 beleza e bem-estar Relação habitual com métodos anticoncepcionais internet fertilidade e gravidez Não relação com internet info-exclusão 1,6 0,859 1,583 0,793 1,58 0,892 doenças sexualmente transmissíveis 1,57 0,814 Toxicodependências 1,47 0,763 desempenho e performance sexual 1,32 0,677 nutrição e problemas alimentares 1,79 0,930 boa forma e exercício físico 1,78 0,888 beleza e bem-estar 1,62 0,870 Toxicodependências 1,23 0,528 métodos anticoncepcionais 1,22 0,598 doenças sexualmente transmissíveis 1,18 0,396 desempenho e performance sexual 1,18 0,501 fertilidade e gravidez 1,09 0,299 nutrição e problemas alimentares 1,32 0,803 boa forma e exercício físico 1 0,000 métodos anticoncepcionais 1 0,000 fertilidade e gravidez 1 0,000 Toxicodependências 1 0,000 doenças sexualmente transmissíveis 1 0,000 desempenho e performance sexual 1 0,000 beleza e bem-estar 1 0,000 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca” e 4 “frequentemente”. 12 16 Exceptuando esta inversão dos assuntos mais procurados não existem diferenças significativas entre os vários perfis considerados. Por isso, a média global permite obter um bom panorama sobre os assuntos mais pesquisados. Beleza e bem-estar, seguido por um conjunto de temas relacionados sobre a sexualidade, gravidez e doenças sexualmente transmitidas, dão visibilidade às potencialidades da internet enquanto recurso de pesquisa individual, despersonalizado e anónimo. Perante estes resultados percebe-se que, independentemente da relação mais ou menos próxima com esta tecnologia, existe uma convergência na função atribuída à pesquisa pela internet – gráfico 4. Meio de acesso a informações alargadas, a utilização da internet tende a representar uma fonte complementar e diversificada de acesso à informação em temas relacionados com saúde e com a doença, potenciado também pela confidencialidade e anonimato com que esse acesso pode ser feito. Gráfico 4 – Papel da pesquisa sobre saúde, estética e bem-estar (valores médios)13 informação gratuita 3,5 acesso rápido informação 3 pesquisa privada/confidencial 2,5 facilidade de pesquisa 2 1,5 1 relação diária relação não relação info-exclusão com internet habitual com com internet internet quantidade de informação disponível necessidade de pesquisa em várias fontes informação antes de ir ao médico evitar ir ao médico Olhando para os valores obtidos na resposta “evitar ir ao médico”, volta-se a constatar uma regularidade significativa do ponto de vista sociológico, em que para todos os perfis há uma discordância sobre o entendimento da internet como fonte substituta de conhecimentos sobre saúde em relação aos conhecimentos bio-médicos. A discord}ncia é mais significativa no perfil da “info-exclus~o”, mas igualmente importante para as pessoas que fazem uma utilização diária da internet.14 Além disso, Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 4 “concordo totalmente”, em que o ponto 2,5 representa a posiç~o intermédia. 13 No caso do perfil “relaç~o di|ria com a internet” 5,5% das pessoas (n=4) manifestaram uma total concord}ncia com o papel da internet para evitar ir ao médico, enquanto no perfil “relaç~o habitual com a internet” esse valor baixa para os 3,7% (n=4). Nos restantes dois perfis não houve nenhuma resposta quanto à total concordância sobre o papel da internet como fonte de informação substituta à medicina bio-médica. 14 17 o que permite também corroborar essa tendência é uma discordância relativamente ao uso da internet como fonte de informação antes de se ir ao médico.15 Parece claro o que estes dados traduzem. Seguindo a terminologia de Giddens (1990), o avanço das novas tecnologias trouxe o emergir de toda uma discussão sobre o papel dos indivíduos (saber leigo) na relação tradicionalmente assimétrica de poder com os profissionais de saúde (saber pericial). É nesse enquadramento que se situam debates recentes sobre a construção de um utente cada vez mais informado e autónomo nos usos que faz sobre as suas pesquisas (Kivits, 2004) e, nesse sentido, possuidor de uma autonomia individual emancipadora (Singly, 2005). Deve ser com alguma prudência que se pensa sobre estes atributos. É inequívoco que os dados apresentados demonstram haver uma procura activa e, por isso, intencional por parte dos indivíduos (Cf. Wilson, 1997), em que a internet se revela como uma importante ferramenta tendo em vista um acesso rápido a informações diversas e muitas delas gratuitas. Contudo, é igualmente inequívoco que a sua utilização não substitui o saber pericial nem, tão pouco, serve para auxiliar num conhecimento prévio antes de se ir ao médico. O lugar da internet aparece assim delimitado na sua função e alcance. No caso em particular da saúde, a vigilância e crítica emergentes aos saberes periciais não são acompanhados por um qualquer processo de emancipação dos saberes leigos. As categorias saúde, doença, as decisões de tratamento e tudo o resto que envolve o bem-estar dos indivíduos continuam a ser do domínio institucionalizado da medicina. Assim sendo, se por um lado deve ser equacionado um aumento de conhecimentos permitidos pelo acesso à internet, por outro, estes não podem ser tomados como contrários nem tão pouco substitutos dos saberes profissionais. A tabela 7 dá conta dos valores médios globais sobre o objectivo das pesquisas efectuadas sobre saúde, estética e bem-estar. Esta distribuição acaba por apresentar nuances pouco significativas entre os vários perfis, pelo que os valores médios voltam a dar um bom panorama sobre esta questão. A grande maioria das pesquisas efectuadas na internet são para obter informações especializadas sobre um problema de saúde (86,1%), como para aumentar conhecimentos gerais sobre saúde (82,7%). Equacionando novamente que a utilização da internet não pode ser interpretada como um sinal de emancipação dos saberes leigos sobre os saberes periciais, esse argumento ganha uma comprovação inequívoca na preponderância atribuída às 15 De salientar apenas que é imprudente retirar qualquer conclusão sobre os valores “informaç~o antes de ir ao médico”. Como se observa, h| um ligeiro aumento de concord}ncia que a internet serve como meio de informação prévia aos contactos com a medicina entre aqueles que estão mais afastados do uso desta tecnologia. Dado não haver um conhecimento efectivo das suas potencialidades e limites, estas respostas dizem muito mais respeito a expectativas e informações adquiridas por terceiras pessoas do que propriamente por um uso efectivo deste recurso. Portanto, esta questão envolve filtragens de informação que podem condicionar o entendimento que as pessoas que não utilizam a internet têm relativamente à sua função. 18 pesquisas para um acesso facilitado sobre informações especializadas. Por outro lado, fica também comprovado o outro argumento que a internet pode funcionar como um importante veículo de acesso a conhecimentos generalizados cujas barreiras são menores do que noutros meios de acesso à informação. Tabela 7 – Objectivo da pesquisa na internet (%) Obter informações especializadas sobre um problema de saúde 86,1 Aumentar conhecimento geral sobre saúde 82,7 Partilhar experiências sobre problemas de saúde 41,7 Procurar tratamento de saúde 33,7 Procurar um profissional de saúde 30,0 Auto-diagnosticar 23,2 Comparar preços de medicamentos 19,0 Comparar preços de produtos de beleza e bem-estar 16,4 Procurar outras pessoas sem serem profissionais de saúde 16,6 Procurar um outro profissional/terapeuta 14,9 Comprar produtos relacionados com saúde, estética e bem-estar 5,8 Neste caso, há que, contudo, equacionar uma outra questão já avançada aquando da definição dos perfis na utilização da internet. Sabe-se que o grupo dos utilizadores diários tem a menor representatividade dos quatro grupos (engloba 15,5% da população) e que o perfil mais representativo (cerca de 1/3 da população) não tem relação com a internet. Portanto, sendo a internet um importante recurso para os que dela fazem uso para um acesso a conhecimentos especializados e gerais, parece evidente a produção de mais um factor potencial de desigualdade na sociedade em rede, neste caso ao nível do acesso da população à informação. O problema não deve ser colocado na internet, mas há que perceber o fosso que a dependência crescente na sua utilização cria para os que não têm acesso nem sabem utilizar esses recursos. Por intermédio de um outro indicador volta-se a comprovar que o uso da internet não põe em causa a relação da população com os saberes periciais bio-médicos. Como se constata, cerca de 1/3 das utilizações da internet servem para procurar um tratamento de saúde ou procurar um profissional de saúde, valores claramente superiores a outros objectivos em saúde, como a procura de outras pessoas sem serem profissionais de saúde (16,6%) ou outros tipos de profissionais/terapeutas (14,9%). Portanto, sendo inegável a presença crescente de áreas de conhecimento na gestão quotidiana da saúde e da doença fora do tradicional domínio bio-médico, como são os exemplos da acupunctura ou da homeopatia (e.g. Almeida, in press), comprova-se que continuam a ter pesquisas residuais na internet comparativamente à chamada medicina institucional. 19 Um outro aspecto que importa reter embora seja aprofundado numa fase posterior deste trabalho diz respeito ao facto de 41,7% das pesquisas serem efectuadas para partilhar experiências sobre problemas de saúde. Recordando o papel que se identificou na utilização da internet para pesquisas sobre temas relacionados com sexualidade e fertilidade, permitindo um acesso a informações de forma autónoma, privada e confidencial, motivo semelhante pode ser atribuído para a partilha de experiências que de outro modo poderiam não ser assumidas, sobretudo numa condição de estigma (vd. Goffman, 1980). Deve ser equacionado o papel da utilização da internet para o acesso a informações ou contacto entre pessoas que ganham a possibilidade de partilha da sua condição social sem terem necessariamente que assumir a sua identidade. Numa interacção social em presença do interlocutor, a pergunta ou um mero desabafo podem comprometer a dimensão escondida do “descrédito”, ou seja, a base do estigma. Contudo, com a internet ganha-se a possibilidade de explorar essa condição, quer pela partilha de experiências quer pelo acesso a informações relativas a esse estado, em interacções sociais que não expõem o indivíduo ao ter que assumir uma condição sem que o queira fazer. Numa outra perspectiva, a partilha de experiências sobre problemas de saúde pode também significar a potencialidade permitida pelo encurtamento espaço-tempo das relações sociais. Este dado por si só não pode ser lido como um sinal de empowerment em que os indivíduos se capacitam do seu papel activo e interventivo em domínios diversificados da vida social (Friedman, 1996) e que utilizam a internet como canal para esse exercício. Por agora, deve apenas ficar presente que a sua utilização sobre assuntos relativos à saúde, tem por base uma troca de experiências, portanto, uma comunicação horizontal, que se sabe paralela à comunicação vertical estabelecida com os profissionais de saúde. Posto o que foi referido sobre a utilização da internet para assuntos relacionados com saúde, estética e bem-estar, situando a sua função no acesso a informações complementares, importa perceber as representações dos portugueses sobre a internet enquanto ferramenta autónoma e individual de pesquisa. Uma vez mais a informação é analisada seguindo os perfis definidos, procurando perceber em que sentido uma utilização mais próxima ou mais distante influencia a relação com essa tecnologia. Entre o conjunto de indicadores apresentados no gráfico abaixo aquele que, em termos gerais, mais preocupa a populaç~o diz respeito { “qualidade da informaç~o que encontro” (valor médio de 2,74), logo seguido por “na internet h| muita informação mas não sei onde a encontrar (valor médio de 2,6). Apesar disso, a opinião mais concordante é que a internet constitui “um meio de acesso a informaç~o de confiança” (valor médio de 2,85). O aspecto curioso deste último valor é que apresenta uma regularidade entre os diferentes perfis de relação com a internet. Por outras palavras, tanto a experiência dos utilizadores habituais de internet comprova a confiança neste recurso, como a expectativa de quem não a utiliza nem sabe utilizar. 20 Por outro lado, um dos indicadores mais diferenciados entre os quatro perfis está relacionado com o preço da informação. Num ponto prévio centrou-se a atenção para o facto dos perfis sociográficos apresentarem fronteiras bem delimitadas do ponto de vista de algumas das condições socio-económicas. Neste sentido, e apesar de se ter concluído que parte das pessoas incluídas no perfil da info-exclusão não sentia a necessidade de recurso à internet, cumulativamente aparecem agora motivos de ordem financeira. Contudo, mais do que o custo da tecnologia, estão em causa as próprias características desta população que, como se viu, é tendencialmente envelhecida, iletrada e com um rendimento mensal líquido do agregado familiar abaixo dos 500€. Obviamente que uma não relação com a internet condiciona resultados mais elevados no desconhecimento sobre o modo como efectuar pesquisas ou com o facto da quantidade da informação disponível. Entre os utilizadores mais habituais – perfil “relaç~o di|ria” e “relaç~o habitual” – é de salientar a “preocupaç~o com a qualidade da informaç~o que encontro” embora e paradoxalmente, tenham um sentimento equivalente de confiança quanto à utilização da internet. Esta duplicidade acaba por ilustrar bem o papel que a internet assume, constituindo sobretudo uma fonte complementar para pesquisas generalistas em saúde. Gráfico 5 – Relação com a internet (valores médios) 4 16 Na internet há muita informação mas não sei onde a encontrar 3,5 Preocupa-me a qualidade da informação que encontro 3 A informação tem um preço que eu não posso suportar 2,5 2 Fico confuso com tanta informação disponível 1,5 A informação disponível é contraditória 1 relação diária relação não relação info-exclusão com internet habitual com com internet internet A internet em geral é um meio de acesso à informação de confiança 16 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 4 “concordo totalmente”, em que o ponto 2,5 representa a posição intermédia. 21 Na medida em que se concluiu que as pesquisas sobre saúde, estética e bem-estar na internet têm início em pesquisas generalistas com base em motores de busca, portanto, sem uma definição prévia da fonte que interessa ser consultada, e que, além disso, uma das preocupações mais manifestadas pelos seus utilizadores refere-se à qualidade da informação encontrada, torna-se relevante perceber o grau de importância atribuído a um conjunto de elementos que permite aferir sobre a qualidade dos dados consultados. Dos 7 indicadores em an|lise no gr|fico abaixo apresentado, apenas “confio mais em sites nacionais sobre saúde do que nos internacionais” apresenta uma diferença estatística entre os quatro perfis (sig =0,000, segundo teste Anova). Neste caso, os utilizadores diários de internet, sendo também aqueles que dominam uma língua estrangeira, são os que menos concordam que os sites nacionais transmitem maior confiança do que os internacionais.17 De resto, e sabendo da natureza aberta e contingente das pesquisas, é relevante perceber a consensualidade em torno dos seguintes aspectos: importância atribuída à reputação científica do site (valor médio de 3,35), a necessidade de instituições que certifiquem a qualidade da informação médica disponível (valor médio de 3,33), a necessidade de conhecimento da origem do site (valor médio de 3,28), e dos seus autores (valor médio de 3,25), o facto de se tratar de sites pertencentes a instituições de saúde e não terem uma natureza comercial (valor médio de 3,25). Gráfico 6 – Grau de concordância relativa a elementos de confiança com a pesquisa na internet (valores médios)18 4 3,5 3 3,33 3,25 3,28 3,25 3,35 2,82 2,5 2 1,5 1 Deveriam existir Os sites de Se soubermos quem Confio mais em site Confio mais em site Confio mais em site instituições que instituições de são os autores do nacionais sobre sobre saúde cuja cuja reputação certificassem a saúde inspiram mais site temos mais saúde do que nos origem é conhecida científica é qualidade da confiança do que os confiança internacionais(*) reconhecida informação médica sites comerciais O facto de se afirmar que os utilizadores diários de internet concordam menos significa que apesar da sua posição mais favorável aos sites internacionais, o valor médio da resposta fica acima do valor médio de 2,5 não chegando a traduzir uma discordância. 17 18 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 4 “concordo totalmente”, em que o ponto 2,5 representa a posiç~o intermédia. 22 Sabendo que estamos em presença de perfis tão marcados quanto à utilização da internet em saúde, estética e bem-estar (Cf. gráfico 2), vejamos agora o espaço que a internet assume relativamente a outros meios de informação, como a televisão, rádio ou revistas e jornais. Os perfis revelam diferenças estatísticas significativas para os três indicadores considerados no gráfico 7 (sig.=0,000, teste Kruskal-Wallis). Isto significa que há uma linearidade estatística entre a menor relação com a internet e menor confiança nessa fonte de informação, comparativamente a programas de televisão, de rádio e artigos em revistas e jornais (não científicos) em matérias relativas à saúde, estética e bemestar. Além disso, e por ventura o resultado mais surpreendente, é que mesmo entre os utilizadores diários de internet o sentimento de confiança com esse recurso é inferior relativamente aos restantes meios de informação.19 Portanto, e se no gráfico 5 se deu conta de uma posição de relativa confiança com a internet, estes dados permitem agora obter uma leitura mais precisa da relação das pessoas com a internet, sobretudo por comparação a outros meios de informação. Gráfico 7 – Relação da confiança com a internet e outros meios de acesso à informação (valores médios)20 4 3,8 3,6 3,4 3,2 3 2,8 2,6 2,4 2,2 2 1,8 1,6 1,4 1,2 1 relação diária com internet relação habitual com internet não relação com internet info-exclusão Confio mais na internet Confio mais na internet Confio mais na internet do que em programas do que em programaas do que em televisivos (*) de rádio (*) revistas/jornais (*) Posição semelhante é encontrada relativamente à compra de um conjunto alargado de produtos relacionados com a saúde, estética e bem-estar – gráfico 8. Também se encontraram diferenças estatísticas significativas entre os quatro perfis embora todos eles apontem para uma tendência algo convergente (sig.= 0,000, teste KruskalWallis). Neste caso, a conclusão que se retira é que não há confiança na compra de Dado que os valores das respostas estão sempre abaixo do valor médio de 2,5, a partir do qual haveria uma concordância de que a internet seria um meio de acesso à informação que suscita maior confiança. 19 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 4 “concordo totalmente”, em que o ponto 2,5 representa a posiç~o intermédia. 20 23 produtos pela internet em caso de necessidade, tanto no que diz respeito a medicamentos, outros produtos médicos sem serem medicamentos, vitaminas e suplementos alimentares, produtos dietéticos e de acção terapêutica, produtos de estética e bem-estar.21 Gráfico 8 – Relação de confiança com a internet para a compra de produtos de saúde, estética e bemestar (valores médios)22 4 3,8 3,6 3,4 3,2 3 2,8 2,6 2,4 2,2 2 1,8 1,6 1,4 1,2 1 relação diária com internet relação habitual com internet Compraria medicamentos (*) Compraria Compraria Compraria Compraria produtos vitaminas ou produtos produtos de médicos sem outros dietéticos de estética e bemserem suplementos acção estar (*) medicamentos alimentares (*) terapêutica (*) (*) não relação com internet info-exclusão A necessidade de enquadrar estes resultados nas dinâmicas que os suportam leva-nos para alguns argumentos atrás referidos, sobretudo no que diz respeito à questão da interacção verbal e/ou física. Esse constitui um domínio das teorias da comunicação que aqui não interessa, nem há forma de abordar, mas deixa em aberto o significado de um menor nível de confiança na internet do que nos restantes meios de informação, mesmo entre os indivíduos mais habituados a perceber os seus meandros e lógicas de funcionamento. Ler à distância e em privado tanto pode ser uma condição fundamental para favorecer formas de interacção que não obrigam ao assumir socialmente certas condições ou características que não há interesse em fazê-lo (deu-se o exemplo da procura de ajuda ou partilha de experiências sobre doenças especialmente estigmatizantes), como, simultaneamente, pode ser um importante factor para a menor confiança sobre as informações disponibilizadas ou mesmo para a compra de um conjunto alargado de produtos relacionados com saúde, estética e bem-estar. Fazê-lo online não permite a relação directa com o comprador, o que de forma inequívoca retrai a confiança de compra por intermédio da internet. De salientar que a questão foi colocada precisamente no sentido de captar a resposta em caso de necessidade: “se precisasse compraria através da internet:”. 21 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 4 “concordo totalmente”, em que o ponto 2,5 representa a posiç~o intermédia. 22 24 Tentemos então perceber se está em causa os efeitos da não presença de um interlocutor físico com quem se interage a nível verbal e/ou físico – elementos centrais na fundação das relações sociais – ou se o receio de aspectos de natureza mais prática como a cedência de determinados dados confidenciais, ou então a própria natureza do bem transaccionado. Neste sentido, não é claro por intermédio destes dados se basta uma maior rotinização das pessoas com essa prática para um aumento da confiança, ou se na sua base estarão elementos mais substantivos e sociologicamente mais relevantes sobre as relações interpessoais. Por outras palavras, até que ponto o espaço virtual substitui outras formas de interacção presencial? Especificamente no que diz respeito a níveis mais baixos de confiança na internet do que noutros meios de informação, importa recordar conclusões retidas do gráfico 6. Um dos aspectos a que foi dada maior relevância foi à existência de instituições que certifiquem a qualidade da informação disponível e ao facto de se procurar informações em sites cuja reputação científica é conhecida. Deste ponto de vista, a democratização do enriquecimento da informação que se pode disponibilizar online representa também a sua maior limitação para assuntos tão sensíveis, senão o mais sensível, para as pessoas: a sua saúde e bem-estar. O fácil acesso que a internet possibilita é então acompanhado por um vazio de elementos que favorecem a confiança nas informações, o que afecta também a compra de produtos. Nos restantes meios de informação existem expectativas construídas sobre o acesso restrito dos comunicantes a esses espaços, o que certamente contribui para uma maior legitimidade das informações transmitidas. Um post num blogue ou a criação de um site não requer os mesmos níveis de reconhecimento social e de comprovação da qualidade do emissor e a sua intenção, tal como acontece em rádio, televisão ou revistas, onde o acesso requer formas prévias de reconhecimento social. Portanto, estão em equação duas questões relacionadas quanto ao problema da confiança na internet. Por um lado, a não existência de elementos que permitam aferir a qualidade da informação existente e a sua origem, quer instituições ou pessoas; por outro lado, a inexistência de barreiras à circulação na internet tem como efeito perverso a não filtragem dos conteúdos existentes, o que também afecta a relação das pessoas com os produtos que compram e a quem compram. Pode tratar-se de um problema inerente à internet, mas também pode estar em causa um certo grau de desconfiança nessa tecnologia comparativamente a outros meios de informação amplamente disseminados e já intrincados na vida social.23 Sendo a questão da qualidade da informação disponibilizada na internet um problema indiscutível, em paralelo, há que considerar o modo como as pesquisas são Não se resiste a pensar na desconfiança criada pela transmissão das imagens do primeiro voo à lua, onde a relação com a televisão tinha uma história muito recente. 23 25 efectuadas. Viu-se anteriormente na tabela 5 que é praticamente inexistente a procura por intermédio de sites de natureza institucional, sendo o principal recurso os motores de busca para aceder a sites genéricos sobre saúde. Ora, é precisamente nos sites que os portugueses menos consultam que mais se pode garantir as preocupações manifestadas sobre qualidade dos conteúdos e conhecimento das fontes. Deste ponto de vista, pode estar em causa a necessidade de uma aprendizagem crítica no acesso e filtragem aos recursos existentes. 26 4. O PAPEL DAS TIC NA MEDICINA E NA SAÚDE 4.1. FORMAS DE RELAÇÃO EM SAÚDE E FONTES DE REFERENCIAÇÃO Além de perceber o papel das tecnologias de informação e comunicação no modo como os indivíduos se relacionam, não só com a sua saúde mas também com os sistemas de saúde, este projecto não podia ignorar a questão da centralidade da saúde e da doença na vida quotidiana dos indivíduos. Partindo de uma análise de Clusters chegou-se à definição de três perfis quanto à preocupação das pessoas relativa a questões de saúde, estética e bem-estar.24 Um deles define-se como uma posiç~o “intermédia a concordante” sobre a maior preocupaç~o com saúde, estética e bem-estar e que engloba 28,2% do total de indivíduos. Com 26,7%, o outro perfil corresponde uma posiç~o “altamente preocupada” com a saúde, estética e bem-estar. Por último, 32,3% dos indivíduos situam-se numa posiç~o “altamente despreocupada” sobre esta questão. Com três perfis encontrados, sendo que dois deles tendem para uma maior preocupação com a saúde, estética e bem-estar, estes dados permitem comprovar, desde já, a veracidade do argumento que hoje em dia a atenção que as pessoas dão à sua saúde é maior do que no passado. Embora se identifique algumas tendências em relação aos perfis de utilizadores de internet, estatisticamente não têm grande expressão (Coeficiente de correlação Ró de Spearman de fraca intensidade = 0,209). Isto traduz que não será a relação com a internet que suporta esta maior consciência das pessoas com a sua saúde, fazendo parte de um movimento social mais amplo claramente identificado à luz de perspectivas consolidadas como as de Michel Foucault (1979). Segundo esta base de teorização, a existência destes processos – de relação do indivíduo consigo mesmo –, portanto, localizados no plano individual devem ser tomados como resultado de uma medicina que se foi tornando progressivamente mais colectiva (no sentido de social), colectivizando domínios outrora tão individuais como o corpo. Portanto, a maior consciência hoje em dia manifestada em relação à saúde e bem-estar – e, intrinsecamente ao corpo –, é dos melhores exemplos do controlo normativo exercido sobre os indivíduos. No entanto, e mesmo percebendo que esta consciência individual – que não é mais do que o produto de vigilâncias criadas em níveis sociais – apresenta contornos extensíveis entre os vários estratos sociais, procede-se a uma leitura descritiva de alguns elementos de caracterização sociodemográfica de cada um dos perfis para tentar perceber algumas das suas características: gráfico 9. Solução encontrada por intermédio do procedimento TwoStep Cluster que combinou as seguintes variáveis: “as questões médicas são hoje mais importantes do que no passado”; “tenho hoje em dia uma maior preocupação com a minha saúde”; “tenho hoje em dia uma maior preocupação com a minha aparência”. No seu conjunto, estes três perfis englobam 87,3% do total de situações. 24 27 Gráfico 9 – Elementos de caracterização dos perfis sobre a preocupação com saúde, estética e bemestar Idade média Condição perante o trabalho 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 50 6,2 4,4 7 6 23,2 23 6,8 8 4 13,1 1,8 9,8 10,2 45 40 21,1 35 9,6 12 30 25 59,4 53 57,3 45 39 15 10 5 altamente concordante altamente discordante intermédio/ concordante trabalha desempregado doméstica estudante 0 média global altamente altamente intermédio/ concordante discordante concordante média global reformado idade média Sexo Nível de ensino 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 47 46 20 65,1 100 8,4 8 17,3 17 12,9 8,6 90 18,6 80 26,9 19 24,2 21,6 22,9 17 15,8 16,6 27,6 7,7 9 18,9 1,4 altamente concordante altamente discordante intermédio/ concordante sem ensino 1º ciclo 2º ciclo 3º ciclo secundário superior 56 47 56 52,8 44 47,2 60 50 40 17 31 26,6 70 30 20 7 média global 44 53 10 0 altamente altamente intermédio/ média global concordante discordante concordante masculino feminino Relativamente à média global da amostra, os indivíduos incluídos no perfil onde se identifica uma maior preocupação e, neste sentido, consciência sobre a saúde e bemestar encontra-se uma sobre-representação de indivíduos que trabalham ou que estão reformados, sobretudo por conta de um menor peso de estudantes. A idade média neste perfil é de 46 anos e em termos de qualificações o destaque é o maior peso de indivíduos que concluíram o 3º ciclo do ensino básico. São sobretudo as mulheres que mais demonstram ter adquirido uma maior preocupação com saúde e bem-estar. Olhando agora para o perfil contrário, onde os indivíduos afirmam não ter uma maior preocupação com a sua saúde e bem-estar, as diferenças sociodemográficas que se 28 encontram dizem respeito ao facto de haver um peso inferior de trabalhadores por conta de uma percentagem mais elevada de desempregados. Trata-se de pessoas com uma média de idade de 47 anos, portanto sem grandes diferenças em relação ao primeiro perfil. Aumenta o peso de indivíduos com níveis de escolaridade mais baixo, sobretudo entre os que apenas concluíram o 1º ciclo do ensino básico. Neste caso, o grupo é tendencialmente composto por homens. Quanto ao terceiro perfil, entre aqueles que assumem uma posição intermédia a concordante que hoje em dia têm uma maior preocupação com a saúde e bem-estar, comparativamente à média global encontram-se mais estudantes e trabalhadores que acabam por esvaziar o peso dos reformados. A idade média baixa então para os 39 anos e encontra-se o maior peso de pessoas com níveis mais elevados de escolaridade concluídos e um maior peso de mulheres. Em suma, é clara a dificuldade em definir linearmente as características destes três grupos, dado existirem alguns elementos de caracterização partilhados entre os três perfis. Ainda assim, é notório que a internet não revela nenhum papel nestas distribuições dado que tanto existem utilizadores como não utilizadores nos perfis mais antagónicos.25 Continuando a seguir a mesma linha de teorização, percebe-se que, apesar de tendencialmente disseminado, existem determinados estratos sociais que diferenciam a produção da preocupação com a saúde e bem-estar. Se dúvidas restassem quanto à legitimidade destes argumentos, sobretudo por referência a explicações do foro biológico, facilmente se percebe que, por exemplo, a idade explica apenas em parte estes processos. Por um lado, é verdade que os mais jovens – e cumulativamente estudantes – manifestam uma menor preocupação com a sua saúde. É um dado indiscutível que a norma é que as doenças não acompanhem essa fase da vida. Contudo, também é verdade que os processos de vigilância médica exercidos em idades mais baixas têm um importante intermediário que tira alguma da responsabilidade do indivíduo em gerir a sua saúde. É o caso nítido dos pais ou de outros agentes de socialização responsáveis pela condição económica passiva dos “jovens”.26 Por outro lado, onde se percebe a não relação etária nesta questão é na excessiva proximidade etária entre os perfis mais simétricos de preocupação com a saúde e bem-estar (46 anos de idade média no perfil mais preocupado e 47 anos de idade média no perfil menos preocupado). Atente-se a algumas percentagens que permitem perceber a ambivalência da relação com a internet: 35,2% das pessoas que consideram que hoje em dia não se preocupam mais com a sua saúde e bemestar consultam e têm internet em casa; esse valor é bastante semelhante entre as pessoas que afirmam estar hoje em dia mais preocupadas com essas questões (38%). 76,7% das pessoas do primeiro perfil afirmam consultar diariamente a internet, enquanto entre as pessoas do segundo perfil esse valor desce para 65%. 25 Estas aspas procuram salientar a condição social da juventude e não tanto o seu significado etário (biologicamente falando). 26 29 Um outro factor social que apresenta alguma influência diz respeito aos níveis de escolaridade. A conclusão que se retira é que um maior acesso a recursos educacionais – formais mas também informais – está associada a uma maior exposição aos processos de socialização bio-médica. Percebe-se que estas pessoas tendem a estar sujeitas a uma maior aprendizagem sobre o ser-se mais cauteloso e a estar mais atento aos sinais “anormais” que o corpo manifesta. Obviamente que a resposta às mudanças corporais encontra-se nos profissionais de saúde. Uma última diferenciação social inequívoca prende-se com a condição de género. São as mulheres que evidenciam estar mais sujeitas a estes processos de consciencialização, o que aliás se percebe em linha com todas as medidas actualmente existentes de controlo e rastreio de doenças, desde logo do foro sexual e reprodutivo. Fechado este ponto, e sabendo que a preocupação dos indivíduos com a sua saúde, estética e bem-estar é comum mas algo diferencial entre os indivíduos, apresenta-se na tabela abaixo os valores médios das principais fontes utilizadas para recolher informações e esclarecer dúvidas sobre esses assuntos. Antes de olhar propriamente para a sua ordenação, salienta-se que, à excepção dos farmacêuticos, todos os recursos informacionais considerados são discriminados pelos três perfis anteriormente definidos. Como seria de esperar, a grande regularidade é que em todos eles o perfil das pessoas mais preocupadas com a saúde, estética e bem-estar tende a fazer uma procura de informações superior à média dos restantes perfis. Tabela 8 – Frequência com que utiliza as seguintes fontes para recolher informações e esclarecer dúvidas sobre saúde – valores médios27 Médicos (*) 3,1 Farmacêuticos 2,58 Familiares e amigos (**) 2,45 Enfermeiros (*) 2,34 Televisão (**) 1,93 Livros (**) 1,59 Sites (**) 1,56 Rádio (**) 1,55 Revistas (**) 1,54 Jornais (**) Terapeutas/profissionais de medicinas alternativas (**) 1,52 Redes sociais (**) 1,29 Associações de doentes (**) 1,23 1,32 (*) significante a um nível <0,05 (Anova) (**) significante a um nível <0,05 (Kruskal-Wallis) 27 Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca” e 4 “sempre”. 30 Considerando então a ordem dos resultados, comprova-se a presença de tendências descritas no capítulo anterior. Especialmente os médicos, mas os profissionais de saúde em geral, constituem a principal base de referenciação em saúde para os portugueses. Além destes, é notória a função dos familiares e amigos como um importante recurso de saberes e de formas de relacionamento com a saúde e doença. Esta dupla relação de aprendizagens em saúde, entre saberes leigos (transmitidos por agentes directos de socialização) e saberes periciais, há muito que vem sendo documentada no campo da sociologia da saúde e traduz a complexidade envolta nas práticas e representações dos indivíduos sobre a sua saúde e doença (e.g. Harding, Nettleton, Taylor, 1990). Abaixo dos saberes profissionais e das redes de sociabilidade mais próximas, as fontes de informação privilegiadas tendem a seguir a seguinte ordenação: televisão, livros, sites, rádio, revistas e jornais. Embora estes resultados comprovem que a televisão mantém a sua preponderância como principal meio de difusão massificada de informação (Cf. Espanha, 2009), é importante não ignorar o lugar ocupado pela internet, cuja utilização em pesquisas desta natureza tende a ser hoje em dia superior a outros meios de informação já consolidados. Por outro lado, e não obstante a relevância deste dado, importa voltar a equacionar conclusões reiteradas aquando da discussão do gráfico 7, onde ficou demonstrado que mesmo entre os utilizadores habituais de internet há um maior sentimento de confiança em informações obtidas pela televisão, rádio e revistas. Deste ponto de vista, aparece uma vez mais reforçada a função ocupada pela internet que, fazendo parte do quotidiano de algumas pessoas, a sua utilização aberta e contingente não substitui outros meios de comunicação que suscitam um maior sentimento de confiança. Já com valores muito residuais aparecem então os terapeutas de medicinas alternativas, as redes sociais e as associações de doentes. Uma breve leitura sobre estes dados permitem, em primeiro lugar, reforçar o lugar da medicina bio-médica perante outras formas de conhecimento em saúde que muitas vezes aparecem como emergentes e concorrentes à medicina institucionalizada nas sociedades ocidentais. De facto, esse dado é aqui desmentido. Em segundo lugar, reforçar a ideia que a partilha de conhecimento por intermédio das novas tecnologias (neste caso, por intermédio das redes sociais) não constitui ainda uma fonte de aprendizagem em matéria de saúde e bem-estar – e deixa-se em aberto essa possibilidade dadas as questões atrás descritas sobre a questão da confiança e das formas de interacção social sem uma presença física. Em terceiro lugar, um assunto a que se irá dar atenção num ponto mais adiante e que está relacionado com o lugar residual que os grupos de auto-ajuda assumem na sociedade portuguesa enquanto recurso disseminado, mesmo sendo conhecido o problema da não-institucionalização e desinstitucionalização de certas doenças e o consequente vazio onde muitos doentes se encontram pela sua condição não ter lugar nas valências públicas e privadas. 31 Estes dados reportam-se à frequência de utilização deste conjunto de meios de informação. Como se viu, num ponto anterior discutiu-se a questão da confiança na internet por comparação a outros meios de informação. Resta agora saber em que medida existe uma correspondência entre a frequência de utilização das várias fontes de informação e a confiança que as pessoas têm em cada um delas. O objectivo é perceber se a utilização das fontes de informação se deve à confiança que suscitam ou a outros factores como a facilidade no seu acesso. O gráfico abaixo reúne essa informação. Como se constata, há, de facto, uma certa correspondência entre a frequência com que se consulta as fontes e o grau de confiança que estas representam. Os profissionais de saúde são as fontes de referenciação em saúde que as pessoas mais confiam, seguido dos familiares e fontes de informação diversificadas por intermédio de livros e televisão, sites e rádio. Entre as fontes que menos suscitam confiança, encontram-se os terapeutas de medicinas alternativas e outros meios massificados de difusão da informação como jornais, revistas e redes sociais. Gráfico 10 – Grau de confiança nas fontes de informação por perfis de utilização de internet28 3,60 relação diária 3,40 relação habitual 3,20 não relação 3,00 info-exclusão 2,80 média geral 2,60 2,40 2,20 2,00 1,80 1,60 1,40 1,20 1,00 médicos (*) enfermeiros (*) farmacêuticosfamiliares/amigos (*) (*) livros (*) televisão (*) associações de doentes (*) sites (*) rádio terapeutas medicinas alternativas (*) jornais (*) revistas (*) redes sociais (*) A diferença mais significativa entre frequência de consulta/acesso à informação e confiança nessa fonte encontra-se nas associações de doentes. Embora esta seja a fonte de informação que menos se recorre, o grau de confiança que suscita é bem mais significativo. Este é um dado de relevância na medida em que apesar das pessoas não recorrem a estas organizações, que representam tipicamente o envolvimento do terceiro sector, torna-se clara a função que as pessoas atribuem a estes grupos de partilha/apoio. Como se disse, sabendo da efectiva exposição de Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “n~o confio nada” e 4 “confio totalmente”. 28 32 determinadas doenças à falta de cobertura na rede pública e privada de cuidados institucionalizados, percebe-se o vazio onde muitos doentes se encontram.29 Mas, mesmo apesar desta correspondência entre utilização e confiança nas fontes de informação, encontram-se algumas nuances no interior de cada um destes grandes grupos de referenciação em saúde – profissionais, familiares/amigos e fontes massificadas de informação – que merecem atenção. É o caso dos enfermeiros que, apesar de serem a segunda fonte em que as pessoas mais confiam, o seu acesso é menor do que a outros profissionais como os farmacêuticos, ou mesmo a familiares/amigos. A explicação é fácil de perceber e prende-se com a estruturação dos canais de acesso a estes profissionais. Autores da sociologia das profissões (e.g. Scambler, 1999; Freidson, 1998) referem que o campo da saúde está estruturado pela intermediação exercida pela medicina, responsável pela organização e orientação dos doentes. A esta lógica de dominância profissional conseguem fugir os farmacêuticos pois, apesar de parte do seu exercício profissional estar igualmente dependente por intermédio da prescrição médica, a vocação permitida às farmácias como espaço diversificado de venda de produtos de saúde, estética e bem-estar, além dos medicamentos não sujeitos a receita médica permitem espaços relativamente autonomizados na sua jurisdição profissional. A isto acresce a proximidade das farmácias aos utilizadores, servindo muitas vezes como a primeira porta de acesso a informações de saúde. Uma outra nuance encontra-se entre o conjunto dos meios massificados de informação. Apesar de as pessoas utilizarem com mais frequência a televisão e só depois os livros, na verdade, a confiança tende a ser superior nas informações transmitidas por livros. Estes dados voltam a ilustrar exemplos de que nem sempre as fontes mais acessíveis são aquelas que as pessoas confiam. Factores como a facilidade de acesso, o imediatismo das informações transmitidas ou processos de filtragem e condensação a que as informações são sujeitas pelos interlocutores permitem perceber a centralidade ocupada pela televisão enquanto meio massificado de aprendizagem. Procedendo a um outro tipo de análise, os valores médios são discriminados em função dos perfis de utilização de internet, sabendo que na sua base existem significativas diferenças quanto à sua composição social, educacional, geracional e profissional. De facto, e à excepção da rádio, a confiança nas fontes de informação está Carecem números sobre a população não coberta pela prestação de cuidados promovida pelas instâncias governamentais, quer de natureza pública e privada. É de salientar a existência de uma Rede Nacional de Cuidados Integrados (RNCI) lançada em 2006, estando por isso ainda numa fase de relativa estabilização. Além disso, está por conhecer a real capacidade da rede para integrar a população actualmente descoberta no sistema hospitalar e na rede de cuidados de saúde primários. A vocação da RNCI está orientada para fins concretos como, por exemplo, a convalescença (internamento de curta duração), o internamento de média duração e reabilitação (internamento activo ou de reabilitação para a vida activa), o internamento de longa-duração e permanente (internamento com actividades de vida diária) e os cuidados paliativos (apoio durante o estado terminal da vida humana) (Fonte, OPSS, 2007: 139-140). 29 33 estatisticamente dependente destes perfis (teste ANOVA, sig<0,05). Olhe-se de uma forma mais atenta para cada um deles:30 Relação diária com a internet (grupo 1) Em termos absolutos, os profissionais de saúde são aqueles que suscitam maior confiança para informações sobre saúde, estética e bem-estar, seguido dos familiares e amigos. Segue-se, por último, as fontes massificadas de informação como a rádio, os jornais, as redes sociais e a televisão. Sabendo que se trata do perfil mais próximo da internet e composto por idades mais jovens, torna-se significativo perceber que os profissionais de saúde são a fonte de referenciação em saúde que mais confiança suscita, que se liga a uma inequívoca importância quanto a formas de aprendizagem mantidas com as pessoas mais próximas aos circuitos de interacção. Percebe-se que só depois destas, vêm outras fontes como o caso concreto dos sites, mas também dos livros. Importa não esquecer que este é também o grupo dos indivíduos com níveis mais elevados de escolaridade. Tais características sociodemográficas podem também explicar o significado atribuído às associações de doentes e a profissionais/terapeutas de medicinas alternativas, cuja confiança é superior a outras fontes massificadas de informação como revistas, jornais, rádio, televisão e mesmo redes sociais. Percebe-se então que formas emergentes de saberes num espaço tradicionalmente controlado pela medicina bio-médica ocorrem por intermédio das pessoas mais instruídas. Por outro lado, e sendo o grupo de pessoas mais jovens, esta confiança nas associações de doentes não revela propriamente uma experiência na sua utilização, estando em causa a construção de uma imagem positiva associada ao papel que estes grupos assumem no enquadramento das pessoas em espaços extra-institucionais. Olhando agora para cada fonte de informação em particular outras interpretações são conseguidas sobre o lugar deste perfil na relação com os restantes. Comparativamente aos outros perfis, este acaba por evidenciar a maior confiança relativamente a terapeutas/profissionais de medicinas alternativas, nas associações de doentes e noutras fontes de informação com jornais, revistas, livros, sites e redes sociais.31 As fontes em que este grupo menos confia, por A análise que se efectua parte de duas perspectivas. Por um lado, os valores são lidos por perfil, percebendo como cada um deles se posiciona no conjunto das fontes de informação. Por outro, analisase os valores por fonte de informação. O objectivo é perceber não só a dinâmica dos perfis no conjunto de todas as fontes, como a sua posição relativa em cada fonte de informação. Interpretações que podem ser comprovadas por intermédio dos gráficos 10 e 11. 30 O que isto significa é que embora estas fontes tenham um menor peso em comparação às restantes, entre os quatro perfis é neste que ganham maior representatividade. 31 34 comparação aos restantes, são: familiares e amigos, rádio, televisão. Em relação aos profissionais de saúde, o perfil apresenta valores intermédios. Relação habitual com a internet (grupo 2) Se olharmos para o modo como este perfil se relaciona com as várias fontes de informação percebe-se que na sua base estão dinâmicas próximas às identificadas no grupo anterior: maior confiança nos profissionais de saúde, seguido de familiares e amigo; peso menor mas significativo de confiança na internet e só depois noutros meios massificados de acesso à informação (rádio, revistas, jornais, televisão); níveis igualmente significativos de confiança em terapeutas/profissionais de medicinas alternativas e associações de doentes. Em traços gerais, estes dados comprovam a existência de lógicas marcadas na relação das pessoas com as fontes de informação sobre a saúde, estética e bemestar, o que, em todo o caso, é compatível com uma presença diversificada de fontes e pesquisas. É na análise sobre o modo como este grupo se posiciona relativamente aos restantes em cada uma das fontes de informação que se encontram algumas surpresas que importam destacar. Neste sentido, e em comparação aos restantes grupos, as pessoas que mantêm uma relação habitual com a internet, tendo idades compreendidas entre os 25 e os 44 anos, profissões maioritariamente executantes e com uma escolaridade ao nível do ensino mínimo obrigatório, apresentam os níveis mais baixos de confiança nos profissionais de saúde (enfermeiros, médicos, farmacêuticos), mas também nas formas de associativismo (associações de doentes), como também nos familiares/amigos. Insistindo na ideia que esta interpretação reporta-se apenas à comparação intergrupal, este perfil apresenta os valores mais significativos de confiança em meios de informação como a televisão, jornais e revistas mas, mais importante, uma preponderância de elevados níveis de confiança nas novas tecnologias, o que inclui sites e as redes sociais. Perante estes resultados, é possível afirmar que, em relação aos restantes perfis, este evidencia uma consistência em torno daquilo que se pode entender por formas relativamente autonomizadas de relação com a saúde, estética e bemestar. De facto, todas as fontes de informação que não pressupõem intermediários directos e institucionalizados tendem a suscitar maior confiança entre estes indivíduos. Consequentemente, está em causa uma prática mais individualizada na relação com fontes de informação tão diversificadas que vão desde as tecnologias aos tradicionais meios massificados de acesso à informação. 35 Não relação com a internet (grupo 3) Em convergência com os restantes grupos, continua a haver uma preponderância de confiança nos profissionais de saúde, a que se segue os conhecimentos transmitidos por familiares e amigos. Como seria de esperar, a grande diferença em relação aos perfis anteriores prende-se com um menor nível de confiança em informações recolhidas pela internet (sites e redes sociais). Entre os vários perfis, este grupo é o que maior confiança tem nos enfermeiros, nas informações transmitidas por familiares/amigos e pelos tradicionais meios de informação (televisão e rádio). Importa não esquecer que se tinha identificado que neste perfil há uma maior representatividade de domésticas e desempregados, assim como pessoas com a internet em casa sem saber utilizar de forma autónoma e pessoas que tendo esse recurso em casa não o sabem usar (pressupõe que a sua utilização seja feita por outras pessoas do agregado). Info-exclusão (grupo 4) Relativamente ao grupo das pessoas mais velhas e numa condição cumulativa de exclusão (educacional, social, económica e tecnológica), a tendência geral continua a assumir os mesmos contornos dos perfis anteriores, embora, neste caso, as fontes de informação que despertam mais confiança não coincidem com as dos restantes perfis. Enquanto no perfil das pessoas que mantêm uma relação habitual com a internet encontrou-se os menores níveis de confiança generalizada nos profissionais de saúde, associações de doentes e familiares/amigos, por conta de formas individualizadas de relação com as restantes fontes de informação, este grupo apresenta o padrão precisamente inverso. Neste caso, e comparativamente aos restantes, é entre estas pessoas que mais confiança é manifestada em médicos e farmacêuticos, mas também em enfermeiros e associações de doentes. No caso em particular da confiança nestas associações e dada a composição etária do grupo parece evidente que esta opinião se relaciona com uma maior proximidade e necessidade destes espaços extra-institucionalizados. Também é de salientar o facto de serem as pessoas que mais confiam em farmacêuticos, evidenciando o que se disse anteriormente sobre o papel destes profissionais no acesso a cuidados de saúde ou apenas servindo como referenciação em caso de dúvidas. Por outro lado, este perfil reúne os menores níveis de confiança em todos os meios de informação considerados, quer tradicionais quer modernos, incluindo também os terapeutas/profissionais de medicinas alternativas. 36 Em suma, um dado importante que se retira destes dados é que, se por um lado, as pessoas que não utilizam a internet mantêm formas diversificadas de referenciação em saúde – utilizando saberes profissionais, saberes leigos e informações de tradicionais meios de informação –, por outro, as pessoas que fazem uma utilização mais próxima das novas tecnologias, não tendem a substituir essa fonte às outras já existentes. Quanto muito, são utilizadas de forma cumulativa. Neste sentido, uma das conclusões mais significativas é que a actual possibilidade de multi-referenciação em saúde aponta para uma não diminuição de lógicas fortemente estruturadas, primeiro, em torno dos saberes periciais e, em segundo lugar, em relação a formas de socialização mais directas. O que resta saber é como no futuro os vários meios massificados de acesso à informação se vão relacionar entre si. Pelo retrato retirado à população portuguesa, parece evidente o lugar ainda residual e pouco consolidado da internet em relação a outras fontes como a televisão, jornais e revistas. 37 Gráfico 11 – Relação entre os perfis de utilização de internet e o grau de confiança com as fontes de referenciação em saúde 38 39 4.2. PRÁTICAS ENTRE A DIVERSIDADE DE FONTES DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE Pela discussão desenvolvida no ponto anterior ficou patente o espaço de referenciação e de aprendizagem hoje em dia possível para temas relacionados com saúde, estética e bem-estar. O objectivo da análise passa agora por uma perspectiva complementar evidenciando as experiências dos indivíduos na relação com a sua doença. Para tal procede-se a dois tipos de análises. Por um lado, o local a que as pessoas recorrem numa situação de doença que consideram não ser urgente e, por outro, situações de doença que consideram urgentes. Uma vez mais procede-se a uma análise por intermédio dos perfis de utilizadores de internet. A expectativa não é que a maior ou menor utilização deste recurso introduza diferenças quanto a esta questão. O que se equaciona são as características sociais, geracionais e profissionais que estes perfis correspondem (ver gráfico 12). Em termos estatísticos não há qualquer tipo de relevância entre as características de cada um daqueles perfis e as decisões tanto em situações consideradas não urgentes (V de Cramer praticamente inexistente = 0,165), como nas situações consideradas urgentes (V de Cramer praticamente inexistente = 0,114). Estes dados significam que as práticas decididas nestes contextos apresentam fortes regularidades sociais, não sendo restritas a certos grupos sociais. Em caso de situações consideradas não urgentes, o principal recurso tende a ser o médico de família do SNS. Embora transversal a todos os indivíduos, esta tendência é mais acentuada para o perfil das pessoas mais velhas e menos escolarizadas, dado que os restantes acabam por ter ligeiros aumentos noutras fontes de informação. É o caso dos farmacêuticos entre as pessoas com idades entre os 25 e os 44 anos, níveis médios de escolaridade e pessoas que trabalham como empregados executantes, como também entre as pessoas entre os 45 e 64 anos, as domésticas e desempregados; e o caso dos amigos/familiares e a utilização de serviços de saúde privados entre as pessoas mais jovens e com capitais mais elevados (quer em termos financeiros quer em termos de escolaridade). Por outro lado, em situações de doença consideradas urgentes, volta a haver uma convergência, neste caso em torno da utilização da urgência hospitalar pública e dos serviços de atendimento permanente (SAP) dos centros de saúde. Das principais nuances, a que ganha maior expressão é entre as pessoas com mais recursos haver um ligeiro aumento na utilização de serviços de urgência privados. 40 Gráfico 12 – O que faz em primeiro lugar numa situação considerada não urgente e urgente Situação não urgente Relação diária Relação habitual Situação urgente Não Relação Info-exclusão Relação diária Relação habitual Não Relação Info-exclusão Médico de família do SNS Outro Automedica-se Não costuma fazer nada 75 65 55 45 35 25 15 5 -5 Médico assistente (sistema privado) Enfermeiro Farmacêutico Linhas de apoio de saúde pública Centro de Saúde Hospital / Urgências Internet Familiares / Amigos Recorre centro de enfermagem mais próximo Recorre farmácia mais próxima 60 50 40 30 20 10 0 SAP Urgência hospitalar (público) Urgência hospitalar (privado) contacta médico assistente (público ou privado) Linha de apoio de saúde pública Serviços privados de atendimento domicílio 41 Sobre os motivos que explicam essas escolhas, a informação contida na tabela abaixo apresentada (tabela 9) é esclarecedora. Percebe-se que a repetição das escolhas, independentemente quais elas sejam, decorrem principalmente de aprendizagens que se vão rotinizando no quotidiano das pessoas: em mais de metade das decisões em situações de doença consideradas não urgentes e em 45% dos casos considerados urgentes. Estes dados são de estrema importância, pois permitem elucidar quanto ao peso efectivo que as influências sociais assumem nas escolhas individuais em saúde. Daqui é possível extrapolar outro tipo de conclusões, nomeadamente sobre os modos de intervenção das políticas nos comportamentos dos indivíduos em relação a aspectos tão diversificados como o recurso excessivo aos serviços de urgência hospitalar. Qualquer política pública deve então equacionar o peso que as aprendizagens adquirem na definição dos comportamentos dos indivíduos, incluindo o modo como se relacionam com as instituições de saúde. Por conseguinte, qualquer intervenção política a este nível deve pressupor uma temporalidade necessária para a interiorização de novas aprendizagens e alteração dos comportamentos instituídos. Tabela 9 – Motivos por se tomar determinada decisão sobre recursos de saúde a utilizar Em caso de não urgência Em caso de urgência Porque sempre me habituei a isso 51,4 Porque sempre me habituei a isso Porque das últimas vezes que o fiz fiquei satisfeito(a) com o resultado 9,3 Porque das últimas vezes que o fiz fiquei satisfeito(a) com o resultado 9,2 Porque um familiar/amigo disse para fazê-lo 1,4 Porque um familiar/amigo disse para fazê-lo 1,0 Porque tenho mais confiança 29,5 Porque tenho mais confiança Porque é mais rápido/Prático/Próximo 4,1 Porque é mais rápido/Prático/Próximo 3,4 Por uma questão de dinheiro 0,8 Por uma questão de dinheiro 0,8 Porque não é um problema de saúde grave 0,5 Porque é sempre atendido 0,9 É o procedimento mais correcto 1,3 Outro motivo32 1,3 Outro motivo33 Total 1,7 100,0 Total 45,0 38,4 100,0 Além da relevância destas conclusões, importa salientar outras, como a confiança que a população tem nos profissionais de saúde das instituições públicas. De facto, tornase significativo perceber que mais do que estar em causa uma satisfação com o atendimento, as pessoas manifestam uma inequívoca confiança com os serviços públicos de saúde. Por conseguinte, e já numa outra leitura, percebe-se os efeitos da Motivos como: não haver outra alternativa perto, ter os melhores equipamentos, ter que ser seguido pelo médico da empresa. 32 Motivos como: ter uma relação privilegiada com profissionais de saúde, os serviços médicos pertencem à empresa, porque é onde o seguro tem acordos. 33 42 existência de uma prestação de cuidados geral, universal e tendencialmente gratuita – bases actuais do Serviço Nacional de Saúde inscritas na Constituição da República Portuguesa (Cf. ponto 2 do artigo 64º) – ao comprovar o peso marginal que a posse, ou não, de dinheiro representa no acesso aos serviços de saúde (0,8% em ambos os casos), ou o facto de se ser ou não atendido (também com valores abaixo dos 1%) e a rapidez, comodidade e proximidade dos serviços (4,1% no caso de não urgência e 3,4% no caso de urgência).34 Concluindo, as práticas dos indivíduos na gestão da sua condição de doença evidenciam o lugar absolutamente periférico assumido pelas novas tecnologias, sobretudo nas situações em que se esperaria um aproveitamento das suas potencialidades como é o caso dos problemas de saúde considerados não urgentes. Os profissionais de saúde e os serviços públicos constituem-se, assim, como os recursos preferenciais numa sociedade que num curto espaço de tempo construiu uma relação de confiança com esses prestadores. Este debate tem uma pertinência inequívoca no actual contexto de reforma dos sistemas de saúde onde se repensa o lugar do Estado na prossecução das suas funções instituídas ao longo dos últimos 30 anos. Além dos trabalhos já existentes onde se discute os actuais desafios que se colocam ao sistema de saúde português, nomeadamente em termos da maior abertura que tem vindo a ser conferida aos prestadores privados em nome do sector público (Simões, 2004; Campos, 2008; Correia, 2010), escasseiam ainda conclusões sobre as implicações futuras desta intensa relação público-privada para o sistema de saúde português. Com os dados apresentados anteriormente, fica-se com uma noção clara quanto à importância de uma intervenção política ponderada nestas matérias, dada a dependência que a esmagadora maioria dos portugueses deposita nestas instâncias. Além disso, estamos perante aquilo que é associado a uma das conquistas da democracia, sendo perceptível a relação de proximidade e de confiança que as pessoas têm em relação às instituições públicas de saúde. 4.3. TIC E OUTRAS FORMAS DE APRENDIZAGENS EM SAÚDE Após as análises efectuadas até este ponto, é possível afirmar que o lugar ocupado pela bio-medicina não é posto em causa pela presença de novas tecnologias. No entanto, está ainda por explorar de um modo mais atento o recurso das pessoas a outras fontes de informação por intermédio das novas tecnologias. Estas podem ser interpretadas como formas de saber alternativas ou complementares à prática A pertinência destes últimos indicadores prende-se com as conhecidas dificuldades no acesso aos serviços de urgência, quer em centros de saúde, quer em hospitais. Portanto, mesmo sabendo os problemas que as pessoas irão encontrar, a opção continua a ser socorrerem-se desses prestadores porque confiam e sempre o aprenderam a fazer. 34 43 médica institucionalizada. É o caso concreto do associativismo cívico, como os grupos de auto-ajuda ou o recurso às chamadas medicinas alternativas. Na verdade, estes dois exemplos ilustram processos não coincidentes, pelo que importa proceder a uma discussão compartimentada entre ambos. A presença dos grupos de auto-ajuda remete para um debate mais amplo sobre o envolvimento activo dos indivíduos na participação institucional. O papel desempenhado pela cidadania reconhece aos actores, por igual, o poder de participação nos diversos processos de tomada de decisão e a capacidade de negociação com os referidos parceiros devido à modificação da estrutura institucional operacionalizada pelo próprio estado (Mozzicafreddo, 2002). Na base desta reconfiguração do modo como o Estado concebe o seu papel na relação com as pessoas estão conceitos como governância, assente no reforço do empowerment dos indivíduos (Friedman, 1996).35 A potencialidade, mas sobretudo necessidade, desta via de participação democrática faz-se sentir tanto maior for um contexto de crise financeira e, neste sentido, de retracç~o das funções instituídas pelos estados. Santos (1987) fala na “fal|cia de beveridge” para designar as contradições inerentes aos modelos de bem-estar assentes na universalização das funções sociais: se por um lado, a evolução tendencialmente crescente da aquisição de direitos sociais não acompanha os fluxos económicos e financeiros – cuja natureza é variável e instável –, por outro, é quando o Estado tem menos condições para assegurar as suas funções distributivas é que estas tendem a ser mais necessárias. Portanto, o actual momento que se vive, em que as premissas Keynesianistas há muito que deixaram de se verificar, tem deixado visível o espaço crescente para formas de acç~o “de baixo para cima”. Estas decorrem tanto do reconhecimento da falência de um modelo outrora centralizado “de cima para baixo”, como de níveis crescentes de franjas da população escolarizada e, neste sentido, potencialmente mais crítica. Estes desafios não estão hoje em dia circunscritos no espaço, embora se façam sentir com mais intensidade em países como os do sul europeu (ou junto ao mediterrâneo para se ser um pouco mais preciso), cujas características de bem-estar estão mal consolidadas, revelam-se demasiadamente onerosas para a produção de riqueza existente, continuam presas a interesses corporativos e/ou de sectores específicos da sociedade, estão excessivamente centralizadas na figura do Estado e espaços alargados à informalidade prejudicam o regime contributivo (e.g. Figueras, et al., 1994; Ferrera, 2000). Deixa-se aqui a referência a alguns autores de referência sobre a questão da participação dos indivíduos na construção e manutenção das formas institucionais (e.g. Habermas, 1992; Santos, 2002). Para uma revisão de literatura sobre esta questão propõe-se a leitura do texto de Serapioni e Sesma (2010). 35 44 O caso dos grupos de auto-ajuda respeita uma funcionalidade num sistema potencialmente disfuncional (Correia, 2007). Estes podem ser interpretados como manifestações de novos movimentos sociais (Kelleher, 2001; Tejerina, 2005) que visam criar alternativas às crescentes fragilidades sentidas na prestação de cuidados institucionalizada. Estas fragilidades fazem-se sentir devido a uma actividade pública cada vez mais assente em imperativos de ordem financeira – daí que se possa falar numa base de racionalização – (Mechanic e Rochefort 1996; Peck e Tickell 2002), sabendo que a actividade liberal privada não se assume como seu substituto. Por outro lado, esta capacidade de crítica traz também um diálogo para o domínio público sobre as falhas associadas a uma orientação médica voltada exclusivamente para a saúde — healthism (conceito aplicado por Glassner, 1989, em Kelleher, 2001: 122). Os grupos de auto-ajuda tendem então a ser entendidos como um reduto para estados de doença que não vêem um enquadramento na vertente institucionalizada de prestação de cuidados.36 Por seu lado, o recurso a medicinas alternativas conduz para toda uma outra construção conceptual. Partindo da reflexão de Clamote (2006), processos de globalização, ou seja, de efeitos de contágio mútuo entre as sociedades conduz a uma inevitabilidade da heterodoxia das configurações de pluralismo médico. Sem entrar em profundidade neste debate, importa, contudo, perceber que a própria categorização alternativa tem por base uma referência à regulação social decorrente da medicina bio-médica cujos seus referenciais não coincidem com o de outras formas de medicina.37 Portanto, a crescente presença de formas alternativas que hoje em dia existem para além da medicina baseada na ciência moderna resulta, em primeiro lugar, de configurações societais que até um dado momento não permitiram qualquer abertura a outras formas de conhecimento diferentes dessa. Em segundo lugar, entre estas formas de conhecimento sobre a etimologia e cura da doença estabelecem-se jurisdições de poder, de legitimidades e de legitimações, em que nuns casos pode haver uma incorporação daquilo que assume o significado do alternativo para o interior da prática médica habitual (como se começa a perceber no caso da acupunctura), enquanto noutros, a possibilidade é um aprofundar das diferenças e da concorrência por um lugar entre as práticas leigas (por exemplo, o estatuto assumido pelos curandeiros ou “endireitas”) (Cf. Cant, Sharma, 1999, op cit. Clamote, 2006). Neste sentido, o que se pretende perceber neste ponto é, por um lado, o lugar que estas duas formas de racionalidade externas à biomedicina – uma pelo envolvimento activo dos indivíduos na sua gestão da doença e a outra pela presença de formas A mero título de exemplo pense-se no caso de des-institucionalização que se tem vindo a verificar nas doenças psiquiátricas ou mesmo a quase total falta de institucionalização para doenças prolongadas e/ou terminais, mesmo apesar dos actuais esforços por consolidar a Rede Nacional de Cuidados Continuados (Vd. OPSS, 2007). 36 Esta questão remete uma vez mais para o trabalho de Foucault (1979) sobre a construção do lugar da medicina científica moderna nas sociedades contemporâneas. 37 45 plurais de concepção da doença – ocupam nas práticas da população portuguesa. Por outro lado, o objectivo centra-se também no papel das novas tecnologias no acesso a estas construções de racionalidade. Como se observa na tabela 10, o recurso a estas fontes apresenta um valor absolutamente residual nas práticas quotidianas dos indivíduos: 3,2% das pessoas já precisaram de recorrer a sites de grupos de auto-ajuda, enquanto 3,7% sites de medicinas alternativas. É de salientar que estes dados não permitem concluir sobre a efectiva incorporação da vertente não institucionalizada de cuidados nos domínios biomédicos, mas sobre a utilização da internet para aceder a estes espaços. Apesar da marginalidade que estes casos representam no total da amostra, tem interesse explorar os canais de informação que conduziram as pessoas para estes sites. Percebe-se que nos dois casos estão em causa pesquisas que se vão fazendo autonomamente. Com menor expressão surge a recomendação feita por familiares e amigos. Estes valores merecem a seguinte atenção: - Apesar da conhecida limitação existente em Portugal na generalização da prestação pública de cuidados, não há dos profissionais de saúde uma ligação aos espaços de auto-ajuda que permita um enquadramento para as condições de doença não cobertas pelo Serviço Nacional de Saúde; - Como seria de esperar, da parte das mesmas fontes não há indicações para outras formas de saber consideradas alternativas; - Total dependência do acesso a ambos os espaços por intermédio do acesso à internet. Esta conclusão deve ser lida como mais uma evidência do reforço da exclusão social produzida pelo não acesso às tecnologias de informação, considerando que é nas doenças crónicas e/ou terminais que a prestação pública de cuidados falha e que é a população mais idosa a que mais está sujeita a estas formas de doença. 46 Tabela 10 – Necessidade de recorrer a sites de grupos de auto-ajuda e de medicinas alternativas e motivo dessa pesquisa – valores absolutos Quem recomendou? Encontrei o site sozinho Recomendado por familiar/amigo Recomendado por médico Recomendado por profissional de saúde não médico Recomendado por terapeuta medicina alternativa Recomendado na rede social que faço parte Vi na comunicação social Outros38 Total Grupos de Auto-Ajuda 15 5 2 Medicinas alternativas 21 8 1 0 0 0 0 0 0 1 3 26 (3,2%) 0 0 30 (3,7%) Dado se tratarem de valores absolutos tão pouco significativos qualquer inferência estatística seria imprudente. De qualquer modo, o gráfico 13 permite perceber alguns contornos quanto à necessidade de se recorrer a estes dois tipos de sites em função dos diferentes perfis de utilizadores de internet. Recordando conclusões apresentadas aquando da interpretação do gráfico 11, constatou-se que apesar de uma convergência inequívoca quanto à confiança atribuída às várias fontes de informação, com um lugar de preponderância assumido pelos saberes profissionais seguindo por informações transmitidas por familiares e amigos, encontrou-se algumas nuances no perfil das pessoas com uma relação habitual com a internet. Entre eles encontraram-se as formas mais autonomizadas de relação com as fontes de informação, manifestando os valores mais altos de confiança em sites, redes sociais e jornais e mais baixos nos profissionais de saúde e associações de doentes. Gráfico 13 – Necessidade de recorrer a sites de grupos de auto-ajuda e de medicinas alternativas por perfis de utilizadores de internet - % 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 relação diária relação habitual não relação grupos de auto-ajuda 38 info-exclusão medicinas alternativas Professores e outras fontes institucionais. 47 Olhando então para o gráfico acima apresentado, percebe-se que são essas pessoas que mais utilizam os sites de grupos de auto-ajuda e de medicinas alternativas. Tratase, portanto, de duas manifestações complementares – uma, de maior crítica à biomedicina e outra, de maior recurso a outras fontes de informação – que deixam perceber ser dentro deste perfil que se encontra este pequeno sub-grupo onde se identificam manifestações de empowerment e de gestão mais autonomizada da condição de doença. É de reter que mais de 70% das pessoas que utilizam os sites de grupos de auto-ajuda consideram que esse acesso tem sido muito ou totalmente fundamental para resolver o problema que tinha, e que esse valor para os sites de medicinas alternativas situa-se perto dos 50%. Pense-se uma vez mais qual a franja da população que tem acesso a estes espaços e a parte que, por ventura, apresenta a maior necessidade da funcionalidade deste tipo de grupos e que está totalmente arredada do seu acesso (0,0% de pessoas no perfil de info-exclusão já recorreram a alguns destes sites). Os gráficos 14 e 15 permitem perceber qual a funcionalidade que as pessoas atribuem a estes sites. Como seria de esperar pela própria função a que se dedicam, é nos sites de grupos de auto-ajuda que se entende a importância da sua existência para um acesso mais rápido, autónomo, anónimo e confidencial. Em traços gerais, o que estes dados traduzem é que o acesso a estes meio de informação representa benefícios a vários níveis, mas com especial incidência sobre um aumento do conhecimento generalizado sobre o assunto a que se dedica. Em todo o caso, é inequivoco que o acesso a estes sites permite uma aquisição de conhecimentos sobre apoios e benefícios institucionais, bem como conhececer a legislação e direitos. Relativamente aos sites de medicinas alternativas, os resultados revelam uma menor preponderância da consulta do site para os vários indicadores em análise. Ainda assim, cerca de metade das pessoas que recorrem a estas fontes de informação consideram que esta constitui sempre ou muitas vezes a melhor forma de encontrar pessoas que estejam na mesma situação ou de obter informações através de experiências de outras pessoas. Gráfico 14 – A consulta do(s) site(s) de grupos de auto-ajuda é a melhor forma de… 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Nunca Poucas vezes Muitas vezes obter encontrar obter saber de apoios e informações pessoas que informações benefícios sobre o assunto a estejam na através da institucionais que se dedica mesma situação experiência de outras pessoas legislação e direitos Sempre 48 Gráfico 15 - A consulta do(s) site(s) de medicinas alternativas é a melhor forma de… 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Nunca Poucas vezes Muitas vezes obter encontrar obter saber de apoios informações pessoas que informações e benefícios sobre o assunto estejam na através da institucionais a que se dedica mesma situação experiência de outras pessoas legislação e direitos Sempre Em suma, a discussão apresentada neste ponto permitiu perceber que em Portugal os grupos de auto-ajuda e as medicinas alternativas ocupam um lugar residual nas aprendizagens em saúde. Isto, apesar da necessidade de emergência e consolidação de formas de associativismo em saúde, como um importante recurso que envolve formas activas e participativas de cidadania num contexto de retracção da prestação de cuidados públicos institucionalizados, além do inevitável e tendencial crescimento de formas plurais de saberes na gestão da saúde e da doença nas sociedades globalizadas. Com benefícios e prejuízos associados, a chamada medicina bio-médica concentra a quase totalidade de aprendizagens e de referenciação em saúde. No entanto, explorou-se um grupo restrito de pessoas onde se percebe haver uma relação mais autonomizada e crítica dos usos dos conhecimentos adquiridos e dos recursos informacionais existentes. Neste caso residual encontra-se uma exploração das potencialidades associadas à internet, principalmente no acesso aos grupos de auto-ajuda. Os resultados são claros quanto à funcionalidade que as novas tecnologias representam neste domínio, facilitando a aquisição de conhecimentos sobre esses assuntos, permitindo um acesso a fontes jurídicas e legais, como também facilitando a partilha de experiências. Em relação a este último argumento, e equacionando conclusões apresentadas em pontos prévios, a funcionalidade que estes espaços assumem a par de uma total ausência de utilização por parte da população mais velha – e que cumulativamente é aquela que está mais exposta a condições de doença descobertas pela prestação de cuidados institucionalizada – acentuam-se formas de exclusão social e deixa-se em condição desfavorável uma parte da população que, na grande maioria, depende em absoluto das contribuições do Estado. 49 5. AS TIC, OS UTENTES E OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE 5.1. AS TIC NA RELAÇÃO MÉDICO/DOENTE Em pontos prévios teve-se já a oportunidade de defender a necessidade de relativização da ideia que o acesso a novas tecnologias – de utilização autónoma, anónima e confidencial – conduz a um processo de autonomização crescente por parte dos indivíduos em relação às esferas institucionais para questões relativas à gestão da saúde e da doença. Neste sentido, é importante considerar que parte significativa das informações disponibilizadas por estas tecnologias provém ou remete para as esferas periciais, portanto, oriundas do espaço médico-científico. Além disso, viu-se em que medida a sua utilização não substitui a confiança construída ao longo de largas décadas no contacto directo com os profissionais de saúde, médicos em particular. Há muito que a literatura descreve a relação médico/doente como uma interacção assimétrica na informação que cada uma das partes detém, o que sustenta uma relação de dependência e de poder dos saberes profissionais sobre os saberes leigos. Ainda assim, não obstante esta estruturação nos papéis sociais em uso, importa equacionar a possibilidade de alterações e diversificação de comportamentos dentro da rigidez destas fronteiras (e.g. Strauss, et al, 1982). O objecto de análise neste ponto prende-se precisamente com a carência de informação sobre o modo como as novas tecnologias em saúde podem reconfigurar algumas fronteiras da relação médico/doente. O crescente cepticismo que populações tendencialmente mais escolarizadas manifestam sobre esferas periciais (Cf. Giddens, 1990), enquadra a ideia de uma fase da medicina em quebra de legitimidade. Esta é a posição de autores como Traynor (1996), Dent (2005) ou Turner (2006). O primeiro, considera que os esforços de redução da despesa na saúde estão relacionados com uma generalizada quebra de confiança na autoridade médica. Quanto ao segundo, a introdução da Comissão de Regulação das Profissões de Saúde no Reino Unido deve ser interpretada como um elemento de importância significativa para a quebra de confiança generalizada na medicina por parte da opinião pública. O último, aponta para ambiguidades e tensões da confiança leiga com os sistemas periciais, sendo essa uma característica das sociedades modernas. Um dos indicadores que melhor pode comprovar estes argumentos é perceber, em primeiro lugar, se as pessoas procuram uma segunda opinião e, em segundo lugar, a quem se socorrem para o fazer. Em termos médios, 32,3% (n= 245) das pessoas já consultou uma segunda opinião após um diagnóstico médico. Uma vez mais, a tendência é a sobre-representatividade em perfis mais jovens, escolarizados e com mais rendimentos, e a sub50 representatividade dos mais velhos, menos escolarizados e com menores rendimentos. Lido assim, estes números podiam legitimar um exemplo inequívoco de quebra de confiança (ou pelo menos desconfiança) nas informações transmitidas por médicos. Contudo, um olhar pelos valores apurados na tabela 11 permitem chegar a uma outra leitura. É contundente o valor de 79% das segundas opiniões serem pedidas a outros médicos (66% do sector privado e 13% do sector público). Isto significa que a aceitar-se o argumento de que a modernidade vive um momento de quebra de confiança em relação aos sistemas periciais, deve-se ter presente que isso não opera um qualquer processo de autonomização da parte dos saberes leigos. Perante a dúvida, a solução passa por obter outras opiniões dentro do sistema pericial. Neste sentido, uma boa interpretação do modo como os indivíduos se relacionam com estes sistemas periciais é perceber que o tendencial conhecimento adquirido por franjas crescentes da população permite uma diversificação de escolhas, mas dentro do próprio sistema que sempre dependeu. Percebe-se que não é decorrente do uso das novas tecnologias que se justifica este cepticismo e consequente necessidade de outras fontes de informação. Quanto muito, as tecnologias fornecem os meios necessários à consulta de informações complementares, mas num registo que raramente visa a substituição dos saberes instituídos. Além disso, é significativo perceber que apesar da utilização do sector privado ser marginal (cf. gráfico 12), acaba por ser o principal recurso de informação em caso de dúvida. Analisando os resultados por perfil, percebe-se que o grupo onde tende a haver uma ligeira diversificação das fontes para pedir uma segunda opinião é entre as pessoas que, não tendo uma relação diária com a internet, manifestam os níveis de confiança mais elevados nas fontes de informação online e que exprimem uma relação mais crítica com a dependência médica: grupo 2/”relaç~o habitual com a internet”. 51 Tabela 11 – A quem se pede uma segunda opinião (%) Relação diária Relação habitual Não relação Info-exclusão Consulta outro médico particular Consulta outro médico do SNS Faz pesquisas na internet Procura a opinião de familiares, amigos e conhecidos Procura grupos de apoio e ajuda Procura grupos de apoio e ajuda na internet Consulta um terapeuta/profissional de medicinas alternativas Recorre a um farmacêutico Procura livros e publicações sobre o problema em causa Recorre a serviços de saúde no estrangeiro Outra opção Total Média 75,0 58,0 66,0 68,0 66,0 11,0 13,0 14,0 15,0 13,0 3,0 10,0 4,0 2,0 6,0 6,0 11,0 14,0 10,0 11,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 3,0 0,0 1,0 0,0 1,0 0,0 2,0 0,0 0,0 1,0 0,0 2,0 0,0 0,0 1,0 0,0 1,0 1,0 0,0 1,0 0,0 0,0 0,0 2,0 0,0 1,0 2,0 0,0 2,0 1,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Comprovada a ideia que embora mais exposta a avaliações e críticas, a medicina mantém o seu lugar na estruturação da relação que os indivíduos constroem com a sua saúde e doença, pretende-se analisar o papel que o recurso a novas tecnologias pode assumir na tradicional interacção médico/doente. Quando perguntado se as pessoas costumam fazer pesquisas sobre saúde antes de uma consulta médica, apenas 6,3% (n=51) dizem fazê-lo. Um dado curioso é que os médicos a quem os doentes mais dizem que efectuam pesquisas são àqueles com quem têm mais confiança e uma relação mais prolongada: médico assistente (valor médio de 2,6) e médico de especialidade em consulta no hospital/clínica (valor médio de 2,5). De facto, estes valores baixam em relação a médicos da urgência hospitalar (2,1) ou com profissionais de saúde de serviços de apoio médico (1,9).39 Os dados sobre os motivos para estes resultados são ilustrativos dos argumentos atrás referidos, tanto sobre o lugar central ocupado pela medicina na referenciação e aprendizagens em saúde, como a não emancipação dos indivíduos por intermédio do uso da internet: a maioria das pessoas que fazem pesquisas online antes de ir ao Valores médios apurados numa escala de tipo ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca diz” e 4 a “diz sempre”. 39 52 médico dizem que, apesar de tudo, confiam na opinião do médico. Apenas um número residual de pessoas (n=8) afirma que faz essas pesquisas e informa o médico sobre isso para o confrontar com informações adicionais que não tinham sido transmitidas por ele. Contudo, mesmo estes casos não podem ser tomados como uma manifestação de empowerment dos indivíduos relativamente aos profissionais de saúde. Percebe-se que se trata de uma posição crítica em relação a informações periciais, não indicando se estas situações potenciam a emergência de outras fontes de saber que não as da bio-medicina. Um outro indicador que corrobora esta conclusão diz respeito aos motivos que mais potenciam a procura de informação na internet sobre saúde. Informações adquiridas em programas ou notícias televisivas foram indicadas como o motivo que mais vezes justifica consultas na internet (valor médio de 2), e só depois outros, tais como, pesquisas após consultas médicas (1,76), antes de consultas médicas (1,68) ou ao ler comentários em fóruns de discussão online ou redes sociais (1,62)40. Deste ponto de vista, não se deve associar as pesquisas efectuadas sobre estes temas a manifestações de descrédito ou desconfiança em relação às informações transmitidas por médicos, nem tão pouco para aceder a uma base de conhecimento prévio que diminua a assimetria de informação típica na relação médico/doente. Tabela 12 – Casos em que médicos tenham recomendado ou desaconselhado o uso de internet para pesquisas sobre problemas de saúde (%) Médico de especialidade em consulta Recomendou 3,9 Desaconselhou 2,6 Médico assistente do centro de saúde 3,2 2,5 Médico assistente privado Médico de especialidade em urgência hospitalar 2,9 2,3 2,6 2,2 Serviços médicos por telefone 2,2 2,8 A par destes resultados, os dados que se seguem permitem perceber então o lugar que a internet ocupa na relação médico/doente: tabela 12. Apenas uma parte residual de pessoas afirma que os médicos, nos vários contextos/especialidades, recomendaram ou desaconselharam o uso da internet para pesquisas sobre problemas de saúde que os afectam. Mais do que significar que os médicos se opõem à utilização destes novos recursos, percebe-se que estes ainda não ocupam uma parte de relevo na interacção com o doente. Ainda assim, tende a ser mais comum os médicos recomendarem essas pesquisas do que desaconselharem. Os motivos mais referidos em caso de desaconselhamento médico são a falta de conhecimentos Valores médios apurados numa escala ordinal tratada como quantitativa, em que 1 corresponde a “nunca” e 4 a “sempre”. 40 53 necessários para filtrar a informação recolhida e a falta de credibilidade da informação existente. Em suma, estes dados traduzem que as potencialidades associadas à internet não tendem, por enquanto, a reconfigurar as lógicas instituídas na interacção médico/doente. É um facto que os utentes manifestam, hoje em dia, uma maior atenção e vigilância sobre os profissionais de saúde. Contudo, a consequência de populações mais escolarizadas não evidencia uma quebra de confiança nos tradicionais sistemas periciais, ideia muitas vezes empolada pela existência de meios de acesso a informações democratizados. A atenção e vigilância ganham expressão em estratégias de obtenção de informação diversificada, mas dentro do próprio sistema pericial da medicina (com o recurso a informações de outros médicos) e não em outros espaços potencialmente concorrentes ou indicativos de reconfigurações sociais profundas. Não é, portanto, à existência de outras fontes de informação, incluindo as de uso autónomo e potencialmente emancipador, que se devem estas formas de diversificação da referenciação em saúde. Prova inequívoca do lugar ocupado pela internet é o facto de os profissionais não darem expressão à sua utilização, quer recomendando quer desaconselhando o seu uso. Daí se afirmar que as mudanças tecnológicas emergentes não são ainda identificadas em eventuais processos de recomposição das tradicionais lógicas de estruturação em saúde por parte dos utentes. 5.2. QUE ESPAÇO PARA NOVOS RECURSOS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE? É do conhecimento geral algumas dificuldades existentes no acesso aos prestadores de cuidados públicos de saúde, nomeadamente em situações percepcionadas pelas pessoas como urgentes e em especial em determinadas valências do SNS, como o caso das urgências hospitalares ou de consultas na rede de cuidados primários. Por conseguinte, o aspecto que se pretende analisar neste último ponto diz respeito à receptividade da população portuguesa para a disseminação de novos canais de informação sobre saúde e que, portanto, permita aos utentes do SNS a diversificação das tradicionais formas de comunicação com os profissionais e com o próprio sistema de saúde. Esta questão prende-se directamente com a possibilidade de reforçar meios de comunicação mais individualizados de relação das pessoas com os interlocutores em saúde, indo para além da tradicional interacção presencial médico/doente. É importante reter que se fala em meios individualizados e não em meios autonomizados por não estar em causa nenhuma forma de emancipação no sentido do empowerment atrás referido. A pertinência destes resultados reside em saber até que ponto existe espaço para um alargamento da utilização dos serviços de saúde 54 através de meios que poderiam descongestionar os habituais centros de aglomeração dos utentes do SNS. Quando questionadas sobre a possibilidade de deixarem de ir a uma consulta médica se tivessem apoio médico mais rápido por outros meios de informação as respostas das pessoas são contundentes (ver tabela 13). Tabela 13 – Substituição de consultas médicas por outras fontes de informação médica (%)41 Relação diária Relação habitual Não relação Infoexclusão Média Atendimento via telefone/telemóvel 23,6 20,8 21,6 9,9 19,2 Resposta a dúvidas através de mensagens escritas do seu telemóvel 23,4 20,4 12,5 3,6 14,7 Resposta a dúvidas através de mensagens de correio electrónico 22,0 16,7 5,4 1,8 10,6 Resposta a dúvidas através de mensagens instantâneas 19,7 14,8 6,2 2,4 10,1 Uma vez mais, os dados são analisados em função dos perfis sociográficos definidos, o que permite uma leitura mais fina da possibilidade de substituição de consultas médicas por outras fontes de informação médica entre os vários estratos e grupos sociais. O recurso que tende a ter mais condições de ser aceite pelos portugueses é o atendimento médico por telefone, com cerca de 1/5 das pessoas a afirmar que por esse meio substituiria a tradicional consulta médica. Percebe-se que esta opinião reúne alguma consensualidade entre os vários perfis: deste os mais novos e mais escolarizados até às pessoas com idades até aos 55 anos e com níveis de escolaridade que vão desde os níveis mais baixos até a níveis intermédios. Há, no entanto, um reverso da medalha. O perfil das pessoas mais velhas, com menos recursos e sem níveis de escolaridade – info-exclusão – que, como vimos representa 21,6% da população portuguesa, assume uma posição desconfiada e resistente a esta mudança. Em relação às restantes alternativas às consultas médicas, a tendência encontrada está dependente da relação que se tem com a utilização tecnológica. Quer isto dizer que o espaço para as respostas a dúvidas por intermédio de mensagens escritas, por correio electrónico e por mensagens instantâneas tende a ser mais possível quanto mais habitual for a rotinização tecnológica. Mesmo assim, o valor médio para qualquer uma destas possibilidades aponta para uma menor alternativa destes meios se assumirem como substitutos ao contacto directo com os profissionais. Estes valores correspondem { percentagem de pessoas que respondeu “sim” quando perguntado se alguma vez substituiria consultas médicas por outras fontes de informação médica. 41 55 Já noutra vertente de discussão, deve-se equacionar que a utilização de qualquer um destes recursos tem que lidar com a construção de subjectividades e racionalidades leigas sobre os significados que os indivíduos atribuem à doença. O que fazer e quando fazer são dimensões intrínsecas influenciadas por um conjunto mais ou menos vasto de influências sociais derivadas de experiências passadas, de informações oriundas dos sistemas periciais e de aprendizagens de natureza prática que complexificam esses entendimentos (Harding, Nettleton, Taylor, 1990). Neste sentido, e considerando que cerca de 89% das pessoas afirma que a utilização de alguns destes novos canais de informação depende do problema de saúde, percebe-se a variabilidade que existe intrinsecamente a essas escolhas. Simplificando, a ideia que o reforço de novos meios de informação que permitam desconcentrar o fluxo dos utentes do SNS não deve ignorar que a sua utilização depende de aprendizagens e de percepções sobre a severidade dos sintomas. Portanto, em última análise, há sempre uma dimensão subjectiva na avaliação da doença que as políticas públicas não podem ignorar sob pena de não compreensão dos motivos para determinadas opções na gestão que as pessoas fazem da sua saúde e doença. Por conseguinte, os prestadores de cuidados e os produtores legislativos devem entender os utilizadores em saúde não apenas como receptáculos de mudanças produzidas numa esfera situada acima deles, dado que eles são parte activa dessa produção: por exemplo, ir ou não ao hospital, ou fazer ou não o que o médico recomendou. Este argumento expõe, então, a necessidade que representa o ensinamento e a aquisição de literacias em saúde, entendidos enquanto estratégia de aprendizagem de longa duração. Regressando à questão da utilização tecnológica em saúde, analisa-se agora o recurso a serviços médicos online disponibilizados pelas instituições de saúde em Portugal. Apesar do reconhecido atraso das mudanças tecnológicas em Portugal (Cardoso e Carvalho, 2006), dados recentes apontam para uma inequívoca alteração das instituições públicas de saúde no sentido da sua modernização tecnológica (e.g. Espanha, 2010). Trata-se da materialização do conceito e-health presente entre a generalidade dos países europeus (e.g. WHO, 2008), o qual representa a introdução de ferramentas, tanto para as autoridades como para os profissionais e utentes, e que permitam facilitar a transmissão de informação e comunicação (Cf. União Europeia, 2004, op. cit. Espanha, 2010: 3). Olhando para o conjunto de dados que abaixo se apresenta, percebe-se que, não obstante a referida aposta nas políticas de modernização tecnológica dos hospitais, as práticas dos utentes continuam a mostrar o peso residual destas mudanças na relação das pessoas com os prestadores de cuidados de saúde. O esclarecimento de dúvidas e a marcação de consultas é o recurso tecnológico mais adoptado pelos portugueses, embora tenha sido apenas utilizado respectivamente por 7% (n=56) e 6,5% (n=52) das pessoas. Estes valores ganham especial relevância sabendo que, por exemplo, 84% dos hospitais portugueses em 2008 dispunham de marcação de tratamentos e consultas por intermédio da internet (Cf. INE, 2008 no Inquérito à Utilização de TIC nos hospitais, op. cit. Espanha, 2010: 9). 56 Gráfico 16 – Serviços médicos online já utilizados (%) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 6,5 marcação de consultas online 4 2,2 7 marcação de pedidos de esclarecimento de exames de receitas médicas dúvidas online diagnóstico online online 3,4 outro serviço médico online Quando questionadas sobre o motivo para a não utilização destes recursos as respostas mais recorrentes foram – tabela 14: 29,6% diz não ter necessitado; 16,4% que não sabe usar a internet; 15,4% que não tem confiança nestes serviços; 12,5% que não faz ideia do que sejam. A leitura que se retira destes dados remete novamente para a questão da construção das subjectividades. Ou seja, o facto de praticamente 1/3 das pessoas afirmar que não necessitaram desse recurso, embora já tenham recorrido a serviços de saúde, significa, antes de mais, que estes serviços não são considerados como necessários em relação àquilo que sempre foram as práticas rotinizadas pelas pessoas. Ora, é aqui que reside um aspecto fundamental na tomada de decisão política: se é verdade que a utilização destes serviços é mais cómodo e rápido do que implicar a deslocação física aos serviços de saúde, por outro lado, também é verdade que não é pela sua simples existência que as pessoas vão percepcionar isso como um ganho para a sua vida quotidiana. Daí que anteriormente se tenha dito que importa apostar em programas continuados de aprendizagem em saúde, considerando um tempo necessariamente alargado para a alteração efectiva de comportamentos. De facto, a falta de confiança, o desconhecimento sobre esses recursos e que estavam à disposição dos utentes apontam para a necessidade efectiva de programas de sensibilização e promoção destas soluções. 57 Tabela 14 – Motivo pela não utilização de serviços médicos online (%) 42 Não necessitei 29,6 Não sei usar a internet 16,4 Não tenho confiança 15,4 Não faço ideia o que sejam essas coisas 12,5 Não sabia que existia 11,8 Não tenho internet 9 Sei que não existe nos locais de prestação de cuidados de saúde 3,1 Falta de hábito 1,3 Outro motivo Total 0,9 100,0 Este nível das percepções permite ainda perceber um outro argumento reiterado numa fase inicial desta análise. Aquando da apresentação dos perfis sociográficos de utilizadores de internet afirmou-se que o não acesso a esta tecnologia deveria ser interpretado também como uma não necessidade por parte das pessoas que não estão habituadas a lidar com isso e, consequentemente, a perceber as potencialidades daí decorrentes. Simplificando esta ideia, não resulta pôr à disposição das pessoas recursos que estas não entendam a sua função. Isso torna-se claro nos valores agora apresentados nesta tabela. Sabe-se que entre os perfis de não utilizadores de internet e de info-excluídos estão mais de 50% da população. No entanto, apenas 16,4% justifica que nunca usou aqueles recursos por não saber usar internet e 9% por não ter internet. Este desfasamento indica que no interior destes grupos parte substancial das pessoas nem sequer compreende o que significaria esses recursos para a melhoria da sua vida. Como se percebe, é sobretudo entre as pessoas que sabem o que é a internet que pode haver uma consciência sobre os ganhos que esta possibilita. É precisamente isto que se conclui do gráfico 17. Para todos os recursos considerados encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os 4 perfis (Qui-Square <0,05). A grande regularidade é que entre os perfis das pessoas com uma relação diária e habitual com a internet há uma disponibilidade significativa para todo um conjunto de usos de e-health, numa clara oposição com os resultados encontrados para os perfis das pessoas com uma não relação com a internet ou em situação de infoexclusão. Nestes casos, a existência destes recursos pouco levaria à sua utilização. Um breve olhar sobre os valores médios das respostas permite perceber que, entre os recursos que as pessoas mais reconheceriam como importantes e que, nesse sentido, utilizariam, encontra-se o envio de SMS para lembrar a marcação de Não foi sugerida nenhuma possibilidade de resposta ao inquirido, assinalando-se a sua primeira resposta. 42 58 consultas/exames (58,8%), seguido do envio de SMS’s para lembrar a toma da medicação (para 49,9%). Corroborando o que se afirmou anteriormente, voltam-se a encontrar evidências estatísticas entre estes perfis para as seguintes questões: “estes recursos não viriam mudar em nada a minha vida” (Anova, sig =0,000); “não sinto necessidade destes recursos” (Kruskal-Wallis, sig=0,000); “são recursos muito úteis para a melhoria da qualidade da prestação de cuidados médicos” (Kruskal-Wallis, sig=0,005). Na senda do que foi dito anteriormente, é apenas entre os estratos sociais cuja socialização foi mais próxima da utilização tecnológica, com níveis de escolaridade mais elevados e os mais jovens que se considera que a vida melhorou em função dessas utilizações e que as alterações daí decorrentes melhoraram a própria qualidade da prestação de cuidados médicos. 59 Gráfico 17 – Interesse na utilização de vários recursos de e-Health consoante os perfis sociográficos (%) 60 6. 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